Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO
SENSU EM HISTÓRIA COMPARADA
O PROJETO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR
NA VISÃO DE SEUS PROTAGONISTAS
Uma Análise Histórica de Geisel a Lula
1974 – 2009
Rio de Janeiro
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
FERNANDA DAS GRAÇAS
CORRÊA
ads:
FERNANDA DAS GRAÇAS CORRÊA
O PROJETO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR
NA VISÃO DE SEUS PROTAGONISTAS
]Uma Análise Histórica de Geisel a Lula
1974 – 2009
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em História
Comparada, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em História Comparada
Orientador: Sidnei J. Munhoz
Rio de Janeiro
2009
3
FICHA CATALOGRAFICA
Corrêa, Fernanda das Graças.
O Projeto do Submarino de Propulsão Nuclear na Visão de seus Protagonistas: uma análise
histórica de Geisel a Lula (1974 – 2009)/ Fernanda das Graças Corrêa. 2009.
262f: Il.
Dissertação (Mestrado em História Comparada) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 2009.
Orientador: Sidnei J. Munhoz
1. História política; 2. Estratégia; 3. Política nuclear brasileira; 4. Projeto do
submarino de propulsão nuclear – Teses.
I. Munhoz, Sidnei J. (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa
de Pós Graduação em História Comparada. III. Título.
4
Fernanda das Graças Corrêa
O PROJETO DO SUBMARINO DE PROPULSÃO NUCLEAR
NA VISÃO DE SEUS PROTAGONISTAS
uma análise histórica de Geisel a Lula
1974 – 2009
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em História
Comparada, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em História Comparada
Aprovada em:
__________________________________________
(Orientador: Sidnei J. Munhoz, Doutor, UFRJ)
____________________________________________
(Banca: Francisco Carlos Teixeira da Silva, Doutor, UFRJ)
____________________________________________
(Banca: Vagner Camilo Alves, Doutor, UFF/ ECEME)
5
Dedico esse trabalho a minha filha Catarina, que é grande pelo nome que carrega e
grande pelo tamanho do espaço que ocupa em minha vida. Com Catarina, minha vida e meu
trabalho ganharam novos sentidos! Obrigada, filha!
6
AGRADECIMENTOS
Embora essa dissertação seja fruto de um trabalho acadêmico e científico, é também
um projeto de vida.
A partir da conclusão desse trabalho pude me certificar que minha vida está
inteiramente voltada para a defesa nacional. Por meio da academia, encontrei uma estratégia
para contribuir cientificamente com os interesses nacionais.
Dessa maneira, em função desse trabalho, aprofundei meus contatos acadêmicos e
obtive novos contatos com os meios militares. Se esse trabalho não conseguir alcançar o
objetivo de tornar civis e militares mais próximos dos assuntos pertinentes a defesa nacional,
pelo menos, eu consegui o meu objetivo de mostrar o meu trabalho a civis e militares no
espaço acadêmico.
Contudo, houve muitos obstáculos que, por algumas vezes, me forçaram a reformular
as idéias. A construção desse trabalho foi árdua e muitas vezes me pareceu impossível
concluí-lo. Graças a essa dissertação, hoje, eu entendo um pouco de relações internacionais,
estratégia, ciência política, economia, oceanografia e passei a amar ainda mais a história e os
estudos da guerra. Por perseverança minha, mantive o meu objeto de estudo, e por
perseverança do meu orientador, Sidnei Munhoz, e da minha família e amigos, conclui essa
dissertação. Sem essas pessoas nada, em todos os momentos de minha vida, seria possível!
Muito obrigada!
Agradeço também à Capes que financiou os meus estudos, ao professor Vagner
Camilo que foi muito solícito em me prestigiar com sua presença em minha banca de
qualificação e de defesa e ao professor José Carlos Albano do Amarante que me apoiou e
contribuiu com seus conhecimentos na etapa final desse trabalho. Obrigada!
7
Concluo os agradecimentos com uma frase que sempre utilizo para me referir aos
meus projetos de vida: “vivo pela guerra e morro pela história”!
Fernanda das Graças Corrêa
8
RESUMO
CORRÊA, Fernanda das Graças. O projeto do submarino de propulsão nuclear na visão
de seus protagonistas: uma análise histórica de Geisel a Lula (1974-2009). Rio de Janeiro,
2009. Dissertação (Mestrado em História Comparada) - Programa de Pós Graduação em
História Comparada, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
Este trabalho é uma análise histórica do projeto de construção do submarino de propulsão
nuclear sob a ótica das pessoas que direta ou indiretamente se envolveram com ele. Geisel
empreendeu uma política mais autônoma. A Europa passou a ser a região estratégica para a
aquisição de tecnologia nuclear. O único país que se mostrou favorável a transferir tecnologia
nuclear para o Brasil foi a República Federal da Alemanha (RFA). A idéia de construir um
submarino nuclear é produto das negociações entre autoridades políticas brasileiras e
autoridades políticas, diplomáticas, científicas e empresariais da RFA. Em 1978, o engenheiro
Othon Luiz Pinheiro da Silva voltou ao Brasil após completar seu doutorado em tecnologia
nuclear no MIT. O comandante Othon fomentou na Marinha do Brasil a idéia de construir um
submarino nuclear. Em função dos acontecimentos no cenário nacional e no cenário
internacional, Geisel decidiu construir o submarino nuclear, mas optou por consentir que a
Marinha do Brasil conduzisse essa construção. Apesar de Geisel esboçar um projeto de
propulsão nuclear naval, foi o projeto elaborado pelo comandante Othon que se transformou
no projeto nuclear da Marinha do Brasil. A fim de evitar que as atenções internacionais se
voltassem para esse trabalho, Geisel orientou-o para a clandestinidade. Dessa maneira, a idéia
de construir um submarino nuclear deixa de pertencer ao programa nuclear brasileiro para
pertencer ao programa nuclear paralelo. Figueiredo, ao assumir a presidência, mantém a
política de diversificação de parcerias, mantém o acordo nuclear Brasil-RFA de 1975 e
mantém o projeto de construção de um reator nuclear. Figueiredo, após observar a atuação dos
submarinos nucleares ingleses no Atlântico Sul e perceber as reais intenções dos EUA para
com o Brasil, decidiu também apoiar política e financeiramente o projeto de construção do
submarino nuclear. Apesar de toda aversão que Figueiredo tinha em relação a Tancredo, essas
autoridades uniram forças para que esse projeto sobrevivesse a transição democrática. Sarney,
ao assumir a presidência do Brasil, em função do falecimento de Tancredo governou com a
equipe ministerial montada este presidente. Sarney se mostrou favorável e interessado na
construção do submarino nuclear após uma comissão verificar irregularidades no programa
nuclear brasileiro. Em 1987, Sarney se pronuncia totalmente favorável a essa construção.
Apesar de todos os empecilhos que os militares tiveram para dar continuidade ao projeto
nuclear da Marinha do Brasil, este projeto sobreviveu aos tempos neoliberais. Os atentados
terroristas de 11 de setembro de 2001 deixaram expostas as fragilidades do sistema de defesa
dos EUA. Dessa maneira, a hegemonia dos EUA no sistema internacional voltou a ser
questionada. Países em desenvolvimento como o Brasil iniciaram uma postura mais decidida
e mais autônoma na condução da sua política externa. A exigência de que a aquisição de
tecnologias sensíveis ocorresse mediante a transferência da tecnologia foi fundamental para o
mundo perceber o crescimento econômico do Brasil e para que os países desenvolvidos
percebessem a evolução política que o Brasil conquistou ao longo de sua história.
Palavras-chave: História política; Estratégia; Política nuclear brasileira; Projeto do
submarino de propulsão nuclear
9
ABSTRACT
CORRÊA, Fernanda das Graças. O projeto do submarino de propulsão nuclear na visão
de seus protagonistas: uma análise histórica de Geisel a Lula (1974-2009). Rio de Janeiro,
2009. Dissertação (Mestrado em História Comparada) - Programa de Pós Graduação em
História Comparada, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
This work is a historical analysis of the project of construction of the submarine of nuclear
propulsion under the optics of the people who direct or had indirectly become involved
themselves with it. Geisel undertook a more autonomous type of politics. The Europe started
to be the strategical region for the acquisition of nuclear technology. The only favorable
country transfer nuclear technology to Brazil was the Federal Republic of Germany (FRG).
The idea to construct a nuclear submarine is product of the negotiations between authorities of
Brazilian politics and political, diplomatical, scientific and business authorities of the FRG. In
1978, the engineer Othon Luiz Pinheiro da Silva came back to Brazil after completing his
doctorate in nuclear technology in the MIT. Commander Othon developed the idea to
construct a nuclear submarine in the Brazilian Navy. Dueto the events in the national and in
the international scenario, Geisel decided to construct the nuclear submarine, but he opted to
allow the Brazilian Navy to lead this construction. Although Geisel sketched a project of
naval nuclear propulsion, it was the project elaborated by commander Othon which became
the nuclear project of the Brazilian Navy. In order to prevent international attention toward
this work, Geisel guided it for the subversion. This way, the idea to construct a nuclear
submarine ceases to belong to the Brazilian nuclear program to become parallel nuclear
program. When Figueiredo became president he kept the diversification policts of
partnerships, kept the nuclear Agreement Brazil-FRG in 1975 and kept the project of
construction of a nuclear reactor. Figueiredo, after observing the performance of the English
nuclear submarines in the south Atlantic and to perceive the real intentions of U.S.A. towards
Brazil, Figueiredo decided to support politically and financially and the project of
construction of the nuclear submarine. Despite all aversion that Figueiredo had in relation to
Tancredo, these authorities had joined forces so that this project survived the democratic
transition. Sarney, when becoming the president of Brazil, dueto the death of Tancredo,
governed with the ministerial team mounted by the forms. Sarney only demonstrated being
favorable and interested in the construction of the nuclear submarine after a commission
verifeed irregularities in the Brazilian nuclear program. In 1987, Sarney says he is totally
favorable to this construction. Despite of all the problems that the military troops had had to
allow continuity to the nuclear project of the Navy of Brazil, this project survived to the
neoliberal times. The terrorist acts on September 11th 2001 exposed the fragilities of the
defensive system of the EUA. This way, the American hegemony in the international system
once again questioned, the new real enemies had been disclosed and developing countries as
Brazil initiated a more determined and more independent position in the making of its
external politics. The requirement for the acquisition of sensible nuclear systems occurred by
means of the technology transfer and was fundamental for the world to acknowledge the
economic growth of Brazil and for the developed countries to perceive the political evolution
that Brazil conquered throughout its history.
Keywords: History politics; Strategy; Brazilian nuclear politics; Project of the submarine of
nuclear propulsion
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 13
1 O GOVERNO GEISEL E A POLÍTICA NUCLEAR BRASILEIRA: do
Programa Nuclear Brasileiro ao Programa Nuclear
Paralelo .....................................
20
1.1 A reorientação da Doutrina de Segurança Nacional e a recusa em assinar o
Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares ..................................................
20
1.2 As questões científicas, tecnológicas e oceanográficas do programa nuclear
brasileiro ..................................................................................................................
41
1.3 O projeto do submarino de propulsão nuclear e a crise política do Programa
Nuclear Brasileiro ...................................................................................
54
2 O GOVERNO FIGUEIREDO E A CLANDESTINIDADE DO
PROGRAMA NUCLEAR PARALELO .............................................................
71
2.1 O governo Figueiredo e o despertar do programa nuclear paralelo .................. 71
2.2 A Guerra das Malvinas como observatório das autoridades político–militares
brasileiras .................................................................................................................
84
2.3 O projeto nuclear da Marinha do Brasil: da Cidade Universitária à cidade do
interior de São Paulo ................................................................................................
96
3 O GOVERNO SARNEY E A SOBREVIVÊNCIA DA POLÍTICA
NUCLEAR BRASILEIRA ....................................................................................
106
3.1 A polêmica assunção de Sarney e o ministério da Ciência e Tecnologia .......... 106
3.2 O projeto Aramar e as conquistas tecnológicas da parceria Marinha do Brasil-
IPEN-CNEN ............................................................................................................
122
3.3 O anúncio do presidente José Sarney sobre a continuidade do projeto do
submarino de propulsão nuclear ..............................................................................
131
4 A POLÍTICA NUCLEAR E AS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS
DE COLLOR À FHC ............................................................................................
144
4.1 O governo Collor X política nuclear brasileira .................................................. 144
4.2 Itamar Franco e a conciliação com as forças armadas ....................................... 162
4.3 Fernando Henrique Cardoso e as limitações da defesa nacional ....................... 178
5 O GOVERNO LULA E O RETORNO POLÍTICO DO PROJETO DO
SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO .........................................................
202
5.1 A ascensão de Lula e a nova orientação ideológica do governo brasileiro ....... 202
11
5.2 A Amazônia Azul e o projeto do submarino de propulsão
nuclear ....................................................................................................................
216
5.3 A importância estratégica do Acordo Militar Brasil-França de Sete de
Setembro de 2009 ....................................................................................................
225
CONCLUSÃO ........................................................................................................ 241
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 250
12
INTRODUÇÃO
Esta dissertação tem como objetivo analisar a história do projeto de construção do
submarino de propulsão nuclear, de 1974 à 2009.
As fontes primárias que serão trabalhadas são as falas, declarações, pronunciamentos
e discursos de autoridades políticas, civis e militares. Portanto, o método escolhido para
trabalhar as fontes foi o método comparativo. A análise deste projeto englobou o estudo de
diferentes percepções de autoridades políticas. Abordou-se assim, o conteúdo e a repercussão
das declarações oficiais dos representantes políticos que assumiram a presidência do Brasil.
Esses políticos são: Ernesto Geisel (1974-1979), João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-
1985), Tancredo Neves (1985), José Sarney (1985-1990), Fernando Collor de Mello (1990-
1992), Itamar Franco (1992-1995), Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e Luís Inácio
Lula da Silva (2003-).
Como um trabalho que acompanha as transformações mundiais no tempo e no
espaço, esta dissertação se mostra como uma pesquisa interdisciplinar à medida que perpassa
teorias e conceitos das relações internacionais, da geopolítica, da estratégia, da ciência
política, da economia e da oceanografia.
Em termos de documentação primária, a pesquisa conta com a disponibilidade de
documentos de acesso público, localizados nos arquivos históricos do Centro de Produção e
Documentação da Fundação Getúlio Vargas, da Biblioteca Nacional, da Biblioteca da Escola
de Guerra Naval, da Biblioteca da Comissão Nacional de Energia Nuclear e em sítios
eletrônicos.
As fontes secundárias que alicerçam este trabalho são livros, revistas, artigos
científicos e acadêmicos, monografias, dissertações e teses, jornais, sítios eletrônicos. Todos
esses novos recursos contribuíram para que haja uma melhor compreensão dos sistemas de
representação das sociedades contemporâneas.
13
Ao buscar uma nova abordagem para este tema, propõe-se analisar o processo de
integração do projeto de construção do submarino nuclear brasileiro na política estratégica
nacional, por meio de um estudo histórico. Os estudos do tempo presente constituem um
campo da nova história política. Nessa nova forma de perceber a histórica política, os
historiadores se preocupam em modernizá-la, a fim de acompanhar as rápidas transformações
mundiais. A experiência das guerras, a pressão cada vez mais perceptível das relações
internacionais nos assuntos internos dos Estados, as crises e desajustes dos mecanismos da
economia liberal forçando o Estado a intervir, o aumento da atribuição do Estado com a
expansão do domínio da ação política, o movimento histórico das fronteiras contribuíram para
sistematizar e legitimar a intervenção do Estado.
1
Pode-se também somar a expectativa de
uma guerra total e a experiência de uma nova concepção de guerra, que se convencionou
chamar de terrorismo internacional. Esses problemas passaram inevitavelmente a ser
preocupações da história política. Assim, se propõe a analisar as razões que motivam setores a
afirmar que o projeto de construção do submarino de propulsão nuclear deve ser um projeto
de Estado e as razões que motivam outros setores sociais a não contribuírem com essa
afirmação.
Procurou-se neste trabalho abordar o projeto de construção do submarino de
propulsão nuclear por diversos ângulos: como ele foi pensado pela primeira vez, como ele foi
conduzido, quem o conduziu, porque o conduziu e para quais finalidades, o projeto do
submarino nuclear está sendo conduzido.
Dessa maneira, este projeto é, ao mesmo tempo, resultado da renovação da história
política e o resgate da antiga aspiração brasileira de tornar o país uma potência política,
econômica e militar.
Em termos de composição, o corpo da pesquisa se divide em cinco partes.
1
REMOND, René. Uma história presente. In: RÉMOND, René. (Org) Por uma história política. Rio de Janeiro:
FGV, 2003. p.p.23-24.
14
No primeiro capítulo será buscada a compreensão do contexto no qual a ditadura
brasileira foi instalada, as razões que motivaram as autoridades políticas e militares a
desenvolver um programa nuclear e as razões que motivaram essas mesmas autoridades a
conduzir parte desse programa nuclear na clandestinidade.
A idéia de construir um submarino de propulsão nuclear nasceu em um contexto
nacional e internacional complexo e delicado. O mundo vivenciava o terror da Guerra Fria e o
Brasil experimentava o terror da ditadura militar. Durante a Guerra Fria, Estados Unidos e
União Soviética disputavam hegemonia no sistema internacional por meio de um equilíbrio de
força. Segundo Raymond Aron, os países que detinham o armamento nuclear se tornavam
mais responsáveis pelo mundo a medida que tinha conhecimento da catástrofe que ocorreria
se explodisse uma Terceira Guerra Mundial. Segundo Noberto Bobbio, Winston Churchill
declarou no dia seguinte da explosão da primeira bomba nuclear da União Soviética que,
“por um processo de sublime ironia o mundo atingiu um estágio em que a segurança será o
rebento galhardo do terror e a sobrevivência o irmão gêmeo do aniquilamento”
2
.
Em 1968, EUA, URSS, Inglaterra, França e China haviam construído a bomba
atômica e, nesse ano, a fim de conter institucionalmente a proliferação de armas nucleares,
criaram o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Existiam outros países que, embora
não detivessem a bomba nuclear, tinham condições de construí-la. A República Federal da
Alemanha, a Holanda e a Itália são exemplos desses países.
O único país que detinha a bomba atômica, mas não era considerada uma potência
pelos pares era a China. O acesso à tecnologia nuclear por um país de regime comunista,
então considerado como integrante do chamado Terceiro Mundo, levou os EUA a impor
restrições ainda mais rigorosas quanto ao acesso à tecnologia nuclear. Assim, em 1968, EUA
e URSS assinam e lideraram, por meio de uma campanha internacional, outros países a
2
Declaração de Winston Churchill no dia seguinte à explosão da primeira bomba atômica soviética. In:
BOBBIO, Noberto. O problema da guerra e as vias da paz. São Paulo: UNESP, 2003. p. 58.
15
também se tornarem signatários do TNP. Apesar das rigorosas restrições, outros atores
internacionais rotulados como países em desenvolvimento, ao longo da década de 1970,
iniciaram projetos com o intuito de acessarem à tecnologia nuclear. Em 1974, a Índia realizou
o seu primeiro teste atômico. Nas décadas seguintes diferentes países procuraram criar os seus
próprios caminhos visando o domínio da tecnologia nuclear.
A aspiração do governo brasileiro em dominar a tecnologia nuclear manifestou-se
pela primeira vez ainda na década de 1940. Ao longo desses anos, a política nuclear brasileira
sofreu perdas e conquistas tecnológicas. Contudo, em função das restrições que os EUA
impunham aos países que buscavam desenvolver a tecnologia nuclear, o governo Geisel foi
forçado a buscar acesso aos equipamentos e à transferência de tecnologia nuclear na Europa.
Ao institucionalizar a política nuclear brasileira, assinando o acordo nuclear com a República
Federal da Alemanha (RFA), em 27 de junho de 1975, o Brasil ganhou um novo status no
sistema internacional. Como se verá, as conquistas tecnológicas provindas desse acordo foram
inúmeras.
A idéia de construir um submarino nuclear é fruto das conversações e negociações de
políticos brasileiros com políticos e empresários alemães. Essas negociações estavam
previstas no Acordo Nuclear assinado com a RFA e, portanto, a idéia de construir um
submarino nuclear constitui parte do Programa Nuclear Brasileiro. No entanto, as pressões
internacionais e nacionais para que, tanto o Brasil quanto a RFA cancelassem esse acordo,
levaram partes desse programa nuclear para clandestinidade. Transferir a idéia de construir
um submarino nuclear para a Marinha do Brasil foi a estratégia encontrada pelo presidente
Geisel.
O projeto de construção de um submarino de propulsão nuclear atenderia as
demandas da segurança e do desenvolvimento, ao mesmo tempo, pois zelaria pelas jazidas
16
petrolíferas no mar territorial e sela o projeto-base para a construção de reatores nucleares
para produção de energia elétrica.
No segundo capítulo será buscado o entendimento de como as autoridades políticas e
militares brasileiras conseguiram realizar conquistas científicas e tecnológicas na área nuclear,
longe das atenções internacionais.
O presidente Figueiredo foi empossado em um período muito delicado. Este
presidente deu continuidade ao processo de abertura política em meio a uma crise econômica
nacional. O governo brasileiro percebeu que a Argentina poderia ser uma parceria estratégica
para o Brasil se fortalecer politicamente na América latina. No entanto, as autoridades
políticas e militares da Argentina não haviam ainda compreendido quais relações os EUA
desejavam manter com ela. Assim, será analisada a importância da Guerra das Malvinas como
palco de observação das autoridades políticas brasileiras e argentinas.
No terceiro capítulo, a discussão buscará compreender como José Sarney conduziu a
transição democrática e a política nuclear brasileira em um contexto internacional, no qual os
EUA estavam se tornando a única superpotência hegemônica no sistema internacional.
Embora o presidente Sarney mandasse cancelar as atividades nucleares da Aeronáutica,
reconheceu a importância estratégica do projeto do submarino nuclear e resolveu apoiar a
Marinha do Brasil em seu desenvolvimento. Contudo, as pressões internacionais e nacionais
não tardaram a forçar o presidente Sarney a se posicionar oficialmente acerca desse apoio. O
sucesso foi anunciado pelo presidente da República José Sarney em 1987 e, no ano seguinte,
o programa paralelo da Marinha foi incorporado às pesquisas oficiais.”
3
O único
integrante da comitiva presidencial presente na cerimônia de inauguração do Centro
Experimental de Aramar que deu entrevista à imprensa foi o ministro da Marinha, almirante
Henrique Sabóia. Segundo nota do jornal o Estado de São Paulo, esse almirante declarou que,
3
ANDRADE, Ana M. Ribeiro de. O programa da autonomia do ciclo do combustível nuclear no Brasil. P. 13.
Disponível em < http://www.necso.ufrj.br/esocite2008/trabalhos/35970.doc> Acessado em 5 out 2009.
17
O sistema de propulsão nuclear é usado como fonte de calor e essa turbina movida a
vapor é que i movimentar os submarinos nucleares. No momento, acrescentou, a
finalidade não é bélica, mas não submeteremos a nossa tecnologia nuclear à Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA), por uma decisão política. Quanto aos
submarinos atômicos concluiu o Ministro Sabóia não temos previsão, nem
fixação de datas para sua fabricação. Temos um programa para chegar lá. Quem
sabe eu os convido para inauguração, no futuro.
4
No entanto, a crise econômica e falta de falta de credibilidade no sistema
internacional mudaram os planos da política nuclear brasileira.
No quarto capítulo, busca-se entender como os governos de Collor, Itamar Franco e
Fernando Henrique conduziram o projeto de construção do submarino de propulsão nuclear.
Nesta parte do trabalho se estudará como a crise econômica afetou a sociedade, o governo e as
instituições militares. A imagem desgastada desse Estado permitiu que algumas de suas
funções fossem transferidas para a esfera privada e que acordos internacionais, como o TNP,
que, até então, eram considerados discriminatórios, passaram a ser vistos de forma positiva
nesse contexto.
Ainda nesse quarto capítulo se descreverá como as autoridades políticas e militares
perceberam e contribuíram para a criação do ministério da Defesa. Além disso, será analisado
como a própria instituição naval, apesar da crise, continuou a conduzir o seu projeto nuclear.
Como será analisada, a crise do apagão foi um dos motivos que contribuíram para o desgaste
da imagem de Fernando Henrique Cardoso. A sucessão de apagões que ocorreu em diversas
cidades brasileiras, em especial, na cidade do Rio de Janeiro, permitiu que a sociedade
brasileira percebesse que havia um mal planejamento no fornecimento de eletricidade. Essa
crise energética possibilitou que a cidade do Rio de Janeiro fosse abastecida por eletricidade
proveniente da usina nuclear de Angra dos Reis. A partir desse fornecimento, as autoridades
políticas passaram a ver a energia nuclear por um outro ângulo. Dessa maneira, os principais
4
Sabóia: Objetivo nuclear ainda é pacífico. O Estado de São Paulo, 9 de abril de 1988. in: OLIVEIRA, Odete
Maria. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p.p. 313-314.
18
candidatos à eleição presidencial de 2002 incluíram em seus programas de governo a questão
nuclear.
Segundo todos os militares entrevistados por Maria Celina D’Araújo e Celso Castro
para compor o livro Militares e a Nova República, as forças armadas sofreram embargos da
sociedade civil, da imprensa e de autoridade políticas brasileiras. Segundo os oficiais-generais
entrevistados, as forças armadas não eram mais prioridades na agenda desses governantes. Os
cortes e reajustes no orçamento federal dessas instituições repercutiram em seus projetos
estratégicos. Como o projeto do submarino nuclear dependia do orçamento da instituição
naval, houve retrocessos na produção científica e tecnológica, a ponto do ministro da Marinha
do governo Fernando Henrique Cardoso, Roberto Guimarães, afirmar que esse projeto havia
chegado ao fim.
Desde que Luís Inácio Lula da Silva se candidatou pela primeira vez à presidência da
República, em 1989, as forças armadas se manifestavam contrárias a sua candidatura. Lula da
Silva, com o objetivo de responder às críticas que o acusavam de adotar uma postura
esquerdista redigiu a Carta ao Povo Brasileiro. Nela, o então candidato e reafirmou o seu
compromisso com a social-democracia. Além dessas promessas, Lula buscou apoio entre os
militares, prometendo-lhes aumentar o orçamento federal das forças armadas e dar
continuidade aos seus projetos estratégicos. Dentre esses projetos, se encontrava o projeto do
submarino de propulsão nuclear.
As preocupações do quinto e último capítulo se concentram em entender porque o
presidente Lula não cumpriu as suas promessas para as forças armadas em seu primeiro
mandato e porque esse presidente decidiu, no segundo mandato, investir pesadamente em
defesa nacional. Nessa última parte desse capítulo, busca-se entender como o ministério da
Defesa tem procurado desenvolver o projeto do submarino de propulsão nuclear nesse novo
sistema internacional que se apresenta.
19
1 O GOVERNO GEISEL E A POLÍTICA NUCLEAR BRASILEIRA: do
Programa Nuclear Brasileiro ao Programa Nuclear Paralelo
1.1 A reorientação da Doutrina de Segurança Nacional e a recusa em assinar o Tratado de
Não-Proliferação de Armas Nucleares
A orientação político-ideológica que domina o cenário político brasileiro na década
de 1960, durante a Guerra Fria, foi reflexo das influências externas, em especial, a
estadunidense e a francesa. Contudo, este trabalho tenderia a um determinismo histórico e
culminaria numa generalização simplista ao afirmar que a doutrina de segurança nacional,
criada nos Estados Unidos e desenvolvida em função do antagonismo político-econômico-
ideológico entre União Soviética e Estados Unidos, havia sido importada pelo Brasil.
Contudo, por mais que a influência francesa tenha importante papel na transformação do
conceito e da conduta da guerra, foram os Estados Unidos, ao lançar as bombas nucleares
sobre o Japão, em 1945, que mudaram o curso da guerra e da própria história da humanidade.
A demonstração de poder bélico estadunidense chocou a sociedade internacional e tornou o
mundo bem mais suscetível às suas idéias, fosse pela segurança que os Estados Unidos
pudessem oferecer, fossem pelo medo que os Estados Unidos pudessem provocar.
Dessa maneira, com o fim da Segunda Guerra Mundial, os países do continente
americano que foram solidários a causa estadunidense na guerra foram forçados por suas
condições econômicas e políticas a se alinhar aos EUA, seja pelo medo de sofrer intervenções
militares e/ ou embargos econômicos dos EUA, seja pela segurança que os EUA lhes podiam
oferecer.
Apesar de o Brasil não possuir uma tradição bélica, logo assim que a Segunda Guerra
Mundial acabou se alinhando aos EUA em função da segurança que esse país lhe poderia
proporcionar. Apesar das conquistas da Marinha do Brasil e do Exército brasileiro na Segunda
20
Guerra Mundial, os militares brasileiros chegaram a conclusão de que não havia um
pensamento militar homogêneo ou um pensamento estratégico nacional. Dessa maneira, o
Brasil recorreu aos Estados Unidos para estabelecer, contratualmente, relações políticas,
estratégicas e militares. Exemplos dessa busca é a assinatura do primeiro Acordo Nuclear
Brasil-EUA, em 10 de julho de 1945
5
, e a assinatura do Acordo de Assistência Militar Brasil-
EUA da década de 1950. “A Comissão Militar Mista sobrevivera a guerra e, em 1954, foi
registrada nas Nações Unidas como agência permanente, destinada a cuidar das vendas de
armamentos e da assistência militar.”
6
Segundo René Armand Dreifuss, após a Segunda Guerra Mundial, a posição dos
oficiais americanos no Brasil foi escorada pela transferência de equipamento militar pesado
7
.
A presença dos EUA no Brasil pode ser analisada tanto sob a ótica política quanto sob a ótica
militar. Esse Estado, determinado a combater o comunismo, intervinha nos assuntos políticos
de seus aliados e intervinha militarmente quando suas determinações não eram obedecidas.
A Escola Superior de Guerra (ESG) foi criada no governo de Eurico Gaspar Dutra
(1946-1950), em 1949. Sobre essa criação, teses se conflitam: (1) Dreiffus sustenta que a
criação dessa instituição está vinculada à ideologia estadunidense de combater o comunismo e
(2) Nilson Borges sustenta que a criação da ESG está vinculada a necessidade de aproximar
civis e militares.
Segundo Dreiffus,
a ESG incorporou em solo brasileiro as idéias e as atitudes maniqueístas dominantes
no cenário internacional da Guerra Fria. Como uma instituição, a ESG encorajou
dentro das Forças Armadas normas de desenvolvimento associado e valores
empresariais, ou seja, um crescimento cujo curso industrial foi traçado por
multinacionais e um Estado guiado por razões técnicas e não políticas.
8
5
GIROTTI, Carlos A. Estado nuclear no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 21.
6
BRAGA, Paulo Romeu. Os interesses econômicos dos Estados Unidos e a segurança interna no Brasil entre
1946 e 1964: uma análise sobre os limites entre diplomacia coercitiva e operações encobertas. Revista Brasileira
de Política Internacional, vol.45 no.2 Brasília July/Dec. 2002. Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php?
pid=S0034-73292002000200003&script=sci_arttext&tlng=en#nt07>. Acessado em: 23 set. 2009.
7
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981. p. 79
8
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981. p. 79
21
O Brasil era orientado assim, pela Doutrina de Segurança Nacional estadunidense.
Tanto o governo quanto as multinacionais estadunidenses operariam em solo brasileiro para
orientar ideologicamente a sociedade brasileira. Como compensação pela submissão, o Brasil
seria favorecido com assistência política, econômica e militar.
De acordo com Nilson Borges, na década de 1940, “ao largo das questões
nacionais, o aparelho militar se via às voltas com o divisionismo da instituição (partidos
militares), provocado, principalmente, por aspectos organizacionais (missão francesa) e
ideológicos (movimento de 1935, a campanha do petróleo)”
9
. Analisando essa tese
sustentada por Borges, as forças armadas brasileiras e o presidente Dutra, criaram a ESG com
o intuito de homogeneizar a instituição. O objetivo da ESG seria aproximar a sociedade civil
do aparato militar. Muitos militares tiveram acesso a essa instituição militar, contudo, poucos
foram os civis que poderiam compartilhar dos estudos elaborados por ela. Havia um processo
seletivo rigoroso, no qual condicionava a entrada de civis de acordo com seus bens materiais,
sua idade e de acordo com o cargo que ocupava em seu trabalho. Ao invés de aproximar civis
de militares, a ESG acentuou essa distância. Além disso, por mais que houvesse
heterogeneidade dentro das forças armadas brasileiras, os militares absorveram influências
francesas e, sobretudo, estadunidenses no desenvolvimento de seus estudos realizados na
ESG. Não como contestar o fato de que muitos militares que realizaram estudos nessa
instituição participaram do Golpe de 1964. A Doutrina de Segurança Nacional estadunidense,
ao ser absorvida, sobretudo, pelos militares brasileiros, se transformou na Lei de Segurança
Nacional, na qual os governos militares se utilizaram a partir da década de 1960 no combate
aos subversivos comunistas.
Conforme constatado, os civis que realizaram estudos na ESG foram doutrinados
política, econômica e militarmente pelos princípios ideológicos dessa instituição militar.
9
BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares. in: FERREIRA, Jorge.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. (Org) O Brasil republicano. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003.
p.17.
22
Percebe-se assim que, havia outros segmentos na sociedade que conduziam os princípios
ideológicos estadunidenses e prestaram apoio aos militares para intervirem na sociedade.
Segundo Dreiffus, Riordan Roett sustenta uma tese de que a maioria dos industriais,
banqueiros, empresários estavam demasiadamente preocupados com seus problemas
comerciais imediatos para apoiar intervenções militares em assuntos políticos
10
. Contudo,
como foi elaborado, poucos foram os civis, pertencentes a elite brasileira, que realizaram
estudos na ESG. Esses civis que sofreram a influência da ideologia estadunidense dentro
dessa instituição tiveram participação direta nas intervenções militares nos assuntos políticos
do Estado. No entanto, a expressão segurança nacional era mencionada nos discursos de
militares durante a década de 1930. No entanto, o Brasil somente desenvolveu a ideologia
voltada para o sistema de segurança estadunidense na ESG. Dessa maneira, o pensamento
militar dessa instituição militar, “tinha por objetivo treinar pessoal de alto nível no sentido de
exercer funções de direção e planejamento da segurança nacional”
11
.
Ao analisar a história republicana do Brasil, o intervencionismo militar nos assuntos
políticos se mostra como uma constante, a começar pela própria proclamação da República.
“Sobre tal pressuposto, o intervencionismo militar seria legítimo quando a autoridade maior
transpusesse, a critério das Forças Armadas, os limites da legalidade”.
12
Foi sob esse
discurso ideológico que fluiu a idéia dos militares tomarem posse das funções estatais em
1964. Segundo Golbery do Couto e Silva,“apesar de não ter havido unidade de comando, a
estratégia revolucionária, tal como prevaleceu na ação, foi coerente, obedecendo a uma
concepção unitária em defesa dos próprios Objetivos Nacionais Permanentes.”
13
No entanto,
a história brasileira comprova que os militares atrasaram a tomada de poder de 1961 para
10
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981. p. 490.
11
BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares. in: FERREIRA, Jorge.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. (Org) O Brasil republicano. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003.
p. 20.
12
BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares. in: FERREIRA, Jorge.
DELGADO, Lucília de Almeida Neves. (Org) O Brasil republicano. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003.
p. 17
13
SILVA, Golbery do Couto e. Planejamento estratégico. Brasília: UNB, 1981. p. 447.
23
1964. Considerado como um golpe por muitos e uma revolução por outros, a tomada de poder
em 1964 deveria ter ocorrido em 1961, durante o governo de Jânio Quadros.
Segundo a percepção dos oficiais militares, a carência de poder industrial e de
sofisticação tecnológica eram os maiores desafios que o país enfrentava. Treinados e
socializados para servir a pátria, os militares acabaram se auto-percebendo como o
único setor da sociedade capaz de implementar políticas públicas em prol do bem
comum, livres da influência de interesses particulares.
14
Contudo, como se pode observar que os militares não foram os únicos atores na
tomada do poder em 1964. O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), criado em 1961,
foi um dos instrumentos utilizados pelos empresários brasileiros, doutrinados pela ESG, para
preparar o Golpe de 1964. Segundo Dreiffus, o IPES é “uma organização de classe que
reunia a elite orgânica do novo bloco de poder e que expressava, integralmente, a ideologia
subjacente aos interesses financeiro-industriais multinacionais e associados”.
15
O IPES era a
instituição, por meio da qual, os empresários preparavam documentos, seminários e filmes,
que eram disseminados nas empresas, nos grêmios estudantis e nos sindicatos, para
influenciar a sociedade brasileira a receber com passividade a ideologia golpista. Dessa
maneira, empresários e militares brasileiros trabalhavam juntos na preparação do golpe militar
a fim de evitar uma possível guerra civil. Segundo Denise Assis, “A propaganda massiva e
cientificamente preparada por aquele Instituto durante dois anos, hoje se sabe, pavimentou a
queda do governo de Jango.”
16
Outra instituição importante foi o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD).
Esta instituição recebia capital vindo ilegalmente do exterior e do empresariado brasileiro e
financiou a campanha de conservadores com o objetivo de criar uma bancada favorável ao
golpismo.
14
WROBEL, Paulo S. HERZ, Mônica. A política brasileira de segurança no Pós-Guerra Fria. In: BRIGAGÃO,
Clóvis. PROENÇA JÚNIOR, Domício. (Org.). Brasil e o mundo: novas visões. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
2002. p. 270.
15
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981. p. 482.
16
ASSIS, Denise. Propaganda e cinema a serviço do Golpe (1962-1964). Rio de Janeiro: Mauad. FAPERJ, 2001.
p. 22.
24
A crise econômica que o Brasil vivenciava na década de 1960 associada à
possibilidade de que o presidente João Goulart (1961-1964) promovesse um golpe comunista
ao Brasil fez com que parte do oficialato militar e parte da elite empresarial brasileira
colocassem em prática os planos de ação golpista que estavam preparando. O empresariado
acatou as idéias golpistas por entender que o modelo econômico adotado pelos governos civis
estava desgastado. Os militares alegaram que a tomada do poder era uma revolução, pois
estavam obedecendo as normas constitucionais. Os militares fundamentaram seus argumentos
golpistas em função de a Constituição vigente ser a de 1946. Essa Constituição de 1946
considerava o comunismo como uma subversão. Dessa maneira, na concepção dos militares, o
golpe de 1964 consistia uma ação em favor da legalidade. Desse modo, por mais que
houvesse heterogeneidade de opiniões em relação ao golpe de 1964, havia uma nítida
preocupação de setores da sociedade brasileira que se sentiam inseguros, sobretudo, com as
medidas reformistas do presidente João Goulart. Contudo, ainda que se sustente que havia
autonomia política no governo brasileiro, foi a Doutrina de Segurança Nacional estadunidense
que orientou os militares e empresários brasileiros a promoverem o Golpe no país. Entretanto,
apesar de o Brasil demonstrar apoio ao combate dos EUA contra o comunismo, esse país
tornou a política externa para a América Latina ainda mais rígida. O receio dos EUA era de
que outro país no continente americano, seguindo o modelo cubano, se alinhasse política-
ideologicamente a URSS.
Desde a década de 1940, os EUA dificultavam o acesso a tecnologia nuclear aos
outros países. O único país que se beneficiou diretamente da tecnologia nuclear estadunidense
foi a Inglaterra. Contudo, apesar das dificuldades, países como a URSS, a França e a China
conseguiram dominar a tecnologia nuclear e construir a bomba atômica.
Como citado, o primeiro acordo nuclear do Brasil foi assinado em 1945 com os
EUA. O presidente Getúlio Vargas (1930-1945/ 1951-1954) forneceria matéria-prima
25
radioativa brasileira em troca de reatores nucleares estadunidenses. A matéria-prima foi para
os Estados Unidos, mas as centrífugas não chegavam no Brasil.
Percebe-se assim que, o objetivo principal dos Estados Unidos era dominar as
reservas radioativas brasileiras e evitar que o Brasil se fortalecesse politicamente ao dominar a
tecnologia nuclear e possivelmente construir a bomba atômica. Segundo o pensamento militar
estadunidense, era necessário impedir a transferência de tecnologia nuclear, pois, ao se dispor
de urânio, cientistas qualificados poderiam fabricar explosivos nucleares. As autoridades
estadunidenses alegavam que os países em desenvolvimento deveriam compreender os riscos
e os problemas que tal tecnologia envolvia. Somente contendo a proliferação nuclear, a
influência comunista em governos latino americanos, deixaria de assombrar o governo e os
militares estadunidenses.
No final da década de 1960, os países latinos americanos aceitaram as alegações das
potências nucleares, em especial, Estados Unidos e União Soviética, e se organizaram a fim
de conter a proliferação de armas nucleares por meio do Tratado de Tlatelolco (TT). “As
origens do TT se situam na Declaração Conjunta dos Presidentes do Brasil, México, Chile,
Bolívia e Equador que em 29 de abril de 1963, manifestara sua intenção de converter a
América Latina e área desnuclearizada”
17
O Brasil se tornou signatário deste tratado em
1967.
Na década de 1960, os Estados Unidos se sentiram ameaçados com a nuclearização
da China, um país comunista e em desenvolvimento. Em 1968, as principais potências
nucleares, Estados Unidos e União Soviética, também se organizaram a fim de formalmente
conter a proliferação nuclear no mundo. Criou-se assim o Tratado de Não-Proliferação
Nuclear (TNP), no qual as potências nucleares que o criaram em comum acordo restringiam o
acesso à tecnologia nuclear de acordo com os seus interesses.
17
GIROTTI, Carlos A. Estados Nuclear no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 46.
26
Com a tomada de decisão brasileira sendo direcionada para as mãos dos militares
brasileiros, em 1964, as influências comunistas teriam maiores dificuldades à medida que
seriam violentamente repreendidas pelo próprio centro de poder de decisão dos governos. Ou
seja, a doutrina, as estratégias e as táticas militares foram aplicadas pelo governo brasileiro
dentro do próprio território nacional para conter o que eles consideravam como ameaça
comunista. As forças armadas brasileiras direcionaram a aplicação de seus estudos de guerra
para combater o inimigo em solo nacional. Cabia aos Estados Unidos cuidar da segurança
internacional, e, portanto, não faria sentido o Brasil investir em tecnologia bélica que não
fosse para auxiliar os EUA e os aliados no contexto da Guerra Fria.
Paradoxalmente, outro pensamento militar desenvolvido pela Escola Superior de
Guerra é que os militares assumiram o poder político, pois julgavam que naquele momento
eram os únicos capazes de livrar o país do atraso sócio-econômico. Os militares
“contribuíram para a ideologia do Brasil como potencia mundial emergente, para a qual a
tecnologia nuclear seria necessária a qualquer custo”
18
. O objetivo secundário, mas não
menos importante para os militares era transformar o Brasil em uma potência mundial.
Como foi analisado, o governo brasileiro nas décadas de 1960 e 1970 elaborou o
pensamento militar a partir de dois problemas: o primeiro foi a alegada ameaça comunista e o
segundo foi o subdesenvolvimento. Um importante nome que contribuiu para a formulação
estratégica do pensamento militar brasileiro do governo Geisel foi Golbery do Couto e Silva,
oficial-general da reserva do Exército brasileiro e ministro aposentado do Tribunal de Contas
da União. Assumiu o cargo de ministro de Estado, chefe do Gabinete Civil da presidência de
Ernesto Geisel, em 1974. Segundo Walder de Góes,
os ministros levam a Geisel agendas densas, o presidente as discute ponto por ponto
e, em relação aos pontos objeto de controvérsia, pede aos ministros que se dirijam ao
Chefe da Casa Civil para que o assunto seja reestudado. A interveniência de
Golbery, assim, verifica-se freqüentemente mais a posteriori do que a anteriori
19
.
18
ROSA, Luis Pinguelli. (org) Energia e crise. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 85.
19
GÓES, Walder de. O Brasil do General Geisel. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978. p. 25.
27
Golbery foi o planejador estratégico da tomada de poder em 1964 e, posteriormente,
o grande artífice estratégico e conselheiro político do presidente Geisel. A estratégia que os
governos militares encontraram para se livrar da suposta ameaça comunista na década de
1970 foi manter o centro de decisões políticas do governo brasileiro nas mãos dos militares.
As constantes greves e paralisações dos trabalhadores e a possível expansão das idéias
comunistas nessa classe social foram as justificativas encontradas pelos militares para a
tomada do poder político em 1964. No entanto, ainda na década de 1960, o governo
estadunidense e as autoridades políticas brasileiras perceberam que o comunismo
representava uma ameaça à medida que propunha reformar as estruturas de base dos países
subdesenvolvidos. É válido ressaltar que embora essa ideologia de combate ao
subdesenvolvimento tenha ganhado força a partir de meados da década de 1960, Sidnei J.
Munhoz afirma que essa idéia já havia sido apresentada pelo diplomata George Frost Kennan,
em 1947. Kennan “acreditava que a principal ameaça soviética não era militar (poder do
Exército Vermelho), mas a capacidade de ação e sedução das organizações comunistas no
interior das nações capitalistas”
20
. Segundo essa perspectiva, era preciso que o capitalismo
encontrasse meios que contribuíssem para reestruturar as bases dos países subdesenvolvidos,
e assim, o comunismo deixaria de ser tão atraente a esses países menos desenvolvidos.
Portanto, a estratégia que os governos militares encontraram para transformar o Brasil em
uma grande potência foi prolongar a sua permanência no centro das decisões políticas do
governo e capacitar o país tecnologicamente. A idéia dos militares permanecerem no poder
constava no planejamento estratégico de Golbery, e segundo ele,
o Governo da Revolução instituído numa fase estratégica a da reconstrução
democrática – retornando a inspiração dos Objetivos Nacionais Permanentes e, à luz
destes, formulando adequados Objetivos Nacionais Atuais, sob o condicionamento
das graves limitações conjunturais
21
.
20
MUNHOZ, Sidnei J. Guerra Fria revisitada. Revista Leitura da História. Disponível em
<http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/4/artigo70335-2.asp>
Acessado em 13 ago. 2009.
21
SILVA, Golbery do Couto e. Planejamento estratégico. Brasília: UNB, 1981. p. 448.
28
Em função da Guerra Fria e da corrida armamentista provocada por ela, as potências
mundiais, em especial, na década de 1950, compreenderam que somente com um poder de
aniquilação total poderiam manter o equilíbrio do poder mundial. No entanto, a concentração
de tal poder nas mãos das potências mundiais, Estados Unidos e União Soviética, e
posteriormente demais potências regionais como Inglaterra, França e China, obrigaram esses
países a serem mais responsáveis e diplomáticos com os rumos políticos das relações entre os
Estados e com a humanidade. Ao mesmo tempo em que a tecnologia nuclear representava
poder a essas nações desenvolvidas, levou-as a criar canais mais ágeis de negociação e
mecanismos de segurança ainda mais restritivos a fim de evitar um conflito não intencional
provocado por algum incidente.
Com a finalidade de conter a corrida armamentista e evitar um infortúnio
internacional, as potências mundiais, em especial, os Estados Unidos, julgavam que países em
desenvolvimento, em especial, os sul americanos, como o Brasil, por não terem inimigos
potenciais não teriam necessidade de deter as tecnologias de desenvolvimento de artefatos
nucleares e deveriam ser impedidos por quaisquer outros meios o acesso às armas nucleares.
Com a reorientação ideológica estadunidense e brasileira na década de 1970, as
autoridades político-militares brasileiras se conscientizaram do papel histórico-cultural
secundário e assimétrico que o Brasil exercia em suas relações com outros Estados. Assim,
essa reorientação ideológica modificou os rumos tanto da política quanto das forças armadas
brasileiras. Ao recusar assinar o TNP, as autoridades político-militares em meados da década
de 1970 entendiam que somente adquirindo a tecnologia nuclear poderiam transformar o
Brasil em uma potência política, econômica e militar mundial.
Para a análise do pensamento político-militar brasileiro no governo Geisel por meio
da geopolítica pode-se citar duas importantes contribuições: Therezinha de Castro e Carlos de
29
Meira Mattos. Therezinha de Castro trabalha com o conceito de e nível para definir os
países desenvolvidos e os países em desenvolvimento na década de 1970, respectivamente.
Segundo essa geógrafa, “as nações de nível, dentre as quais se inclui o Brasil, são, sem
dúvida, a chave do desenvolvimento do novo sistema internacional”
22
. De acordo com o seu
pensamento, os Estados Unidos receavam que países como o Brasil, ao se transformarem em
potência com interesses mundiais, poderiam ameaçar o equilíbrio de poder no sistema
internacional, estabelecido pela Guerra Fria. Sendo a América uma área de influência política
estadunidense, um novo ator internacional poderia ditar regras políticas, econômicas e
militares na América que poderiam não atender ou mesmo ameaçar os interesses
estadunidenses na região. O Brasil, ao se transformar em uma potência nuclear, representaria
uma ameaça aos interesses estadunidenses na América.
De acordo com Therezinha de Castro, “o poder das nações de nível exerce um
esforço contínuo na obtenção da independência econômica, política e militar que a prenda a
uma nação de nível”
23
. O problema para as nações de nível não era o fato de países em
desenvolvimento como o Brasil deterem a tecnologia para a construção de artefatos nucleares,
mas como por meio dessa detenção possíveis novos atores no sistema internacional poderiam
desconfigurar o equilíbrio de poder e influenciar as regras do jogo político até então,
estabelecidas pelos Estados Unidos e pela União Soviética.
O general Carlos de Meira Mattos acrescenta ao pensamento político-militar
brasileiro que,
não resta dúvida de que o domínio completo da tecnologia do átomo irá permitir o
desvendamento do segredo da fabricação de bombas. Mas não é esse o fim que
perseguimos e sim o de sustentar o nosso desenvolvimento e assegurar o bem-estar
das gerações futuras
24
.
22
CASTRO, Therezinha de. Geopolítica, princípios, meios e fins. Rio de Janeiro: Bibliex, 1999. p. 152.
23
CASTRO, Therezinha de. Geopolítica, princípios, meios e fins. Rio de Janeiro: Bibliex, 1999. p. 154.
24
MATTOS, Carlos de Meira. Brasil: geopolítica e destino. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. p. 125.
30
Apesar de evidências históricas confirmarem a aspiração dos militares brasileiros em
deter a bomba nuclear e as áreas militares nas quais haveria os testes, a construção da bomba
nuclear brasileira seria a conseqüência do processo de decisão político-militar de deter a
tecnologia nuclear. No entanto, nenhuma autoridade política e/ ou militar assumiu buscar a
construção da bomba. Contudo, para o governo brasileiro deter a tecnologia nuclear, teria que
tomar outras decisões políticas que não agradariam as potências mundiais, em especial, os
Estados Unidos. Com a reorientação ideológica direcionada para o desenvolvimento sócio-
econômico, o Brasil se propunha a romper com a histórica obediência à política de exploração
dos países desenvolvidos. Ao se lançar na busca pela tecnologia nuclear, em face às políticas
de restrição dessa tecnologia, e aspirar a transformação do Brasil em uma potência política,
econômica e militar, o Brasil rompia com essa tradicional política de subserviência aos
interesses estadunidenses. O fato era que deter a tecnologia nuclear transformaria a posição
político-militar no contexto externo. Na compreensão das autoridades político-militares,
construir usinas nucleares era a primeira instância para que o Brasil dominasse a tecnologia
nuclear e representaria a peça-chave para o Brasil se transformar em uma grande potência.
Para se compreender as relações entre os Estados e demais atores, na década de
1970, é importante ter em mente que as relações internacionais são conduzidas pela
diplomacia. Segundo Amaral Gurgel, a diplomacia “é a arte e a prática de conduzir
negociações entre nações. Ela origem ao entendimento de uns Poderes Diplomáticos, que
atua por meios pacíficos, buscando o convencimento e a persuasão”
25
. A diplomacia se
responsabiliza pela política externa e pela elaboração de tratados, acordos e alianças. E
segundo Golbery, no planejamento estratégico para a tomada do poder em 1964, o “emprego
da diplomacia como instrumento para a captação de recursos externos em proveito do
25
AMARAL GURGEL, José Alfredo. Segurança e Democracia. Rio de Janeiro: Bibliex, 1975. in RENAN, Iale.
O poder nacional e a realidade brasileira. Rio de Janeiro: Rio, 1977. p. 47.
31
desenvolvimento econômico e social do país”
26
constava como um dos objetivos do Golpe de
1964, que atendia aos Objetivos Nacionais Atuais, ou seja, em curto prazo de tempo.
“A doutrina de segurança nacional foi reformulada sob o impulso de dois fatores: a
eliminação do modelo bipolar como orientação da política externa e o malogro global do
diálogo Norte-Sul.”
27
Devido à nova percepção estadunidense do panorama internacional, os
países em desenvolvimento deveriam renunciar ao uso da tecnologia nuclear para as
finalidades bélicas e concentrar esforços para erradicar com o abuso dos direitos humanos. No
entanto, os países em desenvolvimento, como o Brasil, encontraram uma forma de manobrar
os interesses das potências mundiais nucleares e se distanciarem ideologicamente delas.
Assim, o Brasil, na década de 1970, optou por diminuir sua dependência e vulnerabilidade
externa, maximizando formas de buscar maior autonomia no contexto internacional. Segundo
Matias Spektor, “a aproximação brasileira com a Europa não tinha por objetivo mitigar a
influência americana, mas assegurar tratamento preferencial por parte de Kissinger”
28
. Com
o afrouxamento das tensões entre EUA e URSS, o sistema internacional tornou-se mais
complexo e menos previsível. Henry Kissinger era o secretário de Estado dos Estados Unidos
desde 1973. Este secretário entendia que o governo dos EUA precisava compreender esses
novos arranjos políticos do sistema internacional e que deveria buscar novas parcerias,
estratégicas ou não, para a manutenção de sua hegemonia nesse sistema.
Segundo Spektor, Kissinger acreditava que o Brasil poderia ser importante nessa
tarefa. Contudo, dentro do governo estadunidense havia restrições quanto a essa aproximação
com o Brasil. Esse secretário de Estado empreendeu um esforço político para convencer o
governo dos EUA a ampliar as relações políticas com o Brasil.
26
SILVA, Golbery do Couto e. Planejamento estratégico. Brasília: UNB, 1981. p. 451.
27
CERVO, Amado Luiz. BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. Brasília: UNB, 2008. p.
404
28
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 95.
32
Desde o início do século XX, EUA e Brasil possuíam boas relações políticas.
Contudo, essas relações mostravam-se assimétricas. Dessa forma, Geisel compreendeu que
tanto as antigas relações assimétricas quanto a nova proposta de relações informais, entre
Brasil e Estados Unidos, comprometiam o projeto de transformar o Brasil em uma potência
política, econômica e militar. “Para os diplomatas brasileiros, uma aproximação não
institucionalizada era perigosa porque aumentaria as expectativas dos americanos em
relação ao Brasil e, em caso de atrito, a corda arrebentaria do lado mais fraco.”
29
Assim, o
ministério das Relações Exteriores era favorável a manutenção das relações políticas
favoráveis aos Estados Unidos, e o presidente Geisel era favorável a estabelecer relações
políticas com maior simetria com os Estados Unidos e a com a Europa. Embora Henry
Kissinger não detalhasse o papel do Brasil nessa relação informal com os EUA, externou uma
agenda extensa para discutir com as autoridades político-militares brasileiras. Dentre os
temas, se encontravam: energia e petróleo, multinacionais, transferência de tecnologia e
construção de um regime de direito do mar.
30
Os diplomatas brasileiros dispunham de uma relativa liberdade, inclusive nos
governos militares. Contudo, o presidente Geisel, apesar de reconhecer a importância desse
ministério para atrair investimentos e empresas para o país, limitou o poder de atuação do seu
ministro, Antonio Francisco Azeredo da Silveira. Em 1974, houve uma divergência de
posicionamento na condução da política externa entre o presidente Geisel e o ministro
Silveira. Ao preparar um planejamento para apresentar na Conferência Mundial de Energia,
Silveira planejou que o Brasil desempenhasse um planejamento mais ativo e próximo de
Kissinger. Contudo, o presidente Geisel embargou o plano de seu ministro, sendo favorável a
uma posição mais discreta nessa conferência. O Brasil era um país dependente das
importações de petróleo, portanto, possuía limitações políticas no sistema internacional. Ao se
29
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 92.
30
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 91.
33
posicionar de forma mais ativa e, sobretudo, favorável ao posicionamento dos EUA, o Brasil
corria o risco de receber retaliações dos países da OPEP, como a suspensão de contratos. O
Brasil estava sofrendo com a crise econômica advinda da crise energética. Se os países da
OPEP suspendessem contratos firmados com o Brasil, o país estava sujeito a perder parcerias
estratégicas no Oriente Médio.
A política do ministro Silveira colocava em risco a própria política de diversificação
de parcerias, promovida por Geisel. Além disso, o Brasil não tinha nenhuma garantia de que o
governo dos EUA cobriria o vácuo possivelmente deixado pelos países da OPEP na economia
brasileira. Embora o ministro Silveira já houvesse se comprometido politicamente com o
secretário de Estado dos EUA, nenhuma dessas duas autoridades políticas estavam
representando os interesses de seus governos.
Um exemplo do descompromisso dos EUA em relação ao Brasil foi a construção de
uma usina nuclear no Brasil pela empresa estadunidense Westinghouse. Desde 1964, o
governo estadunidense havia proibido a Westinghouse de comercializar a sua tecnologia de
urânio. No entanto, desde 1965, o governo estadunidense avinha assinando acordos que
envolviam a aquisição de tecnologia nuclear para fins pacíficos com o governo brasileiro. No
início da década de 1970, no governo de Emílio Médici (1969-1974), o Brasil assinou
contrato com essa empresa para a construção de uma usina nuclear, em Angra dos Reis, no
Rio de Janeiro.
Ainda no final de 1973, os primeiros problemas começaram a emergir entre o
governo brasileiro e a Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos, quando
esta decidiu suspender todos os fornecimentos para o Brasil até segunda ordem, ao
mesmo tempo em que elevava o status dos compradores árabes.
31
O ministro Silveira acreditava que, por intermédio de Kissinger, os EUA poderiam
ampliar as relações políticas com o Brasil. A partir desse recuo desse ministro nas relações
informais com Kissinger, o Brasil perdeu a suposta oportunidade de ampliar as relações
31
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 109.
34
políticas com os EUA. O único que poderia tornar possível essa ampliação era o secretário de
Estado dos EUA. Segundo Spektor, Kissinger compreendia a importância do Brasil no novo
cenário que se configurava no sistema internacional. Contudo, sua intenção em desejar
aproximar o Brasil dos Estados Unidos não era promover o status do Brasil, mas sim manter o
status hegemônico dos Estados Unidos no sistema internacional.
Antes de assumir a presidência do Brasil, Geisel era presidente da Petrobrás. Em
função desse cargo, Geisel teve o privilégio de acompanhar a evolução das relações políticas,
econômicas e militares do Brasil com os Estados Unidos. Ao assumir a presidência da
República, Geisel, tendo em vista as experiências das relações do presidente Médici com o
governo estadunidense, buscou conduzir a política externa brasileira mantendo a estabilidade
nas relações com os EUA, mas ampliando as relações do Brasil com a Ásia, África e,
sobretudo, Europa.
Como foi visto anteriormente, em função do alinhamento político com os Estados
Unidos, os contratos internacionais do Brasil estavam restritos aos interesses estadunidenses.
Contudo, no início do governo Costa e Silva (1968-1969), o Brasil recusou-se em assinar o
TNP contrariando as intenções dos Estados Unidos. Para os governantes brasileiros, por mais
que essa atitude brasileira no cenário internacional fosse tratada como uma atitude anti-
estadunidense, ela representava um posicionamento favorável às necessidades brasileiras.
Para que os diplomatas conseguissem implementar a sua missão, era preciso desenvolver
novas estratégias econômicas. Era preciso manter um bom relacionamento político-
econômico com os Estados Unidos e um bom relacionamento diplomático-econômico com
outros países, sejam eles aliados estadunidenses ou não. Assim, o Brasil não desejava arriscar
um desentendimento com uma potência que ditava regras políticas e econômicas no sistema
internacional. Assim como não desejava perder contatos que possibilitariam a transformação
do Brasil em uma potência política, econômica e militar. O projeto de inserção brasileira no
35
sistema internacional se tornou viável, em função do estilo de presidência de Ernesto
Geisel. “No Palácio do Planalto, simples ou complexo, os problemas ou são levados à
decisão presidencial ou os assessores de Geisel pedem sua orientação antes de proferir
decisões terminantes”.
32
O governo Geisel contava com um sistema centralizado de decisões,
pulsado por ministros de orientação política-estratégica. Este presidente fazia questão de estar
à frente do comando de tudo o que acontecia no seu governo. Geisel, desde o início de seu
governo procurou externar que a política brasileira buscaria ampliar contatos a fim de
fortalecer a economia brasileira. No que concernia a atrair investimentos estrangeiros e
empresas para o Brasil, o ministério das Relações Exteriores tinha liberdade para agir, mas no
que concernia a estabelecer contratos políticos e/ ou estratégicos, Geisel assumia o controle
das decisões.
No que se refere ao Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, cabe registrar o entendimento
de alguns entrevistados, segundo o qual a iniciativa de se voltar para a Alemanha, na
busca de tecnologia e suprimentos para dotar o Brasil de uma capacidade nuclear,
partiu, pessoalmente, do próprio presidente Geisel.
33
No entanto, Geisel não tinha muitos adeptos ao seu estilo de governo. Os que mais
criticavam o seu governo eram os militares da linha dura
34
do regime. Porém, a decisão de
Geisel de buscar novas parcerias estratégicas para capacitar o país com tecnologia nuclear
tocou profundamente no sentimento nacionalista desses militares linhas-duras. “De grande
importância para o governo, muitos oficiais da linha dura ficaram satisfeitos com a atitude
de um governo que, sob outros aspectos, eles detestavam.”
35
Embora esses militares linhas-
duras detestassem Geisel, por este iniciar a abertura do regime à democracia, os militares
linhas-duras não exerceram maiores contestações ao seu governo por dois motivos:
32
GÓES, Walder de. O Brasil do General Geisel. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978. p. 24.
33
SANTOS, Sérgio Gil Marques dos. Momentos marcantes do Pragmatismo Responsável de Geisel: o Acordo
Nuclear Brasil-Alemanha e o rompimento do Acordo Militar Brasil-EUA. In: OLIVEIRA, Henrique Altermani
de. ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon. (Org.) A política externa brasileira na visão de seus protagonistas.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 105.
34
Convencionou-se a denominar linha dura ao militar que pertencia ao grupo favorável ao endurecimento do
regime. Após o governo Geisel, os linha duras passaram a ser associados aos militares que eram desfavoráveis a
abertura do regime.
35
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo à Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p.p. 380-381.
36
primeiramente, Geisel, por meio de seu estilo autônomo de governar, estava buscando o
desenvolvimento nacional por meio da tecnologia nuclear. E como segunda razão, Geisel
estava buscando fortalecer as forças armadas inserindo nelas tecnologias modernas,
contrariando o governo estadunidense.
Tendo em vista que os Estados Unidos não tinham a intenção de fortalecer o poder
político e econômico do Brasil no sistema internacional por meio de uma parceria estratégica,
Geisel foi forçado pelas circunstâncias políticas a buscar parcerias estratégicas na Europa.
Como a tecnologia nuclear era tecnologia que determinava o grau de importância política que
um país tinha no sistema internacional, o presidente Geisel julgou que não poderia aceitar que
o Brasil fosse signatário do TNP. Na concepção do governo brasileiro, este tratado limitaria as
ações estratégicas de promoção do status do Brasil no sistema internacional.
Dessa maneira, a fim de fugir do cerco dos Estados Unidos quanto à política de não-
proliferação nuclear, Geisel optou fortalecer a política e a economia do Brasil buscando
parcerias e contratos estratégicos na Europa. Dentre os países europeus que dominavam a
tecnologia nuclear se encontravam a Inglaterra, a França e a Alemanha. O Brasil recorreu aos
três países.
Como se descreverá ainda nesse capítulo, não foram encontrados maiores
documentos históricos que atestem maiores entendimentos e/ ou negociações entre Brasil e
Inglaterra a cerca da tecnologia nuclear. A Inglaterra, na década de 1950, estava impedida
pelo Acordo de Quebec de transferir material e informação nuclear para outros países, pois
seu desenvolvimento nessa área teve participação científica e tecnológica direta dos EUA. Foi
em função desse impedimento que a França se sentiu motivada a desenvolver seu próprio
programa nuclear com finalidades pacífica e bélica. Segundo Kurt Rudolf Mirow, “sob o
Governo do General Charles de Gaulle, a França empreendeu um enorme esforço de
37
desenvolvimento de tecnologia própria, de reatores de urânio natural de gás-grafita
franceses”
36
.
Spektor sustenta que, em setembro de 1975, “a Grã-Bretanha finalmente aceitara
assinar um mecanismo de consulta formal”
37
O secretário do Exterior da Inglaterra, James
Callaghan, percebeu a importância estratégica do Brasil em função do poder diplomático que
o Brasil poderia exercer na América e na África. Duas atitudes do presidente Geisel justificam
esse aceite da Inglaterra: “a resistência ao drama da independência de Angola e enfrentar o
Departamento de Estado por ocasião da votação sobre o sionismo”
38
. Essa política
autônoma empreendida pelo presidente Geisel fez com que a Europa e os EUA percebessem o
Brasil sobre um novo ângulo.
Carlos Girotti sustenta que a França e a República Federal da Alemanha (RFA)
receberam as primeiras sondagens, simultaneamente. Como até então os documentos
históricos não haviam revelado que a Inglaterra também era uma opção recorrida por Geisel
para o desenvolvimento de um programa nuclear, é possível que Inglaterra tenha sido sondada
pelo governo brasileiro ao mesmo tempo em que a França e Alemanha foram.
Segundo Girotti, as propostas que o presidente Geisel fez a França e a RFA
foram colocadas de modo global, compreendendo de um lado o acesso à prospecção
de urânio no Brasil e a preferência na venda de equipamentos para as nossas centrais
nucleares e, de outro, a transferência de toda a tecnologia de processo e de projeto
de centrais nucleares e de usinas de enriquecimento e de reprocessamento.
39
Contratualmente, a Framatore, empresa francesa dedicada à fabricação dos reatores
PWR da Westinghouse, não podia usar livremente a licença estadunidense para comercializar
seus produtos no mercado internacional.
40
Dessa forma, a França se negou a transferir
tecnologia nuclear para o Brasil. No entanto, embora Carlos Girotti sustente que a França se
36
MIROW, Kurt Rudolf. Loucura nuclear: os enganos do acordo nuclear Brasil-Alemanha. Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 1979. p. 225.
37
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 128.
38
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 130.
39
GIROTTI, Carlos A. Estado nuclear no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 72.
40
GIROTTI, Carlos A. Estado nuclear no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 72.
38
negou a transferir tecnologia por razões contratuais, Matias Spektor sustenta que a negação da
França apresenta razões políticas. Segundo este autor, Silveira negociou um acordo com os
franceses e foi a Paris para firmá-lo, embora os franceses o tenham cancelado na última hora
devido à pressão americana
41
. Embora Kissinger se mostrasse seriamente preocupado com as
finalidades do programa nuclear brasileiro, este secretário não empreendeu maiores esforços
políticos para embargar o desenvolvimento do programa nuclear brasileiro. Kissinger se
manteve com uma relativa neutralidade em relação ao desenvolvimento do programa nuclear
brasileiro. Spektor sustenta que, as escritas desse secretário de Estado, desde a década de
1950, mostravam que ele era favorável a um mundo com numerosas potências nucleares. Em
seu livro Nuclear Weapons and Foreing Policy, Kissinger defende que as armas nucleares,
apesar de seu poder de destruição, poderiam constituir um instrumento racional para a
diplomacia e para a guerra.
42
Sua neutralidade em relação ao programa nuclear brasileiro
pode ser analisada por dois motivos: esse secretário reconhecia o potencial do Brasil e/ ou era
favorável a sua nuclearização. Contudo, em sua condição de representante dos interesses
políticos e estratégicos do governo dos Estados Unidos, Henry Kissinger não poderia
sustentar sua posição pessoal.
Por estar livre de questões contratuais e por considerar a proximidade com o Brasil
uma parceria estratégica, a RFA foi a única a se mostrar favorável a transferir tecnologia
nuclear ao Brasil. “Quando Silveira e o ministro das Relações Exteriores da Alemanha,
Hans-Dietrich Genscher, anunciaram o acordo, em junho de 1975, a surpresa chocou a
todos, inclusive o próprio Kissinger.”
43
A rapidez e o sigilo com que a diplomacia brasileira
convenceu o governo alemão e atraiu empresários, especializados em tecnologia nuclear,
surpreendeu o governo estadunidense.
41
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 109.
42
GADDIS, John Lewis. História da Guerra Fria. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2006. p. 64.
43
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 109.
39
Em oito de março de 1978, o presidente Geisel foi recebido pelo presidente da RFA,
Helmut Schmidt. Nessa visita oficial, o presidente brasileiro foi acompanhado por uma
comitiva de mais de 90 políticos, economistas e jornalistas. Na pauta de conversações do
presidente alemão constava a situação européia e as relações Leste-Oeste. Na pauta de Geisel
constava a América Latina e as conturbadas relações Norte-Sul.
44
Essa visita oficial não foi
bem vista pelos EUA.
Os Estados Unidos percebiam que na visita à RFA seria consolidado o
maior negócio de exportação da história alemã, ao mesmo tempo em
que o Brasil receberia toda a tecnologia nuclear que necessitava. Aos
norte-americanos não agradava a idéia de ver o Brasil fortalecer ainda
mais sua economia na América Latina em cooperação com a RFA, e
continuar seu caminho em direção a maior autonomia.
45
Foi em função dessa autonomia com que o presidente Geisel conduziu a política
nuclear brasileira, que o governo estadunidense reconheceu a audácia de Geisel e intensificou
as pressões para que o Brasil aderisse ao TNP e cancelasse o Acordo Nuclear firmado com a
RFA, em 1975. Geisel, em entrevista a Maria Celina D’Araújo e Celso Castro, afirmou que os
Estados Unidos “queriam que tudo o que o Brasil fizesse em termos de uso de energia
nuclear ficasse dependente deles”
46
.
Percebe-se assim que essas pressões políticas sobre o Brasil provinham apenas do
governo estadunidense. Nem Henry Kissinger, nem a Marinha dos Estados Unidos
empreenderam maiores esforços para convencer o governo estadunidense a embargar o
Programa Nuclear Brasileiro. Ambos defendiam um Brasil militarizado. Sendo assim,
Kissinger, por convicções pessoais, e a Marinha dos Estados Unidos, por causa do TIAR,
foram leais ao seu governo, optando por manterem-se neutros nos assuntos referentes ao
Programa Nuclear Brasileiro.
44
LOHBAUER, Christian. BrasilAlemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São Paulo: Fundação Konrad
Adenauer, 2000. p. 79.
45
LOHBAUER, Christian. BrasilAlemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São Paulo: Fundação Konrad
Adenauer, 2000. p. 80.
46
D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. (Org.) Geisel. Rio de Janeiro: FGV, 1997. p. 339.
40
1.2 Das questões científico-tecnológicas às questões oceanográficas do Programa Nuclear
Brasileiro
Desde a Segunda Guerra Mundial, havia no governo brasileiro e no seio das
instituições militares a aspiração por uma política desenvolvimentista de cunho tecnológico e
industrial. Em especial, pelas questões petrolíferas. É na década de 1950 que o petróleo se
tornou a peça-chave na transformação das relações internacionais brasileiras e no pensamento
geopolítico e estratégico nacional. O petróleo despertou o interesse do governo brasileiro não
apenas para a sua produção, mas também para a extração e para o transporte.
A partir da década de 1950, o governo brasileiro se organizou politicamente para
incluir como um dos principais itens a serem discutidos a exploração do petróleo como fonte
de geração de renda e soberania nacional. Até 1960, a produção brasileira de petróleo era
prospectada em terra. Portanto, o desenvolvimento da ciência oceanográfica no Brasil, além
de atender as demandas da pescaria internacional, não tinha caráter de urgência no
desenvolvimento tecnológico e industrial nacional.
Os estudos oceanográficos no Brasil tiveram seu início na década de 1940. Em 1946,
Wladimir Besnard e Paulo Duarte criaram o Instituto Paulista de Oceanografia (IPO),
subordinado a secretaria de Agricultura. Contudo, o primeiro periódico nacional de
oceanografia só foi publicado por esse instituto em 1950.
Foi no final da década de 1960 que palavra soberania passou a ser empregada nas
questões referentes ao mar. As preocupações das autoridades políticas e militares se
concentraram sobre os direitos dos Estados de usar os mares e os recursos existentes nas
plataformas continentais. Até então a vida marinha e pesca eram o foco de interesses dos
oceanógrafos. Em função dessas novas preocupações acerca das águas jurisdicionais
brasileiras, em 1968, o governo brasileiro consentiu a exploração e a pesquisa na plataforma
41
continental do Brasil. É nesse mesmo ano também que o governo brasileiro perfura o primeiro
poço submarino na bacia de Campos, no estado do Rio de Janeiro.
A partir de 1968, vários organismos e instituições foram criadas, com o patrocínio de
organismos internacionais como a UNESCO, para realizar ciência e pesquisa na parte sul do
oceano atlântico.. “O presidente Garrastazu Médici examinou a questão dentro de três níveis
de prioridade: soberania, economia e segurança.”
47
Cem milhas marítimas satisfaziam os
interesses pesqueiros, mas, de acordo com as opiniões de autoridades e dos estudos
geológicos da Petrobrás no mar, cem milhas não satisfariam os interesses nacionais. As
pesquisas geológicas da Petrobrás revelaram a existência de jazidas petrolíferas além das cem
milhas marítimas. A fim de exercer soberania jurídica sobre essas 200 milhas, aumentar a
economia e evitar que empresas estrangeiras atuassem nessas jazidas, o presidente Médice
optou por prolongar o mar territorial brasileiro de 12 para 200 milhas marítimas.
48
A Marinha do Brasil vivenciou uma fase de prosperidade nos primeiros anos da
década de 1970. Na área oceanográfica, participou de pesquisas físicas, biológicas e
geológicas. A Marinha do Brasil realizou projetos científicos e exploratórios em parcerias
com o Conselho Nacional de Pesquisas, com a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais,
com universidades e com a Petrobrás. “Com a extensão da faixa de mar territorial até 200
milhas da linha da costa, adotada em 1970, a Marinha assumiu outra importante tarefa: o
patrulhamento dessa imensa faixa, para nela fazer cumprir a legislação brasileira
pertinente”
49
Dessa forma, o governo brasileiro na década de 1970 definia a área na qual
exerceria soberania plena sobre a exploração, produção, transporte e refino do petróleo
nacional. No entanto, com a descoberta de jazidas petrolíferas no mar internacional e a crise
47
CARVALHO, Gustavo de Lemos Campos. O mar territorial brasileiro de 200 milhas: estratégia e soberania,
1970-1982. Revista brasileira de política internacional,. V. 42, Nº. 1, Brasília, Jan./June 1999. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-73291999000100005&script=sci_arttext>. Acessado em 16 set
2009.
48
Decreto-lei Nº. 1.098, de 25 de Março de 1970.
49
[S/A] História naval brasileira. Quinto volume, tomo II. Rio de Janeiro: Serviço de documentação geral da
Marinha, 1985. p. 457.
42
do petróleo, originada no continente asiático, no início da década de 1970, o governo
brasileiro acelerou suas pesquisas e se lançou no desenvolvimento de uma ciência
oceanográfica que pudesse gerar tecnologia para descobrir e extrair petróleo no mar. Explorar
a parte sul do oceano Atlântico que correspondia por leis próprias ao Brasil na década de 1970
se tornou um dos principais objetivos do governo brasileiro e da Petrobrás.
Percebe-se assim que, desenvolver a ciência oceanográfica e estimular a construção
naval brasileira eram metas do governo brasileiro na década de 1970. Foi naquela década
que “o país alcançou um patamar inédito de atividade industrial em seus estaleiros,
atingindo o posto de segundo maior produtor mundial de navios”
50
Foi na década de 1970
que tanto a construção naval brasileira e a Marinha Mercante estiveram nos seus ápices de
encomendas. Foi nesta década também que o setor privado recebeu grandes incentivos com a
implementação de contínuos planos de construção naval do próprio governo brasileiro e que a
engenharia naval englobou em seu escopo de ensino e pesquisa os suportes para a exploração
de recursos oceânicos, controle ambiental, suporte de pesquisa oceanográfica e segurança de
navegação. A Marinha Mercante brasileira sempre sofreu uma forte intervenção do governo,
sendo assim, os investimentos nesse setor também provinham dele.
No que se refere à Marinha Mercante brasileira, com o apoio do Governo, a frota
mais que triplicou de tamanho, com forte concentração nas mãos do Estado e
protegida da concorrência externa. Esta política possibilitou que 95% da produção
da frota brasileira fosse construída em estaleiros nacionais, e apenas para navios
mais sofisticados recorria-se para o mercado internacional, chegando a corresponder
a cerca de 50% da arrecadação dos fretes.
51
Compreende-se assim que, no Brasil, o desenvolvimento da oceanografia está
intimamente relacionado à construção naval brasileira. No entanto, a busca pela auto-
suficiência na produção de petróleo no mar territorial brasileiro colidiu com a crise petrolífera
internacional em 1973, que teve uma forte e desastrosa repercussão na economia brasileira. A
50
[S/ A] Cinqüentenário do Convênio entre a Marinha do Brasil e a Universidade de São Paulo: a criação do
curso de engenharia naval na Escola Politécnica. São Paulo: Narrativa um, 2007. p. 33.
51
[S/ A] Cinqüentenário do Convênio entre a Marinha do Brasil e a Universidade de São Paulo: a criação do
curso de engenharia naval na Escola Politécnica. São Paulo: Narrativa Um, 2007.p. 94.
43
primeira descoberta brasileira comercial de petróleo no mar territorial, em águas rasas, datou
de 1974, na bacia de Campos. No entanto, essa descoberta não significou melhoria da situação
econômica brasileira.
O presidente Ernesto Geisel afirmou em pronunciamento que,
assim, a par de uma ação tenaz no sentido de reduzir nossa dependência quanto a
fontes externas de energia e vai nisso um redobrado apelo à pesquisa em áreas
petrolíferas promissoras e ao aumento continuado de nossa capacidade de refino
ou, pelo menos, de assegurar o suprimento, a prazo médio e se possível longo, do
mercado nacional a preços dos mais reduzidos, atenção toda especial será dada, na
área da infra-estrutura, ao impulsionamento do programa nacional de corredores de
transportes, como solução moderna e integrada para os problemas da circulação de
bens, criados por uma economia já complexa e diversificada (...).
52
Foi diante da crise petrolífera internacional que o presidente Geisel percebeu também
que a Petrobrás poderia investir mais no setor petrolífero. Contudo, os investimentos
governamentais tanto em fontes de energias renováveis, em especial, a nuclear, como em
petróleo offshore atendiam às demandas dos Objetivos Nacionais Permanentes. Sendo assim,
era necessária vultosa soma de capital nacional para a concretude desses programas de
desenvolvimento tecnológicos. “O governo Geisel considerou a crise tão aguda que não se
arreceou (sic) de violar um velho tabu nacionalista, firmando contratos de risco com firmas
internacionais para a exploração de petróleo no Brasil.”
53
Os países desenvolvidos intensificaram suas buscas por jazidas petrolíferas
projetando poder político, econômico e militar sobre o Oriente Médio. Assim, a grande
missão das empresas petrolíferas das potências mundiais, como EUA e URSS, e regionais,
como Alemanha e França, era assegurar os interesses de seus Estados nessa região. Contudo
essa busca por parcerias estratégicas não se limitaram apenas a empresas estrangeiras, a
Petrobrás, recorreu também a Marinha do Brasil para encontrar solução para a prospecção
petrolífera no mar territorial brasileiro. Contudo, a Marinha do Brasil não dispunha de navios
52
Pronunciamento do Sr. Presidente da República Ernesto Geisel na Primeira Reunião Ministerial. Brasília, 19
de março de 1974. p. 16.
53
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo à Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 406.
44
oceanográficos modernos que pudessem realizar pesquisas no mar territorial. Dessa maneira,
as autoridades políticas e militares buscaram formas de tornar possível a modernização dos
navios brasileiros que pudesse atender as pesquisas offshore.
Desde a década de 1960, Brasil e RFA estavam realizando entendimentos no campo
da atividade nuclear. Os entendimentos entre os dois governos para a cooperação no campo da
atividade nuclear se encontravam nos limites do Acordo Nuclear Brasil-RFA, assinado em 27
de junho de 1975. Esse acordo nuclear representou a institucionalização da política nuclear
brasileira e a definição da posição estratégica do governo Geisel, frente a crise energética de
1973. Para a execução desse acordo, coube a responsabilidade às Empresas Nucleares
Brasileiras S.A. (NUCLEBRÁS)
54
.
A NUCLEBRÁS foi constituída no governo Ernesto Geisel com o objetivo de
executar amplo programa de atividades na área nuclear, em cooperação com o
governo da República Federal da Alemanha, compreendendo a pesquisa de minerais
físseis, o desenvolvimento do ciclo do combustível, a construção de usinas
nucleoelétricas e a montagem de um parque industrial destinado à fabricação dos
equipamentos para tais usinas.
55
A Nuclebrás foi criada em 1974 com o propósito de reduzir a dependência externa do
petróleo, ampliando a oferta de fontes de energias alternativas nacionais. O governo brasileiro
continuou investindo em hidreletricidade, mas intensificou a prospecção de petróleo e
aumentou a oferta de energias alternativas, tais como o álcool e a energia nuclear. Essa estatal
estava subordinada ao ministério de Minas e Energia e incorporou a Companhia brasileira de
tecnologia nuclear (CBTN). Por meio dessa incorporação, a Nuclebrás e a CBTN
organizaram-se como holding de várias outras empresas subsidiárias.
A presidência da Nuclebrás coube à Paulo Nogueira Batista. Desde o governo Costa
e Silva, esse diplomata participava em discussões que definiam a posição diplomática do
Brasil nas questões nucleares. De 1969 à 1971, Batista foi ministro-conselheiro na embaixada
brasileira da RFA. O ministro das Relações Exteriores, Mário Gibson Barbosa, consentiu que
54
Lei nº. 6.189, de 16 de dezembro de 1974.
55
ABREU, Alzira Alves de. (Org) Dicionário histórico-biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2001.p. 4127
45
dessa embaixada, Batista continuasse a conduzir as negociações nucleares. Em 1974,
participou da Comissão Mista Teuto-Brasileira de Cooperação Econômica e da VI Reunião
Especial da Assembléia Geral da ONU. Ainda nesse ano, Batista também integrou a comitiva
do presidente Geisel no Encontro sobre Suprimento de Petróleo para o Brasil.
Percebe-se assim que, em função de Batista estar envolvido, ao mesmo tempo, com
assuntos relativos a energia nuclear e a petróleo, o presidente Geisel foi estratégico em indicá-
lo para a presidência da Nuclebrás. Batista, enquanto presidente da Nuclebrás, conhecia com
profundidade os dois campos que Geisel, enquanto presidente da República e ex-presidente da
Petrobrás, iria explorar: aprofundar a exploração petrolífera e buscar novas alternativas de
energia a dependência de petróleo, como o álcool e a energia nuclear.
Em 26 de maio de 1976, o subsecretário de Pesquisa Tecnológica e Científica do
governo da RFA, Hans-Hilger Haunschild, enviou uma carta à Batista esclarecendo como seu
país havia conquistado o domínio da tecnologia nuclear. Segundo Haunschild, a RFA iniciou
o desenvolvimento da propulsão nuclear para navios mercantes em 1956. O navio mercante
alemão Otto Hahn era o único navio mercante de propulsão nuclear que a RFA havia
construído. Embora a Marinha do Brasil não estivesse envolvida no contexto do Acordo
Nuclear com a RFA, seus interesses e da Petrobrás estavam sendo representados nas
negociações com os políticos e empresários alemães. Embora nesse contexto, o poder da
Petrobrás tivesse limitações, esta estatal recorreu aos seus contatos com representantes da
Nuclebrás para viabilizar a prospecção petrolífera offshore.
Em 15 de julho de 1976, Souto Maior de Castro ao comentar sobre o anexo da carta
enviada por Hanschild à Paulo Nogueira Batista sugere que, no caso brasileiro poderíamos
pensar em um navio auxiliar da Marinha de Guerra, como seria o caso de um navio de
pesquisas oceanográficas, como nosso primeiro navio nuclear, a longo prazo.”
56
56
Carta de Hanschild enviada à Paulo Nogueira Batista sobre propulsão nuclear de navios em 15 de julho de
1976.
46
Souto Maior de Castro afirmou ainda que,
nenhum setor do Governo brasileiro desejaria, no momento, a propulsão nuclear
para Marinha de Guerra. Mesmo a propulsão nuclear mercante não é ambicionada,
nesse estágio experimental e anti-econômico, podendo ser desejada apenas
experimentalmente. Um interesse parcial e não prioritário pode existir na Nuclebrás
e na Marinha de Guerra, de acompanhamento das experiências e projetos alemães e
na operação Otto Hahn, como forma de iniciação neste campo de utilização da
energia nuclear.
57
Os projetos do governo Geisel previstos em conversações com os alemães não
tinham condições econômicas de serem implementados imediatamente. Várias especulações
poderiam ser feitas para os usufrutos da propulsão nuclear. Setores empresariais e
institucionais brasileiros aspiravam-na tanto para a Marinha Mercante quanto para a Marinha
do Brasil. Contudo, as decisões quanto à capacitação tecnológica nuclear se concentravam no
nível governamental, e não militar.
A partir dos contatos que o próprio Geisel realizou em seu governo com suas
instituições, envolvendo-as nas na detenção da tecnologia nuclear foi que elas passaram a
participar mais do processo experimental, previsto no Acordo Nuclear Brasil–RFA de 1975.
Além da Nuclebrás e do ministério de Minas e Energia, estavam envolvidos no protocolo
industrial assinado com os alemães, o ministério das Minas e Energia do Brasil, o ministério
das Relações Exteriores brasileiro e o ministério da Pesquisa Tecnológica da RFA.
O Acordo Nuclear assinado com a RFA previu a construção de dois reatores
nucleares, pressurizados a água, de 1.300 megawatts de potência, até 1985. Foi a partir desse
acordo que nasceu o programa nuclear brasileiro.
Segundo Luis Pinguelli Rosa,
A NUCLEBRÁS é uma companhia estatal associada à KWU- Siemens e a outras
empresas alemãs em joint venture para construir centrais nucleares, produzir
componentes de reatores e o combustível nuclear no Brasil, incluindo o
enriquecimento isotópico do urânio e o reprocessamento.
58
57
Comentários iniciais de Murillo Souto Maior de Castro ao presidente Geisel sobre a carta de H. H. Haunschild
sobre a propulsão nuclear. Rio de Janeiro, 15 de julho de 1976.
58
ROSA, Luis Pinguelli. (org) Energia e crise. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 87.
47
Dessa maneira, o acordo nuclear também previu a formação de joint ventures para as
áreas de prospecção, mineração e processamento de urânio, com o compromisso de o Brasil
fornecer à RFA até 20% desse minério, engenharia nuclear e fabricação de equipamentos
pesados para reatores nucleares, serviços de enriquecimento de urânio e o reprocessamento
químico dos combustíveis utilizados, os quais foram desenvolvidos em planta-piloto.
59
Em
função disso, sete subsidiárias foram criadas, duas que pertenciam à Nuclebrás e cinco em
regime de joint venture. “Em 1975, o balanço energético alemão apresentou que a RFA
utilizava 2% da energia nuclear.”
60
Percebe-se assim que, no início do Acordo Nuclear
Brasil-RFA, os cientistas daquele país europeu ainda se encontravam no estágio inicial da sua
própria capacitação tecnológica nuclear. Contudo, o governo da RFA trabalhou em parceria
com suas empresas, públicas e privadas, nesse processo de venda de equipamentos e de
transferência tecnológica.
Em 1978, a constatação da Nuclebrás era de que ainda não havia uma área de
reprocessamento de urânio. Segundo relatório enviado da Nuclebrás para o ministério de
Minas e Energia sobre a estratégia de transferência de tecnologia, “a NUCLEBRÁS
construirá uma usina de Reprocessamento com assistência técnica alemã e correspondente
transferência de tecnologia”
61
. Percebe-se assim que, as empresas públicas brasileiras em
plena vigência do programa nuclear não haviam se especializado em áreas que pudessem
suprir as demandas técnicas e tecnológicas na área energética.
O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) foi a instituição responsável
pelos contratos assinados entre o governo brasileiro e o governo da RFA. “Dessa forma
foram concluídos contratos de licença, contratos de informação técnica, contratos de
59
ABREU, Alzira Alves de. (Org) Dicionário histórico-biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2001.p. 38.
60
Relatório da Nuclebrás para o Ministério de Minas e Energia sobre o Programa Nuclear Alemão em 27 de
fevereiro de 1978.
61
Relatório da Nuclebrás para o Ministério de Minas e Energia sobre o Programa Nuclear Alemão em 27 de
fevereiro de 1978.
48
treinamento, contratos de serviços em assistência a engenharia e indústria nacional.”
62
Em
função da ausência de setores nacionais que fossem especializados em áreas como
reprocessamento de urânio e de fabricação de elemento combustível, o governo brasileiro
recorreu as empresas alemães a fim de transferirem tecnologias específicas.
Percebe-se assim que apesar de haver uma política nuclear brasileira, não havia uma
estrutura mínima para que o Brasil pudesse se lançar na capacitação tecnológica nuclear com
um grau mínimo de independência. Dessa maneira, apesar da política externa de Geisel ser
conduzida com maior autonomia, a política nuclear de seu governo estava subordinada aos
interesses políticos e econômicos da RFA.
As empresas alemães, no campo da atividade nuclear, eram as principais
concorrentes das empresas estadunidenses. Contudo, em função da política de não
proliferação nuclear do governo dos EUA, o campo de atuação das multinacionais
estadunidenses era limitado à exportação dos processos de enriquecimento e de
reprocessamento de urânio.
Quando os Estados Unidos perceberam que os brasileiros estavam tentando comprar
o ciclo de combustível completo, e os alemães estavam dispostos a incluir as
tecnologias delicadas para garantir o negócio, as discussões ficaram mais acaloradas
do que nunca.
63
Os Estados Unidos ao perceberem que haviam perdido o mercado nuclear brasileiro
para os alemães intensificaram as pressões para que os alemães renunciassem ao Acordo e
para que o Brasil assinasse o TNP. Os alemães não insistiram para que o Brasil assinasse o
TNP, mas por razões externas a essas relações, os alemães pressionaram o Brasil a assinar a
lei de salvaguardas. O urânio enriquecido seria fornecido para a produção de energia elétrica
no Brasil pelo consórcio europeu constituído pela RFA, Inglaterra e Holanda. Esse consórcio
era conhecido como Urenco.
62
Relatório da Nuclebrás para o Ministério de Minas e Energia sobre o Programa Nuclear Alemão em 27 de
fevereiro de 1978.
63
CHAYES, Abram. LEWIS, W. Bennett. (Org.) O ciclo de combustível nuclear: o Acordo Nuclear Brasil
Alemanha visto por analistas estrangeiros. Rio de Janeiro: Atlântida, 1978. p. 262.
49
Com receio de que este consócio vetasse a transferência de tecnologia aos brasileiros,
tanto o Brasil quanto a Alemanha Ocidental concluíram que as leis de salvaguardas
internacionais deveriam ser assinadas. Essas assinaturas para os alemães eram uma
formalidade que os isentariam de um possível desvio de conduta do governo brasileiro na
orientação pacífica de sua capacitação tecnológica nuclear. Para Geisel, essas leis não
impediriam que o Brasil desenvolvesse uma capacitação tecnológica nuclear própria, à
medida que materiais radioativos alheios ao Acordo Nuclear com a RFA, poderiam ser
adquiridos ou desenvolvidos, de forma clandestina ou não.
Segundo Mônica Hirst e Carlos Rico, esse acordo foi reflexo da necessidade de
cooperação em uma área que celebrava a identificação de um interesse mútuo e, que esses
países estavam se permitindo construir um processo de formação de confiança recíproca, além
também de constituir uma resposta à pressão internacional para adesão desses países ao
TNP.
64
Geisel, ao afirmar que o TNP era discriminatório, ressaltava que estava a fortalecer a
soberania brasileira diante dos EUA e a rechaçar a política de não-proliferação nuclear
estadunidense, dando continuidade ao Programa Nuclear Brasileiro.
Segundo o Acordo Nuclear com a RFA, “o fornecimento de material fértil e físsil
especial, de equipamentos e de materiais destinados ou preparados para a produção,
utilização ou processamento de material físsil especial”
65
ou a transmissão de informações
tecnológicas que veiculam assuntos que são estritamente pertinentes ao acordo nuclear não
poderiam ser utilizadas na construção de armamentos ou explosivos nucleares. Para assegurar
64
Hirst, Mônica. Rico, Carlos. Regional security perceptions in Latin America. Serie: Documentos e informes de
investigación 129. Área: Relaciones Internacionales. FLACSO. Buenos Aires. Mayo, 1992. in: MILANESE,
Juan Pablo. La Energía uclear: Generador de Confianza Recíproca e Integración entre Argentina y Brasil en los
’80. Lisboa: CIES-ISCTE, 2006. (CIES e-Working Paper, 10). p.p. 5-6. Disponível em <http://loki.iscte.pt:8080/
dspace/bitstream/10071/177/4/CIES-WP10_Milanese_.pdf>. Acessado em 10 de jul. 2009.
65
Acordo entre o governo da República Federativa do Brasil e o governo da República Federal da Alemanha
sobre cooperação no campo dos usos pacíficos da energia nuclear em 27 de junho de 1975. Disponível em: <
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_fatos_imagens/htm/fatos/janela_doc.asp?
Path=../../fotos/AcordoNuclear/&Img=Acordo_nuclear&Pag=3&Tt=6&Lgn1=Cópia do acordo entre o governo
da República Federativa do Brasil e o governo da República Federal da Alemanha sobre cooperação no campo
dos usos pacíficos da energia nuclear. &Lgn2=(Arquivo Antônio Azeredo da Silveira/AAS
1974.08.15/CPDOC)> Acessado em 7 dez 2009.
50
aos organismos internacionais que o país não romperia com as finalidades pacíficas desse
acordo, o Brasil firmou acordos com a Agência Internacional de Energia Nuclear (AIEA). Ou
seja, ainda que o Brasil se recusasse a assinar o TNP, teoricamente, com as medidas de
salvaguardas assinadas pelo governo brasileiro com a AIEA, as potências mundiais como
Estados Unidos e União Soviética poderiam ficar mais tranqüilas sobre eventuais intentos de
produção de artefatos militares nucleares ou outros desvios na condução do Programa Nuclear
Brasileiro.
Muitos analistas e militares da linha dura alegaram que o governo Geisel ao assinar a
lei de salvaguardas estava enfraquecendo a soberania nacional no manuseio da tecnologia
nuclear. No entanto, para muitos nacionalistas e anti-estadunidenses na década de 1970, o
Acordo Nuclear Brasil-RFA de 1975 adquiriu um caráter de afirmação soberana, à medida
que “outros materiais, fora do acordo, poderiam ser utilizados na fabricação de armas e
explosivos nucleares”
66
. Muitos analistas e militares da linha dura alegaram que o governo
Geisel ao assinar as leis de salvaguardas estava enfraquecendo a soberania nacional no
manuseio da tecnologia nuclear. No entanto, para muitos nacionalistas e anti-estadunidenses
na década de 1970, o Acordo Nuclear Brasil-RFA de 1975 adquiriu um caráter de afirmação
soberana, à medida que “outros materiais, fora do acordo, poderiam ser utilizados na
fabricação de armas e explosivos nucleares”
67
. Segundo o Acordo, são materiais,
equipamentos e instalações nucleares sensitivos: (1) urânio enriquecido com urânio 235 acima
de vinte por cento (20%), urânio 233 e plutônio, exceto quantidades diminutas desses
materiais, necessárias, por exemplo, para fins de laboratório; (2) usinas de produção de
elementos combustíveis, quando utilizadas para a produção de elementos combustíveis que
contenham material referido no item 1, (3) usinas de reprocessamento de elementos
66
[S/A] De Agra a Aramar: os militares a caminho da bomba. Sindicato dos metalúrgicos de Sorocaba São
Paulo: Cedi, 1988. p. 28.
67
[S/A] De Agra a Aramar: os militares a caminho da bomba. Sindicato dos metalúrgicos de Sorocaba São
Paulo: Cedi, 1988. p. 28.
51
combustíveis irradiados e (4) usinas de enriquecimento de urânio.
68
Apesar do plutônio ser um
elemento radioativo que consta na lista de itens que não poderiam ser transferidos a países
terceiros sem o consentimento da RFA, é um material radioativo que pode ser produzido por
meio do enriquecimento de urânio em centrais nucleares. Dessa forma, ainda que algum setor
alemão vetasse a transferência de plutônio ao Brasil, esse material poderia ser produzido em
instalações científicas nucleares em território brasileiro. As assinaturas de salvaguardas
internacionais pelo Brasil não significava a garantia de que esse país não orientasse o
Programa Nuclear Brasileiro para as finalidades bélicas.
Conforme Thomas Skidmore afirmou, o presidente Geisel, não atraia tantos adeptos
em função de seu estilo de governo. No entanto, apesar de apresentar um perfil autocrático e
postura rígida em suas decisões presidenciais, ao não assinar o TNP e ao desenvolver a
tecnologia nuclear com maior margem de autonomia, reforçou a imagem do Brasil como uma
nação soberana jurídica e politicamente
69
. O presidente Geisel atraiu em função dessa decisão
as atenções positivamente favoráveis dos linha-duras, do empresariado nacional, sobretudo,
setores petrolíferos, da imprensa nacional e da elite política brasileira.
Apesar de a economia brasileira estar prejudicada com a crise energética, o governo
brasileiro destinou a Petrobrás vultosas somas financeiras para aperfeiçoar a sua tecnologia de
produção, transporte e refino de petróleo. Dessa maneira, encontrar jazidas petrolíferas a
qualquer custo era a grande missão da Petrobrás no governo Geisel.
O Brasil ainda não possuía a tecnologia necessária para atingir um nível de produção
petrolífera que tornasse o Brasil, no mínimo auto-suficiente nessa produção. Em 1977, o
presidente autorizou a Petrobrás executar trabalhos de exploração e produção de
68
Acordo entre o governo da República Federativa do Brasil e o governo da República Federal da Alemanha
sobre cooperação no campo dos usos pacíficos da energia nuclear em 27 de junho de 1975. Disponível em:
<http://www.cpdoc.fgv.br/nav_fatos_imagens/htm/fatos/janela_doc.asp?
Path=../../fotos/AcordoNuclear/&Img=Acordo_nuclear&Pag=3&Tt=6&Lgn1=Cópia do acordo entre o governo
da República Federativa do Brasil e o governo da República Federal da Alemanha sobre cooperação no campo
dos usos pacíficos da energia nuclear. &Lgn2=(Arquivo Antônio Azeredo da Silveira/AAS
1974.08.15/CPDOC)> Acessado em 7 dez 2009.
69
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo à Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 380.
52
hidrocarbonetos offshore concedendo que empresas estrangeiras, utilizando seus navios,
atuassem na pesquisa oceanográfica, na exploração e na produção de petróleo. A fim de
ampliar o poder de atuação da Petrobrás, em 1978, há uma reforma no estatuto da Petrobrás
70
,
na qual esta estatal passou a se responsabilizar pela pesquisa, lavra, refinação, distribuição,
importação, exportação, comércio e transporte do petróleo.
Ainda em 1978, o governo Geisel decreta o seguinte:
Art.1°. É concedida autorização às empresas PECTEN BRAZIL EXPLORATION
AND DEVELOPMENT COMPANY, CHEVRON PETROLEUM COMPANY OF
BRAZIL e MARATHON PETROLEUM BRASIL, ltda. para operarem no mar
territorial do Brasil, fixado pelo Decreto-Lei 1098, de 25 de março de 1970, a
serviço da PETRÒLEO BRASILEIRO S.A. PETROBRÁS, mediante o contrato
ACS-17 de 24.05.78, celebrado pelas mesmas com PETRÒLEO BRASILEIRO S.A.
PETROBRÀS, para execução de exploração com embarcações contratadas pelas
referidas companhias ou de sua propriedade.
71
Dessa maneira, o presidente Geisel buscou ter acesso a tecnologia petrolífera por
meio das empresas petrolíferas das potências mundiais e concedeu poder ilimitado a Petrobrás
para buscar a auto-suficiência em produção de petróleo.
Se, a princípio, a condução do Programa Nuclear Brasileiro visava às finalidades
energéticas, o presidente Geisel, aproveitou-se da crise energética internacional e da
obscuridade da própria política-militar nacional para desenvolver idéias para projetar o Brasil
no sistema internacional por meio do petróleo e da energia nuclear.
1.3 O projeto do submarino de propulsão nuclear e a crise política do Programa Nuclear
Brasileiro
Conforme analisado, foi o próprio presidente Ernesto Geisel o artífice do Programa
Nuclear Brasileiro. Foi este presidente quem recorreu à RFA em busca de parceria no
processo de transferência de tecnologia nuclear ao Brasil. O objetivo a priori de Geisel era
acompanhar o processo de transferência de tecnologia nuclear de forma experimental e
70
Decreto N°. 81.217, de 13 de janeiro de 1978.
71
Decreto N°. 81.970, de 13 de julho de 1978.
53
estudar as viabilidades técnicas e econômicas para manusear a tecnologia nuclear transferida a
fim de atender às demandas de inovações tecnológicas para a prospecção e produção de
petróleo no mar.
Como analisado, foi no contexto do Acordo Nuclear Brasil-RFA de 1975 que o
governo brasileiro amadureceu a idéia de construir ou adaptar um navio oceanográfico com
propulsão nuclear. A idéia do governo brasileiro estava focada, a princípio, nas questões
energéticas e econômicas. Ainda nesse contexto, nem a Marinha do Brasil nem a Marinha
Mercante haviam sido sondadas pelo governo brasileiro. Apenas a Nuclebrás participava
ativamente do processo de transferência tecnológica nuclear e do acompanhamento
experimental. Justifica-se esse fato em decorrência de a Nuclebrás haver sido criada para
desenvolver o Programa Nuclear Brasileiro.
Muitas foram as conversações e as negociações entre o governo brasileiro, o governo
alemão, a Nuclebrás e as empresas nucleares alemães para os entendimentos da transferência
de tecnologia nuclear. No curso das reuniões preparatórias entre Paulo Nogueira Batista,
presidente da Nuclebrás, e de autoridades do ministério alemão da Pesquisa e Tecnologia
visando aos acordos de cooperação nuclear, os representantes alemães propuseram, no âmbito
das finalidades pacíficas, a inclusão da propulsão naval, e sugeriram aos brasileiros construir
submarinos nucleares. Dessa forma, em 24 de setembro de 1976, a bordo do navio mercante
alemão Otto Hahn, em meio à reunião entre autoridades políticas e empresariais brasileiras e
alemães,
em conversa paralela, o Diretor da Intereatom, empresa fabricante do reator do Otto
Hahn e que será sócia da NUCLEBRÁS na fabrica de enriquecimento a ser
construída no Brasil, suscitou a hipótese de um trabalho conjunto para a produção no
Brasil de submarinos nucleares. Existem planos bastante elaborados nesse sentido,
que foram objeto inclusive de conversações com a Grã Bretanha, em passado
relativamente recente.
72
72
Carta de Haunschild à Paulo Nogueira Batista em 26 de maio de 1976, de Bonn-Bad Godesberg, Alemanha.
Pasta Paulo Nogueira Batista. 26 de maio de 1975.
54
Conforme foi citado acima, houve entendimentos e planos elaborados entre o
governo brasileiro e o governo britânico para viabilizar o acesso a tecnologia nuclear. De
acordo como foi analisado no início desse capítulo, não foram encontrados outros registros
históricos que evidenciam esses entendimentos na área nuclear. Contudo, é importante
ressaltar que a política autônoma do governo Geisel foi imprescindível para a ratificação de
contratos que envolvesse tecnologias sensíveis com a Europa, sobretudo, com a RFA.
Sustenta-se assim que o governo brasileiro havia pensado na hipótese de construir
belonaves com propulsão nuclear. A ausência de um planejamento estratégico permitiu que
somente com o presidente Geisel, o governo brasileiro conseguisse consolidar a política
nuclear brasileira, por meio do Acordo Nuclear Brasil-RFA de 1975, e pensasse na idéia de
produzir em solo nacional belonaves com propulsão nuclear.
Compreende-se assim que não se pode afirmar que foi nas negociações em função do
Acordo Nuclear Brasil-RFA de 1975, que o governo brasileiro pensou pela primeira vez na
propulsão nuclear. No entanto, pode-se afirmar que foi em 26 de maio de 1976, que o governo
brasileiro buscou amadurecer a idéia de construir submarinos de propulsão nuclear. Dessa
maneira, o próprio assessor da presidência da Nuclebrás, em carta ao presidente Geisel
sugeriu que,
tendo em vista o aprofundamento dos contactos muito preliminares até agora
mantidos, submeto a Vossa Excelência a conveniência de o Presidente da
NUCLEBRÁS ser autorizado a manter entendimentos com o Ministério da Marinha
a respeito do assunto.
73
Entende-se assim que foi em meados de 1976 que, pela primeira vez, a Marinha do
Brasil foi solicitada a dar a sua opinião sobre a propulsão naval nuclear. Para atender as
demandas das questões científicas, tecnológicas e oceanográficas esboçadas, a Nuclebrás
recorreu à Marinha do Brasil e à Marinha Mercante.
73
Carta de Haunschild à Paulo Nogueira Batista em 26 de maio de 1976, de Bonn-Bad Godesberg, Alemanha.
55
O presidente Geisel herdou uma instituição naval dividida. Havia uma corrente na
Marinha do Brasil que defendia a obtenção de meios navais modernos que fugisse aos padrões
da assistência militar estadunidense. Essa corrente afirmava que esse Acordo de Assistência
Militar com os EUA restringia a Marinha do Brasil aos limites operativos, pois os meios
oferecidos não estavam em condições tecnológicas de oferecer ameaça ou dissuasão aos
inimigos.
Em 1970, o Brasil havia assinado um contrato, por meio do Acordo de Assistência
Militar com os EUA, para a construção de fragatas da classe Niterói. Por meio dessa
aquisição, a Marinha do Brasil ingressou na era dos mísseis, dos sistemas computadorizados
de controle tático e da propulsão por turbina a gás. Embora na década de 1970, o governo
estadunidense se mostrasse desfavorável a política interna dos países latino-americanos, os
EUA mantiveram o Acordo de Assistência Militar com o Brasil e enviou navios para a
Marinha do Brasil. Dentre esses meios navais, se encontram: dois navios-de-desembarque de
carros-de-combate, cinco submarinos da classe guppy II, dois submarinos da classe guppy III,
um contra-torpedeiro da classe fletcher, cinco contra-torpedeiros da classe allen m. summer,
dois contra-torpedeiros da classe gearing, um navio-oceanográfico.
O conceito estratégico da Marinha dos Estados Unidos assinalava que numa hipótese
de guerra generalizada, países que estavam em torno do Atlântico sul atuariam em cooperação
na defesa das linhas de comunicação, premissa do Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca (TIAR), do qual Estados Unidos, Brasil e Argentina eram signatários.
74
Contudo,
a corrente brasileira que era desfavorável a Assistência Militar com os EUA afirmava que,
ainda que a Marinha dos Estados Unidos tivessem enviado belonaves com tecnologias
modernas, essas aquisições tecnológicas ainda constituíam uma herança anti-submarina,
74
[S/ A] História naval brasileira. Quinto volume, tomo II. Rio de Janeiro: Serviço de documentação geral da
Marinha, 1985. p. 458.
56
característica da Segunda Guerra Mundial e da subordinação das forças armadas brasileiras à
Doutrina de Segurança estadunidense para a América latina.
Até a primeira metade da década de 1970, essa corrente influenciava o pensamento
estratégico das forças armadas. Contudo, os acontecimentos internacionais fizeram com que
essa corrente passasse a influenciar o pensamento estratégico político.
A distensão entre a URSS e os EUA, refletida concretamente nos entendimentos
para limitação de armas nucleares, o entendimento americano de que diminuía a
ameaça da subversão comunista na América Latina, a pouca importância atribuída a
essa parte do Continente americano por Henry Kissinger, no Governo Nixon, a
política de Carter em relação aos governos que, a seu juízo, deixavam a desejar na
área dos direitos humanos e, finalmente, a hostilidade do Governo Carter ao
programa nuclear brasileiro solaparam os alicerces do acordo de Assistência Militar.
75
Compreende-se que desde o final da década de 1960, tanto autoridades militares
quanto autoridades políticas brasileiras demonstravam uma insatisfação em relação a política
externa estadunidense para a América latina. O fim dessa relação assimétrica foi gradativo e
resultou na denúncia do Brasil do Acordo de Assistência Militar com os EUA em 1977.
Dessa forma, a idéia de construir um submarino de propulsão nuclear constitui a
estratégia do governo Geisel para fugir do cerco político e da dependência tecnológica dos
EUA. A propulsão nuclear era uma tecnologia moderna que pertencia a poucos países. EUA,
Inglaterra, França, URSS, China e Alemanha Ocidental eram esses países.
Como se analisou, a RFA, apesar de dominar a tecnologia da propulsão nuclear, a
havia desenvolvido para um navio mercante. O presidente Geisel recorreu à Inglaterra, à
França e à Alemanha em busca de uma aliança estratégica. Nesse contexto, conforme Mirow
afirma, o presidente da França, Georges Pompidou, havia substituído a tecnologia nuclear
nacional, por usinas nucleares licenciadas por empresas estadunidenses.
76
O urânio
enriquecido utlizado como combustível provinha de um consórcio europeu conhecido como
75
[S/ A] História naval brasileira. Quinto volume, tomo II. Rio de Janeiro: Serviço de documentação geral da
Marinha, 1985. p. 458.
76
MIROW, Kurt Rudolf. Loucura nuclear: os enganos do acordo nuclear Brasil-Alemanha. Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 1979. p.225.
57
Eurodiff. Dentre os países envolvidos nesse consórcio se encontravam a França, a Itália, a
Suécia, a Espanha e a Bélgica.
A RFA foi a única a se mostrar favorável a transferência de tecnologia ao Brasil.
Como analisado, a idéia de construir um submarino nuclear é produto das negociações entre
brasileiros e alemães. Dessa maneira, com o objetivo de estabelecer as primeiras diretrizes de
ação conjunta no campo da propulsão nuclear e saber quais as perspectivas da Marinha do
Brasil a respeito, Souto Maior de Castro entrevista o subchefe do gabinete do ministro da
Marinha do Brasil, comandante Armando Amorim Ferreira Vidigal, em 10 de agosto de 1976.
Souto Maior de Castro afirmou que o ministro da Marinha, Geraldo Azevedo
Henning, havia encarregado este comandante para desenvolver o assunto da propulsão nuclear
de navios. Segundo Vidigal, a instituição naval, apesar da precariedade de recursos, estava
apta a cooperar com pessoal e infraestrutura. Ainda nessa entrevista os representantes da
Nuclebrás e da Marinha do Brasil criaram alguns esboços para traçar as diretrizes da ação
conjunta:
pensou-se em que o primeiro objetivo material poderia ser a instalação de um reator
de propulsão naval em um dos estabelecimentos ou bases navais, com
aproveitamento energético local, que pudesse manter vivo e consubstanciado o
interesse pelo assunto e servir de base ao ensino e adestramento dos técnicos e a
experimentação.
77
Devido à precariedade de recursos e do atraso científico-tecnológico no campo da
atividade nuclear, a Marinha do Brasil só poderia instalar um reator de propulsão nuclear em
território nacional por meio do acordo assinado com os alemães. O Brasil era rico em
matéria-prima radioativa, em especial, urânio e tório. No entanto, o enriquecimento de urânio
seria possível por meio da instalação de centrais nucleares. Enquanto o programa nuclear
brasileiro estivesse sob a responsabilidade da Nuclebrás, a instalação de centrais nucleares
deveria ficar longe de suspeitas. Se o Brasil optasse por instalar um reator nuclear em bases
77
Entrevista do Assessor da Presidência da Nuclebrás, Murillo Souto Maior de Castro, ao Sub chefe do
Gabinete do Ministro da Marinha, Comandante Armando Amorim Ferreira Vidigal. Em 10 de agosto de 1976.
58
militares, tal como foi sugerido nos entendimentos com a Marinha do Brasil, o país seria
ainda mais alvo das pressões e desconfianças internacionais.
Ao envolver publicamente a Marinha do Brasil no Programa Nuclear Brasileiro, o
governo Geisel tinha a plena consciência do provável comprometimento a que estava
submetendo o Acordo Nuclear Brasil–RFA, de 27 de junho de 1975. Murillo Souto Maior de
Castro afirmou também que somente a Marinha do Brasil e a Nuclebrás poderiam oferecer o
pessoal adequado para este empreendimento experimental, pois “dado a (cf) deficiência de
nível na Marinha Mercante”
78
. A superintendência da Marinha Mercante não dispunha de
pessoal capacitado para cooperar na ação conjunta, pois o pessoal que, naquele contexto,
ingressava na Marinha Mercante não possuia o ensino superior. No entanto, devido ao forte
investimento que o governo brasileiro direcionou à Marinha Mercante, a superintendência da
Marinha Mercante Nacional (Sunaman) ganhou um destaque privilegiado no governo Geisel.
Administrativamente, a Sunaman tornou-se uma autarquia especial,
com poderes para legislar, formular e executar políticas para todo o setor marítimo,
como conceder e revogar concessões para navegar; planejar e decidir a tonelagem
que deveria ser encomendada; agir como um banco, intermediário e supervisor de
construção; determinar índices de nacionalização para navios nacionais
79
.
Ao entrevistar o superintendente da Marinha Mercante, Manoel Abud, o assessor da
presidência da Nuclebrás, Souto Maior de Castro afirmou que se simpatizava com a iniciativa.
Ressaltou ainda que a Sunaman poderia colaborar com a Nuclebrás na cooperação conjunta na
propulsão nuclear para navios e poderia também dispor de recursos para aquisição do reator,
considera ser adequado que o primeiro reator marítimo seja de fabricação brasileira
e instalado em terra, possivelmente em Angra dos Reis, destinando-se a servir de
motivação e elemento básico na formação de pessoal habilitado em todos os níveis.
80
78
Entrevista do Assessor da Presidência da Nuclebrás, Murillo Souto Maior de Castro, ao Sub chefe do
Gabinete do Ministro da Marinha, Comandante Armando Amorim Ferreira Vidigal. Em 10 de agosto de 1976.
79
FERRAZ, J. C. Technological development and conditioning factors: the case of Brazilian shipbuilding
industry. Ph. D. Thesis: University of Sussex, 1984. 85p. in: [S/ A] Cinqüentenário do Convênio entre a Marinha
do Brasil e a Universidade de São Paulo: a criação do curso de engenharia naval na Escola Politécnica. São
Paulo: Narrativa Um, 2007. p. 95.
80
Entrevista do Assessor da Presidência da Nuclebrás, Murillo Souto Maior de Castro, ao Sub chefe do
Gabinete do Ministro da Marinha, Comandante Armando Amorim Ferreira Vidigal. Em 10 de agosto de 1976.
59
Percebe-se assim que a idéia de construir um reator de propulsão nuclear para navios
com tecnologia nacional estava presente nas instituições militares brasileiras. Como o
acordo com alemães era considerado muito importante no governo Geisel, cada decisão no
campo da atividade nuclear que fosse tomada deveria averiguar se poderia abalar as relações
político-diplomáticas e comerciais com os alemães. Adquirindo um reator nuclear para
propulsão marítima por meio do Acordo Nuclear Brasil–RFA de 1975, o Brasil estaria
subordinado à Agência Internacional de Energia Nuclear. Construindo um reator nuclear para
propulsão marítima em território brasileiro e com tecnologia nacional estaria comprometendo
as relações político-diplomáticas com os alemães, os estadunidenses e os organismos
internacionais que partilhavam da campanha pela não proliferação de armas nucleares.
Souto Maior de Castro conclui o seu relatório à Paulo Nogueira Batista sobre as suas
entrevistas com o almirante Armando Vidigal, da Marinha do Brasil, e com o comandante
Manoel Abud, da Marinha Mercante, afirmando que “dependendo de novas determinações de
V.Exa em face dos elementos colhidos na Marinha de Guerra e Sunamam poderemos
prosseguir o trabalho em forma mais substancial e obetr um planejamento inicial.”
81
As incubências do programa nuclear brasileiro eram muito elevadas e careciam de
um orçamento compatível com as demandas que uma empreitada dessa envergadura exigiam.
O governo Geisel teve que amadurecer a idéia de construir um submarino de propulsão
nuclear de 1976 à 1978, até encontrar uma solução para viabilizar a elaboração de um projeto
e dar início a construção de um submarino de propulsão nuclear.
Como analisado, o Atlântico Sul conquistou importância estratégica para o Brasil na
década de 1970. Foi nesse contexto que o governo brasileiro começou a produzir petróleo
offshore nessa região. Dessa maneira, o governo brasileiro além de considerar o Atlântico Sul
81
Relatório de conclusão de Murillo Souto Maior de Castro à Paulo Nogueira Batista a cerca das conversações
com a Sunaman e a Marinha de Guerra em 30 de agosto de 1976.
60
uma região estratégica para o desenvolvimento nacional, considerava importante estar atento
as teorias que fundamentavam essa importância estratégica. O Atlântico Sul era, na década de
1970, um imperativo geoestratégico da projeção mundial do Brasil na conjuntura da
humanidade.
82
Segundo Meira Mattos, nenhum outro continente deveria interessar mais o Brasil do
que o africano, pois é no Atlântico Sul, elo de ligação entre o Brasil e a África, que passavam
as principais linhas de tráfego marítimo. Qualquer incursão na parte africana do Atlântico Sul
geraria inquietação para as autoridades militares brasileiras. Dessa maneira, protegendo a
África de novas incursões históricas, o Brasil estaria defendendo os seus interesses. O
governo Geisel, ao ampliar a presença brasileira sobre o continente africano, estava
defendendo os interesses nacionais e projetando o Brasil nesse continente.
Como analisado, a política externa autônoma do governo Geisel foi reconhecida
internacionalmente. Países europeus, como a Inglaterra, perceberam a importância estratégica
do Brasil para solucionar, por meio da diplomacia, problemas africanos. Em função da
projeção de poder estadunidense no Ocidente, países europeus, como a França, receavam que
ao se aproximar politicamente do Brasil, os EUA poderiam promover sanções políticas e
econômicas. O governo da RFA foi o único a institucionalizar acordo com o Brasil. Os
alemães sugeriram que o Brasil construísse uma frota de submarinos nucleares, mas nem eles
mesmos tinham essa tecnologia. Além disso, os países que possuíam submarinos de propulsão
nuclear não venderiam a tecnologia nem transfeririam esse conhecimento ao Brasil. Não
restava outra solução a não ser desenvolver essa tecnologia em território nacional.
Em 1975, Othon Luiz Pinheiro da Silva
83
foi enviado pela Marinha do Brasil o
Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, a fim de cursar o
doutorado em tecnologia nuclear. No primeiro semestre de 1978, o comandante Othon
82
MATTOS, Carlos de Meira. Brasil – geopolítica e destino. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. p. 104.
83
A partir desta parte da dissertação Othon Luiz Pinheiro da Silva será chamado de Comandante Othon, pois é
assim que ele é conhecido nos meios militares, nos meios científicos e no meio acadêmico.
61
regressou dos Estados Unidos para o Brasil após haver concluído seu curso. Este militar, após
o seu regresso, foi reivindicado pelo comandante da Diretoria Engenharia Naval (DEN),
almirante Aloysio Ferreira dos Santos, e pelo comandante do Arsenal de Marinha do Rio de
Janeiro (AMRJ), almirante Hugo Friedrich Schiek Junior, ambos os comandos subordinados à
Diretoria Geral de Material da Marinha. Coube ao diretor geral de Material da Marinha,
almirante Eduardo Maximiniano da Fonseca, decidir para qual organização militar aquele
comandante deveria ser designado.
Ainda em 1978, houve uma audiência entre o almirante Maximiniano da Fonseca,
almirante Schiek e o comandante Othon. Após uma breve exposição deste sobre as suas idéias
relacionadas ao desenvolvimento de um programa nuclear, o almirante Maximiniano decidiu
designá-lo para a DEN, e esta mesma diretoria o incumbiu de elaborar um relatório sobre as
suas idéias para o desenvolvimento de um programa nuclear. Em julho de 1978, a DEN
encaminhou ao almirante Maximiniano o relatório. Este almirante encaminhou o relatório ao
Estado Maior da Armada (EMA), a fim de ser analisado pelo almirante Mario César Flores e,
posteriormente, encaminhando ao ministro da Marinha, o almirante Henning.
Em seu relatório o Comandante Othon sugeriu concentrar inicialmente os esforços
no ciclo do combustível nuclear e, logo a seguir, iniciar o desenvolvimento de um
sistema de propulsão nuclear para submarino, usando unicamente esforço nacional,
de forma a evitar qualquer impasse com os tratados e acordos assinados.
84
O relatório do comandante Othon somente chegou às mãos do ministro da Marinha,
em dezembro de 1978. A proposta deste militar era criar um projeto para o desenvolvimento
de um submarino de propulsão nuclear que estivesse fora da órbita de percepção das nações
estrangeiras e dos organismos internacionais. Para essa construção, somente a nacionalização
desse projeto tornaria viável a proposta. Percebe-se assim, que até esse relatório chegar as
mãos do ministro da Marinha, autoridades militares o haviam lido, estudado, analisado e
aprovado as idéias deste comandante. Contudo, o Programa Nuclear Brasileiro sofria fortes
84
FONSECA, Maximiniano Eduardo da Silva. Projeto do submarino nuclear uma notável conquista tecnológica.
Revista do Clube Naval, 1994. p. 6.
62
questionamentos, externa e internamente. O final da década de 1970 se transformou num
momento crítico para a política nuclear brasileira. Em 1978, a Sociedade Brasileira de Física
(SBF) foi uma das organizações internas que mais questionavam o programa. Em função das
várias falhas de natureza técnica, denúncias de corrupção e fraudes apontadas por diversas
entidades nacionais e pela revista alemã Der Spiegel, em 1978, criou-se uma comissão
parlamentar de inquérito (CPI) a fim de averiguar as denúncias direcionadas ao programa
nuclear brasileiro.
Em meio à falta de informações relativa ao PNB no Brasil, é instalada em 04.10.78,
a CPI do Acordo Nuclear brasil Alemanha, cujos trabalhos duraram 3 anos e 4
meses e cujo objetivo central era examinar-investigar a concepção do Acordo e a
execução do PNB. Significou uma relativa abertura de informações para a sociedade
civil brasileira, bem como uma possibilidade de discussão sobre o assunto.
85
Os primeiros a criticar o Acordo Nuclear Brasil-RFA foram os cientistas brasileiros
por meio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 1975. Os debates
nas reuniões dessa sociedade foram ganhando cada vez mais espaço. As críticas desses
cientistas giravam entorno das alegações do governo Geisel quanto à racionalidade técnica e
econômica da utilização da energia elétrica utilizada até então. Segundo esses cientistas, as
autoridades político-militares exageraram na taxa de crescimento da demanda de eletricidade
pelos brasileiros e na falta de recursos hidrelétricos suficientemente viáveis.
A indústria nacional também questionou as restrições à sua participação no Programa
Nuclear Brasileiro. Muitas empresas nacionais tinham o interesse em fazer parte do programa
nuclear brasileiro, no entanto, por considerar os riscos relacionados ao envolvimento do setor
privado em um projeto que envolvia a tecnologia nuclear, Geisel tornou esse acesso
dificultado. Criou-se uma política de promoção industrial, na qual as empresas nacionais
interessadas em desenvolver tecnologia para o programa nuclear brasileiro tinham que
enfrentar um rigoroso processo seletivo. Essas empresas passavam por rigorosa fiscalização e
85
DARELLA, Maria Dorothea Post. Impasses da energia nucleoelétrica no Brasil na década de 80. p. 173. in:
OLIVEIRA, Odete Maria. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p. 171.
63
rígidas entrevistas. Nesse processo seletivo, de acordo com os padrões industriais do governo,
poucas foram as empresas nacionais que apresentaram estrutura para se envolver nesse
programa nuclear brasileiro.
Algumas redes jornalísticas também se aproveitaram das críticas para desgastar ainda
mais a imagem do Programa Nuclear Brasileiro e do próprio governo Geisel. Em função do já
iniciado processo de abertura política, o partido de oposição do regime militar, o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), diante dessas manifestações nacionais com repercussão
internacional, transformou a CPI em um divisor de águas para o Programa Nuclear Brasileiro.
Pode-se enumerar assim, algumas circunstâncias que contribuíram para que o
programa nuclear brasileiro tivesse parte de seus ofícios desenvolvidos na clandestinidade: (1)
a crise energética de 1979, (2) a CPI concluindo que havia questões obscuras no programa
nuclear brasileiro, (3) as pressões dos Estados Unidos, para o cancelamento do acordo nuclear
Brasil-RFA de 27 de junho de 1975, (4) a dependência tecnológica nuclear do Brasil.
As crises energéticas internacionais da década de 1970 podem ser associadas à crise
econômica brasileira. Segundo Igor Fuser, “o aumento do petróleo provocou um grande
choque de preços em economias dominadas por forças inflacionárias”
86
. Ao se deparar
com a crise energética de 1973, o governo Geisel havia herdado a inflação e o
endividamento externo dos governos anteriores. Com a segunda crise do petróleo, em 1979, o
governo brasileiro não encontrou argumentos que justificassem sustentar o programa nuclear
brasileiro, tão criticado nacional e internacionalmente.
A segunda circunstância foi a CPI do Programa Nuclear Brasileiro. Essa CPI obteve
vários depoimentos em quase dois anos de atuação. No entanto, “o relatório final dessa CPI
não foi compatível em suas conclusões com os inúmeros depoimentos colhidos”
87
. Em função
86
FUSER, Igor. Petróleo e poder: o envolvimento militar dos Estados Unidos no Golfo Pérsico. São Paulo:
UNESP: Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UNESP, Unicamp e
PUC-SP, 2008. p. 129.
87
OLIVEIRA, Odete Maria. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p. 172.
64
da obscuridade do próprio regime militar vigente, autoridades políticas e militares que
compuseram os quadros do Programa Nuclear Brasileiro se negaram a depor contra o próprio
programa, alegando expor os acionários e as questões sigilosas contidas no Acordo Nuclear
Brasil-RFA de 1975. Ainda que a CPI tivesse seu campo de atuação limitado por essas
autoridades políticas e militares do governo Geisel, a comissão efetuou críticas ao custo do
programa, a improcedência das premissas do governo brasileiro para justificar a assinatura do
Acordo Nuclear com os alemães e questionou a suposta inexistência de um potencial
hidrelétrico nacional que sustentasse a eletricidade dos brasileiros a longo prazo.
Como terceira circunstância, pode-se afirmar que as pressões dos EUA foi
fundamental para que Geisel conduzisse o programa nuclear das forças armadas para
clandestinidade. “Na campanha eleitoral de 1976, prometera [Jimmy Carter] não
congelar os arsenais estratégicos, mas também fazer cortes profundos chegou a prometer,
em seu discurso de posse, caminhar rumo à eliminação total das armas nucleares.”
88
Jimmy
Carter governou os EUA de 20 de janeiro de 1977 até 20 de janeiro de 1981. No governo
Carter, Henry Kissinger não era mais secretário de Estado dos EUA. “Mal assumiu a
Presidência, a equipe Carter desenhou uma estratégia para vincular o nome do novo
presidente a duas promessas: direitos humanos e não proliferação nuclear.”
89
Dessa maneira, todos os países que abusavam dos direitos humanos e buscavam a
tecnologia nuclear passaram a ser o centro de atenção do governo estadunidense. O presidente
Carter tinha duas opções para deter o Programa Nuclear Brasileiro e acelerar a
democratização no Brasil: “chocar-se frontalmente com o país e pagar os custos de uma
possível radicalização brasileira, ou aplicar algum grau comedido de pressão”
90
. Contudo, o
processo de abertura já estava em andamento sob vigência de Geisel.
88
GADDIS, John Lewis. História da Guerra Fria. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2006. p. 193.
89
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. p. 156.
90
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. p. 157.
65
Segundo o governo brasileiro e a Aliança Renovadora Nacional (Arena), o momento
ainda não era propício para a entrega do poder aos civis. Dessa maneira, por considerar que o
governo brasileiro deveria maximizar esforços para democratizar o Brasil, o presidente Carter
optou por pressionar comedidamente, mas esperar que o Brasil buscasse por livre vontade se
democratizar. No entanto, como se percebeu, o presidente Geisel não era um líder político que
receava diante de discursos e promessas ameaçadoras. Apesar de toda pressão e campanha
estadunidense, o presidente Geisel manteve o Acordo Nuclear com a RFA e continuou a
conduzir a abertura do regime de acordo com as circunstâncias sociais do país. Segundo
Lohbauer, “o momento mais crítico nesse contexto ocorreu com o anúncio do cancelamento
do Tratado de Ajuda Militar firmado em 1952 com os Estados Unidos, como reação
brasileira à nota norte-americana sobre o desrespeito aos direitos humanos no país.”
91
Contudo, o que mais demonstrou descontetamento das autoridades brasileiras foi a pressão
para que o governo brasileiro cancelasse esse Acordo. Segundo Lohbauer, o governo Carter
percebia o Acordo Nuclear como um “pacto com o diabo”
92
. Em visita à RFA, em janeiro de
1977, o vice-presidente de Jimmy Carter, Walter Mondale, sugeriu que os alemães
cancelassem o processo de transferência de tecnologia nuclear ou de qualquer material
sensível previsto no Acordo Nuclear Brasil-RFA de 1975. Nem o governo brasileiro nem o
governo da RFA cedeu as sugestões do governo Carter. Dessa maneira, em apenas uma
determinação dos EUA, o Brasil não estava em hamornia: a continuidade de seu programa
nuclear. Em função dessa desobediência do Brasil em relação as determinações
estadunidenses, as relações políticas brasileiras com os estadunidenses foram se deteriorando
de tal maneira que na década de 1980, elas foram finalizadas.
93
Esse processo de
91
LOHBAUER, Christian. Brasil-Alemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São Paulo: Fundação Konrad
Adenauer, 2000. p. 73.
92
LOHBAUER, Christian. Brasil-Alemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São Paulo: Fundação Konrad
Adenauer, 2000. p. 75.
93
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. p. 180.
66
deteriorização funcionou como um outro argumento para que o programa nuclear que
envolvesse a participação das forças armadas fosse orientado para a clandestinidade.
Como quarta e última circunstância apontada, pode-se afirmar que, pela ausência de
uma estrutura nuclear mínima na política estratégica nacional, o Brasil não estabeleceu
contratos com a RFA, no qual pudesse fazer alguma exigência. Dessa maneira, em função do
Acordo Nuclear de 1975, o governo Geisel teve que iniciar o processo de capacitação
tecnológica do Brasil recorrendo a RFA e as suas empresas para realizar transferência de
tecnologia nuclear desde a prospecção até a engenharia. Por restrições impostas pelo Tratado
de Paz da Segunda Guerra Mundial, a RFA estava proibida de industrializar e enriquecer o
urânio em seu território. Ao construir uma indústria de enriquecimento, reprocessamento e de
construção de reatores no Brasil, por meio dos contratos, analisados pelo INPI e com o
consentimento de Geisel, a RFA adquiria o direito de participar da exploração do urânio
brasileiro.
Percebe-se assim que o Brasil dependia tecnologicamente da RFA e como o Brasil,
não dispunha de um mínimo de independência tecnológica, foi forçado a aceitar as condições
das empresas e do governo da RFA.
Em função de circunstâncias como essas que foram apontadas, o presidente Geisel
transformou parte do Programa Nuclear Brasileiro, então considerado um Objetivo Nacional
Permanente, clandestino.
Compreende-se que a idéia de construir o submarino de propulsão nuclear nasceu em
meio aos entendimentos do Acordo Nuclear Brasil-RFA, sendo, portanto, produto do
Programa Nuclear Brasileiro. Todavia, por razões que foram externadas, somente se
transformou em projeto, quando a idéia de se construir o submarino de propulsão nuclear foi
aprimorada pelo comandante Othon. Dessa maneira, quando o submarino de propulsão
67
nuclear saiu do campo da idealização para o da projeção, foi submetido aos desígnios do
Programa Nuclear Paralelo.
Atribuiu-se ao presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo, a responsabilidade
pela criação do programa nuclear brasileiro. Rex Nazaré Alves, apresenta outra
versão para o assunto. Segundo ele, foi o presidente Ernesto Geisel que, no dia 12 de
março de 1979, criou o programa autônomo, ao autorizar a construção da usina de
hexafluoreto de urânio (o gás utilizado no enriquecimento de urânio).
94
Esse Programa foi organizado no governo Geisel, sendo esse presidente o patrono, e o
comandante Othon, o mentor de tal concretização.
O Programa Nuclear Brasileiro ficou a encargo estritamente da Nuclebrás. A fim de
levar a diante o projeto político-militar que almejava, ao menos em tese, transformar o Brasil
numa potência, os militares optaram por desenvolver um programa nuclear paralelamente ao
programa nuclear a encargo da Nuclebrás. Diferente do programa oficial, o Programa Nuclear
Paralelo ficou a encargo das instituições militares, tendo cada instituição um projeto nuclear
diferente. A construção do submarino de propulsão nuclear, objeto de estudo desta
dissertação, era parte do projeto nuclear da Marinha do Brasil.
Segundo o almirante Maximiniano Eduardo da Silva Fonseca, após reunião do
almirantado, em dezembro de 1978, o ministro da Marinha, almirante Henning, aprovou o
relatório do comandante Othon decidindo iniciar as atividades da Marinha do Brasil na área
nuclear, “dando prioridade à viabilização do ciclo do combustível”
95
.
Em janeiro de 1979, os ministros da Marinha e da Aeronáutica, respectivamente,
almirante Maximiniano e brigadeiro Joelmir Campos de Araripe Macedo, transferiram, em
comum acordo, o comandante Othon para o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em São
José dos Campos, em São Paulo, com a finalidade de participar do programa de
enriquecimento isotópico por lasers e também avaliá-lo. Este projeto empreendido pela
94
OLIVEIRA, Odete Maria de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. P. 291.
95
FONSECA, Maximiniano Eduardo da Silva. Projeto do submarino nuclear uma notável conquista tecnológica.
Revista do Clube Naval, 1994. p. 6.
68
Aeronáutica tinha também por finalidade encontrar meios tecnológicos para enriquecer o
urânio.
É importante ressaltar que somente após o projeto de construção do submarino de
propulsão nuclear ser concluído pelo comandante Othon foi que a Marinha do Brasil acionou
suas parcerias estratégicas no cenário nacional para se lançar na capacitação tecnológica
nuclear. No entanto, o projeto do submarino de propulsão nuclear estava sendo elaborado
pela Nuclebrás, como parte do programa nuclear brasileiro. Quando a Marinha do Brasil, em
1979, decidiu abarcar a idéia de construir o submarino de propulsão nuclear, o projeto oficial
foi o do comandante Othon. Dessa maneira, esse projeto oficial ficou conhecido formalmente
como projeto nuclear da Marinha do Brasil.
Não foram encontradas evidências históricas que comprovem os entendimentos entre
o presidente Ernesto Geisel, o presidente da Nuclebrás, Paulo Nogueira Batista, o ministro da
Marinha do Brasil, Geraldo Henning, e o comandante Othon para a elaboração de um projeto
conjunto de construção do submarino de propulsão nuclear brasileiro. No entanto, em 1979, o
almirante Henning solicitou ao presidente Geisel autorização para iniciar no Brasil um
programa de desenvolvimento tecnológico nuclear.
96
Este presidente, diante de tantas circunstâncias desfavoráveis à política nuclear
brasileira, pôde encontrar um meio para viabilizar a construção do submarino de propulsão
nuclear. Percebe-se assim que, o programa nuclear das forças armadas foi orientado para a
clandestinidade para ter sua continuidade, sem maiores contestações e interferências nacionais
e, sobretudo, internacionais.
No plano interno, Geisel buscou apoiar-se em seu chefe do Serviço Nacional de
Inteligência (SNI), general-de-divisão João Batista de Oliveira Figueiredo, para dar
continuidade à abertura política do regime militar e para orientar as forças armadas brasileiras
e seus projetos a um nível cada vez mais alto de cientificidade. Em função de sua discrição e
96
Exposição de Motivos Nº. 0080/ 79.
69
de sua política mais autônoma, o presidente Geisel não enfrentou dificuldade entre os linhas
duras ao indicar como candidato à Arena, o general Figueiredo.
70
2 O GOVERNO FIGUEIREDO E A CLANDESTINIDADE DO PROGRAMA
NUCLEAR PARALELO
2.1 O governo Figueiredo e o despertar do Programa Nuclear Paralelo
Em quatro de novembro de 1980 ocorreu a eleição presidencial dos EUA. Jimmy
Carter tentou se reeleger a presidência da República dos Estados Unidos na eleição de 1980.
Carter, pertencente ao partido democrata, e Ronald Reagan, pertencente ao partido
republicano, eram os principais candidatos dessa eleição.
A Guerra Fria teve início após a Segunda Guerra Mundial e se prolongou ao longo
das décadas de 1950, 1960, 1970 e 1980. Durante todos esse anos, os EUA e URSS
investiam cada vez mais em aquisição de armamentos convencionais e nucleares.
Estrategistas da dissuasão tinham se convencido de que a melhor maneira de
defender seus países era não ter defesas, mas dezenas de milhares de mísseis prontos
para lançamento instantâneo. Teóricos de relações internacionais insistiam que
sistemas bipolares erammais estáveis que sistemas multipolares e que a bipolaridade
soviético-americana duraria, portanto, até onde se enxergasse o futuro. Historiadores
da diplomacia sustentavam que a Guerra Fria evoluíra para uma paz duradoura, uma
era de estabilidade comparável à que Metternich e Bismarck tinham dirigido no
século XIX.
97
Como percebido, havia uma estrutura teórica que sustentava a Guerra Fria que ia
além da estratégia. Esses teóricos sustentavam que esse equilíbrio de forças político-militares
promovia desenvolvimento e prosperidade para as sociedades. As crises energéticas na década
de 1970 contribuíram para demonstrar um modelo político, econômico e militar desgastado,
que sustentava a Guerra Fria. Dessa maneira, a imagem dos Estados que impunham esses
modelos também se mostrava desgastada. Reagan venceu as eleições por propor
reformulações na estratégia, nas relações internacionais e, sobretudo, na história que os EUA
e a URSS impunham a humanidade.
Reagan, em sua campanha eleitoral, criticou as políticas externas dos presidentes
anteriores e, especialmente, a política externa de Henry Kissinger. Apesar deste não ser mais
o secretário de Estado dos Estados Unidos desde 1977, continuou sendo criticado por
97
GADDIS, John Lewis. História da Guerra Fria. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2006. p. 188.
71
políticos e autoridades estadunidenses. De acordo com Spektor, “ganhou força o argumento
de que o mundo mais estável não era aquele do equilíbrio entre duas superpotências, mas um
no qual houvesse uma vitória inconteste dos Estados Unidos.”
98
Jimmy Carter perdeu as
eleições por a sociedade estadunidense considerar que a política externa de seu governo,
assim como nos governos anteriores não empreenderam maiores esforços na campanha
internacional pelos direitos humanos e pela não-proliferação de armas nucleares. As
promessas dos presidentes estadunidenses ao longo da década de 1970 não foram muito além
dos discursos.
Como analisado, o governo estadunidense, sobretudo, na década de 1970, pressionou
os governos da América Latina a abdicar do uso da tecnologia nuclear. Contudo, embora os
EUA pressionassem a América Latina, sobretudo, Brasil e Argentina a se desnuclearizar, não
empreenderam maiores ameaças que inibissem esses países a abdicarem do uso de tecnologias
sensíveis. O presidente Reagan se tornou diferente dos demais presidentes e de seu próprio
vice-presidente, George H. W. Bush, por perceber a guerra como um aspecto temporário do
cenário internacional
99
.
Segundo Gaddis, Reagan chegou a presidência da República “por crença, temor e
auto-confiança”
100
. Esse presidente governou os EUA de 20 de janeiro de 1981 à 20 de
janeiro de 1989. A idéia de Kissinger de que poderia haver um mundo com várias potências
nucleares era inconcebível para Ronald Regan e seus conselheiros, tais como Dick Cheney,
Donald Rumsfeld, Paul Wolfowitz e Richard Perle.
Kissinger sustenta que apesar de Regan maximizar esforços para conter a
proliferação nuclear, este presidente não desejava aproximar-se politicamente do Brasil e não
tinha o menor interesse em conhecer esse país. Em função de sua percepção temporal da
guerra, Reagan, diferente dos presidentes anteriores, cumpriu as promessas ofensivas de seus
98
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. p. 178.
99
GADDIS, John Lewis. História da Guerra Fria. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2006. p. 214.
100
GADDIS, John Lewis. História da Guerra Fria. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2006. p. 209.
72
discursos. Entende-se assim, as razões que motivaram Reagan a concentrar esforços para
embargar o Programa Nuclear Brasileiro. As suspeitas internacionais de que o Brasil construía
uma bomba nuclear se concentravam no Programa Nuclear Brasileiro. Nem os EUA nem a
AIEA tinham conhecimento de que Geisel havia dividido este programa.
As autoridades políticas brasileiras do governo Geisel conseguiram evitar que o
Programa Nuclear Paralelo se tornasse público. Dessa maneira, o comandante Othon teve
maior liberdade para elaborar o projeto nuclear da Marinha do Brasil e realizar as pesquisas
iniciais desse projeto. Contudo, para que obtivesse sucesso e apoio financeiro, a Marinha do
Brasil teria que ter o aval do novo presidente.
O general João Batista de Oliveira Figueiredo assumiu a presidência em 15 de março
de 1979. Contudo, autoridades políticas, militares e científicas que compuseram a história do
projeto do submarino de propulsão nuclear desde a sua idealização, como o almirante
Maximiniano Eduardo da Silva Fonseca, afirmam que a opção de transformar este projeto em
um projeto militar autônomo foi tomada no governo Geisel, “mas os primeiros recursos
foram aplicados durante a administração do general Figueiredo”
101
. Compreende-se assim
que foi no governo Geisel que se idealizou a construção do submarino de propulsão nuclear, o
comandante Othon tornou viável a sua construção e no governo Figueiredo que esse processo
obteve os primeiros recursos e os primeiros resultados.
Muito se especulava sobre a continuidade do regime militar no final do governo
Geisel. No entanto, as instituições militares se encontravam seriamente preocupadas sobre
como um presidente civil iria conduzir os seus projetos, em especial, o Programa Nuclear
Paralelo. Geisel afirmou que chegou a recorrer à opinião da Arena sobre a indicação à
candidatura de um civil à presidência da República, mas por unanimidade, o partido dos
militares não se mostrou favorável a prestar apoio político a um civil. “Não havia nenhum
civil que tivesse adequada identificação com as Forças Armadas para levar a termo esses
101
OLIVEIRA, Odete Maria de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p. 291.
73
problemas.”
102
Para Geisel, a única solução para a questão sucessória seria indicar à Arena
um candidato militar para exercer as funções de presidente da República. Segundo o próprio
presidente, João Batista Figueiredo foi a única figura militar pensada e indicada por ele para
sucedê-lo. Figueiredo tinha uma experiência de vida e de regime político-militar bastante
solidificada à medida que participou ativamente desde a formulação estratégica da tomada de
poder em 1964 até a consolidação do regime na década de 1970.
Ele tinha assistido a boa parte do governo do castelo, pois desde o começo foi
levado pelo Golbery para a Agência Central do SNI do Rio. Depois, quando se
cassou o Ademar de Barros, para assegurar maior tranqüilidade em São Paulo, foi
comandar a Força Pública do Estado, onde saiu-se muito bem. Depois, foi servir
com o Médici e o acompanhou no governo como chefe da Casa Militar.
Acompanhou também o meu governo do primeiro ao último dia. Quer dizer,
acompanhou três governos, sendo que dois no dia-a-dia.
103
A escolha de Figueiredo para a presidência antecede ao próprio governo Geisel. “A
metamorfose que transformou Figueiredo em presidente da República teve início em junho de
1973, cinco anos antes, portanto, de sua eleição no Colégio Eleitoral.”
104
Desde que venceu
as eleições presidenciais, Geisel se juntou a Golbery do Couto e Silva para prepararem o novo
governo e definir João Baptista Figueiredo como o sucessor de Geisel na presidência da
República. Por Geisel e Golbery articularem juntos a abertura do regime precisavam de uma
pessoa de confiança na chefia do Sistema Nacional de Segurança. A serviço do presidente
Geisel, Figueiredo investigava as articulações de civis e de militares.
Em função de ser o chefe do SNI, o general Figueiredo tinha a sua imagem política
resguardada e a sociedade brasileira pouco o conhecia. Apesar de, como citado, haver
vivenciado o regime militar desde a sua formulação estratégica, a sociedade brasileira não
tinha acesso ao seu passado. Portanto, por mais que esse general tivesse participado, direta ou
indiretamente, da censura, do boicote e de perseguições, a sociedade desconhecia suas ações.
102
D’ÁRAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. (Orgs). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: FGV, 1997. p. 412.
103
D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. (Orgs). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: FGV, 1997. p. 412.
104
FIGUEIREDO, Lucas. Ministério do silêncio: a história do serviço secreto brasileiro de Washington Luís a
Lula (1927-2005). Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 279.
74
Figueiredo, por influência de Golbery do Couto e Silva, condicionou a aceitação do
convite efetuado por Geisel com vistas à sucessão presidencial à sua promoção de general-de-
divisão a general-de-exército. Apesar de ter que ir para a reserva ao assumir a presidência,
encerrando sua carreira militar, Figueiredo insistiu na promoção. O receio de Figueiredo era
de que mesmo assumindo o cargo de presidente da República, sua posição hierárquica inferior
fizesse com que outros oficiais-generais superiores a ele não o respeitassem. Apesar de Geisel
não partilhar dessa opinião, promoveu Figueiredo a general-de-exército. Esse fato demonstrou
que Figueiredo, apesar de indicado a suceder Geisel na presidência, desejava manter a relação
harmoniosa com as forças armadas.
O governo Geisel foi o divisor de águas para a política científica e tecnológica
brasileira, pois ele a incluiu no planejamento estratégico de seu governo.
A ação governamental na área da ciência e tecnologia alcançou seu auge no
Governo Geisel, seja pela ênfase que as questões científicas e tecnológicas
mereceram nos documentos governamentais e pela atenção que receberam dos
executores da política econômica, seja pelo volume de recursos mobilizados com
intuito de apoiar o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
105
O fortalecimento da Secretaria de Planejamento (SEPLAN) no governo Geisel foi
reflexo da consolidação da política científica e tecnológica. No entanto, no governo
Figueiredo houve um declínio nos investimentos desta secretaria nas áreas de ciência e
tecnologia. Os investimentos na política científica e tecnológica originaram “programas de
ação de possibilidades limitadas mas, mesmo assim, de resultados concretos e significativos”
106
. Apesar dos poucos recursos que o governo Figueiredo se encontrava, alguns setores do
governo e alguns projetos desses setores receberam investimentos.
Entre tais setores, incluem-se alguns casos excepcionais em relação aos quais o
cumprimento dos objetivos de política governamental pressupunham
desenvolvimento tecnológico próprio (energia, por exemplo) e outros que puderam
contar com circunstâncias particularmente favoráveis ou se beneficiar do apoio de
105
GUIMARÃES, Eduardo Augusto. ARAÚJO JÚNIOR, José Tavares de. ERBER, Fábio. A política científica e
tecnológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. p. 60.
106
GUIMARÃES, Eduardo Augusto. ARAÚJO JÚNIOR, José Tavares de. ERBER, Fábio. A política científica e
tecnológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. p. 61.
75
grupos de interesse com maior peso político (informática e armamentos, por
exemplo).
107
O corte de recursos para a implementação dessa política científica e tecnológica foi
reflexo dos endividamentos externos e das despesas causadas pelo aumento do preço do
petróleo. Dessa forma, no governo Figueiredo houve a redução significativa nos
investimentos para o financiamento de projetos das instituições brasileiras. Contudo,
programas como o Programa Nuclear Brasileiro e o Paralelo, que representavam a antiga
aspiração dos militares em transformar o Brasil numa potência político, econômica e militar,
constituíam exceções a esse enfraquecimento mencionado. Tanto o Programa Nuclear
Brasileiro, realizado por meio do Acordo Nuclear Brasil–RFA, assinado em 27 de junho de
1975 quanto o Programa Nuclear Paralelo, posto em prática pelas instituições militares,
puderam contar com o apoio do próprio presidente Figueiredo.
As três forças armadas estavam interessadas na capacitação tecnológica nuclear e a
cada uma delas coube uma etapa dessa capacitação: ao Exército brasileiro coube “construir o
reator de pesquisa de pequeno porte, potência de 2 a 3 MW, com urânio natural e grafite,
visando o domínio da tecnologia de reatores refrigerados a gás”
108
e “desenvolver a
tecnologia de produção de grafite nuclearmente pura, com insumos nacionais, objetivando a
fabricação de moderadores para reatores a urânio natural”
109
; à Aeronáutica cabia
desenvolver a tecnologia do programa do processo atômico de enriquecimento de
urânio a laser; desenvolver a tecnologia do processo molecular de enriquecimento de
urânio a laser; desenvolver a tecnologia de lasers; desenvolver a tecnologia de
aceleradores lineares de elétrons; desenvolver a tecnologia de reatores rápidos;
desenvolver a tecnologia de produção de urânio metálico.
110
107
GUIMARÃES, Eduardo Augusto. ARAÚJO JÚNIOR, José Tavares de. ERBER, Fábio. A política científica e
tecnológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. p. 62.
108
OLIVEIRA, Odete Maria de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p. 290
109
OLIVEIRA, Odete Maria de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p. 290.
110
OLIVEIRA, Odete Maria de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p.p. 290-
291.
76
E à Marinha do Brasil coube “desenvolver a tecnologia de enriquecimento de urânio
por ultracentrifugação e construir a usina de demonstração de viabilidade industrial; e
construir o submarino nuclear brasileiro”
111
.
Conforme acordado pelos ministros da Marinha e da Aeronáutica do governo Geisel,
respectivamente, almirante Henning e brigadeiro Joelmir Campos de Araripe Macedo, em
janeiro de 1979, o comandante Othon foi transferido para o Centro Técnico Aeroespacial
(CTA). Em março daquele ano, o militar se apresentou ao CTA para acompanhar o projeto
nuclear da Aeronáutica. Em meados de 1979, o comandante Othon enviou ao Estado Maior da
Armada (EMA) um relatório concluindo que o enriquecimento isotópico a lasers não seria
viável para os objetivos de produzir urânio enriquecido em grandes quantidades num prazo
aproximado de dez anos. Para este comandante, o enriquecimento de urânio por meio de
ultracentrifugação era a melhor opção, “pois este processo possui melhor desempenho, maior
flexibilidade e menos consumo de energia elétrica quando comparado com a difusão gasosa”
112
. Foi preciso realizar no Brasil, no início da década de 1980, um enorme esforço científico e
tecnológico em várias áreas para além da nuclear. O esforço na área da mecatrônica constitui
um exemplo dessa produção científica e tecnológica. O projeto para o enriquecimento de
urânio estava subordinado ao EMA. O relatório foi enviado a esse comando. Desse, recebeu a
autorização para contatar todas as instituições necessárias para viabilizar o projeto de
enriquecimento por meio da ultracentrifugação.
O presidente Figueiredo prestou imediato apoio político ao Programa Nuclear
Paralelo, no entanto, o apoio financeiro não foi tão imediato assim. Os contatos a fim de
promover parcerias no desenvolvimento científico e tecnológico do projeto nuclear da
Marinha do Brasil foram estabelecidos em processo rápido e muito seletivo. Contudo, a falta
de recursos apropriados inviabilizava o cumprimento das metas estabelecidas e criava
111
OLIVEIRA, Odete Maria de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p. 290.
112
SILVA, Othon Luiz Pinheiro da. Submarino de propulsão nuclear no Brasil. Revista do Clube Naval, 1994. p.
28.
77
dificuldades para a fixação do pessoal na equipe responsável pelo projeto. Segundo, Renato
Bayma Archer da Silva, “o programa atrasou e essas pessoas, ficando ociosas, foram para
as universidades”
113
No segundo semestre de 1979 estava delineada e integrada por autoridades e
cientistas nucleares de confiança do sistema: general Otávio Medeiros, do SNI,
coronel Luiz Alencar Araripe, do CSN; almirante Maximiniano da Fonseca, do
Ministério da Marinha; Rex Nazaré Alves, da CNEN; Cláudio Rodrigues e Ivo
Jordan, do IPEN (USP) e o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, Coordenadoria
de Projetos Especiais (COPESP), da Marinha, sob a presidência do próprio
Presidente da república, João Baptista Figueiredo.
114
Além das parcerias citadas, para acrescentar ao texto, o comandante Othon conseguiu
o apoio para o Programa Nuclear Paralelo de Alberto Pereira de Castro, superintendente do
Instituto de Pesquisas Tecnológicas do estado de São Paulo (IPT). No entanto, segundo o
almirante Maximiniano, o apoio mais importante que o projeto nuclear da Marinha do Brasil
recebeu foi o do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), localizado no campo
da Universidade de São Paulo (USP). A parceria entre a USP e a Marinha do Brasil provém
de um acordo entre essas instituições firmado em 1956. O objetivo era estabelecer um curso
de engenharia de construção naval no âmbito desta universidade a fim de atender a duas
demandas governamentais naquela década: formar engenheiros navais para desenvolver e
consolidar uma cultura tecnológica que estimulasse a indústria naval brasileira e garantir ao
Brasil autonomia no campo industrial, tanto do ponto de vista civil quanto do ponto de vista
militar. Essa parceria nas décadas de 1950, 1960 e 1970 se tornou um modelo original, pois a
Marinha do Brasil foi a única instituição militar que buscou se inserir político-
economicamente no mercado internacional firmando contrato com uma instituição acadêmica.
Foi a Marinha do Brasil que recorreu à USP a fim de estabelecer a parceria. Esta instituição
113
ROCHA FILHO, Álvaro. GARCIA, João Carlos Vitor (Org.) Renato Archer: Energia atômica, soberania e
desenvolvimento. Rio de janeiro: Contraponto, 2006. p. 154.
114
OLIVEIRA, Odete Maria de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p. 293.
78
naval ofereceu à USP, “o apoio de engenheiros da Marinha como professores, financiando a
pós-graduação de professores civis e investindo em equipamentos e laboratórios”
115
.
O comandante Othon se formou pelo curso de engenharia naval da escola politécnica
da Universidade de São Paulo (Poli/ USP), em janeiro de 1967. Ele atuou como engenheiro
no AMRJ até 1974. Em 1975, conforme mencionado, foi designado para cursar o
doutorado em engenharia nuclear no MIT, nos Estados Unidos. Foi em 1978, como foi
descrito, que esse militar retornou de sua viagem, trazendo ao Brasil conhecimentos
relacionados à tecnologia de ultracentrifugação e a idéia de se construir um submarino de
propulsão nuclear em território brasileiro. Ressalva-se que essa concepção de
desenvolvimento científico e tecnológico adotada durante o governo Geisel foi fundamental
para que se investisse nesse campo e na formação do referido militar. O comandante Othon
foi fruto dessa formação técnico-acadêmica.
A década de 1970 definiu os rumos na história da engenharia naval, civil e militar no
Brasil. O Brasil alcançou um patamar inédito de atividade industrial em seus estaleiros e
atingiu o posto de segundo maior produtor mundial de navios assim como também
desenvolveu pesquisa científica e tecnologia para a exploração de recursos oceânicos e para a
pesquisa oceanográfica. Como analisado, a tecnologia nuclear apareceu no governo Geisel
para atender essas demandas na área de pesquisa oceanográfica. Ao mudar a estratégia da
propulsão nuclear de um navio oceanográfico para um submarino, coube ao comandante
Othon a tarefa de tornar essa adaptação viável no governo Figueiredo. Segundo o general
Werneck Sodré, “a mobilização da Marinha se a partir do momento em que esta começa
a ter contato com equipamentos estrangeiros de última geração e, assim, percebe a
115
[S/A] Cinqüentenário do convênio entre a Marinha do Brasil e a Universidade de São Paulo: a criação do
curso de engenharia naval na Escola Politécnica. São Paulo: Narrativa um, 2007. p. 33.
79
necessidade de adequar-se e capacitar-se em novas tecnologias, o que não conseguiria via
EUA (...)”
116
.
A década de 1980 também vivenciou grandes avanços tecnológicos, como a chamada
revolução da informação, computação e ciências afins. Segundo o comandante Othon, a RFA
empreendeu esforço de pesquisa e desenvolvimento nas áreas de tecnologias sensíveis por
meio do consórcio constituído pela RFA, Holanda e Inglaterra. Segundo relatório do ministro
das Relações Exteriores Antônio Francisco Azeredo da Silveira ao presidente Geisel, em
1978, sobre fornecimento de urânio enriquecido ao Brasil,
o Partido Cristão Democrático dos Países Baixos era contrário ao fornecimento.
Caso o Brasil não progredisse satisfatoriamente nas negociações para o mecanismo
de depósito de plutônio, no quadro da AIEA ou no arranjo ad doc, o Governo dos
Países Baixos sustaria a remessa de urânio ao Brasil na entrega, prevista para
1981.
117
O Parlamento dos Países Baixos aprovou o fornecimento para o Programa Nuclear
Brasileiro, em 30 de junho de 1978. No entanto, havia uma pressão dos organismos
internacionais para que o fornecimento de urânio enriquecido se concentrasse nos preâmbulos
do Acordo Nuclear Brasil-RFA de 1975. Como o Programa Nuclear Brasileiro correspondia a
um programa de capacitação tecnológica que atendia aos Objetivos Nacionais Permanentes, e
portanto, adentraria no governo Figueiredo, era de suma importância ocultar demais projetos
nucleares que envolvessem as instituições militares.
Por ser um empreendimento sigiloso no Brasil e para a comunidade internacional, e
por também contar com poucas pessoas capacitadas e qualificadas técnico-academicamente, a
Marinha do Brasil realizou o desenvolvimento da tecnologia de ultracentrifugação com “um
pequeno número de engenheiros de diversas instituições e empresas nacionais”
118
.
116
SANTOS, Sérgio Gil Marques dos. Momentos marcantes do Pragmatismo Responsável de Geisel: O Acordo
Nuclear Brasil-Alemanha e o rompimento do Acordo Militar Brasil-EUA. In: OLIVEIRA, Henrique Altermani
de. ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon. (Org). A política externa brasileira na visão dos seus
protagonistas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 108.
117
Relatório do Ministro das Relações Exteriores, Antônio Azeredo da Silveira, para o Presidente Ernesto Geisel
sobre fornecimento de urânio enriquecido ao Brasil pela Urenco, em 5 de julho de 1978.
118
SILVA, Othon Luiz Pinheiro da. Submarino de propulsão nuclear no Brasil. Revista do Clube Naval, 1994. p.
28.
80
É importante salientar que apesar de o comandante Othon ter conseguido o apoio do
IPEN, o primeiro a se mostrar favorável ao projeto de ultracentrifugação, em 1979, foi
Cláudio Rodrigues, chefe da área de processos especiais deste instituto. Foi esse civil que
criou essa área de processos especiais e a integrou ao programa nuclear da Aeronáutica, sob
encargo do tenente-coronel José Alberto Albano Amarante.
O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares de São Paulo (IPEN) era, em 1978,
o único instituto brasileiro na área nuclear não subordinado à NUCLEBRÁS, isto
porque o Superintendente do IPEN, Dr. Rômulo Ribeiro Pieroni, teve visão para
resistir e evitar que o maior Instituto de Pesquisas Nucleares do Brasil ficasse sujeito
às salvaguardas internacionais, como eram todas as atividades contempladas no
acordo BRASIL – ALEMANHA.
119
Conseguir o apoio da única instituição de pesquisa na área nuclear que estava imune
às atenções e restrições da AIEA era muito importante para o projeto nuclear da Marinha do
Brasil. Em decorrência disso, o IPEN foi a instituição escolhida pela Marinha no segundo
semestre de 1979 para sediar o seu programa nuclear.
Após o comandante Othon haver constado que o desenvolvimento da tecnologia de
enriquecimento de urânio a laser não seria exeqüível no tempo esperado, o IPEN e a Marinha
do Brasil deram continuidade ao projeto de ultracentrifugação no campo universitário da
USP. A Marinha do Brasil e o IPEN criaram um departamento em 1979 e o instalaram nessa
universidade, em 1980, a fim de coordenar o projeto nuclear. Segundo Renato Archer, “a
Marinha progrediu mais, porque percebeu que tinha uma justificativa específica para se
dedicar com maior interesse a questão: a construção de um submarino a propulsão nuclear”
120
. A fim de prosseguir com a construção do reator nuclear que iria abrigar o futuro
submarino de propulsão nuclear brasileiro, o almirante Maximiniano da Fonseca concedeu os
recursos iniciais, em 1979, e demais recursos ao longo da década de 1980.
121
119
FONSECA, Maximiniano Eduardo da Silva. Projeto do submarino nuclear: uma notável conquista
tecnológica. Revista do Clube Naval, 1994. p. 6.
120
ROCHA FILHO, Álvaro. GARCIA, João Carlos Vitor (Org.) Renato Archer: Energia atômica, soberania e
desenvolvimento. Rio de janeiro: Contraponto, 2006. p. 155.
121
FONSECA, Maximiniano Eduardo da Silva. Projeto do submarino nuclear: uma notável conquista
tecnológica. Revista do Clube Naval, 19994. p. 7.
81
O físico civil Rex Nazareth Alves assim que tomou conhecimento do projeto de
ultracentrifugação, em setembro de 1979, prestou também seu apoio. Naquele momento,
Nazareth Alves era um dos diretores executivos da Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEN). A presidência dessa comissão estava a cargo de Hervásio Guimarães de Carvalho. O
comandante Othon assim que concluiu o planejamento do projeto de ultracentrifugação, em
novembro de 1979, solicitou apoio financeiro da CNEN. O presidente dessa comissão,
Hervásio de Carvalho, negou o financiamento por ter estreitas relações com os Estados
Unidos. De acordo com Renato Archer, “ele se achava pessoa de total confiança dos
americanos e, por isso, acreditava que os americanos concordariam com um
desenvolvimento nuclear sob seu controle”
122
. Embora Hervásio de Carvalho negasse apoio
financeiro ao projeto de ultracentrifugação, o projeto nuclear da Marinha do Brasil possuía o
apoio do presidente Figueiredo.
O projeto nuclear de desenvolvimento da ultracentrífuga teve seu início em 2 de
fevereiro de 1980 com recursos alocados, a principio, do orçamento da Marinha do Brasil. No
início da década de 1980, Nazareth Alves assumiu a presidência da CNEN e, a partir desse
momento, o projeto pôde contar também com os recursos alocados dessa comissão. Em
dezembro de 1981, concluiu-se a construção da primeira ultracentrífuga brasileira. Este foi o
primeiro passo concreto do Brasil na produção autônoma de tecnologia nuclear.
As duas crises energéticas internacionais demonstraram ao governo federal o quanto
era preciso investir em novas tecnologias para diminuir a dependência do Brasil em petróleo.
Em 1979, o Brasil importava 85% do petróleo que consumia. Embora as explorações
offshores fossem realizadas pela Petrobrás e por multinacionais em águas rasas, a produção de
petróleo era reduzida. Dessa forma, a energia nuclear para a produção de eletricidade
corresponderia a uma opção válida para o governo brasileiro contornar a crise econômica e a
122
ROCHA FILHO, Álvaro. GARCIA, João Carlos Vitor (Org.) Renato Archer: Energia atômica, soberania e
desenvolvimento. Rio de janeiro: Contraponto, 2006. p. 156.
82
dependência de petróleo. Percebe-se que o Acordo Nuclear Brasil-RFA de 1975 foi concebido
pelo presidente Figueiredo como uma estratégia mais econômica do que política. A estratégia
optada por Figueiredo para fortalecer o Brasil politicamente no sistema internacional era a
construção da bomba atômica. Embora esse projeto nuclear tivesse sua concepção no final do
governo Geisel, foi o presidente Figueiredo em consonância com o CTA que buscou
viabilizá-lo técnica e financeiramente.
Figueiredo apoiava o desenvolvimento e a construção do reator nuclear com a
finalidade de produzir eletricidade. O projeto do submarino nuclear ainda representava uma
idéia das autoridades militares, em especial, do comandante Othon. Assim como Geisel, o
presidente Figueiredo também compreendeu a importância estratégica do projeto nuclear da
Marinha do Brasil. Contudo, ele concentrou suas preocupações, pelo menos até a Guerra das
Malvinas, na questão energética. Esse presidente, ainda não havia sido convencido pelas
autoridades militares e civis envolvidas na parceria estratégica Marinha do Brasil-IPEN-
CNEN sobre a importância estratégia de se construir um submarino de propulsão nuclear.
2.2 A Guerra das Malvinas como observatório das autoridades político-militares brasileiras
A história político-militar nos trás a tona a antiga rivalidade existente entre Brasil e
Argentina. No entanto, como o sociólogo argentino Carlos Girotti afirma em Estado Nuclear
no Brasil a pressão estadunidense para que ambos os países cancelassem seus processos de
83
transferência de tecnologia nuclear com os alemães foi decisiva para que Brasil e Argentina
dessem continuidade aos seus programas nucleares.
Em maio de 1980, o presidente brasileiro João Baptista Figueiredo visitou a
Argentina sendo o tema nuclear um dos protagonistas da agenda. Nesse mesmo
momento os ministros das relações exteriores do Brasil, Ramiro Saraiva Guerreiro, e
da Argentina, Carlos Pastor, assinaram o Acordo de Cooperação entre o governo da
República Argentina e o governo da República Federativa do Brasil para o
desenvolvimento e a aplicação dos usos pacíficos da energia nuclear.
123
Desde antes da Guerra das Malvinas, o governo Figueiredo buscava solucionar o
problema energético. Embora os EUA questionassem as finalidades do Programa Nuclear
Brasileiro, o governo estadunidense, pelo menos até a administração de Carter, não
empreenderam maiores esforços político, econômicos e/ ou militares para embargar este
programa.
Em função da política externa empreendida pelo presidente estadunidense Ronald
Reagan, a idéia do Brasil de se tornar uma potência nuclear seria politicamente inviável. A
RFA foi o único país europeu a institucionalizar uma relação, envolvendo a questão nuclear,
com países em desenvolvimento da América do Sul.
Um dos motivos que motivou a Inglaterra a se aproximar do Brasil era que James
Callagham, primeiro-ministro da Inglaterra, acreditava que o Brasil pudesse contribuir para
solucionar os problemas existente entre Inglaterra e Argentina por causa das ilhas Malvinas.
Segundo Spektor, a posição neutra do Brasil nessa questão constituiu um dos motivos da
aproximação política entre Brasil e Inglaterra ter recuado.
124
Embora a França tenha assinado
alguns acordos com o Brasil na década de 1970, buscou não formalizar maiores relações.
Apesar de todo o intento do governo Carter para embargar o Programa Nuclear Brasileiro, a
123
Tradução livre da autora: “En mayo de 1980, el presidente brasileño Joao Baptista Figueredo visitó Argentina
siendo el tema nuclear uno de los protagonistas de la agenda. En ese mismo momento los ministros de relaciones
exteriores de Brasil, Ramiro Saravia Guerreiro, y de Argentina, Carlos Pastor, suscribieron el Acuerdo de
Cooperación entre el gobierno de la República Argentina y el gobierno de la República Federativa del Brasil
para el desarrollo y la aplicación de los usos pacíficos de la energía nuclear.” In: MILANESE, Juan Pablo. La
Energía uclear: Generador de Confianza Recíproca e Integración entre Argentina y Brasil en los ’80. Lisboa :
CIES-ISCTE, 2006. (CIES e-Working Paper, 10). 5-6pp. Disponível em
<http://loki.iscte.pt:8080/dspace/bitstream/10071/177/4/CIES-WP10_Milanese_.pdf>. Acessado em 10 jul 2009.
124
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. p. 129.
84
RFA manteve o compromisso com o Brasil. No entanto, havia resistência internas na
Alemanha também desejando o fim do acordo nuclear. Dessa maneira, entende-se que o
Brasil não tinha muitas opções a não ser buscar parcerias estratégicas entre os países em
desenvolvimento.
A Argentina, dentre os países sul americanos, era a única que se mostrava capaz de
se nuclearizar. A Guerra das Malvinas foi crucial para que as autoridades político-militares
argentinas compreendessem a política externa do governo Reagan.
Como será explorado a seguir, em um processo inverso, os governos brasileiro e
argentino optaram por tornar suas relações político-militares mais flexíveis e ainda mais
complacentes no campo da atividade nuclear. A decepção das autoridades político-militares
argentinas com o governo estadunidense no início da década de 1980 foi ainda mais decisiva
para que a Argentina recorresse ao Brasil como aliado potencial no campo da atividade
nuclear.
Segundo Janina Onuki, a expansão da hegemonia brasileira no Continente sul
americano constituía um fator que definia a inédita aproximação entre Brasil e Argentina.
125
Carlos Girotti afirma que, essa rivalidade era fomentada por setores burgueses de ambos
os países. A questão da rivalidade Brasil e Argentina no hemisfério sul é relativa e histórica.
As áreas da bacia platina constituíam focos de tensão geopolítica que remontavam a história
da colonização americana. Contudo, na década de 1970 que, como se analisou, o Atlântico
Sul passou a chamar mais a atenção das autoridades político-militares brasileiras. Dessa
maneira, a região platina deixou de concentrar as atenções dessas autoridades. Exemplo disso
é que, em 1979, Brasil, Argentina e Uruguai assinaram o Acordo Tripartite de Cooperação
Técnico-Operativo. Esse acordo permitia o uso, por esses países, das usinas de Itaipu e
Corpus e a regularização da navegabilidade pelo rio Paraná.
125
ONUKI, Janina. Brasil-Argentina: do conflito à cooperação. in: OLIVEIRA, Henrique Altermani.
ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon. (Orgs) A política externa brasileira na visão dos seus protagonistas.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 30.
85
Por mais que ainda pudessem haver, nas décadas de 1970 e 1980, rivalidades entre
esses países, a pressão do governo Reagan para que ambos os países abandonassem seus
programas nucleares promoveu um processo inverso.
Segundo Girotti,
o paradoxal é que foi em função da posição norte-americana que esses programas
nucleares entraram em uma fase de aceleração. Errados ou omissos, os EUA
empurraram a Argentina e o Brasil para a busca de sócios mais flexíveis e que
tivessem em condições de vender com rapidez a ansiada tecnologia do átomo.
126
Foram as pressões dos EUA e de organismos internacionais para que a RFA e/ ou os
países sul americanos cancelassem seus acordos nucleares que tornaram os tradicionais rivais
em aliados e que contribuíram ainda mais para o crescimento econômico da RFA na América
do sul.
Tanto o Brasil quanto a Argentina vivenciavam nessa época regimes políticos
parecidos. Segundo Claudio Gontijo, os militares argentinos quando deram um golpe de
Estado, a taxa anual de inflação era de 1.000%, déficit fiscal de 16% do PIB e a economia
estava mergulhada em recessão
127
. Os militares atribuíam a crise econômica argentina à
corrupção e à especulação política, econômica e ideológica.
O golpe militar que a Argentina vivenciou foi chamado pelos militares de Proceso de
Reorganización Nacional (PRN). Os objetivos desse processo eram restabelecer a ordem,
reorganizar as instituições e criar as condições, na concepção dos militares, para uma
autêntica democracia. A tomada do poder pelos militares na Argentina tinha como alegação a
contenção do comunismo e o combate ao subdesenvolvimento. “A desmobilização e o
desânimo dos atores políticos e sindicais garantiram a passividade com que foi recebido o
126
GIROTTI, Carlos A. Estado nuclear no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 177.
127
GONTIJO, Cláudio. Política de estabilização e abertura externa: uma análise comparativa das experiências do
Chile, da Argentina e do México. Revista de Economia Política, volume 15, Nº. 1 (57), janeiro – março de 1995.
p. 42.
86
golpe, cumprindo de sobra com as expectativas de seus protagonistas.”
128
Essa tese também
foi sustentada por estudiosos em relação ao regime militar no Brasil.
De acordo com Marcos Navarro e Vicente Palermo, houve um consenso social que
prestou apoio e se solidarizou com o golpe militar de 1976. A tese sustentada por políticos
argentinos conservadores e por setores empresariais alegava que esse consenso social se
baseava na crença de que o governo civil, desde 1974, não ofereceu alternativa a tomada do
poder pelos militares em 1976.
Desde que a Argentina se lançou na busca pela capacitação tecnológica nuclear, esse
desenvolvimento tecnológico foi orientado pelas autoridades civis para atender as demandas
do desenvolvimento sócio-econômico.Dessa forma, apesar da grave crise econômica pela qual
a Argentina passava na década de 1970, a usina nuclear argentina Atucha I entrava em
operação comercial em 1974.
Apesar desse significativo progresso tecnológico no campo da atividade nuclear,
mesmo com os militares a frente do Programa Nuclear Argentino, as finalidades desse
programa estavam longe de serem militares. Com o objetivo de garantir créditos financeiros
de empresas estadunidenses, o presidente Jorge Rafael Videla (1976-1981) estabeleceu em
acordo, em 1978, com o governo estadunidense que convidaria a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos a fim de avaliar as condições dos direitos humanos na Argentina. Em troca
o governo estadunidense apoiaria a gestão de créditos do Eximbank destinados à represa de
Yacyretá. Os estadunidenses se mostraram preocupados
com o desenvolvimento nuclear argentino e com a possibilidade de que, ao
aprofundar-se o distanciamento gerado em razão das seqüelas da repressão, os
militares nacionalistas adquirissem força e aproveitassem a situação para promover a
Argentina como potência regional autônoma
129
.
128
NOVARO, Marcos. PALERMO, Vicente. A ditadura militar argentina: do golpe de Estado à restauração
democrática. São Paulo: Edusp, 2007. p. 29.
129
NOVARO, Marcos. PALERMO, Vicente. A ditadura militar argentina: do golpe de Estado à restauração
democrática. São Paulo: Edusp, 2007. p. 378.
87
Jorge Rafael Videla foi sucedido por Roberto Eduardo Viola. O último manteve-se
na presidência de 29 de março a 11 de dezembro de 1981. Seu governo foi caracterizado pela
emissão de claros indícios de que sua proposta era a de modificar a orientação ideológica do
golpe militar. “A agenda anti-subversiva, que já havia perdido influência no segundo período
de Videla, perdurou exclusivamente como núcleo básico das concordâncias internas e
bandeira fundamental dos êxitos do regime.”
130
O regime militar na Argentina acompanhou a
reorientação ideológica estadunidense.
Apesar de Viola exercer um governo menos autoritário, para as instituições militares
argentinas, a guerra contra a subversão comunista ainda constituía a principal ameaça ao país.
Sendo assim, Viola foi forçado a renunciar ao poder por uma junta militar que julgou que seu
governo não era condizente com as propostas do regime militar. Em dezembro de 1981,
assumiu a presidência da Argetina, o general Leopoldo Fortunato Galtieri Castelli. Este
general se manteve na presidência da Argetina até 18 de Junho de 1982. Não havia ainda
nesse período mobilizações, protestos ou medidas de força da sociedade que pudessem
ameaçar o regime militar. além disso, os grupos que poderiam oferecer alguma ameaça ao
regime não haviam ainda sensibilizado a opinião pública. “Embora a resistência ainda não
fosse muito importante, das trincheiras do regime podia-se observar a ineficácia das forças
da ordem e sua involuntária contribuição para um quadro de descontrole e transbordamento
social.”
131
Havia o receio de que se Viola permanecesse no governo essas formas de
expressão social pudessem aflorar. Assim, adotou-se a estratégica assunção de Galtieri para
evitar o desmanche político do regime. No entanto, as instituições militares reconheciam que
as bases que sustentavam o regime estavam perecendo.
130
NOVARO, Marcos. PALERMO, Vicente. A ditadura militar argentina: do golpe de Estado à restauração
democrática. São Paulo: Edusp, 2007. p. 468.
131
NOVARO, Marcos. PALERMO, Vicente. A ditadura militar argentina: do golpe de Estado à restauração
democrática. São Paulo: Edusp, 2007. p. 510.
88
Galtieri adotou uma postura nacionalista como estratégia para reconquistar a
legitimidade do regime militar e envolveu a Argentina numa guerra contra a Inglaterra pela
disputa de soberania sobre as Ilhas Malvinas. A retomada das Ilhas Malvinas concretizaria a
unidade nacional e a do próprio regime, permitindo restabelecer com pouco esforço sua
posição dominante perdida”
132
.
A Guerra das Malvinas se transformou num observatório para as autoridades
político-militares brasileiras. “Leopoldo Galtieri buscava ocupar o vácuo deixado pelo
Brasil, como o principal aliado dos estadunidenses na América Latina.”
133
Como
conseqüência do fato de o governo Figueiredo dar continuidade à política de diversificação de
parcerias internacionais, empreendida primeiramente por Geisel, da decisão brasileira de não
assinar o TNP e, ao mesmo tempo, por desenvolver a tecnologia nuclear sem o apoio dos
Estados Unidos, o Brasil havia deixado de ser o seu aliado especial na América do sul.
O Programa Nuclear da Argentina, como mencionado, se encontrava na década de
1980, bem mais adiantado que o Programa Nuclear Brasileiro. A Argentina tinha condições
tecnológicas de desenvolver tecnologia nuclear para fins bélicos, mas ao contrário do Brasil
não optou por dar continuidade a esse programa na clandestinidade. Ao se lançar numa guerra
contra a Inglaterra, uma potência política, econômica e militar, e que, sobretudo, dominava a
tecnologia nuclear militar, a Argentina se lançou numa guerra para a qual não possuía
condições militares e tecnológicas que oferecesse dissuasão ou ameaça a países que possuíam
forças armadas de primeira linha, como Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra ou
França.
A ocupação militar das Ilhas Malvinas se efetivou no dia 2 de abril de 1982. No dia
anterior, quatro horas depois do começo damobilização das forças de ocupação, o
132
NOVARO, Marcos. PALERMO, Vicente. A ditadura militar argentina: do golpe de Estado à restauração
democrática. São Paulo: Edusp, 2007. p. 541.
133
MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Argentina e Brasil: a balança de poder no Cone Sul. São Paulo:
Annablume, 1996. 114p. in: SANTOS, Rafael Macedo da Rocha. A importância da guerra das Malvinas na
consolidação da integração latino-americana nos anos 80. Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 4, Nº16,
Rio, 2009. Disponível em <http://www.tempopresente.org/index.php?
option=com_content&task=view&id=4811&Itemid=147>. Acessado em 9 jul 2009.
89
Presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, falou com o Presidente Galtieri para
convencê-lo a desistir da operação e da necessidade de buscar uma alternativa ao
emprego da força. A tentativa foi infrutífera.
134
A Argentina foi buscar respaldo para a sua causa no TIAR, firmado durante a
Conferência do Rio de Janeiro em 1947 e, posteriormente subscrito e ratificado por
praticamente todos os países do continente. No entanto, os Estados Unidos adotaram uma
posição favorável à Inglaterra e desconsideraram os termos do TIAR. Essa posição dos EUA
levou ao aumento das divergências entre esse país e os países sul americanos. Marcelo Fabián
Sain sustenta a tese de que “a derrota político-militar das Malvinas marcou o início da
ruptura do regime militar inaugurado em 1976”
135
.
A negação do apoio dos Estados Unidos à Argentina na Guerra das Malvinas
constituiu o ponto de partida definitivo para o Brasil comprovar a ineficácia do TIAR e
construir uma base sólida de relacionamento político-econômico-tecnológico com a
Argentina. Apesar de o governo estadunidense haver alertado as autoridades político-militares
argentinas a não se envolver numa guerra com a Inglaterra, Galtieri empreendeu a guerra pela
retomada das Ilhas Malvinas.
Após um sumário da política argentina no contexto do regime ditatorial
experimentado pelo país, se focará agora em entender como as autoridades político-militares
brasileiras perceberam a política externa argentina e como o “desencanto”
136
com os Estados
134
RAPOPORT, Mario. A Guerra das Malvinas e a política exterior argentina: a visão dos Protagonistas. Maio
de 1996. p. 11. Disponível em <http://ftp.unb.br/pub/UNB/ipr/rel/rbpi/1996/98.pdf >. Acessado em 3 jul 2009.
135
SAIN, Marcelo Fabián. Democracia e forças armadas entre a subordinação militar e os defeitos civis. In:
D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. Democracia e forças armadas no cone sul. Rio de Janeiro: FGV,
2000. p. 23.
136
Utilizou-se essa expressão romântica para denominar a sensação de abandono que Galtieri e a cúpula militar
do regime sentiu quando os Estados Unidos negaram apoiá-los na Guerra das Malvinas. Segundo Marcos
90
Unidos tornaram a Argentina um dos principais aliados políticos e militares do governo
brasileiro na década de 1980.
O governo Figueiredo marcou sua posição de apoio ao governo argentino durante a
guerra pelo princípio da solidariedade, insistindo numa resolução do conflito pelas vias
diplomáticas. Dessa forma, o Brasil, ao mesmo tempo que, atraia uma aliança política com a
Argentina, matinha uma relação favorável com a Inglaterra à medida que não participava
diretamente do conflito. Muitos países acreditavam que o Brasil poderia contribuir para a
resolução diplomática da guerra. A Inglaterra, os EUA e a Alemanha tentaram persuadir o
presidente Figueiredo para que assumisse um papel destacado nessa guerra. O ministro do
Exterior da Inglaterra aproveitou que o presidente da RFA, Karl Carstens, estava em visita ao
Brasil, para instruir os diplomatas europeus no Brasil a exigir que as tropas argentinas saíssem
das Malvinas. A RFA era membro da Organização do Tratado do Altântico Norte (OTAN) e o
Brasil e a Argentina eram membros do TIAR. Por mais que as relações entre alemães e
argentinos fossem favoráveis, no curso da guerra, automaticamente, os alemães seriam
forçados a se posicionarem do lado inglês. As relações entre a RFA e o Brasil passaram a ser
tensas nesse cenário de guerra.
Os EUA também desejavam que o Brasil pudesse ser mais diplomaticamente atuante
nesse cenário.
Embora boa parte da documentação necessária para elucidar o intercâmbio
brasileiro-americano nesse período ainda esteja fechada para pesquisa, há indicações
de que Washington quis, mas não conseguiu, mobilizar o apoio de Brasília para uma
possível mediação.
137
A Guerra das Malvinas poderia gerar uma escalada armamentista nuclear no
Atlântico Sul. Por o Brasil ser signatário do TIAR, poderia buscar desenvolver a bomba
Novaro e Vicente Palermo, Galtiere e os linha-duras do regime militar alimentaram descomunais ilusões sobre a
relação especial e a aliança anticomunista com os Estados Unidos. E se Galtiere se sentiu encantado pela
ideologia estadunidense foi porque o governo Carter o mimou e o cortejou. In: NOVARO, Marcos. PALERMO,
Vicente. A ditadura militar argentina: do golpe de Estado à restauração democrática. São Paulo: Edusp, 2007. p.
548.
137
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 180.
91
atômica junto com a Argentina. Um Atlântico Sul nuclearizado poderia atrapalhar as rotas de
navegação, as linhas de comunicação e a economia dos países que dependiam do tráfego
nessa região. Segundo o comandante Othon, “com a chegada dos submarinos nucleares às
zonas de conflito, os britânicos estabeleceram uma Zona de Exclusão Total (ZET) de 200
milhas marítimas (370 km) de raio em torno das ilhas, o que negou o uso do mar aos
argentinos numa região muito próxima ao seu país”
138
. Em de dois de maio de 1982, o
submarino nuclear da Inglaterra Conqueror detectou o Grupo Tarefa constituído pelo
Cruzador General Beltrano e dois contratorpedeiros. O comandante do submarino Conqueror
pediu autorização ao governo inglês para abater o Cruzador Beltrano. Esse navio foi atacado
por dois torpedos MK-8
139
por opção do próprio comandante do submarino nuclear inglês.
O afundamento do navio, com perda de 323 homens de uma guarnição de 1093, veio
reforçar o temos argentino da impossibilidade de lidar com submarinos nucleares; a
decisão, a partir daí, de não mais empregar a sua força naval de superfície decorre,
possivelmente, do entendimento de sua vulnerabilidade e de que o seu emprego não
seria decisivo (...).
140
Assim, a utilização dos submarinos nucleares ingleses para projetar poder sobre o
território argentino, negando o uso do mar juridicamente argentino a eles mesmos foi decisivo
para que o presidente João Batista Figueiredo avaliasse a importância estratégica da
tecnologia nuclear e viabilizasse financeiramente a construção submarino de propulsão
nuclear brasileiro. Assim como também confirmou a premissa dos militares de que, “no
evento de uma confrontação, a força naval que não estiver dotada do submarino nuclear
ficará em flagrante inferioridade em face do adversário que possuir esse vetor. Para a
Marinha brasileira, essa premissa foi confirmada na Guerra das Malvinas”
141
.
138
SILVA, Othon Luiz Pinheiro da. Submarino de propulsão nuclear no Brasil. Revista do Clube Naval, 1994. p.
26.
139
O submarino nuclear inglês possuía torpedos bem mais modernos do que MK-8, como o tigerfishs. O MK-8 é
uma herança da Segunda Guerra Mundial.
140
VIDIGAL, Armando. ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de. (Org.) Guerra no mar: batalhas e campanhas
navais que mudaram a história. Rio de Janeiro: Record, 2009. p. 512.
141
CAVAGNARI FILHO, Geraldo Lesbat. Ciência e Tecnologia no Brasil: Uma Nova Política para um Mundo
Global.. 1993. Disponível em < http://www.schwartzman.org.br/simon/scipol/pdf/militar.pdf > Acessado em 18
jul 2009.
92
Segundo Galtieri, em entrevista concedida à jornalista italiana Oriana Fallaci dias
antes da rendição da Argentina,
Nossos aliados naturais são os latino-americanos. Estreitaremos contatos com esse
mundo ao qual pertencemos histórica e culturalmente (...) Nós estávamos ligados
demasiadamente aos estados Unidos e a europa ocidental (...) Se os Estados Unidos
isolam a Argentina tanto militar quanto economicamente, se a Europa faz o mesmo,
se o Ocidente nos dá a espada (...) qual opção nos resta?
142
A erosão do poder dos militares na sociedade argentina após a Guerra das Malvinas
deu início ao processo de transição política. Pode-se afirmar assim, que, a Guerra das
Malvinas foi palco de observação tanto para o Brasil quanto também para a própria Argentina.
A partir dessa guerra, a Argentina compreendeu que somente se aliando estrategicamente ao
Brasil conseguiria se fortalecer politicamente no sistema internacional. Como analisado,
antes mesmo dessa guerra explodir no Atlântico Sul, o Brasil havia compreendido a
importância dessa aliança estratégica.
A Guerra das Malvinas foi importante para a política nuclear argentina à medida que
somente a partir de seu fim foi que a Argentina orientou sua política nuclear para as
finalidades bélicas. Essa guerra foi também importante para a política nuclear brasileira a
medida que o presidente Figueiredo compreendeu a importância de construir um
submarino nuclear quando um submarino de propulsão nuclear britânico forçou a Marinha
argentina a permanecer em seus portos durante a Guerra. Ambos os países notabilizaram a
atuação do submarino nuclear britânico e compreenderam o poder de projeção que exerceram
em um curto tempo e numa velocidade muito superior a que estavam acostumados a conhecer.
Segundo Girotti, Castro Madero afirma que,
142
Tradução livre da autora: “nuestros aliados naturales son los latinoamericanos. Estrecharemos contactos com
ese mundo al que pertenecemos histórica y culturalmente (...) Nosotros estábamos demasiados ligados a Estados
Unidos e Europa Occidental (...) Si Estados Unidos aísla a la Argentina tanto militar como economicamente, si
Europa hace lo mismo, si Ocidente nos da la espalda (...) qué outra opción nos queda? in: TERRAGNO,
Rodolfo H.. Falklands. Buenos Aires: Ediciones De la Flor, 2002. 247p. in: SANTOS, Rafael Macedo da Rocha.
A importância da guerra das Malvinas na consolidação da integração latino-americana nos anos 80. Revista
Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 4, Nº16, Rio, 2009. Disponível em <
http://www.tempopresente.org/index.php?option=com_content&task=view&id=4811&Itemid=147 > Acessado
em 18 jul 2009.
93
uma conseqüência disso [derrota dos argentinos na Guerra das Malvinas] é estudar a
viabilidade de construir um submarino atômico. É lamentável que isso aconteça,
pois a Argentina havia tomado a decisão de usar toda a sua capacidade com fins
pacíficos; mas a utilização, pela Inglaterra, de submarinos nucleares que anularam a
capacidade operativa de nossa frota, nos levaram a essa determinação.
143
Percebe-se assim que, a construção do submarino de propulsão nuclear brasileiro
poderia ser associada, na década de 1980, mais à hegemonia política brasileira no continente
sul americano do que à disputa bélica entre Brasil e Argentina.
Dessa forma, compreende-se assim que, tanto o governo Geisel quanto o governo
Figueiredo perceberam que as questões econômicas internacionais, acirradas pelos problemas
energéticos, correspondiam a problemas fundamentalmente políticos.
Em decorrência dos princípios básicos do universalismo implementado no Governo
Figueiredo pelo chanceler Guerreiro, com os conceitos de dupla inserção no
Ocidente e no Terceiro Mundo, aceitação da diversidade, solidariedade entre os
países em desenvolvimento, entre outros, reservou-se ao Terceiro Mundo um espaço
privilegiado no relacionamento externo do Brasil.
144
Embora não houvesse maiores relações políticas formalizadas em acordos entre
Brasil e Inglaterra, foi fundamentalmente estratégico que o Brasil fosse solidário a Argentina
sem romper relações políticas e diplomáticas com a Inglaterra. Os EUA foram solidários a
causa inglesa. Dessa maneira, ao manter um bom relacionamento com a Inglaterra, o Brasil
estava mantendo um bom relacionamento com os EUA.
Pode-se perceber assim que, tanto a observação do governo brasileiro em relação ao
emprego de submarinos nucleares ingleses na Guerra das Malvinas quanto o resultado
promissor da primeira ultracentrífuga brasileira constituíram fatos que motivaram o presidente
Figueiredo a apoiar a construção do submarino nuclear. A princípio, Figueiredo havia apoiado
o desenvolvimento do ciclo do combustível nuclear para sanar os problemas energéticos.
Após a Guerra das Malvinas, o presidente Figueiredo prestou apoio político e
financeiro a todos os projetos nucleares da Marinha do Brasil. Em 1982, “a Secretaria Geral
143
MADERO, Castro. In: MARTINEZ, Hugo. Submarino nuclear tem prazo.O Estado de São Paulo, 25 de
julho de 1982. in: GIROTTI, Carlos A. Estado nuclear no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 188.
144
OLIVEIRA, Henrique Altemani de. Política externa brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 185.
94
do Conselho de Segurança Nacional, o Ministério da Marinha e o Ministério da Aeronáutica
definiram as áreas de atribuição de cada organização de pesquisa e desenvolvimento das
forças singulares no campo nuclear”
145
. Embora a Guerra das Malvinas tenha solidificado as
relações bilaterais Brasil-Argentina, o Brasil ainda estava no início de seu processo de
enriquecimento de urânio.
Em 1983, a Argentina anunciou que havia dominado o ciclo completo da tecnologia
nuclear. Essas conquistas tecnológicas geraram inquietudes entre as autoridades
internacionais, “fazendo retroceder ainda mais o escasso nível de confiança alcançado por
ambos os países até esse momento”
146
. Dessa forma, tanto o Brasil quanto a Argentina eram
percebidos com desconfianças pelas autoridades internacionais. Contudo, entre esses países as
relações políticas se solificavam ainda mais.
Em 10 de dezembro de 1983, Raúl Alfonsín é eleito presidente da Argentina.
“Alfonsín contava com a firme intenção de colocar sobre novas bases as relações da
Argentina com seus vizinhos da região.”
147
Ambos os presidentes sul americanos estavam
marcadamente comprometidos com a transição democrática e com a aproximação política
entre os países.
2.3 O projeto nuclear da Marinha do Brasil: da Cidade Universitária à cidade do interior de
São Paulo
145
Exposição de Motivos Nº. 0080/ 82. in: CAVAGNARI FILHO, Geraldo Lesbat. Ciência e Tecnologia no
Brasil: Uma Nova Política para um Mundo Global. 1993. p. 28.
Disponível em <http://www.schwartzman.org.br/simon/scipol/pdf/militar.pdf>. Acessado em 14 ago 2009.
146
Tradução livre da autora: “haciendo retroceder aun más el escaso nivel de confianza alcanzado por ambos
países hasta ese momento.” In: MILANESE, Juan Pablo. La Energía uclear: Generador de Confianza Recíproca
e Integración entre Argentina y Brasil en los ’80. Lisboa : CIES-ISCTE, 2006. (CIES e-Working Paper, 10). 6p.
Disponível em <http://loki.iscte.pt:8080/dspace/bitstream/10071/177/4/CIES-WP10_Milanese_.pdf> Acessado
em 10 jul 2009.
147
Tradução livre da autora: “Alfonsín contaba con la firme intención de colocar sobre nuevas bases las
relaciones de la Argentina con sus vecinos de la región.” In: MILANESE, Juan Pablo. La Energía uclear:
Generador de Confianza Recíproca e Integración entre Argentina y Brasil en los ’80. Lisboa : CIES-ISCTE,
2006. (CIES e-Working Paper, 10). 6p. Disponível em
<http://loki.iscte.pt:8080/dspace/bitstream/10071/177/4/CIES-WP10_Milanese_.pdf Acessado em 10 de julho de
2009>. Acessado em 10 jul 2009.
95
No plano externo, a Guerra das Malvinas demonstrou a fragilidade da política
exercida pelas autoridades político-militares nas funções estatais da Argentina. Como
analisado, essa guerra foi palco de observação das autoridades brasileiras. No entanto, o
enfraquecimento político do regime militar argentino também foi reflexo da política
econômica empreendida pelas autoridades político-militares e pela crise econômica
internacional. Sendo assim, a década de 1980 representou um período político e
economicamente catastrófico para todos os governos militares na América Latina.
A crise econômica afetou profundamente às instituições militares, tanto no aspecto
político quanto no aspecto profissional. “Armados com material norte-americano largamente
ultrapassado, os serviços militares reagiam contra a relativa negligência com que foram
tratados seus orçamentos pelos sucessivos governos revolucionários.”
148
As instituições
militares durante o regime se preocuparam mais com as questões políticas do que com as
questões militares. Dentro das instituições militares, os gastos militares se direcionaram mais
as pesquisas científicas e tecnológicas do que para a aquisição de armamentos. Os governos
militares, em especial, o governo Geisel, acreditava que a segurança nacional se efetivaria
por meio do desenvolvimento científico e tecnológico. Por razões políticas, econômicas e
sociais, o atrofiamento das forças armadas, na década de 1980, foi característico em todas as
instituições militares. Um grande exemplo: “o Brasil deixou de construir navios, optando por
comprar navios usados dos Estados Unidos Com isso, o Brasil atrofiou algumas das
capacidades importantes para o exercício do emprego do poder naval de uma nação que
almejava ser politicamente soberana.”
149
Em função do orçamento limitado no governo Figueiredo, as forças armadas tiveram
que priorizar os seus trabalhos: ou reduzia na aquisição de armamentos convencionais ou
148
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo à Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p.p. 464-465.
149
[S/ A] Cinqüentenário do Convênio entre a Marinha do Brasil e a Universidade de São Paulo: a criação do
curso de engenharia naval na Escola Politécnica. São Paulo: Narrativa Um, 2007. p. 79.
96
reduzia no desenvolvimento de projetos que envolvesse a capacitação tecnológica nuclear. As
autoridades políticas e militares no governo Figueiredo resolveram reduzir investimentos na
aquisição de armamentos convencionais para aumentá-los no desenvolvimento dos programas
nucleares.
Conforme foi analisado no início deste capítulo, o projeto de construção do reator
nuclear brasileiro estava sendo desenvolvido pelo departamento que a Marinha do Brasil
criou, em 1979, no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares. O governo Figueiredo
representou uma continuidade política do governo Geisel na condução do Programa Nuclear
Paralelo como também na condução da abertura do regime militar. “A transição brasileira à
democracia deu-se por vias que implantaram um padrão bastante peculiar nas relações
civis-militares.”
150
No Brasil, a abertura do regime político foi iniciada pelas próprias
autoridades político-militares.
Eliézer Rizzo de Oliveira defende a teoria de que os atores políticos que atuaram
durante o regime militar, por motivos diferenciados, não tiveram interesse e/ ou condições de
conduzir o processo de abertura do regime militar
151
. De fato, as organizações guerrilheiras,
manifestações e protestos sociais que resistiram à ditadura não tiveram condições de
sensibilizar a opinião pública. Isso se deve em função dos militares da linha dura
institucionalizarem a tortura como estratégia de controle social. Segundo Skidmore, “os
brasileiros que pensavam em ingressar na oposição tinham agora que refletir bastante”
152
. E
os políticos que se mostravam publicamente contrários ao regime tinham seus mandatos
cassados. Sendo assim, por mais que existissem grupos sociais contrários ao regime militar,
150
OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. SOARES, Samuel Alves. Forças Armadas, direção política e formato
institucional. in: D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. Democracia e Forças Armadas no Cone Sul. Rio
de Janeiro: FGV, 2000. p. 99.
151
OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. SOARES, Samuel Alves. Forças Armadas, direção política e formato
institucional. in: D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. Democracia e Forças Armadas no Cone Sul. Rio
de Janeiro: FGV, 2000. p. 100.
152
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1989. p. 181.
97
os militares minavam qualquer possibilidade desses grupos fomentarem uma mobilização
nacional contra o governo brasileiro.
Como analisado, os militares alegaram que deram o Golpe para estabilizar o Brasil.
Em função dos militares utilizarem o terror para evitar maiores reações nacionais, a oposição
e a própria sociedade se sentiu intimidada a seguir com protestos. Contudo, a crise energética
ao longo da década de 1970 e a crise inflacionária ao longo da década de 1980 permitiram que
o governo brasileiro percebesse que a estabilização havia se tornado uma ilusão. Exemplo
disso foi a suposta prosperidade econômica que o alcançou no início da década de 1970.
Dessa maneira, os militares foram gradativamente tornando o regime mais flexível.
Assim, pode-se afirmar que foram os próprios militares que promoveram a abertura e
entregaram o poder aos civis. Contudo, alguns militares entenderam que a crise não era
justificativa para que o governo entregasse o poder aos civis. Logo, tanto o governo quanto as
instituições militares brasileiras ficaram divididas. Ainda que o governo pusesse fim ao
bipartidarismo, as eleições para a presidência seriam realizadas por meio do voto indireto.
Além disso, os atos terroristas, cometidos por agentes ligados ao aparelho ditatorial contra
bancas de jornais que colocavam a venda publicações consideradas subversivas e a tentativa
frustrada de militares brasileiros de explodir uma bomba no Rio Centro, no Rio de Janeiro,
em 1981, desgastaram ainda mais a imagem do regime militar. Sendo assim, ainda que o
Partido Democrático Social (PDS)
153
financiasse uma propaganda sofisticada pelos meios de
comunicação em massa, não foi surpresa para o partido nem para o governo perdas políticas
nas eleições de 1982.
Com o enfraquecimento político do regime militar, o PDS também sofreu um abalo
na disputa eleitoral, em especial, no governo do estado de São Paulo. “Os resultados da
primeira eleição estadual após o golpe de 1964, realizada em 1982, foram amplamente
153
Partido fundado em 1980, após o fim do sistema bipartidário do regime militar.
98
negativos para os grupos de direita que controlavam a prefeitura e o governo estadual.”
154
As eleições para as prefeituras e para os governos estaduais de 1980 foram adiadas para 1982.
O adiamento dessas eleições foi uma estratégia do governo Figueiredo para protelar e/ ou
evitar possíveis perdas em locais importantes. Como analisado, a crise econômica pela qual o
Brasil vivenciava permitia uma gradativa flexibilidade nas ações políticas e militares do
governo e, portanto, o crescimento da força das oposições. Os eleitores brasileiros votaram
em todas as esferas políticas, exceto para o poder federal. O PDS sofreu fortes perdas na
Câmara dos Deputados. No entanto, para surpresa dos eleitores e do governo federal, o recém-
criado Partido dos Trabalhadores (PT), elegeu deputados estaduais, prefeitos e vereadores,
sobretudo, no estado de São Paulo. Segundo Skidmore, o PT foi o fenômeno mais interessante
na política partidária e o PMDB demonstrou força e coesão nas eleições de 1982
155
. Contudo,
embora o PT constituísse como a grande novidade política, obteve poucos votos nas grandes
cidades, inclusive em São Bernardo. Nas cidades do interior, o PT não obeteve
expressividade política nas eleições. o PMDB, desde 1981, vinha publicando em sua
revista manifestos do partido e artigos sobre os problemas sócio-econômicos do Brasil.
O governo do estado de São Paulo estava sob a responsabilidade de José Maria
Marin, político representante da Arena. Nas eleições de 1982, André Franco Montoro, político
representante do PMDB, venceu as eleições para o governo do estado de São Paulo “A
oposição agora tinha o controle de estados-chaves.”
156
Para as instituições envolvidas no Programa Nuclear Paralelo, perder o controle
político sobre o estado de São Paulo constituiu numa das maiores perdas que o PDS poderia
sofrer. O projeto nuclear da Marinha do Brasil estava sendo conduzido por militares e civis no
campus da Universidade de São Paulo, instituição subsidiada pelo governo do estado de São
154
MARQUES, Eduardo César. Redes sociais, instituições e atores políticos no governo da cidade de São
Paulo. São Paulo: Annablume, 2003. p. 69.
155
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1989. p.p. 456-457.
156
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1989. p. 457
99
Paulo e que, antes das eleições, estava sob controle político do PDS. Em conseqüência das
promessas do PMDB de dar maior transparência à sua administração, surgiu no IPEN o receio
de que o projeto de construção do reator nuclear fosse tornado público por este partido.
Assim, antes que André Franco Montoro, o novo governador do estado de São Paulo, pudesse
ter conhecimento dos projetos que eram desenvolvidos dentro da USP, o antigo governador
do estado, José Maria Marín, o secretário da Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia,
Osvaldo Palma, e o reitor da USP, Hélio Guerra Vieira, firmaram um convênio, em de
novembro de 1982, com o ministro de Minas e Energia, César Cals e com o presidente da
CNEN, Nazareth Alves, para transferir o controle do IPEN para a CNEN. Foi o general
Danilo Venturini, chefe do Gabinete Militar do governo Figueiredo, quem comandou
diretamente a operação.
Nos termos deste convênio, “o Estado, através da Secretaria, concorda em ceder
gratuitamente à CNEN, pelo período de vigência deste convênio, todos os bens que
constituem o patrimônio do IPEN”
157
. A partir de 1983, reduziu-se assim, a participação do
governo do estado de São Paulo, a um papel simbólico nas questões decisivas do IPEN.
Dessa forma, o convênio transferindo o IPEN para a CNEN foi ratificado quando o
resultado das eleições já havia sido confirmado. Essa rápida transferência foi alvo de suspeitas
na Assembléia Legislativa de São Paulo. Em função disso, o governador de São Paulo, José
Maria Marín, foi pressionado pelos políticos da oposição a dar justificativas acerca dessa
rápida transferência do IPEN.
O deputado estadual Eduardo Suplicy, pertencente ao PMDB, exercia este cargo
desde 1978. Em 1982, ganhou as eleições para o cargo de deputado federal pelo PT. No
entanto, ainda como deputado estadual, em 30 de novembro de 1982, interpelou por meio de
um requerimento o governador de São Paulo. Nesse requerimento, o deputado questionou o
157
[S/N] De Angra a Aramar: os militares a caminho da bomba. São Paulo: CEDI, 1988. p. 48.
100
fato das autoridades políticas, militares e acadêmicas transferirem o IPEN para a CNEN sem
consultar a Assembléia Legislativa e a comunidade científica.
O secretário do governador do estado de São Paulo, Osvaldo Palma recebeu a
incumbência de José Maria Marin para responder ao requerimento de Suplicy. Em resposta,
Osvaldo Palma alegou que, “o Estado logrou obter a liberação de pesados ônus inscritos no
seu orçamento de 1983”
158
. E justificou esses ônus em função de uma “sensível elevação
salarial em benefício do pessoal do IPEN, agora equiparado ao pessoal da Nuclebrás”
159
.
A oposição recebeu respostas evasivas dos envolvidos na transferência do IPEN. No
entanto, analisando mais detalhadamente as alegações do governo de São Paulo permite-nos
perceber que se a equipe deste instituto foi equiparada a equipe da Nuclebrás, é porque os
programas empreendidos pelo IPEN além de absorverem recursos elevados, apresentavam
programas com um nível tecnológico avançado. Sendo assim, a idéia do governador do estado
de São Paulo em afastar as atenções sobre o projeto nuclear da Marinha do Brasil não obteve
sucesso. O objetivo era nítido: a transferência foi rápida para evitar que os projetos
desenvolvidos no IPEN não fossem descobertos pela oposição e que não se tornassem de
conhecimento público, sobretudo, internacional.
As desconfianças de políticos quanto aos projetos que eram desenvolvidos pela
Marinha do Brasil e pelo IPEN, na USP, cresciam paralelamente as conquistas científicas e
tecnológicas do projeto nuclear. Segundo o comandante Othon,
a primeira operação de enriquecimento isotópico de urânio com ultracentrífuga
concebida, projetada e construída no Brasil, ocorreu em setembro de 1982 e
constituiu-se num grande fato tecnológico. A partir de então, foi desenvolvido um
grande programa experimental e de tal aprimoramento, o que conduziu a outras
gerações de ultracentrífugas, colocando-nos em excelente posição em termos
mundiais
160
.
158
[S/N] De Angra a Aramar: os militares a caminho da bomba. São Paulo: CEDI, 1988. p. 48.
159
[S/N] De Angra a Aramar: os militares a caminho da bomba. São Paulo: CEDI, 1988. p. 48.
160
SILVA, Othon Luiz Pinheiro da. Submarino de propulsão nuclear no Brasil. Revista do Clube Naval, 1994. p.
28.
101
Embora a indústria de base militar brasileira tivesse recebido bastantes encomendas
no final da década de 1970 e início da década de 1980, ela ainda não possuía estrutura
suficiente para atender as demandas tecnológicas provindas dos centros científicos e
tecnológicos das forças armadas brasileiras. O Estado não incentivava a pesquisa e a produção
científica nem recursos humanos de forma que abastecesse os centros tecnológicos das forças
armadas. Dessa forma, a opção de adquirir peças no exterior era a que prevalecia no governo
federal e no seio das forças armadas.
Dessa forma, o Programa Nuclear Paralelo “contou com extraordinários recursos
provenientes de quatro contas secretas, as chamadas Delta.”
161
Apesar de o Congresso
Nacional desconhecer essas contas, Rex Nazareth Alves e o comandante Othon as utilizavam
para financiar o desenvolvimento e a construção do reator nuclear. Em 1981, a CNEN
comprou da Itália três circuitos constituídos de sódio para o reator fast breeder. Este reator,
chamado de reator regenerador ou reator rápido, produzia nêutrons com alta velocidade.
Apresentavam uma tecnologia moderna, pois não desaceleravam ou eram moderados como os
reatores de fissão convencionais. Segundo Tânia Malheiros, a principal vantagem desse reator
“é a capacidade que tem de se realimentar produzindo combustível”
162
.
Em 1982, Marinha do Brasil, IPEN e CNEN iniciaram uma operação conjunta para
nacionalizar todo o processo relativo ao desenvolvimento da propulsão nuclear. Em setembro
de 1982, essa parceria conseguiu realizar a primeira separação isotópica de urânio.
Em maio de 1983, novamente a transferência e as atividades realizadas pelo IPEN
foram objetos de questionamento do poder legislativo. Nos mesmos termos utilizado por
Suplicy, o deputado do PT, José Cicote, interpelou o novo governador do estado de São
Paulo, André Franco Montoro, por meio de outro requerimento. Franco Montoro sustentou o
161
MALHEIROS, Tânia. Brasil a bomba oculta: o programa nuclear brasileiro. Rio de Janeiro: Gryphus, 1993. p.
67.
162
MALHEIROS, Tânia. Brasil a bomba oculta: o programa nuclear brasileiro. Rio de Janeiro: Gryphus, 1993. p.
68.
102
mesmo argumento utilizado pelo antigo governador do estado de São Paulo, José Maria
Marín.
Em setembro de 1984, conseguiu-se a realização da primeira operação de
enriquecimento pelo sistema de cascata. Esta operação consistiu em fazer com que o urânio
percorresse várias centrífugas, sucessivamente, tornando-o mais enriquecido em cada
operação.
O comandante Othon afirmou que o desenvolvimento da tecnologia de propulsão
nuclear era um marco para história brasileira por haver, até a década de 1980, cinco países no
mundo que dispunham de tal tecnologia. Compreende-se assim que as atividades realizadas
no IPEN, por envolverem um nível muito alto de tecnologia, e, portanto, de sigilo, também
foram percebidas pelos oposicionistas ao regime militar como uma grande estratégia para o
Brasil se tornar mais avançado tecnologicamente. Apesar do PDS e dos partidos
oposicionistas divergirem quanto à forma como os governos administravam as funções
políticas, econômicas e sociais do Estado brasileiro, perceberam que a transparência pública
das atividades realizadas pelo IPEN poderiam comprometer os avanços científicos e
tecnológicos, sendo assim, comprometeria também, a inserção político-econômica do Brasil
no sistema internacional. Dessa maneira, as atenções internacionais eram o tipo de
questionamento que mais o governo brasileiro desejava evitar. Desde 1982, o governo da
RFA tinha conhecimento do Programa Nuclear Paralelo. Em função da política de
diversificação de parcerias de Figueiredo, o Brasil possuía relações especiais com o Oriente
Médio, sobretudo, a Líbia e o Iraque. Apesar de o Brasil haver assinado as salvaguardas
internacionais, houve transferência de material físsil e de informações sigilosas do Programa
Nuclear Brasileiro para o Programa Nuclear Paralelo.
Em 1984, Souto Maior de Castro envia um relatório para a Nuclep, uma das
subsidiárias da Nuclebrás, a cerca dos entendimentos sobre a fixação dos orçamentos da
103
CNEN e da Nuclebrás. Segundo esse relatório, “a unidade-piloto, em fase (separação do
urânio, plutônio e produtos de fissão) - operando a frio, capaz de reprocessar 1 kg/ dia de
material irradiado livre de salvaguardas”
163
. Segundo afirmou-se nesse relatório, o
“prosseguimento das atividades da unidade-piloto da CNEN (IPEN), apenas essencial para
Projeto Atlântico”
164
. Esse projeto pertencia ao Exército brasileiro e consistia na construção
de um reator, de caráter experimental, enriquecido por plutônio. Ou seja, a CNEN funcionou
como intermediária nas negociações e conversações entre o Programa Nuclear Brasileiro, a
cargo da Nuclebrás, e o Programa Nuclear Paralelo, a cargo das instituições militares.
Enquanto o Brasil conduzia o Programa Nuclear Paralelo para o desenvolvimento
nacional, os alemães se mantiveram neutros. Contudo, ao se levantarem suspeitas acerca de
transferência de tecnologia nuclear para o Oriente Médio, os alemães não receberam essa
informação positivamente. Além disso, os movimentos internacionais contrários ao uso da
tecnologia nuclear, principalmente, da RFA, começaram a se manifestar.
Como analisado, a princípio, as tecnologias autônomas desenvolvidas na USP
possuíam caráter experimental. Era preciso que o governo federal construísse uma base para a
realização dos testes que o caráter experimental exige. A USP não poderia abarcar uma
instalação dessa magnitude sem chamar ainda mais a atenção da opinião pública nacional e
internacional. Dessa maneira, a fim de evitar as manifestações internacionais e as sanções e
embargos estadunidenses, foi fundamental que as autoridades políticas afastassem o Programa
Nuclear Paralelo da capital do estado de São Paulo.
163
Estudo N°. 001/1ª.sc/84 sobre programa nuclear brasileiro enviado de Murillo Souto Maior de Castro à
Nuclep a cerca dos entendimentos em torno da fixação dos Orçamentos/ 84 da CNEN e Nuclebrás, de 20 de
janeiro de 1984.
164
Estudo 001/1ª.SC/84 sobre Programa Nuclear Brasileiro: entendimentos em torno da fixação dos
orçamentos da CNEN e Nuclebrás, em 20 de janeiro de 1984.
104
3 O GOVERNO SARNEY E A SOBREVIVÊNCIA DA POLÍTICA NUCLEAR
BRASILEIRA
3.1 A polêmica assunção de Sarney e o ministério da Ciência e Tecnologia
A vitória de Tancredo Neves como presidente civil, em 15 de janeiro de 1985, foi
fruto de um processo de desgaste político e econômico do próprio regime militar. Se esse
presidente eleito não tivesse falecido antes de tomar posse, seu governo herdaria a crise
econômica, produto das crises energéticas internacionais da década de 1970, e a crise
inflacionária, produto, principalmente, dos endividamentos externos realizados pelas
autoridades político-militares desde a década de 1960. Apesar de Tancredo representar o
105
símbolo do processo de transição do regime militar para a democracia, Tancredo, durante a
campanha eleitoral, se mostrou favorável à política nuclear conduzida pelos governos
militares desde a década de 1970.
Tancredo foi eleito presidente do Brasil pelo Colégio Eleitoral sem o apoio político
de Figueiredo. Muitos militares, em especial, do Exército brasileiro, não eram favoráveis a
candidatura de Tancredo por ter sido solidário à João Goulart, em 1961, e por Tancredo, à
época do suicídio de Getúlio Vargas, haver discursado contra as forças armadas
165
.
Percebendo que sua candidatura não era bem vista no meio militar e que havia durante o
próprio governo militar, manifestações com atos de terror favoráveis à continuidade do
regime, Tancredo teria que formular estratégias políticas para que a condução da
redemocratização fosse realizada pelas vias pacíficas.
Em função do problema de saúde apresentado por Tancredo, o vice-presidente José
Sarney assumiu a presidência interinamente em 15 de março de 1985, e, em função do
falecimento do presidente da República, em 21 de abril do mesmo ano, Sarney assumiu a
presidência definitivamente. O governo de José Sarney representou uma das incógnitas da
história política brasileira à medida que assumiu o cargo de presidente do Brasil sendo vice-
presidente de um candidato eleito ao cargo, que por motivos de saúde, não chegou a assumir a
presidência. O ex-presidente Figueiredo colocou em dúvida se cabia a Sarney assumir a
presidência do Brasil, visto que o presidente eleito estava impedido de receber a passagem de
comando. Como analisado, Figueiredo foi estrategicamente indicado por Geisel para sucedê-
lo na presidência da República, pois ambos os militares haviam se convencido de que era
preciso devolver o poder político para os civis. Contudo, ao longo de seu governo, Figueiredo
mostrou-se dual. Este presidente optou por não apurar os crimes cometidos pelos militares
favoráveis a continuação do regime durante o seu governo e demonstrou interesse em
prolongar seu mandato presidencial. Durante a posse de Sarney como presidente da
165
D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. (Org.) Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: FGV, 1997. p.p. 442-443.
106
República, Figueiredo não compareceu. Alguns pesquisadores, militares e políticos, como o
próprio Geisel, julgam que essa atitude de Figueiredo se explica em função deste julgar a
posse de Sarney ilegítima.
Como também ilustrou Jorge Zaverucha,
seguiu-se uma discussão legal sobre quem deveria ser empossado: o vice-presidente
ou o presidente da Câmara de Deputados, Ulysses Guimarães. Venceu o argumento
de que Sarney não era o vice-presidente de Tancredo Neves, mas da República,
razão pela qual deveria ser empossado.
166
Outros pesquisadores e políticos julgam que Figueiredo não estava tão
comprometido com a abertura do regime quanto se pensava na época. Embora este ex-
presidente tivesse se mostrado desfavorável a candidatura de Tancredo Neves para a
presidência, o seu candidato à sucessão era uma incógnita. Dessa maneira, Sarney governou
sob as expectativas de uma sociedade que havia acabado de passar por um regime militar e
que estava contaminada pela euforia de ter, após 21 anos, um presidente civil. O fato de
Sarney pertencer ao PDS constituía o elemento fundamental para as desconfianças da
sociedade brasileira quanto à transição democrática.
Este político era presidente do PDS quando foi convidado por Tancredo Neves para
ser seu vice-presidente durante a campanha eleitoral. A escolha de Sarney foi arquitetada por
Tancredo, pois precisava de um elo de ligação com as instituições militares para que a
transição democrática não sofresse maiores reações por parte dos militares, em especial, os
que aspiravam à continuidade do regime. Embora Sarney tivesse assumido a presidência do
Brasil, presidiu com a equipe ministerial montada por Tancredo. Segundo Sarney, o
ministério que mais preocupava Tancredo era o ministério do Exército, por ser na concepção
deste presidente, o mais organizado. A escolha para ocupar o ministério do Exército deveria
ser conduzida com cautela e visão estratégia, pois, historicamente, o Exército brasileiro era a
166
ZAVERUCHA, Jorge. Relações civis-militares no primeiro governo da transição brasileira: uma democracia
tutelada. Disponível em <http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_11.htm>. Acessado
em 12 jul 2009.
107
instituição militar que mais interferia nos assuntos políticos. Em função do clima tenso que
pairava nesse período de transição, a escolha de um general que compactuasse com os
militares que eram favoráveis a continuação do regime poderia por em risco a transição
democrática. O general escolhido foi Leônidas Pires Gonçalves para ocupar a pasta
ministerial do Exército brasileiro. De acordo com os depoimentos de Sarney, ele e Leônidas
Pires Gonçalves se conheciam bastante tempo. Sarney relutou em assumir à presidência
do Brasil. Caso Sarney não assumisse, o presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses
Guimarães, teria que assumir. Em um encontro casual entre Sarney e Ulysses Guimarães no
hospital no qual Tancredo se encontrava, as palavras de Ulysses Guimarães foram as
seguintes: “nós estamos atravessando um problema sério nesta noite, neste momento. Temos
de decidir. Devemos deixar de lado os assuntos pessoais. O País necessita que tenhamos
condições de assegurar uma transição de governo pacífica”
167
.
As palavras de Ulysses Guimarães para Sarney demonstram as preocupações que os
políticos apresentavam em relação a fragilidade da democracia. Assim que Tancredo Neves
faleceu, Leônidas Gonçalves comunicou a Sarney que ele seria o novo presidente da
República. Compreende-se assim que a escolha de Leônidas Pires Gonçalves para o
ministério do Exército e a sensibilidade de Ulysses Guimarães para as frágeis questões
políticas, foram de importância estratégica para a assunção de Sarney a presidência sem
maiores manifestações políticas, sociais e militares contrárias.
O falecimento de Tancredo Neves trouxe questões delicadas para a transição
democrática brasileira. Se Sarney fosse impedido pelo Congresso Nacional de assumir a
presidência da República, Ulysses Guimarães teria que assumir. Contudo, os militares
brasileiros detestavam esse político. Por dois motivos os militares desfavoráveis a abertura
poderiam voltar a intervir nos assuntos políticos: ou porque os políticos brasileiros estavam
demonstrando ser anti-democráticos e anti-constitucionais ou porque os militares não queria
167
MORAES NETO, Geneton. Dossiê Brasília – o segredo dos presidentes. São Paulo: Globo, 2005. p.p. 49-50.
108
ser governados por Ulysses Guimarães. Dessa maneira, a problemática posse de Sarney a
presidência se tornaria o momento propício para que os militares favoráveis à continuidade do
regime militar voltassem a intervir nas decisões políticas do governo federal.
O contexto internacional no qual Sarney governou também era delicado. Em 29 de
julho de 1985, o líder do governo da União Soviética, Mikhail Gorbachev, declarou que,
procurando facilitar o término da perigosa competição em construir arsenais
nucleares, e desejando dar um bom exemplo, a União Soviética decidiu parar
unilateralmente com todas as explosões nucleares, a partir do dia 6 de agosto desse
ano. Exortamos os Estados Unidos a parar também com suas explosões nucleares a
partir dessa data, que é celebrada no mundo inteiro como o dia da tragédia de
Hiroxima. Nossa moratória ficará em vigor até janeiro de 1986. Mas poderá
continuar, desde que os Estados Unidos, por sua parte, também se abstenham de
efetuar explosões nucleares.
168
Mikhail Serguéievich Gorbachev foi o último secretário-geral do Comitê Central do
Partido Comunista da União Soviética. Ele liderou o governo desse país de 1985 à 1991. Em
março de 1985, o líder do governo soviético, Konstantin Chernenko, faleceu. O Politburo,
Comitê Executivo do Partido Comunista, indicou Gorbachev para suceder Chernenko.
Segundo John Lewis Gaddis, Gorbachev mostrava-se um líder maleável.
169
Reagan também
percebeu essa maleabilidade de Gorbachev e encontrou nesse líder soviético um novo
caminho para solucionar as questões da Guerra Fria, especialmente na questão nuclear.
Segundo Kissinger, “Reagan acreditava que as relações com a União Soviética
melhorariam, se ele fosse capaz de fazê-la compartir de seu medo de um Armagedon
nuclear”
170
. Os EUA e a URSS eram os países que mais incentivavam os demais países a
aderirem ao TNP. Contudo, ambos os países não reduziam seus arsenais nucleares. O líder do
Kremlin
171
, ao propor aos EUA que reduzissem seus arsenais de armas nucleares, em 1985,
demonstrava que estava disposto a cumprir as premissas do TNP. Kissinger compartilha da
mesma tese sustentada por Raymond Aron ao afirmar que o equilíbrio do terror era mantido
168
Declaração de Mikhail Gorbachev sobre corrida armamentista em 29 de junho de 1985. in: GORBACHEV,
Mikhail. Tempo para a paz. Rio de Janeiro: Globo: Nova Fronteira, 1987. p. 162.
169
GADDIS, John Lewis. História da Guerra Fria. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2006. p. 222.
170
KISSINGER, Henry A. Diplomacia. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1999.p. 840.
171
Sede do governo da União Soviética.
109
pelos EUA e pela URSS ao longo da Guerra Fria, em função de ambos os países recearem um
ataque nuclear. A paz pelo medo
172
era mantida em função de ambos os países não
abdicarem de seus arsenais nucleares. Afinal, “quando uma falha técnica ou um erro humano
podem custar a vida a milhões de pessoas, a incerteza predominante pesa sobre os espíritos
que devem tomar a decisão fatal”
173
. Embora existissem países que não receassem as
punições e sanções dos EUA por não obedecerem suas determinações, como Cuba, os países
desenvolvidos tinham controle sobre suas empresas, públicas e privadas, e sobre que tipo de
produtos elas vendiam e/ ou transferiam. Dessa maneira, o acesso a tecnologia era restrito.
Em três de setembro de 1985, em encontro com senadores estadunidenses,
Gorbachev declarou que era “sinceramente a favor da volta das relações soviético-
americanas e da situação internacional como um todo”
174
.
Em 26 de abril de 1986, a usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, explodiu. A
irradiação, provocada por essa explosão, causou danos por toda a Europa. Segundo o
especialista em radiologia, Godofredo Gómez Crespo, aproximadamente,
5 milhões de pessoas foram atingidas por nuvens radioativas; que 28 morreram e
237 foram hospitalizadas em conseqüência das radiações; que, em 1989, apareceram
os primeiros casos de câncer da tireoide; e que a radioatividade total liberada pelo
acidente de Chernobyl foi 200 vezes maior que a liberada pelas duas bombas
atômicas lançadas no Japão.
175
A desorganização e a falta de infra-estrutura da URSS fez com que Gobarchev
percebesse as fragilidades tanto da usina quanto do próprio governo. O acidente nuclear de
Chernobyl constituiu definitivamente o ponto de partida para que EUA e URSS buscassem
em comum acordo reduzir seus arsenais bélicos e para que a União Soviética se aproximasse
dos EUA. Como exemplo dessa redução e dessa aproximação, EUA e URSS assinaram um
172
Expressão criada por Raymond Aron em Paz e guerra entre as nações para explicar a difusão das armas
atômicas ou termonucleares entre as superpotências.
173
ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. Brasília: UnB, 1979. p. 407.
174
GORBACHEV, Mikhail. Tempo para a paz. Rio de Janeiro: Globo: Nova Frnteira, 1987. p. 185.
175
CRESPO, Godofredo Gomez. Efectos sobre la salud del accidente nuclear de Chernobyl. In: Energia nuclear e
Chernobyl: um luxo de precauções? Disponível em <http://www.interciencia.org/v22_02/carta_editor.html>.
Acessado em 22 set 2009.
110
tratado desmantelando os mísseis nucleares de alcance intermediário baseados na Europa e
observadores estadunidenses e soviéticos assistiram juntos a destruição dos SS-200, pershings
II e mísseis cruzeiro. Contudo, embora EUA e URSS se mostrassem favoráveis a redução de
armas nucleares, Gorbachev promoveu a abertura política de forma gradativa.
Reagan havia se convencido que se conseguisse mudar a concepção ideológica do
governo soviético, o mundo estaria livre da corrida armamentista. Segundo Kissinger, o
veículo ideológico para esta inversão de papéis foi a questão dos direitos humanos, que
Reagan e seus conselheiros invocaram para solapar o sistema soviético”
176
. Como
analisado no governo Geisel, outros presidentes estadunidenses haviam tentado corromper
a ideologia soviética por meio dos direitos humanos. Kissinger afirma que,
Nixon o fizera em relação em relação à questão da emigração da União Soviética.
Ford dera o maior passo, com o Basket III dos Acordos de Helsinque(...). Carter
transformou os direitos humanos no elemento central da sua política externa e
insistiu neles tão intensamente, vis-à-vis os aliados dos EUA, que sua invocação de
altos princípios, ocasionalmente, ameaçava a coesão interna desses aliados.
177
Ao asumir a presidência, Reagan maximizou a campanha pelos direitos humanos e a
campanha pela não proliferação de armas nucleares.
De acordo com Kissinger,
os EUA não esperariam passivamente que instituições livres evoluíssem, tampouco
limitar-se-iam a resistir a ameaças diretas à sua segurança. Promoveriam a
democracia, ativamente, recompensando os países que realizassem seus ideais e
punindo quem não alcançasse a meta – mesmo que não representassem outro desafio
ou ameaça visível à América
178
.
Nesse contexto complexo e delicado de reorientação política do sistema internacional
apenas um fato ficou evidente: os EUA estavam vencendo a Guerra Fria. Dessa forma, os
países que não estivessem comprometidos com os princípios democráticos estadunidenses, se
aumentassem e/ ou mantivessem seus arsenais bélicos estavam aptos a sofrerem sanções
políticas, militares e/ ou econômicas.
176
KISSINGER, Henry A. Diplomacia. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1999. p. 844.
177
KISSINGER, Henry A. Diplomacia. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1999. p. 844.
178
KISSINGER, Henry A. Diplomacia. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1999. p. 845.
111
No Brasil, como analisado, o processo de abertura política começou antes mesmo de
Reagan chegar ao poder nos EUA. Embora o presidente Regan discordasse de Kissinger em
relação a questão nuclear, Reagan concordava com esse estrategista ao não se aproximar
formalmente de países que não possuiam um poder estratégico no sistema internacional.
“Eles eram afinais de conta tangenciais à grande narrativa das relações internacionais da
Guerra Fria.”
179
Nesse contexto internacional, o presidente José Sarney recebeu a informação de um
dos departamentos de segurança de seu governo de que o Brasil estava construindo a bomba
atômica.
Segundo Sarney,
descobrimos que havia, na Serra do Cachimbo, um buraco onde se pretendia fazer
uma experiência com a bomba atômica. Todo esforço nacional naquela época não
divulgado era feito no sentido de o Brasil entrar no clube nuclear. Havia até o
projeto de que Figueiredo fizesse um anúncio, quando estava no governo.
180
Dessa maneira, em função de a Guerra Fria estar chegando ao fim motivou Sarney
evitar que essa informação se tornasse pública. A existência de poços onde se pretendiam
fazer testes com explosivos nucleares foi revelada por Arno Bertholo, presidente da
Associação dos Geólogos do Rio de Janeiro (AGRJ), à Elvira Lobato, repórter do jornal Folha
de São Paulo, em agosto de 1986. Segundo dados revelados por esse geólogo, os
equipamentos que foram usados para perfuração haviam sido entregues ao Brasil por aviões
da Força Aérea Brasileira (FAB).
181
De acordo com Bertholo, a estrutura dos poços “era
compatível com a das perfurações para testes nucleares existentes nos Estados Unidos”
182
.
As autoridades políticas e militares desmentiram essa matéria assim que ela foi
divulgada. Desde 1979, os programas nucleares com fins bélicos foram direcionados para as
forças armadas, longe das atenções internacionais. Os civis e os militares que participaram
179
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. p. 179.
180
MORAES NETO, Geneton. Dossiê Brasília – o segredo dos presidentes. São Paulo: Globo, 2005. p. 24.
181
MORAES NETO, Geneton. Dossiê Brasília – o segredo dos presidentes. São Paulo: Globo, 2005. p. 24.
182
MORAES NETO, Geneton. Dossiê Brasília – o segredo dos presidentes. São Paulo: Globo, 2005. p. 24.
112
desses programas foram estrategicamente escolhidos. O principal requisito para a escolha das
pessoas que se envolveriam nesses programas era a discrição.
Segundo Sarney,
assim que tomei conhecimento da existência do campo de provas, determinei ao
secretário do Conselho de Segurança Nacional, general Bayma Denis, que
imediatamente lacrasse o buraco onde seria realizada (sic) o primeiro teste.
Determinei também que ele anunciasse que o lugar era, na verdade, destinado a
recolher lixo nuclear.
183
Como se percebeu, o Brasil foi forçado, pelas circunstâncias políticas, a mudar as
suas concepções estratégicas. Contudo, havia a esperança das autoridades políticas brasileiras
de que esse relacionamento político voltasse a se frutificar. A manutenção das relações
cordiais do Brasil com a Inglaterra durante a Guerra das Malvinas foi o exemplo dessa
esperança. Conclui-se assim que José Sarney alegou que a área na Serra do cachimbo, no
Pará, havia sido destinada para recolher lixo nuclear a fim de afastar possíveis pressões
políticas e embargos econômicos.
Uma segunda análise para compreender as razões que levaram o presidente Sarney a
evitar que a notícia da construção da bomba nuclear vazasse no cenário internacional é a de
que essa revelação aconteceu, praticamente, um ano após Gorbachev ter declarado que a
URSS abdicaria de construir mais arsenais nucleares e de encerrar com as explosões
nucleares.
Ao defender o uso da tecnologia nuclear para fins bélicos ou pacíficos, as
importações estadunidenses, de produtos primários brasileiros iriam despencar e o Brasil
estava apto a sofrer sanções e embargos políticos, econômicos e militares estadunidenses.
Entende-se assim que a conjuntura nacional e internacional na qual Sarney governou,
e as razões que motivaram este presidente a não tornar pública informações que pudessem
abalar ainda mais as frágeis relações Brasil-EUA, na década de 1980. Tanto o projeto de
183
MORAES NETO, Geneton. Dossiê Brasília – o segredo dos presidentes. São Paulo: Globo, 2005. p.p. 24-25.
113
construção da construção da bomba nuclear quanto o projeto de construção do submarino de
propulsão nuclear continuaram na clandestinidade.
Além de herdar os projetos nucleares de finalidades bélicas e pacíficas, Sarney
herdou também do governo Figueiredo um bom relacionamento com a Argentina e deu a esse
relacionamento uma continuidade de cooperação, inclusive no campo da atividade nuclear.
Conforme Sarney afirmou, a notícia de que o Brasil estava construindo a bomba atômica
prejudicaria a aproximação do Brasil com a Argentina.
184
Em meados da década de 1980,
tanto o Brasil quanto a Argentina tinham a intenção de construir um submarino de propulsão
nuclear. Apesar da construção do submarino de propulsão nuclear ferir as cláusulas do
Tratado de Tlatelolco (TT), ambos os países, signatários desse tratado, buscavam desenvolver
a tecnologia da propulsão nuclear para submarinos.
Houve uma mobilização de políticos como Renato Archer e segmentos da
comunidade científica para que o presidente eleito, Tancredo Neves, construísse um
ministério para as áreas de ciência e tecnologia. Esses segmentos sociais elaboraram propostas
para viabilizar esse ministério. Tancredo foi atento a essa mobilização e acatou o pedido para
a criação do ministério de Ciência e Tecnologia.
Francisco Dornelles era assessor de Tancredo. Dornelles recebeu a incumbência de
Tancredo para elaborar um anteprojeto de criação do ministério de Ciência e Tecnologia.
Dornelles aceitou essa tarefa com a promessa de que, se Tancredo fosse eleito presidente da
República, ele trabalharia no seu governo. Assim que Tancredo foi eleito, nomeou Dornelles
como ministro da Fazenda.
Archer afirmou que, quando foi convidado por Tancredo Neves para assumir o cargo
de ministro da Ciência e Tecnologia, o ministro da Marinha, almirante Alfredo Karam entrou
em contato pessoalmente com ele, por ordem do general Figueiredo, a fim de informá-lo
184
MORAES NETO, Geneton. Dossiê Brasília – o segredo dos presidentes. São Paulo: Globo, 2005. p. 25.
114
sobre a existência do projeto nuclear da Marinha do Brasil. Segundo Archer, no que
dependeria de Tancredo Neves, o projeto seria levado adiante
185
.
Dessa maneira, percebe-se assim que o projeto nuclear da Marinha do Brasil
aglutinava o interesse dos ex-presidentes, Figueiredo e Tancredo. Contudo, apesar de terem se
mobilizado para direcionar esse projeto para o ministério de Ciência e Tecnologia, quando
Sarney assumiu a presidência, o projeto nuclear da Marinha do Brasil assim como todos os
programas nucleares brasileiros estavam vinculados ao ministério de Minas e Energia.
Aureliano Chaves havia sido vice-presidente de Figueiredo, e em função do infarto
de Figueiredo em 1981, assumiu, interinamente, a presidência da República. Segundo Sarney,
“Aureliano Chaves tinha ligações com a área da Marinha”
186
. Com a vitória de Tancredo
Neves, Aureliano Chaves foi nomeado ministro de Minas e Energia de seu governo.
Desde que o Brasil assinou o Acordo Nuclear com a RFA, em junho de 1975, o
Programa Nuclear Brasileiro estava sob supervisão da Nuclebrás e do ministério de Minas e
Energia. Conforme ressaltado, a fim de evitar que o Programa Nuclear Paralelo se tornasse
alvo das atenções internacionais, a discrição se tornou um requisito fundamental.
O ex-presidente Figueiredo, desde de seu governo, não se simpatizava e não confiava
mais em Aureliano Chaves. Como Tancredo havia nomeado Aureliano Chaves para o
ministério de Minas e Energia, Figueiredo e Tancredo mobilizaram-se para articular um
plano, desvinculando o Programa Nuclear Paralelo desse ministério. O projeto nuclear da
Marinha do Brasil era o único que, até aquele momento, havia progredido. Como Archer
estava envolvido com a ciência e tecnologia e cumpria com o padrão principal exigido para se
envolver com os programas nucleares, Archer foi escolhido por essas autoridades políticas
para administrar a pasta ministerial de Ciência e tecnologia. Contudo, como Figueiredo não se
185
ROCHA FILHO, Álvaro. GARCIA, João Carlos Vitor. (Org) Renato Archer energia atômica, soberania e
desenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. p. 156.
186
MORAES NETO, Geneton. Dossiê Brasília - os segredos dos presidentes. São Paulo: Globo, 2005. p. 45.
115
simpatizava com a idéia de Sarney governar e Tancredo havia falecido, não houve
circunstância favorável para que Sarney soubesse desse trâmite.
Renato Archer relata que um dia após ter tomado conhecimento do Programa
Nuclear Paralelo, por intermédio do almirante Alfredo Karam, ministro da Marinha do
governo Figueiredo, Tancredo encaminhou à Archer o presidente da CNEN, Rex Nazareth a
fim de definirem os rumos e maiores entendimentos sobre o Programa. No IPEN estavam
instalados os laboratórios e as oficinas especializadas que efetuavam e aplicavam os
experimentos projetados pela Marinha do Brasil.
Segundo Archer, o ministro de Minas e Energia, Aureliano Chaves, um mês depois
de Rex Nazareth haver estabelecido os primeiros contatos com Archer, tentou substituir Rex
da presidência da CNEN por José Israel Vargas. Aureliano contatou o ministro do Exército,
general Leônidas, propondo-o destituir Nazareth da presidência da CNEN. Esse general
consultou Renato Archer de quem recebeu a informação de que o programa nuclear paralelo
estava sob os cuidados de Rex Nazareth Alves, se encontrava muito bem administrado.
Archer considerava José Israel Vargas pouco capacitado para administrar o programa
187
.
Archer afirmou que o ministro da Marinha, Henrique Sabóia, também lhe fez a mesma
consulta. Archer foi incisivo também ao lhe assegurar a competência e, sobretudo, a discrição
de Rex Nazareth.
Conclui-se que o objetivo do ministro de Minas e Energia, Aureliano Chaves, era
trazer a CNEN para o seu ministério e, conseqüentemente, todos os projetos nos quais a
instituição estava envolvida. Por essa comissão financiar o Programa Nuclear Paralelo, os
militares responsáveis pela condução do programa ficaram apreensivos quanto à substituição
da presidência da CNEN. Archer acreditou que, Aureliano Chaves, ao perceber que não teria
187
ROCHA FILHO, Álvaro. GARCIA, João Carlos Vitor. (Org) Renato Archer energia atômica, soberania e
desenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. p. 176.
116
o apoio das forças armadas para destituir Rex Nazareth da presidência da CNEN não mais
pleitearia essa comissão para o seu ministério.
Archer comunicou por escrito à Sarney que os programas nucleares estavam
indevidamente sob gestão do ministério de Minas e Energia e lhe disse que o projeto nuclear
da Marinha do Brasil havia sido direcionado a ele pelo próprio Tancredo. “Sarney chamou
Dornelles, que explicou ter feito a modificação porque Aureliano Chaves ameaçou fazer um
escândalo, alegando que estavam tirando parte do ministério dele, que era o de Minas e
Energia”
188
.
As interpelações acerca da transferência do IPEN para a CNEN atravessaram os
governos e, em 30 de abril de 1985, houve outra interpelação acerca das atividades realizadas
no IPEN pelo deputado Geraldo Siqueira. Dessa vez, a secretaria de estado da Indústria,
Comércio, Ciência e Tecnologia recebeu a incumbência de responder ao requerimento.
Segundo o secretário, Einar Kok,
o governo do Estado de São Paulo não tem conhecimento nem apóia o
desenvolvimento e construção de um reator para a propulsão nuclear de um
submarino. O que existe é um convênio entre o IPEN e o Ministério da Marinha pelo
qual estabelece-se cooperação científica e tecnológica nos campos de cálculos
neutrônicos e termo-hidráulicos
189
.
Não foram encontrados maiores comprovações históricas que registrem até onde ia o
conhecimento de Montoro acerca do projeto nuclear da Marinha do Brasil. Contudo, embora
Montoro pertencesse à oposição, não cumpriu a promessa de transparência política. Pode-se
analisar as razões que levaram Montoro a não cumprir com tal promessa por quatro razões:
(1) a abertura total do regime ainda não havia ocorrido, (2) a transparência poderia pôr em
risco a soberania nacional, (3) em função da crise econômica, o estado de São Paulo dependia
de recursos do executivo e (4) Montoro pode ter compreendido a importância estratégica do
projeto nuclear da Marinha do Brasil.
188
ROCHA FILHO, Álvaro. GARCIA, João Carlos Vitor. (Org) Renato Archer energia atômica, soberania e
desenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. p. 175.
189
[S/N] De Angra a Aramar: os militares a caminho da bomba. São Paulo: CEDI, 1988. p. 49.
117
Analisando a primeira razão, entende-se que embora a oposição alcançasse vitórias
políticas nas eleições de 1982, o momento político ainda era crítico. O governo federal ainda
se utilizava de seu serviço secreto para fiscalizar as ações políticas e subversivas e as
autoridades político-militares que se encontravam no poder ainda faziam uso da violência
para manter a ordem interna.
Analisando a segunda a razão, nem nos Estados mais democráticos, seus governos
podem tornar público todas as ações que realiza. A divulgação de informações estratégicas
além de expor as vulnerabilidades e comprometer a economia nacional, pode pôr em risco a
soberania do país.
A terceira razão pode ser analisada por meio da crise econômica. Em função da
proximidade das eleições de 1982, o governo Figueiredo procurou minimizar o impacto da
situação financeira internacional sobre a economia brasileira. No plano externo, a mudança na
política monetária nos Estados Unidos e o segundo choque do petróleo em 1979
constituíam fatos suficientemente catastróficos para economia brasileira no Governo
Figueiredo. No entanto, “a política de contenção dos gastos públicos federais e estaduais foi
seletivamente abrandada em algumas regiões do país, com a finalidade específica de
assegurar um retorno favorável ao governo”
190
.
Com a ameaça de colapso financeiro do México e o seguido anúncio da moratória
mexicana em agosto de 1982, os banqueiros internacionais foram induzidos pela crise na
América Latina a suspender os novos compromissos assumidos com o governo Figueiredo. A
assunção de Montoro ao cargo de governador do estado de São Paulo se em meio a essa
profunda recessão. Dessa forma, em função da dependência financeira e de outras
cooperações que o governo do estado de São Paulo recebia do executivo, era muito mais
conveniente para Montoro conter a transparência pública e acompanhar as atividades
190
MOURA, Alkimar R. Rumo à entropia: a política econômica, de Geisel a Collor. In: LAMOUNIER, Bolívar.
(Org.) De Geisel a Collor: o balanço da transição. São Paulo: Sumaré, 1990. p. 48.
118
realizadas na USP do que ter sua gestão fadada ao fracasso político e econômico. O estado de
São Paulo estava sob controle político do PMDB, mas o governo Figueiredo detinha controle
do Executivo em esfera federal.
A quarta e última razão para que Montoro não tornasse púlico o projeto nuclear da
Marinha do Brasil pode ser analisada em função de Montoro compreender a importância
estratégica desse projeto.
As atividades e as conquistas científicas e tecnológicas realizadas pelo Ipen assim
não se tornaram de domínio público. Dessa forma, haviam numerosas razões que
justificassem o não cumprimento por Montoro da promessa de transparência política.
A resposta de Einar Kok à interpelação do deputado Geraldo Siqueira evidenciou que
Franco Montoro sabia que a Marinha do Brasil e o IPEN estavam desenvolvendo e
construindo um reator para a propulsão nuclear de um submarino, na USP. A negação de tal
conhecimento reflete a intenção de Montoro e demais representantes políticos envolvidos em
afastar as desconfianças atribuídas a política nuclear brasileira tanto de autoridades políticas
nacionais quanto de autoridades políticas internacionais. “A vitória do PMDB na disputa
para o governo do Estado de São Paulo, além de derrotar o PDS, partido que dava
sustentação ao regime militar, prometia transparência em sua administração.”
191
Durante o
governo de Figueiredo esperava-se que Montoro, ao assumir o governo de São Paulo, tornasse
a política do estado pública. O governo federal e o governo do estado de São Paulo
continuaram a sofrer interpelações e questionamentos. Montoro, desde 1983, como
governador do estado de São Paulo, sabia da existência do Programa Nuclear Paralelo,
vivenciou a transição democrática, a vitória eleitoral de Tancredo Neves e assunção de Sarney
a presidência da República, em 1985. Contudo, embora se comprometesse em sua campanha
eleitoral com a transparência política, não agiu conforme prometeu.
191
OLIVEIRA, Odete Maria de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. P. 295.
119
Em função da indiscrição de Aureliano Chaves e das interpelações que o governo do
estado de São Paulo sofria, a fim de evitar sanções e embargos internacionais, Sarney teve que
averiguar se havia outras irregularidades na política nuclear brasileira. Sendo assim, ainda no
ano de 1985, Sarney, incentivado por Aureliano Chaves e presidida por Israel Vargas,
instituiu uma comissão de avaliação do Programa Nuclear Brasileiro.
192
Apesar do esforço de
Aureliano Chaves para gerir o Programa Nuclear Brasileiro, transferir a CNEN para o seu
ministério e de tentar introduzir José Israel Vargas no Programa Nuclear Brasileiro, o
relatório da comissão, entregue em abril de 1985, concentrou-se, no geral, em manter o
Programa Nuclear Brasileiro, na manutenção das relações de cooperação sobre o uso pacíficos
da energia nuclear com a RFA e intensificação da cooperação nuclear bilateral Brasil-
Argentina
193
.
O Programa Nuclear Brasileiro ficou a cargo do ministério de Ciência e Tecnologia e
o Programa Nuclear Paralelo continuou sob cargo das forças armadas, livre das atenções
nacionais e internacionais. Contudo, em função da evolução das notícias, a discrição do
Programa Nuclear Paralelo, sobretudo, do projeto nuclear da Marinha do Brasil estava
comprometida. Além disso, por o projeto de construção de um reator nuclear exigir um
caráter experimental, teria que ser construída uma base para a realização desses testes.
A USP não pôde assim abrigar uma instalação dessa magnitude. Foi necessário que o
almirantado pensasse em uma área estratégica para instalar uma base experimental.
Sarney passou a conhecer e a se interessar mais pelo projeto nuclear da Marinha do
Brasil a partir desses questionamentos que aconteceram ao longo do ano de 1985. Tanto
Sarney quanto Montoro sabiam das atividades realizadas no IPEN. Contudo, em função das
questões sigilosas intrínsecas a essas atividades era fundamental que os atores políticos
evitassem se manifestar publicamente.
192
Decreto 91.606, de 1985. in: LEITE, Atônio Dias. A energia do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p.
266.
193
LEITE, Atônio Dias. A energia do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 267.
120
Apesar de não se pronunciar, Sarney e Montoro permitiram que a Marinha do Brasil
realizasse a aquisição de um terreno, no interior do estado de São Paulo, para realizar testes
necessários para a construção do reator nuclear que seria utilizado no futuro submarino.
3.2 O projeto Aramar e as conquistas tecnológicas da parceria Marinha do Brasil-IPEN-
CNEN
A fim de atender a essas demandas, em maio de 1985, a Marinha do Brasil,
finalmente, pôs em prática a construção do centro científico e tecnológico dessa instituição
naval. Esse centro destinava-se a construir o protótipo do reator nuclear que seria utilizado no
futuro submarino brasileiro. Para efetivar este projeto, a Marinha do Brasil passou a ocupar o
sítio Aramar. Uma faixa de terra da fazenda Ipanema, localizada no município de Iperó, no
estado de São Paulo.
A Fazenda Ipanema está localizada em Iperó, região de Sorocaba, possui uma área
de 7.520 abrigando terras de três instituições: a Floresta Nacional de Ipanema,
administrada pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e recursos
Naturais Renováveis), com 5.810 ha; o projeto ARAMAR, da Marinha Brasileira,
com 879 ha, e uma área no Ministério da Agricultura e Reforma Agrária (MAARA)
com 831 ha.
194
Todas as instituições que estavam instaladas na Fazenda Ipanema eram de âmbito
federal, portanto, pertenciam ao poder Executivo. No sítio Aramar foi abrigado todo o
complexo do projeto Aramar. Isso incluía as instalações de testes, laboratórios de validação
experimental e diversas oficinas especializadas. Ali iniciou a edificação de vários pavilhões
e afixou uma placa com a seguinte informação: - Ministério da Marinha Centro
Experimental de Aramar – Estação de Ensaios de Equipamentos a Vapor.”
195
194
Velásquez, C. Da formação de grupos à ação coletiva: uma análise com grupos de jovens do Assentamento
Fazenda Ipanema – Iperó – SP. 152 f. Tese (Mestrado em Ciências, Área de concentração: Ciências Florestais)
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Piracicaba. 2002. in: SOUZA, Alexandre Monteiro. Análise
emergética do assentamento fazenda Ipanema: reforma agrária e desenvolvimento sustentável / Alexandre
Monteiro Souza. -- Campinas, SP: [s.n.], 2006. p. 29 [Dissertação de Mestrado]
195
OLIVEIRA, Odete Maria de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p. 305.
121
No Centro Experimental de Aramar foi construída a usina de enriquecimento de
urânio Almirante Álvaro Alberto. Em novembro de 1988, o IPEN publicou o programa de
monitoração ambiental dessa usina
196
, no qual constatou a viabilidade geográfica e técnica
para o complexo nuclear que a ser instalando no sítio. Ao contrário do desejado pela Marinha
do Brasil, a magnitude da construção do centro científico e tecnológico da Marinha do Brasil
implicou a inquietação da população dos municípios próximos da histórica fazenda de São
João de Ipanema. A imprensa, sindicatos, partidos, grupos ecológicos e a própria população
ficou intrigada com a intensa mobilização no sítio. A construção desse centro foi chamada de
projeto Aramar. Esse projeto abrigava outros projetos nucleares. O projeto de construção do
submarino de propulsão nuclear foi conhecido tecnicamente como programa Chalana. “Ele é
um conjunto de atividades com o propósito de desenvolver no País uma planta nuclear de
propulsão de submarinos e o combustível necessário.”
197
no mês de maio de 1985, a imprensa da região começava a especular sobre as
finalidades daquelas obras empreendidas pela Marinha do Brasil. Surgiam especulações sobre
a união de forças entre a Marinha do Brasil e o Centro Nacional de Engenharia Agrícola
(CENEA), instituição do ministério da Agricultura, com autonomia administrativa e
financeira, que atuava no desenvolvimento de pesquisas básicas e aplicadas de engenharia
agrícola.
Em 23 de setembro de 1986, cinco oficiais da Marinha do Brasil se prontificaram a
dar declarações a prefeitos e vereadores locais acerca dos projetos que a Marinha
desenvolveria na região de Sorocaba. Dentre esses oficiais se encontravam o almirante Mario
Cesar Flores, comandante da Marinha no estado de São Paulo, e o almirante Mauro Cesar
Rodrigues Pereira, chefe da Comissão Naval de São Paulo. Segundo o almirante Flores, “o
196
Programa de Monitoração Ambiental da Usina de Enriquecimento de urânio Almirante Álvaro Alberto
publicado pelo IPEN, em São Paulo, em novembro de 1988. Disponível em <http://www.ipen.br/biblioteca/ipen/
1988/03107.pdf>. Acessado em 29 jun 2009.
197
CAVAGNARI FILHO, Geraldo Lesbat. Ciência e Tecnologia no Brasil: Uma Nova Política para um Mundo
Global. p. 6. Disponível em http://www.schwartzman.org.br/simon/scipol/pdf/militar.pdf. Acessado em 7 jul
2009.
122
projeto Aramar será um centro de testes de propulsão, inclusive para submarino nuclear,
conforme tecnologia aplicada em outros países, como a Inglaterra”
198
. O almirante
Rodrigues Pereira apesar de não confirmar a esses políticos se a Marinha realizaria
enriquecimento de urânio na região, prometeu a eles consultar o ministro da Marinha,
Henrique Sabóia, “sobre a possibilidade de atender o pedido dos prefeitos e vereadores que,
querem fazer uma visita as obras, acompanhados de técnicos do setor”
199
. Nessa declaração
aos políticos, o almirante Flores pediu para que esses mantivessem a informação em sigilo,
mas ao saírem da recepção, os políticos divulgaram à imprensa nacional tudo o que ouviram
dos oficiais da Marinha.
Iperó era uma região com pouco desenvolvimento comercial e havia se transformado
em um município emancipado em 1965. Segundo o programa de monitoração ambiental da
usina de enriquecimento de urânio Almirante Álvaro Alberto, na área dentro do raio de 8 Km
da área que foi construída a usina de enriquecimento não existiam instalações médico-
hospitalares. “A área dentro do raio de 8 km da usina de enriquecimento é de população
predominantemente rural.”
200
Iperó era um município em que predominavam a produção de
leite e culturas de gênero agrícola. Por constituir-se ainda como uma região de atividades
econômicas predominantemente rurais, havia pouco desenvolvimento comercial. Tanto para a
prefeitura quanto para a Marinha do Brasil o desenvolvimento social da região era
fundamental. Iperó necessitava de muitos recursos do governo de São Paulo para investir em
benfeitorias à região e o governo do estado de São Paulo, como analisado, dependia de
recursos do executivo.
198
[S/N] De Angra a Aramar: os militares a caminho da bomba. São Paulo: CEDI, 1988. 51p
199
Marinha vai testa propulsão de submarino nuclear em Iperó. Jornal do Brasil, 24 de setembro de 1986.
Disponível em < http://www.arqanalagoa.ufscar.br/pdf/recortes/R00537.pdf > Acessado em 4 out 2009.
D
Decreto Nº 93.439, de 17 de outubro de 1986.
200
Programa de Monitoração Ambiental da Usina de Enriquecimento de urânio Almirante Álvaro Alberto
publicado pelo IPEN, em São Paulo, em novembro de 1988. p. 5. Disponível em
<http://www.ipen.br/biblioteca/ipen/1988/03107.pdf> Acessado em 29 de junho de 2009.
123
A crise econômica pairava sobre o Brasil, portanto, pairava também sobre o estado
de São Paulo. Dessa forma, o prefeito de Iperó, Marcos Tadeu Andrade, representante do
Partido da Frente Liberal (PFL), dentre os mais de vinte municípios que circundavam a
fazenda Ipanema, teve visão estratégica nas obras do projeto Aramar. Esse prefeito encontrou
nessas obras numerosas possibilidades de desenvolver o seu município. Foram construídas
novas casas para os funcionários do projeto, melhorias nas estradas, um número
desproporcional de linhas telefônicas, reforço policial, saneamento na área urbana e a
construção de um hospital para a região.
Segundo esse prefeito afirmou, em declaração ao Jornal do Brasil, “estou tranqüilo,
porque nos falaram que vão nos mostrar projeto. As obras não tem um prazo para serem
concluídas. O que foi feito até agora é apenas um embrião de um projeto maior.”
201
O departamento especial criado para gerenciar o projeto nuclear da Marinha do
Brasil passou a se chamar oficialmente, em 1986, Coordenadoria para Projetos Especiais
(COPESP).
202
. Ela havia sido instalada na USP, no campus universitário do Butantã. Essa
coordenadoria passou a ter por função gerenciar os recursos materiais e humanos.
A COPESP consiste em uma
organização Militar que trabalha em pesquisa e desenvolvimento, como propósito de
promover sistemas nucleares e energéticos para propulsão naval. As atividades
realizadas pelo CTMSP visam contribuir para o projeto e a construção de um
submarino de propulsão nuclear nacional, necessário à preservação dos interesses
marítimos do País.
203
As manifestações contra o projeto Aramar foram inúmeras. O próprio programa de
monitoração ambiental da usina de enriquecimento de urânio Almirante Álvaro Alberto
publicado em 1988, citado neste trabalho, é resultado do cumprimento das determinações
da Lei . 6.938 de 1981 e da Resolução nº. 001-86, do Conselho Nacional de Meio
201
Marinha vai testa propulsão de submarino nuclear em Iperó. Jornal do Brasil, 24 de setembro de 1986.
Disponível em < http://www.arqanalagoa.ufscar.br/pdf/recortes/R00537.pdf > Acessado em 4 out 2009.
202
Decreto Nº 93.439, de 17 de outubro de 1986.
203
[S/A] CTMSP Tecnologia própria é independência. Pesquisa Naval 16, Outubro de 2003. 128p
Disponível em <https://www.mar.mil.br/menu_h/noticias/pesquisa_naval/pdf/rev16red.pdf> Acessado em jun
2009.
124
Ambiente, que determinavam “a elaboração do relatório de Impacto Ambiental (Rima), a ser
realizado por uma equipe multidisciplinar de técnicos independentes”
204
. A responsabilidade
de estabelecer esse programa ficou a encargo da divisão de monitoração ambiental do próprio
IPEN, instituição parceira da Marinha do Brasil a no projeto de desenvolvimento e construção
do projeto do submarino nuclear.
As manifestações contrárias ao projeto Aramar se intensificaram no final da década
de 1980. No plano interno, o acidente radiológico de Goiânia, em 1987, repercutiu na
sociedade como um grave episódio de contaminação de radioatividade no Brasil.
Em 1977, o Instituto Goiano de Radioterapia (IGR) - empresa de propriedade
particular que desde 1972 se instalara em área localizada no Centro da Capital,
arrendada da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia - obteve autorização da
Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) para instalação e uso de uma
unidade de radioterapia com bomba de Césio-137.
205
A CNEN desde 1974 era responsável pela fiscalização do uso de radioisótopos para
pesquisas e usos medicinais, agrícolas, industriais e atividades equivalentes
206
. Portanto, a
fiscalização do Instituto Goiano de Radioterapia (IGR), que deixou à deriva um equipamento
que continha cloreto de césio, era de responsabilidade dessa comissão. Segundo os
proprietários do IGR, em meados de 1985, eles fizeram uma comunicação com a CNEN
avisando sobre a mudança de suas instalações e a permanência do aparelho radioativo no
antigo endereço. Essa comissão negou que houve tal comunicação
207
.
Esse acidente contribuiu para demonstrar o despreparo da sociedade brasileira para
lidar com a questão nuclear, a ineficiência de natureza técnica e política da CNEN em
204
OLIVEIRA, Odete Maria de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. 310p.
205
RODRIGUES, Jadir G. Césio 137: metáfora de um acidente. Guanicuns. Revista da FECHA/ FEA - Goiás,
01: 95-106, nov. 2004.p. 97.
Disponível em <http://www.faculdadeanicuns.edu.br/revista/rguanicuns01/pdfs/cesio_95-106.pdf>. Acessado
em 10 jul 2009.
206
Lei Nº 6.189, de 16 de dezembro de 1974.
207
HELLOU, Suzana. COSTA NETO, Sebastião Benício. (Org.) Césio 137. Conseqüências Psicossociais do
Acidente de Goiânia. Goiás: UFG, 1995. 9-13pp. In: RODRIGUES, Jadir G. Césio 137: metáfora de um
acidente. Guanicuns. Revista da FECHA/ FEA - Goiás, 01: 95-106, nov. 2004. p. 98. Disponível em
<http://www.faculdadeanicuns.edu.br/revista/rguanicuns01/pdfs/cesio_95-106.pdf>. Acessado em 10 jul 2009.
125
controlar o acesso e o uso da tecnologia nuclear e a imagem de desgate do Estado em suas
funções empreendedoras e fiscalizadoras.
No cenário externo, as manifestações contrárias ao projeto Aramar eram o reflexo de
três situações: (1) a desconfiança que as autoridades estadunidenses tinham em relação à
política nuclear brasileira, (2) o distanciamento na parceria com os alemães e (3) o acidente de
Chernobyl.
Como analisado, Reagan maximizou a campanha internacional pelos direitos
humanos, privilegiando os países que promoviam reformas democráticas e punindo aqueles
que não os obedeciam. Como Sarney mantinha o programa nuclear paralelo longe das
atenções internacionais, os EUA pouco ou nada sabiam de sua existência e quais instituições
estavam envolvidas.
Dessa maneira, dois órgãos foram fundamentais para chamar a atenção do sistema
internacional: os movimentos sociais internos e externos e a imprensa local. Os movimentos
sociais que se manifestavam contra o uso da energia nuclear na Europa cresciam cada vez
mais. No Brasil, “na Semana de Meio Ambiente, junho de 1987, quinze pessoas fizeram um
protesto de 24 horas de jejum e de silêncio”
208
.
Além disso, a crise econômica fez com que muitos trabalhadores brasileiros fossem
demitidos das multinacionais alemães. Em função dessas demissões, as multinacionais
tornavam-se cada vez mais impopulares no cenário nacional. As críticas as empresas alemães
provinham dos sindicatos, da igreja católica e de intelectuais liberais. Segundo Christian
Lohbauer, até mesmo o governo Figueiredo criticou as empresas alemães. “A opinião do
governo era de que as multinacionais haviam ganhado muito dinheiro no Brasil e teriam
que resolver seus problemas por si mesmas.”
209
Os empresários alemães se defenderam
alegando que em nenhum lugar os salários e as contribuições sociais eram tão altos quanto nas
208
OLIVEIRA, Odete Maria de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p. 310.
209
LOHBAUER, Christian. Brasil-Alemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São Paulo: Fundação Konrad
Adenauer, 2000. p.p. 98-99.
126
filiais das empresas alemães. “No total, empresas alemãs investiram, até 1982, cerca de 5,7
bilhões de marcos em fatores de produção no Brasil. Mais 1,5 bilhão de marcos foram
reinvestidos em máquinas e equipamentos, resultantes dos lucros obtidos.”
210
Apesar de criticar as multinacionais, tanto o governo federal quanto os sindicatos, a
igreja e intelectuais liberais sabiam que os alemães haviam contribuído para o
desenvolvimento sócio-econômico do país. O objetivo do governo Figueiredo em se
aproximar da opinião pública era promover uma abertura do regime sem maiores reações
populares. E o objetivo dos demais grupos citados era acelerar essa abertura. Em função da
crise econômica, os empresários alemães se tornaram vítimas do processo de abertura política.
“A constatação de que os militares deixaram para trás um país desorganizado, com inflação
de três dígitos, recessão econômica e dívidas interna e externa herdadas da influência de
nações industrializadas teve profundas conseqüências no governo de Sarney.”
211
Embora
Sarney mantivesse a política de diversificação de parcerias, o ministério das Relações
Exteriores sofreu com a dificuldade do governo de adquirir recursos. Essa redução de recursos
limitou a atuação desse ministério no sistema internacional. “A credibilidade do governo
Sarney foi posta em questão internamente, especialmente quando as negociações com países
industrializados, especialmente com os Estados Unidos, apresentaram-se bastante
desfavoráveis.”
212
A crise econômica somada ao endividamento externo causou sérios prejuízos ao
desenvolvimento sócio-econômico. A ausência de credibilidade do Brasil e a presença de
incertezas resultaram na queda da participação do capital alemão no desenvolvimento sócio-
econômico. Brasileiro.
210
LOHBAUER, Christian.. Brasil Alemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São Paulo: Fundação
Konrad Adenauer, 2000. p. 98.
211
LOHBAUER, Christian. Brasil-Alemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São Paulo: Fundação Konrad
Adenauer, 2000. p. 104.
212
LOHBAUER, Christian. Brasil-Alemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São Paulo: Fundação Konrad
Adenauer, 2000. p. 105.
127
Uma terceira reflexão que se pode realizar acerca das manifestações contrárias a
Aramar é a repercussão que o acidente da usina nuclear de Chernobyl teve no Brasil. Os
prejuízos provocados pela ausência de infra-estrutura, desorganização e fiscalização pelo líder
soviético fez com que manifestações em todo o mundo voltassem as atenções para os países
que buscavam recorrer a energia nuclear. Embora Sarney empreendesse um enorme esforço
para evitar que o Programa Nuclear Paralelo se tornasse público, o Programa Nuclear
Brasileiro ainda existia. Ainda que estivesse em ritmo reduzido, os manifestantes não
compreendiam as razões que levavam os países a recorrerem a esse tipo de energia diante da
catástrofe nuclear na Ucrânia.
Em 1989, o Partido Social-Democrata (SPD), partido de oposição da Alemanha,
acusou publicamente o governo e o ministério das Relações Exteriores da RFA de saberem da
existência do Programa Nuclear Paralelo. Segundo o SPD, “os militares brasileiros não
deixaram nenhuma dúvida de que o programa autônomo estava fora do controle
internacional e serviria para, na menor das hipóteses, testar uma bomba atômica”
213
. Apesar
das acusações do SPD e das pressões do Partido Verde, o governo e o ministério das Relações
Exteriores da RFA consideraram que por o desenvolvimento desse submarino não afetar as
premissas do TNP, não havia motivos para o SPD se alarmar. “Apesar disso, o SPD manteve
as acusações sobre o governo federal alemão, alegando que este se tornara um contraventor
internacional ao arriscar desrespeitar o Tratado de Não-Proliferação através de relações
suspeitas com o Brasil”.
214
Embora SPD e o Partido Verde continuassem a pressionar o
governo alemão a cancelar o Acordo Nuclear com o Brasil de 1975, esse governo optou por se
resguardar nas garantias de procedimentos de segurança do governo brasileiro. Em outubro de
213
LOHBAUER, Christian. Brasil-Alemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São Paulo: Fundação Konrad
Adenauer, 2000. p.p. 147-148.
214
LOHBAUER, Christian.. Brasil – Alemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São Paulo: Fundação
Konrad Adenauer, 2000. p. 148.
128
1989, apesar dessas acusações e pressões, o governo da RFA prorrogou o Acordo Nuclear
Brasil–RFA.
Apesar de todas as conturbações vivenciadas pela década de 1980,
os ganhos científicos e tecnológicos advindos do domínio do ciclo do combustível
nuclear e da capacitação em projeto, construção e operação de instalações
propulsoras nucleares têm profundo impacto no desenvolvimento do País, pois sua
inerente complexidade torna necessária a capacitação numa ampla gama de áreas
tecnológicas correlatas.
215
Além das conquistas e ganhos tecnológicos, o projeto de construção do submarino
nuclear brasileiro conquistou importantes aliados internos, como o IPEN, a CNEN e a
Nuclebrás, e externos, como o governo e o ministério das relações Exteriores da RFA e a
Argentina.
O desempenho das atividades realizadas pela parceria Marinha do Brasil-IPEN-
CNEN trouxe ao país enormes ganhos à medida que a nacionalização dos componentes
necessários às instalações e construções nucleares se tornou necessária. A nacionalização
viabilizou a capacitação tecnológica nuclear pelas forças armadas. “Em 1989, o almirante
Othon Pinheiro da Silva, diretor do Centro Experimental de Aramar, em Iperó-SP, previa o
início da produção de urânio enriquecido a 20%, em escala comercial. ”
216
3.3 O anúncio do Presidente José Sarney sobre a continuidade do projeto nuclear da Marinha
do Brasil
215
GUIMARÃES, Leonam dos Santos. Estratégias de implementação e efeitos de arraste dos grandes programas
de desenvolvimento tecnológico nacionais: experiências do Programa Nuclear da Marinha do Brasil. Pesquisa
Naval Nº 16, Outubro de 2003. p. 142.
216
KURAMOTO, Renato Yoichi Ribeiro. APPOLONI, Carlos Roberto. Uma breve história da política nuclear
brasileira. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 19, Nº 3, DEZ 2002, 386p Disponível em
<http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/6612/6104>. Acessado em 7 jul 2009.
129
Desde 1984, as cascatas de ultracentrífugas funcionavam vigorosamente. O projeto
nuclear da Marinha do Brasil apresentava cada vez mais conquistas tecnológicas. No entanto,
apesar de Sarney saber e aprovar essas conquistas se isentou durante quase os dois de seu
mandato de se pronunciar sobre as atividades realizadas pela parceria Marinha do Brasil-
IPEN-CNEN.
Essa exposição trazia consigo implicações de âmbito nacional e internacional. Dessa
maneira, devido às constantes pressões dos políticos e de grupos sociais que sabiam da
existência do projeto Aramar era preciso que Sarney tomasse os diversos cuidados no plano
internacional para fazer o pronunciamento. Em função da estável aliança política que Sarney
buscou manter com a Argentina, Sarney ficou seriamente preocupado com a repercussão da
notícia nesse país.
Na quarta-feira, dois dias antes do anúncio aos brasileiros, Sarney resolveu
comunicar a novidade ao seu colega argentino através de um telefonema. Nessa
conversa, disse a Alfonsín que estava enviando a ele uma mensagem detalhada na
mala de seu assessor especial, embaixador Rubens Ricupero, que, no dia seguinte,
desceu de um avião da Força Aérea em Buenos Aires e rumou imediatamente para a
residência de Olivos.
217
Com a finalidade de evitar o distanciamento nas relações políticas com a Argentina,
antes de anunciar o domínio da tecnologia nuclear, Sarney enviou seu assessor para assuntos
especiais, embaixador Rubens Ricupero ao país vizinho, a fim de dar maiores detalhes sobre
os avanços tecnológicos nesse campo. Havia também preocupação do presidente sobre como
seria a repercussão da notícia no cenário nacional. Poucas autoridades políticas civis sabiam
que Sarney se pronunciaria sobre a conquista tecnológica. No entanto, o ministro da Ciência e
Tecnologia, Renato Archer, considerado o “padrinho do projeto”
218
, recebeu por telex e por
um telefonema pessoal do próprio presidente da República a notícia do anúncio.
217
Sarney arma seu ciclo. Arquivo Veja, 9 de setembro de 1987.
Disponível em <http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_09091987.shtml>. Acessado em 30 jun 2009.
218
OLIVEIRA, Odete Maria de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. 302p.
130
“Finalmente em setembro de 1987, após as primeiras ultracentrífugas terem tido
milhares de horas acumuladas de funcionamento, o Sr. Presidente da República anunciou
oficialmente o domínio pelo Brasil do ciclo do combustível nuclear.”
219
Em 1987, Sarney
resolveu romper o silêncio e pronunciou, em discurso de domínio público, que o Brasil havia
passado a dominar a tecnologia do enriquecimento de urânio por ultracentrifugação.
220
Segundo Sarney, após a conclusão de uma usina-piloto, instalada no Centro experimental
aramar, o domínio da tecnologia nuclear seria num tempo hábil consolidado. O início da
operação do primeiro módulo seria em 1988.
Rex Nazareth, ainda presidente da CNEN no governo Sarney, também mostrava o
seu apoio publicamente por meio de discursos de domínio público. Segundo Rex Nazareth,
“países desenvolvidos, ao mesmo tempo que as utilizam em benefício interno, dificultam o
acesso de novos países a essas tecnologias, criando obstáculos para aquisição de
informações, de matérias e de equipamentos”
221
. Ambas as autoridades políticas civis
enfatizavam em seus discursos, que o país praticava uma política de paz, não tinha pretensões
hegemônicas, e fazer a bomba atômica estava fora de seus objetivos
222
.
Os países que detinham a bomba atômica eram os EUA, a URSS, a Inglaterra, a
França e a China. Todos esses países possuíam assentos permanentes no Conselho de
Segurança da ONU e tinham o poder de influenciar as regras do jogo político no sistema
internacional. Existiam outros países que não detinham a bomba atômica, mas possuíam
capacidade para construí-la. A RFA era um exemplo disso. Contudo, apesar de não possuir
um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e de não possuir a bomba
atômica, a RFA não deixava de influenciar as regras políticas do sistema internacional. O
219
FONSECA, Maximinao Eduado da Silva. Projeto do submarino nuclear uma notável conquista tecnológica.
Revista do Clube Naval, 1994. p. 7.
220
SARNEY anuncia domínio do átomo. O Globo. Rio de Janeiro, 5 de setembro de 1987, 6p. in: OLIVEIRA,
Maria Odete. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p. 300.
221
Um elogio à rebeldia intransigente. O Estado de São Paulo, São Paulo, 5 de setembro de 1987. 4p. in:
OLIVEIRA, Maria Odete. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p. 301.
222
OLIVEIRA, Maria Odete. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p. 301.
131
exemplo disso é o fato de os Estados Unidos não conseguiram persuadir o governo alemão a
renunciar o Acordo Nuclear com o Brasil de 1975.
Entende-se assim que, o receio do governo estadunidense que o Brasil construísse
um reator nuclear significava que o Brasil poderia influenciar o sistema internacional, em
especial, na área de influência estratégica estadunidense: a América do Sul. O discurso de
Sarney sobre o domínio da tecnologia nuclear teve repercussão internacional. A embaixada da
RFA comunicou o seguinte: “congratulamo-nos com o presidente José Sarney por ter
reiterado que o Brasil usará essa tecnologia exclusivamente para fins pacíficos”
223
. Apesar
das relações do governo brasileiro com o empresariado alemão estarem conturbadas pela crise
econômica, o governo brasileiro percebia a RFA como seu mais importante elo com a
comunidade européia. A notícia não motivou maiores preocupações no plano nacional.
Mais preocupados em discutir no Congresso Constituinte sobre a adoção do sistema
presidencialista ou parlamentarista para a nação, os políticos brasileiros reagiram
com neutralidade ao anúncio do programa militar, afirmando representar um avanço
muito grande para o país.
224
Segundo a Revista Veja,
na fila de cumprimentos que o presidente enfrentou em seguida, destacava-se o
senador Fernando Henrique Cardoso, líder do PMDB no Senado, que sempre se
declarara contra o programa nuclear clandestino do governo brasileiro e, sobretudo,
contra a perspectiva de se ter no país uma fábrica de bombas atômicas.
225
No cenário nacional, embora o anúncio de Sarney tenha sido novidade, os políticos
brasileiros estavam seriamente comprometidos com a forma que a nova constituição iria
ganhar. Dessa maneira, no cenário interno, pouca repercussão o anúncio de Sarney obteve.
Além dessa questão, o pronunciamento de Sarney pode ser compreendido como uma medida
deste presidente de buscar maior apoio político no Congresso Nacional e uma maior
223
Sarney arma seu ciclo. Arquivo Veja, 9 de setembro de 1987.
Disponível em <http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_09091987.shtml>. Acessado em 30 jun 2009.
224
Políticos reagem com naturalidade ao anúncio do programa nuclear. Folha de São Paulo, São Paulo, 5 de
setembro de 1987, A-7p. in: OLIVEIRA, Odete Maria de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul:
Unijuí, 1999. p. 302.
225
Sarney arma seu ciclo. Arquivo Veja, 9 de setembro de 1987.
Disponível em <http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_09091987.shtml>. Acessado em 30 jun 2009.
132
popularidade. Os planos e intervenções econômicas de Sarney não proporcionaram o
resultado esperado e a sociedade brasileira dava sinais de insatisfação com a política
econômica do país. Essa insatisfação teve início a partir do segundo Plano Cruzado.
Segundo Sarney, sua aproximação com os militares se deu na campanha eleitoral.
Como Sarney estava se tornando cada vez mais impopular, buscou apoio nas forças armadas.
Este presidente afirmou o seguinte: “ao chegar à presidência, tive a grande surpresa de
encontrar as Forças Armadas totalmente sucateadas e abandonadas. Preocuparam-se muito
com a política e esqueceram a parte profissional.”
226
Embora o momento político e
econômico não fosse propício para a aquisição de armamentos para as forças armadas, a
participação brasileira, na década de 1980, no negócio de tanques, carros blindados e navios
de guerra ser crescente no mercado internacional
227
.
De acordo com Lohbauer, “em agosto de 1982, o Brasil encomendou dois
submarinos alemães. O país tinha o objetivo de comprar um submarino produzido na RFA e
construir o segundo no Brasil com a ajuda alemã”
228
. Esses submarinos eram elétricos e
movidos a diesel. Apesar de o governo brasileiro promover o desenvolvimento do reator
nuclear que seria inserido em um submarino, esse era um projeto de longo prazo. Os
submarinos que a Marinha do Brasil possuía ainda nessa época eram aqueles que foram
concedidos pela Marinha dos EUA, por meio do Acordo de Assistência Militar ainda em
1974. Dessa maneira, a Marinha do Brasil se encontrava sem meios navais que oferecessem
dissuasão comparados com os das marinhas de países de primeira linha.
Dessa maneira, a fim de construir o submarino convencional em território nacional, o
governo brasileiro contatou a empresa alemã HDW, que produzia esse tipo de submarino.
Essa empresa fez uma solicitação ao governo da RFA para vendê-los ao Brasil. A solicitação
226
MORAES NETO, Geneton. Dossiê Brasília – o segredo dos presidentes. São Paulo: Globo, 2005. p. 44.
227
LOHBAUER, Christian. Brasil – Alemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São Paulo: Fundação Konrad
Adenauer, 2000. p. 120.
228
LOHBAUER, Christian. Brasil-Alemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São Paulo: Fundação Konrad
Adenauer, 2000. p. 117.
133
foi aprovada pelo governo alemão em dezembro de 1982. No entanto, devido aos enormes
custos da compra desses submarinos, o governo Figueiredo hesitou em concluir a negociação.
O processo da venda do pacote com material para a construção do submarino ultrapassou o
mandato de Figueiredo e coube a Sarney dar o seu veredicto sobre a aquisição completa dos
submarinos convencionais alemães. Todavia, desde 1984, havia uma suspeita internacional de
que o Brasil estaria colaborando com a Líbia para a construção de submarinos com tecnologia
e componentes nucleares alemães, fez com que o Parlamento alemão recuasse na decisão de
aprovar a solicitação de venda. Por haver suspeitas acerca da transferência de tecnologia
nuclear alemã para a Líbia, o governo alemão ficou receoso de vender os submarinos
convencionais ao Brasil. Em 1986, os EUA e a Líbia entraram em guerra.
A partir de 1987, houve aprimoramentos tecnológicos de aviões de combate e de
tanques médios. Assim como a crise econômica limitou o poder de negociação do ministério
das Relações Exteriores, limitou também as aquisições de armamentos para as forças
armadas, durante o governo Sarney, no cenário internacional. O Brasil se viu forçado a
empreender investimentos que ultrapassavam os limites orçamentários previstos.
Zaverucha procura demonstrar que Sarney ao invés de promover relações civil-
militares democráticas, por afeição às instituições militares ou por receio de um novo golpe
militar, contribuiu para retardar a possibilidade de consolidação da democracia brasileira, à
medida que Sarney se tornara complacente com intervenções das forças armadas em assuntos
internos.
Pesquisadores como Zaverucha e Rizzo de Oliveira defendem a tese de que o
governo Sarney se caracterizou por uma tutela militar, na qual os militares pressionavam e
ameaçavam o governo, a sociedade e o Congresso Nacional ao se apresentarem como os
condutores que asseguravam o apoio ao presidente Sarney e ao sistema político
229
. No entanto,
229
OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. SOARES, Samuel Alves. Forças Armadas, direção política e formato
institucional. in: D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. (Org.) Democracia e Forças Armadas no cone sul.
Rio de Janeiro: FGV, 2000. p. 101.
134
de se considerar que por ser um processo de transição política, o papel das forças armadas
se encontrava indefinido naquele momento. Segundo o pensamento militar formulado pela
Escola Superior de Guerra, em 1982, sobre os sistemas militares de regimes democráticos,
“as Forças Armadas devem voltar-se, exclusivamente, para sua destinação constitucional,
encontrando no dever militar a base de inspiração e conduta”
230
. A constituição a qual esse
fundamento teórico se refere é a Constituição de 1967. A doutrina que ainda prevalecia era a
Doutrina de Segurança Nacional, e esta submetia as forças armadas a assegurar a ordem
nacional. Para que as forças armadas tivessem um papel definido na transição democrática era
preciso que a política brasileira construísse os seus novos pilares de sustentação
constitucional. Enquanto não houvesse definição no cenário político nacional, as forças
armadas continuaram a desempenhar o papel a que estavam orientadas a exercer: intervir
durante as crises políticas, ainda que fosse para assegurar a transição democrática.
Compreende-se assim que, ainda governando com a impopularidade advinda de seus
frustrados planos econômicos, Sarney foi beneficiado por essa tutela militar. Sendo assim,
como os militares possuíam o apoio político e econômico do presidente, as forças armadas
continuaram sustentando seus grandes projetos a longo prazo com o orçamento militar e com
os recursos também advindos da CNEN.
O Centro Experimental Aramar foi o produto desse esforço orçamentário da Marinha
do Brasil rumo a capacitação tecnológica nuclear brasileira. Em abril de 1988, inaugurou-se o
Laboratório de Enriquecimento Isotópico (LEI). Este laboratório constituiu a primeira etapa
da usina de demonstração de enriquecimento isotópico de urânio. No mesmo mês, a 8 de abril
de 1988, ocorreu a inauguração do Centro Experimental de Aramar. Estavam presentes na
inauguração,
junto com o presidente José Sarney apenas uma pequena comitiva de autoridades: o
ministro da Marinha, Henrique Sabóia; o ministro da Ciência e Tecnologia, Luiz
Henrique da Silveira, o ministro da Previdência, Renato Archer; o ministro das
Relações Exteriores, Roberto Abreu Sodré; o ministro do Gabinete Militar, Bayma
230
[S/ A] Fundamentos teóricos. Rio de Janeiro:ESG, 1982. p. 294.
135
Denys; o governador de São Paulo, Orestes Quércia; o presidente da CNEN, Rex
Nazareth Alves, e os dois acompanhantes do Presidente da Argentina, ministro da
Economia, Juan Sourroville e o ministro das Obras Públicas, Rodolfo Terragno.
231
A imprensa destacou a presença de Sarney, de Raúl Alfonsín, Rex Nazareth, de
Henrique Sabóia e Renato Archer na inauguração de Aramar. O comandante Othon, por ser o
coordenador do projeto nuclear da Marinha do Brasil, recebia as autoridades políticas e
militares, proferindo uma exposição técnica sobre esse trabalho.
Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o Ministro da Marinha, Henrique
Sabóia, esclarece, que,
o brasileiro precisa acreditar que existe uma decisão de governo para uso da energia
nuclear para fins pacíficos. O Ministério da Marinha tem como meta distante
desenvolver um submarino nuclear, mas é preciso deixar bem claro que apenas o
sistema de propulsão nuclear será nuclear. O sistema de propulsão é usado como
fonte de calor e essa turbina movida a vapor é que irá movimentar os submarinos
nucleares. No momento, (...) a finalidade não é bélica, mas não submeteremos a
nossa tecnologia à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), por uma
decisão política. Quanto aos submarinos atômicos (...) não teremos previsão, nem
fixação de datas para sua fabricação. Temos um programa para chegar lá. Quem
sabe eu os convido para a inauguração, no futuro
232
.
Pode-se perceber que o anúncio público de Sarney sobre as atividades realizadas pela
Marinha do Brasil no desenvolvimento de um reator para um submarino nuclear faz parte de
uma estratégia política do presidente para voltar a ter popularidade. A maior parte da
sociedade brasileira não tinha o menor conhecimento do que é um sistema de propulsão
nuclear. Faltou ao governo Sarney um projeto nacional que envolvesse além de programas
estratégicos a longo prazo, uma ideologia nacional que além de militares, acolhesse também
acadêmicos, cientistas e políticos.
Conclui-se assim que tanto os governos militares de Geisel e Figueiredo como o
governo da transição democrática de Sarney, procuraram vincular a agenda nuclear à ciência e
tecnologia e ao desenvolvimento sócio-econômico nacional. Essas seriam as bases em que
231
OLIVEIRA, Maria Odete. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p. 313p.
232
CHIMEM, Rivaldo. Sabóia: Objetivo nuclear ainda é pacífico. O Estado de São Paulo, São Paulo, 9 abr.
1988, 6p. in: OLIVEIRA, Maria Odete. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí, 1999. p.p.
313-314.
136
esses governos se apoiaram para fortalecer político-econômicamente o Brasil no sistema
internacional.
Por ser um governo estigmatizado pela herança da ditadura civil-militar e pelo
projeto do submarino de propulsão nuclear concentrar-se na esfera militar, a ideologia de
associar a construção do submarino nuclear ao desenvolvimento nacional teve pouca
repercussão positiva na opinião pública brasileira. Em função da violação do estado de direito
durante o regime militar, tanto os políticos quanto o povo percebiam a atuação dos militares
com desconfiança. Em conseqüência disso, o presidente Sarney, por apoiar os militares ou os
projetos dos militares, para esses setores da sociedade brasileira, significava uma continuidade
de uma política que deveria ser abolida.
Conclui-se assim que a ausência de diálogo entre o Executivo e as multinacionais e a
incapacidade do governo Sarney de enfrentar a crise econômica herdada do regime militar
contribuiu para a crise de legitimidade que comprometeu a credibilidade do país no sistema
internacional.
O governo Sarney foi marcado pela percepção dos políticos e da sociedade brasileira
de que o Estado era o responsável pela debilidade política, social e econômica do Brasil. O
Estado, à medida que conduziu os fracassados planos econômicos e não sustentou um projeto
nacional que tornasse o Brasil uma potência regional, não teve mais o apoio popular. Ainda
que Sarney conduzisse o processo de eleições diretas para a presidência da República e em
seu governo fosse aprovada a Constituição de 1988, a sua impopularidade era a cada dia mais
presente. Todavia, a presença de Raúl Alfonsín na inauguração do Centro Experimental
Aramar representou a continuidade de uma política de fortalecimento latino americano, em
especial, com a Argentina.
Percebe-se assim que apesar das limitações que o governo brasileiro adquiriu na
década de 1980, o Brasil conquistou uma aliança estratégica com a Argentina. Nota-se
137
também que o esforço do ministério das Relações Exteriores para o Brasil fortalecer as
relações políticas com os EUA era permanente.
Os anos oitenta são conhecidos como a década perdida da América Latina, em
decorrência da praticamente total ausência de crescimento econômico no período.
Os países latino-americanos foram atingidos por seríssimas crises de dívida e o
Brasil não foi exceção. O Itamaraty reorientou completamente seus esforços para
apagar o verdadeiro incêndio da situação econômico-financeira e a defesa nacional
passou a ocupar suas últimas prioridades.
233
Dessa maneira, no final da década de 1980, o governo brasileiro não teve mais
condições de continuar investindo, como antes, nas forças armadas. Assim, o
desenvolvimento econômico se tornou prioridade para o governo brasileiro. O ministério das
Relações Exteriores foi o instrumento utilizado pelo governo para atrair empresas, capital e
tecnologia.
Como analisado, desde 1985, a URSS buscou se aproximar politicamente dos EUA.
Dessa maneira, ambos os países buscavam reduzir seus arsenais bélicos e se propunham a
reduzir também seus arsenais nucleares.
Dessa maneira, o Brasil, ao continuar a empreender esforços militares num contexto
no qual a Guerra Fria e a corrida armamentista estavam se encerrando, poderia comprometer
ainda mais as negociações econômicas com os países desenvolvidos e minar qualquer
possibilidade de o Brasil fortalecer suas relações políticas com os EUA.
Em função disso, quatro fatos analisado podem comprovar a nova funcionalidade do
ministério das Relações Exteriores na promoção da paz: (1) o Brasil renunciou ao uso da
tecnologia nuclear para fins bélicos na Constituição de 1988, (2) o Brasil deixou de priorizar a
energia nuclear para fins pacíficos como solução para a escassez energética, (3) criou a Zona
de Cooperação e Paz no Atlântico Sul (ZPCAS) e (4) transformou as 200 milhas marítimas
233
ALMEIRA, Carlos Wellington Leite de. Transparência do orçamento de defesa – o caso brasileiro. Papeles de
Investigación Resdal. Agosto de 2005. p. 35. Disponível em <http://www.resdal.org/papers/caso-brasil.pdf>.
Acessado em 7 jul 2009.
138
em Zona de Economia Exclusiva (ZEE), por meio da Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar (CNUDM).
Segundo a Constituição brasileira de 1988, toda atividade nuclear em território
nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso
Nacional”
234
. Dessa maneira, o próprio governo brasileiro abdica constitucionalmente de
fazer uso dual da tecnologia nuclear. O Brasil se mostrou assim submisso as determinações
internacionais, sobretudo, dos EUA. Além de demonstrar a subordinação, o governo brasileiro
demonstrou também a ausência de um pensamento político e militar próprios de longo prazo.
O segundo fato a ser analisado é que Sarney preferiu priorizar o potencial
hidrelétrico brasileiro. Em função da crise econômica que o Brasil vivenciava no final da
década de 1980 e das críticas internas que o Programa Nuclear Brasilero sofreu, em agosto de
1988, o presidente José Sarney reorganizou a Nuclebrás sob a denominação de Indústrias
Nucleares Brasileiras (INB). Como analisado, o Acordo Nuclear Brasil-RFA tornou o Brasil
dependende de toda a transferência de tecnologia nuclear desse país europeu. O Brasil teve
que construir empresas para as quais não haviam técnicos especializados. Dessa maneira, em
função da crise, muitas subsidiárias, como a Nuclei, empresa localizda em Itaguaí,
especializada em enriquecimento isotópico de urânio, não enriquecia urânio em quantidade
necessária e não funcionava dentro das expectativas esperadas. As conquistas tecnológicas
desse programa se limitaram às áreas de mineração, beneficiamento e produção de
concentrado de urânio. Todas essas atividades do Programa Nuclear Brasileiro passaram a
cargo do setor elétrico federal.
Um terceiro fato que pode ser analisado como um esforço político-diplomático é a
criação da Zona de Cooperação e Paz no Atlântico Sul (ZPCAS), em 1986. Com
afrouxamento do alinhamento às doutrinas de segurança hemisférica e a indefinição das
234
Constituição Federal de 1988, Artigo 21, primeira alínea do inciso XXIII. Disponível em <
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acessado em 14 dez 2009.
139
relações políticas com os Estados Unidos, os países costeiros do Atlântico Sul buscaram, por
conta própria, estratégias para desmilitarizar e evitar a proliferação de armamentos nucleares
na região. “Em 1986, em plena Era Reagan e no contexto de militarização do Atlântico Sul
(pós-Malvinas), logrou que a ONU aprovasse o estabelecimento da Zona de Paz e
Cooperação do AtlânticoSul (ZoPaCAS).”
235
Apesar de os Estados Unidos terem se mostrado
claramente desfavoráveis a conflitos no Atlântico Sul, “foram o único voto contrário,
justificando a sua postura em função do risco às restrições ao livre acesso naval e às
atividades marítimas
236
.
Ronald Reagan, presidente estadunidense ao longo da década de 1980, como
analisado, defendia a desmilitarização dos países. Contudo, tanto o governo estadunidense
quanto a Marinha dos EUA eram favoráveis a que os países costeiros do Atlântico Sul,
sobretudo, o Brasil tivessem condições mínimas para defender as linhas de comunicação e as
rotas comerciais. Todavia, o que os países que coadunavam com a ZPCAS compreenderam
como novas ameaças no Atlântico Sul foram a questão do tráfico e do consumo de drogas.
Apesar de o Brasil não ser um fabricante de drogas, o Brasil estava se tornando hábil na
produção e na exportação de químicos essenciais para o refino da droga. A orientação entre os
países que coadunavam nessa zona era assegurar a paz, evitando que o Atlântico Sul se
tornasse tráfego para traficantes de droga. A ZPCAS foi a materialização das estratégicas do
ministério das Relações Exteriores para, além de evitar guerras e a proliferação de armas
nucleares, erradicar também com o tráfico de drogas no hemisfério sul americano.
Dessa forma, essa zona de cooperação foi apoiada pelo governo argentino de Raúl
Alfonsín. “A cooperação é indicada no caminho para promover a paz, a segurança e
235
VISENTINI, Paulo G. Fagundes. PEREIRA, Analúcia Danilevicz. A política africana do governo Lula.
Disponível em < http://www6.ufrgs.br/nerint/folder/artigos/artigo40.pd>. Acessado em 2 set 2009.
236
SILVEIRA, Cláudio de Carvalho. MATHIAS, Suzeley Kaflil. As novas ameaças e o pensamento estratégico
na Marinha do Brasil. Disponível em < http://www.ndu.edu/chds/redes2003/Academic-Papers/2.Civil-Mil-
Relations/4.Civilian-Roles-Defense-II/4.%20Silveira-final.rtf >. Acessão em 16 jul 2009.
140
condições melhores para a resolução de problemas econômicos e sociais.”
237
Os países
costeiros do Atlântico Sul abriram mão da segurança e a da presença militar na região em prol
de uma maior cooperação e integração regional. A I Conferência do Atlântico sul foi realizada
no Brasil, no Rio de Janeiro, em 1988. Houve a participação de 19 países africanos e dentre as
discussões se encontravam a independência da Namíbia, crítica ao Apartheid e apoio à paz em
Angola.
E um quarto fato relacionado a nova funcionalidade do ministério das Relações
Exteriores é a transformação do mar em uma zona de comércio. A CNUDM foi assinada em
1982. Ela englobava os conceitos e as dimensões do Mar Territorial, da Zona Contígua, da
Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e da Plataforma Continental. O Brasil ratificou essa
convenção em 1988. Desde então começaram a surgir intensos debates acerca da definição
dos limites da plataforma continental e, conseqüentemente, da zona econômica exclusiva, pois
tal convenção além de fornecer uma nova definição de plataforma continental, estabeleceu um
critério para o caso de a plataforma exceder as 200 milhas da ZEE.
No que se relaciona as 200 milhas marítimas, a partir de 1987, a Marinha do Brasil e
a Petrobrás resolveram juntas desenvolver um trabalho de mapeamento científico da
plataforma continental brasileira. A Petrobrás custeou metade dos investimentos. A Diretoria
de Hidrografia e Navegação (DHN) forneceu seus navios e percorreu 230 mil quilômetros na
plataforma continental brasileira. Com esse trabalho de coleta de dados, o Brasil buscava
demonstrar a ONU todo o conhecimento brasileiro da sua plataforma continental.
238
Esse
mapeamento foi aprovado em 1989, ainda sob a gestão de Sarney. Esse trabalho é conhecido
como plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (LEPLAC). Os solos e
237
Souza, Isabela Gláucia de. O Estigma da energia nuclear na defesa nacional: a ZPCAS e a Declaração de
Luanda de 2007. Disponível em <http://www.tempopresente.org/index.php?
option=com_content&task=view&id=3176&Itemid=147>. Acessado em 30 ago 2009.
238
ONU autoriza Brasil a ampliar limites de sua fronteira marítima. O Estado de São Paulo.
Disponível em <http://www.estado.com.br/editorias/2007/05/06/pol-1.93.11.20070506.14.1.xml>. Acessado em
8 ago 2009.
141
subsolos do Atlântico Sul eram muito pouco conhecido pelas autoridades políticas e pelas
autoridades marítimas. Embora a produção de petróleo offshore não atendesse as demandas
nacionais e o Brasil dependesse da importação dessa matéria-prima, as autoridades brasileiras
envolvidas no LEPLAC acreditavam que nas profundezas do Atlântico Sul encontrariam
enormes jazidas petrolíferas. A produção petrolífera necessitava de conhecimento das
condições ambientais e de estabilidade do subsolo marinho. Condições marítimas, força e
direção das ondas e correntes também deveriam ser precisamente conhecidas, bem como a
circulação submarina envolvendo assim um complexo conjunto de pesquisas.
239
O objetivo
principal do LEPLAC
era estabelecer, no seu enfoque jurídico, o limite da Plataforma Continental além das
200 milhas da Zona Econômica Exclusiva (ZEE), em conformidade com os critérios
estabelecidos pela CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO
DO MAR (CNUDM), que foi assinada e ratificada pelo Brasil
240
.
Conclui-se assim que a Constituição de 1988 quanto a ZPCAS e a ZEE constituíram
o esforço do ministério das Relações Exteriores para fortalecer o Brasil no sistema
internacional por meio da promoção da paz e do desenvolvimento econômico.
A década de 1980 se encerrou com a imagem de um Estado desgastado e pouco
empreendedor. Essa imagem permitiu que novas teorias liberais conquistassem os políticos
brasileiros. Além disso, a desmilitarização do Atlântico sul representava a abdicação do
governo federal do uso das teorias organicistas, as quais a geografia determinava os rumos da
política. As forças armadas tiveram assim que, arcar com os seus projetos estratégicos
contando apenas com o orçamento que o governo federal lhe destinava. O projeto do
submarino de propulsão nuclear sobreviveu a transição política, contudo, os militares tiveram
que reduzir o ritmo da produção científica e tecnológica.
239
PENHA, Eli Alves. A Fronteira Marítima Brasileira e a Geoestratégia Sul-Atlântica. Disponível em <
http://egal2009.easyplanners.info/area01/1101_penha_eli_alves.doc>. Acessado em 26 ago 2009.
240
Decreto nº. 98.145, de 15 de setembro de 1989. Disponível em <
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=133114>. Acessado em 14 dez 2009.
142
4 A POLÍTICA NUCLEAR E AS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS DE COLLOR
À FHC
4.1 O governo Collor X política nuclear brasileira
A década de 1990 inaugura um tempo em que a democracia e o livre-mercado
passam a ser a ideologia dominante no mundo ocidental.
Na década de 90, a conjuntura internacional, marcada pelo final da Guerra Fria, pelo
desmantelamento da União Soviética, pela disponibilidade dos “arsenais”
acumulados devido ao clima de confronto, pela globalização com soberania
“limitada”, pelo desmonte de barreiras tarifárias e pela sagração da competitividade,
promoveu um quase aniquilamento da base industrial de defesa e uma considerável
redução das atividades nos centros de P&D nacionais, notadamente naqueles que
constituem a base científico tecnológica de defesa.
241
Como foi debatido no capítulo anterior, apesar do orçamento limitado, José Sarney
buscou tornar o país mais competitivo em ciência e tecnologia. Em função das debilidades em
questão de profissionalização das forças armadas era preciso empreender um esforço
significativo para suprir as carências de material bélico dessas instituições.
As autoridades políticas brasileiras acreditavam que era possível alavancar a posição
política e econômica do Brasil no sistema internacional por meio da tecnologia nuclear.
Assim, os governantes brasileiros, de 1974 à 1989, compreenderam que o desenvolvimento
sócio-econômico seria alcançado pela inserção político militar brasileira no sistema
internacional.
Com o fim da Guerra Fria e os Estados Unidos despontando como a única
superpotência mundial, a política econômica estadunidense induziu as economias ocidentais a
acreditarem que esse modelo era o melhor existente.
241
AMARANTE, José Carlos Albano do. Indústria brasileira de defesa: uma questão de soberania e
autodeterminação. In: PINTO, J. R. de Almeida. ROCHA, A. J. Ramalho da. SILVA, R. Doring Pinho da. (Org)
As Forças Armadas e o desenvolvimento científico e tecnológico do País. Brasília: Ministério da Defesa,
Secretaria de Estudos e de Cooperação, 2004. p. 27.
143
Podemos admitir que, em linhas gerais, definiram-se, no pós-Guerra Fria uma série
de temas que passam a constituir o corpo hegemônico das políticas legítimas,
correspondentes, em tese, ao discurso das potências ocidentais (Estados Unidos
Europa Ocidental e, pela aliança que mantém, o Japão) e , com variações, aos países,
mesmo em desenvolvimento, que adotam valores ocidentais. Os temas são bem
conhecidos: democracia e direitos humanos, problemas humanitários, liberdade
econômica e criação de condições iguais de competição, combate ao narcotráfico e
ao crime organizado, a solução multilateral de crises regionais, defesa do meio
ambiente, movimentos para institucionalizar, em organismos multilaterais, as
propostas e teses nessas questões, etc.
242
A ascensão de Fernando Collor de Melo a presidência da República constituiu assim
um fato histórico para a política brasileira. Collor foi o primeiro presidente civil eleito pelo
voto direto. O ano de 1990 representou para o Brasil a fase de consolidação da democracia à
medida que as forças armadas foram afastadas e retiradas do centro do poder de Estado.
Houve pressão por parte dos militares para que as suas funções não sofressem alterações na
nova Constituição brasileira. “As Forças Armadas admitiam alguns retoques superficiais,
desde que se mantivessem em essência as prerrogativas políticas que vigoravam desde o final
do Império.”
243
No entanto, com o fortalecimento partidário, os partidos que eram opositores
ao regime militar pressionaram a Assembléia Nacional Constituinte a conduzir a política
sobre as forças armadas a um controle civil. Houve manifestações que defendiam a tese sobre
a falta de necessidade das instituições militares. Outras manifestações defendiam a tese de
que, com a vitória dos Estados Unidos na Guerra Fria, o Brasil deveria abdicar das
instituições militares, atribuindo o papel de zelar pela segurança nacional, voluntariamente ou
não, aos Estados Unidos
244
. Porém, apesar do advento do fim da Guerra Fria, supostamente,
promover a superação da doutrina de dissuasão nuclear, a globalização contribuiu para
242
FONSECA Jr, Gelson. A legitimidade e outras questões internacionais. São Paulo: Paz e Terra, 1998. 217p.
in: CASTELAN, Daniel Ricardo. Segurança e Defesa na década de 90: Interpretações do Itamaraty e Forças
Armadas. I Simpósio em Relações Internacionais do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais
San Tiago Dantas (Unep, Unicamp e Puc-SP). 12 a 14 de novembro de 2007. Disponível em
<http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br/br/simp/artigos/castelan.pdf>. Acessado em 7 jul 2009.
243
OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. SOARES, Samuel Alves. Forças Armadas, direção política e formato
institucional. in: D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. (Org.) Democracia e Forças Armadas no cone sul.
Rio de Janeiro: FGV, 2000. p. 104.
244
OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. SOARES, Samuel Alves. Forças Armadas, direção política e formato
institucional. in: D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. (Org.) Democracia e Forças Armadas no cone sul.
Rio de Janeiro: FGV, 2000. p. 107.
144
aumentar a violência de natureza descontrolada. A globalização consiste em um processo de
reorganização mundial das características tecnológicas do modo de produzir do sistema
capitalista.
245
Ao mesmo tempo em que a globalização facilita o acesso à tecnologia por meio
de diversos tipos de rede, aumenta a exclusão social e acirra os conflitos armados provocados
pelas relações assimétricas.
Entre estas (redes) estão as das finanças, que possibilitam, além dos movimentos
rápidos dos fluxos de capital, a lavagem do dinheiro; as da criminalidade
organizada; as do tráfico ilícito de armamentos; as da produção, distribuição e
proliferação das drogas; as do terrorismo; as das migrações não regulamentadas de
pessoas, causadas pelas guerras civis e pelas perseguições.
246
Em função dessas teses acerca da inutilidade das forças armadas nesses novos
tempos, surgem outras teses que legitimam a necessidade dessas instituições para combater as
conseqüências provindas das facetas da globalização. “De fato, pela primeira vez desde o
nascimento do Estado, não mais necessidade de uma estrutura estatal para organizar a
violência em uma escala devastadora para a sociedade.”
247
Compreende-se assim que, as
origens das ameaças à ordem internacional não provém apenas dos Estados. No entanto, essas
teses não buscaram legitimar a inutilidade das forças armadas apenas na América Latina.
Dentro dos Estados Unidos, no governo de George H. W. Bush (1989-1993), também
surgiram teses como essas: havia setores governamentais que acreditavam que os novos
tempos não exigiriam tanto das forças armadas estadunidenses e havia setores que
acreditavam que as instituições militares dos EUA seriam úteis justamente para conter as
conseqüências oriundas da globalização. “A diminuição do contingente militar americano em
um terço e as reduções do orçamento de defesa nos anos 1990 causaram um grande quebra-
cabeça no Pentágono.”
248
Os setores estadunidenses que defendiam a continuidade das forças
245
GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Globalização, guerra e violência. In: NOVAES, Adauto. A crise do Estado-
nação. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003. p. 493.
246
LAFER, Celso. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira passado, presente e
futuro. São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 63.
247
BOBBITT, Phillip. A Guerra e a Paz na História Moderna: o impacto dos grandes conflitos e da
política na formação das nações. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 774.
248
UESSELER, Rolf. Guerra como prestação de serviços: a destruição da democracia pelas empresas militares
privadas. São Paulo: Estação liberdade, 2008. p. 70.
145
armadas questionavam como a presença militar desse país poderia ser mantida com as
reduções drásticas dos meios militares. Em meio aos novos tempos, segundo Uesseler, a
solução foi transferir parte da operacionalidade das forças armadas estadunidenses para
empresas privadas. A Blackwater desde a década de 1990 apresenta-se como uma das maiores
empresas prestadoras de serviços militares. “(...) É importante lembrar que a empresa abriu
seus negócios durante o período em que Bill Clinton era presidente. Foi a administração
Clinton que autorizou a Blackwater como servidora do governo federal e ofereceu à empresa
os seus primeiros contatos governamentais”.
249
No entanto, as ações militares dessas
empresas eram empreendidas de forma sigilosa. Dessa forma, compreende-se que, mesmo
com a redução de custos, contingentes e, conseqüentemente, de pesquisas científicas que eram
realizadas pelas forças armadas em suas instalações científicas e tecnológicas, os Estados
Unidos ou as empresas privadas, que agiam em seu nome, continuavam militarmente a
defender os interesses dos Estados Unidos.
A Queda do Muro de Berlim simbolizou o fim da Guerra Fria. Os EUA não
poderiam mais apontar o comunismo como ameaça à segurança internacional. Esse fato
contribuiu para legitimar as teses que afirmavam que os alicerces estratégicos da doutrina de
segurança internacional como parâmetro para a organização da defesa nacional haviam se
tornados obsoletos. Dessa maneira, os EUA tiveram que encontrar outros inimigos potenciais
para justificar os seus armamentos convencionais e nucleares.
Em termos militares, a Guerra do Golfo (1991), fenômeno bélico vinculado ao
processo de globalização, apresentou os novos tipos de equipamentos militares que
orientariam a condução das guerras tecnológicas seguintes: armas teleguiadas,
helicópteros anti–tanques, veículos blindados mais protegidos e artilharia maciça,
utilizados predominantemente em operações combinadas e conjuntas.
250
249
SCAHILL, Jeremy. Blackwater: a ascensão do exército mercenário mais poderoso do mundo. São Paulo:
Companhia das letra, 2008. P. 54.
250
MARQUES, Adriana A. Concepções estratégicas brasileiras no contexto internacional do pós–Guerra Fria.
Revista de Sociologia e Política, 20, Curitiba, Junho de 2003. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-44782003000100007&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acessado em 9
jul 2009.
146
Os Estados Unidos percebiam o petróleo como uma necessidade estratégica, sendo
assim, manter o controle das reservas petrolíferas do Golfo Pérsico era de suma importância
para política-econômica dos EUA. O Iraque era um país subdesenvolvido que buscava
hegemonia regional. Com a invasão iraquiana ao Kuait, em agosto de 1990, os Estados
Unidos maximizaram seus dispositivos militares para reaver o controle sobre a região do
Golfo Pérsico. Segundo Igor Fuser, Dilip Hiro afirma que, na guerra contra o Iraque, os
Estados Unidos mobilizaram setecentos mil soldados (cerca de 70% dos efetivos da
coligação internacional formada contra o Iraque), seis porta-aviões, 160 navios de guerra,
2.900 aviões de combate e quatro mil tanques.”
251
A tecnologia bélica utilizada pelos Estados Unidos na Guerra do Golfo deixou os
países sul americanos simultaneamente perplexos e admirados com o novo tipo de
armamento: os bombardeios cirúrgicos. “O Presidente norte–americano George Bush
anunciou que se criava uma nova ordem mundial.”
252
Embora os EUA considerassem o
petróleo como uma questão estratégica, a sua vitória na Guerra do Golfo Pérsico significou
mais a afirmação da hegemonia estadunidense no pós-Guerra Fria do que a garantia de acesso
às jazidas petrolíferas da região. Embora a precisão das bombas estadunidenses guiadas à
distância não fosse tão eficiente como se esperava, esse fato contribuiu para a elaboração de
teses que defendiam a idéia de que os Estados Unidos incentivavam os países sul americanos,
em especial, o Brasil, a abdicar de suas forças armadas, entregando a defesa de suas
fronteiras, sobretudo, marítimas, aos Estados Unidos.
Desde a ditadura, as relações comerciais entre Brasil e Iraque eram intensas. O Brasil
vendia armamentos convencionais para a Líbia, para o Irã e para o Iraque. Engenheiros
251
HIRO, Dilip. The essential Middle East: a comprehensive guide. New York: Carroll & Graff, 2003. 159p in:
FUSER, Igor. Petróleo e poder: o envolvimento militar dos Estados Unidos no Golfo Pérsico. São Paulo:
UNESP: Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UNESP, Unicamp e
PUC-SP, 2008. p. 177.
252
MARQUES, Adriana A. Concepções estratégicas brasileiras no contexto internacional do pós–Guerra Fria.
Revista de Sociologia e Política, 20, Curitiba, Junho de 2003. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-44782003000100007&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acessado em 9
jul 2009.
147
militares brasileiros, em 1989, por exemplo, foram para Bagdá, capital iraquiana, para
continuar o desenvolvimento do míssil Piranha.
253
“O Iraque tornara-se o segundo maior
parceiro comercial do Brasil, de onde importava material bélico (carros de combate da
Engesa e foguetes da Avibrás), no valor de mais de US$ 500 milhões, 175.000 automóveis
(Passat, da Volkswagen), café, frango, óleo vegetal e outros produtos.”
254
Além disso, boa
parte da infra-estrutura iraquiana estava sendo construída por empresas brasileiras.
A diplomacia ocidental fracassou nas negociações com o governo iraquiano e a ONU
condenou a invasão iraquiana, impondo-lhe um boicote econômico e militar. Em 1991, os
EUA lideraram a coalizão de forças contra o Iraque.
Como percebido, o arsenal que o Iraque invadia o Kuait continha armamentos
convencionais vendidos pelo Brasil. Como as relações entre Brasil e Iraque eram boas, o
ministério das Relações Exteriores percebeu que não era conveniente que o Brasil se
envolvesse em uma guerra no Oriente Médio. O Brasil, ao optar por participar da guerra,
comprometeria as parcerias no Oriente Médio e a sua economia. Assim,
o Brasil não respondeu, inequivocamente, a posição do governo americano.
Condenou a invasão do Kuwait, endossou as sanções estabelecidas pelo Conselho de
Segurança da ONU, participando do embargo, mas esquivou-se de tomar qualquer
iniciativa militar contra o governo do Iraque, ao contrário da Argentina, que se
afoitou em despachar uma belonave para o bloqueio do Golfo Pérsico.
255
A equipe de engenheiros militares brasileiros que foram para o Iraque, em 1989, ainda
se encontravam nesse país quando a Guerra do Golfo explodiu. O ministério das Relações
Exteriores teve que negociar a saída desses militares brasileiro do Iraque. Apesar do insucesso
da diplomacia ocidental nas negociações com o governo iraquiano, o governo brasileiro teve
êxito na libertação desses engenheiros militares. Essa posição neutra assumida pelo Brasil
representou mais uma estratégia do ministério das Relações Exteriores do que do presidente
253
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos (de Collor a Lula, 1990-
2004). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 60.
254
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos (de Collor a Lula, 1990-
2004). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 59.
255
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos (de Collor a Lula, 1990-
2004). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 58.
148
Collor em manter as relações favoráveis com o Iraque. Bernard Aronsom, secretário de
Estado Assistente para Assuntos Interamericanos dos Estados Unidos, foi o enviado ao Iraque
para a saída dos engenheiros militares brasileiros do país. Segundo Moniz Bandeira, esse
secretário revelou a Voz da América que o presidente Fernando Collor de Mello, em conversa
com o presidente Bush, se referiu a Saddam Hussein, ditador e líder político do Iraque, como
insano
256
. A Voz da América é um meio de comunicação oficial internacional dos EUA, que é
transmitido via rádio a estações de todo o mundo. Esse meio é supervisionado pelo
International Broadcasting Buerau. Essa instituição é vinculada diretamente a presidência da
República dos Estados Unidos.
O presidente Collor, ao chamar de insano o governante de um país que fortalecia a
economia do Brasil, desde a década de 1970, por um meio de comunicação internacional que
é transmitido em mais de quarenta idiomas diferentes, como a Voz da América, demonstra
que, ou o presidente Collor desconhecia as parcerias estratégicas e históricas estabelecidas
entre Brasil e Oriente Médio, ou este presidente estava disposto a perder qualquer parceria
nessa região em prol do fortalecimento de relações políticas e econômicas com os EUA.
Além disso, a posição de neutralidade do Brasil na Guerra do Golfo suscitou antigas
suspeitas de que a parceria entre Brasil e Iraque não se limitasse apenas a aquisição de
armamentos convencionais. Segundo Moniz Bandeira, “entre 1979 e 1990, o Brasil exportou
para o Iraque óxido de urânio e, segundo algumas fontes, yellow cake (primeiro estágio de
enriquecimento de urânio), extraído de jazidas da extinta Nuclebrás em Poços de Caldas”
257
.
Ao se levantar esse tipo de suspeita, o ministério das Relações Exteriores teve que repensar na
posição assumida. Contudo, o embargo brasileiro ao Iraque não esteve submetido apenas a
256
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos (de Collor a Lula, 1990-
2004). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 60.
257
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos (de Collor a Lula, 1990-
2004). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 60.
149
única determinação política e diplomática internacional, esteve submetido também a uma
orientação neoliberal.
O consenso neoliberal global postulava a implementação dos seguintes parâmetros
de conduta por parte dos governos de todo o mundo: democracia, direitos humanos,
liberalismo econômico, cláusula social, proteção ambiental e responsabilidade
estratégica solidária tendo em vista a promoção de tais valores.
258
O Consenso de Washington se caracterizou como um conjunto de medidas políticas e
econômicas direcionadas por instituições financeiras e políticas dos Estados Unidos para
países das mais diferentes áreas do planeta. A Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (FIESP) publicou, em 1990, um documento, no qual a instituição sugere a adoção das
reformas liberalizantes consolidadas nesse consenso
259
. A sugestão do Consenso era a de que
o Brasil se inserisse internacionalmente revalorizando a agricultura de exportação.
Segundo Paulo Nogueira Batista,
o órgão máximo da indústria paulista endossa, sem ressalvas, uma sugestão de volta
ao passado, de inversão do processo nacional de industrialização, como se a vocação
do Brasil, às vésperas do século XXI, pudesse voltar a ser a de exportador de
produtos primários, como o foi até 1950.
260
Fernando Collor de Mello era empresário e político. Lançou-se na vida política na
década de 1970 pela Arena. Foi eleito deputado federal em 1982 pelo PDS e, em 1986, foi
eleito governador do estado de Alagoas pelo PMBD. Ainda em 1988, Collor financiou uma
pesquisa para verificar na opinião pública qual a expectativa da sociedade brasileira para o
novo presidente da República. Os eleitores apontaram na pesquisa desejar um presidente
258
CERVO, Amado Luiz. Sob o signo neoliberal: as relações internacionais da América Latina. Revista
Brasileira de Política Internacional, V. 43, Nº 2, Brasília Julho/Dezembro de 2000.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-
73292000000200001&script=sci_arttext&tlng=en>. Acessado em 11 jul 2009.
259
[S/ A] Livre para crescer: Uma proposta para o Brasil moderno. São Paulo: Cultura Editores Associados,
1990. in: BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: A visão neoliberal dos problemas latino-
americanos. p. 6. Disponível em
<http://www.usp.br/fau/cursos/graduacao/arq_urbanismo/disciplinas/aup0270/4dossie/nogueira94/nog94-cons-
washn.pdf>. Acessado em 11 jul 2009.
260
BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: A visão neoliberal dos problemas latino-
americanos. 6p.
Disponível em:
<http://www.usp.br/fau/cursos/graduacao/arq_urbanismo/disciplinas/aup0270/4dossie/nogueira94/nog94-cons-
washn.pdf>. Acessado em 11 jul 2009.
150
“político jovem, enérgico, desvinculado dos políticos profissionais, que combatesse os
marajás e a inflação”
261
.
Em seus discursos, Collor assumia a responsabilidade com a transparência pública
das ações governamentais e se comprometia em trazer um projeto de maior inserção
internacional do Brasil no sistema internacional por meio da abertura e modernização da
economia. As reformas liberalizantes sugeridas no Consenso e acatadas pela FIESP foram
seguidas pelo governo Collor desde a questão da revalorização agrícola até o alinhamento
político-financeiro com os Estados Unidos. “No bojo desse projeto, estavam a redução dos
programas tecnológicos conduzidos pelas Forças Armadas – que passariam a ser
controlados pelo poder civil –, e a adesão do Brasil aos regimes de não-proliferação
nuclear.”
262
No entanto, conforme Everton Vieira Vargas observou, a questão nuclear, no
governo Collor, deixou de ser a preocupação com a busca pela autonomia tecnológica. A
preocupação maior do governo Collor era com o acesso à tecnologia nuclear.
A Alemanha incluiu o Brasil, após a Guerra do Golfo, numa lista de regulamentos de
comércio exterior como um dos países para os quais a transferência de tecnologia sensível
estaria proibida. “O Governo de Washington continuou a bloquear e impedir a aquisição dos
equipamentos e componentes necessários à continuidade dos programas nucleares.”
263
No
ministério das Relações Exteriores do governo Collor havia restrição quanto a assinatura do
TNP. A fim de contornar essas restrições internacionais, o Brasil recorreu a um tratamento
multilateral mais transparente, assinando acordos de cooperação nuclear com a Argentina com
261
NASCIMENTO, Luiz Miguel do. A vitória de Fernando Collor na eleição de 1989 em Maringá. Diálogos,
DHI/PPH/UEM, v. 9, n.1, p. 193.
Disponível em <http://www.dialogos.uem.br/viewarticle.php?id=185>. Acessado em 8 jul 2009.
262
VARGAS, Everton Vieira. Átomos na integração: a aproximação Brasil-Argentina no campo nuclear e a
construção do Mercosul. Revista Brasileira de Política Internacional, Vol. 40, 1, Brasília. Janeiro à Junho
de 1997. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
73291997000100003&nrm=iso&lng=en&tlng=pt>. Acessado em 8 jul 2009.
263
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil Estados Unidos (de Collor à Lula, 1990
2004). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2004. p. 145.
151
finalidades pacíficas. No entanto, essa atitude contribuiu para prejudicar ainda mais a
imagem do Brasil e a relação deste com os Estados Unidos.
Essa tendência, marcada pela abertura econômica e o livre funcionamento do
mercado, conduziria a uma nova ordem mundial na qual países não engajados nos
esforços de não-proliferação seriam tratados como párias internacionais e teriam
dificultado seu acesso a bens e serviços baseados nas tecnologias mais modernas.
264
O governo brasileiro, por meio da diplomacia, buscou conciliar seu interesse no
acesso à tecnologia nuclear com uma maior aproximação à política-econômica estadunidense.
No entanto, Collor persistia com os compromissos nucleares assinados com a Argentina e não
havia ainda se comprometido em assinar o TNP. Essa aproximação político-econômica com
os Estados Unidos não teve êxito e os Estados Unidos endureceram cada vez mais em suas
restrições políticas, econômicas e tecnológicas com o Brasil.
Ainda em 1990, o presidente Collor anunciou nas Nações Unidas que o Brasil
rejeitava a idéia de qualquer tipo de teste que provocasse em explosões nucleares, ainda que
fosse para fins pacíficos. Esse anúncio foi realizado um ano depois que o comandante Othon
Pinheiro da Silva previu, para a década de 1990, o início da produção de urânio enriquecido a
20%, em escala comercial, na Unidade de Enriquecimento Isotópico Almirante Álvaro
Alberto, em Aramar. Já no início do governo Collor,
o Programa Autônomo de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear, orientado,
principalmente, para a construção de um submarino, capacitara o Brasil para
produzir não apenas o enriquecimento do urânio, matéria-prima da bomba atômica,
mas também o combustível e o reator nuclear, bem como instalar a propulsão
nuclear nos submarinos, atingindo um índice de nacionalização de 86%.
265
Segundo o almirante Mario César Flores, em 1990, o presidente Collor resolveu
reunir o chefe do Estado Maior da Armada, o chefe da Casa Militar e Pedro Paulo Leoni
264
VARGAS, Everton Vieira. Átomos na integração: a aproximação Brasil-Argentina no campo nuclear e a
construção do Mercosul. Revista Brasileira de Política Internacional, Vol. 40, 1, Brasília. Janeiro à Junho
de 1997. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
73291997000100003&nrm=iso&lng=en&tlng=pt>. Acessado em 8 de jul 2009.
265
CAVAGNARI FILHO, Geraldo Lesbat. Avaliação e perspectiva da P&D militar. Política externa, V.3, 1,
junho-julho-agosto de 1994, 17-33pp in: BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil
Estados Unidos (de Collor à Lula, 1990 – 2004). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2004. p. 145.
152
Ramos da recém-criada secretaria de Assuntos Estratégicos. Collor comunicou-lhes que sabia
da existência do programa nuclear visando construir uma bomba atômica e que desejava
cessá-lo. Segundo Sarney, foi ele mesmo quem repassou essa informação ao Collor. Como
analisado, esse buraco havia sido fechado por Sarney no seu governo. No entanto, os
ministros militares levaram o presidente Collor até os centros tecnológicos das forças armadas
brasileiras.
A visita de Collor a Aramar data de 31 de maio de 1991. O presidente foi recebido
pelo comandante Othon. Segundo esse comandante afirmou ao presidente Collor, para
construir o submarino nuclear, este projeto necessitava de “apoio da população,
transparência de propósitos e vontade nacional”
266
. No entanto, este militar junto com Rex
Nazareth Alves operou contas secretas na década de 1980 para financiar o projeto nuclear da
Marinhado Brasil Nessa visita do presidente Collor a Aramar, o comandante Othon buscou
tornar este projeto transparente. Este comandante informou detalhadamente os valores que
haviam sido investidos nele e aproveitou para pedir ao presidente a liberação de mais verbas
para a manutenção do Centro Experimental Aramar até 1996. O comandante Othon revelou
até que o Brasil dispunha de tecnologia para enriquecer urânio a 93%. Essa revelação
permitiu que o presidente estivesse ainda mais determinado a vetar o Brasil no acesso a
tecnologia nuclear. Embora o ministro da Marinha, almirante Mário César Flores, e o ministro
da Aeronáutica, brigadeiro Sócrates da Costa Monteiro, fossem taxativos em afirmar que as
instituições militares não desenvolviam tecnologia nuclear para construir a bomba, esses
ministros foram averiguar minuciosamente a informação que o presidente Collor havia lhes
repassado. Esses ministros descobriram que,
no início dos anos 1980, teria havido um projeto de se chegar à arma nuclear,
conduzido pela Secretaria do Conselho de Segurança Nacional, apoiada num grupo
que estudava o uso do laser para o enriquecimento de urânio, no Centro Tecnológico
da Aeronáutica (CTA). Além disso, houvera então um breve e incompleto estudo
266
O Estado de São Paulo, de junho de 1991. in: MALHEIROS, Tânia. A bomba oculta: o Programa Nuclear
Brasileiro. Rio de Janeiro: Gryphus, 1993. p. 74.
153
sobre a engenharia mecânica do artefato e início do sítio do teste, os buracos da
Serra do Cachimbo.
267
Por decisão do presidente Figueiredo e do ministro da Aeronáutica de seu governo,
brigadeiro Délio Jardim de Mattos, não teve início as experiências com testes nucleares, no
campo de testes militares da Serra do Cachimbo, no Pará. Essas autoridades temiam a
repercussão desses testes no âmbito nacional e internacional, em especial, na Argentina.
Testes convencionais com bombas e mísseis com suas aeronaves vinham sendo realizados.
“Apesar do Ministério da Aeronáutica ser o responsável pela implantação do projeto, seus
estudos, desenvolvidos sob o mais absoluto sigilo, foram dirigidos pelo Conselho de
Segurança Nacional (CSN), com acesso apenas a um restrito grupo de militares.”
268
No entanto, apesar de alertado sobre a inexistência desse projeto, Collor e sua equipe
ministerial foram para a Serra do Cachimbo, onde a Aeronáutica mantinha pistas e instalações
aéreas como alternativa para se chegar a Manaus e a Belém. Um oficial lhes mostrou alguns
buracos. Todos se encontravam inutilizados e em nenhum deles havia sido realizada
alguma experiência nuclear. Os estudos militares haviam concluído que os buracos
esbarravam em lençóis freáticos e, portanto, ainda na década anterior, no governo Figueiredo,
o programa já havia sido cessado. Contudo, Fernando Collor de Mello, apesar de saber que o
buraco havia sido fechado, convocou a imprensa para assistir o lacre de um dos buracos. O
almirante Mario César Flores atribui essa atitude de Collor a um marketing político de
provável alcance internacional, pois esse gesto simbólico em nada afetou o andamento das
atividades do Programa Nuclear Paralelo.
No cenário nacional, o sigilo do programa nuclear paralelo continuava incomodando
os políticos. Segundo Renato Archer, ainda em função do alarde de Aureliano Chaves na
gestão presidencial de Sarney e da transferência do IPEN para a CNEN, o programa nuclear
267
D’ARAÚJO, Maria Celinna. CASTRO, Celso. Militares e política na Nova República. Rio de Janeiro: FGV,
2001. p. 101.
268
OLIVEIRA, Odete Maria de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Brasília, 1999. p. 347.
154
paralelo continuou atraindo suspeitas quanto às suas finalidades. Em 1990, o general Rubens
Bayma Denys, ex- ministro-chefe da Casa Militar do governo Sarney nomeou uma comissão
interministerial para averiguar o programa nuclear paralelo. Em 18 de abril de 1990, a
deputada federal do PSDB, Anna Maria Rattes, requereu à Câmara uma CPI para investigar o
programa nuclear paralelo. A CPI foi instalada em 7 de junho de 1990. Partes dos
depoimentos do general Danilo Venturini e de Rex Nazareth foram declaradas como secretas.
Nos depoimentos, tanto o comandante Othon quanto Renato Archer “criticaram as pressões
dos Estados Unidos sobre o Brasil e defenderam o investimento feito pelo país, no final da
década de 70, na busca de sua independência tecnológica na área nuclear
269
.
As autoridades políticas e militares que depuseram afirmaram que o sigilo do
programa nuclear paralelo não se destinava a escondê-lo da sociedade brasileira, mas sim,
para proteger o governo das pressões internacionais, em especial, dos Estados Unidos. Os
membros da CPI visitaram todas as instalações militares, nas quais programas de capacitação
tecnológicos funcionavam.
Renato Archer designou José Leite Lopes para representar o ministério de Ciência e
Tecnologia e defender o desenvolvimento da capacidade tecnológica de enriquecimento do
urânio. Archer reforçou neste desígnio que queria a avaliação de Leite Lopes do ponto de
vista científico. Segundo Archer, o relatório de Leite Lopes foi favorável ao Programa
Nuclear Paralelo, e recomendou a passagem da CNEN para o ministério de Ciência e
Tecnologia. A comissão percebeu que a Marinha do Brasil era a que mais havia progredido na
capacitação tecnológica nuclear
270
.
Em janeiro de 1989, o ministério da Ciência e Tecnologia se fundiu ao ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio. De 1985 à 1989, passaram pelo ministério da
269
MALHEIROS, Tânia. Brasil a bomba oculta: o programa nuclear brasileiro. Rio de Janeiro: Gryphus, 1993. p.
117.
270
ROCHA FILHO, Álvaro. GARCIA, João Carlos Vitor. (Org) Renato Archer energia atômica, soberania e
desenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. p. 176.
155
Ciência e Tecnologia mais de quatro ministros. Ainda em março desse ano, houve outra
modificação na estrutura no setor de ciência e tecnologia. Esse setor voltou a ter seu espaço,
contudo, foi designado como Secretaria Especial da Ciência e Tecnologia. Apesar de
constituir um órgão federal de consulta direta da presidência da República, perdeu o status de
ministério. Continuando no ano de 1989, outra medida provisória recriou o ministério de
Ciência e Tecnologia. Assim que Collor assumiu a presidência, esse ministério voltou a ser
extinto e a Secretaria de Ciência e Tecnologia foi recriada com as mesmas funções que
exercia no governo anterior. Na gestão desse presidente, o Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (INPA) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) passaram a integrar a
estrutura essa secretaria.
Percebe-se assim que a ciência e a tecnologia não eram capacitações recentes na
história republicana, no entanto, a institucionalização desses setores variou de governo para
governo. A imprecisão não estava na sua importância como meio propulsor para o
desenvolvimento nacional, mas na forma como os governos operariam esse meio. Todos
reconheciam discursivamente a importância da ciência e da tecnologia, no entanto ela nunca
foi priorizada. Sendo assim, por mais que o governo Collor fosse reconhecido como um
governo neoliberal, estudiosos como Moniz Bandeira associam o seu governo mais a uma
aventura do que um compromisso neoliberal. Talvez, essa associação não esteja tão ligada à
incompetência administrativa do presidente Collor, mas por haver, quase que por
unanimidade, um desconhecimento em como utilizar a ciência e a tecnologia para promover o
desenvolvimento.
As forças armadas brasileiras, desde o início da década de 1990, demonstraram
organização administrativa e capacidade para operar recursos altamente sofisticados
provenientes do desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Além disso, como já indicado,
estabeleceu parcerias com a USP com o objetivo de alavancar os seus esforços nesse campo.
156
As forças armadas, por meio de suas instalações, produziam pesquisas com recursos humanos
próprios e desenvolviam produção científica e tecnológica. A única participação do governo
nesse processo era a de destinar os recursos orçamentários para as instituições. Compreende-
se assim o artifício dos cortes e reduções orçamentárias, utilizados no Congresso Nacional por
muitos políticos que ainda se ressentiam pelos malefícios provocados pela ditadura. O esforço
científico e tecnológico que resultou em programas de capacitação tecnológica como o
programa nuclear da Marinha do Brasil foi percebido assim pelos seus dois ângulos: um
exemplo a ser seguido e um alvo a ser destruído pelas autoridades políticas desse período.
Apesar de todos os ganhos científicos e tecnológicos, reconhecidos por diversas autoridades
políticas e militares, o Centro Experimental Aramar constituía um símbolo de retrocesso
histórico para Collor. Dois eram os motivos: primeiramente, em função da suposta
supremacia do modelo neoliberal. Para os novos dirigentes brasileiros, a continuidade de
programas de capacitação estratégicos concentrados nas mãos do Estado brasileiro, como os
programas nucleares, era insustentável nesse novo cenário internacional. Assim, assim, desse
ponto de vista, o Brasil deveria assumir cada vez mais comprometimento com a não-
proliferação de armas nucleares. Esse posicionamento se alicerçava na ideologia
estadunidense, que previa a extinção de programas de capacitação tecnológica desenvolvido
por forças militares dos países do continente americano, visto que a segurança nacional estava
bem guarnecida pelas forças armadas estadunidenses. Um segundo motivo e discutido no
parágrafo anterior era de que Aramar simbolizava o êxito dos militares. Os militares
afirmavam, por unanimidade, que, ao longo da década de 1990, haviam “revanchismo”
271
contra eles. Portanto, os êxitos e as conquistas científicas e tecnológicas eram percebidos por
políticos e pela própria sociedade brasileira com desconfiança. Essa afirmação dos militares
271
Utilizou esse termo, pois como observado, todos os militares que foram entrevistados por Maria Celina
D’Araújo e Celso Castro, a fim de organizar o livro Militares e a política na Nova República, afirmaram haver
ressentimentos por causa da ditadura e, por isso, o período posterior ao governo Sarney foi caracterizado como
um revanchismo contra as forças Armadas brasileiras.
157
denota um ressentimento da sociedade brasileira em relação ao abuso do poder cometido
pelos militares durante a ditadura.
Observa Batista, entretanto, que essas medidas, longe de refletirem um
comprometimento interno real com o tema nuclear, consistiam em uma retórica para
construção de uma imagem positiva do país, que não condizia com uma política
estratégica. Além de manter suspenso o PNB e o Acordo com a Alemanha, inicia-se,
sob a orientação de Samuel Goldenberg, secretário do MCT, o desmonte do próprio
Programa Nuclear Paralelo.
272
As suspeitas direcionadas ao Programa Nuclear Paralelo foram simbolizadas com
Collor, em 1990, fechando um poço que funcionaria para realizar testes nucleares, na Serra do
Cachimbo. A fim de ganhar credibilidade no sistema internacional, uma semana após o
fechamento de um poço na Serra Cachimbo, Collor anunciava internacionalmente que o
Brasil rejeitava à idéia de transformar o país numa potência militar nuclear.
Segundo Zaverucha, esse marketing de Collor consistiu em uma ação política com o
intuito de “melhorar as relações do Brasil com os Estados Unidos, um pouco abaladas em
função da posição brasileira durante a Guerra do Golfo”
273
. Contudo, como analisado,
desde a década de 1970, o Brasil buscava ampliar e fortalecer suas relações políticas com os
EUA. Essa tentativa de se restabelecer relações políticas com os EUA ultrapassou a década de
1980. Se a insistência do Brasil em continuar com o seu programa nuclear foi o estopim, na
década de 1970, para abalar essas relações, Collor entendeu que somente renunciando ao
programa nuclear, definitivamente, o Brasil conquistaria a confiança dos EUA.
O ministério das Relações Exteriores teve assim que, sofrer algumas reformulações.
Embora a política de diversificação de parcerias tenha ultrapassado a transição democrática, a
política nuclear brasileira teve que ser revista. Segundo o diplomata e ex-presidente da
Nuclebrás, Paulo Nogueira Batista, o ministério das Relações Exteriores não teve participação
272
CARPES, Mariana Montez. A política nuclear brasileira no contexto das relações internacionais
contemporâneas: domínio tecnológico como estratégia de inserção internacional, dissertação de mestrado,
IRI/PUC-Rio, Rio de Janeiro, 4 de setembro de 2006. p. 120. Disponível em <
http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/acessoConteudo.php?nrseqoco=30406>. Acessado em 11 jul 2009.
273
ZAVERUCHA, Jorge. Frágil democracia Collor, Itamar, FHC e os militares (1990- 1998). Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 2000. p.p. 66-67.
158
plena na formulação da política externa brasileira, no início da década de 1990 e não foi o seu
principal executor
274
. Ao conduzir o processo político brasileiro, o presidente Collor
maximizou três esforços: fortalecer as relações políticas com os EUA, pôr fim aos programas
nucleares brasileiros e reduzir a influência militar na política brasileira.
Batista sustenta ainda que,
naquilo que lhe coube executar, teve, porém graças ao profissionalismo de seus
quadros, atuação minimizadora do custo de algumas posturas presidenciais. A
fórmula de adesão indireta ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, através de
acordo com a Argentina e, subseqüentemente, de ambos os países com a Agência
Internacional de Energia Atômica, não evitou a submissão a salvaguardas
internacionais abrangentes, isto é, sobre a totalidade das atividades nucleares do
Brasil, independentemente ou não de serem realizadas por conta própria, sem ajuda
externa. Mas o compromisso com o país até então visto como nosso competidor
nesse campo de certo modo atenua as conseqüências da virtual renúncia unilateral ao
pleno desenvolvimento da energia nuclear, mesmo para fins pacíficos.
275
Apesar do Brasil não ser signatário do TNP e de a Argentina ser considerada uma
antiga rival do Brasil, ao assinar acordos de cooperação nuclear mútuos, assinou-se também
salvaguardas que garantiam as finalidades pacíficas dessa relação. Contudo, o presidente
Collor não considerou que ao minimizar a importância do Programa Nuclear Paralelo, a
privilegiada situação que este programa se encontrava, em plena década de 1990, não foi
conquistada com recursos externos, mas com esforço interno de setores do próprio poder
executivo e, principalmente, dos militares.
Assim como o ministério das Relações Exteriores manteve a linha de diversificação
de parcerias no sistema internacional e partilhou dos acordos internacionais que buscavam a
paz entre os Estados, julgava imprescindível garantir as conquistas científicas e tecnológicas
empreendidas pelas forças armadas.
No governo Collor, o desenvolvimento científico e tecnológico no parque industrial
brasileiro sofreu um profundo abalo. O presidente Collor suspendeu a política de incentivo
274
OLIVEIRA, Henrique Altermani. Política Externa Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 245.
275
BATISTA, Paulo Nogueira. A política Externa de Collor: modernização ou retrocesso? Política Externa, V.I,
4, 1993, p. 122. in: OLIVEIRA, Henrique Altermani. Política Externa Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005.
p. 246.
159
fiscal para as empresas que investissem em pesquisa e desenvolvimento. Com a diminuição
das pesquisas e na formação de recursos humanos, ou seja, produção científica, o Brasil
reduziu o padrão tecnológico. O projeto de modernização da economia do Collor se tornou
assim, insustentável para o desenvolvimento sócio-econômico do Brasil. Além disso, o
governo Collor logo ficou a deriva, pois em dois anos de mandato presidencial, esse
presidente conseguiu reduzir a sua popularidade, pois o seu governo se viu imerso em uma
profunda crise de credibilidade, em decorrência das infidáveis denúncias de corrupção em seu
governo. No entanto, os problemas presidenciais de Collor não se resumiram no mau
relacionamento com os militares brasileiros ou com as opções políticas tomadas por ele. Em
função deste presidente estar envolvido em denúncias de corrupção e de suas alianças
políticas o abandonarem ao longo dessas denúncias, seu governo foi forçosamente curto e não
teve tempo para dar continuidade as suas medidas liberalizantes. Segundo o almirante Mauro
César Rodrigues Pereira, “gradativamente foi crescendo a certeza de que as coisas não eram
bem-intencionadas e que havia, efetivamente, corrupção. E, se havia, quanto mais rápido o
governo saísse, melhor. Mas que saísse pelo caminho normal, legal, que foi o caminho
seguido.”
276
Em entrevista à editora Globo, Collor afirmou que o erro imperdoável de seu
governo foi o seu mau relacionamento com o Congresso Nacional
277
. Collor assegurou que,
“uma das atribuições do presidente, sem dúvida nenhuma, é essa: a de tentar a todo esforço
consolidar uma maioria parlamentar que lhe a chamada governabilidade”
278
. De uma
disputa comercial familiar, em Alagoas, a crise do governo Collor chegou à presidência da
República, com repercussão nacional e internacional. A Polícia Federal abriu um inquérito
para averiguar as denúncias alçadas por Pedro Collor, irmão do presidente.
276
D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. Militares e política na Nova República. Rio de Janeiro: FGV,
2001.p. 273p
277
MORAES NETO, Geneton. Dossiê Brasília – os segredos dos presidentes. São Paulo: Globo, 2005. p. 86.
278
MORAES NETO, Geneton. Dossiê Brasília – os segredos dos presidentes. São Paulo: Globo, 2005. p. 87.
160
Ao ter suas alianças e bases políticas esfaceladas, Collor não conseguiu impedir que
o processo de impeachment se instaurasse em seu governo. O Congresso Nacional aceitou o
processo de abertura do impeachment e o Senado Federal condenou Collor nesse processo,
afastando-o da presidência.
Conclui-se assim que, a tentativa de Collor de abandonar a ideologia do Estado
desenvolvimentista reformando as instituições brasileiras com medidas liberalizantes foi
contida pela crise política interna.
4.2 Itamar Franco e a conciliação com as Forças Armadas
Quando Collor, em 1989, ainda governador de Alagoas, resolveu se candidatar à
presidência da República propôs a Itamar Franco uma aliança em que o último ocuparia a
função de vice-presidente. Ao aceitar o convite, Itamar deixou o PL para se filiar ao PRN.
279
Segundo Collor, tanto o estado do Rio de Janeiro quanto o do Rio Grande do Sul não
se mostravam receptivos à sua candidatura. No entanto, era preciso encontrar uma aliança
política na região Sudeste. Restaria o estado do Espírito Santo e o de Minas Gerais. Collor
optou para que o seu candidato a vice-presidente fosse de Minas Gerais, Fernando Collor de
Mello e Itamar Franco apresentavam divergências políticas desde o início da camapnha
eleitoral. Collor afirmou que, por não ter outra escolha, teve que manter Itamar em sua chapa
eleitoral.
280
Ao ser questionado sobre a mudança de partido político, Itamar afirmou
que nunca deixou para trás os seus ideais trabalhistas e que a Reconstrução Nacional
não era um ato ideológico e nem programático e, sim, um ato pragmático, de
conhecimento da nação, ao largo de qualquer ideologia. Encantavam-lhe as
279
Com o fim do bipartidarismo, nasceu o Partido da Juventude (PJ). Em 1989, esse partido foi renomeado como
Partido da Reconstrução Nacional. Nesse mesmo ano, Collor se ligou a esse partido e se candidatou a
presidência da República nas eleições de 1989.
280
MORAES NETO, Geneton. Dossiê Brasília – os segredos dos presidentes. São Paulo: Globo, 2005. p.p. 94-
95.
161
propostas de Collor para a moralização dos costumes políticos e a austeridade, além
da guerra total contra a corrupção.
281
As raíses trabalhistas de Itamar se encontram na década de 1950, quando este se
filiou ao PTB. Existe uma carta que, segundo José de Castro Ferreira, Itamar Franco redigiu e
entregou em mãos ao presidete Collor comunicando-lhe o rompimento pessoal e político.
Contudo, apesar de ambos os presidentes confirmarem a existência desta carta, nenhum deles
se mostraram aptos a tornar público o documento. O fato é que Collor lhe acusa de traídor e
que Itamar prefere não polemizar com Collor
282
.
As divergências entre Collor e Itamar Franco culminaram no rompimento político,
em 4 de maio de 1992, quando Itamar Franco desligou-se do PRN. Apesar de desligar-se
deste partido, antes da abertura do processo contra Collor, Itamar alegou que os ataques à sua
honra foram o estopim para a saída do partido.
Uma das primeiras questões ministeriais que o presidente Itamar enfrentou foi a
escolha de seus ministros militares. O presidente empreendeu um processo de “conciliação”
283
com as forças armadas. “A maior gratidão de Itamar era para com o ministro da Marinha,
almirante Mário César Flores, com quem chegou a se reunir sigilosamente. Flores funcionou
como elo entre Itamar e a casersa, ajudando-o na escolha dos novos ministros militares.”
284
Itamar Franco assumiu a presidência em meio a uma crise institucional. Dessa forma, o
presidente buscou além da conciliação, a garantia de que as forças armadas cumpririam o seu
papel dentro da ordem democrática.
Os ministros da Marinha e da Aeronáutica do governo Collor, respectivamente,
Mário César Flores e Sócrates da Costa Monteiro, eram amigos pessoais de Itamar Franco.
281
FERREIRA, José de Castro. Itamar – o homem que redescobriu o Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1995. p. 74.
282
MORAES NETO, Geneton. Dossiê Brasília – os segredos dos presidentes. São Paulo: Globo, 2005. p.148.
283
O termo conciliação foi utilizado nesse subtítulo para enfatizar que Itamar Franco, ao ser empossado
presidente da República, buscou ter um bom relacionamento com as Forças Armadas, diferente do governo
anterior.
284
ZAVERUCHA, Jorge. Frágil democracia Collor, Itamar, FHC e os militares (1990- 1998). Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 2000. p. 114.
162
Segundo o almirante Flores, o vínculo pessoal com Itamar foi estabelecido enquanto Itamar
ainda era vice-presidente de Collor. Esses ministros militares manifestaram seus desejos de
continuar na equipe ministerial do governo de Itamar Franco. o general Carlos Tinoco
Ribeiro Gomes, ministro do Exército do governo Collor, não se mostrou satisfeito e/ ou
favorável em dar continuidade aos seus trabalhos no governo Itamar. Considerava que as
atitudes de Itamar Franco, como vice-presidente, não eram cabíveis. Segundo Tinoco, Itamar,
enquanto vice-presidente, por exemplo, poderia não ser favorável às privatizações
empreendidas pelo presidente Collor, mas não deveria se manifestar publicamente contrário a
elas. O general Tinoco considerava Itamar Franco uma pessoa instável e imprevisível.
Por recear que a sociedade e os políticos percebessem que a continuidade dos
ministros militares soassem como uma tutela militar, o presidente Itamar optou por substituí-
los. No entanto, garantiu cargos importantes tanto para o almirante Flores quanto para o
brigadeiro Sócrates Monteiro. Esses ministros tiveram o direito de escolher seus sucessores.
“Embora seja um cargo político, o ministério é visto, por muitos na caserna, como um
prêmio militar, daí o princípio de antiguidade contar.”
285
Ao almirante Flores lhe foi
concedida a “Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE)”
286
, e a Sócrates a posição de
observador militar na ONU, em Genebra. Já para Tinoco, não houve premiações. Segundo o
ex-ministro do Exército, Itamar não queria que ele continuasse como ministro e não se sentiu
forte o suficiente para tirar só ele da equipe dos ministérios militares
287
. Portanto, para o cargo
de ministro do Exército, Itamar optou pelo general Zenildo Lucena. Este oficial-general
também era conhecido do presidente Itamar Franco desde dos tempos em que este havia sido
prefeito de Juíz de Fora, município de Minas Gerais. Para a chefia da Casa Militar da
presidência, Itamar nomeou o general Fernando Cardoso. O presidente Itamar também
285
ZAVERUCHA, Jorge. Frágil democracia – Collor, Itamar, FHC e os militares (1990- 1998). Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 2000. p. 113.
286
A Secretaria de Assuntos Estratégicos foi criada no início do Governo Collor substituindo o Serviço Nacional
de Inteligência (SNI).
287
D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. Militares e política na Nova República. Rio de Janeiro: FGV,
2001. p. 137.
163
nomeou militares da reserva para integrarem ministérios civis como o de Comunicações,
Secretaria de Administração Federal, Transportes, além de reforçar que a secretaria de
Assuntos Estratégicos era um cargo ministerial civil, dirigida pelo almirante Flores.
Itamar assumiu o governo em um contexto de fragilidade política e institucional. Em
decorrência, Zaverucha afirma que havia, na sociedade civil, um certo saudosismo dos tempos
de regime militar e, na sociedade militar, uma possibilidade de intervenção, caso mais um
governo civil fracassasse. A idéia transmitida por esse saudosismo era a de que ao menos nos
governos militares havia um projeto nacional para o desenvolvimento sócio-econômico.
Segundo o brigadeiro Lélio Viana Lôbo, ministro da Aeronáutica indicado pelo
brigadeiro Sócrates Monteiro, os ministros militares que assumiram seus cargos na gestão
presidencial de Itamar tinham a profunda preocupação de “não permitir, que o segmento
militar trouxesse qualquer inquietação ou deixasse de dar uma contribuição importante para
a tranquilidade do país, num momento de transição política importante”
288
. Contudo, as
pressões que o presidente Itamar sofreu para que renunciasse a presidência eram políticas e/
ou partidárias. Como Itamar não estava vinculado a nenhum partido político quando assumiu
a presidência da República, houve partidos que manifestaram interesse em indicar seus
políticos para compor o governo e houve partidos que não manifestaram interesse. O PT, por
exemplo, recusou oferecer indicações do partido para compor o governo, em 1993. Segundo
Ralph Machado, o interesse do PT ao se posicionar como oposição ao governo de Itamar
Franco se explicava por esse partido apostar no fracasso político do governo de Itamar. Dessa
maneira, esse fracasso se configuraria como o trampolim para a vitória de Lula na eleição
presidencial de 1994.
289
288
D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. Militares e política na Nova República. Rio de Janeiro: FGV,
2001. p. 234.
289
MACHADO, Ralph. Lula A.C. - D.C. - política econômica antes e depois da "Carta ao Povo Brasileiro". São
Paulo: Annablume, 2007. p. 59.
164
O apoio que o presidente Itamar recebeu do almirante Flores era para assegurar a
ordem democrática e o funcionamento das instituições. Conclui-se assim que, não houve
pressão militar para que o presidente Itamar renunciasse.
Em outubro, o almirante Flores entregou ao presidente o anteprojeto de lei que
retiraria o departamento de inteligência da SAE, subtituindo-o pelo Centro Federal de
Inteligência (CFI). O anteprojeto propunha que as atividades do CFI fossem controladas por
uma Comissão Especial do Congresso e pelo Conselho de Defesa Nacional (CDN), no qual
civis e militares teriam direito de assento. Esse Centro não chegou a ser criado, e as Forças
Armadas continuaram como as responsáveia pela formulação da inteligência interna do
Brasil.
Como foi citado, o almirante Mario Cesar Flores teve a permissão de Itamar para
indicar o seu sucessor. Como o presidente tinha pressa na escolha, Flores optou pelo almirante
hierarquicamente mais antigo, o Almirante Ivan da Silveira Serpa. No entanto, Serpa possuia
uma concepção estratégica conservadora, não compartilhando das concepções estratégicas do
almirante Flores. Segundo o almirante Flores, “quanto ao almirante Serpa, cuja carreira
transcorreu durante muitos anos em contratorpedeiros, é natural e compreensível sua
propensão pelo conservadorismo estratégico herdado da II Guerra Mundial e consolidado na
Guerra Fria.”
290
Havia uma cultura na Marinha do Brasil de que a prioridade da instituição é
a defesa das linhas de comunicações marítimas, privilegiando navios de escolta. Segundo o
comandante Othon, “os afundamentos de navios mercantes por submarinos nos
traumatizaram demasiadamente, durante a última guerra, prejudicando enormemente a
nossa navegação de cabotagem que era de crucial importância já naquela época”
291
.
290
D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. Militares e política na Nova República. Rio de Janeiro: FGV,
2001. p. 114.
291
SILVA, Othon Luiz Pinheiro da. Submarino de propulsão nuclear no Brasil. Revista do Clube Naval, 1994.
p.p. 31-32.
165
O almirante Ivan da Silveira Serpa, antes de ser convidado para ocupar o ministério
no governo de Itamar Franco, era chefe do Estado-Maior da Armada. A função de Serpa
como chefe do Estado-Maior era administrar as atividades da instituição naval. Assim, em
função de o almirante Serpa haver saído do comando de operações navais, a idéia de manter o
status-quo lhe parecia mais cabível. Porém, com o desenvolvimento dos sistemas de
monitoração espacial, a defesa das linhas de comunicação deixou de ser a tarefa primordial
das instituições navais de Estados continentais. Segundo Othon, o submarino, em especial, o
de propulsão nuclear, à medida que nega o uso do mar ao inimigo, constitui o elemento
estratégico que cumpre essa nova tarefa das marinhas dos países mais desenvolvidos.
Em 1993, o ministro da Marinha inaugurou o Centro de Projeto de Submarinos
(CPS), na Copesp. Este Centro foi projetado e construído para abrigar todas as atividades
diretamente relacionadas ao projeto do submarino nuclear. No entanto, em 1994, o almirante
Serpa optou por diminuir os recursos designados ao projeto nuclear da Marinha do Brasil.
Essa decisão tumultuou a instituição naval. Segundo o almirante Roberto de Guimarães
Carvalho, essa opção foi motivada “pela redução do orçamento da Força, pelo decrescente
aporte de recursos da antiga Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), parceira no projeto,
e por problemas de gestão na condução do Programa”
292
. o comandante Othon afirmou
que “o almirante Serpa, baixou a prioridade desse programa”
293
.
Apesar dos militares reconhecerem e aceitarem que as forças armadas não eram
prioridades no governo de Itamar, os ministros militares não deixavam de ensejar rivalidades
e promover discussões acerca da defesa nacional. A idéia de criar um ministério de defesa se
origina no governo de Itamar. Segundo o brigadeiro Lélio Viana Lobo, “o fato é que a
Marinha raciocina, ou raciocinava, com uma esquadra capaz de exercer suas ações bélicas
292
A Marinha do Brasil e a questão dos submarinos. Jornal Hora do Povo, 8 de dezembro de 2006. Disponível
em <http://www.horadopovo.com.br/2006/dezembro/08-12-06/pag5a.htm>. Acessado em 24 jul 2009.
293
Disputa na Marinha Nuclear x Convencional. Jornal Hora do Povo, 22 de novembro de 2006.
Disponível em <http://www.defesanet.com.br/zz/mb_sub_nxc_3.htm>. Acessado em 24 jul 2009.
166
em regiões muito distantes. Mais especificamente, ela considerava essencial a capacidade de
operar até os portos da costa atlântica da África”
294
. Essa é uma rivalidade e discussão que
remonta as origens das instituições militares brasileiras. Defendendo as linhas de
comunicação ou os solos e subsolos do Atlântico Sul de ameaças estrangeiras, a Marinha do
Brasil possuía um planejamento estratégico que não se harmonizava com a política de defesa
das demais instituições militares. Para o Exército e para a Aeronáutica, a estratégia da
presença era a que melhor definiria a política de defesa para o Brasil. No entanto, as
discussões a cerca da defesa nacional não deveriam ser definidas apenas pela presença em
território nacional. A Marinha do Brasil valorizava assim, tanto o projeto de construção do
submarino de propulsão nuclear quanto a renovação dos meios flutuantes, como aeronaves de
superfícies, navios e aviões, para defender as linhas de comunicação. Diante da amplitude dos
problemas sócio-econômicos e do reduzido orçamento da Marinha do Brasil, o almirante
Serpa se percebeu forçado a priorizar a defesa das linhas de comunicação, visto que a
construção do submarino de propulsão nuclear consumia boa parte do orçamento naval.
Dessa forma, a preocupação do ministro da Marinha do governo Itamar se
concentrou na defesa de um programa para renovar os meios flutuantes, no qual propunha a
modernização das fragatas, a remodelação do porta-aviôes Minas Gerais, a aquisição de
navios usados no exterior para compensar o atraso do Brasil no plano da construção naval.
Assim, a Marinha do Brasil buscava comprar helicópteros, na Inglaterra e nos EUA.
295
Para o brigadeiro Lélio Viana Lôbo, os recursos provindos para as forças armadas
eram tão escassos que nem o essencial tinha possibilidade de ser plenamente realizado. A
Marinha do Brasil reinvindicava recursos demasiados e que, em sua concepção, não atendiam
às necessidades da instituição. Os helicópteros reivindicados pela Marinha do Brasil, no
294
D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. Militares e política na Nova República. Rio de Janeiro: FGV,
2001. p. 241.
295
D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. Militares e política na Nova República. Rio de Janeiro: FGV,
2001. p. 191.
167
programa de renovação dos meios flutuantes, atendia ao conceito de que esta deveria atacar
por vários lados. Para a Aeronáutica, os helicópteros para a Marinha do Brasil eram
desnecessários. Essa questão emergia nas discussões e rivalidades entre as instituições porque
“a Marinha jamais aceitou ter perdido a aviação embarcada”
296
. A Marinha do Brasil e a
Aeronáutica haviam desativado juntas o avião P-16 que aparelhava o navio-aeródromo. Essas
discussões e rivalidades extrapolaram a gestão presidencial de Itamar Franco, se
intensificando no governo de Fernando Henrique em função da criação do ministério da
Defesa. Esses problemas emergiam em função da ausência de um planejamento estratégico
para as forças armadas. Cada uma das instituições militares tinham o seu próprio
planejamento estratégico e a sua própria forma de conceituar e aplicar a defesa nacional.
Conforme analisado, Fernando Collor de Mello criou a Secretaria de Assuntos
Estratégicos (SAE) extinguindo o Serviço Nacional de Inteligência (SNI). O almirante Flores,
de ministro da Marinha do governo Collor se tornou secretário de Assuntos Estratégicos do
governo Itamar Franco. Como este almirante apoiava a construção do submarino de
propulsão nuclear, pôde acompanhar de perto essa evolução. Desde a década de 1980, a
CNEN financiava esse projeto. Na década de 1990, a secretaria de Assuntos Estratégicos
(SAE) passou a financiá-lo.
Como analisado, a Comissão Ministerial que averiguou o Programa Nuclear
Paralelo, em 1990, sugeriu que o governo transferisse a CNEN para o ministério de Ciência e
Tecnologia. Esse ministério havia sido extinto por Collor em 1990. Em 1992, por meio de
mais uma medida provisória Itamar Franco voltou a recriá-lo, nomeando José Israel Vargas
como seu novo ministro. Na década de 1980, como trabalhado, Aureliano Chaves, ministro de
Minas e Energia, além de almejar vincular a CNEN ao seu ministério, desejava que José Israel
Vargas substituísse Rex Nazareth Alves da presidência da CNEN. Renato Archer, por
296
D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. Militares e política na Nova República. Rio de Janeiro: FGV,
2001. p. 242.
168
articulações políticas, conseguiu evitar que este físico fosse substituído. Nazareth Alves
manteve-se na presidência da CNEN até 1990. Quando Collor assumiu a presidência e expôs
os programas nucleares no cenário nacional e internacional, decidiu também substituir
Nazareth Alves da presidência da CNEN por José Luiz Santana de Carvalho.
Ao assumir a presidência, Itamar Franco optou por manter a CNEN vinculada a SAE
e exonerou José Luiz Santana de Carvalho da presidência da CNEN. Em seu governo, o
projeto nuclear da Marinha do Brasil permaneceu vinculado à CNEN e resguardado pela
SAE, sob vigência do almirante Flores. A exoneração de José Luiz era considerada certa pelos
técnicos da CNEN e por outras empresas vinculadas à Comissão de Reavaliação do Programa
Nuclear Brasileiro. O diretor-executivo dessa comissão, Anselmo Páschoa, ainda no governo
Collor, afirmou que José Luiz Santana de Carvalho não havia se empenhado, como deveria,
para resolver o problema do lixo nuclear, em Goiânia
297
. Essa falta de empenho de Carvalho
fez com que a CNEN perdesse a sua representação na AIEA. Essa perda repercutiu na sua
exoneração do cargo de presidente da CNEN.
Dessa forma, o presidente Itamar Franco nomeou Marcio Costa para o cargo de
presidente da CNEN. Marcio Costa, ao ser perguntado como atuaria na condução do
Programa Nuclear Paralelo, afimou que não haverá problemas nesse sentido, porque o
programa está salvaguardado pelo acordo de fiscalização mútua firmado entre o Brasil e a
Argentina”
298
.
A partir de 1994, o projeto nuclear da Marinha do Brasil sofreu uma redução de
recursos. Nesse mesmo ano, o comandante Othon deixou o Projeto por ter completado o seu
tempo de serviço militar. Nesse mesmo ano em que o comandante Othon deixou o projeto,
uma teoria ganhou força na instituição militar: a de que o submarino de propulsão nuclear
297
MALHEIROS, Tânia. Brasil a bomba oculta: o programa nuclear brasileiro. Rio de Janeiro: Gryphus, 1993. p.
144.
298
MALHEIROS, Tânia. Brasil a bomba oculta: o programa nuclear brasileiro. Rio de Janeiro: Gryphus, 1993. p.
144.
169
poderia se tornar obsoleto diante dos rápidos avanços tecnológicos mundiais na área nuclear.
Ganhava força também a idéia de que o governo federal não tinha condições de atender as
demandas das forças armadas nem continuar investindo no projeto de construção do
submarino nuclear e nas áreas científicas e tecnológicas correlatas que a empreitada exigia.
As preocupações do almirante Serpa quanto à defesa das linhas de comunicação
divergiam das concepções estratégicas do almirante Flores. De acordo com o almirante
Flores, “o submarino, que é instrumento útil para o poder menor dissuadir o maior, ou
defender-se dele; ademais, anos eu me convencera de que não mais espaço para as
longas campanhas navais de atrição, com os seus comboios e navios-escolta”
299
. O almirante
Flores era um dos militares que mais apoiavam a construção do submarino de propulsão
nuclear. Embora o Centro Experimental Aramar continuasse a funcionar com os custos
orçamentários da Marinha do Brasil, a construção do submarino de propulsão nuclear não era
prioridade na concepção estratégica do ministro da Marinha nem do presidente Itamar.
Embora todos os ministros militares de seu governo afirmassem que Itamar Franco foi muito
sensível à causa dos militares, a construção do submarino de propulsão nuclear era
considerada como um objetivo secundário da Marinha do Brasil e da presidência da
República.
A sensibilidade de Itamar Franco às causas militares possibilitou que essas
instituições conseguissem uma operação de crédito externo. Segundo Zenildo Zoroastro de
Lucena, o mercado interno apresentava uma espécie de cartel. Diante da abertura econômica,
os ministros militares do governo de Itamar Franco recorreram ao mercado externo para
reaparelhar as forças armadas.
Itamar,
embora não mostrasse entusiasmo pelo neoliberalismo, devido à sua tendência
nacionalista, não reverteu, contudo, o programa de reformas econômicas, que Collor
de Melo (sic), desastradamente, começara, nem modificou as diretrizes da política
299
D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. Militares e política na Nova República. Rio de Janeiro: FGV,
2001. p. 114.
170
exterior, cuja condução entregou ao senador Fernando Henrique Cardoso, nomeado
ministro das Relações Exteriores.
300
Durante o governo Itamar, o Brasil dispôs de dois ministros das Relações Exteriores,
Fernando Henrique Cardoso, de 1992 a 1993, e Celso Amorim, de 1993 a 1994. Devido à
antiga amizade entre Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, havia especulações no
âmbito político e militar de que Fernando Henrique seria nomeado ministro das Relações
Exteriores. Tanto Fernando Henrique quanto Celso Amorim mantiveram a política externa
conduzida pelo ministro das Relações Exteriores do governo Collor, Celso Lafer.
Gostaria de sublinhar algumas características da política externa do Governo Itamar
Franco. E a primeira é a de que não tem rótulos. De forma simples e direta, está
voltada para o desenvolvimento do País, para a afirmação de valores democráticos e
tem sentido universalista. É uma política externa sem alinhamentos outros que não
aqueles que estejam ligados à ética e aos interesses do povo brasileiro.
301
Conforme visto, dois objetivos se tornaram evidentes no governo Collor: atualizar a
agenda internacional a fim de ajustá-la às mudanças ocorridas no cenário internacional e
construir uma agenda positiva com os Estados Unidos.
Na questão da proliferação de armas nucleares, Itamar partilhava da mesma
concepção de Collor. Portanto, manteve os compromissos com a não-proliferação nuclear.
Percebe-se assim que a política externa foi utilizada por Itamar Franco como uma estratégia
para recuperar a confiança da sociedade internacional e promover o desenvolvimento
nacional. No entanto, a antiga aspiração pela liderança também retornou com força no
governo Iatamar. Segundo Raúl Bernal-Meza, essa liderança se explicitava pela busca de
reconhecimento internacional como potência média.
302
Foi no governo Itamar que se
frutificou a campanha para o Brasil pleitear uma vaga permanente no Conselho de Segurança
300
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil Estados Unidos. (De Collor a Lula, 1990
2004). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2004. p. 79
301
AMORIM, Celso N. L. Uma diplomacia voltada para o desenvolvimento e a democracia. In: FONSECA, G.
CASTRO, S.H.N. Temas de política externa brasileira II. São Paulo: Paz e terra; Brasília: Ipri, V. 1, 1994, p.16.
In: OLIVEIRA, Henrique Altermani. Política externa brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 247.
302
BERNAL-MEZA, Raúl. Câmbios e continuidades em la política exterior brasileña. El consejo de seguridad:
¿El retorno do realismo? Sus impactos em el cono sur. In: COSTA, Sergio. SANGMEISTER, Hartmut.
STECKBAUER, Sonja. (Org) O Brasil na América Latina: interações, percepções, interdependências. São
Paulo: AnnaBlume: ADLAF: Fundação Henrich Böll, 2007. p.16.
171
da ONU, houve o envio de tropas em operações de paz e buscou ampliar o processo de
coopearação com os demais países sul americanos. “Brasil tentava assim disputar com os
Estados Unidos a hegmonia no âmbito sub-regional sul americano, atribuindo à integração
um enfoque de realpolitik.”
303
Contudo, esse desejo de liderança regional do Brasil, ao
mesmo tempo que priorizava a resolução dos problemas internos com os países sul
americanos, por meio do Mercosul, buscava manter um bom relacionamento com os Estados
Unidos por meio da reafirmação da não proliferação nuclear
Em 1992, os Estados Unidos propuseram ao Brasil, voluntariamente, aderir a um
protocolo adicional ao acordo de salvaguardas do TNP. Essa adesão permitiria que os
inspetores da AIEA realizassem investigações no Programa Nuclear Brasileiro sem aviso
prévio. O Brasil não assinou o protocolo adicional, mas afirmou defender a não-proliferação.
No entanto, o governo Itamar, assim como o governo Collor, foi curto. Durante o mandato de
Itamar Franco, o governo gerou regras e empreendeu práticas democráticas de convivência
política, mas ao menos até junho de 1994, não havia alcançado a estabilidade da moeda e não
havia definido um novo padrão de desenvolvimento para o país. Segundo Fernando Henrique
Cardoso, no início da gestão de Itamar na presidência, devido à corrupção, não havia como
rearticular o governo.
Em 1993, Fernando Henrique Cardoso deixou vago o cargo de ministro das Relações
Exteriores para assumir o ministério da Fazenda. Itamar Franco convidou o embaixador José
Aparecido de Oliveira para ocupar o ministério das Relações Exteriores, mas devido a
problemas de saúde, o convite foi recusado. Assim, o convite foi efetuado a Celso Amorim
que assumiu a função.
303
Tradução livre da autora: “Brasil intentaba así disputar a Estados Unidos a hegemonía en el ámbito sub-
regional sudamericano, dando a la integración un enfoque de realpolitik.” in: BERNAL-MEZA, Raúl. Câmbios
e continuidades em la política exterior brasileña. El consejo de seguridad: ¿El retorno do realismo? Sus impactos
em el cono sur. In: COSTA, Sergio. SANGMEISTER, Hartmut. STECKBAUER, Sonja. (Org) O Brasil na
América Latina: interações, percepções, interdependências. São Paulo: AnnaBlume: ADLAF: Fundação
Henrich Böll, 2007. p. 16.
172
Quando Fernando Henrique e sua equipe acadêmica assumiram a pasta ministerial da
Fazenda, “o objetivo era tentar segurar a inflação, porque era preciso ter um mínimo de
rédeas de governo. Administrar uma inflação de 20% ao mês é impraticável. Estava-se no
limite.”
304
Embora a economia brasileira estivesse voltando a se tornar atrativa ao capital
internacional, não havia uma estratégia de crescimento. Havia alguns contratempos que
dificultavam a rearticulação do Governo com a pressão externa exigindo uma maior abertura
do mercado, a redução da inflação e a privatização.
A fim de contornar esses contratempos, o governo Itamar assim como o governo
Collor, atendeu as sugestões do Consenso de Washington. No entanto,
a subserviência do Estado normal, erigida como ideologia da mudança, engendrou
graves incoerências, ao confundir democracia com imperialismo de mercado,
competitividade com abertura econômica e desenvolvimento com estabilidade
monetária. Completou-se com o desmonte da segurança nacional e a adesão a todos
os atos de renúncia à construção de potência dissuasória.
305
Sendo assim, outro problema começou a aparecer no governo Itamar: não se
formulou diretrizes claras para as forças Armadas. Segundo Thomaz Guedes Costa, Collor
veiculou uma das poucas manifestações de proposta presidencial para o planejamento da
defesa nacional nas últimas décadas, apontando as necessidades de profissionalização,
prontidão operativa, desempenho tecnológico e mobilidade das forças armadas, indicando a
preferência por uma postura dissuasiva. No entanto, essas propostas limitaram-se no debate
legislativo e não foram efetivadas.
Desde 1991, a Mensagem ao Congresso Nacional, enviada pelo Presidente quando
da abertura da sessão legislativa, se limita a listar ações realizadas e ações
programadas para o ano, de acordo com a proposta orçamentária de cada força
singular e do Estado-Maior das Forças Armadas.
306
304
Entrevista de Fernando Henrique Cardoso à Basílio Sallum Júnior em Lua Nova: Revista de Cultura Política,
39, 1997. p. 97. Disponível em <http://books.google.com.br/books?hl=pt-
BR&lr=&id=0kCXAIgPBjUC&oi=fnd&pg=PA33&dq=Governo+Itamar+franco+plano+real&ots=PkxzOyTdZ
Z&sig=RgrliPeLxdxjf7vYEjRVb5OtgXg>. Acessado em 13 jul 2009.
305
CERVO, Amado Luiz. Relações internacionais do Brasil: um balanço da era Cardoso. Revista Brasileira de
Política Internacional, V.. 45, Nº 1, Brasília, Janeiro/ Junho de 2002.
Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-73292002000100001&script=sci_arttext&tlng=en>.
Acessado em 13 jul 2009.
306
Costa. Thomaz Guedes. Política de defesa: uma discussão conceitual e o caso do Brasil. Revista Brasileira de
Política Internacional, V. 37, 1, 1994, p. 111. Disponível em
173
Conforme mencionado nesta dissertação, havia uma nítida imprecisão das
autoridades políticas e militares acerca do papel das forças armadas. O Exército brasileiro, em
especial, passou a ser requisitado pela segurança pública desde o governo de Collor. O
Exército atuou na segurança da Conferência Rio-92, um evento promovido pela ONU sobre
meio ambiente e desenvolvimento em junho de 1992. No entanto, foi no governo de Itamar
Franco que o Exército brasileiro foi empregado no combate ao narcotráfico nas favelas da
cidade do Rio de Janeiro. Historicamente, as forças armadas realizam atividades paralelas às
suas funções. As instituições militares conceituam essas atividades como atividades
complementares. “O militar é treinado para aniquilar o adversário quando entra em
combate.”
307
As forças policiais, especializadas em segurança pública, são treinadas para
imobilizar o transgressor. Essas instituições, apesar de funcionaram para preservar a vida,
apresentam doutrinas que se conflitam.
No início da década de 1990, essas atividades se tornaram subsidiárias as funções
militares. As forças armadas brasileiras reconheciam que o governo federal não apresentava
instrumentos eficazes para estabelecer a ordem na segurança pública. Apesar de essas
instituições aceitarem a missão de contribuir para o estabelecimento da ordem na segurança
pública, pediam para que essas missões fossem episódicas e delimitadas.
308
Contudo, apesar
de haver, na década de 1990, grupos que defendiam o emprego das forças armadas na
segurança pública, havia outros grupos, sobretudo, no Exército brasileiro, que alertavam sobre
os riscos operacionais e políticos de empregá-las.. Os riscos operacionais se davam em função
das divergências doutrinárias entre as forças armadas e as forças policiais. Apesar de o
governo de Itamar Franco ser percebido de forma positiva pelos militares, o fato deste
<http://ftp.unb.br/pub/unb/ipr/rel/rbpi/1994/118.pdf>. Acessado em 13 de julho de 2009.
307
OLIVEIRA, Eliezer Rizzo de. Democracia e defesa nacional: a criação do Ministério da Defesa na
presidência de FHC. São Paulo: Manole, 2005. p. 212.
308
OLIVEIRA, Eliezer Rizzo de. Democracia e defesa nacional: a criação do Ministério da Defesa na
presidência de FHC. São Paulo: Manole, 2005. p. 212.
174
presidente alocar as forças armadas em funções subsidiárias foi considerado pelos militares
como uma forma de revanchismo. O Exército brasileiro era a instituição que mais era
convocada pelo governo federal para conter a desordem na segurança pública, sobretudo, do
estado do Rio de Janeiro. As demais instituições não tinham maiores reclamações do governo
federal.
A Marinha do Brasil foi a instituição militar que mais atenção recebeu do governo
Itamar. Apesar do orçamento federal para as forças armadas ser reduzido, Itamar autorizou
seu ministro da Marinha criar o Comando Naval da Amazônia Ocidental. O almirante Ivan
Serpa renovou e ampliou os navios-patrulhas, submarinos convencionais, corvetas, comprou
helicópteros e comprou o navio de apoio oceanográfico Ary Rongel. Entre outras atividades
consideradas essenciais para a Marinha do Brasil, o governo Itamar deu continuidade ao
levantamento de dados da plataforma continental brasileira. A idéia era que o Brasil detivesse
o direito de exercer a soberania em relação à exploração e ao aproveitamento dos recursos
naturais dos fundos marinhos na plataforma continental, de acordo com o previsto na
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM).
309
Apesar de assinada em 1982 e ratificada em 1988, essa convenção passou a
vigorar em território brasileiro, em 1993, a partir da publicação da lei 8.617, sancionada
pelo presidente Itamar Franco. Em novembro de 1994, a CNUDM passou a vigorar. A ONU
concedeu ao Brasil o tempo de 10 anos para concluir as atividades do plano de levantamento e
submeter à comissão de limites das Nações Unidas, o pedido de prolongamento da plataforma
continental brasileira.
O levantamento da plataforma continental brasileira reveste-se de particular
importância para a política exterior do Brasil em relação ao Atlântico Sul, pois, além
dos benefícios intrínsecos advindos dos novos conhecimentos, esse conjunto de
atividades acentua a presença brasileira em área de atividade pioneira no Atlântico
Sul, além de contribuir para despertar a consciência em outros Estados Costeiros da
309
FERREIRA, José de Castro. Itamar o homem que redescobriu o Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1995. p.p.
162-163.
175
necessidade e conveniência de também definirem seus limites exteriores de margens
continentais.
310
Perece-se assim que o Atlântico Sul representava para as autoridades brasileiras,
especialmente, para o Itamaraty, um meio de expansão de oportunidades, cooperação e
desenvolvimento. A reaproximação com a África do Sul foi percebida pelas autoridades
políticas, empresariais e militares como uma forma positiva e estratégica de o Brasil estimular
o crescimento de sua economia. Essa parceria estratégica constituiu o meio pelo qual o Brasil
buscava alcançar a liderança regional e promover o desenvolvimento nacional. Em 1993,
Itamar Franco reativou a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, realizou o Encontro de
Chanceleres de Países de Língua Portuguesa, em Brasília e foi solidário, prestando apoio ao
processo de paz e reconstrução em alguns países do continente africano.
A Marinha do Brasil manteve um interesse nesse trabalho em função da defesa das
riquezas minerais localizadas no solo e subsolo da plataforma continental brasileira, como
petróleo e gás natural, e dos limites de fronteira. No entanto, as pesquisas realizadas, ao
mapear o solo e subsolo da plataforma continental, fomentaram discussões acerca da
inviabilidade da operacionalidade de um submarino de propulsão nuclear em águas
jurisdicionais brasileiras. Um submarino movido a propulsão nuclear pode atingir até 1.000
metros de profundidade. No entanto, a plataforma continental brasileira não requeria, do
ponto de vista das suas características geográficas, um submarino com grau tão alto de
tecnologia de profundidade. Em meio à escassez de recursos e à instabilidade que o país ainda
experimentava, os críticos do projeto perceberam nessa discussão mais um motivo para atacar
o projeto de construção do submarino de propulsão nuclear brasileiro.
4.3 Fernando Henrique Cardoso e as limitações da defesa nacional
310
TORRES, Luiz Carlos, FERREIRA, Hundrsen de Souza. Amazônia azul: a fronteira brasileira no mar. p. 5.
Disponível em <http://www.mar.mil.br/dhn/dhn/amazoniazul.pdf>. Acessado em 26 ago 2009.
176
Fernando Henrique Cardoso foi eleito em 1994 pela coligação Partido da Social-
Democracia Brasileira (PSDB), Partido da Frente Liberal (PFL) e Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB) e reeleito em 1998, com mandato até 2002.
“O neoliberalismo, iniciado com Collor, de modo aventureiro, encontrava com FHC
uma nova racionalidade que exigia uma dura derrota ao movimento sindical dos
trabalhadores, visando pavimentar os caminhos do neoliberalismo no país.”
311
Apesar de
constituir-se como um partido novo, o PT desde as eleições de 1984 elegeu deputados,
senadores, governadores, prefeitos e vereadores. Além de possuir sólidas bases no movimento
sindical e no meio acadêmico, o PT atraiu para a política brasileira segmentos sociais
excluídos da vida institucional do país
312
. No entanto, por constituir-se como um partido de
esquerda e por fomentar a idéia de que este partido continha ideais comunistas, surgiram
dúvidas sobre as bases políticas, sobretudo no Parlamento, sobre as quais o PT, se vencesse as
eleições, iria governar o país.
Cabe destacar que foi graças ao apoio político e militar, respectivamente, no
Congresso Nacional e das forças armadas que Sarney se manteve até o final de seu mandato
no poder e foi a erosão das bases de apoio político a Collor no Congresso Nacional que criou
as condições para o início do processo de impeachment. Para suplantar a ausência desse apoio
político, baseado nas experiências passadas, o PT, a fim de vencer a eleição presidencial de
1994 projetou toda a sua capacidade política em um programa de governo que se propusesse a
empreender grandiosas reformas sociais.
O programa de governo de Luís Inácio Lula da Silva buscava reequilibrar
crescimento e distribuição de renda a fim de erradicar o problema da exclusão social. O
311
ANTUNES, Ricardo. A desertificação neoliberal no Brasil. (Collor, FHC e Lula). São Paulo: Autores
Associados, 2004. p. 1
312
GARCIA, Marco Aurélio. As eleições de 1994 textos e contextos. In: AMARAL, Roberto (Org.). FHC: os
paulistas no poder. Rio de Janeiro: Casa Jorge Editorial, 1995. p. 228.
177
Programa defendia a necessidade de reformas imprescindíveis do Estado a fim de transformá-
lo em um instrumento eficaz de regulação econômica e redistribuição de renda. o
programa de governo de Fernando Henrique Cardoso acusava que o problema fundamental do
Brasil era a inflação. Sendo assim, a estabilização monetária era o fim pretendido pelo seu
programa.
Tanto no programa de governo de Lula quanto no de Fernando Henrique quando
disputavam as eleições presidenciais em 1994, o Brasil era apresentado como um país
esgotado pela crise de um modelo desenvolvimentista. Apesar desses programas se
parecerem, o fato de o Plano Real ter entrado em vigor em julho de 1994, estabilizando a
economia e reduzindo a inflação, criou-se a imagem de que Fernando Henrique era o
candidato mais preparado para ascender à presidência da República.
Apesar de Collor haver lançado as bases neoliberais que governou o Brasil no início
da década de 1990, foi o sociólogo e ex-senador da República Fernando Henrique Cardoso
que as aperfeiçoou. Apesar da assunção de Fernando Henrique à presidência da República ser
considerada uma ruptura com a política desenvolvimentista assumida por diversos
presidentes, o próprio Fernando Henrique Cardoso não se assumia como um neoliberal. “O
novo governo abriga a pretensão de trazer à vida modalidades de convivência social e
formas de organização da economia distintas daquelas que presidiram nossa história nos
últimos sessenta anos.”
313
A vitória de Fernando Henrique baseou-se na ideologia de que o
mundo que se lograva construir não encontrava espaço através da política, mas por meio da
economia e da sociedade.
O programa de governo de Fernando Henrique anunciava a abertura do Brasil ao
mercado internacional. Com os escândalos gerados pelo governo Collor, a imagem do Brasil
como um país de credibilidade foi abalada. Apesar de o presidente Itamar Franco haver
313
BARBOZA FILHO, Rubem. FHC: os paulistas no poder. In: AMARAL, Roberto (Org.). FHC: os paulistas
no poder. Rio de Janeiro: Casa Jorge Editorial, 1995. p. 93.
178
buscado reorganizar a economia brasileira, ele se comprometeu a dar continuidade à política
externa empreendida por Collor. A fim de criar uma nova relação com o sistema
internacional, Fernando Henrique buscou empreender uma política externa ainda mais aberta
à economia mundial. No entanto, apesar de Fernando Henrique Cardoso impor medidas
liberalizantes e ser confundido, em função disso, como um neoliberal, o Estado
desenvolvimentista não foi completamente substituído por este presidente. Segundo Amado
Cervo, Fernando Henrique fortaleceu os núcleos nacionais da economia, transferindo para a
sociedade responsabilidades empreendedoras e ajudando as empresas a operar no exterior.
Dessa forma, compreende-se que ao mesmo tempo em que o Estado atribuiu o papel de atrair
empresas, capitais, novos investimentos e tecnologia ao ministério das Relações Exteriores,
cedeu espaço para que as empresas também produzissem ciência e tecnologia. “Na prática,
significava um reforço da capacidade empresarial, através da tentativa de abertura de
mercados externos, aplicação da ciência e tecnologia no desenvolvimento e o esboço de uma
política de defesa nacional.”
314
Embora o presidente Fernando Henrique Cardoso tenha
investido muito pouco em ciência e tecnologia, ele discursava que a ciência e a tecnologia
eram as bases para o desenvolvimento sócio-econômico brasileiro. Em sua concepção, esse
investimento significaria uma adequação aos novos tempos de globalização, nos quais o
Brasil estava participando de um processo de ampla competição científica, tecnológica e
econômica. Segundo este presidente,
parte importante da produção científica do Brasil é feita nas Forças Armadas; e o
diálogo entre o setor militar e o setor civil é, hoje, um diálogo democrático,e, por
conseqüência, também as nossas preocupações devem se estender nesse sentido de
ampliar a nossa capacidade criativa, integrando, crescentemente, o setor militar ao
setor civil no campo das pesquisas, porque nós, hoje, temos o mesmo objetivo, que é
o fortalecimento do povo brasileiro e das condições de vida no Brasil.
315
314
CERVO, Amado Luiz. Relações internacionais do Brasil: um balanço da era Cardoso. Revista Brasileira de
Política Internacional. V. 45, 1, Brasília, Jan/ Jun de 2002. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?
pid=S0034-73292002000100001&script=sci_arttext>. Acessado em 24 de jul 2009.
315
Discurso de Fernando Henrique Cardoso na sessão de instalação do Conselho Nacional de Ciência e
Tecnologia. Brasília, 17 de agosto de 1996. in: [S/ A] Palavra do presidente. Brasília: Presidência da República,
2002. p. 164
179
Como percebido, a CNEN desde a década de 1980 financiava o projeto nuclear da
Marinha do Brasil. A CNEN, por intermédio de Rex Nazareth, financiava esse projeto por
meio de rendas extras. Apesar de Renato Archer, na época em que era ministro da Ciência e
Tecnologia do governo Sarney apoiar esse projeto, a CNEN permaneceu desvinculada desse
ministério. A Comissão que foi arquitetada para desmantelar o Programa Nuclear Paralelo
reconheceu e reforçou a importância das conquistas científicas e tecnológicas empreendidas
pela parceria IPEN-CNEN-Marinha do Brasil em Aramar. Esta mesma Comissão sugeriu que
a CNEN fosse transferida para o ministério de Ciência e Tecnologia. Essa sugestão atravessou
os governos Collor e Itamar, sendo acatada por Fernando Henrique. No entanto, ao longo
da década de 1990, os recursos provenientes da CNEN para continuar financiando o projeto
nuclear da Marinha foram gradativamente sendo minados. Esse projeto também contou com o
apoio financeiro da secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). Contudo, a SAE foi extinta no
final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. As atividades da SAE também
foram transferidas para o ministério de Ciência e Tecnologia. Dessa forma, desde quando
Tancredo Neves escolheu Archer para ser ministro da Ciência e Tecnologia, o Programa
Nuclear Paralelo tem sido reivindicado para ser vinculado a este ministério. No entanto,
quando finalmente este ministério consegue abarcar as instituições envolvidas no projeto
nuclear da Marinha do Brasil, as verbas extras ao orçamento desta instituição se tornaram
ainda mais escassas. Percebe-se assim que o desenvolvimento científico e tecnológico no
Brasil estava subordinado as condições orçamentárias do governo federal.
Enquanto nos governos de Fernando Collor e Itamar Franco, o Centro Experimental
Aramar era visto como um fardo para as autoridades políticas, Fernando Henrique percebeu
essa instalação de pesquisa científica e tecnológica como um elo estratégico para o Brasil. No
entanto, o desenvolvimento científico e tecnológico em Aramar deveria ser expandido para os
civis. A idéia do presidente Fernando Henrique Cardoso era seguir o exemplo de outros países
180
que buscaram submeter as suas forças armadas a uma instituição civil. Para isso, o presidente
Fernando Henrique Cardoso teve o apoio de seu ministro da Marinha, almirante Mauro César
Rodrigues Pereira. Conforme esse ministro afirmou, apesar de ser contra a a criação do
ministério da Defesa, ele apresentou ao presidente projetos e propostas para a sua elaboração.
Segundo este almirante, “os assuntos de defesa, aqui no Brasil, são muito difíceis de serem
tratados, porque não há pensamento político sobre defesa.”
316
O presidente Fernando Henrique Cardoso lançou a Política de Defesa Nacional em
sete de novembro de 1996. “O documento acaba oficialmente com a figura do comunismo
como inimigo interno, que passa a ser substituído pelo crime organizado, narcotráfico e
contrabando de armas, o que já vinha sendo posto em prática pelas Forças Armadas.”
317
Em função das indefinições acerca do papel das forças armadas brasileiras, não havia
um pensamento político nem um pensamento estratégico homogêneo sobre os objetivos e as
diretrizes das instituições militares. Dessa forma, as pesquisas militares, como as realizadas
em Aramar, sofriam variações tanto no plano econômico quanto nos seus próprios objetivos.
O ministro da Marinha, almirante Mauro César Rodrigues Pereira, era partidário muito mais
das idéias do almirante Serpa do que daquelas defendidas pelo almirante Mário César Flores.
Segundo o almirante Mauro Cesar Rodrigues Pereira, a concepção estratégica do
almirante Serpa para a Marinha do Brasil condizia muito mais com o pensamento militar da
Marinha do Brasil do que as concepções estratégicas do almirante Mário César Flores.
Embora os almirantes Serpa e Mauro Rodrigues Pereira, respectivamente, considerassem que
o projeto de construção do submarino de propulsão nuclear era de elevado custo, ambos
deram continuidade às pesquisas para concluí-lo.
316
CASTRO, Celso. D’ARAÚJO, Maria Celina. (ORG.) Militares e política na Nova República. Rio de Janeiro:
FGV, 2001. p. 269
317
ZAVERUCHA, Jorge. Frágil democracia: Collor, Itamar, FHC e os militares (1990 - 1998). Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 2000. p. 222.
181
A Marinha do Brasil sofria constantes críticas por causa de seu projeto nuclear. Essas
críticas provinham de diversos setores da sociedade brasileira. Dessa forma, em 1995, o
almirante Mauro Rodrigues Pereira convidou alguns deputados e jornalistas para conhecerem
as instalações do Centro Experimental Aramar. Essa estratégia utilizada pelo ministro da
Marinha consistiu na tentativa de diminuir as críticas e garantir recursos ao projeto nuclear
dessa instituição no orçamento de 1996. Essa estratégia visava remanejar “R$ 30 milhões do
Ministério da Ciência e Tecnologia para o projeto de construção do submarino nuclear
através da aprovação de uma emenda, apresentada pelo vice-presidente da Comissão de
Ciência e Tecnologia da Câmara, deputado federal Paulo Heslander (PTB-MG)”
318
.
Percebe-se assim que, o almirante Rodrigues Pereira buscava chamar a atenção das
autoridades políticas para o desenvolvimento do projeto de construção do submarino de
propulsão nuclear. Contudo, o presidente Fernando Henrique Cardoso acreditava que as
conquistas tecnológicas do Centro Experimental Aramar deveriam ser partilhadas com os
setores civis da sociedade brasileira e também compartilhadas internacionalmente.
Luiz Felipe Lampreia foi o escolhido para ocupar a pasta ministerial das Relações
Exteriores. A partir de 1995, o Exército brasileiro participou ativamente das missões de paz
da ONU no continente africano. Em 1996, o presidente Fernando Henrique Cardoso visitou
Angola e África do Sul. Em 1998, o presidente sul africano Nelson Mandela visitou o Brasil.
Na década de 1990, a África se tornou um importante parceiro econômico do Brasil e do
Mercosul. Dessa forma, apesar de nos governos Itamar e Fernando Henrique, a África ter
ganhado uma importância nas relações internacionais com o Brasil, essas relações foram mais
diplomáticas do que estratégicas.
No que tange a questão nuclear, a política diplomática de Fernando Henrique
Cardoso e Luiz Felipe Lampreia constituiu em ser favorável à campanha pela não-
proliferação de armas nucleares incorporando o Regime de Controle de Tecnologia
de Mísseis (MTCR) em 1995, se tornando membro do Grupo de Supridores
318
Lançamento de submarino nuclear tem sido uma incógnita. O Estado de São Paulo, 20 de dezembro de 1996.
Disponível em <http://www.ien.gov.br/noticias/midia_arquivo/oestsp_201296.htm>. Acessado em 25 de jul
2009.
182
Nucleares (NSG) em 1996, e assinando o TNP em 1998. Embora a Índia e o
Paquistão tivessem realizado testes nucleares em maio de 1997, Fernando Henrique
compreendeu que a humanidade caminhava para o desarmamento e a não-
proliferação nuclear.Fernando Henrique Cardoso avaliou que seria, politicamente,
melhor o Brasil aderir ao TNP e acomodar-se à hegemonia dos Estados Unidos, a
fim de ganhar muito, em termos de projeção internacional e participação em
mecanismos de decisão, fortalecendo ainda mais suas credenciais e credibilidade
para uma vaga no Conselho de Segurança da ONU.
319
Ao tornar o Brasil signatário do TNP, Fernando Henrique entendia que essa
assinatura era o caminho para o Brasil ter acesso à tecnologia nuclear para fins pacíficos sem
restrições por parte dos países que pertenciam ao Clube Atômico e, ao mesmo tempo, obter
um maior reconhecimento no sistema internacional e maior representatividade política nesse
sistema. Desde o início de seu governo, Fernando Henrique mostrou-se favorável à assinatura
do TNP, no entanto, havia resistências tanto do setor militar quanto do setor civil brasileiro.
A assinatura do TNP era um tema sensível para alguns segmentos da sociedade
brasileira, não apenas no âmbito militar, mas também para parlamentares que
defendiam discursos menos alinhados com as potências nucleares fiadoras do
tratado. O atraso de quase três anos na ratificação de peça tão importante de nossa
política externa pelo Congresso Nacional corrobora a percepção de que houve
resistências à sua aprovação.
320
O presidente entendeu que essa resistência em assinar o TNP havia se transformado
em um obstáculo à continuidade dos avanços tecnológicos do Brasil. A resistência se tornava
inútil visto que o Brasil já havia aceitado as salvaguardas internacionais e a inspeção da
Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
Julgou também que a recalcitrância em aderir ao TNP, além de inócua, passara
outrossim a estorvar o Brasil, em sua dimensão política, ou seja, a sua pretensão de
tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, cuja reforma e
ampliação advogava, bem como de participar de outros mecanismos do processo
decisório internacional, por modo a enfrentar o desafio da globalização da
economia.
321
319
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil Estados Unidos. (De Collor a Lula, 1990
2004). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2004. p.p. 147-148.
320
CÉSAR, Luis Fernando Panelli. Tratado de Não Proliferação Nuclear - TNP (1968). In: MAGNOLI,
Demetrio. (ORG). História da paz. São Paulo: Contexto, 2008. p. 405
321
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil Estados Unidos (de Collor a Lula, 1990 -
2004). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2004. p. 147.
183
O presidente Fernando Henrique reuniu representantes do ministério das Relações
Exteriores e dos ministérios militares a fim de avaliar as opiniões dessas instituições acerca da
adesão ao TNP. O almirante Rodrigues Pereira posicionou-se desfavorável à adesão, pois
partilhava ainda da percepção predominante durante o regime militar de que o TNP era
discriminatório. No entanto, após a decisão presidencial de aderir a esse tratado, o ministro
Rodrigues Pereira considerou ilógico o Brasil não ser signatário dele. Segundo esse almirante,
“foi depois daquela conferência em que mudaram os termos do TNP: ainda que continuasse
sendo um tratado do tipo quem pode, pode, quem não pode, não pode, pelo menos criou um
fórum de debate. Quem estivesse ali dentro poderia debater”
322
. Esse almirante compreendeu
que poder participar dos fóruns de debate do TNP seria uma forma de o Brasil demonstrar aos
países signatários, sobretudo, os países que possuíam vaga permanente no Conselho de
Segurança da ONU, os interesses e as finalidades brasileiras no campo da atividade nuclear.
O único programa nuclear que poderia ter alguma finalidade bélica era o projeto do
submarino de propulsão nuclear. Contudo, esse projeto não era considerado pelo TNP como
uma arma nuclear. Nesse contexto, foram muito mais os problemas internos do que as
pressões internacionais que abalaram o andamento desse projeto. Foram os cortes no
orçamento das forças armadas que provocaram esse abalo. Dessa maneira, a Marinha do
Brasil não tinha como afirmar quando o submarino de propulsão nuclear estaria concluído.
Como o projeto demandava aplicação contínua de recursos, a degradação ou a
interrupção do fluxo de recursos poderia comprometer e tornar obsoletas as tecnologias
desenvolvidas ou em desenvolvimento. Sendo assim, as teorias que afirmavam que o
submarino de propulsão nuclear brasileiro se tornaria obsoleto, diante dos avanços
tecnológicos garantidos pela globalização, ganhavam cada vez mais força dentro da própria
instituição naval. Em função da falta de apoio institucional e, sobretudo, da falta de recursos
322
CASTRO, Celso. D’ARAÚJO, Maria Celina. (Org) Militares e política na Nova República. Rio de Janeiro:
FGV, 2001. p. 279.
184
do governo federal, o almirante Mauro César Rodrigues Pereira foi forçado a defender mais a
aquisição de submarinos convencionais do que a construção do submarino de propulsão
nuclear.
Face aos rumos da política e da economia mundial, o almirante Rodrigues Pereira
percebeu que o projeto do submarino de propulsão nuclear poderia não ser concluído pela
instituição naval. Além disso, devido também aos cortes e reduções orçamentárias, muitos
oficiais da Marinha do Brasil e cientistas civis deixaram o projeto nuclear da instituição naval
em busca de áreas que fossem mais rentáveis.
O almirante Rodrigues Pereira buscou ainda em sua gestão empreender esforços no
governo para que o projeto nuclear da Marinha do Brasil não mais fosse associado a um
programa que era desenvolvido clandestinamente. Dessa forma, esse ministro realizou uma
campanha para que esse projeto não tivesse mais o termo paralelo o acompanhando.
A Marinha, ainda senhora absoluta dos avanços nucleares conquistados pelo Brasil,
em especial o enriquecimento de urânio com centrífugas abrasileiradas, rejeita a
denominação de seu projeto de programa paralelo, e, depois de gastar mais de 600
milhões de dólares nas pesquisas e desenvolvimento da ultracentrifugação de urânio
no Brasil, reorienta seu programa de enriquecimento de urânio para programa de
propulsão de submarino nuclear, tentando alocar o projeto no orçamento oficial do
governo e acabar, pelo que parecia, com a movimentação de contas secretas no
exterior.
323
Ainda que diversas ações políticas tivessem atrofiado as pesquisas científicas e
tecnológicas para a construção do submarino nuclear, ainda havia setores da instituição naval
que acreditavam que o projeto do submarino de propulsão nuclear voltaria a ser desenvolvido.
Essa campanha do almirante Rodrigues Pereira consistiu numa estratégia política para tornar
o desenvolvimento do projeto de construção do submarino de propulsão nuclear mais
transparente à opinião pública.
Percebe-se assim que, o projeto do submarino nuclear se tornou um peso econômico,
político e social para o Brasil. Após declarar publicamente que a Marinha do Brasil havia
323
GRIPPI, Sidney. Energia nuclear: os bastidores do Programa Nuclear Brasileiro e seus Reflexos na sociedade
e na economia nacional. Rio de Janeiro: Interciência, 2006. p.p. 27-28.
185
renunciado à construção do submarino de propulsão nuclear por falta de recursos, o almirante
Rodrigues Pereira reivindicou “cerca de US$ 50 milhões ao governo para reaproveitar a
estrutura de Aramar para desenvolver usinas nucleoelétricas e construir submarinos
convencionais”
324
. Apesar desse pronunciamento, a reivindicação do almirante Rodrigues
Pereira foi interpretada como uma estratégia para a Marinha do Brasil continuar financiando o
projeto do submarino de propulsão nuclear. No entanto, cabe ressalvar que, ao analisar os
pronunciamentos desse militar e suas divergências ideológicas com o almirante Flores,
percebe-se que a concepção estratégica do almirante Rodrigues Pereira para a Marinha do
Brasil se baseava na defesa das linhas de comunicação e não na defesa exclusiva das águas
jurisdicionais brasileiras.
A idéia de Fernando Henrique em transferir a produção científica e tecnológica da
construção do submarino de propulsão nuclear para as Indústrias Nucleares do Brasil (INB)
parece haver combinado com a solução encontrada pelo almirante Rodrigues Pereira no
reaproveitamento das produções científicas e tecnológicas realizadas no Centro Experimental
Aramar. Essa solução inclui também as produções científicas e tecnológicas produzidas no
Ipen, no campus universitário da USP, em São Paulo. Sendo assim,
Em 1995, o governo Fernando Henrique Cardoso decidiu retormar o projeto da
usina de Angra II, abrindo novas perspectivas para o setor nuclear brasileiro. A INB
iniciou a readaptação de todo o seu complexo industrial para atender às novas
necessidades do mercado, promovendo também entendimentos com o Centro
Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP) para implementar em escala
industrial o processo de enriquecimento por ultracentrifugação.
325
O projeto nuclear da Marinha do Brasil passou a fornecer tecnologia para a fábrica
de pastilhas de combustível nuclear, em Resende, no Rio de Janeiro, e para a produção do
combustível nuclear das usinas nucleares de Angra 1 e de Angra 2. Essa idéia corresponde ao
programa de governo de Fernando Henrique acerca da Ciência e Tecnologia como meio de
324
Lançamento de submarino nuclear tem sido uma incógnita. O Estado de São Paulo, 20 de dezembro de 1996.
Disponível em <http://www.ien.gov.br/noticias/midia_arquivo/oestsp_201296.htm>. Acessado em 25 jul 2009.
325
ABREU, Alzira Alves (Org) Dicionário histórico-biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2001. p. 4.128.
186
desenvolvimento social. Ao reorientar a produção científica e tecnológica de Aramar para
Angra 1, noticiou-se que Fernando Henrique fomentou uma disputa institucional entre a
Marinha do Brasil e a INB.
o projeto da Marinha a partir deste ponto se restringiria unicamente em passar Know
how aos programas que o governo viesse a oficializar, ou seja, transferir para a
empresa única e oficial do governo em assuntos de produção de insumos nucleares,
a INB, todo o background adquirido em anos de pesquisas secretas.
326
Como foi analisado anteriormente, o Programa Nuclear Paralelo não era tão
secreto quanto se acreditava. Rex Nazareth Alves, presidente da CNEN, desde o início da
década de 1980, se encarregava de transferir conhecimento do Programa Nuclear Brasileiro
para o Paralelo. Assim, desde o início deste último havia transferência de conhecimento de
inter-setorial.
Segundo Sidney Grippi, a Marinha do Brasil tornou-se o bode expiatório do
Programa Nuclear Brasileiro
327
. Em função dos cortes orçamentários, como mencionado,
foi o próprio ministro da Marinha, almirante Mauro César Rodrigues Pereira, que sugeriu o
reaproveitamento das conquistas científicas e tecnológicas de Aramar. A instituição naval não
foi surpreendida, como Grippi afirmou. Embora o presidente Fernando Henrique Cardoso não
houvesse se comprometido com a construção do submarino de propulsão nuclear e, na década
de 1980, como senador da República, tenha se posicionado desfavorável a essa construção,
aproximou ainda mais civis e militares. A sugestão foi do próprio ministro da Marinha,
almirante Mauro César Rodrigues Pereira, e a decisão de reaproveitar foi tomada pelo
presidente Fernando Henrique, com o apoio desse ministro. Entende-se assim que, essa
decisão presidencial apenas oficializou e tornou pública a transferência de informação que
acontecia desde o governo de Figueiredo.
O almirante Mário César Flores era defensor do projeto de construção do submarino
de propulsão nuclear desde quando o relatório do comandante Othon chegou as suas mãos,
326
GRIPPI, Sidney. Energia nuclear: os bastidores do Programa Nuclear Brasileiro e seus Reflexos na sociedade
e na economia nacional. Rio de Janeiro: Interciência, 2006. p. 28.
327
GRIPPI, Sidney. Energia nuclear: os bastidores do Programa Nuclear Brasileiro e seus Reflexos na sociedade
e na economia nacional. Rio de Janeiro: Interciência, 2006. p. 28.
187
quando aquele ainda era chefe do Estado-Maior da Armada, em 1979. O almirante Flores foi
ministro da Marinha do Governo Collor e secretário de Assuntos Estratégicos do governo
Itamar. O projeto do submarino de propulsão nuclear, conforme analisado, constituía, no
governo Geisel, parte do Programa Nuclear Brasileiro e nos governos que o seguiram, parte
do Programa Nuclear Paralelo. Ambos os Programas representavam a antiga aspiração dos
militares de transformar o Brasil em uma potência política, econômica e militar. Sendo assim,
seja a aspiração inicial do governo Geisel de gerar eletricidade, seja a antiga aspiração que
remonta aos tempos de Getúlio Vargas de ingressar no Clube Atômico, para militares como o
almirante Flores e o comandante Othon, transferir informação de Aramar para as usinas
nucleares de Angra dos Reis ainda constituía a ideologia do desenvolvimento nacional. Essa
tese contraria a idéia de Grippi de que houve rivalidades entre a Marinha do Brasil e a INB.
Constata-se assim que, as rivalidades se encontravam no seio das próprias
instituições militares acerca de seus papéis na defesa nacional. De acordo com o almirante
Mauro César Rodrigues Pereira, na noite em que recebeu o convite do presidente Fernando
Henrique para ser ministro da Marinha de seu governo, em 19 de dezembro de 1994, este
presidente afirmou-lhe que a princípio não era favorável à criação do ministério da Defesa. O
presidente Fernando Henrique confirmou ser desfavorável ao haver votado contra essa criação
durante a Constituinte. Sua mudança de opinião traduz-se por haver sido convencido das
vantagens que um ministério de Defesa poderia propiciar ao país e que havia decidido criá-lo
com o auxílio dos ministros militares que comporiam seu governo. Aqueles que se
posicionavam contra a criação do ministério da Defesa sustentavam a tese de que Fernando
Henrique estaria submetendo as forças armadas brasileiras às premissas políticas dos Estados
Unidos. Desde a década de 1970, as concepções geopolíticas para a Marinha do Brasil
afirmavam que essa instituição deveria projetar poder militar na parte africana do Atlântico
Sul. Segundo Meira Mattos, “no momento em que uma potência militar hostil ao Brasil
188
ocupar a costa atlântica da África, em qualquer ponto desde Marrocos até a África do Sul
começaremos a sentir no nosso país um clima de inquietação e de pressão bélica sem
precedentes na nossa história”
328
.
Para o Exército e para a Aeronáutica, representados, respectivamente, pelos seus
ministros Zenildo Zoroastro de Lucena e Walter Werner Brauer, o poder militar da Marinha
do Brasil não deveria contemplar a projeção de poder. De acordo com o general Zenildo
Zoroastro,
aqui no litoral não Guarda Costeira, mas nós do Exército estamos presentes no
Brasil todo, fazemos uma espécie de guarda territorial. Tem-se que raciocinar em
termos brasileiros, mas não em termos de projetar poder; não agora. Pode-se até
fazer exercícios, vamos dizer, teóricos, mas não podemos ficar preocupados em
projetar poder na África, garantir vias de navegação para suprimento de petróleo.
329
Para esse ministro do Exército, o pensamento estratégico da Marinha do Brasil estava
equivocado, à medida que concentrava os seus esforços para suprir uma necessidade que não
deveria ser compreendida como prioritária para a instituição naquele momento. Ainda que as
instituições militares devessem contemplar concepções estratégicas, a médio e longo prazos, a
estratégia da presença deveria ser a prioridade na defesa do território nacional.
Rizzo de Oliveira trás a tona nessa discussão que, a preocupação da Marinha do
Brasil se concentrava na preservação das jazidas petrolíferas localizadas no Atlântico Sul.
“Daí desenvolver capacidade bélica com submarino nuclear (movimentação silenciosa e
rápida) nuclear na propulsão, não no armamento.
330
O projeto de construção do
submarino de propulsão nuclear brasileiro estava inserido nesse debate, pois ele auxiliaria na
defesa das plataformas petrolíferas. Seguindo a concepção estratégica do general Zoroastro e
do almirante Flores, um submarino de propulsão nuclear poderia funcionar auxiliando a
guarda costeira.
328
MATTOS, Carlos de Meira. Brasil – geopolítica e destino. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. P. 105.
329
CASTRO, Celso. D’ARAÚJO, Maria Celina. Militares e política na Nova República. Rio de Janeiro: FGV,
2001. p. 221.
330
OLIVEIRA, Eliezer Rizzo de. Democracia e defesa nacional: a criação do Ministério da Defesa na
presidência de FHC. São Paulo: Manole, 2005. p. 239.
189
Na opinião da Marinha do Brasil, suas funções militares, com a criação desse
ministério, estariam subordinadas ao Exército brasileiro, à medida que constituía a força
armada mais, estrategicamente, presente em território nacional. Segundo a Política de Defesa
Nacional lançada em 1996, “o quadro de incertezas que marca o atual contexto mundial
impõe que a defesa continue a merecer o cuidado dos governos nacionais e que a expressão
militar permaneça de importância capital para a sobrevivência dos Estados como unidades
independentes”
331
. Apesar de a Política de Defesa Nacional incluir o Atlântico sul como área
estratégica para o Brasil, conforme Rizzo de Oliveira conclui, “a Política de Defesa não
contempla projeção de poder”
332
.
A projeção de poder é um conceito geopolítico formulado por Alfred Mahan, no
século XIX. “Existem diversas formas de projeção de poder no sistema internacional por um
ator sobre outro ou sobre vários atores, sejam eles diplomáticos, comerciais ou militares.”
333
Esse conceito foi absorvido pela ESG ao longo da década de 1950 e aplicado nas teorias que
defendiam a projeção do poder do Brasil no Atlântico Sul, na década de 1970. O general
Carlos de Meira Mattos, como desenvolvido no início dessa dissertação, utilizou esse
conceito para justificar a presença do Brasil no continente africano. No entanto, a forma de
projeção de poder que o general Meira Mattos se referia era a intervenção militar. Embora o
presidente Geisel tenha se utilizado da projeção de poder, a empregou de forma diplomática, a
fim de resolver os problemas da África, sobretudo, os de Angola.
Apesar de haver uma notável aproximação do Brasil com a África no governo de
Fernando Henrique Cardoso, a projeção de poder do Brasil nesse continente não contou com a
presença militar. A presença brasileira na África manteve as linhas diplomáticas estabelecidas
desde o governo anterior. A projeção de poder que Rizzo de Oliveira afirma que não foi
331
Política de Defesa Nacional. Brasília, 7 de novembro de 1996.
332
OLIVEIRA, Eliezer Rizzo de. Democracia e defesa nacional: a criação do Ministério da Defesa na
presidência de FHC. São Paulo: Manole, 2005. p. 239.
333
PROENÇA JÚNIOR, Domício. DUARTE, Érico E. Projeção de poder e intervenção militar pelos Estados
Unidos da América. Revista Brasileira de Política Internacional, vol.46 no.1 Brasília Jan./June 2003. p. 136.
Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v46n1/a07v46n1.pdf>. Acessado em 30 set 2009.
190
contemplada pela Política de Defesa Nacional de 1996 é a presença militar. Em função da
política pacifista pregada pelo ministério das Relações Exteriores e, sobretudo, do presidente
Fernando Henrique Cardoso, o Brasil não manifestou interesse em se projetar militarmente na
África. Embora o governo brasileiro tivesse abandonado essa concepção estratégica, a
Marinha do Brasil era a única instituição que defendia a presença militar nas águas
jurisdicionais africanas. Tanto o Exército brasileiro quanto a Aeronáutica, ao criticar a
continuidade desse pensamento militar no seio da Marinha do Brasil, demonstrava que não
havia uma coesão no pensamento estratégico das próprias forças armadas. No entanto, todas
essas instituições militares reconheciam os méritos científicos e tecnológicos de Aramar, e,
principalmente, o poder dissuasório de um submarino de propulsão nuclear. As instituições
militares divergiam quanto à sua operacionalidade.
A criação do ministério da Defesa trouxe os programas militares como o programa
aeroespacial, o Sivam, o Projeto Calha Norte, o projeto nuclear da Marinha do Brasil para a
discussão acerca da defesa nacional. Para o almirante Rodrigues Pereira, o ministério da
Defesa seria efetivamente concluído se o presidente Fernando Henrique pusesse civis para
discutir os assuntos sobre a defesa nacional junto com os militares. Assim, o primeiro a
ocupar o cargo de ministro da Defesa foi o político Élcio Álvares. Rizzo de Oliveira afirma
que dois motivos podem simbolizar o insucesso do presidente Fernando Henrique na escolha
de seu ministro: primeiramente, Élcio Álvares tinha a pretensão de reeleger-se senador da
República por meio da coligação PFL-PSDB. Contudo, foi derrotado na eleição de 1998 por
Paulo Hartug do PMDB, que possuía o apoio de políticos destacados do PSDB e do próprio
governo federal. A sua nomeação como ministro da Defesa foi considerada por muitos
militares como um prêmio de consolação após a derrota política. Um segundo motivo é que
Élcio não apresentava familiaridade com os assuntos pertinentes aos militares e à defesa
nacional. Por o ministério da Defesa constituir-se como uma instituição recém-criada, a
191
presença de Élcio Álvares como comandante civil das forças armadas caracterizou-se por
zelar pela implantação de seu ministério. O ministro Élcio Álvares passou o cargo ministerial
para Geraldo Quintão. Esse ministro compreendeu que o Brasil não constitui, do ponto de
vista estratégico-militar, ameaça a nenhum país e nem se sente ameaçado
334
. Entende-se
assim que, embora a Política de Defesa Nacional de 1996 considerasse o Atlântico Sul
estratégico, não o considerava prioridade. Se o Brasil não se sentia ameaçado, não tinha
porque investir tanto em defesa nacional nessa região. Ela era estratégica em função da
produção de petróleo.
No plano externo, o ministro Quintão buscou defender a manutenção de um
relacionamento bilateral harmonioso e transparente com os Estados Unidos “de forma a
diminuir possíveis resistências ao país quanto à sua presença no âmbito regional”
335
Essa
concepção estratégica fomentou a idéia de que a defesa nacional e as forças armadas
brasileiras estavam subordinadas à órbita de interesses estadunidenses. Apesar das
divergências ideológicas entre os militares em relação à eficácia do ministério da Defesa,
nenhuma das forças armadas estava satisfeita com o novo papel que o ministro Geraldo
Quintão e o presidente Fernando Henrique atribuíram à defesa nacional. Por o almirante
Rodrigues Pereira haver participado ativamente da construção do ministério da Defesa, este
ministro afirmou que desejava continuar como comandante da Marinha do Brasil após a
efetivação desse ministério. No entanto, o presidente Fernando Henrique orientou que o seu
ministro da Marinha indicasse o seu substituto.
O almirante Mauro César Rodrigues Pereira optou por deixar que o presidente
fizesse a sua própria escolha. A escolha, geralmente, recai sobre o militar mais antigo na
334
QUINTÃO, Geraldo. In: OLIVEIRA, Eliezer Rizzo de. Democracia e defesa nacional: a criação do Ministério
da Defesa na presidência de FHC. São Paulo: Manole, 2005. p. 259.
335
QUINTÃO, Geraldo. Palestra “O papel do Ministério da Defesa e das Forças Armadas no cumprimento da
sua missão constitucional”. In: Seminário “Política de Defesa para o século XXI”. Comissão de Relações
Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados. Brasília, 20 de agosto de 2002. in: OLIVEIRA, Eliezer
Rizzo de. Democracia e defesa nacional: a criação do Ministério da Defesa na presidência de FHC. São Paulo:
Manole, 2005. p. 261.
192
hierarquia militar. Porém, ao contrário do costume, o presidente Fernando Henrique Cardoso
escolheu o secretário-geral da Marinha do Brasil, almirante Carlos Edmundo de Lacerda
Freire. No entanto, este almirante não aceitou por considerar que a hierarquia militar seria a
opção mais certa a ser tomada pelo presidente da República. Em conseqüência, o novo
almirante escolhido para ocupar o cargo de comandante da Marinha do Brasil foi Sérgio
Gitirana Florêncio Chagastelles, o almirante-de-esquadra mais antigo da hierarquia naval. Em
de janeiro de 1999, o almirante Rodrigues Pereira realizou a passagem de comando para o
almirante Sergio Chagastelles.
Com orçamento naval cada vez mais prejudicado, projetos estratégicos da Marinha
do Brasil como o da construção do submarino de propulsão nuclear, a construção das corvetas
Barroso e do submarino convencional Tikuna e a modernização das fragatas da classe Niterói
poderiam se degradar, tornando obsoletas as produções científicas e tecnológicas estudadas. A
questão nuclear no âmbito das forças armadas praticamente não foi discutida pelos ministros
da Defesa do governo de Fernando Henrique Cardoso.
Pode-se constar que dois fatos, um no cenário interno e outro no externo, no final do
mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso forçaram as autoridades políticas e
militares envolvidas na defesa nacional a assumirem uma nova percepção acerca da questão
nuclear.
No plano interno, pode-se afirmar que a falta de planejamento energético culminou
no racionamento de energia elétrica, em especial, na cidade do Rio de Janeiro. Em maio de
2001, Flavio Decat foi empossado presidente da Eletronuclear. Após haver anunciado num
site da Eletronuclear na internet que uma de suas prioridades era viabilizar Angra 3, Flavio
Decat trouxe o Programa Nuclear Brasileiro novamente para os debates públicos. Segundo
Alex Solnik, o site da Eletronuclear apresentava uma entrevista com Wagner Victer,
secretário da pasta de energia do Rio de Janeiro, sobre a retomada do projeto de Angra 3.
193
Segundo Wagner Victer, a crise energética constituiu o melhor momento para a retomada
desse projeto e que graças ao fornecimento de energia de Angra 2, o Rio de Janeiro não ficou
sem energia elétrica.
336
O físico e ex-ministro de Ciência e Tecnologia José Goldemberg foi membro do
Conselho Nacional de Política Energética durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Goldemberg afirmou que apesar de ser conselheiro do presidente da República, Fernando
Henrique o consultou durante todo seu mandato presidencial apenas duas vezes e que em
ambas as vezes foram no ano de 2001. Segundo Goldemberg, o ministério era dirigido por
pessoas de áreas alheias a política energética. No entanto, Luis Pinguelli Rosa, que desde os
governos militares manifestara-se contra o Programa Nuclear Brasileiro, apesar de reconhecer
a importante contribuição da energia de Angra 2 para o abastecimento da cidade do Rio de
Janeiro, alertou as autoridades políticas sobre os problemas de natureza técnica de Angra 1,
baseados em dados do relatório elaborado pela própria Eletronuclear. Devido à ausência de
uma política energética eficiente, a segurança do reator de Angra 1, a operacionalidade do
reator de Angra 2 e a construção de Angra 3 estavam subordinadas às prioridades e condições
financeiras do governo brasileiro. Segundo, Pinguelli, “embora bem-vinda para aliviar o
sistema, a energia de Angra II, que entrará em operação no próximo ano, como a de Angra I,
não pode deixar de se subordinar aos princípios da segurança nuclear”
337
. Percebe-se assim
que, na década de 1990, o programa nuclear brasileiro foi submetido às prioridades e à
escassez financeira dos governos dos presidentes Collor, Itamar e Fernando Henrique
Cardoso. Se por um lado, houve a percepção de que a energia nuclear poderia amenizar os
problemas políticos, econômicos e sociais do Brasil, por outro, percebeu-se que pela ausência
de maiores investimentos governamentais nessa área, Angra 2 não poderia salvar o país da
crise energética. Essa crise tornou perceptível que o governo brasileiro não possuía uma
336
SOLNIK, Alex. A guerra do apagão: a crise de energia elétrica no Brasil. São Paulo: SENAC, 2001. p. 48.
337
ROSA, Luiz Pingulli. O apagão – Por que veio? Como sair dele? Rio de Janeiro: Revan, 2001. p.93.
194
política energética bem estruturada, fomentando assim os debates sobre as aplicações da
tecnologia nuclear na sociedade brasileira. Essa crise reforçou antigas teses sustentadas pelos
militares de que deveria ter alternativas viáveis e de fontes renováveis de energia em relação
às hidrelétricas.
Como citado, o presidente Fernando Henrique Cardoso reorientou a estratégia
tecnológica nuclear de Aramar para a INB. A Marinha do Brasil e seus grandiosos projetos,
como o do submarino nuclear, passaram também a ser percebidos pelas autoridades políticas
como um importante núcleo de desenvolvimento científico e tecnológico, propiciando
tecnologias para construção de reatores. A crise energética permitiu que o Centro
Experimental Aramar passasse a ser percebido pelos políticos brasileiros como um importante
núcleo de evolução científica e tecnológica.
Segundo o presidente Fernando Henrique Cardoso, ao assinar o TNP, sua intenção
era propiciar maiores ganhos tecnológicos nucleares ao Brasil. No entanto, controvérsias
sobre os efeitos políticos da adesão do Brasil a esse Tratado.
Compreende-se assim como os militares e seus programas de capacitação
tecnológica voltaram a receber maior atenção do poder político e da opinião pública. Os
candidatos às eleições presidenciais de 2002 que não considerassem o setor nuclear e as
instituições a ele relacionadas teriam maiores dificuldades de se eleger.
Assim, o projeto nuclear da Marinha do Brasil voltou a ser discutido como
necessário no seio da instituição naval. No entanto, esse projeto continuou a ser defendido
apenas com o objetivo de atender as necessidades científicas e tecnológicas das INB.
No plano externo, os atentados terroristas ocorridos nos Estados Unidos em 11 de
setembro de 2001 trouxeram novas reflexões para a humanidade. A guerra empreendida,
sobretudo, pelos EUA, posteriormente aos atentados terroristas, se baseia na antiga concepção
religiosa do bem e do mal. Segundo o presidente estadunidense George W. Bush, “não
195
atravessamos ainda mais do que metade do caminho do nosso pesar, mas desde já ficou clara
a nossa responsabilidade perante à História: responder a esses ataques e livrar o mundo do
Mal”
338
. Por meio da teoria do missionarismo estadunidense, Bush orientou as suas forças
armadas e mobilizou a sociedade estadunidense a empreender uma guerra contra o terror.
Esse discurso de Bush proferido poucos dias depois de 11 de setembro de 2001, forçaram os
países que, na concepção de Bush e no seu sistema de defesa, abrigariam o terrorismo a
empreender uma corrida armamentista. O Iraque, o Irã e a Coréia do Norte foram listados por
Bush como países que abrigariam e patrocinariam a nova forma de terrorismo que surgiu no
final do século XX. .
O neo-terrorismo não deixou de ser terrorismo, mas adquiriu características novas
que o diferenciam do terrorismo clássico. Ele é transnacional ou transfronteiriço e
não apenas nacional, o seu alvo não é um governo ou uma estrutura de poder estatal,
mas a atual ordem das coisas. Seus meios incluem, em hipótese, armas de destruição
em massa, ou seja, armas nucleares, químicas, biológicas e radiológicas,
transformando o neoterrorismo em um terrorismo de destruição em massa, devido à
ação indiscriminada destas armas. O terreno onde se cultiva são estados falidos ou
os que onde o combate pela legitimidade foi perdido ao crime organizado, ao
fanatismo e extremismo, onde a sociedade civil foi intimidada de tal maneira que
não conseguiu se organizar a fim de resistir a este fenômeno. O termo entra em uso a
partir de 11 de setembro de 2001, apesar de ser usado já nos anos 90.
339
Apesar de haver outras tentativas desses grupos terroristas de efetivarem ataques
destrutivos aos Estados Unidos, somente em 11 de setembro de 2001, esses grupos obtiveram
sucesso com suas estratégias. Como suas redes estratégicas não possuem localização fixa, os
grupos terroristas têm liberdade para escolher, dentre os países que lhes abrigam e lhes
financiam, onde e como desejam atacar seus inimigos.
Compreende-se assim, ao mesmo tempo, as razões imediatas que mobilizaram os
Estados Unidos a realizar uma guerra preventiva, mesmo sem o apoio da ONU, contra o
Iraque, as razões que levaram o Irã a empreender esforços para desenvolver a tecnologia
338
Discurso de George W. Bush na Naional Cathedral. In: BARBER, Benjamin R. O império do medo. Rio de
Janeiro: Record, 2005. p. 56.
339
Entrevista do Coordenador do Grupo de Acompanhamento e Análise de Terrorismo Internacional (GAATI),
Alexander Zhebit. Sinpro SP On-line - Edição 189, de 8 de fevereiro de 2008. Disponíve em
<http://www.tempopresente.org/index.php?option=com_content&task=view&id=3483&Itemid=145>. Acessado
em 30 set 2009.
196
nuclear e as razões que levaram a Coréia do Norte a denunciar o TNP e construir a sua bomba
nuclear.
A França operava, desde 1986, o reator FBR de demonstração super-phenix com
1.242 MWe e o Japão operava o reator de monju, desde 1995. Esses reatores possibilitavam a
conversão do elemento radioativo tório em urânio-233. O desenvolvimento desses projetos foi
submetido a dificuldades de natureza técnica, financeira e política. “A percepção da
vulnerabilidade do sistema dominante diante dos novos riscos deu lugar à intensificação das
pesquisas tecnológicas, muitas delas já em estágio de demonstração.”
340
A partir dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, o terrorismo
internacional passou a constar como o centro das questões internacionais.
Tomamos por fundamentalismo diplomático e estratégico o conteúdo central da
doutrina de segurança adotada pelo presidente George W. Bush, segundo a qual os
aliados devem submeter-se incondicionalmente aos Estados Unidos em todas as
atitudes que ele vier a adotar, principalmente na guerra que está determinado a
realizar contra o Iraque. O mundo estaria dividido entre o bem e o mal, tal como na
Guerra Fria.
341
Os EUA declararam guerra ao terrorismo internacional e, por meio do TIAR,
acionou os países americanos a serem solidários a sua causa. Nesse contexto, o presidente
Fernando Henrique Cardoso anunciou, em dezembro de 2001, em encontro com os oficiais
generais no Clube Naval, a aquisição de material bélico. “Não fora possível à Marinha
desenvolver a contento o seu programa nuclear, mas agora incorporou o porta-aviões São
Paulo adquirido da França.”
342
Contudo, nenhum dos comandantes das forças armadas
brasileiras estava otimista ou satisfeito com a postura presidencial diante da conjuntura
internacional. Definiram esses comandantes que a conjuntura internacional era alheia aos
interesses nacionais. Não havia como a Marinha do Brasil defender o território nacional com
os orçamentos destinados às instituições militares. A Marinha do Brasil considerava que dez
340
LEITE, Antonio Dias. A energia do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 501.
341
OLIVEIRA, Eliezer Rizzo de. Democracia e defesa nacional: a criação do Ministério da Defesa na
presidência de FHC. São Paulo: Manole, 2005. p. 287.
342
OLIVEIRA, Eliezer Rizzo de. Democracia e defesa nacional: a criação do Ministério da Defesa na
presidência de FHC. São Paulo: Manole, 2005. p. p. 298 – 299.
197
anos de usoera uma situação considerada inadequada para belonaves. O único porta-aviões
que a instituição naval possuía era o Minas Gerais. Os militares constaram que ainda que esse
navio sofresse modernizações, não atenderia as demandas da defesa nacional até 2004. Assim,
o almirantado promoveu uma discussão para avaliar qual das opções era a mais viável:
construir um porta-aviões com tecnologia nacional ou comprar um porta-aviões no exterior. A
segunda opção pareceu ser a mais viável, visto que construir um navio aeródromo (NAe), em
território nacional, demandaria um tempo relativamente grande.
O navio-aeródromo francês, chamado nesse país de Foch, teve o batimento de sua
quilha em 1955. Sua primeira missão data de 1963. Apesar de seu tempo de uso não agradar
as autoridades militares, outro fato causou uma insatisfação ainda maior. A França havia
desativado o Foch em função de haver posto em operação o navio aeródromo Charles de
Gaulle. Essa troca estratégica que a marinha francesa realizou era reflexo da tendência
mundial de redução de contingentes e de arsenais de armas. “Aquilo que não podia ser
alojado em países amigos foi vendido a preços baixos em ofertas públicas, nos mercados
livres, para quem pagasse mais.”
343
Muitos países ocidentais como a Alemanha e a França se
despojaram no mercado livre desde pistolas automáticas até tanques e helicópteros. A França
encontrou no Brasil um parceiro para adquirir sua tecnologia ultrapassada. Alegando que este
porta-aviões estava sendo vendido a um preço relativamente barato, Fernando Henrique
comprou o Foch. Assim que esse navio chegou ao Brasil foi incorporado à Esquadra com o
nome de São Paulo. Dessa forma, enquanto a França lançava um porta-aviões, com alta
tecnologia, movido a propulsão nuclear, o Brasil abdicava de construir o submarino de
propulsão nuclear para adquirir um aeródromo com tecnologia ultrapassada, movido a diesel.
343
UESSELER, Rolf. Guerra como prestação de serviços: a destruição da democracia pelas empresas militares
privadas. São Paulo, Estação liberdade, 2008. p. 152.
198
Dos 101 navios que a Marinha de Guerra possuía, 14 trabalhavam para a Diretoria de
Hidrografia e Navegação, e as 91 aeronaves tinham mais de 10 anos de uso.
344
As condições
do aparelhamento das forças armadas brasileiras eram precárias. Segundo o pensamento
dos militares, adquirir um navio-aeródromo com mais de 30 anos de uso demonstrou que o
governo federal não estava em sintonia com as demandas da defesa nacional e da segurança
internacional.
Antes do término do segundo mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso,
as forças armadas preparam um relatório para entregar ao futuro presidente sobre a crise
orçamentária que afetava as instituições militares. Nesse relatório, o ministro da Marinha,
almirante Chagastelles expôs as dificuldades de reequipar os porta-aviões, a necessidade da
construção de um submarino convencional e de uma corveta. Sublinhou ainda que a
construção do submarino de propulsão nuclear brasileiro, o projeto mais importante da
instituição, também havia sido prejudicado pela crise.
344
OLIVEIRA, Eliezer Rizzo de. Democracia e defesa nacional: a criação do Ministério da Defesa na
presidência de FHC. São Paulo: Manole, 2005. p. 314.
199
5 O GOVERNO LULA E O RETORNO POLÍTICO DO PROJETO DO SUBMARINO
NUCLEAR BRASILEIRO
5.1 A ascensão de Lula e a nova orientação ideológica do governo brasileiro
As eleições de 2002 inauguraram um período no qual a disputa pelo poder político
foi caracterizada pelo princípio da mudança. O então presidente Fernando Henrique Cardoso
apoiou a candidatura do senador José Serra
e Luís Inácio Lula da Silva ampliou a sua política
de alianças. Além dos históricos aliados, como PC do B, aliou-se com o PL, de onde saiu o
vice-presidente, o empresário José de Alencar. No entanto, a vitória de Lula da Silva na
disputa presidencial de 2002 foi produto da conjuntura nacional e internacional.
O enfraquecimento do modelo político e econômico neoliberal e as derrotas de
políticos que representassem esse modelo nas eleições no início do século XXI,
especialmente, na América Latina, demonstraram que o projeto neoliberal estava se
mostrando incapaz de resolver os problemas sociais. Sendo assim, as teorias
desenvolvimentistas ganharam força nesse novo contexto nacional. No entanto, o que
diferenciou a candidatura de Lula em 2002 em relação às outras candidaturas, em 1989, 1994
e em 1998, foi a disposição de Lula em fazer alianças, especialmente, com os partidos de
direita, garantindo assim o interesse do empresariado de grande capital. Contudo, apesar dessa
reorientação estratégica de discurso político do PT, Lula manteve a imagem do candidato à
presidência da República mais preocupado em resolver os problemas sociais, se propondo a
reformar o Estado para que este continuasse a propiciar o desenvolvimento sócio-econômico.
Apesar das mudanças que Lula desejava realizar, sua campanha eleitoral também foi
percebida como uma continuidade do governo de Fernando Henrique Cardoso à medida que
formalizou compromissos assumidos com o empresariado de grande capital, prometeu dar
200
continuidade a algumas políticas econômicas exercidas pelo governo anterior e por apoiar o
acordo com Fundo Monetário Internacional (FMI).
Como reorientação estratégica, o senador José Serra passou a também a enfatizar a
mudança em seu discurso. No entanto, no segundo turno das eleições presidenciais, este
senador, candidato à presidência, defendeu a mudança enfatizando o insucesso das medidas
liberalizantes do governo de Fernando Henrique Cardoso e “nas falas com forte conotação
conservadora, marcada pelo medo que as mudanças com Lula poderiam provocar”
345
.
Conforme visto, a crise energética e os atentados terroristas de 11 de setembro de
2001 permitiram que a questão nuclear deixasse de ser percebida de forma pejorativa. Sendo
assim, tanto Lula da Silva quanto José Serra trouxeram no seu bojo propostas para as forças
armadas. Dentre as propostas de Lula, constata-se a discussão do orçamento para as forças
armadas, exigindo a participação do Congresso Nacional nos debates de projetos de defesa de
quatro em quatro anos, investimentos destinados à recuperação do setor de inteligência,
reforço das áreas de fronteiras, principalmente na região amazônica, revogação do TIAR e a
substituição deste por um tratado de cooperação regional, fomento de movimento de
cooperação militar liderada pelo Brasil, acabar gradualmente com a obrigatoriedade do
serviço militar, dar continuidade à compra dos caças, dando prioridade ao consórcio que
propiciar transferência de tecnologia de software e geração de empregos e continuar a
construção do submarino de propulsão nuclear
346
. Dentre as propostas do senador José Serra
para as forças armadas se encontram a consolidação do ministério da Defesa, a atualização da
Política de Defesa Nacional de 1996, a ampliação de parcerias do ministério da Defesa e das
forças armadas com universidades para o desenvolvimento de projetos, o reforço de vínculos
na América do Sul, a atualização de tecnologia e a aceleração da renovação de equipamentos,
345
ALMEIDA, Jorge. Lula, Serra e a disputa pelo discurso da "Mudança" em 2002. Trabalho apresentado no GT
de Comunicação e Política do 12 Encontro Anual da Compós, Recife, 3 a 6 de junho de 2003. p. 12.
Disponível em <http://www.unb.br/fac/comunicacaoepolitica/JorgeAlmeida.pdf>. Acessado em 11 ago 2009.
346
Candidatos cortejam Forças Armadas. Defesanet, 30 Setembro 2002. Disponível em
<http://www.defesanet.com.br/noticia/zhmilitares.htm>. Acessado em 11 ago 2009.
201
estimular joint ventures entre a indústria privada e a Marinha para a construção de navios, dar
continuar ao programa nuclear da Marinha do Brasil, o reaparelhamento do Exército brasileiro
e da Aeronáutica, o Programa Calha Norte e o Sistema de Vigilância da Amazônia.
Apesar de ambos os políticos defenderem em campanha eleitoral a continuidade do
projeto nuclear da Marinha do Brasil, Lula se mostrou mais afinado com os interesses das
instituições militares. Cabe ressaltar que as instituições militares eram resistentes a eleição de
Lula da Silva. No entanto, conforme afirmou Rizzo de Oliveira, Lula da Silva recebeu apoio
público em sua campanha de dirigentes de agremiações militares, incluindo-se o apoio de
Leônidas Gonçalves, ministro do Exército do governo de José Sarney. Percebe-se assim que,
havia setores das instituições militares favoráveis a sua candidatura. No entanto, mesmo o
senador Serra apoiando o reaparelhamento das forças armadas, quando entrevistado pelo
jornal O Globo sobre o que faria para conquistar o voto de um militar, esse senador afirmou
que “elogiar militares agora é coisa de Lula”
347
. Por José Serra ainda demonstrar aos
militares ressentimentos, por afirmar ter sido perseguido pelo regime militar, as instituições
militares foram mais resistentes a sua eleição.
Como já analisado, os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 demonstraram
ao mundo que uma nova forma de terrorismo internacional havia sido concebida. Sendo
assim, a velha estratégia estadunidense de guerra preventiva, se fosse compreendida
unicamente pela expressão militar do poder, não mais satisfaria as necessidades de segurança
internacional. Os Estados Unidos e as nações perceberam que os governos deveriam
maximizar suas estratégias no combate ao terrorismo internacional. Bush, em discurso
intitulado Estratégia Nacional para Combater o Terrorismo, em 2003, afirma que,
Ainda que o terrorismo não seja novo, a atual ameaça do terrorismo é diferente em
relação ao passado. A tecnologia moderna permite aos terroristas planejar e operar
em todo o mundo, como jamais antes. Com telecomunicações avançadas, podem
coordenar suas atividades com células dispersas, ao passo que se mantêm nas
sombras. Os terroristas de hoje aproveitam cada vez mais o efeito multiplicador da
347
Sabatina com José Serra é marcada por defesas a FHC. Redação Terra, 9 de setembro de 2002. Disponível em
<http://noticias.terra.com.br/eleicoes/interna/0,5625,OI48707-EI384,00.html>. Acessado em 11 ago 2009.
202
força ao estabelecer laços com outras entidades de critérios parecidos em todo
mundo. Agora, sim, são capazes de usar Armas de Destruição em Massa, têm o
potencial de ampliar muitas vezes os efeitos de suas atividades. O novo ambiente
mundial, com a interconexão resultante entre os terroristas, e as Armas de
Destruição em Massa estão mudando a natureza do terrorismo. A efetividade de
nossa estratégia depende, finalmente, do quanto resolvamos adequadamente estes
aspectos-chave da ameaça terrorista.
348
A nova ideologia internacional concebeu que além de dispor de meios militares,
inteligência e meios diplomáticos, os Estados deveriam utilizar e maximizar seus esforços
para investir em ciência e tecnologia. No entanto, os Estados que maximizassem seus esforços
no desenvolvimento de tecnologias nucleares continuaram sendo percebidos pelas autoridades
internacionais, sobretudo, os Estados Unidos, com desconfiança.
Em outubro de 2003, o presidente da CNEN, Odair Dias Gonçalves, anunciou que o
Brasil estava se convertendo no sétimo país a produzir urânio enriquecido em escala
industrial, sendo capaz de suprir 60% das necessidades das usinas nucleares brasileiras e
exportar até US$ 12,5 milhões ao ano, a partir de 2014.
349
Em dezembro do mesmo ano, o
presidente estadunidense George W. Bush e o departamento de Defesa estadunidense
incentivaram a AIEA a pressionar o Brasil para que este assinasse um acordo de salvaguardas
que cobrisse as instalações da INB, em Rezende, no estado do Rio de Janeiro.
Em 2004, os Estados Unidos intensificaram a pressão sobre as autoridades brasileiras
para que o Brasil assinasse o protocolo adicional específico ao TNP, submetendo o Programa
Nuclear Brasileiro à inspeções intrusivas da AIEA. De conformidade com a doutrina de
George W. Bush, anunciada em 11 de fevereiro de 2004, os países que até então não
produziam urânio enriquecido não estariam autorizados a fazê-lo.”
350
As inspeções da AIEA
estariam aptas a operar em todo território nacional. Essas inspeções incluíam desde as
348
Discurso de George W. Bush intitulado Estratégia nacional para combater o terrorismo. Estados Unidos, 14 de
fevereiro de 2003. in: OLIVEIRA, Eliezer Rizzo de. Democracia e defesa nacional: a criação do Ministério da
Defesa na presidência de FHC. São Paulo: Manole, 2005. p. 379.
349
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil Estados Unidos (de Collor à Lula, 1990
2004). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2004. p. 353.
350
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil Estados Unidos (de Collor à Lula, 1990
2004). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2004. p. 354.
203
instalações nucleares de Angra dos Reis e Rezende até as universidades e instalações
científicas e tecnológicas das forças armadas, que poderiam estar envolvidas nesse processo.
Percebe-se assim que, as autoridades políticas estadunidenses, com toda a divulgação da
imprensa brasileira e estrangeira, no cenário internacional, ao longo das décadas de 1980 e
1990, não haviam compreendido que existiam dois programas nucleares: o oficial e o
paralelo. O governo estadunidense tinha conhecimento que as forças armadas brasileiras
estavam envolvidas no projeto de construção do submarino de propulsão nuclear, mas não
sabiam se esse projeto pertencia ao governo federal ou exclusivamente à Marinha do Brasil.
O governo brasileiro, ao se declarar capaz de se abastecer de urânio enriquecido,
demonstrava que não mais precisaria do processo de enriquecimento e reprocessamento
realizado por outros países, em forma de consórcios, no exterior. O Brasil passaria assim, a
exportador e competir no mercado nuclear, liderado pelos EUA.
Hoje, apenas 7 países do mundo detêm a tecnologia de enriquecimento do urânio
pela ultracentrifugação: Rússia, China, Japão, além de um consórcio que envolve 3
países, Holanda, Inglaterra e Alemanha, e o Brasil. Nosso País é o sétimo do mundo
a desenvolver tecnologia. Devemos isso à Marinha do Brasil. Longe do espanto de
alguns, deve ser motivo de orgulho para o povo brasileiro a conquista dessa
tecnologia. Contudo, os Estados Unidos não estão propondo acordo adicional à
China, ao Japão, à Alemanha ou à Inglaterra, mas ao Brasil.
351
O ministro do Planejamento do governo Lula vai ainda além das questões
econômicas. Segundo ele, havia uma campanha estadunidense para desgastar a imagem do
presidente Lula.
Na sua opinião [Guido Mantega], esse intento de desgastar era orquestrado por
interesses norte-americanos, considerando que Lula da Silva havia alentado a
formação do G-20 (grupo de 20 países em desenvolvimento), combatia os subsídios
agrícolas concedidos pelos Estados Unidos e estava a dificultar a criação da ALCA.
352
351
Pronunciamento do Deputado Luis Sérgio na Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro, 13 de abril de 2004.
Disponível em <http://www.camara.gov.br/internet/sitaqweb/TextoHTML.asp?etapa=5&nuSessao=048.2.52.O
%20%20%20%20%20&nuQuarto=68&nuOrador=1&nuInsercao=0&dtHorarioQuarto=16:14&sgFaseSessao=G
E%20%20%20%20%20%20%20%20&Data=13/04/2004&txApelido=LUIZ%20S%C3%89RGIO,%20PT-
RJ&txFaseSessao=Grande%20Expediente
%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20&txTipoSessao=Ordin%C3%A1ria%20-%20CD
%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20&dtHoraQuarto=16:14&txEtapa=>.
Acessado em 20 jul 2009.
204
Os EUA buscaram priorizar a guerra contra o terrorismo internacional. Embora o
Brasil compreendesse o fenômeno existente, o terrorismo internacional não constava na sua
pauta de prioridades. A autonomia com que o presidente Lula conduzia a política externa
brasileira desagradava o governo Bush.
Como a Marinha do Brasil era a instituição que projetava e produzia as centrífugas
nucleares para a INB, foi esta instituição naval que alertou as autoridades políticas acerca das
finalidades dos EUA e da AIEA em pressionar o Brasil para assinar o protocolo adicional
específico ao TNP. “A Marinha, via Ministério da Defesa, informou à Casa Civil e ao
Ministério da C&T, que era suspeita a tentativa da agência de ampliar as inspeções dos
equipamentos brasileiros.”
353
A Marinha do Brasil e, por conseguinte, o ministério da Defesa
chegaram a seguinte constatação: para mover um submarino de propulsão nuclear deve haver
um enriquecimento de urânio a 20% e para construir uma bomba atômica, o enriquecimento
de urânio deve ser conduzido a um nível superior a 90%. O enriquecimento de urânio que o
governo brasileiro estava se propondo a realizar seria feito em um percentual inferior a 5%.
Sendo assim, as finalidades dessas inspeções foram percebidas com desconfianças das
autoridades brasileiras que iam além da possibilidade de o Brasil desenvolver explosivos
nucleares.
O governo do presidente Lula resistiu em conceder acesso irrestrito aos agentes da
AIEA, sob alegação de que o processo de centrifugação de urânio alcançou conquistas
tecnológicas que deveriam ser mantidas em sigilo. Os agentes desse organismo internacional
haviam visitado o Centro Experimental Aramar numerosas vezes, apesar de o programa
nuclear que era desenvolvido não estar submetido às salvaguardas internacionais. No
entanto, não tiveram acesso as centrífugas de Aramar. O governo Lula avaliava que a AIEA
352
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil – Estados Unidos (de Collor à Lula, 1990 –
2004). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2004. p. 358.
353
Urânio: Brasil não é contra a inspeção internacional, mas contra aumento da inspeção que pode apropriar-se
da tecnologia desenvolvida pelo país. Jornal da Ciência, 05 de Janeiro de 2004. Disponível em
<http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=15243>. Acessado em 23 ago 2009.
205
dispunha de estratégias eficazes para monitorar o desenvolvimento da tecnologia nuclear
brasileira, a medida que não precisava ver as centrífugas para analisá-las. “Os inspetores têm
câmeras instaladas em Iperó e Resende e têm acesso a registros da movimentação de cada
grama de urânio extraído no país, da mina até os reatores de Angra dos Reis.”
354
Dessa
forma, as resistências do governo brasileiro em relação às inspeções intrusivas da AIEA nas
instalações nucleares geraram intrigas, falsas especulações e dúvidas acerca do Programa
Nuclear Brasileiro.
Segundo o diretor-executivo do Centro de Educação para Políticas de Não-
Proliferação, em Washington, nos Estados Unidos, Henry Sokolski, “os brasileiros dizem que
ela [centrífuga brasileira] é 30% mais eficiente e que é única. Mas ela não é, provavelmente,
a mais eficiente ou a mais nova. Com certeza, ela deve ser melhor dos que as piores. Mas o
quanto melhor, eu não sei”
355
. Sokolski afirmou que suas informações se basearam em
pessoas que viram a centrífuga brasileira e a comparou com as centrífugas usadas no Irã e no
Paquistão. Não houve especulações quanto as finalidades pacíficas do Programa Nuclear
Brasileiro, no entanto, houve especulações acerca das estratégias utilizadas pelo governo
brasileiro ao longo dos anos para conseguir essa tecnologia.
O Brasil não era associado ao terrorismo internacional pelo governo Bush. A pressão
internacional concentrava-se na questão da pirataria tecnológica. A comparação de Sokolski
entre as centrífugas utilizadas pelo governo brasileiro e as utilizadas pelos governos iraniano e
paquistanês se explica em função de o Irã, nas décadas de 1980 e 1990 tentar roubar a técnica
de centrifugação alemã, e de o Paquistão, na década de 1970, conseguir roubar e transferir a
tecnologia do consórcio Urenco para o país. No entanto, como foi mencionado, o
conhecimento científico que possibilitou o desenvolvimento das centrífugas brasileiras não foi
354
Agência atômica da ONU pressiona Brasil. Valor econômico, 19 de dezembro de 2003. Disponível em
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/fd060120042.htm>. Acessado em 23 ago 2009.
355
Especialistas duvidam de tecnologia nuclear 'de ponta' do Brasil. Folha Online, 19 de outubro de 2004.
Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u36219.shtml>. Acessado em 22 ago 2009.
206
apropriado de forma ilícita de nenhum outro país. Essas máquinas capazes de enriquecer e
reprocessar urânio foram projetadas e produzidas pela Marinha do Brasil, em Aramar. Até
houve transferência de conhecimento entre o Programa Nuclear Brasileiro e o Programa
Nuclear Paralelo, porém, essa transferência era inter-setorial. As especulações acerca da
transferência de tecnologia do Brasil para o Iraque, na década de 1980, por exemplo, ainda
que pudesse ter havido, foi o Brasil que transferiu e não o contrário. As conquistas científicas
e tecnológicas da Marinha do Brasil foram alcançadas por méritos próprios.
Em outubro de 2004, os agentes da AIEA visitaram a fábrica de enriquecimento de
urânio da INB, em Rezende. Segundo o ministério da Ciência e Tecnologia, apesar de a AIEA
inspecionar as instalações nucleares com restrições, a visita foi considerada satisfatória por
essa organização internacional.
Conforme foi mencionado, houve participação direta de outros ministérios na
condução da política nacional de ciência, tecnologia e inovação. Um dos ministérios que
realizou parceria com o ministério da Ciência e Tecnologia na condução dessa política foi o
da Defesa. Essa parceria pôde ser percebida na construção e produção de centrífugas
nucleares para a INB, visto que a INB estava subordinada ao ministério de Minas e Energia.
Além disso, o governo federal não conseguiu voz no Congresso Nacional que defendesse
verbas para a Marinha do Brasil dar continuidade a construção do submarino de propulsão
nuclear brasileiro. A continuidade da construção do submarino nuclear brasileiro constituiu
uma das promessas de campanha eleitoral do primeiro mandato do presidente Lula. Essa
promessa não foi cumprida pelo presidente. No entanto, as pressões internacionais para que as
autoridades brasileiras permitissem inspeções sem restrições as instalações nucleares, ao
mesmo tempo em que permitiram que o mundo percebesse o crescimento da economia
brasileira, permitiu que as autoridades brasileiras passassem a perceber que alguns países, em
especial, os Estados Unidos, estavam dispostos a impedir esse crescimento. Os governos de
207
Collor, Itamar e Fernando Henrique buscaram, no plano nuclear, como analisado, uma maior
aproximação política e econômica com os Estados Unidos. Percebe-se assim que, a questão
nuclear brasileira, na concepção estadunidense, se resumia a uma questão econômica.
Lula, a fim de formular um planejamento estratégico, criou o programa de aceleração
do crescimento. Esse programa foi dividido em várias etapas. Segundo Lula, a primeira etapa
se dividiu em cinco blocos: “medidas de investimento em infra-estrutura, medidas de
estímulo ao crédito e ao financiamento, medidas de desenvolvimento institucional, medidas
de desoneração e administração tributária, e medidas fiscais a longo prazo”
356
.
Compreende-se assim, num primeiro momento, Lula buscou reformar as bases estruturais do
Estado, lançando programas de aceleração para a política social, para a educação, para a
segurança pública entre outros
Segundo Dilma Rousseff,
durante mais de 20 anos, o Brasil exibiu imensa carência de planejamento de longo
prazo. Os investimentos levados a termo, via de regra, eram resíduos dos recursos
orçamentários e, portanto, não orientados por qualquer estratégia ampla de
desenvolvimento.
357
Percebe-se assim que investir em ciência e tecnologia passou a ser sinônimo de
desenvolvimento social. Para o Brasil, essa nova orientação ideológica fez com que o governo
brasileiro elaborasse diversas análises sobre o desenvolvimento científico e tecnológico.
Constatou-se assim que, “a estagnação do crescimento do Brasil diante dos países como os
dos BRICs pode ser explicada pela ausência de planejamento estratégico, criação de metas e
a movimentação eficaz na direção de objetivos claros”
358
. Apesar de Fernando Henrique
356
Discurso de Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia de lançamento de aceleração do crescimento. Palácio do
Planalto, 22 de janeiro de 2007. Disponível em < http://www.triangulomineiro.com/noticia.aspx?
catNot=53&id=8272&nomeCatNot=Pol%C3%ADtica> Acessado em 27 ago 2009.
357
ROUSSEFF, Dilma. O PAC e sua implementação. In: VELLOSO, João Paulo dos Reis. ALBUQUERQUE,
Roberto Cavalcanti de. (ORG) Chegou a vez do Brasil? Oportunidade para a geração de brasileiros que nunca
viu o país crescer. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007. p.47.
358
FURLAN, Luiz Fernando. Desenvolvimento tecnológico, comércio exterior e crescimento. In: VELLOSO,
João Paulo dos Reis. Por que o Brasil não é um país de alto crescimento? Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p.
38.
208
associar em seus pronunciamentos ciência e tecnologia ao desenvolvimento sócio-econômico,
a partir de 1995, o ministério da Ciência e Tecnologia iniciou uma crise institucional.
Os anos de 1996-2002 podem ser caracterizados como uma período de transição: por
um lado, as contingências econômicas levaram o MCT a interromper os programas
tradicionais de financiamento, mas, por outro, o ministério lançou as bases para o
processo de reconstrução da política de C&T.
359
Conforme analisado nos capítulos anteriores, as décadas de 1980 e 1990 foram
caracterizadas por grande instabilidade na estrutura de gestão de ciência e tecnologia. O
ministério de Ciência e Tecnologia foi extinto e recriado mais de uma vez. Percebe-se assim
que, os diversos governos que seguiram as décadas de 1980 e 1990 empreenderam esforços
insignificantes para promover o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro. Segundo
o ex ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula, Roberto Amaral (2003-2004), “o
desenvolvimento depende do investimento em conhecimento (conditio sine qua de qualquer
desenvolvimento), e não produção de conhecimento se não pesquisa, pesquisa
fundamental”
360
. Como se pode perceber, ao longo dos governos trabalhados nessa
dissertação, por mais que eles reconhecessem ciência e tecnologia como um meio
fundamental para se alcançar o progresso e o desenvolvimento sócio-econômico, os
investimentos nessas áreas estavam subordinados às condições financeiras do país. Sempre
que havia crise no país, o governo diminuía os investimentos em pesquisas e, assim,
provocava uma descontinuidade na política científico-tecnológica nacional.
Segundo o atual (2009) ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula, Sérgio
Machado Rezende, não havia “evidências mais concretas dos resultados da ciência e
tecnologia para o aumento da riqueza e o desenvolvimento do país”
361
. A ausência de uma
359
REZENDE, Sergio Machado. Consolidação dos instrumentos da política de ciência, tecnologia e inovação. In:
VELLOSO, João Paulo dos Reis. Por que o Brasil não é um país de alto crescimento? Rio de Janeiro: José
Olympio, 2006, p. 345.
360
AMARAL, Roberto. Os desafios para o desenvolvimento tecnológico do país. In: Política democrática
Revista de Política e cultura – Brasília: Fundação Astrojildo Pereira, 2004. Nº 8, maio de 2004. p. 68.
361
REZENDE, Sergio Machado. Consolidação dos instrumentos da política de ciência, tecnologia e inovação. In:
VELLOSO, João Paulo dos Reis. Por que o Brasil não é um país de alto crescimento? Rio de Janeiro: José
Olympio, 2006, p. 344.
209
cultura tradicional no setor empresarial de investimento em pesquisas científicas impediu o
advento de inovações nas empresas. Os governos não tinham recursos para investir em
pesquisas científicas e as empresas optavam por importar tecnologias estrangeiras, mantendo
a também tradicional política de dependência. Dessa forma, não havia fontes de recursos
estáveis para viabilizar as pesquisas científicas e o desenvolvimento tecnológico nacionais.
O ministro Sergio Rezende, ao afirmar que a crise institucional que este ministério
sofreu de 1996 a 2002 também funcionou para lançar as bases para o processo de
reconstrução da política de ciência e tecnologia, permitiu que um novo incentivo a produção
nacional fluísse: inovação.
O ex-ministro da Ciência e Tecnologia do primeiro mandato do governo Lula,
Roberto Amaral, procurou analisar esse novo empreendimento por meio de uma análise
comparativa dos investimentos brasileiros em recursos humanos com os investimentos de
países como Estados Unidos, Inglaterra, Coréia do Sul, Itália.
362
Segundo a pesquisa, o
resultado de que no Brasil o investimento em recursos humanos e em pesquisas eram parcos
eram de conhecimento das autoridades políticas. A surpresa para o governo foi descobrir
que havia resistência quanto à formação de pesquisadores dentro das próprias instituições
acadêmicas. Essa resistência se explicava em função de que não havia emprego para abarcar
os pesquisadores que estas instituições acadêmicas iriam formar. Muitos desses acadêmicos
que resistiam estavam desempregados e haviam sido obrigados a voltar a lecionar nas
academias. A produção científica ficava retida dentro das universidades e quando se
manifestava, era por meio do próprio governo. E as empresas optavam pela importação tanto
de tecnologias quanto de pesquisadores estrangeiros. O mercado de trabalho brasileiro não
absorvia os seus cientistas e estes não se sentiam motivados para pesquisar. Roberto Amaral
sustenta assim a sua tese: “a política nacional de ciência e tecnologia tem a sustentá-la o
362
AMARAL, Roberto. Os desafios para o desenvolvimento tecnológico do país. In: Política democrática
Revista de Política e cultura – Brasília: Fundação Astrojildo Pereira, 2004. Nº 8, maio de 2004. p. 68.
210
tripé universidade-empresa-governo. Qualquer disfunção de um desses elementos significa a
disfunção do todo”
363
A criação da Lei de Inovação, no governo Lula, em 2004, constituiu assim a
estratégia para interagir e promover investimentos em produção científica e tecnológica nas
universidades, institutos científicos tecnológicos e setores privados. A finalidade dessa lei é
aprimorar a técnica, aumentar as conquistas tecnológicas, aumentar a qualidade das empresas
e do próprio Estado. A ênfase do governo Lula na inovação sugere a diminuição da
dependência externa do Brasil e reforça o antigo anseio do Brasil em se inserir político-
economicamente no sistema internacional.
O Brasil é historicamente exportador de matéria-prima. Ao sustentar a inovação o
Brasil está demonstrando a sua ânsia em se tornar um país exportador de tecnologia. Ao
desejar torna-se mais competitivo no mercado de exportação de tecnologia, a inovação deixa
de ser uma motivação para ser uma instituição. A inovação foi transformada em poder
econômico e, sobretudo político, à medida que visa a projeção de poder do Brasil no sistema
internacional. Dessa forma, entendem-se as razões que levaram o governo Lula a converter
ciência, tecnologia e inovação em política de Estado. A política nacional de ciência,
tecnologia e inovação foi formulada e conduzida pelo ministério da Ciência e Tecnologia,
mas com participação direta de outros ministérios. Dentre os objetivos estratégicos nacionais
dessa política constava o uso pacífico da energia nuclear.
364
Um dos parceiros nessa condução
foi o ministério da Defesa. A finalidade dessa participação era viabilizar “soluções científico-
tecnológicas e inovações para a satisfação das necessidades do país atinentes à defesa e ao
363
AMARAL, Roberto. Os desafios para o desenvolvimento tecnológico do país. In: Política democrática
Revista de Política e cultura – Brasília: Fundação Astrojildo Pereira, 2004. Nº 8, maio de 2004. p. 69.
364
REZENDE, Sergio Machado. Consolidação dos instrumentos da política de ciência, tecnologia e inovação. In:
VELLOSO, João Paulo dos Reis. (ORG). Por que o Brasil não é um país de alto crescimento? Rio de Janeiro:
José Olympio, 2006, p. 349.
211
desenvolvimento nacional”
365
. Dentre as tecnologias de interesse da defesa nacional se
encontra a construção de reatores nucleares.
Como percebido, Lula da Silva deu continuidade a política nuclear de Fernando
Henrique ao reorientar as funções estratégicas das forças armadas para a INB. No entanto, de
acordo com os fatos que se frutificaram nos anos de 2003 e 2004 em relação à atividades
nucleares brasileiras, o presidente Lula teve que efetivamente amadurecer uma forma para
transformar a questão nuclear em uma questão estratégica para o Estado.
Em discurso como candidato a reeleição presidencial em junho de 2006, Lula
declarava que voltava a ser candidato “porque abrimos as portas do Brasil para o século 21,
lançando projetos que farão o nosso país dar o grande salto nas áreas de energia, infra-
estrutura e pesquisa científica. E esses projetos precisam ter continuidade e apoio nos
próximos anos”
366
.
Percebe-se assim que Lula continuou defendendo uma proposta que buscasse
reformar as bases sociais, no entanto, ao invés de um discurso especialmente voltado para a
economia, Lula enfatizou a pesquisa científica como mola propulsora para o desenvolvimento
social. No entanto, o projeto de construção do submarino de propulsão nuclear continuou
relegado a um segundo plano pelo governo brasileiro. Em 2006, o Senado aprovou emendas
na ordem de R$ 163,4 milhões para a modernização de meios navais da Marinha do Brasil.
Contudo, nenhuma das emendas propunham a construção do submarino nuclear brasileiro.
Em dezembro de 2006, o comando da Marinha do Brasil, almirante Roberto de Guimarães
Carvalho informou que “não há, nem nunca houve um projeto de construção do submarino
nuclear
367
. Segundo essa informação, o projeto nuclear da Marinha do Brasil era dividido
365
Site do ministério da Defesa. Disponível em < https://www.defesa.gov.br/ciencia_tecnologia/index.php?
page=concepcao>. Acessado em 23 ago 2009.
366
Discurso de Luiz Inácio Lula da Silva na convenção do Partido dos Trabalhadores. Brasília, 24 de junho de
2006. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u79810.shtml>. Acessado em 23 ago
2009.
367
Marinha garante que nunca houve projeto de Submarino Nuclear. Inforel, 05 de dezembro de 2006.
Disponível em <http://www.inforel.org/servlet/ListaNoticia?acao=C&noticiaId=2192&ano=2006>. Acessado
em 23 ago 2009.
212
em dois projetos: o do ciclo do combustível nuclear e o do laboratório de geração núcleo-
elétrica (LABGENE). Este último tinha por finalidade viabilizar o desenvolvimento e a
construção de uma planta nuclear de geração de energia elétrica.
Percebe-se assim que ao mesmo tempo em que a Marinha do Brasil incorporou em
seus pronunciamentos as funções que o governo do presidente Fernando Henrique as
destinou, buscou não mais trazer a opinião pública a necessidade do Brasil ter essa tecnologia
bélica. Essa atitude do almirante Guimarães Carvalho, gerou inquietação na sociedade civil e
na própria instituição naval. O Comandante Othon se desligou da Marinha do Brasil, em
1994, mas, em outubro de 2005, assumiu o cargo de presidente da Eletronuclear.
Segundo o almirante Guimarães Carvalho, “a Marinha sonha com o submarino
nuclear, mas isso não basta. É preciso que, além do nosso sonho, haja uma vontade nacional,
traduzida em recursos, de forma a transformar o sonho em realidade”
368
. O comandante
Othon mostrou-se indignado com o pronunciamento do almirante Guimarães Carvalho. Como
analisado, este militar foi o autor desse projeto. “Aqueles oficiais da Marinha que não
priorizam a propulsão nuclear são oficiais que querem que a Marinha continue como uma
guarda costeira de luxo, ou seja, um país eternamente subserviente”
369
. Este comandante
também criticou o governo Lula por aceitar a proposta da Câmara de construir um submarino
convencional e revitalizar outros cinco.
Segundo o comandante Othon, os Estados Unidos, a França e a Inglaterra não mais
se utilizam de submergíveis convencionais. Se o Brasil almeja uma vaga permanente no
Conselho de Segurança da ONU, não deveria optar por belonaves que não atendessem as
demandas da defesa nacional e da segurança internacional nos novos tempos. Por isso, a
compra do porta-aviões São Paulo não foi tão bem aceita na instituição naval. A idéia que
368
Almirante Roberto de Guimarães Carvalho, Comandante da Marinha: A Marinha do Brasil e a questão dos
submarinos. Defesanet, 05 de dezembro de 2006. Disponível em
<http://www.defesanet.com.br/zz/mb_sub_nxc_2.htm>. Acessado em 23 ago 2009.
369
Submarino Nuclear é gesto de independência, afirma almirante. Inforel, 05 de dezembro de 2006. Disponível
em < http://www.inforel.org/servlet/ListaNoticia?acao=C&noticiaId=2193&ano=2006 >. Acessado em 24 ago
2009.
213
alguns militares passaram em relação ao governo brasileiro foi de que este comprou a sucata
da França no final da década de 1990.
A ausência de um planejamento estratégico de longo prazo, a falta de recursos e a
reduzida prioridade no cenário nacional impediram que o presidente Lula cumprisse a
promessa feita quando era candidato à presidência, em 2002, de construir o submarino de
propulsão nuclear. Contudo, como se analisou a pressão estadunidense tentando embargar o
Programa Nuclear Brasileiro modificou o pensamento estratégico brasileiro.
5.2 A Amazônia Azul e o projeto do submarino de propulsão nuclear
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) havia entrado
em vigor em 16 de novembro de 1994. Segundo a Comissão de Limites das Nações Unidas,
os países interessados em prolongar suas plataformas continentais teriam o prazo de 10 anos
para submeter seus pedidos. Dessa forma, os países interessados tinham que coletar e
apresentar resultados até 2004.
Como analisado, desde 1986, o Brasil iniciou o plano de Levantamento da
Plataforma Continental Brasileira (LEPLAC). Esse plano foi idealizado pela Comissão
Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) e pela Marinha do Brasil e durou de 1986
até 2004. “Durante toda a fase de aquisição de dados, que terminou em 1996, foram
coletados cerca de 230.000 km de perfis geofísicos (sísmicos, batimétricos, magnetométricos
e gravimétricos) ao longo de toda a extensão da margem continental brasileira.”
370
Foram
envolvidos nesse trabalho especialistas da Petrobrás, da comunidade científica e da própria
Marinha do Brasil.
370
JUAÇABA FILHO, Geraldo Gondim. Amazônia Azul e Antártica. Disponível em
<http://www.sbpcnet.org.br/livro/57ra/programas/CONF_SIMP/textos/geraldojuacaba.htm > Acessado em 16
dez 2009.
214
Entre os dias 14 e 18 de maio de 2001, ocorreu a 11ª Reunião dos Estados Partes da
CNUDM. Nesse evento, a Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas
decidiu prolongar o ano de submissão dos pedidos de prolongamento de 2004 para 2009. Com
base nos critérios da CNUDM, o LEPLAC teve que apresentar conceitos geodésicos,
hidrográficos, geológicos e geofísicos de natureza complexa, o que demandou tempo para
coletar e processar os dados da extensa área ao longo de cerca de 8.000 km de costa
371
. Até a
década de 1990, haviam sido “coletados dados ao longo de cerca de 150.000 km de perfis
distribuídos ao longo da margem continental, do Oiapoque ao Chuí até uma distância do
litoral de aproximadamente 350 milhas.”
372
Em maio de 2004, o Brasil submeteu um projeto pleiteando o prolongamento da sua
plataforma continental, contendo os resultados do LEPLAC, a Comissão de Limites da ONU.
Em setembro do mesmo ano,
a proposta começou a ser examinada pela Comissão, numa subcomissão de sete
peritos internacionais (argentino, australiano, chinês, coreano, croata, nigeriano e
mexicano). Para apresentar a proposta e responder aos questionamentos de ordem
técnica e científica formulados pela Comissão, o Brasil enviou para a sede das
Nações Unidas, em Nova York, uma forte delegação. Esta delegação, chefiada pelo
então Diretor de Hidrografia e Navegação, era composta de seis especialistas da
Marinha (sendo cinco da DHN e um da Cirm), quatro da Petrobrás e dois da
comunidade científica. A primeira fase do exame da proposta brasileira foi levada a
efeito durante três semanas.
373
Em abril de 2005, realizou-se a segunda fase do exame da proposta realizada pelo
Brasil. “Na oportunidade, o Brasil enviou a Nova York uma delegação reduzida, composta
de sete especialistas, sendo cinco da DHN e dois da Petrobrás.”
374
O Brasil esperava obter
reconhecimento de direito sob uma área de aproximadamente 900 mil Km. Segundo a opinião
371
Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira. Disponível em <
https://www.mar.mil.br/dhn/dhn/ass_leplac.html>. Acessado em 15 dez 2009.
372
SILVA, Agenor Cunha da. Plataforma continental brasileira. Disponível em
<http://www.biologo.com.br/oceano/oceano9.htm>. Acessado em 26 ago 2009.
373
VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. (Org) Amazônia azul: o mar que nos pertence. Rio de Janeiro:
Record, 2006. p.p. 51-52.
374
VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. (Org) Amazônia azul: o mar que nos pertence. Rio de Janeiro:
Record, 2006. p. 52.
215
da equipe da comunidade científica que se mobilizou para aumentar o conhecimento da base
física brasileira,
digno de destaque ainda é o fato de que, com essa nova delimitação da plataforma
marítima, as áreas de exploração de petróleo que hoje estão limitadas a Zona
Econômica Exclusiva (ZEE), poderão ir até o novo limite e é fundamental que o país
“ocupe” essa nova região de plataforma continental, pois caso contrário poderemos
ter questionada a nossa soberania, como ocorre por exemplo na Amazônia.
375
Em 2007, a CNUDM aprovou o pedido de prolongamento da plataforma continental
brasileira. No entanto, a comissão de limites reconheceu o direito do Brasil apenas sobre 750
mil Km. Em função do prolongamento da plataforma continental não avançar sobre territórios
de países vizinhos, a Comissão concedeu o pedido de prolongamento. Essa aprovação fez
surgir a expressão Amazônia Azul. “O nome tem o objetivo de alertar sobre a necessidade de
retornamos à nossa origem e ao destino marítimo do qual nos afastamos, ou melhor, nos
esquecemos.”
376
Essa expressão foi criada pelo ex-comandante da Marinha do Brasil,
almirante Roberto de Guimarães Carvalho.
Segundo o almirante Armando Amorim Vidigal,
e aí é que você sente o porquê da nossa ênfase na Amazônia Azul. Porque de repente
a Amazônia Verde tomou conta da consciência nacional. Hoje todo mundo tem
conhecimento da situação da Amazônia. O Jornal do Brasil está fazendo uma
campanha retórica sobre a invasão da Amazônia, quer dizer, a Amazônia Verde
tomou conta da consciência nacional. Quando nós criamos o termo Amazônia Azul
é para dizer: não olhem apenas para a Amazônia Verde, olhem para a Amazônia
Azul também. Nós temos ameaças à Amazônia Azul, nós temos riquezas a proteger
na Amazônia Azul. Não se esqueçam da Amazônia Azul. Este é o grande objetivo
do termo Amazônia Azul.
377
Embora os almirantes Roberto Guimarães e Armando Vidigal afirmassem que essa
expressão não tinha o propósito de criar rivalidades com a Amazônia, não se pode negar que o
objetivo em criá-la foi claro: chamar a atenção das autoridades políticas e da sociedade civil
375
MONTEIRO FILHO, Celso José. Conhecimento da base física brasileira. Seminários temáticos para a
Conferência Nacional em C, T & I. p. 1672. Disponível em < http://74.125.47.132/search?
q=cache:gwKx3UFF3-4J:www.cgee.org.br/atividades/redirect.php%3FidProduto%3D2081+LEPLAC+geod
%C3%A9sicos&cd=14&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br> Acessado em 16 dez 2009.
376
TOMMAZI, Luiz Roberto. Meio ambiente e oceanos. São Paulo: Senac, 2008. p. 24.
377
MARQUES, Adriana Aparecida. Amazônia: pensamento e presença militar, tese de doutorado, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2007. p.p. 144-145. Disponível em <http://www.cpdoc.fgv.br/projetos/militares-
amazonia/arq/txt_AdrianaMarques.pdf>. Acessado em 26 agosto 2009.
216
para as riquezas naturais que a parte brasileira do Atlântico Sul abriga. Essa região se tornou
prioritária para a Marinha do Brasil.
A concessão do pedido de prolongamento da plataforma continental permitiu que a
idéia de construir o submarino de propulsão nuclear voltasse a ser discutida pelas autoridades
navais brasileiras.
Em de março de 2007 assumiu a função de comandante da Marinha do Brasil, o
almirante-de-esquadra Julio Soares de Moura Neto. Em discurso, em função da assunção ao
cargo de comandante da Marinha do Brasil, o almirante Moura Neto afirmou que,
merece menção o Programa Nuclear da Marinha, iniciado em 1979 e que apresenta
considerável progresso, mesmo restrito aos recursos da própria Força, com o
desenvolvimento de dois projetos: o do ciclo do combustível, empregando
ultracentrífugas projetadas no Brasil, o que já se conseguiu; e o desenvolvimento e a
prontificação, com tecnologia própria, de uma planta nuclear de geração de energia
elétrica, incluindo o reator nuclear, o que ainda não está pronto. Para a conclusão do
Programa, são indispensáveis verbas orçamentárias adicionais. Uma vez finalizadas,
com êxito, essas etapas, estarão criadas as condições para que, havendo uma decisão
de Governo, possamos iniciar a elaboração do projeto e a posterior construção de um
submarino com propulsão nuclear.
378
Não se encontrou evidências de que a escolha do almirante Moura Neto para o
comando da Marinha fosse arquitetada por Lula. Contudo, esse comandante era conhecido
no meio militar por ser favorável a construção do submarino de propulsão nuclear. O
almirante Moura Neto, a fim de dar prosseguimento a construção do submarino nuclear e
requisitar verbas do governo federal, convidou o presidente Lula da Silva para visitar Aramar.
Lula aceitou o convite e, em 10 de julho de 2007, conheceu o centro científico e tecnológico
da Marinha do Brasil, no qual o combustível nuclear já havia sido concluído e o reator nuclear
estava em fase final de conclusão. Em entrevista, o presidente Lula afirmou que,
depois de visitar uma instalação como esta, você sai daqui convencido de que muitas
vezes nós temos que perguntar a nós mesmos: será que quando você vai discutir um
investimento de 130 milhões para terminar as nossas experiências, você poderia
utilizar a palavra gasto? Será que não seria importante discutir quanto nós vamos
gastar por não termos investido no tempo certo, na hora certa, para termos as coisas
prontas no momento certo?
379
378
ORDEM DO DIA Nº2, de 1º de março de 2007.
379
Entrevista do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva após visita ao
Centro Experimental Aramar, do Centro Tecnológico da Marinha. Iperó-SP, 10 de julho de 2007. Disponível
217
Lula afirmou ter se convencido de que a construção do submarino nuclear tornaria o
Brasil mais fortalecido política, econômica, militar e cientificamente. Dentre os membros da
comitiva que acompanhou Luis Inácio Lula da Silva a Aramar, se encontrava o comandante
Othon, criador do projeto do submarino nuclear e atual presidente da Eletronuclear. Percebe-
se assim que um dos poucos ganhos da política nuclear brasileiro no governo Fernando
Henrique foi abarcada pelo governo Lula: a cooperação entre Aramar e a INB e a
Eletronuclear. O comandante Othon convenceu o governo Lula a construir Angra-3.
Apesar deste comandante demonstrar-se emocionado com o retorno do projeto do
submarino de propulsão nuclear na política estratégica nacional, o diretor do Centro
Tecnológico da Marinha em São Paulo, almirante Carlos Passos Bezerril, mostrou-se ainda
mais emocionado que o comandante Othon. Segundo este diretor, “muitos na Marinha me
perguntaram por que eu ria tanto, junto do presidente. Ora, ele tinha acabado de me dizer
que o dinheiro ia sair mesmo, que o projeto estava de volta com força total. Queriam que eu
chorasse? Tinha é que rir muito”
380
. O presidente Lula da Silva, após sua visita ao Centro
Experimental Aramar, anunciou a liberação de mais de um bilhão de reais. Esse bilhão seria
parcelado anualmente em 130 milhões de reais.
O comandante da Marinha disse que atualmente a Marinha tem um orçamento de
R$1,4 bilhão de orçamento anual, dos quais R$200 milhões são contigenciados. Em
10 anos, segundo o almirante Moura Neto, a União contigenciou R$2,190 bilhões da
Marinha. Com isso, segundo o almirante, a Marinha não “vem podendo cumprir
com seu dever constitucional” de proteger o país como deveria.
381
Segundo a Política de Defesa Nacional, formulada no governo Lula em 2005, no
Atlântico Sul, é necessário que o País disponha de meios com capacidade de exercer a
vigilância e a defesa das águas jurisdicionais brasileiras, bem como manter a segurança das
em: http://www.defesanet.com.br/zz/mb_sub_nuc_3.htm. Acessado em 16 de setembro de 2009, às 01h10min.
380
Nosso submarino nuclear. Revista Brasileiros, Edição 6 - Dezembro/2007-Janeiro/2008. Disponível em:
http://www.revistabrasileiros.com.br/edicoes/6/textos/223/. Acessado em 16 de setembro de 2009, às 01h38min.
381
Lula libera R$ 1 bi para Marinha terminar projeto nuclear. O Globo, 10 de julho de 2007. Disponível em <
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/07/10/296714375.asp> Acessado em 16 dez 2009.
218
linhas de comunicações marítimas”
382
. Percebe-se que, assim como a Política de Defesa
Nacional formulada no governo Fernando Henrique em 1996, o Atlântico Sul é reconhecido
como uma área de importância estratégica para as autoridades políticas brasileiras. O
argumento de que o Atlântico Sul contenha riquezas minerais estratégicas para o
desenvolvimento nacional é aceito pela nação por unanimidade.
As profundidades da Amazônia Azul, descobertas pelas pesquisas realizadas pelo
LEPLAC, chegam a ser superiores a 5.000 metros. Os submarinos de propulsão nuclear
podem alcançar uma profundidade de quase 1.000 metros sem colapso do casco. Com o
prolongamento da plataforma continental, a Marinha do Brasil pôde continuar defendendo a
construção do submarino nuclear.
Segundo Vern Clark, comandante de Operações Navais da Marinha dos Estados
Unidos, “até meados de 2005, os terroristas podem utilizar os mares para traficar armas,
drogas e pessoas, operar navios como armas ou plataformas ou atacá-los para infringir
danos ou ameaçar o comércio marítimo”
383
. Segundo o jornal O Estado de São Paulo, o
ministro Nelson Jobim, o governo Lula dará prioridade ao projeto do submarino nuclear
porque seria essa a arma que protegeria as plataformas marítimas de produção de petróleo
de ações terroristas”
384
. A Petrobrás mantém presença atualmente (2009) em quatro
continentes e em mais de 20 países. Essa estatal se consolidou na economia internacional
como uma das maiores empresas mundiais integradas de energia.
A presidência Lula, iniciada em 2003, abriu um novo capítulo nas relações Brasil-
África, combinando uma nova visão sobre a ordem internacional com a
transformação social interna. em seu discurso de posse, o novo presidente
nomeou a África do Sul entre os grandes em desenvolvimento (China, Índia e
382
Decreto 5.484, de 30 de junho de 2005. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2005/Decreto/D5484.htm>. Acessado em 30 ago 2007.
383
SILVA, Antonio Ruy de Almeida. As novas ameaças e a Marinha do Brasil. Revista da Escola de Guerra
Naval. p. 32. Disponível em <http://www.egn.mar.mil.br/revistaEgn/junho2006/05-novasAmeacas.pdf.>.
Acessado em 26 ago 2009.
384
O rearmamento do Brasil. O Estado de S. Paulo, 22 de novembro de 2007. Acessado em 30 de outubro de
2008. Disponível em <http://www.mnp.org.br/index.php?pag=ver_noticia&id=416892>. Acessado em 30 ago
2009.
219
Rússia) e destacou que o continente africano seria um vetor fundamental da política
externa, que foi autodefinida como afirmativa e propositiva.
385
A África tem apresentado no século XXI um crescimento econômico que pode
facilitar sua inserção no mercado globalizado. Esse crescimento tem atraído o interesse de
muitos países desenvolvidos como Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha. A fim de
lucrarem com esse crescimento econômico e assegurarem seus interesses políticos na região,
os países desenvolvidos e empresas internacionais formulam estratégias e novas geopolíticas
para o continente africano.
O Brasil, no governo Lula, tem apresentado um importante papel no
desenvolvimento das relações sociais, econômicas, diplomáticas, estratégicas e políticas com
a África. O presidente Lula da Silva e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, têm
realizado várias viagens e visitas para o continente africano, a fim de estabelecer acordos que
incluem desenvolvimento, incluindo transferência de tecnologia. Assim, no governo Lula,
estabeleceu-se uma cooperação entre a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e países
africanos a fim de promover o desenvolvimento da exploração petrolífera. A Petrobrás está
presente em vários países africanos, como a Nigéria, Angola, Líbia, Tanzânia e Guiné
Equatorial.
Em função da presença da Petrobrás em tantos países africanos, essa estatal é uma
das instituições brasileiras que mais apóiam o projeto de construção do submarino de
propulsão nuclear. Em função das expectativas negativas relacionadas à existência de reservas
petrolíferas para sustentar o atual modelo de desenvolvimento econômico predominante no
planeta e as constantes descobertas de jazidas petrolíferas no Brasil, a descoberta do Pré-Sal
tem motivado os políticos brasileiros a apoiarem também essa construção. “As principais
bacias petrolíferas nacionais estão ao largo da foz do Amazonas, do Pará-Maranhão, de
385
VISENTINI, Paulo G. Fagundes. PEREIRA, Analúcia Danilevicz. A política africana do governo Lula.
Disponível em <http://www6.ufrgs.br/nerint/folder/artigos/artigo40.pdf>. Acessado em 2 set 2009.
220
Barreirinhas, do Ceará, de Sergipe-Alagoas, do Jacuípe, de Jequitinhonha, do Mucuri, de
Campos, de Santos e de Pelotas.”
386
Em novembro de 2007, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff e a Petrobrás
declaravam que o campo de Tupi, na bacia de Santos, teria um volume estimado entre 5 e 8
bilhões de barris de petróleo e gás natural. Esse volume poderia representar até 60% das
reservas nacionais, que eram da ordem de 14,4 bilhões de barris. A jazida petrolífera
encontrada se situa entre 5 a 7.000 km de profundidade do subsolo marinho, ou seja, abaixo
da camada Pré-Sal. A existência desse campo petrolífero significaria a existência de outros ao
longo do litoral do estado do Espírito Santo até o litoral do estado de Santa Catarina. Essa
nova descoberta petrolífera indica que o Brasil pode se tornar exportador de petróleo e pode
dispor de volume de óleo similar ao dos dez maiores produtores mundiais.
Segundo o comandante da Marinha, almirante Moura Neto, “o submarino de
propulsão nuclear é fundamental como um instrumento de dissuasão, eles são silenciosos e
operam em águas rasas. São de muita importância para podermos tomar conta de área de
proximidade de plataformas e para tomarmos conta da nossa Amazônia Azul.”
387
Desde a Primeira Guerra Mundial até a Guerra Fria, o submarino de propulsão nuclear
era considerado um armamento de negação do uso do mar. De acordo com José Augusto
Abreu de Moura,
as condições de realizar realmente um “Comando do Mar” não existiam, fato que
alguns estudiosos apontavam desde a 2ªGM. Assim, no início dos anos 1970, a
marinha norte-americana reconheceu a irrealidade do conceito e mudou seu nome
para “Controle do Mar” (“Sea Control”), consistindo em “assegurar para nossas
forças o direito de usar algumas áreas marítimas durante algum tempo” e “negar ao
inimigo o uso de algumas áreas marítimas durante algum tempo”, devendo o esforço
do Poder Naval ser dividido entre as duas componentes segundo a necessidade.
388
386
TOMMAZI, Luiz Roberto. Meio ambiente e oceanos. São Paulo: Senac, 2008. p. 173.
387
Brasil: submarino nuclear é fundamental para a defesa da Amazónia Azul Comandante da Marinha do
Brasil. Actualidade, 23 de maio de 2009. Disponível em
http://www.depnavrj.mar.mil.br/menu_v/marinha_na_midia/jornal_revista/coletaneamarinhanamidia2009/05%2
0maio/Agencia_Lusa_Submarino_Nuclear.pdf. Acessado em 15 dez 2009.
388
TURNER, 1974, p.7§3 e 4. In: ABREU, José Augusto Moura de. Controle e Negação. Anais do III Encontro
Nacional da Associação de Estudos de Defesa. 2009. P.5. Disponível em < http://64.233.163.132/search?
q=cache:wTLUt6_2KBAJ:www2.uel.br/cch/his/mesthis/abed/anais/JOSEAUGUSTOABREUDEMOURA.doc+
nega%C3%A7%C3%A3o+do+uso+do+mar,+controle+de+%C3%A1reas+mar%C3%ADtimas+e+proje
%C3%A7%C3%A3o+de+poder+sobre+terra+%E2%80%93+ser%C3%A1+dada+prioridade+
%C3%A0+primeira,+contando-se,+para+tanto,+com+uma+%E2%80%9Cfor
221
Dessa forma, no Pós-Guerra Fria, os submarinos de propulsão nuclear além de cumprir
a sua tarefa básica de negar o uso do mar ao inimigo, exerce também o controle do mar para a
marinha de seus países.
Na nova guerra, devido à capacidade de ocultação, os SNA [submarino nuclear de
ataque] modernos constituem importantes plataformas para a supressão das medidas
anti-acesso no litoral do oponente, bem como para o levantamento de informações
sobre ele, sendo equipados com sensores adequados e transportando destacamentos
de forças especiais e veículos submarinos para sua inserção e recolhimento.
389
Além do poder de ocultação, negação do uso da força, controle do mar, ser silencioso
e operar em qualquer tipo de plataforma continental, os submarinos de propulsão nuclear
podem utilizar tanto armamentos nucleares quanto armamentos convencionais ultramodernos.
O SM-39 Exocet equipa os submarinos convencionais e nucleares franceses. Esse míssil foi o
escolhido pelas marinhas do Paquistão, do Chile. “O SM-39 é disparado de uma cápsula
propulsada que sai do submarino em um angulo de 45 graus e sobe até 50 metros ejetando o
míssil até a ignição do motor foguete. O alcance é de 50 km.”
390
Em função da parceria
estratégica estabelecida em acordo entre Brasil e França, esse míssil foi o escolhido pela
Marinha do Brasil para equipar o futuro submarino de propulsão nuclear brasileiro.
5.3 A importância estratégica do Acordo Militar Brasil-França de Sete de Setembro de 2009
Em oito de junho de 2008, o Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo
(SIPRI), instituição financiada pelo governo da Suécia, divulgou um relatório sobre os gastos
militares mundiais. Segundo essa instituição, “cerca de US$ 1,4 trilhão foram gastos em
armamentos em 2008, o que representaria um aumento de 4% em relação a 2007 e 45% em
%C3%A7a+submarina+de+envergadura,+composta+de+submarinos+convencionais+e+de+propuls
%C3%A3o+nuclear.%E2%80%9D&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br> Acessado em 16 dez 2009.
389
ABREU, José Augusto Moura de. Controle e Negação. Anais do III Encontro Nacional da Associação de
Estudos de Defesa. 2009. P.6. Disponível em < http://64.233.163.132/search?
q=cache:wTLUt6_2KBAJ:www2.uel.br/cch/his/mesthis/abed/anais/JOSEAUGUSTOABREUDEMOURA.doc+
nega%C3%A7%C3%A3o+do+uso+do+mar,+controle+de+%C3%A1reas+mar%C3%ADtimas+e+proje
%C3%A7%C3%A3o+de+poder+sobre+terra+%E2%80%93+ser%C3%A1+dada+prioridade+
%C3%A0+primeira,+contando-se,+para+tanto,+com+uma+%E2%80%9Cfor
%C3%A7a+submarina+de+envergadura,+composta+de+submarinos+convencionais+e+de+propuls
%C3%A3o+nuclear.%E2%80%9D&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br> Acessado em 16 dez 2009.
390
CASTRO, Fabio Morais de. A Hierarquia dos Objetivos Estratégicos e Táticos na Marinha do Brasil.
Disponível em: <http://sistemasdearmas.com.br/nav/modmbnegacao.html>. Acessado em 15 nov 2009.
222
relação a 1999”
391
. Não seria exagero afirmar que o mundo está se encaminhando para uma
escalada armamentista.
Os EUA continuam sendo o país de maior gasto militar, com 41,5% do total
apurado, e despesas de mais de US$ 600 bilhões ao ano, o que representa um
acréscimo de 9,7% em relação a 2007. A China com gastos de US$ 84,9 bilhões
aumentou as suas despesas em 10% em relação a 2007 e aparece agora pela primeira
vez em segundo lugar na lista dos países de maiores gastos militares, com 5,8% do
total apurado, posição que era anteriormente do Reino Unido, agora ocupando a
quarta posição da lista. Após a segunda posição, seguem na lista a França (US$ 65,7
bilhões, 4,5% do total), Reino Unido (US$ 65,3 bilhões, 4,5% do total), Rússia (US$
58,6 bilhões, 4,0% do total), Alemanha (US$ 46,8 bilhões, 3,2% do total), Japão
(US$ 46,3 bilhões, 3,2% do total) e Itália (US$ 40,6 bilhões, 2,8% do total).
392
As potências desenvolvidas aumentam seus arsenais bélicos e os países em
desenvolvimento buscam material bélico, seja construindo em território nacional, seja
adquirindo no exterior. Em função da emergência dos novos tempos, a maioria dos países em
desenvolvimento como o Brasil, a Venezuela, o Chile, a Colômbia e a Índia optaram mais por
comprar tecnologia bélica no exterior do que construir em território nacional. Segundo esse
relatório, o Brasil lidera os gastos militares na América do sul. “O Brasil registrou em 2008
gastos militares de cerca de US$ 23,3 bilhões, valor que representa um crescimento de 30%
nos últimos dez anos.”
393
Apesar desse relatório se referir ao final da década de 1990, os
gastos militares não significavam investimentos em armamentos que ofereciam ameaça ou
dissuasão.
Conforme analisado, os atentados terroristas trouxeram novas percepções a cerca do
sistema internacional. Até 2001, os Estados Unidos eram percebidos como potência
hegemônica e os outros países desenvolvidos eram percebidos como seus aliados. No entanto,
a partir de 2001, apesar de os Estados Unidos continuarem a ser potência hegemônica passou
391
Gastos militares globais bateram recorde em 2008, diz ONG. BBC Brasil, 8 de junho de 2009. Disponível
em <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/06/090608_armas_rc.shtml>. Acessado em 14 set
2009.
392
Gasto militar global de 2008 passa de US$ 1 trilhão. Brasil.Wiki, 16 de junho de 2009. Disponível em <
http://www.brasilwiki.com.br/noticia.php?id_noticia=11529>. Acessado em 16 dez 2009.
393
Gastos militares globais bateram recorde em 2008, diz ONG. BBC Brasil, 8 de junho de 2009. Disponível em
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/06/090608_armas_rc.shtml>. Acessado em 14 set 2009.
223
a ser rivalizado por países desenvolvidos que eram seus aliados e por países em
desenvolvimento.
Em 2005, o governo brasileiro apresentou à Assembléia-Geral da ONU uma
proposta de reforma do Conselho, que incluía a ampliação do número de membros
permanentes e a extinção do direito de veto, com a justificativa de aumentar sua
representatividade e capacidade de resposta aos conflitos. A proposta contou com
apoio dos outros integrantes do G4 (Brasil, Índia, Alemanha e Japão), grupo de
grandes potências que aspiravam integrar o Conselho na condição de membros
permanentes. Convém assinalar, contudo, que apenas o Paraguai, na América do
Sul, e a França, na Europa, se associaram à proposta, entre 28 países co-
patrocinadores.
394
A França constitui exemplo dessas novas percepções no sistema internacional. O ex-
presidente da França, Jacques Chirac (1995-2007) afirmou que seu país oferecia "grande
apoio para que o lugar do Brasil no mundo seja reconhecido no cenário da reforma das
Nações Unidas"
395
Essa potência passou a defender uma reforma no Conselho de Segurança
das Nações Unidas incentivando países em desenvolvimento como o Brasil a ter um assento
definitivo.
O Brasil é um dos cinco países monstros, ou seja, aqueles que têm grande território e
grande população. Os outros são os Estados Unidos, a Rússia, a China e a Índia. (...)
Dos cinco países monstros, o Brasil é o único que não tem armas nucleares e talvez
seja o mais atrasado tecnologicamente.
396
O Brasil e a Índia lideram o grupo de países em desenvolvimento (G-20). Esse
grupo, ao mesmo tempo em que simbolizam os meios institucionais que países em
desenvolvimento buscaram para modificar as regras políticas e econômicas do sistema
internacional, representam um incômodo aos interesses estadunidenses. Dessa forma,
compreendem-se assim, como as relações internacionais vêem sofrendo modificações após os
atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Segundo Amado Cervo e Clodoaldo Bueno,
394
CERVO, Amado Luiz. BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. Brasília: UNB, 2008. p.
505.
395
Presidente francês parabeniza Lula e elogia conquistas sociais. BBC Brasil.com, 30 de outubro de 2006.
Disponível em <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/story/2006/10/061030_lulachiracaw.shtml>.
Acessado em 16 dez 2009.
396
LEAL, Carlos Ivan Simonsen. Por uma estratégia de segurança e defesa de longo prazo para o Brasil. in:
PINTO, J. R. de Almeida. ROCHA, A. J. Ramalho da. SILVA, R. Doring Pinho da. (Org) Reflexões sobre
defesa e segurança: uma estratégia para o Brasil. Brasília : Ministério da Defesa, Secretaria de Estudos e de
Cooperação, 2004. p. 56.
224
os países que são resistentes a reforma do Conselho de Segurança da ONU, “estando os cinco
membros permanentes receosos com a perda de poder, e os demais países, desconfiados com
os novos candidatos a membro permanente”
397
. O Brasil, por ser um país pacífico e com
expectativas positivas de crescimento econômico para o futuro, se tornou uma área estratégica
para o fortalecimento político de países que desejam competir com os Estados Unidos. O
Brasil vem deixando de ser uma zona de submissão estadunidense para constituir um Estado
em desenvolvimento com possibilidades de ascender internacionalmente.
Segundo o presidente Lula, a opção pela França se justifica porque este país “não
ofereceu os equipamentos em venda, mas também se comprometeu a construí-los no país e a
transferir a tecnologia.”
398
O encontro do ministro da Defesa, Nelson Jobim, com o
presidente da empresa francesa DCNS, Jean-Marie Poimboeuf, e a visita desse ministro, em
janeiro de 2008, ao submarino nuclear francês, na base de Toulon, no sul da França, geraram
inquietações e desconfianças dos organismos e da imprensa internacional. As negociações
entre o governo brasileiro e o governo francês conceberam uma parceria na transferência de
tecnologia nuclear com o estaleiro francês DCNS, que além de produzir submarinos
convencionais, produz também submarinos com propulsão nuclear.
Segundo o presidente Lula,
quando me encontrei com o presidente Sarkozy e depois o Ministro Nelson Jobim
esteve na França, junto com o nosso comandante da Marinha, não sei se o brigadeiro
Saito foi junto... Nós tínhamos a convicção de que era preciso desafiar a França para
a construção dessa parceria estratégica com o Brasil. E construir a parceria
estratégica pressupunha que nós precisaríamos fazer aqui os investimentos
necessários e tivéssemos o conhecimento e a parceria na expertise que a França tem
na área da defesa. Não fica apenas na questão do helicóptero. Nós temos interesse
em estabelecer parceria com a França na construção de submarinos e conhecer a
tecnologia do submarino nuclear, para que possamos, em um futuro bem próximo,
desenvolver o nosso próprio.
399
397
CERVO, Amado Luiz. BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. Brasília: UNB, 2008. p.
505.
398
Lula e Sarkozy assinam acordos da área militar. Notícias JusBrasil, 23 de dezembro de 2008. Disponível em
<http://www.jusbrasil.com.br/politica/633008/lula-e-sarkozy-assinam-acordos-da-area-militar>. Acessado em 4
de set 2009.
399
Discurso de Luís Inácio Lula da Silva na cerimônia de lançamento do pólo aeronáutico de helicópteros de
grande porte. Minas Gerais, 30 de junho de 2008. Disponível em <http://www.defesanet.com.br/eads/br_5.htm>.
Acessado em 4 set 2009.
225
Em dezembro de 2008, os presidentes do Brasil e da França, Luís Inácio Lula da
Silva e Nicolas Sarcozy (2007-), respectivamente, firmaram dez acordos, no Rio de Janeiro,
no Brasil. Esses acordos foram assinados, durante a visita oficial de Nicolas Sarcozy ao
Brasil, como presidente rotativo da União Européia (UE). Dentre esses acordos, os assuntos
militares estavam incluídos. Segundo o jornal O Globo, os principais jornais europeus, após
os acordos assinados entre Brasil e França, em 2008, comentavam e especulavam sobre a
aproximação militar entre esses países. Segundo o jornal O Globo, o jornal espanhol El País
publicou uma reportagem intitulada “França vai transformar o Brasil em uma potência
militar”.
400
“Segundo o jornal, o acordo de transferência militar discutido na terça-feira
entre os dois presidentes ‘aumentará a posição do gigante sul-americano como potência
militar regional’”
401
O governo francês defende abertamente um maior protagonismo do
Brasil em fóruns internacionais. Esse apoio político, econômico e, sobretudo, militar além de
incluir o Conselho de Segurança da ONU, defende também a reestruturação do grupo dos
setes países mais ricos e a Rússia (G-8) e. Conforme declaração de Sarcozy, "queremos que o
G8 seja transformado verdadeiramente em um G14. Não podemos tratar os assuntos mais
importantes do mundo sem países como o Brasil ou China, ou sem um país árabe”
402
.
Entende-se assim que os acordos assinados entre Brasil e França, no final de 2008,
representam uma aliança estratégica que tende a fortalecer política, econômica e militarmente
os dois países.
O estreitamento, pelo Brasil, de relações de cooperação com os países europeus e,
bem assim, com países emergentes que ostentam, como o Brasil, características
400
França vai fazer do Brasil uma potência militar, diz ‘El País’. O Globo, em 13 de fevereiro de 2008.
Disponível em <
http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2008/02/13/franca_vai_fazer_do_brasil_uma_potencia_militar_diz_el_pais
_-425618995.asp> Acessado em 16 dez 2009.
401
França vai fazer do Brasil uma potência militar, diz ‘El País’. O Globo, em 13 de fevereiro de 2008.
Disponível em <
http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2008/02/13/franca_vai_fazer_do_brasil_uma_potencia_militar_diz_el_pais
_-425618995.asp> Acessado em 16 dez 2009.
402
Lula e Sarkozy reforçam aliança com acordos militares e políticos. Globo.com, 23 de dezembro de 2008. Disponível em
<http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL933487-5602,00-
LULA+E+SARKOZY+REFORCAM+ALIANCA+COM+ACORDOS+MILITARES+E+POLITICOS.html>. Acessado em 9 set
2009.
226
semicontinentais, como nos casos de China, Índia e Rússia, constitui um decisivo
fortalecimento da capacidade brasileira de negociação internacional.
403
Como analisado, desde 2007, o governo brasileiro vem amadurecendo a idéia de
alavancar o projeto de construção do submarino de propulsão nuclear. O presidente francês
Nicolas Sarcozy esteve em visita oficial ao Brasil nos dias seis e sete de setembro de 2009 a
convite do presidente Lula. Após assistirem juntos as comemorações em função do dia da
Independência do Brasil, no dia sete de setembro, Lula e Sarcozy decidiram formalizar suas
intenções na parceria estratégica. Na Declaração de Intenções entre o Ministro da Defesa da
República Federativa do Brasil e o Ministro da Defesa da República Francesa, Lula e Sarcozy
declararam que tinham por intenção “facilitar a obtenção das autorizações governamentais
necessárias às transferências de tecnologias, de sistemas e de equipamentos”
404
. A
transferência de tecnologia nuclear que Brasil busca por meio desse Acordo Militar com a
França destina-se para a construção do casco do submarino e dos dispositivos sensoriais e
nucleares que o acompanham. O reator e o submarino nucleares foram construídos pela
Marinha do Brasil em seus centros científicos e tecnológico ao longo do final do século XX e
XXI.
O Acordo envolve a construção de 50 helicópteros EC725, a aquisição de
equipamentos para os soldados, como os de visão noturna e chips para localização dos
soldados na floresta, acordos de desenvolvimento de satélites para monitoramento da
Amazônia, a construção, em série, de quatro submarinos convencionais, acordos de
cooperação para a formação de soldados e a construção do casco do submarino de propulsão
nuclear em território brasileiro. As autoridades políticas e militares brasileiras ainda não se
decidiram aonde se localizará especificamente o estaleiro que irá abrigar os submarinos
403
JAGUARIBE, Helio. Defesa nacional desafios e possíveis respostas para o Brasil. in: PINTO, J. R. de
Almeida. ROCHA, A. J. Ramalho da. SILVA, R. Doring Pinho da. (Org) Reflexões sobre defesa e segurança:
uma estratégia para o Brasil. Brasília : Ministério da Defesa, Secretaria de Estudos e de Cooperação, 2004. p. 74.
404
Declaração de Intenções entre o Ministro da Defesa da República Federativa do Brasil e o Ministro da Defesa
da República Francesa. Brasília, em 07 de setembro de 2009. Disponível em <
http://www.defesanet.com.br/md1/fr_br_7.htm> Acessado em 16 dez 2009.
227
convencionais franceses e o futuro submarino de propulsão nuclear. No entanto, segundo o
comandante da Marinha, é certo que se localizará próximo à baía de Sepetiba. Essa área
atende as demandas logísticas, pois se localiza próxima à fabrica de estruturas metálicas
pesadas da Nuclep.
De acordo com Júlio Soares de Moura Neto,
a região escolhida é chave, pois permanece próxima de toda a infra-estrutura fabril,
industrial e técnica naval do Rio de Janeiro, tem logística facilitada pela presença do
porto de Sepetiba e da fábrica da Nuclep, além de ser uma região que por abrigar
as três usinas nucleares do país tem uma cultura nuclear o que reduz os riscos de
questionamentos de fundo político sobre a presença de meios nucleares como o novo
submarino por lá. Com a assinatura pelos presidentes Lula e Sarkozy em dezembro
deste ano ainda dos contratos, devemos iniciar a construção do estaleiro nos
primeiros meses de 2009.
405
A fim de acelerar o desenvolvimento do submarino de propulsão nuclear em parceria
com a França, o governo Lula criou uma nova estrutura militar: a Coordenadoria-Geral do
Programa de Desenvolvimento do Submarino Nuclear. A criação dessa coordenadoria foi
publicada no Diário Oficial da União em 25 de setembro de 2008. Ela foi criada para
gerenciar a construção do submarino nuclear brasileiro. O almirante Moura Neto convidou o
almirante José Alberto Accioly Fragelli para assumir essa coordenadoria. Dentre seus
objetivos constam o gerenciamento do projeto e a construção do estaleiro dedicado aos
submarinos convencionais, gerenciamento do projeto, a construção da nova base desses
submarinos, o gerenciamento do projeto e a construção do submarino de propulsão nuclear.
Segundo o presidente Sarcozy, “se a França aceita transferir a tecnologia militar é
porque estamos conscientes de que o Brasil tem um grande potencial para promover a paz e
a segurança, assim como tem um grande potencial econômico e político”
406
. Ao mesmo
tempo em que esse acordo poderá refletir na mudança de status do Brasil, reflete a aspiração
da França em ampliar o seu poder no sistema internacional.
405
Scorpène: teremos o básico ou também os opcionais? Poder Naval Online, 29 de setembro de 2009.
Disponível em <http://www.naval.com.br/blog/?p=1291>. Acessado em 9 set 2009.
406
Lula e Sarkozy assinam acordos da área militar. Notícias JusBrasil, 23 de dezembro de 2008. Disponível em
<http://www.jusbrasil.com.br/politica/633008/lula-e-sarkozy-assinam-acordos-da-area-militar>. Acessado em 4
set 2009.
228
Entende-se assim que a proposta de transferência de tecnologia nuclear francesa para
o Brasil constitui, ao mesmo tempo, uma estratégia para fortalecer o poder político francês
como também uma estratégia empresarial para fortalecer o poder econômico francês no
sistema internacional. O Brasil representa para as indústrias de defesa francesas, como a
Dassault Aviation, a DCNS e a Eurocopter, um promissor mercado de importação de seus
produtos.
Como analisado, segundo o relatório do Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de
Estocolmo (SIPRI) sobre os gastos militares mundiais de 2008, a Inglaterra ocupava a
segunda posição. A França conseguiu cumprir a sua meta de ultrapassar a Inglaterra como a
maior exportadora de armas da Europa. A França ao fomentar um maior protagonismo de
países em desenvolvimento como Brasil e Índia no sistema internacional, ampliam a sua
economia por meio de suas indústrias de defesa e ampliam o seu poderio político, a medida
que estabelece novas alianças.
Como analisado, a DCNS, ao transferir a tecnologia de construção do casco do
futuro submarino nuclear brasileiro é a empresa francesa que mais atenção receberá do
governo brasileiro. As indústrias de defesa brasileiras m recebido em função do Acordo
Militar Brasil-França um no destaque na política estratégica nacional.
Segundo Eduardo Siqueira Brick, “as forças armadas necessitam contar com
inúmeros sistemas técnicos, tais como aviões, carros de combate, navios, sensores e sistemas
de comunicações, de armas e de navegação, para poderem executar as missões a que se
destinam”
407
. O submarino de propulsão nuclear constituiria assim, um sistema técnico que
estaria destinado a evitar que os inimigos do Brasil exponham as suas vulnerabilidades no
sistema internacional e defender os interesses nacionais. Contudo, a transferência de
tecnologia nuclear não representa uma solução definitiva para a dependência industrial-
407
BRICK, Eduardo Siqueira. O Ministério da Defesa e o Processo de Aparelhamento de Sistemas Técnicos de
Defesa. Revista de Estudos estratégicos, UFF, Niterói, p. 2. Disponível em
<http://www.nestbrasil.com/rest/page8/files/rested1-brick.pdf>. Acessado em 12 set 2009.
229
científica-tecnológica que o Brasil possui dos países desenvolvidos. Ao depender da indústria
estrangeira para a aquisição de peças para a manutenção e para a atualização do submarino de
propulsão nuclear, o Brasil continua a expor as suas vulnerabilidades no sistema
internacional.
Em 26 de setembro de 2008, durante cerimônia de ativação da Coordenadoria-Geral
do Programa de Desenvolvimento de Submarino com Propulsão Nuclear, o diretor-geral do
material da Marinha do Brasil, almirante Marcus Vinicius Oliveira dos Santos, afirmou que,
trata-se de uma longa jornada, em que serão muitos os percalços e os obstáculos a
serem transpostos. Os frutos da fabulosa empreitada em que a Marinha novamente
se engaja serão colhidos nos mais variados setores da Administração Pública e da
Iniciativa Privada, uma vez que os avanços obtidos com a construção e,
principalmente, com o desenvolvimento de um meio naval como o Submarino com
propulsão nuclear, produzirão relevantes efeitos de arrasto tecnológico que
ultrapassam o uso meramente operativo da nova unidade.
408
O arrasto tecnológico é um conceito militar. Segundo esse conceito, a transferência
de tecnologia produz o desenvolvimento da indústria de base. Além desse desenvolvimento, o
arrasto tecnológico oferece geração de empregos, absorção de alta tecnologia pelas empresas
e capacitação do pessoal envolvido nessa absorção.
O ministério da Defesa convencionou chamar esse complexo de base industrial de
defesa. Essa base está sob gestão do ministério da Defesa e sob a coordenação do ministério
da Ciência e Tecnologia. Os objetivos dessa base industrial de defesa são a recuperação e o
incentivo do crescimento dessa base instalada, expandindo a oferta para as instituições
militares brasileiras. De acordo com o ministério da Defesa, dentre os desafios para essa
instalação se encontram: o aumento dos investimentos em pesquisa, desenvolvimento e
inovação, a promoção da isonomia tributária em relação a produtos/ materiais importados, a
408
Ordem do dia Nº. 5, de 26 de setembro de 2008. Disponível em
<https://www.mar.mil.br/diversos/Boletim/bn260908.html>. Acessado em 9 set 2009.
230
expansão da participação nos mercados interno e externo e o fortalecimento da cadeia de
fornecedores no Brasil.
409
Em 2005, o ministério da Defesa, em consonância com o ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio, tornaram pública a política nacional da indústria de
defesa
410
, a fim de atender as demandas da defesa nacional. Essa política define a base
industrial de defesa como o conjunto das empresas estatais e privadas, organizações civis e
militares, participantes das etapas de pesquisa, desenvolvimento, produção, distribuição e
manutenção de produtos estratégicos de defesa”
411
. Dessa forma, ambos os ministérios
envolvidos promovem e consentem a promoção de eventos, feiras, workshops a fim de expor
conhecimentos e tecnologias, exportando-os, além de incentivar empresas a inovarem.
As empresas que se interessarem em participar do processo de instalação do
complexo industrial-científico-tecnológico passarão por um processo seletivo. Os projetos
dessas empresas serão avaliados de acordo com as ações estratégicas, ditadas pelo ministério
da Defesa. Esses projetos devem apresentar características que envolvam: o atendimento da
demanda pública, a possibilidade de uso comum pelas instituições militares, a oferta de
tecnologias que atendam ao uso civil e militar, tecnologias com potencial exportador, índice
de nacionalização, e o potencial de embargo internacional. “Existe conhecimento científico
útil e atual para a consideração dos assuntos relacionados com defesa e segurança, e para a
formulação, seleção, gestão e avaliação de estratégias.”
412
409
Estratégia Nacional de Defesa. Disponível em:
<http://www.defesa.gov.br/eventos_temporarios/2009/estrategia/arquivos/estrategia_defesa_nacional_portugues.
pdf>. Acessado em 15 de setembro de 2009.
410
Portaria Normativa Nº. 899/MD, de 19 de julho de 2005.
411
JACINTO, José Carlos. Considerações sobre a cadeia de suprimentos da indústria bélica brasileira e suas
necessidades de diversificação para sobrevivência - estudo de caso. XIII SIMPEP - Bauru, SP, Brasil, 6 a 8 de
novembro de 2006. P. 5. Disponível em <http://www.simpep.feb.unesp.br/anais/anais_13/artigos/874.pdf>.
Acessado em 15 set 2009.
412
PROENÇA JÚNIOR, Domício. Contexto, ciência e desafios: o Brasil diante da defesa e segurança. In:
PINTO, J. R. de Almeida. ROCHA, A. J. Ramalho da. SILVA, R. Doring Pinho da. (Org) Reflexões sobre
defesa e segurança: uma estratégia para o Brasil. Brasília: Ministério da Defesa, Secretaria de Estudos e de
Cooperação, 2004. p. 94.
231
Com a finalidade de fomentar pesquisas de materiais, equipamentos e sistemas
militares e civis que se compatibilizem as necessidades prioritárias do complexo industrial-
científico-tecnológico com as necessidades da defesa nacional, o ministério da Defesa se
propõe a garantir alocação, de forma contínua, de recursos financeiros específicos que
viabilizem a construção dos sistemas técnicos de defesa, tal como submarinos convencionais e
de propulsão nuclear. Embora a Marinha do Brasil tenha demonstrado capacidade para
construir reatores nuclear, ainda não conseguiu produzir reatores com elevado índice de
urânio 235.
Segundo a Estratégia Nacional de Defesa, a construção desses sistemas técnicos terá
como área de atuação as regiões estratégicas de acesso marítimo ao Brasil. Dessa forma, as
belonaves que serão construídas no Brasil atuarão na área litorânea de Santos até Vitória e a
área fluvial que se encontra ao redor da foz do rio Amazonas. Compreende-se assim que, os
submarinos convencionais e de propulsão nuclear atuarão exclusivamente no Atlântico Sul.
O Brasil manterá e desenvolverá sua capacidade de projetar e de fabricar tanto
submarinos de propulsão convencional como de propulsão nuclear. Acelerará os
investimentos e as parcerias necessários para executar o projeto do submarino de
propulsão nuclear.
413
Tanto a construção quanto a transferência de tecnologia sensível do submarino de
propulsão nuclear em território nacional constitui a estratégia do governo Lula para viabilizar
a instalação do complexo industrial-científico-tecnológico, tornar o Brasil menos dependente
de tecnologias sensíveis estrangeiras e atender as principais demandas da defesa nacional.
Segundo Eduardo Siqueira Brick, “o Departamento de Defesa dos EUA define o
Sistema de Aquisição de Defesa como o processo de gestão pelo qual ele provê, no tempo
requerido, sistemas eficazes e adequados, em termos de orçamento, aos seus usuários”
414
. Os
413
Estratégia Nacional de Defesa. Disponível em:
<http://www.defesa.gov.br/eventos_temporarios/2009/estrategia/arquivos/estrategia_defesa_nacional_portugues.
pdf>. Acessado em 15 set 2009.
414
BRICK, Eduardo Siqueira. O Ministério da Defesa e o Processo de Aparelhamento de Sistemas Técnicos de
Defesa. Revista de Estudos estratégicos, UFF, Niterói, p. 4. Disponível em
<http://www.nestbrasil.com/rest/page8/files/rested1-brick.pdf>. Acessado em 15 set 2009.
232
Estados Unidos possuem uma complexidade industrial-científico-tecnológica que atenda as
demandas relacionadas à defesa nacional, pois os Estados Unidos conseguem adquirir as
peças necessárias e a manutenção dos sistemas técnicos de defesa sem depender da tecnologia
estrangeira. No entanto, a eficácia desse complexo está submetida aos custos e aos prazos.
Segundo Brick, “eficiência é uma medida da economia na utilização de recursos para
resolver um determinado problema”
415
. A indústria bélica brasileira está sendo recuperada e
seu crescimento incentivado para atender as demandas da defesa nacional. Dessa maneira, é
essencial que o ministério da Defesa e o ministério da Ciência e Tecnologia sejam capazes de
gerir e de coordenar, respectivamente, a instalação dessa base de forma que esta garanta um
grau mínimo de eficiência, arcando com os custos e cumprindo com os prazos estabelecidos
em acordos.
Os novos tempos de incerteza exigem que os custos não estejam submissos as
mudanças nas políticas econômicas nacionais e internacionais e que os prazos acordados
sejam cumpridos. Por isso que a definição e o estabelecimento de normas para a seleção das
empresas interessadas são tão importantes para o sucesso da instalação da base industrial de
defesa. “Deve-se ressaltar, entretanto, que mesmo nos países que são incontestáveis líderes
no desenvolvimento e uso de tecnologias de defesa, como é o caso do EUA, a solução desses
problemas encontra-se ainda em contínua evolução.”
416
Conforme indicado, embora na década de 1970, o presidente Geisel tenha
institucionalizado a política nuclear brasileira por meio do Programa Nuclear Brasileiro e do
Programa Nuclear Paralelo, a política de promoção industrial demonstrou que as empresas
que se candidataram não apresentavam estrutura para arcar com os custos e os prazos
estipulados pelo governo. Na década de 1980, as indústrias de defesa brasileiras atrasaram
415
BRICK, Eduardo Siqueira. O Ministério da Defesa e o Processo de Aparelhamento de Sistemas Técnicos de
Defesa. Revista de Estudos estratégicos, UFF, Niterói, p. 8. Disponível em
<http://www.nestbrasil.com/rest/page8/files/rested1-brick.pdf>. Acessado em 15 set 2009.
416
BRICK, Eduardo Siqueira. O Ministério da Defesa e o Processo de Aparelhamento de Sistemas Técnicos de
Defesa. Revista de Estudos estratégicos, UFF, Niterói, p. 4. Disponível em
<http://www.nestbrasil.com/rest/page8/files/rested1-brick.pdf>. Acessado em 15 set 2009.
233
entregas, em função da diminuição de recursos financeiros e da crise econômica. Dessa
forma, essas empresas mostraram-se pouco eficientes.
Recentemente [2009], o Parlamento indiano se encontra preocupado com a demora
das entregas dos submarinos convencionais franceses da classe scorpène. No entanto, a base
industrial de defesa francesa, assim como a estadunidense, possui tradição nesse tipo de
complexo. O Brasil não possui tradição na construção de armamentos de grande porte. Assim,
a instalação desse complexo industrial-científico-tecnológico se torna um desafio para o
ministério da Defesa.
Segundo Carmen Lucia Nery,
quando a Marinha do Brasil iniciou o desenvolvimento do protótipo
de um submarino de propulsão nuclear, os responsáveis pelo projeto
mal imaginavam que os 24 anos seguintes de pesquisa e
desenvolvimento acabariam beneficiando várias indústrias
convencionais, tais como a farmacêutica, química, mecânica e naval.
417
Conforme afirmou o contra-almirante Alan Paes Leme Arthou, ex-diretor do Centro
Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP), “várias empresas se beneficiaram desse
resultado, podendo comprar componentes e equipamentos produzidos nacionalmente a
preços muito menores e com uma qualidade superior”
418
.
A criação de uma indústria defesa eficiente e o projeto de construção do submarino
de propulsão nuclear possibilitarão “a necessidade de treinadores, diques especiais, bases de
apoio, instalações de manutenção, escolas de formação e treinamento e instalações para
produção e reciclagem de combustível”
419
. Dessa forma, a construção do submarino de
417
NERY, Carmen Lucia. Sem política industrial não projeto social. Revista Brasil Nuclear - ano 9 - 25 -
Jun-Ago/2002. Disponível em < http://www.ien.gov.br/noticias/midia_arquivo/bn_a9_n25ind.htm > Acessado
em 16 dez 2009.
418
NERY, Carmen Lucia. Sem política industrial não projeto social. Revista Brasil Nuclear - ano 9 - 25 -
Jun-Ago/2002. Disponível em < http://www.ien.gov.br/noticias/midia_arquivo/bn_a9_n25ind.htm > Acessado
em 16 dez 2009.
419
BRICK, Eduardo Siqueira. O Ministério da Defesa e o Processo de Aparelhamento de Sistemas Técnicos de
Defesa. Revista de Estudos estratégicos, UFF, Niterói, p. 8. Disponível em
<http://www.nestbrasil.com/rest/page8/files/rested1-brick.pdf>. Acessado em 15 set 2009.
234
propulsão nuclear promoverá arrasto tecnológico, recuperando e incentivando a instalação de
uma base industrial de defesa, na qual as empresas selecionadas pelo ministério da Defesa se
especializarão e fornecerão tanto a Marinha do Brasil quanto as Indústrias Nucleares
Brasileiras e a Eletronuclear tecnologias ultramodernas nacionais. Contudo, o mercado
interno brasileiro não comporta uma pluralidade de empresas especializadas em tecnologias
bélicas e civis. Essa circunstância pode ser analisada da seguinte maneira: (1) evitar que essas
empresas se especializem em tecnologias similares, (2) buscar a expansão das indústrias de
defesa brasileiras em outros países ou (3) as empresas podem buscar trabalhar em conjunto.
Como primeira análise, é importante ressaltar que o Brasil não construirá tantos
sistemas técnicos de defesa para que haja uma produção de armamentos em escala. Dessa
forma, a inovação se torna fundamental para que as empresas não se especializem em
tecnologias similares. O importante, sob esse ponto de vista, é que essas empresas consigam
projetar todos os sistemas técnicos e sejam especialistas em montá-los.
Como segunda análise, ao expandir as indústrias de defesa brasileiras para outros
países, os ganhos econômicos serão altos. “A indústria bélica tem características peculiares,
pois, seus produtos não têm apenas valor comercial, mas são fundamentais para a soberania,
apoiando a projeção do país no cenário internacional e contribuindo para a consecução dos
interesses nacionais.”
420
“A experiência demonstra que essas parcerias de teor global
podem gerar importantes ganhos econômicos e novas conquistas, em particular nos campos
da transferência de tecnologia e capacitação.”
421
O Acordo Militar Brasil-França de sete de
setembro de 2009 é um exemplo de ganhos econômicos, científicos e tecnológicos tanto para
o Brasil quanto para a França. A transferência de tecnologia nuclear francesa para a
420
MATOS, Marcos Oliveira. Ingresso do Brasil no sistema OTAN de catalogação: perspectivas de
desenvolvimento da indústria bélica brasileira. Revista da escola de Guerra Naval. Dezembro de 2006, p. 85.
Disponível em <http://www.egn.mar.mil.br/revistaEgn/dezembro2006/09-brasilSistemaOtan.pdf>. Acessado em
15 set 2009.
421
SOKO, Mills. A África do Sul e as ameaças tradicionais e não-tradicionais à segurança regional. In:
KORNEGAY, Francis. DADA, Jabulani. (Org.) A África do Sul e o IBAS: desafios da segurança humana. Porto
Alegre: UFRGS:FUNAG/ MRE, 2007. p. 41.
235
construção do submarino nuclear brasileiro permitirá que indústrias de defesa brasileiras
sejam especialistas na fabricação de peças que compõem esse submarino e a Marinha do
Brasil, além de saber projetar o submarino nuclear, será especialista em montá-lo. Dessa
forma, a fim de transpor os cerceamentos do mercado nuclear internacional, o Brasil
“necessita dispor de instrumentos adequados (ter sob seu controle direto agência de
financiamento e recursos para esse tipo de investimento)”
422
. É de suma importância que o
governo brasileiro e o ministério da Defesa estejam coordenando a expansão das indústrias de
defesa. Os países emergentes têm demonstrado bastante interesse em adquirir transferência de
tecnologia e capacitação para modernizar as suas forças armadas. A África do Sul,
ao tomar conhecimento dos crescentes gastos com defesa indianos e da robusta
indústria de defesa e aeronáutica, somando-se a sua grande ambição, as companhias
aéreas sul-africanas, em particular a Grintek, estão procurando compartilhar sua
tecnologia com a Índia e fornecer as suas aeronaves de guerra sistemas de auto-
proteção.
423
Assim, por meio da conclusão da construção do submarino de propulsão nuclear e da
construção da base industrial de defesa, maximizando a oferta de peças, manutenção e até de
sistemas técnicos de defesa de grande porte, o Brasil, além de obter ganhos econômicos,
científicos e tecnológicos, exerceria uma ainda maior pressão para a reformulação do sistema
internacional.
Como terceira análise acerca da atuação das indústria de defesa brasileiras, pode-se
afirmar que o trabalho em conjunto como fusões em regime de joint ventures pode ser
também uma opção para a instalação de uma base industria de defesa eficiente. Dessa forma,
a fim de evitar que haja competições desnecessárias e deslealdade, as próprias empresas têm
recorrido parcerias estratégicas entre si. Essas fusões empresariais na área de defesa podem
aumentar a competitividade, a qualidade tecnológica e os investimentos financeiros em
422
BRICK, Eduardo Siqueira. O Ministério da Defesa e o Processo de Aparelhamento de Sistemas Técnicos de
Defesa. Revista de Estudos estratégicos, UFF, Niterói, p. 8. Disponível em
<http://www.nestbrasil.com/rest/page8/files/rested1-brick.pdf>. Acessado em 15 set 2009.
423
SOKO, Mills. A África do Sul e as ameaças tradicionais e não-tradicionais à segurança regional. In:
KORNEGAY, Francis. DADA, Jabulani. (Org.) A África do Sul e o IBAS: desafios da segurança humana. Porto
Alegre: UFRGS:FUNAG/ MRE, 2007. P.p. 41-42.
236
pesquisa e recursos humanos. Exemplo desse tipo de parceria estratégica é o submarino
convencional da classe scorpène. Essa classe de submarino convencional é produto da fusão
entre a indústria de defesa francesa DCSN e a indústria de defesa espanhola Navantia.
Contudo, é importante observar que essa fusão não é garantia do fim das competições ou de
uma produção desenfreada de tecnologias bélicas.
Essas análises constam como estratégias que o ministério da Defesa e as indústria de
defesa podem adotar ao longo da instalação e consolidação da indústria bélica de defesa.
Apesar de uma relativa autonomia que essas empresas selecionadas devem possuir, o
ministério da Defesa deve ter um eficiente papel de gestor e fiscalizador, pois o
fortalecimento político, econômico e militar que o Brasil almeja, está intimamente
relacionado à eficiência da instalação da base industrial de defesa.
237
CONCLUSÃO
Quando a URSS consegue realizar a sua primeira explosão atômica, a Guerra Fria
adquire uma proporção de equilíbrio de poder no sistema internacional. Segundo Raymond
Aron, “a tese otimista da paz pelo terror (ou, pelo menos, a limitação das guerras pelo medo
ao apocalipse termonuclear) se fundamenta na experiência da humanidade desde o fim da
Segunda Grande Guerra”
424
. A paz pelo medo foi uma das expressões utilizadas por teóricos
e estudiosos da Guerra Fria para compreenderem esse tempo histórico, no qual, apesar de
existir um armamento de destruição em massa, havia uma sensação de segurança
internacional. Essa sensação se justificava em função dos Estados Unidos e da União
Soviética compreenderem que a bomba atômica existia, mas que não deveria ser lançada. Os
EUA e a URSS alcançaram um grau de responsabilidade mútua em função de compreenderem
que a humanidade deixaria de existir com a explosão de uma Terceira Guerra Mundial.
Contudo, o confronto entre esses dois países não se limitou apenas no plano militar. Esse
confronto se configurou também no plano político, econômico e social. Ambas as nações
buscaram alianças para manter suas hegemonias no sistema internacional. Dessa forma, a fim
de conter a influência comunista na América, os EUA apoiaram e financiaram golpes de
Estado.
No Brasil, desde 1946, quando Eurico Gaspar Dutra assumiu a presidência do Brasil,
os EUA influenciavam ainda mais o pensamento militar brasileiro por meio da Doutrina de
Segurança Nacional. Em 1949, o presidente Dutra criou a Escola Superior de Guerra com dois
propósitos: (1) homogeneizar o pensamento militar brasileiro de acordo com a Doutrina de
Segurança Nacional e (2) aproximar civis e militares.
Apesar das vitórias conquistadas pelos militares brasileiros no Atlântico sul e na
Europa na Segunda Guerra Mundial, as autoridades políticas e militares perceberam que não
424
ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. Brasília: UnB, 1979. p. 394.
238
havia um pensamento militar homogêneo dentro da instituição. Dessa forma, por influência
estadunidense, os militares e os poucos civis que freqüentavam a ESG estudavam disciplinas
como relações internacionais, geopolítica e estratégia.
O processo que permitia o acesso a civis na ESG era rigoroso e seletivo. Os civis
tinham que ter uma idade avançada e cargos profissionais qualificados no mercado nacional.
Dessa maneira, a elite empresarial brasileira teve um acesso aos estudos desenvolvidos na
ESG.
Percebe-se assim que, a homogeneização de um pensamento militar e estratégico
nacional estava se construindo no seio de uma instituição militar de altos estudos. Muitos
militares e civis que integraram o corpo discente da ESG formularam o Golpe militar de 1964.
A estrutura golpista que se formulou ao longo da década de 1950 foi muito bem arquitetada e
institucionalizada por esses seguimentos da sociedade.
Segundo um dos principais arquitetos do Golpe de 1964, general Golbery do Couto e
Silva, a “revolução” aconteceria para estabilizar o país e assim que esse objetivo se
concretizasse o poder político seria devolvido aos civis.
A euforia nacional provocada pelo suposto milagre econômico do governo Médici,
além de justificar a permanência dos militares no poder, justificou ainda mais o abuso da
força para conter as ações consideradas subversivas pelos militares. Dessa maneira, os
movimentos considerados subversivos pelo governo eram silenciados. Dreiffus afirma que a
institucionalização do terror foi a forma que os militares encontraram para que não houvesse
maiores contestações ao regime. Essa afirmação corrobora com a tese de Rizzo de Oliveira ao
afirmar que os políticos não tiveram condições de promover a abertura do regime. Os
políticos tinham seus mandatos cassados, sofriam torturas e/ ou eram assassinados. Os
políticos que demonstravam alguma tendência a se aproximar dos movimentos considerados
pelos militares como subversivos tinham que pensar muito em protestar contra o governo.
239
Na década de 1970, o sistema internacional sofreu uma grave crise econômica,
provinda de uma crise energética. Dessa maneira, os Estados que dependiam do petróleo dos
países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), foram forçados
a adotar medidas para contornar a crise. Na década de 1970, o Brasil contraiu dívidas externas
para financiar o processo industrial, científico e tecnológico. Contudo, os militares
argumentaram que as conseqüências da crise econômica pela qual o Brasil vivenciava era
exclusivamente da crise energética internacional.
Dessa maneira, as medidas adotadas pelo governo do presidente Geisel tinham que
levar em conta que o Brasil não estava na órbita de inimizades da OPEP e que qualquer
atitude tomada poderia comprometer, além dos contratos assinados, a própria economia
brasileira.
Desde o início do século XX, Brasil e Estados Unidos tinham boas relações políticas.
Contudo, as relações se baseavam em nível assimétrico. Em função do estilo autônomo de
Geisel conduzir a política externa de seu governo, este presidente buscou estabelecer acordos
com os Estados Unidos de forma mais simétrica. Assim, no contexto de crise energética, o
presidente Geisel compreendeu que o apoio do Brasil aos EUA, poderia comprometer a
economia brasileira. Ao buscar estabelecer relações internacionais mais simétricas, Geisel
demonstrava que seu governo seria conduzido, mediante a sua tomada de decisões. Dessa
forma, a contragosto dos EUA, Geisel ampliou a presença do Brasil na Ásia, na África e,
sobretudo, na Europa. A ampliação de poder na Europa foi a que mais incomodou os Estados
Unidos, pois o Brasil recorreu aos aliados estratégicos dos Estados Unidos para construir as
suas próprias alianças estratégicas. Tanto o desenvolvimento da tecnologia nuclear da
Inglaterra quanto da França havia tido a participação dos EUA. A República Federal da
Alemanha também havia desenvolvido a tecnologia nuclear, em conjunto, por meio de
consórcios europeus (Euratom e Urenco), e isoladamente, na década de 1950. A Inglaterra e a
240
França construíram bombas nucleares, a RFA limitou-se a construir reatores nucleares. O
Brasil recorreu a esses três países europeus para adquirir a tecnologia do átomo. O único país
a se mostrar favorável a tornar o acesso a essa tecnologia ao Brasil foi a RFA. Durante as
negociações entre autoridades brasileiras e alemães nasceu a idéia de se construir um
submarino de propulsão nuclear. Essa idéia reflete as duas bases de sustentação que Geisel,
em discurso como candidato à Arena, em 1973: segurança e desenvolvimento.
A função da Marinha do Brasil no contexto da Guerra Fria se limitava a zelar pelas
linhas de comunicação em seus mares territoriais. Quando o subdesenvolvimento passou a ser
o inimigo dos países em desenvolvimento e, indiretamente, dos Estados Unidos, Geisel
encontrou no petróleo a estratégia de promover a segurança e o desenvolvimento. A idéia
inicial era construir ou adaptar navios de pesquisa oceanográfica com propulsão nuclear. O
navio auxiliaria a Petrobrás a mapear e descobrir petróleo no mar territorial brasileiro. A idéia
de construir um submarino nuclear foi ainda mais bem vinda na concepção estratégica de
Geisel, pois poderia atenderia a três circunstâncias: auxiliaria no mapeamento científico do
mar territorial, ajudaria os centros tecnológicos a construir reatores nucleares e protegeria as
jazidas petrolíferas nas 200 milhas marítimas brasileiras. No entanto, se o Brasil
desenvolvesse um submarino nuclear com tecnologia alemã, na concepção de Geisel, os EUA
poderiam interpretar que a Alemanha estaria contribuindo para o Brasil desenvolver
armamento nuclear. Dessa forma, o governo brasileiro não poderia projetar construir um
submarino nuclear sob as atenções do governo dos EUA e dos organismos internacionais. O
governo brasileiro receava que os EUA pudessem cumprir as ameaças de sanções políticas e
econômicas. Além disso, escândalos de corrupção e manifestações anti-nucleares
contribuíram para que o governo Geisel conduzisse as pesquisas para a construção de um
submarino na clandestinidade. De 1976, quando surgiu a idéia de construir um submarino
nuclear, até 1978, ano da volta do comandante Othon para o Brasil, Geisel não havia
241
encontrado uma forma de construí-lo em parceria com os alemães, longe das atenções dos
EUA. A participação da Marinha do Brasil foi fundamental para tornar possível o projeto de
construção do submarino nuclear.
O comandante Othon, de 1979 até 1994, foi o artífice do projeto de construção do
submarino nuclear. Ao longo desses anos, esse comandante e todas as parcerias acionadas
para construir o submarino nuclear propiciaram conquistas científicas e tecnológicas para o
Brasil. Foi graças a essa construção que houve o desenvolvimento de áreas que os centros
científicos e tecnológicos brasileiros não haviam desenvolvido. A mecatrônica é um exemplo
disso. Além disso, foi a partir da experiência de projetar um reator nuclear para um submarino
que as pesquisas na área nuclear dentro dos grandes centros científicos e tecnológicos civis
prosperaram. Como os EUA, sob o governo e Carter, promovia sanções políticas, econômicas
e/ ou militares aos países que não cumprissem com determinações (redemocratização e não-
proliferação nuclear), o Brasil passou a ser o centro das atenções dos países em
desenvolvimento como a Argentina, a Líbia e o Iraque que desejavam os conhecimentos
adquiridos no campo da atividade nuclear pelo Brasil.
O presidente Figueiredo, por exemplo, se demonstrou tão comprometido com o
projeto de construção do submarino nuclear que buscou maximizar investimentos financeiros,
por meio de contas secretas movimentadas no exterior, e se aliou a inimigos políticos, como
Tancredo Neves, para que este projeto não fosse desmantelado. No entanto, é de suma
importância reconhecer o papel do governo alemão. Esse país não cancelou o Acordo Nuclear
assinado com o Brasil, em 1975, não denunciou o governo brasileiro por construir um reator
nuclear para um submarino e defendeu o projeto nuclear da Marinha do Brasil quando o seu
Partido da Social Democracia protestou contra o governo alemão.
Além de parcerias externas de países desenvolvidos e em desenvolvimento, o projeto
do submarino nuclear brasileiro também conquistou o governo da oposição. Mesmo a
242
oposição assumindo o governo com a promessa de transparência política, o governador do
estado de São Paulo, André Franco Montoro, e o prefeito da cidade de Iperó, Marcos Tadeu
Andrade. Esses políticos perceberam as melhorias que esse projeto poderia trazer para o
estado de São Paulo. Além de melhorias nas estradas, um número desproporcional de linhas
telefônicas, reforço policial, saneamento na área urbana e a construção de um hospital para a
região, o Centro Experimental Aramar ativou o comércio e as indústrias do estado de São
Paulo.
A preocupação dos militares em transferir os projetos estratégicos aos civis teve fim,
pois, na transição democrática, foi o período que o projeto do submarino nuclear mais ganhou
adeptos civis. Contudo, a crise econômica abalou a economia do país e os próprios projetos
estratégicos das forças armadas.
Diante da perspectiva de mudança de orientação política e ideológica, a sociedade
brasileira percebia cada vez mais as falhas do Estado em suas funções empreendedoras. Dessa
maneira, além da desconfiança que a sociedade possuía em relação aos militares, somou-se a
isso o desgaste do modelo desenvolvimentista. Essa orientação provinha dos países
desenvolvidos.
Ao longo da década de 1980, o governo brasileiro deu continuidade às suas pesquisas
nesse campo de atividade, mas o desejo de reaproximar-se politicamente permanecia na
vontade dos políticos e diplomatas brasileiros. A crise do Estado brasileiro permitiu que
surgissem idéias liberais na política brasileira. Como os políticos adeptos dessas idéias
consideraram mais importante a busca pela parceria política dos EUA, decidiram diminuir a
importância estratégica da política nuclear brasileira.
Embora o governo brasileiro, ao longo da década de 1990, cedesse aos encantos de
medidas liberalizantes, a Marinha do Brasil conseguiu evitar que o projeto do submarino de
243
propulsão nuclear fosse corrompido pela idéias neoliberais que alguns políticos brasileiros
haviam adotado.
A busca de parceria estratégicas para além da Europa e dos Estados Unidos teve
início a partir do governo Geisel. No entanto, o governo Collor apresentou uma nítida
tentativa de reaproximação política e econômica com os Estados Unidos. Assim, a aspiração
do Brasil em se tornar líder regional foi vetada pelas práticas econômicas brasileiras que
acataram as sugestões do Consenso de Washington. O governo Itamar caracterizou-se pela
manutenção dessas práticas econômicas e pelo retorno da aspiração do Brasil em se tornar um
líder regional. Até então, essa aspiração se materializava nas relações com a Ásia e a Europa.
No governo Itamar Franco, a materialização dessa busca por liderança se manifestou nas
relações com a África. O governo brasileiro, ao projetar o seu poder na América e na África,
tinha por objetivo se posicionar, a princípio, como líder dos países em desenvolvimento.
A assinatura do TNP pouco foi útil para o Brasil. O argumento de que, se o Brasil
não tivesse assinado esse tratado, as pressões seriam ainda maiores e o governo e/ ou as
autoridades navais brasileiras não conseguiriam levar adiante o projeto de construção do
submarino de propulsão nuclear é relativo. Na década de 1980, as críticas em âmbito nacional
e a desconfiança e as pressões internacionais existiram, mas as conquistas científicas e
tecnológicas de Aramar foram grandes. Na década de 1990, apesar de o Brasil se tornar
signatário do TNP, não foram nem as dificuldades nem os cerceamentos internacionais que
aprofundaram a crise do projeto, mas o desinteresse do governo, de militares, incluso da
própria Marinha do Brasil, e de setores da sociedade brasileira.
O projeto do submarino de propulsão nuclear sofreu contestações que ia além da
política. As idéias liberais conseguiriam chegar até às forças armadas. Muitos oficiais-
generais, apesar de reconhecer a importância estratégica de um submarino nuclear, falavam
em custos e em prioridades. Essas idéias também atingiram a própria instituição naval à
244
medida que se alegava que a ausência de verbas, as tecnologias estudadas se tornariam
obsoletas. Especulou-se sobre a funcionalidade de um submarino nuclear na plataforma
continental brasileira. Julgou-se que a produção científica e tecnológica do Centro
Experimental Aramar só seria útil para o programa nuclear brasileiro.
Apesar de todos os argumentos utilizados por políticos e militares brasileiros para
embargar o projeto do submarino nuclear, esse projeto sobreviveu a esses novos tempos. Foi
preciso encontrar evidências históricas, científicas e políticas para que esse projeto retornasse
para o Estado. De 1979, quando foi transferido para as forças armadas, até 2007, quando o
governo voltou a se interessar por ele, foram muitos os argumentos sustentados para
inviabilizar o projeto do submarino de propulsão nuclear. Contudo, pode-se afirmar que um
ganhos científicos e tecnológicos nesses tempos de incerteza da política nuclear brasileira foi
a oficialização da transferência inter-setorial. Essa oficialização permitiu que os programas
nucleares se fortalecessem. O Programa Nuclear Paralelo foi incumbido pelo próprio governo
federal de desenvolver tecnologias para o Programa Nuclear Brasileiro.
Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, no plano externo, e a crise do
apagão, no plano interno, permitiram que as autoridades políticas percebessem a tecnologia
nuclear por um outro ângulo. A questão nuclear passou assim, a ser melhor compreendida e
melhor aceita no governo federal. Quando os EUA e a AIEA pressionaram o Brasil para
assinar o protocolo adicional ao TNP, em 2004, as autoridades brasileiras perceberam os
interesses estadunidenses em embargar tanto o programa nuclear brasileiro quanto o projeto
nuclear da Marinha do Brasil.
Estrategicamente, o comandante da Marinha, almirante Moura Neto, convidou o
presidente Lula para conhecer o Centro Experimental Aramar, no qual o projeto do submarino
de propulsão estava sobrevivendo em precárias condições orçamentárias. O presidente
percebeu nessa visita, as razões pelas quais os EUA incentivaram a AIEA a pressionar o
245
Brasil para assinar o protocolo adicional: a tecnologia desenvolvida pelo Brasil poderia
transformá-lo em uma potência mundial. Além disso, os EUA compreenderam que, o Brasil,
ao construir um submarino de propulsão nuclear, o desenvolveria para fortalecer o poder
político e militar muito além das águas jurisdicionais brasileiras. Os EUA entenderam que o
Brasil, buscava mudar as regras do jogo internacional, fortalecendo seu poder em áreas que
até então, eram partilhadas apenas pelas potências desenvolvidas.
Desde o início do século XXI, o Brasil é um dos líderes do G-20. Esse grupo de
países em desenvolvimento propõe além de reformulações econômicas, reformulações
políticas no sistema internacional. A busca desses países por uma vaga permanente no
Conselho de Segurança da ONU são exemplos das estratégias formuladas pelo governo
brasileiro para promover o status do país no sistema internacional.
A concretização do projeto do submarino de propulsão nuclear gerará empregos,
especializações técnicas e acadêmicas, priorizará as empresas nacionais, contribuirá para que
essas empresas se tornem especialistas no processo de inovação tecnológica. A construção do
submarino de propulsão nuclear tornará o Brasil um ator influente no jogo político do sistema
internacional. Percebe-se assim que essa construção vai muito além do fortalecimento do
poder militar brasileiro. O projeto do submarino de propulsão nuclear propiciará
desenvolvimento sócio-econômico, protegerá as riquezas naturais alocadas nos solos e
subsolos da plataforma continental brasileira e fortalecerá o poder político do Brasil no
sistema internacional.
246
REFERÊNCIAS:
FONTES PRIMÁRIAS
Centro de Produção e Documentação da Fundação Getúlio Vargas
Pasta Paulo Nogueira Batista
ACORDO entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República
Federal da Alemanha sobre cooperação no campo dos usos pacíficos da energia nuclear.
CARTA DE HANSCHILD enviada à Paulo Nogueira Batista sobre Propulsão Nuclear de
Navios em 15 de julho de 1976.
CARTA DE HAUNSCHILD à Paulo Nogueira Batista em 26 de maio de 1976, de Bonn-
Bad Godesberg, Alemanha. Pasta Paulo Nogueira Batista.
COMENTÁRIOS INICIAIS de Murillo Souto Maior de Castro ao Presidente Geisel sobre a
carta de Dr. H. H. Haunschild sobre a Propulsão Nuclear. Rio de Janeiro, 15 de julho de
1976.
ESTUDO 001/ . SC/84 sobre Programa Nuclear Brasileiro: entendimentos em torno da
fixação dos orçamentos da CNEN e Nuclebrás, em 20 de janeiro de 1984.
MATERIAL entregue à Rex Nazareth Alves por Alfredo do Amaral Osório, em função do
pedido de demissão de John Milne Albuquerque, do cargo de diretor-superintendente da
Nuclebrás, em 12 de abril de 1980.
RELATÓRIO da Nuclebrás para o Ministério de Minas e Energia sobre o Programa Nuclear
Alemão em 27 de fevereiro de 1978.
RELATÓRIO da Nuclebrás para o Ministério de Minas e Energia sobre o Programa Nuclear
Alemão em 27 de fevereiro de 1978.
RELATÓRIO do Ministro das Relações Exteriores, Antônio Azeredo da Silveira, para o
Presidente Ernesto Geisel sobre fornecimento de urânio enriquecido ao Brasil pela Urenco,
em 5 de julho de 1978.
Biblioteca da Comissão Nacional de Energia Nuclear
FONSECA, Maximiniano Eduardo da Silva. Projeto do submarino nuclear uma notável
conquista tecnológica. Revista do Clube Naval, 1994.
SILVA, Othon Luiz Pinheiro da. Submarino de propulsão nuclear no Brasil. Revista do
Clube Naval, v.1, 1994.
Biblioteca da Escola de Guerra Naval
RELATÓRIO sobre a parte do período de sessões, realizada no período julho/ agosto de
1980. Documentação Biblioteca da Escola de Guerra Naval. CONFERÊNCIA DA
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR, III. 1980.
Genebra – Suíça.
Declaração, Discurso, Entrevista e Pronunciamento
DECLARAÇÃO do Comandante da Marinha, Almirante-de-Esquadra Julio Soares de Moura
Neto, sobre “A importância da construção do submarino de propulsão nuclear brasileiro".
Disponível em
247
<https://www.mar.mil.br/menu_h/noticias/cm/Aimportanciadaconstrucaodosubmarinodeprop
ulsaonuclearbrasileiro/Aimportanciadaconstrucaodosubmarinodepnb.htm>
DISCURSO da Primeira Reunião Ministerial. Brasília, 19 de março de 1974.
DISCURSO de Ernesto Geisel na Convenção Nacional da Arena. Brasília, 15 de setembro de
1973.
DISCURSO de Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia de lançamento do pólo aeronáutico de
helicópteros de grande porte. Minas Gerais, 30 de junho de 2008. Disponível em
<http://www.defesanet.com.br/eads/br_5.htm>.
DISCURSO de Luiz Inácio Lula da Silva na osse da presidência da república dos Estados
Unidos de Barack Obama. Washington, 20 de janeiro de 2009. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u492332.shtml>.
DISCURSO de Luiz Inácio Lula da Silva na Convenção do Partido dos Trabalhadores.
Brasília, 24 de junho de 2006. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u79810.shtml>.
DISCURSO de Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia de lançamento de aceleração do
crescimento. Palácio do Planalto, 22 de janeiro de 2007. Disponível em <
http://www.triangulomineiro.com/noticia.aspx?catNot=53&id=8272&nomeCatNot=Pol
%C3%ADtica>
DISCURSO de Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia de lançamento do pólo aeronáutico de
helicópteros de grande porte. Minas Gerais, 30 de junho de 2008. Disponível em
<http://www.defesanet.com.br/eads/br_5.htm>.
DISCURSO de Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia de assinatura do Decreto de Criação
do Grupo de Formulação da Estratégia Nacional de Defesa Palácio do Planalto, 06 de
setembro de 2007. Disponível em < https://www.defesa.gov.br/UserFiles/File/Discurso%20do
%20presidente%20da%20Republica.pdf> .
DISCURSO de Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia de Reinstalação do Conselho
Nacional de Ciência e Tecnologia. Brasília 11 de setembro de 2003. Disponível em <http://
www.radiobras.gov.br/integras/03/integra_110903_01.htm>
DISCURSO de Luiz Inácio Lula da Silva no almoço de fim de ano dos Oficiais-Generais da
Marinha, Exército e Aeronáutica. Clube Naval Brasília, 11 de dezembro de 2007.
Disponível em: < http://www.defesanet.com.br/md1/lula_11dez07.htm>
ENTREVISTA concedida pelo presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, no Centro
Tecnológico da Marinha Iperó-SP, 10 de julho de 2007. Disponível em <
https://www.defesa.gov.br/UserFiles/File/pr233-[email protected]>
ENTREVISTA do presidente Luiz Inácio Lula da Silva após visita ao
Centro Experimental Aramar, do Centro Tecnológico da Marinha. Iperó-SP, 10 de julho de
2007. Disponível em < http://www.defesanet.com.br/zz/mb_sub_nuc_3.htm>.
ENTREVISTA do sub-chefe do Gabinete do Ministro da Marinha, almirante Armando
Amorim Ferreira Vidigal, do Assessor da Presidência da Nuclebrás, Murillo Souto Maior de
Castro. Brasília, em 10 de agosto de 1976.
PRONUNCIAMENTO do Deputado Luis Sérgio na Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro,
13 de abril de 2004. Disponível em
<http://www.camara.gov.br/internet/sitaqweb/TextoHTML.asp?
etapa=5&nuSessao=048.2.52.O
%20%20%20%20%20&nuQuarto=68&nuOrador=1&nuInsercao=0&dtHorarioQuarto=16:14
&sgFaseSessao=GE
%20%20%20%20%20%20%20%20&Data=13/04/2004&txApelido=LUIZ%20S
%C3%89RGIO,%20PT-RJ&txFaseSessao=Grande%20Expediente
%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20&txTipoSessao=Ordin
248
%C3%A1ria%20-%20CD
%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20&dtHoraQuarto=16:
14&txEtapa=>.
Decreto, Lei, Ordem do Dia e Portaria
DECRETO 5.484, de 30 de junho de 2005 Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5484.htm>
DECRETO 40.110 de 10 de outubro de 1956. Arquivo Histórico da Marinha do Brasil.
Coletânea de legislação e jurisprudência.
DECRETO 63.164, de 26 de agosto de 1968. Arquivo Histórico da Marinha do Brasil.
Coletânea de legislação e jurisprudência.
DECRETO Nº. 1.098, de 25 de Março de 1970. Arquivo Histórico da Marinha do Brasil.
Coletânea de legislação e jurisprudência.
DECRETO N°. 81.217, de 13 de janeiro de 1978. Arquivo Histórico da Marinha do Brasil.
Coletânea de legislação e jurisprudência.
DECRETO N°. 81.970, de 13 de julho de 1978. Arquivo Histórico da Marinha do Brasil.
Coletânea de legislação e jurisprudência.
DECRETO 93.439, de 17 de outubro de 1986. Arquivo Histórico da Marinha do Brasil.
Coletânea de legislação e jurisprudência.
DECRETO 95.787, de 7 de março de 1988. Arquivo Histórico da Marinha do Brasil.
Coletânea de legislação e jurisprudência.
DECRETO 98.145, de 15 de setembro de 1989. Arquivo Histórico da Marinha do Brasil.
Coletânea de legislação e jurisprudência.
DECRETO 5.484, de 30 de junho de 2005. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5484.htm>.
ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA. Disponível em
<https://www.defesa.gov.br/eventos_temporarios/2009/estrategia/arquivos/estrategia_defesa_
nacional_portugues.pdf>.
LEI 6.189, de 16 de dezembro de 1974. Arquivo Histórico da Marinha do Brasil.
Coletânea de legislação e jurisprudência.
ORDEM DO DIA Nº. 2, de 1º de março de 2007.
ORDEM DO DIA . 5, de 26 de setembro de 2008. Disponível em
<https://www.mar.mil.br/diversos/Boletim/bn260908.html>.
PORTARIA NORMATIVA Nº. 899/MD, de 19 de julho de 2005.
FONTES SECUNDÁRIAS
Livros
[S/A] Cinqüentenário do Convênio entre a Marinha do Brasil e a Universidade de São
Paulo: a criação do curso de engenharia naval na Escola Politécnica. São Paulo: Narrativa
um, 2007.
[S/A] De Agra a Aramar: os militares a caminho da bomba. Sindicato dos metalúrgicos de
Sorocaba São Paulo: Cedi, 1988.
[S/A] Energia Nuclear: problemas e opções. Grupo de Estudo da Política de Energia
Nuclear (EUA). São Paulo: Cultriz, 1971.
[S/A] Fundamentos teóricos. Rio de Janeiro: ESG, 1982.
[S/A] História naval brasileira. Quinto volume, tomo II. Rio de Janeiro: Serviço de
documentação geral da Marinha, 1985.
249
[S/A] Palavras do presidente (1995-2002). Brasília: Presidência da República, 2002.
ABREU, Alzira Alves de. (Org) Dicionário histórico-biográfico brasileiro Pós-30. Rio de
Janeiro: Fgv, 2001.
AMARAL, Roberto. (Org.) FHC: os paulistas no poder. Niterói: Casa Jorge Editorial, 1995.
ANTUNES, Ricardo. A desertificação neoliberal no Brasil. (Collor, FHC e Lula). São
Paulo: Autores Associados, 2004.
ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. Brasília: UnB, 1979. 79p.
ASSIS, Denise. Propaganda e cinema a serviço do Golpe (1962-1964). Rio de Janeiro:
Mauad. FAPERJ, 2001.
AYERBE, Luiz Fernando. O choque econômico e a transição democrática: Brasil e
Argentina. São Paulo: Vértice, 1986.
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As relações perigosas: Brasil Estados Unidos (de
Collor à Lula, 1990 – 2004). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2004.
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Milagre alemão e o desenvolvimento do Brasil: as
relações da Alemanha com o Brasil e a América Latina (1949 1994). São Paulo: Ensaio,
1994.
BARBER, Benjamin R. O Império do medo. Rio de Janeiro: Record, 2005.
BOBBIO, Noberto. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. São
Paulo: Paz e Terra, 2007.
______. O problema da guerra e as vias da paz. São Paulo: UNESP, 2003.
BOBBITT, Phillip. A Guerra e a Paz na História Moderna: o impacto dos grandes
conflitos e da política na formação das nações. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
BONANATE, Luigi. A guerra. São Paulo: Estação liberdade, 2001.
BONIFACE, Pascal; COURMONT, Barthélémy. Le monde nucléaire: arme nucléaire et
relations internationals depuis 1945. Paris: Armand Coli, 2006.
BRIGAGÃO, Clóvis; PROENÇA JÚNIOR, Domício. (Org.). Brasil e o mundo: novas
visões. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002.
CALDER, Nigel. Se não houver paz. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1968.
CARDOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS, Ronaldo. (Orgs) Domínios da história: ensaios de
teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
CASTRO, Therezinha de. Geopolítica, princípios, meios e fins. Rio de Janeiro: Bibliex,
1999.
CERVO, Amado Luiz. BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil.
Brasília: UNB, 2008.
CHAUI, Marilena de Souza. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.
CHAUVEAU, Agnes (Org.) Questões para a História do Tempo Presente. São Paulo:
Edusc, 1999.
CHAYES, Abram. LEWIS, W. Bennett. (Org.) O ciclo de combustível nuclear: o Acordo
Nuclear Brasil – Alemanha visto por analistas estrangeiros. Rio de Janeiro: Atlântida, 1978.
CONANT, Melvin A. GOLD, Fern Racine. A geopolítica energética. Rio de Janeiro:
Bibliex, 1981.
COSTA, Sergio; SANGMEISTER, Hartmut; STECKBAUER, Sonja. (Org) O Brasil na
América Latina: interações, percepções, interdependências. São Paulo: AnnaBlume:
ADLAF: Fundação Henrich Böll, 2007.
D’ARAÚJO, Maria Celina. CASTRO, Celso. (Orgs). Democracia e forças armadas no cone
sul. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
______. Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: FGV, 1997.
D’ARAÚJO, Maria Celinna; CASTRO, Celso. Militares e política na Nova República. Rio
de Janeiro: FGV, 2001.
250
DINIZ, Eli. (Org.). Globalização, Estado e desenvolvimento: dilemas do brasil no novo
milênio.Rio de Janeiro: FGV, 2007.
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981.
ERICKSON, Andrew S. (Org). China’s future nuclear submarine force. Annapolis: Naval
Institute Press, 2007.
FEROLLA, Sergio Xavier; METRI, Paulo. Nem todo o petróleo é nosso. São Paulo: Paz e
terra, 2006.
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. (Org) O Brasil republicano. Rio
de Janeiro: Civilização brasileira, 2003.
FERREIRA, José de Castro. Itamar o homem que redescobriu o Brasil. Rio de Janeiro:
Record, 1995.
FIGUEIREDO, Lucas. Ministério do silêncio: a história do serviço secreto brasileiro de
Wasshington Luís a Lula (1927-2005). Rio de Janeiro: Record, 2005.
FUSER, Igor. Petróleo e poder: o envolvimento militar dos Estados Unidos no Golfo
Pérsico. São Paulo: UNESP: Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações
Internacionais da UNESP, Unicamp e PUC-SP, 2008.
GADDIS, John Lewis. História da Guerra Fria. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2006.
GIROTTI, Carlos A. Estado Nuclear no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1984.
GÓES, Walder de. O Brasil do General Geisel. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
GORBACHEV, Mikhail. Tempo para a paz. Rio de Janeiro: Globo: Nova Fronteira, 1987.
GRAY, John. Al-Qaeda e o que significa ser moderno. Rio de Janeiro: Record, 2004.
GREAVES, H.R.G. Fundamentos da teoria política. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.
GRIPPI, Sidney. Energia nuclear: os bastidores do Programa Nuclear Brasileiro e seus
Reflexos na sociedade e na economia nacional. Rio de Janeiro: Interciência, 2006.
GUIMARÃES, Eduardo Augusto; ARAÚJO JÚNIOR, José Tavares de; ERBER, Fábio. A
política científica e tecnológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
HARVEY, David. O neoliberalismo: história e imp1icações. São Paulo: Loyola, 2008.
JABUR, Maria Ângela. Racionamento: do susto à consciência. São Paulo: Terra das Artes,
2001.
KISSINGER, Henry A. Diplomacia. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1999.
LAFER, Celso. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira
passado, presente e futuro. São Paulo: Perspectiva, 2004.
LAMOUNIER, Bolívar. (Org.) De Geisel a Collor: o balanço da transição. São Paulo:
Sumaré, 1990.
LEITE, Antônio Dias. A energia do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
LESSA, Carlos. (Org.). O Brasil a luz do apagão. Rio de Janeiro: Palavras e imagem, 2001.
LOHBAUER, Christian. Brasil Alemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São
Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2000.
KORNEGAY, Francis. DADA, Jabulani. (Org.) A África do Sul e o IBAS: desafios da
segurança humana. Porto Alegre: UFRGS:FUNAG/ MRE, 2007.
MACHADO, Ralph. Lula A.C. - D.C. - política econômica antes e depois da "Carta ao
Povo Brasileiro". São Paulo: Annablume, 2007.
MAGNOLI, Demétrio. (Org.) História da paz. São Paulo: Contexto, 2008.
MALHEIROS, Tânia. A bomba oculta: o Programa Nuclear Brasileiro. Rio de Janeiro:
Gryphus, 1993.
MARQUES, Eduardo César. Redes sociais, instituições e atores políticos no governo da
cidade de São Paulo. São Paulo: Annablume, 2003.
MATTOS, Carlos de Meira. Brasil: geopolítica e destino. Rio de Janeiro: José Olympio,
1979.
251
MIROW, Kurt Rudolf. Loucura nuclear: os enganos do Acordo Nuclear Brasil-
Alemanha. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1979.
MORAES NETO, Geneton. Dossiê Brasília o segredo dos presidentes. São Paulo: Globo,
2005.
MORGENTHAU, Hans. A política entre as nações. Brasília: UnB, 2003.
NOVAES, Adauto. A crise do Estado-nação. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003.
NOVARO, Marcos. PALERMO, Vicente. A ditadura militar argentina: do golpe de
Estado à restauração democrática. São Paulo: Edusp, 2007.
OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. Democracia e defesa nacional: a criação do Ministério da
Defesa na presidência de FHC. São Paulo: Manole, 2005.
OLIVEIRA, Henrique Altermani de; ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon. (Orgs) A
política externa brasileira na visão dos seus protagonistas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2005.
______. Política externa brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005.
OLIVEIRA, Maria Odete de. Os descaminhos do Brasil nuclear. Rio Grande do Sul: Unijuí,
1999.
PINTO, J. R. de Almeida.;ROCHA, A. J. Ramalho da; SILVA, R. Doring Pinho da. (Org). As
Forças Armadas e o desenvolvimento científico e tecnológico do País. Brasília: Ministério
da Defesa, Secretaria de Estudos e de Cooperação, 2004.
______. Reflexões sobre defesa e segurança: uma estratégia para o Brasil. Brasília:
Ministério da Defesa, Secretaria de Estudos e de Cooperação, 2004.
PIRES, Adriano; FERNÁNDEZ, Eloi Fernández; BUENO, Julio. Política Energética para o
Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
PROENÇA JÚNIOR, Domício. Uma avaliação da indústria bélica brasileira: defesa,
indústria e tecnologia. Rio de Janeiro: Coregráfica, 1993.
REBELO, Aldo. FERNANDES, Luis. (Org). Política de defesa para o século XXI. Brasília:
Câmara dos Deputados, Coordenação de publicações, 2003.
RAPOPORT, Mario. A Guerra das Malvinas e a política exterior argentina: a visão dos
Protagonistas. Projeto Globalización e Integración: Factores Históricos y Problemas Actuales
del Cono Sur, Programa UBACYT, Universidade de Buenos Aires, Maio de 1996.
RÉMOND, René. (Org) Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV, 2003.
RENAN, Iale. O poder nacional e a realidade brasileira. Rio de Janeiro: Rio, 1977.
ROCHA FILHO, Álvaro. GARCIA, João Carlos Vitor (Org.) Renato Archer: Energia
atômica, soberania e desenvolvimento. Rio de janeiro: Contraponto, 2006.
ROSA, Luiz Pinguelli. O apagão: por que veio? Como sair dele? Rio de Janeiro: Revan,
2001.
ROSA, Luis Pinguelli. (org). Energia e crise. Petrópolis: Vozes, 1984.
SADER, Emir. (Org.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. São
Paulo: Paz e terra, 1996.
SCAHILL, Jeremy. Blackwater: a ascensão do exército mercenário mais poderoso do
mundo. São Paulo: Companhia das letra, 2008
SILVA, Golbery do Couto e. Planejamento estratégico. Brasília: UNB, 1981.
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo à Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
SOLNIK, Alex. A guerra do apagão: a crise de energia elétrica no Brasil. São Paulo:
SENAC, 2001.
SOROS, George. A crise do capitalismo. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
TOMMAZI, Luiz Roberto. Meio ambiente e oceanos. São Paulo: Senac, 2008.
UESSELER, Rolf. Guerra como prestação de serviço: a destruição da democracia pelas
empresas militares privadas. São Paulo: Estação liberdade, 2008.
252
VELLOSO, João Paulo dos Reis; ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de. Chegou a vez
do Brasil? Rio de Janeiro: José Olympio, 2007.
VELLOSO, João Paulo dos Reis. (Org). Por que o Brasil não é um país de alto
crescimento? Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.
VIDIGAL, Armando Amorim Ferreira. ALMEIDA, Francisco Eduardo Alves de. (Org.)
Guerra no mar: batalhas e campanhas navais que mudaram a história. Rio de Janeiro:
Record, 2009.
ZAVERUCHA, Jorge. Frágil democracia Collor, Itamar, FHC e os militares (1990-
1998). Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2000.
Dissertações e Teses
CARPES, Mariana Montez. A política nuclear brasileira no contexto das relações
internacionais contemporâneas: domínio tecnológico como estratégia de inserção
internacional, Dissertação de mestrado, IRI/PUC-Rio, Rio de Janeiro, 4 de setembro de
2006. Disponível em:
< http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/acessoConteudo.php?nrseqoco=30406>.
MARQUES, Adriana Aparecida. Amazônia: pensamento e presença militar, Tese de
doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em
<http://www.cpdoc.fgv.br/projetos/militares-amazonia/arq/txt_AdrianaMarques.pdf>.
OLIVEIRA, Lucas Kerr. Petróleo e segurança internacional: aspectos globais e regionais
das disputas por petróleo na África subsaariana, Dissertação de mestrado, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2007. Disponível em <
http://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/11150/000607059.pdf?sequence=1>.
PREISS, José Luiz Silva. América do Sul e Oriente Médio sob influências internacionais
através de um estudo de caso: as relações Brasil Iraque (1964-1991), Dissertação de
mestrado, Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre, Porto Alegre,
2006. Disponível em
<http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/10247/000591742.pdf?sequence=1>
SOUZA, Alexandre Monteiro. Análise emergética do assentamento fazenda Ipanema:
reforma agrária e desenvolvimento sustentável, Dissertação de mestrado, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo, 2006. Disponível em: <http://www.unicamp.br/
fea/ortega/extensao/Tese-AlexandreSouza.pdf>.
Revistas
Revista de Economia Política, volume 15, Nº. 1 (57), janeiro – março de 1995.
Política democrática Revista de Política e cultura Brasília: Fundação Astrojildo Pereira,
2004. Nº 8, maio de 2004.
Sítios eletrônicos
Noticiário da Imprensa
ACORDO BRASIL-FRANÇA para submarino nuclear causa debates na Europa. O Povo, 13
de fevereiro de 2008. Disponível em <
http://www.opovo.com.br/opovo/internacional/765469.html>
253
ACORDO BRASIL E FRANÇA para submarino nuclear causa debates na Europa. Bol
Notícias, 12 de fevereiro de 2008. Disponível em
<http://noticias.bol.uol.com.br/internacional/2008/02/12/ult34u199041.jhtm>.
AGÊNCIA ATÔMICA DA ONU pressiona Brasil. Valor econômico, 19 de dezembro de
2003. Disponível em
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/fd060120042.htm>.
ALENCAR DEFENDE que Brasil tenha armas nucleares. Forças Terrestres, 24 de setembro
de 2009. Disponível em <http://www.forte.jor.br/?p=4974>.
COMANDANTE DA MARINHA: A Marinha do Brasil e a questão dos submarinos.
Defesanet, 05 de dezembro de 2006. Disponível em
<http://www.defesanet.com.br/zz/mb_sub_nxc_2.htm>.
BRASIL acelera programa de construção de submarino nuclear. Power, 26 de setembro de
2008. Disponível em < http://www.power.inf.br/pt/?p=1412>.
BRASIL terá seu submarino nuclear em 2021, diz militar. UOL notícias, 2 de outubro de
2008.Disponível em:
< http://noticias.bol.uol.com.br/internacional/2008/10/02/ult611u79651.jhtm
CANDIDATOS cortejam Forças Armadas. Defesanet, 30 Setembro 2002. Disponível em
<http://www.defesanet.com.br/noticia/zhmilitares.htm>.
COMANDANTE da Marinha defende na Câmara a construção do submarino nuclear.
Agência Brasil, 20 de Fevereiro de 2008.Disponível em:
<http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/02/20/materia.2008-02-20.3187363883/view
CANDIDATOS cortejam Forças Armadas. Defes@net, em 30 de setembro de 2002.
Disponível em: <http://www.defesanet.com.br/noticia/zhmilitares.htm
ENCONTRO LULA-OBAMA reduz chances de Doha. Yousol, 16 de março de 2009.
Disponível em <http://www.yousol.com/j/index2.php?
option=com_content&do_pdf=1&id=6979>.
EM DISCURSO BUSH defende guerra e permanência dos EUA no Iraque. Notícias UOL,
19 de março de 2008. Disponível em
<http://noticias.uol.com.br/ultnot/2008/03/19/ult23u1539.jhtm>.
ESPECIALISTAS duvidam de tecnologia nuclear 'de ponta' do Brasil. Folha Online, 19 de
outubro de 2004. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u36219.shtml>.
FRANCIA DENUNCIA a España por copiarle un submarino. El país.com, 04 de maio de 2009.
Disponível em <
http://www.elpais.com/articulo/espana/Francia/denuncia/Espana/copiarle/submarino/elpepues
p/20090504elpepinac_7/Tes >
GASTO MILITAR global de 2008 passa de US$ 1 trilhão. Brasilwiki, 16 de junho de 2009.
Disponível em <http://www.brasilwiki.com.br/noticia.php?id_noticia=11529>.
GASTOS MILITARES globais bateram recorde em 2008, diz ONG. BBC Brasil, 8 de
junho de 2009. Disponível em
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/06/090608_armas_rc.shtml>.
LULA E SARCOZY reforçam aliança com acordos militares e políticos. Globo.com, 23 de dezembro de
2008. Disponível em <http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL933487-5602,00-
LULA+E+SARKOZY+REFORCAM+ALIANCA+COM+ACORDOS+MILITARES+E+POLITICOS.h
tml>.
LULA E SARCOZY assinam acordos da área militar. Notícias JusBrasil, 23 de dezembro de
2008. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/politica/633008/lula-e-sarkozy-assinam-
acordos-da-area-militar>.
254
LULA pede à Bélgica apoio por vaga no Conselho de Segurança da ONU. Folha Online, 4 de
outubro de 2009. Disponível em <
http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u633329.shtml >
MARINHA garante que nunca houve projeto de Submarino Nuclear. Inforel, 05 de dezembro
de 2006. Disponível em <http://www.inforel.org/servlet/ListaNoticia?
acao=C&noticiaId=2192&ano=2006>.
MERKEL no Oriente Médio para relançar processo de paz. Dw-world.de Deutsche Welle, 3
de fevereiro de 2007. Disponível em < http://www.dw-
world.de/dw/article/0,,2336584,00.html>.
OBAMA NÃO MUDA não muda discurso sobre o terrorismo. Folha de São Paulo, de
maio de 2009. Disponível em <http://marciacsilva.wordpress.com/2009/05/01/obama-nao-
muda-discurso-sobre-o-terrorismo/>.
NOSSO SUBMARINO NUCLEAR. Revista Brasileiros, Edição 6 - Dezembro/2007-
Janeiro/2008. Disponível em < http://www.revistabrasileiros.com.br/edicoes/6/textos/223/>.
PETROBRÁS adquire bloco exploratório no Senegal. TN petróleo, 7 de fevereiro de 2007.
Disponível em
<http://www.tnpetroleo.com.br/noticia/13715/Petrobras+adquire+bloco+explorat
%C3%B3rio+no+Senegal>.
RESPOSTA do comando da Marinha do Brasil à imprensa nacional. Brasília, junho de 2009.
Disponível em <
https://www.mar.mil.br/imprensa/arquivos_PDF/Respostas_a_imprensa/carta_pnm2.pdf>.
O SCORPÈNE chegará ao fim em 2008! Área militar, 13 de outubro de 2008. Disponível em
<http://www.areamilitar.net/noticias/noticias.aspx?NrNot=669>
O REARMAMENTO do Brasil. O Estado de São Paulo, 22 de novembro de 2007. Disponível em
<http://www.mnp.org.br/index.php?pag=ver_noticia&id=416892>.
PRIMEIRO SUBMARINO nuclear vai ser feito no Rio até 2021. Jornal do Brasil, 27 de
setembro de 2008.
Disponível em < http://jbonline.terra.com.br/extra/2008/09/27/e270917632.html>
SABATINA com José Serra é marcada por defesas a FHC. Redação Terra, 9 de setembro de
2002. Disponível em <http://noticias.terra.com.br/eleicoes/interna/0,5625,OI48707-
EI384,00.html>.
SARNEY JOSÉ arma seu ciclo. Arquivo Veja, 9 de setembro de 1987. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_09091987.shtml>
SCORPÈNE: teremos o básico ou também os opcionais? Poder Naval Online, 29 de
setembro de 2009. Disponível em <http://www.naval.com.br/blog/?p=1291>.
SUBMARINO Nuclear é gesto de independência, afirma almirante. Inforel, 05 de dezembro
de 2006. Disponível em < http://www.inforel.org/servlet/ListaNoticia?
acao=C&noticiaId=2193&ano=2006 >.
SUBMARINOS com preço no céu. O Globo, 15 de agosto de 2009. Defesa@Net, 15 de
agosto de 2009. Disponível em <http://www.defesanet.com.br/mb1/scorpene_11.htm>.
SUBMARINOS convencionais e nucleares de ataque. Poder Naval Online, 1999. Disponível
em <http://www.naval.com.br/biblio/nuclxconv/dossie08.htm>.
URÂNIO: Brasil não é contra a inspeção internacional, mas contra aumento da inspeção que
pode apropriar-se da tecnologia desenvolvida pelo país. Jornal da Ciência, 05 de Janeiro de
2004. Disponível em <http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=15243>.
Comunicação institucional
ALMEIRA, Carlos Wellington Leite de. Transparência do orçamento de defesa o caso
brasileiro. Papeles de Investigación – Resdal. Agosto de 2005.
255
Disponível em <http://www.resdal.org/papers/caso-brasil.pdf>
BUARQUE, Cristóvão. 2008. Brasília. Pronunciamento do Senador no Diário do Senado
Federal. Brasília 16 de agosto de 2008. Disponível em: <
http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2008/08/15082008/30770.pdf>
CAVAGNARI FILHO, Geraldo Lesbat. Ciência e Tecnologia no Brasil: Uma Nova Política
para um Mundo Global. (PADCT II). 1993.
Disponível em: <http://www.schwartzman.org.br/simon/scipol/pdf/militar.pdf>
CTMSP Tecnologia própria é independência. Pesquisa Naval 16, Outubro de 2003.
Disponível em:
<https://www.mar.mil.br/menu_h/noticias/pesquisa_naval/pdf/rev16red.pdf>
GUIMARÃES, Eduardo Augusto. A Experiência Recente da Política Industrial no Brasil:
Uma Avaliação. Brasília, abril de 1996. Disponível em: <http://desafios2.ipea.gov.br/pub/td/
1996/td_0409.pdf>
GUIMARÃES, Leonam dos Santos. Estratégias de implementação e efeitos de arraste dos
grandes programas de desenvolvimento tecnológico nacionais: experiências do Programa
Nuclear da Marinha do Brasil. Pesquisa Naval Nº 16, Outubro de 2003. 136p Disponível em:
<https://www.mar.mil.br/menu_h/noticias/pesquisa_naval/pdf/rev16red.pdf>
Site do ministério da Defesa. Disponível em <
https://www.defesa.gov.br/ciencia_tecnologia/index.php?page=concepcao>.
Comunicação acadêmica
ALMEIDA, Jorge. Lula, Serra e a disputa pelo discurso da "Mudança" em 2002.
Trabalho apresentado no GT de Comunicação e Política do 12Encontro Anual da Compós,
Recife, 3 a 6 de junho de 2003. Disponível em <http://www.unb.br/fac/comunicacaoepolitica/
JorgeAlmeida.pdf>
ANDRADE, Ana M. Ribeiro de. O programa da autonomia do ciclo do combustível
nuclear no Brasil. p. 13. Disponível em:
http://www.necso.ufrj.br/esocite2008/trabalhos/35970.doc
ASTABURUAGA, Gustavo Jordán. Satélites, la cuarta dimensión tecnologica del conflicto
internacional. Disponível em: <http://www.revistamarina.cl/revistas/1998/1/jordan.pdf>
BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: A visão neoliberal dos
problemas latino-americanos.1994. Disponível em
<http://www.usp.br/fau/cursos/graduacao/arq_urbanismo/disciplinas/aup0270/4dossie/nogueir
a94/nog94-cons-washn.pdf>
BRAGA, Paulo Romeu. Os interesses econômicos dos Estados Unidos e a segurança
interna no Brasil entre 1946 e 1964: uma análise sobre os limites entre diplomacia
coercitiva e operações encobertas. Revista Brasileira de Política Internacional,
vol.45 n.2 Brasília July/Dec. 2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?
pid=S003473292002000200003&script=sci_arttext&tlng=en#nt07.
BRICK, Eduardo Siqueira. O Ministério da Defesa e o Processo de Aparelhamento de
Sistemas Técnicos de Defesa. Revista de Estudos estratégicos, UFF, Niterói. Disponível em
<http://www.nestbrasil.com/rest/page8/files/rested1-brick.pdf>.
CARDOSO, Maria Abadia. O campo da história: especialidades e abordagens. Revista de
História e Estudos Culturais. Julho/Agosto/Setembro de 2005, volume 2, ano 2, Nº. 3.
Disponível em: http://www.revistafenix.pro.br/PDF4/Resenha%2001%20-%20Maria
%20Abadia%20Cardoso.pdf
256
CARVALHO, Gustavo de Lemos Campos. O mar territorial brasileiro de 200 milhas:
estratégia e soberania, 1970-1982. Revista brasileira de política internacional, V. 42, .
1, Brasília, Jan./June 1999. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-73291999000100005&script=sci_arttext>
CASTELAN, Daniel Ricardo. Segurança e Defesa na década de 90: Interpretações do
Itamaraty e Forças Armadas. I Simpósio em Relações Internacionais do Programa de Pós-
Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unep, Unicamp e PUC-SP). 12 a
14 de novembro de 2007. Disponível em:
http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br/br/simp/artigos/castelan.pdf>
CERVO, Amado Luiz. Sob o signo neoliberal: as relações internacionais da América
Latina. Revista Brasileira de Política Internacional, V. 43, Nº 2, Brasília Julho/Dezembro de
2000. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S003473292000000200001&script=sci_arttext&tlng=en
______. Relações internacionais do Brasil: um balanço da era Cardoso. Revista Brasileira
de Política Internacional, V. 45 Nº 1, Brasília, Janeiro/ Junho de 2002. Disponível em: <http://
www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-73292002000100001&script=sci_arttext&tlng=en>
COSTA, Thomaz Guedes. Política de defesa: uma discussão conceitual e o caso do Brasil.
Revista Brasileira de Política Internacional, V. 37, Nº 1, 1994.
Disponível em: <http://ftp.unb.br/pub/unb/ipr/rel/rbpi/1994/118.pdf >
Energia nuclear e Chernobyl: um luxo de precauções? Disponível em:
<http://www.interciencia.org/v22_02/carta_editor.html>.
GONÇALVES, Reinaldo. G-20, FMI e o erro de política externa de Lula. Disponível em <
http://www.socialismo.org.br/portal/images/stories/documentos/G-20.pdf >
JACINTO, José Carlos. Considerações sobre a cadeia de suprimentos da indústria bélica
brasileira e suas necessidades de diversificação para sobrevivência - estudo de caso. XIII
SIMPEP - Bauru, SP, Brasil, 6 a 8 de novembro de 2006. Disponível em
<http://www.simpep.feb.unesp.br/anais/anais_13/artigos/874.pdf>.
KURAMOTO, Renato Yoichi Ribeiro. APPOLONI, Carlos Roberto. Uma breve história da
política nuclear brasileira. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 19, 3, DEZ 2002.
Disponível em
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/6612/6104>
LASTRES, Helena Maria Martins. Dilemas da política científica e tecnológica. Ciência da
Informação , V. 24, 2, 1995. Disponível em <http://dici.ibict.br/archive/00000156/01/Ci
%5B1%5D.Inf-2004-600.pdf>
HIRST, Mônica. Rico, Carlos. Regional security perceptions in Latin America. Serie:
Documentos e informes de investigación N° 129. Área: Relaciones Internacionales. FLACSO.
Buenos Aires. Mayo, 1992. Disponível em
<http://loki.iscte.pt:8080/dspace/bitstream/10071/177/4/CIES-WP10_Milanese_.pdf>
MANDUCA, Paulo César. Política externa e segurança internacional: Brasil potência ao
Fome Zero global. E-premissas. Revista de Estudos Estratégicos. 01 junho/ dezembro
2006. Disponível em:
< http://www.unicamp.br/nee/epremissas/pdfs/01.02.pdf>
MARQUES, Adriana A. Concepções estratégicas brasileiras no contexto internacional do
pós–Guerra Fria. Revista de Sociologia e Política, Nº 20, Curitiba, Junho de 2003.
Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?
pid=S010444782003000100007&script=sci_arttext&tlng=pt
MATOS, Marcos Oliveira. Ingresso do Brasil no sistema OTAN de catalogação:
perspectivas de desenvolvimento da indústria bélica brasileira. Revista da Escola de
257
Guerra Naval. Dezembro de 2006. Disponível em
<http://www.egn.mar.mil.br/revistaEgn/dezembro2006/09-brasilSistemaOtan.pdf>.
MUNHOZ, Sidnei J. Guerra Fria revisitada. Revista Leitura da História. Disponível em
<http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/4/artigo70335-2.asp>
NASCIMENTO, Luiz Miguel do. A vitória de Fernando Collor na eleição de 1989 em
Maringá. Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 9, n.1, p. 189-208, 2005. Disponível em
<http://www.dialogos.uem.br/viewarticle.php?id=185>
NERY, Carmen Lucia. Sem política industrial não há projeto social. Revista Brasil Nuclear
- ano 9 - 25 - Jun-Ago/2002. Disponível em <
http://www.ien.gov.br/noticias/midia_arquivo/bn_a9_n25ind.htm >
MILANESE, Juan Pablo. La Energía nuclear: Generador de Confianza Recíproca e
Integración entre Argentina y Brasil en los’ 80. Lisboa: CIES-ISCTE, 2006. (CIES e-
Working Paper, 10). Disponível em
<http://loki.iscte.pt:8080/dspace/bitstream/10071/177/4/CIES-WP10_Milanese_.pdf>.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Discurso, imaginário social e conhecimento. Em Aberto,
Brasília, ano 14, n.61, jan./mar. 1994. Disponível em
‹http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/911/817›
PENHA, Eli Alves. Relações Brasil-África: os avatares da cooperação sul-atlântica.
Disponível em < http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/aladaa/alves.rtf>
PEREIRA, Ana Lúcia Danilevics. O Brasil em crise e o mundo em transição: a política
exterior brasileira de Sarney a Collor. Ciência, Porto Alegre, 37, janeiro junho de
2005.Disponível em <http://www4.fapa.com.br/cienciaseletras/pdf/revista37/cap14.pdf>
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Ideologias econômicas e democracia no Brasil.
Universidade de Montreal, 28 de setembro a 5 de outubro de 1988. Disponível em
<http://www.scielo.br/pdf/%0D/ea/v3n6/v3n6a04.pdf>
PITHON, Rodrigo. A privatização do uso da força: a qualificação das companhias
privadas militares segundo o direito internacional público. Disponível em
<http://gedi.objectis.net/eventos-1/ilsabrasil2008/artigos/dheh/pithon.pdf>.
RÉMOND, René. Porque a história política? Estudos Históricos. Revista FGV. Rio de
Janeiro, vol. 7, n. 13, 1994. Disponível em < http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/131.pdf>
RODRIGUES, Jadir G. Césio 137: metáfora de um acidente. Guanicuns. Revista da
FECHA/ FEA - Goiás, 01: 95-106, nov. 2004.
Disponível em <http://www.faculdadeanicuns.edu.br/revista/rguanicuns01/pdfs/cesio_95-
106.pdf>
SALLUM JR, Basílio. Entrevista de Fernando Henrique Cardoso. Revista de Cultura
Política, Nº 39, 1997. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?hl=pt-
BR&lr=&id=0kCXAIgPBjUC&oi=fnd&pg=PA33&dq=Governo+Itamar+franco+plano+real
&ots=PkxzOyTdZZ&sig=RgrliPeLxdxjf7vYEjRVb5OtgXg>.
SANTANA, Carlos Ribeiro. Política externa em perspectiva: um balanço sobre a
diplomacia dos presidentes Collor, Itamar, Cardoso e Lula. Disponível em:
<http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/relacoesinternacionais/article/view
File/271/233>
SANTOS, Rafael Macedo da Rocha. A importância da guerra das Malvinas na
consolidação da integração latino-americana nos anos 80. Revista Eletrônica Boletim do
TEMPO, Ano 4, Nº16, Rio, 2009. Disponível em <http://www.tempopresente.org/index.php?
option=com_content&task=view&id=4811&Itemid=147>
SILVA, Agenor Cunha da. Plataforma continental brasileira. Disponível em
<http://www.biologo.com.br/oceano/oceano9.htm>.
258
SILVA, Antonio Ruy de Almeida. As novas ameaças e a Marinha do Brasil. Revista da
Escola de Guerra Naval. p. 32. Disponível em
<http://www.egn.mar.mil.br/revistaEgn/junho2006/05-novasAmeacas.pdf.>.
SILVA, Othon Luiz Pinheiro da. MARQUES, André Luis Ferreira. Enriquecimento de
urânio no Brasil desenvolvimento da tecnologia por ultracentrifugação. Economia e
Energia, Nº. 54, Fevereiro - Março de 2006. Disponível em
<http://ecen.com/eee54/eee54p/eee54p_cores_web.pdf>.
SANTOS, Rafael Macedo da Rocha. A importância da guerra das Malvinas na
consolidação da integração latino-americana nos anos 80. Revista Eletrônica Boletim do
TEMPO, Ano 4, Nº16, Rio, 2009. Disponível em:
<http://www.tempopresente.org/index.php?
option=com_content&task=view&id=4811&Itemid=147>.
VARGAS, Everton Vieira. Átomos na integração: a aproximação Brasil-Argentina no
campo nuclear e a construção do Mercosul. Revista Brasileira de Política Internacional,
Vol. 40, 1, Brasília. Janeiro à Junho de 1997. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S003473291997000100003&nrm=iso&lng=en&tlng=pt>
VISENTINI, Paulo G. Fagundes. PEREIRA, Analúcia Danilevicz. A política africana do
governo Lula. Disponível em <http://www6.ufrgs.br/nerint/folder/artigos/artigo40.pdf>.
______. Relações civis-militares no primeiro governo da transição brasileira: uma
democracia tutelada. 2003. Disponível em
<http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_11.htm>
259
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo