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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Representações de docência:
um estudo com professores/estudantes de um curso de pós-
graduação em Filosofia
Mário Antônio Taddei Sá
Orientadora: Prof
a
Dr
a
Iara Tatiana Bonin
Canoas, 2008
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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Representações de docência:
um estudo com professores/estudantes de um curso de pós-
graduação em Filosofia
Mário Antônio Taddei Sá
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Luterana do Brasil, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Iara Tatiana
Bonin
Canoas, 2008
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3
DEDICATÓRIA
A exemplo de meu pai e mestre, amante da leitura, da pesquisa e do conhecimento
científico, dedico esse trabalho aos queridos filhos Hilton, Emanuel, Mateus, Lorenzo
e Isabella, na esperança de um futuro devir em busca de suas identidades.
4
AGRADECIMENTOS
À minha esposa Elisa, companheira e cúmplice de todas as minhas
conquistas, por estar intensamente comigo, não na vida, mas como colega de
mestrado , sendo a maior motivadora dessa dissertação;
ao meu filho Mateus, pela abnegação nas intermináveis horas dedicadas às
revisões de informática deste trabalho;
a todos os amigos, na pessoa da estimada Mariane Schönardie, que esteve
muito presente com seu estímulo e experiência profissional;
ao Ilto e à Maria Eni, avós incansáveis que, durante todo o tempo
necessário cuidaram de nossos filhos;
a todos os dedicados professores deste Programa, na pessoa da Profa.
Dra. Maria Lúcia Wortmann, por ter me ensinado que competência tem o significado
transcendente de talento, elegância, dedicação e múltiplos conhecimentos;
à minha orientadora, Profa. Dra. Iara Tatiana Bonin, verdadeira Mestre:
competente, exigente e estimuladora, mostrou-me a importância do caminho dos
Estudos Culturais para o mundo acadêmico;
a todos os colegas desta maravilhosa profissão, na pessoa do colega e
amigo Prof. Ms. Sílvio Capaverde, pelos seus llivros, polígrafos e discussões sobre o
tema;
a todos aqueles que, nestes 35 anos, passaram pelas minhas aulas, nas
pessoas doso professores/estudantes, partícipes essenciais na construção deste
estudo e principais atores desta pesquisa.
5
EPÍGRAFE
Este desenho, produzido por um dos participantes de minha pesquisa, sintetiza
algumas das representações problematizadas neste estudo.
6
RESUMO
Esta pesquisa, realizada sob a abordagem dos Estudos Culturais, tem por objetivo
analisar as representações de docência em Filosofia, a partir de produções gráficas e
textuais de um grupo de 16 professores/estudantes de um Curso de Especialização
em Ensino de Filosofia, realizado por uma instituição privada, no município de
Cachoeirinha-RS. Para o desenvolvimento deste estudo, foram realizadas duas
estratégias metodológicas: na primeira os participantes da pesquisa foram
convidados a redigir uma carta endereçada a um suposto amigo convidado a
lecionar filosofia e, na segunda, cada participante elaborou um desenho,
relembrando uma cena escolar, vinculada a aulas de Filosofia. As discussões
produzidas entre os estudantes durante a realização das atividades propostas foram
gravadas e transcritas, sendo incorporadas ao corpus deste estudo. Para a análise,
foram consideradas as representações de filosofia e de docência, produzidas nas
falas, desenhos e textos escritos pelos estudantes/professores e o modo como tais
representações produzem posicionamentos e lugares a serem ocupados pelos
docentes. Nas análises, destacam-se certos atributos, tidos como desejáveis para
professores de Filosofia: eles são vistos como sujeitos dedicados, apaixonados pelo
que fazem, devotados, inquietos, reflexivos, leitores assíduos, que vivem em eterna
busca, instigados pela vontade de saber. As representações dos docentes são
vinculadas, de modo recorrente, à de mestres, de mediadores, de facilitadores das
aprendizagens e de educadores que incentivam a crítica. Em relação às práticas
pedagógicas de professores de Filosofia, foram referidas as mudanças de ambiente
em que as aulas ocorrem, a produção do conhecimento na reflexão coletiva, o
diálogo como estratégia de ensino. O exame de tais produções mostrou que não
existe um entendimento único da docência, e nem mesmo da docência em filosofia.
Muitos dos atributos e práticas referidas poderiam ser associados aos docentes de
qualquer área, mas a atitude aberta à indagação e a noção de que a prática docente
deve servir para potencializar atributos considerados “naturais” do ser humano – tais
como pensar, indagar, questionar parece ser efeito da articulação entre filosofia e
docência.
Palavras-chave: Estudos Culturais; docência, representações, identidade, ensino
de Filosofia.
7
ABSTRACT
This study aims at analyzing, within the framework of the Cultural Studies approach,
the teaching representation in Philosophy classes by examining the graphic and
textual productions of a group composed by 16 professors/students of a
Specialization Course of Philosophy Teaching organized by a private institution in
Cachoeirinha RS. Two methodological strategies were used in this study: in the
first one the subjects were asked to write a letter to a supposed friend who had
been invited to teach Philosophy and, in the second one, each subject created a
drawing recalling a school scene related to a Philosophy class. The discussions
produced among the students during the activities were recorded and transcribed in
order to be incorporated to the corpus of the study. Not only the drawings and texts
produced by the students/professors were considered for the analysis, but also the
Philosophy and teaching representations produced in their speech and the way such
representations produce positions and places to be taken by the professors. In the
analyses certain desirable attributes ascribed to Philosophy professors were
observed: they are seen as dedicated, devoted, restless, reflective, avid readers,
who love their work and live in an eternal search instigated by their crave for
knowledge. The representations are often related to those of masters, mediators,
facilitators and educators who promote criticism. The changes in the atmosphere in
which the classes take place, the production of knowledge through collective
reflection and the dialogue as a teaching strategy were some pedagogical practices
associated with Philosophy professors. The analysis of such productions showed that
there are several views of teaching, even in regards to the teaching of Philosophy.
Many attributes and practices referred to may be associated with professors of any
area, but the attitude open to questioning and to the concept that teaching should
foster attributes which are considered “natural” for human beings such as thinking
and questioning seems to come from the articulation between Philosophy and
teaching.
Keywords: Cultural Studies; teaching, representations, identity, Philosophy
teaching.
8
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ...........................................................................................................9
1 UM OLHAR SOBRE O ENSINO DE FILOSOFIA .........................................................14
1.1
N
A ESTEIRA DOS
E
STUDOS
C
ULTURAIS
.........................................................................24
1.2
O
BJETIVOS E
Q
UESTÕES DE
P
ESQUISA
..........................................................................27
2 BUSCANDO MANEIRAS DE OLHAR PARA AS REPRESENTAÇÕES DE DOCÊNCIA EM
FILOSOFIA .................................................................................................................28
2.1
OS
ESTUDOS
CULTURAIS
E
AS
MUITAS
POSSIBILIDADES
METODOLÓGICAS .....35
3 REPRESENTAÇÕES DE FILOSOFIA ..........................................................................40
3.1
S
IGNIFICADOS DE
F
ILOSOFIA PARA OS PROFESSORES
/
ESTUDANTES QUE INTEGRARAM A
PESQUISA
......................................................................................................................41
4 SOBRE IDENTIDADES E REPRESENTAÇÕES DE DOCÊNCIA ....................................47
4.1
U
MA PERSPECTIVA HISTÓRICA DA DOCÊNCIA
.................................................................49
4.2
F
OCANDO O OLHAR NAS PRODUÇÕES DOS PROFESSORES
/
ESTUDANTE
S...............................52
4.3
P
ENSADO A DOCÊNCIA SOB AS LENTES DO
MESTRE PASTORAL CRÍTICO
.............................58
5
C
ONSIDERAÇÕES FINAIS
...............................................................................................66
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................75
9
APRESENTAÇÃO
O grande desafio com que inicialmente me deparo, ao elaborar esse estudo,
diz respeito ao próprio ato de escrever. Muitas são as questões que se colocam ao
iniciar a escrita sobre algo que marca tão profundamente minha trajetória e minha
vida docente. Como escolher e descartar elementos deste processo? Com qual texto,
com quais palavras dar a ele significação e entendimento?
Superar tal dificuldade só se concretiza partindo de algum ponto. Se é correto
afirmar que só se aprende a escrever, escrevendo, lanço-me a esse desafio. Vencer
o medo de se expressar num texto escrito, lançar mão desse recurso, deixando de
lado o que poderão pensar os possíveis leitores, tem sido para mim, um aprendizado
lento e muitas vezes doloroso.
Nas trilhas desta pesquisa, passei a tencionar a busca de verdades, na
hermenêutica contemporânea, e as diferentes concepções filosóficas acerca do
conhecimento, a partir das formulações apresentadas por estes autores. Muitas de
suas provocações me vêm à lembrança neste momento em que tenho que escolher
adjetivos e substantivos que dão sentido à escrita deste texto
Docência em Filosofia esse amplo e conturbado campo de atuação
profissional é o foco de minha pesquisa. Não proponho uma análise da profissão
docente, das possibilidades, limites ou desafios de ser professor de Filosofia em
instituições escolares regidas por currículos que, de muitas maneiras, conferem a
esta disciplina um lugar periférico. O que proponho nesta pesquisa é analisar
representações de professores/estudantes matriculados em um curso de pós-
graduação que prepara para a docência em Filosofia. Interessa-me analisar aquilo
que faz sentido para estes sujeitos ao falar de docência, pensando especificamente
a disciplina de filosofia.
O tema adquire relevância para mim devido a minha própria experiência
pessoal e profissional com o estudo e a docência em Filosofia e pela inexistência de
estudos específicos sobre as representações de docência desta disciplina sob o
ponto de vista de professores/estudantes. Quando jovem, muitas coisas a respeito
de minha futura profissão passavam pela minha cabeça. Meu pai era dentista e
10
professor de matemática, e isso foi constituindo em mim um gosto pelos assuntos
escolares e uma familiaridade com livros, cadernos e planos de aula. A mãe
freqüentou a escola apenas nos anos iniciais, mas estimulava em nós a vontade de
seguir os estudos.
Minha naturalidade é de Herval: uma cidadezinha do interior do Rio Grande
do Sul, na região de fronteira com o Uruguai, o que determina certa mistura entre
as línguas portuguesa e espanhola - o chamado “portunhol”. Para continuar
estudando, deslocava-me para Pelotas, onde completei o curso Técnico em
Contabilidade, numa escola de formação lassalista. Embora localizada a 130
quilômetros de distância, Pelotas era o centro regional mais próximo, e neste lugar
muitas de minhas experiências de infância foram sendo deslocadas e confrontadas.
Aos olhos de um jovem estudante, a passagem pela experiência do golpe
militar em 1964, ocorrida em nosso país, foi muito marcante. Estávamos
esquecendo a “traumatizante” passagem da “legalidade”, durante o ano de 1961
(movimento de renúncia de Jânio Quadros e posse de João Goulart como
presidente), com muitos reflexos em todos os campos da vida política, econômica,
social e cultural e, sobremaneira, na escola. Ficar onze dias sem aula foi um fato
significativo, naquele momento de forte tensão social. Em 31 de março de 1964
volta o Estado de Sítio, Jango se exila e o General Humberto de Alencar Castelo
Branco assume a presidência da república.
No Colégio Gonzaga onde estudava, a repercussão das medidas impostas
pelos militares foi muito grande e lembro que temi muito o futuro de um país em
que “era proibido pensar”, como alguns de nossos professores afirmavam. Talvez
este fato tenha repercutido mais ainda em mim, marcando inclusive minhas escolhas
profissionais. O tempo passou. Estava trabalhando no Banco Nacional do Comércio
em Pelotas e freqüentando o Curso de cnico em Contabilidade, quando surgiu a
oportunidade de transferir-me para a agência central de Porto Alegre.
Em 1968, aceitei a transferência para a capital, com o objetivo de fazer a
Faculdade de Economia. Alguns semestres bastaram para sentir aquele desconforto
de quem estava “fora de lugar”, pois o curso não me permitia conhecer aquilo que
eu gostava ou pretendia estudar.
11
Minha primeira experiência com docência aconteceu fora do espaço escolar:
comecei a trabalhar em um setor de treinamento da Corsan e, entre minhas
funções, estava a de ministrar cursos e interagir com funcionários, o que me
aproximou da possibilidade de me tornar professor.
Meu encontro com a Filosofia deu-se através de uma “crise” e outra
reviravolta em minha trajetória acadêmica: após um mês cursando Letras na
Faculdade Porto-alegrense e quatro semestres de História na PUC, ausentei-me da
Faculdade e preenchi meus horários com a atividade docente, no Estado e no ensino
privado.
Comecei a apaixonar-me pela área da educação à medida que ia tendo
contato com aquele universo relacional. Ainda que tivesse outras perspectivas
profissionais resolvi iniciar a graduação em Direito, na Faculdade Ritter dos Reis e,
quatro semestres depois, conclui que não estava investindo no que realmente
desejava e gostaria de fazer.
O curso de Direito proporcionou uma aproximação com a filosofia através de
disciplinas oferecidas na faculdade. Estava encerrando o ano de 1977 e o país
encontrava-se ainda sob o regime militar. Neste contexto, abandonar o curso de
Direito e seguir meus estudos em Filosofia, graduação que nessa época era mais
comumente oferecida a seminaristas, não foi uma decisão fácil.
Ministrava as disciplinas de Educação Moral e Cívica e Organização Social e
Política do Brasil e seus conteúdos – tal qual eram propostos na organização
curricular e percebia que elas não traziam aos alunos, muito menos aos
professores, os resultados desejados no processo de aprendizagem. Claro que essas
disciplinas produziam efeitos, mas não eram aqueles para os quais desejava dedicar
meus esforços.
Talvez eu tenha sido instigado novamente por antigos questionamentos,
reforçados agora por uma escola muito forte na formação humana, como fora a
educação lassalista.
Determinado em continuar minha formação acadêmica, resolvi, apesar de
todas as incertezas quanto à volta da Filosofia, ingressar neste curso, na Faculdade
12
N.S. do Imaculado Coração de Maria, Fafimc, em Viamão, onde completei o curso
em 1986.
O país ainda estava longe do processo democrático. A disciplina de Filosofia
continuava ausente do currículo escolar desde as mudanças introduzidas pela Lei
5692/71. A tônica das reformas educacionais deste período era valorizar cursos
profissionalizantes, em detrimento do caráter humanista do ensino. No contexto da
guerra fria caracterizada pela corrida armamentista e pela corrida espacial foi
altamente valorizada a formação técnica dos alunos.
Na Universidade, como tantos estudantes, cursei a disciplina de Estudos dos
Problemas Brasileiros, denominada EPB. Desta vez tinha certeza na opção
acadêmica: concluir a formação em Filosofia era algo que realmente desejava e
estava, sem dúvida, meu campo de realização pessoal e profissional.
Independentemente da aprovação das novas leis que vieram reintroduzir a
disciplina de filosofia no currículo escolar, o seu ensino estava acontecendo em
algumas escolas, principalmente no Curso de Magistério e no ensino privado.
Neste contexto, atuei profissionalmente no magistério estadual e em escolas
particulares por 24 anos, lecionando História, Geografia, Educação Religiosa, até
ingressar no ensino universitário, em 1993, assumindo cadeiras como Filosofia do
Direito, Filosofia Geral, Filosofia da Educação, Sociologia e Epistemologia para
diferentes cursos de graduação.
De para cá, tenho buscado estudar de maneira mais sistemática o campo
da docência em Filosofia, razão pela qual decidi desenvolver estudos nesta área em
nível de pós-graduação em Educação.
A fim de delinear meu objeto de pesquisa fui em busca de alguns estudos e
teses acadêmicas que pudessem nortear minha investigação. Tive a oportunidade
de perceber que a maioria dos trabalhos aborda a formação do professor e a
Filosofia como disciplina de ensino médio.
13
A motivação principal parece ser a reintrodução da disciplina como obrigatória
no currículo escolar deste vel de ensino, ocorrida no final da década de noventa,
tendo em vista o que referem Kohan et al (2004):
Como sabemos, o artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (Lei 9394/96), determina que, ao
final do ensino médio, todo estudante deverá ‘dominar os
conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao
exercício da cidadania’. Este foi um avanço significativo para a
presença da Filosofia nesse nível de ensino, uma vez que em
1961 (Lei 4024/61), a Filosofia deixa de ser obrigatória e, a
partir de 1971 (com a Lei n° 5692/71), época do regime
militar, ela praticamente desaparece das escolas. (p.259)
14
1
UM OLHAR SOBRE O ENSINO DE FILOSOFIA
A Educação no Brasil, após décadas debruçada sobre a problemática de
universalizar o acesso à escolarização, parece, nestes tempos, priorizar um outro
debate: o da sua qualificação. No que tange à educação básica, percebe-se que a
quase integralidade dos educandos estão matriculados nas escolas e que o desafio
para além da sua permanência nos bancos escolares orienta-se para aquilo que
lhe é ensinado e como lhe é ensinado.
A qualidade da educação e do ensino tem se constituído em um dos
problemas centrais nas proposições e debates relativos às políticas educacionais.
Não somente no campo das políticas públicas, mas também nos movimentos sociais,
populares, empresariais e do chamado terceiro setor. Todos os atores envolvidos
neste debatem enaltecem a necessidade de “melhorarmos a educação”. Mas o que
significa “qualidade da educação”?
Existem muitos sentidos possíveis para essa afirmação, e eles se constituem a
partir de referenciais teóricos e políticos distintos. Também existem possibilidades
plurais para a questão de como e o que ensinar. Nesse sentido, a existência de
diversos “atores sociais” disputando sentidos do que seja relevante ensinar
possibilita o surgimento de muitos sentidos, ‘as vezes complementares, outras vezes
conflitivos.
Nessa perspectiva, o ensino de Filosofia também incorpora distintas
significações. A Filosofia esteve ausente por mais de vinte anos dos currículos das
escolas brasileiras, durante o regime militar instaurado no país a partir de 1964 e
vigente até fins da década de oitenta. Naquele contexto,argumenta Costa (1992)
“não atendia aos objetivos tecnicistas e burocráticos da nova concepção de ensino,
deveria ser expurgada, bem como a Psicologia e a Sociologia” (p.52). A estratégia
curricular utilizada para excluir a Filosofia do campo educacional passou pela
implantação das disciplinas Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política do
Brasil e Estudo dos Problemas Brasileiros, nos três níveis de ensino.
No contexto de redemocratização do país, a Filosofia é investida por outros
significados e recebe um olhar diferente. A partir da abertura política, em nível
15
docente, foram realizados importantes movimentos pelo retorno da disciplina ao
ensino básico, como o chamado “Documento de Campinas”, formulado em 1983,
justificando que a democracia requer a formação da consciência crítica dos
cidadãos. Se um dos sentidos atribuídos ao ensino de Filosofia é o desenvolvimento
da consciência crítica, podemos supor, também, que esse possa ser remetido a toda
educação escolar. O documento destaca, por exemplo,
que o profissional de Filosofia prime pelo respeito ao pluralismo de
pensamento, uma vez que, sob pena de que se descaracterize o
exercício filosófico, este não poder ser jamais
entendido como doutrinação. (Documento de Campinas)
A atribuição do predicado crítico à Filosofia parece decorrer desse
entendimento de que seja esse um exercício de pensamento ativo. A percepção da
crítica como finalidade do ensino de Filosofia parece estar na base legal formulada a
partir de 1996 quando o art. 36 da Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional
determina que, ao final do ensino médio, todo estudante deverá dominar os
conhecimentos de filosofia e de sociologia necessários ao exercício da cidadania.
Este contexto de lutas em torno da significação da Filosofia, que de muitas
maneiras aglutinou pensadores, acadêmicos e docentes, contribuiu para assegurar
um lugar para a Filosofia no currículo do ensino médio. É importante salientar que,
em 1961 (Lei 4024), a Filosofia deixou de ser obrigatória e, a partir de 1971 (Lei
5692), no contexto do regime militar, ela praticamente desaparece das escolas
(FÁVERO et al, 2004).
As discussões estabelecidas na década de noventa por parte dos docentes
que defendiam o retorno da disciplina de Filosofia ao currículo escolar apontavam
possibilidades diferenciadas. Estas variavam desde a presença transversal nos
currículos, o que garantiria o cumprimento da LDB, quanto à necessidade de
domínio de conhecimentos de Filosofia, sem que para isso se reservasse uma
disciplina exclusiva, até proposições mais específicas, que defendiam o retorno
direto da disciplina e a formação de docentes para o exercício dessa função.
O autor menciona diversos argumentos nesta discussão: de um lado, a
precariedade da formação de professores de Filosofia, de outro, percebia-se que a
volta do ensino de Filosofia na escola poderia ser facilitadora para a melhoria da
16
formação docente e havia, ainda, aqueles que apontavam os problemas que a
obrigatoriedade da disciplina poderia trazer aos estados e seus sistemas de ensino,
em especial em termos de investimentos.
Um outro viés para pensar este debate era o entendimento de que sendo a
filosofia um exercício de pensamento crítico, lúdico, ou que vise à autonomia,
haveria certa contradição em transformá-la em "matéria escolar". Em outras
palavras, seria sujeitá-la aos “rituais e tratamentos pedagógicos que os estudantes
costumam identificar, precisamente, como o oposto da crítica, do prazer, da
autonomia, etc” (FÁVERO et al, 2004).
Deste complexo debate emergem aspectos significativos para análise. Um
deles é o entendimento de que a Filosofia possui estatuto próprio e, enquanto
disciplina, é análoga a qualquer outra, com saberes, corpo teórico, lógicas próprias,
técnicas e terminologias específicas. Dela, os alunos têm muito que aprender e
assimilar. Também se articula essa disciplina e seu ensino com o avanço do
processo democrático, tornando-se imperativo restaurar um pensamento crítico em
educação. Para esta linha de argumentação, a vivência em uma sociedade
democrática não pode acontecer sem a existência de sujeitos democráticos e seriam
esses sujeitos os responsáveis, no campo político e cultural, pela consolidação da
democracia, do direito de pensar, bem como da capacidade de discernimento e o
uso autônomo da razão.
Outro entendimento possível é o de que a Filosofia esteja associada à própria
natureza humana, à capacidade de pensar e, desse modo, não haveria necessidade
de se estabelecer um momento específico – marcado no currículo escolar – para que
o pensar filosófico aconteça.
O estudo de Carminati (2003) sobre a trajetória de professores de Filosofia no
município de Florianópolis discute a prática pedagógica docente efetivada por
professores da 1ª Coordenadoria Regional de Ensino daquela localidade, sua
formação, bem como os sentidos e os desafios que estes atribuem à Filosofia. Nesta
pesquisa de doutorado, o autor propõe-se a investigar como foram formados e
como esses professores concebem as próprias práticas pedagógicas. Procura
compreender as relações entre os conhecimentos especializados da formação inicial
17
e os saberes da prática, bem como saber quem são esses professores, quais são
suas motivações para a profissão, se dialogam e partilham com os colegas as
experiências e práticas de ensino, o que lêem e quais objetivos e finalidades
projetam para a disciplina. O autor sugere que, diante da dinâmica de especialização
dos conhecimentos, muitos destes mostram-se inadequados à realidade da prática
profissional.
Em outro estudo, Silveira (2005) analisa os saberes do professor de Filosofia
que atuam no ensino médio de escolas públicas de Santa Maria-RS, salientando que
sua formação inicial pouco contribui para a sua ação docente. A pesquisa visa
identificar a administração dos conflitos gerados pela prática docente: espaço/tempo
na relação ensino e aprendizagem da Filosofia; organização dos conteúdos em
grupo e trabalho individual do professor; formação inicial e atuação docente;
maneira tradicional de trabalhar e alternativas docentes; História da Filosofia e
temas; burocracia e docência; Filosofia como formadora; utilitarismo/imediatismo. O
autor identifica a existência de um professor muito preocupado em se achegar
afetivamente ao seu aluno, que seria o primeiro passo para o ensino da Filosofia. Ao
aproximar a História da Filosofia dos temas de interesse dos alunos e ao despertar
neles a necessidade de pensar o próprio cotidiano, os professores acreditam estar
filosofando, o que a formação inicial não o ensinou, por estar muito distante da
realidade do aluno do ensino médio.
Na mesma direção, Ramborger (2003) propõe uma reflexão sobre a formação
inicial do professor de Filosofia, salientando o desprestígio dentro dos cursos de
formação de professores desta área, considerada periférica e ministrada por
diferentes profissionais, quase sempre sem formação específica qualificada. A autora
afirma que, dentro da escola, a Filosofia não é entendida como um saber
necessário. Ao investigar depoimentos de 17 professores de Filosofia da rede pública
diurna no município de Santa Maria, salienta que dentro da escola a filosofia não é
entendida como um saber relevante para as práticas escolares. Reitera que a
formação inicial não prepara para a prática em sala de aula e que está subentendida
a idéia de que qualquer profissional possa exercer a docência em Filosofia.
18
Tematizando docência em Filosofia, Athayde (2004) traça um perfil
profissional para as licenciaturas, levando em conta as mudanças na composição
curricular do curso, estabelecendo distinções e continuidades nas propostas.
O autor identifica, em relação à formação inicial do professor que esta é
muito mais voltada para a pesquisa do que para o ensino. Não há, segundo o autor,
discussões consistentes sobre uma didática da Filosofia pela maioria dos professores
formadores, assim como os professores da escola média.
Em uma perspectiva distinta das anteriormente citadas, Silva (1998) aborda o
cotidiano e o incomum no ensino de Filosofia, identificando o papel do professor
enquanto mediador entre o sujeito, o conhecimento e o pensar filosófico. O autor,
igualmente, reconhece as situações adversas em que o docente exerce suas funções
na escola de nível médio, entretanto, reitera a necessidade de promover o pensar
reflexivo a partir de questões do cotidiano dos alunos.
esse tipo de abordagem poderia assegurar o interesse dos alunos pelas
temáticas propostas na disciplina. A reflexão sobre o significado do cotidiano e
daquilo que se considera incomum, com seus condicionantes e possibilidades, é
indispensável para uma abordagem da Filosofia que pretenda a superação do senso
comum e o alcance da consciência filosófica, assegura o autor.
Fabbrini (2005) sintetiza várias das questões formuladas acima,
reposicionando alguns dos termos deste debate e resgatando aspectos atinentes à
especificidade desta matéria, a qual “não pode ser um terreno recortado na
geografia das disciplinas” (p.7), como referiu Jean-François Lyotard. Destaca que o
essencial da reflexão filosófica é o
modus operandi
do leitor frente a um texto
filosófico. O autor salienta que é possível ler textos filosóficos sem filosofar e ler
textos considerados artísticos, políticos, jornalísticos, filosoficamente.
Ao pensar esta modalidade de reflexão como um exercício não atrelado à
natureza disciplinar (e/ou curricular) o autor reconhece a capacidade que a Filosofia
tem em estimular a desmontagem das regras de produção de discursos.
19
Conforme salienta o autor,
Conhecer não é explicar, elucidar, mas interpretar atividade
contínua, inacabada, voltada não sobre o significado das
coisas, mas para a ação de inscrever signos. Aprender é
constituir um espaço de encontro dos signos (...). O professor
deve introduzir o aluno no pluralismo e polimorfismo dos
textos, muni-lo com os meios de orientar-se no pensamento
(p.9 e 10).
A Filosofia, na concepção de Fabbrini (2005) não deve ensinar apenas aquilo
que é preciso ler, mas “como se pode ler”. Nesse sentido, estaria muito mais
próxima à aquisição de uma linguagem ou de competências para lidar com as
linguagens, do que propriamente com a aquisição de um saber específico
circunscrito no campo teórico da Filosofia. O professor, este “filósofo funcionário”
como denomina o autor, sem ceder ao ceticismo, recusa os dogmas e o relativismo;
considera a Filosofia um “jogo de construção”, um operador de discursos ao mesmo
tempo formal e simbólico. Em sala de aula, a maior dificuldade do professor de
Filosofia seria a de exigir do aluno a paciência necessária, ou melhor, mostrar-lhe
que ele deve suportar não progredir de forma calculável, aparente - que ele deve
começar sempre o que nega os valores atuais do prospectivismo, do
desenvolvimento mensurável, da velocidade nestes tempos pós-modernos.
Prossegue o autor salientando que a aula de Filosofia é crítica, pois nela
evidenciam-se os limites sociais, políticos, ideológicos das falas, ou dos lugares de
enunciação. Para ele, a filosofia precisa continuamente “brigar com a língua”,
revelando sua dimensão de construto ou convenção.
A Filosofia, indissociável para Kant da idéia de república, teria
a função de contribuir com a emancipação do homem, ou seja,
de estimular o homem a fazer uso de seu entendimento, a
“servir-se de si mesmo”, sem a direção de outrem.
(
FABBRINI, 2005,
p.19, grifos do autor)
De outra parte, uma Filosofia que seja apenas mais um “pedaço” do currículo
escolar não tem como não se converter em uma Filosofia “dicionarizada”, uma
religião “já completada”, oracular ao invés de polifônica, de opinião e não de
pensamento, sugere o autor.
20
O ensino de Filosofia tem, para este autor, a tarefa de engendrar uma “língua
de segurança”, que nos permita falar coletivamente do presente; que nos habilite,
enfim, a produzir um diálogo intenso, entre múltiplos sujeitos de enunciação. A
leitura filosófica, nessa perspectiva, é necessária, porque pode contribuir para a
análise do presente.
Ao pensar as linhas e os traçados do ensino de Filosofia e com isso tentar
mapear os territórios que o compõem, justapondo-o à atividade “filosófica”, a
professora Simone Gallina (2004) afirma que “ausência de clareza acerca do
ensino de filosofia, o que resulta da atribuição de certa primazia do que
convencionamos chamar de temas próprios da atividade filosófica” ( p.360).
A dissociação entre o que seria a “pertinência didática” e a atividade
filosófica propriamente dita está manifesta quando a autora afirma que: “o ensino
de filosofia requer uma visita ao mundo da filosofia e aos conteúdos que nele se
encontram”. (p.360). As técnicas e os procedimentos são importantes para a
filosofia, mas isso, para a autora, “não significa que o todo seja o meio pelo qual
se aprende filosofia”. (362).
A autora destaca que o estabelecimento de determinadas metas
“pedagógicas” para a leitura de análise de textos filosóficos poderia servir para
qualquer disciplina e tais metas não guardariam uma relação exclusiva com a
Filosofia. Este parece ser um aspecto importante da discussão até aqui apresentada.
Parece claro se poder afirmar que a criação do conhecimento segue caminhos
variáveis, não lineares e não obrigatórios. Assim, a chamada reflexão filosófica, o
debate, o questionamento e mesmo a instrumentalização que fornece ao aluno os
aparatos básicos para que possa se relacionar satisfatoriamente com a sociedade e
com seu mundo não precisam ser uma prerrogativa exclusiva auferida na disciplina
de Filosofia. Em muitos casos, observa-se, que pode se dar tais práticas em outros
espaços, em diferentes
locus
, como nas aulas de língua portuguesa, história,
geografia, ou mesmo nas de matemática, ciências ou educação física. De outra
parte, o fato de ocorrer tais práticas em momentos tão diversos, não desqualifica o
potencial de reflexão e questionamento que a disciplina pode proporcionar. O que se
busca ressaltar é que este não é um atributo único da disciplina de Filosofia.
21
Se entendermos que os conhecimentos são gerados na e pela complexidade
social teremos que considerar que é também gerado nas práticas sociais, entre as
quais se inclui a prática pedagógica, mas não exclusivamente nela e muito menos
como monopólio da Filosofia. Em uma perspectiva hermenêutica, onde o que
importa não é “descobrir absolutos”, mas “continuar a conversação da espécie
humana”, Alves & Garcia (2000, p. 14) sintetizam:
Muitas inovações vêm acompanhadas da desqualificação do
saber docente e de um balanço do fracasso de uma escola
apontada como em crise, ao mesmo tempo que inúmeras
redes afirmadas pelos tantos sujeitos que estão na escola vão
organizando múltiplas redes de sentido na escola, pela ação
cotidiana destes sujeitos ali dentro.
Gallina (2004) enfoca o aspecto de a Filosofia ser “criadora de conceitos”,
corroborando a percepção de Deleuze e Guattari. A autora identifica aquele que se
envolve com a Filosofia como um nômade em um território onde os relevos
constantemente se modificam. Ela destaca que:
A Filosofia não pode mais ser pensada como uma reflexão,
uma comunicação ou ainda uma contemplação, formas pelas
quais sempre foi considerada, mas como uma operação de
criação de conceitos (...) o filosofar deve se ater às
circunstâncias implicadas na criação conceitual (GALLINA,
2004, p.269)
Gontijo & Valadão (2004) retomam a discussão sobre aspectos da prática
docente em Filosofia nas escolas públicas no Distrito Federal. Salientam os autores
que a escola produz e reproduz saberes e valores afirmados socialmente. Vale-se,
para isso, da complexidade do currículo e também do conjunto de práticas
discursivas e não-discursivas que abriga. Entretanto, destacam a diversidade de
motivações que subjazem o ensino de Filosofia:
De um lado, temos diversas concepções de filosofia existentes
na esteira das práticas dos docentes, de outro, temos
especificamente na escola de nível médio, as dificuldades
inerentes a toda a educação no atual contexto neoliberal no
qual a escola procura constituir-se apenas em uma alavanca a
22
serviço do mercado de trabalho, dos vestibulares e dos
concursos (GONTIJO & VALADÃO, 2004, p.289).
Para estes autores, vários aspectos do ensino de Filosofia muitas vezes têm
sido abordados de forma “pedagogizante”, uma vez que a Filosofia como prática,
como discussão com o outro, como construção de conceitos, encontra seu sentido
na experiência de pensamento filosófico. Em sua investigação, os autores
identificam três sentidos atribuídos pelos professores ao ensino de Filosofia na
escola de ensino médio: 1) o ensino de Filosofia como um espaço onde se fornecem
aos alunos instrumentos e/ou métodos do aprender a pensar, estudar e escrever; 2)
o ensino de Filosofia como instrumento de doutrinação política e ideológica,
partindo-se do pressuposto de que os alunos são alienados politicamente e a
filosofia teria o papel de libertá-los dessa alienação; 3) o ensino de Filosofia como
instrumento de doutrinamento moral, capaz de ajudar os alunos a encontrarem o
caminho e levá-los a perceber como devem ser portar moralmente.
Eles argumentam ainda que: “não nos parece interessante defender a
presença da Filosofia na escola a qualquer custo e de qualquer forma”. Isso porque
dependendo de como a filosofia está inserida, pode ser algo
interessante e enriquecedor na formação de adolescentes e
jovens, mas também pode ser mais um amontoado de
conteúdos sem sentido que os alunos precisam assimilar”
GONTIJO & VALADÃO (2004, p.298)
Outro estudo que se relaciona com a temática que desenvolvi nesta
dissertação é o de Gelamo (2007), intitulado
O Ensino de Filosofia para não-
filósofos. A Filosofia de ofício ou ofício de professor: os limites do filosofar”
O autor
indaga: o que faz o filósofo quando seu ofício é ser professor de Filosofia? Se for
verdadeiro afirmar que o professor deve continuamente questionar sua prática
docente, o professor de Filosofia parece, a partir do que apresenta este autor,
refletir mais, ainda, sua prática de professor. E o faz especialmente quando
desempenha suas funções com alunos não-filósofos. Nesse contexto a pergunta
mais ouvida pelo autor é: o que isso tem a ver com o curso que eu faço?
Além daqueles significados mais comumente produzidos em salas de aula
onde o objeto de estudo fosse a Filosofia, Gelamo (2007) identifica um significativo
23
desprezo dos alunos a tudo aquilo que estivesse afastado de suas áreas de
interesse. A fim de superar esse impasse, o autor questionava: como propor uma
discussão que fosse filosófica e mais próxima dos saberes para os quais os alunos
estavam sendo formados?
Diante desta problematização, o autor conclui ser necessário colocar a
questão na ordem dos acontecimentos:
Não queremos, assim, buscar apenas elementos que
concorram para explicar esses problemas que surgem de nossa
experiência docente com base em outras experiências ou
outras filosofias, mas buscando elementos conceituais (...)
Esse modo novo de diagnosticar esses problemas encontramos
nas obras de Foucault e Deleuze, especialmente na proposta
de uma ontologia do presente. (GELAMO, 2007, p. 237)
No âmbito das relações entre Filosofia e educação o autor chama a atenção
para o modo de análise utilizado para se pensar a educação que se pautou durante
muito tempo “na busca de critérios universais para encontrar aquilo que seria
‘verdadeiro’ e ‘necessário’ para produzir um caráter ‘científico’ no pensamento
educacional” (Gelamo, 2007, p.238, grifos do autor).
Nessa perspectiva, o autor lança-nos outro questionamento: “como podemos
escapar da analítica da verdade como método de fazer ciência e, particularmente,
em nosso caso, de fazer Filosofia ou Filosofia da educação?” (p.242)
Destacam-se nos textos acima referidos os distintos significados atribuídos
tanto à prática docente, quanto à atitude filosófica. Desta relação, por vezes
conflituosa, os autores dão relevo a aspectos concernentes à metodologia: o ensino
de Filosofia parece indicar a necessidade de um pensar constante, de um exercício
de crítica, de múltiplas relações com o cotidiano dos alunos, de transformar em
acontecimento cada discussão. As práticas, os critérios, os procedimentos, a
autocrítica parecem não diferir de outros docentes, sendo porém potencializados
certos atributos, vinculados ao campo específico. Chauí (1995) ratifica a noção de
que uma atitude filosófica que possa ser concebida como tal não deve prescindir de
seus tensionamentos:
24
A atitude filosófica inicia-se dirigindo indagações ao mundo
que nos rodeia e às relações que mantemos com ele. Essas
questões se referem, afinal, à nossa capacidade de conhecer, à
nossa capacidade de pensar. (...) A Filosofia torna-se, então, o
pensamento interrogando-se a si mesmo (p.14).
A leitura desses e de outros trabalhos que versam sobre a temática,
realizados em nível de mestrado e doutorado, colaborou para uma definição mais
precisa de meus interesses de pesquisa. Nas diferentes perspectivas de análise dos
autores referidos, encontrei muitos dos sentidos atribuídos à docência e à Filosofia
pelos professores estudantes que participam de minha pesquisa. Não é minha
intenção seguir as trilhas desses trabalhos, mas eles são tomados como espaços de
produção de sentidos para a docência em filosofia e serão mesclados ‘as análises
que desenvolvo mais adiante. Partindo desse entendimento, trago para meu texto
estas contribuições dos autores referidos, buscando empreender aqui uma
abordagem que leva em conta os referenciais que tive acesso em disciplinas do
mestrado em educação, cuja ênfase está nos Estudos Culturais.
1.1
Na esteira dos Estudos Culturais
Os Estudos Culturais parecem oferecer importantes possibilidades de análise
para pensar as questões acima mencionadas. Giroux (1995, p.86) ressalta que, para
estes estudos, a cultura, o poder e a história são centrais na discussão de qualquer
fato social. Estes estudos parecem trazer valiosas contribuições para “celebrar o fim
de um elitismo edificado sobre distinções arbitrárias de cultura” (COSTA, 2004,
p.13).
Para a autora, bem como não compactuam com a idéia de um único ponto
central de referência para os estudos da cultura, configurando, segundo “um
movimento das margens para o centro”, e propiciando, inclusive, a desconstrução
de binarismos significativamente arraigados às epistemologias tradicionais. Ao
referir as afirmações de Cary Nelson, ela salienta que “indivíduos com aversão à
cultura popular jamais compreenderão corretamente o projeto dos Estudos
25
Culturais” (COSTA, 2004, p.13). Isso porque os Estudos Culturais prestam especial
atenção às mudanças ocorridas na concepção de cultura e não acolhem distinções
entre alta cultura versus cultura de massa ou cultura erudita versus cultura popular.
De forma sintética, Giroux (1985), evidencia que “os Estudos Culturais estão
profundamente preocupados com a relação entre cultura, conhecimento e poder”
(p.86). A preocupação com a cultura, percebida como um “processo inconcluso e
incompleto” faz dos Estudos Culturais uma importante ferramenta para pensar a
docência e a educação de maneira geral. Encontramos análises que dão atenção às
relações entre poder e práticas culturais, que compreendem a cultura como objeto
de estudo e, também, como lugar da ação e da crítica política.
Em outros termos, os Estudos Culturais, parecem ressaltar que aquilo que se
depende do lugar em que foi visto e das outras coisas que foram vistas ao
mesmo tempo. Os sentidos das coisas são produzidos em relações assimétricas de
poder e são marcadas pelo entendimento de que não significados fixos e que
nossa tentativa de entender, de alguma forma, implica questões como poder,
representação e produção de saber. É baseado nos entendimentos que vamos
construindo sobre o mundo, que avaliamos, legitimamos ou descartamos diferentes
perspectivas. Também é assim com os modos pelos quais vamos atribuindo sentido
ao pensamento filosófico a ao trabalho do professor de Filosofia.
Giroux (1995) salienta um aspecto recorrente nas faculdades de educação e
que se articula ao que foi até aqui exposto:
Enfatizam-se a regulamentação, a certificação e a padronização
do comportamento docente, em detrimento da criação de
condições para que os professores e professoras exerçam os
sensíveis papéis políticos e éticos que devem assumir como
intelectuais públicos/as envolvidos/as na tarefa de educar os/as
estudantes para uma cidadania responsável e crítica (p. 85).
Este campo de estudos não privilegia um único ponto central de referência
para abordar a cultura. Pelo contrário, pressupõe que “a inspiração possa advir de
qualquer lugar” (COSTA, 2004, p.14). A abertura oportunizada pelos Estudos
Culturais parece oferecer um instigante ponto de referência para a pesquisa em
26
educação, seja quando aborda a dimensão política do conhecimento, seja quando
apresenta um quadro de multiplicidade e possibilidades analíticas não-dogmáticas.
Poder-se-ia, ainda, estabelecer um paralelo entre a gênese dos Estudos
Culturais no mundo acadêmico com a constituição da Filosofia como disciplina.
Ambas nortearam-se por uma trajetória conflituosa e tensa. Estabeleceram-se não
sem acalorados debates, ancoram-se sobre posições que ora se antagonizam, ora se
demarcam de forma tênue, marcadamente em oposição aos cânones.
Ao pensar o ensino de Filosofia no contexto de preocupações dos Estudos
Culturais estou procurando ampliar o foco, pensando nas maneiras de pensar e de
praticar a docência, que não são coisas naturais e não dizem respeito ao domínio de
habilidades ou técnicas. Penso na docência como prática cultural que adquire
sentido e traz à tona histórias, memórias sociais, imagens e representações.
Outrossim, não estou percebendo o papel dos professores como meros
reprodutores de informação, o que vai ao encontro da proposição dos Estudos
Culturais, assim formulada por Giroux (1995):
Os/as professores/as devem estar criticamente atentos/as às
operações do poder, na medida em que ele está implicado na
produção de conhecimento e autoridade em suas salas de
aula. Isto significa aprender como ser sensível a considerações
de poder, uma vez que ele está inscrito em todas as facetas do
processo de escolarização (p.101).
Interessa-me, nesta pesquisa, investigar as formas pelas quais os professores
de filosofia são representados por não-filósofos, entendendo que as representações
são constituídas sempre em assimetria, e nunca fixadas de maneira definitiva. Nesta
“política em torno da representação”, para dizer como Costa (2006), estão
implicadas relações de poder que definem quem está autorizado a dizer quem são e
como são esses professores. Ao mesmo tempo, múltiplos discursos atravessam
esses processos, afirmando coisas diferentes acerca dos sujeitos, de maneira mais
central ou periférica. Tudo isso tem efeito na produção daquilo que somos e
podemos ser, ao ingressarmos na carreira docente.
27
1.2 Objetivos e Questões de Pesquisa
O presente estudo propõe analisar as representações acerca da docência em
Filosofia, tendo como recorte um grupo de professores/estudantes de curso de pós-
graduação.
Ao analisar estas produções, tenho como objetivo principal investigar as
representações sobre docência, produzidas por estudantes inscritos num curso de
Especialização em Ensino de Filosofia, realizado por uma instituição privada. Como
afirmei anteriormente, não se trata de problematizar docência, do ponto de vista da
profissão, mas de discutir os modos pelos quais os professores de Filosofia vão
sendo narrados e posicionados em discursos dos estudantes/professores e, neste
mesmo movimento, investigar os significados produzidos para a própria Filosofia,
como componente curricular.
As principais indagações que apresento são:
- como a docência em filosofia vai sendo representada em discursos de
estudantes/professores que participam desta pesquisa?
- quais representações de Filosofia, como componente curricular, são produzidas nas
falas, desenhos e textos escritos pelos estudantes/professores?
- como essas representações produzem posicionamentos e lugares a serem
ocupados pelos professores de Filosofia?
28
2 BUSCANDO MANEIRAS DE OLHAR PARA AS REPRESENTAÇÕES DE
DOCÊNCIA EM FILOSOFIA
Nesta parte do trabalho, discuto, de maneira sucinta, alguns dos conceitos
que me parecem necessários para pensar esta pesquisa, na perspectiva dos Estudos
Culturais. E uma das noções centrais neste estudo é o entendimento de poder, do
modo como é apresentado por Michel Foucault.
Nesse mesmo sentido, Alfredo Veiga-Neto (2003) argumenta que numa
abordagem foucaultiana o poder (enquanto algo definido, situado num centro,
singular) não existe: “o que existe são práticas em que ele se manifesta, atua,
funciona, se espalha universal e capilarmente” (p. 145). O autor afirma que, para
Foucault, o poder não é algo que se possui, mas algo que se exerce, e que opera
em qualquer relação social, no nível cotidiano. Poder não pode ser visto apenas
como algo que se impõe de maneira repressiva e, para Foucault (1995), “O que faz
com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa
como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz
ao prazer, forma saber, produz discurso” (p 8).
Nessa perspectiva, o poder produz diferentes posicionamentos para os
sujeitos e constitui de maneira sempre variável e instável as identidades. O
professor de filosofia, para enfrentar as imposições de sua atividade docente, antes
de definir-se por conteúdos, procedimentos e estratégias precisa definir para si
mesmo o lugar de onde pensa e fala. Nesse sentido, a construção da identidade
envolve processos relacionados ao reconhecimento do local em que exerce sua
prática e o grau de pertencimento a esse local.
Tomaz Tadeu da Silva salienta que a noção de identidade está imbricada,
necessariamente, à noção de diferença:
A identidade e a diferença são mutuamente determinadas e
têm que ser ativamente produzidas. Elas não são criaturas do
mundo natural ou de um mundo transcendental, mas do
mundo cultural e social. Somos nós que as fabricamos, no
contexto de relações culturais e sociais. A Identidade e a
diferença são criações sociais e culturais (SILVA, 2007, p.76)
29
Woodward (2007) enumera alguns aspectos importantes para a compreensão
da noção de identidade, a saber: a definição de quem pertence e que não pertence
a um determinado grupo identitário; a percepção de que a identidade é relacional,
assim como a diferença é estabelecida por uma marcação simbólica relativa a outras
identidades; a concepção de que a identidade está também vinculada a condições
sociais e materiais, ou seja, determinados grupos podem ser simbolicamente
marcados como inimigos ou tabus e por isso podem ser excluídos; as dimensões
social e simbólica são imprescindíveis para a formação e a manutenção das
identidades; a dimensão psíquica complementa o processo de formação das
identidades e explica porque as pessoas
assumem
suas posições e
se identificam
com elas.
A análise da autora tende, assim, a enfatizar que existem diversas
combinações articuladas no processo constitutivo da identidade. Se parece correto
afirmar que a descrição da identidade de alguém se mostra como a descrição de
uma personagem, cuja vida biografia aparece em uma narrativa firmada a partir
de linguagens, poder-se-ia referir que identidade e diferença são resultados de atos
de criação lingüística. Significa dizer que elas são criadas por meio de atos de
linguagem.
Hall (2005) afirma que a partir das transformações das sociedades
modernas do final do século XX ocorre uma fragmentação das paisagens culturais,
as quais, anteriormente, pareciam oferecer sólida ancoragem. Isso se reflete em
deslocamentos e reposicionamentos de nossa própria identidade, colocando em
questão a noção de que somos “sujeitos integrados”.
Este autor distingue três concepções diferenciadas de identidade: o sujeito do
iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. O primeiro, numa
perspectiva antropocêntrica, percebia a pessoa humana como um sujeito uno,
ocupando um papel central, racional, consciente e ativo. A identidade era
fortemente definida pelo eu individual. O segundo, destacava-se pelo aspecto
relacional, valorizando a interação entre as culturas. Assim, a identidade era,
fundamentalmente, construída na interação entre o eu e a sociedade. O terceiro,
30
chamado sujeito pós-moderno, não teria uma identidade fixa, ela seria transformada
continua e permanentemente nos sistemas culturais em que estamos inseridos.
A partir da concepção do sujeito pós-moderno, analisada por Hall (2005),
emergem questões de relevância para este estudo. Poder-se-ia exemplificá-las,
referindo a afirmação de que “o sujeito assume identidades diferentes em diferentes
momentos, as quais não são unificadas ao redor de um eu coerente” (p. 13). O
professor de Filosofia, num contexto pós-moderno, assume múltiplas identidades, as
quais, muitas vezes, podem ser contraditórias, conflitantes e até mesmo
incoerentes.
Costa (2006) reitera a importância de que os docentes participem de uma
política cultural da identidade onde sejam protagonistas deste processo, “ocupando
espaços de discurso, do nosso jeito, com nossas vozes, com nossa semântica e
nosso léxico” (p.10). A autora exemplifica, a partir de estudos acerca das
representações docentes na mídia, na literatura infanto-juvenil e nas representações
do magistério nas classes populares, como as identidades estão sendo deslocadas e
fragmentadas.
Pensar a identidade do professor de Filosofia pressupõe, entre outros
aspectos, não olvidar sua dimensão social como referido anteriormente. Assim a
inserção ou não da filosofia nos currículos incorpora significados importantes do
ponto de vista das identidades:
As narrativas contidas no currículo corporificam noções
particulares sobre conhecimento, sobre os diferentes grupos
sociais. Elas dizem qual conhecimento é legítimo e qual é
ilegítimo, quais formas de conhecer são válidas e quais não o
são, o que é certo e o que é errado, o que é moral e o que é
imoral, o que é bom e o que é mau, o que é belo e o que é
feio, quais vozes são autorizadas e quais não o são (...) quais
grupos sociais podem representar a si e aos outros e quais
grupos sociais podem apenas ser representados ou até mesmo
serem totalmente excluídos de qualquer representação (SILVA,
1995, p.195).
A Filosofia é um dos componentes centrais do que Silva (1995, p. 191) chama
de ‘ciência educacional’, “voltada para o conhecimento da criança e do adolescente,
com a finalidade de melhor administrá-los”. Ao transitar entre as concepções do
31
sujeito pós-moderno e as identidades sociais assumidas por ele quando desempenha
seus múltiplos papéis sociais, vemos novamente emergir a correlação entre a
identidade e a diferença, implicando no reconhecimento de sistemas de
representações que, como sublinha Woodward (2007, p. 17):
inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por
meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-
nos como sujeito (...) Os discursos e os sistemas de
representação constroem os lugares a partir dos quais os
indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem
falar.
É importante salientar que, neste entendimento, a linguagem o é vista
como algo que reflete ou reduplica um mundo que lhe seria exterior. Ela é
constitutiva, ou seja, as coisas vão sendo constituídas na medida em que delas se
fala. Para Hall (2003), “devemos analisar ou desconstruir a linguagem e o
comportamento para decifrar os padrões de pensamento ideológicos ali inscritos”
(p.173).
Veiga-Neto (2003) ressalta que:
em vez de ver a linguagem como um instrumento que liga o
nosso pensamento à coisa pensada (...) Foucault assume a
linguagem como constitutiva do nosso pensamento e, em
conseqüência, do sentido que damos às coisas, à nossa
experiência, ao mundo” (p.107).
Assim, uma vez que nascemos em um mundo que é de linguagem, no qual
os discursos circulam, é possível afirmar que somos sujeitos derivados desses
discursos.
O conceito de representação - como argumenta Silva (2007) possui uma
longa história e, igualmente, incorpora uma multiplicidade de significados:
Na história da Filosofia Ocidental, a idéia de representação
está ligada à busca de formas apropriadas de tornar o real
presente de apreendê-lo por meio de sistemas de
significação. Nessa história, a representação tem-se
apresentado em duas dimensões a representação externa,
por meio de sistemas de signos ou a própria linguagem; e a
representação interna ou mental a representação do real na
consciência. (p.90)
32
Em outra perspectiva, o mesmo autor salienta que a representação se liga à
identidade e à diferença. Tal aproximação justifica-se, uma vez que a identidade e a
diferença estariam estreitamente dependentes da noção de representação e, por
meio desta, a identidade e a diferença adquiririam sentido, desta forma, por assim
dizer, passando a existir.
Stuart Hall, ao debruçar-se sobre a análise althusseriana da ideologia,
caracteriza os sistemas de representação como sendo conceitos, idéias, mitos ou
imagens nos quais nós vivemos nossas relações imaginárias com as reais condições
de existência. Em outros termos, as representações “são sistemas de significados
pelos quais nós representamos o mundo para nós mesmos e para os outros” (Hall,
2003, p.179). O autor enfatiza que cada prática social constitui-se na ação recíproca
entre significado e representação.
Quando utilizamos sistemas de representação, estamos re-significando as
condições de existência. Através de sistemas de representação nós ‘experimentamos
o mundo’ (Hall, 2003, p.182). A noção de representação enseja, igualmente, a
referência à idéia de identidade. Ambas articulam-se no sentido de referenciar
características pelas quais os grupos sociais se definem como grupo, ou seja, aquilo
que eles são. Definir aquilo que os grupos são parece inseparável daquilo que eles
não são, daquelas características que os fazem diferentes de outros grupos.
Identidade e diferença são, pois, “processos inseparáveis”. Tanto a identidade
quanto a diferença são construídas na e pela representação: não existem fora dela.
(Silva, 1999, p.46-47)
O mesmo autor enumera certas condições “sociais” que fazem com que os
grupos se vejam como tendo características em comum: aspectos geográficos,
raciais, de sexualidade, nacionalidade, entre outros, estariam na base daquilo que
um grupo tem em comum e, ao mesmo tempo, seriam o resultado de um processo
de “criação de símbolos, de imagens, de memórias, de narrativas, de mitos que
‘cimentam’ a unidade de um grupo, que definem sua identidade”. O autor faz alusão
à conhecida frase de Bendict Anderson: “a identidade é uma comunidade
33
imaginada”; construída por meio de variadas formas de representação (Silva, 1999,
p.47).
Além da relação que se pode estabelecer entre os conceitos de identidade,
diferença e representação, a noção de poder também se relaciona intensamente
com o processo de representação:
O poder define a forma como se processa a representação; a
representação, por sua vez, tem efeitos específicos, ligados,
sobretudo, à produção de identidades culturais e sociais,
reforçando, assim, as relações de poder (SILVA, 1999, p.48)
Nessa perspectiva, parece correto afirmar que, quando diferentes grupos
sociais utilizam a representação para forjar a sua identidade e as identidades dos
outros grupos sociais, estão sendo travados combates em torno de significados. A
identidade é, como salienta Silva (1999) “ativamente produzida na e por meio da
representação; é precisamente o poder que lhe confere seu caráter ativo, produtivo”
( p.47)
A representação, no contexto dos Estudos Culturais, tem sido vista como
constituída a partir de relações sociais. Parece claro que as representações de
docência em Filosofia, nos limites do que proponho neste estudo, não podem estar
dissociadas dos contextos onde ocorrem os processos de ensinar e aprender. Assim,
as identidades de professores e alunos devem ser percebidas a partir de seu caráter
fluido, móvel, flexível. Nesse sentido, busco não perder de vista a percepção de que
as identidades afirmam-se a partir de padrões que em certo momento e contexto,
adquirem força e são tidas como normais como menciona Silva (1999). No caso do
professor, são muitas as representações que dele são produzidas como referi no
capítulo anterior.
Ao caracterizar as representações, o mesmo autor ressalta que as noções de
imagem e de estereótipo estão relacionadas, de uma forma ou de outra, à noção de
representação. Entretanto, ao aproximar tais noções, o autor não perde de vista os
sentidos diferenciados que ambos guardam, afirmando que, no processo “pelo qual
buscamos conhecer o outro, o estereótipo funciona como um dispositivo de
economia semiótica”. Assim, o outro, como objeto de conhecimento, é “fixado,
34
congelado, imobilizado (...) reunindo, ao mesmo tempo, um desejo de conhecê-lo e
um impulso para contê-lo” (p.51).
É importante salientar, como faz o autor, que, se de um lado o estereótipo
pode ser considerado uma representação, de outro ele é apresentado por meio de
uma “forma especial de condensação em que entram processos de simplificação, de
generalização, de homogeneização” (SILVA, 1999, p.51).
A noção de imagem, por sua vez, partilha com a noção de representação um
“mesmo foco na inscrição, na visibilidade, no registro”. As duas noções começam a
diferenciar-se, entretanto, na medida em que a imagem liga-se a parâmetros de
imitação, de reprodução, de mimese, de reflexo, de analogia, de ícone. Expressão
intrínseca, entre a imagem e a realidade que ela supostamente reflete (Silva, 1999,
p.54).
Os discursos, tais como as representações, situam-se num campo estratégico
de poder. Estão localizados entre as relações de poder que definem o que eles
dizem e como dizem e os efeitos de poder que eles põem em movimento” (SILVA,
1999, p.45)
É na linguagem que a Filosofia e a docência ganham significados, e sempre
de maneiras múltiplas. As singularidades do ensino de Filosofia parecem estar
evidenciadas nas pesquisas que encontrei, e que tratam da formação docente.
Trago um exemplo do texto de Favaretto (1995):
Aquilo que se enuncia pela designação “aula” é um espaço em
que se efetivam as condições da transmissibilidade: um
trabalho que articula materiais e linguagens, conceitos e
procedimentos, explicitando o que, intrinsecamente na
disciplina é disposição para a transmissibilidade (p. 82)
Antecipando parte de minha análise do material reunido para esta pesquisa, poderia
dizer que, nas representações gráficas e nas conversas realizadas, os
estudantes/professores apresentam perspectivas múltiplas para pensar a “sala de
aula”, ou seja, as possibilidades de filosofar, no contexto escolar. Exemplo disso são
as falas destacadas a seguir:
35
“(...) Uma aula de Filosofia pode acontecer dentro de uma sala de aula e necessariamente a
aula pode se modificar, criando vários mundos e cristalizando esses mundos dentro daquele
ambiente que não pode parecer uma caixa quadrada, onde eu posso ter várias viagens para
trás, viagens para o futuro e buscando desta forma resolver questionamentos, criando vários
questionamentos, sempre em busca da verdade e do conhecimento” (Isadora).
“Desenvolvi uma aula bem livre de Filosofia, num parque, numa praça, tentando fugir de
uma aula de filosofia dentro da escola, porque em algumas escolas como é dada a
Filosofia....” (Bruna)
“Fiz um desenho com aula de Filosofia na rua, no pátio por que sendo agora na atualidade
devemos ter aula dentro da sala, mas ela pode ser feita na rua, onde a aula será direcionada
mais às crianças mostrando a eles a natureza para que desde pequenas elas saibam o futuro de
todos” (Hilda)
Trago esses excertos para mostrar que diferentes sentidos são atribuídos a
uma aula de Filosofia e, em alguns casos, essa disciplina é pensada como espaço
para produzir coisas diferentes, rupturas com o senso comum, com o trivial na
produção do conhecimento. A forma como as aulas são planejadas colabora para
esse pretenso alargamento das práticas pedagógicas e por isso é valorizada na fala
dos estudantes.
2.1 Os Estudos Culturais e as muitas possibilidades metodológicas
Ao lançar-me no desafio desta investigação busco registrar e sistematizar
algumas das experiências que tive como professor/pesquisador no campo da
Filosofia. Longe de ter uma prática solipsista, minha trajetória como docente
vislumbrou a oportunidade de compartilhar ensinamentos e experiências, fazendo
uma constante interlocução. De outra parte, sempre me acompanhou a convicção
de que o ensino de Filosofia - independentemente dos conteúdos, procedimentos e
estratégias utilizadas - constitui uma oportunidade de “expulsar o acaso” e de
36
qualificar o pensamento e sua argumentação. Em muitas oportunidades, pude
perceber que discutir um assunto implica ser interrogado por ele.
Como refere Costa (2002, p.16), “não importa o método que utilizamos para
chegar ao conhecimento”. Prossegue a autora salientando que “o que de fato faz
diferença são as interrogações que podem ser formuladas dentro de uma ou outra
maneira de conceber as relações entre saber e poder”. Nesse campo cabe destacar
que a atitude do pesquisador está mais comprometida com as perguntas que são
elaboradas do que com as respostas que delas advêm.
Nossas incertezas se renovam à medida que vamos tendo acesso às muitas
formas de pensamento construídos, segundo princípios diferentes dos nossos. Os
Estudos Culturais em educação ratificam a idéia de que não existe uma forma
unívoca e nem definitiva de pensar as questões e parece considerar que o caminho
investigativo fundamenta-se sobre possibilidades múltiplas – qualquer forma de
proceder que possa ser útil na produção da pesquisa é bem- vinda, e não se propõe
a utilização de um caminho único, nem para a investigação, nem para as análises.
Descreverei, a seguir, aspectos que possam melhor elucidar os caminhos
trilhados nesta investigação. Inicio apresentando os participantes da pesquisa: são
dezesseis professores/estudantes que realizam um Curso de Pós-Graduação de
Ensino de Filosofia e Sociologia em uma Instituição de Ensino Superior privada, no
município de Cachoeirinha-RS. Suas atividades profissionais estão relacionadas,
prioritariamente, à área da Educação, tendo como formação acadêmica na
graduação os cursos de Pedagogia, História, Letras, Sociologia e Filosofia. A maioria
dos participantes não possui formação específica em Filosofia e buscou o curso para
capacitação profissional.
A especialização foi iniciada no segundo semestre de 2007 e, quando estes
estudantes realizaram as atividades relativas à minha pesquisa de mestrado,
estavam freqüentando a quarta disciplina do curso. As disciplinas cursadas eram
de núcleo comum.
Neste curso leciono a disciplina de Epistemologia da Filosofia com duração de
30 horas, desenvolvida em três encontros aos sábados. Ao iniciar a primeira aula
com a turma, expliquei minha intenção e solicitei a participação daqueles que
quisessem colaborar na pesquisa voluntariamente. Ficou esclarecido que a
37
participação ou não na pesquisa não teria nenhuma vinculação com o
desenvolvimento da disciplina e nem com os processos de avaliação da mesma.
Dos vinte alunos matriculados na disciplina, os dezesseis que estavam
presentes no primeiro encontro manifestaram interesse na participação. No turno da
manhã, deste mesmo dia, foi feita a apresentação da disciplina e do professor, bem
como da bibliografia e dos conteúdos que seriam desenvolvidos nos encontros
posteriores. Para que não houvesse interrupção do planejamento inicial, foi
combinado com os alunos que, apenas no turno da tarde, seriam desenvolvidas as
atividades relacionadas a minha pesquisa de mestrado. Os professores /estudantes
concordaram e, desse modo, foi possível realizar a etapa da pesquisa que descrevo
a seguir.
Para o desenvolvimento deste estudo, lancei mão de duas estratégias
metodológicas principais, uma vez que me interessavam as produções dos
estudantes/professores sobre a docência em Filosofia.
A primeira estratégia que utilizei foi a proposição de uma carta, inspirando-
me no estudo realizado por Benetti (2003) em sua tese de doutorado. A autora
sugeriu que os participantes de sua pesquisa redigissem cartas, enfocando um tema
vinculado ao seu estudo. No caso de minha pesquisa, apresentei uma proposta
semelhante ao grupo e, diante do aceite dos participantes, sugeri que cada pessoa
escrevesse uma carta, motivada pelo seguinte enunciado:
um amigo que você gosta muito lhe escreve uma carta em que diz
que terá oportunidade de ocupar ou não uma vaga de professor de
filosofia. Para tomar essa decisão, resolveu consultar você, e ele
conta com sua sinceridade ao dizer o que pensa da Filosofia como
disciplina de ensino e o que significa ser professor dessa disciplina.
Caso você aconselhe seu amigo assumir a vaga, ele gostaria de
saber o que deve priorizar no ensino de Filosofia para estudantes do
ensino médio.
Em trinta minutos todos completaram a solicitação e, no momento seguinte,
fizeram a leitura de suas cartas para os demais colegas, atividade que gerou alguns
comentários entre os participantes.
38
As cartas escritas pelos participantes foram digitadas por mim e serão
incorporadas a esta dissertação na íntegra. Isso porque, na maioria dos casos, trata-
se de textos curtos e com idéias encadeadas, tornando necessário mantê-las na
integralidade para que se possa compreender a argumentação utilizada. Para
identificar os autores das cartas, foram mantidos nomes próprios, sem a
identificação completa dos sujeitos, conforme definido em conjunto com os mesmos.
A segunda estratégia metodológica foi a sugestão de que cada participante
fizesse um desenho, relembrando uma aula de Filosofia ou uma cena escolar que
remetesse a um momento de estudo de filosofia. Esta produção individual durou
cerca de quinze minutos e, em seguida os desenhos foram apresentados ao coletivo,
sendo que cada participante interpretou a cena desenhada. Todas as falas dos
estudantes foram gravadas e transcritas, sendo incorporadas a esta pesquisa
juntamente com os desenhos produzidos. Este material foi aproximado às cartas e
lido em conjunto, sendo trazido para o texto dessa dissertação na medida em que
produziu representações significativas para o estudo em foco.
Os participantes ficaram à vontade para realizar o seu desenho e esta tarefa
foi feita de forma interativa, ou seja, havia constantes diálogos entre os
participantes e ao final todos puderam compartilhar suas produções. Foi criado um
momento interessante de discussão, pois na apresentação de cada um foram sendo
tecidos comentários sobre o desenvolvimento de uma aula de Filosofia e sobre as
experiências anteriores do grupo. Toda essa atividade durou aproximadamente duas
horas e, após o término dos trabalhos, expliquei novamente que as produções
decorrentes deste momento seriam utilizadas em minha pesquisa de mestrado.
Em meu entendimento, as reações às estratégias metodológicas propostas ao
grupo foram as melhores possíveis. Os professores/estudantes davam mostras de
que se sentiam co-participantes daquela investigação e, em encontros seguintes,
indagaram sobre o desenvolvimento de minha pesquisa e das análises deste
material. O compromisso que assumi com eles é de colocar a dissertação a
disposição do grupo, para ser lida, assim que estiver concluída e aprovada.
A partir da fundamentação teórica ancorada nos Estudos Culturais em
Educação, analisarei as cartas e os desenhos acima referidos, bem como as falas
39
dos professores/estudantes. Para a análise destas produções cartas, desenhos e
textos orais fui observando quais as idéias recorrentes, ou seja, as representações
que se repetiam nas falas dos estudantes/professores e que compunham também as
produções gráficas. Também procurei prestar atenção às representações menos
evidentes, que apontavam para entendimentos diversos sobre docência e sobre
filosofia. Neste processo, retomei estudos anteriormente citados para com eles
dialogar, e reli muitas vezes o material reunido na pesquisa. Fui estabelecendo
alguns eixos, a partir dos quais estabeleci vinculações entre as falas, as cartas, os
desenhos, produzindo minhas análises. Nos capítulos que se seguem, apresento os
resultados deste processo. Passo a discutir, a partir de agora, as representações
docência e suas vinculações com o ensino de Filosofia.
40
3 REPRESENTAÇÕES DE FILOSOFIA
A partir dos referenciais teóricos apontados na primeira parte deste estudo,
destacando as contribuições dos Estudos Culturais para pensar o modo como se
produzem representações e como estas constituem identidades, fui realizando a
leitura do material reunido na pesquisa. Aproximando os textos das cartas, os
desenhos e as falas dos participantes, observei que os estudantes/professores
reportavam-se, de maneira recorrente, a certos entendimentos do que seja Filosofia.
Nas leituras de algumas pesquisas realizadas por outros autores, fui encontrando
também estas representações, bem como certos elementos que me ajudaram a
pensar como se produziram as condições para pensar a Filosofia de determinadas
maneiras e não de outras.
Uma parte considerável dos participantes de minha pesquisa articula Filosofia
e ato de pensar – o pensamento é entendido como condição natural do ser humano,
uma capacidade que nos impeliria “naturalmente” a perguntar, a buscar respostas, a
pensar sobre os porquês, as origens, as razões dos acontecimentos, atitudes
associadas ao pensar filosófico. Esta capacidade de pensar seria responsável pela
constituição de certas perguntas e da atitude reflexiva sobre os acontecimentos do
dia –a- dia. Uma vez desenvolvidas, estas capacidades possibilitariam a constituição
de uma sociedade democrática, formada por pessoas capazes de escutar a opinião
de outros e governar suas vidas por princípios definidos coletivamente.
Esta representação de Filosofia posiciona a disciplina como colaboradora em
processos não apenas escolares, mas de formação para a cidadania. É em torno
destes entendimentos, que desenvolvo a análise neste capítulo.
Destaco que há, também, uma representação que aparece de maneira
recorrente nas falas dos professores/estudantes, vinculando a Filosofia à docência.
Neste sentido, eles afirmam que esta seria uma área de conhecimento que exigiria
qualificação específica, para a qual seria necessário dedicar tempo de estudo,
41
preparação, exercício constante de pensar. Esta discussão é o foco do capítulo
seguinte.
3.1 Significados de Filosofia para os professores/estudantes que
integraram a pesquisa
Os textos que se seguem foram produzidos pelos participantes da pesquisa
respondendo a proposição de elaborar uma carta, conforme detalhado no capítulo
anterior.
Em meio ao debate apresentado no primeiro capítulo, ficou evidenciado que,
entre outros entendimentos, a Filosofia está associada à própria natureza humana e
à capacidade de pensar. Independentemente de como venha a se constituir esse
espaço específico do currículo escolar para viabilizar o pensar filosófico, parece
evidente a pertinência em garanti-lo. A fala abaixo destaca, nessa direção, a
possibilidade de a Filosofia “ensinar as pessoas a pensar, pois muitos são práticos e
não tem tempo para isso” (Laura).
Os tempos atuais pedem de nós uma pluralização das formas de pensar e das
práticas cotidianas. Como refere Gallo (1997, p.115) “o fluxo das informações é
hoje, cada vez mais, o espaço privilegiado da economia, da política, das relações
sociais”. Afirma o autor que, “nesse contexto, a educação é chamada a ocupar um
lugar de destaque” e a Filosofia, particularmente, pode fundamentar e potencializar
essa reflexão. Gallo (1997) destaca que a reflexão pode ganhar consistência
heurística quando busca seu fundamento, e o educador deve estar preparado para
ter uma atitude aberta diante do mundo e colaborando para proporcionar aquilo que
ele chama de “processo de subjetivação autônomo e singular”.
42
Minha amiga:
Acho que deve aceitar esse convite e assumir a turma para trabalhar Filosofia, por
que é a oportunidade de mostrar seu conhecimento e de adquirir ainda mais com
essas aulas. Você pode primeiro ensinar as pessoas a pensarem, pois muitos são
práticos e não tem tempo para pensar. Depois fazer com que cada um descubra o
valor, a importância que tem (Laura).
O entendimento de que a Filosofia é um exercício de pensamento crítico,
lúdico ou que vise à autonomia, está na base de algumas das falas destacadas.
Percebe-se que uma vinculação estreita entre a “matéria escolar” Filosofia e o
conhecimento. Neste sentido, não haveria uma contradição entre “ensinar as
pessoas a pensar” e o que Fávero et al (2004) denominam como os rituais e
tratamentos pedagógicos que os estudantes costumam identificar precisamente
como o oposto da crítica, do prazer, da autonomia, etc.
Na carta a seguir, o componente que se destaca é o do desafio que se
apresenta ao docente quando este se depara com o conteúdo de sua disciplina e as
estratégias didáticas que deverá utilizar para dar sentido ao que deseja trabalhar.
Poderia advir desta novidade o sentimento de medo, mas a professora/estudante
adverte que, se for superado, este sentimento pode dar lugar a uma infinidade de
novos caminhos e perspectivas.
Caro amigo:
Penso que tudo o que é novo dá medo, mas ao mesmo tempo abre um leque de
Novas possibilidades.
Vá, e encare este desafio, é o que eu faria!
(Luciana)
A noção de que o profissional da Filosofia deva possuir uma formação
adequada, específica, uma vez que a disciplina possui estatuto próprio e, enquanto
tal é análoga a qualquer outra, com saberes, corpo teórico, lógicas próprias,
43
técnicas e terminologias, permeia as falas abaixo. Esse entendimento foi
manifestado em algumas das cartas daqueles que esperam que o professor de
filosofia seja um profissional “bem preparado”, “instruído”, “estudado”.
Os estudos de Carminati (2003), Silveira (2005), Ramborger (2003), Athayde
(2004), ao abordarem a formação docente, ainda que destaquem que esta nem
sempre fornece o suporte necessário para os desafios da sala de aula, ratificam a
preocupação compartilhada pelos professores/estudantes desta pesquisa acerca do
domínio teórico e metodológico necessário para o exercício da sua função.
“Acredito ser adequado que você, como meu amigo, não assuma um compromisso,
tal como lecionar Filosofia, antes de se aprofundar nos estudos referentes a esta disciplina,
pois embora ampla e muito usada por todos em nosso dia-a-dia, necessita de
bases e conhecimentos específicos. “ (Flávia)
Na carta a seguir, destaca-se o sentido de “orientação” que os estudos de
Filosofia podem apontar a inúmeros jovens e adultos, bem com a riqueza que podem
representar ( tais conhecimentos) para aqueles que dele se aproximam.
Fabbrini (2005) destaca que um aspecto central da reflexão filosófica é o
modus operandi
do leitor frente a um texto filosófico. Assim como é possível ler
textos filosóficos sem filosofar e ler textos considerados artísticos, políticos,
jornalísticos, filosoficamente, o autor aborda esta modalidade de reflexão como um
exercício não atrelado à natureza disciplinar (e/ou curricular) da filosofia.
“Querido Marcelo: fico feliz em saber que tudo es bem com você e que as
oportunidades estão batendo à sua porta. Portanto acredito que deves aceitar
este convite para dar aulas de Filosofia em sua escola. Para tanto, deves
aprofundar-se e especializar-se no assunto para não deixares a desejar em teu
novo desafio. Amigo, você só tem a acrescentar em tua e teus conhecimentos,
além de que, estará orientando inúmeros jovens e adultos com as riquezas
desse conhecimento. Boa sorte nessa nova caminhada”(Simone)
44
Gallo (1997), citando Dermeval Saviani, considera que o que leva o educador
a filosofar são os problemas que ele encontra ao realizar a tarefa educativa. Assim,
faz sentido supor que essa reflexão deve partir da realidade humana que questiona:
onde estou? Com quem estou? Para onde vou?
Caro amigo Carlos: Recebi teu bilhete e penso que neste momento talvez eu não
seja a pessoa mais indicada para opinar a respeito. Porém... sou do tipo
que se pergunta onde estou? Com quem estou? Para onde vou? Às vezes
encontro respostas e penso que a filosofia é fascinante, não há algo pronto
onde no mínimo 2+2 são 5 e isto faz com que tenhamos diversos olhares.
Sem mais acredito que deves aceitar o convite para filosofar, pensar Beijos.”.
(Cleiva)
Silveira (2005) identifica a existência de um professor muito preocupado em
se achegar afetivamente aos seus alunos, o que seria o primeiro passo para o
ensino da filosofia. Benetti (2003, p.21), a partir de uma problematização oriunda do
campo psicanalítico, destaca que “tornar-se consciente de si é um processo
subjetivo que demanda muito mais do que o ensino de Filosofia pode proporcionar
ou alcançar”. Prossegue a autora afirmando que “o ato de filosofar, ou o ato de
ensinar e aprender de forma geral, não se constrói de maneira desvinculada do
desejo e dos afetos produzidos nessa relação”.
Destaco ainda uma outra carta:
“Meu amigo:
acredito que você deva aceitar o convite e trabalhar com Filosofia a fim de
proporcionar o questionamento sobre os sentidos, ou seja, as pessoas precisam de
oportunidade de buscar conceitos para as questões da vida, sair um pouco do
“piloto automático” e tomar consciência de sua existência, enquanto parte de um
Universo que está em constante mudança. Apóio você, pois se tiver vontade
conseguirá instigar esses questionamentos e, conseqüentemente a construção de
conhecimentos individuais e coletivos.” (Fabiana)
Benetti(2003, p. 24), salienta que o processo de ensino no campo da Filosofia
“se beneficiaria muito se trabalhasse com a perspectiva de que o sujeito não é, nem
45
está sempre predisposto ao pensamento e à reflexão filosófica”. É necessário, na
sua concepção, um vínculo com algo que a Filosofia pode oferecer para desencadear
o pensamento.
Esse engate, essa ligação, não passa somente pela ordem da vontade.
Implicar-se, segue a autora “significa poder fazer algo com aquilo que nos inquieta,
com o que mexe com nossas convicções, e construir um lugar, que é singular, para
essas inquietações” (BENETTI, p. 24). Nada impede que visualizemos esses lugares
como sendo as salas de aula e esta ligação, a Filosofia.
“O importante é que se possa escutar o aluno, não para formatá-lo conforme
um ideal fixo, mas para criar com ele caminhos diversos que proporcionem o
contato com a forma de pensar que considere a existência da implicação do desejo
e da diferença na sua constituição” (
idem
).
As cartas produzem, também, certo modo de entender o professor de
Filosofia ele não apenas reflete, mas deve também ser capaz de “passar para os
alunos a arte de refletir”. Raul, por exemplo, assume esse lugar de professor para si
e afirma: “vivemos uma eterna busca de novos saberes e tornamos nossas aulas
mais produtivas e dinâmicas”.
O comentário de Simone salienta a polarização entre a pedagogia tradicional
e a pedagogia “que dão agora”, ressaltando um sentido diferente que a filosofia
pode assumir, vinculada ao questionamento. Ao reconhecer o ensino tradicional
como um campo que não favoreceria as indagações filosóficas, a
professora/estudante contrapõe essa representação, apresentando como
possibilidade um ensino de Filosofia que ajude os jovens e os adultos através do
pensar crítico.
Amigo Paulo: tens bastante leituras, és muito dinâmico, penso que deves assumir e
dar aula, afinal vives a dizer que: “para ser filósofo é necessário pensar”e pensar é
algo que os seres humanos fazem, ainda que alguns pensamentos sejam
tortos. Abraços, Jorge”.
46
Os professores/estudantes Simone e Jorge posicionam o professor como
aquele que proporciona a reflexão, e que isso pode ocorrer de maneira prazerosa,
sendo o saber filosófico capaz de despertar interesse e motivação para tal. De outra
parte, os professores/estudantes indicam certa vinculação com aquilo que Costa
(1992) apresente em forma de perguntas: Que Filosofia se pode fazer na escola?
Que Filosofia se quer fazer na escola? Vamos ensinar Filosofia para encobrir e
alienar ou para construir pensamento crítico?
Esta disciplina, assumindo tal representação, parece conduzir à busca de
autonomia dos sujeitos. Nessa direção, Lipman (1995, p. 82) destaca que:
Uma comunidade que possui padrões institucionalizados de
crítica entre seus membros prepara o caminho para estes
membros se tornarem pessoas mais autocríticas e autônomas.
Essas dimensões crítica, autonomia e capacidade natural para pensar
parecem ser fios condutores das cartas e depoimentos apresentados anteriormente.
As afirmações dos professores/estudantes conferem não um sentido, mas vários
sentidos ao ensino de Filosofia. Além disso, ao que parece os professores/
estudantes posicionam os docentes de Filosofia no lugar daqueles que devem
possibilitar ou aprimorar a habilidade reflexiva, articulando duas representações
distintas: “aprender a pensar” e “viver melhor”.
Em seu estudo, Benetti (2003) afirma que os estudantes oscilam entre a
reticência e a atração frente ao filosofar. A atuação pedagógica do professor é
percebida como preponderante para atingir o objetivo de desenvolver as habilidades
de pensamento. As práticas docentes e os atributos conferidos a este profissional,
vinculado ao campo da Filosofia, são aspectos que desenvolvo no capítulo seguinte.
47
4 SOBRE IDENTIDADES E REPRESENTAÇÕES DE DOCÊNCIA
A docência, encarada como uma atividade ocupacional entre outras,
mergulhada num cotidiano e marcada por contingências e circunstâncias sociais e
culturais, passou a ser escrutinada, assim como as representações que dela se
fazem em distintos artefatos culturais e tipos de textos, conforme argumenta
Silveira (2007).
De outra parte, a reflexão sobre o status do trabalho docente tem sido
permeada pela ambigüidade entre campos distintos e, por vezes, contraditórios. De
um lado destaca-se o sentido de profissionalismo da carreira, entendida como
ocupação independente, exigindo domínio técnico particular a um grupo, que é
posicionado de modo distinto em contextos, tempos e culturas diferentes. De outro,
destaca-se o sentido de proletarização, com sua contrapartida de desvalorização, de
associação com o trabalho doméstico, de subordinação de tarefas, de feminização
de espaços dedicados ao ensino, especialmente nas ries iniciais. Segundo Silveira
(2007), tais narrativas produzem subjetividades e identidades, encontrando eco em
discursos que constituem a docência como vocação, missão, abnegação, afeto,
“chamado” irrecusável. Este conjunto de atributos produz e posiciona professores, e
não parece dar sinais de sair de cena na contemporaneidade.
Diferentes autores dedicam-se a análise de múltiplos movimentos produzidos
nos espaços/tempos escolares, bem como maneiras de entender a profissão docente
e de organizar os processos formativos. Para estes autores, há identidades
profissionais vão se constituindo em agenciamentos coletivos, diante das
necessidades de responder (ainda que provisoriamente) a situações específicas. Os
professores, em suas práticas pedagógicas, vão sendo constituídos, representados,
posicionados.
Costa (2006), ao analisar textos culturais que compõem um discurso acerca
do magistério, destaca que eles em geral são prescritivos, afirmam um suposto
‘correto’, ‘verdadeiro’, ‘melhor’ modo de proceder, mas, na perspectiva teórica da
autora, não existem sentidos fixos para a docência.
48
Acerca da profissionalização, ela afirma que:
as profissões conquistam o reconhecimento de sua competência
social na medida em que se utilizam da linguagem formal da ciência
e a transformam em linguagem pública. Talvez resida um dos
motivos pelos quais é tão controvertido o posicionamento da
ocupação do magistério no conjunto das atividades com estatuto
profissional. A conexão entre o saber pedagógico, acentuadamente
ético-prático, e as disciplinas tradicionais, legitimadas no campo
científico, tem sido difícil no seio da ideologia liberal que sustenta a
estratégia profissionalista, fortemente marcada pela competição,
pela distinção e pelo elitismo (COSTA, 1999, p.4).
Em outras palavras, o magistério nem sempre adquire um sentido de
profissão porque, em geral, a ação desses sujeitos não está vinculada ao campo da
produção do saber pedagógico, sendo os professores vistos muito mais como
executores de determinadas ações que também acabam sendo assumidas por
outros sujeitos que não possuem qualificação profissional.
No Brasil, o trabalho docente esteve historicamente ligado à estratégias de
colonização, realizadas através da catequese praticada pela igreja, reforçando os
vínculos entre prática pedagógica e ação pastoral e permitindo que se estabelecesse
uma vinculação entre magistério e vocação. Há estudos que salientam a feminização
do magistério como importante tendência, que implica em mudanças não apenas no
trabalho docente, como também no modo como os profissionais são vistos e o que
deles se espera. Nestes estudos destaca-se que o mesmo processo que tornou as
salas de aula espaços de atuação feminina (em especial aquelas que atendem
crianças de educação infantil e séries iniciais), tornou-as, também espaços
considerados a partir de relações da esfera privada. A escola, passa a assumir certo
caráter maternal, lugar do cuidado, do zelo, da atenção às necessidades biológicas e
afetivas dos alunos. Das professoras se espera uma atuação, ao mesmo tempo,
pedagógica e maternal uma vez que a elas se atribui uma condição de “natural”
maternidade. Os caminhos da docência foram assumindo distintos contornos, os
quais serão melhor delineados nos próximos itens deste capítulo.
49
4.1 Uma perspectiva histórica da docência
Pensar como se constituiu, historicamente, a instituição escolar, como um
espaço ao mesmo tempo “fechado” e “de massas” pode ser uma alternativa
interessante para pensar a questão da docência e ampliar a compreensão acerca
das distintas maneiras de representar os professores. Claro está que, nos limites
deste estudo e na perspectiva que o orienta, esse olhar histórico será parcial,
pretendendo apenas dar relevo a questões que fazem sentido ao pensar a docência
no contexto desta investigação.
Alvarez Uria & Varela (1992, p.5) destacam as formulações do historiador
Philippe Aries acerca das condições que possibilitaram o surgimento da escola
moderna:
A partir do fim do século XVI (...) a escola substituiu a
aprendizagem como meio de educação. Isso quer dizer que a
criança deixou de ser misturada aos adultos e de aprender a
vida diretamente, através do contato com eles. A criança foi
separada dos adultos e mantida à distância numa espécie de
quarentena, antes de ser solta no mundo. Começou, então,
um longo processo de enclausuramento das crianças (como
dos loucos, dos pobres e das prostitutas) que se estenderia até
nossos dias, e ao qual se dá o nome de escolarização.
Os autores identificam neste novo modelo de instituição escolar um espaço
de enclausuramento, um lugar de isolamento, construção de espaços fechados para
separar as crianças e ensina-las as regras de uma sociedade que então se
organizava. Este modelo “do novo espaço fechado”, a exemplo do convento, vai se
constituir em uma “maquinaria de transformação da juventude”. Assim como outros
espaços de clausura a escola tinha uma funcionalidade ordenadora e
regulamentadora.
As ordens religiosas, em especial os jesuítas, dedicaram-se desde a baixa
Idade Média européia à educação dos jovens. Se nos colégios jesuítas que se
ensaiarão formas concretas de transmissão de conhecimentos e de modelação de
comportamentos que, mediante ajustes, ao longo de dois séculos, suporão a
aquisição de um acúmulo de saberes sistematizados para resultar mais eficaz a ação
educativa. Esse processo de observação da infância possibilitou o aparecimento da
50
pedagogia e do especialista, o professor. Trata-se de um novo tipo de mestre, com
autoridade moral e conhecimentos, o que significava afirmar que:
ele tem as chaves de uma correta interpretação da infância
assim como do programa que os colegiais tem de seguir para
adquirir os comportamentos e os princípios que correspondem
a sua condição e idade. (ALVAREZ-URIA & VARELA, 1992, p.8)
O longo processo de gênese da “forma escolar”, elucidada por Costa (1995),
relaciona-se:
a) ao surgimento de uma nova forma de relação com o
trabalho a partir da
ética protestante do trabalho
explicitada
por Max Weber – que se opõe à fruição espontânea das
riquezas, promovendo o
desejo de adquirir,
propiciando o
espírito do capitalismo
e o surgimento de uma nova ordem
socioeconômica;
b) à emergência de uma civilização de costumes que normatiza
o uso do corpo e regulamenta os comportamentos sociais,
estabelecendo os parâmetros para distinção entre o
adulto
e a
criança, o
civilizado
e o
natural
;
c) à solidificação de uma nova concepção de infância que,
tomada como classe de idade diferenciada, precisa ser
comparada para convivência com os adultos;
d) ao surgimento de uma sociedade disciplinadora (tal como
concebida por Foucault) que se estrutura e instrumentaliza
para produzir indivíduos que se submetam aos seus desígnios.
(COSTA, 1995, p.74)
À escola vem sendo atribuída a tarefa de oportunizar a reprodução das
normas e a transmissão cultural. A partir do século XV, os colégios, resultado das
transformações dos asilos que abrigavam estudantes pobres, organizados sob forma
monástica, passam a ser locais de ensinar, destinados à educação de crianças e
jovens por professores que desenvolvem rígida disciplina em classes numerosas.
Neste período, as experiências de escolarização, na forma de colégios, estava nas
mãos da Igreja.
À medida que a noção de Estado-Nação foi se constituindo, segundo uma
norma não exclusivamente religiosa, foi tomando corpo a noção de docência
entendida como uma profissão e o docente como alguém a serviço do Estado,
partícipe na edificação de uma pretensa nação unitária, ordenada e desenvolvida.
Na perspectiva desta pesquisa, não é possível pensar em docência sem
considerar que a escola colabora para estabelecer nexos entre poder e saber. A
51
exemplo disso, pode-se destacar a definição daquilo que se considera válido como
experiência pedagógica, bem como o modo como se selecionam e hierarquizam os
saberes e se autorizam alguns profissionais a afirmar “verdades”, sendo eles
considerados especialistas. Mas é importante salientar que a definição dos saberes
pedagógicos socialmente referendados e do lugar social dos professores é um
processo que vai sendo gradativamente produzido, reinventado, e adquire
significações diversas, e contextos, tempos e culturas diferentes.
Educar para diferença parece ser o grande desafio para a docência, afirma
Sommer (2000), fazer da escola algo diferente do que ela tem sido ao longo da
história, “independentemente dos textos canônicos que tem balizado nossa
formação como professor” (p.259). Nesse sentido, talvez, um dos grandes atos
subversivos, transgressivos que cada um pode realizar seja reinventar a escola como
um lugar que ensina, um lugar que provê tecnologias intelectuais que nos auxiliem a
estar e a pensar sobre as coisas do mundo, assevera o autor. Isto seria muito maior
do que garantir o acesso e a permanência das crianças na escola. Isto é muito mais
do que “seqüestrar, disciplinar, domesticar corpos” (p. 260).
Faz-se necessário recusar determinadas “doutrinas pedagógicas”, que
propõem formas docentes estandardizadas de ser e de agir, sustentadas, sobretudo,
nas postuladas verdades sobre a docência e a infância:
vinte e uma maneiras de cantar as músicas da tribo, e
todas são corretas. O mesmo se com a aprendizagem. Não
ninguém que possa dizer que essa ou aquela é a melhor
maneira de conhecer coisas, de sentir coisas, de ver coisas, de
lembrar coisas, de usar coisas, de ligar coisas, e que nenhuma
outra serve. (POSTMAN apud SOMMER, 2000, p.260)
Dito de outra maneira, “doutrinas pedagógicas” não podem ser adotadas ou
descartadas como se fossem um único e insubstituível destino para o saber. A partir
de múltiplas formas de docência e de distintas representações que instituímos para
pensar tal profissão, se pode vislumbrar novos caminhos.
52
4.2. Focando o olhar nas produções dos professores/estudantes
Nas cartas escritas pelos participantes de minha pesquisa, bem como em
seus desenhos e comentários orais, representações de práticas docentes
consideradas apropriadas ou não ao ensino de Filosofia. Estas práticas são
apresentadas em pequenas sugestões dadas ao amigo, a quem se endereçava a
carta escrita, ou ainda trazidas em breves memórias dos participantes, relativas a
uma aula de Filosofia.
Nesta parte do texto, trago excertos que colocam em destaque certas
características de docência e de docentes, e minha atenção se volta especialmente
para a produção de certos tipos de professores, caracterizados por um conjunto de
atributos que, mais do que descrever, produzem e posicionam estes sujeitos.
Nas cartas a seguir, aparecem aspectos relacionados à capacidade de
reflexão que pode ser estimulada pelo ensino de Filosofia:
Amigo: Ensinar Filosofia é uma responsabilidade considerável, pois demanda passar
para os alunos a arte de refletir sobre coisas e acontecimentos da nossa sociedade.
Acho que você deve aceitar o convite. Para tanto é necessário grande reserva de
tempo para estudar, pois o ensinamento da filosofia pede muita leitura e dedicação.
É de suma importância, através das idéias questionadoras, fazer com que os alunos
trabalhem com o pensar. Espero que você considere todas estas afirmações.
(Mateus)
A Filosofia deve ser trabalhada desde a educação infantil. Esse amigo em questão
deve assumir sim, pois ele será um mediador, que falta em muitas escolas, busca da
reflexão, construção e reconstrução do pensamento e que rumos tomar
(direcionamentos). Trabalhe questões como: existência, ética, valores, honestidade,
cidadania, meio ambiente. (Ana Paula)
53
Os textos acima possibilitam questões significativas: apontam para a
necessidade que a docência em Filosofia seja “desencadeadora” dos processos de
indagar, questionar, debater, construir conhecimentos. Na mesma perspectiva,
Nagel (1998, p. 34) sintetiza:
Entendendo, pois, a Filosofia de modo mais amplo – como
produção humana que, através de indivíduos é capaz de
pensar as mediações do tecido social; b) por em foco as
contradições reveladoras das lutas em sociedade; c) denun-
ciar valores em ruína e apontar para princípio morais
emergentes; d) captar o movimento das instituições; e) expor,
enfim, o tempo histórico do próprio pensador.
Em sintonia com este entendimento de docência, Mellouki & Gauthier (1978)
analisam o panorama atual do debate educacional e destacam que a escola
atravessa um momento particular no que se refere à função que lhe é atribuída.
Para estes autores, é fundamental destacar que a escola é uma instituição cultural e
que a cultura não pode ser reduzida a uma soma de conhecimentos que possuímos
ou ensinamos, que os professores detêm um mandato “oficial” de agente de
transmissão de cultura e “quer queiram, quer não, os professores são intelectuais,
ou seja, são profissionais cuja missão é a de serem depositários, intérpretes e
críticos da cultura” (p.538).
Esse conjunto de textos produzidos pelos professores/estudantes fazem
pensar nas teorizações sobre o professor reflexivo, uma construção em torno da
docência que marcou profundamente o contexto brasileiro.
Em meio aos debates educacionais do final do século XX no país, marcados
pela valorização da formação e da profissionalização dos professores despontam as
definições de professor reflexivo e professor pesquisador. O principal formulador do
conceito de professor reflexivo é o professor norte americano Donald Schön.
Consoante às formulações de Dewey, que exaltam a experiência e a reflexão
na experiência, Schön propõe uma epistemologia da prática como aprendizagem no
conhecimento pela reflexão bem como sua problematização. Na ação desse
conhecimento é que os profissionais no seu cotidiano constroem o hábito. Quando
se deparam com novas situações, esses profissionais transcendem a rotina e
começam a criar, num processo que o autor chama de
“reflexão na ação”
. Estes, por
54
sua vez, não encontram respostas para as repetições, procuram novas situações de
superação das dificuldades, procurando diálogo com outras perspectivas. Este é um
movimento que Schön chama de
“reflexão sobre a reflexão na ação”
.
Encontramos neste autor uma grande valorização da reflexão no processo de
formação dos professores, sendo que, para ele, os currículos deveriam proporcionar
o desenvolvimento da capacidade reflexiva da pessoa, desde o início de sua
formação.
Dicklhuber (2004, p.40) sintetiza quatro entendimentos que estariam na base
deste tipo de representação de docência: primeiro, a noção do “conhecimento na
ação”, referindo-se ao conhecimento que os professores manifestam no momento
em que atuam, um saber dinâmico e resultado da própria prática; segundo, a
“reflexão na ação” que decorreria da atitude do professor de pensar sobre a prática
e reformula-la, ajusta-la, assim, a situações novas que vão surgindo; terceiro a
“reflexão sobre a ação” aconteceria quando o professor reconstrói
retrospectivamente, olhando a
posteriori
e analisando no conjunto as ações; quarto,
a “reflexão sobre a reflexão na ação” que se refere a um processo que fomenta o
desenvolvimento profissional do professor, levando-o a construir uma forma própria
de conhecer. Este tipo de reflexão é chamada, neste contexto teórico, de meta-
reflexão, que levaria o professor a desenvolver novos raciocínios, novas formas de
pensar, de compreender, de agir e equacionar problemas.
Emerge desta discussão a concepção de que somente uma “formação
contínua” pode dar conta das demandas e da reflexão acerca das práticas docentes,
levando em consideração as necessidades dos professores para fazerem frente aos
dilemas de sua atividade de ensinar.
Ao que parece, os participantes da pesquisa partilham certo entendimento de
docência ancorado nesta perspectiva teórica que produz o professor como um
sujeito reflexivo. Mais do que desenvolver a capacidade reflexiva em relação aos seu
próprio trabalho, este professor seria responsável por desenvolver nos estudantes
uma disposição para a reflexão sobre si, sobre o contexto, sobre a sociedade que os
cerca. Isso se expressa em afirmações tais como aquelas enunciadas acima, de que
o professor deve “passar para os alunos a arte de refletir” ou “através das idéias
questionadoras, fazer com que os alunos trabalhem com o pensar”, ou ainda que o
55
professor deverá ser mediador “na busca da reflexão, construção e reconstrução do
pensamento”
Destaco a seguir um dos desenhos produzidos e sua explicação
1
:
1
Os textos que estão colocados abaixo dos desenhos foram transcritos das apresentações de cada
participante.
56
LUCIANA:”Eu fiz um desenho de sala de aula, os alunos no formato de U na
volta do professor, tipo assim: atraindo a atenção deles, em cada cabeça 2
balões de pensamento, um ponto de interrogação e de exclamação e o
professor explicando, trazendo a questão da dúvida e dos pensamentos dos
alunos”.
A atitude reflexiva poderia ser pensada como este processo de indagar e
afirmar, de apresentar dúvidas e formular conhecimentos. Neste sentido, a docência
em filosofia é articulada à reflexão. Destaco a seguir outros dois desenhos que
parecem representar desse modo a docência:
O meu desenho aqui está um pouco tradicional e que traz a pedagogia que
dão agora, mas aqui eu imagino o professor dando aula de Filosofia
questionando e sendo questionado, ajudando os jovens e adultos também
(Simone).
57
Eu fiz um contraponto de duas salas de aula onde o aluno está atrás do outro
sentadinho, o quadro negro, o professor falando o tempo todo, como disse um
aluno pra mim: a senhora fingindo que ensina e nós fingindo que estamos
aprendendo e eu fiz uma aula de Filosofia em um círculo, onde debate, os
58
alunos questionam, onde os alunos tem essa autonomia dentro da sala de aula
(Andréia)
A idéia de um professor “questionando” e “sendo questionado” remete a um
entendimento do conhecimento como fruto de processo e de diálogo. Nesse caso, os
pequenos balões apresentados próximo da cabeça dos alunos na cena escolar
desenhada parecem indicar que, para a aluna, todos filosofam. Nesse contexto, a
Filosofia pode ser pensada como uma ferramenta que possibilita uma produção ativa
e não passiva. Mesmo sendo a cena uma representação tradicional de sala de aula,
com quadro- de- giz ao fundo, o professor á frente e os alunos dispostos em fileiras,
rupturas na representação gráfica, que parecem indicar as possibilidades que a
docência em filosofia pode compreender, quando articulada aos discursos que
constituem um professor reflexivo.
Neste contexto, ganham visibilidade certos verbos expressos diretamente nos
desenhos, ou manifestadas ao explicar o que se desenhou, tais como “refletir”,
“debater”, “questionar”, “indagar”, “conduzir ao pensamento”, dentre outras. Verbos
que, mais do que expressões gramaticais, expressam maneiras de entender o lugar
do professor e de sua prática pedagógica em aulas de Filosofia, e porque não dizer,
no exercício da docência, independente da área de atuação.
4.3 Pensando a docência sob as lentes do “mestre pastoral crítico
Das leituras que realizei durante minhas pesquisas, chamou-me especial
atenção uma obra de Garcia (2002), na qual a autora analisa a produção de
significados de docência a partir de discursos críticos. A autora indaga sobre os
processos de subjetivação e a fabricação desses profissionais a partir de uma
função “pastoral”. A autora define e descreve a função pastoral docente como
pautada pela tarefa de produzir sujeitos de consciência, que agem de modo crítico e
dotados de autonomia. Os professores críticos vão aprendendo, num conjunto de
práticas prescritas, a conduzir processos educacionais voltados para a reflexão
59
crítica e para a produção de sujeitos de consciência. Para tanto, devem eles mesmos
governar suas condutas. Devem, outrossim, ser capazes de “interpretar as carências
reveladas pela sociedade” (p.142).
A autora segue afirmando que o exercício da docência nos discursos crítico-
pedagógicos é o exercício de uma função “governamental-pastoral”, que busca
constituir o “sujeito de consciência” e o bem agir, critica e emancipatoriamente.
Salienta que os regimes de verdade destas pedagogias críticas incluem a idéia de
uma personalidade incompleta, deturpada, alienada, não-amadurecida, por oposição
a uma personalidade real, concreta, criativa, consciente e autônoma.
No desenho a seguir, o professor/estudante Mateus associa o momento da
aula de Filosofia ao aprendizado clássico dos gregos, identificando os grandes
mestres do pensamento ocidental como Platão e Sócrates aos professores que, hoje,
tem a tarefa de dialogar com seus “discípulos”.
60
Como é uma aula de Filosofia, a gente remete o pensamento
diretamente à Grécia, o berço do conhecimento, tentei mostrar
aqui a forma como eram passados os conhecimentos: Platão,
Sócrates, através da reunião de seus discípulos, blá, blá, blá e
um deles falando: mas mestre... tal coisa... então como as
aulas eram feitas ao ar livre, o conhecimento não era escrito,
esta foi a forma que tentei passar a minha intenção. (Mateus)
Os desenhos a seguir também são sugestivos para análise:
Sim, na tua vivência, caro amigo, tivestes experiências bastante relevantes na área,
pois já sabes que viver intensamente é uma forma de sabedoria, portanto, tens
muito a dizer a teus alunos. Creio que entre eles, além de abrires horizontes e
lhes proporcionar novos paradigmas e questionamentos, vais também
dar-lhes a possibilidade de encontrar novos anseios, algumas respostas e,
certamente, novas realidades que farão maravilhas na pedra bruta que estamos
sempre a lapidar (Isadora).
61
“Aqui estamos todos nós em círculo: o professor com vários objetos, nós
podemos, então manuseá-los, pensando, falando, em torno de seminários,
místicas e também fora do contexto escolar, alunos percebendo novos olhares,
novas realidades, saídas de campo, etc”. (Cleiva)
Na carta de Isadora, destacada abaixo, o professor tal qual um orientador-
é apresentado como aquele que tem condições de “lapidar a pedra bruta”,
capacitando o aluno a ser quem ele realmente é e a agir criticamente no seu
cotidiano.
“Neste desenho aqui tentei mostrar que uma aula de filosofia
pode acontecer dentro de uma sala de aula e necessariamente
a aula pode se modificar, criando vários mundos e cristalizando
62
esses mundos dentro daquele ambiente que não pode parecer
uma caixa quadrada, onde eu posso ter várias viagens para
trás, viagens para o futuro e buscando desta forma resolver
questionamentos, criando vários questionamentos, sempre em
busca da verdade e do conhecimento.” (Isadora)
A crítica, afirmam Mellouki & Gauthier (1978), é o despertar e o exercício de
uma consciência engajada no mundo, preocupada em separar “o joio e o trigo”, em
detectar os vieses culturais (preconceitos, estereótipos, etnocentrismo) e em “lançar
um olhar circunstanciado sobre os seus próprios saberes, valores e modos de viver e
de pensar, os de seus semelhantes e os dos outros” (p.558).
Refletir criticamente representa colocar-se no contexto de uma ação, na
história da situação; significa explorar a natureza social e histórica tanto de nossa
relação como atores nas práticas institucionalizadas da educação, como da relação
entre nosso pensamento e nossa ação educativa.
A teoria crítica tem como base os processos de transformação que levam a
cabo os grupos sociais. Seu compromisso com a emancipação não se limita a
mostrar as formas emancipadoras da razão, mas ajuda os grupos a interpretar-se
nas formas de dominação a que se encontram submetidos e a vislumbrar as
possibilidades que se abrem para eles.
Ghedin (2002) enfatiza: “a teoria crítica, ademais de ser uma reflexão
pessoal, é uma construção social e política”, e mais adiante, refere, “as experiências
e o conhecimento não são homogêneos nem idênticos”; “as diferentes posições
sociais dos sujeitos e suas distintas experiências de vida criam diferenças que se
refletem nas emoções, nas interpretações, nas aspirações, nos medos e nas ilusões”
(p. 139).
63
Fiz um desenho e, na verdade, não fiz um ambiente físico, por
que eu acho que a Filosofia pode ser tratada e construída em
qualquer ambiente, tanto fora como dentro da sala de aula.
Mas eu tive o cuidado de fazer as pessoas em círculo e a
minha idéia é que seja lançado um tema e todos estejam
construindo em cima de seus anseios e questionamentos em
conjunto. FABIANA
Estou mostrando uma aula de Filosofia numa sala onde todos
estão sentados em círculo, onde o professor e os acadêmicos
estão conversando, todos participando daquele momento.
LAURA
64
Os desenhos das professoras/estudantes Simone, Isadora, Fabiana e Laura
são recorrentes ao abordar a questão do espaço em que se realiza a aula de
filosofia. Se parece evidente que espaços amplos e em contato com a natureza
possam ser mais favoráveis à reflexão filosófica, de acordo com a formulação dos
desenhos até aqui apresentados, outrossim, Isadora e Fabiana acenam com a
possibilidade de que “qualquer espaço” possa vir a “criar os vários mundos” do
pensamento.
O questionamento de Feitosa (2004) pode nos dar pistas” para o
entendimento das imagens apresentadas. Ao perguntar por que a Filosofia é uma
forma diferente de ver o mundo? O próprio autor responde:
Em primeiro lugar porque é um olhar que pressupõe
distanciamento. A excessiva proximidade de um objeto pode
interferir na nossa compreensão sobre ele (...) olhar
filosoficamente a realidade implica um certo afastamento dessa
parede que está diante e em torno de nós (...) Todavia a
admiração presente no ver filosófico é voltada principalmente
para coisas que tomamos por habituais e com as quais
estamos familiarizados. Existem na vida cotidiana diversas
situações assustadoras e maravilhosas que provocam a
sensação de que as coisas talvez pudessem ser de outra
maneira.
FEITOSA (2004, p.29)
Para Borges (2002), a reflexão busca uma crítica da interiorização de valores
sociais dominantes. O autor destaca que é necessária uma crítica sócio-histórica dos
professores e das escolas, reconstruindo o sentido político a respeito da função do
ensino e configurar um novo significado para a prática educativa, mais satisfatória e
mais racional, concebendo novos futuros.
Pensar a relação entre o “dar aulas” e o “ensinar”, conforme o que refere
Rizzon (2001), poderia nos ajudar a pensar as questões docentes levantadas. Afirma
o autor:
É muito comum ouvir de professores que
adoram dar aulas
;
bem menos freqüentes são as ocasiões em que se ouve dizer
adoro ensinar
. O fato possivelmente se deva à não-distinção
entre a atividade – dar aulas – e a respectiva função – ensinar.
RIZZON (2001, p.595)
65
“Caro amigo: acredito que você deva sim aceitar a este belíssimo convite. Trabalhar com
crianças vai ser para ti uma forma de rejuvenescer, de voltares a ter o brilho nos olhos, a
imaginação solta e criativa e a constante vontade de saber. Para as crianças, transmitirás a
alegria, a sabedoria e o poder de aprender a ver a vida por outros ângulos. Às crianças falta
o “cutucão” para ir além. Em você está o que elas precisam. Se transmitires para elas não o
conhecimento pronto, mas a pedra bruta e sem brilho, tenho certeza que elas te darão de
volta a mais bela criação: o poder de pensar”. (Bruna)
Neste estudo privilegiei apenas um dos eixos por mim estruturados no projeto
dessa dissertação, qual seja: a Filosofia como condição natural do ser humano,
associada à capacidade de pensar. Os demais eixos destacados naquela ocasião
foram tangencialmente referidos nos itens “O Professor Reflexivo” e “O Professor
Crítico”. Esses eixos referiam-se à Filosofia como exercício de pensamento crítico
e/ou o avanço do processo democrático e a Filosofia como disciplina que exige
qualificação, leitura, estudo, conhecimento específico, etc., capaz de
instrumentalizar os professores para uma atuação mais qualificada e abrangente.
A perspectiva dos Estudos Culturais chama a atenção para o fato de que
examinar práticas culturais do ponto de vista de suas representações implica intuir a
produção de significados através da linguagem e dos diferentes circuitos de
significação presentes no circuito da cultura, bem como as mediações que ali estão
colocadas.
Pressupondo que nossa maneira de ver as coisas está fortemente ancorada
na nossa maneira de viver e, nela, compartilhamos significados comuns, Stuart Hall
(2003) utiliza a metáfora da codificação e da decodificação para entender como os
discursos são estruturados, o que apontam “do real”, o que são tentativas de
hegemonizar este ou aquele argumento.
É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos
sentido à nossa experiência e àquilo que somos. Podemos, inclusive, afirma Silva
66
(2000) sugerir que os sistemas simbólicos tornam possível aquilo que somos e
aquilo no qual podemos nos tornar. A representação, assim, compreendida como
uma processo cultural, estabelece identidades individuais e coletivas e os sistemas
simbólicos nos quais ela se baseia fornecem possíveis respostas a questões tais
como: “quem sou eu?”, “o que eu poderia ser?”, “quem eu quero ser?”. Os discursos
e os sistemas de representação constroem os lugares a partir dos quais os
indivíduos podem se posicionar e podem falar.
Amigo Francisco: Conforme me comunicaste recebeste um convite para atuar na área de
filosofia. Fico contente por ti, porque sempre que puderes procurar ler sobre o assunto
referido é importante. Acredito que uma pessoa apaixonada como tu, vai empenhar-se ao
máximo, a fim de conseguir fazer um ótimo trabalho. Siga em frente e estarás realizando
um sonho. Iluminarás o caminho de muitas pessoas, as quais também as deixarás
apaixonadas pelo assunto. Parabéns! Um grande abraço (Hilda).
67
Eu fiz um desenho de sala de aula, os alunos no formato de U
na volta do professor, tipo assim: atraindo a atenção deles, em
cada cabeça 2 balões de pensamento, um ponto de
interrogação e de exclamação e o professor explicando,
trazendo a questão da dúvida e dos pensamentos dos alunos.
LUCIANA
68
Meu desenho é bastante daliniano, bonequinho de
pauzinho: tem um professor aqui dando aula, ele pergunta, ela
fala eu sei que nada sei, e tem pontos de interrogação, de
exclamação, tem um sol com um relógio para a questão do
tempo e as perguntas que a própria filosofia faz. É isto que
aparece neste desenho aqui. (Jorge)
69
Os desenhos precedentes dos professores/estudantes Hilda, Luciana e Jorge
ressaltam a potencialidade reflexiva que pode ser identificada nas aulas de Filosofia.
Ser reflexivo é intrínseco ao ser humano, como afirma Libâneo (2002). Ser reflexivo,
nessa medida, implica exercitar a capacidade de pensar sobre nossos atos, sobre as
intenções, as representações e as estratégias de nossa intervenção. Supõe a
necessidade de utilizar o conhecimento para mudar a realidade, mas também para
mudar, por vezes, nossas intenções, nossas representações e o próprio processo de
conhecer.
Uma prática docente que reforça o sentido de preservação da natureza e o
posiciona como desdobramento do sentimento amoroso com os outros seres
humanos, como o representado por Hilda, parece transcender a teoria em direção a
uma visão de existir. De outra parte, os balões de pensamento do desenho de
Luciana, posicionados no alto das cabeças dos alunos e destacando pontos de
interrogação e exclamação, demonstram os múltiplos sentidos que podem ser
construídos através da reflexão e da indagação proposta nas aulas de Filosofia. O
desenho de Jorge entre referenciais de Salvador Dali e Sócrates - parece querer
clarificar a noção de que o conhecimento tem luz própria para iluminar aqueles que
a ele se interpuserem e prescinde de um tempo cronológico, fixado por relógios.
Nesta perspectiva de um professor reflexivo, observa-se que algumas
concepções desta proposta incorporam temas e processos investigativos próximos
do que vem sendo chamado de pensamento pós-moderno. Para Pimenta (2002, p.
43), é indiscutível:
a contribuição da perspectiva da reflexão no exercício da
docência para valorização da profissão, dos saberes dos
professores, do trabalho coletivo destes e das escolas,
enquanto espaço de formação contínua. Isso porque assinala
que o professor pode produzir conhecimento a partir da
prática, desde que na investigação reflita intencionalmente
sobre ela, problematizando os resultados obtidos com o
suporte da teoria. E, portanto, como pesquisador de sua
própria prática. (
PIMENTA, 2002, p. 43).
70
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta parte da pesquisa o grande desafio é o de retomar algumas idéias
apresentadas ao longo dos capítulos precedentes e destacá-las de forma a melhor
articular as formulações teóricas dos autores aqui arrolados com as representações
expressas nas cartas e nos desenhos dos alunos/professores.
Daquilo que foi apresentado caberia destacar alguns aspectos que
oportunizaram minha reflexão e meu crescimento intelectual, no sentido de pensar
teoricamente aspectos fundamentais da prática educativa em Filosofia. Um primeiro
aspecto a destacar seria o da impossibilidade ou da inconveniência de pensar o
ensino de Filosofia descolado do debate educacional mais geral. Em outros termos,
mesmo que se considerem as especificidades da disciplina que não podem ser
desconsideradas - percebe-se que sua inclusão ou exclusão dos currículos escolares
não deve ser deslocada de um olhar mais panorâmico para toda a educação.
Assim como não se procurou pensar as representações docentes como “tipos”
ou “modelos” estanques de formas humanas e profissionais, também se procurou
apresentar as cartas e os desenhos dos professores/estudantes como um livre
exercício de autoria e reflexão. Acredita-se que estes desenhos constituem uma
“iconografia loquaz”. As imagens, assim como as histórias nos informam. E por isso,
tais desenhos apresentam-se como uma fonte rica de análise. Entretanto, sabemos
que muitas questões ali apontadas podem ter ficado sem a devida interpretação, o
que não invalida o esforço empreendido.
Só podemos ver aquilo que, em algum feitio ou forma, nós já vimos antes.
podemos ver as coisas para as quais possuímos imagens identificáveis, assim
como podemos ler em uma língua cuja sintaxe, gramática e vocabulário
conhecemos. Os desenhos são narrativas, tanto quanto as cartas escritas pelos
professores/estudantes.
Trago, nesta parte do texto, alguns excertos de cartas e falas dos
participantes da pesquisa, com intenção de sintetizar aquilo que estou chamando de
71
“atributos desejáveis para os professores de Filosofia”. Saliento, no entanto, que
muitos destes atributos referem-se à docência de uma maneira geral, e não apenas
vinculada à Filosofia. Parece-me, porém, que este vínculo docência-Filosofia é
produtivo, colaborando para dar visibilidade a alguns atributos de modo especial.
Laura destaca que o professor precisa ensinar as pessoas a pensar; Isadora,
por outro lado, apela para o conhecimento que nasce da vivência ela afirma que
seu amigo já possui muita vivência e, portanto, é sábio, uma vez que “viver
intensamente é uma forma de sabedoria”. Ela destaca também que, sendo professor
de Filosofia, ele poderá abrir novos horizontes e novos anseios aos alunos. O
docente teria, então ferramentas para lapidar a “pedra bruta” que seríamos nós sem
o pensamento filosófico.
Ana Paula ressalta a qualidade das aulas serem um “ir e vir”, nas quais “o
professor e os alunos ocupam os mesmos espaços de troca, experimentação e
construção do conhecimento”. Cleiva, por sua vez, salienta a possibilidade de lançar
novos olhares, estando professor e alunos lado a lado. Estas formas de entender a
docência produzem relações plurais entre professores e alunos, tendo como objetivo
o desenvolvimento do pensamento reflexivo.
Hilda faz referência a um professor que precisa ser apaixonado pelo que faz,
empenhado ao máximo, fazendo sempre o melhor e capaz, desse modo, de iluminar
e apaixonar os alunos pelo conhecimento e pela reflexão. Andréia apresenta o agir
autônomo dos alunos, conquistado numa relação não impositiva com o professor, na
oposição que ela cria, trazendo duas imagens de aula de Filosofia, o aprender
parece estar vinculado a uma atitude autônoma, caso contrário, “uns fingem que
ensinam, outros que aprendem”.
Nas representações aqui analisadas, destacam-se certos atributos tidos como
desejáveis para professores de Filosofia. Eles são representados como sujeitos
dedicados, apaixonados pela Filosofia, devotados, inquietos, que vivem em eterna
busca, que devem ler constantemente, que indagam sobre si mesmos e sobre a
realidade. Eles devem assumir um papel de mediadores e/ou facilitadores das
aprendizagens, favorecendo práticas reflexivas. A eles, também, se reserva um
papel de orientador no ofício do estudo e da vida. Sobre sua prática docente, são
72
destacas as mudanças de ambiente, a produção do conhecimento na reflexão
coletiva, o diálogo como estratégia de ensino.
Ao que parece, não haveria possibilidade de pensar o ensino de Filosofia
como prática única, conduzida através das mesmas estratégias, fechada em uma
proposta curricular que não permitisse contemplar especificidades, planejar a partir
de experiências concretas dos estudantes. Não há um entendimento único da
docência e nem mesmo da docência em Filosofia.
Se muitos destes atributos podem ser pensados como características
desejáveis para docentes de qualquer área, penso que a atitude reflexiva e a noção
de que a prática docente potencializa atributos considerados naturais do ser humano
tais como pensar, indagar, questionar é efeito da articulação entre Filosofia e
docência.
Caberia salientar que as representações são produzidas sempre em jogos de
força e sempre sentidos plurais para as coisas. Pode-se depreender que as
distintas identidades docentes se constituem a partir de processos não lineares. Não
existiria, assim, uma identidade essencial, única, coesa, constituindo este docente,
mas posicionamentos que ele vai assumindo e/ou vai sendo levado a assumir, a
partir de um contexto, de um lugar que ocupa e de grupos dos quais faz parte. Tal
noção parece formar-se na interação entre o “eu” e a sociedade. Ou, como sintetiza
Hall (2005): “O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o ‘eu real’,
mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais
exteriores e as identidades que esses mundos oferecem. (p.11)
O mesmo autor salienta que o que contribui para a formação das nossas
identidades não é apenas o que dizemos ou pensamos que somos, mas os diversos
discursos sobre nós que, além de nos “representar”, nos desafiam a ser e agir da
forma como dizem que somos e agimos. As identidades resultariam de diferentes
identificações ou posturas que adotamos e procuramos “vivenciar” como se viessem
de “dentro”, mas que são ocasionados por determinadas circunstâncias,
sentimentos, histórias, etc.
A docência não deve ser pensada como uma técnica ou um conjunto de
habilidades neutras. Ela é uma prática cultural capaz de ser entendida somente
através de múltiplas questões que envolvem a história, a política, o poder e
73
representação. Os estudantes/professores parecem referir uma identidade móvel,
fragmentada, ambígua e às vezes conflitante. Essas representações produzem
certas maneiras de pensar e determinadas possibilidades de viver a profissão
docente.
Algumas dessas percepções referem-se à identidade docente de modo mais
geral; outras parecem vinculadas diretamente a entendimentos da Filosofia, como
campo específico de conhecimento, que também se apresentam de maneira múltipla
e variável.
As distintas formas como foram descritos e representados os docentes, do
ponto de vista teórico, pelos diferentes autores evocados neste estudo ratificam as
múltiplas possibilidades de “leitura” do lugar social do professor. Metáforas é o que
não faltam a respeito deste professor, de seu saber, de seu papel na escola e de seu
lugar na sociedade. O que falta realmente é um enfoque que não o defina somente
pelo que ele sabe, pensa, diz ou faz na sala de aula, mas que o considere numa
perspectiva mais abrangente.
Nem a cultura se reduz ao patrimônio literário, artístico, histórico, filosófico,
nem uma perspectiva cultural do ensino se limita à mera junção de objetos culturais
aos programas e currículos escolares.
O professor continua a ser considerado como sujeito que tem a incumbência
de veicular, de sustentar e de transmitir o saber e a cultura. A análise de certas
representações de docência me leva a pensar que o professor deveria pensar sua
prática também em outros termos, mais plurais, marcados pela instantaneidade,
pela contingência, pelas contínuas mudanças que marcam a contemporaneidade.
O trabalho docente é uma atividade que se constitui com profundos vínculos
ligados à cultura a aos discursos que definem e posicionam tal profissão. Integrar-se
em um grupo, assimilar e assumir uma dada cultura, tornar-se parte de uma
identidade cultural são práticas que se constituem de maneira diferenciada e sempre
transformada. As formas como isso tem se verificado são distintas no tempo e no
espaço; registram continuidade e rupturas, conforme argumenta Costa (1995).
Nas representações analisadas neste estudo, ficou bastante marcada uma
posição de marginalidade da filosofia em relação a outras disciplinas. Pensando mais
74
especificamente no aspecto legal que envolve a obrigação de oferecer, em nível
curricular, o ensino filosofia, caberia refletir sobre alguns aspectos. Se de um lado, a
lei não deveria ser pensada como uma “panacéia” para todos os nossos problemas,
de outro, entende-se que disciplinas como Filosofia e Sociologia dificilmente
lograriam presença nos currículos brasileiros sem força de lei.
As políticas educacionais têm induzido a idéia de que a presença da Filosofia
nos currículos deveria ser “transversal”, que ela não deveria estar reduzida e
confinada a uma disciplina. Num contexto em que o currículo disciplinar a cada dia
apresenta mais provas de seu desgaste e da necessidade de sua transformação,
muito se promete à Filosofia ao apresentá-la “transversalizando” o currículo. Mas
como refere Alves (2001) “não se transversaliza do nada e no vazio” (p.15).
Finalmente, gostaria de referir o questionamento lançado pela prof. Dra.
Marisa Vorraber Costa, na década de noventa, como um elemento balizador para as
reflexões acerca do ensino de Filosofia:
o que tem prejudicado o ensino de Filosofia, como, da mesma
forma o de outras matérias, é a indefinição dos projetos educativos,
a não opção por objetivos e propostas claras. Quando for claro para
a escola e para os professores, qual a meta a perseguir, sem dúvida
a Filosofia terá um grande papel a cumprir. Porém do discurso
progressista, à prática progressista, temos um largo caminho a trilhar
e é urgente que comecemos a limpá-lo do entulho do ecletismo, para
que possamos, juntos, construir a escola a serviço do interesse
humano de emancipação. (Costa, 1992, p. 57)
O que busquei desenvolver nesta dissertação foram leituras que me foram
possíveis, utilizando-me de referenciais teóricos e metodológicos, orientados pelo
campo dos Estudos Culturais.
75
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