Comparado aos demais textos do livro, onde somente são citados, na
trilogia, o estrangeiro, o órfão e a viúva, o grupo dos levitas é acrescentado como
beneficiário dos bens produzidos pela comunidade. O levita é uma figura
emblemática por estar ligada às antigas tradições sociais e redacionais vindas do
Reino do Norte
44
. Sua figura representa alguém merecedor de solidariedade, por
isso, a novidade do autor Deuteronomista de colocá-lo ao lado de outros grupos,
reconhecidos como pobres.
“Os levitas e os sacerdotes levitas fazem parte de Israel, sem dúvida e de modo
inquestionável. Mesmo assim, eles devem ser diferenciados claramente, às vezes
explicitamente, das pessoas a quem o texto se dirige. Eles não possuem terras (Dt
14,27; 18,1). O Dt não contém regras para sacerdotes”
45
.
Aqui, nota-se um tom elucidativo ao afirmar sua precária situação e
os motivos de ser um beneficiário: %M'[i hl'x]n:w> ql,xe Al-!yae( yKi ywILeh; “o levita,
porque ele não tem parte da herança contigo”, (v. 29). Não é difícil provar que,
mesmo diante dos movimentos reformistas ocorridos nos reinados de Ezequias e
Josias
46
, essa instituição, ao lado da função da realeza e do movimento profético
47
,
manteve seu prestígio ao longo das diversas fases históricas de Israel
48
.
Para alguns autores, a citação dos levitas, como beneficiários, liga-se às
redações tardias igualando a figura do levita à do sacerdote. Não é difícil imaginar
44
O livro do Deuteronômio não deixa de ser uma etapa importante na compreensão do sacerdócio.
A união entre sacerdócio e levita apresentada ao longo do Código Deuteronômico considera
diferentes momentos da história social e religiosa de Israel. Sabe-se que, após a queda da Samaria,
os grupos de levitas se encontram em condições de decadência social e são apresentados,
juntamente com o grupo do estrangeiro, merecedores da proteção legal. Pode-se admitir a
existência de dois grupos: os responsáveis diretos pelo culto e outro, como os levitas, diretamente
ligados à prática do ensino. Os sacerdotes levitas e recebem como função estabelecida em lei num
período recente. Cf. AUNEAU, J., Sacerdote. In: GAZELLES, H.; FEUILLET, A., (Orgs.),
Dictionnaire de la Bible, supplément, vol. 10, Paris, Letouzey & Ané, pp. -1170-1254. Os
sacerdotes levitas e recebem como função estabelecida em lei uma exclusividade sacerdotal
45
Cf. CRÜSEMANN, F., A Torá:Teologia e história social da lei no Antigo Testamento,
Petrópolis, Vozes, 2002, p. 309.
46
Sobre a questão sacerdotal, no tocante à sua origem, ao grau de importância e influências
sentidas diante das reformas históricas há inúmeras controvérsias. Verifica-se que a crítica literária
dos textos com referência aos levitas é um tanto complexa. Cf. DE VAUX, Instituciones del
Antigo Testamento, Barcelona, Herder, 1992, pp. 439-443; 462-478; CARRIÈRE, J. M., O Livro
do Deuteronômio: Escolher a vida, São Paulo, Loyola, 2005, pp. 66-74; EPSZTEIN, L., A justiça
social no Antigo Oriente Médio e o povo da Bíblia, São Paulo, Paulinas, 1990, pp. 75-76; 89-90;
143-144. Não é difícil perceber alguma consequência da reforma empreendida por Josias (621),
estritamente focada na centralização do culto a YHWH, em Jerusalém, visto como o santuário
único, uma vez que sua implementação impulsionou a destruição dos santuários altos e baixos (II
Rs 23,5-7.15.19-20), contribuindo, de modo vertiginoso, na mudança e na distinção de funções e
status entre os sacerdotes. Cf. CRÜSSEMANN, F., A Torá:Teologia e história social da lei no
Antigo Testamento, Petrópolis, Vozes, 2002, p. 297. Talvez o final da monarquia condicionasse a
equiparação social do levita na condição idêntica a do estrangeiro.
47
Três grupos considerados como líderes do povo e da aliança. Cf. SÁNCHEZ, E., Deuteronomio:
introducción y comentario, Buenos Aires, Kairos, 2002, p. 294.
48
Cf. CARRIÈRE, J. M., O Livro do Deuteronômio, São Paulo, Loyola. 2005, p. 70.