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1
Paulo Melgaço da Silva Junior
Corpos, escola & sexualidades: um olhar sobre um programa de orientação sexual
Rio de Janeiro
2008
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educação e Humanidades
Faculdade de Educação da Baixada Fluminense
Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação, Cultura e
Comunicação em Periferias Urbanas
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2
Paulo Melgaço da Silva Junior
Corpos, escola & sexualidades: um olhar sobre um programa de orientação sexual
Dissertação apresentada, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em Educação,
Cultura e Comunicação em Periferias
Urbanas da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. Área de concentração: Educação,
Escola e Sujeitos Sociais.
Orientador: Prof. Dr. Antonio Flavio Barbosa Moreira
Rio de Janeiro
2008
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3
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CEHC
Autorizo apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação.
___________________________________ _______________
Assinatura Data
S586 Silva Junior, Paulo Melgaço da
Corpos, escola & sexualidades: um olhar sobre um programa de
orientação sexual / Paulo Melgaço da Silva Junior, 2008.
155f.
Orientador: Antonio Flavio Barbosa Moreira.
“Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e
Comunicação em Periferias urbanas da Universidade do Rio de Janeiro.
Área de concentração: Educação, Escola e Sujeitos Sociais.”
1. Orientação sexual I.Moreira, Antonio Flavio Barbosa II.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Educação da
Baixada Fluminense. III. Título
CDU392.63
4
Paulo Melgaço da Silva Junior
Corpos, escola & sexualidades: um olhar sobre um programa de orientação
sexual
Dissertação apresentada, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em Educação,
Cultura e Comunicação em Periferias
Urbanas da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. Área de concentração: Educação,
Escola e Sujeitos Sociais.
Aprovado em 18 de dezembro de 2008
Banca Examinadora: _____________________________________________________
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Flavio Barbosa Moreira (Orientador)
Centro de Teologia e Ciências Humanas da UCP
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Henrique Garcia Sobreira
Faculdade de Educação da Baixada Fluminense da UERJ
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Paulo da Moita Lopes
Faculdade de Letras da UFRJ
Rio de Janeiro
2008
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, sempre presente em todos os momentos, por ter enviado seu melhor
representante para ser meu orientador nesta trajetória.
Ao Amigo/Orientador/Professor Dr. Antonio Flavio, pelos maravilhosos
momentos que passamos juntos durante a elaboração deste trabalho. Seu enorme
conhecimento, sua experiência, segurança, simplicidade e prazer em compartilhar, sua
paciência foram de fundamental importância para o desenvolvimento desta pesquisa. Suas
aulas, nossos encontros, nossas conversas foram verdadeiras lições de vida que jamais
poderão ser esquecidas. De coração o “meu muito obrigado”!
Ao Prof. Dr. Henrique Sobreira por sua dedicação ao programa de mestrado e
principalmente por ter aceitado carinhosamente a missão de estar presente nos meus
momentos decisivos na FEBF: banca de ingresso, exame de qualificação e banca de defesa,
trazendo sempre importantes contribuições.
Ao Prof. Dr. Luiz Paulo da Moita Lopes, pelas ricas discussões que em muito
contribuíram para a compreensão do tema, pela disponibilidade em ensinar, por me fazer
acreditar que era possível (até entender inglês), pela participação na banca de qualificação e
de defesa deste trabalho, na qual seu olhar ampliou as possibilidades e trouxe novas
perspectivas.
À Profa. Dra. Jane Felipe, pelas discussões, atenção e carinho, meus sinceros
agradecimentos.
À Profa. Dra Vera Candau, pela disponibilidade e gentileza com que me recebeu
como aluno especial no curso Tópicos de Didática na PUC/RJ, cujas discussões em muito
contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho.
Aos/Às Professores/as do Programa de Pós-Graduação, em especial, Dinair Leal,
Henrique Sobreira, Isabel Brasil, Silvia Pimenta e Sonia Mendes cujas contribuições
encontram-se presentes neste trabalho.
Ao Secretário do Programa Sandro Hilário, pela gentileza, disponibilidade, atenção
e desprendimento sempre presente.
6
Aos/Às meus/minhas amigos de mestrado, com os quais aprendi muito
principalmente nos momentos de angústia, dor e ansiedade, em especial Yvone Souza e
Alexandre de Castro que se tornaram irmãos neste último ano.
Às implementadoras, oficineiras, professores/as, e alunos/as envolvidos neste
trabalho.
Às amigas e professoras Ana Lucia Diniz, Gizelda Aniceto e Luciane Nascimento,
pelo desprendimento e credibilidade.
7
Se a educação e as pedagogias que ela oferece puderem ‘navegar as fronteiras
culturais’ do sexo e se puderem fazê-lo de forma a problematizar e a pluralizar, parte de
nosso trabalho, então, deve constituir em repensar a representação e os discursos de
identidade, do conhecimento e do poder cultural que circulam nas escolas e no aparato
saber/poder. Isso significa, por um lado, compreender as sexualidades em tantos termos
quanto possíveis e ainda assim conseguir assinalar as sexualidades como algo que é
moldado na linguagem e na conduta.
Deborah Britzman
8
RESUMO
SILVA JUNIOR, Paulo Melgaço. Corpos, escola & sexualidades: um olhar sobre um
programa de orientação sexual. Dissertação (Mestrado em Educação Comunicação e Cultura
em Periferias Urbanas). Faculdade de Educação da Baixada Fluminense. Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
O presente estudo pretende investigar como o Projeto “Saúde nas Escolas” proposto pela
Secretaria Municipal de Educação em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de
Duque de Caxias foi recebido e desenvolvido por uma Escola da Rede Municipal. Buscou
detectar como a Escola planeja e desenvolve seu programa de orientação sexual e se este
vem proporcionando aos/às alunos/as possibilidades plurais de construção de suas
identidades sexuais e do exercício de suas sexualidades. A geração de dados se fez por meio
de análise documental, entrevistas, questionário, observação e grupo focal. Levantou
opiniões de 3 implementadoras, 3 responsáveis por ministrar oficinas, 2 orientadoras
educacionais, 1 diretora de escola, 8 professores/as e 6 alunos/as. A análise dos resultados
permitiu identificar a preocupação em desenvolver um programa de orientação sexual
centrado no direito, respeito ao próximo e na cultura, enfatizando a importância do cuidado
de si, da saúde e da prevenção de doenças, assim como as múltiplas possibilidades da
sexualidade entre os/as jovens. Este estudo apoiou-se principalmente na concepção de
identidade na pós-modernidade de Stuart Hall; na visão socioconstrucionista de identidade
desenvolvida por Luiz Paulo da Moita Lopes e Tomaz Tadeu da Silva; nos conceitos de
sexualidade desenvolvidos por Deborah Briztman, Guacira Louro, Jeffrey Weeks e Judith
Butler; nos modos de pensar as masculinidades de Elisabeth Badinter e Robert Connell. A
pesquisa constatou que o discurso e a prática preconizados pelo projeto “saúde nas escolas”,
assim como o programa de orientação sexual, além de investirem na promoção da saúde,
visam fornecer subsídios que apóiam a construção das identidades sexuais e autonomia no
exercício das sexualidades.
Palavras- chave: Sexualidade. Programa de Orientação sexual. Identidade. Masculinidade.
9
ABSTRACT
This study aims at investigating how “Health at Schools” project, which is proposed by
Caxias` Education Secretariat, in association with Health Secretariat, was accepted and
developed by a government school. It attempted to understand how the school plans and
develops its sexual educational program and if it offers the students a range of possibilities
so that they can construct and experience automously their sexual identities. The data were
collected by documental analysis, interviews, questionaries, observation and focus groups.
It verified opinions of the three planners, three workshop leaders, two educational
counselors, one school director, eight teachers and six students. The analysis of the results
allowed us to identify a concern in developing a sexual orientation program focusing on
human rights, respect towards the others and culture emphasizing self care, health care
and disease prevention, as well as, multiple sexuality possibilities among youth. This
research was mainly based on Stuart Hall´s identity conception, Luiz Paulo Moita Lopes`
and Tomaz Tadeu da Silva`s socioconstructivist identity approach, Deborah
Britzman`s,Guacira Louro`s, Jeffrey Weeks`and Judith Butler`s sexualities conceptions, as
well as Elizabeth Badinter`s and Robert Connell`s ways of thinking masculinities. The
study concluded that both discourse and practice emphasized during the development of the
“Health at Schools” project and Sexual Orientation Program, besides aiming at health
quality, also meant to promote sexual identity construction and sexual experiences.
Key Words: Sexualities. Sexual orientation program. Identities. Masculinities
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
1
ABGLT Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis
ABIA Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS
AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
ANDI Agência de Noticias dos Direitos da Infância
CEEPC Coordenadoria de Esportes Educacionais e Programas Comunitários
DST Doença Sexualmente Transmissível
GGB Grupo Gay da Bahia
GLS Gays, Lésbicas e Simpatizantes
GLBTTS Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Simpatizantes
HIV rus da Imunodeficiência Humana
HSH Homens que praticam Sexo com Homens
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério de Educação e Cultura
OMS Organização Mundial de Saúde
ONG Organizações Não Governamentais
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PSE Programa de Saúde nas Escolas
SME Secretaria Municipal de Educação
UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro
1
As siglas que constam desta lista são as que aparecem com mais freqüência no corpo deste trabalho. Assim, algumas não
constarão nesta relação.
11
DEDICATÓRIA
À minha esposa Rose Mary Melgaço, meus filhos Matheus
Paulo e Amanda, pelo exercício de compreensão e solidariedade
durante a realização deste trabalho e, principalmente, por
transformarem os “meus sonhos” em “nosso sonho”, abdicando
de diversos momentos de família em prol deste trabalho.
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11
1 CORPOS SOCIALMENTE CONSTRUIDOS: - QUEM É O NOVO SUJEITO
20
1.1
Introdução .....................................................................................................................
20
1.2
O nascimento das subjetividades ................................................................................
21
1.3
Sexo e sexualidade......................................................................................................... 26
1.4
Identidades sociais de gênero....................................................................................... 28
1.5
Identidades sexuais....................................................................................................... 32
1.6
Matrizes de sexualidade: a inclinação do desejo sexual............................................
1.7
Políticas de masculinidades: repensando masculinidade e
masculinidades..............................................................................................................
1.8
Identidades subalternas ou marginalizadas...............................................................
1.9
Políticas de identidades................................................................................................ 46
1.10
A homossexualidade como política de identidade...................................................... 48
2 CORPOS EDUCADOS: A ESCOLA E O CURRÍCULO EM BUSCA DE
UMA EDUCAÇÃO PARA A SEXUALIDADE.........................................................
57
2.1
Introdução......................................................................................................................
57
2.2
Escola como espaço para discussão sobre sexualidade..............................................
57
2.3
Repensando algumas tentativas de introdução da orientação sexual nos
programas escolares no Estado do Rio de Janeiro.....................................................
62
2.4
Educação sexual, orientação sexual ou educação para a sexualidade? Qual a
abrangência destes termos?: Em busca de uma educação para a vida....................
68
2.5
Como a sexualidade está aparecendo nos currículos escolares: uma relevante
reflexão...........................................................................................................................
70
2.6
Sexualidade e currículo................................................................................................ 71
3 CORPOS EM EVIDÊNCIA: OS SUJEITOS DA PESQUISA................................. 74
3.1
Corpos, Educação & Saúde: Uma proposta oficial no Município de Duque de
13
Caxias............................................................................................................................. 74
3.2
Procedimentos metodológicos da pesquisa................................................................. 80
3.3
Escola Nós do Morro.....................................................................................................
81
3.4
O Corpo docente............................................................................................................
84
3.5
A Escola e o Programa de Orientação Sexual............................................................ 85
3.6
Instrumentos de Pesquisa............................................................................................. 86
3.6.1
Entrevistas.......................................................................................................................
87
3.6.2
Questionário....................................................................................................................
87
3.6.3
Observação......................................................................................................................
88
3.6.4
Grupo focal.....................................................................................................................
88
3.7
Geração de dados ........................................................................................................ 89
3.7.1
Entrevistas.......................................................................................................................
89
3.7.2
Questionário....................................................................................................................
89
3.7.3
Observação......................................................................................................................
89
3.7.4
Grupo focal.....................................................................................................................
90
3.8
Tratamento dos dados.................................................................................................. 90
4 CORPOS EM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO: ANÁLISE DOS AVANÇOS E
LIMITAÇÕES DO PROJETO ‘SAÚDE NAS ESCOLAS’ E O PROGRAMA
DE ORIENTAÇÕES SEXUAL DA ESCOLA NÓS DO MORRO..........................
91
4.1
Caracterizando os sujeitos da pesquisa.......................................................................
91
4.2
O programa de Orientação Sexual: uma reflexão com base nas propostas e
expectativas das implementadoras e responsáveis pelas oficinas.............................
93
4.3
O Programa de Orientação Sexual com base no ponto de vista das oficineiras
que desenvolvem o trabalho.........................................................................................
96
4.4
A Escola e o programa de orientação sexual.............................................................. 98
4.5
Será que o projeto favorece abre espaço para a autonomia do/da estudante no
processo de construção e legitimação de sua identidade sexual?..............................
105
4.6
Entraves e retrocessos...................................................................................................
112
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 115
REFERÊNCIAS............................................................................................................
120
14
ANEXO A...................................................................................................................... 128
ANEXO B.......................................................................................................................
129
ANEXO C...................................................................................................................... 130
ANEXO D...................................................................................................................... 131
ANEXO E.......................................................................................................................
133
ANEXO F ......................................................................................................................
134
11
INTRODUÇÃO
Homem não chora nem por dor nem por amor
E antes que eu me esqueça
Nunca me passou pela cabeça lhe pedir perdão
E só porque eu estou aqui ajoelhado no chão
Com o coração na mão, não quer dizer
Que tudo mudou, que o tempo parou, que você ganhou
Meu rosto vermelho, molhado,
É só dos olhos pra fora
Todo mundo sabe que homem não chora.....
(Frejat: “homem não chora”)
A letra da música escrita pelo compositor Frejat traz à tona um discurso
disseminado e reconhecido pelo senso comum, que constrói a identidade sexual masculina
como correspondendo ao homem forte, competitivo, ativo, empreendedor, sedutor,
conquistador, vencedor, capaz de dominar todas as situações. Assim, com base nesse
discurso, diversos homens moldaram, ao longo dos anos, suas identidades, procuraram ser
reconhecidos conforme a visão dominante e negaram ou esconderam diversas nuances de
suas personalidades para se adaptarem às regras impostas pela concepção de masculinidade
hegemônica
2
(Connell, 1995, 2000) e para se enquadrarem no modelo padrão legitimado
pela sociedade homem/branco/heterossexual (Bourdieu, 1995).
Então, o que pensa um adolescente do sexo masculino ao ouvir este discurso?
Como se vê quando sente vontade de chorar, ou até mesmo quando sente vontade de revelar
seus desejos, suas angústias para outras pessoas? E uma adolescente do sexo feminino,
como se vê e se coloca diante deste homem padrão? Como os conceitos de ser homem e de
ser mulher são construídos? Que significados de masculinidade e feminilidade são
produzidos com base em práticas discursivas? Será que a escola participa, de alguma
forma, no processo de construção das identidades sexuais? Será que a escola pode auxiliar
na desconstrução de práticas discursivas hegemônicas?
2
Deve-se ressaltar que pensar em masculinidade hegemônica é pensar em uma versão de algo que foi criado, construído,
imaginado e disseminado a partir do discurso e que, a cada momento, busca ser consolidado nas performances de
masculinidades.
12
O século XXI trouxe à tona novos paradigmas. A contemporaneidade não acredita
mais no sujeito centrado, coerente, equilibrado, racional, construído de forma homogênea,
como o sujeito moderno. É o momento no qual diversos sujeitos sociais passam a
reivindicar seus direitos e a marcar sua posição em busca da legitimação e reconhecimento
de suas identidades sociais.
Em função deste momento social, tomaram corpo os estudos de gênero, etnia,
classe social e sexualidade, que se iniciaram nas décadas de 1960 e 1970, com base nos
estudos sobre mulheres e suas ações sociais (Louro, 1995). Assim, inspirados nos grupos
feministas que lutavam para ocupar seu lugar social, em 1978, os/as homossexuais criaram
a primeira associação gay no Brasil SOMOS marcando o início da luta pelo
reconhecimento social de suas identidades sexuais, pois descobriram que o termo gay não
dava conta de responder por toda a diferença que integrava o grupo. No campo literário
brasileiro, segundo Parker (1986), os precursores foram Ruth Lande e Peter Fry, que
estudaram a homossexualidade, considerando a religiosidade afro-brasileira.
Contudo, segundo Trevisan (2002), um dos responsáveis por dar visibilidade à
causa homossexual foi o vírus da Aids, que:
realizou em alguns anos a proeza que nem o mais bem-intencionado movimento pelos
direitos homossexuais teria conseguido, em muitas décadas: deixar evidente à sociedade
que o homossexual existe e não é o outro, no sentido de um continente à parte, mas está
próximo de qualquer cidadão comum (p.462).
Surgiram diversas alianças baseadas em sentimentos de solidariedade que uniram
sujeitos, parentes, amigos/as, não necessariamente homossexuais, discutindo normas de
sexo seguro e cuidados preventivos, além de mostrar à sociedade novas formas de vivenciar
a sexualidade, os desejos e o prazer. Torna-se relevante destacar que, ao mesmo tempo, a
doença, considerada como “câncer gay”, e a visibilidade homossexual desencadearam um
sentimento homofóbico em inúmeros indivíduos. Assim, questões relacionadas à
sexualidade nunca foram levantadas tão vividamente como nas discussões da Aids. Ao
mesmo tempo em que a Aids mexeu com as velhas feridas e deu origem, mais uma vez, a
condenações que freqüentemente marcaram a política de sexualidade no Brasil, ela também
forneceu um foco para o ativismo social, para a expressão de exigências de maior justiça
social, serviços médicos e sociais mais eficientes e diversas discussões sobre assuntos
semelhantes (Parker, 2001).
13
No que se refere à educação, um dos pontos positivos foi à preocupação com a
educação sexual nas escolas, incluída na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/1996. Um
grande avanço no sistema educacional brasileiro, pois foi um dos primeiros momentos em
que a questão foi tratada na legislação educacional brasileira. Para garantir e auxiliar o
desenvolvimento das disciplinas indicadas pela LDB, foram elaborados os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) que, entre outras indicações, apresentavam a orientação
sexual como um dos temas transversais a serem tratados interdisciplinarmente nas escolas,
de maneira que conteúdos, objetivos, visões de mundo e concepções pudessem ser
trabalhados por todas as disciplinas.
Destaque-se que nunca se falou tanto em sexo/sexualidade, nas escolas e na
sociedade, como em nosso tempo. Porém, o panorama é complexo: aborda-se a sexualidade
como algo que deve ser reprimido, como forma de prevenção a doenças sexualmente
transmissíveis, como modo de evitar gravidez indesejada ou, até mesmo, como questão
banal. Nem sempre, entretanto, fala-se do sexo e sexualidade como prazer ou como direito
do/a cidadão/ã, conforme nos mostra Louro (2001a);
a associação da sexualidade ao prazer e ao desejo é deslocada em favor da prevenção dos
perigos e das doenças. Nesse contexto que centraliza a reprodução [...] não se contempla a
possibilidade de uniões afetivas e sexuais entre indivíduos do mesmo sexo, e muito
menos a existência de famílias constituídas por gays e lésbicas (p.41).
A autora deixa claro como o processo de orientação sexual realizado nas escolas
está centrado no modelo hegemônico de família e sua relação com a reprodução. Assim,
torna os outros tipos de famílias, as outras formas de viver a sexualidade, menos legítimas.
Esse ato de falar sobre o sexo/sexualidade, de mostrar formas de comportamento,
de dar significados a corpos, desejos e prazeres e de definir o que se pode revelar ou
esconder em determinados momentos, Louro (2001) denomina de “pedagogias da
sexualidade”. Segundo a autora, além das escolas, “muitas outras instâncias sociais, como a
mídia, a igreja, a justiça etc. também praticam tal pedagogia, seja coincidindo na
legitimação e denegação de sujeitos, seja produzindo discursos dissonantes e
contraditórios” (p.31). Comprova-se, assim, que existe uma preocupação coletiva em
educar os corpos, para que possam seguir modelos e caminhos socialmente aceitos e
aprovados.
Nessa perspectiva, Foucault (1979) afirma que “o exercício do poder cria
perpetuamente o saber e, inversamente, o saber acarreta efeitos de poder” (p.142),
14
sugerindo que o poder se manifesta a partir do discurso do conhecimento, selecionando
qual informação deve ser valorizada e quais devem ser negadas. Desse modo, pela
educação, corpos foram/são moldados e identidades sociais/ sexuais são construídas ao
longo dos anos, por meio de práticas discursivas. Assim, a sexualidade não é apenas uma
questão pessoal, mas uma questão social, cultural e política, estando diretamente
relacionada à forma como a sociedade se organiza culturalmente, apesar de suas questões
serem mais amplas do que as questões culturais legitimadas. Conforme afirma Britzman
(2001), “a sexualidade não segue as regras da cultura, mesmo quando a cultura tenta
domesticar a sexualidade” (p.89).
Nesse contexto, Bonato (1996) entende os discursos sobre a sexualidade como
“um dos elementos mais eficazes de controle sobre o sujeito e a sociedade, atuando há mais
de três séculos”, pois são produzidos como dispositivos institucionais. Assim, com base
nestes dispositivos, o poder de definir e controlar a sexualidade é exercido por meio de
práticas legitimadas pela sociedade, preservando a dominação de determinados grupos, o
que se evidencia nas relações entre: marido-mulher, pai/mãe- filho/a, escola- professor/a -
alunos/as, e outros. No entanto, os grupos que não se enquadram nesses modelos criam
mecanismos de luta e resistência. São elas o outro lado do poder, conforme nos mostra
Roberto Machado ao escrever a introdução do livro de Foucault (1979) “qualquer luta é
sempre resistência dentro da própria rede de poder, teia que se alastra por toda sociedade e
a que ninguém pode escapar: ele está sempre presente e se exerce como uma multiplicidade
de relações de forças” (p.XIV).
A partir dos conceitos criados e disseminados como dispositivos institucionais
sobre o corpo e a sexualidade, o discurso se naturaliza. Este fato faz com que os sujeitos
sociais aceitem, sem maiores questionamentos, falas disseminadas ao longo dos tempos
como verdades, pois, “o conhecimento através do corpo é o que leva os dominados a
contribuir para sua própria dominação” (Bourdieu, 1995, p.146). Assim, reafirma o
pensamento de que corpos são educados ao longo da história, de maneira a formar modelos
socialmente aceitáveis, tendo em vista o objetivo de formar homens e mulheres que
correspondam às formas hegemônicas de masculinidade e feminilidade. Deve-se ressaltar
que esse processo histórico de educação de corpos acarretou a construção (definição) de
diversas identidades sexuais, que foram/são proclamadas ou negadas através dos tempos.
15
No entanto, o questionamento trazido pela pós-modernidade está revelando novas
possibilidades de lutas e ações. Com a proposta de desconstruir discursos
institucionalizados, começam a se revelar na sociedade novas perspectivas identitárias.
Nesse sentido, Moita Lopes e Fabrício (2004), recorrem a Foucault, afirmando que “talvez
o objetivo hoje em dia não seja descobrir quem somos, mas recusar o que somos. Temos
que imaginar e construir o que poderíamos ser”, referindo-se a como o sujeito pode
procurar se engajar em outras práticas discursivas que não as que usualmente o constroem.
Em busca de trabalhar e entender as questões relativas às diversas identidades,
Louro (2004) recorre a uma metáfora utilizada por James Clifford: o termo “viagem”,
tomado para indicar o caráter móvel da identidade, pois nela “podemos experimentar, ainda
que de forma limitada, as delícias e as inseguranças da instabilidade e da precariedade
da identidade” (Silva, 2000, p.88). A autora utiliza-se dessa metáfora para “refletir partidas
e chegadas” (p.14), caminhos e transições que o sujeito percorre ao longo da vida.
Alguns/algumas seguem o destino de sexualidade e gênero pré-determinado, outros/as
buscam e experimentam caminhos diversos. Louro (2004), seguindo Butler (2003), também
argumenta que a preocupação em construir e afirmar uma identidade sexual legitimada pela
sociedade tem início ainda no útero materno, pois, a partir da “declaração ‘é uma menina’
ou ‘é um menino’” (p.15) desencadeia-se todo um processo de construção da identidade de
gênero do sujeito.
Portanto, baseada nas características físicas, toda a sociedade, de um modo geral,
se une para fazer com que o sexo biológico indicado siga o caminho e as normas
convencionais de gênero e de sexualidade, resultando em trabalho sistemático, em um
“processo pedagógico contínuo” (Ibid, ibid, p.16).
Então, como um “projeto”, o corpo é construído. A marcação que sobre ele se
executa é cotidiana; supõe investimento, intervenção (Louro, 2003). Para tal, são oferecidos
diversos subsídios que irão auxiliar essa viagem, fazendo com que o sujeito inicie sua
caminhada rumo ao processo de construção de sua própria identidade social e sexual. O
primeiro subsídio pode ser visto e denotado por roupinhas, móveis e utensílios que a
criança usará: azul se for do sexo masculino, e rosa, do feminino. Nessa jornada, a família
constitui o núcleo social em que a criança receberá as primeiras noções sobre o que é ser
16
homem ou mulher. Será nesse núcleo que a criança aprenderá os primeiros significados de
como deve se portar para corresponder às normas impostas pela sociedade à qual pertence.
Será na escola, porém, que esse sujeito viverá suas primeiras experiências fora do
núcleo familiar. Nesse novo ambiente, terá a oportunidade de conviver com diversas
culturas e ideologias. Segundo Forquin (apud Candau, 1997), a escola “é um mundo social,
que tem suas características e vidas próprias, seus ritmos e ritos, sua linguagem, seu
imaginário, seus modos de regulação e transgressão, seu regime de produção e gestão de
símbolos” (p.246). A escola é também um dos primeiros locais onde as diferenças externas
ao núcleo familiar se desencadearão, assim como o espaço onde ele/ela conhecerá novos
modelos sociais e poderá pôr em questão regras e conceitos aprendidos no núcleo primário.
Nesse aspecto, para Epstein e Johnson (apud Roland, 2003), “a escola é um ponto
gerador da vida sexual: um local onde a cultura sexual nacional é formada numa dinâmica
inter-geracional especial (p.117). Será nas salas de aula que ele/a terá espaço para
perceber as contradições entre o que foi aprendido no núcleo primário e aquele no qual
circula, até mesmo de maneira informal, no novo núcleo, entre o revelado e o ocultado,
entre o dito e o negado. Para Joseph Beam (citado por Britzman, 1996), será a partir desse
enfrentamento que o sujeito aprenderá a “construir a si mesmo a partir do zero” (p.74), ou
seja, a partir desse novo mundo social, o/a aluno/a poderá questionar verdades, aceitar ou
conceber novas verdades que certamente poderão auxiliá-lo/a no processo de construção e
legitimação de suas identidades sociais.
A escola constitui “um local onde culturas de rua e de sala de aula colidem”
(McLaren, p. 219,1997). Caberá, então, à escola legitimar e reforçar as relações patriarcais
que essa criança aprendeu no cleo familiar ou questionar e problematizar novas
possibilidades de construção das identidades. Assim, a sala de aula tornar-se-á o local
propício para se questionar e desenvolver questões relativas à sexualidade, principalmente
se se tomar por referência a afirmação de Moita Lopes (2002) - “os significados
construídos na escola sobre a vida social, paralelamente a outros significados a que somos
expostos em outras práticas discursivas das quais participamos, desempenham um papel
central na legitimação das identidades sociais” (p.59).
Por meio do currículo, a escola apresenta a visão de mundo em que acredita e a
ideologia que pretende inculcar. Conforme Apple (1992), “o currículo nunca é apenas um
17
conjunto neutro de conhecimentos [...] É produto das tensões, conflitos e concessões
culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo” (p.59). Reforça-
se, portanto, a idéia de que, ao privilegiar uma determinada concepção de currículo, a
escola opte por uma determinada forma de produção do conhecimento e, por conseguinte,
um determinado processo de construção de identidade.
Contudo, ao pensar em identidade, currículo e escola, torna-se relevante destacar,
que, ao longo de sua vida, esse sujeito não será um agente passivo que apenas irá receber e
vivenciar esses conhecimentos sobre corpo e sexualidade. Conforme afirma Louro (2003,
webpage) “os sujeitos não somente respondem, resistem e reagem, como também intervêm
em seus próprios corpos para inscrever-lhes, decididamente, suas próprias marcas e códigos
identitários e por vezes escapar ou confundir normas estabelecidas”. Ousa-se afirmar que,
nesse momento, certamente, esses conflitos estão acontecendo em diversas salas de aula e
será a partir deles que novas vozes e identidades sociais e/ou sexuais serão afirmadas,
negadas ou silenciadas.
Nesse contexto, defende-se o argumento de que as escolas devam desenvolver seus
programas de orientação sexual
3
atentas às questões sociais e culturais, buscando valorizar
e reconhecer as diversas possibilidades de sexualidades. Acredita-se, também, que o
programa deva enfatizar como as diversas sexualidades foram/são construídas e legitimadas
socialmente ao longo dos anos, abrindo questionamento sobre a legitimação da
heterossexualidade como norma e referência, além de enfatizar questões que revelem os
direitos sobre o corpo e o prazer. Ressalta-se que não se trata de abandonar as questões
relativas à biologia e à preservação da saúde como: gravidez, prevenção de DST/AIDS,
mas de saber agregar as discussões, sem enfatizar a biologia em detrimento da cultura.
Considerando esses argumentos, tornou-se relevante buscar como objeto de análise
uma escola que estivesse trabalhando e apresentando resultados positivos em relação ao
desenvolvimento do programa de orientação sexual no município de Duque de Caxias.
A opção pela cidade Duque de Caxias se deu pelo fato de a unidade da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) estar localizada neste município, como
também, pelo fato do seu programa de Mestrado tematizar as periferias urbanas.
3
Embora esse termo esteja diretamente relacionado à biologia (conforme discussão que será apresentada no capitulo 2) é
o termo que consta nas Propostas Oficiais e nos PCN. Assim, resolveu-se conservá-lo.
18
Aqui, a periferia é o particular de um outro universal. Pode ser entendida também
como o que está fora do discurso dominante, o que não pertence ao discurso hegemônico,
mas que, ao mesmo tempo, está relacionado com ele e dá sustentação a esse discurso, com
ele apresentando uma relação direta. Dessa maneira, não se pode entender periferia sem
estudar o centro e, ao mesmo tempo, para entender o centro, é de fundamental importância
estudar a periferia.
Assim, nesse trabalho, interessa compreender como acontece o desenvolvimento
de um programa de orientação sexual desenvolvido no município, com base nas
características peculiares inerentes às periferias. Conforme argumentam Cárdia e Schiffer
(apud Chnaiderman, 2005), “na periferia as relações de vizinhança persistem muito mais do
que em bairros de classe média ou alta. É muito comum, na periferia, pedir açúcar ou sal
emprestado... deixar uma criança com amiga... isso independentemente de raça, sexo, ou
seja o que for...” p. 62. Essa situação acaba por criar ou reinventar diversos laços que,
diante das necessidades básicas diárias, redesenham novas percepções de mundo social e
formas diferentes de vivenciar preconceitos.
Em Duque de Caxias, para auxiliar o desenvolvimento do Programa de Orientação
Sexual pelas escolas, a Secretária Municipal de Educação, em parceria com a Secretaria
Municipal de Saúde criou o Projeto “saúde nas escolas” que oferece atendimento e
desenvolve programas de apoio à comunidade escolar. É um trabalho em conjunto,
envolvendo a educação e a saúde do/a estudante e da família.
Essa pesquisa pretende investigar como se desenvolve o programa de orientação
sexual em uma escola municipal de Duque de Caxias, atendida pelo projeto de orientação
sexual promovido pelas Secretarias de Educação e Saúde. Para tal, foi selecionada uma
escola da rede municipal na qual a preocupação com o desenvolvimento do programa de
orientação sexual se faz presente e se expressa no processo pedagógico e em procedimentos
contínuos.
A questão central que norteia a pesquisa é: Como o projeto de orientação sexual
proposto pela SME é absorvido pela Escola Municipal e como buscam propiciar aos/às
alunos/as possibilidades plurais de construção de suas identidades sexuais e do exercício de
suas sexualidades?
19
O objetivo geral do estudo é, assim, investigar como questões relativas à
sexualidade, principalmente as que visam o conhecimento do corpo, dos desejos, do prazer
e das diversas identidades sexuais, são abordadas no projeto pedagógico e na prática
pedagógica da escola. Quer-se perceber como a orientação sexual tem sido nela tratada e
como esse processo pretende contribuir para a construção discursiva da masculinidade e da
feminilidade nos/nas estudantes.
Considerando o objetivo geral do presente estudo, as questões específicas que
orientarão o trabalho são:
a) Quais as expectativas dos/das responsáveis da SME em relação às escolas que
desenvolverão o projeto de orientação sexual? Como eles/as oferecem subsídios para a
implementação e continuidade do projeto nas escolas?
b) Como o programa de orientação sexual é planejado e desenvolvido pela escola? Como se
dá a participação dos/das professores/as, direção e equipe pedagógica neste processo?
Quais as possibilidades de continuidade deste trabalho?
c) Como a escola atendida pelo projeto abre espaço para a autonomia do/da estudante no
processo de construção e legitimação de sua identidade sexual?
Para desenvolver esse estudo e tentar responder as questões que o norteiam, os
capítulos estão estruturados da seguinte maneira:
Os capítulos 1 e 2 apresentam os referenciais teórico-metodológicos que servirão
de base para a pesquisa.
No Capítulo 1: Corpos Socialmente Construídos Quem é o novo sujeito do
século XXI? As identidades em questão discute-se quem é o sujeito da
contemporaneidade, o que é identidade, qual a abrangência desse conceito e como as
práticas discursivas constroem esse novo sujeito. Discutem-se, também, os conceitos de
sexo e sexualidade bem como de que modo às múltiplas identidades sociais e sexuais são
postas em questão, como as expectativas são constituídas e reforçadas pelos papéis sociais e
sexuais. Apresentam-se algumas das possibilidades de o sujeito vivenciar sua sexualidade e
seus desejos e como a política da masculinidade se constrói dividindo as identidades em
dominantes e subalternas. Tal fato desencadeará a discussão sobre políticas de identidades.
O capítulo é encerrado com a busca pela valorização das múltiplas identidades sexuais com
20
base na apresentação da homossexualidade como política de identidade que desencadeou a
problematização de conceitos e formas de viver as sexualidades.
No Capítulo 2 - Corpos Educados: a escola e o currículo em busca de uma
educação para sexualidade pretende-se pensar na escola como um local de aprendizagem
e sexualidade. Apresenta-se um breve relato histórico das tentativas de se implementar, em
diferentes escolas, na cidade do Rio de Janeiro, um programa de orientação sexual. Ainda
nesse capítulo busca-se refletir sobre a abrangência dos termos educação sexual, orientação
sexual e educação para a sexualidade e como essas questões refletem o currículo e são por
ele refletidas.
No terceiro Capítulo Corpos em Evidência os sujeitos da pesquisa - ,
apresenta-se o projeto “Saúde nas Escolas” proposto pela Secretaria Municipal de
Educação de Duque de Caxias em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Duque
de Caxias. Delimita-se os procedimentos metodológicos da pesquisa. Nas seções seguintes
apresenta-se a Escola Municipal Nós do Morro, o corpo docente, e destaca-se como o
programa de orientação sexual é desenvolvido nesta escola. Na sexta seção, apresentam-se
os instrumentos utilizados para a geração de dados. Logo após descreve-se os mecanismos
utilizados para a geração de dados e, finalmente, apresenta-se como os dados gerados foram
tratados.
No Capítulo 4, intitulado Corpos em Processo de Construção, apresenta-se uma
análise do Projeto Saúde nas Escolas” e do programa de orientação sexual desenvolvido
pela escola municipal Nós do Morro. Na primeira seção caracterizam-se os sujeitos
envolvidos na pesquisa. Nas seções seguintes busca-se apresentar as respostas obtidas com
base nas questões propostas pelo estudo. Na última seção destacam-se as principais
dificuldades enfrentadas para o desenvolvimento dos dois projetos.
O Capítulo 5 apresenta-se as considerações finais.
Acredita-se que a relevância desta pesquisa seja trazer a público algumas
possibilidades de desenvolvimento de um programa de orientação sexual centrado nas
perspectivas culturais. A discussão desse assunto deve ser de interesse de todos/as
profissionais envolvidos/as e comprometidos/as com a educação e cidadania.
21
1 - CORPOS SOCIALMENTE CONSTRUÍDOS: - QUEM É O NOVO
SUJEITO DO SÉCULO XXI? AS IDENTIDADES EM QUESTÃO.
Identidade é o que você pode dizer que você é de acordo com o que
dizem que você é. Johnston (apud Moita Lopes, 2002)
Não vim para esclarecer nada... o que puder confundir eu confundo-
Ney Matogrosso (apud Trevisan, 2002)
1.1 Introdução
Esse capítulo propõe uma reflexão acerca do processo de construção das
identidades sociais e sexuais a partir do nascimento do sujeito da pós-modernidade. Trata-
se de um sujeito fragmentado, contraditório, múltiplo, que, a partir dos movimentos de
massa, tentou evidenciar e buscar a legitimação de sua identidade, desconstruindo o modelo
hegemônico. Esse novo sujeito encontra caminhos para afirmar sua identidade a partir da
sociedade de consumo, onde “os sujeitos são, a todo momento, chamados a assumir seus
fantasmas, de preferência na arena do mercado” (Safatle,p.10). Assim, as novas identidades
serão socializadas e valorizadas, com base na publicidade, e, ao mesmo tempo, negadas e
questionadas por segmentos mais conservadores da sociedade como, entre outros, a Igreja.
Deve-se ressaltar que a fundamentação teórica que norteia esse trabalho é a visão
pós-moderna de identidade (Hall, 2001) e socioconstrucionista de identidade (Moita Lopes,
2000, 2002, 2003, 2006, 2007). As identidades sociais, de gênero, sexuais, bem como, a
sexualidade, serão entendidas, ao longo deste estudo, como construções sociais, (Briztman,
1996, 2001, 2001a; Louro 1995, 2001, 2001a, 2003, 2003a, 2004, 2004a), atravessadas,
portanto, por práticas discursivas, visto que os sujeitos aprendem a ser e se tornam o que
são a partir das diversas interações presentes no cotidiano, conforme destaca Moita Lopes
(2003): “aprendemos a ser quem somos como mulheres, heterossexuais, negros,
professores, etc, nas práticas discursivas em que agimos com outros e que têm, portanto,
uma base histórica e cultural” (p.25).
22
1.2- O nascimento das subjetividades
4
A segunda metade do século passado trouxe à tona uma série de questionamentos
que preconizam e revelam uma mudança de olhares e entendimentos nas diversas relações
sociais. Verdades absolutas consideradas únicas e consolidadas ao longo dos séculos
passam a ser questionadas. Certezas se transformam em incertezas, dúvidas em novas
possibilidades.
Isso indica um rompimento com o modelo preconizado pela modernidade, em que
a crença na razão, na ciência e no constante progresso eram evidenciadas. Coloca-se, assim,
em questão o “sujeito do iluminismo” (Hall, 2001), ou seja, aquele sujeito centrado,
racional e movido pela razão, marcado pela visão essencialista das identidades sociais
“baseadas na assunção de que uma categoria social particular é marcada por qualidades
imutáveis, uma essência comum compartilhada por todos membros da categoria.” (Bradley,
apud Moita Lopes, 2003, p.27).
Para ilustrar este momento de profundas modificações e questionamentos, Louro
(2003a) afirma que:
muito mais do que um sujeito, o que passa a ser questionado é toda uma noção de cultura,
ciência, arte, ética, estética, educação que, associada a esta identidade, vem usufruindo,
ao longo dos tempos, de modo praticamente inabalável, a posição privilegiada em torno
da qual tudo mais gravita
Nesse contexto, esse momento histórico que se vivencia, essa fase de superação,
denominada de pós-modernidade (Hall, 2001), modernidade tardia (Baumann, 2005;
Giddens apud Moita Lopes, 2003), ou ainda, modernidade reflexiva (Giddens, Beck, Lask,
1997) caracteriza-se pela busca, pela reflexão e o repensar sobre quem somos e em quem
poderemos nos tornar. A idéia é ressaltar um momento marcado por um mundo povoado
por desigualdades sociais, cercado por dicotomias entre o progresso e a massificação da
pobreza, dicotomias relativas a pertencer a um grupo ou ser individual, em que dúvidas se
mesclam com incertezas.
4
Emprega-se o termo identidade neste trabalho, enfatizando-se que se trata de um processo, de uma
construção sempre em movimento. Reconhece-se a existência de controvérsias, por parte de autores que
associam a palavra a uma visão essencialista da identidade.
23
As diversas mudanças que estão ocorrendo nesse século, quando temas tabus como
sexualidade ou raça são incessantemente tematizados nas mídias (Moita Lopes,2003),
sugerem novas formas de abordá-los. Além disso, mostram que antigos valores sociais
estão perdendo seu status.
Assim, a pós-modernidade questiona diversos pensamentos desenvolvidos a partir
da era da razão. Segundo Pimenta, “a pós-modernidade seria marcada pela instabilidade,
pela precariedade e pela fluidez” (p.2). Bauman (2005) reforça essa afirmativa quando diz
que “em nossa época líquido-moderna, o mundo em nossa volta está repartido em
fragmentos mal coordenados, enquanto nossas existências individuais são fatiadas numa
sucessão de episódios fragilmente conectados” (p.19). É o momento, também, no qual
processos discursivos adquirem importância central como instrumento de reflexão,
interpretação e compreensão social (Moita Lopes, 2003).
Uma das críticas dessa nova época está relacionada ao sujeito racional, livre,
guiado pela razão, centrado e único. A contemporaneidade não acredita mais no sujeito
coerente, equilibrado, racional construído de forma homogênea como o sujeito moderno. A
pós-modernidade propõe que se duvide dessas certezas, que se questione esse sujeito, e que
o ser social comece a ser compreendido como constituído de várias facetas identitárias.
Nesse contexto, para Moreira, Arbache e Carvalho (2007), as identidades devem
ser vistas como: “pontos de apego temporário às posições-de-sujeito que as práticas
discursivas constroem para nós. O corpo - refúgio último da materialidade - condensa as
subjetividades no individuo.” (p.38). Assim, diversas identidades co-habitam no mesmo ser
humano: “somos uma colônia de possíveis si - mesmos” (Bruner, citado por Moita Lopes,
2002, p.62), fazendo com que um sujeito possa ser, ao mesmo tempo, pai de família
exemplar, um marido autoritário, um profissional competente, um assaltante de bancos, um
cristão fervoroso e um homossexual promíscuo. São diversos sujeitos que existem dentro
da mesma pessoa “de forma antagônica ou contraditória nas mesmas práticas discursivas ou
em outras” (Moita Lopes, 2003,p.28).
O mesmo autor (2002) realça a importância de se pensar identidades
“metaforicamente como mosaicos ou imagens de caleidoscópios que se modificam nas
práticas discursivas em que atuamos” (p.63), buscando destacar o processo continuo de
24
construção da identidade social, pois, a cada momento, o sujeito apresenta uma partícula,
uma porção, um detalhe de sua subjetividade.
Surge, agora, um novo sujeito: um sujeito fragmentado, contraditório, dividido,
descentrado, múltiplo que, ao emergir na sociedade, começa a querer o reconhecimento e a
legitimação de suas identidades, fato que Hall (2001) denominou de “crise de identidade”.
Para confirmar, o autor busca a justificativa em Mercer: “a identidade somente se torna
uma questão, quando está em crise, quando algo que se supõe fixo, coerente e estável, é
deslocado pela dúvida e incerteza” (p. 9).
Torna-se relevante ressaltar que essas novas identidades adquirem sentido a partir
da linguagem e dos sistemas simbólicos nos quais são representadas. Então, conforme Silva
(1999), esse novo sujeito será “... pensado, falado e produzido. Ele é dirigido a partir do
exterior: pelas estruturas, pelas instituições, pelo discurso¨ (p.113). Fica claro que
identidades não são essências ou elementos da natureza. As identidades são produzidas e
socialmente construídas,“ somos nós que as fabricamos...” (Silva, 2000, p.76).
Sendo a identidade uma construção social, conforme diversos/as autores/as (por
exemplo, Bourdieu, 1995; Britzman, 1996, 2001; Foucault, 1979, 1988, Louro, 2001,
2001a, 2003; Moita Lopes, 2000, 2002, 2003; Moraes, 2002, Soares 2002) mostram, ela
também pode estar relacionada à herança familiar e cultural, por meio dos grupos sociais
com os quais o sujeito interage. Isso faz conceber a identidade como algo recebido e que
pode ser negociado com outros sujeitos. Na negociação, aquilo que o sujeito pensa ou
representa, pode servir como capital de troca com o grupo.
Falar em identidades é também falar em relações produzidas pela diferença, ou
seja, eu digo o que sou, baseado naquilo que não sou. Nessa perspectiva, ao afirmar que sou
negro estou deixando claro que não sou branco, ao dizer que sou brasileiro excluo as
possibilidades de ser americano, chinês, uruguaio, etc..., pois, segundo Silva (2000) “a
identidade depende da diferença, a diferença depende da identidade. Identidade e diferença
são, pois, inseparáveis” (p.75). O mesmo autor (2001) sugere que essa diferença é sempre
uma “hierarquia, valoração e categorização” (p.26), na qual sempre de se encontrar o
superior e o inferior, que são estabelecidos por meio das relações de poder.
Outro elemento de grande relevância neste contexto é a subjetividade, que sugere a
forma pela qual o sujeito compreende o seu próprio eu. Ela envolve os sentimentos e
25
pensamentos pessoais conscientes ou inconscientes e pode explicar os motivos pelos quais
o sujeito apega-se a determinadas identidades. Assim, Woodward (2000) argumenta:
Quaisquer que sejam os conjuntos de significados construídos pelos discursos, eles
podem ser eficazes se nos recrutam como sujeitos. Os sujeitos são, assim, sujeitados ao
discurso e devem, eles próprios, assumi-lo como indivíduos que, dessa forma, se
posicionam a si próprios. As posições que assumimos e com as quais nos identificamos
constituem nossas identidades (p.55).
Sendo a identidade vista como algo construído a partir da representação simbólica,
da diferença e por processos discursivos, ela se torna, também, imposta por meio de poder.
Segundo Moita Lopes (2002), “o poder atravessa a sociedade em diferentes direções,
dependendo das relações sociais nas quais as pessoas se envolvem por meio de diferentes
práticas discursivas” (p.36). Nessa perspectiva, o conceito de identidade está, então,
diretamente relacionado à disputa, à luta por representação. “Na disputa pela identidade
está envolvida uma disputa mais ampla por outros recursos simbólicos e materiais da
sociedade” (Silva, 2000, p. 81). Existe um grupo socialmente legitimado que possui o poder
de se autodefinir e definir o outro, criando uma identidade fixa como norma:
homem/branco/heterossexual/cristão.
Assim, por meio de diversas práticas discursivas criam-se mecanismos que
legitimam e consolidam formas de agir e viver como corretas e aceitáveis. Os grupos
sociais que “ocupam posições centrais ‘normais’ têm possibilidade não apenas de
representar a si mesmos mas também de representar os outros (Louro, 2001, p.16).
Seguindo essa assertiva, Moita Lopes (2006) afirma que quando se fala em identidades
femininas, homoeróticas ou negras elas são definidas em relação à norma ou seja em
relação ao homem, heterossexual e ao branco.
Em seu artigo, Moita Lopes (2006) sugere que existe a crença de que algumas
identidades são centrais/legitimas, o que define as outras as identidades como marginais.
Dessa maneira, ser o outro é estar marcado pelo oposto, pelo incorreto, ou seja, o normal é
ser heterossexual, o outro, o homossexual, é o anormal. Conceitos como “anormal”,
“doentio” nascem a partir do ponto de vista do dominante, do que possui o poder de
representar. Conforme argumenta Silva (2001), “a pessoa que pertence ao grupo
subordinado carrega, sempre, toda a carga e o peso da representação” (p. 149), o que
reforça o argumento de que as identidades, também, são construídas por meio de relações
de poder que as atravessam. Isso se em diferentes direções, dependendo das relações nas
26
quais as pessoas se envolvem por meio de práticas discursivas (Moita Lopes, 2002), e
define quais são as identidades hegemônicas e quais são as subalternas, cabendo às últimas
o enfrentamento. A luta se caracteriza por uma resistência às relações de poder e se
desenvolve em arenas ou campos específicos.
Nesse contexto, Silva (2000) argumenta que, apesar do poder de definir o outro, “a
identidade hegemônica é permanentemente assombrada pelo seu outro” (p.84), fato que
destaca que é esse outro que sentido a ela. Assim, o sujeito se diante de uma política
de identidades que se concentra em “afirmar a identidade cultural das pessoas que
pertencem a um determinado grupo oprimido ou marginalizado. Essa identidade torna-se,
assim, um fator importante de mobilização política” (Woodward, 2000, p.34).
Além dessas possibilidades para se compreender as identidades, também é possível
pensar nos processos de diáspora, de misturas de cultura, nos atravessamentos de raça,
religião, e outros. Assim, denomina-se de hibridismo a mistura, a conjunção de identidades
e culturas, que coloca em xeque processos que tendem a conceber as identidades como
fundamentalmente separadas, divididas, segregadas e puras (Silva, 2000). Identidades
híbridas são aquelas que não se integram às identidades originais, mas que delas guardam
traços, em outras estruturas.
O Brasil pode representar um significativo exemplo onde ocorre a formação de
diversas identidades bridas. Aqui, a ambigüidade e ambivalência acompanham os
hibridismos e os sincretismos, abrindo brechas para a diversidade de imagens e de
significados, tornando as identidades permeáveis às interpretações contingentes e às
especificidades circunstanciais (Soares, 2002).
O hibridismo esrelacionado com os movimentos demográficos, as diásporas, os
cruzamentos de fronteiras que desestabilizam, transformam e deslocam identidades
originais que podem ter um caráter literal como “na diáspora dos povos africanos” (Silva,
2000, p.88) ou caráter metafórico, que designa aqueles/as que cruzam fronteiras e não
respeitam os “limites entre os territórios das diferentes identidades” (ibid, p.88).
McLaren (2000) considera que as identidades de fronteira são produzidas em
cenários de instabilidade oculta e resultam em um labirinto de significados, constituindo,
então, uma violação das regras, dos cânones e do que é chamado de normalidade. Porém,
os sujeitos que violam essas fronteiras, o fazem por livre escolha ou não: eles são movidos
27
por diversos motivos e o deslocamento pode ter diferentes significados. Pode ser
caracterizado como um ir e vir descompromissado ou como um movimento forçado como
um exílio. Existem ainda aqueles/as que se abandonam entre dois espaços e se deixam ficar
nas esquinas, nas encruzilhadas. O correto é que, ao se referir a fronteiras, fala-se em
sujeitos que escapam de uma via, de uma rota planejada, que se põem à deriva (Louro,
2004), em busca de novas possibilidades.
Este cruzamento de fronteiras surge como uma proposta de questionar o modelo
identitário hegemônico, momento no qual diversos movimentos sociais, entre eles, o
movimento feminista, os movimentos juvenis contraculturais, os movimentos
homossexuais, reivindicam o seu reconhecimento como sujeitos e o seu espaço na
sociedade. O que hoje se chama de política de identidade surgiu neste momento histórico, a
partir da luta das feministas (Hall, 2001).
Essa explosão de identidades políticas centradas na ascensão do feminismo, nas
identidades gays, lésbicas e negras, na migração de antigas colônias dos paises pobres para
os ricos causou grande impacto nas formas de compreender as relações sociais. Woodward
(2000) ao enfatizar a importância e o desafio do surgimento dos movimentos liderados por
grupos considerados como “minorias sociais”
5
, argumenta:
O desafio de alguns movimentos tem consistido em questionar o essencialismo da
identidade e sua fixidez como algo ‘natural’, isto é como uma característica biológica. A
política de identidade não ‘é uma luta entre sujeitos naturais; é uma luta em favor da
própria expressão da identidade, na qual permanecem abertas as possibilidades para
valores políticos que podem validar tanto a diversidade e a solidariedade’ (Weeks, 1994,
p.12). Weeks argumenta que uma das principais contribuições da política de identidade
tem sido a de construir uma política da diferença que subverte a estabilidade das
categorias biológicas e a construção de oposições binárias. Ele argumenta que os novos
movimentos sociais historicizaram a experiência, enfatizando as diferenças entre grupos
marginalizados como uma alternativa à ‘universalidade’ da opressão. (p. 37).
Com o slogan o pessoal é político o movimento feminista enfatizou questões
políticas e sociais e politizou a subjetividade, a identidade e o processo de identificação.
Então, “aquilo que começou como um movimento dirigido à contestação da posição social
das mulheres expandiu-se para incluir a formação das identidades sexuais e de gênero”
(Hall, 2001,p.46). Abriram-se, dessa maneira, caminhos para se pensar e discutir questões
como: sexo e sexualidade, identidades sociais de gênero, identidades sexuais e papéis
5
Não se trata de pensar “minoria” em termos numéricos. Aqui faz-se um parênteses para criticar a utilização deste termo,
pois, ele acaba por valorizar grupos denominados hegemônicos. Dois grandes exemplos, no Brasil, o grupo de não
brancos e negros e de mulher (considerados minorias) é substancialmente (numericamente falando) maior em relação ao
grupo de brancos e homens, considerados dominantes.
28
sexuais. Essas discussões se tornam de fundamental importância, uma vez que o senso
comum não distingue essas diversas questões, apresentando-as como um todo. Seja de
maneira velada ou não, elas estão presentes no universo escolar e no currículo. Começa-se,
então, a reflexão a partir do conceito de sexo e sexualidade, com o objetivo de ampliar o
campo de visão sobre o que é biológico e o que é cultural no que se refere às questões de
sexualidade.
1.3- Sexo e Sexualidade
Sexo está diretamente relacionado à biologia. Segundo Weeks (2001), “é um termo
descritivo para as diferenças anatômicas básicas internas e externas ao corpo” (p.43),
diferenciando homens e mulheres. Essas distinções são dadas no nascimento. Assim, pensar
em sexo é pensar em algo inato que “já vem dado pela natureza” (Rena, 2002, p.126). O ser
humano nasce com um nis ou uma vagina e a biologia determina seu sexo - macho ou
fêmea.
A forma como o sujeito irá utilizar seu corpo sexuado para se relacionar com
outro será denominada sexualidade. Roland (2003) considera a sexualidade como uma das
identidades sociais que marcam as subjetividades: “é vista como fruto de um conjunto
complexo de processos sociais, culturais e históricos, fruto esse que é oscilatório inter e
intraculturamente e que é (re) interpretado ao longo do tempo e que possui significados
diferentes para pessoas diferentes” (p.115). Destaca-se, assim, como parte integrante da
vida do sujeito e é entendida por diversos/as autores/as como “construção social” (por
exemplo, Briztman, 1996,2001,2001a; Egypto, 2003; Foucault 1984, 1985, 1988; Freire
Costa, 1994; Louro 1995,1997,2001, 2001a, 2003; Moita Lopes, 2002,2003, Moraes, 2002;
Parker, 1986, 2001;Weeks, 2001).
A noção de construção social está diretamente relacionada às maneiras nas quais o
sujeito social se relaciona com o outro e com as práticas discursivas. As pessoas são
constituídas a partir dos contextos nos quais estão inseridos e os significados serão dados e
29
entendidos a partir destes contextos. São as pessoas com as quais circulamos que nos
permitem construir os diversos contextos (Pennycook, 2007).
Assim, com as diversas transformações que vêm ocorrendo no mundo globalizado,
a sexualidade passa a ser um importante componente das relações sociais, se liberta das
amarras da reprodução, se torna plástica e está intrinsecamente vinculada ao sujeito social
(Giddens, 1992). Nesse contexto, em busca de mostrar a sexualidade como uma construção
social, é relevante realçar o conceito de sexualidade apresentado pela Organização Mundial
de Saúde (OMS) em 1975 (apud Silva, 2002):
A sexualidade humana é forma integral da personalidade de cada um. É uma necessidade
básica e um aspecto do ser humano que não podem ser separados de outros aspectos da
vida. Sexualidade não é presença de coito, e não se limita à presença ou não do orgasmo.
Sexualidade é muito mais do que isto. È a energia que motiva a encontrar o amor, contato
e intimidade e se expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas e como estas
tocam e são tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e
interações, e portanto a saúde física e mental. Se saúde é direito humano fundamental, a
saúde sexual também deveria ser considerada como um direito humano básico. A saúde
mental é integração dos aspectos sociais, somáticos, intelectuais e emocionais de maneira
tal que influenciem positivamente a personalidade, a capacidade de comunicação com
outras pessoas e o amor (p.35).
Desse modo, viver pluralmente a sexualidade é uma questão de cidadania. Porém,
para que isso seja plenamente possível, torna-se necessário que as sociedades tomem
consciência de que a sexualidade é uma manifestação natural e que propiciem às pessoas a
liberdade e a possibilidade para sua expressão e elaboração (Meirelles, 1997). Torna-se
necessário refletir como as identidades sociais e de gênero são construídas pela sociedade e
como esse sujeito sexual pode vivenciar plenamente sua sexualidade.
1.4 - Identidades Sociais de Gênero
Pensar em gênero é pensar na divisão masculino e feminino, no homem e na
mulher. O gênero é constituinte da identidade social do sujeito e deve ser visto como algo
fragmentado, mutável, contraditório, em constante processo de transformação, híbrido.
Nesse aspecto, deve-se ressaltar que a categoria gênero, segundo Moita Lopes (2006), pode
ser considerada como uma das categorias cruciais para entender essas mudanças sociais e
culturais da vida contemporânea. Assim, segundo Connell (2000), o gênero é uma prática
30
social que constantemente se refere aos corpos e o que eles fazem, e não uma prática social
reduzida para corpos enfatizados a partir de características biológicas.
Este termo gênero – foi utilizado pela primeira vez, em 1955, pelo biólogo
americano Jonh Money, com o objetivo de separar homens e mulheres para então poder
trabalhar identidade e categorias sexuais. Então, a partir da separação homem/masculino,
mulher/feminino, o debate sobre as “práticas de gênero vem se tornando cada vez mais
acalorado, especialmente provocado pelo movimento feminista, pelos movimentos gays e
lésbicos” (Louro, 2001, p.10). Porém não se pode pensar em gênero apenas com base em
uma visão essencialista que enfatize o biológico. Deve-se levar em consideração todo
contexto sócio-histórico-econômico e suas relações, em meio às quais este masculino e este
feminino acontecem. Louro (1997) acentua que foi através das feministas anglo-saxãs que
gender (gênero) começou a ser usado como diferente de sex (sexo), com o objetivo de
“rejeitar um determinismo biológico implícito no uso de termos como sexo ou diferença
sexual” (p.21).
Nesse aspecto, procurou-se tornar a “mulher visível” (Ibid, ibid, p.17) perante a
sociedade. Assim, buscaram-se diversos caminhos que pudessem dar “voz àquelas que
eram silenciosas e silenciadas” (Ibid, ibid, p.19), e, por meio de relatos e de histórias de
vidas, enfatizando sonhos, lutas e conquistas, a mulher começa a aparecer como sujeito de
suas ações, deixando, com isso, de ser objeto da história. Dessa maneira, destaca-se tanto o
caráter político quanto o caráter analítico do conceito gênero. São as práticas sociais, a
cultura, o momento histórico e a linguagem que determinam o gênero. A partir das práticas
discursivas, abre-se um leque de significações sobre o que é ser feminino ou masculino.
Nessa visão, o gênero é um escândalo, um ultraje, do ponto de vista do essencialismo
(Connell, 2000), pois, pensar com base nessa perspectiva desestabiliza o discurso que
naturaliza a heterossexualidade como normal ou dada e a transforma em um construto
social como as demais identidades. Assim, homossexualidade e bissexualidade são arranjos
de gêneros e construídos nas práticas sociais tal como a heterossexualidade.
Os significados construídos pela linguagem se tornam um importante item na
constituição dos gêneros, uma vez que destacam como se deve agir, falar, comportar, etc.
Diversos autores, por exemplo Frosh, Phoenix & Pattman (2002), compartilham a idéia de
31
que gênero e sexualidade são continuamente inventados, reinventados, construídos e
reconstruídos por meio da linguagem.
Assim, buscando conceber os efeitos do gênero no uso da linguagem, Coimbra
(2003) mostra como Crawford (1995) concebeu esse termo, classificando-o como um
sistema que opera nos níveis sociais, interpessoal e individual. No nível social, o gênero é
compreendido como um sistema de relações de poder, em que se pode ver, segundo o senso
comum, a primazia do gênero masculino, e, que acaba por sufocar “a possibilidade de
visões alternativas de gênero” (Coimbra, 2003, p. 213), fazendo com que as mulheres se
tornem um grupo “culturalmente silencioso” (Crawford, apud Coimbra,p.213). O segundo
nível é o interpessoal, no qual gênero é utilizado para nos mostrar como se deve falar, agir e
proceder em relação aos outros. Destaca-se, aqui, como os limites de gênero são
explicitados desde a infância, quando os meninos aprendem que homem não chora, nem
por dor nem por amor” (Frejat) e as “mulheres são vistas como pessoas mais emotivas”
(Coimbra, 2003, p.213). O último nível é aquele em que o gênero é considerado intrínseco
ao individuo. Essa visão traz a dicotomia masculino/feminino, em que “características,
comportamentos e interesses fixos são associados a cada sexo e assume-se que por eles são
apropriados para pessoas daquele sexo especifico” (Crawford 1995, apud Coimbra, 2003,
p.214). Nesse caso, o pólo masculino, o modelo hegemônico de homem, acaba por ser o
mais valorizado, uma vez que é considerado o padrão, a norma e ocupa a posição
dominante.
O gênero, também, é constituído pelo sistema de relações de poder. Em uma
sociedade patriarcal e segundo o senso comum, tem-se a primazia do nero masculino
sobre o feminino. As diversas instituições sociais são generificadas, onde cargos de maior
poder ou prestígio estão nas mãos dos homens. Connell (2000) utiliza o pensamento de
Foucault para mostrar que esses sistemas de conhecimento funcionam como aparato do
poder e que os discursos de gênero masculino ou de masculinidade podem essencializar as
relações entre os gêneros ao enfatizar os papéis sociais dos homens e das mulheres,
servindo como controle social dos corpos.
Nesse contexto, sendo um constituinte da identidade social do sujeito, a identidade
de gênero deve ser pensada como mutável, contraditória, fragmentada, em processo de
construção e é atravessada pelas diversas identidades de raça, classe social, etnia (Connell,
32
2000, Frosh, Phoenix & Pattman, 2002; O`Donnell, Sharp 2000). Assim, sempre uma
possibilidade de agência, transformação e ressignificação.
Benedetti (2002) afirma que o significado de gênero deve estar, também,
relacionado à forma como a pessoa se vê, ou seja, deve-se levar em consideração que o
fator psicológico também influi. Como fica o caso dos/das travestis? Em qual gênero deve-
se inclui-los/las? Os ou as travestis? O autor afirma que os/as travestis “vivem e
personificam um jogo de gênero seja verbal, corporal ou das relações [...] Elas
demonstram, através de suas práticas e significados atribuídos ao masculino e ao feminino,
as características culturais dos processos de fabricação e construção do gênero” (p.149).
Então, no caso dos/as travestis deve-se primeiro observar como eles/elas se vêem para
depois utilizar os artigos corretamente.
Não se pode bipolarizar as questões de gênero. que se criticar a possibilidade
de a sociedade contemporânea trabalhar apenas com dois gêneros pois, dessa maneira,
acaba por forçar a pessoa a “amputar uma parte de si aos ditames do sexo dominante”
(Wonder, 2003,p.21). Ou seja, ao seguir as regras do pensamento hegemônico que divide a
sociedade em homens e mulheres a partir do sexo biológico, acaba-se por negar as diversas
possibilidades de viver as masculinidades e feminilidades. É importante observar o
argumento de Louro (1997): “algumas estudiosas (como Judith Butler) vem sugerindo que
usualmente pensamos e trabalhamos sobre gênero numa matriz heterossexual” (p.28),
exatamente para que se possa desconstruir e desnaturalizar o caráter normativo ou dado dos
gêneros e da heterossexualidade preconizado pela visão essencialista e hegemônica .
A compreensão do processo de construção social do gênero, suas implicações, suas
desigualdades, a composição do masculino e feminino se dá através da desconstrução dessa
oposição binária. Desse modo, “desconstruir a polaridade rígida dos gêneros, então,
significaria problematizar tanto a oposição entre eles quanto a unidade interna de cada um.”
(Louro, 1997, p, 31). Isso daria oportunidade às pessoas de perceberem que a oposição
também é construída, é histórica. Essas construções precisam ser debatidas, o que ressalta
diferenças e desigualdades, conforme atesta Weeks (2001): “o gênero não é uma simples
categoria analítica; ele é [...] uma relação de poder” (p.56) e “essas relações de poder não
são fixas e podem ser contestadas” (Moita Lopes, 2002, p.94). Uma vez que a identidade
33
social de gênero é construída por meio de um processo permanente de embates e
confirmação (Arnot, apud Moita Lopes, 2002, p.115).
No entanto, Butler (2003) coloca em discussão o gênero como uma visão anti-
essencialista, ao dizer que a marca do sexo se une ao gênero, tornando-se, assim, uma
essência. O sexo mostra ter sido sempre o gênero. A autora afirma que o sexo não é natural
ou dado, é uma construção social: “se o caráter imutável do sexo é contestável, talvez o
próprio construto chamado ‘sexo’ seja tão culturalmente construído quanto o gênero; a
rigor, talvez o sexo sempre tenha sido o gênero, de tal maneira que a distinção entre sexo e
gênero revela-se absolutamente nenhuma” (p.25). Com essa assertiva, Butler (2003) sugere
que o sexo assim o como gênero estão diretamente relacionados à cultura e são construções
discursivas e que todo o corpo é interpretado culturalmente.
Para Butler (2003) o gênero é produzido e concebido a partir da performance
6
. São
os atos de repetição, os atos de fala que constroem e essencializam o gênero. A
performance cria um sentido de naturalidade. Assim, o gênero é uma repetição estilizada do
corpo dentro de um quadro regulado e que se congela para dar significado. É obvio que se
trata das formas hegemônicas de sexualidade e masculinidade legitimadas pela sociedade.
Essas formas são denominadas pela autora como performance compulsória ou seja,
performances construídas a partir da heteronormatividade
7
.
Esses embates certamente auxiliarão as pessoas a perceberem como o sujeito pode
vivenciar sua identidade de gênero partindo do ponto de quem ele acredita ser, como ele
deseja ser reconhecido pela sociedade e como a mesma sociedade o reconhece. Assim,
torna-se necessário destacar a importância da construção das identidades sexuais no
processo de formação do ser humano.
6
O conceito de performance é muito amplo, está relacionado a eventos, a espetáculos, a ensaios, assim como, também ao
ato de dizer algo com convicção. Na performance o sujeito passa a acreditar no que está dizendo ou fazendo para
convencer a audiência (Goffman, 1959). As identidades sociais, identidades de gênero, sexualidades e masculinidades são
produzidas através da performance (Pennycook, 2007), onde a repetição de gestos, de falas, reforça a idéia de que existe
uma essência, uma forma pré-estabelecida de ser. Ao contrário, não existe uma essência, é a linguagem que constitui as
subjetividades. A teórica queer Judith Butler (2003) nos mostra que a identidade é um performativo onde o ato de fala tem
efeito de materializar e criar os corpos, da forma que interessam ao poder ou à sociedade.
7
O termo heteronormatividade foi cunhado por Michael Waner em 1991 e se refere às instituições, estruturas de
compreensão e práticas cotidianas que fazem a heterossexualidade parecer natural, coerente e privilegiada. Assim, passa
desapercebida como linguagem básica e se projeta como objetivo ideal e moral (Berlant e Warner, 2002).
34
1.5 - Identidades Sexuais
Ser um homem feminino, não fere o meu lado masculino. Se Deus é
menina e menino, sou masculino e feminino. (Pepeu Gomes)
Quando se trata de questões de desejo, de amor e de afetividade, a
identidade é capaz de surpreender a si mesma: de criar formas de
sociabilidade, de política e de identificação que desvinculem o eu dos
discursos dominantes da biologia, da natureza e da normalidade.
(Britzman, 1996, p. 73)
A identidade sexual está relacionada à idéia de quem o sujeito acredita ser e como
este sujeito é reconhecido/a pelo meio social. Por isso, é formada ao longo da vida a partir
da identidade de gênero, de como a pessoa é tratada e de como ela se sente.
A identidade sexual é uma construção social e não pode estar subordinada à
biologia e é dependente da “significação que lhe é dada” (Silva, 1999, p.106). Não se
constitui como essência imutável, está sempre em processo. As identidades “também estão
mudando, tornando-se mais questionadas e ambíguas, sugerindo mudanças e fragmentações
que podem ser descritas em termos de uma crise de identidades” (Woodward, 2000, p.31).
Nesse sentido, considerações de Britzman (1996) podem ser úteis. A autora
assinala que toda identidade sexual é um construto instável, mutável e volátil, uma relação
social contraditória e não finalizada, sendo constantemente rearranjada, desestabilizada e
desfeita pelas complexidades da experiência vivida, pela cultura popular e pelas múltiplas
histórias.
Assim, pensar em identidade sexual significa abrir um leque de maneiras, segundo
as quais as pessoas vivem e apresentam socialmente sua sexualidade, tendo que ser vistas
em relação às outras identidades sociais de classe, de gênero, profissão, etc. Essa expressão,
identidade sexual, terá sentido se for vista como polimorfa, fragmentada, fluida,
múltipla, contraditória, em constante modificações e negociações, capaz de rearticular
desejos e prazeres.
35
Weeks (2001) afirma que, ao longo dos anos, surgiram várias abordagens sobre
identidades sexuais. Elas foram traçadas como:
1- Identidade como destino que sustentava as questões de identidade a partir da
biologia.
2- Identidade como resistência – vista como um elemento de luta, principalmente pelas
minorias.
3- A identidade como escolha – apresentando o argumento de que sentimentos e
desejos são uma coisa, enquanto a aceitação de uma posição social particular e um
organizado senso de si (identidade) é outra coisa.
O mesmo autor mostra que as identidades “podem ser escolhidas” (p.73) e que
essas escolhas no mundo correspondem a uma questão política, a uma maneira de ajudar o
sujeito a negociar os riscos e prazeres do cotidiano. Assim, caberá ao sujeito, consciente de
sua identidade sexual e de sua inclinação do desejo, escolher se “sairá ou não do armário”,
ou irá, como Soares (2002) denomina, “sair do armário e entrar na gaveta”, para definir
aqueles sujeitos que aceitam o rótulo de viverem uma relação homossexual, porém não se
admitem como homossexuais.
No entanto, essa assertiva não pode ser tida como uma tarefa fácil, pois, conforme
afirma Britzman (1996),
nenhuma identidade sexual- mesmo a mais normativa- é automática, autêntica, facilmente
assumida; nenhuma identidade sexual existe sem negociação ou construção. Não existe,
de um lado, uma identidade heterossexual fora, pronta, acabada, esperando ser
assumida e, de outro, uma identidade homossexual instável, que deve se virar sozinha.
(p.74)
Segundo a autora, as identidades sexuais são construídas e negociadas nas práticas
sociais cotidianas. As palavras reforçam o pensamento de que não existe uma identidade
padrão na qual o sujeito social nasce e se adapta. Por exemplo, para se tornar homem é
preciso que o menino saiba dizer três nãos: não ser mulher, não ser gay e não ser criança
(Badinter, 1993). Desse modo, a construção da identidade sexual, também, depende de um
projeto pedagógico (Louro, 2001)
Torna-se de fundamental importância destacar que o trabalho de pesquisa sobre
identidade sexual, segundo Parker (2001a), teve inicio em 1968, na Inglaterra, quando
McIntosh desenvolveu estudos com o objetivo de buscar raízes históricas da
homossexualidade masculina. A nova política de identidades surgida teve como objetivo
36
trazer uma questão social relevante: desconstruir o sujeito homossexual inventado no
século XIX, que havia sido nomeado e categorizado como um desvio da norma. Foi a partir
dessa desconstrução que se buscou reinventar diversas outras maneiras de se relacionar
sexualmente com o outro. Bauman (2005) sugere que “você assume uma identidade num
momento, mas muitas outras, ainda não testadas, estão na esquina esperando que você as
escolha” (p.91). Destaca-se, dessa forma, o caráter transitório e múltiplo das identidades.
Também é Bauman (2005) quem afirma que
o equipamento sexual de seu corpo é exatamente um desses recursos à disposição que,
como todos os outros, pode ser usado para todo tipo de propósito e colocado a serviço de
uma ampla gama de objetivos. O objetivo que parece é esticar ao máximo o potencial de
geração de prazer desse “equipamento natural” testando, uma por uma, todas as formas
conhecidas de “identidade sexual” e talvez inventando outras mais no caminho. (p.92).
O conceito de identidade sexual tornou-se de fundamental importância para
demarcar lutas políticas. Assim, dizer “sou gay” ou “sou lésbica
8
significa assumir uma
posição política em relação aos padrões hegemônicos. Deve-se ressaltar que inclinação
sexual é um termo mais amplo do que identidade sexual. Enquanto o segundo termo está
relacionado a como o sujeito social se e como é visto socialmente, o primeiro - a
inclinação
9
sexual ou inclinação dos desejos - é a morada dos nossos amores, desejos
eróticos, nossas fantasias e paixões (Picazio, 1998). Então, o que se chama de
heterossexual, homossexual, bissexual ou pansexual não é uma condição intrínseca à
pessoa e sim sua maneira de desejar, sentir prazer ou se relacionar sexualmente com
pessoas do sexo oposto, do mesmo sexo, ou com ambas e de múltiplas maneiras.
8
Ciente de que as identidades sexuais são provisórias, mutáveis e em constante construção, aqui recorre-se a Gayatri
Spivak (que cunhou o termo essencialismo estratégico) que defende a necessidade de essencializar uma identidade como
objeto de luta política em busca do reconhecimento social.
9
Diversos autores/as utilizam o termo orientação sexual para definir como o sujeito se relaciona com o outro, no entanto
neste trabalho o termo orientação sexual será utilizado apenas quando estiver referindo ao programa de sexualidade
preconizado pelas escolas.
37
1.6- Matrizes de sexualidade: a inclinação do desejo sexual
O valor do desejo está no objeto e não no instinto ou pulsão (Freud apud
Parker, 1991)
O desejo sexual serve de modelo para uma gama maior de significados, o
conceito de satisfação está ligado ao prazer. O próprio corpo humano é
tanto objeto do desejo como fornecedor da satisfação. É uma fonte de
prazer capaz de satisfazer o desejo. (Parker, 1991)
Pensar em matrizes de sexualidade significa pensar em como as diversas formas de
viver uma identidade sexual se organizam. Ou seja, significa pensar em como se a
inclinação do desejo sexual do sujeito social. Assim, significa pensar em como o masculino
e o feminino se relacionam com os diversos sujeitos.
Vale ressaltar que, embora o desejo sexual seja inerente ao sujeito, não se pode
afirmar que sua sexualidade e as maneiras de vivenciá-la são estáticas e imutáveis, as
matrizes de sexualidade relacionadas também não são fixas e imutáveis.
Sigmund Freud, segundo Pektold (2001) e Souza (2002), desenvolveu estudos a
partir da pulsão sexual, entendendo pulsão (Trieb em alemão) como libido e dizendo que
esta é movida por uma energia que faz tender o organismo para um determinado objeto de
pulsão. Esse alvo não é biologicamente determinado, o que faz o desejo sexual ser
polimorfo. Sendo assim, independente das matrizes de sexualidade, não é possível escolher
quem dará prazer à libido, pois, essa descarga libidinal que garante prazer ao homem ou a
mulher não está diretamente relacionada ao sexo oposto e ao binômio homem – mulher.
Nessa perspectiva, o que origem às matrizes de sexualidades são as formas e as
possibilidades nas quais o masculino e o feminino se relacionam. É denominada matriz
homossexual quando a atração sexual é direcionada para pessoas do mesmo sexo biológico:
homem x homem ou mulher x mulher.
A matriz heterossexual é determinada por desejos afetivos sexuais dirigidos a
pessoas do sexo oposto. Nessa matriz, podem-se incluir pessoas que vivem diversos papeis
sociais, como os metrossexuais, uma categoria apresentada por Rodrigues (2003), como “o
38
novo homem das metrópoles – aquele que disputa o espelho com a namorada, não dispensa
maquiagem e produtos de beleza, torra pequenas fortunas em grife” (p.46). Assim, Fionna
McAffee (apud Rodrigues, 2003) define os metrossexuais como:
Caras que agem como se fossem gays, mas não são. Quando conheci meu atual
namorado, pensei que havia 30% de chance de ele ser gay. È simples distinguir os metros:
eles têm, pelo menos três pares de sapato Prada, preferem ir a uma galeria de arte do que
assistir a um jogo de hockey, usam cremes hidratantes duas vezes ao dia, no mínimo, são
loucos por vodca sabor baunilha e detestam cerveja. Ah, o mais importante: os metros,
diferentemente dos heteros clássicos, são fieis e absolutamente insaciáveis na cama
(p.46).
Outra categoria presente na matriz heterossexual são os Emos ou Emocore, uma
categoria que evoluiu e se estabeleceu no Brasil a partir da influência da música hardcore
norte-americana, em 2003, na cidade de São Paulo e se estendeu por todo país,
principalmente nas capitais do Sul e Sudeste. Esse estilo é caracterizado por jovens que
apresentam um “comportamento geralmente emotivo e tolerante e também pelo visual, que
consiste em geral em trajes pretos, trajes listrados, mad rats, cabelos coloridos e franjas
caídas sobre os olhos” (webpage, 2007). Em visita ao site www.terra.com.br/jovem
falaserio/2007 encontram-se 100 dicas de como ser um emo. Entre elas: 1- Nunca admita
que você é um emo, porque os emos que admitem ser emos são considerados poser [sic] de
emo [...]. 8- Chore por uma mosca ter pousado no seu ombro. 21- Se for do sexo feminino,
ponha algo do tipo no seu profile do orkut; Não sou produto, não à venda, não me rotule,
não me use, etc..28- tire fotos com a boca torta e cara de pensativo. 85- goste de bonecas
mesmo que você seja homem e tenha dezoito anos.
A matriz heterossexual também abriga os fashionistas que constituem sujeitos que
estão sempre na moda, conhecem e usam roupas de grife, vivem e valorizam o glamour em
todos os aspectos. O incentivador deste estilo foi o cantor Jimmy James, que compôs a
música fashionista, cuja letra valoriza todos os aspectos que esta cultura busca seguir "O
que você está usando? Schon, Jonh, Kelvin Klein”. Assim, para os/as fashionistas não
importa preço, importa a marca, os membros desta cultura procuram se vestir da melhor
forma possível. O interessante é que a maioria dos integrantes deste grupo busca frisar e
sustentar a heterossexualidade, e afirmar que gostar de moda e beleza não está relacionado
à sexualidade.
Apesar de diversos sujeitos sociais que vivenciam essas categorias (metrossexuais,
emo, fashionistas) se auto-afirmarem heterossexuais, devemos prestar uma maior atenção
39
para a necessidade inerente ao ser humano de definir e se autodefinir na matriz dominante.
Ressaltar essas categorias como pertencentes à matriz heterossexual busca justificar e
reforçar os aspectos da masculinidade hegemônica, com isso construir uma identidade
sexual única para o sujeito. Será que a amplitude das sexualidades dos metrossexuais,
dos/das emos e fashionistas não é muito maior que a dos/das heterossexuais? Será que não
se está buscando esconder ou justificar antigas práticas sexuais em novos nomes?
A matriz bissexual engloba os sujeitos do sexo masculino e feminino que desejam
os dois sexos (masculino e feminino). É a matriz que encontra maiores polêmicas. Os/as
bissexuais podem ser classificados como promíscuos ou insatisfeitos sexuais. Segundo
Riesenfeld (2002), a verdade é que grande parte das pessoas de inclinação do desejo
bissexual não revela a necessidade de definir-se como heterossexuais ou homossexuais
pois, intimamente, existe a sensação de ser bissexual. Alguns/mas bissexuais não revelam
seus desejos por medo da incompreensão, uma vez que muitas pessoas não acreditam na
existência deste tipo de desejo.
Na busca de defender a existência da bissexualidade e procurando diminuir o
preconceito que sofrem tantos dos/das homossexuais quanto dos/as heterossexuais, o grupo
norte-americano de militância bissexual Anything That Moves (Tudo que se move), lançou
uma cartilha, na qual afirmam que “algumas pessoas se sentem atraídas de verdade tanto
por homens quanto por mulheres e não é apenas uma fase” (www.mixbrasil.com.br, 2003),
assim com relatos de experiências próprias deixam claro que, embora discutido, existe o
duplo desejo. Riesenfeld (2002) afirma que muitos bissexuais dizem que se apaixonam por
uma pessoa, não por um gênero ou um sexo.
Nesse contexto, Dalboni e Velasco (2008), ao contarem histórias de jovens que
procuram parceiros, independente do sexo deles e acabam namorando mulheres, mostram
que a bissexualidade está presente no universo de muitas jovens brasileiras. Segundo as
autoras, a subjetividade mudou e a necessidade de se enquadrar em categorias de
sexualidade vem desaparecendo a cada dia, “no momento estou gay, mas nada é previsível.
Posso conhecer um homem amanhã e me apaixonar. É o presente que importa” diz uma
jovem entrevistada. Esses aspectos direcionam para o caráter construtivo da sexualidade.
Ou seja, propõem que a sexualidade na pós-modernidade seja pensada de forma fluida, em
40
constante mutação, sem essência ou rótulos. Assim, obviamente, não se pode categorizar ou
rotular as pessoas e suas sexualidades.
Deve-se deixar claro que existem três formas de canalização ou orientação do
desejo pelo outro sujeito, ou seja, homo, hetero ou bissexual. Porém existe uma enorme
gama de diversidade sexual que se pode destacar.
Os/as transexuais são aquelas pessoas que por meio de operações mudam de sexo
biológico e vão de uma identidade social de gênero à outra, pois, sentem que o corpo não
corresponde à sua alma e à sua identidade. A transexualidade não é uma inclinação do
desejo “mas uma não identificação com o corpo biológico” (Picazio, 1998, p.46). Assim,
os/as transexuais podem ser heterossexuais, homossexuais ou bissexuais dependendo da
maneira pela qual encaminham seu desejo sexual. Ressalta-se que quando se tratar de
identidade de gênero, depois da cirurgia de adequação vaginal, a transexual é categorizada
como mulher.
também os que mudam as características externas do corpo, mas conservam e
utilizam o sexo biológico de origem. Estes/as são denominados/as transgêneros. Nesse
grupo se enquadram os/as cross-dresser que, segundo Cia (2003), são aqueles/as que “se
vestem com roupas do sexo oposto por se sentirem bem assim. Na maioria das vezes com
finalidades sexuais.” Os/as travestis transformam o corpo colocando silicones e próteses
para ficarem parecidos com a mulher, porém preservam seu sexo biológico. As/os drag-
kings são mulheres que se vestem de homens e se comportam de forma masculinizadas. Já
os/as drag-queens são homens que se vestem de mulher e se comportam de forma feminina.
Nessas duas categorias (drag-king e drag-queen) tanto os rapazes como as moças exageram
nas características femininas ou masculinas apenas em horários específicos, criam
personagens para brincar, de forma caricata, com os papeis sexuais. No entanto, os/as
transformistas se transformam no sexo oposto, sem o exagero das/dos drags. Torna-se
relevante assinalar que o movimento travesti, enquanto luta política, não aceita ser
identificado como transgênero. Normalmente, na busca de definir a ambigüidade entre as
travestis e as transexuais, além da cirurgia, pode-se usar a relação com o próprio pênis para
diferenciar as duas categorias, as travestis aceitam e utilizam o pênis como objeto de
sexualidade e prazer, já as transexuais o rejeitam.
41
Os/as hermafroditas são aquelas pessoas que nascem com os dois sexos biológicos.
Assim, sua identidade sexual será determinada pela forma como é tratado na infância e seu
desejo sexual poderá ser homo, hetero ou bissexual.
Podem-se ainda destacar os/as pansexuais como aqueles/as que envolvem sua
sexualidade de múltiplas maneiras e os/as assexuados, que não possuem vida sexual.
Nessa perspectiva, durante sua vida, o sujeito pode viver diversas experiências
sexuais, sentir diversos desejos, seja por curiosidade, por necessidade e não se enquadrar
diretamente nas orientações de desejo sexual correspondente. Tudo isso ocorre dado o
caráter polimorfo da sexualidade, em que sexo/gênero/desejo são distintos em um sujeito,
não podendo trabalhar com a “premissa que diz que um determinado sexo indica um
determinado gênero e este nero, por sua vez, indica ou induz um desejo” (Louro, 2004).
Weeks (2001) oferece alguns exemplos: “há pessoas que se identificam como gays e
participam da comunidade gay, mas que podem não ter qualquer atividade sexual
homossexual. E outras podem ser homossexualmente ativas (por exemplo, na prisão), mas
recusam o rotulo de homossexual” (p.72).
Depois de tudo o que foi dito, pode-se concordar com o pensamento de Trevisan
(1998) ao afirmar que:
a polivalência humana acabou sendo comprimida em categorias compartimentais como
hetero, homo e bissexualidade, a partir de definições dualísticas que se baseiam no certo e
errado, natural e antinatural, etc. Ora, tais categorias seriam dispensáveis se o macho
hegemônico não precisasse se defender tanto de si mesmo[...] a sexualidade humana
floresce como uma vivência policrômica, sem necessidade de categorias escritas, nem
muito menos juízos morais daí derivados, valendo apenas os limites do convívio social
(p.200).
A novela Duas Caras escrita por Aguinaldo Silva e apresentada pela Rede Globo
de Televisão, em 2008, trouxe tal questão à tona. O referido autor apresentou, no horário
nobre, o caso de um rapaz, considerado pela família como homossexual, que viveu um
triângulo amoroso com uma mulher e outro rapaz. Na referida novela, o autor utilizou-se
das diversas possibilidades de arranjos sexuais para a construção dos personagens,
“triângulo, diga-se de passagem inédito na TV. E que vai gerar um filho” (Antunes, 2007,
p.9). Torna-se de fundamental importância destacar que o personagem em questão,
Bernardinho, segundo Antunes (2007), foi considerado, em pesquisa da emissora, como um
dos mais populares da trama das 21 h e o ator que o interpretou como a grande revelação da
novela. Será que essa discussão e aceitação popular contribuíram para a desconstrução do
42
mito da masculinidade hegemônica? Será que esses questionamentos conseguiram
atravessar os muros escolares? Assim, deve-se concordar com a opinião do ator Thiago
Mendonça, que viveu o personagem na novela, “é importante despertar um diálogo de algo
tão encruado, tão carregado de preconceitos” (Ibid, ibid), pois, por meio das discussões,
pode-se ampliar o campo de visão das pessoas e conseqüentemente a aceitação e o respeito
às múltiplas identidades sexuais vivenciadas pelos seres humanos. Assim, abrem-se
caminhos para discutir as diversas formas de masculinidades
10
.
1.7- Políticas de masculinidades: repensando masculinidade e masculinidades
À proporção que masculino e feminino se misturam num indivíduo, está
sujeita a flutuações muito amplas. (...) e aquilo que constitui a
masculinidade ou a feminilidade é uma característica desconhecida do
alcance da anatomia. (Freud apud Ceccarelli)
Discutir conceito de masculinidades é enveredar por amplos caminhos, é pensar
em diversas influências e em relações de poder e saber que constroem e determinam o
masculino. Então, para a realização deste trabalho, apesar da grande e inegável contribuição
do pensamento psicanalítico de Freud, optou-se por trabalhar com a contribuição da
antropologia, que defende a masculinidade como uma construção social que se por meio
de diversos rituais e da cultura de um determinado povo e de um determinado momento
histórico.
Para Connell (1995), masculinidades é uma configuração prática em torno da
posição dos homens na estrutura das relações de gênero e seus efeitos nas experiências
físicas, pessoais e culturais. Como existem diversas formas de se construir uma
masculinidade, esse termo deve aparecer no plural. Assim, masculinidades são práticas
diárias nas quais garotos são engajados, enfatizando agência (Frosh, Phoenix & Pattman,
2002). Nesse sentido, as masculinidades são construídas e reconstruídas, não podendo ser
10
Para justificar a opção de se trabalhar apenas masculinidades inspirou-se em Frosh, Phoenix & Pattman (2002) que se
utilizam das pesquisas realizadas por Mac na Ghaill e Sewell para ilustrar como as masculinidades são estruturadas como
relações de poder e como são mediadas pela construção da feminilidade. O masculino só pode ser entendido em relação ao
feminino e em uma cultura específica. Contudo, ao mesmo tempo em que os conceitos de feminilidade são construídos a
partir da masculinidade, ela também se torna um referencial para masculinidade.
43
tomadas como realidades imutáveis e objetivas, estando sempre mudando de acordo com a
história e a cultura, bem como estão sujeitas às relações de poder. Então, para ser homem é
preciso tornar-se homem (Badinter, 1993), o que sugere que o caminho para concretizar as
regras da masculinidade precisa ser construído e conquistado. A possibilidade de se desviar
desse caminho é uma constante ameaça na vida dos sujeitos. A mesma autora afirma que
“será um pouco mais demorado e um pouco mais difícil fazer um homem do que uma
mulher” (Badinter, 1993, p.189), reafirmando o processo de construção da masculinidade.
Segundo Badinter (1993), a virilidade não é um dom. Ao contrário, deve ser
“fabricada o homem é uma espécie de artefato” (p.4). Porém, essa fabricação pode estar
relacionada às visões de masculinidade preconizada por Connell (1995): essencialista (em
que o conceito está relacionado à hereditariedade biológica e representa o gênero como
algo estável e imutável); positivista (que define o masculino como uma estrutura única
ahistórica); normativa (que define uma masculinidade como padrão e indica como os
homens devem ser e se portar); e a semiótica (em que masculino e feminino são definidos
através de símbolos e o masculino é definido pelo não ser feminino). Essas teorias vão
configurar o modelo de “masculinidade tradicional”. Tais modelos vêm ao encontro do
modelo de gênero patriarcal, que constitui um sistema de inter-relações masculinas com
base material que [...] estabelece interdependência e solidariedade entre os homens, de
modo a facilitar-lhes o domínio das mulheres” (Hartmann, apud Trevisan, 1998, p. 29).
Assim, a estrutura patriarcal, instaurada pela ideologia e consolidada por meio do
senso comum e pelo poder, cria regras e define o masculino como o ativo e o feminino
como passivo, destaque para a força masculina em contraste com a delicadeza feminina
e produz as masculinidades hegemônicas. Deve-se ressaltar que, numa cultura patriarcal, a
diferença é sempre lida em termos hierárquicos, tendo o masculino como pólo de
autoridade. Então, a diferença se torna diferença/dominação (Connell, 1995). Isso faz crer
que as organizações familiares chefiadas pelo pai são normais e que o poder, a dominação,
a força e a violência do masculino são inerentes ao homem/ heterossexual.
Vive-se em uma sociedade falocêntrica, onde o macho “se define pelo seu pênis:
nele repousa a raiz do conceito de masculinidade” (Trevisan, 1998, p.52). Torna-se
relevante destacar que, em linhas gerais, o pênis está relacionado ao órgão masculino real e
44
que o falo possui valor semiótico
11
. É o símbolo de virilidade, de força, de libido. Desse
conceito surge à referência de força para aquele que penetra, “aquele que afunda na
alteridade, na ilusão de se apossar dela” (Trevisan, 1998, p.46). Como exemplo deste poder
falocêntrico, tem-se o fato de que para elogiar um homem basta afirmar que ele é homem
ou macho (Badinter, 1993; Bourdieu 1995) e para ofendê-lo basta chamá-lo de
desmunhecado ou simplesmente duvidar de sua masculinidade. Outro exemplo encontra-se
nas conversas entre homens: é a associação da masculinidade ao tamanho do pênis.
Recorda-se a eterna brincadeira entre garotos de medir o tamanho do pênis: o possuidor do
maior acaba sendo determinado o mais másculo do grupo. Essa assertiva é ratificada por
Parker (1991): “se os termos mais comumente utilizados para falar do pênis enfatizam sua
força e seu potencial para violência, os da vagina conjuram um sentido de inferioridade e
imperfeição. Se o macho é caracterizado por posse de uma arma potente, a fêmea o é por
termos de uma fissura entre as pernas” (p.67).
Nesse aspecto, o pênis confirma e reforça o poder do homem. Bourdieu (1995)
compara sexismo ao racismo como forma de essencialismo quando acentua “ele visa
imputar diferenças sociais [...] a uma natureza biológica funcionando como uma essência
onde se deduzem implacavelmente todos os atos da existência” (p.145). A partir do
momento em que esse poder é legitimado pelo senso comum, torna-se fato naturalizado no
cotidiano dos sujeitos e se torna de difícil desenraizamento. Assim, Bourdieu (1995)
destaca que “a dominação masculina está suficientemente assegurada para precisar de
justificação: ele pode contentar em ser e em dizer nas práticas e discursos que enunciam o
ser como se fosse uma evidência” (p.137).
O mesmo autor também afirma que ser homem é estar instalado numa posição que
implica privilégios, poderes, mas, sobretudo, deveres e todas as obrigações inscritas no
modelo tradicional de masculinidade. Esse modelo é caracterizado pela detenção do poder
de se definir e definir os outros, pela racionalidade, pela cultura, sendo marcado, segundo
Connell (1995), por uma heterossexualidade compulsiva, uma heterossexualidade forçada e
exigida pela sociedade. Bourdieu (1995) acrescenta: “o dominante é também dominado,
mas por sua dominação” (p.158), pois, “adquirir a masculinidade implica o risco de perdê-
la” (Ceccarelli, 2003). Tal fato fica evidente em nossa sociedade quanto se percebe a
11
A teoria lacaniana do primado do falo que não deve ser confundido com sexo real, biológico, a que chamamos
acabou de dar ao sexo masculino um status incomparável (Badinter, 1993, p.139).
45
necessidade de auto-afirmação de muitos homens - como homens, principalmente com a
difusão da nova cultura metropolitana, ou seja, com o impacto de metrossexuais,
fashionistas ou emos sobre as ordens de gênero.
Contudo, assim como a sexualidade, as identidades sociais de gênero, as
identidades sexuais são um construto social. Nessa perspectiva, sendo a masculinidade uma
construção social, a heterossexualidade, adotada como modelo hegemônico, também é
produto de uma construção e não um desejo inato. Esse ponto de vista começou a modificar
e a revolucionar o pensamento das pessoas a partir das décadas de 1960 e 1970, com o
surgimento dos movimentos feministas, de gays e de lésbicas. Assim, atualmente, o
masculino sofre diversas investidas e transformações de cunho universal. Seus mitos
revelam-se fragilíssimos, vitimados pela própria ilusão do masculino que a sociedade
patriarcal esmeradamente veio criando para a construção do verdadeiro homem (Trevisan,
1998).
Desencadeia-se uma crise da/na masculinidade, uma vez que o conceito de
masculino passa a ser questionado e o homem se vê diante de um velho modelo de
masculino tradicional e rejeitado, enquanto o novo modelo busca a construção de novas
masculinidades. Porém, essa vontade de reconstruir uma nova masculinidade faz com que o
sujeito retome diversos aspectos da masculinidade tradicional. Assim, valorizam-se
elementos exteriores que ressaltem a virilidade ou a obsessão pelo trabalho, que são
bastante admirados. Esse culto à masculinidade fez nascer modelos masculinos como
Silvester Stalone e Jean Claude Van Dame, que ilustram o modelo cowboy (Connell, 1995)
ou o body buildier (Badinter, 1993), que passa horas numa academia para construir seu
corpo.
Connell (1995) como causas da crise da masculinidade três mudanças na
estrutura social dos gêneros: (1) As relações de poder, destacando o colapso na
legitimidade da estrutura patriarcal; (2) As relações de produção, em que diversos postos
de trabalho são ocupados por mulheres; (3) - As relações de cathexis (relações sexuais e
afetivas), principalmente a partir da estabilização das relações entre gays e lésbicas, que se
tornam públicas em nossa sociedade, como alternativa à heterossexualidade. Soma-se a
isso, diversos fatores sociais como o desemprego, o descontrole da agressividade (típica do
46
masculino hegemônico), a impotência sexual, a luta feminina pelo prazer e pelo direito de
utilizar o próprio corpo, o exagerado peso do compromisso de ser/pertencer ao masculino.
se percebeu em diversos países, no bojo da crise masculina, o aparecimento de
um ser híbrido, mais pela perplexidade psicológica do que pela mudança real: o homem
“mole”. Trata-se daquele que se sente culpado pela crescente recusa dos valores masculinos
hegemônicos, aos quais estava acostumado, estando, assim, desestruturado e
desamparado. Contudo, é aquele que renunciou aos valores de virilidade e adotou valores e
comportamentos femininos. Porém, não se trata do homem maricas, mas simplesmente do
macho inseguro em busca de uma nova masculinidade. (Badinter, 1993).
A masculinidade transforma-se em uma questão de estudo de historiadores,
cientistas sociais, psicólogos, entre outros, começando-se a descobrir e constatar uma
enorme diversidade de masculinidades, que coexistem no mesmo espaço e tempo. Segundo
Connell (1995), o Movimento de Liberação dos Homens pressupôs que a consciência
histórica sobre masculinidade pudesse definir o objetivo da política. Então, começam a
surgir quatro novos tipos de masculinidades tendo como base as relações de gênero. O
autor apresenta esses novos tipos de masculinidades, vistos, como políticas da
masculinidade:
1 Terapia da masculinidade: um movimento surgido como reação ao desconforto sentido
por homens heterossexuais frente às incertezas em relação ao gênero. Normalmente os
brancos, classe média e de meia-idade são os clientes dessa terapia. Eles buscam a atenção
que as feministas conseguiram para os problemas das mulheres.
2- O lobby das armas: É a política que exalta a força e o poder dos homens e possui uma
extensa pauta antifeminista. Está relacionada à cultura, à política e aos negócios, e reúne
como referência elementos da masculinidade hegemônica e das masculinidades
marginalizadas (jovens das classes operárias), em que um modelo dominador e violento de
masculinidade é o objetivo.
3- A liberação gay: Política que criticou os estereótipos criados tanto para os gays quanto
para a masculinidade hegemônica, contestando e desconstruindo as identidades legitimadas.
Segundo Trevisan (1998), “a infiltração homossexual no âmago masculino cumpre uma
importante tarefa no cenário da crise porque acirra as contradições, ao tirar a máscara da
virilidade” (p.194). Esse fato evidencia a importância da problematização da
47
homossexualidade para o desencadeamento da crise da masculinidade. Como destaca
Trevisan (1998), “o masculino em crise não existe sem a homossexualidade
problematizada” (p.194).
4- Política de saída ou política transformativa: Fruto do movimento “anti-sexista entre os
homens heterossexuais”, busca um novo caminho para as estruturas patriarcais, além de
uma transformação nas formas de masculinidades existentes. Como a política de liberação
gay, valoriza a desconstrução das identidades hegemônicas e a construção de novas
masculinidades, em que o homem possa dividir todas as atividades com a mulher.
Contudo, a despeito de diferenças que possam ocorrer no contexto brasileiro, a
visão de Connel pode contribuir para melhor se compreender como a questão vem sendo
tratada no mundo anglo-saxônico e para estimular reflexões que considerem nossa
realidade.
Nessa perspectiva, homens aprendem a se tornar homens por meio dos projetos de
gênero masculino com os quais se envolvem e pelo pertencimento a determinados grupos
(Moita Lopes, 2002). Existe uma complexidade de regras e maneiras para se construir e se
fazer pertencer ao modelo de masculinidade hegemônica enraizado na sociedade. Em
nossa sociedade o domínio discursivo da masculinidade hegemônica ainda é muito forte e
sufoca ou desconsidera diversas outras formas de masculinidades.
Como efeito dessa busca por novas identidades e masculinidades tem-se, em
paralelo, o medo de se perder a mesma masculinidade: acentuam-se, na sociedade, aspectos
homofóbicos, ou seja, aversão à homossexualidade. Essa atitude homofóbica acaba por
estabelecer padrões para a heterossexualidade e criar seus mecanismos de defesa contra a
homossexualidade. Assim, separa-se o que é considerado como masculinidade verdadeira
do modelo que deve ser rejeitado e estigmatizado.
Um aspecto que se deve ressaltar é a amizade entre os homens, que, embora não
valorizem, como as mulheres, uma amizade íntima, procuram se organizar em grupos (seja
para jogos ou diversão em bares), sempre mantendo uma certa distância do emocional.
Sempre que estão em grupos, porém, pode-se notar a presença de elementos como
competição, agressividade e violência. Assim, esses homens fazem questão de exaltar a
virilidade e a força como forma de destacar a masculinidade (Badinter, 1993).
48
Porém, principalmente em jogos, surge o momento no qual eles têm possibilidade
de se agarrar, de se tocar, se abraçar, sem gerar vidas ou suspeitas de homossexualidade.
Para denominar esse tipo de relação entre homens, Eve Sedgwick (apud Trevisan, 1998)
utilizou “o neologismo homossocial que definiria genericamente os elos sociais entre
pessoas do mesmo sexo” (p.150). A autora destaca que o homossocial difere do
homossexual, uma vez que o segundo termo se refere a sexualização dessas relações. Em
relação ao universo feminino, essa diferenciação entre o homossocial e o homossexual “é
menos acentuada, criando um continuum entre ambos, através das emoções e interesses
mútuos” (idem, p. 150). Já no masculino, essa relação é desprezada e interrompida pela
homofobia. Segundo o citado autor, muitas feministas não acreditam que o universo
masculino despreze esse continuum, pois acreditam que esse desejo homossocial masculino
é ou pode ser um desejo entre homens. Assim, “para que uma relação social e política entre
homens se torne sexualizada, basta que haja condições históricas e culturais” (idem, 151).
Em síntese, o desejo está presente em todas as relações sociais e pode ser manifestado tanto
pelo amor quanto pelo ódio.
Esse aspecto da homofobia é reconhecido por Mott (2002), que argumenta que
jovens podem espancar, violentar e assassinar os gays com o objetivo de se sentirem fortes
e poderosos, confirmando, assim, sua masculinidade e heterossexualidade, buscando afastar
qualquer resquício de homossexualidade. Perktold (2001) reafirma esse ponto de vista ao
dizer que o/a homossexual (vitima da violência) “tem algo que o sujeito tem e não aceita
em si e, ao se defrontar com ele, esse funciona como um espelho refletindo seu interior [...]
ele no outro aquilo que odeia em si. Na sua fantasia, acredita que, destruindo o espelho,
destrói sua imagem.” Infelizmente, pode-se citar como exemplo, o caso acontecido no dia
30 de novembro de 2007, com o jovem Ferruccio Silvestre de 19 anos que, ao sair de uma
boate gay em Niterói, foi espancado por um grupo de três rapazes, que se sentiam
incomodados com a presença de homossexuais. No entanto, a violência não terminou nesse
ato. Segundo o jornal “O Globo” foi:
criada no site de relacionamentos Orkut, a comunidade ‘Ferruccio devia ter apanhado
mais’ para quem acha que ele apanhou pouco, reunia até o fim da tarde de ontem 233
pessoas fazendo comentários homófobos contra o rapaz, homossexual assumido, e os
gays. Entre os tópicos discutidos no fórum estavam: ‘kill them all’ (mate-os todos), ‘o
que você usaria para bater nele’ e ‘só bateram’ (Autran, p.25, 14 de dezembro de 2007).
49
Esse acontecimento exemplifica não o medo e a ameaça que o homossexual
causa ao masculino hegemônico, como também expressa a urgente necessidade de apoio à
luta pelos direitos humanos, pelo reconhecimento e pela valorização das diversas
identidades sexuais e, principalmente, pela necessidade de um trabalho de educação
visando ao conhecimento da pluralidade do masculino.
A partir da negação de outra identidade, o heterossexual busca, pela agressão,
reafirmar a identidade hegemônica. Conforme Trevisan (1998), “os recalques do masculino
são uma bomba-relógio que pode explodir ao menor sinal propício para que o recalcado
cobre seu preço. A irracionalidade implícita na tragédia evidencia como a sombra se vinga:
um homossexual conflituado torna-se assassino furioso para provar não ser homossexual”
(p.199). Confirma-se, dessa maneira, o efeito da crise do masculino.
1.8 - Identidades subalternas ou marginalizadas
Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria
Que o mundo masculino tudo me daria
Do que eu quisesse ter
Que nada, minha porção mulher
Que até então se resguardara
È a melhor porção que trago em mim agora
É o que me faz viver
Quem dera todo homem pudesse compreender...
(Gilberto Gil)
Para compreender identidade e sexualidade deve-se pensar em relações de poder,
relações de representação e relações políticas nas quais diversos grupos são representados a
partir daqueles que possuem as suas identidades reconhecidas e legitimadas. Nesse aspecto,
“no regime dominante de representação, é a norma que regula todas as identidades” (Silva,
2001, p.49), fazendo com que as outras sejam sempre subordinadas a elas. É obvio que as
identidades que se destacam como norma (homem/branco/heterrosexual/cristão) não
aparecem como tal, o outro é quem carrega a representação.
50
Silva (2001) afirma que “a identidade subordinada é sempre um problema: um
desvio da normalidade” (p.49). Exemplifica com aspectos relevantes no processo de
construção da identidade negra
Numa sociedade em que o regime dominante de representação privilegia a cor branca, a
desonestidade de uma pessoa branca é apenas isso: a desonestidade de uma pessoa
(“normal”). Em troca a desonestidade de uma pessoa negra pode representar a
representação natural de todas as pessoas negras à desonestidade.
O mesmo acontece com as identidades sexuais, nos quais o homossexual se vê
subordinado ao heterossexual. Um exemplo significativo foi o surgimento da AIDS,
quando ficou mundialmente reconhecida e estigmatizada como “câncer gay” , condenando
todos os homossexuais. Considerem-se também as diversas justificativas sobre como o
sujeito que é pedófilo ou mata mulheres é um gay enrustido.
As identidades subordinadas são construídas na base de estereótipos, em que “a
complexidade do outro é reduzida a um conjunto mínimo de signos: apenas o mínimo
necessário para lidar com a presença do outro sem ter que se envolver com o custoso e
doloroso processo de lidar com as nuances, as sutilezas e as profundidades da alteridade”
(Silva, 2001, p.51). Com isso, tal como na ideologia e no senso comum, o estereótipo
constrói esse outro como um sujeito abjeto, sem fragmentações, sem brilhos e valores.
Ao ser marginalizada, a identidade social passa a ser vista como a “outra” e se
torna uma “identidade vulnerável à violência” (Britzman, 1996). Essas identidades
fragilizadas fazem com que o sujeito se esconda entre as máscaras do seu não-ser,
aumentando a força e a prepotência do dominador (Leers, 2001). Então, essas identidades
são as maiores vitimas da discriminação, da violência, da homofobia, conforme atesta Mott
(2007): “provavelmente, se se fizer um levantamento in loco, raro será o município
brasileiro, inclusive no interior do Piauí, onde os habitantes locais não se recordem de um
ou mais homossexuais assassinados, nos últimos anos.” (p.28).
Nessa perspectiva, a identidade sexual subordinada se torna, para o sujeito, seu
“capital sexual” (Briztman, 1996), ou seja, sua moeda de troca, aquilo que ele/ela pode
revelar ou aquilo que deve ser negado em determinado momento.
Porém, essa negociação ocorre de forma conturbada. Como a sociedade cria
regras, muitas vezes cruéis, a identidade subalterna, neste caso, o sujeito homossexual, se
inserido em uma sociedade onde ser homossexual é sinônimo de pecado, onde ser gay
ou lésbica é errado e, então, se construído como o anormal ou o doente que precisa ser
51
curado. Ceccarelli (2003a) testemunha como uma identidade sexual marginalizada é
construída: “sempre me lembro de uma pessoa que tive em psicanálise, que me disse;
‘primeiro aprendi que ser homossexual era anormal. Depois descobri que era homossexual,
ou seja, que era anormal’”. Entende-se porque essa pessoa foi procurar um psicólogo: se
era doente, precisava se tratar.
Assim, as identidades marginalizadas são marcadas, sempre por binômios opostos
às identidades legitimadas: normal/anormal, sadio/doente, certo/errado. Tais sujeitos são
marcados como desviantes das regras sociais. São essas marcas que incentivam as lutas
políticas em busca do reconhecimento e legitimação das diversas identidades.
Então, salvaguardando as diferenças internas, diversos grupos considerados
subordinados se unem em busca de seus direitos como cidadãos/ãs e como forma de impor
suas múltiplas identidades à sociedade. Não está se falando em identidade grupal, pois, “a
teoria pós-moderna ou pós-estruturalista ortodoxa defende que a individualidade é tão
extensa que não temos condições de falar sobre grupos” (Moraes, 2002, p.70). Assim, fala-
se em grupo no sentido de reunião de pessoas que buscam um “projeto comum” e que
obviamente devem “suportar as diferenças internas, ou seja, as particularidades de seus
membros” (Ceccarelli, 2003 a), o que indica o surgimento das políticas de identidades.
1.9-Políticas de identidades
Moreira (2005) recorre a Ball para definir política como um conjunto de
tecnologias e práticas que se desenrolam, em meio a lutas, em cenários locais, em situações
de dominação, resistências e caos, ocupando, também, um terceiro espaço, onde estão
presentes preocupações, demandas, pressões, propósitos e desejos, nem sempre
convergentes. Será nesse terreno, complexo pelas ambigüidades e diferenças de seus/suas
integrantes, que a luta política em prol do reconhecimento e da valorização das múltiplas
identidades sociais e sexuais acontecerá.
Identidade é vista como construção, como relação de poder, na qual um grupo
define o outro ao criar seu estereótipo. Assim, todos os questionamentos lançados sobre
52
definições e construções, sobre símbolos e linguagens utilizadas pelos grupos hegemônicos
para definir o ser como se fosse “o ser”, constituem a política de identidades.
Será por meio dessa política que os sujeitos subordinados contestarão a hegemonia
da identidade dominante. Os sujeitos associados às identidades marginalizadas ou
subalternas reivindicam o direito de se representarem e de se construírem como sujeitos de
suas histórias.
A política de identidade reúne duas dimensões do conceito de representação (Silva,
2001). A primeira se apresenta como delegação, ou seja, quem tem o direito de representar
quem, o que é a base dos regimes democráticos. A segunda é a representação como
descrição, que diz respeito a como os diferentes grupos sociais e culturais são apresentados
no mundo social. Esse aspecto torna-se de fundamental importância para a luta política,
porque desafia quem fala pelo outro, quem representa e constrói o outro.
No que se diz respeito à sexualidade, ao desafiar a supremacia ou o monopólio do
masculino, heterossexual e branco na Ciência, nas Artes, ou na Lei, as chamadas
“minorias” se afirmam e se autorizam a falar sobre sexualidade (Louro, 2003a). Essas
minorias buscam desconstruir os estereótipos e apresentar para a sociedade a complexidade
de suas subjetividades, destacando sua fluidez, suas nuances, suas contradições.
1.10- A Homossexualidade como política de identidade
Sou a melhor pessoa que posso ser e não posso ser diferente. Eu sou
quem sou e isso não me faz nem melhor nem pior que ninguém. Se não
podem me aceitar simplesmente assim, como sou e nada mais, sinto
muito, mas não posso me converter no que não sou. (Riesenfeld, 2002,
p.32)
Fazer das homossexualidades uma questão política é o nosso maior
desafio. (Golin, 2002, p.159)
Deve-se destacar que a homossexualidade e o sujeito homossexual são criações do
século XIX. Porém, esse projeto de identidade homossexual pode ou deve ser
53
compreendido como um programa de luta de um grupo social “que tenta conquistar o
direito de uma identidade de grupo, resguardando as diferenças internas” (Moraes, 2002,
p.70).
Esses termos surgiram a partir da definição do escritor austro-húngaro Karl
Kertbeny que, em 1869, definiu homossexualidade como uma variante benigna da
heterossexualidade. No entanto, posteriormente, o sexólogo Richard Von Krafft-Ebing, em
uma releitura negativa, apresentou a homossexualidade como desvio, doença e algo
anormal. Desencadeou-se, assim, a construção de um discurso em que o homossexual teve
sua identidade sexual marcada pela negação e pelo silêncio.
A partir da década de 1970, diversos grupos homossexuais, principalmente na
Inglaterra e Estados Unidos, começaram a promover reuniões, a sair da clandestinidade e
do isolamento. A revolta dos freqüentadores do bar Stonewall, em Nova York, contra as
investidas policiais, em 1969, pode ser citado como um dos exemplos das lutas em prol do
reconhecimento da identidade, uma vez que a data da revolta, 28 de junho, é reconhecida
internacionalmente como o “dia do orgulho gay” e concentra uma série de comemorações
em todo o mundo.
Desde então, foram desenvolvidos diversos símbolos e signos para marcar a luta
política em prol do reconhecimento dos/das homossexuais como seres humanos e
portadores/as, como todos/as, de direitos e deveres. O triângulo rosa que na Segunda
Guerra Mundial foi utilizado de forma pejorativa para separar homossexuais judeus e não
judeus nos campos de concentração, passou a ser utilizado “como símbolo de significado de
lutas, de uma nova política de liberdade de assumir, e de construção da identidade gay” (Sá,
2007, p.103).
No Brasil, cantores como Caetano Veloso, Ney Matogrosso e Serguei, bem como
o grupo de atores bailarinos Dzi Croquettes são considerados como artistas precursores em
apresentar ao público questionamentos sobre os limites do masculino/feminino. No começo
dos anos setenta, Caetano Veloso e Ney Matogrosso usavam baton e dançavam nos palcos,
com posturas corporais e indumentárias distintas das normalmente usadas por homens.
Serguei apresentava diversas performances também com roupas extravagantes e muito
rebolado em suas coreografias. Já os Dzi Croquettes, seguindo os moldes dos gender
fuckers (rompe neros) americanos, apresentavam espetáculos de dança em que homens
54
másculos e musculosos mostravam seus físicos atléticos e bem delineados em cima de
saltos, lios postiços, sutiãs e peitos cabeludos. Segundo Fry e MacRae (1985), o show,
de imenso sucesso, começava com a declaração Nós não somos homens, nem somos
mulheres. Nós somos gente, computada igual a vocês’ e continuava com trejeitos e
micagens nem viris, nem femininas (ou, se preferirem, tão viris quanto femininas) num
deboche apoteótico dos papéis sexuais convencionais” (p. 19). Assim, para Trevisan
(2002) esse grupo iniciou, no Brasil, um importante debate de política sexual, pois colocou
em xeque os papéis sexuais e introduziu outras possibilidades de ser gay. Foram eles que
trouxeram para o Brasil o que de mais contemporâneo e questionador havia no movimento
homossexual internacional, sobretudo o americano.
Em paralelo, o abrandamento da ditadura militar e, posteriormente, a anistia dos
exilados, favoreceram a eclosão, no país, do Movimento de Liberação Homossexual.
Assim, surgiu no Rio de Janeiro, em 1978, o jornal “O Lampião”, editado por onze
homens, jornalistas, intelectuais e artistas, respeitados em seus campos de atuação, que
buscavam uma aliança entre homossexuais e as demais minorias como negros, índios,
mulheres. Fry e MacRae (1985) afirmam que o jornal “foi de grande importância na medida
em que abordava sistematicamente, de forma positiva e não pejorativa, a questão
homossexual, seus aspectos políticos e existenciais” (p.21).
Nesse mesmo ano, a primeira Associação de Homossexuais foi fundada o grupo
SOMOS e, logo a seguir, diversas outras associações foram sendo criadas. Atualmente, o
mais antigo grupo militante pelas questões homossexuais é o Grupo Gay da Bahia (GGB),
fundado em 1980, pelo Doutor em Antropologia e professor da Universidade Federal da
Bahia, Luiz Mott.
Assim, vai-se afirmando a identidade homossexual, na qual reconhecer-se passa a
ser tanto uma questão pessoal quanto política. “O dilema entre ‘assumir-se’ ou ‘permanecer
enrustido’ (no armário closet
12
) era considerado um divisor fundamental para a
comunidade” (Louro, 2004, p.32). Tornar pública a sexualidade, sair do espaço privado e
provocar discussões era de fundamental importância para a solidificação de um grupo que,
12
Epistemologia do armário – Eve Sedgwicck (2007)
55
ao mesmo tempo, se mostrava igual, mas, na essência, muito diferente. Nela, cada membro
possuía suas individualidades.
A política de identidade dos anos setenta possuía um caráter unificador e
assimilacionista, buscando a aceitação e a integração dos/as homossexuais no sistema
social, sem contudo se preocupar com as tensões internas que existiam no grupo. Como a
preocupação era trabalhar com uma identidade homossexual unificada, nesse período
realizou-se uma política de identidade excludente, pois os interesses e as diferenças internas
inerentes a cada grupo (gays, lésbicas, travestis, sadomasoquistas, entre outros/as) não eram
levadas em consideração (Louro, 2004).
É importante destacar que, com o decorrer do tempo, o termo homossexual deixou
de dar conta da série de identidades a ele associadas e diversas outras identidades
começaram a emergir, como as lésbicas, os/as transexuais, os/as bissexuais, fundando suas
próprias associações, em busca de uma maior visibilidade política e social. Em 1980, as
lésbicas, que integravam o grupo SOMOS de São Paulo, fundaram o Grupo de Ação
Lésbico- Feminista, abrindo, então, espaço para que outros grupos fossem criados.
Nesse mesmo ano, 1980, aconteceu em São Paulo o Primeiro Encontro Brasileiro
de Grupos Homossexuais Organizados. Na ocasião, se contabilizavam nove grupos em
todo o país. Naquele momento, buscou-se discutir a relação entre o movimento
homossexual e os partidos políticos e as formas de atuação e de organização.
O trabalho coletivo - a política de identidade - liderado pelo Grupo Gay da Bahia,
conseguiu eliminar o código 302.0 do INPS, que classificava a homossexualidade como
doença mental. Em 1985, O Conselho Federal de Medicina e Organizações Cientificas
Brasileiras passaram a reconhecer a homossexualidade como uma orientação
13
do desejo
sexual e não mais como uma doença, antecedendo a Organização Mundial de Saúde que,
em 1993, eliminaria o homossexualismo
14
do seu CID (Cadastro Internacional de Doenças).
Nos anos de 1980, emerge a Aids e, com ela, uma urgente necessidade de
mobilização, uma vez que os homossexuais masculinos eram apontados como “grupo de
risco”. O primeiro órgão do governo a se preparar para a epidemia foi a Secretaria de Saúde
13
Equivaleria aqui utilizar o termo inclinação do desejo
14
Por isso o movimento homossexual indica que não se deve utilizar o termo homossexualismo (para não se remeter a
doença). O termo bastante utilizado é homossexualidade. Porém diversos autores (Freire, 1994 e Moita Lopes, 2002, 206)
utilizam o termo homoerótico.
56
de São Paulo que criou, em 1983, o programa DST-AIDS, como meio de auxiliar a divulgar
formas de contágio e tentativas de prevenção. Em todo o país surgiram grupos militantes
para atuar junto aos profissionais de saúde.
Criaram-se também ONGs, lançaram-se diversas campanhas e promoveram-se
diversos debates sobre a doença. Com essa mudança de contexto social, mudaram também
as perspectivas do movimento homossexual. Nos anos 90, surgiram militantes
homossexuais de perfil mais profissionalizado e mais visível na dia, no estilo porta-voz,
atuando diretamente nas cúpulas do poder (Trevisan, 2002). Assim, “graças à Aids, nunca
se falou tão abertamente da homossexualidade, o que trouxe efeitos positivos para luta
pelos direitos homossexuais e a sua necessária visibilidade social” (Ibid, ibdi, p.370),
embora, como efeito contrário, a doença, estigmatizada como “peste gay”, reforçou a
homofobia. Os/as homossexuais, transformados/as em algozes da humanidade, sofreram,
sobretudo em sua estrutura emocional, as ressonâncias sociais.
Nesse mesmo contexto, promulgou-se a Constituição Federal em 1988,
evidenciando que a voz das minorias foi escutada pelo poder político. Exemplifique-se com
os Objetivos Fundamentais da República, Artigo 3°, parágrafo 4°: “Promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”. Assim, o Congresso Federal reconheceu aos brasileiros não o direito de
ser “diferente”, como também o direito de igualdade perante a lei.
Deve-se ressaltar, no entanto, que, falar de igualdade e diferença, não significa
pensar em uma forma neutra, ou seja, pensar em direitos iguais para todos. Segundo
Boaventura de Souza Santos (1999) “temos o direito de ser iguais sempre que a diferença
nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza”
(p.339). Deve-se ressaltar, todavia, que o artigo da Constituição Federal não trata
especificamente de questões homossexuais ou do reconhecimento das causas preconizadas
pelos/as homossexuais. As questões relativas à discriminação homossexual passaram a
fazer parte das Leis Municipais e Estaduais. Cada município ou estado votou e promulgou
sua legislação. No caso especifico do Rio de Janeiro, a Lei 3406/2001 proibiu e
estabeleceu sanções aos estabelecimentos comerciais e funcionários públicos que
discriminassem homossexuais. A Lei Estadual 3786/2002 reconheceu o direito de
57
companheiros/as do mesmo sexo, no caso de servidores/as públicos/as, receberem pensão e
aposentadoria de seus/suas companheiros/as.
Os anos 90 marcaram a invasão rosa no mundo do consumo. Surgiu, então, no
Mundo MIX o conceito GLS (gays, lésbicas e simpatizantes), cunhado em 1994, pelo
publicitário André Fischer, na busca de integrar diversas culturas e favorecer o consumo.
Segundo Trevisan (2002), o conceito GLS permitiu a democratização do território gay, a
flexibilização de suas barreiras, permitindo que um/a simpatizante pudesse freqüentar um
determinado espaço sem ser agredido/a ou sentir dificuldades de relacionamento com
homossexuais. (2007) destaca que o termo GLS deve estar relacionado ao mercado e
consumo, enquanto que, o termo GLBTT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e
transgêneros) deve estar relacionado aos movimentos de lutas sociais, dada a amplitude de
alcance e diferenciação dos sujeitos integrantes. Assim, hoje, ao se referir à comunidade
homossexual ou às passeatas do “Orgulho Gay”, deve-se utilizar a sigla GLBTTS (gays,
lésbicas, bissexuais, travestis, transgêneros e simpatizantes), de forma a pluralizar as
identidades e suas diferenças internas.
Como reflexo da política de identidades, pode-se afirmar que, atualmente, no Rio
de Janeiro e em São Paulo, o movimento de massa que consegue reunir nas ruas o maior
número de pessoas é o movimento homossexual. A cada ano, aumenta o número de
participantes nas Paradas do Orgulho: artistas, políticos, familiares de homossexuais,
simpatizantes, enfim, pessoas que acreditam na causa e na luta pelo reconhecimento e
respeito das identidades e dos direitos humanos. Na atualidade, uma das maiores
manifestações de massa no Brasil é o movimento pelos direitos sexuais. A parada do
“Orgulho Gay” que, no Rio de Janeiro se iniciou em 1995, conseguiu unir, em um dia,
nublado e chuvoso, de 2006, 800 mil pessoas (segundo site arco-iris), contando com a
participação de artistas, intelectuais, políticos, gays, lésbicas e simpatizantes. Em 2008, a
décima terceira parada do Orgulho LGBT- Rio, no dia 13 de outubro, levou
aproximadamente um milhão e meio de pessoas à praia de Copacabana e aos diversos
eventos que ocorreram no período. Essa manifestação gay tem se espalhado por todo estado
do Rio de Janeiro, sendo que no município de Duque de Caxias foram realizados três
eventos, um em 2006, outro em 2007 e o último, em 2008, em um domingo chuvoso
conseguiu reunir milhares de pessoas.
58
Outro movimento homossexual que vem tomando corpo é o movimento lésbico. O
dia 19 de agosto é considerado como “o dia do orgulho lésbico”, em alusão ao ano de 1983,
quando diversas militantes do grupo de Ação Lésbica Feminista, apoiadas por gays,
invadiram o Ferro´s Bar em São Paulo, onde havia sido proibida a venda do boletim da
organização. As lésbicas protestaram também contra os seguranças e policiais acusados de
as molestarem todas as vezes que iam ao estabelecimento.
Como resultado dessas lutas políticas e da visibilidade homossexual, fundou-se,
em 1995, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT), procurando
implementar políticas de liberação homossexual e coordenar diversas ações em todo o país.
No Rio de Janeiro, foi criado, em 1999, o Disque Denúncia Homossexual e o Centro de
Acompanhamento de Crimes e Discriminação contra o Homossexual. Nesse mesmo ano, o
Conselho Federal de Psicologia promulgou a Resolução 1 de 1999, enfatizando que a
homossexualidade não constitui doença, distúrbio ou perversão. A Resolução entrava em
detalhes, tais como impedir que psicólogos exercessem qualquer ação que favorecesse a
patologização do comportamento ou práticas homoeróticas e determinava que, na práxis de
consultório, eles não deveriam adotar ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para
tratamentos não solicitados (Trevisan, 2002).
Um aspecto da política de luta homossexual ainda não concretizado foi o
reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo (Parceria Civil Registrada),
que tramita no Congresso Federal deste 1995. Alcançar esse reconhecimento seria, nas
palavras Sullivan (1996) “o elemento fundamental da dignidade pessoal” (p.155), pois faria
com que sujeitos sociais, trabalhadores/as e produtivos/as fossem reconhecidos e
valorizados como seres humanos, tratados/as, enfim, como cidadãos/ãs de direitos .
A década de 1990 foi marcada, também, por outra mudança de discurso. Surgiram
inúmeros grupos e movimentos homossexuais. Alguns continuaram a reivindicar seus
direitos, buscando sua inclusão na sociedade, a legitimação e o reconhecimento de suas
identidades. Outros romperam com tudo isso, querendo subverter fronteiras e romper com
as dicotomias que restringem a sexualidade: homem/mulher, homossexual/heterossexual.
Conforme Golin (2002), “não queremos tolerância, não queremos ser normais. Somos o
que somos, sem identidade a nos moldar. Pedir licença pra quem?, se a nós cabe a
decisão de como ‘ser’. A todos os demais, sobra somente respeitar” (p.162). Então, esse
59
grupo começou a propor uma nova política de identidade. Nesse contexto, surge a política
queer.
O dicionário Inglês/português (Marques, s/d) apresenta o termo “queer” como
esquisito, estranho, homossexual (gíria), pessoa excêntrica. Sullivan (1996) afirma que a
palavra “queer” existia no vocabulário americano desde o início das décadas de 1910 e
1920. Assim como fairies (maricas) ou fag (veado), servia para definir aqueles
homossexuais afeminados e passivos que praticavam sexo anal e oral com outros homens.
Porém, a década de 1990 trouxe um novo significado para este termo. A palavra “passou a
ser usada por muitos gays, ironicamente, como um recurso de autodeboche” (Sullivan,
1996, p.76), ou seja, o que era pejorativo na boca dos heterossexuais, se tornou um símbolo
de luta, resistência e identidade para os homossexuais, que desejavam revolucionar os
conceitos sobre o assunto.
De fato, foram os movimentos homossexuais (masculinos), principalmente na
Inglaterra e nos Estados Unidos, que optaram por utilizar este termo em substituição à
palavra gay, objetivando um maior contraste com a identidade hegemônica - a
heterossexual. Assim, o termo, com toda sua carga de estranheza e deboche, passou a ser
assumido para caracterizar sua perspectiva de oposição e contestação (Louro, 2004).
O objetivo é questionar a sexualidade considerada “normal” (a
heterossexualidade), assim como os processos que criam sujeitos normais (hegemônicos).
A nova teoria apresentava um diferencial: “queriam pensar queer (homossexual, mas
também ‘diferente’) e não straight (heterossexual, mas também ‘quadrado’): ela nos obriga
a considerar o impensável, o que é proibido pensar, em vez de simplesmente considerar o
pensável, o que é permitido pensar” (Silva, 1999, p.107). Assim, a teoria queer propõe-se a
questionar e problematizar conceitos e normas estabelecidas, exigindo que as pessoas
levem em consideração o conceito de diferença, “uma diferença que não quer ser
assimilada ou tolerada” (Louro, 2004, p.38), tornando-se uma ação desviante, contestadora,
subversiva e perturbadora.
Desse modo, os/as queers são aqueles/as que estão entre fronteiras, que assumem
sua ambigüidade, são corpos estranhos que incomodam, provocam e fascinam (Louro,
2004). São os sujeitos da sexualidade desviante, são os/as drags, os/as travestis,
transgêneros, bissexuais, transexuais, homossexuais, enfim, todos/as aqueles/as que não
60
querem se submeter às regras impostas. Por meio de seus corpos e sexualidades,
desconstroem as oposições binárias rígidas e consolidadas, como
homossexualidade/heterossexualidade, dando destaque ao caráter plural e fragmentado de
vivenciar o prazer e o desejo.
Para os/as teóricos queer, a homossexualidade é analisada como parte de um
regime de poder/saber (mais do que uma identidade social minoritária), deslocando o foco
das identidades para a cultura, para as estruturas lingüísticas e discursivas e para seus
contextos institucionais (Louro, 2004). Assim, esses/as teóricos/as recorrem a Derrida,
Lacan e Foucault, ou seja, a autores/as associados/as à perspectiva pós-estruturalista. Louro
(2004) utiliza-se de Seidman para demonstrar como o novo pensamento está relacionado à
cultura e as estruturas lingüísticas:
A teoria queer constitui-se menos numa questão de explicar a repressão ou a expressão de
uma minoria homossexual do que numa análise da figura hetero/homossexual como um
regime de poder/saber que molda a ordenação dos desejos, dos comportamentos e das
instituições sociais (Seidman apud Louro, 2004, p. 46)
Para tal, foi efetuada uma “verdadeira reviravolta epistemológica” (Silva, 1999, p.
107), buscando romper com a lógica binária e seus efeitos de dominação, exclusão e
hierarquia. Trata-se de uma mudança de foco, em que a homossexualidade até então negada
ou considerada abjeta passa ser concebida como o outro. A heterossexualidade só existe em
oposição ao seu outro (à homossexualidade).
Assim, o propósito dos/das teóricos/as queer é discutir as práticas e os
pressupostos sociais que enfatizam a heterossexualidade como natural/normal. Aqui o que
se deseja é desconstruir a preocupação de que todas pessoas devem ser heterossexuais,
como também desconstruir a intenção de em formar sujeitos para organizarem suas vidas
nos moldes heterossexuais. A grande preocupação dos/das queer é problematizar a
sexualidade e deixar claro que não existe um lugar determinado para a sexualidade, ou seja,
a proposta é descontruir lugares usualmente determinados como: heterossexualidade,
homossexualidade ou bissexualidade.
Sendo a escola um espaço social em que os sujeitos carregam aspectos do mundo
social no qual estão inseridos/as, deve-se perguntar: Como essas questões sociais se fazem
presentes no universo escolar? Como são problematizadas nesse espaço?
61
No segundo capítulo, pretende-se estudar o universo escolar e seu currículo, em
suas relações com a sexualidade.
62
2 - CORPOS EDUCADOS: A ESCOLA E O CURRÍCULO EM BUSCA
DE UMA EDUCAÇÃO PARA A SEXUALIDADE
2.1 Introdução
O objetivo central desse capítulo é discutir o papel da escola no processo de
construção das identidades sexuais. Destaca-se como desenvolver um programa de
educação para sexualidade que, além de enfocar as questões relativas à saúde como
gravidez na adolescência e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, privilegie,
também, o reconhecimento dos desejos e prazeres.
Para tal, recorre-se aos/às pesquisadores/as, tais como, Briztman, Louro e Moita
Lopes, entre outros/as, para abordar a escola como espaço de sexualidade. Apresenta-se,
ainda, um breve relato histórico das tentativas de se implementar, em diferentes escolas, na
cidade do Rio de Janeiro um programa de educação sexual.
A seguir, examinam-se os termos: educação sexual, orientação sexual ou educação
para sexualidade, analisando o que cada um deles significa. Busca-se, enfim, verificar como
a sexualidade pode estar presente no currículo. Apresenta-se a pedagogia queer como uma
opção para a construção de um currículo que privilegie o questionamento, o respeito e o
reconhecimento do outro e a busca pela formação de novos valores em nossa sociedade.
2.2- Escola como espaço para discussão sobre sexualidade
No Ministério da Educação (MEC), a preocupação é com o preconceito. Em pesquisa
feita nas paradas gays, a escola aparece como primeiro ou segundo mais hostil aos
homossexuais: 40% apontaram a escola como o local mais homofóbico. Em 2004, a
Unesco divulgou pesquisa, com os dados de 2002, sobre a percepção do
homossexualismo (sic) nas escolas. E o resultado foi ainda mais devastador: 59.7% dos
professores da escola pública e privada disseram considerar inadmissível a relação
homossexual. (Almeida p.22, 2008)
63
A escola representa um local de significativa importância na construção da
sexualidade dos/as estudantes. Ela constitui o primeiro centro social fora do núcleo
familiar, onde a criança poderá colocar em questionamento ou confirmar todas as
informações e visões de mundo ensinadas pelos familiares. Segundo Moita Lopes (2002),
“os significados construídos na escola sobre a vida social, paralelamente a outros
significados a que somos expostos em outras práticas discursivas das quais participamos,
desempenham um papel central na legitimação das identidades sociais” (p.59).
Um outro aspecto deve ser destacado: este mesmo espaço pode se tornar um local
disciplinador, disseminador de idéias e ideais, canalizador de sonhos e sentimentos
padronizados. Nessa perspectiva, segundo Althusser (apud Silva, 1999), a escola se
constitui em um aparelho ideológico central, uma vez que os/as alunos/as passam a maior
parte do dia entre seus muros, absorvendo, assim, conceitos e preconceitos preconizados
pela comunidade escolar. A escola é um potente mecanismo de regulação e organização
social que não somente reflete determinadas condições sociais, mas também as produz
(Rolland, 2003).
A educação se dá com base em discursos de “verdades”. Nela se confrontam
relações de poder, relações culturais, de conhecimentos, entre outras. Conforme Sarup
(apud Moita Lopes, 2002) “as escolas, por exemplo, determinam em grande parte não
somente o que as pessoas fazem como também quem são, serão e podem ser” (p.91), tendo
também a função de “legitimar ou recusar essas identidades, entre outros significados
previamente construídos(Moita Lopes, 2002, p.204). Reforça-se a importância do papel
social da instituição, bem como a maneira pela qual meninos e meninas serão tratados nesse
ambiente, nele recebendo informações e construindo “verdades” positivas ou negativas, que
afetarão o resto de suas vidas.
Candau (2003) argumenta que a instituição escolar representa um microuniverso
social que se caracteriza pela diversidade social e cultural. Por vezes, acaba reproduzindo
padrões de conduta que permeiam relações sociais do contexto mais amplo. O cotidiano
escolar é, assim, marcado por uma série de contradições e conflitos, em que diferentes
visões de mundo, crenças, valores culturais, entre outros, se encontram. Porém, ao defender
apenas uma determinada ideologia, ao se tornar monocultural, a escola acaba por silenciar
vozes destoantes de seu discurso central, com o objetivo de “produzir pessoas com aquelas
64
características desejáveis do ponto de vista do funcionamento social” (Silva, 1992, p.97).
Assim, os sujeitos que não se enquadram nas normas estabelecidas são colocados à
margem, são considerados problemas, tanto para a escola quanto para uma educação que
privilegia as “maiorias”.
Quanto à sexualidade na escola, Aquino (1997) argumenta que sexo e escola
configuram um campo de tensão, instabilidades e de acentuado mal-estar. Para algumas
pessoas, a escola deve ser um espaço neutro, onde não cabe a discussão sobre sexualidade.
Pinto (1997) acrescenta que “uma observação no cotidiano escolar indica que a instituição
escolar entre nós, de maneira geral, é tão hostil às manifestações de individualidades quanto
às da sexualidade” (p.49). No entanto, ao mesmo tempo em que tenta ignorar determinados
acontecimentos do cotidiano, a sexualidade se torna “um fantasma que ronda as cercanias e
os interiores da escola e da sala de aula” (Guirado, 1997, p.25). Tais questões invadem esse
espaço nas pichações, na gravidez das adolescentes, na mídia, nas piadas, nas brincadeiras,
na homofobia, na misoginia, entre outros. Segundo Sayão (1997), as atitudes dos/das
alunos/as no convívio escolar, seu comportamento entre eles/elas, bem como as
brincadeiras e paródias inventadas e repetidas transpiram sexualidade. Ao não reconhecer
essas múltiplas manifestações, é como se a escola realizasse o pedido, impossível de ser
atendido, de que os/as alunos/as deixassem a sexualidade fora dela.
A escola se torna um local privilegiado para que meninos e meninas aprendam as
possibilidades de ser masculinos e femininos. É nessas instituições que as relações de poder
entre homens e mulheres, meninos e meninas se darão com grande intensidade, pelo
discurso e por práticas de regulação de corpos e desejos. Segundo Miskolci (2005), “as
preferências são construídas e a escola tende a contribuir para que elas sigam o padrão
socialmente imposto do que seria certo ou errado, aceitável ou passível de rejeição” (p.14).
Assim, constroem-se homens e mulheres de acordo com um padrão pré-estabelecido e
rejeitam-se aqueles/as que fogem à norma. A escola é um dos mais perversos espaços para
que uma criança de inclinação do desejo sexual diferente da hegemônica (heterossexual)
possa assumir sua sexualidade (Britzman, 1996, 2001; Sullivam, 1996).
Assim, entre o que pode ser revelado e o que é silenciado e ocultado pela escola, a
discussão sobre corpo e sexualidade se transforma em tabu. O que se nas escolas é uma
acentuada preocupação em disciplinar a sexualidade de seus/suas alunos/as. Louro (2001-a)
65
ratifica tal ponto de vista ao afirmar que “a escola está absolutamente empenhada em
garantir que os meninos se tornem homens e mulheres verdadeiros/as, o que significa dizer
homens e mulheres que correspondam às formas hegemônicas de masculinidade e
feminilidade” (p.41-42).
Na escola, “heterossexualidade e masculinidade se entrelaçam para formar o que
parece ser um vinculo natural” (Frank, citado por Rolland, 2003, p.117). Com isso, negam-
se tanto outras possibilidades quanto a diversidade sexual. O trabalho de produção de
identidades se torna sistemático, acentuado pela preocupação de introduzir o menino ao
mundo masculino hegemônico (Connell, 1995), como o dos esportes, do reconhecimento
da agressividade física, ao mesmo tempo em que valoriza sua facilidade para o domínio da
racionalidade, enquanto que com a menina busca enfatizar a delicadeza, a emoção. Moita
Lopes (2002) afirma: “os professores homens constantemente usam insultos sexuais como
‘não seja mulherzinha’ para garantir o desempenho da masculinidade hegemônica” (p.
155), reforçando o discurso do senso comum. Apoiado no modelo patriarcal, o binômio
dominação masculina/ subordinação feminina passa a ser visto como algo natural e
aceitável, uma vez que se espera do homem força, determinação, racionalidade e da mulher
o sentimento, a fragilidade e a emoção. A escola acaba por reproduzir as estruturas de
poder, bem como os privilégios de um sexo sobre o outro, tal como existe em nossa
sociedade.
O ambiente escolar pode reproduzir imagens negativas e preconceituosas, por exemplo,
quando professores relacionam o rendimento de suas alunas ao esforço e ao bom
comportamento, ou quando as tratam apenas como esforçadas e quase nunca como
potencialidades brilhantes, capazes de ousadia e liderança. O mesmo pode ocorrer com os
alunos quando estes não correspondem a um modelo masculino predeterminado (Vianna
e Ridenti, 1998, p.102).
Ao adotar o modelo binário de gênero e sexualidade homem/mulher e defender
papéis sociais e sexuais naturalizados de gênero, em que o homem deve ser bruto e a
menina delicada e comportada, a escola acaba por ocultar, silenciar e marginalizar
sexualidades alternativas. A depreciação de gays e lésbicas se primeiramente por meio
do policiamento de gênero. A discriminação ocorre porque a escola participa da rejeição
daqueles que vivem masculinidades (ou feminilidades) de formas diversas das
hegemônicas, o que contribui para que, tais sujeitos, não sejam reconhecidos como homens
e mulheres de verdade (Miskolci, 2005).
66
Jesus (2003) considera o sistema educacional como um dos principais
responsáveis pela “perpetuação da homofobia”. Sullivan (1996) argumenta que “nenhuma
criança homossexual, [...], se sentirá à vontade no seu mundo sexual e emocional” (p.19),
ao ser reconhecida como a diferente. Essas afirmativas são bastante relevantes, pois, a partir
do momento que a escola adota uma ideologia heterossexista, seja pela negação da
homossexualidade ou pelo silêncio, aquela criança que aprendeu em casa que a
homossexualidade é um “pecado”, uma “anormalidade” ou um “erro”, crescerá acreditando
na veracidade dessa informação, e dependendo da forma como encaminhará sua inclinação
sexual em sua fase adulta, o significado dessa construção social poderá ser desastroso.
Esse conflito e falta de informações sobre identidades sexuais, dependendo da
faixa etária do/a garoto/a, pode acarretar outros problemas, segundo a Agência de Notícias
dos Direitos da Infância (ANDI) “7% dos suicídios cometidos por adolescentes e jovens
estão relacionados com conflitos de identidade sexual” (Andi, 2002). Esse fato reforça a
necessidade de a escola pensar/repensar a construção de um programa de educação que
atenda e valorize todas as formas de expressão da sexualidade.
Entre outras funções, a escola difunde o conhecimento cientifico e objetivo. Sendo
o conhecimento sobre sexualidade um patrimônio da humanidade, essas informações
jamais poderiam ser negadas nesse espaço (Meireles, 1997).
A sala de aula deveria ser um centro negociador e legitimador de novas
identidades, uma arena de conflitos e lutas onde alunos/as, professores/as, bem como a
comunidade escolar como um todo, pudessem discutir, negociar e compreender os
conceitos de diversidade e diferença. Deveria, ainda, ser um espaço apropriado para a
educação em uma sexualidade livremente exercida. Segundo Moita Lopes (2002) o/a
professor/a tem o poder de “controlar os limites entre a sexualidade e o gênero” (p.155),
dentro do espaço escolar. Uma vez que os/as mestres são considerados/as como referência e
possuem sua autoridade reconhecida e legitimada pela comunidade, sua opinião pode ser
vista como “a verdade”
No entanto, Warken (2003) argumenta que os/as “professores/as têm tido
dificuldade em lidar com a pessoa de comportamento de gênero diferente do que se
espera”, fazendo com sejam ignoradas e/ou repudiadas nas salas de aula quaisquer
manifestações de sexualidades que não sejam as heterossexuais. “Há diversos relatos da
67
cumplicidade dos professores seja por meio do engajamento ativo na ideologia
heterossexista, seja pelo silêncio” (Rolland, 2003, p.118).
hooks (2001) aborda a dificuldade que certos docentes possuem em tratar a
sexualidade em salas de aula. Afirma que:
Treinadas no contexto filosófico do dualismo metafísico ocidental, muitas de nós
aceitamos a noção de que uma separação entre o corpo e a mente. Ao acreditar nisso
indivíduos entram na sala aula para ensinar como se apenas a mente estivesse presente, e
não o corpo (p.115)
A autora ressalta a influência que o pensamento judaico-cristão exerce em nossa
sociedade, ao renunciar aos prazeres do corpo e a dicotomizar corpo/mente e espírito/carne.
Nesse sentido, ao negar a importância do corpo na sala de aula, os/as professores/as acabam
por negar desejos, prazeres e necessidades. Assim, transformam as discussões sobre
sexualidade em “uma linguagem didática, explicativa e, portanto, dessexuada” (Britzman,
p.90, 2001). A sexualidade nas escolas acaba sendo vinculada à religião ou à medicina,
refletindo uma visão heterossexista onde o/a professor/a acaba por adotar em suas aulas o
“daltonismo cultural” (Moreira e Candau, 2006), não enxergando e valorizando as diversas
nuances culturais que estão presentes no universo escolar, tratando todos/as alunos/as de
maneira semelhante.
Desse modo, uma abordagem sobre como se desenvolveram as tentativas de se
introduzir um programa de orientação sexual nas escolas de ensino fundamental na Cidade
do Rio de Janeiro faz-se necessária.
2.3- Repensando algumas tentativas de introdução da orientação sexual nos
programas escolares no Estado do Rio de Janeiro
No século XX, a educação sexual no Brasil surgiu com o objetivo de combater a
masturbação, as doenças venéreas e de preparar a mulher para o papel de mãe e esposa.
Subjacentes estão à valorização da saúde pública, a moral sadia, bem como da reprodução
correta da espécie. Vê-se a influência médico-higienista que estava ocorrendo na Europa.
(Bonato, 1996).
68
A partir da década de 1920, movimento feminista, liderado pela bióloga formada
na Sorbonne, Berta Lutz, reinvidicou a implementação oficial da educação sexual no
currículo, com o objetivo de proteção à infância e à maternidade. Em 1928, o Congresso
Nacional de Educadores aprovou a proposta de um programa de educação sexual nas
escolas, que deveria ser aplicado para crianças a partir de 11 anos de idade.
Em 1930, no Rio de Janeiro, o Colégio Batista incluiu em seu currículo o ensino
da evolução das espécies e da educação sexual, tendo como responsável pela iniciativa o
professor Stawarki (Sayão, 1997). Embora o programa se restringisse à análise do papel da
mulher na reprodução e ao estudo do comportamento masculino, o professor sofreu
processo jurídico e foi demitido. O moralismo vigente na época era muito grande. Para se
ter um exemplo, no livro de educação sexual editado em 1938, “Iniciação educacional-
sexual (leitura reservada)” de Oswaldo Brandão Vieira, o termo “leitura reservada”,
indicava que se tratava de um livro para meninos, uma vez que as meninas deveriam ser
iniciadas por seus maridos, na vida adulta (Bonato, 1996).
Existiam várias autoridades que se opunham ao ensino de educação sexual nas
escolas. Como exemplo, o livro “Obras completas do Padre Leonel Franca” publicado em
1954, o autor “em nome da moral e dos bons costumes, defende veemente que a família
cumpra esse papel de orientador e não a escola, ou o Estado enquanto poder público”
(Bonato, 1996). Na opinião do Padre, a iniciação sexual nas escolas seria maléfica, pois
despertaria pensamentos e desejos pecaminosos nas mentes em formação. Uma verdadeira
pedagogia sexual deveria concentrar seus esforços na formação da vontade e na educação
do caráter e evitar despertar imagens e curiosidades nas mentes em formação das crianças.
Mas, mesmo sem o apoio de uma legislação oficial, a educação sexual foi sendo
gradativamente implementada nas escolas. Enfocava a higiene corporal, a defesa do sexo
(virgindade), a correta reprodução das espécies e o reforço dos papéis do homem e da
mulher. Nesse caso, caberia pensar o homem como viril, macho, conquistador, ativo e a
mulher como delicada, passiva, o que a colocaria sempre na defensiva em relação aos
ataques masculinos. Nessa época, a educação sexual ficava a cargo de um educador
sanitário que, além de com os/as alunos/as, atuava com pais, mães, professores/as (Bonato,
1996).
69
Apesar do panorama político e social dos anos 60, surgiram livros de educação
sexual, escritos sob a ótica da Igreja Católica, todos levando em consideração a moral
católico-cristã. Em 1964, o Colégio Pedro de Alcântara adotou o ensino de educação sexual
em todas as séries. Assim, diversos estabelecimentos de ensino começaram a desenvolver
tal programa, que ficava a cargo do orientador educacional e/ou dos/das professores/as de
ciências. Em 1968, a então deputada Julia Steimbruck, do Rio de Janeiro, apresentou o
projeto de Lei que propunha a introdução da Educação Sexual em todos os níveis de ensino.
Porém, nesse mesmo ano, ocorreu o AI 5 (Ato Institucional número 5) que, entre outros
atos, proíbiu uma série de manifestações públicas, instituiu a censura e interrompeu o
trabalho inovador em muitas escolas. Desse modo, o projeto da deputada foi arquivado pela
Comissão Nacional de Moral e Civismo, que se colocou contra a educação sexual nas
escolas. Sayão (1997) cita uma frase contida no parecer, que ficou famosa na época “Não
se abre à força um botão de rosa, sobretudo com mãos sujas” (p.109). Era evidente como a
moral da época estava preocupada com o fato de que um programa de educação poderia
corromper o pensamento das crianças e propunha-se a defender que a iniciação sexual
deveria acontecer em casa, pela família ou pelo marido. Garantia-se, com isso, um clima de
moralismo e puritanismo.
Porém, neste mesmo ano, 1968, os colégios And Maurois, Infante Dom
Henrique e Orlando Rouças introduziram a educação sexual em seus currículos. Neste
último, o final foi drástico: uma crise na escola, relacionada ao clima de liberdade
produzido pelo trabalho, resultou na exoneração da diretoria, suspensão de professores e
expulsão de alunos (Guimarães apud Sayão, 1997).
A Lei de Diretriz e Bases 5.692 de 1971, que fixou as diretrizes do Ensino
Nacional, não menciona nada em relação ao programa de educação sexual. Em 1974, foi
aprovado o parecer do Conselho Federal de Educação 2.264/74 que considera a
educação sexual um objetivo do programa de Educação para a Saúde no 2°grau, o que
demonstra que as pessoas aptas, segundo a Lei, para falar de sexualidade são os/as
especialistas em saúde, evidenciando-se que o tema também era diretamente relacionado à
saúde.
O final da cada de 1970 e o início dos anos 80 foram marcados pelo
restabelecimento da democracia, pela anistia, pela abertura política e pelo fim da ditadura.
70
Diversos/as intelectuais exilados/as retornaram ao país e, em conjunto com os/as que aqui
estavam, começaram a reivindicar maior espaço público para discussões sobre corpo,
sexualidade, gênero, entre outros temas. Tomam força os movimentos feministas, de gays e
de lésbicas.
No âmbito extra-escolar, o período inicial dos anos 80 foi prodígio na veiculação e
divulgação de questões ligadas à sexualidade. Surgiram serviços telefônicos, programas
de rádio, o programa de Marta Suplicy na televisão (que gerou polêmicas), e também
enciclopédias e fascículos vendidos em bancas de jornal, todos destinados a responder
questões sobre sexo. Congressos e encontros profissionais foram realizados com a
participação de educadores, médicos e cientistas sociais. Tudo isso contribuiu para
intensificar o debate sobre a inclusão de educação/orientação sexual nas escolas (Sayão,
1997, p.110).
O Brasil viveu um clima de tentativa de construção de um novo país, onde as
pessoas valorizavam a liberdade de expressão e os direitos civis do povo. Em 1988, foi
promulgada a nova Constituição Brasileira. Foi uma década em que diversas escolas
abriram espaço para a discussão sobre sexualidade, corpo e saúde. Nesse momento, a Aids,
já havia mexido com a vida da população.
O PRONAICA (Programa Nacional de Atenção à Criança e ao Adolescente),
instituído pela Lei 8.642 de 1993 e coordenado pelo MEC (Ministério da Educação e
Cultura) teve por objetivo promover a cidadania e a melhoria da qualidade de vida. Assim,
foram apresentadas, no documento, as Diretrizes para uma Política Educacional em
Sexualidade: “A Educação Preventiva Integral (EPI) procura capacitar a sociedade,
particularmente, o segmento infanto-juvenil, para enfrentar situações conjunturais de risco,
que surgem num determinado momento de sua evolução histórica” (p.7). O texto se refere à
gravidez na adolescência, que aumentou significativamente no período, às doenças
sexualmente transmissíveis (DST) e, principalmente, à AIDS.
Segundo o documento, a Educação Sexual deve estar voltada para:
Melhoria da qualidade de vida do indivíduo e da coletividade. Ela utiliza os grandes
ensinamentos da Educação Preventiva Integral e, através da expressão de um
comportamento sexual sadio, procura combater, de modo efetivo, a gravidez indesejável a
transmissão das DST´s/AIDS, ao mesmo tempo em que fortalece o individuo contra a
ilusão do uso das drogas, estimulando a criação de valores positivos de convivência. A
família, a escola e a sociedade são as instituições básicas para o desenvolvimento das
ações educativas (p.8).
A preocupação com a sexualidade nas escolas passou a encontrar respaldo oficial.
A expressão “Educação sexual era entendida no sentido amplo e abrangente, de educação
para plenitude do exercício da sexualidade humana” (p. 17). Segundo o texto do Programa
71
de Diretrizes para uma Política Educacional em Sexualidade (MEC, 1994) os principais
objetivos eram a promoção da sexualidade em todas as suas dimensões:
- (a) Biológica: em relação à saúde sexual e reprodutiva
- (b) Sócio-cultural: em relação à sexualidade como um bem coletivo e expressão do ser
humano, regida por valores culturais.
- (c) Psicológica: em relação ao próprio indivíduo, visando ao crescimento da pessoa
humana.
As Diretrizes propunham um programa de educação sexual que pudesse completar
a ação da família. Nova tarefa surgiu para a escola.
A Educação Sexual é, prioritariamente, uma competência da família. Os pais são peças
chaves na formação da identidade de gênero e no desempenho dos papeis sexuais de seus
filhos. Infelizmente, por imperativos culturais, a instituição familiar não vem cumprindo
esse papel, e a comunicação entre pais e filhos, no que diz respeito à sexualidade, é fluida,
quando não ambígua ou ausente. A escola é o cenário apropriado para o desenvolvimento
de um Programa de Educação porque, além da ação direta que exerce sobre os educandos,
além da capilaridade com que atua na sociedade, indiretamente, incentiva a própria
família para que venha representar seu papel que, de direito e dever, lhe é destinado na
educação integral do jovem. ( MEC, 1994, p.28).
As Diretrizes sugeriam que o Programa de Educação Sexual fosse desenvolvido
desde a pré-escola estendendo-se até o terceiro grau, incluindo, também, ensino
profissionalizante, supletivo e outros. Os temas sugeridos para serem desenvolvidos pelo
programa eram: Anatomofisiologia da sexualidade e da reprodução - Noções de
planejamento familiar - Sexualidade e drogas - Visão histórico-cultural da sexualidade -
Sexualidade da criança e do adolescente - Identidades e papéis sexuais - Disfunções,
desvios e inadequações sexuais - Preconceitos, mitos e crendices sexuais Sexualidade,
família e cidadania – As dimensões do amor.
Dessa maneira, o programa propunha que a Educação Sexual fosse integrada ao
cotidiano escolar e que ela não se tornasse uma disciplina isolada. Assim, a discussão
deveria estar presente em todas as disciplinas. Um aspecto interessante na proposta era a
indicação de que se deveria restringir ao máximo a participação de pessoas estranhas à
comunidade escolar. Reforçava-se a proposta de um trabalho contínuo, não apenas a
introdução de palestras esporádicas sobre gravidez ou uso de preservativos.
Da proposta chama a atenção a tentativa de diálogo entre sexualidade e drogas.
Qual seria o objetivo? Uma rápida análise pode levar a refletir que um diálogo como esse
pode trabalhar a sexualidade como algo nocivo á saúde. Outros assuntos que chamam a
72
atenção: disfunções, desvios e inadequações sexuais. Será que temas como estes não
propõem o retorno à valorização da heterormatividade? Qual o conceito de desvio sexual?
Seria vivenciar as múltiplas possibilidades sexuais um desvio sexual? Torna-se necessário
observar, com muita atenção, as verdades que se encontravam nas entrelinhas das propostas
preconizadas.
Um ano depois, com a preocupação pelo aumento de casos de doenças
sexualmente transmissíveis, principalmente a Aids, em 1994, foi instituída pelo MEC a
Portaria 1.656, que, entre diversas recomendações destaca, a preocupação, no Artigo
com:
- A inclusão da prática da educação preventiva integral nos conteúdos e atividades
curriculares da educação infantil, fundamental e de nível médio;
- A produção e difusão de material educacional sobre a matéria.
- A capacitação de professores em exercício nas diversas áreas, nos temas ligados à
educação preventiva integral.
A nova Lei de Diretrizes e Bases (n° 9394/96) foi promulgada em 1996. A partir
dessa Lei, o Programa para Política Educacional em Sexualidade encontrou um maior
incentivo para ser desenvolvido. Foram criados os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN), que tinham como objetivo auxiliar e garantir o desenvolvimento do programa
educacional estabelecido pela LDB, oferecendo diretrizes às políticas educacionais no
âmbito do ensino fundamental.
Nessa perspectiva, os PCN (1998) enfatizam que algumas questões da Educação
Nacional devem ser discutidas de forma interdisciplinar, por meio dos Temas Transversais.
Assim, a educação sexual aparece como orientação sexual nas escolas e deve ser discutida,
construída e aplicada por todos/as professores/as de todas as disciplinas. Desse modo, não
a disciplina de biologia, mas outros campos de conhecimento, como a geografia,
história, matemática, física, química, língua portuguesa, língua estrangeira, literatura, artes,
educação física, religião, a partir de suas especificidades, poderiam contribuir
significativamente, de modo a desenvolver uma educação para a sexualidade além dos
limites restritos da prevenção (Felipe, 2007).
Segundo os PCN (1998), no caderno dos Temas Transversais, o projeto de
orientação sexual nas escolas deve contribuir para o conhecimento e valorização dos
73
direitos sexuais e reprodutivos, prevenção de problemas graves como abuso sexual e a
gravidez indesejada, além de discutir questões como masturbação, iniciação sexual,
homossexualidade, entre outros. Esses conteúdos devem ser abordados por meio de três
eixos temáticos: o corpo (como matriz de sexualidade), as relações de gênero e a prevenção
de doenças sexualmente transmissíveis.
No que se diz respeito ao compromisso da escola para com a orientação sexual, os
PCN trazem uma modificação em relação às Diretrizes anteriores, ao apresentarem “a ação
da escola como complementar à educação dada pela família” e ao ressaltarem a
importância do diálogo entre os elos escola e família, pois “pretende-se que a sexualidade
deixe de ser tabu e [....] possibilite a troca de idéias entre esta e a família” (p.304).
É importante destacar a recomendação dada pelos/as organizadores/as dos PCN
(1998) em relação à postura dos/as professores/as, para que eles/as se mostrem “disponíveis
para conversar a respeito dos temas propostos e abordar as questões de forma direta e
esclarecedora” (p.302), atendendo, dessa forma, aos pressupostos da Declaração dos
Direitos Sexuais que estabelecem o direito à informação.
Outra informação que também merece ser considerada é o fato de que “os
professores (e as demais pessoas), mesmo que sem perceber, transmitem valores com
relação à sua sexualidade no seu trabalho cotidiano” (PCN, 1998, p.302), o que permite
concluir, assim, que os valores pessoais dos/as professores/as podem influenciar
diretamente no programa de orientação sexual nas escolas, ou seja, aquele/a professor/a que
acredita que a única forma de sexualidade “normal” seja a heterossexual, certamente estará
discriminando os/as alunos/as homossexuais, mesmo que não esteja agindo de maneira
intencional.
Seguindo as recomendações dos PCN, a escola deve incluir o trabalho de
orientação sexual em seu projeto pedagógico o que ilustra o pensamento de Gadotti
(1997) quando afirma que “o projeto pedagógico da escola está hoje inserido num cenário
marcado pela diversidade. Cada escola é resultado de um processo de desenvolvimento de
suas próprias contradições. Não existem duas escolas iguais” (p.35). Os/as autores/as
reafirmam, assim, a autonomia de cada escola trabalhar e desenvolver seu projeto de
acordo com as necessidades da comunidade na qual está inserida.
74
É óbvio que a construção do projeto político-pedagógico depende do
comprometimento de toda a comunidade escolar, pois, como Gadotti (1997) afirma,
“constrói-se de forma interdisciplinar. Não basta trocar de teoria como se ela pudesse
salvar a escola (p.37). Contudo, a escola, segundo os PCN (1998), não pode julgar a
educação que cada família oferece, devendo abrir espaço para discussão, convidando
familiares a participar, buscando a conscientização em relação à pluralidade e diversidade
sexual.
No entanto, existe uma grande questão que necessita ser repensada e trabalhada: a
formação do/da professor/a para trabalhar e desenvolver o programa de orientação nas
escolas. Normalmente, os cursos de graduação não oferecem essa disciplina, restando a
alguns/mas professores/as realizarem cursos de formação continuada. Porém, certamente,
nem todos/as têm acesso a esse tipo de formação.
Em contrapartida, não se pode ter uma visão ingênua da questão, pois, o agente
transformador da situação foi o vírus da Aids que surgiu e começou a atingir toda a
população a partir da década de 1980. Então, sendo a escola um espaço de convivência
social, onde, mesmo que controlados, estão presentes envolvimentos emocionais e
amorosos entre seus membros, tornou-se necessário o desenvolvimento desse programa. De
acordo com o texto de justificativa dos PCN (1998), “a partir de meados dos anos 80, a
demanda por trabalhos na área de sexualidade nas escolas aumentou em virtude da
preocupação dos educadores com o grande crescimento da incidência de gravidez
indesejada entre adolescentes e o risco de infecção pelo HIV” (p.291).
Miskolci (2005) apresenta um argumento que deve ser levado em consideração
“alguns estudiosos afirmam a importância da epidemia de HIV/Aids para trazer a
sexualidade à discussão,[...], mas poucos admitem que isso se deu de forma a manter o
estigma com relação a gays e lésbicas” (p.22). Não se pode negar que, quando os PCN
foram desenvolvidos, os/as homossexuais, principalmente os masculinos, eram
considerados grupo de risco e a epidemia era vista como “câncer gay”. Assim, a abordagem
da sexualidade ficou sendo entendida como forma de prevenir DST e a Aids, acabando por
atender ao discurso conservador da sexualidade hegemônica. Daí a importância de uma
abordagem que privilegie os aspectos culturais e amplos da sexualidade e que não esteja
restrita apenas aos aspectos da saúde.
75
2.4- Educação sexual, orientação sexual ou educação para a sexualidade? Qual a
abrangência destes termos? Em busca de educação para a vida
Uma das grandes preocupações da atualidade é a maneira como o programa que
aborda a sexualidade na escola vem sendo desenvolvido pelos professores/as. Questiona-se
que tipo de abordagem melhor atende às necessidades dos/das educandos/as. Alguns/mas
educadores/as trabalham com a perspectiva apenas informativa, de caráter meramente
biológico, visando aos cuidados com o corpo, à reprodução, à prevenção da gravidez na
adolescência ou com DST/AIDS. Outros/as buscam priorizar um caráter mais amplo, em
que são valorizadas questões culturais e aspectos sociológicos, além dos biológicos.
Embora a educação sexual tenha tido início nas escolas com o propósito de ensinar papéis
sociais e, principalmente, trabalhar aspectos biológicos, torna-se de fundamental
importância a preocupação com a abordagem desenvolvida, uma vez que a escola exerce
uma grande influência no processo de construção e legitimação das identidades sociais e
sexuais.
Assim, ao priorizar aspectos culturais e sociais, o currículo estará valorizando as
diversas formas de vivenciar a sexualidade, o amor romântico, os conceitos de
masculinidades e feminilidades, ampliando as relações de gênero, entre outros.
Obviamente, não se trata de negligenciar os importantes aspectos da biologia e da
informação, mas de valorizar a diferença e a individualidade.
Em relação aos tipos de abordagens, diversos/as educadores/as e teóricos/as
entendem diferentemente as denominações e amplitude dos conceitos educação sexual,
orientação sexual e educação para sexualidade. Os dois primeiros são bastante difundidos
e utilizados pelas escolas, enquanto que educação para a sexualidade é um conceito mais
recente. Cada uma dessas terminologias carrega consigo uma série de particularidades e
sutilezas, diferindo nos seus significados, o que faz necessário explicitá-los.
A educação sexual ocorre desde o nascimento do sujeito, está relacionada ao
ambiente familiar. São as informações transmitidas às crianças, seja por meio do exemplo
ou do discurso. É quando a criança começa a perceber um modelo especifico de família
(pai, mãe e filhos/as), o papel do pai, o papel da mãe, aquilo que o pai, a mãe e os
76
familiares dizem sobre o que é ser homem ou mulher, as recomendações que recebem.
Acrescentam-se as informações oriundas da mídia (novela, filmes, programas, revistas etc)
e a interpretação dessas informações. Segundo Sayão (1997), “a dia atua de forma
marcante na sexualidade das crianças” (p. 112). Além disso, as informações de pessoas
próximas à família, como amigos e vizinhos, entre outros, também afetam. Deve-se
concordar com Egypto (2003), para quem “educação sexual todos tivemos e continuamos a
ter sempre. Quando vamos a um bar tomar um chope, conversar e contar piada [...] o
mesmo ocorre em uma festa, cinema ou mesmo quando fazemos alguma leitura” (p.14),
pois, em cada um desses momentos, são incluídos conceitos e valores acerca do que
constitui a sexualidade. Tais valores normalmente não são transmitidos de maneira
explícita.
o conceito de orientação sexual corresponde a um processo pedagógico de
intervenção, planejado e sistematizado. Tal processo inclui esclarecimento de dúvidas,
ressignificação de informações e questionamento de posições e valores consolidados.
Assim, a idéia implica um caráter pluralista e problematizador da sexualidade,
reconhecendo a existência dos diversos modelos de comportamento sexual e de seus reais
valores. O objetivo mais amplo da orientação sexual é favorecer o exercício prazeroso e
responsável da sexualidade dos jovens (Sayão, 1997). Atualmente, é o conceito
desenvolvido pelas escolas que se propõem a discutir sexualidade.
A abordagem de educação para a sexualidade pretende propor uma discussão mais
ampla sobre a sexualidade, em uma perspectiva cultural. Oferece uma amplitude de maior
alcance para as discussões sobre sexualidade. Segundo Felipe (2007), a educação para a
sexualidade pode acionar discussões abrangentes quando se trata de refletir nossos prazeres
e desejos, não se restringindo ao sexual como ato, mas oferecendo outras vias de discussão,
bem como temáticas diversas, além do viés biologizante. Dessa maneira, o corpo, o prazer
e o desejo deixariam de ser objetos estranhos ao currículo para se constituírem em
elementos fundamentais para o desenvolvimento dos programas.
77
2.5 - Como a sexualidade está aparecendo nos currículos escolares: uma relevante
reflexão.
Em 2005, pela primeira vez, o Censo Escolar forneceu dados sobre como as
escolas de educação básica vêm desenvolvendo seus programas educacionais em relação à
prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS. Tratou-se de um fato de
grande importância, pois, a partir desses dados, o Ministério de Educação pôde traçar
linhas de ação para o programa de educação para a sexualidade nas escolas.
O Censo Escolar 2005
15
revelou que 60,4% das escolas de educação básica
trabalham com o tema DSTs/AIDS, sendo 67,8% no Ensino Fundamental e 96,2% no
Ensino Médio. Dentre as atividades desenvolvidas por essas escolas, pode-se observar que
81,4% trabalham o tema em uma ou mais disciplinas; 71% trabalham com palestras e 25%
trabalham o tema em feiras de ciências. Quanto à freqüência com a que tais atividades são
realizadas, pode-se observar que elas se dão semanalmente em 5,5% dos casos; anualmente
em 19,9%; mensalmente em 29,7% e semestralmente em 44,9% dos casos. No Brasil, 9.200
escolas oferecem preservativos aos/à seus/suas alunos/as.
Esses dados podem ser analisados em conjunto com alguns dados apresentados
pelo Ministério da Saúde em 2006
16
. Naquele ano, havia mais garotas infectadas pelo HIV
que garotos. Entre 13 e 19 anos, foram 6 casos em meninos e 10 em meninas. Entre a
população na faixa dos 13 aos 24 anos, aumentou o número de casos, tanto em hetero
quanto entre os gays.
A relevância dos dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde sugere a
necessidade da elaboração de um programa que trabalhe a sexualidade nas escolas. Ao
mesmo tempo, os dados apresentados pelo Ministério da Educação indicam uma
necessidade de repensar esse programa: trabalhar em feiras ou atividades esporádicas não
contribui para resultados positivos. Segundo Egypto (2003), “não é conversar de vez em
quando, quando o assunto entra na roda. Tem que haver continuidade de trabalho, para que
15
Fonte MEC (disponível em <http://portal.mec.gov.br> acesso em 10 de janeiro 2007).
16
Fonte Ministério da Saúde (disponível < http://portalsaude.gov.br > acesso em 10 de janeiro 2007).
78
essa conversa aconteça regularmente” (p.21). Conforme a pesquisa mostrou, apenas 5,5%
das escolas trabalham desta maneira.
Deve-se questionar também como as discussões são abordadas: se apenas com
informações ou se com questionamentos e problematizações relacionadas à cultura. A
proporção de meninas infectadas pelo vírus HIV demonstra a importância de se discutir o
papel da mulher, o direito sobre o corpo, os conceitos de masculinidade. Diversas pesquisas
têm demonstrado que, normalmente, quem decide sobre o uso de preservativos é o homem.
No Brasil, na faixa etária de 18 aos 25 anos apenas 39% das mulheres entrevistas
declararam utilizar preservativos em todas as relações sexuais (Abdo, 2004).
Mais do que apenas informar ou estabelecer regras com a biologia, o trabalho com
sexualidade nas escolas deve provocar discussões e reflexões. Para tal, o currículo deve
apresentar aspectos que permitam reconhecer e valorizar as diferenças e a pluralidade
sexual.
2.6- Sexualidade e Currículo
Não se pode pensar em implementação de Parâmetros Curriculares, em
desenvolvimento de programas de orientação sexual, em trabalho docente, ou educação
para sexualidade sem pensar em currículo. Ele é o responsável por difundir explícita ou
implicitamente (currículo oculto) a ideologia e a cultura valorizadas, bem como por
preservar relações de poder que se quer reafirmar.
O currículo é o espaço onde se concentram e se desdobram as lutas em torno de
diferentes significados sobre o social e o político (Silva, 2001). É por meio do currículo,
concebido como elemento central da política educacional, que os diferentes grupos sociais,
especialmente os dominantes, expressam sua visão de mundo, seu projeto social e suas
verdades.
Ao propagar determinadas “verdades”, o currículo acaba por autorizar algumas
vozes, e por negar outras. Para Silva (1999), “o currículo estabelece diferenças, constrói
hierarquias e produz identidades” (p.12).
79
O currículo reflete as lutas que ocorrem no seio da sociedade. Como a difusão de
novas identidades culturais demonstra que a cultura, longe de ser homogênea e monolítica,
é de fato, complexa, múltipla, conflituosa, descontínua, o currículo deveria expressar todo
um deslocamento de fronteiras, bem como questionar as diferenças de gênero, raça,
sexualidade deveriam ser colocadas em questão. Visões hegemônicas seriam
problematizadas. O currículo é, assim, um campo de lutas e produtividade, diretamente
relacionado à cultura e às relações sociais.
No que diz respeito à sexualidade, o modelo presente no currículo oficial é
homem/branco/heterossexual/cristão. Assim, a lógica aplicada no currículo supõe que o
sexo biológico determina o gênero e se entende o “natural” como “normal”, como “dado”
(Butler, 2003), fato que privilegia que o desejo “dado e natural” deve ser voltado para o
gênero, sexo e sexualidade opostos. Em outras palavras, toda a lógica aplicada nos
currículos está centrada nas relações entre homem e mulher (masculino e feminino), nas
quais os relacionamentos aceitáveis e as famílias bem consideradas são formados pelo sexo
biológico (oposto macho e fêmea), visando à reprodução. Louro (2004 a) argumenta que
sujeitos que, por alguma razão ou circunstância, escapam à norma e promovem uma
descontinuidade na seqüência sexo/gênero/sexualidade serão tomados como ‘minoria’ e
serão colocados à margem do currículo. Desse modo, as demais identidades sexuais,
principalmente a homossexual, sendo negadas pelo currículo oficial, passam a ser vistas
como outras”, como a negação da identidade dominante”, fato que contribui em muito
para a construção de “identidades vulneráveis à violência” (Britzman, 1996).
A pedagogia queer propõe novos caminhos para se trabalhar questões relativas à
sexualidade nas escolas. A proposta é que o currículo passe a estranhar a
heterossexualidade como norma e passe a considerar também a homossexualidade. Busca-
se uma pedagogia que permita pensar a ambigüidade, a multiplicidade, a fluidez das
identidades sexuais e de gênero, mas, além disso, também sugira novas formas de pensar a
cultura, o conhecimento, o poder e a educação (Louro, 2004). Nesse aspecto, a pedagogia
busca “compreender as sexualidades em tantos termos como possíveis e ainda assim
conseguir analisar as sexualidades como algo moldado na linguagem e na conduta”
(Britzman, 1996, p. 93).
80
Não se trata de introduzir um novo conhecimento ou um novo sujeito no currículo.
A premissa é r em questão todo o conhecimento e toda a forma de se produzir esse
conhecimento. Então, passa-se a questionar a ignorância, não como falha ou falta de
conhecimento, mas como efeito de um jeito de conhecer. Em outras palavras, ela passa a
ser uma forma de conhecimento, pois, uma vez que o sujeito declara sua ignorância sobre
um determinado assunto, ele/a quer dizer que não se reconhece envolvido/a com aquela
questão. Britzman (1996) afirma que “qualquer conhecimento já contém suas próprias
ignorâncias” (p.91). Assim, o conhecimento sobre o campo da sexualidade apresenta
diversas questões que são ignoradas e que constituem lacunas ou obstáculos. São esses
espaços que a pedagogia queer propõe que sejam penetrados e assimilados. Segundo Silva
(1999), um currículo construído com base na teoria queer é aquele que se “aventura a
explorar aquilo que ainda não foi construído” (p.109), deslocando, assim, o ângulo de
visão, provocando uma mudança epistemológica, colocando em questão e acentuando o
caráter cultural da masculinidade, da feminilidade, da bissexualidade, da
homossexualidade, da heterossexualidade. Ou seja, trata-se de um currículo que busque
compreender como os discursos, os códigos, e as representações atribuem significados aos
corpos.
81
3 - CORPOS EM EVIDÊNCIA: OS SUJEITOS DA PESQUISA
Esse capítulo tem por objetivo tanto apresentar o projeto “Saúde nas Escolas”,
promovido por meio de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Educação e a
Secretaria Municipal de Saúde do Município de Duque de Caxias, quanto descrever os
procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa. Na seção 3.1: Corpos, Educação &
Saúde: Uma proposta oficial no Município de Duque de Caxias focaliza-se o projeto
preconizado pela Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias. Na seção 3.2
abordam-se os procedimentos metodológicos da pesquisa. A escola, a comunidade na qual
está inserida e os principais sujeitos da pesquisa são examinados na terceira seção. Na
seção 3.4 enfoca-se o corpo docente da escola. na quinta seção mostra-se como a escola
desenvolve seu programa de orientação sexual. Na seção 3.6 esclarecem-se quais os
instrumentos utilizados para geração de dados. O processo de geração dos dados é
detalhado na seção 2.7. Na última seção informa-se o tratamento dos dados gerados.
3.1 - Corpos, Educação & Saúde: Uma proposta oficial no Município de Duque de
Caxias
O projeto “Saúde nas escolas” constitui um “texto político”, expressão entendida
por Moreira (2005) como correspondendo a qualquer material significativo no conjunto de
parâmetros discursivos de uma investigação, não restritos a leis, decretos ou pareces.
Moreira (2005) recorre a Ball para destacar que é preciso compreender como os
conjuntos de textos políticos podem exercer o poder por meio de produção de verdades e
conhecimentos como discursos. Refletir sobre essa assertiva torna-se de relevante
importância, pois, por se tratar de saúde e sexualidade, deve-se ter em mente como essas
questões são/serão abordadas. Caso os/as profissionais de saúde enfatizem apenas a
constituição biológica do corpo, durante a execução desse projeto, os aspectos culturais
serão postos em segundo plano. Assim, certamente, por estarem relacionadas à construção
82
social dos corpos, diversas identidades podem ser subjugadas e consideradas subalternas
pelos/as implementadores/as do projeto.
O embrião do projeto Saúde nas Escolas promovido pela SME de Duque de
Caxias teve início em 2002, durante a gestão do prefeito José Camilo Zito, quando a
equipe de Orientação Educacional começou a implementar o projeto “Paz nas Escolas” que
tinha como objetivo central promover, junto com educadores/as e responsáveis, espaços de
discussão visando a prática educativa de uma cultura de paz. Questões relativas à
orientação sexual eram discutidas e trabalhadas pelo grupo de orientadores/as educacionais
nas escolas, dentro desse programa. Segundo a implementadora
17
Ana
18
eles/as perceberam
que a violência simbólica com garotos/as que não compartilhavam da mesma inclinação do
desejo sexual considerada normal pela maioria dos membros da comunidade escolar era
muito grande. Alguns/mas chegavam a abandonar as escolas tal era o mero de agressões
que sofriam. Então o projeto começou a discutir questões de gênero, sexualidade,
homofobia e raça. Esse trabalho foi desenvolvido até 2003.
Em 2004, logo após a posse do novo Prefeito eleito da cidade de Duque de Caxias,
Washington Reis, a implementadora Ana foi transferida para a equipe Infanto-Juvenil da
SME e o projeto continuou a ser desenvolvido. Em paralelo, nessa gestão foi criado, na
Secretaria de Educação, o núcleo CEEPC (Coordenadoria de Esportes Educacionais e
Programas Comunitários), que se tornou responsável por desenvolver programas que
envolvessem escolas e comunidades, sob a responsabilidade das professoras Alice e
Amanda. Essa equipe começou a promover o projeto “Saúde sem Limites”, que contava
com a participação de uma fonoaudióloga e de uma assistente social que visitavam as
escolas para promoverem palestras sobre temas relacionadas a educação e saúde. Por meio
de um outro projeto promovido e desenvolvido por esse núcleo “Agenda Ambiente e
Saúde” foi possível fazer um diagnóstico das escolas da rede municipal de Duque de
Caxias, pois, a equipe recebia relatórios das escolas, que descreviam seu ambiente, seus
problemas, bem como o relacionamento com o ambiente. Então, sentiu-se a necessidade de
se planejar ações em relação ao que estava sendo destacado pelas escolas. Para isso,
buscaram-se diversas parcerias. Com a Secretaria de Saúde, a parceria foi de fundamental
17
O termo implementadora está sendo utilizado como referência à pessoa que coordena a construção do projeto e é
responsável por implementa-lo junto a rede de professores.
18
Para preservar a privacidade dos/das entrevistados/as todos os nomes são fictícios.
83
importância, segundo a professora Alice, pois a médica ginecologista era especializada no
tratamento DST/AIDS e se propôs a trabalhar as questões de sexualidade, gravidez, DSTs e
AIDS dentro das escolas. Assim, deu-se início à parceria entre a Secretaria Municipal de
Educação e a Secretaria Municipal de Saúde, que resultou no programa que visava à
promoção e prevenção da saúde no ambiente escolar do Município de Duque de Caxias.
A partir de três propostas diferentes
19
e ao mesmo tempo complementares,
começou a tomar corpo o projeto “Saúde nas Escolas”, desenvolvido pela SME de Duque
de Caxias. A proposta foi construída ao longo dos anos. Hoje, diversos setores da educação
e saúde trabalham e desenvolvem programas no projeto, entre eles: equipe de programas
comunitários, equipe infanto-juvenil, programa de adolescentes, programa de saúde.
Durante o planejamento do projeto, a equipe responsável procurou seguir as
indicações preconizadas pelas Diretrizes do Plano Nacional de Educação, Estatuto da
Criança e do Adolescente, Direitos Humanos e LDB 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases).
Desse modo, as diversas questões apresentadas nas oficinas constam de propostas inseridas
nos temas transversais. Em seu conjunto, o Programa oferece para as escolas da rede
municipal 29 oficinas: Sexualidade, Prevenção de DST/AIDS, Adolescência, Gravidez
Indesejada, Aborto, Violência Sexual, Namoro, Amizade, Auto-imagem (Como vose
vê?, Como os outros te vêem?, Como gostaria de ser visto?), Auto-conhecimento (Como é
a minha relação comigo mesmo?), Homofobia, Drogas, Hanseníase, Violência Urbana,
Violência Doméstica, Violência Escolar, Meios de Comunicação, Higiene, Cidadania,
Situações de Risco à Saúde, Saneamento Básico, Religiosidade, Tabagismo, Obesidade,
Tuberculose, Ecologia, Mercado de Trabalho, Família, Relações Entre Pais e Filhos. Cada
oficina/palestra possui duração especifica variando de 1 a 8 horas de aula, sendo ministrada
por uma equipe de profissionais, professores/as, médicos/as e assistentes sociais, oriunda
das Secretarias Municipais de Educação e Saúde.
A proposta central é difundir o conhecimento sobre o corpo e a saúde no ambiente
escolar, para que os/as jovens estudantes se tornem multiplicadores/as entre as famílias e a
comunidade em geral. Assim, esses/as jovens deverão atuar, esperam-se, como difusores/as
do conhecimento, principalmente nas comunidades mais carentes e de difícil acesso do
município. Segundo o texto do projeto, o ambiente escolar é propício à difusão desse
19
Projeto Paz nas Escolas, Equipe de Programas Comunitários e Secretaria Municipal de Saúde.
84
conhecimento, já que trabalha com a população jovem. A partir dos jovens se pretende
atingir suas famílias (Projeto Saúde nas Escolas – Introdução).
O texto do projeto não detalha os objetivos, nem que assuntos serão abordados em
cada oficina. As equipes responsáveis declararam, verbalmente, que cada profissional
compõe sua oficina de acordo com suas necessidades e de acordo com as necessidades
específicas de cada escola. Segundo a professora Ana, no setor infanto–juvenil o
desenvolvimento das oficinas fica a cargo dela e de duas professoras. Assim que as oficinas
são solicitadas pelas escolas, elas estudam junto com a equipe diretiva da mesma, o número
de alunos/as, como o trabalho pode ser inserido no projeto político pedagógico, que
projetos a escola está desenvolvendo, para depois elaborar o planejamento. A assistente
social Beatriz, responsável pelas oficinas de Sexualidade, DST/AIDS, Gravidez Indesejada
afirmou que recebe da equipe de programas comunitários um mapeamento da escola na
qual constam as principais questões que desejam que ela enfatize. A partir daí ela programa
sua oficina.
Ressalta-se que, como o interesse central deste trabalho é discutir o programa de
orientação sexual preconizado pela Escola com base no projeto “Saúde nas Escolas”, apesar
da relevância de todas as oficinas, a atenção estará centrada nas que focalizam o objeto de
pesquisa. Assim, em busca de atender aos objetivos centrais deste trabalho procurou-se
investigar as principais questões desenvolvidas nas oficinas que discutiam temas relativos
ao programa de orientação sexual nas escolas. Entre as 29 oficinas oferecidas destacam-se:
Sexualidade, Prevenção de DSTs/AIDS, Gravidez Indesejada e Aborto, Violência Sexual,
Homofobia, Namoro, Amizade, Adolescência, Auto-Imagem, Auto-Conhecimento.
Os temas apresentados e discutidos na oficina de Sexualidade são corpo e afeto,
sexo e sexualidade além dos genitais, relações de gênero. Essa oficina é realizada em 8
horas/aula. Na oficina de Prevenção de DST/AIDS são apresentadas as doenças
sexualmente transmissíveis e discutidas as formas de transmissão e mecanismos para
prevenção com enfoque na importância no uso de preservativo, sexo com responsabilidade
e sexo seguro. A palestra/ oficina tem a duração de 3 horas/aula. Os temas Gravidez
Indesejada e Aborto normalmente são discutidos em uma mesma oficina. Aqui o enfoque é
o corpo como órgão sexuado e reprodutor, os direitos e responsabilidades com o corpo,
métodos contraceptivos, a importância do uso de preservativos, o sexo com segurança e
85
responsabilidade, o direito de dizer não e o direito da mulher sobre seu corpo. Essa palestra
tem a duração de 3 horas/aula. Esse grupo de palestras e oficinas é desenvolvido pela
equipe da Secretaria Municipal de Saúde em conjunto com a equipe de programas
comunitários.
As demais oficinas/palestras desse grupo destacado são desenvolvidas pela equipe
infanto-juvenil. Assim, as oficinas Violência Sexual e Homofobia abordam as questões de
gênero, as matrizes de sexualidade, os direitos humanos, violência simbólica. Normalmente
possuem a duração de 2 horas/aula. As oficinas que abordam o tema Namoro, Amizade,
Adolescência, Auto-Conhecimento e Auto-Imagem também possuem a duração de 2
horas/aula cada e abordam o amor romântico, a valorização da discussão sobre direitos
humanos, relações pessoais e interpessoais, auto-estima, direito de dizer sim e não,
responsabilidade sobre os atos e ações. Essas oficinas são desenvolvidas por orientadoras
educacionais que pertencem a essa equipe.
A partir desses dados não é possível afirmar se a ênfase dada às oficinas é
predominante biológica ou não. O fato de abordarem alguns temas como homofobia,
sexualidade, além dos órgãos sexuais, direitos humanos, pode ser indicativo de que as
oficinas buscam trabalhar uma perspectiva mais ampla de educação para a sexualidade
consciente.
Deve-se ressaltar que, segundo a professora Ana, nenhum programa de oficina é
fixo ou permanente. Estão sempre em construção, sofrendo diversas modificações no seu
desenvolvimento. “Uma oficina que não se adapta ao público e que não se modifica ao
longo do ano está fadada ao insucesso”, segundo a professora. As diversas equipes
destacam que procuram trabalhar os temas em forma de conversas, evitando sempre o “tom
professoral” , ou seja, “eu ensino você aprende”. Para tal, utilizam diversos recursos
audiovisuais como vídeos, músicas, materiais de apoio, na busca de desenvolver os temas
propostos. De acordo com a professora Ana, outra importante característica é o trabalho dos
oficineiros. “Eles estão sempre prontos para ouvir os alunos”, o que facilita a relação entre
os dois lados e permite que se crie um clima de confiança.
Cada escola do município pode escolher as oficinas que melhor atendem às suas
necessidades e expectativas. Nesses anos, a listagem com todas as oficinas foi enviada para
todas as escolas da rede municipal de educação pela CEEPC. Cabe a cada unidade escolar
86
assinalar os temas de interesse. Caso deseje que um outro tema, que não conste na relação
das oficinas, seja trabalhado, basta enviar a solicitação para a Secretaria de Educação. Logo
após, a CEEPC organiza o calendário e a programação das oficinas/palestras. No ano de
2007, o projeto atendeu a 61 escolas da rede municipal, beneficiando alunos/as do primeiro
ao nono ano do ensino fundamental. Em algumas dessas escolas, diversas oficinas foram
oferecidas a pais, mães e responsáveis, principalmente as que tratavam de assuntos como
Sexualidade, Prevenção de DSTs, Gravidez e Aborto.
Para reforçar a relevância do projeto, cabe relatar que o Governo Federal instituiu
o Programa de Saúde nas Escolas (PSE), em 2007, pelo Decreto n° 6.286 de 05 de
dezembro. Dentre os principais objetivos do projeto instituído pode-se destacar: a
promoção da saúde e cultura de paz, a construção de um sistema de atenção social com
foco na cidadania e nos direitos humanos, o enfrentamento das vulnerabilidades que
possam comprometer o pleno desenvolvimento escolar. No Decreto são sugeridas diversas
ações no âmbito do PSE, como: a promoção da saúde sexual e da saúde reprodutiva, a
educação permanente em saúde e a inclusão dessas temáticas no projeto político
pedagógico da escola.
Nessa perspectiva, as Secretarias de Educação e Saúde do Município de Duque de
Caxias estão desenvolvendo e tentando atender as indicações apresentadas no Decreto
desde 2004. Como visto, o projeto “Saúde nas escolas” foi desenvolvido a partir de um
trabalho construído por etapas e não apenas para atender a mais uma Lei de maneira
vertical, quando as secretarias de Educação devem se adaptar às exigências impostas pelo
Governo Federal. Contudo, resta saber como as escolas estão dando continuidade a essas
questões, como essas discussões propostas estão chegando aos/à alunos/as e sendo
repassadas às comunidades.
Outro importante objetivo do projeto é trabalhar em parceria com os/as
professores/as, tornando-os/as importantes aliados/as, escutando suas reivindicações,
discutindo suas questões e oferecendo materiais para a continuidade do trabalho. Para isso,
as equipes buscam parcerias e, pela SME, sempre que possível, estão oferecendo cursos de
formação continuada às/aos professoras/es e orientadores/as pedagógicos/as das escolas.
No que diz respeito ao programa de orientação sexual nas escolas, em 2006, foi
realizado, em parceria com a ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS) e
87
apoio do Governo Federal, o curso de formação continuada para professores/as “Escola
sem homofobia: trabalhando a diversidade com professores da rede pública de ensino de
Duque de Caxias”. Esse trabalho de formação continuada teve a duração de 20 horas/aula e
seu objetivo geral, segundo o texto da proposta do projeto, foi capacitar os/as professores/as
da rede pública municipal (2º segmento do ensino fundamental) para adoção de uma prática
educativa que não discriminasse os sujeitos por orientação sexual.
No programa constaram os seguintes temas: Diferenças nas Escolas: Gênero,
Sexualidade e Etnia; Orientação Sexual e Identidade Sexual; Cidadania e Direitos: leis,
Diretrizes e Projetos de Combate a Homofobia; Estigma, uma barreira na construção da
cidadania plena. Assim, professores/as receberam informações e puderam discutir diversas
questões sobre os temas tratados. A metodologia prevista para o desenvolvimento das
oficinas enfatizou a utilização de técnicas participativas do grupo, o que permitiu aos/ás
professores/as discutir e problematizar o impacto de atitudes e crenças discriminatórias
relativas às práticas sexuais, bem como seu próprio compromisso com uma educação
transformadora, inclusiva e plural.
Essa formação contemplou 80 professores/as de rede municipal e alguns/mas
professores/as convidados/as da Secretaria Estadual de Educação (Coordenadoria
Metropolitana 8). A expectativa principal era a que cada professor/a, após a capacitação,
funcionasse como multiplicador/a junto ao corpo docente e discente de sua unidade escolar.
Assim, ajudando a unidade escolar a intervir em seu cotidiano, principalmente em
situações de violência ou discriminação com base na sexualidade, em particular aos jovens
HSH (homens que praticam sexo com homens). A partir dessa oficina foram produzidos e
distribuídos diversos materiais para serem utilizados nas escolas e comunidades como:
Cartilha “Juventude e Homossexualidade: o que os pais precisam saber”, cartões postais e
marcadores de livro com a divisa Direitos Sexuais são Direitos Humanos”, produzidos
pela ABIA, e um vídeo com as oficinas e discussão.
Em conjunto, a capacitação dos/as professores/as e as palestras/oficinas
desenvolvidas nas escolas propõem-se à construção do conhecimento e do programa de
orientação sexual. A idéia é uma educação para sexualidade trabalhada como direito
humano, a valorização e a discussão do amor romântico, a preocupação da capacitação de
88
professores/as para questões relativas a homofobia. Todos estes aspectos sugerem uma
ênfase mais ampla, não se limitando apenas às questões biológicas e fisiológicas.
3.2 – Procedimentos metodológicos da pesquisa
Os procedimentos dessa pesquisa foram orientados para responder à pergunta:
“Como o projeto de orientação sexual proposto pela Secretária Municipal de Educação de
Duque de Caxias é recebido e desenvolvido pela Escola Municipal Nós do Morro e como
os/as docentes dessa escola promovem atividades e práticas que possam favorecer aos/às
alunos/as um processo autônomo de construção de suas identidades sexuais e o exercício de
suas sexualidades?”
Para tal, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa com base em levantamento de
dados e observação. A opção por essa metodologia de pesquisa se deu por ela fornecer
dados significativos e densos para análise (Duarte, 2002). Desse modo, é possível
apresentar uma maior compreensão acerca do programa de orientação sexual desenvolvido
pela Escola Municipal Nós do Morro. Os instrumentos de geração de dados, assim como as
justificativas que levaram às escolhas dos sujeitos, encontram-se na seção 3.6 deste
capítulo.
Buscaram-se informações na SME sobre escolas na rede municipal que estivessem
trabalhando o projeto e procurassem dar continuidade ao mesmo. O primeiro contato com a
Coordenadoria de Esportes Educacionais e Programas Comunitários objetivando a
conhecer melhor o projeto “Saúde nas Escolas”, aconteceu em agosto de 2007. Após
algumas conversas com a equipe, nos meses de outubro e novembro de 2007, visitou-se,
uma média de 8 escolas e assistiu-se a algumas palestras que estavam ligadas ao programa
de orientação sexual: Sexualidade, Prevenção de DSTs/AIDS, Adolescência, Gravidez
Indesejada, Aborto, Violência Sexual, Namoro, Amizade, Auto-Imagem, Auto-
Conhecimento. Ressalta-se que o número de palestras assistidas, assim como o número de
escolas visitadas, foi determinado de acordo com a disponibilidade do pesquisador em
89
relação ao conjunto de escolas que seriam atendidas pelo projeto, bem como pelo horário
em que elas aconteceriam.
Para escolher uma escola considerou-se que ela deveria incluir, em sua proposta
curricular, o planejamento de um programa de orientação sexual e não apenas receber a
visita do projeto proposto pela SME e participar das palestras e oficinas. Outra prioridade
era a escola trabalhar com o segundo segmento do ensino fundamental, pois havia o
interesse em perceber como os “temas polêmicos” (PCN, 1998) eram tratados pela
instituição com adolescentes.
Concluiu-se, então, que a Escola Municipal Nós do Morro poderia oferecer um
campo apropriado ao desenvolvimento desta pesquisa. Deve-se realçar que na primeira
visita à escola, a fala informal de uma professora de espanhol colaborou, em muito, com a
decisão tomada: “aqui é possível trabalhar, temos uma excelente equipe pedagógica;
determinados trabalhos que desenvolvo aqui, nem sonho em desenvolver em outra escola
do município”.
3.3 – Escola Nós do Morro
O nome é fictício, para preservar e assegurar a privacidade dos/das
entrevistados/as. Teve-se acesso a um momento específico da vida desta escola, que atende
a comunidade 30 anos. “Não poderia falar do que a escola é, mas sim uma versão do
que ela foi no ano da pesquisa” (Leite, 2008, p.36). Destaque-se, também, que todos os
nomes de professores/as, orientadoras e alunos/as apresentados são fictícios, “porque, no
sentido que venho descrever, fictício também é esse relato ainda que uma ficção baseada
em fatos reais” (idem, idem, p. 37). Embora tenham sido assistidas diversas reuniões na
Secretária Municipal de Educação, ocorrido participação em diversas palestras realizadas
em escolas, observação na Escola Nós do Morro por diversas vezes, conversas com
diretoras, professores/as, funcionários/as, alunos/as, análise de diversos documentos, muita
coisa ainda ficou por conhecer.
90
Dois motivos foram relevantes para a escolha do nome “Nós do Morro”. O
primeiro foi a localização da escola. Ela se encontra no alto de um morro. O segundo, em
alusão ao bem sucedido grupo teatral “Nós do Morro”, no Rio de Janeiro, que corresponde
a um projeto realizado com jovens moradores do Vidigal e que se destaca no meio artístico
e cultural do país. Assim, a escolha do nome funciona como uma homenagem ao grupo
que está completando 22 anos de trabalho. Deseja-se que o trabalho realizado pela Escola,
salvaguardando-se as devidas proporções, seja tão bem sucedido quanto o do grupo teatral.
Localizada no 2° Distrito do município de Duque de Caxias, é considerada, por sua
localização, uma escola de difícil acesso. Por tal motivo, os/as professores/as e
funcionários/as que nela trabalham recebem um adicional de 20% no salário. São
atendidos/as alunos/as do bairro e de favelas próximas. A população pertence às camadas
populares, economicamente desfavorecidas, que passam por grandes dificuldades
financeiras. Na região, além da Escola, existe apenas um posto de saúde mantido pelo
poder público municipal. A maior parte dos/das moradores/as trabalha no mercado
informal, outros/as são empregados/as domésticos/as, faxineiros/as e diaristas ou
cobradores/as de ônibus. Diversos/as alunos/as da escola são atendidos pelo Programa
Bolsa-Família do Governo Federal. Tal fato mostra que os pais, mães ou responsáveis
pelos/pelas estudantes recebem baixos salários.
A comunidade possui uma Associação de Moradores que funciona próxima à
Escola. Existe um enorme número de Igrejas Evangélicas (diversas congregações) na
comunidade, além de alguns terreiros de candomblé. Não Igreja Católica no bairro.
Podem-se ver, ainda, pequenos estabelecimentos comerciais na região, como: muitos bares
e biroscas, padarias, casa de material de construção e uma Lan-House. Essa última é muito
freqüentada pelos/as estudantes da escola. Segundo a orientadora educacional, não se tem
noticia de envolvimento ou interferência do tráfico nessa comunidade, “pelo menos na
proximidade.” Essa informação foi apresentada antes do inicio das obras do PAC
(Programa de Aceleração do Crescimento) – projeto do Governo Federal. Com o tempo, foi
possível perceber que o discurso geral entre os/as professores/as, alunos/as e a própria
orientadora educacional era que com o PAC “os marginais do Morro do Alemão na Penha
haviam fugido e se escondido na região”. A própria orientadora teve seu carro roubado nas
91
redondezas no mês de julho desse ano, “trabalho nessa escola quase 10 anos e nunca
havia presenciado tamanha violência”.
Apesar de sua total simplicidade, a escola é muito bem cuidada. Foi fundada em
1978, período em que o então Prefeito Renato Moreira da Fonseca inaugurou diversas
escolas no município. A escola Nós do Morro situa-se em uma pequena casa, ampliada ao
longo dos anos. Quando foi construída, possuía apenas 2 salas de aulas, 1 sala para direção
e secretaria, 1 banheiro e uma cozinha. Hoje, após diversas reformas, possui 11 salas de
aula, sala da direção e secretaria, sala de orientação pedagógica e educacional, biblioteca,
sala de leitura e sala de vídeo. As duas últimas funcionam integradas, embora exista a
possibilidade de se trabalhar com o vídeo na própria sala de aula. A escola possui, ainda,
cantina/refeitório, sala de professores/as, 2 banheiros para professores/as e 2 para alunos/as.
A escola ainda não dispõe de quadra cimentada para aulas de Educação Física.
Os/as professores/as dessa disciplina utilizam um espaço na frente do prédio que também
serve de estacionamento para os/as profissionais da escola. Quando aula de Educação
Física, não se estaciona o carro nesse espaço. Quando chove, as atividades são
desenvolvidas na sala de aula, pois o barro e a lama não permitem as atividades. Não há
laboratório específico nem sala de informática. O único computador que a escola possui é
de acesso restrito aos membros da direção e, esporadicamente, dos/as professores/as. A
secretaria possui uma máquina de xerox que foi comprada pelos/as professores/as, que se
cotizaram, objetivando melhorar suas condições de trabalho.
Apesar das características de um prédio antigo, a escola é muito limpa e bem
conservada. Não são encontradas pichações nos banheiros ou nas paredes. Destacam-se,
apenas, no banheiro masculino, algumas portas quebradas e vasos sanitários mal
conservados. Não há falta de professores/as e funcionários/as. No entanto, alguns/mas
professores/as matriculados na própria escola fazem “dobra”, isto é, fazem dupla regência
com contratos provisórios.
A escola funciona em três turnos: 7 às 11 horas, 11 às 15 horas e das 15 às 19
horas. Atende aos/às alunos/as da Educação Infantil ao 9°ano, aproximadamente, portanto,
dos 6 aos 16 anos. Torna-se relevante acentuar que as turmas de vel mais elevado (6° ao
ano) estudam no primeiro e no segundo turnos. Segundo informação da orientadora
educacional, essa medida, em conjunto com outras decisões, ajudou a diminuir o acentuado
92
índice de gravidez na adolescência que vinha acontecendo na escola. Constataram que,
quando os/as alunos/as dos últimos anos estudavam no terceiro turno, eles/as permaneciam
nos entornos da escola. Tal fato, segundo a orientadora pedagógica, além da falta de
informação necessária, facilitava o namoro e a realização de atos sexuais entre os/as
estudantes. A orientadora informou que a escola teve, nas antigas sétimas e oitavas
séries, 4 a 5 alunas grávidas por turma.
Segundo a secretária, 908 alunos/as matriculados/as do C.A ao ano, assim
distribuídos: C.A. - 2 turmas - 41 alunos/as; ano - 3 turmas - 75 alunos/as; ano - 3
turmas - 76 alunos/as; ano - 4 turmas - 87 alunos/as; 4° ano - 4 turmas - 104 alunos/as;
5° ano – 4 turmas -121 alunos/as; 6° ano - 5 turmas - 169alunos/as; 7° ano - 3 turmas - 108
alunos/as; ano - 3 turmas - 92 alunos/as; ano - 1 turma - 35 alunos/as. Ressalta-se que
o pequeno número de alunos/as no último ano, segundo a orientadora pedagógica, se deve
ao fato de os/as alunos/as precisarem ingressar muito jovens no mercado de trabalho
(normalmente informal), necessitando, assim, de se transferirem para o ensino noturno.
Acresça-se o fato de alguns/mas se transferirem, ainda no 8° ano, para uma Escola
Estadual que oferece ensino fundamental e médio, objetivando garantir a continuidade dos
estudos. Em Duque de Caxias, o processo de transição de uma escola blica de ensino
fundamental para uma que ofereça ensino médio ainda causa grandes transtornos.
3.4 – O Corpo docente
O Corpo docente da Escola Municipal Nós do Morro é composto por 44
professores/as. 20 atendem os/às alunos/as da educação infantil ao 5°ano de escolaridade e
os/as outros/as 24 trabalham com alunos/as do 6° ao 9° ano de escolaridade.
No que se diz respeito à formação docente, entre os/as 20 que atendem ao
primeiro segmento do ensino fundamental, apenas 5 possuem curso normal, 11
professores/as possuem graduação, 4 possuem especialização. entre os/as que trabalham
no segundo segmento, 10 professores/as possuem especialização, 4 são mestres e 1 doutor.
93
Esses/as professores/as são oriundos de diversas localidades do Estado do Rio de
Janeiro, tais como Rio de Janeiro, Belford Roxo, São João de Meriti, Seropédica, Magé,
Petrópolis, bem como do próprio município de Duque de Caxias. Nos últimos anos, os
salários oferecidos pela Prefeitura Municipal de Duque de Caxias aos/às profissionais da
educação são superiores aos outros municípios. Outro fator que tem atraído professores/as
com alto nível de escolaridade e incentivado que os/as professores/as concursados/as
continuem a estudar é o plano de cargos e salários que reconhece e valoriza a formação
continuada dos profissionais.
3.5 - A Escola e o Programa de Orientação Sexual
Embora tenha sido defendida no capítulo anterior a importância de um trabalho de
educação para sexualidade, aqui será utilizado o termo orientação sexual. Essa opção deve-
se ao fato de que o termo é assim empregado em diversos documentos oficiais como: PCN
(Parâmetros Curriculares Nacionais), documentos da SME e na grade curricular da escola.
Assim, a utilização de um outro termo poderia dificultar a compreensão e a leitura.
O programa de Orientação Sexual desenvolvido pela Escola Nós do Morro é
dirigido e trabalhado pela equipe pedagógica
20
, desenvolvido, sistematicamente com as
turmas de 8°ano, em encontros semanais. Os demais anos recebem atenção esporádica e a
discussão fica a cargo dos/as professores/as que desejarem fazê-la, em seus horários de
aula.
A escolha do 8° ano para o trabalho sistematizado, segundo a orientadora
educacional, se deu por vários motivos. Os principais são: a faixa etária dos/as alunos/as
que, supostamente, precisariam de mais atenção e a conclusão de uma pesquisa de
observação informal realizada pela equipe de direção, que ressaltou, nessa faixa etária,
presenças mais freqüentes de gravidez indesejada, homofobia, descoberta ou assunção da
homossexualidade. Levou-se em consideração, também, a grande curiosidade por parte
20
A equipe é formada por uma orientadora educacional e uma orientadora pedagógica.
94
dos/as alunos/as, dessa mesma faixa etária, sobre essas questões, assim como a
flexibilidade, na grade curricular, para introduzir esses encontros. (Pode-se discordar da
decisão de incluir apenas o 8° ano no Programa, já que adolescentes de outros anos também
já vivenciam suas sexualidades e poderiam portanto se beneficiar dos encontros).
Contudo, segundo a orientadora educacional, o foco no 8°ano permite à escola
melhor avaliar os resultados, pois parte dos/as alunos/as ainda permanecem na escola por
mais um ano. Os encontros referentes ao programa acontecem na própria sala de aula ou,
quando necessário, em espaços alternativos, como, por exemplo, a sala de vídeo.
Esses encontros são conduzidos pela orientadora educacional da escola,
responsável pela implementação do programa. Ela, tem participado de todas as oficinas e
cursos de formação continuada promovidos pela SME desde 2003. Ao ser perguntada
porque foi escolhida para desenvolver o programa, a resposta foi enfática “alguém tem que
começar, existem coisas que não adianta esperar pelo outro”. Com esse pensamento, o
projeto de orientação sexual na escola Nós do Morro vem sendo desenvolvido desde 2005,
sempre no 8°ano (antiga série), sob a coordenação da orientadora. O que muda é a
equipe de professores/as que naquele ano está trabalhando com as turmas.
Os/as professores/as são convidados/as a participar do projeto durante as reuniões
de grupo de estudo
21
. São solicitadas ações e propostas que possam permitir uma integração
entre todos/as. No entanto, a participação não é obrigatória, dependendo da disponibilidade
e do interesse de cada professor/a.
Nos anos de 2005, 2006 e 2007 a Escola Municipal Nós do Morro recebeu e
participou do projeto “Saúde nas Escolas”. No último ano, 2007, as oficinas e palestras
recebidas foram: DSTs/AIDS, Sexualidade, Homofobia, entre outras como, Obesidade e
Tabagismo. A Orientadora Educacional explicou que procura variar ao solicitar as
palestras, levando sempre em consideração a disponibilidade de horários, o nível da turma e
os fatos acontecidos. Exemplificou que, naquele ano, solicitou a oficina/palestra sobre
homofobia porque estavam se acentuando na escola casos como o de uma aluna que havia
sido rotulada pelos colegas como “sapatona”. Assim, ela obtinha um reforço para o
21
A unidade escolar realiza grupos de estudos mensais, onde participam professores/as do segmento de
ensino, orientação educacional e pedagógica e direção.
95
desenvolvimento do programa, “uma diferente perspectiva e um olhar diferente sobre a
questão”.
No ano de 2008, segundo a orientadora educacional, não havia sido possível
marcar oficina porque a oferta foi menor do que nos anos anteriores, além de a escola não
considerar que havia necessidade da atividade.
O trabalho desenvolvimento por essa comunidade escolar serviu de base para a
realização dessa pesquisa. Abaixo se descreve os instrumentos utilizados para a geração de
dados.
3.6- Instrumentos de Pesquisa:
Para que as questões propostas no estudo fossem devidamente abordadas foram
utilizados os seguintes instrumentos para geração de dados.
3.6.1. Entrevistas
Para facilitar a busca de dados qualitativos que pudessem permitir a construção de
um olhar acerca do programa de orientação sexual foram realizados três grupos de
entrevistas. Foram feitas entrevistas semi-estruturadas, nas quais os/as entrevistados/as
puderam expor livremente seus pensamentos. O roteiro foi modificado dependendo da
resposta de cada entrevistado/a.
O primeiro grupo de entrevistados/as foi composto pela equipe da SME de Duque
de Caxias implementadora do projeto “Saúde nas Escolas”. Buscou-se saber como este foi
planejado, como aconteceu o processo de escolha das oficinas, as expectativas da SME em
relação ao projeto, como está dando o acompanhamento do trabalho realizado pelas escolas,
96
o apoio que o projeto saúde oferece aos/às professores/as para a continuidade do trabalho e,
por fim, como eles estão avaliando a proposta e os resultados das práticas. (anexo A)
O segundo grupo de entrevistados/as foi composto pelos/as profissionais
responsáveis por ministrar as oficinas e palestras do projeto “saúde nas escolas”. Nesse
grupo, empregou-se o roteiro de entrevista semi-estruturada. O objetivo foi perceber como
eles/as planejavam e desenvolviam suas oficinas, que aspectos eram priorizados, como
eram suas relações com as escolas que os/as recebiam, como eles/as avaliavam a oficina e a
proposta, o planejamento e execução do projeto. (anexo B)
O terceiro grupo de entrevistados/as foi constituído pela equipe pedagógica
responsável pelo desenvolvimento do programa de orientação sexual na Escola Municipal
Nós do Morro. Procurou-se perceber como foi planejado o programa de orientação sexual
desenvolvido pela escola, quais as principais dificuldades, como o corpo docente participou
do projeto, como as palestras e as oficinas oferecidas pelo projeto “Saúde nas Escolas”
foram desenvolvidas, como a SME está oferecendo subsídios para a continuidade do
projeto. (anexo C)
3.62.- Questionário:
O questionário foi destinado aos/às professores/as do ano - Seu objetivo foi
conhecer os/as professores/as que trabalham com as turmas de ano, verificar se haviam
lido os PCN de orientação sexual, identificar sua visão de como sua disciplina auxilia o
desenvolvimento do programa de orientação sexual, verificar quais os assuntos que
abordavam em aula e as atividades relacionadas à orientação sexual não previstas no
projeto que eles promoviam (anexo D).
3.6.3 Observação
97
Com o intuito de perceber melhor a abrangência do projeto “Saúde nas Escolas” e
o programa de orientação sexual desenvolvido pela escola Nós do Morro, foram realizadas
duas observações (anexo E), em conjunto com a equipe que ministra as oficinas e com a
turma da Escola Municipal Nós do Morro.
Com os/as profissionais que ministram as oficinas/palestras foram visitadas
escolas e assistidas a oficinas e palestras ministradas. Na escola, a observação ocorreu na
turma 802. Em ambos os grupos, as categorias utilizadas para observação foram:
- Sujeitos (alunos/as e profissionais da educação) - como se posicionavam em relação ao
grupo, aos pares e aos outros, como interagiam.
- Eventos – como os grupos trabalhavam com algum material referente à sexualidade.
-Linguagem – Que tipo de linguagem os estudantes utilizavam para tratar as diversas
matrizes de sexualidade, como as masculinidades se faziam presentes no ambiente, como
verbalizavam a violência sexual e os atos de homofobia. Ainda, como o cotidiano da escola
pode favorecer a construção das identidades sexuais de modo autônomo.
3.6.4 – Grupo Focal
Com o objetivo de dar voz aos/às alunos/as da Escola Municipal Nós do Morro, foi
realizado um grupo focal (anexo F), que contou com a participação de 6 alunos/as
pertencentes ao ano de escolaridade. Buscou-se captar como percebiam e avaliavam o
desenvolvimento e a relevância do programa de orientação sexual.
3.7 - Geração de dados
Os dados foram gerados da seguinte maneira:
98
3.7.1 – Entrevistas:
As entrevistas foram realizadas nos meses de agosto e setembro de 2008. Todas
foram gravadas e posteriormente transcritas. Retornou-se ao/à entrevistado/a em busca de
novos esclarecimentos. As entrevistas ocorreram nos locais de trabalho do/a entrevistado/a
e foram marcadas de acordo com a disponibilidade do/a mesmo/a. A duração média de cada
entrevista foi de vinte e cinco minutos. Em alguns casos, alongou-se um pouco, porque o/a
entrevistado/a era ao mesmo tempo implementador/a do projeto e responsável por alguma
oficina.
3.7.2 – Questionário:
O questionário com perguntas, direcionadas aos/às 8 professores/as que trabalham
com as turmas de ano, foi respondido por todos/as. Na quinzena de 04 a 15 de agosto foi
visitada a escola três vezes a fim de encontrar cada um/a dos/as professores/as. O objetivo
do questionário foi explicado pessoalmente. Cada docente respondeu e devolveu no mesmo
dia em que recebeu. Todos/as os/as docentes procurados/as responderam.
3.7.3 – Observação
As visitas com a equipe que ministra as oficinas nas escolas da rede municipal de
Duque de Caxias aconteceram nos meses de outubro e novembro de 2007, quando ainda
não se tinha escolhido uma escola como objeto de análise. Foram visitadas um total de 8
escolas e assistidas as oficinas de Sexualidade, Prevenção de DST/AIDS, Adolescência,
Gravidez indesejada, Aborto, Violência sexual, Namoro, Amizade, Auto-Imagem, Auto-
Conhecimento.
99
O trabalho de observação na escola iniciou-se em 16 de maio de 2008, tendo
acontecido semanalmente às sextas-feiras, durante os encontros do programa de orientação
sexual, no horário de 9h15min. às 10h 45 min. O período destinado às observações foi de
três meses. O principal local de observação foi a sala de aula, sendo observados aspectos do
cotidiano escolar, assim como, aproveitada a oportunidade para conversar informalmente
com alguns/mas professores/as.
Nos dois casos, os acontecimentos e falas, vistas como conversas informais
relevantes, foram devidamente anotadas.
3.7.4 - Grupo focal
O grupo focal foi realizado no dia 05 de setembro e durou aproximadamente de 1
hora. Os/as 6 alunos/as que participaram do grupo ofereceram-se espontaneamente para a
atividade. Após o encontro do programa alguns/mas alunos/as foram convidados/as para
uma conversa. Para a escolha do número de participantes (6) levou-se em consideração a
facilidade de gravar em áudio suas opiniões.
3.8 - Tratamento dos dados
Após a geração dos dados, as entrevistas realizadas e a atividade do grupo focal
foram transcritas. Os dados gerados foram selecionados de modo que permitissem um
confronto entre os resultados, ou seja, uma análise das diferentes opiniões e pontos de vista
sobre o assunto em questão. Assim, as respostas obtidas por meio das entrevistas,
questionários, observações e grupo focal permitiram analisar como o projeto de orientação
sexual proposto pela Secretária Municipal de Educação de Duque de Caxias é recebido e
desenvolvido pela Escola Municipal Nós do Morro e como os/as docentes dessa escola
100
promovem atividades e práticas que possam favorecer aos/às alunos/as um processo
autônomo de construção de suas identidades sexuais e o exercício de suas sexualidades.
101
4 - CORPOS EM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO: ANÁLISE DOS AVANÇOS E
LIMITAÇÕES DO PROJETO ‘SAÚDE NAS ESCOLAS’ E O PROGRAMA DE
ORIENTAÇÕES SEXUAL DA ESCOLA NÓS DO MORRO
Esse capítulo tem por objetivo central apresentar respostas às questões de estudo e
interpretar os dados obtidos. Assim, serão analisadas as propostas preconizadas pela SME
por meio do projeto “Saúde nas Escolas” e seus desdobramentos no programa de orientação
sexual desenvolvido na Escola Nós do Morro. A partir dessa análise, pretende-se verificar
como o projeto de orientação sexual proposto pela Secretária Municipal de Educação de
Duque de Caxias é recebido e desenvolvido pela Escola Municipal Nós do Morro e como
os/as docentes dessa escola promovem atividades e práticas que possam favorecer aos/às
alunos/as um processo autônomo de construção de suas identidades sexuais e o exercício de
suas sexualidades.
Para tal, na primeira seção busca-se caracterizar os sujeitos envolvidos na
pesquisa. Na segunda examinam-se as expectativas das implementadoras das oficinas. Na
próxima seção destacam-se como as oficineiras vêem o projeto de orientação sexual. A
Escola Municipal Nós do Morro e seu programa de orientação sexual é o foco da quarta
seção. Na quinta seção apresentam-se alguns elementos que permitirão analisar se o
trabalho realizado pela escola por meio do projeto de orientação sexual favorece a
autonomia dos/das estudantes no processo de construção e legitimação das identidades
sexuais. Na sexta e última seção, intitulada entraves e retrocessos, mostram-se às
dificuldades enfrentadas para desenvolver o projeto “saúde nas escolas” e o programa de
orientação sexual na escola..
4.1 - Caracterizando os sujeitos da pesquisa
Conforme mencionado no capítulo anterior, as entrevistas e as entrevistadas foram
divididas em três grupos. O primeiro grupo foi formado pela equipe implementadora do
102
projeto “Saúde nas Escolas”, que participou da elaboração, divulgação e implementação do
mesmo desde o início. Todas as integrantes do grupo são funcionárias públicas
concursadas. Trabalham na Secretaria de Educação aproximadamente 15 e 20 anos,
tendo iniciado suas carreiras como professoras e orientadoras educacionais. Duas chegaram
à equipe no governo Washington Reis (2004 -2008) e uma era chefe de equipe no
governo anterior. No decorrer do capítulo serão chamadas de: Ana, Alice e Amanda.
Quanto à formação das implementadoras, Ana está cursando mestrado em educação,
enquanto Alice e Amanda possuem especialização em educação.
O segundo grupo de entrevistadas foi formado pelas responsáveis pelas oficinas. O
grupo foi composto por uma assistente social com especialização em adolescência e
medicina social, uma médica ginecologista, duas pedagogas com pós-graduação
(especialização) em educação. No decorrer do trabalho serão chamadas de: Beatriz
(assistente social), Bete, Bernadete (pedagogas) e Bela (médica).
O último grupo de entrevistadas foi formado pela equipe diretiva da Escola
Municipal Nós do Morro, formado por 2 orientadoras (educacional e pedagógica) e uma
diretora. Todas possuem graduação e pós-graduação (especialização) em educação. A
diretora, que foi indicada para cargo na gestão do atual prefeito, é professora concursada e
trabalha na prefeitura 23 anos. As duas orientadoras, também concursadas, trabalham na
unidade escolar 15 anos. Aqui serão denominadas de: Catarina (diretora), Carla
(orientadora educacional) e Carina (orientadora pedagógica).
Os questionários preenchidos pelos/as docentes revelaram que dois/duas possuem
graduação, quatro possuem especialização, um/uma é mestre/a e um/uma é doutor/a.
Quanto ao tempo que trabalham na unidade de ensino, 4 possuem menos de 5 anos, 1 está
na escola entre 6 e 10 anos e 3 há mais de 16 anos. Aqui eles/elas serão identificados/as por
nomes e pelas disciplinas que lecionam: Danilo (professor de matemática), Débora
(professora de português), Dilermano (professor de ciências), Denis (professor de
geografia), Dóris (professora de história), Dino (professor de inglês), Dinair (professora de
educação física), Dorotéia (professora de artes).
Os/as seis alunos/as que participaram da atividade de grupo focal possuem idade
que variam de 13 a 15 anos. Também serão identificados, ao longo do texto, por meio de
nomes, tendo ao lado suas respectivas idades. Aqui serão chamados/as como: Everton - 13
103
anos, Edgar 15 anos, Elaine 13 anos, Elisa 13 anos, Edílson -13 anos, Emília 14
anos. Todos/as estudam na escola desde o primeiro segmento do ensino fundamental.
Com exceção do aluno Edgar, os/as outros/as não repetiram de ano.
4.2 -O programa de Orientação Sexual: uma reflexão com base nas propostas e
expectativas das implementadoras e responsáveis pelas oficinas.
Apesar de os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998) indicarem que o
programa de orientação sexual nas escolas deve ser construído e desenvolvido pelos/as
professores/as de todas as disciplinas, a SME de Duque de Caxias possui o Projeto “Saúde
nas Escolas” com o objetivo de auxiliá-los/las a desenvolverem seus próprios projetos. É
relevante destacar que não é objetivo do projeto substituir a atuação das escolas e sim
trabalhar em conjunto com elas, pois, cada uma possui sua realidade que é única.
Deve-se, também, levar em consideração que nem sempre um projeto é
desenvolvido conforme planejado e estruturado. Muitas vezes o projeto pode sofrer tantas
interpretações e adaptações que se perde de sua proposta original. Essas modificações
podem ser decorrentes da maneira como a escola irá desenvolvê-lo.
Nessa perspectiva, é importante conhecer as expectativas e propostas das
implementadoras. A equipe destacou que as discussões sobre sexualidade são pautadas
seguindo-se o viés do direito do/a aluno/a como direito humano. Assim, ao desenvolver o
programa são levados em consideração o direito à informação critica e consciente, o direito
à saúde, o direito de escolha, o direito de viver sua sexualidade (Briztman, 2001a). O
programa desenvolvido pela SME valoriza a luta em prol da cidadania (Ceccarelli, 2003),
do reconhecimento e valorização das diferenças.
“Sempre levamos em consideração os direitos individuais, direito a uma educação de
qualidade. E quando se fala em direito destacamos a qualidade desse direito, então você
fala em prevenção das DSTs, do direito de uma escolha consciente, do direito de dizer
sim ou não, do direito sobre o corpo. Você fala de homofobia, da obrigação de respeitar o
outro. Ao falar do respeito ao outro, falamos da importância de reconhecer as diferenças”.
(Ana, implementadora)
104
A proposta de se trabalhar as diferenças remete à relação entre diferença e
identidade. Conforme Silva (2000) identidade e diferença são indissociáveis. Assim, a
preocupação em se trabalhar temas como homofobia e reconhecimento do outro acentua a
importância de se discutir questões relativas às identidades sociais e sexuais produzidas
com base nas relações de poder, na representação e na diferença.
A fala da implementadora, também, mostra como o projeto tenta atender aos PCN
(1998), ao buscar contribuir para o conhecimento e a valorização dos direitos sexuais dos/as
alunos/as, trazendo à tona conteúdos abordam relações entre gêneros, prevenção de doenças
e o estudo do corpo como matriz de sexualidade.
Outra implementadora, Amanda evidenciou em sua fala uma visão relevante sobre
o trabalho desenvolvido. Destacou que a pluralidade das identidades sociais e das visões de
mundo são ou deverão ser atendidas pelo projeto:
“Quando pensamos o trabalho a ser realizado temos que levar em consideração a
clientela, normalmente jovens pobres, de famílias desestruturadas, onde os conceitos de
corpo e sexualidade são vários. Para algumas meninas a gravidez é sinal de que se
tornaram mulheres, é prestigio social. Para alguns meninos o sexo tem vários sentidos,
pode ser moeda de troca ou de diversos prazeres. Temos relatos de diversos alunos que
mantêm diversos tipos de relações sexuais por diversos motivos. Temos também,
atualmente nas escolas municipais, uma quantidade enorme de alunos que se assumem
gays muito cedo. Nosso trabalho é muito delicado porque de uma maneira geral temos
que falar para todos, de uma forma que todos entendam.” (Amanda, implementadora)
A fala acima sugere a intenção de se considerarem necessidades especificas de
moradores/as das periferias urbanas. Nessas regiões, determinados conceitos e discursos
disseminados nos grandes centros são reinventados, reconstruídos e readaptados. As
necessidades básicas fazem com que sejam redesenhadas novas formas de perceber o
mundo social (Chnaiderman, 2005). Trata-se do específico de um centro urbano periférico
como Duque de Caxias. Trabalhar nele é trabalhar com conceitos específicos de relações
humanas e sociais. No que se diz respeito às identidades sexuais, sexualidades e
masculinidades, ao mesmo tempo em que é possível perceber o poder do discurso
hegemônico, segundo o qual a “dominação masculina se diz nas práticas e discursos que
enunciam o ser” (Bourdieu, 1995), evidenciam-se novos arranjos sociais em lares liderados
por mulheres ou nas múltiplas maneiras de se vivenciarem as masculinidades. Na
comunidade, fatores como o desemprego, a bebida, a pobreza, entre outros, acentuam as
relações de cathexis (Connell, 1995) revelando de maneira acentuada a crise do masculino.
Dessa maneira, diversos homens não assumem as funções esperadas de um chefe de família
105
ou abandonam os lares. É muito comum ver famílias administradas por mulheres, que
passam a assumir o papel social do homem para criar seus/suas filhos/as ou adquirirem
maior respeito entre os membros da comunidade.
Nessa perspectiva, o estudo de gênero pode ser uma das categorias cruciais para
que se entendam essas mudanças sociais e culturais (Moita Lopes, 2006) mencionadas pela
implementadora Amanda. O gênero se produz por meio da linguagem e opera nos níveis
social, interpessoal e individual (Coimbra, 2003). A gravidez nas meninas pode ilustrar essa
assertiva: ser mãe significa ser mulher e, nas relações de poder, essa segunda categoria
apresenta um status maior para as pessoas que moram nas periferias urbanas. Em suma, os
sujeitos sociais são construídos nos discursos e praticas nas quais circulam (Moita Lopes,
2002).
Na visão das implementadoras, o primeiro objetivo a ser desenvolvido pelo projeto
de orientação sexual é apresentar e discutir as múltiplas possibilidades de sexualidade, as
diversas identidades sexuais, para, então, discutir os elementos relacionados à saúde e o
prazer: Aqui, sexualidade, saúde, direito e prazer caminham juntos” (Ana,
implementadora). De acordo com essa proposta as experiências cotidianas são discutidas e
apresentadas nas salas de aula, sendo questionadas e problematizadas, para que novas
possibilidades de construção das identidades se façam viáveis. Assim, os/as alunos/as,
certamente, poderão descobrir e reconhecer que as sexualidades são frutos “de um conjunto
complexo de processos sociais, culturais e históricos” (Rolland, 2003, p.115).
Ao se apropriarem das leis que reconhecem os direitos dos/das alunos/as de
receber informações sobre o corpo, a sexualidade e a saúde, a proposta do projeto acaba por
oferecer, principalmente aos/às alunos/as vulneráveis à violência homofóbica, mecanismos
de luta, resistência e reconhecimento de suas identidades. Nessa perspectiva, com base nos
discursos que propõem a visibilidade das identidades homossexuais e bissexuais, que
aceitam as diversas masculinidades e a pluralidade das sexualidades, os diversos sujeitos
sociais podem ser “sujeitados ao discurso e eles próprios, assumi-lo como indivíduos que,
dessa forma, se posicionam a si próprios” (Woodward, 2000, p.55). Paralelamente são
discutidas as possibilidades e a importância do cuidado com o corpo e preservação da
saúde.
106
O desenvolvimento do Projeto está sendo comemorado pela equipe da SME
porque atende às diversas questões indicadas nas propostas do PSE (Programa de Saúde
Escolar), instituído pelo Decreto 6.286 de 05 de dezembro de 2007, que deverão ser
desenvolvidas pelas Secretarias de Educação a partir de 2009
“Estamos muito felizes com o Projeto Saúde nas Escolas. A gente está em uma fase que
em muito nos envaidece [... ]. Porque eschegando uma proposta do Governo Federal,
chamado PSE e todas as ações que ele propõem nós já estamos desenvolvendo em nosso
Município. Olha que essas ações são realizadas desde 2005 e são propostas pelo PSE para
2009. A gente também já possui articulação com os programas de saúde e com a
Coordenadoria do Estado [... ]. A gente não trabalha o Município, mas em conjunto
com a Coordenadoria Metro V do Governo do Estado e instituições parceiras”. (Alice,
implementadora)
“Estamos em vantagem. Nós somos o único Município do Rio de Janeiro, pelo menos do
Pólo 8, que tem o Projeto Saúde nas Escolas. Assim, enquanto os outros Municípios estão
discutindo a dificuldade que existe na integração intersetorial de trabalhar saúde e
educação coletivamente em parceria, s podemos pensar em outros aspectos do
Programa. A integração nós já resolvemos desde 2005”. (Amanda, implementadora).
Um dos pontos altos do projeto são as parcerias. Ao longo desses quatro anos a
união entre as Secretarias de Educação e Saúde, professores/as, médicos/as e psicólogos/as,
tem viabilizado a realização de diversas oficinas e um melhor atendimento às necessidades
das escolas. Vale ressaltar que essa formação de parcerias em torno do projeto também
constitui uma indicação do PSE (2007).
“É lógico que nossa parceria se deu com o tempo, é como um namoro [....] fomos nos
aproximando aos poucos, descobrindo que não poderíamos caminhar um sem o outro. A
proposta foi se construindo ao longo dos anos. Essa proposta se solidificou por conta do
trabalho. Também não vou negar, não vou falar que é um mar de rosas. Esse namoro
precisou de um amadurecimento, de uma convivência de trabalho. Precisou também de
certezas [...] como por exemplo, de que com a educação sozinha, eu não vou e que com a
saúde sozinha eu também não vou”. (Ana, implementadora)
“Não adianta instituir um Decreto sem amadurecimento técnico dos profissionais, se a
Rede de Educação e Saúde não possuem um processo de trabalho. Por isso eu firmo o
espaço-temporal é 2003.... de 2003 a 2008. Não adianta chegar agora e dizer que todas as
escolas em nível nacional terão que cumprir”. (Amanda, implementadora)
Como cada escola apresenta suas particularidades e constrói seu projeto político
pedagógico de acordo com suas necessidades (Gadotti, 1997), o projeto “Saúde nas
Escolas” possui diversas nuances visando atender a cada uma delas. Assim, as
implemetadoras são conscientes de que o projeto não supre, sozinho, as iniciativas e
empreendimentos realizados pelas escolas. A expectativa é que, ao solicitar uma
determinada oficina, a escola se prepare, que os/as alunos/as estejam cientes do que
107
acontecerá e dos temas que poderão ser discutidos. Em outras palavras, que a “oficina seja
uma continuidade das atividades ou questões que estão acontecendo na escola,” segundo
Ana.
4.3 - O Programa de Orientação Sexual com base no ponto de vista das oficineiras
que desenvolvem o trabalho.
O elo de ligação entre as propostas preconizadas pelas implementadoras do projeto
“saúde nas escolas” e as escolas são as oficineiras. Cabe a elas reforçarem e discutirem nas
escolas as perspectivas teóricas contidas no projeto.
Os PCN (1998) indicam que o programa de orientação nas escolas deve ser
desenvolvido pelos/as profissionais participantes do cotidiano escolar. Assim, tornou-se
importante analisar como as profissionais “de fora” são recebidas pela comunidade escolar
e como elas conseguem desenvolver seu trabalho.
As entrevistas mostraram que as oficineiras não sentem dificuldade em entrar nas
escolas e que utilizam diversos recursos para promoverem suas oficinas.
“Nós somos bem recebidos porque tomamos uma série de cuidados, que podem parecer
bobos e sem importância, mas que fazem muita diferença. O vestuário, por exemplo, s
temos como principio, quando vamos a uma escola a gente vai com tênis, com camiseta,
leg e jeans, para que o aluno quando enxergar o professor, possa ver que ele não é careta.
Levamos rádio com músicas que eles conhecem. A gente coloca esse material para entrar
na escola conosco e somos recebidos como amigos professores que vieram conversar.... é
nesse nível que a coisa fica”. (Ana implementadora e oficineira)
“Sou muito bem recebida nas escolas pelos alunos e professores, em todas as escolas em
que fui fazer palestras, sempre fui muito bem recebida. teve casos de Cieps em que
os alunos não queriam assistir, conversavam, saiam no meio. Isso é característica de
adolescente. Eles não gostam de ser incomodados, acham que sabem tudo.... então
quando eles o estão interessados no assunto eles não ficam. Então fico com a porta
aberta... quando o assunto é aberto, com um linguajar que eles conhecem, que eles
entendem, que eles praticam no dia a dia deles, eles adoram, eles participam, fazem
perguntas e o trabalho se desenvolve fácil. Para trabalhar com essas oficinas tem que ter
uma cabeça muito aberta. Você tem que ir aos alunos e não eles irem a você. Eu tenho
que acompanhar o linguajar deles.
Não é difícil uma pessoa de fora da escola falar de sexualidade, DST e AIDS, porque com
o amadurecimento prematuro dos jovens, direção e professores estão constantemente
precisando de ajuda para trabalhar esses temas”. (Beatriz, oficineira)
108
Em relação ao planejamento das oficinas e ao material de apoio para as oficinas, as
oficineiras mostram que procuram criar um vínculo com as escolas. Assim, diminuem a
distância entre “uma pessoa de fora” e a comunidade escolar. Aqui elas destacam como
planejam, desenvolvem suas oficinas e oferecem material de apoio para alunos/as e
professores/as.
“Eu levo cartilhas do Ministério da Saúde, camisinhas, todo material que tenho disponível
na época. A gente tem um álbum seriado de DST que o Ministério manda e eu deixo nas
escolas”. (Bete, oficineira)
“Procuro desenvolver minhas oficinas pensando no direito do aluno a receber uma
informação correta e sem preconceitos e que os outros devem respeitar suas opções”.
(Bernadete, oficineira)
“Para planejar eu recebi vários treinamentos e capacitações, tanto da equipe de saúde
quanto da equipe de educação. Quando vou planejar as oficinas eu procuro levar em
consideração a idade dos alunos com que vou trabalhar. Acho que na questão do
DST/AIDS o mais importante é falar sobre sexualidade e sexo seguro. Praticar o sexo
todo mundo vai praticar, isso tem que estar muito claro na cabeça da gente. Então eles
têm que começar de uma maneira segura. Hoje temos que trabalhar em cima do sexo
seguro e responsabilidade. Conscientizar que sexo é muito bom, é prazeroso, mas que tem
de ter responsabilidade”. (Beatriz, oficineira)
Apesar de não participarem do cotidiano da escola, a avaliação da proposta do
projeto é positiva.
“Eu não tenho voltado nas escolas para fazer uma avaliação. Mas, em escolas com alunos
maiores, muitos passaram a vir aqui no CTA (Centro de Testagem Anônima) para buscar
preservativo e encontram com a gente e dizem que foi muito boa a palestra.”. (Bela,
oficineira)
“Eu avalio esse projeto como muito bom. Saúde e educação devem andar juntas. A gente
vive uma epidemia de AIDS que é uma questão de saúde pública. Gravidez na
adolescência também é questão de saúde publica. Nossos adolescentes não podem se
contaminar tanto como têm contaminado, nossas meninas não podem engravidar com
tanta facilidade. Trabalhar com sexualidade e comportamento sexual é muito difícil.
Infelizmente, nos não temos tantos profissionais para trabalhar, mas estamos
caminhando”.
(Beatriz, oficineira)
Deve-se ressaltar que durante todo o momento tanto as implementadoras quanto as
oficineiras se mostraram bastante entusiasmadas com a realização do projeto e procuraram
destacar ao longo das entrevistas os aspectos positivos. Essa postura pode e deve ser
relativizada. Porém, deve-se levar em consideração que esta pesquisa aconteceu em ano
eleitoral e que os diversos setores e diretorias da Secretaria de Educação estavam
109
trabalhando para a manutenção de seus projetos. Isso pode justificar o esforço por enaltecer
o trabalho e garantir sua sobrevivência em tempos de mudanças.
Embora essas falas sugiram que a conversa aconteça como amigas professoras, ou
seja, privilegiando um clima de descontração e de trocas recíprocas, Egyto (2003) mostrou
que é necessário que aconteça um trabalho sistemático de orientação sexual, com
continuidade e conversas regulares. O trabalho das oficineiras só conseguirá alcançar êxito
se as escolas possuírem um programa efetivo de orientação sexual.
4.4 - A Escola e o programa de orientação sexual
Sempre é importante frisar que a escola representa um importante núcleo social,
pois é o primeiro local, fora o centro familiar, em que o sujeito social pode colocar em
questionamento, reforçar ou contestar as informações recebidas pelos familiares. É um
núcleo no qual os significados construídos sobre a vida social desempenham um importante
papel no processo na legitimação das identidades sociais (Moita Lopes, 2002).
Desse modo, um programa de orientação sexual desenvolvido pela escola deve
estar atento às questões que também levem em consideração os aspectos sociais e culturais
da sexualidade (Felipe, 2007) e não apenas os biológicos. Pode-se considerar que essa
perspectiva esteve presente no trabalho desenvolvido na escola.
De acordo com as indicações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN,
1998), cada escola deve ter seu projeto politico-pedagógico, que deverá determinar como o
programa de orientação sexual será abordado pela unidade de ensino.
No caso da Escola Municipal Nós do Morro, o projeto de orientação sexual
aparece descrito no projeto político-pedagógico. Nesse texto pode-se ler: “pretendemos
ultrapassar a visão limitada de que orientação sexual é falar de doenças e métodos
contraceptivos de patologia sexual. O que se quer com este projeto é tratar das dimensões
afetiva, prazerosa, ética e criativa da sexualidade humana”. Acredita-se que, embora seja
utilizado o termo orientação sexual, a proposta enfatizada pela escola pode ser considerada
110
como uma proposta de educação para sexualidade, por refletir os prazeres e os desejos e
temáticas diversas que vão além do viés biologizante (Felipe, 2007).
Como foi dito anteriormente, o trabalho de orientação sexual planejado e
desenvolvido na Escola Municipal Nós do Morro é de responsabilidade da Orientadora
Educacional. Esse trabalho acontece semanalmente em turmas do 8° ano de escolaridade.
Segundo ela, o programa enfatiza “a questão afetiva, a questão da informação, da
responsabilidade, a questão do ser amado, de amar ao próximo, da auto-estima, isso,
levando em consideração as possibilidades plurais dessas questões” (Carla, Orientadora
Educacional - entrevista).
Apesar de a escola ser considerada, de modo geral, como “uma das agências
principais de (re-)produção e organização das identidades sociais de forma generificada,
sexualizada e racializada” (Moita Lopes 2008, p.127), pode, em casos específicos, como na
Escola Nós do Morro, propor uma visão mais ampla da sexualidade. Isso significa romper
com as possibilidades de naturalização e cristalização das identidades sociais, de gênero e
sexuais e apresentar novas possibilidades de discussão. Ressalte-se que este estudo, não
incluiu como seu objeto questões relativas à raça.
O programa conta com a participação de docentes e discentes para a sua
realização. A participação é facultativa e por adesão. Os/as alunos/as são convidados/as a
assistirem aos primeiros encontros e continuam de acordo com seus interesses e suas
expectativas. Em um primeiro momento, é enviada uma carta aos pais e mães com
informações sobre o projeto, sua importância e pedindo autorização para que os/as filhos/as
possam participar. É uma carta simples, contendo os objetivos do programa, bem como os
possíveis assuntos que serão discutidos.
Após a autorização dos/das responsáveis, o trabalho começa com uma caixa de
curiosidades, na qual os/as alunos/as, autorizados/as pelos/as responsáveis, colocam suas
dúvidas e seu interesse no programa. Nessa caixa aparecem perguntas que remetem a
diversos assuntos como: melhor momento para engravidar, métodos anticoncepcionais,
homossexualidade, namoro, masturbação, prazer, entre outros.
Essas afirmativas mostram que a escola busca atender às indicações dos PCN
(1998), ao comunicar às famílias o trabalho a ser desenvolvido e, ao mesmo tempo,
convidá-las a integrar o projeto.
111
Embora Louro (2001a) tenha destacado a dificuldade por parte da escola em falar
sobre sexualidade além de prevenção de perigos e doenças, uma análise das perguntas
contidas na caixa e as propostas de desenvolvimento do programa de orientação sexual
permite que se perceba que naquela escola existe uma real tentativa de ir além, de tentar
ampliar o eixo das discussões. Ali se propõe a abordar e tematizar diversas questões
relativas à sexualidade e direito humano.
No que se refere à atuação dos/das alunos/as, durante o período de observação,
pode-se notar que cerca de 23 alunos/as por turma participavam dos encontros, ou seja, uma
média de 85% da turma. Uma boa parte da turma se mostrava bastante colaboradora e
interessada.
Ao longo das observações, percebeu-se que a adesão dos/das alunos/as foi
conquistada aos poucos, e que eles/as passaram a perceber o projeto com base na
participação dos/das outros/as colegas. Conseqüentemente, foram se juntando ao grupo:
“No início, eles ficam resistentes porque acham que será um trabalho a mais e um tempo
a mais de aula. No entanto, com as oficinas e as discussões vamos conseguindo atrai-los e
conscientizá-los da importância da participação nesse trabalho”. (Carla - Orientadora
Educacional, entrevista).
Os/as alunos/as que participaram do grupo focal se mostraram bastante
interessados/as com o desenvolvimento do projeto e o avaliam de maneira bastante
positiva.
“As aulas são muito importantes porque a professora passa muita experiência para a gente
e no futuro a gente pode precisar dessa experiência” (Everton – 13 anos -grupo focal)
“Eu acho que é importante, porque eu falava que sabia das coisas, mas não sabia e agora
eu estou aproveitando bastante essas aulas”. (Edgar – 15 anos grupo focal.)
“As aulas de sexualidade são muito importantes para s, porque aprendemos coisas que
não conversamos com ninguém, com os colegas da nossa idade.” (Edílson - 13 anos
grupo focal)
“Nas aulas, s falamos sobre adolescência, virgindade, gravidez, uma série de assuntos.
nós podemos falar e perguntar muitas coisas e os outros não ficam de zuação porque
todo mundo pode tirar suas dúvidas”. (Elaine - 13 anos grupo focal)
A participação do corpo docente no projeto de Orientação sexual é de suma
importância, pois eles/as são considerados/as como referência para os/as alunos/as. Seus
discursos podem contribuir para a manutenção das estruturas de poder ou para abrir novas
perspectivas e novas formas de pensar em relação ás sexualidades.
Trazer essas discussões para a sala de aula não é uma tarefa fácil. Alguns/mas
professores/as acreditam que sexualidade deve ser discutida em espaço privado (hooks,
112
2001), outros/as possuem dificuldade em lidar com pessoas de comportamento de gênero
diferente do que se espera (Warken, 2003), outros/as são influenciados/as por seus próprios
preconceitos (Macedo, 2003). A falta de conhecimento sobre o assunto e todas essas
dificuldades pode tornar os encontros de sexualidade repetições de aulas expositivas, com
receitas e regras sobre o corpo e assim afastar os/as alunos/as das discussões (Briztman,
2001).
Na Escola Municipal Nós do Morro a participação do corpo docente no projeto de
Orientação Sexual é facultativa. O questionário respondido pelos/as professores/as mostrou
que todos/as conhecem o projeto e que alguns/mas continuam a discussão dos temas em
suas disciplinas. Em seus relatos eles/as afirmaram:
“Sempre que surge algum problema relativo à orientação sexual, procuro conversar com
os alunos sobre o assunto. Tento relacionar textos que abordam, de alguma forma, o
tema”. (Professor Dino - Inglês)
“Tento, em minhas aulas, abarcar não somente os processos fisiológicos, referentes ao
modelo biomédico em saúde, ultrapassado e reducionista, levar em consideração a
“orientação sexual” como uma oportunidade de educar em saúde, visando aumentar as
condições dos adolescentes em tomadas de decisões, diminuindo a vulnerabilidade social.
As ações empreendidas tentam fortalecer as tomadas de decisões, considerando a busca
pelo prazer e o conhecimento do seu corpo. Valorizam princípios gerais e pessoais que
devem ser resguardados (íntimos). Assim, a disciplina tenta fomentar discussões e
conclusões, evitando questões do tipo certo X errado, valorizando a fala dos alunos e
apresentando os consensos científicos, tanto do ponto de vista das ciências naturais,
quanto das sociais e humanas”. (Professor Dilermano - Ciências)
“Através da abordagem de temas relacionados à sexualidade contidas em tópicos como:
densidade demográfica, urbanização, nível de fecundidade, renda per capita, etc. Esses
tópicos,quando estudados, deixam clara a ligação entre estratificação social e o nível de
conhecimento acerca de questões relacionadas à sexualidade, assim como as ações
oriundas desses conhecimentos são determinantes na futura vida profissional/afetiva de
nossos jovens”. (Professor Denis - Geografia)
“Trabalho a figura humana e suas diferenças. O objetivo é observar as diferenças,
semelhanças com naturalidade, descobrir os diversos conceitos estéticos a partir do
mundo da arte”. (Professora Doroteia - Artes)
“Normalmente trabalho textos que envolvem questões relativas à orientação sexual (amor
romântico, namoro, adolescência e descobertas, entre outros)”. (Professora Débora -
Português)
“A disciplina de história abre um leque muito vasto sobre qualquer tema, em todas as
sociedades e em todos os tempos”. (Professora Doris -História)
Estes relatos ilustram as propostas contidas nos PCN (1998) que o processo de
orientação sexual nas escolas deve ser construído e aplicado por todos professores/as de
todas as disciplinas, assim se desenvolve uma educação para sexualidade alem dos limites
da prevenção da gravidez ou de DST/AIDS (Felipe, 2007).
113
Os/as docentes normalmente recebem informações e discutem sobre o andamento
do projeto durante as reuniões mensais de grupo de estudos. É nesse momento que também
recebem e usam algum material de apoio (texto, assistem vídeos) e podem trocar
experiências.
“Em toda reunião de grupo de estudos, reservamos alguns minutos para conversamos
sobre o projeto ou apresentar um tema relativo à sexualidade. Sempre tentamos apresentar
uma matéria de jornal, um texto, com objetivo de tentar trazer essa discussão para as salas
de aula. As vezes surte efeito, as vezes não. Pelo menos é a única maneira de deixar todos
professores informados sobre o que está acontecendo na escola” (Carla - durante conversa
informal com a orientadora educacional, enquanto preparavam a pauta para a reunião do
grupo de estudos que aconteceria na semana seguinte Caderno de notas Duque de
Caxias, 13 de junho de 2008)
As discussões ocorridas durante os grupos de estudo acabam por constituir um
espaço de aprendizagem para os/as professores/as. Acredita-se que os conceitos discutidos
nesses momentos irão ser acrescidos nos currículos de suas disciplinas.
Todo esse trabalho desenvolvido pelos/as docentes segue respaldo legal e busca
atender determinações da LDB (Lei de Diretrizes e Bases) nº 9394/96. Os PCN, instituídos
em 1998, constituem o primeiro grupo de documentos oficiais que legitimam a discussão
sobre sexualidade no ambiente escolar. Os temas transversais indicam aos/às professores/as
alguns caminhos possíveis para trabalharem essas questões em sala de aula. Assim, a leitura
desses documentos deve fazer parte do cotidiano dos/das professores/as, que estão
envolvidos/as no processo de orientação sexual na escola. Quanto ao fato de terem lido
os PCN de orientação sexual, dos/das 8 professores/as que responderam ao questionário, 5
afirmaram que já leram as propostas em pauta.
No mesmo questionário, foram sugeridos alguns temas, indicados pelo
PCN como relevantes para serem trabalhados em sala de aula por todas as disciplinas. Foi
solicitado aos/às professores/as que relacionassem os temas que abordam em suas aulas. O
resultado foi o seguinte:
Tema Disciplinas que afirmam abordá-lo
Gravidez na adolescência Português, História, Artes, Ciências,
Geografia
Aborto História, Ciências, Geografia
114
DST História, Artes, Ciências
AIDS História, Ciências, Geografia
Homossexualidade História, Ciências, Português
Virgindade História, Ciências, Geografia, Português
Namoro Português, História, Inglês, Ciências
Sexo e prazer História, Inglês, Ciências
É importante levar em consideração que os temas considerados polêmicos pelo
PCN (Homossexualidade, aborto, sexo e prazer) foram destacados por professores/as de
diversas disciplinas. Esse é um dado importante, pois, segundo Weeks (2001), é nessa faixa
etária, 12 a 15 anos, que acontece a sensibilização e a significação da sexualidade no
jovem, além da conscientização de seus desejos homoeróticos (ANDI, 2002).
Outro item relevante que deve ser destacado, é o fato de docentes de três diferentes
disciplinas assinalarem que discutem o tema sexo e prazer em suas aulas. Ao discutir o
sexo ou o corpo como elemento de prazer, certamente o/a docente estará ampliando os
limites da biologia e enfatizando o corpo enquanto construção social inserido e diferenciado
por meio da sociedade e cultura. Os/as alunos/as percebem claramente o desenvolvimento
dessa discussão sobre sexo, corpo e prazer em sala de aula, conforme relatos abaixo:
“A professora de artes na semana passada falou das diversas maneiras das pessoas se
relacionarem com o corpo e como cada pessoa busca diferentes formas de trabalhar,
apreciar o outro e de sentir prazer com o outro”. (Edgar 15 anos, grupo focal).
“Quando o professor de ciências trouxe a reportagem sobre a mulher que assumiu a forma
masculina e depois resolveu engravidar, falou muito sobre a possibilidade de buscar o
prazer de diversas maneiras e mostrou que uma família pode ser formada de várias
maneiras: um homem e uma mulher, duas mulheres ... do jeito que as pessoas quiserem,
igual aos da novela”. (Emilia, 14 anos, grupo focal).
“Eu acho que quando apareceu na televisão aquela mulher nos EUA que engravidou, aqui
na Escola quase todos os professores passaram a falar sobre este assunto”. (Edílson, 13
anos, grupo focal).
Deve-se levar em consideração a observação do professor de ciências em relação à
abordagem desses temas:
115
“Sempre que posso e o engessamento do currículo permite, são trabalhados estes temas.
Por isso, acredito que haja necessidade de uma maior sistematização para que estes temas
não sejam trabalhados de maneira fragmentada e sem a devida profundidade” (Professor
Dilermano - Ciências).
Torna-se relevante destacar que duas disciplinas, matemática e educação física,
não aparecem no quadro acima. Os/as docentes responsáveis por elas afirmaram não terem
lido os PCN; assim não desenvolvem discussões sobre os temas. Em conversa informal
os/as docentes, afirmaram:
“O currículo de matemática não permite a entrada destes assuntos, não tem como
trabalhar isso. Sinceramente, não me interesso por essas discussões. Não atrapalho, mas
também não participo. Prefiro ficar na minha, ensinando matemática que foi o que eu
estudei. Se um dia um aluno me procurar, converso com ele, tudo bem, mas fora da sala
de aula. Sala de aula é para estudar... e matemática, no meu caso”. (professor Danilo -
matemática).
“Eu sou nova na escola, é a primeira vez que trabalho com essas turmas. Então, deixo
para os mais antigos. Eles fazem isso mais tempo e têm experiência”. (professora
Dinair - educação física).
As falas do professor e da professora mostram que alguns/mas professores/as
acabam por ignorar o corpo em suas aulas, preocupando-se apenas com o cognitivo (hooks
2001) e com o corpo tratado na ótica da educação física tradicional. Sendo assim, eles/as
acabam por construir uma barreira de silêncio (Louro, 1995), o que faz com que favoreçam
o desconhecimento.
Um outro olhar sobre as falas destes/as dois/duas professores/as pode revelar
também que a não participação no projeto pode cumprir o papel de garantir o discurso de
preservação da sexualidade dada e natural (Butler, 2003) e reforçar a preocupação em
disciplinar a sexualidade dos alunos/as. A não discussão ou problematização desses temas,
independente do motivo, acaba por naturalizar a heterossexualidade e a masculinidade
(Frank, apud, Rolland, 2003), ao mesmo tempo em que reforça o discurso do empenho da
escola em produzir homens e mulheres que correspondam às formas hegemônicas de
masculinidade e feminilidade (Louro, 2001a). Essa atitude pode revelar o engajamento
ativo, consciente ou não, deste/desta profissional na ideologia heterossexista (Rolland,
2003).
Contudo, os/as alunos/as percebem a diversidade de temas relativos à sexualidade
que alguns/mas professores/as trazem para discutir em suas disciplinas, durante as aulas:
116
“A professora de história conversou com a gente sobre a AIDS, como ela es
desenvolvendo entre os jovens no Brasil e a importância de transar de camisinha, para
não ficar doente”. (Elaine - 13 anos grupo focal)
“Outro dia, o professor de ciências trouxe o jornal que falava sobre uma mulher
americana que trocou de identidade, passou a ser homem e depois engravidou. No
principio, a turma achou engraçado, criticou... alguns já tinham visto na televisão. Depois
ele explicou sobre amor, desejo e os órgãos de reprodução.... E ai s entendemos”.
(Edílson - 13 anos, grupo focal)
“Tem também a professora de português, ela sempre traz alguns livros para gente ler.... e
sempre aparecem alguns que falam sobre estes assuntos. Tinha um que contava a estória
de um rapaz que se apaixonava pelo melhor amigo, outro da menina que ficava grávida...
Não é todo mundo que lê... mas quem quer ler é só pegar” (Elaine - 13 anos grupo focal)
Como essa resposta despertou interesse, acreditou-se ser importante conversar com
a professora para conhecer essa proposta. Ela explicou que uma vez por semana,
normalmente terça-feira, ela coloca diversos livros em um carrinho (tipo de feira) e leva
para as turmas. Nesse dia os/as alunos/as podem pegar livros para lerem em casa. É o
momento que ela apresenta os assuntos dos livros e discute curiosidades com o objetivo de
tentar incentivar a leitura. Com base no projeto da escola, como trabalha com as três
turmas de 8°ano, ela resolveu incluir no carrinho de feira livros como: O portão do paraíso
e O amor não tem sexo de Gilselda Laporta Nicolis, Garotas e garotos de Januária Alves,
Eu Gosto tanto de vo de Leila Iannone, entre outros. Assim, ela participa do projeto e
desenvolve seu trabalho ao mesmo tempo. Segundo a professora, alguns/mas alunos/as
levam livros para casa, outros nem passam perto e não se interessam de maneira alguma:
“É difícil [...] mas eu tento. Ler aqui na escola como em todo lugar, não é a atividade
predileta dos alunos”. (Professora Débora português conversa informal anotada no
Caderno de notas, 09 de setembro de 2008).
É interessante essa proposta de participação dentro do projeto de orientação sexual.
Ao incentivar a leitura e apresentar por meio dela diversas identidades sexuais e maneiras
de se viver às sexualidades, essa professora está mostrando que as identidades são
mutáveis, ambíguas e construídas de diferentes maneiras por meio de praticas discursivas.
É relevante destacar como atitudes aparentemente simples podem abrir novos momentos de
discussão e aprendizado.
117
4.5- Será que o projeto abre espaço para a autonomia do/da estudante no processo de
construção e legitimação de sua identidade sexual?
No programa proposto pelo projeto de orientação sexual desenvolvido na Escola
Nós do Morro constam diversos temas, entre eles: “- O meu corpo mudou, e agora?”
(conhecendo o próprio corpo, puberdade); “Auto-estima, auto-imagem, padrões de beleza”;
“Amor romântico”; “Já sei namorar ... ficar, rolo, casamento”; “Papéis sexuais”; “Gravidez
na adolescência: como, quando, por quê?”; “Métodos contraceptivos”; “Orientação afetiva
sexual: heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade: realidades, mitos e tabus”.
O programa desenvolvido busca discutir e aliar temas polêmicos a questões
mostradas constantemente pela dia, que recentemente tem apresentado visões
alternativas para o que se entende como normalidade (Moita Lopes, 2008).
Para introduzir as discussões sobre papéis sexuais, relações sexuais e desejos, a
orientadora educacional utilizou cenas da novela “Duas Caras”, onde quatro personagens
vivem papéis de gênero diferente do esperado, e conversam sobre suas vidas. Em uma das
cenas o personagem Carlão, que afirma para todos que é “espada”, declara seu amor a
Bernadinho (tido como homossexual assumido). Em outra cena, os quatro personagens
(Dália, Heraldo, Bernadinho e Carlão) são hostilizados pela população por não aceitarem a
vida que eles levam.
A apresentação desse vídeo serviu como uma tentativa de problematização da
heterossexualidade como regra e do conceito de heteronormatividade (Butler, 2003). Aqui
se discutiu sobre os conceitos de normalidade e sobre os possíveis arranjos sexuais. Trouxe
à tona novos modelos de famílias. As discussões sobre masculinidades eram calorosas. Os
rapazes sempre defendiam as diversas possibilidades de se afirmarem e confirmarem dentro
da masculinidade hegemônica (Connell, 1995).
Serviu, também, para trazer para a sala de aula os temas considerados tabus, que
estão sendo trabalhados pela mídia e entrando nas casas das pessoas (Moita Lopes, 2003),
nos quais os/as alunos/as como espectadores da mídia e como participantes da vida escolar
(Moita Lopes, 2008) podem emitir e discutir suas opiniões. Assim, os/as estudantes terão a
oportunidade de discutir e receberem informações que os/as permitam conhecer e
118
reconhecer as diversas identidades e seu processo de construção nas praticas discursivas
(Moita Lopes, 2002). Eles/elas ainda terão a oportunidade de perceber como “a cultura
popular e seus artefatos (as novelas de TV por exemplo) têm muitas práticas de sexualidade
cuja natureza construída e normatizadora pode ser problematizada na escola” (Moita Lopes,
2008, p. 143).
Essa discussão se estendeu e com ela se trabalhou a questão das identidades
sexuais, apresentadas e discutidas como construção social (Louro, 2003; Moita Lopes,
2002, 2003;) e como dependentes da “significação que lhe é dada” (Silva, 1999, p. 106). É
relevante destacar que a amplitude da discussão trouxe à tona tanto a visão essencialista de
identidade, sexualidade e masculinidade quanto à visão anti-essencialista (Moita Lopes,
2003).
A princípio, uma aluna se posicionou contra os dois personagens (Bernadinho e
Carlão) e ao mesmo tempo, contra a televisão que apresenta tal tipo de personagem: “Acho
muito errado, homem nasceu para gostar e casar com mulher, isso não é normal e a
televisão mostra essas ‘coisas’ erradas e acaba incentivando esses meninos” (fala de uma
aluna, caderno de notas, 13 de junho de 2008). Essa fala evidenciou como o discurso que
naturaliza e essencializa as identidades sexuais e a masculinidade por meio dos aspectos
biológicos está arraigado na sociedade e como as identidades são definidas em relação à
norma, ou seja, à heterossexualidade (Moita Lopes, 2006). Ao mesmo tempo, mostra como
as identidades consideradas subordinadas carregam a carga e o peso da representação
(Silva, 2001). A aluna definiu a cena e os participantes como “errados, anormais”, como
um “desvio da normalidade” (Silva, 2001). Destacou ainda, como padrões biológicos ou
arbitrários podem estabelecer regras para os comportamentos sociais e papéis sexuais
(Louro, 1997).
Em contrapartida, logo após a fala dessa aluna, uma outra disse: “acho correto a
televisão mostrar essas cenas, são verdadeiras. Tenho duas vizinhas que moram juntas e
criam uma criança. Uma deixou o marido para morar com a outra, elas são respeitadas por
todos moradores, é o mesmo caso dos dois” (fala de uma aluna, caderno de notas, 13 de
junho de 2008). Outra menina completou “por aqui, tem muitos casos assim, seja de
homens ou mulheres” (fala de uma aluna, caderno de notas, 13 de junho de 2008). Uma
119
outra aluna completou “são pessoas trabalhadoras, responsáveis, ninguém zoa ou fica
comentando que são gays” (fala de uma aluna, caderno de notas, 13 de junho, 2008).
Abriu-se a possibilidade de se discutir identidade sexual tendo como base a visão
anti-essencialista, ou seja construída de maneira polimorfa, múltipla e constantemente
rearranjada (Briztman, 1996). A visão dos sujeitos homossexuais como “pessoas
trabalhadoras” fez com que a professora entrasse na discussão, para destacar como as
identidades são múltiplas e que naquele momento estavam discutindo apenas um aspecto da
identidade. Acrescentou-se que as pessoas que a aluna se referira podem apresentar
diversas características. Pode-se identificar claramente o pensamento de Bruner (apud
Moita Lopes, 2002) para o qual “somos uma colônia de possíveis si-mesmos”. Ou seja, os
sujeitos a cada momento, dependendo do contexto e da prática discursiva que estão
inseridos, atuam evidenciando um detalhe de sua subjetividade.
É interessante destacar que, nesse dia, os meninos demoraram a entrar na
discussão. Essa demora pode ser justificada pela busca elaboração de justificativas pelo
desprezo ou pela negação da homossexualidade, como também pelo reconhecimento e pela
defesa a masculinidade de um dos personagens. O primeiro aluno que se manifestou
deixou claro que não concorda com esse tipo de relação, que ele não agride gays, mas que
muitos de seus amigos “metem a porrada” (fala de um aluno, caderno de notas, 20 de junho
de 2008). Essa fala permitiu que um grupo de alunos se posicionasse contra a
homossexualidade masculina. Verifica-se como a homossexualidade e as relações entre
gays e lésbicas podem ameaçar a masculinidade hegemônica (Connell, 1995). Reafirma-se,
também, o pensamento de Badinter (1993), no qual um dos três nãos para se tornar homem
é “não ser gay”.
No entanto, um outro aluno afirmou que Carlão, por ser espada e ter relações
sexuais com um homossexual não é menos homem. “Ele continua mostrando que é homem
macho” (fala de um aluno, caderno de notas, 20 de junho de 2008). Essa afirmativa mostra
a amplitude da cultura sexual do povo brasileiro, na qual o homem que se relaciona
ativamente com outros homens não é considerado homossexual (Parker, 1986). Em outras
palavras, a masculinidade pode estar diretamente relacionada à virgindade do ânus.
Outro estudante trouxe à tona a questão da religião não permitir tais tipos de
relacionamento, visto como pecado. Outra aluna levantou a questão da tolerância e do
120
respeito, independente da religião de cada um. Naquele momento, a orientadora destacou a
importância de respeitar o outro, suas opções e escolhas, reforçando o fato de que cada
pessoa é livre para definir seus caminhos e que cabe a todos reconhecer o direito dessa
pessoa e respeitar.
Ela ressaltou, também, que os/as alunos/as precisam ter a consciência de que a
visão da igreja é mais uma forma de visão (discurso) que existe em nossa sociedade.
Observou-se que a orientadora tentou mostrar, com diversos cuidados inerentes ao
momento, que se tratava apenas de um discurso que poderia ser desconstruido. A
orientadora enfatizou que na sociedade existe uma série de discursos, apoiados pela igreja,
pela mídia, e pelas famílias sobre sexualidade, que acabam por construir os sujeitos,
estimulando algumas relações sociais e negando outras. Dessa maneira, tentou adotar um
discurso mais amplo de sexualidade, problematizando como os discursos dominantes da
heterossexualidade produzem desconhecimento tanto sobre a homossexualidade quanto
sobre a heterossexualidade (Britzman, 1995).
A segunda cena foi utilizada para discutir a preocupação das pessoas com as
formas de vida alheia e temas como preconceito, medo do desconhecido, influência do
pensamento religioso e a importância de respeitar os caminhos construídos pelas outras
pessoas.
O contexto de apresentação de cenas do cotidiano, programas de televisão e cenas
de novelas pode oferecer um vasto campo de ação e discussão. Esse trabalho, certamente,
em muito contribuirá para auxiliar o processo autônomo das identidades sexuais dos/das
alunos/as.
Em um outro encontro, a orientadora estava discutindo sobre papéis sexuais e o
que é ser homem, então um aluno contou que mora com seu padrinho e que um dia iria
levá-lo a escola, para que ele pudesse ouvir aquela conversa. “Ele vive dizendo que para ser
homem tem que arrumar mulher e que todo dia me pergunta se desencantei, ou se já
perdi a virgindade” (fala de um aluno durante o encontro, caderno de notas, 27 de junho de
2008). Essa fala acentua como a sociedade, de alguma maneira, vigia o projeto de
construção da masculinidade e como a masculinidade é construída por meio de projetos
(Badinter, 1993; Louro, 2001, 2003, 2004). Tal cobrança por parte da família mostra como
existe um investimento diário (Louro, 2003), principalmente porque, segundo Badinter
121
(1993), é “mais demorado e mais difícil construir um homem do que uma mulher” (p. 189).
O padrinho deve acreditar que será por meio dessas cobranças que o jovem “aprenderá a ser
homem”.
No encontro em que o tema era relações sexuais, os/as alunos/as discutiram as
razões para iniciar a vida sexual e as razões para não ter relações sexuais no momento.
Dentre as razões apresentadas e discutidas para se ter relações sexuais, pode-se citar: para
não ser motivo de pichação, por estar na hora, pelo prazer em fazer sexo, normalmente o
namorado pede muito, porque dizem que é bom, porque vontade, porque as pessoas
cobram (não pode existir menino de 13 e 14 anos virgem). Entre as razões para não se ter
relações sexuais apareceram: risco de engravidar, para evitar doenças, para evitar
decepções futuras, risco de se arrepender.
Nesse dia ao discutir as relações sexuais em momento algum foi levantado
possibilidades dessas relações acontecerem de forma homo, hetero ou bissexual. As
discussões foram pautadas no momento em que se deve iniciar a vida sexual e não
propriamente com quem iniciar.
Durante os encontros, os/as alunos/as participam ativamente das atividades
propostas. Eles/as utilizam o espaço para discutirem, colocarem suas opiniões e pontos de
vista com base em vídeos, cartazes, jogos, entre outros.
Não foi percebido, durante o tempo passado na escola, atos de violência, violência
simbólica ou de bullying com conotações sexuais entre os/as estudantes. Constatou-se que
atos de carinhos entre as meninas, como andar de mãos dadas ou abraçadas, fazem parte do
cotidiano escolar. Eles são facilmente aceitos porque, segundo o senso comum, são
considerados inerentes à delicadeza e feminilidade (Vianna e Ridenti, 1997).
Naquele ambiente escolar, em que distintas masculinidades se entrelaçam e
atravessam, o discurso predominante entre os rapazes é o da masculinidade hegemônica.
Nos corredores e pátio, podem-se perceber jovens rapazes com idades que variam entre 11
e 16 anos desenvolvendo performances de masculinidades hegemônicas, destacando
sempre a presença do falo. As brincadeiras consideradas masculinas se apresentam em uma
linha tênue entre a violência e a exibição de força e são muito presentes nesta escola, fato
que ilustra a afirmativa de Connell (1995) na qual o gosto pelos esportes, a representação
da força são características inerentes aos homens. Nos corredores, assim como nas aulas de
122
educação física, podem-se ver brincadeiras e jogos de medir força, nas quais os jovens
podem se abraçar, se tocar sem gerar suspeita de homossexualidade (Sedgwick, apud
Trevisan, 1998). Tal fato comprova que masculinidades são práticas diárias nas quais os
garotos se engajam (Connell, 2000).
No entanto, seguindo inspiração nos ídolos do funk e do pagode, os garotos
constroem suas aparências: pintam cabelo, fazem sobrancelhas, pintam unhas, usam
brincos, colocam piercing. Os mais velhos exibem corpos trabalhados deixando
transparecer e aparentar uma idade superior a que realmente possuem. Alguns podem ser
considerados como body buildier (Badinter, 1993), ou seja, garotos que passam horas
construindo seus corpos por meio de exercícios físicos.
Vê-se, também, uma mistura entre o metrossexual e o jovem que não quer ser
rotulado. Na escola, pelo que se pode perceber, nesse curto espaço de tempo, convivem
diversas masculinidades, que buscam sua afirmação. Ali valorizam diversos elementos
exteriores que revelam que jovens passam horas para construir suas aparências corpóreas
(Trevisan, 1998). Cada jovem revela em seu corpo como dá sentido e constrói sua
virilidade, revelando que não é um dom e sim uma fabricação (Badinter, 1993).
Nesse ambiente escolar podem-se encontrar diversos sujeitos inscrevendo em seus
corpos suas marcas e códigos de identidade, buscando, assim, escapar das normas
estabelecidas (Louro, 2003). Esses códigos e marcas corporais são muitos e se destacam
entre forma de andar, de se coçar, de parar, de responder às expectativas dos/as
professores/as, entre outros. Alguns claramente perceptíveis, outros apenas insinuados. São
sujeitos que buscam mostrar suas identidades, fazer ouvir suas vozes.
É importante ressaltar que, em meio a tantas diferenças, em momento algum se
percebeu, nos encontros de orientação sexual ou nos corredores da escola, comentários ou
brincadeiras referentes às diversas sexualidades presentes naquele contexto.
Nos corredores escolares, durante os intervalos, recreio, entrada ou saída dos/das
alunos/as também não se percebeu brincadeiras de cunho homofóbico entre os/as
estudantes. No entanto, com base na fala dos jovens em relação a homossexualidade
durante a observação, acredita-se que elas devam acontecer em algum momento.
123
Em contrapartida, percebeu-se, entre os/as professores/as e funcionários/as,
comentários em relação a algumas meninas. Em conversa informal com a coordenadora de
turno sobre os/as alunos/as, em um determinado momento ela disse:
“Tá vendo aquela ali [...] (ao se referir a uma aluna), ela enfrenta qualquer um [...]
nenhum menino brinca com ela [...] outro dia ela apareceu com o olho roxo, disse que
caiu. Mas os outros alunos falaram que ela encarou um menino aqui na rua”.
Essa afirmativa ilustra o pensamento de Moita Lopes (2002), para quem os/as
professores/as são os grandes responsáveis pela vigilância do gênero na escola. Destaca a
grande dificuldade em aceitar ou trabalhar com corpos que escapam as regras impostas e
naturalizadas (Louro 2003, 2004). A fala da coordenadora também reforça a preocupação
do MEC com o preconceito nas escolas, onde 59.7% dos professores consideram
inadmissível a relação homossexual (Almeida, 2008).
O corpo docente ainda necessita aprender a trabalhar com corpos e sujeitos que
escapam da rota sexo biológico/gênero/sexualidade e se em à deriva (Butler 2003, Louro
2004). A fala da coordenadora revela, também, a necessidade de se ampliar a discussão,
pois, o/a homossexual acaba por ser construído com base em significados negativos. O
modo como foi forjada a identidade dessa aluna mostra que a identidade lésbica é marcada
com base nos traços masculinos e vista como “gênero defeituoso” (Louro, 1995). Assim,
caso a menina venha assumir a homossexualidade, será necessário que ela desvencilhe as
representações de gay e lésbica dos significados a que aprendeu a associá-los. Será preciso
deixar de percebê-los como desvios, patologias, formas antinaturais e ilegais de sexualidade
(Louro, 2003 b).
Ao serem perguntados/as se, na sua opinião, as atividades do projeto favorecem
aos/às alunos/as o desenvolvimento autônomo de suas sexualidades e por que, 5
professores/as responderam que sim, outros/as 3 deixaram a questão em branco. Dentre
os/as que responderam afirmativamente, as justificativas foram:
“O projeto atende uma “necessidade” dos alunos, eles gostam do projeto. Apesar disso,
alguns não dão a devida importância e acabam se ausentando e não participando das
discussões. Recentemente ao perguntar a uma aluna sobre o andamento do projeto e a não
participação de alguns alunos, ela respondeu: “- Deixa eles faltarem! Depois pega AIDS
e eu quero ver!” A resposta foi parcial, mas revela a necessidade de informação e uma
curiosidade que deve ser explorada sempre”. (Professor Dilermano - Ciências).
Toda discussão sobre sexualidade é importante para esclarecer, desmistificar e destruir o
olhar preconceituoso e a desinformação. Os alunos acham importante e se interessam pelo
assunto e eu acredito que, de certa forma, o projeto deve ajudar o alunado nas suas
questões sexuais. (Professora Dorotéia - Artes)
124
Sim, porque o aluno tem a oportunidade de assistir a palestras sobre o assunto, além de
ouvir e discutir questões com os professores. (Professor Dino - Inglês) .
Sim. Porque os alunos recebem orientação, discutem e esclarecem vidas em relação à
sexualidade. (Professora Débora - Português)
Sempre é um auxilio a mais para eles, embora saibamos que no seu cotidiano .... não
uma orientação efetiva sobre o assunto, seja por falta de informação por parte da
família,ou até mesmo por falta de interesse; sendo assim, vejo que a escola passa a ter um
papel fundamental na vida ou experiências sexuais dos alunos, no sentido de orientá-los
para essa pratica da vida humana tão comum, mas que requer cuidados fundamentais para
o bem estar físico e mental deles. (Professora Doris – História)
Trata-se de um trabalho realizado pela escola, visando favorecer a construção
autônoma das identidades sexuais e de sua importância. O que se espera é que a escola se
recrie e politize a vida social (Moita Lopes, 2008), transformando-se em um espaço de
discussão, de aprendizagem e negociações.
Arrisca-se a afirmar que, no caso específico da Escola Municipal Nós do Morro, o
trabalho realizado tenta atender às solicitações e indicações do PCN, além de oferecer
aos/às alunos/as possibilidades de reflexão e discussão sobre o tema. Assim, espera-se que
esses novos e pequenos significados que estão sendo construídos na escola sobre a vida
social possam desempenhar um relevante e significativo papel no processo da legitimação
de suas identidades sexuais (Moita Lopes, 2002).
4.6 - Entraves e retrocessos
O Projeto “Saúde nas Escolas”, no que se diz respeito à sexualidade, tenta atender
às necessidades das escolas e oferecer subsídios para o desenvolvimento de um programa
de orientação sexual. No entanto, para um perfeito funcionamento, diversas peças de uma
mesma engrenagem devem trabalhar de maneira conjunta. Às vezes, isso não acontece.
Algumas escolas solicitam oficinas sem estarem preparadas para recebê-las.
Algumas procuram resolver as questões relativas à sexualidade apenas com profissionais de
“fora”
“Quando isso acontece é o caos, chegamos nas escolas e os alunos não sabem nosso
objetivo lá. Alguns professores pensam que nós somos pessoas da SME que vamos falar
alguma coisa. Enfim, a palestra não se desenvolve”. (Ana, implementadora e oficeira)
125
“Algumas escolas, na ânsia de atender a todos os professores e turmas colocam 60 a 80
alunos juntos, ou seja, 3, 4 turmas para as palestras e nós não conseguimos trabalhar”.
(Bernadete, oficineira)
“Olha, professor, às vezes a gente chega na escola e acontece isso. Fica muito difícil
prender o interesse dos alunos. Eles não sabem porque estamos ali, e nem o que eles estão
fazendo ali”. (Beatriz , oficineira)
Ao se chegar à escola municipal para assistir à palestra sobre DST/AIDS, que seria
ministrada pela oficineira Beatriz, não se tem informações. O porteiro disse que não sabia
de nada. A secretária, também não sabia de nada e indicou a coordenadora de turno. Muito
gentil, ela também não sabia de nada. A orientadora pedagógica telefonou para a diretora e
ficou sabendo que dentro de aproximadamente 20 minutos, chegaria uma equipe da SME
para fazer uma palestra. Então, a orientadora pediu que a coordenadora separasse alguns
alunos do e anos que fossem assisti-la. Mais tarde, a equipe chegou e a oficineira
Beatriz começou o trabalho, sobre DST/AIDS. No entanto, o aproveitamento não foi alto
porque os/as alunos/as não sabiam o que aquela “estranha” estava fazendo ali para falar de
doenças.
A prática de não planejar e desenvolver um programa de orientação sexual
primeiro dentro da escola e apenas solicitar um profissional “de forapara desenvolver o
trabalho se mostra falha e sem subsídios que a respalde. Infelizmente, segundo as
oficineiras acontece com uma freqüência maior do que a esperada.
Problemas por parte da SME também acontecem. Às vezes, oficinas agendadas
previamente são canceladas na última hora por falta de carro ou dificuldades pessoais das
oficineiras.
Em Xerém, pretendeu-se assistir a uma oficina de auto-estima e outra de
sexualidade. A escola estava pronta para as oficinas: três salas arrumadas, aparelho de
televisão e DVD devidamente localizadas, alunos/as aguardando. Dez minutos depois do
horário marcado, a diretora ligou para a SME, para saber se as oficineiras estavam a
caminho. Como resposta, disseram que elas estavam esperando o carro que estava
quebrado. Provavelmente, seria difícil chegarem à escola. Resultado: as oficinas foram
desmarcadas.
Na Escola Nós do Morro também identificou-se uma série de desafios a serem
vencidos. Um deles é a visão de alguns/mas profissionais da escola acerca do projeto e de
126
seus objetivos. Uma fala que chamou a atenção foi a da diretora, que apóia o projeto, sabe
de sua importância, porém o vê como uma redenção para os/as alunos/as:
“Professor, esse projeto desenvolvido aqui na escola pela equipe pedagógica é muito bom
e muito importante. Ultimamente tem aparecido aqui cada sapatona! Eu não sei o que está
acontecendo com essas meninas, estão muito masculinizadas. Antigamente eram mais os
meninos. Aqui na escola não tem aparecido muitos meninos não. Quem sabe o projeto
não ajuda essas meninas a descobrirem o que é ser uma moça e como se deve comportar
como tal!”. (Catarina, diretora)
Expectativas de redenção e de cura da homossexualidade (como se fosse um
desvio ou doença) podem atrapalhar e comprometer o desenvolvimento do projeto. Além
disso, evidenciam um certo desconhecimento da finalidade dos projetos de orientação
sexual. No caso dessa escola, tal fala apareceu presente no discurso da diretora.
Os/as professores/as envolvidos/as no projeto reclamam da falta de tempo para
promoverem atividades além das previstas no projeto, assim como para participarem mais
efetivamente de suas propostas:
“Existe uma burocracia muito grande, seja no currículo ou nas propostas da Secretaria de
Educação. Então, de minha parte, eu procuro fazer uma reflexão com os alunos, mas sinto
que as condições concretas da prática fragmentam o trabalho. Nem sempre o
engessamento do currículo permite um trabalho melhor”. (professor Dilermano - ciências,
resposta ao questionário)
“Devido ao cumprimento de um programa estabelecido na área em que atuo, sinto falta de
tempo para aprofundar mais esses temas”. (professora Dóris - História, resposta ao
questionário)
A participação dos/as alunos/as também surge como uma das dificuldades
enfrentadas. Alguns/mas vêem o projeto como uma aula a mais, uma tarefa a mais. Isso,
pode afastar diversos/as alunos/os que necessitam destes encontros
“Essas meninas tiram leite de pedra. Os alunos não querem estudar o que são obrigados,
ficar aqui na escola dentro da sala para mais uma matéria é um sacrifício para eles. Então,
elas ficam toda hora inventando coisas para chamar a atenção deles e eles irem para as
aulas delas”. (Coordenadora de turno, enquanto a orientadora pregava um cartaz no
quadro de avisos sobre um vídeo que seria passado na sexta feira seguinte)
Em conversa informal com um aluno que estava jogando bola, ao invés de
participar da oficina ele revelou:
“Participar disso para quê? Eu já sei sobre essas coisas. A escola já tem muitas aulas”.
Essa afirmativa mostra que, apesar das tentativas e caminhos percorridos, ainda
muito a realizar. O programa de orientação sexual na escola deve vencer o desafio de
conquistar os/as alunos/as que acreditam que sabem tudo ou que esta é apenas mais uma
127
matéria ou aula. Ao mesmo tempo, ainda falta sensibilizar os/as docentes para a
importância do trabalho.
128
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao desenssencializar os desejos de qualquer tipo,
ao compreendê-los como estando sempre em construção,
ao desestabilizar a posição da heterossexualidade como matriz,
ao despatologizar a homossexualidade.
ao contemplar a natureza discursiva e mutável das sexualidades,
e ao não defender nenhum desejo sexual em especial como legitimo
e hierarquicamente superior ao outro,
há nessa visão a possibilidade de re-descrição/desnaturalização da vida social.
(Moita Lopes, 2008, p.144)
O presente estudo buscou apresentar como uma Escola Municipal de Duque de
Caxias desenvolve seu programa de orientação sexual utilizando os subsídios oferecidos
pelo Projeto “Saúde nas Escolas” promovido pela Secretaria Municipal de Educação. O
estudo procurou, também, possíveis indicativos de como o programa realizado pela Escola
pode propiciar aos/às alunos/as possibilidades plurais de construção de suas identidades
sexuais e do exercício autônomo de suas sexualidades.
A partir da discussão apresentada inicialmente, dos dados levantados na análise
dos documentos, das entrevistas e observações, pode-se dizer que o programa desenvolvido
pela Escola Municipal Nós do Morro utiliza os subsídios oferecidos pela SME e se apóia
em discussões que visam oferecer aos/às estudantes possibilidades de refletir sobre o
processo de construção das identidades sexuais e o exercício de suas sexualidades. No
entanto, destacam alguns processos inibidores do projeto e do programa como um todo.
Nesse momento acredita-se ser oportuno retomar algumas questões que nortearam
esse estudo. O “Projeto Saúde nas Escolas” pode ser inserido nos discursos e propostas das
últimas décadas que buscam desenvolver políticas que invistam em prevenção e promoção
da saúde da população. Nesse caso, o foco central são os/as estudantes do segundo
segmento do ensino fundamental, ou seja, os/as adolescentes da rede municipal de Duque
de Caxias. A preocupação com essa parcela da população se pelo fato de serem
considerados/as vulneráveis à gravidez indesejada, a DST/AIDS, a homofobia, à violência.
Assim, o projeto busca oferecer informações e subsídios para que as unidades escolares do
Município construam e desenvolvam seus próprios programas de orientação sexual,
sobretudo, visando oferecer informações e discussões para que os/as adolescentes possam
construir suas sexualidades de forma autônoma, segura e consciente.
129
Existe no município de Duque de Caxias uma grande discussão em torno da
validade deste projeto. O questionamento se dá pelo fato de colocarem pessoas estranhas ao
ambiente escolar: médicos/as, enfermeiros/as, psicólogos/as para visitarem as escolas e
falar de práticas de prevenção de doenças ou gravidez indesejada. As críticas enfatizam que
um visitante aparecer de vez em quando para tratar destes assuntos, além de não possuir
credibilidade junto aos/às alunos/as, transforma a discussão em palestra e as questões
principais acabam se perdendo. Dessa maneira, segundo seus críticos, o projeto acaba por
não atender às especificações dos PCN, uma vez que estes indicam que o programa de
orientação sexual deve ser realizado dentro da escola por seus profissionais. Outra questão
acontece pelo medo de que a ênfase ao projeto enfoque prioritariamente os aspectos
fisiológicos e biológicos da saúde reprodutiva e sexual, pois, conta com diversos
profissionais da área de saúde. Assim, as discussões seriam pautadas no “correto e normal”
e todas as formas de sexualidades diferentes das reprodutivas não seriam enfocadas, sendo
certamente consideradas como “erradas ou anormais”.
É muito importante ressaltar, que a partir das entrevistas e observações realizadas,
essa não é a proposta do “Projeto Saúde nas Escolas”. Todas as implementadoras e
oficineiras entrevistadas têm a consciência da importância de trabalhar pautadas no direito
do/as aluno/a em receber e discutir a informação. O discurso e a linguagem utilizada por
todas, no que se pôde perceber, enfatiza uma busca pelo descobrimento da sexualidade de
maneira consciente, a capacidade de escolha e de dizer sim ou não. No projeto “Saúde nas
Escolas”, o corpo é visto e trabalhado a partir do respeito a si e ao outro, do conhecimento,
do saber cuidar de si, da responsabilidade sobre os atos, da tomada de decisões da
diversidade de desejos e do direito do outro.
No entanto, deve-se deixar claro que o projeto, visto somente pela ótica da
educação, não dá conta de todas as questões sozinho. A união dos/as profissionais de saúde
e educação acontece com o objetivo de ampliar o leque de conhecimentos e de discussões e
para poder levar para as escolas uma gama maior de questões. Assim, a proposta é oferecer
uma continuidade, um reforço para o desenvolvimento de um programa que deve surgir na
escola, por iniciativa de uma comunidade escolar em especifico. Não se pretende substituir
ou reduzir o papel da escola.
130
Então, por meio de encontros e cursos de formação continuada o projeto também
busca oferecer subsídios para que os/as docentes possam ampliar suas discussões em sala
de aula e na escola como um todo. A proposta é que a escola desenvolva, entre outros
projetos, um trabalho de orientação sexual com os/as alunos/as. Um trabalho de educação,
sexualidade e saúde centrado no protagonismo juvenil, no direito, nas possibilidades de
escolha, de dizer sim e não. Nessa perspectiva, surge uma questão: qual o espaço que a
escola destina à sexualidade?
Essa pergunta se faz necessária. Como foi dito ao longo deste estudo, a escola é
um dos principais núcleos formadores e reguladores de sujeitos e os discursos que serão
aprendidos nesse espaço certamente terão importantes significados na vida do/a adulto/a. O
que se pôde perceber durante o primeiro momento em que acompanhou a equipe de
oficineiras da SME foi que diversas escolas de Duque de Caxias, ao procurar atender às
exigências da LDB, às indicações dos temas transversais e às próprias demandas dos/as
alunos/as, acabam por utilizar as palestras/oficinas da equipe como um fim em si mesmo.
Ou seja, algumas escolas não desenvolvem um programa sistemático de orientação sexual,
apenas promovem as oficinas propostas. Assim, não existe um real aproveitamento por
parte dos/as alunos/as, uma vez que quando chegam as oficineiras muitos/as deles/as não
sabem do que tratam as oficinas. Tal fato que acaba por inviabilizá-las ou torná-las pouco
produtivas.
Nessa perspectiva, a pesquisa elucidou que existe na Escola Municipal Nós do
Morro uma preocupação em desenvolver e trabalhar um programa que promova e
incremente a educação para a sexualidade. A preocupação em discutir a sexualidade se
reflete principalmente na escolha dos temas propostos para discussão. Nos encontros de
orientação sexual, trabalham-se questões polêmicas como corpo e prazer,
homossexualidade, bissexualidade, aborto entre outros.
Apesar da proposta inicial e do desenvolvimento dos encontros ser coordenado
pela orientação educacional e pedagógica da escola, pode-se dizer que um número
significativo de professores/as, do ano em que aconteceu o projeto, participou de alguma
maneira desta prática pedagógica. Acredita-se, com base nas observações realizadas, que
as propostas de discussão sugeridas pela equipe pedagógica e pelo corpo docente da escola
131
estão centradas na cultura e no cotidiano dos/das alunos/as, ultrapassando os limites
impostos pela biologia.
Então, se percebeu que, assim como a visão do projeto “Saúde nas Escolas”, as
propostas do programa de orientação desenvolvido pela escola estão centradas no respeito,
no direito do outro e na relevância da tolerância para com o/a outro/a. Naquele ambiente,
percebeu-se uma busca por enfatizar o viés do direito “em ser”, as diversas possibilidades
de “ser e viver as sexualidades”, os cuidados ao dizer “sim” ou “não” e na “tolerância ao
outro” como matrizes do programa.
Como existe na unidade escolar um programa de orientação sexual, a escola se
apropria de forma positiva e eficaz das oficinas oferecidas pelo projeto como uma maneira
de ampliar as discussões e trazer a campo outras visões acerca dos assuntos tratados. Elas
não são determinantes para o desenvolvimento do programa. As orientadoras educacional e
pedagógica participam regularmente dos cursos de formação continuada oferecidos pelo
projeto e utilizam os grupos de estudos que acontecem na escola para difundir e discutir as
propostas com os/as professores/as e traçar as estratégias de desenvolvimento do programa.
Tal fato faz com que o desenvolvimento do projeto seja viável e, apesar de não ser
uma iniciativa e realização dos/as professores/as, faz com que uma maioria se veja
engajados/as no programa.
No que diz respeito aos/às docentes envolvidos/as ou não, no programa de
orientação, apenas 2 entre 8 afirmaram não participar. Os/as demais, apesar de não
desenvolverem atividades especificas, em suas aulas, oferecem aos/às alunos/as elementos
de discussão que respaldam o desenvolvimento do trabalho promovido pela orientadora
educacional. Assim, temas como sexo e prazer, homossexualidade, namoro, virgindade
aparecem nas discussões propostas por diversas disciplinas de diferentes eixos de
conhecimento. Acredita-se que o fato de os/as docentes conhecerem as indicações
preconizadas pelos PCN pode, também, com certeza, influenciar essas discussões e
aumentar suas possibilidades de estarem pautadas em aspectos sociais e culturais.
O estudo mostrou que, entre os/as profissionais que atuam na escola ainda existem
aqueles/as que acreditam no programa como redenção de jovens considerados “desviantes”
, assim como profissionais que se recusam a trabalhar o tema por não estarem preparados/as
para tal, ou por acreditarem que não é competência da escola ou de sua disciplina.
132
Torna-se relevante destacar que os/as alunos percebem a abrangência do programa
de orientação sexual e participam ativamente da discussão. Arrisca-se a afirmar que, com
base nas observações e nas discussões propostas pelo grupo focal, o programa de orientação
sexual oferece subsídios para a construção e produção de diversos, fluidos e instáveis
apegos provisórios que são as identidades sexuais.
A utilização de temas do cotidiano, cenas de novelas, filmes, disponibilização de
livros, assim como matérias de jornais que envolvam questões de diversidade sexual são
estratégias que dão respaldo à afirmativa acima.
Dessa maneira, a utilização de um currículo interdisciplinar e multiculturalmente
construído abre leques de possibilidades para que os/as alunos/as possam construir suas
identidades sexuais de acordo com seus desejos e vontades, conscientes de seus direitos, de
suas escolhas e de que os rótulos “saudável ou normal” fazem parte de um discurso que
visa regular as sexualidades. Acredita-se que o trabalho encabeçado pela orientadora
educacional e desenvolvido pela/a equipe de professores/as pode servir como um
diferencial na vida daqueles/as estudantes, principalmente por criar confiança nos/as
alunos/as e servir como referencial nas vidas de muitos/as.
Embora o trabalho se desenvolva, efetivamente, com apenas um ano (8° ano),
os/as estudantes dessa unidade escolar descobrirão, ao longo de sua formação, que, em
diversas culturas, em variadas passagens da história, a preocupação com a sexualidade se
fez presente.
Apesar de ser apenas o começo e de ainda não estar tão engajado em propostas tão
arrojadas como as da epigrafe, o programa de orientação sexual desenvolvido pela Escola
Municipal Nós do Morro sugere que é possível tentar uma nova abordagem da questão.
Contudo, ainda muito a se trabalhar e existem muitas barreiras a serem
ultrapassadas. Uma delas é a visão de alguns/mas alunos/as de que o programa constitui
uma matéria a mais no currículo e, por isso, não vale a pena participar. Em outros/as, a
visão de que não há necessidade de tais conhecimentos, pois já os dominam. Há, também, a
visão de professores/ras que pensam no programa como redenção de alunos/as desviantes.
Falta ainda conquistar aqueles/as profissionais que se recusam a participar, alegando falta
de conhecimento ou afirmando que o currículo de sua disciplina não permite.
133
Deve-se ressaltar que, como esta pesquisa se desenvolveu em apenas uma escola
do município de Duque de Caxias, algumas sugestões para outros estudos podem ser
oferecidas: “Como, na Escola Municipal Nós do Morro, as questões de raça atravessam
essas discussões?” “Como os/as alunos/as da Escola Municipal Nós do Morro atendidos/as
pelo projeto desenvolverão suas identidades sexuais?” “Como outras escolas da rede
municipal de Duque de Caxias desenvolvem seus programas de orientação sexual?” “Como
se à participação do projeto ‘Saúde nas Escolas” em escolas que não possuem um
programa de orientação sexual?” “Como estimular a adesão dessas escolas a um trabalho
consistente de educação sexual?
Para finalizar, a utilização da epígrafe que inicia este trabalho e da epígrafe que
emoldura este capitulo não foi em vão. Trata-se de uma expectativa de que os programas de
orientação sexual promovidos pelas escolas brasileiras possam se ampliar e romper com as
amarras e os padrões impostos. Espera-se que se possam vislumbrar novas perspectivas de
discussão da sexualidade como construção social, em que a heteronormalidade seja
desconstruída e a heterossexualidade seja vista apenas como um dos diversos caminhos e
possibilidades. Assim, recorre-se a Louro (2004) para explicitar os pensamentos do
pesquisador e sua proposta de desenvolvimento de um programa de orientação: não se trata
de incorporar ao currículo um outro sujeito, mas de difundir a idéia de que se disponha de
um corpo de conhecimentos mais ou menos seguro que possa ser transmitido. Trata-se de
questionar as condições que permitem ou impedem o conhecimento.
134
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143
Anexo: A
Roteiro de Entrevista
Implementadoras da SME
1) Como foi planejado o projeto saúde nas escolas?
2) Como foram escolhidas as oficinas e palestras que são oferecidas nas escolas?
3) Quais as expectativas da SME em relação ao projeto?
4) Há um acompanhamento das escolas após a realização das oficinas?
5) Vocês fornecem material de apoio ou outros que permitam que a escola continue o
desenvolvimento do programa?
6) Como você avalia a proposta desse projeto?
7) Como você avalia o desenvolvimento desse projeto?
144
Anexo: B
Roteiro de entrevistas
Profissionais que ministram oficinas: sexualidade, DST/AIDS, auto estima, adolescência,
gravidez indesejada.
1) Como você planeja e desenvolve a oficina? Quais aspectos você prioriza?
2) Como você tem sido recebido/a nas escolas e pelos alunos/as?
3) Existe alguma dificuldade para um/a profissional “de fora da escola” ministrar uma
palestra ou uma oficina como essa na escola?
4) Como você avalia os resultados da oficina?
5) Você tem oferecido subsídios para que a escola continue a desenvolver os temas
tratados nas oficinas?
6) Como você avalia a proposta, o planejamento e execução do projeto?
145
Anexo: C
Roteiro de entrevista
Equipe pedagógica:
1) Por que o projeto de orientação sexual mereceu a atenção da equipe pedagógica da
escola?
2) Que aspectos são priorizados nesse projeto?
3) Como é planejado o projeto?
4) Como se desenvolvem os encontros no projeto?
5) Como se integra o projeto de orientação sexual da escola com o projeto “saúde nas
escolas” proposto pela SME?
6) Que apoio que vocês receberam da SME para a continuidade do projeto?
7) Como acontece a integração dos professores ao projeto? um envolvimento de
todos?
8) Como tem sido a participação e o interesse dos alunos?
9) Qual a expectativa da escola em relação aos resultados?
146
Anexo: D
Questionário para professores/as (apenas os que trabalham com o 8° ano).
Prezado/a professor/a
O objetivo deste questionário é coletar dados para o desenvolvimento de minha dissertação
de mestrado em Educação na Febf/UERJ sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Flavio
Barbosa Moreira. A pesquisa versa sobre o programa de orientação sexual nas escolas.
Assim, sua contribuição, respondendo a este questionário será de fundamental importância
para realização do trabalho. Seu nome e suas respostas serão mantidos em absoluto sigilo.
Atenciosamente,
Paulo Melgaço
1- Tempo de magistério na escola: ( ) 0 a 5 anos ( ) 6-10 anos ( ) 11-15 anos ( ) 16-
20 anos ( ) mais de 20 anos
2- Disciplina que leciona: _____________________________________
3- Nível de escolaridade: ( ) graduação ( ) especialização ( ) mestrado ( )
doutorado
4- Você leu os Temas Tranversais (orientação sexual) propostos pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais? ( ) sim ( ) não
5- Como sua disciplina auxilia o desenvolvimento do programa de orientação sexual
proposto pela equipe pedagógica?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
147
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
________________________________________________________.
6- Nas suas aulas você aborda discussões sobre algum (guns) dos assuntos abaixo?
( ) Gravidez na adolescência ( ) Aborto ( ) DST ( ) Aids ( )
Homossexualidade ( )virgindade ( )namoro ( ) sexo e prazer
7- Em sua opinião, as atividades do projeto da escola favorecem aos alunos/as o
desenvolvimento autônomo de suas sexualidades? Por quê?
8– Você promove outras atividades, não previstas no projeto, relacionadas à
orientação sexual?
148
Anexo: E
Ficha de observação
Local: Escola Municipal Nós do Morro.
- Sujeitos (alunos/as e profissionais da educação) - como se posicionavam em relação ao
grupo, aos pares e aos outros, como interagiam.
- Eventos – como os grupos trabalhavam com algum material referente a sexualidade.
-Linguagem – Que tipo de linguagem os estudantes utilizavam para tratar as diversas
matrizes de sexualidade, como verbalizam a violência sexual e os atos de homofobia.
Ainda, como o cotidiano a escola pode favorecer a construção das identidades sexuais de
modo autônomo.
149
Anexo: F
Grupo Focal
Tema: Encontros de orientação sexual
Participantes: Alunos/as do ano do ensino fundamental Escola Municipal s do
Morro.
Número de participantes: 6 alunos/as
Mediador: Pesquisador
Duração: aproximadamente uma hora
Alguns objetivos:
- Captar como o grupo percebe o desenvolvimento do programa de orientação sexual.
-Investigar como o grupo percebe o envolvimento das disciplinas que elencam o currículo
nas discussões.
-Identificar quais os temas são discutidos nas aulas e nas oficinas e como os/as alunos/as
manifestam interesses por eles.
-Analisar as expectativas dos/as alunos/as em relação ao desenvolvimento do programa de
orientação sexual
150
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