RESUMO
Nesta dissertação analisam-se alguns significados de leitura constituídos em práticas da
biblioteca comunitária Ilê Ará, localizada na Vila São José – bairro popularmente conhecido
como Morro da Cruz – situado em Porto Alegre. A perspectiva que orienta o trabalho é a dos
Estudos Culturais, estabelecendo-se algumas articulações entre teorizações de Stuart Hall,
Zygmunt Bauman, Roger Chartier, Tomaz Tadeu da Silva, Rosa Hessel Silveira, entre outros.
A pesquisa é inspirada em produções etnográficas pós-estruturalistas e, para as análises,
consideram-se os registros das observações realizadas entre os meses de abril de 2007 e maio
de 2008, as conversas com profissionais, mediadores, voluntários e usuários da biblioteca, os
documentos orientadores das práticas de leitura, alguns materiais informativos, fotografias do
acervo da instituição e imagens registradas pela própria pesquisadora. Constata-se que as
práticas da biblioteca são múltiplas e variáveis, destinando-se a diferentes segmentos daquela
comunidade e expandindo consideravelmente o sentido de ―promoção da leitura‖. Apesar
disso, observa-se que o entendimento de leitura se vincula fortemente aos textos escritos,
sendo o livro tomado como artefato privilegiado. No cotidiano da biblioteca os freqüentadores
iniciam lendo variados tipos de textos, com os quais já possuem alguma afinidade, mas são
impelidos a distinguir e a valorizar as obras literárias, reconhecendo nos livros uma fonte
estável e sólida de conhecimentos. A biblioteca promove uma variedade de formas de leitura:
individualizada, silenciosa, oralizada, mediada, associada a apresentações teatrais ou a
contações de histórias, vinculada a atividades pedagógicas e escolares, mesclada a práticas
diversas, tais como as oficinas de grafite, de tapeçaria, os grupos de alfabetização, as feiras.
Ocorrem também saraus de leitura, encontros com autores de livros consagrados, esquinas de
leitura, distribuição de malas de leitura, além de diferentes estratégias para divulgar o trabalho
e para ampliar o acervo. Nesta mescla de práticas o próprio espaço físico da biblioteca se
reconfigura, sacudido por múltiplas linguagens: uma variedade de gêneros textuais, diferentes
obras de literatura ao alcance das mãos, ilustrações coloridas fixadas nas paredes, almofadas
espalhadas pelo chão, tudo isso se vincula ao objetivo de produzir leitores competentes e, ao
mesmo tempo, de ―cativar‖ sujeitos cada vez menos interessados em longos tempos diante do
livro para conhecer e para informar-se. Essas experiências respondem a um tipo de
―imperativo do prazer‖ e transformam as relações com o texto, com o livro, com a leitura. As
ações instituídas pela biblioteca ainda possibilitam pensar na formação de identidades
constituídas através desse amplo leque de práticas cotidianas e, nesta pesquisa discutem-se as
vinculações entre mediação e voluntariado. Retomando algumas marcas identitárias que, na
análise, foram adquirindo relevo, pode-se dizer que os mediadores de leitura são estimulados
a se tornar leitores exemplares e a desenvolver o hábito de refletir sobre as leituras realizadas,
vinculando-as com experiências vividas, características que guardam estreita relação com
aquelas que definem o educador em abordagens das teorias críticas. Os mediadores devem
também ser criativos, perspicazes, dinâmicos, sensíveis, habilidosos para exercer a mediação,
conquistar leitores e tornar as práticas de leitura sempre prazerosas e convidativas. Enfim, eles
são constituídos e posicionados em discursos que ensinam como se fazer necessário e como se
mostrar solidário num contexto em que as relações sociais se tornam cada vez mais
contingentes e transitórias.
Palavras-chave: Estudos Culturais, identidades, leitura, biblioteca comunitária