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A POESIA ESPARSA DE VINICIUS DE MORAES
Daniel Vasilenskas Gil
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção
do tulo de Mestre em Letras Vernáculas
(Literatura Brasileira).
Orientador: Prof. Dr. Eucanaã de Nazareno Ferraz
Rio de Janeiro
Agosto de 2009
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2
A POESIA ESPARSA DE VINICIUS DE MORAES
Daniel Vasilenskas Gil
Orientador: Professor Doutor Eucanaã de Nazareno Ferraz
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas
da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira).
Examinada por:
_______________________________
Presidente, Prof. Eucanaã de Nazareno Ferraz
_______________________________
Prof. Sérgio Fuzeira Martagão Gesteira
_______________________________
Prof. Martha Alkimin de Araújo Vieira
_______________________________
Prof. Godofredo de Oliveira Neto (Suplente)
_______________________________
Prof. Paulo Henriques Britto (Suplente)
Rio de Janeiro
Agosto de 2009
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3
Gil, Daniel Vasilenskas.
A poesia esparsa de Vinicius de Moraes / Daniel Vasilenskas Gil.
- Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2009.
x, 103f.: 29,7 cm.
Orientador: Eucanaã de Nazareno Ferraz
Dissertação (mestrado) UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa
de Pós-graduação em Letras Vernáculas, 2009.
Referências Bibliográficas: f. 98-133.
1. Poesia brasileira. 2. Crítica. I. Ferraz, Eucanaã. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação.
4
RESUMO
A poesia esparsa de Vinicius de Moraes
Daniel Vasilenskas Gil
Orientador: Eucanaã de Nazareno Ferraz
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Literatura
Brasileira.
A dissertação analisa criticamente o conjunto dos poemas que Vinicius de Moraes
não publicou em livro. Propõe, em tal recorte, a existência de um tripé estilístico
constituído de humor, risco e virtuosismo. Seis dos poemas são analisados de maneira mais
continuada: “Mote e contramote”; “Sob o trópico do Câncer”; “Cartão-postal/Modinha”;
“O haver”; “Balada de Santa Luzia” e “P(B)A(O)I”. O estudo procura demonstrar que um
balanço da obra de Vinicius de Moraes ficará incompleto caso não se atente para esse
conjunto.
Palavras chave: Poesia brasileira Poesia esparsa Crítica Arte Formas Vinicius de
Moraes
5
ABSTRACT
The sparse poetry of Vinicius de Moraes
Daniel Vasilenskas Gil
Orientador: Eucanaã de Nazareno Ferraz
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Literatura
Brasileira.
The dissertation critically analyzes the set of poems that Vinicius de Moraes didn’t
publish in books. It proposes the existence of a stylistic tripod in such collection,
constituted by humour, risk, and virtuosity. Six of these poems are more extensively
analyzed: “Mote e contramote;” “Sob o trópico do Câncer;” “Cartão-postal/Modinha;” “O
haver;” “Balada de Santa Luzia;” and “P(B)A(O)I.” The study aims to demonstrate that any
evaluation of the work of Vinicius de Moraes won’t be complete if one does not regard the
aforementioned set of poems.
Keywords: Brazilian poetry – Sparse poetry – Criticism – Art Forms Vinicius de
Moraes
6
A meu pai e minha mãe que,
na medida em que puderam,
incitaram-me o gosto pela leitura.
7
AGRADECIMENTOS
A Eucanaã Ferraz que, mais que orientador, tem sido um companheiro sem igual nessa
jornada viniciana.
À editora Companhia das Letras.
A José Castello;
a Marcos da Silva Coimbra;
a Marcos Estevão Gomes Pasche;
a Pedro Sette Câmara;
a Rafael Brandão de Rezende Borges;
a Vanda Vasilenskas, professora e minha mãe;
a Walen Rocha.
8
*ESTUDO
Meu sonho (o mais caro)
Seria, sem tema
Fazer um poema
Como um dia claro.
E vê-lo, fantástico
No papel pautado
Ser parte e teclado
Poético e plástico.
Com rima ou sem rima
Livre ou metrificado
– Contanto que exprima
O impropositado
E que (o impossível
Talvez desejado)
Não fosse passível
De ser declamado.
Mas que em sonho fique
Na paz sine die
Ça c’est la musique
Avant la poésie.
* (MORAES, Vinicius de. Poemas esparsos.
Sel. e org. de Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 45)
9
SUMÁRIO
1- INTRODUÇÃO, 10
2- O HUMOR, 14
2.1- MOTE E CONTRAMOTE, 21
2.2- SOB O TRÓPICO DO CÂNCER, 31
3- O RISCO, 47
3.1- CARTÃO-POSTAL / MODINHA, 53
3.2- O HAVER, 60
4- O VIRTUOSISMO, 70
4.1- BALADA DE SANTA LUZIA, 76
4.2- P(B)A(O)I, 86
5- CONCLUSÃO, 94
BIBLIOGRAFIA, 98
10
1- INTRODUÇÃO
O objeto de análise deste estudo é o conjunto dos poemas que Vinicius de Moraes
não publicou em livro. Alguns ficaram registrados na imprensa, outros restaram em papéis
originais. Ainda aqueles que obtiveram sua forma última recitados em álbuns como
Vinicius em Portugal
1
e Antologia Poética
2
. Esse material vem sendo pesquisado e
aproveitado, e um espectro considerável da obra de Vinicius, antes pouco acessível, se
encontra à vista do grande público. A mais recente coletânea está em Poemas esparsos
3
,
organizada por Eucanaã Ferraz.
Vinicius de Moraes anunciava dois lançamentos que nunca chegaram a se
concretizar, como fez em entrevista ao jornal O Globo, em 1973
4
:
Eu ainda estou terminando alguns poemas, mas o diabo é que meu trabalho em shows, e,
agora, a obrigação de terminar o roteiro do filme Polichinelo e um novo disco com Toquinho, o
primeiro que gravamos para a Philips, não me tem permitido atacar os dois livros como gostaria.
Espero, no entanto, ao final da minha estada em Itapoã, tê-los prontos: O deve e o haver e o
Roteiro lírico e sentimental da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde nasceu, vive em
trânsito e morre de amor o poeta Vinicius de Moraes, sendo que este será ilustrado pelo meu
amigo Carlos Scliar.
Como também, seis anos depois, ao Estado de São Paulo
5
:
1
Festa, 1969.
2
Philips, 1977.
3
São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
4
MORAES, Vinicius de. Vinicius de Moraes Encontros. Org. Sérgio Cohn e Simone Campos. Rio de
Janeiro: Beco do Azougue, 2007, pp. 142-153.
5
Op., cit., pp. 192-223.
11
Estou preparando um novo livro de poesia há anos. São os poemas feitos de 1960 para cá.
Meu último livro de poesia foi Para viver um grande amor, que contém poemas e crônicas. Esse
em que estou trabalhando e é apenas um deles será O deve e o haver. Ainda não é um título
definitivo, mas é uma boa possibilidade. Trata das coisas que foram feitas e das que me
escaparam. É uma autocobrança das coisas que a vida me ofereceu e que eu deixei fugir.
Ao verificarmos o espólio do poeta disponível, a maior parte, nos arquivos da
Fundação Casa de Rui Barbosa –, encontramos um acervo vastíssimo, manuscrito e
datilografado. Esboços, fragmentos e poemas inteiros, em várias versões; escritos que
atravessam toda sua vida desde antes do lançamento de seu primeiro livro. Todavia, nosso
estudo concentrará as atenções nos poemas que representariam um prosseguimento de sua
obra madura, esboçado por Vinicius em declarações como essas que conferimos. Embora
seja impossível afirmar quais poemas fariam parte de suas subseqüentes publicações
6
,
talvez não seja inválido que extraíssemos para a análise uma coleção subjetiva mas,
certamente, à altura do poeta de Poemas, sonetos e baladas
7
, Novos poemas (II)
8
e Para
viver um grande amor
9
, como veremos.
Lançaremos sobre essa parcela da obra de Vinicius de Moraes uma denominação
funcional, “poesia esparsa”, e faremos uma leitura crítica. O trabalho se justifica na medida
em que consideramos, em primeiro lugar, tratar-se de um recorte em que o poeta, em maior
das vezes, já alcançara sua poética mais vigorosa, e, pois, a análise revele a consolidação de
uma série de características fundamentais entre as suas opções estéticas. Em segundo, o
6
Na leitura que realizaremos do poema “Cartão-postal”, falaremos sobre um índice de poemas deixado pelo
poeta para o seu Roteiro lírico e sentimental da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde nasceu, vive
em trânsito e morre de amor o poeta Vinicius de Moraes.
7
São Paulo: Gaveta, 1946.
8
Rio de Janeiro: São José, 1959.
9
Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1962.
12
fato de que a natureza esparsa do objeto é obviamente um problema tanto para o
público como para a atenção da crítica.
Conseguimos perceber, de antemão, que há, passando por essa poesia, um fio
fundamental, algumas propostas essenciais que se casam às variadas composições.
Portanto, poemas aparentemente imiscíveis podem compartilhar segmentos no estilo que,
embora não se ausentem do restante da obra do poeta, agora se firmam de maneira tão
decisiva que aparecem no centro da poética. Nossa tentativa de evidenciar e pormenorizar
esse fio fundamental, assim como de melhor compreender nuances diversas em alguns
poemas, dar-se-á com a aposta de que existe nessa poesia um tripé estilístico, constituído de
humor, risco e virtuosismo.
Para investigar esses três segmentos de estilo, pretendemos distribuir a cada um a
leitura de dois poemas. Trabalharemos o humor
10
principalmente com “Mote e contramote”
e “Sob o trópico do Câncer”; as opções as quais entendemos como risco, com “Cartão-
postal/Modinha” e “O haver”; e o virtuosismo, com “Balada de Santa Luzia” e
“P(B)A(O)I”. Faz-se importante ressalvar que, em maior ou menor freqüência, flagraremos
os três valores transitando entre esses poemas, atravessando o compasso das divisões
metodológicas estipuladas, mas, por isso mesmo, corroborando a tese de uma unidade
estilística nas composições.
Acreditamos que, para conhecer os valores fundamentais de parte, ou de toda uma
obra, é indispensável não perder a atenção majoritária sobre seus mecanismos próprios.
Sendo assim, o poema de Vinicius de Moraes será protagonista nesse estudo, com a análise
dos recursos que engendram sua constituição como linguagem única, partindo do
entendimento da técnica literária como informadora, e não como decoradora de uma
10
Trataremos o humor, aqui, não como um qualquer ânimo, mas como a disposição de transmitir comicidade.
13
possível substância. É então que, desvendando as relações e os laços indissociáveis entre
procedimentos formais e conteúdo, investigaremos as particularidades desse recorte.
Antonio Candido afirma que se “hoje dermos um balanço no que Vinicius de
Moraes ensinou à poesia brasileira, é capaz de nem percebermos quanto contribuiu, porque,
justamente por ter contribuído muito, o que fez de novo entrou para a circulação, tornou-se
moeda corrente e linguagem de todos”
11
. A tentativa, pois, de apreensão lógica dos limites
que a poesia pode estender é sempre um grande obstáculo àqueles que pesquisam os
assuntos referentes à arte literária. É esse óbice, no entanto, que move a teoria e a crítica
rumo a um trabalho de compreensão do fenômeno artístico. Muito da dificuldade num
trabalho dessa natureza talvez se porque determinadas questões não passam tão
próximas da ciência quanto de nossos imbróglios humanos. Nesse sentido, Wittgenstein
afirma que “mesmo que todas as questões científicas possíveis tenham obtido resposta,
nossos problemas de vida não terão sido sequer tocados”
12
.
José Guilherme Merquior procura, contudo, conduzir-nos a um caminho distinto e
mais otimista, retomando a razão, “convencido de que o único racionalismo conseqüente é
o que se propõe, não a violentar o mundo em nome de seus esquemas, mas a apreender em
seus conceitos, sem nunca render-se ao ininteligível”
13
. Considerando, de alguma forma,
essa possibilidade de abordagem racional à poesia, buscaremos a densidade lógica
necessária entretanto sem cair na pretensão de tentar decodificar o significado inefável
que somente a linguagem poética é capaz de comunicar.
11
“[Vinicius de Moraes]”. In MORAES, Vinicius de. Poesia completa e prosa. Org. EucanFerraz. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 2004, p. 120.
12
Tractatus Lógico-Philosophicus. São Paulo: USP, 2001, p. 279.
13
Razão do Poema. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 4.
14
2- O HUMOR
Podemos dizer que o humor na obra poética de Vinicius de Moraes está diretamente
relacionado com o desenvolvimento do poeta. Em seus primeiros livros, O caminho para a
distância
14
, Forma e exegese
15
e Ariana, a mulher
16
, esse elemento é praticamente nulo em
seu estilo. Contudo, passamos a encontrá-la em alguns versos do título subseqüente, Novos
poemas
17
, como nos conhecidos tercetos de “Soneto de intimidade”
18
:
Fico ali respirando o cheiro bom do estrume
Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme
E quando por acaso uma mijada ferve
Seguida de um olhar não sem malícia e verve
Nós todos, animais, sem comoção nenhuma
Mijamos em comum numa festa de espuma.
Cabe lembrar que Vinicius, nesse poema, datado de 1937, não realiza nem os
alexandrinos de nobreza temática, sugeridos pelos parnasianos, nem o verso livre sobre o
cotidiano, da vanguarda modernista, mas provoca uma fusão inovadora e bem-humorada
das duas propostas.
Ainda em Novos poemas, podemos citar alguns versos de O falso mendigo
19
:
14
Rio de Janeiro: Schmidt, 1933.
15
Rio de Janeiro: Pongetti, 1935.
16
Rio de Janeiro: Pongetti, 1936.
17
Rio de Janeiro: José Olympio, 1938.
18
Livro de sonetos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p.17.
19
Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, pp. 84-85.
15
Minha mãe, manda comprar um quilo de papel almaço na venda
Quero fazer uma poesia. / (...)
Se me telefonarem, só estou para Maria
Se for o Ministro, só recebo amanhã
Se for um trote, me chama depressa
Tenho um tédio enorme da vida.
Importante nessa passagem é observar uma provável influência de Manuel Bandeira
adentrando na voz do poeta, o que é decisivo tanto na presença quanto no tipo de humor
que é concebido, muitas vezes ligado intimamente à simplicidade e à tristeza. Vinicius,
sobre a contribuição de Bandeira em sua poesia, observava que “o que houve por parte dele
foi, por assim dizer, uma influência vital, o oposto do que representava a Faculdade de
Direito. Era um homem mais ligado à vida, ao cotidiano, que fazia uma poesia mais
simples, se bem que formalmente admirável”
20
.
A partir de então, certa dose de matéria humorística constará regularmente nos
próximos livros do poeta, como, por exemplo, em “Elegia desesperada”, das Cinco
Elegias
21
, no memorável “O dia da criação”, de Poemas, sonetos e baladas, no livro-poema
Pátria minha
22
, assim como em “Receita de mulher”, dos Novos poemas (II), de onde saem
os versos que se tornaram um dito popular: “As muito feias que me perdoem / Mas
beleza é fundamental”
23
.
nos poemas de Para viver um grande amor, o humor nos versos vinicianos passa
a variar e, de tal maneira, multiplicar-se, que se faz inevitável a denúncia do recurso como
opção estética assiduamente central. Trata-se agora de manifestações reiteradas de uma
20
MORAES, Vinicius de. Vinicius de Moraes Encontros. Org. Sérgio Cohn e Simone Campos. Rio de
Janeiro: Beco do Azougue, 2007, p. 204.
21
Rio de Janeiro: Pongetti, 1943.
22
Barcelona: O Livro Inconsútil, 1949.
23
Nova antologia poética. Org. Eucanaã Ferraz e Antonio Cícero. São Paulo: Companhia das Letras, 2008,
pp. 186-188.
16
feição que se consolidará. Devemos realçar que Para viver um grande amor é o lançamento
com data mais coincidente com o recorte que por ora nos interessa, e o humor,
especificamente, é a marca que mais se conforma. O primeiro poema do volume, “A
anunciação”
24
, nos oferece espírito tão-logo no título como na primeira interjeição:
Virgem! filha minha
De onde vens assim
Tão suja de terra
Cheirando a jasmim
A saia com mancha
De flor carmesim
E os brincos da orelha
Fazendo tlintlin?
Minha mãe querida
Venho do jardim
Onde a olhar o céu
Fui, adormeci.
Quando despertei
Cheirava a jasmim
Que um anjo esfolhava
Por cima de mim...
Algumas páginas adiante e nos depararemos com o impagável “Olhe aqui, Mr.
Buster...”
25
, poema em resposta a um americano amistoso e muito rico em cuja casa
Vinicius esteve poucos dias antes de sua volta ao Brasil, depois de cinco anos em Los
Angeles. Mr. Buster não compreendia como o poeta, tendo o direito de permanecer mais
um ano nos Estados Unidos, preferia voltar para a América Latina e ainda arcar com grande
24
Op. cit., p. 209.
25
Op. cit., pp. 214-215.
17
prejuízo financeiro. Os versos têm o gracejo patriota de “Pátria minha”, todavia são mais
burlescos:
Olhe aqui, Mr. Buster: está muito certo
Que o senhor tenha um apartamento em Park Avenue e uma casa em Beverly Hills. / (...)
Um poço de petróleo trabalhando de dia para lhe dar dinheiro
[e de noite para lhe dar insônia / (...)
Está certo que em sua mesa as torradas saltem nervosamente de torradeiras automáticas / (...)
Está muito certo que a senhora Buster seja citada uma vez por mês por Ela Maxwell
E tenha dois psiquiatras: um em Nova York, outro em Los Angeles,
[para as duas “estações” do ano. / (...)
Mas me diga uma coisa, Mr. Buster
Me diga sinceramente uma coisa, Mr. Buster:
O senhor sabe lá o que é um choro de Pixinguinha?
O senhor sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal?
O senhor sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?
Outros poemas, ademais, atravessam o livro diversificando a intenção estética do
humor. Em “A última viagem de Jayme Ovalle”, o recurso estabelece alegria e ternura à
homenagem fúnebre. Na Carta aos ‘puros’”, auxilia minuciosamente um protesto
filosófico-social. Nos dois poemas mais longos, “Carta do ausente” e “O amor dos
homens”, o humor endossa o valor poético em versos retóricos e arriscados; no “Poema
desentranhado da história dos particípios”, sofistica-se no academicismo zombeteiro.
Poderíamos citar ainda, entre outros, o habilidoso Feijoada à minha moda” e o desenlace
inesperado de “O poeta e a rosa”.
Em “Não comerei da alface a verde pétala...”
26
, Vinicius retoma aquele veículo de
fusão entre a matéria antiga e a contemporânea, como experimentara anos antes no “Soneto
de intimidade”. Mas, aqui, o projeto formal é mais ambicioso. No soneto de 1937, uma
26
Op. cit., p. 225.
18
linguagem despojada arranjou-se com sucesso em alexandrinos; em “Não comerei da alface
a verde pétala”, a linguagem possui melodia neoclássica a despeito do enredo cotidiano e
inusitado, conformando-se imediatamente aos decassílabos. O resultado é virtuoso e
divertido:
Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem mais aprouver fazer dieta.
(...)
E eu morrerei, feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.
Ao circunscrevermos nossa atenção na poesia esparsa, de onde vamos destacar e
analisar mais firmemente o humor viniciano nos poemas “Mote e contramote” e “Sob o
trópico do Câncer”, faz-se necessário tratar previamente da existência de algumas
variedades que o recurso adquire em poemas diversos. Nota-se, entre as quais, a
proporcionada por um meio certeiro: a imagem inusitada. Podemos encontrá-la, por
exemplo, em “Amor”
27
: “Vamos atrapalhar os outros, amor, vamos sair correndo / Vamos
subir no elevador, vamos sofrer calmamente e sem precipitação?”. Ou, mais insólita e
criativamente, nas metáforas de “Cidade antiga”
28
:
Houve tempo em que a cidade tinha pêlo na axila
E em que os parques usavam cinto de castidade
As gaivotas do Pharoux não contavam em absoluto
Com a posterior invenção dos kamikazes
27
Poemas esparsos. Sel. e org. de Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 89.
28
Nova antologia poética. Org. Eucanaã Ferraz e Antonio Cícero. São Paulo: Companhia das Letras, 2008,
pp. 255-256.
19
De resto, a metrópole era inexpugnável
Com Joãozinho da Lapa e Ataliba de Lara.
(...)
Outra variedade desse timbre viniciano é aquela que serve ao gracioso no sentido do
afeto, da doçura. E nosso poeta sabe de maneira especial utilizar-se do expediente. Os
versos antológicos de “Soneto de luz e treva”
29
ou mesmo os jogos despretensiosos que
compõem “Alexandra, a Caçadora”
30
podem servir de modelo, como esses:
Que Alexandre, o Grande é grande
Todos sabemos de cor
Mas nunca como Alexandra
Porque Alexandra é a maior!
(...)
No entanto é nena pequena
Tamanho de um berço exato
Coube dentro de Madeleine
Cabe na mão de Renato.
de se verificar que, entre outras variantes do humor na poesia esparsa, existem
dois exercícios dessemelhantes que se fazem notar quando comparamos alguns poemas
indispensáveis à pesquisa. O primeiro trata-se de uma figuração, embora essencial,
suplementar do recurso. Acontece quase sempre ao servir de contrapeso a algum tema
grave ou intrinsecamente associado à tristeza. Corresponde ao humor negro com o qual a
poesia de Vinicius de Moraes se relaciona de maneira reiterada. Esse é o caso de poemas
como “Sob o trópico do Câncer”, mas também, mais sutilmente, “Cemitério Marinho”
31
. O
29
Poemas esparsos. Sel. e org. de Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 28.
30
Op. cit., pp. 47-48.
31
Op. cit., pp. 50-51.
20
último estabelece o contrapeso de que falamos, na mesma medida em que a melancolia é
tênue e a morte apareça, não como revés, mas como “...um canto / [p]orque morrer é coisa
alegre / [p]ara quem vive e sofre tanto / [c]omo no cemiteriozinho, ali / [a]o céu de Sidi
Bou Said”. O segundo exercício trata-se de uma figuração primordial do humor, em que o
lúdico, trançado à ostentação técnica, traduz-se na própria razão do poema. Esse é o caso de
“O namorado das ruas”
32
, onde Vinicius maneja o seu apego ao bairro de Botafogo:
Eu sou doido por Alice
Mas confesso que a meiguice
De Conceição me alucina.
Lucília não me dá folga
Porém que amor é Bambina!
Por Olga já fiz miséria
Perdi dinheiro e saúde
Mas quando Maria Quitéria
Apareceu, eu não pude...
(...)
32
Nova antologia poética. Org. Eucanaã Ferraz e Antonio Cícero. São Paulo: Companhia das Letras, 2008,
pp. 260-261.
21
2.1- MOTE E CONTRAMOTE
“Lisboa tem terremoto
– Lisboa tem terremoto
Diz o mote e com razão
– É certo, tem terremoto
Porém, em compensação
Tem muitas cores no céu
Muitos amores no chão.
Tem, numa casa pequena
O poeta Alexandre O’Neill
E a bela Karla morena
Na embaixada do Brasil.
Aymé – o mote repete
Lisboa tem terremoto
Mas tem o Nuno Calvet
Para tirar cada foto!
– Qual o quê! – pergunte ao Otto
Que não me deixa mentir.
Lisboa tem terremoto
Não deve nada a Agadir.
Pois já que estamos nos sismos
Capazes de destruir
Tem o ator Nicolau Breyner
Para nos matar... de rir.
Tem David, irmão de Jayme
E Jayme, irmão de David
Não fossem os Mourão Ferreira
Eu nunca estaria aqui.
É, mas... – o mote reclama
Lisboa tem terremoto
– Mas tem o fado de Alfama
E tem a casa do Otto.
22
E o Otto tem sua Helena
E Helena, seu broto em flor
A nena Helena Cristina
(Ou Maria-Pão-de-Queijo)
De quem eu sou cantor.
(Em matéria de Cristinas
Só temos saldo a favor!)
– Mas, alto! – me grita o mote
Moto-mote, mote-moto
Deixa de tanto fricote
Lisboa tem terremoto!
– E daí? Que o parta um raio
Terremoto... é natural
Mas e a Henriqueta Maya
E a Laurinha Soveral?
E essa coisa pequenina
De que todo mundo gosta
A sempre eterna menina
Que se chama Beatriz Costa?
E Amália, a grande, a divina
Que é de Portugal a voz
Ela também, quando cisma
Não faz tremer todos nós?
É, está tudo bem, meu velho
És de Lisboa um devoto
Mas pergunta ao António Aurélio
Que é arquiteto e tem teto:
Lisboa tem terremoto!
Mas tem em contrapartida
O António Infante da Câmara
Para lhe contar outra história...
Um bom amigo, que em vida
Soube conquistar a Glória.
E a Glória tem Terezinha
E Wandinha, que é um amor
Quem tem filhinhas assim
Não tem medo de tremor.
E tem o Raul Solnado
23
Que eu acho um senhor ator.
Quem tem gente boa assim
Não tem medo de tremor.
– Lisboa tem terremoto
Suspira o mote ao expirar...
– Faz figa, faz figa, Otto
Terremoto... – sai, azar!
P.S. Em tempo, perdoem
O lapso ocasional
Esqueci Maria Cândida
O terremoto mais lindo
Que já houve em Portugal.
Lisboa tem terremoto”
33
é o mote desse poema que se encontra na poesia esparsa;
um verso que possui algumas características semelhantes ao célebre verso-refrão de
Bandeira, “Vou-me embora pra Pasárgada”
34
: ambos, além de possuírem o mesmo número
de sílabas poéticas, são capazes de sustentar uma repetição que, ao largo do enjoamento,
provoca uma reação agradável com a memória musical do leitor. Entretanto, distam-se
completamente quanto ao tom: enquanto o refrão bandeiriano é revolto, arrebatado, o verso
de Vinicius é seriamente – ironicamente – conformado.
O poema “Mote e contramote” é composto por redondilhas maiores, bem ao estilo
das baladas vinicianas. Tais redondilhas passam por praticamente todo o poema em uma
única estrofe, salvo um quarteto final e um post-scriptum cinco versos que arrematam o
texto e reafirmam a natureza bem-humorada da composição.
33
Poemas esparsos. Sel. e org. de Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 39.
34
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 3ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1973. p. 127.
24
Vinicius faz referência, então, ao terremoto acontecido na região de Lisboa e no sul
de Portugal, em 28 de fevereiro de 1969. O poeta também aborda o mesmo tema em uma
crônica denominada “O grande terremoto de Lisboa de 1969 segundo O.L.R.”
35
, e, apesar
de na prosa as vicissitudes do fenômeno estejam mais à mostra, ali o humor a tônica,
assim como no poema:
É, queridos leitores, terremoto o é brincadeira. A gente pode chegar a ponto de aceitar
tudo: dinheiro curto, pai quadrado, bêbado chato, trânsito engarrafado, mulher feia, música da
pilantragem, hérnia de disco, dupla caipira, novela de televisão, dieta macrobiótica, poesia
concretista, romance de Morris West, trote telefônico, papo de grã-fino, uísque nacional
praticamente tudo.
Menos terremoto.
O ambiente de “Mote e contramote”, por sua vez, é ainda mais descontraído que
naquela crônica: subentende todo o caráter perverso do fenômeno natural no mote “Lisboa
tem terremoto”, para que logo venha com o contramote descrever, no entanto, qualidades
especiais da cidade a presença de pessoas queridas do poeta, entre amigos, conhecidos e
algumas personalidades de evidência –, produzindo comicidade através do emprego lúdico
de nomes próprios. Vale comentar, a respeito, os versos em que Lisboa “[t]em muitas cores
no céu / [m]uitos amores no chão”. Essa passagem, para além de bem-fazer a poética
popular na oposição “existir-no-céu” / “existir-na-terra”, possui a polissemia de “amores”,
porque a palavra não conta, nesse contexto, somente com o sentido gonçalviano, da
“Canção do exílio” (“Nossos bosques têm mais vida / Nossa vida, mais amores”)
36
, mas
pode significar, também, pessoas amáveis.
35
Poesia completa e prosa. 4ª ed. Org. de Eucanaã Ferraz. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004, pp. 837-839.
36
DIAS, Gonçalves. Cantos e recantos / Gonçalves Dias. Sel. Maura Sardinha. edição. Rio de Janeiro:
Ediouro, 1997, pp. 5-6.
25
Destaca-se em “Mote e contramote” o engenho com que as rimas se dispõem. Com
raras exceções, praticamente todos os versos rimam, seja de maneira soante, toante, ou
mesmo com reiterações sonoras menos óbvias, como logo veremos. Esses ecos assomam
com intervalos imprevisíveis, com pouca regularidade; podem acontecer com saltos
variados entre um a quatro versos e, ainda assim, tal assimetria não interfere, curiosamente,
em sua qualidade musical. Apenas algumas poucas linhas, nessa composição, são legítimos
versos brancos. O primeiro que aparenta sê-lo, “O António Infante da Câmara”, nos
desengana ao percebermos a interação que a proparoxítona exerce com as paroxítonas
terminadas em ditongo, formando o arpejo Aurélio Câmara história Glória, o qual
funciona com acertada sonoridade. Poderíamos, também, citar o verso “E tem o Raul
Solnado”, quase ao fim do poema, não fosse a interna toante “acho” no verso subseqüente.
Tão-só encontraremos versos brancos, sem receio, no post-scriptum no primeiro,
no terceiro e no quarto verso. Desse modo, a estrofe contrai mesmo a dicção de uma
observação posterior, de um escrito depois. A ausência de rima nesses três versos acaba
lhes emprestando um interessante teor retórico após um texto todo trançado em sons
superpostos e cria uma atmosfera semelhante àquela de uma nota complementar ao final de
uma carta. A rima, então, entre “ocasional” e “Portugal” ganha um destaque diferente,
pronta para arrematar o poema e a sua última pilhéria.
O primeiro nome próprio a aparecer em “Mote e contramote” é o de um poeta.
Trata-se de Alexandre O’Neill (1924-86)
37
que, ano do terremoto, publicará seu sexto livro,
De ombro na ombreira
38
, sob já segura consagração. Vinicius nesse momento do poema
37
Descendente de irlandeses e nascido em Lisboa; autor dos versos e como um adolescente / tropeço de
ternura / por ti” (“No reino da Dinamarca”. In Poesias Completas. Lisboa: Assírio e Alvim, 2002, p. 53.). Foi
fundador do Movimento Surrealista de Lisboa.
38
Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1969.
26
utiliza-se de uma relação inversamente proporcional entre notoriedade e meio, pois que
O’Neill se encontra “numa casa pequena”, enquanto “Karla morena”, “[n]a embaixada do
Brasil”. Essa relação, no entanto, serve como gracioso veículo de homenagem tanto a ele
quanto a ela, os quais figuram como elementos compensatórios à existência de terremoto
em Lisboa. Vale considerar aqui o valor adquirido pela casa pequena de O’Neill quando ao
lado da embaixada; o mesmo ocorre com “Karla morena” quando posta em notoriedade
equivalente à do poeta português.
Após citar o fotógrafo Nuno Calvet e o escritor, jornalista e amigo de Vinicius de
Moraes, Otto Lara Rezende, a quem a crônica se refere como O.L.R. e que aparecerá
algumas vezes ao longo do poema, o poeta profere de maneira brincalhona: “Lisboa tem
terremoto / Não deve nada a Agadir”. A cidade de Agadir que, localizada no Marrocos,
desenvolveu-se como um território do Império Português a partir de 1505 com o
estabelecimento da Fortaleza de Santa Cruz do Cabo de Gué –, foi abandonada pelos
portugueses em 1541, sendo reocupada pelos marroquinos. Vinicius fala da cidade porque,
em 29 de fevereiro de 1960, quase exatamente nove anos antes do terremoto em Lisboa,
Agadir foi destruída por um terremoto de poucos minutos que matou cerca de quinze mil
pessoas, um dos mais fatais tremores na região
39
.
O poema consegue, em seguida, provocar uma sorrateira sugestão com os versos
“Pois que estamos nos sismos / Capazes de destruir”. O termo “sismos” terremotos
pode sugerir, sutilmente, cisma repetição, teimosia , em razão da insistência do mote,
sempre exigente de um número maior de compensações (de contramotes). Esse cismar, essa
teima, é capaz de “destruir” uma capacidade de destruição, pois, sob duas perspectivas:
39
A cidade foi, posteriormente, reconstruída com traços modernos a 3km ao sul da cidade original, tornando-
se populosa e um dos principais pontos turísticos de Marrocos.
27
uma, denotativa, que se refere mesmo aos sismos e os seus infortúnios; e a outra, poética,
persistente caçadora do desequilíbrio entre mote e contramote, da intenção de que os
“amores” de Lisboa não sejam suficientemente compensadores. Por isso o poeta, de
imediato, compõe um contrapeso falsamente (poeticamente) tão destruidor: “Tem o ator
Nicolau Breyner / Para nos matar... de rir”.
Aparece-nos, então, o segundo poeta, David Mourão Ferreira (1927-1996),
professor, político, além de um dos grandes nomes da literatura portuguesa do século XX.
Faz-se importante destacar a forma como se oferece essa presença de Mourão Ferreira.
Vinicius menciona o poeta por meio de seu primeiro nome, tornando-o, em princípio, uma
pessoa como qualquer outra. Esse artifício se reforça após a citação do irmão, Jayme, ainda
sem maiores identificações. Isso realizado num sotaque bastante popular, através de uma
repetição invertida “Tem David, irmão de Jayme / E Jayme, irmão de David” –, o que
acaba por reafirmar nessas pessoas, até o momento, esse aspecto comum, confundível.
Entendamos que o objetivo da “vulgarização” dos Mourão Ferreira não é, de forma alguma,
um modo de banalizá-los, no pior sentido, e sim, ao contrário, busca valorizá-los com o que
neles se subentende de mais simples e humano. Essa boa vulgarização das personalidades
estará presente outras vezes ao longo de “Mote e contramote” como um de seus principais
artifícios e colabora, sobretudo, com o humor de seus versos. Tão-logo Vinicius nos entrega
a identidade completa de David e Jayme, acrescida de um significativo cortejo: “Não
fossem os Mourão Ferreira / Eu nunca estaria aqui”.
Depois de dar como contramote o bairro de Alfama, com sua característica tradição
em casas de fado
40
, o poeta volta a citar o escritor Otto Lara Rezende, agora somando
40
Lembremo-nos do histórico “Fado de Alfama”, composto por Ercília Costa (1902-1985), primeira fadista
portuguesa de projeção internacional. Alfama sobreviveu ao terremoto de 1755.
28
homenagens à família de Otto e utilizando-se daquele humor afetuoso de que tratamos
previamente. “Mas, alto!”, Vinicius brinca ao insistir: “Moto-mote, mote-moto”. Podemos
considerar que este verso, em lugar bem perto da metade da composição o verso de
número 39 num total de 80), aponta o mote como eixo-motor da sobrevida do poema
“Moto-mote”; assim como, considerando as acepções diversas do termo “moto”, sugere
desde a própria sinonímia possível entre “moto” e “mote” (possivelmente corruptelas do
latim muttio emitir som, resmungar) até, e principalmente, a leitura de “moto” como
“movimento” (latim motus agitação, abalo): sentido que ajuda a compor tanto a palavra
“terremoto” – movimento de terra – como a construção poética e brincalhona “mote-moto”,
que faz do instrumento que refere, o mote, a própria referência, o terremoto. O poeta então
nos expõe, como virtuose da síntese, uma significação robusta numa única redondilha
maior, localizada centralmente no poema.
A alusão de “Mote e contramote” a algumas atrizes Henriqueta Maya (1945-),
Laura Soveral (1933-), Beatriz Costa (1907-1996) culmina na presença de Amália
Rodrigues (1920-1999) que, antes de ser atriz, foi considerada expressão máxima do fado,
cantora aclamada como a voz de Portugal. Ainda assim, para que Amália supere em
qualidades o que um terremoto pode oferecer de ruinoso, Vinicius de Moraes realiza a
mesma sugestão sorrateira que, agora na direção oposta, fizera anteriormente: o jogo
fonético-semântico entre sismo” e “cisma”. Agora, a “cisma”, propriamente, é que surge
induzindo uma coerência automática com o campo semântico sísmico: “E Amália, a
grande, a divina / Que é de Portugal a voz / Ela também quando cisma / Não faz tremer
todos nós?”. Vale também ressaltar o fino humor na descrição do terremoto como sendo
algo “natural”, ao contrário do que seria Maya e Soveral. Evidentemente, este adjetivo joga
com duas leituras diferentes, pois tanto a manifestação deste fenômeno da natureza como o
29
contato com duas figuras humanas muito especiais não são coisas ordinárias, corriqueiras
“naturais”.
A essa altura, adentramos na parte em que o mote, como em seu argumento final,
aparece mais peremptório: o poeta lhe concede uma voz de cinco versos: “É, está tudo bem,
meu velho / És de Lisboa um devoto / Mas pergunta ao António Aurélio / Que é arquiteto e
tem teto: / Lisboa tem terremoto!”. A respeito da investida, podemos reparar duas coisas
importantes: a primeira é o fato de que o mote viniciano faz-se distinto se comparado ao da
tradição poética, porque replica e diversifica seus argumentos um mote “vivo”, podemos
assim dizer; a segunda é que, além de Otto Lara Rezende, o arquiteto António Aurélio é a
única personalidade citada capaz de testemunhar em nome da tal desvantagem de Lisboa,
ou seja, estamos mesmo diante de um ataque decisivo, terminante. A partir de então, o
verso-refrão do poema somente reaparecerá no quarteto de desenlace, quando em seu
suspiro derradeiro. Isso devido aos subseqüentes treze versos “em contrapartida” que,
compondo um contramote também mais incisivo, lhe custará como um golpe último.
O poeta confere inicialmente a esses versos homenagem a toda a família do amigo
António Infante da mara, com aquele mesmo afetuoso estilo humorístico que distingue,
em grande medida, como já destacamos, sua poesia esparsa. Vinicius brinca com o nome da
mulher de António “Um bom amigo, que em vida / Soube conquistar a Glória” e lança
uma proposição após se lembrar de Terezinha e Wandinha: “Quem tem filhinhas assim /
Não tem medo de tremor”. Sem demora arremata o contramote cabal realizando, com o
comparecimento do ator e apresentador Raul Solnado (1929-), uma repetição que é
praticamente uma proposta de novo refrão: “Quem tem gente boa assim / Não tem medo de
tremor”.
30
Seria desnecessário dizer que as pequenas estrofes que concluem “Mote e
contramote” são valiosas por sua diversão simples e acertada. Importa, não obstante,
acrescentar que mais uma vez o nome de Otto faz-se presente, agora fazendo “figa” contra
o azar de um terremoto. Otto Lara Rezende aparece ao longo do poema como um
personagem singular, aquele que estaria sempre ao lado do poeta como grande fiador do
discurso. A essência do humor de “Mote e contramote” encontra-se precisamente nesse
acorde amoroso que Vinicius de Moraes estabelece entre sua percepção de mundo e os
possíveis valores de quem o cerca. Porque o poema não é, absolutamente, um tributo a
notáveis. É um tributo ao entendimento, à admiração, à convivência capazes de superar
qualquer imprevisto, mesmo que o imprevisto seja uma grande catástrofe.
Por isso, não é necessário saber sobre todos os nomes citados para que o leitor possa
usufruir seu sabor poético. Alguns perderam ou podem perder seu significado com o tempo,
outros, pelo oposto, talvez se reafirmarão. Entretanto, ganham por igual quando associados
com o que existe de mais admiravelmente humano.
31
2.2- SOB O TRÓPICO DO CÂNCER
“O câncer é a tristeza das células”
Jayme Ovalle
I
Sai, Câncer!
Desaparece, parte, sai do mundo
Volta à galáxia onde fermentam
Os íncubos da vida, de que és
A forma inversa. Vai, foge do mundo
Monstruosa tarântula, hediondo
Caranguejo incolor, fétida anêmona
Sai, Câncer!
Furbo anão de unhas sujas e roídas
Monstrengo sub-reptício, glabro homúnculo
Que empesteias as brancas madrugadas
Com teu suave mau cheiro de necrose
Enquanto largas sob as portas
Teus imundos volantes genocidas
Sai, get out, va-t’en, hinaus mit Ihnen
Tu e tua capa de matéria plástica
Tu e tuas galochas, tu e tua gravata
Carcomida, e torna, abjeto, ao Trópico
Cujo nome roubaste. Deixa os homens
Em sossego, odioso mascate.
Fecha o zipe
Da tua gorda pasta que amontoa
Caranguejos, baratas, sapos, lemas
Movendo-se em seu visgo, em meio a amostras
De óleos, graxas, corantes, germicidas
Sai, Câncer!
Fecha a tenaz e diz adeus à Terra
Em saudação nazista; galga, aranha
32
Contra o teu próprio fio e vai morrer
De tua própria síntese na poeira
Atômica que ora se acumula
Na cúpula do mundo.
Adeus
Grumo louco, multiplicador
Incalculável, tu de quem nenhum
Computador eletrônico
Poderia jamais seguir a matemática.
Parte, ponete ahuera, andate via
Glauco espectro, gosmento camelô
Da morte anterior à eternidade.
Não és mais forte do que o homem – rua!
Grasso e gomalinado prestamista
Que prescreves a dívida humana
Sem aviso prévio, ignóbil
Meirinho, Câncer, vil tristeza...
Amada, tranca a porta, corta os fios
Não prestes nunca ouvidos ao que o mercador contar!
II
“Senhora,
Abre por favor porta só um pouquinho
Preciso muito falar com senhora, pelo amor de Deus!
Abre porta, eu mostro sem compromisso.
Leva já, paga quando puder. Veja, senhora
Quanta coisa, que beleza, tudo grátis
Paga quando puder. Fibroma
Carcinoma, osteossarcoma
Coisa linda! Olhe só, senhora:
Câncer do seio... Sempre volta. Do útero:
Mais barato mas leva artigo de qualidade, em geral
Reproduz mais tarde, garantido.
Para seu marido tem coisa linda, veja, senhora
Que maravilha! Tumor sarcomatoso do intestino,
Não falha. Espie só, madama:
Câncer do fígado, câncer do rim, câncer da próstata
33
Câncer da laringe, tudo é câncer
Artigo exclusivo, palavra de honra
Restitui dinheiro.
Senhora tem filhos? Veja isto:
Câncer da meninge: muita dolência... Câncer
Do sangue: criança
Vai enfraquecendo, quase não sofre
Vai apagando como uma vela, muito carinho
Da senhora e seu marido para o menino.
Morre bem, morre feliz, com todos os sacramentos
Confortado pela excelentíssima família.
E olhe aqui, senhora: isso eu só mostro
Em confiança, artigo conseguido com muita
Dificuldade: CÂNCER ATÔMICO!
Artigo de luxo, paga à vista, não faz prestação
Muito duro conseguir. Precisa
Muita explosão de bomba H, quantidade
De estrôncio-90. Muito difícil.
Artigo superior, não tem praça, conseguido
Com contrabandista, senhora não conta...
Artigos para casa? Tem cera para lustrar
Inseticida, inalador: tudo
Feito com substância cancerígena. Artigos
De farmácia? Tem bom xarope
Faz bem ao peito, muito alcatrão, mata
Na velhice: câncer do pulmão
Bom câncer. Senhora não quer?
Fica, senhora: é garantido, vendo barato
Paga quando quiser. Olhe aqui:
Deixo sem compromisso – mata moscas
Baratas, ratos, crianças; tem cheiro
De eucalipto, perfuma
Ambiente. Não quer? Adeus
Senhora, passo outro dia, não tem pressa
A senhora pensa, tudo grátis, garantido
O freguês paga quando quiser
Morre quando puder!”
34
III
Cordis sinistra
– Ora pro nobis
Tabis dorsalis
– Ora pro nobis
Marasmus phthisis
– Ora pro nobis
Delirium tremens
– Ora pro nobis
Fluxus cruentus
– Ora pro nobis
Apoplexia parva
– Ora pro nobis
Lues venerea
– Ora pro nobis
Entesia tetanus
– Ora pro nobis
Saltus viti
– Ora pro nobis
Astralis sideratus
– Ora pro nobis
Morbus attonitus
– Ora pro nobis
Mania universalis
– Ora pro nobis
Cholera morbus
– Ora pro nobis
Vomitus cruentus
– Ora pro nobis
Empresma carditis
– Ora pro nobis
Fellis suffusio
– Ora pro nobis
Phallorrhoea virulenta
– Ora pro nobis
Gutta serena
– Ora pro nobis
Angina canina
35
– Ora pro nobis
Lepra leontina
– Ora pro nobis
Lupus vorax
– Ora pro nobis
Tonus trismus
– Ora pro nobis
Angina pectoris
– Ora pro nobis
Et libera nobis omnia Cancer
– Amen.
IV
Há 1 célula em mim que quer respirar e não pode
Há 2 células em mim que querem respirar e não podem
Há 4 células em mim que querem respirar e não podem
Há 16 células em mim que querem respirar e não podem
Há 256 células em mim que querem respirar e não podem
Há 65536 células em mim que querem respirar e não podem
Há 4294976296 células em mim que querem respirar e que não podem
Ad infinitum...
7 – 7
4 – 4
V
La rose
Du cancer
Arrose
L’arroseur
VI
– Minha senhora, lamento muito, mas é meu dever informá-la de que seu marido tem um câncer do fígado...
– Meu caro senhor, é triste ter de comunicar-lhe, mas sua esposa é portadora de um câncer do útero...
– É, infelizmente os exames revelam uma leucemia aguda no menino...
– É a dura realidade, meu amigo, sua mãe...
36
– Seu pai é um homem forte, vai agüentar bem a operação...
– Sua avó está muito velhinha, mas, enfim, nós faremos o impossível...
– Parece que o general está com câncer...
– Que coisa! o governador parecia tão bem-disposto...
– Coitado, não tinha onde cair morto, e logo câncer...
– Era nosso melhor piloto, mas o câncer de intestino não perdoa...
– Se for câncer, o presidente não termina o mandato...
– Qual o quê, meu caro, não se assuste prematuramente, câncer não dá em deputado...
– Tão boa atriz... e depois, tão linda...
– É um erro seu, há muito operário que morre de câncer, é porque não se dá publicidade...
– Quem diria... O rei?...
– Até o papa?...
Última hora, agência Tass, Estação Interplanetária 777:
– Deus está com câncer!
VII
Para onde olhas, Esfinge?
Para o oxigênio, para o radioisótopo, para o ipê-roxo
Para Nossa senhora do Pronto Socorro?
Que vês adiante de ti? Quando o grito
O grito que há de arrancar todos os homens de seu medo
E criar o maior dos carnavais da humanidade?
Quando os sinos tocando, as sirenas tocando, as buzinas
Tocando, as bandas tocando, as orquestras tocando
E o toque cessando, o dedo, o toque
Comprimindo o ponto, a dor, o espasmo, o diagnóstico:
Câncer. Quando, Esfinge
Quando a manchete, a notícia, o pranto, o coro
Simultâneo de vozes, o cantochão dos homens
De todos os povos do mundo contrapontando seu júbilo
Diante da descoberta? Quando aberta
A nova porta para o futuro, quando rompido
O muro do câncer? Quando, Esfinge
Quando de teu olhar desfeita a névoa
Do segredo? Cedo
Ou tarde? Ah, que não seja tarde!
37
Ah, que teu olhar se fixe, Madona, na alga
Na eletricidade, no amoníaco
E diga: é aí! Ah, que não seja tarde
Para os que esperam, para os que desesperam
E para os que desesperarão. Ah, que não seja tarde
Para que ninguém se acorvarde ante o momento, o dedo
O toque, o espasmo, a chapa
E a sentença:
CÂNCER
CÂNCER
CÂNCER
CÂNCER
CÂNCER
A fortuna crítica até então publicada sobre Vinicius deixa ver que um dado muito
característico de sua poética ainda não foi explorado com o devido apuro. O poeta, desde o
primeiro livro, com o poema “Olhos mortos”, faz do horrendo, da deterioração e da morte
um campo semântico constantemente presente em toda sua obra poética. Vinicius de
Moraes é, sem dúvida, o principal herdeiro da poesia grotesca cunhada por Augusto dos
Anjos. Poemas importantes como “A volta da mulher morena”, “Balada do enterrado vivo”,
“Soneto da hora final” e o belíssimo “Balada da moça do Miramar” são somente alguns
exemplos que justificam essa proposição. Uma análise de “Sob o trópico do Câncer”
41
ajuda a revelar aspectos consideráveis dessa vertente viniciana, quanto mais em sua poesia
esparsa.
Desde que surge e se desenvolve o humor em sua poética, Vinicius acaba
mesclando, em muitos casos, seu ânimo facecioso com esse grotesco. Em cinco poemas da
41
Poemas esparsos. Sel. e org. de Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, pp. 29-38.
38
poesia esparsa, aquela semântica sinistra é mais veemente: “Balada de Santa Luzia” e,
plenos de humor negro e de sarcasmo, “Romance da Amada e da Morte”, “O pranteado”,
“Tanguinho macabro” e “Sob o trópico do Câncer”.
Nesse último, o poeta, entretanto, não comete, ao trabalhar um assunto gravíssimo
que atinge, direta ou indiretamente, tantas pessoas de forma impiedosa, a impropriedade de
tornar o humor algo ofensivo, desrespeitoso. Vinicius, em vez disso, situa e executa cada
compasso bem-humorado de “Sob o trópico do Câncer” com uma substanciosa maestria
capaz, inclusive, de fazer desses versos uma sincera homenagem aos atingidos. Cabe
ressaltar, por exemplo, a maneira como as sete partes do poema se dispõem: o humor – que
compreende também as aventuras estéticas, como veremos figura nos segmentos que vão
de II a VI, ou seja, podemos acreditar que a primeira e a última parte servem como
elementos definidores de um intento, que é sério e cerca os limites das manifestações
burlescas.
O poema esteve inédito em livro até a sua publicação em 2008, em Poemas
esparsos. Ao final desse volume, uma seção denominada “Notas sobre alguns poemas”,
na qual o organizador esclarece suas fontes e critérios editoriais lançados para o tratamento
de inéditos. Encontra-se ali uma anotação
42
que nos é oportuna sobre “Sob o trópico do
Câncer”:
Inédito em livro. No AMLB
43
quatro dactiloscritos completos, um incompleto e fragmentos.
É possível, comparando-os e observando a incorporação das mudanças anotadas, definir a
seqüência em que foram escritos. A última versão, porém, está incompleta. Na primeira e na
última, o título é “Sob o trópico de câncer”. Posteriormente, o poema foi recitado integralmente
pelo poeta numa apresentação em Portugal, que foi gravada em disco, e parte dele foi publicada
42
Op. cit., p. 185.
43
Arquivo-Museu de Literatura Brasileira – Fundação Casa de Rui Barbosa.
39
n’O Pasquim, edição n. 46, de 7 a 13 de maio de 1970. Apesar disso, o poeta declara em
entrevista (concedida a Ricardo Noblat e Tadeu Lubambo) datada de agosto de 1973, à revista
Desfile: “Eu tenho um poema sobre o câncer, que nunca foi publicado no Brasil, e que levei dez
anos para escrevê-lo”. Na leitura gravada, Vinicius segue basicamente o texto publicado n’O
Pasquim, acrescentando-lhe algumas partes. Reproduziu-se aqui o poema na íntegra, ou seja, a
versão recitada pelo poeta. Para tanto, serviu de base a publicação n’O Pasquim e, para as partes
não publicadas ali (II, V e VII) ou alteradas quando da leitura (IV e VI), os dactiloscritos. A
parte V consta somente da leitura.
Em resumo, essa nota nos diz que o objeto em questão é, propriamente, um poema
recitado. E assim o é por acertada opção do editor, visto que, desse modo, temo-lo
integralmente e em versão mais recente o possível. Embora o álbum que traz a sua leitura
44
tenha sido lançado um ano antes da publicação de 1970, o poema n’O Pasquim não se
encontrou em sua totalidade, tanto que Vinicius não o legitima na entrevista de 1973. Por
isso, excetuando a hipótese de que apareça uma suposta versão subseqüente, devemos tratar
“Sob o trópico do Câncer” como sendo um recitativo. Sua disposição em livro, baseada no
cotejo com os protótipos escritos, serve-nos como referência.
Ao iniciar a leitura, o poeta anuncia a epígrafe da seguinte maneira: “Jayme Ovalle
era um homem muito estranho, ele tinha... Ou, muito estranho, não talvez nós é que
sejamos estranhos. Ele tinha o pensamento sempre poético. Quando eu lhe perguntei o que
era o câncer, ele me disse: ‘O câncer é a tristeza das células’. E isto serve como epígrafe ao
meu poema”. E logo começa a recitar a primeira parte. Esse primeiro segmento de “Sob o
trópico do Câncer” é um verdadeiro manifesto contrário à doença, composto de várias
imagens impressionantes que visam a fazer do câncer um signo do mal, do nauseabundo, da
matéria que, embora compartilhe sua origem com as coisas que vivem, revela-se
44
Vinicius em Portugal. Festa, 1969.
40
inesperadamente: “Volta à galáxia onde fermentam / Os íncubos da vida, de que és / A
forma inversa”.
Faz-se necessário dizer que essa primeira parte possui um comportamento métrico
malicioso. A grande maioria de seus versos é lida como decassílabos, ainda que a repetição
da cadência sofra obstáculos. Essa complicação rítmica se associa de modo automático e
irreversível com o significado do texto, encerrando a doença em uma atmosfera ainda mais
torta, estranha. Esse efeito nos inquieta menos quando há uma evidente diferença de
métrica do que quando acontece uma afinação duvidosa dos metros. Tomando como
exemplo o verso “Computador eletrônico”, poderíamos considerá-lo um óbvio
heptassílabo, em dissonância assim com o compasso basicamente marcado por nicas em
sílabas pares. Todavia, a leitura de Vinicius, assim como a sugestão que o ritmo dos dois
versos vizinhos proporcionam, dá-nos a impressão de que a pronúncia da palavra
“computador” pudesse ser realizada de modo a emudecer o “p”, e então teríamos um
hexassílabo afinado com as cesuras de um decassílabo e de um alexandrino: “Incalculável,
tu de quem nenhum / Computador eletrônico / Poderia jamais seguir a matemática”. O que
acontece, de fato, é um desconforto aos ouvidos, em conformidade com o clima proposto
por esse primeiro segmento do poema. É curioso, por exemplo, que justamente onde o
sentido incorpora a loucura, o incalculável e a matemática incompreensível, a métrica seja
mais complexa:
Adeus
Grumo louco, multiplicador
Incalculável, tu de quem nenhum
Computador eletrônico
Poderia jamais seguir a matemática.
41
Ao exotismo semântico e aos ritmos tortuosos, junta-se a laboração fonética.
Vinicius trabalha com uma variabilidade de sons que provoca um misto de estranhamento e
fluidez: “Monstruosa tarântula, hediondo / Caranguejo incolor, fétida anêmona”. Podemos
destacar como sinal de trabalho sonoro a presença dos fonemas /g/, /l/ e /m/, que evocam a
todo instante um ambiente como que gelatinoso, gosmento: “glabro homúnculo”, “[g]rumo
louco”, “[g]rasso e gomalinado prestamista”. Em meio a um dos melhores exercícios
fonéticos, sai o personagem principal da parte segunda, o mercador esse que, ao final da
primeira parte, o poeta alerta a Amada para que não o deixe entrar:
(...) Deixa os homens
Em sossego, odioso mascate.
Fecha o zipe
Da tua gorda pasta que amontoa
Caranguejos, baratas, sapos, lesmas
Movendo-se em seu visgo, em meio a amostras
De óleos, graxas, corantes, germicidas.
A parte segunda é a que dá a chave do humor em “Sob o trópico do Câncer”.
Vinicius de Moraes, em sua leitura, interpreta de maneira muito divertida um vendedor que
bate à porta, cheio dos maneirismos e do sotaque dos vendedores antigos, turcos ou
libaneses, que mercadejavam nos subúrbios do Rio de Janeiro. De todo modo, o próprio
texto escrito indica satisfatoriamente o estereótipo desse mascate estrangeiro, com a
ausência dos artigos definidos e o vocabulário típico dos vendedores: “mostro sem
compromisso”, “paga quando puder”, “artigo de qualidade”, “[r]estitui dinheiro”, “é
garantido”.
42
O lado mórbido desse humor revela-se quando o vendedor começa a mostrar os seus
produtos: “Fibroma / Carcinoma, osteossarcoma”. Ele possui artigos tanto para a
“madama” como para o marido e os filhos. O que nos parece mais importante, então, é
perceber o quanto a poesia adquire um cunho nonsense para poder melhor expressar o
potencial danoso do câncer. Para o tal vendedor, vale a eficácia, vale o poder de fatalidade.
Por isso argumenta que o câncer do seio é persistente, “[s]empre volta”; que o tumor
sarcomatoso do intestino, destinado ao marido, “[n]ão falha”. E apresenta, como um
presente aos filhos, o “[c]âncer [d]o sangue”, com um discurso persuasivo:
(...) criança
Vai enfraquecendo, quase não sofre
Vai apagando como uma vela, muito carinho
Da senhora e seu marido para o menino.
Morre bem, morre feliz, com todos os sacramentos
Confortado pela excelentíssima família.
Como que para intensificar o caráter inverossímil desse quadro, o mercador força
uma intimidade com a possível compradora para dizer que conseguiu, via contrabando, um
tipo raro, o “[câncer atômico]”. Para obtê-lo, somente com pagamento à vista “não faz
prestação”. No entanto, os versos que seguem servem para compreender que todas as coisas
expostas por ele não passam daquilo mesmo que todos os mercadores trazem: artigos para a
casa, cigarros etc. “tudo / [f]eito com substância cancerígena”. Ou seja, a linguagem
poética toma a conseqüência como a própria causa. Assim, a enfermidade advinda do
alcatrão, do fumo, torna-se um artigo de farmácia, um “bom xarope”. O poeta alerta, desse
modo, que o câncer vive em quase tudo o que consumimos. E a poesia abre caminho para
43
um humor incômodo como: “Deixo sem compromisso mata moscas / Baratas, ratos,
crianças; tem cheiro / De eucalipto”.
O verdadeiro pagamento, nesse comércio, é a morte: “O freguês paga quando quiser
/ Morre quando puder!”.
As partes que vão da III à VI constituem o que de mais experimental em “Sob o
trópico do Câncer”. Essa combinação de aspectos inventivos não pode ser analisada à
revelia da faculdade burlesca do poema. Isso porque, dentre os intuitos da própria
realização formal, encontra-se o humor como objetivo.
O terceiro segmento, por exemplo, explora poeticamente o ritual cristão da ladainha.
Os versos são proferidos em latim, como acontece em algumas manifestações litúrgicas
mesmo nos dias de hoje (e como se os nomes científicos). Vinicius remonta a lógica do
ritual que, habitualmente, serviria para invocar a Deus, a Jesus Cristo e para o pedido de
interseção da Virgem e dos Santos pelos fiéis. Recitada pelo celebrante, a ladainha se
alterna com as respostas da congregação, como tende piedade de nós ou rogai por nós
Ora pro nobis”. O poeta, por sua vez, pede a interseção de enfermidades, estabelecendo o
ridículo por via de uma contradição essencial: o devoto clamaria para símbolos do bem e da
plenitude, nunca à “[a]poplexia parva”, à “[e]ntesia tetanus” ou à “[l]epra leontina”.
Quando a ladainha alcança o seu fim, o poeta profere: “Et libera nobis omnia
Cancer”. Mais uma vez, então, a linguagem absurda de “Sob o trópico do Câncer” faz a
poesia representar um sentido lógico implícito. E mais uma vez a ver com o predicado
intraduzível do câncer, de tal forma perverso que, se comparássemos a doença com todas
aquelas enfermidades, tomaríamos essas outras como boas.
Nas duas partes subseqüentes, onde o grotesco é flagrante e subordina toda a
linguagem, faz-se necessário frisar a artimanha com que o poeta, na quarta parte, salta de
44
súbito a seqüência numérica lógica
45
, esquivando-se da previsibilidade e oferecendo humor
negro ao segmento. Como também, que o jogo poético da parte quinta utilizou-se,
provavelmente, do nome do filme L’Arroseur arrosé, dos irmãos Lumière, primórdios do
cinema, como elemento de composição de seus versos.
“Minha senhora, lamento muito, mas é meu dever informá-la de que seu marido tem
um câncer do fígado...”. Com essa anunciação infeliz, Vinicius de Moraes inicia a leitura da
sexta parte do poema, ainda sem dar indício de que guarda, ali, versos dos mais divertidos.
O tom dessas falas vai se transformando em cada entrada: os primeiros quatro dizeres,
comunicando a notícia do câncer, são diretos e sem qualquer gracejo, sendo que os
primeiros três dão o tipo: ao marido, câncer do gado; à esposa, câncer do útero; ao
menino, leucemia. A anunciação sobre a mãe deixa, então, o mal às reticências. Isso indica
a consciência do poeta em tornar o texto inesperado e, mais, começar a transformá-lo com o
propósito de fazer humor.
O próximo comunicado apresenta uma variante com relação aos primeiros, pois
indica um momento posterior à anunciação, quando o dito não é mais a notícia em si, mas a
impressão sobre a tal: “Seu pai é um homem forte, vai agüentar bem a operação...”. As
variantes, a partir desse verso, passam a figurar, e o humor parece adentrá-las de maneira
sorrateira, tornando inexatos os seus contornos. Podemos identificá-lo, em preâmbulo,
quando no comentário sobre a enfermidade na avó velhinha: “faremos o impossível”. Ou na
presença imprevista de um general e de um governador, este que “parecia tão bem-
disposto...”.
45
O número “4.294.976.296” parece advir de um descuido de Vinicius. O número correto, de acordo com a
lógica das potências de 2, seria “4.294.967.296”. Teria o poeta feito, de propósito, a inversão de dois números
com o intuito de apresentar uma idéia de desordem? Este é um problema para as próximas edições do poema.
45
E essa série de entradas, em sua última metade, ganha definitivamente um tom
brincalhão. A principal peça de chiste diz respeito às posições sociais, que passam por
aquele que “não tinha onde cair morto” até o rei, o papa... até Deus! Desse modo, o poeta
consegue expor incisivamente a fragilidade de nossa vida e de nossos valores. Fragilidade
que faz vislumbrarmos a ironia de resguardo de uma certa especificidade: “Qual o quê, meu
caro, não se assuste prematuramente, câncer não em deputado...”. Ou de podermos nos
espantar com o fato de que uma doença tão horrível possa atingir uma atriz lindíssima. O
anúncio final, enfim, como para provar que todos estão igualmente frágeis perante o câncer,
dá-se em Última Hora, agência Tass, Estação Interplanetária 777” uma brincadeira que
Vinicius realiza juntando o nome do jornal, importante à época e em que escreveu por
muitas vezes, com o nome da agência central de coleta e distribuição de notícias do poder
comunista na ex-URSS e mais uma imaginária estação com números que remetem ao
bíblico 666, o número da besta.
A sétima e última parte de “Sob o trópico do Câncer”, em linguagem já bem distinta
daquela usada no gracejo, dirige-se à Esfinge, símbolo dos enigmas. O poeta lhe pergunta
quando acontecerá “o maior dos carnavais da humanidade”, ou seja, a grande comemoração
pela descoberta da cura. Pergunta de onde virá, se do radioisótopo, se do amoníaco, ou se
mesmo um milagre de “Nossa senhora do Pronto Socorro” para resolver o câncer.
Vinicius constrói imagens como as que se repetem formando um quase-refrão da parte VII:
“as bandas tocando, as orquestras tocando / E o toque cessando, o dedo, o toque /
Comprimindo o ponto, a dor, o espasmo, o diagnóstico: / Câncer”. Podemos notar que o
“toque” das orquestras é diferente do “toque” do diagnóstico e, mais que diferente, um
cessaria o outro. À frente, para que o poema se desenlace, o poeta desentranha, da palavra
“diagnóstico”, a palavra “sentença”, porque o sentido da primeira não é capaz de expressar
46
toda a fatalidade. Vinicius, tão-logo, usufrui poeticamente do signo representante do
câncer, cheio de significado, cheio de obscura carga, repetindo-o como se a mera repetição
da palavra fosse ainda mais valiosa do que a poesia inteira. Repetindo como um coração
pulsando. Devemos lembrar que, à sua época, a doença era ainda mais assustadora do que é
hoje. Mesmo a palavra era temida, como um tabu. Desde então, a “Esfinge” nos deu
algumas informações importantes que, se não completas, são de indizível colaboração.
47
3- O RISCO
Manuel Bandeira escreveu um importante texto a respeito das Cinco Elegias de
Vinicius de Moraes, ao qual deu o título de “Coisa Alóvena, Ebaente”
46
. Ali consta um
parágrafo que muito nos cabe para começar este capítulo:
Nestas cinco elegias o poeta procedeu como o jogador que chega à mesa da roleta e joga
tudo no pleno, e ganha, e quatro vezes deixa ficar o monte no mesmo número e acerta sempre, e
estoura a banca. Sai, e que deslumbramento! o dia amanhecendo sobre os telhados de Chelsea...
A roleta de jogo que um Bandeira entusiasmado nos oferece encerra uma orientação
da poética de Vinicius que, de alguma forma, se deixa transparecer em muitas ocasiões.
Podemos traduzi-la quando afirmamos que o interesse do poeta em se tornar fora de série
em seus acertos esteve, freqüentemente, acima do receio de errar. Vinicius entendia, como
afirmou José Castello
47
, que “um poema merece esse nome quando corresponde a um
risco vital”. Felizmente, em se tratando de um verdadeiro poeta, os acertos sempre
estiveram em maioria. Bandeira, no início do texto, afirma que
Naturalmente, as cinco elegias vão escandalizar muita gente (a ausência de poesia em certas
pessoas pena). Vai haver choro e ranger de dentes. Não são elegias aliás: são elégias. Coisa
alóvena, ebaente.
46
In MORAES, Vinicius de. Poesia completa e prosa. Org. EucanFerraz. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
2004, pp. 87-89.
47
“Apresentação”. In MORAES, Vinicius de. As coisas do alto: poemas de formação. São Paulo: Companhia
das Letras, 1993, p. 11.
48
Além de neologismos e interface entre línguas, a exploração do espaço gráfico
como suporte visual, como a representação dos “telhados de Chelsea” na abertura da
“Última Elegia”. Mas, ainda assim, a consagração de Vinicius por via de seus sonetos pode,
por vezes, associá-lo de maneira equívoca a uma circunspecta ortodoxia perspectiva com
a qual se queda o desconhecimento sobre os próprios sonetos. Ao contrário, Vinicius de
Moraes era, sem dúvida, um artista que se arriscava.
Um dos lugares perigosos que sua poesia explora mais assiduamente são
determinados recantos do simplório, onde desenvolve uma espécie de make-it-new no
desgaste de alguns quadros: a reinvenção do lugar-comum. A respeito, o escritor Autran
Dourado, em seu livro Uma poética de romance
48
, em que desenvolve reflexões sobre suas
próprias técnicas de romancista, escreve um capítulo chamado “Estilo e lugar-comum”
49
.
Nessas páginas, o autor aborda de maneira muito interessante o lugar-comum literário, onde
se mostra disposto a correr o risco de enfrentá-lo: “‘o lugar-comum não é para a sua obra’,
me aconselham generosamente. E eu, em verdade, vos digo que o que é pra mim mesmo é o
lugar-comum”. E discorre:
O meu lugar-comum, mais conscientemente buscado a partir da e partes de Nove
Histórias em Grupo de Três, não é o lugar-comum enobrecido, enriquecido, embora eu
tivesse dito que se deve repetir o lugar-comum para ver se, repetindo, um dia ele ganhe força
nova: o famoso princípio alquímico do meu mestre imaginário. Vejam, “força nova” e não
“enobrecimento”. (...)
O que mais admiro no Carlitos, da primeira à última fase, sobretudo em Luzes da Ribalta, é
como ele consegue fazer um filme que enche as medidas com uma história tão patética (ainda o
clichê, o lugar-comum, o perigosíssimo patético), que nas mãos de qualquer outro diretor
poderia ser um péssimo filme, um filme vergonhoso, tango argentino, enfim um filme da
Pelmex.
48
São Paulo: Perspectiva, 1973.
49
Op. cit., pp. 83-94.
49
Estamos obviamente diante de considerações mais tangíveis à nossa percepção
intuitiva, poética, do que analítica. Por isso “força nova” nos aparece como algo perceptível
mas intraduzível. Como podemos apreender do escritor, não se trata de enriquecer o lugar-
comum, melhorá-lo, o que seria, artisticamente, um desastre. Trata-se, antes, de empregá-lo
mesmo em sua crueza, embora o resultado saia o inverso do que se esperaria o ordinário,
o chavão –, convertendo-o em uma arte autêntica. Podemos aceitar essa “alquimia” ao
considerarmos, de antemão, que o temor dos artistas pelo lugar-comum advém por conta de
dois riscos que podem ser fatais: o primeiro, do impulso que arrasta às facilidades e subtrai
a matéria fundamental de uma obra, que é a invenção; o segundo, muito em conseqüência
do primeiro, da falta de efeito, de fôlego, que acomete rapidamente ao desinteresse o
espectador mais exigente. E assim concordaremos que o lugar-comum certamente não
compromete a poesia caso possa se oferecer, como tratou Autran Dourado, com uma “força
nova” e, por conseguinte, fôlego e efeito.
O exemplo do patético nos filmes de Carlitos nos cabe de maneira tão imprevista
quanto justa ao procurarmos entender essa aposta no estilo de Vinicius de Moraes. Falamos
então de dois mestres do patético e da reinvenção do lugar-comum. Do mesmo modo que o
trabalho do diretor, o do poeta “nas mãos de qualquer outro” se tornaria ridículo. Cabe
lembrar que Vinicius era um grande admirador de Charles Chaplin. O poeta, que também
foi crítico de cinema, por muitas vezes escreveu sobre o artista inglês.
Tentaremos esclarecer um pouco o mecanismo dessa reinvenção tomando os
primeiros versos de um conhecido poema de Vinicius, chamado “Ausência”
50
:
50
Nova antologia poética. Org. Eucanaã Ferraz e Antonio Cícero. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p.
13.
50
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
Uma angústia os perpassa, contagiante, e se sobreleva ao desgaste da cena amorosa.
Por sua vez, entendemos que deixar morrer um desejo, ter o desejo dentro de si e adjetivar
como doces os olhos da amada não compõem, por si, imagens adicionais ao histórico do
lirismo. Mas qualquer coisa nessa disposição de lugares-comuns que lhes dão,
curiosamente, efeito e novidade. Possamos talvez apreendê-lo: no metro longo e no ritmo
acelerado dos versos, que conduzem a uma idéia de desespero; na maneira intempestiva
como aparece o complemento “que são doces”, quase como em tom de observação; no
tempo subseqüente como a mágoa e a exaustão se nos revelam em correspondência com o
ritmo e a melodia que se impuseram; na lógica em que há relação entre ver alguém
exaurido e a doçura dos olhos; etc. A impossibilidade de decodificar plenamente os
mecanismos dessa “alquimia”, contudo, é parte essencial da linguagem poética.
Ao focarmos as considerações na poesia esparsa, de onde recolhemos com vista ao
estudo mais continuado os poemas “Cartão-postal/Modinha” e “O haver”, verificamos que,
se o risco estava flagrante na poética de boa parte de seus volumes publicados, a produção
de Vinicius, num período em que ele já havia exercitado reiteradamente um conjunto
considerável de técnicas e temas, adquire uma natureza ainda mais ousada. O poeta
aparece-nos, então, bem à vontade em conformar sua poesia com sua experiência humana,
mesmo que para tanto seja necessário inventar formas ou romper valores. Trata-se, no
entanto, menos de formulações endereçadas à crítica ou aos teóricos da forma do que de
uma necessidade de que a poesia expresse aquilo que de outro jeito não o conseguiria. Por
51
isso, ainda que esse risco, presente nos poemas que, por ora, nos interessam, constitua uma
característica sedutora do ponto de vista crítico-teórico, esses se apresentam de tal maneira
despojados muito porque o prestígio do poeta não mais precisa dar maiores provas de
infalibilidade.
E ali encontraremos, como conseqüência, experiências formais como as realizadas
em “Sob o trópico do Câncer”, “Cartão-postal/Modinha” e “P(B)A(O)I”; as acertadas
aventuras lírico-existenciais de “O haver” e “A perdida esperança”; a fusão entre a tradição
escrita e o folclore brasileiro de “O corta-jaca” e “Jogo de empurra”; como também as
saborosas poesias de circunstância de “Soneto de luz e treva”, “Mote e contramote” e
“Alexandra, a caçadora”. Sobre esse último tipo citado, Eucanaã Ferraz faz uma
consideração exata no posfácio
51
do livro Poemas esparsos:
Seria preciso pensar, em termos teóricos, os limites e o alcance da chamada poesia de
circunstância, mas a inequívoca ausência de tal disposição crítico-teórica talvez seja
conseqüência da própria excentricidade dos poemas de tal natureza nos quadros de uma lírica
cujo valor se mede, tradicionalmente, pelo apagamento da circunstância. Ou seja, convencionou-
se julgar que o valor do poema cresce na medida em que a presença da circunstância diminui ou
desaparece, substituída por uma almejada atemporalidade. Mas, se falta ainda um pensamento
mais estruturado a respeito desse quase-gênero poético, não faltam nomes que, na história da
poesia, deixaram que as marcas da efemeridade do tempo, do espaço, do fato e dos nomes
permanecessem no poema.
Muitas vezes, a qualidade distintiva de um grande artista está propriamente nessa
capacidade de instigar, espantar ou mesmo desdizer as sentenças teóricas; está em fazer
com que uma obra de arte funcione conquanto apontada para um caminho imprevisto ou,
ainda, contrário ao aconselhável; está em situar a teoria sempre em sua subordinação,
51
“Simples, invulgar”. In MORAES, Vinicius de. Poemas esparsos. São Paulo: Companhia das Letras, 2008,
pp. 161-179.
52
forçando-a a uma perseverante releitura, à atualização; e nunca o contrário o que
resultaria em condenar o repertório ao inocuamente bem-realizado.
53
3.1- CARTÃO-POSTAL / MODINHA
54
MODINHA
Existe o mundo
E no mundo uma cidade
Na cidade existe um bairro
Que se chama Botafogo
No bairro existe
Uma casa e dentro dela
Já morou certa donzela
Que quase me bota fogo.
Por causa dela
Que morava numa casa
Que existia na cidade
Cidade do meu amor
Eu fui perjuro
Fui traidor da humanidade
Pois entre ela e a cidade
Achei que ela era maior!
Loucura minha
Cegueira, irrealidade
Pois realmente a cidade
Tinha, como é de supor
Alguns milhares de km2
E ela apenas, bem contados
Metro e meio, por favor.
55
O Rio de Janeiro como pauta. Não apenas o seu significado, mas também o
significante: a palavra vai além de sugerir um sentido, porque o expressa em imagens
visíveis, como faz uma gravura. Trata-se do “Cartão-postal”, indissociável de sua
“Modinha”, poema complementar que se incorpora formando um único poema de duas
partes
52
. Seria a introdução do Roteiro lírico e sentimental da cidade de São Sebastião do
Rio de Janeiro, onde nasceu, vive em trânsito e morre de amor o poeta Vinicius de Moraes,
caso a idealização desse livro pudesse ter sido, de toda, concretizada. O poeta nos deixa o
projeto do Roteiro por meio de um sumário, dactiloscrito, dos poemas que o formariam,
com emendas manuscritas indicando quais estavam “prontos”, quais “em andamento” e o
título daqueles que ainda restavam “a fazer”. José Castello conta-nos isso e mais algumas
outras histórias que revelam a antiga obsessão de Vinicius por essa idéia na biografia
53
que
escreve sobre o poeta e na “Apresentação” de um volume que foi a primeira experiência de
se publicar textos previstos para o Roteiro lírico
54
.
O “Cartão-postal” começa como uma fotografia formada por palavras. Há, de início,
um “avião”, formado pelo seu signo este que desenha as asas mais a repetição vertical
cruzada da letra “v”, formando o corpo do veículo. O poeta também representa a “lua”,
cometendo o requinte minimalista de transpô-la somente com a palavra. Ao canto esquerdo
do “cartão” desce um final de montanha que cai no mar, este que vai de ponta a ponta
durante três linhas, justificadas nas margens do poema, e mais uma linha que acaba antes da
52
Roteiro lírico e sentimental da cidade do Rio de Janeiro, e outros lugares por onde passou e se encantou o
poeta. Apresent. e textos adic. por José Castello. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, pp. 19-21.
53
CASTELLO, José. Vinicius de Moraes: o poeta da paixão / uma biografia. ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 2005, pp. 147, 262, 408-413.
54
In MORAES, Vinicius de. Roteiro lírico e sentimental da cidade do Rio de Janeiro, e outros lugares por
onde passou e se encantou o poeta. Apresent. e textos adic. por José Castello. São Paulo: Companhia das
Letras, 1992, pp. 13-15.
56
margem direita, provocando uma irregularidade semelhante à espuma. Os três subseqüentes
versos chamemos assim são alinhados e indicam o mosaico gravado no célebre
calçadão de Copacabana, as palmeiras e o poeta poraítudo”, repetindo-se poeticamente na
imagem do cartão-postal. Podemos identificar que estes três versos já são distintos pelo que
carregam uma certa metalinguagem, uma voz narrando o fazer poético em seus
“Aquiporei” e “Emeponho”. Vale comentar, também, a respeito da fotografia, a forma
como o texto abdica do espaço entre as letras e da lógica de minúsculas e maiúsculas na
medida em que se faz em benefício da expressão visual.
Como se nota pelo conteúdo semântico das palavras que compõem o desenho, a
poesia do cartão e da modinha estarão a serviço de uma desesperada declaração de amor ao
Rio de Janeiro. Para tanto, Vinicius emprega um recurso poético o qual podemos apontar,
sem dúvida, como um particular de sua poesia: a transmutação de coisas e lugares na figura
feminina, fazendo de sua relação com esses uma relação encarnada, antropomórfica, como
acontece, por exemplo, nos antológicos “Pátria minha” e “A bomba atômica”.
Os primeiro versos propriamente ditos dão a entender que estamos em meio a uma
grande brincadeira: “Quero brincar com a minha cidade. / Quero dizer bobagens à minha
cidade”. Esse “brincar” aponta para a fotografia acima e para os versos abaixo com uma
suave diferença de significado: ao que foi feito, com o sentido semelhante a jogar, manejar,
aventurar-se; ao que vai em seqüência, com o sentido mesmo de “dizer bobagens”, gracejar,
zombar. O emprego do verbo, pois, em si mesmo faz parte do jogo – da manipulação, do
ofício por vias de sua polissemia. E logo Vinicius pede licença ao leitor para as suas
“bobagens”. Aqui faremos uma consideração muito importante: o poeta sabe que fará um
versejo de gosto duvidoso, que vai abandonar “[p]rovisoriamente” a seriedade e a
dignidade e isso é parte do humor na composição –, por isso alerta, por isso prepara
57
previamente o espaço do poema falamos então da técnica de se lidar com o risco, com o
temerário. E atira certeiro, inclusive na opção de um metro longuíssimo, adequado ao
padrão retórico do que vai dizer: “Quero dizer à minha cidade que ela leva grande
vantagem sobre todas as outras namoradas que tive / Não em km² como no que diz
respeito a acidentes de terreno entre os quais o número de buracos o constitui fator
desprezível”.
No mesmo compasso, Vinicius anuncia que vai cantar uma modinha para
comprovar a vantagem, deixando o fim de “Cartão-postal” com dois pontos (:), suspenso,
para que se complete com “Modinha”. Esse estilo musical originou-se nas cantigas
brasileiras do século XVII e foi levado à corte de Lisboa por Domingos Caldas Barbosa
(1740-1800). Sob influência de músicos eruditos portugueses, as modinhas adquiriram
propriedades da música de ópera italiana e voltaram ao Brasil no início do século XIX.
Sagraram-se, por aqui, por muitos anos, como um jeito marcadamente carioca de compor
canções amorosas
55
. Por isso nosso poeta escolhe a modinha como o veículo de declaração
de seu amor ao Rio de Janeiro – a própria forma é uma homenagem.
E esse poema, metade de um poema maior, faz-se, portanto, com uma linguagem
bem simples, fluida, como costumavam ser as letras das antigas canções populares.
Compõem-se de versos de quatro e de sete sílabas poéticas, distribuídos em duas oitavas
mais uma estrofe que, embora possua sete linhas, funciona como oitava, pois quando lemos
essa estrofe (ou, hipoteticamente, cantamos, já que se trata de uma modinha), a sigla “km²”
ganha um metro próprio. Logo entendemos que o padrão estabelecido nas oitavas é, na
55
Podemos citar alguns exemplos de compositores importantes como Joaquim Manuel da Câmara (1780-
1840), Cândido José de Araújo Viana ou “Marquês de Sapucaí” (1793-1975) e Cândido Inácio da Silva
(1800-1837). Posteriormente, renovada por músicos de origem simples e sob forma de canção ternária,
assimilada da valsa, a modinha ganhou muita popularidade, ganhando as ruas como serenata. E então temos
Xisto Bahia (1841-1894), Catulo da Paixão Cearense (1866-1946) e outros. Também compuseram modinhas
Chico Buarque de Holanda e Vinicius de Moraes.
58
prática, mantido: tetrassílabos o primeiro e o quinto versos e, os outros seis, redondilhas
maiores:
Loucura minha
Cegueira, irrealidade
Pois realmente a cidade
Tinha, como é de supor
Alguns milhares de km²
E ela apenas, bem contados
Metro e meio, por favor.
Loucura minha
Cegueira, irrealidade
Pois realmente a cidade
Tinha, como é de supor
Alguns milhares
De quilômetros quadrados
E ela apenas, bem contados
Metro e meio, por favor.
Estamos diante, pois, de um trabalho formal que vai além de mero artifício: registra
o contraste determinante entre um cartão-postal e uma modinha, porquanto a essência do
cartão seja o aspecto visual e a essência da canção seja o aspecto auditivo. Ou seja, ao
passo em que Vinicius de Moraes compõe o “Cartão-postal” de maneira que este não possa
ser apenas recitado, mas tenha sobretudo que ser visto, compõe a “Modinha” de maneira
que esta não possa ser compreendida em sua forma caso não seja, por sua vez, ouvida
que é música.
Podemos dizer que “Modinha” realiza-se nos movimentos de aproximação e de
zoom sobre o espaço da cidade, como se tomássemos um mapa e fizéssemos, de cada lugar,
conjunto e subconjunto de regiões respectivamente menores e maiores. O aspecto mais
interessante desse movimento está na presença dos elementos que não se buscariam
normalmente nos mapas, como pessoas e mesmo as suas manifestações antevisão poética
dos modernos mapas eletrônicos. A primeira oitava dá-se no movimento de aproximação
que, antes da cidade, ainda faz do mundo o seu ponto de partida. O foco, precipitado ao
59
menor elemento, alcança a ação de botar “fogo” trocadilho arriscado, tão-somente
adequado porque está escrito à maneira de uma de modinha.
No entanto, os principais artifícios estão no movimento contrário: a segunda estrofe
disfarça-se, a partir do quarto verso, ao ganhar um discurso aparentemente mais retórico
“Cidade do meu amor”. Esse “amor” de poeta não deixa de fazer parte do zoom é maior
que a própria cidade. O exagero da passagem subseqüente, “Eu fui perjuro / Fui traidor da
humanidade”, se amplifica quando situado num afastamento que, como identificamos,
continua. Fazemo-nos, nesse sentido, capazes de assimilar a comparação absurda entre “ela
e a cidade”, que é, “como é de supor”, a comparação entre o desmedido significado de uma
e de outra, tomados como elas mesmas. Mas em contraponto a esse entendimento, que
distingue as escalas reais e abstratas de grandeza, o poeta novamente as confunde na estrofe
final, com a intenção de ridicularizar o paralelo entre aquela que possui “[a]lguns milhares
de km²” e outra que, se “bem contados”, possui apenas um “[m]etro e meio”.
60
3.2- O HAVER
Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo:
– Perdoai! – eles não têm culpa de ter nascido...
Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo que existe.
Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano, ou essa súbita alegria
Ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória...
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera cega em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de sua inútil poesia e sua força inútil.
61
Resta esse sentimento da infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa tola capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem de comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo esse desejo de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não têm ontem nem hoje.
Resta essa faculdade incoercível de sonhar
E transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.
Resta essa obstinação em não fugir do labirinto
Na busca desesperada de alguma porta quem sabe inexistente
E essa coragem indizível diante do Grande Medo
E ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer dentro da treva.
Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem história
Resta essa pobreza intrínseca, esse orgulho, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.
Resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento
Esse abandono sem remissão à sua voragem insaciável
Resta esse eterno morrer na cruz de seus braços
E esse eterno ressuscitar para ser recrucificado.
62
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio
Pelo momento a vir, quando, emocionada
Ela virá me abrir a porta como uma velha amante
Sem saber que é a minha mais nova namorada.
Podemos deduzir, com base em seu título e em seu poder expressivo, que esse seria
um dos carros-chefe de O deve e o haver, anunciado mas inconcluso volume de poesias de
Vinicius de Moraes. O arcabouço poético de “O haver”
56
é de tal forma vigoroso que,
mesmo sofrendo ao longo de quinze anos um encrencado equívoco editorial como
veremos –, sob versão inacabada e defectível, conseguiu o poema, ainda assim, ganhar
lugar entre os mais conhecidos do repertório do poeta
57
.
Não cabe aqui decodificar os dispositivos pelos quais se construiu tamanha
popularidade. Por isso nos limitaremos a desenvolver apontamentos e comentários sobre
alguns desses versos. Alenta-nos, no entanto, saber que as limitações crítico-teóricas
representam, caso advenham de uma acertada demarcação, o valor da poesia enquanto
linguagem ilimitada e intransponível.
O poema ganhou livro pela primeira vez em 1993, como o primeiro da coletânea
Jardim noturno
58
, que materializou um esforço inicial de levar ao grande público uma
seleção de materiais avulsos do poeta, como nos conta a organizadora Ana Miranda
59
:
56
Poemas esparsos. Sel. e org. de Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, pp. 12-14.
57
Basta conferirmos, para que se tenha uma evidência de sua contínua popularização, que uploads da faixa-
áudio que traz a leitura d’“O haver” pelo próprio Vinicius geram, aos contadores do site de vídeos da internet
“YouTube”, até o presente momento deste estudo, mais de uma centena de milhares de exibições.
58
MORAES, Vinicius de. Jardim noturno. Sel. e org. de Ana Miranda. São Paulo: Companhia das Letras,
1993.
59
“Apresentação”. In op. cit., pp. 13-14.
63
Alguns são apenas fragmentos, ou idéias a serem desenvolvidas, ou mesmo antigas que
depois Vinicius de Moraes trabalhou e incluiu em livro. Outros foram publicados em revistas ou
jornais. Outros, ainda, são poemas que o ocuparam de forma obsessiva durante anos, e estão
evidentemente terminados, datilografados, datados, assinados; foram anunciados pelo poeta,
prometidos aos leitores, mas, por algum motivo sobre o qual podemos apenas especular,
Vinicius nunca os publicou – todavia nunca os rasgou.
A família do poeta cedeu este material para a Casa de Rui Barbosa com a finalidade de
fornecer subsídios aos estudiosos e pesquisadores (...).
Portanto, para que tantas e tão valiosas páginas não ficassem restritas aos pesquisadores, fiz
uma seleção subjetiva, aqui apresentada por temas, sem preocupação de ordem cronológica.
Esse volume carrega uma série de problemas, em grande medida compreensíveis
quando o consideramos parte de uma pesquisa complexa que, naquele momento, apenas se
iniciava. Entre os mais eloqüentes, registramos uma tradução incompleta de Vinicius do
poema “Arion, versos sueltos del mar”
60
, de Rafael Alberti (1902-1999), publicado como se
fosse uma composição do poeta brasileiro, intitulada “Versos soltos do mar”, e que, devido
à caligrafia dificultosa do manuscrito, pôs-se ali em versos de tal forma corrompidos a se
tornarem, por vezes, ridículos. Como exemplo, da passagem “Os que morreram / Mar, hoje
não te chamam” (“Los que se murieron, / hoy, mar, no te nombran”) transcreveu-se “Os
que morreram / Maruja, vão te chamar”.
Nosso “O haver” estava entre as complicações. Ao procurarmos as incidências do
poema, encontramo-lo em cinco registros: em dois originais do poeta na AMLB da
Fundação Casa de Rui Barbosa; numa publicação do jornal Diário de Notícias de 15 de
abril de 1962; n’O melhor do Pasquim 1969/70; e recitado, no álbum Antologia poética
61
,
de 1977. Um dos originais presentes na fundação traz em sua margem superior a data em
que o poema será publicado no “DN”. O outro se apresenta incorporando as anotações
60
ALBERTI, Rafael. Poesía Completa. Madrid: Aguilar, 1988, p. 180.
61
Philips, 1977.
64
realizadas no primeiro. O poema de fato publicado no Diário de Notícias é uma versão
ainda mais acrescida e bem acabada. Cerca de oito anos depois, aqueles versos aparecem na
edição especial d’O Pasquim em forma praticamente definitiva, não fossem três
pormenores da leitura em 1977: leu-se “que existe” no lugar de “quanto existe” (2ª estr.), e
retornaram, de outros registros, o “da simultaneidade” (4ª estr.) e o “seu reino” (12ª estr.),
em vez de “de simultaneidade” e “próprio reino”. A versão de Jardim noturno, por sua vez,
retrocedeu ao primeiro dos originais, a mais primária e inacabada de todas. E, não bastasse,
levou como data aquela da publicação no “DN”.
Somente em 2008, em Poemas esparsos, publicou-se em livro sua forma última: a
d’O melhor do Pasquim, sem rejeitar, com razão, as três pequenas alterações realizadas no
álbum Antologia poética.
Os quartetos que compõem “O haver” arriscam-se a apontar para o próprio eu-lírico
de modo a espantar qualquer poeta romântico: “esse orgulho, essa vaidade / De não querer
ser príncipe senão do seu reino”. Entretanto se encontram à distância do romantismo na
medida em que repudiam o escapismo e apontam para a vida real: “Resta essa obstinação
em não fugir do labirinto / Na busca desesperada de alguma porta quem sabe inexistente”;
ainda que seja necessário, paradoxalmente, “transfigurar a realidade, dentro dessa
incapacidade / [d]e aceitá-la tal como é”. Referimo-nos a um poema que, sobretudo,
consegue dar uma aparência tangível às abstrações mais generalizantes: “Essa mão que
tateia antes de ter, esse medo / De ferir tocando, essa forte mão de homem / Cheia de
mansidão para com tudo que existe”. A reinvenção do lugar-comum, sobre a qual
dissertamos, é realizada, então, com segura ousadia, sem que a “força nova” titubeie em
aparecer. Vinicius saca o recurso sempre em contextos inesperados, oportunos conquanto
sob o risco de sê-los imediatamente ao introduzir o poema: “Resta essa voz íntima pedindo
65
perdão por tudo: / – Perdoai! – eles não têm culpa de ter nascido...”; ou após uma seqüência
de imagens afiladas: “e essa impressionante //
E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança”.
Poderíamos dizer que “O haver” é personalíssimo, confessional e circunstancial.
Assim o sendo, o que mais se estranha é a resultante, oposta ao que se esperaria em tal
caso, porquanto o poema se projeta no leitor, concerne-o e aparece desavindo de um
espaço-tempo. Também podemos, embora, realizar sua leitura com base em uma segunda
perspectiva, menos ligeira, considerando que o objeto poetizado não é meramente a pessoa,
mas a poética o Vinicius em metonímia com o manancial que lhe “[r]esta”. Apóia-nos,
logo, a consonância com o verso elegíaco em que o poeta reclama a impossibilidade de
“[s]er apenas Moraes sem ser Vinicius”
62
, ou seja, ser apenas o sujeito, sem ser o poeta.
Sua “intimidade perfeita com o silêncio”, seu “antigo respeito pela noite”, por
exemplo, são flagrantes desde o primeiro poema do primeiro livro. Os dois versos
inaugurais de O caminho para a distância empenham-se em transmitir tanto aquela
disposição do poeta para com o diálogo íntimo como sua reverência a supostos enigmas
noturnos
63
: “O ar está cheio de murmúrios misteriosos / E na névoa clara das coisas um
vago sentido de espiritualização...”
64
. Esse concerto permanece, também, na excelência
poética de Poemas, sonetos e baladas, contudo bem mais sofisticado, após à superação de
62
“Elegia quase uma ode”. In Antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, pp. 61-66.
63
Sobre o tema da noite na poesia viniciana, verificamos A poética da noite em Vinicius de Moraes, de
Elenice Groataers de Moraes (São Paulo: Scortecci, 2007).
64
O caminho para a distância. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, pp. 9-11.
66
“[u]ma incapacidade de ternura”
65
que, sem dúvida, se oporia ao belo verso que abre “O
haver”. São assim o quarto dos “Quatro sonetos de meditação” e a “Imitação de Rilke”. As
“Duas canções de silêncio” de Para viver um grande amor são importantes nesse contexto;
e, agora, ao atravessar sua poesia esparsa, a relação do poeta com o silêncio e com a noite
se estabelece tão naturalmente a ponto de se apresentar espontânea e crua como em “O
poeta em trânsito ou o filho pródigo”.
Sua “irredutível recusa à poesia não vivida” evoca uma família de poetas de qual
Vinicius faz parte, como também Rimbaud sua maior influência –, Manuel Bandeira e,
seu amigo, Pablo Neruda. Esse verso e-se em paralelo, por exemplo, com outros dois,
repetidamente citados na fortuna crítico-teórica de língua espanhola: “Hablo de cosas que
existem, Dios me libre / de inventar cosas cuando estoy cantando”
66
. Assim como esse
realismo de Neruda é traiçoeiro, a recusa viniciana não pode, obviamente, tratar-se de um
manifesto à representação do real. Não seria, pois, necessário que nos alongássemos sobre
as distintas delimitações de vida e de realidade – para Vinicius de Moraes, é a primeira que
deve atrelar-se à poesia, como também é essa a matéria-prima incorruptível do chileno.
Na quarta estrofe, a poesia de “Essa comunhão com os sons, esse sentimento / Da
matéria em repouso” alcança um nível de linguagem tão indisposto a qualquer transposição
analítica quanto, curiosamente, se faça compreensível aos nossos sentidos primários.
Vejamos que a “comunhão com os sons” é, das elaborações, a menos incômoda. Isso
porque tomamos automaticamente “os sons” como fato, como o que ocorre, não como
65
Este verso é de “Soneto da madrugada” (Poemas, sonetos e baladas. São Paulo: Companhia das Letras,
2008, p. 49.), poema cujo hermetismo possibilita uma leitura sob a qual o objeto poetizado, assim como n’“O
haver”, é a própria poética nessa ótica, teríamos a expressão da superação de uma poesia “Nunca simples e
nunca natural” (Op. cit.).
66
NERUDA, Pablo. “Estatuto del vino”. In Residencia en la Tierra. Prólogo de Jaime Quezada y Federico
Schopf. Santiago: Editorial Universitaria, 1996, pp. 151-154.
67
coisa
67
, embora possamos aguçar essa leitura em função do que se segue: “esse sentimento
/ Da matéria em repouso”. O “repouso” da matéria poderia apontá-la como coisa em si
se não a subentendesse ainda entre outras coisas e, portanto, deixando-a no mundo como o
que ocorre. Todavia, o núcleo da idéia está no “sentimento” da matéria em repouso, um
estado que não é um estado de coisa porque não é o subsistir do fato algo que somente a
poesia se disporia a mostrar. E mostra-nos tanto melhor quanto circunscrito em metáfora do
sentimento poético de Vinicius.
Levanta-se n’“O haver” a questão da utilidade da poesia: “essa imensa / Piedade de
sua inútil poesia e sua força inútil”. No entanto, o poeta não escreve, aqui, sobre a mesma
utilidade debatida nas cátedras o prazer estético, a expansão da linguagem, o sustento do
espírito... –, mas uma outra, ou melhor, a falta de utilidade na tentativa de fazer com que a
poesia sirva como um agente estabilizador: do “coração queimando como um círio / [n]uma
catedral em ruínas”; da “tristeza”; da “súbita alegria”; da “vontade de chorar diante da
beleza”; da “cólera cega em face da injustiça e do mal-entendido”; da “piedade de si
mesmo”. A inutilidade a que Vinicius se refere diz respeito à incapacidade de a poesia vir a
ser um alento para as dores advindas de sua “capacidade de ternura”, esta mesma que o
arrasta à poesia. Trata-se de um movimento mais propriamente interior que exterior. A
respeito, Ferreira Gullar, em depoimento no documentário
68
sobre o poeta, comenta a
afirmação de T. S. Eliot de que escrever é fugir da emoção, e que o poeta de língua inglesa
escrevia porque queria se libertar. Daí, Gullar faz uma comparação com a força criadora de
Vinicius de Moraes.
67
Usamos em itálico, neste parágrafo, o vocabulário de Ludwig Wittgenstein em Tractatus lógico-
philosophicus (São Paulo: Universidade de São Paulo, 2001).
68
Vinicius de Moraes Quem pagará o enterro e as flores / Se eu me morrer de amores. 1001 Filmes e
Iberautor Promociones Culturales, 2005.
68
Se a análise desse poema parte da perspectiva sob a qual o objeto poetizado não é
meramente a pessoa, mas a poética de Vinicius de Moraes, seria temerário aos nossos
fundamentos que tanto a mulher como a morte, agora, não figurassem. À mulher, o poeta
dedica um quarteto cuja interessante imagem cristã em verdade, profana seria
impensável em seus primeiros livros:
Resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento
Esse abandono sem remissão à sua voragem insaciável
Resta esse eterno morrer na cruz de seus braços
E esse eterno ressuscitar para ser recrucificado.
Cabe ressaltar o indissociável entre a mulher e o tormento, assim como a “fidelidade à
mulher” que não necessariamente se endereça ao indivíduo.
E como foi registrado nas ponderações sobre o grotesco viniciano à leitura de “Sob
o trópico de Câncer”, a morte é um elemento assíduo nessa poética, assim como as
semânticas que acercam a deterioração, o horrendo etc. Muitas vezes, entretanto, esse
elemento aparece autônomo de tal campo semântico. Tantas vezes a morte apresenta-se e,
em proporção, crescem suas configurações dentro da obra de Vinicius. O belíssimo “A
morte”
69
serve de exemplo por sua leve naturalidade: “Vem para os meus olhos / Virá para
os teus”; “Chega impressentida / Nunca inesperada”. E que, de quanta leveza, inverte a
ordem natural:
Dos homens, ai! dos homens
Que matam a morte
Por medo da vida.
69
Poemas, sonetos e baladas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 13.
69
Quase nesse mesmo paradigma, a morte em “O haver” parece não amedrontar o
poeta: “essa coragem indizível diante do Grande Medo”; e, ainda, em outro tempo, esse
fascínio / Pelo momento a vir”. Vinicius teme, por sua vez, uma existência posterior que o
acometa: “esse terrível medo de renascer dentro da treva”. Embora a “Balada do enterrado
vivo” possa nos fazer hesitar, devemos mesmo ler esse “renascer dentro da treva” como um
renascimento além-vida seria, de outra forma, considerar a presença de uma porção
grotesca em completo estrangeirismo à atmosfera do poema.
Finaliza-se “O haver” utilizando aquele recurso citado na leitura de “Cartão-
Postal/Modinha”: Vinicius, aqui, provoca a encarnação do “momento a vir” na figura
feminina, reunindo morte e mulher, e realizando uma das mais perigosas e formidáveis
imagens da poesia esparsa: “velha amante” porque sempre esteve de prontidão, à espera de
se encontrar; “nova namorada” – “[s]em saber” – porque encerra todas as atenções do poeta
desde já.
70
4- O VIRTUOSISMO
Em 1967, na edição aumentada
70
do Livro de sonetos, Vinicius acrescentou poemas
como “Soneto de maio” e “Soneto do gato morto”. Sua desenvoltura técnica atingiu,
naquele momento, resultados os mais impressionantes. Podemos verificar, por exemplo, a
sofisticação formal desse segundo
71
:
Um gato vivo é qualquer coisa linda
Nada existe com mais serenidade
Mesmo parado ele caminha ainda
As selvas sinuosas da saudade
De ter sido feroz. À sua vinda
Altas correntes de eletricidade
Rompem do ar as lâminas em cinza
Numa silenciosa tempestade.
Por isso ele está sempre a rir de cada
Um de nós, e ao morrer perde o veludo
Fica torpe, ao avesso, opaco, torto
Acaba, é o antigato; porque nada
Nada parece mais com o fim de tudo
Que um gato morto.
O “gato vivo” é representado nos dois quartetos com uma dicção fluida, como se os
versos imitassem o caminhar e a “serenidade” do animal. A fluidez se constrói, sobretudo,
por meio de unidades de sentido que ultrapassam a unidade do verso, o que é causa,
70
Rio de Janeiro: Sabiá, 1967.
71
“Soneto do gato morto”. In Nova antologia poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p.170.
71
inclusive, do excelente enjambement que incorpora na própria forma do poema a imprevista
ferocidade ancestral do felino. Nos tercetos, o gato, “ao morrer”, é posto em versos
virgulados e trôpegos. As unidades de sentido se fragmentam e se acumulam no mesmo
verso: “Fica torpe, ao avesso, opaco, torto // Acaba, é o antigato; porque nada”. E o “fim de
tudo” configura-se com o fim abrupto do compasso: o poema, até então, em versos
decassílabos é interrompido bruscamente na quarta sílaba poética: “Que um gato morto”.
Por meio do achado formal, provoca-se, mais que o término do poema e do gato, a sensação
de que se termina mesmo tudo – qualquer coisa.
Nesse período que vai de meados dos anos 50 até aproximadamente 1975, Vinicius
fará, certamente, o que de mais importante já se levantou em sua poesia esparsa, seja aquela
publicada na imprensa ou a deixada em originais. Podemos citar, por exemplo, poemas
perfeitamente assinados e datados de alta qualidade, como “A perdida esperança”,
“Romance da Amada e da Morte”, “Cemitério marinho”, “Medo de amar”, “Na esperança
de teus olhos”, “Soneto de luz e treva”, “Soneto no sessentenário de Rubem Braga”,
“P(B)A(O)I” e “Balada de Santa Luzia”. Esses dois últimos nos servirão neste capítulo para
expor um pouco dos recursos que Vinicius exercita com virtuosismo.
Ao voltarmos ao posfácio
72
de Poemas esparsos, verificamos um olhar crítico
interessado na valorização da capacidade técnica do poeta:
Vinicius foi desde sempre um exímio construtor de versos e poemas: inicialmente, no uso
do verso livre – longo, largo, pleno de ressonâncias melódicas –, no apego a um campo
semântico religioso e a um vocabulário muitas vezes nobre e requintadamente literário; mais
tarde, na manipulação desassombrada da metrificação, da forma fixa, do verso curto e sintético,
da rima e dos variados efeitos tmicos do corte e do enjambement, somando-se a isso uma
72
FERRAZ. Eucanaã. “Simples, invulgar”. In MORAES, Vinicius de. Poemas esparsos. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008, pp. 161-179.
72
quebra de hierarquias que possibilitou uma abertura do poema a qualquer palavra, a experiências
sintáticas, criações inesperadas com a língua e as línguas, rupturas, mas também a incorporação
da fala mais simples e cotidiana. Embaralha-se tudo isso que parece linear e progressivo e
teremos então um poeta vigilante, aberto à experimentação e capaz, como poucos, de engendrar
formas em que tradição e renovação jamais se antagonizam.
Eucanaã afirma, ali, que, para Vinicius de Moraes, “a forma não encerrava um
problema” e que “a habilidade fazia da indagação sobre a forma algo menor diante do
lançar-se à expressão dos dramas seus e do seu tempo”. Ou seja, sua capacidade técnica
colocava-o em um ato de criação cujo esforço de formar o enunciado não era o personagem
principal. Por ora, tratamos de um poeta de rara estatura, logo seria intolerável afirmar que
ele não trabalhou dedicadamente nas fábricas da forma, no acabamento de seus versos, de
seus poemas
73
. O que se deseja expor, ao contrário, é a idéia de que essa mão-de-obra era
tão bem resolvida em suas aptidões que, conseqüentemente, as perplexidades que o
colocavam frente à arte literária puderam ser outras. E, então, as imprecisões da experiência
humana adaptavam-se cada qual a um conjunto de recursos distintos; a indagação de
Vinicius diante dos movimentos da vida alçava linguagens que, por sua vez, confundiam-se
com os ritmos, a melodia, a harmonia.
Houve momentos, em sua poesia esparsa, em que o verso livre, “pleno de
ressonâncias melódicas”, aparece reconfigurado, mais distante da religião que da “quebra
de hierarquias”, da “abertura do poema a qualquer palavra”, da “incorporação da fala mais
simples e cotidiana”, como em “Noturno de Genebra” e “Elegia de Paris”
74
:
73
Não bastasse o virtuosismo evidente em muitos de seus poemas, papéis originais deixados por Vinicius de
Moraes revelam um grande labor poético: muitas versões de um mesmo texto, ponderados, riscados,
modificados; por vezes o ofício atravessava anos.
74
Poemas esparsos. Sel. e org. de Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 77.
73
Maintenant j’ai trop vu. Neste momento
Eu gostaria de esquecer as prostitutas de Amsterdam
Em seus mostruários, e os modelos
De Dior, comendo croque-monsieur com gestos
Japoneses, na terrase do Hotel-des-Théâtres. O que
Eu gostaria era de ver-te surgir no claustro do meu sonho
Como uma tarde finda. Ah,
Ânsia de rever-te! ou de rever
O brilho de uma abotoadura de ouro – lembras-te? – caída no ralo da pia do velho.
St. Thomas d’Aquin... há quanto tempo?
Não sei mais! Entrementes
A morte fez-se extraordinariamente próxima e por vezes
Tão doce, tão... Tem uma face amiga –
É a tua face, amiga?
Antonio Candido diz que Vinicius “se dispôs a atualizar a tradição”, e que isso “foi
possível devido à maestria com que dominou o verso, jogando com praticamente todas as
suas possibilidades”
75
. A forma fixa praticada pelo poeta foi decisiva para tanto, porque foi
nessa disposição que a modernidade conformou-se com aspectos tradicionais de maneira
mais espontânea e inédita. Candido fala-nos a respeito, frisando em Vinicius sua
“capacidade de abordar por meio da métrica e das harmonias tradicionais situações e
matérias que os modernistas e sucessores teriam preferido tratar com verso livre ou verso
regular endurecido, despido de musicalidade”. E conclui:
Mas ele consegue ser moderno usando metrificação e cultivando a melodia, com uma
imaginação renovadora e uma liberdade que quebram as convenções e conseguem preservar os
valores coloquiais.
75
“Um poema de Vinicius de Moraes”. In MORAES, Vinicius de. Poemas, sonetos e baladas. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008, pp. 159-162.
74
Entre os poemas que Vinicius de Moraes não publicou em livro, encontra-se um
antigo poema dactiloscrito, com data em 1940, escrito para Suzana de Moraes e chamado
“Estâncias à minha filha”
76
. Aquelas redondilhas maiores, todas rimadas, são arrumadas
regularmente em sete oitavas, e a forma fixa parece impulsionar, ainda mais, a
radicalização do conteúdo cotidiano:
E acordar subitamente
De mau humor, talvez, de início
Contigo, minha imprudente
À beira do precipício.
E colocar-te sentada
Na mão, tu risonha e calma
Com essa bundinha ensopada
Que cabe na minha palma.
A destreza em se fazer versos dessa naturalidade, cujo resultado parece o de uma
brincadeira, resultante de uma fácil manufatura, produz, em 1971, um de seus melhores
sonetos esparsos, o “Soneto de luz e treva”
77
, dedicado à mulher Gesse:
Ela tem uma graça de pantera
No andar bem-comportado de menina.
No molejo em que vem sempre se espera
Que de repente ela lhe salte em cima.
Mas de súbito renega a bela e a fera
Prende o cabelo, vai para a cozinha
E de um ovo estrelado na panela
Ela com clara e gema faz o dia.
76
Op. cit., pp. 139-141.
77
Op. cit., p. 28.
75
Ela é de capricórnio, eu sou de libra
Eu sou o Oxalá velho, ela é Inhansã
A mim me enerva o ardor com que ela vibra
E que a motiva desde de manhã.
– Como é que pode, digo-me com espanto
A luz e a treva se quererem tanto...
A técnica em Vinicius de Moraes é quase sempre dissimulada, quase nunca salta
como protagonista aos olhos do leitor, vale reiterar. Nesse sentido, poderíamos entendê-la
como clássica, não fossem as invenções e reinvenções. O poeta procura escondê-la, tirá-la
do alcance do espectador, e o edifício está pronto, belo, sem qualquer peça do andaime.
Como leitores mais ousados, precisamos subentendê-la, a desconfiar, a presumir. Nessa
investigação, o vestígio é o resultado: o concerto, o sabor.
76
4.1- BALADA DE SANTA LUZIA
Ao amigo Alfredo Volpi
Na cela do seu convento
Vivia sóror Luzia
Como uma monja perfeita
Em penitência e cilício.
Seu constante sentimento
Era o da Virgem Maria
Que sem um mau pensamento
O Filho de Deus parira.
Mas era tanta a beleza
Dos grandes olhos que tinha
Imensos olhos parados
Da cor da paixão sombria
Que mesmo de olhar as monjas
Sóror Luzia se abstinha
Para não enrubescê-las
Quando seus olhos se tinham.
Ela própria, por modesta
A vista sempre retinha
Quando no poço do claustro
Seu rosto se refletia.
Luzia então se abraçava
Ao enorme crucifixo
Que do muro do seu quarto
Em tosco entalhe pendia
E com gemidos e queixas
A se ferir nos espinhos
77
Pedia ao Divino Esposo
Perdão dos olhos que tinha.
Era tão forte o momento
De suas próprias retinas
Que às vezes em seus transportes
Ela a si mesma se tinha
Sem saber mais se dava
A Ele, ou a ela, Luzia.
Mas Luzia não sabia
Nem sequer adivinhava
Que um belo moço existia
Que todo dia a espreitava
E que, por entre uma fenda
Que na pedra se rasgava
Ficava, ficava vendo
Luzia enquanto rezava.
E era tão grave a beleza
Dos olhos com que ela olhava
Que o amoroso cavalheiro
As mãos na pedra sangrava.
E em seu amor impotente
Pelos dois olhos que via
O cavalheiro demente
Ao muro quente se unia.
E a pedra ele possuía
Pelo que a pedra lhe dava
Da fugidia mirada
Do olhar de sóror Luzia.
Uma noite, em sua frente
A jovem monja depara
Com um cavalheiro embuçado
Que o alto muro galgara
78
E que ao vê-la, incontinente
Se ajoelha, descobre a cara
E desvairado e fremente
Loucamente se declara.
Seu olhar era tão quente
Tão fundo lhe penetrava
Que o de Luzia, temente
Desprender-se não ousava.
E seus olhos se tiveram
Tão no corpo e tão na alma
Que fraca e deliqüescente
Luzia sentiu-se grávida.
Enquanto em seu desvario
O moço lhe declarava
O seu intento sombrio
De ali mesmo apunhalar-se
Caso Luzia não desse
O que ele mais desejava:
Os olhos que via em prece
Quando de fora a espiava.
Vai Luzia e reaparece
Esvoaçante em seu hábito
Trazendo com ar modesto
Pequena salva de prata.
E com mão segura e presta
Ao moço tira o punhal
E com dois golpes funestos
Arranca os olhos das caixas:
Seus grandes olhos tão belos
Que deposita na salva
E ao jovem fidalgo entrega
Num gesto lento e hierático.
79
O cavalheiro recua
Ao ver no rosto da amada
Em vez de seus olhos, duas
Crateras ensangüentadas.
E corre e galga a muralha
Em frenética escalada
Deixando cair do alto
Seu corpo desamparado
Sem saber que ao mesmo tempo
De paixão desfigurada
Ao seu Senhor ciumento
Santa Luzia se dava.
O nome de Santa Luzia, ou Santa Lúcia, carrega algumas histórias mais ou menos
distintas. De acordo com o volume Legenda Áurea
78
, referência católica sobre os santos,
Luzia tinha a mãe doente de hemorragias e por isso a encaminhou, devota, ao túmulo de
Santa Águeda; de frente ao túmulo, adormece e sonha com a santa; após acordar, vê curada
sua mãe; Luzia, pois, passa a viver uma vida de total devoção e beatitude; oferece muito de
seus bens aos pobres, levando seu noivo a denunciá-la e entregá-la ao governo anticristão
de Pascácio; o governador ordena que ela seja conduzida à perversão, mas o corpo de Luzia
adquire um peso milagroso que nem muitos homens foram capazes de tirá-la do lugar;
torturaram-na e mataram-na ali mesmo.
Ainda no livro de Jacopo de Varazze, Santa Lúcia seria a protetora dos olhos já que
seu nome remete à luz, que é fundamento da visão e que remete à via lucis: o caminho reto,
imaculável e propenso a imensas extensões. Entretanto, a tradição oral conta que, ao ser
78
VARAZZE, Jacopo de. Legenda Áurea. Trad., apresent., notas e sel. iconográfica de Hilário Franco Júnior.
São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 77-80.
80
torturada, Luzia teve seus olhos arrancados e, como por dádiva divina, esses se refizeram
em sua face por isso seria a protetora. Outra versão é a de que ela teria perguntado a
Pascácio qual o motivo da paixão destemperada de seu noivo e, ao responder-lhe que era a
beleza de seus olhos, Luzia mesma arranca-os e os serve em um pequeno prato. Essa última
é a história em que se baseiam os quadros de inúmeros pintores como aquele de Alfredo
Volpi (1896-1988), o qual foi, provavelmente, a inspiração de Vinicius de Moraes para a
“Balada de Santa Luzia”
79
, visto a dedicatória do poema. A notabilidade da versão talvez se
deva à interação com algumas passagens bíblicas como a de São Mateus
80
(5:29-30):
E, se o teu olho direito te serve de escândalo, arranca-o, e lança-o para longe de ti, porque é
melhor para ti que se perca um dos teus membros, do que todo o teu corpo seja lançado na
geena. E, se a tua mão direita te serve de escândalo, corta-a, e lança-a para longe de ti; porque é
melhor para ti que se perca um dos teus membros, do que todo o teu corpo seja lançado na geena
do fogo.
Ou a de São Marcos
81
(9:42-47):
E, se a tua mão te escandalizar, corta-a; melhor te é entrar na vida (eterna) manco, do que, tendo
as duas mãos, ir para o inferno, para o fogo inextinguível, onde o seu verme não morre, e o fogo
não se apaga. E se o teu te escandaliza, corta-o; melhor te é entrar na vida eterna coxo, do
que, tendo dois pés, ser lançado no inferno num fogo inextinguível, onde o seu verme não
morre, e o fogo não se apaga. E, se o teu olho te escandaliza, lança-o fora; melhor te é entrar no
reino de Deus sem um olho, do que, tendo dois, ser lançado no fogo do inferno, onde o seu
verme não morre, e o fogo não se apaga.
79
Poemas esparsos. Sel. e org. de Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, pp. 23-27.
80
Bíblia sagrada. Trad. da vulgata e anot. pelo Pe. Matos Soares. São Paulo: Edições Paulinas, 1966, p.1182.
81
Op. cit., p. 1231.
81
Vinicius, por sua vez, conta-nos a sua própria história de Santa Luzia – uma história
de amor romântico –, o que é, de imediato, um aspecto bastante interessante no poema. E o
faz com a cadência típica de suas baladas que, aliado ao ambiente cristão e ao uso
persistente de rimas toantes, provoca-nos a memória musical deixada pelo Romanceiro da
Inconfidência, de Cecília Meireles
82
:
Por isso, descem as aves
de distantes céus intactos
sobre corpos sem socorro,
pela sombra apunhalados:
por isso, nascem capelas
no mudo espanto dos matos,
onde rudes homens duros
depositam seus pecados.
(...)
Aquilo que mais valia
na capela do Pombal
era a Senhora da Ajuda,
com seu cetro, com seu manto,
com seus olhos de cristal.
Com essa “Balada de Santa Luzia” temos um exemplar, na poesia esparsa, de uma
balada viniciana. Para compreendê-la em sua forma, faz-se importante alguma observação
acerca das baladas em geral. Essas aparecem como um gênero da música, aliado à dança, e
sua expressão literária consta da língua germânica do culo XIII. Podemos encontrá-las
puramente como literatura, em forma original, na poesia do século XV, como nas oitavas
do francês François Villon. Após caírem em desuso, voltaram a atrair interesse no século
82
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005, p. 14 e p.38.
82
XVIII como gênero popular a ser resgatado. Os românticos adotaram as baladas em função
de seu acento musical e espontâneo; no Brasil, os parnasianos cultivaram-nas segundo a
norma francesa: três oitavas cujo último verso de cada uma repete-se nas outras, com rimas
em esquema ababacac; e um ofertório de quatro versos com rimas acac.
Porque as baladas foram muitas vezes, ao longo do tempo, realizadas com certo teor
narrativo, a poesia moderna brasileira, geralmente, deu esse nome a poemas com esse teor,
conquanto não apresentassem um padrão formal pré-estabelecido. A balada viniciana, por
sua vez, destacada por conta de poesias antológicas da lírica brasileira como “Balada do
mangue” e Balada das meninas de bicicleta”, tem como propriedades fundamentais, além
do acento musical, o sempre uso de redondilhas maiores, a presença de rimas dispostas em
intervalos variáveis e o espírito de crônica
83
.
O que surge de mais particular na “Balada de Santa Luzia” é o uso das rimas
toantes, que nunca se assomou tanto e tão ressaltado nas outras baladas. Na primeira estrofe
o recurso já se apresenta e parece concorrer na construção de uma atmosfera circunspeta e
silenciosa, feito a de um convento:
Na cela do seu convento
Viva sóror Luzia
Como uma monja perfeita
Em penitência e cilício.
Esse tipo de rima também leva à intensificação do efeito surpresa de determinadas
palavras, ao dar-lhes maior pasmo por meio de seus ecos imperfeitos, como o caso da
palavra “grávida”:
83
Em Novos poemas, encontra-se a “Balada feroz”, em verso livre e totalmente distinta. O poeta, àquele
tempo, ainda não havia desenvolvido o modelo típico.
83
E seus olhos se tiveram
Tão no corpo e tão na alma
Que fraca e deliqüescente
Luzia sentiu-se grávida.
Também parece realçar o aspecto sagrado de outras, como “hierático”, ao preservá-
las de uma leitura maquinal, intuitiva:
Seus grandes olhos tão belos
Que deposita na salva
E ao jovem fidalgo entrega
Num gesto lento e hierático.
Um artifício presente no poema e que devemos observar é a escolha de um
vocabulário cujo objetivo atravessa sua função primária. Note-se, por exemplo, o produto
subliminar deixado por “abstinha” em “Que mesmo de olhar as monjas / Sóror Luzia se
abstinha”. O termo remete imediatamente àquela abstinência que é a privação de prazeres
em busca do aprimoramento espiritual, mesmo que, ali, seu pronto significado não seja
esse. Em maior das situações, o método serve para transpor o leitor ao recinto religioso,
embora de mesma maneira se preste ao profano, como nesta quadra:
E a pedra ele possuía
Pelo que a pedra lhe dava
Da fugidia morada
Do olhar de sóror Luzia.
84
Podemos, então, compreender com mais acuidade os dois belos versos “Imensos
olhos parados / Da cor da paixão sombria”. Ora, a imagem não transmite apenas a cor dos
olhos e a sua força imprevisível, pois também se comporta no propósito de prenunciar o
clima trágico aspirado pelo poema. Clima que se concretizará por completo ao “intento
sombrio” do moço, de apunhalar-se.
Identificamos, em “Balada de Santa Luzia”, uma divisão temporal de duas metades.
Uma é a de um passado contínuo, em que o poeta conta-nos: a moral e os modos de Luzia;
a beleza de seus grandes olhos; seu cuidado para com essa beleza frente às monjas e a ela
mesma; o sentimento de modéstia e de culpa da jovem; seus conflitos; a paixão grave de
um moço que a espreitava. A outra é a do presente, em que acontecem a peripécia, o
martírio e o final trágico: o cavalheiro salta o muro do convento para estar com a jovem;
declara-se loucamente; olha-a de tal forma que Luzia se afeta; ameaça o suicídio; Luzia
comete o martírio e o moço cai do alto do muro em reação assombrada. O poema, por isso,
ganha uma tensão especial na medida em que a mudança das flexões verbais realça seu
momento mais contundente. A parte cortante da trama contrasta-se com o passado e
acontecem já, no presente.
A cadeia sonora engendrada conforma-se e colabora com essa proposta. O poeta
aproveita o pretérito imperfeito e o final vocálico de “Luzia” para reiterar os fonema /i/,
provocando uma sensação de memórias esvaecidas, afiladas, mesmo que atormentadas.
Mas, de súbito, os sons se abrem com a repetição do /a/, como se o volume musical se
ampliasse e as imagens se pusessem mais nítidas. Toda a forma, portanto, seja em seus
capítulos temporais, na disposição dos significados ou no arranjo sonoro, harmoniza-se em
prol da expressão poética.
85
O poema dialoga com uma tradição que reconhece desde os ritmos das baladas
medievais ao amor trágico fixado em Romeo and Juliet. Configura-se com inequívoca
ressonância moderna e perpassa, interessado, entre as legendas presentes em nossa cultura.
O desembaraço de Vinicius de Moraes nesse trabalho, datado de 1972, vem reafirmar sua
meditação acerca das possibilidades do verso que embalou, inesquecível, as “[p]obres
flores gonocócicas / [q]ue à noite despetalais / [a]s vossas pétalas xicas! / [p]obre de vós,
pensas, murchas / [o]rquídeas do despudor”
84
.
84
“Balada do mangue”. In Poemas, sonetos e baladas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, pp. 83-85.
86
4.2- P(B)A(O)I
A Calos Drummond de Andrade, que com seu só título Boitempo me deu a chave deste poema
Pai
Modorrando de tarde na cadeira
De balanço, a cabeça cai-não-cai.
Pai
Espantando o moscardo
Feito o boi faz com o rabo
Zum! iridesceu, se foi, muu.
Pai. Ah, como dói
Lembrar-te assim, pai pé-de-boi
Sentado à mesa mastigando sonhos
Boipai, entre as samambaias e avencas
Do pequeno jardim, utilinútil, ai...
Paiboi, paiboiota, boipapai
Babando amor no curral das acácias
Quebrando ferrolhos com a força
Dos cascos fendidos para não entrar mais boi
No chão de dentro, igual a mim...
Ah, como dói lembrar-te, boi
Triste, boiassim, a córnea branca
No olho trágico, ruminando o medo
Pelo novilho tresmalhado.
Pai. Boi.
Olhando do portão o chão de fora
Na noite escura, muu, à espera. Onde estou eu
Teu vitelão insone, onde?
Nas tetas de que rês? Em que pasto?
Que não o teu, e da boieira
Que também já se foi? Boipai
Paiboi.
Muge-me, boi-espaço
87
Da tua eternidade as cantigas
Mais lindas que soavas com teus dedos
Ungulados nas cordas da viola
Hoje partida. Geme
Boi-da-guia, tua nunca boesia
Dá-me, boi-de-corte
Um quilo de tua alcatra decomposta
Tua língua comida
Um carrinho de mão de tua bosta
Com que fertilizar minha poesia
Neste instante transposta.
Para plantar meu novo verso
Menos eu, mais canção, menos enxerto
Não posso prescindir da tua morte
Teus ossos, teu estrume
Tu bom pai, tu boipai, tu boiconsorte
Eu boiciúme.
88
A poesia de Vinicius de Moraes, em geral, ainda que afinada com extrema
habilidade a uma consciência de tempo, cuja arte não se permitiu prescindir de um pacto
entre a tradição e os elementos contemporâneos resultando em uma consistente sobrevida
atemporal –, serviu poucas vezes de modelo, nem mesmo como ascendente, de um ideário
crítico-teórico prestigiado nas cátedras da segunda metade do século passado. Como
Antonio Candido
85
considerou com incrível lucidez, o poeta encarnou um tipo de poesia
oposto a certas modalidades consideradas mais representativas da modernidade:
Refiro-me àquelas para as quais cada palavra tende a ser objeto autônomo, portador de maneira
isolada (ou quase) do significado poético; ou, mesmo, apenas de valores sonoros que o
substituem. Vinicius, ao contrário, fez poesia com palavras concatenadas de maneira a obter
uma seqüência semântica que dissolve a autonomia delas num discurso poético articulado. Na
história da literatura brasileira ele é um poeta de continuidades, não de rupturas; e o nosso é um
tempo que tende à ruptura, ao triunfo do ritmo e mesmo do ruído sobre a melodia, assim como
tende a suprimir as manifestações da afetividade. Ora, Vinicius é melodioso e não tem medo de
manifestar sentimentos, com uma naturalidade que deve desgostar as poéticas de choque,
geralmente interessadas em suprimir qualquer marca de espontaneidade e em realçar o cunho de
artifício.
Pouco nos importa saber se, em “P(B)A(O)I”
86
, Vinicius de Moraes quis somente se
aventurar, por um momento, no exercício daquelas “modalidades” ou se, artífice
provocador, quis exibir seu virtuosismo e sua conseqüente indiferença frente à disputa entre
possíveis vertentes teórico-formais. Mesmo porque o provável seja, simplesmente, que o
poeta vislumbrara nos recursos em particular a melhor forma de manifestar aquela poesia.
Importa-nos, todavia, notar que esse poema é um dos melhores exemplares de seu tempo,
como tentaremos demonstrar.
85
“Um poema de Vinicius de Moraes”. In MORAES, Vinicius de. Poemas, sonetos e baladas. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008, pp. 159-162.
86
Poemas esparsos. Sel. e org. de Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, pp. 42-43.
89
O que impressiona tão-logo em “P(B)A(O)I” é o fato de uma série de palavras
inventadas, ou ambíguas, ou estranhamente contextualizadas, ou seja, toda uma esdrúxula
morfologia, não perturbar a expressão de um sentimento agudo, melancólico, nostálgico.
Essas palavras, ao contrário, fundamentam a atmosfera desse sentimento que parte do título
do livro de poemas de Carlos Drummond
87
. O poeta mineiro utiliza-se do neologismo
Boitempo para se referir ao bom tempo de uma infância rural, e Vinicius, agora, continua
aquele exercício inventivo.
Logo do início, podemos destacar a escolha do verbo modorrar, cuja sonoridade
atravessa a semântica de adormecer para sugerir ruminar (do boi), tal em sua extensão que
vai de mastigar, de mascar, a refletir, a matutar. A escolha compõe uma agradável
sonoridade quando associa [m]odorrando”, “tarde” e “balanço”. Também é bonita a
relação de “[p]ai”, “cadeira” e “cabeça cai-não-cai”. Note-se que o verbo cair, rearranjado,
funciona como um adjetivo imprevisto. Essa comunicação interna entre os sons parece
colaborar com o clima bucólico do texto, e se presenciará ao longo do poema.
Há que se notar, também, a similaridade toante entre “moscardo” e “rabo”; e o verso
em que algo “se foi”. O quê? Além da passada rítmica do poema, que parecia previsível? A
opção de “iridesceu” para compor aquilo que acaba de se ir cabe tão precisamente para o
inseto como para o próprio P(B)A(O)I. A onomatopéia do mugido, que reaparecerá
posteriormente, aparece-nos tanto como uma manifestação da metáfora como uma figura
mística, da morte.
Em seguida, o pai, “[s]entado à mesa e mastigando sonhos”, é a lembrança do poeta
de um “pai pé-de-boi”. A expressão interiorana pé-de-boi” pode assumir um conjunto de
87
ANDRADE. Carlos Drummond de. Boitempo & A falta que ama. Rio de Janeiro: Sabiá, 1968.
90
significados, embora todos, de alguma forma, sejam originais do ritmo constante do animal,
que nunca vai desabalado, sempre um pouco lento e perseverante. Pode vincular-se a
pessoas graves e aferradas a costumes antigos, como a trabalhadores obedientes. O campo
semântico sintonizado pela expressão parece, ao mesmo tempo, unir-se à própria cadência
do poema. E daí se inicia um contínuo de construções morfológicas: “[b]oipai”, “utilinútil”,
“[p]aiboi”, paiboiota”
88
e “boipapai”. Mais que a função de seus significados evidentes,
esses neologismos também invocam um costume rural, do dono de bois, de nomeá-los:
Boipintado, Boimimoso etc.
Vinicius contrasta a cena bovina “[b]abando amor” com [q]uebrando ferrolhos”.
Porém, a ação bruta é a de vencer as retrancas, os desafios, serve para “não entrar mais boi /
[n]o chão de dentro, igual a mim...”. O “chão de dentro”, locução desentranhada de um dos
cortes da carne (coxão mole), parece representar o pior. Os versos que compõem esse
quadro dão preâmbulo à passagem – das mais contundentes – em que o poeta expõe o “boi”
na qualidade mesmo de “pai”, preocupado com os filhos, ao lado da mulher, embora em
estado diferenciado:
Ah, como dói lembrar-te, boi
Triste, boiassim, a córnea branca
No olho trágico, ruminando o medo
Pelo novilho tresmalhado.
Pai. Boi.
Olhando do portão o chão de fora
Na noite escura, muu, à espera. Onde estou eu
Teu vitelão insone, onde?
Nas tetas de que rês? Em que pasto?
Que não o teu, e da boieira
88
A expressão “boiota” possui, além de seu significado dicionarizado – partes do aparelho genital em
hidrocele –, um significado informal, interiorano, de pessoa normal, mediana.
91
Que também já se foi? Boipai
Paiboi.
Vinicius faz do advérbio, do modo, um nome “boiassim”. E sugere com a “córnea
branca” um olho córneo como um chifre –, “trágico”, morto. O poeta está, no mundo dos
vivos, como um “novilho tresmalhado”, um “vitelão insone” à distância de casa, para receio
do boi, do pai. Do Pai. Boi.”, configurado cada um como frase, com pontos finais, para
que ele seja as duas coisas em sua completude. Assim, do mesmo modo, está a mãe, porque
“também se foi”, a “boieira” vaca fiel ao boi, ao “[b]oipai” que é, nesse momento,
principalmente, “[p]aiboi”.
A lembrança das cantigas de infância faz com que o poeta engendre alguns versos
sofisticados no intuito de rogar a seu pai o mugir daquelas canções. Como o P(B)A(O)I não
se encontra mais, será preciso dominar os limites do espaço-tempo, mugir de sua
“eternidade” e ser o “boi-espaço”
89
. Encontramos nesse trecho um jogo interessante com os
“dedos / [u]ngulados”: são dedos de unhas grandes e duras, mesmo como são as de um
violeiro. O adjetivo remete, entretanto, ao casco do boi ou, em antigas classificações, é o
nome da divisão que compreendia os mamíferos de casco. A viola, “[h]oje”, está “partida”.
Podemos, obviamente, interpretá-la como metáfora, como algo que não existe mais.
Ainda entre as reminiscências das cantigas, o verbo mugir se transmuda para gemer,
e nos aparece um “[b]oi-da-guia”. Ora, estamos diante da fabricação poética de um carro de
boi. Existe um tradicionalíssimo costume rural, nos lugares onde se faz uso desses carros,
de voltar às atenções para uma sua peça chamada cantadeira. É parte do complexo que
monta o eixo das rodas de um carro de boi. As cantadeiras podem ser produzidas com tipos
89
O “boi-espaço” é aquele com os chifres muito abertos.
92
diferentes de madeira, de acordo com o gosto musical do dono do carro aproveita-se o
ritmo invariável dos bois para, por meio da fricção dessa peça, obter uma verdadeira
canção. Trata-se da poesia que nunca é para quem canta, nunca para o boi, “nunca boesia”.
1- espiga; 2- emborgueira ou morgueira; 3- cantadeira; 4- emborgueira de dentro; 5-
degolo do eixo.
O poema volta, aos poucos, a partir de então, a adquirir aqueles passos rítmicos de
seu início, mais regulares, assim como a perspectiva do poeta, que embora continue
poética, metafórica, obtém uma porção de autoconsciência: “Um carrinho de mão de tua
bosta / Com que fertilizar minha poesia / Neste instante transposta”. Vinicius elabora em
93
seguida um paralelo entre o putrefato, o excremento e o novo, o renovado o antagônico
surge como um movimento justo de causa e efeito. A metáfora permanece em um campo
muito abstrato, mas é menos mística.
o espírito, a continuidade a renovação
A MORTE o defunto, a decomposição, o fim
A matéria em deterioração é dividida grotescamente como em um “boi-de-corte” – a
“alcatra”, a “língua”. Contudo, a lembrança ainda é de um “bom pai”, como, em
Drummond, o bom tempo. Na continuidade viniciana do jogo morfológico, muitas palavras
ganham significado poético de “maneira isolada”, como “objeto autônomo”, sem perder sua
função de articuladora entre as “palavras concatenadas”. Vinicius de Moraes, em
P(B)A(O)I, explora variedades rítmicas, quebradas ou constantes, sem inquietar a fluidez
da melodia. Faz do experimento um artifício indiscreto para comunicar a afetividade sem
solução.
94
5- CONCLUSÃO
Não seria demasiado dizer, da poesia esparsa, que um balanço da obra de Vinicius
de Moraes ficará incompleto, atualmente, caso não se atente para esse conjunto. Trata-se de
uma parte significativa, tanto porque revela uma considerável quantidade de poemas como
uma qualidade que lhes importância. Neste estudo citamos vinte e cinco exemplos,
selecionados entre muitos outros. Evidenciamos, ali, que ardis essenciais do poeta dos
livros exercitam-se também com soltura no poeta avulso, e que algumas das
particularidades da poética de Vinicius continuaram se desenvolvendo.
O poeta permanece, na poesia esparsa, com a mesma disposição de investigar as
muitas possibilidades do humor como em outra feita, sujeitando-as a toda sorte de tipos,
como o experimentado, fundamentalmente, em Para viver um grande amor. Concretiza-se
essa inclinação à comicidade em semblantes variados, desde o gracioso, passando pelo
sutil, o inesperado, o ostensivo, até o grotesco. Vinicius, mais do que nunca, também,
pratica a poética do risco a invenção formal, o neologismo, a interface entre línguas, a
reinvenção do lugar-comum. Sempre com a precisão já captada por Sérgio Milliet
90
:
Estamos, com Vinicius de Moraes, sempre à beira do abismo, o abismo do preciosismo. Mas o
poeta é um guia seguro. Conhece os lugares perigosos e às vezes não resiste ao prazer de nos
meter medo. Mas segura-nos logo pelas vestes e nos repõe no bom caminho. E tenho a certeza
de que nunca se deixará arrastar, ele próprio, pela tentação do simples paradoxo ou do
malabarismo estéril. Ele tem muito que dizer para dedicar-se em definitivo a tais jogos pueris.
90
“Outubro, 29” In MORAES, Vinicius de. Poemas, sonetos e baladas. São Paulo: Companhia das Letras,
2008, pp. 153-158.
95
Verificamos que a cnica do poeta acolheu um mero cada vez maior de recursos
adicionais, como as que se manifestam em realizações de formas inventivas como “Sob o
trópico do Câncer” e “Cartão-postal/Modinha”; na radicalização do efeito das rimas toantes
de “Balada de Santa Luzia”; e no trabalho com as palavras, como objetos poéticos
autônomos, de P(B)A(O)I esse é um artifício que se assoma disperso no poema sobre o
câncer e que reencontramos persistente e propositalmente indiscreto nas reminiscências do
ambiente rural:
SOB O TRÓPICO DO CÂNCER
Cholera morbus
– Ora pro nobis
Vomitus cruentus
– Ora pro nobis
(...)
CÂNCER
CÂNCER
CÂNCER
CÂNCER
CÂNCER
P(B)A(O)I
Zum! iridesceu, se foi, muu.
Pai. Ah, como dói
Lembrar-te assim, pai pé-de-boi
Sentado à mesa mastigando sonhos
Boipai, entre as samambaias e avencas
Do pequeno jardim, utilinútil, ai...
Paiboi, paiboiota, boipapai
Babando amor no curral das acácias
Quebrando ferrolhos com a força
Dos cascos fendidos para não entrar mais boi
No chão de dentro, igual a mim...
Ah, como dói lembrar-te, boi
Triste, boiassim, a córnea branca
(...)
E então conferimos a unidade previamente perceptível nessa coleção de
composições esparsas – nosso tripé estilístico – na medida em que flagramos os três
segmentos de estilo transitando entre os poemas escolhidos e atravessando o compasso das
divisões metodológicas estipuladas.
96
Para além das características vinicianas realçadas na poesia esparsa, vemos naquele
espectro, também, a reafirmação de toda uma gama de faculdades sofisticadas presentes
em suas publicações: a capacidade de coadunar forma fixa e naturalidade; o controle da
variante entre a fluidez e a quebra de ritmo, o efeito do enjambement, os acentos musicais,
o exercício de suas baladas, a melodia, os jogos sonoros, a ambigüidade, etc.
A consciência do fazer poético mostra-se no poema “Lopes Quintas (a rua onde
nasci)”
91
, uma reelaboração de seu antigo “A rua da amargura”:
A minha rua é longa e silenciosa como um caminho que foge
E tem casas baixas que ficam me espiando de noite
Quando a minha angústia passa olhando o alto...
A minha rua tem avenidas escuras e feias
De onde saem papéis velhos correndo com medo do vento
E gemidos de pessoas que estão eternamente à morte.
(...)
Vinicius desentranha uma passagem belíssima de uma peça irregular de seu livro de
estréia, O caminho para a distância. E inaugura, após a reconstrução, um novo poema,
enxuto, prestes a figurar em seu novo domicílio, o anunciado Roteiro lírico e sentimental
da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde nasceu, vive em trânsito e morre de
amor o poeta Vinicius de Moraes. Podemos perceber o proveito da ressonância melódica
desses versos de metro longo como a rua.
A poesia esparsa de Vinicius de Moraes é capaz de delinear uma série de
características fundamentais entre as opções estéticas do poeta. E ainda acrescentar-se de
91
Roteiro lírico e sentimental da cidade do Rio de Janeiro, e outros lugares por onde passou e se encantou o
poeta. Apresent. e textos adic. por José Castello. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.29.
97
maneira indissociável a uma obra que nos assombrava em ser “uma força criadora de
natureza sem precedentes em nossa literatura”
92
.
92
BANDEIRA, Manuel. “Coisa alóvena, ebaente” In MORAES, Vinicius de. Poesia completa e prosa. Org.
Eucanaã Ferraz. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004, pp. 87-89.
98
BIBLIOGRAFIA
De Vinicius de Moraes
1- O caminho para a distância. Rio de Janeiro: Schmidt, 1933. Reed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008.
2- Forma e exegese. Rio de Janeiro: Pongetti, 1935.
3- Ariana, a mulher. Rio de Janeiro: Pongetti, 1936.
4- Novos poemas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938.
5- Cinco elegias. Rio de Janeiro: Pongetti, 1943.
6- Poemas, sonetos e baladas (com desenhos de Carlos Leão). São Paulo: Gaveta,
1946. Reed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
7- Pátria minha. Barcelona: O Livro Inconsútil, 1949. Reed. São Paulo: Companhia
das Letras, 2008.
8- Antologia poética. Rio de Janeiro: A Noite, 1954. 2ª ed. (revista e aumentada) – Rio
de Janeiro: Editora do autor, 1960.
9- Livro de sonetos. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1957. 2ª ed. (aumentada) – Rio
de Janeiro: Sabiá, 1967. Reed. (aumentada) São Paulo: Companhia das Letras,
1991. Reed. (aumentada) – São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
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Vinicius de Moraes Quem pagará o enterro e as flores / Se eu me morrer de amores
(DVD). 1001 Filmes e Iberautor Promociones Culturales, 2005.
Livros Grátis
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