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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
PATRICIA RACHEL PISANI MANZOLI
RESPONSABILIDADE SOCIAL: UM ESTUDO SOBRE O
COMPROMISSO ÉTICO E CIDADÃO DO EMPRESARIADO
BRASILEIRO COM A EDUCAÇÃO.
FRANCA
2009
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PATRICIA RACHEL PISANI MANZOLI
RESPONSABILIDADE SOCIAL: UM ESTUDO SOBRE O
COMPROMISSO ÉTICO E CIDADÃO DO EMPRESARIADO
BRASILEIRO COM A EDUCAÇÃO.
Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito
e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” como requisito para obtenção do
Título de Mestre em Serviço Social. Área de
Concentração: Trabalho e Sociedade.
Orientador: Prof. Dr. Ubaldo Silveira.
FRANCA
2009
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Manzoli, Patricia R.P.
Responsabilidade social : um estudo sobre o compromisso
ético e cidadão do empresariado brasileiro com a educação /
Patrícia R.P. Manzoli. –Franca : UNESP, 2009
Dissertação – Mestrado – Serviço Social – Faculdade de
História, Direito e Serviço Social – UNESP.
1. Responsabilidade empresarial. 2. Serviço Social – Empresa.
3. Educação – Investimentos sociais. 4. Cidadania.
CDD – 362.85
PATRICIA RACHEL PISANI MANZOLI
RESPONSABILIDADE SOCIAL: UM ESTUDO SOBRE O
COMPROMISSO ÉTICO E CIDADÃO DO EMPRESARIADO
BRASILEIRO COM A EDUCAÇÃO.
Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como requisito para obtenção do Título de Mestre
em Serviço Social. Área de Concentração: Trabalho e Sociedade.
BANCA EXAMINADORA
Presidente:_________________________________________________________
Prof. Dr. Ubaldo Silveira
1°Examinador:______________________________________________________
Prof. Dra. Helen Barbosa Raiz Engler
2°Examinador:______________________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo Ruiz Sanches
Franca, _____, de_____________de 2009
Dedico a Sueli e Fernando, muito mais que pais, eternos confidentes.
A Cassiano motivo de minhas alegrias, extensão de minha alma.
AGRADECIMENTO ESPECIAL
Ao Prof. Dr. Ubaldo Silveira
Por auxiliar-me neste caminho acadêmico tendo a ética como princípio fundamental para o
alcance de todo objetivo.
AGRADECIMENTOS
A todos que contribuíram para a concretização deste estudo.
À Sandra Lourenço amiga querida e grande pesquisadora, à Anna Patrícia China que com sua
leveza me incentivou a cada semana além de possuir participação especial neste trabalho.
Agradeço à Jucimeire pelas orientações que levaram ao foco deste estudo, à Laura Jardim
pelas adequações à ABNT.
Agradeço a todos os meus familiares, a meus pais, Sueli e Fernando por sempre me apoiarem
e estarem presentes nos principais momentos de minha vida, a querida vovó Yolanda que não
me esquece em suas orações e especialmente à Cassiano, que esteve ao meu lado com toda
paciência e dedicação todas as vezes que as forças pareciam faltar.
[..] Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã, se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu delirar
E morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão
Sonho Impossível.
Chico Buarque
MANZOLI, Patricia Rachel Pisani. Responsabilidade social: um estudo sobre o
compromisso ético e cidadão do empresariado brasileiro com a educação. 2009.101s f.
Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de História, Direito e Serviço Social,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009.
RESUMO
A ação das empresas no âmbito de função social não lucrativo acompanhou a trajetória do
capitalismo brasileiro. Somente na década de 1990 foi possível verificar ações mais
organizadas estratégica e sistematicamente voltadas para o tema Responsabilidade Social
Empresarial. (RSE) O capitalismo excludente exercido pelas empresas até então passa a ser
amparado por ideais que transformam o enfoque da iniciativa privada buscando um
desenvolvimento capaz de articular mercado e cidadania, desenvolvimento econômico e
justiça social.Para os propósitos da presente dissertação, destaca-se os conceitos de ética e
cidadania como categorias fundamentais para discutir e compreender o compromisso do
empresariado nacional realizado através de investimentos sociais na área educacional.
Considera-se neste estudo, a educação um campo de ação e disseminação de valores éticos e
da prática da cidadania capazes de catalisar a transformação social desejada no Brasil. O
objeto de estudo, Responsabilidade Social Empresarial foi direcionado para ações
empresariais voltadas a projetos educacionais a partir de análise dos resultados das pesquisas
secundárias: Censo do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Censo GIFE) 2005/2006,
Censo GIFE Educação 2005/2006, Censo GIFE 2007/2008 e a pesquisa do Instituto de
Pesquisa Econômicas e Aplicadas (Ipea): A iniciativa privada e o espírito publico: a evolução
da ação social das empresas privadas no Brasil. O conceito de Investimento Social Privado foi
utilizado para se distinguir da doação filantrópica destinada à caridade por não ser realizada
de forma planejada, monitorada e sistemática. A diferenciação entre investimento social
privado e filantropia é ressaltada para demonstrar o fato de que a doação por si só não
significa efetivamente uma ação socialmente responsável.
Palavras–chave: responsabilidade social. ética. educação. investimento social privado.
MANZOLI, Patricia Rachel Pisani. Responsabilidade social: a study about ethical and
citizen commitment of Brazilian entrepreneurship with education. 2009. 101 s. Paper. (Master
in Social Service) - Faculty of History, Law and Social Work, São Paulo University State,
Franca, 2009.
ABSTRACT
The action of the companies regarding their non-profitable social function has accompanied
the trajectory of capitalism in Brasil. It is possible to verify in the 1990s alone, more
strategically organized and systematically actions focused on the theme Corporate Social
Responsibility (CSR). Excluding capitalism exercised by companies until then has been
transformed and has become supported by ideals that focus on private initiative in search of
development which can articulate the market and citizenship, economical development and
social justice.For the purposes of this dissertation, the concept of ethics and citizenship as
fundamental categories are highlighted, in order to discuss and understand the commitment of
national entrepreneurship carried out through social investments in education. It is
considered in this study, education as a field of action and dissemination of ethical values and
the practice of citizenship as being able to catalyze the desired social transformation in
Brazil.The object of study, Corporate Social Responsibility has been targeted to business
actions which focus on educational projects based on the analysis of the results found in
secondary researches: Census of Institutes, Fundations and Corporates (Censu GIFE)
2005/2006, Census GIFE Education 2005/2006, Census 2007/2008 and the Economic and
Applied Research Institute (Instituto de Pesquisa Econômicas e Aplicadas - Ipea): private
initiative and public spirit: the evolution of social action of private companies in Brazil.The
concept of Private Social Investment was used to distinguish philanthropic donations destined
to charity which is not performed in a planned, systematic nor monitored manner. The
distinction between private social investment and philanthropy is highlighted to demonstrate
the fact that donation by itself does not mean an effective socially responsible action.
Keywords: social responsibility. ethics. education. private social investments.
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Áreas de atuação: associados, entidades e pessoas beneficiadas e recursos
investidos dos associados GIF. Censo 2005-2006 ........................................... 86
TABELA 2 - Percentual de atuação dos associados GIFE por área.
Censo 2007-2008 (%) ....................................................................................... 88
TABELA 3 - Linhas de ação prioritárias na área de educação ............................................... 89
TABELA 4 - Investimentos em Educação .............................................................................. 90
TABELA 5 - Número de entidades e pessoas beneficiadas em projetos de Educação .......... 90
LISTA DE SIGLAS
ABERJE Associação Brasileira de Comunicação Empresarial
Abrinq Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos
ADCE Dirigentes Cristãos de Empresas
Amcham American Chamber of Commerce for Brazil
APIMEC Associação dos analistas e Profissionais de Investimento do Mercado
de Capitais
CEATS Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro
Setor
Cepal Comissão Econômica para a América Latina
CPDOC Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do
Brasil
DVA Demonstração do Valor Adicionado
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EUA Estados Unidos da América
FEA/USP Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo
FIA Fundação Instituto de Administração
FIDES Fundação Instituto e Desenvolvimento Empresarial e Social
FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FGV
Fundação Getúlio Vargas
GIFE Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
IBASE Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
IBOPE Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
Ipea Instituto de Pesquisa Econômicas e Aplicadas
Iseb Instituto Superior de Estudos Brasileiros
ISE Índice de Sustentabilidade Empresarial
ISP Investimento Social Privado
LOAS Lei Orgânica da Assistência Social
PIB Produto Interno Bruto
RSE Responsabilidade Social Empresarial
SAI Social Accountability International
OCIPS Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
ONU Organização das Nações Unidas
ONGs Organizações Não-Governamentais
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15
CAPITULO 1 RESPONSABILIDADE SOCIAL NO MUNDO DOS NEGÓCIOS ........ 21
1.1 Responsabilidade Social: o despertar da cidadania empresarial ................................. 22
1.2 Da Responsabilidade Social do Estado para a Responsabilidade Social das
Empresas ............................................................................................................................ 31
CAPÍTULO 2 CENÁRIOS PARA A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS
EMPRESAS .................................................................................................. 42
2.1 A disseminação do conceito de Responsabilidade Social Empresarial no mundo ..... 43
2.2 A disseminação do conceito de Responsabilidade Social Empresarial no Brasil ....... 50
2.3 O processo de reconhecimento das demandas sociais no Brasil .................................. 59
CAPÍTULO 3 ÉTICA E CIDADANIA PARA RESPONSABILIDADE SOCIAL NOS
NEGÓCIOS ................................................................................................... 68
3.1 Ética e Cidadania: Categorias fundamentais para a prática da Responsabilidade
Social Empresarial ............................................................................................................ 69
3.2 A ética e a cidadania na prática: a aplicabilidade de indicadores de
responsabilidade social das empresas ............................................................................. 74
3.3 Educação: um caminho transformador para o compromisso ético e cidadão ............ 80
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 94
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 98
15
INTRODUÇÃO
16
O presente estudo é resultado da pesquisa realizada no programa de pós-
graduação stricto sensu (mestrado) em Serviço Social. O enfoque dado ao tema
Responsabilidade Social Empresarial considera os conceitos, Ética e Cidadania,
como categorias fundamentais para discutir e compreender o compromisso do
empresariado nacional realizado através de investimentos sociais na área
educacional.
O conceito de responsabilidade social é abrangente, justamente pela
diversidade de comportamentos e de ações que uma organização pode assumir
voltados a assegurar o bem-estar dos indivíduos ou dos grupos sociais relacionados
direta ou indiretamente com suas atividades. O presente estudo utilizará o conceito
específico de Responsabilidade Social Empresarial, ou seja, ações exercidas por
empresas. A definição adotada para este conceito será a mesma do Instituto Ethos
1
.
Responsabilidade Social Empresarial é a forma de gestão que se
define pela relação ética e transparente da empresa com todos os
públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de
metas empresariais que impulsionem o desenvolvimento sustentável
da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as
gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução
das desigualdades sociais.
(INSTITUTO ETHOS DE RESPNSABILIDADE SOCIAL, online).
O intuito de compreender e analisar o compromisso ético e cidadão do
empresariado nacional com a educação em nosso país deu-se, primeiramente, por
considerar a educação um campo de ação e disseminação de valores éticos e da
prática da cidadania capazes de catalisar a transformação social desejada no Brasil
convertendo-se em ações consistentes e de impacto duradouro ao público
beneficiado. E por ser a responsabilidade social empresarial um passo consistente
para a gestão ética dos negócios em busca de uma maior integração social dos
excluídos socioeconomicamente.
É importante destacar que a educação a qual esta dissertação refere-se é
vista, no presente estudo, como processo de formação dos indivíduos e da própria
sociedade e como disseminação de valores éticos e práticas de cidadania.
1
Criado com a missão de disseminar a prática da responsabilidade social empresarial, o Instituto Ethos de
Responsabilidade Social foi criado em 1998 no Brasil, por um grupo de empresários e executivos oriundos da
iniciativa privada que é caracterizado como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
17
Uma das primeiras dificuldades encontradas para abordar o tema proposto
estava justamente na abrangência do campo a ser analisado: o empresariado
nacional. Necessariamente, surgiram os primeiros questionamentos que levaram a
este estudo. Quem é este empresariado? Qual o seu perfil? Realizam investimentos
sociais privados em educação? Estes investimentos podem ser considerados como
apreensão efetiva do conceito de responsabilidade social uma vez que este conceito
pressupõe o estabelecimento de padrões éticos nas atividades empresariais e na
sua forma de gestão?
É importante destacar que os mapeamentos efetuados sobre
responsabilidade social são raros e recentes e, em sua maioria, não respondem
completamente a esses questionamentos, mas têm contribuído para aprofundar o
conhecimento sobre o envolvimento do setor empresarial na área social, além disso,
são relevantes para os Governos que passam a dispor de informações que lhes
permitem aprimorar suas relações com entidades ou ações não governamentais,
assim como compreender o papel social das empresas, cada vez mais chamadas a
atuar em parceria no campo social através das Ações de Responsabilidade Social
Empresarial.
Seguindo a relevância dos mapeamentos efetuados sobre ações de
responsabilidade social, a discussão teórica realizada nesta dissertação utiliza-se de
pesquisas secundárias para mensurar, por meio dos dados quantitativos, o
envolvimento do empresariado nacional com a educação.
A metodologia empregada para a realização deste trabalho de cunho teórico
consiste em pesquisa bibliográfica, aliando as áreas de Responsabilidade Social
Empresarial (RSE) e Serviço Social, sendo a coleta de informações realizada,
principalmente, através de dados secundários, a saber: livros, teses, revistas,
pesquisas de instituições e sites na internet.
O primeiro capítulo desta dissertação apresenta o conceito de
responsabilidade social inserido no mundo dos negócios, a concepção de cidadania
empresarial e a transição do foco das responsabilidades sociais do Estado para a
responsabilidade social das empresas.
O segundo capítulo apresenta a trajetória do conceito de responsabilidade
social no mundo e no Brasil, contextualizando esta temática à história econômica e
social do país. O cenário social brasileiro é destacado por meio da pesquisa da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) intitulada: Crescimento
18
Econômico: como superar a limitação e atingir o desenvolvimento social. Esta
pesquisa salienta a importância da educação como política social fundamental para
o real desenvolvimento social e econômico da nação.
O terceiro capítulo aborda os conceitos de ética e de cidadania como
categorias fundamentais para as práticas de responsabilidade social empresarial.
Este capítulo possui grande importância por servir como elo entre todos os demais
capítulos e por realizar a conexão do tema responsabilidade social empresarial ao
tema Educação. Considerando que as práticas de responsabilidade social
empresarial, realmente eficazes enquanto medidas sociais, devam estar
profundamente alicerçadas em valores éticos e práticas de cidadania
transformadoras e não remediáveis.
Por considerar a educação o exemplo maior de política social efetiva para o
desenvolvimento real tanto social quanto econômico de um país, o capítulo três
demonstra, claramente, que as categorias, ética e cidadania, estão na pauta de
discussão do mundo empresarial nas últimas três décadas.
O destaque deste capítulo está na apresentação da ação empresarial do
Brasil voltada para educação. Esta apresentação é realizada por meio das análises
dos resultados das pesquisas secundárias: Censo GIFE 2005/2006, Censo GIFE
Educação 2005/2006, Censo GIFE 2007/2008 e a pesquisa do Instituto de Pesquisa
Econômicas e Aplicadas (Ipea): A iniciativa privada e o espírito publico: a evolução
da ação social das empresas privadas no Brasil
2
.
Este capítulo ressalta resultados apresentados nas pesquisas que se
relacionam diretamente ao tema deste estudo e, desta forma, estabelece diálogo
com a bibliografia que alicerça as bases conceituais da presente dissertação. O
capítulo também pode ser visto como um alerta sem pretensões, mas reflexivo ao
empresariado nacional sobre a relevância da responsabilidade social empresarial no
Brasil, em especial, o investimento social privado em práticas educacionais.
A escolha por estas pesquisas deu-se pela relevância e representatividade
das mesmas a respeito dos resultados quantitativos e análises qualitativas das
atividades de investimento social privado desenvolvidas pelos integrantes do Grupo
de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) e pela credibilidade do Instituto de
2
Esta pesquisa dá continuidade à série de estudos realizados sobre a ação social empresarial no Brasil para a
atualização dos dados nacionais da Pesquisa Ação Social das Empresas.
19
Pesquisa Econômicas e Aplicadas (Ipea), fundação pública federal vinculada à
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
As atividades de pesquisa do Ipea fornecem suporte técnico e institucional às
ações governamentais para a formulação e reformulação de políticas públicas e
programas de desenvolvimento brasileiros. A credibilidade dessas pesquisas quanto
à metodologia adotada e o ineditismo dos resultados foram determinantes para
nortear a discussão conceitual e as análises apresentadas neste estudo.
O Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE) foi a primeira
associação da América do Sul a reunir empresas, institutos e fundações de origem
privada ou instituídos para a prática de investimento social privado. Em seu site
oficial, a rede de associados GIFE destaca que investe quase R$ 1 bilhão por ano
em projetos variados. No ranking das áreas temáticas priorizadas, destacam-se
Educação, Cultura e Artes, e Desenvolvimento Comunitário. O diferencial da Rede
GIFE de Investimento Social Privado é a preocupação na construção de uma
sociedade sustentável. Por isso, procuram transferir para os projetos que financiam
ou operam a cultura da gestão de recursos financeiros e humanos, planejamento,
definição de metas e avaliação de resultados, buscando a cumplicidade da
comunidade nas tomadas de decisão. (GIFE, 2009 b,online).
O conceito de Investimento Social Privado é caracterizado pelo GIFE como
repasse de recursos privados para fins públicos por meio de projetos sociais,
culturais e ambientais, de forma planejada, monitorada e sistemática diferindo-se
das demais ações filantrópicas, exatamente por retirar o enfoque dado à caridade e
lidar diretamente com as causas das questões sociais, avaliando a relevância das
mesmas e aplicando ferramentas de gestão em seus projetos sociais. Dessa forma,
a grande diferenciação entre investimento social privado e filantropia está no fato de
que a doação por si só não significa efetivamente uma ação socialmente
responsável. Para que a ação seja de responsabilidade social, é preciso ter
assimilado na gestão dos negócios uma ética empresarial que demonstre
responsabilidade pelo desenvolvimento social. Será possível compreender que
mesmo ações filantrópicas podem e devem estar alicerçadas em um processo ético
e transparente. Por ser o conceito de Responsabilidade Social abrangente e estar
diretamente atrelado aos conceitos de ética e cidadania, esta dissertação enfocará
ações sistematizadas de responsabilidade social de empresas, ou seja, corporações
que profissionalizam suas ações sociais praticadas para a comunidade.
20
Existe, hoje, um forte consenso, na sociedade brasileira, sobre a importância
da educação como instrumento central para melhoria das condições de vida e para o
desenvolvimento social e econômico do país. O setor privado tem se mobilizado
para ajudar, e o GIFE congrega a maioria das instituições no país que desenvolvem
ações educativas e de apoio à educação de diferentes tipos.
Face ao exposto e com a comprovação de resultados de pesquisas citadas no
decorrer deste trabalho, acredita-se que este contribui na divulgação e promoção de
conceitos importantes que podem nortear a sociedade empresarial brasileira a uma
maior conscientização de suas responsabilidades para com a sociedade na qual
está inserida. O conceito de responsabilidade social pressupõe a aplicação de ações
planejadas para o desenvolvimento social e, consequentemente, econômico. Por
esse motivo, faz-se necessário apresentar um panorama do desenvolvimento
histórico do conceito de responsabilidade social empresarial no Brasil.
Nas considerações finais, destacou-se que a análise sobre o processo de
divulgação e implementação do conceito de responsabilidade social está
intimamente relacionada ao desenvolvimento das próprias questões da assistência
social no país, por sua vez, resultado das demandas da sociedade capitalista e de
suas diferentes requisições no embate da chamada “questão social”, mas que, em
sua origem, estava intimamente relacionada à prática cristã católica. A dimensão
prática do Serviço Social confere a esta dissertação efetividade à discussão sobre o
processo de desenvolvimento social e as transformações do Mundo do Trabalho
ocorridas desde o início do século XX, questões que contextualizam o conceito e a
disseminação das práticas de Responsabilidade Social Empresarial.
21
CAPÍTULO 1
RESPONSABILIDADE SOCIAL NO MUNDO DOS NEGÓCIOS
22
1.1 Responsabilidade Social: o despertar da cidadania empresarial.
Boas ações, gestos de caridade, ajudar alguém necessitado disponibilizando
recursos financeiros ou até mesmo recursos para a própria sobrevivência, atuar
como voluntário em algum projeto social ou ambiental são ações facilmente
associadas ao conceito de Responsabilidade Social. Na verdade, este é um engano
comum e, para desmistificar esta noção, é preciso primeiramente compreender que
o despertar da responsabilidade social das empresas não apresenta um histórico
cronologicamente definido, justamente por fazer parte de uma evolução da postura
das organizações em face da questão social, provocada por uma série de
acontecimentos sociopolíticos determinantes e também pela própria trajetória
histórica do capitalismo mundial.
O termo Responsabilidade Social é um conceito que se vinculou,
gradativamente, ao mundo corporativo e, atualmente, traduz-se em uma forma ética
de conduzir os negócios. Seja a responsabilidade social voltada a projetos
ambientais, educacionais ou de outra natureza, o fato é que o conceito de
responsabilidade social é abrangente, justamente pela diversidade de
comportamentos e ações que uma organização pode assumir, voltados a assegurar
o bem-estar dos indivíduos ou dos grupos sociais relacionados direta ou
indiretamente com suas atividades.
Na busca da garantia de espaço no mercado globalizado, na
potencialização do seu desenvolvimento, as empresas inteligentes,
incansáveis na redefinição de seus valores como forma de adequá-
los às necessidades mercadológicas vigentes, desenvolvem um novo
comportamento voltado para o seu estabelecimento no mundo
competitivo: Responsabilidade Social de Empresas (RSE), esta é a
nova forma de “como fazer” adotada pelas empresas modernas.
(PESSOA, 2005, online).
Foi em torno das Guerras Mundiais que o embate entre capital e trabalho
assumiu diferentes formas, projetando-se como proposta “socializante” com os
modelos estadistas como o soviético, o de bem-estar social ou desenvolvimentista.
Com a crise desses modelos, o setor privado passou gradativamente a assumir a
liderança no papel do desenvolvimento econômico, o que fez aumentar também as
23
expectativas sobre as responsabilidades que o setor privado assumiria diante do
agravamento das desigualdades sociais. Surge, no período pós-guerra, um
movimento de descentralização por meio de formação de blocos econômicos,
ocorrendo, portanto, flexibilização e fortalecimento da sociedade civil, o qual passa a
compor um novo pacto para as condições de governabilidade do país.
Nesta interdependência entre governo, setor privado e sociedade civil, o
campo social ganha espaço através do chamado Terceiro Setor. Uma zona que se
coloca entre o Estado e o mercado representado por organizações da sociedade
civil e fundações empresariais sem fins lucrativos.
É possível afirmar, desta forma, que, a partir do século XX, diversos fatores
de ordem política, econômica e social levaram ao reconhecimento e legitimação de
algumas necessidades e demandas sociais decorrentes das mudanças no mundo do
trabalho que provocaram alterações no modelo do desenvolvimento econômico.
Do ponto de vista social, o impacto mais marcante foi e ainda é o
desemprego que se origina cada vez mais da desqualificação e despreparo da mão
de obra para as funções atuais. O conceito de cidadania difunde-se, então, a partir
deste novo cenário, não apenas como temática social, mas mantém-se atualmente
nas pautas do universo político e econômico como uma nova demanda das
sociedades complexas.
É importante ressaltar que a gestão da política social sempre está ancorada
na parceria entre Estado, sociedade civil e iniciativa privada; e a base deste arranjo
está sedimentada exatamente no valor social de cidadania.
Delinear um entrelaçamento nas discussões entre ética e cidadania é
mais que estreitar os relacionamentos entre o saber ético-filosófico e
o saber político. Trata-se de colocar a nu uma evidência, que é
aquela segundo a qual boa parte das práticas sociais (boas ou más,
úteis ou não lícitas ou ilícitas) se compõem de ações (individuais ou
coletivas) capazes de traduzir os sentimentos, as sensações, as
angústias, as dificuldades etc. ligados ao comportamento humano
em sociedade. (BITTAR, 2004, p.1).
Altos déficits públicos, revolução informacional, transformação produtiva,
desemprego e desigualdades sociais formam um cenário mundial que requer novas
posturas tanto do setor público quanto privado. Assim, as empresas despontam para
a atuação social.
24
A ação das empresas, neste âmbito de função social não lucrativo,
acompanhou a trajetória do capitalismo mundial e, no Brasil, essas ações ganharam
força somente na década de 1990, em que foi possível detectar ações mais
organizadas, sistematicamente e estrategicamente voltadas para o tema
Responsabilidade Social Empresarial (RSE). Por serem importantes agentes de
promoção do desenvolvimento econômico e do avanço tecnológico, a qualidade de
vida da humanidade depende cada vez mais de ações cooperativas, de empresas
que incorporam, progressivamente, o conceito de responsabilidade social
empresarial, tornando-o um comportamento muitas vezes formalizado em projetos
de atuação na sociedade civil.
A ética e a cidadania permeiam discussões sobre o que é ser politicamente
correto. Nesta pauta de discussão, as relações do homem com o meio ambiente e
suas responsabilidades com o futuro da humanidade face às desigualdades sociais
ganham força. Ao falar em cidadania empresarial, é necessário resgatar a origem da
palavra cidadania e demonstrar as alterações sofridas pela concepção de cidadania
ao longo do tempo.
A palavra “cidadania” é derivada de cidadão, que vem do latim
civitas. Na Roma antiga, o conjunto de cidadãos que constituíam
uma cidade era chamado de civitate. A cidade era a comunidade
organizada politicamente. Era considerado “cidadão” aquele que
estava integrado na vida política da cidade. Naquela época, e
durante muito tempo, a noção de cidadania esteve ligada à idéia de
privilégio, pois os direitos de cidadania eram explicitamente restritos
a determinadas classes e grupos. (PONCHIROLLI, 2007, p. 64).
As transformações sobre a concepção de cidadania estiveram relacionadas à
própria concepção do que é ser cidadão. Ao longo do tempo, a noção de cidadania
esteve por muitas vezes condicionada à concepção política. Neste caso, ser cidadão
é possuir o direito de votar e, na história da humanidade, por muitos anos, este
direito esteve condicionado ao poder econômico.
Historicamente, as revoluções burguesas, em particular a Revolução
Francesa (1798), estabeleceram as Cartas Constitucionais. Segundo Covre (2002),
nestas cartas, o chamado Estado de Direito se estabelece em oposição ao processo
de normas difusas e indiscriminadas da sociedade feudal e às normas arbitrárias do
regime monárquico ditatorial, anunciando, desta forma, uma relação jurídica
25
centralizada. Assim como o próprio conceito de cidadania sofreu e sofre alterações,
o conceito de cidadania empresarial ainda é tratado apenas como uma vantagem
competitiva da empresa. Mas não há como escapar do fato de que, a partir do
momento em que as organizações empresariais atrelam o conceito de cidadania em
sua própria missão, elas estão divulgando abertamente à sociedade um
compromisso ético, mesmo que a intenção da empresa seja gerir sua própria
reputação, ao lidar com valores intangíveis, ativa-se o imaginário popular quanto ao
valor (no sentido ético) que se atribuirá à organização.
Se a empresa-cidadã é aquela que não foge aos compromissos de
trabalhar para a melhoria da qualidade de vida de toda a sociedade,
logo o conceito de cidadania empresarial encampa a noção de co-
responsabilidade da empresa pelos problemas da sociedade.
(PONCHIROLLI, 2007, p.65).
A partir dos anos de 1990, as empresas no Brasil aumentaram os
investimentos em projetos sociais, passaram a defender padrões mais éticos de
relação com seus públicos de interesse (fornecedores, funcionários, clientes,
governo e acionistas) e práticas ambientais sustentáveis. Sob o rótulo de
"responsabilidade social", foi incluído um conjunto de normas e práticas que se
tornou condição para garantir lucratividade e sustentabilidade aos negócios.
Uma das hipóteses é de que tais mudanças não decorrem apenas de
condicionamentos infligidos pelo consumidor ou pelo mercado, mas da interpretação
que os gestores fazem do cenário e do que entendem ser a melhor conduta para a
empresa.
O perfil dos gestores e os fatores estruturais que facilitaram a difusão das
normas de responsabilidade social no ambiente corporativo são indícios de que as
normas presentes no ambiente institucional penetram nas empresas e influem na
sua estrutura organizacional e na maneira como relacionam-se com seus públicos
de interesse. Analisar este comportamento empresarial faz-se altamente relevante e
necessário na atualidade, porque as forças globais de mudança demonstram uma
alteração significativa no processo de gestão das organizações empresariais,
apontando um salto qualitativo na inter-relação entre instituições e comunidades,
revelando que uma precisa da outra para prosperar.
26
É um fenômeno mundial que as empresas venham sendo cobradas pelo
cumprimento do seu papel de cidadãs. Analisando vários aspectos que demonstram
essa mudança na filosofia das empresas para uma nova ética empresarial, é
possível perceber que as organizações empresariais ganharam uma nova
preocupação: implementar programas de responsabilidade social.
Se o foco das organizações em relação à comunidade até pouco tempo
atrás estava apenas direcionado para o mercado, era apenas uma forma de analisar
seus desejos e a capacidade de consumo, agora as organizações também se volta
para os aspectos sociais, avaliando aquilo que a sociedade necessita.
O próprio desenvolvimento da organização dos trabalhadores, nas primeiras
décadas do século XX, contribuiu para reavaliar a perspectiva de atuação do
empresariado frente às questões sociais. A pressão da classe trabalhadora
concretizada em inúmeras greves aliada a fatores de ordem econômica e política
levou diversos capitalistas a atuar no sentido de modelar o sistema formal de
proteção social.
É muito comum em análises acadêmicas encontrar observações críticas e
desconfiadas sobre as ações de Responsabilidade Social Empresarial, quase
sempre pressupondo que essas ações são única e exclusivamente voltadas ao
marketing empresarial, reafirmando uma política neoliberal do capitalismo pós-
moderno que se anuncia global e flexível. Portanto, a crítica realizada a essas ações
está muito direcionada ao chamado terceiro setor que vai desde Organizações Não-
Governamentais (ONGs) até entidades tradicionais de caridade.
É exatamente neste ponto que a presente pesquisa distancia-se da crítica
sobre ações de responsabilidade social advindas de empresas. Ao tratar o tema e
definir a responsabilidade social como sendo ações sistematizas de empresas que
implementam, avaliam ou investem em projetos sociais. Esta definição abre espaço
para que, cada vez mais, haja maior racionalidade na execução dessas ações e no
controle de busca de bons resultados.
A Responsabilidade Social Empresarial (RSE) não é associada, na presente
análise, a ações esporádicas sem planejamento, sem comprometimento efetivo com
resultados sociais.
Atualmente, empresários e empresas divulgam nos meios de comunicação a
participação em projetos sociais ou o apoio a eles por meio de doações. Só que a
gestão de responsabilidade social abrange muito mais do que simples doações
27
financeiras ou materiais. Há definições que englobam a relação ética e socialmente
responsável da empresa em todas as suas ações, em todas as suas políticas e
práticas.
A doação pura e simples nada mais é do que uma prática filantrópica, ou
seja, uma ação social externa à empresa beneficiando a comunidade. O problema é
que na atual conjuntura social a filantropia não busca continuidade das ações, mas
se concentra em ações esporádicas.
Muitas vezes, tem-se a ideia de que para fazer e gerir um projeto social basta
fazer o bem e ter boa vontade. O que vem se buscando, atualmente, é o equilíbrio
desse processo entre fazer o bem e fazer bem feito através da transparência nas
decisões e negociações além de maior profissionalismo, consolidando os projetos
sociais como uma ação realmente eficiente.
Segundo matéria publicada pela revista Veja em 5 de julho de 2006,
intitulada “Os santos do capitalismo”, é possível verificar que mesmo ações
filantrópicas podem ser efetuadas com procedimentos formalizados envolvendo o
reconhecimento do ambiente a da realidade na qual a organização a ser destinada a
doação está envolvida, assim como a verificação de tendências, forças e interesses
que atuam sobre ela. Esse reconhecimento é necessário justamente para que as
ações possam ser objetivas e, dessa forma, alcançar com presteza as
transformações almejadas. Uma das questões mais importantes na elaboração de
projetos sociais é ter claramente definido as diferenças essenciais entre esfera
pública e privada. Em termos de gestão, é preciso identificar com clareza qual é o
ambiente no qual a organização opera.
A matéria traz a informação de que, nos Estados Unidos da América, o
imposto sobre a transmissão de grandes heranças pode atingir 70% desta maneira,
para eles, muitas vezes faz mais sentido criar fundações com objetivos sociais e
colocar os filhos ou herdeiros para comandá-las. Também há a possibilidade de
abater do imposto de renda boa parte do dinheiro gasto com caridade, o que levou
os EUA ao pioneirismo da moderna filantropia com doações anuais, cerca de 260
bilhões de dólares. Na mesma reportagem, é indicada ainda uma doação realizada
pela Microsoft de 28 bilhões de dólares e por Warren Buffet, empresário que aos
setenta e cinco anos, e com fortuna avaliada em 44 bilhões de dólares, doou 40
desses, sendo que 30,7 para a Fundação Bill e Melina Gates que financia escolas
públicas e pesquisas para a cura do câncer. A reportagem, ainda, coloca em
28
questão a análise marxista sobre a concentração de renda capitalista e exploração
do proletariado, demonstrando a influência de Bill Gates, a toda geração atual de
jovens milionários que buscam máxima eficiência e elevados retornos a
investimentos sociais. Essas ações filantrópicas são guiadas por critérios
empresariais como autossuficiência, tendo em vista a consistência financeira por
meio de fontes de renda próprias.
Há metas para a obtenção de resultados efetivos e controles para impedir o
inchaço da burocracia filantrópica. A garantia da eficiência está justamente em ter
claro que as fundações não devem ganhar mais que 20% do que emprestam. Da
mesma forma, as doações não podem perder o foco e se tornarem aleatórias. Os
projetos devem ser selecionados criteriosamente, de acordo com metodologias
exequíveis, buscando retorno econômico e social de acordo com o que podem
gerar. Há fundações que trabalham com objetivos claros, por isso as ações
filantrópicas e sua administração financeira passam por auditorias e apresentam
relatórios anuais de suas atividades e resultados.
Esses filantropos bilionários da atualidade não querem apenas aliviar o
sofrimento dos ainda não incluídos, mas promover a ascensão e transformá-los em
consumidores e mesmo acionistas do sistema de mercado. Está evidente que o
capitalismo não comporta segmentos expressivos de pobreza, mas exige cidadãos
com boa formação educacional e vontade de ascensão social. A dicotomia desse
processo revela, ao mesmo tempo em que se assiste aos avanços benéficos,
aumento nas disparidades e desigualdades sociais, o que obriga o empresário a
repensar os sistemas econômicos, sociais e ambientais. Justamente, por isso, nada
adianta ser uma grande empresa no ranking de seus negócios se não for possível
contar com uma sociedade que compartilhe das mesmas perspectivas.
O envolvimento e o investimento na comunidade em que a empresa está
inserida contribuem para a viabilização dos negócios, exatamente por isso esse
canal deve estar aberto, lembrando que o enfoque da qualidade não está nas coisas
ou nas pessoas, mas nas relações estabelecidas entre elas.
Os mercados fortemente protegidos da concorrência e consumidores
habituados a pagar o ônus do defeito, sem direitos assegurados e nem mesmo
reconhecidos, são um cenário que há muito não fazem mais parte da realidade dos
mercados globalizados. A mudança é percebida nitidamente no comportamento dos
consumidores que aprendem de modo gradativo que seu papel é legalmente
29
assistido e que sua postura pode levar a perda de credibilidade de uma empresa e,
consequentemente, trazer dificuldades na comercialização de seus produtos para
concorrentes mais ajustados às exigências atuais.
É possível detectar no âmbito empresarial que, para muitas empresas, falar
em responsabilidade social representa agir de forma estratégica por meio de metas
que são traçadas para atender às necessidades sociais de forma que o lucro da
empresa seja garantido, assim como a satisfação do cliente e o bem-estar social.
Portanto, neste discurso, também é possível dizer que há envolvimento e
comprometimento sustentável.
Há ações nomeadas de responsabilidade social empresarial que em muitos
casos se restringem apenas ao marketing da empresa. A crítica necessária e
relevante para esses casos está em demonstrar que a qualidade dos projetos é de
extrema importância, pois, ao adotarem projetos de caráter social buscando
indentificar-se como empresas que assumem um comportamento ético e
socialmente responsável, as empresas buscam adquirir o respeito das pessoas e
das comunidades que são atingidas por suas atividades, sendo assim são
reconhecidas pelo engajamento de seus colaboradores e atingem a preferência dos
consumidores. Isto demonstra que esse fator está se tornando ponto importante para
o sucesso empresarial, além de criar novas perspectivas para a construção de um
mundo social e economicamente mais próspero.
Cada vez mais, com o mercado competitivo, as empresas devem estar
atentas ao público que gera e sofre impacto nos negócios.
Empresas que demonstram sintonia com as atuais mudanças
organizacionais realizam ações de RSE para atender aos chamados stakeholders,
ou seja, todas as partes envolvidas com a entidade: proprietários, sócios ou
acionistas, diretores funcionários, prestadores de serviço, fornecedores, clientes,
governo, o meio ambiente e a comunidade. As empresas devem desenvolver a
capacidade de ouvir os diferentes interesses das partes envolvidas para incorporá-
los no planejamento de suas atividades, promovendo assim a melhoria da qualidade
de vida da comunidade como um todo.
Há ainda um diferencial nessas ações. Em sociedades altamente
amadurecidas quanto a RSE, esse conceito é assimilado não apenas como gestão
estratégica de algumas empresas, mas como um comportamento econômico
adquirido, ou seja, como postura empresarial de quem atua na esfera coletiva e
30
social, exigindo, antes de qualquer resultado, um compromisso efetivo com as
ações. Essas são empresas que assumem uma administração de dimensão ética e
política, tendo clareza de que o desenvolvimento social é responsabilidade e
compromisso de um Estado democrático e de uma sociedade civil organizada.
A relação atual entre empresa e cidadão leva a empresa a incorporar
práticas e dinâmicas que atendam aos anseios da sociedade a qual está inserida. O
atributo da responsabilidade com os aspectos e direitos sociais se torna um requisito
indispensável para obtenção de bons níveis de efetividade por parte da organização.
Maria de Lourdes Manzini Covre destaca três conjuntos de direitos que, em
suma, comporiam os direitos do cidadão. Segundo a cientista social, são eles: os
direitos civis, sociais e políticos. Em sua análise, o papel dos direitos sociais assume
destaque na contemporaneidade.
Chamo a atenção para a importância que assumiram os direitos
sociais na etapa contemporânea; é precisamente sobre esses
direitos que os detentores do capital e do poder têm construído sua
concepção de cidadania. Com ela procuram administrar a classe
trabalhadora, mantendo-a passiva, “receptora” desses direitos, que
supostamente devem ser agilizados espontaneamente pelos
capitalistas e pelos governantes. Mas, ao mesmo tempo, essa
concepção de cidadania faz parte de um conjunto de modificações
do capitalismo contemporâneo que pode acenar uma sociedade
melhor. (COVRE, 2002, p.14).
A dimensão técnica que agora é dada também aos projetos sociais
demonstra maior competência na busca de conteúdos e estratégias que permitem
alcançar resultados mais eficazes. Portanto, esse tema tornou-se indispensável sob
a lógica do mercado globalizado, onde os consumidores estão cada vez mais
exigentes não só quanto à qualidade do produto e do serviço, mas a todo o processo
produtivo. Um bom exemplo disso é a não tolerância de lançamentos de dejetos
industriais no meio ambiente, a não utilização de mão de obra infantil, propagandas
enganosas, desrespeito as leis trabalhistas, etc.
A relação estabelecida entre um projeto e os cidadãos usuários não pode
ser vista de forma assistencialista. Em um projeto social, também se fazem
necessários, como em qualquer outro projeto, a potencialização de talentos e o
desenvolvimento da autonomia de seus atores. As empresas, atualmente, são
31
consideradas grandes polos de interação social, tanto com os fornecedores como
também com a comunidade e seus próprios funcionários. Exatamente por isso, o
processo de elaboração de projetos sociais, bem como os investimentos sociais de
origem privada destinados aos projetos, deve ser encarado com muita lógica,
desmistificando a ideia de que este campo de atuação requer apenas ações
voluntariosas.
Todo projeto precisa ter a base bem estruturada e um dos pilares principais
desta estrutura é a educação que funciona como a entrada e a saída nos processos
de gestão da qualidade. Educar-se para um determinado projeto é como mergulhar
em seu segmento, naquilo que o caracteriza especificamente. É preciso estar
inserido em seu contexto para alcançar a verdadeira dimensão que o engloba. Se a
qualidade é um processo ou uma filosofia de vida organizacional e pessoal, não há
como atingi-la se não identificar as variáveis representativas do processo que
permitem quantificá-lo e avaliá-lo mais efetivamente.
Os diversos setores da sociedade estão redefinindo seus papéis adotando o
comportamento socialmente responsável através de ações sociais muito bem
estruturadas. Cada vez mais, a questão social poderá estar amparada pela
exigência e sistematização de ações com alto nível de planejamento,
desenvolvimento, controle e avaliação.
1.2 Da Responsabilidade Social do Estado para a Responsabilidade Social das
Empresas
O termo responsabilidade social é definido por diversas áreas do
conhecimento, como a Administração, Economia, Ciências Sociais e demais áreas,
assumindo formas particulares de descrições de acordo com especificidades de
cada uma das áreas. São interpretações distintas, mas independentemente das
possíveis interpretações do termo, é fato que a responsabilidade social tornou-se
quase um imperativo de gestão para empresas que pretendem manter-se
competitivas no mercado em que atuam. Este imperativo não quer dizer que,
necessariamente, as empresas que assumem esse compromisso, o fazem como
uma decisão puramente social. Muitas empresas tateiam o terreno sem encontrar
32
um caminho efetivo ou legítimo para assumir com responsabilidade um programa de
responsabilidade social.
A noção de responsabilidade social atrelada ao mundo empresarial como
forma de gestão pode ser considerada recente, visto que o que havia antes desta
incorporação do conceito ao mundo dos negócios era a prática da filantropia que se
diferencia em vários aspectos das práticas de RSE. Responsabilidade social
empresarial é um conceito plural por atingir não apenas os acionistas da empresa,
mas por envolver funcionários, mídia, governo, terceiro setor e comunidade.
Abrangente por se aplicar a todos os envolvidos, a responsabilidade social das
empresas deve propor ações que sejam de interesse comum aos envolvidos. Este
conceito ganhou destaque a partir da década de 1970, quando o desemprego foi um
dos pontos mais corrosivos para a política dos países industrializados e de
desastrosas consequências sociais.
Historicamente, a Grande Depressão Econômica e os efeitos do pós-guerra
foram fatos marcantes para o capitalismo, capazes de demonstrar as fragilidades do
sistema e de gerar um dos maiores impactos sentidos pelos próprios “donos do
capital”. Curiosamente, o senso de catástrofe e desorientação causado pela Grande
Depressão foi talvez maior entre os homens de negócios, economistas e políticos do
que entre as massas. (HOBSBAWN,1995, p. 98). O cenário internacional e inclusive
o brasileiro, até o final da década de 1960 e início dos anos de 1970, demonstrava
que ainda não havia condições de consumo no mercado interno que acompanhasse
o nível de produção alcançado. Os percentuais de lucro caíram, dentre outros
motivos, pelo aumento nos custos da força de trabalho; o modelo fordista/taylorista
começava a esgotar-se por não conseguir interromper a retração de consumo que
se intensificava permanentemente.
Todas as transformações foram analisadas por estudiosos de diversas
nações que anunciavam o início da sociedade pós-industrial ou pós-capitalista, a
civilização pós-moderna e o sistema neocapitalista, assim como a preconização do
fim da história pelo avanço do livre mercado, vinculando tais predições ao êxito
relativo do neoliberalismo e às surpresas convulsivas do mundo pós-Guerra Fria.
(SROUR, 1998).
Diante de tantas transformações no mundo, o sociólogo Robert Srour realiza
uma análise iluminadora sobre os paradigmas do mundo pós-moderno,
esclarecendo que as preconizações da literatura econômica e administrativa exaltam
33
os conhecimentos técnicos e científicos como fontes de valor agregado, relacionam
a globalização econômica à supremacia definitiva do mercado, descartando
qualquer planejamento econômico. Há uma plêiade de autores que visualiza no
liberalismo econômico a superação de todas as formas concorrentes de exercer o
poder, predizendo, dessa forma, a reinvenção do Estado e entendendo a qualidade
total, a gestão participativa como pontos de inflexão nas arquiteturas
organizacionais. Portanto, mais do que um turbilhão de constatações, Srour chama a
atenção para a avalanche de transformações que é muito menos enfrentada pelas
forças administrativas e econômicas do que pelas forças sociais que recebem essa
variedade de processos de maneira impactante.
Através de profundos questionamentos com propósito social, Srour indaga:
Quais os fios que costuram tantas descontinuidades? Haverá algum espaço para os
atuais modos de pensar e de fazer, de gerir e de se associar? Em suas palavras:
Ora o que confere sentido a chamada crise da sociedade industrial?
Seria o domínio do setor terciário que delineia uma nova sociedade
de serviços? Ou ainda: o caráter volátil do capital especulativo, à
procura de lucros fáceis em qualquer quadrante do planeta, dada a
instantaneidade das comunicações globais? A conversão da
produção padronizada, destinada a mercados de massa, em
produção flexível, voltada para mercados segmentados? O
vertiginoso declínio do operariado na população economicamente
ativa, a exemplo do campesinato em vias de extinção? A
generalizada perda da importância relativa da força de trabalho física
para a força de trabalho mental? A absorção generalizada das
mulheres no mercado de trabalho? A passagem da remuneração da
mão de obra calculada em horas despendidas para a remuneração
variável vinculada aos resultados obtidos? A redução dos postos de
trabalho em função da informatização, da automoção e da
robotização dos processos produtivos? A globalização do
fornecimento de insumos e de componentes, compondo produtos
mundiais e transcendendo fronteiras? As tendências à ”precarização”
do trabalho – explosão do mercado informal, emprego em tempo
parcial, trabalho temporário, trabalho autônomo complementar ou
eventual – levando à dissociação entre crescimento e emprego?
(SROUR, 1998, p.16-17).
Transitando filosoficamente pela história, o sociólogo analisa as mudanças
ocorridas nas relações de trabalho demonstrando claramente que os trabalhadores,
na economia globalizada, deixaram de ser meras engrenagens na linha de produção
pela busca de se tornarem profissionais qualificados e polivalentes, contrapondo-se
34
a utilização da força física como único atributo de destreza para a utilização das
faculdades mentais. Altruísmo? Benevolência? Voluntarismo? Não. Na verdade, as
transformações ao longo da história decorreram de inúmeras pressões que a
cidadania organizada exerceu no cotidiano das empresas e das ruas. O processo de
intervenção política da sociedade civil veio testando e redefinindo as relações
capitalistas desde o período entre as duas guerras mundiais. E, após todas as
inferências norteadoras do processo histórico das relações de trabalho, ele conclui
indagando novamente:
Todos estes vetores estão presentes na situação contemporânea e
não exaurem a sua complexidade. Fazem com que inúmeras
evidências explicativas, que serviam de chaves para decifrar a
realidade social – confortáveis como velhas pantufas –, rebentem em
pedaços. De maneira que vêm à tona mais algumas dúvidas. Estaria
ainda ativa a lógica de um sistema capitalista de natureza
excludente? Já não se esboçou a superação dos Estados nacionais
pela existência de empresas transnacionais “deslocalizadas” e pela
aplicação de suas estratégias globais? Como entender o
desmoronamento interno do totalitarismo soviético sem que fosse
preciso a hecatombe de uma nova guerra mundial? Quais os
caracteres distintivos do novo Sistema Mundial? A liberalização
negociada do comércio internacional e a globalização dos processos
produtivo, comercial e financeiro não estariam redesenhando o mapa
do planeta? (SROUR, 1998, p. XVII).
Essas séries de perguntas realizadas pelo autor estão colocadas muito mais
como questionamentos filosóficos do que como indagações que realmente procuram
uma única resposta, a intenção do autor parece levar o leitor a crer nas questões
como afirmações complexas e exatamente por isso necessitam de profunda
reflexão.
Após a Segunda Guerra Mundial, a bipolaridade entre as superpotências,
Estados Unidos e União Soviética, deu o tom a um Novo Sistema Mundial que
dividiu o mundo em capitalismo versus socialismo; portanto, um sistema neo-
imperialista. Com o fim desse período denominado Guerra Fria, a multipolaridade
das potências econômicas sobrepôs-se às potências militares dando enfoque à força
dos blocos econômicos que se sistematizaram, cada vez mais, promovendo a
internacionalização do processo produtivo, aumentando em escala global o mercado
de trocas e circuitos financeiros. Formou-se então um sistema econômico
35
globalizado e altamente competitivo cuja essência que o fundava gerou um processo
dialético: ao mesmo tempo em que a globalização parece levar a uma
homogeneização universal, sua natureza política e cultural também é capaz de
colocar frente a frente civilizações de hábitos culturais e sociais díspares e, dessa
forma, provocar uma aproximação ou até mesmo fusões e uniões alicerçadas em
interesses econômicos comuns a esses grupos distintos.
Está colocada, a partir desse novo cenário mundial, a nova divisão
internacional do trabalho. A intensificação dos fluxos mundiais do comércio e de
ativos monetários ultrapassa fronteiras, sendo uma economia universal que se
diferencia claramente de uma simples internacionalização, pois ganha importância
neste processo o fornecimento global de produtos mundiais. (SROUR, 1998).
Para compreender a transição da responsabilidade social do Estado para a
disseminação do conceito de Responsabilidade Social das Empresas, é necessário
pontuar alguns fatos históricos. A disseminação do conceito de Responsabilidade
Social Empresarial (RSE) no mundo está relacionada ao período pós Segunda
Guerra Mundial. A história do capitalismo avançado no século XX é percebida por
muitos autores como uma ruptura plena de uma forma de dominação para a outra:
do welfare-state para o neoliberalismo econômico. (DIAS, 2008). Mas é possível
identificar através de análises bibliográficas que além de rupturas, verificam-se
continuidades. Estas continuidades estariam representadas na clara intenção de
perpetuar e aprofundar o legado político de projetar na consciência dos indivíduos a
sociedade capitalista como única e melhor modelo de sociedade possível, mesmo
estando claro que o neoliberalismo rompe com o welfare-state no plano econômico.
Europa e Estados Unidos da América (EUA), não conseguindo a expansão
de seus mercados consumidores, entraram em crise e estagnação econômica,
revelando o desgaste do modelo, e desencadeando, portanto, problemas sociais
como desemprego em massa, fome, problemas políticos e a ameaça representada
pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) ao capitalismo além da
ascensão de regimes nazi-fascistas dentro da Europa. A Grande Depressão
confirmou a crença de intelectuais, ativistas e cidadãos comuns de que havia alguma
coisa fundamentalmente errada no mundo em que viviam. (HOBSBAWN, 1995,
p.106). A Grande Depressão de 1930, ocasionada no período entre guerras
mundiais, deixou marcas profundas ao capitalismo. Este fato histórico colocou em
36
evidência falhas e fraquezas do modelo econômico capitalista apoiado na não
intervenção do Estado sobre a economia (Liberalismo Econômico).
De qualquer modo, o que era uma economia de “livre mercado” em
uma época em que a economia era cada vez mais dominada por
imensas corporações que tornavam balela o termo “perfeita
competição”, e economistas críticos de Karl Marx podiam observar
como ele se mostrava correto, especialmente em sua previsão de
crescente concentração de capital. (LEONTIEV, 1938, p.78 apud
HOBSBAWM, 1995, p.107).
Devido à crise econômica, os republicanos foram vencidos nas eleições
nacionais pelo partido Democrata em 1932. Franklin Delano Roosevelt foi eleito
presidente dos Estados Unidos e uma de suas primeiras providências foi intervir na
economia para limitar o liberalismo econômico, por meio de um plano econômico: o
New Deal. Baseado nas teorias do economista John Maynard Keynes (1884-1946),
com o New Deal, o liberalismo econômico de Adam Smith cedeu lugar ao
neocapitalismo, que buscava um planejamento econômico baseado na intervenção
do Estado. O presidente Roosevelt determinou grandes emissões monetárias,
inflacionando, deliberadamente, o sistema financeiro; fez investimentos estatais e
estimulou uma política de empregos, entre outras medidas.
O crescimento contínuo da economia, seguindo o modelo keynesiano que
propunha a intervenção estatal na vida econômica, o aumento da produtividade, o
pleno emprego e o crescimento da renda per capita, constituía um sistema de
proteção social sofisticado. A época era considerada antiliberal, assentada no pacto
entre o capital e o Estado. O trabalho era a base do acordo e o Estado exercia o
papel de controle das crises econômicas assegurando o chamado Estado de Bem-
Estar Social (Welfare State), termo que entrou em uso à partir de 1940. Dessa
forma, a responsabilidade social era assumida pelo Estado.
[...] a pesquisa comparada sobre as políticas sociais soube identificar
claramente a enorme diferença que separava o assistencialismo e as
várias formas prévias de ajuda mútua do novo sistema securitário e
compulsório que nasce nos anos 80 do século passado. O que o
distinguia foi o fato de propor medidas e práticas permanentes;
assentar-se sobre um núcleo institucional diferenciado; concentrava-
se sobre trabalhadores masculinos e os obrigava à contribuição
37
financeira compulsória e, finalmente, institucionalizava
procedimentos completamente diferentes dos que foram utilizados
pelo assistencialismo prévio. Nascia ali um novo paradigma,
conservador e corporativo, onde os direitos sociais, definidos de
forma contratual, eram outorgados "desde cima" por um governo
autoritário que ainda não reconhecera os direitos elementares da
cidadania política. Modelo que generalizou-se pela Europa, como no
caso do assistencialismo inglês, mas que acabou tendo, também,
enorme influência na construção conservadora dos sistemas de
assistência e proteção social que se multiplicaram na periferia latino-
americana durante o século 20, mas sobretudo depois de 1930.
(FIORI, online, p.3).
O estudo bibliográfico de Fiori aponta diversos estudiosos sobre o welfare-
state que afirmam que esta política não pode ser compreendida apenas em termos
de direitos e garantias. Ao citar Anderson (1991), Fiori destaca a necessidade de
considerar que as atividades estatais desenvolvidas na política do welfare-state se
entrelaçaram com o papel do mercado e família em termos de provisão social. Fiori
também aponta Mishra (1991) que chega a anunciar que não era possível falar em
Estado de Bem Estar Social antes de 1950, pois Mishra associa o novo padrão de
intervenção social não apenas como base para condição do trabalhador e de seus
beneficiários, mas a uma mudança de paradigma que ocorre na evolução da política
social que, além de apresentar a base para o reconhecimento de direitos dos
cidadãos, demonstra estar, simultaneamente, atrelada ao plano da regulamentação
da economia de mercado e à afirmação hegemônica das políticas econômicas ativas
de inspiração keynesiana. Para ele, afirma Fiori, não há como dissociar os serviços
sociais universais, a redistribuição e a interação das rendas do objetivo maior do
pleno emprego que norteou as políticas econômicas nacionais até os anos de 1980.
A implementação do Welfare State significou o início de uma nova fase dentro
do sistema capitalista que procurou silenciar os ideais do liberalismo econômico.
Harvey (1993) afirma que sob o intermédio do Welfare State assiste-se o advento de
um novo modo de acumulação que procurou aliar o keynesianismo ao fordismo, a
fim de reaquecer a economia por meio do controle de ciclos econômicos, cuja
finalidade seria a combinação de políticas fiscais e monetárias dirigida para áreas de
investimento público, de crescimento da produção e do consumo em massa e de
garantias sociais como a política de pleno emprego e de complemento social.
Harvey (1993) estabelece relação entre a transição do período fordista como sendo
reflexo de um padrão rígido de acumulação de capital para a transição ao mundo
38
pós-moderno, tempo e espaço em que os modos de acumulação tendem a adquirir
flexibilidade devido a novas práticas e formas culturais, como a inserção de novas
tecnologias, o “descartabilidade” das coisas que segundo Harvey se manifesta na
moda, na manipulação da opinião e gosto, a partir da construção de novos sistemas
de signos e imagens.
Estas são mudanças significativas que levam à necessidade da reconstrução
do capitalismo pelas classes dominantes a fim de manterem a sua própria condição
de dominação, o que acabou por intermediar os interesses imediatos dos
trabalhadores de superar a condição de miséria. Era uma nova conjuntura política
que a própria crise de 1929 impôs sobre o capitalismo, a necessidade de
estabelecer um compromisso que atendesse ao mesmo tempo ao objetivo central e
vital do capitalismo, o lucro, e colocasse em negociação a classe dominante com a
classe dos trabalhadores. Obviamente, a classe dos trabalhadores relegou a um
futuro distante, com a negociação, o seu projeto revolucionário em busca de direitos
de seguridade e estabilidade econômica.
A relação entre a classe trabalhadora e as classes dominantes passou a ser
intermediada pelo Estado, garantindo que os interesses, mesmo sendo divergentes,
vigorassem. Contudo, a classe dos trabalhadores não deixou de ser a classe
dominada. A diferença é que a classe dominante passou a reconhecer o direito de
negociação dos trabalhadores, mesmo que dentro dos limites concernentes aos
objetivos do capitalismo. O Estado colocou-se então como estrutura que garantia e
sustentava o compromisso entre empresários e trabalhadores. Nesse momento, foi
possível identificar que os partidos e sindicatos hegemônicos passaram a assumir
um modelo inspirado em parâmetros reformistas da social-democracia, ingressando
nas estruturas da legalidade das negociações intermediadas pelo Estado.
Com a queda dos regimes socialistas do leste europeu e o fim da Guerra Fria,
houve a necessidade de as empresas buscarem novos mercados o que originou o
avanço do neoliberalismo e a onda de privatizações. O surgimento de novos setores
de produção, mudanças estratégicas de fornecimento de serviços financeiros,
mercados emergentes e a inovação comercial, tecnológica e organizacional geraram
consequências sociais, econômicas e até mesmo psicológicas na divisão
internacional do trabalho. Do ponto de vista social, o impacto mais marcante é o
desemprego que se origina cada vez mais da desqualificação e despreparo da mão
de obra para as funções atuais. A nova ordem mundial denominada globalização
39
realoca as atividades produtivas fazendo prevalecer a racionalidade econômica,
visto que, segundo Furtado (2007), esta racionalidade econômica planeja a alocação
de recursos, direcionando para unidades produtivas estrategicamente localizadas
em função dos insumos e de alterações nas taxas de câmbio e juros.
Entre os objetivos e as estratégias traçados pela racionalidade econômica da
globalização, o congloramento das empresas transnacionais busca enfatizar a
aplicação da tecnologia intensiva como sinônimo de eficiência, assim como
prevalece a busca de matérias-primas abundantes e a baixo custos, e a abertura dos
mercados financeiros de telecomunicações, eletricidades etc. Essa é uma nova
distribuição espacial das atividades econômicas que faz com que as atividades
produtivas de alcance estratégico tendam a ser controladas por grupos privados
transnacionais. Estes grupos assumem o controle do capital fixo reprodutivo do país.
Com o advento da globalização, as relações comerciais e financeiras são
impulsionadas pelo setor de telecomunicações. Os processos produtivos se
internacionalizam reduzindo custos de mobilidade e promovendo um crescimento
exponencial das empresas.
As empresas, na necessidade de obter ganhos em escala para alcançar
preços competitivos, buscam implementar condições específicas do mercado
globalizado para atingir os novos padrões de qualidade que estão necessariamente
atrelados à qualidade da força de trabalho, ciência e tecnologia, aplicados à
produção. As características específicas do processo de globalização são capazes
de gerar altos impactos econômicos principalmente pelo fato de o sistema de
telecomunicações funcionar em tempo real, o que expõe o conjunto das economias
nacionais às condições vulneráveis.
A exposição da política nacional e as medidas como elevação da taxa de
juros, controle de déficits públicos e demais informações repercutem de forma
imediata junto aos agentes financeiros internacionais, podendo causar grandes
prejuízos aos países envolvidos. Nesse âmbito financeiro, Srour (1998) cita o
exemplo de governos nacionais que não conseguem controlar taxas de câmbio ou
proteger suas moedas, pois especuladores podem produzir oscilações capazes de
fazer esses governos desembolsarem bilhões na tentativa de segurar a taxa de
câmbio, como foi o caso, em 1990, da libra inglesa, do franco francês e da coroa
sueca, além do “efeito dominó” que abalou as moedas asiáticas em 1997. Esta seria
a “mão invisível” do mercado, capaz de gerar uma competição muito mais acirrada
40
por estar em escala global e, portanto, essa dinâmica acelerada da economia e da
busca por inovações tecnológicas também torna menor o ciclo de vida dos produtos,
fazendo com que o novo torne-se velho com imensa rapidez; além de fazer crescer a
oferta de bens e serviços, o comportamento do cliente torna-se cada vez mais
exigente devido a variedade de produtos e serviço em evidência para o consumidor.
Está apresentado, dessa forma, um patamar elevado da competitividade
internacional evidenciando ainda mais o paradoxo da economia globalizada que
requer também estratégias de relacionamento ou estratégias associativas entre
empresas e clientes, fornecedores concorrentes e possíveis competidores. As
palavras de ordem são: negociação, acordo ou parcerias. Estas palavras denotam
uma transformação do sistema capitalista, muito mais evidente em países
desenvolvidos que estabelecem uma conexão mundial de capital com o mercado
através de grandes financiamentos internacionais e atualização tecnológica intensa.
O quadro pós-Guerra Fria que estava delimitado por um cenário de segurança
militar expresso por meio dos blocos militares dos EUA e URSS é substituído pela
competição econômica em escala mundial. Um processo aparentemente
contraditório se instaura, pois o mesmo tempo em que a globalização parece
pasteurizar ou homogeneizar o mercado, ela reforça o processo de regionalização
institucionalizado nos blocos econômicos e agem diversificando e segmentando o
mercado em acordos protecionistas estrategicamente negociados.
Guerras nacionais - locais afloram ao mesmo tempo em que acordos e
alianças são conquistados e reconhecidos. Alto crescimento populacional em países
de baixo desenvolvimento social e econômico faz parte de um dos fatores que
anuncia falha e rachadura de um sistema mundial competitivo que começa a
considerar a necessidade de intervenção cooperativa internacional para enfrentar
questões como a miséria, a fome, o analfabetismo e o combate às endemias. É o
princípio da disseminação do conceito de solidariedade social em paralelo com a
expansão do capital e a crescente interdependência dos negócios, que vai
gradativamente desafiando o papel do Estado-nação colocando em risco a sua
autoridade e capacidade de controle social. É neste ponto que se inicia uma ruptura
com a lógica do capitalismo excludente instalado. Para Srour (1998), o imperativo da
inclusão que necessita integrar crescentes contingentes populacionais ao mercado
de consumo e completar o processo de construção da cidadania com a vigência de
direitos sociais.
41
O simples fato de uma empresa existir pressupõe que ela tenha um mercado
com um produto ou serviço a oferecer e assim através de seus modos de produção
obtenha lucro e realize novos investimentos. Qual o seu mercado, o seu produto ou
serviço são as características que definem o que a empresa faz, para quem e o
quanto faz. Se no passado uma empresa para alcançar sucesso bastava ser grande,
produzir muito e lucrar muito, atualmente as qualidades que determinam o sucesso
ou o fracasso estão também relacionadas à maneira como essas empresas fazem o
que fazem; e porque fazem. Outros tipos de características ganham importância
diante dessa nova visão mundial, são qualidades intangíveis, mas que provocam
mudanças em seu próprio benefício e ao ambiente ao seu redor. Mais do que uma
onda politicamente correta, o conceito de responsabilidade social começou a
estabelecer suas bases em razões estratégicas de negócios em uma sociedade
globalizada, extremamente competitiva, com consumidores mais bem informados e
que possuem amplo poder de escolha.
Exatamente por isso, não basta apenas oferecer um bom produto, é preciso
cuidar da imagem da empresa. Diante do exposto, é necessário compreender como
o conceito de RSE se propagou e ainda se propaga pelo mundo e especificamente
no Brasil, país em que as demandas sociais são latentes. O capítulo seguinte
proporcionará acompanhar a trajetória do conceito de RSE em organizações sociais
e corporativas, e a adoção de práticas que corporificam o conceito.
42
CAPÍTULO 2
CENÁRIOS PARA A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS
43
2.1 A disseminação do conceito de Responsabilidade Social Empresarial no
mundo
As primeiras manifestações sobre o tema Responsabilidade Social descritas
estão em um manifesto subscrito por 120 industriais ingleses.
Tal documento definia que a responsabilidade dos que dirigem a
indústria é manter um equilíbrio justo entre os vários interesses dos
públicos, dos consumidores, dos funcionários, dos acionistas. Além
disso, a maior contribuição possível ao bem estar da nação como um
todo. Contudo, as primeiras manifestações desta idéia surgiram no
início do século XX, com os americanos Charles Eliot (1906), Hakley
(1907) e John Clark (1916), e em 1923 com o inglês Oliver Sheldon.
Apesar de defenderem a inclusão da questão social entre as
preocupações das empresas, além do lucro dos acionistas, seus
questionamentos não tiveram aceitação e foram postos de lado. O
marco inicial para estudo e debate do assunto “Responsabilidade
Social” foi o lançamento do livro de Howard Bowen, Responsabilities
of the businessman, nos Estados Unidos e, 1953. (OLIVEIRA apud
INSTITUTO ETHOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL, 2005,
p.297-298).
Em artigo publicado em 23 de outubro de 2005, Pessoa (2005, online) faz um
apontamento histórico detalhado das primeiras manifestações sobre o termo
Responsabilidade Social Empresarial. A primeira citação de Pessoa (2005, online) é
de uma publicação realizada em 1949, o artigo “Responsabilidades dos Negócios
num Mundo Incerto”, escrito por Donald David e publicado na Harvard Business
Review. Nesse artigo, David alertava os líderes de negócios a vislumbrar também as
questões públicas, indo além das funções econômicas imediatas de suas
respectivas empresas. Dois meses depois da publicação, Bernard Dempsey
escreveu na mesma revista o artigo “Raízes da responsabilidade dos negócios”. Por
meio da análise de Pessoa (2005, online), esse artigo continha uma base filosófica
sobre o conceito de responsabilidade social empresarial explicitada através de
quatro conceitos de justiça que, segundo ele, embasariam a noção de
responsabilidade dos líderes de negócio.
Os quatro conceitos de justiça que emergiam da análise de Dempsey eram:
a justiça da troca, a justiça distributiva, a justiça geral e, por fim, a justiça social ou
contributiva.
44
A justiça da troca estava, segundo Dempsey, explícita na relação de
confiança que é necessária e subjacente às trocas mercadológicas; a justiça
distributiva era a relação justa entre o governo e os indivíduos; a justiça geral seria o
próprio cumprimento das leis e a aceitação social dos quadros legais instituídos que,
de acordo com Dempsey. as leis deveriam ser aceitas como obrigações éticas e, por
fim, a justiça social ou contributiva que seria a obrigação do homem em contribuir
para o bem estar e o progresso dos indivíduos em sociedade.
Merece destaque a justiça social ao se falar em responsabilidade social.
Este conceito oriundo da visão cristã pode reforçar ainda mais a relevância da
responsabilidade social empresarial uma vez que o princípio de justiça social supõe
crescimento da economia e sua repartição social.
O termo Justiça Social aparece pela primeira vez nos documentos sociais da
Igreja criada oficialmente por Pio XI e empregado nos documentos posteriores do
magistério eclesiástico para expressar o ideal ético da ordem econômico-social.
(SILVEIRA, 2003, p.47-49). O documento papal expressa que as riquezas devem ser
repartidas pelos indivíduos ou pelas classes particulares para utilidade comum. Esta
seria a lei de justiça social que proibiria que uma classe social fosse excluída por
outra.
Nos dois artigos escritos no final da década de 1940, os autores Dempsey e
Donald David apresentavam duas razões para que os homens de negócios fossem
responsáveis com a justiça contributiva, a primeira argumentação era a de que
nenhum homem e nenhuma empresa podem sobreviver isoladamente como se
fossem uma ilha, todos necessariamente precisam de uma comunidade estabilizada;
o segundo argumento era de que as empresas são controladoras de recursos
substanciais e, exatamente por isso, o progresso e bem estar dos indivíduos
também estão relacionados às responsabilidades que as empresas assumem.
Nos anos 50, Morrel Heald descreveu o movimento de passagem da
filantropia para a cooperação real e a participação efetiva de muitos
líderes numa ampla gama de iniciativas comunitárias. Heald
desenvolveu perfis extensos de iniciativas no campo da educação,
da “boa vizinhança” e do apoio às artes por parte das empresas.
(PESSOA, 2005, online).
45
Em 1970, foi publicado também por Morrell Heald uma história abrangente
sobre políticas e práticas desenvolvidas pelos homens de negócios que
configuravam ações socialmente responsáveis. Este livro intitulado “As
Responsabilidades Sociais das Empresas: Empresa e Comunidade 1900-1960” não
abordou o tema Responsabilidade Social como um conceito assimilado pelo grupo
empresarial.
Outro autor citado por Pessoa (2005, online) foi Archie Carrol, reconhecido
por ter dado uma grande contribuição para a evolução do conceito de
Responsabilidade Social da Empresas no período pós-Segunda Guerra. Este autor
considera Howard R. Bowen o pai do conceito. O livro de Bowen, publicado em 1953
e intitulado “As Responsabilidades Sociais do Homem de Negócios”, defendia a
prática como obrigação dos líderes empresariais no sentido de perseguir políticas,
tomar decisões e definir estratégias de ação que respeitassem os valores e objetivos
da sociedade em que estavam inseridos.
É interessante a ressalva de Pessoa (2005, online) em seu artigo, chamando
atenção para as opiniões divergentes e resistentes na época.
Num extremo, Carroll chama a atenção para o amplamente citado
artigo de Milton Friedman, datado de 1970 e publicado na revista do
New York Times, que argumentava que a RSE, enquanto princípio
era “fundamentalmente subversivo” no que respeita às verdadeiras
responsabilidades das empresas, ou seja, aumentar o lucro e o valor
para o acionista. Este ponto de vista tem a sua origem na teoria
econômica, articulada por Adam Smith, de que o mercado livre e a
perseguição do auto-interesse (mais tarde denominado como valor
para o acionista) iriam resultar no maior dos benefícios para a
sociedade como um todo. Outros acadêmicos questionavam se as
obrigações básicas legais e econômicas teriam lugar dentro do
conceito da RSE ou se o seu domínio estava “bem para além” destas
obrigações básicas. Na verdade, qual o âmbito e limites dessa
responsabilidade? (PESSOA, 2005
, on-line).
O debate em torno desta questão ganhava corpo. Os primórdios do conceito
de responsabilidade social corporativa estavam presentes como doutrina nos
Estados Unidos e na Europa até o século XIX.
Nessas localidades até esse período, o direito de conduzir negócios de forma
coorporativa era prerrogativa do Estado ou da Monarquia e não um interesse
econômico privado. Os monarcas expediam alvarás para a exploração e colonização
46
do Novo Mundo às corporações de capital aberto que prometessem benefícios
públicos. (HOOD apud ASHLEY. 2005 p.45).
Mas segundo Ashley (2005), a premissa fundamental da legislação sobre
corporações nos Estados Unidos até o início do século XX tinha como propósito
apenas a realização dos lucros de seus acionistas. A grande mudança da
concepção coorporativa veio somente com os impactos da Grande Depressão e da
Segunda Guerra Mundial, quando os impactos econômicos e sociais demonstravam
que os acionistas não poderiam mais abdicar da responsabilidade de assumir o
papel social da empresa.
Para demonstrar a trajetória de incorporação do conceito de
Responsabilidade Social Empresarial, Ashley (2005) resgata dois julgamentos
ocorridos nos Estados Unidos, o primeiro, em 1919, envolvendo o grande
empresário Henry Ford e o segundo datado de 1953. São relatos de resultados
opostos capazes de revelar a mudança de percepção sobre o papel das empresas
na sociedade.
Em 1919, a questão da ética, da responsabilidade e da
discricionariedade dos dirigentes de empresas abertas veio a público
com o julgamento do caso Dodge versus Ford, nos Estados Unidos,
que tratava da competência de Henry Ford, presidente e acionista
majoritário da empresa, para tomar decisões que contrariavam os
interesses dos acionistas John e Horace Dodge. Em 1916, Henry
Ford, alegando objetivos sociais, decidiu não distribuir parte dos
dividendos esperados, revertendo-os para investimentos na
capacidade de produção, aumento dos salários e fundo de reserva
para redução esperada de receitas em função do corte no preço dos
carros. A Suprema Corte de Michingan foi favorável aos Dodges,
justificando que a corporação existe para o benefício de seus
acionistas e que diretores corporativos têm livre-arbítrio apenas
quanto aos meios para alcançar tal fim, não podendo usar os lucros
para outros objetivos. A filantropia coorporativa e o investimento na
imagem da corporação para atrair consumidores poderiam ser
realizados na medida em que favorecessem os lucros dos acionistas.
(ASHLEY, 2005, p. 45-46).
O segundo episódio demonstra mudança significativa que adota a filantropia
como ação legítima da corporação, podendo, dessa forma, priorizar os objetivos
sociais e não apenas os retornos financeiros dos acionistas.
47
Em outro litígio julgado nos Estados Unidos, em 1953, o caso A.
Smith Manufacturing Company versus Barlow, retomou-se o debate
público sobre responsabilidade social corporativa. Nesse caso, a
interpretação da Suprema Corte de Nova Jersey quanto à inserção
da corporação na sociedade e suas respectivas responsabilidades foi
favorável à doação de recursos para a Universidade de Princeton,
contrariamente aos interesses de um grupo de acionistas. A Justiça
determinou, então, que uma corporação pode buscar o
desenvolvimento social, estabelecendo em lei a filantropia
corporativa. (ASHLEY, 2005, p.46).
Estava em pauta a mudança organizacional que levaria as empresas não
apenas a focar em seus interesses próprios, mas a assumir uma nova postura de
reconfiguração de suas relações de negócios. Funcionários, clientes comunidades,
fornecedores, prestadores de serviço, entre outros são percebidos como importantes
no desenvolvimento das corporações, e suas opiniões e demandas passam a
despertar interesse das organizações que buscam dialogar e estreitar
relacionamento com eles. (INSTUTUTO ETHOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL,
2005, p.113)
São os chamados stakeholders, público ligado direta ou indiretamente às
empresas que influenciam na relação que a empresa estabelece com a comunidade,
chegando a afetar positivamente ou negativamente os negócios da empresa,
dependendo da imagem que esse público assimila sobre a empresa e transpõe ao
mercado.
Acionistas, fornecedores, consumidores, comunidade, governo, funcionários
são considerados cada vez mais parte importante a ser trabalhada no plano de
comunicação da empresa. Ser uma empresa socialmente responsável engloba
então estar atenta às expectativas dos stakeholders e à qualidade da relação que se
tem com eles. (INSTITUTO ETHOS DE RESPONSABILIDADE, 2005, p.113.).
O capitalismo excludente foi questionado com mais veemência na década de
1960 nos Estados Unidos e na Europa. Uma das formas assumidas por essa postura
questionadora se manifestou por meio de ações de responsabilidade social cada vez
mais regulares e sistematizadas por estratégias gerenciais do universo teórico-
administrativo. Mas foi a partir dos anos 80 que diversas organizações começaram a
trabalhar sistematicamente com o tema da responsabilidade social empresarial e o
conceito passou a se manifestar na pauta de grandes empresas que passaram a
48
apresentar efetiva preocupação com o meio ambiente, tanto nos EUA quanto na
Europa.
Outro fato que intensificou a reflexão sobre o papel das empresas na
sociedade foi o período de Guerra Fria. Neste momento, as preocupações estavam
voltadas ao futuro do sistema econômico no ocidente. Os altos déficits públicos, a
revolução informacional, a transformação produtiva, o desemprego e as
desigualdades sociais vinham demonstrando que o cenário mundial requeria novas
posturas tanto do setor público quanto privado.
A bibliografia sobre o tema aponta o Conselho Empresarial Mundial para o
Desenvolvimento Sustentável, no ano de 1998, na Holanda (INSTITUTO ETHOS DE
RESPONSABILIDADE, 2005 p.24) como um marco para a formalização do conceito
de Responsabilidade Social. Este evento apresentou o conceito de responsabilidade
social como sendo um dos pilares para o desenvolvimento sustentável e contou com
a presença de sessenta representantes de diversos países. Em debate realizado, foi
discutida a atuação das empresas no âmbito social.
Por possuir uma ampla escala de atuação, o conceito de RSE define-se das
demais ações sociais ou filantrópicas por meio do conceito de sustentabilidade. O
que lhe confere caráter de sustentabilidade está relacionado às parcerias duráveis
que um projeto de responsabilidade social necessita para que suas ações sejam
efetivas e obtenham resultados mensuráveis. Além disso, para ser sustentável, o
projeto ou o programa de RSE deve ter, em seu cerne, uma postura preventiva que
seja capaz de orientar, educar e conscientizar os envolvidos por meio de suas
ações.
A consciência em relação ao meio ambiente e às demandas sociais está cada
vez maior entre as comunidades e as organizações empresariais, mas
independentemente da natureza da ação de responsabilidade social é fundamental
que o projeto seja autossustentável.
A necessidade de integrar os projetos com o desenvolvimento econômico,
social e ambiental é fundamental para a própria longevidade das ações. O termo
“sustentabilidade” foi usado pela primeira vez em 1713 por Hans Carl von Carlowitz,
capitão-mor de minas do Eleitorado da Saxônia, cunhou o termo alemão
Nachhaltigkeit em uma referência à exploração de florestas na Alemanha; em
português, o termo veio a ser sustentabilidade. Porém, a sustentabilidade não é uma
49
invenção da atividade florestal: ela significa uma atitude, um posicionamento em
relação ao trato do ambiente em que vivemos como um bem renovável.
Assimilar a sustentabilidade como expressão dominante significa envolver-se
com as questões tanto do meio ambiente quanto do desenvolvimento social e
econômico. Diante de todo o exposto, não é possível, portanto, demarcar um único
fato para estabelecer de fato a responsabilidade social empresarial como
comportamento assimilado nas corporações.
O fato é que gradativamente as empresas vêm incorporando práticas e
dinâmicas, voltadas aos anseios da comunidade na qual a empresa está inserida,
assumindo, dessa forma, o atributo da responsabilidade social como mais um
requisito indispensável para as organizações empresariais que ganharam uma nova
preocupação: implementar programas de responsabilidade social.
Exatamente por serem importantes agentes na promoção do desenvolvimento
econômico e do avanço tecnológico, a qualidade de vida da humanidade depende
cada vez mais de ações cooperativas de empresas que, de forma progressiva, vêm
incorporando o conceito de responsabilidade social empresarial, tornando-o um
comportamento muitas vezes formalizado em projetos de atuação na sociedade civil.
Alguns acontecimentos mais recentes divulgaram nos meios de comunicação
empresas que agiram de maneira irresponsável ou não ética. Empresas que
cometem algum tipo de violação dos direitos humanos, que utilizam matérias-primas
consideradas de preservação ambiental ou que possam agredir o meio ambiente,
que utilizam trabalho escravo ou exploram mão de obra infantil. Essas ações, que
desconsideram totalmente a postura ética, não cabem mais em um momento em
que os valores éticos estão cada vez mais sendo associados às empresas.
Se o foco das organizações em relação à comunidade até pouco tempo atrás
estava apenas direcionado para o mercado, era apenas uma forma de analisar seus
desejos e a capacidade de consumo, agora ela também se volta para os aspectos
sociais, avaliando aquilo que a sociedade necessita.
Essa nova postura das empresas está longe de substituir o papel do Estado e
a sua responsabilidade com o progresso social de uma nação, mas é fato que, a
partir dos anos 90, as empresas, inclusive no Brasil, aumentaram os investimentos
em projetos sociais, passando a defender padrões éticos na relação com seus
públicos de interesse (fornecedores, funcionários, clientes, governo e acionistas) e
práticas ambientais sustentáveis.
50
O conceito de responsabilidade social disseminou-se no Brasil sob um rótulo
que inclui um conjunto de normas e práticas que se tornou condição para garantir
lucratividade e sustentabilidade aos negócios. Uma das hipóteses é de que as
mudanças assimiladas no mundo empresarial em relação aos conceitos de ética e
cidadania que culminam nas práticas de responsabilidade social não decorrem
apenas de condicionamentos infligidos pelo consumidor ou pelo mercado, mas da
interpretação que os gestores fazem do cenário e do que entendem ser a melhor
conduta para a empresa.
O perfil dos gestores e os fatores estruturais que facilitaram a difusão das
normas de responsabilidade social no ambiente corporativo são indícios de que as
normas presentes no ambiente institucional penetram nas empresas e influem na
sua estrutura organizacional e na maneira como se relacionam com seus públicos de
interesse.
Dimensionar as ações de Responsabilidade Social no Brasil torna-se tarefa
difícil ao levar-se em consideração de que essas se iniciaram informalmente na
sociedade por meio de entidades eclesiásticas e empresariais. Por isso, é relevante
destacar o amadurecimento do conceito de RSE no país por meio da criação de
algumas organizações que possuem força representativa no país conforme será
analisado no próximo item.
2.2 A disseminação do conceito de Responsabilidade Social Empresarial no
Brasil
Para os brasileiros, a questão da responsabilidade social surgiu timidamente
em esparsos discursos notados a partir da década de 1960 conforme afirma Torres
(2002, online, p.139):
Os primeiros e isolados discursos em prol de uma mudança de
mentalidade empresarial no Brasil já podem ser notados em meados
da década de 60. E nesse sentido, a Carta de Princípios do Dirigente
Cristão de Empresas, publicada em 1965, é um marco histórico
incontestável do início da utilização explícita do termo
responsabilidade social diretamente associado às empresas e da
própria relevância do tema relacionado à ação social empresarial no
51
país mesmo que ainda limitado ao mundo das idéias e se efetivando
apenas em discursos e textos, o tema já fazia parte da realidade de
uma pequena parcela do empresariado paulista.
Ganhou evidência maior após o período de redemocratização e abertura
econômica do país na década de 1990.
O poder público, historicamente, vem realizando investimentos na
tentativa de erradicar o leque de problemas sociais do País, mas que
pouco contribuem para minimizar a situação de calamidade e
degradação social que o afeta. A incapacidade do Estado para
cumprir suas obrigações na área social traz à tona situações como a
má gestão dos serviços públicos e a falta de eficiência e efetividade
dos programas governamentais. “O Brasil não é um país que gasta
pouco na área social. O problema é que gasta mal. Os investimentos
representam 20,9% do PIB, sendo que a média latino-americana é
de 10,8% (Neri apud Melo Neto,1999,p.10), ou seja, há recursos
sendo aplicados pelo Governo, mas estão sendo mal gerenciados e,
muitas vezes, sequer chegam às populações que realmente
necessitam. O País vive o paradoxo de ser a 10ª economia industrial
do mundo e a 69ª no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU
(Disponível em: <http://www.gazeta.com.br>). Assim a
responsabilidade social das empresas, cuja projeção nos EUA e na
Europa aconteceu em meados da década de 60, passou a ser pauta
na agenda dos empresários brasileiros, com mais visibilidade, na
década de 90, incentivado pelo período de redemocratização e
abertura econômica do País, pelos direitos conquistados com a
Constituição Federal de 1988, pela aprovação do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) e do Código de Proteção e Defesa
do Consumidor em 1990, pela aprovação da Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS) em 1992 que contribuíram para uma
maior conscientização e organização da sociedade civil sobre seus
direitos, também favorecendo a fundação de ONGs e o
fortalecimento do Terceiro Setor. (ALESSIO, 2008, p.100)
No Brasil, a ação das empresas no âmbito de função social não lucrativo
tornou-se significativa entre as décadas de 1980 e 1990. Foram detectadas, a partir
das duas últimas décadas do século XX, ações mais organizadas sistematicamente
e estrategicamente voltadas para o tema responsabilidade social empresarial. É
possível dizer, portanto, que esse período marca a inserção do tema
Responsabilidade Social Empresarial (RSE) na agenda de interesses da população
brasileira.
Um exemplo de como esta realidade se consolidou na atualidade é
demonstrado na “Pesquisa Responsabilidade Social Empresarial: Percepção do
Consumidor Brasileiro”, realizada nos anos de 2006 e 2007 e lançada pelos
52
Institutos Akatu e Ethos de Responsabilidade Social. A pesquisa foi coordenada pela
Market Analysis Brasil e sua publicação patrocinada pela empresa Carrefour. Os
resultados indicam que 77% dos brasileiros têm interesse em saber como as
empresas tentam ser socialmente responsáveis, revelando estabilidade na
comparação com os índices obtidos nas pesquisas anteriores. Além disso, dois em
cada três brasileiros têm uma avaliação positiva sobre a contribuição das grandes
empresas para o desenvolvimento da sociedade. A porcentagem de entrevistados
que se encaixaram nesta categoria em 2007 (66,5%) sofreu um acréscimo de dez
pontos percentuais em relação a 2006 (57%).
Por outro lado, o caminho não está totalmente consolidado. Para que as
empresas se beneficiem imediatamente da divulgação de suas ações de
responsabilidade social, ainda é necessário enfrentar a desconfiança do consumidor
em relação à atuação empresarial neste âmbito. Este é o principal desafio para as
empresas que incorporam os princípios da RSE em suas práticas.
Mas pode-se dizer que a chave dessa questão está relacionada à educação
continuada que auxilia no processo de assimilação do conceito e da prática da
responsabilidade social empresarial. Segundo Cohen (1999), a educação continuada
exige, da parte das pessoas, desprendimento, humildade e disposição, e, da parte
das empresas, uma nova percepção do que é investimento.
Historicamente, atrelado à prática da filantropia, o movimento de
responsabilidade social no país traz consigo desde o período colonial a presença
das igrejas cristãs atuando direta ou indiretamente, prestando assistência à
comunidade. Alessio (2008) realiza um relato histórico da atuação social das
empresas no Brasil, adotando como marco a fundação da Associação dos Dirigentes
Cristãos de Empresas (ADCE) de São Paulo em 1961. Com o intuito de atuar por
meio de valores éticos e morais pregados pelos ensinamentos cristãos, essa
entidade, formada por empresários, ganhou força em 1977, passando a atuar em
todo o Brasil e se comprometendo a transformar as empresas dos próprios membros
em ambientes de trabalho coletivo, solidário e em busca de melhorias pessoais, bem
como proporcionar à sociedade brasileira a geração de empregos, trabalho e renda
na comunidade, qualificação profissional, organização do voluntariado, apoio e
promoção a entidades comunitárias.
53
A ADCE foi pioneira, em 1977, no lançamento do debate sobre o
Balanço Social, embora sua publicação só aconteceu em 1984, com
a empresa Introfértil e em 1992, com o Banco do Estado de São
Paulo (BANESPA), que publicaram todas as suas ações sociais. A
partir de 1993, outras empresas passaram a publicar o Balanço
Social, mas este obteve maior visibilidade nacional somente em
1997, através de uma parceria do Instituto Brasileiro de Análises
Sociais e Econômicas (IBASE). (ALESSIO, 2008, p.109)
No ano de 1980, professores do Departamento de Administração da
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São
Paulo (FEA/USP) se uniram para criar uma instituição conveniada à escola – a
Fundação Instituto de Administração (FIA). Desta fundação, surgiu o Centro de
Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (CEATS).
O CEATS é considerado no Brasil um espaço pioneiro na geração e disseminação
de conhecimento sobre a gestão das organizações da sociedade civil e responsabilidade
social empresarial. Professores, pesquisadores e estudantes interessados em
compreender e estimular o desenvolvimento social sustentável no Brasil, viabilizado por
empresas, a sociedade civil organizada e em alianças estratégicas reunindo empresas,
Terceiro Setor e Estado, desenvolvem pesquisas e análises acerca do
empreendedorismo social, da responsabilidade socioambiental, avaliação de programas
e projetos sociais, e das formas de atuação e parcerias. Além disso, o CEATS publica
suas conclusões no Brasil e no exterior, além de promover cursos e ações de aplicação
experimental na comunidade. (CEATS,2009, online).
Outro fato que abriu caminho para as práticas de responsabilidade social no
Brasil foi a criação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE).
Criado em 1981, surgiu como proposta de democratização da informação sobre as
realidades econômicas, políticas e sociais no Brasil. Instituição de caráter
suprapartidário e suprarreligioso, o IBASE divulga ser sua missão o aprofundamento
da democracia, seguindo os princípios de igualdade, liberdade, participação cidadã,
diversidade e solidariedade.
O IBASE foi fundado por Herbert de Souza, conhecido como Betinho, o
sociólogo lançou em 1993 a Campanha de Ação da Cidadania contra a Miséria e
pela Vida, popularmente conhecida como “Campanha do Betinho”. Esta foi uma
grande mobilização da sociedade brasileira e das empresas em busca de soluções
54
para as questões da fome e miséria, disseminando a co-responsabilização da
sociedade na luta pelas questões sociais do país.
O IBASE promove a divulgação do balanço social, esta também foi uma
prática originada das demandas éticas envoltas na discussão sobre a RSE
desenvolvida mundo afora. A transparência como valor agregado às mudanças do
mundo globalizado passou a exigir das empresas, a publicação dos relatórios anuais
de desempenho das atividades sociais e ambientais desenvolvidas, além dos
impactos de suas atividades e as medidas tomadas para prevenção ou
compensação de acidentes. Essa diferenciação se inicia com a própria noção de
que as ações de RSE devem envolver ações planejadas que vislumbram resultados,
melhor desempenho nos negócios indo além da relação com a lucratividade.
Em 1990, ano de promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente no
Brasil pela Lei n° 8.069, foi fundada a Associação Brasileira dos Fabricantes de
Brinquedos (Abrinq). Pautada no Estatuto da Criança e do Adolescente, na
Convenção Internacional dos Direitos da Criança e na Constituição Federal
Brasileira (1988), adota como missão promover a defesa dos direitos e o exercício
da cidadania de crianças e adolescentes por meio de ações que garantam os
direitos da criança e do adolescente. (FUNDAÇÃO Abrinq, 2009, online).
No relato histórico de Alessio (2008), é citada a criação, em 1992, do Prêmio
ECO-Empresa e Comunidade da Câmera Americana de Comércio de São Paulo e
destaca o prêmio como um marco para o reconhecimento dos esforços realizados
por empresas que desenvolvem projetos sociais em busca da promoção da
cidadania. O Prêmio ECO-Empresa desde sua criação já segmentava as ações
realizadas por meio de projetos sociais em cinco categorias: cultura, educação,
participação comunitária, educação ambiental e saúde. Demonstrando as origens e
a evolução da atuação social das empresas brasileiras, a autora afirma que as
iniciativas privadas com fins públicos suscitam questionamentos e reflexões sobre a
abrangência e a competência do Segundo e do Terceiro Setor
1
, frente à área social.
(ALESSIO, 2008, p.110). Esta coexistência entre o terceiro setor não lucrativo e não
governamental, como o setor público estatal e o setor privado empresarial, tem
1
Além das instituições que compõem o aparelho do Estado (primeiro setor) e as empresas privadas que
objetivam lucro (segundo setor), existe um “segmento social” que pode ser denominado de “terceiro setor” que
é composto por organizações que visam a benefícios coletivos (embora não sejam integrantes do governo) e
de natureza privada (embora não objetivem lucros).
55
demonstrado resultados na busca da minimização das carências sociais que afetam
grande parcela da população brasileira.
Outro apontamento realizado por Alessio (2008), em termos legais, foi a
autorização do Governo Federal às empresas tributadas em regime de lucro real de
deduzir em até 2% do lucro operacional bruto em doações, desde que destinadas a
entidades sem fins lucrativos, pela Lei n° 91/35, das Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público (OCIPS). (GIFE, 2002 apud ALESSIO, 2008, p.112).
A própria definição e conceituação sobre responsabilidade social das
empresas, portanto, abre espaço atualmente para um amplo campo de atuação
tanto no mundo quanto no Brasil. Seja investimento social privado, cidadania
coorporativa, governança empresarial, o que se diferenciam de fato são as formas
de operacionalização de acordo com o contexto social e econômico a qual se
aplicam.
Todos esses fatos foram importantíssimos para o movimento de
Responsabilidade Social no Brasil, mas o destaque está na criação, em 1998, do
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social que proporcionou ao
movimento um perfil fortemente baseado na ética, cidadania, transparência e na
qualidade das relações da empresa.
A missão do Instituto Ethos
2
, desde então, é mobilizar, sensibilizar e ajudar as
empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, com base na
construção de uma sociedade sustentável e justa. Para disseminar essa prática, o
instituto ajuda as instituições a incorporar de forma progressiva o conceito de
comportamento empresarial socialmente responsável, implementar políticas e
práticas que atendam a elevados critérios éticos, contribuindo para o alcance do
sucesso econômico sustentável a longo prazo. Demonstrar aos seus acionistas a
relevância de um comportamento socialmente responsável para um retorno a longo
prazo sobre seus investimentos. Para cumprir sua missão, o instituto desenvolve
uma série de atividades que vão desde a disseminação de informações sobre
responsabilidade social empresarial, conferências, debates e encontros nacionais e
internacionais, orientação através de consultoria, elaboração de manuais para o
2
Esclarecimentos importantes sobre as atividades do Instituto Ethos:
O trabalho de orientação às empresas é voluntário, sem cobrança ou remuneração. O Instituto
Ethos não realiza consultoria, não credencia ou autoriza profissionais a oferecerem qualquer tipo de
serviço em seu nome. Não fornece certificação de responsabilidade social ou “selo” com essa
função. Não permite que nenhuma entidade ou empresa (associada ou não) utilize a logomarca do
Instituto Ethos sem o consentimento prévio e expressa autorização por escrito.
56
auxílio das empresas no processo de gestão que incorpore o conceito de
responsabilidade social, elaboração de ferramentas de gestão que oriente as
práticas socialmente responsáveis, até a área de comunicação, articulação e
mobilização para facilitar a participação da ação articulada de empresas,
organizações não governamentais e poder público na promoção das iniciativas de
bem-estar social.
Para isso, foram adotadas três linhas de atuação que mobilizam o setor
privado, a sociedade por meio da imprensa (prêmio Ethos Jornalismo – para
matérias que promovem o conceito de responsabilidade social), as instituições de
ensino através do prêmio Ethos Valor (que premia trabalhos acadêmicos sobre o
tema) e o prêmio Balanço Social, criado em 2001 por iniciativa da Associação
Brasileira de Comunicação Empresarial (ABERJE), da Associação dos Analistas e
Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (APIMEC), do Instituto Ethos
de Empresas e Responsabilidade Social, da Fundação Instituto e Desenvolvimento
Empresarial e Social (FIDES), e do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e
Econômicas (IBASE).
Através do Prêmio Balanço Social, o consumidor pode verificar o
comprometimento dos líderes com valores e princípios éticos, perceber a empresa
ou o grupo como um todo e não apenas no que se refere aos seus negócios, assim
como é possível verificar a existência de um processo de gestão da
responsabilidade social, ou seja, se a empresa se compromete com um
planejamento de médio/longo prazo e não apenas com ações pontuais e
filantrópicas. Também é possível detectar a participação de diversos públicos na
gestão da responsabilidade social como funcionários, ONGs, fornecedores,
consumidores, membros da comunidade etc.
Um ponto de destaque é a visualização da geração e distribuição de riquezas
pela empresa através da apresentação da Demonstração do Valor Adicionado
(DVA), são dados sobre a geração de riquezas decorrentes de atividade produtiva
ou ganho financeiro comparado com o período anterior e dados de distribuição de
riquezas entre os diversos públicos de funcionários, acionistas, governos ou
financiadores também relacionados com períodos anteriores.
As informações reveladas no Balanço Social demonstram dados que
comparam a empresa no seu setor econômico e social (benchmarking), e, dessa
57
forma, também é verificado se o investimento social e ambiental da empresa está
integrado ao foco de negócios da empresa, o que justifica sua vocação.
Por isso, atualmente, o Instituto Ethos se tornou uma referência qualitativa
que identifica formas inovadoras e eficazes de atuar em parceria com as
comunidades na construção do bem-estar comum, contribuindo assim para o
desenvolvimento social e econômico, e uma relação harmoniosa com o meio
ambiente.
Em 2005, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) lançou o Índice de
Sustentabilidade Empresarial (ISE) que reflete o retorno de uma carteira composta
por ações de empresas reconhecidamente comprometidas com a responsabilidade
social e a sustentabilidade empresarial e atua como promotor de boas práticas no
meio empresarial brasileiro. Existem alguns indicadores que sinalizam uma mudança
de mentalidade da iniciativa privada na questão da responsabilidade social no Brasil.
No entanto, ainda é pequeno o conhecimento sobre as ações com esse caráter que,
efetivamente, estão sendo desenvolvidas pelas empresas.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou em 2006 a
segunda edição do mapeamento da participação do setor empresarial em atividades
sociais voltadas para as comunidades mais pobres. Intitulado Pesquisa Ação Social
das Empresas, reproduz, com algumas inovações, um levantamento anterior,
realizado pelo Ipea, no final dos anos de 1990. A segunda edição atualiza os dados
e inicia a construção de uma série histórica sobre o comportamento das empresas
na área social. É importante mencionar que a pesquisa ocorreu em anos diferentes
para as regiões pesquisadas. Na primeira edição do levantamento, a região Sul foi
investigada em 1999, as regiões Nordeste e Sul em 2000, e o Norte e o Centro-
Oeste em 2001. Desta vez, o estudo se deu em dois anos: Nordeste e Sudeste
foram pesquisados em 2004 e as demais regiões em 2005. A cada momento, as
informações foram recolhidas para o ano imediatamente anterior à realização do
estudo. (IPEA, 2006, online).
A pesquisa divulga que entre o final da década de 1990 e 2004, observa-se
um crescimento generalizado na proporção de empresas que declararam realizar
algum tipo de ação social para a comunidade (por região, por setor de atividade
econômica e por porte). Ao se analisar o conjunto de empresas brasileiras, nota-se
que a participação empresarial na área social aumentou 10 pontos percentuais,
passando de 59% em 2000, para 69% em 2004. São aproximadamente 600 mil
58
empresas que, de alguma maneira, atuam voluntariamente em prol das
comunidades (IPEA, 2006, p.11). Chama-se a atenção no resultado da pesquisa o
fato de que nas duas publicações efetuadas foi detectado que o montante desse
investimento social privado é pouco influenciado pela política de benefícios
tributários.
É possível observar que se a proporção de empresários que se
utilizava dos benefícios fiscais já era pequena em 2000 – apenas 6%
– em 2004, ela é ainda menor: somente 2% das empresas que
atuaram no social fizeram uso dos incentivos. Esse resultado
confirma que o envolvimento social do setor privado ocorre
independentemente do Estado: trata-se de uma forma de intervenção
das próprias empresas que não reconhecem influências do governo
no processo de sua atuação. (IPEA, 2006, p.18).
Ao serem questionados sobre o porquê, não utilizavam os incentivos fiscais,
cerca de 40% dos empresários alegaram que o valor do incentivo era muito pequeno
e que, portanto, não compensava seu uso. Segundo a pesquisa, este resultado
demonstra que grande parte do empresariado nacional que realiza investimento
social no Brasil, com enfoque na comunidade, o faz de forma independente ao
Estado.
A Pesquisa Ação Social das Empresas do Ipea demonstra que as
perspectivas das ações de Responsabilidade Social no Brasil são crescentes. Em
quatro anos de diferença da primeira publicação da pesquisa para a segunda, o
interesse do empresariado nacional em expandir os recursos e o atendimento à
comunidade cresceu de 39% para 43%. Portanto, está evidente que o cenário que
se forma no Brasil apresenta o tema Responsabilidade Social Empresarial como
uma ascendente tanto pelo crescente interesse acadêmico na área, a inclusão da
Responsabilidade Social como disciplina pertencente à matriz curricular de cursos
de administração de empresas, a criação de institutos e fundações oriundos de
organizações empresariais, o lançamento de prêmios que promove a prática de
responsabilidade social coorporativa, o papel fundamental de congressos e
seminários que lança o tema em debates e análises críticas, profundamente
necessários para a revisão tanto do conceito como da prática de responsabilidade
social empresarial.
59
2.3 O processo de reconhecimento das demandas sociais no Brasil
A temática que envolve as ações de Responsabilidade Social Empresarial
vem se difundindo não apenas como temática social, mas também se mantendo nas
pautas do universo político e econômico como uma nova demanda das sociedades
complexas. A ação das empresas no âmbito de função social não lucrativo
acompanhou a trajetória do capitalismo brasileiro.
O próprio contexto econômico e social da década de 90 propiciou situações
para que houvesse uma reflexão sobre a estruturação do setor produtivo devido,
principalmente, ao aumento significativo do desemprego que provocou o
agravamento das desigualdades sociais atingindo diversos segmentos da
sociedade. A sociedade pós-industrial ao produzir bens imateriais, como informação
e serviços, transferiu o esforço humano para as máquinas, exigindo mão de obra
altamente qualificada.
A automação de base microeletrônica, os equipamentos
computadorizados, os avanços no campo da eletrônica, a
capacidade de processamento e controle das informações e
sistemas, os microcomputadores, a Internet e a robótica, utilizando
robôs em substituição à mão de obra, com capacidade de realizar e
substituir algumas tarefas humanas forma algumas das novas
tecnologias que trouxeram grandes avanços nas esferas industrial,
nuclear, na Medicina e em outros campos do conhecimento [...]. As
inovações tecnológicas e organizacionais impostas pela competição
global desencadearam um cenário que revolucionou as tradicionais
formas de produção e organização do trabalho, representando
grandes avanços tecnológicos e administrativos, embora seus
impactos ainda não sejam completamente visíveis. (ALESSIO, 2008,
p.32-33.)
A década de 1990 revela a formação de um abismo cultural existente entre o
processo industrial e o pós-industrial. Na sociedade pós-industrial, o trabalho possui
uma natureza diferente do modelo anterior e o que ocorreu foi exatamente o que o
economista John Maynard Keynes definia como desemprego tecnológico: quando a
eficiência técnica se desenvolve em um ritmo mais rápido do que a capacidade da
economia de encontrar novos usos para o trabalho. Segundo Cohen (1999), do
60
desemprego tecnológico surge o paradoxo do progresso, pois ao mesmo tempo em
que sua natureza é intrinsecamente boa, exatamente por ser um progresso, não é
algo necessariamente bom aos seus contemporâneos, pois há falta de sincronia
entre o progresso que chega e a preparação da mão de obra para as consequências
deste progresso.
No Brasil, essa falta de sincronia ou abismo cultural está expressa na própria
discussão sobre a questão social e as desigualdades econômicas, políticas e
culturais das classes sociais. Sua raiz está no processo da formação histórica
nacional e todas as suas particularidades: colonização de exploração, escravização,
economia voltada para latifúndios monocultores; enfim, elementos de uma herança
histórica colonial e patrimonialista que, consequentemente, revelava pouca ou
nenhuma mobilidade social.
A sociedade brasileira mesmo após a libertação dos escravos não criou
condições para a formação de classes sociais intermediárias. O país possuía
distinções sociais claras, compostas por senhores de engenhos e demais
latifundiários e escravos, contando apenas com uma parcela quase insignificante de
comerciantes e demais profissionais. Esta estrutura sem mobilidade de ascensão
econômica gerou um país de extremos contrastes sociais e econômicos.
As desigualdades que presidem o processo de desenvolvimento do
País têm sido uma de suas particularidades históricas. O “moderno”
se constrói por meio do “arcaico”, recriando elementos de nossa
herança histórica colonial e patrimonialista, ao atualizar marcas
persistentes e, ao mesmo tempo, transformá-las no contexto de
mundialização do capital sob a hegemonia financeira. As marcas
históricas persistentes, ao serem atualizadas, repõem-se,
modificadas, ante as inéditas condições históricas presentes, ao
mesmo tempo em que imprimem uma dinâmica própria aos
processos contemporâneos. O novo surge pela mediação do
passado, transformado e recriado em novas formas nos processos
sociais do presente. A atual economia dita “emergente” em um
mercado mundializado, carrega a história de sua formação social,
imprimindo um caráter peculiar à organização da produção, às
relações entre o Estado e a sociedade, atingindo a formação do
universo político cultural das classes, grupos e indivíduos sociais.
(IAMAMOTO, 2007, p.128.).
O peso de uma formação histórica que reforça as exclusões sociais, aliado a
nova reestruturação produtiva e industrial requer a compatibilização entre as
61
transformações institucionais e organizacionais nas relações de trabalho e de
produção com as demandas sociais da nação. Torna-se insustentável para o
desenvolvimento de um país possuir um cenário de total desencontro entre milhares
de pessoas procurando emprego ao mesmo tempo em que inúmeras empresas não
conseguem preencher suas vagas por falta de mão de obra qualificada.
Para a compreensão dessa trajetória do conceito de responsabilidade social
no Brasil, é necessário contextualizar esta temática relacionando-a a trajetória
econômica do país, uma vez que a proposta desta pesquisa enfoca ações
empresariais de responsabilidade social.
Após a 2° Guerra Mundial, o Brasil passou por um processo de
industrialização acelerado em busca de fornecer ao país as bases do
desenvolvimento para orientar a economia em direção aos mercados mundiais. O
objetivo era renovar a indústria de base nacional em busca da substituição do
modelo agro-exportador para o modelo urbano-industrial.
Frente às mudanças ocorridas na economia mundial em decorrência
dos “Anos Dourados” do capitalismo mundial, o Brasil precisou
também se adaptar, o que tornou premente a introdução de
mudanças na base tecnológica para a modernização do parque
industrial brasileiro [...]. (ALESSIO, 2008, p.47).
O perfil socioeconômico do país começou a desenhar-se a partir da década
de 1930 fortalecendo-se entre as décadas de 1940 e 1960, quando o crescimento
populacional e urbano ganhou proporções significativas devido a dinamização da
indústria que buscava tomar o lugar da agricultura. A aceleração industrial e urbana
foi a base do processo de modernização no Brasil que visou diversificar sua
economia e ampliar as condições para geração de riquezas.
Desde a Revolução de 1930 com a política econômica industrializante da era
Vargas até o início dos anos de 1950, o objetivo econômico do país estava
diretamente relacionado à implantação da indústria de base nacional que por ser
fornecedora de equipamentos e materiais semielaborados formava a linha de frente
para a consolidação da indústria no Brasil.
No período denominado desenvolvimentista no governo de Juscelino
Kubitschek (1956-1961), o eixo do seu governo estava baseado no chamado Plano
de Metas, visando os setores de energia, transporte, indústria de base, alimentação
62
e educação. A promessa era fazer o país crescer “cinquenta anos em cinco” por
meio do amplo programa de desenvolvimento econômico dos setores mencionados.
Nesse período, o presidente Juscelino Kubitschek trouxe para seu governo,
técnicos e intelectuais do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) e outros
recrutados na Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), criado pela
Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948, com o objetivo de estudar o
subdesenvolvimento latino-americano e apontar novos caminhos para o
desenvolvimento do continente.
Entre seus pesquisadores estava o brasileiro e economista Celso Furtado que
compartilhava com os demais pesquisadores desse grupo na industrialização como
estratégia para os países latino-americanos deixarem de ser apenas exportadores
de matérias-primas e importadores de bens de consumo.
É importante destacar que essas ações não significaram a fórmula para
diminuição das desigualdades sociais. Em apenas duas décadas de 1940 a 1960, a
população brasileira passou de 41 milhões de habitantes para 70 milhões, foi a
chamada “explosão demográfica”.
Inspirando-se em muitas das ideias e propostas do Cepal em 1955, foi criado
no Rio de Janeiro, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros. Tornou-se um
importante centro de estudos e de projetos voltados para o desenvolvimento,
defendendo o incentivo do governo à modernização industrial brasileira.
Paradoxalmente, a fundação do Iseb, instituição que se tornou possível em virtude
das iniciativas de intelectuais e setores governamentais progressistas (entre os quais
estavam Candido Motta Filho, ministro da Educação e Cultura, e Anísio Teixeira) foi
concretizada por meio de um decreto assinado por um político conservador, o
presidente Café Filho. (TOLEDO, 2005, online).
As atividades do Iseb iniciaram no governo de Juscelino Kubitschek que criou
o Conselho do Desenvolvimento exatamente para buscar pesquisadores que teriam
por missão dedicar-se aos problemas brasileiros. Entre os intelectuais que
compunham o Iseb, a visão nacionalista prevalecia fazendo ressalvas ao modelo
desenvolvimentista indicando que o desenvolvimento econômico do país deveria ser
alcançado com uma margem maior de independência frente ao capital estrangeiro.
Propunham também uma melhor distribuição regional dos investimentos para
estimular o desenvolvimento econômico e social de áreas fora do centro-sul,
sobretudo o Nordeste como é possível conferir nas palavras de Alzira Alves de
63
Abreu pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Escola de Ciências Sociais e História da
Fundação Getúlio Vargas.
Dentro do Iseb, os principais formuladores do projeto de
desenvolvimento nacional foram Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos,
Cândido Mendes de Almeida, Álvaro Vieira Pinto e Nelson Werneck
Sodré. Para esses intelectuais, o Brasil só poderia ultrapassar a sua
fase de subdesenvolvimento pela intensificação da industrialização.
A política de desenvolvimento deveria ser uma política nacionalista, a
única capaz de levar à emancipação e à plena soberania. Sua
implementação introduziria mudanças no sistema político,
determinando a substituição das antigas elites dirigentes do país. Em
um país de economia desenvolvida, a nova liderança política deveria
ser representada pela burguesia industrial nacional, que teria o apoio
do proletariado, dos grupos técnicos e administrativos e da
intelligentzia. Em oposição a esses grupos estavam os interesses
ligados à economia de exportação de bens primários. O investimento
de capitais e de técnica estrangeiros era considerado obstáculo ao
desenvolvimento industrial nacional, já que o capital estrangeiro era
visto como interessado não nos setores industriais, e sim nos setores
extrativos e de serviços. A partir da identificação de dois grupos
defensores de interesses divergentes, o Iseb propunha a formação
de uma "frente única" integrada pela burguesia industrial e seus
aliados para lutar contra a burguesia latifundiária mercantil e o
imperialismo. A luta seria travada, em suma, entre nacionalistas e
"entreguistas" – aqueles que tendiam a vincular o desenvolvimento
do Brasil à potência hegemônica do capitalismo, os Estados Unidos.
(ABREU, online).
A divisão interna do grupo demonstrou claramente que seria necessário
ajustar a proposta do Iseb à política de JK. Mesmo não sendo o nacionalismo o
projeto político identitário do governo de JK, foram desenvolvidas ações balizadas
nas análises do Iseb.
O nacionalismo não foi, entretanto, o projeto político que prevaleceu
na orientação dada ao desenvolvimento industrial pelo governo JK, já
que foi incentivada a política de cooperação internacional. Mas é
inegável que o governo deu amplo apoio aos empresários nacionais
e facilitou investimentos do capital nacional. Deu ênfase, também, a
algumas propostas dos nacionalistas, como a de intervenção do
Estado no planejamento do desenvolvimento do Nordeste como meio
de atenuar as diferenças regionais, criando a Sudene. Embora não
tenha sido dominante na política de JK, o nacionalismo
desempenhou, como ideologia, uma função importante nos anos 50
e 60, na medida em que serviu como instrumento de mobilização
política. (ABREV, online).
64
A intenção de ressaltar a criação do Iseb, neste capítulo, dá-se pelo fato deste
órgão ter representado, para o período em que foi criado, uma expressão
vanguardista do pensamento desenvolvimentista e que pela primeira vez buscava
sistematizar os estudos dos problemas socioeconômicos brasileiros. Mesmo com
suas formulações contrárias a internacionalização da economia promovida por JK, o
Iseb contribuiu com análises de importantes intelectuais que apoiavam a estratégia
governamental destinada à industrialização do Brasil.
Ao promover seminários, debates públicos e publicar livros sobre a conjuntura
político-econômica do país, o Iseb se notabilizou por oferecer cursos regulares a
empresários, oficiais das Forças Armadas, sindicalistas, parlamentares, funcionários
públicos, burocratas e técnicos governamentais, docentes universitários e de ensino
médio, profissionais liberais, religiosos, estudantes etc. Sendo considerado, portanto,
um centro de formação pública ideológica de orientação democrática reformista, o
Instituto foi criado para servir de instrumento para uma ação eficaz no processo
político do país, representando para o Brasil contemporâneo a simbolização e
concretização da noção (e prática) do engajamento intelectual na vida política e
social de um país. (TOLEDO, 2005 online).
Identifica-se, dessa maneira, uma manifestação formalizada da disseminação
dos problemas sociais brasileiros sendo levados ao empresariado nacional.
O aumento do PIB e a geração de emprego proporcionados pelo crescimento
econômico dos “Anos Dourados” do capitalismo mundial, vivenciados durante o
governo de Juscelino Kubtischek, tornaram-se um difícil desafio de se manter para o
governo de Ernesto Geisel, inciado em 1974. Os altos patamares econômicos
apresentados no período de JK impôs novos padrões de qualidade e produtividade
aos quais o Brasil ainda não estava adaptado, o que ocasionou o aumento da
concorrência interna. Consequentemente, a década de 1980 é considerada a
“década perdida” na qual foram registrados vários problemas, bem como queda do
Produto Interno Bruto (PIB), aumento da inflação, desvalorização cambial, dentre
outros desequilíbrios internos e externos além de transformações em termos de
organização do trabalho empresarial, com características tayloristas-fordistas
(BAUMANN,1999 apud ALESSIO, 2008, p.48).
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) possui um
estudo encomendado ao Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio
Vargas (FGV). O estudo publicado em 2005 faz parte da Coleção Referências da
65
FIESP. Intitulado de “Crescimento Econômico: como superar limitações e atingir o
desenvolvimento social”, o estudo examina as perspectivas do crescimento
econômico do país e os impactos sociais, sobretudo sobre o desemprego e a renda.
O desenvolvimento econômico brasileiro no período 1980-2000
mostrou-se bastante inferior a sua trajetória histórica. Nesse período,
a renda per capita em reais cresceu a uma taxa média de 0,6% ao
ano. Segundo, essa performance insatisfatória do crescimento da
renda foi acompanhada por uma estagnação dos indicadores sociais,
especialmente pobreza e desigualdade, durante todo o período. Em
períodos mais recentes, notadamente após 1994, houve uma piora
considerável no índice de desemprego para todas as regiões
metropolitanas, isso pode ter gerado uma piora considerável na
renda familiar per capita, especialmente para as camadas mais
pobres [...]. O processo de crescimento econômico e seus impactos
sociais se colocam hoje como os temas mais relevantes no debate
das questões econômicas no Brasil. Estes temas sofrem influência
tanto do comportamento conjuntural dos cenários e das políticas
macroeconômicas como dos fatores estruturais e institucionais mais
permanentes [...]. O crescimento econômico é uma condição
necessária para redução da pobreza no Brasil. Um aumento de 1%
na renda média se reflete numa redução de aproximadamente 0.9%
no número de pessoas abaixo da linha de pobreza. Nossos
resultados indicam que mesmo os cenários mais favoráveis de
crescimento para os próximos anos não será capaz de promover
grandes avanços no combate à pobreza. Crescimento, por si só, não
reduzirá de forma significativa o contingente de indivíduos abaixo da
linha de pobreza. Isso sugere a necessidade de políticas sociais
complementares que possibilitem que as camadas mais pobres da
população se integrem no processo de desenvolvimento.
Nossas análises do perfil da pobreza mostram que 80% dos pobres
brasileiros vivem numa família chefiada por uma pessoa com um
máximo de quatro anos de educação, sendo a metade deste total
advinda de famílias chefiadas por uma pessoa com menos de um
ano de escolaridade. As evidências empíricas têm demonstrado
também que maior escolaridade está robustamente correlacionada
com o aumento de renda do indivíduo. Portanto, os investimentos na
educação devem fazer parte de uma política de redução da pobreza
no Brasil. Estes investimentos deveriam concentrar-se na educação
primária, sem contudo deixar de contemplar políticas de estímulo ao
desenvolvimento científico e tecnológico. (FIESP, 2009, online).
O estudo apresentado pela FIESP conclui que a questão social se coloca
como tema fundamental para o país, ressaltando a educação como política social
fundamental para o desenvolvimento. A relevância deste estudo está na
comprovação de forma mensurável de que as mudanças realmente significativas
para a melhoria das condições e desenvolvimento do país não podem estar focadas
66
exclusivamente no aspecto econômico. Mesmo chegando à conclusão de que o
crescimento econômico é essencial para a redução da pobreza no país, o estudo
comprova que esta condição também está diretamente relacionada à falta de
estudo, perpetuando a condição de pobreza. São indicados 43% de pobres residindo
em áreas rurais e 44% em áreas urbanas não metropolitanas. Apenas 13% da
população identificada como pobres vivem em áreas metropolitanas. O apontamento
desses dados é acompanhado da seguinte análise:
Políticas voltadas para a diminuição dos desequilíbrios regionais
poderiam reduzir o fluxo migratório para as regiões metropolitanas,
as quais possuem custos de redução da pobreza consideravelmente
maiores do que nas regiões não metropolitanas. A interiorização do
crescimento econômico poderia reduzir mais rapidamente a pobreza
com custos menores. Uma medida importante nesta direção é o
aumento dos investimentos em educação, sobretudo em áreas rurais
e áreas urbanas não metropolitanas. Deve-se complementar estes
investimentos com políticas de renda, dado que o problema de
educação na área rural é agravado pelo maior custo de ir à escola.
Nessas áreas, 90% da população pobre tem chefe trabalhando. Dos
domicílios ativos, 80% trabalha na agricultura, 80% por conta própria
ou sem carteira assinada. Programas de educação têm de se
adaptar a essa realidade: educação para trabalhadores emigrantes e
incentivos econômicos para os filhos de trabalhadores agrícolas irem
à escola. A bolsa-escola não é necessariamente incentivo suficiente
para este grupo. Neste caso, políticas de renda complementares
devem ser contempladas em conjunto com políticas de estímulos
para a micro e pequena empresa (microcrédito, por exemplo).
(FIESP, 2009,online).
Pode-se verificar que a análise do desenvolvimento social e econômico do
Brasil está diretamente relacionada a um amplo conjunto de políticas públicas que
traria benefícios tanto no nível microeconômico quanto no nível macroeconômico.
Mas com certeza a educação coloca-se como índice significativo nesse quadro. O
fato é que para ressaltar a relevância da responsabilidade social em um país como o
Brasil, é preciso ter em mente que o cenário social e econômico do país necessita
de medidas capazes de buscar interações e sinergias entre as diversas linhas de
política, ao invés de encará-las de forma individualizada. Portanto, diante dessa
realidade, há emergência na busca de alternativas para o enfrentamento da questão
social brasileira.
67
Embora o engajamento de empresas em ações sociais já venha ocorrendo no
Brasil há muito tempo, vem crescendo, nos últimos anos, a preocupação com um
envolvimento mais sistemático da iniciativa privada com o tema da responsabilidade
social. Este fenômeno reflete uma percepção, cada vez mais generalizada na
sociedade, de que a solução dos problemas sociais é uma responsabilidade de não
apenas do Estado; é imperativo garantir a todos o acesso à alimentação, moradia,
educação, saúde, emprego, um meio ambiente saudável e a outros bens sociais
fundamentais; além de que não é mais possível conviver com a exclusão de uma
larga parcela da população desses bens sociais, como até agora ocorre no Brasil.
Diante do exposto, deveria a educação ser encarada como prioridade para
ações de Responsabilidade Social no Brasil, uma vez que a educação é considerada
um caminho efetivo para disseminação dos valores éticos e de cidadãos e que
estes, portanto, são os valores que antecedem e dão solidez a todos os demais.
Esta é a discussão apresentada no capítulo seguinte, apresentando a ética e a
cidadania como categorias fundamentais da RSE.
68
CAPÍTULO 3
ÉTICA E CIDADANIA PARA RESPONSABILIDADE SOCIAL NOS NEGÓCIOS
69
3.1 Ética e Cidadania: Categorias fundamentais para a prática da
Responsabilidade Social Empresarial
O mundo não é estático e nossa era revela uma velocidade nos processos de
mudança organizacional com efeitos poderosos sobre pessoas e sobre a sociedade.
Se compararmos o cenário vivido no mundo há cinquenta anos, verificaremos
uma enorme alteração de condições ambientais e importantes mudanças no
desempenho organizacional. Se antes verificávamos estabilidade, definição, certeza,
abundância, pouca sofisticação tecnológica e baixos níveis de consciência social,
hoje passamos por períodos de turbulência, ambiguidade, incertezas, escassez,
sofisticação tecnológica e a melhoria significativa dos níveis de consciência social.
Ponchirolli (2007) afirma que as empresas, por serem como “organismos
vivos”, incorporam mudanças e adotam procedimentos adaptados à nova realidade
e, diante das novas transformações, a empresa deve assumir um papel mais amplo,
transcendente ao de sua vocação básica de geradora de riquezas.
A essa crescente demanda da sociedade oferecem-se várias
respostas e vários entendimentos, pois este novo papel pode estar
associado não só a motivos de obrigação social, mas também a
sugestões de natureza estratégica ou ainda, a uma postura
verdadeiramente ética e cidadã da empresa. O exercício da
cidadania empresarial pressupõe uma atuação eficaz da empresa
com todos aqueles que são afetados por sua atividade, sejam diretos
sejam indiretos, possuindo um alto grau de comprometimento com
seus colaboradores e externos. (PONCHIROLLI, 2007, p. 49).
O autor introduz sua obra, Ética e Responsabilidade Social Empresarial,
realizando um levantamento de fatos marcantes que sinalizam a mudança de
paradigma da atualidade. Estas mudanças, segundo o autor, trouxeram o tema ética
na pauta dos ambientes corporativos para um reexame da compreensão da
responsabilidade do executivo. Entre as proposições destacadas por Ponchirolli
(2007) estão: o crescimento econômico global, ocorridos entre a década de 90 e
2000, o renascimento em massa das artes, a emergência do socialismo de livre
mercado fazendo brotar uma nova política e economia devido às transformações
após a queda do socialismo oriental, o surgimento de um novo estilo de vida
70
globalizado e ao mesmo tempo regionalizado, o surgimento de uma forte economia dos
países da região do Pacífico, a liderança das mulheres em cargos de altos níveis de
responsabilidade, a ideologia da biotecnologia provocando grandes debates éticos, o
renascimento religioso do terceiro milênio desempenhando um papel crescente de
busca da espiritualidade como regulador das condutas morais e da reflexão ética, o
triunfo do indivíduo como ser criativo e propositivo que buscam qualidade de vida, e a
transferência de algumas responsabilidades para as empresas privadas denominada
como a privatização do Welfare State (Estado de bem-estar).
O que o autor denomina de privatização do Welfare State é, na verdade, um
fenômeno mundial que acentua a cobrança da sociedade sobre as empresas para
que exerçam cada vez mais uma administração ética e com enfoque na cidadania.
A prática da ética nas organizações vem se caracterizando por manifestações
concretas, dentre as quais destacamos a Filosofia Empresarial, o Comitê de Ética,
as auditorias éticas, a figura do Ombudsman, Linhas Diretas, Programas
Educacionais e o Balanço Social.
A ética, na era tecnológica, é a estratégia para tolher males que vêm minando
as organizações, como a robotização social, a sociedade estressada, o desemprego
e a violência. Essa tendência se faz necessária atualmente, justamente porque as
forças globais de mudança têm alterado de modo significativo o processo de gestão
das organizações, o que demonstra um salto qualitativo na inter-relação entre
instituições e comunidades, revelando que uma precisa da outra para prosperar.
O foco das organizações, em relação à comunidade, até pouco tempo atrás,
estava direcionado apenas para o mercado, analisando exclusivamente os desejos e
a capacidade de compra. Na atualidade, esta análise também se volta para os
aspectos sociais avaliando aquilo que a comunidade necessita, além dos produtos
ou serviços que a instituição oferece. Pode-se concluir então que há uma mudança
significativa na relação das organizações empresariais com a sociedade.
A antropóloga Maria das Graças Tavares afirma que:
Impõe-se um novo modelo de gestão das relações externas e
internas das organizações. Esta gestão para o ajustamento a um
ambiente modificado pressupõe padrões de pensamento, de
comportamento, posturas, habilidades, sentimentos diversos, dos até
então instalados no interior da organização. Nesta nova gestão, há
uma visão modificada do homem, tanto na posição de consumidor
quanto na de produtor. (TAVARES, 2002, p.05)
71
Esse modelo demonstra a preocupação de ver o homem em sua totalidade, é
uma visão holística que exercita a capacidade de compreender, comparar, escolher,
tomar decisões e participar das ações empresariais, modificando não somente os
processos produtivos, mas também seus processos sociais internos. A organização
procura desenvolver processos de formação da sua cultura organizacional, visto que
esta organização, ao se transformar em uma cultura, cria um conjunto de ações
relativas a seu posicionamento externo e a sua coordenação interna. Esse
posicionamento reflete o caráter ideológico da organização tanto comportamental
quanto material, proporcionando sua sobrevivência, sua manutenção e seu
crescimento.
Essas ações são executadas, testadas e avaliadas, e então são transmitidas
socialmente, passando por ajustamentos que cada vez mais são capazes de fazer
uma interpretação da realidade para a criação de modelos e definição de planos de
ação.
Tão importante quanto à alta produtividade e a capacidade de inovação
tecnológica das empresas, também é necessário estabelecer uma comunicação
aberta, ética, eficiente e transparente com seus parceiros. O envolvimento e o
investimento na comunidade em que a empresa está inserida contribuem para a
viabilização dos negócios da empresa, exatamente por isso esse canal deve estar
aberto, lembrando que o enfoque da qualidade não está nas coisas ou nas pessoas,
mas sim nas relações estabelecidas entre elas.
O respeito aos costumes, às culturas locais e o empenho na educação, na
disseminação de valores sociais devem fazer parte de uma política de envolvimento
comunitário da empresa, resultado da compreensão de seu papel de agente de
melhorias sociais. Através de uma análise macro e micro do ambiente, é possível
analisar o salto qualitativo que esse conceito de empresa cidadã pode gerar, criando
benefícios para a sociedade e revertendo-os para a própria empresa.
Surge a partir da possibilidade de benefícios revertidos à própria empresa
uma pergunta: Como qualificar este interesse empresarial? A resposta, portanto,
pode ser associada à outro questionamento realizado por Robert Srour (2008): Seria
egoísta a natureza desse interesse? O próprio autor responde: De modo algum! A
economia de mercado capitalista repousa no capital de risco. Isso significa que o
empresário tanto pode lucrar quanto pode perder seu investimento.
72
Sua análise sobre a postura ética empresarial caminha no sentido de
esclarecer o que representa a ética no mundo empresarial. Sendo claro e coerente
com a natureza do mundo dos negócios, Srour (2008, p.26) afirma que a relação
entre empresários e clientes apresenta necessidades complementares, uma vez que
o primeiro produz e vende e o segundo compra e consome. As negociações,
portanto, são possíveis na medida em que os interesses de ambas as partes
estejam compatíveis.
O diferencial dessa análise está no fato de clamar para a busca da clareza
sobre os objetivos empresariais, ou seja, a obtenção de lucro. Mas para que tal
objetivo seja atingido, é necessário que os empresários estejam sintonizados com as
demandas do mercado, como afirma o cientista social:
Desta situação resulta o altruísmo estrito (a geração de um bem
restrito que não prejudica outrem) e não uma prática egoísta, pois a
realização do interesse pessoal empresarial, a reprodução ampliada
do capital, requer o reconhecimento da interdependência das partes.
(SROUR. 2008, p.27).
Esse reconhecimento da interdependência das partes é o que vem
provocando mudanças significativas na postura ética empresarial. Os mercados
fortemente protegidos da concorrência e consumidores habituados a pagar o ônus
do defeito, sem direitos assegurados e nem mesmo reconhecidos são um cenário
que há muito não faz mais parte da realidade dos mercados globalizados. A
mudança é percebida nitidamente no comportamento dos consumidores que
aprendem, de maneira gradativa, que seu papel é legalmente assistido e que sua
postura pode levar à perda de credibilidade de uma empresa e, consequentemente,
trazer dificuldades na comercialização de seus produtos para concorrentes mais
ajustados às exigências atuais.
Conscientes de que seu papel na realidade atual deve assumir uma postura
diferenciada, algumas empresas saem à frente assumindo novos modelos de gestão
tanto nas relações externas quanto internas, são novos padrões de pensamento,
comportamento, postura, habilidade e até mesmo sentimentos.
Para Ashley (2005, p.110), a empresa começa a ser vista como uma rede de
relacionamentos entre stakeholders (partes envolvidas ou associadas aos negócios
73
da empresa), contextualizada no tempo e no espaço, e que se encontra diante de
desafios éticos e da busca pela congruência entre discurso e prática empresarial.
Como as empresas orientam suas estratégias para esta nova concepção que
envolve a postura ética e cidadã?
A concepção de responsabilidade social é atualmente uma resposta para a
prática efetiva de ações que possam representar a preocupação das empresas em
desenvolver um papel social na sociedade e comunidade que se relacionam.
Obviamente, é necessário destacar que o conceito de responsabilidade social
empresarial não tem como objetivo central servir de instrumento de relações
públicas ou marketing apesar de claramente desempenhar este papel também. Mas,
muito mais do que uma onda politicamente correta, a responsabilidade social está
estabelecendo suas bases em razões estratégicas de negócios, já que atualmente
encontramos uma sociedade globalizada extremamente competitiva com
consumidores mais bem informados e que possuem amplo poder de escolha.
O capitalismo excludente exercido pelas empresas, até então, passa a ser
amparado por ideais éticos que transformam o enfoque da iniciativa privada,
buscando um desenvolvimento capaz de articular mercado e cidadania,
desenvolvimento econômico e justiça social. Redefinindo seus papéis, as empresas
que adotam esse comportamento socialmente responsável devem fazê-lo por meio
de projetos sociais muito bem estruturados, com alto nível de planejamento,
desenvolvimento, controle e avaliação.
Se antes de se falar em responsabilidade social, as decisões empresariais
eram apenas de acordo com os interesses estratégicos da organização, atualmente
ela deve incorporar elementos provenientes da sociedade que se balizam pela
noção de bem comum.
Por iniciativa conjunta do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade
Social, do jornal Valor Econômico e da Indicator Opinião Pública, foi realizada em
2001, no Brasil, a pesquisa Responsabilidade social das empresas – Percepção do
consumidor brasileiro que apresenta o dado de que 63% dos entrevistados
brasileiros valorizam o tratamento que as empresas dispensam aos funcionários.
Embora o engajamento de empresas em ações sociais já venha ocorrendo no
Brasil há algum tempo, cresce nos últimos anos, a preocupação com o envolvimento
mais sistemático da iniciativa privada com a temática da responsabilidade social.
Esse fenômeno reflete a percepção, cada vez mais generalizada na sociedade, de
74
que a solução dos problemas sociais é responsabilidade de todos, e não apenas do
Estado. Também é imperativo garantir a todos acesso a alimentação, moradia,
educação, saúde, emprego, meio ambiente saudável e a outros bens sociais
fundamentais. Não é mais possível conviver com a exclusão de uma larga parcela
da população alijada de acesso aos bens sociais, como até agora.
A gestão da política social sempre está ancorada na parceria entre Estado,
sociedade civil e iniciativa privada; e a base desse arranjo está sedimentada em um
valor social que é o da cidadania. Surge um movimento interno de descentralização
através da formação de blocos econômicos, flexibilização e fortalecimento da
sociedade civil compondo um novo pacto para as condições de governabilidade de
um país. Nessa interdependência, o campo social ganha espaço através do
chamado Terceiro Setor; uma zona que se coloca entre o Estado e o mercado
representado por organizações da sociedade civil e fundações empresariais sem fins
lucrativos.
A responsabilidade social empresarial está longe de assumir o papel do
Estado e esse não é o propósito, assim como não é o fundamento deste conceito.
Busca-se destacar a responsabilidade social empresarial como uma postura ética e
cidadã que contribui para minimizar as desigualdades sociais por meio do exercício
da crítica atuante e não apenas a crítica oriunda do próprio exercício reflexivo que o
tema suscita.
3.2 A ética e a cidadania na prática: a aplicabilidade de indicadores de
responsabilidade social das empresas.
A doação pura e simples nada mais é do que uma prática filantrópica, ou seja,
uma ação social externa à empresa beneficiando a comunidade. O problema é que,
na atual conjuntura social, a filantropia não busca a continuidade das ações e se
concentra em ações esporádicas. A relação estabelecida entre um projeto e seus
cidadãos usuários não pode ser vista de forma apenas assistencialista. Em um
projeto social, também se fazem necessários, como em qualquer outro projeto, a
potencialização de talentos e o desenvolvimento da autonomia de seus atores.
75
Nas ações de responsabilidade social, uma das exigências básicas é a
condução dessas ações de forma ética, por meio de práticas que demonstrem que a
cultura organizacional da empresa está focada nos princípios de solidariedade e
compromisso social. A adequada compreensão do novo conceito de
responsabilidade social empresarial supõe o entendimento das novas exigências de
racionalidade e o equilíbrio sistêmico do processo de globalização da economia. Por
isso, é importante destacar a ideia de que um país com o mercado integrado pela
globalização passa a exigir das empresas uma nova conduta que, além de atenuar
os efeitos negativos da globalização, seja capaz de atender às demandas
crescentes do mercado e da sociedade por uma atividade empresarial sustentável
dos pontos de vista ambiental, econômico e social.
O sexto capítulo desenvolvido na obra Ética e Responsabilidade Social dos
Negócios, coordenado por Ashley (2005), explica as orientações estratégicas de
responsabilidade social desenvolvidas pelas organizações empresariais de forma
genérica. Facilitando o entendimento da relação que as empresas estabelecem por
meio de ações de responsabilidade social com os possíveis stakeholders.
O primeiro apontamento é para a orientação das relações com o capital nos
requisitos da lei. Nesse ponto, a responsabilidade social é entendida como função
econômica e financeira, ou seja, maximização do lucro, atendendo aos interesses
dos acionistas da empresa sob o aspecto jurídico-legal. Isto obriga a empresa a
gerar lucros para os proprietários do capital da empresa. No entanto, essa seria uma
postura arriscada diante das próprias mudanças jurídicas, sociais e econômicas. A
segunda forma de responsabilidade social possível é as ações voltadas para a
relação com os empregados que vêem, nessa atuação, uma forma de atrair e reter
funcionários com qualificação para a empresa, promovendo uma boa imagem no
mercado. Para essa postura, a RSE é uma responsabilidade básica da gestão de
recursos humanos que devem estar de acordo com a certificação SA 8000.
(ASHLEY, 2005, p.111-113).
A Social Accountability International (SAI), organização não governamental
sediada nos Estados Unidos e criada em 1997, concebeu um programa denominado
AS 8000 que visa por meio de auditoria a certificação de que a empresa adota
condições de trabalho por promoverem o bem-estar e as boas condições de
trabalho. (PONCHIROLLI, 2007, p.84).
76
Ashley (2005) continua a demonstrar as possíveis orientações de RSE de
acordo com seus stakeholders, apresentando a RSE voltada para fornecedores e
compradores. Esse enfoque, segundo a autora, transpõe a cadeia de produção e
consumo, tendo como base um comércio nacional ou internacional ético. Isto é feito,
por exemplo, nos procedimentos de seleção, capacitação, retenção de fornecedores
e procedimentos éticos nas dimensões econômica, ambiental e social. Nas relações
com compradores, a forma de atuação voltada para educação do consumidor ou
comprador e a informação sobre cuidados com seleção, uso, descarte de produtos
e serviços exemplificam o tipo de responsabilidade social. Ainda são apontados pela
autora a responsabilidade social voltada para a prestação de contas (accountability)
que é a publicação de demonstrativos ou balanços sociais e econômicos, e
apresentam transparência dos resultados de desempenho da empresa, sejam
resultados econômicos ou do desempenho social e ambiental. Como modelo mais
reconhecido mundialmente, há a Norma AA100, do Institute of Social and Ethical
Accountability, uma organização não governamental sediada em Londres. A AA100
é uma norma de accountability, com foco em assegurar a qualidade da
contabilidade, auditoria e relato social e ético. (PONCHIROLLI, 2007, p.87).
No Brasil, o Instituto Ethos de Responsabilidade Social e o Instituto de
Análises Sociais e Econômicas (IBASE) são os precursores em recomendar e
orientar modelos de publicação dos demonstrativos ou balanço social, apesar dessa
publicação ainda possuir caráter voluntário no país.
Ainda tem-se a RSE voltada para as relações com a comunidade, expressas
em ações sociais empresariais, investimento social privado ou benevolência
empresarial como aponta Ashley (2005, p.113).
As empresas podem atuar por meio de campanhas periódicas,
apoiadas fortemente na mídia, o que facilita a captação de recursos,
e/ou por meio de uma fundação ou instituição criada especificamente
para esse fim ou um departamento ou setor responsável pela
elaboração, seleção e apoio a projetos sociais.
Nesse caso, é mais evidente a relação entre marketing e causa social,
ressaltando que o empresariado brasileiro ainda está amadurecendo para a adoção
das práticas de responsabilidade social com responsabilidade.
77
É fato que o cenário de desigualdades sociais no Brasil é apelativo para que
as empresas no país voltem suas ações muito mais para o público externo, ou seja,
a comunidade, na busca pela redução dos desequilíbrios sociais sob a égide da
justiça social.
A pergunta que deve ser permanentemente realizada pelos propositores e
gestores de ações de responsabilidade social empresarial seria: O conceito de
responsabilidade social assimilado nesta ação passa em sua obrigatoriedade por
razões de natureza ética? Este seria o ponto para demonstrar efetivamente a
evolução da noção assistencialista para o alcance da responsabilidade social
corporativa, como comportamento ético econômico socialmente assimilado.
Por último, Ashley (2005) aponta a orientação das ações de RSE voltadas
para o ambiente natural em busca de ecoeficiência, integrando fatores como
tecnologia, recursos, processos, produtos, pessoas e sistemas de gestão. O padrão
internacional utilizado para auditoria ambiental é a certificação ISO 14000 que
caracteriza os negócios da empresa como comércio ecossensível.
É imprescindível citar a iniciativa desenvolvida pela Organização das Nações
Unidas, o Global Compact.
O Global Compact, traduzido para a língua portuguesa como Pacto Global, é
um conjunto de diretrizes que deve ser adotado voluntariamente por lideranças
corporativas para a promoção do desenvolvimento sustentável e cidadania. Em 31
de janeiro de 1999, o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi A. Annan, desafiou
os líderes empresariais mundiais a “apoiar e adotar” o Global Compact, tanto em
suas práticas corporativas individuais quanto em apoio a políticas públicas
apropriadas. (PONCHIROLLI, 2007, p.89).
São várias as formas de atuação e inclusive de interpretação acerca da
responsabilidade socialmente responsável, mas para Ashley (2005) o principal
motivo para uma empresa ser socialmente responsável é que isso proporciona a ela
consciência de si mesma e de suas interações na sociedade.
Em um mundo em que a realidade de mercado muda com velocidade
cada vez maior, a empresa precisa saber exatamente qual é sua
missão, e a busca de um sentido ético para sua existência deve
voltar-se tanto às relações de mercado quanto às relações além do
mercado. (ASHLEY. 2005, p.71).
78
Mesmo sendo a maximização dos lucros, a lógica vital e orgânica do sistema
capitalista, é evidente que por uma questão racional, muito mais que ideológica, os
empreendedores conhecem os riscos de investimento do seu capital. Dessa forma, o
destino do investimento impõe uma reflexão para que não se perca o ponto de vista
ético nos negócios, a fim de procurar o lucro como um impulso competitivo sem
sequer se importar o quão predatória possa ser a atividade escolhida para o
investimento. Exatamente por isso, Srour (2008, p. 227) afirma que, neste último
caso, os empreendedores confundem lucro com pilhagem e descambam para uma
postura antiética em que os interesses gerais são menosprezados em benefícios de
poucos.
Pressões externas exercidas pela sociedade nas três últimas décadas estão
levando os empreendedores a trilhar caminhos em busca da sustentabilidade
empresarial e a adotar práticas de responsabilidade social.
Em outras palavras, a lógica do sistema capitalista foi temperada por
uma lógica exógena-fruto da reflexão ética e obra do ativismo político.
Esse notável ponto de inflexão contribuiu para moldar o capitalismo
social. Foi responsável, notadamente, por inaugurar uma nova partilha
dos excedentes econômicos. Com efeito, parte menor dos lucros vem
sendo convertida em ganhos sociais, beneficiando muitos públicos de
interesse afora os acionistas. (SROUR. 2008 p. 229).
Mas qual o significado de um discurso que cada vez mais ganha evidência se
as ações destinadas a efetivar o discurso ético e politicamente correto não estiveram
sintonizadas com a realidade da demanda social da localidade em que as empresas
atuam, no caso deste estudo, o Brasil?
Bomeny e Pronko (2002, p.11) afirmam que:
Poucas questões parecem tão consensuais hoje em dia quanto a
noção de que a educação é crucial para o desenvolvimento. Nenhum
país obteve progresso econômico significativo sem expandir a
cobertura da educação e melhorar sua qualidade.
As denominações dadas às intervenções sociais do empresariado são muitas:
responsabilidade social, cidadania empresarial, filantropia empresarial e assim por
diante. Assumir a denominação Responsabilidade Social Empresarial, neste estudo,
79
é adotar um rigor não necessariamente conceitual, mas ético, na medida em que a
palavra responsabilidade pressupõe critério e acompanhamento rigoroso. Em
definição dada pelo dicionário Aurélio, responsabilidade é: situação de um agente
consciente com relação aos atos que ele pratica voluntariamente. Portanto, se a
empresa for realmente praticar responsabilidade social empresarial, ela necessita
acompanhar todo o processo de planejamento, propositura, gestão e avaliação de
um projeto social.
Exemplo de gestão em responsabilidade social empresarial é o Grupo de
Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) que reúne organizações de origem privada
e financiadoras de projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público. O
GIFE aponta o Investimento Social Privado como uma das formas de ação da
Responsabilidade Social Empresarial. Criado em 1995, suas práticas não são
caracterizadas como doações filantrópicas assistencialistas, justamente por atuar em
busca da promoção de ações sistematizadas a longo prazo de desenvolvimento
sustentável, por meio do fortalecimento político-institucional e do apoio à atuação
estratégica de institutos e fundações de origem empresarial, e de outras entidades
privadas que realizam investimento social voluntário e sistemático, voltado para o
interesse público. (GIFE, 2009 b, online).
Alessio (2008) dedica boa parte de seu resgate histórico sobre a RSE no
Brasil ressaltando a criação e a atuação do Grupo de Instituições, Fundações e
Empresas (GIFE), como grupo de trabalho instituidor do embasamento do conceito
de “cidadania empresarial”, iniciado em 1995 no Brasil. Organizado em torno da
Câmara de Comércio Brasil–EUA em São Paulo, American Chamber of Commerce
for Brazil (Amcham), o grupo destaca o termo terceiro setor, com enfoque especial
para as organizações sociais de origem empresarial.
Para o GIFE, o investimento social privado não pode ser realizado de maneira
assistencialista, e o que diferencia a doação assistencialista do investimento social
privado é o fato de que este último realiza-se de forma planejada, verificando se a
ação é condizente tanto com o segmento da empresa quanto com as reais
necessidades da comunidade beneficiada por meio de um projeto social. A doação
deve ser monitorada, com acompanhamento dos benefícios gerados pelo
investimento social privado, além de dever ser efetuada de maneira sistemática, pois
ações esporádicas não proporcionam segurança para planejamentos futuros aos
projetos implementados. A empresa que decide realizar investimento social privado
80
deve profissionalizar ou institucionalizar sua ação social com a comunidade. Ao
decidir repassar recursos privados para fins públicos, a empresa transfere, para a
área social, seu know-how de gestão, planejamento, cumprimento de metas, e sua
avaliação de resultados para promover transformação social, dessa maneira ela
estará realmente praticando investimento social privado.
3.3 Educação: um caminho transformador para o compromisso ético e
cidadão.
O ser humano para se desenvolver plenamente deve estar envolvido desde a
infância em atividades diferenciadas que atendam as necessidades cognitivas,
psicológicas, sociais e culturais, levando à perspectiva universal e ampliadora do
conhecimento científico. Este é o papel da educação que ultrapassa o universo
escolar indo muito além das paredes institucionais e de doutrinas. A educação busca
a formação de cada indivíduo como cidadão, preparando-o para as práticas da
cidadania por meio de uma formação que proporcione a reflexão dos valores éticos.
Segundo Freire (1996), ensinar exige compreender que a educação é uma forma de
intervenção no mundo, uma tomada de posição, uma decisão, por vezes, até uma
ruptura com o passado e o presente.
As preocupações que norteiam este estudo estão relacionadas às categorias:
ética e cidadania, levando em consideração que, para assumir estes valores, as
empresas vêm realizando investimentos em ações sociais e denominando as ações
de responsabilidade social empresarial. Torna-se, portanto, fundamental refletir
sobre as seguintes questões: o que levam as empresas a realizar investimentos
desta natureza? Que formas assumem tais investimentos? As ações realizadas e
decorrentes desses investimentos são esporádicas ou se formalizam em projetos ou
programas sociais? As empresas planejam, acompanham e avaliam essas ações
denominadas de responsabilidade social? Atuam de forma amadora ou
profissionalizam uma equipe para o gerenciamento das atividades? E, por último,
mas com certeza a pergunta que leva ao ponto central deste estudo: as empresas
investem em ações de natureza transformadora ou compensatória?
81
Esta última questão leva ao cerne da proposta deste estudo: analisar o
compromisso ético e cidadão do empresariado nacional com a educação. Isto porque o
presente estudo considera ser a educação o eixo fundamental na estruturação do éthos
de um povo que traria resultados transformadores e não apenas compensatórios ao
público beneficiado por ações de responsabilidade social empresarial.
Como afirma Bittar (2004, p.76):
A conclusão primeira que se pode ter, portanto é a de que a questão ética
(valor, comportamento, intenção, consciência, ação humana e inter-
relação social) e a questão educacional (formação, aquisição de
instrução, burilamento, preparo social) caminham lado a lado. Esse
parece ser um compromisso inelutável da própria natureza do ato
educacional, da própria essência de qualquer pensamento sobre a
questão e também algo presente em toda a política pública para o setor.
Torna-se impossível, portanto, dissociar o tema Responsabilidade Social
Empresarial à preocupação com o processo de formação do indivíduo (ou a um
grupo de indivíduos, sociedade). Este processo está diretamente relacionado à
questão educacional por ser em sua origem o seu principal objetivo: desenvolver a
cidadania e os atributos éticos que o indivíduo reunirá em sua formação. Como
assegura Bittar: isto não significa retomar a espinhosa controvérsia de saber se a
ética é inata ou pode ser ensinada, mas significa verificar o quanto, a partir da
liberdade de escolha, pode-se oferecer ao indivíduo e à sociedade por meio da
educação. (BITTAR, 2004, p.77).
A educação tratada aqui não é vista apenas como ensino formal e escolar,
mas está se abordando o conceito de educação em seu sentido amplo e libertador,
pela concepção de Paulo Freire de que a educação proporciona a desobsessão do
indivíduo à sua condição de oprimido, a educação como compromisso ético.
A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação
discriminatória de raça, gênero e classe. É por essa ética inseparável
da prática educativa que devemos lutar, não importa se trabalharmos
com crianças, jovens e adultos. (FREIRE, 1996, p.17-18).
A área educacional é muito ampla; por isso, é importante destacar que os
dados apresentados nos Censos GIFE cobrem desde a população infantil até a
82
educação continuada de adultos e consideram diversos tipos de atuação, incluindo
atividades educativas propriamente ditas, atividades complementares e apoio a
pessoas, instituições e sistemas escolares.
A Pesquisa Ação Social das Empresas do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea)
1
revela que o envolvimento do empresariado com educação
apresenta modestos 23% do total de empresas, consideradas na pesquisa, atuando
nesse segmento. O destaque de atuação do empresariado nacional está voltado
recentemente para a área da alimentação, envolvendo 52% das empresas.
A própria análise realizada sobre esses dados na pesquisa afirma ser um
perfil de atendimento predominantemente de caráter emergencial no país. Para
esclarecer melhor os motivos desta questão, Alessio (2008, p.107) afirma que:
No Brasil, é fato que as necessidades básicas de grande parcela da
população ainda não estão sendo supridas. Questões relativas à
sobrevivência, à fome, ao desemprego e à exclusão social, dentre
outras, remetem a outro patamar, as discussões acerca da
responsabilidade social das empresas. Os primórdios das discussões
sobre responsabilidade social empresarial nos EUA e Europa, eram
problemas relativos ao meio ambiente e aos direitos dos
consumidores; a realidade brasileira suscita outros questionamentos,
muito mais intensos e urgentes de serem enfrentados e
solucionados.
Essa é uma questão que não exclui de forma alguma a educação como
prioridade, uma vez que também é importante destacar que ações de caráter
emergenciais, bem como as voltadas para a questão da fome no Brasil, possuem
apelo social muito forte desde a criação da Campanha Nacional de Ação da
Cidadania contra a Miséria e pela Vida de 1993, e o Programa Fome Zero do
Governo Federal brasileiro que visa assegurar o direito humano à alimentação
adequada às pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos.
1
A Pesquisa Ação Social das Empresas é um retrato da participação do setor empresarial em atividades sociais
voltadas para as comunidades mais pobres. A Segunda Edição da Pesquisa aqui citada foi iniciada em julho de
2004, e seus resultados finais foram lançados em julho de 2006 e tem como objetivo principal atualizar e
aprofundar o conhecimento sobre as atividades ou doações que as empresas das regiões Sudeste e Nordeste
realizaram, em 2003, e Sul, Centro-Oeste e Norte, em 2004, para atender às comunidades com serviços de
saúde, educação, alimentação, meio-ambiente, capacitação e desenvolvimento comunitário, dentre outros. O
que se quer saber é o que as empresas fizeram na área social e que não se limitou aos benefícios concedidos
aos seus empregados e familiares, e como esse comportamento tem se modificado do final da última década
até os dias atuais.
83
O Grupo de Instituições, Fundações e Empresas (GIFE) aponta a educação
como eixo fundamental para as práticas de Responsabilidade Social no país.
Há consenso crescente, na sociedade brasileira, de que as
limitações do sistema educacional são o principal entrave que o país
necessita enfrentar para superar seus problemas de pobreza,
desajuste e desigualdade social. Isso se reflete nas atividades dos
associados do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE),
que fazem da educação sua área prioritária de atuação, como
revelado no Censo GIFE 2005/2006. Das 68 instituições que deram
informações sobre suas áreas de atividade, 55 executam ou
financiam projetos na área de educação, 26 executam projetos
próprios, 13 financiam terceiros e 16 fazem as duas coisas. Do total,
34 indicaram o valor de seus investimentos em educação, que
somaram cerca de 124 milhões de reais em 2005, ou seja, 28% dos
investimentos sociais relatados. Estima-se que o investimento total
deva ser de pelo menos o dobro desse valor. (GIFE, 2006b, p.14).
A base de associados GIFE cresceu 208% em treze anos conforme descrito
em página própria na internet da Rede GIFE de Investimento Social Privado. A rede
completa dos associados GIFE é composta no total por 120 associados entre
institutos, fundações e empresas.
Os dados atualizados do último Censo GIFE apontam que, entre o total de
seus associados, 25% são Fundações de origem corporativa, 29% associações ou
institutos de origem corporativa, 6% holdings e 18% empresas únicas, compondo um
total de 24% de empresas. Portanto, predominam associados de origem corporativa,
e, por essa razão, o GIFE torna-se representação significativa do empresariado
nacional para o presente estudo, uma vez que 72% do capital total das empresas e
mantenedoras associadas ao GIFE são de origem nacional.
Educação, geração de trabalho e renda, apoio à gestão do terceiro setor,
desenvolvimento comunitário de base, meio ambiente, assistência social, saúde,
defesa dos direitos, esportes e comunicações são as áreas de atuação dos
associados GIFE. Para atingir a missão de disseminar e aperfeiçoar conceitos e
práticas de investimento social privado, o GIFE realiza edições regulares de livros e
guias que oferecem informações para o desenvolvimento de ações sociais. Entre as
edições, o Censo GIFE representa um mapeamento sobre o Investimento Social
Privado (ISP) de seus associados no Brasil.
84
Censo GIFE 2007-2008 é a quarta edição que vêm sendo publicada pelo
Grupo de Institutos e Fundações e Empresas (GIFE), divulgando informações sobre
os maiores investidores sociais privados do país. Dessa forma, o GIFE começa a
traçar cruzamentos que permitem conhecer mais a fundo as características do
associado GIFE e, por extensão, do investidor social privado brasileiro, uma vez que
juntos os associados da rede GIFE representam um investimento de R$ 1,15 bilhão
em diferentes áreas sociais, principalmente Educação, Formação para o trabalho,
Cultura e artes, e Geração de trabalho e renda.
É importante destacar que os associados GIFE representam uma fatia
altamente significativa e relevante do empresariado nacional, pois seus
investimentos correspondem a 20% do que o setor privado nacional destina à área
social, cerca de R$ 4,7 bilhões, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), por meio da pesquisa Ação Social das Empresas: "Bondade ou
Interesse? Como e por que as empresas atuam na área social"
2
.
A pesquisa do último Censo GIFE teve como parceiros o Instituto Brasileiro de
Opinião Pública e Estatística (IBOPE) Inteligência, Instituto Paulo Montenegro e
apoio financeiro do Instituto Ibi de desenvolvimento social. Foram entrevistados 80
associados.
É importante destacar que o GIFE possui associados com diferentes
estratégias de ação, ou seja, os investidores do GIFE atuam em ações de
responsabilidade social de três formas: há os operadores dos seus próprios projetos,
há financiadores de projetos de terceiros e há atuações mistas, ou seja, investidores
que atuam tanto em projetos próprios quanto em projetos de terceiros. Todas essas
formas de atuação diferenciam-se de ações assistencialistas e da filantropia como
simples doação, porque, independentemente da análise do perfil
3
, as ações sociais
protagonizadas pelas empresas, fundações ou institutos do GIFE, são planejadas,
monitoradas, sistematizadas e avaliadas permanentemente.
2
465 companhias aplicam 0,4% do PIB (R$ 4,7 bilhões) em projetos sociais valor próximo ao que o país investe
em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Esses recursos são considerados privados, visto que apenas 6% das
empresas, deste universo, utilizam-se de incentivos fiscais.
3
A análise do perfil diz respeito à origem institucional do associado GIFE – isto é, se ele é de origem corporativa,
familiar, comunitária ou independente. Sendo assim, os dados encontrados são claros em evidenciar a
predominância do investimento corporativo. Entre as 61 associações e fundações, nada menos do que 44 têm
mantenedor corporativo, chegando a um total de 79% de associados de perfil empresarial. Cada vez mais,
percebe-se no Brasil e no mundo que esse tipo de investidor social tem características específicas: o investidor
corporativo revela-se mais operador de seus próprios projetos do que financiador de terceiros; tem horizonte de
planejamento e ação de curto prazo; concentra suas áreas de ação em temas mais relacionados ao seu
entorno e a seu ambiente de negócios, entre outras características. (GIFE, 2008, online).
85
Essa postura que diferencia investimento social privado de caridade é
anunciada pelo GIFE.
Diferentemente do conceito de caridade, que vem carregado da
noção de assistencialismo, os investidores sociais privados estão
preocupados com os resultados obtidos, as transformações geradas
e o envolvimento da comunidade no desenvolvimento da ação
.
(
GIFE, 2009c, online).
A cada publicação do Censo GIFE é dado um enfoque específico de acordo
com a área de atuação prioritária dos investidores. O Censo 2005-2006 estava
voltado para a Educação, como foco principal das ações dos investidores sociais
brasileiros. Nesse período, o GIFE realizou uma publicação separada do censo que
analisava o investimento em todas as áreas do grupo, publicando o Censo GIFE
Educação. Essa publicação proporcionou a criação de um amplo painel dos
investimentos sociais na área educacional efetuados pelo setor privado, a partir da
análise das atividades desenvolvidas nesse segmento pelos integrantes do GIFE.
O estudo indicou as áreas que receberam mais apoio das organizações
associadas ao GIFE e quantificou as entidades e as pessoas beneficiadas naquele
período. Os resultados das iniciativas atestaram que a educação foi, sem dúvida, o
foco prioritário das atividades de responsabilidade social promovidas pela rede de
associados do GIFE, indicando 55 associados que executam ou financiam projetos
na área educacional entre o total de 68 organizações que responderam ao Censo
GIFE Educação 2005-2006.
86
TABELA 1 – Áreas de atuação: associados, entidades e pessoas beneficiadas
e recursos investidos dos associados GIF. Censo 2005-2006.
Fonte: GIFE, Censo Educação 2005-2006. Quadro 1 ,p.15
O Censo GIFE 2007-2008 é a publicação mais recente do GIFE e sistematiza
as informações de investimento social privado efetuado pelos associados GIFE
desde as publicações anteriores, traçando um perfil do comportamento dos
associados GIFE em investimento social.
O primeiro levantamento censitário do GIFE foi feito em 2001 e revelou a
situação do Investimento Social Privado entre 63 associados nos anos de
1997 a 2000. A segunda edição, divulgada em 2005, trouxe dados sobre
os recursos investidos e as ações desenvolvidas ao longo de 2004 pelos
então 71 associados ao GIFE. A terceira edição, lançada em 2006,
apontava desafios, soluções e contradições do setor, com maior número
de dados, obtidos com 72 respondentes, dentre os 91 associados à
época. (GIFE, 2008, online p.23).
87
A publicação do Censo GIFE 2007-2008 enfocou especificamente a
juventude, visto que esta é a faixa etária identificada com maior número de
investidores entre seus associados.
Mesmo não possuindo uma publicação específica para o eixo educação, na
última edição desse censo, o tema continuou em destaque em relação aos demais
temas de investimento, de forma a dar continuidade ao olhar iniciado há dois anos
com o Censo GIFE Educação.
Assim como na edição de 2005-2006, o Censo GIFE 2007-2008 identificou a
educação como área de maior volume de investimentos representando a escolha de
atuação de 83% dos associados, entre o período da pesquisa realizada para o
censo que foi de novembro de 2007 a março de 2008.
Por ser a educação uma área abrangente e atuante que atinge desde infância
até a fase adulta, o último Censo GIFE dedicou-se a analisar a faixa etária em que
se concentravam neste período os Investimentos Sociais Privados (ISP) de sua
rede. Foi identificado pelo Censo 2008 que sua rede de associados concentrou-se
na juventude como foco de atuação. A faixa etária considerada juventude para este
Censo foi dividida em três grupos, sendo estes de 15 a 17 anos, de 18 a 24 anos e
de 25 a 29 anos.
Os dados comprovam que 81% dos associados investem em uma destas
faixas etárias. Isto demonstra, primeiramente, que os empresários seguem as
diretrizes sociais apontadas pelo setor público como resposta ao aumento das
políticas públicas para a inserção de jovens no mercado de trabalho, como é o caso
da Lei do Aprendiz. Assim como demonstra que esse investimento na juventude está
em sintonia com o próprio crescimento demográfico do país que revela o aumento
percentual do número de jovens com relação à população total do país.
88
TABELA 2 - Percentual de atuação dos associados GIFE por área.
Censo 2007-2008.
Fonte: GIFE, Censo 2007-2008. Tabela 28, p.53-54.
Em 2005, os investimentos em educação somavam 124 milhões de reais. Em
2007, os associados ao GIFE destinaram cerca R$ 400 milhões para atividades na
área de educação, isto significa aproximadamente um terço do total de investimentos
dos associados GIFE. Portanto, os dados do Censo 2005, em relação ao Censo de
2007, apresentam um crescimento percentual de 222,58% de investimento na área
educacional.
89
TABELA 3 – Linhas de ação prioritárias na área de educação
Fonte: GIFE, Censo Educação 2005-2006. Quadro 05, p.31
A tabela 3 aponta os resultados do Censo Educação de 2005-2006 em
relação às linhas de pesquisa prioritárias para os investimentos em educação. É
demonstrado, nesta tabela, que a maioria dos associados GIFE desenvolvia, nesse
período, ações diversificadas para grupos que iam desde a faixa etária de zero a 3
anos, até a educação superior e pós-graduação, visto que o segmento da educação
especial e técnica também foram considerados. Dentre todos os grupos, as
atividades de formação de professores predominam sobre as demais seguidas de
atividades de complementação da educação regular. Segundo análise desse censo,
as atividades são desenvolvidas na forma de oficinas de arte e atividades de
complementação e reforço escolar, seguidas por várias atividades de transferência
de recursos, bem como bolsas de estudo, doações de equipamentos e material
escolar. Em 2007-2008, o Censo deu prioridade à juventude, portanto, não foi
apresentado entre os dados específicos de linhas de ações prioritárias na área de
educação, mas foi destacado que, entre as linhas de ação, projetos/programas,
90
destinados à juventude 64% dos associados, atuam voltados para a formação
profissional não regular.
TABELA 4 - Investimentos em Educação
Fonte: GIFE, Censo 2007-2008. Tabela 30,p.56.
Também é possível verificar pela tabela 4 que, entre os investidores na área
de educação, os maiores investimentos são dos associados que operam os próprios
projetos. Isto significa que a empresa apresenta alta maturidade e comprometimento
no controle das ações sociais realizadas. Os dados desse censo apontam também 4
milhões de pessoas e mais de 52 mil entidades como beneficiadas em projetos de
Educação.
TABELA 5 - Número de entidades e pessoas beneficiadas em projetos de
Educação
Fonte: GIFE, Censo 2007-2008. Tabela 31, p.56.
91
Entre as áreas de atuação dos projetos de educação, foram identificadas 38
ações direcionadas para a educação regular, 30 para atividades extracurriculares,
26 para educação não regular e 16 atividades educacionais de apoio às famílias. No
total de 66 respondentes entre os associados GIFE, foram realizados 110 projetos
destinados à educação, sendo aproximadamente 65,5% dos projetos não
direcionados à educação formal.
Um dos fatos que chama a atenção no Senso GIFE 2007 é o dado de que
74% dos associados da Rede GIFE de Investimento Social Privado adotam práticas
de monitoramento em todas as ações que desenvolvem e 68% dos 80 associados
que responderam ao Censo GIFE 2007-2008 relataram adotar práticas de avaliação
de resultados. Portanto, são mensurados os impactos do projeto no público alvo e
esse tipo de avaliação permite elaborar um histórico do próprio projeto que pode ser
constantemente alimentado para que sejam efetuadas as correções em suas
estratégias de ação para cada novo processo de planejamento. Esta é uma forma
continuada de exercer a responsabilidade social e de transformar os projetos em
programas permanentes. Este acompanhamento dos projetos também proporciona
que o projeto não se afaste do seu objetivo primordial, ainda mais quando o foco
adotado é a educação que deve ser entendida como um processo de transmissão e
aquisição de valores, de cultura e de conhecimento.
Esta é uma questão relevante para esta dissertação, por apontar claramente
a educação como foco primordial para ações de responsabilidade social, uma vez
que este segmento possui capacidade de desenvolver nos indivíduos as
competências básicas que lhe permitirão continuar estudando e se aperfeiçoando ao
longo da vida.
Em contrapartida ao Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), a
Pesquisa Ação Social das Empresas (Ipea) demonstrou tanto na primeira edição de
2000 quanto na edição de 2004 que a atuação do empresariado nacional
concentrou-se em atividades voltadas para alimentação e assistência social. Essas
ações não estão necessariamente formalizadas em projetos de responsabilidade
social empresarial, assim como não tratam o conceito com a mesma delimitação
realizada por esta dissertação que destacou o conceito como a forma de gestão que
se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos, com
os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais que
92
impulsionem o desenvolvimento sustentável da sociedade. (INSTITUTO ETHOS DE
RESPONSABILIDADE SOCIAL, 2009, online).
Por esse motivo, não é possível afirmar que esta pesquisa representa um
mapeamento da responsabilidade social empresarial no Brasil, como identifica-se na
afirmação no trecho abaixo retirado da própria pesquisa do Ipea.
Inicialmente, é importante registrar que o conceito utilizado pela
Pesquisa para definir ação social empresarial foi, deliberadamente,
amplo, tendo sido considerada qualquer atividade que as empresas
realizaram, em caráter voluntário, para o atendimento de
comunidades nas áreas de assistência social, alimentação, saúde,
educação, entre outras. Essas atividades incluem desde pequenas
doações eventuais a pessoas ou instituições, até grandes projetos
mais estruturados. Foram excluídas do conceito de ação social,
portanto, as atividades executadas por obrigação legal, como, por
exemplo, as contribuições compulsórias às entidades integrantes do
chamado Sistema “S” (Sebrae, Sesi, Sesc, Senac, Senai, Senat,
Sescoop e Senar). (IPEA,
2006 p.4).
Esta pesquisa do Ipea é um mapeamento da participação do setor
empresarial em atividades sociais voltadas para as comunidades mais pobres e
reproduz, com algumas inovações, um levantamento anterior, realizado pelo Ipea, no
final dos anos de 1990. A segunda edição atualizou os dados e iniciou a construção
de uma série histórica sobre o comportamento das empresas na área social. A
coleta de dados foi realizada em anos diferentes para as regiões pesquisadas. Na
última edição, a qual é utilizada para esta dissertação, o estudo se deu-se em dois
anos: nordeste e sudeste foram pesquisados em 2004 e as demais regiões em
2005, a publicação, portanto, ocorreu em 2006.
Os dados de 2004 apresentaram um crescimento das ações na área de
alimentação que, como consequência, tornou-se a área prioritária de atendimento,
envolvendo, em 2004, 52% das empresas, contra 41% daquelas que se dedicam à
área de assistência social. Acredita-se que essa mudança de comportamento esteja
relacionada à mobilização nacional e, até mesmo, internacional, em torno do
problema da fome que foi destacada na agenda das prioridades sociais do país.
Portanto, a característica das ações identificadas por esta pesquisa aponta um
comportamento do empresariado nacional ainda dedicado a questões de caráter
emergencial e, saindo do ambiente das organizações associadas ao GIFE, ainda
93
tem-se modestos 23% de envolvimento de empresários apontados pelo Ipea em
relação às atividades na área da educação.
Mesmo que a história do empresariado brasileiro mostre que desde a década
de 1930, período da emergência da produção industrial no Brasil, os empresários
brasileiros participavam ativamente na definição, no controle e no apoio ao
investimento em mão de obra. Foi apenas a partir da década de 1990 que se
associou o investimento empresarial a uma atuação consciente e articulada da
sociedade civil, associada à luta pelos direitos civis e a um novo marco de cidadania.
(BOMENY; PRONKO, 2002).
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
95
Buscou-se apontar a evolução da responsabilidade social empresarial no
mundo e no Brasil, reafirmando o objetivo desta pesquisa de averiguar o
compromisso ético e cidadão do empresariado nacional com a educação, por meio
das práticas de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) denominadas
Investimento Social Privado. Foi ressaltado para este fim, o Grupo de Institutos,
Fundações e Empresas (GIFE) que possui cerca de 80% de associados de perfil
corporativo.
A trajetória da própria assistência social no país relacionada às organizações
cristãs e às ações filantrópicas e assistencialistas acompanhou a inserção do
conceito de responsabilidade social no Brasil que, do início dos anos 80 até o fim
dos anos 90, verificou-se a consolidação de importantes fundações, institutos e
organizações da sociedade civil ligados ao meio empresarial. O foco para a questão
da ética culminou no chamado comportamento empresarial ético e responsável.
Enfatizou-se o final da década de 1990 na disseminação do conceito de RSE,
realizando uma reflexão sobre o predomínio do perfil de investidor corporativo no
Brasil, a partir de apontamentos históricos como os apresentados no segundo
capítulo. Este capítulo ressaltou o processo de redemocratização e abertura
econômica do país, e destacou a década de 1990 como um marco dos
investimentos em projetos sociais em que foi possível verificar padrões éticos na
relação entre empresas e seus públicos de interesse (fornecedores, funcionários,
clientes, governo e acionistas), além da adoção de práticas ambientais sustentáveis.
Também foram destacas, nesse período, ações mais organizadas tanto
sistematicamente quanto estrategicamente voltadas para o tema responsabilidade
social empresarial.
Além das transformações destacadas no mundo do trabalho nesse período,
apresentou-se o dado de que 72% das fundações e associações nacionais da rede
GIFE foram criadas a partir de 1989 a 2006, comprovando que esse período,
realmente possibilitou a discussão e abertura para o tema da responsabilidade social
no Brasil.
O Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) foi apresentado como a
primeira associação da América do Sul a reunir empresas, institutos e fundações de
origem privada ou instituídos que praticam investimento social privado – repasse de
recursos privados para fins públicos, por meio de projetos sociais, culturais e
96
ambientais, de forma planejada, monitorada e sistemática. Esta associação teve
papel significativo para amostragem do empresariado nacional devido ao fato de que
seus associados respondem por cerca de 20% do montante total investido na área
social pelo setor privado, reunindo os maiores investidores do país principalmente
em educação como demonstraram os dados no terceiro capítulo.
Identifica-se pela análise bibliográfica que organizações como o GIFE e
Instituto Ethos de Responsabilidade Social estão desempenhando um papel
importante no país de sensibilização do setor empresarial para o investimento social.
Além disso, as organizações indicam os setores ou as áreas para os investimentos
serem realizados de forma positiva, ou seja, o GIFE e o Instituto Ethos de
Responsabilidade Social orientam o empresariado nacional associado a estabelecer
uma relação racional entre custo e resultado, de acordo com a realidade social do
país. Investir apoiando a escola pública, por exemplo, tem sido identificado como um
grande exemplo de boa aplicação de energia e recursos.
O estudo sobre o comportamento médio do setor privado, realizado pelo Ipea,
divulgado por meio da pesquisa A iniciativa privada e o espírito publico: a evolução
da ação social das empresas privadas no Brasil, certamente demonstrou grandes
diferenças de comportamento, principalmente em relação à área de atuação
preferencial se comparado ao perfil dos associado GIFE.
O uso dos dados do Censo GIFE aliado aos demais estudos quantitativos e
qualitativos apresentados nesta dissertação permitiu avançar a discussão sobre
responsabilidade social empresarial, no sentido de que os dados comprovam o
profissionalismo e a efetividade de ações desta natureza.
Pelo Censo GIFE, foi possível perceber que há uma forte cultura no Brasil de
envolvimento direto do investidor na área social, em projetos e estruturas próprias –
para esta dissertação, foram apresentados os dados relacionados aos investimentos
em educação e, neste caso, confirmou-se que os maiores investimentos na área de
educação são provenientes de organizações que operam os próprios projetos.
Dessa forma, foi destacada a necessidade de se dedicar e aprofundar a
temática sobre o Investimento Social Privado no Brasil, ressaltando a educação
como prioridade para o desenvolvimento do país, assim como a necessidade de se
reconhecer a influência que fundações, institutos e empresas de origem empresarial
podem alcançar no país em torno da questão social, seja operando ou financiando
de maneira responsável ações pelo bem comum. Os conceitos de Ética e Cidadania
97
foram ressaltados como categorias fundamentais da responsabilidade social. Estes
conceitos foram reconhecidos como precursores para o compromisso efetivo do
empresariado nacional com ações sociais. Para os investimentos sociais privados
realizados na área educacional, destacou-se também a relevância da ética nos
ambientes corporativos, a fim de proporcionar um reexame da compreensão da
responsabilidade do empresariado nacional com a comunidade interna e externa à
corporação.
Destacou-se a relevância de atuar de maneira altamente profissionalizada
desde a propositura, gestão e avaliação das ações direcionadas à responsabilidade
social empresarial, revelando que o compromisso ético de uma organização não
está apenas nos tipos de ações com as quais se envolve, mas na forma como as
ações são conduzidas reafirmando que para que se faça o bem é preciso fazer bem
feito.
98
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