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THIAGO MALLET
OS QUADRINHOS E A INTERNET:
ASPECTOS E EXPERIÊNCIAS HÍBRIDAS
Belo Horizonte
Escola de Belas-Artes da UFMG
2009
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THIAGO MALLET
OS QUADRINHOS E A INTERNET:
ASPECTOS E EXPERIÊNCIAS HÍBRIDAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Artes da Escola de Belas-Artes da
Universidade Federal de Minas Gerais, como
exigência parcial para a obtenção do título de Mestre
em Artes.
Área de concentração: Arte e Tecnologia da
Imagem: Criação e Crítica da Imagem em
Movimento.
Orientador: Prof. Dr. Francisco Carlos de Carvalho
Marinho.
Belo Horizonte
Escola de Belas-Artes da UFMG
2009
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Mallet, Thiago, 1983-
Os quadrinhos e a internet: aspectos e experiências híbridas /
Thiago Flávio Mallet e Leite. - 2009
228 f: il.
Orientador: Francisco Carlos de Carvalho Marinho
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas
Gerais, Escola de Belas Artes.
1. Histórias em quadrinhos – Técnicas digitais – Estudo e
ensino – Teses 2. Histórias em quadrinhos – História e crítica
Teses 3. Histórias em quadrinhos na internet – Teses I. Marinho,
Francisco Carlos de Carvalho II. Universidade Federal de Minas
Gerais. Escola de Belas Artes III. Título.
CDD: 741.5
3
Aos meus verdadeiros amigos, sine quibus non,
companheiros que me honram com sua atenção.
Aos que me têm algum apreço, ainda que estejam distantes.
Ao professor Hélio Mallet, que sempre me ensinará a ler e a escrever.
À Raquel, flor raríssima.
4
“Nam quum solitudo et uita sine amicis insidiarum et
metus plena sit, ratio ipsa monet amicitias comparare.”
Marcus Tullius Cicero (106 A.C. – 43 A.C.)
“O que eu gosto mesmo é de já ter escrito.”
Fernando Sabino (1923 – 2004)
5
RESUMO
Este trabalho estuda as maneiras com que os quadrinhos digitais se apresentam na
Internet, enfatizando as contribuições que a tecnologia computadorizada em rede traz para a
linguagem dos quadrinhos. Ao agregarem elementos como o som, o hipertexto, a animação e
a interatividade, as obras quadrinizadas adquirem características impossíveis em seu meio
original a imprensa —, estabelecendo tanto novos métodos para sua criação quanto novas
fruições para sua leitura.
Partindo de uma abordagem histórica dos quadrinhos, considerando seu
desenvolvimento comercial e aprimoramento técnico/artístico desde o seu surgimento, no
século XIX, até sua transição para as redes de computadores, no fim do século XX, faz-se,
com o auxílio de exemplos, classificação dos quadrinhos disponíveis na Internet em duas
categorias (Herdeiros e Híbridos), bem como análise detalhada das características que a obra
quadrinizada pode possuir exclusivamente dentro de suportes digitais, traçando um panorama
de sua produção, conduzida por pesquisadores, autores independentes, grupos de quadrinistas
e mesmo grandes empresas.
Discorre-se, também, sobre uma proposta prática em quadrinhos digitais Híbridos,
como forma de demonstrar, na Internet, as possibilidades dessa manifestação artística sob a
visão e a vivência do autor como pesquisador e quadrinista, com as devidas exposições dos
procedimentos técnicos, utilizando o programa Adobe Flash, e dos fundamentos conceituais
da narrativa.
6
ABSTRACT
This work studies the ways in which digital comics (also known as webcomics)
present themselves inside the Internet, emphasizing the contributions brought to the comic's
language by computer network technology: as the comics aggregate elements like sound,
hypertext, animation and interactivity, they acquire features that are impossible inside their
original medium the press —, setting up new methods for their creation and new ways for
appreciate them.
Beginning from a historical approach of the comics, taking into account their
commercial development and artistical/technical improvement since their beginning, in the
19
th
century, until their transition to computer networks, in the end of 20
th
century, the
research, supported by examples, makes a classification of the webcomics in two categories
(Heirs and Hybrids), as well as a detailed analysis of the features which the comics can have
only inside digital media, drawing a panorama about their production, conducted by
researchers, independent authors, groups of comic artists and even great enterprises.
The text also discusses the construction of a Hybrid webcomic, as a way to
demonstrate, in the Internet, the possibilities of this artistical manifestation under the vision
and the experience of the author as a researcher and comic book artist, explaining the
employed skills under Adobe Flash and the conceptual bases of the narrative.
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 - Tabako Obake, de Hideo Azuma .......................................................................... 22
Fonte: Animax, edição n.º 6, ano 1, 1996. São Paulo: Magnum, p. 13.
Figura 02 - Fradins, de Henfil ................................................................................................. 23
Fonte: http://www.danielsansao.com.br/motocontinuo/arquivos/index.shtml?2002_12_01_
arquivo_moto.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 03 - Drowning Girl, de Roy Lichtenstein .................................................................... 24
Fonte: http://www.moma.org/collection/browse_results.php?criteria=O%3AAD%3AE%3A3
542&page_number=3&template_id=1&sort_order=1. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 04 - modelo com peças da coleção Wonder Woman, de Thaís Gusmão ...................... 25
Fonte: http://www.thaisgusmao.com/home/flash.html. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 05 - exemplos de requadros.......................................................................................... 26
Fonte: criação do autor.
Figura 06 - exemplos de balões ............................................................................................... 26
Fonte: criação do autor.
Figura 07 - primeira gravura da série Industry and Idleness, de William Hogarth ................. 29
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Industry_and_Idleness. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 08 - John Bull’s Progress, de James Gillray ................................................................ 29
Fonte
:
http://www.anselm.edu/academic/history/hdubrulle/ModernBritain/text/generalinfo/
gallery02.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 09 - The Impeachment, de James Gillray ..................................................................... 30
Fonte: http://people.pwf.cam.ac.uk/dft21/7861a.jpg. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 10 - Les Amours de M. Vieux Bois, de Rodolphe Töpffer ........................................... 30
Fonte: http://leonardodesa.interdinamica.net/comics/lds/vb/VieuxBois07.asp?p=7. Acesso em 2
ago. 2009.
Figura 11 - The Yellow Kid, de Richard Outcault.................................................................... 32
Fonte: http://people.virginia.edu/~mmw3v/html/ykid/imagehtml/yk_phonograph.htm. Acesso
em 2 ago. 2009.
Figura 12 - capa da primeira edição da revista Action Comics ............................................... 34
Fonte: http://www.freewebs.com/collectables-info/comics.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 13 - página da história The Sting of the Scorpion, do Capitão América ...................... 35
Fonte: Capitain America, edição n.º 122, fev. 1970. New York: Marvel Comics, p. 3.
Figura 14 - Barbarella, de Jean-Claude Forest ....................................................................... 40
Fonte: http://www5e.biglobe.ne.jp/~papierbd/Book/BARBARELLA-samaple%20page.jpg.
Acesso em 2 ago. 2009.
8
Figura 15 - Valentina, de Guido Crepax ................................................................................. 40
Fonte: http://www.designboom.com/tools/WPro/images/rid14/rid15/guid1.jpg. Acesso em 2 ago.
2009.
Figura 16 - capa da revista Nakayoshi ..................................................................................... 42
Fonte: http://niko-niko.net/shoujo/2007/08/30/shoujo-manga-magazines/. Acesso em 2 ago.
2009.
Figura 17 - capa da revista Shounen Jump .............................................................................. 42
Fonte: http://www.backon-online.com/tag/shonen-jump/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 18 - Norakuro, de Suiho Tagawa ................................................................................. 43
Fonte: http://blogflumer.blogspot.com/2007/12/suiho-tagawa-slide-show.html. Acesso em 2
ago. 2009.
Figura 19 - exemplos de olhos femininos no mangá ............................................................... 44
Fonte: montagem do autor a partir de imagens encontradas em http://images.google.com/. Acesso
em 2 ago. 2009.
Figura 20 - Tetsuwan Atomu, de Osamu Tezuka ..................................................................... 45
Fonte: http://tezukaosamu.net/jp/manga/index.html. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 21 - Metropolis, de Osamu Tezuka .............................................................................. 45
Fonte: http://tezukaosamu.net/jp/manga/index.html. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 22 - Nhô Quim, de Angelo Agostini............................................................................. 47
Fonte: http://blogdosquadrinhos.blog.uol.com.br/images/nhoquimdois.jpg. Acesso em 2 ago.
2009.
Figura 23 - Holy Avenger, de Marcelo Cassaro e Erica Awano .............................................. 51
Fonte: Holy Avenger, edição n.º 13, ano 1, 2000. São Paulo: Trama, p. 22.
Figura 24 - Turma da Mônica Jovem, da Maurício de Sousa Produções ................................ 52
Fonte: Turma da Mônica Jovem, edição n.º 5, ano 1, 2008. São Paulo: Panini/Maurício de
Sousa Editora, p. 42.
Figura 25 - Shatter, de Mike Saenz e Peter Gillis ................................................................... 54
Fonte: http://www.henrys.de/daniel/cmd/comics/shatter.jpg. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 26 - L’Impero dei Robot, de Michael Götze ................................................................ 55
Fonte: http://web.archive.org/web/20070205175900/www.cinefile.biz/futurel3.jpg. Acesso em
2 ago. 2009.
Figura 27 - Digitaline NO, de Jacques Landrain e Robert “Bob” de Groot ............................ 55
Fonte: http://mobile.bdgest.com/serie-2576-BD-Digitaline.html. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 28 - Batman: Digital Justice, de Pepe Moreno ............................................................ 56
Fonte: Batman: Digital Justice, 1990. New York: DC Comics, p. 58.
Figura 29 - captura de tela do Marvel Digital Comics Reader ................................................ 60
Fonte: http://www.marvel.com/digitalcomics/. Acesso em 2 ago. 2009.
9
Figura 30 - Where the Buffalo Roam, de Hans Bjordahl ......................................................... 63
Fonte: http://www.shadowculture.com/wtbr/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 31 - Slugs, de Dominic White ...................................................................................... 63
Fonte: http://web.archive.org/web/20021211094654/slugs.awenet.com/original/Slugs92_03.gif.
Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 32 - Sluggy Freelance, de Pete Abrams ....................................................................... 65
Fonte: http://sluggy.com/daily.php?date=970825. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 33 - User Friendly, de J. D. “Illiad” Frazer ................................................................. 65
Fonte: http://ars.userfriendly.org/cartoons/?id=19981014. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 34 A - The Spider Cliff Mysteries, de Jason Blue Jarvis (texto) .................................. 68
Fonte: http://www.spidercliff.com/chapter_183.php. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 34 B - The Spider Cliff Mysteries, de Jason Blue Jarvis (menu).................................. 68
Fonte: http://www.spidercliff.com/chapter_183.php. Acesso em 2 ago. 2009
Figura 35 - captura de Quadrinhos Online, de Daniel Espínola ............................................. 69
Fonte: http://www.quadrinhosonline.com.br/doutoragleizer/episodio_2.html. Acesso em 2 ago.
2009.
Figura 36 - comparação entre as dimensões do A4 e as resoluções dos monitores ................ 71
Fonte: criação do autor.
Figura 37 - captura de tela de Melody, de Ilias Kyriazis, em Zuda Comics.com .................... 73
Fonte: http://zudacomics.com/node/289. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 38 - captura de tela de Heroes Graphic Novels............................................................ 75
Fonte: http://www.nbc.com/Heroes/novels/novels_display.shtml?novel=5. Acesso em 2 ago.
2009.
Figura 39 A - tira de Preto no Branco, de Allan Sieber .......................................................... 76
Fonte: http://talktohimselfshow.zip.net. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 39 B - tira de Detalhes Tão Gigantes de Nós Dois, de Allan Sieber ........................... 76
Fonte: http://talktohimselfshow.zip.net. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 40 A - tira dos Malvados, de André Dahmer ............................................................... 76
Fonte: http://www.malvados.com.br. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 40 B - tira do Emir Saad, de André Dahmer ................................................................ 77
Fonte: http://www.malvados.com.br. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 41 A - página de Zona, de Alisson Borges .................................................................. 77
Fonte: http://www.webcomix.com.br/zona. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 41 B - página em cores de Zona, de Alisson Borges ................................................... 77
Fonte: http://www.webcomix.com.br/zona. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 42 - página de Gaspard et Susie, de Serge Reynal ...................................................... 79
Fonte: Disponível em http://gaspard-et-susie.webcomics.fr
.
Acesso em 2 ago. 2009.
10
Figura 43 A - exemplo de tira criada no Stripgenerator (01) .................................................. 80
Fonte: http://www.stripgenerator.com. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 43 B - exemplo de tira criada no Stripgenerator (02) .................................................. 80
Fonte: http://www.stripgenerator.com. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 44 A - exemplo de tira criada no ToonDoo (01) .......................................................... 81
Fonte: http://www.toondoo.com/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 44 B - exemplo de tira criada no ToonDoo (02) .......................................................... 81
Fonte: http://www.toondoo.com/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 45 - exemplo de página gerada pelo iBD ..................................................................... 81
Fonte: http://ibd.chomb.com/index.php. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 46 A - exemplo de página gerada pela Máquina de Quadrinhos ................................. 82
Fonte: http://www.maquinadequadrinhos.com.br. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 46 B - exemplo de página gerada pela Máquina de Quadrinhos ................................. 82
Fonte http://www.maquinadequadrinhos.com.br. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 47 - ilustração do funcionamento de uma tela infinita em sentido horizontal ............. 88
Fonte: criação do autor.
Figura 48 - captura da tela infinita horizontal de When I am a King, de Demian 5 ................ 89
Fonte: http://www.demian5.com/king/wiak.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 49 A - captura da tela infinita de Zot! Online – Week 3, de Scott McCloud................ 90
Fonte: http://scottmccloud.com/1-webcomics/zot/zot-03/zot-03.html. Acesso em 2 ago.
2009.
Figura 49 B - captura da tela infinita de I Can’t Stop Thinking! #5, de Scott McCloud ......... 91
Fonte: http://scottmccloud.com/1-webcomics/icst/icst-5/icst-5.html. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 50 - captura da tela infinita de My Life in Records: Prologue, de Grant Thomas ....... 92
Fonte: http://grantthomasonline.com/prologue/content.html. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 51 - captura de The Day the Saucers Came, de Neil Gaiman e Jouni Koponen .......... 93
Fonte: http://infinitecanvas.appjet.net/view?name=The%20Day%20the%20Saucers%20Came.
Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 52 - página desdobrável de Promethea, de Alan Moore e J. H. Williams III .............. 95
Fonte: Promethea, vol. 32, 2005. La Jolla: America’s Best Comics LLC, p. 35.
Figura 53 - captura da segunda tela de SuperShoes, do Coletivo KCS ................................... 97
Fonte: http://www.3xplus.net/supershoes/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 54 - captura de tela de Kid Radd, de Dan Miller .......................................................... 97
Fonte: http://www.kidradd.com/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 55 - captura de tela de Clownsquad, de Scott Sisti ...................................................... 97
Fonte: http://www.clownsquad.com/. Acesso em 2 ago. 2009.
11
Figura 56 - captura de Kicking Hitler to Death, de Daniel M. Goodbrey e John Barber ........ 98
Fonte: http://e-merl.com/hitler.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 57 - ilustração de eixo “z” em um quadrinho Híbrido tridimensional ...................... 101
Fonte: criação do autor.
Figura 58 - página de Sunset Grill, de uma autora anônima ................................................. 102
Fonte: http://www.sunsetgrillcomic.com/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 59 - captura de tela de The Right Number, de Scott McCloud ................................... 103
Fonte: http://www.scottmccloud.com/1-webcomics/trn-intro/index.html. Acesso em 2 ago.
2009.
Figura 60 - captura de tela de Os Perigos de Aline, de Heinar Maracy e Pavão ................... 104
Fonte: http://web.archive.org/web/20050228041734/www.terra.com.br/cybercomix/4/h2q/
aline/00.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 61 - captura de tela de Impulse Freak, quadrinho de autoria coletiva ....................... 105
Fonte: http://www.sito.org/synergy/ifreak/hotwired. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 62 - captura de tela de PoCom-UK-001, quadrinho de autoria coletiva .................... 106
Fonte: http://e-merl.com/pocom.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 63 - captura de tela do sítio virtual cointel.de ............................................................ 109
Fonte: http://www.cointel.de/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 64 - captura de tela de My Obsession with Chess, de Scott McCloud ....................... 111
Fonte: http://www.scottmccloud.com/1-webcomics/chess/index.html. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 65 - captura de tela de Zot! Online – Week 1, de Scott McCloud (trilhos) ................ 112
Fonte: http://scottmccloud.com/1-webcomics/zot/zot-01/zot-01.html. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 66 - captura de tela de Argon Zark!, de Charley Parker............................................. 113
Fonte: http://www.zark.com. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 67 - captura de tela de L’Oreille Coupée, de Djief e Côté ......................................... 115
Fonte: http://membres.lycos.fr/bd9/oc/oc.html Acesso em 2 ago. 2009..
Figura 68 A - captura de tela de Externality, de Daniel Merlin Goodbrey (plano aberto) .... 117
Fonte: http://e-merl.com/ex/index.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 68 B - captura de tela de Externality, de Daniel Merlin Goodbrey (detalhe) ............ 117
Fonte: http://e-merl.com/ex/index.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 69 - captura de tela de Amour Partagé, do estúdio Enfin Libre ................................ 119
Fonte: http://enfinlibre.free.fr/case/amour-partage.html. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 70 - captura de tela de Barricades, do estúdio Enfin Libre ....................................... 120
Fonte: http://www.barricades.fr/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 71 - captura de tela de Pendant qu’on se Rince, de Philippe Géric ........................... 121
Fonte: http://pagesperso-orange.fr/marcuscrescue/spumeux/introduction.html. Acesso em 2
ago. 2009.
12
Figura 72 - captura de tela de Dynamic Heroes, de Kiyoshi “Go” Nagai ............................. 124
Fonte: http://kodansha.cplaza.ne.jp/e-manga/common/manga/dynamic/manga/. Acesso em 2
ago. 2009.
Figura 73 A - captura de tela de Café Bistrô, da Microsoft Brasil ........................................ 125
Fonte: http://www.microsoft.com/business/smb/pt-br/charges/jogos.mspx. Acesso em 2 ago.
2009.
Figura 73 B - captura de tela de Café Bistrô, da Microsoft Brasil (jogo) ............................. 126
Fonte: http://www.microsoft.com/business/smb/pt-br/charges/jogos.mspx. Acesso em 2 ago.
2009.
Figura 74 A - captura de Viagem Legal: Vencendo o Pirata, da Microsoft Brasil ............... 126
Fonte: http://www.microsoft.com/business/smb/pt-br/charges/jogos.mspx. Acesso em 2 ago.
2009.
Figura 74 B - captura de Viagem Legal: Vencendo o Pirata, da Microsoft Brasil (jogo) ..... 127
Fonte: http://www.microsoft.com/business/smb/pt-br/charges/jogos.mspx. Acesso em 2 ago.
2009.
Figura 75 - captura de tela de Conhecendo os Fatos, da Microsoft Internacional ................ 127
Fonte: http://www.getgenuine.com.br/httpdocs. Acesso em 3 jun. 2009.
Figura 76 A - captura de tela de Wanted: Graphic Stories, episódio 1, da TNT .................. 128
Fonte: http://alt.tnt.tv/tntoriginals/wanted/site/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 76 B - captura de tela de Wanted: Graphic Stories, episódio 1, da TNT (jogo) ........ 129
Fonte: http://alt.tnt.tv/tntoriginals/wanted/site/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 77 A - captura de tela de Wanted: Graphic Stories, episódio 3, da TNT .................. 129
Fonte: http://alt.tnt.tv/tntoriginals/wanted/site/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 77 B - captura de tela de Wanted: Graphic Stories, episódio 3, da TNT (jogo) ........ 129
Fonte: http://alt.tnt.tv/tntoriginals/wanted/site/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 78 - captura de A Brigada Ônix, de Victor Hugo Carballo e Agustin Carballo ......... 134
Fonte: http://www.brigadaonix.com.br. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 79 - captura de tela de Combo Rangers Zero, de Fábio Yabu ................................... 135
Fonte: http://www2.uol.com.br/comborangers/. Acesso em 20 dez. 2008.
Figura 80 - captura de tela do ambiente do Adobe Flash CS4 .............................................. 138
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 81 - primeiros esboços dos personagens .................................................................... 143
Fonte: criação do autor.
Figura 82 - Samuel ................................................................................................................ 144
Fonte: criação do autor.
Figura 83 - Sérgio .................................................................................................................. 144
Fonte: criação do autor.
13
Figura 84 - Seu Eduardo ........................................................................................................ 145
Fonte: criação do autor.
Figura 85 - Lygia Drummond ................................................................................................ 146
Fonte: criação do autor.
Figura 86 - Simone Calamus ................................................................................................. 146
Fonte: criação do autor.
Figura 87 - argumento de Crônicas de Tacanhópolis: Samuel ............................................. 148
Fonte: criação do autor.
Figura 88 - página do roteiro de Crônicas de Tacanhópolis: Samuel ................................... 149
Fonte: criação do autor.
Figura 89 - diagrama de blocos do experimento ................................................................... 150
Fonte: criação do autor.
Figura 90 - captura de tela destacando as camadas do Capítulo I ......................................... 151
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 91 - captura de tela destacando as funções dos botões da barra inferior azul ............ 153
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 92 - captura de tela do menu de ajuda ........................................................................ 154
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 93 - cursor dos botões de hipertexto .......................................................................... 155
Fonte: criação do autor.
Figura 94 A - funcionamento de um botão de hipertexto (1) ................................................ 157
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 94 B - funcionamento de um botão de hipertexto (2) ................................................ 157
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 95 - cursor dos botões de sobreposição ...................................................................... 158
Fonte: criação do autor.
Figura 96 A - funcionamento de um botão de sobreposição (1) ........................................... 159
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 96 B - funcionamento de um botão de sobreposição (2) ............................................ 159
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 97 - fotografia de mesa digitalizadora da Wacom ..................................................... 160
Fonte: http://www.maplin.co.uk/images/Full/a05hg.jpg. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 98 - bitmaps do roteiro ilustrado como esboços no Flash ......................................... 162
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 99 - balões de fala e campos dinâmicos de texto ....................................................... 162
Fonte: captura executada pelo autor.
14
Figura 100 - arte-finalização digital ...................................................................................... 163
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 101 - pintura digital do primeiro plano ...................................................................... 163
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 102 - pintura digital dos planos restantes com efeitos de luz e sombra ..................... 164
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 103 - captura do arquivo .swf com a tela finalizada ................................................... 164
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 104 - captura do painel de erros do compilador do Flash .......................................... 165
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 105 - fluxograma do mecanismo da tradução instantânea ......................................... 168
Fonte: criação do autor.
Figura 106 - botões seletores de idioma ................................................................................ 171
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 107 - captura da tela 11 do Capítulo I ........................................................................ 172
Fonte: captura executada pelo autor.
Figura 108 - possibilidades para cada vinheta aleatória da tela 11 do Capítulo I ................. 173
Fonte: criação do autor.
15
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 17
CAPÍTULO 1: FUNDAMENTOS DA NONA ARTE
1.1. A linguagem dos quadrinhos ............................................................................................ 21
1.1.1. Elementos essenciais .............................................................................................. 22
1.1.2. Elementos característicos ....................................................................................... 24
1.2. História dos quadrinhos impressos ................................................................................... 28
1.2.1. Primórdios .............................................................................................................. 28
1.2.2. Os superpoderes do Tio Sam .................................................................................. 31
1.2.3. O fantasma de Wertham ......................................................................................... 36
1.2.4. Várias culturas, vários quadrinhos ......................................................................... 38
1.2.5. Conquistadores orientais ........................................................................................ 41
1.2.6. Hai, oui, yes, nós temos quadrinhos! ...................................................................... 47
CAPÍTULO 2: OS QUADRINHOS E A INTERNET
2.1. O emprego do computador nos quadrinhos ...................................................................... 54
2.2. Definição de quadrinho digital ......................................................................................... 58
2.2.1. Diferenciação entre quadrinho digital e quadrinho digitalizado ............................ 59
2.3. Veiculando quadrinhos digitais em redes sociotécnicas................................................... 61
2.4. Apropriações: o “quadrinho on-line” que não é quadrinho .............................................. 67
2.5. As duas grandes categorias de quadrinhos digitais na Internet ........................................ 70
2.5.1. Categoria um: Herdeiros......................................................................................... 70
2.5.2. Categoria dois: Híbridos ......................................................................................... 83
CAPÍTULO 3: ESTUDO DOS QUADRINHOS DIGITAIS HÍBRIDOS
3.1. Possibilidades de potencialização da linguagem dos quadrinhos ..................................... 86
3.1.1. A tela infinita de Scott McCloud ............................................................................ 86
3.1.2. As características levantadas por Edgar Franco ..................................................... 95
3.2. Visão atual dos Híbridos na Internet .............................................................................. 110
3.2.1. Expoentes do exterior ........................................................................................... 111
3.2.2. Iniciativas das grandes empresas .......................................................................... 123
3.2.3. Iniciativas brasileiras ............................................................................................ 130
16
CAPÍTULO 4: PRÁTICA EM QUADRINHOS DIGITAIS HÍBRIDOS
4.1. Justificativa da proposta ................................................................................................. 136
4.2. Uma crônica de Tacanhópolis ........................................................................................ 138
4.2.1. Desenvolvimento dos personagens....................................................................... 141
4.3. Etapas de construção do quadrinho híbrido .................................................................... 147
4.3.1. Argumento e roteiro ilustrado .............................................................................. 147
4.3.2. Criação no Flash .................................................................................................. 149
4.3.2.1. Separação de camadas ............................................................................. 151
4.3.2.2. Definições de quadros, ações básicas e interfaces de navegação ............ 152
4.3.2.3. Desenho, pintura e sombreamento........................................................... 159
4.3.2.4. Testes e correção de falhas ...................................................................... 165
4.3.3. Montagem do sítio virtual .................................................................................... 165
4.4. Novas possibilidades para o quadrinho híbrido .............................................................. 166
4.4.1. Tradução instantânea ............................................................................................ 166
4.4.2. Vinhetas aleatórias ............................................................................................... 171
CONCLUSÕES .................................................................................................................... 176
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 181
GLOSSÁRIO ....................................................................................................................... 191
APÊNDICES
I – Breve história da Internet ............................................................................................ 210
Da ARPANET à integração internacional das redes ................................................... 210
A expansão comercial e a world wide web: acesso para (quase) todos ...................... 216
II – Modelos para Crônicas de Tacanhópolis: Samuel ..................................................... 222
17
INTRODUÇÃO
Se todo ato de pesquisar se move por questionamentos, eis a perguntas que
engendraram esta dissertação: “Por que pesquisar as relações existentes entre os quadrinhos e
a Internet?” “Que características uma obra quadrinizada pode adquirir exclusivamente dentro
de um ambiente digital em rede?”
Ainda são raros, em nosso idioma pátrio e mesmo em traduções, os estudos
aprofundados que procurem responder a essas questões. Histórias em quadrinhos veiculando
pela rede mundial de computadores são uma manifestação artística recente e, talvez por isso
mesmo, não têm seus mecanismos (como as formas de expressão que podem adquirir e as
relações com seus públicos) plenamente esclarecidos; de certa maneira, são um exemplo,
mesmo que pouco analisado, de experimentalismo em arte computadorizada, especialmente
quando incorporam em sua narrativa momentos de interação com o leitor, efeitos sonoros,
seqüências animadas, entre outras coisas possíveis apenas a partir do advento dos
computadores.
Minha pesquisa busca elucidar todos esses pontos, através dos principais objetivos
que estabeleci: estudar os quadrinhos digitais nas formas em que se apresentam atualmente;
estudar suas características, ressaltando as contribuições tecnológicas trazidas à linguagem
dos quadrinhos pelas possibilidades oferecidas pelos computadores e pela Internet; e, a partir
disso, executar uma prática em quadrinhos digitais híbridos, como forma de demonstrar
algumas dessas possibilidades sob a minha própria visão de pesquisador e quadrinista.
Um dos maiores fatores que me incentivaram a propor esta pesquisa ao Colegiado
de Pós-Graduação da Escola de Belas-Artes da UFMG foi justamente a possibilidade de
agregar, ali, um experimento prático ao meu trabalho teórico. No ano de 2006, nesta mesma
Escola, formei-me como Bacharel em Cinema de Animação. Desde antes de concluir meus
trabalhos na Graduação, percebi que estava numa academia que, consoante à sua meta de
estudar as várias formas de Arte, dava-me espaço e oportunidade para que eu pudesse
aperfeiçoar, além do meu rigor analítico, também as minhas qualidades de artista, seja como
diretor de animação ou como roteirista e desenhista de histórias em quadrinhos.
Em todo este trabalho, procurei utilizar palavras e termos da língua portuguesa
para substituir equivalentes na língua inglesa (como, por exemplo, “escâner” no lugar de
scanner ou “sítio para a Internet” em vez de site), desde que não houvesse nenhum prejuízo
ou alteração de significado, ou que isso empobrecesse meu vocabulário. É verdade,
18
entretanto, serem muitos os termos técnicos em inglês cuja tradução para o português é
insatisfatória ou inexistente. Busquei, então, nunca perder o bom-senso de vista, explicando o
que querem dizer as definições menos conhecidas e disponibilizando um glossário. Quis,
desde o princípio, deixar minhas palavras claras tanto para o leitor versado nas técnicas
inerentes ao meu objeto de pesquisa quanto para os interessados mais leigos, evitando o abuso
dos jargões e o terreno estéril das especificidades quase impenetráveis, compreensíveis apenas
para uma elite de peritos, como nos fazem lembrar estes versos drummondianos:
Da estrutura exo-semântica da linguagem musical
Da totalidade sincrética do emissor
Da lingüística gerativo-transformacional
Do movimento transformacionalista
Libera nos, Domine.
1
Ainda quanto às palavras estrangeiras, na falta de equivalentes sucintos em
português, considero sinônimos os termos “Internet” e “world wide web” ao me referir à rede
computadorizada que se espalha pelo mundo, de acordo com o uso corrente de ambos.
Ressalto, porém, que definiram em sua origem coisas diferentes, como exponho no apêndice
“Breve história da Internet”, em que trato dos fatores que colaboraram para a disseminação da
Internet comercial.
Nesta dissertação, valho-me de duas acepções para a palavra “rede”, tal como fez
Marcelo Sávio Revoredo Menezes de CARVALHO, ao defender o seu mestrado (2006): uma,
no sentido de “rede de computadores”, isto é, de máquinas digitais conectadas entre si com o
objetivo de trocar e transmitir informações por meio de energia elétrica; outra, no sentido de
“rede sociotécnica” ou, em outras palavras, de um enredamento inter-relacionado de seres
humanos e máquinas em diversos contextos científicos, tecnológicos e psicossociais,
composto por nós e conexões que se multiplicam dinamicamente.
Este texto se divide em quatro capítulos. No primeiro, intitulado “Fundamentos da
Nona Arte”, exponho os principais elementos constituintes da linguagem dos quadrinhos.
Apresento, nessa parte, muitos termos utilizados para definir códigos e sinais, como, por
exemplo, balões (indicadores de fala, pensamento, humor etc., de um personagem), linhas
cinéticas (indicadoras de movimento), vinhetas (áreas da página que contêm as ilustrações dos
quadrinhos) e onomatopéias (representações gráfico-verbais de sons e ruídos). É importante
ressaltar que os elementos de linguagem existem nos quadrinhos (digitais ou não) de modo a
contribuir com sua narratividade, muito embora esta possa existir mesmo na ausência de um
ou mais deles. Em seguida, exponho uma visão geral da história dos quadrinhos impressos, a
1
ANDRADE, Carlos Drummond de. “Exorcismo”. In: Discurso de primavera e algumas sombras. Rio de
Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1978, p. 113.
19
partir de seu surgimento no século XIX, analisando como os maiores mercados de obras
quadrinizadas do mundo (E.U.A., Europa francófona e Japão) contribuíram para o
desenvolvimento dessa forma de arte e como o mercado brasileiro tem lidado com ela ao
longo do tempo. Acredito que esse apanhado histórico seja fundamental para a
contextualização dos quadrinhos dentro das Artes Visuais e da imprensa seu meio de
origem — e para a compreensão de como as forças atuantes no mercado editorial e na
sociedade moldam os métodos de produção de narrativas quadrinizadas (a exemplo das teses
enviesadas de Fredric Wertham, que a partir da década de 1950 estigmatizaram os quadrinhos
como uma subliteratura catalisadora da delinqüência juvenil, prejudicando a percepção
pública dessa arte e banindo os quadrinhos de terror dos E.U.A., dando espaço para criações
mais alinhadas com o moralismo conservador então existente naquela sociedade).
No segundo capítulo, intitulado “Os quadrinhos e a Internet”, apresento quais
foram os primeiros quadrinhos impressos que utilizaram computadores em etapas de sua
concepção, sendo, por isso, equivocadamente chamados de “digitais” na época de seu
lançamento, na década de 1980. Visando elucidar o que são, de fato, os quadrinhos digitais,
proponho uma definição para eles, diferenciando-os dos quadrinhos digitalizados, que
veiculam primeiro na imprensa para depois se transferirem para suportes digitais. Faço uma
abordagem do momento em que certas obras quadrinizadas começaram a circular em formato
digital no princípio, dentro de CD-ROMs, e depois, com a popularização da Internet, em
rede —, quando, pela primeira vez, os quadrinhos, com o auxílio dos avanços em Informática,
puderam existir em um meio que não o de origem, estabelecendo relações diferentes com seus
leitores e reconfigurando seus modos de produção, distribuição e consumo. Buscando analisar
eficientemente as obras quadrinizadas atualmente presentes na Internet, divido-as em duas
grandes categorias: os Herdeiros (mais fiéis a certos paradigmas da imprensa, como a gica
de diagramação da página em formatos verticalizados) e os Híbridos (que utilizam os recursos
fornecidos pelos computadores para acrescentar à sua linguagem elementos que até então lhes
eram alheios, como a interatividade, o hipertexto, o som e a animação).
O terceiro capítulo é um “Estudo dos quadrinhos digitais Híbridos”, no qual
analiso, citando exemplos, algumas das principais características que os recursos
computacionais em rede possibilitam às obras quadrinizadas, partindo das classificações dos
primeiros artistas e teóricos que voltaram suas atenções para as hibridizações tecnológicas da
linguagem do quadrinho: Scott McCLOUD, com sua obra Reinventando os quadrinhos: como
a imaginação e a tecnologia vêm revolucionando essa forma de arte (de 2000, publicada no
Brasil em 2006); e Edgar FRANCO, autor de um estudo pioneiro em língua portuguesa,
20
publicado no livro HQtrônicas: do suporte papel à rede Internet (2004). A seguir, baseando-
me em uma busca aprofundada por sítios e portais de quadrinhos pela Internet, traço um
panorama atualizado dos quadrinhos Híbridos na rede mundial, pondo em destaque, além das
obras dos autores estrangeiros mais prolíficos, as iniciativas tomadas por autores brasileiros
(levantando algumas hipóteses que possam explicar nossa ainda pouco expressiva produção
de Híbridos) e também as obras produzidas por grandes empresas — acompanhadas por
exposições sobre os interesses que elas têm por essa manifestação dos quadrinhos on-line.
Finalmente, o quarto capítulo, “Práticas em quadrinhos digitais Híbridos”, dedica-
se à justificativa e aos detalhamentos conceituais e técnicos e à apresentação dos personagens
principais da experimentação quadrinizada digital Híbrida intitulada Crônicas de
Tacanhópolis: Samuel que propus visando demonstrar, embasado na minha vivência como
quadrinista e construtor de sítios para a Internet, as características dos quadrinhos Híbridos
levantadas ao longo da dissertação, concebendo ainda algumas inéditas. Para melhor
compreensão do capítulo, recomendo que o leitor possua conhecimentos básicos das
funcionalidades do programa Flash, versão CS4, da Adobe, e também de ActionScript versão
2.0, que foram as tecnologias que empreguei para realizar minha proposta prática. Crônicas
de Tacanhópolis: Samuel pode ser lida no endereço
http://www.thiagomallet.net/samuel.
21
CAPÍTULO 1: FUNDAMENTOS DA NONA ARTE
1.1. A linguagem dos quadrinhos
Desde seus primórdios, a humanidade utiliza imagens pictóricas arranjadas em
seqüência para transmitir mensagens a seus semelhantes e descendentes. As pinturas
rupestres, os murais hieroglíficos de povos egípcios e pré-colombianos, os relevos contínuos
da Coluna de Trajano e dos templos e utensílios greco-romanos, a tapeçaria normanda de
Bayeux, as iluminuras da Idade Média e as xilogravuras orientais exemplificam como, ao
longo das eras, as diversas culturas descreveram profecias, feitos sagrados, rituais, fenômenos
da natureza, procedimentos técnicos ou simplesmente o cotidiano, empregando imagens
logicamente encadeadas entre si, associadas, algumas vezes, ao texto escrito.
As histórias em quadrinhos são, em princípio, a versão moderna desse vetusto
recurso de comunicação, com um aspecto que as diferencia fundamentalmente das obras
supracitadas: a reprodutibilidade técnica
2
. Os quadrinhos são concebidos visando sua
reprodução e disseminação periódica (por meio da imprensa e, mais recentemente, por redes
sociotécnicas digitais), exigindo maior desenvolvimento tecnológico para existirem, não
possuindo a “aura” de objeto de arte único. De fato, uma vez prontos, distribuídos e vendidos
milhares de exemplares de um quadrinho, seus originais desenhados e pintados poderiam ser
descartados sem quaisquer prejuízos para a forma, para o conteúdo ou para a compreensão da
obra quadrinizada tal como o cinema, a sua função social se quando suas cópias,
presentes em vários lugares ao mesmo tempo, dispõem-se ao alcance do grande público.
Os quadrinhos podem ser atualmente definidos como ilustrações deliberadamente
justapostas em seqüência, acompanhadas ou não de texto escrito, que simulam a passagem
do tempo narrativo dentro de uma área determinada pelo suporte (uma folha de papel, por
exemplo), tendo em vista sua reprodução técnica
3
. Em sua linguagem, eles possuem
elementos bastante expressivos e universalmente reconhecíveis muitos deles foram
aprimorados a partir do legado de artes mais antigas, enquanto outros lhes são exclusivos,
como veremos na breve análise a seguir.
2
Como definiu o filósofo alemão Walter BENJAMIN em seu célebre artigo A Obra de Arte na Era de sua
Reprodutibilidade Técnica (1935).
Disponível em
http://antivalor.vilabol.uol.com.br/textos/frankfurt/benjamin/benjamin_06.htm. Acesso em 2
ago. 2009.
3
Essa definição é um desdobramento daquela que Scott McCLOUD propôs em seu primeiro livro teórico sobre a
linguagem quadrinizada, Desvendando os Quadrinhos (1995, p. 9).
22
1.1.1. Elementos essenciais
Os elementos essenciais das histórias em quadrinhos, isto é, aqueles
imprescindíveis para a existência de sua linguagem, são três: página (ou tela), vinheta e
elipse. O texto escrito não é indispensável para que a obra quadrinizada exista e, quando está
presente, cria interdependência entre o seu sentido e o sentido dos desenhos. A ausência da
escrita possibilita, muitas vezes, que leitores de vários países tenham uma compreensão direta
dos quadrinhos, pois não há, nesse caso, barreiras de idioma. Um exemplo são as narrativas
do Tabako Obake (“O Fantasma do Tabaco”), criadas pelo japonês Hideo Azuma (fig. 01).
A página é, em primeiro lugar, um limite físico que corresponde à superfície de
uma folha de papel, pela qual se estendem os outros elementos dos quadrinhos. É também
uma unidade significativa que orienta o desenvolvimento do roteiro e, por conseguinte, o
desenrolar narrativo: se uma história tem várias páginas, o leitor deve virá-las para
acompanhá-la. Visando extrapolar um pouco os limites físicos de uma página sozinha, os
quadrinistas inventaram recursos como a gina dupla (quando as duas folhas adjacentes da
encadernação aberta têm função narrativa de apenas uma página, porém com uma superfície
dobrada, capaz de abranger ilustrações e textos maiores) e, mais raramente, a página
desdobrável (cuja superfície, algumas vezes maior que a das outras folhas da encadernação,
Figura 01 - um quadrinho sem informações escritas é perfeitamente
possível, e tem a vantagem de não exigir dos leitores o
domínio de um idioma específico.
23
obriga o leitor a desdobrá-la para ver ilustrações de grande formato). No caso de uma tira de
quadrinhos, a própria superfície que ela ocupa em um jornal ou numa encadernação pode ser
considerada como uma página, pois corresponde ao limite dentro do qual a tira deve existir. E,
conforme se verá mais adiante nesta dissertação, o quadrinho digital pode transformar a
página em tela, que, por não estar sujeita às restrições físicas da imprensa, abre novas
possibilidades para a linguagem dessa forma de arte.
As vinhetas são as regiões ou áreas distintas que as ilustrações ocupam na
página ou na tela, representando basicamente uma ação executada dentro de um dado
momento. Para que as vinhetas existam, não é preciso que elas se revistam de linhas de
requadro, como podemos perceber em muitas das obras quadrinizadas feitas pelo cartunista
Henfil (fig. 02). Além das ilustrações, as vinhetas contêm todos os outros elementos que
caracterizam os quadrinhos, inclusive o texto escrito.
A justaposição das vinhetas simula a passagem do tempo nos quadrinhos,
formando a elipse espaço entre uma vinheta e outra. É exatamente esse espaço que o leitor
de quadrinhos completa com a sua própria imaginação, a qual se encarrega de interligar entre
si os momentos diferentes mostrados pelas vinhetas, criando a ilusão de continuidade. As
vinhetas podem ser também “sintéticas” e subentender rias elipses dentro de si
(McCLOUD, 1995, p. 95-97), ou ainda mudar de tamanho horizontal para alterar a sensação
de tempo decorrido (idem, p. 100-102). O ato de virar a folha também corresponde a uma
Figura 02 - exemplo de quadrinho sem requadros nas vinhetas
(Fradins, de Henfil). A compreensão de que cada
vinheta ilustra um momento diferente não se altera,
devido aos espaços (elipses) entre elas.
24
elipse, pois desencadeia o mesmo processo mental de interligação entre a última vinheta da
página anterior e a primeira da página seguinte. Nos quadrinhos digitais, os recursos
computacionais permitem que as elipses também surjam quando uma vinheta se sobrepõe à
outra, ou quando seu conteúdo muda dinamicamente.
1.1.2. Elementos característicos
Os elementos característicos dos quadrinhos, embora tenham se desenvolvido e
adquirido funções específicas dentro da linguagem dessa arte, não têm seu emprego restrito a
ela. A mera presença desses elementos em dada obra não indica, necessariamente, que
estamos diante de uma história em quadrinhos. Na década de 1960, durante o auge da Pop-
art, o pintor estadunidense Roy Lichtenstein produziu séries de quadros que consistiam em
uma única vinheta retirada de seu contexto narrativo e ampliada dezenas de vezes as telas
se caracterizavam principalmente pela exacerbação da retícula da impressão em cores e pelos
balões de fala com frases de rápido entendimento (fig. 03).
Nas últimas décadas, por todo o planeta, um sem-número de peças publicitárias e
de design industrial, como outdoors, comerciais para a televisão, painéis de sinalização e
embalagens de produtos vêm trazendo balões, linhas cinéticas e onomatopéias para destacar
informações para os consumidores ou mesmo como elemento conceitual; em 2008, a estilista
paulistana Thaís Gusmão empregou diversos elementos retirados das páginas das histórias da
Figura 03 - Roy Lichtenstein. Drowning Girl, 1963. Óleo e tinta de
polímero sintético sobre tela. 171,6 cm x 169,5 cm. Museu
de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA).
25
Mulher-Maravilha, personagem da DC Comics, como padrões visuais em sua coleção
4
de
roupas íntimas femininas Wonder Woman (fig. 04).
A facilidade com que os quadrinhos transmitem mensagens e sua aceitação
popular fizeram com que elementos de sua linguagem fossem logo adotados por profissionais
de outras áreas. Obviamente, os quadros, as peças publicitárias e as roupas íntimas
estampadas não são histórias em quadrinhos simplesmente por empregarem elementos como
balões e onomatopéias; antes, apropriam-nos, atribuindo-lhes outros significados e buscando
efeitos vários, que vão da ênfase na plasticidade ao apelo para a compra de algum produto.
Os requadros são as linhas que revestem as vinhetas na maioria das vezes,
estabelecendo uma delimitação mais clara entre elas e, conseqüentemente, enfatizando as
elipses. Embora estivessem presentes em gravuras e iluminuras, os requadros foram
popularmente considerados como um dos elementos mais típicos dos quadrinhos, a ponto de,
na língua portuguesa, definirem o nome dessa forma de arte (porque as linhas formavam
“pequenos quadros” ao redor das ilustrações das páginas). Os requadros podem assumir
formas distintas para potencializar o efeito narrativo: de acordo com Will EISNER, “além de
sua função principal de moldura dentro da qual se colocam objetos e ões, o requadro do
quadrinho em si pode ser usado como parte da linguagem ‘não-verbal’” (apud SANTOS,
2002, p. 23), isto é, pode adquirir significados condizentes com o que aparece desenhado na
vinheta (fig. 05).
4
Disponível em http://www.thaisgusmao.com/home/flash.html. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 04 - modelo com peças da coleção Wonder Woman, de
Thaís Gusmão, nas quais elementos dos quadrinhos
são usados como padrões para estampas.
26
Outro elemento muito comum nos quadrinhos, os balões são envoltórios para o
texto escrito, indicando a fala ou o pensamento de algum personagem, esteja ele figurando ou
não na vinheta. Originam-se dos filactérios, um recurso visual presente em muitas imagens
medievais para simbolizar o som da fala, que consistia em faixas com palavras escritas saindo
da boca das figuras retratadas. Assim como os requadros, os balões assumem, muito
freqüentemente, várias formas, que deixam mais claro para o leitor a sonoridade das vozes
dos personagens (fig. 06).
Figura 06 -
alguns exemplos de formas de balões para representar o pensamento, o som e a intensidade da
voz (da esquerda para a direita: pensamento e falas normais, cochicho e grito).
Figura 05 - alguns exemplos de como os requadros podem, através
de sua forma, estabelecer relações com o que as vinhetas
ilustram, contribuindo para uma narrativa mais rica.
27
Os recordatórios também acomodam o texto escrito. Eles se associam mais às
descrições e às falas de narradores, equivalendo quase sempre ao discurso indireto literário.
Com freqüência, os recordatórios são retangulares e servem para indicar, dentro da narrativa,
o tempo, o lugar ou a circunstância, por meio de frases como “de repente”, “no dia
seguinte...”, “na escola...”, “durante a reunião...” etc., cujo sentido é completado pelo que os
desenhos das vinhetas descrevem.
Nos quadrinhos, as onomatopéias são a estilização visual do som, com o objetivo
de captar sua duração, altura, timbre e intensidade. Representam, por meio de palavras ou
letras, fonemas correspondentes ao som e, por isso, costumam variar de idioma para idioma.
São elementos verbais e gráficos ao mesmo tempo (SANTOS, 2002, p. 26). A extensão do seu
emprego varia bastante, havendo autores que nem mesmo as utilizam (como Alan Moore e
Dave Gibbons em Watchmen), preferindo deixar que o próprio leitor imagine a sonoridade a
partir do que o conteúdo visual lhe sugere.
As linhas cinéticas são traços retos ou curvos que enfatizam a presença, a
velocidade, a intensidade e a direção do movimento. Além da função indicativa, podem
adquirir função expressiva, de acordo com o momento existente na vinheta. Particularmente
nos mangás (os quadrinhos japoneses), as linhas cinéticas são abundantes, dando um caráter
dramático à ação que se desenvolve.
Os símbolos das histórias em quadrinhos são recursos visuais que, habitualmente,
indicam algum estado físico, emocional ou psicológico dos personagens. A maioria deles é
entendida quase universalmente: a lâmpada acesa num balão simboliza uma idéia; as gotas de
suor representam, além da sensação de calor, tensão ou nervosismo; uma nuvem chuvosa
pairando sobre uma cabeça significa raiva ou depressão; as moscas voando ao redor de algo
ou alguém denotam mau cheiro, falta de higiene ou sujeira (McCLOUD, 1995, p. 127-131 e
2008, p. 94-98). Por outro lado, há símbolos que só fazem sentido para determinadas culturas:
por exemplo, nos mangás, para dar uma conotação humorística à excitação sexual, um
personagem que se sinta fisicamente atraído por outro pode sangrar pelo nariz.
pesquisadores, como Edgar FRANCO (2004, p. 43-44), que consideram a
percepção visual global como outro elemento característico dos quadrinhos: os olhos do leitor
se concentram sempre em uma vinheta por vez, enquanto sua visão periférica percorre as
outras justapostas, inclusive as que se localizam na página adjacente, sendo absorvidas pelo
seu subconsciente. Como as vinhetas mostram tempos distintos, o presente (a vinheta que o
leitor está lendo) combina-se com o passado (as vinhetas anteriores) e com o futuro (as
posteriores), permitindo que sejam visualmente apreendidos e mentalmente interpretados de
28
maneira conjunta. A percepção visual global também daria visibilidade às relações de causa e
efeito da narrativa, fixando-as mais fortemente no pensamento do leitor.
1.2. História dos quadrinhos impressos
1.2.1. Primórdios
Os quadrinhos surgiram na Europa no século XIX, dentro de um contexto
histórico profundamente marcado por duas revoluções: a Industrial, ocorrida na Inglaterra a
partir da década de 1760 — espalhando pelo restante do continente, em poucas décadas, ainda
que à custa da exploração e da miserabilidade de determinados estratos sociais, os avanços
técnicos proporcionados pelo desenvolvimento de máquinas que substituíam o trabalho
humano, aprimorando e agilizando diversos procedimentos, da manufatura têxtil à metalurgia
—, e a Francesa, ocorrida em 1789 símbolo maior da derrocada da Aristocracia e da
ascensão da Burguesia ao poder, com a conseqüente disseminação social dos valores liberais,
defendidos por essa classe.
As populações dos centros urbanos do Velho Mundo vinham crescendo mais
intensamente, com níveis gerais de alfabetização progressivamente maiores. Impulsionados
pelo aumento da população letrada e pelo aprimoramento industrial das técnicas de impressão
e reprodução, os jornais vinham se estabelecendo, desde o século XVIII, como o primeiro
veículo de comunicação em massa, trazendo às urbes notícias das outras nações, das Américas
e do Oriente, e agregando a si produtos culturais, como a literatura, em forma de folhetim, e a
ilustração, em forma de histórias ilustradas e caricaturas também denominadas “charges”,
cujas principais características eram o cunho humorístico, a crítica e a sátira de figuras
públicas ou autoridades e a estética do exagero visual expressivo, que distorcia e acentuava as
características físicas das pessoas que retratava.
Apresentadas ora em painéis isolados, ora em seqüências curtas, e utilizando-se de
técnicas como a gravura em metal e a litografia para viabilizar tecnicamente sua reprodução
em série, as caricaturas foram um embrião das histórias em quadrinhos. William Hogarth,
pintor e gravurista inglês, foi um dos pioneiros caricaturistas a conquistar grande apreço
popular, retratando o dia-a-dia urbano com preocupações moralistas (voltadas à prostituição,
ao consumo de bebidas alcoólicas e à falta de diligência no trabalho), identificadas com as
aspirações liberais do burguês médio, por meio de ilustrações acompanhadas de legendas
explicativas (fig. 07).
29
Alguns anos mais tarde, James Gillray, igualmente, gozou de notoriedade pública
nas ilhas britânicas, fazendo charges de humor visando, mormente, nobres e políticos.
Algumas de suas criações apresentavam vinhetas, mostrando eventos distintos, mais ou menos
conectados entre si, descritos por legendas, com doses de ironia (fig. 08).
Figura 07- primeira gravura da série de Industry and Idleness (1747), de William Hogarth,
em que o autor mostra as vantagens da dedicação ao trabalho. As legendas
embaixo explicam, por meio de citações da Bíblia, a diferença entre o operário
relapso e o operário zeloso.
Figura 08 - em John Bull’s Progress (1793), Gillray critica os problemas que a guerra
trazia para a Inglaterra, através de seqüências de imagens. John Bull, um dos
símbolos do povo inglês, volta dos combates desnutrido e mutilado, vendo a
família empobrecida.
30
Em outras, as escrita de Gillray se dividia entre a legenda explicativa e balões de
fala rudimentares, que indicavam, dentro da ilustração, as falas correspondentes a cada uma
das pessoas representadas (fig. 09).
Vários outros artistas europeus aderiram ao exercício da caricatura entre os
últimos anos do século XVIII e o início século XIX, aumentando a popularidade dessa forma
de ilustração, que aparecia também em periódicos próprios, como semanários e livros
encadernados. Influenciado pelas charges, o desenhista e professor suíço Rodolphe Töpffer
criou, na década de 1820, Les Amours de Monsieur Vieux Bois (fig. 10).
Figura 10 - Les Amours de Monsieur Vieux Bois, de Rodolphe Töpffer. Os textos dos recordatórios
não são meramente explicativos, completando o sentido das ilustrações.
Figura 09 - The Impeachment (1791), uma sátira aos detratores da constituição
britânica, mostra balões primários, semelhantes aos filactérios medievais.
Nota-se ta
mbém o exagero dos traços físicos e da postura dos personagens,
técnica típica das caricaturas.
31
Les Amours... foi a primeira história composta por imagens em seqüência
acompanhada de recordatórios cujo texto escrito não apenas explicava o que estava ilustrado,
mas completava o sentido dos desenhos. E estes, por sua vez, apresentavam características
expressivas que não se explicitavam na escrita: se o recordatório simplesmente dizia que
alguém “olhava para o céu”, pela expressão facial que o personagem apresentava na imagem
o leitor era capaz de perceber se esse olhar era, por exemplo, de admiração, inquietude ou
tédio.
Além desse nível de integração entre imagens e palavras, as obras de Töpffer
apresentavam pelo menos mais duas inovações: a primeira estava no cuidado que o autor
tomou ao escolher quais “momentos” do seu roteiro deveriam ser visualmente representados
(McCLOUD, 2008, p. 12), de forma a criar relações mais próximas entre uma vinheta e outra.
A segunda, de ordem temática, estava no fato de suas narrativas apresentarem não somente
conteúdos humorísticos, mas poéticos e ficcionais como em Docteur Festus, em que o
objetivo do protagonista era capturar um cometa. Apenas em 1846, contudo, o professor
encontraria um editor que reproduzisse suas obras em um volume único, chamado Histoires
en Estampes (“Histórias em estampas”), cujos exemplares se espalharam pela Europa e por
outros continentes. A humanidade conheceu, dessa forma, a primeira manifestação da arte das
histórias em quadrinhos.
Com a nova linguagem, o desenhista alemão Wilhelm Busch criou, em 1865, Max
und Moritz (Juca e Chico, segundo a tradução de Olavo Bilac), dois garotos que infernizavam
a vida dos adultos à sua volta. Nessa obra, Busch fundamentou o estereótipo dos quadrinhos
de “crianças traquinas” (no qual os protagonistas, normalmente meninos, são hiperativos,
pouco afeitos a regras de comportamento social, mal-educados e extremamente resistentes à
pedagogia), que cruzaria o Atlântico anos depois rumo aos E.U.A., na companhia de
imigrantes germânicos, influenciando fortemente os primeiros quadrinhos que conquistaram
vasto sucesso de público naquele país (SANTOS, 2002, p. 53, 70).
1.2.2. Os superpoderes do Tio Sam
Foi exatamente nos E.U.A. que os quadrinhos, pela primeira vez, foram vistos e
explorados como um produto comercial. Na transição do século XIX para o XX, dois jornais
nova-iorquinos concorrentes entre si, o New York World (de Joseph Pulitzer) e o New York
Journal (de William Randolph Hearst), disputavam a conquista de um público leitor formado
tanto por estadunidenses (entre alfabetizados e semi-analfabetos) quanto por uma
32
considerável massa de imigrantes europeus e orientais que, muitas vezes, mal conhecia o
idioma inglês. Para atrair a atenção de todo esse contingente, os editores de ambos os jornais
perceberam nos quadrinhos um veículo ideal para estimular as vendas, visto que eram capazes
de estabelecer uma comunicação por meio de imagens associadas a textos mais simples.
Assim, surgiram os suplementos dominicais, vendidos juntamente com os jornais, em forma
de encarte, contendo narrativas humorísticas curtas de fácil assimilação. Pouco tempo mais
tarde, a aceitação popular desses suplementos incentivaria outros editores no país a adotá-los.
O primeiro grande sucesso, The Yellow Kid, foi criado em 1895 por Richard
Outcault, a partir de outro quadrinho de sua própria autoria, Hogan’s Alley. Nas duas obras,
destacava-se um menino com traços orientais, vestido com um camisolão cuja cor, no
princípio, era azul, e depois se tornou amarela (fig. 11). A exemplo dos personagens de
Wilhelm Busch, o garoto tinha um típico comportamento travesso e irredutível, que
inaugurou, nos E.U.A., o primeiro gênero comercial de histórias em quadrinhos: as kid-strips
(histórias engraçadas em forma de tirinhas, protagonizadas por crianças). Busch exerceu, de
fato, influência fundamental nesse gênero, sob o qual surgiram outras obras ao longo dos
anos: The Katzenjammer Kids (traduzido em português como Os Sobrinhos do Capitão”), de
Rudolph Dirks, em 1897; Little Lulu (“Luluzinha”), de Marjorie Henderson Buell, em 1935;
Dennis the Menace (“Dênis, o Pimentinha”), de Hank Ketcham, em 1951; e Calvin and
Hobbes (“Calvin e Haroldo”), de Bill Waterson, em 1985.
Figura 11 - The Yellow Kid, de Richard Outcault: o primeiro quadrinho a atingir grande êxito
comercial na América do Norte.
33
Foi a rápida e enorme popularidade alcançada pelas narrativas de humor nos
E.U.A., principalmente entre crianças e adolescentes, que fez com que os quadrinhos, na
língua inglesa, fossem denominados pelo termo comics (“cômicos”) e passassem a ser vistos,
mormente nas Américas, como publicações destinadas aos jovens — muito embora nem todas
as obras quadrinizadas da época tivessem o objetivo de provocar o riso nem de atrair apenas
os mais novos, como foi o caso de Little Nemo in Slumberland, criada em 1905 por Winsor
McCay. Nela, um garoto chamado Nemo vive tendo sonhos estranhos (que seriam
considerados “surrealistas” pelos historiadores da arte que se formaram depois da década de
1920), mas invariavelmente acaba acordando na última vinheta de cada uma de suas histórias.
O sucesso dos suplementos dominicais levou Pulitzer e Hearst a incluírem os
quadrinhos também nas edições diárias de seus jornais, padronizando mercadologicamente o
formato das strips (“tiras” ou “tirinhas” na língua portuguesa): uma rápida seqüência
composta normalmente por duas ou três vinhetas alinhadas na horizontal, concentrando uma
narrativa sintética, concebida especialmente para tomar o mínimo possível da área do papel,
deixando espaço para anúncios e notícias. Compiladas, as strips e outros quadrinhos mais
extensos foram lançados em publicações específicas e periódicas, independentes dos jornais,
dando origem aos comic books as revistas de histórias em quadrinhos com altas tiragens,
que no Brasil seriam popularmente conhecidas pelo nome de “gibis”, a partir do nome de uma
publicação semanal de quadrinhos, criada em 1939 pelo então editor Roberto Marinho
(JÚNIOR, 2004, p. 11).
O amadurecimento da indústria editorial nos E.U.A. deu origem a outros gêneros
de quadrinhos além dos essencialmente humorísticos, como os funny animals (animais
antropomorfizados e falantes, cujo maior exemplo é o camundongo Mickey, criado por Walt
Disney, em 1928, inicialmente para estrelar no cinema de animação) e as tiras e histórias de
aventuras, cujos personagens mais importantes foram, entre tantos outros, Buck Rogers, de
1929, e Flash Gordon, de 1934 (precursores das aventuras no espaço sideral, criados,
respectivamente, por Phil Nolan/Dick Calkins e Alex Raymond); The Phantom (“Fantasma”,
aventureiro da selva, criado em 1934 por Lee Falk); Prince Valiant (“Príncipe Valente”,
aventureiro da Idade Média, criado por Hal Foster em 1937) e The Spirit (“Espírito”,
aventureiro policial em ambientes típicos de filmes noir, criado em 1940 por Will EISNER).
Não obstante a todas essas criações, o gênero de história em quadrinhos mais
característico dos E.U.A., conquistador de uma popularidade mundial suficiente para, até os
dias de hoje, obter lucros para a indústria de entretenimento daquele país, é, sem dúvidas, o
dos super-heróis. O personagem que simboliza o marco inicial desse gênero é Superman
34
Figura 12 - em junho de 1938, o primeiro número da revista Action Comics,
com o Super-Homem na capa, inaugurou gênero dos super-heróis.
(“Super-Homem”), criado por dois adolescentes, Jerry Siegel e Joe Shuster, e publicado em
1938 na primeira edição da revista Action Comics (fig. 12). Batman, o Homem-Morcego, foi
criado logo depois, em 1939, por Bob Kane e Bill Finger, numa tentativa bem-sucedida
apresentar aos leitores um herói mais misterioso (encapuzado e de capa escura).
O super-herói também protagoniza aventuras, mas combina uma rie de
características específicas: origem traumática e/ou conturbada, que habitualmente o compele a
lutar pelo “bem” (os pais de Batman foram assassinados, à sua vista, por um ladrão); algum
superpoder — inato, adquirido por talentos incomuns ou concedido por objetos impossível
ao resto das criaturas existentes (os X-Men nasceram com uma mutação genética capaz de
lhes ampliar as habilidades físicas e psíquicas; o Lanterna Verde é o guardião de um anel que
lhe atribui capacidades sobre-humanas); uma identidade secreta que o proteja do impacto de
revelar à sociedade seus poderes, o que o deixaria mais vulnerável (Peter Parker, o Homem-
Aranha, é um fotógrafo a serviço do Clarim Diário); um uniforme típico colorido; e
antagonistas classificados como “supervilões”, geralmente mal-intencionados ou ambiciosos
demais (Magneto, o maior opositor dos X-Men, usa seus poderes para subjugar humanos
comuns e estabelecer o domínio de uma raça “superior”, ou seja, a raça dos mutantes).
Há muitos debates, dentro e fora do âmbito acadêmico, sobre que ideais da cultura
dos E.U.A. são mais comumente defendidos nas histórias em quadrinhos do gênero, desde sua
criação até hoje. É fato que a primeira vez na qual a orientação ideológica dos super-heróis se
35
tornou mais evidente foi durante a II Guerra Mundial. Naquele período, por interesse dos
editores em colaborar com o esforço de guerra, os super-heróis protagonizaram histórias nas
quais combatiam os então maiores inimigos dos estadunidenses: os países do Eixo (a
Alemanha nazista, a Itália fascista e o Japão imperialista). O Capitão América, criado em
1941 por Jack Kirby e Joe Simon, foi o que mais personificou os posicionamentos defendidos
pelos E.U.A., muito embora após o término dos conflitos o personagem tenha caído no
esquecimento, para depois protagonizar histórias nas quais ele deixava o ufanismo
nacionalista para se questionar pelo que ele realmente lutava (fig. 13).
Especialmente após o término dos conflitos mundiais, o mercado editorial
estadunidense se fortaleceu. Os syndicates organizações existentes desde 1912, que
empregam, entre outros profissionais da imprensa, desenhistas e roteiristas de quadrinhos,
Figura 13 - em fevereiro de 1970, a edição estadunidense n.º 122 da revista do
Capitão América trouxe a história The Sting of the Scorpion (“O Ferrão
do Escorpião”), roteirizada por Stan Lee e desenhada por Joe Sinnott e
Gene Colan. Uma de suas páginas se tornou histórica por mostrar o
herói, outrora ufanista, incerto em relação aos ideais que sempre
defendera, numa época marcada pelo auge da Guerra Fria e pela Guerra
do Vietnã.
36
tendo direito de exploração comercial e poder de distribuição e revenda sobre as produções
artísticas e intelectuais de seus funcionários (JÚNIOR, 2004, p. 30 e LUYTEN, 2000, p. 46)
— passaram a exportar, em conjunto com as editoras, tirinhas e revistas em quadrinhos
completas a preços muito baixos. Isso vinha estabelecendo uma concorrência desleal com
os quadrinhos produzidos por autores de outros países, sobretudo na América Latina: os
editores locais, em vez de contratarem equipes de desenhistas e roteiristas e investirem tempo,
materiais e equipamentos para produzirem as histórias, preferiram comprá-las prontas dos
E.U.A., tendo uma altíssima margem de lucro. Assim, muitos empresários do ramo editorial,
além de causarem um imenso desemprego entre os artistas conterrâneos, perpetuaram a
transmissão de valores e idéias afins a uma cultura estrangeira específica, conforme explica o
quadrinista e pesquisador mineiro Wellington SRBEK:
Com produção em ritmo industrial e organizada a partir de grandes editoras e
sistemas de distribuição eficientes (os syndicates), a indústria dos comics passou a
exportar seus produtos para todo o mundo, contribuindo para a disseminação dos
padrões e ideais culturais predominantes na sociedade norte-americana (fato que se
intensificou após a Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos surgiram
como a grande potência do Ocidente). Estendendo sua influência da Europa
Ocidental à América Latina e ao Japão, os norte-americanos combinaram os
domínios militar, econômico e cultural. [...] Uma das conseqüências da exportação
em massa dos quadrinhos norte-americanos foi (e tem sido) a impossibilidade de se
desenvolver uma produção nacional em vários países. (SRBEK, 2005, p. 27)
1.2.3. O fantasma de Wertham
Na década de 1950, os setores mais conservadores da sociedade estadunidense,
que alguns anos responsabilizavam os quadrinhos pela queda do rendimento escolar de
seus filhos, começaram a vê-los como influenciadores diretos da delinqüência juvenil. Essa
abordagem errônea se alimentou tanto do preconceito contra a linguagem dos quadrinhos,
considerados por muitos como “literatura para preguiçosos” (pois continha imagens, que
seriam mais “fáceis de compreender” do que o texto escrito), quanto da presença do imenso
número de comic books de terror na imprensa da época (JÚNIOR, 2004, p. 235 e McCLOUD,
2006, p. 86), que traziam, em sua maioria, roteiros sangrentos, com mutilações explícitas,
violação de cadáveres, descrição detalhada e em linguajar rasteiro de assassinatos com armas
brancas e de fogo entre outras características de qualidade artística duvidosa, que,
obviamente, não faziam parte da essência dos quadrinhos, mas estavam conquistando os
leitores mais jovens e preocupando pais, educadores e representantes religiosos.
O maior responsável pelo estouro de uma grande campanha contra os quadrinhos
foi o psiquiatra Fredric Wertham, que baseou seus estudos na percepção social corrente.
37
Em seu livro Seduction of the Innocent (“Sedução do Inocente”, sem edição em português), de
1954, o alemão naturalizado estadunidense recorreu à sua autoridade clínica para reforçar os
argumentos de que os quadrinhos, em especial os da EC Comics (uma das maiores editoras de
comics de terror), além de incitar a criminalidade entre os jovens, induziam-nos à indolência,
ao suicídio, ao ódio racial e ao homossexualismo. Dentro do contexto do Macarthismo e da
paranóia anticomunista, as declarações alarmistas de Wertham suscitaram mais medo e deram
mais forças aos conservadores, para os quais a associação entre os quadrinhos e o crime era
um indício da infiltração de ideologias subversivas nos meios de comunicação. Pressionados,
os senadores, por meio de uma subcomissão, investigaram o conteúdo que estava sendo
editado. Antecipando-se a quaisquer decisões políticas, os editores impuseram a si mesmos
um código de autocensura The Comic’s Code (“O código dos quadrinhos”) —, cujos
artigos, entre outros, proibiam, nas revistas em quadrinhos, alusões à sexualidade, oposições a
quaisquer autoridades estabelecidas e desafios às instituições escolares, religiosas e familiares
(JÚNIOR, 2004, p. 235-248, e McCLOUD, 2006, p. 86-95). Isso praticamente tirou do
mercado a EC Comics, enquanto as publicações “politicamente corretas” das outras editoras
ganhavam espaço.
Nunca na história da humanidade outra manifestação artística foi tão dura e
amplamente atacada. Em muitos países, jornais e revistas publicaram trechos do livro de
Wertham, associados a artigos de outros “especialistas” que endossavam as palavras do
psiquiatra sem, no entanto, dedicar análises mais aprofundadas aos problemas que ele
apontava (atribuindo o crescimento da criminalidade juvenil aos quadrinhos e, em menor
extensão, à televisão e ao cinema, sem considerar contextos educacionais e socioeconômicos).
O resultado foi uma percepção pública mundial tendenciosa e negativa a respeito das obras
quadrinizadas, que as rotulou como algo “perigoso” para a saúde mental do “público infanto-
juvenil” e, pior, desprestigiou socialmente os profissionais da área, problema observado até
hoje em países como o Brasil e os próprios E.U.A.
Apesar das seqüelas que deixaram na arte e em muitas sociedades, as teses de
Wertham e de seus simpatizantes, submetidas a exames mais cuidadosos ao longo das
décadas, revelaram-se parciais e infundadas, caindo em absoluto descrédito. Ele próprio, em
seu último livro, The World of Fanzines (“O Mundo dos Fanzines”, de 1974, também não
traduzido para o português), contradisse a maior parte de suas análises anteriores ao admitir
haver valor cultural e criativo nos quadrinhos dos fanzines (revistas alternativas de baixa
tiragem, editadas e publicadas paralelamente aos grandes mercados editoriais).
38
O Comic’s Code vem perdendo sua força desde 1971, quando passou por seguidas
revisões que o tornaram mais flexível, e comic books publicados nos E.U.A. que nem
mesmo sofrem revisões, assim como muito das vendas dos syndicates. E, antes disso, o
Comic’s Code, além de sua empregabilidade limitada em quadrinhos melhor elaborados,
como os Peanuts (conhecidos como “Minduins” ou “Turma do Charlie Brown” no Brasil,
criados em 1956 por Charles Schulz), não foi capaz, na década de 1960, de conter a explosão
cultural underground dos fanzines que, por não serem produzidos por editoras, estavam
legalmente além do alcance do código. Essas revistas alternativas revelaram autores de
quadrinhos eróticos e contestadores ácidos da sociedade estadunidense, como Robert Crumb,
autor de Fritz, the Cat, uma paródia dos funny animals na qual o protagonista é um gato que
só quer saber de orgias e confusões com a polícia.
1.2.4. Várias culturas, vários quadrinhos
Em seu berço europeu, os quadrinhos, por muito tempo, não puderam ter grande
desenvolvimento comercial, por uma série de fatores entre os mais relevantes, além de
alguns assombros do fantasma de Wertham, estão as duas Grandes Guerras que solaparam a
economia do continente, e a grande diversidade lingüística e cultural dos seus povos
habitantes, que frustra qualquer projeto de criar um público leitor comum. Nos princípios do
século XX, enquanto os E.U.A. inovavam a linguagem dos quadrinhos, na Europa eles ainda
se encontravam ligados às legendas descritivas (SANTOS, 2002, p. 55), ao ponto dos editores
apagarem os balões das publicações e transpor os seus textos para as legendas.
Embora relativamente receptiva aos quadrinhos produzidos nos E.U.A.,
importados através dos syndicates, a Europa soube, com o tempo, produzir obras
quadrinizadas mais condizentes com seu contexto cultural
5
. Desde o final da década de 1920,
começaram a se sobressair os trabalhos mais originais, a exemplo de Les Aventures de Tintin
et Milou, criadas pelo belga Geroges Remi “Hergé” em 1929, nas quais o jovem repórter
Tintim, acompanhado de seu cãozinho Milu, enfrentava bandidos pelo planeta, em páginas
com cenários minuciosamente desenhados. O traço do autor, conhecido como “linha clara”
5
Para tanto, e por vários outros motivos, muitos países buscaram diminuir a presença de quadrinhos
estadunidenses em seu território, mesmo antes do rebuliço causado por Wertham. Em 1938, a Itália de
Mussolini, sob a alegação de que os comics “desnacionalizavam” os leitores, criou uma lei de censura para
banir quadrinhos estrangeiros, com a intenção de produzir narrativas quadrinizadas ideologicamente alinhadas
ao regime fascista. Em 1949, a França também instituiu uma lei de “regulamentação e autocensura” para
controlar o conteúdo dos quadrinhos de sua imprensa, mas que, na prática, funcionou como um dispositivo
protecionista de mercado (JÚNIOR, 2004, p. 77-78, 126).
39
por ser limpo, preciso e não fazer uso de efeitos intensos de sombra, influenciou uma série de
outros artistas no continente, num movimento que ficou conhecido como Escola de Bruxelas.
Após a queda do fascismo, surgiu na imprensa italiana, em 1948, um personagem
que seria responsável pela revitalização dos fumetti depois de anos sob a tutela de Duce: Tex,
conhecido mundialmente como o “caubói da camisa amarela”, criado por Giovanni Luigi
Bonnelli e Aurelio Galleppini “Galep”, mostrou ao mercado que era possível contar uma boa
história baseada em elementos culturais estrangeiros, mas completamente desenvolvida por
profissionais locais. Em 1959, na revista Pilote, a França pôs em circulação o primeiro
capítulo daquela que se tornaria, inclusive no exterior, a mais conhecida das narrativas
quadrinizadas produzidas no país: Astérix le Gaulois (“Asterix, o Gaulês”), do roteirista René
Goscinny e do desenhista Albert Uderzo. Os protagonistas, os gauleses amigos Asterix e
Obelix, protegem sua aldeia dos ataques do Império Romano, em histórias que se
notabilizaram pela fidelidade aos acontecimentos da Antigüidade (como a derrota do chefe
gaulês Vercingetorix pelos romanos e o crescimento do comércio entre as cidades ocidentais e
o Oriente Médio) e por enfatizar, em linhas gerais, a cultura francesa, de uma maneira crítica
e bem-humorada.
Os europeus se destacaram em pelo menos mais dois grandes gêneros dos
quadrinhos: o erótico, durante a década de 1960, e o de ficção científica, na década seguinte.
Durante um período em que as sociedades reconheciam melhor os direitos das mulheres e em
que métodos contraceptivos, como as pílulas anticoncepcionais, simbolizavam a libertação da
sexualidade feminina, destacavam-se heroínas como Barbarella, do francês Jean-Claude
Forest (fig. 14), e Valentina, do italiano Guido Crepax (fig. 15). Em suas aventuras, as
personagens não precisavam do aval masculino para tomar suas atitudes, o que lhes dava um
caráter mais independente (apesar de Valentina ter sido criada como uma personagem
coadjuvante). Os roteiros se referiam sutilmente aos fetiches, ao sadomasoquismo e ao
lesbianismo procurava-se, pelo onírico e pela sugestão, potencializar a sensualidade e as
fantasias das personagens, em vez de simplesmente mostrá-las nuas ou durante o ato sexual.
Na ficção científica, ganharam notoriedade os franceses Jean-Girard “Mœbius”, Philippe
Druillet, Bernard Farkas e Jean-Pierre Dionnet, fundadores da editora Humanoïdes Associés
(“Humanóides Associados”), cuja publicação que mais se destacou foi a revista Métal Hurlant
(conhecida em outros países como Heavy Metal ou “Metal Pesado”, na tradução
portuguesa —, apesar de sua linha editorial não ter relações diretas com o estilo musical
homônimo). Publicada até 1987, apresentava narrativas com acabamento visual requintado,
nas quais mundos de altíssima tecnologia se apresentavam em diversos veis de degradação
40
material, moral ou comportamental. Muitas de suas histórias, como as da personagem Druuna
(1985), do italiano Paolo Eleuteri Serpieri, mesclavam a ficção científica ao gênero erótico.
Na década de 1980, a Inglaterra revelou dois importantes roteiristas que, ao
atuarem no mercado dos E.U.A., contribuíram para mudanças nos paradigmas do quadrinho
ocidental. Neil Gaiman e Alan Moore ressaltam o caráter adulto da narrativa quadrinizada, ao
Figura 14 - a insubmissa Barbarella, de Jean-Claude Forest. A
personagem foi inspirada em Brigitte Bardot, uma das
referências de beleza física feminina na década de 1960.
Figura 15 - Valentina, de Guido Crepax. O quadrinho da sensual
personagem é também notado pela diagramação pouco
usual das
vinhetas, que às vezes possibilita sua leitura em várias direções.
41
abordar profundamente fatos e contextos históricos, mitos e características psicológicas dos
personagens. Gaiman é reconhecido principalmente pela atmosfera misteriosa e gica de
suas criaturas, que lidam com os conceitos de arquétipo, sobrenatural, tempo e morte,
habitando e trafegando por mundos paralelos, como nas séries The Sandman e The Books of
Magic (“Livros da Magia”). Moore é um dos maiores renovadores do gênero de super-heróis,
ao dar-lhes dimensão humanizada e falibilidade em Watchmen, de 1986, desenhada por Dave
Gibbons. Entretanto, também foi responsável por outros quadrinhos de grande repercussão,
como V for Vendetta (“V de Vingança”, de 1982, desenhada por David Lloyd, contando a
saga de um revolucionário anarquista contra uma Inglaterra totalitária do século XXI) e
Promethea (de 1999, desenhada por J. H. Williams III e outros assistentes, é uma heroína
repleta de referências místicas, representando o próprio ato de criação artística e a força que
personagens e mitos exercem no pensamento humano).
De modo geral, a expressão pessoal dos desenhistas e roteiristas europeus é mais
nítida nas obras quadrinizadas, o que também consiste, de certa maneira, numa estratégia
editorial para diferenciá-las da excessiva padronização dos quadrinhos dos E.U.A. Além
disso, o Velho Mundo foi, provavelmente, o primeiro lugar no qual os quadrinhos tiveram seu
valor artístico amplamente reconhecido pelas sociedades. Atualmente, o continente é o
segundo maior pólo de produção de quadrinhos do mundo, com destaque para a sólida
estrutura editorial mantida pelos países francófonos (Bélgica, Luxemburgo e Suíça,
encabeçados pela França).
1.2.5. Conquistadores orientais
Desde o período Edo, no século XVII, o Japão havia passado mais de dois séculos
sem manter praticamente nenhuma relação com outros países. A abertura dos portos na Era
Meiji, a partir de 1868, permitiu, além do início de uma intensa transição do feudalismo para a
sociedade industrial, o restabelecimento do comércio internacional e da troca de experiências
e bens culturais com estrangeiros, especialmente os ocidentais: enquanto as gravuras
japonesas encantavam Paris e influenciavam os pintores impressionistas, as charges inglesas e
francesas chegavam até as ilhas nipônicas. Os desenhistas japoneses, para criar suas próprias
caricaturas, uniram as características de crítica e humor irônico das produções européias às
tradições do desenho popular oriundas dos emakimono (
narrativas desenhadas de
animais antropomorfizados, realizadas com pincel sobre papéis em rolos entre os séculos XI e
42
XII) e dos ukiyoe ( xilogravuras do período Edo, que retratavam a rotina das
cidades e também cenas da natureza, como As Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji, de
Katsushita Hokusai
6
).
Com a vinda do século XX e dos jornais estadunidenses, os japoneses
aprenderam, através dos comics, a linguagem dos quadrinhos de fato, adaptando a sua fórmula
e amalgamando-a à caricatura, criando um leitorado que, a princípio, era composto por
homens adultos: os temas veiculados iam do humor e da crítica social à propaganda
comunista clandestina. Até a década de 1930, porém, o Japão separaria suas publicações
sistematicamente, de acordo com o sexo, a idade e a profissão de seus leitores. Isso levaria o
mercado de quadrinhos do país a segmentar-se de uma maneira única no planeta: nos tempos
atuais, é possível encontrar mangás feitos para crianças, adolescentes e adultos, homens e
mulheres, donas-de-casa e executivos com roteiros, personagens, estilos de traço, palheta
de cores e anúncios publicitários planejados para atender cada público (figs. 16 e 17).
Depois do crack da bolsa nova-iorquina, em 1929, o Japão enfrentou dificuldades
socioeconômicas intensas, que deram oportunidades para que forças militaristas e ufanistas
6
Segundo a pesquisadora Sônia Bibe LUYTEN, Hokusai teria sido o inventor da palavra mangá, que hoje
também serve para definir os quadrinhos produzidos no Japão. O gravurista usou o termo para definir um dos
seus conjuntos de obras, feito em tom caricatural (2000, p. 98).
Figura 16 - a revista Nakayoshi, da editora
Kodansha, é do gênero shoujo,
orientado para adolescentes do sexo
feminino. Percebem-se as cores
claras, os caracteres arredondados e
os traços leves dos personagens.
Figura 17 - a Shounen Jump, editada pela
Shueisha, pertence ao gênero shounen
(orientado para adolescentes do sexo
masculino), caracterizado por cores
mais escuras, traços fortes e tipologia
angular.
43
ganhassem poder. Os quadrinhos japoneses da época, como Norakuro (fig. 18), de Suiho
Tagawa, apesar de retratarem a violência, procuravam fazê-lo de forma caricata, para dar um
entretenimento ao povo empobrecido (LUYTEN, 2000, p. 112). Esse período de
“ingenuidade” quadrinística durou até a entrada do país na II Guerra, ao lado das forças do
Eixo. De maneira semelhante ao que ocorreu nos E.U.A., as obras quadrinizadas da época
serviram ao esforço de guerra, com a diferença de que os autores nipônicos eram punidos pelo
governo caso se recusassem a adaptar seus trabalhos à ideologia vigente.
Contudo, por causa de sua dura derrota, o Japão abandonou por completo seus
planos imperialistas no Oriente, e voltou-se para sua reconstrução. À semelhança da Fênix, o
país se reergueu a partir de cinzas radioativas, por meio da histórica e férrea determinação de
seu povo e da entrada massiva de capitais dos E.U.A. Ao executarem planos de ajuda
financeira, política e organizacional aos ex-inimigos, os estadunidenses tinham interesses
estratégicos: fundar um pólo capitalista na Ásia para fazer frente à antiga U.R.S.S., criar
indústrias de mão-de-obra barata para abastecer seus mercados internos e erguer uma nova
pátria, nos moldes da democracia ocidental (LUYTEN, 2000, p. 22, 121).
Foi no pós-guerra que Osamu Tezuka despontou nos quadrinhos japoneses.
Nascido em Toyonaka, deixou seu diploma de Medicina para se dedicar exclusivamente à
arte. Suas maiores influências vinham do cinema europeu, das animações de Walt Disney e do
Figura 18 - o cãozinho Norakuro, cujo maior objetivo era
ascender na hierarquia do exército imperial japonês,
apesar de não ser capaz de fazer nada da maneira
correta (LUYTEN, 2000, 112-114).
44
Takarazuka Kagekidan uma companhia de teatro da cidade de Takarazuka, composta
apenas por mulheres, que maquiavam seus olhos de forma a transmitir melhor as expressões
das cenas e interpretavam tanto papéis masculinos quanto femininos. Como muitos artistas
que o antecederam, Tezuka, ao conceber suas obras quadrinizadas, fundiu sua admiração por
elementos da cultura do Ocidente à sua cultura tradicional japonesa, criando estilos de
desenho e roteiro muito característicos, que se tornaram o substrato dos mangás e animes
7
contemporâneos.
Tezuka introduziu os olhos grandes e brilhantes no mangá, especialmente ao
representar a mulher (fig. 19). Encantado com os olhos das atrizes do Takarazuka Kagekidan,
e partindo de personagens ocidentais (Betty Boop, de Max e Dave Fleischer, e Mickey), o
autor procurou dar às suas heroínas olhares de uma expressividade tal que buscasse o que se
passava no interior de suas almas.
Narizes e bocas delicadas também são características físicas que o autor deu tanto
para homens quanto para mulheres, absorvendo outra peculiaridade do Takarazuka, em que as
atrizes, ao interpretarem homens, emprestavam-lhes seus traços. Por contraste, a aparência
dos vilões de Tezuka era, normalmente, mais caricatural (narizes, braços e queixos
desproporcionalmente grandes, olhos esbugalhados etc.), apesar de traços delicados serem
comuns tanto a “mocinhos” quanto a “bandidos” em muitos mangás contemporâneos.
Procurando dar aos quadrinhos o mesmo dinamismo de cenas encontrado no
cinema, Tezuka criou as linhas cinéticas vigorosas para ressaltar o movimento dos objetos,
7
Nome dado às animações produzidas no Japão. É uma redução da palavra inglesa animation (“animação”).
Figura 19 -
os grandes olhos femininos são uma das características mais marcantes dos mangás e um dos
legados de Tezuka. As person
agens, da esquerda para a direita, são: Princesa Saphire, de Tezuka,
protagonista de Ribon no Kishi
(“A Princesa e o Cavaleiro”, 1953); Rally Vincent, de Kenichi
Sonoda, da série Gunsmith Cats (1991); Hikaru Shidou “Lucy”, uma das Mahou Kishi Reiaasu
(“Gue
rreiras Mágicas de Rayearth”, 1993), de autoria do grupo CLAMP; Major Motoko Kusanagi,
de Masamune Shirow, da série Koukaku Kidoutai (“Ghost in the Shell”,
1989); e Asuka Soryu
Langley, de Hideaki Anno e Yoshiyuki Sadamoto, da série Shin Seiki Ewangerion (
“Neon Genesis
Evangelion”, 1995).
45
associando-as a enquadramentos que aumentavam o grau de envolvimento do leitor na cena
de ação (McCLOUD, 2008, p. 217). Também procurou integrar as onomatopéias de uma
maneira mais harmônica aos desenhos das vinhetas, de modo que elas não fossem apenas uma
informação visual do som, mas transmitissem, por alterações em seu tamanho e em seu
desenho, a altura, a intensidade e a duração do evento sonoro (fig. 20). Outra inovação trazida
pelo autor é a complexidade do desenho de cenários, máquinas e robôs, descrevendo
minuciosamente casas, prédios, veículos, junções, parafusos, lâmpadas e sensores. Tezuka e
seu estúdio observaram objetos reais e manuais técnicos para dar mais realismo a seus
quadrinhos, contribuindo para uma imersão mais completa do leitor (fig. 21).
Os roteiros de sua vastíssima produção abordam temas que vão da ficção
científica (Metropolis, de 1949; Tetsuwan Atomu, “Poderoso Átomo” ou “Astro Boy”, de
1952; Maguma Taishi, de 1966; e Black Jack, de 1973) e aventuras de capa e espada (Ribon
no Kishi, “A Princesa e o Cavaleiro”, de 1953) à hagiografia (Buda, de 1974), à mitologia (Hi
no Tori, “Fênix”, de 1956) e à abordagem de fatos reais (Adolf, de 1983). Os personagens de
Tezuka, mesmo quando se tratam de robôs, apresentam emoções, medos e falhas, ou
Figura 20 - página de Tetsuwan Atomu (“Astro
Boy”, 1952). Linhas cinéticas
vigorosas dão fidelidade à sensação de
movimento. É possível ver também a
harmônica colocação de onomatopéias
nas ilustrações das vinhetas.
Figura 21 - página de Metropolis (1949), obra
inspirada no filme homônimo de Fritz
Lang. Aqui, nota-se o cuidado do
desenho dos detalhes dos tubos, dos
parafusos e do maquinário no fundo da
última vinheta.
46
representam aspirações e questionamentos da humanidade. Eles se machucam gravemente,
adoecem, sangram, morrem (e não “ressuscitam” indefinidamente, como os super-heróis dos
comics) e manifestam seus anseios e desejos, inclusive sexuais. Essa verossimilhança os
aproxima intensamente do público leitor, que se vê projetado nos personagens.
São enormes as influências de Tezuka na animação japonesa, pois muitos dos seus
mangás viraram desenhos animados pela sua própria produtora. Na cada de 1960, o Japão
conheceu uma prosperidade econômica sem precedentes em sua história, o que auxiliou na
continuidade dos projetos do autor, os quais contribuíram para o estabelecimento exemplar de
um vínculo forte entre os quadrinhos e animações produzidos no país, que se influenciaram
mutuamente. O aprimoramento do maquinário de impressão, a continuidade do uso do papel
jornal (empregado desde a escassez no período da II Guerra) e as melhoras nas tecnologias de
áudio e vídeo pela própria tecnologia japonesa fizeram crescer as produções dos estúdios,
reduzindo os custos.
Exatamente nessa época, Kiyoshi “Go” Nagai, natural de Wajima, começou a sua
também longa carreira, introduzindo nos mangás e animes elementos que caracterizariam
principalmente o gênero shounen (
direcionado para adolescentes do sexo masculino),
como a violência exacerbada e a pornografia foi nas obras desse autor que se originaram
clichês como o derramamento excessivo de sangue nas cenas de luta e a aparição gratuita de
garotas seminuas ou nuas (expediente conhecido como fan service, ou seja, “serviço para os
fãs”, segundo o qual a nudez serviria apenas para fisgar a atenção do leitorado masculino,
permitindo então que o quadrinista lhe transmitisse sua mensagem através da história). No
mesmo período, muitas mulheres desenhistas passaram a trabalhar no gênero shoujo (
direcionado para adolescentes do sexo feminino), fazendo com que a profissão de quadrinista
se tornasse uma das mais buscadas pelas japonesas, dados a riqueza material e o
reconhecimento social que podem obter na carreira.
Com o crescimento econômico, industrial, cultural e demográfico japonês ao
longo dos últimos cinqüenta anos, os quadrinhos e as animações firmaram-se como uma força
gigantesca na indústria de entretenimento da Terra do Sol Nascente: mangás que fazem
sucesso entre o público logo são transformados em animes e em milhares produtos licenciados
(chaveiros, mochilas, cadernos, brinquedos, jogos eletrônicos, roupas, bolsas, calçados,
alimentos, cosméticos, artigos de higiene etc.), num lucrativo aproveitamento comercial. O
Japão é o maior mercado de quadrinhos do mundo, longe de ser suplantado por qualquer outro
país, graças ao grande nível de alfabetização do seu público interno, à solidez de suas
47
editoras, ao investimento constante na educação e na especialização de novos artistas e à
aceitação que suas obras recebem na Europa e nas Américas.
Desde o fim da década de 1980, em parte devido ao êxito internacional do longa-
metragem de animação Akira (1988), de Katsushiro Otomo, o mercado editorial japonês vem
se expandindo para fora do Japão. Em vinte anos, os mangás e animes — decerto pelo
carisma e pela plausibilidade psicológica de seus personagens — estenderam sua influência às
novas gerações de quadrinistas e animadores ocidentais, contribuindo para a formação de
estilos heterogêneos, mesclando as técnicas japonesas com outras aprendidas nas culturas
locais. Além disso, esses elementos culturais trazidos pela indústria nipônica de
entretenimento, no processo de absorção pelas sociedades do Ocidente (capazes de
compreendê-los em maior ou menor grau), transformaram-se num fenômeno pop
contemporâneo que se manifesta de diversos modos mais ou menos complexos: eventos de
cosplay
8
, fanzines especializados, fóruns na Internet, grupos de tradução de mangás e animes
e mesmo gírias e maneiras de vestir.
1.2.6. Hai, oui, yes, nós temos quadrinhos.
No Brasil, as obras de Hogarth, Gillray e Töpffer influenciaram o jornalista e
desenhista de origem italiana Angelo Agostini, o maior responsável por estabelecer a
caricatura na imprensa brasileira e um dos primeiros autores de quadrinhos do mundo, com As
Aventuras de Nhô-Quim, de 1869 (fig. 22) e As Aventuras de Zé Caipora, de 1883.
8
Termo vindo da frase inglesa costume roleplay (“interpretação de papel fantasiada”), que é o ato de fantasiar-se
de um personagem de mangá ou anime interpretando suas características psicológicas. Esse hobby, antes
restrito a pequeninos grupos de fãs, popularizou-se pelo Ocidente com a expansão do mercado de
entretenimento japonês.
Figura 22 - o matuto Nhô-Quim, de 1869. Com o person
agem, Angelo Agostini criou a
primeira história em quadrinhos do Brasil (e uma das primeiras do mundo).
48
Agostini foi o pioneiro das narrativas quadrinizadas brasileiras e suas obras eram
geralmente bem acolhidas pela sociedade carioca (o autor morava na então capital do país).
Ele desenhou, em 1905, a identidade visual de O Tico-Tico, revista direcionada para o público
infantil, trazendo quadrinhos de humor, textos educativos e passatempos. A publicação foi um
dos maiores exemplos de longevidade editorial deste país (circulando até 1962) e, embora
republicasse e adaptasse produções francesas e estadunidenses, revelou autores como o
ilustrador J. Carlos e Luiz Sá, criador de Reco-Reco, Bolão e Azeitona, três garotos que
seguiam a linha de traquinagens e irrequietudes proposta por Wilhelm Busch.
Em 1933, o repórter Adolfo Aizen, russo naturalizado brasileiro, viajou aos
E.U.A. a serviço do jornal O Globo, de Roberto Marinho. Lá, conheceu os suplementos de
quadrinhos, e ficou impressionado com o grande público consumidor que atraíam (JÚNIOR,
2004, p. 25). Voltando ao Brasil, como não conseguisse convencer seu chefe a adotar a
novidade, desvinculou-se de O Globo e propôs as idéias que viu no exterior ao jornal A
Nação, dirigido pelo capitão João Alberto Lins de Barros, que acumulava a função de chefe
da polícia do Estado Novo. O militar, percebendo que os suplementos amenizariam a imagem
panfletária de sua publicação, autorizou Aizen a produzi-los.
Foi por iniciativa de Adolfo Aizen que os quadrinhos estadunidenses, por meio
dos syndicates e de contatos diretos com as editoras, começaram a entrar massivamente no
território brasileiro. Pelo pagamento de uma taxa de licenciamento irrisória, cópias de
histórias inteiras chegavam do exterior, prontas para a publicação, bastando ao editor apenas
traduzi-las para o português, dar-lhes uma capa e reproduzi-las em milhares de exemplares.
Os suplementos de A Nação, que num primeiro momento também contavam com quadrinistas
nacionais, fizeram um sucesso de público tão grande que incentivaram Aizen, com a proteção
financeira e política de João Alberto, a vendê-los à parte, em 1934, criando o Grande
Consórcio de Suplementos Nacionais e, futuramente, a EBAL (Editora Brasil-América).
Três anos depois, Roberto Marinho, percebendo seu erro estratégico em não ter
acolhido as idéias do ex-empregado, decidiu abocanhar sua fatia no mercado de quadrinhos
com O Globo Juvenil, empregando no novo jornal os futuros escritores Antonio Callado e
Nelson Rodrigues, encarregados de adaptar o material vindo dos syndicates. O futuro
polêmico dramaturgo também escreveu quadrinhos: adaptou O Fantasma de Canterville, obra
de Oscar Wilde, com auxílio do desenhista de Alceu Pena (JÚNIOR, 2004, p. 62-65).
A concorrência direta entre Marinho e Aizen os tornaria responsáveis pela
divulgação em massa das narrativas quadrinizadas no Brasil, em especial as estadunidenses,
gerando diversas publicações (Mirim, de Aizen, a primeira revista nacional dedicada apenas
49
aos quadrinhos, surgiu em maio de 1939; Gibi, lançada por Marinho alguns meses depois,
penetraria tão profundamente na cultura popular a ponto de seu nome se tornar sinônimo de
revista em quadrinhos no Brasil). As tiragens mensais chegavam às centenas de milhar
demonstrando sua lucratividade e atraindo a atenção de outros grandes editores, como Assis
Chateaubriand (fundador dos Diários Associados) e Victor Civita (de origem ítalo-
estadunidense, co-fundador da Editora Abril), que se interessariam pela disputa do mercado e
concentrariam suas sedes nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Chateaubriand
capitanearia duradouros projetos editoriais envolvendo quadrinhos, como as revistas O Guri e
O Cruzeiro, que também empregaram dois futuros escritores (Lúcio Cardoso e Millôr
Fernandes). Civita auferiria, a partir da década de 1970, lucros volumosos advindos da venda
de quadrinhos estrangeiros, principalmente de revistas de super-heróis.
No Brasil, as teses de Fredric Wertham contra as narrativas quadrinizadas, embora
tenham alarmado os conservadores, serviram mais para que adversários políticos e
ideológicos de Roberto Marinho e Adolfo Aizen se aproveitassem para detratar a linguagem
dos quadrinhos com o intuito de atacar e desmoralizar os editores perante a sociedade. Se, por
um lado, ambos defenderam com prontidão e vigor as virtudes dos quadrinhos, por outro se
opuseram às tentativas dos artistas nacionais de ganhar espaço significativo no mercado
editorial.
Embora cartuns, charges e até quadrinhos de autores brasileiros tivessem lugar
garantido nas seções de entretenimento de jornais e revistas de grande circulação
[...], isso não era o bastante para a afirmação de uma produção nacional, que se
caracterizasse como tal em termos quantitativos e qualitativos. De fato, as primeiras
experiências significativas de reafirmação dos quadrinhos brasileiros vieram na
década de 1950, em meio ao crescimento econômico, desenvolvimento industrial e
clima nacionalista. (SRBEK, 2005, p. 28)
Curiosamente, devido ao banimento dos quadrinhos de terror no mercado
estadunidense pelo Comic’s Code, autores brasileiros passaram a produzi-los para suprir a
demanda nacional, criando também a oportunidade de desenvolver outros gêneros, como
quadrinhos de aventura e eróticos, pois os humorísticos haviam se estabelecido nos jornais,
ao lado das caricaturas políticas. Destacaram-se, a partir da década de 1950, autores como
Eugênio Colonnese (de origem italiana, criador de Mirza, a Mulher-Vampiro, em 1967),
Flávio Colin (criador, entre tantos outros trabalhos, de Aventuras do Anjo, uma adaptação
quadrinizada de uma radionovela de 1956) e Gedeone Malagola (criador do Raio Negro,
fortemente inspirado nos super-heróis dos E.U.A.). Os paulistanos nisseis Cláudio Seto e Júlio
Shimamoto trouxeram para os quadrinhos brasileiros as primeiras influências dos mangás,
décadas antes da expansão mundial do mercado editorial japonês. No gênero erótico, mais do
50
que o que era eventualmente publicado pelas editoras, destacaram-se as revistas alternativas
produzidas por Carlos Zéfiro (pseudônimo de Alcides Caminha, um funcionário público que
produzia suas histórias na clandestinidade), que escandalizaram a sociedade carioca devido ao
seu teor sexual explícito, com desenhos decalcados de publicações pornográficas e uso de
linguajar chulo.
Durante a década de 1960, os quadrinhos infanto-juvenis brasileiros ganharam
fôlego: o mineiro Ziraldo Alves Pinto publicou, entre 1960 e 1964, a revista Pererê, cujas
histórias se baseavam no folclore nacional e na infância do autor, pelas Edições O Cruzeiro.
Nas décadas seguintes, o autor, além de se dedicar à ilustração, supervisionaria novos
quadrinhos do Pererê e do Menino Maluquinho, seu personagem mais famoso, surgido no
livro homônimo de 1980. Entre 1958 e 1969, o paulistano Maurício de Sousa concebeu a
Turma da Mônica, que se tornaria a criação de quadrinhos nacionais mais conhecida no Brasil
mais pelo tino empresarial do autor do que pela profundidade de suas criações: Cebolinha,
Cascão, Mônica e Magali são crianças idealizadas (não freqüentam a escola, nem
envelhecem), cujas narrativas quase sempre variam em torno de temas superficiais ligados à
personalidade de cada uma delas (Cebolinha pretende, com seus “planos infalíveis”, derrotar a
superforte Mônica e tomar a liderança da rua; Cascão tem fobia de água a evita em quaisquer
situações; e Magali, comilona, não engorda), ou a assuntos como futebol, novelas e seriados.
Durante a ditadura militar, os quadrinhos, como todas as manifestações artísticas,
foram submetidos ao nefando crivo da censura institucionalizada, que procurava adequá-las
ao pensamento político-ideológico vigente ou bani-las sob alegações vagas de “imoralidade” e
“subversão”. Numa sociedade brasileira amedrontada e encabrestada, numa época em que a
maior parte dos quadrinistas se viu forçada a suspender suas carreiras e buscar outras
ocupações, o jornal carioca de humor O Pasquim se sobressaiu pela ousadia em resistir ao
regime: seus textos e quadrinhos, tal como ocorria na música, muitas vezes usavam figurações
e metáforas, combinados ao humor sarcástico e irônico, para denunciar os atentados contra a
democracia e a liberdade de expressão. Nele, fizeram carreira quadrinistas e humoristas como
o próprio Ziraldo, Jaguar, Millôr Fernandes, Nani, Lor, Nilson e Henfil pseudônimo de
Henrique de Souza Filho, natural de Ribeirão das Neves, um dos municípios mais carentes da
região metropolitana de Belo Horizonte. Depois de ter começado sua carreira com o auxílio
do escritor Roberto Drummond, fez um grande sucesso na década de 1970, com seus
personagens de humor nem um pouco politicamente corretos: os Fradins Baixim e Cumprido,
a Turma da Caatinga (Bode Orelana, Zeferino e Graúna), Ubaldo, o Paranóico e o Cabôco
Mamadô figuravam em roteiros que abrangiam denúncias sociais e críticas pesadas ao medo
51
do “comunismo”, às autoridades institucionais, à conivência de personalidades e certos
setores da sociedade com a ditadura e mesmo aos discursos “prontos” e ideologicamente
carregados de certos movimentos de resistência.
Depois da redemocratização, projetaram-se alguns quadrinistas, que encontrariam
seu espaço no decorrer da década de 1980: Laerte, Angeli, Glauco, Fernando Gonzales e
Adão Iturrusgarai especializaram-se nas tirinhas de humor (satirizando, em geral, os funny
animals, os hábitos de “tribos” urbanas como punks, metaleiros, “mauricinhos”,
“patricinhas” e hippies pós-liberação sexual —, os costumes da classe média das grandes
cidades e o preconceito contra grupos sociais que começavam a reivindicar seus direitos,
como migrantes nordestinos e homossexuais), atuando até os dias de hoje em jornais como O
Globo e Folha de São Paulo. Enquanto o quadrinho humorístico permanecia, outros gêneros
se inviabilizariam com as crises econômicas do governo de José Sarney, sendo timidamente
retomados ao longo da década de 1990 e na aurora do século XXI.
A partir do ano 2000, o mercado japonês de quadrinhos chega ao Brasil, através
de um barato esquema de licenciamento semelhante ao dos syndicates. Os mangás passam a
disputar espaço nas bancas com os comics de super-heróis, induzindo a formação de um
público que, se passou a ter mais opções de leitura, continuou indiferente à maior parte dos
talentos que a sua própria terra produz. Na última década, uma das poucas séries de
quadrinhos produzidas no Brasil que conseguiram alguma projeção foi Holy Avenger (fig.
23), com roteiro de Marcelo Cassaro e desenhos de Erica Awano, ambos paulistas.
Figura 23 - Holy Avenger, de Marcelo
Cassaro e Erica Awano, foi um
dos poucos quadrinhos brasileiros
publicados sem interrupções na
última década, alcançando um
razoável sucesso de público
apesar da fragilidade da Editora
Trama, hoje uma empresa extinta.
52
Publicada pela antiga Editora Trama, sem interrupções, entre 1999 e 2003, a
história teve quarenta e dois números, baseando-se nos mundos de fantasias dos Role Playing
Games (“Jogos de Interpretação de Papéis”, ou simplesmente RPGs) e em elementos dos
mangás e animes: Lisandra, uma pacífica druidisa amiga dos animais, sofre a maldição do
deus-cobra Sszzaas, que lança sobre a garota um poderoso feitiço, fazendo-a se apaixonar
pelo misterioso Paladino. Para ajudar seu amado, a garota tem de se arriscar pelo seu mundo
em busca de estranhas jóias esféricas, chamadas de Rubis da Virtude, auxiliada pelo guerreiro
lagarto Tork, pela maga elfa Niele e pelo ladrão Sandro, que nutria, em segredo, um amor
pela protagonista.
Apesar de ter alcançado um êxito louvável, a iniciativa de Holy Avenger o
rendeu outras obras que pudessem dar fôlego à produção nacional em parte, devido à fraca
estrutura empresarial na qual Cassaro se sustentava. Diante do crescente sucesso dos mangás
no Brasil, Maurício de Sousa, conhecido pela sua resistência em alterar a fórmula da sua
Turma da Mônica, reformou seus personagens segundo os clichês dos quadrinhos japoneses,
criando, em 2008, a Turma da Mônica Jovem, empregando o próprio Cassaro na construção
de alguns roteiros (fig. 24).
Figura 24 - página de Turma da Mônica Jovem (2008). Vistos de
maneira completamente estereotipada, os adolescentes
deste quadrinho são consumistas, vaidosos e fúteis, além
de adotarem um padrão de vida compatível apenas com as
classes urbanas mais altas da sociedade brasileira.
53
Numa jogada oportuna para a manutenção dos seus negócios, visando conquistar
os fãs de quadrinhos japoneses e recuperar leitores mais antigos com uma “renovação”
massivamente anunciada, Maurício apenas transformou algumas poucas características físicas
de seus personagens, tornando-os adolescentes, e ordenou que seu estúdio o único que
produz histórias em quadrinhos regularmente neste país desse a eles um tratamento
baseado na visualidade dos mangás. Contudo, Mônica e os outros personagens continuaram
idealizados, para não dizer que se encontram completamente imersos em um mundo de
sonhos: seus hábitos compulsivos de consumo, a abundância de bens materiais a que têm
acesso, a qualidade de suas escolas, o poder aquisitivo de suas famílias e mesmo o modo
superficial como conduzem suas relações interpessoais encontram-se muito distantes da
realidade da maior parte dos jovens brasileiros.
No presente momento, apesar da pouca receptividade das editoras do Brasil aos
trabalhos de seus próprios autores, não são tão numerosos os quadrinistas voltam seus
esforços para publicar suas obras na Internet, e os que o fazem, na maior parte das vezes,
desejam conquistar um público leitor próprio que lhes notoriedade suficiente para ter a
chance de entrar no restrito mercado editorial do país. Entretanto, poucos autores se lançam
ao desafio de bancarem as próprias publicações no meio impresso, devido aos altos custos da
tiragem e da distribuição (por correios ou por empresas que trabalham junto a editoras) e do
risco dos exemplares impressos “encalharem” (ou seja, não serem vendidos em sua
totalidade), ocasionando prejuízos financeiros, sem considerar a escassa notoriedade que as
revistas alternativas, de modo geral, alcançam na sociedade brasileira.
É preciso notar que, além da histórica concorrência estrangeira desleal, os
duradouros problemas educacionais e econômicos brasileiros jamais auxiliaram na formação e
na especialização dos quadrinistas nacionais. Apesar da existência de desenhistas e roteiristas
habilidosos (que, por falta de incentivos, costumam dedicar-se a outras carreiras ou trabalham
fora do Brasil), essa conjuntura desfavorável ainda provoca extremo amadorismo entre grande
parte dos autores, que não alcançam arcabouço cultural suficiente para escrever uma narrativa
minimamente interessante, que prenda a atenção de seu público-alvo. Talvez seja possível
esperar, numa perspectiva otimista, que a Internet, desde que haja uma educação para seu uso,
venha a contribuir com o desenvolvimento técnico dos talentos do quadrinho brasileiro,
criando um público que incentive, inclusive financeiramente, os profissionais a permanecerem
na área — estabelecendo um nicho de mercado que desencadeie melhoras na formação
profissional e se situe além da fácil manipulação pelos interesses financeiros da maioria dos
editores tupiniquins.
54
CAPÍTULO 2: OS QUADRINHOS E A INTERNET
2.1. O emprego do computador nos quadrinhos
As primeiras histórias em quadrinhos chamadas “digitais” surgiram na segunda
metade da década de 1980. Shatter (fig. 25), criada pelos estadunidenses Mike Saenz
(desenhista) e Peter Gillis (roteirista), teve sua primeira edição pela First Comics Inc., em
1985 (FRANCO, 2004, p. 55-58, e McCLOUD, 2006, p. 140). No ano seguinte, Saenz
publicou, por um selo alternativo da Marvel Comics, Crash, uma narrativa em que figurava o
super-herói Homem de Ferro (FRANCO, 2004, p. 58-60). Esses dois trabalhos, permeados de
conceitos e modelos retirados do universo de ficção científica cyberpunk, foram integralmente
desenhados em computadores Macintosh, quando a interface gráfica dos sistemas
operacionais ainda surgia.
Em 1988, a revista italiana L’Eternauta lançou a série L’Impero dei Robot (fig.
26), desenhada em programas de modelagem num computador de 16 bits, o Atari ST 520,
pelo artista alemão Michael Götze
9
. Na Bélgica, as Éditions du Lombard (hoje, pertencentes
ao grande grupo editorial Dargaud) editaram, em 1989, Digitaline NO (fig. 27), inteiramente
9
CASSANI, Alberto. Welcome to future land. Artigo que se encontrava originalmente disponível em
http://www.cinefile.biz/futurel.htm (atualmente fora do ar). Acesso em 3 jun. 2009.
Figura 25 - algumas vinhetas de Shatter, de Mike Saenz e Peter Gillis. O
computador auxiliou a criação da perspectiva do cenário, dos
balões, do texto escrito e das onomatopéias, tornando-os mais
retilíneos e regulares.
55
desenhada e pintada no computador por Jacques Landrain e roteirizada por Robert “Bob” de
Groot (FRANCO, 2004, p. 65-67
10
).
10
Notar que o quadrinho é de origem belga, diferentemente do que Edgar FRANCO afirma em seu texto, ao
escrever que Digitaline NO teria sido realizado na França.
Figura 26 - vinheta de L’Impero dei Robot, de Michael Götze.
As malhas quadriculadas usadas para modelar o
corpo dos personagens no computador ficaram
expostas, servindo como uma característica gráfica
da armadura dos robôs.
Figura 27 - Digitaline NO, de Jacques Landrain e Robert “Bob”
de Groot. Notam-se as linhas mais retas, típicas de
programas de ilustração vetorial, bem como as
técnicas de colorização digital, a exemplo dos
dégradés uniformes e os efeitos de luz na luminária e
nas folhas da planta.
56
Durante os primeiros meses de 1990, o desenhista espanhol Pepe Moreno Casares
conseguiu lançar, nos E.U.A., pela DC Comics, Batman: Digital Justice, cujo diferencial foi
mostrar uma narrativa quadrinizada do Homem-Morcego elaborada integralmente utilizando
softwares de modelagem 3D e pintura digital emulando luzes, sombras e volumes de técnicas
analógicas (fig. 28) procedimento incomum para a época, o qual contribuiu para o sucesso
editorial da revista (FRANCO, 2004, p. 69-79, e McCLOUD, 2006, p. 140).
Com exceção de Digitaline NO, as publicações quadrinizadas “digitais dessa
época tinham roteiros altamente influenciados pela ficção científica cyberpunk. Não que esse
tema fosse inédito — a revista Métal Hurlanto havia desenvolvido bastante nos quadrinhos
desde a década de 1970 —, mas os autores e os editores acreditaram que ele combinava
melhor com todo um universo de conceitos e elementos trazidos pela tecnologia
computadorizada (máquinas automatizadas, números binários, ciborgues, eletricidade, tráfego
de dados digitais, mundos virtuais mantidos por redes informatizadas, implantes cibernéticos,
Figura 28 - página de Batman: Digital Justice, de Pepe Moreno.
O cenário e o
robô foram feitos em modelagem computadorizada 3D que, na
época, dava uma aparência demasiadamente poligonal para os
objetos. É possível perceber também a forma regular dos balões e
o uso de fontes para o texto escrito.
57
interface homem-máquina, superação do cérebro humano orgânico pelo cérebro eletrônico
etc.), que pela primeira vez estava sendo usada para criar o visual dos quadrinhos.
De fato, esses quadrinhos “digitais” se diferenciavam dos outros então existentes
simplesmente por terem empregado o computador na feitura dos desenhos e em sua arte-
finalização e pintura. O papel continuava sendo o suporte final. No decorrer da cada de
1990, o barateamento relativo dos custos de hardware e software possibilitou a entrada
paulatina e permanente do computador na indústria gráfica inclusive na elaboração dos
quadrinhos, acelerando, particularmente dentro das grandes editoras, o desenho, a colorização
e outros procedimentos específicos dentro da “linha de montagem”, como letreiramento,
balonização e criação de logotipos e onomatopéias:
[...] As primeiras revistas produzidas digitalmente em meados da década de 80 eram
necessariamente rudimentares e requeriam um imenso investimento em tempo e
verba. [...] Enquanto isso, nos bastidores, os computadores se tornam onipresentes
na arte-final das revistas em quadrinhos destinadas à publicação. No momento em
que escrevo, as cores e as letras das revistas do grande mercado vêm sendo inseridas
rapidamente por sistemas digitais, com resultados surpreendentemente sutis em
muitos casos. (McCLOUD, 2006, p. 140-142)
Atualmente, não apenas os desenhos, as cores, as letras e os balões dos quadrinhos
impressos são realizados diretamente no computador. Outras tarefas, como o ajuste e
separação de cores, a criação do fotolito e a própria impressão também são procedimentos que
se encontram inteiramente computadorizados. Em nossos dias, excetuando-se talvez alguns
pouquíssimos trabalhos, os quadrinhos pensados para veicular sobre papel, feitos por
profissionais ou amadores, passam por algum tipo de tratamento digital até chegar às mãos e
aos olhos dos leitores.
A crítica e a publicidade do fim da década de 1980 e do início da década de 1990
classificaram as realizações de Saenz, Götze, Landrain e Moreno como “digitais” apenas
porque empregaram computadores em alguma fase de sua elaboração. Se nos fiássemos a tal
raciocínio, a quase totalidade dos quadrinhos hoje publicados na imprensa de todo o planeta
seria, igualmente, considerada “digital”, dada a presença massiva do computador no ato de
desenhar
11
e em praticamente todas as etapas de produção dessas publicações. Obviamente,
uma classificação assim estaria equivocada, pois aquilo que se tornou digital não foram essas
obras quadrinhizadas em si que continuam veiculando por meios “analógicos” —, mas seu
processo de produção.
11
Embora, no mercado editorial, ainda se requeira muito dos desenhistas desenhar sobre papel utilizando
técnicas com grafite e nanquim — coisa que muitos profissionais aprovam, visando não limitar o exercício do
traço somente às mesas digitalizadoras (equipamentos que permitem o desenho direto no computador, também
conhecidos como tablets). Mesmo feitos à maneira tradicional, os desenhos se banham de processos digitais
durante a captura por escâner, a correção de tons, a aplicação de cor e outras etapas seguintes.
58
Chamar os quadrinhos impressos de “digitais” é algo que se torna ainda mais
inadequado se considerarmos que, hoje, o desenvolvimento tecnológico permite a existência
de narrativas quadrinizadas feitas não apenas com os computadores, mas especialmente para
os computadores. A migração dos quadrinhos para o meio digital tornou-se possível apenas na
década de 1990, quando, pela primeira vez em sua trajetória histórica, eles mostraram que,
com o auxílio de novas formas de tecnologia, poderiam existir fora do papel, assumindo a
forma de dados legíveis exclusivamente em sistemas computadorizados. As histórias em
quadrinhos deixaram a imprensa, meio no qual surgiram e se desenvolveram por pelo menos
cento e quarenta anos, para eleger como suporte final discos de policarbonato (os CD-ROMs)
e, de modo mais efetivo, as redes de dados interligando artefatos microprocessados
(computadores desktops, laptops, palmtops e telefones celulares).
2.2. Definição de quadrinho digital
O conceito de digital no quadrinho se relaciona mais com a destinação da obra
quadrinizada do que com os procedimentos envolvidos em sua elaboração. É perfeitamente
possível utilizar softwares para criar todos os desenhos de uma revista que será vendida em
prateleiras de bancas e livrarias, bem como conceber histórias utilizando papel, lápis, pincel e
nanquim para veiculá-las na Internet.
Classifico como digitais os quadrinhos que são produzidos visando à veiculação
em meio digital, isto é, dentro de mídias removíveis (CD-ROMs) ou de redes sociotécnicas.
Por exclusão, qualquer quadrinho produzido visando à veiculação na imprensa não é digital,
ainda que na sua feitura tenham sido empregados os mais avançados e mirabolantes métodos
computacionais.
Essa definição que proponho tem como finalidade principal facilitar o estudo dos
quadrinhos numa época em que a tecnologia humana permite a existência, o desenvolvimento
e a problematização dessa arte num meio completamente diferente daquele em que ela teve
suas origens. Tendo em vista que, em determinadas ocasiões, existem semelhanças formais,
estéticas ou concernentes ao processo de produção entre o quadrinho digital e o quadrinho
não-digital, acredito que focalizar o meio para o qual se planeja e se executa a obra
quadrinizada traz vantagens para analisá-la, classificá-la, contextualizá-la e compreendê-la
como demonstrarei no decorrer desta dissertação.
59
2.2.1. Diferenciação entre quadrinho digital e quadrinho digitalizado
Considerando sempre o meio ao qual se destina a obra quadrinizada, cabe fazer
uma distinção importante entre o quadrinho digital e o quadrinho digitalizado. Enquanto
aquele é produzido para veicular em mídias removíveis ou na rede sociotécnica, este foi
primeiramente publicado na imprensa e, após isso, capturado, página por gina, com o
auxílio de um escâner, e então lançado na Internet ou, certas vezes, dentro de CDs ou DVDs
graváveis. Não por acaso, os quadrinhos digitalizados são também chamados de scans
12
e se
diferenciam, terminologicamente, de acordo com os mesmos gêneros de quadrinhos
constantes na mídia impressa: scans de mangás (conhecidos também como scanlations
13
),
scans de comic books de super-heróis, scans de tirinhas, scans de quadrinhos eróticos e
outros.
As páginas dos quadrinhos digitalizados, em sua maioria, encontram-se nos
formatos .jpg, .png. e .gif. Essas páginas costumam se encontrar dentro de arquivos
compactados ou em formato .pdf, visando facilitar a organização de seus volumes e a tarefa de
baixá-los da Internet. Apesar das violações de direitos autorais e de distribuição implícitas em
digitalizar um quadrinho impresso sem permissão de criadores ou editoras
14
, os scans fazem
bastante sucesso entre fãs de gêneros específicos de quadrinhos, que formam, entre outras
organizações informais, grupos orientados para a tradução extra-oficial de edições de mangás
que não foram publicados no ocidente (ou foram, mas sofreram interrupções ou interferências
editoriais em sua publicação) e para o resgate de comics raros, que saíram de circulação há
muito tempo. David Ayton, um programador de nacionalidade provavelmente estadunidense,
criou um aplicativo, o CDisplay Comic Reader Utility, especialmente para otimizar a leitura
dos quadrinhos digitalizados, permitindo a visualização, com apenas um clique duplo, das
páginas dentro de arquivos compactados, sem a necessidade de extraí-las dos mesmos.
Percebendo a fidelidade dos fãs aos seus super-heróis, bem como para garantir seu
espaço dentro da Internet e tentar evitar o escaneamento e distribuição virtual não autorizados
de seus quadrinhos impressos (e, com isso, perder dinheiro), a Marvel Comics, uma das
gigantes do mercado editorial impresso dos E.U.A., criou o sítio Marvel Digital Comics
12
Palavra derivada do verbo inglês to scan (“varrer, esquadrinhar, escanear”).
13
Termo surgido da junção das palavras inglesas scan e translation (“tradução”), pois a maior parte dos scans de
mangás são traduções do idioma japonês para alguma língua ocidental (majoritariamente para o inglês).
14
Embora haja autores que disponibilizam, gratuita e voluntariamente, suas próprias obras em forma de
quadrinho digitalizado, como os desenhistas e roteiristas brasileiros Antônio Éder e André Diniz, do sítio
virtual Nona Arte (os arquivos se encontram, desde agosto de 2008, no endereço
http://www.acervohq.quadrinho.com. Acesso em 2 ago. 2009).
60
Unlimited
15
, cujo objetivo é oferecer, on-line, mediante pagamento de assinatura, edições
digitalizadas de suas publicações, muitas delas registrando a primeira aparição de personagens
famosos (como o Homem-Aranha e o Justiceiro) ou contando histórias seriadas que
promoveram mudanças fundamentais em grupos de personagens (como a saga da
transformação de Jean Grey, integrante dos X-Men, em Fênix Negra). O sítio, desse modo, se
sustenta por oferecer, especialmente para fãs, em imagens de alta qualidade, narrativas
consagradas na indústria do entretenimento que, embora tenham sido, anos, amplamente
difundidas pela imprensa, estão em revistas relativamente difíceis de ser encontradas
atualmente, mesmo em acervos de colecionadores, gibitecas ou museus de quadrinhos.
Os quadrinhos digitalizados do Marvel Digital Comics Unlimited estão embutidos
numa estrutura em Flash (fig. 29), que possui botões fundamentais para “virar” a gina
virtual e comandos para ler a narrativa em tela cheia, em thumbnails (miniaturas) e em página
dupla. ainda outros elementos, como um pequeno aviso publicitário dizendo ao usuário
para comprar a versão impressa, nas comic book stores (nome das lojas especializadas em
venda de quadrinhos nos E.U.A.), do quadrinho digital que ele está lendo no momento.
15
Disponível em http://www.marvel.com/digitalcomics/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 29 - Captura de tela do Marvel Digital Comics Reader, exibindo uma das primeiras
histórias do Justiceiro. Os
quadrinhos digitalizados oferecidos pelo sítio da editora
contam com a estrutura de navegação em Flash para transpô-los para a Internet,
mas deve-se lembrar de que não foram originalmente veiculados em meio digital.
61
2.3. Veiculando quadrinhos digitais em redes sociotécnicas
Em meados da década de 1990, surgiram os quadrinhos digitais em CD-ROM,
que, de uma maneira geral, buscavam mesclar a linguagem dos quadrinhos com os recursos
de multimídia abertos pela Informática (sons, vídeos e alguns elementos de interatividade),
numa época em que a venda de “discos interativos” estavam em alta
16
e a Internet não
dispunha, como nos dias atuais, de tecnologia para transmissão, armazenamento e recepção de
arquivos com grandes quantidades de informação (arquivos de áudio com altas taxas de bits
por segundo, por exemplo) e execução de aplicações on-line. A maior parte dos quadrinhos
em CD-ROM surgiu, de forma relativamente experimental, dentro de países com mercados
editoriais fortes (FRANCO, 2004, p. 81). Sinkha, criada por uma equipe coordenada pelo
artista italiano Marco Patrito e lançada em 1995 na Itália, é uma narrativa em quadrinhos
digital feita integralmente em computador, mesclando, numa história de ficção científica,
sons, efeitos sonoros e seqüências animadas
17
, recursos que, após alguns anos, seriam
explorados de maneira mais freqüente por certos quadrinhos digitais na Internet.
Aos poucos, veicular quadrinhos digitais em CD-ROMs foi se tornando pouco
viável, por uma série de motivos. O primeiro deles dizia respeito aos dispendiosos e
demorados desenvolvimento e teste de programas de instalação e execução que precisavam
acompanhar a narrativa quadrinizada dentro do disco, de modo a assegurar que ela pudesse
ser vista sem problemas em computadores com as mais diversas configurações. Depois, houve
a progressiva expansão comercial da Internet, que proporcionou muito mais vantagens para os
quadrinhos digitais: baixíssimo custo de transmissão simultânea e mundial para vários
usuários — enviar um arquivo via rede a uma ou mais pessoas é bem mais barato que remeter
a elas o mesmo arquivo dentro de um disco, que precisa viajar como objeto, como
mercadoria, impondo diversos custos, como transporte e taxas postais, principalmente se o
público se encontrar geograficamente distante —, atualização constante de informações o
CD-ROM pode receber arquivos apenas uma vez, impossibilitando o acréscimo de versões
novas na mesma mídia — e provimento de acesso a muitas pessoas ao mesmo tempo — não é
possível acessar dados de uma mídia removível em mais de um computador ao mesmo tempo
caso não haja qualquer conexão em rede. Somou-se a isso também a aproximação mais
intensa entre autores e leitores, potencializada pela rede sociotécnica.
16
Como observa Scott McCLOUD (2006, p. 208-209).
17
Detalhes sobre a história de Sinkha, seu processo de produção e sua recepção pelo público e pela crítica podem
ser conferidos em McCLOUD, 2006, p. 210 e especialmente em FRANCO, 2004, p. 81-84.
62
Saber quem teve primeiro a idéia de veicular uma história em quadrinhos num
ambiente de rede sociotécnica, bem como conhecer que história teria sido essa, é um trabalho
que se compara a esforços arqueológicos, pois se trata de uma busca que parte de informações
fragmentadas apontando para dados muito antigos, cuja recuperação, parcial ou total, é
dificílima ou impossível. Obviamente, em se tratando de Informática, o período de tempo que
o adjetivo “antigo” indica é muito menor, devido ao grau acelerado do desenvolvimento desse
ramo do conhecimento humano, dentro do qual a circulação de informações, bem como a
rápida obsolescência de muitas delas, se dá rapidamente. Como explicita Edgar FRANCO:
[...] A rede Internet é um espaço livre para que quadrinhistas dos quatro cantos do
globo possam veicular seus trabalhos on-line, bastando que disponham de um
computador conectado à rede, pois existem dezenas de provedores gratuitos
dispostos a hospedar suas ginas; esse é um dos motivos que torna a tarefa de
mapear os pioneiros na veiculação de HQs on-line algo complexo, pois é impossível
fazer um mapeamento de todos os sites que existem e existiram na rede de forma
efêmera, isto é, estiveram on-line durante um período e depois foram tirados do ar.
(2004, p. 105)
Flávio CALAZANS (1997, p. 150) escreveu que uma das primeiras experiências
de veiculação de quadrinhos em uma rede de computadores teria sido feita em 1986, no
sistema Minitel francês, pela equipe da revista Circus. Esse experimento consistia em
transmitir para os usuários algumas tiras de Mafalda a mais famosa criação do cartunista
argentino Joaquín Lavado “Quino” desconstruindo-as, mostrando isoladamente cada
vinheta que as compunha. O usuário determinava seu próprio ritmo de leitura indo para o
quadrinho seguinte ou anterior por meio de comandos do teclado. Apesar desse relato, faltam,
no artigo do pesquisador paulistano, informações sobre o êxito da experiência, e também
detalhes a respeito de como se contornou tecnicamente a baixíssima resolução dos monitores
de fósforo disponíveis na época para exibir as imagens das tiras.
T. CAMPBELL, no primeiro capítulo de A history of webcomics (2006), destaca
dois autores estadunidenses, Hans Bjordahl (com a série Where the Buffalo Roam
18
, fig. 30) e
Dominic White (responsável por uma tira cômica, Slugs, inicialmente produzidas em 1992,
dentro do sistema Gopher
19
, fig. 31), como precursores dos quadrinhos veiculados em rede.
No caso de Bjordahl, seu trabalho surgira ainda na USENET, também em 1992, antes mesmo
do surgimento do navegador Mosaic, marco técnico inicial da Internet gráfica. Ambos os
trabalhos eram desenhados normalmente em papel, digitalizados e, depois, colocados em rede.
18
Arquivos disponíveis em http://www.shadowculture.com/wtbr/. Acesso em 2 ago. 2009.
19
O próprio CAMPBELL lamenta, no mesmo capítulo de seu livro, o fato de White ter mantido seu trabalho no
Gopher, sistema que, malgrado sua popularidade, cairia logo no quase absoluto esquecimento, perdendo
público para os recursos de vinculação instantânea de documentos e a troca de conteúdo multimídia
permitidos pelos atraentes recursos visuais da world wide web.
63
Hoje, pode-se encontrar pela Internet algumas informações muito dispersas sobre
outros presumidos pioneiros do quadrinho digital on-line
20
, mas nenhuma delas apresenta
quantidade razoável de dados comprobatórios que indiquem, com o mínimo de segurança, que
obras teriam surgido primeiramente e, portanto, não têm validade. Ficam, desse modo, os
registros bibliográficos que citei, apenas para fornecer uma noção sobre quando o quadrinho
passou a migrar, efetivamente, do mercado editorial para a rede sociotécnica. Acredito que
determinar contextos e épocas do surgimento de uma manifestação artística, bem como
indicar algumas de suas primeiras iniciativas, é mais proveitoso do que se questionar a
respeito de quem seria digno do mérito de sua criação, quando simplesmente não é possível
apontar um “pai” ou uma “mãe” de um processo que pode se dar de modo coletivo, e nem
sempre sem conflitos:
20
Como, por exemplo, T. H. E. Fox, quadrinho criado por Joe Ekaitis que, segundo a versão inglesa da
Wikipédia, teria sido publicado ainda em 1986 mas para o qual faltam referências mais coerentes na
Internet. Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Web_comic. Acesso em 25. jul. 2009.
Figura 30 - Where the Buffalo Roam, de
Hans Bjordahl, era feito sobre
uma página A4, e então
digitalizado. Seus quadrinhos
não se limitaram às piadas
sobre Informática, descrevendo
um retrato da vida acadêmica
(e comportamental) do autor e
de seus colegas.
Figura 31 - fiel ao formato das tirinhas, Slugs, de Dominic White, abordou o
ambiente de trabalho de profissionais especializados em computação.
64
[...] As noções de precursor ou de fundador, tomadas num sentido absoluto, têm
pouca pertinência. Em contrapartida, podem discernir-se certas operações da parte
de atores que desejam impor-se como fundadores, ou designando no passado
próximo ou no recente, antepassados prestigiosos de quem se apropriam
proclamando-se seus descendentes. Não “causas” ou “fatores” sociais unívocos,
mas circunstâncias, ocasiões, às quais pessoas ou grupos singulares conferem
significações diversas. Não “linhagens” calmas, sucessões tranqüilas, mas golpes
de espada vindos de todos os lados, tentativas de embargo e processos sem fim em
torno das heranças.
21
Na segunda metade da década de 1990, muitas empresas atuantes na rede
aproveitaram o crescimento da Internet para comercializar espaço virtual em servidores
hosts, onde se armazenam os arquivos de um sítio virtual e serviços para o registro de
nomes de domínio, os domain names. Estabelecimentos comerciais que começavam a
perceber a world wide web como mais um nicho de atuação mercadológica, assim como
diversas organizações públicas, logo trataram de adquirir os nomes que melhor
correspondessem aos seus empreendimentos, gerando conflitos sobre propriedade quando
havia várias empresas querendo o mesmo nome. Pessoas físicas que tinham condições
financeiras e que possuíam algum conhecimento em Informática também se sentiram
incentivadas a comprar seu espaço na Internet e a arquitetar e manter seu próprio website
(como já eram denominados os sítios virtuais).
Com essa abertura comercial, mais quadrinistas se concentraram na Internet,
embora lhes fosse necessário ter (ou se aliar a alguém que tivesse) um razoável entendimento
de HTML, JavaScript e tratamento de imagens para manter suas obras on-line, pois ainda não
havia ferramentas de construção automatizada de websites. Naquele momento, a rede mundial
recebia mais acessos de estudantes universitários, programadores, administradores de rede e
técnicos ligados à ciência da computação, de forma que maior parte dos quadrinhos se voltava
tematicamente para assuntos concernentes ao dia-a-dia desses usuários: linguagens de
programação, conflitos entre empresas ligadas à tecnologia, jargões e neologismos, ataques
irônicos a personalidades do mundo dos negócios informatizados e o próprio ambiente da
Internet em suas especificidades. Exemplos de obras desse período são os quadrinhos de
humor estadunidenses Sluggy Freelance
22
(fig. 32), de Pete Abrams, e User Friendly
23
(fig.
33), de J. D. “Illiad” Frazer; ambas criadas em 1997 e baluartes do que T. CAMPBELL
(2006) denomina nerdcore strips, isto é, tiras cômicas primordialmente voltadas para
aficionados (nerds, na gíria dos E.U.A.) em assuntos como novidades tecnológicas, cinema e
jogos eletrônicos, ou para pessoas especializadas em Informática, num maior ou menor grau.
21
LÉVY, Pierre, apud CARVALHO, 2006, p. 15.
22
Disponível em http://www.sluggy.com. Acesso em 2 ago. 2009.
23
Disponível em http://www.userfriendly.org. Acesso em 2 ago. 2009.
65
Mesmo quando um público maior do que os nichos de técnicos e especialistas
pôde ter acesso à Internet, o leitor de quadrinhos digitais se mostrou diferente daquele que lê
quadrinhos na imprensa principalmente quanto às suas possibilidades de ação. Na rede
mundial de computadores, o leitor, além de se expor a uma circulação muito mais rápida de
informações, assume posturas mais dinâmicas: ele não é mero receptor de informações, mas
também um emissor e, às vezes, alguém que colabora com os autores. É um leitor-internauta:
ele lê, interpreta e retransmite mensagens; emite suas opiniões diretamente aos quadrinistas;
discute em tempo real (dentro de fóruns, salas de bate-papo virtual ou programas de
mensagem instantânea) com outros leitores a respeito de diversas obras; escolhe as narrativas
quadrinizadas que melhor lhe interessem, acessando-as gratuitamente ou a baixo custo; e
freqüentemente, usando a rapidez do on-line a seu favor, cria novos trabalhos (conhecidos
como fan-arts, artes ou homenagens feitas por fãs) a partir do trabalho dos autores que admira
e acompanha, construindo paralelamente seu próprio espaço na Internet.
Figura 33 - User Friendly, de J. D. “Illiad” Frazer, e a piada com o jogo eletrônico Quake,
então um
sucesso do entretenimento em rede.
Figura 32 - Sluggy Freelance,
de Pete Abrams. Mais tarde, a série de tirinhas mudaria seu conceito
narrativo, mas seus fundamentos estão nas paródias humorísticas do universo da Internet.
66
Muitos quadrinistas amadores e profissionais logo notaram o ciberespaço como
um lugar diferenciado para a publicação, especialmente em relação a quadrinhos mais
autorais. Na introdução do quarto capítulo (All together now, “Todos juntos agora”) de A
history of webcomics (2006), T. CAMPBELL evidencia como serviços gratuitos oferecidos
por empresas “pontocom” permitiram a entrada de novos criadores na rede, antes do estouro
da bolha especulativa da Internet no ano 2000:
Em 1999, as companhias da web viam “comunidades” como ouro puro, e
armazenamento ilimitado de arquivos como ferramenta para extraí-lo. Geocities,
Tripod e Xoom ofereciam armazenamento grátis para milhões de usuários, também
conhecidos como “membros da comunidade”. Ninguém sabia exatamente como
esses membros poderiam retornar milhões de dólares — talvez como uma lista
incorporada de mala direta virtual, ou como fornecedores não-remunerados de
conteúdo. [...] A maioria dos quadrinistas da web viu nesses hosts um bom começo,
mas não o suficiente. Eles queriam seus próprios nomes de domínio, e precisavam
estar certos de que suas ginas de quadrinhos poderiam ser colocadas na rede e
exibidas diariamente sem problemas. Muitos buscavam pelo menos algum controle
sobre seus próprios anúncios.
24
Essas vontades dos quadrinistas que investiam seus esforços na Internet induziram
à criação de tios voltados especialmente para as suas necessidades: espaço virtual gratuito,
estabilidade dos servidores, visibilidade na rede e, em alguns casos, participação nos lucros
adquiridos através dos banners publicitários, do acesso pago de leitores-internautas e da
venda de material promocional, como camisetas, chaveiros, brinquedos de pelúcia e outros
25
.
Nos E.U.A., empreendimentos como Moderntales
26
e Keenspot
27
foram dois dos primeiros
portais para os quadrinistas digitais, que originaram outros pelo país, como Drunk Duck
28
.
Uma quantidade considerável de artistas ou grupos de artistas com audiências
maiores e/ou mais cativas prefere manter seus próprios sítios, ou mesmo blogs de
quadrinhos
29
, que misturam diário textual com tiras ou páginas quadrinizadas acompanhando
as postagens. Entretanto, os portais ainda são significativos para os quadrinistas da Internet,
particularmente para os que começam sua carreira, por uma série de razões: proporcionam
visibilidade mais rápida, poupam-lhes a maior parte das preocupações advindas de
24
Traduzido do inglês.
25
Muito se tem discutido a respeito dos percalços e das possibilidades reais que quadrinhistas m de auferir
lucros (que possibilitem a continuidade de seu trabalho) publicando exclusivamente na Internet. Pesquisadores
como Scott McCLOUD, T. CAMPBELL, Steven WHITROW e John BARBER dedicam-se vastamente ao
assunto, que, se extrapola o escopo desta dissertação, é de suma importância para a manutenção e para o
desenvolvimento dos quadrinhos na rede.
26
Disponível em http://www.moderntales.com. Acesso em 2 ago. 2009.
27
Disponível em http://www.keenspot.com. Acesso em 2 ago. 2009.
28
Disponível em http://www.drunkduck.com. Acesso em 2 ago. 2009.
29
Essa estrutura que une blog e quadrinho digital é particularmente famosa entre os franceses, que a chamam de
BD blog (Bande Dessinée blog, “Blog de quadrinhos”). Um dos programas gratuitos mais usados para
construí-la é o ComicPress, derivado do programa WordPress para blogs.
67
dificuldades técnicas (de cuja resolução se encarrega a equipe técnica responsável pelo sítio)
e, embora não sejam garantia de retorno financeiro, costumam ao menos oferecer inscrição e
espaço gratuitos. No Brasil, o portal Cybercomix
30
foi uma das primeiras iniciativas de
congregar trabalhos de quadrinistas e cartunistas famosos (como Lourenço Mutarelli,
Fernando Gonzales, Angeli, Glauco e Laerte) em apenas um endereço virtual, permitindo
também o ingresso de iniciantes que quisessem publicar seus trabalhos on-line (FRANCO,
2004, p. 180-190). O sítio Webcomix
31
, administrado entre 2005 e 2008 pelo empresário e
roteirista belorizontino Henrique Duarte, congregou artistas de Minas Gerais e de estados
adjacentes, oferecendo quadrinhos digitais de diversos temas, porém destacando-se mais pelas
longas histórias de aventura embasadas nas fantasias medieval ou tecnológica. Na França, o
sítio Webcomics.fr
32
, idealizado em 2006 pelo pesquisador e desenhista Julien Falgas,
funciona tanto como um grande catálogo de quadrinhos digitais existentes por toda a Internet
— com destaque para as produções de artistas oriundos da Europa francófona — quanto como
um jornal de notícias gerais e blog sobre a situação dos quadrinhos na world wide web.
2.4. Apropriações: o “quadrinho on-line” que não é quadrinho
Antes de iniciar a classificação e a análise dos quadrinhos digitais que atualmente
estão na Internet, creio ser válido dar atenção a alguns outros trabalhos presentes na rede que
não constituírem de fato obras quadrinizadas, apesar de serem considerados quadrinhos por
alguns leitores-internautas e pelos seus próprios autores.
O trabalho do estadunidense Jason Blue Jarvis, intitulado The Spider Cliff
Mysteries
33
(figs. 34 A e B), em desenvolvimento desde 2004, é um jogo conduzido por
informações textuais que incorpora elementos do cinema de animação. Os personagens desse
jogo aparecem na tela em movimento constante, piscando os olhos, gesticulando e
caminhando pelo cenário. Todo o texto se apresenta pelas falas desses personagens, dentro de
balões e, nas ocasiões em que esse texto exige alguma tomada de decisão ou respostas a
perguntas, surge o momento interativo: várias opções se oferecem ao usuário, que, partindo
delas, poderá seguir por caminhos diferentes dentro da história.
30
Criado em 1997, o Cybercomix hospedou-se no Portal Terra até se encerrar permanentemente, em dezembro
de 2006. Seu endereço original fora http://www.terra.com.br/cybercomix. Contudo, uma cópia parcial da
última versão do sítio encontra-se no Internet Archive, no endereço
http://web.archive.org/web/20050204175301/www.terra.com.br/cybercomix/. Acesso em 2 ago. 2009.
31
Disponível em http://www.webcomix.com.br. Acesso em 2 ago. 2009.
32
Disponível em http://www.webcomics.fr. Acesso em 2 ago. 2009.
33
Disponível em http://www.spidercliff.com/index.php. Acesso em 2 ago. 2009.
68
Embora Jarvis classifique seu próprio trabalho como um quadrinho para a
Internet, percebe-se, nitidamente, que suas maiores preocupações estão em dar fluência às
animações e em fazer com que o leitor se concentre nas informações fornecidas pelas falas,
visto que elas são quase responsáveis absolutas pela quase totalidade da compreensão da
narrativa. Exatamente por isso, pode-se dizer que The Spider Cliff Mysteries é um jogo
textual, dentro do qual o leitor toma decisões de acordo com o que se pode depreender das
palavras, não cabendo a outras coisas, como os cenários e as expressões faciais das
personagens, nenhuma outra função a não ser a de contexto. Não há, nessa obra, um sistema
que permita ao usuário avançar e voltar pelas cenas de acordo com sua vontade. Os próprios
balões são feitos de linhas bem definidas e não têm nenhuma variação expressiva são
apenas um receptáculo para o texto e um indicador de quem está falando o que na história.
Figuras 34 A e 34 B - dois momentos de The Spider Cliff Mysteries, de Jason Blue
Jarvis, mostrando o texto dentro dos balões e, em seguida, um
menu de opções para que o usuário possa escolher caminhos
diferentes para seguir na narrativa.
Figura 34 B
Figura 34 A
69
No Brasil, o soteropolitano Daniel Espínola mantém, desde 2001, um sítio, o
Quadrinhos Online
34
, no qual publica trabalhos que, apesar de nomeados “quadrinhos” pelo
endereço virtual, são apresentações sonorizadas feitas integralmente no programa Flash. Têm
momentos de animação contínua, mas estão desprovidas do elemento interativo de jogo
presente na obra de Jarvis. A maioria dos balões, do mesmo modo que a narrativa, tem uma
duração pré-determinada na tela o usuário quase nunca pode, como nos quadrinhos, ter um
ritmo próprio de leitura, sendo obrigado a esperar que cada cena se finalize para saber o que
acontecerá nas seguintes, sem poder retornar imediatamente às anteriores ou avançar para
uma cena específica (fig. 35).
Sob uma análise mais cuidadosa, as apresentações de Daniel Espínola não se
relacionam aos quadrinhos: apenas fazem uso de balões. No roteiro e na linguagem de câmera
de seus trabalhos traços evidentes até mesmo de alguns lugares-comuns da teledramaturgia
brasileira: planos abertos, indicando o espaço onde se desenrola a ação, alternam-se com
closes durante os diálogos e os momentos de introspecção; a transição da câmera se resume
praticamente às fusões e aos cortes, enquanto a trilha sonora pauta repetida e excessivamente
os clímaces dramáticos.
Os trabalhos de Jason Blue Jarvis e de Daniel Espínola são tidos como quadrinhos
digitais porque ambos assim os classificaram para seu público e porque empregaram os balões
para indicar as palavras proferidas pelos seus personagens. Ora, como demonstrei logo no
princípio do primeiro capítulo desta dissertação, os balões são elementos visuais oriundos dos
quadrinhos que foram apropriados por outras formas de arte e comunicação sua simples
presença não é indício de que estamos diante de uma obra quadrinizada. Constata-se, pois,
34
Disponível em http://www.quadrinhosonline.com.br. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 35 - os “quadrinhos” de Daniel Espínola são, de fato, apresentações
sonorizadas que apropriam o balão para apresentar informações
textuais num ritmo pré-determinado.
70
que a mera inserção de um elemento típico, o balão, não caracteriza as narrativas de Jarvis e
Daniel Espínola como histórias em quadrinhos. Enfim, os trabalhos dos dois autores contêm
particularidades formais que não se enquadram sequer entre as dos quadrinhos que fazem uso
das potencialidades da tecnologia computacional, conforme se visto a seguir, quando
explicarei as duas categorias de quadrinhos digitais existentes hoje na rede.
2.5. As duas categorias de quadrinhos digitais na Internet
2.5.1. Categoria um: Herdeiros
Podemos classificar os quadrinhos digitais na Internet em duas categorias. A
primeira e maior delas compõe-se de histórias que, formalmente, são muito próximas do meio
impresso, mas que se aproveitam da tecnologia em rede para potencializar métodos de
divulgação a custo irrisório, para estreitar contatos com o leitor-internauta e para ampliar o
público por meio do amplo alcance geográfico — fatores nos quais a Internet suplanta
facilmente qualquer mídia impressa. Quanto à forma das obras pertencentes a essa primeira
categoria, Scott McCLOUD observa:
Os quadrinhos on-line são todos quadrinhos digitais no sentido técnico, mas muitos
ainda não são mais do que impressões “adaptadas” em essência. Por centenas de
anos, os quadrinhos existiram dentro da casca da imprensa e, hoje, a mídia digital os
está engolindo [...]. Em outras palavras, temos de nos perguntar o que os quadrinhos
podem fazer num ambiente digital, e quais dessas opções se mostrarão valiosas a
longo prazo. (2006, p. 203, 207)
Os quadrinhos digitais da primeira categoria, os quais chamarei de Herdeiros,
mantêm a mesma lógica de diagramação, esquemas de composição semelhantes, técnicas de
sombreamento (como retículas e hachuras) e, muitas vezes, o mesmo formato de página
utilizados tradicionalmente na imprensa. A não ser no caso das tiras, isso costuma acarretar
problemas de legibilidade, porque os papéis mais comumente usados na produção de
quadrinhos impressos de dimensões próximas, idênticas ou ao menos proporcionais ao
tamanho A4 (210 mm x 297 mm) ou ao B4 japonês (257 mm x 364 mm), quando se trata de
mangás — são usados na orientação vertical, conflitando com as resoluções da tela dos
monitores, que são horizontalizadas (fig. 36).
71
Quando as páginas de um quadrinho digital Herdeiro encontram-se verticalizadas,
os navegadores ajustam-na forçosamente à resolução da tela do monitor, criando uma barra de
rolagem na vertical: é preciso arrastá-la para baixo, usando o cursor do mouse, para conseguir
ver a página até o fim. Esse problema de apresentação visual repercute negativamente na
percepção da página como um todo, quebrando tanto a harmonia da diagramação das vinhetas
quanto sua composição. De fato, onomatopéias, linhas de ação, balões ou qualquer outro
elemento que não seja pensado em formas horizontais acaba cortado pelo navegador, exigindo
que o leitor suba e desça a barra de rolagem sem, no entanto, perceber a integração visual dos
elementos à completude da página. Para tentar solucionar esse problema, muitos autores têm
procurado compor suas páginas na horizontal, para aproximá-las das proporções
correspondentes à resolução dos monitores. Horizontalizadas, as páginas cabem na área de
visualização dos navegadores e permitem que os leitores-internautas percebam a página
inteira, sem cortes e dispensando a barra de rolagem.
Algumas grandes empresas que se interessam em publicar quadrinhos Herdeiros,
para atingir um público bastante extenso, recorrem à utilização do programa Flash, que possui
um plug-in disseminado pela rede, estável e imensamente compatível com os mais diversos
navegadores e sistemas operacionais e, portanto, capaz de adaptar automaticamente um
quadrinho digital, sem muitos esforços de programação, às mais diferentes resoluções e
configurações de computador.
FFigura
36 - dimensões formato do papel A4 na vertical, comparadas com as áreas visíveis
proporcionais de algumas resoluções (medidas em pixels) suportadas pela maior
parte dos monitores de computador atualmente disponíveis no mercado.
72
Em vez de introduzir o quadrinho Herdeiro em um documento HTML, que
somente pode ajustar a imagem a uma resolução com a ajuda de JavaScript recurso que
muitas vezes apresenta incompatibilidades entre navegadores e sistemas operacionais
diferentes ou versões distintas do mesmo navegador —, a obra é posta dentro de uma
estrutura de navegação completamente montada em Flash. Apesar de cada uma das empresas
montar estruturas próprias, muitas semelhanças em relação às interfaces de navegação
adotadas: ordinariamente, essas estruturas disponibilizam comandos básicos, como botões ou
análogos para “virar” digitalmente a folha, avançando ou recuando na narrativa; também
permitem que o leitor-internauta zoom nos conteúdos sem perda considerável de qualidade
da imagem ou seja, pode-se perceber tanto a paginação como um todo quanto os detalhes
de cada vinheta; e, muitas vezes, possibilitam visualização em tela cheia (sem a interferência
de outros elementos habituais em um sítio, como banners publicitários, botões etc.) e a
visualização de grupos de páginas em thumbnails, pequenas miniaturas imagéticas que
permitem acesso mais rápido a uma página e/ou vinheta específica.
Ressalto: embora essas estruturas em Flash auxiliem a contornar problemas de
visualização, na maior parte das vezes o quadrinho assim apresentado na Internet não usufrui
de outras potencialidades tecnológicas desse programa, como possibilidade de inserção de
sons ou animações. Trata-se de um quadrinho digital que, apesar de ter buscado uma solução
para sua exibição on-line, ainda está de acordo com grande parte dos padrões utilizados para a
impressão, procurando não alterar em demasia nem sua forma nem sua narrativa em função
das potencialidades que o meio digital em rede pode oferecer a ele — realmente, as estruturas
tentam simular a leitura de um impresso; por isso se classificam entre os Herdeiros.
Dois exemplos do quadrinho assim apresentado vêm dos Estados Unidos: são os
sítios Zuda Comics.com e Heroes: Graphic Novels, que se vinculam, de uma forma ou outra,
às outras manifestações midiáticas (imprensa, cinema e televisão) e aos métodos de
licenciamento de marca registrada (venda de itens de vestuário, brinquedos, artigos de
papelaria etc.) em que atuam as empresas que os criaram.
Zuda Comics.com
35
é uma divisão da DC Comics, uma das maiores editoras de
quadrinhos dos E.U.A. Trata-se de um sítio voltado especificamente para publicação de séries
de quadrinhos via Internet, que se submetem à apreciação dos leitores-internautas por meio de
concursos periódicos: o autor do trabalho que receber o maior número de votos por mês
formaliza um contrato com a Zuda e, além de prosseguir com a publicação de seu quadrinho,
35
Disponível em http://www.zuda.com/. Acesso em 2 ago. 2009.
73
pode veiculá-lo em outros meios, como telefones celulares e até mesmo a imprensa, de acordo
com os interesses firmados entre ele e a editora. Artistas de todo o planeta podem participar,
desde que concordem com os termos de adesão ao sítio, com os critérios adotados para a
votação (e para uma provável futura publicação) e desenhem suas pranchas originais em um
formato compatível com o 4:3 (para que se encaixem melhor na proporção dos monitores).
A estrutura de navegação do Zuda Comics.com contém comandos para “virar” as
páginas do quadrinho Herdeiro, para frente ou para trás, bem como para avançar ou retroceder
dez páginas na narrativa. O leitor-internauta pode escolher exibi-las em tela cheia ou em
thumbnails (fig. 37).
Propondo um diálogo entre meios diferentes, a emissora de televisão NBC,
também sediada nos E.U.A., criou quadrinhos para a Internet que complementam detalhes
narrativos da série Heroes, por ela televisionada. O sítio Heroes Graphic Novels
36
, inaugurado
no dia da estréia da rie, em 25 de setembro de 2006, traz histórias semanais com duração
entre seis e dez páginas, cujos temas estão em torno da mesma premissa dramática mostrada
36
Disponível em http://www.nbc.com/Heroes/novels/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 37 - captura de tela de Melody (autoria de Ilias Kyriazis), um dos quadrinhos digitais
publicados em Zuda Comics.com, destacando a navegação em miniaturas (thumbnails)
e os comandos de avanço/recuo e zoom na parte de baixo da tela. Nota-se que, embora
horizontalizada, a página tem lógica de diagramação muito próxima daquela
comumente adotada na imprensa.
74
na TV pessoas comuns percebem que possuem poderes sobre-humanos (como alterar a
estrutura do espaço-tempo, ouvir os pensamentos alheios etc.), e essa percepção acaba
interferindo nas relações interpessoais desses indivíduos, tornando-os alvo do assédio de uma
organização secreta que deseja controlá-los.
Todos os roteiros são de autoria do idealizador de Heroes, Richard Timothy
“Tim” Kring, que trabalha com o auxílio de uma equipe de escritores; os desenhos do
quadrinho ficam a cargo de diversos artistas da Aspen Comics, uma editora estadunidense de
quadrinhos de fundação relativamente recente (iniciou suas atividades em 2003).
Percebe-se, também pela estética adotada na fotografia e na tipografia dos créditos
da série de TV, que esta e os quadrinhos veiculados on-line se tornam bastante próximos,
colaborando mutuamente um com o outro, oferecendo aos telespectadores/leitores-internautas
dois fios narrativos complementares: o da televisão, que se concentra no andamento geral da
história; e o dos quadrinhos, que enfatiza detalhes das vidas e dos poderes dos personagens. A
série televisionada cria ainda outras conexões com a linguagem dos quadrinhos, ao fazer
referência a um comic book fictício, chamado 9th Wonders, que, no enredo, é desenhado por
um dos personagens da série, Isaac Mendez, o qual tem poderes de prever o futuro e passar
suas premonições, em forma de desenhos, para as HQs (concebidas especialmente pelo
quadrinista Tim Sale, formado na School of Visual Arts de Nova Iorque). Tal quadrinho
fictício, entretanto, nem sempre coincide com aquele mostrado no sítio Heroes Graphic
Novels, embora colabore para integrar as duas mídias em um desenvolvimento narrativo.
A estrutura de navegação apresentada em Heroes Graphic Novels reduz-se a
comandos elementares (“virar” a folha e dar zoom nas vinhetas), contendo menos elementos
que a do Zuda Comics.com, apesar de trazer sempre o informe publicitário de algum veículo
de uma das patrocinadoras, a montadora japonesa Nissan que habilmente introduz seu
produto na trama narrativa, seja na TV, seja no quadrinho: os personagens sempre dirigem
carros dessa fabricante. Ao clicar nos desenhos, o leitor-internauta tem acesso automático a
um modo de visualização em tela cheia, podendo ver melhor os detalhes do traço, apesar de
perder a percepção do todo da página. Algumas vinhetas escondem links que levam a
surpresas escondidas (chamadas, na língua inglesa, de easter eggs, ou “ovos de páscoa”),
como esboços de artes originais, vídeos, fotografias, arquivos de áudio e animações que se
relacionam com a narrativa, mas se localizam fora do quadrinho, mantendo-o sempre próximo
aos padrões de apresentação da mídia impressa. A fidelidade a tais padrões persiste no
formato de gina proporcional ao A4 verticalizado; por isso, em níveis maiores de zoom,
ocorrem cortes da página nos limites da tela do monitor (fig. 38).
75
Dependendo do mercado on-line em que deseja atuar, porém, é preferível que o
quadrinista mantenha as páginas de seu quadrinho digital verticalizadas: dispositivos portáteis
capazes de acessar a Internet, como o iPhone da Apple e outros modelos de telefone celular,
possuem telas orientadas na vertical. Ainda assim, cabe ao autor fazer ajustes na diagramação
e no tamanho dos balões de seu quadrinho Herdeiro, de forma a tornar as páginas legíveis
dentro das resoluções diminuídas que têm esses aparelhos.
Muitos quadrinhos Herdeiros não utilizam cor, o que pode suscitar o
questionamento: se o meio digital permite a inserção de cores com aparentemente mais
facilidade, por que não tornar todos os quadrinhos circulantes pela Internet simplesmente
coloridos? casos em que a falta da cor é, realmente, uma herança da mídia analógica:
como imprimir em cores sempre foi muito mais caro que imprimir apenas retículas em tons de
cinza ou simplesmente o preto, desde o princípio da exploração comercial dos quadrinhos
houve autores, jornais e editoras que deram preferência à produção de narrativas sem cor, de
forma a baratear os custos. Assim, muitos autores que antes atuavam no meio impresso
desenhando quadrinhos sem cores transferiram para a Internet parte de sua produção, que
continuou “descolorida” por hábito ou por opção estética. As tiras que o cartunista e animador
Figura 38 - captura de tela do modo de visualização em página dupla da estrutura de navegação do
Heroes Graphic Novels. Os conteúdos multimídia aos quais ele dá acesso por meio de links
escondidos em seus desenhos apenas complementam sua narrativa, sem alterar sua forma.
76
gaúcho (residente no Rio de Janeiro) Allan Sieber publica em seu blog
37
, por exemplo,
costumam sair em preto-e-branco, inclusive como forma de justificar o nome de sua série
Preto no Branco (fig. 39 A). Isso não o impede, é claro, de “brincar” com as cores (fig. 39 B).
]]
O argumento da opção estética para utilizar imagens sem cor torna-se mais
consistente quando observamos quadrinistas que começaram suas carreiras na Internet
fazendo obras em preto-e-branco, com ou sem aplicação digital de retículas, simulando efeitos
gráficos do meio impresso. É o caso da tira Malvados
38
, do carioca André Dahmer (figs. 40 A
e 40 B), e da série Zona
39
, do mineiro Alisson Borges (figs. 41 A e 41 B). Esses dois artistas
utilizam a cor apenas em ocasiões específicas, preferindo trabalhar, na maior parte das vezes,
com o preto e tons de cinza.
37
Disponível em http://talktohimselfshow.zip.net. Acesso em 2 ago. 2009.
38
Disponível em http://www.malvados.com.br. Acesso em 2 ago. 2009.
39
Disponível em http://www.webcomix.com.br/zona. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 39 B - outra tira de Sieber, da série Detalhes Tão Gigantes de Nós Dois, com inserção
pontual de cor, em função da idéia exposta na narrativa.
Figura 39 A - uma das tiras da série Preto no Branco, de Allan Sieber.
Figura 40 A
77
Outro motivo que pode levar os quadrinistas da Internet a não usar cor em seus
trabalhos Herdeiros — ou a reduzir drasticamente sua utilização — se relaciona com o
tamanho da imagem em bytes: geralmente, para dada resolução, uma imagem colorida tem
mais informações que uma imagem em tons de cinza ou em preto-e-branco e, por isso, tem
um tamanho maior, demorando mais para se descarregar do sítio. Por isso, imagens sem cor
— ou com informações de cor reduzidas, como é o caso do formato .gif são mais
adequadas se o quadrinista dispõe de um espaço muito limitado no servidor onde hospeda
Figuras 40 A e 40 B - as tiras dos Malvados são normalmente publicadas sem cor, mas
ocasionalmente o autor André Dahmer a utiliza em séries específicas,
para conseguir efeito expressivo.
Figuras 41 A e 41 B - o quadrinista Alisson Borges criou a série Zona a partir do estilo mangá — que,
em sua obra, orienta tanto a ausência da cor quanto sua presença, bem como o
uso de retículas, normalmente empregadas em impressões. A influência da
mídia analógica está também na diagramação verticalizada e na dimensão da
página, próxima ao formato A4.
Figura 41 A Figura 41 B
Figura 40 B
78
suas imagens. Há, ainda, outro obstáculo em função do tempo: mesmo com o uso de
programas de tratamento gráfico, produzir uma página em cores leva, necessariamente, mais
tempo que produzir essa mesma página e deixá-la em preto-e-branco.
Uma característica composicional e narrativa do quadrinho impresso, a qual
aparece muitas vezes nos Herdeiros, é o chamado, não fortuitamente, “gancho”. A página de
quadrinhos bem-feita exibe vinhetas que, embora distintas entre si, harmonizam-se
mutuamente, criando uma hierarquia, um “peso” na composição que tende a deixar imagens e
balões com informações mais importantes sobre a narrativa no final da página à direita da
encadernação aberta (no caso dos quadrinhos publicados no oriente, como os mangás, essas
informações são colocadas no fim da página esquerda, preservando o sentido de leitura
adotado nos países onde são originalmente editados), de modo a induzir o leitor a virar a folha
e continuar a ler a história. Esse procedimento para atrair a atenção de quem lê, na imprensa,
costuma ser pensado em função do diálogo e do peso composicionais que se forma entre duas
páginas quando a encadernação da revista se abre
40
.
Entre os Herdeiros, o raciocínio da composição e a estratégia do “gancho” se
reduzem, quase sempre, à lógica de apenas uma única página. Isso porque os quadrinistas da
Internet ou pelo menos os de produção mais regular publicam somente uma página,
dentro de um período de atualização preestabelecido (um dia, intervalo de dois ou três dias,
uma semana, um mês), trabalhando os “ganchos” com o objetivo de criar em seus leitores-
internautas o hábito de visitar novamente o sítio da obra que estão lendo e, assim, torná-los
fiéis.
Produzir aos poucos, colocando uma página por vez na rede de acordo com o
período de atualização, é melhor que levar grandes períodos de tempo produzindo conteúdo
maior para, depois, disponibilizar tudo em pacotes para download: diminui-se a espera do
leitor-internauta, ao mesmo tempo em que se induz nele o costume de visitar o quadrinho
Herdeiro constantemente, em busca de novidades. Um acesso constante ao sítio onde está o
quadrinho pode ser um dado importante para conseguir patrocinadores, que preferem colocar
seus anúncios publicitários onde o tráfego de usuários é maior e mais freqüente. Além do
mais, a encadernação obviamente inexiste dentro de meios digitais, e para os quadrinistas da
Internet não faz muito sentido gastar energia pensando em páginas duplas, a não ser que se
queira buscar algum recurso expressivo ou ênfase narrativa com isso. Um quadrinho Herdeiro
40
Embora, no caso das tiras, seja na imprensa ou on-line, o “gancho” tenha função exclusivamente narrativa: no
último quadrinho, cria-se uma expectativa para incentivar a leitura da próxima tira.
79
de páginas publicadas uma por vez, lançando o desse recurso do “gancho” ao fim de cada
uma, é Gaspard et Susie
41
, de autoria do francês Serge Reynal (fig. 42).
Entre os quadrinhos Herdeiros, há, ainda, os geradores automatizados: são
programas em Flash de interface simples, capazes de criar páginas a partir de formas
padronizadas (também conhecidas como templates, ou seja, “modelos”) de personagens,
elementos de cenário, balões e formato de vinhetas. Entre os geradores internacionais
acessíveis mediante assinatura gratuita, encontram-se os hospedados nos sítios
Stripgenerator
42
, Toondoo
43
e iBD
44
. Há, também, uma iniciativa nacional, perpetrada pelos
Estúdios Maurício de Sousa, a Máquina de Quadrinhos da Turma da Mônica
45
, que
disponibiliza tanto uma assinatura gratuita limitada quanto assinaturas pagas mensais e
anuais, que dão acesso a um número maior de templates.
41
Disponível em http://gaspard-et-susie.webcomics.fr. Acesso em 2 ago. 2009.
42
Disponível em http://www.stripgenerator.com/. Acesso em 2 ago. 2009.
43
Disponível em http://www.toondoo.com/. Acesso em 2 ago. 2009.
44
Disponível em http://ibd.chomb.com/index.php. Acesso em 2 ago. 2009.
45
Disponível em http://www.maquinadequadrinhos.com.br. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 42 - uma página de Gaspard et Susie, quadrinho Herdeiro
desenhado e roteirizado por Serge Reynal desde abril de 2008.
As páginas, também pensadas de acordo com tamanho
proporcional ao A4 verticalizado, são publicadas uma por uma,
e mantêm na última vinheta um “gancho” —
normalmente uma
ação não concluída ou uma pergunta — que “fisga” a atenção
do leitor-internauta, incentivando-o a voltar ao sítio para ver a
página seguinte da trama.
80
Figura 43 A
Figura 43 B
Buscando uma integração automática entre os blogs e o formato tradicional das
tiras, um grupo esloveno (liderado pelo desenhista e designer Žiga Aljaž e pelos
programadores e desenvolvedores Martin Glavač e David Kuridža) criou o Stripgenerator,
para ajudar “pessoas que não têm habilidade para desenhar a exprimir suas opiniões através
das tirinhas”, como consta na seção About Us (“Sobre nós”). A conta desse sítio permite que
qualquer pessoa crie um blog, o qual abrigará as tirinhas geradas (figs. 43 A e 43 B).
O ToonDoo é também um gerador automatizado de tiras, que oferece maior
variedade de templates e possibilidades de diagramação que o sítio esloveno (figs. 44 A e 44
B). As tirinhas, uma vez produzidas, vão para um arquivo geral classificado por temas e
autores, priorizando os mais lidos e as postagens mais recentes, acessível a qualquer leitor-
internauta. Na seção About us, não menção a nenhum nome específico entre os
desenvolvedores do ToonDoo, mas pode-se ver o nome da empresa proprietária do sítio,
sediada nos E.U.A.: a AdventNet, Inc., especializada em Tecnologia da Informação.
Coincidentemente, na mesma seção, a empresa apresenta um argumento muito próximo ao
dos criadores do Stripgenerator para o desenvolvimento de programas de criação automática
de quadrinhos: ToonDoo foi um resultado feliz de uma sessão de brainstorming (esforços
mentais) concentrada em criar uma nova forma de expressão para aqueles que não têm talento
para desenhar.”
Figuras 43 A e 43 B: exemplos de tiras criadas no Stripgenerator.
81
O iBD é uma iniciativa francesa, criado pelo Groupe Chomb formado por
desenhistas e desenvolvedores que não revelam seus nomes na Internet. O gerador do iBD
produz tanto tiras quanto páginas com várias vinhetas (fig. 45), gera arquivos .swf no lugar de
imagens simples e permite que o usuário lhe acrescente qualquer imagem para compensar
as escassas opções presentes no arquivo de templates. Apesar de o iBD possuir tiras e balões
extremamente uniformes, permite elaborar narrativas maiores, ao oferecer a possibilidade de
adicionar várias páginas na mesma história.
Figuras 44 A e 44 B - exemplos de tiras criadas no ToonDoo.
Figura 44 A
Figura 44 B
Figura 45 -
exemplo de página
gerada pelo iBD.
82
A versão brasileira desses geradores automáticos, a Máquina de Quadrinhos da
Turma da Mônica, permite que o usuário crie tanto tirinhas quanto páginas inteiras a partir de
conjuntos de templates (cuja diversidade de padrões aumenta caso o usuário opte por manter
uma assinatura paga) dos personagens mais famosos de Maurício de Sousa. As páginas finais,
também em formato .swf, apresentam um sistema de navegação e leitura diferente dos
exemplos anteriores: tem-se acesso a uma miniatura da gina gerada, e o conteúdo das
vinhetas pode ser lido com clareza se elas forem ampliadas, uma de cada vez, por cliques
do mouse (figs. 46 A e 46 B). Cada quadrinho gerado, após passar por uma moderação que
elimina “conteúdos inadequados” — “diferenças raciais, álcool e drogas, sexo e religião,
política ou outros temas do gênero”
46
vai para uma página onde poderá receber
comentários e votos de outros registrados.
46
Conforme o termo de uso do sítio, disponível em http://www.maquinadequadrinhos.com.br/Cadastro.aspx.
Acesso em 2 ago. 2009.
Figuras 46 A e 46 B - exemplos de tiras criadas na
Máquina de Quadrinhos
da Turma da Mônica.
Figura 46 A
Figura 46 B
83
Não obstante a criação de quadrinhos em sítios como esses seja completamente
digital, as tiras e páginas se apresentam, no fim, em um formato de imagem estática (.png ou
.jpg) ou em formato .swf contendo imagem estática. Não se trata, portanto, de “criadores de
quadrinhos Híbridos”, pois nenhum deles permite adição de som, nem de animação, nem de
nenhuma outra possibilidade de multimídia. Os geradores, é certo, têm em sua estrutura um
pequeno nível de interatividade, por permitir que um usuário dialogue com um programa para
criar sua própria história — mas esses sítios se enquadram entre os Herdeiros porque o
quadrinho neles originado é, formalmente, fidelíssimo aos padrões dos impressos, podendo
mesmo passar para a imprensa sem prejuízo algum em sua capacidade narrativa.
O maior problema desses geradores automatizados está no excesso de
uniformidade estética: como todas as tiras são feitas a partir de padrões, não há muita
variedade de traço dos personagens, do formato dos requadros ou dos elementos de cena
mesmo o sítio iBD, que permite o upload de outras imagens para incrementar o acervo das
que oferece inicialmente, apresenta trabalhos que se diferenciam pouco, em termos visuais.
Apesar dos geradores serem, obviamente, uma ferramenta destinada a amadores e quadrinistas
iniciantes no aprendizado da linguagem, encontram-se disponíveis para quem procura estudar
a junção de aplicações em Flash às estruturas de blog e banco de dados, bem como as
maneiras que a Internet pode oferecer em termos de criação digital de quadrinhos.
2.5.2. Categoria Dois: Híbridos
As obras pertencentes à segunda categoria de quadrinhos digitais na Internet
diferem bastante daquelas que se agrupam entre os Herdeiros, tanto em termos formais como
em termos de narrativa e estética, por uma série de razões. Em primeiro lugar, a tendência
dessa segunda categoria, cujos quadrinhos chamarei de Híbridos, é romper o máximo possível
com os paradigmas do meio impresso, mantendo, entretanto, os elementos que fundamentam
a linguagem das histórias em quadrinhos (página — transformada em tela —, vinheta e
elipse). A diagramação, a composição dos elementos e as dimensões da página são pensadas
para exibição direta em um monitor, o que reduz o problema de cortes e do aparecimento de
barras de rolagem.
A ruptura se potencializa pelas novas possibilidades que a tecnologia de criação
em meio digital ao quadrinho: a Informática permite que essa forma de arte incorpore
elementos que, antes, lhe eram completamente alheios, como o cinema de animação, o som, a
reorganização dinâmica da composição da página, o emprego de linguagem de computadores
84
e o simples ato de navegar com enorme facilidade de permitir ao leitor escolher que
caminho tomar no decorrer da narrativa, e de acessar links que o levem a outros lugares com
assuntos que se relacionem ou mesmo extrapolem o tema inicial abordado pelo quadrinho. Os
quadrinhos Híbridos exploram mais largamente as características da Internet, não somente
para divulgar o trabalho e estreitar o contato entre autor e leitor-internauta, mas para
enriquecer sua própria capacidade expressiva, como se verá adiante nesta dissertação. Trata-
se, portanto, de um tipo de arte digital cujo objetivo é o de existir apenas dentro da Internet,
usufruindo o máximo possível dos recursos multimidiáticos, não-lineares e mesmo interativos
que somente um ambiente virtual em uma rede sociotécnica pode congregar.
Esse tipo de quadrinho é uma experiência ainda muito recente. Um dos primeiros
autores a perceber que a world wide web, com novas possibilidades expressivas e estéticas,
poderia ser mais que um espaço extra para a existência da arte quadrinizada foi Charley
Parker, estadunidense que, em 1995, punha em rede sua série experimental Argon Zark!
47
.
Devido a pouca idade — ou talvez por causa da falta de percepção de grande parte dos autores
em enxergar na rede um veículo de propriedades únicas, e não simplesmente um meio de
divulgação, conforme McCLOUD disserta longamente na segunda parte de Reinventando os
quadrinhos (2006) —, os quadrinhos para a Internet que buscam extrapolar as convenções da
imprensa não são muito fáceis de encontrar, se comparados com a quantidade de quadrinhos
Herdeiros, mais fiéis às impressoras e ao papel. Os Híbridos procuram uma identidade que se
firme no meio digital em rede, e por isso mesmo são extremamente experimentais, ao menos
no que tange à apresentação formal: cada um dos autores propõe os seus ensaios (com
animações, sons etc.) e, depois, separam o que acreditam ser mais adequado para suas
narrativas, seja em termos de forma, seja em termos de viabilidade tecnológica.
Os Híbridos incorporam à sua forma elementos pertencentes a outras
manifestações artísticas, como a música e o cinema de animação. Também é típica dos
Híbridos a utilização freqüente do hipertexto e das linguagens de marcação e programação
(HTML, Java, JavaScript e ActionScript) como potencializadores de sua narratividade e
não somente como recipientes, como ocorre entre os Herdeiros. Essa convergência de
qualidades é simultaneamente controversa e admirável. quem defenda que esses
quadrinhos, possíveis apenas na Internet, não são mais uma obra de arte quadrinizada, e sim
outra coisa para a qual ainda carecemos de definição; uma forma de expressão cujo nome e
cuja classificação artística somente o tempo, as pesquisas e a recepção dos leitores-internautas
47
Disponível em http://www.zark.com/pages/az1.html. Acesso em 2 ago. 2009.
85
poderão definir, visto que há vários elementos que podem se misturar em apenas um trabalho:
animação, som síncrono e assíncrono, música, interatividade, onomatopéias escritas, linhas de
movimento e balões. Por outro lado, existem pessoas que classificam perfeitamente como
quadrinhos tais obras, uma vez que elas, se bem que congreguem muitas características
oriundas de outros meios, ainda mantêm a estrutura fundamental de estabelecer narrativas por
meio de imagens em seqüência dentro de uma dada área (a gina, ou a tela, que lhe
corresponde), acompanhadas ou não de texto escrito.
Na tentativa de encontrar um norte, é normal que surjam outros nomes para
colaborar com a definição desse novo tipo de trabalho artístico. Na rede, como uma
diferenciação do termo webcomic (usado genericamente, a partir de 1995, para qualquer
quadrinho veiculado na Internet, independentemente de estar entre os Herdeiros ou os
Híbridos), vem se tornando comum encontrar o termo hypercomic para classificar os
quadrinhos que utilizam elementos de animação ou permitem múltiplas escolhas de caminhos
narrativos ao leitor-internauta. Edgar FRANCO inventa um nome diferente para os Híbridos:
HQtrônicas. E assim defende o batismo:
[...] propõe-se então o neologismo “HQtrônicas” — formado pela contração da
abreviação “HQ” (histórias em quadrinhos), usada comumente para referir-se aos
quadrinhos no Brasil, com o termo “eletrônicas”, referindo-se ao novo suporte. Esse
neologismo é uma tradução livre do termo americano electronic comics, que
também nos parece falho devido à palavra comics (cômicos), que faz uso de um
gênero para definir as histórias em quadrinhos. Diante disso, acreditamos que o
nome HQtrônicas seja um termo mais interessante para batizarmos o estágio atual
em que se encontra essa forma híbrida. Devemos salientar que a definição do que
nomeamos HQtrônicas inclui efetivamente todos os trabalhos que unem um (ou
mais) dos códigos da linguagem tradicional das HQs no suporte papel [...] com uma
(ou mais) das novas possibilidades abertas pela hipermídia [...] (2004, p. 170-171)
As “novas possibilidades” às quais FRANCO se refere vêm, exatamente, da
capacidade que a tecnologia de criação informatizada oferece aos quadrinhos, possibilitando-
os incorporar características alheias à sua linguagem original, que se desenvolveu durante
dezenas de anos no meio impresso e, agora, se confrontada com a convergência para o
digital. No capítulo a seguir, detalharei tais incorporações ou hibridismos —, levantadas,
primeiramente, pelo próprio FRANCO e por Scott McCLOUD.
86
CAPÍTULO 3: ESTUDO DOS QUADRINHOS DIGITAIS HÍBRIDOS
3.1. Possibilidades de potencialização da linguagem
3.1.1. A tela infinita de Scott McCloud.
A obra Reinventando os quadrinhos (originalmente lançada no ano 2000), de
Scott McCLOUD, estrutura-se num esquema argumentativo chamado pelo próprio autor de
“as doze revoluções”, através das quais os quadrinhos poderiam se tornar uma mídia mais
procurada, se comparada a outras “concorrentes”, como o cinema, a TV e os jogos
eletrônicos; e também mais bem reconhecida tanto pelo público leigo quanto pelos críticos de
arte e estudiosos acadêmicos. São “doze revoluções” que propõem a valorização do quadrinho
enquanto forma de expressão artística autoral, cujos criadores têm direito a participar melhor
dos lucros auferidos pelo mercado e a diversificar seus temas, melhorando a variedade e a
qualidade dos roteiros, falando para o maior blico possível, inclusive minorias étnicas e
religiosas. Ademais, o autor considera o ambiente digital em rede um meio perfeito para os
quadrinhos se libertarem das convenções impostas pelo impresso, bem como para
contornarem muitos vícios de comercialização.
Nota-se que a maioria dessas “revoluções” leva muito em consideração o contexto
específico em que McCLOUD produziu seu livro: a própria indústria de quadrinhos dos
E.U.A. que vem enfrentando problemas com distribuidores e sofre com a progressiva
restrição de seu público a um pequenino número de fãs, além de ser excessivamente presa aos
moldes dos super-heróis e das daily strips e a percepção muitas vezes distorcida e
pejorativa que a sociedade e o público em geral daquele país costumam ter a respeito dessa
arte. Embora testemunhemos boa parte dos problemas evidenciados em Reinventando os
quadrinhos dentro de outras realidades, como a brasileira, há mercados de quadrinhos nos
quais determinados obstáculos, tais quais a concorrência direta de outras mídias e a pobreza
na variedade dos roteiros, são minimizados, como na França e sobretudo no Japão. Porém, as
“revoluções” relacionadas à transposição do quadrinho para o meio digital receberam boa
acolhida ao redor do mundo, via Internet, seja pelos entusiastas da web, seja pelos autores que
vêem na rede um ótimo campo de experimentação. Com efeito, na introdução, intitulada
Desvendando as seqüências, o autor não esconde sua paixão em apontar suas idéias sobre o
87
potencial dos quadrinhos na Era da Informática: segundo ele, sua defesa do quadrinho digital
é “um manifesto amadurecido em prol da mudança radical.”
Partindo daí, McCLOUD propõe a primeira possibilidade do quadrinho Híbrido: o
infinite canvas, ou “tela infinita”. A obra de arte quadrinizada não mais deve se sujeitar a
nenhum padrão de página, qualquer que seja ele, e tampouco tratar a tela do monitor como um
espaço limítrofe de pixels para colocar suas imagens. Se antes a própria mídia impressa
impunha dimensões fixas para acomodação das vinhetas (na maioria das vezes, formatos
próximos ou proporcionais ao padrão A4, como expliquei no último capítulo), e a área da
página ou, quando muito, da página dupla formada pela encadernação aberta e das
raríssimas e custosas páginas desdobráveis — era o máximo de espaço que os autores
dispunham para se expressar, na Internet isso não mais existe.
Embora, na prática, as telas infinitas dos Híbridos atualmente existentes sejam, de
fato, finitas (ainda que extensas), potencialmente, um documento HTML, ou mesmo uma
apresentação em Flash ou um programa em Java, são capazes de ter dimensão horizontal e
vertical ilimitadas, dentro da qual poderíamos inserir imagens continuamente. Tudo o que
precisaríamos para vê-las seria do auxílio de barras de rolagem ou de qualquer interface
similar de navegação. Com a utilização de plug-ins, é possível, inclusive, imaginar um eixo de
profundidade para compor uma tela infinita 3D, na qual o leitor-internauta “mergulharia” ad
infinitum:
A gina é um artefato da imprensa [...]. Uma vez libertados dessa caixa, alguns
[quadrinhos] levarão consigo o formato da caixa, mas os criadores gradualmente
esticarão os membros e começarão a explorar as oportunidades de design de uma
tela infinita. Num ambiente digital não há razão para que uma história de 500
quadrinhos não seja contada verticalmente ou horizontalmente, como um grande
panorama gráfico. Poderíamos satisfazer nossa propensão para a direita e para baixo
do início ao fim, numa gigantesca escadaria descendente, ou embrulhar tudo num
cubo em lenta revolução [...]. (McCLOUD, 2006, p. 222-224)
A tela infinita parece quebrar a percepção visual global da página como um todo
integrante da narrativa. Mas convém frisar que as vinhetas que compõem o quadrinho de tela
infinita não podem caber nos limites da página impressa, o que muda profundamente o
conceito de apresentação: no lugar das ginas, criam-se ilustrações ao longo de uma extensa
faixa horizontal ou vertical, que pode ser vista de modo contínuo, com o auxílio de uma barra
de rolagem no navegador ou interface equivalente (fig. 47).
88
Figura 47 - ilustração do funcionamento de uma tela infinita em sentido horizont
al: as vinhetas do
quadrinho se estendem em uma longa faixa, que o leitor-
internauta acompanha com o
auxílio de barras de rolagens ou recurso similar.
O recurso da tela infinita transforma a área visível do monitor em uma janela, ou
mesmo em uma analogia de um enquadramento de câmera que, pouco a pouco, revela ao
leitor-internauta elementos (detalhes de cenário, personagens etc.) que, no começo, não
podiam ser percebidos: no Híbrido When I Am a King
48
, de autoria do suíço Demian 5 (um
pseudônimo), as imagens dispostas em faixa horizontal convidam o leitor-internauta a mover
a barra de rolagem, como se estivesse fazendo um travelling da esquerda para a direita, para
acompanhar, dentro de uma planície desértica, as desventuras de um rei que teve o azar de
perder suas calças. O exemplo ilustrado pela fig. 48 mostra, numa vinheta inicial, a
informação de que amanhece no reino; a tela infinita que se segue desvenda, na medida em
que se move a barra de rolagem, o pequenino rei nu, as pirâmides ao fundo, a extensão de seu
território e alguns personagens (mulheres e um camelo próximo às palmeiras).
Em outros quadrinhos Híbridos, como Zot! Online Week 3
49
(fig. 49 A) e I
Can’t Stop Thinking! #5
50
(fig. 49 B), concebidas pelo próprio McCLOUD para demonstrar o
potencial da tela infinita, o monitor vira um tipo de “janela móvel” pela qual se pode
acompanhar, respectivamente, uma queda livre e uma faixa vertical que revela longa
seqüência de vinhetas com vários formatos de requadro.
48
Disponível em http://www.demian5.com/king/wiak.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
49
Disponível em http://scottmccloud.com/1-webcomics/zot/zot-03/zot-03.html. Acesso em 2 ago. 2009.
50
Disponível em http://scottmccloud.com/1-webcomics/icst/icst-5/icst-5.html. Acesso em 2 ago. 2009.
89
Figura 48 - captura de três momentos da tela infinita horizontal de
When I am A King, de Demian 5. O navegador vira uma
janela que nos permite fazer um “movimento de câmera”
da direita para a esquerda, que revela elementos e
possibilita acompanhar o desenvolvimento paralelo dos
atos dos vários personagens da história.
90
Figura 49 A - captura da tela infinita de Zot! Online –
Week 3, representando uma queda livre.
91
Figura 49 B - captura da tela infinita de I
Can’t Stop Thinking! #5,
na qual
as vinhetas se apresentam de
modo contínuo na vertical.
92
Figura 50 - captura de dois momentos da tela infinita horizont
al de
My Life in Records: Prologue, de Grant Thomas.
Existem também sítios dedicados especialmente à tela infinita. O
infinitecanvas.com
51
é mantido pelo programador austríaco Marcus Müller, que desenvolveu
um aplicativo para Macintosh de forma a auxiliar quadrinistas na criação de narrativas com
essa possibilidade de hibridização, disponibilizando uma galeria de demonstrações. Nesse
sítio, pode-se obter uma cópia do código-fonte, que é oferecido pelo programador sob a forma
de software livre. Um dos exemplos do emprego do programa em histórias horizontalizadas é
My Life in Records: Prologue
52
(fig. 50), do músico e quadrinista Grant Thomas. Neste
pequenino trabalho autobiográfico, nota-se como as vinhetas se relacionam entre si de rias
maneiras não necessariamente lineares, bem como as possibilidades de extensão no espaço
permitidas pela tela infinita.
51
Disponível em http://www.infinitecanvas.com. Acesso em 2 ago. 2009.
52
Disponível em http://grantthomasonline.com/prologue/content.html. Acesso em 2 ago. 2009.
93
Figura 51 - captura de uma das vinhetas de The Day the Saucers Came, de Neil Gaiman e Jouni Koponen.
O Infinite Canvas Alpha
53
é um projeto paralelo do Microsoft Live Labs, o qual,
por sua vez, é um grupo de trabalho da Microsoft que se encarrega de pesquisar novas
aplicações para a Internet. O sítio foi criado pelo programador estadunidense Ian Gilman que,
conforme escreveu em seu blog
54
, concebeu, a partir das idéias de McCLOUD, um criador e
visualizador on-line de quadrinhos de tela infinita completamente escrito em JavaScript,
capaz de combinar imagens entre si e adicionar efeitos como zoom. Sua interface de
navegação extremamente limpa permite que o leitor-internauta navegue pelo quadrinho
Hibrido tanto através de botões de avanço e retorno como clicando e arrastando a tela infinita
com o mouse.
Um dos trabalhos que mais se destaca no mostruário do sítio é The Day the
Saucers Came
55
(fig. 51), criado em 23 de janeiro de 2009 pelo roteirista Neil Gaiman e pelo
desenhista Jouni Koponen, em que a tela infinita estabelece um eixo de profundidade
tridimensional: os desenhos parecem nascer uns dos outros e se acumulam dentro das vinhetas
na medida em que se progride na narrativa que descreve o acontecimento vários eventos
estranhos e de grande magnitude, aos quais a personagem a quem o narrador se dirige parece
estar completamente desatenta.
53
Disponível em http://infinitecanvas.appjet.net/. Acesso em 2 ago. 2009.
54
Disponível em http://dragonosticism.wordpress.com/2009/01/22/infinite-canvas/. Acesso em 3 jun. 2009.
55
Disponível em http://infinitecanvas.appjet.net/view?name=The%20Day%20the%20Saucers%20Came. Acesso
em 2 ago. 2009.
94
Se Sob um ponto de vista inicial, os únicos limites existentes para a aplicação da
tela infinita são a capacidade criativa do quadrinista da Internet e o tamanho em bytes da obra
um Híbrido de tela infinita demasiadamente extensa demoraria mais para carregar suas
imagens, impacientando o leitor-internauta, ou mesmo ocuparia mais espaço no servidor que
o hospeda, exigindo maior investimento financeiro por parte de seu autor. E, como ocorre a
qualquer experimento, pode haver ainda um estranhamento de usuários ainda não
acostumados à idéia: existem leitores-internautas que se queixam de ter que usar a todo
instante a barra de rolagem. Sobre essa possível má reação de parte dos leitores-internautas, o
quadrinista Thymothi Godek
56
comentou, numa entrevista dada para o sítio Comixtalk no ano
de 2006:
Qualquer coisa além do limite da familiaridade pode ser um pouco intimidadora. A
percepção de que a tela infinita é um truque ou uma geringonça é provavelmente
devida à novidade do processo de lê-la. [...] A tela infinita é uma ferramenta. Se
você sabe da existência de uma ferramenta que lhe permite contar sua história de
modo melhor, por que não usá-la?
57
A vontade de fazer os quadrinhos quebrarem a “caixa do papel” a fim de se
estenderem formal e esteticamente no espaço existiu na imprensa: as páginas desdobráveis
foram precursoras tecnicamente mais limitadas da tela infinita digital. Os quadrinistas Alan
Moore e J. H. Williams III tentaram romper as bordas da página tradicional com a obra
Promethea, desenvolvida em capítulos entre os anos de 1999 e 2005: livre dos grampos de
sua encadernação, o volume de encerramento da história se desdobra em um grande pôster
(fig. 52), no qual se revela a face da protagonista, sem, no entanto, fazer com que a narrativa
se perca. Além de contemplar a pintura, o leitor é capaz de acompanhar a história (que lida
com as considerações da personagem e dos seus criadores sobre mitos, símbolos, ciência e
religião), cujas vinhetas não perdem o sentido mesmo se lidas ao contrário ou de forma
aleatória.
Embora não fosse intenção dos autores simular, em meio impresso, as
propriedades da tela infinita proposta por McCLOUD, trata-se de uma legítima tentativa de
superar os limites da área da página tradicional — dentro das possibilidades da própria
imprensa. O digital, é claro, potencializa essa superação em escalas cuja reprodução seria
economicamente inviável em outros meios.
56
Godek é provavelmente o único quadrinista da Internet que utiliza interfaces em Java para exibir seus
trabalhos, como se pode ver numa de suas criações mais conhecidas, Everybody Loves Chris Ware.
(
http://www.yellowlight.scratchspace.net/comics/elcw/chrisware.html. Acesso em 2 ago. 2009).
57
Traduzido do inglês. Disponível em
http://comixtalk.com/infinitely_innovative_an_interview_with_tymothi_godek. Acesso em 2 ago. 2009.
95
3.1.2. As características levantadas por Edgar Franco
Em dezembro de 2004, Edgar FRANCO lançou a primeira edição do livro
HQtrônicas: do suporte papel à rede Internet, abordando, pioneiramente no Brasil, o uso dos
computadores na criação dos quadrinhos e como a Informática possibilitou a união destes com
a hipermídia definida pelo pesquisador como “conjunto de multimeios formados por uma
base tecnológica comunicacional multilinear e interativa” (p. 144).
FRANCO fez análises cuidadosas e detalhadas de quadrinhos digitais, contando
como eles, no princípio, utilizaram os CD-ROMs como suporte e, depois, passaram a ser
elaborados principalmente para exibição na rede. Partindo disso, o pesquisador levantou uma
lista de outras possibilidades para o quadrinho Híbrido além da tela infinita: animação,
diagramação dinâmica, trilha sonora, efeitos sonoros, tridimensionalidade, narrativa
multilinear e interatividade, sobre as quais dissertarei nos próximos parágrafos.
Figura 52 - página desdobrável formando um dos grandes pôsteres do capítulo
final de Promethea. As vinhetas se espalham pela área da página
desdobrada, numa tentativa de extrapolar as dimensões
padronizadas dos formatos de papel.
96
A animação (p. 147), atualmente, aparece nos quadrinhos da Internet em forma de
imagens .gif animadas ou em formato .swf. São duas tecnologias robustas, visto a
compatibilidade que têm com os mais variados tipos de navegadores e sua estabilidade
funcional. Normalmente, os .gif animados são menos comuns que as apresentações em Flash,
embora estas, dependendo do conteúdo de multimídia que apresentem, tenham um tamanho
em memória notavelmente maior, demandando mais tempo de carregamento.
A princípio, a idéia de mesclar animação e quadrinhos parece extravagante
demais: é certo que ambas tratam a narrativa de modo mais ou menos parecido tanto que
grandes quadrinistas também se tornaram animadores e diretores de animações, como Winsor
McCay, Ub Iwerks, Osamu Tezuka, Katsushiro Otomo e Hayao Miyazaki; além do fato de a
animação conter, em sua pré-produção, um processo organizativo chamado storyboard, que
decupa as ações do filme em seus quadros principais, ou keyframes, fazendo uma
apresentação formal que guarda semelhanças evidentes com a linguagem dos quadrinhos. Mas
uma das mídias é dinâmica e tem um tempo pré-determinado de duração, ao passo que a outra
é estática e seu tempo de leitura depende fundamentalmente da vontade do próprio leitor.
Surge, então, o desafio de construir um todo harmônico entre as duas.
Uma das soluções encontradas pelos quadrinistas da Internet consiste em aplicar
animação apenas em momentos-chave da história, tais quais ações de movimentação mais
impactante. Exemplo desse tipo de aplicação é o Híbrido SuperShoes
58
(fig. 53), do Coletivo
de Artistas Independentes KCS, de Lião, na França. Feito em Flash, tem momentos
completamente animados (mostrando uma partida de basquete, uma perseguição feita por uma
“sonda espacial” e uma batida de carro) alternando-se com vinhetas estáticas, que mostram a
reação dos personagens a uma “invasão alienígena”.
Outros autores preferem substituir as seqüências de animação completa por
métodos mais sutis, como animação em .gif de elementos específicos do cenário, de balões,
onomatopéias ou personagens. Dois exemplos são Kid Radd
59
(fig. 54), obra em Pixel Art de
Dan Miller (em que acompanhamos um herói de um jogo eletrônico da década de 1980 vendo
sua “vida” mudar na era de transição para os programas emuladores de computador) e a saga
Clownsquad
60
(fig. 55), de Scott Sisti (na qual um palhaço nem um pouco pantomímico
enfrenta um ambiente sombrio).
58
Disponível em http://www.3xplus.net/supershoes/. Acesso em 2 ago. 2009.
59
Disponível em http://www.kidradd.com/. Acesso em 2 ago. 2009.
60
Disponível em http://www.clownsquad.com/. Acesso em 2 ago. 2009.
97
Figura 53 - captura de tela de SuperShoes. Em cada vinheta ocorre uma breve
animação, mostrando, no momento capturado, a queda de uma sonda
esférica no solo e o espanto de uma “terráquea”.
Figura 54 - captura da última tela do primeiro capítulo de Kid Radd. O personagem é,
tecnicamente, um pequeno arquivo .gif animado.
Figura 55 - captura de uma tela de Clownsquad. A primeira fileira de vinhetas
é formada por .gifs
animados, mostrando um efeito de distorção da
face do personagem.
98
A animação substitui, em muitas ocasiões, as linhas cinéticas. FRANCO propôs
algumas subclassificações para o emprego das animações nos quadrinhos digitais, de acordo
com a maneira em que as imagens animadas surgiam no decorrer da narrativa, mas frisou que
foi apenas uma tentativa de facilitar a análise formal, uma vez que a animação pode ser usada
de muitas maneiras diferentes pelo mesmo quadrinista na mesma obra: as seqüências
animadas podem estar contidas dentro de requadros, podem acontecer em tela inteira ou
podem ocorrer apenas em certos momentos, por exemplo, para enfatizar ações feitas por
personagens.
Desdobramento do uso da animação, a diagramação dinâmica (p. 151)
movimento às vinhetas e seus requadros: a apresentação visual do quadrinho não mais possui
uma composição fixa como no meio impresso, pois os requadros podem se movimentar e
mudar de tamanho livremente, criando novas maneiras de percepção da narrativa.
Atualmente, os Híbridos usam recursos do Flash para aplicar diagramações dinâmicas. Um
dos maiores exemplos de seu uso está nos Hellboy E-Comics
61
, quadrinhos virtuais do
personagem de Mike Mignola feitos pela editora Dark Horse Comics, nos E.U.A. Esses
trabalhos que contêm histórias completas divididas em pequenos capítulos, lembrando a
periodicidade das revistas impressas utilizam-se, inclusive, de recursos de animação
localizada em algumas vinhetas e, eventualmente, de efeitos sonoros. Outra experimentação
da diagramação dinâmica está em Kicking Hitler to Death
62
(fig. 56), junção do roteiro do
inglês Daniel Merlin Goodbrey com o desenho do estadunidense John Barber. Neste
quadrinho, feito em 2003, uma vinheta principal fixa, de formato circular. À medida que
prosseguimos, vinhetas secundárias em formato de “fatias” dividem esse círculo principal
acrescentando-se e subtraindo-se às imagens que nele vemos, por vezes mostrando novos
enquadramentos, ora dirigindo nosso olhar para pontos específicos das ações dos personagens.
61
Disponível em http://www.darkhorse.com/Hellboy/Features/. Acesso em 2 ago. 2009.
62
Disponível em http://e-merl.com/hitler.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 56 - captura de três telas subseqüentes de Kicking Hitler to Death
. As vinhetas, através de
animações, sobrepõem-se umas às outras dentro da tela redonda. A leitura se faz em
sentido anti-horário.
99
No estudo do cinema, entendemos como “trilha sonora” toda a informação de som
utilizada em um filme, ou seja, não apenas as músicas — como os apelos da indústria
fonográfica induzem a crer —, mas também os ruídos, as falas e diálogos, os sons síncronos e
os assíncronos. Entretanto, ao classificar a possibilidade de trilha sonora para os Híbridos,
FRANCO (p. 153) pôs em destaque apenas a música, colocando todos os outros elementos de
som em uma possibilidade à parte, por ele chamada efeitos sonoros (p. 155). Como no
cinema, o quadrinho para a Internet busca utilizar a música para criar a devida “atmosfera” da
narrativa combinando a composição sonora com estados de tensão, relaxamento, suspense
etc. —, mas o ato de combinar música com a linguagem do quadrinho pode apresentar os
mesmos problemas da animação: da mesma maneira que a imagem em movimento, o som
impõe seu próprio tempo, independentemente do ritmo pessoal do leitor-internauta.
autores que preferem usar músicas mais simples e composições baseadas em
ruídos, como nos Híbridos Doodleflak
63
e Brain Slide
64
, ambos de Daniel Merlin Goodbrey.
Em outros, como Coup de Pub avec le Menou
65
, de autoria do quadrinista canadense Jean-
François Bergeron “Djief”, há músicas mais longas ambientando a história, mas que terminam
se o leitor-internauta permanecer tempo demais parado em qualquer uma das telas nesse
caso, o autor não se importou muito com a duração da faixa de áudio, acreditando que as
poucas vinhetas que compõem seu quadrinho, bem como a informação textual reduzida dos
balões e recordatórios, induzem automaticamente os leitores-internautas a um ritmo mais
acelerado de leitura, desde que estes compreendam razoavelmente bem a língua francesa.
Diferentemente da trilha sonora, os efeitos sonoros que podemos entender,
segundo a classificação de FRANCO, como falas e diálogos, sons síncronos ou assíncronos
como ruídos associados a ações e/ou a estados psicológicos dos personagens (explosões,
passos, tique-taques de relógios, bater de tambores, estilhaçamento de vidro, enfim), e sons
ambientes (conhecidos também como “sons de fundo”: marulho, buzinas de trânsito ou ruído
de brisa e motores) — tendem a se amalgamar com mais facilidade aos quadrinhos na
Internet, pois estão habitualmente associados a cenários e eventos relacionados ao espaço
(exemplificando por estereótipos, uma história que se passasse em uma casa de campo
poderia ter como som ambiente o piar de pássaros, ou o ruído de um trovão caso começasse a
chover forte). Embora tais informações sonoras tenham seu próprio tempo, elas não impõem,
necessariamente, um ritmo de leitura: servem igualmente para ambientar a narrativa ou para
63
Disponível em http://e-merl.com/flak.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
64
Disponível em http://e-merl.com/slide.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
65
Disponível em http://membres.lycos.fr/bd9/menou/menou.html. Acesso em 2 ago. 2009.
100
pontuar e enfatizar ações tomadas pelos personagens. Em Hellboy E-Comics, como citei
anteriormente, podemos ouvir efeitos sonoros em breves momentos.
Obviamente, a inserção de efeitos sonoros no quadrinho digital tem uma
influência considerável daquilo que o cinema experimentou ao longo de sua existência. Tanto
que esse hibridismo pode substituir os balões de fala e a onomatopéia, além de todos os
recursos gráficos que foram empenhados na apresentação visual desses elementos durante
toda a história dos quadrinhos na mídia impressa. Por isso, muitos autores procuram não
utilizar efeitos sonoros, ou utilizá-los de maneira parcimoniosa, para não “extinguir” ou
menosprezar características tão marcantes dos quadrinhos. Outros, entretanto, preferem
dispensar de vez o grafismo da onomatopéia e empregar os efeitos sonoros. Há, enfim, os que
não se preocupam com a interferência do som na leitura, e admitem até mesmo redundâncias
flagrantes, que nada acrescentam à narrativa: Teen Girl Squad
66
, de Strong Bad (mais um
pseudônimo), contém vozes faladas que contam o diálogo contido nos balões e, além disso,
pautam o ritmo da leitura. A informação sonora repete a informação escrita, dando ao leitor-
internauta a nítida impressão de que algo está sobrando.
O Flash é o programa mais empregado para inserir a trilha sonora e os efeitos
sonoros nos quadrinhos Híbridos. Apesar da boa compressão de som .mp3 que o programa
oferece, dados de áudio com boa qualidade (acima de 160 kB por segundo, em estéreo) ainda
são relativamente pesados para trafegar na rede, principalmente para leitores-internautas que
não têm acesso a conexões de banda larga. Os autores que procuram ampliar o acesso às suas
obras sonoras aumentam a compressão a pontos limítrofes, permitindo que os arquivos
demorem menos tempo para se descarregar sem comprometer demais os bons atributos
sonoros do trabalho ou optam por usar sons com poucos segundos de duração e colocá-los
em loop infinito, ou seja, em repetição de limite indeterminado. É possível colocar som MIDI
em documentos HTML simples, com ajuda de JavaScript, em busca de arquivos de tamanho
físico menor. Esse procedimento técnico era comum na rede antes da banda larga, que
permitiu a difusão do .mp3 para uso em aplicações multimídia on-line.
Não encontrei, porém, nenhum quadrinho da Internet que experimentasse essa
alternativa. Um dos motivos é, com efeito, o fato de o JavaScript enfrentar, algumas vezes,
problemas de compatibilidade entre navegadores e sistemas operacionais. Outro motivo está
na fidelidade do som: de maneira diferente do .mp3, o arquivo MIDI apenas emula os timbres.
Pode-se aprimorar essa emulação, tornando-a surpreendentemente próxima do timbre
66
Disponível em http://www.homestarrunner.com/tgsmenu.html. Acesso em 2 ago. 2009.
101
verdadeiro do instrumento musical, mas isso varia de máquina para máquina, dependendo do
sintetizador MIDI instalado. Desse modo, para contornar os impasses técnicos, os autores vêm
preferindo o formato .mp3, ainda que seu tamanho em bytes seja maior.
Em relação à tridimensionalidade (p. 159), FRANCO considera tridimensionais
os quadrinhos on-line cujos autores utilizam programas de modelagem gráfica tridimensional
(como 3D Studio Max, Maya, Blender e outros) para criar personagens e cenários. Para o
pesquisador, basta o simples emprego desses programas para que o quadrinho digital seja
considerado “tridimensional” e Híbrido, ainda que a obra não possua, em nenhum momento,
um eixo “z” de profundidade, que permita ao leitor-internauta “entrar” através das vinhetas,
ou caminhar por entre elas.
Acredito que o mero uso da modelagem 3D é tão-somente uma opção estética, e
não algo que seja, por si só, capaz de fazer com que um quadrinho tenha tridimensionalidade.
Os programas que citei podem ser usados para elaborar narrativas quadrinizadas que sequer
visem o meio digital afinal de contas, é possível desenhar histórias inteiras empregando a
modelagem e, depois, encaminhá-las para a mídia impressa, tal qual um quadrinho desenhado
completamente à mão, conforme expliquei ao propor minha definição para quadrinho digital e
conforme demonstra Batman: Digital Justice, de Pepe Moreno, um dos primeiros
experimentos de quadrinhos destinados à imprensa feitos no computador.
A tridimensionalidade, de fato, se relaciona com a possibilidade de inserir,
digitalmente, uma navegação por um eixo “z” dentro do quadrinho Híbrido, permitindo que o
leitor-internauta entre de certa forma nas vinhetas e consiga “atravessar” a tela, como se
caminhasse por um ambiente dotado de profundidade (fig. 57).
Figura 57 -
ilustração de um possível eixo “z” de profundidade em um quadrinho Híbrido tridimensional,
que permitisse ao leitor-internauta “atravessar” a tela.
102
Figura 58 - página de Sunset Grill: as ilustrações foram completamente
desenhadas em programas de modelagem 3D. Não há neste
quadrinho, entretanto, nenhum eixo de profundidade que
permita ao leitor-internauta “mergulhar” nas vinhetas.
Para existir tecnicamente, a tridimensionalidade pode mesmo dispensar o emprego
de qualquer programa de modelagem. Basta comparar dois exemplos de quadrinho digital:
Sunset Grill
67
(fig. 58), criado por uma mulher residente nos E.U.A. (a qual ainda não revelou
seu verdadeiro nome), utiliza o DAZ Studio para modelar em 3D os cenários e os
personagens. No entanto, as ginas são completamente estáticas, e até o seu formato
proporcional ao A4 permite que seja transposto para a imprensa sem prejuízos em sua leitura,
o que o classifica entre os Herdeiros. The Right Number
68
(fig. 59), de autoria de Scott
McCloud, foi feita integralmente no Flash utilizando vetores 2D, e demonstra uma aplicação
de tridimensionalidade (um tipo de tela infinita que “mergulha” em si) ao mostrar vinhetas
que entram em si próprias, continuamente, num eixo de profundidade que se estende ao longo
de toda a narrativa. Efeito semelhante existe em The Day the Saucers Came, de Neil Gaiman
e Jouni Koponen, obra que citei anteriormente neste capítulo: a ilustração de uma vinheta
“entra” na vinheta seguinte, transmitindo, ao leitor-internauta, a impressão de que ele está se
afastando fisicamente na medida em que prossegue com a leitura do quadrinho digital.
67
Disponível em http://www.sunsetgrillcomic.com/. Acesso em 2 ago. 2009.
68
Disponível em http://www.scottmccloud.com/1-webcomics/trn-intro/index.html. Acesso em 2 ago. 2009.
103
Figura 59 - captura de três momentos da tela de The Right Number. As vinhetas surgem umas dentro das
outras, como se um eixo de profundidade imaginário lhes unisse em função da narrativa deste
quadrinho Híbrido.
A narrativa multilinear (p. 163) se fundamenta normalmente no hipertexto o
qual, embora tenha existido muito antes do desenvolvimento dos computadores, é
imensamente reforçado e facilitado com o auxílio deles, como evidencia Pierre Lévy:
A leitura de uma enciclopédia clássica já é de tipo hipertextual, uma vez que utiliza
as ferramentas de orientação que são os dicionários, léxicos, índices, thesaurus,
atlas, quadros de sinais, sumários e remissões ao final dos artigos. No entanto, o
suporte digital apresenta uma diferença considerável em relação aos hipertextos
anteriores à Informática: a pesquisa nos índices, o uso dos instrumentos de
orientação, de passagem de um a outro, fazem-se nele com grande rapidez, da
ordem de segundos. Por outro lado, a digitalização permite associar na mesma mídia
e mixar finalmente os sons, as imagens animadas e os textos. Segundo essa primeira
abordagem, o hipertexto digital seria portanto definido como uma coleção de
informações multimodais disposta em rede para a navegação rápida e “intuitiva”.
(1996, p. 44)
A potencialização do hipertexto é uma das características mais poderosas da world
wide web, e se tornou uma das principais peculiaridades da Internet. As informações
associadas, de forma direta ou indireta, a dada informação principal, tendem a se estender a
ponto de abranger centenas de milhares de documentos, contendo multiplicidades de texto,
som e imagens estáticas ou animadas, dentro de servidores distintos, distantes
geograficamente de si ou não, mas facilmente acessíveis. À vontade, o usuário pode navegar
entre os nós da rede, os quais se lhe dispõem, a princípio, de maneira não-hierarquizada:
bastam apenas cliques de mouse para acessar os conteúdos mais diversos, relacionados ou não
entre si
69
.
Os Híbridos podem se aproveitar do hipertexto digital e da facilidade de acesso
que ele provê a informações diferentes: a idéia que mais vem sendo publicada na rede consiste
em apresentar várias opções de ação, à escolha do leitor-internauta, na medida em que se
avança na história. Para atingir o(s) desfecho(s) da trama, ele deve traçar seu próprio caminho
ainda que preestabelecido pelo autor da história construindo uma linearidade pessoal
69
Sobre a noção de hipertexto, é interessante ler o artigo de Vannevar BUSH, As we may think (disponível em
http://www.theatlantic.com/doc/194507/bush. Acesso em 2 ago. 2009), publicado em 1945, no qual ele
imagina um instrumento, o “memex”, que permitiria navegação associativa entre documentos e aumento
conseqüente na divulgação e na circulação do conhecimento da humanidade.
104
dentro da narrativa multilinear. Esse tipo de narrativa, é claro, prescinde da Informática para
existir: muitos livros da imprensa apresentam diversas bifurcações no enredo, estabelecendo
um tipo de “jogo de decisões” com quem os lê. Mas não se deve esquecer de que o ambiente
digital incrementa essa possibilidade, facilitando a inserção de caminhos mais extensos e
numerosos e tornando rápido o acesso a cada um deles.
Planeja-se uma narrativa multilinear de vários caminhos com uma árvore de
possibilidades, ou seja, um conjunto completo de opções que, a partir de um “tronco” (o
começo da história, ou seu fio condutor), se ramifica e se bifurca. Quanto mais numerosas
forem as opções, mais ramificações terá a árvore e, conseqüentemente, mais trabalho terá o
autor em elaborar a história, seja graficamente, seja quanto às possibilidades do roteiro, seja
quanto à estrutura de apresentação na Internet. Um exemplo é Os Perigos de Aline
70
(fig. 60),
do antigo portal Cybercomix, de autoria de Heinar Maracy e Pavão: em cada tela, há um leque
de atitudes que o leitor-internauta deve tomar para si mesmo, para a heroína Aline ou para
algum personagem secundário, com o objetivo de encontrar o final e evitar que os
protagonistas dêem voltas incessantemente pela árvore de possibilidades, que é cheia de
redundâncias propositais. Outra amostra está em Impulse Freak
71
, obra coletiva cuja narrativa
se desenvolve em torno de um personagem, um macaco preto chamado simplesmente de STIP
(Simple To Illustrate Protagonist, “Protagonista simples de ilustrar”): há, em todas as telas,
duas opções de passado e duas opções de futuro em relação ao momento do personagem (fig.
61), e cada uma dessas opções contou com a ajuda de um artista diferente para sua ilustração
— assim, a narrativa tem vários términos e vários inícios.
70
Quadrinho que esteve disponível originalmente, até 2006, em
http://www.terra.com.br/cybercomix/4/h2q/aline. Uma cópia se encontra no sítio Internet Archive, em
http://web.archive.org/web/20050228041734/www.terra.com.br/cybercomix/4/h2q/aline/00.htm. Acesso em 2
ago 2009.
71
Disponível em http://www.sito.org/synergy/ifreak/hotwired. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 60 - captura de tela da narrativa multilinear de Os Perigos de Ailne, em que aparecem
as opções de ação oferecidas ao leitor-internauta.
105
Além de oferecer vários caminhos para o leitor-internauta, a narrativa multilinear
também possibilita o paralelismo: as telas da trama principal da história contêm informações,
botões clicáveis ou links que remetem o leitor-internauta a tramas paralelas ou mesmo a
assuntos que não são indispensáveis à compreensão do texto principal, mas servem como
aprofundamentos que elucidam diversas passagens. Atualmente, um dos exemplos mais
interessantes que podemos encontrar na Internet está em Argon Zark!
72
, de Charley Parker:
cada uma das telas contém pelo menos um link se referindo a dados que enriquecem a
história. Dependendo do botão em que se clica, tais dados podem ser o making of das
animações e das imagens modeladas em 3D inseridas no quadrinho, tipos de “passo a passo”
(mostrando a feitura da tela, dos esboços até a pintura digital), piadas e paródias de anúncios
publicitários e mesmo conexões com sítios exteriores, relacionados com pontos que constam
no enredo. O próprio Parker chama este paralelismo de “páginas secundárias secretas” (apud
WITHROW e BARBER, p. 86), com o claro intuito de atiçar a curiosidade do leitor-
internauta, estimulando-o a clicar por todos os pontos do quadrinho Híbrido.
Colocar links para o exterior da narrativa do quadrinho Híbrido pode desviar a
concentração dos leitores-internautas, induzindo-os a abandonar o fio da trama e voltando a
navegar pela Internet afora. Por outro lado, esse paralelismo pode, certamente, enriquecer a
experiência, permitindo aos usuários obter acesso imediato a outros sítios relacionados com o
enredo desenvolvido para o quadrinho Híbrido. Uma história ambientada no litoral nordestino
72
Disponível em http://www.zark.com/. Acesso em 25 jul. 2008.
Figura 61 - captura de tela de um momento de Impulse Freak, oferecendo as opções
de passado e futuro.
106
do século XVII pode conter links que levem a textos sobre a colonização holandesa ou a um
artigo sobre o poeta Gregório de Matos.
Outro exemplo de paralelismo está em Potential Comics United Kingdom Zero
Zero One: PoCom-UK-001
73
(fig. 62): concebido originalmente para um painel de 17 metros
de comprimento no Comica Festival (ocorrido em 2003 no Institute of Contemporary Arts
ICA, em Londres), conta com a participação de vinte quadrinistas, cada um responsável, neste
Híbrido, por uma das várias narrativas paralelas, que podem se entrecruzar a partir de uma
“espinha dorsal” disposta numa estrutura de tela infinita.
A interatividade (FRANCO, p. 167) é a possibilidade que abarca a maior
variedade de noções. As mais elementares vêm da teoria da comunicação, e dizem respeito à
capacidade do receptor em intervir na mensagem que lhe é emitida. Um meio interativo é
aquele no qual o receptor tem poderes para agir sobre a mensagem e, ao alterá-la, modificar
sua relação com a mesma e também com o emissor. Conforme explicita o próprio FRANCO
(p. 167-168), a interatividade admite níveis, que se configuram de acordo com o tamanho do
poder que o receptor tem para interferir na mensagem dentro de um dado meio.
Dessa maneira, em uma relação de interatividade “baixa”, o emissor envia
diversas mensagens ao receptor, permitindo-lhe tão-somente fazer escolhas entre elas. Quem
recebe traça seu caminho particular sobre um universo de possibilidades previamente
73
Disponível em http://e-merl.com/pocom.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 62 - captura de tela de PoCom-UK-001, mostrando os vários
quadrinhos entrecruzados. Cada linha orientada por uma
seta é uma narrativa diferente que se relaciona com outras,
combinando-se na mesma tela infinita.
107
pensadas por quem envia, num comportamento que pode se aproximar da reação do leitor-
internauta à narrativa multilinear e que aparece em outros meios além da rede, como os jogos
eletrônicos (em especial os do gênero RPG, em que o jogador incorpora diversos personagens
e, partindo das características que escolheu para eles, toma decisões dentro de uma árvore de
possibilidades por vezes bastante extensa que interferem paulatinamente no andamento
do jogo
74
). E em uma relação de interatividade “alta”, o receptor, além de escolher as
informações que vêm até ele, pode modificá-las, ampliá-las e reciclá-las para que outros
receptores e mesmo emissores vejam suas alterações.
Assim sendo, a Internet é interativa por excelência, ao permitir que seus usuários
alterem as informações nela circulantes e lhe acrescentem novas: o receptor se torna,
simultaneamente, um emissor. Posto que a interatividade “alta” é uma característica intrínseca
à Internet ou, pelo menos, intrínseca à maneira atual em que esse meio de comunicação se
apresenta a nós, cheio de blogs, compartilhadores de arquivos e estruturas wiki , ela estreita
e altera as relações entre os autores de quadrinhos e seus leitores-internautas com rapidez. Em
vez de dispor à “audiência” um endereço (eletrônico ou não) específico para contato, como
costumam fazer as grandes editoras do meio impresso, muitos criadores, visando obter ágeis
respostas a respeito do quanto seu público está se interessando pelo trabalho, convidam-no a
deixar comentários a respeito de seus quadrinhos dentro de fóruns virtuais ou mesmo na
própria tela em que a obra se exibe, permitindo que qualquer outro visitante leia as opiniões,
entre na discussão, formule suas idéias e dê mais tráfego ao sítio (ponto que possíveis
patrocinadores podem levar em conta: quanto maior o número de leitores-internautas
acessando o quadrinho, maiores serão as chances de uma marca dentro de algum banner
publicitário colocado estrategicamente ser vista por um consumidor potencial).
Para além disso, há autores que convidam o leitor-internauta a participar do
processo criativo do quadrinho. Aproveitando-se da sua qualidade de emissor dentro da
Internet, o usuário pode ser muito bem-vindo se quiser interferir na obra: as regras dessa
interferência variam de acordo com os planos do quadrinista. A idéia da autoria coletiva se
espalha Internet afora, como podemos perceber, principalmente, na proliferação de programas
gratuitos e/ou de código aberto (o navegador Firefox, o sistema operacional Linux, o
gerenciador de sítios dinâmicos Joomla! etc.), que recebem colaboração voluntária de
74
Não considero aqui os MMORPGs (sigla para Massive Multiplayer Online Role Playing Games, ou,
traduzindo livremente, “Jogos de Interpretação de Papéis para Múltiplos Jogadores em Massa na Rede”), que
são jogos eletrônicos de RPG que recebem em servidores dedicados milhares de jogadores ao mesmo tempo,
os quais não somente interferem nas possibilidades oferecidas pelo software do jogo, como também interagem
entre si de diversas maneiras.
108
programadores de todo o planeta, com o objetivo de enfrentar o monopólio de grandes
empresas do ramo da Informática sobre determinados tipos de programa.
A intervenção do leitor-internauta não é uma característica exclusiva dos
quadrinhos Híbridos: observo que mesmo alguns Herdeiros buscam, de maneiras igualmente
interessantes, um enriquecimento proveniente dessa relação colaborativa direta do receptor
com o emissor. Welcome to the Story
75
, de Jean-Paul Follain, convida o leitor-internauta a
acompanhar a narrativa (em inglês ou francês, com desenhos muito detalhados) e enviar uma
fotografia sua. O autor, então, justifica o título do quadrinho, criando um personagem a partir
da aparência do leitor, creditando-o. Slow Wave
76
, de autoria de Jesse Reklaw, é um
quadrinho veiculado on-line desde 1995, e teve algumas edições impressas. O quadrinista
pede para que seus leitores-internautas lhe enviem, por um formulário dentro do sítio, a
descrição mais detalhada possível dos sonhos que tiveram. Os relatos mais engraçados e
extravagantes têm preferência; se forem escolhidos, ganham uma página exclusiva contando o
sonho por meio de uma breve narrativa quadrinizada, na qual o leitor-internauta-sonhador
também recebe os créditos de co-autor.
Há um caso interessante de quadrinho Híbrido em que o leitor-internauta, além de
se transformar em autor, colabora, em tempo real, para a construção da narrativa quadrinizada
em conjunto com outros leitores-internautas. Trata-se do projeto cointel.de: the Church of
cOiNTEL
77
(fig. 63). Esse sítio, existente desde junho de 2000, é uma idealização de Hannes
Nieplod e Hans Wastlhuber, integrantes da Bauhaus-Universität, em Weimar, na Alemanha.
Também feito em Flash, tem uma programação visual simples, em preto-e-branco, com a cor
vermelha aparecendo ocasional e discretamente em alguns botões. Assim que o acessamos,
surge uma ilustração em ASCII Art lembrando a planta baixa de um labirinto, dividida em
pequeninas “celas” clicáveis, em forma de colchetes. Ao entrar em cada uma dessas “celas”, o
leitor-internauta tem acesso ao uma das múltiplas narrativas abrigadas pelo sítio, enquanto
ouve acordes de piano que lembram músicas feitas com instrumentos MIDI. Como nem todas
as histórias se concluem, o próprio usuário é convidado a preencher as lacunas que restam,
desenhando suas próprias vinhetas com o mouse, dentro de outro programa em Flash. Cada
lacuna narrativa assim completada submete-se à votação de outros leitores-internautas que
visitam a igreja, e a que recebe o maior número de opiniões favoráveis permanece.
75
Disponível em http://welcometothestory.chez-alice.fr/. Acesso em 2 ago. 2009.
76
Disponível em http://www.slowwave.com/. Acesso em 2 ago. 2009.
77
Disponível em http://www.cointel.de/. Acesso em 2 ago. 2009.
109
cointel.de é um trabalho de alto nível de experimentalismo, por permitir que
qualquer visitante contribua com sua história a partir das linhas de roteiro preexistentes, e
ainda influa imediatamente em seu andamento, ao votar em suas preferidas; porém, trata-se de
um quadrinho Híbrido de leitura difícil, devido à enorme variação de estilos de desenho (os
traços variam da qualidade semiprofissional à garatuja mais indecifrável muitas vezes
devida à falta de destreza ao desenhar com o mouse) e da qualidade do desdobramento das
tramas (nem todos os leitores-internautas atuantes possuem conhecimento de técnicas de
roteiro, o que torna o acompanhamento da narrativa, muitas vezes, maçante e dispersivo).
Embora ainda existam em número reduzidíssimo, quadrinhos Híbridos que se
mesclam com variedades de jogos em Flash, fazendo com que o leitor-internauta, como em
um jogo eletrônico, tenha que cumprir certos objetivos antes de prosseguir na história. Apesar
da programação em ActionScript facilitar bastante, o desenvolvimento de jogos exige tempo
(inclusive para a realização de testes de jogabilidade e correção de possíveis falhas de
software, também conhecidas como bugs) e, eventualmente, a formação de uma equipe coesa
e especializada de desenhistas e programadores, que deve trabalhar em harmonia para
construí-los. Por isso, os quadrinhos com jogos têm sido, pelo menos até o momento, um
experimento restrito às grandes empresas, as quais podem arcar com os custos de sua
produção: a Microsoft Brasil e o canal de TV por cabo TNT mantêm on-line,
Figura 63 - captura de tela de cointel.de, mostrando a interface do sítio: as “celas” clicáveis e a janela em
que o leitor-internauta pode desenhar sua própria vinheta para continuar a história.
110
respectivamente, os quadrinhos Amigos S.A.
78
e Wanted: Graphic Stories
79
. Ambas as obras
contêm, intercalados à narrativa, jogos e mensagens publicitárias, que descreverei mais
detalhadamente ao dissertar, posteriormente, sobre as iniciativas das grandes empresas.
3.2. Visão atual dos quadrinhos Híbridos na Internet
A seguir, analisarei mais profundamente alguns dos quadrinhos digitais Híbridos
presentes atualmente na Internet, visando, com isso, ilustrar ainda melhor as particularidades
dessa nova manifestação artística, assim como apontar as maneiras nas quais ela vem se
desenvolvendo. Dedicarei a minha atenção aos bridos porque desejo, sobretudo, evidenciar
a importância das contribuições que eles trazem para a linguagem dos quadrinhos, ao fazerem
uso de todo um aparato computacional que permite a inserção de novas propriedades na obra
quadrinizada, permitindo criar narrativas e interagir com leitores de modos impensáveis na
imprensa.
É fundamental ter sempre em mente o caráter experimental dos Híbridos, visto
que eles ainda buscam sua identidade enquanto elaboração artística dentro de um ambiente
virtual e informatizado em rede. Ainda não e, caso haja um dia, talvez não venha sem
certa presunção uma espécie de cânone, um “manual de instruções” sobre como construir
um quadrinho digital Híbrido. Existe, sim, como coloquei em evidência, uma troca entre
autores, entusiastas e leitores-internautas, que procuram, em conjunto, através do
experimento, do usufruto e da crítica, saber que possibilidades funcionam para o
enriquecimento da narrativa e quais aplicações tecnológicas (em constante desenvolvimento)
contribuirão em maior ou menor grau.
Meus critérios de seleção dos Híbridos para análise partiram dos apontamentos
presentes em Scott McCLOUD (2006) e Edgar FRANCO (2004). Através de buscas
aprofundadas por sítios e portais de quadrinhos digitais (todos constantes nas Referências
desta dissertação), visei pôr em destaque, essencialmente, a criatividade dos quadrinistas em
aproveitar as possibilidades oferecidas pela tecnologia computacional em rede em função da
narratividade de suas obras quadrinizadas. Minhas escolhas também se pautaram pela solução
técnica que cada Híbrido buscou para sua exibição na Internet, pela harmonia estabelecida
entre recursos tecnológicos, desdobramento da narrativa e acabamento estético, e pela
novidade de suas características híbridas.
78
Disponível em http://www.microsoft.com/business/smb/pt-br/charges/jogos.mspx. Acesso em 2 ago. 2009.
79
Disponível em http://alt.tnt.tv/tntoriginals/wanted/site/. Acesso em 2 ago. 2009.
111
3.2.1. Expoentes do exterior
O pesquisador, roteirista e desenhista Scott McCLOUD tem um notável conjuntos
de obras. Desde meados da década de 1990, ele tem dedicado atenção especial às possíveis
fusões entre os quadrinhos e as potencialidades da Informática e do ambiente em rede. Suas
reflexões a respeito dessas transformações da linguagem do quadrinho levaram-no a escrever
o livro Reinventando os quadrinhos, lançado nos E.U.A. em 2000 e traduzido para a língua
portuguesa em 2006. E, para demonstrar tais transformações, criou uma seção chamada
Online comics em seu sítio virtual, scottmccloud.com
80
.
Nesse lugar, McCLOUD exibe várias séries (entre elas, I can’t stop thinking!, Zot!
online, Carl lives! e The Morning Improv nessas duas últimas, contando com o auxílio de
vários outros autores profissionais e leitores-internautas para criar histórias), dentro das quais
nos oferece, especialmente, experiências com o conceito da tela infinita, por ele tão
defendido. O autor a explora fartamente em seus quadrinhos, cujos documentos HTML se
expandem seja na vertical, seja na horizontal, ou em ambos os sentidos, como em My
Obssession with Chess
81
(fig 64). Para auxiliar a clareza da leitura, novos elementos como os
trails, ou “trilhos” (fig. 65), se associam à tela infinita: são pequenos traços feitos,
normalmente, com imagens .gif com transparência, presentes entre as vinhetas, cuja função
primordial era indicar a ordem de leitura. Porém, seu uso constante fez com que McCLOUD
percebesse que eles também podem se revestir de funções narrativas, mudando de forma, cor,
intercalando texto e pautando clímaces. Além das ilustrações cuidadosamente tratadas em .gif
ou .jpg, algumas histórias fazem uso mínimo de animações de fundos de tela (em .gif
animado) e JavaScript para visualizar certos conteúdos, como janelas pop-up.
80
Disponível em http://www.scottmccloud.com/. Acesso em 2 ago. 2009.
81
Disponível em http://www.scottmccloud.com/1-webcomics/chess/index.html. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 64 - captura de tela de My Obsession with Chess, mostrando as barras
de rolagem vertical e horizontal da tela infinita.
112
Obviamente, muitas iniciativas de McCLOUD em prol dos quadrinhos Híbridos
se estendem para além das suas apostas em uma revolução formal: vêm do imenso crédito que
ele dá à liberdade autoral que a Internet permite. Nela, nenhum quadrinista precisa se subjugar
às regras de mercado que se impõem aos quadrinhos impressos, e pode lançar trabalhos de
cunho pessoal que, se submetidos a editores, provavelmente seriam tolhidos devido ao
experimentalismo de formas ou temas. McCLOUD compreende que há, na rede, muitos
autores que desejam, futuramente, publicar suas obras via imprensa, e por isso se voltam para
os quadrinhos Herdeiros mas não deixa de tecer críticas sobre essa conduta, atacando
principalmente os problemas de leitura, como a incompatibilidade de proporções entre os
padrões de página tradicionais e a tela dos monitores.
Os roteiros de McCLOUD permeiam-se de finas ironias comportamentais,
inclusive por questionamentos sobre a conduta das grandes indústrias que lidam com os bens
culturais e sobre o próprio quadrinho Híbrido, como percebemos na série I Can’t stop
Thinking!, feita a partir do ano 2000. As relações humanas presentes em suas histórias são
delicadamente mostradas, e mesmo personagens como o matemático protagonista de The
Right Number
82
, cujo comportamento perfeccionista e fixado em algoritmos numéricos
poderíamos julgar estranho”, têm um fundamento sensível em suas atitudes: encontrar a
mulher que, por combinar perfeitamente com seu gênio, irá conviver com ele em felicidade.
82
Disponível em http://www.scottmccloud.com/1-webcomics/trn-intro/index.html. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 65 - na tela infinita, os trilhos — pequenos traços entre as
vinhetas — servem para orientar a leitura do quadrinho
Híbrido, podendo adquirir características expressivas.
Captura de tela de Zot! Online – Week 1.
113
Também natural dos E.U.A., onde trabalha com design gráfico, construção de
sítios para a Internet e ilustração, Charley Parker se destaca tanto pelo pioneirismo como pela
qualidade de suas experimentações. Sua obra-prima, Argon Zark!
83
(fig. 66), encontra-se em
um sítio homônimo desde 1995 é, talvez, o primeiro quadrinho do mundo criado
especificamente para explorar as propriedades hipertextuais da Internet. Muito provavelmente
por isso, sua premissa dramática, desde o princípio, tenha se voltado para o público
universitário, internautas mais experientes e especialistas em Informática, por ironizar
particularidades da world wide web e de seus usuários, parodiando nomes de programas,
jargões e empresas desenvolvedoras de software.
Argon Zark! tem um formato proporcional ao padrão 4:3 e explora largamente
muitas possibilidades, como a animação e a diagramação dinâmica. Muitos eventos se
acionam a partir da movimentação do mouse: o leitor-internauta aponta o cursor para uma
determinada área do quadrinho e assiste a uma seqüência de animações breves, por exemplo.
O primeiro capítulo da história está em imagens .jpg simples, inseridas em documentos
HTML com alguns “mapas clicáveis” (definidos pela tag <map>), que nos levam a outros
sítios e eventos paralelos, numa demonstração bem clara da narrativa multilinear. O segundo
capítulo, ainda inconcluso, é quase integralmente construído em Flash, o que proporcionou a
Parker uma aplicação muito mais fácil e precisa de certas propriedades, como a animação
restrita a vinhetas e os próprios eventos ativados por mouse em contrapartida, os coloridos
83
Disponível em http://www.zark.com/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 66 - captura de tela do segundo capítulo de Argon Zark!
114
bitmaps integrados aumentaram consideravelmente o tamanho dos arquivos, exigindo mais
espaço no servidor e maior tempo de download. O autor também faz pequeno uso de
JavaScript, cuja programação condicional o faz entrar em funcionamento no caso de ser
impossível instalar, no computador do leitor-internauta, o plug-in que permite ao navegador
ler os arquivos .swf. Nesse caso, o JavaScript substitui o arquivo em Flash por uma imagem
estática em .jpg.
Na história, Argon é o protagonista que, embora herde certos estereótipos do nerd
tradicional (usa óculos, fala de maneira branda, tem inteligência acima do normal e uma
fixação por computadores), possui um visual chamativo, com um inacreditável corte de
cabelo multicolor. Durante a aventura, dois importantes personagens o acompanham: a bela
Zeta Fairlight, de cabelos curtos e ruivíssimos, e um “robô de estimação” chamado Cybert,
equipado com um microcomputador semelhante a um laptop e um dispositivo reconhecedor
de voz que, pelo fato de ainda não funcionar muito bem, dispara a esmo trocadilhos, frases de
efeito e outras “pérolas”. A saga começa quando Argon inventa o PTP Personal Transport
Protocol, ou “protocolo de transporte pessoal”, uma paródia do nome dos protocolos
utilizados pelos computadores para comutar dados uns com os outros via rede —, capaz de
transportar, materialmente, qualquer pessoa ou objeto para a web. Migrando, literalmente,
para o ambiente em rede, os personagens testemunham de perto suas características.
Morando um pouco mais ao norte, a dupla canadense Jean-François Bergeron
“Djief” (desenhista e animador) e André-Philippe Côté (cartunista e roteirista) realizou um
quadrinho em Flash que interessa pelo alto nível de hibridização: L’Oreille Coupée
84
. Neste
trabalho, encontram-se animação, efeitos sonoros, trilhas sonoras e alguns rápidos momentos
de interatividade. Certas características dos autores se fazem notar: no roteiro, sobressai a
atração de Côté pelas tramas policiais; nos desenhos, Djief demonstra boa técnica em lidar
com gficos vetoriais, dando-lhes, através de jogos de cores, uma sensação volumétrica
muito bem definida, fazendo-os semelhantes a bitmaps.
L’Oreille Coupée, proporcional ao formato 16:9, é do ano 2000, e narra um
estranho acontecimento na vida de Michel Martin, um velho solteiro, ocioso e rico:
repentinamente, em uma noite, um desconhecido lhe telefona, apresentando-se como
seqüestrador de sua esposa, exigindo resgate, sob a ameaça de matá-la caso não tenha o
dinheiro (fig 66). O abastado senhor declara não ser casado e pensa que aquilo se trata de uma
brincadeira de mau gosto, mas ouve, na linha, o grito de uma mulher em pânico, e estremece
84
Disponível em http://membres.lycos.fr/bd9/oc/oc.html. Acesso em 2 ago. 2009.
115
de medo quando atiram, logo em seguida, em sua mansão, uma pedra amarrada a um pedaço
de pano, que contém um lóbulo de orelha ensangüentado. O leitor-internauta
prosseguimento à história por meio de cliques do mouse ora em espaços vazios da tela,
fazendo surgir vinhetas que estavam invisíveis, ora em elementos diversos, como as cartas, os
objetos de cenário e o protagonista Michel. Num dado momento, o leitor-internauta tem
acesso a uma das correspondências do seqüestrador, e pode tirar, de dentro dela, uma carta
anônima intimidadora, uma mecha de cabelo e uma fotografia da suposta esposa seqüestrada.
O quadrinho contém animação, mas deixa os sons marcarem o hibridismo com
maior força: os efeitos sonoros, usualmente síncronos, pautam apenas determinadas situações,
consideradas mais significativas para dar força dramática ao roteiro tomando como
parâmetro a abordagem do som por aquilo que conhecemos como linguagem clássica
cinematográfica —, como o ruído do vidro se quebrando ao sofrer impacto da pedra, ou o
telefone tocando; e além da trilha sonora, um narrador nos conta a maior parte da história, em
francês, deixando para os balões um mínimo de informação narrativa. Embora a voz descreva
o conteúdo das cartas do seqüestrador, ela não repete o que se expressa por escrito nos balões,
evitando assim uma indesejável redundância. Entretanto, o ritmo da narrativa se alterna: o
leitor-internauta o pauta de acordo com sua vontade nos momentos em que surgem balões ou
em que ele dá cliques de continuidade, mas quando entram a voz e a trilha, é o tempo pré-
definido do som o que determina a fluidez com que aparecem as vinhetas e ocorrem os
elementos animados.
Os desenhos e cores vetorizados de Djief diminuíram vantajosamente o tamanho
do arquivo .swf final (que possui cerca de 2,7 MB), cedendo mais espaço de memória para um
Figura 67 - captura de tela de L’Oreille Coupée.
116
som com melhor qualidade de compressão. A dupla canadense não se preocupou em
substituir, com freqüência, elementos como linhas cinéticas e onomatopéias gráficas por
animações e som. Malgrado o incômodo de não ser possível avançar e retroceder as telas à
vontade do leitor-internauta, L’Oreille Coupée é visualmente bonito, tecnicamente bem-
elaborado e, tematicamente, encaixa-se com perfeição no ambiente genérico das histórias de
suspense.
Do outro lado do Atlântico, vive e trabalha o inglês Daniel Merlin Goodbrey.
Como McCLOUD e Parker, é um dos mais conhecidos criadores de quadrinhos Híbridos da
atualidade e seus trabalhos endossam muitas idéias dos dois primeiros, além de
apresentarem maior refinamento em termos de linguagem de programação: percebe-se a
habilidade do autor em programar em HTML, CSS, JavaScript e ActionScript, colocando toda
sua técnica em harmonia com sua elaboração gráfica e com o desenvolvimento narrativo.
Goodbrey tem mestrado pela Universidade de Hertfordshire, defendido em 2001, com uma
dissertação sobre Práticas Digitais de Hiperficção, termo que ele define como “histórias que
fazem uso de possibilidades técnicas do computador de um modo que não pode ser
(facilmente) reproduzido em impressões” (apud WITHROW e BARBER, p. 142). Durante o
período em que passou pela academia, desenvolveu, como projeto de pesquisa, uma de suas
primeiras obras, Sixgun: Tales from an Unfolded Earth
85
: nela, percebem-se algumas
características de estilo que haveriam de marcar muitos trabalhos futuros do inglês, como o
largo emprego de fotografias em tons de cinza ou vetorizadas em preto-e-branco, o uso
localizado da cor vermelha e a extrema regularidade e coerência no emprego de famílias
tipográficas. Sixgun traz seis fios narrativos, nos quais figuram seis protagonistas, cujas
histórias, de certa forma, se entrecruzam e cada uma delas traz vinhetas dinâmicas, que
reagem a gestos de mouse do leitor-internauta, e permitem uma leitura não-linear das tramas.
A não-linearidade de leitura é fortemente defendida por Goodbrey, que a
demonstra em muitos dos seus trabalhos, como Icarus Creeps
86
e The Formalist
87
, nos quais o
leitor-internauta lê, na ordem em que desejar, pequenos “contos” que se encontram dentro de
outros maiores, como numa espécie de árvore de possibilidades narrativas. A coesão do
enredo dá-se mais por uma idéia geral que envolve o quadrinho que necessariamente por uma
lógica temporal entre as vinhetas ou entre os “contos” existentes.
85
Disponível em http://e-merl.com/sixgun.htm. Acesso 2 ago. 2009.
86
Disponível em http://e-merl.com/icarus.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
87
Disponível em http://e-merl.com/form.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
117
Pensando em modos de potencializar o desenvolvimento da não-linearidade dos
quadrinhos Híbridos, bem como em explorar características da tela infinita, Goodbrey
desenvolveu um conjunto específico de instruções em ActionScript, o qual nomeou Tarquin
Engine: seu funcionamento não ocupa muita memória e facilita a navegação por narrativas
que se espalham indefinidamente pela tela, uma vez que permite ao leitor-internauta dar zoom
para se aproximar em qualquer vinheta, e depois se afastar para perceber a extensão da
história no espaço virtual. O Tarquin Engine possibilita a percepção do quadrinho Híbrido
como objeto pictórico e como narrativa (figs. 68 A e 68 B) — nesse momento, a preocupação
não está apenas em dar ao leitor-internauta múltiplas opções de caminhos a tomar ou uma
seqüência de imagens que se estende indeterminadamente. É preciso dispor cada vinheta, ou
cada conjunto de vinhetas, em um arranjo visual poético que concorde diretamente com as
propostas do que se narra, como nas obras Externality
88
e Never Shoot the Chronopath
89
.
88
Disponível em http://e-merl.com/ex/index.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
89
Disponível em http://e-merl.com/chrono.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
Figuras 68 A e B - capturas da tela infinita de Externality, mostrando dois
momentos deste quadrinho Híbrido: num plano mais aberto,
como um objeto pictórico (e estético); e, em detalhe, como
narrativa quadrinizada.
Figura 68 B
Figura 68 A
118
Às vezes, o autor substitui as detalhadas fotografias vetorizadas ou os personagens
modelados em programas 3D por desenhos coloridos simples, quase pueris, sobretudo nos
quadrinhos em que o humor cáustico e irônico se sobressai. Os alvos preferenciais das críticas
rápidas e ácidas de muitos roteiros de Goodbrey são dogmas religiosos (principalmente os do
Cristianismo) e a política em especial a conduzida pelo controvertido ex-presidente dos
E.U.A. George W. Bush, o qual é apresentado, em alguns trabalhos, como um boçal
vexaminoso que mal sabe falar. Isso, entretanto, não impede o autor de fazer piadas que
oscilam entre o humor negro e o niilismo, ou mesmo de mostrar textos de cunho pessoal,
apresentando suas reflexões de maneira poética, consoante com as propostas narrativas. Seus
personagens são estranhamente carismáticos, e entre eles ficam em destaque o todo-poderoso
Mr. Nile (uma espécie de porta-voz do mundo pessoal de Goodbrey, ou mesmo um alter ego,
cujas funções variam de demonstrar as capacidades que a Internet oferece à narrativa
seqüencial como se em Mr. Nile’s Experiments
90
a atuar como personagem
humorístico ou dramático em várias tramas) e o insano e sanguinário Ninja With No Arms
(“Ninja sem Braços”), inspirado diretamente em filmes chineses de kung-fu, com golpes
secretos de nomes tão longos que chegam à impronunciabilidade.
Voltando aos Híbridos francófonos, o estúdio francês Enfin Libre
91
, formado pelo
roteirista Philippe Renaut e pelo desenhista David Barou, se faz notar por soluções
interessantes aplicadas em seus trabalhos os objetivos da dupla são a pesquisa gráfica
experimental e a renovação dos hábitos de leitura dos quadrinhos, seja na mídia tradicional
como em suportes digitais. A primeira página do sítio principal do estúdio mostra uma
animação interativa, em que o usuário tem de estourar um “balão virtual”, enchido por um dos
dois personagens que surgem na tela, para ter acesso ao menu. Em Strip Joker
92
, feito em
Flash, o leitor-internauta se depara com um nível de interatividade que lembra os jogos
eletrônicos: para ler as tiras verticalizadas, deve, com o mouse, carregar o protagonista às
alturas, e fazê-lo cair, soltando o botão: quanto maior o tombo, melhores são as chances de
obter uma tira para leitura. Pode-se fazer isso por muito tempo, pois esse quadrinho apresenta
mais de cinqüenta tiras numeradas, nas quais podemos ler piadas e trocadilhos feitos a
respeito da constante queda livre a que o personagem está submetido de acordo com a
vontade do leitor-internauta em ler as tiras, o que o leva sempre a jogar o personagem a partir
do alto da tela.
90
Disponível em http://e-merl.com/mrnile/index.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
91
Disponível em http://enfinlibre.free.fr. Acesso em 2 ago. 2009.
92
Disponível em http://enfinlibre.free.fr/stripjoker/. Acesso em 2 ago. 2009.
119
Um conceito de tela infinita em forma de vinhetas sanfonadas aparece em Amour
Partagé
93
(fig. 69), uma pequenina história na qual dois amantes reconhecem, por motivos
explicitados na narrativa, que sua união final é impossível. Apesar de não envolver outro
elemento de hibridização de linguagem (a história não tem som e, excetuando-se o
movimento de transição entre as vinhetas, não nenhum recurso de animação aplicado), a
tela tratada como janela e a continuidade horizontal das vinhetas enfatiza muito bem a divisão
que há entre os personagens — ênfase que dificilmente se conseguiria em meios impressos.
A elaboração mais refinada do estúdio, entretanto, é Barricades
94
(fig. 70). É um
Híbrido criado em 2008, tematizado pelas revoltas de cunho socialista dos jovens franceses,
estudantes da Sorbonne e da Faculdade de Nanterre, ocorridas em 1968 no Quartier Latin e
imediações. Cada uma das quarenta e oito telas representa trinta minutos do dia 10 de maio
daquele ano. Trata-se de uma obra comemorativa dos quarenta anos do levante estudantil que
influenciou diversos movimentos de esquerda pelo planeta. As telas são bitmaps incorporados
em filmes do Flash, com tamanho médio de 600 kB, pesadas assim devido à dimensão dos
desenhos, que mostram, em detalhes, a Praça Maubert, em direção ao Panthéon. É possível
acompanhar, individual e paralelamente, as atitudes de cada um dos 68 personagens uma
pequena interface auxilia nisso —, ou simplesmente lê-las simultaneamente, arrastando com
gestos de mouse a imagem gigante. A tela também vira uma espécie de câmera onividente,
pela qual vigiamos os personagens mesmo dentro de seus lares, acompanhando as ações de
cada um dentro do contexto da revolta estudantil parisiense.
93
Disponível em http://enfinlibre.free.fr/case/amour-partage.html. Acesso em 2 ago. 2009.
94
Disponível em http://www.barricades.fr/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 69 - captura de Amour Partagé,
mostrando as vinhetas,
que se estendem numa tela infinita horizontal,
dobradas em forma de sanfona.
120
Também residente na França, na cidade de Asnières les Bourges, o artista plástico
Philippe Géric fez algumas experiências em seu Híbrido La Brise-baraque
95
, de 2001,
também construído com auxílio do programa Flash, na mesma proporção do formato 4:3. A
história se divide em dois pequeninos capítulos não conectados narrativamente, sendo que as
experiências híbridas estão restritas ao primeiro deles, nomeado Pendant qu’on se Rince (fig.
71).
Na primeira tela, percebemos, além da aplicação pontual de animações, um
conjunto de vinhetas sobrepostas do lado esquerdo ao passar o mouse sobre elas, o leitor-
internauta percebe que cada uma das vinhetas se sobressai às restantes de acordo com os
movimentos do cursor. Trata-se de um recurso interessante para expandir a narrativa, desde
que observados alguns cuidados de disposição dos elementos visando evitar poluição visual:
através dele, mais vinhetas podem ser acrescentadas na mesma área, aumentando o tempo da
história. Ao longo do quadrinho, em determinados momentos, é possível acompanhar rápidos
momentos de animação e, tal como em Argon Zark!, se pode vê-las passando o cursor
do mouse sobre a vinheta à qual estão restritas. Duas dessas animações, em telas diferentes,
sincronizam-se com efeitos sonoros que simulam o ruído de golpes dados por socos,
enfatizando o momento dramático em que dois personagens, lutadores de boxe, se enfrentam.
95
Disponível em http://pagesperso-orange.fr/marcuscrescue/spumeux/introduction.html. Acesso em 2 ago.
2009.
Figura 70 - captura de tela de Barricades.
121
Coincidentemente, assim como Daniel Merlin Goodbrey, Géric faz uso muito
sóbrio do vermelho, que se sobressai graças a algumas animações que o enfatizam e às belas
imagens em preto-e-branco (que ora se assemelham a xilogravuras, ora se aproximam da
gestualidade do pincel, evocando pinturas realizadas com nanquim) presentes em todo o
quadrinho. Ainda quanto ao uso dessa cor, o artista consegue se esquivar de alguns dos seus
empregos mais óbvios, como representar o sangue dos lutadores, preferindo utilizá-la para
pintar a fumaça dos charutos e o odor dos perfumes. E, com relação ao tema, os enredos de
Géric se caracterizam pelo texto marcadamente poético e rebuscado, com emprego de
metáforas que se encaixam com a atmosfera onírica transmitida por seus grafismos. As
conclusões de suas histórias causam surpresa ao leitor-internauta, por quebrar completamente
as expectativas nele induzidas durante o desenvolvimento da narrativa: basta observar, em
Pendant qu’on se Rince, o que se sucede aos lutadores após seu embate.
Ainda na França, em Lião, o Coletivo de Artistas Independentes KCS produziu,
em Flash, SuperShoes
96
, um Híbrido de narrativa curta, mas notável quanto ao emprego
harmônico de trilha sonora, efeitos sonoros e animação. Essa obra se dividide em três partes
com muitos desenhos vetorizados (diminuindo o tamanho final de cada uma das divisões
cerca de 300 kB, em média, para cada uma) e intercalando momentos de animações entre
vinhetas estáticas (fazendo com que o ritmo de leitura se alterne entre um tempo imposto e o
tempo da vontade do leitor-internauta). As animações têm maior taxa de quadros por segundo
96
Disponível em http://www.3xplus.net/supershoes/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 71 - captura de tela de Pendant qu’on se Rince.
122
e mais efeitos sonoros, e ocorrem, em sua maioria, dentro das próprias vinhetas, as quais se
espalham pela área da tela em função do tempo, o que causa um efeito interessante: cada corte
de ação corresponde ao surgimento de uma nova vinheta subseqüente; a vinheta, nesse caso,
não é somente análoga a um enquadramento de câmera, como também é um fator de
montagem. O leitor-internauta muda de tela ou avança dentro dela (descobrindo mais vinhetas
em áreas em branco) na medida em que clica em determinados personagens ou objetos. Os
balões quase sempre não aparecem na diagramação visualizada na tela é preciso que o
leitor-internauta passe o cursor do mouse sobre os personagens, de modo a visualizar suas
falas. Com isso, uma diminuição da carga de informações visuais, possibilitando a
apreciação das ilustrações à parte da informação textual. E a história, bem-humorada, mostra
os simpáticos personagens de pacato planeta, preocupados com seus problemas e prazeres
quotidianos, demonstrando, ao mesmo tempo, pavor, desconfiança e alheamento diante de um
evento singular, que é a chegada de “alienígenas invasores”, cujos interesses são jocosamente
mostrados.
Na Suíça, encontra-se o desenhista, artista gráfico e roteirista Demian 5
pseudônimo de um autor de nome verdadeiro não divulgado —, idealizador do sítio
demian5.com
97
. Os personagens e elementos de cenário de seus Híbridos são quase
integralmente construídos a partir de formas geométricas e lineares obtidas com vetores
bidimensionais ou, ao menos, por meio de técnicas que simulam a nitidez de imagem que
normalmente se consegue em programas de manipulação vetorial 2D, como o CorelDraw e o
Adobe Illustrator. Ao empregar cores muito vibrantes, uniformes ou com dégradés e texturas
extremamente simples, Demian 5 dá aos seus quadrinhos uma concepção visual de grande
personalidade. Parte de seu trabalho está em estruturas contendo frames, isto é, divisórias de
tela definidas pelas tags HTML <frame> ou <iframe>, através das quais se tem acesso
simultâneo a dois ou mais documentos HTML. As imagens constantes em seus quadrinhos
variam entre os formatos .jpg e .gif animado (sendo que esses gifs se constroem,
habitualmente, com poucos quadros, visando diminuir seu tamanho e tempo de transferência).
Os mais notáveis pontos de hibridismo do quadrinho de Demian 5 estão no
emprego de animações localizadas e da exploração massiva da tela infinita de Scott
McCLOUD. Em algumas de suas obras, como em When I am a King
98
, o autor suíço chega a
dividir o documento HTML em frames de duas faixas horizontais simultâneas, ou mesmo em
etapas que alternam e/ou reúnem telas infinitas verticais e horizontais.
97
Disponível em http://www.demian5.com. Acesso em 2 ago. 2009.
98
Disponível em http://www.demian5.com/king/wiak.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
123
Os roteiros de Demian 5 exibem de maneira cáustica e incômoda os desejos, a
afetividade e a sexualidade dos seus personagens, normalmente anônimos (identificados
somente pela sua raça: humanos, insetos, cães, gatos, elefantes, girafas, aves e outros), que
costumam ser aproveitadores, hedonistas, passionais, brutalizados e materialistas, mas que,
por outro lado, ostentam humor irônico, irreverente e, não raramente, tabuístico coisas que
contrastam violentamente com seus grafismos precisos e com a explosão de vivas cores em
cada tela. Para ilustrar, escrevo alguns exemplos, presentes em When I am a King: as
mulheres que assediam os guardas do templo do pequenino rei (o personagem principal)
escolhem entre eles seu parceiro, julgando-os pelos parâmetros mais grosseiros, que são a
força muscular e, sobretudo, o tamanho do pênis; as crianças da cidade, que haviam zombado
do rei nu, sofrem o ataque de um camelo cuspidor de fogo, que engole uma delas e faz as
restantes terem pesadelos na mesma noite; e esse mesmo camelo, que se apaixonara pelo
monarca no começo da história, num dos capítulos finais, passa a se oferecer sexualmente
para o protagonista.
3.2.2. Iniciativas das grandes empresas
Algumas empresas perceberam ser interessante veicular quadrinhos na Internet
como forma de divulgar seus produtos mais exatamente as grandes empresas, que podem
arcar com os custos da contratação, ainda que temporária, de uma equipe terceirizada que
auxilie no planejamento e lhes produza as obras quadrinizadas, colocando-as, após testar sua
funcionalidade, num ambiente em rede. Obviamente, as maneiras como essas empresas
utilizam os quadrinhos digitais on-line se embasam em objetivos mercadológicos, visando
retorno de seus investimentos em forma de audiência e lucro. Esses mesmos objetivos
indicam às empresas se é melhor investir em Herdeiros ou em Híbridos.
O interesse em custear quadrinhos digitais para a rede mundial de computadores
parte, mais comumente, de algumas das grandes editoras de quadrinhos impressos, a fim de
marcarem sua presença no ambiente digital interconectado, reciclando e adaptando sua
produção advinda do papel (como faz a Marvel Comics), ou pensando em trabalhos cuja
veiculação ocorre na Internet (como são os exemplos da DC Comics e sua divisão Zuda
comics.com, desenvolvendo quadrinhos Herdeiros, ou da Dark Horse Comics, que
experimenta produções entre os Híbridos, como a série Hellboy E-Comics).
No Japão, uma das maiores casas editoriais do país, a Kodansha, criou versões de
algumas de suas séries de mangás em forma de Híbridos (muitos deles usando plug-ins Flash
124
e Shockwave), chamados Kodansha E-Mangas
99
. Nas obras disponíveis nesse endereço,
percebe-se que o emprego das animações, dos efeitos sonoros e da diagramação dinâmica tem
forte relação com a linguagem existente nos animes, a exemplo de Dynamic Heroes
100
(fig.
72), Híbrido baseado no quadrinho homônimo que reúne, em uma saga, várias criações da
carreira de Kiyoshi “Go” Nagai.
As editoras japonesas se voltam, principalmente, para a produção de Híbridos para
leitura específica em telefones celulares e outros dispositivos portáteis, mercado que vem
crescendo em ritmo intenso
101
. Dotados de tecnologia para acessar a Internet e de telas
verticais maiores e de melhores definições, os portáteis hoje existentes no mercado dão aos
leitores-internautas japoneses conforto semelhante ao que teriam lendo um quadrinho
impresso, pelo menos em termos de mobilidade. Acrescenta-se a isso a vantagem do usuário
poder baixar, gastando poucos ienes, seus títulos preferidos de mangás digitais, em qualquer
localidade coberta pela operadora do celular.
Nos últimos cinco anos, outros ramos empresariais além das editoras têm utilizado
os quadrinhos na Internet, adaptando-os às estratégias de venda de seus produtos. Devido à
grande facilidade de assimilação de informações que a linguagem dos quadrinhos provê ao
conjugar imagem e texto, acredita-se que a mensagem incentivando o consumo possa se fixar
mais facilmente no pensamento do público-alvo.
99
Disponível em http://kodansha.cplaza.ne.jp/e-manga/. Acesso em 2 ago. 2009.
100
Disponível em http://kodansha.cplaza.ne.jp/e-manga/common/manga/dynamic/manga/. Acesso em 2 ago.
2009.
101
Devido ao hábito japonês de ler quadrinhos em meios de transportes, a caminho do trabalho ou da escola.
Uma notícia do sítio francês Paperblog mostra que as vendas de mangás para dispositivos portáteis dobrou
entre 2007 e 2008 no Japão. Disponível em http://www.paperblog.fr/904609/japon-les-ventes-des-bd-
numeriques-doublent-en-un-an/. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 72 - captura de tela do primeiro episódio de Dynamic Heroes.
125
As empresas fora do ramo editorial que optaram pela criação de Híbridos, até este
momento, mesclaram a linguagem dos quadrinhos com a dos jogos eletrônicos em suas
produções. A Microsoft Brasil, concomitantemente ao lançamento do sistema operacional
Windows Vista, pôs no ar, em janeiro de 2007, na área de seu sítio dedicada às pequenas
empresas, uma série intitulada Amigos S.A.
102
, cujo desenho de personagens e identidades
visuais ficou a cargo do ilustrador paulista Fernando Mosca. Essa obra se subdivide em
quadrinhos Herdeiros, nomeados “Histórias” apresentando os personagens
(microempresários com vínculos amorosos ou de amizade entre si; quase todos balzaquianos,
no sentido etário do termo, de modo a se adequarem à faixa de idade do público-alvo) dentro
de pequeninas narrativas de leitura rápida —, e em quadrinhos Híbridos feitos em Flash,
nomeados “Jogos”, que incorporam trilhas sonoras, efeitos sonoros e estruturas interativas
específicas, transformando o leitor-internauta num jogador que deve cumprir objetivos para
prosseguir com a história.
O primeiro Híbrido, chamado Café Bistrô (fig. 73 A), feito sob encomenda pela
empresa paulista de desenvolvimento em multimídia Ampy Comunicações, foi lançado em
maio de 2007. Nele, o leitor-internauta-jogador precisa atender com prontidão os clientes de
um pequeno negócio (fig. 73 B). À medida que obtém sucesso, as finanças vão
automaticamente prosperando, permitindo a “compra” de novos equipamentos, devidamente
configurados com o Windows Vista.
102
Disponível em http://www.microsoft.com/business/smb/pt-br/charges/jogos.mspx. Acesso em 2 ago. 2009.
Figura 73 A - captura de tela de Café Bistrô, mostrando, através da
linguagem dos quadrinhos, os planos dos personagens,
preparando o leitor-internauta-jogador para o jogo em
seguida.
126
Um ano depois, o sítio publicou Viagem Legal: Vencendo o Pirata, no qual os
amigos empreendedores devem se defender de um pirata “malvado”, resolvendo pequenos
jogos de raciocínio e destreza no menor tempo possível (figs. 74 A e 74 B). Como premiação
final, os personagens encontram, na ilha dos nativos, um “tesouro perdido”: um livro com “os
dez princípios de uma pequena empresa de sucesso”. E o lêem, devidamente protegidos pela
“vacina” proposta pelos empregados de Bill Gates e Steve Ballmer contra o “vírus” da
pirataria (o qual, no quadrinho Híbrido, some com apenas um clique do mouse, mas na
verdade teima em se tornar endêmico, especialmente num país em que a população,
financeiramente empobrecida, não tem mesmo condições de contribuir para os lucros
excessivos de dois dos homens mais ricos que o capitalismo produziu).
Figura 73 B - captura de tela de Café Bistrô, mostrando a interface de
jogo dentro do quadrinho Híbrido.
Figura 74 A - captura de tela de Viagem Legal: Vencendo o Pirata. O Híbrido
mostra os protagonistas dando uma “lição” no “pirata malvado”.
127
Figura 75 - captura de tela do
episódio O Barato Sai
Caro, do quadrinho
Híbrido Conheça os
Fatos.
Viagem Legal: Vencendo o Pirata ainda se vincula a um terceiro Híbrido feito em
Flash, intitulado Conheça os Fatos
103
(fig. 75), que se localiza fora do sítio Amigos S.A. e,
embora se relacione temática e estrategicamente com os trabalhos anteriores, é, graficamente,
uma obra à parte, cujo ilustrador não consegui descobrir. Se, todavia, por vezes é complicado
encontrar o(s) criador(es) dos desenhos, a mensagem não pode ser mais evidente: a pirataria
de produtos da Microsoft compromete a segurança dos dados e a limpidez judicial da
empresa. Os três pequenos episódios deste Híbrido estão diagramados de modo semelhante
aos quadrinhos Herdeiros. Porém, a completude da página não é imediatamente percebida: as
vinhetas e os balões aparecem um por um, pouco a pouco, estabelecendo um ritmo próprio
para sua leitura. Cada vinheta contém animações simulando movimentos simples da câmera e,
em determinados momentos do primeiro episódio, surgem efeitos sonoros, como o toque do
telefone do suporte técnico e o “alarme de presença de vírus”.
103
Este Híbrido se encontrava disponível em http://www.getgenuine.com.br/httpdocs até junho de 2009, sendo
retirado do ar algumas semanas depois.
Figura 74 B - captura de tela de Viagem Legal: Vencendo o Pirata,
mostrando um dos seus jogos de raciocínio.
128
Figura 76 A - captura de tela do episódio 1
de Wanted: Graphic Stories.
Amigos S.A. e Conheça os Fatos são apropriações do quadrinho Híbrido visando a
objetivos muitíssimo claros: vender os softwares originais da Microsoft voltados para os
pequenos empresários e combater diretamente a pirataria, por meio da comercialização de
licenças conjuntas que, em termos, seriam menos caras. O discurso presente nos quadrinhos,
sob uma análise mais ponderada, eiva-se de mensagens ingênuas, levando a crer que bastam
ao microempreendedor a compra de software legal e ter “determinação”, coragem” e
“vontade de vencer” para que seu negócio prospere automaticamente como se o motor do
êxito empresarial dependesse apenas de “evitar a pirataria” e de atributos tão vagos,
ignorando situações que lhe são exteriores e, desse modo, estão além de seu controle, como a
carga tributária, a taxa de juros, a facilidade de acesso ao crédito e as circunstâncias de
mercado que envolvem o país e o mundo.
A emissora de TV por cabo TNT disponibilizou na rede, em 2005, duas histórias
(episódios 1 e 3) dos quadrinhos Híbridos Wanted: Graphic Stories
104
, recorrendo a uma
fórmula semelhante à aplicada pela NBC na série Heroes: fazer um paralelo com a série
homônima televisionada pelo próprio canal (Wanted, idealizada por Jorge Zamacona),
criando, em meios distintos, duas narrativas que se inter-relacionam entre si.
A apresentação formal de Wanted: Graphic Stories se assemelha muito aos
sistemas em Flash de adaptação e exibição de quadrinhos utilizados pela DC e pela NBC,
com uma diferença essencial: em certos pontos da narrativa, embutidos na diagramação,
encontram-se jogos, também programados em Flash, com missões a serem cumpridas pelo
leitor-internauta-jogador. No episódio 1 (figs. 76 A e 76 B), ele deve guiar um helicóptero em
perseguição ao caminhão dos ladrões, desviando das pontes que aparecem no caminho e
liberando os dois policiais, Conrad e Rodriguez, a partir de uma altura mínima.
104
Disponível em http://alt.tnt.tv/tntoriginals/wanted/site/. Acesso em 2 ago. 2009.
129
Figura 76 B - captura de tela do episódio 1
de Wanted: Graphic Stories,
mostrando a interface de jogo.
Figura 77 A - captura de tela do episódio 3 de Wanted:
Graphic Stories.
Figura 77 B - captura de tela do episódio 3 de Wanted:
Graphic Stories, mostrando a interface de
jogo.
No episódio 3 (figs. 77 A e 77 B), é preciso evitar que o vilão, vestido de branco,
tenha Conrad na mira do revólver. Em ambos os episódios, se não se alcança o objetivo, a
vinheta seguinte aparece com a mensagem “você falhou em sua missão” (semelhante à tela de
game over, “fim do jogo”, tão evitada nos jogos eletrônicos, por simbolizar a derrota, o não
cumprimento dos objetivos). Caso se obtenha bom êxito, a vinheta mostra a continuidade da
história. O leitor-internauta pode, apesar dos apelos das mensagens para iniciar os jogos,
escolher por não participar deles e prosseguir normalmente com sua leitura; nesse caso, o
quadrinho Híbrido se comportará como se os desafios interativos tivessem sido vencidos.
130
Wanted: Graphic Stories apresenta, ainda, vinhetas contendo animações, que se
mostram de uma maneira peculiar, em termos de diagramação. Toda a estrutura de navegação
em Flash simula uma revista impressa e, exatamente por isso, os elementos animados e os
jogos contrastam bem mais fortemente com o estatismo do restante das páginas. A empresa
Studiocom assumiu tanto o trabalho de ilustração quanto o de engenharia do software do
quadrinho digital. Contudo, enquanto a programação demonstra ser bastante robusta pois
os jogos são completamente funcionais e não apresentaram problemas em nenhum dos
navegadores e versões recentes do plug-in do Flash em que os testei —, a apresentação
artística, incumbida ao desenhista Andres Cruz, apresenta número considerável de falhas
técnicas, tais quais erros de perspectiva, de anatomia humana e de proporção. Essas
incoerências do traço não invalidam, é claro, a importância do experimento, mas,
lamentavelmente, interferem de forma negativa no conjunto desses Híbridos.
3.2.3. Iniciativas brasileiras
Ainda são pouquíssimos os autores brasileiros que, atuando na Internet, se
arriscam a elaborar quadrinhos Híbridos. Sítios como o Portal Webcomix
105
, e o Coletivo
Quarto Mundo
106
, entre tantos outros sítios e blogs mantidos por autores, demonstram que há,
neste país, uma produção de quadrinhos Herdeiros, ou seja, sem experimentalismo em
multimídia, hipertexto e interatividade. Tenho três hipóteses para explicar a quase ausência de
hibridismo nos quadrinhos digitais brasileiros até este momento.
A primeira: tradicionalmente, as tiras, em especial as de humor, são referências
fortes da linguagem dos quadrinhos no Brasil, e fazem sucesso junto a um público amplo, que
se habituou, ao longo de anos, a vê-las diariamente nos jornais impressos, ao lado das
caricaturas e charges, como explicita Waldomiro VERGUEIRO, citando em parte o estudioso
Lailson de Holanda Cavalcanti:
[...] o primeiro exemplo no país de um “desenho que representa a realidade de forma
humorística e alegórica” data de 1831, na publicação O Corcundão, do estado de
Pernambuco, enquanto que a primeira revista de caricaturas regular e de larga
duração foi a Semana Ilustrada, do alemão Henrique Fleiuss [...]. Verifica-se, assim,
a precoce participação do humor gráfico na discussão da realidade política e social
brasileira, que tem uma história de artistas combativos, cujas obras tiveram um
grande impacto social. (p. 4).
107
105
Disponível em http://www.webcomix.com.br/. Acesso em 2 ago. 2009.
106
Disponível em http://4mundo.com/. Acesso em 2 ago. 2009.
107
Disponível em http://www.historiaimagem.com.br/edicao5setembro2007/01-w-vergueiro.pdf. Acesso em 2
ago. 2009.
131
Esse antigo costume nacional de ler quadrinhos e charges humorísticos incentiva
muitos quadrinistas tupiniquins a desenvolver suas tirinhas Herdeiras para a Internet —
inclusive autores que iniciaram e estabeleceram carreiras na imprensa, como Allan Sieber e
Fernando Gonzales. Há, de fato, considerável número de tiras brasileiras disponíveis on-line,
transferindo para a Internet a boa acolhida que o tempo e o gosto do público deste país deram
para essa forma de quadrinho ao longo das décadas. Sem dúvidas, a popularidade das tiras
nacionais na rede mundial de computadores, principalmente as cômicas
108
, evidencia o quanto
os autores se dedicam a produzi-las, assim como a apreciação do leitor-internauta brasileiro
médio pela narrativa rápida e rapidez é algo a que a própria Internet induz: o usuário vai a
determinados sítios, suas tirinhas prediletas (cada uma em poucos segundos) e, depois,
volta a navegar, à deriva ou não, pelo mar de hipertexto.
A segunda hipótese: uma parte significativa dos quadrinistas nacionais que voltam
seus esforços de produção para a Internet almeja acumular audiência grande o suficiente para
viabilizar a publicação de sua obra no meio impresso, quer em revistas independentes ou em
fanzines, quer atraindo a atenção de editoras da necessidade de apresentar uma obra
Herdeira, ou seja, que não perderia sua capacidade narrativa caso fosse transposta para o
papel.
Esses quadrinistas da Internet com foco no impresso partem do pressuposto de
que a audiência que angariaram na rede comprará, nas bancas e livrarias (ou via correio ou
mesmo dentro de feiras específicas, como no caso das tiragens independentes e dos fanzines),
a edição em papel, ainda que esta consista, muitas vezes, na versão impressa de tudo aquilo
que está disponível gratuitamente on-line. O que levaria os leitores-internautas a adquirir por
maiores quantias a mesma coisa que poderiam obter, na rede, por custos mínimos seriam o
suposto maior conforto de leitura proporcionado pelo papel e o subjetivo prazer de segurar em
mãos, num suporte palpável, a narrativa. Essa postura põe em evidência o apego que parte dos
autores nacionais e mesmo parte dos leitores tem com os quadrinhos em seu meio de
origem
109
, e talvez indique receio, ausência de disposição ou mesmo despreparo para
problematizá-los no ambiente digital em rede.
Creio ser estranho verificar essa tendência no Brasil, considerando que revistas
independentes e fanzines não são, a princípio, muito visíveis para públicos fora do círculo
108
Há também tiras não-humorísticas, como a série Desvio, roteirizada por A. Moraes, desenhada por Jean
Okada e atualmente publicada no Coletivo Quarto Mundo (
http://4mundo.com/. Acesso em 2 ago. 2009).
109
Saliento que essa afeição o se restringe apenas a grupos brasileiros. A respeito do “apreço ao papel”,
McCLOUD (2006, p. 174-180) faz considerações dignas de atenção, confrontando-o com o desenvolvimento
da tecnologia computacional.
132
inicial de seus fãs, e observando que publicar através de editoras nacionais é algo
extremamente difícil, especialmente para iniciantes: o mercado deste país se tornou,
décadas, pouco receptivo às iniciativas locais, uma vez que os grandes e médios editores, para
aumentarem sua margem de lucro, optam por comprar os direitos de publicação de produções
estrangeiras, as quais, por terem conseguido êxito no mercado internacional, chegam em
território brasileiro com preços de licenciamento muito baixos. É preferível, para esses
senhores, vender quadrinhos estrangeiros que obtiveram saldos no exterior e, por esse
motivo, custam muito pouco por página a investir em novos talentos nacionais, pagando-
lhes um preço mais alto e justo para produzir uma página de narrativa seqüencial.
Incentivar a produção de quadrinhos brasileiros no meio impresso (sem deixar de
lado a formação e a especialização de roteiristas e desenhistas) envolveria riscos que, sem
qualquer dúvida, seriam compensados em um prazo mediano pelo fortalecimento do mercado
interno, o que garantiria um retorno paulatino dos investimentos feitos. Muito infelizmente,
entretanto, não é essa a vontade dos que estão no comando da maior parte das editoras e
distribuidoras brasileiras. Mesmo com esse ambiente mercadológico extremamente
desfavorável, a intenção de migrar para a imprensa, ou de lançar trabalhos concomitantemente
nela e na Internet, faz com que muitas produções nacionais on-line permaneçam entre os
quadrinhos Herdeiros.
A terceira hipótese: o autor nacional, em geral, ainda não percebeu as
potencialidades da Internet como um meio expressivo, ou mesmo não se interessou por elas.
Os quadrinistas brasileiros atuantes na rede têm se preocupado fundamentalmente com os
benefícios oferecidos pelo meio para divulgar seus trabalhos e para fazer contato com outros
artistas e com os leitores-internautas. uma priorização do fator comunicativo da rede, e
isso se torna mais óbvio quando constatamos que a quase totalidade dos quadrinistas do Brasil
publica em blogs ou em sistemas semelhantes, deixando espaço para comentários, sugestões e
críticas. Acredito, dessa maneira, que o quadrinista brasileiro cuida bastante de estratégias de
contato, visibilidade e comunicação na Internet, mas não se preocupa em experimentar uma
obra quadrinizada Híbrida. Não obstante a essas afirmações, alguns leitores, criadores e
críticos vêm percebendo que o quadrinho na Internet pode ser mais que uma simples
adaptação da linguagem que possui na mídia impressa
110
.
110
Uma discussão, intitulada “Quadrinhos na web ainda não buscam navegabilidade (disponível em
http://www.interney.net/blogs/melhoresdomundo/2008/03/03/quadrinhos_na_web_ainda_nao_buscam_naveg
/. Acesso em 2 ago. 2009), iniciada dentro do blog Melhores do Mundo por um redator de pseudônimo
“Bugman”, é um dos poucos, porém interessantes, sinais da existência desse tipo de questionamento em sítios
nacionais.
133
Além dessas hipóteses, é preciso considerar a influência do fator financeiro na
produção de quadrinhos digitais. Mesmo buscando patrocinadores e colocando anúncios nas
áreas mais visíveis do sítio, não é uma tarefa muito simples ganhar dinheiro sendo um
quadrinista da Internet, seja com Herdeiros, seja com Híbridos e isso é sintomático em
qualquer país. Em parte, a resistência generalizada dos usuários em pagar por algo que veicule
na rede vem do fato de a Internet ter oferecido, desde sua expansão comercial na década de
1990, muitos serviços gratuitos, que induziram o usuário a não querer pagar por grande parte
do conteúdo ao qual tem acesso. Uma vez que o retorno em forma de dinheiro não é certeza,
inviabiliza-se, para grande parte dos autores, a dedicação de tempo para produzir obras mais
complexas com isso, freqüentemente, são postos de lado o desenvolvimento e a
problematização dos quadrinhos Híbridos que, por exigirem conhecimento em programação e
aplicação de recursos multimidiáticos, têm elaboração quase sempre mais demorada que os
quadrinhos Herdeiros.
Entre os anos de 1997 e 2002, até seu permanente encerramento em 2006, o portal
Cybercomix
111
realizou alguns Híbridos em quantidade modesta, se comparada ao conteúdo
de páginas estáticas e tiras, diariamente fomentado por muitos artistas, entre profissionais e
amadores. As obras Os Perigos de Aline e Linda de Morrer, criadas por Heinar Maracy e
Pavão, possuíam narrativa multilinear com árvore de possibilidades relativamente grande,
oferecendo ao leitor-internauta certo nível de interatividade nos momentos em que ele podia
optar por seguir ou não caminhos pré-estabelecidos. Ainda segundo FRANCO (2004, p. 189),
houve um terceiro experimento de autoria do cartunista Caco Galhardo, intitulado You Can’t
Always Get What You Click (“Você não pode ter sempre aquilo que você clica”), envolvendo,
além da narrativa multilinear, elementos animados pontuais.
O sítio Brigada Ônix
112
, criado em novembro de 2001 pelos paulistas Victor Hugo
Carballo e Agustin Carballo, é um dos maiores exemplos que o Brasil tem, atualmente, em
termos de experimentação em Híbridos (fig. 78). Se bem que a concepção gráfica e os
desenhos dos personagens não sejam tecnicamente tão bem elaborados, os momentos jocosos
e as animações pautadas por trilhas e efeitos sonoros são o diferencial da narrativa, que
contém elementos claramente baseados na linguagem dos animes japoneses (como as cenas
de combate, com cortes rápidos e constantes). O conjunto da obra se forma por vários
111
Sítio originalmente disponível em http://www.terra.com.br/cybercomix/. Uma cópia parcial da última versão
que se encontrava on-line pode ser acessada a partir do Internet Archive, no endereço
http://web.archive.org/web/20050204175301/www.terra.com.br/cybercomix/ (Acesso em 2 ago. 2009).
Recomendo a leitura de FRANCO (2004, p. 180-190), que faz uma análise mais aprofundada das
experiências do Cybercomix.
112
Disponível em http://www.brigadaonix.com.br/. Acesso em 2 ago. 2009.
134
Figura 78 - captura de tela de um episódio de A Brigada Ônix.
episódios, todos feitos em Flash. Os autores têm uma preocupação que é pouco comum entre
os quadrinistas brasileiros da rede: a de tentar internacionalizar o trabalho, criando, dentro do
mesmo sítio, uma versão em língua inglesa, chamada Onyx Brigade.
Nos últimos dez anos, o autor brasileiro que conseguiu maior sucesso de público
veiculando quadrinhos Híbridos foi o paulista Fábio Yabu, com os seus Combo Rangers
113
que não passaram de uma adaptação dos seriados live-action japoneses conhecidos como
super sentai
114
, nos quais um grupo de jovens (normalmente cinco; cada qual identificado por
uma cor característica, presente tanto em suas roupas quotidianas quanto em seus objetos e
uniformes de batalha) combate monstros alienígenas ou antagonistas terráqueos utilizando
armas e robôs gigantes montados a partir de unidades menores. Os Combo Rangers renderam
quatro temporadas completas de histórias seriadas, sendo que as duas primeiras (Combo
Rangers e Combo Rangers Zero, fig. 79) foram publicadas on-line, entre os anos de 1998 e
2001, e as duas últimas (Combo Rangers Revolution e Combo Rangers), em formato de
revista impressa, respectivamente, pela Editora JBC (entre outubro de 2001 e o final de 2002)
e pela filial brasileira da casa editorial italiana Panini (no ano de 2004).
113
Combo Rangers Zero, o último quadrinho Híbrido de Yabu, esteve disponível no endereço
http://www2.uol.com.br/comborangers/ (Acesso em 2 ago. 2009). Atualmente, esse endereço redireciona
para Princesas do Mar, grupo de personagens infantis criado pelo autor especialmente para o cinema de
animação.
114
No Brasil, séries de super sentai como Dengeki Sentai Chenjiman (“Esquadrão Relâmpago Changeman”, de
1986), produzida pela japonesa Toei Company e exibida pela antiga TV Manchete, fizeram sucesso junto ao
público infanto-juvenil na década de 1980. A franquia Power Rangers, criada nos E.U.A. pela Saban
Entertainment, repetiria na década seguinte o êxito no mercado mundial de entretenimento, reciclando a
mesmíssima fórmula utilizada por essas produções e influenciando diretamente no batismo do trabalho de
Yabu.
135
As narrativas veiculadas na rede, também em formato .swf, foram, em termos de
aplicação experimental, menos ousadas que A Brigada Ônix: de fato, os momentos de
hibridismo na obra de Yabu são escassos. Em Combo Rangers Zero, por exemplo, resumem-
se a animações localizadas (em componentes do cenário ou do fundo de certas vinhetas, ou
quando as crianças se transformam, ganhando superpoderes nesse momento,
acompanhadas de trilha sonora) e a alguns efeitos sonoros, sempre acompanhando momentos-
chave, como quando ocorrem explosões.
Figura 79 – captura de tela de um episódio de Combo Rangers Zero.
136
CAPÍTULO 4: PRÁTICA EM QUADRINHOS DIGITAIS HÍBRIDOS
4.1. Justificativa da proposta
Logo depois que eu concluí meu Bacharelado em Cinema de Animação na Escola
de Belas-Artes da UFMG, no segundo semestre de 2006, pensei em fazer um Mestrado que
abordasse algum aspecto das histórias em quadrinhos, arte com a qual me familiarizara como
leitor e como autor desde cedo. Entre os anos de 2002 e 2004, tive experiência como
fanzineiro (editor de revistas alternativas), lançando, em parceria com outros integrantes do
Grupo Amicorum, o Zine Amicorum, cujas histórias se inspiravam na narratividade do mangá.
O Zine Amicorum teve dois números, vendidos em eventos culturais nas cidades de Belo
Horizonte e São Paulo. Apesar da vida curta, alcançou razoável sucesso no meio underground
dos fanzines, sendo inclusive citado no livro Cultura Pop Japonesa, num artigo do
pesquisador Gazy Andraus, intitulado O fanzine de HQ, importante veículo de comunicação
alternativa imagético-funcional: suas gêneses e seus gêneros (e a influência do mangá)
(LUYTEN, 2005, p. 65). Enquanto atuava como colaborador de outros fanzines de
quadrinhos, como Blaue Blow e Zinarte (criados pelos então alunos da EBA-UFMG Rafael
Ventura, Enoc Jr., Anderson Brito e Jackson “Abacatu” Teixeira), fui o responsável, de 2006
a 2008, pelo lay out e pelo desenho de personagens da série de quadrinhos digitais Herdeiros
The Legend of the Chaos Box
115
, roteirizada por Henrique Duarte, desenhada por Fabiana
Signorini e arte-finalizada por Kátia Schittine.
Ao mesmo tempo em que pensava como poderia ser meu projeto de dissertação
sobre quadrinhos, imaginei que seria interessante se eu incorporasse a ele o arcabouço de
conhecimentos que eu já havia adquirido, antes e ao longo da minha Graduação, como
programador/designer de sítios para a Internet e como animador: fui integrante, entre 2004 e
2006, como bolsista de Iniciação Científica, da equipe técnica do Projeto Museumuseu,
coordenado pela Prof.ª Mabe Bethônico, construindo o sítio principal
116
, bem como outros
sítios relacionados, como o Paisana
117
, o Museu do Sabão
118
e o Museu dos Azulejos
119
. Am
115
Disponível em http://www.webcomix.com.br/chaosbox. Acesso em 2 ago. 2009.
116
Disponível em http://www.museumuseu.art.br/. Acesso em 2 ago. 2009.
117
Disponível em http://www.ufmg.br/museumuseu/paisana/. Acesso em 2 ago. 2009.
118
Disponível em http://www.ufmg.br/museumuseu/museudosabao/. Acesso em 2 ago. 2009.
119
Disponível em http://www.ufmg.br/museumuseu/museudosazulejos/. Acesso em 2 ago. 2009.
137
desses, elaborei, em 2007, o sítio Mais Quadrinhos
120
, em parceria com o quadrinista e
pesquisador Wellington SRBEK. No campo da animação, no ano de 2005, dirigi, em conjunto
com toda a turma de Processos Alternativos de Animação (matéria ministrada, na
oportunidade, pelo Prof. Francisco Marinho), um curta-metragem em pixilation, A Última
Gota, que foi selecionado para o 14.º Festival Anima Mundi de 2006, na cidade do Rio de
Janeiro. Em 2007, outra animação de minha autoria, O Caminho, feita em Flash, foi
selecionada para o Anima Mundi Web, podendo ser vista no próprio sítio virtual do evento
121
.
Precisei de relativamente pouco tempo para encontrar, enfim, um objeto que
exigisse de um pesquisador, simultaneamente, conhecimentos simultâneos em quadrinhos, em
sítios virtuais e em animações: os quadrinhos digitais Híbridos presentes na rede mundial de
computadores. Senti-me incentivado não somente pelo desafio de pesquisar algo pouco
explorado por estudos acadêmicos, como pela possibilidade de expor, na mesma pesquisa,
uma análise teórica associada a uma demonstração prática.
A proposta prática se reforça ao se considerar que esta dissertação vem a ser
defendida em uma escola de Artes Visuais que, desde sua fundação, adota métodos e fornece
espaços para estimular seus alunos ao exercício da habilidade do artista em criar. Acredito
que boa parte da minha contribuição para o estudo dos quadrinhos Híbridos virá da execução
prática, pois os conhecimentos que tenho da linguagem da Nona Arte e de algumas das
técnicas de construção de tios existentes na Internet me fornecem os substratos necessários
para que eu me sinta na segurança (ou na ousadia?) de experimentar, tomando como exemplo
os Híbridos que arrolei ao longo deste trabalho textual.
Sustento o ponto de vista de que os quadrinhos Híbridos enriquecem, formal e
conceitualmente, a própria linguagem dos quadrinhos, sendo capazes de oferecer, enquanto
narrativas e objetos de arte reprodutíveis, novas e interessantes experiências dentro da world
wide web para os leitores-internautas; um trabalho prático fortalece essas premissas de forma
mais consistente que apenas uma exposição escrita. Ainda mais considerando que desejo, no
final, expor o experimento tanto para a apreciação da comunidade acadêmica em geral quanto
para meu público-alvo, situado dentro e fora das universidades: pessoas de ambos os sexos, a
partir de 15 anos, minimamente conhecedoras e apreciadoras da linguagem dos quadrinhos,
que têm o hábito de lê-los dentro ou fora da Internet, ou que se interessem pela leitura de
histórias de ficção que abordem cotidianos urbanos.
120
Disponível em http://www.maisquadrinhos.com.br. Acesso em 2 ago. 2009.
121
Disponível em http://www.animamundi.com.br/web_galeria.asp?ano=2007. Acesso em 2 ago. 2009.
138
Para execução da prática, optei pelo programa Adobe Flash, versão CS4. Vários
fatores motivaram minha escolha: em primeiro lugar, o Flash permite, num mesmo projeto, a
convergência de arquivos multimídia de naturezas diferentes, suportando vídeos, imagens
estáticas (em vetor ou em bitmap) e sons de diversos formatos; dispõe de um conjunto próprio
de instruções em código, o ActionScript, que permite a inserção e o controle de elementos
interativos em seus projetos; tem um ambiente característico e amigável (fig. 80), de interface
composta por painéis que permitem acesso rápido aos seus recursos; e é otimizado para
publicação na Internet, oferecendo cálculo de tempo de download (para dar uma noção da
velocidade de descarga de seus projetos em conexões de diferentes velocidades) e inserindo
automaticamente seus arquivos compactados de exportação (em formato .swf) em documentos
HTML que, depois de pequenos ajustes no Dreamweaver (outro programa da Adobe,
dedicado à construção de sítios virtuais), estão prontos para entrar na rede.
4.2. Uma crônica de Tacanhópolis
Tacanhópolis era, antigamente, chamada de Visionópolis, devido à grande vista
que se tinha do horizonte no topo da serra que circunda a cidade. Para essa jovem metrópole,
afluíam músicos, pintores, poetas e escritores, que se juntavam aos artistas autóctones,
fazendo fervilhar o movimento cultural em forma de exposições, concertos, edições de livros,
declamações ao ar livre e performances, que contavam com notável presença do público. Em
Figura 80 - captura de tela do ambiente do Adobe Flash CS4, mostrando, abertos, alguns dos seus
principais painéis à direita e sua caixa de ferramentas à esquerda.
139
lugares como o Bar do Ponto, bebia-se muito, enquanto recitavam-se poemas, escreviam-se e
criticavam-se livros e faziam-se esforços para construir ou mesmo destruir a reputação
de aliados e adversários estéticos, ideológicos e políticos. A população observava e admirava
todo esse movimento artístico: tomava partidos, escandalizava-se com o atrevimento dos mais
ousados, aplaudia de pé, vaiava, não se alheava.
quarenta e cinco anos, entretanto, um grande tormento mudou não somente o
nome de Visionópolis, como desencadeou mudanças severas no rumo da cidade em seus
vários campos, inclusive no cultural. Um golpe político de origem conservadora, que ficou
conhecido como o Grande Golpe, depôs o governo civil então existente no país, impondo
uma ditadura militar que tinha como principais objetivos afastar, nas palavras dos generais,
“ameaças comunistas” do poder e resguardar “a propriedade, a ordem, a família, o progresso,
a moralidade e a cristandade”. Além da diminuição arbitrária e progressiva dos direitos
políticos dos cidadãos, os militares, apoiados pelo alto clero católico, por banqueiros, por
grandes empresários e por funcionários públicos de cargos importantes nos três poderes,
atingiram mais profundamente a sociedade banindo-lhe o direito à livre expressão e, por
conseguinte, instaurando a censura às manifestações artísticas.
A recém-renomeada Tacanhópolis viu seus agentes culturais debandarem.
Exilados, tolhidos, silenciados, presos, torturados e mortos, os artistas, apesar de resistirem,
na clandestinidade “comunista”, a um contexto tão agressivo, acabaram se desagregando
dentro de algum tempo. A maior parte da população, intimidada pela atmosfera de vários
medos, passou a se preocupar mais em medir as palavras e em manter seus empregos diante
do endividamento do país, cujo governo militar vinha fazendo empréstimos nos bancos
internacionais para financiar obras gigantescas em nome do “progresso” o maior
responsável pela desestruturação física da outrora Visionópolis: arranha-céus desajeitados, de
vidro e concreto impessoais, devoraram muitos prédios em art-déco, casarões e praças. O
panorama da serra, que antes podia ser visto por toda a população no nível das ruas, passava a
ser privilégio de quem tinha meios para comprar os apartamentos dos andares mais altos. Os
carros faziam das vias públicas um caminho sujo e por vezes mortal. O êxodo rural se
intensificou, tornando Tacanhópolis, que sofria com o sucateamento dos acessos à educação, à
moradia e à saúde, mais populosa, mais desorganizada e mais violenta.
A ditadura imposta pelo Grande Golpe assombrou o país durante vinte anos.
Tempo mais que suficiente para fazer com que as cicatrizes por ela deixadas persistissem até
os dias atuais na decadente Tacanhópolis. As gerações mais novas da cidade, embora não
percebam, cresceram mal educadas, desconhecedoras do prazer pela busca do conhecimento,
140
sem quase nenhum dos antigos referenciais de cultura que povoavam as praças, os bares e até
as ruas. A maioria dos teatros e cinemas deu lugar a outros edifícios, e alguns foram deixados
aos ratos e às igrejas pentecostais. Depois de décadas submetida ao terror ideológico, e
incapaz de conter a escalada da violência urbana em seu seio, a sociedade suporta,
claudicante, o medo da insegurança. O histórico Bar do Ponto ainda resiste, mas o que se
nele hoje são pessoas que apenas aliviam o estresse de seus trabalhos diários, conversando
sobre intrigas pessoais, jogadores de futebol, novelas, reality shows e cultuando
pseudocelebridades postas diariamente em evidência pelos mass media. Quase ninguém se
lembra de que a cidade respirara uma cultura literária e plástica que, muito além de ser
entretenimento, contribuíra para enriquecer o intelecto, a sensibilidade e, sobretudo, o senso
crítico das pessoas. Esvaneceram os últimos versos da poesia que houvera. poucas
esperanças de que eles sejam recuperados.
Esse é o contexto geral fictício da história em quadrinhos Híbrida Crônicas de
Tacanhópolis: Samuel a minha experimentação. Em Tacanhópolis, a cultura elaborada
com um mínimo de cuidado e respeito pela inteligência humana tenta sobreviver ao domínio
de subprodutos culturais descartáveis. Os personagens principais, descritos mais adiante, estão
num meio em que a maioria das pessoas se interessa muito pouco por leitura, menos ainda
pela literatura de cunho autoral. Quando esse interesse ocorre, é por indução dos anúncios
publicitários massivos feitos por apenas uma casa editorial, visando atrair leitores para suas
publicações: livros essencialmente esotéricos e de auto-ajuda, produzidos em série.
Ao basear meu trabalho prático nesses conceitos, como forma de metaforizar, pela
ficção, o que vejo na sociedade, minha meta não é apenas criticar este ou aquele estilo
literário; não quero levar a crer que produtos de cultura de massa planejados sob método
industrial partam forçosamente de idéias mal elaboradas, tampouco menosprezar a
sensibilidade intelectual de quem aprecia, seja em que grau, autores como Zíbia Gasparetto
e Paulo Coelho (os quais, é verdade, estão muito, muito longe de exemplos de refinamento
literário, e conquistaram barulhenta fama menos pelas suas habilidades como escritores e mais
por meio de planejamentos mercadológicos bem-sucedidos). Tenho a intenção de
problematizar os modos com que, hoje, a humanidade vem lidando com determinados bens
culturais, e talvez de evidenciar as relações de identificação e afeto envolvidas tanto no ato de
criação quanto no de fruição de uma obra de arte.
Muito desse substrato conceitual parte de referências mais ou menos claras à
história recente do Brasil e à cidade de Belo Horizonte, na qual nasci e passei a maior parte da
minha vida. Procurei, contudo, evitar menção direta de seus logradouros, edifícios e pontos
141
turísticos, bem como contornar a mera apresentação nossa “realidade nacional”, para facilitar
minha tarefa de universalizar
122
situações pelas quais passam os personagens de Crônicas de
Tacanhópolis: Samuel. Em se tratando de um trabalho que será colocado na Internet, convém
supor que poderá ser visto não somente por brasileiros de outras cidades e estados, mas por
pessoas outras nacionalidades. Creio que esses leitores-internautas, vivendo em tão diversos
lugares, se identificarão mais rapidamente com os personagens e seu ambiente se eu priorizar
as características que a capital mineira e seus cidadãos têm em comum com tantas outras
metrópoles espalhadas pelo mundo. Há, sim, no meu quadrinho Híbrido, nuances de nossa
cultura das quais, como autor, é impossível que eu me abstraia por completo que um
brasileiro nato captará com mais facilidade do que um estrangeiro; entretanto, é exatamente
para não limitar a compreensão de meu trabalho apenas aos versados em assuntos do Brasil
que me esforço em construir uma narrativa que todos os leitores, independentemente de
nacionalidades, possam compreender e, com isso, usufruam a experiência que lhes ofereço.
É possível, claro, construir narrativas de caráter universal ambientadas em lugares
e épocas específicas, como o Antigo Egito, a Versalhes dos reis absolutistas, o Sul da
Revolução Farroupilha ou a Tóquio robotizada do século XXIII. Numerosíssimos romances,
contos e poemas da literatura mundial (sem mencionar outras tantas obras dos teatros clássico
e contemporâneo, do cinema e dos próprios quadrinhos) corroboram essa assertiva, não sendo
necessário nenhum esforço de minha parte para prová-la. Apenas defendo que enfatizar as
semelhanças do caráter urbano de Belo Horizonte com inúmeras outras urbes da Terra torna
menos árdua minha tarefa de fazer com que o maior número possível de leitores seja capaz de
se identificar com o quadrinho.
4.2.1. Desenvolvimento dos personagens
Os personagens são muito mais que agentes do enredo: são formas sintéticas de
vida e, como tal, possuem vivências, comportamentos e opiniões próprias. Criar personagens
interessantes é desafiador, pois é a partir deles que os leitores se interessarão pela narrativa
quadrinizada. Os personagens desencadeiam processos de identificação no público,
sensibilizando-o ao expor-lhe seus anseios, suas dores, seus prazeres e suas atitudes frente aos
122
Entendo por enredo universal, dentro da construção de uma narrativa, aquele que aborde desejos, sentimentos
e problematizações que, ao menos em potência, atingem qualquer ser humano em qualquer era de sua
existência enquanto ser inteligente e sensível. Frustrações e êxitos diante de um objetivo, paixões, dor e
prazer físicos e psicológicos, atração sexual, a chegada inexorável da morte etc., são coisas que afetaram,
afetam e afetarão, embora em graus variados, cada indivíduo de nossa raça, independentemente de
especificidades contextuais.
142
obstáculos que surgem diante de seus objetivos. Em Crônicas de Tacanhópolis: Samuel, optei
por dar origem a personagens redondas, isto é, dotadas de características psicológicas
aprofundadas, capazes de mudar de atitude de acordo com os acontecimentos.
O primeiro personagem que comecei a desenvolver, cujo nome está no título do
trabalho prático, é Samuel, que, a princípio, seria simplesmente um jovem habitante de
Tacanhópolis com hábito de leitura, entristecido por causa da ignorância indiferente das
pessoas pelos grandes textos literários, dos quais aprendeu a gostar ainda cedo, por conselho
de familiares de sua estima.
Esse personagem principal, a meu ver, precisava de um amigo aproximadamente
da mesma idade, porém menos informado/interessado sobre literatura, para reforçar o fato de
que a geração de Samuel havia crescido desconhecendo que Tacanhópolis, outrora
Visionópolis, fora um centro de efervescência cultural. Era necessária também a criação de
outro amigo, bem mais velho, que vivera ativamente aqueles prolíficos períodos artísticos da
cidade, para servir como uma testemunha viva de que a metrópole já fora uma vez tomada por
numerosos movimentos culturais.
Enquanto trabalhava as características psicológicas e físicas desses três
personagens, imaginei que poderia ser interessante se eu criasse mais um, com a função de
contraponto alguém que sempre houvera morado em uma cidade que produzisse e
admirasse sua própria literatura e, ao chegar (por algum motivo qualquer justificado no
roteiro) a Tacanhópolis, estranhasse bastante o desinteresse das pessoas pela arte, ainda mais
pela literária. Ainda senti a necessidade da existência de um quinto e último personagem,
mais misterioso do que os anteriores, que detivesse um tipo “conhecimento secreto” para
justificar o porquê de tanto desdém dos tacanhopolitanos por qualquer manifestação artística
de cunho autoral. Desenvolvi, então, o primeiro esboço de cada um desses personagens,
relacionando essas características, de certo modo, à sua aparência física (fig. 81).
Trabalhando durante cerca de duas semanas, apurei o visual de cada personagem,
atribuindo uma palheta de cores diferente para cada um, numa razoável coerência com suas
características psicológicas, que vinham sendo igualmente comparadas e decididas.
Cheguei, enfim, aos pontos que desejava para o enredo que eu tinha em mente; desse modo,
os personagens de Crônicas de Tacanhópolis: Samuel se constituem, em linhas gerais,
conforme as descrições a seguir:
143
Samuel (fig. 82): tem 22 anos e é o protagonista. É o livreiro responsável pela
Livraria Bandeira, um dos poucos espaços para leitura remanescentes em Tacanhópolis, com
um acervo considerável de obras literárias do mundo inteiro (destacando-se as dos autores da
antiga Visionópolis, cujas criações foram banidas da sociedade pelos orquestradores do
Grande Golpe). Sua bebida preferida é o vinho tinto, que ele gosta de apreciar tanto sozinho
quanto em companhia de seus melhores amigos, Sérgio e Seu Fernando, no Bar do Ponto. No
momento, ele se encontra muito triste: a população da cidade, desinformada e desinteressada
pelo seu trabalho, enxerga apenas os livros “enlatados” de esoterismo e auto-ajuda da Editora
Mortadello, monopolizadora do mercado editorial no país. Por falta de público e de dinheiro,
e não sabendo o que fazer para mostrar às pessoas as riquezas oferecidas por um bom livro,
ele se ameaçado a fechar a livraria, extinguindo um histórico espaço cultural e se privando
da dedicação ao seu maior amor: a literatura. Pesa-lhe, também, a falta de uma companhia
feminina. Seus maiores desejos, além de ter seu trabalho como livreiro mais reconhecido
Figura 81 - primeiros esboços dos personagens.
144
pelas pessoas, é poder fazer com que elas percebam o prazer de adquirir conhecimento através
da leitura.
Sérgio (fig. 83): um dos melhores amigos de Samuel. Tem 25 anos, emprega um
linguajar razoável de palavras chulas e é grande apreciador de cerveja. É um publicitário com
habilidades de designer, que se encontra em começo de carreira. Apesar de esforçado, não
gosta das pressões que sofre em seu trabalho na Agência de Publicidade RNA (nem das peças
que é obrigado a fazer). Definitivamente, não entende muito de livros nem de literatura
talvez ele nunca se interessado verdadeiramente por isso, mas se importa muito com o bem-
estar de Samuel, e procura ajudá-lo a buscar soluções para seus problemas. Não se sabe quais
são seus planos de vida, mas os desejos mais imediatos de Sérgio são: permanecer ao lado de
seus amigos; arrumar um emprego que lhe satisfaça mais; e conseguir ficar com Júlia, uma
das garçonetes do Bar do Ponto, lugar que ele também freqüenta muito.
Figura 82 - Samuel, o livreiro.
Figura 83 - Sérgio, o publicitário.
145
Seu Eduardo (fig. 84): tem 64 anos. Leitor ávido, grande barman e proprietário
do Bar do Ponto, amigo de Samuel e Sérgio, é um dos poucos sobreviventes culturais do
período pré-Grande Golpe, quando a cidade ainda se chamava Visionópolis. Na época, Seu
Eduardo participara de movimentos literários e musicais de vanguarda com três amigos:
Hugo, Mauro e Apolo. Acusados arbitrariamente de “comunistas subversivos” pelo regime
ditatorial que se seguiu, todos eles foram presos e torturados. Ele e Apolo conseguiram
escapar do cárcere, e se arriscaram a montar, clandestinamente, na Livraria Bandeira (que
pertencia à família de Apolo), um acervo das obras proibidas pelos governantes, para tentar
salvar o movimento literário da época e para homenagear os dois outros companheiros,
mortos pelos agentes dos ditadores. Seu Eduardo se lembra, nostálgico, do quanto aquele
período de efervescência artística fora importante para a vida da cidade e para sua própria
formação. Embora tenha poucas esperanças que Tacanhópolis volte a valorizar a cultura como
antes, ele acredita nos esforços de seus amigos Samuel e Simone em conservar as obras e
divulgar a produção literária autoral dentro da cidade, antes que ela seja completamente
sufocada pela publicidade da Editora Mortadello.
Lygia Drummond (fig. 85): aos 22 anos, a poetisa Lygia é a mais promissora
revelação literária da década, de acordo com a crítica especializada de sua cidade natal,
Janeirópolis. Neste momento, ela começa a escrever um romance, vindo pela primeira vez a
Tacanhópolis trazer os rascunhos para que sua amiga de longa data, Simone, faça revisões e
lhe sua opinião. Habituada a conviver com uma sociedade que mais valor aos livros
autorais, é provável que Lygia estranhe o desinteresse dos tacanhopolitanos, ainda mais
quando eles têm ao seu dispor acervos como o da Livraria Bandeira. Embora Lygia não
Figura 84 - Seu Eduardo, ladeado pelos três amigos de outrora.
146
pareça ambiciosa em demasia, seu sonho é se estabelecer como escritora, apesar das
dificuldades do mercado.
Simone Calamus (fig. 86): moradora de Tacanhópolis, especialista e
colecionadora de obras literárias. Não se sabe ao certo sua idade. Ajudou Samuel na Livraria
Bandeira depois que o empreendimento foi deixado ao rapaz por seu avô Apolo e por Seu
Eduardo; e, ao lado do amigo livreiro, é a maior divulgadora da literatura autoral na cidade.
Por algum motivo, o desprezo geral dos tacanhopolitanos pelos bons livros não abalou seu
bom-humor e sua esperança de que a situação melhore. Apesar de sua grande simpatia e
receptividade, ninguém descobriu, até este momento, como uma mulher aparentemente tão
nova conseguiu ler tantos livros, saber tão profundamente dos movimentos culturais da antiga
Visionópolis e conhecer pessoalmente tantos autores, mas todos atribuem isso à dedicação e à
paixão que Simone demonstra ter pela produção literária.
Figura 85 - Lygia Drummond, escritora natural de Janeirópolis.
Figura 86 - Simone Calamus, grande especialista em literatura.
147
4.3. Etapas de construção do quadrinho Híbrido
4.3.1. Argumento e roteiro ilustrado
Na criação de uma história em quadrinhos, bem como de outras formas de arte
(cinema, teatro etc.), o enredo, isto é, a sucessão de acontecimentos que caracteriza uma
história a ser narrada, se planeja por meio de pelo menos duas etapas escritas consecutivas, o
argumento e o roteiro. O argumento é um texto mais bruto e sucinto, expondo apenas o
encadeamento geral das ações constituintes de cada uma das etapas da narrativa
(apresentação, desenvolvimento e conclusão). A partir dele se faz o roteiro, que traz o
detalhamento dessas etapas.
Para um quadrinho Híbrido, é fundamental criar uma história envolvente a ponto
de incentivar o leitor-internauta a acompanhá-la até seu desfecho. No ambiente da Internet, é
de extrema importância estimular os visitantes de um tio virtual a permanecerem o maior
tempo possível dentro dele se a informação existente ali não lhes agrada ou lhes parece
pouco clara logo nos primeiros segundos, eles vão embora rapidamente. Além disso, a história
de um Híbrido deve empregar as potencialidades oferecidas pela tecnologia computacional
em rede (sobre as quais dissertei no capítulo anterior). Elas não devem surgir como mero
acessório estético ou demonstração habilidade técnica, mas como dispositivos que enriqueçam
as possibilidades de contar e de ler a narrativa.
Em todos os momentos em que acreditei serem condizentes com a história,
apliquei algum recurso de hibridismo em Crônicas de Tacanhópolis: Samuel. Certamente, é
complexo pensar um roteiro de quadrinhos em função das novas possibilidades Híbridas
abertas pelo computador, que interferirão diretamente no resultado final da obra. É preciso
saber escolher que recurso usar para melhor apreensão da narrativa, quais os pontos mais
adequados para seu emprego e manter sempre em mente sua viabilidade tecnológica dentro do
Flash algo mirabolante ou pesado demais (como, por exemplo, um ambiente 100%
tridimensional integrando, simultaneamente, várias animações complexas) não seria
suportado pelo ActionScript, ou mesmo estaria além dos meus limites como programador, em
termos de técnica e de tempo disponível.
Ao conceber o enredo de Crônicas de Tacanhópolis: Samuel, depois de algumas
sessões de brainstorming (úteis para fazer com que as idéias saíssem da mente e pousassem,
ainda que pouco ordenadas, sobre o papel), parti para um argumento bastante rápido, feito em
148
folhas de rascunho numa lógica semelhante a um fluxograma, nas quais escrevi minhas
primeiras idéias, interligando os acontecimentos principais do enredo (fig. 87).
A filtragem e a ordenação adequada dessas idéias aconteceram na elaboração do
roteiro ilustrado: como se trata de uma obra quadrinizada, apenas a descrição textual de cada
tela não é suficiente; é preciso informar, desenhando, de modo semelhante a um storyboard
cinematográfico, os ângulos da “câmera”, a colocação de elementos (personagens, objetos de
cena, balões, onomatopéias etc.) nas vinhetas e também a disposição de cada vinheta em
função da área visível da tela — daí o emprego da palavra “ilustrado” para definir esse tipo de
roteiro, que é um aprimoramento, uma abordagem mais profunda dos detalhes e do
desencadeamento do enredo. Essas ilustrações também servem, numa etapa posterior, de
esboço para os desenhos do quadrinho, finalizados integralmente no meio digital, como
explicarei num tópico seguinte.
Fiz o roteiro ilustrado usando lápis HB comum, sobre folhas de papel sulfite A4,
inserindo pequenos desenhos, de 4,5 cm x 8 cm (dimensões compatíveis com a proporção
16:9, horizontalizada e, portanto, adequada para exibição nos monitores de computador),
indicando o conteúdo correspondente a cada vinheta. Ao lado dos desenhos, pus os diálogos e
anotações sobre os momentos em que devem entrar, na narrativa, as propriedades Híbridas.
Depois, passei para a digitalização das páginas do roteiro com um escâner utilizei um
antigo (porém adequado às minhas necessidades) equipamento de interface paralela. Todas
Figura 87 - argumento de Crônicas de Tacanhópolis: Samuel, apresentando, interligação visual dos
principais acontecimentos do enredo, incluindo anotações sobre onde empregar os recursos
de hibridismo, bem como o descarte de algumas idéias.
149
elas foram convertidas em arquivos .jpg, com resolução de 200 dpi, o bastante para que os
esboços sejam visíveis na próxima etapa, em que serão importados para o Flash (fig. 88).
4.3.2. Criação no Flash
Pronto e digitalizado o roteiro, a próxima etapa é transformá-lo, utilizando os
recursos do Flash, em quadrinho Híbrido. Os arquivos originais criados no ambiente desse
programa têm a extensão .fla e, na exportação, passam por um processo de otimização para a
Internet e adquirem a extensão .swf. Uma vez obtidos, e depois de passarem por testes de uso
e eventual correção de linhas de programação em ActionScript, os arquivos .swf podem então
ser colocados em um servidor remoto na rede mundial de computadores, a fim de que se
tornem acessíveis aos leitores-internautas.
Figura 88 - uma das páginas do roteiro de Crônicas de Tacanhópolis: Samuel. Do
lado esquerdo, situam-se os esboços de cada tela, com divisão das
vinhetas; à direita, estão as informações de diálogo e marcações de
propriedades híbridas (como sons e eventos de mouse).
150
Os arquivos .fla de Crônicas de Tacanhópolis: Samuel têm dimensões de 900
pixels x 530 pixels, com taxa de 24 quadros por segundo (perceptível somente nas eventuais
animações que constam no trabalho). Os eventos e as trilhas sonoros têm compressão .mp3
constante de 56 KB por segundo, em estéreo. Os .fla incorporam três fontes tipográficas: TW
Cen MT (normal), em caixa alta, para indicações em geral; Prologi (normal, negrito e itálico),
criada por mim para compor o texto dos balões; e Bodoni MT Poster Compressed, apenas
para escrever a palavra “SAMUEL” do título.
O experimento se divide em três blocos de operação, conforme mostra o diagrama
abaixo (fig. 89). No primeiro, oferecem-se ao leitor-internauta três opções de idioma,
português, francês e inglês. O idioma escolhido é fixado como padrão para exibir todos os
textos dos dois blocos seguintes, conforme explicitarei melhor mais à frente, no tópico sobre a
possibilidade Híbrida de tradução instantânea. O segundo bloco consiste em uma tela de
apresentação do quadrinho Híbrido, na qual estão botões que levam o leitor-internauta aos
capítulos da narrativa. No mesmo bloco, estão informações mais completas sobre o autor e
sobre a natureza do trabalho. O terceiro é o quadrinho Híbrido em si, contendo a narrativa
dividida em capítulos e vinhetas mutuamente acessíveis, que permitem também voltar para a
tela de apresentação em qualquer momento. Os dois primeiros blocos funcionam dentro de
apenas um arquivo .swf, enquanto o terceiro bloco possui um arquivo .swf separado para cada
um dos capítulos.
A seguir, descreverei, passo a passo, os procedimentos técnicos necessários para a
montagem do quadrinho Híbrido. Procurarei expô-los tão detalhadamente quanto possível,
mas ressalto que um entendimento prévio do funcionamento do Flash, por parte do leitor,
permitirá uma compreensão mais ágil e profunda.
Figura 89 - diagrama de blocos do experimento do quadrinho Híbrido. Notar que as setas representam as
possibilidades de navegação entre um bloco e outro.
151
4.3.2.1. Separação de camadas
Para melhor organizar e manipular seus elementos, o Flash possui, em suas linhas
do tempo, camadas personalizáveis independentes, que se sobrepõem verticalmente umas às
outras, num raciocínio parecido com o de folhas de acetato empilhadas: cada folha contém
algo diferente das outras e, a partir da que está em cima, é possível enxergar o conteúdo
daquela de baixo graças à transparência. Basicamente, constituí a linha do tempo principal de
cada arquivo do quadrinho Híbrido com cinco grupos de camadas: código, interface, gráficos,
cores e efeitos. Não se trata de uma ordenação rígida ou hierárquica; é apenas o modo que
encontrei para classificar as funções desempenhadas pelas camadas (fig. 90).
Nas camadas de código, acomoda-se a programação (ações) em ActionScript, que
possibilita o comando do arquivo por eventos disparados pelo leitor-internauta (a exemplo de
cliques em botões e gestos de mouse) e a definição de sub-rotinas e variáveis. Todo o código
do experimento está escrito na versão 2.0 do ActionScript. O Flash CS4 oferece uma versão
mais recente (3.0), mais robusta, porém de sintaxe muito diferente e mais complexa, que não
traria melhoras significativas para construção do quadrinho Híbrido.
Nas camadas de interface, estão os gráficos dedicados à navegação, receptivos a
eventos do usuário: cursores, botões explícitos e escondidos e menus de navegação. Alguns
destes gráficos obedecem a ações contidas nas camadas de código; outros, por praticidade,
possuem sua própria linha de tempo com códigos exclusivos que permitem seu
funcionamento.
Figura 90 - captura da linha do tempo do Flash, destacando as camadas que
utilizei na linha do tempo principal do Capítulo I do experimento.
Ao lado do nome das camadas, pus o nome do grupo ao qual
pertencem, para mostrar mais claramente a função de cada uma.
152
As camadas de gráficos contêm os desenhos do quadrinho: para os esboços,
bitmaps do roteiro ilustrado; para a arte-final, traços vetoriais feitos com as próprias
ferramentas do Flash. Para não acrescentarem bytes desnecessários no arquivo .swf final, os
esboços são apagados do programa assim que se conclui a arte-final de cada tela.
As camadas de cores, como indica sua própria denominação, dedicam-se à
aplicação de cor nos desenhos, a partir da palheta criada, dentro do painel Swatches
(“Amostras”) do Flash, para o cenário e para os personagens. É importante separar o que é
cor do que é traço arte-finalizado, para que seus vetores não se influenciem mutuamente — se
for necessário fazer modificações futuras num ou noutro, basta clicar na camada
correspondente, sem que haja misturas indesejáveis entre eles.
Por último, nas camadas de efeitos, encontram-se os jogos estéticos de reflexo, luz
e sombra que se sobrepõem aos desenhos de cada tela. Para obtê-los, empreguei formas
vetoriais usando mais comumente preto e branco, com variações de transparência, de modo a
obter o impacto visual desejado para cada vinheta.
4.3.2.2. Definições de quadros, ações básicas e interfaces de navegação
As camadas do Flash, independentemente de se localizarem na linha do tempo
principal ou na linha do tempo pertencente a qualquer símbolo do programa (botão, gráfico ou
clipe de filme), compõem-se de quadros (chamados, na língua inglesa, de frames) numerados
de um a infinito, estendendo-se na horizontal. Se as camadas servem para organizar os
elementos dentro do programa, os quadros, ordenados em função do tempo estipulado pela
taxa de quadros por segundo do arquivo, são os recipientes principais, comportando rótulos,
comentários, ActionScript, arquivos de som, tocadores de vídeo, barras de rolagem para
personalização, animações, interpolação de animações, imagens estáticas etc.
Em todos os arquivos de Crônicas de Tacanhópolis: Samuel, os primeiros três
quadros da linha do tempo principal são reservados para a programação do carregador um
mostrador gráfico e/ou alfanumérico (usualmente, uma barra de progresso com indicador de
porcentagem) cuja função é indicar ao leitor-internauta, toda vez em que ele acessar o
quadrinho Híbrido na Internet, o tempo restante para que o arquivo possa se descarregar do
servidor e se abrir. Os quadros seguintes correspondem às telas do experimento, variando de
acordo com cada bloco de operação (seleção de idiomas, apresentação, dados da obra e do
autor e as telas contendo as vinhetas da narrativa quadrinizada).
153
Os quadros que formam essas telas possuem, na camada de “ações de quadro”
(dedicada ao código ActionScript), o comando stop();, que ordena que o Flash pare em
cada um deles, deixando que o leitor-internauta veja o conteúdo das telas pelo tempo que
desejar. Assim, como é típico da leitura dos quadrinhos, o leitor-internauta poderá impor seu
próprio ritmo para absorver as informações da obra. Mesmo nos quadros em que achei
necessário inserir animações, procurei planejá-las para durarem o menor tempo possível, de
forma a deixar o controle do fluxo de leitura nas mãos do usuário na maioria das vezes.
A navegação pelas telas do quadrinho Híbrido se de três modos: a partir de
botões, acessíveis com o mouse, localizados em uma barra inferior de cor azul (fig. 91), com
930 pixels de largura e 26 pixels de altura; através de comandos pré-determinados do teclado;
e através de cliques do mouse em cima das vinhetas. O objetivo é oferecer o máximo de
opções para que o leitor-internauta execute, de acordo com sua preferência, as ações
fundamentais para que se faça a leitura: avançar e retroceder na narrativa, isto é, ir até a
próxima tela e voltar à anterior.
A barra inferior azul, presente em todos os capítulos da narrativa, reúne os botões
que possibilitam os principais comandos de navegação do quadrinho. Através da barra, o
leitor-internauta pode avançar e retroceder dentro do capítulo em que se encontra, acessar as
Figura 91 - captura de tela destacando as todas as funções dos botões componentes da barra inferior azul de
interface. Sua existência disponibiliza ao leitor-internauta navegabilidade mais rápida.
154
telas da narrativa de forma não-linear, acessar outros capítulos, mudar o idioma (entre o
português, o francês e o inglês), voltar à tela de apresentação e acessar um menu de ajuda
contendo uma descrição resumida de como navegar por Crônicas de Tacanhópolis: Samuel.
Embora eu tenha planejado que navegação ocorra tão intuitivamente quanto possível,
disponibilizei esse pequeno manual de instruções (fig. 92) para servir de referência rápida a
um usuário que eventualmente possa ter se perdido.
Excetuando-se os seletores de idioma, cujo código explicarei mais adiante, e o
botão com o sinal de interrogação (que aciona o clipe de filme contendo o menu de ajuda
através do comando play();), os botões da barra azul inferior têm ações baseadas no
seguinte código, colocado dentro de suas respectivas linhas do tempo:
on (release) {
gotoAndPlay(telaCorrespondente);
}
on é um manipulador do Flash para capturar, principalmente, eventos de mouse,
como os cliques e o gesto de clicar e arrastar. As linhas acima determinam que o usuário, ao
clicar no botão da barra azul, seja direcionado para um determinado quadro, onde se encontra
Figura 92 - captura de tela do menu de ajuda, acessível por meio do primeiro botão à esquerda (com o sinal
gráfico de interrogação) da barra inferior azul.
155
a tela para a qual ele quer ir: a expressão telaCorrespondente é substituída, em cada
botão, pelo número do quadro apropriado.
Ocupando toda a área restante acima da barra azul, um grande botão invisível
cuja função é avançar para a tela seguinte da narrativa toda vez em que se clicar sobre as
vinhetas da tela. Optei por disponibilizar esse método de navegação porque muitos quadrinhos
digitais, sejam Herdeiros ou Híbridos, empregam-no para tornar mais fluida a sua leitura
progressiva, permitindo que o leitor-internauta exerça o ato mais habitual da leitura do
quadrinho (avançar as páginas, ou telas, para acompanhar a história) executando, numa
grande área, o comando mais simples possível com o mouse, que é o clique. O botão invisível
tem o mesmo código do botão de avançar da barra azul:
on (release, keyPress "<Right>") {
nextFrame();
}
O código acima indica que o leitor-internauta irá para a tela seguinte sempre que
executar um clique do mouse sobre os botões mencionados e sempre que apertar, no teclado, a
tecla da seta para a direita. Se o usuário pressionar a tecla da seta para a esquerda, retrocederá
dentro da narrativa, pois o botão de retornar da barra azul identifica o evento keyPress
"<Left>".
Além disso, integrados a certas vinhetas do quadrinho Híbrido, dois outros
tipos de botões com os quais o leitor-internauta pode interagir: os botões de hipertexto e os
botões de sobreposição. Os primeiros reagem aos cliques do mouse, desvendando novas
situações do quadrinho, remetendo o leitor-internauta a tramas paralelas e levando-o, por
meio de links, para outros sítios na Internet, situados fora do servidor que hospeda os arquivos
de Crônicas de Tacanhópolis: Samuel, mas diretamente relacionados com a narrativa do
experimento. Para que se distingam melhor, evitando confusões com os outros botões da tela,
cada botão de hipertexto, quando ativo, substitui o cursor padrão do mouse por um cursor
personalizado (fig. 93), que é, na verdade, um clipe de filme nomeado como
cursorDragTri dentro do painel Properties (“Propriedades”).
Figura 93 - cursor dos botões de hipertexto (ampliado 3x).
156
Essa nomeação se faz necessária para que o Flash, em todos os momentos em que
o usuário ativar um botão de hipertexto, possa esconder o cursor padrão, trocando-o pelo clipe
de filme, que passará a seguir diretamente os movimentos do mouse. Para isso, cada um
desses botões deve possuir o seguinte código, que também deve executar a operação inversa
(substituir o clipe de filme pelo cursor padrão) caso o usuário os desative:
//usuário ativa o botão de hipertexto
on (rollOver) {
//deixa o cursor personalizado visível
setProperty(cursorDragTri, _visible, "1");
//esconde o cursor padrão
Mouse.hide();
//o cursor personalizado passa a acompanhar o mouse
startDrag(cursorDragTri, true);
}
//usuário clica no botão de hipertexto
on (release, releaseOutside) {
//neste espaço, coloca-se o link ou o quadro para o
qual o botão apontará
}
//usuário desativa o botão de hipertexto
on (rollOut) {
//esconde o cursor personalizado
setProperty(cursorDragTri, _visible, "0");
//mostra novamente o cursor padrão
Mouse.show();
}
As figuras 94 A e 94 B ilustram o funcionamento de um botão de hipertexto. Na
tela 8 do Capítulo I, o leitor-internauta, clicando sobre a figura de Sérgio (sobre a qual um
botão, como indica o cursor), terá, dentro da própria vinheta, acesso a uma informação
paralela sobre a ocupação profissional exercida pelo personagem.
157
Os botões de sobreposição, por sua vez, funcionam apenas com o evento de mouse
identificado pelo Flash como rollOver, isto é, quando o usuário simplesmente passa o
cursor sobre o botão, sem executar cliques. Isso porque esses botões não remetem o leitor-
internauta a nenhum lugar específico, mas fornecem detalhes extras sobre diversos pontos da
narrativa. Criei um cursor ligeiramente diferente (fig. 95), nomeado cursorDragCir no
Flash, e o processo de substituição do cursor padrão se faz de maneira idêntica àquela
empregada nos botões de hipertexto acima descritos.
Figura 94 A - ao encontrar um botão de hipertexto, o leitor-internauta saberá de sua existência ao perceber
que o cursor do mouse mudou para o cursor personalizado (contendo um triângulo).
Figura 94 B - clicando no mesmo botão, o leitor-internauta verá uma informação paralela, que não é
necessária para a compreensão da narrativa principal, mas a enriquece ao mostrar uma
situação vivida pelo personagem num passado recente.
158
O código de cada botão de sobreposição é ligeiramente diferente, pois bastam os
comandos para substituir o cursor padrão do mouse pelo cursor personalizado, observando
sempre a distinção do nome do clipe de filme:
//usuário ativa o botão de sobreposição
on (rollOver) {
//deixa o cursor personalizado visível
setProperty(cursorDragCir, _visible, "1");
//esconde o cursor padrão
Mouse.hide();
//o cursor personalizado passa a acompanhar o mouse
startDrag(cursorDragCir, true);
}
//usuário desativa o botão de sobreposição
on (rollOut) {
//esconde o cursor personalizado
setProperty(cursorDragCir, _visible, "0");
//mostra novamente o cursor padrão
Mouse.show();
}
As figuras 96 A e 96 B mostram o funcionamento um botão de sobreposição. Na
tela 3 do Capítulo I, quando o leitor-internauta aponta, com o mouse, para a figura de Samuel,
percebe a mudança do cursor, o qual indica que ali algo diferente. Surge, do lado, uma
pequena ficha técnica sobre o personagem, com seu nome, idade e um texto contendo
algumas informações mais detalhadas a respeito da situação de Samuel dentro da história.
Cliques não são necessários nesse botão: apenas basta que o usuário deixe de repousar o
cursor sobre o personagem para que a informação detalhada desapareça e a vinheta volte ao
estado inicial.
Figura 95- cursor dos botões de sobreposição (ampliado 3x).
159
4.3.2.3. Desenho, pintura e sombreamento
Em Crônicas de Tacanhópolis: Samuel, usei um hardware especial: a mesa
digitalizadora também conhecida como tablet —, que permite desenhar e pintar
diretamente no computador por meio de uma caneta eletromagnética atuando sobre uma
região captadora (fig. 97).
Figura 96 A - vinheta da tela 3 do Capítulo I em seu estado inicial. As informações do botão de
sobreposição permanecem escondidas.
Figura 96 B - apontando o mouse para o botão de sobreposição (cuja existência se confirma pelo cursor
personalizado), o leitor-internauta tem acesso imediato à sua informação, que é um detalhe
sobre o momento narrativo. Para que a vinheta volte ao estado inicial, no caso, é preciso
apenas mover o cursor para fora da figura de Samuel.
160
O equipamento que utilizei, quase idêntico ao da figura acima, tem 14,8 cm x 9,2
cm de área sensível, e me exigiu um tempo prévio de exercícios até que eu conseguisse
adaptar nele meu estilo de traço. Diferentemente do desenho sobre papel, em que se olha
diretamente em direção à mão para se ver o traço obtido pelo gesto, nas mesas digitalizadoras
cujas canetas não atuam diretamente na tela do computador é preciso que o desenhista
aprenda a desviar seu olhar sempre em direção ao monitor, que é onde aparecerá seu traço. A
caneta eletromagnética tem uma ponta seca que não deixa rastro visível sobre a superfície
sensível da mesa, tornando inútil o ato de acompanhar o gesto da mão com os olhos e
induzindo o cérebro a se “reeducar” para realizar a tarefa do desenho.
Desenhar diretamente no Flash, usando mesa digitalizadora, é duplamente
vantajoso. Com ela, não é preciso finalizar os desenhos no mundo “analógico”, usando tinta
sobre papel, poupando o considerável tempo que seria gasto para a digitalização por escâner e
para o tratamento da imagem antes de importá-la para o programa. E elimina-se por completo
a necessidade de bitmaps para compor as telas do quadrinho Híbrido, diminuindo
consideravelmente o tamanho em bytes do arquivo .swf isso porque o desenho, no Flash,
se faz por gráficos vetoriais, que ocupam muitas vezes menos memória, e não perdem
qualidade se redimensionados para quaisquer resoluções.
Algo de crucial importância para qualquer aplicação na Internet é o seu tempo de
carregamento, que será, para uma dada velocidade de conexão, tanto menor quanto menos
bytes contiverem seus arquivos. Menos tempo de carregamento significa fazer com que os
usuários esperem por períodos menores para acessar os arquivos, poupando-lhes a paciência e
evitando que se dispersem por outras páginas da rede ou mesmo desistam de aguardar,
Figura 97 - uma das mesas digitalizadoras da Wacom, empresa especializada na
fabricação desse tipo de hardware. A caneta eletromagnética pesa tanto
quanto e tem o mesmo tamanho de uma caneta esferográfica comum.
161
fechando seus navegadores. Decerto, as velocidades disponíveis ao consumidor comum para
acesso à Internet estão cada vez maiores, permitindo, atualmente, o acesso ágil a arquivos
com grande volume de dados, como vídeos de longa duração. Aparentemente, as conexões de
banda larga e sua grande capacidade de tráfego eliminariam qualquer preocupação que o
desenvolvedor para a web poderia ter com o tamanho em memória dos arquivos que ele
precisa colocar na rede mundial. Contudo, arquivos menores e compactados, dentro de uma
rede sociotécnica, sempre levarão vantagem: eles implicam menor tempo de download, menos
espaço necessário para guardá-los dentro de um servidor (por isso, menos despesas para
armazená-los e transferi-los) e mais rapidez para criar cópias de segurança.
Não se deve, sem dúvidas, prejudicar a qualidade visual do trabalho ou sua
eficiência técnica apenas para economizar bytes nos arquivos. É preciso, para cada caso,
inclusive para iniciativas artísticas, encontrar um ponto ótimo entre tamanho e qualidade, que
permita a apreciação ou o uso na Internet sem espera em demasia. Nos desenhos do quadrinho
Híbrido proposto, os vetores que os compõem diminuem o tamanho dos arquivos finais,
dispensando os bitmaps sem qualquer prejuízo para a qualidade plástica que eu intencionava
alcançar. Em média, cada .swf de Crônicas de Tacanhópolis: Samuel, com todos os seus
códigos, efeitos especiais e experimentos interativos, tem 2,6 MB, permitindo um
carregamento relativamente rápido até mesmo em conexões discadas.
As ferramentas de desenho em vetor do Flash são, em termos, mais simples de
usar se confrontadas com as existentes em outros programas de ilustração vetorial disponíveis
no mercado, como o Adobe Illustrator e o Corel Draw. O Flash é mais sensível aos gestos
espontâneos da mão ao fazer o traço na mesa digitalizadora, reproduzindo com mais sutileza a
pressão do punho, os movimentos curvos e até mesmo os mais trêmulos. Por isso, os desenhos
nesse programa podem ser menos retilíneos, ainda que se tratem de vetores.
Para realizar os desenhos de cada tela do quadrinho Híbrido no Flash, foi preciso,
inicialmente, importar para o programa, dentro de uma camada dedicada, as imagens
previamente digitalizadas do roteiro ilustrado (fig. 98). Esses bitmaps serviram como esboço
para a execução de toda a arte em imagens vetoriais. Os primeiros desenhos feitos são os dos
balões de fala (fig. 99), em sua camada correspondente, com a ferramenta Oval Tool (criadora
de formas elipsoidais), usando preenchimento branco e linha preta com dois pontos de
espessura — para os apontadores dos balões, utilizei a ferramenta Pen Tool, que permite fazer
segmentos curvos com maior precisão. Na mesma camada, também se encontram as caixas de
texto dinâmico que comportam o texto dos balões.
162
Os desenhos arte-finalizados se fazem, numa camada própria, com tinta digital
preta, usando a ferramenta Brush Tool, sensível à pressão da caneta da tablet o ajuste de
sensibilidade simula uma ferramenta de desenho real: quanto mais pressão se exerce sobre sua
ponta, mais espesso é o traço que se obtém. Os cenários, elaborados em camadas postas
abaixo da camada dos primeiros desenhos, empregam inclusive outras ferramentas, como a
Line Tool e a Pencil Tool, capazes de fazer linhas de espessura uniforme (fig. 100).
Figura 98 - bitmaps do roteiro ilustrado importados para o ambiente do Flash, servindo de esboço.
Figura 99 - balões desenhados. Os tênues retângulos que se sobrepõem a eles são as caixas de texto
dinâmico que comportam o texto da fala dos personagens.
163
Concluída a etapa de arte-finalização, realiza-se a pintura digital, sempre partindo
dos elementos pertencentes ao primeiro plano (fig. 101), deixando por último a cor dos planos
subseqüentes e os efeitos de luz e sombra, colocados numa camada à parte (fig. 102). Para
criar tanto as cores quanto as luzes e sombras, utilizei as ferramentas Brush Tool e Bucket
Tool (“ferramenta-balde”, apropriada para cobrir áreas maiores).
Figura 100 - arte-finalização vetorial dos desenhos. O primeiro plano (ocupado, normalmente, pelos
personagens) e os planos consecutivos (pertencentes aos cenários) ficam em camadas
diferentes, para evitar interferência mútua entre os traços.
Figura 101 - execução da pintura dos elementos do primeiro plano. Notar a palheta de cores aberta
(painel Swatches), para permitir o acesso rápido às tintas digitais.
164
O resultado final do processo (fig. 103) é a tela completa, com balões, letras,
traços e cores cem por cento vetoriais e organizados em camadas próprias, pronta para
exportação em .swf.
Figura 102 - pintura dos planos restantes, com adição de efeitos de luz e sombra.
Figura 103 - captura do Flash Player, executando o arquivo .swf com a tela finalizada.
165
4.3.2.4. Testes e correção de falhas
Crônicas de Tacanhópolis: Samuel não envolve aplicação massiva de
ActionScript. Mas, assim como qualquer experimento que envolva níveis mínimos de
linguagens de programação, meu trabalho poderia estar vulnerável a falhas no código, e por
isso foi imperativo que eu incluísse em minha prática uma fase na qual eu submetesse a testes
os arquivos .swf finalizados — etapa em que eu buscaria por problemas na escrita do
ActionScript e também na usabilidade do quadrinho Híbrido, procurando modos de corrigi-
los, bem como de prever erros que pudessem ser encontrados pelos leitores-internautas
durante o acesso ao meu trabalho.
Uma revisão bem feita requer atenção reforçada: bastam um sinal diferente na
sintaxe do ActionScript ou uma letra trocada em uma variável para que o Flash interprete mal
os comandos ou impeça a exportação do arquivo .swf. Um recurso que o próprio programa
oferece para ajudar a eliminar as falhas de software os bugs é o painel Compiler Errors
(“Erros do compilador”, fig. 104), o qual se abre sempre que se encontram problemas no
código dentro de camadas e quadros do arquivo .fla original, indicando as possíveis causas
dos erros.
4.3.3. Montagem do sítio virtual
De todas as etapas para a conclusão do quadrinho Híbrido proposto, a montagem
do sítio virtual é a mais rápida, porque requer apenas alguns poucos ajustes no documento
HTML que incorpora os arquivos .swf exportados a partir do Flash. Para isso, utilizei outro
programa da Adobe, o Dreamweaver CS4.
Esses ajustes afetaram basicamente, dentro do documento HTML, as tags
<name> e <meta>. Em <name>, que define o título exibido no navegador quando do
carregamento do HTML, pus apenas a palavra “Samuel”, que identifica o tulo da minha
proposta prática e seu protagonista mais importante. Na tag <meta name="Keywords">,
inseri, em português, francês e inglês, determinadas palavras-chave (tais como “quadrinhos”,
“digitais”, “crônicas” etc.), para facilitar a localização do quadrinho Híbrido por alguns
Figura 104 - captura do painel de erros do compilador do Flash.
166
parâmetros das ferramentas de busca da Internet, como o Google. Ainda no Dreamweaver,
associei ao HTML uma folha de estilos CSS, determinando as margens do documento e a cor
azul do fundo.
Fora do ambiente do Flash, cada arquivo .swf passou também por pelo menos
uma sessão de testes em sete tipos de navegadores diferentes operando a versão 10 do plug-in
do Flash: Microsoft Internet Explorer 8, Google Chrome 2.0, Apple Safari 4 Beta, Opera
9.64, Mozilla Firefox 3.5.2, Flock 2.5 e Netscape 9
123
. Essa etapa foi necessária porque cada
navegador interpreta os atributos contidos na folha CSS de modos ligeiramente diferentes,
que, se passassem despercebidos, poderiam interferir de maneira indesejável na apresentação
do trabalho, quebrando sua uniformidade visual.
4.4. Novas possibilidades para o quadrinho híbrido
Durante a elaboração do argumento de Crônicas de Tacanhópolis: Samuel, pensei
em usar o Flash para desenvolver e demonstrar propriedades Híbridas que, embora
perfeitamente factíveis via ActionScript, não se encontram, até o momento, em nenhum dos
quadrinhos Híbridos de que tenho notícia, e tampouco constam na literatura referenciada nesta
dissertação. Tais propriedades inéditas, detalhadamente expostas nos tópicos seguintes,
constituem mais um exemplo do que as ferramentas tecnológicas computadorizadas são
capazes de trazer para a linguagem da obra quadrinizada, sem, no entanto, privá-la de seus
elementos essenciais (tela, vinheta e elipse).
4.4.1. Tradução instantânea
Para atrair mais leitores-internautas, muitos autores de quadrinhos digitais
disponibilizam seus trabalhos, classifiquem-se eles entre Herdeiros ou Híbridos, em pelo
menos dois idiomas diferentes principalmente os artistas que não nasceram em culturas
cuja língua materna seja a inglesa. Tudo o que estiver escrito no idioma de Shakespeare tem
mais chances de ser lido e compreendido pelo internauta médio: o inglês ainda é empregado
com freqüência pela maior parte dos usuários da Internet, o que se justifica pela própria
história da rede mundial (cujo desenvolvimento primário aconteceu nos E.U.A.) e pela
123
As versões citadas são as últimas atualizações disponíveis na Internet até o dia 2 ago. 2009. A maioria desses
navegadores funciona em vários sistemas operacionais.
167
considerável influência da quantidade de nós e tecnologias orientadas para a web existentes
em países como a Grã-Bretanha, a Austrália, o Canadá, a Índia e os próprios E.U.A.
Normalmente, os quadrinhos digitais multilíngües apresentam arquivos separados
para cada idioma, impondo aos seus autores o empecilho de multiplicar a ocupação do espaço
disponível no servidor. Como acontece na maior parte dos casos, o leitor-internauta pode,
através de um link, mudar o idioma do quadrinho de determinado sítio virtual — porém, o que
acontece na prática é a substituição, dentro do HTML, do arquivo original por uma duplicata
escrita na língua então selecionada.
No sexto capítulo da série Mr. Nile Experiments, intitulado Invisible Structures
124
(“Estruturas invisíveis”), Daniel Merlin Goodbrey apresentou uma proposta diferente para
traduzir um quadrinho digital sem a necessidade de criar arquivos distintos de acordo com o
idioma: inserir o conteúdo textual da obra diretamente em um único documento HTML
(formatado por CSS), possibilitando assim a versão do texto em diversas línguas a partir do
tradutor automático do buscador Google. A técnica, embora engenhosa, traz certas limitações:
toda ferramenta de tradução automatizada é imprecisa ao verter textos de uma ngua para
outra, especialmente se houver emprego de gírias e expressões idiomáticas, ou ainda se
existirem poucas conexões entre as morfossintaxes (como, por exemplo, no caso das
neolatinas, quando confrontadas com as ideográficas do oriente). A perda ou a incoerência de
significado a que esse recurso se sujeita podem causar prejuízos à leitura da obra
quadrinizada. Além disso, estabelece-se dependência direta de um recurso de terceiros se
os servidores da Google estiverem congestionados ou por acaso forem suspensos para
manutenções ou devido a ataques, a tradução poderá levar muito mais tempo ou simplesmente
não ocorrer.
O todo de tradução que proponho parte de um mecanismo programado
diretamente no Flash, que troca apenas as informações textuais do quadrinho Híbrido (e não o
arquivo inteiro), poupando espaço em bytes e evitando que o leitor-internauta seja forçado a
esperar pelo carregamento de duplicatas escritas especialmente para o idioma escolhido. Tal
mecanismo, em vez de dar ordens para executar uma tradução automática exposta a falhas
intrínsecas, seleciona textos previamente traduzidos por trabalho humano e inseridos no
programa a partir das indicações do roteiro. Depois de inseridas manualmente no arquivo .fla
e exportadas dentro do .swf, as versões traduzidas podem ser alternadas em questão de
milissegundos, por meio de um simples clique com o botão do mouse.
124
Disponível em http://www.e-merl.com/mrnile/day6.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
168
Além do português, optei por disponibilizar Crônicas de Tacanhópolis: Samuel
em francês e em inglês pelo fato do uso corrente desses idiomas em dois dos maiores
mercados produtores de quadrinhos impressos e digitais (a Europa francófona e os E.U.A.), e
porque são os idiomas estrangeiros contemporâneos que mais estudei, visto que eu mesmo me
encarreguei da tarefa de traduzir o texto do roteiro.
Caso eu dominasse outras línguas e pudesse dispor de tempo e de colaboradores
suficientes, eu poderia, a princípio, disponibilizar o quadrinho Híbrido da minha proposta para
quantos países diferentes fossem, pois o mecanismo de tradução que implementei via
ActionScript abre essa possibilidade. Reforço a necessidade do trabalho humano na tradução,
exatamente para evitar qualquer prejuízo no significado do texto do quadrinho, pois o
computador ainda não é capaz e talvez não o seja tão cedo de adaptar, com sutileza e
precisão, de um idioma para outro, as nuances semânticas e o estilo da linguagem escrita.
O fluxograma (fig. 105) mostra com mais clareza o funcionamento lógico do
mecanismo. O idioma padrão do quadrinho Híbrido é escolhido, ainda na tela de seleção de
idiomas (primeiro bloco), pelo próprio leitor-internauta. Durante a leitura, a qualquer
momento, ele poderá optar por ler em outros idiomas disponíveis.
No código em ActionScripti que escrevi, a variável idiomaPad é a responsável
por definir o idioma padrão, que determinará em qual língua deverão aparecer todas as
informações textuais do quadrinho Híbrido. Os idiomas que escolhi para o experimento,
Figura 105 - fluxograma do mecanismo da tradução instantânea.
169
português, francês e inglês, atribuem, respectivamente, os valores pt, fr e en para essa
variável. Assim, se o leitor-internauta escolher pelo português na tela de seleção de idiomas,
ele irá clicar, com o cursor do mouse, no botão correspondente, que tem a seguinte ação (os
botões do francês e do inglês possuem o mesmo código, com alteração do valor de
idiomaPad):
//usuário clica no botão do idioma português
on (release) {
//atribui à variável do idioma padrão o valor
correspondente ao português
_root.idiomaPad = "pt";
//ordena o Flash a ir para o segundo bloco, que é um
quadro rotulado, contendo a tela de apresentação do quadrinho.
_root.gotoAndPlay("apresentacao");
}
O próximo passo é fazer com que o Flash identifique o valor de idiomaPad e
selecione corretamente o idioma, integrando as caixas de texto e, se necessário, os clipes de
filme ao mecanismo de tradução. Cada quadro dos arquivos .fla que compõem o experimento
deve ter, em uma camada própria de código, uma função que sempre analise o conteúdo da
variável idiomaPad e ajuste automaticamente todo o texto contido nesse mesmo quadro
para a língua escolhida. Para tanto, a função deve conter em si todas as traduções (em
português, em francês e em inglês), previamente feitas e revisadas. As caixas de texto
devem ser todas dinâmicas (identificadas no Flash como Dynamic Text) e associadas a
variáveis diferentes entre si. Os clipes de filme devem estar nomeados e conter quadros
rotulados para exibir conteúdos diferentes para cada idioma.
Por exemplo, imaginemos que na primeira tela do Capítulo I existam, em camadas
apropriadas, dois balões de fala e um clipe de filme contendo o desenho de uma garrafa que
muda de cor de acordo com o idioma padrão selecionado. O texto de cada balão estará em
duas caixas de texto dinâmico, cujas variáveis, definidas pelo painel Properties
(“Propriedades”), são balao01 e balao02. O clipe de filme, nomeado clipe01 através
do mesmo painel Properties, contém em sua linha do tempo três quadros com a ação de
interrupção stop(); (para evitar que entre em um ciclo infinito de animação), cada qual
170
rotulado como portugues, frances e ingles e contendo um desenho vetorial de uma
garrafa em cores diferentes. De acordo com esse arranjo hipotético, a função
ajusteIdioma(), colocada no quadro correspondente à primeira tela do Capítulo I, dentro
de uma camada dedicada, terá o seguinte código:
ajusteIdioma.call();
function ajusteIdioma() {
if (_root.idiomaPad == "pt") {
balao01 = "Você quer vinho ou cerveja?";
balao02 = "Prefiro cachaça!";
clipe01.gotoAndStop("portugues");
} else if (_root.idiomaPad == "fr") {
balao01 = "Veux-tu du vin ou de la bière?";
balao02 = "Je prefère la cachaça!";
clipe01.gotoAndStop("frances");
} else if (_root.idiomaPad == "en") {
balao01 = "Do you want wine or beer?";
balao02 = "I prefer cachaça!";
clipe01.gotoAndStop("ingles");
}
}
Essa função checa o valor existente em idiomaPad e, a partir disso, atribui o
idioma correto para as duas caixas de texto e para o clipe de filme. Pela análise do código
acima, percebe-se que o texto de cada balão, em cada uma das línguas, compõe-se de
variáveis que são substituídas quando da mudança do idioma padrão, assim como o clipe de
filme vai para um quadro rotulado específico de acordo com o idioma padrão escolhido pelo
leitor-internauta. A mesma lógica se repete nos quadros seguintes da linha do tempo principal
de cada arquivo .fla: se, por acaso, o décimo quadro exigir quatro balões de fala, suas
respectivas caixas de texto dinâmico podem se identificar pelas variáveis balao01,
balao02, balao03 e balao04, cujos valores, para os três idiomas, deverão estar
declarados na função.
171
O leitor-internauta poderá, ainda, mudar o idioma padrão durante qualquer
momento da leitura do quadrinho Híbrido daí a existência, em cada um dos capítulos, dos
três botões seletores de idioma da barra azul inferior (fig. 106).
Esses botões alteram o valor da variável idiomaPad chamando, imediatamente
depois, a função ajusteIdioma(), localizada na linha do tempo principal, para que ela
possa identificar que houve uma mudança em idiomaPad e, então, executar as
transformações necessárias para mudar o idioma do quadrinho Híbrido:
on (release) {
_root.idiomaPad = "pt";
ajusteIdioma.call();
}
A variável definidora idiomaPad e a função avaliadora ajusteIdioma()
constituem o cerne do mecanismo que, pela sua rápida ação (porque atua dentro do próprio
Flash, sendo carregado em conjunto com o arquivo .swf), chamo de tradução instantânea,
cujo conceito de aplicação pode se estender a outros quadrinhos Híbridos montados a partir
do programa, e até mesmo para outras linguagens para a Internet, como Java.
4.4.2. Vinhetas aleatórias
Como seria um quadrinho Híbrido cujas vinhetas, em determinadas telas,
pudessem mudar aleatoriamente, mostrando situações diferentes cada vez em que o leitor-
internauta o lesse? Para conceber uma obra quadrinizada com essa possibilidade, surge, além
do desafio da viabilização técnica, a necessidade de criar um roteiro que suporte as mudanças
que surgirão na leitura sem prejudicar a coerência do enredo.
No Capítulo I de Crônicas de Tacanhópolis: Samuel, Sérgio, ao saber que seu
amigo ameaça fechar a livraria Bandeira, sugere, na tela 10, que ambos o até as mesas dos
clientes do Bar do Ponto, para dar-lhes um cartão de visita da livraria e anunciar a importância
cultural do empreendimento, procurando despertar-lhes interesse. Na tela 11, para que o
leitor-internauta compreenda que os dois personagens estão abordando as pessoas presentes
Figura 106 - botões seletores de idioma da barra azul inferior (ampliados 4x).
172
no bar naquele momento, desenhei, em três vinhetas, três momentos diferentes de diálogo,
para mostrar os modos com que Sérgio, acompanhado de Samuel, se direciona às pessoas, e
como elas reagem ao convite que Sérgio lhes faz para que visitem a livraria (fig. 107).
Embora esses três momentos bastem, no entendimento da narrativa, para mostrar
o desinteresse e a desinformação geral da população de Tacanhópolis sobre a livraria
Bandeira, as vinhetas dessa mesma tela podem mostrar, aleatoriamente, outros momentos que
retratem o mesmo contexto de ação (a abordagem dos clientes do bar por Samuel e Sérgio),
devidamente trabalhados para não causar prejuízos na fluidez da leitura. Sempre que o leitor-
internauta acessar a tela 11 do Capítulo I, verá os dois amigos conversando com pessoas de
mesas diferentes e obtendo delas reações diversas, mas condizentes com a premissa da falta
de interesse dos clientes pelo bem que Samuel tem para oferecer.
Cada vinheta da tela 11 dispõe de três ilustrações diferentes (fig. 108),
programadas para exibição aleatória, com diálogos próprios e coerentes com o momento
narrativo que desejo descrever. O número de ilustrações por vinheta poderia ser tanto maior
quanto mais tempo disponível eu tivesse para fazê-las, mas três são suficientes para o êxito do
experimento e para transmitir a idéia da falta de interesse/desconhecimento dos presentes no
Bar do Ponto. Cada uma dessas três ilustrações tem a mesma probabilidade (33,33% de
chances) de aparecer, perfazendo um total de vinte e sete combinações diferentes para a tela.
E, independentemente de qual for o resultado da mudança aleatória do conteúdo das vinhetas,
o sentido da narrativa se manterá intacto.
Figura 107 - captura da tela 11 do Capítulo I de Crônicas de Tacanhópolis: Samuel.
173
Figura 108 - todas as ilustrações que podem aparecer, aleatoriamente, em cada uma das
três vinhetas que compõem a tela 11 do Capítulo I.
174
No Flash, as vinhetas são clipes de filme contendo, em suas linhas de tempo, três
quadros, cada qual com uma ilustração diferente e, numa camada apropriada, a ação
stop();. Devidamente posicionados no quadro correspondente à tela 11 na linha do tempo
principal do arquivo .fla, os clipes, através do painel Properties, estão nomeados como
vinheta01, vinheta02 e vinheta03.
Para que as vinhetas mostrem aleatoriamente seu conteúdo, é preciso escrever um
código que sorteie, para cada uma delas, um número entre 1, 2 e 3 e, então, as ordene a exibir
o quadro correspondente ao número sorteado. O Flash possui o método Math.random(),
que gera um número real aleatório n, sendo que 0
n < 1. Embora o número assim obtido seja
pequeno, é possível aumentá-lo através da multiplicação pelo número total de quadros de cada
vinheta (3) e, depois, acrescer uma unidade (1), de modo a evitar resultado nulo (como
estabelecido acima, n pode ser igual a zero, que se multiplicado por 3 retornará zero,
invalidando o processo). A operação, em ActionScript, terá esta sintaxe:
resultado = (Math.random() * 3) + 1;
Devido ao fato de n ser um número fracionário, o resultado dessa operação deverá
ser tratado pelo método Math.floor, que o arredondará para o número inteiro
imediatamente menor. Exemplificando: se Math.random() gerar um n = 0,85, teremos
(0,85 x 3) + 1 = 3,55, que, depois de arredondado para baixo, retornará o número 3. Portanto,
para qualquer valor de n, o resultado do cálculo será sempre equivalente aos números inteiros
1, 2 e 3 — exatamente os necessários para realizar o sorteio das ilustrações das vinhetas. Eis a
sintaxe em ActionScript:
resultado = Math.floor(Math.random() * 3) + 1;
Esse código de sorteio é colocado diretamente numa camada apropriada do quadro
correspondente à tela 11 na linha do tempo principal, para que sua execução pelo Flash seja
automática em todas as vezes nas quais o leitor-internauta passar por esse momento da
narrativa do quadrinho Híbrido. A operação deve ser escrita três vezes, a fim de fazer cálculos
diferentes para cada uma das vinhetas que devem, ainda, interpretar os resultados para que
possam saber qual quadro exibir:
175
resultado01 = Math.floor(Math.random() * 3) + 1;
vinheta01.gotoAndPlay(resultado01);
resultado02 = Math.floor(Math.random() * 3) + 1;
vinheta02.gotoAndPlay(resultado02);
resultado03 = Math.floor(Math.random() * 3) + 1;
vinheta03.gotoAndPlay(resultado03);
Desse modo, é possível obter três números aleatórios diferentes, armazenados nas
variáveis resultado01, resultado02 e resultado03. Cada vinheta, devidamente
identificada por um nome (vinheta01, vinheta02 e vinheta03), exibirá a ilustração
contida no quadro cujo número corresponde ao existente na variável de resultado
correspondente.
176
CONCLUSÕES
Desta pesquisa, é possível depreender, em primeiro lugar, que a Internet é um
meio no qual a linguagem dos quadrinhos vem se consolidando. Logo quando a rede mundial
de computadores se popularizou, na década de 1990, apenas poucos quadrinistas autônomos
animaram-se a enfrentar a lentidão das conexões, o espaço caro e exíguo dos servidores, o alto
nível técnico exigido para fazer uma página em HTML funcionar e a relativa precariedade dos
programas comerciais de tratamento de imagem, tudo para divulgar suas obras a um público
nascente de leitores-internautas (que, naquele momento, eram majoritariamente estudantes
universitários, engenheiros e técnicos especializados em Informática). Menos ainda foram os
artistas que, nesse princípio, perceberam a Internet como algo mais do que um simples canal
de comunicação não-hierarquizado, e que o quadrinho digital poderia ser bem mais que
páginas desenhadas no papel, colocadas on-line depois de digitalizadas.
Nos dias atuais, os quadrinhos Herdeiros e Híbridos são formas de arte freqüentes
na rede. Apoiadas em poderosas tecnologias de sítios dinâmicos e aplicações multimídia
menos difíceis de dominar, impulsionadas pelo trabalho de um sem-número de autores (entre
amadores, profissionais e “hobbyistas”) e por iniciativas de algumas editoras, as obras
quadrinizadas digitais ganham públicos crescentes, reiterando seu poder comunicativo,
provado desde o meio impresso, e interessando até mesmo a grandes empresas, que as
perceberam como um instrumento viável para atrair e fidelizar consumidores.
Os quadrinhos digitais, sejam Herdeiros ou Híbridos, ainda são
predominantemente autorais; e, embora muitas vezes acompanhem tendências plásticas e
temáticas do mercado impresso, não se submetem a crivos como os das linhas editoriais, nem
mesmo quando se reúnem dentro de portais dedicados os enredos e desenhos da grande
parte dos quadrinhos encontrados na rede pautam-se, sobretudo, pela vontade e pelas
percepções dos seus próprios criadores. Os pensamentos, as opiniões e os desejos dos leitores
também ganham destaque e, com isso, maior consideração: na Internet, não é preciso fazer
profundas análises estimativas de mercado para presumir o que os leitores-internautas querem
ler: eles próprios se encarregam de dizê-lo diretamente aos quadrinistas, comentando sobre
suas obras por e-mail, em fóruns e em blogs. A rede mundial estreita e intensifica, de modo
sem par, o contato entre emissores e receptores, com vantagens para ambos: estes têm ao seu
alcance um acervo de obras internacional, a maior parte delas gratuita, dos mais diversos
estilos de traço e abordagens de roteiro, e em vários idiomas, apesar da predominância do
177
inglês. Aqueles têm a oportunidade de conquistar uma audiência muito vasta a baixos custos
financeiros, obter respostas mais precisas a respeito da apreciação de seu trabalho e trocar
suas experiências em tempo real com outros profissionais.
As forças existentes na imprensa, entretanto, ainda exercem graus de influência
sobre os quadrinhos digitais. A maior quantidade de autores de Híbridos e Herdeiros e os
maiores contingentes de leitores-internautas que buscam na Internet pela linguagem das
narrativas quadrinizadas localizam-se em países cujos mercados editoriais são mais fortes.
Diferentemente do que eu supunha antes de concluir este trabalho, os artistas situados num
mercado de quadrinhos impressos fraco ou hostil aos empreendimentos autóctones não
necessariamente direcionam todos os seus esforços para emplacar suas obras na rede mundial
de computadores. No Brasil, por exemplo, são relativamente poucos os profissionais que
estabeleceram ou buscam estabelecer seus trabalhos na Internet ainda se insiste demais em
publicar por meios tradicionais, malgrado o amadorismo de muitas empreitadas e a quase total
falta de interesse das casas editoriais pelas criações tupiniquins. O público leitor é diminuto,
se comparado ao tamanho da população brasileira, embora o número de visitantes dos sítios
de quadrinhos digitais feitos no país venha aumentando.
justificativas para esse panorama: onde preexistiu ao ambiente on-line um
grande e estável mercado produtor e consumidor de quadrinhos impressos, houve, ao longo do
tempo, uma circulação maior da linguagem quadrinizada e, conseqüentemente, a percepção
social mais ampla dessa forma de arte. Um público geral acostumado aos quadrinhos sobre
papel procura mais facilmente pelos quadrinhos digitais, ainda que as narrativas autorais da
Internet atraiam leitores de perfis diferentes e que o experimentalismo dos quadrinhos
Híbridos provoque certa estranheza em muitos deles. Em mercados impressos funcionais pré-
estabelecidos, os artistas tiveram mais oportunidades para se profissionalizar, maior preparo
para conceber as obras quadrinizadas e mesmo mais incentivos para criar: a Internet pareceu-
lhes, a princípio, uma grande vitrine para atrair leitores-internautas e editores interessados; e,
em pouco tempo, diversos autores perceberam que poderiam, por conta própria, cativar sua
audiência e obter mais liberdade de expressão dentro da rede, direcionando seu esforço
criativo especialmente para ela (ou concomitantemente para a imprensa), mesmo com os
desafios em relação aos ganhos financeiros diretos.
Com relação às características temáticas das narrativas, os quadrinhos digitais
mais produzidos em determinado país ora seguem grosso modo as mesmas tradições das
produções impressas, ora tendem a se diversificar. No Brasil, os quadrinhos digitais que mais
fazem sucesso e que se produzem com mais freqüência são as tiras de humor exatamente o
178
formato de narrativa quadrinizada que sempre teve lugar garantido na imprensa e que foi
historicamente consagrado pelos leitores brasileiros. Obviamente, na Internet, os temas
abordados são mais ácidos e polêmicos do que os que normalmente se encontram nos jornais
e revistas do país, mas o cerne temático (a piada final e o riso) se mantém. Mesmo os
quadrinhos digitais de aventura, de terror ou dramáticos (temas desfavorecidos no mercado
impresso nacional e, surpreendentemente, ainda pouco explorados na rede por nossos
autores), não raro contêm longas passagens de humor em seus roteiros. No Japão, onde a
segmentação de mercado criou a grande variedade dos temas dos seus quadrinhos impressos,
os quadrinhos digitais são prioritariamente produzidos para celulares e outros aparelhos
portáteis, e mantêm as mesmas divisões etárias e de gênero (shounen, shoujo etc.) existentes
em sua imprensa. Por outro lado, nos E.U.A., são quase inexistentes os quadrinhos Herdeiros
ou Híbridos que tratem de super-heróis, gênero mais característico do país, que até hoje
superabunda em sua imprensa. Lá, porém, as tirinhas digitais também são tão populares
quanto as editadas pelos jornais, apesar de versarem sobre temas muito diferentes (como
jogos eletrônicos, especificidades do mundo da Informática aplicada à web e situações do
cotidiano). Na Europa, quadrinhos Herdeiros em forma de tira não são tão comuns como as
histórias de aventura, de dramas e problemas do ser humano ou que versam sobre os
universos pessoais dos autores.
Devido à complexidade de sua concepção, as narrativas quadrinizadas bridas
ainda estão presentes em menor número na Internet, se compararmos a quantidade de
quadrinhos Herdeiros. Contudo, elas começam a ser mais amplamente percebidas pelos
leitores-internautas, apesar deles, nos primeiros momentos, estranharem sons, telas infinitas,
animações, tradução instantânea e níveis interativos pelo simples fato dessas propriedades
quebrarem limitações da imprensa, que por muito tempo pautaram a leitura e a própria
configuração do quadrinho enquanto forma de arte. As potencialidades Híbridas não são,
afinal, meras extravagâncias “intrusivas” ou caprichos de artistas “deslumbrados” com os
poderes computacionais. São, antes, possibilidades a mais para contar uma história e para
oferecer um novo e prazeroso usufruto da obra em quadrinhos. Acredito que eventuais
estranhamentos dos leitores-internautas cessarão assim que eles se habituarem a essas novas
características que, na Internet, passam a integrar a linguagem dos quadrinhos.
Por sua versatilidade, pela relativa facilidade do aprendizado de seus recursos e
pelo grau de disseminação de seu plug-in, o Flash se consolida como programa predominante
para a elaboração de Híbridos, apesar de haver alguns experimentos demonstrando ser
possível criá-los utilizando tecnologias diversas, como gifs animados, Java e JavaScript. A
179
disseminação dessas técnicas, obviamente, não quer dizer que todos os quadrinhos digitais
existentes na Internet serão, um dia, Híbridos; tampouco os Herdeiros seriam uma “etapa de
transição” dos paradigmas do quadrinho de papel para o quadrinho possível apenas num
ambiente de rede computacional. Nesta pesquisa, ficou claro que Herdeiros e Híbridos (e
mesmo os quadrinhos digitalizados, chamados scans) são as diferentes formas atuais com que
a linguagem dos quadrinhos se nos apresenta na Internet, e que muito provavelmente
continuarão a coexistir entre si pelos próximos anos. Da mesma forma que os quadrinhos
digitais, pelas suas peculiaridades e pelas relações diferentes que estabelecem com os leitores,
coexistirão com os tradicionais quadrinhos impressos, sem que a existência daqueles
implique, fatalmente, na supressão destes. Acreditar nisso seria uma atitude tão estapafúrdia
quanto as crenças tolas e infundadas de algumas pessoas de gerações anteriores, que
imaginaram o fim do teatro com o advento do rádio e, mais tarde, do cinema; e a suposta (mas
jamais ocorrida) extinção da sétima arte com a popularização da TV.
A proposta prática em quadrinho Híbrido, Crônicas de Tacanhópolis: Samuel, que
compõe esta dissertação, foi para mim, além de um desafio contra o tempo, uma forma de
provar, pela prática, que, para o artista que se dispõe a fazer quadrinhos Híbridos, não bastam
os conhecimentos técnicos de desenhista e roteirista: ele precisa, necessariamente, saber mais
profundamente das ferramentas tecnológicas que lhe permitirão criar a obra para a Internet, ou
no mínimo trabalhar em conjunto e em estreita afinidade com alguém que as domine. É
preciso fazê-lo para pensar as possibilidades Híbridas em termos de programação pensar
não somente como alguém que deseja experimentar e potencializar sua criatividade narrativa,
mas como um conhecedor de códigos (seja em ActionScript, Java ou quaisquer outros) que
possibilitem a execução prática das novas idéias.
Embora eu não desconheça os fundamentos desses códigos, minha experiência
não se equipara, ainda, à de um programador profissional, o que me fez estar sempre
consciente de meus limites e procurar extrapolá-los aqui e ali no experimento. Foi-me, em
vários momentos, muito trabalhoso a implementação das propriedades Híbridas e a procura
por erros de navegação e de programação (os bugs), especialmente no mecanismo de tradução
instantânea: composto por muitas linhas e definições variáveis, revisá-lo foi um processo
demorado e penoso. Não obstante, seu funcionamento satisfatório compensou meus esforços.
Crônicas de Tacanhópolis: Samuel é, além de um experimento demonstrativo, um modesto
laboratório de desenvolvimento de tecnologia para os quadrinhos Híbridos.
Tanto esta pesquisa teórica quanto minha experiência de quadrinho Híbrido
apontam para o que podem ser as obras quadrinizadas dentro do ambiente da Internet. O
180
panorama que tracei dos Herdeiros e Híbridos existentes na rede e o trabalho prático que pude
realizar constituem um aprendizado sobre o uso dos recursos tecnológicos em prol do
enriquecimento da linguagem dos quadrinhos: não para “impressionar” leitores-internautas,
críticos e outros estudiosos com as inovações, mas para, sobretudo, criar histórias agradáveis
de ler (e de interagir) e eficientes na transmissão de sua mensagem — de preferência,
consoante os sentimentos, reflexões e experiências do artista quadrinista. Espero, com esta
dissertação de Mestrado, contribuir para maior percepção e compreensão das características
dos quadrinhos que veiculam na Internet e, claro, encorajar os quadrinistas, pela exposição
dos métodos de minha prática, à produção de novos quadrinhos digitais Híbridos,
incrementando ainda mais as experiências disponíveis on-line.
181
REFERÊNCIAS
LIVROS CONSULTADOS
CAMPBELL, T. A history of webcomics. The golden age: 1993/2005. San Antonio: Antartic
Press, 2006. 192 p.
CARVALHO, Marcelo Sávio Revoredo Menezes de. A trajetória da Internet no Brasil:
surgimento das redes de computadores à instituição dos mecanismos de governança. Rio de
Janeiro: UFRJ, Departamento de Engenharia de Sistemas e Computação, 2006. 239 p.
(Dissertação, Mestrado em Ciências de Engenharia de Sistemas e Computação. Orientador:
Henrique Luiz Cukierman.)
CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a
sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. Cap. 1: Lições da história da Internet, p. 13-33. Trad.
Maria Luiza X. de A. Borges.
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_____. Narrativas gráficas: princípios e práticas da lenda dos quadrinhos. 2.ª ed. São Paulo:
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GREENBERG, Ira. Processing: creative coding and computational art. Berkeley: Apress,
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GLOSSÁRIO
ActionScript
Também conhecido pela abreviatura “AS”. Ver: Flash.
ASCII
Sigla de American Standard Code for Information Interchange (“Código Americano Padrão
para Intercâmbio de Informações”), que denomina um esquema de codificação, criado em
1963, que atribui valores numéricos, em bytes, às letras do alfabeto romano, aos algarismos
arábicos, aos sinais de pontuação e a símbolos especiais, como a arroba (@). O ASCII é
largamente adotado por computadores e dispositivos de armazenamento eletrônico para
padronizar o tratamento de informação textual.
ASCII Art
Uma das manifestações de arte eletrônica mais comuns na Internet, cujo objetivo é criar
imagens, figurativas ou abstratas, utilizando apenas agrupamentos visuais harmônicos dos
caracteres padronizados pelo ASCII: letras, números, sinais de pontuação e mbolos
especiais. Ver: ASCII.
Backbone
Palavra que significa “espinha dorsal” em inglês. Refere-se a uma via principal, com altíssima
capacidade de tráfego de dados, através da qual se interconectam uma ou várias redes. Essa
via é composta por roteadores, cabos e antenas, e pode atravessar um ou vários países,
podendo mesmo ser intercontinental. Atualmente, a Internet dispõe de vários backbones
interligando as suas inúmeras redes componentes. Ver: Roteador.
Banda larga, conexões de
São conexões à Internet que possuem velocidade de transferência de dados muito maior que a
suportada por linhas telefônicas analógicas comuns, que é de apenas 56 kb/s, no máximo. As
conexões de banda larga permitem o tráfego de maior volume de dados pela rede, permitindo
acesso mais rápido a arquivos com maior quantidade de memória, como vídeos de longa
duração e música de alta qualidade. muitas tecnologias para o provimento da banda larga,
192
via satélite, rádio ou TV a cabo, cada uma delas utilizando modems específicos. Ver também:
Modem.
Bit
Em informática, é o acrônimo da frase em inglês binary digit (“dígito binário”). Define a
menor unidade de informação em um computador, capaz de assumir somente dois estados,
opostos entre si: 0 (zero: normalmente associado a valores negativos) e 1 (um: normalmente
associado a valores positivos). É também a unidade fundamental da notação numérica binária.
Seu símbolo é a letra “b” minúscula. Ver também: Byte.
Bitmap, imagens em
Também conhecidas como raster graphics (“gráficos de rastreio”), são imagens compostas de
uma matriz ou mapa de pixels. Cada um desses pixels contém uma informação de memória,
entre 1 e 64 bits, que determina a quantidade, ou, em linguagem de informática, a
profundidade de sua cor. O tamanho em memória de um bitmap se em função do tamanho
de sua matriz (que determina a quantidade de pixels da imagem), da profundidade de cor de
cada pixel que o constitui (maiores quantidades de bits acumulam mais informações no
arquivo) e da técnica de compactação aplicável, de acordo com o formato (.jpg, .gif, .png,
entre muitos outros). O bitmap é o tipo de imagem computadorizada mais difundido: pode-se
encontrá-lo em páginas na Internet, em jogos eletrônicos, em papéis de parede de telefones
celulares, em fotografias obtidas pelas câmeras digitais etc. Diferentemente dos vetores, os
bitmaps não podem ter suas dimensões mudadas (ou seja, sofrer alterações em sua matriz de
pixels original) sem algum prejuízo em sua qualidade de apresentação visual. O termo bitmap
vem da língua inglesa, e significa, literalmente, “mapa de bits”. Ver também: .gif, .jpg, Pixel,
.png, RGB e Vetor.
Blog
Junção dos termos da língua inglesa web (“rede”) e log (“registro”). Define um tipo específico
de sítio da Internet, no qual o conteúdo, na maioria das vezes baseado em texto escrito, se
ordena de acordo com a data de postagem, acumulando conteúdo ao longo do tempo. Embora
grande parte dos blogs funcione como versões digitais em rede de diários íntimos às
avessas, posto que o conteúdo, ao contrário das antigas agendas com cadeados e livretos
guardados em fundos de gaveta, está exposto a todo e qualquer internauta —, profissionais
especializados (como artistas plásticos, jornalistas e engenheiros da computação), fãs e
193
estudiosos têm se tornado blogueiros (neologismo que nomeia criadores e mantenedores de
blogs) visando reunir virtualmente pessoas com interesses comuns ou mesmo estreitar laços
com determinada audiência. A popularização dos blogs se deu, mundialmente, a partir do
final da década de 1990, com o surgimento de ferramentas de edição on-line baseadas em
scripts automáticos, facilitando a criação e a manutenção desses sítios sem exigir dos usuários
grande conhecimento em programação. A partir dessa disseminação, os blogs, embora não
tenham perdido sua essência de ordenação pela data e freqüentemente misturem várias mídias,
tenderam a se especializar de acordo com seu conteúdo majoritário: flogs, para fotografias e
imagens em geral; linklogs, para vínculos diretos a diversos sítios, vlogs, para arquivos de
vídeo etc. Ver também: Sítio.
Browser
Termo advindo do verbo inglês to browse [“colher (os animais) folhas, ração e outros
alimentos a esmo” e, por extensão de sentido, “folhear, passar os olhos por páginas, buscar
algo rapidamente com os olhos”]. Ver: Navegador.
Byte
Conjunto de informação geralmente formado por oito bits, considerado pelo computador
como unidade simples para diversas operações. Seu símbolo é a letra “B” maiúscula. Ver
também: Bit.
CD-ROM
Acrônimo para Compact Disc Read-Only Memory (“Disco Compacto de Memória Somente
para Leitura”). Os CD-ROMs podem armazenar, em média, cerca de 700 MB. Contêm dados
digitais inseridos industrialmente, como programas aplicativos, jogos, vídeos, sons etc.,
acessíveis pelo computador por meio de um equipamento com leitor laser. Uma vez gravados,
os CD-ROMs não podem ser apagados, nem seus dados atualizados por meio de novas
gravações. Ver também: Byte.
Código aberto, programas de
Em termos gerais, o programas cujo código-fonte, isto é, o conjunto das linhas de
programação que o fazem funcionar, encontra-se disponível para modificação por quaisquer
programadores voluntários que queiram colaborar com o desenvolvimento desses programas.
Por receberem contribuições de pessoas de todo o mundo e, na maior parte das vezes, não
194
possuírem fins lucrativos por se encontrarem gratuitamente disponíveis, em especial na
Internet —, os programas de código aberto freqüentemente simbolizam resistência contra o
monopólio de grandes empresas sobre determinados tipos de aplicativos (como no caso dos
navegadores, cujo mercado ainda é dominado pelo Internet Explorer, de propriedade da
Microsoft). Esses programas também são conhecidos pela Internet como opensources
(literalmente, “fonte aberta”, em inglês). Ver também: Navegador e Softwares livres.
Comics
Nome pelo qual as histórias em quadrinhos são conhecidas em inglês. Trata-se de uma
denominação que, embora empregada mais de um século nos países de língua inglesa,
considero limitada e mesmo pejorativa, por levar a crer que os quadrinhos tenham apenas
narrativas de cunho humorístico e que, se são sempre cômicos”, induzindo ao riso pueril e
descompromissado, não possam, em hipótese alguma, ser tratados com o mesmo rigor
dispensado a outras manifestações artísticas, como a pintura, o cinema e a literatura. O termo
comics surgiu nos E.U.A., entre o final do século XIX e início do século XX, momento no
qual os dois maiores jornais nova-iorquinos, New York Journal e New York World, chefiados
respectivamente pelos empresários concorrentes entre si William Randolph Hearst e Joseph
Pulitzer, disputavam a atenção dos leitores na cidade. E, como parte considerável desse
público leitor era uma massa de estadunidenses semi-alfabeitzados e imigrantes europeus e
asiáticos que, por vezes, mal compreendiam o idioma inglês, a estratégia adotada para
fidelizá-los e impulsionar as vendas foi realizar publicações de suplementos dominicais,
contendo quadrinhos com linguagem verbal extremamente simplificada e roteiros alegres e
humorísticos como The Yellow Kid, de Richard Outcault, considerado o primeiro grande
sucesso da história do mercado de quadrinhos da América do Norte. Em pouco tempo, essas
narrativas de humor, chamadas de comics, passaram a ser publicadas diariamente nos próprios
jornais, em forma de tirinha. O grande sucesso que fizeram junto ao público contribuiu para
disseminar e arraigar culturalmente o termo, transformando-o, a partir daí, numa denominação
geral em inglês para todo e qualquer tipo de quadrinho (SANTOS, 2002, p. 68-76 e SRBEK,
2005, p. 24-27).
CMYK
Acrônimo para Cyan, Magenta, Yellow and Key (“Ciano, Magenta, Amarelo e Chave”). É um
modelo de cor subtrativo, utilizado primordialmente para a impressão, mas se refere
195
igualmente a quatro das cores primárias do paradigma da cor-pigmento: ciano, magenta,
amarelo e preto este último chamado de chave”, por orientar o alinhamento e a
quantidade das outras cores em certas tecnologias de impressão. O CMYK é comumente
chamado de “processo de impressão em quatro cores”, diferenciando-se de processos de
impressão que utilizam menos cores, como a bicromia. Em imagens digitais, cada cor que
simula o CMYK carrega 32 bits de informação (oito para cada uma das componentes
primárias). Ver também: RGB.
Cursor
Em informática, define um elemento gráfico qualquer que se move na tela obedecendo a
sinais de dispositivos de entrada, como teclados, mouse, mesas digitalizadoras, joysticks para
jogos eletrônicos e afins, com os objetivos fundamentais de inserir instruções na máquina
eletrônica e executar ações. Trata-se de um elemento de interface entre o ser humano e o
computador. Ver também: Interface Gráfica.
CSS
Sigla de Cascading Style Sheet (“Folha de Estilo em Cascata”). Trata-se de um tipo de
linguagem que se associa, na maior parte das vezes, a documentos HTML, regulando o modo
em que sítio virtual deve se apresentar visualmente, definindo características como tamanho e
família tipográfica das fontes, estilos de tabela, cor de fundo da página e imagens a utilizar.
Ver: HTML.
Domain name
“Nome de domínio” em inglês. Ver: Domínio, nomes de.
Domínio, nomes de
São nomes característicos pelos quais se identificam os sítios da Internet, como, por exemplo,
“www.ufmg.br”, pertencente à Universidade Federal de Minas Gerais. Sua função primordial
é tornar mais fácil a localização e a associação de conteúdo dos sítios pela rede. É possível
comprar, pelo período mínimo de um ano, o direito ao uso de um nome de domínio ainda não
utilizado, através de empresas que mantêm hosts, ou diretamente em agências mantenedoras
— no caso do Brasil, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP, se
encarrega da administração do “ponto BR” (.br). Ver também: Servidor e Sítio.
196
Definição
Na informática, relaciona-se à nitidez, ao contraste e à qualidade da imagem, e também à
capacidade de um dado dispositivo (câmera ou monitor, por exemplo) em capturar e exibir
detalhes de imagens. Quanto maior a definição de uma imagem, maior sua nitidez, melhor seu
contraste e mais distintos seus detalhes; e quanto maior a definição de um equipamento, maior
sua capacidade de mostrar, com clareza, os detalhes de uma imagem. Ver também: Resolução.
F.A.Q.
Abreviatura da frase inglesa Frequently Asked Questions (“questões freqüentes”, numa
tradução livre). Trata-se de um tipo de texto comum na Internet, feito por especialistas,
destinado a solucionar dúvidas e problemas habituais relacionados à utilização de programas,
instalação de equipamentos, promoções comerciais, aquisição de bens, prestação de serviços
etc., ou mesmo para explicar curiosidades e peculiaridades sobre fatos e personalidades
diversas.
Flash
Desenvolvido a partir de 1993 pela Macromedia (empresa comprada em 2005 pela Adobe), é
um programa extremamente versátil, capaz de criar animações, incorporar e manipular
imagens em vetor e em bitmap, sons, vídeos e desenvolver interatividade com o usuário. Seu
formato nativo, isto é, a extensão atribuída aos seus arquivos originais, é .fla. Possui um
conjunto de instruções de alto nível denominado ActionScript, atualmente em sua terceira
versão, com o qual é possível fazer de jogos a controladores de hardware. Todos esses
recursos podem ser incorporados a uma gina da Internet, em arquivos de extensão .swf, e
acessados por qualquer usuário que tenha em seu computador um plug-in específico. Pela sua
estabilidade e alta compatibilidade com diversos sistemas operacionais e navegadores, as
aplicações e conteúdos multimídia envolvendo Flash encontram-se amplamente disseminados
na web. Ver também: Shockwave, Plug-in e Web.
.fla
Formato nativo do Flash. Ver: Flash.
197
Fumetti
Termo derivado da palavra italiana fumata (“fumaça”), que define as histórias em quadrinhos
na Itália. Sua origem está no hábito popular de ver os balões dos quadrinhos como pequenas
“fumaças” que saíam da boca dos personagens quando estes falavam.
.gif
Formato de imagem em bitmap criado pela CompuServe em 1987. Sigla de Graphics
Interchange Format (“Formato de Intercâmbio de Gráficos”), utiliza uma paleta com, no
máximo, 256 cores pré-definidas a partir do sistema de cores RGB de 24 bits, permitindo,
portanto, até 8 bits de profundidade de cor para cada um de seus pixels. Essa informação
reduzida de cor, associada ao algoritmo de compactação sem perda LZW, dão ao .gif um
tamanho normalmente reduzido em bytes, e tornam-no adequado para mostrar, com
qualidade, imagens de limites precisos e tons contínuos, como identidades visuais, ícones,
cursores e certos padrões de textura digital. Há duas versões de .gif: 87a e 89a, sendo que essa
última suporta imagens com múltiplos quadros (conhecidas como gifs animados) e permite
substituir cores por transparência, permitindo interessantes efeitos visuais de sobreposição de
imagens, sobretudo em sítios da Internet. O .gif esteve sob proteção de patente até 2004 por
força da Unisys, que detinha a propriedade industrial do LZW situação que induziu a
criação do formato .png. Ver também: Bitmap, .jpg, LZW, Pixel, .png e RGB.
Hardware
Palavra inglesa que significa, literalmente, “ferragens; aparelhagem; utensílios metálicos”.
Em informática, define as partes ou componentes físicos fabricados com plástico, metal,
semicondutores e outros componentes — que integram um computador, como as várias placas
de circuitos impressos, os discos rígidos e aparelhos periféricos (mouse, teclado, monitor,
impressora etc.). Ver também: Software.
Host
Palavra que significa “hospedeiro”, em inglês. Ver: Servidor.
HTML
Acrônimo para HyperText Markup Language (“Linguagem de Marcação de Hipertexto”),
linguagem mais largamente utilizada para construir páginas para a web. Constrói-se por meio
de instruções simples denominadas tags (“etiquetas”), encerradas entre os mbolos de menor
198
e maior (como, por exemplo, <title>, que indica o título da página), as quais determinam
como os navegadores devem ler a estrutura da página e exibir seu conteúdo. Basicamente, a
HTML permite criar vínculos hipertextuais, chamados links, com outros documentos, inserir
conteúdo multimídia, dividir páginas em quadros (frames) independentes e incorporar
linguagens baseadas em script. Desenvolvida a partir de 1990 pelos profissionais do CERN
Tim Berners-Lee e Robert Cailliau, encontra-se, atualmente, em sua quinta versão. Ver
também: Link, Navegador e Web.
Interface gráfica
Também conhecida pela sigla GUI (do inglês Graphical User Interface, ouInterface Gráfica
de Usuário”), é um arranjo visual, exibido em um monitor, que permite ao ser humano se
comunicar com um artefato eletrônico computadorizado sem a necessidade de um tempo de
aprendizagem muito extenso. Esse arranjo se compõe de elementos característicos, como
imagens, ícones, listas e janelas, através dos quais o usuário pode, dentro das opções que se
lhe dispõem, dar ordens ao computador, controlar as tarefas por ele executadas e obter os
resultados do processamento. O objetivo fundamental da interface gráfica é tornar mais fácil,
rápida e produtiva a execução de tarefas com o computador. Ver também: Cursor e Sistema
Operacional.
Java
Linguagem de programação desenvolvida pela Sun Microsystems a partir do início da década
de 1990. Requer instrumentos específicos para seu desenvolvimento, exigindo, para seu uso,
um conhecimento maior de linguagem de programação. Os aplicativos, comumente chamados
Java applets, são muito difundidos na Internet pela alta compatibilidade com vários
navegadores e sistemas operacionais.
JavaScript
Surgida em meados da década de 1990, é uma linguagem baseada em script, ou seja, em
instruções de alto vel fáceis de serem abertas e editadas, e para cujo funcionamento não é
necessário nenhum tipo de compilador ou interpretador específico. Devido à sua grande
compatibilidade com diversos tipos de navegadores, ao pequenino espaço de memória que
ocupa e à facilidade de seu emprego, JavaScript é muito usada, inclusive por pessoas não
especializadas em programação, para dar, de forma relativamente simples, dinamismo e
interatividade às páginas da web. Ver também: Web.
199
.jpg ou .jpeg
Formato de imagem em bitmap desenvolvido, a partir do final da década de 1980, por um
grupo especializado em tratamento digital de imagens, o Joint Photographic Experts Group
(“Grupo dos Especialistas da Junta Fotográfica”), cujas iniciais permaneceram nas extensões
típicas deste tipo de arquivo. Suporta toda a gama de cores do formato RGB de 24 bits, sendo
especial para mostrar fotografias e outras figuras que contenham grandes quantidades de
detalhes e variações de cor. Também é muito usado para veicular imagens através da Internet,
por possuir algoritmos de compressão que reduzem consideravelmente o tamanho em bytes
dos arquivos. Porém, tal compressão, de acordo com sua força, pode ocasionar perda de
informações de cor e forma, afetando diretamente a qualidade de exibição da imagem. Não
permite transparência. Ver também: Bitmap, .gif, .jpg, Pixel e RGB.
Link
Palavra em inglês que significa “vínculo, conexão, ligação”. Define, na Internet, um ponto de
acesso hipertextual dentro de um documento HTML, capaz de vincular, referenciar e
relacionar outros documentos, acessar imagens estáticas ou animadas, sons e arquivos,
normalmente através de um clique de mouse. Ver: HTML e Web.
LZW
Técnica matemática algorítmica empregada na compressão de uma imagem em bitmap,
diminuindo seu tamanho em bytes sem nenhum prejuízo para sua qualidade de apresentação
visual. LZW é sigla de Lempel-Ziv-Welch, sobrenomes dos profissionais (Abraham Lempel,
Jacob Ziv e Terry Welch) que desenvolveram o algoritmo, entre os anos de 1977 e 1983.
Mangá
Palavra oriunda do kanji, formada pelos ideogramas mán (
“cartum”,
“involuntariedade”) e gá ( “pincelada”, “figura”), significando, numa tradução
aproximada, “desenhos sem compromisso”, ou ainda “desenhos sem responsabilidade”.
Empregada pela primeira vez por Katsushita Hokusai, no século XI, definiu, modernamente,
as ilustrações e as histórias em quadrinhos produzidas no Japão. Entretanto, com a expansão
do mercado editorial japonês em direção ao ocidente, especialmente a partir da década de
1980, este termo passou a denominar inclusive um estilo de desenho mais ou menos
embasado na estética comumente utilizada nas obras quadrinizadas e também em muitas
200
animações (os chamados animes) oriundas daquele país. O autor que criou, desenvolveu e
sistematizou grande parte dos padrões seguidos por essa estética foi o quadrinista e animador
Osamu Tezuka, a partir do período pós-II Guerra. Entre os aspectos mais característicos do
mangá estão o tamanho destacado dos olhos dos personagens, especialmente os dos femininos
(visando capturar-lhes melhor a emoção); o uso constante e vigoroso de linhas cinéticas; a
integração harmônica das onomatopéias com o desenho das vinhetas; o primor dos desenhos
industrial e arquitetônico; o uso freqüente de retículas; e os aprofundamentos psicológicos dos
personagens. Ver também: Retícula.
MIDI
Acrônimo para Musical Instrument Digital Interface (“Interface Digital para Instrumento
Musical”). É um protocolo, especificado em 1983, que permite que instrumentos musicais
eletrônicos e sampleadores se comuniquem entre si e com os computadores. Seus arquivos
(em sua maioria, identificados pela extensão .mid, mas que também podem aparecer em .kar,
.rmi e outros), apesar de seu minúsculo tamanho em bytes, podem comportar diversos minutos
de música, porque não contêm em si, necessariamente, digitalizações de formas de onda
sonora, mas pequenos dados que informam a um sintetizador específico como calcular e
reproduzir informações tais quais timbres emulados de vários instrumentos, volume, altura,
vibrato e compasso — e, por isso, são utilizados em caraoquês, toques de telefones celulares e
jogos eletrônicos. A reprodução do som varia de acordo com tipo de sintetizador utilizado;
portanto, dependendo do local em que se toca um arquivo MIDI, perceber-se-á seu som de
maneiras ligeiramente distintas. Ver também: .mp3 e Protocolo de comunicação.
Miniatura
Versão reduzida, em mero de pixels, de uma imagem maior, para fins de indexação e fácil
reconhecimento dentro de galerias virtuais de imagens. Ver também: Pixel.
Modem
Acrônimo para o termo em inglês modulator-demodulator (“modulador-desmodulador”), que
define um aparelho eletrônico capaz de transmitir dados digitais entre computadores
utilizando canais específicos (os quais variam de acordo com o tipo da conexão: linhas
telefônicas, fibras óticas, ar, entre outros). Para possibilitar a troca de informações, o modem
modula e desmodula um sinal portador analógico, que trafega em forma de sinal elétrico
201
(sonoro ou não), luz ou onda eletromagnética. Sua velocidade de transmissão é normalmente
medida em quilobits por segundo (kb/s). Ver também: Bit.
.mid
Ver: MIDI.
MPEG
Sigla de Moving Picture Experts Group (“Grupo de Especialistas em Imagem em
Movimento”), um conjunto de cientistas oriundos de diversas empresas, universidades e
grupos de pesquisa, vinculado a órgãos internacionais para a padronização, como a ISO
(International Organization for Standardization, “Organização Internacional para a
Padronização”) e a IEC (International Electrotechnical Comission, “Comissão Eletrotécnica
Internacional”), que tem por objetivo desenvolver métodos padronizados para compactar,
codificar e decodificar digitalmente dados de áudio e de vídeo. Entre suas normatizações,
destacam-se os padrões MPEG-1 Audio Layer 3, popularmente conhecido como .mp3, e o
MPEG-2, utilizado em DVDs e transmissões digitais em TV por cabo e HDTV (High
Definition Television, “Televisão de Alta Definição”). Ver também: .mp3.
.mpg (ou .mpeg)
Ver: MPEG.
.mp3
Formato de codificação para dados digitais de áudio, cujo nome completo é MPEG-1 Audio
Layer 3 assim denominado por ser a terceira versão de arquivos de áudio derivados do
conjunto de padrões para compressão de dados multimídia MPEG-1. Padronizado em 1991 a
partir de pesquisas feitas por engenheiros de diversas empresas (entre elas, a Phillips e a
AT&T), utiliza um algoritmo de compressão que, com base em modelos da percepção sonora
do ouvido humano, elimina ou minimiza a precisão de certos componentes do som que são
inaudíveis para a maior parte das pessoas. Isso diminui o tamanho do arquivo de áudio,
mantendo, ao mesmo tempo, uma fidelidade muito razoável ao som vindo de formatos sem
compactação, como os CDs de música. O .mp3 compõe-se de dados, codificados por uma
dada taxa de bytes por segundo, que representam em função do tempo as formas de onda
sonora (reproduzível, portanto, com a mesma fidelidade, independentemente do dispositivo
que lhe suporte) e também informações editáveis sobre a música, tais quais tulo, ano de
202
gravação, nomes dos intérpretes e compositores e estilo comercial em que se enquadra.
Juntamente com seu antecessor, o .mp2, representou a popularização da troca de músicas por
redes sociotécnicas bem como o princípio das inúmeras querelas de consumidores com
determinados artistas e com a indústria fonográfica, concernentes aos direitos de autor, de
cópia, de execução e de distribuição a partir de meados da década de 1990, momento no
qual os servidores dispuseram de mais espaço para armazenar os arquivos e os modems
disponíveis para o consumidor doméstico passaram a apresentar velocidades maiores,
permitindo baixar as canções em menos tempo. Ver também: MIDI e MPEG.
Navegador
Também chamado de browser, é um programa de computador cuja utilidade fundamental é
visualizar páginas da web na Internet, bem como o conteúdo multimídia incorporado a elas.
Um dos primeiros navegadores capazes de interpretar imagens e, portanto, estimular a
veiculação de outras informações visuais pela rede além do texto foi o Mosaic,
desenvolvido, a partir de 1992, dentro do NCSA (National Center for Supercomputing
Applications, “Centro Nacional para Aplicações em Supercomputação”), por dois
programadores da Universidade de Illinois: Eric Bina e Marc Andreesen (McCLOUD, 2006,
p. 159). Logo, o Mosaic ganhou uma versão comercial, o Netscape Navigator, que
predominou durante algum tempo, até sofrer concorrência direta e pesada do Internet
Explorer, da Microsoft. Nos últimos sete anos, observou-se um desenvolvimento crescente de
navegadores de código aberto (Mozilla Firefox, Google Chrome), compatíveis com vários
sistemas operacionais, com o objetivo de enfrentar o monopólio comercial da Microsoft sobre
o mercado. Ver também: Código aberto, programas de; e Web.
Em uma rede de computadores, define cada um dos equipamentos eletrônicos que a integram,
temporária ou permanentemente. É o conjunto interconectado de nós autônomos e
comunicantes entre si que constitui a rede. Cada de uma rede é capaz de receber,
transmitir, encaminhar e, de acordo com o equipamento, armazenar dados. A inoperância ou
desativação de um não interfere na comunicação entre os outros, preservando a existência
da rede computadorizada.
203
.pdf
Acrônimo para Portable Document File (“Arquivo de Documento Portátil”), um formato
criado pela Adobe para comportar documentos de texto, imagem e formulários. Atualmente, é
muito difundido na Internet devido à sua capacidade de compactação de dados e da
compatibilidade com diversos navegadores.
Pixel
Junção do termo em língua inglesa pix (redução de pictures, “figuras”) e das duas primeiras
letras da palavra inglesa element (“elemento”), é um ponto de emissão ou, no caso das
câmeras digitais, de recepção de luz. O pixel é, geralmente, considerado como uma amostra
de cor que representa a menor unidade de uma imagem vista por uma tela que emita luz
daí a idéia que se apreende de seu nome: “elemento das figuras”. Porém, além dessa
interpretação mais comum, considera-se o pixel como uma unidade de medida em softwares
de criação/manipulação de imagens e como uma unidade de resolução, aplicável a arquivos de
imagem em geral, monitores e dispositivos de acoplamento de carga (chamados, em inglês, de
CCDs, charge-coupled devices) dentro de câmeras digitais. Em si, não possui formato
comum, podendo ser quadrado ou retangular, dependendo da aplicação da imagem. Ver
também: Resolução, RGB e Bitmap.
Pixel Art
Técnica digital de desenho e pintura que consiste em fazer imagens manipulando pixels um
por um ou em pequeninos agrupamentos e não em grandes conjuntos, como normalmente
se faz nos programas de criação e tratamento de imagem —, lançando mão de altos níveis de
zoom digital. Empregada na construção de cursores, ícones e “avatares” (pequeninas imagens
que identificam jogadores e usuários em jogos eletrônicos, em sistemas operacionais, em
blogs e em fóruns na Internet), muitos artistas também a utilizam para criar imagens que
simulem os gráficos de baixa resolução utilizados em antigos jogos eletrônicos, visando criar
efeitos estéticos. Ver: Cursor e Pixel.
Plug-in
Pequenino programa que se associa, opcionalmente, a um programa maior (como um
manipulador de imagens, um editor de textos ou um navegador), acrescentando-lhe uma
funcionalidade específica, que se relaciona com a exibição de algum conteúdo (animações,
modelagens, deos), com a atualização de ferramentas ou com o aperfeiçoamento de
204
determinadas propriedades. Possui outras denominações, como add-in ou add-on, ambas as
expressões traduzíveis do inglês como “acréscimo, incremento”. Ver também: Navegador e
Software.
.png
Sigla para Portable Network Graphics (“Gráficos Portáteis de Rede”). Formato de imagem
em bitmap criado na metade da década de 1990, voltado para veiculação na Internet, visando
se tornar uma alternativa melhorada do formato .gif, o qual, na ocasião, estava protegido por
patente. O .png tem características bastante versáteis (permite canais “alfa” específicos para
transparência, possui um algoritmo de compactação sem perda e oferece suporte ao sistema de
cores RGB), que o tornam adequado tanto para lidar com ilustrações de tons contínuos quanto
para tratar fotografias. O programa Adobe Fireworks gera arquivos .png capazes de suportar
camadas e mesmo componentes vetoriais. Ver também: Bitmap, .gif, .jpg, RGB e Vetor,
imagens em.
Pop-up, Janelas
São janelas de navegadores que se abrem repentinamente durante a navegação na Internet,
normalmente sem a autorização do usuário, contendo, quase sempre, mensagens publicitárias
e outros tipos de apelos. O termo vem da expressão inglesa to pop up (“aparecer de forma
súbita e inesperada”), que descreve com exatidão o comportamento dessas janelas cuja
capacidade de irritar os internautas com o seu surgimento inconveniente levou a maioria dos
navegadores atualmente disponíveis a incorporar sistemas para bloqueá-los. Malgrado a
fama, janelas pop-up, em determinados sítios, podem abrigar conteúdos importantes, como
imagens de porta-fólios ou formulários. Nesse caso, o próprio sítio contém mensagens que
induzem o internauta a desabilitar o bloqueador em seu browser.
Protocolo de comunicação
Conjunto de regras padronizadas para enviar e receber dados, com detecção de erros e
autenticação, por meio de um dado canal de comunicação. Numa pequenina analogia
aplicada, por exemplo, à Internet, o protocolo está para os computadores assim como o idioma
está para os seres humanos: a comunicação (comutação de dados) ocorre apenas quando
emissor(es) e receptor(es) se entendem por meio de um canal (rede de fios percorridos por
eletricidade/ar vibrando pelo efeito de ondas sonoras) e de um código (protocolo/idioma) que
lhes são comuns.
205
Resolução
Relaciona-se diretamente com o número de pixels, dentro de vários contextos: na composição
de uma imagem em bitmap (dentro de programas e de câmeras digitais), na fidelidade de
reprodução de imagens de uma impressora, na capacidade que um monitor tem para exibir
imagens, no tamanho físico das telas etc. De modo geral, quanto maior a resolução de uma
imagem, mais espaço em memória ela ocupará (por possuir mais pixels) e mais detalhes ela
poderá conter; de modo semelhante, quanto maior a resolução de um dispositivo, maior sua
possibilidade de capturar, exibir e reproduzir imagens grandes e com mais detalhes. Os
monitores disponíveis atualmente no mercado, em geral, suportam resoluções que vão desde
640 pixels de largura por 480 pixels de altura (640 x 480) até 1600 de largura por 1200 de
altura (1600 x 1200). As câmeras digitais amadoras, em média, conseguem captar uma
resolução de 6 megapixels, ou seja, são capazes de criar uma fotografia com até seis milhões
de pixels. Ver: Pixel e Definição.
Retícula
Nos quadrinhos, é uma técnica utilizada majoritariamente nos mangás, sendo alternativa à
hachura manual para aplicar texturas e dar sensação de volume aos desenhos. vários tipos
de retícula, sendo seus padrões mais comuns formados por pontilhados e linhas. Pode ser
aplicada por decalque sobre o papel desenhado, mas muitos programas de computador
capazes de inseri-la digitalmente em desenhos capturados por escâner ou feitos diretamente
no computador. Ver: Mangá.
RGB
Acrônimo para Red, Green and Blue (“Vermelho, Verde e Azul”). Essas três cores são as
primárias do paradigma da cor-luz, combinando suas diferentes freqüências para formar todas
as cores secundárias e o branco por isso, o RGB é conhecido como modelo de cor aditivo.
Aplica-se em diversas situações, especialmente para produzir imagens coloridas por meio da
luz (com telas de televisão, monitores de computador e de outros equipamentos, projetores).
Em imagens digitais, este modelo pode assumir várias profundidades, que são a quantidade de
cor possuída por um pixel e sua conseqüente quantidade de informação: as profundidades
mais comuns são as de 8, 16, 24 e 32 bits. Cada uma delas reproduz uma gama de,
respectivamente, 256 (2
8
), 65.536 (2
16
), 16,777 x 10
6
(2
24
) e 4,295 x 10
9
(2
32
) cores. Ver
também: CMYK.
206
Roteador
Em uma rede de computadores, é um equipamento utilizado para selecionar a rota mais
apropriada pela qual os dados poderão seguir até determinado destino, possibilitando que
computadores localizados em redes distantes entre si possam se comunicar. Seu nome é um
neologismo criado a partir do nome original em inglês, router (“encaminhador”).
Servidor
Também chamado host (“hospedeiro”, em língua inglesa), é um tipo de sistema,
habitualmente composto de um ou mais computadores especiais que funcionam 24 horas por
dia, cuja função é prover continuamente serviços a uma rede de computador (sejam redes
internas caseiras, de empresas e de instituições, ou mesmo a Internet), tais quais
armazenamento/hospedagem de arquivos, correio eletrônico, nomes de domínio e bancos de
dados. inúmeros servidores espalhados pelo mundo, e a maior parte deles cobra taxas de
manutenção periódicas de seus usuários.
Site
Palavra inglesa que significa “sítio, local, lugar”. É uma redução, largamente empregada, do
termo website. Ver: Sítio e Web.
Sítio
Tradução em língua portuguesa para site e website. Define locais, dentro de servidores
espalhados por toda Internet, que se compõem de páginas HTML referenciando
hipertextualmente arquivos como imagens, animações, vídeos, sons etc., acessíveis por meio
de um Navegador e através de um nome de domínio. Há muitíssimos tipos de sítios na
Internet, sendo que a maior parte se volta para publicação de conteúdos, divulgação de
informações, armazenamento de arquivos e relacionamento interpessoal. Para evitar confusão
com outras acepções da palavra “sítio”, esses locais na rede também costumam ser referidos,
em português, como “sítios da Internet”, ou ainda “sítios da world wide web”, uma vez que
foram os padrões da world wide web que viabilizaram a existência dos sítios como nós os
conhecemos atualmente. Ver: Domínio, Navegador, Servidor e Web.
Sistema operacional (ou S.O.)
Conjunto de programas com certo grau de complexidade, que controla a operação do
computador desde o hardware até os programas mais simples, recorrendo ao armazenamento
207
de informações na memória e administrando todas as funções de entrada e saída de dados. Seu
objetivo é hierarquizar, organizar e executar as diversas tarefas ordenadas pelo usuário, de
forma simultânea ou não. Os sistemas operacionais mais utilizados atualmente possuem
interface gráfica, como as versões do Microsoft Windows, do Apple Macintosh Operating
System (ou simplesmente Mac O.S.) e do Linux, um sistema de código aberto, criado pelo
engenheiro de softwares finlandês Linus Torvalds em 1991 e disseminado pelo planeta. Mas
existem sistemas operacionais sem interface gráfica, cujo funcionamento se baseia em linhas
textuais de comando, exigindo do usuário conhecimentos técnicos mais aprofundados. Um
exemplo difundido desse tipo é o DOS (Disk Operational System, “Sistema Operacional de
Disco”). Ver também: Código aberto, programas de; Hardware, Interface Gráfica e Software.
Software
Define, genericamente, qualquer programa de computador, seja ele um aplicativo, parte de um
sistema operacional ou, ainda, um programa voltado para criar, corrigir e desenvolver novos
programas. A palavra software originou-se artificialmente na língua inglesa, pois foi criada,
por engenheiros da computação, para denominar os componentes lógicos de um computador,
fazendo contraponto aos componentes físicos, definidos pela palavra hardware. Ver também:
Hardware.
Softwares livres
Também chamado de freewares, são programas que não exigem nenhuma forma de
pagamento (seja para usá-lo ou para baixá-lo da Internet) para que funcionem com todos os
seus recursos no computador do usuário. Nem todos os softwares livres possuem código
aberto, pois seus programadores podem preferir não fornecê-lo para colaboradores embora
permitam a utilização gratuita dos seus programas, assim como disponibilizam, sem custos
adicionais, atualizações para os mesmos através da Internet. Ver também: Código aberto,
programas de.
Shockwave
Criado em 1995 como um acessório para o Netscape Navigator, foi o primeiro plug-in
multimídia desenvolvido pela Macromedia, o qual permitia que aplicações do programa
Director fossem publicadas na Internet. Embora menos conhecido que o plug-in do Flash para
exibir apresentações na web, possui mais possibilidades, como, por exemplo, modelagem em
208
3D real por isso, sua utilização vem se aplicando mais comumente ao desenvolvimento de
jogos. Ver também: Flash e Web.
.swf
Acrônimo de ShockWave Flash, formato de arquivo de exportação do Flash voltado
principalmente para publicação na Internet. Ver: Flash.
Tag
Ver: HTML.
Thumbnail
Palavra em inglês que significa, literalmente, “unha do polegar”, mas que pode definir coisa
muito pequena ou reduzida. Ver: Miniatura.
Vetor, imagens em
Imagens bidimensionais (2D) ou tridimensionais (3D) compostas de ou a partir de formas
geométricas (pontos, linhas retas ou curvas, círculos, esferas, toros, polígonos etc.). Não se
compõem de pixels, mas de fórmulas matemáticas produzidas pelo computador, o que diminui
consideravelmente o tamanho em bytes dessas imagens visto que as equações ocupam
menor espaço em memória do que as matrizes dos bitmaps e permite que elas tenham suas
dimensões e características alteradas sem nenhuma perda de qualidade de apresentação visual.
As propriedades dos vetores, tais quais espessura de linha, cor, transparência e sombreamento,
são igualmente determinadas por cálculos. Utilizam-se vetores mais comumente em desenho
técnico-industrial, em criações de artes gráficas (por exemplo, tipografias e identidades
visuais), em programas de animação e modelagem e em ambientes virtuais 3D, como
simuladores e jogos eletrônicos. É possível, com certo trabalho, dar aparência fotorrealista a
imagens vetoriais, e convertê-las, com facilidade, em mapas de pixels. Ver também: Bitmap.
Web
Redução da expressão em inglês world wide web, “teia mundial”. Esta palavra originalmente
definiu uma interface hipertextual desenvolvida, a partir de 1980, por Timothy Berners-Lee
no CERN, e proposta como um dos padrões da Internet na década de 1990. Hoje, a world
wide web se encontra largamente difundida, de forma que se tornou um dos maiores
sinônimos para a própria rede mundial de computadores. A web possui, além de navegação
209
por hipertexto, uma linguagem de desenvolvimento de páginas (HTML), que permite a
inserção de multimídia, como imagens estáticas, vídeos e sons. Ver: HTML, Link e Sítio.
Website
Termo em inglês para “sítio da world wide web”. Ver: Sítio e Web.
Wiki
Palavra traduzível do idioma havaiano como “rápido”. Trata-se um tipo de documento em
hipertexto on-line cuja elaboração e atualização se fazem de formas colaborativas, por meio
de uma interface simples dentro de um navegador. Seu objetivo principal está no provimento
contínuo e fidedigno de conteúdos, sempre atualizados, seja por especialistas ou por
entusiastas honestos. Dependendo das permissões existentes em um wiki, quaisquer
internautas poderão modificá-lo, sem mesmo se identificarem ou fazerem algum tipo de
registro prévio e tal característica, ao mesmo tempo em que confere grande liberdade para
que pessoas lhe acrescentem novos conteúdos, abre espaço para ação de “vândalos” que, com
interesses escusos, podem deturpar ou apagar informações. Seus maiores exemplos são sítios
como a enciclopédia virtual Wikipédia, o sítio humorístico Desciclopédia e gerenciadores de
sítios dinâmicos, como o Joomla!, que disponibilizam edição simultânea e coletiva de
hipertexto. Todos estão disponíveis em diversos idiomas.
210
APÊNDICES
I - BREVE HISTÓRIA DA INTERNET
Da ARPANET à integração internacional das redes
A Internet surgiu a partir da reunião de dois interesses distintos. O primeiro,
tecnológico, veio das universidades e dos centros de pesquisa, onde inúmeros engenheiros,
físicos, matemáticos, estudantes e usuários em geral juntaram seus esforços, entre o rigor
acadêmico e a informalidade de amigos, para viabilizar tecnicamente a comunicação entre
computadores, persistindo apesar dos fracassos iniciais e da descrença por parte de empresas e
instituições. O segundo, bélico, veio do contexto da Guerra Fria: escalada das corridas
espacial e armamentista entre os E.U.A. e a antiga U.R.S.S.; crescimento generalizado, no
ocidente, da paranóia anticomunista, que justificou muitos golpes militares de estado como o
que ocorreu no Brasil no dia da mentira, em 1964; e o medo da iminente destruição da vida na
Terra por armas nucleares. O Relógio do Armagedom ajustava os minutos para a meia-
noite
125
.
No final do ano de 1957, durante o VI Plano Qüinqüenal, os soviéticos
lançaram em direção ao espaço o primeiro satélite artificial, o Sputnik I, surpreendendo os
E.U.A. e seu presidente reeleito, o republicano e ex-general Dwight David Eisenhower. Como
resposta, o país da bandeira ornada com faixas e estrelas fundou, no mesmo ano, a ARPA
126
,
que se incumbiria do desenvolvimento tecnológico de ponta para fins militares. Essa agência,
entretanto, perdeu, em 1958, a maior parte do capital e dos projetos para a recém-criada
NASA
127
, e teve de mudar seus objetivos, dedicando-se a pesquisas de tempo prolongado,
requerendo a participação de universidades e privilegiando o desenvolvimento técnico-
científico, deixando finalidades imediatamente bélicas, a princípio, em segundo plano.
125
O Relógio do Armagedom, criado nos E.U.A. em 1947 pelo Bulletin of the Atomic Scientists (“Boletim dos
Cientistas Atômicos”), é um indicador simbólico da possibilidade do ser humano de extinguir a si próprio
por meio de armas nucelares, alterações induzidas no clima do planeta e uso inconseqüente da biotecnologia.
Quanto menos minutos faltarem para a meia-noite, mais próximos estaremos de uma autodestruição
fulminante. No momento atual, esse relógio marca 23h55min, depois que a Coréia do Norte conduziu testes
atômicos em 2007 e lançamentos de foguetes em 2009, e diversos estudos científicos internacionais
confirmaram a estreita ligação existente entre as mudanças climáticas em escala global e a ação do homem.
Disponível em
http://www.thebulletin.org/. Acesso em 2 ago. 2009.
126
Advanced Research Projects Agency, “Agência de Projetos Avançados de Pesquisa”.
127
National Aeronautics and Space Administration, “Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço”.
211
Em 1962, um psicólogo interessado em Tecnologia da Informação, Joseph
Licklider, fora chamado para a ARPA para dirigir experimentos a respeito de análise,
manipulação e processamento de dados. Durante seus estudos, ele escreveu uma série de
memorandos nos quais conceituava a “rede galáctica”: um conjunto de computadores
globalmente interconectados disponibilizando acesso a programas e dados por qualquer
pesquisador que manipulasse qualquer máquina participante dessa rede
128
. De certa forma,
isso resgatou o conceito de acesso associativo à informação proposto por Vannevar BUSH,
com seu artigo As we may think
129
(“Como podemos pensar”) ainda em 1945, poucas semanas
antes dos próprios E.U.A. darem um fim truculento à II Guerra Mundial, lançando duas
bombas de fissão nuclear sobre o Japão.
Entre 1964 e 1966, dois sucessores de Licklider na ARPA deram seguimento à
idéia: Ivan Sutherland, da Universidade de Utah, trabalhava com imagens computadorizadas
primordiais, e propôs maneiras de transmiti-las via rede, coisa que, por limitações de largura
de banda, seria viável apenas três décadas mais tarde; e Robert Taylor, chefe de uma
subdivisão da ARPA, o IPTO
130
, planejou interligar os computadores de centros militares e
acadêmicos visando compartilhar recursos de informática e trocar trabalhos considerados
importantes (McCLOUD, 2006, p. 154-155, e CARVALHO, 2006, p. 10-11).
Enquanto esses estudiosos pensavam em tal rede como meio de circulação de
recursos computacionais e conhecimentos, a Casa Branca e o Pentágono viam-na como meio
de defesa e contra-ataque. Na iminência de uma possível investida nuclear da U.R.S.S., era
interessante para a segurança nacional dos E.U.A. construir um tipo de sistema de
comunicação interno ágil e descentralizado, que não perdesse sua capacidade de proteger
dados importantes e de emitir alarmes e ordens de resposta militar mesmo sob fogo inimigo
— e uma rede computadorizada se enquadraria perfeitamente nessas características: cada uma
das máquinas que a integrassem seria um nó, ou seja, um ponto de armazenamento, recepção
e transmissão de informações, ligado de forma cooperativa, porém autônoma, aos outros nós.
A destruição ou a inoperância de um não inviabilizariam a comunicação entre os outros
nós, mantendo a rede funcional.
Tão importante quanto propor execuções técnicas para essa rede foi determinar
como as informações veiculariam por ela. Não seria viável transmitir dados num fluxo
128
Como descrito em A brief history of Internet (“Breve história da Internet”), artigo escrito por Barry M.
LEINER e outros grandes responsáveis pelo desenvolvimento tecnológico da Internet, entre os quais Vinton
Gray CERF e Robert Kahn. O texto se encontra disponível, na íntegra, no endereço
http://www.isoc.org/internet/history/brief.shtml. Acesso em 2 ago. 2009.
129
Disponível em http://www.theatlantic.com/doc/194507/bush. Acesso em 2 ago. 2009
130
Information Processing Techniques Office, “Escritório de Técnicas para o Processamento de Informações”.
212
constante entre computadores de modo semelhante à comutação de circuitos analógicos, que
ocorria nos enlaces telefônicos. A solução veio entre 1961 e 1967, quando, de modo quase
simultâneo, surgiu nos E.U.A. (com Paul Baran, da RAND
131
; e Leonard Kleinrock e
Lawrence Roberts, do MIT
132
) e na Inglaterra (com Donald Davies e Roger Scantlebury, do
NPL
133
) a técnica de transmissão de dados por comutação de pacotes. Nela, os bits de toda
informação se dividem em pequenas partes, os pacotes, que carregam consigo, como numa
carta, informações sobre o remetente e o destinatário. Cada um desses pacotes é independente,
capaz de acessar nós distintos pela rede, evitando tráfegos e caminhos bloqueados até o de
destino, onde todos os pacotes se juntam e passam por verificação. Ou, nas palavras sintéticas
de Scott McCLOUD:
[Para a comutação de pacotes, sugeriu-se] que dados fossem fragmentados em
pequenos blocos, que então receberiam um destino comum. Cada bloco tomaria em
seguida a rota mais eficiente, e, se encontrasse um obstáculo digamos que
Washington virasse uma cratera fumarenta —, seria orientado a contorná-lo aque
as peças se reunissem no destino. (2006, p. 157)
Em ambos os países, a construção de uma rede capaz de transmitir sinais digitais
para possibilitar a comutação de pacotes encontrou, porém, diversos entraves que,
ironicamente, não partiram do inimigo comum soviético, mas da própria burocracia e do
desinteresse das empresas responsáveis pelas telecomunicações: a AT&T
134
, nos E.U.A., e o
GPO
135
, na Inglaterra — mais preocupadas com a manutenção do sistema de comunicação por
telefone e telégrafo já existente.
Em 1967, durante um simpósio no estado do Tennessee, Lawrence Roberts,
contratado pela ARPA, trouxe ao público um projeto incipiente para a futura rede ARPANET
cujo objetivo seria interligar a ARPA com as instituições acadêmicas com as quais
mantinha contrato —, enfatizando a comunicação por comutação de pacotes. No mesmo
evento, encontravam-se também os integrantes do RAND e do NPL que estudavam essa
mesma técnica. Houve, naquele momento, uma surpresa curiosa: nenhuma das instituições
sabia que as outras desenvolviam, paralelamente, projetos bem semelhantes entre si com foco
na comutação eletrônica de pacotes. Com respaldo acadêmico fortalecido, essa cnica de
comutação pôde derrubar críticas incrédulas vindas de outras instituições que relutavam em
compartilhar seus computadores e até mesmo do governo dos E.U.A. O mesmo Roberts,
131
A RAND (Research and Development, “Pesquisa e Desenvolvimento”) foi uma corporação que assessorava a
Força Aérea dos E.U.A. em estratégias e sistemas militares (CARVALHO, 2006, p.12).
132
Massachussetts Institute of Technology (“Instituto de Tecnologia de Massachussetts”), uma das instituições
mais conceituadas do mundo no que concerne à pesquisa em tecnologia e informática.
133
National Physical Laboratory , “Laboratório Nacional de Física”.
134
American Telephone & Telegraph, “Telefone & Telégrafo Americanos”.
135
General Post Office, “Escritório Geral do Correio”.
213
informalmente, induziu a criação de um grupo por pesquisadores e técnicos que eram amigos
e colegas entre si, e que tinham interesse em redes de computadores. Esse grupo nomeou-se
NWG
136
, responsabilizando-se pelas especificações técnicas da ARPANET, bem como do
amadurecimento de seu projeto e da captação de recursos financeiros para o mesmo. E, em
pouco tempo, definiu um protocolo de comunicações que possibilitaria a comutação de
pacotes: o NCP
137
.
É preciso destacar o caráter informal e descentralizado presente no planejamento
da ARPANET (CARVALHO, 2006, p. 17-18). O NWG também se compunha por alunos de
graduação que apresentavam seus projetos e propostas, e a própria ARPA preferia manter,
com as universidades contratadas, uma relação colaborativa, e não necessariamente
obrigacional. A principal idéia estava em manter um espírito cooperativo entre os
participantes do projeto isso, sem dúvida nenhuma, auxiliou no desenvolvimento da
ARPANET, ao passo que facilitava, e muito, a troca de conhecimento entre as pessoas
envolvidas, e quebrava formalismos acadêmicos desnecessários entre pessoas que,
freqüentemente, mantinham vínculos de amizade.
O próximo passo rumo à ARPANET seria criar uma maneira de compatibilizar os
computadores que provinham de fabricantes distintos e, portanto, tratavam dados
diferentemente. Em 1968, a ARPA, depois de uma busca no mercado, terceirizou a construção
dos IMPs
138
, pequenos computadores ligados diretamente aos principais, visando a receber e a
enviar corretamente os pacotes de informação compatibilizando-os com os diversos sistemas
operacionais das outras máquinas da rede. Mais tarde, os IMPs seriam substituídos por
aparelhos de função similar, conhecidos hoje como roteadores, que, como seu nome indica,
definem a melhor rota na rede para seguimento dos pacotes.
Depois de enfrentar muitos percalços, o projeto estava completo: a rede consistiria
dos computadores das universidades (as máquinas principais de cada instituição contratada
pela ARPA, chamadas hospedeiras ou hosts), que se comunicariam entre si usando um
protocolo comum (o NCP), intermediadas pelos IMPs movimentadores de pacotes e
interconectadas por redes telefônicas analógicas comuns, alugadas da AT&T.
Em 1969, a humanidade fez sua primeira viagem à lua, realizando, fascinada, o
que antes se imaginara ser possível nas películas de Georges Méliès ou nos romances de
Jules Verne. Porém, o passeio do estadunidense Neil Armstrong em nosso satélite natural não
136
Network Working Group, “Grupo de Trabalho da Rede”.
137
Network Control Protocol, “Protocolo de Controle da Rede”.
138
Interface Message Processors, “Processadores de Mensagem de Interface”.
214
foi o único “salto gigantesco” da humanidade ocorrido naquele ano: finalmente, a ARPANET
começou a funcionar, interligando remotamente os computadores de quatro universidades
139
os quais não apenas trocavam dados entre si, como também compartilhavam seus recursos
uns com os outros
140
. Era uma forma embrionária completamente operacional de algo mais
poderoso que um simples meio de comunicação, por permitir inclusive, de forma muito mais
complexa e ágil que as cartas, o rádio ou os telégrafos, a integração e interação entre seres
humanos.
A ARPANET logo ganhou mais nós e mais aplicações orientadas para facilitar o
trabalho coordenado: em 1972, Ray Tomlinson escreveu um programa para compor, enviar e
receber mensagens eletrônicas, tornando-se o criador do e-mail, um dos recursos mais
utilizados até os dias atuais. Dois anos depois, o NWG se internacionalizou
141
, fazendo com
que a ARPANET englobasse outras pequenas redes acadêmicas que vinham sendo
desenvolvidas por outros pesquisadores na França, no Canadá e em outros locais dos E.U.A.
Durante os anos seguintes da década de 1970, a ARPANET adquiriu ainda mais
nós, não obstante se restringisse a instituições acadêmicas e militares, e se voltou mais
intensamente, mas não totalmente, para a pesquisa bélica — pela suas demonstradas eficácia e
rapidez na transmissão de informações e por pressões engendradas nos últimos períodos da
presidência do republicano Richard Nixon. Essa orientação estimulou a ARPA a criar mais
duas redes experimentais em 1975: a PRNET
142
, que funcionava via sinais de rádio, e a
SATNET
143
, que operava via satélite. Estas, assim como a ARPANET, se comunicavam por
comutação de pacotes, mas cada uma delas utilizava protocolos diferentes. Da necessidade da
compatibilização, surgiu o Projeto Internet (CARVALHO, 2006, p. 24), cujo objetivo, como
sugere o nome, foi integrar as três redes em uma só. O principal esforço do INWG para unir
as redes esteve em estabelecer um protocolo comum. Uma equipe coordenada pelos
engenheiros da computação Vinton Gray Cerf (da UCLA) e Robert Kahn (do IPTO)
desenvolveu e implantou, até o ano de 1982, o TCP/IP
144
, que foi gradualmente estendido
139
Eram as universidades cujos pesquisadores e técnicos faziam parte do NWG: UCLA (University of California
at Los Angeles); UCSB (University of California at Santa Barbara); UU (University of Utah) e SRI
(Stanford Research Institute).
140
Entre esses recursos, destacava-se o de computação gráfica da máquina DEC PDP-10, da University of Utah
de Ivan Sutherland (CARVALHO, 2006, p. 19). Porém, a lógica e o atrativo visuais da navegação em redes
de computadores se viabilizaria apenas na década de 1990, como explicitarei mais adiante.
141
Modificando seu nome para International Network Working Group, “Grupo Internacional de Trabalho da
Rede”. Conseqüentemente, sua sigla mudou para INWG.
142
Packet Radio Network, “Rede por Pacotes via Rádio”.
143
Satellite Net, “Rede via Satélite”, criada em parceria com a Inglaterra e a Noruega.
144
Transmission Control Protocol/Internet Protocol, Protocolo de Controle de Transmissões/Protocolo
Internet”, que permanece até hoje na Internet e redes locais de todo o planeta.
215
para os sistemas operacionais disponíveis no mercado, induzindo sua adoção pelo número
crescente de pequenas e médias redes privadas (obviamente não conectadas à Internet)
montadas por usuários domésticos e empresas menores.
Em 1984, os nós das instituições militares se separaram da Internet, dando origem
à rede independente MILNET. A NSF
145
, por solicitação de outras universidades que não
estavam contratadas pela ARPA (e, num primeiro momento, não tinham acesso à ARPANET
e, por extensão, à Internet), patrocinou a criação de outra rede, a CSNET
146
, voltada
estritamente para os estudos em Ciências da Computação e aberta a qualquer instituição
(acadêmica, comercial ou governamental) que se interessasse em pagar pelas tarifas de
conexão. Com o auxílio do TCP/IP, alguns nós da CSNET se conectaram à Internet. No
mesmo período, destacaram-se as primeiras redes acadêmicas independentes de projetos
específicos, como a USENET
147
e a BITNET
148
. Esta última se tornou a mais utilizada em
todo o mundo entre 1989 e 1991, interconectando centenas de universidades, inclusive no
Brasil, que enfrentava dificuldades em criar uma rede acadêmica própria, por problemas de
infra-estrutura e desentendimentos com a então estatal Embratel, que não permitia
compartilhamento das linhas telefônicas por computadores do exterior e não sabia que modelo
de cobrança adotar para a situação.
Em 1990, a ARPANET, devido à sua obsolescência, deixou de existir,
transferindo todos os seus nós para a mais rápida NSFNET
149
, administrada não pela ARPA,
mas pela NSF, que delegou a operação da rede ao consórcio ANS
150
. Naquele momento, a
grande difusão do TCP/IP o transformava num instrumento corriqueiro entre as várias redes
acadêmicas existentes nos E.U.A. e no mundo. Essa compatibilidade proporcionada pelo
protocolo comum, associada a um planejamento da NSF que apoiava a ampliação das suas
conexões, facilitou a integração de redes internacionais entre si e, conseqüentemente, o
crescimento da Internet, embora ela ainda se limitasse aos grandes centros universitários.
145
National Science Foundation, “Fundação Nacional para a Ciência”, instituição do governo dos E.U.A.
responsável pelo amparo às pesquisas.
146
Computer Science Research Network, “Rede para a Pesquisa em Ciência da Computação”.
147
User Network (“Rede Usuária”), construída em 1979 por alunos da University of North Carolina e da Duke
University, utilizando o sistema operacional UNIX. Em 1986, essa rede se conectaria à ARPANET sem,
entretanto, adquirir fins científicos ou militares (CARVALHO, 2006, p. 30).
148
Because It’s Time Network ou Because It’s There Network, construída em 1981 a partir dos nós existentes
entre a City University of New York e a Yale University (idem, ibidem).
149
National Science Foundation Network, criada pela NSF em 1986 para interligar centros de pesquisa e
supercomputação.
150
Advanced Network and Services (“Rede e Serviços Avançados”), formado pelas empresas MERIT, IBM e
MCI. (idem, p. 32)
216
A década de 1990 trouxe também um aquecimento sem precedentes ao mercado
mundial de informática. Surgiram computadores pessoais com maiores poderes de
armazenamento e processamento, que suportavam melhor as interfaces gráficas de sistemas
operacionais como o Microsoft Windows e o Mac O.S. — os quais, para o consumidor
comum, eram muito mais atraentes e fáceis de usar do que qualquer sistema baseado em
linhas de comando (como, por exemplo, o DOS Disk Operating System, “Sistema de
Operação de Disco”). Com o aumento de sua oferta no mercado, esses computadores, assim
como os modems, ficaram relativamente mais baratos, possibilitando sua aquisição por
públicos menos especializados e aumentando o número de usuários das redes privadas
comerciais e caseiras que cresceram nos anos de 1980 quase sempre desvinculadas da
Internet.
As redes privadas forneciam serviços como envio de e-mails e BBS
151
, e
conseguiam aumentar, com certa rapidez, sua estrutura e seu poder financeiro na medida em
que conquistavam novos clientes, preparando, em poucos anos, a expansão, em escala global,
das redes sociotécnicas conduzidas por interesses predominantemente comerciais: “A Internet
[acadêmica] parecia não ter forças de expansão para além dos muros das universidades,
enquanto que as redes dos provedores de serviços comerciais pareciam prontas para atender as
demandas da emergente sociedade de informação.” (CARVALHO, 2006, p. 126)
A expansão comercial e a world wide web: o acesso para (quase) todos
Entre 1991 e 1995, as redes comerciais, que funcionavam independentemente da
Internet, se fortaleciam absorvendo a demanda de empresas e usuários domésticos
interessados em seus serviços de e-mail, compartilhamento de arquivos e listas de discussão.
Nos E.U.A., a NSFNET, principal “espinha dorsal” de dados (backbone, no vocabulário da
arquitetura de redes computacionais) da Internet, passou a cobrar para realizar conexões
vindas de empreendimentos comerciais, de modo a custear a ampliação de sua capacidade de
recebimento e tráfego de dados. A partir daí, a Internet deixou de ser de uso exclusivo das
universidades, fenômeno que se ampliou com a criação de provedores de acesso, a partir de
redes institucionais, para os usuários não-acadêmicos, visando aproveitar um nicho de
mercado que aumentava rapidamente.
151
Bulletin Board Systems, “Sistemas de Quadros de Avisos”, existentes desde o final da década de 1970, que
consistiam, primordialmente, em permitir trocas de mensagens de texto e arquivos entre usuários de
computadores pessoais, por meio de uma rede especial, a FIDONET.
217
No início de 1996, a Internet não mais dependia de nenhuma instituição
governamental, englobando tanto redes acadêmicas quanto comerciais. Começou a crescer o
número de empresas, muitas delas derivadas dos antigos BBSs independentes, que cobravam
taxas oferecendo seus serviços (provimento de acesso, hospedagem de arquivos, contas de e-
mail) a quem se interessasse e pudesse arcar com os custos. Essa nova orientação da Internet,
mais aberta, possibilitaria, nos anos seguintes, que muitos quadrinistas, amadores e
profissionais, adquirissem o interesse e a condição de veicularem na rede sociotécnica suas
próprias obras, e até mesmo de pensarem esse novo artefato tecnológico como um meio capaz
de dar à arte seqüencial formas exclusivas a ele, como abordei no capítulo dois desta
dissertação.
Os meios de comunicação tradicionais começavam a perceber a tecnologia da rede
Internet, que ultrapassava os campi e se oferecia ao consumidor “leigo”. No Brasil, a revista
Superinteressante, da Editora Abril, veiculou, em abril de 1995, informações a respeito da
disponibilização do acesso comercial à Internet pela estatal Embratel que iniciou o
provimento em 1994, contando com o apoio da única rede acadêmica brasileira, a Rede
Nacional de Pesquisa (RNP), criada tardiamente em 1991. A matéria do periódico, assinada
por Marco Chiaretti, informava a boa-nova:
A Internet revoluciona o jeito de pesquisar, vender e comprar mercadorias e serviços
na aldeia global. Agora, diz a Embratel, qualquer um vai poder ligar seu micro e,
através da tela, fazer compras, consultar bibliotecas no exterior, ou, simplesmente,
conversar com gente de todo o planeta.
152
No mês seguinte, a Editora Globo, respondendo à concorrente, publicou uma
matéria — escrita por Hisato Tanaka, Carlos Fioravanti e Mário Leite e ilustrada pelo
quadrinista e cartunista paulistano Márcio Baraldi na revista Globo Ciência, entrevistando
especialistas e funcionários ligados ao meio acadêmico do estado de São Paulo a respeito da
tecnologia que acabava de se tornar disponível para o público, ainda que de forma bastante
restrita naquele primeiro momento. A matéria ressaltava a potencialidade da Internet como
algo que permitia um tipo de disseminação de informações dificilmente possível em outras
mídias:
Nunca, desde que o homem ocupou o lugar dos dinossauros como espécie
dominante no planeta, houve acesso tão simples e barato à informação. [...] [A
Internet] pode, especialmente, transmitir idéias e informações à revelia de governos
fortes e organizações policiais. Quando, em 1991, a linha dura do partido comunista
da então União Soviética tentou derrubar o presidente Mikhail Gorbachev, boa parte
do mundo acompanhou o que sucedia em Moscou por mensagens enviadas, via
Internet, por testemunhas oculares dos fatos. Quando, no início deste ano, o Exército
152
Superinteressante, edição n.º 91, ano 9, n.º 4, abril de 1995, p. 39.
218
mexicano tentou esconder do mundo uma grande ofensiva contra os rebeldes do
Estado de Chiapas, no sul do país, o segredo durou apenas alguns minutos. Logo a
notícia do ataque estava nas telas [dos computadores] de todo o mundo [...].
153
Ambas as revistas davam ênfase a algo recém-surgido na Internet, a world wide
web (“teia mundial”), e classificavam-na como sendo muito mais interessante que os outros
recursos disponíveis (como Archie e Gopher
154
), exatamente pelo seu apelo visual que
potencializava o acesso associativo feito por vínculos diretos (chamados hyperlinks) inseridos
nos documentos dos sítios virtuais e pela sua tecnologia, que permitia a troca de textos,
imagens, sons e vídeos, e também a realização de compras on-line. A semente dessa interface
que tanto se popularizaria, a ponto de se tornar sinônimo de Internet, havia sido plantada
quinze anos antes, em solo europeu.
Em 1980, o engenheiro de software e físico britânico Timothy Berners-Lee
desenvolvera, em seu laboratório no CERN
155
, um programa de texto associativo para auxiliá-
lo a se lembrar das relações existentes entre projetos em curso e as máquinas e funcionários
neles envolvidos. A partir disso, entre longos intervalos, projetou para a instituição um
sistema informatizado de busca de documentos e bancos de dados, acessível a todos os
funcionários sob a forma de hipertexto, estabelecendo referências cruzadas que
aperfeiçoariam o acesso descentralizado à informação e facilitariam seus processos de
atualização e publicação. Em 1990, utilizando o TCP/IP e máquinas com sistemas
operacionais de interface gráfica, contando com a ajuda de Robert Cailliau, um físico belga
com entusiasmo digno de um empresário (CARVALHO, 2006, p. 129), e com os conselhos
de Ben Segal (outro britânico com a mesma formação em Física), Berners-Lee voltou seus
esforços para a Internet, desenvolvendo, com base em linguagens de marcação de documento
preexistentes, a primeira versão padronizada de uma ferramenta para construção de
hipertextos virtuais o código HTML, hoje tão disseminado —, bem como um navegador
primário que lia apenas textos. Por último, batizou esse projeto de world wide web, e
demonstrou-o aos integrantes do CERN. A boa recepção à novidade cresceu a ponto de
incentivar Berners-Lee e Cailliau a propor, em 1992, a web como um dos padrões para a
Internet.
153
Globo Ciência, edição n.º 46, ano 4, maio de 1995, p. 57-58.
154
Desenvolvidos entre 1990 e 1991, são métodos de busca e indexação de documentos e arquivos entre
diretórios, baseados fundamentalmente em pesquisa hierárquica e exibição de texto, numa apresentação
visual pouco flexível. Com o advento da world wide web, caíram em desuso, reduzindo-se, atualmente, a
poucas dezenas de endereços.
155
Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire , “Conselho Europeu para a Pesquisa Nuclear”, sediado em
Genebra, cuja projeção internacional se reforçou em setembro de 2008, com o início das operações do LHC
(Large Hadron Collider, “Grande Colisor de Hádrons”), sob sua responsabilidade.
219
Aos poucos, e sob inúmeras discussões a respeito da sua funcionalidade e
usabilidade, a world wide web ganhou a simpatia dos usuários da Internet, especialmente de
estudantes universitários, que criaram os primeiros navegadores com interface gráfica, unindo
o poder associativo do hipertexto à apresentação de páginas com imagens a exemplo do
Mosaic, de Eric Bina e Marc Andreesen (McCLOUD, 2006, p. 159 e CARVALHO, 2006, p.
132). Em pouco tempo, desenvolver esses programas se tornou uma tarefa empresarial
lucrativa: no ano de 1995, Andreesen fundou a Nestcape e vendeu ações no pregão da
NASDAQ
156
, as quais obtiveram uma rápida valorização após o lançamento da versão
comercial do Mosaic, o Netscape Navigator. A Microsoft, uma das líderes do mercado de
sistemas operacionais, aproveitou-se da situação para lançar o Windows 95 com o navegador
Internet Explorer incorporado.
Além do visual atraente, da navegação hipertextual e do estabelecimento do
TCP/IP, outro elemento determinante para difusão da web foi a disponibilização, para grande
número de usuários comuns, de programas navegadores. A demanda por serviços relativos à
Internet cresceu, multiplicando os ganhos e o valor acionário de empresas provedoras de
acesso a exemplo da AOL, que se fundiu com a Time Warner em 2000, formando um dos
maiores conglomerados de entretenimento mundiais.
Percebendo a inserção da tecnologia Internet e da world wide web na sociedade de
consumo
157
, surgiram lojas especializadas em compras virtuais, companhias oferecendo
serviços gratuitos e ferramentas de busca para o conteúdo progressivamente maior de
documentos na rede, mantidas principalmente com a venda de espaços publicitários on-line
apareceram, dessa maneira, os banners de anúncios e as malfadadas janelas pop-up
158
.
Em meados de 1997, a web respondia pela maior parte do tráfego na Internet.
Dentro da NASDAQ, a supervalorização das ações das chamadas empresas “pontocom”, isto
é, cuja atuação se voltava para a Internet, atraía cada vez mais investidores desejosos de
ganhar dinheiro rapidamente, motivados pelo enriquecimento súbito de muitos
empreendedores
159
. O excesso de capital especulativo inflou o valor dos títulos negociados,
156
National Association of Securities Dealers Automated Quotations, “Cotações Automatizadas da Associação
Nacional dos Negociadores de Ações”. Criada em 1971, foi a primeira bolsa de valores no mundo a negociar,
especificamente, tulos de empresas relacionadas à eletrônica, à informática, à tecnologia da informação e
campos similares.
157
A princípio, nas classes de maior renda, especialmente nos países emergentes como o Brasil, nos quais grande
parte da tecnologia computacional era importada, o que a encarecia consideravelmente.
158
A respeito de como os anúncios na Internet surgiram e se espalharam com o investimento comercial massivo,
consultar o artigo de Marshall BRAIN How web advertising works (“Como funcionam os anúncios para a
web”), disponível em
http://computer.howstuffworks.com/web-advertising.htm. Acesso em 2 ago. 2009.
159
Uma reportagem da edição de 22 de julho de 1998 da revista Veja, da Editora Abril, assinada por Eduardo
Nunomura, mostra claramente como certos meios de comunicação viam nos negócios mirando a Internet uma
220
aumentando a discrepância entre seus valores e o valor real das empresas. O resultado foi a
fulminante desvalorização do pregão, em março do ano 2000, num evento conhecido como
“estouro da bolha ‘pontocom’”, após o qual muitos empresários, se não quebraram, viram seu
patrimônio perder milhões de dólares em questão de horas.
Apesar desse desastre financeiro, a Internet prosseguiu seu curso de expansão
num ritmo menos acelerado, exigindo dos investidores e administradores das “pontocom”
muito mais cautela em especular, associada ao planejamento e ao investimento em tecnologia.
Novos modelos de gestão visando atrair usuários e fortalecer a marca das empresas (sem, no
entanto, deixar de prestar atenção em suas saúdes financeiras) ampliaram o oferecimento de
serviços gratuitos
160
, o que permitiu que pessoas de baixa renda e mesmo pequenos e
micronegócios pudessem acessar a rede pela primeira vez.
Nos dias atuais, a world wide web é a interface mais largamente utilizada em toda
a Internet. Ferramenas para blogs e microblogs, como o Blogspot e o Twitter, sítios de
relacionamento interpessoal como o Orkut e o MySpace, canais de vídeo do Youtube e do
Google Videos e estruturas dinâmicas wiki se destacam na rede sociotécnica mundial, numa
etapa denominada Web 2.0 na qual a interação entre os usuários se potencializa por meio
da combinação de pelo menos quatro fatores: a ampliação do acesso populacional às conexões
de banda larga; o desenvolvimento de tecnologias para automatização/dinamização de sítios,
para a compactação de arquivos e para a estabilidade de plug-ins e navegadores; o contínuo
barateamento relativo de computadores e seus periféricos; e a otimização dos backbones da
Internet de forma a suportar o tráfego.
Não parece haver muitas dúvidas a respeito de como o cotidiano e as formas de
contato entre pessoas, empresas, instituições e governos mudaram com a Internet e as
aplicações web. Se o ciberespaço não é neutro, anárquico ou completamente livre de censura
(CARVALHO, 2006, p. 155-157), ele tem demonstrado ser, no nimo, o meio de
comunicação mais democrático concebido pela humanidade (posto que, na Internet, em
princípio, o receptor de informações é, simultaneamente e à sua vontade, um livre emissor e
reprodutor das mesmas). As tecnologias em rede, entretanto, ainda não são acessíveis a todas
as pessoas mesmo havendo, por todo o planeta, queda nos preços dos artefatos
verdadeira “mina de ouro”, ao relatar os ganhos rápidos e vultosos de empresários como o taiwanês Jerry
Yang, um dos criadores do portal e sistema de buscas Yahoo!. Disponível em
http://veja.abril.com.br/220798/p_082.html. Acesso em 2 ago. 2009.
160
No Brasil, empresas como a BOL (Brasil On-Line) e a IG (Internet Group, inicialmente chamada de Internet
Grátis) se notabilizaram entre 1999 e 2000 ao disponibilizarem contas de e-mail e acesso discado sem
qualquer custo pelos serviços. Ambas realizaram intensa campanha de divulgação em revistas de circulação
nacional e na TV, e abriram espaço pago para publicidade em seus sítios, fatores que contribuíram para sua
popularização e para a sobrevivência de ambos os empreendimentos até os dias atuais.
221
tecnológicos por incentivos comerciais e fiscais às indústrias. Especialmente em países
emergentes como o Brasil, dentro das grandes e médias aglomerações urbanas, centros
comunitários de acesso ou lan-houses com preços populares podem suprir demandas
localizadas, mas não bastam para efetivar a chamada “inclusão digital”. Apesar dos
problemas, é necessário reconhecer que, nos últimos anos, pelo menos neste país, tenha
havido considerável esforço governamental em computadorizar escolas públicas e conceder
subsídios para desenvolvedores de tecnologia e para estudantes e pesquisadores que
pretendem adquirir computadores pessoais a custos menores. Além disso, observa-se na
própria Internet um movimento muito intenso em torno dos softwares livres ou de código
aberto, que se volta para a criação de browsers, sistemas operacionais, programas de
escritório, ferramentas de edição de imagens e outras utilidades, de modo a disponibilizá-los,
na própria rede, gratuitamente ou a baixo custo, para quaisquer usuários. Serviços gratuitos,
tais quais contas de e-mail, continuam a ser oferecidos por numerosas empresas, respaldadas
por grandes anunciantes. Fatores esses que colaboram, e muito, para a difusão e melhoria do
acesso à Internet.
222
II – MODELOS PARA CRÔNICAS DE TACANHÓPOLIS: SAMUEL
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