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MEMORIAL DO DESASSOSSEGO:
Breve história da edição do
Livro do Desassossego
, de Fernando Pessoa
por
ANA CRISTINA COMANDULLI DA CUNHA
Departamento de Letras Vernáculas
Dissertação de Mestrado em
Literatura Portuguesa apresentada
ao Conselho dos Cursos de Pós-
Graduação da Faculdade de
Letras da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Orientador:
Professor Doutor José Clécio
Basílio Quesado. Co-
Orientadora:
Professora Doutora Gilda da
Conceição Santos.
UFRJ / Faculdade de Letras
1º semestre de 2005
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Para Ana Luiza Varela, minha sobrinha
eleita, que compartilhou comigo cada
momento deste trabalho.
A
ÍBIS
,
A AVE DO
E
GITO
P
OUSA SEMPRE SOBRE UM
O
Q
UE É
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SQUISITO
.
É
UMA AVE SOSSEGADA
,
P
ORQUE ASSIM NÃO ANDA
NADA
.
FERNANDO
PESSOA
ads:
O
MEU PRIMEIRO AGRADE
CIMENTO É A
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EUS POR TUDO
.
AOS FUNCIONÁRIOS DO R
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P
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ERREIRA
, M
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I
NÁCIO
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B
OAVENTURA
, V
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LÚCIA DE ALMEIDA E SEU PRESIDE
NTE
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OUTOR
A
NTÓNIO
GOMES DA COSTA O MEU AGRADECIMENTO PELA DISPONIBILIDADE E AUXÍLIO
PRESTADO EM MINHA PE
SQUISA
.
À C
ÁTEDRA
JORGE DE S
ENA
, ONDE FUI BOLSISTA, AS MINHAS MELHORES
LEMBRANÇAS DO REFÚGI
O PERFEITO DOS MEUS
ESTUDOS PESSOANOS
.
MEU ESPECIAL CARINHO
PARA
D
ONA
C
LEONICE
B
ERARDINELLI
, ETERNA
MESTRA
! MEU AGRADECIMENTO ÀS SUAS COLABORADORAS S
OLANGE
GOMES DE
PINHO E V
ANIE
M
ARIE
C
AVICHIOLI
, QUE ME APOIARAM PARA QUE ESTE PROJETO S
E
TORNASSE REALIDADE
.
À
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ROFESSORAS
A
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M
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AMPOS
, M
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V
ALÉRIA
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OSTA
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L
UCIA
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LIAS
PIRES E R
OSELAND
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CHIMID
RONDON QUE NÃO DEIXARAM QUE EU
DESISTISSE DO SONHO
DAS LETRAS
.
AOS COLEGAS DOS BANCOS ACAD
ÊMICOS
C
LAUDIA
V
ALENTIM
, E
DUARDO
C
OELHO
, L
UCIANA
S
ALLES
, M
ÔNICA
FAGUNDES E V
ANESSA
RIBEIRO QUE ME
AJUDARAM A VER A VID
A COMO UM CALEIDOSCÓ
PIO
.
O MEU RECONHECIMENTO AOS MESTRES QUE ME ORIENTARAM NO CAMINHO DA
LITERATURA
: Â
NGELA
B
EATRIZ
DE
F
ARIA
, C
LEONICE
B
ERARDINELLI
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UCANAÃ
F
ERRAZ
, GILDA DA C
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OURDES
S
OARES E
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ERESA
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RISTINA
C
ERDEIRA
.
O MEU CARINHO E AMIZADE A V
ANDA
A
NASTÁCIO
, QUE DO OUTRO LADO D
O
A
TLÂNTICO ME ENSINOU
Q
UE TRABALHO SE PAGA
COM TRABALHO
.
A
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P
ROFESSOR
A
NTONIO
C
ARLOS
R
IBEIRO
G
ARRIDO
I
GLESIAS
, AMIGO DE
HORAS MUITO DIFÍCEIS
,
O MEU CARINHO E GRA
TIDÃO
.
À P
ROFESSORA
M
ARIA
MAZZARONE O AGRADECIMENTO POR TER ME ENSI
NADO
A ESCUTAR O SILÊNCIO
.
À P
ROFESSORA
L
UCI
RU
AS
, SUAVE CULPADA POR ME APRESENTAR O LIVRO DO
DESASSOSSEGO
,
O MEU CARINHO
AO MEU ORIENTADOR P
ROFESSOR
J
OSÉ
C
LÉCIO
B
ASÍLIO
Q
UESADO
, O
OBRIGADO PELA PACIÊN
CIA
, RESPEITO E AMIZADE AO ORIENTAR E ME DIRIGIR AO
LONGO DESTE TRABALHO
.
A MINHA CO-
ORIENTADORA
PR
OFESSORA
GILDA DA C
ONCEIÇÃO
S
ANTOS
, MEU
CARINHO E AGRADECIMENTO POR TODA DOCE SEVERIDADE COM QUE CONDUZIU A
MINHA PESQUISA
.
A MINHA GRATIDÃO A A
NA
L
UIZA
V
ARELA
, J
OANA
D ARC V
ARELA
, M
ARILDA
COMANDULLI E M
ARY
V
ARELA
, MINHA FAMÍLIA, QUE PRESENTE EM TODOS OS
MOMENTOS
,
NÃO PERMITIU QUE EU
ABANDONASSE A LITER
ATURA
, DESASSOSSEGO QUE
ME FAZ SENTIR VIVA
.
Eu canto porque o instante existe
E a minha vida está completa
Não sou alegre nem sou triste:
Sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
Não sint
o gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
No vento.
Se desmorono ou se edifico,
Se permaneço ou me desfaço,
-
não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mud
o:
-
mais nada.
Cecília Meireles
Gastei uma hora pensando um
verso
Que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer s
air.
Mas a poesia deste momento
Inunda minha vida inteira.
Carlos Drummond de
Andra
de
Eu não sou eu nem sou
o outro
sou qualquer coisa de intermédio
pilar da ponte de tédio
que vai de mim para o outro.
Mário de Sá
-
Carneiro
CUNHA, Ana Cristina Comandulli da. Memorial do Desassossego: Breve
história do Livro do desassossego, de Fernando Pessoa. Rio de Janeiro, 2005.
Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa
Faculdade Letras,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005.
RESUMO
Estudo do projeto de publicação do Livro do desassossego por seu
autor Fernando Pessoa. Estudo do início da vida literária de
Fernando Pessoa. O seu primeiro texto crítico e o primeiro texto
literário, escrito para o Livro do Desassossego como elo de ligação
para o conhecimento da edição material do
Livro.
A participação e
importância de Fernando Pessoa no Modernismo português. Análise
do
Livro do desassossego, nas suas sucessivas edições, em língua
portuguesa, em relação à sua organização, ao seu
corpus
e à sua
ordenação. Análise dessas edições sob a perspectiva da crítica
genética como contributo para uma nova possível edição. A
possibilidade de preparação de uma edição crítico-genética. Edição
elaborada a partir dos documentos deixados pelo autor,
considerando a sua última vontade. Contributo para uma edição
crítico
-genética contextualizada na teoria e na crítica literária
moderna.
Palavras
-
chave:
Livro do desassossego
/
Fernando Pessoa/ Bernardo Soares/
Vicente Guedes/Edição crítica do
Livro do Desassossego
CUNHA,
A
NA
C
RISTINA
COMANDULLI DA. MEMORIAL DO D
ESASSOSSEGO
: B
REVE
HISTÓRIA DO LIVRO DO DESASSOSSEGO, DE F
ERNANDO
P
ESSOA
. RIO DE J
ANEIRO
,
2005.
D
ISSERTAÇÃO
DE
MESTRADO EM L
ITERATURA
P
ORTUGUESA
F
ACULDADE
L
ETRAS
, U
NIVERSIDADE
F
EDERAL DO
R
IO DE
J
ANEIRO
,
2005.
RÉSUMÉ
ETUDE DU PROJET D´EDITION DU LIVRO DO DESASSO
SSEGO
, PAR SON AUTEUR
F
ERNANDO
P
ESSOA
. ANALYSE DE L´INITIATION LITTERAIRE DE F
ERNANDO
P
ESSOA
, A
PARTIR DE SON PREMIER TEXTE CRITIQUE AUSSI BIEN QUE DE SON PREMIER TEXTE
LITTERAIRE
, ECRIT POUR SON LIVRE: LIVRO DO D
ESASSOSSEGO
. LES DEUX
CONSTITUANT UN
PONT
AVEC UNE FUTURE EDITION MATERIELLE. LA PARTICIPATION
ET L´IMPORTANCE DE F
ERNANDO
PESSOA AU MODERNISME PORTUGAIS. ANALYSE DU
LIVRO DO DESASSOSSEGO, DANS SES SUCCESSIVES EDITIONS, EN LANGUE
PORTUGAISE
, PAR RAPPORT A SON O
RGANISATION
, A SON CORPUS ET A S
ON
O
RDINATION
. ANALYSE DE CES EDITIONS DANS LA PERSPECTIVE DE LA CRITIQUE
GENETIQUE COMME CONTRIBUTION POUR POSSIBLE NOUVELLE E
DITION
.
DEMONSTRATION DE LA POSSIBILITE DE LA PREPARATION D´UNE EDITION CRITIQUE-
GENETIQUE
. EDITION REALISEE D´APRES LA DOCUMENTATION PRODUITE PAR P
ESSOA
,
EN RESPECT A SA DERNIERE VOLONTE. SELON LA THEORIE LITTERAIRE MODERNE,
CETTE EDITION CRITIQ
UE
-GENETIQUE DOIT ETRE CONSIDEREE COMME BON MODELE
EDITORIAL
.
M
OTS
-
CLEFS
: LIVRO DO DESASSOSSEGO/ F
ERNANDO
P
ESSOA
/ B
ERNARDO
S
OARES
/
V
ICENT
E
G
UEDES
/E
DITION CRITIQUE DU
L
IVRO DO
D
ESASSOSSEGO
SUMÁRIO
1.
Introdução ................................................................................................ 10
2.
No Caminho do Alheamento................................... .................
................ 12
2.1.
A Águia.....................................................
.......................................... 20
2.2.
Na Floresta do Alheamento
............................................................... 29
2.3
. Duas Cartas.......
.................................................................................. 34
3.
No Caminho do Desassossego................................................................... 38
3.1. A Autoria ............... ............................................................................... 45
3.2.
O
Corpus
............................................................
................................51
3.3. A Ordem.......................................................................................
..........57
3.4. O
Livro
como edição .............................................................................63
3.5. A edição crítico
-
genética do
Livro
..........................................................68
4. Conclusão .....................................................................................................73
7. Bibliografia Geral ......................................................................................... 75
8. Bibliog
rafia Específica .................................................................................. 80
8. Anexos.......................................................................................................... 83
1.I
NTRODUÇÃ
O
Têm todos, como eu, o futuro no
p
assado
B
ERNARDO
S
OARES
Em 1982, a publicação do Livro do desassossego veio somar à
consagrada obra de Fernando Pessoa mais um objeto de estudo para a
compreensão desse tão complexo quanto genial poeta português. Àquela
altura a grandeza desse poeta já havia ultrapassado limites, atravessado mares
e oceanos. Qualquer apreciador ou estudioso seu tinha, sem detença, uma
enorme literatura passível de servir
como apoio para compreender sua obra.
Como exemplo dos pioneiros dos estudos pessoanos temos, dentre
tantos, em Portugal, João Gaspar Simões, Luís de Montalvor, Georg Rudolf
Lind, Jorge de Sena, Jacinto do Prado Coelho, Teresa Rita Lopes, Maria Aliete
Gal
hoz, Teresa Sobral Cunha e Ivo Castro. No Brasil, Cleonice Berardinelli e
José Clécio Basílio Quesado. Na Itália, temos Luciana Stegagno Picchio. Eles
e muitos outros nomes de magnitude das letras contribuíram, e continuam a
contribuir, para a ampliação da bibliografia e fortuna crítica de Fernando
Pessoa.
A publicação do Livro do desassossego, também denominado por
Pessoa como o L.do D., acrescentou à vasta obra do autor uma quantidade
ainda maior de ensaios, artigos e conferências que vão se reproduzindo
incessantemente. Depois da edição
princeps
, o Livro do
desassossego
teve
novas publicações em Portugal, no Brasil, na Itália, Espanha, Alemanha,
Inglaterra e em França. Além da tradução para os países do leste europeu e
da Ásia.
O ideário editorial do Livro do desassossego não possui uma definição
totalmente clara quanto às suas regras, deixando, pois, em processo de
construção uma unidade editorial desta obra de Fernando Pessoa, mesmo que
não falte desejo e dedicação dos partícipes de uma equipe para esse fim
destinada. O fato é que o livro é um desassossego para quem dele se ocupa.
Este trabalho relata a breve história do L. do D., tal como ele chegou a
ser editado em língua portuguesa. Divide-se ele em duas partes: a primeira,
que trata do que foi publicado pelo próprio autor e, a segunda pelos editores
que publicaram o
Livro,
após a sua morte.
A primeira parte é composta pelo estudo de elementos do início da
carreira literária de Fernando Pessoa e da sua intenção quanto ao Livro do
desassossego
. A segunda trata da publicação material da obra e de sua
relação com a autoria, do
corpus
, e da ordem das suas edições. A edição
princeps
, organizada por Jacinto do Prado Coelho com a colaboração de
Teresa Sobral Cunha e Maria Aliete Galhoz. E as edições seguintes, feitas nos
anos 90, por Teresa Sobral Cunha e Richard Zenith. Buscando melhor
compreender essas edições foi respeitado o estudo pioneiro de Jorge de Sena
que, durante mais de dez anos, trabalhou com os microfilmes dessa obra,
resultando na publicação do texto crítico Introdução ao Livro do
desassossego
, em 1970.
A breve história do L. do D. foi tecida com argumentos da bibliografia
material do autor e busca contribuir para novas edições, procurando, dentro
dessa metodologia e da ciência literária, o tipo de edição mais apropriado à
obra de Fernando Pessoa.
2. N
O
C
AMINHO DO ALHEAMENTO
Quero ser uma obra de arte, da alma pelo
menos, já que do corpo não posso ser.
Bernardo Soares
É sabido por quem se ocupa da obra de Fernando Pessoa que ele muito
pouco publicou enquanto vivo. O reconhecimento da sua qualidade como poeta
foi consagrada na cena literária em 1942, em antologia organizada por Adolfo
Casais Monteiro onde foram reunidas poesias publicadas de maneira
dispersa por Pessoa. Desde então os estudiosos de sua obra vêm trazendo a
lume tanto os textos inéditos que o escritor deixou de publicar quanto aqueles
que ele talvez nem pretendesse publicar. Alguns por considerar como
inacabáveis outros porque não se decidiu quanto à complexa questão da
autoria a ser-lhes atribuída, razão encontrada por Teresa Rita Lopes para esta
opção do autor.
1
O percurso da publicação do
livro
é desassossegante. Caminho traçado,
muito provavelmente de propósito por seu autor, para demonstrar o
desasso
ssego de seus muitos eus . Consubstanciar um livro denominado de
desassossego é extremamente pertinente para um homem que valorizou sua
escrita em detrimento de sua publicação.
Paralela à história do livro, como o podia deixar de ser, o percurso
lit
erário de Fernando Pessoa ele-mesmo e de seus heterônimos. Pessoa
dedicou seus anos de atividade intelectual à literatura, à crítica literária, aos
estudos de filosofia, filologia, publicidade, editoria de revistas, e tradução, além
de seus interesses pela
astrologia, espiritismo e ocultismo.
1
LOPES, Teresa Rita.
Pessoa por conhecer.
Lisboa: Estampa, 1990.
Foi na revista A Águia, editada no Porto, pelos intelectuais do grupo da
Renascença Portuguesa, que Fernando Pessoa fez sua estréia como uma das
mais belas páginas da crítica literária: A Nova poesia portuguesa . Ne
ssa
mesma revista, em agosto de 1912, Fernando Pessoa publicou a plaqueta
Na
Floresta do alheamento, assinada por ele mesmo com a indicação para o
L.do
D. Esta peça faz parte do período pós-
simbolista de Pessoa e é também parte
integrante das edições que foram feitas do Livro do
desassossego
. O projeto
do Livro ficou inacabado por seu autor, embora tenha ocupado toda a sua vida
literária o que sempre instigou vários editores a publicação desta obra.
O seu período de trabalho com o grupo da revista A Á
guia
se extinguiu,
em 1914, em razão de discordância do ponto de vista literário, ou seja, face
aos rumos que a literatura portuguesa estava apontando para um futuro muito
próximo. A polêmica criada pelo seu texto A Nova poesia portuguesa
,
culminando com a recusa de sua peça O Marinheiro
drama estático que em
muito se assemelhava ao texto Na Floresta do alheamento
foram razões que
levaram Pessoa a romper com o grupo de intelectuais do Porto. Este
rompimento foi deixado claro em carta escrita por Fernando Pessoa a Álvaro
Pinto, secretário da revista
A águia,
em 12 de novembro de 1914. (Anexo I)
No mesmo período em que escrevia para A Águia, Pessoa conheceu
aqueles que mais tarde iriam se reunir em torno da revista
Orpheu
,
nomeadamente Mário de Sá-
Carneiro
e Almada Negreiros. Esses dois poetas
acompanharam Fernando Pessoa pelos ismos que ele criou e que marcaram
profundamente a poesia portuguesa do século XX.
Em 1915, foi fundada a revista
Orpheu
pelos jovens boêmios de Lisboa
interessados na arte como Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada
Negreiros e Santa-Rita Pintor, de duração curta, mas com valor inestimável
para a história literária portuguesa. A falta de dinheiro e o suicídio de Mário de
-Carneiro, em 1916, foram algumas das razões para o
fim da revista.
A geração de
Orpheu
, como ficaram conhecidos esses intelectuais, se
inscreveu na história literária como o grupo que causou escândalo e inúmeras
adesões às tendências modernistas do início do século XX. Era a geração do
moderno. Na verdade, o Modernismo dessa geração começou antes da sua
organização em torno dessa revista. Foi ao longo do ano de 1913, que o grupo
de
Orpheu
deu ao novo movimento literário; o Paülismo, o Interseccionismo e o
Sensacionismo. Na definição do próprio Fernando Pessoa, o Paülismo situa-
se
em correntes opostas: o Saudosismo de Teixeira de Pascoaes transportado
para os poetas reunidos em torno da
Águia
e o simbolismo decadentista que
segue as novas tendências estéticas européias. O poeta paülico tem uma
concepção cinematográfica da sua arte . Os seus estados de alma são
projetados em seqüência de imagens, o que Pessoa define como todo espaço
de alma é uma paisagem .
2
Do Paülismo deriva-se ainda outra corrente, o Interseccionismo, que
resulta de uma adaptação às novas estéticas como o Futurismo e o Cubismo.
Essa corrente pretendia, pois, ir além, adotar na literatura formas de linguagem
e complexidade da estrutura pictórica, segundo Pessoa, é constituída por
diferentes sensações mescladas .
3
A primeira peça interseccionista de Pessoa
foi
Na Floresta do alheamento
, publicada na revista do Porto.
2
PESSOA, Fernando.
Páginas de Doutrina e Estética
. Lisboa: Editora Ática, 1946, pág. 45.
3
PESSOA, Fernando.
Páginas íntimas e de auto
-
interpretaç
ão.
Lisboa: Editora Ática, 1966. Pág.187.
Mais tarde surge o Sensacionismo, corrente considerada cosmopolita e
universalista e que faz a apologia da sensação como a única realidade da vida.
É pela pena de Álvaro de Campos que Pessoa afirma que o Sensacionismo
começou com a amizade entre Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro ,
acrescentando ainda sobre o mesmo tema: Fernando Pessoa e Mário de Sá-
Carneiro estão mais próximos dos simbolistas. Álvaro de Campos e Alm
ada
Negreiros são mais afins da moderna maneira de sentir e escrever .
4
Múltiplo de si mesmo, ao mesmo tempo em que Pessoa dava vida aos
seus heterônimos e ao seu processo de criação literária, dedicou-se também à
editoração como outro processo de atividade nas letras. Ao longo de sua vida,
desde a revista A Águia, passando pela criação de
Orpheu
, Fernando Pessoa
colaborou com inúmeras revistas: Portugal Futurista, de Almada Negreiros;
Contemporânea
, de José Pacheco. Em 1924, dirigiu e fundou com Ruy Vaz
a
revista
Athena
, que definiu como puramente de arte , obedecendo um critério
de generalismo para que atingisse a um público irrestrito. Colaborou ainda com
a revista
Presença
, de José Régio e dos academicistas de Coimbra, onde
publicou, por insistência d
esse grupo, o seu conjunto de poemas intitulado Mar
portuguez que, depois, com modificações, comporia a segunda parte da
Mensagem
.
Foi o prosador do
Alheamento
quem levou ao extremo a estética do
Modernismo, tal como foi concebido pelo lema ver em tudo um além
5
.
Segundo o texto de Álvaro de Campos,
Ultimatum
, um poeta deveria ser
vários poetas, nenhum deles sendo a personalidade que se suporia sentindo e
4
PESSOA.
Páginas íntimas e de auto
-
interpretação.
1966. Pág. 148
5
PESSOA, Fernando. A Nova Poesia Portuguesa. Cadernos Inquérito , série G, crítica e História
Literária. Lisboa: Editorial Inquérito Limitada, 1
944. Pág. 61
transmitindo seus próprios sentimentos . Este manifesto de Álvaro de Campos
foi publicado no único número da revista Portugal Futurista, em 1917. Foi este
Fernando Pessoa que levou ao ápice a negação de si mesmo, no jogo suicida
da modernidade.
6
Ao multiplicar o seu eu em muitos outros, Pessoa negou a
sua própria existência para existir em outros. Fernando Pessoa se
despersonalizou na figura de inúmeros heterônimos, personalidades literárias,
sendo ele-mesmo um outro - o ortônimo. Da multiplicação dessa
despersonalização os mais conhecidos são: Ricardo Reis, médico de profissão,
monárquico, de educação clássica e latinista. Adepto do Sensacionismo
herdado do mestre Caeiro; Estoicista e epicurista, poeta horaciano e helenista:
Ricardo reis tem outra disciplina diferente; as coisas não devem ser sentidas
não só como são. Mas também de modo a integra
rem
-
se em um certo ideal de
medida e regras clássicas .
7
Alberto Caeiro, mestre dos heterônimos, nasceu
em Lisboa, mas viveu grande parte de sua vida numa quinta do Ribatejo. Sua
educação não passou do curso primário. Antimetafísico, poeta das sensações,
da natureza, de atitude antimística e pagã. A obra de Caeiro apresenta uma
reconstrução integral do paganismo, na sua essência absoluta, tal como nem
os gregos nem os romanos que vieram nele e por isso não o pensaram, o
puderam fazer.
8
Álvaro de Campos era engenheiro naval de profissão, ligado
aos movimentos modernistas como o Futurismo e o Sensacionismo. É o poeta
que escreve as sensações da energia e do movimento bem como, as
sensações de sentir tudo de todas as maneiras . É o heterônimo que
6
CERDEIRA, Teresa Cristina.
A aventura suicida da Modernidade
.
---
.
O avesso do bordado
. Lisboa:
Editora Caminho, 2001
7
PESSOA.
Páginas Íntimas e de auto
-
interpretação. Pág. 330
8
PESSOA.
Páginas Íntimas e de auto
-
interpretação. Pág. 330
acompanhar
á Pessoa por toda a vida. O Barão de Teive é uma personalidade
literária, fidalgo, conhecedor de literatura clássica, intelectual, despido de
imagens, um pouco hirto e restrito
9
. Vicente Guedes, um heterônimo que
escreve claro e domina as suas emoções; e Bernardo Soares, semi-
heterônimo, às vezes uma personalidade literária, um prosador que, não
sendo Pessoa, era ele menos o raciocínio e a afetividade.
Em todo o seu produto de criação o Livro do desassossego, obra
inacabada na qual Fernando Pessoa trabalhou durante toda a sua vida.
para este livro inacabado mais de um autor. O heterônimo Vicente Guedes e o
semi
-heterônimo Bernardo Soares, são os mais conhecidos e polemizados
quanto à autoria. Alguns críticos dessa obra pessoana atribuem certos
fr
agmentos do
Livro
ao Barão de Teive . Mas, em seu último plano de
editoração do
Livro
, foi a Bernardo Soares que Fernando Pessoa atribuiu a sua
autoria. E é importante acentuar que muito pouco se sabe desses personagens
comparados aos demais heterônimos
O projeto do
Livro
foi escrito em notas e em cartas enviadas aos seus
amigos e editores. Os documentos relativos ao L. do D. estão no espólio do
poeta, hoje sob a guarda do governo português
na Biblioteca Nacional de
Lisboa. Este legado é que favorece aos
estudiosos de sua obra a compreensão
da gênese do
Livro.
Em meados da década de 10, as cartas encaminhadas a Armando
Côrtes
-Rodrigues e a Mário de -Carneiro apresentam um livro que estava
em fase de criação. Nas missivas a Côrtes-Rodrigues, Pessoa se refere ao
texto do L. do D. como uma produção doentia e fragmentada. Os fragmentos
9
PESSOA, Fernando.
Cartas a Armando Côrtes
-
Rodrigues.
Lisboa: Editorial Confluência, Ltdª, s/d.
dessa prosa são de depressão confessada, angústia e tédio , afirma o próprio
Pessoa. Elas são cartas confessionais de Pessoa descrevendo sua crise
existencial e o desdobram
ento dela em relação à sua obra.
(02 de setembro de 1914).
Nada tenho escrito nada que valha a pena mandar-lhe. Ricardo Reis e Álvaro
futurista
-silcenciosos. Caeiro perpetrador de algumas linhas que encontrarão
talvez asilo num livro futuro. Mas essas linhas são esboços de poesia
propriamente falando. O que principalmente tenho feito é sociologia e
desassossego. Você percebe que a última palavra diz respeito ao livro do
mesmo; de facto tenho elaborado várias páginas daquela produção doentia. A
obra vai
pois complexamente avançando.
O facto é que neste momento atravesso um período de crise na minha vida.
Preocupa
-me quotidianamente a necessidade de dar ao conjunto da minha
obra uma orientação, tanto intelectual como existente de vida , uma linha
metó
dica e lógica. Quero disciplinar a minha vida (e, consequentemente, a
minha obra) como a um estado anárquico pelo próprio excesso de forças
vivas em acção, conflito e evolução interconexa e divergente. Não sei se
estou sendo perfeitamente lúcido. Creio que estou sendo sincero. Tenho pelo
menos aquele amargo espírito que é trazido pela prática anti-social da
sinceridade. Sim, eu devo estar a ser sincero.
10
Cerca de um mês depois, Pessoa envia uma outra carta a Côrtes-
Rodrigues com revelações mais contundentes em relação ao
Livro do
desassossego.
(04 de outubro de 1914)
Nem lhe mando outras pequenas coisas que tenho escrito nestes dias. Não
são muito dignas de serem mandadas, umas; outras estão incompletas; o resto
tem sido quebrados e desconexos pedaç
os do
Livro do desassossego
.
O meu estado de espírito actual é de uma depressão profunda e calma. Estou
dias ao nível do Livro do desassossego. E alguma coisa dessa obra tenho
escrito. Ainda hoje escrevi um capítulo todo.
11
Em 19 de outubro do mesmo
ano de 1914, Pessoa envia mais uma carta
a Côrtes Rodrigues sobre o seu estado de alma e a intimidade criada com o
Livro:
Eu não sou eu. Sou um fragmento de mim conservado num museu
abandonado.
O meu estado de espírito obriga-me agora a trabalhar bast
ante, sem querer, no
Livro do desassossego. Mas tudo fragmentos, fragmentos, fragmentos.
12
10
PESSOA.
Cartas a Armando Côrtes
-
Rodrigues.
Pág. 22
11
PESSOA, Fernando.
Correspondência 1905
-
1922
. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. Pág. 125
12
I
dem. Pág. 133
O conteúdo das cartas enviadas a Mário de Sá-Carneiro corresponde,
principalmente, à fase gestacional do Modernismo em Portugal. Mas também
escreve sobre o
L. do D
.:
(14 de março de 1916)
Pode ser que se não deitar hoje esta carta no correio amanhã, relendo-a, me
demore a copiá-la à máquina, para inserir frases e esgares dela no Livro do
desassossego.
Mas isso nada roubará à sinceridade com que a escrevo, nem à
do
lorosa inevitabilidade com que sinto.
13
As cartas dirigidas a João Gaspar Simões tratam sobre as questões
referentes à publicação de textos do
L. do D.,
da autoria de Bernardo Soares, e
que deveria ocupar o segundo lugar no projeto de edição de sua obra
completa.
(28 de j
unho de 1930)
Quando se publica o 27 da Presença? Desejo enviar umas triunfais do Álvaro
de Campos e mais uma coisa do meu meu.
14
A ordenação que pretende dar à sua obra está na carta datada de 28 de
julho do ano de 1932.
Primitivamente, era minha inten
ção começar minhas publicações por três livros,
na seguinte ordem: 1.
Portugal,
que é um livro pequeno de poemas (tem 41 ao
todo), de que o Mar Português (Contemporânea 40 é a Segunda parte; O
Livro
do
desassossego
de Bernardo Soares, (pois que o Bernardo Soares não é um
heterônimo, mas uma personalidade literária...)
Sucede, porém, que o Livro do desassossego tem muita coisa que equilibrar e
rever, não podendo eu calcular, decentemente, que me leve menos de um ano
a fazê
-
lo.
15
13
PESSOA.
Correspondência 1905
-
1922.
Pág. 210
14
SIMÕES, João Gaspar.
Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões
. Lisboa: Publicações
Europa
-
América, 1957. Pág. 52
-Esta edição foi publicada em apenas 110 exemplares, sendo que 10 ficaram como cota do autor. Foi o
próprio Gaspar Simões quem escreveu a introdução, o apêndice e as notas.
- O trecho a que Pessoa se refere é o correspondente ao fragmento de 95 da edição do Livro do
desassossego
, organizada por Richard Zenith, 1999. Pág. 125 Durei horas incógnitas, momentos
sucessivos sem relação...
15
Idem. Pág. 117
Mesmo depois de publicado, em 1982, os estudiosos do
Livro
do
desassossego, retornam, com freqüência, aos documentos epistolares
pessoanos, fonte inesgotável de redescobrimentos.
2.1
A Á
GUIA
A estréia literária de Fernando Pessoa aconteceu em 1912, no número 4
da revista A Águia, com a publicação do artigo A Nova poesia portuguesa
sociologicamente considerada.
16
Sucedem-se, a este primeiro, outros artigos
sob o mesmo tema: Reincidindo...
17
, na revista de 5, de maio de 1912;
A
Nova
poesia portuguesa no seu aspecto psicológico
Parte, no nº 9, de
setembro de 1912, e a Parte no nº 11, de novembro de 1912; no 12, de
dezembro de 1912, sai a publicação da última parte do artigo intitulado A Nova
poesia
portuguesa psicologicamente considerada. Estes cinco artigos,
publicados
espaçadamente, formam o grande estudo crítico de Fernando
Pessoa sobre a nova corrente literária que surgia.
18
A revista A Águia surgiu em 1910 e teve uma segunda série em 1912,
que se tornou veículo de comunicação do grupo da Renascença Portuguesa,
formad
o por intelectuais do Porto. O ideário desse grupo era criar um novo
16
Revista
A Águia
, 2ª série, nº 04, Porto, 1912
17
Reincidindo...
é um texto-resposta a uma Carta de Coimbra, escrita e publicada pelo jornal O Dia
de
Lisboa, em 24 de abril de 1912, intitulada A Literatura e o Futuro. Este artigo criticava o texto de
Fernando Pessoa
A Nova poesia portuguesa sociologicamente considerada.
18
Esses artigos foram publicados pela segunda vez nos números de maio a setembro de 1941, na rev
ista
Ocidente
, de Lisboa. Uma terceira publicação foi feita, em 1944, nos Cadernos Inquérito, série G,
Crítica e História Literária, com prefácio de Álvaro Ribeiro.
19
A Águia,
1912
20
A Águia,
2ª.
A Águia,
1912.
Portugal, ou melhor, ressuscitar a Pátria Portuguesa, arrancando-a do túmulo
onde a sepultaram alguns séculos de obscuridade física e moral .
19
Segundo
Teixeira de Pascoaes, o homem mais importante da Renascença, o grupo
queria regressar às fontes originais da vida, para criar uma nova vida .
20
Os intelectuais da Renascença deram um novo perfil à revista, passando
esta para uma segunda fase com um conteúdo mais eclético, respeitando, até
onde possível, as procedências ideológicas de seus colaboradores. O
hibridismo dessa revista gerou uma indeterminação editorial que Pessoa soube
aproveitar muito bem, extraindo daí os fundamentos para o seu artigo que
consistia, àquela altura, na ante
visão de uma Nova Renascença.
A colaboração de Pessoa na revista A Águia, com uma prosa crítica de
valor incontestável, teve um impacto grande nos meios políticos e culturais de
Portugal, principalmente para aqueles que não comungavam com seu
pensamento. Utilizando o mesmo espaço da A águia, Adolfo Coelho,
intelectual do Porto, acusa, sem citar o nome de Pessoa, de ser uma geração
de visão megalomaníaca e messiânica .
Entretanto, a razão determinante que levou Pessoa a escolher a revista
dos intelectuais do Porto ainda é razão de dúvida para os investigadores de
sua obra. Os pressupostos literários da Renascença pareciam, a princípio,
coincidir com a sua idéia patriótica, confessada a Armando Côrtes-
Rodrigues,
em carta datada de 19 de janeiro de 1915:
Po
rque a idéia patriótica, sempre mais ou menos presente nos meus
propósitos, avulta agora em mim; e não penso em fazer arte que não medite
fazê
-
lo
para erguer alto o nome português do que eu consiga realizar.
21
21
PESSOA.
Cartas a Armando Côrtes
-R
odrigues
. Pág. 1
O interesse de Fernando Pessoa também não tinha um referencial
político declarado. Entendia que o grupo d A Águia, em sua segunda fase,
desempenhava um papel de transformação cultural da sociedade lusa. E,
neste particular, Pessoa fez uma análise em seu artigo
Reincidindo...,
dividida
em três partes sobre o futuro da literatura portuguesa. A primeira era sobre o
novo movimento literário
Portugal se prepara para um ressurgimento
assombroso, um período de criação e social como poucos o mundo tem tido .
22
A segunda conclusão era acerca do momento político situacional daquele
movimento do Porto
tendo o movimento literário português nascido com e
acompanhado o movimento republicano, que está e será o glorioso futuro
deduzido .
23
E a terceira conclusão: O republicanismo que fará a glória da
no
ssa terra e por quem novos elementos civilizacionais serão criados não é o
atual desnacionalizado, idiota e corrupto, do tripartido republicano .
24
Um de seus grandes interesses em interferir na corrente do grupo d
A
Águia
foi o da arte e da cultura. Esta atitude de Pessoa está clara na mesma
carta enviada a Côrtes-Rodrigues: é uma conseqüência de encarar a sério a
arte e a vida. Outra atitude não pode ter para com a sua própria noção-
do
-
dever quem olha religiosamente para o espetáculo triste e misterioso do
Mundo."
25
22
PESSOA.
A Nova Poesia Portuguesa.
Pág. 48
23
Idem. Ibidem.
24
Idem. Ibidem.
-
Os partidos a que Fernando Pessoa se referem são os que foram formadas as voltas de Afonso Costa
(1871
-
1973), Brito Machado e Antonio José de Almeida (18
66
-
1929). Este último eleito presidente da
República de Portugal no ano de 1910.
25
PESSOA.
Cartas a Armando Côrtes
-
Rodrigues Pág.1.
Decerto, a aproximação política e sociológica com o grupo do Porto,
possibilitou ao crítico Pessoa apresentar os seus conceitos sobre uma nova
página que se escrevia na história da literatura portuguesa, através de
fundamentos messiânicos que ainda hoje surpreendem quem o estuda. Com
efeito, a série de artigos que compõem a
Nova poesia portuguesa
, quer se diga
sociologicamente quer psicologicamente considerada, possui elementos que
antevêem o processo poético pessoano. A
coterie
formada pelos outros eus
e o ortônimo, as correntes literárias conhecidas como Paülismo,
Sensacionismo e Interseccionismo foram delineadas na revista A Águia. Para
justificar ainda mais seus conceitos, Pessoa atribui a essa nova poesia os
significados de vago , subtil , complexo , e sugere que se estabeleça um
equilíbrio entre eles para que a poesia daquela geração não seja
absolutamente subjetiva
usando como exemplo o Simbolismo. O resultado foi
o nascimento de uma poesia com a preocupação constante com a Alma e a
Natureza.
O amor patriótico de Fernando Pessoa, referido em suas cartas, como
também as suas reflexões sobre um Portugal camoniano culminaram, como se
sabe, no poema
Mensagem
, único livro que organicamente
26
foi composto e
publicado em vida pelo poeta, poema que pode ser compreendido como um
dos resultados de suas primeiras publicações no Porto.
No artigo sobre crítica literária, escrito n A águia, o poeta de
Mensagem
traça a evolução e o futuro da corrente literária do Modernismo português, a
26
QUESADO, Clécio.
Mensagem: labirintos de um livro à beira
-
mágoa
. Rio de Janeiro: Editora Elo,
1999
27
PESSOA.
A N
ova poesia portuguesa
, Pág. 48
partir da contextualização de um Portugal histórico e culturalmente engajado
na primeira década do século XX com países da Europa, mais especificamente
na Inglaterra e na França.
...este movimento poético dá-se coincidentemente com um período de pobre e
deprimida vida social, de mesquinha política, de dificuldades e obstáculos de
tosa a espécie e a mais quotidiana paz individual e social, e a mais rudimentar
confiança ou segurança num ou de um, fututo.
27
Ainda no mesmo artigo, Pessoa enfatiza a sua dedução em relação ao
futuro literário lusitano:
...mai
s conclusivo se nos afigura o próximo parecer de um supra Camões na
nossa terra. [...] Porque a corrente literária, como vimos, precede sempre a
corrente social nas épocas sublimes de uma nação. [...] Ousemos concluir isto,
onde o raciocínio excede o sonho: que a actual corrente literária, das que
precedem as grandes épocas criadoras das grandes nações de quem a
civilização é filha.
28
Na última série do artigo A Nova poesia portuguesa psicologicamente
considerada, Fernando Pessoa reúne todos os artigos anteriores e conclui
argumentando que qualquer fenômeno literário
corrente, ou grupo, ou
individualidade
susceptível de ser considerado sob três aspectos para ser
completamente compreendido. Esses três pontos de vista são o psicológico, o
literário
e o sociológico.
29
O tecido literário de Pessoa é formado pelos significantes e significados
das variantes psicológica, literária e sociológica. Assim, o resultado é um tecido
literário uno e renovado, cuja trama é vista de três maneiras distintas e
entr
ecruzadas. A primeira variante para Fernando Pessoa é a metafísica
28
PESSOA.
A Nova poesia portuguesa
, Pág. 48
29
Idem. Pág. 28
30
Idem. Pág.64
conceito do universo e das coisas que subjaz às manifestações dessa
corrente. A segunda é a estética, como modo de ser literário , e a terceira é a
sociologia, que significa as teorias sociais .
30
Nestes argumentos, Fernando Pessoa vai além de uma análise da
poesia saudosista finissecular. Através da sua compreensão, configura o seu
processo profético ao afirmar que a nossa poesia caminha para o auge: o
grande poeta proximamente vindouro, que encarnará esse auge, realizará o
máximo equilíbrio da subjectividade e da objectividade .
31
Pessoa assinala
ainda neste texto que a nova poesia portuguesa deve conciliar esses contrários
subjetividade e objetividade
por meio da emoção e da inteligência. A nova
poesia portuguesa, uma vez equilibrada na Alma e na Natureza, fundamentada
em uma análise comparativa com a poesia inglesa e o romantismo francês se
firmará como a poesia nacional.
A tessitura dos artigos A Nova poesia portuguesa está esmiuçada em
cartas escritas por Pessoa a Álvaro Pinto, então dirigente da Renascença
Portuguesa e secretário da revista A águia. Foram trocadas correspondências,
no período de 25 de abril a 04 de dezembro de 1912, especificamente sobre
esse texto crítico e
sobre o texto em prosa
Na Floresta do alheamento
.
Como é sabido, muitos dos documentos de Pessoa não são datados e
exigem muita perícia do investigador para torná-los datáveis. Ao contrário, as
cartas enviadas a Álvaro Pinto estão todas datadas, o que é um lenitivo para
os seus estudiosos. Elas revelam o processo editorial desses artigos; a
demora em escrevê-los, os percalços e mesmo os problemas enfrentados com
os próprios editores.
Em 25 de abril de 1912, Pessoa escreve a Álvaro Pinto explicando que
não mandara o artigo sobre A Nova literatura portuguesa sociologicamente
considerada
e dando como novo prazo o final do mesmo mês.
Como, porém, V...compreende, a elaboração raciocinativa de um assunto
originalmente concebido é difícil, e especialmente difícil quando considerações
de espaço tipográfico entram
isto é, têm de ser levados em conta
na
elaboração do raciocínio. (...) Como foi no dia 7 de Abril que recebi as provas
do meu primeiro artigo, e elas revistas, chegaram a tempo de não demorar a
saí
da de A
Águia,
creio (a não ser que o número 5 saia antes do habitual dia
15) que, dando 7 dias de margem para a composição tipográfica do artigo, dou
amplo tempo ao compositor.
32
nesta carta duas informações, para além da questão tipográfica. A
prim
eira diz respeito à continuação dos seus estudos e escritos sobre a poesia
portuguesa, cuja segunda parte seria enviada no final do mês de abril. A
segunda diz respeito ao artigo
Reincidindo...
que foi publicado em maio de
1915, como resposta a um artigo
de
O Dia, de Lisboa, já mencionado
anteriormente, na nota de pé
-
de
-página de nº 17.
Dois meses depois, em 24 de junho de 1912, Fernando Pessoa envia
mais uma de suas cartas a Álvaro Pinto sobre o artigo que, na seqüência dos
anteriores, se intitula
A Nova
poesia portuguesa no seu aspecto psicológico
.
Apesar da minha toda vontade em satisfazer a promessa de enviar o meu
artigo no dia que indiquei, tenho encontrado dificuldade, de ordem racionativa,
na execução do escrito. Entre o fazer um artigo cuja imperfeição torturaria
tanto o meu senso intelectual como a minha noção do que é devido à
Águia
, e
não o fazer, escolhi, ainda que magoado por ter de faltar ao que prometera, o
não enviar a tal colaboração para este mês. Dá-se o caso de ser o mais difícil
e
importante, por incluir a caracterização da nova corrente literária.
33
31
PESSOA. Correspondências 1905
-
1922. Pág.. 240
32
PESSOA.
Correspondências 1905
-
1922.
Pág. 41
33
PESSOA.
Correspondências 1905
-
19
22.
Pág. 41
34
Idem.Pág. 45
Outra carta datada de 29 de agosto de 1912, Fernando Pessoa envia
ainda ao secretário da revista A Águia, solicitando que una seus últimos artigos
em apenas um número, evitando, inclusive, a não compreensão por outros
críticos ou editores. São os artigos sobre os aspectos psicológicos,
sociológicos e a influência da Renascença Portuguesa na História da Literatura
Portuguesa.
Estimaria muito, e agradecia muito, eu, e o raciocinador que em mim, se o
meu amigo pudesse conseguir que num só número viessem
como, pela
lógica, devem ser
os três capítulos do artigo que para aí, em duas remessas
enviei. (...) Creio que faziam justiça, de algum modo, à Renascença. Os outros
também a fazia
m, mas faziam
-
na errado, o que, para mim, é não a fazer.
34
O ano de 1913 é rico em exemplos epistolares sobre o caminho editorial
de Fernando Pessoa e dos intelectuais do Porto. Mas, uma carta é especial
para o
Livro do desassossego
. A indagação ao sec
retário d
A águia
é cada vez
mais freqüente, que Pessoa percebe que sua literatura não comunga com o
gosto do grupo do Porto.
O meu amigo sabe que nada mais estimo do que absoluta franqueza nesses
assuntos. O Na Floresta do alheamento será ultra-excessivo, em matéria de
requinte, para que achem prudente que A Águia o insira? Diga-
mo
francamente.
35
Em 25 de maio de 1914, Pessoa escreve a Álvaro Pinto, perguntando da
possibilidade de publicar algo seu: uma peça sua, O Marinheiro, de um ato de
gênero especial chamado pelo autor de estático . Este mesmo drama foi
publicado em 1915, no n.º 1 de
Orpheu
.
35
PESSOA.
Correspondências 1905
-
1922.
Pág. 101
36
Idem.
.
Pág.116
37
PESSOA.
Correspondências 1905
-
1922
. Pág.130
-
131
Dentro em pouco mandar-
lhe
-ei, para a Renascença, caso queira editar, um
escrito meu. (...) Claro está que o amigo com toda a franqueza me dirá, depois
de ler a peça, se convém realmente editá-la. Exijo, e não me ofenderei com
uma recusa
uma franqueza absoluta.
A peça formará uma mera plaquette. Não lha remeto para
A águia
porque para
esse fim é, além de extensa, vagamente imprópria.
36
A sua última carta enviada a Álvaro Pinto é datada de 12 de novembro
de 1914. Ela compara os textos Na Floresta do alheamento e o outro drama
estático
O Marinheiro. Em uma única missiva, Pessoa relata o seu desagrado
com o grupo da Renascença e se como indisponível para continuação
desse seu trabalho.
meses escrevi para aí, ao meu Amigo, como de costume, perguntando-
lhe
se a Renascença editaria uma plaquette minha, e expliquei que se tratava de
um drama que num acto, de um género a que eu chamo estático , e
sobre cuja
forma e feitio eu disse, para dele dar alguma idéia, que se assemelhava, como
com efeito se assemelha, ao escrito Na Floresta do alheamento que publiquei
n A
águia.
Depois disto, pedia eu na carta referida que o meu Amigo me dissesse
francamente
se a Renascença podia ou queria editar aquele trabalho. Fiz esta
pergunta porque tomei os seus anteriores oferecimentos sobre editar trabalhos
meus como referindo-se a trabalhos de crítica ou sociologia, e não as
produções propriamente literárias. Eu ac
rescentei, até, que de modo algum me
ofenderia com uma recusa. Sei bem a pouca simpatia que o meu trabalho
propriamente literário obtém da maioria daqueles meus amigos e conhecidos,
cuja orientação de espírito é lusitanista ou saudosista.
37
E, depois de situar as verdadeiras razões de divergência entre ele e o
grupo do Porto, Fernando Pessoa por terminada a sua carta e sua relação
com o grupo da Renascença.
Quanto ao referido trabalho, ou outros trabalhos quaisquer, permita-me o
Amigo que lhe peça para colaborar comigo em não falarmos mais nisso.
Cessei. (...) Não podendo ter a maravilhosa e natural saúde de não ter opinião
nem sonhos, esforcemo-nos ao menos por adquirir a artificial saúde da
renúncia.
Desculpe
-me ter-lhe tomado tanto tempo, e ter acabado de modo tão
indecorosamente literário.
38
A bibliografia que possibilitou conhecer as cartas enviadas por Fernando
Pessoa a muitos de seus remetentes não viabilizou todavia, que fossem
38
PESSOA.
Correspondências 1905
-
1922. Pág . 132
encontradas as cartas respostas. Foi o que se deu com a corres
pondência
entre o autor estudado e o secretário da revista
A Águia.
2.2.
N
A
F
LORESTA DO ALHEAMENT
O
A primeira publicação de um texto literário de Fernando Pessoa foi
Na
Floresta do alheamento (Anexo 5), no número 20 da revista A Águia, em
agosto de 1913. Levou a sua assinatura e uma indicação em letras maiúsculas
para o
L. do D
. e cujo tema central é o desassossego do eu .
Ao ler o texto Na Floresta do alheamento
percebe
-se que o seu
conteúdo se encontra no Livro do desassossego: o tédio, a morte, o tempo, o
amor. Nos projetos de Pessoa para publicação do
Livro
este trecho aparece
como parte do seu
corpus.
Conhecer este texto é o primeiro passo para
conhecer o Livro do desassossego. Apontar alguns pontos desta plaqueta é
importante para quem lê essa obra de Pessoa.
Na Floresta do alheamento é um breviário do Interseccionismo, que
simboliza a inquietação de quem o escreveu. A sua estrutura apresenta a
predominância dos verbos no pretérito imperfeito e no infinitivo, acentuando a
imperfeição da vida e a noção de que apenas as sensações podem regê-
la.
Neste texto não definição de tempo: pois este é estático. As descrições de
espaço e tempo são feitas por imagens fragmentadas e instantâneas, que
aparece
m e desaparecem em meio às reflexões do sujeito enunciador.
Uma boa definição sobre o significado de Na Floresta do alheamento é
feita pelo próprio autor em carta enviada a João Lebre de Lima
39
:
A propósito de tédios, lembra-me perguntar-lhe uma coisa... Viu, num número
do ano passado, de A Águia, um trecho meu chamado Na Floresta do
alheamento
? Se não viu, diga-me. Mandar-
lho
-ei. Tenho imenso interesse em
que v. conheça esse trecho. É o único trecho meu publicado em que faço eu o
tédio, e do sonho estéril e cansado de si próprio mesmo ao ir começar a
sonhar
-se, um motivo e o assunto. Não sei se lhe agradará o estilo em que o
trecho está escrito: é um estilo especialmente meu, e que aqui vários rapazes
39
PESSOA.
Correspondência 1905
-
1922.
Pág. 114
amigos, brincando, chamam o estilo alheio , por ser naquele trecho que
aparece. E Referem
-se a falar em alheio , escrever em alheio , etc.
·· 40
O mote do texto Na Floresta do alheamento é o desassossego, que
também é o título escolhido para o livro que nunca existiu materialmente
O
Livro do
desas
sossego.
Aquele trecho pertence a um livro meu, de que outros trechos escritos mas
inéditos, mais de que falta ainda muito para acabar; esse livro chama-
se
Livro
do
desassossego
, por causa da inquietação e incerteza que é a sua nota
predominante. No trecho publicado isso se nota. O que é em aparência um
mero sonho, ou entressonho, narrado, é
sente-se logo que se lê, e deve, se
realizei bem, sentir-se através de toda a leitura
uma confissão sonhada da
inutilidade dolorosa fúria estéril de sonhar.
41
A construção dramática do texto se dá entre a vigília, o sono e o acordar.
Fernando Pessoa faz uso desses estágios do sono para descrever a sua
realidade agonizante.
Sei que despertei e que ainda durmo. O meu corpo antigo, moído de eu viver,
diz
-me que é muito cedo ainda.
Sinto
-me febril de longe. Peso-me não sei
quê...
Num torpor lúcido, pesadamente incorpóreo, estagno, entre o sono e a vigília,
num sonho que é a sombra de sonhar. Minha atenção bóia entre dois mundos
e cegamente a profundeza de um mar e a profundeza de um céu, e estas
profundezas interpenetram-se, misturam-se, e eu não sei onde estou nem o
que sonho.
42
O texto procura absorver a sua expressão de ver e sentir o mundo.
Sentindo tudo e a si mesmo. Em Na Floresta do alheamento, a descrição que
é feita dos sentidos, sobretudo a do sono, revela a instabilidade e a falta de
realidade que o sujeito enunciador sofre. Um oxímoro une os estados de torpor,
sono e vigília, transformando
-
os em outra realidade:
Com uma lentidão confusa acalmo. Entorpeço-
me
. Bóio no ar, entre velar e
dormir, e uma outra espécie de realidade surge, e eu em meio dela, não sei de
que onde que não é este....
Surge mas não apaga esta, esta de alcova tépida, essa de uma floresta
estranha. Coexistem na minha atenção algemada as duas realidades, como
dois fumos que se misturam.
43
40
Idem
. Ibidem.
41
PESSOA.
Correspondência 1905
-
1922.
Pág. 114
42
PESSOA.
O Livro do desassossego
, 1999. Pág.452
43
PESSOA. Idem. Pág. 453
Em seus primeiros parágrafos estão representados os sentidos, as
sensações através do sonho.
O meu corpo antigo, moído deu eu viver, diz-me que é muito cedo ainda. (...) a
profundeza de um mar e a profundeza de um céu; e estas profundezas
interpenetram
-se, misturam-se, e eu não sei onde estou nem o que sonho. (...)
Um vento de sombras sopra cinzas de propósitos mortos sobre o que eu sou
de desperto.
44
O amor é só desengano.
Desengan
emo
-nos, meu amor, da vida e dos seus modos. Fujamos a sermos
nós...Não tiremos do dedo o anel mágico que chama, mexendo-
se
-lhe, pelas
fadas do silêncio e pelos elfos da sombra e pelos gnomos do esquecimento...
E ei-la que, ao irmos a sonhar falar nela, surge entre nós outra vez, a floresta
muita, mas agora mais perturbada da nossa perturbação e mais triste da nossa
tristeza.
45
O texto é descrito no mais profundo tédio.
Ali vivemos um tempo que não sabia decorrer, um espaço para que não havia
pensar em poder medi-lo. Um decorrer fora do Tempo, uma extensão que
desconhecia os hábitos da realidade do espaço...Que horas, ó companheira
inútil do meu tédio, que horas de desassossego feliz se fingiram nossas
ali!...Hora de cinza de espírito, dias de saudade espacial, séculos interiores de
paisagem externa...e nós não nos perguntávamos para que era aquilo, porque
gozávamos o saber que aquilo não era nada.
46
A finitude humana e a indeterminação do tempo estão claras no texto.
Reparávamos de repente, como quem repara que vive, que o ar estava cheio
de cantos de ave, e que, como perfumes antigos em cetins, o marulho
esfregado das folhas estava mais entrenhado em nós do que a consciência de
o ouvirmos.
E assim o murmúrio das aves, o sussurro dos arvoredos e o fundo monótono e
esquecido do mar eterno punham à nossa vida abandonada uma auréola de
44
PESSOA.
O Livro do desassossego
, 1999. Pág. 453
45
Idem . Pág. 456
46
Idem. Pág. 455
47
Idem. Pág.455.
não o conhecermos. Dormimos ali acordados dias, contentes de não ser nada,
de não ter desejos nem esperanças, de nos termos esquecidos da cor dos
amores e do sabor dos ódio
s. Julgávamo
-
nos imortais...
47
É um texto de angústia e morte:
Que nítida de outra e de ela essa trêmula paisagem transparente!
E quem é essa mulher que comigo veste de observada essa floresta alheia?
Para que é que tenho um momento de mo perguntar? Eu nem sei querê-
lo
saber...
A alcova vaga é um vidro escuro através do qual, consciente dele, vejo essa
paisagem... e essa paisagem conheço-a muito, e muito que com essa
mulher que desconheço erro, outra realidade através da irrealidade dela.. (...)
Sonho e perco-me, duplo de ser eu e essa mulher. Um grande cansaço é um
fogo negro que me consome...Uma grande ânsia passiva é a vida falsa que
estreita...
48
A floresta alheia é a fronteira entre a vida e a morte.
De vez em quando pela floresta onde de longe me vejo e sinto, um vento lento
varre um fumo, e esse fumo é a visão nítida e escura da alcova em que sou
actual, destes vagos móveis e reposteiros e do seu torpor nocturno. Depois
esse vento passa e torna a ser toda ela a paisagem daquele outro mundo...
49
Em
Na Floresta do alheamento, o desengano é o caminho mais fácil
para a vida.
A nossa vida não tinha dentro. Éramos fora e outros. Desconhecíamo-
nos,
como se houvéssemos aparecido às nossas almas depois de uma viagem
através dos sonhos...
Tínhamos nos esquecido do tempo, e o espaço imenso empequenara-
se
-
nos
na atenção. Fora daquelas árvores próximas, daquelas latadas afastadas,
daqueles montes últimos no horizonte haveria alguma coisa de real, de
merecedor de olhar aberto que se dá às c
oisas que existem?...
50
A Floresta do alheamento é construída por uma estrutura textual de
imagens, e a essência de seu texto está nas sensações expostas em cada
48
P
ESSOA.
O Livro do desassossego
, 1999. Pág. 455
49
Idem. Ididem.
50
Idem. Ibidem.
51
Idem. Ibidem.
frase: E eu, que longe dessa paisagem quase a esqueço, é ao tê-la que tenho
saudades del
a, é ao percorrê
-la que a choro e a ela aspiro....
51
Fernando Pessoa finaliza esse drama poético com frases que revelam a
imperfeição humana, o efêmero do sonho, do tédio e da morte.
Desenganemo
-nos da esperança, porque trai, do amor, porque cansa, da
vida,
porque farta e não sacia, e até da morte, porque traz mais do que se quer e
menos do que se espera.
Desenganemo
-nos, Ó Velada, do nosso próprio tédio, porque se envelhece de
si próprio e não ousa ser toda a angústia que é.
Não choremos, não odiemos,
não desejemos...
Cubramos, ó Silenciosa, com um lençol de linho fino o perfil hirto e morto da
nossa Imperfeição...
52
52
PESSOA.
Livro do desassossego.
1999. Pág. 453
2.3.
D
UAS CARTAS
O Livro do desassossego, em sua forma editorial foi organizado com
documentos que comprovam a sua existência pelo seu autor. Entre estes
documentos estão duas cartas de enorme significado para a construção do
memorial do desassossego.
A primeira data de 3 de fevereiro de 1913, enviada de Paris, por seu
amigo Mário de Sá-Carneiro. Trata-se de uma carta de admiração, de
confissão e de preocupação com o trabalho de Pessoa. Sá-Carneiro reflete a
necessidade que de publicação da obra de seu amigo, baseado nos artigos
escritos para a revista
A Águia, referindo-
se à série da
Nova poesia portuguesa
e a
Na Floresta do alheamento.
O trecho expressa, nitidamente, toda a admiração intelectual de Sá-
Carneiro pelo poeta do alheamento. Esta estima e cumplicidade intelectual
desses dois poetas gerou a página principal do Modernismo português.
Recebi a sua carta anteontem. Não sei como agradecer-lhe. E lhe digo que
ela me causou uma grande alegria porque nos dá sempre grande prazer
sabermos que temos quem nos estime e nos compreende. Obrigado. Em
primeiro lugar quero-lhe falar das suas poesias. Elas são admiráveis, se
sabe, mas o que mais aprecio nelas é a sua qualidade. Eu me explico. Os
seus versos são cada vez mais seus. O meu amigo vai criando uma nova
linguagem, uma nova expressão poética e
veja se compreende o que eu
quero significar
conseguiu uma notável força de sugerir que é a beleza
máxima das suas poesias sonhadas. É muito difícil dizer o que quero exprimir:
entre os seus versos correm nuvens.
53
A seqüência é um trecho confessional de Sá
-
Carneiro:
53
-
CARNEIRO.
Cartas a Fernando Pessoa.
1973. Pág. 62
54
Idem. Ibidem.
Quantas vezes em frente dum espelho
e isto em criança
eu não me
perguntava olhando a minha imagem: Mas o que é ser-se eu; o que sou eu? E
sempre, nestas ocasiões, de súbito, me desconhecia, não acreditando que eu
fosse eu, tendo a sensação de sair de mim próprio. Concebe isto?
54
A admiração do poeta, que vivia em Paris em fins de 1912, não poupou
seu amigo de uma crítica severa sobre suas publicações.
O que é preciso, meu querido Fernando, é reunir, concluir os seus versos e
publicá
-los, não perdendo energias em longos artigos de crítica nem tão pouco
escrevendo fragmentos admiráveis de obras admiráveis, mas nunca
terminadas. É preciso que se conheça o poeta Fernando Pessoa, o artista
Fernando Pessoa
e não o crítico só
por lúcido e brilhante que ele seja.
Atenda bem nas minhas palavras. Eu reputo mesmo um perigo para o seu
triunfo a sua demora em aparecer como poeta.
55
Mário de Sá-Carneiro faz referência aos artigos escritos por Pessoa n
A
Águia
, ao drama Na Floresta do alheamento e a outros fragmentos
que pelo
texto de sua carta
parece conhecer
cujo projeto era o
Livro do desassossego
.
E de forma muito clara conclui o seu parágrafo sobre o assunto:
Habituado a ser considerado como o belo crítico, os outros terão estúpida
mas instintivamente repugnância em o aceitar como poeta. E você pode
encontrar
-se o crítico-poeta e não o poeta-crítico. Por isso, embora em
princípio eu concorde com a sua resolução de não publicar versos senão em
livro, achava preferível
se não possibilidade de o ver sair num espaço
breve
a inserção de algumas de suas poesias (ainda que poucas) na Águia.
Seria pour prendre date como poeta.
56
A segunda carta foi escrita por Fernando Pessoa para Madalena
Nogueira, sua mãe, em 5 de junho de 1914, quando esta ainda morava na
África do Sul. Abaixo da data
em que foi escrita há a indicação
L. do D. ,
o que
55
-
CARNEIRO.
Cartas a Fernand
o Pessoa.
1973. Pág. 63
56
Idem. Ibdem.
a entender que havia interesse de Fernando Pessoa em incluí-la, em pelo
menos em algumas passagens, no
Livro do desassossego
.
Entre o relato do seu sentimento de solidão e o seu comichão
intelectua
l , Fernando Pessoa revela a sua dúvida entre publicar o seu livro ou
permanecer inédito.
Mesmo a circunstância de eu ir publicar um livro vem alterar a minha vida.
Perco uma coisa
o ser inédito. E assim mudar para melhor, porque mudar é
mau, é sempre mudar para pior. E perder é um defeito, ou uma deficiência, ou
uma negação. Sempre é perder. Imagine a Ma como não viverá, de
dolorosas sensações quotidianas, uma criatura que sente desta maneira!
57
Fernando Pessoa toma como referência o que seus amigos escrevem
sobre a sua vida intelectual e o seu futuro como poeta.
Que serei eu daqui a dez anos
de aqui a cinco anos mesmo? Os meus
amigos dizem-se que eu serei um dos maiores poetas contemporâneos
dizem
-
no vendo o que eu já tenho feito, não o que pod
erei fazer (se não eu não
citava o que eles dizem...) Mas sei eu ao certo o que isso, mesmo que se
realize, significa? Sei eu a que isso sabe? Talvez a glória saiba a morte e a
inutilidade, e o triunfo cheire a podridão.
58
Esta carta enviada à sua e consta nas edições que foram publicadas
do
Livro do desassossego. Os organizadores destas edições assim o fizeram
por terem encontrado no seu original as seguintes informações: para o ''L do
D.", nota e cópia de carta para Pretória . Na edição
princeps
,
de 1982, de
Jacinto do Prado Coelho, ela está localizada no Volume I, no corpo do livro,
com número de fragmento 10, páginas 8
-
11.
Na edição organizada por Teresa Sobral Cunha, a mesma carta consta
do Volume I, páginas 118 e 119, da autoria de Vicente Guedes. O título foi
57
PESSOA.
Correspondências 1905
-
1922,
1999. Pág.117
-
118.
58
Idem. Ibidem
grafado entre parênteses (cópia duma carta para Pretória de 5-6-
1914
)
- com
um sinal de asterisco e explicação ao pé
-
de
-
página sobre a missiva.
Richard Zenith, que publicou o Livro do desassossego, em 1998,
transcreveu a carta no item III do Apêndice ao qual denominou Outros textos e
fragmentos não integrados no
corpus
.
Nos documentos pesquisados sobre o
Livro,
estas duas cartas formaram
um elo de ligação na vida literária do autor. A primeira porque diz respeito à
fase embrionária do
Livro
, e a segunda conta de como Pessoa percebe a
vida ao publicar um livro: Neste caso o
Livro do desassossego.
3. No Caminho do Desassossego
Cheguei àquele ponto em que o tédio é uma pessoa,
a ficção encarnada do meu convívi
o comigo.
B
ERNARDO
S
OARES
Em 1932, Fernando Pessoa escrevia a João Gaspar Simões sobre
como pretendia publicar a sua obra fazendo uma ressalva sobre o Livro do
desassossego
: Sucede, porém, que o Livro do desassossego tem muita coisa
que equilibrar e rever, não podendo eu calcular, decentemente, que me leve
menos de um ano a fazê-lo .
1
Passados mais de setenta anos desta afirmação
do autor, esta obra inacabada foi editada e reeditada, por renomados
estudiosos de Pessoa. Cada qual com a sua interpretação pessoal para uma
organização entendida como definitiva, consagrando o Livro do desassossego
como a prosa pessoana.
A afirmação de Pessoa seria suficiente para que fossem aceitos como
definitivos os documentos escritos e separados em envelopes contidos em sua
famosa arca, como sendo para o Livro do desassossego. É um equívoco
também considerar o
Livro
de a prosa pessoana. Pessoa escreveu muita coisa
em prosa. A prosa desse "indisciplinador de almas" vai além do Livro do
desassossego
. Em 1976, Cleonice Berardinelli
2
organizou e prefaciou um livro
1
SIMÕES, João Gaspar.
Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões.
Lisboa: Publicações
Europa
-
América, 1957. pg. 117.
2
BERARDI
NELLI, Cleonice.
Alguma Prosa.
Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1990.
contendo textos em prosa de Fernando Pessoa, desde a sua adolescência a
o último ano de vida.
Para editar uma obra é preciso respeitar o desejo do autor, e Fernando
Pessoa continua a existir em seus papéis, em documentos epistolares e em
testemunhos registrados pelos que com ele conviveram. É preciso lê-lo para
compreender e respeitar a forma final que ele gostaria que fosse dada à sua
obra. Ivo Castro
3
, esclarece essa questão editorial afirmando que, na verdade,
apenas o que o próprio autor preparou e classificou em definitivo poderiam ser
considerados, e mesmo assim tendo o autor revisto suas provas e
acompanhado de perto a leitura de sua publicação. Não foi este o caso.
O Livro
do desassossego é marcado pelo modo de trabalho de seu autor, que sempre
atribuiu maior valor à redação do que à publicação de seus apontamentos.
Alguns dos fragmentos pertencentes a esta obra foram publicados por Pessoa
e outros tantos deixados em desordem. Este universo de registros, legados
como testamento pelo autor, colocam sempre em discussão a existência de
uma edição definitiva que Pessoa não pôde ou não quis equilibrar e rever.
Em setembro de 2004, no colóquio Fernando Pessoa: outra vez te
revejo... realizado no Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro,
Foram contemplados os textos de O Eu Profundo, Os Outros Eus, Idéias Estéticas da Arte e da
Literatura, Idéias Filosóficas, idéias Políticas, Teoria e Prática do Comércio e sua Fi
cção
(onde está
incluído o
Livro do desassossego
)
3
CASTRO, Ivo.
Editar Fernando Pessoa
. Lisboa: Imprensa Nacional
Casa da Moeda, 1990.
4
DUARTE, Luiz Fagundes.
Pessoa Desassossegado.
Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura,
setembro d
e 2004. (texto cedido, sob reserva, pelo autor a esta mestranda)
Luiz Fagundes Duarte
4
, em sua conferência, discorreu sobre as edições
críticas do
Livro do
desassossego.
Não vou dizer, é claro, que seja coisa de doidos a longa tradição de edições da
obra de Pessoa
embora o conhecimento que tenho dos materiais autógrafos do
escritor, das hesitações e incongruências que neles se encontraram, das
fortíssimas diferenças que freqüentemente existem entre a versão final da pequena
parte da obra publicada em vida e os respectivos manuscritos autógrafos ainda
conservados (o que por vezes retira o tapete ao editor, que assim deixa, nas
situações de dúvida, de poder contar com o argumento dos hábitos autorais como
guia de bem trabalhar o texto), do complicado código de sinais gráficos que
sabemos que representam intenções do autor mas que ele não descodificou e que,
por isso, para nós pouco mais são do que marcações de hipóteses, da grande
variação de letras e de materiais e suportes de escrita, das possibilidades de leitura
que permitem aos editores, enfim -, mas, recordando Ravel, conhecer as
características dos manuscritos autógrafos de Pessoa, e arriscar a realização de
uma edição crítica e rigorosa da sua obra a partir dos suportes que a contêm, se
não é de tornar o filólogo em doido (já que o verdadeiro filólogo tem que estar
preparado para tudo), é pelo menos uma das maneiras possíveis de conhecer a
obra pessoana: mesmo na imensa confusão em que os deixaram quem pela
primeira vez desfez que esvaziou os envelopes em que o autor os havia arrumado
os papéis autógrafos pessoanos que continuam a ser a partitura onde se encontra
a grande sinfonia de Fernando Pessoa.
5
Neste parágrafo, Luiz Fagundes Duarte, sintetizou as grandes questões
que se formam em torno do critério utilizado para editar o Livro do
desassossego
. E não é à toa que faz essas referências. A partir do legado
documental de Pessoa, do estudo pioneiro feito por Jorge de Sena
6
, passando
pela edição
princeps
de Jacinto do Prado Coelho até a mais recente de Richard
Zenith, independente de suas qualidades, todas apresentaram ao público em
geral versões diferentes de uma mesma obra.
O leitor, cujo interesse está sobretudo na obra e no autor, dará sempre
benefício à vida em qualquer edição que leia. Essas edições formam um
cruzamento de justificativas editoriais, cujas respostas irão de zero a infinito.
5
DUARTE, Luiz Fagundes.
Pessoa Desassossegado.
Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura,
setembro de 2004. Pág. 2
6
SENA, Jorge de.
Fernando Pessoa
Cª Heteronímia
. Lisboa:
Edições 70, 2000. 3ª Edição.
Interessa a esse leitor saber como e de que forma cada um dos editores do
Livro do
desassossego
deu substância à decisão do próprio Fernando Pessoa:
A organização do livro deve basar-se numa escolha, rígida quanto possível,
dos trechos variadamente existentes, adaptando-se, porém, os mais antigos,
que falhem à psicologia de Bernardo Soares, tal como agora surge, a essa vera
psicologia. À parte isso, que se fazer uma revisão geral do próprio estilo,
sem que ele perca, na expressão íntima, o devaneio e o desconexo lógico que
o caracterizam.
6
O desejo de Fernando Pessoa era fazer um livro desconexo, adaptando
alguns trechos que falhassem ao semi-heterônimo Bernardo Soares, como
também a revisão geral do próprio estilo.
Na cada de 50, Jorge de Sena chegou a assumir a tarefa de editar o
Livro do desassossego, a partir de um trabalho de pesquisa e cópia dos textos
feita por Maria Aliete Galhoz. Todavia, após entreveros editoriais, acabou por
desistir. Mas o seu estudo é ponto de partida para quem se ocupa do L. do D.
.
Comum aos seus sucessores, uma das afirmativas de Sena é o binômio
desassossego
-
Pessoa.
Seria por certo um exagero considerar-se que o desassossego de Fernando
Pessoa estará todo no livro que ele imaginou com esse título, ou no que como
Livro , ele alguma vez chegou a ser. Esta obra fragmentária não é senão mais
uma das suas várias obras por pessoas várias.
7
A primeira edição do
Livro
foi a publicada em 1982, organizada por
Jacinto do Prado Coelho, a partir do trabalho de pesquisa e de fixação de texto
de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Esta publicação é um marco
editorial na obra de Fernando Pessoa. Daí vieram novas edições do L. do
D.
e
novos estudos sobre Pessoa.
7
SENA. 2000. Pág. 145
A fortuna crítica amealhada desde o afloramento maciço de sua poesia
multiplica
-se a partir dessa edição
princeps
e não pára de crescer a polêmica
em relação ao autor e à sua obra. O II Congresso Internacional de Estudos
Pessoanos, realizado em Nashville, em 1984, teve como tema central o
Livro
do desassossego. Neste Congresso, Eduardo Lourenço apontou para a
importância dessa edição:
Em boa hora os responsáveis pela existência literária de O Livro do
desassossego
no-lo ofereceram. Não que a conhecida textualidade
pessoana tenha esgotado o encanto e o mistério que são consubstanciais.
Mas os teólogos pessoanos, que todos nós somos um pouco, começavam a
moer a mesma farinha e a percorrer, talvez com excessiva confiança,
as
veredas imbalizáveis de uma aventura culturalmente terminada. Parecia ter
chegado o tempo de aprender mais (e sobre) quem se ocupa com Pessoa que
sobre o próprio Pessoa, o que sem ser escandaloso
até porque é também
inevitável
remetia (remete) o texto para o pretexto, a voz que nos interpela e
convoca para o discurso que a devora e apaga.
8
O ano de 1986 foi marcado por novas edições do Livro do
desassossego
. No Brasil, Leyla Perrone-
Moysés
9
publicou uma edição com
308 fragmentos, em ordenação temática, tal como a portuguesa de Jacinto do
Prado Coelho com uma organização subdividida em tópicos. Perrone-
Moysés
atribuiu, conscientemente, à sua edição critérios próprios de estruturação à
obra desestruturada de Fernando Pessoa:
Esta edição do Livro do desassossego é discutível. Como todas, passadas ou
futuras, por uma razão ou por outra. (...) Poderá, isto sim, haver edições mais
completas, mais fiéis aos originais, edições preparadas e apresentadas com
todo o aparato crítico que a ciência textual permite. Mas esta é uma edição
voluntariamente incompleta e decididamente pouco científica. Não é uma
edição para especialistas ou estudiosos da obra de Pessoa; é apenas uma
edição corrente, feita para os amadores do Poeta, que são legião em nosso
país.
10
8
LOURENÇO, Eduardo. Fernando, Rei da nossa Baviera. Lisboa; Casa da Moeda. Editora Nacional,
1993. Pág. 78
9
PESSOA, Fernando.
O Livro do desassossego.
São Paulo: Editora Brasiliense, 1996. Pág. 34
11
PESSOA, Fernando.
O Livro do desassossego
. Lisboa: Editorial Comunicação, 1986.
No mesmo ano, em Portugal, Maria Alzira Seixo
11
, publicou o Livro do
desassossego
de Bernardo Soares. Igualmente baseada na organização da
edição
princeps
a sua diferença se faz sobretudo pelas sugestões para análise
literária do texto e também pelo apêndice bibliográfico elaborado por José
Blanco. A sua organização foi feita com a seleção de 200 fragmentos dos dois
volumes da edição de 1982, formando, pois, uma antologia capaz de dar uma
compreensão geral da obra. É uma edição menos erudita e com menor
aparato
crítico, voltada para um público iniciante, mais precisamente de estudantes do
Portugal dos anos 80.
Em 1990, Teresa Sobral Cunha
12
publica a sua edição do afamado
Livro
.
A sua organização foi pautada nas centenas de textos desconexos inéditos e
éditos que Pessoa deixou em sua arca. Sobral Cunha publica o Livro do
desassossego
como dois livros de dois autores; o semi-heterônimo Bernardo
Soares e o heterônimo Vicente Guedes. Do seu ponto de vista, baseada em
sua investigação nos documentos históricos, a evidência clara de que
Pessoa tinha mais do que um livro, isto é: o percurso possível de um livro, fiel,
até o fim, ao estádio incipiente ('em preparação') de que partiu, e em manifesta
homologia com quem, falando do destino próprio, negou a evolução, mas não a
viagem .
13
A idéia de que Pessoa tivesse como projeto um título para dois livros e
não apenas um já estava contido no estudo de Jorge de Sena:
É que o livro a que pertence o trecho de 1913 não é, todavia, o mesmo a que
pertencem os outro
s
mas um dos núcleos de que, como de outros projectos
iniciais, brotou o Fernando Pessoa verdadeiramente grande e liberto de
14
SENA. 2000. Pág. 145.
15
PESSOA, Fernando.
O Livro do desassossego
. Lisboa: Assírio e Alvim, 1998. Pág. 32
esteticismos a que, no entanto, devera a consciência de si mesmo como
artista, que primeiro adquiriu. A transformação do
Livro
do desassossego é,
pois, da maior importância para distinguirmos a transformação do Pessoa
esteticista e simbolista, no grande modernista que ele foi.
14
Em 1998, Richard Zenith
15
publica a sua versão do Livro do
desassossego
. Para além de consultar os manuscritos da obra de Pessoa,
Zenith teve a possibilidade de acrescentar à sua organização os estudos
prestimosos das edições anteriores. Em sua introdução, defende que o
Livro
não existe materialmente, o que existe é a sua subversão e negação, o livro
em potência, o livro em plena ruína, o livro-sonho, o livro-
desespero, o antilivro,
além de qualquer literatura
16
.
Esta organização de Richard Zenith desafia o leitor a um suposto
quebra
-cabeça sem solução. Cada leitor pode montar um Livro do
desassosse
go
pessoal. Esta proposta havia sido eliminada por Jacinto do
Prado Coelho em sua Nota sobre a Ordenação do Texto:
A ordem aleatória da inventariação do espólio literário de Fernando Pessoa
parece
-me de rejeitar in limine, que, desorientando a leitura, obrigaria cada
leitor a fazer ele próprio uma montagem¸ um jogo de
puzzle
que, além de
penoso, exigiria um poder de construção de que disporiam leitores
privilegiados.
17
A organização dessas edições do L. do D., sobretudo as realizadas por
Jacint
o do Prado Coelho, Teresa Sobral Cunha e Richard Zenith formam um
estudo à parte do estudo do próprio
Livro
. Leyla Perrone-Moysés e Maria
Alzira Seixo são claras, nas introduções ao livro, no interesse para o qual se
votam suas edições. Para se conhecer como se concretizaram os conceitos
dados ao livro é necessário se considerar três pontos: a autoria, o
corpus
e a
organização do texto.
3.1.
A
A
UTORIA
O surgimento da História da Literatura, no século XIX, veio auxiliar
sobremaneira aqueles que se ocupam da edição de textos literários. Mesmo
sendo uma disciplina datada, Vanda Anastácio alerta para a importância da
mudança, ao longo do tempo, dos parâmetros que a regem:
A História Literária deve, pois, ser encarada como um campo de estudos em
permanente reconfiguração, dada a tensão inevitável entre o significado adquirido
por uma dada obra no contexto da sua época e as reavaliações posteriores que
sucessivas gerações dela vão fazendo.
18
Para o caso do Livro do desassossego um outro apontamento de
Vanda
Anastácio igualmente relevante:
É imperioso e necessário procederem continuamente ao estudo das obras, não
apenas daqueles autores que foram considerados de primeira grandeza pelas
Histórias Literárias que nos precederam, mas também daqueles que, por
des
conhecimento do que escreveram, por motivos ideológicos, devido a
reputações fantasiosos, pela influência das modas, da organização dos curricula
escolares ou, muito simplesmente, porque os seus textos não têm edições
acessíveis, foram sendo relegados para o esquecimento, ou considerados
menores .
Não podemos esquecer que o discurso crítico é historicamente condicionado, que
cada época e cada historiador valoriza determinados autores e deixa cair outros
ao esquecimento e que esta escolha não depende de um qualquer valor
intrínseco dos textos, mas daquilo que diferentes editores, em diversas épocas,
procuram neles.
19
18
ANASTÁCIO, Vanda. A
História Literária e de alguns
dos seus problemas.
Brotéria: Cristianismo e
Cultura, volume 157, Lisboa, julho de 2003, pág. 57
19
Idem. Ibidem.
20
SENA. 2000. Pág. 145.
Pessoa não deu por terminado seu projeto do livro e também não definiu
efetivamente sua autoria.
.
A complexidade do estudo para a formação de uma obra, ademais em
estado bruto como o Livro do desassossego, exige cuidado em suas
considerações: todas devem ser válidas, até que se possa extrair o sumo
dessas informações.
Nas investigações feitas a partir do espólio de Fernando Pessoa o
Livro
pode ser contextualizado historicamente. Mas o trabalho é complexo, por se
tratar de muitos autores em apenas uma pessoa. Igualmente laboriosa é a
tarefa de análise dos textos encontrados no espólio e cuja inclusão no
Livro
é
polemizada por críticos de Fernando Pessoa. Na mesma esteira desses
documentos estão os textos éditos atribuídos ao livro e que foram publicados
em 1929, na Solução Editora; em 1930, na revista
Presença;
em 1931, na
Descobrimento
; em 1932, outra vez na
Presença
. Estes fora
m publicados sob o
nome de Bernardo Soares, ajudante de guarda
-
livros da cidade de Lisboa. Esta
dúvida se reflete na investigação cronológica e ainda não foi respondida: os
textos escritos na fase viva de Soares pertencem ao mesmo período pós-
simbolista
e decadentista de Fernando Pessoa. Assim também como havia
dúvida de Fernando Pessoa quanto aos textos que ele próprio considerava
mais modernistas, aos quais acrescentava inscrições como Livro do
desassossego
ou A.C.? . A grande vida é se todos estes textos pertencem
ao
Livro
de projeto inacabado pelo autor.
Em seu estudo pioneiro, Jorge de Sena
20
identifica três fases distintas na
confecção do Livro: uma primeira, de responsabilidade de Vicente Guedes,
muito simbolista e esteticista, concebida anteriormente à descoberta da
heteronímia profunda de que a grandeza de Pessoa se faria, marcada por
fragmentos que, à exceção de Na Floresta do alheamento e Marcha fúnebre
para o Rei Luís Segundo da Baviera, são apenas trechos inacabados ou nem
sequer saídos de um embrionário começo, escritos de 1912 a 1914 e com
vários outros trechos de temas recorrentes até o ano de 1917. Uma segunda
fase, entre 1917 e 1929, durante a qual o
Livro
teria ficado em dormência
hesitante e muito fragmentária (a ponto de nada ser datado); e uma terceira
fase, assumida por Bernardo Soares, marcada por fragmentos mais
cuidadosamente elaborados. É mister lembrar o que escreveu o próprio Pessoa
em Nota para o
L.do D
.
que estudar o caso de se se devem inserir trechos grandes, class
ificáveis
sob títulos grandiosos, como Marcha fúnebre do Rei Luís Segundo da Baviera
,
ou a Sinfonia de uma noite Inquieta. a hipótese de deixar como está o
trecho da Marcha fúnebre, e a hipótese de a transferir para outro livro, em
que ficassem os
Gr
andes trechos
juntos.
21
Em 1982, respeitando não apenas o estudo de Jorge de Sena, mas
como também o trabalho da primeira manipulação do espólio feita,
pioneiramente, por Maria Aliete Galhoz, a edição da Editora Ática atribuiu a
autoria do livro ao semi
-
heterônimo Bernardo Soares.
Richard Zenith seguiu o mesmo caminho trilhado por Jacinto do Prado
Coelho e acrescentou à sua edição, em apêndice, textos de autoria de Vicente
Guedes publicados na edição de Teresa Sobral Cunha.
Em apêndice publicam-se: 1) um trecho e dois textos prefaciais que nomeiam Vicente
Guedes, excluídos do envelope com material do
Livro
reunido por Pessoa, 2) à cópia de uma
carta dirigida a mãe de Pessoa e rotulada L. do D., 3) matéria fragmentária mais pertinente. O
Apêndice também contém um texto com Idéias metafísicas do livro do
desassossego,
e vários
21
PESSOA. 1999. Pág. 505
escritos de Pessoa (notas, trechos de prefácios, passagens de cartas) relativos ao
Livro
ou a
Bernardo Soares.
22
Os textos atribuídos a Vicente Guedes, em apêndice, são os seguinte
s:
AP1. O encontro entre Fernando Pessoa e Vicente Guedes; AP2. A
apresentação do livro e do próprio Guedes e o AP3. onde Guedes se apresenta
como morador da Baixa e empregado do comércio.
AP.2.
...este livro suave.
É quanto resta e restará duma das almas mais subtis na inércia, mais debochadas
no puro sonho que tem visto este mundo. Nunca
eu o creio
houve criatura por
fora humana que mais complexamente vivesse a sua consciência de si própria.
Dandy no espírito, passeou a arte de sonhar
através do acaso de existir.
Este livro é a biografia de alguém que nunca teve vida...
De Vicente Guedes não se sabe nem quem era, nem o que fazia, nem
(*)
Este livro não é dele: é ele. Mas lembremo-nos sempre de que, por detrás de tudo
quanto aqui es
tá dito, coleia na sombra, misterioso
Para Vicente Guedes ter consciência de si foi uma arte e uma moral; sonhar foi
uma religião.
Ele criou definitivamente a aristocracia interior, aquela atitude de alma que mais se
parece com a própria atitude de corpo de um aristocrata completo.
23
A edição do
Livro
, na organização de Teresa Sobral Cunha, publicada
no Brasil
24
, em 1996, foi dividida em dois volumes: o primeiro volume com
textos atribuíveis a Vicente Guedes, O segundo com aqueles declaradamente
esc
ritos por Bernardo Soares. O volume I, de Vicente Guedes, conforme Sobral
Cunha
25
, teve seus critérios baseados em seu trabalho de investigação que
permitiram ir acrescentando textos reconhecíveis como sendo para o
Livro
,
mesmo quando não intitulados
L.do
D.
, como muitas vezes Fernando Pessoa
usava. O Volume II contempla todos os trechos que, segunda a organizadora,
pertencem exclusivamente a Bernardo Soares. Estes trechos parecem
atribuíveis ao semi-heterônimo em razão de sua datação explícita (1929) ou
a
queles aferidos como sendo da mesma ocasião.
Com o acréscimo dos textos nomeados e os outros identificados
entendidos por Sobral Cunha como pertencentes ao Livro do desassossego
,
este passa a ter, efetivamente, dupla autoria: Vicente Guedes e Bernardo
Soares. As afinidades de ambos são várias, pois ambos se aproximam do
ortônimo, são funcionários do comércio e moradores da baixa lisboeta.
Inclusive o encontro deles com Fernando Pessoa é muito semelhante. Os dois
conheceram Pessoa em um restaurante onde faziam suas refeições diárias.
Nos fragmentos datados é possível perceber que ambos são decadentistas. A
estratégia editorial de publicação do
Livro
em dois volumes chamou atenção do
público para este plano de Pessoa de dupla autoria.
As três edições do
Li
vro do desassossego, resultado de um magistral
trabalho de investigação histórico-literário e de restauração textual tentando
estabelecer uma cronologia dessa obra de Pessoa, formam uma fonte
inesgotável de discussão autoral.
Georg Rudolf Lind, que em 1985, publicou a versão alemã da obra de
Pessoa, ao concluir a sua tradução para a edição de 1982, defendeu a idéia de
que não se deveriam misturar os textos pós-simbolistas da primeira fase e os
textos de Bernardo Soares de 1929
-
1934:
Prado Coelho tem razão quando afirma que alguns (poucos) textos de B. Soares
revelam os mesmos traços estilísticos que os da primeira fase, mas, apesar
disto, quão longe anda o moralista dos anos trinta do sonhador amaneirado da
Floresta do
alheamento
! Acho muito provável que o próprio poeta tivesse
aproveitado mais do que vestígio da primeira fase, se tivesse tido tempo para
uma redacção definitiva do L. do D.. As considerações filosófico-moralísticas de
Bernardo Soares são uma coisa: as fantasias do jovem poeta são um prenúnc
io
desta segunda-fase, um mero esboço, e destoam tanto da fase definitiva que a
sua ordenação num grupo à parte poderia ter mostrado nitidamente e com maior
poder de convicção o avanço da obra, a obra em progresso .
26
Em
Persona
9, Jacinto do Prado Coelho uma explicação para sua
organização dos fragmentos do desassossego em livro uno:
G.R. Lind chama, em tom depreciativo, o sonhador amaneirado da Floresta do
alheamento
, quer porque relegar para outro apêndice os fragmentos que
registram os sucessivos projectos de Pessoa teria talvez mais inconvenientes
do que vantagens para uma progressiva, desejável, aproximação do leitor em
relação ao
L.
do D
., enquanto livro
in progress
.
27
É sobre a questão da existência e autoria que Richard Zenith inicia s
ua
introdução à edição de 1998. A sua proposta é que talvez nenhum Livro do
desassossego
teria sido publicado.
Tivesse Pessoa preparado o Livro do desassossego para publicação e este
seria decerto um livro menor. Previu uma escolha, rígida quanto possível, dos
trechos variadamente existentes , a adaptação dos mais antigos à vera
psicologia de Bernardo Soares e uma revisão geral do próprio estilo (...) Esta
operação resultaria num verdadeiro livro, polido e fluido, com talvez metade
das páginas que afinal tem, e talvez metade da sua graça e gênio. Eliminando
o que tem de fragmentário e lacunar, o livro ia ganhar força, sem dúvida, mas
corria o risco de se tornar mais um livro, em vez da obra única que é.
28
Os argumentos são muitos para justificar a autoria a ser dada pelos
organizadores do Livro, e podem ser encontrados no legado do próprio
Fernando Pessoa. Ivo Castro, em conferência no Encontro Internacional do
Centenário de Fernando Pessoa, afirma que, para editar Fernando Pessoa, é
necessário ter em sua organização: Introdução, Texto Crítico e Aparato Crítico.
E, um apêndice poderá complementar o volume.
29
O modelo editorial apresentado por Ivo Castro corresponde ao utilizado
pela Equipa Pessoa que vem elaborando a edição crítica da obra do au
tor.
Recorrer às suas explicações teóricas é importante para qualquer estudioso
das publicações de Fernando Pessoa.
31
CASTRO. 1989, pág. 30
A Introdução será basicamente filológica: falará dos testemunhos e do seu
estado, exporá aqueles casos de fixação do texto mais complexos e
reveladores dos mecanismos de criação, dará aquelas informações de caráter
geral que não são de repetir em todos lugares a que respeitam.
No Apêndice reúnem-se fragmentos isolados que não foram utilizados no
estabelecimento de nenhum texto (...)
30
Nas condições deixadas pelo próprio Pessoa, o Livro do desassossego, em
sua última forma irrealizada
31
, ainda deixa muito o que discutir quanto a sua
autoria.
3.2. O
Corpus
Jacinto do Prado Coelho, na Nota sobre a ordenação dos textos
32
,
explica que o p
roblema da primeira edição do
Livro
foi a construção da obra e a
configuração de seu autor, deixando claro que a questão da autoria ainda seria
motivo de investigação. A construção do
corpus
das edições do Livro é uma
tarefa que de igual forma permanece
em constante estudo.
O
corpus
da edição
princeps
foi ordenado por manchas temáticas de
maneira que ao leitor fosse possível uma leitura homogênea do texto, como por
exemplo: as de caráter autobiográfico e confessional, textos sobre a
diversidade do eu e a sua descoberta através do disfarce, textos sobre o eu e
a circunstância na roda dos dias
33
, rejeitando-se, pois, nessa colaboração de
Prado Coelho, a adoção de uma ordem cronológica, pelo que explica:
Em primeiro lugar, a grande maioria dos textos e fragmentos a integrar nem se
encontravam datados e nem eram datáveis. Certo é que, tanto pela análise dos
conteúdos como pelo exame pericial da letra, do papel, e eventualmente da
tinta, se poderia tentar situá-los em determinado período da vida de Pessoa
.
Mas valeria a pena? Seria pertinente a intenção? Nada garante que ele,
chegado o momento, até a morte adiado, de proceder à organização do
Livro
,
os submetesse a uma cronologia veraz, de historiador, que nem sequer a sua
memória estaria apta a reconsti
utir.
34
34
Idem. pág. 32
Prado Coelho aponta ainda para a questão do fingimento em Pessoa em
relação a uma possível ordenação cronológica. Não garantia de que, se
Pessoa estabelecesse uma cronologia para o Livro do desassossego, esta não
fosse mais um fingimento tão
comum ao poeta.
A edição de Teresa Sobral Cunha, em seus dois volumes, está baseada
no cleo original do Livro do desassossego, o que representaria a escolha do
poeta, explícita em sua carta enviada a João Gaspar Simões: Estou
começando a classificar meus papéis .
35
A partir deste núcleo, a investigadora
pessoana acrescentou textos que entendeu reconhecíveis como do
desassossego mesmo não indicados como L. do D., como muitas vezes o
Fernando Pessoa usava. Para além de dividir os textos em dois autores
Bernardo Soares e Vicente Guedes
ou talvez por isso, a ordenação foi
uniformizada, retirando a sigla. Os trechos foram separados entre si por um
espaço em branco, abandonando a numeração dos fragmentos, nomeando
apenas aqueles que foram intitulados pel
o próprio Pessoa.
Os trechos autônomos foram organizados da mesma forma que os
ordenados pelo poeta, incluídos no corpo do texto, guardando a mesma
distancia entre si.
Quando se sucedem dois ou mais trechos que levavam nos originais o mesmo
título, e razões para crer que se destinariam a ser nele integrados para
formarem uma unidade textual, apenas o primeiro deles o conserva,
sinalizando
-
se o facto com um asterisco que em rodapé se esclarece.
36
35
SIMÕES, João Gaspar.
Carta
s de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões.
Lisboa: Publicações
Europa
-
América, 1957. pg. 117.
36
Idem. Ibidem.
37
Idem. pág. 32
Richard Zenith contesta os acréscimos feitos na edição de sua colega
portuguesa:
Os outros novos trechos propostos
isto é, a vasta maioria
não
tem nenhuma evidência explícita que os ligue ao Livro do desassossego,
embora muitos pudessem integrar-se nele.
37
Zenith optou pelo Apêndice para
não excluir os textos que continham a indicação de L. do D. feita pelo próprio
Fernando Pessoa e que, por questão de ordenação, não foram considerados
na edição
princeps
.
Fiquei tentado a restringir o corpus desta edição aos textos cuja atribuição não
levanta dúvidas. Seria, pelo menos, um critério claro e simples. Não sei,
porém, se seria mais fiel. Pessoa teria certamente excluído vários
suponho
que muitos
dos trechos previamente marcados L. do D., e teria do mesmo
modo, introduzido textos que escreveu sem pensar minimamente no
Livro
, mas
que refletido mais tarde, lhe pareceriam peças fundamentais.
Alarguei o corpus, portanto, mas sem alargar as fronteiras definidas pelos
trechos explicitamente atribuídos ao
Livro.
Na dúvida, relativamente aos textos
que a
ndam no limite, optei pela exclusão.
38
As variantes textuais deixadas pelo autor foram organizadas por Teresa
Sobral Cunha no corpo do
Livro
, fazendo as devidas e necessárias referências
em pé
-
de
-
página.
Ainda com vista a uma sempre mais fiel reprodução procedeu-se a uma outra
reparação que tardava desde a primeira edição de 1982: a substituição, pelas
variantes alternativas, dos termos contra os quais o autor advertia na redação
inicial, conservando, em rodapé, quer a versão quer as outras variantes,
quando as haja, para que se não perca o tempo intelectual do
scribendi
.
39
Richard Zenith opta por colocar as variantes textuais em notas reunidas
ao fim do volume, justificando que seria impossível apresentar, com justiça, o
texto do Livro do desassosse
go
. Deu preferência às primeiras versões dessas
variantes. Reuniu todas as demais e excluiu aquelas que não se variam:
sinônimos exatos, mas também mudanças nos tempos verbais, na ordem das
38
PESSOA, 1996, Volume II, pág 329
39
Idem. Ibidem.
40
PESSOA 1999, pág. 35
palavras, nas preposições, no uso dos artigos etc., desde que não alterem o
sentido.
40
Ao optar por esta organização, Zenith colocou as variantes textuais,
ao final do volume
,
designando as cotas do espólio a que se referem e
eventuais indicações do
Livro do
desassossego.
Pessoa, além de deixar muitas variantes, usou freqüentemente um sinal para
indicar a sua reserva acerca de uma palavra ou frase. Numa edição impressa,
não maneira de representar estas reservas sem estorvar a leitura do texto
(que já anda um pouco estorvada pelas muitas notas) e não vi grande utili
dade
em fazê-lo. Na presença de uma variante, a reserva é patente com ou sem
um sinal de dubitação. Quando não existem variantes, saber que tal palavra ou
frase era dubitada terá pouco ou nenhum interesse para a grande maioria,
que aquela versão é a
única que o autor deixou.
41
O corpo textual foi separado pela numeração dos fragmentos tal como
na edição de Jacinto do Prado Coelho. Os espaços entre os parágrafos foram
considerados também nos trechos desconexos, formados nesse corpo por
vários aponta
mentos que podem ou não ter relação entre si.
Tão importante para a compreensão de cada edição é a fixação do texto.
E o leitor deverá estar atento para os sinais fixados por cada uma das edições.
Na edição
princeps
, Jacinto do Prado Coelho e suas cola
boradoras
Teresa Sobral Cunha e Maria Aliete Galhoz utilizaram os sinais gráficos
encontrados nos documentos originais.
Recorremos a parênteses curvos para transcrição de todos os sinais gráficos
utilizados pelo Autor para destacar e, por variável ordem de razões, uma
palavra ou um grupo de palavras, e ainda para assinalar as lacunas da sua
própria responsabilidade, colocando , então, reticências entre eles.
/ / Reserva do A acerca de uma palavra ou expressão
( ) Hesitação do A quanto à oportunidade da i
nserção de uma ou mais palavras
(...) Passagem deixada incompleta pelo A
[ ] Palavras acrescentadas pelos editores
[...] Incerteza quanto à leitura estabelecida
42
41
PESSOA 1999, pág. 35
42
PESSOA, 1982, pá
g.29
Foi mantida a ortografia original de Fernando Pessoa sendo explicada
através das palavras do próprio poeta: Minha pátria é a língua portuguesa .
Sobral Cunha optou pela modernização da ortografia para que pudesse
ser o
Livro
mais bem compreendido em sua leitura.
Ao termo ocorrido em primeiro lance de escrita no corpo textual correspondem
v
ariantes do autor que inserimos na margem e em rigorosa seqüência.
As barras oblíquas, que surgem delimitando uma palavra, uma expressão ou
uma frase, exprimem, da parte do autor
que para tal adverte com um sinal
irreproduzível tipograficamente
reserva
ou propósito de alteração.
Palavras aditadas na edição para colmatar evidente lapsus calami surgem
entre parênteses rectos e, entre estes, vão também as reticências que
assinalam palavra ou palavras ilegíveis.
Aos traços separadores que nos originais destacavam, no interior dos trechos,
apontamentos cujo registro porventura os reteria para desenvolvimentos
futuros, correspondem, nesta edição, discretos pontos que os precedem e lhes
são subseqüentes.
/ / Palavra ou frase com sinal de rejeição do auto
r
(...) Lacuna do autor
[...] Lacuna devido a dificuldades de leitura
[? ] Incerteza de leitura
[ ] Título, data, ou palavra omitida por evidente lapso de redação, propostos
pela editora literária
( ) Sinal de responsabilidade do autor
1ª .v. Primeira versão
Var. Variante
Frag. Fragmento
Ras. Rasurado
Esp. Espólio
43
Richard Zenith utilizou uma menor quantidade de sinais de fixação do
texto. Esta intenção foi justificada pelo editor como uma forma mais objetiva de
atingir o lei
tor.
Sinais Usados na Fixação do Texto
espaço deixado em branco pelo autor
[...] palavra ou frase não lida
[ ] palavra acrescentada pelo editor
[?] leitura conjectural
44
Zenith também elaborou uma edição de ortografia atualizada,
respeitando, contudo a pontuação dada por Fernando Pessoa aos textos.
Embora a ortografia aqui seja atualizada, quis respeitar a pontuação que
caracteriza a prosa de Pessoa. Mesmo assim, e sobretudo no caso de
43
PESSOA, 1986, Volume I, pág. 330 e Volume II, pág. 383
44
PESSOA, 1999, pág. 36
45
Idem. pág. 36
manuscritos não revistos, eliminei algumas vírgulas que parecem atrapalhar a
leitura, sem nenhum benefício em troca. Outras acrescentei e, mais raramente,
converti um traço em vírgula, ou uma vírgula em ponto
-e-
vírgula.
45
A manipulação das edições críticas apresentadas está intimame
nte
ligada à necessidade de estudo permanente que essas exigem. A história e a
teoria da literatura vêm colaborando para que novos conceitos ampliem a
compreensão dos autores éditos e inéditos. Entender uma obra em constante
mutação e cujo autor é Fernando Pessoa
poeta do fingimento e das
sensações
exige distanciamento para que não haja nenhum tipo de tendência
que exima o estudo da obra.
Os três editores citados incitam o leitor não comum à pesquisa nos
originais do desassossego que hoje encontram lugar na Biblioteca de Lisboa.
Em não sendo factível ao público em geral, mesmo aquele que se dedica ao
estudo permanente de sua obra, o acesso ao espólio de Fernando Pessoa,
cabe ao editor crítico este trabalho. Este ponto comum deixa clara a
necessidade uma edição que atenda o leitor, mesmo que as condições de
editor também sejam difíceis, como explica Luiz Fagundes Duarte:
Dans ma condition d editeur critique, je ne peut faire autre chose que déchiffrer
et interpréter tous les tracés que l auter a laissés dans l ensemble des
manuscrits du texte que j edite: les conclusions, les certitudes, et sourtut les
doutes me permettront de dire au lectuer que le texte que je lui le donne à lire
aurait pu être comme celui que je présent, mais il aurait pu être différent si
l auteur décidé de suivre une des hypothèses qu il a considérés, mises en doute
ou abandonnées au long du processus de genèses textuelle (...)
46
O
Livro do desassossego é uma fonte inesgotável de inquietação para
aqueles que se debruçam sobre a obra de Fernando Pessoa. Editores e
46
DUARTE, Luiz Fagundes.
La matérialité des manuscrits modernes. Le fonds Pessoa.
Genèses
Deuxième Congrès International de Critique Génétique
. Paris: Bibliohèque Nationale de
France/ITEM
CNSR, 9
-
12 sptembre 1998.
estudiosos da obra do gênio da modernidade estarão sempre trazendo um
novo livro, mas dificilmente uma edição definitiva.
3.3. A
ORDEM
Foi o próprio Pessoa quem disse que o Livro do desassossego tinha
ainda muita coisa que ordenar e classificar, atribuindo ao editor a árdua tarefa
de estabelecer uma ordem para esta obra.
Ao rejeitar o critério cronológico para elaboração de sua edição, Jacinto
do Prado Coelho utilizou as manchas temáticas como formas de ordenação
do
texto.
Evitando um ditactismo abusivo, ordenei o
Livro do desassossego
por manchas
temáticas, sem vedações a separá-las, sugerindo nexos e contrastes pela
simples justaposição, colocando todavia no começo do itinerário textos e
fragmentos a que atribuí
uma função periférica, introdutória, e levando o leitor a
concentrar a atenção em zonas de relativa homogeneidade, com textos, por
exemplo, de caráter autobiográfico e confessional, textos sobre a diversidade
ou de sua descoberta através do disfarce, textos sobre o eu e a circunstância
na roda dos dias, etc. Trata-se, claro, duma proposta de leitura apresentada a
título pessoal, que de nenhum modo ambiciona ser exclusiva ou se pretende a
melhor.
47
As primeiras páginas dessa edição foram numeradas com a
lgarismos
romanos, onde foram localizados e ordenados os planos de Pessoa para o
Livro
. Nas notas de João Gaspar Simões estão também as cartas dirigidas a
Álvaro Pinto, Mário de Sá-Carneiro, João Gaspar Simões e Adolfo Casais
Monteiro. Este material está no corpo da Introdução, que é separado do
corpus
do
Livro
e também recebe numeração de página em algarismos romanos.
Maria Aliete Galhoz esclarece que estes textos merecem um lugar em
separado por serem explicações dadas pelo próprio Pessoa sobre a gênese
dessa obra. O volume I dessa edição se inicia com as notas, prefácios e
projetos feitos por Pessoa para ordenação do seu livro, elucidando, em
parênteses retos à esquerda do texto a indicação de como foi encontrado no
original do autor. À direita do texto, também entre parênteses retos, identifica-
se os datados e datáveis. Na linha superior a esta informação está o mero
47
PESSOA, 1982, volume I, pág. 32
do fragmento grafado em negrito. Na linha inferior, estão as informações do
próprio Pessoa
L. do D., prefácio e notas. O texto ordenado por manchas
temáticas, da edição de Prado Coelho, ficou dividido com montagens da
autoria, retratando apenas Bernardo Soares. Decidiu misturar os textos em
seus temas deixando à parte a possibilidade de identificá-los quanto ao seu
estilo.
A versão de Teresa Sobral Cunha apresenta o Livro do desassossego
cronologicamente ordenado, propondo uma leitura estilística: os autores que se
apresentaram nos anos 10, esteticistas e simbolistas, e os que se
apresentaram nos anos posteriores
os modernistas. A sua montagem,
basicamente cronológica, é estruturada através de razões temáticas dentro
dos blocos de textos tidos, pela editora, por contemporâneos.
Tece
-se, desta vez, o texto do vol. I sobre uma rede finíssima de referências
materiais e imateriais a partir da qual foi possível fazer suceder blocos de
textos, ano a ano (com excepção do grande lapso dos anos 20), grandemente
verossímeis, de acordo com vária indicação, que com data expressa,
dispomos de quatro fragmentos.
48
Por sua vez Richard Zenith ordenou a sua edição iniciando com um
prefácio do próprio Fernando Pessoa. Neste prefácio Fernando Pessoa
descreve a aparência física e mental de Bernardo Soares, os lugares que
freqüentava e seus interesses literários. Atribuiu ao corpo do texto o título dado
por Pessoa, Autobriografia sem factos, com epígrafe do próprio
corpus
. Os
fragmentos, em um total de 481, foram numerados à esquerda acima do texto.
Zenith seguiu a orientação da edição
princeps
, evitando, contudo, a ordem
cronológica inicial. Em um segundo bloco contendo Os grandes trechos
,
agrupou, em ordem alfabética, um total de 40 títulos, escritos nos anos 10,
fixados em notas ao final do volume. Neste grupo de trechos foram incluídos
48
PESSOA,
1986,
PÁG
.
329
outros:
Na Floresta do alheamento e mais três sarcásticos, diferentes entre si,
mas de título igual
Conselhos às mal
-
casadas
.
As anotações para
Os grandes trechos
foram inseridas no corpo do
Livro
por Richard Zenith como os escritos de Viagem nunca feita
,
O cenotáfio, que
em muito se parece com Na Floresta do alheamento. Além de outros trechos
propostos, a maioria deles sem nenhuma evidência clara de ligação com o
Livro do
desassossego
, mesmo que de forma temática pudessem fazer parte
dele. O que os torna ligados ao
Livro
é o texto de 1912, Na Floresta do
alh
eamento.
Nesta edição, os trechos datados da última fase servem de esqueleto
um
esqueleto infalivelmente soariano
para articular o
corpus
. Entre estes
trechos, mantidos em ordem cronológica, intercalam-se os outros quer
contemporâneos quer muito anteriores (e inclusive os pouquíssimos datados
dos anos 10). Deste modo os mais antigos talvez possam, por uma espécie de
osmose, adquirir algo da vera psicologia de Bernardo Soares que Pessoa quis
introduzir na revisão de texto que não chegou a fazer. (...) parecia insensato,
por outro lado, perturbar a ordem já fornecida pelos trechos datados, que assim
constituem um fio condutor minimamente objetivo. Para evitar confusões,
releguei todas as datas para as notas no fim do volume. Assumidamente
subjetiva é a arrumação, em torno deste esqueleto, das centenas de trechos
não datados.
49
Mesmo as indicações explícitas de textos para o
Livro
muito pouco
colaboram com o editor. Contraditórias, suas anotações apontam para sua
própria dúvida quanto à possível ordenação de um texto final. Foi o que
observou Zenith ao transcrever as anotações do próprio Pessoa, afirmando
mais uma vez que a possibilidade de fazer do Livro do desassossego um
puzzle
seria absolutamente possível.
E as indicações explícitas deixadas por
Pessoa para articular o Livro? São uma
ajuda relativa, porque contraditórias, indicando sobretudo até que ponto
chegava a confusão do autor: nem ele sabia como ordenar os trechos. A
alternação de trechos assim como os maiores, escreveu em cima do trecho
(201) datado de 10-11/9/1931, que nem sequer é assim tão pequeno. Outro
trecho (124) traz a indicação Chapater on Indifference or something like that,
sugerindo uma organização temática, por capítulos. Na citada Nota, que
também precede um trecho (178), Pessoa pôs a hipótese de publicar a
Marcha
49
PESSOA,
1999,
Pág.34
Fúnebre do Rei
Segundo
num livro à parte, com outros trechos possuindo
títulos grandiosos, ou de deixá-la como está. E como estava? Misturada com
centenas de outros textos, como pedaços de
puzzle
sem desenho
reconhecível. Talvez estivesse certo assim: uma edição de peças soltas,
arrumáveis ao bom prazer de cada leitor.
50
A terceira e última parte é um Apêndice reunindo 28 trechos agrupados
em quatro grandes rubricas; I
textos que citam o nome de Vicente Guedes; II
matéria fragmentária da Marcha fúnebre para Luís Segundo da Baviera; III
outros textos e fragmentos não integrados no
corpus
; IV
escritos de Pessoa
relativos ao Livro do desassossego, documentos que Zenith considerou
importantes e já transc
ritos em edições anteriores.
Para justificar a ordenação de seu livro, Zenith utiliza, freqüentemente,
as palavras do próprio Pessoa, buscando demonstrar que o texto mais
próximo do ideal pessoano seria composto por ginas soltas. Zenith que o
texto real, provavelmente, nem Ferrando Pessoa saberia mesmo propor e
editar, sendo sua leitura livre de ordenamento.
As variáveis deixadas pelo autor do desassossego justificam também,
para Zenith, a redução feita por ele no
corpus
do Livro.
Uma edição de páginas soltas é pouco praticável, mas consegue-se uma certa
aproximação a este ideal pelo fato de as sucessivas edições terem organizado
os trechos de formas radicalmente diversas. Oferece-se, agora, mais uma
arrumação possível, sem desassossego pelo que tem de arbitrário e com a
esperança de que o leitor invente a sua própria. É que a arrumação possível ,
não há, muito menos definitiva. Ler sempre fora de ordem: eis a ordem correta
para ler esta coisa parecida com um livro.
51
Esta ordenação baseada nos excertos prefaciais de Pessoa
ipse
,
respeita o projeto do poeta dos anos 30, aproximando os escritos confessionais
da primeira fase do livro aos da segunda fase. A primeira fase corresponde a
aproximação do ortônimo e de Bernardo Soares aos pós-
simbolis
tas. A
50
Idem. Pág
.
33
51
PESSOA,
1999,
PÁG
.
34
Segunda fase pertence a Vicente Guedes e está mais próxima aos
modernistas.
Ao contrário de Zenith, Jorge de Sena recomendava que os textos das
duas fases fossem editados separadamente, não tanto por causa das
diferenças de estilo, mas das de época , que revelam a evolução na escrita de
Pessoa e dos seus eus , do esteticismo para o Modernismo.
Pus a hipótese de suprimir as datas, porque podem levar alguns a imaginar
erradamente
- que os fragmentos sem data são contemporâneos. Devemos
antes imaginar que Bernardo Soares está a rever a sua vida, lendo o que
escreveu tempos atrás (Sou a mesmo prosa que escreve) e intercalando
mental ou literariamente os pedaços do seu passado por entre os seus atuais
registros de diário.
52
O cuidado com essa ordenação é necessário para que não se percam
as possibilidades de conhecer o que Pessoa deixou como legado em seu
espólio. A esse respeito, é o que Vanda Anastácio nos ensina: é imperioso e
necessário proceder continuamente ao estudo das obras.
53
Os dois volumes do Livro do desassossego, da edição organizada por
Teresa Sobral Cunha, iniciam com prefácios escritos por Fernando Pessoa.
Em ambos, Pessoa descreve minuciosamente Bernardo Soares e Vicente
Guedes quanto ao seu retrato físico e articulação mental, cada prefácio
correspondendo ao volume de autoria de cada pseudo-autor. No volume I, o de
Vicente Guedes, estão os Grandes trechos, entre eles: Na floresta do
alheamento
,
Marcha fúnebre para o rei Luís Segundo da Baviera
,
Idéias
metafísicas do L. do D. ,
Intervalo,
entre outros que ao total somam 95 títulos,
incluindo o prefácio do autor. Todos estão organizados cronologicamente ou
por aproximação de datas.
52
PESSOA, 1999, pág. 36
53
ANASTÁCIO, 2003, pág. 57
.
54
PESSOA, 1986, pág. 385
Ao volume II
de Bernardo Soares
foi acrescentado um índice de
citações assim organizado: os antropônimos grafados em romano, os
bibliônicos em negrito e os nomes de personagens e entidades mitológicas em
itálico.
54
Este mesmo volume contém os prefácios tematicamente coesos de
Vicente Guedes e de Bernardo Soares. Ao corpo do texto foram adicion
ados
11 Grandes Trechos: Encolher de ombros
,
Floresta
,
A viagem na cabeça
,
Trovoada
,
Sinfonia
de uma noite inquieta
,
Chuva,
Storm
e
Prosa de férias
.
Sobral Cunha fez valer também o que chama de: o exame e a investigação
documental da expressão caligráfica ou das idiossincrasias dactilográficas,
bem como das tintas e dos lápis (que os usava, a ambos, de várias cores) .
55
O trabalho de investigação realizado por Jacinto do Prado Coelho,
Teresa Sobral Cunha e Richard Zenith possibilitam, hoje, que o leitor e
nvolvido
nos estudos pessoanos, baseado em um trabalho comparativo, avance para
uma outra prática cada vez mais desenvolvida nos meios literários: o estudo
das edições com relevância para seus aparatos genético e crítico.
55
PESSOA, 1986, pág. 379
3.4.
O L
IVRO
C
OMO
E
DIÇÃO
É sempre inevitável toda e qualquer discordância que haja em torno das
edições do Livro do desassossego. Explicitar os critérios utilizados e torná-
los
como certos também não produzirá efeito para uma explicação definitiva,
porque nenhum critério resiste às modificações permanentes que esta obra
exige. Sempre haverá o que descobrir em um livro tão desconexo e
desequilibrado por mais eficaz que pareça uma proposta para sua ordenação.
O trabalho editorial dessa obra pode ser considerado como suplementos
de autorias. O livro que leva a autoria de Fernando Pessoa e que se denomina
Livro do desassossego forma, como se pode ver, vários livros conforme o seu
respectivo editor. Citados aqui apenas os editados em língua portuguesa e,
mais precisamente, os três que procedem a um estudo comparativo neste
trabalho: Jacinto do Prado Coelho, Teresa Sobral Cunha e Richard Zenith.
Respeitando as outras edições que tiveram objetivos específicos como os de
Leyla
Perrone
-Moysés e de Maria Alzira Seixo, e nem por isso de menor
quali
dade de pesquisa ou mesmo de editoria.
A cultura editorial ainda é fraca. Muitos livros ainda não o datados ou
não possuem informações editoriais precisas. No caso do Livro do
desassossego
, por exemplo, outras edições com importância filológica são a da
Editora Petrus, não datada, mas que se calcula ter saído por volta dos anos 60.
Uma outra de grande valor filológico, mas pouco valorizada comercialmente, é
a de António Quadros
56
. Sua organização foi feita diretamente no espólio, para
reordenar a edição
princeps
, e sugere a sua dupla autoria.
Tais escolhas, adaptação e revisão ninguém as poderá fazer por Fernando
Pessoa, restando-nos apenas o cuidado e o escrúpulo de nos aproximarmos
56
PESSOA, Fernando.
Livro do desassossego
. Lisboa: Editora Petrus s/d.
tanto quanto possível das intenções expressas neste escrito. Dele s
e
depreende, sem dúvida, que os textos mais antigos falham à psicologia de
Bernardo Soares: não são pois de Bernardo Soares, mas do Fernando Pessoa
ortónimo. Só passariam a ser de Bernardo Soares, é óbvio, depois de uma
escolha, de uma adptação e de uma r
evisão que o poeta nunca chegou a fazer.
57
António Quadros organizou uma edição em duas partes. A primeira foi
ordenada em torno de textos diarísticos e confessionais, em critério de datas e
os não datáveis por ordem temática; na segunda parte estão os textos de
ficção poética e reflexão, buscando atender o derradeiro plano editorial de
Pessoa.
(...) nesta nova organização que ora apresentamos ao público, fica
convenientemente respeitada, não a unidade do
Livro
, porque não a tem (na
ausência da revisão geral do autor) mas a sua realidade plural, consistindo
essa realidade em não haver um, mas dois Livros do desassossego: o de
Fernando Pessoa
-
ele próprio, simbolista, decadentista, transcendentalista, neo
-
romântico; e o de Fernando Pessoa-Bernardo Soares, ainda nalguns aspectos
decadentista, mas fundamentalmente divagante, sonhador, coloquial, diarístico,
confessionalista, homem comum, pequeno empregado comercial a sonhar com
o infinito do seu quarto andar da Rua dos Douradores.
58
Embora respeitando as duas faces de Pessoa, esse organizador
apresenta uma ordenação mesclada de cronologia e temática. É uma edição
que serve como instrumento de estudos sobre a obra, sem qualquer pretensão
de se tornar definitiva.
Por maiores ou melhores que sejam as justificativas apresentadas na
edição de cada
Livro
, esta obra fantástica estará sempre em processo de
organização. Isto porquê por um lado temos ausência de registros que dêem
viabilidade à obra. Por outro, ao contrário, temos algumas edições que
acumulam suas páginas com notas de rodapé para justificar a montagem de
documentos novos, mais fidedignos. Mais do que nunca, o papel do editor
moderno ganhou poder e risco. Ainda mais quando o autor a ser tratado é
57
PESSOA, s/d. Volume I, pág. 25
58
PESSOA, 1986, pág. 26
Fernando Pessoa, cuja característica principal foi a de não ter editado os seus
livros, à exceção de
Mensagem
e de algumas odes de Ricardo Reis.
A obra de Pessoa, que hoje ocupa dezenas de volumes, foi editada
por aqueles que herdaram a sua arca: primeiro a sua família e depois o
governo português. O espólio de Pessoa é um universo textual sempre a ser
tratado e revisado. Se calhar, após a conclusão e edição de cada obra, serão
descobertos novos papéis ou fragmentos de papéis de onde sairão
possibilidades de fazer do mesmo livro um outro livro.
A definição de um editor é bem concreta: ele não deve alterar os traços
gerais que definem o texto. No caso do desassossego, o cuidado é feito sobre
uma obra aberta e inédita, na qual o editor deve cuidar para que os desejos
dispersos de Pessoa sejam respeitados. A interpretação terá um valor menor
para um leitor leigo, mas para um leitor profissional funciona como a abertura
de mais um caminho de estudo para a obra do grande poeta.
O trabalho de publicar o Livro do desassossego começa por onde
Fernando Pessoa parou, pois ele o deixou em estado bruto e desordenado.
Partindo dessa premissa, Jacinto do Prado Coelho atingiu o livro primeiro. A
seguir, a restauração filológica do fio cronológico dos vários escritos de Pessoa
feita por Teresa Sobral Cunha apresenta um novo livro. Ao compor uma edição
que busca tornar uno o
Livro
, Richard Zenith apresenta outro livro do Livro do
desassossego
. Gustavo Rubim defende a dificuldade de haver um livro único e
aponta para a importância de todas as outras edições.
Com ou sem ta
rimba pessoana, é inverossímil um leitor insensível ao manifesto
desajustamento do texto-Bernardo Soares à normalidade dos textos
enquadrados pela forma do livro. Há quem se escandalize com um editor
literário que fornece uma interpretação desse desajustamento que ultrapassa
os aspectos práticos do seu trabalho e a explicação dos seus respectivos
critérios? Mas o escândalo não tem outro fundamento que o de evidenciar a
inevitabilidade da interpretação enquanto suporte de qualquer edição do
Livro
do desass
ossego
: as que conhecemos e as que nunca haveremos de
conhecer (caso da de Jorge de Sena, da qual só sobrou, precisamente a
interpretação.).
59
A exigência freqüente de um texto final da obra de Fernando Pessoa,
especificamente a do Livro do desassossego, ou seja, a necessidade de dispor
de um texto o mais próximo possível de sua autenticidade torna mais crítico o
trabalho do seu editor. A crítica textual moderna vem se esmerando na
reconstituição de originais perdidos e na sucessiva revisão da ordenaç
ão
cronológica. Uma outra dificuldade está na apresentação tipográfica que foi e
que deverá ser utilizada nas edições.
Igualmente central nos debates da crítica textual moderna é a questão da
apresentação tipográfica. Talvez não haja forma satisfatória de resolver o
dilema entre clareza da página e riqueza de informação, sobretudo quando a
realidade textual a representar é constituída por uma abundância de
manuscritos profusamente emendados, entre os quais se reconhece uma
evolução nem sempre linear. Como informar de tudo isso o leitor na superfície
da página?
60
Ao apontar a problemática da apresentação tipográfica, Ivo Castro deixa
clara a necessidade de apresentar ao leitor a maior quantidade de informação
possível com certa urgência. Ele acredita que o estado de conservação do
espólio pessoano não garanta a mais uma geração conhecer o conteúdo
desses documentos
(...) seremos ainda capazes de decifrar a tinta sumida
dos papéis de pior qualidade, que se estão a decompor rapidamente, sem que
os m
icrofilmes existentes assegurem a sua conservação .
61
A fixação textual do Livro do desassossego utilizada sobretudo por
Jacinto do Prado Coelho, Teresa Sobral Cunha e Richard Zenith prestam uma
grande colaboração para qualquer editor atento à tendência atual da crítica
genética. O intuito de editar uma obra de Fernando Pessoa é sempre o de
desvendamento. Assim, a fixação de seus textos deverá estar intimamente
ligada à fixação dos processos utilizados. Pessoa deixou sua obra aberta
para uma pluralidade de soluções. Ele não deixou clara a forma de fixação do
texto, portanto quem já o fez abriu caminho para as edições já alcançadas.
Compartilhar com o leitor todas as possibilidades conjeturais para a
edição do Livro é de grande importância. Estabelecer
e publicar o texto crítico e
o aparato crítico no corpo do volume, mesmo sendo tarefa de grande fôlego,
propiciará ao leitor, mesmo àqueles não profissionais, um apoio maior para
compreensão da obra pessoana.
3.5 A
EDIÇÃO CRÍTICO
-
GENÉTICA DO
L
IVRO
Atual
mente, a preocupação do crítico literário tem-se voltado para uma
obra com correspondência mais efetiva em relação aos interesses de seu
autor. Estas tendências foram iniciadas por Gianfranco Contini, na Itália, na
sua teoria sobre a crítica das variantes editoriais. E na França, pela crítica
genética formulada pelos críticos do final da década de 80. Os mais radicais,
como Charles Foulet
que pretendia destruir o texto uma vez reconstruído o
processo textual resultante da análise do material pré-
textua
l avant-texte -, e
os mais moderados como Louis Hay, que pressupõem os textos realizados
como peças importantes para sua própria história. Unidos a estes grupos
ainda um esforço coletivo dos investigadores de vários países visando a
integração da f
ilologia tradicional com a genética literária moderna. O intuito é o
de proceder à fixação de um texto que represente a última vontade autêntica
do autor, acompanhado, porém, das variantes de todas as redações
precedentes da obra, desde a sua primeira versão até a última, oferecendo,
assim, ao leitor não apenas a organização textual mais fidedigna, mas
também uma visão dinâmica da evolução que o texto sofreu ao longo de sua
história.
Assim o ideal editorial seria uma edição crítico
-
genética. O caráter cr
ítico
está na arrumação do texto evidenciando a sua autenticidade. E o da genética
a argumentação das informações disponíveis sobre o processo da sua
constituição por suas sucessivas fases. A apresentação das variantes deve ser
funcional ao texto, no sentido de que a sua fruição seja acessível ao leitor não
especialista, possibilitando uma idéia extra da dinâmica e das potencialidades
implícitas da obra. No caso de Pessoa as variantes textuais são de autoria do
próprio. Estas variantes são autênticas e comprovam a dinâmica do texto
original, as modificações que o próprio Pessoa quis introduzir: as suas dúvidas,
as incoerências, as discordâncias, as atitudes ideológicas que o autor sofreu
desde a primeira formulação.
Exemplo dessas variantes é o texto Na Floresta do alheamento, de
1912, onde Pessoa o indicou para o L. do D. Outros exemplos documentais
sobre o
Livro:
são a carta escrita a João Gaspar Simões, em 1932; e o último
papel manuscrito, dois dias antes de sua morte. Todas as variantes são
importa
ntes e indescartáveis para que possam levar o texto até a sua última
versão. Mesmo em se tratando de uma obra em que o próprio autor colocava
em dúvida o
Livro
.
O número considerável de documentos deixados por Pessoa, que
reconhecidamente fazem parte
do
Livro
, sugere algumas possibilidades para
uma avaliação atual de sua gênese. Para o material pessoano em geral, Luiz
Fagundes Duarte propõe uma divisão em três partes, baseado nas
designações de Almuth Gresillon. Esta divisão pode muito bem se aplicar ao
caso específico do
Livro do desassossego
;
Dans ce manuscrits, nous trouvons les trois grandes phases de la gènéses d un
texte: la phase prédédactionnelle soit disant, des phrases que ne sont plus que
la fixation d une idée que bouge, des scénarios, des mots égarés, des listes de
poèmes a écrie, des plans, des dessins, etc.; la phase de textualisation,
représentée par des brouillons, isolés ou constituant des ensembles
génétiques, toujours couverts de ratures, r ecritures, corrections, récritures,
garda
nt plusieures leçons alternatives d un mot, d un vers ou d une phrase,
parfois même des versions complètes du texte, des observations ou des codes
concernant la qualité de ce que a été écrit, etc.; et la phase de mise au point, le
texte achevé, au net, présentant soit laforme manuscrite, soit tapuscrite ou
imprimée, souvent avec des corections que parfois, dans le cas des testes
publiés par l auteur, n ont pas été intégrés dans la forme ultime du texte.
62
Ainda sob a pena de Fagundes Duarte é possível entender uma
organização e ordenação para uma edição crítico-genética do Livro do
62
DUARTE, 1998.
desassossego
. Definição feita em seu pequeno Dicionário de Termos
Textuais:
A edição crítico
-
genética é a que combina os objetivos e os métodos da edição
crítica e da edição genética: por um lado, reproduz o texto que o seu
responsável considera criticamente como contendo a última vontade do autor,
registrando as intervenções do editor e, no caso de textos publicados e que
originaram tradição, elaborando um aparato de variantes da tradição; por outro
lado, faz a recensão de todos os manuscritos relacionados com o texto,
classifica
-os, organiza-os e descreve-os, e registra em aparato genético as
sucessivas alterações autorais, lugar a lugar e testemunho a testemunho,
utiliz
ando para isso um dispositivo técnico que permite ao leitor reconstituir a
génese do texto, e eventualmente, no caso em que o texto não foi claramente
acabado pelo autor, fazer escolhas diferentes das apresentadas pelo editor no
que diz respeito a adopção
de cada uma das variantes alternativas.
63
Ivo Castro, ao coordenar os estudos para editoração dos textos poéticos
de Fernando Pessoa, declarou que com os seus critérios e métodos seria
possível concluir cerca de noventa e cinco por cento do estabelecimento do
texto. O trabalho da mais recente versão poética, na quase totalidade da
edição desse gênero da obra do poeta, foi a sua reprodução diplomática. Isto
porque, se o manuscrito teve sucesso em sua decifração, caberá ao editor
explicar como atingiu tal decifração; se, ao contrário, não for decodificado,
deverá ser deixada uma lacuna deixando assinalado, entre barras oblíquas, o
porque da inexistência da palavra ou trecho . E é desta opnião que
comungamos para uma edição do
L. do D..
Os editores do
Livro
do desassossego elaboraram um trabalho de
pesquisa e arquitetura do corpo do livro que favorece uma edição crítica, na
definição de Fagundes Duarte:
Edição crítica é a reprodução do texto autógrafo (quando existente), ou do texto
criticamente definido como mais próximo do original (quando este não existe
constitutio textus), depois de submetido às operações de recensão (
recensio
),
colação (
collatio),
constituição do estema com base na interpretação das
variantes (estemática), definição do testemunho base, elaboração de critérios
de transcrição, e de correção (emendatio ope codicum ou emendatio ope
ingenii
). Todas estas operações devem ser devidamente justificadas e
explicadas (
annotatio
), e todas as intervenções do editor, com realce para as
63
DUARTE, Luiz Fagundes.
Pequeno Dicionário
de Termos da Crítica Textual
. Lisboa: 1997
64
Idem.
lições não adoptadas (do original ou dos testemunhos da tradição) devem ser
registradas no aparato crítico.
64
Para a construção deste trabalho é imprescindível o aparato crítico que
tem a função de reunir todas as informações sobre a criação e a transmissão
do texto utilizado pelo editor ao estabelecer o seu texto crítico. Esta atividade
tem o fim de habilitar o leitor a conhecer o caminho percorrido pelo editor,
verificando seus argumentos para escolha ou rejeição do texto e, propondo,
eventualmente, outras soluções
editoriais.
O aparato crítico permite que o leitor aprecie o trabalho editorial mas
também tenha a alternativa de investigar o processo da gênese da obra,
através das evidências escritas pelo autor. em 1989, Ivo Castro atentava
para a necessidade de um aparato crítico para o tratamento da obra de
Pessoa, devido ao mau estado de conservação do espólio que apresentava o
risco real de certos manuscritos se apagarem definitivamente antes de terem
sido lidos e publicados.
(...) mesmo que tenham sido publicados a tempo e que o restauro a que
deverão ser depois submetidos resulte, esses manuscritos serão cada vez
mais segregados da leitura pública, significando isso que ou a leis naturais ou
os regulamentos dos arquivos se encarregarão de impedir que, a par
tir de certo
momento, a verificação de uma edição possa fazer-se com base no que, a
partir de certo momento, a verificação de uma edição possa fazer-se com base
no exame directo de manuscritos. A partir daí, a solução será o microfilme,
naturalmente, mas
à custa de uma perda de informação considerável.
65
Esta afirmação de Ivo Castro é bastante boa para atentarmos quanto às
propostas feitas pelos editores do Livro do desassossego, a fim de que o leitor
procure a fonte original da obra pessoana, de montagem como um jogo ou um
puzzle
a ser montado
no caso de Zenith. Mas faltaria o conhecimento técnico
para essa leitura.
65
CASTRO, 1989, pág. 36
O aparato genético é importante porque reconstitui de modo codificado a
evolução da escrita de um determinado passo, como elucidado por
Fagundes
Duarte: O aparato genético é parte de uma edição crítico-genética que contém
a história da génese, notas explicativas do estabelecimento do texto, aparato
de variantes, extractos de outras versões do texto .
66
A utilização deste aparato
economiza
as inúmeras notas, muitas vezes repetitivas, onde são descritas as
posições relativas às emendas feitas pelo editor. Para exemplificar, no caso do
Livro
, temos as Notas do final do volume feito por Richard Zenith, ou as notas e
explicações no corpo dos do
is volumes elaborados por Sobral Cunha.
Uma edição
Vulgata
é chamada de versão de um texto difundido e
aceita como autêntica - em sua edição
princeps
primeira edição, impressa,
de um texto. , conforme definição de Ivo Castro.
67
A editora Ática respon
de
pela publicação, divulgação e reconhecimento da obra de Fernando Pessoa,
por mais de quarenta anos, serve de esteio para traduções e também para dar
confiança aos críticos na interpretação do poeta. Edições estas consideradas
como o conjunto da obra Vul
gata do poeta português.
O Livro do desassossego
tem, pois, a sua
Vulgata
, também pela por essa editora.
de se crer que a próxima edição do Livro do desassossego seja a
crítico
-
genética. Ainda não será a definitiva mas sim a que mais perto estará de
incluir todo o trabalho arqueológico feito sobre ele. A modernidade dessa
edição cumpre o seu papel na teoria literária moderna como também alcança o
ideal de Álvaro de Campos: Sentir tudo de todas as maneiras .
66
DUARTE, 1997
67
CASTRO, 1989, pág. 36
4.
CONCLUSÃO
O estudo e a análise do
Li
vro do desassossego mostrou que para
conhecer essa obra seria necessário montar um quebra-cabeça. A pesquisa de
suas edições e de boa parte de sua fortuna crítica foi um passo importante para
entender o
Livro.
Todavia, não foi encontrado um texto único que contasse a
sua história. É possível encontrar inúmeros documentos que tratam do assunto
desde 1910 até os que antecederam a morte do poeta. A coleção de revistas
Persona
, do Centro de Estudos Pessoanos, contém valiosos estudos sobre o
Livro
e sua edição
princeps
. E claro, todos os temas que envolvem a literatura
pessoana.
Ante a documentação encontrada e lida optei por escrever uma
dissertação descritiva do Livro do desassossego. Um memorial do que pode
ser esta obra inacabada de Pessoa. Uma breve história comparada das
edições do
Livro
de maneira não tendenciosa. Acredito que não deve haver
uma edição definitiva mas uma que contemple os interesses do leitor. Acredito
na edição de um livro com problemas insolúveis , expressão usada por
Bernardo Soares
para definir seus trabalhos.
A obra poética de Fernando Pessoa está sempre sendo estudada e
publicada. Assim também acontece com o Livro do desassossego. Atualmente,
os estudos sobre o
Livro
estão voltados para as suas edições, o que leva o
leitor e estudioso de Fernando Pessoa a acreditar que uma próxima edição
venha acompanhada de novos aparatos críticos e genéticos, a exemplo de sua
obra poética.
Jorge Fernandes da Silveira fez uma reflexão sobre a sua leitura da obra
de Maria Gabriela Llansol: se escreve sobre aquilo que não se sabe e,
logo, se quer saber.
1
Escrevi sobre aquilo que não conhecia e fiz de maneira a
facilitar a compreensão de quem desejar ler esta obra. Fazer valer a idéia de
Fernandes da Silveira é a minha conclusão.
1
SILVEIRA, Jorge Fernandes da.
O beijo partido
. Rio de Janeiro: Bruxedo, 2004.
ANEXOS
ANEXO
1.
T
ABELA DE CARTAS SOBR
E O
L
IVRO DO DESASSOSSEGO
(*)
DATA/LOCAL
REMETENTE
DESTINATÁRIO
ASSUNTO
29/07/1913
L
ISBOA
F
ERNANDO
P
ESSOA
Á
LVARO
P
INTO
PUBLICAÇÃO DO TEXTO DE
F
ERNANDO
P
ESSOA
N
A
F
LORESTA
DO ALHEAMENTO NA REVISTA A
Á
GUIA
.
03/05/1914
ENVIADA EM
14/05/1974
L
ISBOA
F
ERNANDO
P
ESSOA
J
OÃO
L
EBRE DE
L
IMA
F
ERNANDO
PESSOA PERGUNTA AO
POETA SE ELE HAVIA LIDO SEU TEXTO
N
A
FLORESTA DO ALHEAMENTO,
CUJO ESTILO SE PAREC
IA
COM O SEU
LIVRO
.
05/06/1914
L
ISBOA
F
ERNANDO
P
ESSOA
M
ADALENA
N
OGUEIRA
RELATA A M
ADALENA
N
OGUEIRA
,
SUA MÃE, DA DIFICULDADE QUE
TINHA EM DEIXAR DE SER INÉDITO.
ELE TINHA A POSSIBILIDADE DE
PUBLICAR UM LIVRO
.
02/09/1914
L
ISBOA
F
ERNANDO
P
ESSOA
A
RMANDO
C
ÔRTE
S-
R
ODRIGUES
ESTA É A PRIMEIRA CARTA A ESTE
DESTINATÁRIO EM QUE
FALA
EXPLICITAMENTE DO LIVRO DO
DESASSOSSEGO
PRODUÇÃO
DOENTIA
04/10/1914
L
ISBOA
F
ERNANDO
P
ESSOA
A
RMANDO
C
ÔRTES
-
R
ODRIGUES
PESSOA CONTA QUE ESCREVEU UM
CAPÍTULO INTEIRO DO LIVRO DO
DESASSOSSEG
O.
12/11/1914
L
ISBOA
F
ERNANDO
P
ESSOA
Á
LVARO
P
INTO
PESSOA ENVIA MAIS UM TEXTO DE
GÊNERO
ESTÁTICO
O M
ARINHEIRO
QUE É SEMELHANTE AO N
A
F
LORESTA DO ALHEAMENT
O
19/11/1914
L
ISBOA
F
ERNANDO
P
ESSOA
A
RMANDO
C
ÔRTES
-
R
ODRIGUES
O SEU ESTADO DE ESPÍRITO O
OBRIGA A TRABALHAR NO LIVRO DO
DESASSOSSEGO
. MAS SÃO APENAS
FRAGMENTOS
.
04/12/1914
L
ISBOA
F
ERNANDO
P
ESSOA
M
ÁRIO DE
SÁ-
C
ARNEIRO
PESSOA DEIXA EXPLÍCITO QUE SE
NÃO ENVIAR ESTA CARTA NO MESMO
DIA ELA FARÁ PARTE D
O
LIVRO DO
DESASSOSSEGO
.
14/03/1916
L
ISBOA
F
ERNANDO
PE
SSOA
M
ÁRIO DE
SÁ-
C
ARNEIRO
PESSOA DIZ QUE ALGUMAS DAS
FRASES SOLTAS DESSA
CARTA
PODERÃO COMPOR O LIVRO DO
DESASSOSSEGO
.
28/06/1930
L
ISBOA
F
ERNANDO
P
ESSOA
J
OÃO
G
ASPAR
S
IMÕES
DESEJA SABER QUANDO SAIRÁ O
27
DA REVISTA P
RESENÇA
, TEM UM
TRECHO DO LIVRO DO
DE
SASSOSSEGO PARA PUBL
ICAR
.
28/07/1930
L
ISBOA
F
ERNANDO
P
ESSOA
J
OÃO
G
ASPAR
S
IMÕES
AINDA SOBRE O TEXTO D
O
LIVRO DO
DESASSOSSEGO
PUBLICADO NO Nº
27
DA REVISTA
P
RESENÇA
.
04/07/1930
L
ISBOA
F
ERNANDO
P
ESSOA
J
OÃO
G
ASPAR
S
IMÕES
AINDA SOBRE O TEXTO D
O
LIVRO DO
DES
ASSOSSEGO
PUBLICADO NO Nº
27
DA REVISTA
P
RESENÇA
.
02/11/1931
J
OÃO
G
ASPAR
S
IMÕES
F
ERNANDO
P
ESSOA
FALA SOBRE A NECESSIDADE DE
PUBLICAÇÃO DO
L
IVRO
.
03/11/1931
J
OÃO
G
ASPAR
S
IMÕES
F
ERNANDO
P
ESSOA
É UMA CONTINUAÇÃO DA
CARTA
ANTERIOR
A PUBLICAÇÃO DO
L
IVRO
.
10/12/1931
J
OÃO
G
ASPAR
S
IMÕES
F
ERNANDO
P
ESSOA
S
OBRE A EDIÇÃO DE SUA
OBRA
.
14/05/1932
L
ISBOA
F
ERNANDO
P
ESSOA
J
OSÉ
O
SÓRIO DE
O
LIVEIRA
ELE ESCREVE AO SECRETÁRIO DA
REVISTA
D
ESCOBRIMENTO
DANDO A
SUA COLABORAÇÃO COM
ALGUNS
TRECHOS DO
L.
DO
D.
28/07/1932
LI
SBOA
F
ERNANDO
P
ESSOA
J
OÃO
G
ASPAR
S
IMÕES
ORDENAÇÃO DE SUA OBRA,
INCLUINDO O LIVRO DO
DESASSOSSEGO
13/01/1935
L
ISBOA
F
ERNANDO
P
ESSOA
A
DOLFO
CASAIS
MONTEIRO
REVELA A GÊNESE DOS
HETERÔNIMOS E FALA SOBRE A OBRA
INACABADA DO
L
IVRO
.
01/01/1960
S
ÃO
P
AULO
J
ORGE D
E
S
ENA
E
DITORA
Á
TICA
PERGUNTA AOS EDITORES SOBRE O
PROJETO DE EDIÇÃO DO LIVRO DO
DESASSOSSEGO
.
M
AIO DE
1960
S
ÃO
P
AULO
J
ORGE DE
S
ENA
E
DITORA
Á
TICA
ESCREVE SOBRE A URGÊNCIA DE SE
PUBLICAR O LIVRO DO
DESASSOSSEGO
. SUGERE O NOME
DE
M
ARIA
A
LIETE
GALHOZ PARA
CU
IDAR DOS ORIGINAIS
.
M
AIO DE
1960
L
ISBOA
E
DITORA
Á
TICA
J
ORGE DE
S
ENA
REFLETE SOBRE A FORMA DE ENVIAR
O MATERIAL DO L
IVRO
. E QUE OS
ORIGINAIS DEVERIAM FICAR A CARGO
DE
M
ARIA
A
LIETE
G
ALHOZ
.
06/05/1960
L
ISBOA
M
ARIA
A
LIETE
G
ALHOZ
J
ORGE DE
S
ENA
INFORMA QUE COMEÇARA NO DIA
SEGUINTE A RECOLHA DO MATERIAL
DO
L
IVRO DO DESASSOSSEGO
.
02/06/1960
S
ÃO
P
AULO
J
ORGE DE
S
ENA
E
DITORA
Á
TICA
APENAS DEPOIS DE AVALIAR O
MATERIAL É QUE PODERIA FIXAR O
PRAZO DE ENTREGA DOS
TRABALHOS
.
JUNHO DE
1960
L
ISBOA
E
DITORA
Á
TICA
J
ORGE DE
S
ENA
A EDITORA QUER INFORM
AÇÕES
SEGURAS QUANTO AO PRAZO DE
ENTREGA DO MATERIAL
.
20/07/1960
S
ÃO
P
AULO
J
ORGE DE
S
ENA
E
DITORA
Á
TICA
SENA AFIANÇA QUE NÃO PERIGO
EM MANDAR O MATERIAL PARA A
ORGANIZAÇÃO DO
L
IVRO
.
(?)
1960
L
ISBOA
E
DITORA
Á
TICA
J
ORGE DE
S
ENA
INFORMA QUE M
ARIA
A
LIETE
GALHOZ TERÁ FEITO A RECOLHA DOS
TEXTOS ATÉ O FIM DO
ANO DE
1960.
23/11/1960
S
ÃO
P
AULO
J
ORGE DE
S
ENA
E
DITORA
Á
TICA
SENA É CATEGÓRICO AO DIZER QUE
NECESSITA DE TODOS OS TEXTOS DO
L
IVRO
E NÃO APENAS TEXTOS
SELECIONADOS
.
28/02/1963
MA
RIA
A
LIETE
G
ALHOZ
J
ORGE DE
S
ENA
COMUNICA QUE ENVIOU
200
PÁGINAS DE ORIGINAIS
(?)/02/1962
S
ÃO
P
AULO
J
ORGE DE
S
ENA
E
DITORA
Á
TICA
INFORMA SOBRE O RECEBIMENTO DE
FRAGMENTOS
. E DIZ QUE É UMA
GRANDE AVENTURA NO PLANO DA
CRÍTICA
.
24/11/1962
L
ISBOA
E
DITORA
Á
TICA
J
ORGE DE
S
ENA
A EDITORA ESTABELECE O PRAZO DE
PUBLICAÇÃO DO LIVRO DO
DESASSOSSEGO
ANTES DE JANEIRO
DE
1964
20/12/1962
S
ÃO
P
AULO
J
ORGE DE
S
ENA
E
DITORA
Á
TICA
SENA ESTABELECE COMO LIMITE DE
ENTREGA DE SEU TRABA
LHO
JANEIRO DE
1964.
(?)/09/1963
L
ISBOA
E
DITOR
A
Á
TICA
J
ORGE DE
S
ENA
A EDITORA DESEJA SABER QUANDO
SENA ENTREGARÁ O TRABALHO DO
L
IVRO
.
27/03/1964
L
ISBOA
E
DITORA
Á
TICA
J
ORGE DE
S
ENA
INFORMAÇÕES DE QUE HAVIA SIDO
LANÇADO
(SEM DATA) UMA EDIÇÃO,
PELA
P
ETRUS
, DO LIVRO DO
DESASSOSSEGO
07/06/1964
A
RARAQUAR
A
J
ORGE DE
S
ENA
J
OSÉ
R
ÉGIO
INFORMAÇÕES SOBRE OS
MANUSCRITOS DO LIVRO DO
DESASSOSSEGO
17/07/1964
A
RARAQUARA
J
ORGE DE
S
ENA
E
DITORA
Á
TICA
SENA CHAMA ATENÇÃO PARA O
MATERIAL QUE RECEBEU.
E,
PORTANTO
, NÃO TINHA TODO O
MATERIAL DE TRABALHO
17/07/1964
L
ISBOA
GE
ORG
R
UDOLF
L
IND
J
ORGE DE
S
ENA
INFORMAÇÕES DE QUE NO ESPÓLIO
DE
PESSOA MAIS
100
FOLHAS DE
MANUSCRITOS COM O SI
NAL
L.
DO
D.
21/07/1964
A
RARAQUARA
J
ORGE DE
S
ENA
J
OSÉ
B
LANC DE
P
ORTUGAL
RELATA QUE PRETENDE M
ANDAR
,
COMO
SINAL
O LONGO PREFÁCIO
MEIO ESCRI
TO
, QUE AINDA NÃO
TEM A EDIÇÃO ARRUMAD
A.
24/09/1964
L
ISBOA
E
DITORA
Á
TICA
J
ORGE DE
S
ENA
A EDITORA SE COMPROMETE A
MANDAR O MATERIAL COM A MAIOR
BREVIDADE
.
07/08/1964
A
RARAQUARA
J
ORGE DE
S
ENA
E
DITORA
Á
TICA
COM A INFORMAÇÃO DE L
IND
, S
ENA
PEDE QUE SEJA EN
VIADO O MATERIAL
ENCONTRADO NO ESPÓLIO DE
P
ESSOA
.
04/08/1964
A
RARAQUARA
J
ORGE DE
S
ENA
J
OSÉ
R
ÉGIO
RELATA COMO ANDA O PREPARO DA
EDIÇÃO DO LIVRO DO
DESASSOSSEGO
. A ORDENAÇÃO
PROPOSTA POR PESSOA E OS
TRABALHOS DA
E
DITORA
Á
TICA
.
04/10/1964
A
RARAQUARA
J
ORGE D
E
S
ENA
J
OSÉ
R
ÉGIO
ESCREVE SOBRE O PREPARO DO
LIVRO DO D
ESASSOSSEGO
QUE
ESPERA TERMINAR ATÉ O FIM DO
ANO
.
04/12/1964
A
RARAQUARA
J
ORGE DE
S
ENA
J
ORGE DE
S
ENA
SENA INFORMA QUE NÃO
PODERÁ
ENTREGAR O TRABALHO ANTES DE
JUNHO DE
1964.
07/11/1965
J
ORGE DE
S
ENA
L
UIS
A
MARO
SENA TESTEMUNHOU QUE
PRETENDIA INCLUIR SEU ESTUDO
SOBRE O
L.
DO
D.
EM UM LIVRO DE
ENSAIOS
F
ERNANDO
P
ESSOA
&
C.
ª
H
ETERONÍMICA
.
15/03/1966
W
ISCONSIN
J
ORGE DE
S
ENA
J
ORGE DE
S
ENA
SENA RECLAMA DA FALTA DE
MATERIAL E DO SILÊNCIO DA
EDITORA
.
06/10/196
6
W
ISCONSIN
J
ORGE DE
S
ENA
E
DITORA
Á
TICA
SENA DESISTE DE ORGANIZAR O
LIVRO DO D
ESASSOSSEGO
DIANTE
DA SITUAÇÃO CRIADA P
ELOS
EDITORES
.
11/02/1967
L
ISBOA
E
DITORA
Á
TICA
J
ORGE DE
S
ENA
RECEBE ALGUNS FRAGMENTOS DO
L
IVRO
, ESCRITOS A PIS
QUASE
INDECIFRÁVEIS
E
QUE
M
ARIA
A
LIETE
GALHOZ DECIFRARIA COM UM
PEDIDO DE
S
ENA
.
30/10/1969
L
ISBOA
E
DITORA
Á
TICA
J
ORGE DE
S
ENA
A EDITORA COMUNICA QU
E
D.
H
ENRIQUETA
D
IAS
, IRMÃ DE
P
ESSOA
, COMPREENDE E ACEITA A
DESISTÊNCIA DE
S
ENA
.
23/12/1969
W
ISCONSIN
J
ORGE DE
S
ENA
E
DITORA
Á
TIC
A ÚLTIMA CARTA DE SENA PARA O SEU
EDITOR
. DIZIA QUE O LIVRO DO
DESASSOSSEGO
DEVERIA SER
EDITADO COM MUITO CU
IDADO
17/04/1978
W
ISCONSIN
J
ORGE DE
S
ENA
E
DIÇÕES
70
DECLARA QUE A NOTA DE
INTRODUÇÃO AO LIVRO DO
DESASSOSSEGO
PRECISARIA APENAS
SER REVISTA
.
(*)
ESTAS CARTAS CONTEMPLAM A FASE EM QUE F
ERNANDO
PESSOA DEMONSTRA INTERESSE EM
EDITAR SUAS OBRAS. E AS CARTAS DE JORGE DE SENA SOBRE O SEU TRABALHO PARA PUBLICAÇÃO,
PELA
E
DITORA
Á
TICA DO
L
IVRO DO DESASSOSSEGO
.
ANEXO
2.
A CAPA DO VOLUME
II
DA EDIÇÃO
PRI
NCEPS
DO
LIVRO DO DESASSOSSEGO,
ORGANIZADO PELA E
DITORA
Á
TICA
, EM
1982.
O ÍNDICE GERAL DEMONSTRA A FORMA
ESTRUTURAL DADA AO
L
IVRO
.
ANEXO
3.
OS DOIS VOLUMES DO
LIVRO DO DESASSOSSEGO, ORGANIZADO POR T
ERESA
S
OBRAL
C
UNHA
, PELA E
DITORA
UNICAMP, EM
1996.
INCLUINDO OS SUMÁRIOS DE
CADA VOLUME, DEIXANDO DELIMITADO O MATERIAL RELATIVO A V
ICENTE
GUEDES E A
B
ERNARDO
S
OARES
.
BIBLIOGRAFIA GERAL
AGRÒ, Ettore-
Finazzi.
As fúrias do coleccionador A invenção do tempo em
Fernando Pessoa. Um Século de
Pessoa
Encontro Internacional do
Centenário de Fernando Pessoa. Lisboa, abril de 1989. Págs. 257-
261.
ANATÁCIO, Vanda. A História Literária e alguns de seus problemas.
Brotéria:
Cristianismo e Cultura,
volume 157, Lisboa, julho de 2003, pág. 57.
ARIAL, Leonor. Hipertexto, literatura e Fernando Pessoa. Tabacarias n.º 5,
Lisboa: Casa de Fernando Pessoa,1997.
BABO, Maria Augusta. Pessoa e os nomes próprios. Colóquio Letras n.º 168.
Lisboa: Fundação Caloust
e Gulbenkian, março/abril de 1989.
BERARDINELLI, Cleonice. Fernando Pessoa: Outra vez te revejo...Rio de
Janeiro: Editora Nova Aguillar S.A., 2004.
.
Um livro sonhado: Archo de Triumpho, de Álvaro de Campos. Um Século
de
Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de Fernando Pessoa.
Lisboa, abril de 1989. Págs. 28
-
30
. CASTRO, Ivo.
Defesa da edição crítica de Pessoa
. Lisboa, 1993.
BERRINI, Beatriz. A Lisboa Pessoana: plural e poética. Um Século de
Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de Fernando Pessoa. Lisboa, abril
de 1989.
Págs. 264
-
271.
BOUÇAS, Edmundo. Manobras do truque decadentista em Mário de -
Carneiro.
Convergência Lusíada
Revista do Real Gabinete Português de
Leitura, nº14. Rio de Janeiro, 1997. Págs. 219
-
227.
CARNEIRO, rio de Sá. Cartas a Fernando Pessoa. Lisboa: Editora Ática,
1979.
CASTRO, Ivo. Editar Pessoa. Lisboa; Imprensa Nacional
Casa da Moeda,
1990.
.
Edição Crítica de Fernando Pessoa: O modelo editorial adoptado.
Um
Século de Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de Fernando
Pessoa. Lisboa, abril de 1989. Págs. 90
-
92.
CERDEIRA. Teresa Cristina.
O Avesso do Bordado.
Lisboa: Caminho, 2001.
COSTA, Pierre Léglise. Faust ou la dramaturgie essentielle de Pessoa.
Um
Século de Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de Fernando
Pessoa. Lisboa, abril de 1989. Págs. 206-
209.
CRESPO, Angel. Los últimos poemas ortónimos de Fernando Pessoa.
Um
Século de Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de Fernando
Pessoa. Lisboa, abril de 1989. Págs. 215-
219.
DUARTE, Luiz Fagundes. Pequeno Dicionário de termos da Crítica Textual
.
Lisboa, 1997
.La matérialité des manuscrits modernes. Le fons Pessoa. Gènèses
Deuxième Congrès International de Critique Génétique. Paris: Bibliotèque
Nationale de France/ITEM
CNRS, 9
-
12 septembre 1998.
FEIJÓ, António M. Alberto Caeiro e as últimas palavras de Fernando Pessoa.
Colóquio Letras n.º 155/156. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.
FERREIRA, Vergílio. O riso em Pessoa
que riso? Um Século de Pessoa
Encontro
Internacional do Centenário de Fernando Pessoa. Lisboa, abril de
1989.
Págs. 119
-
125.
GUIBERT, Armand. Du jardin dês fausses ruines a l ubiquitude de Fernando
Pessoa. Um culo de Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de
Fernando Pessoa. Lisboa,
abril de 1989. Págs. 225
-
228.
GUIMARÃES, Fernando. A geração de Fernando Pessoa, o cubismo e o
futurismo.
Um Século de Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de
Fernando Pessoa. Lisboa, abril de 1989. Págs. 271
-
276.
HAY, Louis.
Les manuscrits des éc
rivains.
Paris, Hachette/CNRS, 1993
JÚDICE, Nuno. O processo Poético. Lisboa: Imprensa Nacional
Casa da
Moeda,1969
LANCIANI, Giulia. As variantes e a sua mise en page na edição crítico-
genética de Pessoa. Um Século de Pessoa
Encontro Internacional do
Centenário de Fernando Pessoa. Lisboa, abril de 1989. Págs. 28-30. Págs.
50
-
55.
LEFEVERE, André. Translations, Rewriting, & THE Manipulation of Literary
Fame.
London; Routeledge, 1992.
LOPES, Óscar. Exercício de intróito a Pessoa Revista Vértice- II série, n.º 9,
Coimbra, 1988. Págs. 61
-
77
LOPES, Teresa Rita. Pessoa, Sá-Carneiro e as três dimensões do
sensacinismo.
Colóquio Letras n.º 4. Lisboa: dezembro de 1971.
.
O Barão de Teive
ainda por conhecer. Um Século de Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de Fernando Pessoa. Lisboa, abril de
1989. Págs.79
-
82.
.
Pessoa por conhecer.
Lisboa: Estampa, 1990.
LOURENÇO, António Apolinário. De Fradique Mendes a Fernando pessoa: A
aventura interminável. Cadernos de Literatura. Instituição de Investigação
Científica. Coimbra: Centro de Literatura Portuguesa, 1986.
MERQUIOR, José Guilherme. O Lugar de Pessoa na poesia Moderna.
Colóquio Letras, n.º 108. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
março/abril de 1989.
MOTA, Pedro Teixeira da. O testamento da arca: o templo. Um Século de
Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de Fernando Pessoa.
Lisboa, abril de 1989. Págs. 239
-
244.
PESSOA, Fernando.
A Nova poesia portuguesa.
Cadernos Inquérito , série G,
crítica e História Literária. Lisboa: Editoria
l Inquérito Ltda, 1944.
.
Cartas a Armando Côrtes-
Rodrigues.
Lisboa: Editorial Confluência, Ltdª,
1945.
.
Páginas de doutrina e estética.
Lisboa: Editora Ática,1966.
.
Páginas Íntimas e auto
-
interpretação
. Lisboa: Editora Ática, 1966.
.
Correspondência 1905-
1922.
São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
Organização Manuela Parreira da Silva.
.
Correspondência 1923
1935.
São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
Organização Manuela Parreira da Silva.
PICCHIO. Luciana Stegagno.
Fingime
nto e Testemunho: de Fernando Pessoa
a Jorge de Sena. GANDARA, Paula e FAGUNDES, Francisco Cota.
Para
emergir nascemos...Estudos em Rememoração de Jorge de Sena. Lisboa:
Edições Salamandra, junho de 2000.
QUESADO. José Clécio Basílio. O Constelado Fernando Pessoa. Rio de
Janeiro: Editora Imago, 1976.
.
Labirintos de um Livro à Beira
mágoa.
Rio de Janeiro: Elo Editora,
1999.
QUILIER, Patrick.
Fernando Pessoa ou la logique de la vibration.
Um Século de
Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de Fernando Pessoa.
Lisboa, abril de 1989. Págs. 165
-
171.
SEABRA, José Augusto. O Trágico pessoano. Um Século de Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de Fernando Pessoa. Lisboa, abril de
1989. Págs. 171
-
174.
SENA, Jorge de. Fernando Pessoa & Cª Heteron
ímia
. Lisboa: Edições 70,
2000.
SIMÕES, João Gaspar. Cartas de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões.
Lisboa: Publicações Europa
-
América, 1957.
TAVANI, Giuseppe. O problema da fixação do texto na obra de Fernando
Pessoa.
Um Século de Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de
Fernando Pessoa. Lisboa, abril de 1989. Págs. 70
-
71.
BIBLIOGRAFIA ESPECÍFICA
ANASTÁCIO, Vanda. Acerca do Livro do desassossego . rtice: Revista de
Cultura e Arte,XLIV, n.º 463, Coimbra, nov./dez 1984. Págs. 3
-2
2.
BLANCO, José. Bernardo Soares, le vrais Fernando Pessoa?
Magazine
Littéraire, n.º 385.
Paris, mars 2000.
COELHO, Eduardo do Prado. Pessoa: o viajante do inverso. In: A Noite do
Mundo
. Lisboa: Imprensa Nacional
- Casa da Moeda, 1984. Págs. 42-
47.
DUARTE,
Luiz Fagundes. Pessoa desassossegado. Lisboa/Rio de Janeiro, 18-
21 de agosto de 2004 (no prelo)
GIL, José. A Cidade e o quarto de Bernardo Soares. Tabacaria n.º 1, Lisboa:
Casa de Fernando Pessoa,1996.
GUERRA, Maria Luísa. Bernardo Soares: A filosofia da
indiferença.
Um Século
de Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de Fernando Pessoa.
Lisboa, abril de 1989.
Págs. 130
-
132.
KUJAWSKI, Gilberto de Mello. Bernardo Soares e o velho do Restelo. Um
Século de Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de Fernando
Pessoa. Lisboa, abril de 1989.
Págs. 281
-
283.
LIDMILOVÁ, Pavla. A Confissão de cio e o Livro do Desassossego. Um
Século de Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de Fernando
Pessoa. Lisboa, abril de 1989.
Págs.77
-
78.
LIND, Georg Rudolf
.
Nietzsche em Pessoa. Um Século de Pessoa
Encontro
Internacional do Centenário de Fernando Pessoa. Lisboa, abril de 1989.
Págs.283
-
286.
LOURENÇO, Eduardo. Fernando, Rei da Nossa Baviera. Lisboa: Imprensa
Nacional
Casa das Moeda, Lisboa 1993
.
Cis
ão e busca do sentido em Pessoa. Tabacaria n.º 2, Lisboa: Casa de
Fernando Pessoa,1996.
MARTINS, Fernando Cabral. Editar Bernardo Soares. Colóquio Letras n.º
155/156. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.
MOISÉS, Leyla Perrone. Apontamentos sobre a poética do fragmento na prosa
de Bernardo Soares. Um Século de Pessoa
Encontro Internacional do
Centenário de Fernando Pessoa. Lisboa, abril de 1989. Págs. 84
-
87.
MOISÉS, Massaud. O Livro do Desassossego : o livro-caixa, livro sensação?
Um Século de Pess
oa
Encontro Internacional do Centenário de Fernando
Pessoa. Lisboa, abril de 1989. Págs. 87
-
90.
PAES, Sidónio de Freitas Branco. Livro do Desassossego reflexões de um
leitor pessoano sobre rias versões. Colóquio Letras n.º 155/156. Lisboa:
Fundação C
alouste Gulbenkian, 2000.
PAIVA, José Rodrigues de. O Livro do Desassossego : obra de ficção. Um
Século de Pessoa
Encontro Internacional do Centenário de Fernando
Pessoa. Lisboa, abril de 1989.
Págs. 90
-
92.
PESSOA, Fernando. O Livro do desassossego. Lisboa: Editora Ática, 1982.
Organização de Jacinto do Prado Coelho.
.
O Livro do desassossego. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.
Organização de Leyla Perrone-
Moysés.
.
O Livro do desassossego. Lisboa: Editorial Comunicação, 1986.
Organização de
Maria Alzira Seixo.
.
O Livro do desassossego. Lisboa: Relógio D Água, 1990. Organização
de Teresa Sobral Cunha.
.
O Livro do desassossego. São Paulo: Editora UNICAMP, 1996. Volumes
I e II, organização de Teresa Sobral Cunha.
.
O Livro do des
assossego
. Lisboa: Assírio & Alvim, 1999. Organização
de Richard Zenith.
.
O Livro do desassossego. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
Organização de Richard Zenith.
.
O Livro do desassossego. Lisboa: Editora Petrus, s/d.Organização de
Antòni
o Quadros.
RUBIM, Gustavo. Livro: O Único, o múltiplo e o inexistente. Colóquio Letras n.º
155/156. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.
SEIXO, Maria Alzira. Ficções do Livro. Um Século de Pessoa
Encontro
Internacional do Centenário de Fernando Pessoa. Lisboa, abril de 1989.
Págs. 93
-
95.
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