Download PDF
ads:
SIGNIFICADOS DE LEITURA E PRODUÇÕES DE
IDENTIDADES: UM ESTUDO DE PRÁTICAS DA
BIBLIOTECA COMUNITÁRIA ILÊ A
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
SIGNIFICADOS DE LEITURA E PRODUÇÕES DE
IDENTIDADES: UM ESTUDO DE PTICAS DA
BIBLIOTECA COMUNITÁRIA ILÊ ARÁ
GISELE MASSOLA
ORIENTADORA: Profª. D. Iara Tatiana Bonin
CANOAS, 2009
ads:
UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
SIGNIFICADOS DE LEITURA E PRODUÇÕES DE
IDENTIDADES: UM ESTUDO DE PTICAS DA
BIBLIOTECA COMUNITÁRIA ILÊ ARÁ
GISELE MASSOLA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Luterana do Brasil, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em
Educação.
ORIENTADORA: Profª. D. Iara Tatiana Bonin
CANOAS, 2009
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Agradecimentos
À minha orientadora, essa pessoa incrível, a quem tive o privilégio de conhecer como
gosto de dizerquase” por acaso – enquanto trilhava os caminhos dessa pesquisa.
Incansável, com seu jeito doce e amável, esteve ao meu lado tecendo cada uma dessas
páginas, lendo, relendo, sugerindo, indicando leituras e, em suas palavras “dando seus
pitacos. Enfim, agradeço pelo carinho e dedicação com que acolheu minha proposta e
me ajudou na construção desta dissertação.
Às professoras Rosa, Letícia e Daniela, por aceitarem o convite de participar na
elaboração deste trabalho mesmo em meio a tantos compromissos , emprestando-me
seus olhares atentos e preocupados. Grata pelas valorosas contribuições nas correções de
trabalhos das disciplinas cursadas, pelos livros emprestados, artigos sugeridos,
incentivos durante a participação de eventos, por tornarem-se parte do grupo de pessoas
com quem tanto aprendi.
Aos meus pais, Antônio e Jamiles, e meu irmão, Jaune, por compreenderem minhas
ausências, compartilharem comigo todos os momentos que vivi e por incentivarem
minhas buscas e possibilitarem as conquistas que hoje faço.
Ao Eduardo, amigo, companheiro, colega, amor, por me ensinar que a vida vai muito
além do que se possa imaginar
Estudar: ler
escrevendo.
Com um caderno aberto e um lápis na mão.
Um livro no centro. Aberto.
Um branco na margem.
Aberto.
E também: escrever
lendo.
O oco da escrita,
aberto,
em meio a uma mesa cheia de livros.
Abertos.
(LARROSA, 2003b)
RESUMO
Nesta dissertação analisam-se alguns significados de leitura constituídos em práticas da
biblioteca comunitária I Ará, localizada na Vila São José bairro popularmente conhecido
como Morro da Cruz situado em Porto Alegre. A perspectiva que orienta o trabalho é a dos
Estudos Culturais, estabelecendo-se algumas articulações entre teorizações de Stuart Hall,
Zygmunt Bauman, Roger Chartier, Tomaz Tadeu da Silva, Rosa Hessel Silveira, entre outros.
A pesquisa é inspirada em produções etnográficas pós-estruturalistas e, para as análises,
consideram-se os registros das observações realizadas entre os meses de abril de 2007 e maio
de 2008, as conversas com profissionais, mediadores, voluntários e usuários da biblioteca, os
documentos orientadores das práticas de leitura, alguns materiais informativos, fotografias do
acervo da instituição e imagens registradas pela própria pesquisadora. Constata-se que as
práticas da biblioteca o múltiplas e variáveis, destinando-se a diferentes segmentos daquela
comunidade e expandindo consideravelmente o sentido de promoção da leitura‖. Apesar
disso, observa-se que o entendimento de leitura se vincula fortemente aos textos escritos,
sendo o livro tomado como artefato privilegiado. No cotidiano da biblioteca os freqüentadores
iniciam lendo variados tipos de textos, com os quais já possuem alguma afinidade, mas são
impelidos a distinguir e a valorizar as obras literárias, reconhecendo nos livros uma fonte
esvel e lida de conhecimentos. A biblioteca promove uma variedade de formas de leitura:
individualizada, silenciosa, oralizada, mediada, associada a apresentações teatrais ou a
contações de histórias, vinculada a atividades pedagógicas e escolares, mesclada a práticas
diversas, tais como as oficinas de grafite, de tapeçaria, os grupos de alfabetização, as feiras.
Ocorrem também saraus de leitura, encontros com autores de livros consagrados, esquinas de
leitura, distribuição de malas de leitura, além de diferentes estratégias para divulgar o trabalho
e para ampliar o acervo. Nesta mescla de práticas o próprio espaço sico da biblioteca se
reconfigura, sacudido por múltiplas linguagens: uma variedade de gêneros textuais, diferentes
obras de literatura ao alcance das mãos, ilustrações coloridas fixadas nas paredes, almofadas
espalhadas pelo chão, tudo isso se vincula ao objetivo de produzir leitores competentes e, ao
mesmo tempo, de cativar‖ sujeitos cada vez menos interessados em longos tempos diante do
livro para conhecer e para informar-se. Essas experiências respondem a um tipo de
―imperativo do prazer e transformam as relações com o texto, com o livro, com a leitura. As
ações instituídas pela biblioteca ainda possibilitam pensar na formação de identidades
constitdas através desse amplo leque de práticas cotidianas e, nesta pesquisa discutem-se as
vinculações entre medião e voluntariado. Retomando algumas marcas identitárias que, na
análise, foram adquirindo relevo, pode-se dizer que os mediadores de leitura são estimulados
a se tornar leitores exemplares e a desenvolver o hábito de refletir sobre as leituras realizadas,
vinculando-as com experiências vividas, características que guardam estreita relação com
aquelas que definem o educador em abordagens das teorias críticas. Os mediadores devem
tamm ser criativos, perspicazes, dinâmicos, sensíveis, habilidosos para exercer a mediação,
conquistar leitores e tornar as práticas de leitura sempre prazerosas e convidativas. Enfim, eles
o constituídos e posicionados em discursos que ensinam como se fazer necessário e como se
mostrar solidário num contexto em que as relações sociais se tornam cada vez mais
contingentes e transitórias.
Palavras-chave: Estudos Culturais, identidades, leitura, biblioteca comunitária
ABSTRACT
This dissertation analyses some meanings of reading consisted of practices in the community
library IA, located in Vila São José a district popularly known as Morro da Cruz in
Porto Alegre. The perspective which leads this paper is the Cultural Studies, and some
relations are made with theories proposed by Stuart Hall, Zygmunt Bauman, Roger Chartier,
Tomaz Tadeu da Silva, Rosa Hessel Silveira, among others. The research is inspired in post-
structuralist ethnographic productions and, for the analysis, the observation records
accomplished between April 2007 and May 2008 were considered, as well as the
conversations with professionals, mediators, volunteers and library users, documents which
lead the reading practices, some informative materials, photographies of the collection of the
institution and images registrated by the researcher herself. It is evident that the practices of
the library are multiple and variable, applied in different segments of that community and
expanding considerably the meaning of promoting reading‖. In inspite of that, it is possible
to observe that the comprehension of reading is strongly linked to written texts, in which the
book is considered a privileged artifact. In the daily activities of the library, users start reading
several kinds of texts, which they already have some afinity with, but are impeled to
distinguish and value literary works, recognizing in the books a stable and solid source of
knowledge. The library promotes a variety of reading ways: individualized, silet, oral,
mediated, associated to drama performances or storytelling, linked to pedagogical and scholar
activities, mixed to several practices, such as graffiti workshops, tapestry, literacy groups and
fairs. There are also reading soirées, meetings with renowned authors, reading corners,
distribuition of reading suitcases, and other different strategies to make the work known and
to increase the library‘s collection. In this mixture of practices the physical space of the
library reconfigures itself, shaken by the multiple languages: a variety of textual genres,
different literary works within the reach, colorful drawings fixed on walls, pillows spreaded
on the floor, everything is related to the purpose of producing competent readers and, at the
same time, to captivate subjects less interested in spending long hours in front of a book to
acquire knowledge and to get informed. Those experiences answer one kind of ―imperative of
pleasure and transform the relations with the text, the book and the reading. The actions
estabilished by the library still make it possible to think about the formation of identities
constituted through this wide range of daily practices and, in this research the links between
mediation and volunteering are discussed. Retaking some identity marks that in the analysis
became important, it is possible to say the mediators of reading are stimulated to become
examplary readers and to develop the habit of reflecting about the readings, linking them to
their personal experiences and to characteristics that keep straight relations with those ones
that define the educator in critical theories approaches. Mediators must be creative,
perspicacious, dynamic, sensitive, skillfull to proceed with the mediation, call the readers‘
attention and turn the reading practices into something always pleasant and inviting. At last,
they are constituted and positioned in discourses that teach how to become necessary and how
to show him/herself solidary in a context in which the social relations have become more and
more uncertain and transitory.
Keywords: Cultural Studies, identities, reading, community library
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Vista da biblioteca na chegada ao topo do Morro ................................................... 13
Figura 2: Vista do ponto mais alto do Morro .......................................................................... 13
Figura 3: Mala de Leitura ........................................................................................................ 39
Figura 4: Capa do documento Prazer em Ler ......................................................................... 67
Figura 5: Imagem do documento Prazer em Ler ................................................................... 68
Figura 6: Imagem do documento Prazer em Ler .................................................................... 68
Figura 7: Imagem do documento Prazer em Ler .................................................................... 69
Figura 8: Imagem do documento Prazer em Ler .................................................................... 69
Figura 9: Imagem do documento Prazer em Ler .................................................................... 69
Figura 10: Imagem do documento Prazer em Ler .................................................................. 69
Figura 11: Imagem do documento Prazer em Ler .................................................................. 70
Figura 12: Imagem do documento Prazer em Ler .................................................................. 70
Figura 13: Imagem do documento Prazer em Ler 2................................................................ 70
Figura 14: Imagem do documento Prazer em Ler 2................................................................ 70
Figura 15: Material de divulgação da biblioteca na comunidade do Morro da Cruz...............72
Figura 16: Imagem grafitada na biblioteca ..............................................................................73
Figura 17: Imagem grafitada na biblioteca ..............................................................................73
Figura 18: Imagem grafitada na biblioteca ..............................................................................74
Figura 19: Estudantes realizando pesquisa escolar na biblioteca Ilê Ará ............................... 75
Figura 20: Mediadora com grupo infantil fo to do acervo da biblioteca Ilê A................... 75
Figura 21: Jovens da comunidade explorando a mala de leitura............................................. 76
Figura 22: Mediadores da biblioteca I Ará em atividade com o autor Ziraldo foto do
acervo da biblioteca I A .................................................................................................... 82
Figura 23: Mediadores da biblioteca I A em atividade com o autor Ricardo Azevedo foto
do acervo da bilioteca Ilê Ará.................................................................................................. 82
Figura 24: Visita do autor Moacir Scliar a biblioteca Ilê A ................................................. 83
Figura 25: Foto do muro da biblioteca registrada por Lúcia Mury Scalco ............................. 99
Figura 27: Encontro entre voluntários do IC&A para planejar mediações de leitura ........... 113
Figura 28: Imagem do documento Prazer em Ler 2 ............................................................. 118
SURIO
TRANSITANDO PELOS ESPAÇOS URBANOS, OBS ERVANDO, LENDO E ES CREV ENDO ............... 11
OBJETIVOS E QUESTÕES QUE FORAM ME CONDUZINDO NA PESQUISA ....................................................................... 16
NOTAS DE PERTENCIMENTO: PRÁTICAS QUE ME CONSTITUEM COMO INTEGRANTE DE
MUITASCOMUNIDADES........................................................................................................................................... 20
APROXIMAÇÕES COM OS ESTUDOS CULT URAIS: NOVAS FORMAS DE VER E DE TORNAR-ME PESQUISADORA ..... 25
RETOMANDO ALGUMAS PRODÕES ACAMICAS PARA TECER COM ELAS ALGUNS ARGUMENTOS ................... 28
PRÁTICAS E LEITURAS NA BIBLIOTECA ILÊ ARÁ ......................................................................................... 33
AS MUITAS FORMAS DE LEITURA NO COTIDIANO DA BIBLIOTECA I A ............................................................... 37
Malas de Leitura ......................................................................................................................................................... 40
Mediações de Leitura ................................................................................................................................................. 42
Empstimos, consultas locais e diversos............................................................................................................... 43
Sarau poético, encontro com o autores e outras atividades .............................................................................. 44
PERCORRENDO CAMINHOS INVESTIGATIVOS, FAZENDO ESCOLHAS TEÓRICO-
METODOLÓGICAS PARA A PES QUIS A .................................................................................................................. 47
TRILHANDO POR POSSIBILIDADES DA PESQUISA ETNOGRÁFICA ................................................................................. 52
ANALISANDO MÚLTIPLAS SIGNIFICAÇÕES , VINCULAÇÕES E PRÁTICAS DE LEITURA .......... 58
PRÁTICAS E SIGNIFICADOS DE LEITURA......................................................................................................................... 59
LEITURA DE TEXTO ESCRITO ............................................................................................................................................ 64
O LIVRO COMO METONÍMIA DA BOA LEITURA ........................................................................................................... 68
EST RAGIAS DE SEDUÇÃO PARA O CONSUMO DE BONS LIVROS............................................................................ 81
UMA ARQUITETURA DISCURSIVA EM TORNO DA ―CRISE DA LEITURA..................................................................... 86
IMPERATIVO DO PRAZER DEFININDO PTICAS CONTEMPORÂNEAS DE LEITURA .................................................... 92
VINCULAÇÕES ENTRE LEITURA E CIDADANIA .............................................................................................................. 96
IDENTIDADES FABRICADAS: UM ACERVO DE VARIADAS POSSIBILIDADES ................................ 105
MESCLANDO PERTENCIMENTOS: COMO TORNAR-SE LEITOR, VOLUNTÁRIO E MEDIADOR COMPETENTE ............ 111
Mediadores educadores........................................................................................................................................... 112
Mediadores Voluntários .......................................................................................................................................... 113
ENTRELAÇANDO FIOS: DISCURSOS DE LEITURA, MEDIAÇÃO, VOLUNTARIADO PRODUZINDO IDENTIDADES ..... 124
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................... 128
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................................. 134
Transitando pelos espaços urbanos, observando, lendo e escrevendo
Parada na plataforma, à espera do trem, observo o movimento das pessoas que se
deslocam em sentidos diferentes uns são trabalhadores, outros estudantes, outros ainda
consumidores em busca de algum artigo desevel que satisfaça uma busca momennea e
outros, como eu, admiradores curiosos desta paisagem urbana. Todas estas pessoas vivem no
contexto de um grande centro cosmopolita, configurado e reconfigurado por uma infinidade
de cenários, arquiteturas, sons, imagens, paisagens; todas compartilham, convivem e
modificam este ―mesmo espaço a grande Porto Alegre. Nessa rede interligada de pessoas,
percepções, intenções, identificações, representações, linguagens, vou ensaiando certo olhar
de pesquisadora, interessada na multiplicidade de histórias, de memórias, de entendimentos e
de significados contemporâneos para o espaço urbano.
Desloco-me de uma cidade a outra, interessada em conhecer e analisar práticas de
leitura em uma biblioteca comuniria, localizada no Morro da Cruz, em Porto Alegre. Sigo
então para a primeira visita ao local da pesquisa e, da plataforma onde espero o trem, ainda na
cidade de Canoas, observo as pessoas e posso ver diferentes agrupamentos. Elas manifestam
pertencimentos diversos marcados nos corpos, nas formas de vestir, nos cortes de cabelo, nas
tatuagens e adereços de pessoas que vejo em minha volta.
Ao perceber a aproximão do trem que interliga cinco municípios
1
da grande Porto
Alegre meu olhar se volta para suas paredes externas, territorialmente demarcadas por
imagens coloridas e, quando o trem se aproxima reconheço como sendo grafites essas
imagens o marcas fluidas de uma cultura que utiliza uma via pública como espaço de
expressão, grafando certos lugares onde circulam milhares de pessoas rotineiramente. Com o
trem desfilam diferentes imagens grafitadas, que momentaneamente fixam impressões de
grafiteiros sobre o espaço urbano. Quem espera na estação, observa o trem, e participa desta
cultura, lendo imagens, imprimindo-lhes movimento significados, movimentando-as.
Foi por intermédio do concurso promovido pela Empresa de Trens Urbanos de Porto
Alegre, Trensurb, em parceria com a ONG Trocando Iias que fiquei sabendo da existência
da biblioteca comunitária no Morro da Cruz. Essa parceria entre tais instituições visava apoiar
o Projeto Identidades de Rua
2
, abrindo espaço para os jovens grafiteiros exporem sua arte nas
1
O Trensurb é um meio de transporte ferroviário que interliga os municípios de Porto Alegre, Canoas, Esteio,
Sapucaia do Sul e São Leopoldo.
2
Esse projeto é uma iniciativa do Instituto Trocando Idéias Tecnologia Social, que consiste na promoção de
diálogos, exposições e intercâmbios regionais, entre membros da street art, com a pretensão de difundir suas
12
paredes externas dos trens que ligam a capital à cidade de São Leopoldo. Diversos grafiteiros
se inscreveram neste concurso e a dupla vencedora, identificada como Os Gêmeos, artistas
paulistanos reconhecidos internacionalmente, doou o valor do prêmio para a construção de
uma biblioteca comuniria na comunidade do Morro da Cruz.
Meu interesse inicial era realizar uma pesquisa sobre o grafite, como arte e forma de
expressão cultural de jovens da periferia de Porto Alegre, mas a atitude dos vencedores do
concurso me instigou a considerar outras possibilidades. Fui provocada a pensar na
importância conferida à leitura, uma vez que os recursos do prêmio foram revertidos para a
criação de um espaço dedicado à promoção deste tipo de prática.
Voltando ao cenário da estão, fico pensando nas mesclas que ocorrem no contexto
urbano: pessoas que, como eu, embarcam no trem que liga cidades diferentes, também
atravessam fronteiras mesclam vestuários, tenncias, adornos corporais, fragncias
diversas, dividem ocasionalmente um mesmo espaço, mas de maneiras particulares. Muitos
transportam para dentro do trem seus estilos musicais, em aparelhos cada vez menores e mais
potentes, dos quais se pode ouvir sutis rdos que lembram rock, funk ou ritmos regionais,
mesclados à sica ambiente, proporcionada pelos alto-falantes do vagão. Nesta cena
particular, já dentro do trem, observo corpos diversos que compartilham a viagem,
posicionando-se lado a lado, utilizando de maneiras variadas esse mesmo espaço. Penso nas
múltiplas identidades urbanas, juvenis, infantis, femininas, masculinas.
Desembarcando na estação de meu destino (Rodoviária) sigo pelo longo túnel que
conduz ao centro da cidade, e vejo tamm paredes grafitadas com desenhos que lembram
mulheres com crianças no colo pedindo esmolas, jovens com a boca ―lacradae mendigos
posicionados em isolamento e na contramão do transito que segue. Essas imagens se fundem
a outras, de pessoas que encontro ao subir as escadarias em dirão ao ponto de ônibus: são
mulheres com crianças no colo pedindo moedas para compra de alimentos ou remédios,
mendigos deitados no chão, crianças vendendo balas de goma, rapaduras e chocolates em
troca de algumas moedas ou passagens, enfim, pessoas que, em busca de sua sobrevivência,
apelam para a solidariedade daqueles que transitam apressadas.
Saindo da estação do trem, sigo por uma grande avenida que conduz ao centro desse
cenário urbano e continuo meu percurso que tem como destino o bairro Vila São Jo,
ões através de produções, em diferentes estilos como: grafite, stencil, pôster, adesivo, colagens e toy art. A
finalidade é valorizar as produções enquanto arte de rua e possibilitar a disseminão do trabalho utilizando o
trem entendido como um meio de transporte coletivo por onde circulam diariamente milhares de pessoas
provenientes, da região metropolitana da Grande Porto Alegre.
13
popularmente conhecido como Morro da Cruz. Nessa pequena passagem, entre as escadarias
da estação rodoviária e o ponto de ônibus, atravesso alguns espaços dessa metrópole, cujo
destino, para muitos, é sua área central e para outros é seguir em direção aos bairros. Percebo,
então, como o visual se reconfigura, mesclando arquiteturas, sons, imagens, paisagens e
pessoas. O centro é um espaço capaz de congregar em uma mesma rua estilos de diferentes
períodos históricos construções neoclássicas, com marquises suntuosas, fachadas decoradas
com azulejos do século XIX; arquiteturas de inspiração européia constrdas por imigrantes
açorianos, italianos, alemães e franceses; jardins de inverno imponentes sob terraços e áreas
de lazer; grandes casarões que sediaram, em tempos da república positivista, bancos,
cafeterias, restaurantes, hois, cinemas, teatros, livrarias, bibliotecas, e que, em suas fachadas
externas exem bustos ―sagrados e ―consagrados do pensamento humano, ícones do
período moderno.
Da janela do ônibus observo uma das avenidas mais movimentadas de Porto Alegre,
vejo uma intermivel suceso de imagens e experimento aquela sensação de ―compressão
espaço-temporal‖ (HALL, 2005). A cidade corre, o tempo é sempre eguo para o muito que é
necessário fazer. Vejo carros em ágeis manobras para ganhar alguns segundos, pessoas que
desembarcam em frente a centros comerciais, edifícios, lojas e rapidamente desaparecem.
Desfilam diante de mim placas de todos os tamanhos, formas, cores, um aparato publicitário
que busca capturar momentaneamente a atenção, numa cidade frenética. Vejo também
pessoas que parecem viver outro tempo, caminhando lentamente, deslocando-se com
dificuldade em meio à multidão, ou sentadas à beira das calçadas, vendendo objetos,
revolvendo lixo, a espera de algo que lhes assegure o mínimo para continuar existindo.
Em meu trajeto pela cidade de Porto Alegre atravesso bairros reservados para os bem
sucedidos, mas meu destino é mesmo um espaço peririco que abriga, em grande maioria,
uma população considerada pouco produtiva. Da janela do ônibus observo estes lugares e sei
que, ao descrevê-los, tamm invento formas de compor a paisagem e de caracterizar aquilo
que meu olhar alcança.
Quando o cobrador do ônibus chama minha atenção anunciando ―moça, aqui começa o
Morro da Cruz‖ meu olhar percorre rapidamente o entorno, buscando fixar imagens, ler as
ruas, os rostos, a arquitetura desse lugar que, há algum tempo, ocupa o centro de minha
atenção. Nas ruas que passo chamam a atenção os extremos existentes: vejo casas de alvenaria
ao lado de outras de madeira, geralmente com ts ou quatro peças. Posso ver janelas com
venezianas, protegidas por grade, outras com aberturas estreitas e precárias formas de
14
demarcar o que fica dentro e o que fica fora. São muitos modelos diferentes de moradia,
mistas, populares, irregulares, pequenas peças constrdas em vielas/becos que unem uma e
outra rua, aproximando e facilitando a mobilidade, no sobe e desce do Morro. Entre as ruas e
as vielas que transito, visivelmente se delimitam espaços nos quais as moradias o símbolos
de status social, outros em que as casas parecem brotar do chão, de modo desordenado.
Seguindo o itinerário, por dentro desse bairro, identifico uma rie de atividades
comerciais desenvolvidas pelas pessoas do lugar, que logo chamam minha atenção por
representarem um conjunto de práticas direcionadas ao comércio estabelecido dentro da
comunidade. A entrada no bairro se faz por uma via principal, cujos pontos de referência são
mini-mercados e ruas asfaltadas, estendidas do ao topo do Morro. Diante de quem circula
por estas ruas desfila uma infinidade de placas, anunciando uma grande variedade de produtos
e serviços ofertados por aqueles que, à sua maneira, procuram se inserir, como produtores e
consumidores. Entre as atividades mais visíveis é possível destacar: cabeleireiro, barbeiro,
mecânico, pintor, encanador, comerciantes de armazéns de secos e molhados, de trailers que
oferecem lanches rápidos. As fachadas de algumas casas anunciam venda de roupas usadas,
encomenda de doces e salgados, venda de sacolé
3
, pode-se ver ainda veículos adaptados para
venda de frutas e verduras. Enfim, um bairro multifacetado que põe em relevo talentos
malabaristas de seus membros, adaptando-se às condições atuais de produção e de geração de
renda, numa sociedade quido-moderna, como refere Bauman (2001).
Do alto do Morro, sob o monumento da Cruz constrdo na parte mais alta do bairro,
observo marcas de distintas identidades que habitam este lugar. Grafites desenhados nos
muros do monumento, expressando figuras sacras (uma representação da Santa Família, por
exemplo), mescladas a imagens profanas (Bob Marley, Che Guevara), marcadores de culturas
diversas, iconografia e grafia de palavras, misturando estilos, conectando produções de
grafiteiros diversos. Vejo tamm outros pontos de referência, ao longo do caminho q ue
conduz ao topo do morro, demarcados pelo grafite, escritura territorial destinada a firmar a
presença desta e de muitas outras formas de expressão.
Adiante posso ver tamm os muros de uma biblioteca comunitária, espaço no qual se
desenvolvem certas práticas que visam inserir os moradores em uma comunidade diferente, a
dos leitores. Vejo muitas linguagens, muitas expressões, muitas maneiras de ler esse bairro, e
outras tantas maneiras de ler e produzir sentidos neste amplo e matizado espaço urbano.
3
Espécie de picolé artesanal, fabricado com suco de fruta.
15
Figura 1: Vista da biblioteca na chegada ao topo do Morro
4
Figura 2: Vista do ponto mais alto do Morro
Este cenário que apresento, para que o leitor compartilhe comigo certas impressões
sobre a cidade e o bairro no qual desenvolvo minha pesquisa, explicam, de certa maneira, as
indagações que fui formulando e as escolhas que fui fazendo em termos teóricos. Olhando
repetidas vezes para as ruas desse bairro, para os rostos das pessoas que nele circulam, nas
muitas idas e vindas que fiz para observar as práticas da biblioteca comunitária, foram
chamando minha atenção aspectos relacionados às identidades, à utilização de diferentes
linguagens e de distintas formas de leitura.
4
Todas as fotografiaso identificadas são de minha autoria.
16
As imagens que vejo lembram a polifonia referida por Canevacci (1993, p.17) para quem a
cidade compara-se a um coro que canta com uma multiplicidade de vozes que se cruzam, que se
relacionam, se combinam ou contrastam e também designa uma determinada escolha
metodogica de dar voz a muitas vozes, experimentando assim um enfoque polinico com o qual
se pode representar o mesmo objeto‖.
Objetivos e questões que foram me conduzindo na pesquisa
Nesta pesquisa, meu objetivo foi examinar as práticas e os significados de leitura na
biblioteca comunitária Ilê A, localizada no Morro da Cruz, em Porto Alegre. Para isso,
passei a freqüentar o espaço da biblioteca, observando o modo como as pessoas circulam,
quais expectativas nutrem em relação a ela e o que se oferece a este blico em termos de
leitura e de atividades que de algum modo colaboram para a produção de identidades.
Realizei um estudo de inspiração etnográfica, mesmo sabendo que este tipo de
pesquisa é desafiador (considerando especialmente o tempo disponível para a realização do
mestrado) e encontrei um importante argumento nos estudos de Colomer (2004). A autora
afirma que o campo dos estudos literários tem demonstrado interesse crescente pela alise da
literatura infantil e infanto-juvenil considerando não apenas os processos de produção e
circulação de livros, como tamm seu caráter constitutivo de práticas de leitura e de sujeitos
leitores. Ela analisa um conjunto de pesquisas recentes sobre literatura em países de língua
espanhola e, a partir disso, conclui:
Pode-se dizer que contamos com uma investigação centrada no corpus e/ou
em atividades de ensino, uma investigação de tipo descritivo sobre o corpus
literário, quantitativo sobre os hábitos de leitura e prescritivo no campo
escolar e bibliotecário (p. 12).
Para ela, faz-se necessário ampliar o foco dessas investigações, produzindo maior
número de estudos que considerem contextos específicos e centrem-se em análises culturais
ou antropológicas das práticas concretas de leitura e dos efeitos das pedagogias culturais na
produção dos leitores.
As indagações de pesquisa que foram orientando o meu olhar na condução deste
trabalho são as seguintes: quais significados são atribuídos à leitura nas práticas dessa
biblioteca comunitária? Quais discursos se vinculam a esta prática, conferindo-lhe visibilidade
e relevância? Quem são os freqüentadores da biblioteca e quais as razões para procurarem por
17
ela? Como as vivências neste espaço de leitura colaboram para a constituição de identidades
tanto daqueles que freqüentam, quanto daqueles que lá trabalham? Este leque de interrogações
foi gradativamente configurando minhas escolhas relativas aos materiais de análise e aos
aportes teóricos que embasaram o estudo.
Interessou-me, tamm, analisar o modo como as ações planejadas e executadas na
biblioteca expressam (ou não) certo caráter comunirio, que vincula as pessoas, ainda que
momentaneamente, a anseios comuns. Em relação à leitura, investiguei um conjunto de ações
relacionadas à formação de leitores, buscando entender como os discursos que ali circulam se
vinculam a outros midiáticos, cotidianos, de instituições governamentais e não
governamentais, por exemplo constituindo e posicionando os sujeitos a quem a biblioteca se
destina e aqueles que nela atuam. Analisei também alguns materiais formulados para orientar
as ações de promoção da leitura, e que marcam as maneiras de estruturar e conduzir o trabalho
desenvolvido na biblioteca.
Para realizar essa pesquisa, lancei mão de fontes variadas: as observações na
comunidade e na biblioteca, registradas em um diário de campo, no qual fiz anotações mais
gerais e descrições dos lugares, das práticas presenciadas, das conversas com a coordenadora
pedagógica do projeto, com representantes do Instituto Murialdo, com voluntários e
mediadores de leitura e com freqüentadores deste lugar. Analisei documentos que norteiam as
políticas de promoção da leitura tanto aqueles produzidos pelo Ministério da Educação,
quanto os específicos do Instituto C&A
5
. Selecionei algumas informações disponibilizadas no
site institucional dos grupos patrocinadores do projeto e incluí, ainda, como materiais de
análise, os folders e encartes utilizados para divulgação das atividades, alguns documentos
internos tais como os relatórios de avalião e as fotografias disponibilizadas no acervo da
biblioteca, como tamm aquelas que foram produzidas por mim durante as visitas ao Morro
da Cruz.
Pude observar que a leitura é ptica cotidiana para as pessoas desse lugar e acontece
no dia a dia, nas muitas placas, sinalizações de ruas e vielas, grafitagens que povoam os
muros do bairro, nas letras de música obtidas pelos jovens nas ginas da internet e
cantaroladas em grupos, como tamm nas folhas de culto, nas ginas da Bíblia, nos livros
de cânticos das muitas igrejas, nos folhetos promocionais de supermercados e mercearias, nos
rótulos de produtos consumidos. A leitura faz parte da vida dos moradores do Morro da Cruz,
5
Este instituto também será apresentado mais adiante os documentos referidos são aqueles que estabelecem
diretrizes para o Programa Prazer em Ler, que apresento no capítulo de análise.
18
mas na biblioteca ela assume outras significações e é potencializada, como mostro nos
capítulos que se seguem.
Um começo... uma imensidão de imagens e de textos
que cativaram meu olhar!
Notas de pertencimento: práticas que me constituem como integrante de
muitas comunidades
João escreveu três palavras, colocou-as numa
garrafa, tampou e atirou tudo ao mar. Não se sentiu
menos anônimo nem a existência melhor. Porém a
sensação de abreviar espaços e aproximar pessoas
o invadiu. Quando João escreveu as três palavras
que um dia alguém encontrou e pouco entendeu
porque apenas diziam “Eu estou aqui”, comungou
com todas as mãos e todas as letras de todos os
tempos o primeiro sentido” de escrever (Jorge
Miguel Marinho
6
).
Tomo esta fábula que narra a história de João e seu sentimento ao tornar-se parte de
uma comunidade de leitores, para refletir sobre as possibilidades e impossibilidades de
pertencer a um lugar, um grupo, uma coletividade. Retomo alguns fragmentos de minha
própria história para imprimir no texto um sentido de pertencimento, porque entendo que não
foi casual a escolha do tema da pesquisa que agora apresento.
Escrever faz parte de um processo que nos leva a pensar sobre as formas como nos
constitmos, como nos tornamos participantes de uma história, como nos posicionamos (e
somos posicionados) frente às indagações que vão sendo colocadas no decorrer de nossas
experiências. A escolha de parte de minhas lembranças, em detrimento de outras, mostra que
não apenas o meu ―objeto foi sendo produzido na escrita, como tamm minhas próprias
identidades o foram, à medida que fui sendo provocada a distanciar-me de olhares
acomodados, naturalizados e a caminhar sobre o terreno das incertezas e questionamentos,
contestando uma rie de conviões ou práticas conformadas em discursos que até então me
pareciam suficientes para explicar os acontecimentos.
Dentre as práticas ―naturalizadas, a que mais se aproxima deste estudo é a
constituição de identidades e a formão de sujeitos leitores, entendida como parte das tarefas
assumidas pela escola, mas que se expande para práticas cotidianas que se constituem em
espaços ―informais de educação.
6
Fábula publicada na Revista Linha Mestra disponível em http://www.alb.com.br/boletim022_outubro2008.asp.
Acesso em: 14/09/2008.
21
Varela e Alvarez-Uria (1992), entre outros autores, afirmam que é na modernidade que
a escola assume lugar central na socialização e na educação, tornando-se, a partir de então,
referência para a produção de certo tipo de sujeito. Mais do que ensinar as tecnologias de
leitura e escrita, este espaço se destina a governar, disciplinar, instituir certo modelo de
civilidade e de conduta a escola participa, então, na produção de fronteiras de inclusão e de
exclusão, marcando os de dentro como sujeitos completos, instrdos, letrados,
alfabetizados e os de fora como sujeitos incompletos, carentes de algo.
Pensar sobre o processo de escolarização me remete a uma série de procedimentos
ancorados na promessa de ―um bom emprego no futuro ou, ainda, nas frases que comumente
escutamos, de nossos pais ou de professores, de que estudar é necessário para que sejamos
alguém na vida. Seduzidos pelas boas promessas, começamos a freqüentar a escola,
passamos a exercer certos papéis, acatamos determinados lugares de sujeito para que,
posteriormente, possamos viver e conviver em sociedade, acatando aquele conjunto de
normas e hierarquias consideradas naturais.
As práticas escolares visam colocar sob controle as ações daqueles que por ela
transitam, orientando-se por um conjunto de normas que determinam nossas condutas
(expressas por uma série de rituais). um grande investimento no controle do tempo de
permanência no ambiente, ―medido pelo horário de entrada e saída, horário de recreio,
intervalo entre cada período de aula, idas ao banheiro, rituais para lanchar ou beber água,
brincar, escrever, ler, entrar ou sair da sala. Tamm se investe no controle do espaço
determinando-se, por exemplo, os ambientes adequados para as práticas de esporte
(ginásio/quadras/pistas de atletismo), de leitura (biblioteca, salas de leitura e salas de aula) de
aprendizagem e experimentos (salas e laboratórios), de alimentação (refeitório). Espaço e
tempo colaboram na organização das atividades e na ordem curricular: distribuição dos
conteúdos em marias, uso de livros didáticos, letramento, atividades extra-classe, entre
outras.
Este conjunto de práticas produz, ao mesmo tempo, certa homogeneização das
condutas e certa individualização das formas de controle (dos boletins, aos históricos
escolares e aos diplomas que obtemos ou não nesta trajetória escolar). Atividades
desenvolvidas em comum, por outro lado, deixam a impressão de que as pessoas que por ali
passam compartilham dos mesmos interesses, as mesmas expectativas, os mesmos ideais e
anseios.
22
Ao percorrer minhas lembranças e experiências escolares, identifico essas práticas e
seus efeitos, à medida que fui sendo ensinada pela/na escola. Penso nas formas como fui me
constituindo e me posicionando como leitora, e o quanto este pertencimento a uma
comunidade de leitores hoje faz sentido em minha experiência - quero afirmar, com isso, a
produtividade das práticas a partir das quais somos incldos como sujeitos leitores e somos
incentivados à prática da leitura como necessidade vital na vida contemporânea, embora
minha pesquisa tenha mostrado que, na atualidade, as práticas em torno da promoção da
leitura se distingam de modelos escolares e se reconfigurem, alicerçadas em outros discursos.
Minha primeira experiência escolar aconteceu no Jardim de Infância, tempo dedicado,
em especial, para aprendemos a ser alunos e a ser sociáveis. Eu tinha sete anos quando,
realizando uma das atividades propostas, pintei um elefante na cor rosa. Essa foi a primeira
vez que vi a professora, que a eno tinha muita pacncia, carinho e delicadeza, alterar sua
voz chamando minha atenção, dizendo que estava errado. Eu não conseguia entender o
porquê, pois nunca tinha visto um elefante e, então, como poderia saber sua ―verdadeira cor?
Aos poucos fui aprendendo a distinguir aquilo que, na escola, se deve considerar certo/errado,
apropriado/impróprio, aceitável/inaceitável.
A maioria de minhas lembranças me conduz por caminhos suaves, ao pensar na escola
primária. Lembro que muito cedo havia sido cativada pelo ambiente escolar, de tal modo
que as práticas exercidas naquele espaço misturavam-se às minhas brincadeiras a favorita
delas era brincar de professora, ensinando os números e letras ao meu irmão (o aluno) e,
mesmo sem saber ler, contando histórias, orientada pelas figuras dos livros que trazia para
casa.
Nos rituais escolares dasries iniciais havia um momento dedicado à leitura na
biblioteca e deamos escolher livros que, na fala recorrente da professora eram apresentados
como ―nossas janelas para o mundo. Comecei pela coletânea Eu, detetive
7
, um misto de
aventura e mistério, cujas obras falavam de crimes, investigações, desaparecimentos,
assassinatos e quase sempre eram os adolescentes que desvendavam os enigmas (e como bons
mocinhos) tornavam-se os grandes heróis conquistando, por mérito, um final feliz. Essas
leituras logo se tornaram chatas, com suas tramas óbvias e finais previsíveis, salvo raras
exceções.
7
Esta colão é constituída por diversos títulos, de diferentes autores. Como exemplo, cito: Eu, detetive o caso
do sumiço, de Stella Carr.
23
Ainda, durante os anos que compreendem o ensino fundamental, passei a realizar
aquela lista de leituras escolares obrigatórias, e a cada final de s ocorria uma espécie de
seminário, no qual relavamos à classe os resultados desta leitura. Nessa fase as leituras que
chamavam minha atenção eram aquelas que traziam histórias sobre diferentes tipos de
personagens e suas peripécias; recordo de algumas obras que li da Série Vaga-lume, outras de
contos e lendas, biografias. Lembro que, em meus tempos livres, escapava dessas obrigações
literárias para ler romances, histórias adolescentes, cheias de sonhos, desejos e decepções.
no Ensino Médio, parti para obras clássicas, de autores consagrados, tais como Clarissa de
Érico Veríssimo, Dom Casmurro de Machado de Assis, O cortiço de Aluízio Azevedo, A
moreninha de Joaquim Manuel de Macedo, Senhora de Joe Alencar, A ferro e fogo de
JosGuimarães entre tantas outras. Posso dizer que muitas vezes meu dlogo com tais
autores não foi muito amistoso perguntava-me por que utilizavam tantas palavras, faziam
tantos rodeios para contar a hisria, mas não raras vezes essas narrativas transportaram-me
para um confortável lugar, entre um anseio e outro, uma frustrão e outra.
Foi a leitura da obra de Josué de Guimarães que me proporcionou maior alento, e certo
ar de familiaridade. Identifiquei-me com ela por narrar a saga dos imigrantes europeus que
desbravaram as terras do Rio Grande do Sul e formaram suas colônias de povoamento,
constituindo comunidades principalmente ales e italianas. Tais comunidades são muito
significativas para as pessoas que partilham tal pertencimento étnico, e a trajetória de lutas
empreendidas para chegar ao Brasil, conquistar a terra, desbravá-la e vencer desafios em um
lugar desconhecido são constantemente reinventadas nas ―tradições familiares. Olhando
hoje, com aportes dos Estudos Culturais, as expressões que dão voz às narrativas dos
imigrantes europeus me causam estranhamento conquistadores sagazes‖, desbravadores,
palavras que instituem o acontecimento como um feito inaugural e que mostram a partir de
que lugar se tramam os fios dessa história.
Minha identificação com essa obra literária se deu, particularmente, por lembrar das
histórias narradas por meus familiares descendentes de imigrantes italianos, que recorriam às
sagas e reinventaram o heroísmo e a bravura dos ancestrais que, cruzando mares, aqui
depositavam suas esperanças, a força de seu trabalho para ver prosperar a família e a ―nova
terra, agora assumida como ―novo lar.
Essas narrativas trazem lembranças das férias que passava no interior de Bento
Gonçalves, tempo em que eu gostava de conversar com meus avós e escutar seus conselhos
para manter ―vivas as origens de nossa família. Eles falavam da sua chegada no Brasil, do
24
recebimento das terras em títulos, das precárias condições ou quase auncia das estradas, do
processo de produção do trigo, da uva, do milho e dos produtos coloniais e artesanais que
eram trocados nos pequenos comércios por açúcar, café, pães, sal entre outros. Relatavam o
trabalho pesado na lavoura, a falta de acesso às instituições educacionais e aos recursos de
saúde, mas falavam também de festas religiosas, de encontros dominicais e conversas depois
da missa, coisas que, me parece, tornavam o dia a dia mais ameno e restabeleciam laços de
amizade e solidariedade. A partir daí, quanto mais escutava, mais queria saber, embora
houvesse momentos em que a língua italiana se misturava ao português e nem tudo se podia
entender.
Retomando estes acontecimentos entendo melhor as afirmações de Bauman (2001) de
que a sensação de pertencer a uma comunidade nos conforta, especialmente em tempos de
instabilidade e de mudanças. O sentido de comunidade se solidifica ao constituir-se certa
sensação de segurança, de acolhimento, de aconchego, incentivando seus membros a manter
projetos comuns, forjando noções de consenso, como se todos vivessem/ou devessem viver
em harmonia.
Como estudante do curso de História fui aprendendo outras narrativas, agora
informadas por discursos acadêmicos, científicos, políticos. A licenciatura me permitiu ver a
história como algo produzido, com múltiplas perspectivas e distintos entendimentos.
Agradava-me pensar no exercício do magistério como uma responsabilidade e um desafio, e
de compor com os alunos diferentes panoramas históricos. Na época, me animavam algumas
representações salvacionistas da docência: mudar o conceito pré-definido de história
determinante, buscar uma construção do conhecimento histórico que possibilitasse uma
educação emancipatória destinada a pessoas que comem grupos de excluídos,
distanciados e marginalizados. Amparava-me a iia de estabelecer um diálogo e realizar
desse modo a capacitação potica desses grupos ―oprimidos e de conduzi-los de algum modo
para a luminosa ―verdade‖ histórica. Essa visão da docência, somada às inquietações, as
reflexões, aos questionamentos e aos estranhamentos que o curso proporcionou, me levou a
questionar determinadas práticas recorrentes na escola.
Durante o período em que cursei a graduação trabalhei como mediadora
8
, no Museu de
Artes do Rio Grande do Sul Aldo Malagólli (MARGS), e esta experncia foi oportuna não
apenas para que eu percebesse que história e arte estão entrelaçadas e adquirem sentido na
8
Atuei como estagiária na V Bienal do Mercosul, de setembro a dezembro de 2003.
25
cultura, como tamm para que eu me desse conta de que as pessoas que visitam um museu
fazem distintas leituras daquilo que veem e, portanto, o tamm produtoras dos muitos
sentidos possíveis para as coisas que chamamos de arte. Deparei-me com a inquietação de
blicos curiosos que me faziam perguntas e que me levavam também a perguntar: o que
buscavam ali? O que procuravam ao visitar um museu? Que sentidos essas obras produziam
para eles? Como professora de História, fui entendendo como eu mesma participava na
produção de significados e na definição daquilo que é aceito como verdadeiro, válido,
memorável.
Inscrevi-me num curso de especialização em Ciências Sociais e, fascinada pelas
formas de expressão cultural, fiz minha monografia sobre o Movimento Hip Hop (em Porto
Alegre). Nessa mesma época fui convidada a trabalhar em uma escola particular em Canoas e
decidi organizar meus planos de aula aproximando história, literatura e arte, considerando os
diferentes entendimentos que os alunos faziam desses estudos. Meu interesse era possibilitar
aos estudantes uma visão panorâmica de distintas histórias, diferentes contextos culturais,
maneiras plurais de produzir significados para a vida, para a arte, para a escola.
Exercendo a docência, passei a trabalhar com alunos da rede privada (com acesso a
todos os tipos de recursos na escola e em casa) e da rede pública (alguns deles eram
participantes do movimento Hip Hop e buscavam espaços de expressão e reconhecimento).
Deparei-me com distintas realidades e trajetórias que me fizeram questionar a forma como as
identidades se configuram e se transformam em práticas culturais particulares. Estudar se
tornou urgente mais uma vez em minha vida, por isso empreendi uma verdadeira busca por
espaços nos quais pudesse discutir alguns desses temas que me pareciam próprios da
docência e dos estudos de cultura.
Aproximações com os Estudos Culturais: novas formas de ver e de tornar-me
pesquisadora
Minha aproximação com os Estudos Culturais resultou da escolha de candidatar-me a
uma das vagas disponíveis no curso de mestrado em Educação na Ulbra. Ao realizar as
leituras obrigatórias para o processo seletivo estabeleci as primeiras aproximações com essa
perspectiva e com a forma instigante de problematizar e investigar as questões relacionadas à
26
educação. Iniciei o curso e fui aprendendo a pensar de maneiras diversas as questões
pedagógicas, contando com aportes teóricos que me foram sendo apresentados.
Vários autores e autoras têm abordado, em suas pesquisas, os percursos teóricos e
metodológicos dos Estudos Culturais um campo com múltiplas possibilidades e contornos
imprecisos. Os textos escritos por Hall (1997a), Mattelart e Neveu (2004), Costa, Silveira e
Sommer (2003), Escosteguy (2004) destacam que os estudos empreendidos nessa perspectiva
esforçam-se para conferir historicidade às análises, considerando centrais a cultura e as
relações de poder. Interessam, especialmente, os processos pelos quais são produzidos os
sujeitos e suas práticas sociais, em contextos específicos. Pesquisar passa a ser um modo de
exercitar a compreensão acerca das relações de poder e de nosso lugar dentro delas,
considerando que não existe um sujeito centrado, único, coeso, dotado de vontade, mas um
sujeito que é efeito de práticas e de relações de poder. Nas palavras de Veiga-Neto (2000):
A fragmentação do sujeito aponta para a necessidade de examinarmos os
processos pelos quais se formam e se alteram os fragmentos em cada um de
nós e como eles se relacionam entre si e com os fragmentos dos outros.
Trata-se de processos em que estão sempre envolvidas relações de poder, ou
seja, relações que procuram impor determinados significados (e não outros
quaisquer). É como resultado desses processos que se estabelecem as
identidades (p. 55 e 56).
Escrever e teorizar no campo dos Estudos Culturais não é uma tarefa cil, exige o
estranhamento de práticas antes entendidas como naturais e uma disposição para questionar e
abandonar nossas certezas. O propósito das pesquisas não é buscar soluções, prescrições ou
respostas para as questões levantadas e, sim, problematizar o que parece dado, preciso,
natural. Nessa perspectiva faz sentido questionar e indagar sobre as práticas culturais que nos
ensinam sobre as coisas e sobre nós mesmos, instituindo modos de ver e de representar. Por
esta razão, interessam não apenas as práticas escolares, como também a rede de práticas que
têm sido nomeadas como pedagogias culturais.
Mas como é possível pensar em pedagogias, em práticas que nos ensinam, em
produção de significados para as coisas e para os sujeitos? Faz-se necessário, inicialmente,
nos darmos conta de um importante deslocamento que os Estudos Culturais propõem em
relação ao conceito de cultura. De acordo com Costa, Silveira e Sommer (2003) os Estudos
Culturais apresentam-se, desde o seu surgimento, como um movimento, uma ―virada
conceitual‖. A cultura passa a ser analisada relativamente aos modos de viver e de pensar
27
criados em diferentes tempos e contextos, em práticas cotidianas cultura que se produz na e
pela linguagem. Acerca disso, Hall (1997a) destaca que
a ‗virada culturalesintimamente ligada a esta nova atitude em relão à
linguagem, pois a cultura não é mais do que a soma de diferentes sistemas de
classificação e diferentes formações discursivas aos quais a língua recorre a
fim de dar significado às coisas (p. 29).
A linguagem deixa, então, de ser vista apenas como um ferramenta descritiva e de
denominação das coisas do mundo, e passa a ser entendida como constituidora das coisas, na
medida em que as descreve, nomeia, narra, caracteriza. Segundo, Hall (Idem, p. 29) o
significado surge não das coisas em si a ―realidade mas a partir dos jogos da linguagem e
dos sistemas de classificação nos quais as coisas são inseridas.
Analisar o modo como as coisas e os sujeitos vão adquirindo significados na
linguagem e as relações de poder aí implicadas é um modo de desnaturalizar a cultura. Como
salienta Veiga-Neto (2000, p. 40)
uma desnaturalização da cultura, significa que, para os Estudos Culturais,
não há sentido dizer que a espécie humana é uma espécie cultural sem dizer
que a cultura e o pprio processo de significão é um artefato social
submetido a permanentes tensões e conflitos de poder (p. 40).
Nas leituras que fiz, ―vasculhando outros estudos, me pareceu interessante pontuar
algumas das temáticas que m sido discutidas em pesquisas realizadas no campo dos Estudos
Culturais. Explorando os estudos latino-americanos, Costa, Silveira e Sommer (2003)
destacam ts movimentos significativos que indicaram mudanças ao enfocar e analisar
cultura e poder nessas sociedades. O primeiro diz respeito à ruptura das fronteiras entre a
tradição escrita (de países colonizadores) e a tradição oral (de países colonizados) como
tamm a valorização de uma produção que não advém apenas da ngua inglesa. O segundo
movimento é o de problematização das noções de cultura que estavam acontecendo na
América Latina antes de se definir uma corrente teórica de Estudos Culturais. E por último,
como um movimento de contraposição ao imperialismo cultural norte-americano e suas
inflncias sobre os países latinos.
Acerca das temáticas priorizadas pelos Estudos Culturais latino-americanos, destaca-
se: a análise das identidades culturais, das redes de depenncia, das relações entre tradição e
modernidade, das transformações das culturas populares e das formas de consumo cultural.
28
Examinam-se, nestes estudos, os processos de globalização e as transformações que se
intensificam a partir dos anos 90, marcadas pelos seguintes acontecimentos: mudanças
políticas caracterizadas pelo processo de democratização dos governos, a inserção de blocos
econômico produzindo rupturas nas fronteiras comerciais, a crescente participação da mídia
em todos os segmentos da sociedade, movimentos feministas, indígenas e outros atores
sociais que entram em cena reivindicando direitos, as culturas urbanas e as múltiplas formas
de produção de identidades juvenis.
Seguindo as provocações e as possibilidades deste campo de estudos, delineei minha
pesquisa e passei a buscar produções relativas à leitura e à biblioteca. Utilizando as
plataformas de pesquisas acadêmicas, as revistas indexadas e disponíveis on line, os anais de
eventos relacionados à leitura, literatura e educação, mapeei estudos com diferentes
perspectivas teóricas e ênfases variadas, apresentando-os em meu projeto de pesquisa com
riqueza de detalhes. Esse procedimento foi fundamental para me situar em um campo
discursivo com o qual eu não estava habituada. O levantamento feito me possibilitou conhecer
produções interessantes sobre leitura e literatura, mas tamm mostrou que existem discursos
recorrentes, pesquisas que parecem versar, quase sempre, sobre as mesmas probleticas. Na
qualificação, fui orientada pela banca a selecionar, daquele imenso leque de produções lidas,
apenas aquelas que guardavam uma vinculação específica com meu tema de estudo e que
colaboravam com minhas intenções investigativas.
Retomando algumas produções acadêmicas para tecer com elas alguns argumentos
Quando iniciei a pesquisa, surgiu a necessidade de realizar buscas em diferentes fontes
e refletir sobre as produções desenvolvidas por outros pesquisadores. Iniciei a revio
bibliográfica através de artigos publicados em revistas e comunicações nos Congressos de
Leitura do Brasil (COLE) entre os anos de 2003 a 2007
9
Depois busquei nos acervos digitais
da ANPED (percorrendo especialmente os Grupos de Trabalhos: Movimentos Sociais e
Educação, Educação Popular e Alfabetização, Leitura e Escrita), nos bancos de dissertações e
teses publicadas pela Capes, nos acervos das universidades que abordam assuntos pertinentes
à educação, como também em publicações dispoveis no Scielo que tematizam a leitura. Para
9
Como a produção é muito extensa, achei melhor delimitar o período para facilitar as análises; fiz a escolha
pelos últimos cinco anos por dois motivos: primeiro, por serem as produções mais recentes e atualizadas,
segundo, por observar que houve aumento no número de trabalhos publicados, especialmente, nos últimos dois
anos.
29
identificação dos materiais, utilizei as palavras-chave ―biblioteca, ―biblioteca popular e
biblioteca comunitária. Localizei aproximadamente duas mil publicações produzidas em
diferentes áreas, em especial Educação, Biblioteconomia, Ciência da Informação, História e
Letras com destaque para Teoria Literária.
Após reunir este material, pude observar que a produção relativa à biblioteca versa
especialmente sobre alguns temas centrais: bibliotecas escolares; bibliotecas universitárias;
biblioteca segundo a ótica dos profissionais e estudantes de biblioteconomia, bibliotecas
virtuais, bibliotecas comunitárias, bibliotecas públicas (incluídas aí as municipais, estaduais,
federais). É possível identificar discursos que posicionam a biblioteca como local destinado à
prática de leitura, espaço destinado à complementação de atividades propostas pela escola e
como partícipe no processo de formação de cidadãos. Destacam-se as problematizações sobre
a falta de acervos e sobre a necessidade de políticas específicas e adequadas de promoção da
leitura. Há, ainda, um conjunto amplo de estudos relacionados a propostas didáticas para a
―formão do leitor, que em geral conm indicativos e propostas de ―solução para os
problemas indicados nas análises. Alguns desses estudos problematizam práticas de ensino
tidas como tradicionais, sugerindo propostas dico-pedagógicas planejadas a partir de
preferências dos alunos; outros defendem a substituição de práticas que instituem a
obrigatoriedade da leitura por outras cuja ênfase seja a motivação, o interesse e a criatividade
dos leitores.
Em relação às bibliotecas comunitárias, encontrei poucos estudos, sendo os objetivos,
os caminhos investigativos ou as ferramentas teóricas bem distintas daquelas que produzi para
o meu estudo. Tais pesquisas justificam a constituição e consolidação de bibliotecas
comunitárias na necessidade de oportunizar e viabilizar a leitura às comunidades carentes,
populares e periricas das regiões mais centrais e incentivar a formação de leitores
conscientes, cidadãos e aunomos; defendem que tais iniciativas ampliem oportunidades de
acesso ao que se considera ser patrimônio cultural e informacional da sociedade. Poucos
o os estudos que enfocam as práticas de leitura nestas bibliotecas, ou as formas de utilização
deste espaço pela comunidade na qual está inserido.
Passo a comentar brevemente três estudos acadêmicos sobre leitura inspirados na
etnografia, sendo que dois deles foram desenvolvidos no Morro da Cruz, bairro no qual se
situa a biblioteca de minha pesquisa. A dissertação de mestrado de Thaise da Silva (2007)
analisa práticas de leitura no espaço doméstico e suas interações com discursos escolares.
Neste estudo, de base etnográfica, ela considerou os registros em diário de campo,
30
observações, entrevistas, questionários, anotações de relatos de conversas para examinar as
experiências de letramento dos alunos, em atividades diárias extra-escolares. Para autora ao
se escolarizar o letramento, corre-se o risco de impor padrões e generalizações, eliminando-se
a pluralidade de possibilidades que se estabelecem em cada espaço social em que essa prática
se apresenta (p.37). A autora mostra que as práticas de leitura não se instituem apenas na
escola, que diariamente praticamos uma multiplicidade de leituras, não restritas
exclusivamente ao texto escrito.
O livro de Fonseca (2004), intitulado Família, fofoca e honra: etnografia de relações
de gênero e violência em grupos populares, apresenta os resultados de pesquisas
desenvolvidas em comunidades periféricas de Porto Alegre entre as décadas de 80 e 90. Nos
dois primeiros capítulos ela apresenta a Vila Cachorro Sentado
10
, destacando as alternativas
econômicas postas em curso pelos moradores, que atuam no setor informal da economia,
exercendo atividades remuneradas como operários da construção civil, papeleiros,
borracheiros, pedintes, domésticas, flanelinhas e jovens que assumem pequenos furtos como
profissão. Nos capítulos seguintes, a autora fala do Morro da Cruz, analisando a violência
gerada em disputas territoriais e relações de gênero. Ela tamm discute alguns personagens
que passaram a ocupar lugar de destaque no cotidiano dessa comunidade. Em suas palavras,
o recorte é ampliado para incluir aspectos do imaginário do grupo os heróis ticos, os
policiais e as noções de tempo e espaço (FONSECA, 2004, p. 9). Embora os dois bairros
periféricos sejam distintos, a autora traça alguns paralelos, relacionando as práticas cotidianas,
discutindo as vinculações, os jogos de força e as tensões vivenciadas por segmentos sociais
que residem nestes espaços. Ela afirma tratar-se de uma ―vida em sandche, uma forma
instável de viver que oscila entre diferentes ocupações, distintas alternativas, fgeis relações.
Uma vida malabarista, ou seja, que exige habilidades variadas para conseguir prover o
sustento familiar, e que empurra estas pessoas para um turbilhão de experiências que, de
muitas maneiras, produzem e reconfiguram as maneiras de ser e de viver nos espaços urbanos.
A outra produção relativa ao Morro da Cruz é a dissertação de cia Mury Scalco
(2008), denominada FaLA K É NóIs: etnografia de um projeto de inclusão digital entre
jovens de classes populares em Porto Alegre. A autora analisou a implementação de um
projeto de inclusão digital destinado a jovens (em idade escolar) do Morro da Cruz, resultante
de uma parceria entre a prefeitura municipal de Porto Alegre e a congregação religiosa São
10
Essa Vila fica situada em um pequeno espaço entre as avenidas Aparício Borges e Barão do Amazonas, em
que a única via de acesso se dá de frente à Avenida Ipiranga nas proximidades do Bourbon Shopping e do Teatro
da AMRGS Associãodica do Rio Grande do Sul.
31
José de Murialdo que atua na comunidade desenvolvendo redes de atendimento assistencial.
Interessava à autora investigar as formas de inclusão e interação social dos jovens no uso de
novas tecnologias digitais. Na análise, ela mostra como os jovens ressignificam suas
identidades e vinculações sociais na medida em que se apropriam de certos saberes e que
passam a freqüentar sites de relacionamentos, em especial o Orkut.
A leitura destes trabalhos me permitiu um contato com outras práticas dos moradores
do Morro da Cruz que vão além daquelas que pude observar no ambiente da biblioteca Ilê Ará
e seus entornos. No desenvolvimento de algumas de minhas análises, apresentadas adiante, fui
incorporando considerações destes autores.
Cruzo a cidade de Porto Alegre, com suas múltiplas
paisagens, imagens, cerios e chego à comunidade
do Morro da Cruz. Detenho-me por algum tempo,
observo as pessoas, seus deslocamentos, o ritmo
desse lugar, suas múltiplas linguagens e expressões.
Finalmente chego à biblioteca, planejo momentos
para “estar o máximo possível e sou instigada
a relatar, aqui, aquilo que vejo, coisas que nem sempre
cabem” nas palavras.
Práticas e leituras na biblioteca Ilê Ará
Neste capítulo apresento a biblioteca comunitária I Ará, sua proposta institucional,
as parcerias estabelecidas com instituições e empresas financiadoras, o programa de
voluntariado e as pticas desenvolvidas para a promoção da leitura.
Trago inicialmente um excerto de meu drio de campo, que dá continuidade às
narrativas que apresentei anteriormente, dando conta de minhas primeiras impressões ao
visitar o Morro da Cruz:
Após descer no ponto de ônibus indicado pelo cobrador, iniciei meu desafio
de chegar a a biblioteca, transitando pelos espos da comunidade.
Caminhei por duas ruas estreitas, atalhei percorrendo por escadas feitas com
pedras de basalto soltas‖. Subi por uma das vias de acesso revestidas por
paralelepípedos que terminava em uma rua de chão batido. A paisagem era
desconhecida, e podia sentir os olhares de mulheres e crianças que
acompanhavam meus passos observando-me dos portões das casas por onde
eu passava. Identificavam-me como uma estrangeira‖ talvez pelas roupas,
talvez pelo andar apressado. Sentia-me perdida. Nesse momento solicitei
informações a uma moradora que caminhava em sentido oposto ao meu,
vestida com chambre
11
e chinelo de pano, e ela me deu a seguinte orientação:
Segue pelos muros com desenho (grafite) aa Cruz, de um lado é a creche
e do lado de lá es a biblioteca. Atravessei, então, os locais indicados e
logo pude avistar os muros grafitados da casa, que sedia a biblioteca Ilê Ará,
em um dos pontos mais altos do Morro. Chegando ao portão de acesso
alguns escritos logo chamaram minha atenção ao lado da frase Bem
Vindo! Biblioteca Comunitária Ilê Aráse podia ler um projeto do Grupo
Murialdo em parceria com o Instituto C&A‖ (Diário de Campo, 07/04/07).
A denominação Ilê Ará é inspirada no dialeto ioruba (ou èdé yorùbá)
12
e pode ser
traduzida pela expressão ―Casa do Povo. De acordo com estudos realizados por alguns
historiadores, para os iorubas os nomes são significativos e podem influenciar o
comportamento de crianças e objetos que recebem tais nomes
13
. Nesse sentido, a escolha do
nome parece indicar também a tentativa de imprimir certo caráter popular e comunitário a tal
instituição. Tal escolha partiu dos organizadores do projeto, bem como o convite para que a
comunidade colaborasse na estruturação inicial, na reforma do espaço sico adaptado para
abrigar ações e práticas de leitura.
11
Trata-se de um tipo de agasalho feminino, utilizado no espaço doméstico, em dias frios de inverno. O uso
deste tipo de vestimenta, na rua em frente a casa, não poderia ser lido como uma extensão do espaço doméstico,
um modo de utilizão que incorpora o espaço público aos limites daquilo que se considera a própria casa?
12
Idioma da família lingüística nigero-congolesa que é falado ao sul do Saara, na África.
13
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_iorub%C3%A1. Acesso em: 24/09/2008.
34
A biblioteca comunitária Ilê Ará, fundada em 2006, é um dos projetos incentivados
pelo Instituto Leonardo Murialdo (ILEM), com apoio financeiro e parceria do Instituto C&A
(IC&A) e outras instituições localizadas nas proximidades, como é o caso de algumas escolas
da rede estadual e municipal, situadas próximas ou na comunidade do Morro da Cruz. Embora
distintas, estas instituições desenvolvem atividades em conjunto para colaborar com a
manutenção da biblioteca e possuem políticas específicas de incentivo à leitura. Para
compreender melhor a proposta da biblioteca, me parece importante apresentar, em traços
rápidos, o Instituto Murialdo e o Instituto C&A, assim como os objetivos, normas e
procedimentos estabelecidos por ambos para nortear projetos assistenciais e para o
desenvolvimento de suas ações sociais.
O Instituto Leonardo Murialdo faz parte da congregação católica São José de
Murialdo
14
, que atua no bairro e nas proximidades do Morro da Cruz cerca de quarenta
anos, aproximando-se da comunidade através de projetos e programas destinados ao
atendimento das necessidades entendidas como essenciais dessa população. Para esse
atendimento o Instituto Murialdo diversificou suas áreas de atuão constituindo núcleos,
localizados dentro da comunidade.
Para isso, foram constrdas ts casas de apoio e assistência no Morro e uma dentro
do bairro São José: a Creche para atendimento de crianças de 6 meses a 5 anos, sendo
previamente definido como critério de seleção o atendimento aos filhos de pais que
―trabalham fora. Além disso, o Instituto manm um serviço de assistência social, do qual
fazem parte: uma Incubadora para desenvolvimento de atividades geradoras de renda (como a
produção de trabalhos manuais e artesanais) e que tamm organiza cursos para utilização e
melhor aproveitamento de frutas e verduras na culinária, cursos de corte e costura e de
confecção de acessórios; a biblioteca, inicialmente utilizada como ponto de encontro das avós
costureiras; a Associação Murialdo, localizada ao pé do Morro, destinada a oferecer cursos de
computação, qualificação e aperfeoamento para jovens que estão entrando no mercado de
trabalho.
14
A Congregação de São José foi fundada por Leonardo Murialdo em 1873, em Turim, na Itália. Atualmente a
congregão dedica-se a educão escolar e ões sociais e assistenciais. No Brasil, a dimensão civil da
Congregão se expressa através do Instituto Leonardo Murialdo (ILEM). Conforme se define em documentos
da congregão, sua função principal é a educação integral das crianças, adolescentes e jovens empobrecidos.
Objetivo é de educar para a cidadania: formar bons cristãos e honestos cidadãos. Fonte:
http://www.murialdo.com.br/interna.htm. Acesso em: 21/06/2007.
35
Foi a partir de um dos projetos, denominado Morro da Cruz para a Vida, que se
iniciaram os trabalhos desenvolvidos na comunidade. Esse projeto é dividido em cinco eixos
Saúde/esportes, Meio Ambiente, Arte e Cultura, Geração de Renda e Educação e foi
estruturado a partir de algumas unidades de atendimento específicas, como por exemplo: os
Jornais: Fala Sério e Nós na Fita (mantidos pelo Núcleo de comunicação, produção de
eventos e publicações), a Grife Morro da Cruz, as Mulheres Independentes, as Avós
costureiras (vinculados à Incubadora), o Centro profissionalizante, o centro infantil (Creche)
e a biblioteca. Cada projeto é mantido com o apoio de diferentes patrocinadores, e seu tempo
de duração é limitado pelas possibilidades de renovão do contrato. É importante destacar
que cada um desses eixos do projeto Morro da Cruz para a Vida esendereçado a públicos
específicos e estabelece objetivos e atividades diferenciadas, mas todos orientam-se pelos
princípios e linhas de ão do Instituto Murialdo.
A outra instituição mantenedora da biblioteca é o Instituto C&A, uma entidade sem
fins lucrativos, ligada ao grupo C&A
15
, ―que tem como foco promover e qualificar o processo
de educação de crianças e adolescentes no Brasil
16
. Para atingir essas intenções, tem
concedido apoio técnico e financeiro a programas e projetos sociais (promovidos por diversas
instituições). O instituto articula-se de forma indireta à promoção de programas e projetos
sociais de terceiros, condicionando o apoio financeiro ao cririo de que as ações/projetos
estejam situadas em cidades ou regiões metropolitanas onde a empresa C&A esteja em
funcionamento. Esta condição liga-se ao fato de que a empresa recruta funcionários como
voluntários para acompanhamento das ações e, no caso dos projetos de biblioteca, eles atuam
diretamente, como mediadores de leitura.
Através de programas de voluntariado os funcionários são incentivados a participarem
das atividades sociais desenvolvidas com o apoio do instituto. Duas vezes por semana um
grupo de uma das lojas visita a biblioteca do Morro da Cruz para desenvolver ações de leitura
com a comunidade. No informe publicitário do Instituto C&A destaca-se que atuação desses
voluntários ―serve para estimular e desenvolver a criatividade, a iniciativa, a liderança, o
15
É uma empresa transnacional, de origem holandesa, instalada no Brasil desde 1976. Atualmente está presente
em 19 países contando com aproximadamente 1000 lojas. Suas atividades dedicam-se ao comércio e varejo de
pas de vestuário e moda. Para maiores informações acessar material disponível em www.institutocea.org.br.
16
O perfil apresentado no site do Instituto destaca que ele ―foi fundado em 5 de agosto de 1991, como expressão
do desejo dos acionistas da rede de lojas C&A de institucionalizar sua política de investimento social no Brasil.
O Instituto C&A oferece apoio técnico e financeiro a programas e projetos desenvolvidos por instituições da
sociedade civil também dedicadas à educação de crianças e adolescentes. As atividades da organização são
mantidas por doações efetivadas pela C&A e por doões diretas dos acionistas. Fonte:
http://www.institutocea.org.br. Acesso em: 21/06/2007.
36
planejamento, a consciência social e, principalmente nossa compencia corporativa: gostar de
gente
17
. Ao final de cada ano é feito um balanço das atividades realizadas, numa convenção
que reúne os voluntários e na qual se premiam as equipes que mais se destacaram no
desenvolvimento de ações de promoção da leitura.
Partindo do pressuposto de que ―ler é um direito fundamental do cidadão e principal
via de acesso ao conhecimento e à cultura
18
o Instituto C&A apóia projetos como o da
biblioteca Ilê A, que contam com um prazo de duração estimado em três anos. Estimulando
as redes de funcionários voluntários, o Instituto C&A criou sete programas internos
destinados às comunidades que eles consideram carentes, cujas principais áreas de atuação
o educação e responsabilidade social. Os programas são: Prazer em Ler, Educação Infantil,
Educação em Tempo Integral, Redes de Alianças, Comunicação e Avaliação, Fortalecimento
Institucional, e Voluntariado Empresarial.
É através do programa Prazer em Ler
19
que as iniciativas da biblioteca comuniria Ilê
Ará se integram às do Instituto C&A. Este programa atua embasado em ts pilares:
desenvolvimento de projetos de leitura, disseminação à sociedade da importância de ler e de
boas práticas de promão da leitura e a articulação de agentes sociais em torno de incentivo
ao ato de ler. Os objetivos do Programa Prazer em Ler são o pano de fundo a partir do qual
se estabelecem certas metas a serem alcançadas pela biblioteca, certas ações que serão (ou
não) desenvolvidas neste espaço, de modo que atendam suas intenções/pretensões. Com isso,
observa-se que o apoio do Instituto também influencia/interfere na maneira como as
atividades serão desenvolvidas, bem como no leque de práticas consideradas importantes.
Embora o projeto da biblioteca estabeleça como fundamento a efetiva participação dos
moradores do Morro da Cruz na formulação das propostas e no planejamento das atividades
oferecidas, ao que parece esta participação está previamente delimitada pelos interesses e
políticas daquelas instituições envolvidas no financiamento.
Para realizar o controle das atividades mensalmente desenvolvidas, o Instituto C&A
elaborou um documento encaminhado para a biblioteca denominado Sistema de
acompanhamento e avaliação do Programa Prazer em Ler que sediscutido mais adiante.
Esse material faz parte do relatório que deve ser apresentado pela biblioteca, dando conta das
17
Informação contida no informe publicirioAção e Participão publicada pelo Instituto C&A 77
out/nov/dez. 2007.
18
Informação contida no Informe publicirio Prazer em Ler.
19
O referido programa é apresentado em material impresso, a que tive acesso durante a pesquisa, e também está
disponibilizado no site http://www.prazeremler.org.br/prazeremler/html/content/home/default.aspx. Acesso em:
21/06/2007.
37
ações desenvolvidas, e tamm se destina ao controle do trabalho de voluntariado que
desempenha mediações neste ambiente.
Levando-se em conta que a construção e reforma da estrutura da biblioteca contou
com a participação de moradores do bairro colaborando espontaneamente na pintura, na
decoração, no paisagismo, no grafite e tamm na organização do evento que deu início às
atividades, é possível afirmar que os sentidos de participação o variáveis nesta experiência.
Os gêmeos que venceram o concurso de grafite e doaram o prêmio para a construção da
biblioteca, conforme relatei no icio deste projeto, também dela participaram, assim como os
moradores que responderam ao convite e colocaram seu trabalho, seus talentos, seu tempo
neste empreendimento. Mas, na rede de relações de poder postas em funcionamento, os
projetos de financiamento acabam por marcar determinados contornos para a biblioteca,
definindo como deve ser estruturada/organizada de modo que atenda as exigências, metas,
objetivos neles estabelecidos.
As muitas formas de leitura no cotidiano da biblioteca Ilê A
Ao cruzar os limites que me posicionavam do lado de fora‖, e já me
sentindo em casa, pedi licença e entrei na biblioteca. Ali dentro, meus olhos
percorreram todo o espaço visível, como se eu tentasse reter, naquela
primeira visita, todo o encantamento que me acompanhava desde que
comecei esta pesquisa. Pude perceber que as janelas estavam cobertas por
cortinas de chita, uma delas exibindo a pintura de uma menina andando de
balanço, sendo este representado por um livro aberto. A outra cortina tinha
um tom esverdeado, trazia letras soltas‖ ao fundo, compondo o alfabeto.
Logo abaixo de uma das janelas podia-se observar um so azul, as paredes
pintadas em tons pastéis creme e laranja. No centro da sala estendia-se um
grande tapete em formato de quebra-cabeça e, ao fundo, duas estantes
repletas de livros trazendo em destaque alguns indicados como sugestões de
leitura. Pximo a estante menor, um conjunto de cinco mini-mesas com
banquinhos e pequenas cadeiras para uso infantil. Ali estavam quatro
crianças de olhos brilhantes, com a mesa tomada de livros e, a sua volta, uma
mediadora contando histórias (Diário de Campo, 08/04/07).
Esse excerto apresenta uma parte da estrutura interna da biblioteca que é composta por
uma sala mais ampla contendo dois ambientes integrados. Logo na entrada encontram-se dois
sofás azuis escuros cobertos por mantas coloridas e almofadas de mesmas tonalidades e, à
frente estão situadas as mini-mesas com banquinhos proporcionais e puffs para acomodar
maior número de pessoas. Ao fundo se pode ver cinco estantes, variando entre seis e oito
38
prateleiras totalmente tomadas por livros, gibis, jornais e revistas (sendo duas delas
visivelmente dirigidas ao público infantil, com prateleiras mais baixas, ao alcance dos
pequenos). Na sala secundária pode-se ver uma mesa maior com doze cadeiras e um armário
para guardar materiais informativos e livros ainda não catalogados. Neste ambiente são
realizadas diferentes atividades, incluindo alfabetização de senhoras, leitura silenciosa,
consultas e pesquisas escolares, oficinas após as mediações de leituras, confraternizão. A
biblioteca dispõe ainda de uma pequena cozinha e banheiros.
As paredes internas são coloridas, proporcionando uma sensação agradável e
aconchegante e distanciando-se das imagens mais comuns de bibliotecas a algumas décadas
atrás em cores sóbrias e uniformemente pintadas. A casa que abriga a biblioteca é
propriedade do grupo Murialdo e anteriormente era destinada ao atendimento de senhoras,
conforme me explicou a coordenadora pedagógica desse projeto: Essa casa funcionava antes
para a formação profissional de pessoas da terceira idade, e estava ligada a assistência social
feita pelo Murialdo. Então a gente aceitou o desafio e redefiniu o espaço para aceitar o convite
e sediar a biblioteca(Diário de Campo, 12/04/08).
Após a consolidação do projeto, em agosto de 2006, a preocupação se voltou para a
constituição do acervo e a divulgação do espaço, para torná-lo conhecido pelos moradores
Iniciaram-se as atividades, para as quais a comunidade local era convidada para utilizar o
espaço destinado às práticas de leitura. Alguns mediadores foram selecionados e passaram a
integrar as atividades da biblioteca. De acordo com o relato dos participantes do projeto, os
critérios de seleção eram, em geral: ser morador da comunidade, ser conhecedor do bairro e
suas demandas específicas, ser jovem, ser estudante (em vel médio ou superior). Tais
critérios são justificados na possibilidade de dispor de tempo para as ações e também porque,
num ambiente dedicado à leitura, parecia oportuno ter jovens que pudessem figurar como
bons exemplos‖.
A biblioteca funciona de segunda a sexta-feira nos períodos matutino e vespertino,
mas durante o período de férias escolares o ―ritmo das atividades diminui, restringindo-se as
consultas locais, organização do acervo e planejamento das intenções e ações do trimestre
seguinte. Para divulgar o trabalho ali realizado, a biblioteca conta com diversificados
materiais. Em uma de minhas visitas um dos mediadores comenta sobre as formas de
divulgação
s temos um material de divulgação que a gente utiliza quando vai até as
escolas, é um panfleto que explica o que é a biblioteca e é bem bonitinho, as
39
crianças sempre gostam. Quando montamos as esquinas de leitura
20
utilizamos um megafone e saímos pelas ruas divulgando, e essa é uma
espécie de comunicação bem chamativa, a gente brinca muito porque é
muito divertido e barulhento, mas tem funcionado muito bem além disso,
tem o contato direto que é sempre importante. E quando tem uma atividade
planejada para acontecer, por exemplo, no final do mês, a gente também
pensa em maneiras de divulgação, faz pequenos panfletos, coloca nos bares,
coloca faixas no portão de entrada de acesso a biblio‖, mas na verdade as
pessoas vão se acostumando, porque estas são atividades mais fixas,
acontecem todo mês então as pessoas já procuram. E também podemos
contar com as outras casas do Instituto Leonardo Murialdo para ajudar na
divulgação (Diário de Campo, 12/04/08).
Como se pode observar, existe uma visível preocupação em dar visibilidade às ações
da biblioteca, o que obviamente justifica a sua existência neste lugar. Atualmente a biblioteca
possui um acervo aproximado de dois mil livros adquiridos através de doações (de dentro e de
fora da comunidade) e compras incentivadas pelos colaboradores. Conta com trezentos e
setenta membros associados e realiza, em média, quatrocentos empréstimos mensais de livros,
gibis, revistas am das inconveis consultas referentes a pesquisas escolares diversas. Entre
as obras que compõem o acervo da biblioteca, pode-se destacar: literatura infanto-juvenil,
obras da literatura clássica, biografias, livros de contos, crônicas, fábulas, histórias de ficção,
romances nacionais e estrangeiros, obras ilustradas e sem texto, revistas em quadrinhos de
estilos e autores variados, dicionários, periódicos (jornais e revistas), entre outros. A aquisição
e renovação do acervo é realizada com recursos advindos dos colaboradores e se define
através de diferentes estratégias como consultas aos usuários, aos mediadores e as indicações
sugeridas pelo próprio Instituto C&A.
Em conversa com a coordenadora pedagógica do grupo Murialdo, ela destaca como
principais desafios para a biblioteca: a garantia de recursos para o desenvolvimento e para a
manutenção do projeto; a capacitação de mediadores de leitura e a garantia de cumprimento
de horários e de cronogramas de cursos de capacitação, o envolvimento do público ―não-
escolar, jovem e adulto. A coordenadora também afirmou que muitas mães têm identificado,
na biblioteca, a possibilidade de deixar as crianças em segurança, enquanto elas se deslocam
para trabalhos ocasionais, para ir ao centro fazer compras, ou ao posto de saúde. Alguns
estudantes tamm têm buscado na biblioteca um amparo para a realização de tarefas
escolares, especialmente aquelas que exigem pesquisa, uma vez que os materiais escritos e as
fontes de consulta são escassos. Poderia dizer que estas são práticas que subvertem o modelo
proposto, e que borram as fronteiras entre a ―necessidade da leitura e as ―necessidades
20
Trata-se de uma atividade de medião realizada com a ajuda de mediadores voluntários, na qual alguns livros
são expostos sobre a calçada (devidamente coberta e protegida) de uma das esquinas do bairro.
40
cotidianas da vida dos moradores, estudantes, trabalhadores que transitam neste espaço. A
importância desta biblioteca torna-se visível quando pensamos na oferta de serviços
destinados a práticas de leitura: a comunidade, que pode ser estimada em quatorze mil
habitantes
21
, possui duas escolas municipais e três estaduais e todas atendem apenas
estudantes de ensino fundamental. Sem contar as bibliotecas escolares, este é o único espaço,
aberto ao público que promove o empréstimo e circulão de livros.
Passo a descrever algumas das atividades desenvolvidas na biblioteca comunitária Ilê
Ará, a partir de minhas próprias observações, meus registros no drio de campo, as
fotografias, os documentos consultados, bem como as informações que me foram fornecidas
em conversas com a coordenadora pedagógica, mediadores, voluntários do Instituto C&A,
moradores e outras pessoas que encontrei durante minhas visitas.
Malas de Leitura
As atividades da biblioteca foram iniciadas com a circulão de ―malas de leitura.
Essas ―malas compõem o conjunto das ações pioneiras desenvolvidas pela biblioteca I Ará,
por apresentar ts funções centrais: a primeira, destinada à divulgação e demarcação da
presença deste espaço dentro da comunidade; a segunda, para afirmar as ações de promoção
da leitura, e a terceira para atrair a participação dos moradores ao local, à medida que estes
eso sendo ―convocados a circularem pelo espaço quando precisam preencher os cadastros e
devolver as malas que receberam. Nas palavras da coordenadora pedagógica:
O que é a mala? É um cadastro de famílias que recebem a mala contendo 10
obras, entre livros e revistas, e essa mala fica na casa da família pelo período
de uma semana. Depois essa família indica a mala para outra família da
comunidade ou do outro lado do Morro e a gente faz essa ligão. A mala
vai recebendo um novo acervo, de acordo com o perfil da família, para
atender todos os membros. Vamos compondo o acervo na medida da
composição da família, garantindo o acesso à leitura para todos aqueles que
não moram tão pximos daBiblio, pois ela essituada no topo do Morro.
Temos uma preocupão de atingir outros espaços, então eu acho que essas
atividades de rua são as atividades de destaque (Diário de Campo, 12/04/08).
Essas ―malas de leitura, contendo livros, revistas e gibis, passaram a circular pelas
casas, permanecendo por um período determinado e, no momento da devolução, confirmava-
21
Informação obtida através do ―censo realizado pelo grupo Murialdo com base em dados levantados a partir de
mapeamento realizado por agentes comunitários em 2005.
41
se o cadastro da família. O projeto iniciou com três malas de circulação, hoje conta com sete.
Ao que parece, esta é uma das estratégias utilizadas para levar a leitura até o potencial leitor, e
para que ela seja convidativa, as obras o adequadas ao que se entende ser a composão de
cada família. Esta diferenciação no conteúdo da mala de leitura me faz pensar no que diz
Veiga-Neto (2003) acerca do poder: na perspectiva foucaultiana o poder opera criando
sistemas de diferenciações que permitem agir sobre a ação dos outros e, neste caso, as
diferenciações relacionam-se às habilidades, aos gostos e prefencias dos potenciais leitores.
Conhecer, portanto, o ―perfil dessas famílias seria uma condição para adequar a mala de
leitura e, para tal, a nova família, que receberá a mala, é indicada por outra já cadastrada, que
então se torna fonte importante de informações para que a mala cumpra sua função de motivar
para a leitura.
A mala, e aqui me refiro ao suporte que abriga os livros, tem fundo preto, sua parte
externa é decorada com letras do alfabeto contendo em alto relevo as palavras Ilê A e, logo
abaixo, a expressão ―multiplique seu conhecimento através da leitura. Na sua parte interna
es fixada uma ficha com a seguinte mensagem:
Sua família está recebendo a Mala de
Leitura que circula pelas casas do Morro da
Cruz incentivando a leitura e despertando o
prazer de ler nos moradores da comunidade.
Durante sete dias os livros, revistas e gibis
que estão dentro da mala ficao
emprestados para que os moradores desta
casa possam ler, pesquisar, descobrir e
conhecer coisas novas. Aproveite a visita
dos livros para ler com seus filhos, tomar
um chimarrão contando histórias e se
divertir com as diversas possibilidades que
a leitura oferece a cada um (Diário de
Campo, 09/05/07)
22
.
Figura 3: Mala de Leitura
22
A leitura deste pequeno texto me fez lembrar de certa prática religiosa católica, na qual cada família recebe em
sua casa, durante certo período de tempo, uma capelinha com imagem de nossa senhora, para que os moradores
cultivem rituais cotidianos de fé.
42
Em uma das malas que pude examinar o acervo de obras era variado: revistas
SuperInteressante, Mundo Jovem, Época e Mundo Estranho; livros de Moacyr Scliar, Dan
Brown, José Saramago, Paulo Coelho, um guia de capoeira e uma bíblia jovem. O convite é
lançado para que a família ―aproveite a visita dos livros e as possibilidades que a leitura
oferece, e a leitura parece vinculada a atividades cotidianas tomar um chimaro, divertir-
se com histórias, junto aos filhos. Poderíamos pensar que, desse modo, se busca naturalizar a
prática da leitura, inserindo-a no leque de coisas comuns.
As ―malas de leitura fazem parte de um conjunto de estratégias adotadas pela
biblioteca para ampliar a circulação dos livros, espalhando-os para am dos limites
institucionalizados (e convenientes) para ocorrer ―a boa leitura. Nas análises que desenvolvi,
estas práticas podem ser entendidas como formas produtivas de motivar a leitura e de
despertar esse desejo tamm naqueles que dificilmente se dirigiriam à biblioteca para ler,
mas que, neste contexto, podem ser capturados pelos efeitos desta política.
Mediações de Leitura
Após a circulação das primeiras malas, intensificaram-se os serviços de empréstimo
dos materiais dispoveis no acervo, bem como as atividades de mediação de leitura. Essa
atividade desenvolve-se a partir da leitura de um livro, conto, crônica ou poesia para pequenos
grupos de crianças, jovens ou adultos, geralmente realizada pelos mediadores. Duas vezes por
mês essa atividade é realizada pelos associados voluntários do Instituto C&A.
Com base nos pressupostos do Programa de Voluntariado do Instituto C&A os
funcionários do grupo C&A são incentivados a participarem das ações de leitura na
comunidade. Dentro da programação da biblioteca, estão previstos encontros entre
mediadores, que ocorrem tanto no Morro da Cruz como nas lojas credenciadas, destinados a
preparação destes voluntários para atuar na comunidade. Este processo é descrito e analisado
no capítulo 4 desta dissertão.
Nessas mediações, desenvolvidas por voluntários ou por mediadores vinculados
diretamente à Ilê A, um grupo é escolhido previamente crianças que vão à biblioteca,
crianças da creche, jovens do centro profissionalizante ou turmas das escolas próximas que
incentivam o projeto e a atividade ocorre dentro ou de fora dos limites da biblioteca.
Durante as visitas a campo pude observar que estas atividades desenvolvem-se na própria
43
biblioteca com cerca de doze mediações de leitura por mês , como também nas escolas
municipais e estaduais das proximidades.
A mediação de leitura ocorre, em geral, com a apresentação da obra, a leitura da
história, a observação das ilustrações, e abre-se, ao final, espaço para comentários e
percepções. Nessas mediações de leitura procura-se colocar o grupo selecionado em contato
com textos de autores clássicos e reconhecidos nacional ou internacionalmente. Às vezes as
crianças e jovens produzem pequenos trabalhos que ficam expostos e passam a compor o livro
de memórias das atividades realizadas com os grupos, pelos voluntários.
Empréstimos, consultas locais e diversos
As consultas locais apresentam maior destaque para livros, revistas, materiais
didáticos, dicionários e enciclopédias, em geral, solicitados para atender demandas de
pesquisas escolares. Em relação à procura do acervo para empréstimos há boa parte de
registros voltados para livros espíritas, de auto-ajuda, esportivos e periódicos como jornais
locais.
como leituras mais feitas aqui a gente tem a literatura infanto juvenil
sem dúvida, tem uma procura muito forte por livros espíritas, livros de
esporte tamm são muito procurados e alguns periódicos, nós
assinamos jornais, e algumas coisas mais fortes de poesias, de
literatura brasileira que a gente também tem provocado (Diário de
Campo, 12/04/08).
Outra atividade que destaco é o atendimento de senhoras e adultos, ts vezes por
semana, com aulas de alfabetização desenvolvidas em parceria com educadores do núcleo de
EJA da PUC/RS. São aulas relacionadas ao cotidiano, sendo elaborados previamente, pela
educadora voluntária, alguns exercícios didáticos, valendo-se de estragias como jogos,
elaboração de listas de compras, trabalhos bordados utilizando nomes próprios, leituras de
conta de luz, bulas de redios, receitas de culiria, entre outras. Esse processo de
alfabetização desenvolve-se na perspectiva do letramento e da articulação entre a
compreensão do código escrito e seu uso social.
44
Sarau ptico, encontro com o autor e outras atividades
Na tentativa de atingir um maior número de pessoas, organizam-se também atividades
diversificadas, unindo a leitura e a arte, por exemplo. Para isso, realizam-se encontros
literários, saraus poéticos, café com letras e conversas com autores de obras conhecidas. E
para dar mais ênfase a essa prática, os organizadores trazem autores ―consagrados a a
biblioteca, para conversar com a comunidade. Como exemplos, pode-se destacar a presença
de Moacyr Scliar, e algumas atividades com Ziraldo e Ricardo Azevedo.
Voltando à descrição da estrutura da biblioteca, entre as atividades direcionadas para
aumentar o acervo e envolver a comunidade em mais ações de promoção da leitura destaca-se
o bazar para venda de roupas doadas pelo Instituto C&A a preços populares cuja renda é
destinada à compra de livros.
No período em que freqüentei este espaço pude observar o desenvolvimento de outras
atividades voltadas para a geração de renda, tais como as oficinas de tapeçaria para
aproveitamento de retalhos de tecidos, doados ou comprados e, ainda, a produção de
acessórios e roupas da Grife de retalhos Morro da Cruz, feita com aproveitamento de
materiais recicláveis e pequenos pedaços de tecido. Outra atividade que destaco é a oficina de
grafite, desenvolvida para estimular o desenho como arte e como forma de expressão
daquilo que foi visto durante a mediação de leitura.
Em conversas informais com os organizadores destas oficinas, observei que os
nculos estabelecidos entre promoção da leitura e atividades de geração de renda
(aparentemente destoantes) se estabelecem tanto pelo caráter comunitário e pelo anseio de
oferecer oportunidades para a população ―melhorar de vida, quanto pelo entendimento de
que as necessidades e urgências da vida cotidiana podem ser usadas como forma de atrair o
blico e, ao mesmo tempo, possibilitar certo gosto pela leitura. Assim, as oficinas oferecidas
o vistas como investimentos na formação daqueles que, pelos caminhos da economia
informal, colaboram para sustentar suas falias. São práticas que se articulam à cidadania,
do mesmo modo que a leitura parece significar mais do que uma competência específica
referente apenas à relão com textos escritos, para expressar também uma forma de ―leitura
do mundo‖.
Finalizando esta seção, considero importante registrar que, em termos de espaço sico
e de acervo, Ilê Ará é uma pequena biblioteca. No entanto, se considerarmos as variadas
45
atividades por ela realizadas, dentro e fora das salas destinadas à leitura, e a rede de pessoas
que nela atuam como profissionais e como voluntários, os limites desta biblioteca se alargam
consideravelmente e sua ão se potencializa, tornando-a, em meu entender, uma grande e
polivalente estrutura destinada a produzir leitores de textos, de livros, de contextos e de estilos
de vida.
Ao indagar sobre práticas de leitura nesta biblioteca,
fui sendo provocada a fazer escolhas teóricas, a reunir
ferramentas, a compor um caminho para a pesquisa.
Muitos autores foram me emprestando lentes,
com elas armei perspectivas para olhar e fui enchendo
as ginas de meu caderno com apontamentos,
palavras, rabiscos. Escutei e provoquei diálogos,
fotografei, registrei imagens grafitadas, folheei livros
e documentos, aproximei diferentes materiais e
variados suportes, interessada em significados que, na
linguagem, o sendo constituídos e que o, ao mesmo
tempo, constituidores do que chamamosrealidade.
Percorrendo caminhos investigativos, fazendo escolhas
teórico-metodogicas para a pesquisa
Os contornos desta pesquisa, objetivos e questões apresentadas anteriormente foram
esboçados em uma perspectiva teórica que possibilita maneiras de olhar, formular, deslocar,
representar e produzir sentidos para as práticas da biblioteca comunitária Ilê Ará. Quero dizer,
com isso, que as referências teóricas que trago para esta dissertação não apenas servem como
lentes para olhar; elas constituem a própria pesquisa e possibilitam formular certas questões,
descartando outras, e tecer uma argumentação que não apenas descreve, mas que, no ato de
pesquisar tamm produz aquilo que es no foco de meu olhar. Os conceitos teóricos, por
mim tomados como ferramentas, são apresentados e discutidos neste capítulo, juntamente
com alguns caminhos investigativos e escolhas que fiz à medida que fui constituindo esta
pesquisa. Para minhas análises, considero fundamentais os entendimentos de linguagem,
representação, identidade e poder.
Na perspectiva teórica que orienta meu estudo, lanço mão do entendimento de
linguagem, e das relações entre as palavras e as coisas, distanciando-me da noção que a
concebe como uma descrição fiel da realidade. Para autores como Wittgenstein (apud, Con
1998), Hall (1997b), Silveira (2002b), Veiga-Neto (2002), Bujes (2005), é na linguagem que
constitmos a realidade, ou seja, o que temos denominado como ―real é o resultado de
processos de significação. Nesta direção, a linguagem numa aceão ampla tem uma
função constitutiva. Isso não significa afirmar que não exista nada fora da linguagem a
materialidade das coisas adquire sentido na linguagem, que ―não é fixa, nem estável e muito
menos determinada, conforme afirma Silva (1999, p. 41).
Um importante filósofo, cujas teorizações contribuíram amplamente para esta
concepção construcionista de linguagem, é Wittgenstein. De acordo com Hall (1997b) e
Con (1998), o autor produz um importante deslocamento neste conceito e na função
denotativa a ele atribuída. A partir de seus estudos, em Investigações Filosóficas (1953),
formula-se um novo entendimento de linguagem, no qual o significado das palavras depende
menos daquilo a que elas se referem, e mais ao modo como elas são usadas. As palavras
funcionam na linguagem a partir de um conjunto de regras (convenções lingüísticas) e, sendo
assim, a ênfase não recai tanto no que elas denotam, mas na maneira como seus sentidos vão
sendo instituídos, negociados, modificados dentro desse conjunto de regras.
48
Nessa perspectiva, não se trata de descobrir o significado final das coisas, mas estudar
como a própria fala funciona produzindo, e não supostamente representando, reduplicando,
espelhando, este real. Na esteira do pensamento de Wittgenstein, o termo ―virada lingüística
passa a ser empregado por diversos autores. Hall (1997a, p. 29) afirma que a ―virada
lingüística marca o entendimento de que ―o significado surge não das coisas em si a
realidade mas a partir dos jogos de linguagem e dos sistemas de classificação nos quais as
coisas o inseridas. Nas palavras de Veiga-Neto (2002, p. 31) os enunciados fazem mais
do que uma representação do mundo; eles produzem o mundo.
Na perspectiva construcionista faz sentido pensar em um conjunto de práticas
discursivas que contribuem para identificar, classificar, categorizar, estabelecer regras,
posicionar objetos, sujeitos, acontecimentos em uma determinada cultura. De acordo com
Silveira (2002b, p. 20) a linguagem é marcada pelas contingências pragmáticas, pelas
práticas que a criam e recriam continuamente. Desse modo, devemos pensar que os sentidos
das coisas não são estáveis, nem definitivos, mas que o constituídos em práticas cotidianas,
nas quais se disputam significações diversas.
Aproximando tais reflexões da pesquisa que realizei, é possível identificar um
conjunto de estragias de representação que constituem de determinadas maneiras não de
outras os sujeitos e as práticas vivenciadas na biblioteca comunitária. Estas representações
colaboram para posicionar sujeitos e para ensinar-lhes determinadas condutas desejáveis. Na
experiência que analiso faz sentido pensar sobre os discursos veiculados por programas
governamentais e educacionais e estabelecem certos enlaces entre leitura e pensamento
crítico, cidadania, autonomia.
Em uma breve pesquisa, no site do MEC
23
, facilmente encontramos uma série de
discursos (reafirmados no espaço da biblioteca,) que destacam a leitura como prática central
na constituição da cidadania. Utilizando-se de imagens de crianças sorridentes, debruçadas
sobre livros, diante de estantes com acervos variados a serem escolhidos, sentadas em bancos
de praças, folheando livros coloridos e ilustrados, ou dispostas em círculos compondo rodas
de leituras, o site do MEC anuncia suas campanhas de inventivo à leitura. Estes discursos nos
estimulam ao hábito de ler, e de certo modo nos distinguem entre leitores e não leitores
marcando como desviantes os que, por razões diversas, não lêem. As frases recorrentes,
encontradas nesta seção do site do MEC, bem como em outros materiais que analisei em
23
http://www.premiovivaleitura.org.br/pdf/vivaleitura2007.pdf . Acesso em: 26/09/2008.
49
minha pesquisa, associam a leitura a qualidade de vida e a ―exercício da cidadania.
Destaco alguns exemplos: Quem não lê, mal ouve, mal fala, mal vê‖; Para que o Brasil
alcance o esgio civilizatório que desejamos, faz-se necesrio disseminar a prática da
leitura; Numa nação republicana, o exercício da plena cidadania exige a formação de
cidadãos leitores. Tais afirmações são sustentadas em verdades que possibilitam não somente
distinguir-nos como leitores e/ou não-leitores, como tamm nos posicionam como capazes
(ou não) de ver bem, ouvir bem, falar bem, de sermos civilizados, e cidadãos. Como se
pode ver, a produção de significados liga-se ao poder trata-se de pensar sobre quem pode
falar o que em quais circunsncias e tamm à constituição de identidades (SILVEIRA,
2002b, p. 19) e de analisar as condições a partir das quais certos significados se tornam
aceitos e circulam com maior visibilidade.
O entendimento de linguagem está na base do conceito de representação que trago
nesta pesquisa. Para Hall (1997b, p. 16) a representação é a produção de significados que se
dá através da linguagem‖. Mais adiante, o mesmo autor afirma que o significado não está no
objeto, nem na pessoa, nem na coisa, nem mesmo na palavra. Somos nós que estabelecemos o
significado de forma tão determinada que, em seguida, vem a parecer natural ou inevitável
(Idem, p. 21, grifos do autor). A representação envolve, então, práticas de significação,
forjando elos entre as coisas/pessoas/eventos, os conceitos que formulamos e que mudam
continuamente e os signos utilizados para tornar comuniveis estes conceitos e que também
não são fixos, nem estáveis.
É devido a isso que Wortmann (2001), ao propor reflexões sobre as representações e
seus significados salienta que
(...) o significado é contestado e, às vezes, aseveramente disputado, pois
em qualquer cultura, em uma mesma época, sempre diferentes circuitos
de significado circulando. Isso me remete a ressaltar que a produção dos
significados está sempre associada a lutas de poder essa produção se
inscreve em relões de poder e é nesse processo que, se define, por
exemplo, o que énormal (ou não) em uma cultura, ou quem pertence a um
determinado grupo, ou é dele excluído (p. 157).
É para estes circuitos, ou seja, para os diferentes discursos que vão constituindo e
dando sustentação para as pticas na biblioteca comunitária, que minha atenção se volta na
presente pesquisa.
50
Seguindo o que nos ensina Hall (1997b), as alises devem considerar a forma como
as representações se produzem e colaboram para definir como devem ser pensadas, praticadas
e estudadas certas coisas. E devem considerar ainda o modo como as representações ligam-se
ao saber e ao poder e, desse modo, regulam condutas, constituem identidades, definem a
forma como estas identidades são representadas.
O poder, referido pelo autor, es relacionado ao entendimento que lhe confere
Foucault (1996): poder não se possui, não emana de um centro, não tem apenas dimensões
diretamente restritivas e punitivas. É na sua dimensão produtiva que o poder se torna um
conceito importante na pesquisa que desenvolvi. Procuro pensar como certas relações de
poder vão produzindo identidades, lugares a serem ocupados, práticas consideradas adequadas
para um espaço de leitura, tal como a biblioteca.
Nessa perspectiva o poder ―não apenas pesa sobre nós como uma foa que diz
não...ele atravessa e produz coisas, induz prazer, forma saber, produz discurso (Idem, p. 8).
O poder não está localizado em um ponto único ou exterior, conforme argumenta Foucault,
mas dissemina-se por todas as partes, circula amplamente, estabelece diferentes relações,
permeia, constitui cada contexto da vida, portanto deve ser pensado nas práticas e não fora
delas. Para Veiga-Neto (2005, p. 143) o poder que se exerce no interior das relações sociais,
age de modo que aquele que se submete à sua ação o receba, aceite e tome como natural,
necessário.
Retomando o entendimento de representação, destaco a argumentação de Woodward
(2007), para quem
a representação incluiu as pticas de significação e os sistemas simbólicos
por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como
sujeitos. É por meio dos significados produzidos pelas representações que
damos sentido a nossa experiência e aquilo que somos (p.17).
Neste sentido, representação e identidade se relacionam intimamente: as identidades
vão sendo constitdas e vão tamm constituindo representações; nestes processos se
produzem hierarquizações que servem para distinguir os sujeitos, definindo quem são, como
o, como devem ser, como devem comportar-se. As identidades, na análise de Hall (2007),
Woodward (2007) e Silva (2007), devem ser vistas como um processo social, constituído em
condições históricas específicas. As identidades não se vinculam a nenhuma essência, não são
imutáveis e nem fixas, mas, nas palavras de Hall (2007) elas o o resultado de uma bem-
51
sucedida articulação ou fixão do sujeito ao fluxo discursivo. Uma vez que a palavra
identidade está marcada por concepções essencialistas, o autor explica:
Utilizo o termo identidade para significar o ponto de encontro, o ponto de
sutura, entre, de um lado, os discursos e as pticas que tentam nos
interpelar, nos falar ou nos convocar para que assumamos nossos lugares
como sujeitos sociais de discursos particulares e, por outro lado, os
processos que produzem subjetividades, que nos constroem como sujeitos as
posições de sujeito que as práticas discursivas constroem para s (HALL,
2007, p. 112).
Assim, as identidades são produzidas através de práticas discursivas e por conta d isso,
não devem ser pensadas como uma questão de ser mas um processo constante de ―tornar-
se, conforme salienta Woordward (2007). Neste sentido, é central a construção de narrativas
sobre nós mesmos e sobre os acontecimentos, como meios para dar coerência e coesão ao que
nos acontece, para situarmos/entendermos de certa maneira as coisas, os sujeitos, os fatos, as
trocas, bem como para posicionar-nos como integrantes de certos grupos e identidades.
A produção de identidades se vincula, na análise de Silva (2007), como sistemas
classificatórios a partir dos quais se produzem e se marcam as diferenças. Em suas palavras,
os sistemas classificatórios são, assim, construídos, sempre, em torno da diferença e das
formas pelas quais as diferenças são marcadas ( p. 54).
Para o autor, esta diferenciação entre identidade e diferença ocorre com base em
alguns processos interligados: inclusão/exclusão e demarcação de fronteiras (nós/eles);
classificação (em especial a partir de oposões binárias - certo/errado, bom/mau;
correto/incorreto; desenvolvido/primitivo; racionais/irracionais) e normalização (controle das
ações de outros e de si mesmo, tendo como refencia certo entendimento do que seja normal
e anormal; regra e desvio).
Os discursos e práticas a partir dos quais somos narrados/narramos a nós mesmos (e
tamm como somos posicionados/nos posicionamos) estão inscritos em relações
assimétricas de poder. Dessa maneira, as identidades se vinculam ao poder, e, para Silva
(2007, p. 91), ―quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar a
identidade. E é com base nesta identidade que se nomeia, se posiciona a diferença,
conferindo a estes sujeitos diferentes um lugar, inventando formas para representá-los e
marcá-los por traços e/ou atributos que se considera indesejáveis, ou destoantes, ou
desviantes, ou anormais. E uma vez que as identidades não possuem sentidos fixos ou finais,
há sempre poder e saber em exercício, há sempre uma luta em torno dos modos de
52
representar. Estas relações e disputas em torno da representão interessaram-me nesta
pesquisa, quando indago sobre as identidades daqueles que, ao participarem de atividades na
biblioteca, constituem formas de pertencimento, posicionam-se e são posicionados nesta rede
de práticas e de representações onde a leitura ocupa lugar central.
Trilhando por possibilidades da pesquisa etnográfica
A pesquisa que venho desenvolvendo assumiu um viés de inspiração etnográfica
devido ao fato de analisar as práticas e os sentidos de leitura que se produzem e adquirem
relevância em uma biblioteca comunitária. Por se tratar de uma biblioteca inserida dentro de
uma comunidade específica, não pude deixar de observar e aproximar tais experiências de seu
entorno, e de buscar um entendimento mesmo que mínimo dos distintos sentidos de
comunidade que circulam e constituem o espaço da biblioteca.
Diante da escolha que fiz, passei a estabelecer contatos e visitas periódicas à
comunidade e, consequentemente, a circular, observar, descrever a biblioteca e a dialogar com
as pessoas que utilizam este espaço por razões diversas. Nesses contatos que pude estabelecer
com a comunidade e nas visitas realizadas à biblioteca, pude observar que ali muito se lê. As
pessoas lêem diversos tipos de artefatos placas, informativos, sinais de trânsito e lêem
tamm grafites, que se espalham em abunncia nas ruas por onde se transita para chegar a
a biblioteca comunitária Ilê Ará.
Pensando sobre a prática etnogfica, necessitei organizar uma espécie de diário de
campo para registrar meus momentos de observação e percepções daquilo que estava
pesquisando. No início tive muitas dificuldades, subia até o alto do Morro ponto onde está
localizada a biblioteca duas ou ts vezes por semana, procurando posicionar-me em bancos
de lados diferentes do ônibus para ter certeza que estava vendo, descrevendo e observando
―tudo que encontrava e que nenhum detalhe (ao menos que julgava ser importante) estaria
passando despercebido ao meu olhar. Ficava ansiosa em registrar tudo e em escrever
detalhadamente qualquer diálogo que mantinha com os membros do lugar, até mesmo quando
solicitava informações sobre localização e pontos de referência, para não perder ricos
detalhes que, com o passar do tempo possivelmente seriam esquecidos. Ficava inquieta ao
andar pelas vielas de acesso a biblioteca por não ter certeza para qual ponto deveria direcionar
meu olhar, imaginando que cada acontecimento deveria ser capturado pelas ―lentes de
53
pesquisadora que eu eno experimentava. Fiz esse percurso muitas vezes, buscando observar
coisas diferentes, tentando estranhar o que aos poucos ia se tornando familiar e
estabelecendo elos entre o que via e o que estudava nas diversas disciplinas do Mestrado.
Durante as primeiras visitas que realizei, ao chegar à biblioteca ficava sentada em uma
cadeira anotando quantos livros havia na estante, qual a cor das prateleiras, se as fichas
catalográficas estavam de acordo com a literatura que via separada, quantas pessoas entravam
na biblioteca, o que procuravam, a quem se dirigiam, enfim, entendia que deveria registrar
―tudo o que acontecia nos espaços externos e internos da biblioteca, para que meus leitores
enxergassem através de meus olhos o que eu via nesses lugares, numa possibilidade que
considerava única de estar lá‖.
Paralelos a essas incertezas iniciais começou a surgir os primeiros desconfortos.
Sabendo que a biblioteca é uma iniciativa do Grupo Murialdo, em parceria com o Instituto
C&A, os primeiros contatos que mantive com a coordenão pedagógica responsável pelo
projeto da biblioteca foram na direção de demonstrar quais eram minhas intenções de
pesquisar aquele espaço. Esta era uma condição para que minha presença fosse aprovada (ou
não) pelos gerenciadores, tendo em vista que a instituição depende de financiamento externo
e, para eles, minhas anotações, observações e considerações poderiam significar um risco para
a continuidade do projeto. Para receber a aprovão de minha permanência no local, como
pesquisadora, foi exigida a apresentação do esboço de meu projeto de pesquisa condicionado
a sua aceitação. Esse processo de negocião e de aceitação da pesquisa é fundamental em
estudos etnogficos, conforme argumentam os autores que utilizam tal perspectiva. Aqueles
que dela participam devem ter conhecimento dos objetivos que o pesquisador tem para o
estudo, devem concordar com a presença desse ―estranho durante um tempo, convivendo
com ele, seu caderno de anotações, sua máquina fotográfica e com as insistentes e as vezes
inconvenientes perguntas.
Após ter recebido o ―visto oficial‖ para seguir pesquisando no local, retomei as
visitas, dando continuidade aos registros das práticas que ali aconteciam. À medida que fazia
tais registros ou conversava com os participantes pessoas da comunidade, usuários ou
mediadores autorizados a desenvolver as atividades sentia meus gestos e movimentos
observados e vigiados por olhos curiosos que tentavam entender que anotações fazia em meu
caderno. Em outras instantes, sentia-me vigiada por expressões, em alguns momentos de
aprovação e em outros de reprovação, por parte daqueles que viam suas ações sendo
observadas e capturadas num texto escrito.
54
Nos muitos caminhos que fui vislumbrando, na linha de pesquisa dos Estudos
Culturais, aprendi a pensar etnografia de um modo diferente daquela praticada em estudos
clássicos. A ansiedade e as angústias que experimentei no trabalho de campo correspondiam,
numa perspectiva estruturalista da etnografia, à necessidade de pensar e escrever de modo
preciso e objetivo essa comunidade e suas práticas, observando e realizando uma descrão
fiel do que via, de forma a subsidiar a elaboração de estudos posteriores, registros e
documentos. No modelo clássico, a etnografia visava um mapeamento de estruturas de uma
dada cultura, descrevendo exaustivamente as práticas de grupos, povos ou sociedades,
geralmente tidos como primitivos, com uma preocupação acentuada em dar conta de tudo que
acontecia. Um conjunto de cuidados deveria ser tomado pelo pesquisador para manter o
distanciamento, evitar o viés, descrever objetivamente, descobrir dados como se eles já
estivessem ali, a espera de serem encontrados. Esses cuidados e o fato de terem convivido
durante anos com e no ―interior destes grupos tornariam o pesquisador autorizado a narrar
tais práticas. Era necessário estar inserido o máximo possível para poder compreender,
analisar e, estando lá, utilizar devidamente o método, empregar certas lentes e mostrar com
elas a realidade. Geertz (1989) apresenta uma importante mudança no modo de produção
das narrativas antropológicas. Ele afirma que
uma das grandes hipóteses em que se baseava até ontem a literatura
antropológica, a de que seus assuntos e seu público eram não somente
separáveis mas moralmente desconexos, que aos primeiros se devia
descrever sem a eles dirigir-se, e ao segundo transmitir informações mas não
implicá-lo (p. 60).
O autor chama a atenção para as mudanças ocorridas nos últimos anos no campo da
etnografia tensionando o lugar do pesquisador e afirmando: o mundo ainda tem seus
compartimentos, mas as passagens entre eles são muito mais numerosas e muito menos
seguras (p. 60)
24
. No entanto, segundo o autor as perguntas clássicas da etnografia (ou os
24
É interessante registrar as mudanças no enfoque de estudos etnográficos nos últimos anos. Winkin (1998)
destaca ts mudanças significativas nas práticas de escrita com base em estudos etnográficos: primeira, quando
Bronislaw Malinowski tenta, através de seu livro Os argonautas do Pacífico ocidental‖, faz uma tentativa de
capturar o entendimento do indígena sobre sua visão de mundo, distanciando-se da compreensão fixa de
―graciosos animais exóticos; segunda, relativa ao peodo entre-guerras quando Lloyd Warner sistematiza
estudos de cidadezinhas de Massachusetts e de Illinois, ambas nos Estados Unidos, como microssociedades,
inaugurando os primeiros estudos urbanos que se volta para a exploração da cidade, e consequentemente para o
interior do país; terceira, após os anos 50 quando Ward Goodenough passa a destacar estudos definidos por ele
como endóticos, segundo o autor, ―em oposição a exóticos‖, possibilitando a realizão de pesquisas que não
estivessem centradas exclusivamente em grupos excluídos ou situões consideradas exóticas. Nesta dirão, é
possível pensar um estudo etnográfico em bairros de uma grande cidade, em espaços cotidianos, em locais
bastante freqüentados, ou seja, em espaços espeficos da nossa própria cultura.
55
modos de formulá-las) requerem mudança e não são mais suficientes, uma vez que não se
trata de buscar certezas, verdades, retratos fiéis da realidade, mas de considerar que as práticas
sociaiso constitdas e adquirem sentido em discursos. Sendo esta realidade produzida na
linguagem, ela não é fixa, nem possui um único significado. O que escrevemos em nossas
pesquisas é sempre uma interpretão, expressa em palavras, produzindo efeitos de sentido e
não um reflexo fiel de uma realidade que já estaria pronta.
De acordo com Geertz (1989) e Clifford (1992) devemos estar atentos à iia de que a
escrita produzida pelo pesquisador é que constitui o objeto estudado, ou seja, não há uma
possível separação desse texto e de nossas subjetividades. Neste sentido, o estudo não é uma
prática neutra, mas resultado de um conjunto de escolhas, de aproximações teóricas e de
procedimentos metodológicos adotados. Descrever não significa necessariamente entender
―tudo o que vemos, com seus diferentes matizes. Aquilo que observamos é descrito a partir
de nosso olhar, que está permeado por nossas convicções, entendimentos e valores, não
estando livre das concepções e preferências do pesquisador. As formas de fazer etnografia
―tendem a reduzir-se de um modo ou outro em contornar o fato irredutível de que todas as
descrições etnográficas são comuns, que elas são descrições de quem descreve, não de quem é
descrito (GEERTZ, 1989, p. 63).
Frente a essas reflexões, os autores pós-estruturalistas enfatizam que a pesquisa deve
colocar em relevo os significados que as pessoas dão às ações e acontecimentos, que por sua
vez são constitdos na cultura, produzindo-se continuamente e sendo atravessados por
relações de poder. Enfatizam tamm que o registro e a análise produzem aquilo que vemos, e
que o pesquisador está implicado no ato de pesquisar e de produzir o texto.
Em relação à prática etnogfica, autores como Geertz (1989), Clifford (1992)
discutem as formas de fazer e de pensar etnografia, convidando o pesquisador a descrever não
somente aquilo que observa, como tamm a praticar uma escrita auto-reflexiva. Nessa
mesma direção, Gottschalk (1998) afirma que a pesquisa pode multiplicar significados, pode
dar voz ou se integrar com aqueles que estão sendo observados, narrados, descritos, dando
espaço para os outros sujeitos com os quais se interage. Em outras palavras, a escrita deve
possibilitar que o leitor, estando aqui, seja conduzido ao lugar descrito por muitos caminhos
e possa partilhar as reações mais subjetivas e não apenas ser informado do que
aconteceu.
O exercício auto-reflexivo, realizado pelo pesquisador em suas análises do trabalho de
campo, corresponde à observação e registro de processos que se articulam, levando em conta
56
as subjetividades e estando consciente das estratégias lingüísticas e narrativas utilizadas, que
constituem as práticas sociais entre os sujeitos. No meu caso, estar lá, na comunidade do
Morro da Cruz, é transitar por um território muitas vezes desconhecido, estranhando certas
relações sociais e representações, buscando analisar os significados produzidos pelos sujeitos
nas diferentes experncias que presenciei até então. Éescrever aqui não sobre ―coisas
com sentidos fixos, mas sobre acontecimentos, experiências, sobre as relações constrdas no
espaço pedagógico daquela biblioteca.
Meu sentimento de desconforto e de estranhamento ao realizar esta pesquisa
assemelha-se aos de outros pesquisadores que também realizaram estudos com contornos
etnogficos. Encontro inspiração nos escritos de Ripoll (2005) nos muitos registros sobre o
processo de pesquisa de reuniões de aconselhamento genético; Santos (1998), que observou
aulas de cncias de um curso supletivo de ensino fundamental, para trabalhadores
metalúrgicos e neste espaço produziu uma instigante reflexão sobre o corpo; Alves (2003),
que analisou reuniões da chamada terceira idade e bailes de dança de salão; Sampaio (2004)
que investigou um curso para formação de professores em Educação Ambiental. Cada um
deles, com as particularidades de sua pesquisa, experimentou essa desconfortável sensação de
ser estrangeiro, de observar e ser observado, de estar compondo a pesquisa e produzindo os
dados nas formas de descrever, narrar e analisar, bem como nos fragmentos selecionados e no
modo de compor com eles um jeito próprio de olhar.
Reafirmo que minha intenção não foi realizar uma avaliação das atividades da
biblioteca comunitária, nem afirmar ou negar a validade dessa experiência. Tamm não
pretendi avaliar se as práticas ali realizadas atendem aos atributos definidos para este tipo de
instituição, ou quais seriam as funções sociais de uma biblioteca instalada em comunidades de
periferia. O que tentei fazer foi uma análise cultural, interessada no modo como esta
experiência de biblioteca, inserida no Morro da Cruz, participa na produção de significados
sobre leitura e sobre os leitores. Penso que as práticas realizadas neste ambiente, assim como
os acervos disponibilizados, as imagens que ali circulam, as palavras dos mediadores, as
conversas entre os usuários, tudo isso colabora na instituição de significados para a
experiência compartilhada na biblioteca e, sendo assim, participa das poticas culturais
contemporâneas.
Minhas sucessivas visitas à biblioteca me mostraram
que elao se restringe aos limites de seus próprios muros.
Nesse espaço se produzem diversificadas maneiras de ler,
que assumem significações igualmente variáveis.
Em minhas lembranças escolares (eo escolares, também)
vejo bibliotecas silenciosas, minuciosamente ordenadas,
com cores sóbrias, sem “adereços” que possam dispersar o
leitor de sua nobre tarefa de imersão no texto escrito.
Mas esta biblioteca que agora visito é um lugar colorido,
aconchegante, acolhedor, que pretende proporcionar
outras maneiras de ler, de ver e de sentir... Ainda assim, as
estantes ocupam lugar de destaque e nelas o livro
figura como componente principal daquilo que neste
ambiente se pode experimentar
.
.
.
ltiplas significações, vinculações e práticas de leitura
Mas leio, leio. Em filosofias tropo e caio, cavalgo de novo meu verde
livro, em cavalarias me perco, medievo; em contos, poemas me vejo viver.
Como te devoro, verde pastagem. Ou antes carruagem de fugir de mim e me
trazer de volta à casa a qualquer hora num fechar de páginas?
Carlos Drummond de Andrade
25
Em meio a paixões, descontentamentos, desencontros, aventuras, lugares estranhos,
paisagens distantes, personagens inusitados, mocinhos e bandidos, caricaturas de figuras
épicas, finais felizes ou, como para Drummond, tropeços, os livros abrem-se diante de nós. A
leitura é convidativa, como a aventura de explorar novos lugares, e cavalgar, e perder-se, e
fugir de si mesmo. De muitas maneiras somos convocados a assumir um lugar social de
leitores, por vezes como aprendizes, estudantes, viajantes, profissionais, professores, médicos,
advogados entre tantos outros por vezes para tornar-nos ―verdadeiramente cidadãos.
Em nosso cotidiano, constituem-se múltiplos discursos que colocam em evincia
certas pticas de leitura e que nos convocam para a valorização de livros (e,
consequentemente, da palavra escrita). E nessa rede de sentidos algumas obras são tidas como
os principais veículos que nos conduzem ao maravilhoso mundo da cultura, da informação, da
satisfação pessoal, do aprendizado. Os livros se avolumam, com a expano da indústria
editorial, e se ampliam também as representações em torno deles e da urgência de nos
tornarmos, todos, aptos à leitura.
Neste capítulo, discuto alguns sentidos de leitura, tomando como refencia um
conjunto de materiais que servem de base para as atividades desenvolvidas na biblioteca Ilê
Ará. Considerando as possíveis relações entre as práticas dessa biblioteca e os significados
atribuídos à leitura e tamm as sugestões da banca de qualificação do projeto defini duas
unidades anaticas, em torno das quais desenvolvi minhas argumentações: na primeira,
destaco a centralidade assumida pelo texto escrito, quando se trata de leitura, e o livro como
artefato privilegiado no qual o ato de ler ocorre/deveria ocorrer. Apresento as transformações,
ao longo de diferentes tempos históricos, no processo de produção e reprodução de textos que
viabilizaram também certas mudanças nas atitudes do leitor. Discuto a centralidade do livro
como artefato privilegiado para ler, alguns entendimentos do que seja boa leitura e
25
Disponível em http://www.alb.com.br/anais16/sem08pdf/sm08ss01_03.pdf. Acesso em: 18/01/2009.
59
discursos que afirmam a suposta crise da leitura, pautada no pressuposto de que a perda do
hábito de ler livros seria equivalente a escassas capacidades de leitura.
Na segunda unidade analítica examino uma importante mudança que ocorre no
entendimento da leitura, agora articulada a um ―imperativo do prazer, e também algumas de
suas relações com o exercício da cidadania.
Práticas e Significados de Leitura
Para Chartier (1994) há uma importante relação entre a história do livro e a história da
leitura, com seus lugares privilegiados, seus centros e periferias. Por essa razão, os esfoos
empreendidos pelo autor para discutir os significados de leitura estão focados tamm nos
processos de produção e de transformação do texto escrito, com seus diferentes formatos,
suportes e gêneros. Para ele, ao falar em leitura é necessário inscrever esta prática em uma
história de longa duração.
Para tratar das mudanças históricas na prática de leitura e no livro, o autor distingue
dois níveis de alise: o primeiro diz respeito às revoluções da técnica de reprodução dos
textos e o segundo relaciona-se às transformações na forma e no estilo de leitura. Destaco, da
ampla discussão feita por ele, certos aspectos que considero fundamentais para entender
alguns sentidos contemponeos de leitura, no contexto de minha pesquisa.
Em relação à cnica, Chartier (1994) registra que, no mundo ocidental, a substituição
do volume pelo códice do livro em forma de rolo, utilizado até os primeiros séculos da era
cristã
26
, pelo livro composto de cadernos marca a mais fundamental transformação no
suporte do texto escrito. Depois disso, em meados do século XV ocorre outra importante
mudança nos modos de reprodução do livro
Com os caracteres móveis e a prensa de imprimir, a cópia manuscrita deixa
de ser o único recurso disponível para assegurar a multiplicação e a
circulação dos textos. Daí, a ênfase dada a esse momento essencial da
História ocidental, momento considerado como assinalando o aparecimento
do livro (p. 186).
26
De acordo com Chartier (1994, p. 190), os dados arqueológicos disponíveis, fornecidos por escavões
efetuadas no Egito, permitem chegar a rias conclusões. Por um lado, é nas comunidades cristãs que, de forma
precoce e maciça, o rolo vai sendo substituído pelo códice: desde o século II, todos os manuscritos da Bíblia
encontrados são códices escritos em papiros; 90% dos textos bíblicos e 70% dos textos lirgicos e hagiográficos
dos séculos II-IV que chegaram atés apresentam-se na forma dodice‖.
60
Mas o autor salienta que o livro não surge com a invenção de Gutenberg, uma vez que,
antes da invenção da imprensa, ele possa certas estruturas fundamentais já era montado
a partir de folhas dobradas, paginadas, reunidas em cadernos. Não se trata de uma ruptura
com a forma anterior, pois o livro impresso tem sido, até hoje, o herdeiro do manuscrito:
quanto à organização em cadernos, à hierarquia dos formatos, do libro da banco ao libellus;
quanto, tamm, aos subsídios à leitura: concordâncias, índices, sumários etc (p. 187).
A revolução da imprensa deve ser considerada fundamental quando se fala das
possibilidades de disseminação do texto escrito, mas não a única forma possível para tal.
Exemplificando tal afirmão, Chartier lembra a experiência de culturas orientais (chinesas,
japonesas, coreanas) que, utilizando-se de caracteres móveis muito antes de Gutemberg,
asseguram uma circulação em grande escala de textos impressos através da técnica de
xilografia. E mesmo nas sociedades ocidentais, a adoção do livro impresso como forma de
reprodução de textos escritos não foi unânime, por razões variadas. Nas palavras de Chartier
(1994)
a imprensa substitui o manuscrito como forma maciça de reprodução e
difusão dos textos embora o escrito copiado à mão tivesse conservado
todo o seu papel, na idade do impresso, no tocante à circulação de
numerosos tipos de textos, oriundos da escrita do foro privado, das pticas
literárias aristocráticas comandadas pela figura do gentleman-writer, ou das
necessidades de comunidades particulares: aquelas designadas como
heréticas, ligadas pelo segredo, das corporações de companheiros à franco
monaria, ou, simplesmente, cimentadas pela circulação de textos
manuscritos (p. 195).
O segundo nível de análise que o autor considera crucial na história da leitura se
relaciona à forma e ao estilo de tal prática. No que tange à forma, ocorre uma grande
transformão na expressão física e corporal do ato de ler: trata-se da passagem de uma leitura
oralizada para uma leitura silenciosa e visual. A leitura oralizada era uma convenção
cultural na antiguidade, na qual se associavam o texto e a voz, a declamação e a escuta do
texto. Naquele contexto, ler em voz alta tinha uma função pedagógica, na qual os jovens
podiam exibir seu donio da retórica e também funções literárias, pois era assim que os
autores podiam colocar suas produções em circulação. Em especial os autores de peças
teatrais resistiam a escrever seus textos por entender que desse modo eles seriam privados de
sua vida (CHARTIER, 2002). No entanto, na Idade Média a oralização se vincula a um modo
de ler que está na base do modelo monástico:
No mosteiro, o livro não é copiado para ser lido, ele tesouriza o saber como
um bem patrimonial da comunidade e veicula usos antes de tudo religiosos:
61
a ruminatio do texto, verdadeiramente incorporado pelo fiel, a meditação, a
oração (CHARTIER , 1994, p. 188).
Em outras palavras, a prática de ruminar o texto ou de recitá-lo é uma forma de
concretizar a verdade deste mesmo texto. Este modelo de leitura era tido como o ―verdadeiro
modo de ler até os séculos XVII e XVIII, quando então a leitura silenciosa passa a ser ptica
comum entre letrados. De um modelo monástico, a leitura passa a um modelo escolástico
modificando-se os espaços de produção dos livros e o próprio método de leitura, que já não é
participação no mistério da Palavra, mas deciframento regulado e hierarquizado da letra
(littera), do sentido (sensus) e da doutrina (sententia)(CHARTIER, 1994, p. 188). Um dos
deslocamentos ocasionados pela mudança da leitura oralizada para a silenciosa refere-se ao
leitor e ao que dele se espera este sujeito deve ler com mais rapidez, e deve ser capaz de ler
textos cada vez mais complexos. É importante salientar, no entanto, que a oralização não foi
uma prática abolida com a leitura silenciosa; ela subsiste em importantes espaços, a exemplo
dos rituais, das celebrações e festas populares, de apresentações artísticas marcadas por
produções que devem ser apresentadas ao blico e não lidas por ele. Também subsiste, no
cotidiano escolar, como forma de controle.
No que tange ao estilo de leitura, o mesmo autor afirma que ocorre, na segunda
metade do século XVIII, uma mudança de um estilo intensivo para outro, extensivo, e isso
tem relação com a circulão mais ampla de texto escrito, proporcionada pela imprensa. O
autor explica que o leitor intensivo é confrontado com um corpus limitado e fechado de
textos lidos e relidos, memorizados e recitados, ouvidos e sabidos de cor, transmitidos de
geração a geração(p. 189). O leitor intensivo tinha acesso restrito ao material dispovel
para leitura e suas fontes principais eram os escritos religiosos. Em outra direção situa-se a
leitura extensiva, que ocorre em variados impressos, em suportes distintos e caracteriza-se
como uma leitura ágil, ávida e, por ser retirada do âmbito sagrado (fechado), possibilita a
crítica e a dúvida sobre a ―verdade do texto.
Do mesmo modo que, ao falarmos das formas de ler, não devemos pensar em práticas
excludentes entre si, ao pensar nestes dois estilos de leitura intensiva e extensiva não
devemos tomá-las como se elas se sucedessem de forma estrita. O autor lembra, por exemplo,
que durante a renascença, humanistas praticavam um tipo de leitura baseada na acumulação
e no livro de lugares-comuns (CHARTIER, 2002, p. 25), mais aproximada, então de uma
prática extensiva. Na contemporaneidade, marcada pelo estilo extensivo, tamm se registram
práticas intensivas, em especial em textos religiosos, poéticos e, ainda, na leitura popular de
62
cordel, baseada na memorização, na leitura oralizada e na declamação. Nada disso, no
entanto, invalida a afirmação de que tenha ocorrido, na segunda metade do século XVIII, uma
revolução da leitura, em especial em países como a Inglaterra, a Alemanha e a França.
Amplia-se sensivelmente a produção de livros, de jornais, surgem diferentes e atrativos
formatos, emergem sociedades de leitura, clubes do livro, bibliotecas e tudo isso possibilita
uma busca mais intensa pela leitura, conclui o autor.
Na atualidade, Chartier (1994) identifica o texto eletnico como uma outra importante
revolução da leitura, uma vez que se trata de novo suporte, implicando também novas
maneiras de ler:
a representação eletrônica dos textos modifica totalmente a condição destes:
à materialidade do livro, ela substitui a imaterialidade de textos sem lugar
pprio; às relações de contigüidade estabelecidas no objeto impresso, ela
opõe a livre composição de fragmentos indefinidamente manipuláveis; à
apreensão imediata da totalidade da obra, viabilizada pelo objeto que a
contém, ela faz suceder a navegação de muito longo curso, por arquipélagos
textuais sem beira nem limites (16). Essas mutações comandam, inevitável e
imperativamente, novas maneiras de ler, novas relões com o escrito, novas
técnicas intelectuais (p. 190).
Ao que parece, esta é uma revolução que afeta nossas maneiras de produzir, fazer
circular, consumir e dar sentido aos textos e a nós mesmos, como leitores. Investigar o efeito
dessas práticas de leitura e escrita virtuais é certamente instigante. Mas o mesmo autor
reafirma a imporncia de pensarmos tamm em práticas de leitura que têm por suporte o
livro. Para ele a biblioteca deve ser lugar de conhecimento e de análise da cultura escrita nas
formas que foram e que ainda são, majoritariamente, praticadas. Mais do que nunca, talvez,
uma das tarefas essenciais das grandes bibliotecas seja coletar, proteger, recensear (...) tornar
acessível a ordem dos livros que continua sendo a nossa e foi a dos ho mens e das mulheres
que lêem desde os primeiros séculos da era cris (p. 196).
É importante registrar ainda, como faz o autor, que dentro desta aparente cultura
compartilhada existe uma multiplicidade de práticas de leitura e de formas de consumo e
comercialização de textos impressos. Por essa razão é relevante levar em conta o tempo, o
local e a forma como tais práticas se realizam, desenvolvendo pesquisas situadas em
contextos específicos, como a que realizei na biblioteca Ilê A.
Frente a tais considerações, penso que as formas do texto e o suporte importam na
construção de sentido mas, como afirma Chartier (2001), ―não é menos importante o papel do
leitor nesse ato de produção cultural (p.31). E não se trata de um leitor abstrato, aquele
63
sujeito que domina certas capacidades de decifrar um texto escrito, mas de leitores vinculados
a certas práticas específicas e a determinados grupos nos quais se constituem como tal.
Qualquer leitor pertence a uma comunidade de interpretação e se define em relação às
capacidades de leitura; entre os analfabetos e os leitores virtuosos há todo um leque de
capacidades que deve ser reconstituído para entender o ponto de partida de uma comunidade
de leitura‖ (p.32). Nesta direção, parece fundamental considerar o contexto sócio-cultural que
materialidade à figura do leitor, conforme salienta o mesmo autor:
Posso dizer, de maneira um pouco simplista que se deve levar em
consideração a materialidade do texto e a corporeidade do leitor, mas não
como uma corporeidadesica (porque ler é fazer gestos), mas também como
uma corporeidade social e culturalmente construída (CHARTIER, 2001, p.
32).
As práticas de leitura cotidianas são inumeráveis e, para analisá-las, é preciso buscar
as condões compartilhadas a partir das quais os leitores se situam e dão sentido ao ato de ler.
Tal atitude de pesquisa possibilita mostrar ainda que o mundo da leitura não é feito apenas de
códigos, de estatísticas, ou de hierarquias entre bons e maus leitores, mas de diferentes
experiências, individuais e compartilhadas, frente ao texto.
Penso ser produtivo aproximar as considerações acima, destacadas do pensamento de
Chartier, das análises que venho desenvolvendo para a compreensão das práticas e
significados de leitura na contemporaneidade, em especial, nas ações da biblioteca
comunitária Ilê Ará. Tais pticas, de modo geral, estão sustentadas num conjunto de
discursos (por vezes ambíguos) que nos posicionam enquanto leitores. Esses discursos
operam, de certa forma, no sentido de fixar verdades, conforme as análises de Chartier (1999,
p. 13), definindo condutas deseveis de leitura, ou seja, determinando o que se lê, de que
forma se lê ou o que não deve ser lido.
Assim sendo, somos posicionados, em certas circunstâncias, como bons leitores
quando desenvolvemos práticas desejáveis de leitura, quando somos aptos a ler as diversas
linguagens do dia-a-dia e a comunicar-nos e expressar-nos em diferentes instâncias, quando
somos capazes de estimular nosso raciocínio e capazes de discernir e de fazer boas
escolhas, reconhecendo e exercendo nossos direitos, enquanto cidadãos. Em outros contextos,
somos tidos como ―não leitores, ou seja, como sujeitos que leem muito pouco, que não leem
quantidades deseveis de livros, incapazes de realizar leituras de textos longos, de localizar e
relacionar mais de uma informação, comparar dados, identificar fontes. Conforme argumento
64
mais adiante, estas representações colaboram para produzir o que chamamos de ―crise da
leitura.
Leitura de texto escrito
Conforme Chartier (2001) a leitura ocorre em uma ampla variedade de meios e
envolve uma diversificação de linguagens. Desse modo, podemos ler um texto, uma imagem,
uma fotografia, uma partitura musical, uma seqüência numérica, uma rua, uma cidade, e
muito mais. No entanto, há um entendimento mais ou menos generalizado de que leitura é o
que fazemos diante de textos escritos (verbais). Este mesmo entendimento parece marcar
fortemente os documentos oficiais, os manuais utilizados para organizar a biblioteca, bem
como em conversas informais com pessoas que trabalham na Ilê Ará.
A exemplo disso, destaco a seguir uma passagem, contida no Plano Nacional do Livro
e da Leitura (PNLL), em que o então Ministro da Cultura, Gilberto Gil, expressa em algumas
palavras as finalidades para a criação de uma potica nacional que busca promover e
capacitar a leitura.
Neste momento, em que consolidamos o PNLL, cujo objetivo principal é
desenvolver o Brasil como sociedade leitora, precisamos pensar, ambém,
que tipo de leitura queremos. o nos bastam meros, nem de livros
publicados nem de títulos. Esses fatores são importantes, mas não
suficientes. É preciso mais que livros e compradores de livros leitores em
quantidade e qualidade capazes de fazer o texto potencializar-se nas
múltiplas direções de suas possibilidades (PNLL, p. 4).
Em outra passagem do mesmo documento apresentam-se as palavras do Ministro da
Educação, Fernando Haddad, que parecem completar o excerto anterior: ―o incentivo à
leitura, à divulgação do livro e à produção de textos é outra vertente da potica que busca a
melhoria da qualidade da educação oferecida na escola pública brasileira (PNLL, p. 11).
Destaco ainda as considerações contidas no Prazer em Ler documento norteador das
ações promovidas pelo Instituto C&A, que financia a biblioteca Ilê A quando define O
que é leitura: A leitura pressue um processo de comunicação, em que produtores de
sentidos dialogam e interagem com textos, de diferentes extensões, espessuras, gêneros,
significados e estilos, modificando-os e modificando-se (p. 17).
Durante uma de minhas visitas à biblioteca pude ouvir o diálogo entre dois
mediadores, comentando sobre as leituras que precisavam fazer para a semana seguinte. A
65
conversa chamou minha atenção pois um deles afirmava que iria trabalhar com um grupo de
jovens na tarde seguinte e precisava de algumas dicas que pudessem servir de suporte para
essa leitura. Um mediador comenta:
Tem que ser algo especial que os provoque e os deixe pensativos. Preciso de
um texto que fale sobre adolesncia, drogas, escolhas, perspectivas,
conseqüências... que possa despertar o interesse para que eles procurem
outros materiais escritos, poesias, poemas, essas coisas, sabe? (Diário de
Campo, 07/03/08).
Penso que, para examinar esta vinculação entre leitura e texto escrito é importante
lançar um breve olhar histórico. A expansão da leitura e da escrita parece ser o resultado de
uma nova ordem institda na modernidade. Durante o período medieval a leitura era bastante
restrita e estava basicamente a cargo da Igreja. Dessa forma, era ela que controlava e
determinava, em boa parte, o que deveria ser ou não ensinado. A leitura se vinculava aos atos
de fé e ao domínio de pressupostos da doutrina cristã. A respeito disso, Chartier (1999, p.167)
afirma a Igreja católica tinha se esforçado ao ximo para incentivar as pessoas a ler, mas
não a escrever. Isso porque o donio da leitura garantia os ensinamentos bíblicos, já a
habilidade de escrever poderia conferir um grau indesejável de indepenncia ao sujeito, e a
produção de textos era tarefa de uns poucos iluminados.
Foi justamente durante o período moderno que houve a institucionalização da escola
como local para fortalecimento de certas práticas e para a produção de um sujeito adequado
ao modelo posto em curso. A instituição escolar se configurou, a partir de inspirações
Iluministas, como um lugar de socialização, de aprendizagem da boa conduta e dos bons
costumes obediência, disciplina, donio de certos códigos e aquisição de conhecimentos
considerados necesrios para uma sociedade que se modernizava.
Os aglomerados urbanos e as novas necessidades daí decorrentes conduziram a
institucionalização de práticas de civilidade, que deveriam ser assumidas pelo cidadão, mas
que eram instrdas pelo Estado. A escola colaborou na produção desse sujeito adequado ao
mundo urbano moderno e assim se tornou importante a universalização do acesso a essa
instituição.
De acordo com Elias (1994), diferentes práticas, neste período, visavam modificar e
civilizar os comportamentos cotidianos e, neste processo, o texto escrito cumpriu
importante função. Os livros de etiquetas, de boas maneiras, bem como os tratados de
urbanidade e de civilidade, analisados pelo autor, passaram a circular, marcando distinções
sociais entre leitores e não leitores. Atribuiu-se à escola, entre outras tarefas, a de incentivar a
66
leitura, mas não uma leitura qualquer e sim aquela que acontece, especialmente, através do
texto escrito, o que em pouco tempo popularizou a figura do livro.
Este entendimento de que a leitura se refere ao texto verbal tem fortalecido, em
sociedades ocidentais, as práticas associadas à cultura letrada. As campanhas de alfabetização,
incluindo-se aí as atuais, confirmam esta tenncia, uma vez que o foco quase sempre reside
nos processos de aquisição da palavra. Com isso não quero dizer que as campanhas de
alfabetização não sejam importantes, ou que o domínio desses códigos seja desnecessário.
Tais práticas o fundamentais para viver num tipo de sociedade que valoriza centralmente a
escrita. O que desejo destacar é que tal centralidade da escrita acaba por posicionar como
irrelevantes outras formas de leitura e de comunicação.
Por outro lado, a cultura escrita, no ocidente, é uma cultura do impresso, conforme
salienta Chartier (2001). E ela impregnou de tal forma as práticas cotidianas que produz
efeitos inclusive naquelas que seriam basicamente oralizadas a exemplo dos ritos religiosos,
das celebrações, das festas, das audncias públicas. O texto escrito se impõe aos que lêem e
aos que não lêem, marcando seus gestos, comportamentos e posicionamentos. Trago um
exemplo que me parece expressivo: ao investigar ões de um grupo de mulheres
participantes de CEBs, na década de 1980
27
Sposito (1993) afirma, por exemplo, que elas
identificavam certas marcas corporais naqueles que eram alfabetizados um certo modo de
sentar, de cruzar as pernas, de pegar o livro, a revista, o jornal. Em situações específicas, tais
como as audiências com órgãos públicos, elas encenavam certos ―maneirismos, como se
fossem também elas alfabetizadas. Embora todo o ritual, nestas audiências, fosse oral, elas
preferiam ser vistas como alfabetizadas para que fossem respeitadas. O que considero
importante destacar é o modo como estas mulheres faziam uma leitura do contexto em que se
encontravam, bem como sua capacidade de ler as marcas que distinguiam alfabetizados e
analfabetos, ―vestindo uma identidade condizente com o local em que iam reivindicar seus
direitos à educação.
Em nossa vida diária existe uma grande circulação de textos verbais e imagéticos em
diferentes suportes - cartazes, placas, sinalizações de trânsito, revistas, jornais, livros, editais
ou textos oficiais, folhetos publicitários, encartes promocionais de lojas ou supermercados, etc
e assim a leitura se expande. Desde muito cedo, antes mesmo de serem alfabetizadas para
27
CEBs são Comunidades Eclesiais de Base, organizadas durante as décadas de 1970 e 1980, e vinculadas à
Igreja Católica. A pesquisa da autora foi realizada na periferia da cidade de São Paulo, com um grupo de
mulheres que assumiram a frente nas lutas por escolablica e gratuita.
67
ler um texto verbal, as crianças convivem com tulos de produtos que consomem,
reconhecem símbolos, propagandas, desenhos, marcas, logotipos, e, através destas diferentes
leituras, identificam as coisas que as cercam.
Lembrando que, para Chartier (2001) a alise da leitura deve considerar a
materialidade do texto, ou seja, o suporte que lhe dá existência um manuscrito, um livro, um
jornal, uma obra teatral considerei importante observar o que estava dispovel para leitura
na comunidade do Morro da Cruz. À medida que caminhava pelo bairro observei muros com
reproduções de imagens grafitadas, sinais de pichação que, de certa forma, simbolizam as
ocupações territoriais de determinados grupos juvenis e que são lidas pelos moradores,
visitantes, turistas, etc. Observei ainda que as ruas exibem anúncios variados, especialmente
do comércio local, mesclando textos escritos, imagens, grafismos, setas indicativas. Também
o representativos os desenhos no monumento da Cruz, ponto de destaque na comunidade,
visitado diariamente por muitas e diferentes pessoas. Tudo isso constitui formas de leitura que
me levam a pensar que muito se lê no Morro da Cruz e a biblioteca parece colaborar na
constituição de significados mais alargados para a leitura, conforme discuto a seguir.
Especificamente na biblioteca Ilê Ará, encontrei diferentes suportes para a leitura: um
acervo de livros classificados a partir de categorias de idade (infantil, juvenil e adulto) bem
como por assuntos (auto-ajuda, literatura brasileira, literatura estrangeira, bíblicos,
curiosidades, didáticos); um acervo de DVDs com produções destinadas preferencialmente a
professores (contendo palestras, documentários e entrevistas) e outras endereçadas ao blico
em geral (filmes, desenhos, acústicos); CDs de cantigas de roda e de estilos regionais; acervo
de fotografias; catálogos e periódicos (jornais e revistas); folders informativos; exposão de
materiais confeccionados nas oficinas oferecidas pela biblioteca (de grafite, de poesias, de
reciclagem) e de produções resultantes de algumas atividades de mediação (desenhos,
colagens, figuras, cartazes). Penso que nestes diferentes materiais se produzem leituras, e
tamm se constituem sentidos para o ato de ler.
Uma multiplicidade de acontecimentos que presenciei na biblioteca me leva a pensar
tamm que, mesmo as pessoas que não aprenderam a ler um texto verbal, também realizam
suas leituras. Ao circularem pela biblioteca, ao participarem de uma oficina, ao escutarem as
leituras realizadas pelos mediadores, ao comparecerem aos saraus e encontros com autores, ou
simplesmente acompanhando seus filhos e netos, todos acabam participando e imprimindo
suas marcas neste espaço. Eno, ao diversificar suas práticas, a biblioteca possibilita a
produção de significados, que não se vinculam unicamente ao texto verbal. No entanto, fica
68
evidente que existe uma intencionalidade de produzir compencias e gostos pela leitura de
obras escritas, e preferencialmente de livros. Nas conversas com a coordenadora pedagógica
da biblioteca, ela ressalta o somatório de livros emprestados mensalmente, e afirma que um
dos indicadores de avaliação do projeto é a quantidade de empréstimos e o número de leitores
atendidos. Neste entendimento, parece que as outras formas de leitura que ali ocorrem não
o consideradas válidas, ou servem apenas como atrativos para se chegar ao que realmente
importa: o consumo de textos escritos.
O livro como metonímia da “boa” leitura
Cheguei à biblioteca para mais uma manhã de observações. Sentei na cadeira
que costumava ocupar, peguei minhas anotações e fiquei contemplando o
espaço. A atividade com o grupo de crianças uma turma de rie do
colégio Judith iria comar às 10h. Fiquei observando a sala sendo
organizada por dois dos mediadores. Eram seis pequenas mesas, com bancos
a sua volta, sos, banquinhos e almofadas. Os mediadores aproximaram-se
da estante de literatura infantil e separaram, um a um, os livros que aos
poucos eram colocados nas mesas e dispostos em forma de leque para
tornarem-se visíveis. Cada mesa recebia um conjunto de doze diferentes
livros com capas coloridas, ilustrações variadas e desenhos. Quando os
alunos chegaram, era evidente a admiração que sentiam pelo lugar. Seus
olhos pareciam tocar os livros, como se abrissem um tesouro, matando a
curiosidade em pegá-los. Após a solicitação da mediadora para que cada
grupo escolhesse uma obra a ser lida, deu-se início às atividades de leitura.
Silenciosas as crianças escutavam a narrão das hisrias e prestavam
atenção a todos os gestos dos mediadores e, aos poucos, suas expressões
faciais mudavam, demonstrando espanto, alegria, surpresa, ansiedade,
sensações experimentadas à medida que as histórias iam sendo narradas.
Olhares voltados para uma infinidade de livros que, na opinião dos
mediadores, eram adequados ao grupo de crianças ali reunidas. O encanto da
leitura era experimentado num livro e, no entanto, escapava dele através das
palavras dos mediadores e de suas interpretações de cada história lida
(Diário de Campo, 29/05/07).
Observando diversas atividades da biblioteca, como a acima descrita (e algumas das
fotografias por mim registradas ou disponíveis no acervo da biblioteca) é possível dizer que a
leitura ocorre, preferencialmente em livros. Os livros parecem estar sempre em evincia,
dispostos de maneira a atrair os possíveis leitores e, mais do que isso, chamando a atenção
para a importância que se deve conferir a esse artefato. Eles apresentam-se em formatos
variados (cores, ilustrações, quantidade de páginas) e vão sendo classificados pelos
mediadores de acordo com o perfil de cada público.
69
Analisando os materiais que circulam na Biblioteca Ilê Ará, e as produções destinadas
à biblioteca, ficou claro que o livro ocupa um lugar central. Em outras palavras, ao falar de
práticas de leitura, o livro é sempre tomado como o suporte ideal. Nesta seção discuto o modo
como o livro ganha relevo em materiais de minha pesquisa imagens, textos, fotografias,
conversas.
Destaco inicialmente uma das imagens que ilustram e compõe o texto do programa
Prazer em Ler
28
, publicação que fundamenta as políticas de incentivo à leitura do Instituto
C&A. A imagem de capa deste documento parece sintetizar boa parte do conteúdo desse
―manual‖.
Figura 4: Capa do documento
Prazer em Ler
29
28
Trata-se do material de apoio do Instituto C&A, destinado a mediadores e à formação dos funcionários
associados ao programa de voluntariado. Este material vincula -se ao projeto Prazer em ler, um impresso com
uma tiragem de 5000 exemplares em janeiro de 2006, distribuídos, principalmente, para seus associados e
colaboradores envolvidos com projetos que se destinam à promoção da leitura. No ano seguinte, 2007, foi
publicado o Prazer em Ler volume 2 dedicado às ões em torno de mediações de leitura, documento que será
analisado no próximo capítulo.
29
Todas as figuras, contidas nos dois documentos do Prazer em Ler são de autoria da ilustradora Cris Eich.
70
A representação em destaque tem ao centro uma menina ao centro com expressão
sorridente e serena. Seus braços estão levemente erguidos segurando em cada uma de suas
mãos as cordas de um balanço, sobre o qual aparece sentada, impulsionando-se e embalando-
se com os pés, como se estivesse sendo conduzida em direção às nuvens. A menina parece
tomada pela sensação de liberdade, proporcionada àqueles que se embalam ao brincar e andar
de balanço. Sustentando este balanço está um grande livro aberto, como se fosse ele o
principal responvel por conduzir, orientar, direcionar a menina em suas aventuras e
descobertas, possibilitando que ela realize vôos e apresentando-lhe novas histórias.
Em um primeiro olhar, observamos a menina, com suas expressões faciais de
felicidade, de leveza, de liberdade. Mas a ênfase, na imagem, parece ser outra: a figura que
rouba a cena é o livro e ele aparece como grande condutor das ões. É como se a presença
dele ali garantisse o prazer experimentado pela menina.
Folheando o manual Prazer em Ler, outras imagens remetem à centralidade do livro
nas representações sobre leitura. Nas imagens abaixo o livro está em evincia, associado à
idéia de encontrar-se e perder-se na vastidão da leitura. Ele parece ser uma espécie de escada
que nos eleva a uma condição desejada. Outras imagens lembram escaladas, trazendo, quem
sabe, um sentido de aventura para o mundo da leitura. Chama minha atenção o fato de serem
cenas com pilhas de livro remetendo à noção de que eles guardariam umconhecimento
volumoso ou, em outras palavras, seriam fontes de conhecimento que realmente contam e
quem não tem acesso à leitura estaria privado de todo esse saber sistematizado e socialmente
valorizado.
Figura 5: Imagem do documento Prazer em Ler Figura 6: Imagem do documento Prazer em Ler
71
Figura 7: Imagem do documento Prazer em Ler Figura 8: Imagem do documento Prazer em Ler
As imagens a seguir lembram que a leitura é uma ação individual, pressupondo então
escolhas e necessidades específicas de cada pessoa. E, no entanto, tais imagens parecem
vinculadas à promoção da leitura, espalhado, no cotidiano, os conhecimentos, as histórias, os
textos... mas que tem por suporte o livro.
Figura 9: Imagem do documento Prazer em Ler Figura 10: Imagem do documento Prazer em Ler
Muitas vezes o ―volume‖ do livro remete-nos a iia de algo não tão prazeroso, de um
esforço que fazemos mesmo quando outras coisas seriam mais atrativas. Entretanto ele
tamm é associado ao prazer e ao lúdico. Como salienta Larrosa (2003) a experiência da
72
leitura é uma conversão do olhar que tem a capacidade de ensinar e ver as coisas de outra
maneira. A experiência da leitura converte o olhar ordinário sobre o mundo em olhar literário,
histórico, poético (p. 106).
Figura 11: Imagem do documento Prazer em Ler Figura 12: Imagem do documento Prazer em Ler
Os livros, na maior parte das ilustrações estão abertos, e próximos a outros tantos
livros, como se nos dissessem que este mundo da leitura está ao nosso alcance, basta
querermos. Outro apelo que estas imagens parecem fazer é de que devemos devorar o livro e,
na ilustração acima, ele está colocado ao lado de uma maçã, o fruto proibido no discurso
blico, o fruto da árvore do conhecimento‖.
Figura 13: Imagem do documento Prazer em Ler 2 Figura 14: Imagem do documento Prazer em Ler 2
73
Nas ilustrações da página anterior, os livroso aproximados à ludicidade, sendo
apresentados como substitutos de brinquedos infantis a pipa, o balão. O livro ocupa este
lugar mas, nas imagens, seria capaz de oferecer maior prazer. Na primeira ilustração os livros
possibilitariam alçar voo, sair do chão, viajar para outros horizontes. Na segunda as meninas
interrompem, momentaneamente, a leitura para observar uma pipa solta ao vento esta
tamm tem a forma de um livro aberto.
Ao final do documento Prazer em Ler apresenta-se, de maneira lúdica,Algumas
regrinhas básicas com as quais as coisas poderão andar melhor no espaço de leitura.
Dentre elas, cinco fazem referência ao livro:
Um livro fechado não vale sequer o papel;
Gente nasceu para brilhar e... andar com os olhos cheios de livros.
Ofereça livros o tempo todo.
o esconda os livros: exponha-os. Nada de mostrá-los pela lombada.
Quem gosta de lombada é chicote.
Acredite: uma boa história cura paixão recolhida, dor-de-cotovelo,
saudade, tristeza embutida, bicho-de-pé... (PRAZER EM LER, 2006, p. 63-
64).
A naturalização do livro como suporte preferencial da leitura tamm pode ser vista
no espaço da biblioteca Ilê A. Destaco a seguir algumas imagens que pude registrar durante
minha pesquisa, tanto aquelas grafitadas nas paredes da biblioteca, quanto nos caminhos que
levam até ela.
O folder, abaixo destacado, é adotado como um dos meios de divulgação das práticas
desenvolvidas pela biblioteca. Nesse material pode-se observar duas reproduções de livros
abertos. Na parte superior, notam-se mãos que folheiam o livro contemplando gestos de
leitura e, logo abaixo, o livro serve como telhado da casa que abriga a biblioteca, e que se
vincula à comunidade através da imagem da Cruz‖ e na expressão colocada em evincia no
alto da imagem: a Biblioteca Ilê Ará está de portas abertas para o povo.
74
Figura 15: Material de divulgação da biblioteca na comunidade do Morro da Cruz
Esse material soma-se ao conjunto de imagens grafitadas, tanto no interior quanto no
exterior da biblioteca, em que se destacam livros abertos, rostos sorridentes, cores/tons
―vivos e coloridos, representações de personagens que ―presos‖ ao livro parecem andar pelos
espaços fazendo suas leituras, matando sua curiosidade e vontade de saber ―consome os
livros, ou ainda, sentindo-se abrigadose embalados pelas palavras e leituras ―recheiam‖
seu dia-a-dia de bons exemplos, conforme se pode observar nos grafites a seguir.
75
Figura 16: Imagem grafitada na biblioteca Figura 17: Imagem grafitada na biblioteca
Na primeira imagem destaca-se uma menininha em meio à natureza, entre árvores,
arbustos, morros e flores, segurando entre as mãos uma rede de caçar borboletas. Próximo a
ela, os livros ―voando que ela tenta capturar. Na imagem ao lado há tamm um menino
trajado ao estilo dos jovens grafiteiros que transitam no Morro da Cruz, de boné, óculos, e
calças largas, sentado com as pernas cruzadas sustentando, entre as mãos, um livro aberto.
No grafite a seguir, um jovem caminha em uma paisagem repleta de árvores, mas es
totalmente absorto em sua leitura. Ele carrega consigo uma mala semi-aberta, decorada com
letras do alfabeto
30
, de onde parecem saltar livros e poemas deixando suas ―marcas por onde
passam.
30
O desenho representa a própria ―mala de leitura‖ de biblioteca Ilê A que é utilizada para levar os livros até as
famílias, conforme descrevi anteriormente.
76
Figura 18: Imagem grafitada na biblioteca
No texto grafitado, intitulado Os poemas com a autoria de Mário Quintana, pode-se
ler: “Os poemas são pássaros que chegam/ não se sabe de onde e pousam no livro que lês./ E
olhas então, essas tuas mãos vazias/ no maravilhado espanto de saberes/ que o alimento
deles já estava em ti”. Nesta representação, os poemas (pássaros que chegam) poderiam
sobreviver com o alimento que é a prática da leitura assim eles possuiriam razão de
existir.
Observei ainda que o livro esteve em evidência em quase todas as atividades que
presenciei na biblioteca comunitária, como se pode ver em algumas fotografias tiradas durante
minhas visitas:
77
Figura 19: Es tudantes realizando pes quisa escolar na biblioteca Ilê A
Nesta imagem, pude registrar em uma de minhas idas à biblioteca momentos em
que dois jovens, entusiasmados, encontravam-se envolvidoscom cadernos e livros a sua
volta realizando pesquisas extra-classe para atividades a serem entregues na escola. Eles
consultavam enciclopédias, livros e almanaques, registrando tudo o que lhes interessava, das
páginas que folheavam. Comentavam, ainda, as imagens que encontravam na seqüência dos
textos. Ao final da consulta deixaram os livros sobre a mesa que seriam guardados pelos
mediadores.
Figura 20: Mediadora em atividade com grupo infantil foto do acervo da biblioteca Ilê Ará
78
A fotografia extraída do acervo da biblioteca mostra um dos mediadores, em conversa,
tecendo comenrios sobre a atividade desenvolvida com um pequeno grupo de meninos e
meninas com idades entre dois e ts anos, alunos da creche mantida pelo Instituto Leonardo
Murialdo. Quando vi esta imagem no acervo da biblioteca, estava acompanhada de um
mediador que me explicou a organização da sala disposta com diversos livros sobre a mesa
para ficarem ao alcance dos pequeninos; para isso diversos livros foram colocados à
disposição para que pudessem pegá-los, tocá-los e abri-los.
Figura 21: Jovens da comunidade explorando a mala de leitura durante atividade de medião
Na imagem acima, registrada por mim, um grupo de jovens da comunidade explora o
conteúdo da mala de leitura antes (e durante) a ação de mediação. Na oportunidade, os
mediadores procuraram selecionar livros e revistas que fossem direcionados às formas de
relatar conflitos do cotidiano enfrentados por jovens e seus relacionamentos na atualidade.
Pode-se observar entre as mãos de um dos jovens um livro que traz reflexões sobre amizade,
amor e traição que durante a mediação foi motivo de muita descontração.
79
A centralidade atribuída ao livro tamm se manifesta em documentos oficiais,
conforme se pode ver no excerto a seguir, extraído da Lei n. 10.753, 30/10/2003 (Lei do
Livro) sancionada pelo atual presidente em 2003:
O livro é o meio principal e insubstituível da difuo da cultura e
transmissão do conhecimento, do fomento à pesquisa social e científica, da
conservão do patrimônio nacional, da transformão e aperfeiçoamento
social e da melhoria da qualidade de vida (Capítulo I, Artigo 1°, § II).
Problematizando discursos em torno das práticas de leitura, leitor e livro, Gilberto de
Castro (2007) discute a formação discursiva que posiciona o livro como artefato principal das
práticas de leitura. A centralidade do livro é uma hipótese levantada pelo autor pautada nos
estudos que vem desenvolvendo. Em suas pesquisas ele examina representações produzidas e
reproduzidas pela mídia impressa, a partir da seleção de três periódicos de grande circulação
estadual e nacional os jornais Gazeta do Povo e Folha de São Paulo, e a revista Veja
31
, entre
os anos de 1970 a 2000. O autor parte do pressuposto de que as práticas e hábitos de leitura
adquiridos, primeiramente como ensinamentos escolares e, posteriormente, no cotidiano
estariam focados na figura do livro, instituindo como leitura ―válida aquela realizada através
deste artefato, podendo ser entendida como a única forma de ler. Nesse sentido, o autor afirma
a partir dos resultados indicados por seus estudos que o livro seria a representação
metomica da leitura.
Nas palavras do autor
Na verdade, o discurso sobre a centralidade do livro como fonte única da
leitura começa na família a pais não-leitores cobram que os filhos leiam
livros! Fora dela, o discurso ganha foa na escola e é também reiterado
constantemente em outros ambientes sociais e, principalmente, nos jornais,
nas revistas e na televisão (CASTRO, 2007, p. 48).
Ao analisar os discursos que nos posicionam como leitores, identifica-se a centralidade
do livro em uma variedade de produções que direta ou indiretamente abordam a temática da
leitura, do livro ou do leitor, tais como reportagens, cnicas, quadros, notas, propagandas,
entrevistas, charges, tiras de quadrinhos que se apresentam como discursos
dominantes/hegemônicos. Para Chartier (1994), a centralidade do livro pode tamm ser
verificada no uso recorrente de representações deste em moedas, em monumentos, na pintura
e na escultura. O livro é veiculado em tais imagens como símbolo de saber e autoridade.
31
Enquanto o primeiro é o principal jornal e de maior circulão no estado do Paraná, os demais,
respectivamente, jornal e revista, fazem parte do conjunto de periódicos mais lidos no Brasil.
80
Refletindo sobre esta concepção que coloca o livro em evincia, é importante fazer
referência à noção de que a qualidade da leitura associa-se à idéia de quantidade. De acordo
com os entendimentos freireanos quanto mais livro eu compro, quanto mais livro eu olho,
quanto mais livro eu penso que estou lendo, tanto mais eu estou sabendo (FREIRE, 1999, p.
20).
A qualidade da leitura parece estar vinculada ao hábito de ler livros e, de acordo com
Castro (2007),
essa iia do hábito (do quantitativo, indiretamente) parece ocupar o nosso
imaginário e talvez seja responsável, de uma forma indireta, por grande parte
dos mitos e crenças que temos e reproduzimos sobre o tema da leitura, do
livro e do leitor e, consequentemente, sobre o ensino de leitura (p. 49).
Seguindo as argumentações desse autor, acerca da centralidade conferida ao livro,
penso que o apelo a esta figura converte-se em uma espécie de marcador simlico que
tamm faz sentido nos espaços da biblioteca Ilê A. Nesta direção, pude presenciar
situações diárias que posicionam o livro como principal veículo das ações em torno da leitura,
das quais destaco: organização do espaço, compondo-o com estantes e móveis, para deixar os
livros ao alcance dos mais pequeninos; fixação, nas paredes, de cartazes com frases e poemas
de autores conhecidos e com as devidas indicações, remetendo sempre a um livro; recepção
do blico de potenciais leitores (crianças, jovens, adultos e idosos), posicionando-os em
frente a estantes para escolhas de livros do seu agrado, ou para a composição das ―malas de
leitura. Pude observar, ainda, a preocupação da coordenadora pedagógica em assegurar que
os mediadores tamm busquem livros para a sua própria leitura. Em conversa informal, ela
me disse que a leitura praticada pelos mediadores é fundamental para que, posteriormente,
possam indicar, dialogar e apresentar para a comunidade boas leituras. A valorização do
livro é marcada também pelo zelo para com as obras que se tornaram obsoletas os livros
descartados são restaurados para serem doados aos freqüentadores mais assíduos.
Examinando as recomendações do Sistema de Acompanhamento e Avaliação do
Programa Prazer em Ler vi que nelas o livro também se destaca. Esse material funciona
como um relario, enviado em um período trimestral, que é composto por um formulário
endereçado pelo grupo C&A com base em normas que instituem o programa Prazer em Ler,
como forma de avaliação e controle das atividades e práticas desenvolvidas pela biblioteca.
Nele se avaliam aspectos concernentes à organização do espaço em relação à disposão,
visibilidade e acesso aos livros e outros materiais, bem como a presença de mobiliário
81
adequado para a leitura individual e em grupo; existência de material para divulgação das
atividades; cantos temáticos endereçados ao público leitor com boas condições de iluminação,
limpeza e conforto.
A ênfase, no relatório de avaliação, deve recair sobre a quantidade de livros,
diversidade de gêneros (literário, infanto-juvenil, ficção, romance, poesia, prosa), formas de
catalogão, média de empréstimos mensais, estratégias de ampliação e diversificação
contando com consulta aos leitores. A esses itens somam-se os comentários da coordenadora
pedagógica do projeto, quando indagada sobre a utilização do espaço e os tipos de leitura
mais procurados e as formas de seleção e ampliação do acervo.
Estragias de sedução para o consumo de “bons livros
Sendo o livro tomado como ícone da ―verdadeira leitura, é possível pensar que
tamm a escolha dele é regulada por certos critérios definidos em cada contexto. Não é
qualquer livro, nem qualquer autor que simbolizariam as práticas desejáveis de leitura em um
espaço como a biblioteca I Ará. Nesta parte do texto discuto algumas das estratégias
utilizadas para constituir o gosto pela boa leitura, ou seja, pelas obras e autores
reconhecidos.
Para Chartier (2001) instituímos socialmente o que entendemos por ―boa leitura.
Cada tipo de suporte implica habilidades específicas, por exemplo a leitura bíblica requer
repetição, leitura compartilhada, articulação com a vida; a leitura de jornais pressupõe
conhecimentos conjunturais que possibilitem entender as notícias; a leitura de fotografias
dispostas num museu ou as pinturas numa galeria de arte requerem outras habilidades. O
autor afirma que aprendemos a ler estes variados materiais em comunidades específicas das
quais participamos. Cada comunidade organiza, explícita ou implicitamente, suas práticas
de leitura e suas representações a partir da leitura particular de um texto particular (p.114).
Cada texto requer um leitor em particular e, de acordo com nossas experncias, somos bons
leitores de certos textos e não, necessariamente, de outros.
Para aproximar o leitor das ―boas leiturashá produções de catálogos com o número e
a relação dos volumes de obras que ele deveria adquirir e consumir. Tais obras para Petrucci
(1999, p. 207) fazem parte do conjunto de produções que se convencionou denominar cânone.
O none é um elenco de obras ou de autores propostos como norma, como modelo, por
82
isso cada comunidade de leitores possui seus próprios livros sagrados, ícones do que deva
ser de conhecimento de todos. Tratando-se de literatura, por exemplo, um adolescente culto
deve mostrar que leu certas obras, saber citar seus autores, e alguns deles são referidos nas
provas de vestibular, confirmando sua importância.
De acordo com os estudos de Castro (2008, p. 2) ―um centramento quase idílico na
figura do livro que se tornounone, fazendo dele fonte única em que se deve basear a
formação da boa leitura e do bom leitor. Assim, ao se estabelecer o entendimento da boa
leitura sinalizam-se os autores de refencia, que são reconhecidos naquele campo ou que
assim se constituem por figurarem entre os mais lidos celebridades às vezes duradouras, e
outras vezes momentâneas. Importa menos a nacionalidade do autor, e mais as referências
numéricas de vendagem, que funcionam como indicadores de aceitação entre o público leitor.
mbolos da boa leitura, certas obras consagradas clássicas ou mais vendidas são
reafirmadas nas escolas, nas bibliotecas, em catálogos de editoras, em feiras de livro, nas
crônicas literárias e nos debates entre especialistas. Tais obras muitas vezes se tornam
sinônimo de tradição, de um patrimônio cultural que todos devemos conhecer.
Em matéria publicada na revista Nova Escola
32
, Lajolo considera que existe uma
―invisibilidade das práticas populares de leitura. Ela se refere a livros que não são
reconhecidos como sendo clássicos, e que por essa razão não estariam dispoveis nas
bibliotecas. Nas palavras da autora,ao invés de Zíbia Gasparetto e Paulo Coelho, por
exemplo, há espaço apenas para os clássicos e para os exemplares das letras cultas. Eles
seriam exemplos de autores difundidos amplamente e seus livros se tornam best-sellers
porque reiteram um estilo de cultura de massa globalizada e de consumo pido, não sendo
considerados cânones.
Discutindo best-sellers, Castro (2008) afirma que, nas últimas três décadas, osnones
literários brasileiros se tornaram um tipo de bem de consumo cultural a ser produzido,
divulgado, distribdo e vendido, principalmente ao blico escolar. O reconhecimento, por
parte da crítica, da importância de determinadas obras, faz com que estas sejam
constantemente reeditadas e comercializadas.
A escola (e seus professores) é sobrecarregada de funções pedagógicas, tendo, entre
muitas outras, a missão de formar novos leitores e também perpetuar os cânones da
32
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0184/aberto/mt_81079.shtml. Acesso em: 17/01/2009.
83
literatura. As dificuldades para tanto são amplamente conhecidas, as limitações enfrentadas
pelas instituições públicas, mesmo pelas melhores entre elas, são sempre relembradas. As
insatisfações dos professores, a falta de condições de trabalho minimamente adequadas, as
críticas as bibliotecas precárias... São tantos os problemas apontados que raramente nos
damos conta de que os estudantes constituem um mercado consumidor vasto e poderoso. Para
seduzir este público, cada vez mais jovem, escritores e editoras tem investido em estratégias
diferenciadas que tornem os livros produtos venveis. A adoção de clássicos nacionais e de
adaptões de clássicos estrangeiros nas escolas brasileiras tornou-se um grande negócio
(assim como o consumo de livros diticos).
Em minha pesquisa, observei que a biblioteca Ilê Ará tamm possui estratégias para
dar visibilidade a certas obras consideradas como boa leitura. Ações como o Encontro com
o autor eso voltadas também para a divulgação daquilo que se pretende que seja lido.
Na ação intitulada Encontro com autor, destinada aos mediadores de leitura e à
comunidade em geral, promovem-se bate-papos, palestras, mediações, sempre que possível,
com autores renomados para dar sustentação as práticas e aproximar leitores de escritores.
Nas fotografias abaixo, retiradas do arquivo da biblioteca, destaco dois momentos
vivenciados pelo grupo de mediadores em encontro com autores brasileiros de literatura
infanto-juvenil. A primeira, registrada em agosto de 2007, traz ao centro o autor Ziraldo
33
,
com o grupo de mediadores que participou da Jornada Nacional de Literatura na cidade de
Passo Fundo. A segunda ocorreu em novembro de 2007, com o autor Ricardo Azevedo
34
,
após o convite para conversar com os voluntários do Instituto C&A, na sede de uma das lojas
parceiras do projeto.
33
Ziraldo é cartunista, chargista, e jornalista. Durante o período da ditadura militar foi fundador e diretor do
periódico O Pasquim, tablóide de oposição ao regime. recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais.
Escreveu, entre outras obras, O menino Maluquinho; O Joelho Juvenal; O Planeta Lilás; Uma Professora muito
Maluquinha, e possivelmente seja um dos autores com maiormero de obras vendidas.
34
Ricardo Azevedo é escritor e ilustrador paulista, produziu obras sobre cultura popular, poesia infantil e juvenil,
livros em braile, entre outros temas. Entre as obras produzidas, algumas compõem os acervos distribuídos pelo
PNBE. São exemplos de produções do autor: Histórias de bobos, bocós, burraldos e paspalhões; O livro dos
pontos de visa; Chega de saudade; Histórias que o povo conta, entre outras.
84
Figura 22: Mediadores da biblioteca Ilê Ará em atividade com o autor Ziraldo foto do acervo da
biblioteca Ilê A
Figura 23: Mediadores da biblioteca Ilê Ará em atividade com o autor Ricardo Azevedo foto do acervo
da biblioteca Ilê Ará
Nos momentos acima registrados, os mediadores da biblioteca tiveram a possibilidade
de participar de eventos voltados para a promoção da leitura, de dialogar com autores
conhecidos do meio literário e também de relatar suas experiências para outros grupos. A
85
participação de usuários da biblioteca e o convite extensivo a toda a comunidade Morro da
Cruz mostra que o intuito era tamm aproximar os leitores de certas obras e autores
reconhecidos da literatura nacional.
Pude presenciar um Encontro com o autor em Março de 2008, quando Moacir Scliar
foi convidado para participar de um ato simlico de ―reinauguração‖ da biblioteca. A
fotografia a seguir foi tirada por mim, durante o bate-papo‖ com a comunidade, no momento
em que ele autografava um de seus livros.
Este foi, sem dúvida, um momento marcante, em que Moacir Scliar falou sobre sua
história de vida, a escolha da profissão e sua identificação com certos livros que, mais tarde,
ajudaram a desenvolver seu espírito de escritor. Atualmente ele é membro da Academia
Brasileira de Letras (ABL). Tamm para mim, que conheci os livros deste autor há alguns
anos, a experiência de encontro reacendeu certo desejo de retomar alguns de seus textos.
Pensando nisso, me parece oportuno destacar a produtividade de pticas como esta, em que
se possibilita ao leitor conhecer aspectos pessoais e profissionais de alguém que escreve e
vende muitos livros. O encontro aproxima, ensina, torna exemplar a trajetória do autor e
possibilita pensarmos que, am de leitores, poderíamos, quem sabe, nos tornarmos também
escritores.
Figura 24: Visita do autor Moacir Scliar a biblioteca Ilê Ará
86
Outro destaque que faço, entre as ações da biblioteca que, de certo modo, definem
quais são as boas leituras, diz respeito à oferta de livros. Em uma das conversas que tive
com a coordenadora pedagógica da biblioteca, ela afirmou:
Ás vezes são procuradas algumas leituras mais fortes como as poesias, ou as
obras de literatura brasileira, isso porque a gente também tem provocado. E
de repente a gente sabe que a leitura entra... leu todos os livros espíritas, ou a
blia, ou revistas e, quando terminou a gente faz uma sugestão de um bom
livro. A gente sente que quanto mais conhecedores somos do acervo, mais
capacidade nós temos para mediar e oferecer boas leituras (Diário de
Campo, 12/04/08).
Neste pequeno recorte da fala da coordenadora, fica claro que existem variadas
estratégias para a sedução dos leitores para bons livros e, ao que parece, acatar seus gostos e
preferências é uma delas. Trata-se, então, de definir previamente o que realmente deveria ser
lido, colocando ao alcance dos distintos públicos alguns materiais considerados mais leves,
para depois apresentar livros ―mais fortes e oferecer boas leituras.
Para orientar os leitores, o próprio mediador precisa conhecer o acervo e saber
distinguir as obras que deveriam ser recomendadas. As escolhas feitas por coordenadores e
mediadores da biblioteca tamm marcam, num acervo rico e variado, as obras de referência,
aquelas que, na própria organização das estantes, ficam à mostra, lembrando que devem ser,
cedo ou tarde, lidas pelos freqüentadores.
As práticas descritas anteriormente lembram que a leitura pressupõe relações desiguais
de poder e de autoridade a de quem define as normas de escrita, daqueles que ensinam como
se deve ler, o que se deve ler, em distintos contextos, lembra Chartier (2001). Mas é
importante dizer que, nas relações que estabelecemos com os textos, muitos significados são
produzidos, e lendo diferentes obras entramos em contato com múltiplas possibilidades de
aprender, de pensar, de criar. Assim, sendo, a definição do que ler e quando ler não pode ser
pensada como algo que se constitui apenas fora de nós, e que somente nos seria imposto.
Uma arquitetura discursiva em torno da “Crise” da Leitura
Como pude mostrar, até aqui, são variados os contextos em que a leitura se concretiza
e as formas pelas quais se estabelece. Na atividades mais rotineiras utilizamos leituras de
imagens, de códigos, de cenários, de placas indicativas, de textos escritos, de símbolos
87
provenientes dos mais diferentes cantos do mundo. Todos nós, em maior ou menor
intensidade, lemos cotidianamente. Como, então, falar de crise da leitura?
Tudo o que vi neste tempo em que freqüentei a biblioteca comunitária Ilê Ará, como
tamm em alguns estudos que li, me fazem pensar que a iia de crise es associada a uma
representação da leitura como algo que se realiza unicamente em texto escrito e,
especialmente, em livros. Assim, na medida em que as pessoas passam a consumir menos
livros, ou a demonstrar certo desinteresse pelas obras canônicas ou, ainda, quando utilizam
variadas formas de comunicação que não apenas o texto escrito, surge a alarmante iia de
que já não lemos o bastante. Para pensar sobre os argumentos que dão forma à idéia, de crise
da leitura utilizo teorizações de Chartier (2001) e Silveira (2001).
Para Chartier (2001) a primeira vez que se utilizou a iia de crise para falar de leitura,
foi no final do século XIX referindo-se, neste contexto, a uma crise do livro‖. O que estava
em jogo era a necessidade de expansão do mercado consumidor, para absorver uma
superprodução de livros. Neste momento, a razão principal da ―crise era a defasagem de
mercado, comparada à capacidade de produção de novos livros e as novas técnicas de
impressão.
Para justificar a necessidade dos livros, falava-se da importância de fixar certos
saberes e de recuperá-los do esquecimento. Larrosa (2003) afirma que, nessa perspectiva da
conservação da memória e dos conhecimentos socialmente relevantes, a biblioteca adquiriu
visibilidade como lugar privilegiado da leitura, o espaço coletivo da cultura, e guardiã daquilo
que se pensava ser o ―tesouro da humanidade. Ler seria, então, entrar nesta corrente de
pensamento humano.
Mas a expansão da produção de livros converteu-se rapidamente em temor ao excesso,
num período em que o texto escrito não era habitual e apenas começava a ganhar espaço. O
aumento da oferta de livros gerou uma preocupação com o controle sobre a leitura. Diversos
escritos se tornaram acessíveis, escapando ao controle sobre o uso que deles se poderia fazer.
Surge então um saber específico: o ensino, as bibliotecas e os sistemas de classificão o
os instrumentos para controlar esse medo de que se multipliquem os textos, de que,
finalmente, se transformem em um excesso perigoso e tevel (CHARTIER, 2001, p.21).
O autor faz alusão, ainda, ao poder conferido à leitura, mostrando que seu donio
marcou distinções históricas importantes entre leitores e não leitores, entre aqueles a quem os
88
textos escritos se endereçam e aqueles que, embora não sabendo ler, tamm sofrem os
efeitos de ocupar o lugar de ―não-leitor.
O século XIX é marcado pela preocupação dos editores, dos letrados, dos que
pertenciam aos meios ―cultos e dos autores. Já nos dias atuais, de acordo com o mesmo
autor, tal discurso sofreu um deslocamento: a crise do livro e da leitura é preocupação de
pedagogos e de outros sujeitos vinculados ao campo da educação, e não unicamente e nem
especialmente de editores e autores. Nesta mesma direção, Silveira (2001) argumenta que,
na atualidade, há uma ampla produção discursiva em torno da crise da leitura, e uma
preocupação que emanou especialmente das esferas acadêmicas e espraiou-se por
documentos oficiais, recomendações curriculares, revistas de divulgação pedagógica e mídia,
e passou a constituir uma arquitetura de representações de professor, aluno, leitura e escola
(p. 105). Lamenta-se hoje a perda do hábito de ler ou a falta de donio da leitura, e essa
afirmação associa-se a índices de reprovação, evasão, baixo rendimento escolar, fatores que
afastariam os jovens das estantes de livros. Um tema central nos discursos em defesa da
leitura é o entendimento consensual de que há uma crise e que a escola tem muito a ver com
isso, em função de práticas autoritárias e impositivas que tornaram a leitura uma obrigação,
quando não um castigo. Caótico, desastroso, crítico (no sentido de ‗em crise), desalentador,
tal é o panorama traçado em relação à leitura na escola (Idem, p.110).
A autora afirma que existe hoje um discurso renovador sobre a leitura na escola, e
minha pesquisa permite pesar que esse discurso se refere a outros espaços da vida cotidiana,
que não apenas o escolar. Tal discurso não questiona o valor intrínseco da leitura é como se
tal prática se convertesse em algo natural, quase como respirar. Trata-se de uma reverência
irrestrita feita à leitura e, assim, ―a unanimidade acerca dos benecios naturais da leitura é
raramente posta em xeque (Idem, p. 112). Lendo o texto desta autora, destacam-se alguns
enunciados que configuram o discurso renovador da leitura: um pressuposto de que ela é um
bem precioso; permite acesso aos bens culturais acumulados; diante da crise, a solução é a
promoção da leitura, ensinando a gostar de ler; os aspectos mágicos e lúdicos da leitura
adquirem ênfase, entre outros.
Observei que esta idéia de crise também está presente em documentos que analisei em
meu estudo, e que, de certa forma, alicerçam a organização da biblioteca comunitária Ilê Ará.
Com o intuito de justificar a constituição de um plano de ações em torno da leitura, o PNLL
Plano Nacional do Livro e da Leitura apresenta alguns resultados de pesquisas realizadas
que confirmariam a falta do hábito de ler, índices que colaboram para afirmar que há uma
89
crise de leitura. Os dados destacados abaixo se referem a uma pesquisa denominada Retrato
da Leitura no Brasil
35
, encomendada por editoras de livros e fabricantes de papel, e produzida
em 2000:
Um aspecto capital apontado pela pesquisa é o de que o brasileiro lê em
média 1,8 livro por ano, índice muito baixo, se comparado ao de países
como a França (7,0), os Estados Unidos (5,1), a Inglaterra (4,9) ou a
Combia (2,4). E esse índice se revela ainda mais critico quando a pesquisa
demonstra que a penetração do livro no país e o acesso a esse objeto cultural
o ainda bastante restritos, concentrando-se o mercado comprador de livros
nas mãos de 20% da população alfabetizada com 14 anos ou mais, na Região
Sudeste, nas grandes cidades e metrópoles, nos estratos de renda mais
elevada (classe A) e com instrução superior (p. 18).
Tomando como refencia a quantidade média de livros lidos por ano e comparando
estes percentuais com os de outros países, esse excerto possibilita ver o valor conferido ao
livro, como principal meio de difusão da leitura, e os resultados o considerados
preocupantes. Estes dados podem ser associados aos comentários do autor Pedro Bandeira,
constantes no documento Prazer em Ler. Para ele:
O Brasil é pobre, violento, atrasado, porque os caminhos desastrados de
nossa Hisria produziram uma sociedade em que somente 25% dos
brasileiros entendem o que lêem. Construímos um país sem livros, sem
acesso democrático ao sonho, ao conhecimento e à esperança. Três quartos
de nossa população vivem excluídos, porque jamais lhes foi oferecida a
única arma que pode le-los à vitória na batalha da vida: o livro (p. 39).
Na análise de Chartier (2001) e de Silveira (2001), as soluções pensadas para a crise
da leitura m se centrado na formação de leitores, devendo ela desenvolver mais que o
hábito, o gosto pela leitura
36
. Exemplificando esta queso, no PNLL se pode ler a seguinte
afirmação: é fundamental melhorar a circulação dos bens culturais e, em especial, do livro e
da literatura nas escolas, nas praças, nas casas e pontos de leitura nas periferias de todo o
Brasil (PNLL, p. 6). Trazendo algumas recomendações, o documento destaca: ―é preciso (...)
que a criança/aluno usufrua de um ambiente de forte e permanente estímulo à leitura, quer
através do livro, quer através dos demais suportes que tornem a leitura uma atividade cada dia
mais necessária a todos (Idem, p. 8). Mais adiante defende-se a necessidade de proporcionar
melhores condições de inserção dos alunos das escolas públicas na cultura letrada, no
momento de sua escolarização para possibilitar o acesso à boa leitura. As bibliotecas, por sua
35
A pesquisa foi realizada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), Sindicato Nacional de Livros (SNEL) e
Associão Brasileira dos Editores de Livros (Abrelivros), contemplando leitores com idade igual o u superior a
14 anos e com um nimo de três anos de escolaridade.
36
Silveira (2001) discute essa dicotomia entre hábito e gosto, afirmando que hábito é entendido como um ato
queo requer reflexão, enquanto que o gosto teria relação com escolhas e com a intimidade do sujeito.
90
vez, não deveriam ser vistas como ―meros depósitos de livros e sim como um lo difusor
de informação e cultura, como cleo de lazer e entretenimento (p.22).
Silveira (2001) afirma que parte da solução proposta para a suposta crise da le itura
seria ampliar as possibilidades de acesso aos livros, por parte dos leitores, e isso ocorreria
estruturando-se as bibliotecas e munindo-as com obras de refencia. Nessa dirão, os
documentos são enfáticos. Deve-se investir na amplião de acervos e na escolha de obras
consideradas adequadas e condizentes com os interesses das crianças e adolescentes. A
afirmação que destaco, contida tanto no PNLL quanto no PNBE, é a de que a distribuição de
acervos não constitui ação suficiente para produzir sujeitos leitores. Propõem-se, então, como
estratégias de inclusão ao mundo da leitura: a ampliação de bibliotecas escolares adequadas,
assegurando-se a exisncia de mediadores capazes de propiciar práticas de leitura e de
produzir novos leitores, favorecendo o acesso à cultura; a qualificação de recursos humanos e
ampliação de oportunidades de acesso da comunidade escolar a diversificados materiais.
Nos dois documentos acima referidos, os professores são convocados a atuarem, ao
mesmo tempo, como leitores e mediadores de leitura. E para cumprirem tal função, eles
necessitariam de constante atualização. Nesta direção, o Ministério da Educação produziu e
fez circular entre as escolas públicas a Revista LeituraS
37
; e o manual Biblioteca na Escola
38
Destaco alguns aspectos destes materiais porque eles tamm circulam na biblioteca Ilê Ará e,
de certa forma, muitas de suas proposições servem de base para as poticas estabelecidas
neste local.
Tais materiais trazem prescrições sobre as ações dos mediadores e sobre o ambiente
adequado para as seções de leitura, que deve conter: estantes claras, sofás macios, cortinas
para diminuir a luminosidade, tapete, paredes temáticas para atrair os jovens leitores, cantinho
reservado a leitura silenciosa, brinquedoteca. Tamm há referências ao desenvolvimento de
atividades de mediação, tais como: a utilização dos livros enviados pelo PNBE, atividades
lúdicas, produção de textos e desenhos que expressem o que foi contado‖.
Deve-se, tamm, organizar os livros de forma atrativa que cative e desperte a
curiosidade, além de diversificar o acervo para assegurar que os leitores de todas as idades
37
Direcionada à formação de leitores e promoção de incentivos a leitura, a revista procura divulgar experiências,
entrevistas com autores, textos literários, pareceres pedagógicos e orientações didáticas para o desenvolvimento
da leitura nas práticas de sala de aula. A tiragem do primeiro número foi de 54 mil exemplares distribuídos,
prioritariamente, para escolas públicas e municipais com mais de 20 mil habitantes que atendem o ensino
fundamental. O exemplar citado e analisado é o de Nº 1 com edição em Novembro de 2006.
38
Manual elaborado pela Secretaria de educão Básica, em 2006, para subsidiar professores e bibliotecários.
91
sejam recebidos, sintam-se atraídos e encontrem material de seu interesse. Sugere-se que
sejam colocados em destaque: livros, revistas, DVDs, CDs, pôsteres, cartazes, fotografias e
reproduções de obras de arte, pois uma boa tica é seduzir pelo contato visual para depois
conquistar o leitor para os livros.
As preocupações em torno da chamada crise da leitura têm tamm uma relação com o
uso de certas tecnologias, tal como a televisão e, em especial, a internet. Chartier (2001)
argumenta, no entanto, que nos últimos anos foram publicados mais livros que em toda a
história da humanidade. Então, os diagnósticos da crise parecem ser uma tentativa de
remodelamento desse mercado, tanto pela diversificação da oferta, quanto pela criação de
espaços alternativos que estimulem a prática da leitura.
Na esteira dessas representações de crise, proliferam iniciativas em que o livro e a
leitura ficam em evidência: programas oficiais de promoção da leitura, propagandas na
televisão, outdoors, campanhas diversas, feiras do livro, sem mencionar as portarias e leis
criadas com o objetivo de contemplar as demandas para a formação de uma população leitora.
Penso ser relevante trazer aqui outra análise empreendida por Silveira (2001) de que a
leitura assume um lugar de destaque nas preocupações governamentais e volta-se para as
práticas escolares não se fala, aqui, desta leitura cotidiana e difusa, mas daquela que pode
ser vislumbrada, mensurada e intensificada na escolarização. A autora identifica artimanhas
mercadológicas utilizadas pelas editoras e distribuidoras de livros para produção e aumento da
quantidade de exemplares publicados e vendidos. Para atender a esse grande filão de mercado,
as editoras passaram a utilizar estratégias que assegurassem o consumo de livros de acordo
com a demanda do promissor público leitor, ou seja, os estudantes. Com isso ―rechearam
seus catálogos com obras encomendadas aos autores, cujos temas relacionam-se aos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN‘s). Surgem, então, uma gama de produções
abordando temas transversais, tais como: racismo, preconceito, consumo, ética e cidadania,
educação ambiental, drogas, adolescência, etc. Ao mesmo tempo, essas editoras elaboraram
reedições e adaptações de obras consideradas clássicas.
Ao que parece, mesmo quando se amplia o espectro para pensar a leitura inserida no
cotidiano, o que efetivamente se leva em conta ao classificar os sujeitos como leitores ou não-
leitores é a leitura literia, clássica, técnica, erudita, acadêmica. Poderíamos indagar: quais os
efeitos desse entendimento restrito de leitura? Poderíamos dizer que as práticas pedagógicas,
que posicionam o ato de ler como hábito articulado a um tipo de leitura, produzem e
ressignificam oposições binárias estabelecidas tradicionalmente entre o culto‖ e ―o popular,
92
sendo o primeiro termo tomado como refencia para nomear e posicionar aquilo que se
atribui ao segundo termo e que se considera inculto.
Chartier (2001) lembra que a leitura sempre foi uma prática sobre a qual se impõe uma
autoridade a de quem define as normas de escrita, daqueles que ensinam como se deve ler, o
que se deve ler, em diferentes camadas sociais. Mas, em discursos contemporâneos sobre a
leitura, o centro das atenções parece ser o leitor, suas experncias, suas prefencias, seu
conforto, seu gosto e o prazer que ele deveria encontrar no ato de ler. É este aspecto que
discuto na seção que se segue.
Imperativo do prazer definindo práticas contemporâneas de leitura
É possível tirar prazer do que lemos por necessidade, da mesma forma que
ler por prazer pode tornar-se uma necessidade em nossas vidas. Aprendemos
com as leituras prazerosas, descompromissadas, escolhidas ao sabor do
desejo, sem preocupação em buscar informações, em responder perguntas.
(Prazer em Ler, p. 21 e 22).
O excerto acima, que compõe o documento Prazer em Ler, é um exemplo das
múltiplas formas pelas quais o prazer na leitura é tomado como uma necessidade, uma
condição, uma urgência nas práticas da biblioteca. Presenciei diferentes ações voltadas para
desenvolver o gosto dos leitores e, em função disso, tamm não são poucos os investimentos
para entender quem é o leitor, sondar seu estilo, suas prefencias e assim traçar um ―mapa
de textos de seu agrado.
Conforme discuti anteriormente, os discursos sobre as bibliotecas investiam-nas de um
forte sentido de seriedade e sobriedade até algumas décadas atrás. Em seu interior os leitores
aprendiam a manter certo ritual, certa reverência ao local que possibilitava acesso a um
―tesouro comum‖ de conhecimentos e informações, resguardadas especialmente no livro.
Mesmo que este sentido persista hoje, é possível dizer que ocorreu uma importante mudança
na atitude em relação aos leitores: adquiriu força um discurso que institui como imperativo o
prazer pela leitura. Um apelo ao gosto, à sedução, à sensibilidade, ao incentivo está presente
em publicações, documentos, peças publicirias da dia, entre outros materiais que
reafirmam a leitura como mola propulsora da civilidade e da cidadania.
Analisando as representações que circulam tanto em propagandas da mídia, quanto em
documentos oficiais do Ministério da Educação, é recorrente essa afirmação de que a leitura
93
deve ser prazerosa. Nesta direção, organizam-se manuais, promovem-se treinamentos para
bibliotecários, voluntários, educadores, mediadores, fundamentados em discursos
pedagógicos e psicogicos, para assegurar que o ambiente e o acervo estejam adequados ao
leitor que busca a biblioteca e que nela deve encontrar razões de permanência.
Habitada por múltiplas linguagens, a biblioteca deve abandonar aquele aspecto sóbrio,
sisudo, cerimonioso, que faz lembrar desconforto ou que remete ao esforço que a leitura
implica. Almofadas espalhadas pelo chão, ilustrações coloridas nas paredes, diferentes obras
de literatura ao alcance das mãos, uma variedade de gêneros textuais, sessões coletivas e
mediadas de leitura, apresentações teatrais, tudo isso é promovido para colocar sob controle
um ambiente que não deve, nem de longe, comportar qualquer atributo que possa ir na
contramão do objetivo operacional de cativar consumidores de livros. Para atender as
demandas de leitores que se deseja seduzir e cativar, são estabelecidas certas estragias, tais
como a ornamentação dos ambientes de leitura, com formas mais coloridas, alegres,
acolhedoras, harmoniosas, em sintonia com uma arquitetura que também deve se expandir, se
tornar mais aberta e participativa, agregando outras práticas que não apenas as de leitura.
Especificamente na biblioteca Ilê Ará, pude ver como as ações se expandem em
muitas direções: ela abriu suas portas, estendeu seus limites para o pátio, para as salas de aula
das escolas da vizinhança, para as casas das famílias, através da ―mala de leitura‖; para o alto
do Morro da Cruz, em momentos específicos de encontro com a comunidade, tal como os
saraus de poesia. Como símbolo visível desse movimento, em direção ao leitor, lembro-me da
primeira imagem que vi da biblioteca, cercada por um grande muro completamente coberto
até pelos grafites. Aos poucos ela foi sendo reformada e o muro cedeu lugar a uma cerca
gradeada, com um grande poro que permanece sempre aberto.
As modificações no ambiente foram marcantes na estruturação da biblioteca
comunitária. Importante destacar que para sustentar esse ambiente ―harmonioso,
aconchegante e criativo, durante os dois anos em que freqüentei esta biblioteca, ela passou
por duas reformas propostas especialmente para tornar o espaço mais atrativo. As
características descritas no excerto abaixo, referem-se à segunda modificação em que os tons
pasis foram substituídos por tons mais vivos, fortes e vibrantes. :
Voltei a biblioteca depois da reforma e observei algumas mudanças
importantes: as janelas agora estavam cobertas por cortinas de chita, uma
delas exibindo a pintura de uma menina andando de balanço, sendo este
representado por um livro aberto. A outra cortina tinha um tom esverdeado,
trazia letras soltas‖ ao fundo, compondo o alfabeto. As paredes antes
94
pintadas em tons pastéis, creme e laranja, foram substituídas pelas cores
lilás, rosa e verde. Para deco-las foram fixados quadros com caricaturas de
autores conhecidos, trazendo em destaque alguns versos produzidos por eles.
No centro da sala de leitura, tapetes coloridos com formas geométricas e
almofadas verdes, vermelhas e listradas. Puff‘s quadrados em diferentes
cores acomodavam seis crianças de olhos brilhantes que contemplavam
curiosas os livros dispostos sobre uma das mesas, na organizão para uma
mediação de leitura. Sentada ao lado da mesa, a mediadora separava folhas,
cola, tesoura, canetinhas, tintas e lápis de cor. Iniciou, em seguida, a leitura
da história, fazendo gestos e caretas que provocavam risos. Ao final da
medição, as crianças foram convidadas a utilizar os materiais disponíveis e
fazerem alguns desenhos, que ficaram expostos em uma das paredes da sala
(Diário de Campo, 08/04/08).
A convocação à leitura prazerosa evidencia-se na organização do espaço dedicado às
ações de leitura: os suportes são múltiplos e o leitor deve demonstrar que saboreia as histórias
através de práticas oralizadas, teatrais, ou traduzidas em gestos concretos como plantios de
mudas, produção de desenhos, pinturas, gravuras, colagens. Mas tal prazer também é
proporcionado por um conjunto de adereços para assegurar um ambiente acolhedor. Estantes
claras, sofás macios, cortinas para diminuir a luminosidade, tapetes, almofadas, pinturas
temáticas, desenhos de crianças espalhadas pelas paredes, cantinho reservado à leitura
silenciosa, brinquedoteca.
Destacando a relevância do ambiente neste entendimento de leitura prazerosa, a
coordenadora pedagógica do projeto da biblioteca relata, numa conversa informal:
Lembro da minha primeira ação aqui na biblioteca... Nessa época ainda foi
pintar paredes, a gente se divertia com os mediadores de leitura fazendo bem
esse papel de construir o espaço. A gente acredita que organizar o espaço
também faz parte da proposta, é um diferencial e a gente procura deixar a
biblioteca bonita, aconchegante, para que realmente a relação com a leitura
seja uma relação boa, enfim, prazerosa (Diário de Campo, 12/04/08).
Para estimular a leitura desde cedo, algumas atividades são realizadas com as crianças
da creche, que se localiza em frente à biblioteca comunitária. Apresento a seguir uma delas
que chamou minha atenção:
Eram quinze crianças com faixa etária aproximada a cinco anos de idade.
Nenhuma alfabetizada, algumas apenas reconheciam em letras separadas
aquelas que compunham seus nomes. Todas estavam ansiosas pelo início da
atividade. Algumas estavam sentadas no chão e outras acomodadas em
pequenos banquinhos. No cenário, uma cortina de fundo, duas cadeiras e um
livro sobre a mesa. Curiosas, as crianças, procuravam entender o que iria
acontecer. De trás da cortina surgiram dois mediadores, um deles segurando
nas mãos um violão. Enquanto um sentou na cadeira o outro dedilhava notas.
Uma terceira mediadora surgiu, trajando vestido floreado e tranças, subiu na
cadeira, empunhou o livro mostrando as crianças e perguntou: Quem
95
conhece a história O Sanduíche da Maricota? Depois de escutar as
respostas das crianças, ela foi exibindo o livro e suas figuras, ao som da
música, e começou a contação da hisria. Silenciosas, as crianças escutavam
a narração e prestavam atenção a todos os gestos dos mediadores. Aos
poucos, suas expressões faciais mudavam, alternando entre espanto, alegria,
surpresa, ansiedade, sensações experimentadas à medida que a história
avançava (Diário de Campo, 15/05/07).
O exemplo mostra o empenho do grupo de mediadores para tornar não apenas
significativa, como tamm agradável e divertida a leitura. Pode-se somar a esse exemplo
outros que comem as rotinas diárias da biblioteca, já destacadas em outras seções de minha
dissertação. Essas atividades possibilitam que mesmo aqueles que ainda não foram
alfabetizados, possam ser educados para cultivarem o hábito da leitura. O interesse não é tanto
ensinar a ler, mas sim, ensinar o futuro leitor a gostar de ler.
De acordo com as argumentações de Silveira (2001)
promover a leitura, formar o leitor (‗competente‘, em alguns discursos),
incentivar o hábito de ler, criar/despertar o gosto pela leitura... o sintagmas
que a partir do início dos anos de 1980 vão povoar praticamente todas as
publicações pedagógicas que, de alguma maneira, abordem a questão da
leitura [especialmente] na escola (p. 112).
As estratégias utilizadas para proporcionar experiências agradáveis de ler envolvem a
organização do espaço e tamm formas de conhecer e diferenciar os leitores. A
coordenadora pedagógica da biblioteca explica:
Então, realizamos um ou dois trabalhos de mediação em que o enfoque seja
conhecer o grupo e, partindo daí, conhecer as necessidades, caractesticas...
Por exemplo, um grupo jovens que tem, sei lá, seis grafiteiros da quinta rie
da escola Araújo é diferente de outro grupo, da mesma escola e turma, que
não tenha grafiteiros. Por isso é preciso conhecer o grupo e os mediadores
fazem esse trabalho. Depois, juntos, s realizamos a busca de leituras que
provoquem o desejo de ler, desejo de ler mais, desejo que se torne um hábito
e um prazer.
Ao que parece a biblioteca coloca em funcionamento diferentes mecanismos que lhe
possibilitam conhecer os leitores para, assim ofertar leituras que atendam os seus gostos.
Assim, a biblioteca se reconfigura, atravessada por um desejo de produzir leitores
competentes e, ao mesmo tempo, de agradar a um leitor-cliente cada vez menos interessado
em longos tempos diante do livro para conhecer e para informar-se. Tudo isso tem a ver com
as transformações, não apenas nos veículos e suportes do texto escrito agora, digital, virtual,
multimidiático como tamm nas profundas mudanças na sociedade contemponea,
identificada por Bauman (2008) como sociedade de consumidores. Essas experiências de
96
leitura, mediadas pelo prazer, constituem novas relações com a escrita, outros desejos
associados ao ato de ler, diferentes maneiras de nos tornarmos leitores.
Chartier (1999) enfatiza as modificações discursivas que posicionam sujeitos leitores e
constituem suas práticas. Segundo o autor, em linhas gerais, tais modificões passaram pela
―leitura regulada intermediada pelos interesses da Igreja que procurava assegurar uma
formação leitora individualizada, preocupada com o tipo de leitura, seleção do acervo,
limitão do acesso a determinadas informações com fins de controle do que se lê, como se
e quais suas finalidades.
A partir das mudanças no processo de produção de livros e periódicos, (com formas
mais industrializadas e com o surgimento de marcas editoriais) tornou-se praticamente
impossível a supervio da leitura, por parte dos clérigos. Soma-se a esses fatores, o advento
do Estado republicano em que a leitura passou a ser prática escolar obrigatória, idealizando
modelos de referências culturais, nacionalidade, leituras a serem priorizadas sem as marcas
ligadas diretamente à formação cristã. Marcada por gestos padronizados, leitura coletiva,
voltada para a obediência e a adesão. Essa captura decorre de modo necessário da existência
de um dispositivo estatal de controle e coerção para ensinar todos a ler (CHARTIER, 1999,
p. 587).
Entretanto o modelo contemporâneo, que pode ser associado às práticas de leitura, não
pretende abandonar a formação nem a informação, e se volta para aprendizagens de leitura
mais eficazes‖, trabalhadas didaticamente e marcadas pela necessidade de vinculão entre
leitura e prazer. Produzem-se, dessa forma, discursos consensuais que impelem aqueles que
organizam e promovem a leitura a renovar suas práticas e reconhecer os diferentes interesses
de seus leitores para, então, conduzir eficazes estratégias que os façam ler.
Vinculações entre Leitura e Cidadania
Talvez a velhice e o medo enganem-me, mas suspeito que a espécie humana
- a única - está por extinguir-se e que a Biblioteca permanecerá: iluminada,
soliria, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil,
incorruptível, secreta (FERREIRA, 2006)
39
.
39
FERREIRA, E. A literatura do esgotamento e a literatura da plenitude: o s -modernis mo na visão de John
Barth. Em: Plataforma para Poesia, 2006. Disponível em:
www.plataforma.paraapoesia.com.br/ermelinda_ensaios2. html. Acesso em: 02/10/2008.
97
Um último destaque que considero relevante, acerca das práticas da biblioteca Ilê A,
é a vinculação estabelecida entre leitura e cidadania. Esta parece ser uma estragia que se
liga aos objetivos e ao caráter comunitário da biblioteca para evitar que ela seja mais um
lugar de armazenamento de livros e de saberes iluminados, preciosos, solitários, iveis,
secretos, para constituir-se emcasa do povo conforme expresso na significação de seu
próprio nome Ilê Ará.
Trago alguns recortes do material por mim analisado, que mostra como se estabelece
esta vinculação entre práticas de leitura e exercício da cidadania. Destaco inicialmente uma
afirmação da coordenadora do projeto da biblioteca, registrada em meu drio de campo:
O nosso trabalho tem como foco central a promoção da leitura porque nós
acreditamos que a leitura é um direito de todo cidadão, independente de ele
morar na Bela Vista ou no Morro da Cruz, é um direito de todo cidadão, e
um direito que permite que cada um conheça o seu horizonte e a sua
realidade e conheça outras realidades. Então, o que nós buscamos, quando a
gente faz uma mediação ou quando a gente orienta na busca de um livro do
acervo, é instrumentalizar esse sujeito (seja criança ou adulto) a dar passos
maiores para conhecer outros espaços, outros autores, outras propostas.
Queremos que a biblioteca funcione como catalizadora, que jogue ele para a
frente, pra cima! (Diário de Campo, 12/04/08).
nos documentos que fundamentam as ações da biblioteca especialmente o Plano
Nacional do Livro e da Leitura PNLL pode-se destacar os seguintes aspectos:
É dever do Estado não apenas propiciar o aprendizado da escrita e da leitura,
via acesso à escola e materiais didáticos mas disponibilizar os instrumentos
que faltam para a prática social de uma leitura em sentido mais pleno, sem a
qual a cidadania fica incompleta. (PNLL, p. 6, grifos meus)
(...)
Um Estado republicano, comprometido com os valores democticos, tem o
dever de ampliar o leque de instrumentos a disposição dos cidadãos para
expandir suas possibilidades de leitura do mundo, para além das versões
monopolizadas e da homogeneização cultural. Ampliar o número de livros à
disposição da população (...) é promover direitos de cidadania. (PNLL, p. 6,
grifos meus).
Gostaria de salientar que o PNLL formula alguns indicativos de ações, apresentados
como sendo as transformações necessárias da sociedade para a construção de um projeto de
Nação com uma organização social mais justa (p.12). Entre tais ações, defende-se que a
formação de uma sociedade leitora é condição essencial e decisiva para promover a inclusão
social de milhões de brasileiros no que diz respeito a bens, serviços e cultura, garantindo-lhes
uma vida digna e a estruturação de um país economicamente viável (PNLL, p.12).
98
Estas considerações, constantes no referido documento, remetem a um entendimento
amplo de cidadania, vinculado a produção de uma nação justa, inclusiva e participativa que
possa proporcionar o bem estar de seus membros. Especificamente sobre o tema aqui
abordado, destaca-se no texto do documento um entendimento de que
A leitura e a escrita constituem elementos fundamentais para a construção de
sociedades democráticas, baseadas na diversidade, na pluralidade e no
exercício da cidadania; o direitos de todos, constituindo condição
necessária para que possam exercer seus direitos fundamentais, viver uma
vida digna e contribuir na construção de uma sociedade mais justa. (PNLL,
p. 20).
Chama atenção a vinculação estabelecida entre a leitura como direito individual e
como meio para a transformação social, resultante de um projeto coletivo. Neste aspecto, o
texto do Programa Prazer em Ler assemelha-se ao PNLL, conforme mostro a seguir.
O Prazer em Ler define um conjunto amplo de responsabilidades na produção de
sujeitos leitores, afirmando que: propor a aprendizagem da leitura e estimular práticas
competentes de leitura não é tarefa exclusiva da escola, mas de toda a sociedade, de qualquer
nação que se queira leitora e cidadã nesse sentido que se pode falar de política pública para
a leitura). (Prazer em Ler, p. 20). A leitura é vinculada tamm a certo modelo de sociedade
e de civilidade, quando se afirma que ―o donio da leitura e da escrita é passo inicial,
condição sine qua non para nos ascender, enquanto sociedade, à cidadania plena. (p.10).
Cidadania plena parece representar, nesta afirmação, um modelo de boa sociedade, no qual
cada pessoa desfrutaria de certas condições para assegurar plenamente seus direitos.
Nos depoimentos da coordenadora pedagógica da biblioteca, a noção de cidadania
plena tamm se vincula às práticas de leitura, como se pode observar a seguir:
A biblioteca não é uma casa isolada no topo do morro, a gente busca se
conectar muito com outras ações, sejam culturais ou sociais, aqui da
comunidade. A gente tem um desafio, um foco, um objetivo, que é a
promoção da leitura para a cidadania ser plena. Mas para que a gente possa
contribuir para que essa cidadania seja plena temos que atuar em conjunto
com os demais movimentos, e isso a gente tem buscado e conseguido. Então,
através da articulação com a escola, com o posto de saúde, com a Igreja, com
o Fome Zero, buscamos criar uma frente de promoção da cidadania onde a
leitura representa um dos elementos (Diário de Campo, 12/04/08).
O foco das ações seria a promoção da leitura como meio de constituir um cidadão
crítico, autônomo, reflexivo, consciente, que participa em diferentes instâncias, movimentos,
organizações, ou seja, que atua, exerce sua cidadania em espaços diferenciados.
99
Observando em conjunto os recortes anteriormente destacados, a primeira constatação
é a de que a leitura é tomada como prática redentora, ou seja, como uma condição capaz de
resgatar o sujeito de uma suposta marginalidade, resultante, em parte, do fato de não ser ele
um leitor. A leitura parece ser capaz de operar uma transformação tanto do ponto de vista
individual o sujeito se tornaria hábil, pleno, crítico, emprevel como tamm do ponto de
vista social a sociedade ascenderia a uma condição mais desenvolvida, mais organizada,
mais cidadã, menos excludente.
Conforme se pode ler no site do projeto Prazer em Ler, foram estabelecidas diretrizes
para os projetos apoiados pelo Instituto C&A, das quais destaco aquelas que se relacionam ao
tópico aqui discutido:Formar o ser humano como ator, sujeito de suas práticas e de sua
história‖; ―formar leitores aunomos e críticos, que tenham gosto pela leitura e prazer na
construção de conhecimento significativo‖; ―formar mediadores de leitura que tenham na
leitura e na escrita a medida de uma boa ferramenta para a compreensão do mundo‖;
registrar histórias e divulgar boas práticas de promoção da leitura
40
. Estas diretrizes
parecem alicerçadas em representações salvacionistas da leitura, concebendo-a como ptica
capaz de formar o ser humano, de restituir-lhe a dignidade, de torná-lo sujeito de sua história.
Assim se produzem e se naturalizam os vínculos entre leitura e prática de cidadania, leitura e
autonomia, leitura e capacidade crítica.
A vinculação estabelecida entre leitura e cidadania me parece possibilitada pelas
teorias críticas, especialmente com as iniciativas e campanhas de alfabetização que defendiam
a leitura da palavra escrita como forma de acesso a uma leitura crítica da realidade vivida.
Penso ser oportuno, para apoiar minhas reflexões, recorrer aos estudos de Silva (2004) e
Garcia (2002).
Na análise de Silva (2004), as teorias críticas trouxeram para o discurso pedagógico
conceitos como poder, ideologia, classe, emancipação, conscientização, libertação, cidadania.
Ele destaca a relevância da obra de Paulo Freire, no Brasil, influenciando diretamente
diversos projetos educativos formais e informais. As teorias críticas possibilitaram, de
maneira especial, uma problematização dos arranjos de poder e espaços institucionais nos
quais as práticas pedagógicas vão sendo organizadas em minha análise, as práticas de
promoção da leitura tem objetivos claramente pedagógicos. O autor caracteriza as teorias
críticas como sendo ―teorias da desconfiança e da transformação, e afirma que o foco é a
40
Fonte: http://www.prazeremler.org.br/prazeremler/html/content/sobre/diretrizes.aspx. Acesso em: 20/01/2009.
100
transformão da realidade vivida pelas pessoas, em especial por aquelas que foram
privadas de recursos materiais e simlicos e por isso vivem ―oprimidas. Deste ponto de
vista, a atuação transformadora seria aquela que possibilitaria aos oprimidos reaver certos
recursos, desenvolver certas potencialidades, adquirir conhecimentos para poder transformar-
se e atuar na transformação social mais abrangente.
E o ato de conhecer não seria, na perspectiva teórica de Paulo Freire, um ato isolado,
individual, solitário, mas algo que se desenvolve de maneira coletiva e partilhada. Nesta linha,
adquirem sentido alguns conceitos como conscientização e problematização, sendo a leitura e
a escrita vistas como ferramentas para conhecer e interpretar o mundo, para atuar como
cidadão e para participar em projetos de transformação da sociedade. A leitura do texto e do
contexto foram tamm marcadas por um caráter salvacionista: para ser livre, ser crítico, ser
cidadão, ser autônomo é necesrio saber ler. Isso porque a prática da leitura possibilitaria
uma ampliação dos limites da ação potica, um efetivo diálogo, um esclarecimentocapaz
de redimir o sujeito da alienação, da ignorância e da condição de marginalidade social.
Conforme salienta Garcia (2002) no discurso das pedagogias críticas o esclarecimento e a
conscientização seriam condições para nos tornarmos sujeitos de razão e de moral superiores,
e para, coletivamente, constituirmos uma sociedade verdadeiramente democrática.
Tais pedagogias investem na constituição de sujeitos que cuidem de si mesmos, que
desenvolvam uma consciência capaz de discernir o certo e o errado, o bem e o mau, agindo de
modo crítico. Nas palavras da autora, elas exercem, de certa forma, ―um pastorado que
pretende a redenção e a conversão dos indivíduos, e da classe social, em sujeitos esclarecidos,
de princípios, ativos, auto-reflexivos, plenamente desenvolvidos, capazes de se engajarem na
construção de uma sociedade igualitária e emancipada (p.15).
Uma das formas de analisar as representações constantes em documentos, conversas
cotidianas, produções midiáticas, entre outras, é prestar atenção às palavras utilizadas para
descrever as coisas, conforme aprendi com Hall (1997). Destaco, então, um conjunto de
afirmações e de palavras que servem para caracterizar os leitores, e que mostram que os
sentidos de leitura se constituem, em parte, no âmbito desses discursos das teorias críticas.
Nas conversas com a coordenadora pedagógica do projeto, apresentadas
anteriormente, destacam-se expreses como nós acreditamos que a leitura é um direito de
todo o cidadão, independente de ele morar na Bela Vista ou no Morro da Cruz”; “a leitura é
um direito que permite que ele conheça o seu horizonte e a sua realidade e conheça outras
realidades”; “nosso papel é proporcionar à comunidade o conhecimento de outras
101
realidades”; a leitura é importante para a cidadania ser plena”; quando a gente orienta na
busca de um livro do acervo estamos instrumentalizando esse sujeito (seja criança ou adulto)
a dar passos maiores”.
As representações que vinculam leitura e cidadania não se restringem unicamente aos
textos verbais. Trago a seguir uma fotografia apresentada por Scalco (2008)
41
. Trata-se de
uma imagem grafitada no muro da biblioteca em 2007, antes de minha chegada na
comunidade. De certa forma, a ilustração representa alguns dos propósitos da biblioteca e de
suas atividades evidenciados pela expressão Fazendo da Leitura um direito de todos‖.
Figura 25: Foto do muro da biblioteca registrada por Lúcia Mury Scalco
Neste conjunto de afirmações e na imagem apresentada, a leitura se vincula fortemente
à noção de direito, e portanto é universalizada, referindo-se a todos e, assim, é tida como um
bem incontestável a ser conquistado. Ela tamm se relaciona com esclarecimento e
41
O estudo de Lúcia Mury Scalco (2008), denominado FaLA K É NóIs: etnografia de um projeto de inclusão
digital entre jovens de classes populares em Porto Alegre, analisou a implementação de um projeto de inclusão
digital no Morro da Cruz, desenvolvido pelo grupo Murialdo. A autora circulou pelos espos dessa
comunidade, durante o peodo de sua investigão, realizando visitas ao Centro de Formação Profissional
mantido pelo grupo Murialdo em parceria com outras instituições. Em seu trabalho Scalco relac iona as casas de
atendimento mantidas por este grupo e, em função disso, ela também faz referência à biblioteca comunitária Ilê
Ará, e apresenta a fotografia em destaque.
102
conscientização, na medida em que, ao ler, a pessoa passaria a conhecer sua realidade e outras
mais, discernindo o caminho do bem e da plena realização, e seria tamm incentivada a
trilhar o caminho da cidadania.
Pensando nas identidades de leitores, é importante considerar que elas adquirem
sentido em relação a outras as que se atribuem aos sujeitos não-leitores. Desse modo,
quando se afirma que a leitura pode tornar um sujeito cidadão, o pressuposto é de que o não-
leitor não o seria. Conforme argumenta Hall (2007), Silva (2007) e Woodward (2007),
identidades e diferenças são interdependentes, e se constituem mutuamente, e a disputa pela
representação envolve tamm a definição de formas de narrar os outros. Assim, é na
marcação daquilo que é diferente que constituímos nossas identidades. O que somos é
insepavel do que não somos, é o que nos distingue como grupo. Entendemos o que é/ como
é um leitor na medida em que marcamos a sua diferença em relação a um ―não-leitor.
Ao afirmarmos que o leitor é alguém humanizado, consciente, esclarecido, crítico,
completo, livre, capaz de mudar a sociedade, admitimos que o não-leitor seria inconsciente,
confuso, incompleto, cativo (dominado), incapaz, desprovido de humanidade plena. A
incompletude atribda ao sujeito que não lê parece ser efeito da naturalização da leitura, vista
como condição de humanidade, como algo incontestável, desejável a qualquer pessoa, em
qualquer contexto, conforme argumentei anteriormente, baseando-me nos estudos de Chartier
(1994 e 1999).
Nessa direção, alguns dados apresentados no site Prazer em Ler parecem
significativos:
Estudos recentes revelam que apenas 28% da população brasileira entre 15 e
64 anos tem domínio pleno da leitura e da escrita (...) Outro dado
preocupante é que cerca de 7% dos brasileiros com mais de 15 anos são
analfabetos. São 8,6 milhões de pessoas incapazes de realizar tarefas simples
que envolvam a decodificação de palavras ou frases
42
.
A condição de não-leitor parece ser vista como transitória, algo que poderia ser
corrigido através de ações políticas, programas, projetos dedicados à alfabetização e à
promoção da leitura, ou seja, dedicados à inclusão deste sujeito no mundo letrado, única
maneira para ser visto como plenamente humana. É sobre estes processos de produção de
identidades que trata o próximo capítulo.
42
Fonte: http://www.prazeremler.org.br/prazeremler/html/content/sobre/diretrizes.asp x. Acesso em: 20/01/2009.
103
Finalizo a discussão relativa a alguns significados de leitura constitdos em práticas
da biblioteca Ilê Ará, destacando que minha análise não pretendeu dar conta da totalidade de
proposições e de discursos em torno dos quais se organizam e se estruturam as experiências
da biblioteca. Tampouco pretendi afirmar que estes significados sejam estáveis, permanam
como ―grandes metas. Ao contrário, minhas reflexões mostraram que tais significados foram
sendo constitdos na relação que estabeleci entre os aspectos observados, as conversas que
tive no espaço da biblioteca e os documentos que dão suporte a ela. Fossem outras as escolhas
empíricas e/ou teóricas, certamente veríamos constituírem-se sentidos diferentes para as
práticas de leitura.
Um aspecto que chamou minha ateão, desde minha
primeira visita à biblioteca, foi a quantidade e a
variedade de pessoas que por circulam. Um vai e vem
cotidiano ali se delineia, lugar de aprendizagem da leitura
para alguns, local de trabalho para outros, espaço de
experiências de voluntariado para outros mais. A biblioteca
agrega, ainda que momentaneamente, freqüentadores,
mediadores, educadores, leitores, pesquisadores (como eu)
e assim constitui, de certa forma, sentidos de comunidade
em tempos de individualidade.
.
Identidades fabricadas: um acervo de variadas possibilidades
Neste capítulo discuto alguns aspectos recorrentes nos discursos que constituem a
experiência da biblioteca comuniria e que possibilitam pensar nas diferentes identidades
constitdas em pticas de leitura. Tal discussão é apresentada em duas partes: na primeira
trago alguns apontamentos sobre o caráter comunitário da biblioteca e o modo como esta
definição opera constituindo também aqueles que interagem e atuam naquele espaço. Na
segunda parte, interessa-me pensar em algumas das identidades que se constituem no âmbito
da biblioteca investigada, e coloco em destaque os mediadores de leitura, as maneiras como
definem seu próprio trabalho, como são descritos e como desenvolvem mediações de leitura.
Considero, para esta análise, as conversas com membros da biblioteca, as observações
registradas em meu diário de campo, as imagens de meu acervo pessoal e os documentos que
norteiam as ações da biblioteca em especial o Prazer em Ler, volume 2.
Inicio este capítulo com algumas estratégias colocadas em ação na biblioteca I A
para constituir sentidos de coletividade assinalados pelo caráter comunitário da própria
biblioteca em contextos de individualidade. Para isso, apoio-me em teorizações de Bauman
(2001 e 2003).
Parto da concepção de que na contemporaneidade os sentidos de comunidade vão
sendo deslocados, e se produzem múltiplas maneiras de pertencer vinculadas, em grande
parte, a práticas de consumo. Identidades fluidas, múltiplas, fragmentadas vão nos
conformando e nos posicionando em relações tamm instáveis e provisórias.
Refletir sobre noções como comunidade e comunitarismo, especialmente, em tempos
de ―modernidade líquida provoca-nos a pensar sobre a polissemia que envolve tais termos. A
palavra comunidade pode ser usada para descrever desde aldeias, clubes e agremiações até
vinculações étnicas, religiosas, nacionais. Bauman (2001 e 2003) problematiza a noção de
comunidade como uma unidade constituída por semelhanças, a partir da qual as pessoas se
agregam por afinidades muitas vezes tidas como ―naturais. O autor inicia esta reflexão
afirmando a impossibilidade de se obter, ao mesmo tempo, sensações de segurança e de
liberdade (ele afirma que a comunidade possibilita sentimentos de segurança mas priva-nos da
liberdade). A segurança decorre do pacto entre os membros, e produz a sensação de lugar
tranqüilo, agradável, acolhedor, harmônico, homogêneo ou, nas palavras do autor, ―limpo de
toda a substância estranha. A busca de segurança acentua demarcações como os de dentro
106
e os de fora, agregando os sujeitos incorporados a certa comunidade. A liberdade, por sua
vez, pode ser entendida como o direito de auto-afirmação e a possibilidade de constituição de
identidades individuais livres do cerceamento e do controle de um grupo, mas, por outro lado,
entregues a condição de insegurança.
O autor fala de um mundo de relações globais aceleradas pelo uso da comunicação e
advento da informatização, que ultrapassa as barreiras territoriais, noticiando quase que
simultaneamente acontecimentos/fatos em diferentes partes do globo terrestre. Um mundo que
busca a construção de uma ordem que acaba segregando parcelas significativas da população,
selecionando os deseveis e os indesejáveis, os desenvolvidos e os subdesenvolvidos. Em
suas palavras:
A vida na sociedade líquido-moderna é uma versão perniciosa da dança das
cadeiras, jogada para valer. O verdadeiro prêmio nessa competição é a
garantia (temporária) de ser excluído das fileiras dos destruídos e evitar ser
jogado no lixo. E com a competição se tornando global a corrida agora se
numa pista também global. (BAUMAN, 2005b, p. 10).
Num mundo em que o sentido das práticas de ―interesse comumse reconfigura a
partir de interesses individuais e momenneos, em que cada um deve assegurar suas próprias
estratégias de sobrevivência, a comunidade passa a ser vista de outras maneiras. Se
historicamente o termo designava modelos mais ou menos estáveis, baseados em lealdades e
entendimentos compartilhados e aceitos pelos membros, os modelos comunitários que
presenciamos em tempos de modernidade quida são radicalmente sacudidos. Num
contexto marcado pela individualidade, as práticas comunitárias parecem não mais
funcionar como agregadoras, nem responder aos anseios dos sujeitos. Mas em algumas
circunsncias a noção de comunidade adquire visibilidade e passa a caracterizar certas
iniciativas cuja designação se alarga, abrangendo, por exemplo, uma biblioteca, um centro
esportivo, uma escola, uma associação, entre outras.
Nos escritos de Bauman (2003 e 2005b), destacam-se duas perspectivas
contemporâneas para entender comunidade(s). A primeira é configurada em práticas sociais
comuns que, embora justificadas em interesses distintos, assemelham-se por apresentarem
afinidades e/ou condutas compartilhadas. Em geral, as pessoas se identificam com este tipo de
comunidade não por terem constituído uma longa história em comum, mas por encontrarem
nela vinculações momentâneas, focadas em interesses específicos. Prontas para o consumo
imediato, tais comunidades não exigiriam de seus membros um compromisso de longo prazo
e possibilitariam a participação em mais de um grupo ao mesmo tempo. Am disso, elas
107
seriam facilmente descartadas quando consideradas obsoletas, permitindo que as pessoas
experimentem uma sensação de segurança, vivida como se fosse real. O autor destaca alguns
exemplos de comunidades deste estilo: comunidades estéticas (constitdas por sujeitos
seduzidos por produtos que prometem retardar o envelhecimento, por exemplo), comunidades
de proteção contra uma ameaça real ou imaginada (tais como aquelas organizadas para evitar
o terrorismo), comunidades de combate a ―inimigos públicos(contra governantes ditadores,
contra as queimadas, em defesa da Amazônia, etc.), comunidades vinculadas a um evento
festivo (a exemplo das escolas de samba, no carnaval, ou dos CTGs que acampam no parque
Harmonia, em Porto Alegre, nas festividades de 20 de setembro); comunidades organizadas
para solucionar problemas comuns e cotidianos (tal como o combate à obesidade),
comunidades do Orkut (envolvendo virtualmente diferentes grupos: colegas de bairro, de
escola, de trabalho, de futebol) e comunidades constituídas por freqüentadores de
determinados lugares (o shopping-center, por exemplo).
A segunda perspectiva para pensar as relações comunitárias atuais seriam as
comunidades por exclusão a coexistência de uma zona fronteiriça ―imaginária que, a partir
de determinadas ações/condutas, separa os de dentro e os de fora, os incluídos, os
excluídos e os estranhos. Entre as práticas de tais comunidades destacam-se: coleções de atos
de consumo, descartabilidade das coisas e/ou pessoas, substituição do modelo de organização
do ―Estado do bem estar social para um ―Estado enxuto pautado em poticas neoliberais
que põem em funcionamento distintas maneiras de controlar os indivíduos e de
responsabilizá-los pelo seu próprio bem estar. Sob a égide do progresso, busca-se a
responsabilização individual e, para garantir umbom lugar no mercado de trabalho, os
indivíduos são chamados a investir numa atualização constante, na ―reciclagem de
conhecimentos, na comodificação (montagem contínua, ajustada às necessidades de mercado)
de seus currículos, para se tornarem (ou pelo menos se sentirem) empregáveis.
Pensando a comunidade que venho analisando, sob esta perspectiva oferecida por
Bauman, diria que as pessoas que nela residem estão posicionadas numa faixa social de
exclusão, uma vez que, em geral, não atendem aos requisitos deseveis para a inserção no
atual modelo de trabalho, não são considerados aptos a ocupar certos lugares, não se
encaixam nos padrões que muitas empresas estabelecem. Ao que parece, o elo estabelecido
entre as pessoas que vivem no Morro da Cruz é o da exclusão. No entanto, penso que além de
compartilharem um mesmo espaço geográfico estigmatizado de muitas formas no qual
tamm produzem estratégias de sobrevincia, linguagens e expressões, essas pessoas
108
vivenciam algumas práticas coletivas, seja pela condição social que os posiciona como uma
comunidade de indesejáveis, seja pelas alternativas de produção cotidianas e pelas formas de
circulação e de consumo de determinados produtos que eles m acesso.
Pertencer a uma comunidade de exclusão e nela construir alguns caminhos que
possibilitem minorar o sentimento de vulnerabilidade parece ser uma alternativa, em tempos
de acentuada individualidade. Acerca disso, Bauman (2001) afirma que, de certa forma,
escolhemos entre diferentes grupos de identidade, e isso implica a forte crença de que
poderíamos fazer outras escolhas. No entanto, muitas vezes quem escolhe não tem opção a
não ser aquele grupo específico, que lhe é atribdo. Nessa direção, podemos pensar que as
identificações que construímos não são escolhas livres, mas marcadas por relações de poder.
Eno, ser morador do Morro da Cruz seria, em certa medida, uma marca, um
indicador de uma condição social indesevel. Alguns estereótipos produzidos em relação ao
Morro da Cruz podem ser deduzidos de afirmações dos próprios moradores como, por
exemplo, a expressão ―sou do Morro, mas sou trabalhador, referida por um jovem durante as
visitas que realizei à biblioteca. Tal informação faz sentido quando aquele que fala supõe
que seu bairro seja considerado um local habitado por pessoas desocupadas, por desordeiros,
por pobres que assim vivem por escolha ou por falta de empenho.
Penso que todos esses elementos constituem as identidades daqueles que habitam o
Morro e, em grande medida, definem os sentidos atuais e possíveis para comunidade. A
biblioteca, orientada por um projeto comunirio, se torna possível neste contexto, em especial
porque se propõe a ser espaço agregador, oferecendo alternativas de encontro, convivência,
desenvolvimento de ações coletivas que potencializariam os laços entre os moradores.
Como exemplo de ações agregadoras, pode-se destacar as atividades descritas em um
capítulo anterior, quando apresento a biblioteca e suas práticas que não estão circunscritas
unicamente aos seus limites internos , promovidas com o intuito de possibilitar a leitura de
obras literárias e a leitura da realidade vivida. Trago a seguir um recorte da conversa que
tive com a coordenadora pedagógica da biblioteca, quando ela argumenta sobre o caráter
comunitário deste espaço de leitura:
Primeiro, ela [a biblioteca] busca usar uma linguagem que seja uma
linguagem cultural da comunidade. Assim, a gente teve uma preocupação,
por exemplo, com a ppria pintura da casa: ela é toda grafitada. E por que
ela é grafitada e não pintada com uma tinta lisa ou com desenhos colados ou
com adesivos, ou sei lá? Porque nós acreditamos e sabemos que o grafite é
uma linguagem dessa comunidade. Há a presença de grafites em todos os
109
becos.. só olhar por aí e vo vai ver. Esse é um exemplo, outros exemplos,
o ações que de fato ganham os muros, que ultrapassam os limites desse
muro, como as malas de leitura, a esquina da leitura. Então, acho que o
diálogo direto da biblioteca para além da casa mostra que ela não fica
esperando que as pessoas venham, né? Eu acho que esse também é um
conceito de comunidade, que é estar construindo junto, é estar com os
portões abertos. A gente tem muito respeito com essa comunidade e suas
dificuldades e isso também é uma característica, ser comunitário é
compreender, aprender o que tem de legal, respeitar isso e ficar junto (Diário
de Campo, 12/04/08).
Considerando que as palavras escolhidas para narrar uma experiência também a
constituem, observo na fala da coordenadora a recorrência da idéia de estar junto, de
conhecer, de deslocar-se na direção da comunidade, estabelecendo vínculos, oferecendo seus
atrativos e serviços. Observei ao longo de minhas visitas à biblioteca que são muitos os
serviços oferecidos por ela, e alguns deles respondem a necessidades pontuais, tal como
oferecer materiais de pesquisa para os alunos das escolas do bairro; promover oficinas de
reciclagem, de tapeçaria, entre outras.
Olhando de um outro ponto, escapando aos objetivos traçados e declarados para a ação
da biblioteca, caberia indagar por que/como os moradores a procuram? O que buscam em tal
espaço? Trago a seguir alguns destaques de conversas informais que tive a oportunidade de
registrar durante minhas visitas à biblioteca. Uma das moradoras da comunidade, por
exemplo, relata:
As primeiras vezes que vim aqui foi para deixar meus meninos pra poder ir
ao centro da cidade, buscar remédios. Às vezes, preciso sair e não tenho com
quem deixar eles e aqui é seguro, sabe? Eles ficam bem cuidados e eu
consigo ficar tranqüila, sei que quando volto eles estão aqui, longe da rua,
longe de gente que pode querer levar pra um caminho errado, nunca se
sabe... (Diário de Campo, 26/04/08).
Em diversos momentos de minhas visitas, pude observar pessoas que chegavam e
circulavam pela biblioteca, algumas procurando por livros, outras entregando malas de leitura,
e ainda aquelas que faziam pesquisas escolares. Foi num destes momentos que tomei contato
com o grupo de senhoras que freqüentava a biblioteca em busca de aulas de alfabetização.
Destaco abaixo os registros que fiz naquela ocasião:
Estava sentada esperando a chegada de um grupo de mediadores do IC&A
que iriam desenvolver atividades com alguns adolescentes de um colégio do
bairro. Pude presenciar a chegada de duas crianças, conduzidas por uma
senhora que segurava em uma de suas mãos um prato, coberto por um pano.
Essa cena chamou minha atenção. Fiquei atenta, procurei acompanhar seus
passos, com o olhar, para ver quais livros as meninas escolheriam. Mas elas
se sentaram em torno de uma das mesas e começaram a colorir alguns
110
desenhos, enquanto a senhora dirigia-se a sala ao lado. Fui alá e observei
que havia outras seis senhoras. Fiquei surpresa ao vê-las sentadas, com
cadernos e canetas nas mãos, enquanto uma professora escrevia letras do
alfabeto num quadro branco. Parada na porta, fiquei observando por algum
tempo e vi que cada uma das senhoras tirou de sua bolsa algumas bulas de
remédios, prontuários médicos, contas de supermercados, receitas, faturas de
telefones, luz e água. Pude perceber que a professora utilizava-se destes
materiais para auxiliá-las a fazerem leituras. Ao final, cada uma delas
colocou sobre a mesa um prato contendo doces ou salgados que haviam
preparado. Perguntei a uma das senhoras se estava acontecendo algo especial
naquele dia, ao que ela respondeu: que nada, aqui a gente se encontra toda
semana pra aprender a ler e a gente já aproveita pra tomar um chá ou café.
Espontaneamente comentei que assim era bom aprender a ler e ela respondeu
que leitura fazia falta para elas e que, além de aprender a ler, ali elas também
se encontravam para conversar um pouco (Diário de Campo, 07/05/08).
Este excerto de meu diário de campo mostra duas iniciativas da biblioteca atividades
oferecidas para crianças e, ao mesmo tempo, projetos de alfabetização de adultos. O espaço da
biblioteca é ocupado de formas variáveis, por sujeitos diferentes que também têm interesses
às vezes convergentes, às vezes não.
Ainda para mostrar a variedade de acontecimentos relacionados à biblioteca, recordo
que, em outra oportunidade pude presenciar o dlogo entre ts moradoras a respeito do bazar
que havia acontecido no ano anterior. Elas questionavam a mediadora sobre a data prevista
para ocorrer a mesma atividade naquele ano. O bazar é um momento de comercialização de
peças de vestuários, geralmente com pequenos defeitos, que foram doadas pelo Instituto
C&A. Além de possibilitar o acesso a tais peças de vestuário a preços populares, o objetivo é
reunir os moradores da comunidade na biblioteca para conhecerem as atividades ali
oferecidas, conforme me explicaram os mediadores. Registrei a conversa entre as moradoras
do bairro, e destaco um momento em que uma delas comentou:
Zefa vo precisa ver aqui ó e apontava para o centro da sala fica cheio
de caixas e aqueles cabides ali ficam cheios de roupas e a gente chega,
recebe uma senha e entra para escolher. Ali na saída a gente paga pelo que
pegou. Aqui a roupa é bem baratinha, tem roupa de 2,00, e tudo roupa boa!
As vezes só ta descosturado assim, cil de arrumar, as vezes falta um boo,
coisa pequena mesmo. Olha, esse vestido, comprei aqui (aponta para a roupa
que está em seu corpo). Imagina onde eu ia comprar um vestido assim? Na
pxima feira eu te trago e você vai ver só (Diário de Campo, 11/05/08).
Os relatos acima são exemplos das variadas razões pelas quais os moradores do bairro
procuram a biblioteca. Baseando-me nas teorizações de Bauman (2001) posso afirmar que o
caráter comunitário desta biblioteca associa-se à necessidade de criar situações de ―interesses
semelhantes em indivíduos diferentes que os reúnam durante um certo tempo em que outros
111
interesses que os separam em vez de uni-los o temporariamente colocados de lado (p.
228).
O recorte abaixo, extraído de uma conversa que realizei com a coordenadora
pedagógica da biblioteca, reforça este argumento:
Olha eu penso assim ó... trabalhar com a comunidade é trabalhar com agentes,
trabalhar com o pessoal daqui, pensar a biblioteca com o pessoal daqui,
construir o acervo com as sugeses das pessoas, pensar atividades que
promovam a leitura, mas que também respondam aos interesses dessa
comunidade. Então, acho que a nossa proposta é está, é conhecer cada vez
mais essa comunidade, isso quer dizer conhecer as crianças, conhecer os seus
pais, conhecer os movimentos sociais culturais daqui e poder beber disso, e
transformar isso em material, em combustível para o processo de leitura. Esse
é o entendimento que a gente tem de comunidade: é estar junto (Diário de
campo, 12/04/08).
Nesse tnsito pelo espaço da biblioteca os moradores restituem, ao menos
temporariamente, alguns nculos de pertencimento (e, quem sabe até) de solidariedade. É por
isso que, mais do que incentivar e promover a leitura, pode-se dizer que a biblioteca em
questão assemelha-se a um centro de convincia‖. Ela amplia suas ações, oferece serviços,
propõe iniciativas que ora cativam os moradores por responderem a necessidades individuais,
ora possibilitam sentimentos de acolhida, de segurança, de sociabilidade que, na atualidade,
o cada vez menos proporcionados aos indivíduos. Entregues à liberdade de seguir seu
próprio caminho, livres das amarras do comunitarismo, os indivíduos deste mundo ―líquido-
moderno estão tamm entregues à própria sorte, uma vez que, de fato, deles são retiradas as
condições básicas para procederem escolhas e exercitarem a desejada cidadania.
Mesclando pertencimentos: como tornar-se leitor, voluntário e mediador competente
Conforme argumentei a aqui, na atualidade o sentido de comunidade é ressignificado
e diz respeito à busca de um lugar aconchegante e seguro no qual o indivíduo possa se
sentir momentaneamente protegido. Esta condição também colabora na produção de
identidades e de vinculações destas com determinadas instituições, tal como a biblioteca
comunitária Ilê Ará. Nesta parte do trabalho analiso algumas das identidades que vão sendo
constitdas em práticas desta biblioteca, e coloco em destaque os mediadores, discutindo,
articuladamente, noções de voluntariado. Utilizo, para isto, os registros de minhas
observações na biblioteca, as conversas realizadas com os próprios mediadores, algumas
fotografias que registram atividades por eles desenvolvidas, o site do Instituto C&A e o
112
segundo volume da rie de publicações Prazer em Ler, que traz textos e relatos de
experiência sobre mediação da leitura.
Decidi olhar mais atentamente para os mediadores de leitura porque, na biblioteca,
eles desempenham importantes tarefas, assumem funções na organização e na implementação
das ações que fazem com que a biblioteca assuma um caráter abrangente, e não
exclusivamente vinculado ao manuseio de obras e sua leitura. Na biblioteca em questão há
dois grupos distintos de mediadores: o primeiro é chamado de mediadores educadores e o
segundo, de mediadores voluntários. Passo à análise destas diferentes maneiras de praticar a
mediação e de constituir-se como mediador de leitura.
Mediadores educadores
Inicio caracterizando o grupo de mediadores que compõem o quadro permanente de
funcionários da biblioteca e que possui vínculo institucional com o Instituto Murialdo. Os
mediadores educadores realizam atividades de planejamento, coordenação, organização,
consultas locais, mediações de leitura na biblioteca, visitas às escolas, entre outras ações
previstas no projeto. A coordenadora pedagógica descreve da seguinte forma a atuação desses
mediadores
Pensamos o trabalho do mediador-educador e do coordenador como um
trabalho de estar junto. Na prática, as funções de educadores e mediadores
nãom muita diferença quando se trata do processo de promoção da leitura.
Todos eles estão aqui auxiliando, eles se envolvem nas mediações, buscam
livros na estante, organizam, orientam a pesquisa desse aluno, dessa criança
ou desse adulto. A diferença é o vínculo e também o tipo de
responsabilidade que cada um tem com o projeto como um todo (Diário de
Campo, 12/04/08).
Ela prossegue, descrevendo aspectos de seu próprio trabalho, as preocupações
pedagógicas e institucionais, as relações estabelecidas com outros segmentos da comunidade,
bem como com o Instituto Murialdo e com o Instituto C&A. Esclarece que a utilização das
palavraseducadores ou ―voluntários serve apenas para marcar duas formas distintas de
vinculação, mas que ―educadores seriam, na verdade, todos os que atuam no projeto. A
intervenção dos mediadores educadores ou voluntários é matizada pela presença mais ou
menos constante e pelos vínculos estabelecidos com os moradores. Para explicar como os
113
mediadores dos quadros permanentes constituem tais vínculos, a coordenadora pedagógica
exemplifica:
Às vezes quando a gente sai com a mala de leitura para distribuir nas casas, a
gente chega e toma um chimarrão, antes de apresentar a proposta de abrir a
mala e pegar os livros ou de mostrar o que tem nos livros... E ali, naquela
conversa informal, é onde a gente se coloca junto, como alguém da
comunidade. Embora alguns mediadores e eu não sejamos moradores, a gente
se coloca junto e caminha na comunidade, chega na casa, toma um chimarrão,
fica junto e estabelece um vínculo com muito respeito, e está feita a
proposta. a mala fica, volta, vai de novo e cria então aquela rede de
proposta de promoção da leitura, que a gente tem como objetivo (Diário de
Campo, 12/04/08).
Novamente se acentua o estar junto como estratégia de aproximação, mas tamm
de conhecimento daqueles com os quais se trabalha. Parece haver, neste relato, um
entendimento de que se deve dedicar tempo, escutar as histórias, participar do cotidiano,
possibilitar conversas informais, banhar o corpo nessas águas culturais, como refere Paulo
Freire em muitos de seus escritos, e em especial, na Pedagogia do Oprimido. Conforme referi
em outra parte deste estudo, observo vinculações importantes entre as diretrizes da biblioteca,
(explicitadas em documentos e em depoimentos da coordenadora) e os pressupostos das
pedagogias críticas neste caso, claramente marcadas pelo pensamento freireano.
Mediadores Voluntários
Os mediadores voluntários são colaboradores da biblioteca, e todos são funcionários
de ts lojas C&A de Porto Alegre (uma no Shopping Praia de Belas, outra no Iguatemi e a
terceira no Centro). Estes voluntários se integram às atividades planejadas e apresentadas na
forma de um projeto no qual se estabelece a parceria entre Instituto C&A e o Grupo Murialdo.
A partir de conversas com a coordenadora pedagógica e da análise de materiais
disponibilizados pelo Instituto C&A, é possível traçar um roteiro do modo como os
mediadores voluntários vão sendo inseridos na biblioteca Ilê A e, neste mesmo processo,
vão constituindo nculos e pertencimentos, ainda que transirios e instáveis.
De acordo com informações contidas no site do Programa Prazer em Ler, os
mediadores voluntários que participam do projeto são ―funcionários da empresa C&A
convidados a acompanhar, na posição de voluntários, as ações do Programa Prazer em Ler
114
nas instituições sociais parceiras. Os voluntários são preparados pelas instituições para
participar do trabalho de promoção da leitura como mediadores de leitura
43
. Após o
cadastramento, tais funcionários passam a compor uma listagem e são gradativamente
inseridos em nos projetos apoiados pelo Instituto C&A. O projeto da biblioteca I A conta,
atualmente, com o apoio voluntário de oitenta funcionários.
Explicando como se a inserção destes mediadores nas práticas da biblioteca, a
coordenadora do projeto afirma que estão sendo organizados alguns cursos de preparão para
os medidores voluntários, mas que, por razões diversas, tais momentos ainda não haviam se
concretizado (até a data de minha última visita, em setembro de 2008). Mesmo sem passar por
um cursoformal, os mediadores voluntários são orientados sobre as formas de atuação, a
partir dos pressupostos, objetivos e de certo perfil estabelecido (particularmente no segundo
volume do documento Prazer em Ler), em momentos proporcionados nas próprias lojas em
que eles trabalham. A coordenadora afirma ainda que os voluntários respeitam o planejamento
anual elaborado pela biblioteca, a partir do qual se vão estabelecendo, a cada semestre e a
cada mês, os objetivos e as ações específicas e acrescenta: a gente falando assim, parece bem
organizadinho: um planejamento anual e semestral, como se fosse uma coisa bem formal, né?
Mas isso acontece com muita rapidez e com muita flncia nos nossos encontros de
planejamento (Diário de Campo, 12/04/08).
No texto disponibilizado no site do Instituto C&A afirma-se que, para acompanhar o
envolvimento destes voluntários e possibilitar sua preparação, em cada unidade da empresa
C&A estruturou-se uma pequena biblioteca, utilizada para os encontros, debates de leitura e
organização das mediações realizadas na comunidade. Destaco um excerto deste texto:
À parte esse treinamento, os voluntários o incentivados a ampliar o seu
repertório de leitura por meio do acesso, em cada unidade da empresa C&A,
a uma pequena biblioteca. As Estações de Leitura Prazer em Ler são abertas
a todos os funcionários da C&A e possuem um acervo de 40 tulos
disponíveis para empréstimo e circulação.
A C&A acredita que a democratizão do acesso à leitura é condição
essencial para o crescimento pessoal e profissional de cada indivíduo,
impactando fortemente no desenvolvimento da coletividade (grifos meus)
44
.
43
Fonte: http://institutoce1.dominiotemporario.com/prazeremler/html/content/sobre/acoes.aspx. Acesso em
16/03/2009.
44
Idem.
115
Observa-se, nestes excertos, a vinculação entre ser mediador e ser tamm leitor. E
a razão para o investimento em práticas de leitura para si e para os outros se estabelece a
partir do entendimento de que é lendo que nos tornamos pessoas melhores e profissionais
mais adequados.
Sobre o processo de preparação dos mediadores, como interessava diretamente a
minha pesquisa, solicitei ao Instituto que me fosse permitido assistir alguns encontros entre os
mediadores voluntários, ocorridos nos espaços das lojas. Pude, então, presenciar um desses
momentos, na loja do shopping Praia de Belas, o qual registrei na fotografia abaixo:
Figura 26: Encontro entre voluntários do IC&A para pl anejar mediações de leitura
A estação de leitura mostrada na imagem acima está localizada nos fundos da loja,
no vão de acesso ao segundo andar. No pequeno espaço há um tapete onde os voluntários
podem se sentar e tamm algumas almofadas e puffs, para deixá-los mais confortáveis. Nas
paredes, observa-se a exisncia de algumas prateleiras que trazem livros em evidência, e
estes podem ser emprestados aos voluntários e a outros funcionários. ainda um banner
contendo imagens da biblioteca Ilê Ará e outro do grupo C&A. Ao centro, a mala de leitura
116
com alguns livros espalhados, para serem folheados pelos voluntários enquanto as conversas
sobre mediação se desenvolviam.
O encontro iniciou com um momento de sensibilização e de apresentação daqueles que
pela primeira vez participavam das ações de voluntariado. Cada mediador expressou suas
angústias, receios, dificuldades e alguns deles relataram atividades realizadas, para mostrar
aos novos mediadores o amplo leque de possibilidades de atuação. Depois desse momento
inicial, mais descontraído e participativo, foram distribdos textos e livros para leitura. A
coordenadora pedagógica orientou os mediadores acerca das atividades que deveriam ser
realizadas na biblioteca do Morro da Cruz na segunda quinzena de Junho de 2007, e também
sobre os recursos a serem utilizados para tornar a mediação mais significativa e ―prazerosa
para os pequenos leitores. Como pude ver, a principal base de argumentação da coordenadora
era o documento Prazer em Ler, e ela destacou de modo especial alguns dos indicativos ali
expressos para assegurar o bom desempenho nas mediações (discuto tais indicativos mais
adiante).
Para dar continuidade a estes momentos de preparão, ocorridos nas depenncias
das próprias lojas da C&A, os mediadores voluntários são integrados ao espaço da biblioteca,
inserindo-se em atividades que também visam prepará-los para a atuação na comunidade. A
coordenadora pedagógica da biblioteca esclarece:
Sempre que a gente coma a trabalhar com o grupo novo, temos uma
preocupação em conhecê-lo e temos também uma estratégia para que os
novos voluntários conheçam o lugar onde estão chegando. Por isso,
realizamos com eles um ou dois trabalhos de mediação em que o enfoque
seja conhecer a realidade e, partindo daí, conhecer as necessidades, e as
caractesticas do povo daqui. (...) Então, a gente percebe que isso funciona
muito bem porque segurança para o mediador e ele consegue perceber
que não está fazendo a mediação porque abriram a porta e deixaram ele
entrar na comunidade e na biblioteca. Ele pode sentir que existe um objetivo
lá, desde o início, que é de promoção da leitura (Diário de Campo,
12/04/08).
Ela afirma tamm que momentos proporcionados na própria biblioteca, em que os
mediadores são convidados a relatar aspectos de sua vida dria, bem como interesses,
problemas, preocupações, pensando em maneiras de estabelecer vinculações entre a ―vida
real e a leitura. O objetivo aqui não é propriamente a leitura, mas a possibilidade de diálogo
entre os voluntários, provenientes de diferentes localidades, bem como a discussão de
aspectos relativos ao público para a qual as ações da biblioteca se destinam. Considero
relevante destacar a ênfase dada pela coordenadora ao fato de que há todo um esfoo para
117
inserir o voluntário num processo em andamento, condão para que a biblioteca mantenha
uma ―face específica, e possa coordenar essas o variadas presenças e interferências,
potencializando-as para que o objetivo de promoção da leitura seja claramente demarcado e
seja assumido pelo grupo como um todo. Destaco a seguir um excerto de meu diário de
campo, no qual descrevo uma dessas atividades preparatórias oferecidas aos voluntários.
Voltei à biblioteca no dia combinado para acompanhar uma atividade de
preparação com um grupo de novos mediadores. Fui informada de que a
preparação dos voluntários acontecia em dois momentos: o primeiro já havia
ocorrido na semana anterior, mas não pude estar presente. Naquela ocasião
elegeu-se o tema mulher‖ para conduzir as conversas do encontro seguinte.
Também foram distribuídos alguns materiais para serem lidos pelos
voluntários que iriam realizar a mediação na comunidade do Morro da Cruz.
O segundo momento desse processo é este que presenciei. O encontro iniciou
com uma breve apresentação, algumas informões mais gerais e em seguida
os voluntários relataram as dificuldades que sentiam, motivações que os
faziam procurar por um trabalho voluntário, as mudanças de atitude,
provocadas pela decio de ser voluntário. Cada um apresentou aos demais o
texto que havia escolhido no encontro anterior, indicando também o porquê
de sua escolha e estabelecendo relações com experiências vividas. Esta
atividade foi pensada, conforme a coordenadora, para quebrar a inibição e
para que eles já exercitassem a mediação, ao relatarem para aos demais
colegas suas percepções sobre as leituras. Mas essa discussão também se
voltava de certa forma para as ações que eles desenvolveriam na comunidade,
pois cada voluntário foi convidado a anotar algumas mensagens que poderiam
ser trabalhadas nas mediações. Uma afirmação da coordenadora pedagógica
chamou minha atenção: vocês m que ser tocados pela leitura e ela deve
trazer algo prazeroso, que mexa com as iias de quem vive nessa
comunidade, pois queremos provocá-los a ler, e ler cada vez mais‖. Ao final
solicitou que os voluntários pensassem em algumas formas criativas para
auxiliar nesse tipo de diálogo, unindo experiências de vida e de leitura (Diário
de Campo, 17/05/08).
Penso que as discussões, leituras, momentos de diálogo entre os mediadores
voluntários colaboram para constituir suas identidades, ensinando como se portar, como
intervir, como vincular a leitura ao que é vivido. Am disso, eles são convocados, ao
participar destes diferentes momentos de preparação, a serem primeiramente leitores,
desenvolvendo em seguida o hábito de refletir sobre o conteúdo lido. Acima de tudo, devem
se deixar contagiar pela suposta magia da leitura. Eles devem tamm ser criativos para tornar
a prática de leitura prazerosa para os que os escutam, sensíveis para entender a comunidade
em que se inserem, habilidosos para promover a leitura sem tornar esses momentos maçantes
e nem configurá-los com muito formalismo.
118
A insistência em possibilitar que os mediadores conheçam a comunidade parece
vinculada à necessidade de desenvolverem estratégias de aceitação e, além disso, marca um
certo comprometimento, uma vez que, ao assumir atividades com a comunidade, os
voluntários devem assegurar a continuidade e a assiduidade, para não romper os nues laços
estabelecidos com os moradores. Por outro lado, este conhecimento (rápido, pontual, fugaz)
parece ser visto como capaz de suscitar nestes voluntários ( estranhos ao lugar) uma atitude de
respeito, fundamental para mediar a oferta de seus serviços. Nessa relação estabelecida com
as pessoas do lugar, observa-se a assimetria que permite pensar que a comunidade é carente,
necessita de algo que, em tese, o mediador poderia oferecer.
Nas conversas com a coordenadora pedagógica da biblioteca Ilê Ará, ela registra os
desafios de incorporar tantas pessoas diferentes à dinâmica deste espaço, mas também
reconhece que eles colaboram para conferir certa distinção ao projeto:
No inicio o voluntariado para nós foi um pouco, vamos dizer assim,
assustador pela dimensão da proposta porque a instituição tem pouca
experiência com isso, a equipe não conhecia esse tipo de trabalho e eu
também não tinha experiência com a formação de voluntários e formá-los
para a promoção da leitura é extremamente desafiador. Diante disso, no
primeiro ano, nós ensaiamos e erramos muito e, do ano passado para cá,
construímos um conceito para a biblioteca, s construímos também um
modo de fazer os atendimentos, contando com os voluntários. Hoje nós
avaliamos que o saldo foi muito positivo porque eu acredito que seja um dos
diferenciais do projeto. Os voluntários são extremamente participativos e, se
eles não participam mais é em função da distância e do comprometimento
com o seu trabalho, mas eles nos ajudam a construir os caminhos da
biblioteca. (...) A gente está muito feliz, pois tem algumas pessoas que são
provocadoras e que deram ritmo a esse trabalho e a gente que ele se
desenvolve com muita qualidade (Diário de Campo, 12/04/08).
Lendo esse recorte fico pensando que os mediadores voluntários não apenas são
constitdos nas muitas práticas que vivenciam na biblioteca como tamm constituem este
espaço, conferindo-lhe outras dimicas, outros modos de fazer os atendimentos, outros
ritmos e, enfim, múltiplas feões para a biblioteca.
Passo agora a destacar alguns aspectos do documento Prazer em Ler, volume 2,
dedicado especialmente ao suporte de mediações de leitura. Este documento foi elaborado
pelo IC&A, no ano de 2007. Ao analisar o material, articulando-o ao que presenciei na
biblioteca, pude identificar um conjunto de prescrições para a capacitação dos mediadores,
bem como um perfil de atitudes e condutas desejáveis para estes sujeitos. nos objetivos
estabelecidos para a formação dos mediadores, destaca-se que:
119
O objetivo maior de um programa como esse deve ser a formão de um
sujeito leitor que consiga realizar uma síntese individual constituída com e
pelas leituras que realiza, ao mesmo tempo que atua na constituição de
outros leitores. (...) Em um projeto como esse, merecem destaque o papel do
mediador, a seleção de atividades e leituras que o leitor possa realizar sob
orientação, a colaboração dos colegas, o lugar do planejamento de atividades
seqüenciadas e não espontâneas, a necessidade de levar em conta não as
vivências dos leitores, mas também o direito de aprender a conhecer e de
formular necessidades diferentes das imediatas (PRAZER EM LER 2, 2007,
p. 18).
Uma afirmação recorrente no texto, que informa sobre as estratégias para a produção
de tais identidades, é a de que para ser mediador é necessário ser, antes, um bom leitor,
conforme referido. Reitera-se que ―um leitor é um sujeito que gosta de ler, que tem nos
textos um instrumento de relação com a vida (PRAZER EM LER 2, 2007, p. 98). E o
mediador só secapaz de encantar, seduzir, despertar o gosto pela leitura na medida em
que ele mesmo for tocado por esta prática. ―Mais interessante é observar que o mediador
muitas vezes faz o percurso junto, ele mesmo é um sujeito em processo, alguém que vai se
formando leitor à medida que vai formando outros leitores. O mediador de leitura nunca es
definitivamente pronto: será sempre um vir a ser (Idem, p.95).
Na lógica aqui apresentada, as identidades dos mediadores seriam produzidas,
moldadas, mobilizadas gradualmente, na prática da leitura de si e para si (ou seja, no esforço
de entender-se, ver-se como voluntário e mediador, ler com regularidade), como tamm ler
os outros e para os outros (ou seja, ler o entorno, a comunidade para posteriormente ler para
ela). A condição de ser ―bom leitor é ampliada quando se afirma que tal leitura deve produzir
efeitos, ele deve ser capar de fazer suas sínteses individuais, estabelecer conexões, tomando
cada texto como ―instrumento de relão com a vida e, ainda, deve se mover evitando o
pragmatismo exagerado e redutor e a teorização inútil e distante da realidade concreta
(PRAZER EM LER 2, 2007, p. 96). Parece haver aqui uma perspectiva de produção de um
leitor reflexivo ou de um mediador reflexivo capaz de relacionar teoria e prática, de cuidar
de si e de suas condutas, e de influenciar outros, indicando-lhes o caminho. Ao longo do
documento, tais afirmações são apresentadas fartamente e com apelos variados.
Mais especificamente sobre o perfil desevel‖ desses mediadores, o referido
documento informa:
Tentaremos propor um traçado, um conjunto de caractesticas que podem
servir como umassola, um referencial, um mapa a nortear os que querem
formar leitores ou formar-se mediador de leitura. É evidente que o conjunto
dessas caractesticas é mais do que tudo um ideal a perseguir, visto que o
120
mediador, ele próprio, é um educador em processo constante de formação.
Por outro lado, convém ressaltar que muito das características que compõem
esse papel poderá ser perseguido se o coletivo do grupo no qual está
inserido o mediador e o seu trabalho também caminharem nessa direção
(Idem, p. 98).
Dito isto, as linhas e entrelinhas do documento sugerem que o mediador, este sujeito
descrito como um ―vir a ser, deve ter as características elencadas: deve ser curioso, critico,
criativo, organizado; deve ser democrático e responsável; ser um bom ouvinte; ter um
desempenho leitor cada vez mais qualificado, deve ser capaz de ler o contexto, deve ser
habilidoso no trato com as pessoas para assim conduzi-las, deve conhecer o acervo, deve
contagiar outros com seu entusiasmo, enfim, deve crer no poder redentor da leitura.
Apenas para exemplificar, trago um excerto do texto do Prazer em Ler no qual o
mediador é interpelado diretamente. Ao lado do texto, destaca-se uma sugestiva ilustração.
Figura 27: Imagem do documento
Prazer em Ler
Com sua ajuda, a partir de atividades pensadas,
planejadas, organizadas e propostas nas mediações os
aprendizes de leitura serão despertados para o prazer
de ler. E para isso pelo menos duas coisas o
importantes: gostar de ler (ser o mediador também ele
um leitor) e seduzir o outro para entrar no mundo das
letras (ter à mão o controle de situões que instiguem,
que cutuquem, que mexam com as vontades e
interesses do aprendiz) (...) As coisas que você mesmo
aprendeu a gostar foram ensinadas por alguém: alguém
que estava no meio‖ da situão, alguém que tomou
sua mão e mostrou-lhe o novo caminho, alguém que
abriu seus olhos e apontou um novo horizonte, alguém
que soprou a poeira e permitiu-lhe ver o diferente
(PRAZER EM LER 2, 2007, p. 50).
Através deste pequeno diálogo estabelecido com o leitor (neste caso, um mediador), o
texto reafirma algumas das características elencadas anteriormente, acrescentando que ele
deve ter o controle e proporcionar situações instigantes. Ele deverá tomar o leitor pela
mão, guia-lo, abrir-lhe os olhos, mostrar o caminho. Não é por acaso que a imagem mostra
um pequeno (e potencial) leitor. Confortavelmente acomodado (e protegido) por quem
conhece o ―bom caminho.
As práticas vividas pelos mediadores, tanto em momentos preparatórios, nos quais eles
tomam contato com o documento Prazer em Ler e com outros materiais, quanto em suas
experiências de medião, vão forjando certas maneiras de agir, de pensar, e tamm de falar
121
de si e dos demais. Coloco em destaque alguns depoimentos de mediadores voluntários,
publicados no site do IC&A, que me parecem exemplares:
Espero que todo mundo aprenda com a mediação e acho que vamos criar o
hábito de ler fazendo mediação de leitura. Eu faço faculdade e tenho
obrigação de ler os livros acadêmicos. Acredito que a mediação da leitura
vai instigar em mim e em todos os voluntários o gosto de ler literatura e de
aprender com o livro novos conhecimentos, porque o livro sempre nos
ensina algo, sempre agrega algum valor (L. M., voluntária em São José dos
Campos - SP).
A mediação estimula a gente a ler e conhecer muita coisa que podemos
conhecer lendo e estudando. Acho muito interessante ler os livros para as
crianças, porque temos que incentivar a leitura desde cedo. Muitos adultos
não têm o costume de ler porque quando eram crianças não tiveram esse
incentivo (M. V. S., voluntário em Feira de Santana - BA)
45
.
No primeiro depoimento, a mediadora identifica-se como leitora de textos acadêmicos,
mas não de literatura e afirma que as mediações poderão realizar nela mesma a ―façanha de
criar o hábito, para torná-la umaboa leitora (que parece relativa a obras literárias). A
imaginada redenção que o livro e a leitura seriam capazes de proporcionar esdirecionada
inicialmente para ela mesma, e parece preparar o terreno para semear e colher frutos ou seja,
a mediadora deseja estar atenta ao conhecimento que o livro lhe pode ensinar e aos valores
que ele lhe pode oferecer pois assim será uma boa mediadora. Dessa conversão de si resultaria
a capacidade de converter outros sujeitos em leitores competentes. o segundo mediador
parece render-se à noção, discutida no capítulo anterior, de que os textos escritos e em
especial os livros guardam segredos, acumulam saberes que a leitura poderia desvendar.
O mediador teria nas mãos esse grande tesouro e, ao ler para as crianças, as incentivaria ; elas
poderiam tomar o mediador como exemplo, praticando tamm a leitura, para não se
tornarem adultos ―falhos, ―incompletos, que não têm o costume de ler.
As identidades desses mediadores tamm são marcadas por discursos sobre o
voluntariado, e isso parece evidenciado nos dois depoimentos a seguir, exibidos tamm no
site do Instituto C&A:
É uma satisfação muito grande ser voluntário, poder fazer algo para tentar
mudar o mundo, melhorar a sociedade. A gente sozinho não consegue mudar
tudo, mas se todo mundo fizer uma parte, as coisas podem ser diferentes (F. S.
A. voluntário em Barueri - SP).
Comecei a enxergar o mundo com um outro olhar. Percebi que os problemas
do mundo eram muito mais complexos que os meus. Convivi com a dor e a
45
Fonte: http://www.prazeremler.org.br. Acesso em: 17/02/2009.
122
superação; a vontade de ajudar e a cooperação; a alegria e a disposição. E
concluí que esses sentimentos alimentam a todo instante a esperança de seguir
em frente, rumo a um futuro construído com a ão também das minhas mãos
(B. M. C. voluntário no Rio de Janeiro - RJ)
46
.
O voluntariado adquire, nas falas desses sujeitos, a dimensão de um valor e, ao mesmo
tempo, de uma prática que os insere em um projeto (difuso, impreciso, instável) de
transformão social. Diferente das grandes bandeiras de luta que aglutinavam os
trabalhadores em torno de causas comuns, no contexto social dos anos 70 e 80, hoje a
―transformação da realidade parece convertida em ações pontuais, individualizadas, que
comprometem os sujeitos de maneiras menos radicais, a partir de escolhas e nculos que
podem ser desfeitos a qualquer momento. ―Cada um fazendo a sua parte, porém sem a
desconfortável aglutinão, sem as cansativas e desgastantes greves, mobilizações,
passeatas. Esta é a marca da vida contemporânea, nos lembra Bauman (2003). As incertezas, a
vulnerabilidade nesse ambiente fluido em que se fraturam os nculos entre os indivíduos e os
elos destes com o Estado não serviria mais para unir os sofredores. As dores do mundo atual
não aglutinam ―nem condensam numa espécie de causa comumque possa ser adotada de
maneira mais eficaz unindo as forças e agindo em uníssono (p. 48). Assim, os indivíduos
parecem impelidos a buscar outras formas de cooperar, ajudar e se dispor conforme afirma
um dos depoimentos anteriormente registrados. Por outro lado, as palavras do mediador dor
e superação; vontade de ajudar e cooperão parecem remeter a um sentido mais coletivo,
ou seja, a um certo acolhimento das dores dos outros, através da ação voluntária. Assim, não
estaria ele pensando não apenas em suas necessidades concretas, mas tamm nas dos outros?
O aspecto mais importante que distingue os mediadores voluntários dos demais
mediadores que atuam de modo contínuo na biblioteca (e que são chamados de mediadores
educadores) é precisamente a noção de voluntariado um entendimento que os constitui, uma
condição que delimita sua intervenção, um ―chamadoque acatam, por variadas razões. Por
isso, faço aqui alguns apontamentos breves sobre esta questão, buscando entender como ela
adquire relevância na atualidade.
As definições mais comuns de voluntariado colocam em destaque algumas iias-
chave. Apenas para exemplificar, destaco a definição de um site na internet dedicado
especificamente ao voluntariado: "o voluntário é o jovem ou o adulto que, devido a seu
interesse pessoal e ao seu espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração
46
Fonte: http://www.prazeremler.org.br. Acesso em: 17/02/2009.
123
alguma, a diversas formas de atividades, organizadas ou não, de bem estar social, ou outros
campos"
47
.
Respondendo a questão por que ser voluntário?, outro site afirma: Porque você terá
a oportunidade de dividir suas habilidades com pessoas que realmente precisam. (...) Você
tamm esta aumentando a sua rede de contatos, cooperando com a sociedade e
incentivando (mesmo que indiretamente) que outros também realizem trabalho voluntário
48
.
Dos destaques acima, pode-se observar o acento em iias como interesse pessoal,
espírito cívico (ou cidadão), doação, dedicação não remunerada, bem estar social, ajuda aos
―necessitados, cooperação, trabalho em rede. Tais palavras também parecem dar sentido aos
depoimentos de voluntários, apresentados anteriormente, de modo especial quando falam de
satisfação em ajudar e fazer algo para tentar mudar o mundo.
De acordo com Yúdice (2004) a idéia de voluntariado ou ação voluntária e não
remunerada adquiriu maior relevo em meados dos anos 90, quando presenciamos
movimentos de transição econômica e social de um modelo de estado benfeitor capitalista
para um modelo de Estado neoliberal‖ (p. 225). Nessa passagem, e para atender uma demanda
da sociedade atual, os interesses públicos e coletivos foram sendo convertidos em interesses
individuais, pautados nas urgências de um modelo que se orienta pelas práticas de consumo.
Mas a inevitável e cada vez mais expressiva massa de pessoas que não conseguem seguir o
fluxo do consumo e integrar-se a tais práticas de maneira satisfatória produz a necessidade de
se estabelecer mecanismos de compensação, ou espaços que prestam um socorro pontual
aos desfavorecidos, sem onerar o Estado que deve intervir cada vez menos, e deve se tornar
enxuto, delegando suas atribuições a outros atores sociais‖. Nesta lógica, as ações
voluntárias são pensadas e articuladas por corporações, empresas nacionais e multinacionais,
organizações não-governamentais, entre outros.
Para Hardt e Negri (2006, p. 333) as Organizações não Governamentais funcionariam
hoje como estratégias paralelas ao Estado, sendo por ele avalizadas. Elas representariam a
―face comuniria do neoliberalismo. Algumas destas entidades assumem funções de
responsabilidade pública, outras respondem por ações antes realizadas por sindicatos; outras
dão visibilidade e continuidade à convocação missionária de evangelizar e zelar pelos
preceitos de distintas confissões religiosas e outras, ainda, desenvolvem projetos destinados a
populações não assistidas devidamente pelo Estado. Tais organizações recebem subsídios e
47
Fonte: http://www.voluntarios.com.br/oque_e_voluntariado.htm. Acesso em: 06/04/2009.
48
http://www.voluntariosonline.org.br. Acesso em: 08/04/2009.
124
recursos para o desenvolvimento deste trabalho e, se não fosse desse modo, não teriam como
manter suas estruturas e práticas.
As empresas, por sua vez, passaram a receber incentivos, tais como as isenções fiscais,
para assumirem o papel de empresas politicamente corretas, atuando junto as
comunidades carentes e atenuando os efeitos provocados pelos avanços tecnológicos e pelas
práticas de consumo das sociedades contemponeas. Certas campanhas de marketing
colocam em evidência as empresas que participam de ações como estas, identificadas
atualmente pela expressão ―empresas com responsabilidade social‖, um misto de oferta de
produtos venveis e de atitudes socialmente corretas.
As ações voluntárias praticadas por tais empresas são geralmente vinculadas a
associações beneficentes, entidades filantrópicas, fundações, organizações governamentais ou
não-governamentais sem fins lucrativos. É o caso da Empresa C&A, que organiza, através do
seu Instituto os grupos de voluntários e estes, por sua vez, o incorporados ao projeto de
biblioteca mantido pelo Grupo Murialdo. Sobre as ações de voluntariado, Yúdice (2004)
ressalta que elas estão focadas, via de regra, em discussões sobre cidadania, livre iniciativa,
cultura da solidariedade, promoção da paz, controle da violência urbana, entre outras. Desse
modo, mobilizam-se ―recursos humanos a serviço de ações comunitárias. E aqui a palavra
recursos humanos parece fazer todo sentido: os voluntários disponibilizam parte de seu
tempo livre, sem com isso onerar a empresa em que trabalham, mas esta mesma empresa
recebe incentivos que são revertidos, de algum modo, em capital. Assim, incentivar o
voluntariado pode ser visto como um modo de ―humanizar as relações de trabalho, mas
tamm como uma maneira atual de ampliar a lucratividade e, ainda, de estabelecer com/entre
os funcionários nculos capitalistas com um apelo ―emocional‖.
Entrelaçando fios: discursos de leitura, mediação, voluntariado produzindo identidades
Neste capítulo, procurei colocar em destaque algumas das identidades constitdas em
práticas da biblioteca, considerando discursos que se produzem neste contexto. Os destaques
dados aos mediadores e voluntários serviram para mostrar como algumas representações se
instituem mais fortemente, e assim posicionam os sujeitos que atuam neste espaço. Isso não
significa pensar que eles acatam todos estes discursos de um mesmo modo. Ao contrário,
busquei mostrar que existem muitas e variadas formas de entendimento do que seja o trabalho
125
de mediação e o trabalho voluntário, que não se expressa e nem se refere apenas ao contexto
aqui estudado.
Pensar as identidades na perspectiva dos Estudos Culturais significa prestar atenção ao
modo como elas vão sendo produzidas e às relações de poder aí implicadas, uma vez que elas
não são fixas nem essenciais. Observei que as identidades de mediadores e voluntários vão
sendo descritas, caracterizadas, constituídas e posicionadas em uma gama de produções tais
como: documentos oficiais; publicações do Instituto C&A; planejamentos da biblioteca;
relatórios; conversas informais. Tamm são constituídas em práticas específicas, tais como:
momentos de capacitaçãode grupos de voluntários; encontros de avaliação das atividades
realizadas; convenções e seminários destinados a socialização de voluntariado e de mediação.
Toda essa rede de informações vai adquirindo sentido nas práticas cotidianas desses sujeitos e
no modo como eles se acomodam (ou não) aos lugares a eles atribdos e às condutas que
deles são esperadas.
Além disso, os mediadores são convocados a produzir algumas narrativas sobre si e de
seu trabalho. Tive acesso a alguns depoimentos publicados, bem como a relatos orais de
mediadores utilizados para instigar outros funcionários a assumir ações de voluntariado. No
site do programa Prazer em Ler divulgam-se alguns acontecimentos que tiveram este mesmo
caráter, qual seja, possibilitar intercâmbios e trocas de experiências entre mediadores
voluntários de diferentes estados brasileiros e a com voluntários de outros países nos quais a
empresa C&A está presente. Outro exemplo é o concurso de produção textual, do qual
participam funcionários voluntários, intitulado Uma história que mexeu com a minha
cabeça”. Trata-se de um concurso anual, cuja premiação seria a divulgação do texto e do
autor no site do Instituto C&A, no qual o voluntário sintetiza e comenta uma obra lida nas
atividades proporcionadas pelo voluntariado. Ha outras modalidades de concurso, também
divulgadas no site, em que os mediadores devem produzir relatos escritos de suas práticas de
voluntariado, instigando outros sujeitos a seguirem seu exemplo.
Retomando algumas marcas identitárias que, na análise, foram se tornando evidentes,
pode-se dizer que os mediadores voluntários precisam se tornar leitores exemplares como
condição para serem bons mediadores e devem desenvolver o hábito de refletir sobre as
leituras realizadas, vinculando-as com experncias vividas. Eles devem tamm ser criativos,
perspicazes, dinâmicos, sensíveis, habilidosos para exercer a mediação, conquistar leitores e
tornar as práticas de leitura sempre prazerosas e convidativas. Enfim, eles são constituídos e
posicionados em discursos que ensinam como ser mediador e como ser voluntário num
126
contexto em que as relações sociais se tornam cada vez mais contingentes e pontuais. E tais
identidades tendem a ser apresentadas como sendo esveis e quase ―naturais. Tais alises
me levam a pensar, conforme Bauman (2005b) que
a identidade nos é revelada como algo a ser inventado, e não
descoberto; como alvo de um esforço, um objetivo; como uma coisa que
ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e
então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais mesmo que, para que
essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a condição precária e eternamente da
identidade deva ser, e tenda a ser, suprimida e laboriosamente oculta ( p.22).
Para concluir minha argumentação, considero importante reafirmar que o contexto no
qual essas identidades vão sendo constitdas é o de uma sociedade individualizada. No
entanto, as vinculações estabelecidas com esta proposta de biblioteca comunitária interpelam
tamm os sujeitos a estabelecerem alguns tipos de pertencimentos que são coletivos. Eles
o chamados a participar de comunidades cabides, para dizer como Bauman (2001) ainda
que sejam elas transitórias e pontuais.
A
A
b
b
i
i
b
b
l
l
i
i
o
o
t
t
e
e
c
c
a
a
e
e
s
s
t
t
á
á
a
a
g
g
o
o
r
r
a
a
à
à
m
m
o
o
s
s
t
t
r
r
a
a
,
,
d
d
o
o
m
m
o
o
d
d
o
o
c
c
o
o
m
m
o
o
e
e
u
u
p
p
u
u
d
d
e
e
n
n
a
a
r
r
r
r
á
á
-
-
l
l
a
a
e
e
c
c
o
o
m
m
a
a
s
s
p
p
a
a
l
l
a
a
v
v
r
r
a
a
s
s
q
q
u
u
e
e
e
e
s
s
c
c
o
o
l
l
h
h
i
i
p
p
a
a
r
r
a
a
d
d
e
e
l
l
a
a
f
f
a
a
l
l
a
a
r
r
.
.
E
E
a
a
s
s
s
s
i
i
m
m
,
,
s
s
i
i
n
n
t
t
o
o
-
-
m
m
e
e
t
t
a
a
m
m
b
b
é
é
m
m
e
e
s
s
t
t
r
r
a
a
n
n
h
h
a
a
m
m
e
e
n
n
t
t
e
e
à
à
m
m
o
o
s
s
t
t
r
r
a
a
.
.
E
E
n
n
q
q
u
u
a
a
n
n
t
t
o
o
l
l
i
i
a
a
,
,
e
e
s
s
c
c
r
r
e
e
v
v
i
i
a
a
,
,
e
e
s
s
t
t
u
u
d
d
a
a
v
v
a
a
,
,
a
a
n
n
a
a
l
l
i
i
s
s
a
a
v
v
a
a
,
,
p
p
r
r
o
o
d
d
u
u
z
z
i
i
a
a
o
o
t
t
e
e
x
x
t
t
o
o
d
d
e
e
s
s
t
t
a
a
d
d
i
i
s
s
s
s
e
e
r
r
t
t
a
a
ç
ç
ã
ã
o
o
,
,
s
s
e
e
q
q
u
u
e
e
r
r
m
m
e
e
d
d
e
e
i
i
c
c
o
o
n
n
t
t
a
a
d
d
o
o
q
q
u
u
a
a
n
n
t
t
o
o
e
e
s
s
s
s
e
e
p
p
r
r
o
o
c
c
e
e
s
s
s
s
o
o
t
t
a
a
m
m
b
b
é
é
m
m
f
f
o
o
i
i
m
m
e
e
c
c
o
o
n
n
s
s
t
t
i
i
t
t
u
u
i
i
n
n
d
d
o
o
,
,
m
m
e
e
e
e
n
n
s
s
i
i
n
n
a
a
n
n
d
d
o
o
,
,
m
m
e
e
t
t
r
r
a
a
n
n
s
s
f
f
o
o
r
r
m
m
a
a
n
n
d
d
o
o
,
,
m
m
e
e
p
p
o
o
s
s
i
i
c
c
i
i
o
o
n
n
a
a
n
n
d
d
o
o
e
e
m
m
u
u
m
m
l
l
u
u
g
g
a
a
r
r
d
d
i
i
f
f
e
e
r
r
e
e
n
n
t
t
e
e
d
d
e
e
e
e
s
s
t
t
u
u
d
d
a
a
n
n
t
t
e
e
à
à
p
p
e
e
s
s
q
q
u
u
i
i
s
s
a
a
d
d
o
o
r
r
a
a
!
!
E
E
n
n
t
t
e
e
n
n
d
d
o
o
a
a
g
g
o
o
r
r
a
a
o
o
a
a
l
l
c
c
a
a
n
n
c
c
e
e
d
d
a
a
a
a
f
f
i
i
r
r
m
m
a
a
ç
ç
ã
ã
o
o
d
d
e
e
S
S
t
t
u
u
a
a
r
r
t
t
H
H
a
a
l
l
l
l
,
,
d
d
e
e
q
q
u
u
e
e
n
n
o
o
s
s
s
s
a
a
s
s
i
i
d
d
e
e
n
n
t
t
i
i
d
d
a
a
d
d
e
e
s
s
v
v
ã
ã
o
o
s
s
e
e
n
n
d
d
o
o
f
f
a
a
b
b
r
r
i
i
c
c
a
a
d
d
a
a
s
s
n
n
a
a
s
s
e
e
x
x
p
p
e
e
r
r
i
i
ê
ê
n
n
c
c
i
i
a
a
s
s
q
q
u
u
e
e
v
v
i
i
v
v
e
e
m
m
o
o
s
s
e
e
e
e
m
m
g
g
r
r
u
u
p
p
o
o
s
s
d
d
o
o
s
s
q
q
u
u
a
a
i
i
s
s
f
f
a
a
z
z
e
e
m
m
o
o
s
s
p
p
a
a
r
r
t
t
e
e
.
.
Considerações finais
Nas páginas finais de minha dissertação convido o leitor a seguir comigo em um breve
passeio, para apreciar a ―paisagem‖ por mim produzida, e minha intenção é mostrar também
que eu mesma fui sendo constitda neste estudo. Tal como o visitante que, após uma longa
caminhada em estradas e vielas, se dem e observa a vista panorâmica do alto do Morro da
Cruz, percorro agora, com um olhar de pesquisadora-aprendiz, os caminhos trilhados e as
considerações feitas sobre as práticas da biblioteca comuniria I Ará.
Penso especialmente nas formas como fui constituindo as paisagens deste lugar a
partir de escolhas teóricas e metodogicas e como fui sendo constituída, nas muitas idas e
vindas da pesquisa, pelas histórias ouvidas, pelos textos lidos e produzidos, pelos muitos
cenários possíveis entre o estar lá e o escrever aqui‖. Algumas imagens inicialmente
cativaram meu olhar, provocando-me a cruzar os limites que me posicionavam do lado de fora
desta biblioteca. Ao atravessar tais limites, passei a observar e a narrar seus espaços, sua
arquitetura, suas práticas, seus mediadores, voluntários e freqüentadores. Visitando este
espaço com certa regularidade pude compartilhar ansiedades, angústias, aspirações,
preocupações e tamm alegrias com aqueles que lá atuam. Presenciei um ir e vir de pessoas
nas salas de leitura, participei de encontros, reuniões, mediações de leitura, vivências
cotidianas.
Meu jeito de falar sobre a biblioteca e suas práticas es inevitavelmente marcado pelo
que aprendi no mestrado, pelos caminhos trilhados na pesquisa e pelas orientações recebidas
ao longo deste tempo. Entrelaçando tudo isso, fui descrevendo (e desse modo também
produzindo) esta biblioteca e suas engrenagens. No desenvolvimento deste estudo alguns
olhares diferentes me foram emprestados, tal como ocorreu na defesa de meu projeto de
dissertação, quando a banca chamou minha atenção para a variedade de ações desenvolvidas
na biblioteca, que lhe forneciam um perfil particular e, ainda, quando me indicou a produtiva
aproximação da pesquisa com as teorizações de Roger Chartier.
Pensando nos caminhos trilhados neste estudo, reconheço que foi um grande desafio
para mim realizar uma pesquisa de inspiração etnogfica, mas tal perspectiva me ofereceu
importantes possibilidades e gratas surpresas. Aprendi com Geertz (1989), e com tantos
outros autores pós-estruturalistas, que não devemos nos preocupar em produzir relatos
fidedignos do que vimos ―lá, uma vez que todo relato é marcado pelas contingências de sua
129
própria produção e pelas escolhas, os pertencimentos, as possibilidades do pesquisador. É por
essa razão que, como o referido autor, não acredito que aqueles que agora lêem este trabalho
teriam visto o que vi, sentido o que senti, concluído o que concluí se tamm estivessem lá,
ao meu lado, enquanto eu realizava minhas observações. E por entender que meu texto, como
qualquer outro, resulta de condições específicas, apresento-o como algo provirio, sem
pretender afirmar qualquer verdade definitiva, nem oferecer bases para generalizações.
Subindo as ladeiras do Morro da Cruz, escrevi sobre aquilo que me pareceu mais
importante, esbocei um mapa provirio para minhas ―buscase tentei segui-lo para não me
perder entre as possibilidades abertas em cada visita à biblioteca. No entanto, muitas outras
coisas chamaram minha atenção, acenando com perspectivas sedutoras e quase irresistíveis.
Esta é uma das tarefas árduas a aprender quando nos aventuramos numa pesquisa como esta:
do muito que se vê, do muito que se registra, da infinidade de coisas que se pensa, apenas
algumas podem ser efetivamente inseridas no corpus da pesquisa. E como definir o que fica e
o que sai? No caso deste trabalho, a decisão foi sendo tomada aos poucos, na medida em que
fui realizando algumas análises, observando as práticas de leitura e a ampla rede de
significados a ela associados na atualidade. Depois da defesa de meu projeto ficou claro para
mim que o foco deveria ser a variedade de práticas da biblioteca I A, os significados de
leitura aí produzidos e os sujeitos envolvidos neste processo. Deixei para trás, mas não sem
uma pontinha de frustrão, algumas possibilidades: investigar as leituras cotidianas de
moradores; os textos que circulam em variados suportes e formatos tais como os jornais Nós
na Fita e Fala Sério; os criativos e variados textos dos grafites; as letras de muitas canções
compostas pelos jovens; as escritas virtuais em sites, blogs, páginas identificadas com a
comunidade do Morro da Cruz e especificamente com a Biblioteca Ilê Ará; a alise de outros
documentos que conformam as práticas de leitura.
Deixei pelo caminho tamm um desejo de explorar de uma maneira diferente os
textos imagéticos, compostos pelas dezenas de fotografias que fiz enquanto visitava,
observava, passeava pela comunidade ou participava de algum evento promovido pela
biblioteca. Pretendia ordenar estas fotografias de modo que elas produzissem, em conjunto,
outras narrativas possíveis, explorando as encantadoras formas de organização dos estudos de
fotoetnografia
49
. Esta possibilidade ainda me anima e, quem sabe, seja colocada em curso em
minhas pesquisas futuras.
49
Achutti (1997) afirma que a fotoetnografia consiste no uso da fotografia como uma narrativa imagética que
produz certos tipos de informações sobre o grupo estudado. É uma maneira de narrar cuja referência central é a
130
Em relação às análises, alguns aspectos merecem destaque, e inicio ressaltando o que
me chamou atenção nos múltiplos entendimentos e formas de fazer leituras. Quando decidi
discutir as práticas da biblioteca, tomei contato com produções de autores que, na atualidade,
têm questionado a projão universalista da leitura (algo que se aprenderia e se faria de
maneira mais ou menos homogênea). Numa perspectiva cultural, tal prática é pensada como
produção que se vincula a diferentes condições históricas, culturais, sociais. Chartier (2001)
afirma que as histórias que contamos sobre nós mesmos e nossas maneiras de ler estão
relacionadas com os significados sociais de leitura (como uma prática universal da qual
devemos nos apropriar inevitavelmente). A partir de tais representações aprendemos o que é
―verdadeiramente um leitor e somos incluídos/ nos incluímos (ou não) em grupos que, por
sua vez, também não são homogêneos.
As considerações deste autor me fizeram pensar que, no contexto de meu próprio
estudo, as relações com a leitura eram varveis e muitas vezes imprevistas: leituras que se
buscam ocasionalmente para, por exemplo, realizar uma tarefa escolar, ou aguardar alguém
que participa de outra atividade na biblioteca; leituras que se realizam regularmente nos
jornais diários; leituras feitas individualmente, em espaços reservados, e também aquelas que
se procedem publicamente, em mediações, em apresentações teatrais. Um leitor pode ser visto
como aquele que devora livros ainda tidos como fontes ―estáveis de um saber
socialmente valorizado, mas um bom‖ leitor também pode ser definido pelo tipo de livro que
escolhe para ler, uma vez que as obras são valorizadas distintamente, em função do gênero, da
autoria, da temática, etc. E um leitor pode ainda ser visto como o que lê revistas, gibis,
Bíblias, bulas de remédios, receitas culirias, anúncios publicitários, partituras musicais.
Sem falar que o termo leitura é tamm empregado de modos varveis, para outras produções
que não apenas os textos verbais afinal hoje somos convocados a ser hábeis leitores de
imagens, fotografias, placas, sinais, slogans, peças publicitárias, grafismos diversos inscritos
em muros, em objetos e em corpos.
Sobre as formas de utilização da palavra leitura, Pécora (2001) nos lembra que os
variados usos propiciam romper com a iia monotica e homogênea que se tem comumente
do seu processo, dado como natural e espontâneo (p. 14). O autor reconhece que o uso
excessivo do termo pode tornar indistintas certas práticas de leitura que não são a mesma
imagem, como um texto que descreve, comunica, produz significados. Isso porque as fotografias, antes de serem
pias da realidade, são textos, que produzem afirmações e interpretações sobre o real. Para o autor, a fotografia
não é, como se acreditava há um tempo, um espelho da realidade‖. Segundo o autor, a fotografia deve ser
tomada como uma reprodução de ―instâncias de intencionalidadeque perpassa ão, direcionamento e formas
de olhar do pesquisador, expressas através de recortes do que presenciou nas visitas de campo.
131
coisa é inegável que a leitura de texto verbal se distingue da leitura de obras de arte, que por
sua vez se distingue da observação de álbum de fotografias, ou ainda da ―leitura do mundo ,
ou seja, da problematização de um contexto social. No entanto, os usos plurais da palavra
leitura deixam claro que não se pode mais pensar nela como algo invariável. Utilizar suportes
variados, ler com freqüências e ritmos diferentes, em locais específicos ou em salas de espera,
em vias públicas, em bancos de ônibus, tudo isso pressupõe capacidades, interesses,
motivações, possibilidades diferentes. Segundo Chartier (2001) as leituras são sempre
plurais, são elas que constroem de maneira diferente o sentido dos textos, mesmo se esses
textos inscrevem no interior de si mesmos o sentido de que desejariam ver-se atribdos (p.
242).
Além da variedade de práticas de leitura que ocorrem na biblioteca, outro aspecto que
me chamou a atenção foi o forte empenho em proporcionar ao leitor uma experiência
prazerosa, o que se manifesta numa maneira específica de organizar o espaço, o mobiliário, o
acervo, por exemplo. As experncias de leitura mediadas pelo prazer constituem,
inevitavelmente, novas relações com a escrita, outros desejos associados ao ato de ler,
diferentes maneiras de nos tornarmos leitores.
Obviamente, os discursos que vinculam leitura e prazer não foram ―inventados nesta
biblioteca, eles circulam e fazem sentido em diferentes artefatos contemporâneos. É o caso,
por exemplo, de uma rie de vinhetas veiculadas pela rede globo, exibidas especialmente no
intervalo entre filmes e propagandas, durante sua programação diária. Nessas vinhetas
(exibidas no período de janeiro a dezembro de 2007, compreendendo a rie Cultura a gente
vê aqui‖), os cartunistas criaram narrativas que colocam em evincia o livro como
representação da leitura. Com aproximadamente sete segundos, cada vinheta trazia diferentes
situações do cotidiano em que personagens atribam seus conhecimentos, suas escolhas, suas
carreiras de sucesso à leitura e ao livro, em imagens e grafismos coloridos e envolventes.
O livro, como artefato principal da leitura, figura em diversas produções
contemporâneas e também marca as práticas da biblioteca investigada. Observei, em
diferentes circunstâncias tanto na organização quanto nas escolhas de atividades de
mediação o livro tomado como principal suporte de leitura. As malas trazem, em maioria,
livros; os cartazes em destaque na biblioteca sugerem boas leituras também neste artefato;
os grafites da decoração apresentam livros abertos; sendo lidos, sendo capturados como se
fossem borboletas; proporcionando aventuras; as estantes que ocupam posição privilegiada na
132
biblioteca abrigam os livros, e alguns deles destacam-se dos demais, posicionados em espaços
reservados para divulgação do acervo.
Ao mapear e analisar a organização e o funcionamento da biblioteca, observei ainda
que ela inaugura um estilo particular de atuação, estendendo-se em muitas direções que não
apenas visam a promoção da leitura‖, mas tamm a produção de um tipo de leitor-cidadão
um sujeito capaz de ler textos variados, em linguagens e suportes diversos, utilizando o saber
produzido nas práticas de leitura em seu benecio e, ainda, em benecio de uma coletividade
(ou uma comunidade de interesses, ainda que momentâneos, instáveis, ocasionais). As
conversas e depoimentos que registrei na pesquisa mostram que esse sujeito pode iniciar
lendo certos tipos de textos com os quais já possui alguma afinidade, mas ele deve aprender a
distinguir e a valorizar as obras literárias, deve reconhecer no livro a fonte mais estável (e
mais valorizada?) do conhecimento. Tal entendimento de leitura vai modelando, em parte, as
ações planejadas e executadas na biblioteca, o que requer investimentos também em
profissionais (e voluntários) que, vinculados a este objetivo, serão responveis pela
promoção da leitura e pela execução das atividades previstas. Enfim, a biblioteca investigada
põe em funcionamento uma série de estratégias que colaboram na constituição de identidades
(sempre múltiplas, posicionais, fragmentadas, instáveis) e tamm de relações entre aqueles
que circulam e que atuam naquele espaço.
Desde a ocasião em que percorri pela primeira vez as ruas do Morro da Cruz se
passaram dois anos, mas parece que conheço esse lugar há muito mais tempo. Aprendi novos
caminhos, atalhos para a árdua subida. Aprendi também a olhar por outros ângulos,
prolongando o tempo, descrevendo com palavras diferentes, com olhares variados um ponto
específico, para falar de meu encantamento ou de minha inquietação diante das coisas que
presenciei. Neste tempo dedicado ao estudo, reinventei minhas memórias escolares e
cotidianas de leitura, estranhei alguns sentidos que eu mesma atriba a certas práticas que até
recentemente me pareciam inquestionáveis para quem deseja ser reconhecido como um
bomleitor. Tamm aprendi a ler de maneiras variadas, a estabelecer ligações entre textos
aparentemente desconectados, a olhar para diferentes artefatos e ver neles uma imensidão de
histórias a serem contadas.
Enquanto pesquisava, tive que me movimentar de muitas maneiras mover o corpo,
nas idas e vindas a campo‖; mover alguns livros para o fundo da estante, e outros para frente,
para facilitar as contínuas consultas; revolver algumas formas habituais de pensar e de
133
escrever; movimentar-me entre campos tricos que não me eram familiares participando, por
exemplo, de eventos acadêmicos destinados ao tema da leitura.
Penso hoje nos muitos movimentos que a biblioteca do Morro da Cruz me
proporcionou e em como essas paisagens se tornaram familiares para mim. As imagens que
descrevi neste estudo tamm me constituem, e fazem parte daquele conjunto de lugares que
―inventei para habitar temporariamente. Sinto, porém, que agora é tempo de desacelerar o
passo...
Percorro sem pressa as linhas de meu texto, compilão temporária de coisas que
considerei relevantes para mostrar, para escrever e para comunicar a outros. Retorno por um
instante aos acontecimentos importantes vividos na produção desta pesquisa e alguns deles
me parecem bons para lembrar, outros, no entanto ainda me provocam a incluir mais um
parágrafo, mais uma linha, uma pequena referência, quem sabe! Mas neste instante me deixo
conduzir pela urgência (e, a esta altura, pelo desejo) de finalizar este texto e ofere-lo a
outros leitores, a outros olhares.
Referências
ACHUTTI, Luiz Eduardo R. Fotoetnografia: um estudo de antropologia visual sobre
cotidiano, lixo e trabalho. Porto Alegre: Tomo Editorial; Palmarinca: 1997.
______. (Org.). Ensaios (sobre o) Fotográfico. Porto Alegre: Unidade Editorial, 1998.
______. Fotoetnografia da Biblioteca Jardim. Porto Alegre: UFRGS/Tomo, 2004.
ALMEIDA, Maria Christina B. de; MACHADO Elisa. Bibliotecas comunitárias em pauta.
Itaú Cultural Biblioteca destaques, São Paulo, v.1, 2006. p. 1 26.
ALVES, Andréia M. Fazendo antropologia no baile: uma discussão sobre observação
participante. In: VELHO, Gilberto; KUSCHNIR, Karina (Orgs.) Pesquisas urbanas
desafios do trabalho antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p. 174 191.
AMARAL, Regina Helena do. Gibiteca: uma experncia editorial. In: CONGRESSO DE
LEITURA DO BRASIL, 16, 2007, Campinas. Anais XVI Congresso de leitura do Brasil: no
mundo muitas armadilhas e é preciso quebrá-las. Campinas: UNICAMP, 2007.
ÁLVAREZ-ÚRIA, Fernando. A escola e o espírito do capitalismo. In: COSTA, Marisa
Vorraber (Org.). Escola Básica na virada do século: cultura, política e currículo. São Paulo:
Cortez, 1996. p. 131 144.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseências humanas. Marcus Penchel (Trad.).
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1999.
______. Modernidade Líquida. Plínio Dentzien (Trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora,
2001.
______. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Plínio Dentzein (Trad.). Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003.
______. Vidas Desperdiçadas. Carlos Alberto Medeiros (Trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editora, 2005a.
______. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Carlos Alberto Medeiros (Trad.). Jorge
Zahar Editora, 2005b.
______. Tempos Líquidos. Carlos Alberto (Trad.). Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2007a.
______. Vida Líquida. Carlos Alberto (Trad.). Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007b.
______. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Carlos Alberto
(Trad.). Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
BERENBLUM, Anda; PAIVA, Jane. Por uma política de formação de leitores. Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006.
135
BERNARDES, Alessandra Sexto; VIEIRA, Paula Michele T. Bibliotecas e livrarias no
discurso de crianças e adolescentes. In: COSTA, Sergio R.; FREITAS, Maria Teresa (Orgs.).
Leitura e escrita na formação de professores. Juiz de Fora: UFJF, 2002. p. 159 182.
______. O papel da biblioteca escolar na formação do sujeito leitor-escritor. Minas Gerais:
UFJF, 2003. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-Graduão em
Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais,
2003a.
______. Do texto pelas mãos do escritor ao texto nas mãos do leitor: pensando a leitura e a
escrita na biblioteca. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, n. 22, jan/abr. 2003b. p.
1 13.
BOSSALAN, Nelma Regina. A arte de contar a ciência nos jardins da percepção do CDCC-
USP. In: CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 16, 2007, Campinas. Anais XVI
Congresso de leitura do Brasil: no mundo há muitas armadilhas e é preciso quebrá-las.
Campinas: UNICAMP, 2007.
BOURDIEU, Pierre; CHARTIER Roger. (Um debate entre). A leitura: uma prática Cultural.
In: BOURDIEU, Pierre; BRESSON, F. e CHARTIER, Roger (Org.) Práticas da leitura.
ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.
BUJES, Maria Isabel E. Infância e Maquinarias. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
_____. Infância e poder: breves sugestões para uma agenda de pesquisa. In: COSTA, Marisa
Vorraber; ______. (Orgs.). Caminhos Investigativos III: riscos e possibilidades de pesquisar
nas fronteiras. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
CANCLINI, Nestor García. Lectores, espectadores e internautas. Barcelona: Gedisa, 2007.
______. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Trad. Heloísa Pezza
Cintrão e Ana Regina Lessa. São Paulo: Edusp, 1997.
CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica: ensaio sobre a antropologia da comunicação
urbana. Cecília Prada (Trad.). São Paulo: Studio Nobel, 1993.
CASTRO, Gilberto de. O discurso sobre o livro, a leitura e o leitor na mídia escrita brasileira
e suas implicações educacionais. Leitura: Teoria & prática. Campinas, nº. 49, Global Editora:
2007.
______. O discurso sobre a leitura, o leitor e o livro nas revistas Veja, Isto É e Época no
período de 2000 a 2005 a formação do imaginário do leitor sobre o Best-Seller. 2008.
Disponível em: www.alb.com.br/anais16/sem05pdf/sm05ss13_02.pdf
CAVALLO, Guglielmo; CHARTIER, Roger. História da leitura no mundo ocidental. o
Paulo: Ática, 1999.
CHARTIER, Roger. Do códige ao monitor: a trajetória do escrito. Estudos Avançados. São
Paulo, v. 8, nº. 21, 1994. p.185-199.
136
______. Cultura Popular‖: revisitando um conceito historiográfico. Estudos Históricos. Rio
de Janeiro, v. 8, nº. 16, 1995. p. 179 192.
______. As revoluções da leitura no ocidente. In: ABREU, Márcia. (Org.). Leitura, história e
história da leitura. Campinas: Mercado das Letras: Associação de Leitura do Brasil; São
Paulo: Fapesp, 1999. p. 19 32.
______. Cultura escrita, literatura e história: conversas de Roger Chartier com Carlos Aguirre
Anaya, Jesus Anaya Rosique, Daniel Goldina e Antonio Saborit. Porto Alegre: Artmed, 2001.
______. Os desafios da escrita. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 3 n°, 25,
2002.
CLIFFORD, James. Sobre la autoridad etnogfica. In: GEERTZ, Clifford; CLIFFORD,
James et al. El surgimiento de la antropologia posmoderna. Barcelona: Editorial Gedisa,
1992. p.141 170.
COLOMER, Teresa. A formação do leitor literário. São Paulo: Global, 2004.
CONDÉ, Mauro L. Leitão. Wittgenstein: Linguagem e mundo. São Paulo: Anna Blume, 1998.
CONSTÂNCIO, Patrícia. Histórias no Sótão. In: CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL,
16, 2007, Campinas. Anais XVI Congresso de leitura do Brasil: no mundo muitas
armadilhas e é preciso quebrá-las. Campinas: UNICAMP, 2007.
CORAZZA, Sandra. O que quer um curculo?: pesquisas pós-criticas em educação.
Petrópolis: Vozes, 2001.
COSTA. Marisa Vorraber (Org.). O currículo nos limiares contemporâneo. ed. Rio de
Janeiro: DP&A, 2001.
______. (Org.). Caminhos Investigativos: novos olhares na pesquisa em educação. ed. Rio
de Janeiro: DP&A, 2002.
______. SILVEIRA, Rosa M. H.; SOMMER, Luís H. Estudos Culturais, educação e
pedagogia. Revista Brasileira de Educação. Campinas, nº 23, maio/jun./jul./ago. 2003. p. 36
61.
______. Estudos Culturais para além das fronteiras disciplinares. In: ______. (Org.).
Estudos Culturais em Educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura, cinema...
ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. p. 13 36.
______. Bujes. Maria Isabel E. (Orgs.). Caminhos Investigativos III: riscos e possibilidades
de pesquisar nas fronteiras. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
______. (Org.). O Magistério na Potica Cultural. Canoas: Editora da ULBRA, 2006.
______. (Org.). Caminhos Investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em
educação. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007.
137
DIONISIO, Ângela P.; MACHADO, Anna R.; BEZERRA, Maria A. (Orgs.). Gêneros
Textuais & Ensino. Rio de Janeiro. Editora Lucerna, 2002.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Volume1. Ruy Jungmann (Trad.). Rio de Janeiro.
Jorge Zahar Editor, 1994.
ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Estudos Culturais: uma introdução. In: SILVA, Tomaz T. da
(Org. e trad.). O que é afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 134
166.
FONSECA, Claudia. Família, fofoca e honra: etnografia de relações de gênero e vioncia em
grupos populares. 2ª ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Roberto Machado (Trad.). 11ª. Reimpressão. Rio
de Janeiro: Edições Graal, 1995.
______. Vigiar e Punir. 13ª ed. Petrópolis: Vozes, 1996.
______. Em defesa da sociedade: curso no Collége de France (1975-1976). São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
FREIRE, Paulo. Da leitura do mundo à leitura da palavra. Entrevista de Paulo Freire a
Ezequiel Theodoro da Silva. In: BARZOTTO, Valdir. H. (Org.) Estado da leitura. Campinas:
Mercado de Letras/Associação de Leitura do Brasil, 1999.
GARCIA, Maria Manuela A. Pedagogias críticas e subjetivação: uma perspectiva
foucaultiana. Petrópolis: Vozes, 2002.
GEERTZ, Cliford. Estar lá, escrever aqui. Diálogo. nº. 3, v. 22, 1989. p. 58 63.
GIROUX, Henri. Praticando Estudos Culturais nas Faculdades de Educação. In: SILVA,
Tomaz Tadeu da (Org.). Aliegenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 85 103.
GOTTSCHALK, Simon. Postmodern sensibilities and ethnographic possibilities. In: BANKS,
Anna; BANKS, Stephen P. (Orgs.). Fiction and social research: by ice or fire. Walnut Creek/
Londo/ New Delhi: Altamira Press, 1998. p.205 226.
HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções de nosso tempo.
Educação & Realidade. Porto Alegre, v.22, nº. 2, jul./dez. 1997a. p. 15 46.
______. Introduction. In: ______. (Org.). Representation, cultural representations and
signifying practices. London: Thousands Oaks; New Delhi: Sage, 1997b. p 1 11.
______. Estudos Culturais e seu legado trico. In: SOVIK, Liv. (Org.). Da diáspora:
identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG/UNESCO, 2003. p. 199 218.
______. A identidade cultural na pós-modernidade. (Trad.). Tomaz T. da Silva e Guacira L.
Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
______. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.). Identidade e
diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. 7ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.
138
HARDT, Michel; NEGRI, Antonio. Império. Berilo Vargas (Trad.). ed. Rio de Janeiro:
Record, 2006.
NIOR, Vamberto Spinelli. Bauman e a impossibilidade da comunidade. CAOS Revista
Eletrônica de Ciências Sociais. nº. 11, out. 2006. p. 1 13.
KAERCHER, Gdis Elise Pereira da Silva. O mundo na caixa: gênero e raça no Programa
Nacional Biblioteca da Escola: 1999. Porto Alegre: UFRGS, 2006. Tese (Doutorado em
Educação), Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006.
KEBIS, Carlos Eduardo de Oliveira. Leitura e envolvimento: a escola, a biblioteca e o
professor na construção de relações entre leitores e livros. Campinas: UNICAMP, 2006.
Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade
de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006.
KELLNER, Douglas. Lendo imagens criticamente: em direção a uma pedagogia pós-
moderna. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Aliegenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes,
1995. p. 104 131.
LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Alfredo Veiga-Neto
(Trad.). 4ª. ed. Belo Horizonte: Auntica, 2003a.
______, Estudar = Estudiar. Tomaz Tadeu da Silva e Sandra Corazza (Trads). Belo
Horizonte: Autêntica, 2003b.
LEITURAS. Brasília: Ministério da Educação, 2006. Dispovel em:
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/2006/leituras1> Acesso em: 08 set. 2007.
LIUTI. Fátima de Lourdes F. O terreno pantanoso da leitura e da cidadania: um estudo
realizado em Navir/MS. São Paulo: UFSCar, 2001. Dissertação (Mestrado em Educação)
Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal de
São Carlos, São Paulo, 2001.
MAIA, Soraia Gontijo; MACIEL, Francisca Izabel P. Biblioteca comunitária: espaço de
mediação entre a criança e a cultura escrita. In: CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL,
14, 2003, Campinas. Anais XIV Congresso de Leitura do Brasil: as coisas que tristes, as
coisas consideradas sem ênfase. Campinas: UNICAMP, 2003. 41.
MARINHO, Jorge Miguel. Fábula. Linha Mestra Revista Virtual. Ano I, nº.4, set/out 2007.
MASSOLA, Gisele. Por uma política de formação de leitores: uma alise das representações
de leitura e da produção de sujeitos em documentos oficiais. Anais VII Seminário de Pesquisa
em Educação da Região Sul. Itajaí, 2008a. CD-ROM.
______. Identidades, diferenças e produção de sentidos para a comunidade em tempos de
globalização. Anais do III Seminário Brasileiro de Estudos Culturais e Educação. Canoas,
2008b. CD-ROM.
MATTELART, André e NEVES, Érik. Introdução aos Estudos Culturais. São Paulo:
Parábola editorial, 2004.
139
MICARELLO, Hilda Aparecida Linhares da S.; FREITAS, Luciléia Rodrigues de. Os
sentidos produzidos por crianças e adolescentes para suas experncias com leitura e escrita na
escola. In: COSTA, Sergio R., FREITAS, Maria Teresa (Orgs). Leitura e escrita na formação
de professores. Juiz de Fora: UFJF, 2002. p. 159 182.
NASCIMENTO, Célia Regina P. Rodas de Leitura: formando funcionários leitores. In:
CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 15, 2006, Campinas. Anais XV Congresso de
Leitura do Brasil: pensem nas crianças mudas telepáticas. Campinas: UNICAMP, 2006.
OHIRA, Maria L. Blatt; PRADO, Nmia Schoffen. Bibliotecas virtuais e digitais: análise de
artigos de periódicos brasileiros (1995-2000). Revista Ciência da Informática. Brasília, v.31,
nº.1, jan/abr. 2002. p. 61 74.
OLIVEIRA, Lídia M. Ferreira. A constituição da leitura e da escrita na escola as influências
das concepções de leitores e produtores de texto. Rio de Janeiro: UFF, 2006. Dissertação
(Mestrado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de
Educação, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2006.
PAIVA, Jane; BERENBLUM, Andréa. Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE)
uma avaliação diagnóstica. In: CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 16, 2007,
Campinas. Anais XVI Congresso de leitura do Brasil: no mundo há muitas armadilhas e é
preciso quebrá-las. Campinas: UNICAMP, 2007.
PASSOS, Rosemary; SOUZA, Josidelma F. Costa de; SANTOS, Gildenir Carolino.
Armadilhas do letramento digital: habilidades e competências para recuperação da
informação. In: CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 16, 2007, Campinas. Anais XVI
Congresso de leitura do Brasil: no mundo há muitas armadilhas e é preciso quebrá-las.
Campinas: UNICAMP, 2007.
CORA, Alcir. O campo das práticas da leitura segundo Chartier. In: BOURDIEU, Pierre;
BRESSON, F. e CHARTIER, Roger (Org.) Práticas da leitura. ed. São Paulo: Estação
Liberdade, 2001.
PEREIRA, Andréa Kluge. Biblioteca na escola. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Básica, 2006.
PETRUCCI, Armando. Ler por ler: um futuro para a leitura. In: CAVALLO, Guglielmo;
CHARTIER, Roger (Orgs.). História da leitura no mundo ocidental. São Paulo: Ática, 1999.
PNLL Plano Nacional do Livro e Leitura. Palavra do Ministro da Cultura/ Palavra do
Ministro da Educação/ Introdução/ Justificativa/ Princípios Norteadores/ Objetivos e metas/
Eixos de ação/ Estrutura para implementação/ Financiamento. Disponível em
www.pnll.gov.br. Acesso em 05 nov. 2008.
PRAZER EM LER. 2006. Disponível em: www.institutocea.org.br. Acesso em 05 nov. 2008.
RIBEIRO, Maria S. Pereira; SILVA, Rose Meire da; MARCONDES, Márcia R. Sevillano.
Gerenciamento na busca de qualidade nos serviços de atendimento. In: CONGRESSO DE
LEITURA DO BRASIL, 16, 2007, Campinas. Anais XVI Congresso de leitura do Brasil: no
mundo muitas armadilhas e é preciso quebrá-las. Campinas: UNICAMP, 2007.
140
RIPOLL, Daniela. “Aprender sobre a sua herança já é um começo” ou de como tornar-se
geneticamente responsável... Porto Alegre: UFRGS, 2005. Tese (Doutorado em Educação),
Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005.
SAMPAIO, Shaula Maíra V. Notas sobre a “fabricação” de educadores/as ambientais:
experiências, identidades, representações. Projeto de Dissertação (Mestrado em Educação)
Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, 2004.
SANCHOTENE, Joyce de Castro. Cultura escolar e as práticas de leitura. Paraná: PUCPR,
2006. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação,
Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Paraná, 2006.
SANTORO, Maria Isabel. Ações integradas entre docente e bibliotecário como facilitadores
do processo de ensino aprendizagem na UNICSUL. In: CONGRESSO DE LEITURA DO
BRASIL, 16, 2007, Campinas. Anais XVI Congresso de leitura do Brasil: no mundo há
muitas armadilhas e é preciso quebrá-las. Campinas: UNICAMP, 2007.
SANTOS, Luis Henrique S. Um olhar caleidoscópico para as representações culturais de
corpo. Dissertação (Mestrado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação,
Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1998.
SARLO, Beatriz. Cenas da vida Pós-moderna. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.
______. Tiempo Presente: notas sobre el cambio de una cultura. Buenos Aires: Siglo XXI,
2001.
______. Paisagens Imaginárias. São Paulo: EDUSP, 2005.
SCALCO, Lúcia Mury. FaLa K É NóIs: etnografia de um projeto de inclusão digital entre
jovens de classes populares em Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2008. Dissertação
(Mestrado em Antropologia Social) Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: as conseqüências pessoais do trabalho no novo
capitalismo. Marcos Santarrita (Trad.). 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1999.
SILVA, Márcia Cabral da. Bibliotecas populares e a formação de leitores: os caminhos da
pesquisa. In: CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 15, 2006, Campinas. Anais XV
Congresso de Leitura do Brasil: pensem nas crianças mudas telepáticas. Campinas:
UNICAMP, 2006.
SILVA, Thaise da. O “Discurso renovador da Leitura” e a produção de práticas domésticas
de leitura na interação com práticas escolares. Porto Alegre: UFRGS, 2007. Dissertação
(Mestrado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.
SILVA, Tomaz Tadeu da. O currículo como Fetiche: a política e a poética do texto curricular.
Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
141
______. Teoria Cultural e Educação: um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica,
2000.
______. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2ª ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2001.
______. A produção social da identidade e da diferença. In: ______. (Org.). Identidade e
diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. 7ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.
SILVEIRA, Rosa Maria H. Leitura, literatura e currículo. In: COSTA, Marisa V. (Org.). O
curculo nos limiares contemporâneo. 3ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 105 128.
______. Gritos, palavras diceis e verborragia: como a professora fala na literatura infantil.
In: ______. (Org.). Professoras que as histórias nos contam. Rio de Janeiro: DP&A, 2002a.
p. 47 66.
______. Textos e Diferenças. In: Leitura em revista. Associação Internacional de Leitura. Ij:
Ed. UNIJUÍ, vol. 1, nº1, 2002b. p. 19 22.
______. (Org.). Cultura, poder e educação: um debate sobre os estudos culturais em
educação. Canoas: Editora da ULBRA, 2005.
______. A entrevista na pesquisa em educação uma arena de significados. In: COSTA,
Marisa V. (Org.). Caminhos Investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em
educação. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lamparina 2007. p. 117 138.
______. A leitura e seus poderes um olhar sobre dois programas nacionais de incentivo à
leitura. Trabalho apresentado na 31ª reunião nacional da ANPED out. 2008.
SOUZA, Elisabete G. de. A formação continuada do bibliotecário face às exigências das
novas tecnologias. In: CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 16, 2007, Campinas.
Anais XVI Congresso de leitura do Brasil: no mundo há muitas armadilhas e é preciso
quebrá-las. Campinas: UNICAMP, 2007.
______. Criando espaços de informação e leitura: implantação de biblioteca comunitária e
programas de leitura junto à comunidade de Vila Aliança (Rio de Janeiro). In: CONGRESSO
DE LEITURA DO BRASIL, 15, 2006, Campinas. Anais XV Congresso de Leitura do Brasil:
pensem nas crianças mudas telepáticas. Campinas: UNICAMP, 2006.
SPOSITO, Marília Pontes. A ilusão fecunda: a luta por educação nos movimentos populares.
São Paulo. Hucitec. Edusp, 1993.
VARELA, Julia; ALVAREZ-ÚRIA, Fernando. A maquinaria escolar. Teoria e Educação,
nº.6, 1992. p. 68 96.
VEIGA-NETO, Alfredo. Michel Foucault e os Estudos Culturais. In: COSTA, Marisa V.
(Org.). Estudos Culturais em Educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura,
cinema ... Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000. p. 37- 69.
______. Olhares. In: COSTA, Marisa V. (Org.). Caminhos Investigados I: novos olhares na
pesquisa em educação: DP&A, 2002. p. 23 38.
142
______. Cultura, culturas e educação. Revista Brasileira de Educação. nº. 23, maio/agos.
2003.
______. Foucault & a Educação. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
______. Governabilidade ou governamentalidade? Porto Alegre. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/faced/alfredo/governo1.thm>. Acesso em: 15 set. 2007.
VERDINI, Antonia de Souza. Mediação de Leituras na biblioteca: saraus poéticos. In:
CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 16, 2007, Campinas. Anais XVI Congresso de
leitura do Brasil: no mundo há muitas armadilhas e é preciso quebrá-las. Campinas:
UNICAMP, 2007.
WINKIN, Yves. A nova comunicação: da teoria ao trabalho de campo. Roberto Leal Ferreira
(Trad.). Campinas: Papirus, 1998. p. 120 145.
WORTMANN, Maria Lúcia C. O uso do termo representação na Educação em Ciências e nos
Estudos Culturais. Proposições. Campinas. v. 12, nº.1 (34), março, 2001. p. 151 161.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução trica e conceitual. In:
SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais.
ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.
YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Marie-Anne
Kremer (Trad). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo