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Luciana Santos Collier
Gestão Democrática na Escola Pública:
possibilidades de práticas coletivas no ensino de Educação Física Escolar
Dissertação apresentada, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em Educação
Comunicação e Cultura em Periferias Urbanas,
da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro. Área de concentração: Educação,
escola e seus sujeitos sociais.
Orientadora: Profª. Drª. Dinair Leal da Hora
Duque de Caxias
2009
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Luciana Santos Collier
Gestão Democrática na Escola Pública:
possibilidades de práticas coletivas no ensino de Educação Física Escolar
Dissertação apresentada, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em Educação
Comunicação e Cultura em Periferias Urbanas,
da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro. Área de concentração: Educação,
escola e seus sujeitos sociais.
Aprovado em________________________________________________________
Banca Examinadora: _________________________________________________
______________________________________________________
Profª Drª Dinair Leal da Hora
Faculdade de Educação da Baixada Fluminense / UERJ
_______________________________________________________
Prof. Dr. João Batista Bastos
Faculdade de Educação da UFF
______________________________________________________
Prof. Dr. Waldyr Lins
Faculdade de Educação Física da UFF
Duque de Caxias
2009
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3
DEDICATÓRIA
Ao meu marido, Cláudio, e meus filhos, Raiana e Renan, mestres em
compreensão, paciência, solidariedade, incentivo, respeito e amor.
4
AGRADECIMENTOS
Aos professores, alunos e funcionários do C. E. Maria Pereira das
Neves, bem como toda comunidade do Preventório, por participarem
ativamente desta pesquisa e de outras que venho fazendo, além de
construírem comigo estas idéias.
Aos amigos Professora Mestra cia Mascarenhas e Professor Mestre
Paulo Cresciulo de Almeida pelo incentivo inicial para a realização desta
pesquisa e apoio fundamental durante todo o percurso da mesma.
À minha orientadora Dinair Leal da Hora pela parceria e dedicação neste
e em outros trabalhos.
Aos meus pais pelo apoio material e emocional proporcionado.
Ao meu irmão Leonardo Collier e sua esposa Karin Collier pelo exemplo
de vida acadêmica e colaboração.
Ao colega e revisor Vilson Sebastião Ferreira pelos conselhos durante a
revisão deste trabalho.
5
RESUMO
COLLIER, Luciana Santos. Gestão Democrática na Escola Pública:
possibilidades de práticas coletivas no ensino de Educação Física Escolar,
Brasil.2008. 55 f.
Dissertação (Mestrado em educação Comunicação e Cultura em Periferias Urbanas)
Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Duque de Caxias, 2008.
A Educação Física entrou para o currículo escolar brasileiro menos de um
século, com o objetivo de manter a “ordem” dentro das escolas, fortalecer e cuidar
da saúde dos jovens brasileiros, sendo vista ainda hoje pelo senso comum como
veículo disciplinador dos indivíduos e de obtenção da “qualidade de vida”, utilizando
prioritariamente o esporte, com suas regras e técnicas rígidas, para alcançar estes
objetivos. No sentido de apontar uma outra perspectiva de Educação Física Escolar,
voltada para uma intervenção positiva no processo de transição do indivíduo passivo
(disciplinado) para o cidadão ativo (crítico), o presente trabalho irá investigar práticas
pedagógicas que visem o desenvolvimento da criatividade, da autonomia e da
participação, fatores preponderantes no processo de construção de uma gestão
educacional democrática, na medida em que acredito que esta forma de gestão seja
fundamental para a transformação da educação inicialmente, mas sem perder o foco
da conquista da igualdade e democracia em nossa sociedade.
Palavras-chave: Educação Física Escolar, Gestão Educacional Democrática,
participação, cidadania.
6
ABSTRACT
The Physical Education entered the Brazilian school curriculum less than a
century, aiming to maintain the "order" within the schools, and strengthen the health
care of young Brazilian. Nowadays is still seen by common sense, as a vehicle
disciplining of individuals and obtaining the "quality of life", using primarily the sport,
with its rigid rules and techniques for achieving these goals. In order to sharpen
another perspective of School Physical Education, focused on a positive intervention
in the process of transition from individual liability (disciplined) for the active citizen
(critical), this work will investigate teaching practices aimed at the development of
creativity, autonomy and participation, factors predominate in the process of building
a democratic management education, insofar as I believe that this form of
management is key to the transformation of education initially, but without losing the
focus of the conquest of equality and democracy in our society .
Keywords: School Physical Education, Democratic Management Education,
participation, citizenship.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 8
1. GESTÃO EDUCACIONAL NA ESCOLA PÚBLICA: DO CENTRALISMO
AUTORITÁRIO À DEMOCRATIZAÇÃO PRETENDIDA …………………... 17
2. A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR COMO ELEMENTO DE CONSTRUÇÃO
DA CIDADANIA ……………………………………………………….……..….. 37
3. A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E A CONSTRUÇÃO DA GESTÃO
ESCOLAR DEMOCRÁTICA: OS PROFESSORES FALAM ……..….…….. 50
3.1. Observação das aulas ….........……………………………………………..... 50
3. 2. Entrevistas ……………………………………………………….........………. 57
4. A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E A CONSTRUÇÃO DA GESTÃO
ESCOLAR DEMOCRÁTICA ...................................................……………... 70
4.1. O Planejamento Participativo ................................................................ 70
4.2. Os alunos falam ..................................................................................... 75
5. SEM A INTENÇÃO DE CONCLUIR .............................................................. 79
5.1. De que forma os professores de Educação Física elaboram seus
planejamentos, traçam seus objetivos, selecionam seus conteúdos e
escolhem suas estratégias de atuação nas aulas? ............................ 81
5.2. Que características a Educação Física apresenta para desenvolver
com os alunos experiências participativas que valorizem suas
vivências dentro da cultura do movimento corporal e possibilitem a
construção da gestão democrática dentro da escola pública?...........82
5.3. Quais as possibilidades de iniciar o processo de democratização da
gestão escolar a partir de práticas e vivências democráticas em sala
de aula?.................................................................................................... 84
5.4. Novas aprendizagens, muitas interrogações....................................... 87
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS……………………………………………. 90
8
Introdução
De acordo com Nascimento (2002), a educação deve ser um
instrumento utilizado pela sociedade no sentido de promover “o exercício da
cidadania fundamentada nos ideais de igualdade, solidariedade e justiça social”
(p.132). Partindo desta premissa, podemos pensar que a escola é o local onde
devemos aprender também como participar das decisões que dizem respeito às
nossas vidas, o que irá possibilitar uma vivência em participações políticas mais
amplas. Se cada cidadão, ao final de sua escolaridade básica, estiver “habilitado” a
exercer os seus direitos de participação nas decisões que interferem na sua vida e
controle da execução daquilo que ajudou a decidir, teremos dado um passo decisivo
para a concretização dos ideais de igualdade, solidariedade e a justiça social.
No que diz respeito à influência da educação na formação do cidadão, e a
relação da mesma com as decisões políticas em sociedade, Gadotti (1994) defende
a importância da escolarização formal para que o cidadão consiga dar conta do
grande volume de informações e das exigências de decisão próprios da vida
democrática. Já Arroyo (2003) acredita que educação formal não é precondição para
a cidadania, uma vez que é uma construção ideológica das elites. Para ele a luta
pela cidadania, pelo legítimo, pelos direitos é o espaço pedagógico perfeito para a
formação do cidadão. Por sua vez, Saviani (1989) considera que toda ação
educativa possui uma dimensão política e vice-versa; ou seja, apesar de distintas,
são inseparáveis e caracterizam a prática social.
Ainda nessa perspectiva, é importante lembrar a idéia de Silva e Silva (2004)
quando atenta para o fato de que os alunos, crianças, adolescentes ou jovens, não
estão apenas se preparando para a vida ou para a participação na sociedade, mas
têm uma vida da qual a escola faz parte, e participam ativamente da sociedade
com suas responsabilidades e direitos.
Mesmo que as idéias destes autores divirjam em alguns aspectos, elas
convergem para a importância da valorização das qualidades políticas
questionamento/ sociabilidade, diálogo/ liderança, direitos/ deveres, boa educação/
criatividade, competitividade/ ética no ensino, formal ou informal (DEMO, 2002). A
partir do desenvolvimento de qualidades políticas na escola podemos notar sua
contribuição no sentido da construção da cidadania ativa, com cidadãos que
participam das decisões da sua coletividade.
9
Para começarmos a pensar as relações existentes entre educação, cidadania
e construção da gestão democrática escolar, tudo isto visto sob a luz da disciplina
Educação Física Escolar, passaremos para o relato de experiências vividas pela
comunidade do Preventório.
No início do ano 2000, a disciplina Educação Física começou a ser oferecida
na E.E.Maria Pereira das Neves, que serve prioritariamente à comunidade do
Preventório, localizada no bairro de Charitas, em Niterói. Vale destacar que Charitas
é um bairro pequeno situado entre o mar da Baía de Guanabara e as montanhas;
portanto, a escola fica à beira mar.
Como não havia um local específico para as aulas acontecerem nesta escola,
além de dois pequenos pátios com árvores, muros e um grande mastro de bandeira
numa das extremidades, eram improvisadas traves, tabelas de basquete, redes de
vôlei. Dessa forma, o espaço transformava-se numa “quadra polivalente”. Porém, os
problemas surgiram quando os alunos começaram a crescer e se desenvolver; o
espaço foi ficando pequeno e eles passaram a demonstrar desinteresse pelas aulas.
A primeira tentativa de solucionar o problema foi solicitar o ginásio do Corpo
de Bombeiros localizado ao lado da escola através de um abaixo-assinado passado
pelos alunos e seus responsáveis, o que não surtiu efeito. Apelou-se para os pais de
alunos que eram soldados e outros conhecidos “influentes”; com isso, conseguiu-se
apenas realizar um evento de final de ano naquela quadra. Restava a praia, bem ali
na frente. Após longas conversas com a direção, foi dada a permissão para que as
aulas de Educação Física acontecessem na praia, apenas esporadicamente.
Com a variedade de atividades possíveis de serem realizadas na praia, as
aulas tornaram-se muito mais descontraídas, atraentes, dinâmicas e a participação
daqueles alunos, que normalmente se excluíam ou eram excluídos, foi se tornando
cada vez mais espontânea e efetiva. O dia em que a aula acontecia na praia era o
dia de “liberdade”, de fazer “diferente”: empinar pipa, subir nas árvores, jogar,
brincar, caminhar, correr, ou simplesmente conversar no calçadão, ver a mãe, o pai
ou outro conhecido passando, paquerar, tudo isso passou a fazer parte da aula de
Educação Física. Com o tempo, as aulas na praia passaram a acontecer com maior
freqüência, pois todos os dias os alunos torciam, pediam, imploravam para que a
aula fosse lá.
Próximo ao final do ano de 2003, o campo de futebol onde as aulas de
Educação Física aconteciam e a comunidade utilizava como área de lazer, foi
10
cercado por tapumes de obra; a praia passaria a abrigar uma suntuosa estação de
catamarãs e um grande estacionamento para servir aos seus usuários. A construção
da Estação Hidroviária e do seu estacionamento foi uma obra traumática para a
comunidade do Preventório, na medida em que os pegou de surpresa, sem qualquer
tipo de aviso ou possibilidade de diálogo, sem permitir que se organizassem para
lutar adequadamente por sua única área de lazer. Foi uma decisão arbitrária e
vertical que feriu os direitos daquela comunidade.
Apesar da inegável necessidade da obra para a elite de Niterói, para a
comunidade que ali vive foi uma agressão aos seus direitos de cidadãos, tanto no
que diz respeito às suas possibilidades de lazer, quanto a seu modo de vida. Para a
rotina das aulas de Educação Física, representou um retrocesso. Para conseguir um
espaço livre era necessário caminhar um pouco pelo calçadão e nem sempre o local
era adequado ou estava disponível. Além disso, o distanciamento da escola não
agradava muito à direção. As aulas voltaram a acontecer no pátio dentro da escola.
Como disse Pretto (2007), o desequilíbrio nos coloca em risco, mas nos
impulsiona para o movimento, dos corpos e da sociedade, na busca de outros
valores diferentes destes “postos como inexoráveis pela sociedade capitalista e pelo
neoliberalismo” (p.146/147). A situação vivida trouxe-nos, então, a necessidade de
negociar todas as conquistas e se transformou num novo e importante aprendizado
para todos nós. A saída para a praia era negociada com a direção, o espaço para
realização das aulas era negociado com a própria comunidade que queria usá-lo ao
mesmo tempo e mais tarde. E, depois que a Estação ficou pronta, tinha-se que
negociar o uso do calçadão com os seguranças e com os usuários das barcas.
Em setembro de 2004, iniciaram-se também obras de reforma na escola e os
pátios se transformaram em barracão de obra. Se as esporádicas idas à praia
eram encaradas com receio pela direção e por diversos professores, como a praia
poderia se tornar local regular de trabalho? Inicialmente houve um recuo, mas em
pouco tempo estavam todos saturados de tanta aula de dança, expressão corporal,
tiro ao alvo, brincadeira da mímica, forca, dicionário e outras que foram inventadas
para serem realizadas dentro das salas de aula (sem fazer muito barulho para não
atrapalhar as outras turmas). Qualquer atividade proposta que os tirassem de dentro
da escola seria melhor que permanecer dentro de sala. Foi uma questão muito
discutida entre professor, alunos e direção.
11
No início, eram apenas caminhadas no calçadão. Mas essa não era a
“brincadeira” preferida, apesar de ter sido o pontapé inicial para, aos poucos, irmos
descobrindo muitas outras possibilidades para as aulas e para o lazer da
comunidade. Foi a partir destas caminhadas que a comunidade de uma forma geral
acabou se apropriando de inúmeros espaços públicos de lazer da orla como o
gramado de Charitas, a pracinha e a pista de skate de São Francisco, o Parque da
Cidade e suas trilhas, os campinhos de futebol próximo ao Clube Naval. Assim,
locais que antes, por serem distantes, não eram freqüentados pelos moradores
daquela comunidade atualmente são opções viáveis de lazer. Nesta época as aulas
de Educação Física já aconteciam na EJA à noite, possibilitando também aos jovens
e adultos da comunidade a aprendizagem a partir da experiência nestes processos
de negociação.
Em fevereiro de 2006, na reunião de avaliação do Projeto Político Pedagógico
do C.E. Maria Pereira das Neves, alguns representantes da comunidade, que
estavam presentes, solicitaram que a escola os auxiliasse na luta por seus direitos,
fornecendo-lhes os conhecimentos de que necessitavam para impedir que não
continuassem “tomando seu espaço”.
Com esse novo movimento, surge a possibilidade de tornarmos visíveis os
invisibilizados da Escola. Então, pela primeira vez em seis anos de trabalho na
escola, via a comunidade participar de uma reunião desse tipo, tendo direito a dar
opiniões e sugestões, ainda que de forma tímida e discreta. Este foi apenas um dos
primeiros passos de um processo de conscientização de uma comunidade que vem
passando por inúmeras transformações em seu estilo de vida desde que o
“progresso” tomou conta do bairro de Charitas.
Em função dos inúmeros projetos que a Prefeitura de Niterói e o Governo
Federal têm para aquela região, a escola tornou-se cada vez mais imprescindível no
sentido de ajudar a comunidade a defender seus interesses, compreender seus
direitos e deveres e, sobretudo, participar das decisões que envolvem seu futuro.
É sabido que existem projetos para construção de um túnel ligando a Região
Oceânica e Charitas (Túnel Charitas-Cafubá), que prevê a desapropriação de várias
casas, do hospital psiquiátrico que oferece atendimento psicológico gratuito e da
creche comunitária. Planeja-se ainda construir um terminal rodoviário no que restou
da praia; além da desapropriação e demolição dos prédios que se localizam de
frente para a orla e conseqüente construção de prédios residenciais para esconder
12
as moradias populares que “enfeiam” a genial obra de Oscar Niemeyer. Além desse
problema, a comunidade sofre com outros comuns à maioria das favelas em nosso
país, tais como: inadequado fornecimento de água, inexistência de redes de esgoto,
coleta lixo irregular, rede de energia elétrica escassa.
Em meados de 2008 iniciaram as obras do Programa de Aceleração do
Crescimento do Governo Federal, que objetiva urbanizar algumas favelas. Além da
pavimentação de algumas ruas, energia elétrica regular, água e esgoto estão sendo
providenciados para a comunidade, bem como a construção de prédios residenciais
para abrigar famílias cujas casas foram construídas em área de preservação
ambiental e terão que ser destruídas. Sabemos que todas estas melhorias têm um
certo ar de paternalismo e escondem diversas segundas intenções do poder público.
Além das obras terem iniciado em ano eleitoral, o movimento em torno do bairro de
Charitas aumentou demais, e a estação de catamarãs se transformou em ponto
turístico, quase uma “vitrine” de Niterói. Vários prédios residenciais e comerciais de
luxo vêm sendo construídos, a região tem recebido turistas e com isto novos
investimentos, além de uma movimentação diária de pessoas, muito além do
esperado pela própria empresa que explora a travessia de catamarãs. Acidentes,
filas, atrasos e muitas reclamações são apenas alguns dos transtornos surgidos
após a implantação da estação no bairro de Charitas.
Diante dessa realidade, o projeto Político Pedagógico do C.E. Maria Pereira
das Neves passou a incluir temas baseados nas reivindicações, dúvidas e angústias
da comunidade do Preventório, a fim de que os assuntos mais polêmicos como: lixo,
preservação ambiental, cidadania, direitos e deveres dos cidadãos, qualidade de
vida, fossem tratados em todas as disciplinas escolares. Desde então tanto a escola
como seu corpo docente têm se esmerado em iniciar um processo de
democratização do ensino e abordagem de temas pertinentes ao cotidiano da
comunidade. Percebe-se uma crescente disponibilidade em se trabalhar com a
participação dos alunos nas decisões dentro e fora das salas de aula. Sob este
aspecto vale ressaltar a importância da participação da comunidade escolar
(professores, funcionários, direção, alunos, pais...) na construção do Projeto Político
Pedagógico da escola, sem a qual é impossível que a escola seja realmente um
veículo de construção do cidadão transformador e crítico, alguém capaz de modificar
a realidade em que vive.
13
A partir dessa experiência, comecei a pensar na importância da disciplina que
ministro para aquela comunidade. Será que o simples conhecimento de regras e
técnicas dos desportos junto com a prática de modalidades esportivas estaria
efetivamente contribuindo com a formação de cidadãos críticos e capazes de
interferir na transformação da vida daquela comunidade? Esta passou a ser a
principal preocupação dentro da minha prática pedagógica: propiciar através da
Educação Física Escolar uma verdadeira intervenção no processo de transição do
indivíduo passivo para o cidadão participativo.
Diante desta realidade e dos problemas a ela relacionados, elaborei as seguintes
questões de investigação para este trabalho:
De que forma os professores de Educação Física elaboram seus
planejamentos, traçam seus objetivos, selecionam seus conteúdos e escolhem
suas estratégias de atuação nas aulas?
Que características a Educação Física apresenta para desenvolver com os
alunos experiências participativas que valorizem suas vivências dentro da cultura
do movimento corporal e possibilitem a construção da gestão democrática dentro
da escola pública?
Quais as possibilidades de iniciar o processo de democratização da gestão
escolar a partir de práticas e vivências democráticas em sala de aula?
Com base em tal realidade, é fundamental refletirmos sobre propostas que
apontem para uma Educação Física Escolar que realmente considere as
experiências e anseios dos alunos e da sociedade, além de lhes proporcionar
conhecimentos que possam colaborar com a conquista de uma melhor qualidade de
vida no sentido da igualdade e da democracia. Dentro desta perspectiva Gadotti
(1994) nos sinaliza que:
Existe hoje na América Latina um grande movimento emergente que
valoriza a experiência cotidiana e coloca a qualidade de vida como
objetivo da educação. A satisfação das necessidades básicas das
camadas populares - saúde, moradia, trabalho, educação passa a
ser também preocupação da escola. (GADOTTI, 1994 p.2)
Uma Educação Física comprometida com essa reflexão deve, antes de tudo,
ser importante para o aluno, ter significado para a vida dele. Como nos apontam
Garcia e Lobo (2002), existe uma interação entre os traços sócio-culturais dos
professores, dos alunos e da comunidade no cotidiano das escolas, onde tanto as
14
culturas legitimadas como as negadas, fazem-se presentes. Para isso, os
professores precisam estabelecer com os alunos uma relação de parceria na
construção do conhecimento, num trabalho de “síntese cultural” (FREIRE, 2005
p.210), aproveitando a experiência de vida deles, analisando, criticando e
modificando (quando necessário) os conteúdos predeterminados. Vale ressaltar a
idéia de Libâneo (apud Aranha, 1990) de que o ato pedagógico prevê uma interação
entre os seres sociais e provoca mudanças tão profundas que os próprios alunos
vão se tornando agentes ativos da ação pedagógica.
Dentro da perspectiva de construção da gestão democrática na escola
pública, os objetivos deste trabalho se delinearam no sentido de investigar como os
professores de Educação Física das escolas públicas que servem à comunidade do
Preventório têm traçado seus objetivos, selecionado os conteúdos da disciplina,
escolhido suas estratégias de aulas e formas de avaliação. Ou seja, como planejam
suas práticas pedagógicas.
Pretendo observar também alternativas pedagógicas aplicáveis ao cotidiano
das aulas de Educação Física Escolar, que colaborem de forma eficaz para o
desenvolvimento do pensamento crítico, da autonomia de escolha e da participação
democrática que implicam na construção da gestão democrática na escola e da
cidadania ativa, interferindo assim positivamente no processo de transição do
indivíduo passivo para o cidadão participativo.
Seguindo essa reflexão, tenho a intenção de verificar como as práticas de
gestão democrática do ensino, vivenciadas pelos alunos em sala de aula, colaboram
com/para a construção da gestão democrática da/na escola.
A fim de concretizar esta pesquisa, iniciei realizando uma pesquisa
bibliográfica abrangendo os temas nela envolvidos, tais como: gestão, gestão
educacional, gestão democrática, educação física escolar, participação, cidadania,
autonomia. Para discutir estes conceitos foram escolhidos os seguintes autores:
Paro (2001a e 2001b), Hora (1994 e 2007) e Ferreira (2001 e 2003) em gestão;
Bracht (1996 e 1997), Betti (1986, 1992 e 1994a), Taffarel (2007) e Darido (2003)
em educação física escolar e Bordenave (1994), Freire (2005), Gadotti (1994,1996 e
2002), Ferreira (1993) e Torres (2001) para abordar os conceitos de participação,
cidadania, autonomia. Desta forma acredito ter embasado teoricamente esta
investigação.
15
Segundo Marconi (1999), a pesquisa de campo é a mais apropriada no
sentido de conseguir informações acerca de uma determinada conjuntura,
objetivando elucidar o problema para o qual se procura uma resposta, ou para
confirmar uma hipótese. Sob a luz destas informações, optei por fazer uma pesquisa
de campo, incluindo observação e entrevistas com professores de educação física, e
aplicação de questionários com alunos, a fim de tentar explorar ou investigar a
realidade das aulas de Educação Física nas escolas públicas que servem à
comunidade do Preventório.
Em seguida, elaborei uma pesquisa de campo em duas etapas distintas: na
primeira, através da observação das aulas e entrevista com três professores de
Educação Física que atuam nas escolas que servem à comunidade do Preventório;
na segunda etapa, através da aplicação de um questionário com 75 alunos que vêm
participando de aulas de Educação Física orientadas pelo planejamento participativo
há aproximadamente três anos.
A coleta de dados de uma pesquisa de campo é efetuada onde os fenômenos
ocorrem espontaneamente. Portanto, a fim de verificar a forma como a Educação
Física Escolar vem sendo desenvolvida por alguns professores, pretende-se
considerar como campo de pesquisa prioritariamente as escolas públicas estaduais
que atendem à comunidade do Preventório. Esta delimitação compreende uma
segunda delimitação. Pois, na medida em que no ensino público estadual não existe
aula de educação física escolar do ao ano do ensino fundamental, as turmas
investigadas estarão situadas entre o ano do ensino fundamental e ano do
ensino médio (ensino regular e Educação de Jovens e Adultos).
Como “a pesquisa de campo baseia-se na observação dos fatos tal como
acontecem na realidade” (Andrade, 2003 p.3), tive a intenção de observar aulas de
alguns professores de Educação Física nas escolas escolhidas, no sentido de
relacionar as respostas dadas por eles nas entrevistas e a sua prática pedagógica
cotidiana. Através da realização de entrevistas com os professores e observação de
suas aulas poderemos verificar como é feito o planejamento, a escolha dos
conteúdos, bem como a influência dos documentos de orientação curriculares
nestes procedimentos. Acredito que desta forma será possível verificar se as aulas
dadas por estes professores contemplam as diversidades culturais e
individualidades dos alunos, além de contribuir de forma positiva para a construção
da gestão democrática na escola. Os alunos participantes responderam
16
questionários a fim de analisar a repercussão das aulas no processo de formação de
indivíduos críticos, autônomos e capazes de modificar a realidade em que vivem.
Estas constatações servirão de subsídios para uma reflexão mais ampla
acerca de metodologias em Educação Física Escolar, que levem em consideração a
história de vida dos alunos, suas experiências, suas necessidades de movimento,
suas limitações, etc. Através deste processo seria possível ainda desenvolver com
os alunos o senso crítico (analisar o desporto de alto nível e suas arbitrariedades, a
influência da mídia nos esportes...); explorar o potencial criativo (através de
atividades ou regras de jogos construídas pelos alunos); exercitar a democracia (a
partir das possibilidades de intervenção dos alunos escolha dos conteúdos); e,
principalmente, conscientizá-los da responsabilidade que têm sobre as
conseqüências de suas escolhas. Pois, pensando com Santos (1991, p.181),
acredito que a escola é também um espaço político, onde deve ser suscitada uma
luta democrática específica, no sentido de transformar as relações de poder aí
existentes em relações de autoridade partilhada.
Dessa forma, acredito ser possível colaborar para a construção de um
cidadão mais consciente, autônomo e responsável, que seja capaz de influenciar
positivamente na transformação social e na gestão escolar democrática, priorizando
uma participação mais efetiva de toda comunidade escolar dentro da gestão da
Escola blica, visando uma verdadeira democratização do ensino público através
de idéias que tendem ao: planejamento participativo, valorização das diferentes
culturas e saberes, priorização do pensamento criativo e construção coletiva do
conhecimento.
1. Gestão educacional na escola pública: do centralismo autoritário à
democratização pretendida.
17
Para estudar a democratização da gestão escolar é fundamental que
localizemos a escola no contexto político-econômico e social no qual ela se insere e
com o qual ela interage incessantemente. Além disso, é necessário pensar no que
consideramos ser democratização da gestão escolar, alertando para a confusão que
comumente se faz entre modernização e democratização. É primordial ainda que
abordemos determinados conceitos, tais como cidadania, autonomia e participação,
que sempre permeiam as práticas democráticas, na medida em que são qualidades
que se pretende desenvolver nos indivíduos formados a partir de uma escola que
valoriza os ideais democráticos.
O contexto político-econômico e social no qual vivemos na atualidade revela-
se bastante conturbado apontando para profundas mudanças estruturais. Ferreira
(2001) defende que violentas e profundas transformações no mundo do trabalho e
das relações sociais vêm causando impactos desestabilizadores para toda
humanidade. Enquanto isso, Torres (2001) acredita que este conjunto de
transformações deva ser visto como uma situação de transição entre duas épocas
distintas. Apesar disso, ele acrescenta que não podemos dizer que estamos vivendo
num período “pós-moderno”, na medida em que “as relações capitalistas de
produção ainda estruturam a maioria das ordens sociais, e a hegemonia do capital
ainda é a força estruturadora de quase todas as dimensões da vida social”
(TORRES, 2001 p.87).
Assim como alguns autores postulam a continuidade da modernidade nos
tempos atuais, outros defendem o contrário. A s-modernidade surge exatamente
da crise nos estatutos da própria modernidade que, segundo Habermas (1990, apud
Gatti, 2005) cria condições de verdade que enclausuram a razão, geram formas de
poder e homogeneízam contextos e pessoas como se fossem instrumentos de
controle. Segundo a autora, o termo vem sendo cada vez mais empregado com o
objetivo de traduzir a posição do saber nas sociedades mais desenvolvidas, que
estão vivendo a era s-industrial. Para Azevedo (1993, apud Gatti, 2005) as
principais características da pós-modernidade são: a invalidação histórica e cultural
das grandes análises e seus decorrentes relatos de emancipação; a desqualificação
de sua pretensão de uniformização e decorrentes promessas de salvação para
indivíduos e grupos; a falência das utopias criadas e não realizadas no cotidiano da
cultura e sociedade modernas. Os estudos pós-modernos rompem com os grandes
modelos epistemológicos e suas pretensões de verdade, objetividade e
18
universalidade, bem como defendem o pluralismo teórico e ético, a indeterminação,
e a descontinuidade de idéias.
Apesar das opiniões opostas em relação ao estabelecimento ou não da era
pós-moderna, algumas transformações ocorridas são visíveis e inegáveis. Sob esta
ótica, é importante salientar que as transformações e modernizações nas
tecnologias das comunicações e da computação intensificaram as relações sociais
em âmbito mundial, aproximando localidades e realidades distantes, de tal maneira
que acontecimentos locais são marcados por eventos ocorridos a muitas milhas de
distância, e vice-versa (TORRES, 2001 p.87). Com isso, os limites nacionais
acabam se tornando imprecisos, afetando a constituição das identidades,
aumentando a mestiçagem e a diversidade das culturas, bem como deslocando as
solidariedades dentro e fora do estado nacional, gerando tensões entre as dinâmicas
local e global.
Todo este conjunto de transformações pelas quais estamos passando vem
sendo chamado de globalização, um construto social que tem sido analisado de
forma critica.
Muitos vêem a globalização como aumentando a
homogeneidade das sociedades (...). Para outros, ainda, a
globalização é o desenvolvimento do poder por corporações
multinacionais e estados, ao passo que outros vêem na
globalização o centro da ação ambiental, da democratização
e da humanização. Alguns vêem o conceito de globalização
como uma cilada para ocultar os efeitos do imperialismo ou
da modernização, enquanto outros pretendem que a
modernização haveria de inaugurar uma nova “era global”,
diferente da ”era moderna”. Além do mais, enquanto alguns
teóricos pretendem que a globalização seja o conceito que
define uma nova época na história da humanidade, outros
são de opinião contrária, pretendendo que tenha sido
exagerado o caráter novo e central da globalização.
(TORRES, 2001 p.87).
O que pode se afirmar é que, ao nível da economia mundial, a globalização é
o resultado de uma reestruturação que envolve a transnacionalização da economia,
da ciência, da tecnologia e da cultura, bem como uma profunda modificação na
divisão internacional do trabalho. Simultaneamente nota-se um reajuste da
integração econômica entre nações, estados e economias regionais, provocando
uma redefinição das relações entre eles.
Paralelo às modificações ocorridas na esfera econômica, pode-se notar
também alterações no mercado de trabalho. Atualmente, distinguem-se quatro
espécies de mercado de trabalho: um que responde às demandas do capitalismo de
19
monopólio, com características transnacionais; o segundo que atende ao capitalismo
competitivo, baseado no mercado doméstico de trocas de bens e serviços; o terceiro
corresponde ao serviço público, que conta com certa proteção em relação à
competição, mas está cada vez mais “encolhido” com as privatizações do setor; e o
quarto, considerado mercado de trabalho informal ou marginal, incluindo desde as
transações ilegais (narcotráfico, pirataria, jogos de azar) até o auto-emprego
(camelôs, trabalho doméstico, empresas familiares).
Junto à crescente segmentação do mercado de trabalho, surge também uma
distinção entre o salário nominal ou real do trabalhador (que segue uma tendência
de substituição do salário horário pelos pagamentos por peça ou produtividade) e o
salário social ou indireto (benefícios). Soma-se a isso o aumento da competitividade
entre as companhias no contexto transnacional, com conseqüente redução da
margem de lucro das mesmas e redução dos custos de produção (via dispensas,
intensificação da produção, aumento da produtividade per capita, transferência de
determinadas atividades de produção para zonas livres de impostos, substituição de
trabalhadores dispendiosos por outros que onerem menos a folha de pagamento,
substituição do trabalho pelo capital). O resultado dessas transformações na
composição global de trabalho e capital é o aumento do número de trabalhadores
supranumerários (desempregados) e a diminuição da articulação da classe
trabalhadora e das reivindicações por melhores salários e condições trabalhistas.
Por isso, os trabalhadores, apesar de terem consciência de sua situação de
exploração e submissão, temem pressionar demais e perder seus empregos, pois
existe uma enorme quantidade de mão-de-obra barata e habilidosa desempregada.
Vale destacar que dentro das próprias indústrias a economia global também
modificou sua organização. Segundo Torres (2001), as economias nacionais
baseavam-se na produção de massa padronizada, com um pequeno número de
gerentes controlando o processo de produção e um grande número de trabalhadores
executando ordens; isso, numa organização piramidal e estática de poder refletindo
o sistema capitalista tradicional. Com a fragmentação da linha de produção,
característica da nova economia global, sua organização torna-se mais fluida e
flexível, com múltiplas linhas de poder e mecanismos de decisão, análoga a uma
teia de aranha (Torres, 2001 p.90).
20
Ainda no contexto da globalização, a educação e a cultura passaram também
por fortes transformações na sua estrutura e conteúdo. Nesse sentido, Kellner
(1997) apud Torres (2001) nos informa que
Cultura é hoje um terreno particularmente complexo e
contestado, à medida que as culturas globais invadem as
locais e que surgem novas configurações unindo os dois
pólos e pondo em ação as forças contraditórias de
colonização e resistência, de homogeneização global e de
formas e identidades locaisbridas (p.90).
Enquanto na velha ordem capitalista o sistema de educação estava orientado
para a formação de uma força de trabalho disciplinada e confiável, a nova economia
global exige trabalhadores que possam aprender rapidamente e que sejam capazes
de trabalhar em equipe de uma maneira confiável e criativa.
Ao nível da consciência social, a mudança mais significativa que todas estas
transformações acabaram trazendo foi em relação ao modo como vemos a realidade
e não de como dela participamos. Prova disso é que a sociedade, de uma forma
geral, tem uma maior consciência de sua realidade do que tinha alguns anos
atrás. Apesar disso, ainda não descobriu, ou pos em prática ações mais efetivas
para transformá-la. Sabe-se também que o autoritarismo, a centralização do poder
de decisão e o conservadorismo, além de ultrapassados, conduzem ao desperdício,
ao imobilismo, a desresponsabilização e, em última instância, à estagnação social e
ao fracasso de suas instituições. Infelizmente ainda é comum observamos práticas
com estas características dentro e fora dos sistemas educacionais.
É nesse contexto que a escola pode interferir e trabalhar, buscando reverter a
situação de imobilismo social, descobrindo com os alunos, alternativas de ação que
possibilitem a libertação das práticas autoritárias e centralizadoras nas sociedades.
Essa mudança de paradigma aponta para a adoção de concepções e práticas
interativas, participativas e democráticas, a partir das quais, para determinar as
condições na qual as relações sociais serão estabelecidas, é preciso haver uma
interação de todos os participantes, estabelecendo alianças, redes e parcerias, na
busca da solução de problemas e alargamento de horizontes.
Cabe neste momento analisar de que forma a globalização, com o
crescimento das empresas, a competição entre mercados mundiais e o livre
comércio afetam a noção de cidadania e de democracia em escala global.
21
Para Bastos (2008), democracia é o espaço político e social aberto a
disputas, oposições e discordâncias, que permitem o exercício da liberdade. Para
compreender o que é democracia Torres (2001) nos ajuda, explicando a diferença
entre democracia como método representação política que inclui procedimentos
regulares de voto, eleições livres, sistemas parlamentares e judiciais livres do
controle do executivo, noções de vigilância e equilíbrio do sistema, predomínio dos
direitos individuais sobre os coletivos e liberdade de expressão – e democracia
como conteúdo associada à participação política do povo nos negócios públicos,
relacionada com o poder do povo, com a idéia de iguais direitos para todos os
cidadãos e com uma filosofia política de igualitarismo. Segundo Santos (2006):
experiência social em todo o mundo é muito mais ampla e
variada do que a tradição científica e filosófica ocidental
conhece e considera importante.(...) esta riqueza social está a
ser desperdiçada. É deste desperdício que se nutrem as
idéias que proclamam que não há alternativa. (...) Para
combater o desperdício da experiência social (...) é
necessário propor um modelo diferente de racionalidade
(p.778) ““.
A democracia liberal tem como princípios fundamentais igualdade, liberdade e
fraternidade, que passaram a embasar os direitos individuais e coletivos modernos.
Acredita-se que, no contexto atual, o estado-nação tornou-se “vulnerável à disciplina
imposta por decisões econômicas feitas em outros lugares, por pessoas e
instituições sobre as quais não tem o menor controle prático” (OHMAE,1995 apud
TORRES, 2001) e que o investimento, a indústria, a informação tecnológica e os
indivíduos consumidores é que estão impulsionando a expansão e a operação da
economia global, assumindo o poder econômico e fazendo surgir os estados
regionais. Dessa forma é fundamental que o paradigma democrático moderno seja
revisto, uma vez que, junto com a falência do estado-nação, sucumbem também o
liberalismo e a democracia liberal.
Para Ohmae (1995 apud TORRES, 2001) o liberalismo somente sobreviverá
se existir: respeito mútuo, para garantir as diversidades culturais, ideológicas e
filosóficas; confiança mútua entre os cidadãos, a fim de que as ações do estado
sejam legitimadas em prol do pacto social; além da transparência nas ações do
estado, “de modo que todos os membros da sociedade possam estar seguros de
que as decisões alcançadas após um amplo debate sejam justas, mesmo que não
sejam do seu agrado, ou que o obtenham dela qualquer benefício” (TORRES,
22
2001, p.94). Na análise de Ohmae (1995 apud TORRES, 2001) nem os governos
nem os indivíduos satisfazem a esses três critérios.
Nas democracias capitalistas não existe hoje participação
cívica, mas sim uma exígua participação dos eleitores; existe
antes competição entre indivíduos que buscam mais o próprio
interesse do que a solidariedade; e a informação
governamental tornou-se mais opaca que transparente (p. 75-
76).
Essa exígua participação dos eleitores pode ser resumida, pelo menos em
nosso país, ao ato de votar. Ato que não é realizado com observância aos critérios
de respeito, confiança e transparência, na medida em que se tem intenção única de
se obter benefícios próprios e não da coletividade.
Concordando com essas idéias, Marques (2007) acrescenta que, a revisão da
teoria democrática deveria emergir com base em critérios de participação política
que não se resumam ao ato de votar, realizando uma repolitização global da prática
social, criando novas oportunidades para o exercício de novas formas de
democracia e de cidadania, transformando as relações de poder em relações de
autoridade partilhada, nos diferentes espaços de interação social, pressupondo,
assim, novos critérios democráticos para avaliar as diferentes formas de participação
política e, com isso, valorizar a idéia da igualdade sem inalterabilidade.
Segundo Bordenave (1994), a participação é o caminho natural para o
homem exprimir sua tendência inata de realizar, fazer coisas, dominar a natureza e
o mundo. Sua prática promove ainda a satisfação de outras necessidades não
menos básicas, tais como a interação com os demais homens, a auto-expressão, o
desenvolvimento do pensamento reflexivo, o prazer de criar e recriar coisas e, ainda,
a valorização de si mesmo pelos outros. Porém, a frustração da necessidade de
participar constitui uma mutilação do homem social.
Ora, a participação em instâncias sociais e políticas mais amplas devem ser
aprendidas com a participação em instâncias locais como família, escola, trabalho,
os quais se constituem em espaços de aprendizagem e se apresentam como um
caminho para participações maiores. Portanto “aos sistemas educativos, formais e
não-formais, caberia desenvolver mentalidades participativas (grifo do autor) pela
prática constante e refletida da participação” (BORDENAVE, 1994 p.25/26).
Merece ainda destaque o fato de que a participação não deve consistir na
recepção passiva de idéias e ordens vinda de pessoas pretensamente mais “hábeis”
23
ou “preparadas”, mas na intervenção ativa na sua construção, o que é feito através
da tomada de decisões coletivas nos mais diferentes níveis. Para tanto, a
participação não deve ter um caráter meramente consumista, no sentido de permitir
que a grande maioria tenha acesso às decisões tomadas pela minoria,
mas o de processo coletivo transformador, por vezes
contestatório, no qual os setores marginalizados se
incorporam à vida social por direito próprio e não como
convidados de pedra, conquistando uma presença ativa e
decisória nos processos de produção, distribuição, consumo,
vida política e criação cultural (BORDENAVE, 1994 p.20).
O objetivo final da participação social se concretiza na auto-gestão, que pode
ser descrita pela existência de uma relativa autonomia dos grupos populares
organizados em relação aos poderes do Estado e das classes dominantes. A
autonomia aqui pretendida
não implica uma caminhada para a anarquia, mas, muito pelo
contrário, implica no aumento do grau de consciência política
dos cidadãos, o reforço do controle popular sobre a
autoridade e o fortalecimento do grau de legitimidade do
poder público quando este responde às necessidades reais
da população (BORDENAVE, 1994 P.20/21).
Da mesma forma, a existência apenas abstrata da possibilidade de
participação nas decisões e da autonomia de escolha tende a trazer conseqüências
destrutivas ao processo educacional. Se os processos de participação forem sempre
controlados e limitados por instâncias dominadoras é o caso da escola, do
professor, do diretor, da secretaria de educação –, jamais sedesfeita a relação
dominante-dominado. Ainda que ao dominado seja dado o direito de escolher ou
participar, ainda existirá um forte poder de dominação, na medida em que tal
situação evidencia claramente uma incongruência entre teoria da participação
autônoma e prática não autônoma. Dela resultam consideráveis prejuízos à
formação dos alunos, cuja dependência não deixará de ser fortemente reforçada.
Necessitamos, portanto, de um processo e de uma experiência de
participação autônoma que implique no exercício da reflexão crítica, nas escolhas e
nas tomadas de decisões, sendo esta condição indispensável para que um ideal de
cidadania se concretize.
Ora, a noção de cidadania surgiu em função do aumento do número de
habitantes nas cidades, apesar de ser simplista demais definir cidadãos como um
grupo de indivíduos que vivem numa cidade e gozam de direitos delimitados pelo
24
contexto social. Por isso, não podemos nos restringir à definição de cidadania
baseada no status pessoal dos membros legais do estado-nação que possuem
direitos e deveres. Nesse sentido, vale destacar que na Grécia Antiga o título de
cidadão diferenciava os indivíduos que podiam gerir os negócios do estado dos
plebeus ou escravos. Desde essa época se observava uma forte relação entre
cidadania e participação.
Segundo Torres (2001), o Iluminismo prevê três aspectos básicos na teoria da
cidadania: um com base em Kant, onde os processos de socialização relacionados
com o pensamento cognitivo dos indivíduos precedem a maioridade ou aquisição da
inteligência; outro, em Hegel, onde a capacidade de ser socializado deveria ser uma
técnica de civilização, inibindo ou facilitando a mudança social progressiva; e o
terceiro, baseado em Marx, onde a cidadania política depende do acesso aos
benefícios materiais da economia.
A filosofia da consciência desenvolvida nesse período vai além da imagem
kantiana de um sujeito cuja capacidade de compreender a realidade se baseava em
“categorias cognitivas que permitiam a aprendizagem e a construção de fatos
empíricos emanados da ciência” (TORRES, 2001 p.120). Na visão hegeliana de
consciência, suas origens “emanam de um processo de mútuo reconhecimento da
autoconsciência e do ‘outro’ como exterioridade” (idem). Portanto, Basear a teoria da
cidadania somente na filosofia da consciência é considerar a realidade como sendo
constituída por uma totalidade de indivíduos homogêneos, porém com interesses
diversificados; no entanto, essa perspectiva de homogeneização não comporta a
complexa realidade que configura a realidade social.
Ainda segundo Torres (2001), somente no séc.XX, quando a teoria de
cidadania se vinculou ao estado do bem-estar e sua rede de serviços é que ela
apresentou um desenvolvimento significativo. Já Marshall (1963 apud TORRES,
2001) considera que o processo de evolução da cidadania originou três tipos
distintos de direitos nos quais ela se baseia, a saber: os direitos civis, que são
aqueles exigidos para se ter a liberdade individual (liberdade de expressão, justiça,
propriedade); os direitos políticos, que abrangem todo o processo eleitoral (votar,
eleger, ser eleito); e os direitos sociais, que incluem o bem-estar, a seguridade
econômica e o que for necessário para se ter uma vida plena. Assim, “As instituições
mais intimamente ligadas ao bem estar são o sistema educacional e os serviços
sociais” (MARSHALL, 1963 p.74 apud TORRES, 2001).
25
Entretanto, as idéias de Marshall recebem muitas críticas, dentre elas a de
Held (1989, apud TORRES, 2001), que alerta para a proposta de que os direitos
sociais formem um elemento vital numa sociedade hierarquizada, mas que
conseguiu abrandar as tensões provenientes do sistema de classes. Sua
preocupação consiste no fato de que os direitos sociais não podem ser vistos como
benefícios concedidos pelo estado de bem-estar sob o risco da dinâmica da
cidadania moderna modificar as classes sociais a ponto de criar uma trégua na
dinâmica geral do conflito social. Para tanto, a cidadania passa a ser considerada
arquiteta da cooptação, e seu resultado final será o de prolongar a desigualdade
social e não abrandá-la.
Nessa perspectiva, a idéia de pacto social difundida pelos liberais no período
da modernidade histórica era perfeitamente adequada à plena expressão da
cidadania democrática no estado de bem-estar. Por isso, nas duas últimas décadas
as críticas neoconservadoras se basearam no fato de que o estado do bem-estar
criou uma cultura de dependência e estimulou a passividade entre os mais
necessitados. Seguindo este raciocínio, alegam que os liberais do estado do bem-
estar criaram condições para o desenvolvimento de uma crise fiscal de enormes
proporções, sem, contudo, conseguir melhorar as chances de vida da população no
que diz respeito ao bem estar. Por outro lado, o neoconservadorismo não considera
a cidadania como estatuto político ou legal. Para os seus adeptos, a lógica do
mercado é capaz de criar consumidores eficientes que, através do dinamismo do
mercado, conseguem construir um acordo social mais viável e prático (TORRES,
2001 p.124). Isso leva a considerar que a tarefa da cidadania é ajustar os direitos às
obrigações de maneira que os direitos incorporem as responsabilidades, e vice-
versa (idem).
a noção de dependência como resultado do estado de bem-estar é
contestada com base no argumento de que é o aumento do desemprego no
contexto da reestruturação econômica global que é responsável pela situação dos
mais necessitados nas sociedades industriais mais avançadas. Mais ainda, as
desigualdades de classe foram exacerbadas pela política econômica
neoconservadora a ponto de levar o nível de participação econômica dos
desempregados e trabalhadores pobres para abaixo do mínimo, o que gerou, uma
perda de direitos políticos.
26
Em meio a essa turbulência, não apenas a escola como todas as instituições
sociais, são conclamadas a rever suas filosofias e seus métodos a fim de atender
aos anseios e cobranças da sociedade. Gadotti (1997) nos lembra que: “A crise
paradigmática também atinge a escola e ela se pergunta sobre si mesma, sobre seu
papel como instituição numa sociedade pós-moderna e s-industrial”. Pois, da
mesma forma que a economia e a política têm seus limites nacionais fragmentados
pela atual conjuntura de mundo globalizado, a veiculação do conhecimento e das
informações rompe os limites de tempo e espaço obrigando a escola a se adaptar a
esta nova realidade. Embora nem sempre as mudanças sejam plenamente
realizadas, quando ocorrem, ainda são orientadas mais pela cobrança do que pela
participação.
A escola é hoje, mais do que nunca, bombardeada por demandas sociais das
mais diversas ordens. Sobre isso, Gadotti (1994) nos sinaliza que
a satisfação das
necessidades básicas das camadas populares – saúde, moradia, trabalho também
passaram a ser preocupação da escola. Por causa dessa demanda, a educação, no
contexto escolar, torna-se tarefa ainda mais complexa, exigindo esforços redobrados
e maior organização do trabalho educacional, bem como uma participação mais
efetiva da comunidade neste processo. Assim,
“Não basta ao estabelecimento de ensino apenas preparar o
aluno para níveis mais elevados de escolaridade, uma vez
que o que ele precisa é de aprender para compreender a
vida, a si mesmo e a sociedade, como condições para ações
competentes na prática da cidadania” (LÜCK, 2000 p. 12).
A educação, portanto, dada sua complexidade e ampliação de sua
abrangência, não é mais vista como responsabilidade exclusiva da escola. E
embora a sociedade muitas vezes não tenha bem claro de que tipo de educação
seus jovens necessitam, o está mais indiferente ao que ocorre nas escolas. Por
isso, além de exigir que a escola demonstre sua competência com bons resultados
de aprendizagem pelos seus alunos e bom uso de seus recursos, em alguns casos
também começa a se dispor a contribuir para a realização desse processo. Como
exemplo disso temos os casos de parcerias entre
organizações não-governamentais
e empresas, com a escola, bem como algumas Associações de Pais e Mestres.
Todo esse movimento, alterando o sentido e concepção da educação, da escola e
da relação escola/sociedade, tem demandado um esforço especial da gestão
escolar, isto é, de organização da escola. (LÜCK, 2000 p.12).
27
Portanto, pensar na gestão educacional é pensar em relações de poder
altamente impregnadas pelas concepções vigentes na sociedade em que a escola
se insere em sua ”complexidade de múltiplas relações de poder que emergem de
sujeitos individuais e ou coletivos” (BASTOS, 2008 p.2).
A gestão de um sistema educacional é uma trama de relações que se
estabelecem entre governo, secretaria de educação, direção escolar, professores,
alunos e comunidade; vai muito além do que acontece no interior da escola. E esta
trama é permeada de tensões e conflitos que denunciam a oposição não muito clara
entre “o democrático, o autoritário, o rebelde e o indiferente” (BASTOS, 2008 p.2).
Para Mouffe (1996)
As forças antagônicas nunca desaparecerão e a política é
caracterizada pelo conflito e pela divisão. É possível alcançar
formas de acordo, mas são sempre parciais e provisórias,
uma vez que o consenso se baseia necessariamente em
actos de exclusão. (MOUFFE, 1996 p.96 apud Marques,
2007, p.65).
Assim, partindo da premissa de que a escola é parte importante de uma
entremeada rede de relações chamada “sociedade global” e também da “sociedade
do conhecimento”, não podemos analisá-la de forma isolada em relação ao contexto
sócio-político-econômico no qual se insere. Ao contrário, devemos considerar que
ela encontra-se integrada a uma política educacional que lhe fornece direções e
parâmetros de ação.
E, assim, através da gestão, essas diretrizes, emanadas pelas políticas
públicas, o colocadas em prática, determinando o tipo de homem e mulher que se
quer formar. Além de interpretar e subsidiar as políticas públicas, a gestão também
examina coerências e discrepâncias entre o previsto e o concreto, percebe reais
necessidades e novas formas de produção do trabalho com a finalidade de nortear e
encaminhar a elaboração de novas políticas educacionais. Pode-se dizer que a
gestão transforma metas e objetivos educacionais traçados pelas políticas públicas
em ações a serem desenvolvidas pelos sujeitos envolvidos com a escola. Na medida
em que se torna mediadora das relações entre educação/sociedade, ela assume
papel fundamental na condução da educação e do ensino, bem como da elaboração
de políticas educacionais. É ela que vai revelar o caráter de inclusão ou exclusão da
educação.
No Brasil, durante aproximadamente duas décadas (meados dos anos 60 até
início dos anos 80) vivemos sob um regime de ditadura militar. Nesse período, a
28
condução da gestão da educação e da escola apoiava-se no paradigma racional-
positivista ou empírico-analítico, refletindo uma concepção de educação que se
baseava numa relação hierarquizada e dual de poder e autoridade, onde os papéis e
os níveis de poder estavam claramente definidos, facilitando o controle do sistema
educacional. Nesta perspectiva, a gestão/ administração escolar organizava-se por
meio de um organograma piramidal das funções, demonstrando uma relação com o
modelo taylorista/ fordista adotado por entidades com fins lucrativos - empresas.
Em meados dos anos 80, com o início do processo de redemocratização
política no Brasil, os movimentos sociais em defesa dos direitos sociais e da
cidadania coletiva ganharam representatividade. Nesta ocasião, começou a se criar
alguns mecanismos de participação da comunidade na escola, como as
Associações de Pais e Mestres e os Conselhos de Escola, que passaram a compor
a estrutura administrativa escolar.
A Constituição Brasileira de 1988 institui a “democracia participativa” e cria
instrumentos facilitadores do exercício do poder popular (Art.1°), além de
estabelecer como princípios sicos o "pluralismo de idéias e de concepções
pedagógicas" e a "gestão democrática do ensino público" (Art. 206). Esses
princípios, segundo Gadotti (1994), podem ser considerados como fundamentos
constitucionais que possibilitam a implementação da autonomia e da gestão
democrática nas escolas. Além disso, a descentralização da gestão educacional no
Brasil possibilitou que os governos estaduais e/ ou municipais organizassem seus
próprios sistemas escolares levando em consideração diversidades culturais e
regionais do país.
Já nos anos 90, em virtude de uma maior pressão da sociedade civil para que
o governo atendesse às reivindicações históricas ligadas à área da saúde e da
educação, nota-se uma maior valorização das pesquisas no campo educacional. Por
conseguinte, projetos inovadores vão surgindo e sendo implantados por
especialistas que conhecem as particularidades regionais. Apesar disso, as
correntes que se baseiam nos postulados neoliberais assumem a direção do país
com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, nos impondo paulatinamente uma
reforma do Estado nos moldes do neoliberalismo “americano”.
De acordo com Hora (2007), essas tendências são caracterizadas pela
política de privatização de setores decisivos da economia, com conseqüente
desmobilização de alguns mecanismos de intervenção estatal, além de regressão de
29
conquistas garantidas pelos direitos sociais e flexibilização das leis trabalhistas.
Percebe-se então que “nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso
materializa-se um retrocesso democrático no campo econômico-social, político e
cultural e se manifesta de forma incisiva na educação, no âmbito organizativo/
institutivo e do pensamento pedagógico” (FÁVERO, 2002 p.54).
Segundo Santos (2006), nesse contexto, as políticas sociais, dentre elas a
educacional, passaram por ajustes e adequações a fim de seguir as tendências
político-econômicas que foram se revezado no poder.
Para Bordignon e Gracindo (2001), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
de 1996 trata com extrema superficialidade a questão da gestão em educação,
embora incorpore a gestão democrática como princípio do ensino público,
determinando que esta se faça de acordo com o sistema educacional no qual esteja
inserido, garantindo a participação dos profissionais da educação e da comunidade
escolar no conselho escolar e na elaboração do Planejamento Político Pedagógico
da escola.
As mudanças conjunturais vividas nas duas últimas décadas provocaram,
também, mudanças na estrutura e no funcionamento das escolas. Paro (2000), em
seus estudos sobre administração escolar, defende que administração, em seu
sentido geral, pode ser concebida como utilização racional de recursos para a
realização de determinados fins. Por utilização racional entende-se: adequação dos
recursos aos fins visados e emprego dos mesmos de forma “econômica”. Partindo
deste pressuposto, a administração ou gestão escolar pode ser definida por:
“utilização racional do esforço humano coletivo (trabalho)” e conseqüente
“coordenação deste esforço”, objetivando a manutenção do status quo ou a
superação/ transformação da ordem social.
A utilização racional do trabalho envolve as relações entre o homem e a
natureza; e a coordenação abrange as relações dos homens entre si. Portanto, no
âmbito escolar, a coordenação assume um caráter diferente daquele expresso nas
teorias da administração geral. Por envolver relações entre os homens, a
coordenação escolar deve basear-se na cooperação e o em competição e
dominação entre os mesmos. Os problemas da administração escolar não são os
mesmos da organização empresarial, pois educação e produção são processos
completamente distintos.
30
Bordignon e Gracindo (2001) alegam que a gestão escolar pode se
desenvolver de acordo com dois modelos: o técnico-científico e o sócio-crítico. Na
concepção técnico-científica a gestão escolar é entendida como “controle” do
processo de materialização da política educacional na escola. Este “controle” suscita
a idéia de hierarquia e verticalização do poder, gerando relações de dominação
dentro do sistema educacional. Esta concepção é baseada no paradigma racional-
positivista, onde a realidade é um todo estruturado e as relações entre sujeito e
objeto são neutras.
Aplicando este paradigma ao campo da gestão escolar nos remetemos aos
esquemas que defendem a existência de técnicos que detêm o conhecimento e
formulam as políticas, traçam os caminhos, metas e estratégias que a escola deve
seguir a fim de alcançar um trabalho pedagógico eficiente, contribuindo com uma
educação de qualidade (qualidade também definida pelos cnicos). Neste caso, a
qualidade está intrinsecamente relacionada às notas e resultados alcançados pelos
estudantes em avaliações internas e externas, tais como: Prova Brasil, Saeb, Enem,
que pretendem medir a quantidade de conhecimento apreendido pelos alunos,
sendo elaboradas a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Contrapondo-se a esta idéia, Paro (1998) afirma que a escola é uma das
únicas instituições sociais que não pode admitir padrões de qualidade assentados
em produtividade, devido à extrema complexidade que envolve a avaliação de sua
qualidade e peculiaridades do seu “produto”: o indivíduo formado a partir do
processo de educação. A qualidade no âmbito escolar abrange aspectos sociais,
econômicos, políticos e estruturais que ultrapassam as possibilidades das
verificações de conhecimentos apreendidos.
pelo modelo cio-crítico de gestão escolar, o homem como sujeito
histórico sofre influência dos condicionantes da realidade, mas também tem a
capacidade histórica de influir nela. Paro (2000) diz que os processos de gestão
escolar não se fazem de forma neutra, mas são concebidos dentro de um contexto
econômico-social, sofrendo influências dos determinantes da realidade concreta. A
gestão pode, portanto, articular-se com uma variedade infinita de objetivos, não
precisando estar necessariamente articulada com a dominação vigente em nossa
sociedade.
Por sua vez, Bordignon e Gracindo (2001) explicam que as relações
estabelecidas no modelo sócio-crítico de gestão escolar valorizam a
31
intersubjetividade do processo pedagógico e a função emancipatória da educação.
O “poder” fica disseminado nas diferentes esferas de responsabilidade e não situado
em níveis hierárquicos estanques. Portanto, as decisões passam a ser tomadas a
partir dos “colegiados consultivos e deliberativos” (Bordignon e Gracindo, 2001
p.152), que são grupos de indivíduos que representam a coletividade dentro da
gestão escolar. Logo, a escola que se organiza sob o modelo sócio-crítico de gestão
tenderá a formar indivíduos com idéias mais elaboradas acerca de autonomia e
emancipação, e possivelmente melhor preparados para viver numa sociedade que
prioriza a eqüidade e a justiça social.
Infelizmente no Brasil, por questões mesmo culturais, a escola pública é vista
como propriedade do governo ou dos funcionários que nela trabalham (diretores,
coordenadores, professores, etc.). Por isso, sua gestão acaba refletindo a visão dos
seus “proprietários”. E ainda que os colegiados ou grupos de representantes existam
dentro da estrutura gestionária da escola, seu poder ainda é bastante limitado.
Estudo feito por Borges (2004) aponta que, mesmo em locais onde
aconteceram durante as décadas de 80 e 90 iniciativas de descentralização da
gestão dos sistemas educacionais visando ampliar a participação da comunidade na
administração da escola, casos da Grã-Bretanha, EUA e Brasil, os resultados
demonstraram limitações difíceis de serem contornadas. Muitas vezes a comunidade
escolar não se acha capaz de discutir determinados assuntos, de participar de
algumas decisões por ausência de conhecimento específico dos assuntos que
permeiam a gestão escolar e acabam por deixar que pessoas tidas como “mais
aptas” decidam por ela. Com isso, os membros da comunidade escolar mais bem
sucedidos intelectual e economicamente tornam-se os mais “ouvidos”, os que têm
mais “voz”.
Outro entrave à concretização da participação comunitária na gestão escolar
são alguns professores de escolas públicas e técnicos educacionais que agem de
forma corporativista, defendendo a lógica hierárquica e centralizadora das redes de
ensino, por temerem perder alguns de seus privilégios e benefícios trabalhistas.
Apesar desses obstáculos que ainda hoje dificultam a concretização da
gestão escolar democrática, a luta de entidades educacionais em defesa da
democratização da educação pública dura algumas décadas e extrapola a
reivindicação de “uma escola para todos”. Essa escola tem que se tornar
democrática de fato, com uma administração democrática e participativa. Apesar das
32
determinações legais, o que vemos hoje é que, por vários motivos, isto não se
consolidou na prática.
Gadotti (1994) esclarece que a implantação de uma gestão democrática na
escola pública esbarra em alguns problemas, tais como:
As pequenas experiências democráticas dos sujeitos escolares, suscitando a
formação de uma liderança política contraditória;
A mentalidade que atribui aos técnicos, e apenas a eles, a capacidade de
governar e considera o povo incapaz de exercer o governo de qualquer coisa;
A estrutura vertical de nosso sistema educacional que impregnou de
autoritarismo todo o sistema.
A gestão democrática baseia-se na participação, autonomia, divisão de poder,
co-responsabilidade e descentralização, o que se inicia pelo campo político.
Portanto, uma gestão escolar para ser verdadeiramente democrática precisa estar
pautada nestes princípios, gerando a igualdade de direitos e responsabilidades que
são pressupostos básicos para a construção da cidadania.
Para Santos (2006 p.6), “Descentralização é o conceito chave para se
entender as políticas educacionais no contexto neoliberal e a democratização da
gestão”. A partir da política de descentralização, o governo federal transfere algumas
de suas responsabilidades para o poder local (estadual/ municipal), caracterizando o
“modelo de democracia” dos governos neoliberais.
Com base em Azevedo (2001), pode-se discutir sobre o conceito de
descentralização a partir de duas vertentes. A primeira defende a transferência de
responsabilidades que seriam do poder central para o poder local, minimizando as
funções do Estado, medida que tem sido tomada como democrática, mas reflete a
política do “estado mínimo” dos governos neoliberais. A segunda baseia-se na
criação de mecanismos que levam ao alargamento do espaço blico, que está
intrinsecamente ligado com o avanço democrático. Essa segunda concepção
necessita de uma prévia transferência de poder do central para o local a fim de que
o próprio poder local viabilize os espaços para a participação da comunidade na
gestão. Apesar das discussões que tratam do assunto, o que vemos acontecer na
maioria dos casos é uma aparente descentralização da administração financeira
escolar, na medida em que algumas verbas são repassadas diretamente aos
municípios ou para as escolas. Podemos exemplificar esta situação analisando os
programas do Governo Federal que tratam do assunto:
33
Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), financiado pelo Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que envia dinheiro
direto para as escolas que devem abrir uma unidade executora para
recebê-lo. Essa unidade executora é uma empresa que fica responsável
pelo recebimento e repasse da verba. Tal medida é extremamente
polêmica, pois envolve a discussão sobre a privatização da educação. Os
recursos do PDDE podem ser usados para capacitação e aperfeiçoamento
de profissionais da educação, manutenção do prédio, aquisição de
material permanente e de consumo e outras atividades que visem
melhorar o funcionamento da escola.
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEB), a ser administrado no âmbito
municipal, sendo distribuído às escolas com base no número de alunos
matriculados. De acordo com Nicholas Davies, em palestra proferida na
FEBF, em 20/10/2007, para os administradores públicos a valorização dos
professores não está vinculada ao aumento salarial da categoria, mas sim
a cursos de aperfeiçoamento profissional.
Tanto o FUNDEF quanto o PDDE, em seus processos de concepção e
condução, apresentam formas implícitas de descentralização economicista-
instrumental, o que fere os princípios da participação e da autonomia inerentes ao
processo de gestão democrática do ensino e da escola. Na medida em que a gestão
democrática coloca como fundamental a participação de todos os sujeitos escolares
alunos, pais, funcionários nas decisões que dizem respeito à escola, a simples
transferência de verbas para serem administradas pelo poder municipal ou pela
própria escola, acabam não contribuindo de forma expressiva para este processo de
democratização da gestão escolar, pois tanto diretores como administradores
públicos são considerados cargos de confiança, sendo, portanto, indicados e não
eleitos.
Carmo (2000) distingue quatro formas de provimento do cargo de diretor
escolar: por indicação, através da livre nomeação por autoridade do Estado (este
mecanismo não pode ser compreendido como democratizador e nem propiciador de
modernização administrativa); por concurso, através de concurso público de provas
e títulos para escolha e nomeação dos primeiros colocados; por eleição, quando a
34
ocupação do cargo se faz através de escolha pelo voto, pela comunidade escolar; e
seleção e eleição, que é um processo misto em que são escolhidos através de
eleição candidatos previamente selecionados em provas escritas. Ou seja,
independente do processo de escolha do diretor, “este ainda permanece sendo uma
figura central no esquema de poder que envolve o funcionamento da escola, com
grande poder para dificultar ou facilitar a implantação de procedimentos
participativos” (CARMO, 2000, p.2).
Da mesma forma, as deliberações políticas acerca das metodologias de
ensino, os conteúdos e as práticas pedagógicas ainda são norteadas por
parâmetros, diretrizes e metas estabelecidos e controlados por um poder central e
autoritário, sem participação ou diálogo com os demais sujeitos do sistema
educacional, permanecendo centralizado.
Análises feitas por Andrade (2005) em escolas do Ceará confirmam que
continuamos no paradigma da gestão centralizada. A escola continua legitimando,
através de sua prática, o discurso da “modernização”, tomando elementos do
modelo de gestão gerencial, propagado pela política educacional neoliberal, e os
tratando como elementos da gestão democrática, a partir do entendimento que ela
reserva à democracia.
Vemos então, de um lado, os setores progressistas da sociedade, que
compreendem a gestão democrática como prática que permeia a escola pública,
preconizando um rompimento com o modelo autoritário de forma que os atores se
transformem em sujeitos da ação pedagógica. De outro, a posição manifestada nas
políticas oficiais, que se intitulam “democráticas”, mas que na verdade se apóiam em
bases ideológicas de caráter modernizante ou gerencialistas, voltadas para ações
mais técnicas que políticas decididas de forma vertical e autoritária.
A autonomia e a participação princípios fundadores de uma gestão
democrática – não podem continuar limitando-se à mera declaração de direitos
consignados em nossa constituição, mas devem fazer parte da própria natureza do
ato pedagógico. De acordo com Gadotti (1994), não basta à comunidade escolar
participar de reuniões, é necessário que participem ativamente do conselho de
escola ou colegiado, da escolha do livro didático, do planejamento do ensino, da
organização de eventos culturais, de atividades cívicas, esportivas, recreativas. A
gestão democrática deve estar presente na circulação das informações, na divisão
do trabalho, no estabelecimento do calendário escolar, na distribuição das aulas, no
35
processo de elaboração ou de criação de novos cursos ou de novas disciplinas, na
formação de grupos de trabalho, na capacitação dos recursos humanos, etc; enfim,
deve estar impregnada da atmosfera que se respira na escola.
Para Ferreira (1999, p. 11), “participar significa estar inserido nos processos
sociais de forma efetiva e coletiva, opinando e decidindo sobre planejamento e
execução”. A participação pode ser expressa em diversos níveis, desde a simples
informação, avançando para opinião, voto, proposta de solução de problemas,
acompanhamento e execução das ações, o que deve gerar um sentimento de co-
responsabilidade sobre as ações. Dentro do contexto escolar é fundamental que os
sujeitos tenham conhecimento das formas possíveis de participação no interior de
uma gestão democrática e clareza da responsabilidade que possuem dentro deste
processo.
Segundo Santos (2006), a autonomia pode ser entendida como a capacidade
dos indivíduos em decidir sobre seu próprio destino, ou seja, governar-se. Mas essa
capacidade não é algo inato, precisa ser desenvolvida, aprendida, a fim de que os
sujeitos sociais realmente tornem-se aptos a tomar suas próprias decisões, fazer
opções a partir de seus desejos, interesses e necessidades.
Para Libâneo (2003), “Numa instituição a autonomia significa ter poder de
decisão sobre seus objetivos e suas formas de organização, manter-se
relativamente independente do poder central, administrar livremente os recursos
financeiros” (p. 115). Na escola, a autonomia possibilita aos seus sujeitos
professores, alunos, funcionários, pais e comunidade traçar seus próprios
objetivos a partir do Projeto Político Pedagógico e do conselho escolar.
Para que a gestão democrática se concretize, Bordignon e Gracindo (2001)
afirmam que é necessário muito mais do que mudanças estruturais, mas mudanças
de paradigma; é necessário mudar a visão que se tem da escola, a sua filosofia, o
sistema de idéias que fundamentam a construção de uma nova Proposta
Educacional e o desenvolvimento de uma nova forma de gestão diferente dos
padrões vigentes na atualidade. Toda esta mudança exige a análise minuciosa das
relações que ocorrem no mundo globalizado. Nesse caso, à gestão cabe a árdua
tarefa de traduzir as determinações do mundo em que vivemos em conteúdos que
possibilitem uma formação forte e capaz de enfrentar tantos desafios.
Bastos (2008) alerta que democratizar a gestão educacional subentende a
democratização do acesso à escola, do currículo, da relação professor-aluno, dos
36
conselhos de classe, do projeto político pedagógico; enfim, tudo na escola precisa
ser democratizado. Carmo (2000) afirma que democracia é liberdade de pensar para
produzir a unidade de ação consentida e partilhada. A democracia vai se realizar
pela educação quando for compreendida como processo de aprender a pensar,
fazendo com que os indivíduos tornem-se capazes de partilhar a vida em comum e
dar a si e a essa vida comum a sua contribuição necessária e única.
De acordo com Paro (2001, p.66 e 67), uma das falhas da escola é que ela
não tem dado a devida importância ao que acontece fora e antes dela,
especialmente aos seus educandos, o que acaba dificultando o desenvolvimento de
uma postura positiva em relação ao aprender e ao ensinar. Para tanto, ele defende
que haja um acordo incluindo pais e alunos trazendo-os para o convívio da escola a
fim de que percebam como sua participação é importante na construção de uma
escola pública que reflita seus interesses de cidadãos, sendo de fundamental
importância que se criem novos conteúdos de educação/ formação, novas formas de
organização e gestão da educação que ressignifiquem o valor da teoria e da prática
da administração escolar. Assim como na sociedade o direito ao voto é uma das
poucas instâncias participativas às quais o cidadão tem direito, nas escolas em que
as eleições diretas são a forma de provimento do cargo de diretor escolar, o mesmo
acontece. Apesar disso, é importante que seja ressaltado que em ambos os casos o
voto não garante a realização plena da democracia.
2. A educação física escolar como elemento de construção da cidadania.
Pelo desenvolvimento histórico da Educação Física, podemos ressaltar que
duas importantes tradições racionalistas ocidentais permeiam ainda hoje o
entendimento que o senso comum tem sobre o corpo. A primeira permite separar
37
uma educação intelectual de uma educação física ou corporal; quando não, de uma
terceira educação: a moral. a educação “corporal”, de acordo com a segunda
tradição, vai pautar-se pela idéia da superioridade da esfera mental ou intelectual – a
razão. Para essa tradição, o sujeito é sempre razão e o corpo sempre objeto,
devendo, portanto, apenas servir. A partir da evolução do método científico (a
ciência moderna), o corpo ou a dimensão corpórea do homem aparece como um
elemento perturbador que precisa ser controlado pelo estabelecimento de um
procedimento rigoroso. O papel da corporeidade na aprendizagem foi historicamente
subestimado, negligenciado, inclusive pelas teorias da aprendizagem motora que,
por serem em parte cognitivistas, submetem a aprendizagem corporal ao
desenvolvimento do Sistema Nervoso Central.
Porém, a partir dos séculos XVIII e XIX o corpo, segundo os estudos
realizados pelas ciências biológicas, é igualado a uma estrutura mecânica a visão
mecanicista do mundo é aplicada ao corpo e a seu funcionamento. De acordo com
essa visão, o corpo não pensa, é pensado, analisado pela racionalidade científica,
que controla a natureza e fornece os elementos que permitirão um controle eficiente
sobre o corpo e um aumento de sua eficiência mecânica. Portanto, melhorar essa
máquina depende do conhecimento que se tem de seu funcionamento e das
técnicas corporais que são construídas com base nesse conhecimento.
Apesar das idéias vigentes durante este período, no início do c. XIX,
começaram a ser criados, na Europa, alguns sistemas ginásticos (calistenia, método
alemão, sueco, francês...) que “procuravam capacitar os indivíduos no sentido de
contribuir com a indústria nascente e com a prosperidade da nação” (DARIDO, 2003,
p.1). Esses sistemas ginásticos se baseavam na idéia de que o controle do
comportamento pela consciência é falho, necessitando de uma intervenção no e
pelo corpóreo.
A educação da vontade e do caráter pode ser conseguida de forma
mais eficiente com base em uma ação sobre o corpóreo do que com
base no intelecto. Normas e valores são literalmente “incorporados”
pela sua vivência corporal concreta. A obediência aos superiores
precisa ser vivenciada corporalmente para ser conseguida; é algo
mais do plano do sensível do que do intelectual. (BRACHT, 1999
p.74).
no culo XX, identifica-se uma mudança importante na forma como se
estabelecia o controle do corpo: do enfoque biológico, via racionalização e
38
repressão, para um controle via estimulação, enaltecimento da beleza e do prazer
corporal, com enfoque psicológico.
Nesse mesmo período histórico, outro fenômeno corporal muito importante
o esporte foi sendo criado e adquiriu grande significação social. Essa prática
corporal foi, desde cedo, fortemente orientada pelos princípios da concorrência e do
rendimento (Rigauer, 1969 apud Bracht, 1999).
O aumento do rendimento atlético-esportivo, com o registro de
recordes, é alcançado com uma intervenção científico-racional sobre
o corpo que envolve tanto aspectos imediatamente biológicos, como
aumento da resistência, da força etc., quanto comportamentais,
como hábitos regrados de vida, respeito às regras e normas das
competições etc. O treinamento esportivo e a ginástica promovem a
aptidão física e suas conseqüências: a saúde e a capacidade de
trabalho/ rendimento individual e social, objetivos da política do
corpo. (BRACHT, 1999 p. 75).
Ora, a pedagogia da Educação Física incorporou, sem a preocupação de
mudar seus princípios fundamentais, essa “nova” técnica corporal, o esporte,
agregando os sentidos/significados desse fenômeno, como, por exemplo, preparar
as novas gerações para representar o país no campo esportivo (internacional).
Como os princípios eram os mesmos e o núcleo central era a intervenção no corpo
(máquina) visando o seu melhor funcionamento orgânico (para o desempenho
atlético-esportivo ou desempenho produtivo), o conhecimento básico que é
incorporado pela Educação Física continua sendo o que provém das ciências
naturais, mormente a biologia e suas mais diversas especialidades, auxiliadas pela
medicina, como uma de suas aplicações práticas.
Constata-se então que, no início do c. XX, as duas perspectivas da
Educação Física vigentes no mundo eram: a higienista, cuja preocupação central era
com os hábitos de higiene e saúde dos indivíduos desenvolvidos a partir da prática
de exercícios físicos; e a militarista, que objetivava construir uma geração capaz de
suportar o combate e a luta, para atuar na guerra. Segundo Darido (2003), ambas
concepções consideravam a Educação Física uma disciplina essencialmente prática
que prescindia de uma fundamentação teórica que lhe desse suporte.
No Brasil, somente em 1851 (séc.XIX), com a Reforma Couto Ferraz, é que a
Educação Física é oficialmente incluída na escola; sendo que, apenas em 1854, a
ginástica (nome mais freqüente da Educação Física Escolar naquela época) passou
a ser disciplina obrigatória no primário e a dança no secundário. A ginástica aplicada
nas escolas foi sistematizada com o objetivo de educar o corpo numa perspectiva
39
nacionalista/patriótica, a fim de promover a saúde (ensinando hábitos saudáveis e
higiênicos) e a virilidade (desenvolver a força física), o que caracterizava uma forte
influência da instituição militar e da medicina.
Logo após o período das grandes guerras, chega ao Brasil a teoria
pedagógica da Escola Nova, que se opõe ao modelo pedagógico tradicional.
Segundo Darido (2003), esse movimento preconizava o “respeito à personalidade da
criança, visando desenvolvê-la integralmente, caracterizando-se por uma escola
democrática e utilitária, cuja ênfase punha-se no aprender fazendo (p.2)”. No âmbito
da Educação Física Escolar, essa perspectiva é chamada de pedagogicista e
defende a idéia de que a Educação Física é um meio da Educação, sendo a
educação do movimento a única forma de promover a educação integral. Nessa
época, pela primeira vez dentro dos estudos da Educação Física, uma mudança
de enfoque do biológico para o sócio-cultural. Ou seja, a Educação Física deixa de
ser vista apenas como uma área de estudo das ciências biológicas ou da saúde para
ser também de interesse das ciências humanas e sociais. Infelizmente, isso fica
apenas no discurso. O que se observou na prática é que a organização didática da
disciplina continuava a ocorrer de acordo com os parâmetros militaristas.
Eis que, então, em meados da década de 60, o Brasil entra no período da
ditadura militar e o movimento escolanovista passa a ser reprimido. Em relação à
Educação Física, os governos militares “passam a investir pesado no esporte, na
tentativa de fazer da Educação Física um sustentáculo ideológico, na medida em
que ela participaria na promoção do país através do êxito em competições
esportivas de alto nível” (DARIDO, 2003 p. 2). Nesta fase, o esporte passa a ser o
objetivo e o conteúdo da Educação Física Escolar e o professor passa a ser o
treinador. Seus procedimentos tornam-se mais diretivos e seu papel é de professor
centralizador, priorizando o rendimento, a seleção dos mais habilidosos, e a
repetição mecânica dos gestos esportivos. A fim de embasar teoricamente o modelo
esportivista da Educação Física é que começam a se desenvolver inúmeros estudos
e pesquisas na área da fisiologia, biomecânica, motricidade humana e treinamento
esportivo, marcando a volta ao enfoque biológico da Educação Física.
Podemos observar que, desde sua origem e durante a sua implantação, a
prática pedagógica em Educação Física possuiu um papel importante no projeto de
nação da ditadura militar no Brasil, e que tal importância estava ligada ao
desenvolvimento da aptidão física, porque era considerada importante para a
40
capacidade produtiva da nação (da classe trabalhadora); e ao desenvolvimento do
desporto, pela contribuição que traria para afirmar o país no conjunto das nações
desenvolvidas (Brasil potência).
De acordo com Bracht (1996), a o advento das ciências do esporte nos
anos 70, as teorias em Educação Física eram voltadas para a intervenção educativa
sobre o corpo e sustentadas fundamentalmente pela biologia. Falou-se durante uma
época na educação integral, mas essa não foi capaz de legitimá-la na escola (ou na
sociedade) e acabou sendo considerada como simples contribuição para o
desenvolvimento da aptidão física e esportiva.
A partir da década de 1970, no mundo e no Brasil, inicia-se então o processo
de construção de um campo acadêmico, cujo discurso (neo)cientificista permanece
baseado na importância da instituição esportiva, em simbiose com a Educação
Física. Esse processo se estrutura a partir das universidades (BRACHT, 1996) e
acaba por incorporar as práticas científicas típicas desse meio: como busca de
qualificação do corpo docente dos cursos de graduação em programas de pós-
graduação, inicialmente no exterior, mas também, e crescentemente, no Brasil.
Num primeiro momento, o viés cientificista (entendido como aquele produzido
pelas ciências naturais ou com base em seu modelo de cientificidade) passa a
orientar sua prática pedagógica. O desconhecimento da história da Educação Física
fez com que não se percebesse que esse movimento não rompia com o paradigma
da aptidão física, mas apenas o atualizava. Algumas abordagens metodológicas
para a Educação Física Escolar começam então a ser desenvolvidas depois que
muitos profissionais titulados nos melhores centros de pesquisa do mundo retornam
ao Brasil, criando inclusive alguns programas de mestrado na área.
Dentro dessa perspectiva é que surgem os estudos do desenvolvimento
humano (desenvolvimento motor e aprendizagem motora) e que vão embasar
teoricamente a abordagem desenvolvimentista. A idéia central de tal abordagem é
oferecer à criança oportunidades de experiências de movimento que possam
garantir o seu desenvolvimento normal, contribuindo para sua formação integral.
Para a abordagem desenvolvimentista, o movimento é o principal meio e fim da
Educação Física, portanto sua proposta não é o desenvolvimento de capacidades
que auxiliem a alfabetização ou o raciocínio lógico-matemático, embora
normalmente isto acabe ocorrendo.
41
A base teórica da abordagem desenvolvimentista é essencialmente a
psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, buscando caracterizar a
progressão normal do crescimento físico, do desenvolvimento fisiológico, motor,
cognitivo e afetivo-social, elementos considerados relevantes para a estruturação da
Educação Física Escolar. Assim, a habilidade motora que vai se desenvolvendo ao
longo da vida, é o conceito-chave dentro dessa abordagem. Segundo os estudiosos,
através das habilidades motoras os indivíduos vão se adaptando aos problemas do
cotidiano, resolvendo seus problemas motores.
Seguindo a linha da psicologia, João Batista Freire (1989) publica o livro
Educação de Corpo Inteiro, aplicando as idéias construtivistas à Educação Física
Escolar. Quanto à abordagem construtivista-interacionista, a proposta é que seja
considerado o conhecimento que o aluno possui, independentemente da situação
formal de ensino, buscando a construir novos conhecimentos a partir da interação do
sujeito com o meio, utilizando o método da resolução de problemas.
Essa perspectiva desconsidera a questão da especificidade da Educação
Física e coloca o movimento como um instrumento para facilitar a aprendizagem de
conteúdos diretamente ligados ao aspecto cognitivo. Dessa forma, podemos
perceber que a Educação Física acaba sendo posta como subordinada às outras
disciplinas do currículo escolar, na medida em que os conhecimentos corporais
adquiridos a partir dessa proposta aparecem sempre auxiliando a aprendizagem de
conteúdos alheios a ela. Soares (1996, p.7) coloca que: “A Educação Física era
apenas um meio. Um meio para aprender Matemática, Língua Portuguesa, História,
Geografia, Ciências... era um meio para a socialização”. Darido (2003) defende
que:
Não se trata de negar o papel importante que a questão da
interdisciplinaridade deve desempenhar na escola (...) a
interdisciplinaridade será positiva para a Educação Física
na escola quando estiver claro para o professor, quais são as
finalidades da Educação Física, de modo a guardar a
preocupação de introduzir o aluno às questões relacionadas à
cultura corporal...(p.7)
Porém, um segundo momento vai permitir uma crítica mais radical. Um grupo
de docentes que optou por buscar os cursos de s-graduação em educação no
Brasil cria o movimento renovador da Educação Física brasileira, processo
fortemente influenciado pelos estudos das ciências sociais e humanas,
principalmente a sociologia e a filosofia da educação de orientação marxista. Toda
42
crítica sobre o caráter reprodutor da escola feita pelas teorias pedagógicas da época
e sobre suas possibilidades de contribuição para uma transformação radical da
sociedade capitalista foi incorporada pela Educação Física, permitindo ou fazendo
surgir uma análise crítica do paradigma da aptidão física, baseado na “análise da
função social da educação, e da Educação Física em particular, como elementos
constituintes de uma sociedade capitalista marcada pela dominação e pelas
diferenças (injustas) de classe” (BRACHT, 1999 p.79).
As décadas de 80 e 90 foram fortemente marcadas pela influência dessa
corrente revolucionária, mas também crítica e progressista. Embora sua prática
pedagógica ainda resista a mudanças, ou seja, ainda venha acontecendo balizada
pelo paradigma da aptidão física e esportiva, hoje, depois de muitos anos de debate,
é possível identificar um conjunto de propostas bastante diversificado.
As propostas abordadas anteriormente não se vinculam a uma teoria crítica
da educação, no sentido do questionamento do papel da educação na sociedade
capitalista, como é o caso das propostas seguintes, que vão apoiar-se nas
discussões da pedagogia crítica brasileira. Uma delas está consubstanciada no livro
Metodologia do Ensino da Educação Física, o Coletivo de Autores, publicado em
1992. Entende essa proposta, intitulada crítico-superadora, que o objeto da área de
conhecimento Educação Física é a cultura corporal que se concretiza nos seus
diferentes temas, o esporte, a ginástica, o jogo, as lutas e a dança, sistematizando-
os em quatro ciclos. Levanta questões de poder, interesse, esforço e contestação,
valorizando a contextualização e resgate histórico dos conteúdos. Baseia-se
fundamentalmente na pedagogia histórico-crítica desenvolvida por Saviani (1991) e
colaboradores. Por fim, Busso e Júnior (2005) afirmam que a abordagem crítico-
superadora busca a concretização de um projeto político-pedagógico que tenha
como eixo curricular a apreensão e interferência crítica e autônoma na realidade,
articulado com os interesses da classe trabalhadora, e construído com base na
organização, identificação, compreensão e explicação da realidade mediada pelo
conhecimento cientificamente elaborado e pela lógica dialética materialista do
pensamento.
Outra proposta nesse espectro é a que se denomina crítico-emancipatória,
tendo como principal formulador o professor Elenor Kunz (1991), da UFSC, hoje
acompanhado pelo Núcleo de Estudos Pedagógicos do Centro de Desportos
daquela universidade.
43
A proposta de Kunz (1991) parte de uma concepção dialógica de movimento,
como uma forma de comunicação com o mundo. Ele defende o ensino crítico, cuja
tarefa é: promover condições para que as estruturas autoritárias sejam suspensas, e
o ensino seja encaminhado no sentido da emancipação, possibilitada pelo uso da
linguagem. A partir de uma perspectiva iluminista influenciada pelos estudiosos da
Escola de Frankfurt, preconiza a noção de sujeito capaz de crítica e de atuação
autônomas. A proposta busca desenvolver nos alunos a capacidade de analisar e
agir criticamente a partir dos elementos da cultura do movimento. Segundo Busso e
Júnior (2005)
A emancipação é entendida como o processo que media o
uso da razão crítica e todo o seu agir social, cultural e
esportivo, desenvolvidos pela educação. Ao induzir à auto-
reflexão, a concepção pedagógica crítico-emancipatória
deverá possibilitar aos alunos um estado de maior liberdade e
conhecimento de seus verdadeiros interesses, ou
esclarecimento e emancipação (p.5).
Ainda com base na crítica social dos conteúdos da Educação Física, o
professor Mauro Betti (1991/1992) elabora a abordagem sistêmica, que considera o
binômio corpo/movimento como meio e fim da Educação Física Escolar. Betti (1992)
esclarece que a finalidade da Educação Física na escola é “integrar e introduzir o
aluno (...) no mundo da cultura física, formando o cidadão que vai usufruir, partilhar,
produzir, reproduzir e transformar as formas culturais da atividade física (o jogo, o
esporte, a dança, a ginástica...)” (p.285). Betti (1994b) prefere utilizar o termo
vivências para enfatizar a importância da experimentação dos movimentos em
situação prática, além do conhecimento cognitivo e da experiência afetiva advindos
destas vivências.
Com base nessa abordagem, surgem dois princípios importantes
apresentados por Betti (1992): o princípio da não-exclusão, que visa garantir o
acesso de todos os alunos às aulas de Educação Física Escolar; e o princípio da
diversidade, que propõe a utilização de vivências nas atividades esportivas, rítmico-
expressivas, lutas ou ginástica, garantindo assim o uso do tempo livre de lazer e
oportunizando o alcance da cidadania.
Outro grande nome dentro das abordagens críticas é Daólio (1993), que
sugere uma associação entre a antropologia cultural e a educação física, criando a
abordagem cultural ou plural. Para o autor, o repertório corporal (considerado
também cultural para esta teoria) que o aluno possui ao chegar na escola é o ponto
44
de partida das aulas de Educação Física Escolar e deve ser tratado com base no
princípio da alteridade. Este princípio busca enxergar a humanidade a partir de sua
pluralidade, suas diferenças, de forma que os hábitos e práticas de determinados
grupos não podem ser vistos como certos ou errados; melhores ou piores. A
diferença não pode ser pensada como inferioridade.
A Educação Física escolar, a partir dessas afirmações, não
deve ser vista como a área que apenas e tão-somente irá
ensinar aos alunos as técnicas “corretas” dos esportes, da
ginástica ou da dança, ou a que vai corrigir ou refinar os
gestos, mas a área que vai partir da dinâmica cultural
específica de seus alunos no que refere às questões do
corpo, do movimento, dos esportes, etc. para ampliá-la
discuti-la, confrontá-la, refutá-la, enfim, tornar o aluno um
sujeito emancipado e autônomo nas questões corporais
(DAÓLIO, p.34).
Trabalhando com a perspectiva de que a aula de Educação Física pode ser
analisada em termos de um continuum, que vai de uma concepção fechada que
inibe a formação de um sujeito autônomo e crítico a uma concepção aberta de
ensino que indica a abertura das aulas no sentido de se conseguir a co-participação
dos alunos nas decisões didáticas que configuram as aulas, encontramos o trabalho
de Hildebrandt & Laging (1987), que criam a proposta da concepção de aulas
abertas à experiência. O ensino aberto não significa “deixar livre”, mas é orientado
no aluno, sendo ele o ponto de partida e o ponto central das reflexões didáticas,
portanto participa nas decisões sobre o planejamento e realização da aula. Suas
idéias dialogam com as de Freire (1987) quando ele cita que devemos partir dos
saberes dos alunos e jamais lhes doar conteúdos que pouco ou nada tenham a ver
com seus anseios. Freire (1992) acrescenta, ainda, que partir do saber do aluno não
é ficar girando em torno dele, sem sair do lugar. O ponto de partida é o saber do
aluno, a partir do qual o professor poderá orientar o seu deslocamento em busca de
novos saberes.
Uma outra proposta, conhecida como Saúde renovada, se apresenta como
movimento de atualização ou renovação do paradigma da aptidão física, com base
no mote da promoção da saúde. Considerando os avanços do conhecimento
biológico acerca das repercussões da atividade física sobre a saúde dos indivíduos
e as novas condições urbanas de vida que levam ao sedentarismo, essa proposta
revitaliza a idéia de que a principal tarefa da Educação Física é a educação para a
45
saúde ou, em termos mais genéricos, a promoção da saúde e melhoria da qualidade
de vida.
Apesar do desenvolvimento dessas propostas, comprovando que dentro da
escola o esporte poderia ser utilizado como atividade diferencial na construção da
cidadania, por permitir exercício da autonomia, participação e consciência crítica.
Existem evidências de que está sendo proposto o retorno (se é que algum dia
deixou de ser assim) a ações pautadas na busca da aptidão física/rendimento físico-
esportivo, camuflada pelo novo termo: qualidade de vida. Em função da elaboração
de projetos do Governo Federal como “Escola celeiro de atletas” e “Programa de
detecção de talentos esportivos”, o esporte competitivo acaba sendo priorizado nas
escolas, valorizando a performance e a exclusão.
Dentro do processo educacional, o mecanismo de controle social dos
indivíduos tem sido feito através dos objetivos pretendidos (pelo poder público) e das
opções metodológicas adotadas por alguns educadores. A Educação Física não
foge à regra, uma vez que, desde sua entrada na escola como atividade
extracurricular até a sua inclusão como disciplina do currículo, seu caminho foi
marcado pela padronização e exclusão, colaborando com a reprodução das
desigualdades sociais na escola. Uma das funções da Educação Física sempre foi a
de exercer o controle da ordem e da disciplina escolar. Concordando com Freire
(2005), sabe-se que ordem e disciplina são fundamentais numa ação pedagógica
transformadora de realidades (revolucionária), desde que não sejam usadas como
mecanismos de opressão. O que notamos, no entanto, é que os conteúdos pré-
determinados pelos documentos de orientação curricular do poder público e
executados de forma mecânica pelos professores, propõem práticas alienantes de
movimento que só colaboram para a manutenção do status quo.
Segundo Oliveira (2005), os inúmeros “parâmetros” e “referenciais” que
norteiam os currículos escolares tratam as diferenças culturais de forma vertical e
autoritária, considerando ausência de cultura tudo aquilo que não consta desses
documentos ou que seja oriundo de pertencimentos étnicos, de gênero ou de idade.
O conteúdo da Educação Física Escolar, imposto pelos documentos supracitados,
tem como base a cultura do movimento corporal, sendo tratada nas escolas como
verdade absoluta, algo pronto e “intocável”, onde os alunos, sujeitos do processo
educacional, não são estimulados a refleti-la, criticá-la ou transformá-la.
46
Para Betti e Zuliani (2002), o atual currículo escolar obedece aos critérios de
divisão do conhecimento segundo a ciência moderna. A matemática, as ciências, as
línguas, a geografia, etc, correspondem às áreas do saber científico e erudito que se
desenvolveram de forma isolada e especializada. A Educação Artística, a Educação
Moral e Cívica e a Educação Física não se enquadram nesses limites, ocupando
hoje um lugar incômodo na Escola, o que leva ao questionamento tanto delas
próprias, como da educação escolarizada e suas finalidades. Soares (1996)
acrescenta que a presença da Educação Física na escola como uma matéria de
ensino traz uma adorável, benéfica e restauradora desordem naquela instituição.
Essa sua desordem é portadora de uma ordem interna que lhe é peculiar e que pode
criar, ou vir a criar uma nova ordem na escola.
Nesse contexto, percebe-se que a tradição educacional brasileira tenha
situado a Educação Física como uma atividade complementar e relativamente
isolada nos currículos escolares, com objetivos na maioria das vezes determinados
de fora para dentro, atendendo às demandas históricas variadas: treinamento pré-
militar, eugenia, nacionalismo, preparação de atletas, etc. Por sua vez, o imaginário
social tem relação intrínseca com o ideário que, ao longo da história da Educação
Física no Brasil, as estruturas do poder conseguiram construir, manipulando-a em
prol de seus próprios objetivos: disciplina, domesticação, docilização, padronização,
alienação, competição, exclusão, marginalização. Corroborando com a situação, a
maioria dos professores prepara seu planejamento anual sem a participação dos
alunos e na maioria das vezes sem nem mesmo conhecê-los, contrariando os
pressupostos da educação libertadora proposta por Freire (2005), que preconiza a
realização de uma investigação temática “como ponto de partida do processo
educativo ou da ação cultural de caráter libertador” (p.115).
O “professor opressor” baseia-se somente naquilo que os documentos de
orientação curricular “prescrevem”, pinçando o que ele próprio julga ser relevante ou
o que considera mais fácil de desenvolver em suas aulas, ou ainda as modalidades
esportivas mais conhecidas e divulgadas pela mídia. Depois de elaborar o
planejamento, começa a despejar sobre os alunos inúmeras regras e exigências
para a obtenção de um gesto técnico correto, a fim de vê-los executar
“perfeitamente” os fundamentos daquele desporto. Nessa linha de raciocínio pode-
se constatar que, como o objetivo é desenvolver aptidão física, o esporte
normalmente é selecionado porque possibilita o exercício do alto rendimento.
47
Educa o homem forte, ágil, apto, empreendedor, que disputa uma
situação social privilegiada na sociedade competitiva de livre
concorrência: a capitalista. Procura, através da educação, adaptar o
homem à sociedade, alienando-o de sua condição de sujeito
histórico, capaz de interferir na transformação da mesma. Recorre à
filosofia liberal para a formação do caráter do indivíduo, valorizando a
obediência, o respeito às normas e à hierarquia. Apóia-se na
pedagogia tradicional influenciada pela tendência biologicista para
adestrá-lo (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p.36).
Essa concepção demonstra hoje sinais de seu esgotamento. Um dos
fenômenos mais importantes que assistimos, nos meios de comunicação de massa
e na economia nos últimos 20 anos, foi a ascensão da cultura corporal e esportiva
(cultura corporal de movimento). “O esporte, as ginásticas, a dança, as artes
marciais, as práticas de aptidão física tornam-se, cada vez mais, produtos de
consumo (mesmo que apenas como imagens) e objetos de conhecimento e
informação amplamente divulgados pela mídia ao grande público” (BETTI e
ZULIANI, 2002 p.74). Tal cultura tende a ser socialmente partilhada, quer como
prática ativa ou simples informação. Apesar da proliferação de academias de
ginástica e escolinhas de esportes que atendem às camadas média e alta e dos
centros esportivos e de lazer públicos destinados à população em geral, a sociedade
acaba tornando-se consumidora em potencial do esporte-espetáculo, mais como
telespectadora ou torcedora em estádios e quadras do que como praticante ativa.
Os reflexos dessa situação para o âmbito da Educação Física Escolar são
percebidos pela falta de interesse na disciplina, principalmente em turmas de ensino
médio, pois preserva um modelo pedagógico concebido para o Ensino Fundamental,
não levando em consideração as mudanças profundas vividas pelos adolescentes.
Além disso, dentro do próprio ensino fundamental, esbarramos na prática de vários
professores que permanecem agarrados a metodologias e enfoques retrógrados e
ultrapassados. Essa situação gera um questionamento da Educação Física Escolar
por parte dos próprios alunos que, desmotivados, forçam situações de dispensa,
apesar de valorizarem e participarem de práticas corporais realizadas fora da escola.
Como ressalta Darido (2003), não se trata de excluir o esporte das aulas, pois
ele faz parte da cultura do movimento corporal, nem abolir totalmente as regras, a
por que elas são fundamentais em qualquer contexto de relação social. A idéia é
desenvolver no aluno a capacidade de refletir, analisar e criticar os conteúdos
(esporte, jogos, lutas, atividades rítmicas e expressivas, ginásticas e conhecimentos
48
sobre o corpo) prescritos nos Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC/SEF, 1998)
para poder modificar (quando necessário) suas regras, adequando-os a sua
realidade e criar ou construir novas atividades com participação dos diversos
sujeitos do processo educacional.
Darido também alerta que a maioria dos professores, quando coloca os
alunos para realizarem uma atividade que lhes permita certa autonomia de decisão,
“sentem que seu papel de” professor-educador “é diminuído, atenuado, ou mesmo,
excluído” (Darido, 2003, p.75). Muitos professores sentem dificuldade em programar
aulas menos diretivas, mais livres e com menos intervenções, na medida em que
atividades desse tipo necessitam de certo grau de “liberdade” a fim de que os
sujeitos envolvidos no processo possam realizar suas escolhas, usar a criatividade e
o improviso, fazer opções sobre que atividade lhes é mais conveniente, necessária,
prazerosa... Poucos têm consciência do quanto é trabalhoso conseguir que uma
turma atinja o nível de entendimento suficiente para se auto-organizar, a fim de
definir e desenvolver uma atividade com o mínimo de interferência do professor.
Segundo Silva e Silva (2004), a capacidade de auto-organização de um grupo
é precondição para o desenvolvimento da cultura popular (que engloba a cultura do
movimento corporal) e da educação para o protagonismo, já que desenvolve a
capacidade de trabalho coletivo, pois requer “saber organizar e dirigir um grupo
quando necessário e também saber obedecer quando for preciso” (Silva e Silva,
2004, p.39).
Santos (2004 p.15) defende que precisamos “criar condições para ampliar o
campo das experiências credíveis neste mundo e neste tempo“, estimulando e
acreditando na capacidade dos alunos enquanto sujeitos do processo educacional.
Para isso, é de fundamental importância o trabalho de valorização da criatividade do
aluno como forma de estímulo a sua participação nas aulas ou em outras situações
de sua vida cotidiana.
Nanni (1998) ressalta que o estímulo à criatividade é de vital importância no
processo educacional de transformação do homem, possibilitando a libertação do
indivíduo do poder de dominação das elites e do poder público, enquanto Santos
(1991, p.188) aponta que “a cultura e o renascimento cultural constituem por
excelência a pedagogia da emancipação”. A cultura citada por Santos é aquela que
surge a partir de um processo de tradução entre as experiências sociais
disponíveis e as experiências sociais possíveis, ou seja, a partir da interação dos
49
sujeitos sociais, sugerindo, assim, que “quanto mais experiências estiverem hoje
disponíveis no mundo, mais experiências serão possíveis no futuro” (SANTOS,
2004, p.27).
As idéias desses autores constituem-se como embasamento teórico
fundamental para o professor que pretende trabalhar numa perspectiva de
desenvolvimento da participação dos indivíduos nas decisões de uma coletividade.
O estímulo à criatividade como precondição à libertação dos indivíduos do poder de
dominação, alavanca o processo de tradução das experiências sociais, além de
possibilitar a proliferação de “múltiplas culturas”. Esse trabalho vai estimular também
o desenvolvimento das práticas participativas que fundamentam a auto-gestão doa
grupos organizados. A partir da vivência de situações onde a participação
equilibrada dos componentes do grupo é crucial para a tomada de decisões que
envolvem o cotidiano de todos, o grupo vai aprendendo a se auto-organizar e se
auto-gerir, tornando-se protagonista de sua própria estória e impedindo que terceiros
protagonizem e decidam sua existência.
3. A Educação Física Escolar e a construção da Gestão Escolar Democrática:
os professores falam.
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Com o intuito de vislumbrar a realidade das aulas de educação física escolar
nas escolas que servem à comunidade do Preventório e situar o contexto no qual se
desenvolveu a presente investigação, foram ouvidos três professores sendo dois
do C. E. Fernando de Magalhães, respectivamente professor A e professor B e um
professor do C.E. Maria Pereira das Neves, professor C. As entrevistas foram
realizadas durante o horário de trabalho destes professores, tendo sido possível,
portanto, a observação da atividade docente dos mesmos.
3.1 Observação das aulas:
No processo de observação das aulas foram considerados os seguintes
aspectos:
A) A distribuição dos tempos de aula; o espaço e materiais utilizados;
pontualidade do professor e dos alunos; preparo e realização da aula, regras
e “combinados” entre os sujeitos envolvidos.
B) Como os professores se dirigem aos alunos e vice-versa; como é o
tratamento entre eles.
C) As práticas participativas dos alunos e conseqüente posicionamento do
professor em relação às mesmas.
A pesquisa de campo no C.E. Fernando de Magalhães foi combinada por
telefone com a direção da escola, mas a professora A não foi informada da minha
intenção de entrevistá-la, mesmo assim aceitou participar da pesquisa. Comecei a
observar sua aula, antes mesmo dela saber, pois estava aguardando-a terminar a
aula para conversarmos.
A turma era composta somente de meninas e estava dividida em dois grupos:
um jogando queimado e outro jogando futebol. O espaço era improvisado com cones
e riscos de giz no chão. Algumas alunas transitavam entre uma e outra atividade e a
professora observava a aula e conversava com alunas que estavam por perto,
momentaneamente, sem participar das atividades.
Após tocar o sinal do recreio, a professora A chegou na sala dos professores.
Então me apresentei a ela e começamos a conversar. A professora deixou
transparecer um pouco de desânimo e falta de motivação em função dos baixos
51
salários, o que ela afirmou acarretar uma necessidade em acumular vários
empregos. Ela contou que trabalha com o marido em horário parcial numa função
bem diferente do magistério.
Novamente toca o sinal e, antes de sairmos para a quadra, uma pessoa da
escola entrega à professora um maço de provas. Pude observar que eram provas
sobre regras do voleibol. No caminho até a quadra, ela me explicou que neste dia da
semana ela e outro professor de Educação Física dividem os espaços existentes
destinados às aulas de Educação Física, portanto ela fica com as meninas de
ambas as turmas (turma que está com ela e turma que esta com o outro professor) e
o professor fica com os meninos. Sendo que, no tempo antes do recreio, o professor
fica na quadra e ela no pátio. Após o recreio eles invertem. Ela explicou também
que, normalmente, no tempo de aula em que elas ficam no pátio a aula é mais “livre”
e “recreativa”, pois o espaço não é adequado para a prática de nenhuma
modalidade esportiva; as alunas escolhem que atividades vão fazer e se organizam
quase sem necessitar de sua interferência. Quando elas vão para a quadra, ela
pode explorar um pouco mais os esportes.
A professora armou a rede, enquanto isso as alunas foram chegando aos
poucos e sem muita pressa. Algumas perguntaram por que iriam ter vôlei e não
futebol. A professora argumentou que haviam jogado futebol no tempo anterior.
Poucas participaram. E mesmo aquelas que resolveram jogar, foram “puxadas” pela
professora. O jogo começou e tornou-se bastante livre e divertido com pouquíssima
intervenção da professora, até por que ela dividia a atenção conversando comigo.
Na conversa, relatou que logo que começou a dar aula naquela escola
encontrou muita resistência por parte das meninas, pois muitas tinham medo da
bola, vergonha de colocar a roupa adequada (nesta escola os alunos não podem
fazer aula de calça ou bermuda jeans), tabus religiosos, dentre outros preconceitos.
De uns anos para ela disse que a “performance” e a participação das meninas
melhorou muito, e atribui isso ao fato de terem aumentado o número de projetos
sociais com atividades esportivas desenvolvidos na comunidade local.
Depois de alguns minutos, algumas alunas pediram para se retirar e ela
permitiu, enquanto isso me explicou que, como aquelas alunas já haviam participado
das atividades do primeiro tempo de aula, ela estava liberando. Ela disse também
que os alunos têm que ser liberados da aula de Educação Física pelo menos uns
cinco minutos antes, pois o podem retornar para a sala com a roupa que fazem a
52
Educação Física (bermudas ou shorts de lycra ou cotton), além de precisarem beber
água, lavar o rosto, as mãos, etc.
Tocou o sinal e aquela aula terminara. Aos poucos e vagarosamente foi
chegando uma nova turma, desta vez com meninos e meninas juntos. Da mesma
forma que na turma anterior, os alunos questionaram a aula de vôlei e, como nesta
turma a aula estava apenas começando, a professora explicou que iriam aproveitar
que a rede estava armada. E, em um ato de uma “barganha”, disse que no
segundo tempo de aula deixaria eles jogarem futebol.
O jogo começou de forma bastante confusa, pois alguns meninos ficaram
jogando futebol enquanto outra parte da turma jogou vôlei. A professora pediu aos
alunos que estavam jogando futebol para que parassem. O jogo de vôlei foi aos
poucos se organizando. As meninas chegaram um pouco depois e começaram a
reclamar que os meninos estavam jogando. Gradativamente as partidas foram
ficando mais animadas e a professora foi interferindo somente no sentido de fazer
com que todos os alunos participassem do jogo. Enquanto isso, num “cantinho” no
fundo da quadra, alguns alunos (somente meninos) permaneceram jogando futebol.
Terminado o tempo combinado para o vôlei, alguns alunos ajudaram a
desarmar a rede e tirar os postes, enquanto outros foram decidindo a divisão dos
times. As meninas reclamaram novamente por estarem sendo excluídas do jogo,
então a professora propôs uma nova divisão do tempo para que ambos pudessem
jogar. Combinação acertada entre meninos e meninas, o jogo de futebol começou na
quadra. Enquanto isso, no cantinho, no fundo da quadra, alguns alunos estenderam
uma corda e o jogo de vôlei continuou com os aqueles que não estavam jogando
futebol. O tempo dos meninos terminou e as meninas começaram a jogar. Como já
estava próximo o término da aula, os meninos foram liberados para irem embora. As
meninas jogaram até o final da aula, embora muitas que não quiseram participar do
futebol também foram liberadas com os meninos.
No dia seguinte, retornei à mesma escola para observar a aula da professora
B, a qual já havia sido contatada por mim (por telefone) no dia anterior para saber se
concordava em participar da pesquisa.
Quando cheguei, a professora B estava dentro da sala de aula com os alunos,
mas o demorou muito para descer, indo direto para a quadra. Ela explicou que
estava resolvendo problemas disciplinares com a turma, problemas esses que
haviam ocorrido em aulas anteriores. Disse também que talvez aquele não fosse um
53
bom dia para fazer a observação, pois toda primeira aula após a semana de provas
é de aula livre.
No primeiro tempo de aula, os meninos jogaram futebol dentro da quadra e as
meninas jogaram vôlei numa rodinha fora e no fundo da quadra, onde elas
improvisaram uma mini-quadra de vôlei atravessando uma corda pelo espaço
existente (esta organização já é comum, pois na aula da professora A, no dia
anterior, a turma também fizera o mesmo). Essa turma conseguiu organizar toda a
aula sem nenhuma interferência da professora. Decidiram as atividades, dividiram o
espaço de forma que quase todos os alunos estavam participando da aula o tempo
todo (normalmente quem estava esperando a sua vez para jogar futebol ia brincar
na rodinha de vôlei), combinaram as regras e marcaram o jogo sem brigas ou
discussões, possibilitando que os times se revezassem também sem atropelos.
A segunda turma chegou consciente de que seria aula livre. Os meninos
chegaram primeiro e começaram logo a organizar o jogo de futebol. Pouco tempo
depois, as meninas chegaram. Algumas foram logo pegando a bola de vôlei e
começando a jogar, enquanto as outras esperavam a sua vez para jogar futebol.
Isso acabou gerando uma certa confusão, na qual a professora teve que intervir. Os
meninos não queriam fazer times mistos e o número de meninas para jogar não
dava um time completo. Elas queriam se distribuir entre os times existentes, mas
os meninos resistiram. A professora argumentou que jogar menino contra menina é
covardia, pois as meninas, provavelmente, iam perder todas as partidas. Ela sugeriu
que eles misturassem os times. Após alguns minutos de discussão, a professora
alerta que a aula estava passando e que eles estavam perdendo tempo. Os meninos
acabaram cedendo e o jogo prosseguiu sem mais problemas até o final da aula.
O professor C, por trabalhar na mesma escola em que trabalho C.E. Maria
Pereira das Neves sabia da minha intenção em entrevistá-lo e observar sua
aula. Quando cheguei, ele estava com a turma na quadra, mas havia uns 10
alunos. Ele, sentado numa cadeira num canto da quadra, disse que alguns alunos
aproveitaram que outra turma ia sair mais cedo e fugiram. Ele estava bastante
irritado com esta atitude dos alunos e demonstrava muito desânimo em relação ao
seu trabalho. Reclamou muito da falta de respeito dos alunos (entre eles e com o
professor), do desinteresse que eles têm em relação à escola, dos inúmeros
comportamentos inadequados dos alunos, tais como: brigas, palavrões, discussões,
54
desacato, desrespeito às regras (não dentro dos jogos, mas de uma forma geral).
Salientou que essa turma era considerada problemática por todos os professores.
Os alunos que estavam jogaram futebol, meninos e meninas juntos, e
pareciam se divertir, mas diversas vezes chamaram o professor para intervir, no
sentido de resolver uma situação duvidosa ou delatar algum comportamento
inadequado de um colega. Perto do final da aula, o professor se levantou e colocou
os alunos para fazerem uma disputa de pênaltis. Determinou algumas regras para
estas cobranças, mas, como ele não controlou o cumprimento das mesmas, elas
acabaram não valendo. Acabou ficando muito confuso para saber quem era o
vitorioso. O sinal tocou e os alunos saíram correndo para o pátio.
Após o recreio, chegou uma turma que ele elogiou muito, pois ressaltou que
as meninas dessa turma adoravam jogar handebol. Disse, ainda, que a turma
estava com ele desde o ano anterior, portanto podiam ser observados alguns
progressos. Ele fez a chamada e dividiu os times para jogar handebol, colocou as
meninas separadas dos meninos. O primeiro jogo começou com as meninas e ele
acompanhou os lances como juiz e como técnico, parando as jogadas, quando
necessário, para dar algumas orientações e apitando as faltas. O jogo feminino
demorou uns quinze minutos aproximadamente. Então começou o jogo masculino,
onde ele agiu mais como juiz, apenas apitando as faltas. Sua aula terminou uns
quinze minutos antes do horário previsto, pois ele precisava correr para seu outro
local de trabalho.
Em relação à organização das aulas dos três professores, ficou evidente a
pontualidade, respeito aos horários determinados e uma adequada utilização dos
materiais e do espaço físico, com preocupação inclusive com a segurança.
em relação ao preparo da aula, observou-se que quando a professora A
decidiu armar a rede para que as alunas jogassem vôlei, provocou um certo
estranhamento entre as meninas. Ficou a impressão de que não existia um
planejamento prévio para que aquela aula fosse de vôlei, pelo menos as alunas
pareceram surpresas com tal decisão. Ao contrário da professora B, que nem
precisou lembrar aos alunos que a semana era de aula livre, pois todos sabiam, e
o professor C que começou uma de suas aulas determinando que os alunos
jogariam handebol.
Observa-se que no colégio onde trabalham as professoras A e B existem
também certas regras nas aulas de Educação Física, tais como o uso de roupa
55
adequada para a prática esportiva e o horário para se encerrar a aula a fim de que
os alunos não se atrasem para a aula seguinte.
No colégio onde trabalha o professor C pede-se que não seja exigida roupa
adequada para a prática esportiva, especialmente o tênis. Por ser numa comunidade
menos favorecida economicamente, alguns alunos não teriam como fazer a aula de
Educação Física, pois o conseguem comprar nem mesmo o uniforme. A maioria
dos alunos acaba fazendo aula descalço.
Cabe ressaltar, em relação ao professor C, o fato dele terminar a aula
aproximadamente 15 minutos antes do rmino da mesma, para não se atrasar em
outro compromisso profissional. Isso comprova exatamente o que falou a professora
A, sobre a necessidade dos professores acumularem vários empregos, muitas vezes
não conseguindo cumprir com todos os compromissos de forma plena.
No que tange ao relacionamento professor-aluno, ressalta-se o fato de todos
os alunos da escola onde trabalham as professoras A e B pedirem permissão para
se ausentarem durante a aula, tanto para beber água como para irem ao banheiro.
O que não acontece na escola do professor C, onde os alunos têm banheiro dentro
da quadra e se retiram sem pedir quando querem beber água, desde que não
estejam participando de nenhuma atividade no momento.
Muito marcante durante a entrevista do professor C foi a maneira como ele se
refere aos alunos, especialmente os da primeira turma, reclamando bastante do
comportamento deles e duvidando de sua capacidade de organização. Esta dúvida é
bastante comum entre os docentes, na medida em que nos encontramos ainda
arraigados à idéia de que o professor manda e os alunos obedecem sem contestar
ou reclamar. O aluno é o indivíduo “sem luz” e cabe ao professor “iluminá-lo”.
Importante também fazer um parêntese sobre o fato da turma em questão ser
estigmatizada por toda escola. Essa turma “tem a fama” de ser a mais indisciplinada
e a mais difícil da escola, colecionando em seu currículo situações de violência entre
os próprios alunos e com os professores. Esse contexto o pode jamais deixar de
ser levado em consideração, pois a opinião ou situação vivida por um professor
contagia os demais. Muito embora os professores, enquanto indivíduos, e suas
relações dentro do cotidiano escolar com suas diferentes turmas e alunos sejam
altamente pessoais e diversas, as vivências de outros professores certamente
influenciam na sua forma de ver um determinado aluno ou uma turma.
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O respeito observado na relação entre as professoras A e B e os seus alunos
contrasta com um clima de distanciamento e formalidade. Não foram percebidos
sinais de afeto na relação entre professores e alunos. A mesma observação também
se encaixa no professor C em relação à sua primeira turma. Apesar disso, em
momento algum ele agiu de forma hostil em relação aos alunos, apesar de
demonstrar uma preferência declarada (observada inclusive na diferença entre as
suas duas aulas) em relação aos alunos da segunda turma que correspondem
melhor às suas expectativas.
Na observação das posturas participativas/ democráticas, os professores
parecem ser muito mais democráticos do que julgam ser, permitindo a participação
dos alunos de diversas formas, contrariando inclusive algumas respostas que deram
nas entrevistas, negando a participação dos alunos nas decisões dentro das aulas.
O grande problema é a confusão que se faz entre a democracia e a permissividade,
tanto para os alunos como para o professor. As práticas democráticas durante as
aulas não são sinônimo de laissez-faire. A adoção dessas medidas, não significa
que a aula não tem objetivo, planejamento, ou conteúdo. Justamente a utilização
das práticas participativas de forma planejada e com objetivos claros propiciará um
ambiente democrático e organizado.
Os três professores permitiram, ainda que somente numa turma ou por um
período parcial da aula, que os alunos se organizassem autonomamente para a
realização de suas atividades. Os alunos, de uma forma geral, conseguiram resolver
adequadamente seus problemas, necessitando de algumas intervenções dos
professores, e não se furtaram a solicitá-las. Pareceram ter alguma habilidade na
auto-gestão das atividades realizadas nas aulas e principalmente pareceram
dominar basicamente as regras de convivência na coletividade.
A professora A, apesar de decidir autoritariamente a atividade, permite que os
alunos joguem livremente sem exigir regras ou técnicas, nem performance. Ela
explora, desta forma, a criatividade e a livre expressão dos alunos, além de
possibilitar as intervenções e tomada de decisão deles em relação às situações
problemáticas que vão acontecendo no jogo. Apesar disso, ressaltou várias vezes
que as alunas estão melhorando o desempenho, demonstrando uma certa
ambigüidade entre o que ela fala e o que ela faz, passando a idéia de que ela está
observando o crescimento de seus alunos em relação a habilidade esportiva, apesar
de dizer que não se preocupa com isso em sua avaliação.
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A professora B, por ter sido observada durante um dia de aula livre, assumiu
seu papel de mediadora, e interferiu quando foi solicitada para tal. Vale ressaltar
que mesmo no momento em que ela interfere na atividade, ela “devolve” a decisão
final para os alunos, permitindo, desta forma, liberdade de ação dos alunos na
organização da aula. Mais uma vez faz-se necessário ressaltar que o
desenvolvimento das posturas participativo-democráticas não deve se basear
exclusivamente em modelos de aulas livres e abertas. Esse tipo de aula pode ser
utilizado por professores que tem este objetivo, mas mesclando com outras
estratégias também.
O professor C, enquanto reclamava da primeira turma, não percebeu que
apesar de achar impossível que os alunos tomem decisões pertinentes às aulas, a
turma que ele mais criticava, estava conseguindo gerir, ainda que
experimentalmente, sua própria atividade. Ao contrário da sua segunda aula, onde
ele assume o controle total, decidindo o que vai acontecer sem solicitar opiniões
nem sugestões dos alunos. Fica nítido em sua prática pedagógica o momento em
que ele está dando aula e o momento em que ele não está, e por consequência
pode-se perceber a sua intencionalidade, seu objetivo.
3.2. Entrevistas:
Nas entrevistas, as categorias de análise norteadoras do processo e as
respectivas questões utilizadas para abordá-las foram:
A. Participação:
A.1. Você participa da construção do Projeto Político Pedagógico da escola?
A.2. Dos objetivos da Educação Física, definidos em seu plano, quais os que
melhor possibilitam as práticas participativas?
A.3. Durante as aulas, como os alunos são incentivados a participar?
B. Saberes e práticas da Educação Física Escolar:
B.1. Na sua opinião, qual o principal objetivo da Educação Física dentro do
currículo escolar?
B.2. Com que periodicidade realiza seu planejamento? Que orientação curricular
segue?
B.3. Como avalia seus alunos? Que instrumentos utiliza?
58
C. A Educação Física Escolar e a Gestão Educacional Democrática:
C.1. O que você entende por gestão educacional democrática?
C.2. De que forma a E.F.E. pode colaborar com a construção da gestão escolar
democrática ?
C.3. Como podem ser exploradas características como criatividade e autonomia
nas aulas de E.F.?
C.4. Quais os conteúdos e estratégias de seu planejamento que tem com base a
construção da cidadania?
As entrevistas foram realizadas com os mesmos três professores cujas aulas
foram observadas.
A - Participação
A.1. Na construção do Projeto Político Pedagógico da escola.
A professora A respondeu que todo início de ano a escola se reúne para
discutir o Projeto Político Pedagógico, mas que no ano de 2008 não houve a reunião
em função da mudança da direção. Ela acha que cada vez mais os professores
estão desmotivados a participar dos assuntos da escola em função dos baixos
salários. Contou que houve um ano em que ela se encarregou de treinar e
acompanhar algumas equipes que iriam participar do Olimplaza (competição
esportiva anual que envolve várias escolas de Niterói), mas não quis mais se
envolver com isso, pois demanda muito tempo, o que ela não pode dispor
atualmente. Falou que todo ano é realizado um evento de culminância chamado
FEMUT, onde os professores apresentam atividades diversificadas desenvolvidas
durante o ano com os alunos, tais como: apresentações de dança, música, teatro,
performance, artes... Sempre envolvendo o tema do Projeto Político Pedagógico do
ano em curso.
A professora B disse que quando ela começou a dar aula nesta escola o
Projeto Político Pedagógico já estava pronto e que todo início de ano os professores,
a coordenação e a direção se reúnem para rediscuti-lo, mas que em 2008 não
houve, pois foi um período confuso em função da troca dos dirigentes escolares.
O professor C respondeu que participa das reuniões escolares sempre que
possível, pois às vezes coincide com outro compromisso profissional. Opina quando
necessário ou quando solicitado.
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Analisando as respostas dos professores, percebe-se o desconhecimento do
processo de construção de um Projeto Político Pedagógico e de sua importância
para a escola. Apesar de falarem que participaram de algumas discussões sobre
a reformulação do mesmo, suas respostas não são claras e citam assuntos que não
se referem ao Projeto Político Pedagógico. A professora A faz, claramente, uma
confusão entre o que é Projeto Político Pedagógico e o planejamento e organização
de eventos que fazem parte do mesmo. Cita as reuniões de planejamento da festa
de culminância, que ocorre todo o final de ano, como se fossem as discussões do
Projeto Político Pedagógico. Os outros dois professores falam do Projeto Político
Pedagógico de forma superficial, sem se aprofundarem na questão ou
demonstrarem interesse no assunto.
A.2. Possibilidades de práticas participativas nos objetivos da Educação Física.
A professora A respondeu que era a possibilidade que os alunos têm de
serem quem realmente são, a liberdade de ação e a possibilidade de catarse que as
aulas de Educação Física proporcionam.
A professora B garantiu que todas as atividades de suas aulas permitem a
participação dos alunos. Ela faz uma ressalva em relação aos alunos que por motivo
de dogmas religiosos não podem participar das aulas de Educação Física.
O professor C repetiu que não acredita que os alunos possam tomar decisões
sobre o que fazer nas aulas, portanto ele não se preocupa com isso no momento do
planejamento.
As respostas dadas demonstram que os professores entrevistados não estão
muito preocupados com isso em suas aulas ou mesmo não sabem o que significa ou
talvez o percebam a importância da participação dos alunos nas decisões que
interferem no desenrolar das aulas. Principalmente, não mencionaram nenhum
objetivo, que era o foco da questão.
Apenas a professora A respondeu de forma compatível com a sua prática, na
medida em que ressalta a liberdade de ação e o que ela chama de catarse, que são
atitudes proporcionadas pelas atividades desenvolvidas em suas aulas. Isso
demonstra uma crença duvidosa sobre o “poder salvador” da educação física (ou do
esporte/ atividade física). Esta crença vem sendo muito difundida em nossa
sociedade e se pauta numa capacidade de redenção do esporte. Todos atribuem ao
esporte a capacidade de tirar crianças da rua, afastá-las das drogas, diminuir os
índices de violência, ocupar o tempo ocioso, melhorar a qualidade de vida, promover
60
a inclusão social e principalmente utilizar o esporte como mecanismo mediador da
formação do cidadão. Portanto, acreditam que isto tudo pode acontecer sem a
intencionalidade de ninguém, ou seja, basta praticar qualquer esporte/ atividade
física que será salvo de todos os males. É importante salientar que a
intencionalidade de quem pratica ou de quem orienta a atividade é fundamental para
que isso venha a ocorrer.
A professora B pareceu não compreender o que eram as práticas
participativas, na medida em que respondeu como se fosse o simples fato dos
alunos participarem das atividades propostas em aula. Enquanto o professor C
negou veementemente a possibilidade de participação dos alunos nas decisões
relativas às aulas.
A.3. Incentivo à participação dos alunos durante as aulas.
Na questão que busca saber se os alunos são incentivados a participar das
aulas dando sugestões, elaborando regras ou tomando decisões, a professora A
respondeu que acha um pouco temeroso deixar os alunos decidirem ou darem
muitas sugestões nas aulas, pois no seu entendimento a turma pode sair do seu
controle.
A professora B disse que todo o bimestre eles tem uma aula livre onde a
professora fica apenas observando e os alunos fazem tudo sozinhos. Fora isso
sempre que possível ela acata pedidos e sugestões dos alunos.
Esta pergunta não foi feita ao professor C em função de suas respostas
anteriores em relação às práticas participativas.
Quando se referem à participação através de sugestões e tomada de decisão
nas aulas, a situação se modifica, pois a professora A diz temer que seja permitida
muita liberdade aos alunos e a situação fugir do seu controle, mas na observação de
suas aulas percebe-se sua capacidade de ouvir e ponderar com os alunos sobre
todas as idéias surgidas durante as aulas. a professora B, além de planejar uma
aula livre por bimestre, diz acatar as sugestões dos alunos sempre que possível,
embora isto não pudesse ter sido observado em suas aulas.
B.Saberes e práticas da Educação Física Escolar:
B.1. Principal objetivo da Educação Física dentro do currículo escolar.
61
Na opinião da professora A o principal objetivo da Educação Física dentro do
currículo escolar é o objetivo que ela chama de psicológico: a descontração e a
alegria que fazem da aula de Educação Física um momento de catarse. Esta
professora destaca ainda um objetivo sócio-afetivo que promove a interação social,
melhora a relação entre os indivíduos, a disciplina e a obediência às regras e um
objetivo relacionado à saúde, desenvolvendo melhorias no corpo.
A professora B ressalta o incentivo à prática desportiva como forma de
manutenção da saúde. Além disso, cita o objetivo de promover a socialização entre
os indivíduos bem como o de desenvolver valores éticos: respeito, disciplina, espírito
de grupo, união, colaboração...
O professor C salientou que o mais importante na educação pública é
melhorar a relação humana; e nesse sentido, ele acredita que a Educação Física
possa desenvolver valores como: cooperação, espírito de equipe, respeito às regras
e ao adversário.
Dentro das questões que pretendiam analisar os saberes e práticas da
Educação Física Escolar, foi possível perceber a presença das diferentes
abordagens existentes, bem como práticas docentes peculiares. Em relação ao
objetivo da Educação Física Escolar, o ponto de convergência entre os entrevistados
é o objetivo de socialização, embora eles ressaltem outros diferentes objetivos como
sendo o principal.
A professora A acredita na possibilidade de que a Educação Física tem de
fazer com que os alunos sejam felizes, se divirtam, o que realmente é observado em
suas aulas. A professora B acentua o incentivo à prática desportiva com vistas à
melhoria da saúde, o que só pode ser constatado com uma observação mais
sistemática. o professor C fala do principal objetivo do ensino público de uma
forma geral que seria, na sua opinião, a melhoria da relação humana. Sua prática
docente, entretanto, não colabora com este objetivo, na medida em que dispensa
tratamento diferenciado entre a turma que corresponde a sua expectativa e a que
não o faz.
B.2. Planejamento curricular.
A professora A contou que cada professor realiza seu planejamento anual
individualmente e que ela segue basicamente o que está nos Parâmetros
Curriculares Nacionais, respeitando as limitações físicas e materiais, além da
62
habilidade dos alunos. Ela explicou que trabalha um desporto por bimestre, dentro
da abordagem da iniciação esportiva, permitindo a flexibilidade de incluir atividades
diversificadas esporadicamente, tais como: a capoeira, a dança, as brincadeiras
populares, etc.
A professora B disse que entrega um planejamento anual que é exigido pela
escola com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais, mas bimestralmente ela
faz o seu próprio planejamento, livre de orientações curriculares rígidas, baseada em
experiências positivas anteriores e atividades que os alunos gostam.
O professor C disse que realiza seu planejamento anual de forma bem flexível
e sujeito a alterações sempre que julga necessário. Não segue nenhuma orientação
curricular específica, pré-determinada.
Em relação ao planejamento, apesar de somente a professora B citar o
planejamento bimestral, todos falam de um planejamento anual que prevê alterações
eventuais quando o professor julga necessário. As professoras A e B citam os
Parâmetros Curriculares Nacionais como norteador de seu planejamento, mesmo
assim acrescentam que fazem adaptações à sua realidade física, material e
humana.
B.3. Processo avaliativo.
Em relação às estratégias e instrumentos de avaliação que utiliza, a
professora A esclareceu que avalia por observação, sem aplicar qualquer teste ou
prova. Disse que não é gida, não obriga os alunos a participarem das aulas e o
exige “conteúdo”, técnica ou performance nas atividades. Em sua opinião, o mais
importante é que os alunos sejam felizes. Não foi solicitado que ela esclarecesse
como ela observa esta felicidade, mas pareceu-me que é medida pela
disponibilidade apresentada pelos alunos na realização das atividades das aulas.
Apesar do conceito de felicidade ser muito controverso, nas aulas de educação
física, a vontade e empolgação dos alunos durante as atividades pode ser um sinal
de que estão satisfeitos, portanto felizes.
A professora B disse que analisa a freqüência, participação e comportamento
dos alunos durante as aulas. Se for necessário, aplica prova teórica ou prática. Ela
informou que fez isso algumas vezes ou por que os alunos não se comportaram
ou por que queria aferir algum conhecimento. Salientou que às vezes os alunos
pedem para que sejam feitos testes práticos (físicos).
63
O professor C contou que avalia pela participação e presença nas aulas. Não
dá prova, não cobra conteúdo ou conhecimentos específicos.
A avaliação feita pelos três professores parece ser de cunho qualitativo, na
medida em que se baseia na observação do aluno em relação à participação,
conduta, freqüência às aulas; sem preocupação com o conhecimento de regras ou
teorias dos esportes, nem performance nas aulas. Cabe salientar o maço de provas
sobre vôlei que a professora A recebeu na sala dos professores e o relato da
professora B, lembrando que, às vezes, por problemas disciplinares, é necessário
aplicar um teste, como uma forma de castigo ou corretivo em relação à conduta
inadequada dos alunos. Ela acrescenta que os alunos também, ocasionalmente,
solicitam que sejam feitos testes físicos. Provavelmente, para que eles possam aferir
seu próprio desempenho.
C. A Educação Física Escolar e a Gestão Educacional Democrática:
C.1. Concepção de gestão educacional democrática
Esta foi, sem sombra de dúvidas, a pergunta que recebeu respostas mais
surpreendentes. Nenhum dos três professores sabia exatamente o que significava o
termo, sendo necessária uma breve explicação por parte da entrevistadora antes
deles se manifestarem. Em função disso, os três acabaram respondendo o que eles
achavam que seria a gestão educacional democrática.
A professora A disse que isso é uma conquista dos alunos e que vem
acontecendo naturalmente na medida em que eles vão acumulando mais
conhecimentos e aumentando o entendimento sobre a realidade em que vivem
dentro da escola. Por isso, eles passam a participar mais de tudo que está
relacionado com a escola. Apesar disso, em contato com alguns representantes do
Grêmio Estudantil, eles declararam que desconhecem o que é o Projeto Político
Pedagógico e conselho escolar, além de negarem a possibilidade de participação no
planejamento das disciplinas.
A professora B disse que isso não existe na escola.
Na opinião do professor C, a comunidade escolar, tanto alunos como os pais,
não tem condições intelectuais de participar das decisões da escola.
No que concerne à colaboração da Educação Física Escolar na construção da
Gestão Educacional Democrática, a grande dificuldade foi no sentido dos
64
professores explicarem o que seria este tipo de gestão escolar. O desconhecimento
deste assunto aponta para diferentes causas, que podem ir desde o desinteresse do
professor pelos assuntos da escola até a centralização da gestão escolar que não
permite participação dos professores em todos os assuntos da escola.
Apesar disso, após receberem esclarecimentos sobre o conceito e gestão
escolar democrática, a Professora B e o Professor C acreditam que é uma utopia.
Ela por acreditar que não existe “permissão” para a participação da comunidade
escolar nos assuntos da escola em que ela trabalha. O Professor C duvida da
capacidade de participação e da comunidade, alegando falta de preparo deles para
tomar decisões, mesmo as mais simples. a professora A acredita que existe um
“processo”, que vem se desenvolvendo, no sentido de alcançar a gestão
democrática e que a comunidade está conquistando isso na medida em que está se
tornando mais instruída.
C.2. Contribuições da E.F.E. na construção da gestão escolar democrática
.
A professora A disse que, por ser a Educação Física uma disciplina menos
rígida do ponto de vista da cobrança de conteúdo com vistas a vestibulares e outros
concursos, ela permite uma maior liberdade de ação dos alunos. Dessa forma,
podemos contribuir mais amplamente com a construção da gestão educacional
democrática.
A professora B acha que a Educação Física ainda é muito discriminada dentro
da escola e o professor de Educação Física mais ainda. Ela ressaltou que o fato da
aula de Educação Física acontecer sempre num local aberto (exposto) faz com que
os professores fiquem preocupados com o que os demais sujeitos da escola vão
pensar sobre a sua prática pedagógica. Se os alunos estão jogando livremente na
quadra e o professor está observando, ele é um “boa vida”; mas se um professor
na sala de aula manda os alunos fazerem uma leitura e fica sentado aguardando,
ele está correto. Ela explica que a prática do jogo, qualquer que seja ele, favorece a
conscientização de valores naturalmente e isso vai colaborar com a construção da
gestão educacional democrática.
65
O professor C volta a enfatizar que os alunos sequer conseguem se organizar
para começar um jogo, tirar times, escolher quem começa; portanto, ele acha
impossível que os alunos tomem decisões sozinhos.
C.3. Criatividade e autonomia nas aulas de E.F.
A professora A diz que isso é possível pelos mesmos motivos da questão
anterior e exemplifica com um jogo qualquer, quando o aluno, envolvido pelo caráter
lúdico da atividade, consegue expressar quem ele realmente é, possibilitando criar à
vontade.
A professora B acredita que o professor, para desenvolver isso com seus
alunos, deve procurar sempre variar o tipo de aula, trazer atividades diferentes,
explorar diferentes modalidades esportivas, sair da mesmice do futebol, basquete,
handebol e vôlei.
O professor C acredita que essas características são inerentes às atividades
da aula de Educação Física. Na sua opinião, em qualquer jogo o aluno é capaz de
criar e tem autonomia para isso, desde que cumpra as regras.
Apesar destas divergências, as professoras A e B concordam na crença de
que as atividades da Educação Física Escolar colaboram naturalmente com a
construção da gestão democrática em função do caráter lúdico das brincadeiras e
dos jogos, que permite liberdade de ação e participação, criatividade e autonomia. A
resposta parece bem coerente com o que foi observado na prática docente de
ambas. A professora A não força os alunos a participar desta ou daquela atividade,
mas tenta incentivá-los a participar ao mesmo tempo em que deixa as atividades se
desenvolverem sem preocupar-se com a técnica dos desportos, possibilitando a
criatividade e a liberdade de expressão na execução dos movimentos. A professora
B, pelo menos nas aulas observadas, também permite criatividade, autonomia e
liberdade aos seus alunos.
O professor C possibilita a criatividade e autonomia, exatamente com a turma
que ele desacredita da capacidade de auto-gestão. Mesmo assim, para a atividade
deles, que no final impôs uma brincadeira que ele mesmo escolhera. A segunda
aula foi, totalmente dirigida por ele, sem participação dos alunos com opiniões ou
sugestões.
66
C.4. Conteúdos e estratégias de seu planejamento para a construção da
cidadania.
A professora A não titubeou em responder que era o respeito às regras e a
disciplina, desenvolvidos naturalmente através da prática dos desportos.
A professora B também ressalta os valores que ela havia citado na
segunda questão.
O professor C diz que, assim como respondeu na quinta questão, o jogo
possibilita naturalmente a construção da cidadania em função dos valores que ele
desenvolve nos participantes.
Os três professores entrevistados são unânimes na concepção de que os
valores disciplina, respeito às regras, espírito de equipe, união desenvolvidos
durante as atividades da aula de Educação Física são decisivos no processo de
construção da cidadania. Fica claro nestas respostas de que cidadania elas estão
falando: aquela baseada em obediência, disciplina, solidariedade. O que difere da
concepção de cidadania desenvolvida nesta pesquisa, que se baseia em
participação, auto-organização, autonomia.
Uma das maiores surpresas desta pesquisa foi o desconhecimento por parte
dos professores participantes do conceito de Gestão Educacional Democrática.
Quando esclarecidos sobre essa prática, alegaram que é uma ilusão acreditar que a
comunidade possa participar das decisões da escola. Primeiro por não ser dada
permissão para a participação desta nos assuntos da escola e também por
duvidarem da capacidade de participação da comunidade. Apesar disso, facilmente
encontram ligações deste modelo de gestão com as aulas de Educação Física
Escolar, em função do caráter lúdico das brincadeiras e dos jogos praticados nas
aulas, que permite a liberdade de ação e desencadeia a participação, criatividade e
autonomia.
Percebe-se também o desconhecimento do processo de construção do
Projeto Político Pedagógico e de sua importância para a escola. Além disso, os
professores entrevistados fazem uma certa confusão entre o que é Projeto Político
Pedagógico e a organização de eventos que fazem parte do mesmo. Falaram do
Projeto Político Pedagógico de forma superficial, sem se aprofundarem ou
demonstrarem interesse no assunto.
67
Os professores entrevistados não estão muito preocupados nem perceberam
a importância da participação dos alunos no planejamento das aulas. Não
compreendem bem o que são as práticas participativas, não enfatizam muito a
participação dos alunos nas decisões que interferem no desenrolar das aulas, e, por
conseguinte, não incluem este item como objetivo em seus planejamentos.
Acreditam que podem perder o controle da turma se for dada muita liberdade aos
alunos. Esse temor reflete a visão equivocada de que a gestão democrática significa
que cada um pode fazer o que quiser, o que fatalmente levaria a uma grande
bagunça.
A partir das investigações feitas entrevistas e observações das aulas
sobre os saberes e práticas da Educação Física Escolar, pode-se concluir que esses
professores vêm buscando uma linha de trabalho mais humanista, com a
coexistência de diferentes abordagens pedagógicas, bem como práticas docentes
peculiares. Embora utilizem prioritariamente o desporto em suas aulas, dizem que
não o fazem visando à performance. Estimulam a prática de atividades físicas
variadas, utilizam algumas regras que são essenciais à realização dos jogos, mas
afirmam que não exigem e não avaliam com base na execução dos movimentos.
A avaliação que eles defendem é de cunho qualitativo, na medida em
afirmaram observar o aluno em relação à participação, conduta, freqüência às aulas;
sem preocupação com o conhecimento de regras ou teorias dos esportes, nem a
performance nas aulas. Apesar disso, as observações apontam para uma leve
traição em relação ao que responderam nas entrevistas, refletindo, a dificuldade que
nós professores de educação física temos em nos distanciar do tecnicismo que
embasou a formação profissional da maioria de nós. As traições ficam patentes
quando ouvimos a observação deles com relação melhoria da habilidade dos alunos,
quando falam sobre aplicação de testes físicos ou escritos (inclusive como forma de
castigo)ou quando se colocam como “juízes” interrompendo os jogos com a
autoridade de que precisa exigir o cumprimento de todas as regras.
Os professores falaram de um planejamento anual que prevê alterações
eventuais quando o professor julgar necessário, sem citar nenhum documento de
referência. Em relação ao objetivo da Educação Física Escolar, o ponto de
convergência dos entrevistados é o objetivo de socialização, embora eles ressaltem
outros diferentes objetivos como sendo os principais. Os entrevistados foram
unânimes na concepção de que os valores disciplina, respeito às regras, espírito
68
de equipe, união desenvolvidos durante as atividades da aula de Educação Física
são decisivos no processo de construção da cidadania. E, para eles, a cidadania
significa: respeito às regras, obediência, disciplina, solidariedade.
As investigações realizadas apontam para uma utilização de variadas
abordagens metodológicas pelos professores de Educação Física. Apesar da
utilização dos esportes como conteúdo prioritário de suas aulas, os professores
afirmaram em suas respostas nas entrevistas que sua preocupação principal é com
a formação do cidadão, não importando a perfeição de gestos desportivos ou o
conhecimento das regras específicas dos desportos. A grande falha reside no fato
de que estes professores ainda acreditam na capacidade redentora dos esportes e,
por conseqüência, das aulas de Educação Física. Para eles, basta que os alunos
estejam praticando algum jogo ou esporte, que estarão desenvolvendo sua
criatividade, autonomia, capacidade de trabalho em grupo, etc. Sabe-se que todas
essas características, além de outras como: solidariedade, disciplina, perseverança,
espírito esportivo (capacidade de lidar com a vitória e derrota), são trabalhadas a
partir da participação em jogos ou esportes, mas os praticantes precisam ser
orientados nessa direção. Isso vai depender da intencionalidade do professor, do
direcionamento que ele dá às suas aulas, dos seus objetivos.
Em aulas de Educação Física é comum observar alunos tentando burlar as
regras do jogo ou vencer sozinho sem ajudar os seus companheiros de time,
reforçando características exatamente contrárias ao que os professores pensaram
em desenvolver com aquela atividade. Se não houver alguém (não necessariamente
o professor) para chamar a atenção deste aluno para a incoerência de suas atitudes
ele provavelmente vai continuar a agir desta forma. Essas situações são bastante
ricas para a interferência do professor, não com um apito, determinando qual a
punição para aquele jogador, mas polemizando e discutindo com os demais alunos o
que foi combinado que seria a regra do jogo, como ele deveria ser jogado.
Observa-se nessa situação a importância da intencionalidade e dos objetivos
traçados pelo professor, bem como da imprescindibilidade da participação do
professor em aulas de educação física que pretendam desenvolver a cidadania com
os seus alunos. Portanto, ainda que se tente trabalhar a autonomia, a criatividade,
com a participação ativa dos alunos ou a capacidade de auto-organização, é
importante que o professor interfira, contextualize, discuta, pergunte, etc. Enfim, o
desenvolvimento da gestão democrática nas aulas não é um laissez faire. O
69
professor que pretende o desenvolvimento desta modalidade de gestão em suas
aulas não pode ficar de fora observando ou apenas “apitando” o jogo. Se ele
participa deste coletivo ele deverá atuar, dando a sua opinião, ouvindo os alunos,
acatando ou rejeitando suas idéias, mostrando o porquê, orientando-os na execução
das atividades.
4. A Educação Física Escolar e a construção da Gestão Escolar Democrática.
Até aqui a pesquisa de campo se propunha a responder a uma das questões
elaboradas para este trabalho: a que diz respeito às práticas pedagógicas dos
professores de Educação Física; como eles elaboram seus planejamentos,
traçam seus objetivos, selecionam seus conteúdos e escolhem suas estratégias
de atuação nas aulas. Mas o fato dos professores demonstrarem grande
70
afastamento em relação aos assuntos que permeiam a gestão da escola
provocou um redimensionamento da investigação a ser feita. Na medida em que
os professores entrevistados não demonstraram preocupação com as práticas
participativas, nem com as vivências democráticas em sala de aula, pareceu-me
inviável saber deles como a Educação Física Escolar pode ajudar na construção
da gestão democrática dentro da escola pública.
Tendo em vista os resultados obtidos nas investigações iniciais, resolvi incluir
neste trabalho minhas experiências pedagógicas dentro do C.E. Maria Pereira das
Neves e as avaliações dos meus alunos sobre o trabalho que estamos
construindo juntos. Dessa forma, objetivo responder às questões sobre:
as características que a Educação Física apresenta para desenvolver
experiências participativas que valorizem as vivências dentro da
cultura do movimento corporal e possibilitem a construção da gestão
democrática dentro da escola pública e
as possibilidades de iniciar o processo de democratização da gestão
escolar a partir de práticas e vivências democráticas em sala de aula.
4.1. O Planejamento Participativo:
“É preciso deformar para reformar. A aprendizagem do espírito crítico
na escola se faz por e em um funcionamento conflituoso e negociado
que permite formular um julgamento sobre a instituição escolar e
sobre a sociedade, e que vai lutar contra os bloqueios do
estabelecimento educativo que não deixarão de se produzir, muitas
vezes com violência”. (HOUSSAYE, J. apud OLIVEIRA, I.B., 2005
p.64).
Guiada pelas experiências vividas com a comunidade do Preventório e,
preocupada em atender a suas solicitações que foram explicitadas no início desta
pesquisa, comecei a desenvolver junto com os alunos uma proposta de
Planejamento Participativo nas aulas de Educação Física Escolar. Tal proposta
defende a participação efetiva dos alunos na escolha e organização dos conteúdos
dentro do planejamento das aulas, do desenvolvimento desses conteúdos e do
processo de avaliação; onde os interesses e necessidades dos alunos são os pontos
centrais da escolha de conteúdos. Dessa forma, o aluno tem a oportunidade de
escolher democraticamente os conteúdos que deseja vivenciar nas aulas e se torna
responsável pelas conseqüências de sua escolha.
71
Não é tão simples pensar numa educação transformadora de realidades, que
contemple amplamente as diferenças dos indivíduos e ainda por cima possa ser
importante para o aluno, tendo significado para a vida dele. Para isso, procuro
estabelecer com os alunos uma relação de parceria na construção do conhecimento,
num trabalho de “síntese cultural” (Freire, 2005 p.210). Aproveitando nossas
experiências de vida, analisamos, criticamos e modificamos (quando necessário) os
conteúdos predeterminados para construir nossos próprios conteúdos pedagógicos.
A idéia de estimular a participação dos alunos no planejamento e avaliação
das aulas visa uma alternativa curricular mais democrática, com base no fazer
cotidiano dentro e fora da escola. Através da exploração da criatividade e da
participação na preparação, organização e avaliação das aulas, os alunos vão
construindo conhecimento e preparando-se para transformar a realidade social e
política. Essa dinâmica estabelece a criação de “zonas de contato” onde ocorre um
“processo de tradução” entre os diferentes saberes, entre práticas hegemônicas e
não-hegemônicas. Pois na medida em que, além do professor, os alunos e alunas
podem dar sugestões e interferir nos processos decisórios dentro das aulas, cria-se
a possibilidade de uma “inteligibilidade recíproca”, espaço profícuo para as trocas e
para o crescimento individual e do grupo (SANTOS, 2006).
Inicialmente, os alunos são estimulados a utilizar e aproveitar o movimento
natural, além de criar novos movimentos, brincadeiras e atividades. É uma espécie
de sensibilização; de despertar para a possibilidade de expressar a sua opinião; de
ver suas idéias serem valorizadas; de acreditar em si mesmo. As aulas de Educação
Física com base na criatividade possibilitam a intervenção autônoma na modificação
dos movimentos padronizados, evitando a exploração da técnica e da performance.
Essa possibilidade de intervir e modificar uma brincadeira, jogo ou atividade vai
dotando o aluno de consciência crítica e autonomia, além do sentimento de
propriedade em relação à atividade que ajudou a construir. Este sentimento auxilia
na elevação da auto-estima dos alunos que passam a se sentir capazes de criar e
responsáveis pelo sucesso das brincadeiras por eles criadas. Assim, dentro da
proposta de educar para a cidadania através da Educação Física Escolar, é
importante valorizar a criatividade do aluno, como forma de estímulo a sua
participação nas aulas ou em outras situações.
Sobre isso, Santos (2004 p.15) defende que precisamos “criar condições para
ampliar o campo das experiências credíveis neste mundo e neste tempo“,
72
estimulando e acreditando na capacidade dos alunos enquanto sujeitos do processo
educacional. Ele aponta, ainda, (1991, p.188) que “a cultura e o renascimento
cultural constituem por excelência a pedagogia da emancipação”. A cultura citada
por Santos é aquela que surge a partir do processo de tradução entre as
experiências sociais disponíveis e as experiências sociais possíveis, ou seja, a
partir da interação dos diferentes sujeitos sociais. O processo de tradução se dá,
portanto, a partir dos choques, estranhamentos e conflitos ocorridos quando
diferentes experiências e conhecimentos se encontram, se cruzam, se confundem e
se misturam, dando origem a novos conhecimentos e experiências. Daí que se
compreende que nenhum conhecimento deve ser negado – principalmente dentro da
escola – sob o risco de impedir o surgimento de um novo conhecimento.
Dentro dessa proposta, é de fundamental importância o trabalho de
valorização da criatividade do aluno como forma de estímulo a sua participação nas
aulas ou em outras situações de sua vida cotidiana. Citando Nanni (1998 p. 129): a
criatividade é de vital importância no processo educacional de transformação do
homem, possibilitando a libertação do indivíduo do poder de dominação.
De acordo com o Coletivo de Autores (1992): “a percepção dos alunos deve
ser orientada para um determinado conteúdo que lhe apresente a necessidade de
solução de um problema nele implícito”. Na medida em que o aluno vai descobrindo
formas mais eficientes de realizar movimentos, respeitando seus limites e sua
individualidade, ele vai sendo incentivado a continuar criando e modificando. As
iniciativas de fazer “melhor” ou “diferente, ou as adequações das regras de um jogo
à realidade física e material das aulas, são decididas democraticamente pela turma,
de forma que todos possam participar das atividades. A metodologia mais utilizada
nesse tipo de ação pedagógica é a solução de tarefas, onde, a partir de um
problema, os alunos são estimulados a buscar alternativas para resolvê-lo.
Após a sensibilização, começo a sugerir alguns temas a serem desenvolvidos
nas aulas, tais como: brincadeiras de rua, jogos com bola, brincadeiras típicas de
determinada região ou regiões, danças folclóricas... Esses temas normalmente estão
relacionados com o PPP da escola. De acordo com o tema abordado naquele dia ou
mês, cada aluno da turma sugere uma ou mais atividades a serem desenvolvidas
nas aulas. As sugestões mais votadas são realizadas pela turma naquele dia. Os
temas podem ser repetidos por um período de tempo ou em outra oportunidade,
sendo essa decisão também tomada em discussão pelo conjunto dos alunos. Essa
73
fase alia ao desenvolvimento da criatividade e autonomia, um óbvio exercício de
democracia, na medida em que a atividade escolhida pela maioria deve ser acatada
por toda turma.
A proposta do planejamento participativo nas aulas de Educação Física
Escolar culmina com a construção do planejamento anual, com base nas sugestões
dadas e escolhidas pelos alunos em “assembléias”. Isso acontece quando os alunos
estão acostumados a expressarem suas opiniões, fazerem suas escolhas e
responsabilizarem-se por elas. O importante é ouvir todas as sugestões de cada
turma e tentar, na medida do possível, encaixar todas as sugestões dentro do
planejamento, mesmo que seja numa vivência única. Mas esse planejamento, como
qualquer outro, poderá sofrer modificações desde que solicitadas, discutidas e
compatibilizadas pelos envolvidos.
Nesse sentido, de acordo com Bordenave (1994), a participação em
instâncias locais como família, escola, trabalho, constitui a aprendizagem e o
caminho para participações maiores. Portanto, “aos sistemas educativos, formais e
não-formais, caberia desenvolver mentalidades participativas (grifo do autor) pela
prática constante e refletida da participação” (p.25/26).
Merece ainda destaque o fato de que a participação não deve consistir na
recepção passiva de idéias e ordens vindas de pessoas pretensamente mais
“hábeis” ou “preparadas”, mas na intervenção ativa na sua construção, o que é feito
através da tomada de decisões coletivas nos mais diferentes níveis. Para tanto, a
participação não deve ter um caráter meramente consumista, no sentido de permitir
que a grande maioria tenha acesso às decisões tomadas pela minoria,
mas o de processo coletivo transformador, por vezes contestatório,
no qual os setores marginalizados se incorporam à vida social por
direito próprio e não como convidados de pedra, conquistando uma
presença ativa e decisória nos processos de produção, distribuição,
consumo, vida política e criação cultural (BORDENAVE, 1994 p.20).
A fim de avaliar nossa capacidade de trabalhar de forma coletiva, durante a
Semana da Criança, em outubro de 2006, tivemos a primeira culminância deste
projeto que foi a realização de uma gincana organizada com a participação dos
professores, alunos e funcionários. Durante os três dias de realização da gincana, os
quatro grupos participantes, que eram compostos, cada um, por ¼ de cada turma da
escola, realizaram as tarefas (abordando todas as disciplinas escolares) que foram
concebidas e elaboradas, sugeridas e votadas pelo corpo docente e discente, com a
participação ativa de todos. Foi a I Gincana Cultural do “Pereirão” (apelido da escola
74
dado pela comunidade) que, apesar do cunho competitivo inerente a este tipo de
atividade, trouxe-nos uma grata experiência de colaboração e união entre os alunos
de times opostos. Acreditamos que essa reação se deu exatamente em função da
possibilidade de todos os sujeitos escolares poderem participar de todas as etapas
da gincana, desde sua concepção até a sua realização. Essa forma de participação,
que valoriza as idéias dos alunos, traz o sentimento de propriedade, eleva a auto-
estima e proporciona a experiência democrática dentro da escola. Ao final do
evento, além da premiação ter sido dada a todos os participantes, a comemoração
foi uma grande festa de confraternização entre todos os alunos e professores.
A segunda edição do evento aconteceu em dezembro de 2007, como
encerramento do ano letivo, numa versão melhorada a partir das avaliações que
foram feitas do evento anterior. Foi igualmente construído com base em sugestões,
votações e deliberações feitas em assembléias, com a presença dos diferentes
membros da comunidade escolar.
O evento não se repetiu em 2008, por ter sido um ano bastante tumultuado no
aspecto da gestão escolar. Houve uma diminuição no número de funcionários de
apoio (aposentadoria) e uma alta rotatividade de professores que, além de serem
novos na escola, permaneceram por pouco tempo, e um grande índice de
professores licenciados por motivos de saúde.
Esse projeto vem sendo construído com a ajuda de toda comunidade escolar,
a partir das experiências vivenciadas, e com base em decisões tomadas em
conjunto por alunos, pais, mestres, funcionários, direção e coordenação. É um
projeto inacabado, sistematicamente avaliado e modificado para continuar sendo
pertinente aos anseios daquela comunidade.
Assim, diante do que venho relatando até aqui, o pretendo elaborar um
modelo de trabalho a ser adotado por outras escolas. Também não tenho a
pretensão de ser a “tábua de salvação” da comunidade, mas junto com ela procurar
novas formas de resolver os problemas de justiça, igualdade social, cidadania, a
partir das aulas de Educação Física.
Concordando com Azevedo (2008): “o todo e as partes estão ali, mas de cada
vez que se olha, eles se apresentam com certo desenho, sempre outro, sempre
novo” (p.73). Portanto, esse projeto jamais estará acabado, estará sempre se
modificando, sempre vivo, sempre em busca de novas alternativas e soluções. Pois
75
na medida em que os participantes vão modificando, trazendo novas idéias e
sugestões, o projeto também se modifica.
4.2 - Os Alunos Falam
No intuito de avaliar os resultados da utilização do planejamento participativo
como metodologia de trabalho em minhas aulas de Educação Física no C.E. Maria
Pereira das Neves, apliquei um questionário simples com 75 alunos de turmas do
ano do ensino fundamental até ano do ensino médi o, do regular e da Educação
de Jovens e Adultos. A análise das respostas nos fornece dados significativos sobre
os efeitos deste tipo de metodologia no processo educativo que visa à
democratização da gestão escolar.
Dentre as questões do questionário, as seguintes foram selecionadas para
serem analisadas:
A aula de educação física segue um modelo chamado de Planejamento
Participativo, onde os alunos têm a possibilidade de sugerir e escolher as atividades
que irão desenvolver na aula.
1. Qual a sua opinião sobre esse modelo de aula?
2. Você participa dando sugestões e votando nas atividades? Por que?
3. Você fica satisfeito com as atividades escolhidas por sua turma? Por que?
4. Quais são as suas sugestões para as aulas de educação física no próximo
semestre? O que você gostaria que mudasse?
As demais questões se relacionavam com a auto-avaliação da participação
nas aulas e do desenvolvimento das mesmas. É um procedimento de praxe neste
modelo de trabalho, e que às vezes é realizado sob a forma de debate ou de
conversa individual com os alunos, dependendo do tempo que se dispõe para a
realização desse processo avaliativo.
A primeira questão selecionada nos dá subsídios para analisar quais as
concepções e idéias de planejamento participativo foram sendo formadas nos alunos
durante os três anos de aplicação desse modelo de trabalho. Foi quase uma
unanimidade, em 45,3% das respostas, o que mais chama a atenção dos alunos
nesse modelo de trabalho é a possibilidade de escolher o que se vai fazer na aula a
partir dos seus próprios gostos, vontade ou conhecimento. Ou seja, a sensação de
76
liberdade de escolha é o grande diferencial do planejamento participativo. Para eles,
esse modelo significa a possibilidade deles exporem suas idéias, darem suas
opiniões e sugestões, mas principalmente serem livres pelo menos por algumas
horas para fazer o que querem dentro da escola. Porém, alguns outros itens
também foram muito mencionados nas respostas, tais como: a importância de fazer
escolhas, dar sugestões e expressar opiniões; a necessidade de planejar o que será
feito, com consequente melhoria na organização das aulas e no convívio dos
participantes; além de observações a respeito da responsabilidade pelas escolhas
que fazemos e melhoria do empenho nas aulas.
O resultado dessa primeira questão preocupa, na medida em que ainda não
foi possível desenvolver nos alunos uma conscientização sobre a responsabilidade
de se fazer escolhas e o alcance mais amplo desse modelo de trabalho. Apenas
dois alunos enxergam o modelo como democrático e expressam isto em suas
respostas. O que fica mais forte para eles é a idéia de “transgressão permitida”, ou
seja, apenas durante a aula de educação física, e em nenhum outro momento dentro
da escola, é permitido fazer o que se quer. Uma das respostas que representa bem
esta sensação de liberdade é: “além de não ter a professora ali ‘no pé’ do aluno, a
gente acaba gostando e fazendo coisas legais”.
Apesar disso, várias respostas apontam para a melhoria da organização das
aulas, demonstrando que, diferente do que se possa pensar, a aula não é uma
bagunça. Algumas importantes declarações dos alunos sobre a organização das
aulas foram:
“As aulas ficam mais organizadas”.
“Podemos nos entender melhor”.
“Não tem discussão e ninguém reclama com a professora”.
“Um modo de escolher a atividade desejada sem confusão com a professora”.
“Diminuiu a bagunça”.
“Se a gente planejar não fica uma bagunça”.
O que se pode perceber é que os alunos precisam ver a aplicação dessas regras
básicas de convívio social em outros espaços, escolares ou não. Eles já aprenderam
a dar e respeitar opiniões, ouvir sugestões diferentes das próprias, experimentar
atividades diferentes, regras fundamentais para uma boa convivência em grupo.
Precisam agora encontrar novas oportunidades de aplicar o que aprenderam em
seus cotidianos. Alguns conseguem, inclusive, perceber a aplicação desse
77
aprendizado: “É importante podermos dar a nossa opinião. Melhora a convivência
em sala e em qualquer lugar” ou “É importante os alunos darem suas opiniões, pois
gera conhecimento e concordância”.
Porém, duas grandes ausências dentro do C.E. Maria Pereira das Neves,
que são o conselho de escola e o grêmio estudantil. Essas duas instâncias seriam
fundamentais para os alunos aplicarem os conhecimentos adquiridos nas aulas de
Educação Física.
A segunda questão selecionada para análise neste trabalho diz respeito à
forma de participação no planejamento das aulas. Dos 75 questionários analisados,
apenas 41 alunos afirmam que dão sugestões além de participarem das votações.
Três alunos dizem que não participam da votação, pois chegam sempre atrasados
nas aulas de Educação Física. Esse resultado, após três anos trabalhando com o
Planejamento Participativo, demonstra uma evolução significativa no processo de
conscientização do aluno da necessidade de sua participação no planejamento das
aulas e da importância de expressar suas idéias no sentido de melhorar a prática
pedagógica. Além disso, percebeu-se nos alunos uma disponibilidade para
aprender atividades diferentes dentro das aulas. Algumas idéias interessantes
expressadas pelos alunos em suas respostas foram:
“Gosto de dar opiniões e também ouvi-las. Acho importante para o
desenvolvimento do aluno nas questões práticas da vida”.
“Todos os alunos devem dar sua opinião e sugestão para que todos
escolham. Assim possibilita atividades diferentes”.
“Participo com muito prazer, pois gosto de dar opinião e discutir as idéias das
outras pessoas”.
“É uma forma de mostrar ao professor o que eu quero fazer e poder entender
os colegas e ouvir suas opiniões”.
“Desta forma o aluno não se entedia nas aulas com as mesmas atividades”.
A terceira questão analisada neste trabalho fala da satisfação dos alunos com
o resultado das votações. O resultado demonstra o entendimento dos alunos com
relação a processos democráticos e aponta 76% deles satisfeitos com o resultados
das votações, apesar de nem sempre a atividade escolhida ser aquela que o aluno
gostaria de fazer naquele dia. Novamente a possibilidade de aprender e praticar
uma atividade ou brincadeira nova ou diferente é o grande atrativo das aulas, mas
demonstra também a disponibilidade dos alunos em aceitar a idéia divergente que é
78
um pressuposto básico da convivência democrática. Esta disponibilidade foi bem
retratada em algumas respostas dos alunos:
“Mesmo que eu não esteja satisfeito é uma oportunidade de aprender uma
brincadeira nova”
“Quando escolhemos algo diferente e não jogamos algo que eu goste, porque
não sei ou nunca joguei, assim mesmo eu depois gosto, pois é mais um esporte
para eu aprender e com minha turma fica mais divertido”.
“Tudo bem que tem umas atividades que eu não gosto muito, mas que na
hora da votação ela foi escolhida por todos, eu me esforço para fazer da melhor
forma possível”.
A última questão analisada pretendia investigar com os alunos sugestões
para os períodos seguintes, no sentido de dar à professora subsídios para traçar o
planejamento dos temas que costumam ser propostos a cada bimestre, dentro das
necessidades e anseios dos alunos. Nas respostas, 27 alunos solicitaram que o
planejamento participativo não deixe de acontecer e 18 se preocuparam com a
existência de atividades diferentes. Apenas três alunos sugeriram que o
planejamento volte a ser feito pela professora. Além disso, algumas modalidades
específicas como vôlei, futsal, basquete, handebol, dança, ginástica aparecem na
lista de solicitações, bem como a realização de passeios e de competições
esportivas.
Essa questão demonstrou que, ainda que nem todos os alunos tenham
coragem de dar suas sugestões frente à turma no momento das plenárias, quando
têm a possibilidade de expressar suas opiniões no papel, todos os alunos deram
sugestões mesmo sendo apenas para pedir que nada fosse modificado.
5. SEM A INTENÇÃO DE CONCLUIR
Segundo Ceceña (2001 apud PRETTO, 2007):
“A utopia é poder começar hoje a romper a atomização social e a mediação
estatal ou mercantil das relações humanas para começar a construir a
possibilidade/realidade das novas formas de entender e expressar a
soberania popular e criar as bases do reconhecimento mútuo. (p.196)”.
79
Com base na reflexão que venho fazendo até aqui, podemos pensar a
participação dos alunos nos processos pedagógicos da escola como uma maneira
de modificar as relações de poder instituídas no espaço escolar. A partir do
momento em que mudamos o foco das decisões, antes centrado no professor, para
uma relação de divisão do poder decisório entre professores e alunos, estamos
colaborando com o rompimento de estruturas de subalternização impostas pelo
sistema. Na medida em que chamamos à participação ativa agentes que
anteriormente eram receptores passivos das decisões de outros, estamos criando
novas possibilidades/realidades para os indivíduos antes invisibilizados pelas
estruturas de dominação.
É importante, porém, que nos preocupemos com as idéias de Houssaye
(2005) quando alerta que:
“Desenvolver uma prática pedagógica diferente é exercer sobre os alunos
uma violência muito forte. Longe de ser uma substituição da violência por um
nada, troca-se de violência... Longe de dar segurança a novidade introduzida
é ameaçadora; ela desestabiliza de tal forma os alunos que eles podem
reagir intensamente. (p.64)”.
Portanto, é necessário que toda e qualquer ruptura pedagógica seja feita
paulatinamente. Não podemos de uma hora para outra modificar nossa prática
pedagógica, romper com o instituído, ainda que pensemos estar fazendo o melhor
para os alunos. Eles reagem, reclamam, sentem-se perdidos, apor que não estão
acostumados a terem direitos, a poderem falar e serem ouvidos, a construir. É
importante que respeitemos principalmente o direito que nossos alunos tem de
assumir ou não o poder de decisão que lhe está sendo dado.
A proposta de planejamento participativo nas aulas de Educação Física
Escolar tem a intenção de ser uma ação de transformação do indivíduo e de sua
realidade, parte do processo de construção da democracia, que permite expandir o
entendimento sobre conteúdos, formas, saberes, espaços e currículos escolares
para progredirmos em direção a práticas pedagógicas comprometidas com
mudanças dentro e fora da escola. Pois, através da participação ativa dos alunos
nos assuntos que permeiam a organização escolar, acredito que se possa educar o
cidadão para viver em sociedade, a ter autonomia de escolha e responsabilidade
sobre isto, o que, possivelmente, influenciará na formação do caráter e
personalidade de novos cidadãos brasileiros.
80
Para Bordenave (1994) o objetivo final da participação social se concretiza na
auto-gestão, que pode ser descrita pela existência de uma relativa autonomia dos
grupos populares organizados em relação aos poderes do Estado e das classes
dominantes. A autonomia aqui pretendida não implica uma caminhada para a
anarquia, mas, muito pelo contrário, implica no aumento do grau de consciência
política dos cidadãos, o reforço do controle popular sobre a autoridade e o
fortalecimento do grau de legitimidade do poder público quando este responde às
necessidades reais da população (BORDENAVE, 1994 P.20/21).
A pesquisa de campo acabou nos mostrando que, apesar da Educação Física
ser uma disciplina riquíssima em qualidades pertinentes à construção de uma gestão
educacional democrática, os professores não utilizam essas qualidades de maneira
consciente. Os próprios professores reconhecem que a possibilidade de trabalho em
grupo, a autonomia de ação e o estímulo à criatividade, característicos dos jogos e
brincadeiras desenvolvidos nas aulas de Educação Física são importantes para o
desenvolvimento das características democráticas com os alunos, mas tais
possibilidades não estão presentes em seus planejamentos como objetivo de suas
práticas pedagógicas.
A investigação feita com os professores aponta para um desconhecimento em
relação aos assuntos que permeiam a gestão escolar, o que nos leva a pensar
novas questões sobre o que está acontecendo nas escolas públicas ou com os
professores dessas escolas? Como pode um professor desconhecer o que é
exatamente uma gestão educacional democrática ou o projeto político pedagógico
da escola na qual trabalha? São questões que surgiram com esta pesquisa, mas
escapam ao âmbito da mesma. Apesar disso, não deixam de instigarem-me à
realização de novas investigações.
As questões elaboradas no início deste trabalho foram amplamente discutidas
e observadas nos capítulos anteriores e cabe então aqui uma síntese do percurso
feito no sentido de encontrar novos caminhos para a Educação Física Escolar.
5.1 . De que forma os professores de Educação Física elaboram seus
planejamentos, traçam seus objetivos, selecionam seus conteúdos e escolhem
suas estratégias de atuação nas aulas?
A pesquisa apontou que o trabalho de planejamento dos professores
entrevistados é solitário e aleatório, e que eles não têm muita consciência da
81
importância do que estão fazendo. Planejam pouco e sem muita preocupação com o
que está acontecendo no restante da escola. Não se juntam nem com os demais
professores de Educação Física para traçarem um planejamento mais aproximado
entre eles, não mencionaram nenhuma reunião de equipe para a elaboração do
planejamento. Não se referiram a nenhuma abordagem metodológica específica
utilizada no planejamento e, talvez por isso, notou-se a presença de diferentes
abordagens em suas práticas pedagógicas. Parece que o trabalho de planejar anda
meio esquecido, relegado a segundo plano, como se fosse algo meramente
burocrático. Planeja-se apenas para ter um documento que registre a seqüência de
conteúdos a serem abordados durante as aulas; mesmo porque, essa seqüência
nem sempre é seguida. E isso é bem mais forte na disciplina Educação Física, na
medida em que a cobrança de resultados mensuráveis em avaliações externas e
internas é quase nula para esta disciplina. O fato é que a Educação Física continua
a ser figurativa na escola e as atitudes observadas neste quesito colaboram para a
continuidade dessa situação.
Dentro do planejamento, por vezes figurativo, encontramos prioritariamente o
conteúdo esporte. E há aqui uma grande controvérsia: os professores falam e
defendem uma educação física humanista que desenvolva o pensamento crítico,
com vistas à formação do cidadão. Mas, quando selecionam os conteúdos, priorizam
os esportes e os jogos pré-desportivos que objetivam a melhoria da performance e
do gesto técnico. Se todos defendem a avaliação com base apenas na participação
do aluno nas atividades propostas, porque escolher conteúdos que visam à melhoria
do gesto cnico? Uma vez mais deparamo-nos com o problema de delegar ao
esporte uma capacidade miraculosa de desenvolvimento do cidadão crítico, ativo,
participativo, como uma espécie de redenção da humanidade. Se o seu aluno tem
problemas disciplinares, encaminhe-o para a aula de Educação Física que ele vai
melhorar! Seria bom se fosse assim. No entanto, é fundamental a orientação do
professor e utilização de estratégias específicas para atingir tais objetivos.
É urgente que os professores de Educação Física valorizem a disciplina que
ministram, e parem de ficar esperando que a sociedade o faça. Enquanto
continuarmos fazendo planejamentos figurativos, para atender demandas
burocráticas e nos excluirmos de participar e nos inteirar das decisões da escola,
tais como: elaboração do Projeto Político Pedagógico, reuniões pedagógicas,
conselhos de classe, a disciplina vai continuar sendo um apêndice do currículo
82
escolar. Temos que lutar por um currículo mais humanista, multicultural e menos
conteudista, com o objetivo único de preparar para as avaliações externas. Para
isso, devemos marcar presença na escola, participar das decisões.
É claro que, nesse sentido, esbarramos no problema salarial. Sabemos e
constatamos na prática, até mesmo nas respostas dos professores, que o salário é
muito baixo e os professores, em sua maioria, vivem correndo de um emprego para
outro para conseguirem manter seu nível econômico. Isso gera cansaço, falta de
tempo e desinteresse em participar de reuniões para discutir o Projeto Político
Pedagógico, fazer planejamento conjunto, organizar eventos e ainda se preocupar
com as decisões pedagógicas ou administrativas que envolvem a gestão de uma
escola. É natural que o professor acabe não se envolvendo, até porque, para fazer
isso em todas as escolas em que trabalha, acaba se tornando inviável. No horário
em que a reunião da escola A foi marcada, ele está dando aula na escola B e se
começar a faltar numa escola para participar de reunião na outra sua rotina ficará
bastante confusa. Como lidar então com a necessidade de trabalhar em vários
lugares para manter casa e família, e envolver-se com as questões que permeiam o
cotidiano em cada escola que se trabalha? Este é um dilema que também extrapola
o âmbito dessa pesquisa, mas merece uma investigação mais detalhada.
5.2 Que características a Educação Física apresenta para desenvolver com os
alunos experiências participativas que valorizem suas vivências dentro da
cultura do movimento corporal e possibilitem a construção da gestão
democrática dentro da escola pública?
Em relação às possibilidades de desenvolver experiências participativas
dentro da Educação Física, tanto os professores quanto a proposta de planejamento
participativo demonstraram que existem características específicas na disciplina que
facilitam as práticas democráticas dentro das aulas.
A primeira característica que pode ser ressaltada é a do trabalho coletivo.
Importante para a construção de uma gestão democrática, ela está presente dentro
de grande parte dos jogos e brincadeiras utilizados nas aulas de Educação Física.
Para uma boa prática é fundamental que os componentes de um mesmo grupo
interajam e busquem soluções a fim de vencer obstáculos e alcançar objetivos
comuns (quando os participantes estão no mesmo time ou grupo) ou opostos
(quando eles estão em times adversários). Dificilmente um aluno conseguirá sozinho
83
vencer o time adversário, sem que tenha que colaborar e receber a colaboração dos
outros componentes do seu time. Apesar disso parecer óbvio, é preciso ser
trabalhado e orientado pelo professor aque essa idéia fique clara para o aluno.
Muitas vezes as crianças chegam à escola egocêntricas e narcísicas, por não
estarem acostumadas à convivência social. Passam a maior parte do tempo em
casa sendo bajuladas e tendo suas vontades satisfeitas e quando chegam à escola
têm que aprender a dividir e conviver. Nesse momento, a Educação Física é
fundamental! Afinal, nem mesmo o material utilizado nas aulas é individual. Pois, ao
contrário da sala de aula, em que cada um tem seu lápis, seu caderno, seu livro e
senta sozinho em sua carteira, na Educação Física a bola é para todos, o bambolê,
a corda, o cone; o material é todo coletivo.
Outra característica importante que colabora com a construção da gestão
democrática na escola é o estímulo à criatividade, que também pode desencadear a
autonomia. Na medida em que os jogos, quando feitos sem exigências de
performance ou perfeição dos gestos técnicos, permitem ao aluno resolver desafios
corporais e solucionar problemas propostos pelas próprias regras dos jogos ou pelas
situações provocadas pelos adversários, o aluno está permanentemente sendo
solicitado a criar e decidir. Aqui entra uma nova característica a ser desenvolvida, a
de análise crítica. Se na brincadeira do basquete, eu recebo a bola e o objetivo do
jogo é fazer a cesta, eu tenho que decidir se é melhor passá-la para um
companheiro de time melhor posicionado, correr batendo a bola ou tentar o
arremesso direto. Isso vai depender também da marcação do time adversário.
Portanto, em apenas um lance do jogo o aluno tem que observar a situação, analisá-
la e decidir o que fazer. E, ainda que ele não logre sucesso em sua decisão, poucos
minutos ou segundos depois ele pode ter a chance de tentar novamente.
Ainda dentro do trabalho coletivo, mas sem perder o foco do desenvolvimento
da autonomia e criticidade, é possível desenvolver com os alunos experiências
democráticas. Um exemplo é que nem sempre a melhor decisão para um time será
aquela que um determinado aluno gostaria de tomar. Voltando ao exemplo do jogo
de basquete, mesmo que um aluno queira muito marcar um ponto, pode ser mais
acertado para o time que ele passe a bola para o outro colega que está mais perto
da cesta ou menos marcado, tentar o arremesso. Dessa forma, ele estará
exercitando inúmeras vezes durante a partida a capacidade de decidir pelo coletivo
84
e aceitar decisões do coletivo também, o que retrata um ótimo exercício de
democracia.
Ora, além das características apontadas acima, a Educação Física tem o
privilégio de ser uma disciplina menos conteudista ou prioritária na preparação para
vestibulares, concursos públicos ou para a profissionalização dos alunos. Sua
preocupação, atualmente mais centrada na formação de valores, conforme os
professores entrevistados afirmaram, possibilita uma ação mais voltada para a
formação do cidadão ativo. Esse cidadão não é aquele que apenas respeita as
regras, cumpre com seus deveres, é solidário e companheiro com os demais
cidadãos; mas aquele que também conhece os seus direitos; consegue observar
quando eles não estão sendo respeitados e os reivindica; sabe decidir pelo coletivo
sem prejudicar os companheiros e também aceita as decisões coletivas ainda que
elas sejam contrárias àquilo que ele gostaria que acontecesse. O cidadão ativo é
aquele dotado de consciência crítica, criatividade e capacidade de participação
autônoma, que interfere em seu mundo e sua comunidade, buscando uma
transformação social que beneficie o coletivo.
Isso não significa, porém, que o respeito às regras ou a solidariedade não
sejam características importantes na construção da democracia. Mas elas sozinhas
não conseguem dar conta das demandas por decisões coletivas que substituam as
antigas decisões tomadas por representantes da sociedade. Para suprir essa nova
demanda, a Educação Física desponta como disciplina que possibilita desenvolver
com os alunos, desde cedo, dentro das escolas, essas características de forma
lúdica, porém consciente.
5.3. Quais as possibilidades de iniciar o processo de democratização da
gestão escolar a partir de práticas e vivências democráticas em sala de aula?
De acordo com os professores entrevistados, essa possibilidade parece ser
um pouco remota, ou quase impossível, uma vez que não sabem exatamente o que
significa uma gestão educacional democrática e desconfiam da possibilidade dela vir
a se concretizar dentro da realidade das escolas em que trabalham. Alguns,
inclusive, temem que as práticas democráticas venham a trazer a perda de controle
e que a aula se transforme numa bagunça.
Essa incompreensão acerca do que significa a democracia também pode ser
percebida nos alunos, na medida em que a maioria deles associa democracia à
85
liberdade de ação, que essa é a idéia que predomina na sociedade. Pois, mesmo
com a participação na construção do planejamento das aulas, experiências de
realização de assembléias para votação e deliberação dos assuntos coletivos, a
responsabilização pelas decisões coletivas, a prática de auto-avaliação dos
resultados individuais e coletivos, o que mais chama a atenção dos alunos é a
sensação de estar fazendo aquilo que querem, o que acaba por representar para
eles a idéia máxima de liberdade.
Essa percepção equivocada de democracia a nível escolar pode estar sendo
fomentada pelo excesso de regulação dentro da escola. O autoritarismo da direção
que não divide com a comunidade as decisões da gestão escolar; dos
coordenadores que não deliberam com os professores e funcionários a construção
dos projetos da escola; e da maioria dos professores, quando não valorizam o
pensamento criativo e nem estimulam o raciocínio inovador de seus alunos. Tudo
isso pode estar colaborando para a persistência desse equívoco no meio escolar. Na
medida em que não se pode nunca dar a opinião ou participar na tomada de
decisões, quando alguém nos oferece esta possibilidade, nos sentimos livres.
Oliveira (2005) nos ajuda a compreender a democracia como possibilidade de
participação dos cidadãos nos processos decisórios e interativos que interferem em
seu cotidiano, quer sejam em casa, na escola, no bairro etc. Desta forma, faz-se
necessário criar nas escolas instâncias que possibilitem a participação da
comunidade escolar nas decisões que interferem em seu cotidiano. Volto a lembrar
que isto não significa deixar que os alunos decidam sozinhos, mas, chamá-los a
participar das decisões de forma consciente e responsável, junto com os
professores, diretores, coordenadores.
Apesar de ainda persistir certa confusão relativa ao entendimento dos
processos democráticos na escola e na sociedade, algumas evoluções podem ser
percebidas nos alunos observados. O fato da maioria deles acatar o resultado das
votações, apesar de nem sempre a atividade escolhida ser aquela que gostariam de
fazer naquele dia, aponta para aceitação da idéia divergente, um pressuposto básico
da convivência democrática. A satisfação demonstrada ao poderem fazer escolhas,
dar sugestões e expressar opiniões é um indicativo de um maior nível de adaptação
às práticas participativas; a compreensão da necessidade de planejar o que será
feito, para que haja melhoria na organização das aulas e no convívio dos
participantes também são conquistas importantes no processo de transformação de
86
uma sociedade passiva para uma sociedade participativa e que compreenda os
processos democráticos.
Não, a Educação Física Escolar não conseguirá sozinha construir a gestão
democrática dentro das escolas. Isolada dentro da escola, não poderá fazer
milagres. Usar a linguagem da democracia somente nas aulas de Educação Física
faz com que os alunos gostem ainda mais da disciplina, apesar de continuarem
pensando que democracia é fazer o que se quer. Esta sensação de liberdade que é
necessária e gostosa de sentir, é que fica registrada para os alunos. Enquanto a
rigidez escolar não permitir que os alunos participem de outras decisões
democráticas dentro da escola, eles vão continuar a correr para aula de Educação
Física com o simples propósito de se sentirem livres.
Mas o processo de democratização da gestão escolar precisa ser iniciado por
alguém, em algum momento. Portanto, que a Educação Física reúne algumas
características que possibilitam este trabalho, porque não começar por ela? Quem
sabe, se as práticas democráticas, uma vez desenvolvidas por um maior número de
professores de Educação Física, não consigam contagiar o ambiente escolar?
Necessário se faz, porém, que os professores da disciplina incluam em seus
planejamentos objetivos de desenvolvimento do pensamento crítico, estímulo à
criatividade e à autonomia de decisão; além dos antigos objetivos de respeito às
regras, solidariedade e perseverança, objetivos apontados por eles como possíveis
de serem trabalhados dentro das aulas de Educação Física, mas normalmente não
incluídos em seus planejamentos.
Além disso, todos os professores, de todas as disciplinas, precisam,
urgentemente, se engajar nos assuntos da escola, participar das decisões de forma
democrática, sem priorizar apenas os seus próprios interesses. A desvalorização
moral e financeira do professor deve continuar a ser uma importante bandeira de
luta da classe, mas sem perder a sua dignidade e importância, proporcionando ainda
mais prejuízos à qualidade do ensino.
5.4. Novas aprendizagens, muitas interrogações
O percurso desse trabalho não encerra aqui, por isso as conclusões são
parciais. O planejamento participativo e democrático está sempre inacabado,
aguardando idéias, conclusões, experiências de todos os envolvidos nas aulas, por
conseguinte esta pesquisa poderá gerar novas conclusões. Ele vem a cada
87
semestre e a cada ano sendo desconstruído, para ser reconstruído por um novo
grupo, que, ainda que seja o mesmo do ano ou semestre anterior, não pensa
exatamente da mesma forma, já não tem os mesmos interesses e expectativas. Não
tem um dono único, não é propriedade de ninguém, mas é do coletivo.
Esta reflexão ajuda ao professor a retirar-se do centro do processo da
aprendizagem, a descentralizar as decisões de suas aulas, dividir as atribuições e
tarefas, deixar de ser autoritário e controlador. Isso não significa de forma alguma
que o professor não vai mais decidir nada. Ele, como participante do grupo, também
tem direito de dar a sua opinião sobre os assuntos que estão sendo decididos. Sua
experiência de professor provavelmente terá um peso maior, quando for ser
analisada pelos alunos. Faz-se necessário, portanto, que o professor reflita sobre o
quando, o como e o que falar e, portanto precisa aprender a fazer isso. Suas
intervenções devem fazer os alunos refletirem e não tomarem decisões cegas a
partir do que ele falou.
Não é fácil ser democrático, estar aberto à participação dos alunos. É
necessário aprender a ser assim. Muitas vezes nossos discursos acabam se
tornando vazios, pois nossa prática vai se distanciando daquilo que planejamos
fazer e acabamos por voltar a centralizar as decisões. É natural que caiamos em
tentação, afinal freqüentamos escolas onde os professores eram centralizadores e
autoritários. Na faculdade aprendemos que deveríamos decidir o que e como
ensinar aos alunos. Precisamos desconstruir este modelo de professor centralizador,
que sabe tudo, para descobrirmos o papel do professor junto com os nossos alunos.
Penso que a maior aprendizagem trazida por esse trabalho de pesquisa foi a
comprovação de que a participação condição sine qua non para a existência de
uma sociedade democrática pode e deve ser aprendida e desenvolvida nas
escolas dentro das salas de aula. O estudo demonstrou que os alunos que
participam dando opiniões e sugestões dentro de sala de aula a fim de decidirem os
rumos das atividades das quais tomarão parte, passam a compreender melhor a
importância da participação, a ter responsabilidade sobre suas escolhas e respeito
pelas escolhas alheias. Este conjunto de fatores facilita e melhora a convivência
democrática.
Se os alunos aprendem a lidar com as práticas participativas, os professores
também precisam aprender a aplicá-las. E esta é mais uma aprendizagem que foi
suscitada no decorrer deste trabalho. As práticas participativas são aprendidas a
88
partir da utilização das mesmas. Se no início os alunos sugerem ou votam naquilo
que a maioria gosta ou quer, aos poucos eles passam a assumir suas posições e
acabam sugerindo e votando conscientemente naquilo que eles desejam, mesmo
sabendo que pode não ser a atividade, regra ou prática a ser realizada no dia. O
importante é praticar a participação e criar sempre novas formas, instâncias ou
momentos onde os alunos possam participar das decisões de sala de aula. Neste
ponto Oliveira (2005) nos ajuda a refletir que a dominação legitimada eleitoralmente
da maioria sobre a minoria não pode ser confundida com democracia, embora
aconteça. A participação democrática, baseada em igualdade, é que parece ser o
ponto principal a ser trabalhado e aprendido na escola.
Na medida em que as conclusões ficam em aberto, novas questões surgem
para serem concluídas. A primeira delas – já levantada anteriomente – versa sobre o
envolvimento dos professores nas questões que permeiam a escola. Muitos
professores de Educação Física como de outras disciplinas não tem mais tempo
nem ânimo em se envolver com os projetos, reuniões, decisões e problemas que
perpassam o cotidiano escolar. Mesmo alguns que não precisam trabalhar em tantas
escolas, encontram-se indiferentes a essas questões. Para além da questão salarial,
da valorização profissional, o que está acontecendo com o professor? Qual o seu
“novo” papel na educação da sociedade globalizada? O que a escola está realmente
pretendendo fazer/ formar? Até que ponto o excessivo (?) direcionamento da
educação para a preparação para o vestibular/ trabalho não faz com que os
professores acabem se tornando menos envolvidos com as questões sociais do
cotidiano e mais focados em resultados mensuráveis? A vinculação de gratificações
para os professores aos resultados obtidos pelos alunos em exames externos (Nova
Escola, Prova Brasil) o superficializa ainda mais as relações entre professor-
escola-aluno, na medida em que seu foco passa a ser o resultado e não o aluno?
Parece-me que estas questões levam a preocupação com a construção da gestão
escolar democrática e outras questões sociais que envolvem o cotidiano escolar
para um plano menos importante.
São muitas interrogações que levam a uma questão central: por que a maioria
das escolas não consegue concretizar a implantação de uma gestão escolar
democrática? Onde estão os grêmios estudantis, os conselhos escolares? Como
eles estão atuando nas escolas em que existem? Enfim, a gestão escolar
89
democrática por anos reivindicada e finalmente implantada por força da lei, ainda
não consegue existir nas escolas. Por que?
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