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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
OS NEOPENTECOSTAIS EM FEIRA DE SANTANA: “Da
Visão Celular no Modelo dos 12 ao Mover Celular do Fruto Fiel”
CAROLINE LUZ E SILVA DIAS
Feira de Santana
Junho de 2009
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
Mestrado em História
CAROLINE LUZ E SILVA DIAS
OS NEOPENTECOSTAIS EM FEIRA DE SANTANA: “Da
Visão Celular no Modelo dos 12 ao Mover Celular do Fruto Fiel”
Dissertação apresentada para obtenção
do grau de Mestre em História pelo
Programa de Pós-graduação em
História da UEFS, sob a orientação da
Prof. Dr.ª Elizete da Silva.
Feira de Santana
Junho de 2009
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AGRADECIMENTOS
Foram tantas as colaborações para a realização deste trabalho que não quero
correr o risco de esquecer de alguém. Em primeiro lugar ao Senhor Jesus Cristo que
como um pai amoroso nunca retirou a sua mão de sobre a minha vida, obrigada Senhor!
Além da Sua presença, agradecer também por tudo que tem colocado nas minhas mãos
e pelas palavras de encorajamento, “Esforça-te, eu sou contigo!” estas palavras me
transformaram numa pessoa “indesistível”.
A partir desta experiência com Deus adquirida com orações, jejuns e súplicas na
congregação da antiga Primeira Igreja Batista do Feira IX, atualmente Ministério
Internacional de Adoração a Deus sob o pastoreio do jovem casal Luciano e Simone
Moura, fui “pescada para Deus” nesta movimentação celular do G12 no final do ano
2002. Depois de algum tempo me tornei líder de célula e pude experimentar desde a
estratégia de multiplicação de membrezia em sua organização estrutural até a sua
aplicação prática e todas as relações de sociabilidade que a vivência de uma
religiosidade em sociedade implica.
A Gilson e Gabriel, minha querida família! Obrigada por agüentar todo o
estresse provocado pelas cobranças do mestrado e de vocês mesmos...
A minha mãe Terezinha, nervosa demais... e meu pai Edson quieto
demais...meus irmãos Júnior, Priscilla e Bruno, obrigada pela ajuda e pelos favores!
A minha sogra Maria Neuza que durante quase três anos me tirou dos apertos
com Gabriel, ficando com ele quase todas as tardes e uma parte da noite...Este apoio
familiar foi imprescindível para conseguir me equilibrar em tantas tarefas.
Em se tratando do apoio institucional, quero agradecer a CAPES pela concessão
da bolsa de estudos.
No que se refere ao apoio acadêmico administrativo, agradeço à coordenação do
Mestrado em História a atenção e aos serviços. Obrigada Professor Coelho, seu Julival,
Andrei, o meu relato deste mestrado é que todas as vezes que solicitei seus serviços fui
bem atendida.
E ao final, mas não por último, à professora Elizete da Silva. Estes dois anos que
convivemos de forma tão próxima consolidaram a imagem que tinha de você.
Responsável, honesta, amiga, nem sempre tão calma, prestativa, disponível, competente
suas importantes contribuições a este trabalho. Assumo todas as responsabilidades das
4
falhas e críticas, porém se alguma virtude há, ela é também um mérito da orientação e
do empréstimo maciço de bibliografia. Obrigada!
5
SUMÁRIO
Agradecimentos..............................................................................3
Resumo.......................................................................................... 8
Abstract......................................................................................... 9
Lista de siglas.............................................................................. 10
Lista de quadros...........................................................................11
Lista de iconografia.....................................................................12
Introdução.................................................................................. 13
Capítulo 1: a implantação do G12.
Os grupos protestantes no campo religioso brasileiro................33
As origens (neo) pentecostais do G12..........................................35
O mito de origem do G12.............................................................40
Doutrinas, práticas e representações..........................................43
Implantação do G12 em Feira de Santana.................................47
Composição social.................................................................... .57
Capítulo 2: G12: querelas e rupturas no cenário religioso
protestante neopentecostal.
Breve história das divergências doutrinárias e administrativas
protestantes..................................................................................59
G12 e divisão do trabalho religioso...........................................60
6
Do G12 ao M12: sacerdotes, profetas e reelaboração
doutrinária..................................................................................69
Poder e liderança entre os evangélicos feirenses.......................84
De Feira de Santana à Feira de Jesus....................................... 87
Capítulo 3: G12 e M12: novas formas de ascetismo
neopentecostal.
Mercado e religião: a sociedade dos fins do século XX............93
Ética ascética protestante x nova ascese pentecostal no final do
século XX....................................................................................96
Tradição e inovação: conflito no interior do sub-campo
protestante.................................................................................106
Teologia da prosperidade e capitalismo...................................112
Capítulo 4: G12 e novas práticas político-religiosas para a
glória de Deus.
Protestantes e política.............................................................. 121
Diretrizes teológicas do G12 e M12.........................................126
Inserção política dos evangélicos do G12 e M12 em Feira de
Santana.................................................................................... 139
Capítulo 5: G12 e M12: mulheres no púlpito
Gênero e religião.......................................................................148
Imagens femininas entre os reformadores................................153
Ministérios femininos................................................................156
O sacerdócio feminino no Brasil..............................................159
7
Mulheres no púlpito: a novidade da visão celular...................162
Olhares masculinos do G12 e M12 sobre a ordenação feminina
em Feira de Santana................................................................173
Considerações finais................................................................178
Lista de fontes..........................................................................181
Bibliografia.............................................................................186
8
RESUMO
O estudo de grupos neopentecostais tem aflorado nos meios acadêmicos
atualmente pela sua visibilidade social, expansão demográfica, política e econômica no
Brasil. Este trabalho discute, sob o viés da História Cultural, as práticas e
representações religiosas desses grupos, como também, as relações culturais e sócio-
políticas que as comunidades que aderiram ao G12, governo dos 12 em Feira de Santana
entre os anos 1983 e 2005. O G12 é uma estratégia de crescimento eclesiástico que se
desenvolveu a partir da Colômbia e chegou ao Brasil no final da década de 1990.
Analisamos ao longo do trabalho dois tipos de dissidência. A que foi provocada
pela adesão ao G12 de pastores da Denominação Batista e outras denominações e sua
desvinculação com a denominação por causa da divergências doutrinárias. E a
dissidência posterior dentro do G12, na ocasião que o apóstolo Renê Terra Nova, baiano
de Serrinha, rompeu com o pastor César Castellanos, de origem colombiana e fundou o
M12 (modelo dos 12). Discutiremos as doutrinas, práticas e representações das
lideranças do G12, bem como as relações de poder construídas neste âmbito.
Discutimos o contexto histórico que permitiu novas formas de religiosidade
dentro do protestantismo. O sistema econômico e político em que se tornou possível
novas formas de ser protestante no Brasil. O G12 impulsionou, também, no seio do
protestantismo a doutrinação sistemática à respeito da inserção de protestantes na
política partidária, na qual Feira de Santana, foi um dos cenários privilegiados de
observação pois, houve no ano de 2004 a candidatura de quatro evangélicos vinculados
ao G12 e a eleição do vereador Justiniano França da Igreja Batista Missionária.
Analisamos os perfis e a atuação destes políticos na mara Municipal de Feira de
Santana.
Discutimos historicamente a intensa participação feminina nos cultos religiosos
de confissão protestante, chegando ao sacerdócio feminino exercido em quase todas as
congregações vinculadas ao G12 em Feira de Santana. Analisamos perfis e atuação de
mulheres pastoras que foram modelos para as sacerdotisas feirenses.
9
ABSTRACT
The study of groups neopentecostais have touched on today by his academic
profile social, demographic expansion, and economic policy in Brazil. This paper
discusses, under the bias of Cultural History, practices and representations of religious
groups, as well as cultural relations and socio-political communities that have joined the
G12, the 12 Government in Feira de Santana between the olds 1983-2005. The G12 is a
growth strategy that has evolved cleric from Colombia and arrived in Brazil in the late
1990's.
I reviewed over two types of labor dissent. Which was caused by the accession of the
G12 Baptist pastors of the denomination and other denominations and their departure
with the name because of doctrinal differences. And the dissent within the G12 later,
when the apostle Renê Newfoundland, Serrinha of Bahia, broke with the pastor Cesar
Castellanos, of Colombian origin, and founded the M12 (the 12 model). Discuss the
doctrines, practices and representations of the leaders of the G12 and the relations of
power built in this area.
We discuss the historical context that allowed new forms of religiosity within
Protestantism. The economic and political system which made possible new ways to be
Protestant in Brazil. The G12 stimulated also, within Protestantism the systematic
indoctrination regarding the insertion of the Protestant political party, in which Feira de
Santana, one of the scenarios was privileged to observe because there were in 2004 the
nomination of four tied to the evangelical G12 and the election of Alderman Justinian
France Missionary Baptist Church. I reviewed the profiles and the performance of
politicians in the City of Feira de Santana.
Historically discussed the intense participation of women in religious Protestant
confession, getting women to the priesthood exercised in almost all congregations
linked to the G12 in Feira de Santana. We analyzed profiles and performance of women
pastors who were models for the priestesses feirenses.
10
LISTA DE SIGLAS
ACM- ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES
CBB- CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA
CBN- CONVENÇÃO BATISTA NACIONAL
CEB- CONFEDERAÇÃO EVANGÉLICA BRASILEIRA
CGADEB- CONVENÇÃO GERAL DAS ASSEMBLÉIAS DE
DEUS DO ESTADO DA BAHIA
CIS- CENTRO INDUSTRIAL DO SUBAÉ
CMI- CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS
DEM- DEMOCRATAS
FINOR- FUNDO DE INVESTIMENTOS DO NORDESTE
G12- GRUPO DOS 12
IBGE- INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA
INSEJEC- IGREJA NACIONAL DO SENHOR JESUS CRISTO
M12- MODELO DOS 12
MCFF- MOVER CELULAR DO FRUTO FIEL
MCI- MISSÃO CARISMÁTICA INTERNACIONAL
MIR- MINISTÉRIO INTERNACIONAL DA RESTAURAÇÃO
PDC- PARTIDO DEMOCRATA CRISTÃO
PNC-PARTIDO NACIONAL CRISTÃO DA COLÔMBIA
PSC- PARTIDO SOCIAL CRISTÃO
PT- PARTIDO DOS TRABALHADORES
11
LISTA DE QUADROS
Quadro 1...............................................................................46
Quadro 2...............................................................................47
Quadro 3...............................................................................141
Quadro 4...............................................................................142
Quadro 5...............................................................................143
Quadro 6...............................................................................144
12
LISTA DE ICONOGRAFIA
Fotografia 1 e 2...................................................................52
Fotografia 3.........................................................................53
Fotografia 4.........................................................................54
Fotografia 5.........................................................................55
Fotografia 6 e 7...................................................................82
Fotografia 8.........................................................................137
Fotografia 9.........................................................................146
Fotografia 10.......................................................................165
Fotografia 11.......................................................................166
Fotografia 12 e 13...............................................................167
Fotografia 14 e 15...............................................................168
Fotografia 16......................................................................170
Fotografia 17......................................................................171
13
INTRODUÇÃO
Analisar o campo religioso brasileiro recente como o lugar da diversidade e da
pluralidade religiosa, é, ao mesmo tempo, evidenciar a expressividade da expansão dos
diversos grupos protestantes no Brasil e colocar em cheque, abrindo para a discussão, a
tradição histórica do catolicismo que representou e ainda representa a religião
majoritária no País, bem como a persistência das religiões de origem afro, de acordo
com os últimos censos do IBGE. Abrir e dar continuidade a discussões sobre os
protestantismos brasileiros, apontando para uma realidade mais plural e mais
diversificada é adentrar num cenário complexo, com profundas relações sócio-políticas.
É necessário destacar que a presente dissertação ainda faz parte de um debate
introdutório da expansão e da visibilidade social dos grupos protestantes
neopentecostais, um dos segmentos religiosos que mais crescem no Brasil, atualmente.
Em que pese toda crítica para essa nova categoria de historiadores, qual seja os que
trabalham com a História do Tempo Presente, é fato, a necessidade de análises
históricas dos fenômenos religiosos, mais atuais, tendo em vista que as demais
disciplinas no campo das Ciências Humanas já desenvolveram uma tradição nestes
estudos.
Segundo Agnes Chaveau e Philippe Tétart “o impacto dos acontecimentos deste
último século sobre os homens e sobre a sua vontade de “reagir”, isto é, explicar o
presente” (2000, p.15) corroborou para a construção de lugares de estudo dos
fenômenos do tempo presente. Ainda que a História do tempo presente coloque-nos
problemas metodológicos e epistemológicos é o seu exercício e as críticas da academia
que fortalecerão a sua relevância e necessidade.
Neste trabalho pretende-se analisar alguns grupos religiosos que passaram por
um momento de neopentecostalização no protestantismo brasileiro, com a adesão ao
G12, uma metodologia colombiana de expansão de igrejas protestantes através da
gestão dos grupos celulares com doze líderes, este número doze é uma retomada
simbólica dos doze apóstolos do Novo Testamento. O G12 foi uma metodologia que
surgiu na Colômbia no início da década de 1980, no ministério Missão Carismática
Internacional, sob a liderança do Apóstolo César Castellanos e a Pastora Claúdia
Castellanos, este ministério se expandiu para outras localidades e nacionalidades.
14
No Brasil, esta metodologia G12 chegou ao final da década de 1990 e teve a
adesão de muitos grupos protestantes, entre eles, alguns históricos, como batistas,
presbiterianos, pentecostais como a Igreja do Evangelho Quadrangular e
neopentecostais com uma diversidade de grupos independentes. Esta adesão provocou
conflitos e experiências diversas entre os protestantes em Feira de Santana.
Em março de 2005, estes conflitos se intensificaram entre as comunidades que
aderiram ao G12, com o advento da ruptura entre o pastor César Castellanos e pastor
René Terra Nova, este brasileiro e que liderou a Igreja Batista Memorial em Feira de
Santana no início da década de 1990, o qual, nessa ocasião fundou o M12. M12
significa “Equipe modelo no Modelo dos 12” e têm muitas características do G12
colombiano. O que marcou o seu início foi o Encontro Mover Celular do Fruto Fiel
(MCFF), um retiro espiritual de três dias, no qual a estratégia principal mais discutida
foi gerar o amor pela salvação das vidas da membrezia com a pretensão de que o
trabalho dos leigos fosse intensificado para possibilitar um crescimento mais rápido das
suas congregações. Esta ruptura teve intensos desdobramentos entre esses grupos,
provocando muitos conflitos entre os protestantes feirenses que tiveram vinculação com
o G12 e M12.
O trabalho pretende analisar essa dissidência, questionando a natureza, o caráter
e o sentido da ruptura, sendo tangenciado pelas questões sociais, de gênero e política.
Bem como, analisar as comunidades religiosas que aderiram ao G12, durante essas duas
décadas, onde o marco inicial é o ano de 1983, o período que César Castellanos recebeu
a profecia de Deus, que a igreja que ele pastorearia seria de centenas de milhares e
tocaria as nações da terra. O ano de 2005, é o ano da ruptura entre os líderes citados, o
surgimento do M12 e seus desdobramentos no campo religioso feirense.
TIPOLOGIA DO PROTESTANTISMO BRASILEIRO
Em se tratando do protestantismo brasileiro o Centro Ecumênico de
Documentação e Informação fez uma proposta de tipologia seguindo os critérios de
antigüidade, transplante e teologia. Essa proposta divide o protestantismo brasileiro em:
Protestantismo de Imigração: Igreja Anglicana, Igreja Luterana e Reformados.
Protestantismo de Missão: Batistas, Congregacionais, Episcopais, Metodistas e
15
Presbiterianos; Pentecostais: Assembléia de Deus, Congregação Cristã do Brasil, Igreja
de Deus e Igreja Pentecostal; Pentecostais autônomos: Casa da Benção, Deus é Amor,
Evangelho Quadrangular, Maranata, Nova Vida, Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil
Para Cristo, Universal do Reino de Deus e outros: Carismáticos: Batistas da Renovação,
Cristã Presbiteriana, Metodistas Wesleyanos; Pseudo-protestantes: Adventistas,
Mórmons e Testemunhas de Jeová.
Vale ressaltar que esta não é nem a única e nem a melhor tipologia. Entre os
estudiosos do pentecostalismo brasileiro, uma diversidade de divisões e
nomenclaturas para essas formas de religiosidade. A tipologia que adotaremos refere-se
ao termo neopentecostalismo, sugerida pelo sociólogo Ricardo Mariano, por
entendermos que a sua construção tipológica atende melhor as especificidades do objeto
estudado.
Ricardo Mariano critica as classificações e tipologias que importantes autores
desenvolveram. Mariano se propõe a discutir as tipologias pentencostais, classificando-
as em pentecostalismo clássico, deuteropentecostalismo e neopentecostalismo,
constatando a heterogeneidade do fenômeno religioso brasileiro ao evidenciar também a
fragilidade da construção desses conceitos que tipificaram as comunidades pentecostais.
O termo neopentecostais, que adotaremos neste trabalho, é uma noção comum
entre os estudiosos da religião e designa um conjunto de práticas religiosas que tendem
a dialogar com a sociedade capitalista de consumo, atendendo as seguintes
características: emotividade nos cultos, os dons do Espírito Santo, adesão à Teologia da
Prosperidade, à Guerra Espiritual, com a influência de líderes carismáticos. Os
intercursos entre essas práticas religiosas contemporâneas e a sociedade capitalista de
consumo, construiu práticas diferenciadas em relação ao ascetismo dos protestantes
históricos e pentecostais tradicionais.
Os estudiosos que propunham tal termo não conseguiram uma aceitação geral da
academia, o que gerou uma polêmica aberta sobre a palavra neopentecostal. Uma das
principais críticas ao termo são de Paulo D. Siepierski, que propõe a designação de pós-
pentecostalismo para esses novos movimentos religiosos de genealogia protestante
pentecostal. Na concepção de Siepierski, o termo pós-pentecostalismo é mais adequado:
Assim, o pós-pentecostalismo é um afastamento do pentecostalismo tendo
como cerne a teologia da prosperidade e o conceito de guerra espiritual. Tal
afastamento foi possível mediante a gradual substituição do pré-
milenarismo pelo pós-milenarismo. (SIEPIERSKI, 2003, p.79)
16
Siepierski defende o termo pós-pentecostal, sobretudo porque ele inicia suas
reflexões a partir do princípio milenarista da volta de Cristo, baseado no livro bíblico de
Apocalipse 20. Para ele o pentecostalismo clássico de origem americana baseou a sua
mensagem e prática religiosa no pré-milenarismo e sua concepção da iminente volta de
Cristo, o que produziu o afastamento do fiel dos prazeres mundanos e das questões
sociais e políticas. Já o pós-milenarismo afirma que o retorno de Cristo será em futuro
distante e imprevisível, o que na prática a relação do fiel com as transformações sociais
se evidenciou com a inserção na política, a flexibilidade com os sinais externos de
santidade e a acomodação à sociedade e aos seus valores. Em suas palavras:
Os traços característicos incluem uma mistura deliberada de religiosidade
popular, a utilização auto-consciente de estilos e convenções anteriores, a
construção de estruturas comerciais, o abandono dos sinais externos de
santidade e, frequentemente, a incorporação de imagens relacionadas com o
consumismo e a comunicação de massa da sociedade pós-industrial do final
do século XX. (SIEPIERSKI, 2003: 79)
A análise de Siepierski sobre as formas diferenciadas de pentecostalismo é
pertinente e sua contribuição à tipologia do pentecostalismo brasileiro deve ser
considerada. Contudo, o termo neopentecostais do sociólogo Ricardo Mariano, é mais
adequado ao trabalho, justamente pelo uso do prefixo neo, que denota uma característica
nova ao pentecostalismo brasileiro, sem denotar um afastamento tão radical do
pentecostalismo clássico.
É também objetivo do trabalho buscar analisar as relações destes sujeitos
religiosos com a sociedade circundante, para além das relações de poder, pontuando a
dissidência religiosa, criando um novo lugar dentro da posição do campo. A perspectiva
de uma leitura brasileira da metodologia religiosa colombiana do G12, procurando
adaptar, modificar de acordo com as orientações do líder brasileiro, situando estas
relações como lutas de representação entre estes agentes religiosos. Pierre Bourdieu
apresenta uma importante contribuição sobre o papel dos agentes religiosos, pela ênfase
que dá a esses sujeitos que ajudam a construir a dinâmica do campo religioso, a partir de
suas posições sociais e políticas. (BOURDIEU, 2005, p.31)
Pretendemos analisar os conflitos, as discussões e os debates que o G12 e M12
suscitaram no meio protestante no Brasil, além das dissidências que provocou, bem
como, discutir a vinculação entre política e religião, que na cidade de Feira de Santana
tem se intensificado com estes grupos que aderiram ao G12 e M12. Essa nova prática
17
religiosa tem galgado visibilidade social para estes grupos que têm apoiado políticos em
nível local, regional e nacional. Pretendemos discutir qual a natureza dessa participação,
trazendo uma discussão historiográfica sobre a participação de evangélicos na política,
enfocando a novidade trazida pelo G12 e M12 ao campo religioso feirense.
Um outro aspecto notório, com a ampliação da concepção de liderança nas
igrejas protestantes que aderiram ao G12 e M12, foi a extensão do sacerdócio para
mulheres, um assunto ainda muito polêmico entre alguns grupos históricos, a exemplo
dos batistas da Convenção Batista Brasileira (CBB). Evidenciar os papéis dessas
mulheres, contribuindo para um estudo que leva em conta a valorização do trabalho
religioso das mulheres, mas que ainda o tem uma reformulação dos discursos de
submissão e virtuosidade, mas que atualiza o aspecto da idoneidade entre a mulher e o
homem. Vale ressaltar que o indivíduo idôneo não representa autonomia, porém estar a
altura de, ou nas palavras do dicionário: apto, adequado, conveniente ou que se acha em
condições para desempenhar certos cargos ou realizar determinadas obras. (GAMA
KURI, 2002, p.565)
A apresentação destes tópicos temáticos integra num contexto mais geral a
hipótese de que as comunidades que aderiram ao G12 reelaboraram a ascese tradicional
dos protestantes de uma forma eficaz, tendo em vista que este modelo de Igreja se
mostrou mais adaptado às demandas neoliberais do capitalismo, haja vista, a expansão
dessas comunidades religiosas, que faz parte de um fenômeno nacional e latino-
americano. Vale ressaltar que a análise se detém entre as grandes congregações que
chegaram a mais de quinhentos membros entre os batistas em Feira de Santana, dentre
elas Igreja Batista Sião, Igreja Batista Missionária, Igreja Restauração em Cristo,
Ministério Internacional de Adoração a Deus, Igreja Batista Central, Igreja Batista
Memorial, Ministério Aliança com Deus Internacional. Estas o representam a
totalidade de adesão, mas uma amostragem das congregações que aderiram ao G12
através da atuação de René Terra Nova e César Castellanos.
QUESTÕES METODÓLOGIGAS E REFERENCIAL TEÓRICO
Os protestantes históricos que surgiram em meio ao contexto reformador da
Europa do século XVI e XVII se desenvolveram de forma diferenciada, embora naquele
momento, tivessem alguma identificação religiosa que deu uma liga a estes movimentos
18
religiosos, qual seja, a contestação às práticas religiosas, morais, sociais e políticas da
Igreja Católica.
No entanto, luteranos, anglicanos, calvinistas, batistas e zuinglianos os primeiros
grupos a se formarem, tiveram características que no seu desenvolver os diferenciaram
doutrinariamente, no momento em que as demandas políticas, sociais e religiosas eram
diferentes para cada contexto. Por isso essa diversidade de situações tanto individuais
quanto sociais que envolviam as necessidades religiosas que vieram satisfazer, aliando-
se às relações de poder que permitiu concretizar com a liberdade de interpretação dos
textos bíblicos e o princípio do sacerdócio universal.
Dessa forma, muitos estudos historiográficos sobre o protestantismo se
desenvolveram e tem se desenvolvido para fundamentar a pluralidade e a diversidade
desse ser protestante, constatando diferenciadas formas de ser protestante, tanto na
Europa, nos EUA, no Brasil e em Feira de Santana.
A historiadora Marli Geralda Teixeira expõe ao longo do seu trabalho de
doutorado um exemplo de como os batistas na Bahia, entre o final do século XIX e
meados do século XX, eram peculiares em exaltar a sua forma ascética de se comportar
no mundo. Com uma roupagem de contestação às práticas culturais e religiosas vigentes
na sociedade baiana, a forma pietista ascética, na mentalidade dessa comunidade
religiosa, a tornou diferente ao mesmo tempo em que conferia legitimidade religiosa em
relação aos outros grupos religiosos vigentes no período, evidenciando as relações do
grupo religioso com o seu contexto histórico. (TEIXEIRA, 1983: 14)
Os princípios teológicos do sacerdócio universal e a livre interpretação da
Bíblia, têm em si o germe da divisão que em certas ocasiões se pretendeu legítima.
Dessa forma se busca investigar como estes grupos do protestantismo histórico que se
constituíram historicamente de uma forma ascética em relação à cultura brasileira,
durante a vigência do século XX, com o surgimento dos pentecostalismos e
neopentecostalismos, e o seu posicionamento doutrinário diferente dos grupos
originários da Reforma, como e por que estes grupos que historicamente são
intolerantes às outras práticas religiosas puderam se apropriar de práticas nitidamente
neopentecostais? Em outras palavras: Como e porque as práticas neopentecostais têm
adentrado nos grupos do protestantismo histórico, a exemplo dos batistas e
presbiterianos?
A obra de Max Weber “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” é um
dos estudos mais consagrados e tradicionais sobre protestantes e sociedade. O teórico
19
alemão discute na sua tese a ética protestante peculiar dos calvinistas e sua forma de se
comportar no mundo que favoreceram ao surgimento do capitalismo. A ascese
protestante intramundana, ou seja, uma forma de se comportar avessamente aos padrões
culturais, estando, entretanto, inserido nessas vivências a partir de uma racionalização
do trabalho e do controle sobre a moral e os valores, produziu uma forma peculiar
calvinista de estar no mundo.
A essa forma peculiar de estar no mundo dos protestantes, especialmente os
calvinistas e sua caracterização de afastamento da vida mundana e pecaminosa, porém
realizando atividades racionalizadas de investimento e inserção na economia se traduziu
no que entendemos como a ascese peculiar calvinista. Queremos utilizar este conceito
de Weber para entendermos um conjunto de práticas neopentecostais da
contemporaneidade, que atualizam a ascese tradicional, dialogando com novos
elementos da sociedade capitalista neoliberal, a exemplo da Teologia da Prosperidade.
Objetivamos discutir essa nova ascese protestante cunhada pelo G12 e M12,
propondo novas questões e desafios teóricos. Entre as quais, como a Teologia da
Prosperidade pode ser ao mesmo tempo ruptura e continuidade com a ascese tradicional
vista por Weber? Com a intensificação das relações capitalistas e o advento do
neoliberalismo econômico, observa-se a influência das relações de mercado sobre as
práticas dos grupos neopentecostais.
Estas comunidades neopentecostais se apropriaram de capitais simbólicos dos
grupos protestantes históricos e de elementos pentecostais, reelaborando de uma forma
eficaz novas práticas e representações religiosas, tais como as desenvolvidas pelo G12 e
M12. Esta nova metodologia eclesiástica neopentecostal fez essa reinvenção das
práticas protestantes tradicionais, isto é, a apropriação de capitais simbólicos
conquistados pelos protestantes históricos desde a sua formação na Europa moderna, e
estabelecimento na América Latina e Brasil, revestindo-a de uma roupagem mais
adaptada à sociedade capitalista, uma releitura que chega à Teologia da Prosperidade,
ou a busca da eficácia empresarial nas tarefas eclesiásticas.
O que se busca investigar é o porquê de muitos dos segmentos do protestantismo
histórico terem aderido ao G12, um movimento religioso de perfil neopentecostal. O
que em si pode se constituir numa contradição, que causou muitos desdobramentos
conflituosos no sub-campo protestante, gerando muitas divisões religiosas na virada
para o século XXI. A presente pesquisa tem o objetivo de trazer estas discussões que
aparentemente eram teológicas, mas que tinham outras relações em jogo, como poder,
20
legitimidade, finanças, relações sociais e políticas aliadas a outras questões para o
campo da História Cultural, enfocando a complexidade do fenômeno religioso que
carece de investigações e busca de nexos.
Karl Marx fez um exercício de crítica à Filosofia do Direito e do Estado
Alemão, baseada em Hegel, na qual ele trata de tema similar ao que tentamos
desenvolver, isto é as relações entre a religião e a política. A sua concepção materialista
da História se alinha à nossa avaliação de que estudar religião, não é discutir apenas as
coisas do céu, mas constatar efetivamente que as vivências religiosas estão situadas na
terra e são passíveis de crítica. A crítica do céu transforma-se assim em crítica da terra,
a crítica da religião em crítica do direito, a crítica da teologia em crítica política.
(MARX, 1872: 47).
Nessa perspectiva, vale salientar o sacerdócio feminino como um dos elementos
dessa problemática que são essas novas representações protestantes reelaborada pelos
grupos que aderiram ao G12 e M12, implementando novos lugares para o trabalho
religioso feminino. Dessa forma, como se deu esse processo de ampliação do poder
feminino nesse contexto? Como se deu a recepção do sacerdócio de mulheres entre os
grupos históricos? Quais foram os avanços, recuos e negociações que se pôde perceber
dentro dessa temática?
A continuidade de práticas rígidas e autoritárias da Convenção Batista Brasileira
que desde o início do século XX divergia radicalmente das novas propostas
religiosas, que vale ressaltar o eram o inovadoras, perpassando mais as questões
doutrinárias e sociais em determinados momentos. Esse não foi um episódio isolado em
relação às origens norte-americanas, mas decorrente de uma conjunção de interesses
econômicos e sociais e da própria disputa pelo poder dentro do sub-campo protestante,
que ao longo da história do protestantismo tem se verificado com freqüência.
Discutindo dissidências entre a Convenção Batista e algumas igrejas em
Salvador durante o século XX, Teixeira cita:
Resultaram disso a separação de igrejas da Convenção Interestadual para
formarem em 1923 a Convenção Batista Baiana (de vigência até os dias
atuais); a divisão interna de igrejas, produzindo outras; a extensão dos
antagonismos administrativos a rivalidades de caráter pessoal; o
aparecimento da intensa polêmica pela imprensa, sendo o jornal O
BATISTA BAIANO representativo da posição construtiva. (TEIXEIRA,
1983: 65)
21
O G12 produziu inovações e polêmicas, Pretendemos analisar como foi a
receptividade da Convenção Batista Brasileira e Baiana, e dos outros grupos históricos,
às congregações que aderiram ao G12? Como foram administrados os conflitos e as
divergências no contexto de implantação da metodologia colombiana nas congregações
locais? A autonomia das congregações batistas foi preservada ou ressignificada,
conforme as demandas da nova metodologia do G12?
.Consideramos que o exercício interpretativo da presente dissertação é além de
pioneiro, introdutório, mas que propõe questões relevantes e incontornáveis para o
estudo numa perspectiva histórica dos grupos protestantes em Feira de Santana que
aderiram ao G12 e M12 e que têm experimentado um crescimento e visibilidade
espetaculares na sociedade feirense.
A História Cultural é um dos domínios deste campo disciplinar mais freqüentado
pelos historiadores da contemporaneidade. A historiografia francesa foi muito
importante neste cenário em todo o século XX, não apenas na Europa, mas também no
Brasil. Essa relevância se constata pelo trânsito de intelectuais franceses nas
universidades brasileiras desde a década de 1950, quando o francês Émille Guillaume
Léonard veio para o Brasil e foi o primeiro historiador a produzir uma análise científica
sobre o protestantismo brasileiro, o qual recebeu fortes influências da Escola dos
Annales. (LÉONARD, 2002, p.17)
Na obra O protestantismo Brasileiro”, o historiador francês, fez o primeiro
exercício crítico de relacionar aspectos da religiosidade no Brasil com as
transformações da sociedade, construindo uma pioneira História Social dos
protestantismos brasileiros. Ainda que o trabalho seja passível de críticas, o seu trabalho
pioneiro deve ter sua relevância considerada.
As problemáticas da linha História Cultural se configuraram a partir da
influência dos Annales e do marxismo. Nesse contexto de ampliação dos horizontes na
História, houve uma maior abertura para temas como religião, atitudes diante da vida e
da morte, o estudo do mental, visões de mundo, entre outros objetos.
Nas últimas décadas do século XX, Roger Chartier constatou que a História vem
passando por um tempo de certezas abaladas, desafios epistemológicos e quebra de
paradigmas. Isso, o autor constata em diversos ensaios que produz como o “Mundo
como representação”. A sua abordagem entende o contexto da historiografia atual como
um terreno aberto para a difusão de muitos trabalhos onde a cultura, as percepções, as
leituras, as representações, o poder, ganham um novo olhar. Segundo o autor, os
22
historiadores da contemporaneidade enfrentam muitos desafios, seja pela necessidade
do esforço intelectual das análises qualitativas que aos poucos vão galgando espaços no
terreno das ciências, seja pela polêmica da História como disciplina científica.
Pretendemos discutir e demonstrar a viabilidade da História Cultural como uma
ferramenta teórico-metodológica relevante para o estudo do fenômeno religioso.
Faremos uma abordagem interdisciplinar, na qual a Antropologia e a Sociologia terão
um lugar de destaque, sobretudo, na afirmação epistemológica da religião enquanto
elemento integrante da cultura e gerador de sentido e práticas culturais.
Chartier indica que o caminho interpretativo para uma análise histórica é mais
eficaz com a abordagem do conceito de apropriação, onde importa os modos como o
indivíduo e os grupos se apropriam de uma determinada forma cultural, ou de um
motivo intelectual. Com isso, Chartier extrapola o primado da quantificação, numa
perspectiva de que a análise qualitativa é complementar a base estatística por
possibilitar uma compreensão das relações que são estabelecidas, em um dado
momento. A História Cultural, tal como a entendemos, tem por principal objeto
identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade
social é construída, pensada, dada a ler.(CHARTIER, 1986: 16)
A partir de leituras de Pierre Bourdieu e Roger Chartier, especialmente dos
conceitos de representação, lutas de representação e apropriação construímos as
referências teóricas fundamentais. Uma delas enfoca as representações que foram
construídas pelos evangélicos feirenses acerca de René Terra Nova. Pretendemos
analisar estas representações como uma das evidências da ruptura que, associadas com
questões referentes às relações de poder e sua simbologia, elaboração e reelaboração de
discursos, práticas religiosas, doutrinas, debates teológicos dessas matrizes discursivas
acerca das doutrinas e práticas da metodologia das lulas provocou profundas
alterações no cenário protestante feirense.
Pierre Bourdieu nos apresenta questões instigantes no tratamento das disputas
pelo poder religioso, tendo em vista que o objetivo deste trabalho é discutir as
lideranças do G12 e M12 em Feira de Santana. Ao trabalhar os conceitos de sacerdote,
profeta e monopólio dos bens de salvação. Conceituando a categoria de análise “campo
religioso”, levando-se em conta a dinâmica do campo e as relações que se constróem
entre os agentes que dele participam, podemos nessa categoria buscar quais são as
outras relações que permeiam a vinculação simbólica entre René Terra Nova e César
Castellanos, enquanto agentes religiosos de destaque.
23
Para além da apropriação do método celular por René Terra Nova, tem que se
levar em consideração também como foi a apropriação desse método pelas lideranças
locais em Feira de Santana, levando-se em conta as origens doutrinárias destes sujeitos
para entender as diferentes formas de apropriação, os conflitos, as disputas, e os
desdobramentos, que resultaram em cismas, desligamento com o G12 e com o M12 e a
consolidação de algumas congregações sob a metodologia M12.
Nessa perspectiva da História Cultural, qual seja, de uma história das formas de
apropriação, de percepção e de leitura do real, evidencia-se que Chartier está fazendo
uma síntese dos avanços metodológicos na disciplina do início do século XX, com as
discussões da História Cultural Francesa da década de 60 e 70. Nessa concepção, as
representações e as percepções do mundo social, estão estreitamente relacionadas com
as posições sociais, e as lutas de representação, visando uma justificação de práticas e
condutas dos indivíduos. As lutas de representações têm tanta importância como as
lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou
tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu
domínio. (CHARTIER, 1986: 17)
Dessa maneira, as lutas de representação, tendo em vista as relações que se
estabelecem entre as posições, é um conceito bastante relevante no estudo da
implantação do G12 em Feira de Santana e a posterior ruptura entre René Terra Nova e
César Castellanos. Essas duas questões não expressam apenas um fato religioso, mas,
sobretudo, um fato político que se explicita pela disputa do poder religioso, através da
construção de imagens representativas dessas duas figuras e do capital simbólico que as
lideranças protestantes construíram em torno deles. Segundo Chartier, a configuração da
sociedade ocidental:
Faz com que os confrontos sociais fundados sobre os afrontamentos diretos,
brutais, sangrentos, cedam cada vez mais o lugar a lutas que têm por armas e
por fundamentos as representações. De outro lado, é do crédito concedido
(ou recusado) às representações que propõem de si mesmos que depende a
autoridade de um poder ou o poderio de um grupo. (CHARTIER, 1986: 95)
O conceito de representação como construção de sentido do mundo social,
depende da relação entre os discursos proferidos e da posição de quem os utiliza. Nesse
sentido, o estudo de práticas religiosas adquire um lugar de destaque na sociedade,
sobretudo, pela relação entre o mundo social e o mundo do sagrado. Algumas
24
comunidades religiosas conseguem adquirir um grande prestígio social, pelas
representações que são construídas e pela encarnação dessas matrizes discursivas. Ou
seja, o lugar social dos agentes no campo, terá uma estreita relação com as suas
percepções do mundo social, de maneira que o seu discurso visa a produção de
estratégias, práticas sociais, políticas e escolares que impõem autoridade, legitimando e
justificando as condutas e escolhas dos indivíduos. É o momento em que o discurso se
tornou prática e está comandando atos.
Dessa forma é importante destacar como as concepções teóricas de Roger
Chartier, orientaram a leitura qualitativa das fontes que estão elencadas na lista de
fontes ao final do texto. O conceito de representação como construção de sentido do
mundo social, tem possibilitado vislumbrar como as novas práticas religiosas dessas
comunidades protestantes em estudo, qual seja, de engajamento político, diálogo com a
sociedade de mercado e o sacerdócio feminino, fazem parte de uma matriz discursiva
que constrói representações, que por sua vez se tornam práticas, levando-se em
consideração as diferenças que dependem do lugar social que estes sujeitos se
apropriam desses discursos.
Erwin Panofsky, poderia constituir um incitamento nesse sentido, pois
define a função simbólica (dita de simbolização ou de representação) como
uma função mediadora que informa as diferentes modalidades de apreensão
do real, quer opere por meio de símbolos lingüísticos, das figuras
mitológicas e da religião, ou dos conceitos do conhecimento científico. A
tradição do idealismo crítico designa assim por forma simbólica todas as
categorias e todos os processos que constroem o mundo como representação.
(CHARTIER,1986: 19)
Uma vez que o mundo da representação é construído por textos, leituras e
práticas complexas, múltiplas e diferenciadas, por símbolos que possuem funções, a
crença, a religião, os comportamentos religiosos e suas formas de sociabilidade surgem
como novos objetos históricos passíveis de um tratamento metodológico
interdisciplinar, pela conciliação dos vários campos disciplinares de investigação,
enriquecendo e ao mesmo tempo conferindo legitimidade científica.
O conceito de representação permite articular três modalidades da relação com o
mundo social. Uma delas é o trabalho de classificação e delimitação do grupo com o seu
respectivo conjunto de práticas que constroem uma identidade social e as formas
institucionalizadas que marcam a existência do grupo. Essas modalidades têm uma
importância fundamental para o estudo da religião, pois é sobretudo a partir desses
25
níveis metodológicos que sevisível a relação entre a identidade social do grupo e a
importância dele para a sociedade, através da visibilidade social que a ocupação de
lugares institucionais promove. (CHARTIER, p.17)
A visibilidade social de uma prática religiosa se relaciona com a representação,
na medida em que as matrizes de discursos são construídas por agentes religiosos a
partir de determinado lugar social e esses discursos se tornam práticas sociais de
parcelas significativas da população, as quais, por sua vez estão construindo capitais
culturais, econômicos e políticos da sociedade. O que isso pode indicar é uma mudança
no perfil da sociedade, uma diversificação, uma complexa relação dialética.
O estudo das representações e das lutas de representação tem se mostrado assaz
fecundo entre a historiografia das religiões e das religiosidades. Além da Nova História
Cultural Francesa, se pretende neste texto realizar um diálogo interdisciplinar com os
conceitos da Sociologia, especialmente de Pierre Bourdieu. A categoria de análise
“campo religioso” e os conceitos implícitos nela constituem uma ferramenta teórico-
metodológica que permite situar os sujeitos no campo de disputas, enquanto agentes
religiosos, possibilitando o entendimento do que seja o poder religioso e suas
implicações na ruptura entre o G12 e o M12 no Brasil e em Feira de Santana,
particularmente.
Esta categoria de análise permite um trabalho intelectual qualitativo, de análise
de conteúdo das fontes, relacionando o campo religioso, o campo das relações sociais e
o campo do poder, ou seja, o campo religioso não se explica por si mesmo, porém pela
relação que estabelece com os outros campos da totalidade do social.
Nesse sentido, a busca por visibilidade social de uma determinada prática
religiosa remete diretamente ao corpo de sacerdotes, a mensagem religiosa, a
competência religiosa, às marcas de distinção do saber sagrado e do simbolismo
presente nas práticas religiosas, que os conceitos de Bourdieu como eficácia simbólica,
profeta, persuasão, manipulação simbólica das aspirações, entre outros são bons
instrumentos para a pesquisa em religião.
Pretende-se aqui nesta abordagem teórico-metodológica, um diálogo entre o
conceito de Campo Religioso, sendo aplicado de uma forma relacional ao campo das
relações sociais, pensando o conceito de representação, apropriação, numa perspectiva
de lutas de representação entre discursos, práticas materiais, míticas e simbólicas que
visam a legitimação de uma ordem, tendo em vista a complexidade do fenômeno
religioso.
26
Bourdieu é um dos principais intelectuais que participaram na própria
construção epistemológica deste campo de estudos, trazendo a religião para o campo da
ciência ao extrapolar o fato religioso do âmbito da teologia, da apologia ou da simples
desqualificação. Ao fazer uma síntese dos principais teóricos clássicos, propõe
conceitos que vinculam o fato religioso ao campo das relações sociais. Em suas
palavras:
Esta teoria da linguagem como modo de conhecimento que Cassirer
estendeu a todas as “formas simbólicas” e, em particular, aos símbolos do
rito e do mito, quer dizer, à religião concebida como linguagem, aplica-se
também às teorias e, sobretudo, às teorias da religião como instrumentos de
construção de fatos científicos (BOURDIEU, 2005: 27)
Entendemos o Campo Religioso como um esquema conceitual. Além disso, uma
ferramenta metodológica para o estudo do G12 e dissidência em Feira de Santana na
matriz protestante contemporânea. Esta ferramenta teórico-metodológica é relevante
pelo princípio de que o campo é o lugar histórico onde se dão todas as relações sociais.
A noção de campo é relevante e aplicável para os estudos da religião, por que
situa conceitualmente que a religião não está desligada das transformações sociais, mas
que está inserida temporal e espacialmente num contexto de interdependência e reforço
recíproco entre as transformações tecnológicas, econômicas e sociais, sendo este
relativamente autônomo às transformações culturais. Segundo o autor este campo possui
uma autonomia relativa, construindo uma crítica a oposição simplista entre a ilusão da
autonomia do discurso religioso e a teoria reducionista que torna este discurso o reflexo
direto das estruturas sociais. Esta oposição simplista em si explicações insatisfatórias
sobre o aspecto religioso e a sua complexidade, multiplicidade e sua diversidade.
(BOURDIEU, 2005: 32)
A proposta de Pierre Bourdieu, de esgrimir os modos possíveis de analisar as
obras culturais com um método que estabelece a existência de uma relação inteligível
entre as tomadas de posição e as posições no campo social, orienta metodologicamente,
a análise das posições e tomadas de posição entre os sujeitos em análise, desconstruindo
a visão de que as rupturas religiosas são simples querelas entre líderes.
As estratégias dos agentes e das instituições que estão envolvidos nas lutas
literárias, isto é, suas tomadas de posição (específicas, isto é, estilísticas, por
exemplo, ou não específicas, políticas, éticas, etc.), dependem da posição
que eles ocupem na estrutura do campo, isto é, na distribuição do capital
simbólico específico, institucionalizado ou não (reconhecimento interno ou
27
notoriedade externa), e que, através da mediação das disposições
constitutivas de seu habitus (relativamente autônomos em relação à
posição), inclina-os seja a conservar seja a transformar a estrutura dessa
distribuição. (BOURDIEU, 1996: 64)
A noção de campo, permite-nos dinâmica e mobilidade, incluindo a
possibilidade de transformações no campo, com a construção de outras posições. Este é
o caso de René Terra Nova que ao romper o discipulado com César Castellanos, criou
uma nova posição dentro do campo religioso, paralela a de César Castellanos, porém de
um outro modelo organizacional que é o M12, agora brasileiro tentando dialogar com a
cultura brasileira.
As representações sobre essas lideranças religiosas perpassam pelo âmbito dos
símbolos, dos mitos, dos ritos, de toda uma liturgia que construiu a imagem que estes
dois homens o homens cheios do Espírito Santo e por isso têm o poder simbólico de
praticar curas, libertações e ter uma autoridade espiritual inquestionável,
fundamentando a sua posição hierárquica dentro do campo protestante em questão.
Essa doutrinação, nas palavras de Bourdieu inculcação, legitima a
hierarquização, numa perspectiva de impor um consentimento aos fiéis, o que
funciona pela eficácia do carisma do profeta. Dessa forma a religião enquanto sistema
simbólico, dotado de poderes simbólicos, possui funções sociais que engendram tanto o
sentido, quanto o consenso em torno do sentido das práticas religiosas. Em suas
palavras Bourdieu afirma:
Compreender a gênese social de um campo, e apreender aquilo que faz a
necessidade específica da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que
nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram, é
explicar, tornar necessário, subtrair ao absurdo do arbitrário e do não
motivado os atos dos produtores e a sobras por eles produzidas e não, como
geralmente se julga, reduzir ou destruir. (BOURDIEU, 2006: 69)
Os conceitos de sacerdote como o poder estabelecido, profeta, carisma e eficácia
simbólica funcionam metodologicamente no campo para definir as posições e tomadas
de posições que ocorrem no campo religioso. Segundo Bourdieu, o sacerdote é o agente
do campo que detém o poder simbólico institucionalizado porque ele monopoliza o
capital simbólico que é o saber sagrado e a gestão de seus bens. o profeta é definido
como o homem de situações extraordinárias com um discurso contra a instituição,
podendo ele surgir da própria instituição. Carisma é justamente a propriedade de
conseguir a adesão de fiéis. A eficácia da mensagem religiosa é o próprio elemento
28
aglutinador que confere ou não sucesso ao profeta em sua luta por posições no campo.
(BOURDIEU, 2005: 55)
Nesse sentido, os conceitos sintetizados por Pierre Bourdieu na concepção de
Campo Religioso se complementam à noção de habitus, por entender que o habitus
intermedia o espaço das posições sociais e o espaço das tomadas de posição. É o habitus
o princípio que gera práticas distintas e distintivas, que no caso do estudo da religião, a
própria inculcação religiosa trabalha nesta perspectiva de transformar algumas práticas
em ethos,e não apenas em hábito. Em suas palavras, o habitus é esse princípio gerador
e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição
em um estilo de vida unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas,
de bens, de práticas. (BOURDIEU, 1996: 21). Este conceito se vincula de forma muito
estreita à organização eclesiástica protestante, que ora analisamos.
Nessa perspectiva, o estudo das práticas e das representações possibilitam uma
abordagem relacional entre práticas religiosas e a sua vinculação com o poder na
sociedade, ou seja, como é que esses grupos que buscam visibilidade social através da
intensificação das relações com as instâncias sociais, se relacionam na sociedade
circundante uma vez que ser representado na sociedade, através da política, galgando
essa visibilidade, é um dos principais objetivos do G12, tanto por César Castellanos e
discípulos, quanto para René Terra Nova e seus seguidores.
No exercício de pesquisa qualitativa com as fontes orais e escritas pudemos
evidenciar a ocorrência das palavras: adaptações, alterações, diferenças, identidade
quando se discutia sobre a importância de René Terra Nova para a implantação do G12
no Brasil e a posterior ruptura com César Castellanos. Na nossa leitura, os termos
supracitados estavam relacionados à apropriação que o líder René Terra Nova fez do
método colombiano, reelaborando algumas práticas e representações das comunidades
protestantes feirenses que conheceram o G12 e as células através do pastor brasileiro.
AS FONTES
As fontes para essa investigação histórica são doutrinárias, escritas e orais. Entre
as fontes doutrinárias estão os livros produzidos pelos líderes do movimento citados.
“Os livros Liderança de sucesso através dos 12” e Sonha e Ganharás o Mundo” de
29
Castellanos e “A Visão profética para a conquista das nações” e O Abecedário das
Células”, de René Terra Nova, são muito importantes para o trabalho por fazer uma
discussão sobre o G12, as células, os líderes. Outros livros também serão trabalhados e
estão na lista de fontes anexadas ao trabalho, a relação destes livros possibilita um
aprofundamento sobre o G12, para além de uma reflexão sobre a relação entre
identidade denominacional e a aplicação dos princípios do G12.
O material administrativo destes estabelecimentos religiosos como os livros de
atas das congregações que aderiram ao movimento e os livros de membros não foram
utilizados como fontes, pois os pastores do movimento concentraram as decisões na sua
pessoa e ainda não deram permissão para pesquisa nesse material das congregações.
Trabalhamos com os periódicos “Yahweh Shammah: O Senhor está aqui,” que é
produzido em Feira de Santana, a “Revista G12: ‘A revista oficial da Igreja em Células
no Modelo dos 12 nos cinco Continentes” e a Revista Geração Celular: ‘A revista
oficial da Igreja em Células’”, ambas o de circulação nacional. Além disso, agendas
de líderes, manuais para líderes, cartas eletrônicas entre líderes nacionais do
movimento, livros dos encontros, foram de grande relevância para a pesquisa, enquanto
acervo documental.
As fontes iconográficas são as fotos de eventos festivos, dos objetos rituais e das
congregações. Uma peculiaridade no estudo do protestantismo é a dispersão do material
de estudo e em nosso caso a necessidade de produzir este material para viabilizar a
pesquisa foi relativamente difícil. Estes tipos de fontes dizem muito da organização
interna desse campo de análise, das práticas materiais e simbólicas, para além das
representações que foram construídas acerca do movimento e a própria maneira de
pensar dos seus líderes.
O método utilizado com as fontes orais, foi o uso de questões abertas sugeridas
pelo etnotexto. O etnotexto foi um método utilizado por Tânia Gandon em que ela
aplicou a formulação de questões genéricas para evidenciar elementos relevantes da
memória coletiva. Com esta ferramenta procuramos analisar aspectos da memória
seletiva que mais afloravam durante as entrevistas. Nas palavras de Tânia Gandon sobre
a História Oral:
A História Oral, seja em que versão ela seja utilizada, põe em relevo a fala
humana e a memória. O discurso da memória é altamente dinâmico, vai
sendo construído em função de cada contexto do presente-o lugar do
discurso- e também em função da imagem que se quer transmitir e da
30
“negociação” identitária que consciente ou inconsciente se estabelece numa
fala. (GANDON, 2005: 231)
Vale ressaltar que a memória com a qual estamos trabalhando é bastante
recente. Este método foi importante, porém encontramos dificuldades com as respostas
que algumas vezes pareciam não dizer nada. Tal problema contornamos com a
flexibilização dos roteiros, muitas vezes interferindo com questões que não estavam
programadas e desistindo de algumas questões por visualizar a experiência de nem
todos os informantes saberem ou quererem discutir alguns assuntos. Outra questão que
surgiu com a intensificação das entrevistas e para nós foi fundamental, foi o silêncio
sobre o motivo da ruptura, com o qual tivemos que enfrentar com mais cuidado, rigor e
ética no segundo capítulo, analisando os conflitos, os jogos, e as estratégias.
(CERTEAU, 1994: 271)
As fontes orais são de grande relevância para o desenvolvimento da pesquisa
com a realização de entrevistas com os líderes do movimento em Feira de Santana como
René Terra Nova, Luciano de Almeida Moura, João Batista da Silva, Manoel Pedro de
Sousa, Augusto Barreto, Marcos Sales Batista, Simone de Araújo Moura, entre
outros. A análise de aspectos práticos dessa religiosidade protestante, que o estavam
presentes no material doutrinário impresso.
As fontes de cunho oficial que são as Atas, Projetos de Lei, Decretos
Legislativos, Resoluções do Regimento Interno e os Projetos de Decreto da Câmara
Municipal de Feira de Santana, nos fornecem pistas da vinculação entre os líderes do
movimento e os representantes políticos da cidade e sua visibilidade política. O caso em
pesquisa é a distribuição de honrarias da cidade para líderes do G12 e a realização de
atividades sociais legalizadas por um respectivo projeto de lei por essas comunidades.
Os títulos de Cidadão feirense e a Comenda Maria Quitéria que foram outorgadas a
muitos pastores do G12, inclusive a René Terra Nova, são honrarias municipais que
precisam de uma tramitação política na Câmara de Vereadores. Percebemos a
aproximação entre essas lideranças e as representações políticas na cidade, que têm
distribuído títulos políticos a religiosos que têm um tipo de honraria específica, a saber a
Medalha Missionário Roderick Gillanders Murdo, uma homenagem ao primeiro casal
de missionários protestantes que instalou a primeira comunidade protestante em Feira
de Santana com a fundação da Igreja Evangélica Unida na década de 1930.
31
UNIVERSO ESPACIAL: FEIRA DE SANTANA NO FINAL DO SÉCULO XX
O universo espacial em que situamos o trabalho é Feira de Santana entre os anos
de 1983 a 2005. Neste período, o município havia passado por intensas
transformações econômicas, políticas, culturais e sócio-demográficas em relação à sua
origem. Mediante um desmembramento do município de Cachoeira, em 1832, este
passou a assumir a nomenclatura de Feira de Santana pelo Decreto Estadual nº11.089,
de 30 de novembro de 1938. (ROSSINE, 1999: 275)
O município faz parte da Mesorregião Centro-Norte Baiano e da Microrregião
Geográfica de Feira de Santana, compreendendo área urbana, rural e mais oito distritos
num total de 1.344 Km². Sua localização geográfica privilegiada pelo entrecruzamento
de diversas rodovias estaduais e nacionais que ligam a Região Sul e Sudeste à Região
Norte e Nordeste, além de ligar a capital, Salvador ao interior do Estado.
De acordo com Cruz (1999, p.277), o município desde as suas origens possuía
uma característica comercial,
Comprar, vender, investir, trocar, negociar... são verbos conjugados e
praticados no dia a dia de Feira de Santana, desde sua origem, constituindo a
principal marca da cidade. Desde seus primórdios, a constância dos
movimentos do capital mercantil e agropastoril e o crescimento das
transações comerciais ganharam volume e atraíram população e
investimentos que transformaram Feira de Santana, criando fortes elos
comerciais e produtivos com a capital do Estado e com diversos municípios
de todo o interior baiano.
Freitas (1998), atribuiu o crescimento da cidade à sua condição de
entroncamento rodoviário, por que a sua expansão se deu ao longo dos eixos de acesso a
Salvador e ao interior do Estado. Além do desenvolvimento de estabelecimentos
comerciais e residências ao longo dessas vias rodoviárias, constatou que na década de
1960, se deu o aparecimento de bairros mais afastados do centro e da parte externa do
Anel de Contorno Rodoviário, enfatizando a expansão urbana de Feira de Santana para
todas as direções.
Nas décadas de 70 e 80, foram aprovadas vários loteamentos criando 20.000
novos lotes na parte externa do Anel de Contorno Rodoviário contribuindo assim para
a expansão destas áreas.(FREITAS, 1998: 114) Ainda segundo a autora foram o
desenvolvimento industrial e do setor de serviços que contribuíram para a ocupação e
32
urbanização de Feira de Santana, contribuindo para a periferização da município com a
criação de inúmeros bairros.
Segundo Cruz (1999), suas atividades econômicas, quais sejam, o comércio,
atividades agropastoris, a industrialização, e o setor de serviços, possibilitou uma
intensa corrente migratória das regiões circunvizinhas nas décadas de 1970 e 1980, além
de populações de outros Estados do Nordeste o que ocasionou a aceleração da ocupação
urbana, “seja através de loteamentos populares e aglomerados habitacionais, seja nas
atividades de comércio e de serviços, seja nas invasões e ocupações irregulares”.
A implantação do CIS (Centro Industrial do Subaé) e suas demandas sociais
criadas intensificaram as migrões para Feira de Santana entre as décadas de 1970 e
1980. Freitas (1998, p.87) explica na sua dissertação de mestrado que os “principais
atrativos para sua implantação os incentivos fiscais do programa FINOR, a isenção do
imposto de renda e o excedente de mão-de-obra, caracterizando potencialmente um
espaço de concentração industrial.”
Este processo de urbanização do município de Feira de Santana e a conseqüente
ocupação dos bairros, loteamentos, logradouros das décadas de 70, 80, e 90 do século
XX, foram fundamentais para a expansão do pentecostalismo e neopentecostalismo.
Segundo Freston (1992), o crescimento evangélico está ligado à urbanização e à
expansão de uma sociedade de massa. Segundo o autor, os grupos protestantes tiveram
maior crescimento demográfico, sobretudo, na segunda metade do século XX, período
em que se deu o desenvolvimento urbano de Feira de Santana, conforme analisado
anteriormente.
Outros estudiosos do pentecostalismo brasileiro como Sipierski (2000)
concordam que as transformações sociais, políticas e econômicas que o Brasil como um
todo passou ao longo do século XX, provocaram mudanças qualitativas nas formas de
relações sócio-culturais favorecendo à emergência de um ambiente propício à
pluralidade religiosa.
De acordo com Sipierski (2000, p.542),
A partir da década de 70, entretanto, quando a urbanização estava
consolidada e o setor terciário começava a superar o secundário, um
segmento do pentecostalismo experienciou uma metamorfose para se
adaptar as novas exigências do mercado religioso e se estabelecer como o
grande vencedor no atendimento à demanda religiosa.
33
Por isso é relevante o estudo da expansão dos grupos neopentecostais no
município, pois o crescimento demográfico deles é também um indicativo de como o
campo religioso feirense se tornou mais plural, exercendo influências recíprocas no
campo social, econômico e político. Observando-se de Feira de Santana, basta uma
simples caminhada pelos seus bairros para notar a expressividade do número de
congregações pentecostais e neopentecostais espalhadas por todo o município.
A interdisciplinaridade é um dos aspectos relevantes e notórios para fazer um
trabalho que discute religião. O aporte teórico da Sociologia, o conceito de campo
religioso de Pierre Bourdieu norteou todo o trabalho bem como uma extensa lista de
trabalhos de sociólogos.
Marcos importantes estão na introdução deste trabalho como a implantação do
protestantismo histórico missionário no Brasil no século XIX, a chegada dos grupos
pentecostais nas primeiras décadas do século XX e a posterior avalanche neopentecostal
no final da década de 1970. Estes três grupos bastante distintos dentro da confissão
protestante possuem práticas e representações diferenciadas e conflitivas
doutrinariamente o que teve como conseqüência uma particular tendência aos
divisionismos no seu interior.
O estudo que desenvolvemos versa sobre as origens do G12, suas doutrinas,
práticas e representações na Colômbia e sua implantação nas congregações em Feira de
Santana. O cerne da nossa discussão é o estudo das relações de poder dentro da estrutura
eclesiática, o que produziu conflitos e tensões dentro do grupo, favorecendo à existência
de dissidências dentro do G12 e a origem do M12.
A nossa análise o se restringiu à História religiosa propriamente dita, mas as
relações que as lideranças e os fiéis do G12 e M12 estabeleceram com a sociedade
circundante, dando origem a uma nova forma de ascetismo intramundano entre estes
grupos protestantes. Sua inserção na política de Feira de Santana e a intensificação do
trabalho religioso feminino com ordenação, foram alguns dos elementos que
construíram esta nova ascese protestante.
34
CAPÍTULO 1
OS GRUPOS PROTESTANTES DO CAMPO RELIGIOSO NO BRASIL
Até bem pouco tempo a tendência religiosa da maioria dos brasileiros era ser
naturalmente batizada na Igreja Católica Apostólica Romana, em decorrência de uma
tradição histórica na qual o catolicismo se constituiu enquanto religião oficial do Estado
brasileiro até o final do Império. no período colonial houve incursões protestantes no
País, resultando num desenvolvimento de um protestantismo esporádico e efêmero
carregado dos conflitos que a Reforma Protestante ocasionou na Europa. Apenas no
século XIX o protestantismo se instalou sistematicamente no Brasil, e aos poucos foi
ganhando adeptos, formando congregões de várias denominações, um fenômeno
tipicamente americano e brasileiro, afirmando um caráter plural para este protestantismo
que já na sua origem na Europa, nasceu diverso.(MENDONÇA, 1984, p.48)
Essa diversidade de protestantismos no bojo da Reforma do século XVI,
influenciou na produção de variadas tipologias nos estudos dessa forma de
religiosidade. Em se tratando do protestantismo brasileiro já citamos sua pluralidade.
Ricardo Mariano critica às classificações e tipologias formuladas por
importantes autores como Antônio Gouveia Mendonça e Ari Pedro Oro. Mariano se
propõe a discutir as tipologias pentencostais, classificando-as em pentecostalismo
clássico, deuteropentecostalismo e neopentecostalismo, constatando a heterogeneidade
do fenômeno religioso brasileiro destacando também a fragilidade da construção desses
conceitos que tipificaram as igrejas pentecostais.
Os pentecostalismos e neopentecostalismos, fazem parte de uma terceira onda
protestante no Brasil e estão inseridos num fenômeno mais estudado por muitos
pesquisadores atualmente que é o revigoramento do fenômeno religioso nessa sociedade
capitalista secularizada.
O pentecostalismo foi um movimento religioso mundial que surgiu na matriz
protestante no início do século XX nos Estados Unidos. No Brasil este fenômeno
chegou ao final da primeira década do mesmo século com a Congregação Cristã do
Brasil em 1910, seguindo-se pela Assembléia de Deus em 1911. Este movimento se
expandiu nas décadas subseqüentes e se afirmou como a expressão religiosa do
35
protestantismo brasileiro, que mais cresce no campo religioso do País, com o
surgimento de inúmeras denominações de mesmo perfil.
O movimento neopentecostal surgiu no final da década de 1970, no bojo do
antecessor pentecostalismo, que recebeu este nome por fazer uma analogia à descida do
Espírito Santo no pentecostes bíblico. Segundo Mariano, o prefixo neo, mostra-se
apropriado tanto pela sua formação recente, quanto pelo seu caráter inovador, qual seja,
o diálogo de elementos pentecostais tradicionais, como a emotividade nos cultos e os
dons do Espírito Santo, à teologia do domínio e da guerra espiritual, a presença de
líderes carismáticos e a teologia da prosperidade que foram reelaborados pelo diálogo
entre estas práticas e a cultura da sociedade capitalista de consumo, trazendo algumas
mudanças em relação ao tradicional ascetismo protestante.
Essas transformações que não estão apenas inseridas no campo das doutrinas e
diretrizes religiosas, mas sobretudo, visível nas práticas e representações cunhadas por
estas denominações, isto é, suas características de adaptação de práticas religiosas à
sociedade circundante, incluindo reformas de caráter secularizante, comportamental,
estético e teológico, para além das características centrais do pentecostalismo, como o
êxtase religioso, a prática de cura e o exorcismo.
Estas práticas, segundo Mendonça, descaracterizariam a confissão reformada
que se apoiou, sobretudo, no racionalismo cultual, por isso, o autor o considera o
pentecostalismo e o neopentecostalismo como formas religiosas protestantes. Tendo em
vista o caráter plural e diverso do protestantismo, mas que guardam características
centrais desde a Reforma Protestante no século XVI, até as formas protestantes
contemporâneas estarem baseadas no sacerdócio universal e o livre exame da Bíblia,
que fazem parte de um mesmo debate teológico que é a acessibilidade de todos os
homens a Deus, tornando desnecessária a mediação sacerdotal entre o religioso e a
divindade, o movimento pentecostal é também herdeiro da Reforma. Portanto, em nossa
concepção o pentecostalismo também faz parte do ramo reformado. Segundo Mariano:
A expansão do pentecostalismo constitui fenômeno de amplitude mundial,
posto que este ramo do cristianismo, formado no início do século na
América do Norte, vem crescendo aceleradamente em várias sociedades em
desenvolvimento no sul do Pacífico, da África, do leste e sudeste da Ásia.
Trata-se de um autêntico processo de globalização ou transnacionalização
dessa forma de protestantismo popular. Mas nenhum continente supera a
América Latina, o caso mais extraordinário de crescimento pentecostal neste
final de milênio. O Brasil se destaca neste contexto. Em números absolutos,
figura como o maior País protestante da América Latina, abrigando pouco
36
menos da metade dos cerca de 50 milhões de evangélicos estimados
atualmente no continente. (MARIANO, 2005: 10)
Nesse contexto de expansão pentecostal no Brasil, o que pretendemos neste
trabalho é construir uma análise histórica do perfil neopentecostal das comunidades
protestantes que aderiram à metodologia do G12 e sua dissidência M12 em Feira de
Santana. A problematização de doutrinas, práticas e representações que definem a
classificação do grupo como neopentecostal, serão analisadas ressaltando a
transformação na forma de conceber e praticar o ascetismo e outras doutrinas.
AS ORIGENS (NEO)PENTECOSTAIS DO G12
O pentecostalismo foi um movimento religioso mundial e o seu nome é uma
alusão à descida do Espírito Santo no pentecostes bíblico. Sua origem remonta ao
avivamento metodista do culo XVIII, no qual Wesley introduziu o conceito de uma
segunda obra da graça, distinta da salvação, chamada de perfeição cristã. Estes foram os
primeiros elementos do “batismo no Espírito Santo”, no qual a evidencia de tal batismo
seria a glossolalia.(FRESTON, 1994: 73)
Em meio a exemplos esporádicos de glossolalia, a síntese doutrinária que
permitiu o surgimento do pentecostalismo como movimento distinto foi
alcançada por volta de 1900 por um dono de escola bíblica em Kansas
chamado Charles Parham: as línguas eram a evidencia do batismo com o
Espírito Santo. Mas o estopim do movimento pentecostal não foi esse
admirador do Ku-Klux-Klan que permitia que negros ouvissem as suas aulas
somente do lado de fora da porta, e sim um aluno negro chamado
W.J.Seymour, um batista nascido como escravo, que era cego de um olho e
trabalhava como garçon (FRESTON, 1994: 74).
As experiências religiosas de Parham e Seymour, foram distintas porque o
primeiro denotou um fato local, ao passo que o segundo em 1906, sendo convidado para
pregar em Los Angeles e devido ao sucesso da glossolalia, Seymour teve que alugar um
armazém na Azuza Street, onde atraiu negros e brancos. Porém a união entre negros e
brancos teve suas vicissitudes históricas, ocasionando divisões raciais existentes na
sociedade norte-americana.
37
Dentro de cada segmento a separação racial se deu dentro de uma década.
Os brancos que haviam recebido a ordenação na Igreja de Deus em Cristo
(predominantemente negra) saíram para fundar a Assembléia de Deus (quase
exclusivamente branca). (FRESTON, 1994: 74)
Sobre o pentecostalismo que surgiu em meio às novas experiências religiosas no
início do século XX, o jornalista Emilio Conde (2000) escreveu uma obra pioneira que
relata a história das Assembléias de Deus no Brasil. Seu relato nitidamente
confessional, atribuiu a chegada da Assembléia de Deus no Brasil ao trabalho dos
missionários suecos. Em suas palavras:
E, no início deste século, já sem os empecilhos de uma religião oficial,
eclode o movimento pentecostal no Pará e, em poucos anos, chega ao Rio
Grande do Sul. O movimento pentecostal, trazido para pelos missionários
suecos, Daniel Berg e Gunnar Vingren, representou um dos maiores
fenômenos religiosos das últimas eras. (CONDE, 2000: 17)
Na perspectiva de Conde (2000) o final do século XIX e início do XX foi um
período marcado pelas ondas de avivamento entre as quais se inseriu o movimento
pentecostal. Sua ênfase na reviviscência do pentecostes bíblico com o poder do Espírito
Santo, foram fundamentais na compreensão das práticas religiosas pentecostais.
Observemos seu relato,
O que acontecia, então, é inexplicável: o poder de Deus caia sobre a
congregação; a convicção das verdades divinas inundava os corações; o
desejo de santidade inundava as almas; e, repentinamente, brotavam
louvores no coração; muitos eram batizados no Espírito Santo, falavam em
novas línguas; outros profetizavam; outros cantavam hinos espirituais.
(CONDE, 2000: 22)
Estas práticas religiosas caracterizavam o nascente pentecostalismo que a partir
do trabalho missionário, no interior das igrejas protestantes, este movimento se
transformou no segmento religioso que mais cresce no Brasil. Vale ressaltar, que houve
muitas dissidências dos grupos históricos e também dos mais recentes pentecostais que
deram origem a novos perfis de protestantismo.
O movimento neopentecostal surgiu no final da década de 1970, enquanto uma
dissidência doutrinária do pentecostalismo tradicional que teve a sua ênfase na doutrina
ascética de forma inovadora uma de suas mais fortes identificações religiosas. Segundo
Mariano (2005), o prefixo neo, mostra-se apropriado tanto pela sua formação recente,
quanto pelo seu caráter inovador.
38
A existência de práticas emocionais e carismáticas, segundo Mendonça(2000),
descaracterizariam a vertente cristã reformada que se apoiou, sobretudo, no
racionalismo cultual, por isso, esse historiador não considera o pentecostalismo e o
neopentecostalismo como formas religiosas protestantes.
No centro da religião da Reforma está o homem e não Deus, o que o quer
dizer que ela tenha banido Deus para a periferia, mas que o homem agora,
no exercício de sua liberdade, tem de buscar Deus solitariamente, em luta
com o mundo e consigo mesmo. (MENDONÇA, 2000: 81)
Acertadamente, Gouveia Mendonça articula o exercício da ascese protestante à
sua forma de se relacionar com Deus, afirmando que a Reforma trouxe a liberdade da
razão nas práticas religiosas, enfatizando a racionalidade do culto reformado que tinha
como ritual central a leitura da blia pelo pastor e o canto de hinos religiosos. A
expressão corporal, dons do Espírito, os exorcismos não faziam parte desta
racionalidade, o que era considerado como desvios. Nos anos 60 as igrejas brasileiras
perderam a melhor parte de suas lideranças atuais e futuras por que não puderam
administrar o conflito entre o novo e o velho, entre a liberdade e a rígida racionalidade
(MENDONÇA, p.83). Durante a cada de 1960 no Brasil, o pentecostalismo era o
segmento religioso protestante que mais crescia, embora ainda não existisse a
dissidência doutrinária neopentecostal. Mas, Mendonça destacou um protestantismo
histórico que sofreu baixas, em detrimento do crescimento de carismáticos e renovados
face às intensas transformações sociais que ele chama de secularização, afirmando que
houve na década de 1960, uma perda de lideranças do protestantismo.
Esse fenômeno de uma perda progressiva de lideranças protestantes tradicionais,
Mendonça expõe que começou a partir de meados do século XVIII para o XIX, com o
movimento conhecido como revivals que influenciou amplamente os protestantismos
brasileiros, na sua faceta pentencostalizante. Revival é uma palavra que ganhou sentido
técnico para designar os sucessivos movimentos, quase sempre independentes entre si
no espaço e no tempo, de intenso despertamento religioso e emocionalismo que
ocorreram na Europa e nos Estados Unidos. (MENDONÇA, 2000, p.87)
Mendonça no seu artigo, “O protestantismo latino-americano entre a
racionalidade e o misticismo”, faz uma distinção entre o protestantismo e novos
movimentos religiosos, incluindo os pentecostalismos entre os novos movimentos de
lastro cristão e não como um tipo de protestantismo. Em suas palavras:
39
Hoje, o pentecostalismo clássico o difere tanto do protestantismo, a o
ser na sua insistência na repetição da sua experiência do Pentecostes que o
protestantismo recusa. O pentecostalismo posterior, cuja explosão e
expansão se deu nos anos 50, enfatizou a cura divina, o que o afastou ainda
mais do protestantismo. Os posteriores movimentos, que têm recebido o
nome genérico de neopentecostalismo, representam uma ruptura final com o
protestantismo. (MENDONÇA, 2000: 96)
A perspectiva deste trabalho é de uma leitura crítica à posição defendida por
Mendonça, tendo em vista o caráter plural e diverso do protestantismo. O autor
conseguiu ver os novos movimentos religiosos como sendo de base cristã, ou seja, tendo
uma genealogia cristã, mas não conseguiu fazer a articulação entre as suas novas
práticas e a leitura da Bíblia. Os neopentecostais são tão biblicistas, ou mais, quanto os
grupos históricos, tendo em vista que suas práticas não estão baseadas apenas no Novo
Testamento, porém também do Antigo Testamento.
Além do uso da Bíblia como regra de e prática, conforme professam os
protestantes históricos, os grupos pentencostais se aproximam e se inserem
definitivamente no protestantismo pelos princípios teológicos do “sacerdócio
universal”, o “livre exame da Bíblia”, e a salvação pela mediante Jesus Cristo. Estes
princípios teológicos fazem parte de um mesmo debate teológico que é a acessibilidade
de todos os homens a Deus, tornando desnecessária a mediação sacerdotal entre o fiel e
a divindade. O protestantismo calvinista, “da reta doutrina”, de Mendonça, certamente
dificultou uma visão mais larga que incluísse os pentecostais e seus sucedâneos entre os
reformados.
Estes aspectos relacionados ao biblicismo dos pentecostais, na nossa concepção
contribuem para fundamentar ainda mais a tradição de dissidências entre os
protestantes, tendo raízes na liberdade de interpretação do texto sagrado, dando origem
às divergências doutrinárias e administrativas, resultando em divisionismos e práticas
protestantes plurais.
Esta pluralidade de protestantismos é um fato que têm possibilitado a expansão
de diversos grupos protestantes na contemporaneidade. Cabe o destaque que o G12,
como metodologia de expansão de igrejas protestantes originário da Colômbia que
subdivide a administração das congregações através da multiplicação de doze discípulos
que formam mais doze e assim sucessivamente, produziu mais uma dissidência entre os
protestantes, fundando o M12, ou seja, modelo dos 12.
40
O M12 foi fundado pelo apóstolo Renê Terra Nova ao se desligar do líder do
G12, César Castellanos, e fazer uma apropriação da estratégia de evangelismo
sistemática do G12 com novos elementos, entre os quais as práticas
veterotestamentárias. Problematizando, o porque e o como de muitas denominações
históricas a exemplo de algumas Igrejas Presbiterianas e alguns batistas terem se
apropriado de práticas e representações nitidamente neopentecostais, divergindo de suas
doutrinas tradicionais.
O cerne doutrinário do G12 são as células ou cultos domésticos. Essa estratégia
de evangelismo o é nova no meio protestante. O culto doméstico é uma devoção
tradicional do protestantismo. Com relação às células, existem movimentos precursores
na Coréia do Sul e nos Estados Unidos, respectivamente. A Yoido Full Gospel Church,
ou Igreja do Evangelho Pleno, iniciou os seus trabalhos em 1958 com o pastor Paul
Yonggi Cho que formou a maior igreja em células do mundo, contando com 700.000
membros dizimistas, distribuídos em 23.000 células distritais, ou seja, divididas por área
geográfica. Segundo Cominskey, estes dados se referem a o ano de 1995.
(COMINSKEY, 2000.)
A outra igreja precursora do movimento celular foi o Ministério Igreja em
Células que desenvolveu o G-5, no qual cada célula trabalhava com cinco pessoas que
eram supervisionadas por um líder, que vai se agregando de cinco em cinco células, este
grupo de cinco células, denominado de sub-congregação era liderado por um
pastor(ANDRADE, 2002). Na criação da Igreja em Células no Modelo dos 12, estes
foram os modelos que usavam a metodologia organizacional em grupos pequenos.
Vale ressaltar que não foi apenas a experiência dos cultos domésticos que já tinham sido
implementadas, mas muito do discurso doutrinário acerca dessa nova forma de
espiritualidade protestante também beberam nessas fontes, pela eficácia e sucesso dos
respectivos ministérios.
Reelaborando essas práticas, surgiu o movimento da “Visão Celular no Modelo
dos 12”, conhecido como G12, da matriz cristã protestante na Colômbia no Ministério
Missão Carismática Internacional (MCI) no decorrer da década de 1980. Os fundadores
do movimento foram César e Claudia Castelhanos, em Santa Fé de Bogotá, que segundo
eles, receberam uma profecia divina, na qual Deus daria uma igreja tão numerosa como
as estrelas do u. Na ocasião, em fevereiro de 1983, a família Castellanos encontrava-
se desiludida com o contexto social da Colômbia e a sua concomitante situação
ministerial: igreja fria, sem crescimento, violência, tráfico de drogas, guerrilhas
41
internas, entre outros problemas sociais, quando “iniciaram a missão, no início da
década de 80, usando o modelo da igreja em células de Paul (David) Yonggi Cho.”
1
No bojo das transformações sócio-políticas e intensificação de práticas religiosas
das últimas décadas do século XX, a estratégia das células, segundo o modelo criado
por César Castellanos chegou ao Brasil no final da década de 1990, através dos pastores
brasileiros Valnice Milhomens Coelho, que atuava em São Paulo, na Denominação
Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo (INSEJEC), fundada por ela e René Terra Nova,
o qual pastoreou a Igreja Batista Memorial no bairro Cidade Nova em Feira de Santana.
Eles foram os principais responsáveis pela implantação e divulgação do G12 no Brasil,
além de serem dissidentes da Denominação Batista, onde iniciaram os seus ministérios
pastorais e missionários. Estes pastores se tornaram discípulos de César e Claudia
Castellanos e principais lideranças nacionais na hierarquia religiosa do movimento.
Vale ressaltar que existem mais dez discípulos em nível nacional. Entre eles estão o
apóstolo Sinomar Oliveira e Marcio Valadão de Belo Horizonte.
Este novo momento no cenário protestante nacional e feirense tem que ser
tratado sistematicamente, levando em consideração as relações que o apóstolo René
Terra Nova já havia construído no cenário político e religioso da cidade e a liderança
que o mesmo exercia num conjunto de várias comunidades religiosas em Feira de
Santana e em outros locais.
O MITO DE ORIGEM DO G12
As religiões tem sido historicamente, um locus bastante freqüentado pelo mito.
O mito como uma forma de explicação e legitimação de uma determinada ordem social,
política ou religiosa tem acompanhado a humanidade desde a sua fase de
desenvolvimento da comunicação oral. O desenvolvimento da escrita e, num período
mais recente, das ciências, não fez o mito e a religião perderem a sua importância.
Nas palavras de Bourdieu, o mito tem uma função de diferenciação social e
legitimação de uma determinada ordem,
1
VALÉRIA, Nilza. Revista Enfoque gospel. 2002. (p.15)
42
Estas “funções sociais”(no sentido de Durkheim ou no sentido estrutural
funcionalista” do termo) tendem sempre a se transformarem em funções
políticas na medida em que a função lógica de ordenação do mundo que o
mito preenchia de maneira socialmente indiferenciada operando uma
diacrisis ao mesmo tempo arbitrária e sistemática no universo das coisas,
subordina-se às funções socialmente diferenciadas de diferenciação social e
de legitimação das diferenças, ou seja, na medida em que as divisões
efetuadas pela ideologia religiosa m recobrir (no duplo sentido do termo)
as divisões sociais em grupos ou classes concorrentes ou antagônicas.
(BOURDIEU, 2005, p.30 e 31)
François Houtart (2004) discute a presente relação entre a fase de acumulação
capitalista e as religiões, constatando que o neoliberalismo e as contradições
desencadeadas por ele suscitaram o aparecimento de movimentos organizados em
categorias específicas, no caso a religião. Essa ocorrência de buscar no sobrenatural o
sentido de explicação para as relações humanas com a natureza e com a sociedade,
delimitou a atuação dos assuntos religiosos na sociedade. O poder cultural do
neoliberalismo, que impõe como evidências excludentes os valores individuais, o
mercado e o consumo como cultura, bem como o modelo político de demanda limitada
como ideal de perfeição.(HOUTART, p.116)
O advento da globalização, o neoliberalismo e intensificação de práticas
religiosas neopentecostais, permitiu o surgimento da estratégia de crescimento de
igrejas, “visão celular no modelo dos 12”. No livro “Sonha e Ganharás o Mundo”, César
Castellanos Domingues faz uma espécie de auto-biografia, relatando algumas das suas
experiências na sua trajetória de líder religioso. Ele era um jovem que tinha problemas
com drogas e bebidas, até que em 1972 teve um encontro poderoso com Deus,
resultando na sua conversão, nesse encontro, Deus lhe fez promessas de torná-lo um
grande e próspero pastor. Depois disso, ele passou a pastorear algumas pequenas igrejas
que chegavam no máximo a 120 membros. Em 1983, expôs que estava desistido dessas
igrejas por que não alcançou o sucesso desejado, foi tirar férias na praia, quando
afirmou ter recebido em visão a seguinte profecia, tratada aqui como o mito de origem
do G12:
Numa noite das férias de 1983, estando na Costa Atlântica Colombiana, ao
lado de minha família, balançava-me a beira-mar, quando senti a presença
de Deus como nunca antes havia experimentado. Naquele dia sua voz se fez
ouvir no profundo do meu ser, dizendo-me: “Sou o ancião de Dias! Prepara
teu coração em adoração por que eu vou te usar.” Naquele dia entrei num
nível de adoração muito mais intenso, diferente do que estava acostumado.
Rendi cada átomo de minha existência ao Senhor. Logo escutei-O dizer:
“Vou mover o teu assento”. Aquietei-me esperando que Ele o fizesse, porém
como não acontecesse, eu mesmo comecei a me mover até que escutei
43
novamente a Sua voz dizendo-me: “Eu posso mover o teu assento, porém
prefiro fazê-lo através de ti. Posso falar às almas diretamente, porém prefiro
fazê-lo através de ti. Coloquei-te como pastor. Sonha, sonha com uma igreja
muito grande por que os sonhos são a linguagem do Meu Espírito. Por que a
igreja que hás de pastorear se tão numerosa como as estrelas do u e
como a areia do mar; que de multidão não se poderá contar.”
(DOMINGUEZ, 1999: 21)
Queremos enfatizar neste relato do pastor César Castellanos Domingues três
aspectos diferenciados para uma mesma visão: o primeiro foi a ênfase da sua relação
pessoal com a divindade. O pastor diz ter ouvido a voz de Deus e recebeu a sua
profecia, isto é, ser um pastor de milhares de milhares. Essa relação pessoal com o ser
divino lhe deu legitimidade e também o poder sacerdotal, que o distinguiu de outros
pastores e até mesmo dos seus discípulos. O fato de Deus está confiando a ele o
privilégio do saber sagrado, que vai surgindo pouco a pouco, este saber é a metodologia
da Visão Celular no modelo dos 12, conhecida como G12.
Essa relação do pastor colombiano com sua construção mítica, deu-lhe
legitimidade de monopolizar e manipular os bens sagrados; o outro aspecto do relato,
são os grandes projetos, as grandes metas, o que se constitui numa contradição com
alguns segmentos pentecostais tradicionais que buscam no porvir a felicidade
prometida. Essa felicidade no Reino dos Céus desencadeou um certo conformismo de
alguns segmentos pentecostais em relação à sociedade. sar Castellanos e os grupos
neopentecostais se apropriaram do texto bíblico de uma forma diferente dos demais
grupos protestantes, essa reelaboração de doutrinas e práticas permitiu uma nova forma
de integração entre protestantes e a sociedade circundante. Com isso ele legitimou o seu
desejo por expandir-se; um terceiro aspecto é a legitimação da visão com imagens
bíblicas poderosas como a visão abraâmica para a descendência do povo de Iavé no
Antigo Testamento.
Ao longo dos anos desenvolvendo o seu pastorado após ter afirmado que
recebeu de Deus a promessa de ser um pastor de multidões inumeráveis, Castellanos
relatou no livro “Liderança de Sucesso através dos doze” a profecia e ordem de Deus
que deu origem à nomenclatura G12 e a sua estratégia de proselitismo religioso. Em
suas palavras,
O poder da visão, referida no modelo dos 12, compreende a grande benção
que há no desenvolver de uma liderança bem estruturada através desta
estratégia. Na direção que Deus me deu, disse: “se treinares doze homens e
investires neles tudo o que te dei, e fizeres com que cada um deles se
reproduza em outros doze, e estes em outros doze, conseguirás cuidar da
44
cada pessoa da igreja”. Graças a este modelo, do qual nos ocuparemos
detalhadamente na segunda parte do livro, temos podido pastorear, de
maneira personalizada, os membros da igreja.
2
A parte destacada em negrito do relato foi uma estratégia do pastor colombiano
para colocar em evidência que o modelo de gestão das células, o G12, foi um método
concebido por Deus e por isso mesmo incontestável e gerador de eficácia para expansão
dos seus projetos religiosos.
Nesse contexto, vale ressaltar que o G12 se configurou como uma metodologia
organizacional de denominações protestantes de perfil neopentecostal, onde as práticas
de sonhos, visões e profecias são perfeitamente legítimas. Essa estratégia surgiu na
Colômbia, fazendo uma reelaboração eficaz do discurso e do comportamento
protestante ascético, do ponto de vista da expansão numérica destes grupos, em relação
aos ramos do protestantismo histórico e o de perfil pentecostal tradicional, apropriando-
se de estratégias empresariais para a expansão religiosa, coadunadas com o
neoliberalismo vigente na América Latina.
DOUTRINAS, PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES
César Castellanos Domingues escreveu vários livros doutrinários com o objetivo
de possibilitar a prática das estratégias do G12 em qualquer localidade. No livro
“Liderança de sucesso através dos 12”, o termo “visão” no seu primeiro capítulo
intitulado “o poder de uma visão”, não equivale a uma nomeação do movimento, mas
quando se fala de visão celular, se trata de um fenômeno transcendental, ou seja, uma
leitura que ele fez de uma imagem que recebeu de Deus, na pessoa de Jesus Cristo sobre
uma estratégia para o crescimento de igrejas. O termo “G12”, ou grupo de 12, ou num
sentido político, governo dos 12, é a própria metodologia que é aplicada nas
congregações, a qual consiste em formar grupos de doze discípulos para a liderança
eclesiástica. Vale ressaltar que todos estes livros foram traduzidos por Valnice
Milhomens, o que em si revela a relevância da mesma para a divulgação e
implantação deste modelo organizacional no Brasil.
Além deste esclarecimento sobre o termo “visão” é relevante também constatar
as visões como uma origem mística para o nascimento do G12, enquanto uma prática
simbólica que legitimou César Castellanos como o líder maior do G12, além de uma
prática pentecostal comum. Em suas palavras:
2
DOMINGUES, César Castellanos. Liderança de sucesso através dos doze. Palavra da fé produções, São
Paulo, 2000. (p. 41, 42)
45
Toda liderança eficaz está associada a uma visão. Esta determina todo o
processo para o sucesso. Quando Deus chamou-me para o ministério,
permitindo-me sonhar com uma igreja tão numerosa como as estrelas do céu
e a areia do mar, mostrou-me que cada partícula de areia transformava-se em
uma pessoa; compreendi então, que ele me desafiava a trabalhar em favor
das almas, isto é, a liderar pessoas com necessidades espirituais e ajudá-las a
encontrar refrigério em Cristo.
3
A doutrina e prática específica do G12, num primeiro momento foi a instalação
das células, que são os cultos domésticos com o objetivo de evangelização, onde uma
pessoa convida a outra para que o grupo cresça, usando a metodologia de “Ganhar,
Discipular, Consolidar e Enviar”. Estes passos o estão expressos como princípios
apenas no material doutrinário, mas também na decoração de todos os templos que
funcionam com esta metodologia. Outro ponto fundamental é a realização de encontros
específicos, que são retiros espirituais, que têm o objetivo de cura física, interior,
libertação e aprendizagem da doutrina cristã. Além disso, a montagem e o
funcionamento de uma escola de líderes para a preparação dos líderes de lula se
constituiu como o coração do discipulado, entre outras práticas.
As células o são apenas a realização de um culto em casa, ela é administrada
pelo G12 local, desde a mensagem religiosa que é feita pelo pastor local, que recebe
relatórios dos seus liderados com as informações de como foi a reunião, o número de
pessoas, o número de conversões, o número de pessoas para o encontro, número de
pessoas na escola de líderes, quantidade de oferta e a previsão de abrir mais células
4
, a
multiplicação, que é celebrada num evento festivo, onde são legitimados os novos
líderes de células.
Na revista oficial do G12, um dos doze discípulos nacionais de César
Castellanos, o apóstolo Márcio Valadão que atua na Igreja Batista da Lagoinha em Belo
Horizonte - MG, escreveu uma matéria onde as células são enfocadas como uma
estratégia religiosa importante para o crescimento de igrejas na sociedade do século
XXI. As formas de sociabilidade que são construídas na célula favorecem ao
fortalecimento de laços de amizade entre os participantes, podendo terminar muitas
vezes em conversão e com isso multiplicação. Os pedidos de oração, também são
fundamentais para esta estratégia, por que é através deles que as necessidades de cada
pessoa são contempladas e compartilhadas com o grupo. Em suas palavras:
A célula é um agente de cura para as pessoas e cura em todas as áreas..., a
célula é um agente de amor, aceitação e perdão...através da célula uma
3
DOMINGUEZ, César Castellanos. Liderança de Sucesso Através dos 12. Palavra da fé produções, 2000
(p. 18)
4
Estes dados foram recolhidos na ficha de consolidação do Ministério Internacional de Adoração a Deus
em Feira de Santana do ano de 2002.
46
pessoa pode curar todas as carências que a fazia temer a sua própria vida, ...a
célula é um agente de acompanhamento de todos os membros da igreja..., a
célula é um agente de multiplicação na igreja. a igreja não cresce apenas
pelas pessoas que vem e fazem a sua decisão no altar por que no interior de
cada célula temos implantado uma estratégia...a célula é uma agente de
diferenciação...em meio à confusão que se desenrola, em nossa sociedade,
onde tudo se realiza contrariamente ao homem, aparece lula como grupo
de distinção e as pessoas de hoje estão sofrendo de uma forma ou outra a
enfermidade oficial do mundo que se chama estresse, depressão e ansiedade.
E nas reuniões dos lares o Espírito Santo novas forças. (VALADÃO,
2002.)
No manual para os deres de célula do Ministério Internacional de Adoração a
Deus em Feira de Santana, são estabelecidos passos da Visão Celular, baseados em
diversos materiais de Castellanos, Terra Nova e Milhomens. Este manual embora seja
de produção local, a sua proposição metodológica é muito semelhante ao modelo
praticado pelas diretrizes nacionais acima citadas
5
. Entre estes passos estão: “Ganhar,
consolidar, discipular e enviar”. Ganhar é a etapa de evangelismo que se concretiza nas
reuniões celulares. Consolidar é a fase de conservar o novo convertido através do
encontro e do contato pessoal. Discipular é o processo de capacitação e formação do
crente através da escola de líderes. Enviar é quando o discípulo está pronto para
conquistar novos discípulos, começando a etapa de multiplicação que vai até a
conquista das nações.
Dessa forma, através do discipulado e da intensificação do proselitismo, além
das práticas pentecostais comuns, estas congregações m crescido não apenas como
expressão religiosa, mas como projeto político, econômico e social, daí a relevância de
torná-lo objeto de pesquisa empírica, ao analisar as práticas, concepções, valores, visões
de mundo destes grupos religiosos.
No livro de Valnice Milhomens Coelho, uma das líderes que divulgaram o G12
no Brasil, encontramos uma representação da estrutura de funcionamento do G12, onde
são articuladas as etapas de ensino à sua fase de discipulado, onde a base das pilastras
indicam os processos que o candidato a líder de célula tem que passar.
5
Manual para os líderes de Célula. Ministério Internacional de Adoração a Deus. Feira de Santana, 2002.
47
Quadro1 1. Figura construída por Valnice Milhomens. Fonte: MILHOMENS,
Valnice. Plano Estratégico para a Redenção da Nação. 3ªed. São Paulo: Palavra da Fé,
2000. (p.141)
O modelo de organização de igrejas que adotaram o G12 como método de
expansão, apenas sistematizou o processo de evangelização nas casas. Este diagrama de
autoria da Apóstola Valnice Milhomens (2000) demonstra na primeira pilastra à
esquerda a etapa de evangelismo que se nas células, na igreja e nos congressos e
eventos realizados pelas lideranças do movimento. A etapa de consolidação é mais
específica do G12, a realização de pré-encontro, encontro e pós encontro. A grande
novidade implementada por César Castellanos neste método foi a consolidação
sistemática que começa nestes retiros espirituais de três dias de ensinos doutrinários e
prossegue na escola de líderes divida em níveis de aprendizado doutrinário, culminando
na formação de grupos de doze. Na base da quarta coluna encontram-se números
multiplicativos de doze, representando a progressão numérica da membrezia e da
liderança. Vale ressaltar que o há uma etapa final, é um projeto de expansão religioso
48
e político na medida em que uma expansão numérica e uma doutrinação sistemática
de engajamento político do grupo.
Quadro2: Escada de sucesso do G12
Este diagrama criado por Valnice Milhomens expressa os quatro passos do G12
que norteiam a ação dos grupos celulares. Além das atividades delimitadas por cada
passo que foram explicadas anteriormente, observemos que a medida que o trabalho
de evangelismo cresce as etapas subseqüentes vão se afunilando, formando uma
pirâmide, ou seja um modelo de gestão episcopal e hierárquico que será trabalhado
analisando as relações de poder dentro do G12 no segundo capítulo.
IMPLANTAÇÃO DO G12 EM FEIRA DE SANTANA
Silva (2007) estudou o protestantismo ecumênico em Feira de Santana e o seu
texto introduz aspectos relevantes do campo religioso feirense. Entendendo que a
49
categoria de Bourdieu “campo religioso” constitui as relações de concorrência entre as
empresas religiosas, seus ritos, mitos, hierarquia, práticas e representações, constatou a
tradicional hegemonia católica da colonização brasileira e, consequentemente, os seus
reflexos na fundação do arraial no século XVIII e que posteriormente será nomeado de
Feira de Santana.
A religiosidade católica que se desenvolveu aqui foi similar às grandes linhas do
catolicismo baiano onde predominou as devoções de santos, as irmandades de leigos e
as variadas festas de louvor aos padroeiros com destaque para a padroeira da cidade.
Segundo seus relatos, “Dentre as festas católicas, destacava-se a de senhora Santana,
padroeira da cidade. A festa da padroeira realizava-se desde1781 e era organizada por
uma irmandade ou especialmente pelos grandes comerciantes”. (SILVA, 2007: 120)
A contribuição de Silva (2007) sobre o campo religioso feirense não ficou no
lugar comum de afirmar a hegemonia católica, sua análise constata a relevante presença
dos variados grupos religiosos que compõem e expressam o campo de tensões entre as
religiosidades. Os grupos afro-brasileiros tinham as suas práticas religiosas desde a sua
chegada ao Brasil no período colonial e essa realidade se verificou em Feira de Santana.
Embora a nova república assegurasse liberdade religiosa aos diversos credos religiosos,
as religiões afro-brasileiras continuaram numa situação de marginalidade e eram
comumente consideradas caso de polícia. Em suas palavras, “o Código Penal
Republicano de 1890, nos seus artigos 156, 157 e 158, proibia a magia, o espiritismo e
o curandeirismo, elementos importantes que ainda figuram nas práticas rituais dos
cultos de origem afro.” (SILVA, 2007: 121)
A autora constatou ainda a forte presença de Espíritas e uma diversidade de
grupos protestantes, entre os quais, Batistas, Congregacionais, Presbiterianos,
Metodistas, Assembeianos e neopentecostais em geral que chegaram ao município no
decorrer do século XX, contexto no qual, entre as últimas décadas do século chegou o
G12 no Brasil e em Feira de Santana.
Como foi discutido anteriormente o G12 foi divulgado e implantado no Brasil
em nível nacional pelos líderes Valnice Milhomens e René Terra Nova. Estes por sua
vez foram conhecer o grande avivamento que estava acontecendo na Colômbia. As
notícias circulavam entre muitas lideranças protestantes que tinham ido à Colômbia e
participado de Congressos na Missão Carismática Internacional. No discurso da pastora
feirense Jardelina Silva da Igreja Batista Filadélfia de Roraima, integrante dos
batistas independentes, que visitou o Estado de Israel e a cidade de Jerusalém houve
50
ressignificação de valores religiosos e práticas veterotestamentárias na interpretação do
G12 e M12, A Colômbia e a (MCI) na ocasião das boas novas, foi constatada como o
principal celeiro da divulgação, e boa impressão do crescimento numérico,
Em 1998, eu tive a oportunidade de ir em Jerusalém, ouvi uma pregação do
pastor René Terra Nova, hoje apóstolo, onde ele falava de uma metodologia
conhecida como Visão do G12 e essa metodologia ele deixou claro que
recebeu da Colômbia através do pastor César Castellanos e sua esposa
Cláudia e falou sobre o G12, mas ainda não tinha assim nada muito claro,
mas ele voltou assim muito impressionado da Colômbia e isso foi outubro
de 1998.
6
O processo de divulgão e implantação do G12 em Feira de Santana ocorreu
quase, concomitantemente, em relação ao País, entre os anos de 1998 e 1999. O
apóstolo René Terra Nova foi e continua sendo um importante e influente pastor na
cidade e não apenas em Manaus, onde está localizada a congregação que pastoreia
atualmente. A sua adesão ao G12 e a euforia de um grande avivamento transmitida em
seu discurso mobilizou muitas lideranças em todo Brasil, inclusive na comunidade
evangélica feirense, por ter liderado a tradicional Igreja Batista Memorial no início da
década de 1990.
A divulgação do G12 no Brasil ocorreu através de congressos específicos e o
processo de adesão das congregações, consistiu na adesão de lideranças e membrezia de
um modelo tradicional, para a nova proposta. Apresentar o modelo para os pastores não
foi suficiente, foi necessário fazê-los passar por todo o processo de encontros e
discipulado, onde se estabeleceu uma hierarquia sobre eles e elas. Bogotá na Colômbia
e Manaus no Brasil foram as capitais que formavam líderes e pastores do G12, e em
primeira instância Manaus pela proximidade, o lugar onde os pastores iriam participar
do encontro e com isso aprender a colocar em prática a estratégia G12. Este elemento
está presente no discurso da pastora Jardelina Silva,
Em 1998 mesmo eu participei de um encontro em Manaus, e vi realmente
que o encontro havia algo muito, muito diferente, uma unção muito especial
e Deus, respaldava aquele povo que estava ali se retirando para buscar
realmente o Senhor. Então a ministração de palavra, da unção de Deus, a
ministração corpo a corpo, pessoa a pessoa foi algo assim muito
enriquecedor. Em 2000, estive na Colômbia e vi um pouco da Visão sendo
transmitida para líderes de todo o mundo, tinham muitos brasileiros lá.
7
6
Entrevista concedida à autora em junho de 2005 pela pastora Jardelina Silva que hoje atua em Boa Vista
no estado de Roraima.
7
Entrevista concedida à autora em junho de 2005 pela pastora Jardelina Silva que hoje atua em Boa Vista
no estado de Roraima.
51
A primazia de Manaus na realização de encontros, constatamos também em
outros relatos, como o da pastora feirense Simone de Araújo Moura. A pastora feirense
tinha uma tradição de liderança entre os batistas. Tinha sido presidente dos jovens
adolescentes de Alagoinhas e vice-presidente dos jovens do estado da Bahia. Além de
ser bacharel em educação religiosa com música pelo Seminário Batista do Nordeste em
Feira de Santana, pós-graduada em educação religiosa na área de concentração de
administração educacional e formada em psicanálise. Atualmente pastoreia o Ministério
Internacional de Adoração a Deus, anteriormente conhecida como Primeira Igreja
Batista do Feira IX, vinculada à tradicional CBB (Convenção Batista Brasileira), uma
igreja de grande porte para a realidade de Feira de Santana que segundo os últimos
censos do IBGE o município possui mais de 600.000 habitantes. Segundo suas
informações a Igreja tem uma população flutuante de mais ou menos 700 pessoas
reunidas na sede e congregações em outras localidades como Ipuaçú, um distrito de
Feira de Santana.
Olha nós conhecemos a Visão Celular no Modelo dos 12 a oito anos atrás,
nós conhecemos o apóstolo Renê de Araújo Terra Nova aqui [Feira de
Santana] pregando na Igreja Batista Memorial, logo em seguida nós fomos a
Manaus, participamos de um encontro com Deus, e nós ficamos
fascinados pela Visão de Consolidar vidas, de ganhar vidas.
8
As comunidades que aderiram ao G12, iniciando pela liderança que freqüentou
os encontros em Manaus, não vinham especificamente de uma denominação. Nesse
sentido, a adesão religiosa foi transdenominacional, onde pastores de diversos ramos do
protestantismo como batistas, presbiterianos, quadrangulares e até assembleianos
chegaram a implantar o G12 nas suas congregações.
Rastrear todas as congregações e os líderes que aderiram ao G12, foi um dos
objetivos inconclusos da pesquisa durante o período abreviado do mestrado, por que na
realização do trabalho de campo encontramos a dificuldade dos pastores em querer falar
de outros pastores e também de assuntos que envolviam conflitos sobre juízos de valor.
Mas isso não prejudicou a pesquisa, pois privilegiamos pesquisar nas grandes
congregações da cidade, que comportam pelo menos trezentos membros, ou seja, 0,05%
da população feirense, pretendendo demonstrar como é passível de críticas a construção
8
Entrevista concedida em junho de 2008 pela senhora Simone de Araújo Moura de 35 anos.
52
da grande imprensa de que ainda havia uma hegemonia absoluta de católicos na cidade
no fina da década de 1990. Não pretendemos por em cheque dados do censo, porém a
afirmação de uma religiosidade católica hegemônica, ao constatar a visibilidade e
expansão de alguns segmentos protestantes em Feira de Santana, enfocando as
comunidades do G12.
As grandes congregações que aderiram ao G12 foram a Igreja Batista Central na
Getúlio Vargas, Igreja Batista Videira Verdadeira no bairro Viveiros, Igreja Missionária
Shalon no Loteamento Morada Tropical, Igreja Batista do Feira IX, Igreja Batista
Missionária Internacional no Bairro Brasília, Igreja Batista Benaia no bairro Morada das
Árvores, Igreja Batista Memorial na Cidade Nova, Ministério Internacional Aliança
com Deus no bairro João Paulo, Igreja Batista Sião no Jardim Cruzeiro, Ministério da
Restauração no bairro Muchila II, entre outras de maior porte e também de pequena
membrezia. Houve também a adesão de uma congregação da Assembléia de Deus
pastoreada pelo pastor Carlos Alberto Tolentino. Nas palavras de Jean Neila Rocha
Ferreira Em julho de 2000 o pastor Carlos Alberto Tolentino rompeu cm a Convenção
Estadual das Assembléias de Deus na Bahia (CEADEB), e aderiu o grupo dos 12,
fundando a Assembléia de Deus Missão Boas Novas em Feira de
Santana”.(FERREIRA, 2009:50)
As fotografias expostas abaixo pertencem ao acervo pessoal da autora e todas as
fotos foram feitas com o consentimento dos pastores presidentes, exceto a Igreja Batista
Central que a secretária que estava na congregação disse que não teria problema algum
tirar fotos. Estes são apenas alguns templos que em algum momento se aliançaram com
o líder René Terra Nova. Um outro dado da relevância desta iconografia para o trabalho
é a visualização da estrutura dos templos para vislumbrar um pouco da realidade social
e do porte dos mesmos templos aqui representados.
O templo abaixo é a antiga Igreja Batista Memorial que na década de 1990 foi
pastoreada por ReTerra Nova e localiza-se no bairro Cidade Nova. O letreiro que a
identificava foi retirado por que a congregação teve que se desligar da CBB pela
incompatibilidade da estrutura administrativa e doutrinária com o G12. Atualmente na
parte interior do templo, encontramos o novo nome da congregação, Ministério
Internacional Tabernáculo de Deus, como estará expresso nas fotografias posteriores.
53
Fotografia 1: Templo do Ministério internacional Tabernáculo de Deus
Fotografia 2: Parte Interna do templo mostrado na fotografia anterior
O ângulo da fotografia interna mostra a capacidade do templo, mais de
setecentas pessoas sentadas entre a parte inferior e a galeria, segundo o pastor presidente
54
Marcos Sales, o templo aos domingos o comporta toda a membrezia sentada, ficando
alguns membros em pé. Outro aspecto importante o os elementos da liturgia hebraica
do Antigo Testamento como o menorah, a arca da aliança, o berrante denominado
shoffar, as bandeiras das nações e no púlpito as bandeiras de Feira de Santana, do
Brasil, da Bahia, da congregação e do Estado de Israel, representando as heranças
bíblicas espirituais que os evangélicos de hoje adquiriram dos hebreus do Antigo
Testamento.
Fotografia 3: Ministério Aliança com Deus Internacional no bairro João Paulo II
Esta congregação é a sede de mais três templos de mesma denominação
fundados pelos pastores Augusto Sá Barreto e sua esposa Marivone Barreto. Trata-se de
uma grande congregação que segundo o relato dos pastor Augusto têm cerca de mil
membros e a ONG AMAR que presta serviços de educação formal, informática, e
atividades lúdicas como a música e esporte à comunidade do seu bairro. O pastor
supracitado fez parte do G12 de Renê Terra Nova até o ano de 2005, ocasião da ruptura,
na qual o pastor Augusto Sá Barreto preferiu se desligar do então M12.
55
Fotografia 4: Igreja Batista Sião no bairro Jardim Cruzeiro
Esta é a Congregação da Igreja Batista Sião pastoreada pelo pastor Irailton e sua
esposa Keu. Esta congregação tem capacidade para mais de quinhentas pessoas sentadas
e o seu líder foi integrante do G12 de Renê Terra Nova em Feira de Santana. As
informações coletadas não foram oriundas de entrevista, mas informações de congressos
e observação participante. O templo permaneceu com o nome da Denominação Batista,
mesmo após a querela sobre a implantação do G12 em nível local.
56
Fotografia 5: Igreja Batista Missionária no Bairro Brasília
Esta é uma importante congregação para o estudo tanto do G12 e seus aspectos
políticos em Feira de Santana, quanto para a própria história do protestantismo na
cidade. Elizete da Silva (2007) tratando sobre a chegada de grupos batistas ligadas à
CBN (Convenção Batista Nacional) em Feira de Santana relatou a sua organização:
Além dos Batistas da Convenção Brasileira, encontramos, no período
estudado, a Igreja Batista Independente Filadélfia, fundada em 1963 e a
Igreja Batista Missionária, vinculada a Convenção Batista Nacional,
doutrinariamente carismática e organizada na região na década de 70.
(SILVA, 2007: 125)
Segundo relatos do pastor João Batista da Silva, o presidente da congregação,
sua atuação em Feira de Santana começou vinte e oito anos. E a sua ligação com a
CBN também foi um dos aspectos ressaltados na entrevista.
Nós viemos da Igreja Batista Nacional, chamada ala conservadora, da
chamada tradicional, hoje nós..., por que houve uma renovação, então por
causa dessa renovação, dado que esse... essa renovação não é aceita no
contexto tradicional. as igrejas se desligaram, mas quando eu vim isso
tinha acontecido há muitos anos.
9
9
Entrevista concedida à autora em 11.05.2009 no município de Feira de Santana.
57
Em se tratando da sua situação com a CBN, o pastor teve que se desligar de sua
convenção, pois a mesma não aceitou duas ordenações femininas que o pastor fizera,
assunto tratado no quinto capítulo. A sua ruptura com a CBN não implicou em mudança
de nomenclatura da igreja que até hoje permaneceu Batista.
Entre as congregações pesquisadas a Igreja Batista Missionária foi a única a
sozinha eleger um representante na mara Municipal, o vereador Justiniano França,
que contou com os mais de cinco mil votos da congregação. Além do fator numérico
expressivo desta congregação a presença de João Batista em Feira de Santana, atuando
pelo G12 demonstra a fecundidade das adesões ao método colombiano no município.
Em suas palavras,
Eu tinha... ah! São muitos... eu tinha doze na igreja, doze na cidade, doze na
Bahia, estava formando os meus doze no Brasil, e tinha até líderes
fora que já estava começando a formar como o casal de Roma que foi
ordenada e organizada pelo nosso trabalho aqui, era uma congregação e hoje
é uma igreja.
10
COMPOSIÇÃO SOCIAL
Diversos estudos sociológicos criticam as afirmações de que existe uma
homogeneidade no que se refere à composição social das membrezias das igrejas no
Brasil e em Feira de Santana ocorre igual fenômeno. Segundo os relatos dos pastores e à
própria estrutura dos templos, concluímos que a membrezia das congregações
supracitadas possuem uma heterogênea composição. Não tivemos à autorização dos
pastores para pesquisar no livro de membros, mas as fotografias dos templos, os relatos
dos pastores e a observação participante permitem concluir que uma parcela grande
de comerciantes, assalariados, profissionais liberais, como também desempregados, pois
este ainda é um dado presente na composição social brasileira e feirense.
Em se tratando da composição social predominante nos bairros podemos afirmar
diante das estruturas das casas e informações coletadas com moradores que os bairros
como Jardim Cruzeiro, Morada das Árvores, Brasília são bairros que são compostos por
populações de classes médias e médias baixas, enquanto que a Avenida Getúlio Vargas
e o Bairro Muchila II são componentes da região central da cidade e é composta por
10
Entrevista concedida à autora em 11.05.2009 no município de Feira de Santana
58
classes médias e médias altas. os bairros do Viveiros, Loteamento Morada Tropical,
Feira IX, Cidade Nova e João Paulo compõem uma das regiões em que se concentram
classes mais baixas. Estas afirmações o baseadas nos tipos de residência dos bairros e
o porte dos templos. Isso não impossibilita haver exceções, mas fornece dados
relevantes sobre a composição social das congregações pesquisadas.
A expressiva adesão de congregações e lideranças ao G12 em Feira de Santana,
na nossa compreensão foi possibilitada pela proximidade e relações de confiança, nas
quais os pastores João Batista da Silva e Renê Terra Nova foram os maiores modelos de
crescimento para o município pesquisado. O pastor João Batista da Silva é presidente da
Igreja Batista Missionária Internacional em Feira de Santana, na qual, segundo o seu
relato, chegou a ter a marca de quase mil células e uma membrezia de mais ou menos
cinco mil congregados utilizando a estratégia do G12
11
. Conheceu a metodologia
colombiana através de Renê Terra Nova, líder influente no município, o qual
aconselhou César Castellanos de tornar o pastor João Batista da Silva um dos seus doze
discípulos em nível nacional.
Depois nós conhecemos o G12, e no contato que tivemos com Manaus e
depois diretamente com Colômbia, e... chegamos a ter quase mil células na
nossa igreja, na casa de cerca de mais de cinco mil membros essa igreja
chegou, nós tivemos programa de rádio, tínhamos programa de televisão na
TV Aratu de Salvador e alguns municípios da Bahia, né...só.
Em Feira de Santana houve uma forte atuação do G12 destes dois líderes que
formavam o G12 de César Castellanos nacionalmente. Além disso, os modelos que
obtiveram sucesso, um em Manaus com uma igreja de mais de vinte mil membros e o
outro em Feira de Santana com uma igreja de mais de cinco mil membros foram
convidativos às demais lideranças que almejavam o crescimento de suas congregações.
Além disso, expansão numérica em um grupo protestante que possui vínculos de
discipulado pode ser um bom negócio do ponto de vista econômico e político, pela
sistemática inserção de evangélicos na política municipal. Um problema a se destacar é
de onde vinham estes pastores que freqüentavam os congressos de divulgação do G12,
quais as denominações que estes líderes estavam vinculados e se a sua adesão à
estratégia colombiana mudou a sua vinculação institucional e se houve divergências
doutrinárias na execução do plano de evangelismo empreendido por César Castellanos,
o que será analisado ao longo da dissertação.
11
Entrevista concedida à autora em 11.05.2009 no município de Feira de Santana
59
CAPÍTULO 2
BREVE HISTÓRIA DAS DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS E
ADMINISTRATIVAS PROTESTANTES
A história do protestantismo esteve e ainda está inexoravelmente ligada à
pluralidade e a diversidade dessa forma religiosa cristã. Esses protestantismos surgidos
no pós-Reforma Religiosa tem raízes históricas, sociais, políticas e culturais muito
distintas, em que pese as peculiaridades espaço-temporal nos séculos XVI e XVII.
Durante a vigência do século XVII, existiam algumas linhas de
protestantismo, como Zuinglianos, Luteranos, Calvinistas, Anabatistas e Anglicanos. As
distinções não eram apenas doutrinárias, ou seja, ao que se refere ao conjunto de normas
religiosas, havia demandas sociais, políticas e econômicas que em grande medida
atravessavam essas questões doutrinárias. Este é caso da afinidade de Anglicanos e
Luteranos com questões de cunho político, dos Anabatistas com demandas sociais bem
definidas e do calvinismo com uma ética que norteava toda a vida econômica e moral
dos seus fiéis. Nas suas origens européias o protestantismose apresentava plural.
O campo de determinações sociais exercia uma forte influência nas questões
religiosas protestantes no século XVII e contribuiu para que a própria trajetória do
protestantismo histórico na Europa, Estados Unidos e dos grupos que chegaram ao
Brasil tenha sido marcada pela presença de dissidências e cismas que buscaram
elementos que legitimassem e justificassem o seu rompimento com a corrente principal,
reelaborando o potencial rebelde presente no princípio doutrinário do “livre exame”, ou
seja, na livre interpretação dos textos sagrados. (SILVA, 1996, p.83)
O que pretende mos é destacar que existia uma tendência aos divisionismos e
dissidências dentro do protestantismo, que não tem nada de natural, mas que tem raízes
históricas consideráveis, qual seja, o caráter de contestação às práticas religiosas
hegemônicas na Europa Medieval e inicial na modernidade, além de doutrinas
teológicas próprias que traziam em seu bojo a extensão da leitura do texto sagrado para
leigos, sem a autoridade eclesiástica.
O ex-monge católico Martinho Lutero, o qual no século XVI galgou a posição
de um dos mais importantes reformadores religiosos, contribuiu para formar esse
“germe da divisão”, com o princípio teológico do sacerdócio universal”, ao fazer esta
inversão da tradicional hierarquia católica. Na sua proposta de transformar todo leigo
em sacerdote, ao dispensar a mediação do sacerdote nas relações religiosas entre
60
homens, mulheres e a divindade, o ex-monge foi amplamente assessorado pelo advento
da impressão dos textos sagrados, fazendo uma verdadeira revolução teológica e política
na religiosidade de sua época.
Sobre o “Sacerdócio Universal” e a individualização das relações com o
sagrado, um arguto Karl Marx observou:
Sem dúvida que Lutero venceu a servidão por devoção substituindo-lhe a
servidão por convicção. Quebrou a fé na autoridade restaurando a autoridade
da fé. Transformou os clérigos em leigos e os leigos em clérigos. Libertou o
homem da religiosidade exterior fazendo da religiosidade a consciência do
homem. Emancipou o corpo das suas cadeias carregando com elas o
coração. (MARX, 1972: 57)
no culo XIX, os tipos de protestantismos que chegaram ao Brasil, tiveram
uma característica denominacional. Este tema foi discutido pela historiadora Marli
Geralda Teixeira na sua tese de doutoramento onde apresenta as tipologias de Ernest
Troeltsh sobre seita, igreja. De maneira simplista, a seita seria uma organização
comunitária, onde as suas práticas religiosas e políticas seriam de contestação à
sociedade circundante, daí alguns estudiosos tratarem os batistas como seita. a igreja
seria a instituição centralizada e burocrática da religião da maioria, um exemplo é a
Igreja Apostólica Romana. A denominação seria a aparelhagem da instituição
burocrática, preservando a autonomia local das congregações. (TEIXEIRA, 1983, p.97)
De ramos tradicionalmente históricos à recentes, o fato é que foi neste século que o
protestantismo conseguiu se instalar no Brasil, graças a condições históricas favoráveis.
Buscamos entender um novo cisma, ora entre os sacerdotes René Terra Nova e
César Castellanos. Em 2005, aconteceu mais um rompimento entre os protestantes, que
seguiam a Visão Celular”, dando início à “Equipe Modelo no Modelo dos 12”, ou
M12. A partir dessa ruptura Renê Terra Nova deixou sua vinculação simbólica com o
G12 e fundou o M12, ou modelo dos 12. Este novo modelo se aproximava muito em
práticas da antiga referência metodológica colombiana, porém guardava algumas
peculiaridades. Uma delas é o Encontro do Mover Celular do Fruto Fiel, um retiro
espiritual que objetiva gerar uma membrezia fiel. Para analisar adequadamente a ruptura
entre os dois líderes faz-se necessário entender a estrutura interna do movimento.
61
G12 E DIVISÃO DO TRABALHO RELIGIOSO
As lulas da Visão Celular no Modelo dos 12, dão originalidade ao movimento
colombiano, pela gestão das células através de um governo dos 12 (G12), formado por
12 pessoas escolhidas pelo pastor, numa perspectiva empresarial. Essa gestão de
exigência de eficácia no crescimento ampliava a capacidade de crescimento e
conservação do mesmo.
No momento pretendemos analisar a eficácia desse movimento celular,
enfocando as suas estruturas de distribuição do poder eclesiástico, isto é, o poder
amealhado pelos líderes, Pastores e Apóstolos. Pierre Bourdieu, ao sistematizar a sua
teoria do campo religioso, expõe claramente que o poder sacerdotal surge quando uma
determinado grupo de indivíduos se apropria de determinados capitais simbólicos, a
saber, o conhecimento do sagrado. Deste monopólio surge o poder sacerdotal, sua
legitimidade e o seu consenso. Ampliando-se constituiu-se numa classe sacerdotal que
tem o monopólio sobre a manipulação dos bens sagrados, sendo esta legitimidade sobre
o saber sagrado a sua marca distintiva.
Enquanto resultado da monopolização da gestão dos bens de salvação por
um corpo de especialistas religiosos, socialmente reconhecidos como os
detentores exclusivos da competência específica necessária à produção ou à
reprodução de um corpus’ deliberadamente organizado de conhecimentos
secretos (e portanto raros), a constituição de um campo religioso acompanha
a desapropriação objetiva daqueles que dele são excluídos e que se
transformam por esta razão em leigos (ou profanos, no duplo sentido do
termo) destituídos do capital religioso (enquanto trabalho simbólico
acumulado) e reconhecendo a legitimidade dessa desapropriação pelo
simples fato de que a desconhecem como tal. (BOURDIEU, 2005: 39)
No protestantismo, embora exista a concepção e a doutrina bíblica do sacerdócio
universal, na prática observa-se uma clara distinção entre os sacerdotes e os leigos,
ainda que todos possam manipular alguns bens sagrados, mas isso se de uma forma
restrita. O exercício de algumas práticas litúrgicas são tarefas apenas dos agentes
especializados, os sacerdotes, que têm legitimidade para realizar, por exemplo o batismo
e a santa ceia. A realização destes rituais, ou seja, a própria manipulação dos bens
sagrados pelos sacerdotes lhes confere uma aura sagrada, uma distinção dos outros
membros.
62
Sendo assim, os mentores da estratégia de igrejas em células do G12 se
apropriaram de uma prática que foi legitimada pelos grupos históricos, os cultos
domésticos, ou familiares, realizados pelos leigos. Os cultos domésticos são
considerados uma tradição dos grupos protestantes de longa data, sendo que o que
diferenciou protestantes de católicos, foi justamente o papel dos leigos que ao mesmo
tempo consumiam os bens sagrados, não participam de sua produção e reconhecem a
legitimidade dos produtores, os sacerdotes.
A desapropriação objetiva designa tão-somente a relação objetiva que os
grupos ou classes ocupando uma posição inferior na estrutura da distribuição
dos bens religiosos, estrutura que se superpõe à estrutura da distribuição dos
instrumentos de produção religiosa (vale dizer, da competência ou, nos
termos de Weber, da “qualificação” religiosa), mantêm com o novo tipo de
bens de salvação resultante da dissociação do trabalho material e do trabalho
simbólico bem como dos progressos da divisão do trabalho religioso.
(BOURDIEU, 2005: 39)
As células ampliam o raio de ação e o papel dos leigos por objetivar a
evangelização sistemática de eficácia empresarial não apenas da família, mas de
vizinhos, amigos, colegas de trabalho e até desconhecidos. A questão a se discutir é,
uma vez ampliada a concepção sobre a prática dos cultos domésticos de uma tarefa
religiosa opcional e familiar para uma trabalho religioso e social de cunho obrigatório e
sistemático, como que essas novas relações de poder tem se construído nas práticas e
representações dessas lideranças? E se essa nova configuração do poder eclesiástico foi
absorvida pela membrezia e se gerou conflitos e disputas dentro dessas igrejas, ou seja,
se a transição de uma estrutura eclesiástica tradicional, como a de muitos protestantes
históricos, a exemplo de grupos batistas em Feira de Santana, para uma estrutura
hierárquica, onde se amplia a participação sacerdotal dos líderes e pastores, se isso
implicou em dificuldades administrativas para os pastores dessas denominações e quais
os desdobramentos.
Uma vez que o trabalho religioso confere prestígio dentro da organização, esses
líderes de célula se constituem não apenas como líderes familiares, que cuidam da vida
espiritual da sua família, mas evangelistas que podem ter verdadeiras igrejas se
reunindo em sua casa, no templo, ou em outros lugares de maior porte. Dessa forma,
como ficam as relações de poder com a criação do Governo dos 12 e as células?
Essa organização eclesiástica em grupos pequenos tem sua eficácia, pois
envolve o trabalho organizado de toda igreja que ao promover a ocupação dos espaços
63
geográficos, efetiva crescimento numérico das comunidades religiosas que aderem às
suas práticas. Todavia, este crescimento tem uma relação direta com a distribuição do
trabalho religioso e com isso a distribuição do capital simbólico. As igrejas em células
crescem por uma distribuição intensificada do trabalho religioso sistematizado, o que,
aparentemente, descentraliza o poder simbólico do sacerdote.
Um exemplo de que o poder dos sacerdotes se diferenciou ainda mais do
“poder” que os líderes exerciam, construindo uma aparente descentralização, se
confirma pela extinção das assembléias de membros que os batistas organizavam
tradicionalmente, resultando nas atas das congregações que com a implantação do G12,
passaram a registrar apenas assuntos jurídicos. Nas igrejas do G12, o governo
congregacional, com a participação da Assembléia de membros foi substituído pelas
reuniões do sacerdote com o seu governo dos 12. Isso significa que as decisões internas
das congregações batistas deixaram de pertencer a coletividade da igreja, para serem
concentradas no pastor e seu governo dos 12, isto é, os doze líderes escolhidos pelo
pastor.
César Castellanos assegurou a eficácia do seu modelo organizacional de igreja
em células, o G12, nas palavras: a chave do sucesso está em cada pessoa que nos
rodeia se converter em um líder capaz de orientar a outros. (CASTELLANOS, 2002:
24)
12
Essa distribuição intensificada do poder simbólico do sacerdote entre os leigos,
não se de uma forma aleatória. A distribuição do saber e, consequentemente, do
poder simbólico-religioso constitui numa construção de poderes e papéis, onde os
líderes são doutrinados a seguir normas padronizadas de conduta religiosa. O provável
líder de célula é uma pessoa que passou pelo processo de ter sido membro de uma
célula, pré-encontro, encontro, pós-encontro, reencontro, escola de líderes, além de
possuir uma vida sem pecados morais.
Convém ressaltar que é um processo de doutrinação, inculcação e que leigos não
passam a exercer o sacerdócio sem um ritual de iniciação presidido pelo apóstolo ou
pastores investidos de sua autoridade, ressaltando o seu poder pessoal. A unção dos
líderes de célula” é um evento festivo, pois celebra a multiplicação das células e tem um
ritual e simbologia própria. Os estudiosos dos simbolismos tendem a concordar com
esta citação:
12
Esta citação foi coletada num periódico do G-12. Revista G12: A revista oficial da igreja em células
nos cinco continentes: Edição 9-Outubro 2002.
64
Começamos a compreender hoje algo que o século XIX não podia nem
mesmo pressentir: que o símbolo, o mito, a imagem pertencem à substância
da vida espiritual, que podemos camuflá-los, mutilá-los, degradá-los, mas
que jamais podemos extirpá-los. (ELIADE, 1991: 7)
Além de explicar a importância dos símbolos nos sistemas religiosos e na vida
social, Mircea Eliade expõe a impossibilidade de acabar com os simbolismos e sua
importância porque, na sua concepção, a forma do pensamento simbólico faz parte da
substância humana, precedendo a linguagem e a razão discursiva. O símbolo revela
certos aspectos da realidade- os mais profundos- que desafiam qualquer outro meio de
conhecimento. (ELIADE, 1991: 8)
Assim, o símbolo para Eliade tem alguma aproximação com os sistemas
simbólicos de Bourdieu, pois este também entende que embora o campo simbólico seja
distinto do campo religioso ou político, os simbolismos têm uma conexão e uma relação
dialética com os demais campos na estrutura do campo das relações sociais. A
contribuição de Bourdieu vai além, pois permite a compreensão dos símbolos como
relações de poder de uma determinada classe, expressando a sua posição no jogo das
relações sociais. A construção, sua manipulação e legitimidade simbólicas são
necessários para que o campo religioso conserve as suas estruturas de poder.
Os sistemas simbólicos derivam sua estrutura, o que é tão evidente no caso
da religião, da aplicação sistemática de um único e mesmo princípio de
divisão e, assim, podem organizar o mundo natural e social recortando
nele classes antagônicas, como pelo fato de que engendram o sentido e o
consenso em torno do sentido por meio da lógica da inclusão e da exclusão,
estão propensos por sua própria estrutura a servirem simultaneamente a
funções de inclusão e exclusão, de associação e dissociação, de integração e
distinção. (BOURDIEU, 2005: 30)
Essas funções dos sistemas simbólicos de integração, associação e inclusão, que
no caso é a religiosa, na gestão das células no caso do G12, onde o sacerdote administra
através de uma equipe mais especializada do que os líderes de célula, que por sua vez,
têm mais legitimidade para a liderança dentro da Igreja do que os que o são líderes,
constituiu uma estrutura hierárquica piramidal.
A questão que se coloca é, como as lideranças desse modo de gestão, ajustaram
o universo das práticas simbólicas a essa nova demanda de líderes, tendo em vista que o
seu objetivo é ampliar e conquistar adeptos e não perdê-la com divisões. Isso, podemos
analisar no ritual da “unção dos líderes de células.”
Queremos destacar que o que denominamos aqui de nova demanda de líderes e
seu poder simbólico é distinto do poder sacerdotal, na acepção de Bourdieu, dos
sacerdotes do G12. Os líderes das células não se confundem com os pastores e
65
apóstolos, pois a sua “autoridade” deriva da autoridade do apóstolo constituindo uma
aliança simbólica que ao mesmo tempo reconhece e reforça o poder pessoal dos
apóstolos que na sua posição hierárquica se constitui num clero superior, equivalente
aos bispos.
Os líderes das células são investidos da “autoridade espiritual” dos sacerdotes.
Isso não significa dizer que todos os líderes de célula são iguais e que não são
importantes, mas que há uma diferenciação hierárquica entre os líderes de células
normais e o governo de doze, (G12) dos sacerdotes. Os integrantes do grupo dos 12,
também são deres de célula, mas se distinguem dos líderes de célula menores por ter
uma aproximação maior com a manipulação dos bens sagrados, e com as decisões dos
sacerdotes. Isso em alguma medida, constrói a aspiração dos líderes em ocupar um lugar
no G12, o que ocasionou em muitas comunidades competições e concorrências por um
lugar na hierarquia religiosa, que se legitimava com os próprios textos bíblicos.
Nas palavras de Bourdieu:
A religião contribui para a imposição (dissimulada) dos princípios de
estruturação da percepção e do pensamento do mundo e, em particular, do
mundo social, na medida em que impõe um sistema de práticas e de
representações cuja estrutura objetivamente fundada em um princípio de divisão
política apresenta-se como a estrutura natural-sobrenatural do cosmos.
(BOURDIEU, 2005: 34)
Este aspecto de transfiguração das relações de poder, evidentemente sociais com
a aparência de uma estrutura natural/sobrenatural do cosmos dentro do campo religioso
visa impor um sistema de práticas e representações que fundam uma hierarquia
religiosa.
Na arquitetura da hierarquia religiosa do G12, fundada nas atividades
proselitistas, a base é Ganhar, realizada ao nível das células. Para assumir a direção de
uma célula, o líder, tem que ser apresentado à congregação em um evento festivo que
remonta às práticas dos sacerdotes e profetas do Antigo Testamento, de ungir, ou seja,
derramar o óleo da unção sobre as lideranças políticas e religiosas escolhidas por Deus
naquela experiência de governo teocrático dos hebreus. A simbologia dessa cerimônia,
tem o significado de que Deus escolheu aqueles líderes para exercerem o sacerdócio,
porém quem derrama o óleo sobre a cabeça desses novos líderes são os sacerdotes, os
que detêm o saber especializado e o monopólio sobre alguns rituais, a exemplo deste de
unção.
66
Essa simbologia não fala apenas das coisas celestiais, ela fala concretamente das
relações de poder que são estabelecidas no campo religioso. Nas palavras de Bourdieu,
é a separação do trabalho religioso material ou manual, do trabalho intelectual. Sendo
assim, a autoridade daqueles líderes está submissa à autoridade dos sacerdotes, que são
distintos dos líderes de célula, contribuindo para a conservação do poder no campo
religioso discutido.
O evangelismo em massa e a pregação no púlpito, são o trabalho, geralmente, do
pastor no mundo protestante. Quando o pastor decide implantar células, ele está
transformando o seu trabalho especializado em trabalho que os leigos podem exercer, e
não apenas isso, atribuir aos leigos o compromisso de fazer a igreja crescer, conferindo
status dentro da lógica da congregação. Essa importância dos leigos para o trabalho
religioso, foi historicamente, um capital simbólico dos protestantes históricos que foi
apropriado e reelaborado pelo G12 como uma prática religiosa sistemática e
empresarial.
Os grupos pequenos, aparentemente crescem independentes do templo, pois o
seu lugar de ação é o ambiente exterior ao templo, contribuindo para a expansão
demográfica e religiosa e visibilidade política e social. Porém, queremos salientar que
essa fuga do centro do trabalho religioso da figura do pastor, tornando o trabalho
religioso mais democrático é apenas aparente. A comunidade religiosa é administrada
pelo Governo dos 12, escolhidos pessoalmente pelo pastor, que recebe relatórios dos
seus liderados com as informações de como foi a reunião, o número de pessoas, o
número de conversões, o número de pessoas para o encontro, número de pessoas na
escola de líderes, quantidade de oferta e a previsão de abrir mais células.
13
Isso reforça
nossa análise de reelaboração de uma prática dos grupos históricos, os cultos
domésticos, ampliando-o para uma perspectiva sistemática e empresarial do trabalho
religioso que busca eficácia e a expansão.
A apóstola Valnice Milhomens Coelho, fez uma descrição de pacto de
funcionamento da célula, justificando com textos bíblicos:
Os relacionamentos existem na base de alianças, poderia ser também
aplicado no grupo dos 12:
1. Colossenses 3:4-15- O pacto de afirmação da graça (amor incondicional)-
Eu escolho amá-los, edifica-los e aceitá-los, meus irmãos e irmãs, não
importa o que digam ou façam. Eu escolho amá-los do jeito que vocês o.
Nada do que fizeram ou farão vai me impedir de amá-los. Posso não
concordar com suas ações, mas vou amá-los como pessoas e fazer tudo para
apóia-los no amor de Deus.
13
Estes dados estão disponíveis nas fichas de consolidação do Manual para líderes de célula do
Ministério Internacional de Adoração a Deus, antiga Primeira Igreja Batista do Feira IX em Feira de
Santana, sem data.
67
2. Efésios 4:25-32- O pacto da honestidade- Eu não vou esconder como me
sinto a respeito de vocês, ou o que vem de vocês, bem ou mal, mas vou
procurar, no tempo do Espírito, conversar francamente e diretamente com
vocês de modo amoroso e perdoador, para que vocês não fiquem
desestruturados quando estiverem em dificuldades e para que nossas
frustrações mútuas não se transformem em amargura. Vou tentar refletir
para vocês aquilo que estou ouvindo e sentindo a respeito de vocês. Se isso
significa arriscar-me a sofrer, sabendo que ao falar a verdade em amor é que
crescemos em tudo em Cristo, que é o cabeça, então eu aceito o risco. Vou
tentar expressar esta honestidade de maneira sincera e controlada de acordo
com as percepções que eu tenha das circunstâncias.
3. Romanos 7:15-25: O pacto da transparência
4. II Tessalonissenses 1:11-12: O pacto da Oração- Eu faço um pacto de orar
por vocês regularmente, crendo que o nosso amado Pai deseja que oremos
uns pelos outros e peçamos pela benção que todos precisamos. Não serei um
ouvinte passivo. Mas sim, escolho ser um participante espiritual, desejoso de
entrar na situação de vocês e auxiliá-los a levar os seus fardos em oração.
5. João 4:1-29: O pacto da sensibilidade- Assim como desejo ser conhecido
e compreendido por vocês, faço um pacto de ser sensível a vocês e às suas
necessidades, da melhor maneira possível. Vou tentar ouví-los e sentir o que
se passa com vocês, e procurar tira-los do abismo, do buraco, do desânimo e
isolamento.
Para uma análise mais detalhada dos compromissos que um líder de célula tem
que estabelecer é importante evidenciar as relações sociais que estabelece para cumprir
o pacto acima citado. Estes primeiros cinco pactos se referem mais as relações
emocionais e afetivas inerentes aos valores cristãos que os líderes estabelecem com a
célula e com os seus próprios líderes, tem a ver com a relação pessoa para pessoa o que
é um diferencial do trabalho com grupos pequenos. Avaliamos que este diferencial
contribui para a eficácia das células por transpor os estereótipos construídos socialmente
acerca do templo e das práticas protestantes, ao mesmo tempo, implicando numa maior
territorialização da ação da congregação local e amparo espiritual.
6. Atos 2:47: O pacto da disponibilidade- Aqui estou se precisarem de mim.
Tudo o que tenho - tempo, energia, entendimento, bens está à disposição
de vocês, se precisarem, até o limite dos meus recursos.
7. Provérbios 10:19; 13; 12:23, 15:4, 18:6-8: O pacto da Confiabilidade-
Prometo manter em segredo tudo o que for compartilhado dentro do grupo,
de modo a proporcionar uma atmosfera de confiança, necessária à
transparência. Entendo, no entanto, que esta confidencialidade não proíbe o
meu líder de célula de compartilhar, seja verbalmente, seja por escrito,
informações adequadas ao meu pastor. Entendo que os líderes trabalham
sobre a supervisão pastoral, e lhes foi delegada a autoridade como
extensão do ministério de cuidado pastoral desta igreja. Como
resultado, devem prestar contas ao (s) pastor (es) desta igreja, que
prestam contas ao Pastor Maior, Jesus Cristo, meu Senhor (Hebreus
13:17, Bíblia Sagrada).
68
Outro grupo de interesses está nos itens, disponibilidade, assiduidade,
confiabilidade, prestação de contas, alcançar outros. O líder de célula tem que ser
disponível em todos os aspectos, célula demanda tempo e planejamento, a mensagem
religiosa quem escreve é o pastor, não são estudos livres, evidenciando o que nos
propusemos a analisar que foi a distribuição das tarefas e não a elaboração doutrinária
ou teológica. Um outro item que se liga a isso é a confiança e a prestação de contas,
mais uma vez o centro das decisões não são as células, mas o que o pastor decide em
nível local.
A ênfase no item “confiança” tanto de pastores em lideres de célula, quanto do
reconhecimento da legitimidade da autoridade e supervisão dos pastores se reportam à
referência direta do pastor, o que reforça a centralidade do poder simbólico do pastor na
metodologia do G12, que aparentemente, se apresentava como uma distribuição do
poder religioso.
8. Ezequiel 3:16-21 e Mateus 18:12-20: O pacto da prestação de contas-
Faço o pacto de estudar os materiais de treinamento dos quais cada célula se
utiliza para o crescimento, como parte do treinamento e assim fazendo, vou
prestar contas semanalmente a um outro membro da minha célula. Vou dar a
vocês o direito de me questionar, confrontar, e desafiar em amor, quando
estiver falhando em algum aspecto na minha vida com Deus, família,
devocional, crescimento espiritual em geral ou algo semelhante. Confio que
vocês estejam no Espírito e que sejam guiados por Ele quando assim o
fizerem. Preciso da sua correção e repreensão de modo a aperfeiçoar meu
ministério dado por Deus no meio de vocês. Faço o pacto de não reagir
(Provérbios 12:1; 15; 13; 10; 18).
9. Lucas 9:57-62: O pacto da assiduidade- Vou considerar o tempo normal
que meu grupo investe semanalmente como um tempo sob a mão
discipuladora de Cristo em nosso meio. Não entristecerei o Espírito, nem
impedirei o seu trabalho na vida dos meus irmãos pela minha ausência,
exceto em caso de emergência.
10. Mateus 25:31-46: O pacto de alcançar outros- Faço o pacto de encontrar
os meios de me sacrificar por aqueles que se encontram fora de nossa
comunhão, da mesma forma como fiz a aliança de me sacrificar por vocês,
meus irmãos e irmãs. Vou dar o máximo para trazer dois ou mais incrédulos
ou pessoas sem igreja para a minha célula durante o seu ciclo de vida. Quero
fazê-lo em nome de Jesus, para que outras pessoas sejam adicionadas ao
Reino de Deus pelo amor dele.
14
Estes são os dez mandamentos que são inculcados pelas lideranças aos novos
líderes de célula. Convém salientar que não é uma espécie de juramento. É apenas uma
sugestão de uma das maiores lideranças da estratégia colombiana no Brasil, um discurso
amplamente divulgado que está cotidianamente presente nas práticas e representações
14
COELHO, Valnice Milhomens, Plano Estratégico para a Redenção da Nação. 3ªed. São Paulo: Palavra
da fé produções Ltda, 2000. Este texto é singular para o estudo do G12 no Brasil, pois condensa as
principais discussões de César Castellanos sobre a estratégia G12.
69
dessas comunidades religiosas. Sua expansão através de um proselitismo intensificado e
sistematizado, foi a base que propiciou uma explosão demográfica nas congregações
dos sacerdotes César Castellanos e René Terra Nova. Na congregação do apóstolo César
começou com oito pessoas na sua casa e até 2005, tinham 150.000 células, mais ou
menos 500.000 membros, ao passo que a comunidade liderada por René Terra Nova,
tinha por volta de 4.000 membros quando a visão em lulas foi implantada e
atualmente possui 60.000 membros
15
.
O que ocorreu nas comunidades que aderiram ao G12 foi mais uma
supervalorização do trabalho dos leigos e uma distribuição sistemática das tarefas
religiosas do que uma revolução nas estruturas do poder, reconfigurando as relações de
poder entre os protestantes. Vale ressaltar que essa reelaboração nas estruturas do poder
simbólico dentro das igrejas tem um discurso bastante moderado. Isso devolve ao pastor
a sua legitimidade e o seu poder sacerdotal, porém a centralidade do pastor se construirá
de acordo com a natureza da sua gestão, o seu carismatismo e o trabalho do governo dos
doze local. Em alguns casos, pode conduzir a uma demasiada centralização, ou de fato,
a cismas dentro deste modelo eclesiástico. Constituindo uma aparente contradição no
G12, um método que objetiva a multiplicação, trabalha-se com o risco de dividir, o que
em alguma medida é uma forma alternativa de crescimento.
O governo dos 12 é mais uma forma de distribuição do poder, numa perspectiva
do trabalho religioso, por sua vez é quem administra as células, e quem presta contas ao
pastor do desempenho e trabalho das células. Assim se constitui uma organização
eclesiástica piramidal onde todos estão debaixo da autoridade do pastor/ apóstolo.
Nas palavras de René Terra Nova:
As células estão debaixo de uma administração, que é exercida pelo governo
dos 12, que facom que estejamos seguros, por que é um governo gerado
num testemunho de crescimento com doutrina, caráter e, o primordial, a
santidade. Isso forjará em você um líder de excelência.
16
Nesse contexto, a aparente descentralização se constituiu de fato numa
centralização das decisões da comunidade religiosa pelo pastor. Isso se comprova, pelo
fato de na maioria das igrejas que tiveram ligação com o G12 e o M12 as atas das
congregações tem registros de assuntos jurídicos, o que os batistas historicamente
15
Estes dados foram coletados de fontes diversas. Desde entrevistas com as lideranças locais, ata a
informação de periódicos como o Geração Celular e o Jornal Feira de Jesus, ano 95, p.7.
16
TERRA NOVA, Renê de Araújo. A Visão Profética para a Conquista das Nações. 1ªed. Semente de
vida Ltda. Amazonas, 2003(p.21).
70
sempre decidiram em Assembléia dos membros, registrando muitas ocorrências em suas
atas.
Quando o apóstolo René Terra Nova, enfatizou que o Governo dos 12
proporcionava segurança a todos, ele não está falando apenas das células, mas inclusive
daqueles que estão acima, o Governo dos 12 proporciona segurança principalmente ao
apóstolo/líder, informando, trabalhando e evitando conflitos que possam gerar maiores
preocupações, de forma que o crescimento seja controlado pelos doze local, regional e
nacional.
O discurso de obediência às autoridades que são constituídas por Deus, é levado
a extremo, conduzindo a uma supervalorização dos pastores com as máximas comuns
“o pastor é a própria voz de Deus”, o pastor acerta aquando erra”, entre outras que
presenciamos em observação participante em congressos e cultos. Presenciamos estes
discursos, citados pelas maiores lideranças do Brasil como René Terra Nova e Filomeno
Romero. Filomeno Romero atua na Ceilândia, cidade Satélite de Brasília, foi integrante
do G12 de René Terra Nova, e foi o principal divulgador do Congresso Prosperidade
Bíblica, ele é muito conhecido pelo seu Ministério de Cura e Libertação.
A arquitetura do trabalho e do poder religioso criada por César Castellanos, é
complexa, abrindo para uma falsa democratização da administração religiosa, porém
conferindo limites precisos a essa especificidade de poder que foi reelaborado,
contribuindo assim para que o carisma das lideranças sejam reconhecidos e temidos
como a voz de Deus na terra.
DO G12 AO M12: SACERDOTES, PROFETAS E REELABORAÇÃO
DOUTRINÁRIA.
Pretendemos uma análise da implantação e da transição/ruptura entre as
lideranças protestantes do G12, César Castellanos e René Terra Nova, propondo a
discussão sobre a polêmica em torno dessa ruptura, enfatizando as contradições
aparentes nos discursos dos seguidores do pastor brasileiro que apresentavam o
encontro Mover Celular do Fruto Fiel como uma transição que frutificaria a igreja de
uma forma sobrenatural e dos partidários do líder colombiano, que em seus discursos
promoviam ataque à decisão de René Terra Nova.
71
Buscamos nas práticas e representações dessas comunidades religiosas, as
peculiaridades implementadas no modelo proposto por René Terra Nova após esta
ruptura, a Equipe Modelo no Modelo dos 12.
Essa comunidade religiosa do G12 na década de 1990 começou um processo de
expansão interna, galgando espaços de visibilidade social com inserção na política, onde
muito se conquistou. Um exemplo, é a pastora Claudia Rodrigues Castellanos que
atualmente está no seu terceiro mandato no senado colombiano. (DOMINGUEZ, 2000,
p.15) No final da cada de 1990, o modelo de organização de igrejas da Colômbia
ganhou renome em todo o mundo, despertando curiosidades e interesses de alguns
pastores brasileiros, que foram a Santa de Bogotá, conhecer a Visão Celular no
Modelo dos 12. Essa expansão para além das fronteiras colombianas, evidenciou o
apenas um contexto local de expansão, mas um contexto de crescimento dos
pentecostalismos e neopentecostalismos na América - Latina.
A estratégia da Visão Celular chegou ao Brasil através dos pastores conhecidos
nacionalmente pela expansão dos seus ministérios, René Terra Nova e Valnice
Milhomens em 1998, estes pastores formavam o grupo dos 12 líderes que estavam sobre
a autoridade de César Castellanos no Brasil, formando o seu G12 nacional. Eles foram
os principais divulgadores e contribuíram para que o modelo colombiano se espalhasse
no Brasil.
O nosso enfoque é a cidade de Feira de Santana, tendo em vista, as origens de
René Terra Nova como um importante pastor de uma das mais tradicionais
congregações da cidade, a Igreja Batista Memorial, isso contribuiu para a problemática
proposta por essa pesquisa que pretende investigar se esse prestígio anterior do
Apóstolo Re Terra Nova ocasionou e adesão de muitas comunidades protestantes
históricas e neopentecostais ao G12 entre os anos 2000 e 2002, e a conseqüente decisão
de algumas congregações em apóia-lo na ocasião da sua ruptura com César Castellanos
em 2005. Em outras palavras: Terra Nova possuía carisma e liderança anteriormente
ao movimento de César Castellanos o que certamente provocou um choque de
lideranças, disputas de espaço e poder entre ambos no seio da comunidade protestante
feirense e nacional.
A Equipe Modelo no Modelo dos 12 (M12), nasceu em março de 2005, como
um produto da ruptura da aliança simbólica entre César Castellanos e René Terra Nova.
Este novo modelo de organizar igrejas foi implementado pelo pastor René Terra Nova
72
que passou a ser o líder espiritual e fundador do M12, o qual antes disso em 2001, foi
consagrado apóstolo do Brasil e das nações.
O M12 conservou as práticas centrais do modelo colombiano, implementando
uma certa originalidade, aspecto este que será discutido ao final deste capítulo. Durante
o ano de 2005, foi desencadeada uma grande polêmica para as lideranças locais
administrarem a ruptura entre René e César Castellanos diante das suas comunidades
religiosas. Como proceder em relação a este assunto se um dos ensinos básicos é que o
seu pastor é um representante de Deus, que tem que ser obedecido, respeitado, honrado
e jamais ser questionado, exceto em caso de pecado moral?
Quanto a esse aspecto da fidelidade absoluta ao pastor, na pesquisa nas fontes
impressas do material doutrinário do G12 colombiano, não encontramos nenhuma
referência, o que no nosso entendimento, o silêncio da proposta de sar Castellanos
sobre a fidelidade ao pastor, que na prática é exacerbado, revela uma certa abertura
entre o que se propôs como um discurso uniforme e a sua prática que é complexa e
sujeita às múltiplas recepções que foram incorporadas de acordo com as práticas e
concepções doutrinárias de cada sacerdote que aderiu ao movimento.
Pretendemos analisar a recepção e reelaboração realizada pelo apostolo René
Terra Nova do modelo do pastor colombiano, entendendo que houve em muitos
aspectos um acréscimo de doutrinas e práticas religiosas que faziam parte de sua gestão
pastoral anterior à sua adesão ao G12.
Entre as práticas peculiares implementadas pelo apóstolo René Terra Nova
durante a sua atuação em Feira de Santana, estão às práticas de honrar aos líderes e o
discurso exacerbado de obediência às autoridades, que são enfatizados pelo apóstolo e
seus seguidores, o que contribuiu para a contradição entre o seu discurso e sua prática,
no episódio da ruptura com César Castellanos, resultando em muitas divisões e
desistências de grupos, pastores e membrezia, não apenas em Feira de Santana, mas em
todo o Brasil.
O líder feirense, Bispo Manoel Pedro de Souza,
17
enfatizou:
O G-12 entrou no Brasil através do pastor René, da apóstola Valnice e no
Brasil, devido a algumas adaptações , embora tenha crescido bastante..., mas
sofreu algumas restrições; por causa destas alterações, certo, não foi
17
Manoel Pedro de Souza, atualmente é bispo aposentado da Igreja Batista Memorial na Cidade Nova e
tem 60 anos é formado em Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Nordeste e fez um
curso de Psicanálise. Este templo tem capacidade para 700 pessoas sentadas, porém aos fins de semana
essa capacidade é extrapolada.
73
implantado exatamente como funciona na Colômbia, então tivemos
problemas e resultou, especialmente depois do rompimento do Apóstolo
René com o César Castellanos, isso desencadeou uma série de dificuldades
no Brasil , e levou realmente a uma divisão e a desistência de alguns
grupos, algumas igrejas e alguns pastores por causa dessa divisão.
18
A questão que se impôs foi se o novo encontro do Mover Celular do Fruto Fiel
em março de 2005 que não trazia mais a sigla G12, porém M12, foi uma ruptura ou uma
continuidade da Visão Celular no Modelo dos 12?
O apóstolo Sinomar Oliveira, discípulo de César Castellanos e um dos líderes
do seu grupo de 12 no Brasil, em publicação na internet, relatou:
Recebi poucos dias um telefonema do pastor César Castellanos me
pedindo o telefone de René Terra Nova, pois o mesmo havia lhe enviado
uma correspondência com acusações sem consistência- o verdadeiras- o
que ele, César, estava muito preocupado. Orei a Deus, compartilhando com
a minha esposa e fiquei na expectativa de novas informações. Tentei falar
com apóstola Valnice e com o apóstolo Márcio Valadão, mas não consegui.
Viajei. Quando cheguei, hoje dia 30 de março, o circo estava pegando fogo.
A notícia estava por todos os lados: René Terra Nova rompeu a sua aliança
com o Pastor César Castellanos. Fiquei estupefato!
19
Para os discípulos de César Castellanos, não apenas estava clara a ruptura do
discipulado entre Castellanos e Terra Nova, como também o ato não procedia de Deus,
por promover um ato de quebra de aliança com o fundador do G12, o qual é
considerado nesse modelo de igreja o “oitavo pecado capital,” isto é, a quebra de aliança
significava questionar a autoridade do pastor fundador e isso afetou a legitimidade do
discurso de Terra Nova, contribuindo para uma série de dificuldades como desistências
do G12 e M12 e cismas de muitos pastores em todo o Brasil, que foram desencadeadas
com a ruptura, segundo a entrevista do Bispo Manoel Pedro de Souza.
Em entrevista, a pastora Simone de Araújo Moura
20
do Ministério Internacional
de Adoração a Deus e integrante do M12 de René Terra Nova em Feira de Santana,
comentou que o Mover Celular é apenas um encontro que acelera o objetivo da Visão,
mas que a organização em células é o cerne do mover, assim como a Visão, o que
18
Entrevista concedida à autora em 04.06.2008 no município de Feira de Santana.
19
http://www.visaog12.com.br/ arquivos_líderes/1 _Sinomar.htm data: 20/08/2005.
20
A senhora Simone de Araújo Moura tem 35 anos e possui uma tradição de liderança entre os batistas.
Já foi presidente dos jovens adolescentes de Alagoinhas e vice-presidente dos jovens do estado da Bahia.
Além de ser bacharel em educação religiosa com música pelo seminário batista do Nordeste em Feira de
Santana, pós-graduada em educação religiosa na área de concentração de administração educacional e
formada em psicanálise. Atualmente pastoreia o Ministério Internacional de Adoração a Deus, uma igreja
grande para a realidade de Feira de Santana. Segundo suas informações a Igreja tem uma população
flutuante de mais ou menos 700 pessoas reunidas na sede.
74
evidencia uma continuidade da metodologia nessas congregações. na fala da pastora
Simone, uma expectativa de transição, uma transição harmoniosa que tinha como
objetivo uma agilidade maior no crescimento. Analisamos também que essa aparência
de transição nos discursos dos seguidores do apóstolo Terra Nova, era uma tentativa e
um jogo de silêncio para minimizar os estragos da ruptura.
Olha...., o mover celular ele vem como uma resposta para que a visão voe...
Nós estávamos apenas andando e depois passamos a correr e agora nós
estamos voando! Porque a visão celular é uma visão de conquista de
multidões, uma Visão de Conquista de Nações, então o objetivo da visão é
ganhar vidas para Jesus e o mover celular é uma estratégia de Deus para que
esse processo voe depressa, para que isso aconteça de uma maneira sólida e
mais... depressa.
Instigante é como não se falou que o Mover Celular foi o primeiro encontro que
o apóstolo Terra Nova criou após a ruptura com César Castellanos e da preocupação de
divulgar o Mover Celular como um encontro que todos teriam que fazer por causa de
uma prática de trabalhar no Reino de Deus com amor pela almas e sua salvação, que
faria uma revolução na terra, com uma explosão de crescimento inacreditável. Além
disso, este encontro marcou a transição do estado de uma igreja que anda para uma
igreja que corre e que voa, num sentido metafórico, para usar as mesmas palavras da
pastora, isto é buscavam um crescimento acelerado das comunidades.
Quando a pastora disse que o encontro em questão era uma resposta de Deus,
uma transfiguração de uma questão terrena, de disputa de poder, para a estrutura
sobrenatural divina, legitimando assim a provável ruptura. Nos discursos dos seguidores
de René a questão foi vista como um estágio de transição para uma metodologia melhor
e mais eficaz de crescimento de igrejas. Nas palavras do candidato a vereador em Feira
de Santana nos pleitos eleitorais de 2004 e 2008 e também líder de ministério musical e
irmão de René Terra Nova, Israel Terra Nova
21
, a ruptura toma um contorno de reforma
religiosa, de aperfeiçoamento da metodologia:
Infelizmente estamos passando por uma reforma no G12, o qual está
mudando para o M12, (De Governo dos Doze para Modelo dos Doze).
Porque essa mudança? Nunca iremos conseguir ser governo sem antes ser
Modelo! Uma das maiores dificuldades que temos em prosseguir com a
proposta do M12 na nossa cidade são por que: muitos querem ser governo,
21
O senhor Israel de Araújo Terra Nova têm 37 anos e além das candidaturas políticas, é representante de
CD´s evangélicos e membro da Igreja Batista Memorial.
75
mais estão muito longe de serem Modelos e isso tem atropelado o processo
da Visão Celular e está havendo não quedas, mais selecionamento do M12
em Feira de Santana.
22
A entrevista com o irmão sanguíneo de René Terra Nova, que é uma
amostragem dos discursos daqueles que continuaram com o apóstolo brasileiro, fala que
a proposta do M12 é uma reforma do G12. Uma reforma para melhor, explicando até as
saídas de algumas lideranças com o termo selecionamento. Os líderes selecionados
permaneceram com o M12.
Em 2005, ocasião da ruptura, tivemos a oportunidade de presenciar pregações de
René Terra Nova, sua esposa Ana Marita Terra Nova e Larissa Terra Nova, sua filha
adolescente, nas quais falavam de uma fase de transição e que o Mover Celular marcava
esse estágio. Porém, neste discurso de transição pairava uma imprecisão por que quem
ouvia o entendia de onde nasceu a transição, por que ela estava acontecendo e qual a
nova proposta dela, expondo a fragilidade do argumento.
Convém destacar a propaganda que foi feita do encontro Mover Celular com a
utilização de camisas e banners que tinham um modelo para todas as congregações,
estes banners marcavam a presença do mentor intelectual do M12, o apóstolo René
Terra Nova e não mais o fundador do G12. Os símbolos que estavam nesses banners, a
águia e o leão que são representativos como animais que dominam os ares e a terra.
Estes animais têm várias referências bíblicas que são simbólicas, às vezes o leão
representa Jesus Cristo e a águia, o animal que rompe o tempo ruim atravessando as
tempestades. Uma forte simbologia do sagrado e adequada às circunstâncias.
Essa pseudo falta de nexo do discurso de transição para quem estava observando
em nível local, num determinado momento tomou a forma de uma aparente contradição,
quando por outros caminhos sabemos que o maior líder do G12 no Brasil tinha rompido
com o seu líder e mentor espiritual César Castellanos. Um verdadeiro desvio doutrinário
que teve repercussão e amplitude nacional e internacional.
Queremos discutir a aparente contradição nos discursos das lideranças locais,
bem como o silenciamento sobre o fato do cisma. Naquele momento, em 2005, era
muito perigoso para as lideranças locais que permaneceram com o apóstolo René Terra
Nova após a ruptura, apresentar um novo encontro que falou-se de fidelidade às
lideranças, o encontro foi intitulado de Mover Celular do Fruto Fiel(MCFF), como uma
22
Entrevista com Israel Terra Nova concedida à autora em 2008 no município de Feira de Santana.
76
forma de anunciar um novo momento, apelando para uma imagem de fidelidade que
legitimava o rompimento, sem contudo explicar o que gerou este acontecimento.
Michel de Certeau é uma boa referência para analisar este jogo na forma de
apresentar o encontro e o evento inaugural do Mover Celular do Fruto Fiel (MCFF),
silenciando aspectos importantes que atribuiriam negatividade à prática, e ao mesmo
tempo, ressaltando aspectos positivos para o Reino de Deus com as milhares de almas
que seriam salvas do inferno. Essa estratégia de ocultar a ruptura pela hierarquia do
movimento, entendemos como uma intencionalidade que aquele momento demandava
das lideranças locais de manter suas congregações distantes e ignorantes em relação à
quebra de aliança, talvez pelo medo do incitamento à novas rupturas. O silêncio também
é revelador de tensões e disputas entre lideranças e grupos. Segundo o autor francês:
busca-se uma orientação na leitura que não se caracteriza mais somente por
uma “impertinente ausência” mas pelos avanços e recuos, pelas táticas e
pelos jogos com o texto. Vai e vem, ora captada, mas por que então, se
desperta ao mesmo tempo no leitor e no texto? jogando, protestando,
fugindo. Seria necessário reencontrar os seus movimentos no próprio corpo,
aparentemente dócil e silencioso. (CERTEAU:271)
A notícia da ruptura entre Terra Nova e Castellanos, desencadeou uma
mobilização de críticas dos outros integrantes do governo dos 12 de Castellanos aqui no
Brasil. A apóstola Valnice Milhomens Coelho se pronunciou através de Cartas
eletrônicas para o apóstolo Terra Nova. As críticas sobre René falavam de ciladas do
inimigo (diabo), motivações pessoais de ruptura, rebelião, entre outros similares.
Numa carta em que é explícita e enfática sua discordância da posição do
apóstolo René Terra Nova, apóstola Valnice Milhomens opinou:
Lutei para que não houvesse uma divisão. Você pensou que coisa mais
trágica você cobrindo um grupo e o Pr. César, na nação cobrindo outro? O
filho da visão em confronto com o pai? Sinto a Guerra nos ares. Estou triste.
Temo por você. Temo os prejuízos para o Reino. Que Deus tenha
misericórdia de todos nós e nos livre do mal
23
.
Neste texto da Apóstola Milhomens estava clara a ruptura entre os líderes, como
também, na sua concepção havia uma motivação pessoal do apóstolo Terra Nova de
arrebanhar os líderes que aderiram à visão celular. Para Valnice o papel de divulgador
da estratégia colombiana que Terra Nova desempenhou no Brasil, lhe dava apenas o
23
Dados extraídos do site: http://www.visaog12.com.br/arquivos_lideres/l_valnice2.htm, data:
20.08.2005
77
direito de representante do apóstolo colombiano, e não, divulgar uma estratégia que não
lhe pertencia para o seu próprio proveito, um filho se rebelando contra o pai.
Nessa discussão é importante ressaltar todo trabalho de pesquisa para
conseguirmos notícias das fontes sobre a motivação da ruptura. Os periódicos não falam
sobre problemas do G12 e M12, eles divulgam o êxito das células e doutrinas das
principais lideranças no Brasil. Os livros impressos têm a mesma peculiaridade e a
solicitação para pesquisarmos nas atas das congregações, despertou desconfiança para
com a jovem estudante de mestrado, pois os pastores que pedimos permissão não
colaboraram em fornecer este material.
Apenas nas entrevistas e na carta eletrônica de Valnice Milhomens se comentou
rapidamente sobre a ruptura. E mesmo as entrevistas com as lideranças locais houve
quase que um pacto de silêncio sobre a motivação da ruptura, pois em geral o que se
falou diante da questão da ruptura é que ela trouxe prejuízos e divisões, não houve um
aprofundamento e algumas vezes sentimo-nos desconfortável de querer ter um
conhecimento que ninguém se mostrava confortável para fornecer. Trabalhar com a
ruptura foi difícil nesse sentido, confirmando os percalços da História Recente.
Porém, dificuldades à parte, tivemos que enfrentar este problema pois, o silêncio
também se mostrou revelador do mal-estar que a ruptura entre René Terra Nova e César
Castellanos suscitou nas lideranças envolvidas em todo o Brasil, e particularmente em
Feira de Santana, lócus da pesquisa.
Como foi exposto anteriormente, se em 2005 período da ruptura, a estratégia
das lideranças locais que continuaram sob a liderança do apóstolo René Terra Nova era
manter suas congregações longe das críticas dos liderados de Castellanos e de qualquer
notícia da ruptura, apresentando para isso o cisma com uma faceta de transição para o
Mover Celular do Fruto Fiel, aprofundando as pesquisas este ano, apesar de não se falar
a natureza da ruptura, exceto em uma entrevista e na carta eletrônica de Valnice, foi
possível uma visualização melhor dos desmembramentos da ruptura em Feira de
Santana. Certamente que a continuidade das investigações trarão novos elementos para
o entendimento do problema.
A apóstola Valnice Milhomens, se dirigiu ao apóstolo René Terra Nova,
transcrevendo o trecho em espanhol, a justificativa dele para a ruptura, este trecho em
espanhol foi escrito por Re para Castellanos e o seu grupo dos 12 no Brasil. A
apóstola relatou:
78
Você invocou na carta ao Pr. César dois motivos para romper com ele:
anular el ministério de los colegas (otros pastores que tuviesen entrado em la
Visión) y denominacionalizar, aun que diese outro nombre a las iglesias,
mas extinguir el minister de los pastores que fueron llamados por Dios y no
por nosotros Meu filho, você não acha que é uma grave acusação? Onde
estão os pastores cujos ministérios foram anulados pelo pastor César?
24
Eis a justificativa do apóstolo René Terra Nova para romper com Castellanos:
seu argumento foi que o líder colombiano queria montar uma denominação celular e
com isso anular o ministério dos pastores locais. Este trecho representa o que Valnice
Milhomens avaliou como um erro de interpretação do Apóstolo Terra Nova. Segundo
ela, o pedido de César foi que os pastores de São Paulo se unissem para formar uma
grande igreja celular que impactasse São Paulo, e que não tinha nada a ver com anular o
ministério dos pastores. O Apóstolo René Terra Nova temia ver sua liderança e poder
pessoal diminuídos?
Uma única entrevista com uma pastora de Feira de Santana, Simone de Araújo
Moura, que falava sobre transição no período do acontecimento, discorreu rapidamente
sobre o motivo da dissidência, diante da questão como a igreja recebeu o conflito de
René Terra Nova com César Castellanos, relatou:
Olha, eu acho que foi tranqüilo. Assim... para o meio evangélico o
referencial sempre foi o apostolo René, quando nós íamos para os
congressos, perguntavam: quem são os discípulos do apóstolo René? E uma
multidão se levantava, então nós não conhecíamos o pastor sar. É um
homem de Deus abençoado, mas é um homem que mora em outro país, é um
colombiano aqui que não tinha nenhum relacionamento conosco, o nosso
referencial era o apostolo René e o que fez o apostolo René se separar dele
foi porque ele não queria que virasse uma convenção, e quando as coisas
começaram a mudar ele então se separou por que ele acha que cada igreja é
livre para continuar ministrando segundo o que Deus lhe orienta, então
estamos na Visão Celular, mas ele não tem nenhuma interferência no que
fazemos dentro da igreja, é apenas uma cobertura espiritual e uma estratégia.
Eu acho que o meio evangélico absorveu bem, pelo menos a nossa igreja
absorveu muito bem, eles falaram, olha o nosso referencial é o apostolo
René, estamos com ele e vamos permanecer.
25
Diante da afirmativa da pastora que atualmente é a líder do M12 de Feira de
Santana, juntamente com o seu esposo o apóstolo Luciano de Almeida Moura,
percebemos que para algumas lideranças locais foram muito mais fortes e importantes
as suas relações de confiança, amizade, respeito, honra com o líder mais próximo, o
24
Idem.
25
Entrevista concedida à autora em 10.06.2008 no município de Feira de Santana.
79
apóstolo René Terra Nova que além de líder em Manaus começou o seu ministério na
Igreja Batista Memorial de Feira de Santana, o qual foi uma das referências dos batistas
tradicionais na cidade, além de ser uma igreja de grande visibilidade para a cidade de
Feira de Santana.
A motivação da ruptura não apareceu na sua fala como uma heresia, a qual está
implícita e explícita nos discursos dos liderados de Castellanos. Na sua fala apareceu
mais uma defesa patrimonial e ministerial dos pastores que atuavam localmente, do que
uma ruptura de grandes proporções e prejuízos para o G12. De fato, a liderança
reconhecida pelos feirenses era a de René Terra Nova.
Na entrevista com o esposo da pastora Simone, o Apóstolo Luciano, diante da
mesma questão, ele respondeu o seguinte e destacamos a parte em negrito:
é uma boa pergunta (risos).... A visão aqui na igreja ela sempre cresceu em
aliança, o respeito, o crédito que eu tenho com a igreja e que a igreja tem
comigo..., então quando nós entramos na Visão a Igreja entendeu que era de
Deus, então a Aliança da Igreja sempre foi comigo e com minha esposa.
Então..., o que acontece em outra instância não toca a Igreja, por exemplo a
igreja ela não é tocada com ruptura do apóstolo César Castellanos e René,
do apóstolo César com os seus 12 internos e externos, nem o pouco com o
David Yonggi Cho da Coréia. Isso não nos toca, por que nós aprendemos
que a ...o profetismo es acima do profeta. A profecia está acima do
homem. Quando Elias ora pela chuva, a nuvem não vem da cabeça de Elias,
ela vem de cima do mar, bem longe do profeta. O que Deus está deixando
claro para gente é que os movimentos do Espírito não estão no Homem estão
no Espírito, os homens falham, Deus permanece para sempre... essa igreja
ela tem um Deus e esse Deus me deu a graça de pastorear essa igreja que de
todas que eu conheço essa é a melhor. Então a Igreja não teve impacto,
por que em nenhum momento deixamos isso tocar a igreja, tanto é que
a minha equipe veio saber três meses depois por que alguém fez a
colocação. Por mim não saberia.
26
Queremos destacar que esse casal de pastores, atualmente forma a liderança do
M12 de Feira de Santana e do estado de Pernambuco. Vale Ressaltar que o M12
fundado pelo apóstolo René Terra Nova em março de 2005 é uma equipe de pastores
organizados em nível estadual, cobrindo todo o território nacional, apenas a Bahia,
possui três equipes, um M12 de Feira de Santana, um em Salvador e o da Bahia. Esta
26
Entrevista concedida à autora em 11.06.2008 no município de Feira de Santana. O Apóstolo Luciano de
Almeida Moura, presidente do Ministério Internacional de Adoração a Deus, antiga Primeira Igreja
Batista do Feira IX e é doutorando em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Norte em Recife.
Fez vários cursos de psicanálise e atuou como professor de nível superior em muitos estabelecimentos de
ensino. Pelo esquecimento da autora, não tenho precisão para afirmar a sua idade, que é menor do que 40
anos.
80
equipe se reúne semanalmente para orar, compartilhar experiências, traçar estratégias
para conquistar a cidade e o Estado em que atuam.
Na entrevista com a pastora Simone Moura, ela relatou que o conjunto de
pastores que formaram o M12 de Feira de Santana sob a liderança de René Terra Nova
foram: apóstolo Luciano e esposa, o pastor Ribeiro e esposa, pastor Clécio Rabelo e
esposa, pastor Joá e esposa, pastor Antônio Magalhães e esposa, pastor Nailton e
esposa e pastor Cláudio e esposa. Vale ressaltar que cada um deles têm o seu próprio
M12 local. (MOURA, Feira de Santana, 10.06.2008).
Se na fase de implantação do G12 em Feira de Santana entre os anos de 2000 e
2002, através do apóstolo René Terra Nova, houve uma grande adesão de variados
grupos protestantes, na ocasião da ruptura em 2005, muitas congregações desistiram da
metodologia do G12. Esse foi o caso do Ministério Aliança com Deus no bairro João
Paulo II, do pastor Augusto Barreto
27
, a Igreja Batista Memorial na Cidade Nova, do
Bispo Manoel Pedro Souza, entre outras. Temos que destacar que estas são grandes
igrejas na cidade que tem mais de quinhentos membros e que fizeram parte do grupo de
René Terra Nova no período anterior ao cisma.
César Castellanos, na ocasião da implantação, tinha outro grupo de pastores que
era liderado pelo pastor João Batista da Igreja Batista Missionária no Bairro Brasília,
que também formou o seu governo de 12 com grandes igrejas na cidade. o governo
dos 12 de sar Castellanos, praticamente não sobreviveu à ruptura com Re Terra
Nova. Em constantes pesquisas, encontrei a referência ao pastor Nils e sua esposa
Fernanda da Comunidade Videira e uma congregação no bairro Pilão que ainda estão
vinculados a César Castellanos, indiretamente, através da INSEJEC de Valnice
Milhomens, essa comunidade é dirigida pela pastora Mariângela.
Analisando estas adesões e desistências no aspecto da proporção, o episódio da
ruptura causou mais prejuízos a imagem de sar Castellanos do que a de René Terra
Nova. Entendendo esta disputa como legitimamente pelo poder religioso, como lutas de
representação, nas palavras de Chartier, evidenciamos que as relações de aproximação,
amizade e consolidação que o apóstolo René Terra Nova construiu com as lideranças
27
O senhor Augusto Barretotêm 42 anos, fundou o Ministério Aliança com Deus em 2001,
juntamente com a sua esposa a professora e pastora Marivone Barreto Sá. Provenientes de uma
tradicional Igreja na cidade, a Igreja Batista Missionária, conheceram o Apostolo René Terra Nova em
2002, do qual se tornaram membros do seu G12 em Feira de Santana. Esta congregação, atualmente têm
1000 membros divididos em quatro congregações na cidade.
81
feirenses, no momento da crise favoreceram sua imagem e a posterior consolidação do
M12 em Feira de Santana.
A eficácia do discurso de Renê Terra Nova em Feira de Santana se constituiu
por ter sobrevivido à turbulência que a sua ruptura causou na mentalidade das
comunidades que aderiram ao G12 e posteriormente ao M12. Queremos destacar que a
turbulência da qual falamos foi, sobretudo, uma crise na liderança pastoral da cidade
que tiveram que contornar de alguma forma a ruptura, seja saindo do Governo dos 12,
ou criando estratégias para lidar com o problema.
O cisma entre René Terra Nova e César Castellanos significou para além das
disputas pelo poder religioso e sacerdotal, também a criação de um método de expansão
de igrejas genuinamente brasileiro e “baiano”, dizemos baiano por sua naturalidade de
uma cidade do interior da Bahia, Serrinha. Ainda que as raízes do novo M12, tiveram na
Colômbia a origem de suas novas práticas de gestão sistemática e empresarial das
células através do governo dos 12, o M12 trouxe algumas peculiaridades em relação ao
modelo colombiano, porque a circulação da mensagem religiosa implica
necessariamente em uma reinterpretação que pode ser operada de forma consciente
por especialistas.(BOURDIEU, 2005, p.51)
Essas peculiaridades têm relação com as práticas de liderança do apóstolo Re
Terra Nova no seu ministério em Manaus. Uma delas é a peregrinação à Jerusalém que
o mesmo organiza anualmente para levar pastores e líderes do Brasil com o objetivo de
revitalizar práticas veterotestamentárias, uma espécie de novo movimento de cristãos
sionistas. Convém ressaltar que o ato de peregrinar, faz parte da religiosidade popular
brasileira, este empreendimento turístico foi uma reelaboração da tradição judaica do
Antigo Testamento em interface com aspectos empresariais e turísticos próprios da
atualidade. Foi uma forma de identificação de práticas protestantes que surgiram
historicamente no século XVI, com práticas das origens da civilização hebraica de mais
de três mil anos atrás em pleno século XXI, promovendo um resgate do mito fundante
no mundo judaico para a religiosidade protestante.
Os estudantes de graduação em História que participavam do CPR(Centro de
Pesquisas da Religião) em 2002, Undira Cunha e Igor Trabuco, fizeram uma entrevista
com René Terra Nova, na ocasião em que ele recebeu o título de cidadão feirense, na
qual ele relatou sobre as práticas judaizantes que implementou ao G12 colombiano e no
futuro M12:
82
Não no G12 oriundo de Bogotá, o Gl2 de Bogotá é apenas estratégico ,
porém o G12 que o Brasil absorveu, que partiu de Manaus na Amazônia, por
intermédio do Ministério Internacional da Restauração do qual eu sou
pastor, nós temos um amor declarado a lsrael e por causa desse amor
declarado a Israel a gente celebra as festas bíblicas de Jerusalém, e as
nossas igrejas são ornadas com motivos de Jerusalém, como bandeiras,
menoráh, as danças de Israel com as músicas hebraicas, e tem assim um
sinal de resgate das festas hebraicas, no entanto o é um movimento
judaizante dentro da igreja. Nós temos uma visão de Jerusalém de provar, e
abençoar Israel, que nós viemos de lá, nós viemos de Jerusalém, a nossa
linha é toda de Jerusalém , José era judeu, Maria era Judia, Jesus era judeu,
os apóstolos eram judeus, a igreja nasceu na Judéia, e pelo movimento
durante os séculos a igreja foi perdendo as raízes hebraicas, a igreja em
Manaus cuja estou a nove anos envolvida com a visão de Jerusalém , indo
muito à Israel, fomos quinze vezes à Israel, então nós trouxemos a visão de
Jerusalém. E as pessoas no Brasil que tem esse amor declarado por Israel,
adotaram também estes motivos das festas hebraicas, das danças hebraicas
como vai acontecer hoje... para dar uma graça maior, uma alegria maior, um
júbilo maior, é um resgate segundo está lá, em Zacarias l4, e em Amós 9 que
é a festa do Senhor sendo restaurada, como também o tabernáculo de Davi
que está sendo restaurado, e urna das formas de fazer restaurar o tabernáculo
de Davi o as danças, o louvor, a adoração, o quebrantamento, e isso faz
parte do tabernáculo de Davi, está lá em Amós, Cap9:11-20.
28
Este aspecto de peregrinação à Jerusalém, não é apenas um empreendimento
turístico. Ele tem também uma simbologia de volta às origens espirituais hebraicas,
marcando o que César Castellanos, René Terra Nova e Valnice Milhomens, chamam de
“sair de Roma e ir para Jerusalém”. Esta frase sair de Roma e voltar para Jerusalém é o
que caracteriza a disputa por legitimidade no campo religioso brasileiro, pois significa
uma ruptura final com as heranças religiosas do catolicismo, o qual se organizou e se
constituiu o Estado do Vaticano dentro de Roma ao mesmo tempo em que prega o
retorno as origens da religião hebraica. O uso de símbolos da liturgia religiosa hebraica
como o menorah, a arca da aliança, o ministério levítico, o azeite, o trigo, o shofar e a
bandeira de Israel, são práticas e símbolos que buscam denotar e conotar legitimidade às
suas práticas, buscando nas origens e profecias do Antigo Testamento uma legitimidade
religiosa para suas inovações religiosas.
28
Entrevista concedida aos então estudantes do CPR (Centro de Pesquisas da Religião) da UEFS Undira
Cunha e Igor Trabuco em 02.10.2002 na ocasião em que René Terra Nova recebeu o título de Cidadão
Feirense.
83
Figura 6: Fotografia da representação da arca da aliança do antigo testamento da
antiga Igreja Batista Memorial.
Figura 7: Fotografia do altar e do púlpito da antiga Igreja Batista Memorial.
Além de símbolos e práticas um retorno da própria língua hebraica. Com isso
não quero dizer que nessas comunidades se fala hebraico, mas o uso de termos
hebraicos como Shalon, Jireh, Shamah, El Shaddai denotam uma identificação entre a
84
igreja que pretende se desligar completamente, combatendo a referência católica
romana, alicerçando-se na transfiguração de práticas judaicas antigas nas comunidades
da contemporaneidade.
Tais práticas judaizantes já ocorreram em outros momentos da trajetória do
protestantismo. Num texto de Nigel Smith, sobre os usos do hebraico na Revolução
Inglesa do século XVII, afirmou:
O estudo do hebraico, e a incorporação da língua hebraica na fala e na
escrita, tornou-se uma questão política, na qual diferentes grupos,
concorrentes ou opostos, e indivíduos brigavam pela interpretação das
verdades divinas, pela forma como eram manifestadas em hebraico e como
poderiam ser ditas ou impressas nas trocas discursivas públicas na condição
de inglês hebraizado...o que podemos perceber é um processo dinâmico no
qual a difusão “descendente” de uma língua antiga fez com que ocorressem
novas versões e aplicações do vernáculo. Em uma época na qual, as formas
vigentes de autoridade política e religiosa haviam sido desestabilizadas, e
em alguns casos, removidas, a assimilação do hebraico pelos leigos era uma
forma destes se estabelecerem com segurança no projeto divino. (SMITH,
1993: 76)
Além da significação política e religiosa do uso de termos hebraicos, queremos
enfatizar a apologia à ritualística das festas judaícas, como o purim, a festa das primícias
e a festa dos tabernáculos, que são celebrações que fazem parte do calendário festivo na
Congregação do apóstolo René Terra Nova que atualmente m aproximadamente
60.000 discípulos em Manaus. No caso da festa dos tabernáculos a celebração acontece
em Jerusalém, juntamente com Judeus e cidadãos israelitas. Nossa avaliação é que a
inserção de práticas judaizantes, m o objetivo de apresentar uma igreja glorificada,
herdeira das promessas dos israelitas, através de Jesus Cristo, alinhando práticas cristãs
às práticas veterotestamentárias de raízes hebraicas, além de uma certa legitimação que
a comunidade segue as verdades bíblicas, compensando as fissuras anteriores com
respaldo bíblico.
O projeto de decreto legislativo da autoria do então vereador Jorge Raimundo de
Oliveira Silva trazia a seguinte justificativa:
O nosso homenageado, René de Araújo Terra Nova, é pessoa que se
identifica com nossa cidade, tendo-se destacado como líder evangélico,
estando hoje levando o nome de Feira de Santana a todo Brasil e também a
outros países, e foi reconhecido como o primeiro apóstolo do Brasil do
85
Ministério Internacional da Restauração, que tem sua sede em Manaus
(AM).
29
Esta síntese reelaborada por René Terra Nova entre práticas dos grupos
históricos, numa leitura neopentecostal, acrescentando a criação do pastor colombiano
com uma nova proposta de práticas veterotestamentárias e exacerbação na pregação,
teve eficácia entre as lideranças de Feira de Santana, contribuindo para sua
desvinculação com a imagem de César Castellanos, um estrangeiro e o conseqüente
prestígio de René Terra Nova e sua ligação com a sociedade feirense, inclusive nos
espaços políticos o que se pode constatar com o Decreto Legislativo 27/2002 que lhe
outorgou o título de Cidadão Feirense em 27 de agosto de 2002. No art.1 desse Decreto
Legislativo consta o seguinte extrato: Fica concedido o título de Cidadão Feirense ao
Senhor René de Araújo Terra Nova.
PODER E LIDERANÇA ENTRE OS EVANGÉLICOS FEIRENSES
Pretendemos neste espaço fazer uma discussão teórica acerca dos sacerdotes e
profetas do G12, e suas funções de distinção no sistema simbólico religioso. Objetiva-se
compreender como estes papéis se construíram e possibilitaram empreender modelos
diferenciados de metodologia eclesiástica, embora pertençam a uma mesma matriz
metodológica, o G12 colombiano.
As relações de transação que se estabelecem, com base em interesses
diferentes, entre os especialistas e os leigos, e as relações de concorrência
que opõem os diferentes especialistas no interior do campo religioso,
constituem o princípio da dinâmica do campo religioso e também das
transformações da ideologia religiosa. (BOURDIEU, 2005: 50)
Nesta citação Bourdieu, está tratando dos aspectos que configuram a dinâmica
do campo religioso. A concorrência entre os especialistas, os sacerdotes, a importância e
as relações que os leigos desenvolvem dentro do campo religioso. Com isso queremos
enfatizar a discussão centrada nas lideranças do G12 e o posterior M12.
29
Projeto de Decreto Legislativo nº13/2002 da Câmara Municipal de Feira de Santana. No conteúdo do
Projeto de Decreto ainda consta uma biografia do homenageado, seu currículo assinado e a justificativa
do Edil.
86
Para explicar nos termos de Bourdieu, o corpo de agentes especialistas, os
sacerdotes, possuem a legitimidade de manipulação dos bens de salvação. Mas essa
legitimidade surge da divisão do trabalho religioso que têm estreita vinculação com as
transformações sociais e econômicas do campo social e a desapropriação do capital
simbólico dos leigos. Esta divisão do trabalho religioso no caso do G12 e M12 foi
discutida nos itens anteriores. Devido a concorrência no campo religioso pelo
monopólio da gestão dos bens de salvação, surge a necessidade do aparecimento de um
aparelho de tipo burocrático, a instituição.
Enfatizamos esta discussão teórica para negar o G12 como denominação. O
movimento G12 é uma prática metodológica usada por algumas denominações
protestantes. Devido à eficácia de expansão demográfica e política possibilitada pelo
G12 na Colômbia, esta prática se institucionalizou como mensagem religiosa patenteada
pelos pastores César e Claúdia Castellanos, seus fundadores.
A expansão internacional demandava uma organização sacerdotal e institucional
similar à organização colombiana. Entre os anos de 1998 e 2000 se constituiu a gestão
sacerdotal do G12 no Brasil, dos quais os líderes de maior visibilidade foram o
Apóstolo René Terra Nova, a Apóstola Valnice Milhomens, o Apóstolo Márcio Valadão
e o Apóstolo Sinomar Oliveira. Vale ressaltar que estes líderes haviam conseguido
consolidar e expandir as suas congregações, eles não nasceram na vigência do G12.
Estes líderes tinham legitimidade de representar a mensagem de César Castellanos, pois
juntamente com ele formavam o corpo de agentes especializados no campo religioso
brasileiro.
No início das relações entre René Terra Nova e Castellanos, o pastor brasileiro
não se encaixa perfeitamente na acepção de profeta, de Bourdieu, isso se relaciona com
as velhas discussões entre o que é a teoria e o que o exercício da pesquisa revela sobre o
objeto. Porém, o aspecto da profecia e o carisma serem a ideologia profissional do
profeta que discorda do discurso institucional, almejando e competindo com ele na
tentativa de se tornar instituição, é compatível com a função de René Terra Nova na
ocasião da ruptura. Terra Nova representava o discurso institucional, porém por
divergências administrativas, desempenhou o papel de profeta e obteve eficácia pela sua
persuasão e carisma na membrezia neopentecostal feirense.
Uma questão instigante é como os sacerdotes do G12 ressignificaram a estrutura
eclesiástica dos protestantes históricos. Títulos como bispo e apóstolo para essas
lideranças promovem uma ruptura com o modelo de gestão congregacional e as
87
assembléias de membros, vigentes em muitos grupos protestantes na
contemporaneidade.
Elizete da Silva, na sua tese de doutoramento que versa sobre Anglicanos e
Batistas na Bahia no final do século XIX a meados do século XX, discute a
organização eclesiástica desses dois grupos relacionando à sua conjuntura política de
origem, diferenciando-os. Os anglicanos com estrutura eclesial de hierarquia episcopal e
centralizadora na figura do bispo e os batistas com o governo congregacional,
conhecido como a democracia batista.
Nas palavras de Silva, A figura central, espinha dorsal do anglicanismo, é o
bispo, o qual além de exercer funções administrativas, exerce funções pastorais e
espirituais em sua diocese” (SILVA, 1998: 101). Esta centralização segundo a autora
mostrava uma identificação e similaridade à monarquia inglesa.
Já os batistas apresentavam um modelo eclesial enfaticamente diferenciado,
baseado na assembléia de membros para tomarem as decisões em nível local. Neste
modelo o pastor é líder para pregar no púlpito e os diáconos líder das atividades
administrativas e sociais da congregação. Com uma estrutura congregacional
autônoma e livre de quaisquer instâncias superiores, sínodos, concílios ou presbitérios,
os batistas diziam viver uma plena independência.”(SILVA, 1998: 102)
Quando discutimos títulos religiosos entre os sacerdotes, como apóstolo e bispo
que se encontra diluído por todo o texto, é notória a descontinuidade das práticas de
organização eclesial dos protestantes que aderiram ao G12. Foi realmente um dado novo
na hierarquia eclesial protestante, tendo em vista que os líderes que são citados neste
capítulo, todos eles têm uma vinculação de origem com grupos batistas tradicionais
ainda que entre os anos 2000 e 2002, tenham sido excluídos da Convenção Batista
Baiana e Brasileira pela adesão ao G12.
Além de promover uma ruptura com modelo de hierarquia eclesial tradicional,
estes títulos promoveram uma retomada da hierarquia apostólica do Novo Testamento.
Segundo o relato bíblico, Jesus escolheu e discipulou durante três anos 12 apóstolos que
fizeram expandir a doutrina da salvação no início da era cristã. Além dessa releitura do
ministério apostólico, enfatizamos que essas designações hierárquicas contribuíram para
o poder pessoal desses líderes que se distinguiram dos outros pelo ministério/ cargo que
ocuparam.
Além da ordenação hierárquica como marca distintiva entre essas lideranças,
objetiva-se discutir o significado do ministério apostólico. Os ministérios relatados na
88
Bíblia são pastoral, encarregado do ensino da Palavra, o mestre, ou diáconos para
integrar a comunidade, o evangelista para curar, o profético para libertar e o apostólico
para evangelizar. Porém o apóstolo transita entre todos esses ministérios o que lhe
confere mais autoridade e poder simbólico distintivo. E isso se reproduz no G12,
centralizando o poder simbólico entre as suas lideranças.
Em 2001 o líder protestante René Terra Nova foi consagrado apóstolo das
nações da terra. Nesse período já era notória a expansão da congregação que pastoreava
em Manaus e tinha o reconhecimento da sua importância para a implantação da Visão
Celular no Modelo dos 12.
DE FEIRA DE SANTANA À FEIRA DE JESUS
Neste item pretende-se realizar uma análise das representações construídas sobre
René Terra Nova entre os grupos protestantes em Feira de Santana. Para isso
investigaremos nas fontes orais e no Jornal Feira de Jesus as palavras que estes textos
usam para fazer referência ao apóstolo em questão, para compreender e avaliar se estas
imagens positivas ou negativas, correspondem à adesão de muitas comunidades ao G12
e posteriormente ao M12 na cidade.
O jornal Feira de Jesus circulou na cidade entre os anos 1994 e 1996. No seu
nome e nas suas reportagens uma referência para mudança de nome de Feira de
Santana, referência ao none católico Senhora Santana que não é aceita pelos
protestantes, pois é considerada idolatria, para Feira de Jesus, a segunda pessoa da
Santíssima Trindade, englobando a matriz protestante. Este jornal é peculiar pois
demonstrava a mentalidade do ambiente evangélico no período anterior à implantação
do G12 por René Terra Nova.
O empreendimento jornalístico destinado a evangélicos denotava uma franca
expansão dos evangélicos em Feira de Santana e como esse expansionismo tinha
também um caráter político. Na análise de cinco edições deste periódico os temas
recorrentes eram a divulgação de congressos pentecostais e neopentecostais, geralmente
com a temática da batalha espiritual, textos das grandes lideranças de Feira de Santana,
entrevistas com políticos que se aproximaram desses religiosos evangélicos que
concorreram ao pleito eleitoral, representando os protestantes em Feira de Santana.
89
O termo Feira de Jesus não foi apenas um nome que designava um anseio
evangélico de mudança do “padroeiro” da cidade, porém um projeto político de
expansão, visibilidade social e política na qual o catolicismo, religiosidade tradicional
em Feira e no Brasil, estava perdendo o seu espaço na sociedade feirense. Este jornal
representava a concorrência dos agentes especializados evangélicos pelo monopólio da
legitimidade religiosa no campo religioso feirense.
Na edição de setembro de 1995, este periódico registrou a presença do então
pastor René Terra Nova que pastoreava em Manaus e na ocasião a sua comunidade
era uma grande congregação para a realidade das congregações evangélicas no Brasil, a
qual possuía mais de 3000 membros e se encontrava em franco crescimento. Este
texto do jornal desenvolveu temáticas preponderantes referentes à organização
neopentecostal.
A primeira temática positiva foi o seu ministério profético para o Brasil, um
homem que pode liderar a restauração do Brasil no exercício de sua visão religiosa.
Como referência a este aspecto encontramos os seguintes extratos:
Com palavra de revelação-Rhema- com conhecimento e sabedoria, o pastor
René declarou que a Igreja do Senhor Jesus é para ter poder. Para ele é
fundamental ter atenção para “entender o que Deus está falando. Esta
geração precisa ouvir Jesus, para que os sinais e prodígios aconteçam”.
Segundo o pastor um milhão de luzeiros oram pelo Plano Real, pela
restauração do Brasil.
Suas belíssimas boas novas serão ouvidas atentamente pelos que buscam o
fogo do avivamento
30
A temática negativa de uma demonstração pública de repúdio ao seu ministério,
e à sua referência é uma amostragem das representações negativas construídas sobre
René Terra Nova, por que na nossa concepção este líder desencadeou sentimentos
radicais e opostos por ser um líder polêmico. No episódio da sua chegada a Manaus
relatou o Jornal: Ele revelou que “todo bom ministério começa no deserto.” Quando
aportou em Manaus, o pastor foi chamado de “falso profeta,” 50 out-doors declararam
isso nas ruas
31
.
Esta díade bem/ mal, no caso analisado profeta e falso profeta representa um
aspecto singular do cristianismo que têm nessa dualidade de imagens a eficácia de sua
30
Feira de Jesus. Ano II, n°16, Setembro de 2005, p.7.
31
Ibidem.
90
mensagem religiosa, simbolizada pelas representações de Deus x diabo e salvação x
danação, típicas do universo neopentecostal.
Nas entrevistas em Feira de Santana vislumbramos a ocorrência das mesmas
imagens proféticas, com um acréscimo. Quando os informantes foram impelidos a falar
sobre o que eles achavam de René Terra Nova, as palavras alterações, distorções,
adaptações, saltaram aos olhos pelos aspectos negativos e positivos encontrados nos
seus discursos. Essa discussão é relevante por que tais imagens m uma vinculação
direta com o seu poder simbólico exercido entre os pastores e leigos da cidade. As
palavras do Bispo Manoel Pedro Souza, relataram estes dois aspectos de negatividade e
positividade, em entrevista:
O G12 entrou no Brasil através do pastor René, da apóstola Valnice e no
Brasil devido a algumas adaptações , embora tenha crescido bastante, mas
sofreu algumas restrições; por causa destas alterações, certo, não foi
implantado exatamente como funciona na Colômbia, então tivemos
problemas e resultou, especialmente depois do rompimento do Apóstolo
René com o César Castellanos, isso desencadeou uma série de dificuldades
no Brasil.
32
Na entrevista com o Bispo Manoel Pedro, podemos identificar duas
características para René Terra Nova. Na implantação do G12 no Brasil, as
modificações implementadas por ele ao G12 colombiano, na ocasião da ruptura, tiveram
um aspecto negativo o que gerou desistências de muitos grupos, na sua concepção foi
uma falha ministerial. Embora na sua concepção o apóstolo tenha cometido um erro
prejudicial ao Reino de Deus, as suas características morais são mais acentuadas o que
na fala de todos os informantes foi mais alongada e pareciam uma repetição involuntária
do modelo familiar que o apóstolo representou para os evangélicos em Feira de Santana.
René é filho de Memorial, da nossa igreja. É uma pessoa impressionante, um homem de
Deus, tem uma palavra realmente tremenda da parte de Deus, é uma vida cujo caráter,
moral familiar, pastoral ninguém tem nada a acusá-lo.
33
Nesta citação pode-se vislumbrar temáticas preponderantes: a moral familiar, o
ministério profético, e algo menos sintomático que é quando se fala rapidamente que o
apóstolo tem os seus defeitos, mas que são compensados pelos frutos. Quando o Bispo
Manoel Pedro fala em compensação pelos frutos está se reportando às palavras de Jesus
32
Entrevista concedida à autora pelo Bispo Manoel Pedro Souza em 05.06.2008 no município de Feira de
Santana.
33
Entrevista concedida à autora em 05.06.2008 no município de Feira de Santana.
91
sobre como conhecer os falsos profetas, e toma como referência o texto que “toda
árvore boa produz bons frutos e toda árvore produz maus frutos”. Os frutos que o
apóstolo René tem para mostrar é uma das igrejas mais prósperas do Brasil que têm
mais de 60.000 discípulos na sede em Manaus. O Bispo Manoel Pedro, continuou o seu
discurso:
...O seu jeito, sua ousadia, sua intrepidez é realmente algo fantástico! É
realmente difícil encontrar um ser humano que faça o que o apóstolo Re
está fazendo hoje, um homem que viaja o mundo inteiro, deu muitas
voltas em torno da terra pregando toda semana, todo dia, durante três quatro
horas, duas, três vezes por dia, seus cultos normalmente terminam depois de
meia noite, é um homem incansável, tem os seu defeitos, é claro, todos nós
temos, mas as virtudes e os frutos justificam qualquer fraqueza, e a mão de
Deus na vida dele, a presença de Deus..., eu amo o apóstolo René é uma
benção para minha vida, é um homem que tem crescido muito, que tem
prosperado muito e tem feito muita gente prosperar, eu poderia citar muitos
casos da ação benéfica, social de René eu já fui a Israel com minha esposa
ele pagou todas as despesas, a Manaus, já levou muita gente que eu conheço,
certo, o apóstolo René. Eu estava em crise numa certa ocasião, e eu tinha
falado com Deus, com Deus sobre um compromisso financeiro, falei
com Deus, nessa ocasião ele pregou aqui na igreja, então ele pediu
permissão à igreja lenvantar uma segunda oferta, a Igreja disse pode, e
tinhamos na ocasião lideranças de muitas igrejas e foi uma boa oferta, no
final ele disse: posso administrar esta oferta? a igreja disse, sim, ele falou,
esta oferta vai para o pastor Manoel Pedro de Sousa, então é uma pessoa que
tem revelação de Deus. É um profeta, É um profeta!
34
Pierre Bourdieu ao analisar o poder carismático e persuasivo dos profetas na
dinâmica do campo religioso, discute este poder de interpretar a sociedade por uma via
religiosa peculiar e a capacidade de persuadir a sua ambiência social através da
dialética da experiência íntima e da imagem social, circulação quase mágica de
poderes no curso do qual o grupo produz e projeta o poder simbólico que será exercido
sobre ele.”(BOURDIEU, 2005: 55) Este poder será reconhecido como poder profético
pelo grupo social, na medida em que a crença privada no profeta se torna a como
crença reconhecida. Em suas palavras:
É no espaço desta lógica que se faz necessário colocar a questão das
condições do êxito do profeta, situado precisamente na fronteira incerta do
anormal e do extraordinário, e cujas condutas excêntricas e estranhas podem
ser admiradas como fora do comum ou desprezadas como desprovidas de
senso comum. (BOURDIEU, 2005: 56)
Queremos ressaltar sobre René Terra Nova que o seu poder carismático o é
originário da sua natureza individual, mas este agente religioso se construiu socialmente
34
Idem.
92
com disposição a sentir e a expressar com uma força e uma coerência particulares certas
disposições políticas e éticas. O poder de mobilização de grupos de indivíduos que se
reconhecem na linguagem profética, a eficácia de sua profecia se realizou através da
demanda religiosa e sua condição de existência são as situações de crise, conforme
Bourdieu:
Em resumo, o profeta não é tanto o homem “extraordinário” de que falava
Weber, mas o homem das situações extraordinárias, a respeito das quais os
guardiões da ordem pública o têm nada a dizer, pois a única linguagem de
que dispõem para pensa-las é a do exorcismo.(BOURDIEU, p.75)
A característica de homem extraordinário em situações extraordinárias, da qual
Bourdieu discute se alinha com os depoimentos das lideranças evangélicas de Feira de
Santana. Estas mesmas características podem ser vislumbradas na perspectiva do
apóstolo Luciano de Almeida Moura, na mesma proporcionalidade, comentou na
entrevista:
Eu o conheço há oito anos, oito anos e meio, eu o conheci entrando na
Visão. Quando ele estava entrando na Visão eu o conheci como amigo,
amigo íntimo, um pai de família dedicado, uma referência de pai de família,
para mim hoje no Brasil uma referência de destemor, um homem destemido,
um homem aguerrido, ele tem projetos, tem sonhos, tem uma equipe
maravilhosa que o ajuda a cumprir, um excelente marido tem seus defeitos
de homem, mas eu consigo ver os acertos desse homem, a glória e os
tesouros de Deus em vasos de barro, que são os homens. O apostolo René
sem vida alguma ele tem uma tocha de avivamento que ele levando
para o Brasil, leva para o Brasil e leva para as outras nações... Para mim é
uma referência de homem que venceu, a nível de pastorado, quero que Deus
me a graça de chegar lá, também, por que é uma referência de alguém
que tentou e venceu.
35
(MOURA, Feira de Santana, 11.06.2008)
Os exorcismos, as revelações, as curas, e a sua unção profética, são palavras
usadas pelas lideranças em alusão às práticas neopentecostais do apóstolo René Terra
Nova. São muitos os testemunhos que ele executou e ainda realiza estas práticas, na
qual observamos no final de suas pregações em congressos. A chamada unção profética
liberada por ele acontece ao final das reuniões onde ele convida a todos os participantes
para orarem na frente do púlpito e em pé. Em seguida ele começa a orar em línguas
estranhas e num determinado momento ele começa a falar “receba o milagre de Deus,
receba a unção na sua vida,” em voz alta e eloqüente. A partir daí a maior parte das
pessoas começam a cair no chão em êxtase religioso, sem a imposição de mãos,
35
Entrevista com o pastor Luciano de Almeida Moura concedida à autora em 11.06.2008 no município de
Feira de Santana.
93
começam a exercer os dons do Espírito Santo como dançar em espírito, pular,
profetizar, acontecem muitos exorcismos, curas e pessoas falando em línguas estranhas,
um verdadeiro avivamento glossolálico!
Foi um cenário que a primeira vista, na ocasião recém convertida, nos despertou
temor, por que o exercício dos dons do Espírito Santo não são adequados à
racionalidade dos protestantes históricos, onde o se pode nem bater palmas e tão
pouco esquecer a racionalidade humana
36
. O fato é que essas práticas e representações
de René Terra Nova, deram eficácia à sua mensagem religiosa, ocasionando a expansão
do seu ministério e adesão às suas inovações religiosas, que passavam pelo crivo
pentecostalizante.
Com relação à adesão em Feira de Santana e a posterior continuidade com a
nova proposta metodológica de expansão de igrejas M12 de René Terra Nova,
entendemos que a sua vinculação com as lideranças evangélicas da cidade, m relação
direta com a visão da pastora Simone Moura:
O apóstolo René Terra Nova é um homem de Deus, é um homem santo e o
que nos apaixonou nele é o modelo que ele tem de família de discipulado, de
homem corajoso e decidido. Ele é um profeta para as nações! Quando nós
nos conhecemos ele profetizou que Deus nos daria um ministério novo aqui
em Feira e que a prova seria um filho. Nós estávamos para sair de Feira para
pastorearmos uma igreja em Salvador e ele falou que vocês terão um
ministério novo em Feira IX e a prova será um filho. E hoje nós temos a
nossa filha com sete anos e meio de idade, fruto de uma profecia daquele
homem. Temos visto Deus operar milagres através da vida dele, é um
homem simples, mas um homem muito ousado na palavra, um homem
muito amoroso e que consolida os seus discípulos. Então assim em todo
momento ele tem sempre estado conosco, nos momentos bons e nos
momentos de necessidade, ele tem sido um amigo, um pai, um discipulador,
um homem de Deus
37
.
As lideranças protestantes de Feira de Santana estiveram muito atreladas às
profecias do Apóstolo Terra Nova como também desenvolveram relações de
proximidade e amizade com o líder consagrado em Manaus. Estas representações sobre
René Terra Nova como o “profeta feirense” favoreceram a eficácia de sua mensagem
religiosa na cidade, a montagem do seu M12 e o relativo ostracismo de César
Castellanos em relação à ambiência protestante em Feira de Santana.
36
Estes relatos foram observados em congressos e cultos que participamos no período da pesquisa.
37
Entrevista com a pastora Simone de Araújo Moura concedida à autora em 10.06.2008 no município de
Feira de Santana.
94
CAPÍTULO 3
MERCADO E RELIGIÃO: A SOCIEDADE DOS FINS DO SÉCULO XX E XXI
Para os historiadores dos sistemas religiosos não é possível pensar em formas de
religião ou religiosidade fora do seu contexto político e social. Por isso refletir sobre a
sociedade durante as últimas cadas do século XX é relevante para entendermos as
inovações em termos de práticas religiosas, sociais e políticas propostas pelo
movimento G12, na contemporaneidade, vislumbrando alguns nexos que articulam
dialeticamente o campo religioso e o campo das relações sociais.
Em se tratando da economia e política mundiais as duas últimas décadas do
século XX foram fundamentais para a implantação da doutrina neoliberal no ocidente
capitalista desenvolvido e a sua posterior transplantação para países da América Latina,
seguindo-se pela adesão de alguns países da antiga União Soviética. Perry Anderson
afirma que a doutrina neoliberal encontrou espaço para a sua prática nos mais
diferenciados contextos político-econômicos, embora as suas origens remontem às
regiões de capitalismo desenvolvido do pós Segunda Guerra mundial. (ANDERSON,
1995:9-23)
Embora o neoliberalismo apresente nuances diferenciadas em cada Estado-
Nação que é implantado, pode-se generalizar que sua doutrina principal é limitar a ação
do Estado nos mecanismos de mercado. Essa iniciativa não foi bem vinda no período,
tendo em vista que as décadas de 50 e 60, o Estado de bem-estar social estava em pleno
desenvolvimento e alcançava as demandas sociais. Foi a partir da crise do petróleo em
1973 que a doutrina neoliberal ganhou espaço nos Países capitalistas do hemisfério
norte, pois a ação estatal estava corroendo as bases de acumulação capitalista e o capital
das empresas com as crescentes conquistas trabalhistas ao nível dos sindicatos. Nas
palavras de Anderson (1995),
A chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973,
quando todo mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda
recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com
altas taxas de inflação, mudou tudo. A partir daí as idéias neoliberais
passaram a ganhar terreno. As raízes da crise, afirmavam Hayek e seus
companheiros, [teóricos do neoliberalismo]estavam localizadas no poder
excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento
operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas
pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para
95
que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais. (ANDERSON,
1995: 10)
O capitalismo se desenvolveu e avançou como uma forma de economia que
atualmente é global, a partir do capital extraído como lucro sobre a exploração da mão-
de-obra pelas grandes corporações. A recessão de 1973 foi, sobretudo, uma crise do
mecanismo de produção do capital que encontrou entraves com a atuação de regulação
social do Estado de bem-estar. O neoliberalismo como doutrina econômica e política
surgiu como uma solução para as grandes corporações continuarem à sua acumulação
capitalista sem a ação disciplinadora do Estado, o que ocasionou desdobramentos
maléficos para a bem-estar na sociedade como o desemprego e os cortes no orçamento
para os gastos sociais. Nas palavras de Anderson,
O remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade
de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em
todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade
monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para isso seria
necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com o
bem-estar, e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a
criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos.
(ANDERSON, 1995: 11)
Capitalismo e neoliberalismo se complementaram à medida que foram se
articulando politicamente, possibilitando sua expansão nas últimas décadas do século
XX com a adesão de muitos Países da América Latina, inclusive o Brasil. Este novo
capitalismo do século XX e XXI apresenta duas grandes características. Segundo
Manuel Castells (1999) a economia contemporânea apresenta duas facetas que se
articulam às novas demandas de mercado, a economia informacional e o processo de
globalização. Em suas palavras, Castells afirma:
É informacional porque a produtividade e a competitividade de unidades ou
agentes nessa economia (sejam empresas, regiões ou nações) dependem
basicamente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar de forma
eficiente a informação baseada em conhecimentos. É global porque as
principais atividades produtivas, o consumo e a circulação, assim como seus
componentes (capital, trabalho, matéria-prima, administração, informação,
tecnologias e mercado) estão organizados em escala global, diretamente ou
mediante uma rede de conexões entre agentes econômicos. É informacional
e global porque, sob novas condições históricas, a produtividade é gerada, e
a concorrência é feita em uma rede global de interação. (CASTELLS, 1999:
87)
96
Esta interação que ocorreu nas economias mundiais, o mercado global,
possibilitada pelo advento das novas tecnologias delineou novos contornos de
competitividade entre as grandes corporações, ocorrendo cada vez mais a politização do
mercado. Os interesses particulares do empresariado ganharam contornos nacionais com
a ação do Estado em proteger o seu empresariado da concorrência global e vice-versa.
Nas palavras de Castells (1995), o processo se desenvolveu
...mediante a integração de países em uma economia global, os interesses
políticos específicos do Estado em cada nação ficam diretamente ligados ao
destino da concorrência econômica das empresas nacionais ou localizadas
em território nacional. Assim, por mais surpreendente que seja enfatizar o
papel econômico dos Estados na era da desregulamentação, é exatamente
por causa da interdependência e abertura da economia internacional que os
Estados devem empenhar-se em promover o desenvolvimento de estratégias
em nome do seu empresariado. (CASTELLS, 1995: 107/108)
Todo este processo político-econômico que tem ocorrido no mundo criou uma
nova divisão internacional do trabalho, articulando-se como prática das grandes
corporações a este capitalismo contemporâneo e a globalização dos mercados. Para
além dessa discussão sobre a sociedade do capitalismo avançado, o foco que
pretendemos discutir é como nesta sociedade do mercado se articula às vivências
religiosas dos grupos neopentecostais, tendo em vista que neste grande mercado
circulam e concorrem não apenas bens econômicos, mas bens culturais e a religião é um
componente da cultura.
François Houtart (2002) é um importante sociólogo das religiões e escreveu
textos sobre religião com uma fundamentação social muito relevante. Ao conceber o
mercado como um lugar de troca, onde compram-se e vendem-se bens, constata que o
capitalismo seja ele liberal ou neoliberal se constrói e se perpetua pela produção e
reprodução de desigualdades sociais.e a leitura dos discursos religiosos podem ser de
dois tipos:
Ou bem legitimam o mercado em função da eficácia social, que corresponde
às exigências de justiça do evangelho, ou bem ambos se superpõem, não se
articulam, exceto por insuficiência: o vazio criado por um (o mercado) é
substituído pelo outro (o reino), e as contradições do primeiro o resolvidas
pelo segundo. Nessa perspectiva, ainda que as duas ordens de coisas sejam
de todo diferentes e os valores o comparáveis e muitas vezes
contraditórios, o bem-estar do ser humano, que é objetivo de ambos, é
satisfeito pela sua complementaridade. Disso resulta também, por que existe
uma solução, a redenção do mercado, que pode continuar reproduzindo-se
de acordo com a sua própria lógica. (HOUTART, 2002: 88 e 89)
97
Tendo em vista que a sociedade que vivemos é de mercado, como as demandas
sociais são ressignificadas pela adesão religiosa, ou mesmo qual leitura os fiéis fazem
da realidade circundante? Acreditamos que quando François Houtart discute
legitimação do mercado, está propondo o que se pode resumir na mentalidade
protestante de conservação da ordem política e social, baseada nas desigualdades sociais
do mundo que são legítimas de acordo com as doutrinas contidas no Novo Testamento.
As desigualdades sociais vividas elos fiéis aqui na terra haverá uma redenção no Reino
dos us. As doutrinas, práticas e representações religiosas que definem a classificação
do grupo como neopentecostal, se articula melhor com a citação acima em que ele
propõe uma outra solução possível: a redenção do mercado.
A redenção do mercado na nossa concepção é o nexo que liga as vivências
rituais dos fiéis em seu ambiente religioso e suas vivências sociais como família,
trabalho, lazer onde todos estão inseridos numa realidade concreta. Chamamos de
redenção do mercado uma nova forma de dedicação ao trabalho com o objetivo de
atingir a prosperidade material, de maneira que homens e mulheres de Deus que
evangelizam no seu trabalho contribuem para a santificação dos espaços de produção
econômica.
ÉTICA ASCÉTICA PROTESTANTE X NOVA ASCESE PENTECOSTAL NO
FINAL DO SÉCULO XX
Partindo da concepção que existe uma pluralidade de protestantismos, entre os
quais o neopentecostalismo é uma destas nuances, objetivamos expor quais as
transformações doutrinárias e estéticas dos pentecostais em relação ao protestantismo
histórico e ao próprio pentecostalismo clássico, evidenciando as mudanças nos usos e
costumes para discutir comparativamente a ética ascética tradicional e o que tratamos
neste texto como nova ascese protestante.
Sobre essa discussão da ascese protestante, entendemos de extrema relevância o
debate que o alemão Max Weber (2007) faz da ética ascética intramundana do
calvinismo no século XVII. Weber ao longo de sua trajetória intelectual se dedicou às
discussões sobre Economia política, produzindo textos teórico-metodológicos e de
análise muito fincados num diálogo entre História e a Economia Política do período. Na
98
obra “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, o autor discutiu a forma
diferenciada das práticas ascéticas puritanas século XVII como um modo peculiar e
protestante de se comportar no mundo, onde a religiosidade era exercida com
racionalidade e controle sobre a vida tanto religiosa, no que diz respeito a uma moral
cotidiana, quanto com relação ao trabalho.
Embora Weber analise o ascetismo calvinista, traçando uma comparação com os
ramos metodista e pietista desta prática, o autor ainda faz uma digressão ao comparar
com o ascetismo praticado pelos monges católicos que viviam em reclusão nos
monastérios da Idade Média, concluindo que o ascetismo praticado pelos calvinistas era
diferente das tradições religiosas ascéticas e não-ascéticas dos católicos, se referindo ao
monasticismo e às práticas católicas cotidianas dos seus fiéis não reclusos,
respectivamente. Para Weber, a vida nos monastérios já era um tipo de reclusão, ou seja,
um afastamento radical da vida em sociedade, ao passo que a vida dos fiéis católicos
não era doutrinada com esse radicalismo, o que conduzia a desregramentos
incompatíveis com a ética protestante.
na ética ascética protestante calvinista ocorreu uma peculiaridade. Segundo
Weber, as doutrinas de Calvino traziam distinções teológicas tanto do catolicismo,
quanto do luteranismo e de outros grupos protestantes. A centralidade que Calvino dava
a Deus e responsabilidade dos eleitos em serem um referencial e um instrumento para in
majorem gloriam Dei,[aumentar a glória de Deus] trazia em seu bojo uma imposição de
que a Glória de Deus se manifestaria na vida dos eleitos, através do controle
racionalizado das práticas religiosas, morais e econômicas no meio social.
O mundo existe para servir à glorificação de Deus, e para este propósito.
Os cristãos eleitos estão no mundo apenas para aumentar a glória de Deus,
obedecendo a Seus mandamentos com o melhor de suas forças. Deus,
porém, requer realizações sociais dos cristãos, por que Ele quer que a vida
social seja organizada conforme Seus mandamentos, de acordo com tais
propósitos. A atividade social dos cristãos no mundo é apenas uma atividade
in majorem gloriam Dei esse trabalho é pois partilhado pelo trabalho dentro
da vocação, que propicia a vida mundana na comunidade. (WEBER, 2007:
90)
O cerne do problema caracterizado pelo ascetismo ético que Weber analisou
como peculiar na matriz calvinista do protestantismo no século XVII é o controle
racional sobre a moral e sobre o trabalho, ora o trabalho é uma atividade econômica
mundana, ao passo que a poupança e o juros também o são. A peculiaridade que o autor
traz é sobre a ascese é que, o mesmo se constitui como uma prática de separação entre o
99
homem e a vida social e a sua prática ascética canaliza essa vida em comunidade para
uma normatização de condutas morais sobre a vida dos indivíduos através dessas
doutrinas religiosas. Com a xima “trabalho dentro da vocação”, o calvinismo
conseguiu se manter fora do mundo de pecados em um estado de graça dado por Deus,
estando dentro do mundo para aumentar a glória de Deus. Toda atividade laboral deve
ser exercida pelo homem como vocação, um serviço prestado a Deus. Essa operação
teórico-metodológica de que foram os valores culturais protestantes que influenciaram
as condições econômicas e o surgimento do capitalismo, é a sua tese e uma construção
crítica à máxima determinista do materialismo histórico marxiano.
O neopentecostalismo introduziu um conjunto de novas práticas religiosas no
seio da confissão protestante e isso reverberou na forma do fiel se inserir socialmente e
nas tradicionais práticas ascéticas protestantes. Segundo Ricardo Mariano Com o
surgimento das igrejas neopentecostais, isso mudou. Promoveu-se uma verdadeira
ruptura na identidade estética, na aparência desses religiosos. Irrompeu, portanto, um
novo modo de ser pentecostal.”(MARIANO, 2005: 87)
Os termos “usos e costumes” foram expressões largamente utilizadas por muitos
pentecostais para se referir ao rigor legalista de comportamento no mundo como o uso
de bijuterias, cosméticos, maquiagem e cortes de cabelo, às restrições do vestuário
feminino e masculino, além de diversos tabus comportamentais e sexuais existentes
como disciplinadores. As congregações protestantes tradicionais doutrinam à sua
membrezia de acordo com os padrões ascéticos, permeado pela mentalidade de o
pertencimento do mundo e da cultura. É comum encontrar a frase “eu não sou do
mundo”, desde as pregações nos cultos, até nos argumentos da membrezia, de modo que
os fiéis reproduzem esta mentalidade de si mesmos com este não pertencimento do
mundo e das coisas do mundo, construindo uma prática ascética de afastamento da
sociedade mundana e da cultura. Nas palavras de Mariano:
O pentecostalismo provê uma arena para o exercício de atividades de
expressão, oratória, organização, propagação e liderança, estimula a
participação, a iniciativa pessoal, o voluntarismo (habilidades e disposições
latentes que podem vir a ser aplicadas na administração de negócios ou
transformadas em iniciativa econômica), cria estruturas terapêuticas,
instituições educacionais e de lazer, inculca disciplina, ética do trabalho
duro, sobriedade, pontualidade, honestidade, parcimônia (virtudes
favoráveis à acumulação e melhoria no padrão de vida), rejeita o álcool, o
machismo e a promiscuidade, promove a auto-estima, o sentido de valor
pessoal, constrói redes de apoio mútuo. (MARIANO, p.184)
100
Muitas destas práticas e características gerais citadas por Ricardo Mariano
(2005) como próprias dos pentecostais e neopentecostais se constituíram como uma
apropriação de práticas e capitais simbólicos do protestantismo histórico.
O G12 nasceu como uma proposta metodológica sistemática de crescimento de
congregações no seio de comunidades pentecostais e aos poucos foi introduzindo
práticas neopentecostais até configurar o que chamamos de Igreja em células no Modelo
dos 12. Sua organização administrativa e doutrinária ao ser implantada em nível local
exigiu uma série de mudanças na vida cotidiana da igreja. Por isso que é comum nos
discursos dos líderes do G12, inclusive César Castellanos, que o grupo dos 12 pretende
ser um modo de vida que atua na sociedade para a transformação, uma metodologia que
objetiva trabalhar em todas as áreas da vida dos discípulos, desde a área familiar, do
trabalho, das emoções e até a psicológica.
Esta aproximação entre o mundo do sagrado, dos mitos, rituais e tabus religiosos
e a vida secular com formas de sociabilidade muito mais bem aceitas pela sociedade
foram os elementos que construíram este movimento de neopentecostalização nestes
grupos, um exemplo foram as notáveis mudanças na estética tradicional das mulheres
pentecostais como a vestimenta, o uso de acessórios e até a possibilidade de assumir
ministérios dentro deste modelo organizacional, além do comportamento de inserção na
cultura da sociedade capitalista, passando por uma revisão teológica e doutrinal da
membrezia.
Eis o texto bíblico que originou as representações construídas sobre o mundo, o
pecado, a concupiscência e a conseqüente morte espiritual entre os protestantes em
geral:
Não ameis o mundo nem as coisas que no mundo. Se alguém amar o
mundo, o amor do pai não está nele; por que tudo que há no mundo, a
concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida,
não procede do Pai, mas procede do mundo. Ora o mundo passa.(I João
2:15).
Protestantes históricos e pentecostais clássicos se apropriaram desse texto e de
outros também, construindo uma imagem negativa da sociedade. Este processo
produziu alguns vetos em relação ao consumismo de “modas” culturais, a participação
na política, o uso de vestimentas fora do “padrão de santidade”, entre outras,
construindo práticas sectárias permeado por um imaginário de que o mundo é impuro e
101
a sua participação como qualquer pessoa influenciaria na sua não chegada ao Reino dos
céus. Nas palavras de Ricardo Mariano, as concepções teológicas dos pentecostais
contribuem para esta noção de afastamento do mundo,
O pentecostalismo herda a postura de rejeição e afastamento do mundo
diretamente do metodismo e do movimento holiness, dos quais se originou.
Provém daí as raízes puritana e pietista do movimento pentecostal. Tal como
no puritanismo, para o crente pentecostal mostrar-se santificado, ele precisa
exteriorizar sinais, por meio de comportamentos ensinados e exigidos pela
comunidade religiosa, que os diferenciem da sociedade inclusiva. Para que o
Espírito Santo lhes preencha a vida, santificando-os, devem morrer para o
mundo, o qual, como causa e lugar de sofrimento, além de rejeitado deve ser
combatido. (MARIANO, 2005: 190)
Esta rejeição ao “mundanismo” que os pentecostais tradicionais praticam
resulta, segundo Mariano de uma baixa estima do fiel em relação ao seu criador nas
quais “o status da criatura, da matéria, da carne, bem como seus desejos, atributos e
necessidades, após a queda do Paraíso e perante a onipotência e perfeição do criador,
é baixíssimo”( MARIANO, 2005: 189).
os neopentecostais se apropriaram do mesmo texto de uma forma
diferenciada. Para eles homens e mulheres podem atuar na sociedade das mais diversas
formas, o veto é para a prática do pecado e não pelo fato de freqüentar lugares ou coisas
em que outros pecam. Além disso, o serviço religioso realizado pelos leigos parece ser
mais preocupante para os neopentecostais do que, por exemplo, ser candidato a
vereador, tendo em vista que a política no Brasil tem sido feita por muitos grupos que
praticam corrupção.
O destaque para a racionalização e o controle sobre a sua ética moral de estar no
mundo é o que se denomina aqui de nova forma de ascetismo protestante praticada por
grupos de perfil neopentecostal que aderiram ao G12 em Feira de Santana no final do
século XX. O ascetismo tradicional do protestantismo missionário, decorrente de vários
fatores internos e externos, pelo menos aa década de 1930 afastou-se do mundo e da
cultura brasileira.
Lyndon de Araújo Santos (2006) analisou as relações do protestantismo com a
cultura brasileira na primeira república e identificou o posicionamento crítico dos
protestantes em relação às práticas políticas e culturais da sociedade brasileira do
período. São suas palavras,
A relação para com a cultura brasileira foi de crítica a partir do discurso
oficial dos expoentes e das instituições do campo evangélico. A crítica
volveu seu foco para a questão moral que estava vinculada a uma proposta
102
de sociedade cujos valores estavam no patamar de uma civilização. No
entanto, a experiência dos prosélitos oriundos das camadas mais baixas da
população, trabalhou conteúdos culturais e religiosos dissonantes do
discurso oficial. A assimilação da doutrina, a adaptação das condutas, a
incorporação das novas regras e dos novos gestos, conjugaram releituras,
transposições e transferências culturais e religiosas. (SANTOS, 2006: 213)
Foi principalmente por causa destas relações de transferências culturais entre
protestantes e cultura brasileira aa década de 1930, que constatamos novas formas de
ser protestante no Brasil a partir da década de 1980.
O tradicional afastamento que se construiu através das críticas dos evangélicos
com a cultura brasileira e o desfrutar das transformações pelas quais as sociedades
ocidentais vêm passando é uma tradição que vem se desenvolvendo desde a formação
das primeiras denominações reformadas no século XVI e XVII que se afirmaram como
movimentos contestatórios das práticas religiosas vigentes:
Marli Geralda Teixeira ao discutir sobre o contexto em que os batistas se
instalaram na Bahia, ressaltando a mentalidade religiosa e cultural desse grupo
protestante, afirma de forma categórica que este distanciamento da cultura e
religiosidade baianas, era a própria proposta intolerante dos batistas, para se afirmar e
consolidar no Brasil como um tipo de religiosidade que não era aceita por um País, onde
a sua colonização foi empreendida pela Igreja Católica Romana. Em suas palavras,
Não pode ser esquecido o fato de que a própria ambiência, extremamente
eivada de tradições religiosas, responsável pela ligação indelével da cultura
baiana ao catolicismo nas suas diversas feições -do ortodoxo ao popular- e
às religiões afro-brasileiras, torna-se ainda mais delicado o estudo de uma
comunidade religiosa que, desde o seu início, se propôs a contestar e solapar
as bases das crenças tradicionais. (TEIXEIRA, 1983: 14)
O G12 como uma nova forma de ascetismo protestante neopentecostal que
realiza um diálogo com a sociedade capitalista de consumo à sua maneira, tem certa
referência com o debate proposto por Weber, no que diz respeito a um conjunto de
doutrinas que permitem a inserção dos fiéis na economia. Isso não quer dizer que
indicamos o mesmo caminho que Weber, quando ele aponta que foi um modo de vida
doutrinado pela religião que possibilitou o surgimento do capitalismo. Não arriscamos a
tese de que os pentecostais e neopentecostais contribuem com o seu estilo de vida para o
desenvolvimento do capitalismo, mas que estes têm superado tabus doutrinários
tradicionais que não permitiam à sua adesão ao etilo de vida da sociedade circundante e
se inserido nas vivências culturais oportunizadas pelo advento do desenvolvimento das
103
relações do capitalismo e da Teologia da Prosperidade. É uma possibilidade de se
analisar o problema.
Classificar o G12 enquanto uma metodologia neopentecostal é uma tentativa de
compreensão, uma necessidade metodológica que tem algumas finalidades objetivas
como situá-lo no tempo e no espaço, definir práticas em linhas gerais e o principal,
discutir as práticas dessa metodologia como dialógicas com a contemporaneidade e seus
processos culturais. Essa classificação não explica a totalidade da realidade, porém nos
oferece alguns subsídios para a compreensão dela.
César Castellanos Dominguez ao longo do livro Liderança de Sucesso através
dos 12” explica a eficácia das células na sociedade do “Novo Milênio”, ou seja, na
sociedade contemporânea. Nas suas palavras:
Deus nos deu uma visão para alcançar nações inteiras, para conquistar o
mundo para Cristo. Chegou o tempo de o povo cristão mudar o curso da
história, impactando todo o planeta com a mensagem de salvação e hoje,
quando deres destacados provenientes dos mais distintos rincões da terra
têm visitado nossa igreja para captar a visão, e a têm colocado em prática
com absoluto sucesso em suas respectivas nações, estou completamente
seguro de que o mundo será para Cristo com a estratégia dos doze e os
grupos celulares. No novo milênio, a igreja se moverá a conquistar os
corações com líderes integralmente preparados, penetrando nos lares.
38
Nessa perspectiva, o pastor César Castellanos Dominguez concebe que a célula é
uma estratégia eficaz para o crescimento de igrejas evangélicas na sociedade atual, por
que através dos cultos domésticos são rompidas as barreiras simbólicas, religiosas e
culturais de diferença de credo simbolizada pelo templo protestante. Diferença essa que
tem o significado de separação e distanciamento que se não de templo para templo,
mas de indivíduo para indivíduo. Os protestantes desde o seu surgimento foram
estereotipados como pessoas que tem religião, vestimenta e comportamento diferente da
sociedade, trazendo dificuldades de relacionamento com a sociedade brasileira, quem
quer se distinguir nestes termos, isolando-se do mundo?
O culto doméstico se revelou uma eficaz reelaboração de discurso e de prática
ao flexibilizar esta forma de devoção que privilegia acentuadamente o serviço dos
leigos, um dos elementos que mais se destacam nas formas dos protestantismos sejam
eles histórico, pentecostal ou neopetecostal. Outra perspectiva das células é que a sua
ênfase como estratégia de crescimento e a necessidade da multiplicação da membrezia,
38
DOMINUEZ, César Castellanos. Liderança de Sucesso Através dos 12. Palavra da fé Ltda.: São Paulo,
2000. (p.392)
104
a produção de números de conversões tudo isso é uma apropriação de estratégias
empresariais próprias do capitalismo, trazidas para o cotidiano religioso e secular dos
fiéis.
As denominações neopentecostais são as que mais crescem no meio protestante
em todo o mundo, dando destaque para as igrejas organizadas em células. Construir
laços de amizade com as pessoas que estão fora da religiosidade protestante, aproxima
essas pessoas não apenas dos indivíduos, como também do templo protestante.
Então, integrar-se na comunidade e não separar-se dela é a estratégia do G12,
um tipo de ascese diferente, onde a máxima “trabalho dentro da vocação” é levada às
últimas conseqüências. Dentro do modelo de trabalho religioso todos o agentes
religiosos, agentes sociais e agentes políticos por desenvolverem um trabalho
organizado e administrado tanto na vida secular, quanto na vida religiosa. Sair do
mundo de pecados não é mais a concepção que norteia esta nova prática ascética, mas
trazer a comunidade pecadora para dentro da igreja para começar um processo de
santificação social e com isso acabar com as mazelas da sociedade que na concepção
destes religiosos é de origem espiritual, o pecado, através do serviço religioso, ou
trabalho evangelístico dos leigos, um lugar do status gratiae, com uma intensa atividade
proselitista.
Essas denominações ao dialogar com multidões e multiculturalismos romperam
com estereótipos fixos que caracterizaram historicamente os protestantes de uma forma
unificada. O movimento neopentecostal trouxe transformações diversas nos segmentos
protestantes, onde mediante observação não se consegue perceber um modelo devido a
diversidade de formas encontradas de vestimenta, com o uso da calças jeans, bermudas,
camisetas; de comportamento; de perfil social ou de atividades lúdicas como o teatro, as
danças, os cursos profissionalizantes, além de uma diversificação dos ritmos que inclui
até o rock, o ae o forró na pauta dos louvores religiosos.
Magali do Nascimento Cunha (2007) estudou o movimento gospel no Brasil e
enfatizou o relevante papel da música entre os segmentos pentecostais e neopentecostais
desde a década de 1980 como uma nova forma de avivamento e estratégia de
crescimento dessas confissões religiosas que tiveram um amplo alcance, desde
destaques individuais de pessoas que nasceram em berço evangélico a aqueles
famosos que aderiram à confissão protestante. São suas palavras:
105
As lideranças do movimento não apenas compõem e cantam [sic] mas
escrevem, realizam palestras e pregam em cultos. Com isso, elas
introduziram no cenário evangélico, por meio de uma forte estratégia de
disseminação- mídia (discos, vídeos e publicações impressas) e programas
(congressos, palestras, cursos e seminários)- um novo discurso e um novo
papel para a música e os músicos, cujo eixo central é o avivamento por meio
do louvor e da adoração. (CUNHA, p.107)
Os artistas gospel ocuparam uma centralidade no culto dos neopentecostais pela
autoridade espiritual que exercem nas suas novas funções sacerdotais. Há uma retomada
e uma ressignificação de práticas veterotestamentárias muito intensa entre os
neopentecostais, enfatizando os grupos que aderiram ao G12. Os artistas fazem parte do
“ministério levita”.
Segundo o texto bíblico “Levi” foi o terceiro filho de Jacó e seus descendentes
ficaram encarregados do serviço religioso, ou seja o culto no santuário itinerante que era
realizado e os posteriores cuidados com “a arca da aliança” que na concepção dessa
família a arca seria o lugar santo, onde Deus colocaria a sua glória. Com a construção
do templo, os levitas passaram a exercer o sacerdócio após a sedentarização dos
hebreus. “Uma nova concepção de culto foi construída. Surgiu a figura dos sacerdotes
do templo e a construção de uma compreensão de que este seria o único sacerdócio
legítimo.” (CUNHA, 2007, p.109)
Magali Cunha (2007), afirma ainda que a opção “pelo modelo de culto do
“Antigo Testamento” se reflete nas músicas dos cantores gospel, que enfatizam,
principalmente, a realeza de Deus, seu poder, soberania, majestade e domínio”, o que
também é uma concepção que predomina nos grupos que compõem o G12. Esta
mentalidade das riquezas e do domínio de Jeová sobre o mundo, fundamenta a inserção
dos neopentecostais no sistema econômico, político e cultural o que denota uma
concepção cristã de História, onde Deus estaria mais uma vez revelando aos homens os
seus desígnios e comandando às suas ações.
Tendo em consideração o desenvolvimento histórico da teologia protestante,
qual seja, do conceito de salvação como central para o protestantismo, entendemos que
o mesmo ainda continua a ser caro para o cristianismo contemporâneo e não podia ser
diferente nessa reelaboração do G12 e M12. Para os teólogos do G12 e dissidência o
“trabalho dentro da vocação” consiste no esforço para converter pessoas à salvação em
Jesus Cristo. Montar um grupo de doze discípulos é um trabalho individual e coletivo
que viabiliza tanto a salvação individual quanto a sua posição dentro do grupo. Uma
representação comum dentro desses segmentos está expressa na imagem de um saque
106
gradual do inferno e como conseqüência o povoamento do Reino de Deus, através da
metodologia do G12 e M12, que visa como foi dito anteriormente, Ganhar,
Consolidar, Discipular e Enviar.
A constatação de uma transformação na forma de conceber e praticar o
ascetismo protestante cunhada pelo G12 possibilitou uma reelaboração de eficácia
comprovada do discurso do comportamento protestante ascético em relação aos ramos
do protestantismo histórico e o de perfil pentecostal. Objetivamos expor como é tratada
essa nova forma de ascetismo protestante que dialoga tanto com o protestantismo
histórico, apropriando-se desses capitais simbólicos, quanto com o pentecostalismo
clássico.
Na entrevista com a representante do G12 no Brasil sobre a separação que a
membrezia dessas denominações faziam com as vivências contemporâneas e de como
eles entendiam o seu relacionamento com a sociedade e a cultura, Gladez de Varón
respondeu,
Não. A igreja tradicional faz essa separação. Por isso a igreja não cresceu,
por que as pessoas começaram a ver, olha... estão os evangélicos que
estão com a bíblia e as pessoas tinham um conceito errado dessas pessoas.
Por exemplo, eu conheço Cristo faz trinta e quatro anos, e quando eu
conheci Cristo eu não me sentia bem, eu me sentia como apartada, digamos
assim, o mundo não era para mim. Eu não poderia estar no mundo enquanto
pecado, o pecado não, porém, enquanto as coisas do mundo o que se move a
tecnologia sim, por que realmente a formação do caráter vai mais além do
que a formação espiritual, emocional da pessoa, vai mais além por exemplo,
nós motivamos muito para que as pessoas estudem, e o sejam pessoas que
por serem cristãos você não precisa...
39
O que se pode inferir da entrevista é que o conceito de pecado e com isso de
salvação não foi mudado, o que mudou foi a relação do crente com o mundo, usufruir
das coisas do mundo não é mais pecado, a própria informante fala que no período em
que ela estava numa igreja tradicional ela se sentia separada do mundo enquanto que
com o G12 ela ampliou essa concepção que em grande medida se adequou mais às
sociedades multiculturais ocidentais do que as igrejas tradicionais. A própria informante
entende que foi por esse motivo que estas denominações não cresceram. Ao fazer uma
avaliação do G12 como prática eclesiástica que objetiva se integrar a vida do fiel de
alguma forma, considerou que a metodologia colombiana fez essas denominações
crescerem por interferir em todos os aspectos da vida dos membros.
39
Entrevista concedida à autora pela pastora Gladez de Varón em 27.12.2007 na cidade de São Paulo.
107
Fazendo um balanço sobre a situação do G12 em Feira de Santana no período
recortado, nota-se que os anos 2000 e 2002, correspondem a fase de implantação dessa
metodologia nas congregações, havendo uma grande adesão dos Batistas mais
renovados, quadrangulares e independentes, a exemplo da Igreja Batista Memorial e a
Primeira Igreja Batista do Feira IX.
A implantação do G12 não ocorreu sem choques religiosos, doutrinários e
teológicos nas práticas e representações dessas denominações protestantes.
Denominações tradicionais como a Assembléia de Deus e Batista, desencadearam um
processo de discussão e condenação a algumas práticas do G12 como a realização dos
encontros e uma diversidade de outras práticas. Isso levou muitos líderes a desligarem-
se das respectivas convenções, um exemplo disso foi a primeira Igreja Batista do Feira
IX que recebeu o nome de Ministério Internacional de Adoração a Deus, contribuindo
para aumentar a diversidade dos grupos protestantes em Feira de Santana.
Os segmentos que aderiram ao G12 e dissidência M12, fizeram uma
reelaboração da mensagem e da prática religiosa eficaz no que se refere às relações
entre o mundo protestante e a vida em sociedade caracterizada pelo estereotipado
afastamento do religioso das vivências sociais. Rompendo estes estereótipos e
ampliando a sua membrezia e sua inserção no sistema econômico, político e cultural.
TRADIÇÃO E INOVAÇÃO: CONFLITOS NO INTERIOR DO SUB
CAMPO PROTESTANTE
Como foi mencionado anteriormente existem variadas formas de ser
protestante no Brasil. Possuir identidade protestante pode ter variadas facetas, desde o
protestantismo histórico, do ponto de vista doutrinário e cultual, até os mais recentes
pentecostais e neopentecostais. O sacerdócio universal e a liberdade de interpretação do
texto bíblico entre os mais variados ramos do protestantismo foi e continua sendo a
grande marca distintiva neste grupo religioso. É a partir destas duas concepções que
analisaremos os conflitos e as lutas de representação advindas da legitimidade da livre
interpretação do texto bíblico sobre doutrinas e práticas reelaborads pelo G12.
Esta análise terá como fonte os periódicos representativos de dois grandes
segmentos do protestantismo brasileiro. “O Jornal Batista”, “Batista Baiano news” o
órgão oficial da Convenção Batista Brasileira representando a opinião doutrinária e
108
teológica dos batistas tradicionais no Brasil e ao mesmo tempo indispensável pelo
grande número de adesões ao G12 entre congregações batistas. Além dos batistas, o
outro grupo protestante escolhido foi a Assembléia de Deus, com o periódico
“Mensageiro da Paz” por representar a opinião do maior segmento protestante no Brasil,
além de fazer parte do grupo pentecostal.
Na leitura dos seus líderes, o G12 foi apenas uma estratégia de crescimento, mas
nas próprias palavras do pastor César Castellanos a estratégia pretendia ser prolongada
na vida cotidiana dos fiéis como um modo de vida que atua na sociedade para a
transformação, uma metodologia que objetiva trabalhar em todas as áreas da vida dos
discípulos, desde a área familiar, do trabalho, das emoções, a psicológica, até a
intervenção política.
No momento em que o G12 deixou de ser estratégia de crescimento para portar
doutrinas próprias, começaram os embates discursivos sobre as doutrinas do G12,
desqualificando-as com o objetivo de deslegitimar suas práticas ou ainda se auto-
legitimar nas grandes denominações. Pretendemos abordar as lutas de representação
advindas do choque teológico e doutrinário tendo em vista que o G12 é uma
metodologia para ser aplicada nas congregações locais. Muitos líderes de diversas
denominações do Brasil, conhecendo a experiência colombiana de crescimento,
adotaram para suas congregações o que fez surgir uma série de debates acerca do G12.
Estes conflitos tiveram origem no confronto de mudanças de costumes implementadas
pelo G12 e o tradicionalismo dos grupos protestantes históricos.
Estas lutas de representação se engendraram e se construíram nas relações de
poder dentro dessas denominações e sua legitimidade de monopolizar o capital
religioso. Vários grupos, entre os quais, assembleianos e batistas se pronunciaram
oficialmente contra as práticas do G12, o que desencadeou desligamentos de
convenções e a formação de grupos dissidentes. A expansão das adesões ao G12 entre
os batistas desencadeou uma série de críticas ao G12, inclusive foi o objeto na pauta de
discussões na Convenção Batista Brasileira (CBB) e na Ordem dos Pastores Batistas do
Brasil (OPBB) conforme as informações contidas o “Jornal Batista news” e o “Batista
Baiano” que serão devidamente expostas nas páginas posteriores.
É interessante destacar que a Convenção entre Batistas e Assembleianos é uma
estrutura denominacional que promove discussões doutrinárias e administrativas entre
as lideranças congregadas. Suas decisões não podem ser contestadas e devem ser
obedecidas sob pena de ser convidado a se retirar da Convenção.
109
César Castellanos ao longo do livro “Sonha e ganharás o mundo” expõe a sua
trajetória pessoal e ministerial ao discutir suas estratégias para êxito. Entre elas está a
quebra de maldições que podem ser individuas, familiares ou hereditárias e regionais,
“e tudo isto ocorre num processo: primeiro o Senhor mostra as maldições na parte
individual, na vida familiar e logo nos guia a identificar e quebrar as prisões da
nação.”
40
Segundo a sua leitura, é necessário um processo de libertação que começa na
vida do crente que aceita a Jesus e na medida que este for liberto começa a libertação
dos seus familiares. Castellanos entendeu que esta libertação na área espiritual favorece
a vida do cristão na família e nas finanças. Também explicou que os demônios que
agem na vida dos familiares podem influenciar a vida do crente se este não neutralizara
sua ação mediante batalha espiritual. Observemos seu relato:
O Senhor foi nos mostrando, pouco a pouco, todos os principados que
impediam o crescimento e a prosperidade. Não era o problema do
alcoolismo e as drogas, mas no passado houvera separações, divórcios e
muita idolatria. Compreendemos que os problemas financeiros derivavam de
que alguns de nossos avós não haviam levado vidas retas. À medida que
observávamos uma prisão, nós a quebrávamos. Deus tem sido fiel, e por isso
agora vemos nossas famílias rendidas a Seus pés e entregues a seu serviço.
Na área financeira propusemo-nos a derrubar o gigante da escassez.
Atualmente são treze anos vivendo em prosperidade.
41
O jornal O Batista Baiano News” apresentou a matéria “pastores repudiam as
aberrações do G12” e também “pastores de Salvador também rejeitam o movimento”
42
,
enfatizando as práticas torpes do G12, além de uma distorção doutrinária extremamente
prejudicial à vida dos cristãos. Após o estudo das fontes os pastores da (OPBB)
reconheceram o método de multiplicação das células, porém consideraram aberração as
seguintes doutrinas e práticas:
MALDIÇÃO HEREDITÁRIA- estar sob maldição implica estar sob
influência e poder do diabo e em rebeldia contra Deus. Acreditar que uma
maldição ultrapasse a individualidade e seja transmitida a gerações é:
Primeiro: o desconhecimento e completa ignorância acerca da divisão sócio-
política de Israel em seus vários clãs; (Ex.20.5)
Segundo: É mostrar-se incauto e desinformado quanto às possibilidades da
ciência genética sobre isolamento de genes, o que possibilitaria o isolamento
e aniquilação do gene do pecado (ver projeto GNOMA), tornando sem efeito
e desnecessária a morte de Cristo;
40
DOMINGUEZ, César Castellanos. Sonha e ganharás o mundo. 3ªed. Palavra da Fé produções: São
Paulo, 2002. (p. 97)
41
Ibidem. (p.95)
42
Jornal “O Batista Baiano news”: Órgão oficial da Convenção Batista Baiana. Ano LXXI-nº40,
setembro/outubro de 2000, folha 11.
110
Terceiro: É evidenciar despreparo bíblico-teológico acerca da Soterologia
(doutrina da Salvação) e as implicações convergentes (arrependimento/ fé/
conversão/ justificação/ eleição);
Quarto: É fazer de Deus impotente e de sua Palavra mentirosa, por deixar os
seus ainda dependentes do inimigo e afirmar que somos novas criaturas,
tendo no sacrifício de Jesus a expiação por todos os pecados;
43
É percetível que o conceito de batalha espiritual não é considerado uma verdade
bíblica para este ramo do protestantismo histórico, com isso a desqualificação da prática
de libertação espiritual, comum nos grupos neopentecostais, das práticas do G12
constitui uma disputa pela legitimidade da interpretação do texto bíblico. “O Batista
baiano news” diverge também dos neopentecostais em relação à cura interior:
CURA INTERIOR E REGRESSÃO- tanto a cura interior como a regressão
em si são situações aplicáveis, quando nos momentos e locais adequados.
Quanto à sua aplicação nos encontros e nas igrejas, observamos o seguinte:
1) A cura de questões espirituais é questão do Espírito Santo. Às questões
psicológicas o próprio Deus dotou de competência os profissionais, podendo
no entanto, usar sua onipotência, conforme a perfeição dos seus propósitos
(Ex.31:2,3); 2) A regressão hipnótica é atribuição exclusiva dos
profissionais da psique. Condenamos expressamente a manipulação da
mente humana, sua utilização coletiva e por pessoa não habilitada, até
mesmo porque profissionais habilitados jamais se dariam a tal prática.
44
O emocionalismo e as inovações dos grupos neopentecostais também foram
interpretado pela CBB como uma reversão anti-bíblica da liturgia batista e mesmo um
confronto de doutrinas, uma luta pela legitimidade de interpretação do texto bíblico,
nesta edição do periódico está presente a auto-afirmação de legitimidade da CBB,
BATISMO NO ESPÍRITO SANTO- O Movimento G12 defende o batismo
no Espírito Santo como sendo uma experiência de se receber um
revestimento de poder, tendo como evidência inquestionável o falar em
línguas (vide Manual do Encontro MIR e a Verdade sobre o Modelo dos 12-
Valnice Milhomens). Condenamos expressamente tal pensamento, bem
como o anexo da unção com óleo como meio para atingir tal propósito ou
qualquer outra graça.
SACERDÓCIO UNIVERSAL X AUTORIDADE PASTORAL- No
movimento G12 a Eclesiologia sofre modificações. O crente é instruído a
obedecer sem questionar. O pastor presidente reveste-se de soberania. A
igreja pode votar em assembléia, mas sabendo que “pensar” contra a
vontade pastoral constitui rebelião, que é, segundo exegese conveniente de I
Sm. 15:23, comparável ao pecado de feitiçaria. Não aceitamos tal prática e
condenamos a megalomania e o autoritarismo daqueles que não podem
manter-se pelo senhorio do Mestre.
O ENCONTRO- Jamais poderemos aceitar a manipulação das emoções do
indivíduo a ponto de condicioná-lo. Jesus nos convida a servir com a alma,
coração e entendimento. O encontro faz a biopsia da razão, lançando nas
43
Ibidem.
44
Idem.
111
igrejas um caldeirão de emoções e rejeitando os que ousam questionar. A
renúncia é pregada nos encontros do G12 como forma de rejeição aos
conceitos, hábitos e costumes da vida cris que até então se professava.
Como na maioria dos casos, os participantes do encontro são pessoas
oriundas das mais variadas confissões religiosas e denominacionais, daí por
que o produto final desses encontros gere o enfraquecimento das igrejas de
ensino sério e histórico.
45
A realização dos encontros como uma etapa para a multiplicação das células, e
consequentemente das congregações foi o alvo de intensas críticas por parte da CBB, o
que desencadeou uma série de cismas religiosos entre pastores e a Convenção Batista
Brasileira entre as congregações que aderiram ao G12 na sua totalidade, transicionando
suas igrejas de um modelo tradicional para a Visão Celular no Modelo dos 12.
O texto lavrado pelo presidente da CBB, o Pr. Luciano Barreto Cardoso em 30
de setembro de 2000, convidou todos os pastores que aderiram ao G12 a se desligarem
da CBB: “Não podemos aceitar nem aplicar a visão, sob pena de uma mudança
denominacional. Os postulados do G12 são de uma igreja neopentecostal e
desincompatibilizados com o corpo doutrinário e cúltico das igrejas batistas da
CBB.”
46
Além dessa amostra da reação dos batistas, um tradicional grupo do
protestantismo histórico, também pesquisamos no periódico “Mensageiro da Paz, órgão
oficial das Assembléias de Deus no Brasil”, representativo da denominação pentecostal
que mais cresce no Brasil, a Assembléia de Deus. Também encontramos as mesmas
refutações com relação à adesão de fiéis e obreiros às doutrinas e práticas propagadas
pelo G12. A mesa diretora da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil
(CGADB), se pronunciou sobre o G12 nas seguintes palavras:
Grupos estranhos de pseudo-evangélicos trabalham em planos
cientificamente preparados, usando forte marketing, tentando dividir e
enfraquecer a Igreja de Deus. No desejo de verem as suas igrejas crescerem,
desprezam o mais eficiente método bíblico aprovado pela palavra de Deus,
aceitando e envolvendo outros nos “encontros”- modelos reprovados pela
palavra de Deus. A tais reuniões secretas do G12, são práticas semelhantes e
usadas pelo espiritismo...vem promovendo mudanças na liturgia das igrejas,
permitindo seus participantes tornarem seus cultos uma verdadeira confusão,
onde a decência e a ordem não mais existem. o novas heresias iguais a
outras que tentam eliminar a eficácia da morte de Jesus no Calvário. O G12
leva seus participantes a pronunciamentos, confissões e até chegam à
petulância de dizer que perdoam a Deus. Lamentavelmente, alguns irmãos e
até obreiros embriagaram-se com o G12. É de vital importância a vigilância
pelos nossos pastores para proteger o rebanho do Senhor contra os
45
Ibidem.
46
Ibidem.
112
exploradores, cuja visão, a “tremenda,” não é a espiritual, mas é fatia
comercial, com o objetivo de obter o previsto por tais aproveitadores. As
práticas estranhas da quebra de maldição, cura interior e regressão,
acompanhadas de música indutiva, incentivando as pessoas à técnica de
“liberar” gritos, danças e urros, nunca fizeram parte do nosso culto a Deus.
47
Muitas são as críticas ao método de evangelismo do G12, desde “movimento
herético, ventos de doutrinas, idéias de sociedade oculta, Seita “grupo dos 12” invade
igrejas, técnicas aproximam-se dos princípios da maçonaria”
48
, são muitos os termos
pejorativos e que expressam inferioridade doutrinária que os líderes da Assembléia de
Deus denominaram o G12 no ano de 2000. Vale salientar que toda mística que
envolveu a virada para o segundo milênio, também influenciou a opinião de muitas
lideranças fundamentalistas nas denominações brasileiras. Para a estrutura das
convenções a intensificação das adesão de muitas lideranças locais foi entendida como
uma grande onda de falsos avivamentos, um grande perigo para o corpo de Cristo. “O
movimento G12 começa a chamar a atenção das lideranças por trazer a tona uma
realidade preocupante: a facilidade que inúmeras seitas têm encontrado para penetrar
no meio evangélico brasileiro.”
49
Observemos que a palavra seita, corresponde semanticamente ao termo
Espiritismo nos textos da Convenção da Assembléia de Deus. A aparência de um tom
pejorativo de desqualificação e inferiorização doutrinária, tendo em vista que este é um
discurso da instituição que defende a sua ortodoxia. A comparação de um grupo
protestante ao Espiritismo denota quão conservadoras são a (CBB) e a Convenção
Pentecostal assembleiana. Além disso, a forma como é exposta a opinião das
convenções sobre “as debilidades doutrinárias do G12” ao se reportarem como
seguidores da “reta doutrina” demonstram como são sectárias e radicais as suas
posturas.
A iniciativa de sar Castellanos foi colocar no mercado religioso brasileiro
mais uma forma de evangelizar que se concretizou nas práticas religiosas das
congregações locais em doutrinas próprias que geraram eficácia na expansão de igrejas,
mas que entraram em choque com os interesses das convenções oriundas do
protestantismo histórico e pentecostal tradicional, produziu dissidências religiosas, além
47
Pr. José Wellington Bezerra da Costa (presidente). Mensageiro da Paz: Órgão Oficial da Assembléias
de Deus no Brasil. Ano 70, nº1361 de 1 a 15 de maio de 2000. (p.10)
48
Mensageiro da Paz: Órgão oficial das Assembléias de Deus no Brasil. Ano 70, nº1358 de 16 a 31 de
março de 2000. (p.4 e 5)
49
Ibidem.
113
da multiplicação de templos e formas de ser protestante que não cabem na visão
tradicional dos protestantes históricos muito menos pentecostais tradicionais. Estes
conflitos de representação, de legitimidade de monopolizar os bens sagrados constituiu
a dinâmica do campo religioso brasileiro.
As divergências doutrinárias entre os diversos grupos protestantes na
contemporaneidade, constroem fissuras e um discurso desconexo e desqualificador
quando se trata de novidades doutrinárias que em alguma medida põem em cheque o
poder das instituições, pois ao mesmo tempo em que uma identificação quanto a ser
evangélico no Brasil e um sentimento de fraternidade, por outro lado, uma série de
disputas pela legitimidade de interpretar o texto bíblico suscitadas pela Reforma
Religiosa com o “sacerdócio universal” que transparecem à olhos observadores como
uma incompatibilidade doutrinária, confrontos dignos de sectarismos, cismas e
dissidências religiosas.
Após a ruptura entre os líderes René Terra Nova e César Castellanos, ocorrida
em março de 2005, houve um esfriamento do G12 na cidade, algumas as congregões
que implantaram a metodologia, abandonaram o governo dos 12, embora muitas
práticas permanecessem no cotidiano religioso desses fiéis. Apenas aqueles que
continuaram com René Terra Nova e sua dissidência M12 lograram sucesso na
continuidade dessa metodologia eclesiástica contemporânea que tem o principal
objetivo de formar lideranças.
TEOLOGIA DA PROSPERIDADE E CAPITALISMO
Magali do Nascimento Cunha analisa o movimento cultural gospel como uma
cultura híbrida onde se articulam a tradição de costumes protestantes e a modernidade
característica do sistema sócio-político atual compondo os modos de vida dos
segmentos evangélicos da contemporaneidade. O gospel ganha uma significação de
mediação da experiência religiosa, a tradição protestante, o sistema sócio-político, a
organização eclesiástica e os meios de comunicação. Nas suas palavras,
O termo cultura híbrida está sendo desenvolvido neste livro a partir de uma
perspectiva não complacente do gospel, ou seja, responder, numa
perspectiva crítica à indagação: o que o gospel representa culturalmente para
114
os evangélicos no Brasil? O crítico aqui não corresponde a uma condenação
da cultura gospel, mas ir além do aspecto meramente descritivo e assumir
uma atitude crítica ética que leva à tese de que o gospel é hibrido porque
entrecruza aspectos da modernidade e da tradição, mas trata-se de um modo
de vida cuja novidade é superficial, ou seja, não traz mudança de valor
central. (CUNHA, p.171)
Discutir a adesão dos segmentos evangélicos neopentecostais à Teologia da
Prosperidade é uma investigação que resulta desse entrecruzamento de doutrinas
tradicionais com as vivências contemporâneas, simbolizado pelo gospel. Além disso, no
Brasil a instalação do protestantismo baseado na cultura puritana e no sectarismo
produziu uma negação das manifestações culturais, políticas e sociais. Porém, sobretudo
nas décadas de 1980 e 1990 com o processo de redemocratização da política brasileira e
o surgimento dos neopentecostais se construiu uma nova forma de ser protestante e se
relacionarem com a contemporaneidade.
No capitalismo globalizado enquanto sistema sócio-político de produção de
sentidos onde os indivíduos constroem e partilham identidades, expectativas de vida e
modos de ser, os sujeitos neopentecostais entendendo-se inseridos neste tipo de
sociedade constroem práticas dialógicas com este contexto a partir de uma releitura do
texto bíblico que faz uma ressignificação de práticas do Antigo Testamento, as quais
segundo a interpretação dos neopentecostais são introduzidas por uma divindade real e
soberana, pai de todas as riquezas encobertas e os tesouros escondidos,
Assim diz o SENHOR ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão direita,
para abater as nações ante a sua face, e para descingir os lombos dos reis, e
para abrir diante dele às portas, que o se fecharão. Eu irei adiante de ti,
endireitarei os caminhos tortuosos, quebrarei as portas de bronze e
despedaçarei as trancas de ferro; dar-te-ei os tesouros escondidos e as
riquezas encobertas, para que saibas que eu sou o SENHOR, o Deus de
Israel, que te chama pelo teu nome. Por amor do meu servo Jacó e de Israel,
meu escolhido, eu te chamei pelo teu nome e te pus o sobrenome, ainda que
não me conheces. Eu sou o Senhor, e não outro; além de mim não
Deus; eu te cingirei ainda que não me conheces. Para que se saiba, até o
nascente do sol e até ao poente, que além de mim não outro; eu sou o
SENHOR, e não há outro. Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o
mal; eu o SENHOR, faço todas essas coisas. ( Isaías 45:1-7, p.705, Bíblia
Sagrada)
É instigante como o Antigo Testamento foi o lastro doutrinário para a
compreensão de Jeová, enquanto uma divindade sócio-política com uma atuação
preponderante no sistema econômico-político vigente, ainda que a profecia dada por
Isaías ao povo de Israel no cativeiro da Babilônia, tratava de uma libertação política que
seria comandada por Ele mesmo, Jeová, que se coloca como o Rei dos Reis e Senhor de
115
riquezas incalculáveis. Os neopentecostais reconhecem essa paternidade, ao
ressignificar o texto bíblico, produzindo práticas mais adaptadas à inserção no sistema
econômico.
O cristianismo nasceu no bojo de problemas econômicos, sociais e políticos
concretos que o decadente Império Romano enfrentava naquele contexto, crise na
agricultura, falta de diplomacia com os bárbaros e as insurreições populares em grande
medida deflagradas pela pobreza e miséria em que vivia a maioria da população. A
libertação dos sofrimentos do mundo foi ao nível individual um grande terreno para a
fundamentação das religiões especialmente, o cristianismo com a promessa de salvação
e felicidade no Reino dos Céus.
O pentecostalismo no Brasil também se disseminou entre as populações menos
abastadas e precisava lidar de uma forma ascética com as limitações econômicas de sua
membrezia o que positivizou a não prosperidade e os sofrimentos da vida. Nas palavras
de Mariano,
Desde o princípio o pentecostalismo atraiu sobretudo as camadas pobres e
marginalizadas e sobre esta base foi difundido. Sectários e ascéticos, durante
décadas os pentecostais promoveram forte desvalorização do mundo. Contra
ele, suas tentações e a corrupção da matéria, propuseram condutas ascéticas,
procedentes da matriz puritana, como meio de assegurar costumes e hábitos
que os conduzissem à salvação ou à certeza de estarem salvos no outro
mundo, libertando-os do sofrimento de uma vida de privações. Até então,
suas promessas redentoras, excetuando-se sobretudo à cura física, se
concretizariam no além. (MARIANO, 2005: 148)
Vale ressaltar que esta forma de ascese intramundana dos pentecostais, ainda
que tenha raízes puritanas, é diferenciada da ascese calvinista doculo XVII. No
século XVII, o espírito de poupança e a normatização de condutas morais e econômicas
denotava um estado de eleição em que se encontravam os fiéis e não era pela sua
privação econômica, cultural e educacional, ao contrário, existiam relações
comerciais nos burgos pelo menos desde o século XIII.
Deve-se levar em conta que a ascese praticada por puritanos no século XVII e
pentecostais no século XX, são completamente diferenciadas pelo lugar social em que
estes segmentos do protestantismo se inserem no sistema sócio-econômico, o seu
contexto histórico. De maneira simplificada, puritanos praticam sua ascese para
enriquecer e alcançar a eleição, ao passo que pentecostais se privam do enriquecimento
para alcançar a redenção de suas almas no Reino dos Céus.
116
A partir da década de 1970 com o processo de modernização do País, as novas
gerações de pentecostais pela escolarização ou outras oportunidades econômicas
começou um lento e gradual processo de mobilidade social, resultando em tensões
internas no que se refere ao exercício da ascese pentecostal. Mariano, argumenta:
A acomodação ao mundo ou a dessectarização que tomou corpo em diversas
igrejas pentecostais, sobretudo nas fundadas a partir de então. Diante da
mobilidade social de parte dos fiéis, das promessas da sociedade de
consumo, dos serviços de crédito ao consumidor, dos sedutores apelos do
mundo da moda, do lazer e das opções de entretenimento criadas pela
indústria cultural, essa religião [sic] ou se mantinha sectária e ascética,
aumentando à sua defasagem em relação à sociedade e aos interesses ideais
e materiais dos crentes, ou fazia concessões. Diante das mudanças na
sociedade e das novas demandas do mercado religioso, diversas lideranças
pentecostais optaram por ajustar gradativamente sua mensagem e suas
exigências religiosas à disposição e às possibilidades de cumprimento por
parte dos fiéis e virtuais adeptos. (MARIANO, 2005: 148)
No decorrer da obra de Ricardo Mariano Neopentecostais: Sociologia do
protestantismo brasileiro” é comum encontrarmos o uso de termos classificativos de
uma forma indiscriminada, no extrato acima e outras vezes, os termos denominação,
confissão e religião como equivalentes, o que não se verifica de acordo com as
discussões realizadas nos capítulos iniciais.
Diante de novas condições materiais, o pentecostalismo operacionalizou as
ofertas do capitalismo a uma doutrina religiosa conhecida como Teologia da
Prosperidade. A prosperidade é entendida pelos neopentecostais como uma benção que
pode ser alcançada mediante a fé. A fé e à obediência doutrinária aos princípios bíblicos
é perfeitamente sadia para o fortalecimento político e econômico da congregação e
consequentemente do corpo de Cristo.
Bob Brinner é um protestante norte-americano que na década de 1970 começou
os seus negócios internacionais. Conseguindo expansão no ramo de televisões
esportivas começou a aplicar princípios bíblicos na gestão de suas empresas. Estes
princípios bíblicos baseados nos ensinos de Jesus Cristo no Novo Testamento, acabou
por fundamentar uma corrente de pensamento dentro do protestantismo norte-
americano. Sua expansão econômica e de outros também acabaram por trazer uma nova
leitura, de que a prosperidade é um dom de Deus e a obediência e fidelidade doutrinária
trazem bênçãos materiais. Em suas palavras:
Muitas pessoas colocaram Jesus dentro de muitos moldes, desejosos de
adaptá-lo às idéias que possuem. Mas o que me impressiona e o que espero
117
que lhe cause um grande impacto é o seguinte: Coloque a via e o ensino de
Jesus fora de qualquer contexto místico ou espiritual, e você encontrará uma
sabedoria altamente relevante ao meu e ao seu mundo, o mundo dos
negócios. Pense sobre isso!
50
A Teologia da Prosperidade atendeu às expectativas de consumo, como também
às expectativas dos empreendimentos comerciais, industriais, tanto da maioria que
poderia agora desejar desfrutar das ofertas do mundo, quanto para a minoria abastada
que poderia legitimamente, gozar da felicidade e do enriquecimento. Existem
precursores que começaram essa nova possibilidade de ser protestante individualmente,
como também na década de 1950 foi criada a Associação de Homens de Negócio do
Evangelho Pleno por Demos Shakarian (ADHONEP). No Brasil a ADHONEP chegou
em 1973 com o objetivo de promover reuniões de confraternização entre empresários,
onde estes encontram espaço privilegiado para tornar públicos os milagres que Deus
tivera realizado nos negócios e na vida familiar. Trata-se de uma associação que
pretende afirmação de evangélicos enriquecidos, além de publicisar que o
protestantismo pode ser uma possibilidade para a ascensão social.
A Teologia da prosperidade surgiu nos Estados Unidos na década de 1940,
tornou-se doutrina na década de 1970 entre os grupos evangélicos carismáticos e depois
se expandiu para outras correntes cristãs. A confissão positiva, como era chamada,
reunia crenças de cura, prosperidade e poder da fé. São figuras proeminentes os
senhores Kenneth Hagin, Essek Willian Kenyon, Robert Schuller, Charles Capps,
Benny Hinn, Fred Price, entre outros, os precursores da Teologia da Prosperidade. Que
tanto na sua origem nos Estados Unidos quanto no Brasil tiveram a sua mensagem
religiosa massificada pelos meios de comunicação com o uso do televangelismo. A
mensagem de sucesso e bem-aventurança da “saúde perfeita, ou cura das enfermidades,
prosperidade material, triunfo sobre o Diabo, uma vida plena de vitória e felicidade,
“direitos” do cristão anunciados na Bíblia, figuram entre as bênçãos mais declaradas
por eles.” (MARIANO, 2005: 154)
A Teologia da Prosperidade chegou ao Brasil nas décadas de 1970 e penetrou
em muitas igrejas a exemplo da Internacional da Graça de Deus, Universal do Reino de
Deus, Renascer em Cristo, Nacional do Senhor Jesus Cristo, Ministério Internacional da
Restauração, entre outros. A doutrina das bem-aventuranças da Teologia da
Prosperidade é calcada em um princípio bíblico das obrigações do fiel com a igreja, os
50
BRINNER, Bob. Os métodos de administração de Jesus. São Paulo: Mundo Cristão, 1997. (p.11)
118
dízimos e ofertas, para receber os dons de Deus é necessário pagar os tributos devidos a
Deus. Isso está expresso no texto bíblico do profeta Malaquias,
Roubará o homem a Deus? Todavia, vós me roubais e dizeis: em que te
roubamos? Nos dízimos e nas ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, por
que a mim me roubais, vós a nação toda. Trazei todos os dízimos à casa do
tesouro, para que haja mantimento em minha casa; e provai-me nisto, diz o
SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas dos céu e não
derramar sobre vós benção sem medida. Por vossa causa, repreenderei o
devorador, para que não vos consuma o fruto da terra; a vossa vide no
campo não será estéril, diz o SENHOR dos Exércitos. Todas as nações vos
chamarão felizes, por que vós sereis uma terra deleitosa, diz o SENHOR dos
Exércitos. (MALAQUIAS 3:8-12 p.939, Bíblia Sagrada)
A intensificação desse processo de doutrinar a membrezia a pagar cada vez mais
os dízimos à igreja e doar grandes ofertas para receber em multiplicação de nçãos
materiais, favoreceu às igrejas em vários aspectos. As igrejas se transformaram em
empresas de salvação que crescem e buscam ampliar o seu crescimento através dos
meios de comunicação. Não foi ao acaso que todos os difusores da Teologia da
Prosperidade usaram o televangelismo e montaram congregações nacionais e
internacionais com a sua mensagem positiva do calvário de Cristo. No Brasil ocorreu o
mesmo fenômeno entre os neopentecostais que tomaram as programações de quase
todos os canais de televisão aberta.
Rangel de Oliveira Medeiros (2005) analisou o discurso da inclusão e da
exclusão social na Universal do Reino de Deus e sua pregação permeada pela Teologia
da Prosperidade com ênfase em recolher dízimos para distribuição de bênçãos e a
doutrina do trabalho e enriquecimento como uma vocação divina e suas implicações na
vida concreta dos fiéis da IURD.
A Teologia da Prosperidade também atravessou a doutrinação dos líderes do
G12 e M12. Utilizando a ordenança bíblica do recolhimento de dízimos e ofertas pelos
sacerdotes, a prosperidade têm sido difundida através da máxima dar para receber.
Observemos o relato da apóstolo Renê Terra Nova:
O dizimar e o ofertar são as maiores provas para vermos se somos ou não
nascidos de novo, pois quem resiste aos dízimos resiste a ser fiel, e quem
não é provado na fidelidade, nega em si mesmo o poder de Deus na sua vida.
Conheço muitas pessoas que se dizem crentes, porém na hora da prova
negam a sua fé e isentam a fidelidade...a fidelidade nos leva a prosperidade.
Se realmente somos fiéis, somos essa nuvem que molha a terra, que protege
do calor e que faz a diferença quando o sol está quente. Deus faz chover
119
sobre todos, justos e injustos, bons e maus (Mt 5:45). Mas há uma chuva que
é só para fiéis (Os 6:3; Jl2:23)
51
Observemos que nos discursos de todos os líderes do G12 e M12 a entrega de
dízimos e ofertas é bastante enfática. Além dos discursos dos líderes, no Brasil houve
um Ministério Itinerante realizando um congresso intitulado “Prosperidade blica.”
Entendendo que a prosperidade é um estado da alma humana e que realizando os
princípios de doação dos impostos bíblicos, a prosperidade começará pela área
financeira e contemplará a saúde, as emoções e a família.
Este Ministério Itinerante surgiu na Comunidade Cristã Vida Abundante em
Ceilândia, cidade satélite do Distrito Federal, “uma igreja em células no Modelo dos
12” pastoreado pelo pastor Philomeno Romero, o qual presenciamos e atestamos
ministrações de cura de câncer, AIDS, glaucoma, cistos na região mamária, entre muitas
outras ocorrências durante este congresso de três dias. Este pastor é um dos doze
discípulos de Renê Terra Nova em nível nacional. Neste congresso foram apresentados
aos fiéis cinco tributos à Deus. Nas palavras de José Rubens, preletor do congresso e
doze de Philomeno Romero, Além destes dois princípios apresentados, primícias e
ofertas ao ministério missionário, existem outros três que todos conhecem, que são os
dízimos, as ofertas voluntárias ou de gratidão e as semeaduras.”
52
A ênfase no dar para receber” norteou às práticas do G12 e M12 com relação à
aquisição da prosperidade. Consideramos que as práticas de cura realizadas por estes
líderes contribuíram na geração de eficácia no recolhimento de dízimos e ofertas, além
de promover a expansão das igrejas, sua estrutura, sua inserção na sociedade e os usos
da mídia.
Os usos da mídia como uma forma peculiar de inserção no sistema econômico e
político, onde circulam as tradicionais doutrinas eivadas pelo espírito do capitalismo da
competição e da lucratividade. Nas palavras de Cunha (2007) “a cultura gospel
processou aspectos da cultura do mercado e da cultura das mídias e privilegia as
expressões musicais do gosto popular”(CUNHA, p.178). A cultura gospel na sociedade
de mercado se transformou em produto para o consumo popular, com isso as
congregações e denominações protestantes ampliaram o mercado fonográfico, editorial,
televisivo, usando estes espaços para fazer proselitismo religioso e aumentar a eficácia
do evangelismo.
51
TERRA NOVA, Renê de Araújo. Fidelidade: o caráter do povo curado. 2ªed. Manaus, 2005.(p.59)
52
RUBENS, José. Os Dois Senhores. Shekinah Gráfica e Editora. Brasília-DF, 2002. (p.35)
120
As lideranças do G12 também utilizaram em ampla medida os recursos
midiáticos para ampliar a eficácia da sua mensagem religiosa. São inúmeros os sítios na
internet de César Castellanos, ReTerra Nova, Valnice Milhomens e inúmeros outros
líderes. Os estúdios áudio-visuais se localizam no interior das congregações o que pude
constatar em viagem de campo para pesquisar na Igreja Nacional do Senhor Jesus em
São Paulo. O espaço da mídia como um todo foi ressignificado pelas demandas
religiosas de competição no mercado religioso. Alberto Klein (2006) argumenta:
A proliferação de programas religiosos na TV e no rádio, iniciada
algumas décadas, evidencia uma disputa cada vez maior pelos espaços
midiáticos entre as igrejas. Ampliar a voz do evangelho pela radiodifusão é,
antes de tudo, uma estratégia missionária, com a finalidade de arrebanhar
novos fies. Manifesta-se com o desejo de cumprir a ordem de Cristo para
pregar o evangelho a todas as nações. Foi assim que o impulso expansionista
do cristianismo, revelado nas viagens missionárias e nas cartas dos primeiros
apóstolos, ganhou no século XX, o suporte das telecomunicações. (KLEIN,
p.145)
Os novos movimentos religiosos de lastro cristão apresentam facetas diferentes
em relação ao protestantismo histórico, pois são iniciativas religiosas que realizam um
diálogo com a realidade cultural do mundo contemporâneo. Lidar com desejos,
dificuldades, incertezas, ou seja, operações do cotidiano das pessoas, tornou essencial
para a sobrevivência desse protestantismo contemporâneo, o que vislumbrou uma
ruptura com a racionalidade do protestantismo histórico, dando lugar a práticas menos
racionais, como experiências místicas, sonhos, visões, profecias que logram sucesso no
manejo do cotidiano dos fiéis nos grupos neopentecostais e vai ao encontro da
religiosidade popular brasileira.
É possível discutir esta nova forma de ascetismo no G12 sob diversos aspectos,
desde as suas doutrinas, práticas e representações, a participação das mulheres que é
uma outra ruptura em relação às práticas tradicionais dos grupos protestantes, até a
aproximação com a política e a Teologia da Prosperidade como uma nova forma de
articular as práticas contemporâneas da cotidianidade à uma ética ascética tradicional
dos protestantes.
A opção neste texto por discutir o tema apenas sob o viés doutrinário das células
foi para nos aproximar de Weber no que tange a metodologia e condensar a discussão
num espaço tão pequeno. Nessa perspectiva, o G12, tanto quanto o ascetismo ético
calvinista, guardam certas aproximações. Em que pese os processos históricos
diferenciados espaço/temporalmente que não foram discutidos com o rigor necessário, é
121
marcante a peculiaridade dessas formas de ascesse. Estar separado do mundo, do pecado
e com isso, obter a certeza da salvação, são doutrinas que foram reelaboradas e
ressignificadas de modo a integrar estes sujeitos de alguma forma no tipo de
desenvolvimento da sociedade que os estranhava pela sua diferença. Diálogo este que
pode-se afirmar a eficácia que tiveram no seu tempo e em sua sociedade pela expansão
das idéias, da comunidade e da visibilidade que estes grupos protestantes conseguiram e
tem vivido na contemporaneidade.
122
CAPÍTULO 4
PROTESTANTES E POLÍTICA
É um fato histórico que os sistemas religiosos e às relações estabelecidas estão
permeadas de conteúdo político e relações de poder. Nessa perspectiva, admitindo o
princípio de que os grupos pentecostais e neopentecostais fazem parte de um mesmo
grupo religioso, “o campo protestante”
53
, ainda que esta forma de religiosidade cresça e
se desenvolva de forma fragmentada nas suas diversas nuances.
O protestantismo, sobretudo, na sua faceta pentecostal construiu um imaginário
de distanciamento do fiel protestante das relações com o campo político e da inserção de
religiosos nas “coisas do mundo”. É comum o uso desta expressão entre as
comunidades protestantes, coisas do mundo” se refere a todo tipo de prática que não
está no conjunto de prescrições divinas aos seus fiéis, e portanto, se refere às coisas do
diabo, o pecado e a destruição moral, espiritual e física. Como a política se consagrou
no Brasil como o lugar da corrupção, do enriquecimento ilícito, além de outros fatores
internos na primeira metade do século XX os evangélicos não tiveram projetos
sistemáticos de inserção política, deveria ser evitada.
A inserção de protestantes nos espaços políticos no Brasil é uma temática do
recente século XX, ainda pouco estudada nas universidades, entre os estudiosos do tema
estão Paul Freston(1993), Elizete da Silva(1998), Vasni Almeida e R. Prandi. É
necessário destacar a pluralidade das formas de religiosidade protestante para
compreender a lacuna que envolve a participação de evangélicos na política
institucional e parlamentar nas diversas localidades do País, uma vez que na nossa
concepção de História Cultural, os conceitos de aproprião e práticas e representações
permitem articular a complexidade do fenômeno religioso e as relações políticas.
Elizete da Silva argumenta que até as primeiras décadas do século XX “a díade
reinos deste mundo x Reino de Deus presidiu a tessitura das representações políticas dos
grupos em apreço” o que ocasionou um distanciamento dos protestantes da política
53
Esta expressão foi largamente utilizada pelo sociólogo Paul Freston em sua tese de doutorado que
discute a participação de protestantes na política parlamentar brasileira a partir do ano de 1986 ao
impeachment do então presidente Fernando Collor de Melo em 1992. Ainda que o conceito de Pierre
Bourdieu de campo religioso, seja referente à totalidade das relações de concorrência pelo monopólio
legítimo dos bens de salvação entre instituições e agentes religiosos no campo das relações sociais. Na
acepção de Bourdieu não seria possível falar de um campo protestante, mas de um grupo protestante com
uma determinada posição no campo, ou talvez um subcampo, uma forma de estudar campos dentro do
campo das relações socias.
123
partidária pelo superdimensionamento dos aspectos espirituais, do conceito individual,
ou seja, o Reino de Deus encontra-se no coração dos homens (SILVA,1998: 87). Essa
relação com o âmbito político foi diferente dos vínculos da hierarquia católica com os
representantes políticos.
Analisando o relacionamento estabelecido entre batistas e sua respectiva
imagem da sociedade política no século XIX na Bahia, Silva constatou que devido às
influências do movimento pietista o grupo desenvolveu práticas de abstenção do
engajamento social e político. “A ênfase principal era a piedade pessoal e a busca por
uma maior santificação e separação do mundo e das questões terrenas”(SILVA, p.93).
Estes batistas da Convenção ao tomar como modelo de Estado, os Estados Unidos, se
distanciaram das práticas culturais e religiosas do Brasil hegemonicamente católico.
Esta visão de mundo predominou em muitos grupos protestantes no Brasil e foi
exacerbada entre os pentecostais durante a primeira metade do século XX.
Joanildo Albuquerque Burity (1989) estudou a participação dos evangélicos
ecumênicos na ambiência da Revolução Brasileira entre 1961 e 1964, ou seja como foi
gestado o discurso social dos protestantes frente as condições impostas pelo liberalismo,
positivismo, evolucionismo, socialismo e pela secularização das sociedades ocidentais.
Burity compõe o novo conceito de sociedade responsável que norteou a teologia social e
política dos anos 50 e 60 dos protestantes e o início de sua transformação.
Influenciado pelo contexto histórico surgiu em 1948 em Amsterdã o Conselho
Mundial de Igrejas (CMI) e como conseqüência a (CEB) Confederação Evangélica
Brasileira que tinha a preocupação fundamental da responsabilidade social dos cristãos
frente à realidade social. Nas palavras de Burity,
Trata-se, antes, de um conjunto de princípios que embasariam as
aproximações concretas das igrejas às questões sociais, políticas e
econômicas da atualidade. Há lugar, portanto, para uma posição crítica a
ambos os sistemas sociais vigentes que, sob o signo da guerra fria, se
procuravam impor como alternativa inescapável. (BURITY, 1989: 189)
A atuação do CMI foi muito importante na conjuntura da década de 1950 na
proposição de uma nova forma de protestantes se engajarem na sociedade. Seja de uma
forma crítica à política social, seja o ecumenismo de serviço, foram estratégias políticas
desenvolvidas por evangélicos e uma primeira ruptura com a tradicional separação dos
evangélicos dos assuntos políticos.
124
Elizete da Silva estudou a trajetória do protestantismo ecumênico em Feira de
Santana e sua atuação na sociedade brasileira expôs a preocupação desta geração de
novos evangélicos preocupados com a realidade social. Em suas palavras:
na década de 1950, tudo indica que o acordo tácito de obediência às
autoridades constituídas e a omissão frente aos problemas sociais entre
lideranças protestantes e governantes, começava a ser questionado. Uma
nova geração de jovens reformados começava a se inquietar com a realidade
brasileira, de forma sistemática e organizada. Buscavam viver o Evangelho
também na sua dimensão terrena e social. Eram homens e mulheres do seu
tempo, um tempo de profundas transformações sociais, políticas,
econômicas e também eclesiásticas, tanto no Brasil, quanto no cenário
internacional.(SILVA, 2007: 52)
Além destes textos acadêmicos sobre a participação de evangélicos na política, o
livro do pastor Josué Sylvestre (1986) tem igual importância. Sua obra “Irmão vota em
irmão: os evangélicos, a constituinte e a Bíblia” expressa o contexto e a doutrinação que
permeou a direção de evangélicos se inserirem sistematicamente na política partidária
nos anos posteriores. Sylvestre e outros irmãos evangélicos já tinham plena consciência
do potencial eleitoral que o setor protestante representava no cenário político nacional.
Nas convenções, em encontros, em reuniões de organizações evangélicas, os
mais diferentes grupos denominacionais têm comentado muito, nos últimos
tempos, que está na hora de agradecermos a Deus, de forma prática e
efetiva, pelo país maravilhoso que Ele nos deu e que está sendo destruído
pelo pecado da corrupção, da idolatria, das práticas umbandistas e das
administrações nefastas de homens que não temem a Deus... Ou sacudimos
esse opróbrio dos nossos ombros, livrando-nos dessa acomodação, desse
desinteresse, dessa falta de coordenação, dessa falta de inteligência, dessa
falta de amor, e elegemos parlamentares a administradores evangélicos em
todas as eleições que surgirem de agora em diante, ou veremos o nosso país,
cada vez mais, sendo arrastado para o lodaçal da corrupção e da
administração.
54
O pastor Josué Sylvestre era membro da Assembléia de Deus e argumentava que
ao final da década de 1980, houve entre a maioria das denominações evangélicas essa
nova direção política de engajamento na política partidária.
Paul Freston se dedicou ao estudo da participação de evangélicos na política
parlamentar e institucional a partir a década de 1990, priorizando o novo modelo de
inserção dos grupos pentecostais no Brasil. Freston constatou a visibilidade social e
política dos pentecostais nas últimas décadas do século XX, através do seu crescimento
54
SYLVESTRE, Josué. Irmão vota em irmão: os evangélicos, a constituinte e a Bíblia. Brasília:
Pergaminho, 1986. (p.29)
125
demográfico e mudança de perspectiva política. Suas palavras constatam a urgência que
a análise da inserção dos protestantes na política parlamentar suscitou:
Urge, pois, examinar esse nível onde a influência protestante crescerá,
podendo ultrapassar logo os 20% do eleitorado. Em vista disso, nosso corte
será basicamente nacional, tratando da política eleitoral e parlamentar de
1986 em diante e das elites políticas eclesiásticas e evangélicas, com ênfase
nos pentecostais (FRESTON, 1993, p.21).
Este trabalho de Paul Freston sobre a participação de protestantes na política
nacional se tornou relevante pela crescente inserção de evangélicos nas últimas décadas
do século XX, que para se expressar numericamente entre 1986 e 1992, houve um
número maior de entrada de protestantes na política do que durante toda a História
republicana no Brasil. Este novo componente na política do País, que esporadicamente,
ocorreu em décadas anteriores, trazia um diferencial nos últimos anos: a doutrinação
sistemática das lideranças e membrezia sobre a transformação da realidade social
brasileira e local através da inserção de protestantes nos centros de decisão
administrativa da nação.
Urge, pois compreender aspectos da política local na sua formação recente para
analisarmos as nuances e a natureza da inserção política de evangélicos pentecostais. A
dissertação de mestrado de Igor Gomes Santos é o único trabalho sobre a política de
Feira de Santana nas duas últimas décadas do século XX. O seu objeto de estudo é mais
especifico sobre as origens e trajetórias do PT de Feira de Santana, porém discute o
processo de evolução política do município desde a sua origem ligada a forte presença
de hierarquias sociais ligadas às atividades econômicas rurais até a instalação da
República e sua “onda urbanizadora” com a lenta e nova presença de outros grupos
hegemônicos em nível local, a exemplo dos comerciantes.
Até pelo menos a década de 1970, houve em Feira de Santana relações de
conflito e convivência entre a sociedade que aos poucos foi se urbanizando, mas ao
mesmo tempo lidando com problemas típicos da zona rural como a escassez de água e
animais transitando pelas ruas do município. Em alguns bairros o fornecimento de luz
era feito através de velas, candeeiros, carbureto, etc. Alguns só viriam a ter luz elétrica
por volta de 1970. (SANTOS, 2007)
Na segunda metade do século XX, o município feirense passou por um processo
de industrialização que se tornou sistemático nas décadas de 1970 e 1980 com a
implantação do CIS e seus desdobramentos econômicos, políticos e sociais contribuindo
126
para ampliar as classes hegemônicas que não vinham apenas das grandes fazendas, do
comércio local e da indústria, mas também da expansão do setor de prestação de
serviços em Feira de Santana. Profissionais liberais como médicos, advogados,
professores do ensino superior começaram a integrar também as classes que transitavam
nos lugares de poder.
Estas transformações no cenário político-social em Feira de Santana se
articularam a intensas inovões doutrinárias e teológicas dentro de alguns grupos
protestantes, entre os quais os pentecostais e mais especificamente os neopentecostais.
O cenário político-cultural das duas últimas décadas do século XX em Feira de Santana
revelou o nome de três fortes figuras da política local, os prefeitos, José Falcão, João
Durval e Colbert Martins. Nas palavras de Santos, (2007):
Podemos perceber nos contornos da política em Feira de Santana, seus
aspectos mais característicos: forte personalismo; ausência eminente de
questões programáticas com resoluções das crises políticas através de
casuísmos e troca de favores e cargos: o velho se sobrepondo sempre ao
novo, como marca de tradição; a dificuldade de renovação política dos
partidos e das lideranças. Marcas que definem e determinam bastante a
atuação partidária de novas e velhas forças que almejam alcançar a
representatividade popular. (SANTOS, p.62)
Santos, discutiu as Associações de Bairro e suas lutas por melhorias da
qualidade de vida dos seus moradores, expôs as ocupações irregulares de terrenos da
prefeitura e de particulares por populares, as reinvindicações por saneamento,
calçamento das ruas, escolas, hospitais, entre outras e a forte presença dos
administradores dos bairros, nessas reivindicações. O nexo encontrado por Santos em
relação ao PT é que embora o PT tenha nascido das reivindicações dos trabalhadores ao
patronato, em Feira de Santana o partido passou ao largo das reivindicações populares e
distante das Associações dos Bairros.
Nas palavras de Jairo Cedraz, militante do PT que testemunhou os
acontecimentos, o PT assistiu tudo aquilo sem se envolver com exceção
desses senhores anteriormente citados, que se envolveram na ocupação do
Campo Limpo. Jairo Cedraz é ainda mais duro, acha que a pretensão dos
militantes do PT, que era conseguir alguns votos, que o ano seguinte era
eleitoral, não foi conseguida nem de longe. Muito menos conseguiram
reorientar a posição política do movimento, pois dali apenas teria saído voto
para a direita, a exemplo da mulher de George Américo, eleita para a
Câmara de vereadores pelo PDC (Partido Democrático Cristão). (SANTOS,
p.248)
127
A debilidade do PT em se articular às lutas de bairro e paralelamente a força e o
personalismo de alguns administradores de associações de bairro, revelam que o contato
pessoal diário com moradores, estabelecendo vínculos outros, teve maior eficácia que o
preenchimento das fichas de filiação aos partidos oposicionistas populares em Feira de
Santana. Nesse sentido, os evangélicos construíram laços pessoais e institucionais ao
longo da sua trajetória e chegou às casas das famílias e fez o retorno às ruas e aos
espaços políticos. Muitos políticos em Feira de Santana descobriram o potencial
eleitoral dos evangélicos. Chico Pinto havia descoberto antes com Gerson Gomes da
Assembléia de Deus, a exemplo do ex-prefeito José Ronaldo, que sempre participou de
eventos protestantes e procurou se relacionar bem com as congregações protestantes do
município, bem como os núcleos celulares e familiares.
É instigante e complexa a formação política de Feira de Santana recentemente.
Complementando a análise supracitada, salientamos que os contornos não da política
partidária, mas das relações de poder e força que o construídas nos âmbitos político,
econômico, cultural e religioso possuem aqueles aspectos característicos discutidos por
Igor Santos. Os neopentecostais em estudo também são portadores desse perfil seja no
ambiente da vivência religiosa, seja na sua nova inserção política.
DIRETRIZES TEOLÓGICAS DO G12 E M12
A rejeição dos protestantes em relação à cultura local na Primeira República, foi
um tema discutido por Santos (2006) e Silva (1998). Diversos autores ao fazerem uma
análise sociológica sobre o fenômeno neopentecostal no Brasil, constataram que o
neopentecostalismo brasileiro passa pelo âmbito de uma dessectarização, de uma
ruptura com ascetismo contracultural e a progressiva acomodação destes religiosos e
suas denominações à sociedade e a cultura de consumo.
Uma das principais características do neopentecostalismo é a adesão à Teologia
do Domínio e sua concepção de que o mundo está em poder de satanás e daí a
necessidade do cristão declarar uma guerra espiritual contra o diabo por meio de
orações afirmativas e imperativas, jejuns, atos proféticos e marchas, porque o diabo é o
único causador de males à humanidade. Por isso, no imaginário dos protestantes
128
neopentecostais é preciso combater o adversário com práticas devocionais e práticas
sócio-políticas.
Nesse bojo, uma das perspectivas mais fecundas da acomodação destes
religiosos à sociedade é a inserção sistemática na política, sempre ressaltando esta
ruptura com o ascetismo cultural, ou seja, as vivências culturais cotidianas do mercado,
artes, política entre outras. Segundo Weber (1967), a ascese protestante foi uma nova
maneira dos protestantes calvinistas do século XVII, exteriorizarem sua intensa
religiosidade. Se os monges católicos desenvolveram a sua santidade na reclusão dos
monastérios, para os protestantes a sua santidade se dava no relacionamento com o
mundo pautado por uma rigorosa ética moral e religiosa do trabalho. Esta ascese do
século XVII, construiu o tradicional distanciamento do protestantismo histórico
posterior com a cultura brasileira hegemonicamente católica, apelo menos a década
de 1950.
Como foi discutido anteriormente a década de 1950 foi fundamental para a
transformação da leitura dos evangélicos sobre sua participação da realidade social
brasileira. O Conselho Mundial de Igrejas e a Confederação Evangélica Brasileira
tiveram um papel fundamental de realizar este diálogo crítico dos evangélicos com a
política. No entanto, como argumentou Freston (1994) a entrada sistemática de
evangélicos na política partidária se deu a partir do final da década de 1980, após a
Constituinte.
Neste contexto, ocorreu uma intensa transformação doutrinária entre os
segmentos protestantes que aderiram ao G-12 nas últimas décadas do século XX. Estes
segmentos doutrinam a sua membrezia destacando que a área política também tem que
ser conquistada por homens de Deus, para “estabelecer o governo do justo na terra”. o
líder René Terra Nova afirmou:
Creio que a transformação de nossa cidade
55
virá quando detivermos o
homem forte. As forças das trevas não prevalecerão. É missão da igreja ter a
visão transformadora de deter a atuação do homem forte em cada região. A
igreja precisa restituir sua autoridade na geografia, desde onde vive até os
confins da terra. Precisamos partir para mudanças transformadoras na
educação, na saúde, no social e na política, sabendo que o senhor poderá
usar homens de influência para serem instrumentos participativos de grande
relevância nesse processo
56
.
55
O vocábulo “cidade” se refere à cidade de cada crente e pode ser entendida como o país, ou até mesmo
o mundo, tendo em vista que existem protestantes em diversos países do mundo.
56
TERRA NOVA, Renê de Araújo. A Visão Profética para a Conquista das Nações. 1ªed. Semente de
Vida, Manaus, 2003. (p.9-10)
129
Esta citação encontra-se nas páginas do prefácio da obra. Quando o autor fala
em homem forte, ele se refere aos principados e potestades regionais que atuam na
sociedade com um caráter regional, causando os problemas sociais mais diversificados a
exemplo da pobreza, corrupção, imoralidade sexual, entre outros
É evidente que o líder religioso está pensando os problemas sociais do ponto de
vista religioso, ou seja, a leitura de mundo que ele faz da sociedade está muito
relacionada com a sua filiação religiosa, o seu lugar social. Por isso, ele atribui que a
existência de um homem forte em cada região explica a ocorrência de certas mazelas
sociais, por que para ele e seu grupo, embora esses problemas sejam materiais, na sua
cosmovisão, eles têm origem espiritual. Estes problemas, segundo a leitura bíblica de
Terra Nova, são advindos da atuação de demônios que governam as ões dos homens
que não possuem o Espírito Santo, estes demônios estão hierarquizados em principados
e potestades. Porém, o que diferencia esta matriz discursiva de outros discursos
religiosos inclusive dentro do próprio protestantismo é, sobretudo, um caráter amplo e
divino da relação da Igreja com a sociedade para a sua transformação política.
Ultrapassando a idéia de que a redenção da alma do cristão será mediante a
vinda de Cristo em sua volta triunfante no final do milênio, a proposta de redenção pela
política de ReTerra Nova, se aproxima muito da perspectiva de César Castellanos,
Valnice Milhomens, Sinomar Oliveira, entre outros, todos estes que têm uma estreita
vinculação com a implantação do G12 no Brasil e sua divulgação. Essa proposta de
redenção pela política parece ser um aspecto comum a estes líderes uma vez que todos
eles, exceto René Terra Nova, ainda fazem parte do governo dos 12 de César
Castellanos no Brasil, e como tal, compartilham essa visão.
A proposta que denominamos redenção pela política faz parte de um conjunto de
práticas e representações religiosas do mundo social contemporâneo. Se na visão
neopentecostal as hostes malignas monopolizaram o domínio sobre os meios de
comunicação, a política, a economia, saúde, etc. é dever de todo cristão entrar em guerra
espiritual e retomar este domínio para Jesus Cristo através de práticas materiais
concretas como o trabalho, a melhoria no nível educacional, o voto em candidatos
protestantes para os cargos administrativos e em todos os âmbitos da nação para a
santificação destes lugares e a posterior resolução das mazelas sociais causadas pelo
domínio do diabo.
130
Nos primórdios do século XX os protestantes queriam apenas evangelizar para
salvar o País, nas últimas décadas deste século a redenção inclui a política e também
outras áreas do social. Entre o motivos desta mudança de perspectiva estão o
desenvolvimento do capitalismo e novas diretrizes teológicas, uma nova doutrinação
entre alguns segmentos dos protestantismos brasileiros.
O G12 se concretizou em grupos e comunidades, galgou muitos espaços na
política colombiana. A pastora Claúdia Castellanos relatou que a Missão Carismática
Internacional elegeu-a à senadora da república na Colômbia, sendo atualmente
embaixatriz da Colômbia no Brasil.
O Senhor me deu a oportunidade de reconfirmar a decisão de ingressar na
atividade política, ao assistir um programa de televisão em que uma líder
praticante do ocultismo dava a conhecer suas aspirações governamentais.
Senti o zelo de Deus de uma maneira profunda, quando me vi desafiada,
crendo que havia chegado o tempo em que os cristãos deveriam participar na
política para estabelecer a mudança no país. Deus quer operar, mas é através
de nós... Por essa razão me converti em candidata a Câmara de minha cidade
e à Presidência da República, processos nos quais não obtive vitória, mas
que faziam parte da preparação, servindo para alcançar uma imagem a nível
nacional, que logo foi base para me converter na primeira senadora cristã no
parlamento colombiano.
57
Álvaro Cepeda van Houten estudou os meandros da política partidária de grupos
pentecostais na Colômbia, caracterizando-a como pejada de clientelismo político-
religioso, no qual grandes igrejas conquistaram o comprometimento dos fiéis na votação
eleitoral, contribuindo para grandes resultados políticos, estreitando as relações do
campo religioso com o campo da política partidária. Em suas palavras:
En términos generales, asistimos, entonces, a la tensión entre dos dinâmicas
que operan en forma simultatánea, pues por un lado hay un proceso de
secularización del Estado cuyo fin es la racionalización del ejecicio de la
democracia, y, por otro, un proceso de diversificación del campo religioso,
en el que surgen movimientos confessionales com gran poder de
convocatoria sobre los distintos sectores de la población y que fragmenta los
grupos sociales, los divide e los contrapone. Ahora bien, la dinamica del
campo religioso vuelve a tender lazos que estrechan la relación entre la
política y lãs creencias, lo que, en pocas palabras, recupera lãs formas de
legitimación del poder político a partir de lãs instituciones religiosas.
(HOUTEN, 2007: 109)
O autor questiona ao longo da obra se a Missão Carismática Internacional é uma
igreja ou um partido político pelo potencial eleitoral que expressou na eleição da
senadora e pastora Claúdia Castellanos e na fundação do (PNC) Partido Nacional
57
CASTELLANOS, Claúdia. In: DOMINGUES, César Castellanos. Liderança de sucesso através do
doze. Palavra da fé produções Ltda. São Paulo, 2000. (p.47)
131
Cristão na Colômbia. Este partido que nasceu baseado na profecia do líder César
Castellanos com a característica do clientelismo emocional, ou seja, o capital religioso
que esta denominação possui se convertendo em capital político.
A base deste partido Cristão colombiano foi, segundo Houten, uma doutrinação
da membrezia sobre a política, o potencial de crescimento através do grupo dos doze a
rígida identidade moral e comportamental da comunidade religiosa, e a estrutura
familiar coesa e a integração da mulher como líder religiosa e política. Nas palavras de
Houten:
En neste movimiento la mujer desempeña roles específicos de gran
importancia y en él adquiere mayor visibilidad social y religiosa. En la MCI,
por ejemplo, Claudia Rodrigues de Castellanos, además de su carisma
religioso y de sue estatus de pastora, es la der del Ministerio de mujeres y
la directora del movimiento político. Ella, proviene de una familia con
tradición em la vida política do país y con mejor posición econômica que
César. (HOUTEN, 2007: 131)
Este é apenas um exemplo entre muitos candidatos eleitos pela Igreja em células
na Colômbia. Salientamos a novidade que a senadora destacou sobre a participação de
evangélicos na política e seu aspecto de redenção e renovação política que a atuação de
Deus através dos “crentes” pode trazer inúmeros benefícios à sociedade. Seguindo esses
passos Renê Terra Nova no Estado do Amazonas, também usou a justificativa de
redenção da política pela atuação evangélica e com esta nova perspectiva e
conquistou muitos espaços políticos.
Em suas palavras Terra Nova explica:
Eu gostaria de ter essa orientação 15 anos,...mas, infelizmente, os nossos
líderes não tinham essa mentalidade, não por que eram medíocres, pois eram
homens fortes na palavra, mas lhes faltava esta revelação do discurso
político. Então, é preciso doutrinar melhor os nossos futuros candidatos,
dentro do discurso da palavra santa. Nossa linguagem deve ser de vitória,
caso contrário, todos seremos derrotados. O nosso papel profético entrou em
operação. Podemos até perder uma batalha, mas o Senhor disse que
venceremos a guerra, por que batalha é uma etapa, a guerra é um todo.
Temos muita coisa para fazer. Precisamos nos preparar para elegermos com
dignidade, seriedade e determinação os nossos futuros candidatos. O que
precisamos hoje é sermos uma igreja ousada, decidida. Deus pode muito
bem usar a política para cuidar do corpo de Cristo, até que o Corpo se
fortaleça e mostre o poder da ressurreição que há em Cristo Jesus.
O Apóstolo Terra Nova argumenta que às lideranças protestantes das gerações
anteriores faltou a revelação do discurso político, uma vez que estes não doutrinavam
suas membrezia sobre o voto e a cidadania do exercício eleitoral pelo que não apoiavam
132
candidatos evangélicos. O pastor recebeu essa revelação que o torna um profeta dos dias
atuais, o responsável por preparar e doutrinar sua membrezia sobre o projeto de inserção
na política partidária. Além disso, este novo discurso político, na sua concepção, vai
fortalecer as confissões protestantes que aderirem a esse projeto político. Ainda em suas
palavras o líder religioso expõe os perigos contidos se a “igreja de Cristo” ignorar esta
revelação, ou seja, este projeto,
Se a igreja não abrir os olhos como José de Arimatéia, o corpo nunca vai
ganhar essa força nem vai mostrar esse poder. Então, o nos
impressionemos. Fomos desafiados e mostramos a nossa força nessa eleição.
A nossa luta não é contra carne e sangue, mas contra principados e
potestades. o é uma luta qualquer, é uma luta cara a cara com o
principado da política, onde estão envolvidos o ético, o moral e o espiritual...
e seremos um número incontável no Amazonas, bem como em todos os
Estados do Brasil. Vamos nos unir como nunca nos unimos antes, por que os
pastores das cidades, de todas as denominações, precisam se reunir e decidir
a história do nosso Amazonas e do nosso Brasil. Porque, enquanto não
houver unidade, o espírito não se move.
58
Neste trecho, se evidencia que Renê Terra Nova é um líder eloqüente, intrépido
e vigoroso em seu discurso, através de uma conclamação ao povo evangélico e ao
mesmo tempo, fazendo uma leitura que o vincula ao perfil neopentecostal do grupo, o
mesmo está pensando a sociedade sob um prisma religioso, se colocando diante do
campo político, buscando essa inserção, doutrinando os seus seguidores a também se
empenharem por eleger candidatos do grupo, conclamando a unidade do espírito cristão
dos fiéis a este desafio de transformar a sociedade por uma política que glorifique a
Deus. A política, na sua visão não é mais uma atividade pecaminosa, mas um
instrumento divino para a transformação da sociedade. Somente através de um tipo de
governo em que a base seja os princípios bíblicos protestantes, será possível a
transformação social almejada por todos os brasileiros.
Sua proposta de um regime de governo teocrático, no qual o Estado é regido por
princípios religiosos, se delineia com o seguinte relato:
E nós vamos buscar na fonte bíblica o que é política, o discurso bíblico
político, para esclarecer ao nosso povo, e vamos estudar a política na
história de Israel, a única nação que nunca perdeu uma guerra em toda a sua
história, por que Deus nunca deixou de ser daquela nação. Vamos nos
multiplicar e a ferramenta para esse momento é a Igreja Celular no Governo
dos 12. uma promessa da parte de Deus, que o Senhor nos multiplique
58
TERRA NOVA, René de Araújo. A Visão Celular Restaura o conceito de Governo. In: G12: A revista
Oficial da Igreja em células no Modelo dos 12 nos Cinco continentes. Edição 8- Agosto de 2002. (p. 8)
133
mil vezes mais do que somos, e o Senhor nos multiplicará em bênçãos mais
e mais, tanto a nós como aos nossos filhos.
59
Diante desse extrato do seu discurso sobre a importância do aspecto religioso
para a transformação da sociedade por uma política de ideologia religiosa, que inclusive
é colocada como a vontade de Deus, se pode notar que existiu uma forte vinculação
entre as práticas específicas do G12 e a possibilidade de inserção do grupo no campo
político. Uma igreja em células, que esteja organizada para crescer em grupos pequenos,
sendo administrados pelo G12 local, mas que esteja sempre sendo discipulado a nível
nacional, constitui uma estratégia para a expansão do grupo não apenas como expressão
religiosa, mas também como expressão política. Um crescimento ordenado,
administrado, por que nas palavras de muitos pastores, testemunhada em observação
participante nos cultos e congressos realizados por integrantes do G12, que crescimento
de célula desordenado vira câncer (tumor maligno, ou tumor do maligno).
Entre os discípulos de César Castellanos no Brasil, René Terra Nova é um dos
líderes que mais escreveu sobre esta perspectiva de transformação da sociedade pelas
doutrinas religiosas evangélicas. Com a ruptura com Castellanos e a conseqüente
criação do M12 em 2005, Terra Nova manteve esta visão política partilhada com os
irmãos colombianos.
No que diz respeito à Feira de Santana nesse projeto de vinculação do G12 com
a política, foi notória e expressiva a eleição para vereador de 2004 no município. No
pleito eleitoral de 2004, o G12 lançou a candidatura de quatro líderes homens, dentre os
quais: Justiniano França (PHS) obteve 3.939 votos foi eleito, Jorge Oliveira (PP) com
2.050 votos, Israel Terra Nova (PP) com 1.636 votos e Paulão (PTN) com 989 votos,
não foram eleitos, mas demonstra o perfil partidário numa linha mais conservadora,
além de força política do grupo para galgar novos espaços. Vale ressaltar que todos
estes tiveram a autorização e o respaldo de Renê Terra Nova que foi um prestigiado
líder evangélico na cidade, e no ano de 2002, recebeu o título de cidadão Feirense
60
.
Que lhe respaldou tanto como líder religioso, quanto como uma diretriz política para os
segmentos evangélicos de Feira de Santana, por que a justificativa do vereador Jorge de
59
Ibidem.
60
Projeto de Decreto Legislativo nº13/2002 da Câmara Municipal de Feira de Santana. Este texto já foi
citado no segundo capítulo.
134
Oliveira para a concessão do Decreto legislativo foi o seu trabalho social na restauração
das almas e o apelo a sua forte liderança religiosa aqui na Bahia e em todo o Brasil.
Num contexto de Bahia, no pleito eleitoral para governador em 2006, houve a
candidatura do Bispo Átila Brandão, de origem Batista, também líder do G12 na cidade
de Salvador, o qual possui programa em rede televisiva, que embora não tenha
ultrapassado trezentos mil votos, marca a presença de um grupo religioso que almeja
a transformação na sociedade através da política. Com o slogan da campanha eleitoral
“o governo do justo”, o Bispo Átila Brandão filiado ao partido político PSC (Partido
Social Cristão) teve outras inserções na política, e marcou sua disputa ao governo do
Estado da Bahia pela aspiração de uma renovação política executada pelos evangélicos.
Paulo Fábio Dantas Neto (2006) analisou a política baiana entre os anos de 1954
e 1974, na qual a modernização da Bahia capitaneada por Antônio Carlos Magalhães se
baseou na tradição, na autocracia e no carisma de ACM, personagem político tratado
por ele como ator. Em suas palavras a política baiana teve a principal característica
modernizadora com algumas particularidades,
Entender a trajetória da modernização baiana é necessário para ver nosso
ator interpretando seu texto em trajes de déspota esclarecido, plugado no
capital e plantado na tradição, um olho no padre e outro na missa, ator e obra
da modernização conservadora que teve para a Bahia papel análogo ao da
Revolução de 30 para São Paulo. (DANTAS NETO, 2006: 42)
A política baiana deste período teve seus contornos fundados numa
modernização conservadora, e no despotismo do ator estudado por Dantas Neto. Nos
anos subseqüentes Antônio Carlos Magalhães sempre esteve envolvido na política
baiana ainda que não fosse diretamente, mas como senador pelo Estado da Bahia. ACM
sempre esteve aliado aos setores evangélicos mais conservadores, desde a ditadura
militar. Elizete da Silva, constatou as relações de clientelismo entre ACM e os Batistas
da Bahia,
Em 1971, o então Deputado Federal Antonio Carlos Magalhães foi indicado
pelos militares para o Governo da Bahia. ACM, como viria a ser
denominado no ambiente político, coordenou e consolidou sua liderança nas
bases políticas da capital e do interior baiano. Ampliando seu raio de ação
não esqueceu dos evangélicos, muito menos dos batistas. No mesmo ano o
Governador Magalhães convidou o deputado federal Raimundo Brito para
ser Secretário da Justiça de seu governo. (SILVA, 2008: 13)
135
Essa saturação com a política desenvolvida no Estado da Bahia, desencadeou
uma aspiração de renovação na política pela religião e estava fundamentada nos
aspectos morais, éticos e doutrinários do G12, por isso convém destacar esta nuance das
práticas religiosas, conforme pensava Renê Terra Nova:
Isto significa que um governo precisa ser um modelo, um exemplo a ser
seguido pelos discípulos, para que o diabo não nos apanhe em nenhum
argumento. Não a política, mas também outras formas de governo, como
o empresarial, de departamentos e até eclesial caíram em descrédito, por que
muitos são governos, mas nem todos o modelos. A palavra diz: “sê o
exemplo (o modelo) dos fiéis, na palavra, no trato, no amor, no espírito, na
fé, na pureza” I Tm 4:12. Por isso precisamos entender o que é o governo
dos 12 e que, muito mais que isso, precisamos ser modelo. As pessoas
precisam de uma pessoa que seja um exemplo para seguir, que honra o que
fala, que cumpre o que promete, que paga o que deve. Isso significa governo
restaurado
61
.
Esta noção de governo baseado em ética, moralidade, na valorização da família
permeia o discurso de René Terra Nova como um todo. O que identificamos como uma
apropriação do discurso de sar Castellanos como também de capitais simbólicos do
protestantismo histórico. Outro elemento necessário na compreensão do modelo G12 é a
ênfase que se solicita aos discípulos que se pareçam com os seus mestres em tudo,
Desde o relato de gênesis 12 a apocalipse 22:2, a bíblia fala do governo dos
12, que não foi criado para preenchimento de simples retórica; ele nasceu no
coração de Deus para mudar a história. O governo que repousou sobre Israel
era um governo de conquista e demarcação de território. Era uma conquista
organizada, onde cada um sabia para que lado deveria ir. Num exército,
nenhum soldado faz o que quer. Sempre tem uma autoridade sobre alguém,
uma ordem hierárquica e, na guerra um está ao lado do outro, mas tudo
sob um comando, uma orientação. O governo dos 12 fala de uma chamada
específica para nos organizarmos. Organizados, trabalharemos na medida
exata e produziremos mais. Pela organização, conquistamos velozmente;
não multiplicação sem organização. Vemos em Mateus14 que os cinco
pães e três peixes só foram multiplicados depois que o povo, que era mais de
cinco mil pessoas, já estava organizado em grupos.”
62
Neste trecho Terra Nova discute a eficácia da organização do G12 e o seu
simbolismo numérico. O número doze, quando se trata dessa leitura bíblica dos líderes
do G12, eles interpretam que na Bíblia doze é o número de governo, dois exemplos
disso são as doze tribos de Israel e os doze apóstolos. Uma estratégia de organização da
igreja em células que não é apenas metodologia, mas que vai além disso, passa por uma
61
TERRA NOVA, René e TERRA NOVA, Ana Marita. A visão Celular restaura o Conceito de Governo.
In: Revista G-12: “A Revista Oficial da Igreja em Células no Modelo dos 12 nos cinco continentes”.
Edição 8 - agosto 2002, (p.8)
62
Idem.
136
proposta de transformação social pela religião. A ênfase dos encontros, das pregações,
dos livros doutrinários, das revistas, é essa busca de desenvolver uma liderança baseada
em princípios morais e religiosos.
Analisar os atos proféticos, as marchas e o Congresso de Resgate da Nação
realizado em Porto Seguro anualmente, como práticas e representações que constroem
sentido religioso e político para essas comunidades. Na visão destes evangélicos os atos
proféticos são atitudes de em Jesus Cristo, que estes sujeitos realizam materialmente
com o objetivo de transformar o mundo social pela sua fé no mundo espiritual.
O termo “profético” ganhou destaque no dia a dia das comunidades religiosas
que aderiram ao G12, sobretudo pela sua apropriação de práticas e representações do
Antigo Testamento como as celebrações litúrgicas e rituais. No Antigo Testamento o
profeta surgiu como o enviado de Deus para trazer a Sua notícia sobre o presente e o
futuro dos hebreus em diversos momentos históricos de crise. O profeta tinha a
legitimidade de falar e intervir em nome de Deus, a fim de cumprir os seus propósitos
na terra, os profetas veterotestamentários também protagonizaram críticas e denúncias
sociais contra os governantes do seu tempo. O G12 assumiu essas características para os
seus sacerdotes, conferindo maior poder pessoal para as suas lideranças como foi
discutido no segundo capítulo.
René Terra Nova definiu que um ato profético é uma expressão, uma atitude
visível da igreja que tem uma referência e um respaldo no mundo espiritual. Digo que o
ato profético é uma mensagem enviada do reino do espírito que ratifica a ação da e
da palavra.”
63
Dessa forma o “ato profético” é uma atitude humana, que teve origem da
parte de Deus e por isso é legítimo. São atos proféticos, as orações, as ofertas, a
celebração das células, bem como todas as atitudes que envolvem a manipulação dos
bens sagrados.
Eliana Santos Andrade (2008) discutiu como as lideranças da “Visão Celular no
Modelo dos 12” transformaram os espaços das igrejas, das casas e ruas em espaços de
evangelização sistemática como estratégia de expansão desses novos neopentecostais na
capital baiana.
Além disso a autora uma importante contribuição empírica do significado
profético das marchas e do Congresso de Resgate da Nação em Porto Seguro. O
Congresso de Resgate da Nação ocorre todos os anos em Porto Seguro desde o ano
63
TERRA NOVA, Renê de Araújo. A Visão profética para a conquista das nações. Semente de Vida
Manaus, 2000. (p.13)
137
2000, data simbólica da comemoração dos quinhentos anos de descobrimento do Brasil,
e por isso mesmo, Porto Seguro foi escolhida para sediar o Congresso por representar o
nascimento da Nação brasileira, ou seja de Porto Seguro também nasceria a redenção da
Nação através das marchas realizadas na cidade durante o evento. Nas suas palavras:
Na Visão, a questão das marchas também é reelaborada, é transformada num
momento propício para a realização dos atos proféticos, uma referência
direta ao texto bíblico, mas feita de forma mais incisiva, mais declarada do
que as eventuais marchas realizadas no País. Para os evangélicos
participantes da Visão, o se está apenas marchando pela visibilidade, pelo
evangelismo, e até mesmo pela guerra espiritual que também é enfatizada no
movimento, mas é uma oportunidade de fazer os atos proféticos, garantindo
maior eficácia na marcha e na guerra, combatendo de forma mais incisiva o
mal que está no território e conquistando-o para Deus. (ANDRADE, p.97)
A conquista de territórios seja no espaço das casas através das células, e das ruas
através das marchas e atos proféticos são elementos que identificam a guerra espiritual e
material por espaços de poder. Os meandros da política se mostraram mais um aspecto
da conquista de territórios para Jesus e seus discípulos da contemporaneidade. No ano
de 2000, encontramos um projeto de lei da autoria do então vereador José Fernando dos
Santos Silva, candidato da Igreja Universal do Reino de Deus, que instituiu a “Marcha
para Jesus” no âmbito Municipal. “Fica instituída a MARCHA PARA JESUS no âmbito
no município de Feira de Santana a ser realizada anualmente conforma calendário
mundial.”
64
Na justificativa do Projeto de lei o vereador falou sobre a origem da marcha, o
seu caráter mundial nos calendários gospel, os benefícios espirituais da caminhada e da
grande congregação de cristãos organizados independentemente da sua denominação.
A primeira marcha ocorreu em Londres, em 1987, sob a liderança do pastor
Roger Foster e o cantor Graham Kendrick. Na ocasião, Foster definiu o
objetivo da passeata como o de “levar Jesus às pessoas que nunca estiveram
numa igreja para que se juntassem a marcha e percebessem que estavam
entre pessoas comuns
65
Além deste documento do ano 2000 encontramos no Jornal Feira de Jesus nas
edições de 1995, 1996, 1997, 1998, fotos e comentários sobre a “marcha para Jesus” em
Feira de Santana, constatamos a ambiência de uma guerra espiritual contra as
religiosidades concorrentes e, novamente, o objetivo de conquistar territórios espirituais
64
Projeto de Lei nº77 do ano 2000, livro 05 da Câmara Municipal de Feira de Santana.
65
Projeto de Lei nº77 do ano 2000, livro 05 da Câmara Municipal de Feira de Santana.
138
e materiais. “A marcha para Jesus combate a idolatria que está institucionalizada que é
uma das principais causas da desgraça social do Brasil.”
66
Na figura abaixo está representada uma fotografia que foi copiada do Jornal
Feira de Jesus da marcha realizada em 1995, ano que ainda o era uma data
comemorativa no município.
Fotografia 8: Marcha para Jesus em Feira de Santana em 13 de maio de 1995.
O Congresso de Resgate da Nação também tem esta perspectiva de guerra
espiritual, mas que não é travada ao vel local como as marchas. A sua realização em
Porto Seguro nas datas de comemoração da “descoberta do Brasil”, tem um significado
profético, a redenção do Brasil nas palavras de todos os líderes da Visão Celular teria
que começar pelo lugar onde nasceu o Brasil. Vale ressaltar que o Congresso de Resgate
66
Jornal Feira de Jesus. Ano I, nº2, maio de 1995, p.1.
139
da Nação é uma especificidade das Igrejas que aderiram ao G12, que se vinculam a
Renê Terra Nova, pois este congresso é realizado em Porto Seguro, todavia organizado
em Manaus no Ministério Internacional da Restauração. Eliana Andrade (2008),
comentou:
Quando criou o Congresso de Resgate da Nação em 2000, Terra Nova
escolheu Porto Seguro por ser considerado o “útero” da Nação, o local do
seu nascimento, representando pelo local e data um lugar e momento
estratégico na realização de atos proféticos e na conquista da Nação. O
evento foi criado para reunir os lideres de igrejas na Visão G12 de todo país
e até de outras nações. Além de palestras sobre os temas da Visão o evento
conteria desde sua primeira realização atos proféticos que redimissem na
concepção destes evangélicos , o Brasil, mais especificamente pelo seu
passado histórico. (ANDRADE, 2008: 99)
Analisamos as fontes editoriais questionando sobre qual a proposta de governo
que se adequaria às práticas e representações destes evangélicos, baseado em princípios
religiosos e valores morais dos grupos protestantes, tendo como lastro a Bíblia Sagrada.
Transparece a proposta de uma teocracia, baseada na monarquia hebraica do Antigo
Testamento, onde os sacerdotes e profetas, tinham muito mais representatividade do que
os próprios líderes políticos, evidenciando como que um discurso político e religioso de
mais de 3.000 anos atrás foi reelaborado, ganhando sentido e se apresentando como
proposta política em nível local, regional e nacional na contemporaneidade do
capitalismo. A centralidade da Bíblia e a manutenção das tradições religiosas podem
ajudar no entendimento de tal ressignificação.
Andrade também percebeu a proposta teocrática da ocupação de cargos
administrativos nas cidades, estados e nações, como a própria conquista de territórios.
Nas suas palavras:
A realização de atos proféticos e a forma como pensam estes religiosos
estarem agindo no sentido de transformação da realidade, revela um projeto
político alternativo, revela uma intenção de tomada do poder muito bem
definida, organizada e que busca de forma incisiva não a inserção na
esfera política permeada pela concepção religiosa que possuem estes
evangélicos, mas que a própria política se revista de um caráter teocrático. O
interesse religioso se relaciona com o interesse político. Para Bourdieu
(1998), a religião ao se relacionar com a esfera política, age no sentido de
legitimação da ordem estabelecida, embora as representações e práticas
religiosas tenham em seu discurso o espiritual, o sobrenatural, reproduzem
de fato, relações sociais terrenas, marcadas pelo antagonismo de grupos ou
classes, definindo sua posição na hierarquia do poder. (ANDRADE, p.100)
140
Mediante a análise apresentada, constata-se que esta vertente contemporânea do
neopentecostalismo brasileiro, reconhecida como G12, não se constitui apenas como
uma estratégia organizacional, mas o próprio caráter e perfil dessas congregações,
constituindo um elemento unificador de identidade, ao mesmo tempo em que garante a
visibilidade social do grupo. Entendemos o G12 como um ethos particular desses
segmentos que a ele aderiram, de tal forma que tanto no plano prático quanto no teórico
o G12 tem ressignificado diversas práticas religiosas dentro da sociedade
contemporânea do mercado, se relacionando com essas transformações de uma forma
muito peculiar em relação às denominações originárias do protestantismo histórico.
Uma dessas novas facetas é a sua peculiar aproximação com políticos e com a política
em Feira de Santana.
INSERÇÃO POLÍTICA DOS EVANGÉLICOS DO G12 E M12 EM FEIRA
DE SANTANA
O processo de mudança da forma de inserção política dos grupos pentecostais e
neopentecostais no Brasil se deu, sobretudo, após a década de 1960. Discutir essa nova
forma de engajamento político e visibilidade social destes grupos protestantes é
vislumbrar que os projetos de participação política das comunidades e associações de
bairro, não tiveram eficácia e influência na política municipal em Feira de Santana,
como demandavam as suas propostas. Nesse sentido as organizações religiosas
conseguiram representar as demandas políticas de suas membrezias com mais eficácia
do que as organizações de bairro, ou os partidos políticos tradicionais.
Discutir a inserção política dos evangélicos do G12 em Feira de Santana e as
suas relações com os outros evangélicos e com as lideranças políticas da cidade é
fundamental para a compreensão dessa mudança de perspectiva dessas comunidades
religiosas, destacando o discurso das lideranças locais sobre a sua atuação política,
investigando em projetos de lei, decretos legislativos, Resoluções do Regimento Interno
e os projetos de decreto legislativo da Câmara Municipal de Feira de Santana. É
necessário informar que a pesquisa nas Atas da Câmara Municipal foi realizada durante
todo o ano de 2008.
O nosso objetivo com a documentação da Câmara Municipal de Feira de
Santana foi verificar a atuação política dos edis evangélicos no período de implantação
do G12 até a instalação do M12 em 2005, identificando a natureza dos projetos de lei e
141
às justificativas dos vereadores nos Projetos de Decreto Legislativo para a concessão de
honrarias municipais, tentando vislumbrar a aproximação de candidatos evangélicos e
não evangélicos dessas comunidades religiosas, dado o seu crescimento demográfico e
visibilidade social.
O período recortado para a pesquisa nas fontes da Câmara Municipal foram os
anos de 2000 e 2005, quando da implantação do G12 em Feira de Santana e a
disseminação pública de uma campanha religiosa conclamando os evangélicos no Brasil
a votarem em candidatos evangélicos, numa perspectiva de moralização da política
através de políticos evangélicos comprometidos com a palavra de Deus, e o seu
resultado prático na política local, quando no pleito eleitoral de 2004, houve quatro
candidatos que integravam a proposta político-religiosa do G12 para a cidade, tendo em
vista que foram inúmeros os candidatos evangélicos de outras denominações, como o
pastor José de Arimatéia pela Universal do Reino de Deus e o Apóstolo Ronaldo pela
Igreja Getsemane, um conjunto de congregações independentes em Feira de Santana.
Os projetos de lei foram analisados com uma metodologia quantitativa e
qualitativa, buscando identificar os vereadores evangélicos que criaram as propostas de
lei e à natureza de sua atuação.
Durante o período de pesquisa foi realizada uma entrevista com o vereador
Justiniano França, mas o MP4 que foi utilizado como recurso técnico precisou ser
formatado e perdeu todos os dados. Depois deste acontecimento procuramos o vereador,
mas não conseguimos realizar outra entrevista em tempo de anexá-la ao trabalho.
Alguns dados serão inferidos no trabalho como uma citação indireta, que o
dispomos de transcrição.
. O pleito Eleitoral de 2000 elegeu dois vereadores evangélicos, Jorge Raimundo
de Oliveira Silva do (PRP) e José Fernando dos Santos Silva, o irmão Fernando.
Analisando quantitativamente a atuação destes vereadores na Câmara de vereadores
notamos que foram mais marcantes na construção de leis que concederam o título de
sociedade de utilidade pública para as organizações de assistência social de natureza
religiosa e à igrejas evangélicas. O período recortado compreende o momento histórico
de Feira de Santana, onde os evangélicos de uma forma geral, tiveram suas
reivindicações políticas contempladas de alguma forma pelas autoridades legislativas
em âmbito municipal.
A monografia de Igor José Trabuco da Silva (2008) estudou a política da
Assembléia de Deus em Feira de Santana e o seu caráter assistencialista e de barganha.
142
Além disso, Silva constatou a incursão de pentecostais assembleianos já nas cadas de
1950 e 1960 com os candidatos, Pastor Manoel Joaquim e Gerson Gomes. Isso não quer
dizer que houve uma inserção política sistemática de pentecostais, pois havia um tabu
envolvendo disputa de evangélicos por cargos políticos eletivos.
A inovação que o G12 trouxe foi a doutrinação sistemática de líderes e
membrezia sobre a importância de incluir na história política de Feira de Santana a
relevância social do trabalho de apóstolos, bispos, pastores, diáconos, e fiéis
protestantes de uma forma geral.
Segue abaixo uma lista com os nomes de todos os vereadores que fizeram
projetos de lei beneficiando politicamente os evangélicos com o reconhecimento de
sociedades de Utilidade Pública entre 2000 e 2005. Vale ressaltar que as eleições
municipais ocorreram em outubro de 2004. Foram muitos os vereadores que usaram
deste recurso legislativo para estabelecer relações cordiais com as comunidades
evangélicas. Dentre eles Jorge Raimundo de Oliveira Silva, Justiniano de Oliveira
França, José Fernando dos Santos Silva, José Pedroso dos Santos, José de Arimatéia
Coriolano de Paiva são evangélicos. Os vereadores de outras confissões religiosas que
concederam projetos de lei, tornando a atividade evangélica em utilidade pública foram:
Genésio Serafim de Lima, José Carneiro Rocha, Fábio Fernandes de Moraes Lucena,
Everton Pereira Cerqueira, Otávio Joel, Antônio Carlos Daltro Coelho, Etevaldo de
Jesus e Getúlio Barbosa. E apenas Jorge Raimundo de Oliveira Silva e Justiniano de
Oliveira França tiveram ligações com o G12 em Feira de Santana.
José Fernando
dos Santos
Silva
Institui no âmbito municipal a "Marcha
para Jesus"
(IURD)
Considera de Utilidade Pública a Igreja Presbiteriana de Feira de Santana e dá outras
providências
Fica considerada de Utilidade Pública a Casa de Recuperação Evangélica Eu sou livre
(CRESOL)
Alteração do transporte coletivo e urbano no âmbito do município de Feira de
Santana
Considera de Utilidade Pública a Igreja Batista da Evangelização
Nacional
Considera de Utilidade Pública o Ministério Batista Videira
Verdadeira
Considera de Utilidade Pública o Ministério Profético Vida e Paz e dá outras providências
Quadro 3: Fonte: Projetos de Lei do vereador Jorge Fernando dos Santos Silva
no seu mandato entre os anos 2000 e 2004 da Câmara Municipal de Feira de Santana.
143
Segue abaixo a lista de Projetos de Lei de autoria do vereador Jorge Raimundo
de Oliveira Silva que se articulou com o G12 em Feira de Santana durante o seu
mandato entre 2000 e 2004. este acervo está no arquivo da Câmara Municipal de Feira
de Santana.
1. Estende benefício da meia passagem no transporte coletivo aos
estudantes do curso de teologia
2. Concede o reconhecimento de sociedade de Utilidade Pública no
município de Feira de Santana à Associação Ministério Aliança e
Restauração (AMAR)
3. Considera de Utilidade Pública a Associação Beneficente Projeto
Jovens Batistas (JOBAN) de apoio aos necessitados.
4. Concede o reconhecimento de sociedade de Utilidade Pública no
âmbito do município de Feira de Santana à Associação Presbiteriana
Sítio Novo e dá outras providências.
5. Denomina várias artérias do Loteamento Parque João Serafim de Lima,
no bairro Campo Limpo
6. Considera de Utilidade Pública a Associação Casa de Renascimento
7. Reconhecimento de Utilidade Pública ao Instituto de Apoio à Vida e
outras providências
8. Dispõe sobre a Criação do Fundo Municipal de Educação e outras
providências
9. Concede o reconhecimento de sociedade de Utilidade Pública no âmbito
do município de Feira de Santana à CEAFS- Comunidade Evangélica de
Feira de Santana e dá outras providências.
10. Dispõe sobre a obrigatoriedade da colocação de orientações sobre o
seguro DPVAT, em estabelecimentos prestação de serviços de saúde
11. Modifica a lei nº1.911/2003, que normatiza a denominação de
logradouros públicos e dá outras providências
12. Dispõe sobre a afixação das listas de medicamentos em estoque, para
consulta pelo usuário, nas unidades de saúde vinculadasao SUS no
município.
13. Considera de Utilidade Pública o Ministério Aliança com Deus
14. Considera de Utilidade Pública o Centro de Apoio à pessoas carentes
provisão- (CAPCP)
15. Concede Utilidade Pública a Igreja Batista Hosana
Quadro 4: Lista de Projetos de lei da autoria do vereador Jorge Raimundo de
Oliveira Silva.
Segue abaixo a lista de Projetos de Lei de autoria do vereador Justiniano
Oliveira França constantes no arquivo da Câmara Municipal de Feira de Santana.
1.Considera de Utilidade Pública a Igreja Evangélica Cristo é Vida.
2.Considera de Utilidade Pública a Associação Missão Evangélica
144
El Shaday.
3.Considera de Utilidade Pública a Igreja Pentecostal Leão da Tribo
de Judá.
4.Considera de Utilidade Pública a Associação Comunitária Maná
de Ação Social (ACEMAS).
5.Considera de Utilidade Pública a Igreja Batista Ebenézer.
6.Reconhece a linguagem gestual (LIBRAS) como meio de
comunicação de meio corrente no âmbito do município.
7.Considera de Utiidade Pública o Ministério Associação Monte das
Oliveiras e Restauração (Igreja Evangélica).
8.Considera de Utilidade Pública a Associação Feirense de Apoio à
Comunidade e dá outras providências.
9.Determina a obrigatoriedade do uso do símbolo internacional de
acesso à pessoa portadora de deficiências, e outras
providências.
10. Torna obrigatório o fornecimento de cadeiras de rodas por parte
das empresas concessionárias de serviços funerários.
Quadro 5: lista de projetos de lei da autoria do vereador Justiniano de
Oliveira França .
Os quadros 3, 4 e 5 e as listas de projetos de lei demonstram os assuntos
abordados pelos respectivos autores dos projetos de lei referidos. Entre eles pode-se
destacar o peso quantitativo que a distribuição de leis que denominam de utilidade
pública à sociedades comunitárias ou religiosas. O vereador Jorge Raimundo de
Oliveira Silva fez entre os anos de 2000 e 2004, vinte projetos de lei, nos quais, treze
foram para Associações comunitárias ou religiosas, onde os seus estatutos têm o
conteúdo dos estatutos de denominações protestantes. Além destes o vereador ainda
apresentou um projeto de lei concedendo meia passagem aos estudantes do curso de
teologia do Seminário Teológico em Feira de Santana, uma demanda protestante. Os
outros seis projetos visavam beneficiar não às comunidades religiosas, mas à
sociedade feirense.
A ligação do vereador Jorge de Oliveira, de origem batista, com as comunidades
evangélicas de Feira de Santana não se expressa apenas pelo número dos projetos de lei,
mas também pelos Decretos Legislativos, nos quais encontramos as seguintes
ocorrências:
145
Decreto Legislativo nº24/2002: Concede Licença ao vereador Jorge Raimundo de
Oliveira Silva para participar de sessão solene de homenagem ao MIR em Brasília,
Distrito Federal.
Decreto Legislativo nº11/2002: Outorga o certificado Municipal de Excelência ao
Seminário Teológico Batista do Nordeste (SBTNE)
Decreto Legislativo nº27/2002: Concede o título de cidadão feirense ao senhor René
de Araújo Terra Nova
Decreto Legislativo nº30/2003: Concede a Comenda Áureo de Oliveira Filho ao
profº Justiniano de Oliveira França
Decreto Legislativo nº48/2003: Concede o título de cidadão feirense ao senhor
Edvaldo Santana Couto, trata-se de um bispo evangélico.
Quadro 6: Fonte: Decretos Legislativos do arquivo da Câmara Municipal de
Feira de Santana.
A concessão de títulos honoríficos no município de Feira de Santana foi uma
prática comum dos políticos municipais, os quais sempre estavam atualizando as
normas para a concessão desses títulos como uma forma de conseguir apoio político. O
que se constitui como novo na política municipal dos protestantes é a ênfase que os
candidatos evangélicos deram à base de sua candidatura, fazendo projetos de lei e
decretos legislativos nos quais pastores, bispos e irmãos protestantes m sido
prestigiados pela política local no exercício de suas atividades religiosas. É necessário
salientar que a distribuição de honrarias nos Decretos legislativos foram mais comuns
na história de Feira de Santana para maçons, médicos, advogados, imprensa e famílias
prestigiadas na cidade pela sua atuação política na região como os Barradas Carneiro, os
Coriolano, entre outros.
Este direcionamento político de candidatos evangélicos representarem as
demandas da sua base de apoio é algo recente. As candidaturas destes vereadores têm
uma aparência de reais motivações religiosas e intestinas, sem grandes propostas
coletivas para a resolução dos problemas sociais da cidade. Não era uma nova forma de
fazer política, pois em observação participante nas congregações durante o período de
pesquisa, que começou antes do mestrado em 2003, período da eleição, encontramos
nos discursos dos pastores:
146
“a igreja de Jesus não podia mais trocar votos e favores com políticos
corruptos que não obedeciam à palavra de Deus por telhados ou janelas para
as congregações, mas que a igreja de Jesus tinha que ser ousada e trabalhar
no período eleitoral de forma sistemática para eleger candidatos segundo o
coração de Deus que tivessem um real compromisso com a palavra de Deus
e com a Denominação, representando esta nos lugares de poder em âmbito
municipal, estadual e federal”.
67
A expansão demográfica dos protestantes no cenário religioso brasileiro e local
trouxe não só a participação de evangélicos nas esferas de poder, mas também despertou
nos políticos locais o evangélicos o interesse de se aproximar dessas comunidades
religiosas em busca de apoio político. Isso pode-se verificar no quadro 1 que foi a
criação de projetos de lei denominando utilidade pública por vereadores que não tem
nenhuma inserção religiosa nas comunidades homenageadas.
A pesquisa pretende demonstrar que o crescimento destes grupos
neopentecostais em Feira de Santana, atraiu algumas lideranças políticas da cidade a
exemplo do prefeito José Ronaldo de Carvalho (2000-2008), que começou a participar
de eventos evangélicos, freqüentar igrejas, conseguindo o apoio dos evangélicos de uma
forma geral. Baseada em entrevistas, pesquisas em documentos e leituras bibliográficas,
entendemos que este projeto de participação política para conquistar territórios políticos
para os protestantes de Feira de Santana é uma diretriz político-religiosa que veio da
Colômbia com a experiência da Missão Carismática Internacional que expandiu o seu
ministério pentecostal também nos lugares de poder naquela nação.
A reinterpretação que o líder baiano René Terra Nova empreendeu na sua
própria denominação e os resultados obtidos em Manaus influenciaram as
denominações feirenses que aderiram ao G12, para no pleito eleitoral de 2004
candidatar quatro evangélicos que tiveram uma boa margem de votação, embora apenas
Justiniano Oliveira França tenha sido eleito com o apoio da Igreja Batista Missionária, o
maior grupo evangélico de Feira de Santana no período.
67
Discurso político de muitos pastores nas congregações de Feira de Santana.
147
Fotografia 9: vereador Justiniano França
68
Esta fotografia pertence ao Jornal Noite e Dia de Feira de Santana. O pastor
presidente da Igreja Batista Missionária João Batista da Silva relatou a inserção do
projeto político de Justiniano França como um projeto da igreja de elegê-lo vereador no
município:
...Ele teve uma idéia, não é, ouvimos que ele tinha esse desejo de candidatar,
ele expressou, então nós formamos uma comissão, um comitê político e
chamamos a igreja e o apresentamos, a igreja aceitou de bom grado, não
somente apoiamos a ele, mas estávamos de coração aberto para apoiar outras
pessoas, para fazer uma política limpa, na primeira vez ele não passou, na
segunda ele passou e depois o resto da história dele eu não sei mais, ele não
está mais com a gente.
69
Justiniano Oliveira França é um funcionário público lotado na Universidade
Estadual de Feira de Santana, que fez da comunidade religiosa a sua base eleitoral.
Iniciou a sua candidatura para vereador em 2000, mas foi eleito em 2004, atuando
como Secretário da Educação em Feira de Santana e atualmente foi reeleito.
O tabu doutrinário sobre a participação política de evangélicos que predominou
nos segmentos pentecostais, o G12 transpôs com uma nova apropriação bíblica mais
vinculada ao Antigo Testamento e à figura política poderosa de Iavé, que é apresentado
ao longo da narrativa bíblica como o Senhor dos exércitos, Rei dos Reis, além da figura
mítica de Davi, que foi considerado um rei segundo o coração de Deus, escolhido por
Deus na figura do profeta Samuel. E o seu projeto prático de doutrinação nas células e
nas igrejas se mostrou eficaz dado os números de votos conseguidos e o pequeno
68
Jornal Noite e Dia. Ano X Nº537. Feira de Santana-BA de 08.05 a 14.05.(p.2)
69
Entrevista do pastor João Batista da Silva concedida à autora em 11.05.2009 no município de Feira de
Santana.
148
período trabalhando com esta nova perspectiva política eleitoral. Dessa forma, a política
desenvolvida no âmbito neopentecostal em Feira de Santana conseguiu penetrar melhor
na vida das pessoas do que a política partidária tradicional.
A bancada evangélica é uma realidade na política municipal e vem consolidando
espaços e visibilidade. Certamente que o reforço do M12 com sua doutrinação
profética/política contribuiu nessa consolidação.
149
CAPÍTULO 5
GÊNERO E RELIGIÃO: INTERFACES E PERSPECTIVAS
O objetivo deste capítulo é fazer uma análise do papel de silenciamento e
“esquecimento” da mulher no ambiente religioso cristão, trazendo a leitura do G12 que
legitimou o sacerdócio feminino baseado no texto bíblico. A inserção da mulher nos
ministérios protestantes da contemporaneidade é um relevante debate pela eficácia do
seu trabalho na multiplicação da membrezia das congregações, além de sua atuação não
ficar restrita ao exercício sacerdotal, mas também a escritura de muitos textos de cunho
doutrinário e teológico produzidos por elas, que sempre fazem menção,
conscientemente, da sua importância para o G12 e para o crescimento das comunidades
religiosas.
Nos últimos anos as pesquisas sobre gênero e religião proliferaram no meio
acadêmico muito embora esta temática esteja longe de ser esgotada. A historiografia
que discutiu as mulheres protestantes baianas ainda é demasiado pequena se esta for
posta em comparação com a relevância do trabalho feminino nas congregações
evangélicas no Brasil e no mundo, que se expandem através do serviço delas. Dessa
forma, gênero e protestantismo é um campo aberto à investigação dos historiadores e
demais cientistas sociais.
Joan Scott sugere que nero é uma categoria útil de análise histórica, a
feminista constrói uma proposição instrumental e metodológica para o desenvolvimento
destes novos estudos. A categoria gênero surgiu inicialmente como uma construção
crítica aos limites da descrição e causalidade de alguns estudos científicos. Primando
pela construção de papéis sociais definidos socialmente de uma forma relacional,
levando em conta a historicidade das relações sociais. Os estudos de gênero tendem a
problematizar as diferenciadas construções sociais e políticas para homens e mulheres.
Joan Scott argumentou,
Nosso objetivo é compreender a importância dos sexos dos grupos de gênero
no passado histórico. Nosso objetivo é descobrir o alcance dos papéis
sexuais e do simbolismo sexual nas diferentes sociedades e períodos, é
encontrar qual era o seu sentido e como eles funcionavam para manter a
ordem social e para mudá-la. (SCOTT, 1990:5)
150
A contribuição teórica de Scott fundamentou os estudos de gênero posteriores,
uma vez que a definição e redefinição de papéis sexuais constroem sentidos e
funcionalidades dentro das sociedades e dos sistemas religiosos, marcados por tradições
e práticas seculares.
Ione Celeste de Souza, analisou as mulheres da Escola Normal em Feira de
Santana durante os anos 1925 a 1945 e constituiu o perfil geral das mulheres que
estudavam na Escola Normal e poderiam se tornar mestras de classe. No relato de
Souza, encontramos as características esperadas para as mulheres protestantes, o que
fazia parte da concepção da sociedade sobre o feminino.
Evidencia o que era esperado de uma professora, desnudo também uma das
acepções do feminino, permitindo problematizar que ser professora ou ser
normalista, ou ser professoranda era ser uma mulher diferente
empreendedora, intelectualizada, capaz, de moral ilibada, virtuosa, religiosa.
Enfim, exemplo de submissão às normas sociais. Por isso foram necessários
espaços e normas especiais para sua disciplinarização, forjação, modelagem
– para normatização de normalistas. (SOUZA, 2001: 71)
Os estudos de gênero e religião no mundo cristão buscam questionar como
determinadas construções sócio-religiosas, baseadas em diferentes formas de
apropriação do texto bíblico realizada pelos fiéis constroem práticas e representações
sobre sexualidade, homossexualismo, família, relações de hierarquia entre os sexos,
assuntos esses na pauta dos estudiosos de gênero.
Sandra Duarte de Souza (2006) organizou uma coletânea de ensaios feministas
“Gênero e religião no Brasil”, na qual Eliane Moura da Silva discutiu o
fundamentalismo evangélico e as questões de gênero, Sandra Duarte de Souza analisou
Religião e secularização: os gêneros dos discursos das práticas das mulheres
protestantes, Maria das Dores Machado e Cecília Loreto Mariz escreveram Religião,
mulheres e política institucional, entre outras autoras da Universidade Metodista de São
Paulo.
A literatura sobre mulheres protestantes neopentecostais em Feira de Santana é
demasiado restrita e isso compõe a originalidade e ao mesmo tempo a dificuldade na
construção do texto. Foram utilizados trabalhos que se aproximam da temática feminina
protestante, porém não apresentam a totalidade do recorte desta pesquisa.
Elizete da Silva analisou a atuação e os diferentes perfis de mulheres anglicanas
e batistas na sua tese de doutorado. Ao analisar desde a doutrina bíblica que serviu de
base para a leitura dos teólogos sobre os papéis femininos no mundo reformado até as
151
diferenciadas formas de apropriação do texto bíblico realizadas por anglicanos e batistas
no século XIX e início do XX, concluiu que o protestantismo contribuiu para que as
mulheres ocupassem espaços públicos, porém algumas denominações restringiram o
sacerdócio feminino como foi o caso dos batistas.
Bianca Daeb’s na sua dissertação de mestrado sobre mulheres de 1930 a 1960,
faz uma análise histórica e sócio-econômica de mulheres batistas da Igreja Batista Sião,
sediada no Campo Grande, bairro nobre da cidade e da Igreja Batista de Plataforma,
subúrbio ferroviário de Salvador, buscando entender a participação das mulheres no
ambiente eclesiástico, o discurso religioso da denominação e como através desses
mecanismos essas mulheres forjaram práticas e representações do lugar social e
religioso que ocupavam.
A socióloga Sueli Ribeiro Mota Souza (2007) analisou a construção da
identidade de mulheres pentecostais em Salvador. Utilizando como fonte os
depoimentos orais de mulheres pentecostais, a autora construiu o perfil de família,
relações sexuais, atividades na igreja, entre outros perfis.
E. Willems analisou as mudanças que o protestantismo trouxe para as relações
entre os sexos,
A participação em uma Igreja Protestante reforça a posição da mulher
casada frente ao marido relapso no comportamento sexual costumeiro. A
igreja pode assumir um papel de controle social mesmo quanto às relações
sexuais de cada casal. A esposa pode queixar-se a igreja das inconstâncias e
irregularidades sexuais de seu marido crente e como através de sindicância a
Igreja pode descobrir a existência de uma relação extra-conjugal que pode
culminar com a expulsão do faltoso. (WILLEMS, 1967: 170)
A antropóloga Clara Mafra analisou os dados da pesquisa Novo Nascimento na
região metropolitana do Rio de Janeiro que questionou a opinião dos evangélicos sobre
assuntos relacionados à família e à distribuição das tarefas entre os gêneros. Baseada em
estudos de sociólogos, Clara Mafra afirmou que entre as mulheres pentecostais existem
vantagens em relação às outras mulheres “na medida em que fornecem instrumentos
para a auto-afirmação feminina e ao exigir a maior participação do homem na família
e na igreja.” (MAFRA, 1998:225) Mafra não deixou de levar em conta que o
cristianismo gerou uma realidade hierárquica e patriarcal. O que o pentecostalismo
trouxe de novo foi uma suavização das diferenças entre os sexos, pois o texto bíblico
continua a ordenar que o “homem é o cabeça de sua casa.” As palavras de Mafra
afirmaram:
152
Na avaliação de Machado, estes movimentos o fornecem instrumentos
para a afirmação das mulheres no campo dos direitos civis, sociais ou
políticos, e, consequentemente, não estão articulados no diálogo com o
Estado ou com o Direito, contudo dão meios para a dignificação e auto-
reconhecimento humano básico das mulheres, aspecto crítico numa cultura
patriarcal que acaba refletindo, indiretamente, em inúmeros e dispersos
processos sociais como a reconstituição de famílias em situação de miséria,
o gerenciamento dos conflitos domésticos sem o recurso à violência e à
maior participação das mulheres em negócios e empregos no mercado
informal, etc. (FERNANDES, 1998:225)
A antropóloga conclui que as relações de gênero entre os pentecostais é uma
questão de eficácia simbólica do padrão evangélico, ou seja diminui as tensões entre os
sexos por que isso favoreceu a expansão dos pentecostais, mas não avançou para as
problematizações do movimento feminista, tais como o aborto, a homossexualidade e o
direito a escolha sexual.
Eliane Moura da Silva (2006) também concorda que entre os evangélicos houve
grandes vantagens para as mulheres no que diz respeito ao seu lugar social na família,
devido à redefinição de papéis sociais que o texto bíblico proporcionou ao enfatizar a
autoridade masculina,
A ênfase conferida à autoridade masculina na igreja e na vida doméstica tem
grandes vantagens para as mulheres, pois o casamento é valorizado, a
fidelidade sexual é exigida, o alcoolismo e o comportamento agressivo são
criticados. Espera-se que os homens participem da criação e da educação
dos filhos, bem como tenham maior cooperação na vida cotidiana e
doméstica. Amor, responsabilidade, compromisso com os filhos, abstinência
e fidelidade o aspectos essenciais deste compromisso. A dimensão
religiosa simbólica idealizada é marcada pela idéia de restauração da
família, do papel tradicional do marido e do alívio que tudo isso traz à
condição de mulher. (SILVA, 2006:22-23)
Pensar nas representações de gênero é também questionar o papel da religião na
construção social dos sexos e suas formas de apropriação contemporâneas que muitas
vezes combina um contexto novo de conquista de espaços pelas mulheres com o reforço
das relações familiares baseadas na hierarquia patriarcal. O que mudou no discurso e
nas práticas dos evangélicos do final do século XX sobre as relações entre os gêneros
foi a sua forma particular de leitura, ou seja, a forma de se apropriar da ortodoxia bíblica
entre os grupos pentecostais e neopentecostais. Ou seja a convivência da doutrina
bíblica de algumas denominações com o contexto social contemporâneo intermediou a
apropriação das normas religiosas pelos fiéis, construindo diferenciadas práticas sociais
cotidianas.
153
Aurenilza Bispo Gomes (2008) estudou as representações sobre o universo
feminino dos batistas entre os anos 1980 e 2004 em Feira de Santana. Na sua
monografia Gomes discutiu as contradições e tensões em que viveram as mulheres
batistas das últimas décadas do século XX, tensões estas provenientes da convivência da
doutrina batista que limitou o campo de possibilidades de atuação feminina e a
existência de um discurso masculino e feminino que evidência uma equidade
criacionista entre os sexos que permeou as práticas e representações sobre o universo
feminino batista. Nas suas palavras,
Aparentemente contraditório, pois de fato revela no discurso, as tensões
cotidianas vividas pelas mulheres batistas entre as demandas
contemporâneas que exigiam mudanças no comportamento social feminino
e os velhos princípios batistas de submissão e domesticidade feminina.
(GOMES, 2008: 50)
Gomes comentou posições tomadas pelas mulheres batistas de Feira de Santana
nas referidas décadas e constatou as mudanças que a contemporaneidade transmitiu à
vida das mulheres em questão e no próprio ambiente religioso.
Observamos algumas permanências do ideário de mulher batista
conservador que respondeu sobre quais atividades as mulheres poderiam
desempenhar na congregação: “a mulher pode ter qualquer cargo na Igreja:
professora, diretora de departamento só não pode ser pastora” (GOMES,
2008:61)
Valéria Lopes de Souza é mais uma estudiosa que discutiu mulheres batistas em
Feira de Santana no contexto das transformações sociais das décadas de 1960 e 1970.
Sua explicação sobre a composição social das mulheres batistas de Feira de Santana
denota uma transformação do perfil das mulheres que conquistaram espaços públicos,
porém no espaço religioso houve permanências das restrições ao exercício sacerdotal
feminino. Nas suas palavras,
A questão posta em relação à posição das mulheres frente a um ministério
pastoral batista não se realizou no período estudado apesar de em outras
comunidades como luteranos, presbiterianos e metodistas, mulheres tenham
sido ordenadas ao pastorado.
Isso nos leva a entender que por trás dessa posição contra a ordenação
feminina existe uma relação de poder que vai além de ser apenas uma
questão de títulos visto que as mulheres realizavam quase todas as funções
designadas a um pastor. O que é bastante estranho em uma denominação que
diz adotar como modelo hierárquico a democracia moderna, calcada no
congregacionalismo [sic.]. (SOUZA, 2004: 77)
154
Foram utilizados como parâmetros estes textos que discutem basicamente
mulheres batistas, por dois motivos: o primeiro por que é a bibliografia disponível sobre
mulheres protestantes em Feira de Santana e além disso, muitas mulheres que aderiram
ao G12 eram batistas. Para compreender as inovações das práticas neopentecostais
realizadas pelo G12 e M12 nas congregações feirenses é necessário entender o
imaginário que perpassou o universo cristão ao longo da trajetória reformada sobre o
significado de ser mulher e as doutrinas religiosas que originaram os papéis sociais
delas posteriormente. A questão que se põe é, como determinadas formas de
apropriação do texto bíblico deram origem à práticas diferenciadas em torno da
relevância dos ministérios femininos.
IMAGENS FEMININAS ENTRE OS REFORMADORES
O cristianismo primitivo valorizou amplamente as mulheres, inclusive se
difundiu a partir dos ministérios delas. Elas eram pastoras, missionárias, profetizas,
patrocinadoras, assistentes sociais, além das tarefas domésticas que lhes eram
atribuídas. A partir da Constantinização da religião cristã no século IV, houve a
separação institucional do corpo clerical dos leigos, constituindo também
posteriormente a separação da mulher do seu exercício sacerdotal no ambiente religioso
cristão durante a idade média, a moderna e a contemporânea.
O catolicismo não foi a única matriz da religião cristã a excluir as mulheres do
corpo de sacerdotes. As denominações do protestantismo histórico e as recentes
pentecostais, também o fizeram, esquecendo da sua relevância tanto no cristianismo
primitivo, quanto nas práticas diárias tendo em vista que a maior parte da membrezia
desses grupos é feminina e se constitui como base de sustentação dessas congregações.
Tecendo uma análise das imagens sobre as mulheres entre os reformados,
Elizete da Silva explica que o sacerdócio universal e o conceito de vocação em Lutero
colocavam o exercício da vida religiosa para homens e mulheres num novo patamar.
Ainda que as tarefas domésticas diante da sociedade fossem consideradas inferiores,
diante de Deus os serviços de homens e mulheres estavam num patamar de igualdade.
Porém, a culpabilidade de Eva foi reafirmada por Lutero o que produziu uma
ambigüidade no seu discurso e na prática. As palavras de Silva:
155
Por um lado mantinha a velha tradição escolástica de considerar a mulher
como um ser humano inferior em decorrência do pecado original. Mas por
outro lado, trazia como inovação a doutrina do sacerdócio universal do
cristão que nivela homens e mulheres diante de Deus comissionando-os
igualmente para a vocação cristã, para o serviço divino, estendido a todos os
cristãos independente do gênero. Das ambigüidades vividas por Lutero, tem-
se como conseqüência a inexistência de mudanças substanciais no
pensamento reformado sobre a mulher, no século XVI. (SILVA, 1998, 261)
Argumenta Silva que a leitura de Martinho Lutero do “sacerdócio universal”,
apenas habilitava a mulher para o serviço religioso, mas a visão sócio-política da
mulher, ou seja, a sua condição de sujeito na sociedade continuava arraigada pelas
concepções medievais, profundamente eivadas pelas concepções presentes nos textos
bíblicos do Novo Testamento escritos pelo apóstolo Paulo que delimitou o lugar social
das mulheres nas congregações.
a concepção de Calvino foi distinta da luterana, sobre a culpabilidade de Eva
na queda. Calvino defendeu que tanto o homem quanto a mulher são imagens de Deus,
e a submissão da mulher ao homem não foi uma punição ao gênero feminino, mas uma
ordenança de Deus sobre os papéis sociais do homem e da mulher. Calvino manteve a
tradicional concepção da inferioridade feminina justificando-a como determinação
divina para a manutenção do equilíbrio social. (SILVA, 1998:262) Com isso,
percebemos que por vias diferenciadas tanto Lutero quanto Calvino, não avançaram em
suas concepções teológicas sobre as mulheres no que diz respeito à vivência das
mesmas na sociedade. Porém, em relação à participação na vida religiosa, os
reformadores abriram perspectivas consideráveis de participação feminina na vida
litúrgica de suas congregações religiosas. Silva demonstra com clareza os limites da
participação das mulheres na vida religiosa desde o século XVI ameados do século
XX:
Acusado como religião de mulheres, “refúgio de mulheres”, o
protestantismo, no entanto, manteve limites claros no que tange a
participação feminina: conquistaram junto com os homens uma nova relação
como fiéis e seguidores da Bíblia, mas ainda desiguais, pois o ministério
pastoral continuava um campo masculino onde o acesso feminino foi
negado, temendo-se uma completa inversão de costumes e as críticas dos
papistas e de outros protestantes mais conservadores no campo das relações
sociais.(SILVA, 1998, p.263)
O protestantismo contemplou o anseio de muitas mulheres que eram atraídas
pelas novas possibilidades de inserção religiosa. Ainda que o pastorado fosse proibido
elas podiam se engajar nas atividades filantrópicas, como professoras das escolas
156
dominicais e missionárias e isso pode ser configurado como uma reação reivindicativa
das mulheres protestantes.
Duncan Alexander Reily (1997) também concordou que a Reforma Protestante
não trouxe muitos avanços quanto ao exercício do ministério feminino, constatando que
esta limitação foi proveniente das teologias posteriores e o do texto bíblico. Em suas
palavras,
Só a graça (sola gratia) que Deus oferece livremente a todo ser pecaminoso,
a qual é apropriada por mulheres e homens, por meio da sua confiança no
Cristo de Deus (sola fide)- eis uma firme base para uma compreensão não
sexista da redenção! Sola scriptura por sua vez é um chamado para
redescobrir e reapropriar a revelação de Deus na sua plenitude e
abrangência, inclusive a sexualidade e a igualdade entre mulher e homem
como intentos de Deus, a maternidade de Deus e a riqueza dos ministérios
da mulher cristã que a Bíblia registra. (REILY, 1997: 156)
No século XVII encontramos casos isolados de mulheres exercendo o
sacerdócio e isso não foi apenas por causa do legalismo bíblico sobre os ministérios
femininos que fundamentou o seu exercício durante as últimas décadas do século XX.
Segundo Duncan A. Reily (1997) o “sacerdócio universal dos crentes foi o despontar
de um novo dia para os ministérios femininos, muito embora este dia ainda não tenha
alcançado sua plenitude.” (DUNCAN, 1997:157)
O texto blico que suscitou muitas discussões entre as feministas do período
posterior a maio de 1968 com a aversão aos escritos do apóstolo Paulo encontra-se no
livro de Coríntios no tópico em que discute a normatização cultual, delimitou o lugar
social e religioso da Mulher. São palavras do apóstolo Paulo,
Como em todas as igrejas dos santos, conservem-se as mulheres caladas nas
igrejas, por que não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como
também a lei o determina. Se, porém querem aprender alguma coisa,
interroguem, em casa, a seu próprio marido; por que para a mulher é
vergonhoso falar na igreja. (I Coríntios 14: 27-35, Bíblia Sagrada)
Evidenciamos que o texto é radicalmente andrógino, no que diz respeito ao lugar
feminino, mas não consideramos que a situação de submissão da mulher nas primeiras
décadas depois de Cristo, expressa na lei do Antigo Testamento anterior, seja por causa
do pecado de Eva. O Antigo Testamento no livro de Gênesis imputou punições para o
gênero feminino, mas também ao masculino. O pecado de Eva aparece no Novo
Testamento como o pecado de Adão que é expiado pela proposta de salvação mediante
Jesus Cristo, avaliamos que o Novo Testamento nivelou por baixo a culpa de Eva, por
157
que em rigorosa leitura da totalidade do Novo Testamento encontramos diversas
referências, inclusive do próprio apóstolo Paulo, se reportando a muitas mulheres que
exerciam diversos papéis na comunidade eclesiástica.
Não foram apenas as mulheres que deviam ficar caladas, mas também alguns
homens para preservar a ordem no culto. O permanecer calado não quer dizer estar fora
do culto, mas estar no espírito do culto consigo e com Deus. Não queremos propor uma
suavização do que o líder Paulo prescreveu para as atividades que as mulheres poderiam
exercer, mas uma constatação importante a ser feita é que o texto bíblico deve ser lido e
entendido na sua íntegra e no seu contexto histórico. O texto de Paulo reflete um
contexto histórico androcêntrico, baseado na cultura judaica e na greco-latina. Após
acurada leitura do textos paulinos encontramos referências de destaque para as mulheres
como por exemplo Febe e Priscila na carta direcionada aos romanos.
Recomendando-vos a nossa irmã Febe, que está servindo à igreja de
Cencréia, para que a recebais no Senhor como convém aos santos e a ajudeis
em tudo que de vós vier a precisar; porque tem sido protetora de muitos e de
mim inclusive. Saudai Priscila e Áquila, meus cooperadores em Cristo Jesus,
os quais pela minha vida arriscaram a sua própria cabeça; e isto lhes
agradeço, não somente eu, mas também todas as igrejas dos gentios; saudai
igualmente a igreja que se reúne na casa deles. Saudai meu querido Epêneto,
primícias da Ásia para Cristo. Saudai Maria, que muito trabalhou por vós.
(Rm 16: 1-6, Bíblia Sagrada).
Neste texto do apóstolo Paulo, não pudemos constatar nenhuma desqualificação
do exercício sacerdotal feminino. No versículo primeiro ele recomenda cuidados
especiais ao serviço religioso de Febe, entendendo o termo “servindo à igreja de
Cencréia” como o desenvolver atividades de pregação. Priscila também é um outro
exemplo de alguém que trabalhava para o Evangelho hospedando em sua casa as
primeiras reuniões cristãs. Através deste texto e de outros também, o parece haver
uma ordem expressa contra o sacerdócio feminino.
MINISTÉRIOS FEMININOS
Silva constatou a influência que as reivindicações das feministas do século XIX
tiveram sobre a teologia que deu origem à definição do papel social da mulher à luz do
texto bíblico. A medida que o movimento feminista se expandiu, ocorreu paralelamente
a incorporação de vários setores da sociedade, inclusive protestantes. Segundo Silva:
158
Como ponto culminante da militância de um grupo seleto de biblicistas e
exegetas, no final do século, em 1895, e posteriormente em 1898, publicou-
se The Woman’s Bible, sob a direção de Elizabeth Cady Stanton, contendo
uma releitura do texto bíblico referente à mulher, calcada numa profunda
exegese que colocava por terra a secular teologia protestante que “ensinava
que a mulher trouxe pecado e morte para o mundo, que ela precipitou a
queda da raça e ela por tudo isto será julgada nos us, condenada e
sentenciada.” Publicado em Washington por um grupo de estudiosas, a
Bíblia da Mulher constituiu-se em uma verdadeira “pedra de escândalo”, que
provocou o somente a reação dos setores religiosos e das lideranças
eclesiásticas protestantes, mas estranhamente da própria Associação
Americana do Sufrágio da Mulher. (SILVA, 1998:266)
Segundo Silva o esforço de Stanton redundou em compor uma Bíblia em que o
ponto de origem fosse a perspectiva feminina e além disso, uma crítica às matrizes
forjadoras das mentalidades, das representações religiosas e dos valores ocidentais
androcêntricos pondo a descoberto o androcentrismo do Velho Testamento.
Durante as primeiras cadas do culo XIX, destacaram-se três mulheres
quaquers Sarah Grimké, Angelina Grimké e Lucretia Mott como militantes do
movimento das mulheres que contestavam a preponderância andrógina no meio
religioso. Essas lutas levaram a conquistas desencadearam a ordenação da primeira
mulher como afirmou Silva, resultado dessa intensa movimentação por igualdade de
direitos em, 1853, Antoinette Brow foi ordenada como a primeira mulher para o
exercício do ministério congregacional, quebrando assim uma tradição androcêntrica
vigente desde o século XVI.” (SILVA, 1998: 266)
Em se tratando de Estados Unidos e Europa, Reily Duncan (1997) constatou que
diversas confissões protestantes admitiram a ordenação plena de mulheres como
também a ocupação de altos cargos administrativos. São exemplos de confissões que
ordenaram mulheres a confissão Luterana nos Estados Unidos em 1970, os episcopais
em 1976 e as denominações históricas norte-americanas. Os metodistas do Uruguai
elegeram a leiga Marguerita Grassi como presidente da igreja metodista do Uruguai,
além destes constam muitos mais no livro de Reily.
No Brasil o sacerdócio feminino é uma possibilidade para a Igreja Episcopal
do Brasil como é uma realidade no “Exercito da Salvação, o Evangelho Quadrangular,
a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, a Igreja Metodista e talvez
outras. (DUNCAN, 1997:158) Desta citação quero discutir o que o autor trata como
uma possibilidade, tratamos neste capítulo como uma prática que foi legitimada pelo
sacerdócio universal dos crentes. O termo “talvez outras” na realidade de Feira de
159
Santana e Brasil não é adequado às muitas mulheres que desempenham atividades
sacerdotais com a ordenação.
Bianca Daeb’s analisou o Jornal Batista e sintetizou no discurso de D. Mildred
Schaly a posição dos Batistas em relação ao pastorado feminino. São suas palavras:
D.Mildred Schaly, inicia seu discurso chamando a atenção da leitora e do
leitor para o fato de estar falando de ministério feminino cristão e não de
pastorado feminino: por meu discurso levar o título “O progresso
Feminino no Ministério Cristão”, notem bem, não estou dizendo pastorado,
porém ministério cristão.” Certamente, a articlista desejava atrair a atenção
para seu texto e, ao mesmo tempo, evitar celeumas o meio batista.
(DAEB’S, 2006:156/157)
Vale ressaltar que as comunidades que ordenaram pastoras são dissidentes de
grupos tradicionais e renovados, a exemplo dos batistas, pentecostais como a Igreja do
Evangelho Quadrangular fundada por uma mulher nos Estados Unidos, a pastora Aimée
Semple McParsons ou mesmo grupos que já nasceram com práticas neopentecostais.
Reily (1997) expõe ao longo de sua obra os ministérios femininos em
perspectiva histórica na Igreja Moderna constatando fases evolutivas. No período da
Reforma, o autor discutiu as esposas dos reformadores, atribuindo a este exercício um
caráter ministerial de casamento com a igreja, dessa forma existiu um ministério das
esposas de pastor para o desenvolvimento de todas as atividades para a manutenção da
Igreja.
A ordenação de mulheres foi polêmica e os reformadores Lutero e Calvino
pouco contribuíram para o exercício do sacerdócio feminino. Na sua pesquisa Reily
(1997) sugeriu que foram ricos os mistérios de algumas mulheres anabatistas, um
efetiva e intensa pregação de mulheres quakers, como Elizabeth Gurney Fry (1780-
1845), e em alguns ramos do metodismo. Segundo o autor, João Wesley admitiu a
pregação de leigos , na qual mulheres amealharam espaços iguais aos dos homens, no
entanto, a posição de mulheres na concepção de João Wesley era pejada de
ambigüidades, o que era visível na formulação de condições para que fosse legalizada a
pregação feminina. Mas, em 1835, a Conferência condenou fortemente a pregação
feminina e “ela quase deixou de existir durante um longo período” no Metodismo
Wesleyano”. (REILY, 1997:176)
A pregação feminina ocorreu de variadas formas nas dissidências do
Metodismo, como por exemplo os Metodistas Primitivos organizados em 1811, os
Metodistas Cristãos da Bíblia organizados em 1815, e uma outra agremiação metodista,
160
a Lady Huntington conection” que admitiu uma mulher dirigente. No Exército da
Salvação, dissidente da Nova conexão Metodista, as mulheres eram admitidas a todas as
patentes.
O SACERDÓCIO FEMININO NO BRASIL
A expansão protestante e a sua chegada no Brasil foi possibilitada através de
missões de evangelização onde mulheres exerceram forte influência, sejam mulheres
solteiras ou com os maridos missionários, além de exercer o diaconato e a vocação
cristã de evangelismo. Na realidade o movimento missionário...abriu oportunidades
para a mulher protestante algo comparáveis às que as ordens proporcionavam às suas
irmãs católicas.”(REILY, 1997:181)
No Brasil, são proeminentes as figuras de Sara Poulton Kalley (1825-1907) que
ao lado do marido o Dr. Roberto Kalley foram fundadores da Igreja Fluminense no Rio
de Janeiro e relevantes missionários no contexto da expansão do protestantismo em
terras brasileiras (SANTOS, 2006: 28). Sara Kalley nasceu em solo Britânico e a sua
chegada ao Brasil em 10 de maio de 1855, mudou o perfil do protestantismo brasileiro
até aquele momento representado e circunscrito por anglicanos e luteranos nas suas
próprias colônias de imigrantes. Com a instalação das Escolas Dominicais, a
composição do Salmos e Hinos, a tradição de clássicos puritanos, além do trabalho
evangelístico que missionários desempenhavam. Muitas foram as missionárias que
cuidavam da evangelização de índios, parace-nos que a leitura bíblica, a pregação
cotidiana e o trabalho das missionárias não foi impedido pelas denominações e as
relações de poder institucionais são bons caminhos para desvendar os por quês da
negação da legitimidade do sacerdócio feminino.
Além de missionárias, pregadoras e administradoras, as mulheres
desempenharam papéis de diaconisas, filantropas, teológas foram importantes figuras
para expansão do protestantismo. No entanto, o desenrolar do século XX no Brasil e as
demandas sociais colocadas em relevo pela abolição da escravatura, Proclamação da
República, relações de trabalho desenvolvidas a partir desse novo contexto social e
político e o reforço das desigualdades sociais com a acentuada pobreza nas camadas
urbanas proporcionaram mudanças substancias no protestantismo brasileiro. Essas
161
transformações na ambiência do protestantismo não podem ser entendidas
desvinculadas das vivências culturais contemporâneas, qual sejam, a conquista dos
movimentos de identidade feminina, os estudos marxistas, as discussões de etnia onde
estas demandas têm conquistado novos espaços na sociedade de consumo onde o
neopentecostalismo representa a síntese religiosa de elementos do capitalismo com
elementos protestantes do pentecostalismo tradicional.
Elizete da Silva apresenta um capítulo dedicado às mulheres em sua tese de
doutorado que versa sobre anglicanos e batistas na Bahia. A autora constatou que aa
década de 1930 as mulheres representavam a maioria da membrezia entre os batistas, e
embora existissem restrições institucionais desempenhadas pelos homens. A ordenação
feminina e a pregação no púlpito, foram os principais vetos ao exercício das mulheres
batistas. Mas havia uma oportunidade de evangelismo coletivo em que muitas mulheres
batistas podiam desempenhar sem, contudo, desrespeitar a Convenção Batista
Brasileira.
As mulheres podiam ser eficientes e capacitadas missionárias; no entanto,
não podiam receber a ordenação nem ministrar a ceia e o batismo,
considerados pelos batistas, como ordenanças do Novo Testamento.
Poderiam até pregar e ensinar a Bíblia, mas não do púlpito: a tribuna sagrada
era privativa ao sexo masculino. O sacerdócio universal dos cristãos, tão
caro às feministas protestantes do século XIX, para os batistas, limitava-se à
vocação de mulheres leigas para o serviço evangelístico, da música ou
mesmo do ensino às crianças ou às suas companheiras. Jamais incluiu uma
visão mais ampla abrangendo o ministério pastoral. Isso porque a pregação e
administração das ordenanças (bens sagrados) constituíam-se como um
fulcro de poder religioso, e o clero batista, formado exclusivamente por
homens, recusava-se a partilhar fraternalmente com as mulheres. (SILVA,
1998:313)
Isso não quer dizer que as mulheres batistas não evangelizavam, segundo Bianca
Daéb’s (2006) as mulheres se destacavam nos grupos de oração, na área educacional
com a educação religiosa e a formal e nas missões. Em suas palavras:
A União das Senhoras Batistas, que se reunia informalmente nos templos de
suas igrejas, deu origem a uma rede nacional de senhoras, gerando um novo
grupo a cada nova congregação que surgia. Elas gozavam de bastante
prestígio dentro da denominação. O objetivo precípuo era fazer missões.
(DAÉB’S, 2006:57)
Essas informações são fundamentais para entender historicamente qual o lugar
social de poder amealhado pelas mulheres ao longo da história do protestantismo. Mas
também é necessário tratar das mulheres pentecostais, tendo em vista que há uma
162
diversidade de formas protestantes na contemporaneidade e em cada uma delas o papel
feminino apresenta nuances diferenciadas.
Maria das Dores Campos Machado (1996) estudou a adesão religiosa na esfera
familiar de mulheres pentecostais e católicas carismáticas. Seus estudos de Sociologia
do gênero apontam um caráter paradoxal da doutrina pentecostal, por que esta doutrina
ao mesmo tempo que reafirma a ordem hierárquica patriarcal, abre brechas para
redefinições de papéis e imagens masculinas e femininas, demonstrando resultados
positivos par as mulheres nas relações familiares. Em suas palavras,
Não se deve ignorar o fato de que o pentecostalismo e o Movimento da
Renovação Carismática possam intencionalmente estar ajudando na
constituição de um modelo de relacionamento familiar mais afinado com as
mudanças sociais da segunda metade deste século, na medida em que
favorecem o processo de autonomia das mulheres a e adoção de novos
comportamentos por parte dos homens. (MACHADO, 1996:9)
Segundo Machado a ética pentecostal é permeada enfaticamente pela sobriedade
das roupas, as restrições das relações sexuais ao casamento, aos vícios e a participação
de eventos profanos faz com que o seu modo de vida transcenda a experiência religiosa.
A conduta pentecostal redefine papéis e relações familiares, no trabalho, e demais
espaços da vida pública.
A ética pentecostal baseada no seu ideal de santidade construiu novos lugares
para o homem e para a mulher. A mulher que foi santificada transcende a sua posição de
mera subordinada ao passo que o homem tem que fazer uma revisão do seu
comportamento familiar e social. Segundo Machado (1996),
Assim, a busca feminina da santificação expressa um aperfeiçoamento de
alguns atributos do ideal de mulher predominante na sociedade inclusiva,
mas constitui também uma tentativa de transcender o lugar de subordinação
reservado às mulheres na ordem patriarcal. para os homens, a conversão e
a busca da santificação implicam uma revisão radical do seu comportamento
social e religioso, atenuando o contraste da conduta masculina em relação à
das mulheres. Mas a androginia que se delineia não avança a ponto de
derrubar a ordem hierárquica que reserva aos homens o seu papel
proeminente de cabeça do casal e cabeça da igreja. É como se o
pentecostalismo redefinisse os gêneros masculino e feminino, tornando os
“pais maternais” e as “mães paternais” e oferecendo um modelo alternativo
ao desgastado patriarcalismo mediterrâneo, mas preservasse o
fundamental deste sistema de gêneros: a desigualdade entre homens e
mulheres. (MACHADO, 1996:39)
A análise das relações de gênero entre as mulheres protestantes pentecostais e
neopentecostais contemporâneos, a nosso ver tiveram algumas transformações se estas
163
forem analisadas à luz do texto paulino de proibição da expressão das mulheres na
comunidade religiosa. Transformações significativas, porém tênues, a concessão de
alguns papéis para as mulheres, mas parece um tipo de limitação da sua vida em
sociedade. Estes limites o estudioso Ricardo Mariano também constatou sobre o
discurso pentecostal sobre o sexo,
“Quando o discurso pentecostal enfoca o sexo é para ressaltar a sua
negatividade, ou ameaça que representa à salvação da alma. Para os
pentecostais, submetidos as normas morais e dogmas gidos, ascéticos e
repressivos, a esfera sexual constitui poderoso terreno de tentações e
privações. Algo ainda mais premente no caso dos adolescentes e jovens
solteiros, que o pentecostalismo, em todas as variantes, restringe o ato
sexual aos limites da vida conjugal. Circunscrito ao casamento monogâmico
e heterossexual, a sexualidade do crente não se limita apenas à procriação
(conforme o mandamento divino “crescei e multiplicai-vos”). Mas é cercada
de pudores e desestimulada de quaisquer ousadias e arroubos
eróticos.”(MARIANO, 2005:192)
Ao longo da obra de Ricardo Mariano sobre os neopentecostais percebemos a
nuance que ele a uma nova forma de protestantismo mais engajada com os processos
sociais e mudanças nas relações conjugais e afetivas é o que configura a nomenclatura
neopentecostais para alguns grupos dissidentes do pentecostalismo tradicional ou
mesmo dos grupos do protestantismo histórico. Vejamos o que ele afirma dos
neopentecostais,
ao que parece, os neopentecostais são ainda mais avançados e permissivos.
Perguntada se o sexo seria apenas para procriação, pastora Sônia Hernandes,
da renascer, respondeu: “Pelo amor de Deus! É superprazeroso! É uma das
coisas boas que Deus inventou pra gente”. A vinculação entre sexo e prazer,
ainda mais quando se trata de uma pastora pentecostal que a faz
publicamente, constitui forte indício de mudança na relação destes novos
crentes com a esfera da sexualidade. (MARIANO, 2000:192)
É significativa a atuação das mulheres em todos os âmbitos das práticas
religiosas, elas representam a maioria das membrezias das organizações religiosas. As
mudanças processadas nas formas tradicionais do protestantismo a partir de uma
apropriação diferenciada da doutrina bíblica do Novo Testamento, construíram novos
espaços para as mulheres, ou as mulheres construíram novos espaços de atuação entre
os protestantes e o G12 contribuiu para que a mulher fosse considerada apta ao
exercício sacerdotal, o pastorado.
MULHERES NO PÚLPITO: A NOVIDADE DA VISÃO CELULAR
164
Foram fatores externos e internos que contribuíram para uma redefinição mais
profunda dos papéis sexuais nas práticas pentecostais do G12. Entre eles consideramos
externos, a visão mítica de Castellanos onde seria formada uma igreja para o século
XXI. Não se pode falar em uma igreja numerosa no século XXI, sem levar em conta as
conquistas históricas da mulher de participação ativa na vida social da atualidade, ou
seja uma igreja que contemple o pastoreio e o pleno exercício sacerdotal feminino.
E o outro fator de ordem interna ao protestantismo foi a doutrina luterana do
sacerdócio universal dos crentes. A acessibilidade de todo homem e toda mulher a Deus
sem a mediação sacerdotal conferiu grandes privilégios às mulheres protestantes. O
diferencial do G12 em relação ao protestantismo histórico foi que no protestantismo
histórico reformado a mulher era normativamente igual aos homens diante de Deus, mas
as relações dentro da congregação continuavam a ser encabeçadas pelos homens. o
G12 fez uma leitura mais igualitária do sacerdócio universal tendo em vista que as
mulheres podem ser sacerdotisas.
O sacerdócio feminino ainda é assunto polêmico entre os protestantes.
concordâncias e discordâncias, mas o fato é que aos poucos as mulheres começaram a
pregar em público e em algumas denominações já são feitas as ordenações de pastoras.
A aproximação entre o mundo do religioso e a vida secular com formas de
sociabilidade muito mais bem aceitas pela sociedade configurou o neopentecostalismo
destes grupos, uma vez que houve uma mudança na estética tradicional das mulheres
pentecostais como a vestimenta, o uso de acessórios e até a possibilidade de assumir
ministérios dentro deste modelo organizacional, além do comportamento diante da
sociedade capitalista que foram transformados. A ascese tradicional que denotava um
peculiar afastamento do mundo e suas vivências, César Castellanos com o G12
reformulou, e com isso permitiu uma inserção protestante mais contextualizada com a
sociedade contemporânea. Duas mulheres fortes, com liderança religiosa e política estão
nas origens do G12 na Colômbia e no Brasil, Claudia Castellanos e Valnice Milhomens
Coelho.
A metodologia de evangelismo sistemático de eficácia empresarial do G12
permitiu a inserção das mulheres no sacerdócio neopentecostal devido o predomínio e
pujança das atividades femininas na área evangelística. A liderança de células, a
separação entre o homem e a mulher na consolidação dos discípulos, resgataram o
165
princípio teológico do sacerdócio universal e o conceito de vocação para as mulheres
que ampliaram seus espaços de atuação com a intensificação do trabalho religioso
feminino. Existem livros específicos feitos por mulheres protestantes para a sua
membrezia feminina, um exemplo é o livro “O poder da mulher que ora muito
difundido entre as evangélicas.
Os homens e mulheres neopentecostais aos poucos têm feito a releitura do lugar
da mulher em sua organização religiosa, pois este segmento protestante têm feito uma
nova apropriação do Antigo e do Novo Testamentos, onde as mulheres e o seu trabalho
são tão importantes quanto o dos homens. A pastora Gladez de Varón, é discípula de
César Castellanos no Brasil e a sua função é coordenar a implantação do G12 nas
congregações, ministrar em congressos e representar César Castellanos no País,
constatou que as atividades femininas são muito importantes para o crescimento da
igreja contemporânea. Varón foi uma das oito pessoas que iniciaram a Missão
Carismática Internacional, juntamente com o Pastor César Castellanos e a pastora
Claudia Castellanos. Segundo a pastora Varón:
...anteriormente quando ungiam pastores, não ungiam as suas esposas, não, a
esposa do pastor era esposa do pastor, ela não era pastora! Era a mulher que
estava detrás de tudo, que não tinha oportunidade de pregar, de exercer uma
liderança, mas agora vemos que através de G12 a mulher foi valorizada, a
mulher conheceu os dons naturais, os dons do Espírito Santo que o Senhor
derramou na vida dela e que eu vejo uma liderança de mulheres muito
forte,... ministério de David Yonggi Cho da Coréia do Sul, quem está
dirigindo as células? A quem ele pediu liderança para as células? Ele
chamou os homens, que falaram que o podiam, não tinham tempo, que
eles tinham muito trabalho, muita coisa...ele deu o trabalho a essas
mulheres, e são essas mulheres que sustentam as células na Coréia.
70
Destacamos o perfil de três mulheres que representam a hierarquia sacerdotal;
são escritoras e teólogas. Entre as quais, Valnice Milhomens, Ana Marita Terra Nova e
Claudia Castellanos. Foram escolhidas as que têm mais visibilidade, porém no cotidiano
religioso do G12, toda mulher de pastor pode ser pastora se assim for da sua vontade,
bem como todo discípulo pode ser um líder.
70
Entrevista concedida à autora em 27.12.2007 na cidade de São Paulo.
166
Figura10:
71
a apóstola Valnice Milhomens Coelho
A apóstola Valnice Milhomens Coelho nasceu no Maranhão, viveu boa parte de
sua infância no Tocantins, formou-se no Seminário Batista de Educadoras Cristãs em
Recife em 1970 e serviu por treze anos à Junta de Missões Mundiais da Convenção
Batista Brasileira, fazendo um trabalho missionário em Moçambique e mais dois anos
na África do Sul. Voltou para o Brasil onde fundou o Ministério Palavra da Fé, se
dedicando à pregação, ensino, oração e avivamento. Desde 1989 mantém um ministério
de televisão em nível nacional através dos programas “Palavra da Fé” e “Escola Bíblica
na TV”.
72
No site da INSEJEC (Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo) apresenta a sua
origem:
"A Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo" nasceu espiritualmente no dia 28
de março de 1994, na sede do Ministério da Palavra da e residência dos
Pastores Valnice Milhomens, José Júnior e Ielane Mendonça, em São José
dos Campos, Estado de São Paulo, à mesa do Senhor, logo após o batismo
de dois seminaristas católicos, convertidos pelo programa de televisão, "A
Palavra da Fé", sob um comando do Espírito de Deus, dado à Pra. Valnice,
com a promessa: "O Espírito vos guiará a toda verdade”. No dia 20 de junho
do mesmo ano, reuniram-se as congregações "Palavra da Fé” para se
constituírem oficialmente em "Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo”, com
uma vocação definida: "Sai de Roma, e volta para Jerusalém!”
73
71
Esta fotografia encontra-se no livro Plano Estratégico para a Redenção da Nação, na parte dedicada à
comentários sobre a autora.
72
Estes dados foram coletados em fontes diversas. Entrevistas com pastores, livros de autoria da apóstola
Valnice Milhomens Coelho e sítios na internet como http://www.insejec.com.br/pastores.php.
73
http://www.insejec.com.br/pastores.php. data: 14.05.2009
167
Figura 11: A sede da INSEJEC em São Paulo no Bairro Barrafunda: acervo da
autora.
A fotografia externa do templo e sede da INSEJEC em São Paulo no bairro
Barrafunda, a igreja não possui identificação, porque segundo relatos dos paulistas,
uma lei municipal que proibiu o uso de banners, letreiros e out-doors no município de
São Paulo por causa da poluição visual. A Barrafunda, área nobre e central da cidade,
demonstra que o Ministério gerenciado pela Apóstola Valnice Milhomens atingiu um
nível organizacional incomum para uma mulher protestante e ex-batista. A área interna
do rreo do templo é composta pelas salas particulares de cada pastor, a secretária, o
templo e o altar. No segundo andar tem a tesouraria, cozinha, suíte, sala da
administração, sala de reuniões, sala de comunhão, e o estúdio de gravação de inúmeros
programas que a apóstola Valnice realiza. Trata-se de uma grande estrutura que não é
apenas local, mas tem pastores comandando obras missionárias no Japão, África,
Portugal e em uma diversidade de locais. Segue abaixo a fotografia do altar onde estão
presentes elementos da liturgia judaica, que é uma das marcas de sua pregação a
influência das práticas veterotestamentárias.
168
Figura 12: fotografia do altar da INSEJEC, destaque para o menorah de origem
judaica.
O menorah representado em ouro e com os sete tentáculos na vertical, com sete
lâmpadas, representam na liturgia hebraica os sete espíritos de Deus. Vale ressaltar que
o ministério levítico do Antigo Testamento deveria ser execido pelos descendentes
de Levi na tradição judaica.
Figura 13: Fotografia do altar da INSEJEC
169
Estas bandeiras fazem parte de uma característica peculiar dos evangélicos que
aderiram ao G12. A presença da bandeira do Brasil e do sentimento patriótico, a
bandeira da cidade e a bandeira do Estado de Israel, representando na concepção destes
religiosos sua proximidade e relação de amor com a cidade Santa, Jerusalém.
Figura14: Teto da INSEJEC com os passos da Visão Celular
Figura 15: Púlpito da INSEJEC
170
O altar e o teto da INSEJEC são grandes e por isso uma única fotografia não
conseguiu focar todos os elementos presentes. Além da bateria e instrumentos do
ministério de louvor têm o púlpito com a presença do trigo, do óleo da unção, água e o
menorah. Do outro lado estão de três bandeiras, uma da cidade de São Paulo e sua
localidade, uma do Brasil, simbolizando uma redenção em nível nacional e a terceira
bandeira do Estado de Israel, simbolizando o desligamento com as heranças romanas e
um retorno às práticas do judaísmo e a conquista da terra da promessa que Iavé fizera à
descendência de Abraão, a concessão de um Estado judeu, embora o Estado de Israel
tenha sido criado após a Segunda Guerra Mundial.
74
A apóstola Valnice Milhomens exercia atividades evangelísticas quando
missionária da CBB, o seu chamado pastoral e apostólico divergiu da ortodoxia Batista,
o que favoreceu a começar um empreendimento religioso independente da
Denominação Batista. Este ministério fundado pela apóstola têm congregações em
quase todo o Brasil e no exterior como no Japão, Portugal, Cingapura, entre outras
75
.
Na bibliografia pesquisada não notamos distanciamentos das falas de Renê Terra
Nova e Cesar Castellanos sobre o exercício da liderança de Milhomens. Eles
argumentam que todo discípulo pode ser um líder e isso independe do sexo, é para todas
as pessoas, não uma chamada específica para as mulheres, mas um discurso que põe
em pé de igualdade homens e mulheres com relação à liderança. Porém quando a
mulher casa e adquire família a submissão ao marido é a maior ordenança.
No que diz respeito à sua posição na hierarquia clerical protestante, Valnice
Milhomens é apóstola, o mais alto nível dessa hierarquia e não é por que possui marido
apóstolo, pois é celibatária e construiu e consolidou seu ministério provocando esta
ruptura num protestantismo androcêntrico e como uma líder mulher e solteira. Ela
escreveu vários livros doutrinários, traduziu todas as obras de César Castellanos para o
português e fez o seu doutorado em teologia nos Estados Unidos. A apóstola Valnice é a
porta que Deus abriu para o G12 entrar no Brasil, foi o que confessou em entrevista a
pastora Gladez de Varón:
74
Observação participante na INSEJEC entre os dias 26.12 e 30.12 de 2007.
75
As congregações filiadas à INSEJEC estão catalogadas no Livro de Registros de Congregações situadas
na Sede em São Paulo.
171
Ela tem os valores insubstituíveis na área espiritual, ela é uma mulher das
mulheres que eu conheço,...sendo ela uma mulher que fundou um Ministério
INSEJEC, várias igrejas, em vários estados do Brasil, ela nunca está
pensando em INSEJEC, ela fala da redenção do Brasil, o que eu tenho
podido falar com ela, ela vê que o G12 é uma ferramenta para uma visão que
ela teve sempre para esta nação que poderia se levantar uma nova geração
no Brasil para conquistar a nação para Cristo e eu vejo que para nós como
G12, dentro da igreja, ela é uma porta espiritual, é uma porta apostólica por
onde entrou o G12, e que o pastor Castellanos ungiu a ela faz dois anos, a
ungindo como líder principal do G12
76
Aqui está expressa a importância desta mulher tanto para o ministério já
consolidado, quanto como a responsável pela inserção do G12 no Brasil e como maior
autoridade espiritual do G12 no País. Os “valores insubstituíveis” que estão
comentados, se referem às práticas de cura, revelação, ministério pastoral e apostólico,
representando uma ruptura com a representação do Antigo Testamento, onde a mulher
Eva foi a responsável por provocar o pecado do homem e sua queda. Aqui se evidência
santidade, autoridade e confiança nesse ministério feminino aprovado por sar
Castellanos. Estes aspectos são relevantes em relação às denominações pentecostais
tradicionais, entre as quais, as mulheres não podem se encarregar das tarefas
ministeriais, embora sua membrezia seja majoritariamente feminina. Valnice
Milhomens justifica em sua obra a sua adesão ao G12:
Tendo a convicção de que o modelo de Bogotá era a base para o modelo que
Deus tem para nós, temos retornado às convenções na Colômbia para beber
da fonte. Cremos que Deus deu ao Pr. César Castellanos o modelo dos 12
que de revolucionar a igreja do próximo milênio, pelo que o abraçamos
inteiramente, colocando-nos sob a sua cobertura espiritual dentro dessa
visão revolucionária, fundada na palavra de Deus. Tendo sido ungida como
um de seus doze internacionais, estamos como igreja comprometidos em
viver esta visão. (MILHOMENS, 2000:13)
76
Entrevista concedida à autora por Gladez de Varón na cidade de São Paulo em 27.12.2007.
172
Figura 16: René Terra Nova e Ana Marita Terra Nova
Outra liderança feminina é Ana Marita Terra Nova, esposa de René Terra Nova,
e um caso de pastora esposa de pastor o que pudemos evidenciar a dificuldade em achar
fotografias em que ela estivesse desacompanhada do marido. Vale salientar que é
apóstola do mesmo ministério, trabalhando paralelamente e lidera a rede de mulheres
que tem mais de sete mil lulas em Manaus. A mesma escreveu uma matéria para
periódico Yavé Shammar O Senhor está ali” de Feira de Santana, no qual discutiu as
referências e o embasamento bíblico para o ministério feminino, ressaltando que a
participação das mulheres é inquestionável e a ausência delas no sacerdócio é de origem
interpretativa dos pastores contrários à ordenação. Em suas palavras:
As igrejas históricas ignoram isso por parte de alguns deres que ainda tem
limitações. Não é uma questão de cunho teológico. Mas exegético ou
hermenêutico, pois o assunto da participação feminina vem mais da questão
interpretativa do que bíblica. Existem aqueles que gastam tempo para dizer
que a bíblia quer dizer outra coisa. Priscila era uma pastora. Dorcas era uma
pastora. Poderia citar funções pastorais dessas mulheres, inclusive temos
aprendido que, pelo texto original vindo da Septuaginta, o artigo que
precede a palavra pastor é neutro, podendo ser usado no masculino ou no
feminino. Gostando ou não, com toda resistência que alguns líderes ainda
fazem, precisamos de pastoras para cuidarem das mulheres que estão se
convertendo. Se uma mulher pode cuidar do seu marido que é pastor, por
que ela não pode cuidar e ajudar a pastorear o rebanho?...A mulher poderá
ser esposa, mãe e administradora da casa...ela é ajudadora idônea,
administradora eficaz...não podemos limitar um ministério, por mais amplo
que seja ou limitado que pareça. Mas o que podemos orientar é que a
questão homogênea evita riscos. Se algumas mulheres, tivessem cuidado
melhor dessa questão teriam evitado muitas perdas no processo consolidador
da igreja. (TERRA NOVA, 2005:6)
Figura 17: César Castellanos e Claudia Castelanos
173
A terceira mulher a se destacar é a esposa do mentor intelectual e espiritual do
G12, Claudia Castellanos. Ela é advogada, pastora de uma igreja que tem mais de
200.000 células e se diferencia das brasileiras anteriormente discutidas pelo fato de
representar também o G12 no senado colombiano. O exercício da política para uma
mulher, e de quatro filhas, esposa de pastor, trata-se realmente de uma releitura das
práticas androcêntricas no meio protestante por estar valorizando as capacidades e
ampliando os lugares de atuação das mulheres tanto no ambiente religioso, quanto no
meio político. A participação das mulheres protestantes na sociedade não é um debate
limitado às paredes do templo, mas faz parte de um debate mais amplo que são as
conquistas históricas que as mulheres têm galgado na sociedade. O depoimento de
Gladez de Varón confirma essas transformações no cenário político e religioso mundial.
eu vejo que na Colômbia a parte política é muito forte em nossa igreja,
começando que a nossa pastora principal , a pastora Claudia ela é senadora
da República, praticamente terminando o seu terceiro período como
senadora da Colômbia e lá está fazendo coisas muito boas lá. Um dos
projetos que ela trabalhou foi “Mulher cabeça de família”, ou seja, as
mulheres que não tem esposo, que estão separadas, viúvas, elas precisam ser
ajudadas pelo Estado. Então se criou uma lei para ajudar a mulher, de tal
forma que é muito impresso [sic] que antes de receber a um homem um
cargo tem que contar primeiro a mulher cabeça de família. Então são muitas
vantagens, e muita coisa que aconteceu na Colômbia para a mulher e
também se está trabalhando especificamente, a pregação do Evangelho é
para restaurar as famílias, então se fala de restaurar a mulher para chegar ao
encontro num processo pessoal, restaurar o homem para um encontro,
começar um processo também pessoal, eles estão sendo abençoados,
sarados, curados, e eles chegam na sua casa, na sua família, eles são parte
ativa da restauração da sua própria família. Então a política tem nos ajudado
muito na Colômbia no sentido de que estamos fortalecendo a família
colombiana através da igreja e da política também
77
.
O depoimento da pastora Simone Moura do Ministério Internacional de
Adoração a Deus, integrante do M12 de Feira de Santana juntamente com o seu esposo,
tem igual relevância sobre o exercício ministerial feminino ao constatar a sua vocação
pastoral mesmo dentro da Denominação Batista que historicamente admitiu apenas o
sacerdócio masculino, observemos suas palavras:
Com sete anos de idade eu tive um encontro poderoso com Jesus e me
batizei com nove anos. E com 12 anos eu recebi de Deus o meu chamado
para ser uma pastora. Eu comecei a me preperar para isso, passei a minha
vida inteira congregando na Igreja Batista Belém, em Alagoinhas. E durante
aquele período eu fui presidente dos adolescentes em Alagoinhas, vice-
77
Entrevista concedida à autora na cidade de São Paulo em 27.12.2007. É necessário salientar que o
diálogo da pastora Varón aparece de forma truncada, pela tradução do seu espanhol aportuguesado.
174
presidente dos adolescentes batistas do Estado da Bahia. Fui depois
presidente de juventude, então sempre fui muito envolvida, com a obra de
Deus, sempre fui muito ativa na minha igreja. Com dezoito anos, dezessete
anos e meio eu vim para o Seminário [Batista, em Feira de Santana], para
fazer o curso de Educação Religiosa com música. Eu fiz o curso de
Educação Religiosa com música. Me formei, vim Para a Primeira igreja
Batista do Feira IX, hoje no Ministério Internacional de Adoração a Deus,
vim como educadora Religiosa naquela época, quinze anos atrás e com o
passar do tempo nós conhecemos a Visão Celular no Modelo dos 12 E então
Deus cumpriu o chamado que tinha feito na minha vida quando eu tinha 12
anos e me ungiu como uma pastora.
78
A pastora Simone Moura representa nesta análise de gênero o modelo de pastora
esposa de pastor que desenvolve o seu ministério paralelo ao masculino. Ela relata que o
seu chamado vocacional aconteceu quando ainda jovem, e por isso independente do
chamado do marido, mas ao longo da entrevista ela expõe que o ajuda na obra de Deus,
reconhecendo uma unidade no trabalho e ressalta o M12.
As propostas do G12 e M12 para as relações de gênero foram analisadas com
base nas fontes escritas e nos relatos orais dos próprios fiéis. A mulher conquistou
vantagens nas relações familiares diante de todas as contestações ao androcentrismo
vigente. Paulatinamente mudaram de comportamento frente às normas religiosas dos
evangélicos, tradicionais ou fundamentalistas. A reelaboração do discurso e da prática
possibilitou o intercurso entre as tarefas domésticas, as religiosas e as seculares, como
citou Ana Marita Terra Nova, ampliando os espaços de participação das mulheres e
demonstrando as virtudes femininas também para o exercício do ministério pastoral.
OLHARES MASCULINOS DO G12 E M12 SOBRE A ORDENAÇÃO
FEMININA EM FEIRA DE SANTANA
Como foi dito anteriormente, o protestantismo se expandiu historicamente
através de dissidências doutrinárias e administrativas. E no caso particular de Feira de
Santana o G12 e a Denominação Batista se desentenderam algumas vezes por causa da
ordenação feminina. É o que discutiu o pastor João Batistas da Silva, pastor presidente
da Igreja Batista Missionária Internacional em Feira de Santana e também um dos doze
discípulos em nível nacional do pastor César Castellanos.
78
Entrevista concedida à autora no município de Feira de Santana em 10.06.2008.
175
Eu sempre fui a favor da ordenação feminina. Nós sabemos que em todos os
lugares do mundo as mulheres pregam o Evangelho, por que elas foram
mandadas praticamente para os piores lugares do mundo e foram como
missionárias. A palavra missionária vem da raiz apóstolo, missionário do
ponto de vista, ele com a autoridade espiritual bem acima do pastor, o
peso da unção é maior. Então se a mulher pode ser chamada de missionária
ela está na posição acima de pastora por que não ordená-la pastora, se são
elas que começam o trabalho fora e na maioria das vezes o trabalho está
pronto depois que elas trabalham, trabalham vem um pastor e assume o
trabalho que elas fizeram. Eu Nunca tive problema com isso, inclusive a
Convenção Nacional, nós tivemos que nos desligar exatamente por isso, nós
fizemos ordenação de duas pessoas aqui a pastora Darci e a pastora Dulce
Simoneli que hoje é uma pastora independente, ela tem a sua igreja lá tal... e
por causa disso tive que fazer uma carta me desligando dessa convenção
renovada, mesmo sendo renovados eles tinham barreiras em relação ao
ministério da mulher.
79
Os batistas tanto da CBB quanto da CBN (Convenção Batista Nacional) apesar
de divergirem em alguns pontos doutrinários, convergem quanto a proibição de ordenar
pastoras. Segundo o pastor João Batista, a sua congregação se tornou dissidente por que
ele fez a ordenação de duas mulheres. E a ordenação feminina foi uma das pautas de
divergência doutrinária com o G12 anos depois, como publicou o Jornal Batista.
Dissidente da Convenção Batista Brasileira, o bispo Manoel Pedro, pastor
aposentado pela Igreja Batista Memorial em Feira de Santana, assumindo à presidência
desta congregação no período em que Renê Terra Nova foi pastorear em Manaus,
discutiu a postura e abertura que o G12 intensificou nas congregações que aderiram à
metodologia. Nas suas palavras,
Essa é uma questão, ao meu ver blica, certo, e que outras denominações
como por exemplo a Igreja Quadrangular já há muito tempo praticou a
ordenação de mulheres, entre os Batistas ainda é uma questão polêmica
embora já haja uma abertura... e a Visão Celular trouxe realmente uma
abertura muito grande e a partir daí as igrejas na Visão celular começaram a
ordenar pastoras e a nossa igreja já tem algumas pastoras, certo.
80
Este pastor é representativo de como os pastores do G12 não gostam de falar de
conflitos, dissidências, divisões e também fazer comentários de outros pastores. Não foi
o que a Convenção Batista Brasileira fez em relação à algumas práticas do G12. A CBB
é uma consolidada estrutura normatizadora de doutrinas e condutas individuais e
coletivas. Um dos assuntos na pauta de discussões da 77ª Assembléia da Convenção
Batista Brasileira foi a ratificação da não-ordenação de mulheres e não-bacharéis. Entre
as divergências estavam as práticas implementadas pelo G12 quanto a ordenação
79
Entrevista concedida á autora pelo pastor João Batista da Silva em 11.05.2009 no município de Feira de
Santana.
80
Entrevista concedida à autora no município de Feira de Santana em 05.06.2008
176
feminina e a unção de pastores leigos. Eis mais um ponto que distingue Batistas
tradicionais e neopentecostais:
e) ORDENAÇÃO DE MULHERES E NÃO BACHARÉIS- O G12 estende
à esposa do pastor/presidente o mesmo ministério. Trata-se de um ministério
compulsório, tendo como parâmetro e pré-requisito a Certidão de
Casamento. Este ponto encontra-se em total desacordo com os princípios de
chamada ao ministério (“Eu vos darei pastores...” Jr.3:15), além de afrontar
a CBB que ainda não normatizou este assunto.
O pastor do século presente precisa estar preparado(II Tim 2:2) e Deus o
sabe. Assim, condenamos a ordenação sumária, automática, indiscriminada
e sem critérios, aceitando as Normas para Ordenação ao Ministério, votadas
por esta ordem.
81
uma certa homogeneidade nos discursos dos pastores feirenses que
representam o G12 na cidade. O Pastor Augusto Barreto do Ministério Aliança com
Deus Internacional no bairro João Paulo II, fez parte do G12 de René Terra Nova em
Feira de Santana até o ano de 2005 e concorda com o sacerdócio feminino em alguns
casos. Vale salientar que sua esposa é pastora e professora, a senhora Marivone
Barreto que é a líder do grupo feminino na sua igreja que conta com mais de mil
discípulos, nas quatro congregações do Ministério Aliança com Deus Internacional que
administra na região de Feira de Santana. Segundo o pastor Sá Barreto:
A ordenação feminina é cabível dentro do patamar que aquela pastora
trabalhar com mulheres, ou se for com uma mulher que nunca tenha casado
ou viúva que liderar a igreja no geral como o caso da apóstola Valnice
Milhomens, ela nunca casou, por que ao casar a mulher é submissa ao
marido e... se o marido é o pastor é o presidente da igreja, tudo bem ela é
pastora, vai trabalhar com as mulheres da igreja, por que tem assuntos que o
próprio homem não entende e deve ser tratado com uma outra mulher que
tenha uma autoridade espiritual sobre a vida daquela mulher para haver cura
naquela mulher. Então não adianta a mulher sentar diante de um pastor e
conversar assuntos que o homem o sabe nada daquilo por causa do
próprio físico feminino, assuntos íntimos, então aquela mulher tem um livre
acesso a exercer a autoridade espiritual sobre essas mulheres, mas no caso
de uma igreja que às vezes ocorre que a mulher é a pastora e o marido não
faz nada, mas se o marido chegar e disser você não vai para a igreja hoje não
ela o pode ir ela tem que ser submissa por que a palavra não pode se
contradizer, então mesmo ela sendo pastora a autoridade máxima da Igreja, a
autoridade não parte dela, mas do marido então ela não pode exercer a
autoridade máxima na igreja, mas eu acho válido nesse caso que eu to lhe
falando, quando o pastor é o presidente da Igreja ela ser pastora também.
82
81
Jornal “O Batista Baiano news”: Órgão oficial da Convenção Batista Baiana. Ano LXXI-nº40,
setembro/outubro de 2000, folha 11.
82
Entrevista concedida à autora pelo pastor Augusto Sá Barreto no município de Feira de Santana em
08.06.2008.
177
A argumentação do pastor Augusto é uma amostra dos limites e das
possibilidades do exercício do sacerdócio feminino entre os evangélicos da visão
celular. A representação de gênero em que a mulher é submissa ao marido e o marido
por sua vez é o cabeça da igreja e da casa, continua a vigorar no ambiente protestante
uma vez que é uma confissão cristã em que o fundamentalismo bíblico tem uma
relevância considerável. No entanto o G12 e sua enfática perspectiva de restauração da
família, da política e da nação, valorizou e trouxe grandes vantagens para a mulher e a
conquista de espaços ressignificou velhas práticas.
A relação do G12 com a redefinição de papéis de gênero, não ficou apenas na
esfera doméstica, mas estrapolou aos espaços públicos. Quando as mulheres passaram a
subir no púlpito para pregar, isso transcendeu à sua vida social como é o caso da
senadora Claúdia Castellanos que é um modelo para as suas discípulas seguirem. No
G12 é muito comum ouvir os jargões em que o discípulo deve imitar o seu discipulador,
com isso as mulheres são desafiadas a prestar vestibular, conseguir melhores empregos,
se preparar para serem deres de êxito, embora no caso do casamento a sua
independência econômica não signifique autonomia do seu marido.
A pastora Ester Amazonas juntamente com seu esposo Aarão Amazonas
compõem o M12 do casal René Terra Nova e sua esposa Ana Marita Terra Nova no
Ministério Internacional da Restauração em Manaus, fez um livro onde a temática é o
questionamento “Por que disseram que a mulher não pode ser pastora?” A explicação da
autora têm raízes históricas e espirituais. Espiritualmente, ela admite que o intento de
Satanás é colocar a humanidade debaixo de opressão e foi sobretudo essa opressão
maligna que aprisionou as mulheres no cativeiro da rejeição, inferioridade, depressão
entre outros males. as origens históricas remontam as mudanças na religião cristã
implementadas pelo advento do catolicismo que excluiu as mulheres do sacerdócio.
Para a pastora Ester Amazonas as relações familiares são o modelo de gestão de
congregações. O homem é o cabeça de sua casa, porém a mulher é a sua ajudadora
idônea na gestão da família. Em suas palavras:
Um homem que queira ter êxito familiar não governa sozinho a sua casa.
Quando Deus chama o esposo chama a esposa, por que são uma carne.
Eles são um e Deus não os colocará em territórios separados, conquistando
cada um, um território, Ele estaria assim separando o que uniu. Os dois
178
fazem parte de uma mesma conquista e de um mesmo projeto de Deus. O
que pode existir são ofícios diferentes dentro desse projeto para cada um.
83
O extrato supracitado é um pequeno resumo do conteúdo do livro considerado
uma diretriz teológica e doutrinária do G12 e M12 do sacerdócio feminino nas
congregações que admitem a ordenação feminina. A partir dessa nova apropriação do
texto bíblico, muitas mulheres se sentem legítimas sacerdotisas e um exemplo disso é a
grande quantidade de pastoras solteiras na INSEJEC de São Paulo, começando pela
presidente Valnice Milhomens, a administradora da Igreja a pastora Ana Charlene, a
pastora Raquel, missionária no Japão, entre muitas outras.
A afirmação de que o cristianismo foi e continua sendo uma religião de práticas
misóginas, precisa ser relativizada, ainda que a ordenança religiosa tenha submetido a
mulher a estar sempre submissa ao seu próprio marido como ao Senhor. Esta
relativização deve ter em conta que não foi apenas a religião que restringiu o sacerdócio
feminino, mas sobretudo o peso institucional e as lideranças masculinas e a sociedade
androcêntrica em geral. As mulheres protestantes estão questionando o monopólio
masculino no exercício sacerdotal desde o século XVI, com a Reforma Protestante. O
G12 e o M12 trouxeram significativas contribuições ao campo protestante em relação ao
papel das mulheres e ao pastorado feminino.
83
AMAZONAS, Ester. Por que disseram que mulher não pode ser pastora? 2ªed: Semente de Vida,
Manaus, 2001. (p.76)
179
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo do protestantismo é um campo aberto às novas contribuições
acadêmicas. São muitas temáticas, muitas questões, nas quais a pluralidade e a
complexidade do mundo reformado escapam às análises aligeiradas ou preconceituosas.
Ao longo de dois anos de pesquisa de campo, apresentações em congressos, leituras
bibliográficas e a orientação personalizada, pudemos levantar estas preliminares
explicações sobre o fenômeno neopentecostal no Brasil e mais especificamente em
Feira de Santana.
A proposição inicial da pesquisa de analisar uma dissidência religiosa de sujeitos
aparentemente anônimos se transformou numa análise histórica de comunidades
evangélicas que passaram por um processo de neopentecostalização em Feira de
Santana. Ou seja, o objetivo do trabalho foi entender o processo de apropriação de
práticas neopentecostais por protestantes dissidentes de comunidades históricas e
também independentes que tiveram relação com o G12 e posterior M12 no município
feirense.
Não foi uma tarefa simples, implicou em discussão de práticas e representações,
realizar um diálogo interdisciplinar com a Sociologia, Antropologia e a Ciência das
Religiões, retomar conceitos e o principal estudar as inovações, as diferenças, as
tomadas de posição, os conflitos presentes nas relações entre os sujeitos da pesquisa e
suas comunidades religiosas, ou seja, a sua historicidade.
A partir destas questões tivemos que discutir a pluralidade do campo religioso
em Feira de Santana e a constatação que a chegada do protestantismo na cidade foi feita
pelo casal missionário Gillanders no século XX. Foi a expansão pentecostal e
neopentecostal décadas depois a grande responsável pelo crescimento demográfico do
protestantismo feirense. A presença de Batistas, Congregacionais, Presbiterianos
integravam este bloco protestante que na virada para o século XXI entrou em contato
com a estratégia do G12.
A implantação do G12 na cidade foi através da adesão dos pastores das
congregações que em alguns casos estava vinculada a alguma Denominação em outros
não. E no contexto da implantação ocorreram conflitos doutrinários entre os pastores
que aderiram ao G12 e suas respectivas Denominações. Conflitos que desvelaram
180
relações de poder eclesiásticas e promoveram uma onda de dissidências entre Batistas
Nacionais e Brasileiros, grupos independentes, Assembléia de Deus, entre outros.
Conflitos oriundos de uma disputa de espaços e suas lutas de representação que
se expressaram como a necessidade de possuir legitimidade para manipular os bens
sagrados e se apropriar do texto bíblico de acordo com o seu lugar social. Com isso, os
grupos protestantes numa primeira observação pertencem a mesma matriz se distinguem
uns dos outros de tal maneira que como historiadores não podemos nem arriscar a fazer
generalizações, as particularidades passam a construir a História.
O G12 conseguiu se organizar na cidade de um lado com Renê Terra Nova e do
outro com o pastor João Batista da Silva, ambos discípulos de César Castellanos no
Brasil, o primeiro se desvinculou do pastor colombiano e fundou o M12, se apropriando
das práticas religiosas do G12, o problema inicial da pesquisa. Somente analisando as
relações de poder eclesiástico e a distribuição do trabalho religioso, constatamos a
complexidade do G12. Ao mesmo tempo que o trabalho dos leigos ganhou mais
prestígio e importância sugerindo uma descentralização no poder eclesiástico em nível
local, o que aconteceu foi justamente o contrário, uma hierarquização e uma
centralização do poder nas mãos do sacerdote, o que favoreceu a proximidade de René
Terra Nova e o distanciamento de César Castellanos no Brasil e em Feira de Santana.
Problematizamos as relações que estes homens e mulheres protestantes
estabeleceram com a sociedade circundante e entendemos que neste novo contexto
político e social de intensificação das relações capitalistas, surgiu uma nova forma de
ser protestante no Brasil. Um novo ascetismo intramundano, uma ascese desenvolvida
dentro do mundo e que o implica em recolhimento e reclusão, mas com relações de
diálogo profícuo com a sociedade de mercado. A Teologia da Prosperidade permeou
estas comunidades neopentecostais que passaram a ter uma nova concepção teológica
acerca da sociedade.
Esta nova forma de protestantes se engajarem na sociedade das últimas décadas
no século XX, implicou também num novo posicionamento dos evangélicos na política.
Os líderes G12 no Brasil coordenaram um projeto de doutrinação sistemática de
inserção na política. Isso influenciou na política partidária de Feira de Santana com a
atuação de integrantes do G12. Jorge de Oliveira, Israel Terra Nova, Paulão e Justiniano
França foram os representantes das congregações que aderiram ao G12 e tiveram
votações significativas no pleito eleitoral de 2004. Somente Jorge de Oliveira e
Justiniano França foram eleitos e as suas atuações na Câmara Municipal de Vereadores
181
de Feira de Santana. O eleitorado evangélico foi o alvo central do mandato desses edis.
Os atos proféticos e a Marcha para Jesus se realizam com freqüência, amalgamando
religião e política como uma convocação divina.
Analisamos as novas relações que as mulheres neopentecostais conquistaram em
relação às tradicionais práticas andróginas do cristianismo. A sistemática ordenação
feminina foi a grande inovação implementada pelo G12 e M12. A proposta de César
Castellanos de formar uma igreja adaptada ao século XXI não poderia ignorar as
possibilidades do sacerdócio feminino, esta foi a grande inovação do G12 no seio do
protestantismo brasileiro, especialmente feirense.
A separação dos capítulos foi feita apenas com fins didáticos, todos estes
elementos estão imbricados e constituem as igrejas em células no Modelo dos 12 e a sua
nova forma de ser protestante no Brasil e em Feira de Santana. Com o trabalho
concluído, são muitas as inquietações pela necessidade de mais pesquisa, de mais
bibliografia e de mais discussões coletivas. Pretendemos, timidamente, contribuir para o
conhecimento histórico sobre as relações do protestantismo com a sociedade em geral.
182
LISTA DE FONTES
FONTES RELIGIOSAS
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Edição 8- Agosto de 2002: O perfil do candidato a 12.
Edição 9- Outubro 2002: Explosão de crescimento.
Revista Geração Celular: “A revista oficial da Igreja em Células.”
Edição 4- Junho de 2005: Apóstolo Terra Nova fala de seus sentimentos.
Edição 5- Agosto de 2005: Brasil: Condutor de Avivamento.
Ano 2- Edição 7- Abril/maio de 2006: Porto Seguro 2006: Gerando uma nação
Santa.
Yaweh Shammah: O Senhor está aqui
Ano I-nº2 Feira de Santana: Janeiro de 2005.
Ano I-nº5 Feira de Santana: Julho de 2005.
Ano I-nº6 Feira de Santana: agosto de 2005.
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Palavra da Fé Produções Ltda: São Paulo, 2004.
DOMINGUEZ, César Castellanos. A escada do sucesso: Ganhar, concolidar,
discipular e enviar.1ªed. Palavra da fé produções Ltda: São Paulo, 2001.
DOMINGUEZ, César Castellanos. Conhecendo a verdade. 1ªed. Palavra da
Fé Produções Ltda: São Paulo, 2000.
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sobrenatural: o princípio chave para o G12. 1ªed. Palavra da Produções: São Paulo,
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Semente de vida Ltda, Manaus, 2005.
TERRA NOVA, Re de Araújo. Mover Celular. ed. Semente de Vida
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fundamentos. 12ªed. Palavra da Fé Produções Ltda: São Paulo, 2007.
DOMINGUEZ, César Castellanos. Doutrina Nível 2 Escola de líderes: visão.
3ªed. Palavra da Fé Produções Ltda: São Paulo, 2006.
DOMINGUEZ, sar Castellanos. Doutrina Nível 3 Escola de Líderes:
liderança. 3ªed. Palavra da fé Produções Ltda: São Paulo, 2007.
DOMINGUEZ, César Castellanos. Pré-encontro, guia do aluno. 1ªed.
Palavra da fé Produções Ltda: São Paulo 2004.
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Palavra da Fé Produções Ltda: São paulo, 2004.
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autora.
Jardelina Macedo da Luz e Silva: Pastora Feirense da Igreja Batista
Filadélfia em Roraima. Novembro de 2005. Entrevista concedida a autora.
Simone de Araújo Moura: Pastora do Ministério Internacional de
Adoração a Deus em Feira de Santana. Novembro de 2005 e 10.06.2008. Entrevista
concedida a autora.
José Augusto de J. de Barreto. Pastor Presidente do Ministério
Aliança com Deus Internacional em Feira de Santana. 12.06.2008. Entrevista concedida
a autora.
Marcos Salles: Pastor presidente da Igreja Batista Memorial em
Feira de Santana. 12.06.2008. Entrevista concedida a autora.
Luciano de Almeida Moura: Pastor presidente e apóstolo do
Ministério Internacional de Adoração a Deus. 11.06.2008. Entrevista concedida a
autora.
Manoel Pedro de Souza: Bispo aposentado da Igreja Batista
Memorial. 04.06.2008. Entrevista concedida a autora.
René de Araújo Terra Nova: Apóstolo do Ministério Internacional
da Restauração em Manaus. Entrevista concedida aos estudantes do (CPR- Centro de
Pesquisas da Religião) Undira Cunha e Igor Trabuco Silva
Israel de Araújo Terra Nova: Membro da Igreja Batista Memorial.
26.06.2008. Entrevista concedida a autora.
João Batista da Silva: Pastor presidente da Igreja Batista
Missionária Internacional de Feira de Santana. 11.05.2009. Entrevista concedida à
autora
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DVDs doutrinários. Acervo pessoal.
Jornais confessionais:
Jornal Tribuna Evangélica de 2000 a 2002
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Jornal Feira de Jesus de 1994 a 1998
Fontes não religiosas:
Jornal Noite e Dia 2008.
Fontes administrativas:
Atas da Câmara Municipal de Feira de Santana de 2000 a 2005
Projetos de Lei da Câmara Municipal de Feira de Santana de 2000 a 2005
Decretos Legislativos da Câmara Municipal de Feira de Santana de 2000 a 2005
Projetos de Decreto Legislativo da Câmara Municipal de Feira de Santana de
2000 a 2005
Resolução do Regimento Interno da Câmara Municipal de Feira de Santana
Fontes Internet:
Cartas eletrônicas no site luz para os povos disponível:
http://www:visaog12.com.br/arquivos_lideres/l_sinomar.htm
http://www:visaog12.com.br/arquivos_lideres/l_valnice.htm
Outras informações:
http://www.mir.com.br
http://www.mcb.com.br
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Livros Grátis
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