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(...) “Abandonei o seminário e comecei a sentir
umas coisas diferentes. Pensava que estivesse maluco e me mandaram para
um sanatório. Não tinha nada de maluco”. Apenas, segundo explica, hoje
mais consciente, sentia a manifestação do seu santo Ogum e foi num velho e
tradicional terreiro da Cidade de Cachoeira, localizado no Recôncavo
Baiano, que tudo veio à tona. (...). (A Tarde, 31/7/1980, caderno 2, p.14).
Segundo a reportagem, Paulina foi a mãe-de-santo de Zé de Ogum que foi iniciado aos
18 anos. Em 1980 estava com 46 anos e já tinha aberto terreiro nos bairros de Pero Vaz e
Jardim Cruzeiro em Salvador, na cidade de Alagoinhas e finalmente em Lauro de Freitas. O
terreiro, pelo que mostra a reportagem, impressionava:
(...) O terreiro ocupa uma área superior a cinco mil
metros quadrados e tem várias construções e santuários. É, talvez, um dos
mais espaçosos de Salvador e do ponto de vista arquitetônico o mais bonito.
(A Tarde, 31/7/1980, caderno 2, p.14).
A reportagem afirma que Zé de Ogum tem mais de 25 filhos-de-santo, além de cerca
de 1.200 “borizados e catulados”, na Bahia, Sergipe, Rio de janeiro e São Paulo. Não fica
claro este tipo de diferenciação, afinal o termo “catulado” é uma referência a uma prática que
faz parte do rito de iniciação. Já o bori, realmente, é uma cerimônia mais simples que a
iniciação, que foi descrita detalhadamente por Roger Bastide, transcrita aqui na íntegra:
O nome popular que designa essa cerimônia mostra
bem tanto a função quanto o que tem de essencial: “dar de comer à cabeça”.
A pessoa que a faz realizar-se se senta numa esteira recoberta de pano
branco, com o torso nu e uma simples toalha nos ombros. O sacerdote,
igualmente vestido de branco para a circunstância, consulta primeiramente os
obis para conhecer a vontade dos deuses. Se estes aceitam a cerimônia,
começará por recitar, “em língua”, as fórmulas consagradas, pedindo a
benção dos orixás e das almas dos antepassados; tritura entre os dentes uma
noz de obi e por três vezes cospe o conteúdo no rosto do paciente. Enquanto
os assistentes entoam cânticos apropriados, diversos alimentos são
preparados: parte será oferecida ao orixá “dono da cabeça”, outra aos mortos,
outra será disposta sobre a cabeça de quem faz realizar o bori, e a última
enfim será cozida para a refeição final. E, o que é ainda mais importante,
sacrifica-se um galo; seu sangue rega, além da pedra do santo, a cabeça, o
peito, os pés e as mãos do fiel. O animal foi morto arracando-lhe
violentamente a cabeça; o pescoço, ainda sacudido por movimentos
espasmódicos e do qual o sangue jorra, é aproximado da boca do paciente
que por três vezes, estirando a língua, o lambe. A cerimônia termina por nova
consulta ao obi, a fim de saber se os deuses estão satisfeitos e aceitam o ritual
celebrado, sendo então consumida a parte das oferendas que foi cozida. O
paciente, com o rosto, as mãos e os pés ainda sujos do sangue do sacrifício,
que se lhe coagulou sobre a pele, deve ficar a noite toda no terreiro,
conservando na cabeça pequena parte dos alimentos para que o orixá tenha
tempo de comê-los.
O bori (contração de obori) pode corresponder a diversos fins. “Tem por
objetivo (...) obter saúde”, diz Manuel Querino. (...). ( BASTIDE, 2001
[1958], pp. 42-43).