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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A mediação pedagógica como elemento potencializador dos processos de
aprendizagem e desenvolvimento infantis
Fabiana Aparecida de Moraes
São Carlos
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A mediação pedagógica como elemento potencializador dos processos de
aprendizagem e desenvolvimento infantis
Fabiana Aparecida de Moraes
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de s-Graduação em
Educação da Universidade Federal de
São Carlos, área de concentração
Processos de Ensino e Aprendizagem,
sob orientação da Pro Drª Maria
Aparecida Mello, como parte dos
requisitos para obtenção do título de
Mestre em Educação.
São Carlos
2009
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Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
M827mp
Moraes, Fabiana Aparecida de.
A mediação pedagógica como elemento potencializador
dos processos de aprendizagem e desenvolvimento infantis
/ Fabiana Aparecida de Moraes. -- São Carlos : UFSCar,
2010.
116 f.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2009.
1. Educação infantil. 2. Mediação. 3. Teoria histórico-
cultural. 4. Brincadeiras. I. Título.
CDD: 372 (20
a
)
BANCA EXAMINADORA
Prof
Df'
Maria
Aparecida
Mello
Profa
Dla
Maria
In&
Crnkovic
Octaviani
Prof.
Dr.
Douglas
Aparecido de
Campos
Agradecimentos
A Deus que, sem dúvida, está ao meu lado em todos os momentos.
À minha família que, mesmo estando longe, sempre se fez presente em minha vida.
À minha orientadora, Profª Drª Maria Aparecida Mello, cuja forma que trabalha e
estuda a Educação Infantil me inspira. Obrigada pelas orientações precisas, pela
dedicação, atenção e paciência designadas no decorrer deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Douglas Aparecido de Campos e à Profª Drª Maria Inês Crnkovic Octaviani
pelas importantes contribuições dadas na Banca de qualificação.
À Secretaria Municipal de Educação de Araraquara, que possibilitou a realização desta
pesquisa em uma de suas unidades escolares.
À Muriane Sirlene Silva de Assis pela recepção, atenção e confiança em meu trabalho.
Às professoras da creche por toda atenção e disposição em participar desta pesquisa.
Às crianças por todos os momentos agradáveis que passamos juntas enquanto
brincavam.
Às colegas de turma do mestrado, em especial à Glaciele dos Santos de Pieri e Ana
Cristina Juvenal da Cruz, pelo apoio, incentivo, conversas e momentos agradáveis que
partilharmos no decorrer de nossas pesquisas.
À Capes pelo apoio financeiro
RESUMO
A promoção de uma Educação Infantil que contemple o pleno desenvolvimento
da criança requer a abordagem de conhecimentos, atitudes e valores na formação de
profissionais que atuam neste nível de ensino. Diante da premissa de que as
aprendizagens ocorridas durante a infância nos marcam ao longo da vida, torna-se
relevante pensar no atendimento que as crianças vêm recebendo ao longo deste período
nas instituições de Educação Infantil, visando compreender melhor as ões infantis
nelas realizadas e como tem sido contemplado o desenvolvimento dessas crianças nestes
espaços. O presente trabalho é produto de uma pesquisa de campo desenvolvida em uma
instituição de Educação Infantil do município de Araraquara SP, a qual teve como
objetivo verificar se e como ocorre o processo de mediação das professoras durante a
realização das brincadeiras e suas contribuições para o desenvolvimento infantil. Assim,
buscamos identificar como as profissionais envolvidas neste contexto concebem o
brincar e suas principais atuações nos momentos em que as crianças realizam esta
atividade. Os procedimentos metodológicos adotados neste trabalho consistiram em
observações e entrevistas. As observações foram feitas tanto nos momentos em que as
crianças estavam na sala de aula com a professora, quanto nos momentos livres, em
atividade no parque. Junto às observações foram realizadas algumas intervenções nos
momentos em que as crianças brincavam. Ao término deste processo, foram realizadas
as entrevistas com as crianças da pré-escola (03 a 06 anos), as quais responderam à
respeito da visão que têm do brincar, quais as principais brincadeiras que realizam e em
quais espaços essas brincadeiras são praticadas. Além disso, contemplamos também
entrevistas com as professoras e as agentes educacionais, profissionais que permanecem
com a criança durante o tempo em que ela está na instituição. O referencial teórico e
metodológico que norteou este trabalho pautou-se na teoria Histórico-Cultural de
Vigotsky, subsidiando a coleta e análise dos dados. Como principais resultados,
obtivemos que as professoras apresentam uma postura passiva frente aos possíveis
momentos de mediação, restringindo sua atuação à explicação de alguma regra da
brincadeira ou separação de conflitos entre as crianças. Diante das ações realizadas pela
pesquisadora durante as brincadeiras, foi possível verificar que as principais
oportunidades de mediação devem estar baseadas na constante observação, sendo este
um instrumento importante para a realização de mediações adequadas às necessidades
de aprendizagens das crianças. Destacamos, ainda, a importância de uma formação
teórica mais aprofundada por parte das professoras, a qual contribua não para que
promovam o brincar no cotidiano escolar, mas para que legitimem estes momentos por
meio de mediações intencionais de modo a contemplar um desenvolvimento efetivo e
pleno da criança.
Palavras-chave: Educação Infantil; Brincadeiras; Mediação; Teoria Histórico-Cultural
ABSTRACT
Promoting Primary Education which provides children with thorough
development requires the approach of knowledge, attitude and values in training
professional educators who act at this level of teaching. Taking into consideration the
premise that all the learning which takes place during childhood stays with us
throughout life, it is important to observe the assistance that young learners have been
receiving during such a period in Primary Education institutions in order to better
understand the childish actions which take place in these places and how the children’s
development have been approached. The present work is the product of a field research
carried out at a Primary Education institution in the city of Araraquara in São Paulo,
which was accomplished so as to check if and how the mediation work of the teachers
during the games take place as well as their contribution to the children’s development.
Therefore, the attempt was to identify how the professionals involved in this context
conceive the “play a game idea and their approach towards the kids when they are
engaged in such an activity. The methodological procedures adopted in this work
consisted of observations and interviews. The observations were carried out both when
the children were in the classroom with the teacher and when they were doing free
activities in the playground. Some interventions took place during the observations
when the children were playing. Afterwards, interviews with the preschool children (3
to 6 years old) were carried out, who were asked about their idea of playing, the games
they play and the places where these games take place. Furthermore, we also carried out
interviews with the teachers and the educational agents, who are the people who attend
the children throughout the period in which they stay at the institution. The
methodological and theoretical reference on which this work was based was the
Historical and Cultural theory by Vigotsky, which supported the data collection and
analysis. The most significant results which were obtained show that the teachers
assume a passive posture towards the possible mediation opportunities, thus restricting
their acting to the explanation of a certain rule to the game or pulling the kids apart in
case of conflicts. Considering the actions performed by the researcher during the games,
it was possible to check that the main mediation opportunities should be based on
constant observation, which is an important instrument to achieve mediations which are
appropriate to the learning needs of the children. The importance of a deeper theoretical
training for the teachers should also be highlighted, one which not only contributes to
the games at the school day-to-day , but also so that these moments are legitimated
through intentional mediations in order to promote an effective and thorough
development of the children.
Key words: Primary Education; Games; Mediation; Historical and Cultural Theory
SUMÁRIO
Introdução.....................................................................................................................08
Capítulo 1 – O Contexto atual da Educação Infantil....................................................10
1.1 - História da Educação Infantil no Brasil.......................................................10
1.2 - As políticas públicas para a Educação Infantil............................................16
1.3 - A questão da qualidade................................................................................21
Capítulo 2 - Referencial Teórico..................................................................................26
2.1- O Desenvolvimento infantil na teoria Histórico-Cultural............................26
2.2 - A importância do brincar.............................................................................30
2.3 - A mediação no processo de aprendizagem..................................................38
Capítulo 3 – Metodologia.............................................................................................43
3.1 - A questão do método...................................................................................43
3.2 - Caracterização do CER................................................................................45
3.3 - Procedimentos metodológicos da pesquisa.................................................50
Capítulo 4 – Análise e discussão dos dados.................................................................57
4.1 - Concepção sobre o brincar..........................................................................57
4.2 - Espaços do brincar.......................................................................................64
4.3 - A criança e o brincar....................................................................................71
4.4 - Atividades realizadas na pré-escola.............................................................89
4.5 - As mediações das professoras.....................................................................94
Capítulo 5 – As mediações da pesquisadora................................................................98
Considerações finais................................................................................................106
Referências.................................................................................................................108
Anexos.........................................................................................................................111
Lista de quadros
Quadro 1 - Distribuição do atendimento das crianças no CER...................................... 4
Quadro 2 - A equipe de trabalho do CER........................................................................47
Quadro 3 - Os espaços físicos da instituição...................................................................49
Quadro 4 - Distribuição das crianças entrevistadas.........................................................54
Quadro 5 - Caracterização das professoras......................................................................55
Quadro 6 - Caracterização das agentes educacionais......................................................56
Quadro 7 - Relação de crianças que brincam com brinquedos/brincadeira.....................71
8
Introdução
Ao considerar a relevância que a Educação Infantil adquiriu nas últimas décadas, fica
clara a importância de se pensar no atendimento que as crianças m recebendo ao longo
deste tempo nas instituições que as atendem. A sociedade concebe a criança de formas
diferentes em épocas distintas e, conforme essa visão se modifica, elementos da sociedade,
tais como legislação, políticas públicas etc., acompanham tais mudanças.
Durante séculos a educação da criança esteve sob a responsabilidade da família,
inserida desde cedo no convívio com os adultos. na sociedade contemporânea, a criança
passou a ter a oportunidade de frequentar um ambiente de socialização e, com a Constituição
Federal de 1988, art. 208, a Educação Infantil foi concebida como um dever do Estado e um
direito da criança.
Nesta direção, até os dias atuais, a criança passa a receber um maior respaldo da
sociedade, surgindo, então, um avanço significativo no que diz respeito à legislação e às
políticas públicas específicas que vêm reforçar a relevância da criança dentro da família e da
sociedade. Ela passa a ser considerada o mais como um adulto em miniatura e sem
importância, mas um ser social e histórico que apresenta peculiaridades de uma fase que deve
ser respeitada (Áries, 1981). No Brasil as creches, que inicialmente apresentavam um caráter
estritamente assistencialista, hoje buscam conceber uma nova educação para as crianças.
Nesse sentido, as instituições de Educação Infantil (creches e pré-escolas), espaços nos
quais as crianças passam cada vez mais parte do seu dia e de sua infância, tornam-se lugares
importantes a serem observados e analisados, visando a compreender melhor as ações infantis
nelas realizadas e como tem sido contemplado o desenvolvimento das crianças no interior das
instituições.
Com base em autores da teoria Histórico-cultural, tais como: Vigotsky
*
(1991; 1995;
1996; 2006), Leontiev, (1978; 2006), Elkonin (1987; 1998), Mukhina (1996), o brincar
aparece como atividade própria da formação da criança, sendo a brincadeira considerada
como um elemento propulsor do processo de desenvolvimento infantil.
Com o foco nas brincadeiras realizadas pelas crianças no contexto da Educação
Infantil e na importância do papel das professoras no processo de aprendizagem e
desenvolvimento infantil, busquei verificar se e como ocorre o processo de mediação das
professoras diante das brincadeiras infantis realizadas na escola. Para tanto, tive como questão
*
Neste trabalho adoto esta grafia como forma de padronização da escrita, porém nas referências o nome do autor
é escrito conforme apresentado em cada obra.
9
central e norteadora de nosso trabalho: “Quais fatores são importantes a serem considerados
na mediação da professora ao intervir nas brincadeiras das crianças, de forma a
potencializar as aprendizagens e o desenvolvimento infantil?”
Divido o trabalho em cinco capítulos. No primeiro apresento um breve histórico da
Educação Infantil no mundo e no Brasil. Além disso, apresento os principais avanços no que
diz respeito à legislação de políticas públicas referentes à Educação Infantil e uma discussão
sobre os aspectos em que ainda é preciso investir para a efetivação da qualidade de ensino
neste nível de Educação Básica.
No segundo capítulo retrato a importância do brincar para a criança e suas
contribuições para as aprendizagens e desenvolvimento infantil. Apresento também, com base
na teoria Histórico-cultural, que norteia esta pesquisa, a relevância que o profissional que atua
na Educação Infantil tem ao assumir o papel de mediador em sua prática cotidiana com as
crianças.
No terceiro capítulo há a apresentação da metodologia adotada: o referencial teórico, a
caracterização do espaço no qual a pesquisa foi realizada, bem como os procedimentos
metodológicos.
No quarto realizo a discussão dos resultados à luz do referencial trico adotado,
divididos em cinco diretrizes de análise: 1) Concepção sobre o brincar; 2) Espos do brincar;
3) A criança e o brincar, dividida em quatro subdiretrizes: a) Relação com os brinquedos; b)
Brincadeiras realizadas; c) Relação entre as crianças; d) Imitação como propulsora de
aprendizagens; 4) As atividades realizadas na p-escola; 5) As mediações das professoras.
No quinto apresento e analiso algumas situações nas quais a pesquisadora fez
mediações junto às crianças durante as brincadeiras, explorando meios e formas para a
realização deste procedimento.
Por fim, teço as considerações finais que pontuam a discussão realizada no decorrer
deste trabalho, apontando as necessidades ainda presentes para a melhoria da qualidade na
Educação Infantil.
10
Capítulo 1 – O contexto atual da Educação Infantil
Neste primeiro capítulo busco contextualizar a história da infância e a concepção de
criança que foi sendo formada historicamente. Assim, inicio com um breve levantamento
teórico a respeito do processo de consolidação das instituições de Educação Infantil no
contexto ocidental e, posteriormente, no contexto brasileiro. Apresento a seguir as principais
políticas públicas hoje existentes no país para este nível de ensino, trazendo os avanços e, por
vezes, seus entraves na política de estruturação da Educação Infantil. Por fim, discuto o
atendimento encontrado hoje nessas instituições, buscando ressaltar os principais aspectos a
serem considerados na efetivação de uma educação das crianças pequenas mais comprometida
com a qualidade.
1.1 História da Educação Infantil no Brasil
A valorização da inncia e a importância que hoje se nela, nem sempre foi
concebida de tal forma. A história mostra que esta concepção sofreu diversas modificações
em seus aspectos políticos, econômicos e sociais. As discussões sobre os avanços e
retrocessos deste nível de ensino no Brasil levam a conhecer, num primeiro momento, as
marcas do surgimento e expansão dessas instituições ocorridas no ocidente.
Ao recorrer à história ocidental, Áries (1981), autor que muito contribuiu com seus
estudos sobre a história da infância, demonstra que por volta do século XI as crianças eram
retratadas como adultos em miniatura. Essa maneira de expressar a criança permanece até
meados do século XVII.
A criança estava, então, ligada somente à ideia de dependência, ou seja, recebia
maiores cuidados e atenção na fase em que se encontrava mais frágil e debilitada e a partir do
momento em que adquiria maior desenvoltura e desembaraço físico passava a ser inserida no
mundo adulto, participando de suas atividades.
A partir doculo XVII começa-se a falar sobre a debilidade e a fragilidade da
criança, aparecendo sinais ativos a respeito do surgimento do sentimento da infância. Essas
preocupações foram resultantes do reconhecimento e valorização que elas passaram a ter no
meio em que viviam. Mudanças significativas ocorreram nas atitudes das famílias em relação
às crianças que, inicialmente, eram educadas a partir de aprendizagens adquiridas junto aos
adultos.
11
Nessa época, Áries (1981) mostra que dois sentimentos contribuíram para uma maior
consciência sobre a particularidade infantil, alterando o quadro da época a respeito da visão da
criança como um adulto em potencial.
O primeiro sentimento da infância caracterizado pela paparicação”- surgiu no
meio familiar, na companhia das criancinhas pequenas. O segundo, ao contrário,
proveio de uma fonte exterior à família: dos eclesiásticos ou dos homens da lei,
raros até o século XVI, e de um maior mero de moralistas no século XVII,
preocupados com a disciplina e a racionalidade dos costumes. (p. 163-164)
Assim, considerando o primeiro sentimento, a criança era vista como um ser inocente
e ingênuo, uma espécie de divertimento para o adulto. O segundo sentimento, visto como
contrário ao primeiro e exterior a falia, consistia no fato de a criança ser considerada como
um ser imperfeito e incompleto, que necessitava de “moralização” e da educação dada pelo
adulto.
No século XVIII a representação da criança é constantemente modificada.
Caracterizada pelas mais diversas imagens, a criança passa a ser representada por anjos, junto
à figura do menino Jesus e também tem sua nudez retratada, porém, em nenhuma dessas
representações a criança tem as peculiaridades desta fase reconhecidas e respeitadas.
Vistas sempre como pequenos adultos, a infância era ignorada, considerada um
período de transição e sem importância. Devido a esse fato os altos índices de mortalidade
infantil eram normais nessa época. As crianças que sobreviviam não recebiam grandes
distinções em relação aos adultos, inclusive na própria maneira de se vestirem, uma vez que
os trajes não as distinguiam das pessoas mais velhas, as roupas serviam apenas para
diferenciar as classes sociais da época.
Segundo Badinter (1980) foi necessário um longo período para que o sentimento de
infância se estabelecesse na mentalidade das pessoas da época, iniciando-se entre os séculos
XVII e XIX um processo de valorização desta fase.
As transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas na Europa a partir do
século XVIII culminaram diretamente na necessidade de pré-escolas. Os impactos causados
pela Revolução Industrial submeteram a classe operária ao regime da fábrica e das máquinas.
Tal revolução trouxe com isso a entrada, em massa, da mulher no mercado de trabalho,
alterando a forma de as famílias cuidarem e educarem seus filhos. Assim, a educação da
criança deixa de ser responsabilidade apenas da família.
Como já dito, a entrada da mulher no mercado de trabalho contribuiu
significativamente para a formação de espaços em que os filhos pequenos das trabalhadoras
12
pudessem ser atendidos, tais como: creches, orfanatos, refúgios etc. Nesse sentido Leal (2003)
diz:
Primeiramente, o fato de as mulheres irem para o mercado de trabalho, no início da
industrialização, ao final do século XVIII atendeu a uma necessidade econômica.
Diversamente, ao final do século XVIII a opção do trabalho fora de casa pelas
mulheres está relacionada também às necessidades pessoais, como uma forma de
libertação da vida doméstica (...). (p. 14)
Devido à necessidade do trabalho fora de casa e de um local para deixar seus filhos, as
instituições criadas nessa época nasceram com o caráter puramente assistencialista em
detrimento do educacional. Com esse enfoque, tais instituições tiveram em seu início o
objetivo da guarda, higiene, alimentação das crianças e também cuidados físicos. Essa visão
de atendimento à criança só é modificada no século XIX quando uma nova função passa a ser
atribuída à pré-escola, mais voltada à ideia de educação do que de assistência.
No Brasil, a história da constituição da Educação Infantil foi marcada por grandes
lutas e mudanças. As primeiras iniciativas no país direcionadas para o atendimento das
crianças tiveram um caráter higienista que, devido a fatores como o alto índice de mortalidade
infantil, a desnutrição generalizada e o número significativo de acidentes domésticos, fizeram
com que alguns setores da sociedade, dentre eles os religiosos, os empresários e educadores,
começassem a pensar num espo de cuidados da criança fora do âmbito familiar.
Nesse contexto, a criação das instituições pré-escolares foi fundamentada, também, na
urbanização e industrialização da sociedade, cujos principais resultados vieram da
participação mais efetiva das mulheres no trabalho fora de casa, na busca por melhores
condições de vida (ALMEIDA, 1994). Com isso, surge a necessidade de locais onde
pudessem deixar as crianças de 0 a 6 anos de idade.
Diante de tais condições as instituições de Educação Infantil apresentavam um
atendimento voltado às classes populares. Nesse sentido, Kuhlmann (1998) afirma: “As
instituições de educação infantil (...) tinham a característica de serem novidade, originadas na
primeira metade do século XIX, muitas delas propostas nessa perspectiva de atendimento
exclusivo aos pobres” (p. 181-182).
Distantes de uma proposta educacional estruturada, essas instituões configuravam-se
pelo caráter assistencialista cuja primeira característica consistiu no fato de retirar a criança da
rua com a finalidade de guardá-la. A segunda característica dessas instituições, destacada por
Kuhlmann (1998), residiu no fato de terem em sua proposta um atendimento de baixa
13
qualidade, que previa uma educação muito mais moral do que intelectual. Assim, o autor
apresenta sua crítica às instituições da época:
O que cabe avaliar e analisar é que, no processo histórico de construção das
instituições pré-escolares destinadas à infância pobre, o assistencialismo, ele
mesmo, foi configurado como uma proposta educacional específica para esse setor
social, dirigida para a submissão não das famílias, mas também das crianças das
classes populares. Ou seja, a educação não seria necessariamente sinônimo de
emancipação. O fato de essas instituições carregarem em suas estruturas a
destinação a uma parcela social, a pobreza, representa uma concepção
educacional. (p. 182)
Portanto, as instituições que atendiam as crianças ofereciam atendimento de baixa
qualidade, sem qualquer privilégio para a educão formal das crianças, com profissionais
sem nenhuma ou pouca formação escolar, em sua maioria mulheres analfabetas.
Em meados da década de 70, o país apresentava certa inovação quanto às políticas
sociais nas áreas da educação, saúde, assistência social, entre outros aspectos. A Lei de
Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º grau, 5.692 de 11 de agosto de 1971 torna o
Ensino Fundamental como sendo obrigatório e gratuito, trazendo, também, o princípio de
municipalização deste nível de ensino.
Vale salientar que a Educação Infantil ainda se encontrava distante de ser considerada
como uma das etapas do nível básico da educação. Até então, pouco havia sido feito em
termos legais que garantisse a oferta de pré-escolas no território brasileiro.
Mesmo com a passagem do Ensino Fundamental para a obrigatoriedade pode-se
destacar que, frente a diversos fatores políticos, econômicos e sociais, o Brasil apresentava
altos índices de repetência das crianças das classes populares além do crescente índice de
evasão escolar. Diante desse cerio, a atenção focalizou-se nas crianças das classes sociais
menos favorecidas, consideradas privadas culturalmente de certos atributos, atitudes e
conteúdos que deveriam nelas ser incutidos. Surge a chamada educação compensatória
voltada para crianças de quatro a seis anos com o objetivo de suprir carências culturais
existentes na educação familiar da classe menos favorecida (KUHLMANN, 1998).
Esse fato contribuiu de forma significativa para que a década de 70 fosse marcada por
uma grande expansão do número de instituições de atendimento infantil. Nesse sentido,
Kramer (1994) aponta:
É a partir da década de 70 que a importância da educação da criança pequena é
reconhecida e as políticas governamentais começam a, incipientemente, ampliar o
14
atendimento, em especial das crianças de 4 a 6 anos. No entanto, essa educaçãoo
está assegurada pela legislação, o que, evidentemente, dificulta a expansão com
qualidade da educação para este nível. (p. 18)
Os programas de educação compensatória partiam da ideia de que as famílias não
conseguiam dar às crianças condições para o seu bom desempenho na escola. Nessa visão, a
pré-escola serviria para suprir esses problemas (carências culturais, nutricionais, afetivas)
proporcionando igualdade de oportunidades para todas as crianças de modo a garantir um
melhor desempenho.
Porém, com o objetivo maior de suprir determinadas carências, tais instituições de
atendimento infantil não apresentavam um caráter formal de educação, a começar pelos
professores não qualificados, sem remuneração adequada, para desenvolverem um sério
trabalho pedagógico. Como consequência disso, a mão-de-obra que atuava nesses espaços era
composta por voluntários, de modo geral descomprometidos com esse trabalho (KRAMER,
1992).
As instituições públicas de atendimento infantil apresentavam diferenças claras em
relação às propostas das instituições particulares. Enquanto as primeiras recebiam as crianças
das camadas mais populares, cujo atendimento consistia na oferta de alimentação, higiene e
proteção física, as instituições particulares mostravam ter propostas de cunho pedagógico,
com atividades educativas voltadas para aspectos cognitivos, emocionais e sociais das
crianças. Além disso, as creches particulares funcionavam meio período, dando ênfase à
socialização e à preparação para o ensino regular. Nesse sentido, as crianças de classes sociais
menos favorecidas eram atendidas com propostas de trabalho voltadas para prover as
carências e deficiências de cunho cultural. as crianças de classes sociais mais abastadas
recebiam uma educação que privilegiava a criatividade e a sociabilidade infantil (KRAMER,
1992).
Os movimentos sociais desenvolveram diferentes ações para que mudanças
significativas ocorressem no cenário da Educação Infantil, tais como: manifestações
estudantis, de professores e de feministas, organizações populares, passeatas, todos realizados
com base nas críticas ao caráter assistencialista, presente nas propostas da chamada educação
compensatória (KUHLMANN, 1998). Este autor afirma:
As creches apareciam como resultado, com um mbolo concreto dessas lutas: o
movimento popular e as reivindicações das feministas colocaram a creche na ordem
do dia (...). Nessa perspectiva, pretendia-se denunciar as precárias condições do
15
atendimento educacional das crianças, e não apenas na creche, mas também na pré-
escola. (p. 198)
Na busca por modificar a realidade que a Educação Infantil apresentava, tais
movimentos passaram a defender que tanto creches quanto pré-escolas necessitavam de um
projeto educacional.
Diante desse contexto, nas décadas subsequentes, os olhares sobre a Educação Infantil
foram se modificando e a importância deste nível de ensino, consolidando-se. Do ponto de
vista histórico foi preciso quase um século para que a criança tivesse garantido na legislação
seu direito à educação. Somente com a Constituição Federal, promulgada no ano de 1988, que
esse direito foi efetivamente reconhecido. Assim, a partir dessa lei, creches e p-escolas
passaram a ser incluídas na Educação Básica e na política educacional do país, seguindo uma
concepção pedagógica em detrimento do enfoque exclusivamente assistencialista.
A Constituição Federal de 1988 aponta em seu art. 208, a Educação Infantil como
dever do Estado e direito da criança. No art. 211 organiza seu sistema de ensino e deixa a
cargo dos municípios, prioritariamente, o atendimento do Ensino Fundamental e da Educação
Infantil, esta última dividida em creches para crianças de 0 a 3 anos e pré-escola para crianças
de 4 a 6 anos.
Após a promulgação da referida lei fica determinada a tarefa de elaboração de uma
legislação complementar para esta etapa da educação, de formulação de políticas públicas e
estabelecimento de prioridades orçamentárias, assim como, expansão do atendimento em
creches e pré-escolas.
Dois anos após a aprovação da Constituição Federal de 1988 foi aprovado o Estatuto
da Criança e do Adolescente Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990 - documento que,
mediante lutas em defesa dos direitos da criança, trouxe um conjunto de ações e políticas,
cujo objetivo é a proteção integral da criança e do adolescente.
Promulgada em 20 de dezembro de 1996, a lei 9.394Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBN) que estrutura todos os âmbitos da educação brasileira, em seu art.
29 aponta que a Educação Infantil é destinada à criança de até 6 anos de idade, com a
finalidade de complementar a ação da família e comunidade, objetivando o desenvolvimento
integral da mesma nos seus aspectos físicos, psicológicos, intelectuais e sociais. Define ainda
que: A educação infantil será oferecida em: I - creches ou entidades equivalentes para
crianças de até três anos de idade; II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos”
(Art. 30). Nesta mesma lei a Educação Infantil passa a ser considerada como a primeira etapa
16
da Educação Básica tendo como finalidade o pleno desenvolvimento da criança até os 6 anos
de idade.
Em 2006 o Ensino Fundamental sofreu nova modificação em sua organização. Este
nível de ensino que por anos consistiu no ingresso de alunos de sete anos na 1ª rie e
totalizava oito anos de ensino (1ª a série) foi modificado com a Lei 11.274 de 06 de
fevereiro de 2006, que trata do Ensino Fundamental de nove anos. Assim, a demanda de
crianças com seis anos de idade passou a ter matrícula no ano do Ensino Fundamental,
ficando a cargo dos municípios e estados o dever de implementar essas mudanças em seus
sistemas de ensino até 2010. Esta lei, em vigência, altera consequentemente toda a
organização da Educação Infantil, que agora se limita ao atendimento de crianças de 0 a 6
anos incompletos.
Como se vê, a trajetória da Educação Infantil não foi um processo tranquilo quando se
consideraram as questões históricas, políticas e sociais que envolveram este nível de ensino
até à consolidação do que temos hoje.
Mais recentemente é que se verifica o reconhecimento e a efetivação dos direitos da
criança pequena, uma vez que a Educação Infantil se constitui um direito da criança e tem o
objetivo de proporcionar condições adequadas para o desenvolvimento do bem-estar infantil,
como o desenvolvimento físico, motor, emocional, social, intelectual e a ampliação de suas
experiências.
1.2– As políticas públicas para a Educação Infantil
Com base no processo histórico que ao longo do tempo reconheceu a importância da
Educação Infantil no atendimento da criança, este nível de ensino passou a receber uma maior
atenção por parte da esfera pública, sendo então elaboradas políticas públicas e uma
legislação específica, para nortear a organização, infraestrutura, financiamento e outros
aspectos voltados para este nível de ensino.
Em consonância com a legislação, dois anos após a promulgão da LDBN, o
Ministério da Educação publicou, em 1998, os documentos “Subsídios para o
credenciamento e o funcionamento das instituões de educação infantil” (BRASIL, 1998b),
os quais contribuíram significativamente para a formulação de diretrizes e normas,
regulamentando, assim, as instituições de atendimento à criança em todo o país.
Nesse mesmo ano foi apresentado o Referencial Curricular Nacional da Educação
Infantil (RCNEI) de cuja elaboração participaram professores e especialistas. Este documento
17
aponta diretrizes de organização das escolas de Educação Infantil, de forma a contribuir para
o desenvolvimento integral das crianças e de suas identidades, para que possam crescer como
cidadãos, cujos direitos sejam reconhecidos. O documento também visa a fornecer reflexões
sobre conteúdos e orientações didáticas aos profissionais que atuam nessa etapa da educação
de modo a contribuir para que as escolas de Educação Infantil possam realizar a socialização
das crianças em ambientes que propiciem o acesso e a ampliação dos conhecimentos da
realidade social e cultural.
Dividido em três volumes, o RCNEI (BRASIL, 1998) propõe áreas de conhecimento
que venham a subsidiar o planejamento, desenvolvimento e avaliação de práticas educativas
que considerem a pluralidade e diversidade étnica, religiosa, de gênero, social e cultural das
crianças brasileiras, favorecendo a construção de propostas educativas que respondam às
demandas das crianças e de seus familiares nas diferentes regiões do país.
Ao tratar a Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica que visa ao
desenvolvimento integral da criança, o referido documento traz, ao socializar informações,
discussões e pesquisas, contribuições sobre políticas e programas para subsidiar o trabalho
educativo de técnicos, professores e demais profissionais deste nível de ensino.
De modo geral este documento apresenta em seu interior orientações que visam a
auxiliar a implementação de práticas educativas de qualidade a fim de promover e ampliar as
condições necessárias para o exercício da cidadania das crianças brasileiras (BRASIL, 1998).
Embora a elaboração de um referencial para a Educação Infantil apresente avanços no
campo das políticas públicas neste setor, são diversas as críticas que estudiosos da área da
educação apresentam a respeito do RCNEI (BRASIL, 1998). Palhares e Martinez (2007)
afirmam que questões sobre as condições do ambiente, a razão adulto/criança, a adequação de
espaço físico, a formação de vínculos do educador e a rotatividade do profissional da creche
não fizeram parte da abordagem apresentada no Referencial. Nesse sentido, consideram que:
“Sem tocar em tais pontos, temos o RCNEI como um desvio” (p. 12). Além disso, Cerisara
(2007) destaca que alguns pareceristas, responsáveis por avaliar o documento em sua fase de
elaboração, criticaram a indefinição do leitor a quem o RCNEI se dirige e, ainda, que o texto é
quase normativo, não se configurando como subsídios que levem a uma reflexão posterior.
A autora coloca também que, com base nas afirmações dos pareceristas, no RCNEI
(BRASIL, 1998) predomina uma concepção abstrata e reducionista da criança, pautada
basicamente na Psicologia. Assim, Cerisara (2007) diz:
18
Com relação às concepções teóricas, houve unanimidade nos pareceres em dizer
que o RCNEI tem sua fundamentação teórica na Psicologia. Com base nisto, os
enfoques dados foram os mais diversos: muitos constaram e sentiram falta de
contribuições de outros campos de conhecimento como a antropologia, linguagem,
filosofia, sociologia, afirmando que os pressupostos psicológicos são insuficientes
para dar conta da prática pedagógica. (p. 30)
São muitos os posicionamentos sobre o RCNEI. Tanto os pareceristas quanto os
estudiosos da Educação Infantil apontam diversas críticas a este documento, no que diz
respeito à estrutura, conteúdo, concepções, abordagens e propostas para a Educação Infantil, o
que o torna distante da função a que se propõe. Nesse sentido, Cerisara (2007) diz: “Parece
que podemos dizer que a educação infantil, pela sua especificidade, ainda não estava madura
para produzir um referencial único para as instituições de educação infantil do país” (p. 43).
Sendo assim, nota-se que seriam necessárias reflexões mais aprofundadas, discussões
e debates para de fato construir um referencial que apresente avanços mais significativos para
a Educação Infantil.
No ano de 1998, o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 1998c), que teve como objetivo apresentar
encaminhamentos de ordem pedagógica para este nível de ensino aos sistemas municipais de
educação e, também, aprovou as Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da
Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, incluindo o sistema estadual de
ensino.
A Lei 10.172 de 09 de janeiro de 2001 que traz o Plano Nacional de Educação
(PNE) teve como principal objetivo estabelecer metas para todos os níveis de ensino, cuja
vigência se estende até o ano de 2010.
Em 2006, foram publicados os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação
Infantil (BRASIL, 2006), divididos em dois volumes. Este documento estabeleceu padrões de
qualidade como referências orientadoras para o sistema educacional no que diz respeito à
organização e funcionamento das instituições de Educação Infantil. Além disso, o documento
definiu os requisitos necessários para uma educação que possibilitasse o desenvolvimento
integral da criança de até seis anos de idade, em seus mais diversos aspectos: físicos,
psicológicos, intelectual e social.
No primeiro volume uma apresentação sobre a concepção de criança, a trajetória
hisrica do debate da qualidade na Educação Infantil, as principais tendências identificadas
em pesquisas recentes, dentro e fora do país, e os desdobramentos previstos na legislação
19
nacional para este nível de ensino. O segundo volume propõe explicitar as competências dos
sistemas de ensino e a caracterização das instituições de Educação Infantil, a partir de
definições legais, entendendo que um sistema educacional de qualidade é aquele em que as
instâncias responsáveis pela gestão respeitem a legislação vigente (BRASIL, 2006).
De modo geral, ao trazer a discussão sobre a concepção de criança e sobre a qualidade
da Educação Infantil, os Parâmetros de Qualidade tratam da relação entre cuidar e educar,
tendo em vista os direitos e as necessidades das crianças. Certamente, este documento avança
em relação ao RCNEI (BRASIL, 1998) produzido há quase uma década.
No ano de 2006, também foi publicado o documento Política Nacional de Educação
Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à Educação (BRASIL, 2006b) que teve
por finalidade fornecer subsídios para um processo democrático de implementação das
políticas públicas para as crianças de zero a seis anos.
Como diretrizes da política nacional de Educação Infantil tal documento aponta que
este nível de ensino deve estar pautado na indissociabilidade entre o cuidado e a educação da
criança de 0 a 6 anos. Destaca, ainda, que o “processo pedagógico deve considerar as crianças
em sua totalidade, além de observar suas especificidades, as diferenças entre elas e sua forma
privilegiada de conhecer o mundo por meio do brincar” (BRASIL, 2006b, p.17).
Em 2006 o Ministério da Educação produziu, também, os Parâmetros sicos de
Infra-Estrutura para as Instituições de Educação Infantil, contendo concepções, propostas de
reforma e adaptação dos espaços nos quais as instituições de Educação Infantil estivessem
inseridas.
Com o enfoque na questão do espaço, o documento aponta que ambientes variados
podem favorecer diferentes tipos de interações e que o professor tem papel importante como
organizador dos espaços onde ocorre o processo educacional.
O espaço voltado para a Educação Infantil é concebido como promotor de aventuras,
descobertas, criatividade, desafios, aprendizagem e da interação criança-criança, criança-
adulto e deles com o meio ambiente. “O espaço lúdico infantil deve ser dinâmico, vivo,
“brincável”, explorável, transformável e acessível para todos” (BRASIL, 2006c, p. 10).
Por fim, no ano de 2006 o financiamento da educação brasileira passou por
modificações importantes. A Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996 havia criado o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
(FUNDEF). A distribuição dos recursos da união era direcionada prioritariamente para este
nível de ensino, porém, com a Emenda Constitucional 53, de 19 de dezembro de 2006, foi
criado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
20
Profissionais da Educação (FUNDEB) que alterou o financiamento da educação brasileira. A
distribuão da arrecadação dos recursos que no antigo FUNDEF era transferido somente para
o Ensino Fundamental, agora com tal modificação passa a ser transferido para a Educação
sica que inclui: Educação Infantil, Ensino Fundamental e dio e Educação de Jovens e
Adultos.
Dessa forma, as esferas públicas (estados e municípios) passam a receber recursos do
FUNDEB com base no número de crianças que efetivamente são atendidas no nível de ensino
pelo qual são responsáveis.
Embora a lei que instituiu o FUNDEB tenha sido um avanço em relação ao FUNDEF,
o financiamento para toda a Educação Infantil foi aprovado recentemente, por meio de
lutas de movimentos sociais, de professores, pesquisadores e, especialmente, de movimentos
ligados à Educação Infantil do Brasil, para a garantia de extensão deste financiamento às
creches que, segundo essa lei, tinham sido excluídas no início.
Recentemente, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 277 de 2008 colocou
em discussão a extensão da obrigatoriedade da frequência à escola de crianças da Educação
Infantil a partir de quatro anos de idade. Essa proposta visava ao aumento da duração da
escolaridade obrigatória de nove para treze anos, com início aos quatro anos e término aos
dezessete anos de idade. Foram muitas as críticas referentes a essa medida no que diz respeito
às questões conceituais e pedagógicas.
É delicada a questão de obrigatoriedade na Educação Infantil como um todo (0 a 6
anos), pois são claros os problemas relacionados os sistemas de ensino que, por sua vez, não
dão conta de atender a toda a demanda existente. Além disso, os pais passariam a ser
obrigados a inserir seus filhos de 0 a 3 anos no contexto da Educação Infantil, sendo tirado
deles o direito de permanecer com seu filho, colocando-o em sistemas muitas vezes de
qualidade comprometida.
Porém, em 2009, a obrigatoriedade foi aprovada, ficando determinado o aumento do
tempo obrigatório de escolaridade apenas para crianças de quatro anos em diante, ou seja, a
Educação Infantil continuou a ser dividida em creches e pré-escolas. Às redes municipais e
estaduais foi determinado, também, o prazo até 2016 para implementar a mudança
gradualmente.
Por meio de lutas e movimentos sociais foi possível garantir o financiamento às
creches, que no início da proposta do FUNDEB eram excluídas. Com a proposta da
obrigatoriedade da Educação Infantil para crianças entre 4 e 6 anos, o risco de dividir
novamente a Educação Infantil em duas partes se faz presente: a pré-escola (de 4 a 6 anos),
21
obrigatória, que passa a um vel de prioridade, ressaltando sua importância educacional; e a
creche (de 0 a 3 anos), de caráter não-obrigatório, que perde importância educacionalmente.
Esta divisão vai contra as conquistas alcançadas pela Educação Infantil como, por exemplo, o
direito da criança à educação desde o seu nascimento. Ela fica excluída até seus três anos de
vida, fase importante para a sua formação, uma vez que neste período se dá a formação de
estruturas que influenciam as aprendizagens ao longo da vida.
1.3– A questão da qualidade
Com base em toda a trajetória da Educação Infantil brasileira e os referidos
documentos acima tratados, torna-se necessário refletir sobre uma questão central na
educação: a qualidade.
Tendo em vista que as primeiras experiências da vida são as que mais marcam a
pessoa, a Educação Infantil passa por uma discussão relevante sobre a questão da qualidade
oferecida neste nível de ensino em seus mais diversos aspectos, tais como: a formação
profissional, a infraestrutura oferecida, o atendimento da demanda, o financiamento, entre
outros. É preciso pensar em uma pedagogia melhor, tendo por base que nessa idade os
estímulos educativos acabam por ter maior influência sobre a formação da personalidade e o
desenvolvimento da criança (BRASIL, 2001).
O Plano Nacional da Educação na abordagem que traz sobre a Educação Infantil
aponta os investimentos que ainda devem ser feitos para alcançar a qualidade desejada. A
primeira meta trata da amplião da oferta de atendimento às crianças de zero a seis anos.
Para que isto de fato se consolide é necessário um elevado investimento financeiro. Por fim,
na meta 23 ressalta a importância de: “Realizar estudos sobre custo da educação infantil
com base nos parâmetros de qualidade, com vistas a melhorar a eficiência e garantir a
generalização da qualidade do atendimento (BRASIL, 2001, p. 18).
Sem dúvida, tratar de uma educação de qualidade traz implicações diretas sobre
recursos para o seu financiamento, de modo a ampliar quantitativa e qualitativamente a oferta
de creches e pré-escolas.
A questão do espaço e da infraestrutura de que as instituições de Educação Infantil
dispõem também faz parte desta discussão. No documento Parâmetros Básicos de Infra-
estrutura para Instituições de Educação Infantil, de 2006, alguns apontamentos sobre
estabelecimentos para criança que não possuem abastecimento de água adequado, que não
contam com parques infantis, entre outras carências relacionadas ao espaço. O documento
22
mostra que essas precariedades, embora presentes em todo o país, têm na região Nordeste
suas carências mais significativas (BRASIL, 2006c).
É importante não perder de vista a estreita relação entre qualidade e quantidade. Nesse
sentido é relevante pensar na questão do atendimento dos sistemas públicos diante da
demanda existente.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, bem como a Resolução
CNE/CEB nº 1 de 07/04/1999, forneceram orientações para todos os sistemas municipais e/ou
estaduais de educação. Tais ações foram precedidas de um parecer (Parecer CNE/CEB nº
22/98) que entre as diversas questões relativas à qualidade trata da proporção adulto/criança
nas instituições de Educação Infantil, sendo:
1 professor para cada 6 a 8 bebês de 0 a 2 anos;
1 professor para cada 15 crianças de 3 anos;
1 professor para cada 20 crianças de 4 a 6 anos.
Esta relação, porém, nem sempre é respeitada diante da excessiva demanda a ser
atendida na Educação Infantil. A razão adulto/criança está também associada a condições nas
quais as crianças sejam respeitadas em seus direitos. Este aspecto se relaciona também com as
próprias condições de trabalho a que os profissionais da área estão submetidos. Neste sentido,
o problema do atendimento passa para um âmbito maior, pautado na questão econômica. A
falta de investimento por parte do Estado para a construção de novas instituições,
aprimoramento na formação dos professores, assim como novas contratações, trazem a este
sistema de ensino precariedades na qualidade do atendimento.
Com base nestes aspectos, não se pode deixar de tratar sobre os profissionais que
atuam neste nível de ensino, assim como sobre sua formação profissional. Sendo este um
aspecto importante a ser considerado na questão da qualidade, a LDBN dispõe, no título V,
art. 62 que:
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em vel superior,
em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos
superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do
magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino
fundamental, a oferecida emvel dio, na modalidade Normal.
23
Nesta mesma lei encontra-se no título IX, art. 87, que: “até o fim da década da
Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por
treinamento em serviço”. Além da formação acadêmica prévia é requerido, ainda, que este
profissional esteja em permanente formação no trabalho pedagógico, renovando-se
constantemente (BRASIL, 2001).
A prática pedagógica de um profissional devidamente qualificado reflete diretamente
na qualidade de seu trabalho. Desse modo, os Parâmetros de Qualidade (BRASIL, 2006)
definem que a intenção de aliar uma concepção de criança à qualidade dos serviços
educacionais prestados implica atribuir um papel específico à pedagogia desenvolvida no
interior destas instituições.
Vale, então, repensar o currículo de formação destes profissionais que futuramente vão
atuar na Educação Infantil. Kishimoto (2002) aponta essa preocupação frente aos avanços e
retrocessos na formação dos profissionais que atuam nesta etapa da educação, uma vez que
um dos problemas encontrados está baseado na configuração curricular dos cursos que
formam estes profissionais, cursos que, muitas vezes, apresentam falta de clareza sobre o
perfil profissional daqueles que vão atuar com a criaa pequena.
É preciso superar o entendimento dos princípios de maternagem”, ou seja, de que
para trabalhar com crianças é preciso ser paciente e gostar de criança. Contrário a isso, é
preciso que, paralelamente ao desenvolvimento de projetos educativos, as instituições contem
com professores comprometidos com a prática educacional “capazes de responder às
demandas de familiares e às crianças, assim como questões relativas aos cuidados e
aprendizagem infantis” (BRASIL, 1998, p. 41).
Portanto é relevante pensar que para alcançar os patamares de qualidade de uma escola
é preciso contar com profissionais preparados para questões ligadas aos conhecimentos
específicos da área, como desenvolvimento e aprendizagem da criança.
No atual contexto é necessária uma reflexão mais profunda a respeito da necessidade
de inclusão, nos currículos de formação inicial desses profissionais, da dimensão da relação
destes com os processos educativos, as aprendizagens e o desenvolvimento infantil, além da
questão do cuidado da criança pequena em suas diferentes nuances e perspectivas e,
sobretudo, em seus direitos.
Para além da questão profissional o que se pode notar é que na Educação Infantil,
segundo os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006),
para que as aprendizagens e desenvolvimento da criança sejam favorecidos e a questão do
24
cuidar e educar seja de fato efetivada, é necessário que sejam oferecidas às crianças
possibilidades de apropriação e produção de significados no mundo da natureza e da cultura.
Neste documento (BRASIL, 2006) lê-se, ainda, que certos aspectos precisam ser
considerados ao tratarmos de qualidade.
No que diz respeito às características dos centros de educação pré-escolar
investigados, o estudo encontrou evidências adicionais de que a qualidade pode ser
encontrada em todos os tipos de pré-escola, entretanto as de melhor qualidade são
aquelas mais formais, que contam com pessoal qualificado e currículo mais
sistematizado, combinando educação e cuidado, com um máximo de 13 crianças
por adulto e geralmente duas professoras por classe. Outros fatores que contribuem
para a qualidade são as relações interativas calorosas com as crianças e o
entendimento de que o desenvolvimento educacional e o desenvolvimento social
são aspectos complementares. (p. 28)
Dessa forma a Educação Infantil devido à maneira como se expandiu apresenta
padrões distantes dos desejados. Torna-se, então, pertinente a reflexão sobre a questão dos
espaços físicos disponíveis, sobre um currículo que integre os cuidados à educação da criança,
equipamentos e materiais pedagógicos adequados, propostas educativas com as crianças,
assim como autonomia dos profissionais e uma melhor remuneração. Esses são aspectos, sem
vida, importantes para ser considerados de modo a se atingir um trabalho com mais
qualidade.
Ao considerar que a Educação Infantil tem um papel cada vez mais de destaque na
formação integral da pessoa, no desenvolvimento de sua aprendizagem, assim como o
desenvolvimento de sua inteligência construída pela criança na interação social, este nível de
ensino necessita de olhares mais direcionados para suprir suas carências. Não são poucos os
estudos que apontam o efeito positivo da ação educacional nos primeiros anos de vida, quer
sobre a futura vida acadêmica ou sobre aspectos da vida social. Assim, os investimentos
voltados para este vel de ensino apresentam uma taxa de retorno econômico superior a
qualquer outro (BRASIL, 2001).
A qualidade no atendimento está, antes de tudo, relacionada à ideia de efetivação dos
direitos da criança. Nesse sentido é preciso um reconhecimento desta etapa da educação por
parte da sociedade e das políticas blicas, para que assim se possam legitimar investimentos
e ensino de qualidade às crianças de 0 a 6 anos.
O que se pode concluir é que quando se pensa em uma educação de qualidade,
principalmente no que tange à Educação Infantil, percebe-se que este não é um processo cil
25
e tranquilo. A sociedade civil, juntamente com professores, especialistas e pesquisadores
desempenha um papel fundamental na garantia e implementação do direito à educação de
qualidade a toda e qualquer criança. Nota-se que diante de toda a trajetória traçada
historicamente muitos aspectos mudaram na Educação Infantil frente aos investimentos,
políticas públicas e reconhecimento de sua importância educacional na vida da criança, porém
o que é possível constatar é que muito ainda precisa ser feito para que de fato a Educação
Infantil alcance patamares mais altos de qualidade.
26
Capítulo 2 – Referencial teórico
Com base nos documentos citados no capítulo anterior são inúmeras as vezes que tais
publicações apresentam a importância do brincar na Educação Infantil, sendo esta atividade
concebida como de caráter permanente nas práticas cotidianas das instituições infantis. Neste
capítulo me atenho, com base no referencial teórico adotado para esta pesquisa, a apontar a
relevância que esta atividade tem nas aprendizagens e desenvolvimento da criança, assim
como destacar o papel do professor no processo de mediação durante as brincadeiras infantis.
2.1– O Desenvolvimento infantil na teoria Histórico-cultural
Na teoria Histórico-Cultural a concepção de desenvolvimento humano não está
pautada somente no aspecto biológico, mas considera que o desenvolvimento vai além da
visão biológica, sendo o homem constituído por seus aspectos sociais e sua historicidade.
Nesse sentido Mukhina (1996) afirma que “(...) na diferenciação do desenvolvimento psíquico
da criança e na formação de suas capacidades, as condições de vida, educação e instrução
influem muito mais do que características herdadas” (p. 67).
A cultura, nesta perspectiva, recebe um papel de destaque, sendo ela o meio no qual o
homem, oé constituído, como também responsável por sua constituição.
Vigotsky (1995) aponta que a cultura traz formas de conduta, modifica a atividade das
funções psíquicas superiores e edifica novos níveis do comportamento humano em
desenvolvimento. Então, não é a natureza, mas sim a sociedade o fator determinante na
conduta do homem.
Diante da satisfação das necessidades orgânicas da vida da criança, ocorrem mudanças
na base do seu desenvolvimento psíquico. A partir de então, essas necessidades tornam-se
secundárias e por influência direta de seu modo de vida e educação surgem novas
necessidades, não mais de cunho biológico, mas sim sociais. Segundo Elkonin (1987) o
desenvolvimento da criança é concebido como a permanente passagem de uma escala
evolutiva a outra, ligada à mudança e à estruturação de sua personalidade.
Diferentemente de teorias que concebem o desenvolvimento de forma linear, na
perspectiva Histórico-cultural o desenvolvimento dos processos psíquicos da criança é regido
por saltos e superações que se alteram no decorrer desse desenvolvimento (ELKONIN, 1998).
Vigotsky (1995) acrescenta que o desenvolvimento infantil não se processa por mudanças
27
lentas e graduais, mas é marcado por mudanças bruscas, sendo estas essenciais ao próprio tipo
de desenvolvimento, às próprias forças motrizes do processo.
Ao considerar que este processo é composto por momentos estáveis e críticos,
Mukhina (1996) aponta sobre a necessidade que a criança apresenta em vivenciar novas
possibilidades, uma vez que perde seu interesse pelas ações que antes lhe interessavam.
Devido ao desenvolvimento alcançado pela criança numa etapa, chega um
momento em que seus conhecimentos, seus hábitos, suas qualidades psíquicas, ou
seja, suas possibilidades entram em contradição com as velhas formas de ação e de
relação com os que a rodeiam. A criança sente suas novas possibilidades e perde
interesse pelas coisas que pouco a interessavam. Procura novas relações com o
adulto. Essa contradição se expressa sob forma de crise: o velho não satisfaz a
criança e o novo ainda não foi forjado. (p. 62)
Pautado numa relação dialética, Vigotsky (1996) considera que o desenvolvimento
humano é constituído por períodos, de um lado, estáveis e, de outro, com a presença de crises.
Ressalta que essa contradição no desenvolvimento da criança se manifesta desde o momento
em que ela nasce.
As crises são pontos de virada no desenvolvimento da criança, vislumbradas como
aspectos revolucionários. Vigotsky (1996) ao estudar as crises expõe que, em um curto espaço
de tempo, a criança modifica-se por completo e isso transforma os traços básicos de sua
personalidade. Essas alterações acontecem de forma brusca e revolucionária, logo, Son
puntos de viraje en el desarrollo infantil que tienen, a veces, la forma de agudas crisis” (p.
256).
O autor que propõe estudar as crises por meio de uma abordagem dialética destaca que
o desenvolvimento da criança não ocorre por via linear, mas sim, em um movimento dialético
e revolucionário, no qual os períodos de crises se intercalam com períodos estáveis,
configurando-se como pontos críticos de mudanças do desenvolvimento.
Esses momentos de crise no desenvolvimento da criança apresentam peculiaridades
fundamentais que deveriam ser de conhecimento dos professores e de outros adultos que
convivem com ela. Entre essas peculiaridades a origem das crises que surgem de maneira,
praticamente, imperceptível, sem definição dos limites entre seu começo e seu fim. Além
disso, Vigotsky (1996) mostra que as crises se relacionam ao movimento brusco e agudo do
desenvolvimento da criança.
Por fim, outra peculiaridade está pautada no fato de que muitas crianças ao passarem
por momentos críticos em seu desenvolvimento tornam-se difíceis de educar, uma vez que as
28
crises são acompanhadas de conflitos agudos com as pessoas ao seu entorno e a vida interna
dessas crianças acaba por sofrer dolorosas vivências e conflitos íntimos.
Porém, que se ressaltar que a ausência de um estudo teórico aprofundado sobre
esses períodos faz com que os educadores vejam a índole negativa desse processo, o que
impossibilita a percepção sobre os aspectos positivos das crises, bem como a relevância que
assumem para o desenvolvimento infantil.
As mudanças no desenvolvimento psíquico da criaa têm explícitas relações com o
tipo de atividade que ela realiza no seu cotidiano e a realidade que a circunda. Leontiev
(1987) assume que cada um desses períodos tem significação essencial na formação da
personalidade da criança, apresentando, por sua vez, características próprias.
A transição de um período para o outro está baseada na mudança do tipo de atividade
principal da criança diante da realidade. As relações estabelecidas entre a criança e o mundo
ao seu redor são relações tipicamente sociais que impulsionam o conteúdo e sua motivação
para a nova atividade (LEONTIEV, 1978).
Com base no desenvolvimento humano, Leontiev (1978) afirma que em determinados
momentos, alguns tipos de atividade desempenham um papel essencial no decorrer deste
processo. Assim o autor traz em sua teoria o conceito de atividade principal.
A atividade principal é aquela que está em conexão com as mais importantes
mudanças que ocorrem no desenvolvimento psíquico infantil, constituindo-se no caminho de
transição da criança para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento. Assim Leontiev
(1978) define: “A atividade principal é, portanto, aquela cujo desenvolvimento condiciona as
principais mudanças nos processos psíquicos da criança e as particularidades psicológicas da
sua personalidade numa dada etapa do desenvolvimento” (p. 293).
O autor esclarece que não é a idade da criança que determina o conteúdo do estágio de
desenvolvimento, mas sim a idade da passagem de uma etapa a outra que depende do seu
conteúdo e que muda com as condições cio-hisricas. Estas mesmas condições
determinam, por outro lado, qual a atividade se torna dominante para a criança num dado
período do seu desenvolvimento.
Leontiev (1978) ainda afirma que a mudança do tipo de atividade e a transão da
criança de um momento de desenvolvimento para outro têm por base uma necessidade interior
que a criança traz de enfrentar outras tarefas correspondentes a uma nova percepção que nela
surge. Ocorre uma mudança de sua atividade e os motivos que antes a estimulavam perdem
sua força e surgem novos motivos que, por sua vez, conduzem a uma reinterpretação das
ações passadas.
29
Surge uma contradição aberta entre o modo de vida da criança e as suas
possibilidades que já superam este modo de vida. É por isso que a sua atividade se
reorganiza. Assim se efetua à passagem a um novo estágio de desenvolvimento da
sua vida pquica. (p. 295)
Dessa forma a atividade que costumava desempenhar o papel principal na vida da
criança começa a se desprender e passar para um segundo plano. Leontiev (2006) aponta que
essas transições não consistem em uma simples mudança de ações, operações e função, mas
são mudanças que alteram a atividade como um todo.
Ao considerar que a vida infantil em cada período apresenta atividades variadas, em
cada período temos, então, novos tipos de atividades, assim como, novas relações da criança
com a realidade. Nesse sentido, Elkonin (1987) afirma: “Seu surgimento e conversão em
atividades dominantes o eliminam as existentes anteriormente, mas sim somente muda seu
lugar no sistema geral de relações da criaa para a realidade, as quais se tornam mais ricas”
(p. 122).
Na mesma direção, Mukhina (1996) define que em determinados períodos da idade
infantil, a criança está mais ligada a determinado tipo de atividade, predominante naquela
fase, sendo assim, no primeiro ano de vida é a relação emocional com o adulto; para a
primeira infância (1 a 3 anos) é a atividade com os objetos; para o pré-escolar (4 a 6 anos) é o
jogo e para o escolar (7 anos em diante) é o estudo.
A criança em idade pré-escolar tem a brincadeira, ou jogo, como a atividade principal,
definida a seguir por Elkonin (1998).
O jogo é o tipo de atividade, senão predominante, pelo menos principal da idade
p-escolar. Contém todas as tendências do desenvolvimento; é fonte de
desenvolvimento e cria zona evolutiva do mais imediato; na esteira do jogo
ocorrem as mudanças de necessidades e as de consciência de caráter geral. (p.
200)
Com base em Leontiev (1978) e Elkonin (1998), Mukhina (1996) pontua que: “o jogo
é a atividade principal, não porque a criança de hoje passa a maior parte do tempo se
divertindo, o que não deixa de ser verdade, mas porque o jogo dá origem a mudanças
qualitativas na psique infantil” (p.155).
Por fim, Elkonin (1998) certifica que as demais atividades apresentam em seu cerne a
formação de novas necessidades, porém considera que “(...) nenhuma outra atividade se entra
30
com tanta carga emocional na vida dos adultos, nem sobressaem tanto as funções sociais e o
sentido da atividade das pessoas quanto no jogo” (p. 406).
Destaca-se a seguir, mais profundamente, a relevância desta atividade para o
desenvolvimento infantil.
2.2 - A importância do brincar
Kishimoto (1996) ao discutir sobre o jogo e brincadeira aponta que a diferenciação
conceitual entre esses dois termos ocorre conforme cada contexto social, que constrói uma
imagem de jogo com base em seus valores e modo de vida. Porém a autora aponta que no
Brasil jogo, brinquedo e brincadeira ainda o empregados de forma indistinta,
demonstrando um nível baixo de conceituação deste campo” (p. 17). Portanto, neste trabalho
não farei diferenciação entre estes conceitos. Assim, ao me referir ao jogo, estarei diretamente
me remetendo à ideia de brincadeira e vice-versa.
A brincadeira é a atividade por meio da qual o pré-escolar incorpora conhecimentos
sobre a realidade social e que, por sua vez, a conduz para um nível superior de
desenvolvimento. Mukhina (1996) destaca a relevância da brincadeira para as aprendizagens e
o desenvolvimento da criança, afirmando: “(...) o pré-escolar assimila melhor e mais
rapidamente as novas ações se essas forem apresentadas sob forma de brincadeiras, ou
inseridas em um jogo” (p. 47).
A brincadeira, concebida por Leontiev (1978; 2006) como atividade principal na idade
pré-escolar é importante para o desenvolvimento mental e psíquico da criança e contribui para
a formação de novas estruturas mentais, novas aquisições e, também, para sua maturidade.
Elkonin (1987) aponta que: “Através del juego el mundo de las relaciones sociales,
mucho más complejas que las accesibles al niño en su actividad no lúdica, se introduce en su
vida y la eleva a un nivel significativamente más alto(p. 93). O autor ainda sinaliza que o
jogo surge da necessidade que a criança tem em estabelecer uma relação com o mundo que a
circunda.
Segundo Leontiev (1987) a criança penetra ativamente na cultura humana que a
rodeia, assimilando, dessa forma, as relações sociais das pessoas, as normas existentes e
socialmente estabelecidas. O que se vê, então, é que quando uma criança representa um
aviador, guarda, doutor etc. inserida no contexto de uma brincadeira, ela tem a possibilidade
31
de executar ações que ainda não lhe são acessíveis e a brincadeira contribui para a realização
do seu desejo de entender esses papéis sociais.
Elkonin (1998) considera o jogo como a possibilidade de a criança interpretar e
assimilar a realidade, tomando consciência da cultura e do sistema de regras existentes no
mundo adulto. Nesse sentido, Leal (2003) afirma que a brincadeira acontece diante da
necessidade de se transformar situações vividas que nos oferecem subsídios para constatar a
maneira como a criança pensa, seus sentimentos e a forma que concebe o mundo:
Transformar situações vividas para satisfazer uma necessidade é um papel da
brincadeira. A criança substitui uma relação quando, por exemplo, transfere os
papéis dos humanos para os bichinhos de plástico, borracha, madeira, pelúcia ou de
outro tipo, com objetivo de entender como os pais fazem com ela em relação ao
autocuidado. O que a criança sente, é expresso nas brincadeiras de “mamãe e
filhinho”, “papai e mamãe”, demonstrando seus sentidos, sentimentos, vontades e
gostos, ao assumir personagens. (p. 38)
A brincadeira, que possibilita o aumento do repertório do conhecimento da criança, é a
forma explícita da relação que ela tem com o mundo. Leal (2003), que em sua pesquisa
trabalhou o brincar da criança na pré-escola, com base na teoria Histórico-cultural, aponta
que:
Por meio da brincadeira, a criança elabora conceitos, constrói conhecimentos,
produz e reproduz modelos historicamente datados. Os conhecimentos produzidos e
os conhecimentos repassados para as crianças, assimilados por meio do brincar,
podem auxiliá-las a aumentar seu repertório de conhecimentos, como os corporais,
os cognitivos, os sociais, entre outros. (p. 32)
São inúmeras as contribuições que a brincadeira traz para o desenvolvimento infantil,
considerando seus aspectos sociais, cognitivos, corporais, entre outros.
Ao tratar das brincadeiras infantis, não se pode deixar de traçar a importância que os
brinquedos apresentam nestas atividades. Os brinquedos o objetos apropriados pelas
crianças, os quais irão simbolizar elementos existentes no mundo adulto. Leontiev (2006)
afirma que o uso dos brinquedos pela criança em idade pré-escolar tem por base sua
necessidade de agir em relação não apenas ao mundo dos objetos diretamente acessíveis a ela,
mas, também, em relação ao mundo mais amplo dos adultos, buscando atuar da mesma
maneira que ela vê os outros atuarem.
32
Nos brinquedos do período pré-escolar, as operações e ações da criança são assim,
sempre reais, e sociais, e nelas a criança assimila a realidade humana. O brinquedo
é realmente “o caminho pelo qual as crianças compreendem o mundo em que
vivem e que serão chamadas a mudar. (p. 130)
Para Elkonin (1987), diante do comportamento e da conduta que a criança estabelece
para o papel e as regras exercidas, o jogo apresenta devida relevância para quase todos os
processos pquicos na idade pré-escolar, principalmente no que tange ao desenvolvimento de
sua personalidade e consciência. No que diz respeito a estes processos psíquicos, o autor
afirma: “el pequeño toma conciencia de si mismo, aprende a desear y a subordinar a su
deseo suas impulsos afectivos pasajeiros; aprende a actuar subordinado sus acciones a um
determinado modelo, a uma norma de comportamiento” (p. 99-100)
Diante da necessidade de levar uma vida em comum com os adultos e a
impossibilidade de execução destas ações na realidade, a criança resolve esta contradição por
meio da brincadeira. Considerando-a como elemento propulsor do desenvolvimento infantil, é
importante analisar alguns aspectos que a fundamentam e a caracterizam.
A brincadeira é a forma explícita que a criança estabelece frente à necessidade de se
comunicar com os adultos. Assim, o brincar infantil tem estreita relação com as condições de
vida e a realidade circundante. Nesse sentido a brincadeira caracteriza-se como uma atividade
de natureza social e não biológica, como afirma Elkonin (1998):
Em nossa opinião, o singular impacto que a atividade humana e as relações sociais
produzem no jogo evidencia que os temas dos jogos não se extraem unicamente da
vida das crianças, porquanto possuem um fundo social, e não podem ser um
fenômeno biológico. A base do jogo é social devido precisamente a que também o
são sua natureza e sua origem, ou seja, a que o jogo nasce das condições de vida da
criança em sociedade. (p. 36-37)
Elkonin (1987) aponta que durante a brincadeira a criança desfruta de tamanha
satisfação de modo que ela coloca este momento em primeiro plano: “La saturación
emocional del juego es tan fuerte y tan evidente que este momento se pone con frecuencia en
primer plano” ( p. 86).
Outro aspecto do brincar está pautado nos conteúdos que esta atividade traz. As
crianças em suas atividades lúdicas demonstram que o conteúdo de suas brincadeiras está
baseado na percepção que têm do mundo. Nesse sentido, o brincar aparece na vida da criança
como uma reelaboração das relações sociais, como diz Leontiev (2006):
33
Durante este desenvolvimento da consciência do mundo objetivo, uma criança
tenta, portanto, integrar uma relação ativa não apenas com as coisas diretamente
acessíveis a ela, mas também com o mundo mais amplo, isto é, ela se esforça para
agir como adulto. (p.121)
O conteúdo dos jogos infantis tem como fonte fundamental as ideias que as crianças
têm da realidade que vivenciam. Em suas brincadeiras, segundo Elkonin (1998), elas
destacam as ações e relações existentes neste mundo. Pode-se, então, afirmar que o jogo não
parte da pura imaginação infantil, mas está pautado na reconstrução da realidade presente na
vida da criança ao dar forma aos papéis dos adultos.
Assim a realidade apresenta preponderância nos conteúdos das brincadeiras infantis,
como afirma Elkonin (1998):
o diferentes os temas dos jogos das crianças de diferentes classes sociais, dos
povos livres e dos povos oprimidos, dos povos nórdicos e dos povos meridionais,
dos que habitam regiões arborizadas ou desérticas, dos filhos de operários
industriais, de pescadores, de criadores de galo ou de agricultores. Inclusive uma
mesma criança muda os temas de seus jogos, segundo as condições concretas em
que se encontra temporariamente.
O singular impacto que a esfera de atividade humana e das relações entre as pessoas
produz no jogo evidencia que, apesar da variedade de temas, todos eles contêm, por
princípio, o mesmo conteúdo, ou seja, a atividade do homem e as relações sociais
entre as pessoas. (p. 35)
O autor argumenta que os desejos das crianças não permanecem inalteráveis, ou seja,
os desejos das crianças nos jogos mudam, assim como seus conteúdos.
A criaa passa por diversos momentos de desenvolvimento. Em tais momentos é
observado que, embora estejam divididas por grupos de idades, não são elas que determinam
a evolução das brincadeiras, mas, sim, a experiência nas relações sociais e a variedade do
conteúdo destas relações.
Com base nas ações que as crianças realizam, o conteúdo das brincadeiras é
modificado à medida que ela se relaciona em sociedade, brinca, aprende e se desenvolve.
Leontiev (2006) afirma que a percepção que a criança tem do mundo dos objetos humanos e
suas relações é que vão determinar o conteúdo de tais brincadeiras.
Entre os diversos elementos que caracterizam o brincar infantil destaca-se, ainda, um
aspecto fundamental: as ações infantis realizadas durante as brincadeiras não estão baseadas
em um produto final, mas o seu alvo está pautado no processo de realização de tais ações,
conforme afirma Leontiev (2006):
34
Quando, por exemplo, uma criança bate com uma vara ou constrói com blocos, é
claro que ela não age assim porque essa atividade leva a certo resultado que satisfaz
alguma de suas necessidades; o que a motiva a agir nesse caso aparentemente é o
conteúdo do processo real da atividade dada. (p. 119)
O jogo é uma atividade cujo enfoque não está pautado no produto, mas o motivo de
sua realização está baseado no processo das ações e não no resultado delas.
São diversas as etapas pelas quais passa o brincar na Educação Infantil. Com base em
Mukhina (1996) este processo se inicia pela relação que as crianças estabelecem com os
brinquedos até chegar à sua forma mais evoluída, os jogos de papéis.
A seguir tais momentos são caracterizados.
Logo que a criança nasce suas necessidades e interesses estão totalmente voltados à
figura do adulto. À medida que cresce, passa a apresentar novas necessidades que dão lugar a
novos tipos de atividade principal (MUKHINA, 1996). Assim a autora aponta:
Na primeira infância, o interesse pelo adulto se transfere para os objetos, a criança
se incorpora à ação com os objetos. Quando aprende a manejar os objetos, se torna
mais autônoma, imita as ações do adulto, colabora com ele, provoca
intencionalmente a reação do adulto (exige sua atenção e seu elogio). (p. 47)
Elkonin (1998) considera que na fase inicial da infância, a criança está totalmente
absorta no objeto, na maneira de com ele atuar e sua importância funcional. Chega a aprender
certas ações, que ainda podem ser muito elementares, mas é capaz de realizá-las por si só. Por
isso, a manipulação dos objetos apresenta-se como atividade preponderante para a criança
nesta fase.
Na fase inicial da atividade com objetos, o seu manuseio está restrito às suas
propriedades externas. Assim, a criança no primeiro ano de vida manipula uma colher da
mesma forma que o pau, o lápis, ou a pá (MUKHINA, 1996).
Mukhina (1996) define que nesta etapa objetal a atividade da criança vai além da
simples manipulação dos objetos: passa a haver uma relação entre a ação da criança com o
objeto, etapa que apresenta três fases de desenvolvimento:
Na primeira fase, a criança pode realizar com o objeto qualquer uma das ações que
ela domina. Na segunda fase, utiliza o objeto de acordo com sua função direta.
Finalmente, na terceira fase, produz-se algo como um retorno à primeira fase: a
35
livre utilização do objeto, mas em vel totalmente distinto: agora, a criança
conhece a função principal do objeto. (p. 108)
Diante de uma nova relação estabelecida frente às ações com os objetos, a criança
sofre uma alteração nas regras de comportamento, uma vez que ela passa do simples processo
de manuseio para considerar as propriedades do objeto modificando, assim, suas ações com
relação a eles.
A infância pré-escolar é o período da vida em que o mundo da realidade humana que
cerca a criança abre-se cada vez mais para ela. Ao penetrar no mundo objetivo em suas
brincadeiras, os objetos humanos ultrapassaram os estreitos limites da manipulação e a
criança passa, então, a reproduzir ações humanas com eles, conforme aponta Elkonin (1998):
No tocante ao jogo temático, a criança aprende nele, principalmente, o significado
dos objetos, a orientar-se quanto à sua função social e a utilizá-los com proveito
social. Assim, no final do primeiro período da infância, preparam-se as premissas
fundamentais para a transição para o jogo protagonizado. (p. 230)
Ocorre, então, que a imitação das relações sociais do mundo adulto toma frente nesta
fase, deixando a reprodução das ações com os objetos para segundo plano. Assim, no final
dos primeiros anos da infância, por volta dos dois anos e meio e três anos, surgem os
primeiros indícios dos jogos de pais (ELKONIN, 1998).
Mukhina (1996) aponta que, inicialmente, os conteúdos das brincadeiras infantis
restringem-se a representar práticas cotidianas, tais como: dar comida para a boneca ou
colocá-la para dormir. Somente quando a criança vai adentrando, mais profundamente, no
mundo adulto e compreendendo as relações nele existentes é que os conteúdos dos jogos se
tornam mais complexos: “Os pré-escolares menores recriam no jogo relações de um mundo
muito restrito. Em geral, esses jogos têm por argumento sua prática diária; mais tarde, o eixo
principal do jogo passa a ser a reprodução das relações humanas” (p. 159).
Nesse sentido, Elkonin (1998) afirma que no início, o jogo consta de ações domésticas
executadas por crianças: cozinhar, lavar, carregar de um lado para o outro (três a quatro anos),
depois aparecem as significações relacionadas com certas ações, quando a criança atua como
a mamãe, a cozinheira, o motorista. Ao lado das ações protagonizadas, aparecem nessas
significações as relações entre os personagens e, por último, o jogo culmina com o
aparecimento do papel.
36
Elkonin (1998) trabalha o conceito de jogo protagonizado para o p-escolar, no qual
as crianças reconstituem, em suas brincadeiras, ações do mundo adulto ainda inacessíveis a
elas. Assim, existe na realidade que circunda a criança o fator concreto que exerce uma
influência determinante no jogo protagonizado. Nesse sentido o autor define:
Os resultados das citadas pesquisas evidenciam que no jogo protagonizado influi,
sobretudo, a esfera da atividade humana, do trabalho e das relões entre as pessoas
e que, por conseguinte, o conteúdo fundamental do papel assumido pela criança é,
precisamente, a reconstituição desse aspecto da realidade. (p. 31)
Leontiev (2006) afirma que durante o período pré-escolar os jogos protagonizados, em
relação ao mundo adulto, adquirem maior relevância para o desenvolvimento psíquico da
criança, pois é por meio deles que ela irá elaborar novas formas de pensamento que
consequentemente a impulsionarão para o desenvolvimento.
Octaviani (2003), com base na perspectiva Histórico-cultural, afirma que nos jogos
protagonizados a criança irá reproduzir os modelos de relações humanas que observa no
mundo circundante o que lhe permitiassimilar, pouco a pouco, a experiência socialmente
acumulada, além de apropriar-se dos modos de ser, pensar, sentir e agir construídos
historicamente pela humanidade.
Assim, persiste na infância o jogo na forma evoluída de jogos de papéis, sendo ele
uma das formas fundamentais na vida da criança contemporânea. Nesta fase, o importante
para a criança é o cumprimento dos requisitos do papel que assume, o que faz com que ela
subordine a tais requisitos todas as suas ações lúdicas. Assim, a representação do argumento e
do papel assume grande relevância no desenvolvimento da criança neste período.
Mukhina (1996) trata de dois conceitos importantes nos jogos de papéis, sendo eles: o
conteúdo e o argumento. A autora afirma que a realidade representada nos jogos infantis
converte-se em argumento do jogo dramático, como ela define: Quanto mais ampla for a
realidade que as crianças conhecem, tanto mais amplos e variados serão os argumentos de
seus jogos. Por isso, um pré-escolar mais novo tem um número de argumentos mais limitados
do que outro mais velho” (p. 157).
A autora aponta, ainda, que a variedade de argumentos, além da relação que estabelece
com a idade do pré-escolar, tem relação direta com o tempo de duração de uma brincadeira.
Dessa forma “os jogos das crianças de 3 a 4 anos duram 10 ou 15 minutos; os jogos das
crianças de 4 a 5 duram de 10 a 50 minutos; e as de 6 a 7 prorrogam o jogo por horas e até
dias” (p. 157).
37
As brincadeiras infantis não são caracterizadas somente com base no argumento que
apresentam. Mukhina (1996) afirma que para caracterizá-las é preciso conhecer o conteúdo
que apresentam, sendo este definido como: “O conteúdo do jogo é o que a criança destaca
como aspecto principal nas atividades do adulto” (p. 157).
Encontra-se certa diferenciação do conteúdo presente nas brincadeiras de crianças de
diferentes idades. Para os pré-escolares mais novos o conteúdo principal dos jogos está
pautado na reprodução das ações dos adultos, sendo que tais ações se reduzem
exclusivamente às ações com objetos. Dessa forma, o pré-escolar mais novo não costuma
traçar argumento em suas brincadeiras, mas estas surgem de acordo com os objetos que a
criança tem a mão.
para os pré-escolares de idade mediana, ao brincarem não repetem muitas vezes as
mesmas ações, como os mais novos, mas cada ação dá sequência à outra. Enquanto o
conteúdo das brincadeiras é relacionado à ação com os objetos para os mais novos, para os de
idade mediana isso é diferente. Segundo Mukhina (1996), “O conteúdo dos jogos dramáticos
de pré-escolar em idade média são as relações com as pessoas” (p. 159).
Por fim, para os pré-escolares mais velhos, ao apresentarem uma interpretação mais
detalhada do mundo adulto e compreenderem as funções sociais e regras que regem as
relações nele existentes, o conteúdo de suas brincadeiras, segundo Mukhina (1996), está
baseado no respeito às regras dos papéis que assumem. Com base no argumento e conteúdo
que as crianças apresentam em seus jogos temos, portanto, que: “(...) o desenvolvimento do
argumento e do conteúdo do jogo são mostras de que a criança compreende cada vez melhor o
conteúdo da vida dos adultos” (p. 159).
Em um dos últimos estágios do jogo protagonizado para o pré-escolar mais velho sua
conduta é submetida a certas regras ligadas ao papel cuja interpretação ele assume. Ao mesmo
tempo, foi possível esclarecer que o essencial para o desenvolvimento do jogo é a atitude da
criança face ao papel que representa (ELKONIN, 1998).
Nesse sentido, Leontiev (2006) diz:
Jogo “com regras”, como “esconde-esconde”, diferem muito de jogos, como
“teatrinho”, onde se brinca de dico, de explorador polar, etc. Eles não parecem
estar relacionados uns com os outros por qualquer tipo de sucessão genética, e
parecem constituir diferentes linhas no desenvolvimento do brinquedo infantil. Na
realidade, porém, uma forma se desenvolve a partir da outra, em virtude de uma
necessidade inerente à própria atividade lúdica da criança, pela qual os jogos “com
regras” surgem em um estágio posterior. (p.134)
38
O referido autor afirma que é muito difícil para uma criança de três ou quatro anos de
idade obrigar-se a obedecer a regras de um jogo, por isso os jogos com regras são mais
tardios. Porém, o desenvolvimento do jogo com regras consiste também em uma
diferenciação e uma consciência cada vez maiores do objetivo da brincadeira. Quando em
suas brincadeiras realiza papéis sociais, sem dúvida nesse momento ela exercita regras.
Assim, diante dos diversos aspectos que a brincadeira apresenta na vida da criança,
destaca-se a importância que instituições devem atribuir a ela no currículo da Educação
Infantil. Mais especificamente é relevante a figura do professor, presente no cotidiano e nas
ações infantis no interior dessas instituições, a quem cabe funções, como orientar e estimular
o brincar, consciente das contribuições que isso traz aos processos de desenvolvimento.
2.3 – A mediação no processo de aprendizagem da criança
A atividade de mediação assume grande relevância no processo de desenvolvimento
humano. Para uma compreensão mais profunda deste termo busca-se sua origem que, por sua
vez, remete à atividade denominada “trabalho”.
Segundo Leontiev (1978), o trabalho humano é uma atividade originariamente social,
um processo que liga o homem à natureza, ou seja, o processo de ação do homem sobre a
natureza.
O trabalho é, então, caracterizado por dois elementos interligados: o primeiro é a
fabricação e o uso de instrumentos a serem utilizados na relação homem-natureza, e o
segundo consiste na realização coletiva desta atividade, conforme afirma Leontiev (1978):
“(...) o trabalho se efetua em condições de atividade comum coletiva, de modo que
o homem, no seio deste processo, não entra apenas numa relação determinada com
a natureza, mas com outros homens, membros de uma dada sociedade.” (p. 74)
O autor define assim o conceito de trabalho: “O trabalho é, portanto, desde a origem,
um processo mediatizado simultaneamente pelo instrumento e pela sociedade” (p. 74). Há,
então, nos instrumentos produzidos um elemento mediador das atividades do homem.
Na relação do homem com a natureza estabelecida tanto por suas relações de trabalho
com outros homens, quanto por sua atividade de trabalho por meio dos instrumentos, há a
presença de um conceito importante: a consciência humana. Leontiev (1978) afirma que a
produção de um instrumento para a operação de trabalho apresenta um motivo e
39
consequentemente um fim para tal ação. Nesse sentido, diante do motivo que o homem
apresenta e do fim de sua ação a consciência humana aparece como atividade mediadora que,
por sua vez, age conforme as necessidades do homem. Leontiev (1978) aponta:
Surgindo inicialmente do deslocamento efetivo dos motivos para os fins
conscientes, o processo de tomada de consciência dos motivos torna-se
posteriormente, de certo modo, o mecanismo geral da consciência. (p. 107)
(...) o deslocamento para os fins das ões permite compreender psicologicamente
como novas necessidades podem aparecer e como se transforma o seu tipo de
desenvolvimento. (p. 107)
Em suma, o homem ao conscientizar-se busca, por meio de atitudes intencionais,
estabelecer seus fins e desenvolver estratégias para concretizá-los, suprindo, assim, suas
necessidades. Nesse sentido Leontiev (1978) diz: “Psicologicamente, isso significa que os
objetos – meios de satisfazer as necessidades – devem aparecer à consciência na qualidade de
motivos, ou seja, devem manifestar-se na consciência como imagem interior, como
necessidade, como estimulação, como fim (p. 108).
Na teoria Histórico-cultural o conceito de mediação é uma ideia central para o
entendimento do desenvolvimento humano como processo sócio-hisrico. O adulto assume
um papel fundamental nos aspectos que abrangem a aprendizagem e o desenvolvimento
infantil.
Vigotsky (2006) traz em sua teoria a necessidade de determinadas ações infantis
receberem auxílio dos adultos para, assim, se efetivarem. O autor, então, trabalha o conceito
de Zona de Desenvolvimento Proximal, ou Potencial, conceito que consiste nas tarefas que as
crianças conseguem realizar com o auxílio dos adultos e que poderão ser desenvolvidas de
modo independente amanhã. Assim, a capacidade que a criança tem de realizar sozinha suas
tarefas é classificada por Vigotsky (1991) como Nível de Desenvolvimento Real, ou Atual, da
criança.
Vigotsky (1996) assim define:
Aquello que hoy puede realizar en colaboración con el adulto y bajo su dirección,
podrá realizarlo por sí mismo el día de mañana. Eso quiere decir que cuando
esclarecemos las posibilidades del niño para realizar la prueba en colaboración,
establecemos al mismo tiempo el área de sus funciones intelectuales en el proceso
40
de maduración que darán sus frutos en el próximo estadio del desarrollo; de ese
modo llegamos a precisar el nivel real de su desarrollo intelectual. Por tanto, al
investigar lo que puede hacer el niño por mismo, investigamos el desarrollo del
día anterior, pero cuando investigamos lo que puede hacer en colaboración
determinamos su desarrollo del mana.
La esfera de los procesos inmaturos, pero en vía de maturación, configura la zona
de desarrollo próximo del niño. (p. 268-269)
Com a ajuda do adulto a criança pode fazer muito mais do que com a sua capacidade
de compreensão de modo independente. Isto significa que é possível estabelecer não o
desenvolvimento adquirido até o presente momento e seus processos de apropriação, mas
também é possível identificar os processos que ainda estão ocorrendo no percurso de seu
desenvolvimento.
Diante desta premissa o adulto acaba por assumir um papel fundamental na condução
deste processo, cabendo a ele a função de contribuir para que a criança atinja a habilidade de
realização das atividades por si mesma. Com base em Vigotsky (2006):
O que a criança pode fazer hoje com o auxílio dos adultos poderá fazê-lo amanhã por
si só. A área de desenvolvimento potencial permite-nos, pois, determinar os futuros
passos da criança e a dinâmica do seu desenvolvimento e examinar não só o que o
desenvolvimento produziu, mas também o que produzirá no processo de
maturação. (p. 113)
Na Educação Infantil, o adulto, neste caso o professor, assume o relevante papel de
intervir na Zona de Desenvolvimento Proximal da criança de modo a contribuir para o seu
desenvolvimento, assim sua ação deve apresentar devida finalidade, ou seja, a ação do
educador frente ao processo de mediação deve ser de caráter intencional. Nesse sentido
Vigotsky (2006) afirma:
A criança atrasada, abandonada a si mesma, o pode atingir nenhuma forma
evolucionada de pensamento abstrato e, precisamente por isso, a tarefa concreta da
escola consiste em fazer todos os esforços para encaminhar a criaa nessa direção,
para desenvolver o que lhe falta. (p. 113)
Mukhina (1996) confirma esta premissa, indicando o papel do educador no que diz
respeito ao desenvolvimento infantil:
41
As características psicológicas individuais não devem ser levadas em conta apenas
para adaptar a elas a educação e conseguir que cada criança alcance um
desenvolvimento psíquico suficiente, mas também para interferir de forma ativa no
desenvolvimento da criança, apoiar os germes positivos e transformar os negativos. É
essa precisamente a missão do educador no jardim-de-infância. (p. 70)
Segundo Elkonin (1987) a aprendizagem é um processo que se dá na relação da
criança com o adulto, sendo este o responsável por auxiliar a criança a planejar um fim
determinado para sua atividade. A presença do professor durante as atividades realizadas com
as crianças é muito importante, uma vez que a organização e a evolução do jogo podem gerar
conflitos que a criança nem sempre consegue solucionar.
Outros elementos também apresentam importância na mediação da aprendizagem
infantil, porém nenhum outro tem a relevância que o adulto assume neste processo, pois é ele
quem organiza os espaços e os objetos intencionalmente.
Os brinquedos concebidos como objetos do mundo adulto em tamanho reduzido e
acessíveis às crianças são elementos que na ação infantil se convertem em signos seus, ou
seja, em seu uso funcional a possibilidade de construção de gestos representativos para a
criança (ELKONIN, 1998). Assim também Leontiev (2006) aponta que no período pré-
escolar as ações e operões das crianças com os brinquedos são sempre reais e sociais e por
meio delas a criança assimila a realidade humana.
Segundo Kishimoto (1996) “Ao utilizar de modo metafórico a forma lúdica para
estimular a construção do conhecimento, o brinquedo educativo conquistou espaço definitivo
na educação infantil” (p. 38).
Os brinquedos e objetos utilizados nas atividades lúdicas das crianças apresentam um
caráter estimulador devido ao fato de poderem impulsionar determinadas ações infantis. Do
mesmo modo, o espaço no qual a criança está inserida também está pautado nesta concepção.
Quanto mais estimulante for a organização do espaço, maior a probabilidade de enriquecer as
aprendizagens da criança e, consequentemente, seu desenvolvimento.
Os conceitos de aprendizagem e desenvolvimento estão inte-relacionados no processo
educativo. Vigotsky (2006) destaca que certa organização da aprendizagem da criança
conduzirá ao desenvolvimento mental. Para o autor “o único bom ensino é o que se adianta ao
desenvolvimento” (p. 114).
Assim o ensino consiste em uma ação intencional por parte do educador, tornando-se,
então, indispensável no processo de desenvolvimento da criança. Nesse sentido, Mukhina
42
(1996) diz que o avanço do ensino abre caminho para o desenvolvimento e a formação de
qualidades psíquicas na criança:
O organismo em processo de maturação é o mais propício para um trabalho
educacional. Qualquer um se lembra de algum acontecimento vivido na infância
que influenciou toda a vida. O ensino na infância exerce uma influência mais
poderosa no desenvolvimento das qualidades psíquicas do que o ensino na idade
adulta. (p. 43)
Com base neste pressuposto, o ensino deve levar em consideração o nível de
desenvolvimento alcançado, não para nele se deter, mas para impulsioná-lo para o passo
seguinte.
Cabe ao educador um papel fundamental no processo de aprendizagem e
desenvolvimento infantil, sendo ele organizador do espaço no qual a criança es inserida,
assim como o responsável por conduzir a manipulação dos objetos e também a figura central
que i desenvolver a ação pedagógica intencional, de modo a atuar na Zona de
Desenvolvimento Proximal provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente,
delimitando os futuros passos no processo de desenvolvimento infantil.
Para tanto, este profissional deve, para uma atuação efetiva neste processo, deter-se
em estudos mais aprofundados sobre esses aspectos, como indica Mukhina (1996):
O conhecimento da psicologia infantil facilita para o educador o contato com a
criança, ajuda-o a dirigir seu desenvolvimento a evitar muitos erros na educação.
(...) Averiguando até o fundo as particularidades do comportamento de cada
criança, o educador pode encontrar os meios para superar as dificuldades. (p. 12)
Dessa forma, fica evidente a necessidade de pensar no professor como um intelectual,
assim como um profissional responvel pela formação intencional da criança, capaz de
realizar em seu cotidiano um trabalho comprometido com a promoção do pleno
desenvolvimento infantil.
43
Capítulo 3 – Metodologia
Apresento neste capítulo, com base na teoria Histórico-cultural, os aspectos que
nortearam meus olhares no decorrer da pesquisa realizada. Assim, num primeiro momento
apresento a questão metodológica de nosso estudo. Posteriormente apresento a caracterização
do espaço no qual a pesquisa foi realizada, seguida pelos procedimentos metodológicos
adotados para atingir os objetivos propostos neste trabalho.
3.1 – A questão do método
A questão metodológica é fundamental para toda e qualquer pesquisa, uma vez que
dela parte o modo como o pesquisador irá estudar determinado objeto, o olhar que traz
consigo sobre a realidade que o circunda que, por sua vez, irá ter relação direta na construção
do caminho pelo qual sua pesquisa irá passar.
Diante de um cenário no qual a psicologia não era questionada sobre suas bases de
investigação, Vigotsky (1995) desenvolveu críticas aprofundadas às diferentes abordagens
teórico-metodológicas que configuravam o terreno da psicologia da sua época.
Decimos que la concepción tradicional sobre el desarrollo de las funciones
pquicas superiores es, sobre todo, errónea y unilateral porque es incapaz de
considerar estos hechos como hechos del desarrollo histórico, porque los enjuicida
unilateralmente como procesos y formaciones naturales, confundiendo lo natural y
lo cultural, lo natural y lo histórico, lo biológico y lo social en el desarrollo psíquico
del niño; dicho brevemente, tiene una comprensión radicalmente errónea de la
naturaleza de los femenos que estudia. (p. 12)
Diante de uma visão unilateral, na qual a psicologia tradicional estava pautada,
Vigotsky (1995) teceu a crítica sobre o seu método de investigação, no qual as formações
psíquicas eram reduzidas à ordem mais elementar, ou seja, ao se considerar as partes de forma
isolada, perdia-se a complexidade do todo.
Los procesos superiores y complejos eran fraccionados en sus elementos
componentes reduciéndolos completamente a combinaciones de las vivencias o
procesos primarios. De ese modo surgió un enorme mosaico de vida pquica,
formado por trozos diversos de vivencias, un grandioso cuadro atomístico del
fraccionado espíritu humano. (p. 15)
44
Na busca pela criação de uma psicologia geral, social e dialética, na qual o ser humano
poderia ser investigado em sua totalidade e historicidade, Vigotsky (1995), em seu método de
investigação, concebe o sujeito não como subjetivo, abstrato e nem como objetivo,
mecanicista, mas, sim, como num movimento dialético, um sujeito constituído e constituinte
nas relações sociais.
El punto central de nuestra investigación consistirá en estudiar el paso desde la
influencia social, exterior al individuo, a la influencia social, interior del individuo
y trataremos de esclarecer los momentos más importantes que integran ese proceso
de transición. (p. 87)
Nessa perspectiva da Psicologia, Vigotsky (1995) propõe-se ao estudo do problema
como um todo, considerando a gênese da forma da conduta humana, ou seja, o sujeito é,
então, considerado em sua historicidade. Nesse sentido, o autor afirma: “El análisis nos
proporciona el inicio de su génesis y, al mismo tiempo, el punto de partida de todo el método
(p. 66).
Para o autor a definição do método é uma das tarefas mais importantes da
investigação, como ele define: La búsqueda del método se convierte en una de las tareas de
mayor importancia de la investigación. El método, en este caso, es al mismo tiempo premisa y
producto, herramienta y resultado de la investigación” (p. 47).
No método dialético o foco está no estudo do movimento. Assim Vigotsky (1995)
declara que estudar algo historicamente significa estudá-lo em movimento no seu
desenvolvimento histórico, sendo esta a exigência fundamental do método dialético.
O sujeito e a realidade constituem-se mutuamente, uma vez que cada pessoa é
dinâmica e, constantemente, realiza movimentos de apropriação e objetivações que
modificam esta realidade. Diante disso, evidencia-se como um dos aspectos mais relevantes
desta relação: a cultura. Vigotsky (1995) aponta que:
“(…) la cultura origina formas especiales de conducta, modifica la actividad de las
funciones psíquicas, edifica nuevos niveles en el sistema del comportamiento
humano en desarrollo. (…) En el proceso del desarrollo histórico, el hombre social
modifica los modos y procedimientos de su conducta, transforma sus inclinaciones
naturales y funciones, elabora y crea nuevas formas de comportamiento
específicamente culturales”. (p. 34)
No materialismo histórico e dialético o ser humano é concebido, fundamentalmente,
como ser hisrico e cultural, o que vai de encontro às perspectivas que isolam o sujeito de
seu contexto, dissociando-o da sociedade.
45
Sendo assim, nesta perspectiva, toda a análise deve estar pautada nas relações
existentes entre as partes que compõem o todo, que por sua vez não se resume à soma das
partes, mas à forma como estas se relacionam determinando e modificando o todo composto.
Vigotsky (1995) diz:
Se entiende claramente que el propio sentido del análisis debe modificarse de raíz.
Su tarea fundamental no es descomponer el todo psicológico en partes e incluso en
fragmentos, sino destacar del conjunto psicológico integral determinados rasgos y
momentos que conserven la primacía del todo. (p. 99-100)
A Teoria Histórico-cultural está pautada na concepção da realidade complexa e da
interdependência dos diversos fatores que a compõem, constituindo, assim, sujeito e
sociedade. Então, o foco nas relações apresenta relevância, pois ao isolar um elemento,
perdemos a compreensão das partes que compõem o todo, assim como da própria totalidade.
É nesta perspectiva que esta pesquisa se desenvolveu. Ao partir do pressuposto de que
a mediação ocorre por meio dos espaços, objetos e, principalmente, pelo adulto, o enfoque
pautou-se na mediação intencional destes elementos por parte do professor no contexto da
Educação Infantil. Assim, busquei encontrar subsídios para responder à seguinte questão de
pesquisa: “Quais fatores são importantes a serem considerados na mediação da professora
ao intervir nas brincadeiras das crianças de forma a potencializar as aprendizagens e o
desenvolvimento infantil?” Dessa forma, realizei observações dos espaços e das práticas que
nele ocorreram, assim como entrevistas com os demais agentes envolvidos no contexto, de
modo a caracterizar e compreender os diversos aspectos existentes e as relações estabelecidas
em torno do brincar infantil.
Os dados coletados serão adiante explicitados e discutidos.
3.2– Caracterização do CER
A pesquisa foi realizada em um Centro de Educação e Recreação (CER) localizado no
município de Araraquara, interior de São Paulo.
A instituição, inaugurada no ano de 1999, está localizada em um bairro periférico da
cidade e atende atualmente uma demanda de aproximadamente 430 crianças distribuídas em
17 turmas, das quais 135 pertencem à creche e 295 à pré-escola.
O CER tem seu horário de funcionamento de segunda a sexta-feira das 7h30min às
17h, sendo o 1º período das 7h30min às 11h30minh e o 2º período das13h às 17h.
46
O bairro que abriga o CER tem uma infraestrutura razoável, com asfalto nas ruas, rede
de água e esgoto, serviço de limpeza blica, iluminação, transporte coletivo, diversos
comércios e uma escola de Ensino Fundamental.
As casas residenciais pertencentes ao bairro são simples, muitas delas em fase de
acabamento. A população ao redor é composta por famílias de baixa renda, na grande maioria
numerosas, formadas por jovens, muitas mães solteiras e com baixa escolaridade. A região
ainda enfrenta alguns problemas com drogas, vioncia e álcool.
Devido à crescente procura por vagas a comunidade necessita com certa urgência da
criação de outro CER de modo a obter uma melhor distribuição das crianças ali atendidas.
Embora a instituição desfrute de um amplo espaço físico, o elevado número de
crianças atendidas não permite uma distribuição satisfatória dos espaços escolares. Tal lotação
dificulta a prática pedagógica das educadoras, sendo insuficiente o tempo de permanência das
crianças nos diferentes espaços.
Paralelamente ao excessivo número de alunos uma elevada procura por vagas,
principalmente para o período integral, o que a instituição não tem conseguido atender.
Organização da escola
A escola parte do critério de faixa etária das crianças para assim organizar e formar
suas turmas. Portanto, cada classe de pré-escola é formada por alunos nascidos no mesmo
ano. Diante dessa distribuão o atendimento das crianças da instituição se faz da seguinte
forma:
Quadro 1: Distribuição do atendimento das crianças no CER
Berçário I – Criaas de 0 a 1 ano e 6 meses
Berçário II Crianças de 1 ano e 6 meses a 2 anos e 3 meses
Creche
Berçário III – Crianças de 1 ano e 6 meses a 2 anos e 3 meses
CI1 Crianças de 02 anos e 4 meses a 3 anos
CI2 Crianças de 2 anos e 9 meses a 3 anos e 11 meses
3ª Etapa – Crianças de 3 para 4 anos
4ª Etapa – Crianças de 4 para 5 anos
Pré-escola
5ª Etapa – Crianças de 5 para 6 anos
Com tal organização todas as crianças saem da pré-escola com 6 anos completos para
ingressarem no Ensino Fundamental.
Além da creche e pré-escola a instituição conta, também, com a recreação destinada ao
atendimento de crianças de 3 a 6 anos que permanecem em período integral na escola (9 horas
47
e 30 minutos). As turmas que fazem recreação podem ter, por período, no máximo 15 crianças
por agente educacional.
Corpo docente
A equipe de trabalho com a qual a instituição conta apresenta um total de 52
funcionários, entre profissionais do magistério (diretora de escola e professoras); agentes
educacionais (educadoras de período integral na recreação, no berçário e atendimento de
crianças com necessidades especiais) e agentes operacionais (serventes porteiros e
merendeiras).
Assim, o CER apresenta:
Quadro 2: A equipe de trabalho do CER
Quantidade
Função
22 Agentes Educacionais
15 Professoras
5 Merendeiras
1 Diretora
2 Porteiros
2 Serventes de lavanderia
5 Serviços gerais
Divididos no atendimento de creche e pré-escola os profissionais que atuam na creche
são os agentes educacionais que apresentam formação em Ensino Médio, já na p-escola os
profissionais contam com habilitação específica para atuarem na Educação Infantil, seja com
nível superior ou formação em Magistério.
Das 22 agentes educacionais, que são contratadas na instituição por meio de concurso
público, um total de 15 apresenta ensino superior, em sua maioria licenciatura em Pedagogia.
Do total de agentes educacionais, 8 pertencem à recreação, ou seja, atendem as crianças da
pré-escola (CI a etapa) que ficam em tempo integral na escola, permanecendo com essas
crianças o período inverso ao de suas atividades com as professoras. Já as demais agentes
atuam especificamente no berçário (BI, BII e BIII).
Das 15 professoras que trabalham na pré-escola, 12 estão com uma turma de pré-
escola, 2 são professoras substitutas e 1 está afastada por motivos de saúde.
Cada uma das professoras substitutas permanece um período na instituição, uma na
parte da manhã e outra na parte da tarde. Elas têm a função de ficar com a turma quando a
48
professora responsável faz seu horário pedagógico
1
. Também substituem as professoras que
precisam faltar. Das 15 professoras, 12 têm curso superior em Pedagogia e 3 o Magistério.
Proposta pedagógica
Segundo a Proposta Pedagógica da instituição cada grupo apresenta objetivos
específicos:
Berçário Apresenta como objetivos o cuidar e o educar: cuidados quanto à higiene, saúde,
nutrição e estimulação das crianças de modo a acompanhar seu desenvolvimento e promover
suas necessidades de ordem física, emocional e educacional.
Classe Intermediária (CI) É a primeira turma da pré-escola. As turmas de CI1 contam com
uma professora e uma agente educacional, as de CI2 somente com uma professora. Tais
profissionais têm a função de desenvolver com as crianças atividades educacionais específicas
com o intuito de promover o desenvolvimento da linguagem, a autonomia e o
desenvolvimento motor.
Pré-escola A pré-escola visa ao desenvolvimento integral da criança por meio do cuidar-
educar-brincar.
Nesta área, além dos cuidados com alimentação, higiene, atenção ao desenvolvimento
neuro-psico-motor, a instituição acrescenta, ainda, as seguintes atividades e ações:
- Atividades de expressão corporal, plástica e musical, desenho, pintura, modelagem, recortes
e colagens, cantos e danças;
- Atividades para o desenvolvimento de habilidades específicas necessárias à aprendizagem
da leitura e da escrita e de raciocínio lógico, tais como habilidades motoras, perceptivas,
relacionadas à linguagem (oral, gestual), à orientação temporal e espacial, e à lateralidade;
- Atividades de socialização em situações de jogos, dramatizações ou em recreação livre;
- Atividades e ações que possibilitem o desenvolvimento de capacidades de ordem afetiva,
estética e ética ligadas à construção de valores junto às crianças.
Recreação - A recreação tem como objetivo proporcionar atividades que privilegiem o lúdico,
proporcionando lazer, esporte, informação, diversão, higiene e saúde. Além disso, através de
1
Todas as professoras têm, uma vez por semana, uma hora a ser dedicada para o planejamento de aula,
organização de material etc.
49
jogos e brincadeiras, educar e formar cidadãos cooperativos, críticos e criativos. Busca
também os cuidados com higiene, alimentação e repouso em atenção ao desenvolvimento
físico, social e emocional.
Espaço físico
Embora a instituição na qual a pesquisa foi realizada apresente um amplo espo
físico, este ainda é restrito para o número de crianças que atende. Este CER conta com áreas
livres e espaços internos constituídos da seguinte forma:
Quadro 3: Os espaços físicos da instituição
*
Área interna
Sala estruturada Sala dirigida para as atividades gráficas
Sala de recursos
Sala designada para desenvolver atividades de artes, leitura e
jogos enquanto recursos para a abstração de conceitos a partir
do concreto
Sala de multimeios Sala que possui recursos audiovisuais e brinquedos para o
desenvolvimento de atividades lúdicas
Recreação
Abriga o repouso dos alunos da recreação, além de ser o espaço
de referência do Berçário III
Sala da CI Destinada para atividades de repouso e rotina dos alunos da
Classe Intermediária
Sala do BI
Espaço de referência para os bebês atendidos onde são
realizadas as rotinas de repouso, trocas, brincadeiras e refeições
Sala do BII Espaço no qual são realizadas atividades de repouso, trocas,
brincadeiras e refeições
Sala da direção
Destinada à realização de serviços próprios da gestão escolar e
atendimento a pais e funcionários.
Cozinha geral Local de preparação das refeições das crianças, com uma
dispensa para gêneros não perecíveis
Cozinha lactário Reservada para o preparo das refeições dos bebês
Lavanderia
Local onde se realizam serviços de lavagem e passagem de
roupas de uso interno pelas crianças, tais como: toalhas, lençóis
e fronhões
Galpão Espaço que serve como refeitório, sendo também espaço que
sedia algumas comemorões e apresentações coletivas
Banheiros infantis
A escola possui 2 banheiros sendo um masculino e outro
feminino contendo: 2 pias pequenas, 1 vaso sanitário grande e 2
*
Ver imagens no Anexo 4
50
pequenos e 2 chuveiros elétricos.
Banheiro adulto 3 banheiros, sendo dois femininos e um masculino.
Depósitos Espaço para guardar materiais escolares, brinquedos e
colchonetes e outro para materiais de limpeza
Área externa
2 tanques de areia Com brinquedos: balanços e escorregador
Sorio Área livre cimentada, com um tanque de areia
Quiosque Espaço cimentado e coberto
Gramados Espaço ao lado do CER e ao fundo próximo ao depósito
Depósito de materiais Local onde se guardam ferramentas e materiais diversos
Casinha de boneca Espaço para realização de jogos simbólicos e outras
brincadeiras
Rodízio
A fim de otimizar o atendimento de um grande mero de alunos em restrito espaço
físico a rede municipal de educação do município de Araraquara trabalha com o sistema de
rodízio.
O esquema de rodízio consiste em cada turma de criança da pré-escola permanecer um
determinado período de tempo nos diversos espaços do CER, sendo eles internos (salas) ou
externos (tanque de areia, casa de boneca, quiosque, entre outros.)
Segundo a proposta pedagógica do CER o fato de todas as crianças passarem por
espaços com recursos diversificados abre a possibilidade de o educador propor atividades
variadas que enriquecem a aprendizagem das crianças.
Porém os benefícios de rodízio não o tão explícitos assim. O que se nota é que o fato
de distribuir as crianças em diferentes espaços, sendo eles poucos para o rodízio, passa por
uma questão econômica, uma vez que um elevado número de crianças é atendido em uma
quantidade restrita de espaços, o que compromete uma proposta inicial de qualidade. Para que
essa proposta fosse mais viável seria necessária a existência de mais espaços variados, assim
como um número de crianças mais reduzido.
3.3 – Procedimentos metodogicos da pesquisa
Inicialmente estabeleci contato com a diretora da creche no mês de outubro de 2008, à
qual expliquei a proposta da pesquisa. Ela, por sua vez, solicitou que eu encaminhasse à
Secretaria da Educação de Araraquara a proposta do trabalho que seria realizado,
51
procedimento comum para pedidos formais quando da realização de pesquisa em escolas da
rede municipal.
Informada de que o tempo médio de análise do pedido era de aproximadamente dois
meses, em meados do mês de dezembro estabeleci contato com a Secretaria que, por sua vez,
respondeu com um parecer positivo para a execução da pesquisa na creche. Aguardei, então, o
início das atividades na creche em 2009.
Antes de iniciar a pesquisa mantive contato com a diretora que me aconselhou a
aguardar o período inicial das atividades, período em que as crianças passavam por adaptação.
Somente quando se iniciassem as atividades, as rotinas já estivessem estabelecidas e as
crianças adaptadas ao ambiente escolar, começaria o meu trabalho.
Acabei iniciando efetivamente a pesquisa em meados de março de 2009,
permanecendo na creche por aproximadamente três meses, três vezes por semana em período
integral, ou seja, manhã e tarde.
No primeiro dia a diretora me apresentou toda a estrutura física da instituição, os
funcionários, merendeiras, agentes educacionais e professoras.
Diante da proposta da pesquisa de campo voltei o meu olhar para as turmas da p-
escola. Acompanhei toda a rotina e as atividades das catorze turmas da pré-escola,
permanecendo, dessa forma, em período integral na instituão.
Para fins de organização busquei, inicialmente, observar a prática de cada professora
durante um período. Acompanhava a rotina de duas professoras por dia, uma no período da
manhã e outra no período da tarde. Procurei, também, sempre que possível, acompanhar as
turmas da mesma faixa etária em cada dia.
Para alcançar os objetivos da pesquisa, na realização da coleta de dados optei por
trabalhar com os seguintes instrumentos de pesquisa: observação das rotinas, do brincar das
crianças, da prática das professoras e do trabalho realizado pelas agentes educacionais;
intervenção – nos momentos em que as crianças permaneciam na área livre executando algum
tipo de atividade de brincadeira; e entrevistas - com crianças, professoras e agentes
educacionais. Os procedimentos foram executados nesta ordem e serão apresentados mais
detalhadamente a seguir.
Observação
Ao final de cada dia eu fazia registros de campo sobre as atividades acompanhadas
naquele dia, sendo elas pticas das professoras, das crianças e rotinas diárias.
52
As observações foram contempladas durante a maior parte do tempo de minha
permanência na instituição e foram realizadas em dois momentos.
No primeiro momento acompanhei todas as atividades que eram realizadas com uma
turma e sua respectiva professora. Assim observei as 14 turmas da pré-escola (de CI1 a 5ª
etapa), sendo 7 do período da manhã e 7 do período da tarde.
No início de cada período, as professoras recepcionavam as crianças no quiosque,
onde ao chegarem formavam filas na frente da respectiva professora. Geralmente, nesse
momento de entrada eu solicitava à professora a permissão para acompanhá-la durante aquele
período. Todas as professoras, sem exceção, permitiram que eu observasse suas práticas com
as crianças nos diferentes espaços.
Com a prática de cantar músicas infantis no início do período, as crianças
permaneciam em fila, em média, vinte minutos todos os dias na hora da entrada. Após as
músicas as professoras seguiam cada uma para um espaço, conforme determinava o rodízio
do dia.
A escolha de qual professora eu iria acompanhar em cada dia baseou-se nos espaços
nos quais a turma iria realizar atividades de brincadeiras. Em geral, as turmas que ocupariam
o espo da areia naquele dia, era uma das escolhidas. Essa escolha deu-se basicamente
devido ao fato de haver maior possibilidade de ocorrerem momentos de brincadeiras na área
externa, já que , além do amplo espaço, havia sempre a presença de brinquedos. Assim, a
grande maioria das turmas que acompanhei, em algum horário do período, desenvolveu
atividades na areia.
Após acompanhar as turmas, com sua respectiva professora, passei a observar as
atividades que as agentes educacionais desenvolviam com as crianças de período integral,
pelas quais eram responsáveis. Da mesma forma, como ocorrido com as professoras, pude
acompanhar ao menos por um período as práticas das agentes educacionais.
Num segundo momento voltei minhas observações para a área interna e pude notar
que nos espaços internos, nas salas, aconteciam poucos momentos de brincadeira, sendo eles
mais direcionados para a realização de alguma atividade gráfica. Assim, ao perceber que as
atividades de brincadeira ocorriam com maior frequência na área externa, passei a
acompanhar toda e qualquer turma que aí estivesse presente.
Dessa forma, deixei de acompanhar a rotina de uma professora em particular e passei a
observar as atividades das turmas que estavam nos espaços da área externa, sendo eles:
quiosque, casinha de boneca, areia e os espaços nas laterais dos tanques de areia.
53
Intervenção
Durante o período das observações fez parte dos meus procedimentos intervir em
determinados momentos em que as crianças brincavam, questionando-as e fazendo propostas
de brincadeiras por intermédio de conversas informais.
As intervenções realizadas ocorreram sempre que percebia alguma situação na qual as
crianças poderiam ser questionadas sobre as atividades que realizavam, na tentativa de
investigar em que ela se baseava para falar e ou agir de determinada forma. Assim, por meio
das ações observadas, dos papéis que representavam, assim como dos conteúdos e dos
argumentos que apresentavam em suas brincadeiras, tais intervenções tiveram como objetivo
obter indícios sobre os diferentes níveis de desenvolvimento daquelas crianças e os possíveis
tipos de aprendizagens que estavam acontecendo durante as brincadeiras.
Entrevista
Após a etapa das observações, que me permitiram perceber a rotina das turmas da pré-
escola, iniciei os procedimentos para a entrevista. Todas as entrevistas foram realizadas na
área externa da escola onde, geralmente, professoras e crianças estavam inseridas em alguma
atividade livre, portanto, mais facilmente de serem entrevistadas.
O primeiro grupo entrevistado foi o das crianças e a realização desse procedimento
teve como objetivo caracterizar o que as criaas consideravam como atividade de brincar, a
relação que estabeleciam com os brinquedos e com os espaços da escola. Visando, também, a
um maior aprofundamento do que as professoras concebiam como o brincar infantil, elas
constituíram o segundo grupo a ser entrevistado.
Ao longo dos dias observados e vividos no interior da instituição e diante de conversas
informais, senti também necessidade de realizar entrevista com as agentes educacionais, uma
vez que essas profissionais passavam o mesmo tempo com as crianças que as professoras, ou
seja, as agentes permaneciam com as crianças o período inverso ao da professora da turma.
Entrevista com as crianças
Com um roteiro pré-definido (Anexo 1) pedi às professoras nomes de crianças que
tinham maior facilidade de se expressar verbalmente. Solicitei a cada uma quatro nomes,
pedindo-lhes que me dissessem, prioritariamente, dois nomes de meninas e dois de meninos,
54
para obter um número equilibrado entre os gêneros. Embora a pesquisa tivesse o foco na pré-
escola, as crianças pertencentes às turmas de CI1 (2 anos) que também estiveram incluídas no
procedimento de observação, não participaram dessa etapa de entrevistas, uma vez que ainda
não se expressavam de maneira clara.
Feito isso, durante o período em que determinada turma se encontrava no espaço da
areia, solicitava à professora a liberação das crianças para a entrevista. As entrevistas foram
individuais, realizadas próximo ao espaço onde a criança estava com sua turma. Todas elas
foram gravadas e depois transcritas e analisadas.
A princípio, com a indicação de quatro crianças por turma, sendo doze turmas
(excluindo as duas turmas de CI1), obtive um total de 48 nomes, porém nem todos os
indicados realizaram a entrevista, devido a diversos motivos, entre eles: algumas crianças não
estavam presentes no dia da entrevista com a turma, crianças que se intimidavam e não
respondiam às perguntas etc. Assim, houve uma mudança na proposta inicial: crianças que
não haviam conseguido responder à maior parte das perguntas da entrevista (em sua maioria
crianças de CI2 – 2,5 anos e 3ª Etapa – 3 anos) e crianças que não estavam presentes no dia da
entrevista com sua turma tiveram seus nomes excluídos.
Esse fato, porém, não ofereceu prejuízos quanto ao número de crianças entrevistadas,
pois muitas delas, ao verem os colegas de turma sendo entrevistados, ofereciam-se para
participar. Como resultado, obtive um total de 50 entrevistas na faixa etária de 2,5 anos a 6
anos, distribuídas da seguinte forma:
Quadro 4: Distribuição das crianças entrevistadas
Turma Idade Quantidade
CI2 2,5 anos 06 crianças
3ª Etapa 3 anos 12 crianças
4ª Etapa 4 anos 14 crianças
5ª Etapa 5 anos 18 crianças
TOTAL 50 crianças
A maioria das entrevistas foi realizada com criaas de 4ª e 5ª etapa, ou seja, crianças
de 5 e 6 anos que se interessaram mais em participar, assim como se expressaram com maior
clareza frente às questões propostas.
55
Entrevista com as professoras
Após ter realizado as entrevistas com as crianças, o mesmo procedimento foi iniciado
com as professoras, após elaborar o roteiro de perguntas para as entrevistas com essas
profissionais (Anexo 2). Todas elas aceitaram responder às perguntas da entrevista que
buscavam caracterizar a prática pedagógica, a concepção sobre o brincar, os momentos de
intervenção nas brincadeiras das crianças, entre outros aspectos. Abaixo apresento uma
caracterização das profissionais que atuavam na pré-escola:
Quadro 5: Caracterização das professoras
Professora Formação Outros cursos Experiência na Educação
Infantil
Fátima
*
Magistério - 11 anos (Professora)
Cristina Pedagogia - 6 anos (Agente Educacional)
1 anos (Professora)
Helena Pedagogia - 8 anos (Agente Educacional)
2 anos (Professora)
Eliana Pedagogia Especializão em
Educação Infantil
3 anos (Agente Educacional)
8 anos (Professora)
Leila Magistério - 5 anos (Professora)
Joice Pedagogia Especializão em
Psicopedagogia
5 anos (Professora)
Sônia Pedagogia Especializão em
Supervisão Escolar
7 anos (Berçarista)
10 anos (Professora)
Amanda Pedagogia Especializão em
Supervisão Escolar
10 anos (Professora)
Bete Pedagogia - 16 anos (Professora)
Isabel Ciências Sociais Pedagogia e
Especializão em
Educação Infantil
17 anos (Professora)
Vera Pedagogia Complementação em
Educação Infantil
18 anos (Professora)
Paula Pedagogia - 8 anos (Professora)
Foi de grande importância o acompanhamento inicial feito com cada professora, pois
este procedimento contribuiu para que elas se sentissem mais à vontade com a minha presença
na hora da entrevista.
*
Todos os nomes das professoras apresentados neste trabalho são fictícios de modo a preservar sua identidade e
privacidade.
56
Entrevista com as Agentes Educacionais
Nas observações pude notar que as crianças, durante sua permanência com as agentes
educacionais, passavam grande parte de seu tempo envolvidas em alguma atividade de
brincadeira. Achei relevante conversar com elas sobre a proposta de seu trabalho ali
desenvolvido. Com um roteiro semiestruturado de perguntas (Anexo 3) busquei compreender
os objetivos que propunham para as brincadeiras, as relações estabelecidas entre elas e as
concepções apresentadas, principalmente sobre o brincar e suas práticas. Ao todo foram
entrevistadas seis agentes educacionais, como segue:
Quadro 6: Caracterização das agentes educacionais
Agente Educacional Formação Tempo como agente
educacional
Laís
*
Pedagogia 5 anos
Aline Cursando Pedagogia 5 anos
Ivone Ensino Médio (Técnico em
Enfermagem e artesanato)
11 anos
Kelly Cursando Pedagogia 4 anos
Débora Direito 1 ano e meio
Lilian Letras 4 anos
Ao término desse processo foi possível obter uma maior caracterização da concepção
que apresentavam sobre o brincar e sua importância, como e quais espaços são utilizados para
esta atividade, bem como de que forma esta atividade é contemplada nas práticas dessas
profissionais no interior da instituição.
Com esta metodologia, pautada na abordagem Histórico-cultural, que busca ir à
gênese das relações do objeto investigado, relacionando-o ao contexto mais amplo, foi
possível coletar os subsídios necessários para, então, responder à questão de pesquisa
apontada inicialmente.
O capítulo seguinte consiste na apresentação e análise dos dados obtidos no decorrer
deste processo.
*
Todos os nomes das Agentes Educacionais apresentados neste trabalho são ficcios de modo a preservar a
identidade e privacidade das mesmas.
57
Capítulo 4 – Análise e discussão dos dados
Diante das observações feitas durante o período de pesquisa na creche foi possível
perceber, nos mais diversos momentos, como as crianças se comportam diante das
brincadeiras. As entrevistas forneceram uma grande contribuição no esclarecimento de
algumas questões a respeito do brincar, contribuindo para uma melhor aproximação do que
professores e crianças pensam sobre esta atividade.
Porém, antes de tratar especificamente sobre o processo de mediação, enfoque
principal deste trabalho, cuja discussão é feita no capítulo seguinte, é relevante apresentar
elementos importantes que se fizeram presentes nos discursos de todas as pessoas envolvidas
nesta pesquisa que, de certa forma, auxiliam na compreensão de como a mediação é
concebida e contemplada nas práticas das professoras. Para tanto, neste capítulo a análise e
discussão dos resultados foram divididos nas seguintes diretrizes de análise: 1) Concepção
sobre o brincar; 2) Espaço do brincar; 3) A criança e o brincar, contendo as seguintes
subdiretrizes: a) Relação com os brinquedos; b) Brincadeiras realizadas; c) Relação entre as
crianças; d) Imitação como propulsora de aprendizagens; 4) Atividades realizadas na pré-
escola; 5) As mediações das professoras durante as brincadeiras.
Nos resultados expostos busco fazer um cruzamento dos registros de campo
juntamente com as entrevistas realizadas.
4.1– Concepção sobre o brincar
Para compreender melhor o cerne de certas práticas presentes no interior da instituição
pesquisada, buscamos, primeiramente, levantar a concepção que crianças, professoras e
agentes educacionais apresentavam sobre o brincar.
Questionamos, primeiramente, as crianças sobre o que elas mais gostavam na escola e
como resposta obtivemos que a maioria (48 das 50 entrevistadas) afirmou gostar de brincar.
Entre outras atividades de que gostavam de realizar na escola, além do brincar, as crianças
citaram: estudar (5 crianças), comer (5), desenhar (5), pintar (2), dos amigos (2) e da
professora (1).
Questionamos, ainda, as crianças se assistiam a TV e mexiam no computador e se
julgavam essas atividades como brincar. Todas as 50 crianças afirmaram ter TV em casa e a
maioria delas (40) não considerava assistir a televisão como brincar.
58
“Não. Porque é pra assistir,ver” (João
*
, 5 anos).
“Não, eu só ligo e assisto (Thalles, 3 anos).
Curiosamente as crianças mais novas, em um número gradativo, consideraram assistir
TV como brincar:
5 anos – das 18 crianças, nenhuma considerou
4 anos – das 14 crianças, 2 consideraram
3 anos – das 12 crianças, 4 consideraram
2,5 anos – das 6 crianças, 4 consideraram
Quanto ao computador questionamos se as crianças o tinham em casa, se mexiam nele
e se achavam que seu manuseio era uma atividade de brincar. Obtivemos os seguintes dados:
33 crianças não tinham computador em casa e 17 afirmaram ter.
Das dezessete crianças com computador em casa a maioria (13) considerava seu
manuseio como atividade de brincar. Entre as que afirmaram que mexer no computador não
era brincar (4), duas ao dizerem que tem computador em casa afirmaram:
“Tem, mas só meu pai mexe” (Julia, 4 anos.
“Hã-hã! Mas não pode mexer, quando eu ficar grande” (Letícia, 2 anos e
meio).
Talvez por esse fato não caracterizassem o uso do computador como atividade de
brincar.
Diante do fato de a maioria das crianças (42) não considerar assistir a TV como
brincar e, por sua vez, definir mexer no computador como uma atividade de brincar, foi
possível inferir que para as crianças o brincar não está baseado em uma atividade menos
interativa, passiva, como assistir a TV, mas sim, na realização de uma determinada ação,
concreta e imediata.
Ressaltamos que a maioria das crianças de 2,5 anos atribui assistir TV como atividade
de brincar, neste sentido, temos que para o pré-escolar mais novo a atividade de brincadeira
ainda carece de argumentos e conteúdos (MUKHINA, 1996), talvez por esse fato tais crianças
considerem assistir TV como brincar.
*
Todos os nomes das crianças apresentados neste trabalho são fictícios de modo a preservar sua privacidade.
59
Quanto às professoras, também foram questionadas sobre o que consideravam como
sendo o brincar da criança, que foi caracterizado por elas como uma atividade lúdica,
envolvendo brincadeiras divididas em livres e dirigidas.
Eu acho que tudo que tá incluído o lúdico, né?” (Professora Helena, etapa)
o as atividades dicas, ? Dirigidas ou livres.(Professora Amanda, 5ª etapa)
Ah eu acho que é quando o educador... bom, depende do brincar, depende da
atividade que você dá, tem um brincar que você e eles brincam livremente,
entendeu? Como com os brinquedos afetivos, por exemplo, eles fazem casinha, eles
se (sic) interagem entre eles, eles criam as brincadeiras. tem as brincadeiras
dirigidas, que são aquelas que você brinca junto com eles.” (Professora Bete, 4ª
etapa)
Brincar, tem muita gente que define aquela coisa, tipo recreação, eu acho que
não. O brincar tem desde o brincar dirigido a o espontâneo, eu acho que todo o
momento a gente sempre trabalhando com o brincar pra conseguir construir o
conhecimento deles, tipo na areia a gente faz: balde cheio, balde vazio, pesado,
leve... E pra mim isso é um tipo de brincadeira, de certa forma dirigida, mas eles
estão brincando. Como a questão de regras, hoje eles estão brincando, mas eles
sabem que hoje não é dia de ir no balanço, eno você vai pontuando algumas
coisas, mas o brincar é tudo pra eles. Não tem como contar uma história sem estar
relacionado com o dico. (Professora Isabel, 3ª etapa)
Quando questionadas sobre a importância que atribuem ao brincar para as crianças, de
modo geral, as professoras apontaram que esta atividade é importante para promover a
socialização, a aprendizagem, o desenvolvimento, a criatividade, entre outros aspectos.
Eu acho que o brincar é um respeito à idade mesmo, é fase de brincar, de se
desenvolver, ? Desenvolver coordenação, am da imaginão, da criatividade,
desenvolver o equilíbrio, solução de problemas, até a linguagem, né? Eu acho que
o brincar envolve tudo assim... parte motora... eu acho, na verdade, que o brincar
é muito amplo, você desenvolve tudo.” (Professora Eliana, 4ª etapa)
Eu acho que na brincadeira eles desenvolvem imaginação, oralidade,
criatividade. Internalização de regras, limites, ateão, concentrão.”
(Professora Paula, CI1)
Algumas indicaram que o brincar é uma atividade essencial no peodo da infância:
60
Fundamental, né? Essencial pelo menos para nós da Educão Infantil. Euo
consigo desvincular o brincar de outra atividade, então eu sempre procuro fazer
de uma forma que eles tenham prazer pela atividade através da brincadeira..”
(Professora Isabel, etapa)
Nossa, o dá pra ser criaa sem brincar. Faz parte da vida da criaa, né?”
(Professora Vera, etapa)
E ainda outras citaram o brincar como importante para suprir alguma cancia que vem de
casa:
Através da brincadeira eles soltam a imaginão, a criatividade, muitas vezes,
eles põem pra fora aquilo que eles sentem, aquilo que eles vêem dentro de casa,
liberam uma fantasia, transmite a espontaneidade, que atras disso a gente pega
um caminho, você vê que a criaa tá precisando mais de atenção, mais de afeto,
você tenta compartilhar com os pais.” (Professora Joice, 3 ª etapa e 5 ª etapa)
Eu acho o principal, viu. Uma das principais atividades, porque eleso
brincam em casa, né? Passam o dia todo aqui, então tem que ser dividido, um
tempo pra eles brincarem sem interferência do educador, porque essas criaas
que são integrais [que ficam peodo integral na escola], pouco brincam, eu
mesmo pergunto pra eles Você brinca em casa?” Não”, “Você tem brinquedo
em casa?” Muitos o têm. É só na escola que eles brincam, entendeu? Então a
escola propicia isso pra criança, tem que ter. Tem que ter momentos pra eles
brincarem livremente. (Professora Bete, etapa)
Todas as professoras afirmaram que o brincar tem sua importância na vida da criança,
levantando suas contribuições para os diversos aspectos do seu desenvolvimento. Interessante
o relato de uma professora que, apesar de reconhecer a relevância da atividade de brincar,
sente que algo está errado na forma de proporcionar essa atividade às crianças. Segue a fala da
professora Cristina:
É, porque o intuito aqui é brincar, eu sei a imporncia do brincar aqui pra eles,
nesta faixa etária, mas eu o me sinto assim, ? Parece que não é o que eu
gostaria de estar fazendo... parece que deixando muito solto. (Professora
Cristina, CI2)
Embora a professora afirmasse saber a importância do brincar no período pré-escolar
acreditava estar deixando a atividade muito solta para as crianças. Talvez porque o brincar
61
não lhe parecia ter objetivos delimitados, ou, ainda, por não saber fazer a mediação adequada
junto às crianças.
Elkonin (1998) discute que, embora muitas professoras definam a relevância do
brincar, desconhecem a verdadeira influência do jogo no desenvolvimento infantil e seu
espaço no currículo da Educação Infantil:
Ainda existe, numa certa parcela de pedagogos, a tendência para universalizar a
importância do jogo para o desenvolvimento psíquico; atribuem-se-lhe as funções
mais diversas, tanto puramente diticas quanto educativas; por isso surge a
necessidade de determinar com maior precisão a influência do jogo no
desenvolvimento psíquico na formação da personalidade, e encontrar o seu lugar no
sistema geral do labor educativo nos estabelecimentos infantis para a idade pré-
escolar. (p. 399)
Quando questionadas sobre os objetivos que apresentavam quando propunham e
desenvolviam uma brincadeira com as crianças, as professoras indicaram, de modo geral, que
tinham a intenção de socialização das crianças, coordenação, concentração, entre outros
aspectos.
Olha, as brincadeiras de roda, geralmente, além do brincar, é colocar regra e
procurar, assim, trazer alguma aprendizagem pra brincadeira, e a brincadeira livre é
mais a socializão, né?(Professora Cristina, CI2)
Aquilo que eu te falei, a coordenação, a solão de problemas, a linguagem,
expressão. Acho assim que todos esses eixos ligados ao corpo, linguagem, é pra isso
que a gente acaba dando. Am de respeitar o momento deles, né?que é a infância.
Inncia sem brincar não é infância.(Professora Eliana, 4ª etapa)
Para trabalhar a convivência ali com os amigos, aprender a conviver, aprender a
dividir.” (Professora Leila, CI1)
Algumas são mesmo só pelo fato de brincar, pelo lúdico e outras, por exemplo,
quando eu dou domi, bingo, ou jogo, aí eu trabalho atenção, concentrão,
numeral, quantidade, então depende muito do jogo, da brincadeira,? (Professora
Amanda, 5ª etapa)
Nessa faixa eria eu trabalho muito mais a questão da socializão, oralidade,
esquema corporal, afetividade, que eu acho muito importante nessa faixa etária, e
alguns conceitos, dependendo do que a gente tiver trabalhando e tamm os
movimentos amplos das criaas, que tem a ver com o esquema corporal de certa
forma. (Professora Isabel, etapa)
62
As agentes educacionais também foram questionadas sobre a concepção que
apresentavam sobre o brincar. Antes, porém, busquei compreender a função que
desempenhavam, assim como a proposta da recreação no interior do CER. De modo geral as
agentes educacionais definiram que os objetivos da recreação ali eram o cuidar, o educar e o
brincar.
“A proposta aqui a é seguinte, a palavra chave é cuidar e educar, aí nós
temos que trabalhar com jogos, brincadeiras cooperativas e tradicionais,
jogos de faz de conta, gincana. No cuidar está incluído banho, alimentação,
colocar pra dormir. No educar incluído as atividades lúdicas, né? A parte
pedagógica fica com a professora, nisso a gente não tem obrigação.” (Laís)
“A nossa parte é a recreação, a gente não pode ficar se preocupando com
parte pedagógica de ensinar letra. É mais o brincar, socialização,
brincadeira, higiene, tudo isso a gente trabalha.” (Aline)
“É a parte recreativa, porque a parte pedagógica é mais o professor que
trabalha, né? Então, assim, quem cuida e educa... então a gente cuida, educa
e brinca com eles. No cuidar tá incluindo higiene e alimentação, no educar tá
incluído brincadeiras (tradicionais, educativas, de cooperação)” (Kelly)
“Olha, a proposta é o aprendizado através do brincar. Vamos supor, a gente
não pode dar conteúdo programático de professor e tudo que a gente for
fazer é através do brincar.” (Lilian)
Percebemos que tais profissionais desvinculavam totalmente o brincar de qualquer
aspecto pedagógico, apresentando uma visão restrita, ou seja, que esta atividade se voltava
somente para o entretenimento da criança.
Segue a concepção que apresentaram sobre o brincar:
“Brincar pra mim é diversão” (Laís)
“O brincar serve para desenvolver a socialização, para as crianças
aprenderem a dividir, serem menos egoístas.” (Lilian)
“Brincar é fazer as brincadeiras. Brincadeira é socialização, brincadeiras
cooperativas, para eles aprenderem a ser pessoas melhores.” (Aline)
“Eu acho assim, brincar pra eles é diversão, eles precisam da brincadeira, como
eles precisam da alimentação, da higiene... Eles precisam da brincadeira, eu acho
que é necessário pra vida da criaa. (Kelly)
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O conceito do brincar está pautado em um momento de diversão, em uma necessidade
da vida da criança, assim como em uma atividade para as crianças se tornarem pessoas
melhores e menos egoístas. Mais uma vez desvincula-se o aspecto pedagógico do brincar,
considerando-o apenas em uma simples atividade lúdica.
Ressaltamos mais uma vez que, ao serem contratadas, não houve nenhuma exigência
de que essas profissionais tivessem formação pedagógica para atuarem nesse nível de ensino,
ou seja, o requisito foi escolaridade em Ensino Médio, embora muitas delas, ao serem
inseridas no contexto da Educação Infantil, começassem a fazer curso superior de Pedagogia.
Questionamos também as agentes se havia momentos durante o dia em que as crianças
não queriam brincar. Afirmaram que isso praticamente não acontecia, somente no caso de a
criança estar doente. Fora isso, queriam brincar o tempo todo:
“Olha, assim, tem criança que não quer brincar, mas é da própria criança
que percebo. Mas os outros até que não, se deixar eles brincam o dia inteiro,
em qualquer hora, em qualquer lugar. Mas eles não deixam de brincar por
cansaço, nada assim.” (Laís)
Nesta idade não. A criaa que parou de brincar, que está “moadinha” você pode
ir lá que ela doente. Ela parou de estar em atividade, ou fica um tempinho sozinha,
manhosa, tá doentinha. Se a minha criança parou, pode ir lá que ela tá com
febre.” (Ivone)
em momentos que eles querem brincar sozinhos, assim, sozinhos mesmo, não
quer brincar com todo mundo. Ou então não quer brincar da atividade que tá
propondo. Mas brincar eles estão dispostos a brincarem sempre.” (Lilian)
Certamente a formação específica que habilita a atuação de profissionais na Educação
Infantil é um fator que preocupa. A LDB/1996 determina, em seu Art.62, que:
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em vel superior,
em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos
superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do
magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental
a oferecida em nível dio na modalidade Normal.
Apesar da exigência que a lei apresenta, nota-se que esta não é uma realidade na
creche observada. Esta questão, sem vida, passa pelo âmbito econômico da educação, uma
vez que é mais viável financeiramente manter agentes educacionais do que contratar
profissionais com formação para executarem as mesmas funções. Assim, as lacunas de uma
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formação adequada apresentam reflexo direto na concepção que esses têm de educação e,
consequentemente, na sua atuação junto às crianças.
4.2– Espaços do brincar
O espaço do brincar, concebido como importante na teoria Histórico-Cultural, sendo
também um mediador nas aprendizagens infantis, foi considerado nesta pesquisa de modo a
compreender o uso que se faz dele, assim como a forma que está organizado para a realização
das brincadeiras.
Verificamos com as crianças os lugares que consideravam como propícios para o
brincar no interior da instituição. Das 50 crianças, ao afirmarem brincar na escola, 48 citaram
o espaço da areia como lugar de brincadeiras.
48 crianças – “Na areia.”
1 criança - “No quiosque.”
1 criança - “De roda, no quiosque e na casinha.”
Além de citarem a areia como espaço onde brincam, também fizeram referências ao
quiosque (5), à casinha de boneca (5), à sala (5), à lateral (5), à sala de multimeios (3).
Questionamos, também, em qual o espaço da escola as crianças mais gostavam de
brincar, ao que elas responderam:
39 crianças – Na areia.”
4 crianças – “Sala de multimeios.”
1 criança – “Casinha de boneca.
Entre os espaços que não consideravam próprios para brincar as crianças citaram a
árvore, fora da areia, o refeitório, o mato, entre outros:
“Lá no quiosque porque na hora que a tia sai não pode fazer arte.” (Adriele, 5 anos)
“É nas árvores, o pode subir na árvore... porque senão a árvore morre.” (Kevin, 5
anos)
“Os lugares que a tia não manda.” (Monique, 5 anos)
“Lá fora, o pode brincar na rua porque o carro passa em cima dos outros.”
(Gisele, 4 anos)
65
“Lá no banheiro, lá onde come comida.” (Renan, 4 anos)
“Na torneira e na árvore. (Michele, 4 anos)
“Não pode brincar na terra, no mato... na rua não pode.” (Emily, 3 anos)
“Não pode correr onde tem as cadeiras [refeitório].” (João, 3 anos)
“E ficar na frente do balanço também não é... porque eu já bati o nariz l.
(Joaquim, 4 anos)
“Lá fora, o pode brincar na rua porque o carro passa em cima dos outros.”
(Gisele, 4 anos)
Além desses espaços, 10 crianças afirmaram que a sala de aula não era lugar para
brincar:
“Porque a tia não deixa... na sala. Porque a tia vem aqui fora [para brincar].
(Alicia, 5 anos)
“Hum... fora da areia. Na sala quando a gente fazendo atividade... (Gabriela, 5
anos)
“Na sala. Porque lá tem que aprender.” (Carolina, 5 anos)
“Não é pra brincar ali... [mato] E na sala de aula pode brincar? Não, é hora de
aprender!” (Bia, 5 anos)
“Na sala. Porque lá tem que prestar atenção porque a professora tá falando pra fazer
as coisas.” (Lívia, 5 anos)
“Lá dentro da sala de aula”. Por que não pode brincar lá?” “Porque senão as
crianças ficam de castigo.” (Otávio, 5 anos)
Esse cenário mostra fortes indícios da escolarização infantil, uma vez que a sala de
aula é vista como um espaço rígido, onde se está para aprender conteúdos e realizar atividades
gráficas. Durante o tempo em que permaneciam no interior da sala, as professoras, conforme
as observações realizadas, buscavam desenvolver alguma atividade gráfica, deixando que as
brincadeiras fossem efetuadas na parte externa, prática que, possivelmente, contribuía para
que a maioria das crianças considerasse apenas a área externa como espaço para brincar.
66
Questionamos também se as crianças percebiam diferenças entre brincar em casa e na
escola. De todas elas, somente quatro apontaram não ver diferenças entre o brincar em casa e
na escola. As demais (46) afirmaram perceber diferenças do brincar nesses espaços.
As diferenças pontuadas pelas crianças giraram em torno da questão do espaço, dos
brinquedos, das brincadeiras, das pessoas e das ações realizadas tanto em casa quanto na
escola:
“Porque na nossa casa tem televisão e aqui na creche tem areia, na nossa casa não tem
areia.” (Kevin, 5 anos)
“Porque aqui tem areia pra brincar, casinha de boneca, sala... e na minha casa não.”
(Raissa, 5 anos)
“Porque aqui eu brinco de cavalinho e na minha casa eu fico assistindo televisão.”
(Carlos, 5 anos)
C (Criança) – “Diferente é brincar aqui!
P (Pesquisadora) – “O que é diferente?
C - “Primeiro, é diferente os brinquedos, é diferente a escola e é diferente os amigos!
Na minha casa eu só tenho um amigo que é meu irmão.” (Bia, 5 anos)
“Que na minha casa tem computador.” (Fábio, 3 anos)
“Porque a creche é mais grandona do que a minha casa.” (Monique, 5 anos)
“Por causa que aqui tem mais criança e lá em casa não.”(Julia, 5 anos)
“Porque aqui é pra trabalhar na escola” (Sthefany, 4 anos)
Das 50 crianças, quando questionadas sobre o lugar em que mais gostavam de estar
para brincar, as opiniões se dividiram. Identifiquei 24 crianças que preferem brincar em casa e
26 na escola. Seguem os principais motivos apontados pelas crianças indicando a creche
como espaço preferido:
“Aqui na creche. Porque lá em casa não tem areia.” (Lívia, 5 anos)
“Aqui na creche. Por tem brinquedo que não tem lá em casa.” (Laura, 5 anos)
“Aqui. Porque eu aprendo mais coisas.” (Carolina, 5 anos)
“Aqui na escola. É porque eu gosto da minha professora, das tias, dos brinquedos.”
(Cristian, 5 anos)
“Aqui. Porque aqui é mais legal... tem parquinho e tem brinquedo.” (Otávio, 5 anos)
“Na escola. Porque tem mais brinquedos e mais amiguinho.” (Gisele, 4 anos)
“Gosto mais aqui na escola. Porque meus amiguinhos brincam comigo. (Mateus, 3
anos)
67
as crianças com preferência por brincar em casa justificaram:
C ‘Na minha casa. Porque na minha casa tem carrinho, também eu brinco de pega-
pega, esconde-esconde... aqui nós faz a mesma coisa.”
P – “Então por que você gosta de brincar mais na sua casa e não aqui na escola?”
C “ Porque na minha casa eu não tenho que dormir.” (Carlos, 5 anos)
“Mais na casa. Porque tem brinquedo lá, aí eu brinco.” (Kevin, 5 anos)
“Na minha casa. Porque eu brinco de bicicleta, de carrinho, de televisão e aqui
não.” (Eduardo, 5 anos)
“Na minha casa. Porque na minha casa eu posso brincar com meus brinquedos. Tem
brinquedos que não é novo lá. Mas a minha bicicleta é nova.” (Sthefany, 4 anos)
C “Na minha casa. É porque o meu irmão ele junta as crianças para fazer surpresa e
graça. Porque eu faço graça pra minha mãe, aí quando eu faço graça ela dá risada”.
P – “E quando você faz graça aqui na escola, o que acontece?”
C-“ Não sei, nunca fiz.” (Alexandre, 4 anos)
“Na minha casa. De brincar na árvore da minha casa.” (Gabriele, 3 anos)
“Na minha casa, por causa que pra fazer comidinha. Tem pratinho, tem negócio de
suquinho, tem um monte de coisa.” (Letícia, 3 anos)
Entre as crianças que permaneciam tempo integral na escola (39), a maioria preferia
brincar em casa (17) em relação às que preferiam brincar na escola (12).
O motivo de algumas crianças preferirem brincar em casa e não na escola foi muitas
vezes justificado pelo fato de poderem brincar com brinquedos que não na escola. Além
disso, um motivo também de destaque baseou-se nas normas de conduta existentes na escola,
pois, como declarou Carlos, preferia brincar em sua casa porque não tinha necessariamente a
obrigação de dormir em determinado horário, ou como falou Alexandre, que gostava de
brincar em casa porque lá podia fazer “graça”, enquanto a escola não se constituía um espaço
para isso.
Sobre as criaas que preferiam a escola como espaço para brincar, vimos que os
motivos estão pautados, em sua maioria, na quantidade de brinquedos existentes e na
quantidade de amigos que possibilitam a realização das brincadeiras na escola.
Ao questionarmos as professoras se desenvolviam brincadeiras com as crianças e em
quais espaços isso ocorria, elas afirmaram:
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Na área livre, mais na área livre. Se for uma brincadeira dirigida, por exemplo, uma
brincadeira de roda, brincadeira de coelhinho sai da toca, na área livre, né? Na areia
realmente a gente o interfere, ou seja, eles pegam o baldinho e brincam sozinhos, na
sala, assim, normalmente é um jogo de encaixe onde eles tamm desenvolvem sozinhos.
O momento que mais a gente se envolve mais com brincadeira dirigida geralmente é no
quiosque, área livre, ?” (Professora Bete, 4 ª etapa)
Mais nos espaços externos da escola, aproximadamente duas vezes por semana.
(Professora Vera, 4ª etapa)
Sim. Geralmente no quiosque, na areia assim... como é que eu vou falar... na areia é
mais livre.(Professora Cristina, CI2)
Com base na fala das professoras a área livre é, sem dúvida, o espaço onde o brincar ocorre
mais frequentemente, talvez pela relação que tem com os brinquedos lá existentes e maior
possibilidade de as crianças elaborarem suas próprias brincadeiras. Na sala de aula algumas
brincadeiras ainda acontecem, porém este espaço apresenta suas restrições, sendo as
brincadeiras realizadas, de modo geral, dirigidas e com uso de algum recurso como lousa
ou peças de encaixe.
Em concordância com o que vimos apontando, a relação com o espaço também
desvincula o brincar da chamada parte pedagógica” da ação das professoras. Dado que se
confirma com a fala das professoras Fátima e Helena:
Geralmente nas áreas livres? É, porque na sala de aula é mais difícil brincar, ?
Na sala de aula é mais atividade específica, ?” (Professora Fátima, 3ª etapa)
A maior parte é na área externa. Só que na sala tamm, só que na sala o tempo é
menor porque eu aproveito mais pra parte pedagógica. Na sala eu brinco, às vezes,
com eles. Brinco de forca, de bingo, sei lá. Mas não, ? Seo você perde... são poucos
momentos em sala. (Professora Helena, 5 ª etapa)
De modo geral, as professoras verbalizaram que desenvolviam brincadeiras com as crianças
na área externa do CER, deixando as salas, principalmente a sala estruturada, para desenvolver
atividades gficas. Quando questionadas em quais momentos e onde desenvolviam brincadeiras
livres e brincadeiras dirigidas, apontaram o espaço como determinante da atividade que iriam realizar
com as crianças:
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Olha, brincadeiras livres geralmente mais na areia e brincadeira dirigida é mais no
quiosque. (Professora Cristina, CI2)
Em quais momentos? Ah, depende do meu planejamento, vamos supor, se eu tenho
área externa aqui... vamos supor, se eu tenho quiosque eu desenvolvo mais atividade
dirigida, entendeu? Agora, por exemplo, na areia, na areia pra essa faixa eria eu
deixo eles livres, porque é o único dia que eles têm na areia. (Professora Helena,
etapa)
Eu acho assim... no quiosque na frente e na lateral do tanque de areia é mais dirigida
e na sala tamm quando eu dou alguma atividade de pintura. E livre é na areia.”
(Professora Leila, CI1)
No quiosque eu sempre tento dar brincadeiras dirigidas. No quiosque, multimeios e
recursos, busco dar mais dirigida. Eu fo brincadeira dirigida quando vou dar
domi, bingo, jogo da memória, mas com os brinquedos da sala, com brinquedos
afetivos, eu deixo livre e só fico observando. Na areia é livre, na casinha de bonecas
também é livre. (Professora Amanda, 5ª etapa)
Diante da fala das professoras, a organização da escola com base no rodízio dos
espaços induzia a atividades unicamente dirigidas e muito estruturadas. Segundo a fala da
professora Amanda eram poucos os espaços reservados para as crianças desenvolverem
atividades livres e quando isso ocorria, cabia à professora simplesmente a função de observar.
Essa declaração foi reforçada pela fala da professora Helena, que deixava as crianças brincar
livremente na areia por ser esse o único dia em que iriam àquele espaço na semana.
Dessa forma, o rodízio acabava produzindo certa limitação do tempo que as crianças
tinham para brincar daquilo que de fato queriam.
As professoras afirmaram não encontrar grandes dificuldades para desenvolver
brincadeiras com as crianças, apontando que se sentiam à vontade para propô-las. Assim elas
relataram os momentos, espaços e as brincadeiras que propunham:
Proponho mais em área livre, né? Ah, o que eles mais gostam, am do tanque de
areia que eles gostam bastante, tem o tipo corre-cotia e tem o coelhinho na toca que
eles gostam bastante... e daquela da serpente, eles gostam bastante da serpente.”
(Professora Fátima, 3ª etapa)
Aqui eu proponho brincadeira no quiosque e na área livre. É mais na areia que eu
deixo eles mais livres, não proponho brincadeira. Quando eu tinha a 3ª etapa, com os
pequenininhos, eu fazia brincadeira dirigida na areia, porque a gente só tinha areia.
Então eu tinha que aproveitar o espaço da areia, então eu brincava com eles, mostrava
o que era dentro e fora, pedia para andar na muretinha, caça ao tesouro, porq?
Porque todo dia eu tinha areia, se eu deixasse eles , eles pulavam na minha cabeça,
70
entendeu? Agora esses daqui eu tenho areia só na quarta-feira aqui, e de sexta feira
na outra areia, então eu tenho dó... o cavalinho, ah, deixa eles brincarem, curtir a areia,
?” (Professora Helena, etapa)
Nunca tive problemas, assim, nem entre eles de negarem a brincadeira, apesar que às
vezes tem uns que “Ai, eu não quero brincaré porque às vezes não sabe nem a
brincadeira. Então depende de como eu to sentindo a turma eu proponho a
brincadeira.(Professora Joice, etapa e 5ª etapa)
O espaço em que as crianças mais gostavam de brincar, segundo as professoras, era a
área externa, mais especificamente o espaço da areia por causa dos brinquedos existentes e
das possibilidades de brincadeiras diferentes das atividades nos demais espaços escolares, que
se resumiam à montagem de peças de encaixe e uso de alguns brinquedos. Assim as
professoram afirmaram sobre os espaços em que as crianças mais gostavam de brincar:
“Na areia. Porque aqui eles brincam mais livres... porque aqui eles podem
correr, né? Coisas que a gente fica muito cobrando deles pra não correr em área
que se machuca.” (Professora Fátima, 3ª etapa)
“Na areia. Acho que por causa do balanço, dos brinquedos, eles rolam.”
(Professora Eliana, 4ª etapa)
“Olha acho que sempre a área livre eles gostam de brincar, principalmente os
maiores, eles gostam mais de brincar na área livre, assim, desde que seja um
espaço amplo.” (Sônia, CI2 e 5ª etapa)
“Olha, eles adoram brincar na sala de multimeios, quando é brinquedo.”
(Professora Amanda, 5ª etapa)
Vimos que o espaço é um fator importante que proporciona o desenvolvimento
infantil, sendo o professor responsável pela ação intencional de sua organização. Esse
elemento, por vezes, desconsiderado na prática das professoras constitui-se um mediador
significativo, que pode criar meios para novas aprendizagens da criança.
Sitta (2008) discute que, conforme sua organização, o espaço também pode influenciar
de forma negativa nas atividades de brincadeira, uma vez que a falta de brinquedos, de
objetos, iluminação inadequada, tamanho restrito, tempo de uso, entre outros aspectos, podem
limitar possíveis aprendizagens.
A autora discute que como aspecto mediador o espaço pode passar despercebido pelas
professoras quando desvinculado da atividade que será desenvolvida e desvinculado de um
71
objetivo para a criança. Sitta (2008) argumenta, ainda, que as escolas de Educação Infantil e
professores devem criar nesses espaços motivos e necessidades que impulsionem as crianças a
realizarem atividades que promovam aprendizagens de qualidade.
A partir desse pressuposto ressalta-se a importância de tais profissionais pensarem e
organizarem o espaço intencionalmente, de modo a propiciar às crianças estímulos para a
realização de suas brincadeiras.
4.3- A criança e o brincar
As crianças em suas atividades de brincadeiras foram observadas com frequência no
decorrer da pesquisa. Para auxiliar no entendimento da relação da criança com o brincar,
dividi este item em quatro subitens a serem apresentados: a) Relação com os brinquedos; b)
Brincadeiras realizadas; c) Relação entre as crianças; d) A imitação como propulsora de
aprendizagens.
4.3.1 - Relação com os brinquedos
Ao questionar as crianças se brincavam em casa e do que brincavam ali, a grande
maioria, num total de 33 crianças, afirmou brincar com brinquedos e as demais 17 disseram
brincar em casa de algum tipo de brincadeira.
Quadro 7: Relação de crianças que brincam com brinquedos/brincadeira
Atividade
Idade
Brinquedo Brincadeira
5 anos 8 10
4 anos 8 6
3 anos 10 2
2,5 anos 6 0
Mais uma vez os dados obtidos vão ao encontro do que discute Mukhina (1996) a
respeito das atividades que motivam as crianças de diferentes idades. A autora coloca que a
criança em determinados períodos se encontra mais ligada a certo tipo de atividade que
predomina naquela fase, assim, na primeira infância temos a atividade com os objetos e para o
pré-escolar, o jogo, ou seja, a criança mais velha ao brincar apresenta uma ligação maior com
as brincadeiras do que a mais nova que, com maior frequência, relaciona a atividade de
brincar com algum brinquedo.
Assim as crianças revelaram as brincadeiras deque mais gostavam:
72
“Hum... brincar de esconde-esconde.” (Lívia, 5 anos)
“Qual a brincadeira? É, pular amarelinha.” (Adriele, 5 anos)
“É, batata-quente.” (Kevin, 5 anos)
“Brincar da história da serpente.” (Raíssa, 5 anos)
“Pato ganso.” (Eduardo, 5 anos)
“Eu gosto de pato ganso e cobra-cega.(Lucas, 4 anos)
“De bola.” (Alexandre, 4 anos)
“Gosto de brincar de bexiga. De brincar de fazer bolo.” (Juliana, 3 anos)
“De brincar no escorregador.” (Thalisson, 3 anos)
“De brinquedo.” (Gabriela, 3 anos)
“De baldinho.” (Guilherme, 3 anos)
“Brincar aqui no chão de carrinho.” (Fábio, 3 anos)
“Dos brinquedos, escorregador.” (Kleber, 2,5 anos)
“De brinquedinho.” (Alice, 2,5 anos)
Ao serem questionadas sobre os brinquedos que utilizavam em casa em suas
brincadeiras, meninos e meninas citaram brincar com brinquedos, tradicionalmente, definidos
para cada gênero:
Meninos
Carrinho/caminhão – 8 crianças
Meninas
Boneca – 14 crianças
Com base no referencial teórico apresentado no segundo capítulo, verificamos que este
fato ocorre uma vez que a atividade principal da criança sofre mudanças conforme vai
entrando no mundo dos adultos e buscando levar uma vida em comum com eles.
(LEONTIEV, 2006). Nesse sentido Mukhina (1996) afirma que com base no conteúdo e
73
argumento os pré-escolares menores executam suas atividades com os brinquedos que têm em
mãos, enquanto os maiores elaboram suas brincadeiras segundo seu argumento.
4.3.2 - Brincadeiras realizadas
Com base nas observações foi possível registrar as brincadeiras das crianças, sobre o
que brincam, com quem e quanto tempo levam nesta atividade em seu cotidiano. Tais
elementos, por sua vez, nos permitiram verificar aspectos ligados ao processo de
desenvolvimento infantil. Vejamos algumas dessas brincadeiras observadas:
As crianças (2,5 anos) pegam os baldinhos, começam a
enchê-los e fazer bolo de areia. Assim que fazem os bolos,
chamam a minha atenção para -los e logo os destroem.
“Eu matei o bolo” “tia, vou desmanchar e fazer outro”.
Pedro faz o bolo e me mostra, porém Henrique passa e
pisa no bolo que Pedro fez, este não se irrita com o fato de
Henrique ter destruído seu bolo, mas logo começa a fazer
outro. (Diário de Campo – 16/03)
Com base no excerto acima, Leontiev (2006) afirma que:
(...) o brinquedo é caracterizado pelo fato de seu alvo residir no próprio processo e
o no resultado da ação. Para uma criança que está brincando com cubos de
madeira, por exemplo, o alvo da brincadeira não consiste em construir uma
estrutura, mas em fazer, isto é, no conteúdo da própria ação. (p. 123)
É notável que a ação de Pedro ao fazer o bolo de areia não estava centrada no
resultado, ou seja, no bolo pronto, mas sim no processo de fazê-lo. Devido a isso, cada vez
que o bolo era feito e destruído por algum colega ou por ele mesmo, o processo se iniciava
novamente.
Mukhina (1996) aponta que, pela observação das brincadeiras, abre-se para o adulto a
possibilidade de conhecer melhor a criança, seus argumentos nos jogos e consequentemente
as etapas de seu desenvolvimento. Com isso ele obtém subdios para proporcionar às
crianças avanços em suas aprendizagens.
Vejamos outra situação ocorrida com a turma da 3ª Etapa da professora Isabel:
74
Bruna (4 anos), criança um pouco mais velha que as
demais da sua turma, faz um bolo na areia, pega um
pequeno graveto encontrado na areia e coloca-o em cima
do bolo dizendo ser a vela, pede para cantarmos
parabéns, depois corta e oferece o primeiro pedo.
(Diário de Campo – 18/03)
Muitas crianças dessa turma logo que faziam o bolo de areia o desfaziam, uma vez que
tinham como alvo o processo de fazer e refazer. Para Bruna, diferente das crianças de sua
turma, fazer o bolo não consistia somente em uma ação, mas apresentava outro significado,
uma vez que para ela um bolo feito tinha que ter vela, ter canto de parans e ser oferecido
em pedaço.
Elkonin (1998) afirma que o conteúdo do jogo é o aspecto característico central,
reconstituído pela criança a partir da atividade dos adultos e das relações que estabelecem em
sua vida social. Tal conteúdo revela a imersão mais ou menos profunda da criança na
atividade dos adultos.
No caso de Bruna, sua ação apresenta mais elementos existentes na vida social, o que,
consequentemente, leva a inferir que a criaa apresenta uma maior compreensão do mundo
adulto.
Outra criança no espaço da areia brinca:
Lia (4 anos) com um potinho em mãos enche-o de
areia e diz ter feito um suco de laranja e me
oferece. Pego o potinho e pergunto: “Posso tomar
de verdade?e Lia logo responde: “Não, pode
tomar de mentirinha.” (Diário de Campo 25/03)
Mukhina (1996) afirma que a criança satisfaz seus interesses imitando a vida dos
adultos e, com isso, também aprende a separar o que de fato é real da vida deles, definindo,
ainda, o que é objeto e significado. Assim, as crianças, embora façam um bolo que
supostamente pode-se comer, ao serem questionadas se se pode comer de verdade, sabem
diferenciar o sentido do significado, alertando que aquilo é só de “mentirinha”.
4.3.3 - Relação entre as crianças
75
Na Teoria Histórico-cultural a relação entre as crianças é concebida como um
elemento propulsor do desenvolvimento infantil, uma vez que os relacionamentos
proporcionam vivências de aprendizagens mediadas por suas experiências individuais que são
confrontadas no momento em que elas se juntam para brincar.
Durante os períodos de observação foi possível notar que as
crianças menores realizavam o brincar mais isoladas, diferente
das crianças mais velhas observadas que, na faixa etária de 4 a
5 anos, demonstraram um envolvimento maior com as crianças
de seu grupo, sendo meninos e meninas: Hoje acompanho a
turma de 4ª etapa que no primeiro horário, após a entrada,
segue para o espaço da areia. As crianças pegam os baldinhos e
vão brincar. É possível observar que, diferente das turmas de
crianças menores, as crianças dessa faixa etária se enturmam
mais. Observo que alguns meninos se unem para brincar com
carrinhos, as meninas sentam na areia em grupos de 4 ou 5 para
fazerem bolo. Ainda, alguns meninos brincam com as meninas
de fazer bolo. (Diário de Campo – 24/03)
Logo no início do período, conforme o rodízio, a professora
leva as crianças (2,5 anos) para o espaço do quiosque. Sentadas
no chão elas brincam com peças de encaixe. Trazem algumas
para perto de si, montam e me mostram o que construíram.
Percebo que as crianças brincam isoladas, sem muito
envolvimento umas com as outras. (Diário de Campo – 16/03)
Além dos momentos de observação das crianças brincando, durante as entrevistas, elas
foram questionadas a respeito da relação que tinham com os demais colegas de turma, mais
especificamente, com o sexo oposto. Assim, perguntamos aos meninos se brincavam com as
meninas e vice-versa e obtivemos o seguinte resultado:
etapa (5 anos) Das 18 crianças, 4 não brincavam com o sexo
oposto
etapa (4 anos) Das 14 crianças, 4 não brincavam com o sexo
oposto
etapa (3 anos) Das 12 crianças, 4 não brincavam com o sexo
oposto
CI2 (2,5 anos) – Das 6 crianças, 3 não brincavam com o sexo oposto
76
Diante das respostas é possível notar que as crianças mais velhas afirmaram brincar
com meninos e meninas, entre as crianças mais novas, meninos e meninas afirmaram
brincar com crianças do mesmo gênero.
Entre as brincadeiras das crianças em que envolvimento com o sexo oposto
observei brincadeiras dirigidas (pato-ganso, corre-cotia), com brinquedos (balanço, bola,
cavalinho), brincadeiras livres (pega-pega, esconde-esconde) e na areia, fazendo bolo com o
balde.
Seguem as respostas das crianças ao relatarem se brincavam com o sexo oposto e em
quais brincadeiras isso ocorria:
“Brinco. As meninas faz uma roda e a gente brinca de pato-ganso.” (Cristian, 5 anos)
“Com os meninos e com as meninas. No cavalinho.” (Ana, 5 anos)
“Com os meninos e com as meninas. De um montão de coisas.” (Kevin, 5 anos)
“Com as meninas e com os meninos. De pega-pega.” (Adriana, 5 anos)
“Com as meninas e com os meninos. Eu brinco de pega-pega, de baldinho.” (Carlos, 5 anos)
“Brinco com as meninas. Com os meninos não. Porque eles não deixam as meninas brincarem.”
(Sthefany, 4 anos)
“Brinco com os meninos e com as meninas. Em quais brincadeiras? De esconde-esconde e pega-
pega.” (Jhonatan, 4 anos)
“Meninos e meninas. Com as meninas brinco no cavalinho.” (Renan, 4 anos)
“Meninos e meninas. Com as meninas eu brinco... que eu era o marido e ela era a mulher.”
(Alexandre, 4 anos)
“Com as meninas e com os meninos.“Em que brincadeira vo brinca com os meninos?” “Hum...
de namorado.” (Julia, 4 anos)
“Não, só com as meninas.” (Juliana, 3 anos)
“Não [meninos]. Brinco com as meninas.” (Emily, 3 anos)
“Meninas e meninos. Com os brinquedos eu brinco com eles.” (Gabriele, 3 anos)
“Brinco com meninos e meninas, mas brinco mais com os meninos.” (Fábio, 3 anos)
“Com as meninas. Com os meninos não.” (Rafaela, 3 anos)
“Não brinco com os meninos.” (Flávia, 2,5 anos)
“Com os meninos, brinco com eles.” (Gustavo, 2,5 anos)
77
Nas falas acima verificamos também a presença de brinquedos que consistem em um
elemento que possibilita a interação entre os sexos.
Com base na importância que os brinquedos apresentam na vida do pré-escolar,
Leontiev (2006) aponta que o brinquedo é o caminho pelo qual as crianças compreendem
mais profundamente o mundo em que vivem. Assim o autor afirma: “Nos brinquedos do
período pré-escolar, as operações e ações da criança são, assim, sempre reais e sociais, e nelas
a criança assimila a realidade humana” (p. 130). Partindo desse pressuposto, Elkonin (1998)
também aponta que o papel dos brinquedos sofre modificações ao longo do desenvolvimento
infantil, sendo que entre as crianças de três e quatro anos “o material dirige em considerável
grau o tema do jogo. Mais tarde, as crianças atribuem ao material as propriedades que
desejam” (p. 238).
Nesse sentido destaco a importância das escolas de Educação Infantil pensarem nos
objetos que, presentes nos espaços, contemplem o desenvolvimento e as aprendizagens da
criança, na medida em que eles, os brinquedos, permitem não só a elaboração de brincadeiras,
como também possibilitam a interação entre as crianças em seus jogos.
Ao caracterizarem as brincadeiras infantis, segundo a faixa etária com que
trabalhavam, as professoras relataram que os mais novos ainda são “egocêntricos” em relação
aos demais colegas, enquanto os mais velhos sabem dividir mais entre si:
Eles (CI2) são mais egocêntricos, entendeu? Só que eles brincam, só que eles
são mais... Você sabe que se deixar eles só querem eles, então você tem que
trabalhar essa parte egocêntrica, porque nessa idade muito acentuada. Com
os maiores eles brincam, eles se misturam bastante, só que tem aqueles
preferidos, que eles querem, ? Só que eles se misturam, agora os pequenos já
se separam mais e juntam mais com aqueles que eles tem mais afinidades. Então,
você tem que ficar trabalhando isso, pra eles se socializarem mais, né? Eu acho
que é mais difícil socializar três anos do que cinco anos, por causa do
egocentrismo isso é meu, isso é meu”, eno você tem que trabalhar bem mais.”
(Professora Sônia, CI2 e etapa)
Eles se misturam meninos e meninas, dependendo da brincadeira, por exemplo,
tem brincadeira de casinha que eles se organizam, um é o papai, o outro é o
filhinho. Eles se organizam, tem autonomia. (Professora Vera, etapa)
Eles são muito egocêntricos ainda, eles não sabem dividir, é difícil viu, nessa
faixa etária eles brigam muito.” (Professora Leila, CI1)
78
Perguntamos, então, para as professoras que já haviam trabalhado com crianças de
diferentes faixas etárias, quais os principais aspectos que marcavam cada grupo, diante do que
elas colocaram:
Até os 3 aninhos eles brincam mais separados, na 3ª etapa eles comam a se
socializar mais.(Professoratima, 3ª etapa)
Eu acho que os mais velhos gostam mais de brincadeiras, assim, de correr, de
pular, de gritar, brincadeiras que estão ligadas ao movimento, eu acho. Agora
os pequenininhos, eles estão mais ligados à brincadeiras, assim, com brinquedo
afetivo, com fantoche, acho que prende mais os pequenos.” (Professora Helena,
5ª etapa)
Eu vejo assim, se for uma brincadeira livre os pequenininhos tem mais aquela
queso de acalentar a bonequinha, fazer casinha, essas coisas... aí, vamos
supor, os maiores já têm outro tipo de brincadeira, eles brincam de casinha,
mas uma brincadeira de casinha diferente, como é que eu vou te explicar... é
mais situação cotidiana de casa, tipo, ir ao médico, usar telefone, alguma coisa
assim. Fazendo um recorte bem... acho que pela questão de maturidade deles
mesmo.(Professora Isabel, 3ª etapa)
Alguns aspectos, próximos da teoria Histórico-cultural no que diz respeito às
diferentes etapas pelas quais as brincadeiras infantis passam até chegar ao jogo de papéis,
puderam ser observados na fala das professoras Paula e Cristina:
É, a brincadeira de faz-de-conta é quase assim, aquela brincadeira de
casinha, eu percebo que assim, eles crescem e a brincadeira continua. Mas
muda que eles aceitam mais que um é mamãe outro é papai e enquanto eles
que são pequenos eles brigam pra ser a mesma coisa, né? Entãomamãe, não,
sou eu que sou”. E os maiores não. Uma é mamãe, outra é filhinha. E outra
coisa assim... os maiores pra brincar mais brincadeiras de regras, enquanto
que eles (CI1) o entendem, algumas brincadeiras de regras o dá pra
introduzir na minha faixa etária.(Professora Cristina, CI2)
“Eu acho que as crianças maiores internalizam mais regras, entendeu?
diminuiu um pouco aquele monólogo coletivo, eles trocam ideias
entre si, uma aceita ser mãe, outra aceita ser filha. Com esses menores é
uma brincadeira, assim, como é que eu vou dizer, eles sentam juntos,
mas é uma brincadeira mais individual, eles são mais egocêntricos. Já os
maiores não. Por exemplo, um pode ser o professor, o outro o aluno, eles
definem os papéis, coisa que os menores não fazem.” (Professora Paula,
CI1)
79
Sobre isso, Mukhina (1996) afirma que a idade de fato é determinante no
envolvimento das crianças com o outro sexo.
À medida que vai adentrando na vida dos adultos, a criança compreende que é uma
vida social, pois os adultos estão em permanente contato. “Mamãe conversa com o
papai. O vendedor atende o cliente. O médico cura o doente, ajudado pela
enfermeira”. O desejo de reproduzir no jogo as relações entre adultos faz a criaa
começar a necessitar de companheiros. Para isso precisa chegar a acordos com os
outros e organizar com eles uma brincadeira que envolva vários papéis. (p. 163)
Portanto, diante daquilo que a autora expõe é compreensível, com base na fala das
professoras, a relação estabelecida entre a idade da criança e o envolvimento com os demais
colegas da turma. Tal envolvimento ocorre à medida que as crianças compreendem a relação
social existente na vida dos adultos.
Tendo em vista o processo de mediação e a relação de crianças com diferentes grupos
de faixa etária, durante o período de observação foi possível notar que a junção de uma ou
mais turmas no mesmo espaço quase não é promovida, o que acarreta turmas isoladas, cada
uma no espaço designado, segundo o rodízio. Foi possível observar somente uma situação em
que duas professoras juntaram suas turmas durante o tempo em que uma delas tinha o parque
de areia naquele dia:
Depois de saírem do refeitório a professora Vera (4ª etapa)
encaminha as crianças para o espaço da areia. A professora Sônia
(CI2) combina com a professora Vera de levar também sua turma
para esse mesmo espaço. As duas turmas permanecem juntas aí.
Percebo que algumas crianças, tanto os mais novos quanto os mais
velhos se organizam para brincar nos brinquedos do parque.
Algumas criaas sentam no co e fazem bolo de areia juntas.
(Diário de Campo – 08/04)
Durante uma conversa informal, Sônia afirmou que gostava de trabalhar com Vera,
que eram amigas há muito tempo e que, na medida do possível, faziam algumas atividades em
conjunto, que nia tinha uma turma de CI2 (2,5 anos) esse ano e Vera uma turma de
crianças de 4ª etapa (4 anos).
Quanto à situação de junção das duas turmas descrita no excerto acima, nota-se que,
embora crianças de diferentes idades se juntassem para brincar nos brinquedos existentes num
determinado espaço, a interação entre elas nas brincadeiras não foi maior, uma vez que a
junção das turmas no mesmo espaço não era prática freqüente na escola. Isso mostra que
80
crianças, quando reunidas esporadicamente num determinado contexto, não apresentam um
entrosamento maior.
Uma agente educacional relatou que, às vezes, para atender a um pedido de alguma
criança que quer brincar em determinado espaço, ela colocava sua turma com outra da
recreação:
“Acontece também do dia que eles querem brincar na
areia, e mesmo que eu não tenho o espaço no rodízio
do dia, converso com as meninas (agentes
educacionais) pra eles irem.” (Débora)
Embora, às vezes, houvesse um envolvimento entre as turmas, a intenção de juntá-las
estava baseada no fato de suprir o pedido de uma criança, ou no fato de a professora não
encontrar em um bom espaço para sua turma. Notamos a ausência de um objetivo que visasse
maior interação entre as turmas, possibilitando um maior aprendizado.
A falta de envolvimento de crianças de uma turma com as das demais turmas,
consequentemente, de diferentes idades, também se refletiu na fala das crianças, que em suas
respostas apontaram esse não envolvimento. Elas relataram com quem não brincavam e seus
devidos motivos:
“Com os bebês porque eles são pequenos e não dá pra brincar...
porque eles machucam.” (Gisele, 4 anos)
“Hum... deixa eu ver... com essa turma [turma dos mais velhos].
(Noemi, 4 anos)
“Com as pessoas que não é da tia Isabel” (Victor, 3 anos)
Mukhina (1996) mostra que quanto mais ampla for a realidade que as crianças
conhecem, tanto mais amplos serão os argumentos em suas brincadeiras. Daí a importância de
atividades em conjunto que propiciem intercâmbio de experiências:
No jogo conjunto as crianças assimilam a linguagem da comunicação, aprendem a
coordenar suas ações com as dos demais e a ajudar-se mutuamente. A colaboração
conjunta das criaas torna o jogo mais rico e complexo. A experiência de cada
criança é limitada, pois ela conhece algumas das muitas atividades dos adultos.
No jogo há um intercâmbio de experiências e ele se torna mais interessante e
variado. A maior complexidade do jogo, por sua vez, torna mais complexas as
relações mútuas, requer número maior de participantes e melhor concordância das
ações. (p. 163)
81
Sempre muito presente nas brincadeiras infantis, a questão de nero também foi
observada nesta pesquisa. Seguem observações das práticas de algumas professoras que
promoviam diferenciação de gêneros de forma explícita durante os momentos de brincadeira:
Na sala de multimeios a professora Sônia senta-se com sua
turma (CI2) em roda e conta uma história. Terminada a história
a professora pede para as meninas formarem um círculo, e
enfatiza “só as meninas”, quando um menino na roda,
pergunta: “você é menina?”. Feita a roda, a professora pega
uma caixa cheia de brinquedos do tipo panelinhas, talheres,
fogão e diz para as meninas brincarem com aqueles brinquedos.
Todos os meninos que se aproximam da roda, ela os retira.
Após ter entregado os brinquedos para as meninas, a professora
oferece aos meninos os caminhões que estão na estante e diz
para eles que podem pegá-los para brincar. Alguns meninos
pegam de imediato os caminhões e outros demoram um pouco
mais para retirá-los das prateleiras da estante. (Diário de
Campo – 16/03)
A professora fez uma clara diferenciação de gênero, evidenciando que existem certos
brinquedos para meninas brincarem e outros destinados somente para meninos. Assim,
durante o tempo de permanência naquela sala, meninos e meninas não interagiram nas
brincadeiras realizadas. Vejamos a seguir uma situação semelhante ocorrida com outra
professora:
Na sala de multimeios a professora coloca as crianças (3 anos)
sentadas no chão para assistirem a um vídeo. Fala para as
crianças que depois do vídeo vai deixar pegar os brinquedos. A
professora senta do meu lado e explica como faz a organização
para as crianças brincarem. Em geral pede para os meninos
pegar os caminhões e as meninas as bonecas. (Diário de Campo
23/03)
A prática de segregação da professora Sônia, relatada anteriormente, não se restringia
somente à sala de multimeios onde havia os brinquedos. Ela repetiu a ação em outra
82
brincadeira realizada na área externa do CER, agora com a turma da etapa, pela qual é
responsável no período da tarde:
No quiosque a professora realiza com as crianças (5 anos) uma
brincadeira dirigida. A professora as organiza para se sentarem
em duas filas, uma de meninos e outra de meninas. Após contar
quantas crianças havia em cada fila ela percebe que o número de
meninas é maior do que o número de meninos. Depois de contar
inúmeras vezes a quantidade de crianças em cada fila, a
professora chama uma menina e me diz: “Não vai ter jeito, vou
ter que colocar uma menina na fila dos meninos.(Diário de
Campo – 30/03)
Esse procedimento de segregação das crianças, conforme o gênero, nas atividades de
brincadeira exclui a possibilidade de maior envolvimento e aprendizado delas com os seus
pares. A postura de o envolvimento entre as crianças de turmas diferentes, como relatei
anteriormente, pode estar recebendo influência de práticas como essas, ou seja, divisão de
crianças pelo gênero.
O brincar é uma atividade social, portanto é importante que as crianças tenham a
possibilidade de executar tal atividade com parceiros que escolhem e não com os
determinados pela professora. Para isso é imprescindível que as professoras promovam em
suas práticas atividades nas quais haja interação não entre crianças de diferentes turmas,
mas também do sexo oposto, potencializando, assim, suas aprendizagens.
4.3.4. – Imitação como propulsora de aprendizagens
A imitação é uma prática por meio da qual a criança evolui em seus processos
psíquicos. Valendo-se da imitação a criança pode realizar na esfera intelectual muito mais do
que pode fazer em sua própria atividade. Vigotsky (2006) fala da importância que a imitação
adquire no processo de desenvolvimento infantil. Para ele essa atividade não é mera cópia de
um modelo, mas, sim, a reconstrução individual daquilo que é observado nos outros. Portanto,
a imitação constitui a criação de algo novo a partir do que se observa no outro, não se
restringindo a um processo mecânico, mas abrindo a oportunidade de a criança aumentar suas
capacidades.
Além disso, Vigotsky (1996) afirma que a imitação que a criança realiza tem ligação
direta com o curso do seu desenvolvimento psíquico, assim, em diferentes etapas ela
83
apresenta uma determinada zona de imitação que, por sua vez, é inerente ao seu nível de
desenvolvimento real.
Observamos alguns momentos de imitação realizados pelas crianças. Além da
importância que a imitação assume no desenvolvimento infantil, esta se constitui em um
elemento importante para o professor, uma vez que fornece indícios do nível de
desenvolvimento alcançado pela criança, possibilitando a ele meios para intervir e
impulsionar o desenvolvimento dela para passos seguintes.
Notamos que em diversos momentos as crianças em suas brincadeiras imitavam as
ações umas das outras:
Formação de fila. As crianças (2,5 anos) imitam umas
as outras, se uma balança a cabeça, as demais também
repetem o movimento. (Diário de Campo – 16/03)
Na sala estruturada, as crianças (3 anos) estão sentadas
e organizadas em grupos de 4 a 5 por mesa. A
professora entrega para cada grupo peças de encaixe.
As crianças começam a manusear as peças. Neste
momento, percebo que muitas imitam umas as outras,
montando os mesmos objetos formados pelos
membros da mesa. (Diário de Campo – 06/04)
A imitação ocorre o de ações entre as crianças, mas também da vida dos adultos,
de suas ações do cotidiano:
Na sala de multimeios as meninas (5 anos) brincam
com as bonecas, os meninos pegam peças de
ferramentas para brincar entre si. Aproximando-me
das crianças, as meninas me revelam estar brincando
de fazer comidinha para as filhas. No fogão de
brincadeira existente na sala, fazem a comida nas
panelas. Enquanto isso, outras crianças saem pra
passear com os bebês no carrinho. (Diário de Campo –
13/04)
84
No espaço da sala da CI1 me sento no chão e muitas
crianças se aproximam. Daniela (2,3 anos) pega uma
boneca e me entrega, pedindo para segurar. Busca um
pratinho de plástico, uma colher e uma faca de
brinquedo. Diz que vai dar de comer para o bebê.
Antes de colocar a comida na boca da boneca, Daniela
finge cortar algo no prato (como se fosse um pedaço
de carne) e depois coloca-o na boca da boneca. Repete
essa ação durante o tempo em que “alimenta” sua
boneca. Daniela, algumas vezes, antes de colocar a
comida na boca da boneca, assopra a colher dizendo:
“A comida tá quente”. (Diário de Campo – 09/04)
Durante o tempo de permanência na areia algumas
meninas (3 anos) pegam o balde grande utilizado para
guardar os brinquedos utilizados neste espaço e o
viram de cabeça para baixo, fazendo dele um suposto
fogão. Pegam alguns baldes e peneiras da areia e os
colocam em cima do balde virado, afirmando que estão
fazendo comida. Em certo momento, uma das meninas
me traz uma peneira cheia de areia e diz: “Toma, come
toda a comida e depois que terminar de comer é que
vai ganhar o doce.” (Diário de Campo – 09/04)
Observamos também a imitação do trabalho do adulto. As situações a seguir,
vivenciadas por duas crianças, referem-se à profissão de vendedor:
Um menino (4 anos), que havia colocado areia no
baldinho que continha água, as enchê-lo de areia
levanta o baldinho na altura dos ombros e com uma
pazinha na outra mão passa gritando que está vendendo
sorvete:Olha o sorvete!” (Diário de Campo -23/04)
Algumas meninas (4 anos) fazem bolo na mureta do
tanque de areia. Quando questiono o que estão fazendo
elas me falam que aquilo era uma padaria e que estavam
fazendo bolo e doce para vender. Pergunto sobre cada
sabor de bolo e elas o me dizendo: laranja, chocolate.
Minutos depois a professora da turma pede para as
crianças guardarem os brinquedos que estão na areia,
pois iriam para outro espaço. Nesse momento uma das
crianças inseridas na brincadeira diz: “A padaria hoje
fechou e a gente abre outro dia!(Diário de Campo
06/04)
85
Tais exemplos mostram que a criança, valendo-se da imitação, apresenta formas de
compreensão do mundo adulto em suas brincadeiras. Para Vigotsky (1996; 2006), como
comentei, a imitação é uma atividade importante para o desenvolvimento da criança, uma vez
que ela não consiste em simples cópia de um modelo, mas é a reconstrução, por parte da
criança, daquilo que vê nos outros.
Algumas crianças me chamaram a atenção durante o período de observação,
explicitando suas ações durante as brincadeiras realizadas. Iniciemos por Kleber (3 anos) que
se destacou dos demais colegas durante o tempo em que brincava na areia no período da
recreação:
Observo as crianças da recreação brincando na areia e
aguardando o chamado para tomarem banho.
Aproximo-me de algumas crianças para observar o que
fazem.
Kleber (3 anos) passa por mim segurando uma peneira
com as duas os, fala-me que está dirigindo um carro
e sai correndo como se estivesse acelerando. Um tempo
depois, volta e para na minha frente, pega um pouco de
areia, que diz ser a gasolina, joga na peneira e sai
novamente. (Diário de Campo – 28/04)
Elkonin (1998) afirma que nas fases iniciais do desenvolvimento do jogo
protagonizado, um objeto tem para a criança um atrativo especial e, frequentemente,
determina a adoção deste ou daquele papel. O autor argumenta que quando uma criança
assume o papel de motorista, ela reproduz não um motorista específico, mas sim um motorista
geral. A criança generaliza na brincadeira as funções sociais correspondentes à atividade
imitada e suas regras de comportamento. Elkonin (1987) explicita ainda que o motivo da
criança não está em reproduzir a pessoa em si, mas a ação que esta pessoa executa e a relação
que tem com o objeto.
Corroborando este pressuposto, Leontiev (2006) diz:
Uma criança que se imagina um motorista em uma brincadeira reproduz talvez a
forma de agir do único motorista que ela viu, mas sua própria ação é uma
representação, não de um certo motorista concreto, mas de um motorista “em
geral”, não suas ações concretas, tais como foram observadas pelas crianças, mas as
ações de guiar um carro em geral, dentro dos limites, é claro, da compreensão e
generalização dessas ações, que sejam acessíveis à criança, É por isso que o motivo
para a criança não é reproduzir uma pessoa concreta, mas executar a própria ação
86
como uma relação com o objeto, ou seja, precisamente uma ação generalizada. (p.
130)
Julia também nos chamou a atenção ao brincar. Era uma criança que gostava de
brincar de “Turma” (escolinha) e em diversos momentos foram observadas situações em que
imitava ações de professoras. Vejamos a seguir uma das vezes em que ela executou essa
brincadeira:
As crianças da recreação brincam na areia. lia (4 anos) quer
brincar de “Turma” e ser a professora. Para isso chama quatro
meninas para serem suas alunas. Forma uma fila com essas
crianças e com um pote de plástico na mão, cheio de areia, diz
que agora é hora de lavar as mãos para comer. Com o suposto
pote de sabonete líquido, Júlia coloca um pouco do “sabonete”
na mão de cada criança e fala para elas irem lavar as mãos.
Feito isso, lia organiza as crianças em círculo e sentadas no
chão e finge entregar para cada uma delas brinquedos
(baldinhos) para brincarem.
Algumas das crianças que são “alunas” de Júlia demonstram ter
vontade de fazer outras atividades, olham para os brinquedos do
parque e apontam para o escorregador. Uma delas comenta com
a outra sobre brincarem depois no brinquedo. Porém na condição
de alunas, continuam fazendo parte da brincadeira e ficam
submissas às ordens de Júlia.
Em certo momento Júlia é chamada por uma das agentes
educacionais. Ao atender ao pedido, lia sai da brincadeira e as
demais crianças que eram suas alunas se dispersam e voltam a
brincar daquilo que brincavam anteriormente à brincadeira de
“escolinha”. Levantam-se e vão brincar no escorregador. (Diário
de Campo – 24/04)
Ao se subordinarem às regras, as crianças renunciam à sua própria vontade para
cumprir, assim, o papel que lhes foi atribuído, cumprindo-o com exatidão. A capacidade de
controlar seus impulsos, submetendo-se à função assumida, provoca na criança a
subordinão às regras da brincadeira. Nesse sentido, Leontiev (2006) diz:
A situação objetiva imaginária desenvolvida é sempre, tamm, uma situação de
relações humanas nela desenvolvidas. Um traço marcante dos jogos, com uma
situação imaginária, desenvolvidas as relações sociais, é precisamente o de que
surge neles um processo de subordinação da criança à regras da ação, processo este
que surge das relações estabelecidas entre os participantes do jogo. (p.136)
87
Segundo o autor, tais jogos são de grande interesse psicológico, uma vez que, na sua
execução, são desenvolvidos traços importantes da personalidade da criança e, sobretudo, sua
habilidade em se submeter a uma regra, mesmo quando um estímulo direto a impele a fazer
algo muito diferente.
Com base na ão de Júlia, pode-se compreender o que Leontiev (2006) diz, ou seja,
que ao assumir um determinado papel em uma brincadeira a criaa conduz, de acordo com
as regras, a ação latente à função social do papel assumido.
Em conversa informal com a professora de Júlia, ela revelou que o sabe quem é essa
professora que Júlia imita: “Eu não sou, porque eu não sou brava com as crianças da forma
que ela é”. (Professora Eliana, 4ª etapa)
Assim como Kleber, a ão de lia no papel de professora não esteve baseada na
figura de uma professora em específico, mas consistiu em uma ação generalizada.
A brincadeira de escolinha é frequentemente realizada pelas crianças. Algumas,
durante a entrevista, afirmaram brincar dessa atividade quando estavam em casa:
“Lá em casa eu faço... é... brinco de escolinha, faço lição e
faço um monte de desenho pra tia.” (Gabriela, 5 anos)
“Brinco de escolinha, com as minhas bonecas.” (Raíssa, 5
anos)
“Brinco. De escolinha.” (Bianca, 5 anos)
“Brinco. De escolinha com a minha irmã.” (Renan, 4 anos)
“Tenho a minha boneca e eu brinco de escolinha.” (Ana, 5
anos)
Alexandre também disse executar essa atividade em sua casa e curiosamente me
descreveu em um diálogo, durante a entrevista, a maneira como ocorria. Questionamos,
primeiramente, se brincava em sua casa e do que brincava. Assim ele relatou:
- Brinco. Só que eu tenho, sabe quantas crianças? [aponta o número sete]
- Na sua casa?
- Aham!
- Tudo isso?
- Aham!
88
- Seus irmãos?
- Minhas crianças.
- Mas essas crianças são o quê? Seus irmãos, seus primos?
- Minhas crianças. Porque eles são meus ursinhos que são minhas crianças. Ai eu
tenho 15 meninos e uma menina.
- São o quê? Ursinhos?
- É. Um grandão que tem 9 anos que chama Fill, que é muito gordo, e um que
chama Stanil, e outro que chama Spake e outro que chama...
- Mas são todos ursinhos? Ursinhos de pelúcia?
- É
- E eles são seus amigos?
- Não, eles são minhas crianças.
- São suas crianças.
- Aham!
-Ah, entendi.
Com base no diálogo de Alexandre e nos elementos que apresentou, foi possível
perceber que realiza a brincadeira em sua casa. Durante o período da pesquisa Alexandre foi
observado algumas vezes brincando de escolinha com os demais colegas de turma, porém,
talvez em sua casa realizasse essa atividade com mais frequência com seus ursinhos,
insistentemente, denominados “minhas crianças”.
Elkonin (1998) faz uma crítica às creches que, por vezes, devido à sua organização,
não propiciam momentos em que as crianças possam realizar jogos protagonizados em seus
espaços, levando a realizarem essa atividade em casa que, por sua vez, apresenta certas
limitações:
(...) uma vez que ali onde, devido à imperfeição da vida infantil nas creches, não
sobra tempo para se dedicar ao jogo protagonizado por iniciativa própria, as
crianças brincam em suas casas, compensando assim as deficiências da organização
da creche. Esses jogos domésticos individuais m uma importância limitada e não
podem substituir o jogo coletivo. Em casa, a boneca é frequentemente o único
companheiro de jogo, e o círculo de relações que pode ser reconstituído com a
boneca é relativamente limitado. (p. 400)
Nesse sentido, destacamos a necessidade de os espaços utilizados pelas crianças nas
escolas de Educação Infantil possibilitarem em sua organização o desenvolvimento de
89
atividades que propiciem um maior envolvimento do grupo, pois as crianças podem trazer
suas contribuições diferentemente das atividades individuais, que apresentam suas limitações
nas brincadeiras realizadas por elas.
4.4– As atividades realizadas na pré-escola
Durante o período da pesquisa foi possível notar que as crianças passavam grande
parte do seu tempo na creche realizando atividades repetitivas e, às vezes, sem um objetivo
delimitado.
Vejamos algumas atividades que constantemente ocorriam no interior do CER.
Logo no início da aula a turma da professora Sônia (2,5
anos) utiliza o espaço do quiosque. As crianças, sentadas
no co, brincam com peças de encaixe, montam e me
mostram seus feitos: carros, roda, arma, sorvete. (Diário
de Campo – 23/03)
As crianças (4 anos) saem da areia, lavam as mãos e,
encaminhadas pela professora, vão para o refeitório
comer. Na saída do almoço a professora encaminha as
crianças para o quiosque, espo destinado para sua sala
nesse dia. A professora busca um balde grande com
rias peças de encaixe e, com as crianças sentadas em
círculo, vira o balde para que peguem as peças e
montem o que desejam. (Diário de Campo – 25/04)
As crianças brincam na areia. Esgotado o tempo de
permanência neste espaço a professora pede para as
crianças (4 anos) guardarem os baldinhos e as pás
utilizadas por elas. A professora, então, organiza as
crianças em fila para lavarem as mãos e comerem.
Depois da refeição as crianças são encaminhadas para a
sala de multimeios. a professora coloca um vídeo
para elas assistirem. (Diário de Campo - 04/05)
Além de repetitivas, percebemos que muitas atividades realizadas pelas professoras
não apresentavam uma sequência, nem um sentido claro, o que nos faz refletir se, e como,
90
essas atividades são planejadas. A falta desse fio condutor no trabalho das professoras
provocava dispersão por parte das crianças o que, consequentemente, comprometia seu
aprendizado.
A questão do espaço utilizado também perpassa esta discussão, uma vez que este,
constantemente alterado na prática da professora, pode gerar falta de flexibilidade no
planejamento e execução das atividades. A prática da professora essubordinada ao espaço
destinado para sua turma e que, por sua vez, pode ser limitador. Seguem alguns exemplos nos
quais a questão do espaço esteve presente:
Na sala de multimeios, a professora Cristina (CI2 – 2,5 anos)
conta a história de Chapeuzinho Vermelho para as crianças. As
crianças sentam-se encostadas na parede enquanto a professora
conta. Nem todas as crianças prestam atenção, algumas
conversam entre si.
Com o fim da história é formado um círculo com as crianças no
centro da sala. A professora canta a música da “História da
serpente” e a cada rodada chama uma criança para passar por
debaixo da sua perna e dos demais colegas, até que todas as
crianças passem. As crianças acham graça em passarem por baixo
da perna da professora e dos amigos.
Terminada a brincadeira, a professora pede para as crianças se
sentarem e coloca um vídeo com músicas para as crianças
assistirem. As crianças perdem um pouco da atenção logo após 10
minutos do vídeo. Alguns olham os brinquedos, porém a
professora não deixa que eles se movimentem, chamando a
atenção de quem se dispersa. Ela comenta comigo que na semana
anterior havia dado brinquedos para eles, e que essa semana era
vídeo. (Diário de Campo – 27/03)
Após a refeição a professora Joice encaminhas as crianças (3
anos) para a sala de multimeios. A professora me diz que está
ensinando a cor vermelha para as crianças. Na sala, com as
crianças sentadas em círculo, a professora enche uma bexiga
vermelha e pede para passá-la, um a um, no círculo, sendo que
cada criança que pega a bexiga deve falar seu nome e passar para
o próximo.
Terminada esta atividade a professora faz a atividade do “Meu
mestre mandou pedindo para executarem determinados
movimentos com o corpo, como: bater os pés, as mãos, pular.
Feito isso ela coloca um vídeo com músicas e explica que não vai
dar brinquedos naquele dia. Após 15/20 minutos do início do
vídeo as crianças se dispersam. (Diário de Campo – 08/04)
91
A sala de multimeios que tem brinquedos e o recurso audiovisual é utilizada pelas
professoras, na maioria das vezes, somente para passar vídeos, um instrumento talvez mais
prático, que não exige arrumação da sala após o seu uso.
A falta de uma sequência para as atividades que prejudicava a concentração das
crianças, podia também ocorrer devido à forma como as rotinas, por meio do rodízio, estavam
organizadas, ou seja, cada hora em um espaço diferente, uma nova proposta de atividade, com
o tempo limitado para cada uma delas.
Ao considerar esse fator questionamos as professoras para saber suas opiniões a
respeito do esquema de rodízio, no qual a instituição está organizada.
A grande maioria afirmou gostar do rodízio, pois variava o espaço em que
permaneciam com as crianças, porém, fizeram ressalvas sobre o esquema. De modo geral, na
fala das professoras percebi o anseio de que querem, pelo menos uma vez por dia, entrar na
sala de aula. Assim alegavam que o rodízio seria melhor se tivesse um número maior de salas
na instituição.
Questionadas se eram favoráveis ao esquema do rodízio, elas revelaram:
Sim, seo não tem espaço,? Eu só sou a favor por causa disso, porque
se a gente não fizer rodízio eu nunca vou entrar na sala, porque a etapa
é mais área livre, então eu sou a favor por causa disso... porque senão não
vai ter sala, mas rodízio é horrível. (Professora tima, etapa)
Eu sou a favor, mas eu tenho uma crítica. Eu acho legal, mas eu acho que
a rede deveria disponibilizar mais salas pra que cada turma entrasse pelo
menos um momento por dia na sala de aula. Eu acho que é legal rodar,
mas eu acho que deveria ter mais salas, então as creches deveriam ser
constrdas com umas cinco salas para que cada turma entrasse, ?
(Professora Cristina, CI2)
Ah, eu tenho um pouco de dificuldade com esses rodízios, sabe,
porque a gente não tem, assim, um espaço fixo. Vo quer
desenvolver uma atividade não porque não tem lugar... é
complicado. (Professora Leila, CI1)
A falta de um espaço fixo de sala de aula é na grande maioria das vezes o motivo de crítica das
professoras. Para as crianças é também um complicador, pois não há uma refencia de espaço, uma
vez que sua turma es a cada momento num espaço diferente.
A fala da Professora Helena explicita o cerne do problema do rozio, ou seja, a maneira como
o rozio é organizado torna possível colocar em um mesmo espaço uma maior quantidade de
92
crianças, comprometendo a qualidade do atendimento e retirando a responsabilidade dos órgãos
públicos de construção de novas instituições para atender toda a demanda:
(...) eu acho que é importante o rodízio, porque eu acho que a criaa
tem que vivenciar vários espaços, o pode ficar preso só na sala de
aula, entendeu? O que eu o sou a favor aqui é que eles falam Ah,
tem que rodar é porque é financeiro isso só, é totalmente financeiro,
entendeu? Isso que eu não gosto... mas se você tem seu espo todo
dia, você trabalha um tempo e o outro tempo você roda, agora esse
negócio de ficar rodando... você perde muito. (Professora Helena,
etapa)
Notamos, ainda, na fala da professora Amanda que seu descontentamento com o rozio
estava no fato de ter uma grande lista de conteúdos para desenvolver com as crianças e o
procedimento de estar a cada hora em um espaço comprometia sua prática, assim como seus
objetivos:
Olha, eu acho que tem mais pontos negativos do que positivos. Os
negativos seriam pouca utilizão da sala. A gente entrar pouco na
sala com todo o conteúdo que é proposto para essa faixa etária. Tem
uma lista grande de conteúdos para serem desenvolvidos, mas o
tem tempo. O positivo é que eu acho que organiza melhor a escola,
mas deveriam ter mais salas para rodar. (Professora Amanda,
etapa)
O desenvolvimento de atividades gráficas e a preocupação com a escolarização da
criança foram preponderantes nas críticas relacionadas ao espaço. Assim, as professoras
criavam meios alternativos para aplicar suas atividades gráficas quando não lhes havia sido
designado num determinado dia o uso de uma sala. Em geral utilizavam-se do espaço do
refeitório, conforme observamos em alguns momentos:
As crianças (4 anos) brincam na lateral da areia. Peças de
encaixe são entregues para elas brincarem. As crianças são bem
criativas e montam diversos objetos. Sento no chão para estar
mais próxima das crianças e observar o que elas estão fazendo.
Elas contam sobre coisas que montam, acontecimentos que
ocorrem em casa, coisas que ganham dos pais ou lugares que
visitaram.
Terminado o tempo nesse espaço, a professora, que gostaria de
dar uma atividade no papel para as crianças, como não tem sala
disponível, utiliza o refeitório para aplicar uma atividade
gráfica, já que está vazio. (Diário de Campo – 06/05)
93
Saindo do quiosque, espaço que estava sendo utilizado pela
turma, a professora leva as crianças para o refeitório, já que
naquele dia não tinha em seu horário de rodízio a sala
estruturada (sala com mesas voltada para fazer atividades
gráficas). Acomoda as crianças nas mesas e dá para cada uma
delas uma folha com uma maçã para ser pintada. A professora
me conta que esta atividade é para trabalhar a coordenação
motora. (Diário de Campo – 29/04)
Até mesmo as agentes educacionais que afirmaram ter na proposta da recreação o
cuidar, o educar e o brincar, aplicavam atividades gráficas para as crianças, assim como uma
delas afirmou:
“Aqui a gente tem bastante área livre (...) São poucas as vezes
que a gente em sala, então quando a gente dentro dela, a
gente busca dar uma atividade gráfica.(...) (Laís)
A preocupação com a escolarização infantil perpassou o discurso das professoras,
principalmente entre aquelas cujas crianças estavam mais próximas de serem encaminhadas
para o Ensino Fundamental.
Todas pontuaram a relevância que o brincar apresenta na vida do pré-escolar, porém,
em sua efetiva ação, pareciam desconsiderar essa relevância, preocupando-se com atividades
gráficas e em desenvolver a “parte pedagógica” de seu trabalho. Nesse sentido, Mukhina
(1996) afirma que:
(...) o ensino do pré-escolar deverá tender a educar a imaginação, e não o
pensamento abstrato. A principal missão do ensino em cada etapa não é acelerar o
desenvolvimento psíquico, mas enriquecer esse desenvolvimento, utilizar ao
ximo as vantagens que essa etapa oferece. (p. 64)
Além disso, a autora afirma que novas ações são bem mais assimiladas pelos pré-
escolares se forem inseridas sob a forma de brincadeiras, ou seja, considerando essa etapa, as
aprendizagens por meio do jogo tornam-se mais significativas para o pré-escolar
(MUKHINA, 1996).
94
Ainda sobre a escolarização infantil, Machado (2000) argumenta sobre a necessidade
de se pensar na forma como essa prática vem se difundindo nas instituições de atendimento a
crianças de 0 a 6 anos:
(...) mais do que nunca é preciso buscar inspiração em propostas de atendimento
sustentadas em aportes teóricos consistentemente fundamentados nas necessidades
e características de crescimento e desenvolvimento de bebês e crianças pequenas. A
percepção de o quanto esse estereótipo vem impactando profissionais, mães, pais e
as próprias crianças é confirmada, por exemplo, pelo uso corrente da denominação
“escolinha” para identificar uma creche ou pré-escola. (p. 198)
Talvez, quando se fizer valer o efetivo reconhecimento da importância do brincar na
prática das professoras, as crianças encaminhadas ao Ensino Fundamental serão mais bem
formadas do que aquelas cujas professoras, na Educação Infantil, restringiram-se à execução
de atividades gráficas, muitas vezes, sem significado para as crianças.
4.5– As mediações das professoras
No capítulo teórico, foi visto que o conceito de mediação na Teoria Histórico-cultural
assume posição central nos processos de aprendizagem e desenvolvimento infantis. No
decorrer do presente capítulo, pontuamos vários elementos mediadores na prática educativa,
tais como: o espaço, os brinquedos e os objetos, a imitação e a relação entre as crianças.
Trataremos agora de um dos mediadores considerados fundamentais na prática educativa: o
professor.
Responsável por uma mediação intencional em sua ação, o professor adquire
importância inquestionável nos processos de aprendizagem e desenvolvimento infantis.
Mukhina (1996) afirma que: “Graças ao processo de internalização, a assimilação de ões
dirigidas sob orientação do adulto aperfeiçoa as ações psíquicas internas e impulsiona o
progresso psíquico” (p.46).
Em diversos momentos registramos as ações das professoras, que, por vezes, não
faziam intervenções apropriadas, como no exemplo de separação de meninos e meninas nas
brincadeiras, na divisão de brinquedos conforme o gênero, entre outras ações.
Além dessas observações, nas entrevistas questionamos as professoras se faziam
intervenções durante o tempo em que as crianças brincavam. Elas afirmaram intervir mais
frequentemente nas brincadeiras dirigidas, quando percebiam que as crianças o entendiam
95
alguma regra do jogo. Além disso, todas relataram intervir quando havia algum momento de
briga ou bagunça entre as crianças, de modo a restabelecer a ordem na turma.
Assim elas falaram sobre suas intervenções e os momentos em que essa prática
ocorria:
Eu intevenho sim... principalmente quando fazem bagua, né? Ou se a
brincadeira for dirigida a gente vai tá sempre explicando a atividade, .
(Professora Fátima, etapa)
Sim. Se for dirigida muito mais, a todo o momento. E quando é livre a gente faz
orientão na questão de socialização, na forma como eles brincam, o que
tamm acaba sendo a todo o momento. (Professora Amanda, 5ª etapa)
Depende da brincadeira, né? Quando eso brincando livremente, assim,
fazendo desenho, na areia, fazendo encaixe, normalmente não. E as dirigidas,
quando eu vou ensinar uma brincadeira nova, então é uma novidade, né? Então
aí você tem que interferir até eles entenderem. (Professora Bete, 4ª etapa)
Se necessário, eu fo. Quando eles brigam, ou quando eu percebo que eles
estão brincando e eu percebo que tem alguma coisa errada naquela brincadeira,
aí eu interfiro pra explicar, pra ensinar que o é daquele jeito, ? Porque eu
fico ouvindo eles falarem e eu fico observando, de maneira que eles não
percebam. (Professora Vera, 4ª etapa)
Uma professora afirmou que fazia, às vezes, intervenções a partir de alguma situação
vivenciada entre as crianças:
Às vezes sim. Tem momentos que eu tenho que intervir na hora que eles estão
brigando, tendo algum conflito e tem momentos, vamos supor que eles falam
alguma coisa pra eu aproveitar algum momento para trabalhar alguma coisa
com eles. Então vamos supor que eles estão com um copinho tomando pinga,
eu jogo pra eles:Ah, mas, é legal tomar pinga? Aí eu trabalho nesse
sentido.(Professora Helena, 5ª etapa)
Outra professora explicitou que não realizava intervenções diretamente:
Às vezes, em questão de agressividade sim. Mas eu percebo que tem muita
criaa minha que vem pra eu brincar junto. Tipo, estão ali no tanque de
areia, estão fazendo aniversário, eles cantam parans pra todo mundo e ai
me chamam tamm que é meu aniversário, então eu participo da
brincadeira dessa forma, mas eu não chego a intervir, assim, diretamente.
96
Algumas vezes eu fo interveão pra explicar algum contdo, mas o é
com freqüência, porque eu converso muito com eles, eu fo roda de
conversa, a gente faz atividade, tipo, de recreão que trabalha carinho,
afetividade, socializão, então eu trabalho muito disso, pra o precisar
ficar... você vê, né? Na hora que eu intervenho “Pelo amor de Deus, para de
jogar areia” algo assim, né? (Professora Isabel, 3ª etapa)
Além disso, perguntamos como elas percebiam que era necesrio intervir nas brincadeiras ao
que elas responderam:
Quando eles brigam, quando elas choram e quando elas pedem atenção tamm.
(Professora Fátima, 3ª etapa)
É, é mais quando eles brigam mesmo ou quando m mostrar algo. (Professora
Cristina, CI2)
Quando eles vêm e falam e eu percebo alguma situão. (Professora Helena,
etapa)
Acho que quando... chega uma hora que... igual à gente, ? Quando a gente só
desenha aquela menininha de pauzinho, ? Eno quando eles brincam só daquilo
ali, para dar outro tipo de ideia para eles, porque muitas vezes eles sabem o que o
amigo tá fazendo, eles pedem, se não consegue fazer o amigo vai ajudar tamm,
aí eu peço: vai lá ajudar, mas no sentido de progredir. (Professora Eliana, etapa)
Além dos momentos de briga, quando é uma brincadeira dirigida a gente percebe
que não tá evoluindo do jeito que era pra ser, eno a gente para e explica
novamente. Ou também tem muito aquela coisa assim de estimular, ? Porque como
a classe é grande, quando você tá fazendo no começo eles estão empolgados, depois
eles vão perdendo um pouco e todos tem que participar, então você tem que estimu-
los tamm, ter todo esse jogo de cintura. E quando a brincadeira é livre, assim, no
caso de briga, eu acho assim quando uma criança está sozinha você tem que
intervir Olha, vai lá chamar aquela criaa pra brincar (Professora Amanda,
etapa)
Diante de algumas falas, é possível notar que as professoras assumiam uma postura
passiva frente às mediações a serem realizadas, aguardando a manifestação das crianças pela
sua atenção. Nesse sentido, a observação das crianças nos momentos em que brincavam
consistia em um importante instrumento para que as professoras pudessem agir de forma
intencional, de modo a contribuir para as aprendizagens. Mukhina (1996) concebe que nem
97
sempre aquilo que o adulto ensina ocorre de forma consciente, ocorrendo, muitas vezes, de
maneira espontânea. A autora, porém, logo faz um contraponto afirmando que:
Sem vida, é melhor um ensino não espontâneo, consciente, que a criança o
que ela necessita e garanta seu pleno desenvolvimento. Para isso, é necessário
conhecer a relação entre o ensino e o desenvolvimento e, baseando-se nessa
relação, determinar o que e como ensinar a criança nas várias etapas da infância.
(p. 50)
Portanto, nessa perspectiva teórica, as principais oportunidades de mediação do
professor nas atividades das crianças devem estar baseadas na constante observação nos
momentos em que elas desenvolvem as atividades.
Mukhina (1996) define a observação como um instrumento fundamental para a
realização da mediação com as crianças, para isso, é preciso que a professora esteja atenta aos
momentos em que as crianças brincam. A autora assim aponta: O estudo da psicologia
transforma o educador em um observador atento, disposto a entender a criança e a fomentar o
desenvolvimento de suas melhores qualidades” (p. 12).
Diante da necessidade de se conhecer a relação entre ensino e desenvolvimento, o
instrumento da observação auxilia o professor em uma mediação mais efetiva, possibilitando-
lhe atuar de forma intencional para contemplar o pleno desenvolvimento infantil.
Com a inteão de captar elementos que pudessem identificar as formas de realizar
mediações adequadas às necessidades de aprendizagens das crianças, apresentamos, no
capítulo seguinte, alguns exemplos de análises de mediações feitas pela pesquisadora durante
as brincadeiras das crianças, por meio do instrumento da observação.
98
Capítulo 5 – As mediações da pesquisadora
Nos momentos de observação, em geral, no espo da área externa, enquanto as
crianças brincavam, eu me aproximava e fazia alguns questionamentos no decorrer da das
brincadeiras.
Abaixo uma das situações em que isso ocorreu:
Uma criança (5 anos) me diz que está fazendo bolo.
Quando pergunto “como vai esse bolo?” ela me descreve
os ingredientes: “farinha, chocolate, morango, açúcar”.
Quando vai me entregar um pedaço do bolo, antes de
colocar em minha mão o punhado de areia, a criança
assopra e me diz que ele está quente. (Diário de Campo -
11/05)
Nem é necessário questionar a criança para extrair pistas de mediações. Às vezes,
apenas a presença do adulto atrai sua atenção para inseri-lo em suas brincadeiras. Ao
estabelecer essas relações, a criança expressa o que está pensando e representando, por meio
da própria ludicidade da brincadeira.
Nessas ocasiões, a professora tem a chave para entrar nesse mundo da criança e
compreender por que age de certa maneira, qual o sentido de suas representações e, por meio
de suas respostas e posicionamentos, explorar os conteúdos presentes em seus jogos que, por
sua vez, fornecem subsídios para a compreensão do seu processo de desenvolvimento.
Segundo Mukhina (1996), o professor ao conhecer o nível de desenvolvimento
alcançado pela criança deve impulsioná-la, por meio do ensino, para os passos seguintes.
Assim, o professor assume um papel preponderante no processo de aprendizagem e
desenvolvimento da criança, uma vez que cabe a ele não somente compreender através das
observações os níveis de desenvolvimento em que a criança está, mas por meio de uma
mediação intencional provocar avanços nesse processo.
Vejamos mais uma situação em que a mediação foi realizada junto às crianças:
Acompanho a turma da 4ª etapa (4 anos) na área externa.
Entre os brinquedos espalhados na areia um telefone
de plástico. Pego o telefone e diversas crianças
começam a prestar atenção em mim. Falo “Alô?” e finjo
falar com outra pessoa. Depois disso, deixo o telefone na
areia novamente. Inúmeras crianças pegam o telefone e
imitam o mesmo diálogo que fiz quando peguei o
brinquedo. (Diário de Campo – 24/04)
99
A imitação é outro instrumento importante na teoria Histórico-cultural que os
professores de crianças pequenas precisam conhecer e utilizar como ferramenta de análise nas
observações e mediações junto às crianças. Vigotsky (1996; 2006) destaca que a imitação é
uma atividade relevante para o desenvolvimento infantil, uma vez que a criança, valendo-se
dela, pode fazer muito mais do que sua capacidade de compreensão, produzindo avanços em
seu desenvolvimento.
Embora o brinquedo não estivesse sendo foco da brincadeira, ao pegar o telefone,
muitas crianças pararam o que estavam fazendo e prestaram atenção naquilo que eu
executava. Na busca por verificar se as crianças em algum momento fariam a mesma ação, fiz
o suposto diálogo através do brinquedo e o deixei no mesmo local. As crianças logo
buscaram imitar a ação.
Foi possível perceber que algumas crianças buscaram reproduzir fielmente minha fala,
outras o imitaram completamente o diálogo e, ainda, outras acrescentaram novas falas,
aumentando o diálogo realizado inicialmente.
Diante do fato de que algumas crianças conseguiram realizar essa atividade facilmente
e outras imitaram parte do dlogo, foi possível perceber que através da imitação é possível
verificar os diferentes momentos de desenvolvimento em que as crianças se encontram.
Destacamos aqui novamente a importância do papel do adulto, principalmente no que
se refere à atividade de imitação, uma vez que, com seu auxílio, a criança é estimulada para
avanços em suas aprendizagens e, consequentemente, em seus processos psíquicos. Com base
nisso, Vigotsky (2006) destaca:
O que uma criança é capaz de fazer com o auxílio dos adultos chama-se zona de seu
desenvolvimento potencial. Isto significa que, com o auxílio deste método,
podemos medir não só o processo de desenvolvimento até o presente momento e os
processos de maturação que já se produziram, mas também os processos que estão
ainda ocorrendo, que só agora estão amadurecendo e desenvolvendo-se. (p. 112)
Assim, com o intuito de atuar na zona de desenvolvimento proximal da criaa, a
imitação é um importante instrumento para produzir avanços para os próximos passos no
desenvolvimento infantil.
Registramos, ainda, mais uma situação em que a imitação me chamou a atenção, mas
que não contou com a representação direta do adulto como na apresentada anteriormente. A
imitação partiu da própria criaa:
100
Kleber (3 anos) com uma pequena peneira de areia nas
mãos para na minha frente e diz “Tia, olha o meu carro,
a gasolina acabou. Quando questionado “E agora?” ele
responde “Tem que colocar” e sai. Minutos depois ele
volta Tia, o carro quebrou” e sai. Quando volta, havia
trocado a peneira que usava como volante do carro por
outra mais nova e me diz “Tia, olha o meu carro novo!
(Diário de Campo - 27/04)
Nesse caso, a criança também está imitando, mas o momento de desenvolvimento dela
é diferente em relação às crianças do exemplo anterior, pois os elementos que utiliza para
imitar estão relacionados às situações que podem ocorrer com um carro e, ainda, os objetos
que utiliza para sua brincadeira são diferentes do objeto real, o que leva a entender que essa
criança está em outra etapa de desenvolvimento.
Sendo a brincadeira uma atividade social, Elkonin (1998) define que o conteúdo do
jogo está pautado no fato de a criança reconstruir, sem fins utilitários diretos, as relações
sociais. Assim o autor afirma:
O singular impacto que a esfera de atividade humana e das relações entre as pessoas
produz no jogo evidencia que, apesar da variedade de temas, todos eles contêm, por
princípio, o mesmo conteúdo, ou seja, a atividade do homem e as relações sociais
entre as pessoas. (p. 35)
Confirmando essa premissa, Leontiev (2006) afirma que a criança se esforça para agir
como adulto e diante da divergência entre sua necessidade de agir como ele e, por outro lado,
a impossibilidade de executar as operações exigidas pelas suas ões, ela resolve essa
contradição por meio da brincadeira. O exemplo de Kleber mostra que a criança ao querer
executar uma ação real, como guiar um carro, remar um barco etc., resolve essa contradição
realizando a brincadeira.
Os objetos utilizados nas brincadeiras fazem parte da representação infantil. Elkonin
(1998) argumenta que o brinquedo é de grande utilidade para o desenvolvimento da mente e
da imaginação da criaa. Segundo ele, a maneira como a criança irá utilizar determinado
brinquedo está relacionada com a realidade que a circunda.
Partilhando dessa ideia, Kishimoto (1996) afirma que o brinquedo possibilita à criança
formas de reprodução da realidade. “O brinquedo coloca a criança na presença de
101
reproduções: tudo o que existe no cotidiano, a natureza e as construções humanas. Pode-se
dizer que um dos objetivos reais, para que possa manipulá-los.” (p. 18)
Nessa perspectiva, o brinquedo na ação da criança também assume função de
mediador na sua aprendizagem.
A criança passa por diferentes etapas em relação aos objetos. Mukhina (1996) define
que:
Observa-se uma mudança gradual do papel do material (e dos brinquedos) nos
jogos. Entre as crianças de três e quatro anos, o material dirige em considerável
grau o tema do jogo. Mais tarde, as criaas atribuem ao material as propriedades
que desejam. (p. 238)
Embora Kleber apresente somente 3 anos, por meio de suas ações foi possível notar
que se encontra em um outro momento de seu desenvolvimento, uma vez que não resume a
peneira à sua manipulação, mas em sua brincadeira atribui a ela determinada representação.
O exemplo dado mostra que, por meio da observão, é possível encontrar indícios
dos conteúdos e argumentos presentes nas brincadeiras que auxiliam o professor a
problematizar situações para as crianças, aumentando, assim, o repertório de suas atividades
e, consequentemente, possibilitando-lhes novas aprendizagens.
Alexandre (4 anos) enche dois baldes de areia pela
metade e diz que é mingau. Quando pergunto “Qual
deles eu posso comer? Ele me diz “Esse tá mais
gostoso”, questiono “Por quê?” e ele me responde:
“Porque esse tem mais açúcar”. (Diário de Campo
27/04)
É fundamental a professora entrar na fantasia das crianças para compreender como
elas pensam, por que gostam de certas coisas e, ainda, para obter uma fonte importante de
levantamento de conteúdos a serem discutidos e trabalhados com as crianças. Mukhina (1996)
aponta que os conteúdos das brincadeiras infantis partem da realidade que circunda a criança,
assim, a participação nas brincadeiras das crianças fornece indicações de conteúdos possíveis
de serem explorados no cotidiano da pré-escola.
Na situação observada é possível extrair, por exemplo, conteúdos como: o úcar, o
doce, a alimentação, o preparo de refeições etc. e discutir com as demais crianças sobre tais
assuntos.
102
Valendo-se de que as aprendizagens ocorridas na infância apresentam uma forte
influência na vida da criança, o profissional da Educação Infantil deve atentar-se para tais
momentos para construir aprendizagens mais significativas. (Mukhina, 1996).
Por fim, destacamos a seguinte situação de mediação:
Uma criança (3 anos), com um giz na mão, faz duas
linhas paralelas no chão e diz ser um trilho de trem. Peço
para as crianças passarem por ele sem pisar na linha
(alguns ainda pisam por falta de equilíbrio, outros pisam
fora da linha intencionalmente). Quando desenho dois
jacas em cada lado do trilho e explico que não pode
pisar, senão o jacaré “ataca”, o número de crianças que
pisam é muito menor. Quase ninguém pisa. (Diário de
Campo – 03/04)
A brincadeira é, sem dúvida, uma atividade importante para o desenvolvimento do
pré-escolar. É por meio dessa atividade que a criança compreende o mundo que a circunda.
Na situação descrita, verifica-se que, através da observação, é possível utilizar a
própria brincadeira da criança para propor atividades lúdicas.
O exemplo dado demonstra o papel do adulto em fornecer às brincadeiras aspectos
lúdicos para o enriquecimento delas. Com o desenho do “trilho do trem” e o desafio de passar
por ele sem pisar, muitas crianças acabavam pisando. Porém, com a introdução de um
elemento lúdico, o jacaré, e a contextualização feita por parte do adulto, a brincadeira assumiu
outro sentido e como resultado dessa ação um número reduzido de crianças passou a pisar.
Nesse sentido, Mukhina (1996) afirma que o pré-escolar assimila melhor e mais
rapidamente as novas ações se essas forem apresentadas sob forma de brincadeiras.
Em um primeiro momento, observar que nem todas as crianças seguem as regras da
brincadeira, em uma análise prévia, pode levar a professora a dizer que a criança não faz
corretamente porque tem dificuldade de aprendizagem. É importante não partir desse
pressuposto. Ao contrário, introduzir outros elementos lúdicos na atividade ajuda o professor
a avaliar se a criança realmente não entendeu a regra ou se está apenas infringindo-a, como no
caso do exemplo descrito.
Mukhina (1996) explicita, ainda, o quanto é relevante conhecer a criança e como
ocorre o seu desenvolvimento para assim este profissional possibilitar aprendizagens
significativas para as crianças:
103
A psicologia infantil é necessária para ensinar e educar a criança para que o
trabalho educativo docente no jardim-de-infância tenha êxito, é preciso antes de
tudo conhecer as leis do desenvolvimento psíquico da criança, suas particularidades
emocionais e intelectuais, suas preferências e interesses. O conhecimento da
psicologia infantil facilita para o educador o contato com a criança, ajuda-o a dirigir
seu desenvolvimento a evitar muitos erros na educação. (...) Averiguando até o
fundo as particularidades do comportamento de cada criança, o educador pode
encontrar os meios para superar as dificuldades. (p. 12)
Vivenciando essas situações foi possível perceber que a mediação não permite à
professora conhecer o desenvolvimento dos processos psíquicos, como também se constitui
em elemento fornecedor de subsídios que contemplem um aprendizado mais significativo para
a criança, direcionando-a através de sua prática para os passos seguintes de seu
desenvolvimento.
Como se observou, a brincadeira é a atividade principal para a criança em idade pré-
escolar. Com base nesse pressuposto entende-se o quanto o brincar deve ter mais espaço no
cotidiano da Educação Infantil, de modo a contribuir com a efetivação de aprendizagens e
desenvolvimento da criança.
Embora as professoras participantes desta pesquisa apresentassem em seu discurso a
importância do brincar para a criança, verifiquei que, efetivamente, essa atividade não tem sua
devida relevância reconhecida e contemplada no cotidiano de suas práticas. Nesse sentido,
Elkonin (1998) afirma que:
Ainda existe, numa certa parcela de pedagogos, a tendência para universalizar a
importância do jogo para o desenvolvimento psíquico; atribuem-se-lhe as funções
mais diversas, tanto puramente diticas quanto educativas; por isso surge a
necessidade de determinar com maior precisão a influência do jogo no
desenvolvimento psíquico na formação da personalidade, e encontrar o seu lugar no
sistema geral do labor educativo nos estabelecimentos infantis para a idade pré-
escolar. (p. 399)
O reconhecimento da relevância do brincar para o pré-escolar é o primeiro passo para
que ele ocupe o devido lugar no cotidiano da Educação Infantil. Torna-se necessário não
somente favorecer esta atividade, mas como um dos principais mediadores desse contexto, o
professor deve promover, por meio de uma mediação intencional, atividades que impulsionem
e potencializem as aprendizagens e desenvolvimento da criança. Vygotsky (2006) afirma que
o bom ensino é aquele que adianta os passos seguintes do desenvolvimento, assim, a ação
104
intencional durante as brincadeiras se faz necessária para que esse aprendizado de fato se
efetive.
Confirmando essa concepção, Elkonin (1987) afirma:
El esclarecimiento de La naturaleza psicológica del juego debe permitirnos no solo
compreender su importancia para el desarrollo del niño, sino tambien darnos La
clave para dominar el proceso del juego, para aprender a dirigirlo conscientemente,
para utilizarlo como médio de educación u desarrollo del niño preescolar. (p. 85)
O autor esclarece a necessidade de o profissional que atua na Educação Infantil não
somente compreender a importância da brincadeira na vida das crianças, mas também
dominar esse processo, conduzindo-o conscientemente.
Chega-se, então, ao entendimento de que estudos teóricos das questões que perpassam
o desenvolvimento infantil são imprescindíveis na formação de profissionais que trabalham
com a criança pequena, para que tenham uma atuação mais efetiva.
Observamos que a falta de um conhecimento teórico mais aprofundado sobre a
aprendizagem e desenvolvimento infantil faz com que as professoras não aproveitem
possíveis oportunidades de mediação e, quando se utilizam dela, na maioria das vezes o fazem
no sentido negativo, ou seja, promovendo a segregação das crianças ou ainda tendo sua
atuação resumida à separação de brigas e conflitos das crianças.
Tais profissionais não desperdiçam momentos de mediação como apresentam em
suas práticas um enfoque demasiado na questão da escolarização infantil. Por estarem as
professoras preocupadas com o desenvolvimento de atividades gráficas, tais atividades
assumiam uma relevância muito maior do que a própria vivência das brincadeiras por parte
das crianças. Kishimoto (1996) aponta sobre a necessidade de se pensar em um currículo que
contemple as atividades de brincar como atividades pedagógicas da escola. Assim ela afirma:
Idéias e ações adquiridas pelas crianças provêm do mundo social, incluindo a
família e o seu círculo de relacionamento, o currículo apresentado pela escola, as
idéias discutidas em classe, os materiais e os pares. O conteúdo das representações
simbólicas recebe, geralmente, grande influência do currículo e dos professores. Os
conteúdos veiculados durante as brincadeiras infantis bem como os temas de
brincadeiras, os materiais para brincar, as oportunidades para interações sociais e o
tempo disponível o todos fatores que dependem basicamente do currículo
proposto pela escola. (p. 39)
105
Um dos possíveis motivos da prática de escolarização infantil por parte das
professoras pode estar embasado em antigos modelos de professor que essas profissionais
tiveram em sua vida escolar. Em seus exemplos de pré-escola as professoras podem ter
vivenciado uma prática pautada no desenvolvimento de atividades gráficas em detrimento das
atividades lúdicas. Por isso essas profissionais, ao lembrarem tais modelos, podem reproduzi-
los em suas práticas atuais.
Assim, Kishimoto (1996) discute sobre a questão dos modelos que tivemos ao longo
de nossa trajeria escolar:
A imagem de infância é reconstituída pelo adulto por meio de um duplo processo:
de um lado, ela está associada a todo um contexto de valores e aspirações da
sociedade, e, de outro, depende de percepções próprias do adulto, que incorporam
memórias de seu tempo de criança. Assim, se a imagem de infância reflete o
contexto atual, ela é carregada, também, de uma visão idealizada do passado do
adulto, que contempla sua própria infância. (p. 19)
Toca-se aqui numa questão importante, a de que para aprender a ser professor
passamos por um processo de resgate de modelos que temos, assim, embora os professores
possam apresentar um embasamento teórico adequado sobre os aspectos do desenvolvimento
da criança, sua atuação é, por vezes, embasada nos modelos de professor que tiveram em sua
trajetória, e tais modelos nem sempre são os ideias.
Esse pressuposto leva, talvez, a entender os motivos pelos quais no século XXI ainda
se encontram nas escolas vivências e práticas tão atrelas às décadas passadas.
Temos, assim, que o as ações de um profissional de Educação Infantil não devem
estar pautadas somente nos aspectos teóricos, mas também no rompimento com modelos
existentes que não são os mais adequados para a atual sociedade. Somente assim será possível
pensar e conceber a educação em outros moldes que poderão atender, de fato, as necessidades
educacionais da criança.
106
Considerações finais
Diante das leituras, discussões e a pesquisa aqui apresentada fica claro o entendimento
de que muito ainda precisa ser feito pela Educação Infantil.
Com base na teoria Histórico-Cultural, concebe-se o brincar como atividade
preponderante no período pré-escolar e é por meio dela que os mais diversos aspectos do
desenvolvimento infantil são contemplados.
A importância do brincar na idade pré-escolar é consenso entre muito estudiosos e no
discurso das professoras esta concepção se legitima. Porém verificamos que, embora faça
parte do discurso pedagógico, o brincar não tem sua devida importância reconhecida e
contemplada no interior da instituição, sendo por diversas vezes considerado como atividade
de lazer, entretenimento e, consequentemente, desvinculado de seu aspecto pedagógico.
Como consequência disso, na prática da escolarização infantil, onde o espaço da sala
de aula é mais privilegiado do que os espaços onde a maior parte das brincadeiras é
desenvolvida, assim, em tais momentos as professoras pouco interferem, resumindo sua
atuação à explicação de alguma regra nas brincadeiras dirigidas ou à separação de brigas para
restabelecimento da ordem na turma.
Na busca por verificar os fatores que devem ser considerados na mediação das
professoras da Educação Infantil identificamos que as atividades desenvolvidas, a disposição
dos espaços e objetos, o tempo e o sentido das propostas de atividades são elementos
relevantes para uma mediação mais efetiva.
Para tanto, destacamos a importância da gestão escolar proporcionar momentos de
interação entre as professoras de modo a promover a realização de planejamento das
atividades de modo que essas contribuam para aprendizagens cada vez mais significativas
para as crianças no contexto da Educação Infantil.
Além disso, verificamos que a observação é um forte instrumento que deve estar
presente na prática das professoras durante o tempo em que as crianças brincam, uma vez que
este procedimento possibilita uma mediação intencional frente às situações que as crianças
apresentam. É também por meio da brincadeira que se torna possível conhecer os processos
de desenvolvimento nos quais as crianças se encontram, problematizando situações para que
possam potencializar suas aprendizagens e ampliar as fronteiras de seu universo.
Outra consideração importante é que o professor tem uma carência muito grande de
estudos e aprofundamentos teóricos sobre os aspectos do desenvolvimento infantil,
embasamento este necessário para que este profissional esteja mais bem preparado para atuar
107
frente às necessidades da criança pequena. Desta forma, torna-se relevante pensar no currículo
dos cursos de formação inicial de professores, assim como na formação continuada para
aqueles inseridos neste contexto. Isso fornecerá a estes profissionais subsídios para uma
atuação mais efetiva de modo a contemplar, de fato, o pleno desenvolvimento infantil.
Por um lado, compreende-se a necessidade de formação de professores mais
embasados teoricamente para que possam atuar como mediadores no processo de
desenvolvimento infantil, porém, por outro, questiona-se as dificuldades por eles enfrentadas
diante das mazelas deste nível de ensino.
Não foram poucos os momentos em que, por meio de conversas informais, as
professoras relatavam a dificuldade de lidar com um número elevado de criaas em sua
turma. Além disso, a escola, embora apresentasse um espaço amplo, diante do atendimento da
demanda existente, os espaços se tornavam restritos para a exploração e vivências das
crianças. Este fato leva a um impasse: Como pode este profissional conseguir ser um bom
mediador uma vez que creches e pré-escolas se encontram com uma demanda de crianças
demasiadamente elevada? Como pode ele desempenhar o seu papel e fornecer um
atendimento mais individualizado a todas essas crianças? Chega-se, talvez, a um dos aspectos
de maior relevância na Educação Infantil hoje: a garantia de criação de políticas públicas
comprometidas com as necessidades deste vel de ensino que contemplem cada vez mais
uma educação de qualidade.
São diversas as necessidades deste nível de ensino. Diante da trajetória histórica é
possível perceber que, por meio de lutas e movimentos sociais, a Educação Infantil alcançou
seu espaço na sociedade, tendo sua importância reconhecida. Porém, de se ressaltar que
embora apresente avanços ainda são muitas as carências a serem pensadas, discutidas e
supridas neste nível de ensino. Para tanto é preciso pensar em formação de professores, em
contratação de profissionais qualificados, na democratização do acesso de modo a permitir às
crianças, cidadãos de direitos, a garantia de um atendimento que contribua para sua plena
formação.
Por fim, indico a possibilidade de novas pesquisas, referentes a este nível de ensino,
que venham não somente apontar os problemas, mas também contribuir para que as
necessidades sejam de fato pensadas e efetivadas, por meio de políticas públicas, formação
profissional, atendimento de qualidade, entre outros aspectos que, certamente, irão refletir
diretamente no cotidiano da Educação Infantil de modo a tornar possíveis os avanços e
conquistas de uma fase tão importante da vida.
108
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http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/diretrizes_p0481-0500_c.pdf
111
ANEXO 1
Roteiro de entrevista com as crianças
1- O que você mais gosta na escola?
2- Você brinca aqui na escola? Onde?
3- Quais espaços da escola você gosta de brincar?
4- Quais você acha que o são para brincar? Por que?
5- Qual é a brincadeira que você mais gosta?
6- Dos brinquedos que tem aqui na escola, qual você mais gosta?
7- O que você faz quando não está na escola?
8- Você brinca na sua casa? Do que?
9- Com quais brinquedos?
10- Qual dos seus brinquedos você mais gosta?
11- Você assiste T.V? O que você assiste?
12- Você tem computador em casa?
13- Você acha que assistir T.V é brincar?
14- E mexer no computador, é brincar?
15- Você brinca com todo mundo da sua turma?
16- Você brinca com os/as meninos/as? Em quais brincadeiras?
17- Com quem você não brinca? Por que?
18- Você acha que é diferente brincar na escola e brincar em casa? Por quê?
19- Onde você mais gosta de brincar? Por que?
112
ANEXO 2
Roteiro de entrevista com as professoras
Caracterizão:
1- Qual a sua formação:
2- Em que ano concluiu:
3- Fez algum outro curso? (Oferecido pela Prefeitura/Especializão/ Mestrado/outros)
4- Possui outra formação? Exerce outra função?
5- Quanto tempo tem na carreira docente?
6- Quanto tempo atua nesta unidade escolar?
7- Atua em outras instituições? (Cargo)
8- Já atuou em quais níveis de ensino?
9- Quanto tempo de experiência na Educação Infantil?
10- Já atuou em outras faixas etárias? Quais?
Questões sobre o brincar
1- O que você considera atividade de brincar?
2- Na sua opinião, qual a importância das atividades de brincar para as criaas?
3- Você desenvolve brincadeiras com as crianças? Em que momentos? Em quais espaços?
4- Em quais momentos você trabalha brincadeiras dirigidas e brincadeiras livres?
5- Você percebe diferenças entre as brincadeiras das crianças de diferentes idades? Quais?
6- Como você caracteriza as brincadeiras das crianças da faixa etária que trabalha?
7- Você intervém nos momentos que as crianças brincam? Quais são esses momentos?
8- Como você percebe que é necesrio intervir em uma brincadeira das crianças?
9- Quais os principais objetivos quando você desenvolve uma brincadeira com as criaas?
10- Você se sente à vontade em propor brincadeiras para as crianças? Em que momentos? Em que
tipos de espaços? Quais tipos de brincadeiras?
11- Em quais espaços e brincadeiras as crianças mais brincam/mais gostam de brincar?
12- Como é a relação das crianças dessa faixa etária com a professora?
13- Você é a favor do sistema de rodízio que a escola es baseada? Por quê?
113
ANEXO 3
Roteiro de entrevista com as Agentes Educacionais
Caracterizão:
1- Qual a sua formação:
2- Em que ano concluiu:
3- Fez algum outro curso? (Oferecido pela Prefeitura/Graduação/ outros)
4- Quanto tempo trabalha com criança?
5- Quanto tempo atua nesta unidade escolar?
Questões sobre o brincar
1- Com que faixa etária trabalha?
2- Qual é a proposta da recreação?
3- O que você considera como brincar?
4- Quais os brinquedos você percebe que as crianças mais gostam?
5- Quais os espaços você percebe que elas mais gostam de estar?
6- Durante o período que está com as crianças, você deixa elas brincarem mais livremente ou as
brincadeiras são mais dirigidas?
7- Em quais momentos você trabalha brincadeiras dirigidas e brincadeiras livres?
8- Quais os principais objetivos quando você desenvolve uma brincadeira com as crianças?
9- Você faz alguma intervenção enquanto as crianças brincam? Em quais momentos?
10- Você percebe diferença entre o brincar das crianças da manhã e as crianças da tarde?
11- Tem algum momento que as crianças não querem brincar? (man/ tarde)
12- Como você caracteriza as brincadeiras das crianças da faixa etária que trabalha?
13- Você se sente à vontade em propor brincadeiras para as crianças? Em que momentos? Em que
tipos de espaços? Quais tipos de brincadeiras?
14- Como é a relação das crianças dessa faixa etária com você?
15- Com o esquema de rozio, em quais espaços geralmente você mais permanece com as crianças?
16- Você é a favor do esquema de rozio da escola? Por quê?
114
ANEXO 4
Fotos do Centro de Educação e Recreação - CER
Área externa
Areia 1 Areia 1
Areia 2 Areia 2
Lateral da areia 1 Lateral da areia 2
115
Quiosque Quiosque
Solário Solário
Casinha de Boneca Bosque
Lousa Lateral da sala da recreação
116
Área interna
Sala de Multimeios Sala de Multimeios
Sala estruturada Sala estruturada
Sala de recursos Sala de recursos
Refeitório Hall da diretoria
Livros Grátis
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Milhares de Livros para Download:
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