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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
(Des)encaixes: espaço e tempo na escola contemporânea
Roberta Acorsi
Orientador: Alfredo Veiga-Neto
Canoas, 2007.
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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
(Des)encaixes: espaço e tempo na escola contemporânea
Roberta Acorsi
O
RIENTADOR
:
A
LFREDO
V
EIGA
-N
ETO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós -
Graduação em Educação da Universidade
Luterana do Brasil para obtenção do título de
MESTRE em Educação.
Canoas, 2007.
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2
Meus pensamentos, disse o viajante à sua sombra, devem me mostrar onde
estou, mas não devem descobrir até onde vou. Amo o desconhecimento do
futuro e não quero perecer por causa da impaciência e do custo antecipado
das coisas prometidas. (Nietzsche
apud
Larrosa, 2000, p.328)
3
Agradecimentos
AgradecimentosAgradecimentos
Agradecimentos
Ao meu pai e à minha mãe, que cada um a seu modo, estiveram ao meu lado, me apoiando,
mesmo nos muitos e longos momentos em que estive ausente.
Ao meu orientador, Alfredo, pela orientação competente e rigorosa, por fazer com que “eu
me puxasse” cada vez mais e também pela relação de amizade, respeito e confiança que
construímos nestes dois anos de (con)vivência.
À Maura, pela sua presença sempre (des)orientadora em minha vida, por ter me
incentivado e me motivado a pesquisar, a estudar e a chegar até aqui . É muito bom contar
com tua amizade e teu carinho e principalmente saber que está sempre torcendo por mim.
À professora Maria Isabel Bujes e aos professores Luís Henrique Sommer e Walter Kohan,
por terem aceitado o convite para participarem da banca examinadora, pela leitura atenta e
rigorosa, trazendo sugestões indispensáveis para transformar “aquela” Proposta “nesta”
Dissertação.
4
À Maria Renata, à Iolanda, ao Carlos, à Karla, à Viviane e à Karyne, por me
adotarem
no
grupo da UFRGS
, pela leitura interessada do meu texto, pelas contribuições sempre
pertinentes, pela disponibilidade em trabalhar comigo na construção desta Dissertação,
pelo incentivo e também pelas muitas risadas durante o “cafezinho”.
Às queridas parceiras do GEPCE, pelo rico espaço de discussão nas quintas à noite e
principalmente por me provocarem sempre a pensar sobre o pensamento.
Às amigas Márcia Mendes, Michele Carrossi e Ana Solange Müller, pelo apoio, pelo
carinho, pelas discussões produtivas e divertidas, e principalmente pela amizade construída
durante o Mestrado. Que ela permaneça muito além dele...
Aos colegas da ULBRA, pelo apoio, pelas discussões sempre produtivas e provocativas e
também pelos almoços divertidos que já deixam saudades.
Às minhas queridas amigas Rita e Bárbara, por “sofrerem” comigo durante o processo de
escrita, pelo apoio incondicional e também pelas vezes em que acertadamente me tiraram
de casa e me mostraram que era preciso descansar.
À CAPES, pela bolsa de estudos e pela possibilidade de me dedicar integralmente ao
Mestrado.
5
Sumário
SumárioSumário
Sumário
7
77
7
Resumo
ResumoResumo
Resumo
8
88
8
abstract
abstractabstract
abstract
9
99
9
apresentação
apresentaçãoapresentação
apresentação
12
1212
12
capítulo i
capítulo icapítulo i
capítulo i: sem tempo a perder...
: sem tempo a perder...: sem tempo a perder...
: sem tempo a perder...
17 Educação: uma questão de tempo?
25 Ajustando os ponteiros: o tempo desta pesquisa
32 Abrindo a caixa de ferramentas
44
4444
44
Capítulo ii
Capítulo iiCapítulo ii
Capítulo ii: Sobre tempo, escola e sociedade
: Sobre tempo, escola e sociedade: Sobre tempo, escola e sociedade
: Sobre tempo, escola e sociedade
47 [...] ou da significação do tempo e do espaço
59 Escola e sociedade: (des)encaixe?
72
7272
72
Capítulo iii
Capítulo iiiCapítulo iii
Capítulo iii:
: :
: estratégias
estratégiasestratégias
estratégias de encaixe: olhando para
de encaixe: olhando para de encaixe: olhando para
de encaixe: olhando para
escola e para o tempo presente
escola e para o tempo presenteescola e para o tempo presente
escola e para o tempo presente
77 Estratégia 1: quanto mais cedo melhor
80 Estratégia 2: situações e situações
6
85 Estratégia 3: além de educar, cuidar
90 Em tempo: algumas considerações
94
9494
94
Referências bibliográficas
Referências bibliográficasReferências bibliográficas
Referências bibliográficas
100
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100
Anexos
AnexosAnexos
Anexos
7
RESUMO
RESUMORESUMO
RESUMO
Problematizar o presente. Esse é o objetivo desta Dissertação. Ao colocar as configurações espaço-
temporais da escola contemporânea em questão, tenho como objetivo problematizar as estratégias
de adaptação entre escola e sociedade que estão em funcionamento nos dias de hoje. Para isso,
estabeleço uma problematização sobre este tema, partindo dos discursos cada vez mais polifônicos
que circulam no campo da educação e a colocam em crise. A partir destes discursos, escolho como
palavras chave nesta Pesquisa escola, tempo e sociedade. Para discutir essas palavras, que tomo aqui
como conceitos, parto da condição pós-moderna, ou seja, dos significados que ganham na
atualidade, e busco na história as condições de possibilidade que permitiram que se tornassem
aquilo que são hoje. Operando com a caixa de ferramentas da teorização foucaultiana, organizei
meu material empírico – as entrevistas realizadas em duas escolas do município de São Leopoldo/RS
em três categorias de análise. As categorias, que chamo aqui de estratégias, são as seguintes:
Estratégia 1: quanto mais cedo melhor
, discuto a escolarização em tempo integral de crianças cada
vez menores.
Estratégia 2: situações e situações
, em que discuto uma aparente inversão de papéis na
medida em que a escola passa a se adaptar a demandas externas e a
Estratégia 3: além de educar,
cuidar
, na qual discuto o papel que a escola assume na Contemporaneidade. A partir da discussão e
problematização destas estratégias, segundo uma leitura muito particular, é possível olhar para a
educação em três sentidos: enquanto um processo de dominação, enquanto salvação e enquanto
um importante dispositivo de biopolítica e governamento da população.
Palavras chave: escola, tempo e sociedade
8
ABSTRACT
ABSTRACTABSTRACT
ABSTRACT
To problematize the current time is the aim of this thesis. In what concerns the space-time
configurations of a contemporary school, the aim here is to problematize the adapting strategies
between school and society which are happening nowadays. Related to this, I turn this goal into a
problem, through the more and more polyphonic speeches which are about the education field,
putting it in crisis. Thinking of these speeches, I’ve chosen
school, time
and
society
as key words.
To discuss this words here as concepts, I start through the post modern condition, in other words,
from actual meanings, and I search in history, the possible conditions to allow this words to become
what they really are nowadays. Using as a tool box the foucaultian theory, I’ve organized the
empirical material interviews which were made in schools from São Leopoldo/Rs into three
categories of analysis. The organization to these categories allowed me to create the analysis corpus.
The categories, which I call here strategies, are the following: Strategy 1:
the sooner the better
,
where I discuss the full time children’s scholarship (entering school each time sooner). Strategy 2:
situations and situations
, where I write about the evident roles’ inversion, by the time the school
starts to adapt to external demand. Strategy 3:
besides educating, taking care
, where the roles the
schools assume into this contemporaneous society is the topic of the discussion. After the discussion
and after proposing problems for these strategies, according to personal readings, it is possible to see
the education into three ways: as a process of domination, as a salvation and as an important
biopolitics device and population government.
Key words: school, time and society.
9
apresentação
apresentaçãoapresentação
apresentação
Escrever é sempre um caso do devir, sempre inacabado, sempre em via de
fazer-se e que extravasa qualquer matéria visível ou vivida (Deleuze, 1997).
Escrever é sempre um ato complexo. Combinar palavras na tentativa de expressar
da melhor forma aquilo que queremos dizer é sempre um processo doloroso, repleto de
(re)começos, de idas e vindas e acompanhado pela sensação constante de algo inacabado.
Para aquele que se autoriza a escrever, o texto jamais está pronto. Sempre existe algo que
poderia ser aprofundado, refinado, melhor descrito, explicado. É com essa sensação de algo
em
via de fazer-se
, parafraseando Deleuze, que apresento esta Dissertação.
Durante o processo de escrita desta Dissertação, fui combinando minha história de
vida pessoal e acadêmica, com a experiência vivida ao longo destes dois anos de curso.
Dessa combinação foi possível tecer uma rede de significados muito particulares que
juntamente ao referencial teórico ao qual me filio, possibilitaram uma leitura sobre as
configurações espaço-temporais da escola contemporânea. Trabalhar com o referencial
teórico pós-estruturalista e de forma especial com o pensamento foucaultiano, me permitiu
abrir o neste trabalho de qualquer pretensão de verdade e me ofereceu “liberdadepara
fazer “apenas” a minha leitura, resultado de uma experiência muito particular, em um
campo de inúmeras possibilidades.
10
Para apresentar a minha leitura sobre a combinação interessada das três palavras-
chave que escolhi para esta Dissertação, tempo, escola e sociedade, divido-a em três
capítulos. No primeiro capítulo que chamo
Sem tempo a perder
, falo sobre a experiência da
sessão de qualificação da Proposta de Dissertação e de quanto esta experiência contribuiu
para outra organização da Pesquisa, transformando “aquela” Proposta, “nesta” Dissertação.
Além disso, trago a minha aproximação com o tema e a forma como fui sendo subjetivada e
produzida enquanto pesquisadora pela linguagem e pelos discursos pelos quais fui sendo
interpelada durante minha trajetória acadêmica até o ingresso neste Programa de Pós-
Graduação em Educação. Na seção intitulada
Educação: uma questão de tempo?
, apresento
a problematização acerca do meu objeto de pesquisa – as escolas de turno integrala partir
dos discursos que vem circulando no campo da educação. Ainda neste primeiro capítulo, na
seção
Ajustando os ponteiros: o tempo desta pesquisa
, apresento a metodologia escolhida e
o processo de transformação do material empírico em
corpus
de análise. Na última seção
deste capítulo,
Abrindo a caixa de ferramentas
, faço uma discussão dos conceitos que tomo
como ferramentas de análise nesta Pesquisa.
Sobre tempo, escola e sociedade
, o segundo capítulo traz uma discussão sobre as
palavras-chave desta Dissertação, marcando a forma como fui significando e combinando
cada uma delas. Na seção chamada
[...] ou da significação do tempo e do espaço
, inicio
uma discussão colocando em xeque tempo escolar e tempo social, para depois disso, buscar
em um
a priori
histórico as condições de possibilidade para a significação que tempo e
espaço assumem no contexto social atual. Na seção seguinte,
Escola e sociedade:
(des)encaixe?,
problematizo a busca constante de encaixe entre escola e sociedade
contemporânea, bem como estabeleço uma problematização sobre a existência ou não
desse encaixe a partir de elementos que busco na história da educação.
No terceiro e último capítulo,
Estratégias de encaixe: olhando para escola e para o
tempo presente
, aprofundo a problematização sobre a ampliação do tempo de permanência
das crianças na escola e apresento três categorias de análise. Na primeira, que chamei de
Estratégia 1: quanto mais cedo melhor
, discuto o investimento cada vez maior na educação
de crianças muito pequenas nas escolas regulares. Na segunda, que chamei de
Estratégia 2:
situações e situações
, discuto uma possível inversão de papéis e a adaptação da escola a
demandas que vem de fora de seus muros. Finalmente na terceira,
Estratégia 3: além de
11
educar, cuidar
, discuto as funções que a escola assume na Contemporaneidade. Para
finalizar o capítulo e também a Dissertação, na seção chamada, Em
tempo: algumas
considerações
, apresento algumas possibilidades de leitura das estratégias de adaptação com
a sociedade adotadas pela escola.
Feita esta apresentação, deixo a cargo dos leitores, outras interpretações e outras
leituras possíveis.
12
Capítulo i
Capítulo iCapítulo i
Capítulo i
SEM TEMPO A PERDER
SEM TEMPO A PERDERSEM TEMPO A PERDER
SEM TEMPO A PERDER
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque,
requer um gesto de interrupção [...] requer parar para pensar, parar para
olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e
escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos
detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade,
suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os
olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão,
escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e
dar-se tempo e espaço. (Larrosa, 2002, p.25)
Um gesto de interrupção. Uma possibilidade de parar e olhar, mais devagar, para o
que estava sendo produzido e pensado até então. Ao trazer como epígrafe as palavras de
Jorge Larrosa, acredito poder descrever a experiência da sessão de qualificação. Um
momento onde se fez necessário
suspender a vontade, escutar aos outros e calar muito
. A
partir dessa experiência que me tocou e me transformou de maneira única, muitos foram os
movimentos na tentativa de (re)ver, (re)fazer, (re)escrever, buscando mais uma vez
combinar palavras que pudessem expressar da melhor forma meu pensamento. Um
pensamento que não é mais o mesmo, mas sim, resultado de uma experiência que é
13
singular. Transformada pela experiência da sessão de qualificação, vejo-me novamente
diante de inúmeras palavras em movimento à espera de uma combinação que lhes atribua
algum significado. Um significado que terá sentido nesta Dissertação, uma vez que estão
colocados na corrente do meu pensamento e da minha vida. (Wittgenstein
apud
Spaniol,
1989) Assim, interpelada pela experiência e pela insuficiência da linguagem, inicio a escrita
desta Dissertação.
Através desse movimento de a
brir os olhos e os ouvidos
tão necessário, nesse
momento de re-visão, de olhar mais uma vez, de procurar outros sentidos e outras
combinações possíveis para as palavras que continuavam a me provocar estranhamento,
desconforto, percebo que a justificativa para essa
vontade de saber
, de pesquisar, aparece
no entrelaçamento da minha vida pessoal e acadêmica.
Ao tomar conhecimento do referencial teórico dos Estudos Culturais em uma
vertente pós-estruturalista, ainda na graduação em Pedagogia, me vi diante da possibilidade
de pensar a educação fora daquelas metanarrativas que serviam para explicar e justificar
tudo o que acontecia na escola. Ao colocar as verdades sobre a educação antes tidas
como certas, definitivas e inquestionáveis em suspenso, abrindo a possibilidade de
questionamento, de (des)construção, de (re)invenção e de (re)significação, confesso ter me
sentido inicialmente incomodada; porém é essa sensação de incômodo e desconforto que
vem me mobilizando a estudar, a pesquisar e a buscar outras possibilidades de olhar para as
práticas naturalizadas pela escola desde sua invenção. Ao abandonar a pretensão da
Pedagogia de encontrar
a
resposta para tudo, lanço-me em um movimento de hipercrítica,
ou seja, tomo minha prática enquanto pedagoga como ponto de partida para encontrar
outros sentidos para
os problemas
da escola e da educação, exercendo uma crítica sobre a
crítica, sempre desconfiada e insatisfeita.
Por isso, nesta Dissertação sigo um caminho que considero ousado: a
problematização do presente. Ao fazer essa escolha, extremamente interessada, de pensar
sobre as discussões que vem mobilizando professores e pensadores da educação na
Contemporaneidade, não pretendo criar novas verdades e nem mesmo encontrar a grande
solução para a chamada
crise
1
da escola. O que quero aqui, nada mais é que voltar meu
1
Discuto o conceito de
crise
no primeiro capítulo desta Dissertação.
14
olhar para a escola contemporânea e apresentar a minha leitura nem melhor, nem pior,
apenas mais uma possível – sobre as configurações espaço-temporais que estão sendo
organizadas no seu interior.
Meu interesse sobre a utilização do tempo e do espaço pela escola não é algo que se
apresenta nesse momento. É sim, resultado de outras experiências de pesquisa
2
que foram
condições de possibilidade para meu ingresso neste Programa de Pós-Graduação em
Educação. Ainda durante a especialização em Educação Especial, dediquei-me a uma
pesquisa sobre as relações entre tempo escolar e tempo de aprendizagem. A pesquisa
realizada no ano de 2005 com o título “O que vamos fazer agora? Uma conversa sobre
tempo e espaço de aprendizagem” tinha como objetivo analisar pareceres de
encaminhamento de professores a um serviço de apoio pedagógico. Entre os muitos achados
da pesquisa, pude perceber de forma muito significativa a exigência da escola de que os
alunos apre(e)ndam seu tempo normatizado e o ritmo por ela estabelecido como ideal. Essa
passa a ser a condição para dizer de sua (não)aprendizagem na escola e também legitima as
posições de sujeito e espaços que esses alunos estão autorizados a ocupar naquele lugar
considerado o
lugar de aprendizagem.
Durante a realização da pesquisa e também depois de
sua conclusão, me senti extremamente envolvida com as questões sobre tempo e escola e
também muito incomodada e comecei a observar no cotidiano da escola as outras tantas
possibilidades de relacionar tempo e escola, além daquela que ligava tempo e aprendizagem.
Eram inúmeras: tempo da cópia, do relógio, dos períodos, do recreio, mas aquela que mais
me chamava atenção, até porque estava se configurando como um problema que tinha que
resolver enquanto coordenadora
3
, era a quantidade de tempo do seu dia que as crianças
estavam passando na escola. Matriculadas em atividades extraclasse que ocorriam no turno
contrário às aulas, as crianças chegavam mais cedo ou permaneciam na escola depois de seu
término, o que nos colocava enquanto escola frente a seguinte situação: o que fazer com
essas crianças?
2
Refiro-me aqui ao Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia (2003) intitulado “Outros olhares...
Problematizando as representações sobre diferença na escola” e a Monografia de Conclusão do Curso de
Especialização em Educação Especial (2005) intitulada “O que vamos fazer agora? Uma conversa sobre tempo
e espaço de aprendizagem”, ambos realizados na Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS e sob a
orientação da Prof. Dra. Maura Corcini Lopes.
3
Antes de ingressar no Mestrado, onde sou bolsista CAPES, trabalhei como coordenadora pedagógica de uma
escola privada em São Leopoldo / RS.
15
Ao ingressar no Mestrado, passei então a “olhar com mais atenção” para as
discussões do campo educacional que traziam a educação em tempo integral como uma
possibilidade de “melhorar a qualidade do ensino no Brasil” e paralelamente a isso, ainda
colocavam essa como sendo a possibilidade de “amenizar” os conflitos sociais que vivemos
cotidianamente. Nesse contexto, a instituição escolar ganha força não mais apenas como
um espaço de educação das crianças, mas também como a instituição capaz de
“transformar” a sociedade, especialmente nas chamadas zonas de risco social, aquelas com
índices de pobreza e violência elevados.
É por esse cruzamento que se estabelece fortemente na Contemporaneidade
4
entre
escola e tempo como condição necessária para uma educação de qualidade que possibilite a
transformação social que justifico a escolha do tema de pesquisa desta Dissertação. Ao fazer
essa justificativa, sinto a necessidade de deixar claro que o que faço aqui, ao eleger,
combinar e significar essas palavras tempo, escola e sociedade de uma forma muito
particular, não esgota outras possibilidades de leitura ou significação. O que pretendo é
apresentar mais uma forma de ver, construída a partir das relações entre minha experiência
e as teorizações com as quais venho me envolvendo nos últimos anos.
Ao deixar de lado a pretensão de “descobrir como” a escola vem organizando,
gestando e utilizando o tempo, ou ainda de definir “qual é mesmo” o significado das
palavras que escolho como chaves nesta pesquisa, construo na primeira seção deste capítulo
Educação: uma questão de tempo?
a problematização acerca do tema e apresento também
minha questão de pesquisa. Na segunda seção,
Ajustando os ponteiros: o tempo desta
pesquisa
, apresento a metodologia que fui construindo ao longo da Pesquisa. Na terceira
seção que encerra este primeiro capítulo,
Abrindo a caixa de ferramentas,
apresento os
conceitos que serão tomados como ferramentas de análise nesta Dissertação.
4
Embora conheça a existência de termos pós-modernidade, modernidade líquida, modernidade tardia,
hipermodernidade, entre outros, utilizo o termo Contemporaneidade para dizer dos tempos atuais.
16
Zero Hora,
08
de
set
embro de 2004
.
17
e
ee
educação: uma questão de tempo?
ducação: uma questão de tempo?ducação: uma questão de tempo?
ducação: uma questão de tempo?
O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta.
(Foucault, 2004, p.26)
Educação em tempo integral. Esse tem sido o tom da maioria dos discursos que se
autorizam a falar sobre a educação atualmente. São discursos cada vez mais polifônicos que
abrem espaço para
muitas vozes
ora na sala de aula, ora nos discursos institucionais, ora
nos discursos da mídia sobre educação” (Silveira, 2002, p.64). Através dessa polifonia, a
educação se torna pauta de uma discussão no âmbito social, ganhando cada vez mais
espaço fora dos muros das escolas e das universidades. Essas vozes e esses olhares voltados à
escola, justificam-se por um argumento em comum: a chamada “crise da escola”.
Falar de crise na Contemporaneidade parece algo óbvio, que essa é uma sensação
que nos acompanha e se intensifica cotidianamente. Porém, o conceito ou a idéia de crise
não é algo que surge nos tempos pós-modernos. Segundo Bauman (2000), historicamente a
palavra crise foi cunhada como um momento de tomada de decisão. Nos dias de hoje, a
palavra crise passa a ser utilizada como uma das formas possíveis para definir a própria
constituição social em função da intensidade e da rapidez com que as mudanças sociais, que
antes eram lentas, m acontecendo. Assim, o sociólogo coloca a sensação de crise
contemporânea como um momento de impossibilidade de decisão, que no mundo
globalizado e em constante transformação que estamos vivendo, não sabemos mais o que
esperar ou o que virá. Vivemos a perplexidade daquilo que não é mais, mas também
daquilo que ainda não é. Nas palavras de Bauman,
[...] o mundo não está apenas fora de controle:
é incontrolável
. [...] O
aspecto assustador do mundo contemporâneo é que, quanto mais
inteligentes tendem a ser as ações, mais elas se acrescentam para o caos.
[...] A incerteza não é algo que
reparamos
, mas algo que
criamos
sempre de
modo novo e em maior quantidade, e
criamos através dos esforços para
repará-la
. (Bauman, 2000, p.149)
18
Frente a esse entendimento de crise como algo em vigor muito tempo, mas até
então negada ou despercebida (Bauman, 2000), é possível entender que a idéia de crise está
ligada à nossa incapacidade de lidar com os problemas do mundo através da impossibilidade
de mantê-lo sólido. Em outras palavras, é possível associar o conceito de crise à nossa
incapacidade, de colocar em prática aquele mundo idealizado, perfeito, criado pela
Modernidade. Por isso,
é quase um lugar-comum dizermos que estamos vivendo,[...]uma ampla
sensação de crise. Tenha ela uma existência material ou seja mais um
produto de nossos discursos, o que importa é que num mundo que se
globalizou, ela se manifesta como crise da Humanidade. (Veiga-Neto, 1995,
p.9)
Assim, frente ao que Veiga-Neto chama aqui de crise da Humanidade, é possível
entender a idéia de crise da escola. Na medida em que o autor coloca a idéia de crise no
âmbito do humano e da impossibilidade de lidar com a intensidade e rapidez das
transformações sociais, aquele modelo de escola idealizado por Comenius
5
, não mais
conta da formação dos sujeitos desse tempo. Nesse contexto, dizer que a escola está em
crise é o mesmo que admitir o desencaixe entre escola e sociedade, e também a fragilidade
do projeto moderno de educação. Porém, mesmo admitindo esse desencaixe não é possível
pensar em crise da escola e crise social como dois eventos distintos; é importante termos
presente que a idéia de crise da escola não é algo isolado. Está imbricada, ou melhor, é
parte de algo bem maior: o enfraquecimento das instituições de seqüestro; resultado do
apagamento das fronteiras (simbólicas e materiais) e também do sulcamento dos espaços
sociais pós-modernos (Veiga-Neto, 2006).
Sobre o enfraquecimento das instituições de seqüestro, Veiga-Neto diz que
por toda parte, elas estão sendo levadas a uma crise impossível de ser
resolvida ou contornada a partir de dentro delas mesmas, isso é, sem levar
em conta os feixes das forças que, atravessando os espaços sociais, rompem
as fronteiras que as separam ou separavam do entorno mais amplo
(Veiga-Neto, 2006, p.33)
Assim, aquilo que vem sendo chamado de crise da escola pode ser entendida como
parte desse processo que se em um âmbito geral, como uma agudização da “crise da
espacialização moderna, que [...] é também uma crise do Estado-nação” (Veiga-Neto, 2006,
5
O modelo de escola idealizado por Comenius será discuto ao longo do Segundo Capítulo:
Sobre tempo,
escola e sociedade.
19
p.34) porém, mais percebida no caso da escola. Com as configurações sociais e com o
enfraquecimento das instituições disciplinares na Contemporaneidade, o desencaixe entre
uma escola que preserva as raízes modernas e uma sociedade cada vez mais dinâmica,
aumenta consideravelmente. Ou será que ganha mais visibilidade? Enfim, esse desencaixe
se estabelece pela distância que se abre entre as configurações sociais e a estrutura escolar.
Frente a esse contexto, a escola passa a buscar “novas e atuais” estratégias, que
possibilitem o resgate, de certa forma, do projeto moderno de educação, e da pretensão
moderna de encaixe com a sociedade, que mantém sob sua responsabilidade a formação
de sujeitos adequados a uma sociedade cada vez mais fluída, instantânea e em constante
movimento. Pensando nessa direção, não seria possível pensar nessa busca pelo encaixe,
por “novas” estratégias, ou então, nessa preocupação com a formação dos sujeitos desse
tempo como um interessante dispositivo de governo e controle da população? Voltaremos a
essa questão mais adiante.
Ao sinalizar a busca de estratégias de encaixe com a sociedade pela escola, uso o
termo estratégia no sentido trabalhado por Michel Foucault. Para o filósofo, o termo
estratégia pode ser utilizado em três sentidos: o primeiro deles, diz respeito aos meios
empregados para atingir um determinado fim, ou alcançar algum objetivo. O segundo, diz
respeito ao modo como um jogador age em um jogo, de acordo com aquilo que pensa
acerca das ações possíveis dos outros jogadores. E por fim, o terceiro entendimento, diz
respeito a um conjunto de procedimentos que visam privar o inimigo de meios de combate
(Castro, 2004). Esses três sentidos podem ser resumidos pela idéia de estratégia como a
“eleição das soluções ganhadoras” (Castro, 2004, p.120 trad. minha). Diante desses três
entendimentos propostos por Foucault, opto por tratar o conceito de estratégia nesta
Dissertação a partir da primeira significação, pois “em relação ao primeiro dos sentidos
indicados, pode-se chamar ‘estratégia de poder’ ao conjunto de meios utilizados para fazer
funcionar ou para manter um dispositivo de poder” (Foucault
apud
Castro, 2004, p. 120
trad. minha). Assim, é importante salientar que a busca por estratégias de encaixe com a
sociedade pela escola é uma ação ao mesmo tempo imbricada e produto de relações de
poder. É nessa tentativa de “adaptação” à condição pós-moderna que reside à possibilidade
de qualificação do ensino e especialmente, segundo os estudiosos que vem discutindo os
problemas da escola, a possibilidade de “resolver definitivamente” a crise pela qual “vem
20
passando” a escola, mantendo em ação um importante mecanismo de poder e visando o
governamento da população. Entender estratégia como algo que constitui “modos de ação
sobre a ação possível, eventual, suposta dos outros” (Foucault
apud
Castro, 2004, p.120
trad. minha) é percebê-la como um mecanismo utilizado na relação de poder e também nas
estratégias de luta. A partir desse entendimento, é possível colocar as estratégias que a
escola vem adotando para “fazer parte” do mundo contemporâneo em duas ordens: como
uma estratégia de poder e também uma estratégia de luta. Ao mesmo tempo em que a
escola se utiliza de sua posição naturalizada de responsável pela formação dos cidadãos e se
apropria de novos mecanismos para reforçar essa posição, podemos ver em ação as
estratégias de luta e as estratégias de poder complementando-se e reforçando o papel
hegemônico da escola enquanto
o
lugar de aprendizagem, mantendo um importante
mecanismo de poder em ação. Mesmo permitindo que outras estratégias de ação sejam
gestadas e funcionem dentro de seu espaço, a escola mantém sua estrutura e seu objetivo de
disciplinamento e civilização dos sujeitos, porém de formas ainda mais brandas e sutis, e
principalmente através de outras formas de organização do tempo e do espaço.
Uma das estratégias que vejo sendo colocada em ão no cotidiano escolar e que
aparece como uma possibilidade de resgatar esse encaixe, ou dessa aproximação entre
escola e sociedade sobre o qual venho falando até o momento, é a ampliação do tempo de
permanência das crianças na escola ao longo do dia e também de sua vida. São as chamadas
“atividades extraclasse” ou o “turno integral”. Essa “nova” configuração espaço-temporal
que a escola assume, tem aparecido nos discursos que estão em circulação nas publicações
destinadas a professores, na televisão, nos jornais, nos pronunciamentos de políticos para
citar apenas alguns exemplos – como a possibilidade de salvação da educação e também da
sociedade.
Aparece aí um paradoxo. Ao mesmo tempo em que se discute amplamente a crise
da escola, é a escolarização, agora em tempo integral, que é apontada como possibilidade de
salvação das crianças e conseqüentemente da sociedade.
Antes de falar nesse ideal de salvação pela educação, busco a etimologia dessa
palavra na tentativa de entender como essa associação se estabelece. “A palavra salvação,
tem sua origem no grego
soteria
, transmitindo a idéia de cura, redenção, remédio e resgate;
no latim
salvare
, que significa `salvar´, e também de `salus´, que significa ajuda ou saúde”
21
(Wikpédia, 2007). Pensando por esse viés etimológico, colar à educação a missão de salvar
crianças e sociedade é devolver a escola a grande responsabilidade de intermediação na
construção de uma sociedade sã. Esse salvacionismo
6
pregado pelos discursos que ecoam no
campo da educação, atribui à passagem pela escola a possibilidade de cura dos males que
nesse caso podem vir do indivíduo ou da sociedade buscando a transformação social
através da eliminação dos problemas que preocupam e fragilizam tanto a escola quanto a
sociedade, que na Contemporaneidade aparecem cada vez mais interdependentes e
imbricadas. Assim, através de um forte investimento na organização e gestão do tempo
escolar, a escola esse ideal savacionista sendo materializado na medida em que, quanto
mais tempo as crianças estiverem “seguras” no seu interior, mais eficiente será o processo de
educação.
Frente a esse contexto, além da obrigatoriedade escolar, algumas crianças passam a
realizar inúmeras atividades que preenchem o tempo que antes era dedicado ao lazer, a
brincar, com atividades produtivas realizadas também no espaço escolar. São aulas de
língua estrangeira, dança, esporte, música, artes, teatro, etc. distribuídas em atividades
extraclasse ou então em atividades complementares oferecidas pelos “turnos integrais” nas
escolas. O aumento do número de atividades realizadas ao longo do dia pelas crianças é
aquilo que chamo de
seqüestro do tempo infantil
, ou seja, mais atividades realizadas ao
longo do dia, todas com caráter produtivo, visando à preparação das crianças para serem
bons adultos e, especialmente, visando à utilização produtiva do seu tempo. Afirmar que o
tempo infantil é seqüestrado pela escola através das atividades oferecidas como opcionais
ou complementares, é possível quando pensamos nessas atividades como uma flexibilização
dos limites de espaço e tempo que parecem se intensificar nos dias de hoje. É através dessa
flexibilização espaçotemporal que se torna possível estabelecer limites que antes não
existiam e também resignificar aqueles que
estiveram sempre
e suprimir aqueles que
acabaram se tornando indesejáveis. Nas palavras de Santos,
com a efetivação dessa flexibilidade, não se é mais obrigado a cumprir os
mesmos horários todos os dias e nem percorrer os mesmos espaços. [...]
Assim, continua-se seqüestrando o tempo. E o que é mais grave, o tempo é
seqüestrado num clima de contentamento por efeito da possibilidade de
escolher o que e quando fazer (Santos, 2006, p.146)
6
Para uma discussão mais detalhada sobre as 7 pragas da pedagogia moderna, entre elas o salvacionismo, vide
Veiga-Neto (2006a).
22
É dessa forma que são organizadas as atividades extraclasse e/ou turno integral que
passam a fazer parte da estrutura escolar contemporânea. É oferecida uma gama variada de
atividades, com horários diferenciados e em dias alternados e as crianças são convidadas a
participar daquelas que quiserem. Agindo dessa forma, aparentemente se abranda na
escola, o processo de disciplinamento, porém, é também dessa forma que a disciplina se
potencializa e de certa forma passa a ser algo desejável no momento em que as próprias
crianças têm a possibilidade de escolha sobre o que e quando fazer, porém sempre no
mesmo espaço, agora resignificado, da escola. Novamente nas palavras de Santos, dessa
forma “[...] a disciplina funciona de modo bem mais eficiente, pois ela se esconde por trás
ou por baixo da ‘democracia’ que introduz e até certo ponto obriga o exercício da
escolha” (Santos, 2006, p.146).
Diante disso, essa ansiedade em ocupar o tempo infantil de forma produtiva parece
levar a uma nova disciplinarização do tempo infantil. Essa disciplinarização do tempo
infantil perpassa desde os horários em que a criança pode ou deve realizar determinada
atividade, e não outra de lazer, até a definição de que atividades serão desenvolvidas e em
que espaço, resultado daquilo que Michel Foucault (1987) chama de tempo disciplinar, um
tempo que penetra no corpo, que controla movimentos e atitudes. Nas palavras do filósofo,
é necessário “garantir a qualidade do tempo empregado: controle ininterrupto, pressão dos
fiscais, anulação de tudo que possa perturbar ou distrair; trata-se de construir um tempo
integralmente útil” (Foucault, 1987, p.128). A idéia de construção de um tempo útil fica
evidente nessa nova configuração de escola que vem se apresentado: as escolas de turno
integral. Ao passarem uma média de sete a oito horas do seu dia na escola, as crianças na
Contemporaneidade estão cada vez mais sob controle, que se extrai delas o máximo de
produtividade com o máximo de economia em nome de um bem maior: a qualificação de
seu futuro e também a sua segurança.
Diante desse cenário que vejo sendo desenhado no contexto educacional atual,
aponto como problema de pesquisa, a seguinte questão: em que medida as estratégias de
adaptação que refletem a busca pelo encaixe entre escola e sociedade contemporânea,
através de um forte investimento na organização do tempo, se constituem como
dispositivos de governamento da população? Tendo essa questão como uma espécie de fio
23
condutor, passo para a próxima seção onde apresento a metodologia de pesquisa construída
ao longo desta Dissertação.
24
Zero Hora,
25
de
outubro de 2003
.
25
Ajustando os ponteiros: o tempo desta Pesquisa
Ajustando os ponteiros: o tempo desta PesquisaAjustando os ponteiros: o tempo desta Pesquisa
Ajustando os ponteiros: o tempo desta Pesquisa
Definir o tempo desta pesquisa com certeza não foi uma tarefa fácil; ainda mais para
uma pesquisa que pretendia ser realizada em uma perspectiva pós-estruturalista, uma
perspectiva que rompe com a idéia de estruturas sólidas e que permite um
movimento
constante. Definir uma metodologia, um caminho a seguir também não foi nada
confortável quando se está filiado a esse movimento, a essa abertura para outras formas de
se pensar e fazer pesquisa. Por isso, me permiti construir uma metodologia a conforme meu
caminhar e conforme aquilo que fosse encontrando ao longo do caminho, sem o
compromisso de necessariamente localizar um ponto de chegada único, mas sim pontos de
chegada possíveis. Porém, essa “liberdade” de construir minha metodologia ao longo do
percurso não me permitiu “fazer de qualquer jeito”. Por isso, apresento nesse momento
aquilo que foi criado, traçado, definido, enquanto uma possibilidade que não se fecha,
que não é única, que permite modificações ao longo do percurso.
Na tentativa de preservar a flexibilidade metodológica que esse campo teórico me
proporciona, escolhi a entrevista como instrumento de coleta de dados. Essa escolha,
extremamente interessada, se justifica pela possibilidade que as entrevistas oferecem de se
trabalhar com os jogos de linguagem que se dão nessa forma de comunicação mais ou
menos estruturada. Ao olhar para as entrevistas como uma arena de significados (Silveira,
2002) abro mão da preocupação de reproduzir de forma exata, fidedigna as falas das pessoas
envolvidas, mas sim me preocuparei em utilizá-las como uma possibilidade de pensar a
forma como o tempo vem sendo utilizado e organizado pelas escolas contemporâneas. Ao
me comprometer com a análise dos jogos de linguagem e não com a exatidão, deixo para
trás qualquer tipo de julgamento de valor, de veracidade e tomo as entrevistas como
eventos discursivos, deixando que
as perguntas perguntem
. Assim, deixando que as
perguntas perguntassem, penso que essas entrevistas não devem ser tomadas como
resultados exaustivos, como comprovações disso ou daquilo, mas como indícios, rastros a
26
serem seguidos, pensados, desdobrados a partir da problematização que compõe esta
Pesquisa.
Nesse sentido, entender as entrevistas dessa forma me permite pensar para além dos
significados que se estabelecem na relação entre entrevistador e entrevistado, e também
pensar nos significados que se estabelecem “pelas imagens, representações, expectativas que
circulam de parte a parte no momento e situação de realização das mesmas e
posteriormente, de sua escuta e análise (Silveira, 2002a, p.120). Assim, os significados
produzidos pela entrevista vão muito além daquilo que foi dito textualmente, estão também
naquilo que está sendo representado, sinalizado e até mesmo silenciado. É através desse
espaço que se abre para buscarmos no discurso significados que pretendo transformar meu
material empírico
7
em
corpus
de análise.
Ao mesmo tempo em que me propus
apenas a ouvir
, não pude perder de vista o
caráter ambíguo dessa “situação que se assemelha a uma conversa casual, mas que, ao
contrário desta, está previamente marcada por algum objetivo de ‘obter informações,
impressões, sentimentos’ sobre um evento, situação [...]” (Silveira, 2002a, p.131). Assim,
nesse jogo onde as perguntas e as respostas são cuidadosamente planejadas e têm um
objetivo bem definido, é importante lembrar que ambas não carregam consigo nenhum
poder mágico, assim como não definem
a
grande verdade sobre o assunto que está sendo
discutido. Elas o, sim, resultado de um discurso marcado por um tempo e por um espaço
determinados, resultados de situações vividas e de verdades instituídas para determinados
grupos sociais. Por isso, tomando a linguagem como algo que produz a realidade de que fala,
não busquei nessas entrevistas
a
verdade sobre as estratégias que as escolas vêm adotando
para ressignificar tempo e espaço, mas sim, procurei tentar entender como a escola vem
utilizando as demandas que surgem no seu cotidiano e fora dela para organizar seu
tempo e conseqüentemente seu espaço.
Ao definir minha opção de leitura das entrevistas, novas escolhas foram necessárias:
o material empírico. Passei então para a seleção das escolas. O primeiro critério para essa
seleção foi a localização, o município de São Leopoldo
8
. Feito isso, procurei elencar as
escolas com maior número de alunos e que ofereciam ensino em tempo integral,
7
O material empírico será apresentado ao longo deste capítulo.
8
São Leopoldo é uma cidade de colonização alemã, localizada na região metropolitana de Porto Alegre / RS.
27
particulares e públicas. Depois, passei para os contatos através do telefone. Para a minha
surpresa, a maioria das escolas contatadas não estava disposta a abrir suas portas a uma
pesquisa. Após inúmeras tentativas, duas escolas se disponibilizaram para as entrevistas. Os
contatos foram realizados diretamente com a diretora e a coordenadora pedagógica,
respectivamente, e as entrevistas foram gravadas mediante a assinatura de um termo de
autorização de uso de material de pesquisa.
A partir de um contato inicial, foi possível desenvolver uma breve caracterização
das escolas através das falas da diretora (no caso da Escola 1) e da coordenadora
pedagógica (no caso da Escola 2) e também pela forma como são conhecidas na
comunidade educativa. São elas:
Escolas selecionadas, entrevistas agendadas. Mas o que perguntar? Essa foi a parte
mais difícil.
Elaborar perguntas que perguntassem
. Ou melhor, elaborar perguntas que
estivessem ligadas ao meu problema de pesquisa sem que elas determinassem as respostas
que eu iria ouvir. Quais seriam boas perguntas? Optei então, por elaborar quatro perguntas
simples e que me permitissem, a partir das respostas elaborar novas perguntas, ou seja,
manter a entrevista aberta. São elas:
1. A escola possui turno integral?
2. Que atividades extraclasse a escola possui?
3. Quais os objetivos dessas atividades e por que elas foram instituídas?
9
Quando questionada sobre sua metodologia de trabalho, a escola se define como
tradicional
.
ESCOLA 1
Escola confessional cristã, privada, localizada no município de São Leopoldo, caracteriza-se
como uma escola que utiliza uma metodologia que pode ser chamada de sócio-construtivista,
administrada coletivamente por um grupo de pais e por uma congregação religiosa. Possui
turno integral apenas em um projeto chamado Brinquedoteca que atende crianças de 2 à 4
anos. Para as outras turmas do Ensino Fundamental, oferece atividades extraclasse no turno
contrário às aulas. Possui 207 alunos da Brinquedoteca à 8ª série.
ESCOLA 2
Escola da rede municipal do município de São Leopoldo, localizada no centro da cidade.
Caracteriza-se como uma escola que utiliza uma metodologia que pode ser chamada de
tradicional
9
. Não possui turno integral, porém oferece atividades extraclasse no turno
contrário ao que os alunos estão em aula. Possui 960 alunos da Educação Infantil à 6ª série.
28
4. Quanto tempo em média às crianças tem passado na escola?
Realizadas as entrevistas, passei então para a transcrição dos materiais. Sabendo que
existem inúmeras formas possíveis de realizar uma transcrição com correção dos possíveis
erros de fala, sem correção, exatas, entre outras escolhi aqui transcrever aquilo que foi
dito, preservando as características originais, que o significado da entrevista vai muito
além daquilo que pode ser transcrito. Assim, parti para um trabalho intenso que exigiu um
“ouvido atento” a cada detalhe, a cada palavra, a cada hesitação ao responder. Esse
cuidado não teve como objetivo buscar a essência daquela fala, mas permitiu que fosse
possível aproximar as falas a partir do significado que aquelas palavras carregavam e assim
construir categorias de análise.
O processo de construção das categorias de análise se deu após inúmeras leituras do
material empírico. Em uma primeira leitura estabeleci uma organização dos dados,
agrupando-os a partir da proximidade de sentido que estabeleciam entre si. Num segundo
momento, passei para a classificação dos dados, procurando “[...] agrupar idéias, elementos
ou expressões em torno de um mesmo ‘conceito’ ou temática” (Ramos, 2006, p.108). Desse
agrupamento resultaram três categorias: a primeira que chamei de
Estratégia 1: quanto mais
cedo melhor
, onde aparecem elementos que demonstram um investimento cada vez maior
na educação em tempo integral de crianças pequenas. Na segunda categoria, que chamo de
Estratégia 2: situações e situações
, problematizo a adaptação da escola a demandas que vêm
de fora de seus muros gerando aparente uma inversão de papéis; e a terceira categoria que
chamo de
Estratégia 3: além de educar, cuidar
, trago excertos das entrevistas com o
objetivo de discutir o papel que a escola assume nos dias de hoje.
Todas essas decisões tomadas até aqui foram possíveis devido ao fato de estar
utilizando os conceitos e o próprio referencial teórico como uma caixa de ferramentas,
operando com cada um deles na medida em que foram sendo necessários para esta análise.
Nesse sentido, trabalhar com conceitos de modo utilitarista constituiu-se em uma estratégia
bastante interessante, pois me permitiu estabelecer uma distinção entre os usos que são
apropriados a esta pesquisa e outros possíveis usos (Acorsi, 2005), ou seja, operar com os
conceitos na sua forma mais produtiva, mais eficaz, mais pertinente para esta situação de
análise, sem descartar outras possíveis ou mesmo ter a pretensão de ser a melhor ou a mais
29
verdadeira, mas sim de ser uma possibilidade de análise que pode ser utilizada por outros, de
outras formas.
Ao trabalhar com os conceitos enquanto ferramentas, filio-me às teorizações
foucaultianas. Para o filósofo, utilizar uma teoria como uma caixa de ferramentas consiste
em “construir não um sistema, mas um instrumento: uma
lógica
própria às relações de
poder e às lutas que se engajam em torno delas” (Foucault
apud
Castelo Branco, 2000,
p.311), ou seja, é assumir que “esta pesquisa pode ser feita pouco a pouco, a partir de
uma reflexão sobre situações determinadas” (Foucault
apud
Castelo Branco, 2000, p.311).
Dessa forma, utilizar o pensamento de Michel Foucault como ferramenta para a
problematização que cabe a esta Pesquisa, me permite “compreender a escola como uma
eficiente dobradiça, capaz de articular os poderes que circulam com os saberes que a
enformam e aí se ensinam, sejam eles pedagógicos ou não” (Veiga-Neto, 2003, p.17-18).
Ao tomar o pensamento do filósofo como lente para olhar para escola e para as
práticas discursivas e não discursivas que circulam no seu interior, não tenho o objetivo de
criar metanarrativas ou mesmo de encontrar
a
salvação ou
a
solução para “os problemas” da
escola contemporânea. O que pretendo é utilizar-me da produção do autor como ele
mesmo desejava: como fogos de artifício a serem carbonizados depois do uso, ou seja,
aproveitando aquilo que cabe a esta pesquisa e deixando-o para trás, seja naquilo que ele
não me ajudará a problematizar em relação à escola e suas relações com o tempo, seja indo
além de suas teorizações. Não quero parecer pretensiosa ao dizer que deixarei o autor para
trás, mas afirmo isso pelo fato de que “[...] ser fiel à sua filosofia significa, ao mesmo tempo,
ser-lhe infiel, sem que exista necessariamente uma contradição. Trata-se então, de uma
fidelidade negativa [...]” (Veiga-Neto, 2003, p.25), uma fidelidade infiel, que retoma e
questiona ao mesmo tempo sua teorização.
Além de tomar nesta Dissertação as teorizações foucaultianas como fogos de
artifício, pretendo, também, fazer “uso” dessa perspectiva teórica como uma possibilidade
de dar voz ao silêncio, àquilo que se encontra silenciado mas não oculto no discurso,
nesse caso específico, no discurso educacional.
A aposta foucaultiana é um esforço para dar palavra ao silêncio no
pensamento para assim poder pronunciar outras palavras. Esse movimento
focado ora nos silêncios do discurso, dos saberes, das instituições ou de si
30
mesmo supõe riscos e eleições que tem a ver com o estilo filosófico de
cada um. (Gondra e Kohan, 2006, p.21)
Então, ao apostar minhas fichas na realização de uma pesquisa “na companhia” de
Foucault, lanço-me em uma viagem com um percurso sem muitas previsões, aberta a
contingências, ao acaso, praticando aquilo que, inspirada em Gondra e Kohan (2006),
autorizo-me a chamar de “escrita como experiência”. Uma escrita que abre espaço para
dessacralizar aquilo que foi pensado e para que assim, possa pensar de outra forma. Uma
escrita que se produz a partir de um pensamento indisciplinado, questionando aquilo que as
verdades estabelecidas não permitiriam questionar.
Feitos esses esclarecimentos que considero importantes para que “eu possa ser lida”,
busco na obra de Michel Foucault, e de outros autores que utilizam suas teorizações, os
elementos para discutir e problematizar a escola enquanto uma instituição disciplinar que
vem buscando estratégias que possam contribuir para a execução do projeto educacional
Moderno – formar bons cidadãos – encaixando-se com a sociedade.
Para chegar à problematização que venho anunciando ao longo deste primeiro
capítulo, considero necessário buscar em um
a priori
histórico as condições de possibilidade,
que pelo menos no meu entendimento, contribuíram para o assim chamado “estado de
crise” da escola. Em outras palavras, buscar entender a partir da história
10
como a escola
moderna tornou-se aquilo que é hoje, desconstruindo alguns desses conceitos para assim
poder entendê-los de outras formas. Para isso, passo a uma discussão sobre minhas
ferramentas de análise para que posteriormente, a partir delas, possa problematizar a
relação entre tempo, escola e sociedade contemporânea.
10
Na Segunda Parte desta Dissertação, Sobre tempo, escola e sociedade, procuro mesclar a história do tempo
e da escola com a condição pós-moderna na tentativa de entender como ambos assumiram os significados que
possuem hoje.
31
Revista Época
,
23
de
abril de 2007
.
32
Abrindo a caixa de ferramentas
Abrindo a caixa de ferramentasAbrindo a caixa de ferramentas
Abrindo a caixa de ferramentas
É o conjunto das ferramentas com o entorno em que elas atuam que nos
permite, junto com Nietzsche, compreender a prática filosófica como a
posta em marcha de um pensamento sobre aquilo que pensamos, bem como
uma investigação sobre outros modos de pensar. Pensamos como se
usássemos martelos, chaves de fenda, alicates; além disso, pensamos sempre
a partir de um fundo epistemológico, a funcionar qual um paradigma ou
uma
weltanschauung
que informa e enforma o pensável (Veiga-Neto,
2006a, p.81).
Ao iniciar esta seção trazendo como epígrafe uma longa citação de Veiga-Neto, dou
o tom da discussão que segue. Assim como martelos e chaves de fenda, a teorização
foucaultiana será utilizada aqui de forma interessada, na medida em que irão contribuir
para melhor compreender – e também problematizar – o contexto educacional do presente,
informando e ao mesmo tempo formando modos de ver e entender as relações que se
estabelecem na escola e também fora dela. Assim, iniciemos a operação das ferramentas
pelo poder.
Na perspectiva foucaultiana, o poder não é algo que possa ser adquirido e nem algo
que se concentre em alguém ou em algum lugar. O poder age sobre a alma
11
, é capilar, se
movimenta e se estabelece nas relações, como uma ação sobre outras ões e não como
uma ação direta e imediata. Embora o filósofo não tenha se preocupado em elaborar uma
teoria sobre o poder, ele utiliza o poder como “um instrumento de análise capaz de explicar
a produção dos saberes”. (Machado, 1979, p.X)
11
Para Foucault, alma “[...] é o elemento onde se articulam os efeitos de um certo tipo de poder e a referência
de um saber, a engrenagem pela qual as relações de poder dão lugar a um saber possível, e o saber reconduz e
reforça os efeitos de poder. [...] A alma, efeito e instrumento de uma anatomia política; a alma, prisão do
corpo” (Foucault, 1987, p.28-29).
33
Roberto Machado, no texto que faz a introdução do livro Microfísica do Poder,
afirma que as análises realizadas por Foucault
[...] não consideram o poder como uma realidade que possua uma natureza,
uma essência que ele procuraria definir por suas características universais.
Não existe algo unitário e global chamado poder, mas unicamente formas
díspares, heterogêneas, em constante transformação. O poder não é
natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída
historicamente. (Machado, 1979, p.X)
Assim, dispensando a necessidade de definir características essenciais ou naturais, o
poder se vale do convencimento, de técnicas sutis para disciplinar e docilizar os sujeitos.
Para Veiga-Neto, “ao operar assim, o poder não é nem repressivo nem destrutivo, mas sim
produtivo: ele inventa estratégias que o potencializam; ele engendra saberes que o
justificam e o encobrem; ele nos desobriga da violência e, assim, ele economiza os custos
das dominações” (Veiga-Neto, 2000, p.63). Tomando o poder como algo produtivo, na
medida em que produz saberes, é possível entendê-los poder e saber como dois
processos que se produzem mutuamente e que são interdependentes. A relação poder-saber
se estabelece pela necessidade de conhecer para governar. Melhor dizendo, é possível
exercer uma relação de dominação não violenta sobre aquilo que é conhecido, aquilo
sobre o que existem saberes, pois uma dominação através da violência dispensa a
existência de saberes. Para Michel Foucault, dominação
é uma estrutura global de poder cujas conseqüências podemos, às vezes,
encontrar até na trama mais tênue da sociedade; porém, e ao mesmo
tempo, é uma situação estratégica mais ou menos adquirida e solidificada
num conjunto histórico de longa data entre adversários (Foucault, 1995,
p.249).
Nesse sentido, é possível dizer que a dominação se vale de estratégias para executar
uma determinada ação ou para mantê-la ativada. Da mesma forma, essas estratégias de
dominação podem ser aplicadas sobre outras ações com o objetivo de bloqueá-las, assim, é
possível perceber aqui relações de poder e relações de dominação como imbricadas, uma
como parte da outra e não como processos distintos.
Assim, as relações de poder se dão sempre como estratégias (de luta), de
modo que elas, as relações de poder, são intrinsecamente racionais, ou
talvez seja melhor dizer, pode-se chamar de relações de poder aquelas
relações de luta ou confronto que visam à dominação do(s) outro(s)
segundo uma racionalidade própria. (Veiga-Neto, 2006, p.21)
34
Na medida em que as relações de poder se estabelecem quando possuem o saber
como operador e que se configuram como relações de poder aquelas que colocam em
jogo saberes e são movimentadas também por eles, torna-se possível afirmar que ambos,
saber e poder, se produzem e se implicam mutuamente. Não existe relação de poder sem a
constituição de um campo de saber e ao mesmo tempo, o exercício do poder pode ser
entendido como um lugar de formação de saberes, e vice-versa. Da mesma forma que é
possível dizer que o saber é resultado utilizando-me de uma expressão de Nietzsche de
uma
vontade de potência
. Também é preciso apontar o caráter relacional do poder, como
algo que se estabelece na relação entre sujeitos, como uma ação exercida sobre outras
ações, estando sempre em movimento e não se concentrando em um único lugar ou em um
único sujeito. Por não se caracterizar como uma totalidade fixa,
o poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo
que funciona em cadeia. Nunca eslocalizado aqui ou ali, nunca está
nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O
poder funciona e se exerce em rede (Foucault, 1979a, p.183).
Entendido como algo que se exerce em rede, não é possível determinar aquele que
tem e aquele que não tem poder. Por ser relacional, todos ocupam a posição de exercer
poder e de sofrer suas ações, embora uns com mais intensidade do que os outros. Assim
como o poder não se concentra em um único lugar, também pode ser exercido de diferentes
formas. Para melhor apresentar as diferentes formas de exercício do poder, passo agora a
discutir as concepções de sociedade trabalhadas por Michel Foucault, iniciando por aquilo
que Foucault chamava de Antigo Regime.
Na sociedade de soberania, ou Antigo Regime, era o soberano quem detinha todo o
poder, era ele quem tomava as decisões. Nessa sociedade, os direitos de vida e de morte
eram os atributos fundamentais e era o soberano quem decidia se deixava viver ou fazia
morrer. Os súditos não possuíam direitos e tanto sua vida quanto sua morte eram efeitos de
uma vontade do soberano. Na sociedade de soberania, a dominação se dava pela aplicação
de violência direta sobre o corpo dos condenados na forma de torturas e suplícios, quase
sempre em praça pública, para que servisse de exemplo para os outros do que aconteceria
com eles caso cometessem algum ato ilícito. Para Fonseca,
o ritual do suplício, com toda a sua manifestação de dor e arrependimento
extraídos dos condenados, é a demonstração pública da força de um tipo de
poder que tem em suas bases de sustentação uma essencial desigualdade de
35
forças, que precisa ser relembrada todas as vezes que uma ação a desafie
(Fonseca, 2003, p.43).
Diante disso, cabe neste momento uma rápida parada para estabelecer a diferença
entre violência e poder, trabalhada por Michel Foucault e também algo que está sendo
aprimorado e discutido intensamente pelo grupo de pesquisa
12
do qual faço parte.
Para dizer dessa diferença entre a dominação através da violência e a dominação
através do poder, utilizo-me de uma longa citação do próprio filósofo:
uma relação de violência age sobre um corpo, sobre as coisas; ela força, ela
submete, ela quebra, ela destrói; ela fecha todas possibilidades; não tem,
portanto, junto de si, outro lo senão aquele da passividade; e se encontra
uma resistência, a única escolha é tentar reduzi-la. Uma relação de poder,
ao contrário se articula sobre dois elementos que lhe são indispensáveis por
ser exatamente uma relação de poder: que o outro (aquele sobre o qual ela
se exerce) seja inteiramente reconhecido e mantido até o fim como o
sujeito da ação; e que se abra, diante da relação de poder, todo um campo
de respostas, efeitos, invenções possíveis. (Foucault, 1995, p.243)
Uma relação de dominação se aquela que se utiliza de qualquer técnica de
governamento e dependendo do acontecimento pode ser poderosa ou violenta (Veiga-
Neto, 2006). A dominação pela violência será aquela que age sobre o corpo dos sujeitos,
que o quebra, que o satura é irracional em si mesma. A irracionalidade da violência se
estabelece na medida em que suas razões estão a serviço de uma prática, de fatores externos
a ela, porém o ato de violência dispensa estas razões para que aconteça, a sua racionalidade
é exterior a ação, por isso, é irracional. a dominação pelo poder, é aquela que passa pelo
corpo para agir sobre a alma do sujeito. Ela o dobra, permite negociação e se efetiva pelo
consentimento do sujeito. Diferentemente da violência, é racional na medida em que
necessita de razões para suas ações. A dominação pelo poder é duradoura e produtiva. Ao
agir pela sutileza, pelo convencimento, uma relação de dominação poderosa suspende a
vontade de resistência dos sujeitos, pois, nas palavras de Veiga-Neto:
dessa discrição resulta o mínimo de resistência que o poder disciplinar
provoca. Talvez possa se dizer que o poder disciplinar, no limite [...]
suspende toda e qualquer vontade de resistir e, assim, cancela toda e
qualquer possibilidade de resistência. São todas essas técnicas combinadas
em si que fazem com que os efeitos das forças que estão em jogo no poder
disciplinar sejam tão econômicos, duradouros, amplos, efetivos, capilares e
autojustificados. (Veiga-Neto, 2006, p.27)
12
Refiro-me aqui ao Grupo de Estudos e Pesquisa em Currículo e Pós-Modernidade (GEPCPós) coordenado
pelo professor Alfredo Veiga-Neto na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
36
Embora na sociedade de soberania o poderoso fosse aquele que decidia sobre o
direito de vida e de morte de seus súditos e ordenasse que esse desejo de morte fosse
cumprido através da violência, é importante mantermos clara essa diferenciação entre a
dominação pelo poder e pela violência. Pois o poder não é em si mesmo uma violência,
embora possa se valer dela em muitos momentos.
Com as mudanças que vão se instaurando na sociedade a partir do início do século
XIX, a verticalidade do poder soberano vai perdendo forças e outro tipo de poder começa a
surgir, o poder disciplinar. É evidente que essa outra forma de exercício de poder não se deu
de repente, foi sendo produzida e construída social e historicamente.
Na sociedade disciplinar, que dispensa o uso da violência na maioria de suas ações,
o disciplinamento dos corpos passa a ser o objetivo maior, por isso, a disciplina aparece
como um importante dispositivo que coloca em ação o poder e garante sua eficiência. Ao
utilizar o conceito de dispositivo neste momento, estou entendendo-o na perspectiva
trabalhada por Michel Foucault, como
um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos,
instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis,
medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas,
morais e filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do
dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses
elementos (Foucault, 1979b, p.244).
A emergência da sociedade disciplinar manifestou-se como a necessidade de dividir,
enquadrar, localizar funcionalmente os sujeitos, pois assim como o uso do tempo, o uso do
espaço precisa ser produtivo. Para garantir sua aplicação e seus resultados satisfatórios, a
disciplina se utiliza de “recursos para o bom adestramento”, sendo eles: a vigilância
hierárquica, a sanção normalizadora e o exame (Foucault, 1987).
A vigilância hierárquica constitui-se em uma vigilância permanente que combina e
cruza pequenas técnicas de vigilância que determinam os olhares que podem ver sem ser
vistos, que as instituições disciplinares transformaram em uma maquinaria de controle e um
aparelho de observação, registro e treinamento. A vigilância coloca o poder disciplinar, ao
mesmo tempo, como algo indiscreto que funciona continuamente e invade todos os
espaços e algo discreto que age permanentemente, mas de forma
silenciosa. Já a sanção
normalizadora funciona como um pequeno mecanismo penal nos sistemas disciplinares.
37
Utiliza-se de castigos e punições com um caráter corretivo, buscando corrigir desvios. Esses
pequenos castigos se dão pela ordem do exercício, pois “castigar é exercitar” (Foucault,
1987, p.151) e tem como objetivo fazer com que todos se pareçam, numa busca por aquilo
que é considerado normal, estabelecendo uma estreita relação entre norma e disciplina. “O
exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e da sanção que normaliza” (Foucault,
1987, p.154) Ao estabelecer um controle normalizante sobre os sujeitos, o exame dá
visibilidade e permite que sejam verificados os efeitos das relações de poder-saber às quais
os sujeitos foram submetidos.
Dessa forma, com o corpo se tornando o alvo do poder através das mais
diversificadas estratégias, passa a ser necessário fazer desse corpo, que antes era mutilado,
violentado, um corpo dócil, útil, dispensando ações violentas. Um corpo dócil seaquele
que admite ser utilizado, transformado e aperfeiçoado. Com esse objetivo,
a disciplina fabrica [...] corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. A
disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade)
e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma
palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”,
uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a
energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de
sujeição estrita (Foucault, 1987,p.119).
A disciplina extrai do sujeito o máximo de sua produtividade, aumentando suas
forças no nível da produção e ao mesmo tempo mantém o sujeito dócil, que diminui sua
própria potência. A disciplina precisa ser eficiente, pois não é interessante produzir corpos
que necessitem de correção ou intimidação; é interessante sim, que os corpos sejam o mais
submissos possível e essa submissão deve representar inércia e obediência associada a uma
impressão de autonomia. Na conhecida frase de Foucault, “a disciplina é uma anatomia
política do detalhe” (Foucault, 1987, p.120).
Nessa lógica que coloca a disciplina como potencialização e controle dos sujeitos, as
instituições escola, prisão, fábrica, hospital, quartel, etc. assumem um papel importante
no processo de disciplinamento desses sujeitos. É necessário que os sujeitos sejam
separados, que cada um tenha seu lugar definido evitando a dispersão. O poder disciplinar
vale-se da combinação entre indivíduo e disciplina, agindo sobre seu corpo, mas tendo
como alvo o controle social. Faz-se necessário agir sobre a unidade para disciplinar o todo.
38
Para Michel Foucault, as instituições disciplinares, “têm como finalidade primeira
fixar os indivíduos em um aparelho de normalização dos homens. A fábrica, a escola, a
prisão ou os hospitais tem por objetivo ligar o indivíduo a um processo de produção, de
formação ou de correção [...]” (Foucault, 1999, p.114). Essas instituições, também
chamadas de instituições de seqüestro pelo filósofo, procuram garantir a eficiência do poder
disciplinar através do seqüestro não só do corpo, mas também do tempo dos sujeitos
visando à normalização e o disciplinamento daqueles que se encontram dentro de suas
fronteiras marcadas de forma precisa. Segundo Santos, “o seqüestro caracteriza as
instituições disciplinares modernas ao funcionarem como um meio, como um instrumento
para que essas instituições cumpram a sua finalidade mais importante: definitivamente o
objetivo principal das instituições de seqüestro não é seqüestrar” (Santos, 2006, p.101), ou
seja, as instituições de seqüestro precisam ser eficientes o suficiente para que os sujeitos
saiam de lá disciplinados e capazes de conviver em sociedade respeitando prontamente as
normas sociais e sendo bons cidadãos, sob a pena de voltarem a ocupar alguma delas caso
tenham algum comportamento que vá de encontro àquele considerado como ideal, como
normal.
Para garantir essa vigilância individual, as instituições de seqüestro se utilizam de
um importante dispositivo: o
panóptico
. Idealizado por Bentham, é uma figura arquitetural
composta por:
na periferia uma construção em anel; no centro uma torre; esta é vazada de
largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção
periférica é dividida em celas [...] elas têm duas janelas, uma para o interior,
correspondendo as janelas da torre; outra para o exterior [...] Basta então
colocar um vigia na torre central e em cada cela trancar um louco, um
doente, um condenado, um operário ou um escolar” (Foucault, 1987,
p.166)
Ao organizar o espaço de forma com que todos possam ser vistos permanentemente,
o panóptico é a garantia da ordem, que induz o detento, o operário, o louco ou o escolar
a um estado consciente e permanente de visibilidade, assegurando dessa forma o exercício
do poder disciplinar, pois o mais importante é que o sujeito saiba que está sendo vigiado
sem necessariamente estar sendo, fazendo com que “a vigilância seja permanente em seus
efeitos e descontínua em sua ação”. (Foucault, 1987, p.166) Dessa forma, o panóptico passa
39
a se caracterizar como uma possível disjunção do par ver e ser visto, que aqueles que são
alvo de visibilidade da torre central são totalmente vistos, sem que, contudo, possam ver.
Ao possibilitar a observação constante, o panóptico acaba funcionando como um
laboratório de poder, que o sujeito que está submetido ao campo de visibilidade e sabe
disso internaliza o poder, tornando-se um importante operador de sua própria sujeição. Por
ser polivalente em suas ações e por permitir que em cada uma de suas aplicações diferentes
se aperfeiçoe o exercício do poder, o esquema panóptico pode ser utilizado para impor os
mais diferentes tipos de comportamento atendendo a multiplicidade de indivíduos que se
quer atingir (Foucault, 1987). Novamente, age-se sobre o indivíduo com o objetivo de
disciplinar o todo, garantindo a ordem social.
Na Contemporaneidade, a sociedade assume outras configurações e as instituições
de seqüestro m perdendo a força. Isso se manifesta como um enfraquecimento da
sociedade disciplinar. Paralelamente a isso, o concurso de mudanças que vêm “de fora”,
como as novas tecnologias de informação e comunicação, as novas espacialidades e
temporalidades no capitalismo avançado, trazem consigo a necessidade de novas formas de
controle da população, porém sem dispensar a disciplina. Naquela que opto por chamar
nesta pesquisa de sociedade de normalização
13
, a disciplina associa-se ao controle para agir
sobre a vida dos sujeitos, disciplinando não mais o corpo, mas também a alma. Nessa
sociedade, o controle se espalha pelo corpo social e a busca constante pela normalização
não sai de cena, apenas se alimenta de novos elementos e estratégias para se potencializar e
atingir os sujeitos de
outras
formas. Sobre essa “soma” de disciplina e controle, e também
fazendo um paralelo entre a sociedade disciplinar e a sociedade de normalização, Santos
afirma que
[...] pode-se entender as sociedades disciplinares como aquelas sociedades
em que a tecnologia política caracteriza-se pela ênfase na disciplinaridade,
enquanto as sociedades de normalização seriam aquelas cuja tecnologia
política caracteriza-se pela articulação entre a disciplinaridade e a
regulamentação, consubstanciada nos controles reguladores (Santos, 2006,
p.75).
13
Embora conheça as discussões atuais que afirmam que estamos vivendo uma transição da Sociedade
Disciplinar para aquilo que Deleuze chamou de Sociedade de Controle, nesta Dissertação opto por trabalhar
com a idéia de que estamos vivendo na Contemporaneidade uma Sociedade de Normalização, que combina,
conforme trabalharei nesta sessão, disciplina e controles reguladores, que busca a todo momento trazer todos
para a norma, para o normal.
40
Assim, essa nova configuração social que vai se instituindo, tem como condição de
possibilidade para seu surgimento a sociedade disciplinar. Essa nova configuração social não
nasce com o objetivo de substituir ou suceder a primeira, porém, combina controles
reguladores e tecnologias disciplinares, integrando-os e modificando-os. Por estar sempre
ligado à norma e se efetivar a partir dela é que pode se associar ao controle a regulação.
Porém, na sociedade de normalização, onde a norma da disciplina se articula com a norma
da regulação “o controle é duplamente regulador” (Santos, 2006, p.150), ou melhor, “os
controles contemporâneos são controles reguladores” (Santos, 2006, p.150). Em suma: os
controles reguladores são aqueles que “articulam a disciplina atuando sobre o corpo – e a
regulamentação previdenciária – disposta em torno da população” (Santos, 2006, p.150).
Dessa forma, sem dispensar a disciplina, pelo contrário, utilizando-se dela como uma
forma de potencializar e intensificar o controle, esse assume aqui contornos flexíveis, suaves
e tênues, passando a agir não mais somente sobre o corpo físico, mas também sobre a mente
e sobre os desejos dos sujeitos. Como explicou Foucault, “a sociedade de normalização é
uma sociedade em que se cruzam, conforme uma articulação ortogonal, a norma da
disciplina e a norma da regulação” (Foucault, 1999, p.302).
Antes de trabalhar com essa articulação proposta por Foucault, acredito que seja
importante uma parada para discutir, mesmo que rapidamente, o conceito de
norma
. Nas
palavras de Ewald, a norma se caracteriza como “um princípio de comparação, de
comparabilidade, uma medida comum, que se institui na pura referência de um grupo a si
próprio, a partir do momento em que se relaciona consigo mesmo, sem exterioridade,
sem verticalidade” (Ewald, 1993, p.86), ou seja, a norma age como uma garantia interna de
ordem, ela não possui exterioridade. Todos estão na norma, a qual permite
simultaneamente individualizar, classificar, comparar incessantemente, definindo aquilo
que é normal e aquilo que não é, sempre de forma relacional não sendo possível definir uma
origem ou um sujeito que justifiquem sua existência.
Nesse cruzamento entre a norma da disciplina e a norma da regulação, a idéia de
controle assume um papel importante. Para entender o sentido dessa palavra, busco pela
sua etimologia. Do latim
contra
que vem em sentido contrário +
rotulus
que rola, se
movimenta (Wikcionário, 2007). Assim, controle pode ser interpretado como algo que está
contra alguma coisa, em sentido oposto. No sentido dicionarizado,
controle
significa ato de
41
dirigir qualquer serviço, fiscalizando-o e orientando-o do modo mais conveniente,
fiscalização ou domínio de alguém ou alguma coisa. A partir desses significados, me permito
tomar nesta Dissertação, controle como algo que impede que se vá contra as normas pré-
estabelecidas, algo que mantém os sujeitos dentro do padrão de normalidade, impedindo
qualquer comportamento que extrapole ou contra aquilo considerado normal. Controle
no sentido que estabeleço aqui tem como objetivo monitorar o processo e compará-lo com
o padrão, com o modelo pré-estabelecido. Para executar sua função, o controle pode ou não
se valer da vigilância, que embora apareçam associados em alguns momentos, o podem
ser tomados como sinônimos.
A ação de controlar pode ser associada à verificação da permanência dos sujeitos
“dentro” da zona de normalidade. Por isso, na sociedade de normalização, onde o controle e
a regulação dos sujeitos assume um papel de destaque, entram em jogo um conjunto de
mecanismos e técnicas que postos em ação garantem que o modo de vida social permaneça
o mais próximo possível do desejado, de acordo com aquilo considerado normal, ou melhor,
se mantendo constantemente em uma zona de normalidade. Ao manter a vida das pessoas
o mais próximo possível do normal, facilitam-se as ões de controle. sobre o ato de
vigiar, pode se dizer que através de técnicas aplicadas sobre o corpo dos sujeitos ou pela sua
observação direta, visível ou invisível, o Estado pode projetar e planejar estratégias para
manter os sujeitos próximos daquilo que se considera normal, ideal, mantendo a vida dos
sujeitos sob constante observação para evitar que se desviem do modelo pré-estabelecido.
Dessa forma, a associação entre controle e vigilância se pelo foco no processo, o
controle separado da vigilância, tem como foco o resultado final, que, segundo Castro,
“[...] é a possibilidade de controle que faz nascer a idéia de fim” (Castro, 2004, p.64, trad.
minha).
Tendo a norma como referência e a vigilância como pré-requisito, o controle o se
efetiva isoladamente e também não é uma exclusividade da sociedade de normalização.
Sobre isso, Santos diz que:
[...] o controle é parte de um conjunto de procedimentos dentre os quais
são exemplos: a vigilância e a sanção normalizadora, concernentes ao poder
disciplinar que funcionam ativando e efetivando as relações de poder. É
funcionando nesse conjunto que o controle vai, ao mesmo tempo,
diversificando-se e tornando-se mais intenso,
pari passu
com as relações de
42
poder que vão diversificando-se desde a sociedade de soberania até a
sociedade de normalização. (Santos, 2006, p.94)
Assim como as formas de exercício de poder vão se modificando de acordo com as
configurações sociais, a forma de controle e sua intensidade também vai sendo
ressignificada e vai assumindo determinadas posturas de acordo com o contexto no qual se
efetiva. No contexto da sociedade de normalização, vemos surgir uma outra forma de
exercício do poder. Partindo de uma anátomo-política que utiliza a disciplina sobre o corpo
do indivíduo em um processo de individualização constante, vemos se instituir uma
biopolítica que se utilizando do biopoder age diretamente sobre a vida do sujeito para
garantir a preservação da espécie, através de um processo de massificação. Sobre isso,
Foucault diz que
[...] depois de uma primeira tomada de poder sobre o corpo que se fez
consoante o modo de individualização, temos uma segunda tomada de
poder que, por sua vez não é individualizante, mas que é massificante [...]
que se faz em direção não do homem-corpo, mas do homem-espécie
(Foucault, 1999, p.289).
Essa tomada de poder sobre a vida, que o filósofo chamou de biopolítica, só se torna
possível com o surgimento de um novo corpo social: a população. Assim, a biopolítica irá se
preocupar com os acontecimentos que se dão no âmbito da população, valendo-se de
mecanismos diferentes daqueles utilizados pelo poder disciplinar, são os mecanismos
reguladores, resultado do biopoder, um poder sobre a vida. Ou seja, agora o direito do
soberano de deixar viver e fazer morrer vai sendo completado, modificado, penetrado – não
substituído por um novo direito que se instala: o de fazer viver e deixar morrer. Trata-se
então de uma transformação das tecnologias de poder, da passagem de um tipo de poder
para outro tipo de poder, um poder que interfere não apenas sobre a vida dos sujeitos, mas
também sobre a sua forma de vida. Para Michel Foucault, esse poder tem “cada vez menos
o direito de fazer morrer e cada vez mais o direito de intervir para fazer viver, e na maneira
de viver, e no ‘como’ da vida [...]” (Foucault, 1999, p.295). Nesse sentido, é possível
perceber essas duas tecnologias de poder a disciplinar e a de regulação se sobrepondo.
De um lado uma tecnologia que age sobre o corpo e de outro, uma centrada na vida, sendo
extremamente interdependentes na medida em que é possível se preservar a vida
passando pelo corpo, ou seja, “[...] em ambos os casos, tecnologia do corpo, mas, num caso,
trata-se de uma tecnologia em que o corpo é individualizado como organismo dotado de
43
capacidades e, no outro, uma tecnologia em que os corpos são recolocados nos processos
biológicos de conjunto” (Foucault, 1999, p.297).
Ao trazer toda essa discussão, não tenho a pretensão de dar conta aqui desses
conceitos sempre tão complexos. Mesmo que tenha procurado ser extremamente cuidadosa
e rigorosa na sua utilização, sei que ainda há muito por dizer sobre eles. Mesmo assim,
acredito ter trazido aqui, de forma breve, os esclarecimentos necessários para dizer como
entendo esses conceitos e a maneira como serão utilizados interessadamente neste estudo.
Frente a isso, me questiono: o que a escola tem a ver com isso?
Com as escolas de turno integral, ou pelas atividades extraclasse oferecidas na
escola regular, as crianças passam mais tempo do seu dia na escola. Ao administrar o uso do
tempo dos alunos e as atividades que irão realizar sempre visando uma ocupação produtiva
deste tempo e uma preparação para o futuro, a escola produz sujeitos capazes de alcançar
aquilo que é considerado um “bom futuro”. Na sociedade de normalização, onde o alvo do
biopoder não é mais apenas o corpo, oferecem-se às crianças na escola, cada vez um
número maior de atividades – todas elas produtivas ocupando-a com aquilo que é
considerado positivo tanto pela escola, como pela sociedade e pela família. As atividades
oferecidas no turno integral, ou mesmo como extraclasse, agem pela sedução e pelo
convencimento para manter as crianças no espaço escolar. Mesmo em uma sociedade onde
as instituições de seqüestro perdem a força e têm suas fronteiras borradas, o controle e a
vigilância escapam dos limites geométricos e se espalham pelo corpo social, a escola,
procura se adaptar às demandas sociais através de diversas estratégias na tentativa de
colocar-se lado a lado com a sociedade. Ao se manter apegada a um modelo clássico e
procurando cada vez mais manter as crianças no seu espaço, a escola encontra a
possibilidade de reforçar sua identidade como lugar destinado às crianças, à sua educação e
à sua formação, enfim, o lugar legítimo de aprendizagem e preparação para o futuro e
também um espaço possível de salvação da sociedade através do investimento na infância e
na organização de seu tempo.
Estabelecida essa relação extremamente importante, passo para o Segundo Capítulo
desta Dissertação
Sobre tempo, escola e sociedade onde
discuto de forma um pouco
mais aprofundada essas palavras tão importantes no contexto desta Pesquisa.
44
Cap
CapCap
Capí
íí
ítulo II
tulo IItulo II
tulo II
Sobre tempo, escola e sociedade
Sobre tempo, escola e sociedadeSobre tempo, escola e sociedade
Sobre tempo, escola e sociedade
Qualquer atividade humana precisa de um tempo e de um espaço
determinados. Assim acontece com o ensinar e o aprender, com a
educação. Resulta disso que a educação possui uma dimensão espacial e
que, também, o espaço seja, junto com o tempo, um elemento básico,
constitutivo, da atividade educativa (Viñao Frago, 2001, p.61)
Um tempo normatizado em um espaço estrategicamente organizado para preparar os
sujeitos que irão viver em sociedade. Essa é a tese que desenvolvo na Segunda Parte desta
Dissertação. Ao estabelecer uma aliança entre tempo, escola e sociedade, tenho como
objetivo mostrar como a significação atribuída ao tempo na Modernidade serve como
condição de possibilidade para a invenção da escola como uma forma de manter a ordem e
cumprir com o projeto social que começa a se organizar no século XVII.
Nas duas seções que seguem, busco estabelecer uma problematização dessas palavras
que coloquei como chaves para esta pesquisa partindo dos significados que assumem nos
dias de hoje, para assim, buscar em um a priori histórico tanto as condições que tornaram
possíveis a sua invenção, quanto àquelas que permitiram que adquirissem o significado que
possuem hoje.
45
Assim, na próxima seção que chamo de
[...] ou da significação do tempo e do
espaço
, proponho uma discussão sobre o conceito do tempo hoje, através da idéia de
compressão tempo-espaço, e também uma discussão sobre a utilização do tempo pela
escola. Na última seção deste capítulo,
Escola e sociedade: (des)encaixe?
, discuto a aliança
entre escola e sociedade, estabelecendo ao mesmo tempo uma problematização do presente
e um recuo histórico para melhor entender a organização escolar hoje.
46
Zero Hora
,
4
de
abril de 2007
.
47
[...] OU DA SIGNIFICA
[...] OU DA SIGNIFICA[...] OU DA SIGNIFICA
[...] OU DA SIGNIFICAÇÃ
ÇÃÇÃ
ÇÃO DO TEMPO E DO ESPA
O DO TEMPO E DO ESPAO DO TEMPO E DO ESPA
O DO TEMPO E DO ESPAÇ
ÇÇ
ÇO
OO
O
Todas as coisas dependem de uma ordem única...tentemos, pois, em nome
do Altíssimo, dar às escolas uma organização que responda ao modelo do
relógio, engenhosamente construído e elegantemente decorado (Comenius,
1997, p.51).
200 dias letivos. 800 horas aula. 48.000 minutos. Assim está organizado
oficialmente o tempo na escola contemporânea
14
. Dias, horas, minutos precisamente
determinados pelo relógio. Desde sua invenção, é dessa forma que a escola materializa seu
tempo, marcando-o fortemente e inventando um tempo que é seu, que tem validade no seu
espaço e determina o funcionamento da instituição, as atividades desenvolvidas e
também, a (não)aprendizagem dos sujeitos e as posições que estão autorizados a ocupar
naquele lugar.
Instantâneo, fluído, efêmero, incomensurável. Assim, talvez, possa se caracterizar o
tempo na Contemporaneidade. Um tempo que pode ser significado e vivido de formas
distintas em cada cultura. O tempo do sujeito contemporâneo é um tempo que está além da
orientação, do relógio, da mensuração. Está sim na ordem da experiência e é vivido e
organizado a partir dela como uma invenção humana. Nesse sentido, o tempo na
Contemporaneidade já não é mais entendido como algo que se gasta, mas sim como algo
que passa e é por isso que pode ser controlado, vigiado e hierarquizado, o que faz dele algo
material e produtivo.
À primeira vista, as duas descrições da utilização e significação do tempo que trago
no início desta seção parecem incompatíveis. Quando pensamos no tempo como uma
invenção ou uma construção que se estabelece a partir do estilo de vida contemporâneo,
48
parece impossível colocar nesse contexto um tempo precisamente marcado pelo relógio,
onde a contagem dos segundos, minutos, horas, dias aparece como condição de
funcionamento da escola. Porém, mesmo que absolutamente diferentes, essas duas formas
de viver e significar o tempo convivem na Contemporaneidade estando cada vez mais
imbricadas, já que escola é a instituição responsável pela civilização e a formação dos
sujeitos capazes de viver nessa sociedade.
Ao assumir que na Contemporaneidade o tempo e conseqüentemente o espaço
é resignificado assumindo um caráter produtivo a medida em que é percebido como algo
que passa, é também assumir a sua aceleração. Ou seja, vivemos um tempo cada vez mais
instantâneo. Essa rapidez com que o tempo tem sido experimentado e vivenciado leva
àquilo que alguns autores têm chamado de compressão tempo-espaço. Como resultado
dessa aceleração, Harvey anuncia modificações diretas nas “maneiras pós-modernas de
pensar, sentir e agir” (Harvey, 1999 p.258), a partir de um fenômeno onde o tempo aniquila
o espaço. Giddens (1991) chamará esse processo de “desencaixe”, onde o espaço separa-se
do lugar entendido como cenário e passa a ocupar múltiplas possibilidades de tempo e
espaço. para Massey, “a compressão tempo-espaço refere-se ao movimento e à
comunicação através do espaço, à extensão geográfica das relações sociais e a nossa
experiência de tudo isso” (Massey, 2000, p.178), ou seja, é um fenômeno que depende
diretamente da forma como é significado e utilizado. Cada grupo cultural irá significá-lo de
uma maneira específica, instaurando o que se pode chamar de geometria do poder, que
diferentes grupos sociais e diferentes indivíduos posicionam-se de formas distintas em
relação aos fluxos e conexões do tempo e do espaço pós-modernos. Para Doreen Massey,
aquilo que se pode chamar de geometria do poder da compressão tempo-espaço refere-se
aos diferentes grupos sociais e diferentes indivíduos que ocupam posições muito distintas
em relação a esses fluxos e interconexões. Segundo o autor, ele não se refere
simplesmente a questão de quem se movimenta e quem não o faz, embora essa
questão seja um elemento importante; trata-se também de poder em relação aos
fluxos e ao movimento. Diferentes grupos sociais têm relacionamentos distintos
com essa mobilidade diferenciada: algumas pessoas responsabilizam-se mais por ela
do que por outras; algumas dão início aos fluxos e movimentos, outras não; algumas
ficam mais em sua exterioridade receptora do que outras; algumas são efetivamente
aprisionadas por ela. (Massey, 2000, p.179)
14
Parecer 05/97 do Conselho Nacional de Educação.
49
A compressão tempo-espaço traz a tona, de forma bastante significativa as relações
de poder que agem diretamente na sua produção, refletidas tanto pela sua capacidade de
mobilidade quanto pela sua capacidade de controle, colocando os sujeitos como
colaboradores em um momento e como prisioneiros em outro.
Frente a essa discussão mesmo que breve sobre a compressão tempo-espaço
como uma forma de viver o tempo, fica evidente que a organização do tempo na escola se
dá em um outro registro, o da Modernidade.
Na Modernidade se estabelece uma humanização do homem, colocando o
“humano” no próprio “homem”, tirando do indivíduo seu caráter de cópia do sagrado e o
trazendo para este mundo. O indivíduo é “jogado na terrae por isso tem que assumir um
outro estatuto: o de sujeito. Nesse sentido, a conexão entre a mecanização do tempo
moderno a partir do relógio e as novas tecnologias que vão sendo inventadas para “dar
conta” de uma vontade de poder, suscitou uma nova percepção da temporalidade. Não
facilitou apenas a contagem das horas, mas introduziu uma verdadeira auto-regulação das
atividades humanas e uma reorganização social. Ao possibilitar que o homem faça seu
tempo”, crie “sua própria temporalidade” se estabelecem às condições de possibilidade para
o surgimento do poder disciplinar, que tem como objetivo organizar o tempo e também o
espaço. Paralelo a isso, a marcação dos espaços em mapas age na mesma lógica. Segundo
Harvey, “[...] o mapeamento do mundo abriu caminho para que se considerasse o espaço
algo disponível à apropriação para usos privados” (Harvey, 1999, p. 209).
Para Varela,
com o início da Modernidade, os códigos de saber transformam-se e o homem deixa
de ser um pequeno microcosmo, em contato permanente com todo o universo, para
distanciá-lo da animalidade. A partir de agora, o homem terá que se converter em
ser “civilizado”, em ser cada vez mais individualizado [...] (Varela, 1996, p. 80).
Esse processo de individualização inaugurado pela Modernidade contribui para a
formação de um
Homo clausus
15
, um homem fechado, auto-suficiente, uma outra face do
processo de civilização”. O processo de civilização e individualização sinalizado pela autora
implica na internalização dos mecanismos de controle social. Nesse contexto, tempo e
espaço aparecem não só como estruturadores do mundo, mas também dos indivíduos.
15
Conceito trabalhado por Norbert Elias (1998).
50
As técnicas de mensuração e regulação do tempo inventadas na Modernidade
implicam relacionar, perceber e vivenciar o tempo de uma forma peculiar. Norbert Elias
chama atenção para essa questão, quando escreve que
[...] a experiência do tempo como um fluxo uniforme e contínuo se tornou
possível através do desenvolvimento social da medição do tempo, pelo
estabelecimento progressivo de uma grade relativamente bem integrada de
reguladores temporais, como os relógios de movimento contínuo, a sucessão
contínua dos calendários anuais e as eras que encadeiam os culos [...] (Elias,
1998, p. 38).
As formas peculiares de experenciar e vivenciar o tempo estão ligadas fortemente ao
espaço. Fabris cita Viñao Frago quando afirma “que tempo e espaço se dão as os, um
implica o outro, pois qualquer atividade humana precisa e tem lugar
16
em um espaço e um
tempo” (Fabris, 1999, p 42).
A partir da discussão realizada até o momento, considero possível relacionar essas
leituras de tempo e de espaço ao poder disciplinar. Um novo tipo de poder que entende que
“domesticar, normalizar e fazer produtivos aos sujeitos é mais rentável do que segregá-los ou
eliminá-los” (Varela, 1996, p. 81).
Não será demais insistir aqui em alguns pontos, na medida em que eles são
importantes para meu trabalho. Conforme expliquei anteriormente, o poder disciplinar
ocupa-se, de forma especial, de tecnologias de individualização, buscando tornar os corpos,
ao mesmo tempo dóceis e úteis. Nascido de um conjunto de transformações sociais,
econômicas e políticas no culo XVIII, esse poder serve-se, além de tecnologias de
individualização, de tecnologias de regulação das populações, permitindo que o corpo dos
indivíduos se torne parte do domínio do poder, através de um processo de objetivação
17
que
os tornará sujeitos.
Entre as tantas funções do poder disciplinar, tomo o disciplinamento e a docilização
dos corpos como relevantes para a discussão a que pretendo promover nesta Dissertação. A
16
A ocupação do espaço o constituirá como lugar. O espaço é aquele projetado, imaginado e o lugar, aquele
construído a partir do fluir da vida tendo como suporte o espaço. O lugar, assim como o território, é uma
construção social, que pode ser tanto individual como coletiva e é a organização das pessoas e dos objetos em
um espaço que determinará seus usos e funções naquele lugar.
17
Para Michel Foucault, tanto os processos de objetivação quanto de subjetivação constituem os indivíduos
que, através de relações de poder, o tornam sujeitos. O indivíduo moderno é aquele que aprisionado à sua
própria identidade e à consciência de si, passa a ser entendido como um objeto útil, dócil e assujeitado (aos
outros e a si mesmo).
51
descoberta do corpo como um objeto, fez dele um alvo de poder, um objeto manipulável,
controlável, treinável,
sujeito
ao processo de docilização. Para Foucault, “é dócil, um corpo
que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”
(Foucault, 1987, p.118). A noção de docilidade diz respeito à união do corpo analisável ao
corpo manipulável, diretamente ligada a relações de poder. Os esquemas de docilidade
utilizam-se de um controle minucioso e permanente, de forma especial sobre os processos
de atividade mais do que sobre seus resultados, esquadrinhando ao máximo o tempo, o
espaço e os movimentos, colocando os corpos em uma relação de docilidade-utilidade, ou
seja, disciplinados. Segundo Veiga-Neto, “o poder disciplinar age sempre sobre algo que
tem vida, ou seja, sobre algo que ocupa um lugar no espaço e existe num tempo finito”
(Veiga-Neto, 2000a, p. 13), tomando corpo e alma juntos e é por esse motivo que a
disciplinaridade se torna ao mesmo tempo necessária e natural.
A disciplina surge como um importante mecanismo nesse contexto. Diferente da
escravidão, da domesticidade e da vassalidade, a disciplina consiste em um conjunto de
“métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a
sujeição constante de suas forças e lhes impõe a relação de docilidade-utilidade” (Foucault,
1987, p.118). O nascimento da disciplina acontece juntamente com o nascimento de uma
arte do corpo humano que busca além do aumento das habilidades e da sujeição, a
formação de uma relação que torna os corpos tão mais obedientes quanto mais úteis e vice-
versa. A disciplina coloca o corpo humano em uma “maquinaria de poder que o
esquadrinha, o desarticula e o recompõe. [...] fabrica corpos submissos e exercitados, corpos
‘dóceis’”
18
(Foucault, 1987, p.119). Em suma, a disciplina dissocia o poder do corpo o
colocando em uma relação de extrema sujeição. Entendida dessa forma, a disciplina passa a
ser responsável pela produção de um tempo e de um espaço disciplinares.
Sobre isso, Júlia Varela, escreve que
esse poder disciplinar, em razão de sua economia e de seus efeitos, tendeu a se
estender por todo o corpo social [...] As tecnologias disciplinares que estão na base
da produção social de novos saberes e novos sujeitos, funcionam através de uma
nova concepção e organização do espaço e do tempo. Implicam a existência de um
espaço e um tempo disciplinares. Para o espaço disciplinar, o princípio da clausura
deixa de ser constante, indispensável e suficiente. O importante agora é a
redistribuição dos indivíduos no espaço [...] A cada indivíduo de se determinar
18
Grifos do autor.
52
uma localização precisa no interior de cada conjunto. Os indivíduos hão de estar
vigiados e localizados permanentemente para evitar encontros perigosos e
comunicações inúteis, se de fato se quer favorecer exclusivamente as relações úteis
e produtivas (Varela, 1996, p.82).
Trata-se de um espaço quadriculado, onde cada indivíduo tem o seu lugar e cada
lugar é ocupado apenas por um indivíduo. No espaço disciplinar, cabem tantas divisões
quantas forem necessárias, sempre de acordo com a quantidade de corpos que irão ocupá-
lo. A geometrização do espaço tem como objetivo a vigilância constante, evitando a
circulação dos indivíduos, a vadiagem, a aglomeração, etc.; para que assim seja possível
conhecer, dominar e utilizá-los da melhor forma possível, sendo a disciplina a responsável
pela organização desse espaço analítico. Citando Foucault, “o espaço das disciplinas é
sempre no fundo celular. Solidão necessária do corpo e da alma [...]” (Foucault, 1987,
p.123).
A utilização máxima e exaustiva do tempo são marcas fortes de um tempo
disciplinar que deve ser aquele sem impurezas e sem defeitos, de boa qualidade. Deve ser
medido e pago, e ao longo de sua duração, os corpos devem estar aplicados cada um ao seu
exercício. O tempo penetra no corpo, controlando-o minuciosamente. Em um tempo
disciplinar, é
proibido perder tempo
, por isso, além dos horários, a disciplina opera de forma
econômica, extraindo do tempo o máximo de rapidez com o máximo de eficiência.
Ao colocar tempo e espaço como processos imbricados e como produtos do poder
disciplinar, Michel Foucault, diz que: “as disciplinas, que analisam o espaço, que decompõe
e recompõe as atividades, devem ser também compreendidas como aparelhos para
adicionar e capitalizar o tempo” (Foucault, 1987, p.133).
Por fim, ainda sobre o poder disciplinar, Foucault diz que
o poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar,
tem como função maior “adestrar”; ou sem dúvida adestrar para retirar e se
apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra forças para reduzi-las; procura ligá-
las para multiplicá-las e utilizá-las num todo. Em vez de dobrar uniformemente e
por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia, leva seus
processos de decomposição até às singularidades necessárias e suficientes. “Adestra”
as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para uma multiplicidade de
elementos individuais pequenas células separadas, autonomias orgânicas,
identidades e continuidades genéticas, segmentos combinatórios [...] é um poder
modesto, que funciona a modo de uma economia calculada, mas permanente
(Foucault, 1987, p. 143).
53
Ao trazer toda essa discussão anterior sobre a marcação do tempo na Modernidade
e combinando-a ao conceito de poder disciplinar que faz surgir um tempo e um espaço
disciplinares, é possível compreender tanto a organização quanto a utilização e a
significação do tempo e do espaço escolar.
Por isso, frente a esse contexto onde, ora o tempo é tomado como uma construção
cultural, como uma representação que se constrói a partir de sua própria localização
temporal e ora como algo determinando por dispositivos disciplinares que quadriculam o
espaço e extraem do tempo o máximo de produtividade possível considero importante
aprofundar a discussão sobre tempo e espaço escolar na tentativa de ilustrar o desencaixe
que se estabelece entre sociedade e escola na Contemporaneidade, tendo como uma das
condições de possibilidade o uso e a significação do tempo.
Historicamente a escola tem sido caracterizada como um lugar privilegiado,
exclusivo e legitimado de saber. Um lugar onde o projeto moderno de educar aos sujeitos
tirando-os de seu estado selvagem acontece através da escolarização. A escola inventa para
si um tempo único marcado de forma precisa pelo relógio no qual todos devem se
enquadrar, e para viabilizar esse objetivo, geometriza o espaço, determinando os lugares de
cada sujeito. A escola disciplina, dociliza, normaliza os corpos, buscando uma maior
produtividade do tempo em um lugar destinado à aprendizagem.
Em sua constante busca pelo enquadramento dos sujeitos, a escola normatiza o
tempo, produzindo sujeitos temporalmente autocontrolados. Ao esquadrinhar o uso tempo,
a escola passa a exigir que todos internalizem, aprendam
esse tempo
que serve como
medida comum para todos determinando a aprendizagem dos sujeitos e excluindo aqueles
que não se enquadram a esse tempo. Responsabilizar os sujeitos pela sua (não)adequação ao
tempo escolar, pela sua (não)aprendizagem caracteriza-se como uma perversa estratégia da
escola moderna para determinar aqueles que podem ou não ocupar o espaço escolar.
Depositando no sujeito a responsabilidade por sua (não)aprendizagem, a escola cumpre seu
papel no projeto da Modernidade em um constante processo de (in)exclusão.
no século XVII, Comenius anunciava a importância de que todos aprendessem as
mesmas coisas ao mesmo tempo como um princípio de ordem. A simultaneidade sistêmica
tinha como objetivo a universalidade, o funcionamento homogêneo de todas as instituições
54
escolares, buscando atingir “a ordem que abrange todos os tempos” (Narodowski , 2001, p.
55). Essa preocupação de Comenius em trazer à educação uma ordem temporal aponta
como objetivo a formação humana em todos os aspectos. Essa nova concepção de tempo
exige uma nova organização das atividades escolares. A organização por séries múltiplas,
progressivas e de complexidade crescente, separa os alunos de acordo com a sua idade,
definindo aquilo que é próprio para cada etapa educativa, definindo o tempo de trabalho e
de repouso. Segundo Comenius “é preciso fazer uma escrupulosa distribuição do tempo,
para que cada ano, s, dia e hora tenha sua própria ocupação” (Comenius, 1997, p. 69).
Essa nova organização do tempo e do espaço que se faz necessária na escola moderna
permite controlar ao mesmo tempo todos e cada aluno, fazendo do espaço escolar uma
máquina de aprender que permite ao professor, antes de tudo, corrigir e normalizar os
sujeitos.
A utilização sutil do tempo como mecanismo de controle e disciplinamento faz-se
tão produtiva pelo fato de sua não materialidade. Para Gallas, “a naturalização do tempo
como um regulador e um mecanismo de controle e disciplinamento dos sujeitos sociais
favorece o não questionamento de nossas ações e de nossa força de trabalho e
produtividade” (Gallas, 2004, p.24).
Assim como o tempo, o espaço também surge como um importante mecanismo de
controle e disciplinamento, pois para que o poder atinja a todos de uma maneira
microfísica, é preciso que estejam distribuídos de forma econômica no espaço, que eles
estejam confinados, cercados, organizados, acessíveis às ações do poder. Segundo Veiga-
Neto “dentro desse confinamento, a distribuição dos corpos deve ser o menos caótica,
difusa e informe possível, pois é preciso que o poder atinja igualmente a todos” (Veiga-
Neto, 2000a, p.13).
Na escola, tempo e espaço estão intimamente imbricados; um é determinante do
outro, fazendo da instituição escolar um lugar onde tempo e espaço se constituem de
diferentes formas, produzindo os sujeitos também de diferentes formas. Assim, baseada em
suas pedagogias, a escola assume o papel de reguladora de condutas. Essas pedagogias
presentes na escola ocupam um papel importante na construção da subjetividade do
indivíduo também como uma forma de organização de campos de saber, disciplinando o
indivíduo.
55
Nesse sentido, a combinação dessas pedagogias com o poder disciplinar transformam
as instituições educativas em espaços privilegiados para o disciplinamento e o controle dos
indivíduos. Tomando emprestadas as palavras de Lopes, “educar aqui significa disciplinar
antes de qualquer coisa” (Lopes, 2004, p.2) sendo esse o seu grande objetivo, na escola
tanto o tempo (marcado precisamente pelo relógio) quanto o espaço (representado de
forma especial pela arquitetura escolar) utilizam-se de símbolos que contribuam para o
controle e o disciplinamento dos corpos infantis.
Viñao Frago caracteriza a escola como um espaço que, como todos os outros
socializa e educa, mas que diferentemente de outros espaços situa e ordena essa finalidade
específica a tudo e a todos que nele se encontram (Viñao Frago, 2001), e é o próprio espaço
escolar, em sua formação enquanto território e lugar que irá marcar a fronteira entre aquilo
que é e aquilo que não é da escola, entendendo-a não como um espaço determinado e
rotulado como tal, mas também como um espaço de natureza própria, um espaço que
educa, que possui uma dimensão educativa.
Da mesma forma, o tempo. O tempo escolar educa, controla, determina
aprendizagens. Marcado pelo relógio, o tempo da escola é único, medido e deve ser
apre(e)ndido pelos sujeitos. Ao estabelecer de forma interessante uma relação entre o
relógio e a arquitetura escolar, Escolano anuncia que “a incorporação do relógio aos
espaços escolares tem, pois, além de um significado cultural, uma clara função pedagógica
que se acrescenta as intenções educadoras das estruturas espaciais das instituições”
(Escolano, 2001, p. 45).
É o relógio, este objeto que materializa e espacializa o tempo em seus ponteiros,
transformando-o em algo visível, que deve ser cumprido que nos oferece a sensação da
mobilidade do tempo. Além disso, são os ponteiros do relógio que permitem que seja
percebido o caráter cíclico do tempo, como algo singular que “evoca a imóvel eternidade do
ser” (Lopes e Veiga-Neto, 2004, p.234). Ainda nas palavras dos autores,
A circularidade do relógio não nos deixa esquecer o caráter cíclico do
tempo, o eterno retorno daquilo que um dia foi e volta de novo a ser, para
ser de novo e mais uma vez, e infinitamente, ser. Enfim, o objeto que mede
a passagem do tempo parece se colocar por fora ou para fora, para além do
próprio tempo. (Lopes e Veiga-Neto, 2004, p.234)
56
Ao entender o relógio como o objeto que além de materializar o tempo, nos lembra
a todo o momento o seu caráter cíclico, como algo sem fim, que vai e volta, a escola
incorpora o relógio a sua arquitetura como uma possibilidade de organizar o tempo a partir
de nossas ões em um espaço determinado. Nesse sentido, a aprendizagem tem um tempo
determinado para acontecer, o tempo de relógio, instituído como padrão, como normal, em
um lugar naturalmente organizado para aprendizagem, e para o saber.
Ainda sobre a relação entre o relógio e a arquitetura escolar, Escolano diz que:
[...] o relógio incorporado ao edifício–escola é um organizador da vida da
comunidade e também da vida da infância. Ele marca as horas de entrada e
saída dela, os tempos do recreio e todos os momentos da vida da instituição.
A ordem temporal se une, assim, à do espaço para regular a organização
acadêmica e para pautar as coordenadas básicas das primeiras
aprendizagens (Escolano, 2001, p.44).
Aliado a tudo isso, o currículo escolar surge como um importante dispositivo de
controle e determinação do espaço escolar. O currículo escolar contribui de forma
significativa para a abstração do tempo e do espaço e para a articulação entre ambos, e mais
do que isso, o currículo escolar opera como um importante “dispositivo envolvido com a
ressignificação do espaço, na medida em que ele é pensado e funciona como uma estrutura
classificatório-disciplinar” (Veiga-Neto, 2002, p.208). Por funcionar como uma forma de
classificação que reúne tanto o eixo da disciplina corpo, quanto o eixo da disciplina saberes,
espaço e tempo passam a ser elementos significativos do currículo, fonte de experiência e
aprendizagem, contribuindo para uma utilização didática do espaço escolar, que a
arquitetura escolar é entendida como uma forma silenciosa de ensino.
Ao falar da arquitetura escolar como fonte de poder, controle e normalização, Fabris
destaca que:
Talvez seja uma forma bem explícita de marcar fronteiras entre quem pode
estar dentro e quem pode imaginar o que se passa dentro de tão altas
muralhas, indicando uma distância entre o conhecimento e o mundo
cotidiano. Um conhecimento secular que precisa ser protegido, preservado
e transmitido no “templo do saber” (Fabris, 1999, p.80
).
O estabelecimento da fronteira dentro/fora marca fortemente as posições de sujeito,
produzindo identidades e alteridades. A escola, através da normatização do tempo e do
espaço, define o padrão de aprendizagem a que todos os sujeitos devem ser submetidos. A
determinação de
uma aprendizagem comum a todos
, ao mesmo tempo, no mesmo espaço e
57
com os mesmos saberes é normatizada pelo currículo e é através dele e de uma série de
estratégias que a escola busca transformar os escolares em sujeitos autogovernáveis e
autônomos. A escola moderna utiliza-se de um complexo de táticas buscando atingir a esse
objetivo, entre elas, o currículo, o controle do tempo, a delimitação dos espaços, as
atividades extraclasse, etc. É através dessas estratégias que a escola governa a ação dos
sujeitos da educação. Entre essas táticas, a disposição do espaço e a organização do tempo
permitem que a escola não apenas ensine e regule através do currículo, mas também de sua
arquitetura, seus espaços e tempos, fazendo com que a aprendizagem não se apenas por
aquilo que a escola possibilita, mas também por aquilo que não tem lugar, por aquilo que
está silenciado em seu interior.
Seguindo sua
missão
de educar, disciplinar e estabelecer lugares, a escola produz ao
mesmo tempo saberes legítimos em um espaço geometricamente dividido, incluindo e
excluindo os sujeitos de forma sutil e eficaz. Através da disciplina, distribui os sujeitos no
espaço e no tempo para que sejam capazes de internalizar as regras de controle, agindo
diretamente sobre os indivíduos, transformando-os em sujeitos autocontroláveis e
autônomos (Lopes, 2004).
Com essa discussão, não esgotei, é claro, as relações entre tempo, espaço e escola,
porém acredito que tenha sido possível compreender a forma como o tempo normatizado
pela escola atua diretamente na produção dos sujeitos e também o quanto a forma utilizada
pela escola para administrar e organizar o tempo dos alunos vai de encontro à configuração
espaçotemporal que se estabelece na Contemporaneidade, provocando assim aquilo que
vem sendo chamado de desencaixe, ou então de crise da escola. É exatamente essa a
discussão que pretendo estabelecer na próxima seção,
Escola e sociedade: (des)encaixe?
.
58
Revista Época, 23 de abril de 2007.
59
ESCOLA E SOCIEDADE: (DES)ENCAIXE?
ESCOLA E SOCIEDADE: (DES)ENCAIXE?ESCOLA E SOCIEDADE: (DES)ENCAIXE?
ESCOLA E SOCIEDADE: (DES)ENCAIXE?
A escola moderna historicamente é uma grande responsável pela intermediação da
relação entre sociedade e cultura com o sujeito. Por isso, desde sua invenção, escola e
sociedade, estiveram fortemente imbricadas, uma a serviço da outra visando o
cumprimento de um importante projeto: a formação de sujeitos capazes de viver e
transformar a sociedade em que vivem. Ao abrir este capítulo com um esquema
19
que
procura ilustrar essa relação entre escola e sociedade, o faço com o objetivo de mostrar a
centralidade da escola tanto no processo de socialização quanto no processo de ensino e
aprendizagem. Dessa forma, é possível pensar na escola como uma grande maquinaria
implicada no processo civilizador e conseqüentemente como produtora de um determinado
“tipo” de sujeito, idealizado pelo projeto moderno de educação. Essa mediação entre a
sociedade e o sujeito se estabelece pela aprendizagem, pois “ao ensinar” conteúdos,
NATUREZA
EDUCAÇÃO
SOCIEDADE CULTURA
ESCOLA
ESCOLAESCOLA
ESCOLA
SUJEITO
aculturação
socialização
formação
cultural
ensino
aprendizagem
60
comportamentos, hábitos e atitudes, a escola vai enformando os sujeitos conforme seu
objetivo primeiro: o disciplinamento e a civilização.
Esse modelo de escola idealizado na Modernidade permanece em funcionamento
até os dias de hoje, porém a escola contemporânea vem cada vez mais assumindo funções e
fazendo coisas que estão além daquilo para que foi pensada. Poderia se dizer que o papel da
escola centrado no conhecimento perdeu forças? Ou será que esse nunca foi seu objetivo
maior? Ou ainda, será que a escola contemporânea resgata a ênfase na socialização e na
civilização? Ou seque nunca a perdeu? Essas perguntas que acabo de levantar aqui, são
algumas das que me acompanham ao longo do processo de escrita deste capítulo. Por isso,
não tenho a pretensão de respondê-las, mas sim de utilizá-las para pensar e problematizar
essa resistente aliança entre escola e sociedade que permanece ou se reforça – na
Contemporaneidade.
A Modernidade, época em que a escola se constitui, pode ser pensada como o
tempo em que se reflete a ordem. Um tempo onde não espaço para a ambivalência e
para o caos. Um tempo de classificação e segregação. Muito mais do que uma época, a
Modernidade pode ser entendida como um estilo de vida, uma maneira de estar no mundo,
onde o tempo é linear e controlado excessivamente pelo relógio.
Em sua busca constante pela ordem, a Modernidade não economiza esforços no
combate à ambivalência, à desordem. Através de um movimento constante de classificação,
segregação, separação é que vai se constituindo a utopia moderna de um
mundo perfeito
. A
existência moderna pode ser caracterizada por oferecer duas alternativas: ordem e caos.
Esses
gêmeos modernos
(Bauman, 1999), ordem e caos, aparecem um como contrário do
outro, já que “foram concebidos em meio à ruptura e colapso do mundo ordenado de modo
divino, que não conhecia a necessidade nem o acaso, um mundo que apenas era sem pensar
jamais em como ser” (Bauman, 1999, p.12). Na medida em que a única alternativa
contrária à ordem é o caos, a ordem se engaja em uma guerra pela sobrevivência e pela
eliminação de tudo aquilo que for incerto, imprevisível, indeterminado e
conseqüentemente, se constitua como uma fonte de medo. Assim, no
sonho de pureza
moderno, o que está em jogo é a construção do “outro” do nosso próprio mundo. Um
19
Esquema elaborado durante uma discussão realizada na disciplina Cultura e Educação ministrada pelo
professor Alfredo Veiga-Neto na UFRGS, por Carlos Nogueira em 30/05/2007.
61
mundo organizado, limpo, puro, enfim, perfeito. Segundo Bauman, por mais que as muitas
utopias modernas sejam diferentes entre si, a idéia de um “‘mundo perfeito’ seria um que
permanecesse para sempre idêntico a si mesmo, um mundo em que a sabedoria hoje
apreendida permaneceria sábia amanhã e depois de amanhã, e em que as habilidades
adquiridas pela vida conservariam sua utilidade para sempre” (Bauman, 1998, p.21).
É nesse cenário que se inventa a escola. Como uma instituição capaz de oferecer aos
sujeitos, ou melhor, às crianças e jovens, a sabedoria e as habilidades necessárias para a
construção de um “mundo perfeito”. Ou seja, segundo o projeto moderno de educação, é
através da passagem pela escola que serão formados os bons cidadãos. Nesse contexto que
se estabelece a partir do século XVII, a escolarização aparece como uma “possibilidade de
tornar os filhos trabalhadores sujeitos civilizados, garantindo, dessa forma, a perpetuação do
sistema de classes e a ordem burguesa” (Arnold, 2006, p.66).
Antes de seguir estabelecendo aproximações entre escola e sociedade, acredito que
seja importante me deter um pouco mais demoradamente à invenção da escola. Ao pensar
sobre essa invenção moderna, não posso deixar de lado outra invenção igualmente
importante, e que ocorre paralelamente a ela: a invenção da infância. Ao colocar a
invenção da escola e da infância em uma mesma
ordem do discurso
, o faço por acreditar
que uma se constitui como condição de possibilidade para a invenção da outra, e por esse
motivo se torna impossível pensá-las de forma separada.
Ao falar em escola, imediatamente se estabelece uma relação com crianças e vice-
versa, pois essas palavras carregam consigo um significado construído histórica e
culturalmente. Porém, nesta Dissertação, as tomo como conceitos e mais do que isso, como
invenções que são resultado de uma vontade de saber e de uma vontade de poder sobre os
sujeitos infantis que surge com a Modernidade.
Sobre essa naturalização acerca existência da escola e da infância como algo
desde
sempre
, Júlia Varela e Fernando Alvarez-Uria dizem que “assim como a escola, a criança,
tal como a percebemos atualmente, não é eterna e nem natural; é uma instituição social de
aparição ligada a práticas familiares, modos de educação e conseqüentemente, a classes
sociais” (Varela e Alvarez-Uria, 1992, p.69). Frente a essa desnaturalização proposta pelos
autores, é possível localizar a invenção da infância e da escola na passagem da Sociedade de
62
Soberania para a Sociedade Disciplinar, da Idade Média para a Modernidade
20
buscando
atender as novas demandas que se estabeleciam no contexto social, e também como uma
tentativa de solucionar um momento de crise que se estabelecia naquele momento.
Na Idade Média, o tempo e conseqüentemente a passagem da vida eram entendidos
como algo natural, divino, definido pela Natureza. Nesse cenário, as crianças eram vistas
como sementes da natureza, e “cada indivíduo descrevia um arco da vida, mais ou menos
longo, segundo a duração de sua existência; saía da terra através da concepção e a ela
voltava após a morte” (Gélis, 1991, p.311). A partir desse entendimento, o que diferenciava
crianças e adultos, além do tamanho, era o tempo de vida, que possuíam os mesmos
direitos e deveres, trabalhavam igualmente e vestiam-se da mesma forma. Viviam juntos e
aprendiam as coisas da vida através desse contato um com o outro.
Sobre essa relação adulto e criança, Walter Kohan afirma que
as crianças, tal como as compreendemos atualmente, eram mantidas pouco
tempo no âmbito da família. o logo pudessem abastecer-se fisicamente,
habitava o mesmo mundo dos adultos, confundindo-se com eles. Nesse
mundo adulto, aqueles que hoje chamamos crianças eram educados sem
que existissem instituições especiais para eles. (Kohan, 2005, p.64)
Naquela época, não existia um sentimento em relação à infância, as crianças
participavam da comunidade na medida em que eram capazes de valer-se por si próprias, de
acordo com aquilo que suas forças lhe permitissem. Somente no final do século XVI surgem
indícios de uma nova relação com a criança, demonstrando uma certa afetividade e uma
preocupação com a preservação da vida da criança. Essa preocupação em preservar a vida
do infante reflete uma nova forma de significar o tempo. “A recusa à doença da criança [e
da mortalidade infantil] constitui apenas um aspecto essencial, sem dúvida do novo
imaginário da vida e do tempo [visando]
21
prolongar a própria vida [...]” (Gélis, 1991,
p.316). Essa vontade de prolongar a vida a partir de cuidados com as crianças intensifica-se
nos séculos XVI e XVII, quando os especialistas não conseguem dar conta de atender as
demandas que surgem por toda à parte.
20
Não quero afirmar aqui que essas transformações se deram de forma linear ou então que um modelo de
sociedade surge para substituir outro. Utilizo a idéia de passagem apenas com uma funcionalidade didática
para facilitar a compreensão do leitor.
21
Acréscimos meus.
63
Dessa forma a criança passa a ser não mais apenas uma preocupação dos pais, mas
também da sociedade. Nesse momento
a criança se torna uma fonte de distração e relaxamento para o adulto, que
começa a expressar e tornar cada vez mais ostensivos tais sentimentos. A
arte também oferece esse reflexo com os novos retratos de crianças sozinhas
e outros em que a criança se torna centro da composição. O Estado mostra
um interesse cada vez maior em formar o caráter das crianças. [...] A
criança adquire um novo espaço dentro e fora da instituição familiar.
(Kohan, 2005, p.66)
Assim, um sentimento de infância começa a nascer e a sociedade que antes
mantinha todos juntos, agora passa a separar público e privado, adulto e criança. E nesse
momento em que as crianças assumem visibilidade e se tornam uma preocupação social,
que se caracterizam como uma importante peça para garantir as finalidades do Estado
moderno que se instala, a grande questão passa a ser a seguinte: o que fazer com as
crianças?
Na tentativa de “dar conta” dessas crianças que passam a ocupar espaço na
sociedade e a ser vistas como parte da população, cria-se uma instituição, onde, através do
enclausuramento, as crianças possam ser preparadas para seu futuro, para serem bons
adultos. Essa preocupação com o futuro reflete “[...] a necessidade que a moderna
pedagogia teve de inventar uma criança e uma infância para esta escola que se instalava”
(Bujes, 2005, p.189), ou seja, tanto a invenção da escola como da infância aparecem como
processos complexos, como faces de uma mesma moeda, colocando uma como condição de
possibilidade para o surgimento da outra. Em suma: a infância só passou a existir no
momento em que se inventa a escola, e vice-versa.
Pensando nessa separação que se estabelece entre adultos e crianças e na invenção
da escola como uma instituição de enclausuramento, ou então, como uma instituição de
seqüestro conforme chamou Michel Foucault, é possível situar o final do século XVII como
a consolidação do processo de escolarização. Segundo Ariès,
a escola substituiu a aprendizagem como meio de educação. Isso quer dizer
que a criança deixou de ser misturada com os adultos e de aprender a vida
diretamente com eles. A despeito das muitas reticências e retardamentos, a
criança foi separada dos adultos e colocada numa espécie de quarentena,
antes de ser solta no mundo. Essa quarentena foi a escola, o colégio.
Começou então um longo processo de enclausuramento das crianças (como
64
dos loucos, dos pobres e das prostitutas) que se estende até nossos dias, e ao
qual se dá o nome de escolarização. (Ariès, 1981, p.11)
Para lidar com essas crianças e incorporá-las a essa ordem escolar que começa a se
estabelecer é necessário separá-las dos adultos, marcá-las, defini-las, explicá-las ao máximo.
“É preciso sem dúvida,
infantilizá-las
(Bujes, 2005, p.190). Esse processo de infantilização
decorre da invenção da infância enquanto um objeto de intervenção que colocará em
movimento o processo de escolarização, resultado da invenção da escola enquanto
instituição de seqüestro. Assim, escolarização e infantilização aparecem intimamente
conectadas e justificam a expansão do aparato escolar. Em suma: a justificativa para o
processo de escolarização e infantilização da infância vai ao encontro da necessidade
emergente de disciplinamento dos sujeitos, justificando assim, a invenção de uma grande
maquinaria para cumprir com esse objetivo.
Porém, é importante lembrar que:
constituir a infância como preocupação definindo-a minuciosamente,
traçando os limites da sua existência, discutindo as responsabilidades pelo
seu futuro estaria associado a um amplo esforço teórico para explicá-la
cientificamente e para predizer os processos que com ela ocorriam nesta
fase. As definições que então se estabelecem, os significados que se
atribuem aos termos criança, infância e aos processos que lhes são
peculiares acabam por estabelecer determinados modos de vê-las [...] de
lidar com elas. (Bujes, 2005, p.189-190)
Da necessidade de conhecer tudo sobre a infância para melhor governá-la, educá-la,
moldá-la de acordo com os interesses da sociedade, começam a surgir inúmeras descrições
que tentam definir o perfil da infância ou então “o que é mesmo” a infância. Ao descrever
as crianças como inocentes, dóceis, imaturas, maleáveis, naturalmente boas, seres que
constituem promessa de um futuro melhor para a humanidade, a passagem pela escola teria
como objetivo distanciar a criança dessa sua “identidade natural”
22
, distanciando homem e
natureza através do disciplinamento. Novamente nas palavras de Bujes, a escolarização
torna “cada vez mais individualizados aqueles por ela acolhidos. A conversão de seres
humanos em sujeitos civilizados foi, portanto, um dos maiores sucessos do projeto
educacional moderno” (Bujes, 2005, p. 188-189).
22
Utilizo o termo identidade natural para dizer da aproximação que essas descrições das crianças têm com a
natureza.
65
Esse movimento de infantilização e pedagogização da infância trabalha a favor da
homogeneização infantil, ou seja, definir um conceito único de infância sob o qual estejam
abrigadas todas as crianças. Assim, as crianças começam a ser vistas como seres com uma
essência, que reforçam a presença de características naturais específicas e que fazem delas
seres iguais, que apenas diferem em idade. Essa crença na existência de uma essência
infantil reforça o ideal comeniano de que todos o educáveis e por isso, capazes de atingir
o pleno desenvolvimento humano.
Para Comenius, a educabilidade é uma condição humana. Acreditando que todos
têm capacidade de ser educados, a educação aparece como a possibilidade de afastar o
homem de sua condição selvagem. Para ele, a infância é o ponto de partida da educação,
pois “a fase da vida onde se concentra a simplicidade são os primeiros anos do homem, e
nesse sentido eles são determinantes na série de aprendizagens a serem atingidas, que
nesses anos ainda não existe aprendizagem” (Narodowski, 2001, p.44). Por considerar a
criança como um ser que não possui conhecimento, a infância será a base para que se atinja
níveis superiores, que nessa fase o sujeito encontra-se em um estado livre de qualquer
imperfeição. A existência da infância se justifica, segundo Comenius, por ser o ponto de
partida da educação, ele abstrai dela todas as características possíveis para “dotá-la de iguais
possibilidades de educabilidade: o homem, seja qual for sua condição, é educável”.
(Narodowski, 2001, p.46) Por condensar toda a potencialidade de aprendizagem no
amadurecimento (começando pela infância para formar bons adultos) é possível justificar a
preocupação do pedagogo com a criação de um método de aprendizagem único para todas
as escolas em uma escola aberta a todos.
Jean Jacques Rousseau (século XVIII) inicia sistematicamente os estudos e as
descrições sobre a infância. Defendendo uma educação mais aberta, que possibilite a
experiência e as escolhas de cada sujeito, acredita que a criança nasce naturalmente boa e
deve ser educada para se manter afastada das “más influências” do mundo. Segundo ele, a
criança deve ocupar o centro do processo educativo e é a própria criança que deve servir
como critério e como medida do aprender. É por essa crença na capacidade humana que o
filósofo defende uma nova postura diante do processo educativo, para ele, muito mais
importante do que detalhar matéria e conteúdos é observar e estudar as próprias crianças
(Streck, 2004, p.27).
66
Ao falar da condição infantil, Rousseau diz que:
[...] a raça humana teria perecido se não tivesse começado por ser criança.
Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos carentes de tudo,
precisamos de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o
que não temos ao nascer e de que precisamos quando grandes nos é dado
pela educação. Essa educação vem-nos da natureza, ou dos homens ou das
coisas (Rousseau, 1999, p.8).
Essas “três educações” de que fala Rousseau fazem parte de um processo educativo
que se inicia na primeira infância e vai até a fase adulta, resultando em uma educação de
qualidade, que teria a duração da vida do sujeito. A educação da natureza será aquela
responsável por oferecer a capacidade de fazer perguntas e aprender. A educação das coisas
coloca o professor como o responsável por proteger seu aluno das influências da sociedade e
por desenvolver neles a capacidade de pensar e julgar. a educação dos homens, é aquela
que fará dos homens cidadãos. A educação assume a condição de sobrevivência e também a
condição de cidadania, e por esse motivo, deve ser permanente, que nunca será capaz de
cumprir plenamente o que dela se espera ou então o que ela promete. “Mais do que isso,
quanto melhor sucedida ela for, mais ela correrá o risco de fazer do ser humano o que ele
talvez nunca deveria ser” (Streck, 2004, p.36).
Por esse motivo o segredo da boa educação, segundo Rousseau, está em não perder
tempo, permitindo que a criança desde cedo comece a fazer suas escolhas e a pensar por si
própria. Apesar de salientar a necessidade de não perder tempo quando se refere ao fato de
que a educação começa na infância, por outro lado, Rousseau afirma que a educação deve
acontecer pela experiência, sem um tempo pré-definido. Utilizando suas palavras, “deixai
que se amadureça a infância nas crianças. Enfim, faz-se necessária para elas alguma lição?
Evitai -la hoje, se podeis adiá-la para amanhã sem perigo” (Rousseau, 1999, p.92). Ainda
sobre o tempo da infância, o filósofo afirma que é preciso encontrar a criança na criança,
conhecendo todas as etapas da vida para a construção de uma teoria pedagógica. Ele afirma
que “deixar a criança ser criança implica ter tempo” (Streck, 2004, p.91) e que em uma
proposta pedagógica que busque uma educação útil, o processo de aprendizagem deve
admitir perder tempo, desenvolvendo na criança à vontade e o desejo de aprender. A partir
do pensamento de Rousseau é possível perceber a necessidade de preservar a natureza da
infância dócil, delicada, ingênua através de uma educação que contra a sociedade,
67
preservando-a de suas más influências. É através desse conhecimento da natureza infantil
que se torna possível o disciplinamento dos sujeitos infantis pela ão do professor e, é
através dessa disciplina colocada em ação que a criança adquire liberdade e autonomia,
princípios caros para o filósofo.
Ainda na esteira dos pensadores clássicos no campo da educação que tornaram
possível através de suas descrições e estudos a invenção da criança e da infância para a
escola que se instalava, Immanuel Kant, no século XIX associa educação e disciplina.
Segundo ele, a educação tira o homem
23
do estado selvagem tornando-o verdadeiramente
homem através da disciplina. Entendendo o homem como uma criatura que precisa ser
educada, apenas um sujeito disciplinado poderá desenvolver suas potencialidades e gozar do
direito da racionalidade. Ao afirmar que “ele [o homem]
24
é aquilo que a educação dele faz”
(Kant, 2002, p.15) é possível identificar o conceito de educação presente na filosofia
kantiana: “por educação entende-se o cuidado de sua infância (a conservação e o trato), a
disciplina e a instrução com formação. Conseqüentemente, o homem é infante, educando e
discípulo” (Kant, 2002, p.11). Em sua conhecida obra
Sobre a Pedagogia
, o pensador
reforça a importância do disciplinamento dos sujeitos acima de qualquer coisa. Para ele, é a
disciplina que irá impedir o homem de se afastar do seu destino e de sua humanidade
através das suas inclinações animais. Porém,
[...] isso deve acontecer bem cedo. Assim, as crianças são mandadas cedo à
escola, não para que aprendam alguma coisa, mas para que se
acostumem a ficar sentadas tranqüilamente e a obedecer pontualmente
àquilo que lhes é mandado, a fim de que no futuro elas não sigam de fato e
imediatamente cada um de seus caprichos (Kant, 2002, p.13).
Assim, a educação escolarizada deve antes de qualquer coisa, disciplinar os corpos
infantis, para que depois disso possa instruí-los pela e para a cultura. Para Kant, o segredo
da perfeição humana está na educação, que é a responsável tanto pela instrução quanto
pelo disciplinamento. Para o autor, a falta de cultura pode ser remediada, porém a falta de
disciplina mantém o homem na sua condição selvagem. Utilizando novamente suas
palavras: “a falta de disciplina é um mal pior que a falta de cultura [...] não se pode abolir o
estado selvagem e corrigir um defeito de disciplina” (Kant, 2002, p.16).
23
A palavra homem é utilizada aqui no seu sentido amplo, referindo-se a idéia de ser humano.
24
Acréscimo meu.
68
Feita essa breve discussão das idéias dos pensadores considerados como clássicos no
campo da educação, acredito que todos esses autores, cada um a seu modo, trabalham com
a idéia de um sujeito em amadurecimento. Cada um a seu modo, descreve a infância e a
coloca como ponto de partida para a educação e ainda chamam atenção para a idéia de que
quanto mais cedo as crianças forem submetidas à educação e conseqüentemente à
escolarização, mais eficientes serão seus efeitos.
Essa exaustiva categorização da infância e de sua educação torna possível que a
escola moderna e a pedagogia “criem” formas de se trabalhar com essas crianças. É por isso
que a escola pode ser caracterizada como uma grande maquinaria de disciplinamento e
normalização, que assume para si a responsabilidade de execução do projeto da
Modernidade: formar cidadãos conscientes e autônomos para viver em sociedade. Olhar
para a escola a partir do padrão de ensinar proposto pela Modernidade, permite que ela seja
lida enquanto instituição legítima de aprendizagem entre outras tantas formas “como
um espaço onde seres deficitários são moldados a partir das relações de poder, apagando-se
as diferenças e reproduzindo o discurso binário” (Acorsi, 2006, p.3).
Operando em uma lógica binária, que classifica os sujeitos como bons e ruins,
normais e anormais, aprendentes e não aprendentes, eficientes e deficientes, capazes e
incapazes, o processo normalização passa a ser o grande foco da escola. Essa necessidade de
classificação e separação dos sujeitos de acordo com suas capacidades reflete a ansiedade da
escola por manter a ordem em tudo e todos em ordem. É nesse contexto que aparece a
noção de norma e de normalidade. Essa invenção relativamente recente, que nasce
juntamente com conceito de “homem médio” serve para definir aquilo que seria o “ideal”.
A partir dessas definições que se estabelecem pela norma e definem o padrão de
normalidade, a escola adota essas categorias para definir as posições que os sujeitos que
estão no interior de seus muros estão autorizados a ocupar, assim como para balizar
comportamentos e aprendizagens considerados legítimos naquele espaço. Portanto, a
escola, assim como outras instituições de normalização o asilo, a fábrica, a prisão entre
outras maquinarias dedicadas a manter a ordem – age diretamente sobre a vida das crianças
moldando-os de acordo com aquilo que é considerado normal e buscando mantê-los o
máximo possível sobre a égide da normalidade, evitando comportamentos e atitudes
considerados como inadequados para a formação de um bom cidadão, um bom adulto.
69
Sobre essa necessidade de manutenção da ordem, uma característica da
Modernidade que se estende às escolas, Bujes afirma que:
o mundo moderno precisou de ordem para projetar, manipular, administrar,
planejar. As práticas modernas desejaram exterminar, suprimir ou eliminar
o que não podia ser precisamente definido, exatamente para poder
viabilizar o projeto ordenador. A pedagogia não foge desse modelo, quando
define-lhe um currículo, institui rotinas, instaura classificações,
normatizações, hierarquias, sacraliza rituais... (Bujes, 2005, p.195)
A escola foi e continua sendo a instituição responsável por construir determinado
tipo de sujeito e uma peça fundamental na construção de “um mundo que declarou almejar
a ordem e a vida civilizada” (Veiga-Neto, 2003a, p.104). A escola, enquanto a grande
maquinaria de civilidade assume na Modernidade o papel de transformadora dos homens,
tirando-lhes da condição selvagem e colocando-os na condição de homens, de civilizados.
Na Contemporaneidade os discursos que fundaram a escola moderna e que retratam
as pretensões iluministas da escola enquanto um espaço democrático, de liberdade, de
formação de sujeitos críticos e autônomos, se fortalecem e se intensificam visando o
disciplinamento dos sujeitos em dois eixos: o do corpo e o dos saberes. E é através da
disciplinaridade que se pode estabelecer a relação entre Modernidade e Escola, que
ambas estão implicadas por um mesmo tipo de poder, o poder disciplinar, e é desse tipo de
poder que depende nossa capacidade de nos autogovernarmos” cada vez mais (Veiga-
Neto, 2003a).
Sobre o moderno processo de educação e sua intenção de governar os sujeitos, Bujes
afirma que:
[ele] não esteve apenas comprometido com a ordenação escolar com a
organização disciplinar dos currículos, com o disciplinamento dos corpos,
dos tempos e do espaço, com o controle dos processos e das etapas do
desenvolvimento, [...] a suposição nele presente é que ter freqüentado a
escola nos ajudaria a manter a ordem do mundo, a mantê-lo livre do acaso
e da contingência [...] (Bujes, 2005, p.194).
Pelas palavras da autora, fica evidente a responsabilização da escola pelo futuro,
tanto dos sujeitos que estão sob sua responsabilidade, quanto da manutenção de uma
sociedade organizada e segura. Nesse sentido, pensar na escola e na sua constituição exige
pensarmos também na constituição da sociedade, que a educação escolarizada nada mais
é do que um conjunto de práticas ligadas diretamente a práticas sociais.
70
Ao colocarmos lado a lado escola e sociedade é possível entendermos porque são
cada vez mais recorrentes as discussões no campo da educação que tentam entender os
motivos da chamada “crise da escola”. Ao pensarmos na “crise da educação” como um
estado permanente, mas que não se estabelece hoje, e sim como um processo que havia
sido sinalizado por Comenius no momento em que escreve a Didática Magna como uma
tentativa de reverter à situação das escolas no século XVII, é possível colocar a própria
invenção da escola moderna como resultado de um momento de crise. Aparece aí, o
desencaixe que se estabelece entre a Sociedade Contemporânea e escola. Uma das
possibilidades de leitura desse desencaixe reside na manutenção de uma estrutura gida
aproximadamente quatro séculos. Esse movimento de resistência da escola em manter sua
estrutura clássica tem provocado o seu enfraquecimento, na medida em que foi inventada
para um “tipo” de sujeito que não existe mais. Assim, considero possível retomar a
pergunta que faço logo ao iniciar o texto deste capítulo e que coloquei como uma das
condições de possibilidade para a invenção da infância: o que fazer com essas crianças?
Novamente, na tentativa de dar conta” de sujeitos que cada vez mais ganham
visibilidade na sociedade e se constituem não mais somente como uma preocupação da
família, mas também da sociedade. As escolas contemporâneas procuram estratégias para
manter as crianças dentro de seus muros e preservar seu
status
como o lugar legítimo de
aprendizagem. O interessante nessa
outra
configuração que a escola vem assumindo
oferecendo turno integral ou atividades extraclasse é preservar o disciplinamento e a
normalização dos sujeitos. As cnicas e as estratégias se modificam, mas a base continua a
mesma. A disciplina se recicla, divide espaço com mecanismos de controle e oferece mais
“liberdade” às crianças, porém uma “liberdade” sempre regulada e vigiada.
Tomando a sensação de crise cotidiana como algo que mobiliza tanto o desencaixe
quanto a necessidade de reconfiguração da escola para atender as demandas dos alunos que
se multiplicam e se diferenciam cada vez com mais rapidez, passo para o terceiro e último
capítulo desta Dissertação. Nele discuto as estratégias que a escola vem utilizando
continuar sua busca pelo encaixe com a sociedade, uma das utopias modernas. Para isso,
transformei o material empírico desta pesquisa em
corpus
de análise. Essa operação que se
deu pela utilização de conceitos enquanto ferramentas analíticas, me possibilitou extrair dos
materiais categorias que materializassem as estratégias que a escola vem adotando através
71
de um forte investimento na organização e gestão do tempo infantil e que trazem a tona
novamente ou apenas reforçam o caráter salvacionista da educação e ao mesmo tempo
a educação como um processo de dominação.
72
Cap
CapCap
Capí
íí
ítulo III
tulo IIItulo III
tulo III
Estrat
EstratEstrat
Estraté
éé
égias
giasgias
gias de encaixe: olhando para a escola e para o
de encaixe: olhando para a escola e para o de encaixe: olhando para a escola e para o
de encaixe: olhando para a escola e para o
tempo presente
tempo presentetempo presente
tempo presente
Uma escola que “atenda” as crianças durante todo o dia. Essa parece ser a grande
estratégia da escola contemporânea para “se encaixar” com a sociedade. Uma estratégia
que vem colocando, ou melhor, reforçando o papel da escola e da educação como
possibilidade de salvação. Salvação não apenas das crianças e jovens que circulam em seu
espaço, mas também, da sociedade.
Esse investimento na ampliação do tempo de permanência das crianças na escola
não é uma invenção que se por conta das escolas, tem sim, uma base legal. Buscando
pela legislação, a LDB 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) na Seção
III, artigo 34, estipula que a jornada escolar no ensino fundamental deve incluir pelo menos
quatro horas diárias de atividades e, progressivamente, ampliar o período de permanência
na escola. Coloca também no parágrafo segundo, que o ensino fundamental deverá ser
progressivamente ministrado em turno integral, porém deixa essa iniciativa a critério dos
sistemas de ensino. Ao deixar a critério dos sistemas de ensino a implantação do ensino em
período integral, as escolas ganham autonomia para administrar da forma que considerarem
mais pertinente o tempo de permanência das crianças no seu espaço.
73
Ao receber autonomia para administrar o seu tempo, surgem inúmeras iniciativas e
projetos tanto nas instituições públicas quanto nas privadas. Um exemplo disso, são os
Estados de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Bahia que ganham destaque no
cenário educacional nacional e passam a servir como modelo para outros Estados que
pretendem implantar a escola de tempo integral. Uma reportagem da Revista Nova Escola
(edição de junho / julho de 2006) intitulada
Mais tempo para aprender
, apresenta
experiências bem sucedidas de escolas de período integral nesses Estados e inicia afirmando
que: “existe um consenso entre os educadores de que o período integral é, em todos os
sentidos, mais eficiente do que a jornada de quatro horas que vigora em quase todo o país”
(Ferrari, 2006, p.56). Paralelamente a isso, afirma também que um tempo maior de aulas
evita que as crianças “caiam” no ócio ou então se dediquem a atividades como vídeo game
e televisão, que oferece outras possibilidades de ocupação do tempo. Ao colocar a escola
de período integral como possibilidade de oferecer uma educação também integral desejo
da escola de contemplar o aluno em todos os aspectos: emocional, psíquico, cognitivo,
físico, etc. ainda apresenta uma relação de
nove boas razões para estudar o dia todo.
Ao
elencar os benefícios dessa nem tão nova
25
modalidade de ensino, considero interessante
incorporar ao texto quatro deles: “libera os pais para trabalhar. Torna mais produtivo o
tempo ocioso. Tira as crianças de ambiente de risco social. Supre carências de lazer,
cultura, esporte e acesso à tecnologia” (Ferrari, 2006, p.56).
Ao acreditar que aumentando o tempo de permanência das crianças na escola será
possível “resolver” todas essas questões pontuadas pela revista, as escolas passam a se
organizar para oferecer aos seus alunos essa possibilidade, reforçando assim o seu papel na
formação dos sujeitos para viverem em sociedade. Com esse objetivo, o governo do Estado
do Rio Grande do Sul, cria o projeto
Escola de Tempo Integral
no ano de 2004.
Atualmente são aproximadamente vinte e três (0,71%) das escolas estaduais que desde
2004 funcionam com turno integral.
25
Utilizo a expressão “nem tão nova”, por datar em início do século XVIII os primeiros internatos destinados
a educação de crianças e jovens. Mais recentemente no Brasil, por volta de 1950 é realizada a primeira
experiência de ensino em turno integral em uma escola baiana idealizada por Anísio Teixeira, mas que o
obteve muito sucesso, sendo reformulada alguns anos depois.
74
A essência [do projeto], é a permanência da criança e do adolescente na
escola, assistindo-o
integralmente
em suas necessidades básicas e
educacionais, ampliando o aproveitamento escolar, resgatando a auto-
estima e capacitando-o para atingir efetivamente a aprendizagem, sendo
alternativa para
redução dos índices de evasão, repetência e distorção
série/idade
(Secretaria da Educação RS, 2006
26
, grifos e acréscimos meus).
Ao tomar o projeto como uma possibilidade e atingir efetivamente (ou poderíamos
dizer finalmente?) a aprendizagem, a permanência por um longo período de tempo na
escola visa também à redução de índices como evasão e repetência, fato que reflete a
tentativa constante da escola de homogeneização das classes escolares e a luta pela
normalização dos sujeitos, que com o projeto são “distorcidos” e passam a ocupar o espaço
que lhe é reservado de acordo com sua série e idade. Entre os objetivos do projeto, vale a
pena destacar: “manter os estudantes com atividades, no instante em que os pais estão
buscando o sustento da família. Educar os alunos para o pleno exercício da cidadania.
Promover a ampliação da humanização do espaço da sala de aula” (Secretaria da Educação
RS, 2006). Novamente, a preocupação com a preparação para o futuro e com o exercício
pleno da cidadania aparecem como pontos importantes para a implantação de escolas de
turno integral. Além disso, ao colocar como objetivo ocupar as crianças enquanto os pais
trabalham pelo sustento da família, permite estabelecer uma relação com a necessidade
moderna de separar adultos e crianças, que ambos possuem necessidades diferentes:
crianças estudam, adultos trabalham.
Outra estratégia interessante adotada pelo Estado do RS é o projeto Escola Aberta,
que tem sido apontado como uma possibilidade de fazer com que a “escola volte a sorrir”,
como uma possibilidade de mudança na rotina escolar e até mesmo de redução da
indisciplina. Nas palavras do então Secretário da Educação José Fortunati (2003), em carta
endereçada aos professores da rede estadual de ensino
27
, “o projeto é simples e
transformador” (2003) e também é “uma resposta à violência que envolve nossas crianças e
adolescentes” (2003). Ao abrir as portas das escolas aos finais de semana com o objetivo de
controlar não só as crianças, mas também a família e a comunidade, essa iniciativa reforça o
caráter salvacionista da educação, colocando a escola como um espaço de transformação
social e de construção de um mundo melhor.
26
Fonte:
site
da Secretaria Estadual de Educação, cf. referências bibliográficas.
27
Em anexo.
75
Ao trazer esses exemplos para o texto, tenho como objetivo mostrar algumas das
inúmeras estratégias que estão sendo inventadas pela escola para manter pelo maior tempo
possível os alunos “dentro”. São vários nomes, vários projetos que tem por fim o mesmo
objetivo: controlar o tempo e as atividades das crianças para assim mantê-las sob controle.
Em suma: é através de ações sobre as crianças que se torna possível o controle da
população.
Diante desses exemplos, volto-me ao material empírico desta Pesquisa na tentativa
de “materializar” a ocupação do tempo das crianças pela escola através das atividades com
as quais as crianças estão envolvidas ao longo de seu dia sejam elas nas escolas de turno
integral ou em escolas que oferecem atividades extraclasse, ou em projetos governamentais
ou ainda em políticas públicas de atenção à infância em situação de risco social, etc. e
apresento dois gráficos que reúnem os dados recolhidos nas entrevistas que permitem
visualizar a estratégia criada pela escola para transformar o tempo infantil em um tempo útil
e produtivo.
São eles:
0
20
40
60
1
60
10
15
28
Alunos
Atividades
Escola 1 - 207 alunos
Futebol e volei Ballet e Jazz Inglês Brinquedoteca
76
83
303
274
16
40
30
35
30
0
100
200
300
400
1
Escola 2 - 960 alunos
Dança Hora do conto Meio Ambiente Brinquedoteca
Teatro Artes Coral Ed. Esportiva
Ao olhar para esses gráficos, inúmeras são as leituras possíveis. Entre tantas, uma
possibilidade de análise seria a quantidade de atividades oferecidas, problematizando cada
uma delas, seus objetivos e sua produtividade. Outra possibilidade a que particularmente
interessa mais a este estudo seria olharmos para o número de alunos envolvidos nessas
atividades, servindo talvez como um indicador da “credibilidade” que o ensino em tempo
integral (independente da forma como esteja organizado) recebe nas escolas
contemporâneas.
Mesmo não tendo como objetivo nesta Dissertação realizar uma análise
quantitativa, penso que esses dados contribuem para me ajudar a pensar, na própria
viabilidade da Pesquisa. Na medida em que na Escola 1, 44,92% dos alunos passam uma
média de 6 a 7 horas por dia, três vezes por semana na escola, e da mesma forma, na Escola
2, onde 84,48% dos alunos estão envolvidos nas atividades extraclasse durante
aproximadamente 7 horas do seu dia, a instituição educativa, mantém cada vez mais as
crianças dentro de seus muros, reforçando assim, a sua responsabilidade pela educação,
formação e especialmente disciplinamento dos sujeitos da educação.
Diante desse cenário que procurei desenhar através de recortes tanto do material
empírico quanto dos discursos que tem circulado e sustentado a educação em tempo
integral, me questiono: que estratégias estão sendo articuladas pela escola para atender às
77
demandas utilização do tempo dos alunos? Estimulada por esse questionamento, apresento
a seguir, três estratégias que pude encontrar durante a composição do
corpus
de análise
desta Pesquisa. São elas:
Estratégia 1: quanto mais cedo melhor
, onde apresento excertos
das entrevistas que apontam para um investimento cada vez maior na educação das
crianças muito pequenas.
Estratégia 2: situações e situações
, onde problematizo a busca
pelo encaixe entre escola a sociedade e finalmente a
Estratégia 3: além de educar, cuidar,
onde discuto o papel que a escola assume na Contemporaneidade.
ESTRAT
ESTRATESTRAT
ESTRATÉ
ÉÉ
ÉGIA 1
GIA 1GIA 1
GIA 1: QUANTO MAIS CEDO MELHOR
: QUANTO MAIS CEDO MELHOR: QUANTO MAIS CEDO MELHOR
: QUANTO MAIS CEDO MELHOR
Lugar de criança é na escola. Essa conhecida frase parece cada vez mais atual. Em
um cenário onde a ampliação do tempo de permanência seja do dia, seja da vida das
crianças na escola se destaca, ela parece dispensar qualquer tipo de questionamento. Ao
naturalizar o espaço escolar como o espaço das crianças, cada vez mais cedo elas tem sido
levadas para seu interior. É comum vermos escolas regulares atendendo crianças a partir
dos dois anos de idade através de projetos especiais como as brinquedotecas
28
por exemplo,
que fazem parte do quadro de atividades extraclasse das escolas. A institucionalização da
educação de crianças muito pequenas é algo que ganha visibilidade nos dias de hoje, porém,
é um processo que não se estabelece na atualidade, mas sim, algo que faz parte da história
da escola moderna.
Conforme referi anteriormente Kant (2002), falava da importância das crianças
serem enviadas cedo à escola. Segundo ele, a justificativa para a escolarização das crianças
desde muito cedo reside na necessidade do disciplinamento, condição de possibilidade para
a educação que acontecerá mais tarde. Para Kant, as crianças eram comparadas a filhotes
de animais, e por isso precisam de disciplina para se distanciar dessa condição selvagem e
assim, tornarem-se seres humanos. E esse processo de disciplinamento deveria ser tão
eficiente que não permitisse nenhum defeito. Aqui vale a pena citar novamente Kant,
quando diz que “a falta de disciplina é um mal pior que a falta de cultura, pois esta pode ser
28
A brinquedoteca é uma atividade que atende crianças de dois a quatro anos e em um espaço organizado
especialmente para que as crianças brinquem com outras crianças da mesma idade.
78
remediada mais tarde, ao passo de que não se pode abolir o estado selvagem e corrigir um
defeito de disciplina” (Kant, 2002, p.16).
Diferentemente de Kant, Rousseau considerava a criança naturalmente boa e devia
ser educada para que não fosse corrompida pela sociedade. Para Rousseau, existe uma
dicotomia entre o homem natural e o homem social. Ele trabalha com dois pólos que se
mantêm sob tensão: o “homem natural” a criança e o “cidadão”. (Bujes, 2002). Ao
comentar essa distinção dicotômica, Bujes baseada em Rousseau, escreve que
os cidadãos devem ser educados contra a natureza para seguirem as
exigências da sociedade; as crianças, por outro lado, devem seguir o padrão
inato de desenvolvimento psicológico e de maturação física, devendo ser
educadas contra a sociedade. A natureza das crianças precisa, então ser
preservada das influências maléficas (Bujes, 2002, p.50).
Mesmo defendendo a necessidade de se preservar a natureza infantil, Rousseau não
defende uma educação livre. Defende sim que a criança seja conduzida, pois se trata de
alguém que não sabe nada, não pode nada, que não conhece nada (Rousseau, 1999) e por
isso, o professor deve prever todas as suas atitudes e inclusive as suas respostas. Juntamente
à essa necessidade de preservar a natureza da criança, a disciplina aparece como um
importante mecanismo de controle e também como a condição de possibilidade para a
emancipação da condição de criança para a condição de cidadão, ou seja, do “homem
natural” para o “homem social”.
É nesse contexto que acredito ser possível justificar a chegada cada vez mais cedo
das crianças e para permanecer por um tempo cada vez maior na escola. Em suma: é por
essa necessidade de, ao mesmo tempo preservar a natureza infantil e submeter às crianças à
disciplina para que se tornem cidadãos, que as escolas passam ocupar não só mais tempo do
dia das crianças, mas também da sua vida. Vejamos isso nos excertos das entrevistas:
Nós temos uma proposta de turno integral com as crianças da
brinquedoteca que são crianças de 2 a 4 anos. que isso funciona de que
forma. Elas não ficam na hora do almoço com um funcionário da escola, eles
vem das 7h às 11h30, saem para o almoço, eles podem almoçar na escola, a
escola tem uma cantina que oferece almoço e voltam a uma até as 18h.
(Escola 1)
29
29
Para diferenciar das citações, os excertos das entrevistas serão colocados em quadros.
79
Pros pequenininhos nem tanto porque são pequenos, eles vem pra cá, muitos
dormem aqui, de manhã ou de tarde, então esse cansaço a gente não
consegue visualizar no aprendizado, mas nós conseguimos visualizar no
que? É no distanciamento com mãe, a criança quando ta doente tem que
vir pra escola de qualquer forma porque não tem quem fique com ela, acho
que isso é um problema, acho que se a criança não ta disposta ela precisaria de
um aconchego [...]. (Escola 1)
[...] é um projeto piloto, primeiro por solicitação da família, dos pais,
porque as crianças são muito pequenas, são crianças que vem de
creches, que estavam em creches ou em maternais e que tinham o dia todo
na escola. (Escola 1)
Tal “escolarização precoce” definida por Bujes como as
[...] experiências que trazem para a pré-escola [ou no caso do turno integral
através da brinquedoteca]
30
especialmente, o modelo da escola
fundamental, as atividades com lápis e papel, os jogos ou as atividades
realizadas na mesa, a alfabetização ou a numeralização precoce, o
cerceamento do corpo, as rotinas repetitivas, pobres e empobrecedoras
(Bujes, 2001, p.51)
faz com que a educação infantil passe de um caráter assistencialista para um caráter
institucional, e insere as crianças desde a mais tenra idade no mundo dos rituais escolares,
entre eles, o disciplinamento. Com esse processo de pedagogização e disciplinamento da
infância iniciando cada vez mais cedo, a escolarização atua como um importante dispositivo
de biopolítica, ou seja, age sobre as crianças desde muito pequenas com o objetivo de
atingir a população. Além disso, a escola garante também a eficiência de seu projeto
educativo e de civilização, que tem reforçado na Contemporaneidade o seu papel de
levar à sociedade os códigos de civilidade.
Outra leitura pertinente ao olharmos para os excertos que mostram o ingresso das
crianças cada vez mais cedo na escola, pode ser a de preservar a pureza e a natureza infantil
em um mundo cada vez mais fluído, efêmero e perigoso. No momento em que os pais são
chamados a trabalhar a e a dedicar cada vez mais horas do seu dia ao trabalho e a
exercerem seus papéis de pais e mães cada vez de forma mais ampla, a escola passa a
30
Acréscimos meus.
80
preservar a criança “das influências maléficas”, como diria Rousseau, da sociedade, ou
melhor do contexto social em que estamos inseridos. Assim, ao mesmo tempo em que a
escola atua na preservação desta pureza infantil através de projetos que “a deixem livre para
apenas brincar” por exemplo, elas passam a freqüentar o mundo organizado, regrado,
normatizado, disciplinado da escola e aos poucos, através do convencimento começam a
fazer parte daquela mesma “ordem do discurso”. Em suma: a escola contemporânea ao agir
sobre crianças cada vez menores, trabalha com os dois pólos apresentados por Rousseau:
preserva as características do homem natural e se vale da disciplina para formar o homem
social e ainda mantêm as crianças a salvo das más influências sociais. O disciplinamento,
princípio caro a Kant, passa a ser então a medida para dizer da emancipação do sujeito.
Frente a essa discussão, ficam evidentes os motivos pelos quais, o processo de escolarização
deve começar “quanto mais cedo, melhor”.
ESTRAT
ESTRATESTRAT
ESTRATÉ
ÉÉ
ÉGIA 2: SITUA
GIA 2: SITUAGIA 2: SITUA
GIA 2: SITUAÇÕ
ÇÕÇÕ
ÇÕES E SITUA
ES E SITUAES E SITUA
ES E SITUAÇÕ
ÇÕÇÕ
ÇÕES
ESES
ES
[...] então eu não vejo de muito positivo o turno integral, [...] isso é uma
opinião pessoal. (Escola 1)
Positivo ou negativo? Certo ou errado? Foi por essa lógica binária que o discurso
educacional se pautou desde a invenção da escola. Muito mais do que isso, a escola sempre
foi responsável por marcar de forma precisa a fronteira que separava o certo e o errado, o
positivo e o negativo, o normal e o anormal e assim definir as posições que os sujeitos
estavam autorizados a ocupar dentro de seus muros e, de certa forma, também fora deles.
A discussão a que me proponho neste momento de análise trazendo um excerto das
entrevistas onde a positividade do turno integral é questionada pela diretora de uma escola
que oferece turno integral e também atividades extraclasse, tenho como objetivo discutir
essa aparente inversão de papéis que se estabelece na Contemporaneidade. Será que nesse
momento demandas externas aos muros escolares passam a definir o que acontece no seu
interior? Seque não é mais a escola que define os pólos binários e passa a se adaptar as
81
demandas da sociedade e da família? Esses questionamentos são resultado das inúmeras
leituras do material de análise. Isso que chamei aqui de inversão de papéis, ou seja, a
abertura da escola a outras configurações buscando atender às demandas vindas de fora de
seus muros, pode ser percebida nas entrevistas através de um ponto bastante interessante
que diz respeito às exigências trazidas pelos pais fazendo com que escola continue a procura
do encaixe com a sociedade, atendendo a “situações e situações”.
Ao iniciar a Modernidade Pedagógica no culo XVII (Narodowski, 2001),
Comenius colocava como um dos pontos importantes de seu projeto educativo aquilo que
chamava de “aliança escola-família” (Narodowski, 2001, p.50). Na tentativa de efetuar seu
ideal pansófico ensinar tudo a todos o pedagogo acreditava que era necessário estipular
um momento onde a educação passaria a ser responsabilidade da escola, e para ele, o
melhor momento é a infância. Por acreditar na infância apenas como o “produto de uma
ordenação superior e abrangente” (Narodowski, 2001, p.54) e portanto sem a capacidade
de se revoltar contra os métodos de educação aos quais estaria sendo submetida, justificava
importância da “aliança escola-família” no projeto educativo moderno.
Segundo o pensamento Comeniano, a educação divide-se em duas partes. A
educação maternal, aquela destinada às crianças muito pequenas, ficaria a cargo da família
“cada uma em cada casa” (Narodowski, 2001, p.50), depois disso, a educação fica a cargo
de agentes especializados: os professores. Nesse sentido, para Comenius, educação
implica uma articulação entre a educação familiar e a educação escolar, e
entre as duas instituições se uma aliança que as une e as envolve, com
atribuições diferenciadas, no que concerne à entrega do corpo infantil e ao
tratamento que será dispensado a ele (Narodowski, 2001, p.50).
Para justificar a necessidade das crianças irem à escola e se submeterem a uma
educação escolar, Comenius aponta três argumentos. Em primeiro lugar, é na escola que
estão os educadores, pessoas especializadas e encarregadas do processo educativo. Além de
deter os conhecimentos necessários para a educação, os educadores conhecem também o
método que igarantir uma educação eficiente. Pois, na opinião de Comenius, “os pais
não contam com os conhecimentos para educar seus filhos no fundamento de todas as
coisas; nem tampouco dispõem de tempo para isso” (Narodowski, 2001, p.51). Assim, com
esses argumentos é possível perceber uma nova ordem social sendo organizada,
determinando aquilo que é responsabilidade da escola e aquilo que é responsabilidade da
82
família. É essa racionalidade que irá dividir socialmente o trabalho, ou seja, quem é
responsável pelo que, ou ainda nas palavras de Comenius, “a cada qual as suas coisas”
(Narodowski, 2001, p.51).
Em segundo lugar, mesmo que os pais queiram e possam dedicar-se a educação dos
seus filhos, é mais positivo que as crianças sejam educadas junto a outras crianças, assim
aprenderão melhor. A esse respeito, Comenius diz que “[...] é muito melhor que se eduque
a juventude reunida, porque o fruto da satisfação do trabalho são maiores quando se tomam
os outros como exemplo e motivação” (Comenius, 1997, p.68-69). Ao mesmo tempo em
que se salienta a importância de educar a infância reunida, também se ressalta a
importância de se produzir um momento de passagem do ambiente materno para o
ambiente escolar. E por fim, em terceiro lugar, é imprescindível que existam mecanismos de
controle externos à família que garantam a mesma educação para todos. Serão esses
mecanismos suprafamiliares que irão garantir a pretensão de universalização do ensino. Em
suma: ao tirar as crianças do campo de ação paterna, familiar, o os professores que estão
legitimados a realizar por si mesmo o grande empreendimento da escola moderna, a
educação de todos, ao mesmo tempo e através de um método único.
Diante desse contexto, considero possível afirmar que a aliança que se estabelece
entre escola e família serve como condição de possibilidade para o êxito do projeto de
escolarização das crianças, pois
a educação escolar pode se desenvolver, de modo harmonioso, sob o
acordo tácito entre pais e professores acerca das responsabilidades que
correspondem a cada um, dentro de uma divisão de funções. É preciso que
os pais cedam a partir de um contrato implícito que aceita a legitimidade
do saber dos professores seus direitos sobre o corpo dos seus filhos
(Narodowski, 2001, p.52)
Ao se estabelecer esse acordo sobre a divisão da educação das crianças entre escola
e família, passa a se garantir as condições para o cumprimento do ideal pansófico
comeniano: ensinar tudo a todos. Assim, é através da educação escolar, que para Comenius
é aquela que se refere à ão dos adultos sobre as crianças fora do ambiente familiar, que
irão se desenvolver os mecanismos de coação que irão garantir a permanência da criança na
escola sem que se estabeleça qualquer tipo de conflito com os pais.
83
Toda essa tomada de poder da escola sobre as crianças foi possível pelo fato de a
escola moderna ocupar um lugar de excelência na formação e educação das crianças. Além
disso, essa divisão de responsabilidades entre família e escola foi possível pelo
fortalecimento da instituição familiar na Modernidade e pelo estado de atenção e
preocupação que se estabeleceu acerca do corpo infantil naquela época. Quanto mais
vigilância sobre a criança, melhor, seja em casa, seja na escola, o importante é que nada
escape ao olhar de um adulto. Em suma: a escola foi a instituição responsável por tirar as
crianças do ambiente familiar, estabelecendo uma divisão entre a educação familiar e a
educação escolar para assim poder educá-las na ordem de todas as coisas, através de um
método adequado. A escola, através dos educadores e dos profissionais que trabalhavam em
seu interior, se constituiu como um espaço legítimo de educação, ensino e aprendizagem
das crianças.
Nas escolas contemporâneas porém, é possível perceber uma inversão nesta lógica.
A escola permanece sendo o lugar ideal para a educação da infância, mas nos dias de hoje,
os pais passam a levar seus filhos à escola, exigindo ainda a ampliação da permanência do
tempo das crianças na instituição. Isso fica claro ao olharmos alguns excertos das
entrevistas quando dizem da justificativa das escolas para a implantação do turno integral
ou das atividades extraclasse:
Então é uma solicitação dos pais e a escola teve que de alguma forma se
adaptar a essa solicitação e nós já vínhamos pensando nisso a mais tempo, só que não
tínhamos muito como adaptar [...]. (Escola 1)
[...] ano passado nós tivemos quando foi feita a construção desse projeto maior, nós
tivemos várias assembléias com os pais e os pais opinaram em relação ao que
eles queriam, que eles desejavam que fosse realizado na escola, né, então eles
tiveram uma participação bem efetiva e inclusive na construção do calendário escolar,
nas atividades que iriam ser desenvolvidas também teve a participação da família.
(Escola 2)
Por estes excertos, é possível perceber a adaptação da escola a uma demanda
externa a ela, ou seja, os pais estão definindo o tempo de permanência das crianças na
escola e estabelecendo uma nova “aliança escola-família”. Nessa aliança que se reconfigura,
84
a responsabilidade por toda a educação das crianças passa a ser da escola, já que as crianças
estão freqüentando seu espaço por aproximadamente oito horas de seu dia.
Essa espécie de entrega da criança à escola pela família, reflete contrariamente ao
que se estabeleceu na Modernidade um enfraquecimento da instituição familiar. Agora, a
necessidade de uma carga horária maior de trabalho dos pais e também uma ruptura na
estrutura da família nuclear, reforça a escola como o espaço onde existem profissionais
especializados para a educação das crianças.
Embora a estratégia tenha se modificado antes a escola buscava as crianças na
família e agora o as famílias que trazem as crianças para a escola é possível perceber a
mesma lógica do projeto educativo comeniano perpassando esse processo. Mesmo em uma
sociedade onde as configurações mudam rapidamente e as estruturas e limites das
instituições ficam cada vez mais fluídos, a escola continua com o
status
de “lugar de
aprendizagem”. E para se manter nesta posição, acolhe demandas externas e aposta na
ampliação do tempo de permanência das crianças dentro de seus muros como uma
possibilidade de sucesso deste projeto de educação que se recicla, mas que preserva as raízes
modernas: a formação de um sujeito capaz de viver e transformar a sociedade em que vive.
Por isso, mesmo que a escola considere inadequado, negativo, não pode mais
decidir sozinha o certo e o errado, o positivo e o negativo, o normal e o anormal, enfim, os
pólos binários. Precisa estabelecer, através desta “aliança escola-família”
aquilo que é
melhor para
as crianças, garantindo a educação de todos. Sobre isso, trago outro excerto
das entrevistas:
[...] eu particularmente penso, acredito e acho que deve ser assim, na
medida do possível a criança deveria ficar um turno em casa, porque
isso, pra ela ter contato com a família, todo o aspecto emocional, essa coisa
do apego a mãe, da relação mãe e filho, então eu sou contrária a criança vir
pra escola o turno integral, é claro que tem situações e situações, no meu
modo de entender, quanto melhor a criança ficar um turno em casa,
seria melhor. (Escola 1)
Assim, adaptando-se, atendendo a
situações e situações
, a escola contemporânea se
fortalece como um espaço de educação das crianças e a “aliança escola-família” atual não
estabelece mais a divisão racional entre a educação familiar e a educação escolar, tornando
a escola como a grande responsável pela educação integral da criança.
85
ESTRAT
ESTRATESTRAT
ESTRATÉ
ÉÉ
ÉGIA 3: AL
GIA 3: ALGIA 3: AL
GIA 3: ALÉ
ÉÉ
ÉM DE EDUCAR; CUIDAR
M DE EDUCAR; CUIDARM DE EDUCAR; CUIDAR
M DE EDUCAR; CUIDAR
Educar e cuidar. Duas palavras que apareceram repetidamente nas entrevistas. Essa
discussão que procura separar ou reunir essas duas funções na escola não é uma discussão
que se estabelece nesse momento. É sim, uma conhecida discussão do campo da Educação
Infantil e que vem ganhando espaço nas escolas de Ensino Fundamental em função do
turno integral e das atividades extraclasse. Com a ampliação do tempo de permanência das
crianças na escola, esse se torna um ponto bastante importante, que crianças passam a
ficar até oito horas diárias sob a responsabilidade da instituição.
Maria Isabel Bujes, ao discutir esta questão em relação à Educação Infantil, diz que
“a educação da criança pequena envolve simultaneamente dois processos complementares
e indissociáveis:
educar e cuidar
(Bujes, 2001, p.50). Ao mesmo tempo em que coloca
estes processos como indissociáveis, a autora coloca a relação entre educar e/ou cuidar
como um dos dilemas deste século (Bujes, 2001), e estabelece uma diferenciação bastante
interessante sobre os dois termos e que considero úteis neste momento de análise. Segundo
ela, “cuidar tem significado, na maioria das vezes, realizar as atividades voltadas para os
cuidados primários: higiene, sono, alimentação” (Bujes, 2001, p.51) e educar diz respeito ao
“[...] processo, que faz com que a criança passe a participar de uma experiência cultural que
é própria de seu grupo social” (Bujes, 2001, p.51). A partir desta diferenciação estabelecida
por Bujes sobre o entendimento desses dois processos na escola contemporânea, volto a
Kant em sua conhecida obra
Sobre a Pedagogia
, para mostrar que esta não é uma discussão
dos dias de hoje, mas sim, algo que faz parte do contexto escolar desde a invenção da
escola. Nesta obra, o autor onde define o cuidado como responsabilidade da família naquilo
que chamou de educação privada e a formação como responsabilidade da escola naquilo
que chamou de educação pública. Nas palavras de Kant, “o homem é a única criatura que
precisa ser educada. Por educação entende-se o cuidado de sua infância (a conservação e o
trato), a disciplina e a instrução com a formação” (Kant, 2002, p.11). Ao colocar a
educação em duas ordens, a do cuidado e da formação, o filósofo afirma que “por cuidados
entendem-se as precauções que os pais tomam para impedir que as crianças façam uso
nocivo de suas forças” (Kant, 2002, p.11). “a formação, compreende a disciplina e a
instrução” (Kant, 2002, p.14). A disciplina é a parte negativa, pois é o método através do
86
qual o homem é afastado do estado de selvageria, impedindo qualquer tipo de defeito e a
instrução, a parte positiva da educação que o direcionamento prático aquilo que foi
ensinado sob o aspecto da cultura (Kant, 2002).
Frente a essa breve discussão onde trago uma possibilidade de entendimento sobre o
tema da educação e do cuidado na escola atual e também estabeleço um recuo histórico
com o objetivo de mostrar que esta discussão não é algo novo, mas sim algo que faz parte da
história da educação, apresento alguns excertos das entrevistas que trazem esta questão:
[...] ele deixa o filho aqui o filho bem cuidado, sabe que ele ta seguro,
sabe que ele não vai sair daqui sem ele vir buscar, ele sabe que tem
pessoas que estão cuidando, ele sabe que o filho ta bem, melhor que
deixar em casa sozinho. Então além de ele estar fazendo alguma coisa, de
estar fazendo alguma atividade, tem pessoas que estão cuidando dele.
(Escola 1)
Pra ele [pai] na verdade é deixar aqui que ta sendo bem cuidado, bom,
eu vou fazer minhas coisas, inclusive nós temos que crianças que vem pra aula
de futebol, começa a aula as 13h30 às 14h30. O que os pais, mães, avós
fazem? Vão ao médico, vão ao supermercado, vão fazer tudo o que tem que
fazer naqueles dias, que daí eles não vem buscar as 14h30, eles vem pegar as
17h30. Então nós ficamos aqui com crianças das 14h30 as 17h30 que não
seria responsabilidade nossa, porque a escolinha não é atividade propriamente
da escola, é extracurricular, com um professor particular, eles pagam, nós
cedemos o espaço e no fim nós entramos com funcionários pra cuidar
dessas crianças porque os pais o fazer tudo o que eles têm que fazer
nesses dias em que os filhos estão aqui. (Escola 1)
Através dos excertos das entrevistas, é possível perceber a importância que a noção
de cuidado assume nas escolas de tempo integral. Através das falas da diretora da Escola 1,
fica claro que os pais procuram a escola e as atividades extraclasse, em primeiro lugar, para
que os filhos estejam bem cuidados. Contudo, acredito que seja possível dizer que, na
configuração escolar atual, a noção de cuidado como algo relacionado à higiene ou ao trato
se desloca para uma idéia de proteção, tendo como objetivo manter as crianças em um
lugar seguro. Tendo em vista a sensação de insegurança cotidiana que acompanha a vida
dos sujeitos contemporâneos, a escola assume para si mais esta responsabilidade. Além da
educação e da formação das crianças, passa também a cuidar sua da segurança, mantendo-
as “livres” dos riscos da sociedade.
87
Ulrich Beck, tem chamado a sociedade atual de
sociedade de risco
, onde, segundo o
autor, “não nada certo além da incerteza” (Beck, 2006, p.5). O autor ainda diz que
existem dois possíveis entendimentos para a palavra risco. O primeiro diz respeito a um
mundo governado pelas leis da probabilidade, mensurável e calculável. O segundo, que é
onde Beck localiza a
sociedade de risco
, diz respeito a incertezas que não podem ser
mensuradas (Beck, 2006). Ao falar também sobre a insegurança no estilo de vida pós-
moderna, Bauman afirma que o medo cotidiano gerado por estas incertezas e pelas decisões
que não dependem mais de nossa vontade ou de nossa capacidade de decisão tem gerado
o que ele chama de “síndrome do Titanic” (Bauman, 2006), ou seja, estamos sempre
expostos a um ou mais
icebergs
que podem surgir a nossa frente a qualquer momento e nos
levar ao fundo. Ainda neste sentido, Bauman apoiado em Ash
31
, diz que os medos
cotidianos estão nos colocando sob a ameaça de um processo de
des
civilização”, ou seja,
um estado de retrocesso ao “estado de natureza” ou a um estado de “guerra de todos contra
todos” (Bauman, 2006). Porém, o próprio sociólogo coloca sob tensão esta possibilidade de
retrocesso, a partir da idéia de que os seres humanos são “viciados em civilização”
(Bauman, 2006, p.17). Assim, neste interstício entre sociedade de risco e a ameaça do
processo de “
des
civilização” é que quero localizar a escola de turno integral como um
espaço de segurança que mantêm as crianças protegidas das ameaças que estão “forados
muros escolares.
Ao se localizar neste cenário social cada vez mais fluído e incerto, a escola passa a
somar outras funções além daquelas tradicionalmente suas. Uma delas, passa a ser manter a
infância protegida dos riscos gerados pela incerteza, e porque não dizer dos perigos
32
, do
mundo atual. E se pensarmos a partir da reflexão proposta por Bauman, a escola de turno
integral ou então com atividades extraclasse passa a se caracterizar como um importante
mecanismo de combate à ameaça do processo de
des
civilização”. Ou seja, através da
combinação dos processos de educação, cuidado e proteção, a escola passa a renovar seu
projeto educativo visando a formação de cidadãos adaptados a essa nova realidade social,
civilizados e capazes de atuar e transformar a sociedade na qual estão inseridos, porém, sem
abrir mão dos objetivos básicos do projeto moderno que lhe deu origem.
31
Para maiores informações, vide Bauman 2006.
32
Não tenho como objetivo aprofundar aqui uma discussão sobre risco e perigo, utilizo estes termos na medida
em que são úteis nesta análise.
88
Sobre isso, apresento mais um excerto das entrevistas:
[...] a preocupação é que seja bom cidadão, bons homens, boas
mulheres, pessoas que tenham honestidade, pessoas que sejam ética
[sic] e isso sim, esses valores a escola prima, preza e trabalha, é a preocupação
com o cidadão ético, cidadão consciente, o cidadão crítico, isso passa
desde os pequenos de 2 anos até os maiores da série de 14 anos. Isso a
gente entende que tem que trabalhar. (Escola 1)
Através de uma ampliação do tempo de permanência das crianças na escola, da
ocupação escolar com a formação e também com o cuidado visando à proteção e a
segurança da infância, a educação aparece novamente como possibilidade de salvação
social. É pelo investimento na educação das crianças que reside à possibilidade de
construção de uma sociedade melhor, afinal quem não ouviu aquela frase: “as crianças
são o futuro da nação”. E é nesse jogo entre educação, cuidado e proteção que escola e
sociedade passam a atuar uma a serviço da outra.
89
Revista Nova E
scola, março de 2007.
90
EM TEMPO: ALGUMAS CONSIDERA
EM TEMPO: ALGUMAS CONSIDERAEM TEMPO: ALGUMAS CONSIDERA
EM TEMPO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕ
ÇÕÇÕ
ÇÕES
ESES
ES
Não resta dúvida, a escola vive em outro tempo e outro espaço (Fabris,
2001, p.92).
Encerrar um texto, em minha opinião, é ainda mais complicado do que começá-lo.
A sensação de que podíamos ou devíamos ter escrito mais um pouco, aprofundado
melhor aquela ou outra questão permanece presente. Por isso, não irei colocar aqui um
ponto final ou então concluir uma análise. O que farei aqui, serão breves considerações
sobre o que esta Pesquisa me levou e me leva a pensar sobre as configurações espaço-
temporais na escola contemporânea em um tempo e em um espaço determinados; sem a
pretensão de apresentar nas linhas que seguem mais uma metanarrativa do campo
educacional. Assim, se for necessário “pontuaresse momento de alguma forma, escolho as
reticências, pois elas deixarão meu texto aberto. Aberto à outras possibilidades de análise,
outras leituras, outros olhares, enfim, manterá de alguma forma o texto desta Dissertação
em movimento. Ao deixar este texto em movimento, aberto, assumo ao mesmo tempo a
sua transitoriedade. “Transitoriedade porque, em um mundo multifacetado, com mudanças
substantivas [...] todas as nossas descobertas, todas as asserções de conhecimento e de valor
tem escassas possibilidades de generalização” (Sommer, 2005, p.69). Assim, as
considerações que trago aqui, são resultado de um tempo e de um espaço bem definidos,
impossíveis em outras situações de análise. Por isso, deixar um texto em aberto e assumir
que tudo que foi escrito aqui é transitório, podendo ser (re)feito e até mesmo ultrapassado
de diferentes formas, reflete “[...] um sentimento de humildade intelectual” (Sommer,
2005, p.69).
Ao iniciar esta última seção trazendo como epígrafe uma citação muito provocativa
de Elí Fabris onde a autora localiza a escola em outro tempo e outro espaço, anuncio o
91
tom da discussão que pretendo promover aqui. Ao longo da Dissertação, procurei
problematizar o encaixe e o desencaixe entre escola e sociedade contemporânea a partir de
uma problematização do presente. Através de uma composição entre imagens, texto e
entrevistas, procurei tecer, mesmo que de forma aproximada, o cenário em que se insere a
instituição escolar nos dias hoje. Uma escola que ainda vive um tempo moderno,
anacrônico, lento, cronometrado, dividido em passado e futuro, sem levar em conta o
presente. Paralelamente a isso, vivemos um tempo social que é instantâneo, contingente,
sempre presente, um presente que é puro acontecimento.
Ao olhar para as vinhetas
33
que utilizei ao longo do texto e também para as
entrevistas que compuseram meu
corpus
de análise esse (des)encaixe se torna cada vez
mais evidente e por isso me autorizo a retomar as palavras de Fabris (2001, p.92) e afirmar:
“não resta dúvida, a escola vive em outro tempo e outro espaço”. A escola vive o Cronos,
“um tempo lógico da sucessão. Nos domínios do Cronos, passado, presente e futuro fazem
sentido e estão logicamente encadeados” (Gallo, 2007, p.94). É nesse contexto que se pode
falar em previsibilidade, em projetos, em objetivos a serem alcançados a longo prazo. Esse é
o cotidiano da escola. Suas práticas o organizadas com base no passado, projetando o
futuro e perdendo de vista o presente. A sociedade vive o
Aion. “O tempo do
acontecimento, tempo intensivo [...] [um tempo que]
34
não é medido, esquadrinhado,
[...] vale o instante em sua eternidade” (Gallo, 2007, p.95-96), ou seja, vale o presente
como um instante único.
Neste contexto, as estratégias contemporâneas adotadas pela escola para encontrar
novamente se é que teve o encaixe com a sociedade, não apresentam nenhuma
novidade, porém, apontam a utilidade da escola para a sociedade. Ao ampliar o tempo de
permanência das crianças no ambiente escolar, a escola continua a investir na organização
e esquadrinhamento do tempo nos domínios de Cronos. As próprias estratégias de
adaptação, refletem a tentativa de projetar um futuro, a partir do passado, a partir das
idéias que ajudaram a fundar a escola moderna. Assim, ao reciclar conhecidas estratégias
como, no caso desta Pesquisa, o investimento na escolarização precoce, a aliança escola-
família, e a combinação de educação, cuidado e proteção, a instituição escolar ganha força
33
Utilizando um termo emprestado da comunicação, chamo de vinhetas as imagens e reportagens utilizadas
ao longo do texto desta Dissertação com o objetivo de abrir seções ou então de reforçar minha argumentação.
92
no contexto social. Da mesma forma, aparece como uma possibilidade de salvação frente
aos problemas que se multiplicam cotidianamente e também reforça seu papel na formação
de sujeitos de um determinado tempo.
Mesmo em um momento onde a escola dispõe de instrumentos para reciclar seu
projeto educativo, e de certa forma o faz, ela continua apostando na formação de um
sujeito com “atitude de modernidade”. Foucault define atitude de modernidade como “[...]
um modo de relação com a atualidade, uma escolha voluntária feita por alguns, uma
maneira de pensar e de sentir, uma maneira também de agir e de se conduzir que, ao
mesmo tempo, caracteriza um pertencimento e se apresenta como uma tarefa” (Foucault
apud
Castelo Branco, 2000, p.323). A partir da definição do filósofo, é possível pensar em
um sujeito com “atitude de modernidade” como aquele que está em luta, aquele que ousa
ser livre, aquele que pensa, age e deseja de acordo com a sua própria idéia de liberdade. A
“atitude de modernidade” será sempre uma atitude de luta, uma atitude limite, que faz dos
sujeitos éticos e livres. Não é esse o objetivo da escola? Formar cidadãos éticos, críticos,
livres e capazes de transformar a sociedade em que vivem?
Assim, diante desse contexto, penso que essas estratégias adotadas pela escola não
dão conta de recuperar o encaixe com a sociedade na medida em que cada uma “vive” o
tempo de forma distinta. Porém, penso que essas estratégias estão a serviço da escola no
cumprimento de seu projeto educativo e da formação dos sujeitos e são cada vez mais úteis
a essa sociedade que se reorganiza cotidianamente. Da mesma forma, essas estratégias
contribuem para que a escola recupere, ou reforce, seu
status
de excelência em educação e
pelo menos amenize os discursos que têm a colocado “em crise”, uma vez que está
cumprindo com seu papel historicamente adquirido.
Mesmo sem dar conta da pretensão de encaixe, as estratégias discutidas nesta seção
possibilitam uma leitura da educação em alguns sentidos. O primeiro deles coloca a
educação enquanto um processo de dominação. Uma dominação que se pela relação
poder-saber que se estabelece na escola. Mesmo tendo realizado esta discussão em outro
momento nesta Dissertação, considero importante ressaltar aqui que, colocar a educação
como um processo de dominação não quer dizer que através dela se estabeleça uma divisão
34
Acréscimos meus.
93
entre dominantes e dominados. Entender a educação como um processo de dominação está
na ordem do próprio significado etimológico da palavra: trazer para o domínio, trazer para
casa. O segundo sentido, coloca a educação como salvação, ou seja, a educação se torna
responsável “pelos destinos dos seres humanos e do mundo” (Bujes, 2002, p.51).
E uma terceira leitura possível diz respeito à educação enquanto um dispositivo de
biopolítica e também de governamento da população. Isso se justifica pela preocupação
acentuada na preparação de cidadãos éticos, responsáveis e críticos, visando o futuro e
perdendo de vista o presente. Ao agir sobre a vida das crianças pensando no seu futuro, é
possível perceber o biopoder em ação. Um poder que age diretamente sobre a vida de forma
individual, mas que tem como objetivo garantir o bem estar da espécie, da população. Por
isso, investir em uma educação em tempo integral para as crianças desde a mais tenra idade
aparece como uma importante estratégia de biopolítica, que agindo sobre o indivíduo, se
torna possível governar o todo. Nesse sentido, a educação das crianças passa a ser um
fenômeno digno de muitos investimentos, que não é um investimento que se apenas
sobre seu presente, mas também e porque não dizer especialmente sobre seu futuro. É
nesse jogo entre presente e futuro que a educação em tempo integral tece sua teia com o
objetivo de manter sob controle as crianças. Assim, é possível pensar na escola de tempo
integral como uma estratégia que combina biopolítica e anátomo-política, que agindo
dentro de seus muros garantem ou pelo menos acreditam garantir – o governo da
população.
Sem a pretensão de esgotar as possibilidades de análise desta pesquisa, penso que
seja possível me apropriar das palavras que ilustram a Revista Nova Escola (2007) para
afirmar que na Contemporaneidade a escola continua representando para a sociedade o
“sonho de um futuro bom”.
94
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100
Anexos
AnexosAnexos
Anexos
101
ANEXO I
ANEXO IANEXO I
ANEXO I
Entrevista i
Entrevista iEntrevista i
Entrevista i
Escola I, entrevista com diretora, 18 de maio de 2006.
Roberta:
Roberta:Roberta:
Roberta: C. a escola possui turno integral?
Diretor
DiretorDiretor
Diretora:
a: a:
a: nós temos uma proposta de turno integral com as crianças da brinquedoteca que
são crianças de 2 a 4 anos. que isso funciona de que forma. Elas não ficam na hora do
almoço com um funcionário da escola, eles vem das 7h às 11h30, saem para o almoço, eles
podem almoçar na escola, a escola tem uma cantina que oferece almoço e voltam a uma até
as 18h.
R:
R:R:
R: e esse projeto é só com a brinquedoteca, com as outras crianças não?
D:
D:D:
D: Não, só com a brinquedoteca, por enquanto é um projeto da brinquedoteca, se der certo
a gente estende no ano que vem, há possibilidade, porém, por enquanto não.
R:
R:R:
R: essa foi uma solicitação dos pais, uma criação da escola, como é que surgiu esse projeto?
D:
D: D:
D: as duas coisas é um projeto piloto, primeiro por solicitação da família, dos pais, porque as
crianças são muito pequenas, são crianças que vem de creches, que estavam em creches ou
em maternais e que tinham o dia todo na escola. Então é uma solicitação dos pais e a escola
teve que de alguma forma se adaptar a essa solicitação e nós vínhamos pensando nisso a
mais tempo, só que não tínhamos muito como adaptar, porque não tínhamos como oferecer
almoço, então com a mudança do locatário da, com a locação da cantina que trabalha na
cantina e serve almoço conseguimos dar uma adequada nesse projeto.
R:
R:R:
R: e como é que vocês estão vendo esse novo entendimento do tempo das crianças na
escola, por exemplo, as crianças da brinquedoteca vem de manhã e vão embora a noite, as
outras crianças vem e fazem outras atividades no outro turno, como é que vocês estão
percebendo isso em relação a infância, vocês estão sentindo alguma diferença nas crianças
ou não estão, se esse estar mais tempo na escola tem provocado alguma mudança no
sentido da infância pra vocês aqui na escola?
D:
D:D:
D: eu particularmente penso, acredito e acho que deve ser assim, na medida do possível a
criança deveria ficar um turno em casa, porque isso, pra ela ter contato com a família, todo
o aspecto emocional, essa coisa do apego a e, da relação mãe e filho, então eu sou
102
contrária a criança vir pra escola o turno integral, é claro que tem situações e situações, no
meu modo de entender, quanto melhor a criança ficar um turno em casa, seria melhor. Na
escola, qual é a resposta que na escola, o que nós vemos. Eles gostam de vir pra escola,
mesmo os que não estão em turno integral gostam de vir fazer atividades em extra turno, ou
escola de futebol, ou dança, ou balett, as atividades que tem, ou catequese, eles gostam de
estar na escola. Mas o que a gente parece, pelas tantas do ano eles estão cansados, estão
saturados, a escola acabou se tornando algo que fica pesado, não chato, porque eles
continuam gostando, mas me parece que no aprendizado se torna um peso. Pros
pequenininhos nem tanto porque são pequenos, eles vem pra cá, muitos dormem aqui, de
manhã ou de tarde, então esse cansaço a gente não consegue visualizar no aprendizado,
mas nós conseguimos visualizar no que? É no distanciamento com mãe, a criança quando ta
doente tem que vir pra escola de qualquer forma porque não tem quem fique com ela, acho
que isso é um problema, acho que se a criança não ta disposta ela precisaria de um
aconchego, então eu não vejo de muito positivo o turno integral, eu não dele, isso é uma
opinião pessoal. No trabalho, nós vimos algumas diferenças sim. Não algo que venha a
trazer danos pra escola, o, mas eu acredito que pro aprendizado da criança sim,
principalmente os maiores, aí eles começam a cansar muito, são muitas atividades, daí além
dele vir 2 ou 3 vezes por semana a tarde ou de manha no turno inverso da escola, tem não
sei o que de outra escola, vai não sei aonde fazer atividade a criança acaba ficando
estressada ou saturada por tantas informações e as vezes pode acontecer dela não conseguir
assimilar tudo , então isso é um fator preocupante. Por enquanto agora nessa altura do
ano, isso não aconteceu ainda, mas nós sabemos que ao longo do ano isso surge, por
setembro outubro começa a surgir alguns problemas nesse sentido.
R:
R:R:
R: e em relação aos pais? Tu percebe essa mesma opinião ou tu percebe alguma coisa
diferente?
D:
D:D:
D: não, pros pais não, o que eu percebo: quanto mais atividades a escola oferecer, melhor,
porque? Porque ele deixa o filho aqui o filho ta bem cuidado, sabe que ele ta seguro, sabe
que ele não vai sair daqui sem ele vir buscar, ele sabe que tem pessoas que estão cuidando,
ele sabe que o filho ta bem, melhor que deixar em casa sozinho. Então além de ele estar
fazendo alguma coisa, de estar fazendo alguma atividade, tem pessoas que estão cuidando
dele. Então o pai não tem muito essa visualização, o pai acha que o tempo que ele está em
casa sem fazer nada, entre aspas, é melhor ele vir pra escola, que nós sabemos que ele
103
também precisa ficar em casa sem fazer nada, ele também precisa fazer o que ele gosta, ele
também precisa assistir alguma coisa na TV que ele goste, ele também precisa dormir se é o
caso, quer dizer, essa disciplina familiar que devia haver, esses acordos pra que ele também
tivesse o tempo dele até de ociosidade, é que o ócio (...) o ócio criativo é importante, nós
adultos também temos que ter um ócio criativo e o adolescente também, que é um tempo
sem fazer nada, mas que não é só sem fazer, um tempo que ele ta relaxando, um tempo que
é pra ele, pra ele pensar na vida dele também é importante e os pais não vêem isso como
algo importante. Pra ele na verdade é deixar aqui que ta sendo bem cuidado, ta bom, eu
vou fazer minhas coisas, inclusive nós temos que crianças que vem pra aula de futebol,
começa a aula as 13h30 às 14h30. O que os pais, mães, avós fazem? Vão ao médico, vão ao
supermercado, vão fazer tudo o que tem que fazer naqueles dias, que daí eles não vem
buscar as 14h30, eles vem pegar as 17h30. Então nós ficamos aqui com crianças das 14h30
as 17h30 que não seria responsabilidade nossa, porque a escolinha não é atividade
propriamente da escola, é extra curricular, com um professor particular, eles pagam, nós
cedemos o espaço e no fim nós entramos com funcionários pra cuidar dessas crianças
porque os pais vão fazer tudo o que eles tem que fazer nesses dias em que os filhos estão
aqui.
R:
R:R:
R: mas daí nesse tempo depois da escolinha, eles não ficam fazendo nenhuma atividade da
escola, eles ficam só...
D:
D:D:
D: nós, não, nós acabamos encontrando alguma atividade. Não alguma atividade que eles
tenham que ficar presos num laboratório, numa biblioteca, nós então recomendamos que
eles façam, nós recomendamos que eles vão brincar no fla-flu, vão brincar de ping-pong, ou
então o realmente pra biblioteca pra fazer alguma leitura, algum trabalho, algum tema
que eles tem que fazer, isso é negociado com eles, vão pro laboratório de informática se eles
tem alguma atividade pra fazer e isso tudo foi feito pela escola pra criar essas adaptações pra
eles não ficarem sem fazer nada porque adolescente sem fazer nada não consegue ficar,
ainda mais numa escola com o espaço que tem né, então pra nós não termos até problemas
disciplinares, fomos achando outras alternativas, mas o que a gente procura fazer, não nada
que seja imposto, nós não criamos nenhuma atividade. Eles trazem os trabalhos que eles
teriam que fazer, que eles tem que fazer, e nós oportunizamos o espaço pra eles fazerem isso,
mas nós não temos nenhuma atividade que diga depois disso vocês vão fazer aquilo, não.
R:
R:R:
R: e isso pras crianças pequenas também?
104
D:
D:D:
D: pros pequenos também.
R:
R:R:
R: de 1ª a 4ª também funciona assim?
D:
D:D:
D: é, de 1ª a 4ª sim, na verdade de 2ª a 4ª [série] porque a maioria das atividades
acontecem de 2ª a 4ª. De que eles tem dança, tem futebol, os pais têm mais preocupação
por que eles o pequenos, então terminou o tempo da atividade extra os pais vêm
buscar. De que eles começam a deixar mais na escola, eles começam a ficar maiores,
eles já ser viram melhor né, é esse entendimento e aí eles já ficam mais. Agora dos
pequenos até a nós não temos esse problema, os pais terminou a atividade, levam pra
casa e pronto.
R:
R:R:
R: e quais são essas atividades extraclasse que a escola oferece?
D:
D:D:
D: nós temos aula de dança, balett e jazz, temos escolinha de futebol, o inglês, temos agora
o judô que está por vir, então são essas as atividades extracurricular e a oficina de
aprendizagem que daí é vinculada direto com a escola. Essas outras a escola oferece espaço
e os profissionais que tem interesse em atuar vem e fazem toda uma apresentação de projeto
e aquele que está mais adaptado com a escola então a gente tem um contrato com essas
pessoas que na verdade esse contrato é de locação do espaço. A oficina de aprendizagem
não. Porque, a oficina ou reforço, nós não chamamos de reforço, nós chamamos de oficina,
que onde as crianças vem tentar resolver os problemas de aprendizagem em algumas áreas
do conhecimento com uma profissional específica que não é a professora. Alguém que é
contratada pela escola e tem tantas horas pra atender as crianças no turno da manhã do
turno da tarde e as da tarde no turno da manhã.
R:
R: R:
R: em relação ao turno, agora que tu falaste sobre isso. Aque série vem a tarde e a partir
de que série vem de manhã?
D:
D:D:
D: de manhã vem a partir da 3ª série e pras outras atividades primeira e segunda, e de tarde
de 3ª a 8ª série.
R:
R:R:
R: isso nas atividades extra?
D:
D:D:
D: sim
R:
R:R:
R: então o horário de aula é de 3ª e 4ª de manhã e de ed. inf. a 2ª a tarde?
D:
D:D:
D: isso, tu trabalha da ed. inf ao fund I né?
R:
R:R:
R: isso.
R:
R: R:
R: e quais são os objetivos que vocês tem com essas atividades? Porque vocês estabeleceram
essas atividades extraclasse?
105
D:
D:D:
D: primeiro, pra ocupar o espaço físico. Temos um espaço físico muito grande e agente quer
oferecer essa possibilidade de ocupação desse espaço. Em segundo, procura dos próprios
pais porque muitas dessas crianças buscam essas atividades fora, em outros lugares então
pra eles é interessante que fica na escola então pra eles ta aqui na 3ª série vem de manhã, já
almoça na escola e fica pra atividade da tarde. vem de manhã, almoça e fica aqui
pra atividade de futebol, então na verdade nesse inteirim do meio dia eles almoçam e
ficam na escola. Esses maiores, tem alguém que fica com eles. Fica com eles em que sentido,
cuidando deles pra que eles não venha a se machucar, eles ficam jogando bola no pátio
[toca telefone] então esses maiores que é de a série quando almoçam na escola nós
temos um funcionário que fica com eles, cuidando pra que eles não venham a se machucar,
pra que eles não venham a correr pelo corredor, mais de ajudá-los na questão disciplinar
porque pode acontecer algum acidente e a responsabilidade é da escola, então esses tem um
funcionário da escola, eles ficam jogando bola no pátio, ficam sentados conversando, eles
fazem o que quiserem fazer e tem um funcionário junto com eles então pros pais isso é
interessante ou vem pra almoça e fica pra atividade ou fica pra aula ou vem de manhã
almoça e fica pra outra atividade, isso é interessante. Então, pra ocupar o espaço, pra que os
pais possam deixar os filhos na escola e porque pra nós é interessante saber as atividades
que eles estão fazendo extracurricular, pra bater, pra ver se fecha com a nossa proposta
pedagógica. Porque se tu tem a criança aqui tu sabe toda a postura dele, tu sabe do
comportamento dele, as reações emocionais, pra nós é importante isso. Uma criança que no
futebol venha brigando e chutando todo mundo, daqui a pouco a gente fica sabendo
através disse que ele ta com algum problema em casa que a gente possa ajudar e isso está
revertendo na aprendizagem dele. Então não é o fato dele não saber multiplicar ou
dividir, mas do chute que ele deu na canela do colega traga a tona o problema do
aprendizado, traga a toma um problema emocional e nós podemos dar um suporte pra ele,
né, então é uma educação mais globalizada, essa é nossa preocupação também.
R:
R:R:
R: agora tu falaste em educação globalizada. Como é que vocês têm visto isso? Além dessa
questão que tu trouxe agora de trabalhar com eles no outro turno poder entender algumas
atitudes que eles têm no turno contrário ou dentro da sala de aula, essa questão da
globalização e como vocês estão preparando as crianças pra essa sociedade, passa por isso
também? Tu acha que essas atividades contribuem...
106
D:
D:D:
D: sim, é, é, o que nós trabalhamos, quando se fala em globalização, nós temos que cuidas
um pouco pra não vir a idéia de comércio né, aí entra em questões financeira e entra muito
nesse aspecto assim mais impessoal até. Quando nós tratamos desse tema, nós nunca
tratamos de globalização com esse termo, isso não passa, nós não falamos sobre isso dessa
forma, mas nós trabalhamos isso sim como por exemplo agora, a copa do mundo, vamos
trabalhar os países que estão na copa, o que comem, o que vestem, qual é a dança, qual é a
língua, qual é a moeda, tu ta trabalhando globalização, quando nós trabalhamos no 7 de
setembro, nós trabalhamos o Brasil e aí os outros países, quando trabalhamos as questões de
raça, quando trabalhamos vários aprendizados no dia a dia que as professoras trabalham nos
seus programas é querendo, e mesmo que não quisesse, tu trabalha globalização, então nós
trazemos sim as culturas de outros países, de outros estados pra dentro da sala de aula pra
que eles entendam a diferença de cada um, a diferença racial se trabalha, dentro desse foco,
mas não com o termo globalização mas nós estamos trabalhando, no dia a dia tu acaba
sempre entrando. Quando trabalha ensino religioso, tu vai trabalhar as religiões, tu tem que
trazer, porque que o Buda, o budismo é assim, aonde que surgiu, lá não sei aonde, no Japão,
os países que tem esse rito religioso. tu vai trabalhar o protestantismo, aonde surge na
Alemanha, então tu acaba trazendo esses países pra , e, e, a preocupação de prepará-los
pro mundo, quando se fala em qualquer conteúdo a preocupação é que seja bom cidadão,
bons homens, boas mulheres, pessoas que tenham honestidade, pessoas que sejam ética e
isso sim, esses valores a escola prima, preza e trabalha, é a preocupação com o cidadão
ético, cidadão consciente, o cidadão crítico, isso passa desde os pequenos de 2 anos até os
maiores da 8ª série de 14 anos. Isso a gente entende que tem que trabalhar.
R:
R:R:
R: e tu acha que esse tempo maior que eles estão ficando na escola, tanto nas aulas quanto
nas outras atividades contribui pra isso?
D:
D:D:
D: sim, direta ou indiretamente contribui porque como eles estão diretamente conosco,
mesmo quando terminou a atividade deles de balett que não é uma professora da casa, mas
que é alguém que tem uma academia e que vem trabalhar aqui , que não ta comprometida
com nosso programa com nosso processo, mas a gente escolheu essa pessoa porque a gente
conhece a vida profissional dela e achamos que a vida profissional dela é compatível com os
valores que nós pregamos, nós achamos que sim e essa criança sai do balett e vai pro
pátio e ta fazendo alguma atividade conosco, com algum dos funcionários ele ta
107
vivenciando os valores que a escola prega que a escola privilegia, então nesse sentido com
certeza.
R:
R:R:
R: e frente a tudo isso, quanto tempo eles tem passado aqui? Eles vem quantas vezes por
semana e quanto tempo em média eles tem ficado aqui na escola?
D:
D:D:
D: olha, em média, 7, de 6 a 7 horas, assim, uma dia, eu tenho crianças que ficam mais,
mas menos que sete horas não.
R:
R:R:
R: e quantas vezes por semana?
D:
D:D:
D: 3 vezes por semana, uma freqüência de 3 vezes no nimo. Porque eles vem fazer duas
atividades e mais, são 4 atividades na verdade, e dessas 4, a grande maioria faz 2 ou 3. Ou
eles estão na catequese, no balett e no inglês, ou eles estão no futebol e na catequese, então
3 vezes por semana, então eu tenho um fluxo de crianças assim de alunos na escola 3 vezes
por semana. Se tu vieres terça, quarta e quinta, essa escola ta cheia de criança é um grupo
bastante grande, sempre no contra-turno, de manhã duas vezes e de tarde 3.
R:
R:R:
R: eu vi no calendário de vocês que vocês oferecem um dia de escola aberta, o que é isso?
D:
D:D:
D: a escola aberta é uma proposta que surgiu no ano passado com um grupo de pais e
com a direção da escola do ano passado, esse ano a gente continua que é na última sexta-
feira do mês a escola está aberta pra receber a família. Então vem os pais que querem, os
alunos que querem pra que, pra fazer churrasco, pra jogar futebol, pra jogar conversa fora, é
uma noite que eles vem pra descontração. Não tem nenhuma atividade fixa, eles vem pra
jogar futebol, eles vem pra , não vem os pais que querem e fazem as atividades que eles
querem geralmente é futebol, vôlei, geralmente é esportiva a atividade, e os pais trazem lá o
seu churrasco, o seu chimarrão, trazem o seu refri e fazem o seu churrasquinho, todo
mundo ri, se diverte enquanto seu filho também estão juntos, brincando e se divertindo.
Essa é a idéia da escola aberta.
R:
R:R:
R: seria um momento pra reunia a família?
D:
D:D:
D: é, um momento de lazer e descontração da família.
R:
R:R:
R: uma vez por mês?
D:
D:D:
D: é, uma vez por s e nós temos um publico bem interessante. Nós estamos hoje com
208 alunos, 616 pais, botando os alunos ... nós temos um fluxo de 100, 80 pessoas
normalmente. Então é um percentual bem interessante, nós estamos com 15, 20% das
pessoas da escola presentes. É um número bom, mensalmente nessa atividade. Ela é toda
108
organizada por eles, a escola disponibiliza o espaço, as crianças e os alunos é que se
organizam nesse momento.
R:
R:R:
R: e tem a presença de professores e de funcionário?
D:
D:D:
D: tem, sempre a título de convite, todos nós somos convidados a participar, os professores
e os funcionários, todos convidados. Quem quiser vem, traz a sua carninha, coloca em
comum ali, nós não somo pagos pra vir fazer, quem vem, vem pra fazer a atividade.
Ninguém vem pra trabalhar, quem é responsável pela atividade é esse grupo de pais, esse
comitê gestor que nós temos que é como seria uma associação de pais, mas não com esse
nome. Eles é que são responsáveis por cuidar do portão pra que entre, e serem os
organizadores do evento que são pais, então os professores que vem, vem pra sentar e fazer
a atividade junto com o grupo, funcionários, da mesma forma.
R:
R:R:
R: então, pra encerrar C. tu pode me passar os horários das aulas, que hora começa e
termina e que hora acontece as atividades extraclasse...
D:
D:D:
D: de manhã a atividade começa as 7h25 e vai até 11h35, atividades que tem de manhã, é
oficina de aprendizagem das 7h30 ás 9h15 e as extracurriculares das 10h às 11h30, ou é o
futebol, ou é a dança, o balett, o judô ainda não tem horário e o futebol tem alguns dias que
é das 8h30 às 9h30. A tarde: a aula começa as 7h25, aliás desculpa, às 7h10 nada, 13h10 às
17h20 e as atividades funcionam da seguinte forma: oficina de aprendizagem das 13h30 às
15h, futebol, das 14h30 às 15h30, vôlei, das 15h30 às 16h30, dança das 16h30 às 17h30,
então as crianças se adaptam a esses horários.Então eu tenho crianças aqui a tarde inteira e
a manha inteira ... isso de 3 vezes por semana eu tenho esse fluxo, 3 dias por semana eu
tenho essas atividade e daí isso oscila de segunda, quarta e quinta, segunda, terça e quarta,
... a semana inteira eu tenho atividade e tem também muitos nossos alunos da 3ª e da
que fazem catequese que é nas terças-feiras que eu tenho um fluxo muito grande que
vem de manhã das 7h30 às 9h fazer a catequese e a tarde das 13h30 as 15h, tem alunos de
fora também, mas tem um número muito grande de alunos da casa. Eu tenho a gurizada
sempre toda circulando.
R:
R:R:
R: e eles dão muito trabalho? Eles incomodam, eles são indisciplinados, ou não?
D:
D:D:
D: olha, os nossos alunos são muito disciplinados, eu tenho muito pouco problema de
disciplina, muito pouco, pra não dizer nada, que seria um exagero, tem umas coisas muito
insignificantes, tipo assim, ele botou o e me deu uma rasteira, ou então ele ficou lá em
cima e cuspiu aqui pro chão quando eu passei, coisa de moleque, mas não tenho assim,
109
agressão física eu não tenho né, não tenho agressão verbal com professor e funcionário em
hipótese alguma realmente, até hoje, 18 de maio não tive nenhuma criança que tenha sido
mau educada com nenhum funcionário e nenhum professor e nem entre eles verbalmente,
não tenho esse problema até hoje, não tenho maiores problemas disciplinares. Não são de
bater porta, de quebrar, não tenho nada que eu posso dizer olha aquela turma eles
quebraram a fechadura então até hoje não tenho. Eles entram no laboratório, ficam
sozinhos, se eu precisar deixar uma turma inteira no laboratório de informática eu deixo
sem maiores problemas, se eu tiver que deixar alguém na biblioteca também então eles são
bastante disciplinados, até agora não tive problema.
R:
R:R:
R: então C. eu te agradeço muito pela tua disponibilidade, muito obrigada.
D:
D:D:
D: ta bom, de nada.
110
ANEXO Ii
ANEXO IiANEXO Ii
ANEXO Ii
Entrevista ii
Entrevista iiEntrevista ii
Entrevista ii
Escola II, 22 de maio de 2006, entrevista com a coordenadora pedagógica.
Roberta:
Roberta:Roberta:
Roberta: a escola possui turno integral ou atividades de turno integral?
Coordenadora:
Coordenadora: Coordenadora:
Coordenadora: nós temos atividades consideradas atividades extras que nós
proporcionamos aos nossos alunos pra que eles percebam a escola não como um espaço
de sala de aula, de aprendizagem em sala de aula, mas como um espaço de aprendizagem
em outros ambientes , então nós temos atividades como danças, atividades esportivas,
teatro, coral, né, enfim, diversas atividades que envolvem o aluno na sala de aula e
envolvem o aluno também no contra-turno né, pra que ele perceba isso como um ambiente
de aprendizagem e de apreensão do conhecimento.
R:
R:R:
R: e as crianças tem ficado então em média dois turnos na escola
C:
C:C:
C: os que optam em participar destas atividades extras sim.
R:
R:R:
R: como é que funcionam essas atividades? Elas são oferecidas pela escola, elas são pagas ...
C:
C:C:
C: são oferecidas pela escola, de maneira gratuita , tem uma das atividades que é o
desenvolvimento das artes né, e esse nós temos uma voluntária que é mãe de aluno e que
aplica as atividades com os alunos e as demais são feitas pelas nossas professoras mesmo.
R:
R:R:
R: e quanto tempo em média às crianças tem ficado aqui então, quantas horas, 7 horas, 8
horas...
C:
C:C:
C: elas ficam em torno, depende, das atividades que elas querem participar, no contra-
turno a gente tem em média 1h30 à 2h em cada atividade específica, tá, então se participar
de duas atividades por exemplo em uma manhã, quem estuda a tarde, então ela vai
freqüentar de 7 a 8 horas por dia.
R:
R:R:
R: e quais são essas atividades que vocês oferecem, poderia me dizer, me relacionar todas?
C:
C:C:
C: é as que eu citei antes né, educação esportiva, onde eles trabalham nilcon, vôlei, futsal e
o atletismo. Teatro, coral, hora do conto, brinquedoteca, tem também os estudos de
recuperação, que são para os alunos que tem dificuldades de aprendizagem, eles vem em
grupos menores para um atendimento específico né, ah, artes, eles trabalham as artes
111
plásticas, e, eu acho que são essas as que nós temos atualmente. Dança, desculpe, dança,
tem daí a dança gaúcha, a dança flamenca e street dance.
R:
R:R:
R: e pra eles ingressarem nessas atividade, como é que funciona? Eles optam, eles fazem
matrícula, como é que funciona?
C:
C:C:
C: eles fazem uma inscrição né, as professoras que trabalham na área fizeram seus horários
né, e levaram para o conhecimento de todos os alunos, né, então as famílias vieram e a
partir da escolha de cada aluno, por seu interesse, por seu desejo, eles passaram a
freqüentar.
R:
R:R:
R: e quais são os objetivos dessas atividades? Tu me falaste que é pra eles perceberem a
escola como um todo, mas além desse, tem algum outro objetivo com essas atividades?
C:
C:C:
C: nós temos um projeto que a gente chama um projeto maior, um projeto de escola, onde
nós nomeamos o projeto “Consciência cidadã”, ta então nós queremos fazer um resgate das
questões de valores que estão perdidas dentro das famílias, , solidariedade, humanismo,
respeito mútuo, companheirismo, participação, então todas as atividades extras, elas estão
envolvidas diretamente com esse projeto maior, pra que os alunos consigam se perceber
seres que vão transformar, modificar o mundo, né, eles estão em uma formação, então nós
temos que proporcionar momentos onde eles se percebam parte desse mundo onde eles
estão inseridos né, e que eles estão aqui pra gerar alguma coisa no futuro, né, nós não temos
assim um propósito de que de imediato resultados, nós estamos trabalhando muito a
partir desse ano a questão da tolerância, as crianças não tem mais tolerância, eles tem uma
dificuldade muito grande de trabalhar com isso e isso tudo ta inserido dentro desse projeto
maior e pega como objetivo principal das atividades extras.
R:
R:R:
R: e vocês tem percebido enquanto escola, algum resultado em relação a isso, alguma
modificação no comportamento das crianças em função deles estarem participando dessas
atividades extras, deles estarem mais tempo com vocês aqui?
C:
C:C:
C: todas as semanas nós fizemos uma reunião com as professoras de, de, que trabalham as
atividades extras, junto com a equipe diretiva, né, diretora, vice e as duas coordenadoras e
nessas reuniões é que a gente qual é o encaminhamento que está sendo dado e
normalmente acontece nas terças feiras que é horário de planejamento das professoras. Ah,
na da semana passada, nós fizemos uma análise, porque nós tivemos um c em
homenagem a passagem do dia das mães e nós observamos que realmente surtiu algum
efeito, como por exemplo: o respeito de quem está fazendo uma apresentação e de quem
112
está assistindo. No momento em que uns estão se apresentando, quem está assistindo deve
observar atentamente né, respeitar quem está lá no palco pra quando chegar a sua vez ter
também o mesmo retorno e isso era uma situação difícil né, eles não conseguiam manter o
controle né, ficava aquela coisa assim bem complicada com relação aos limites e hoje com
esses grupos que estão sendo trabalhados a gente já percebe uma melhora, né, apesar de que
nós sabemos que todo o resultado desse projeto nós vamos sentir daqui a cinco, seis anos, a
gente não pode trabalhar na área da educação pelo imediatismo, a gente planta e a colheita
ela vem no futuro.
R:
R:R:
R: então seria um trabalho a longo prazo?
C:
C:C:
C: a longo prazo com certeza
R:
R:R:
R: e em relação a disciplina deles durante essas atividades? Existe alguma diferença em
relação as atividades de sala de aula e as atividades extraclasse?
C:
C:C:
C: existe, existe, existem crianças que a professora da atividade extra diz como que ele atua
desta maneira na sala de aula, se comigo lá durante a aula de dança gaúcha por exemplo ele
tem um comportamento fantástico, sabe, uma dedicação, é a percepção mesmo de um
outro espaço escola, eles modificam bastante.
R:
R:R:
R: e em relação a família? A família também teve uma participação na instituição dessas
atividades, foi uma solicitação das famílias...
C:
C:C:
C: também, também, também, ah, ano passado nós tivemos quando foi feita a construção
desse projeto maior, nós tivemos várias assembléias com os pais e os pais opinaram em
relação ao que eles queriam, que eles desejavam que fosse realizado na escola, né, então
eles tiveram uma participação bem efetiva e inclusive na construção do calendário escolar,
nas atividades que iriam ser desenvolvidas também teve a participação da família.
R:
R:R:
R: Acho que seriam essas as perguntas então, eu te agradeço muito pela participação e te
trago um retorno um retorno assim que eu tiver concluído a dissertação.
C:
C:C:
C: e tu ficas bem a vontade em relação a escola, se tu precisares de mais alguma coisa em
relação a escola, a escola está aberta pra ti dar maiores esclarecimentos no que for possível.
R:
R:R:
R: muito obrigada.
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