Download PDF
ads:
UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
Departamento de Economia e Contabilidade
Departamento de Estudos Agrários
Departamentos de Estudos da Administração
Departamento de Estudos Jurídicos
CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO
FABIO ROBERTO MORAES LEMES
Contribuição da Economia Solidária ao
Desenvolvimento Local: Agricultores Familiares
Feirantes e Associações de Catadores
IJUÍ, RS, ABRIL DE 2009.
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
Departamento de Economia e Contabilidade
Departamento de Estudos Agrários
Departamentos de Estudos da Administração
Departamento de Estudos Jurídicos
CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO
FABIO ROBERTO MORAES LEMES
Contribuição da Economia Solidária ao
Desenvolvimento Local: Agricultores Familiares
Feirantes e Associações de Catadores
Dissertação apresentada ao mestrado em
Desenvolvimento da Universidade Regional do
Noroeste do Estado do RS, Unijuí, para conclusão da
pós graduação stricot sensu, nível de Mestrado.
Prof. DR. DAVID BASSO
ORIENTADOR
IJUÍ, RS, ABRIL DE 2009.
ads:
3
UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado
A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação
C
C
O
O
N
N
T
T
R
R
I
I
B
B
U
U
I
I
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
D
D
A
A
E
E
C
C
O
O
N
N
O
O
M
M
I
I
A
A
S
S
O
O
L
L
I
I
D
D
Á
Á
R
R
I
I
A
A
A
A
O
O
D
D
E
E
S
S
E
E
N
N
V
V
O
O
L
L
V
V
I
I
M
M
E
E
N
N
T
T
O
O
L
L
O
O
C
C
A
A
L
L
:
:
A
A
G
G
R
R
I
I
C
C
U
U
L
L
T
T
O
O
R
R
E
E
S
S
F
F
A
A
M
M
I
I
L
L
I
I
A
A
R
R
E
E
S
S
F
F
E
E
I
I
R
R
A
A
N
N
T
T
E
E
S
S
E
E
A
A
S
S
S
S
O
O
C
C
I
I
A
A
Ç
Ç
Õ
Õ
E
E
S
S
D
D
E
E
C
C
A
A
T
T
A
A
D
D
O
O
R
R
E
E
S
S
elaborada por
FABIO ROBERTO MORAES LEMES
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Desenvolvimento
Banca Examinadora:
Prof. Dr. David Basso (UNIJUÍ): ________________________________________________
Prof. Dr. Valmor Schiochet (FURB): _____________________________________________
Prof. Dr. Benedito Silva Neto (UNIJUÍ): __________________________________________
Ijuí (RS), 13 de abril de 2009.
4
DEDICATÓRIA
A Arminda da Silva Moraes (in memoriam), que me
ensinou a caminhar, a ler e a ser persistente.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço especialmente a orientação do Prof.
David Basso, que aceitou o desafio de dar seqüência ao
trabalho iniciado na conclusão do curso de graduação,
sempre me recebendo com atenção e dedicação.
Agradeço também aos demais professores do
Mestrado em Desenvolvimento, em especial os
professores Benedito Silva Neto e Arlindo Jesus Prestes de
Lima, dos quais compartilhei a sala de pesquisa e seus
conhecimentos.
Agradeço também as colegas do mestrado
Angélica Oliveira e Patrícia Santos, com as quais construí
em conjunto as reflexões deste trabalho e aos colegas
bolsistas de graduação Daniel da Silveira e Mauricio
Stasiak, que me auxiliaram nas pesquisas de campo.
Agradeço a equipe da ITECSOL/Unijuí, em
especial nossa coordenadora Profª. Drª. Noelle Lechat, que
me motivaram, me deram o tempo e o estímulo necessário
para ingressar no mestrado e pesquisar a temática da
Economia Solidária.
Por fim, agradeço aos familiares, em especial
minha mãe, Eva Moraes, a minha companheira Marlise
Vitcel, e aos amigos e demais colegas de mestrado.
Muito Obrigado!
6
“De tudo ficaram três coisas:
a certeza de que estava sempre começando,
a certeza de que era preciso continuar e
a certeza de que seria interrompido
antes de terminar”
Fernando Sabino
7
LISTA DE SIGLAS
A – Aluguéis
ACATA – Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Ijuí
ACI – Associação Comercial e Industrial de Ijuí
ADSA – Análise Diagnóstico dos Sistemas Agrários
AIPAN – Associação Ijuiense de Proteção ao Ambiente Natural
APAE – Associação de Pais e Amigos de Excepcionais de Ijuí
Aprofeira – Associação de Produtores Feirantes de Ijuí
ARL6 – Associação de Reciclagem Linha 6
ASSAPEL – Associação Amigos do Papel
AVESOL – Associação do Voluntariado para a Solidariedade
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAEPS – Centro de Apoio a Economia Popular Solidária
CAMP – Centro Formação Multiprofissional
CBI – Conselho de Bairros de Ijuí
CEMPRE – Compromisso Empresarial para a Reciclagem
CERILUZ – Cooperativa de Eletrificação Rural
CGEs – Comissões Gestoras Estaduais
CI – Consumo Intermediário
CMP – Custos da matéria-prima direta
8
Conrural – Conselho de Desenvolvimento Rural de Ijuí
Contag – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
Cooperflores – Cooperativa dos Produtores de Flores de Ijuí
Cootrail – Cooperativa de Trabalho Informal de Ijuí
Coredes – Conselhos Regionais de Desenvolvimento
Cotrijuí – Cooperativa Tritícula Serrana Ltda
CT&I – Ciência, Tecnologia e Inovação
CTE – Comissão Técnica Estadual
CUT – Central Única dos Trabalhadores
D – Depreciações relativas à estrutura de produção
DCS – Departamento de Ciências Sociais
DEAd – Departamento de Estudados da Administração
DECon – Departamento de Economia e Contabilidade
DePe – Departamento de Pedagogia
DRT – Delegacia Regional do Trabalho
DVA – Distribuição do Valor Agregado
EES – Empreendimentos Econômicos Solidários
EGE – Equipes Gestoras Estaduais
Emater – Empresa Assistência Técnica e Extensão Rural
EPS – Economia Popular Solidária
ES – Economia Solidária
FBES – Fórum Brasileiro de Economia Solidária
FEPAM – Fundação de Proteção ao Meio Ambiente
Fetag – Federação Estadual de Trabalhadores na Agricultura
FGEPS – Fórum Gaúcho de Economia Popular Solidária
Finep/MCT – Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia
9
FSM – Fórum Social Mundial
Fundação Unitrabalho Fundação Universitária de Estudos e Pesquisas sobre o mundo do
trabalho
Funrural – Fundo de Desenvolvimento Rural
Ginasião – Ginásio Municipal de Esportes Enio Mânica
GT – Grupo de Trabalho
GV – Gastos de Venda, tais como comissões, propaganda...
I – Impostos federais, estaduais e municipais
I Conaes – I Conferência Nacional de Economia Solidária
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Ijuí Peixes – Cooperativa de Psicultores de Ijuí
MAB – Movimento de Agricultores Atingidos por Barragens
Master – Movimento de Agricultores Sem Terra
MCBI – Movimento Comunitário de Base de Ijuí
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MMC – Movimento das Mulheres Camponesas
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Natuagro Cooperativa dos Agricultores Familiares Agroecológicos e Coloniais da Região
Noroeste
NRS – Nível de Reprodução Social
Nudese/Furg Núcleo de Desenvolvimento Socioeconômico da Universidade Federal de Rio
Grande
OD – Outras despesas operacionais
ONGs – Organizações Não-Governamentais
ONU – Organizações das Nações Unidas
PACs – Projetos Alternativos Comunitários
PADs – Países Atualmente Desenvolvidos
10
PIB – Produto Interno Bruto
PRONAF – Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar
Proninc – Programa Nacional de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares
R – Renda
RA – Renda Agrícola
Ruizinho – Estadual de Ensino Fundamental Rui Barbosa
S – Salários
SAU – Superfície Agrícola Útil
Sebrae – Sistema Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena Empresa
Sedai/RS – Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais do Rio Grande do Sul
Senaes/MTE Secretaria Nacional de Economia Solidária, integrante do Ministério do
Trabalho e Emprego
SICREDI Pestanense – Cooperativa Mista de Crédito Pestanense
SMADER – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural
SMN – Salário Mínimo Nacional
SP – Serviços profissionais
STRs – Sindicatos de Trabalhadores Rurais
Unisinos – Universidade do Vale do Sinos
UT – Unidades de Trabalho
UTA – Unidades de Trabalho Associadas
UTC – Unidades de Trabalho Contratadas
UTF – Unidades de Trabalho Familiar
VA – Valor Agregado
VAL – Valor Agregado Líquido
VBP – Valor Bruto de Produção
11
RESUMO
O estudo da Economia Solidária acompanha a crescente proliferação de Empreendimentos
Econômicos Solidários como uma reação à crise estrutural, tanto no meio urbano quanto rural,
sendo visto especialmente como uma alternativa ao desemprego, uma fonte complementar de
renda ou para obter maiores ganhos com a atividade associativa. Em Ijuí/RS, foram
identificados 24 EES. A presente pesquisa concentrar-se na trajetória de desenvolvimento de
EES de agricultores feirantes e de catadores, inserindo-se na perspectiva de construir
alternativas à visão hegemônica de desenvolvimento. Busca compreender fenômenos como a
ES a partir do potencial que esta pode apresentar para o desenvolvimento regional. Trabalhou-
se com o referencial do Realismo Crítico, buscando compreender os condicionantes e
potencialidades emergentes dentro da dinâmica de desenvolvimento a que estão inseridos os
EES. Observou-se que os EES são espaços de empoderamento, contribuindo na geração de
renda de diversas famílias, representado alternativas a manutenção de agricultores e a inserção
com melhor qualidade de trabalho no caso dos catadores. No entanto, em ambos os casos é
sentida a necessidade de apoio mais efetivo de políticas públicas, para potencializar estas
alternativas.
Palavras-Chave: Desenvolvimento Local; Economia Solidária; Agricultores Familiares;
Catadores.
12
ABSTRAC
The study of the Solidarity Economy accompanying the increasing proliferation of Economic
Enterprises solidarity as a reaction to the structural crisis, both in urban as rural, as seen
especially as an alternative to unemployment, an additional source of income or gains for the
group activity . In Ijuí / RS have been identified 24 EES. This research focus on the trajectory
of development of EES fair to farmers and collectors, including in the perspective of
constructing alternatives to hegemonic vision of development. Seeking to understand
phenomena such as the ES from the potential that it can make to regional development. He is
the benchmark of Critical Realism, seeking to understand the constraints and emerging
opportunities within the dynamic of development that are inserted the EES. It was observed
that the EES are spaces of empowerment, contributing to generate income for many families,
represented alternative maintenance and integration of farmers with better quality of work for
collectors. However, in both cases it is felt the need to support more effective public policies
to increase these alternatives.
Keywords: Local Development, Solidarity Economy, Family Farmers, Collectors.
13
SUMÁRIO
RESUMO.......................................................................................................................................... 11
ABSTRAC........................................................................................................................................ 12
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 14
1. CONCEPÇÕES DE DESENVOLVIMENTO E ECONOMIA SOLIDÁRIA....................... 17
1.1
D
ESENVOLVIMENTO
....................................................................................................................................17
1.1.1 Desenvolvimento socioambiental........................................................................................................21
1.1.2
Desenvolvimento Local..................................................................................................................25
1.1.3 O papel do Estado no Desenvolvimento local ....................................................................................27
1.1.3.1 A lição dos “desenvolvidos”............................................................................................................31
1.2
E
CONOMIA
S
OLIDÁRIA
................................................................................................................................34
1.2.1 Contexto Histórico..............................................................................................................................34
1.2.2 Construção de conceitos.....................................................................................................................37
1.2.3 Sustentabilidade e autogestão.............................................................................................................40
1.3
U
MA VISÃO GERAL DO MOVIMENTO DE
E
CONOMIA
S
OLIDÁRIA NO
B
RASIL
.................................................43
1.3.1 O mapeamento no Brasil e no RS .......................................................................................................46
1.3.2 A inserção dos EES da Região Noroeste do Estado no mapeamento.................................................47
1.3.2.1 Autogestão e democracia...............................................................................................................................49
1.3.2.2 Inserção no mercado......................................................................................................................................51
2. METODOLOGIA........................................................................................................................ 53
2.1
P
RINCÍPIOS METODOLÓGICOS
......................................................................................................................53
2.2
P
ROCEDIMENTOS
M
ETODOLÓGICOS
............................................................................................................56
3. O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO NO MUNICÍPIO DE IJUÍ/RS E A
EMERGÊNCIA DOS EES ............................................................................................................. 59
3.1
O
DESENVOLVIMENTO RURAL
......................................................................................................................59
3.1.1 Os condicionantes históricos do desenvolvimento agrícola em Ijuí ...................................................65
3.2
O
DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL URBANO
...............................................................................................69
3.3
A
EMERGÊNCIA DOS
EES
EM
I
JUÍ
/RS...........................................................................................................72
4. OS EES DE AGRICULTORES FAMILIARES FEIRANTES DE IJUÍ/RS......................... 75
4.1
A
SSOCIAÇÃO DOS
P
RODUTORES
F
EIRANTES DE
I
JUÍ
A
PROFEIRA
..............................................................76
4.2
A
SSOCIAÇÃO DOS
F
EIRANTES DO
A
SSIS
B
RASIL
..........................................................................................80
4.3
F
EIRANTES
A
GROECOLÓGICOS DA
P
ENHA
...................................................................................................82
4.4
C
OOPERATIVA DOS
A
GRICULTORES
F
AMILIARES
A
GROECOLÓGICOS E
C
OLONIAIS DA
R
EGIÃO
N
OROESTE
N
ATUAGRO
........................................................................................................................................................85
4.5
P
ERFIL E CONDIÇÕES DE
R
EPRODUÇÃO
S
OCIAL DOS
A
GRICULTORES
F
EIRANTES
........................................90
5. OS EES DE CATADORES DO MUNICÍPIO DE IJUÍ/RS.................................................. 118
5.1
O
P
ERFIL DOS CATADORES EM
I
JUÍ
............................................................................................................119
5.2
P
ROJETO
A
MIGOS DO
P
APEL
......................................................................................................................124
5.3
A
SSOCIAÇÃO DE
C
ATADORES DE
M
ATERIAIS
R
ECICLÁVEIS DE
I
JUÍ
ACATA .........................................126
5.4
C
OLETA
S
ELETIVA EM
I
JUÍ
.........................................................................................................................130
5.5
A
SSOCIAÇÃO
A
MIGOS DO
P
APEL
ASSAPEL ..........................................................................................133
5.6
A
SSOCIAÇÃO DE
R
ECICLAGEM
L
INHA
6
ARL6.......................................................................................134
5.7
ACATA
PÓS
C
OLETA
S
ELETIVA
................................................................................................................135
5.8
M
ERCADO LOCAL DA RECICLAGEM
............................................................................................................138
5.9
C
ONDIÇÕES DE
R
EPRODUÇÃO
S
OCIAL DE UM
EES
DE RECICLAGEM
..........................................................141
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................ 148
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 153
14
INTRODUÇÃO
A Economia Solidária é um campo de estudos relativamente recente na academia, mas
que acompanha a crescente proliferação de Empreendimentos Econômicos Solidários (EES),
manifestada desde a década de 1980, intensificando nos primeiros anos do século XXI. Este
fenômeno ocorreu em âmbito nacional como uma reação à crise estrutural deste período, tanto
no meio urbano quanto rural, sendo visto especialmente como uma alternativa ao desemprego,
uma fonte complementar de renda ou para obter maiores ganhos com a atividade associativa
(SENAES, 2006a).
Em 2005 a Incubadora de Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável da
Unijuí desenvolveu uma pesquisa de campo para a Secretaria Nacional de Economia
Solidária, integrante do Ministério do Trabalho e Emprego (Senaes/MTE), nas regiões do Rio
Grande do Sul abrangidas pelos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes)
Noroeste Colonial, Fronteira Noroeste, Missões e Alto Jacuí, que identificou e caracterizou
276 EES compostos por mais de 60 mil associados (LECHAT et al, 2007). O referido trabalho
de pesquisa foi ampliado no primeiro trimestre de 2007, em que foram identificados mais de
100 outros EES. Estes dados demonstram a emergência de experiências de Economia
Solidária na região, em sintonia com o que ocorre no país.
Salienta-se que em Ijuí, município integrante do Corede Noroeste Colonial, foram
identificados 24 EES nesta pesquisa, atuando em diversos setores, envolvendo um número
variado de trabalhadores associados e com distintas aspirações econômicas ou ideológicas.
Frente a isto, a presente pesquisa pretende concentrar-se na trajetória de desenvolvimento de
EES feirantes, que se encontram entre os mapeados e também de EES do setor da reciclagem,
uma identificada na época e outras surgidas posteriormente.
15
Este trabalho é reflexo de uma pesquisa a nível de mestrado e se insere dentro da
perspectiva de construir alternativas à visão hegemônica de desenvolvimento, por meio de um
desenvolvimento includente, sustentável e sustentado (SACHS, 2004). Para tanto, torna-se
importante compreender fenômenos como a Economia Solidária, buscando analisar o
potencial que esta forma de organização econômica pode apresentar para o desenvolvimento
regional.
Este trabalho buscou responder a seguinte questão: Como se a reprodução social
dos empreendimentos econômicos solidários dentro do contexto socioeconômico do
município de Ijuí/RS?
A pesquisa foi norteada pela seguinte hipótese: Os EES são uma importante estratégia
de geração de renda para seus atores e podem contribuir para criação de novos parâmetros de
desenvolvimento no município.
Centrou-se a pesquisa no objetivo geral de ‘Identificar e analisar os EES de
agricultores feirantes e de catadores do município de Ijuí, buscando compreender as condições
de sua reprodução social e a contribuição para o desenvolvimento local’, tendo como
objetivos específicos: a) Caracterizar o contexto e a evolução do Sistema Social Produtivo ao
qual se inserem os EES analisados; b) Compreender as trajetórias de evolução dos EES no
contexto socioeconômico do município; c) Analisar as condições de reprodução social dos
EES; d) identificar possibilidades para potencializar a reprodução social dos EES,
contribuindo com o Desenvolvimento Local
A forma como se esta busca por conhecimento também assume importância, tendo
em vista a complexidade em que se desenvolvem os processos sociais. Neste sentido, buscou-
se o referencial do Realismo Crítico, buscando compreender os condicionantes e
potencialidades emergentes dentro da dinâmica de desenvolvimento a que estão inseridos os
EES analisados.
Compõem as discussões deste trabalho, portanto, um referencial sobre
Desenvolvimento e Economia Solidária, no primeiro capítulo, em que se discute as questões
socioambientais do desenvolvimento, o fator local, o papel do Estado e a experiência que as
potências econômicas dominantes podem dar aos países que não atingiram o mesmo nível de
geração de riqueza. Neste capítulo ainda, ver-se-á o contexto histórico de surgimento da
Economia Solidária, bem como a conceituação do termo no Brasil, os debates sobre
sustentabilidade e autogestão e uma visão geral sobre os EES de Economia Solidária
16
existentes no país, no estado e na região, em especial sobre os aspectos autogestionários e
mercadológicos.
O segundo capítulo vai tratar sobre os princípios e procedimentos metodológicos,
fazendo uma apresentação do Realismo Crítico, buscando explicitar como se deu a construção
da pesquisa e os pressupostos que esta seguiu.
No terceiro capítulo discutem-se os processos históricos de desenvolvimento em Ijuí,
com ênfase na agricultura e na indústria, buscando apresentar um panorama atual. No quarto e
quinto capítulos têm-se os resultados da pesquisa de campo com agricultores feirantes e
catadores, complementados com outras pesquisas bibliográficas e analises.
Compõem ainda o trabalho, além deste texto introdutório, as considerações finais em
que busca-se reunir o conjunto de sínteses apresentadas ao logo do trabalho, no intuito de
fazer uma síntese geral da pesquisa. Por fim apresenta-se as referências bibliográficas
utilizadas.
17
1. CONCEPÇÕES DE DESENVOLVIMENTO E ECONOMIA SOLIDÁRIA
1.1 Desenvolvimento
Repensar o modelo socioeconômico dominante a partir de conceitos de
desenvolvimento sustentável aliado a experiências concretas que se desenvolvem no campo
da Economia Solidária, buscando entender como esta responde na dinâmica local é uma
questão importante, espacialmente se considerada a perspectiva da complexidade, dos
sistemas dissipativos e das propriedades emergentes do sistema.
Pode-se entender o desenvolvimento, de forma geral, como um processo de
dinamização socioeconômica que resulte na melhoria do padrão de vida da população de um
território, uma região ou de um país.
A humanidade, em distintos períodos de sua história evolutiva vivenciou processos de
desenvolvimento, que resultaram na concretização deste para determinadas populações em
determinadas condições socioeconômicas e ambientais. As ciências econômicas costumam
interpretar a promoção deste processo como uma disponibilidade suficiente de recursos
humanos e naturais (contemporaneamente se considera também os recursos intelectuais) para
produzir de forma eficiente bens e serviços. Este processo pode ocorrer com algum
planejamento, para que se possa organizar de forma adequada à aplicação destes recursos,
priorizando a solução dos problemas mais prementes da sociedade.
Dentro das concepções da economia clássica, este processo pode e deve ser conduzido
pelo mercado, como agente universal de distribuição eficiente dos recursos e organização da
produção, reduzindo-se o planejamento ao papel de assegurar um mercado plenamente livre
de embaraços sócio-institucionais, sendo que o desenvolvimento seria resultado concreto do
avanço tecnológico.
Embora o livre mercado tenha sido um estímulo ao avanço tecnológico e a um
crescimento da produtividade do trabalho e da riqueza acumulada na sociedade, não se pode
18
afirmar que esta forma de promoção do desenvolvimento tenha resultado efetivamente no
desenvolvimento das sociedades. Ao contrário, após intensos processos de crescimento, as
crises de natureza econômica se sucedem, exigindo a intervenção de setores sociais no
mercado e mesmo contidas estas crises, mantêm-se a lógica produtivista, baseada na
exploração do trabalho e no esgotamento dos recursos naturais.
Dentro do campo clássico da economia, o desenvolvimento costuma ser analisado em
termos de crescimento econômico, na medida em que se acredita que o crescimento da
atividade econômica, no caminho do pleno emprego dos fatores de produção, naturalmente
levará ao desenvolvimento da sociedade.
Evidentemente que esta visão nunca foi unânime no campo do desenvolvimento.
Schumpeter (1985), por exemplo, estabeleceu uma distinção entre crescimento econômico e
desenvolvimento, que de forma geral, pode ser entendida como o crescimento sendo uma
adaptação do sistema econômico às mudanças do seu contexto e o desenvolvimento sendo de
fato uma mudança estrutural, qualitativa, do sistema econômico. Esta mudança estrutural,
para o autor, dar-se-ia a partir do desenvolvimento de novos produtos e/ou novos processos,
que criariam novos mercados. Sem debater as contribuições do autor, o central aqui é
demarcar a idéia de que desenvolvimento perpassa por uma mudança estrutural no sistema
econômico, com suas implicações, que se entende neste trabalho, serem de caráter
socioambiental.
O campo do desenvolvimento tem se expandido, sobretudo após o advento e crise das
propostas keynesianas-sociais-democratas, bem como da ruína do campo soviético. Esta
expansão vem, sobretudo, impulsionada pela problemática ambiental e pela necessidade de
explicar porque existem tantas disparidades socioeconômicas na sociedade. Junto com a
noção de desenvolvimento, emprega-se cada vez mais o temos “sustentável”, Local” (ou
regional), “socioambiental”, “participativo” entre outros adjetivos. Mas é central ter-se um
entendimento do que pode ser o desenvolvimento e como este converge com a noção de
Economia Solidária.
O desenvolvimento caracteriza-se por ser um fenômeno complexo, aberto, que
apresenta bifurcações ao longo de sua trajetória, possuindo propriedades emergentes, ou seja,
que não podem ser identificadas se analisados os componentes de forma isolada. Para
entenderem-se os processos de desenvolvimento, portanto, deve-se buscar a natureza dos
agentes que interagem em determinadas situações.
19
Na busca da natureza dos processos de desenvolvimento, é necessário compreender os
condicionantes que determinam a organização destes, sendo que tanto nos sistemas ecológicos
e sociais, estes processos são de auto-organização. São sistemas dissipativos, auto-
organizados, que se mantêm longe do equilíbrio termodinâmico, devido a um suprimento
constante de energia do exterior (SILVA NETO, 2006).
Os sistemas sociais e ecológicos desenvolvem-se à medida que ampliam suas
condições de evoluir, sendo que, como sistemas dissipativos, pode-se definir sua evolução
como “[...] um aumento da probabilidade do sistema perdurar ao longo do tempo decorrente
de mudanças que levem a um aumento da sua capacidade de auto-organização. Tais mudanças
podem ser quantitativas ou qualitativas” (SILVA NETO, 2006, p. 15).
Não se pode entender o equilíbrio termodinâmico dos sistemas dissipativos, no
entanto, como uma ausência de crises. Ao contrário, são as perturbações ao sistema que
permitem o surgimento de novos componentes, os quais podem se incorporar a sua estrutura,
possibilitando a evolução. É a diversidade, fruto das perturbações, que assegura a evolução
dos sistemas dissipativos.
Além das perturbações, é necessário que estes sistemas apresentem condições de não
se deteriorarem frente às crises. Como esclarece Silva Neto:
[...] um sistema dissipativo, para ser capaz de evoluir, deve ser suficientemente
flexível, isto é, apresentar uma instabilidade interna que lhe permite sofrer
mudanças, mas, também, apresentar certo grau de resiliência, isto é, capacidade de
absorver impactos externos, de maneira a não deteriorar sua capacidade de
organização (2006, p.15).
No caso dos sistemas sociais, deve-se considerar ainda que estes apresentam um
conjunto de especificidades, como por exemplo, maiores descontinuidades em suas trajetórias,
pois embora evoluam rapidamente, também possuem um menor grau de organização, uma vez
que a ação humana representa uma desorganização crescente dos ecossistemas devido a
aplicação de energia. A intervenção da espécie humana no ambiente busca conter o aumento
de entropia. Porém, nem sempre está ocorrendo de fato este aumento, fazendo que a busca por
maior organização do sistema, da forma com que os seres humanos o percebem, resulte em
uma maior desordem nos ecossistemas (SILVA NETO, 2006).
Nos sistemas sociais, as perturbações que levam a evolução constituem-se nas
inovações, sejam de relações sociais e/ou de técnicas sobre o uso de matéria e energia
(SILVA NETO, 2006). Desta forma, pode-se entender o surgimento de novas formas
econômicas (o capitalismo, por exemplo) como sendo um conjunto de perturbações, tanto de
20
ordem social como técnica, que combinadas, fizeram o sistema social evoluir ao atual estágio.
Pensar a Economia Solidária, como uma proposta sistêmica, também remete a pensar que tipo
de perturbações o conjunto de experiências que se agrupam neste campo de fato representam
ao sistema.
No campo da Economia Solidária, o debate sobre desenvolvimento perpassa as
discussões e ações de diversos atores sociais, sendo que as práticas dos empreendimentos têm
despertado interesses diversos, especialmente do meio acadêmico e de setores
governamentais, por representarem concretamente aquilo que genericamente se discute como
um novo processo de desenvolvimento. Neste sentido, em um documento recente, que serve
de base para os debates do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), vê-se a seguinte
afirmação: “Estes debates [sobre desenvolvimento] atribuem aos planos e programas de
desenvolvimento um caráter importantíssimo, principalmente pelas referências que sempre
fazem aos papéis que devem desempenhar o estado, o mercado e a sociedade” (OLIVEIRA;
VERARDO, 2007, p. 06).
Os autores inserem-se na crítica geral de que se fala “desenvolvimento” quando está se
referindo ao “crescimento” econômico. Entendem que crescimento não tem o compromisso
com justiça social. Desenvolvimento, portanto, não significa aferir lucro de qualquer maneira.
Propostas de desenvolvimento devem considerar a geração de riqueza relacionada com a
distribuição, melhoria da qualidade de vida de todos e leva em conta a questão sócio-
ambiental (OLIVEIRA; VERARDO, 2007).
Neste contexto, segundo os autores, a Economia Solidária não é apenas uma resposta
provisória e reação a uma situação, pois a proposta de desenvolvimento a partir da Economia
Solidária:
[...] apresenta como perspectiva de desenvolvimento econômico e social baseado em
novos valores culturais e em novas práticas de trabalho e de relação social. O
desenvolvimento não se restringe ao crescimento econômico e deve abranger as
relações entre as pessoas, a organização do trabalho, resgatar a dimensão humana na
produção, na comercialização e no consumo. Deve rever as transformações sofridas
no mundo do trabalho recuperando a relação entre trabalho e tempo livre e a questão
sócio-ambiental. Estamos falando de desenvolvimento que envolve o social, o
cultural, o político e o afetivo a partir do local, do espaço territorial e também no
sentido mais geral, estamos falando de desenvolvimento sustentável (OLIVEIRA;
VERARDO, 2007, p. 08).
Pode-se afirmar ainda que, para os autores do documento, a proposta da ES busca
inserir a cooperação no lugar da competição, a inteligência coletiva ao invés do
individualismo, a gestão coletiva em vez da precarização das condições de trabalho. Também
entendem o desenvolvimento como um processo em construção a partir de distintas
21
realidades, que formam um projeto emancipatório, integral, que visa a sustentabilidade, a
justiça econômica, social, cultural e a democracia participativa (OLIVEIRA; VERARDO,
2007).
O debate sobre o desenvolvimento se conecta com a Economia Solidária, na medida
em que esta pode ser entendida como uma estratégia de promoção do desenvolvimento, em
especial, do desenvolvimento local, considerando que
[o debate sobre] alternativas de desenvolvimento em regiões subdesenvolvidas,
tendo como parâmetro as possibilidades de desenvolvimento a partir das condições
locais. Esta perspectiva teórica, em vez de nos remeter a construir um modelo de
eficiência a partir das experiências de ponta, nos remete a conhecer a situação
objetiva da indústria local [e dos demais setores], suas características, seus atuais
níveis de produtividade, a dinâmica de seu processo de produção, a natureza de seus
produtos e a sua dinâmica organizacional para, a partir desta realidade constatada,
propor ações que possam melhorar o nível de renda dos agentes e a qualidade do
desenvolvimento local (BASSO et al, 2000, p. 12).
Desta forma, o debate sobre desenvolvimento, como um processo evolutivo, com
ênfase nas dinâmicas locais e de cooperação, configura uma visão do desenvolvimento que
prima pela satisfação das necessidades socioambientais. Busca, portanto, combinar as
condições de vida das sociedades humanas, sem comprometer estas condições no futuro e ao
mesmo tempo, atendendo de forma relativamente igualitária todos os setores da sociedade.
1.1.1 Desenvolvimento socioambiental
A teoria de Gaia, formulada pelo cientista britânico James Lovelock, apresenta os
condicionantes que se impõe à existência da vida no planeta. Segundo Lovelock (2006), Gaia
é um invólucro esférico fino de matéria que cerca um interior incandescente. Começa onde as
rochas crustais encontram o magma do interior quente da terra, uns 160 quilômetros abaixo da
superfície e avança outros 160 quilômetros para fora através do oceano e ar até a ainda mais
quente termosfera, na fronteira com o espaço. Inclui a biosfera e é um sistema fisiológico
dinâmico que vem mantendo nosso planeta apto para a vida há mais de três bilhões de anos.
Esta hipótese a biosfera como um sistema de controle ativo e adaptativo capaz de
manter a terra em homeostase, que é a propriedade dos sistemas abertos, em especial os seres
vivos, de regular o seu ambiente interno de modo a manter uma condição estável, mediante
múltiplos ajustes de equilíbrio dinâmico controlados por mecanismos de regulação inter-
relacionados.
22
Para o autor, existe um processo quase irreversível de interferência neste equilíbrio
dinâmico. Afirma que não se poderá reverter o processo de interferência em Gaia sem
considerar os problemas sociais que afligem a civilização. Os problemas ambientais causados
pela ação humana são conseqüências da busca por maior riqueza que, em tese, permitiria
maior qualidade de vida a todos – ou o desenvolvimento, em sentido amplo.
Apesar das conseqüências para Gaia, e do nível de progresso e desenvolvimento que
certos setores da sociedade atingiram, dificilmente, porém, poder-se-ia dizer que a crise
ambiental é resultado do desenvolvimento da sociedade. Ao contrário, partindo-se da visão
marxista de István Mészáros, poder-se-ia atribuir a interferência humana danosa no sistema
Terra e a situação de pobreza em que vivem mais de 4 bilhões de seres humanos ao
[...] caráter crescentemente destrutivo da produção capitalista, a intensificação da
obsolescência planejada, a cada vez mais intensa perdularidade do capital no trato
dos recursos naturais e humanos [que] se chocam, de modo escandaloso, com o fato
de sermos uma humanidade finita, que habita um planeta finito, com recursos e
com um equilíbrio ecológico cada vez mais ameaçado. É inconcebível que
possamos, ad infinitum, desconsiderar os limites planetários e sociais à expansão da
produção e do consumo e, por tabela e com urgência ainda maior, que possamos
considerar a perdularidade do atual modo de produção (LESSA, 2007, p. 155-156).
José Eli da Veiga (2007) afirma que seria incorreto pensar que na atualidade um forte
crescimento econômico não seja fundamental, principalmente em países periféricos, porém,
entende como imprópria à relação que se costuma fazer entre lentidão de crescimento e
ausência de desenvolvimento.
Na obra A emergência socioambiental, Veiga (2007) formula uma crítica a forma de
mensurar a riqueza, entendendo que apesar do Produto Interno Bruto (PIB) ser aceito como a
melhor medida de crescimento econômico e da veneração do axioma
1
de que a distribuição de
renda é o melhor indicador da desigualdade social, justamente por serem duas idéias tão
simples e “tão marteladas”, que até parece “maluquice constatá-las”. Para o autor, “a verdade
é que são obsoletas e só sobrevivem porque a inércia institucional é fenômeno incontornável”
(p. 31).
O cálculo do PIB não inclui a depreciação de importantes ativos, de forma que não
existe maneira mais fácil de aumentar o PIB do que a depredação de recursos humanos e
naturais. Com superexploração do trabalho e/ou da natureza, ele só aumenta, ao mesmo tempo
em que diminuem as riquezas verdadeiras. Portanto, o PIB é na verdade um falso indicador da
própria riqueza (VEIGA, 2007).
1
Os axiomas são verdades evidentes, constatadas por si mesmas;
23
A distribuição da renda, para o autor, não reflete necessariamente a desigualdade de
acesso à saúde e à educação, que são verdadeiramente as duas condições sine qua non do
acesso às demais dimensões do desenvolvimento. Portanto aceitar o PIB como medida da
riqueza e o axioma da distribuição de renda acarreta em
[...] sérios problemas cognitivos que dificultam o próprio entendimento das três
provas do triatlo do desenvolvimento, pois o dinamismo econômico não pode ser
resumido ao aumento do PIB, o acesso aos bens sociais não pode ser reduzido a
uma questão de distribuição de renda, e a educação de qualidade não pode ser
desligada da popularização da ciência (VEIGA, 2007, p. 35).
O maior problema, para o autor, no entanto, não está nas precariedades e
heterogeneidades das classificações inerentes aos cálculos do PIB e, sim, nos fundamentos
éticos da contabilidade social que lhe servem de base. Qualquer estudante de economia, logo
nas disciplinas iniciais é levado a entender que casamentos de empregados domésticos com
patrões reduzem o PIB de um país. Seria cômico, se não fosse trágico, pois as mesmas
formulações que levam a esta situação, aplicam-se à produção de “bens militares duráveis e,
sobretudo, os armamentos de destruição, que são tratados como investimento produtivo ou
como consumo corrente” (VEIGA, 2007, p. 36). Mesmo que de forma simplista, é fácil
entender o papel da invasão ao Iraque para a economia dos EUA, ao menos a economia
expressa no PIB.
Esta contradição faz com que muitos setores, sobretudo o empresarial, adotem
posturas retrógradas, nos países latino-americanos e em outras economias subordinadas, pois
a adoção de instituições para a proteção do meio ambiente, a fiscalização das condições de
trabalho, o respeito aos direitos humanos e a prevenção de acidentes de trabalho fazem com
que estes países exibam menor desempenho econômico, se medido pelo PIB. Tudo que
atrapalhe o crescimento é entendido como um empecilho ao desenvolvimento. Logo, porque
leis trabalhistas como jornada de 44 horas semanais? Porque licenças ambientais? Se tudo isso
impede o progresso e o desenvolvimento?
Para Veiga, ao “se interessar apenas por fluxos, o PIB fecha os olhos para a
depreciação de cruciais estoques, como os de recursos naturais. Enquanto um país estiver
devastando sem piedade suas florestas nativas, o PIB dará um show de crescimento” (2007, p.
41).
As questões ambientais hoje se traduzem na definição de um novo padrão de
produção, que permita manter a civilização (que é composta por 6,5 bilhões de pessoas),
respeitando as demais formas de vida no planeta. Para isso é fundamental a utilização de
24
novas fontes energéticas, que não diminuam, mas revertam (ao menos em longo prazo) os
processos de aquecimento globais causados pela humanidade.
Do ponto de vista social, o maior desafio é tornar a riqueza gerada na sociedade de
fato um instrumento para que os mais de quatro bilhões de pessoas excluídas das condições
elementares de vida moderna possam usufruir destas conquistas. Ou seja, um modelo de
desenvolvimento global, com menos assimetrias, tanto entre “sul” e “norte” como entre as
ilhas de riqueza em meio aos oceanos de pobrezas mundo afora.
Aparentemente uma contradição entre os dois maiores desafios impostos à
civilização neste início de terceiro milênio “cristão”. Veiga (2007) propõe uma interpretação
dialética do problema, expresso na formulação “socioambiental” que consiste na “[...]
inevitável necessidade de procurar compatibilizar as atividades humanas em geral – e o
crescimento econômico em particular com a manutenção de suas bases naturais,
particularmente com a conservação ecossistêmica” (VEIGA, 2007, p. 91).
Necessita-se, portanto, de uma matriz energética com capacidade de sustentar as
demandas econômicas e sociais, e ao mesmo tempo, um modelo de desenvolvimento que
supere a perdularidade do modelo capitalista de desenvolvimento. A formulação atual que
costuma representar esta superação é o desenvolvimento sustentável, que segundo a sua
definição clássica, formulada pela Comissão Mundial da ONU sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, que resultou no Relatório Brundtland, seria “o desenvolvimento que
satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações
satisfazerem as suas próprias necessidades” (1987, p. 9).
Concretamente essa comissão propunha segundo Molina (2006) as seguintes
diretrizes: limitações do crescimento populacional; garantia de recursos básicos (água,
alimentos, energia) em longo prazo; preservação da biodiversidade e dos ecossistemas;
diminuição do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias com uso de fontes
energéticas renováveis; aumento da produção industrial nos países não-industrializados com
base em tecnologias ecologicamente adaptadas; controle da urbanização desordenada e
integração entre campo e cidades menores; atendimento das necessidades básicas (saúde,
escola, moradia).
José Eli da Veiga (2007) apresenta o conceito de desenvolvimento socioambiental para
superar as contradições entre as necessidades sociais e os limites ambientais. No campo
social, mesmo fazendo uma crítica ao conceito de crescimento econômico, expresso no PIB,
25
não nega a necessidade de aumento da riqueza na sociedade, sobretudo naquelas onde as
demandas sociais são mais elevadas. Afirma, no entanto, que este crescimento, mesmo com
distribuição de renda, não é sustentável. Neste sentido, explicita que “no contexto do século
XXI, o mais importante de todos [os alvos prioritários] pode ser a construção de um
profícuo sistema de ciência, tecnologia e inovação (CT&I)” (2007, p. 24), pois a
sustentabilidade ambiental de qualquer estilo de crescimento econômico depende de
descobertas científicas, novas tecnologias e conseqüentes inovações que dêem bases ao
modelo. Sem os impactos inovadores de um poderoso sistema de C&T, portanto, não basta
sonhar que o (obsoleto) PIB possa crescer de forma durável a taxas robustas.
Desta forma, não basta pensar em um desenvolvimento sustentável, é necessário criar
e disseminar conhecimento científico, traduzido em processos e produtos, que possibilitem a
superação das contradições do modelo dominante, permitindo um novo processo de
desenvolvimento sociambientalmente sustentável. Esta é uma necessidade global, porém
deverá ser entendida e operacionalizada a partir dos processos locais de desenvolvimento, de
maneira que se tem um “novo” elemento a ser considerado.
1.1.2 Desenvolvimento Local
O conceito de desenvolvimento local foi precedido pelo conceito de endogenia.
Expressão que significa “de dentro para fora”, que mesclado com o nacionalismo, na
conjuntura de Guerra Fria, criou a falsa idéia de que seria possível um país efetivamente se
desenvolver fechando-se às demais economias. Contemporaneamente, entende-se “o
desenvolvimento endógeno como aquele onde os elementos locais são a referência, ou seja, é
aquele que parte das características e recursos locais (potencial endógeno) para promover uma
nova coerência entre os elementos tradicionais e os externos, tratando de harmonizar as
condições ecológicas, socioculturais e econômicas locais” (BORBA; GOMES; TRUJILLO,
2008, p. 01).
O desenvolvimento local, portanto, não está fechado ao mundo exterior, mas busca
assegurar que o controle e os benefícios do processo sejam mantidos no local num “processo
auto-centrado onde a maior parte dos valores gerados sejam re-alocados no local” (LONG &
van der PLOEG, 1994).
O aproveitamento do potencial endógeno do desenvolvimento local contrapõe-se à
noção de “modernização”. Esta, segundo Arce & Long (2000, p. 02) seriam um “conjunto de
26
medidas técnicas e institucionais com o objetivo de estender a transformação societal,
sustentadas por narrativas teóricas neo-evolutivas. [...] normalmente uma iniciativa política
empreendida e implementada pelas elites administrativas e tecnológicas cosmopolitas”. O
caso mais típico deste modelo foi à modernização da agricultura, a partir da imposição de
uma racionalidade industrial. De maneira geral, estas sociedades modernas são caracterizadas
pelos avanços tecnológicos, prosperidade material e estabilidade política, seguindo o modelo
pré-estabelecido pelas economias mundiais dominantes.
O desenvolvimento local pressupõe buscar formas de integrar as identidades culturais
e os processos globais num esforço para evitar que o ser humano torne-se em simples
consumidores de modelos culturais elaborados pelos mercados externos (TOURAINE, 1997).
Porém, a valorização de identidades e processos locais não significa uma exacerbação
fundamentalista destas identidades culturais. O desenvolvimento endógeno é uma forma de
localização dos processos de desenvolvimento.
Este processo de localização do desenvolvimento também pressupõe que seja um
processo dinâmico, com capacidade de dirigir o que vem de fora, ao contrário de algo estático
que apenas refaz o externo. Segundo Borba, Gomes e Trujillo (2008, p.02), “o externo se
incorpora ao endógeno quando tal assimilação respeita a identidade local e, como parte dela, a
auto-definição de qualidade de vida”.
Sobre o potencial endógeno existem duas dimensões fundamentais, uma humana e
outra ambiental ou ecológica. Para Sevilla Guzmán (1995), a dimensão social diz respeito aos
esforços dos grupos locais para resistir aos processos de modernização industrial. Seriam
elementos chave, neste caso, a organização, os processos participativos, a autonomia, a
identidade, a cooperação, a força e a organização social do trabalho e o conhecimento local.
Na dimensão ecológica seria, por exemplo, uma agricultura de baixos insumos, a escala de
produção, a base energética e o manejo dos agroecossistemas e de sua diversidade.
O desenvolvimento local, endógeno, como destacado, não é isolado e, portanto,
estão sujeitos às pressões e também vantagens externas. Uma delas é a relação com as novas
tecnologias, em geral criadas nas economias mundiais dominantes. Os processos locais de
desenvolvimento necessitam produzir a internalização destas novas tecnologias. Em relação
aos novos mercados, uma necessidade de distanciamento e a ativa reconstrução destes
espaços (BORBA; GOMES; TRUJILLO, 2008).
27
Como exposto, desenvolvimento é um processo local que interage com o meio
externo, porém, de forma endógena, busca internalizar e transformar os fatores externos em
proveito do processo interno, ao invés de simplesmente se adaptarem aos estímulos de fora. E
este processo é social e ambiental pressupõe organização social orientada para o
desenvolvimento local, buscando assegurar as condições materiais e ambientais deste
processo.
E quando se refere à organização, é importante discutir-se o papel de um ator central
nas sociedades humanas, que pode ser um agente ativo no desenvolvimento local, o Estado.
1.1.3 O papel do Estado no Desenvolvimento local
Referir-se ao papel do Estado não significa fazer um debate maniqueísta em torno
deste, na medida em que uns o em como o grande ‘vilão’ e outros como a única fonte de
redenção humana. Como demonstrou Engels (s.d) o Estado é uma constituição das sociedades
humanas que inicia junto com o período que denomina-se de civilização’, em contraposição
ao período da ‘barbárie’, porém, esta instituição surgiu para assegurar os direitos e privilégios
de propriedade de uma minoria sobre a grande maioria das populações e apesar das diversas
transformações que passou, poucas, como a revolução Russa de 1917, modificaram esta razão
central da sua existência.
Ao mesmo tempo, desde os primórdios civilizatórios, como na constituição Ateniense
de Sólon, séculos antes da era cristã, até o New Deal de Roosevelt na cada de 1930, ficou
demonstrado que é possível estabelecer medidas estatais que contribuam para amenizar as
conseqüências mais drásticas da exploração da minoria sobre a maioria.
Em oposição a esta ação estatal, que no século XX chamou-se de Estado de Bem Estar
Social, levanta-se o discurso neoliberal, propagado com grande intensidade desde os anos
1980. Este discurso (e políticas) não contesta o Estado defensor das elites, mas sim as ações
estatais que amenizam as desigualdades sociais. Neste sentido, porta-vozes do neoliberalismo
afirmam que o “mercado se encarrega de gerar um resultado socialmente satisfatório”
(GIAMBIAGI e ALMEIDA, 2003, p. 30), no qual basta o Estado adotar políticas específicas
para ajudar este mercado a gerar crescimento e desenvolvimento econômico.
Pode-se entender que não nada melhor para o progresso da humanidade do que
deixar o mercado funcionando livremente, dentro da dinâmica do sistema capitalista. Esta
28
visão hegemonizou as ações estatais no último quarto do século XX e apesar dos resultados
pífios, mostrou-se capaz de orientar as ações públicas até a crise mundial que agora se
desenvolve
2
.
A crítica e busca de alternativas ao modelo de desenvolvimento baseado no livre
mercado não pode se dar também apenas pelos resultados em termos de crescimento
econômico, mas pelos resultados sistêmicos como um todo, tornando necessário entender a
dinâmica deste e o papel das instituições. Entender, portanto, a dinâmica capitalista é central.
Neste sentido, Keynes afirma que a economia capitalista é caracterizada por amplas
desigualdades na distribuição das rendas e pelo desemprego (DILLARD, 1989), ou seja,
situações de pleno emprego são ocasionais, sendo comum, no entanto, situações de equilíbrio
sem pleno emprego. Isto é ocasionado por haver um descompasso entre a renda total da
sociedade e os gastos com consumo e investimento, assim, os problemas do desenvolvimento
capitalista se devem à insuficiência de demanda efetiva
3
.
A resposta de Keynes para corrigir o problema da demanda efetiva passa pelo gasto
público e pela ampliação da propensão marginal a consumir. Por meio do gasto público, deve-
se elevar a renda da população, gerando empregos, cuja produtividade individual, mesmo
baixa, contribua para elevar a produtividade total. Aumenta-se, desta forma, a capacidade de
consumo do conjunto da população, elevando a propensão marginal de consumir,
especialmente porque a melhora na renda ocorre nas camadas mais baixas, que tem menos
condições de poupar. O gasto público, portanto, não pode ser eventual, mas sim constituir-se
em política permanente, visando combater a tendência geral do capitalismo de equilíbrio com
subemprego (DILLARD, 1989). Keynes não concebe a possibilidade de um capitalismo
laisser-faire funcionar. O Estado não é importante, como é fundamental para permitir a
existência de uma economia capitalista.
O modelo “keynesiano”, no entanto, foi pensado desconsiderando as classes sociais
(no sentido de projetos de sociedade antagônicos) e dirigido às economias desenvolvidas de
sua época. Kalecki (1980), economista oriundo do campo marxista, embora fizesse uma
análise semelhante à de Keynes sobre o sistema capitalista, entendia o mesmo como dividido
em classes sociais sendo que nas economias subdesenvolvidas, além da insuficiência da
2
A história tem demonstrado como o livre mercado, apoiado pelo Estado, obtém desenvolvimento. Os editoriais
dos jornais em todo mundo, no final de 2008 demonstram claramente as conseqüências do livre mercado, que
causou mais uma crise cíclica do capital, cada vez mais mundializado.
3
Dillard (1989) demonstra que boa parte da analise do capitalismo encontrada na teoria geral de Keynes é a
mesma de Marx, em O Capital.
29
demanda, o grande problema estava na deficiência da capacidade produtiva, pois existia
pouco estoque de capital, que mesmo assim era subutilizado, e quando totalmente utilizado,
não absorvia completamente a força de trabalho disponível, o que acarretava um baixo padrão
de vida nestas sociedades.
Estas economias subdesenvolvidas, além de necessitar da utilização plena de sua
capacidade produtiva, necessitam ser rapidamente expandidas, o que demanda aumentar
muito o nível de investimento. Isto não ocorre, no entanto, porque a iniciativa privada não
investe suficientemente, também porque uma deficiência de recursos físicos para produzir
bens de investimento e ocorrem pressões inflacionárias sempre que há crescimento, que
geram problemas para suprir adequadamente os gêneros essenciais de consumo (KALECKI,
1980).
Kalecki (1980) propõe a planificação da oferta de bens essenciais de consumo, para
estimular um adequado nível de investimento, via restrição dos bens de consumo não-
essenciais. O crescimento da renda nacional, portanto, seria acompanhado pelo aumento da
oferta de bens de consumo essenciais. Compensar-se-ia a participação relativa maior do
investimento na renda nacional pela redução relativa do consumo de bens não-essenciais, o
que seria possível pela apropriação direta ou indireta dos setores de maior renda. Isto não
seria viável, porém, sem uma transformação revolucionária destes países, tendo em vista que
seria necessária a planificação dos investimentos, a mudança na estrutura fundiária e na forma
de tributação dos ricos.
Sintetizando o problema, nos países desenvolvidos basta adequar os recursos
existentes por meio da ação governamental, pois o mercado não faz isto. Nos países
subdesenvolvidos, entretanto, não existem recursos suficientes para garantir o investimento.
Estes precisam ser constituídos, o que demanda reformas profundas na organização
econômico-social destes e para o qual o Estado também cumpre papel determinante.
Para Furtado (1968) as decisões dos agentes econômicos são coordenadas de duas
formas: uma via mecanismo de preços, por meio do mercado e descentralizadas; outra, por
meio da orientação ou controle de certos processos econômicos, de forma centralizada, pela
ação governamental, via política econômica. Estas políticas devem ser voltadas
prioritariamente para os investimentos e o controle monetário. Não bastam, porém, políticas
voltadas para a utilização da capacidade produtiva existente, são necessárias modificações
estruturais, sendo a escolha desta estratégia de modificação das estruturas o problema central
a ser enfrentado pelos países subdesenvolvidos.
30
Keynes, Kalecki e Furtado apresentam um raciocínio coerente no sentido da
necessidade do Estado ter papel ativo na economia. Especialmente para Kalecki (1980) e
Furtado (1968), este papel é central no direcionamento dos investimentos nas economias
subdesenvolvidas. Esta ação, porém, depende das condições objetivas e subjetivas que
determinada sociedade esta inserida, para ter um Estado com esta orientação. Entende-se por
estas condições a existência de recursos naturais, de tecnologia, de níveis de conhecimento,
educação e organização social, entre outros fatores.
Para entender o contexto em que as economias nacionais atuam, Lipietz (1988)
apresenta o conceito de regime de acumulação, no qual a estabilização, em longo prazo, da
destinação do produto (riqueza) entre consumo e acumulação (investimento), implica numa
correspondência entre transformação das condições de produção e das condições de
reprodução do trabalho assalariado. Isto possibilita “certas modalidades de articulação entre o
capitalismo e outros modos de produção, em uma ‘formação econômico e social nacional’
entre o interior desta formação e aquilo que lhe é exterior” (p.30), ou seja, um regime de
acumulação é dado por um determinado esquema de reprodução, portanto, se um regime de
acumulação existe é porque seu esquema de reprodução é coerente.
O regime de acumulação atua sob um modo de regulação, que é o conjunto de regras e
procedimentos sociais incorporado nos comportamentos individuais. O modo de regulação dá
materialidade ao regime de acumulação, garante seu funcionamento, por meio de normas,
costumes, leis, etc. Os regimes de acumulação são resultados de relações, que permitem a
reprodução social, mesmo que de forma desigual, e ao longo deste processo moldam um
modo de regulação específico apoiado nos aparatos estatais e nas convenções sociais.
No Brasil, segundo Fiori (1999, p. 34-35), o modelo desenvolvimentista, proposto para
industrializar e transformá-lo em um país desenvolvido, era insuficiente, pois “o capitalismo
brasileiro nasceu desacompanhado de suas forças produtivas clássicas, consolidando-se sem
contar com um departamento produtor de bens de capital”. O regime de acumulação era, no
entanto, coerente com os interesses de diversos setores sociais, o que moldou um modo de
regulação próprio, que embora similar a outros do pós-guerra, foi o mais eficaz nas economias
ocidentais a combinar altos índices de crescimento econômico com elevadas taxas de
exclusão social.
Setores progressistas, no final dos anos 1970, requeriam uma mudança radical das
bases de sustentação política do projeto de desenvolvimento do país, para qual era necessária
uma nova coalizão de poder, capaz de redesenhar o projeto nacional, a partir das necessidades
31
da população e de uma inserção soberana na nova onda globalizante da economia capitalista.
Porém, a “modernização” do projeto nacional foi pautada pelo receituário do Consenso de
Washington, que no plano ideológico representava a adoção do receituário neoliberal e sua
ação prática representou a substituição do projeto de construção de uma “potência
emergente”, por um “mercado emergente” (FIORI, 1999).
Como explicitado, o pressuposto destas políticas é o livre-mercado, no entanto, este
“precisa do poder do Estado para atingir suas finalidades, mas [para isso] enfraquece as
instituições do Estado em seus aspectos vitais” (GRAY, 1999, p. 37). Apesar de instituído em
muitos países por meios democráticos formais, estas políticas de livre mercado alteram as
sociedades e economias onde se implantam de tal forma que sua reversão torna-se
virtualmente impossível por meios democráticos normais, como tem ocorrido em diversos
países que, mesmo elegendo governantes que discordavam destas diretrizes, continuaram a
implementá-las, pelo menos na suas orientações gerais.
As políticas neoliberais têm representado uma forte centralização do poder ao mesmo
tempo em que o Estado abandona funções na economia e mesmo na sociedade, em prol do
mercado. O saldo tem sido parcos índices de crescimento econômico, combinados com a
elevação das desigualdades sociais, responsável pelo surgimento de ‘pobres’ em países
desenvolvidos e principalmente, agravando a pobreza nos países subdesenvolvidos.
No quadro do livre mercado, Kaleki, Furtado e mesmo Keynes, defendem propostas
heréticas, que não fazem sentidos se o objetivo é crescimento e o desenvolvimento
econômico. Porém, a história tem dado mostras de que aqueles que atingiram determinado
patamar de riqueza, tornando-se economias centrais no mundo globalizado, percorreram
caminhos diferentes, de maneira que se pode buscar suas lições concretas ao invés de suas
proposições e discursos.
1.1.3.1 A lição dos “desenvolvidos
4
Quando busca-se alternativas a esta face neoliberal do capitalismo, que prega um
retorno ao laisser-faire, faz-se necessário entender melhor como os países atualmente
4
Os Desenvolvidos aqui são entendidos como os países do hemisfério norte, que conseguiram atingir um vel
de industrialização elevado, acúmulo de riquezas e ao mesmo tempo, conseguiram elevar o padrão de vida de
seus cidadãos. Isto não quer dizer que estes sejam paraísos na terra, como é o caso dos Estados Unidos da
América, o país mais rico do globo, mas que mostrou profundas fragilidades sociais no desastre do furacão
Catrina, por exemplo.
32
desenvolvidos (PADs)
5
chegaram a posição que se encontram hoje. Chang (2004, p. 207)
afirma que
[...] a discussão mostra que as políticas e instituições utilizadas pelos países
atualmente desenvolvidos, nos estágios iniciais de desenvolvimento, diferem
significativamente das que normalmente se supõem que eles utilizaram e mais ainda
das diretrizes que recomendam, ou melhor, que freqüentemente exigem dos atuais
países em desenvolvimento.
As políticas ‘boas’ propostas pelos organismos internacionais, que enfatizam o livre
comércio e políticas industriais, comerciais e tecnologias pautadas pelo laisser-faire estão em
franca oposição com o que os PADs efetivamente fizeram. Além disto, “as ‘reformas
políticas’ neoliberais se mostraram incapazes de cumprir a sua grande promessa: o
crescimento econômico” (CHANG, 2004, p.212). O autor afirma ainda que “Todos os países,
mas principalmente os países em desenvolvimento, cresceram muito mais rapidamente no
período em que aplicaram políticas ‘ruins’, entre 1960-1980, do que nas duas décadas
seguintes, quando passaram a adotar as ‘boas’” (p. 214). Ou seja, os países em
desenvolvimento tiveram melhores resultados econômicos quando desempenaram papel ativo
na economia do que no período em que o discurso e a prática neoliberal tornaram-se
hegemônicas. Complementando a idéia o autor registra ainda que
[...] o mais interessante é que as políticas ‘ruins’ são basicamente as que os PADs
aplicaram quando eram países em desenvolvimento. Diante disso, podemos
concluir que, ao recomendar as tão proclamadas políticas ‘boas’, os PADs estão,
efetivamente, ‘chutando a escada’ pela qual subiram ao topo (CHANG, 2004, p.
214).
Com uma breve revisão na história do capitalismo no mundo, é fácil entender que este
se tornou possível graças ao Estado, tanto na sua face laisser-faire como no capitalismo do
pós-guerra (POLANY, 1988). Negar o papel do Estado na economia (e, portanto, na
construção de alternativas de desenvolvimento) é uma atitude descomprometida com o
interesse da sociedade (progresso econômico e social de forma geral). Portanto, deve-se
pensar em como o Estado pode efetivamente contribuir nesse processo. Nas economias
subdesenvolvidas, parece que a chave esta no investimento, como defendem Kalecki e
Furtado. Nesse sentido, Rodrik (2002, p. 283-284) pondera que
Nem a teoria econômica nem a ciência administrativa são muito úteis para ajudar os
empresários (ou o Estado) a escolher os investimentos apropriados no amplo leque
de atividades dos setores modernos [...] quando se vai além de categorias genéricas
como ‘produtos intensivos em mão-de-obra’ ou ‘produtos baseados em recursos
naturais’ [...] A política ótima do governo consiste [...] numa estratégia dupla: (i)
estimular de antemão o investimento e a iniciativa no setor moderno [...] (ii)
racionalizar a posteriori a produção eliminando as empresas de mau desempenho. A
política industrial tem que combinar a recompensa e o castigo.
5
O termo PAD é de Chang (2004).
33
Rodrik (2002) entende que os arranjos institucionais têm função importante, sendo que
para “descobrir o que ‘funciona’ no plano local, requer experimentação” (p. 287). Afirma,
porém, que “[...] não é necessário um programa ambicioso de reformas institucionais
complementares para dar o pontapé inicial no crescimento” (p. 288). Por fim, complementa
que
A chave está em reconhecer que não se pode obter tecnologia nem boas instituições
sem adaptações internas significativas. Essas adaptações, por sua vez requerem um
papel proativo do Estado e da sociedade civil, bem como estratégias de colaboração
que estimulem a iniciativa empresarial e a construção de instituições (p. 291).
Sobre as instituições, Chang (2004, p. 2015) pondera que “[...] ainda que concordemos
que certas instituições são ‘boas’ ou mesmo ‘necessárias’, é preciso ter cautela ao especificar
os seus formatos exatos”.
O Estado, embora seja uma forma de organização de uma sociedade e seja tão
complexo quanto esta, não é a única forma de ação política na sociedade. Uma das maiores
contribuições do período pós-guerra foi considerar na formulação de políticas três atores
centrais: Estado, mercado e sindicatos. À medida que a sociedade foi se complexificando,
porém, novas formas de organização tem surgido, sendo que hoje se usa genericamente o
termo “sociedade civil”, o que acarreta certa ilusão de que os interesses de classes
desapareceram. Deve-se considerar também que o Estado não está acima das classes sociais,
sendo necessário incentivar todos os espaços de participação que possibilitem a viabilização
de um regime de acumulação “justo”, o que implica interferir no atual modo de regulação, ora
em crise. Para Offe (1999, p. 143),
As três forças [mercado, Estado e sociedade] [...] de construção institucional [...]
tendem a se entrecortar. Elas também dependem umas das outras. Como nem uma
delas é dispensável, a necessidade de auto limitação dos proponentes de cada uma
delas se torna evidente. Formas institucionais de ação pública recentes enfatizam as
limitações necessárias entre as três forças da construção institucional, mesmo que
apenas através da negação. Por exemplo, falamos de organizações ‘não-
governamentais’ ou do setor ‘sem fins lucrativos’. Por razões tão boas quanto essas,
devíamos nos referir a organizações ‘não-sectárias’ [...] Essas três negações
combinadas são, ou ao menos assim parece, uma aproximação conceitual muito boa
da idéia de associativismo vico e de capital social que capacita as pessoas a se
engajarem em práticas associativas.
O desenvolvimento local é uma forma de perceber espacialmente a interação destas
três negações, em uma nova dinâmica de articulação e sinergia. No entanto, não se pode
prescindir do papel do Estado, na condução geral do processo de desenvolvimento. Esta
função, porém, não pode ser realmente eficiente, se descolada do capital social, como
esclarece Offe (1999, p. 144),
34
A sintonia fina, processual, crítica e flexível, ao mesmo tempo que a recombinação
imaginativa dos três componentes da ordem institucional [...] [com] instituições de
governo justas e transparentes, a prosperidade que mercados cuidadosamente
regulados podem gerar e a vida das comunidades restringidas pelo princípio da
tolerância podem e devem, todos, contribuir para a [...] formação e a acumulação de
capital social no interior da sociedade civil. As forças associativas são mais capazes
de definir e redefinir de forma constante a ‘mistura correta’ de padrões institucionais
do que qualquer autoproclamado especialista ou protagonista intelectual de uma das
doutrinas ‘puras’ da ordem social.
No atual contexto de hegemonia e crise do discurso neoliberal e com falta de
alternativas claras, a reinserção do Estado na economia, à democratização deste e o controle
do mercado são condições importantes. Aliadas com incentivos às proposições alternativas,
que combinem eficiência econômica com inclusão social e manejo responsável dos recursos
ambientais, podem permitir que se vislumbre uma nova forma de organização econômico-
social, a partir das dinâmicas locais.
Deve-se lembrar, por fim, que o capitalismo só se tornou o que é hoje por meio do
apoio estatal (POLANYI, 1988). Os processos de desenvolvimento local, portanto, também
dependerão deste apoio, para se tornarem eficientes. Como afirma Rodrik (2002, p. 291),
precisa-se de “menos consenso e mais experimentação”, e esta deve-se dar a nível
local/regional, a partir das condições sociais existentes, adaptadas as necessidades que se
busca, uma vez que o processo de desenvolvimento é determinado por uma realidade, mas
aberto para as modificações necessárias.
1.2 Economia Solidária
Dentro deste debate sobre desenvolvimento, uma contribuição que vem ganhando
relevância no Brasil é a chamada Economia Solidária, qual se pretende apresentar seus
conceitos e debates fundamentais, que compõem o referencial deste trabalho, juntamente com
as noções sobre desenvolvimento.
1.2.1 Contexto Histórico
A Economia Solidária assemelha-se as primeiras experiências cooperativistas, que
têm como marco simbólico a fundação da Cooperativa Matriz de Rochdale, em meados do
século XIX, na Inglaterra. Os famosos sete princípios da Sociedade dos Probos Pioneiros de
Rochdale eram a adesão livre, o controle democrático, o retorno dos excedentes em proporção
às operações, a taxa limitada de juros ao capital social, a neutralidade política e religiosa, a
educação cooperativista e a integração cooperativista. Esses princípios não surgiram nos
35
primeiros dias da cooperativa, foram desenvolvidos no processo, sendo que após este auge,
também foram sendo revistos, especialmente em relação à distribuição dos excedentes (KEIL;
MONTEIRO, 1982).
Foi a partir das práticas desta cooperativa que se formaram os princípios do
cooperativismo. Estes princípios foram instituídos no movimento cooperativista internacional
em 1938 no Congresso da Aliança Cooperativa Internacional, que consolidou a livre entrada
ou saída de cooperados, a gestão democrática, no qual cada associado tem direito a apenas um
voto, a limitação da remuneração do capital (juros) e a distribuição de sobras de forma
equivalente (FRANTZ, 2005).
Goerck (2006) salienta que, posteriormente ao primeiro congresso, foram acrescidos
a não discriminação dos associados, por meio da neutralidade político-social e religiosa, assim
como a intercooperação e a educação, a capacitação e informação do quadro social. Este se
operacionaliza por meio da constituição de um fundo de recursos, específico para esta
finalidade, instituídos no congresso internacional de 1966.
Observa-se que a produção e consumo de bens e serviços, de forma associativa, não
é algo novo; ao contrário, sua prática remota aos primórdios do capitalismo, por meio das
propostas de cooperativismo. De maneira geral, a autogestão dos produtores (operários e
camponeses) foi base da construção das propostas societárias do socialismo/comunismo, tanto
nos programas marxistas ou anarquistas. A cooperação ou sua forma reduzida, a co-gestão,
também integraram os programas políticos da social-democracia, dentro da perspectiva de
reformas do capitalismo.
No Brasil, as origens do cooperativismo remetem a experiências do movimento
anarquista ainda no final do século XIX. Seu impulso principal, no entanto, dá-se nas regiões
de agricultura familiar com mão-de-obra imigrante, especialmente no sul do país, nas regiões
ocupadas por imigrantes germânicos e italianos (GOERCK, 2006).
Em 1932, o governo de Getúlio Vargas institui a primeira legislação cooperativista
brasileira, tendo por objetivo influir de forma marcante no cooperativismo, visando, não
apenas, enquadrar as cooperativas nas metas nacionais de desenvolvimento, mas
principalmente como alternativa de desenvolvimento” (SCHNEIDER, 1991, p. 332).
Pretendia o governo, desta forma, rearticular a inserção dos produtos agrícolas brasileiros no
mercado internacional, que estavam fragilizados devido à grande depressão gerada pela crise
36
de 1929. Esta iniciativa propunha a formação de cooperativas agro-exportadoras, que
diminuíam custos e facilitariam o recebimento de subsídios do governo (GOERCK, 2006).
Houve intenso surto de desenvolvimento cooperativista, inspirado pelo Estado, em
especial no meio rural do sul do Brasil, no período de ‘modernização agrícola’, entre os anos
1960/1970. Este modelo de cooperativas entrou em crise nos anos 1980, sendo que sua
reestruturação apontou uma saída de rumo capitalista, instituindo-se medidas de
reestruturação produtiva, profissionalizando a gestão, transformando os associados em
‘clientes’ ou ‘fornecedores’ (de maneira formal continuaram associados) e eliminando custos
especialmente nas ações de formação e fortalecimento do quadro social.
Ao longo da década de 1990, os setores rurais, ligados à agricultura familiar, em
especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), começam a constituir
novos tipos de cooperativas, visando organizar suas estruturas a partir das necessidades de
seus associados em busca de mercado para seus excedentes, ao contrário das cooperativas
denominadas empresariais, que se pautavam pelo mercado para estabelecer as políticas para
seus associados.
No meio urbano, neste período, o crescente índice de falências de empresas de
médio e mesmo grande porte, devido aos novos padrões de competitividade capitalista,
levaram os trabalhadores demitidos destas empresas a empreenderem ocupações e lutas, com
o objetivo de assumir essas massas falidas, revertendo seus créditos trabalhistas em capital
para recolocá-las em atividade, porém, a partir daí, geridas como cooperativas organizadas
por seus trabalhadores (SINGER, 2003). Este processo recebe apoio do movimento sindical,
primeiramente de forma crítica, mas posteriormente passa a ser programa principal,
especialmente da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Outras experiências gestavam-se neste período, com grande enraizamento popular:
eram os Projetos Alternativos Comunitários (PACs), ligados à Igreja Católica e também ações
ligadas a igrejas evangélicas. Os principais incentivadores desses projetos eram as Pastorais
Sociais e a Caritas. Estes projetos consistiam em pequenos empreendimentos, como padarias
comunitárias, ateliês de costura, artesanato e outros, que recebiam recursos normalmente na
forma de pequenos empréstimos e em condições de reembolso bastante acessíveis, para serem
aplicados e geridos de forma coletiva pela comunidade.
Este conjunto de experiências citadas, somando-se a políticas públicas e ações de
Organizações Não-Governamentais (ONGs) voltadas ao associativismo, foram constituindo as
37
bases de uma proposta de desenvolvimento associativo. Baseada num novo associativismo ou
cooperativismo, a proposta é denominada de várias formas, sendo as mais conhecidas e
aceitas atualmente no Brasil: Economia Solidária e Economia Popular Solidária.
1.2.2 Construção de conceitos
O termo Economia Solidária, na visão de Lechat (2004) foi inicialmente conceituado
pelo economista e professor Paul Singer e passou a ser usado como uma das referências, tanto
acadêmicas como nos movimentos sociais para explicitar programaticamente esta forma de
organização econômica. Para Singer (1998),
A Economia Solidária deve ser um outro espaço livre para a experimentação
organizacional, porque a tentativa e o erro podem revelar as formas
organizacionais que combinam o melhor atendimento do consumidor com a
autorealização do produtor. Se estas formas organizacionais forem encontradas e
certamente serão muito diferentes da empresa capitalista haverá uma boa
probabilidade de que elas sejam a semente de um novo modo de produção (p. 125).
O termo ‘popular’, que acompanha a denominação de Economia Solidária é muito
utilizado nos setores ligados à Cáritas, bem como compôs a denominação da primeira
experiência de programa de ação pública em escala estadual, voltada a estes setores, que foi o
Programa de Economia Popular Solidária da Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos
Internacionais do Rio Grande do Sul (Sedai/RS), durante o Governo Olívio Dutra (1998-
2002). Segundo a Cáritas, o “popular”, na denominação de Economia Solidária pode ser
entendido como
[...] o processo de organização solidária com e a partir dos excluídos, que os
“grandes” também são solidários entre eles. No bojo do popular está uma opção
político-pedagógica. Sob esta ótica, os 56,42% da população gaúcha que vive em
situação de pobreza e de indigência, são alvos da EPS, buscando integrar o
processo de assistência social como parte do desenvolvimento solidário[...] O
popular, contudo, não significa desprezar a tecnologia socialmente acumulada.
Também não significa produto sem qualidade, coisa pequena, isolada [...] A
produção econômica com tecnologia adequada deve garantir a realização da pessoa
a ser solidário(a) com-cidadania (DIOCESE, 2002, p.16).
Neste sentido, ambos os termos Economia Solidária e Economia Popular Solidária
não se anulam, mas partem de ângulos diferentes. Ao passo que o primeiro busca construir-
se numa experiência mais sistêmica, o segundo parte de uma “opção pelos pobres”, integrante
da doutrina social da Igreja Católica. Ambas convergem, no entanto, no sentido de proposta
alternativa à exclusão social e sua fonte geradora, o sistema capitalista (LEMES, 2006).
38
Incentivadores da proposta de ES buscam conceituar a partir do caráter efetivo
dessa, como Lisboa (2005), que designa a Economia Solidária como diversas práticas
desenvolvidas, principalmente na agricultura familiar, empresas recuperadas, cooperativas,
rede de catadores, etc. Para o autor, essas práticas estavam fragmentadas, sendo que o termo
“Economia Solidária” se constituiu num aglutinador de todo o tipo de atividades, permitindo
articulá-las em torno de um amplo movimento social.
O Governo Federal, a partir de 2003, criou a Secretaria Nacional de Economia
Solidária (Senaes), que iniciou um amplo processo de identificação das experiências que
poderiam ser caracterizadas de Economia Solidária, visando constituir um Sistema Nacional
de Informações sobre as mesmas. Em função disto, a Senaes elencou um conjunto de
características que estão moldando um conceito bastante amplo para esta proposta
socioeconômica:
a) São organizações coletivas (associações, cooperativas, empresas autogestionárias, grupos de
produção, clubes de trocas, etc), suprafamiliares, cujos sócios/as são trabalhadores/as
urbanos/as e rurais. Os que trabalham no empreendimento são, na sua quase totalidade,
proprietários/as ou co-proprietários/as, exercendo a gestão coletiva das atividades e da
alocação dos seus resultados;
b) São organizações permanentes, (não são praticas eventuais). Além dos empreendimentos
que se encontram implantados, em operação, deve-se incluir os empreendimentos em
processo de implantação quando o grupo de participantes estiver constituído e definido sua
atividade econômica;
c) São organizações que podem dispor ou não de registro legal, prevalecendo a existência real
e a vida regular da organização;
d) São organizações que realizam atividades econômicas de produção de bens, de prestação de
serviços, de fundos de créditos (incluindo-se as cooperativas de créditos e os fundos rotativos
populares administrados pelos próprios sócios/as trabalhadores/as) e de consumo solidário. As
atividades econômicas devem ser permanentes ou principais, ou seja, a “razão de ser” da
organização;
e) São organizações econômicas singulares ou complexas. Ou seja, deverão ser consideradas
as organizações de diferentes graus ou níveis, desde que cumpridas as características acima
identificadas. As organizações econômicas complexas são as centrais de associações ou de
cooperativas, complexos cooperativos, redes de empreendimentos e similares (SENAES, 2004,
p. 8).
Outra visão foca o conceito no espaço econômico e político que a Economia Solidária
pode ocupar para definir o papel que a mesma pode desempenhar, pois “a Economia Solidária
não é nem uma economia liberal de mercado e nem uma economia planificada, estatal”
(BRUM, 2003, p. 219). Considerando que a economia de mercado não cumpriu suas
promessas em termos sociais e que o modelo de redistribuição da riqueza, baseado na
economia estatal, desapareceu do cenário mundial no final do século XX, ficou um amplo
espaço para ser ocupado por uma forma de economia da reciprocidade, ou seja, a Economia
39
Solidária, que reafirma as relações sociais e a produção para a satisfação das necessidades
(BRUM, 2003).
Brum (2003, p. 223) ressalta, ainda, que “a incapacidade em definir as missões e o
modo de funcionamento de forma unívoca alimenta uma incompreensão geral”. Esta
incompreensão gera resistências por parte das empresas privadas e do setor público. As
primeiras devido a uma pretensa concorrência desleal, e o segundo porque a Economia
Solidária parece possuir o germe do desmantelamento progressivo do serviço público.
Esclarecido seu papel, no entanto, segundo o autor, ela pode amenizar os “efeitos
destruidores” da economia de mercado e, ao mesmo tempo, ser mais eficiente que o Estado na
compensação à sociedade.
Para Montchane (2007), esta forma de economia constitui no interior do capitalismo
uma espécie de “objeto não-identificado”, que acumula paradoxos. Referindo-se com mais
propriedade a chamada Economia Social, existente na Europa, o autor entende que as grandes
instituições deste tipo “proclamam-se diferentes de suas homólogas capitalistas, porém disso
nem sempre prova explícita ou convincente” (2007, p. 08). Pode-se dizer, certamente, que
o que distingue os Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) de outras formas
econômicas é a propriedade coletiva dos meios de produção e da apropriação dos resultados.
A vivência da Economia Solidária, os propósitos e as conquistas de quem se considera
parte deste movimento social estão em construção, constituindo-se em fatores que mobilizam
e determinam reações diante da realidade em que a sociedade está inserida, ou seja, do modo
de produção capitalista. Neste sentido, um importante marco na definição do que pretende ser
a Economia Solidária foi a I Conferência Nacional de Economia Solidária (I Conaes),
realizada em junho de 2006, em Brasília. Esta conferência foi um espaço de discussão
convocado pelo poder público (em especial o Ministério de Trabalho e Emprego) que reuniu
1.073 delegados representando EES, entidades de apoio e gestores públicos de todo país.
No documento final que relata os encaminhamentos da conferência, o primeiro eixo
temático é dedicado a apresentar os fundamentos e o papel da Economia Solidária na
construção do desenvolvimento sustentável. Este eixo é composto de 22 itens, que buscam
contemplar a diversidade do conceito, sendo que um deles sintetiza a proposição:
A Economia Solidária se caracteriza por concepções e práticas fundadas em relações
de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano
na sua integralidade ética e lúdica e como sujeito e finalidade da atividade
econômica, ambientalmente sustentável e socialmente justa, ao invés da acumulação
privada de capital. Esta prática de produção, comercialização, finanças e de
consumo, privilegia a autogestão, a cooperação, o desenvolvimento comunitário e
40
humano, a satisfação das necessidades humanas, a justiça social, a igualdade de
gênero, raça, etnia, acesso igualitário à informação, ao conhecimento e a segurança
alimentar, preservação dos recursos naturais pelo manejo sustentável e
responsabilidade com as gerações, presente e futura, construindo uma nova forma de
inclusão social com a participação de todos (SENAES, 2006, p. 57).
Fica exposto que o desejo dos atores da Economia Solidária, representados na
Conferência Nacional, não é de algo intermediário e compensatório. No presente momento,
porém, as preocupações estão voltadas prioritariamente para a sobrevivência da idéia e de
seus principais atores, os EES, que se expressam nos demais eixos debatidos na conferência,
voltados para prioridades e estratégias de atuação para as políticas e programas de Economia
Solidária e mecanismos de participação e controle social (SENAES, 2006).
Os construtores da idéia e das práticas de Economia Solidária lhe apresentam como a
concretização das alternativas a exclusão e desigualdades sociais. Seu desafio, no entanto, tem
sido demonstrar a capacidade de viabilidade histórica, nos sentido de atender as questões
econômicas sem perder seu caráter solidário e autogestionário. Neste sentido, apresenta-se a
seguir alguns elementos desta discussão.
1.2.3 Sustentabilidade e autogestão
O debate sobre sustentabilidade perpassa todas as discussões sobre ES, o que requer
buscar os condicionantes necessários à existência das organizações, sendo estes tanto de
caráter ambiental ou social. A Economia Solidária se constrói como um campo que conjuga
outras racionalidades econômicas, distintas do modelo hegemônico, porém, seu
desenvolvimento ocorre dentro deste modelo e certamente é condicionada pelo mesmo.
Se a questão de como avaliar a capacidade de reprodução social dos EES, e em
conseqüência, do conjunto da idéia de ES não é pelo custo de oportunidade do capital,
significa dizer que são outros fatores, provavelmente o custo de oportunidade do trabalho, que
vai determinar esta sustentabilidade da proposta. É, entretanto, fundamental avaliar o conjunto
que envolve esta remuneração do trabalho.
Os EES conjugam a maleabilidade das atividades de autônomos e profissionais
liberais, com a vantagem de diluir custos fixos em um grupo e de poder expandir as atividades
com mais facilidade. Isto pode ser a causa da proliferação de cooperativas entre profissionais
liberais, que tradicionalmente atuam como autônomos, mas que vem buscando formas de
cooperar e mesmo associar-se, como dentistas, advogados, contadores, etc (GAIGER, 2006).
41
Esta forma de economia, no entanto, mesmo atuando em nichos de mercado e com
uma racionalidade distinta de uma empresa tipicamente capitalista, atua em pleno mercado.
De acordo com Braudel (1985; 1996, citado por KRAYCHET, 2006, p. 8), Economia de
Mercado e Capitalismo, não são a mesma coisa. O capitalismo (e por tanto, os problemas do
mercado), existe de fato em esferas superiores do mercado, que seriam os monopólios e não
nas atividades mercantis de pequena escala, que são formas econômicas independentes do
capitalismo.
Tauile (2006) em suas discussões traz um desafio, que num certo sentido, ajuda a
entender a viabilidade dos EES, no qual estes, para sobreviver no mercado competitivo,
devem ter padrões socialmente necessários de produção e socialmente aceitos de demanda, ou
seja, produzir de forma competitiva o que é demandado, em quantidades suficientes, com
preços competitivos, qualidade assegurada, diversificação de produtos, serviços de pós-venda,
bem como deve dispor de outras capacidades e competências econômicas indiretas, tais como
financiamentos e créditos ao consumidor. Somente desta forma, os EES podem sobreviver,
para além de certos nichos de espaço limitado no mercado.
Esta sobrevivência e posterior desenvolvimento, porém, deve estar condicionada não
apenas pelas necessidades dos próprios EES, por meio da renda gerada pelas atividades, mas
também da sociedade, cuja contribuição do grupo é o Valor Agregado, além das questões
ambientais que devem ser incorporadas a sustentabilidade. É, portanto, a capacidade de
reprodução social dos EES e dos atores a eles relacionados o determinante deste processo.
Esta sustentabilidade deve-se dar combinada com a autogestão, que é tido como o
principal diferencial da Economia Solidária. As formas autogestionárias de organização da
produção são um elemento histórico fundamental da luta dos trabalhadores desde o início do
capitalismo. São, portanto, um fenômeno social, com práticas historicamente construídas
(LECHAT et al, 2007).
A proposta de autogestão esteve no centro dos principais movimentos emancipatórios
do ser humano, em especial os movimentos socialistas, como destaca Carvalho (1996, p. 27),
O movimento de autogestão se originou na ala jovem intelectual do comunismo
internacional como uma crítica da ala esquerda do bolchevismo. A essência dessa
crítica encontra-se no admitir que qualquer forma de socialismo sustentado por uma
burocracia estatal e apoiada por uma elite do partido é em si uma nova forma de
capitalismo. [...] Como modelo socialista, a autogestão expressa um ideal realizado
inicialmente na Comuna de Paris e nos Sovietes da Revolução de Outubro.
Atualmente o sistema autogestionário ressurgiu para suprir necessidades econômicas,
como, por exemplo, a implantação do sistema de gestão para salvar empresas da falência e
42
evitar o desemprego em massa. Teoricamente a autogestão corresponderia à democracia na
economia, considerada como uma característica que qualifica e define a Economia Solidária.
Na Economia Solidária, a autogestão é caracterizada pelo modo de agir coletivo, que
vai além do contrato entre cooperadores. Não reparte só poder, reparte também os ganhos.
Torna-se um meio de dar dignidade e esperança, para quem busca, além de renda para a
subsistência, uma mudança na sociedade (ALBURQUERQUE, 2003).
A autogestão se relaciona com vários princípios da Economia Solidária, como
solidariedade, equidade, cooperação, desenvolvimento humano, etc. Em princípio, ocorre na
assembléia, onde todos os associados do empreendimento podem discutir todo e qualquer
assunto e ter igual poder de decisão. A assembléia permite que os associados se interem dos
diferentes temas cotidianos do empreendimento e possam tomar as decisões de caráter
estratégico, além de questões pontuais (LECHAT et al, 2007).
Em um EES, no entanto, a autogestão não pode ser limitada apenas a um espaço
formal de uma assembléia e tampouco se pode imaginar que mesmo autogestionário, um EES
pode decidir livremente. Para Lisboa (2005), existem condicionantes, que seriam o mercado e
as condições socioeconômicas e culturais nas quais esses trabalhadores se encontram que não
permitem uma total liberdade de ação. Ao contrário, muitas vezes são as condições externas
que ditam as escolhas concretas dos grupos e não os desejos ou princípios pelos quais se
regem esse EES, em tese.
As relações democráticas nos EES são um exercício que tende a superar a divisão
entre tarefas manuais e intelectuais, entre a execução e a concepção, bases da desigualdade
nos processos produtivos (LECHAT et al, 2007). Este desafio deve ser conquistado junto com
a capacidade de sustentação e viabilidade econômica destes grupos.
As discussões a cerca da Economia Solidária e do Desenvolvimento, apesar de
sucitarem inúmeras argumentações a partir dos grandes referenciais teóricos que
denominaram o século XX (capitalismo, socialismo, reformismo, etc.), vêm se construindo a
partir de análises de situações concretas, que permitem comparar com os pressupostos
teóricos, criando conceitos a partir da realidade. Nesse sentido, algumas pesquisas empíricas
auxiliam a dar visibilidade à Economia Solidária.
43
1.3 Uma visão geral do movimento de Economia Solidária no Brasil
O movimento de Economia Solidária deu um passo decisivo na sua estruturação, a
partir da terceira edição do Fórum Social Mundial, que ocorreu em Porto Alegre, RS, Brasil,
em 2003, quando inúmeros atores sociais que debatiam formas econômicas alternativas ao
modelo econômico hegemônico realizaram uma planária nacional, que criou lançou as bases
que e estruturaram o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), criado alguns meses
mais tarde. Este rum surgiu reunindo os três setores clássicos do campo da Economia
Solidária: Empreendimentos Econômicos Solidários; Entidades de Apoio e Fomento; e
Gestores Públicos, articulados em rede.
Com esta estrutura nacional, o FBES buscou articular suas bases igualmente em
Fóruns de caráter estadual, regional e municipal. Este modelo baseava-se na experiência
organizativa adotada em alguns municípios, como o Rio de Janeiro, onde existia o Fórum
de Socioeconomia Solidária. E o modelo organizativo de Fóruns buscava dar mais ênfase à
construção de espaço de diálogo entre os atores do campo, embora fosse sentida a
necessidade da criação de uma organização reivindicatória, justamente porque junto com o
FBES, nascia a Senaes, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego do Governo Federal,
em uma conjuntura em que o Governo Lula estava se instalando.
Em janeiro de 2003 o movimento de Economia Solidária, mais do que se estruturar e
receber o anúncio da constituição de um espaço de formulação de políticas públicas estava
vivenciando uma conjuntura em que um importante setor da esquerda brasileira chegava pela
primeira vez ao governo federal. Todo o país respirava a esperança de mudanças de rumos na
economia e nas políticas sociais, sendo que a Economia Solidária era apontada como o mais
próximo de um modelo alternativo a ser realmente estimulado em todas as ações do governo
que se constituía.
Para coordenar a Senaes foi escolhido pelo Presidente Lula o nome do Professor
Paul Singer, que foi aclamado pela Plenária Nacional que constituiu o FBES. O governo
sinalizava claramente que a linguagem e as ações que adotaria em relação a este setor seriam
construídas junto com o FBES.
Diante da pluralidade do que se entende por Economia Solidária e da diversidade de
práticas, uma das ações mais significativas da Senaes foi buscar conhecer melhor a realidade
dos Empreendimentos de Economia Solidária. Para esta ação, com apoio do FBES, foi criado
o Sistema Nacional de Informações sobre Economia Solidária (SIES).
44
Este sistema foi alimentado com informações estatísticas levantadas junto aos EES
em todo o Brasil, sendo que este sistema tinha de início três desafios: a) Estabelecer um
conceito operacional mínimo; b) apresentar resultados quantitativos relevantes; c) ser gerido
de forma democrática e descentralizada.
Do ponto de vista conceitual, uma equipe de especialistas elaborou a proposta
básica, que foi aceita em grande medida pelo movimento de Economia Solidária, justamente
por sua abrangência, sendo que seus critérios foram explicitados anteriormente. Quanto aos
resultados, apesar do grande número de informações levantadas, o mais importante era dizer
quantos são, onde estão, quantas pessoas e qual volume de PIB estes EES representavam.
Evidentemente que esta informação era fundamental para que o discurso de que a “Economia
Solidária acontece” se traduzisse em políticas públicas, respaldando os setores sociais e
governamentais que atuam neste campo. Pois não se pode desconsiderar que as atenções do
governo e da opinião pública, e, sobretudo os recursos, são disputados por vários setores da
sociedade.
A operacionalização e gestão democrática do SIES sem dúvida é uma questão de
complexidade, pois além de respeitar os limites legais, necessita incorporar os próprios atores
do campo de Economia Solidária neste processo, tanto na coleta de dados como nas demais
etapas, sem fragilizar metodologicamente o trabalho.
Neste sentido foram criados em 2004 Equipes Gestoras Estaduais (EGE) para
organizar o trabalho de “Mapear” os EES no país. Nacionalmente o trabalho foi coordenado
por um Grupo de Trabalho (GT) reunindo entidades e governo. Também foram contratadas
entidades para a capacitação e acompanhamento técnico dos trabalhos de campo nos estados.
Na prática, cada estado desenvolveu uma forma de organização destas EGEs e uma
relação com as equipes técnicas. Onde o movimento de ES era mais frágil, o trabalho foi
conduzido por órgãos governamentais e universidades. Onde o movimento era mais
desenvolvido, houve maior participação de outras entidades. Um exemplo é o caso do Rio
Grande do Sul, onde a EGE foi composta por nove entidades, sendo que estas dividiram o
estado em regiões e cada uma desenvolveu o trabalho nestas regiões, em conjunto com Fóruns
Locais de ES. Desta forma, todo o processo, denominado “mapeamento”, foi bastante
descentralizado, ficando a cargo de cada EGE estabelecer uma maior ou menor centralidade
ao processo.
Esquematicamente, pode-se dizer que o mapeamento teve três fases. A primeira, que
se realizou durante boa parte do ano de 2004 e início de 2005 compreendeu a constituição
destas EGEs e a identificação de possíveis EES para serem mapeados. Também se realizou a
45
formalização das contratações e capacitação das equipes. Na segunda fase, em 2005, as
entidades foram a campo, entrevistar os EES que haviam sido pré-contatados anteriormente.
Apesar do esquema, ambas as fases funcionaram paralelas, primeiro, porque ao ir a
campo, para entrevistar os grupos pré-mapeados, se localizavam outros e, além disto, devido à
descentralização do processo e as pendências burocráticas, cada entidade, que atuava
mapeando EES, iniciou os trabalhos em momentos diferentes, de maneira que algumas
equipes estavam encerrando suas metas e outras ainda nem haviam ido a campo.
Estas duas fases, de forma geral configuraram o que se chamou de “primeiro
mapeamento” sendo que os resultados foram divulgados em 2006, no Atlas da Economia
Solidária no Brasil (SENAES, 2006), cujos resultados principais foram a identificação de
14.954 EES, distribuídos em 2.274 municípios (equivalentes a 41% do total no país), nas 27
unidades da federação. Esses EES representavam um total de 1.251.882 pessoas, entre
homens e mulheres dos meios urbanos e rurais.
A caracterização econômica dos grupos foi um grande desafio neste primeiro
mapeamento, pois embora a realização de atividades econômicas fosse uma determinante para
determinado grupo ser mapeado, as condições objetivas nem sempre permitiam os
entrevistadores apurarem informações de forma clara. E também, muitas atividades
econômicas dos EES não são monetárias ou o seu resultado é apropriado diretamente pelas
famílias, de maneira o EES gerência parte ínfima do valor que representa. Concretamente, em
31% dos grupos entrevistados não se obteve valor da produção. Com base nestas
considerações, o Atlas informa que os EES mapeados em 2005 apresentavam um faturamento
mensal de R$ 491.415.037,00 (SENAES, 2006).
Em 2007, com algumas mudanças operacionais que resultaram em um processo de
mapeamento mais centralizado por entidades nacionais, sendo que cada estado ganhou uma
Comissão Técnica Estadual (CTE), e as EGEs passaram a ser Comissões Gestoras Estaduais
(CGEs), iniciou-se uma nova etapa de mapeamento, que constituiu a chamada terceira fase.
Na prática esta terceira fase foi uma repetição das duas primeiras fases, porém de modo mais
sistemático e com o acúmulo da experiência anterior, sobretudo onde o processo havia sido
bem sucedido política e tecnicamente nas fases anteriores. Os dados desta terceira fase foram
agregados às fases anteriores, pois seguiam uma mesma metodologia e se propunham a
“ampliar a base de dados do SIES”, de maneira que se pode fazer uma leitura da Economia
Solidária no Brasil mais qualificada com estes novos dados.
46
1.3.1 O mapeamento no Brasil e no RS
Em relação aos resultados gerais do mapeamento, em suas fase de 2005 e 2007,
foram identificados 21.857 EES em todo país. Destes, 2.085 no Rio Grande do Sul,
representando 9,5% do total. É a unidade da federação onde mais foram mapeados EES.
No país, 52% dos EES mapeados se organizam em forma de associações, ao passo que
36% são ainda informais. As cooperativas representam 10% dos EES e 2% assumem outras
formas jurídicas. Dos EES no RS, 49% são informais, 28% são associações, 18% cooperativas
e 5% assumem outras formas jurídicas (SENAES, 2008).
Em termos de pessoas organizadas nestes EES, os dados do mapeamento nos
apresentam que
1.687.496 trabalhadores estão inseridos nestes grupos no Brasil, sendo 63%
homens e 37% mulheres. No RS são 364.748 trabalhadores, sendo 70% homens e 30%
mulheres.
Em relação ao período em que surgiram estes EES, observa-se que no Brasil 2,17%
dos EES surgiram entre 1900 e 1980. Outros 8,82% surgiram entre 1981 e 1990, 39,64% se
formaram entre 1991 e 2000 e o maior contingente, com 49,07% surgem entre 2001 e 2007.
Portanto, este é sem vida um fenômeno de organização econômica pós-década perdida
(década de 1980), que se acentua na realidade Brasileira surgida no marco das políticas
neoliberais. No RS, os dados acompanham, com algumas variações, pois 3,42% dos EES
surgiram antes de 1980, 9,3% surgem entre 1981 e 1990, 37,96% surgem na década de 1990 e
49,33% a partir do século XXI.
Estes EES foram criados, segundo os dados agregados do mapeamento, como uma
“Alternativa ao desemprego” para 38% dos EES no Brasil. 19% indicaram motivação como a
possibilidade de “Obter maio ganho” e 17% para “Complementar a Renda”. 16%
responderam que foi para ter “acesso a financiamentos”, 9% indicaram o “Trabalho
Associativo” como principal motivação e 1% dissertam tratar-se de “Empresas recuperada”.
No RS temos 32% dos EES indicando “Alternativa ao Desemprego”, 29% para “obter maior
ganho”, 23% para “complementar a renda”, 8% pelo “Trabalho associativo”, 7% pelo “acesso
a financiamentos” e 1% também indicaram tratar-se de “Empresa Recuperada”, conforme as
alternativas no formulário de pesquisa. Importante ressaltar que nem todos os EES
responderam esta questão, de maneira que estes dados não explicam a totalidade das
motivações.
47
1.3.2 A inserção dos EES da Região Noroeste do Estado no mapeamento
A Região Noroeste do RS inseriu-se no mapeamento desde as primeiras articulações
para realização do mesmo, em 2004. A entidade que efetivou os trabalhos na região foi a
Unijuí, por meio do projeto de extensão ‘Incubadora de Economia Solidária’.
Esta inserção justificou-se pelo fato de que a Unijuí em seu processo de constituição
histórica se define como uma instituição autogestionaria e possui experiências na atuação com
setores do campo da Economia Solidária. Neste sentido, em 2000 foi uma instituição
conveniada com a Sedai para desenvolver o Programa de Economia Popular Solidária, do
governo do Estado, que atendeu cerca de 50 cooperativas e associações nas regiões noroeste e
central do estado.
Em 2003, a partir da inserção da universidade no denominado Mutirão Colméia, que
era um Comitê de combate à fome, inspirado nos moldes dos Comitês Contra a Fome e a
Miséria, do sociólogo Betinho, porém dentro do contexto do Programa Fome Zero, do
Governo Federal, que começava-se a se estruturar, os representantes da Unijuí neste comitê,
propuseram a formação de um Fórum para apoiar ações estratégicas de combate a fome a
pobreza. Este se constituiu num Fórum Regional medida que contava com a inserção da
Caritas da diocese de Cruz Alta e outras entidades como Emater) de Economia Solidária, que
em seguida articulou-se com o Fórum Gaúcho e Brasileiro de ES.
Estes “primeiros” passos da Unij no campo da Economia Solidária foram
fundamentais para a instituição inserir-se no edital do Programa Nacional de Incubadoras
Tecnológicas de Cooperativas Populares, Proninc, da Financiadora de Estudos e Projetos do
Ministério da Ciência e Tecnologia (Finep/MCT), em parceria com a Senaes, visando a
implementação de uma Incubadora de Economia Solidária na Unijuí”. Esta incubadora foi
implantada em 2004, como um Projeto de Extensão do Departamento de Ciências Sociais,
DCS, em parceria com o Departamento de Economia e Contabilidade, DECon e
posteriormente incorporou professores do Departamento de Pedagogia, DePe e do
Departamento de Estudados da Administração, DEAd. Em 2005, a incubadora recebeu
recursos do Proninc, o que ampliou suas atividades no campo da Economia Solidária.
Esta Incubadora, a partir de sua inserção no Fórum de Economia Solidária, bem como
pela referência da Profª. Noelle Lechat, que se doutorou nesta época na Unicamp estudando as
contribuições de intelectuais ao campo da Economia Solidária, foi convidada desde o
primeiro momento para compor um Grupo de Trabalho (GT) do Fórum Gaúcho de Economia
Popular Solidária (FGEPS) de identificação de EES. Este GT em breve tornou-se a EGE,
48
sendo que a Incubadora/Unijuí tornou-se a responsável pelos trabalhos de campo na região de
sua atuação histórica, Noroeste Colonial e Fronteira Noroeste
6
, bem como pelas regiões Alto
Jacuí e Missões. Geograficamente estas quatro regiões
7
configuram praticamente todo o
noroeste gaúcho, compreendendo 92 municípios.
Em nível estadual compuseram a EGE em 2004/2005 as seguinte
entidades/organizações: Caritas Estadual, Delegacia Regional do Trabalho (DRT), Centro
Formação Multiprofissional (CAMP), Centro de Apoio a Economia Popular Solidária
(CAEPS), Escola 8 de Março, Projeto Cooesperança, Núcleo de Desenvolvimento
Socioeconômico da Universidade Federal de Rio Grande (Nudese/Furg), Unijuí e Unisinos.
Esta ultima foi à entidade de apoio técnico.
Em 2007 novamente todas estas entidades estavam envolvidas no mapeamento, porém
dentro da nova formatação, de maneira que Unijuí e Unisinos compunham a CTE, contratadas
pela Fundação Unitrabalho, responsável pelo mapeamento nos estados do sul, junto a Senaes,
sendo que as demais entidades estavam na CGE. Porém, na prática, manteve-se a forma de
trabalho de campo anterior, ou seja, as entidades da CGE que desejaram, sobretudo aquelas de
inserção regional foram as responsáveis pelas entrevistas a campo.
De acordo com os dados agregados das três fases do mapeamento, sintetizados na
cartilha “Economia Solidária Mapeamento Rio Grande do Sul” (SENAES, 2008), no Rio
Grande do Sul, 42% dos EES atuam no meio urbano, 38% no meio rural e 20% tanto no rural
como urbano. Os principais produtos destes grupos são hortifrutigranjeiros, artesanatos,
panificações, confecções em geral, leites e derivados, além de grãos, como milho e feijão.
De acordo com esta cartilha, 45% dos grupos conseguiram até o ano anterior a
entrevista pagar as despesas e ter sobras. 30% apenas pagaram as despesas e 10% não
conseguiram pagar todas as despesas (SENAES, 2008). Os demais não informaram
possivelmente.
Na região noroeste, onde a Incubadora/Unijuí atuou, foram identificados 276 EES em
2005 e outros 100 EES em 2007, totalizando 376 EES mapeados na região, que estão
inseridos no SIES. No entanto, as análises de dados regionais referem-se apenas aos EES
mapeados em 2005.
Os dados regionais de 2005 do mapeamento possibilitaram a realização de projetos de
pesquisas, que resultaram em relatórios, monografias, resumos e artigos científicos, que
permitem aprofundar um pouco mais sobre a realidade da Economia Solidária no noroeste
6
O critério de divisão regional que se utilizou foi o dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento, os Coredes.
7
Nesta época não existia o Corede da região Celeiro, que é um desmembramento do Noroeste Colonial.
49
gaúcho, em especial nos tópicos referentes às práticas democráticas e autogestionárias e
quanto à inserção no mercado destes EES.
1.3.2.1 Autogestão e democracia
Com base no artigo “Gestão de empreendimentos econômicos solidários na Região
Noroeste do Rio Grande do Sul” (LECHAT et al, 2007), pode-se ter uma idéia do perfil dos
EES da região noroeste do Rio Grande do Sul, mapeados em 2005 pela Incubadora/Unijuí.
Mas como os próprios autores previnem,
É preciso alertar que o esforço para conseguir abranger todos os grupos de
Economia Solidária da região noroeste do Rio Grande do Sul foi muito grande, pois
como sabemos, os estudos nesta área ainda são incipientes e este é o primeiro
levantamento sobre o assunto realizado na região. Por esta razão, os dados
analisados a seguir podem representar apenas uma “sombra” do que na realidade
existe de empreendimentos com esse perfil (LECHAT et al, 2007, p. 04).
Os 276 EES mapeados na região noroeste em 2005 abrangem cerca de 60 mil
pessoas, destes 39 mil são homens. A maioria existe a partir da década de 1990, com uma
intensificação no surgimento de grupos nos primeiros anos do século XXI. Do total de EES
mapeados, 52% são informais. Muitos grupos não buscam se formalizar devido a sua natureza
não comercial, são grupos que existem para utilização coletiva de equipamentos agrícolas,
adquiridos por agricultores familiares. Entre os EES formalizados, a maioria são associações,
com 25,5% e cooperativas, com 21,7%. Ainda em relação à formalização, Lechat et al (2007)
afirmam que
[...] o fato de ter o registro legal, ter estatuto e acesso a verbas públicas nem sempre
coloca esses empreendimentos em um patamar superior aos grupos que atuam
informalmente, com regras acordadas na palavra, sem espaços formais de
deliberações, com recursos obtidos através de projetos destinados à unidade
familiar de produção agrícola e realizando a comercialização em feiras. Em geral,
quando necessitam expedir nota fiscal, por exemplo, isto é feito no bloco de
produtor familiar. Evidentemente que esta é uma situação típica dos
empreendimentos econômicos solidários do meio rural (LECHAT et al, 2007, p.
182).
Em relação à área de atuação dos EES, 47,7% atuam na área rural, 26,9% atuam tanto
na área rural quanto na urbana (feirantes, sobretudo) e apenas 25,4% declaram que sua área de
atuação é apenas urbana.
Sobre os aspectos de tomada de decisão dos grupos, 92% realizam periodicamente
assembléias ou reuniões do quadro social, sendo que 79,7% possuem uma diretoria ou
coordenação e 46,9% apenas possuem um Conselho Fiscal. Em relação aos EES que realizam
assembléias, 39,4% o fazem anualmente, 22,9% mensalmente, 18,1% com periodicidade
50
indefinida, 9,2% semestralmente e 2,4% trimestralmente. Importante registrar que no grupo
sem periodicidade definida, os encontros costumam ser mais freqüentes, quase semanalmente.
Outra questão é a forma de participação dos sócios nas decisões cotidianas dos EES.
Neste caso a alternativa mais citada refere-se à eleição da diretoria em Assembléia
Geral/Reunião do Coletivo de Sócios, com 54,6% (62% na média nacional). Em segundo
lugar, tem-se a prestação de contas aos sócios, com 45,8%. E por fim, a participações nas
decisões cotidianas do empreendimento, com 42,1%. Evidentemente que estes dados de
participação ficam abaixo das expectativas em relação à autogestão. Neste sentido, Lechat et
al acreditam que “certos grupos têm sua organização baseada nos moldes formais onde existe
uma pessoa responsável pela tomada de decisões do grupo” (2007, p. 188). O elevado
percentual de informalidade também resulta no baixo nível de acesso a informações, ao
menos de forma sistematizada, pelos associados em relação ao grupo.
Outra discussão fundamental junto aos grupos, e que os dados do mapeamento
apontam como problemático, é em relação à remuneração dos trabalhadores. Esta decisão,
vital em qualquer grupo, costuma ser determinada mais pela tradição de certas categorias ou
por preços de mercado, do que por decisão soberana dos associados em assembléia geral.
Quando analisa-se a autogestão, a partir de dados coletados em um formulário e
sistematizados estatisticamente, pode-se concluir que não existe autogestão em grande parte
destes grupos e em alguns, talvez não haja nem mesmo a democracia formal. Desta forma, um
dos pilares da Economia Solidária estaria seriamente comprometido na região noroeste do Rio
Grande do Sul. Mas a realidade sempre se mostra mais complexa do que as correlações
empíricas podem demonstrar. Apóia-se mais uma vez no artigo de Lechat et al, para dizer que
Estariam estes grupos na pré-história da democracia? A questão merece sérias
reflexões. O convívio com alguns destes grupos de produção mostra que existe uma
liderança tacitamente aceita, no que poderíamos chamar de democracia por
consentimento. Certas lideranças são tradicionais, como nos casos dos clubes de
mães; das pastorais, onde a líder é a agente pastoral; da agente de saúde; ou ainda,
da responsável que faz a mediação com a instituição de apoio, seja a prefeitura, a
igreja, etc. O líder é aceito pelo grupo, pois é considerado o sujeito com mais
condições objetivas para levar a bom termo as atividades do empreendimento. Caso
os membros não queiram mais a liderança, esta rejeição nem sempre é verbalizada
em reunião, mas leva a atitudes como o descumprimento do acordado ou a
desistência dos sócios em participar. Isto expressa uma ausência de democracia?
Com certeza não se trata de democracia participativa, os trabalhadores não
verbalizam o que pensam, mas existe uma aceitação ou reprovação tácita
(LECHAT et al, 2007, p. 191).
Uma questão que não pode ser ignorada, é que para a maioria destes EES, nesta
região, são estratégias de complemento de rendas para seus associados, o que significa que a
inserção das pessoas nestes grupos também é parcial. Possivelmente isto esteja diretamente
51
ligado à baixa intensidade econômica destes grupos, em geral. Mas também não podemos
ignorar que não seria possível encontrar “ilhas” com a pureza autogestionária, considerando
que estas pessoas e seus coletivos vivem dentro das condições impostas pelo mercado, e por
outros condicionantes socioeconômicos e culturais, sendo a própria idéia da autogestão uma
construção que disputa com outras formas organizativas, as quais os trabalhadores estão
bastante adaptados.
Desta forma, não se pode esperar que apenas a participação nos EES, permita uma
real emancipação dos trabalhadores, até mesmo porque o mercado e o Estado impõem
diversas restrições, de maneira que não basta participar das decisões nos EES, sem a
participação nos mecanismos de controle da sociedade (NOVAES, 2005).
1.3.2.2 Inserção no mercado
Em relação à inserção no mercado dos EES da região do noroeste gaúcho, este
trabalho apóia-se no artigo de Lemes (2008), A inserção da Economia Solidária no mercado:
contradições e possibilidades, que discute como estes EES efetivam esta inserção, também
baseado nos dados do mapeamento de 2005.
Com base nos dados apresentados por Lemes (2008) grande parte dos EES da região
atuam na produção (42%) e/ou comercialização (48%) de produtos ou serviços, sendo o
terceiro maior contingente dedicado ao uso coletivo de equipamentos (24%). De forma geral,
72% dos EES fazem à venda direta aos consumidores. O mercado ao qual são destinados os
produtos oriundos destes EES sejam eles rurais ou urbanos - são majoritariamente aqueles
em que os produtores têm acesso diretamente, ou seja, mercados comunitários (31%) ou
municipais (42%), dito de outra forma, mercados locais.
A estratégia de acesso aos consumidores, na grande maioria dos EES que
comercializam é por meio de espaços próprios (50%) ou venda direta aos clientes por outros
meios (31%). E em um grupo expressivo de EES, a única forma de divulgação de suas
atividades é o tradicional “boca a boca” (78%), o que conjugado com o fato de que a maioria
dos EES alega não apresentar dificuldades de comercializar (51%), atesta os fortes vínculos
que este tipo de empreendimento possui com seus consumidores.
Os resultados econômicos que os EES conseguem, em sua maioria, apresentam
excedente nas atividades econômicas (53%). Considerando que a grande maioria dos EES
volta-se para produção e venda direta ao consumidor final, pode-se constatar que os mesmos
52
têm apresentado relativo sucesso em suas atividades mercantis – isto é, tem conseguido
manter-se atuando diretamente no mercado de consumo de bens finais.
Esta constatação, valida para 53% dos EES entrevistados na região noroeste do Rio
Grande do Sul, é importante, uma vez que demonstra que estes grupos podem obter sucesso, a
partir da sua inserção em espaços de comercialização local. Possivelmente muitos ocupem
nichos de mercados, mas que são importante ponto de apoio para o seu desenvolvimento,
podendo deixar de ser atividades complementares para serem efetivamente alternativas.
A analise mais rigorosa das condições de reprodução social destes EES poderiam
estabelecer mais claramente estas possibilidades, sendo este um esforço apresentado neste
trabalho.
53
2. METODOLOGIA
Este trabalho de dissertação se insere na contribuição do Realismo Crítico, cujos
fundamentos compõem o debate sobre desenvolvimento, sendo que a metodologia se constitui
em princípios e procedimentos, os quais serão explicitados a seguir.
2.1 Princípios metodológicos
O desenvolvimento, pensando a partir de uma perspectiva sustentável, não em
relação às questões ambientais, mas socioambientais, buscando a construção de uma
sociedade justa e solidária, como se propõe a própria Economia Solidária, requer
conhecimento científico, sendo que este deve ser construído com uma metodologia coerente
com os objetivos propostos, pois “o mundo o pode ser transformado de uma maneira
racional, se não é interpretado de maneira adequada” (BHASKAR, 2003, p. 04).
Vasconcelos et al (1999), afirma que para Bhaskar existem no mundo estruturas não
empíricas subjacentes aos fenômenos e que tais estruturas delimitam e possibilitam os estados
de coisas e eventos verificados em nível empírico, ou seja, “há uma realidade que não é
transparente aos homens, mas que precisa ser conhecida para que estes alcancem uma melhor
compreensão do mundo...” (VASCONCELOS et al, 1999, p. 433).
Este trabalho insere-se no referencial epistemológico do Realismo Crítico, entendendo
a ciência como um produto cultural da humanidade, historicamente aberta e em contínua
evolução, sendo que para a ciência, seu objeto de estudo, a realidade, não compreende apenas
ao empírico (fenômenos que nossos sentidos podem observar), mas também ao factual
(fenômenos não observáveis diretamente pelos sentidos) e o real, propriamente dito, ou seja,
considera os processos e mecanismos causais do empírico e factual como integrantes da
realidade (SILVA NETO, 2007).
Reforçando este argumento, o realismo crítico estrutura-se a partir do pressuposto de
que o mundo é estratificado e diferenciado, existindo três camadas da realidade. A primeira
seria a realidade observada (actual), que representa o estado da natureza apreensível sem a
54
interação com o cientista. A segunda seria o nível de realidade empírico, em que “o
pesquisador entra em contato com o evento da natureza em investigação, interferindo na
formulação teórica da realidade visível a partir de suas próprias experiências e do seu cabedal
de conhecimento precedente” (VASCONCELOS et al, 1999, p. 437). E por fim, o nível da
realidade não-real, ou profunda, em que
[...] encontra-se a estrutura subjacente que delimita e possibilita a ocorrência dos
eventos e estados de coisas observados em nível empírico. Nela, o investigador,
enquanto construtor da ciência, precisa identificar, compreender e buscar
conceitualmente as estruturas, as forças, os mecanismos gerativos e as tendências
subjacentes aos fenômenos estudados (VASCONCELOS et al, 1999, p. 437).
Deste modo, não basta ao pesquisador encontrar correlações entre os eventos
observáveis para fazer ciência, este deve buscar descobrir as camadas mais profundas da
realidade, nas quais encontram-se os determinantes causais últimos dos eventos
(VASCONCELOS et al, 1999).
Esta busca da natureza ou racionalidade dos agentes ou fenômenos requer um
acúmulo de evidências, obtidas diretamente com estes agentes e confrontados com outras
fontes de informações, que seria uma inferência da melhor explicação, ou inferências
abdutivas, que Silva Neto (2007, p.12) assim descreve
O esquema geral dos argumentos abdutivos consiste no enunciado de uma evidência
(um fato ou conjunto de fatos), de hipóteses alternativas para explicar tal evidência,
e de uma apreciação do valor dessas explicações baseada nos seus conteúdos. A
conclusão é de que a melhor explicação provavelmente é a verdadeira. Assim, em
contraste com os argumentos dedutivos, a conclusão não segue logicamente as
premissas e depende de seu conteúdo. Também, em contraste com os argumentos
indutivos, ela não necessariamente consiste em uma extensão uniforme das
evidências, o que permite sua utilização mesmo em situações instáveis.
A compreensão desta melhor explicação, portanto, requer uma análise da situação
geral em que determinada realidade se insere, além dos aspectos específicos, e também a
busca de dados que contribuam para a explicação. A utilização da metodologia abdutiva não
dispensa o emprego de métodos indutivos e dedutivos no complemento da análise.
Utilizou-se na análise abordagens históricas, buscando compreender os fatores que
levaram ao estabelecimento dos EES estudados, as especificidades de cada um e dos distintos
setores que atuam, buscando os traços comuns que permitem configurá-los dentro do
chamado campo da Economia Solidária.
Em relação às abordagens históricas, desenvolveram-se entrevistas específicas com
membros mais antigos dos EES e também com pessoas de idade mais avançada que compõem
55
estes empreendimentos
8
, para entender as raízes históricas deste processo, porém,
considerando que estas raízes são importantes, mas que para explicar o processo é necessário
analisar como os atores se relacionam, como selecionam os recursos herdados nos momentos
decisivos, que objetivam as condições onde se constroem o curso da história (BAGNASCO,
1998).
Neste processo torna-se fundamental compreender o cenário ao qual estão inseridos
os EES. Por exemplo, Putnam (1993) aponta o civismo, herdado ainda da Idade Média, como
um fator decisivo para o desenvolvimento do Noroeste italiano, porém sem a mudança de
mercados em relação à demanda, a produção em pequenas unidades existentes nesta região
não seria viável internacionalmente. Aquela região não teria vantagens competitivas devido
ao potencial de flexibilidade e habilidade artesanal, baseado nas pequenas organizações, que
se revelaram adequados ao contexto de mercados formados pós anos 1970, especialmente
devido ao desenvolvimento da microeletrônica que permitiu maior inovação tecnológica em
pequenas unidades de produção. Ou seja, o resultado final não estava escrito, não dependia
apenas de questões endógenas, mas também elementos exógenos, devidamente adaptados ao
contexto local (BAGNASCO, 1998).
Para o Realismo Crítico, o principal critério da cientificidade é o poder explicativo,
para o qual os fenômenos emergentes relacionados especificamente as relações sociais
constituem-se no objeto de estudo por excelência das Ciências Sociais, e devido à importância
destas propriedades emergentes, fica restringida a utilização de procedimentos baseados em
deduções matemáticas e induções estatísticas neste campo (SILVA NETO, 2007). Segundo
Vasconcelos et al:
[...] a essência da prática científica estaria em mover-se dos fenômenos que se
manifestam ao nível empírico para as estruturas a eles subjacentes e que os geram
(BHASKAR 1989), isto é, em transcender os fatos e as aparências dos eventos ou
do estado de coisas [...] (1999, p. 435, grifo do autor).
Este trabalho, a partir destes princípios metodológicos, buscou a compreensão da
realidade, com base na capacidade explicativa dos fenômenos relacionados, entendendo seus
condicionantes e tendências.
8
Fazemos a distinção entre membros mais antigos e pessoas de idade mais avançada, porque nem sempre estas
pessoas são as mesmas, de forma que os membros mais antigos são fundamentais para a compreensão da
trajetória do EES, mas as pessoas de idade mais avançada podem contribuir mais no entendimento do contexto
socioeconômico.
56
2.2 Procedimentos Metodológicos
O estudo buscou caracterizar o contexto em que se formaram e desenvolveram os
EES, bem como discutir a relevância socioeconômica dos mesmos. Para tanto foram
utilizados instrumentos de coleta de dados a campo como fonte primaria e em diversas fontes
secundarias, além de pesquisas bibliográficas em livros, sites especializados, monografias de
graduação, artigos, dissertações e teses. Com base nas inferências, buscou-se conhecer a
dinâmica dos sistemas econômicos dos EES, a agregação de valor e distribuição do mesmo,
na sociedade e internamente, por meio das rendas apropriadas.
O trabalho de campo consistiu em entrevistas, semi-estruturadas, com associados aos
EES, buscando-se compreender a dinâmica de funcionamento e os processos autogestionários
dos empreendimentos e também suas relações com a sociedade e o mercado. Alguns casos
representativos do grupo se fez o levantamentos de dados para os cálculos econômicos.
O cálculo econômico cumpriu um papel de explicitar como se a agregação de
valor e geração de renda em algumas unidades de produção que formam os EES, atuando
como uma “radiografia” da dinâmica destas unidades, que são famílias associadas aos EES,
no caso dos grupos de agricultores feirantes. O lculo econômico neste caso serve para
mostrar onde o papel do EES, como estratégia coletiva, contribuindo com as estratégias
individuais das famílias.
As variáveis que compõem o cálculo econômico são o Valor Agregado e a Renda, que
são expressas, de acordo com Basso at al (2000) da seguinte forma:
O valor agregado (VA):
VA = VBP – CI – D e (1)
Consumo Intermediário (CI):
CI = CMP + OD, onde: (2)
VBP = Valor Bruto de Produção;
CI = Consumo Intermediário;
D = Depreciações relativas à estrutura de produção;
CMP = Custos da matéria-prima direta;
OD = Outras despesas operacionais tais como pagamento de água, luz, telefone e
despesas com manutenção.
Renda (R )
R = VA – S – I – A – J – GV – SP, onde: (3)
57
R = Renda;
VA = Valor Agregado;
S = Salários;
I = Impostos federais, estaduais e municipais;
A = Aluguéis;
GV = Gastos de Venda, tais como comissões, propaganda...,
SP = Serviços profissionais
Em relação aos grupos de catadores, buscou-se conhecer a realidade dos mesmos,
construindo uma tipologia baseada na dinâmica econômica e social destes trabalhadores, a
partir da importância que a atividade tem em suas rendas, considerando jornada de trabalho,
níveis de material recolhido, veis de capitalização, ocupação de mão-de-obra familiar mais
ou menos intensa, entre outros.
Embora o fenômeno catadores não esteja localizado em uma única região do
município, ele ocorre com maior intensidade nas regiões que se considera “periferia”. Neste
sentido, a caracterização dos catadores deu-se com maior intensidade em uma das regiões
onde o uma grande concentração de catadores, mas em termos de equipamentos
públicos, serviços, renda das famílias, entre outros fatores, é extremamente periférica.
O trabalho de pesquisa foi realizado de forma progressiva, de acordo com os
princípios metodológicos da analise diagnóstico, sintetizadas por Silva Neto como
[...] um procedimento baseado na ADSA [Analise Diagnóstico dos Sistemas
Agrários] consistiria em analisar cada nível, separada e progressivamente,
procurando responder apenas aquelas questões que parecem ser as mais pertinentes
(que são freqüentemente as mais óbvias). No momento em que as principais
questões relativas àquele vel foram respondidas de forma satisfatória realiza-se
uma síntese que permita que a análise a ser efetuada no nível posterior se concentre
em apenas alguns ramos da árvore de possibilidades. Assim, concentrando-se nas
informações claramente mais pertinentes, mais com o objetivo de descartar
possibilidades do que de responder definitivamente às questões, pode-se
progressivamente definir a configuração do desenvolvimento de uma região no nível
de detalhe desejado de forma eficiente e rigorosa (SILVA NETO, 2007, p. 06)
O estudo de forma geral consistiu em abordagens históricas, bem como avaliações
qualitativas e quantitativas dos EES, buscando compreender a racionalidade e as tendências
de evolução e como se deu à reprodução social dos mesmos.
Tem-se claro que, como exposto por Bhaskar (2003), os fenômenos sociais (e a
maioria dos naturais) são o produto de uma pluralidade de estruturas. Mas estas estruturas
devem ser ordenadas hierarquicamente de acordo com sua importância explicativa. Os
58
realistas defendem uma compreensão da relação entre estruturas sociais e a atividade humana
que se sustente em uma concepção da atividade social como transformação, que evite tanto o
voluntarismo como a coisificação.
O procedimento de trabalho se materializaram nos seguintes passos:
Contato com os grupos e inicio das entrevistas sobre o contexto que levou a
formação dos EES, bem como as referencias que estes possuíam sobre associativismo;
Levantamento de informações sobre o funcionamento dos grupos, comparando
em relação aos desafios e propósitos dos mesmos;
Levantamento de dados sobre a produção, analisando a agregação de valor e
distribuição da renda gerada de unidades de produção.
Em todos estes passos, buscou-se analisar a relação do EES com seus associados, para
compreender a dinâmica interna destes grupos. Paralelo ao trabalho de campo, buscou-se
apoio na bibliografia, especialmente no debate sobre desenvolvimento, ES e o contexto
socioeconômico de Ijuí.
Esta pesquisa desenvolveu-se junto aos grupos em analise, de maneira que a
compreensão da realidade ao qual estão inseridas foi realizada não a partir dos elementos
apresentados pelos grupos, mas em muitos momentos, no debate e análise coletiva destes
grupos, de maneira que este resultado é bem mais coletivo que individual.
59
3. O processo de desenvolvimento no município de Ijuí/RS e a emergência
dos EES
Entender o desenvolvimento de determinada formas de organizações humanas requer a
compreensão do meio em que este se processa. Para isto devem-se buscar os condicionantes
naturais, técnicos e sociais que levaram a escolha de uma trajetória ao invés de outra. No
capítulo que segue, apresentam-se de forma resumida as trajetórias do desenvolvimento
agrícola e industrial de Ijuí/RS, buscando analisar os elementos que contribuíram para o
surgimento de EES na região, sendo que por fim realiza-se uma apresentação dos mesmos a
nível local.
3.1 O desenvolvimento rural
A Região Noroeste Colonial do estado do Rio Grande do Sul foi ocupada no fim do
século XIX, por imigrantes oriundos de diversas regiões da Europa e também por
descendentes destes, antes instalados nas colônias velhas do estado.
A atual sede do município de Ijuí surgiu como colônia oficial do estado, em 1889,
onde também estavam dispostos os órgãos públicos encarregados de receber os colonos e
assentá-los nas áreas. Portanto, desde sua fundação, a colônia Ijuhy tornou-se um importante
centro regional de comércio e logo mais tarde, de indústrias.
A colônia era uma região de mata subtropical, cercada por campos de áreas ocupadas
pela atividade pastoril, sendo uma das últimas áreas livres no estado (WEBER, 1987), que foi,
literalmente, ocupada palmo a palmo, pelas atividades agrícolas, típicas da agricultura que se
convencionou denominar “colonial”, na qual predomina a mão-de-obra familiar com uma
produção diversificada, visando tanto a subsistência como a produção de excedentes para
comercialização nos centros urbanos.
60
Devido as grandes dificuldades no início da ocupação agrícola, a cooperação entre os
colonos era natural, não apenas trocando serviços, mas apoios diversos, de forma que uma
economia familiar complementava a outra. No entanto, isto não significa que as colônias eram
“isoladas” do mercado, ao contrário, desde o começo a atividade agrícola em Ijuí teve forte
ligação com o comércio e a indústria, sobretudo após a inauguração da estrada de ferro, que
permitiu a produção da região atingir centros urbanos como São Paulo e mesmo Buenos Aires
(WEBER, 1987).
Nesse sentido, os empreendimentos associativos dos “colonos” também surgiram logo
nos primeiros anos, conforme registra Regina Weber, de que “em Ijuí o processo de
constituição das cooperativas, também chamadas de sociedades, sindicatos ou consórcios
profissionais, ocorre nos anos trinta, paralelamente a regulamentação legal destas entidades”
(1987, p. 40).
No trabalho de Regina Weber (1987) sobre a industrialização em Ijuí, identificam-se
as seguintes cooperativas: Cooperativa Agrícola Ijuhyense Ltda, criada na década de 1920;
Cooperativa Ijuiense dos Produtores de Álcool e Aguardente, criada em 1935; Cooperativa de
Produtores de Inseticidas de Ijuí, criada em 1939. Além destas organizações econômicas, os
colonos tinham um braço político denominado Liga Colonial Rio-grandense, que representava
os interesses dos colonos.
A Liga Colonial e a Cooperativa Agrícola Ijuhyense tiveram importante papel na
questão da banha de porco, que foi entre as décadas 20 e 30 do século XX, o principal produto
de exportação do município, mas que tinha sua comercialização monopolizada estadualmente
pelo ‘Sindicato da Banha’, que reunia em nível estadual os principais comerciantes do setor,
que contavam com apoio do governo estadual e que vinha mantendo os preços pagos aos
agricultores muito baixos, além de controlar os principais frigoríficos de suínos do estado, por
meio de seu braço econômico, a Sociedade da Banha (WEBER, 1987).
Em função disto, surgiram várias cooperativas de produtores de banha na região,
buscando alternativas ao monopólio do sindicato, sendo que em Ijuí se deu uma importante
reação, por meio da Cooperativa Agrícola Ijuhyense, que criou uma estação experimental para
criação de porcos, a Colônia Modelo, em 1929, como parte de uma estratégia, cujos principais
objetivos eram enfrentar o problema do preço da banha imposto pelo sindicato e o
aperfeiçoamento profissional das classes agrícolas. Esta ação tinha ressonância estadual, uma
vez que havia um desejo geral de combater o sindicato, criando-se cooperativas de produtores,
como a de Ijuí (WEBER, 1987).
61
Nesse mesmo sentido, a Cooperativa Ijuiense dos Produtores de Álcool e Aguardente,
também apresentava a defesa dos interesses dos pequenos produtores como objetivo central,
sendo que sua fundação contou com cerca de 60 produtores.
Quando os pecuaristas gaúchos decidiram criar uma cooperativa para o processamento
de carnes (1931) - para fazer frente aos frigoríficos controlados por capitais internacionais -
que contaria com subsídios públicos, a Liga Colonial Rio-grandense, a partir de um
documento dirigido ao interventor federal no estado
9
(em 1932), posiciona-se no sentido de
que os colonos poderiam apoiar o empreendimento, desde que fosse assegurado a estes
lugares na administração da cooperativa, além de uma reforma nos estatutos, visando ampliar
os fins desta, de modo que, tanto os fazendeiros como os agricultores colonos”, pudessem
aproveitar desta organização.
A partir dos anos 1950, a economia colonial está esgotada, tanto em função da
produtividade das terras, como também pela perda da importância de produtos coloniais,
como a banha. A partir dos anos 1960, teremos um processo denominado de “modernização
agrícola”, que alterará significativamente a economia colonial, transformando as atividades
típicas desta forma de produção agrícola em um processo mais residual.
É importante observar-se que a ‘modernização’ na verdade constitui-se em um
processo de mecanização e utilização de produtos químicos na agricultura, visando
desenvolver e maximizar a produção de cereais e oleaginosas, que compõem a base alimentar
da atualidade, juntamente com as proteínas de base animal.
Este processo levou a uma retração da diversificação de culturas, sendo que cada vez
mais os agricultores se especializaram na produção de trigo (sobretudo nos primeiros anos) e
soja (cultura dominante atualmente). Apesar da atual hegemonia da soja, não se pode afirmar
que esta é uma monocultura na região, dado que grande parte das propriedades continuam
familiares e com produção de subsistência, além da alternância entre trigo e soja
(eventualmente o milho, suínos e mais recentemente o leite).
Outra situação decorrente desta quase monocultura foi a maior dependência dos
agricultores dos mercados internacionais, justamente por esta cultura agrícola ser um
9
Não foi possível estabelecer exatamente qual a participação dos colonos de Ijuí na Liga Colonial, mas muitos
indícios apontam que estes eram influentes, na medida em que a redação deste documento contou com a
colaboração do Cel. Dico, chefe republicano e interventor no município. No entanto, Weber (1987) registra a
situação contraditória em que o Cel. Dico se encontrava sempre que havia choques entre os interesses dos
colonos com os organismos empresariais do estado, que eram a base de sustentação do Partido Republicano, a
qual Cel. Dico representava em Ijuí, uma vez que este tinha poder no partido em função de sua influência junto
aos colonos e vice-versa.
62
commodity, além do uso de insumos químicos cuja produção também esta vinculada a capitais
internacionais. Isto gerou muitos períodos de crises, que levaram muitos colonos a
abandonarem a região em busca de novas áreas ou mesmo à expulsão da atividade agrícola,
quando não conseguiam adaptar-se.
Esta ‘modernização’ teve também seus reflexos nos movimentos cooperativistas e
sindicais, uma vez que foram formados grandes complexos cooperativos no estado e no país,
para armazenar e escoar a produção de grãos. Neste processo, uma das cooperativas com
destaque no cenário nacional e internacional desenvolveu-se na região da antiga colônia Ijuhy,
a Cooperativa Tritícula Serrana Ltda, a Cotrijuí, que possui uma grande importância para
economia local, sobretudo para os agricultores, mas que nos anos 1960 e 1970, além das
atividades agrícolas, atuava também com destaque nos setores de saúde, além de
supermercados e outros negócios na região, contando inclusive com um terminal portuário em
Rio Grande/RS.
Além de sua importância econômica, a Cotrijuí tinha forte atuação e investimento na
formação/educação cooperativista, com programas de rádio e mesmo jornal, voltado a seus
associados, além de diversas ações de formação como cursos e palestras, visando o
fortalecimento da agricultura familiar e do espírito cooperativista. Após as dificuldades
enfrentadas nos anos 1980, suas atividades concentraram-se mais no binômio Trigo-Soja e no
supermercado de Ijuí.
Com os serviços técnicos e a inserção no mercado internacional da Cotrijuí, esta
possuía grande capacidade de orientação junto aos agricultores, de maneira que buscou
conjugar isto com o aproveitamento de sua infraestrutura, direcionada principalmente à soja.
Nos fins dos anos 1990, houve novamente uma retomada no sentido de apoio a alguma
diversificação nas atividades rurais, que possuem reflexos nos empreendimentos analisados.
A maior contribuição da Cotrijuí, porém se pela própria experiência dos
agricultores com o cooperativismo, o que também ocorre junto a outras importantes
cooperativas, como a Cooperativa de Eletrificação Rural – CERILUZ, a Cooperativa Mista de
Crédito Pestanense SICREDI Pestanense. Nestes, os agricultores podem observar
concretamente os resultados da cooperação econômica, porém, também criticam o
distanciamento que estas organizações assumem frente aos desafios do homem do campo.
No movimento sindical, a trajetória é semelhante, uma vez que um impulso do
sindicato de trabalhadores rurais, na esteira dos movimentos que agitaram o Brasil nos anos
63
1960, sendo que Ijuí viveu uma importante experiência com o Movimento Comunitário de
Base de Ijuí - MCBI, articulado no combate as formigas, mas que logo assumiu uma forma de
organização comunitária para discutir as condições de vida local, dentro do espírito
associativo e cooperativo.
O cenário em que o MCB se inseria foi marcado por forças em luta, na disputa pela
reforma agrária e o método de conquista da mesma, como forma de combate ao êxodo rural e
pelos rumos do desenvolvimento no país. Em relação à conquista da terra, de um lado havia
os setores que se alinhavam a uma perspectiva mais radical defendida pelas ligas camponesas
em nível de Brasil e pelo Master
10
no RS e de outro as forças mais conservadores alinhadas à
Frente Agrária Gaúcha e Igreja Católica que defendem a constituição dos Sindicatos de
Trabalhadores Rurais (STRs) e da Federação Estadual de Trabalhadores na Agricultura
(Fetag). O MCB, articulado pela Fidene
11
, embora com tendências progressistas em relação à
organização popular, naquela conjuntura era a face moderada, ligada aos setores mais
conservadores.
Esta base sindical, junto ao contexto da ditadura militar, logo assumiu feições mais
assistencialistas, porém, com o surgimento das primeiras crises do modelo de ‘modernização’
agrícola, em especial devido à progressiva retirada do fomento público à atividade do binômio
trigo-soja, os agricultores organizados nos sindicatos, iniciam mobilizações de impacto
nacional, em busca de subsídios e preços aos produtos agrícolas.
Assim como as cooperativas, que estavam em crise, os sindicatos de trabalhadores
rurais em geral mobilizavam-se em defesa do modelo agrícola vigente, mecanizado, quase de
monocultura, mas que havia proporcionado, por mais de uma década, um relativo progresso
econômico e social aos agricultores que se adaptaram.
Evidentemente que esta crise da agricultura, somada aos resultados da mecanização da
agricultura, levaram inúmeros trabalhadores rurais a migrarem para os centros urbanos do
país. A população brasileira, que na década de 1930 era 70% rural, chegou à década de 1980
com apenas 40% de população rural. Este quadro de êxodo rural teve profundo impacto na
sociedade brasileira, no fornecimento de mão-de-obra acessível para o Sudeste brasileiro, na
formação dos grandes centros “favelizados” do país, e novas tendências no meio rural
10
Master – Movimento dos Agricultores Sem Terra, articulado por setores trabalhistas, ligados a Leonel Brizola,
na década de 1960.
11
Fidene (Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado do RS) é uma entidade
de caráter comunitário e filantrópico, mantenedora da Unijuí.
64
desenvolveram-se. Este fenômeno terá impacto significativo em Ijuí e região, área colonial,
assim como em outras regiões de agricultura familiar.
Um destes impactos, que assumem caráter nacional, é que agricultores da região norte
e noroeste do Rio Grande do Sul, que perderam suas terras, tanto por questões legais em
função de reservas indígenas, como pela situação econômico-social que os impelia ao êxodo
rural na década de 1980, quando as ilusões com a cidade” haviam se desfeito em boa
parte, iniciaram uma luta radical por reforma agrária. Este movimento, surgido na
Encruzilhada Natalino, em Nonoai/RS, por sua forma de luta radical, que reivindicava em
parte o Programa de Reforma Agrária das extintas Ligas Camponesas, com o método de
ocupação de terras, sendo uma reação aos resultados da modernização/mecanização’ dos
campos, recebeu apoio de setores progressistas das igrejas e do movimento sindical, e se
alastrou pelo Brasil, se unificando sobre a bandeira de Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra, MST.
Nos anos 1990, diante do abandono por parte do poder público de políticas de fomento
a agricultura familiar e também pela ação de outros movimentos camponeses, que
reivindicavam políticas mais amplas para a agricultura familiar, surge uma tendência de
buscar o desenvolvimento de um modelo alternativo ao binômio trigo-soja, sustentado pela
reforma agrária, a pequena propriedade familiar e a diversificação da agricultura.
A luta de amplos setores da sociedade, em especial dos agricultores familiares,
capitaneada pelo MST e a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura)
leva em 1996, os agricultores familiares a uma grande conquista, que é a criação do Programa
Nacional de Apoio a Agricultura Familiar PRONAF, que progressivamente vai instituindo
linhas de financiamento, em condições favoráveis aos pequenos agricultores, que num
primeiro momento, permitem a sobrevivência dentro do modelo, auxiliado por novas
tecnologias e uma melhora nos preços da soja.
Fruto das reivindicações dos movimentos de trabalhadores rurais mais progressistas,
especialmente os organizados em torno da Via Campesina
12
, o PRONAF também começa a
fomentar atividades mais diversificadas, inclusive a agroindustrialização.
12
Via Campesina é uma organização de caráter internacional, que reúne organizações e movimentos sociais de
camponeses, mais conhecidos em nossa região como agricultores familiares. No Brasil, os principais setores que
integram a Via Campesina o o MST, o MMC (Movimento das Mulheres Camponesas), MAB (Movimento de
Agricultores Atingidos por Barragens), entre outros.
65
Esta política pública federal, combinada com outras de nível estadual e municipal,
juntamente com uma nova orientação por parte da Empresa de Assistência Técnica e Extensão
Rural do RS, a EMATER, será decisiva para o surgimento dos empreendimentos econômicos
solidários, do meio rural.
Possivelmente contribuiu para o desenvolvimento destes uma retomada por parte do
público consumidor da valorização da produção local, da necessidade de apoio à agricultura
familiar, além da busca por produtos considerados mais saudáveis e naturais pelos
consumidores em geral.
O avanço, tanto em nível de políticas públicas, como de sensibilização da sociedade no
apoio a agricultura familiar, a produção “colonial”, se deu, portanto, em meio a uma disputa
ideológica sobre que tipo de organização econômica responde as demandas do
desenvolvimento. De um lado, uma visão que prima pela orientação da tecnologia, dos
recursos públicos e privados e do consumo de produtos em série, de produção em escala, em
grandes unidades de produção, com mais participação do capital e menos do trabalho,
coordenado por um mercado internacional, que concentra e centraliza capitais, praticamente
insensível à realidade local.
a outra visão, embora difusa, parte das necessidades locais, regionais e nacionais,
busca aumentar a participação do trabalho na produção, subordinar a tecnologia às
necessidades os pequenos produtores, desconcentrar e diversificar a produção, visando gerar
trabalho e renda aos agricultores e benefícios aos consumidores e ao meio ambiente.
O grande desafio desta segunda visão é demonstrar sua viabilidade histórica, sendo
que a cooperação destes pequenos agricultores é umas das possíveis alternativas neste sentido.
3.1.1 Os condicionantes históricos do desenvolvimento agrícola em Ijuí
Analisando o desenvolvimento agrícola município de Ijuí, em estudo recente do
Departamento de Estudos Agrários da Unijuí, este foi caracterizado em quatro microrregiões
diferenciadas. A primeira seria de agricultura capitalizada, abrangendo o norte e parte do
leste do município, que apresentam solos vermelhos e profundos, relevo plano, adequado para
a mecanização das lavouras. Nessa região, a presença de áreas de preservação permanente é
pouco expressiva (LIMA et al, 2009)
Nesta microrregião, segundo Lima (et al, 2009), as unidades de produção
predominantes são patronais e familiares de grande porte, com tração mecanizada completa.
66
A região possui baixa densidade demográfica, embora possua boas instalações comunitárias e
comerciais. Predomina a produção de grãos na paisagem da microrregião e também tem a
presença da atividade leiteira intensiva.
Na microrregião 02, de agricultura pouco capitalizada (descapitalizada), é
originária de áreas de mata nativa, na região Sul, Oeste e Noroeste do município. Apresenta
solos menos férteis, comparativamente com as outras microrregiões, pouco pedregosos e com
pequenos afloramentos de rochas, relevo ondulado à íngreme nas margens do Rio Ijuí,
presença de mata ciliar e capoeiras, pequenos e médios arroios e os rios Ijuí, Potiribú e
Conceição.
A densidade demográfica é maior que nas demais, predomina a agricultura praticada
por pequenos agricultores familiares pouco capitalizados ou em processo de descapitalização.
A mecanização é incompleta, as propriedades são relativamente pequenas, as instalações em
geral estão com estado de conservação precário. Os sistemas de produção são constituídos
basicamente pela produção de grãos e de leite relativamente extensivo, além da subsistência.
A terceira microrregião citada no estudo de Lima (et al, 2009) se caracteriza pela
predominância de uma agricultura semi-capitalizada (em capitalização, diversificada)”,
compreende os arredores da sede municipal, conhecido como “cinturão verde”, abrangendo as
localidades de Santana, parte do Alto da União e parte do Barreiro. O relevo é levemente
ondulado a plano, os solos são vermelhos (argilosos), profundos e pedregosos, existem poucas
áreas com declives. As localidades possuem sedes comunitárias, igrejas, escolas e até mesmo
empresas, no caso dos viveiristas.
Esta microrregião é intermediaria as duas primeiras, com predominância de tração
mecanizada incompleta e instalações em regular estado de conservação. As unidades de
produção são de médio porte, não muito distantes umas das outras, o que indica a densidade
demográfica da microrregião.
Em termos de produção agrícola, observa-se uma maior diversificação, abrangindo
desde viveiros (produção de mudas), horticultura, cultivo de soja e trigo em pequena escala,
cana de açúcar, milho e pastagens destinados à alimentação do gado leiteiro, cuja atividade é
desenvolvida de forma mais intensiva. Encontra-se suinocultura integrada em algumas
unidades de produção desta microrregião.
A quarta micro região, abrange uma situação especifica, que é a Colônia Santo
Antonio, também pode ser caracterizada como agricultura capitalizada, mas além dos
grãos, apresenta a produção de uvas e vinhos.
67
No anexo 01 um mapa que permite visualizar mais claramente as microrregiões
citadas.
Estas microrregiões são produtos de uma transformação histórica, ditada pela interação
do homem no meio natural. O estudo de Lima (et al, 2009), aponta para seis fases no processo
de desenvolvimento rural de Ijuí, a partir da implantação do processo de colonização, que
seriam:
a) Até 1890, com uma agricultura de coivara;
b) 1890 – 1912, com a formação da Colônia;
c) 1912 a 1940, com a consolidação da Colônia;
d) 1940 – 1965, com a crise da Agricultura Colonial;
e) 1965 – 1984, com a agricultura especializada e baseada em insumos industriais, e
f) 1984 – a fase atual, com agricultura diversificada.
Esta periodização de forma geral abrange os grandes momentos da agricultura no
município, embora possa haver pequena variação nos anos. A caracterização destas fases deu-
se de acordo com fatos ecológicos, técnicos e socioeconômicos.
Dudermel (et al, 1993), realizando um estudo sobre a diferenciação da agricultura no
noroeste gaúcho constrói uma estrutura de analise semelhante na região. No processo que ele
define como “Implantação de uma agricultura familiar na floresta”, o autor estabelece três
fases: 1) Instalação da colônia (1890-1910); 2) A prosperidade das colônias (1910-1940); 3)
Crise da agricultura colonial (1940-1970). A partir desta terceira fase, o autor analisa a
formação de uma nova etapa do desenvolvimento agrícola na região, a qual ele denomina de
“o desenvolvimento de uma agricultura capitalista no campo”, a qual novamente ele estrutura
em três fases: 1) Criação de granjas (1947-1957); 2) Crise de triticultura (1958-1963); 3) A
consolidação das granjas (1964-1984).
Ambos o estudos (Lima et al, 2009 e Dudermel et al, 1993) convergem nas fases
analisadas, sendo que as primeiras, de implantação da colônia, podem ser caracterizadas por
fatos ecológicos como de desmatamento e aproveitamento exacerbado da fertilidade natural
do solo. A técnica agrícola baseada derrubada e queimada (coivara), com sistemas agrícolas
diversificados de subsistência, com pousios curtos. O principal produto comercial é a banha.
Destacam-se nesta época diversas atividades o agrícolas, mas importantes no contexto,
como a construção da ferrovia. A política oficial era a colonização, por imigrantes vindos
principalmente das colônias velhas do estado. Houve um forte desenvolvimento comercial,
sobretudo após o transporte ferroviário. Não diferenciações significativas no período entre
os colonos.
68
O período de consolidação e prosperidade das colônias é uma fase de intensificação da
exploração do ecossistema, com a queda da fertilidade natural dos solos, surgem sistemas
agrícolas especializado, como a banha, agricultura de subsistência (mandioca, milho, feijão),
o trabalho combina tração animal e trabalho manual. Aparecem as primeiras lavouras de trigo.
Fatores econômicos, como a comercialização da banha com outras cidades gaúchas, as
primeiras divisões por herança dos lotes, a chegada de novos migrantes, com maior
capitalização, causam o inicio da diferenciação da agricultura e dos agricultores, embora
ainda pequena.
A fase seguinte, apontada pelos autores como de crise da agricultura colonial, pode ser
caracterizada pela queda da produtividade do milho, devido à redução da fertilidade dos solos,
que leva aos agricultores a reduzirem o pousio, agravando ainda mais o problema, devido ao
uso mais intenso da terra, colocando em crise o sistema milho-porco banha. Outras culturas
são introduzidas, tanto para alimentar as novas raças de suínos introduzidas, do tipo carne
(mandioca e soja), como para outras atividades comerciais (cana-de-açúcar para fabricar
aguardente, alfafa para alimentar a cavalaria do exercito).
É um período marcado primeiramente pelo empobrecimento geral dos agricultores,
que leva a mobilização por alternativas, por meio do fortalecimento de cooperativas, políticas
de crédito subsidiado, assistência técnica. Mas, sobretudo, é um período de diferenciação da
agricultura e dos agricultores. Os agricultores mais capitalizados apropriam-se de mais lotes
de terra e começam a introduzir com maior intensidade os cereais, aproveitando-se dos
subsídios públicos. Outros, com a venda das terras, vão em busca de novas áreas férteis na
fronteira agrícola
13
.
A nova etapa que se inicia na região, de agricultura especializada, mecanizada, com
base em insumos industriais, baseada na cultura do trigo, primeiramente, complementado em
seguida pela soja. Ocorre o melhoramento genético e a implantação da produção de leite para
fins comerciais.
Este processo tornou-se possível pela combinação de terras disponíveis, tanto pela
migração de agricultores como pelas áreas de pecuaristas para arrendamento, pelo farto
Crédito Rural, pela facilidade de importar bens e insumos agrícolas, por uma diferenciação
socioeconômica dos agricultores que se acentuou, a partir de diferentes dinâmicas de
acumulação, que levaram a uma concentração da produção (DUDERMEL et al, 1993).
13
Desta forma, um grande grupo de agricultores gaúchos inicia a colonização do oeste catarinense.
69
Fatores externos, como a elevação do preço da soja, transformam esta na principal
cultura de verão nos anos 1970, alternando com o trigo no inverno. A partir do fim dos
subsídios a produção de trigo e a concorrência com os produtores argentinos, este deixa de ser
um produto interessante para os agricultores, no mesmo nível da soja, que apesar de sofrer
variações significativas no preço, possui alta demanda no mercado mundial.
A diminuição brusca de apoio estatal a cultura da soja nos anos 1980 causou uma crise
no meio agrícola, expulsando do campo pequenos agricultores que dependiam da renda
gerada por este produto. Os problemas de fertilidade ressurgem novamente. Como resposta,
tem-se o plantio direto e a rotatividade de culturas. Os pequenos agricultores que conseguem
manter-se na atividade iniciam a busca pela diversificação, intensificando a produção de leite,
implantando viveiros, a criação de suínos para carne ainda resiste e são feitos investimentos
em hortifrutigranjeiros.
Estes processos de diversificação são estimulados em meados dos anos 1990, com a
implantação do Programa Nacional de Agricultura Familiar, Pronaf, que oferta crédito de
custeio aos agricultores familiares. Combinado a oscilações positivas do preço da soja e este
crédito, os agricultores familiares persistem, sendo que aqueles que diversificaram as
atividades obtêm novas possibilidades de reprodução social. Outros que se mantêm apenas na
dependência da soja, seguem em crise, na medida em que os bons preços da soja não se
mantêm e os custos constantemente se elevam. Evidentemente que neste processo, os
produtores mais capitalizados mantêm-se, devido aos ganhos de escala e a farta oferta de
créditos agrícolas e as constantes renegociações de dívidas junto ao governo federal.
Em meio a este processo de transformações da agricultura colonial-familiar no
município de Ijuí, um segmento de agricultores, que foi quase extinto na crise da agricultura
colonial, conseguiu-se manter, com base em uma estratégia de produção de alimentos
diversificados, ofertados diretamente aos consumidores locais, por meio das feiras livres.
Com a crise, da década de 1980, estendida até o presente, este setor foi incrementado por
novos agricultores feirantes, analisados neste trabalho.
3.2 O desenvolvimento industrial urbano
Ijuí conta atualmente com 75 mil habitantes, aproximadamente, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE. Desta população, cerca de 8 mil residem no meio
70
rural e os demais na zona urbana do município, distribuídos em 32 bairros, sendo um deles o
‘centro’, com aproximadamente 15 mil habitantes.
Além da importância em termos de colonização agrícola, outro importante setor do
município, ao longo de sua história foi à atividade industrial, fator que empregava grande
força de trabalho, dinamizando a economia local e a tornando atrativa à vinda de pessoas de
outros município.
Weber (1987) resgata dados do número de estabelecimentos que realizam atividades
de transformação na primeira metade do século XX em Ijuí. Segundo a autora, em 1920 havia
cerca de 96 estabelecimentos que pagavam impostos federais na área industrial, entre
indústrias e fabrequetas. Na década de 1940, dados de um recenseamento da época apontavam
para 179 indústrias, porém comentaristas em 1943 referiam-se a 356 unidades fabris (a
maioria fabrequetas de fundo de quintal). Embora os dados sejam imprecisos, pode-se ter uma
idéia da atividade industrial no município, que na década de 1940, segundo Weber (1987)
ocupava cerca de 13% da população nas fabricas, como “mensalistas”. A autora chama a
atenção para que este número fosse bem superior, se fossem considerados os operários
diaristas, às operarias que realizam atividades em suas residências e as crianças e
adolescentes, que iniciavam no mundo do trabalho bem antes de terem idade de serem
registrados.
Em um estudo da dinâmica industrial de Ijuí, Basso et al (2000) caracteriza o
desenvolvimento industrial do município em três períodos distintos. O primeiro que vai da
criação da Colônia Ijuhy até 1920 aproximadamente. É um período de baixa atividade
industrial, voltada principalmente para o fornecimento de utensílios aos colonos, com
reprodução simples de capital. O segundo período, que abarca de 1920 até fins dos anos 1960,
é o período de crescimento e expansão das atividades industriais no município e pode ser
subdividido em duas fases.
Uma primeira fase, do inicio do mesmo até os anos 1950, que reflete a expansão
nitidamente. “Neste período verifica-se a participação efetiva e constante do poder público
municipal, na medida que desenvolve todos os esforços para disponibilizar energia elétrica
enquanto insumo básico para a atividade industrial” (BASSO et al, 2000, p. 18). É uma fase
de abertura da economia local para mercados estaduais e nacionais, tanto em relação à oferta
de produtos como compra de matérias-primas. um aumento de firmas e de trabalhadores,
como demonstra Weber (1987), e consequentemente de participação dos salários nas rendas, o
que dinamiza mais a economia local. Mas é uma fase de capitalização também, com
71
importação de novas máquinas e tecnologias, com produção de maiores excedentes e
reprodução ampliada de capital.
Neste mesmo período ainda, tem-se a segunda fase dos anos 1950 até o final do
mesmo, onde se mantém o crescimento da atividade industrial, porém a indústria local
começa a sofrer concorrência pela maior abertura da economia nacional e o poder público
deixa de ser um alavancador do desenvolvimento industrial (BASSO et al, 2000).
Nesta fase, algumas indústrias conseguem modernizar-se e produzir em escala,
mantendo-se competitivas, porém outras começam a dar sinais de decadência. Segundo Basso
et al, “verifica-se também nesse período que boa parte das empresas em crescimento ofertam
produtos que, de certa forma, estão associados com o oferecimento de incentivos e subsídios
por parte do Estado, bem como, com o sistema cooperativo em incentivar a produção
leiteira.”(2000, p. 20).
Para Basso et al (2000), o conjunto do período é o apogeu da industrialização de Ijuí,
porém mostra em seu final o esgotamento deste processo, sobretudo pelo aumento da
competitividade e concorrência, combinado com o uso de materiais alternativos, levando a
uma perda da dinâmica de acumulação industrial no município e sua importância relativa no
processo de desenvolvimento.
O terceiro período, que abrange o início da década de 1970 até hoje, possivelmente, é
um período de franco declínio da atividade industrial no município, tanto pela redução da
atividade como pelo fechamento das firmas. Pode-se caracterizar o período, de acordo com
Basso et al (2000) pelo relativo atrasado tecnológico, falta de visão empresarial e
mercadológica, descontinuidade administrativa, além da ausência de apoio do poder público
local.
As firmas que surgem, em boa medida são mais uma resposta à crise estrutural do
mundo do trabalho do que empreendimentos voltados à reprodução ampliada do capital. Desta
maneira proliferam-se firmas de fundo de quintal, voltadas principalmente para a manutenção
de seu proprietário, ocupando eventualmente alguma mão-de-obra externa a família.
Atualmente, a atividade industrial representa cerca de 20% do PIB no município,
sendo o setor mais representativo na economia local o comercio e os serviços. A agricultura
responde por cerca de 10% dos PIB.
72
3.3 A emergência dos EES em Ijuí/RS
No meio urbano, como conseqüência do processo de desenvolvimento do município,
no qual a sede administrativa do mesmo reunia diversos serviços públicos e com o posterior
desenvolvimento da atividade comercial, rapidamente a “Colônia Ijuhy” reuniu condições
para se emancipar politicamente de seu município mãe, Cruz Alta, em 1912. A construção da
Ferrovia capitalizou os agricultores, tanto diretamente como indiretamente, e aumentou o
fluxo de moeda na região, além de estimular uma forte atividade industrial, ainda de caráter
bastante artesanal. Foi um estímulo importante para aproveitar mão-de-obra fora da atividade
agrícola.
À medida que a agricultura colonial foi apresentando crises, a indústria foi evoluindo,
conseguindo absorver parte da mão-de-obra. Em decorrência, antigo lotes de “colônias” no
entorno da área urbana foram sendo loteados e transformados em terreno urbanos. Uma parte
destas áreas era de propriedade pública, de maneira que a própria municipalidade organizou o
loteamento de diversas áreas.
Na década de 1960 a zona urbana era desenvolvida, com forte comercio e diversas
indústrias. A classe operaria era um ator importante no município. O MCBI neste período,
além de impulsionar a conscientização e organização de agricultores, também teve seus
reflexos na área urbana, com a organização do Conselho de Bairros de Ijuí (CBI), que reunia
as associações de moradores, para se mobilizar por melhorias nos bairros e para influenciar as
ações públicas da municipalidade.
Estas associações de moradores foram os principais canais de diálogo entre os
moradores de bairros, sobretudo os mais populares e o executivo municipal. Evidentemente
que o crescimento e desenvolvimento da área urbana criou novas necessidades e novas formas
organizativas, de maneira que o CBI não consegue mais atender esta pluralidade de ações
populares, mas nem por isso perdeu seu status na municipalidade.
A trajetória rural e urbana do município de Ijuí, altamente ligada às mudanças na
agricultura regional, mas com forte caráter associativo, determinado tanto pelas condições
objetivas do inicio da colonização, como pelos impulsos da década de 1960, criaram
condições propicias para que boa parte da comunidade Ijuiense tenha realizado alguma
experiência e desenvolvido conhecimentos sobre trabalhos cooperativos e/ou associativos, de
maneira que a todo o momento surgem novas associações, conselhos comunitários e espaços
de cooperação. E entre eles, as formas de cooperação econômicas e solidárias também têm se
desenvolvido.
73
Como já explicitado, em 2005 e 2007 houve um levantamento – mapeamento –
nacional dos Empreendimentos de Economia Solidária no Brasil, de maneira que em Ijuí,
tanto na zona urbana como na zona rural foram identificados 24 EES. Estes abrangiam 1054
sócios individuais. Como muitos são compostos por famílias inteiras (caso dos EES de
agricultores principalmente) o número de pessoas que se beneficiam com os mesmos é
seguramente maior.
Em relação à forma de organização dos EES, dois eram associações, oito cooperativas
e 14 grupos informais. Dos 24 EES, 10 são tipicamente urbanos e 14 o rurais (embora os
grupos feirantes localizem-se nas áreas urbanas, são considerados rurais).
No quadro a seguir, apresentam-se as principais atividades desenvolvidas pelos EES
de Ijuí, identificados em 2005 e 2007:
Principais Atividades dos EES/Ijuí – 2005/2007
Produtos coloniais 5
Artesanato 3
Hortigranjeiros 2
Uso de equipamentos agrícolas 2
Construção civil/serigrafia/confecção 1
Crédito 1
Educação 1
Flores 1
Jornal 1
Leite (venda) 1
Mel 1
Mudas de árvore 1
Panificação 1
Peixes 1
Reciclagem 1
Transporte de cargas 1
TOTAL 24
Fonte: Incubadora de Economia Solidária da Unijuí, elaboração própria.
Sobre estes EES, pode-se dizer ainda que 10 deles são compostos por famílias de
agricultores feirantes. Neles incluem-se os grupos analisados, bem como outros grupos cuja
finalidade é uso de equipamento em conjunto, ou outras atividades agrícolas, mas voltadas a
produção de gêneros para abastecer as feiras.
No campo da reciclagem, havia apenas 01 EES em atividade no município de acordo
com o mapeamento, tanto em 2005 como em 2007
14
.
14
O levantamento foi realizado no primeiro semestre de 2007.
74
A partir deste panorama geral de organizações de Economia Solidária em Ijuí,
decidiu-se conhecer a realidade de alguns destes grupos, que possuem certa relevância social
no município. Neste sentido, os grupos de agricultores feirantes, por sua importância para a
agricultura familiar e mesmo para o abastecimento de alimentos a população e os grupos de
reciclagem, que embora representassem apenas um EES no mapeamento, apontava um
potencial emergente, que posteriormente manifestou-se, como demonstraram os demais
tópicos deste trabalho.
75
4. Os EES de agricultores familiares Feirantes de Ijuí/RS
Como parte do processo de desenvolvimento no meio rural de Ijuí, diversos
agricultores familiares, notadamente aqueles semi-capitaizados e de produção diversificada,
que residem no “em torno” do município, mantiveram uma produção voltada ao
abastecimento da população urbana, combinando a produção de hortifrutigranjeiros, produtos
derivados de carnes de gado, leite, aves, entre outros.
Em algumas outras comunidades rurais, especialmente próximo ao Alto da União e
ao longo da Estrada Velha
15
, mantiveram-se este tipo de agricultores, sendo que outros, de
característica de minifúndio, estabelecidos em outras regiões do município, também
ingressam nesta atividade mais recentemente.
As estratégias de inserção destes agricultores foram às feiras livres, existentes no
município muitas décadas e a venda de “porta em porta”. Além disto, a existência de
inúmeros pequenos estabelecimentos comerciais nas regiões populares do município também
constituem importantes espaços de comercialização para estes agricultores.
A agricultura familiar, com seus produtos diversificados destinados ao
abastecimento da população no município, sempre teve um espaço no mercado, sendo que as
crises nas commodities foram fatores de estímulo ao aumento desta atividade. Políticas
públicas e de cooperativas também contribuíram no sentido da diversificação, como forma de
manter a agricultura familiar.
No entanto, entre os agricultores familiares que se mantém na atividade agrícola por
meio da produção diversificada, destacam-se pela trajetória organizativa os agricultores
“feirantes”, dos quais se buscou resgatar a origem e caminhada dos principais grupos e
também analisou-se o desempenho econômico deste tipo de agricultor feirante e a
contribuição desta produção na renda agrícola destas famílias.
15
A estrada velha faz a ligação de Ijuí com o seu município mãe, Cruz Alta, sendo o Alto da União um
importante ponto de ligação histórico entre os dois municípios. Esta situado em uma região de agricultores
capitalizados, produtores de grãos, mas possui minifúndios em seu em torno.
76
4.1 Associação dos Produtores Feirantes de Ijuí – Aprofeira
A Aprofeira reúne atualmente cerca de 50 famílias de pequenos agricultores
familiares. A associação foi formada em 1989
16
, com o objetivo de administrar um espaço
comum, construído pelo Poder Público Municipal.
Suas origens, no entanto, remetem à década de 1950, quando um grupo de 15 a 20
famílias, oriundas de diversas ‘linhas’ do município realizava uma feira semanal em uma área
no centro da cidade, junto a Igreja Natividade. Nesta feira eram comercializados todos os
produtos típicos da colônia, como hortaliças, queijos, salames, legumes, frutas, etc.
Os feirantes não possuíam uma organização formal, mas eram bastante
especializados na produção para a feira, sendo que para aquele grupo, esta constituía uma das
principais fontes de renda, complementada pela criação de suínos em muitos casos.
Ao longo da década de 1960, a feira passou a ser duas vezes por semana nos fundos
da Igreja Natividade e um dia por semana nos fundos da Igreja Evangélica Luterana, também
no Centro da Cidade
17
.
O grupo de feirantes girava sempre em torno de 20 famílias, sendo que os mais
velhos costumavam ser substituídos por seus filhos. Algumas destas famílias faziam feiras em
outros pontos da cidade, sendo que algumas chegaram a tornarem-se referência, como uma
Feira em frente a Fabrica de Balas Soberana, que na década de 1970 era a terceira maior da
cidade. Havia os colonos que entregavam de porta em porta os produtos na cidade
18
, fazendo
pequenas “feiras” para a vizinhança. Esta realidade fez com que houvesse diversas feiras
naquele período.
As duas principais feiras na década de 1970, no centro começaram a ser atingidas pela
urbanização, sendo que foram cada vez mais realizadas em pontos distantes da praça central,
até que no início da década de 1980, uma gestão pública municipal decidiu organizar os
feirantes
19
. Iniciou um processo de cadastramento e licenciamento destes, e construiu uma
estrutura para realização das feiras, entre a Av. 21 de abril e a 14 de julho, ao lado do Arroio
Moinho, local denominado popularmente “Rua do Canal”.
Na época, o Arroio Moinho ainda não havia sido canalizado e coberto naquele ponto,
sendo um local com mau cheiro, que atraia diversos vetores de doenças, além de dificultar o
16
A formalização da associação deu-se em 1991.
17
Neste espaço ocorreu a primeira Feira de Economia Solidária de Ijuí, em 2005.
18
Esta realidade é forte hoje ainda, seja os “leiteiros” que entregam leite in natura em diversas residências e
mercados populares, ou os agricultores que fazem um “ponto” em diversas ruas nos sábados pela manhã.
19
O prefeito era Wilson Maximino Mânica.
77
acesso dos consumidores mais tradicionais da feira. Também havia problemas com a
vizinhança, uma vez que ocorriam depredações constantes na estrutura
20
.
Em função destes problemas, logo nos primeiros meses um grupo de feirantes decidiu
realizar uma feira, aos sábados, em uma área mais central na cidade. Escolheu a calçada em
frente à escola Estadual de Ensino Fundamental Rui Barbosa (Ruizinho), que fica a duas
quadras da Praça Central. Em poucas semanas, a Feira do Ruizinho já reunia mais de 20
feirantes, tornando-se a principal referência em Feiras Livres em Ijuí, onde praticamente todos
os agricultores, cuja renda provinha dos produtos coloniais, atuavam nos sábados. A feira do
canal manteve-se até o fim da gestão do prefeito que a construiu, funcionando as terças e
quintas feiras, porém gradativamente foi perdendo importância.
Nos primeiros anos esta feira no centro era organizada como as demais, sem nenhuma
intervenção do Poder Público, sendo que as posições para comercialização na Feira eram
definidas de acordo com a ordem de chegada.
Em meados da década de 1980, o poder público municipal passou a cadastrar
novamente os agricultores na feira do Ruizinho, demarcou e numerou os espaços a serem
utilizados por todos os feirantes, emitiu alvarás de funcionamento, por família, que ocupavam
um espaço, de acordo com sorteio.
Em função desta organização, foi necessária a realização de reuniões com os feirantes,
que até então eram pouco habituados a dialogar com o poder público de forma coletiva, sendo
que neste processo foram sendo escolhidos, entre os feirantes mais experientes, representantes
para intermediar este dialogo.
Uma das demandas que surgiu por parte dos agricultores era a construção de uma
estrutura que pudesse facilitar o trabalho, sobretudo nos dias chuvosos. Porém, em função da
experiência frustrante realizada no em torno do Arroio Canal, os feirantes resistiam a sair do
centro da cidade, onde possuíam excelente clientela.
A Prefeitura Municipal decidiu construir uma estrutura para os feirantes. Para tanto,
disponibilizou uma área nas imediações do centro, na Rua 24 de Fevereiro. Para assegurar a
transferência dos feirantes para o novo espaço, desencadeou um processo de dialogo, visando
atender as demandas dos agricultores. Foi organizada uma visita dos feirantes a uma feira de
agricultores do município de Santa Rosa, que era na época uma referência estadual de
espaço de comercialização de agricultores familiares.
20
Era uma área de alvenaria, onde cada feirante tinha um Box, porém havia cozinha para processamento de
produtos e sanitários tanto para os feirantes como para o público.
78
A estrutura que hoje abriga a Aprofeira foi definida com base neste modelo de feira de
Santa Rosa, sendo que o grupo de feirantes de Ijuí fez algumas sugestões complementares,
principalmente quando à necessidade de cobertura para o desembarque das mercadorias e
portas de comunicação entre os Box dos feirantes.
Esta estrutura, com aportes financeiros do governo estadual, foi construída na Rua 24
de Fevereiro, três quadras do centro da cidade, sendo inaugurada em 1991. Abriga junto,
além da Aprofeira, o frigorífico da Cooperativa de Psicultores de Ijuí, Ijuí Peixes e um espaço
para a Cooperativa dos Produtores de Flores de Ijuí, Cooperflores
21
, além do Escritório
Municipal da Emater. Para gestionar o espaço de comercialização, o poder público solicitou
que os agricultores organizassem uma associação, que iria coletar contribuições dos
associados para pagar as despesas (água, energia elétrica e o aluguel), disciplinar o uso do
espaço junto aos feirantes e fazer a interlocução junto ao poder público.
A Aprofeira foi criada com 33 famílias, sendo que toda parte burocrática e as
principais decisões foram orientadas pela prefeitura em conjunto com a Emater. O prefeito da
época
22
propôs, na assembléia de fundação, que assumisse a presidência o Sr. Lottar
Ortemann, tido por todos como o “Chefe da Feira”, mas este defendeu que era hora de outro
ser “chefe”, assumindo a presidência o Sr. Arno Korb.
Após algumas gestões do Sr. Arno e de outros feirantes, assumiu a presidência o Sr.
Ernani Ortemann, filho do Sr. Lottar, agricultor que “se criou fazendo feira com o pai e os
irmãos”. Este está na quinta gestão (intercalada com outros) à frente da Aprofeira, sendo os
três ultimas consecutivas.
Após a inauguração da Aprofeira, o investimento mais significativo foi o cercamento
do pátio, que antes era aberto, o que facilitava depredações. Esta obra foi realizada com
recursos do poder público e dos colonos
23
, o que reflete a importância que este ponto de
comercialização possui para os mesmos.
Do ponto de vista da gestão a Aprofeira é uma associação, sendo que não centraliza
decisões relativas a preços ou produtos, que cabem apenas aos feirantes, de forma individual.
No espaço vale a livre concorrência entre os associados.
A Associação possui uma diretoria, eleita anualmente, encarregada de fazer a gestão
do que é de uso comum, no caso, o espaço, a publicidade nos meios de comunicação, a
limpeza e segurança no local e outras ações que se façam necessárias. Por isto, além de uma
21
Tanto a Ijuí Peixes como a Cooperflores foram criados a partir de 2000.
22
Gestão 1988/1992
23
Cada família investiu R$ 800,00 neste cercamento, recurso prioritariamente para o pagamento de mão-de-obra
e complementação de materiais.
79
contribuição mensal, definida pelo número de vezes que cada família utiliza o box, no mês,
também são cobradas taxas e contribuições relativas a ações específicas.
Em geral, não são feitas mais do que três ou quatro assembléias (ou reuniões com o
conjunto do quadro social) por ano. Segundo o presidente, o grupo não gosta de reuniões
periódicas, avaliando que quanto menos compromissos, mais os agricultores podem se dedicar
a sua atividade principal.
Em relação à comercialização, a associação não dispõe de dados sobre faturamento,
sendo que estas discussões não são feitas entre o grupo, porém, devido ao grande
conhecimento que todos possuem da atividade agrícola, ocorre certa divisão de oferta, onde
alguns grupos de associados especializam-se em determinados produtos, de maneira que o
conjunto da feira tenha uma grande diversidade de mercadorias, porém, evitando-se que haja
excesso de oferta, especialmente na temporada de cada produto.
Quanto ao público consumidor, nos primeiros anos da Aprofeira, houve uma queda do
público, em relação aos que procuravam os feirantes em frente ao Ruizinho, e também havia
um número maior de feirantes. Como resposta, desde o inicio houve uma política de
divulgação da Feira, especialmente junto às emissoras de Rádio, o que juntamente com a
clientela individual de cada feirante, fez com que esta se constituísse em uma grande
referência para o consumo de produtos coloniais em Ijuí e região.
Atualmente esta política de publicidade é mantida, sendo que há uma preocupação dos
feirantes em manter o local atrativo aos consumidores. Encontra-se nas dependências da feira,
inclusive, carrinhos de supermercado, para facilitar as compras dos consumidores e o
transporte aos carros, estacionados em frente. Outra parte prioritária é higiene e limpeza do
local. E também, além da tradicional feira aos sábados pela manhã a partir das 6h os
associados são incentivados a fazer feiras durante a semana (terças e quintas-feiras), buscando
oferecer maiores opções de horários aos consumidores.
A partir da inauguração da Aprofeira, outra importante mudança na vida dos feirantes
foi à relação com o Poder Público, pois se antes era distanciada, a partir da inauguração, estes
começaram a ter que cumprir exigências da fiscalização sanitária do município, além de um
maior controle da parte fiscal, a partir do Bloco de Produtor Rural.
Em contrapartida, não pela Aprofeira encontrar-se junto às instalações do escritório
municipal da Emater, mas por esta ter tido política para o setor, começaram a serem
oferecidos cursos e assistência técnica aos feirantes em conjunto com a Secretaria Municipal
de Desenvolvimento Rural Smader. Esta relação, hora é mais presente ou mais distante, de
acordo com as prioridades políticas dos gestores públicos, porém, a relação está
80
institucionalizada, ao contrário do que ocorria até a década de 1980, onde era uma relação
mais personalizada, que ocorria diretamente com os prefeitos ou secretários.
Este maior nível de exigências levou os agricultores feirantes a se especializarem cada
vez mais, não apenas em vel de produção, mas de comercialização e questões burocráticas.
Possivelmente isto explique porque ainda é forte o número de feirantes que atuam de “porta
em porta”, onde o nível de exigência dos consumidores e mesmo a atuação dos órgãos
públicos é menos rigorosa, exigindo menos especialização dos agricultores como “feirantes”.
4.2 Associação dos Feirantes do Assis Brasil
Em 1998, havia agricultores que desejavam comercializar na Aprofeira, porém não
havia mais box disponíveis para os sábados pela manhã. Como resposta a esta demanda, a
Prefeitura Municipal
24
propôs a abertura de uma feira em outro ponto da cidade, onde
houvesse público consumidor e não fizesse concorrência a Aprofeira.
A Smader convocou pelas emissoras de rádio os agricultores interessados em
comercializar em feiras, para uma reunião junto à prefeitura. Nesta primeira reunião
participaram mais de 20 famílias, oriundas de diversos pontos do interior do município. Com
base na sugestão da prefeitura, foi decidido organizar-se a nova Feira junto às instalações do
Ginásio Municipal de Esportes Wilson Manica (Ginasião), situado no Bairro Assis Brasil.
Nestas famílias estavam alguns agricultores feirantes de porta em porta” e outros
agricultores, que buscando um complemento as atividades de produção de soja, viam nas
feiras uma alternativa.
Inicialmente a prefeitura demarcou e numerou 20 espaços em frente à entrada
principal do ginásio, definindo por sorteio um box para cada família. Estas chegavam de
madrugada, organizavam seus espaços e comercializavam dentro dos próprios carros ou em
bancadas improvisadas.
Logo no inicio foi organizada uma comissão de agricultores, para fazer a interlocução
junto ao poder público. A principal demanda era o apoio na divulgação, ação que a prefeitura
desenvolveu. Porém, não haviam reuniões entre o grupo, cada um trazia sua produção,
comercializava, sem muita organização coletiva.
Na época os principais problemas eram de que, das 20 famílias, algumas traziam
produtos para comercializar na entressafra da soja. De um modo geral, havia pouca
24
Gestão 1997/2000
81
qualificação dos agricultores, e devido à falta de um compromisso mais sério entre o grupo,
aqueles que faziam a Feira todas as semanas eram prejudicados pelos que apareciam apenas
na temporada, obrigando os demais a baixarem os preços de seus produtos.
A relação com o poder público era pessoal, pouco institucionalizada. O prefeito
visitava a feira, fazia compras, ouvia os agricultores e atendia algumas demandas, mais de
cunho individual. Eventualmente a comissão dialogava com a Smader, mas poucos avanços
haviam em relação a organização da feira. Com a troca de gestão blica, em 2000, esta
relação ficou mais distante.
Por pressão dos próprios feirantes, como pela melhora dos preços da soja, vários
agricultores foram abandonando a feira. Em 2002, eram cerca de 10 famílias, sendo que neste
período havia, informalmente, algumas regras como, por exemplo, a exigência que todo o
grupo fizesse feiras aos sábados. Neste ano o poder público acenou com a possibilidade de
deslocar os feirantes do Ginasião.
Em função disto, o grupo foi obrigado a se organizar melhor, sendo o primeiro passo a
criação de uma associação. O grupo começou a participar de palestras e cursos, tanto por parte
do Sistema Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena Empresa (Sebrae), como pela Smader e
Emater. Estes cursos, somando a experiência de feirantes adquiridas nos quatro anos iniciais
da feira, levaram o grupo a se especializar mais, buscando melhorar o aspecto dos produtos,
as embalagens, organizar a oferta, os preços.
De uma forma geral, embora as decisões continuassem de cada família sobre o que
ofertar e a que preços, o estímulo ao maior diálogo levou o grupo a pensar a Feira como um
espaço mais coletivo. Foi criado um regimento geral, em que se institucionalizou as regras em
relação à participação na feira. O grupo conquistou, junto à prefeitura, o direito de usar a parte
interna do Ginasião, o que melhorou muito as condições de trabalho dos feirantes, não pela
área ser coberta, mas por permitir mais conforto também aos clientes, uma melhor exposição
dos produtos, etc.
Em contrapartida, o grupo teve que manter o local limpo e contribuir com despesas de
energia elétrica. Estas despesas foram assumidas pela associação, que arrecada uma taxa das
famílias associadas.
A Feira, que completou uma década, possui seis anos como associação legalizada, está
com sua terceira gestão
25
. O grupo atualmente é composto por nove famílias, realizam
reuniões com todos os membros do grupo a cada dois meses, geralmente seguido por um
25
Na primeira, o presidente foi o Sr. Becker, que já era membro da comissão anterior, a segunda o presidente era
o Sr. Cereta, sendo que atualmente o presidente é o Sr. Ademar Muller.
82
jantar festivo. São apoiados por um programa do Sebrae, em parceria com a Associação
Comercial e Industrial de Ijuí (ACI). A avaliação geral dos feirantes é de que o grupo está
consolidado e ajustado ao tamanho da demanda local e tem uma clientela fixa muito boa.
Como o grupo está instalado em uma área, inicialmente projetada para outra finalidade
(eventos esportivos), e como a prefeitura tem incentivado a construção de espaços próprios
aos feirantes, a partir de recursos do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o grupo
pensa em alternativas para o futuro, possivelmente com a construção de um local próprio.
Dada à caminhada do grupo e ao seu nível de organização, é possível imaginar que se
esta possibilidade se confirme, o grupo possa dar um salto, para além da realização de uma
Feira semanal.
Conforme registraram os feirantes, o principal problema que as famílias se
defrontaram nos primeiros tempos era a insuficiência de oferta regular de produtos, frente à
demanda que rapidamente se fez na feira. O grupo que se consolidou é resultado daqueles
agricultores que conseguiram enfrentar esse problema, melhorando suas técnicas de produção
e agregando valor a seus produtos.
Na época, boa parte dos agricultores não tinha experiência de feirante, alguns deles
entregavam sua produção (especialmente hortaliças e legumes) para supermercados, outros
faziam a venda de porta em porta. Muitos tinham referência no trabalho dos pais, que em
outras épocas haviam participado de feiras na cidade, mas em geral, o grupo aprendeu com o
trabalho cotidiano desta última década na feira do Assis Brasil.
4.3 Feirantes Agroecológicos da Penha
Em 2000 o Escritório Regional da Emater, articulado com os escritórios municipais
na região (Ijuí, Panambi, Jóia, entre outros), organizou um curso de produção agroecológica
para agricultores familiares. Participaram deste curso cerca de 50 agricultores, sendo que além
das exposições teóricas, houveram visitas a propriedades com este tipo de produção na região
metropolitana. Houve também um acompanhamento por parte da Emater, junto aos
agricultores que iniciaram a utilização destas técnicas de produção.
Ao final do curso, em 2001, os agricultores foram certificados pela participação nas
atividades. Além disto, foi organizada uma associação, que não chegou a ser registrada, mas
que cumpria o papel de articular os agricultores para duas ações que foram decisivas para a
viabilização desta produção e dos desdobramentos futuros.
83
Uma destas ações era uma parceria com a Cooperativa Tritícola Serrana (Cotrijuí), que
administra um supermercado em Ijuí sendo referência no município. A parceria visava a
criação de um estande para a comercialização dos produtos agroecológicos dos associados
certificados pela Emater. Este foi um importante impulso para que muitos agricultores de Ijuí
que haviam realizado o curso, efetivamente iniciassem este tipo de produção e fizessem os
investimentos necessários.
Como havia certas exigências em relação à comercialização junto a Cotrijuí,
especialmente em relação à questão fiscal (emissão de notas, registro de CNPJ, pagamento de
impostos), uma segunda medida proposta pela Emater e assumida pela associação foi à
realização de uma feira livre para comercialização dos produtos agroecológicos e coloniais.
O local escolhido foi o bairro da Penha, em frente a uma Igreja Católica, por ser uma
região de classe média, relativamente distante do centro, de forma que se evitava a
concorrência com as demais feiras (Aprofeira e Assis Brasil).
Desta forma, no dia 23/03/2002, num sábado pela manhã, houve a abertura da primeira
Feira de Agricultores Agroecológicos em Ijuí, a “Feira da Penha”.
Inicialmente o grupo era composto por 15 famílias, sendo que uma boa parte dos
participantes da Feira eram oriundos da região de Mauá, no interior de Ijuí e não tinham
meios de transporte próprios. Traziam a produção em ônibus de linha intermunicipal, sendo
que para se deslocar entre a rodoviária e a feira, necessitavam fretar um transporte ou
contavam com o apoio de outros feirantes, que possuíam automóvel.
Haviam agricultores de diversos pontos do interior do município que ofertavam
diversos produtos, tanto os hortifrutigranjeiros de produção agroecológica, como os produtos
típicos da agricultura colonial como ovos, nata, schimias, cucas, salames, etc.
Apesar da diversidade de produtos, não havia nestes primeiros anos uma
especialização dos produtores, sendo que mesmo os produtos agroecológicos eram pouco
atrativos, considerando-se que estes agricultores estavam apenas no início da conversão e não
dominavam as técnicas adequadamente.
Outra deficiência é que não havia (e não ainda hoje) uma estrutura adequada para
os feirantes, que nos dias de chuva abrigam-se no pátio da Igreja, mas em geral,
comercializam na calçada, com bancadas improvisadas.
Deve-se considerar também que a Feira está localizada em uma extremidade da
cidade, onde a circulação de pessoas é praticamente limitada apenas aos moradores do local, o
que também limita o alcance da demanda da feira.
84
Considerando este conjunto de dificuldades (produtos pouco atrativos, baixa demanda,
falta de infraestrutura e elevados custos de transporte), os agricultores oriundos do Mauá
foram os primeiros a desistir desta feira. Em 2006 ocorreu um outro evento que levou a saída
de mais um grupo de feirantes, que foi a criação da Cooperativa dos Agricultores
Agroecológicos e Coloniais da Região Noroeste
26
(Natuagro), que é um processo um pouco
anterior, mas que inicia as atividades na páscoa do referido ano, sendo que o grupo mais
organizado de produtores agroecológicos do município orienta sua produção principalmente
para o novo ponto de venda.
Os feirantes da Penha, que vinham diminuindo em termos de famílias que
comercializavam, praticamente extinguiram a feira. Em 2004 havia oito famílias participando,
sendo que a feira também ficou desestruturada em termos de associação de produtores
agroecológicos, pois esta organização, que era impulsionada pela Emater e Smader, passa a
ser o embrião da Natuagro, de maneira que os agricultores que não se incluíram no processo,
ficam sem representatividade para organização.
A diminuição de feirantes na Penha, para os que restaram nesta feira, não é vista como
um problema, uma vez que representou um ajuste entre a oferta (que era grande) em relação à
demanda (pequena), de maneira que hoje existem apenas três famílias comercializando no
ponto. Destas, apenas uma fez parte do grupo que organizou a feira inicialmente.
Estes feirantes possuem pouco espaço de interlocução com o poder público, uma vez
que estão desarticulados de outros grupos de maior inserção, não recebem apoio de nenhuma
entidade e ao mesmo tempo, não priorizam a mobilização em torno de suas demandas.
Possuem, no entanto, a reivindicação de que seja permitida a construção de uma
estrutura, para que possam comercializar, junto a um terreno pertencente à Prefeitura
Municipal, em diagonal ao atual ponto da feira. Desde a instalação do ponto, em 2002, havia a
proposição de construir-se uma estrutura neste local, que funcionaria junto à futura sede da
associação dos moradores do bairro. Porém, como a sede não avançou e os feirantes perderam
representatividade, aparentemente a proposta esta abandonada.
Não muita formalização no grupo, sendo que o representante é o feirante mais
antigo no ponto. As famílias conversam durante a comercialização, não havendo a
necessidade de encontros posteriores. Cada família busca se especializar em alguns tipos de
produtos, para evitar a concorrência excessiva. Todos realizam vendas em pequenas feiras
26
Apesar de ser da região noroeste, todos os associados são efetivamente, produtores em Ijuí.
85
ambulantes em outros pontos da cidade e entregam para pequenos estabelecimentos
comerciais sua produção excedente.
4.4 Cooperativa dos Agricultores Familiares Agroecológicos e Coloniais da
Região Noroeste – Natuagro
Desde 2001 existia uma associação (não formalizada) de agricultores familiares que
haviam participado do curso de agroecologia da Emater Regional. Este grupo estruturou-se
principalmente devido à necessidade de abastecer um ponto (stand) de produtos
agroecológicos junto a Cotrijuí e também para organizar uma feira livre no Bairro da Penha.
Nem todos os agricultores agroecológicos ligados à associação participavam desta feira, mas
era um espaço que reunia todos os produtores que abasteciam os dois pontos.
Em 2004, o Sr. Louderites de Quadros, integrante do grupo de feirantes
agroecológicos da Penha e da associação dos agricultores agroecológicos, era também
representante dos agricultores familiares do município junto ao Conselho de Desenvolvimento
Rural (Conrural)
27
, sendo que em uma destas reuniões foi informado por uma supervisora da
Emater estadual de que havia disponível uma sobra de recursos de um fundo de fomento a
agricultura familiar, o RS Rural
28
, para esta região.
Como nesta época já era demanda dos feirantes da Penha a construção de uma
infraestrutura, que abrigaria a Feira dos Produtores agroecologicos, o Sr. Lourderites de
Quadros levantou a possibilidade de investir este recurso para esta finalidade. O conselho
aprovou a sugestão, sendo que após alguns dias a Emater contatou o agrônomo Tomaz de
Bem, da Smader, informado que a proposta era viável, mas que caberia aos agricultores de
Ijuí organizarem uma associação ou cooperativa, para realizar a gestão do espaço e que teriam
que dar a contrapartida da mão-de-obra na construção das instalações.
A partir desta possibilidade, houve um esforço de vários setores ligados ao meio rural
do município (Smader, Emater, associação de agroecológicos, lideranças do meio rural) para
reunir um grupo de 20 famílias dispostas a assumirem o empreendimento. O maior empecilho
era que cada família teria que investir no mínimo R$ 1.000,00, para formar o capital inicial
necessário às despesas de mão-de-obra.
27
O Sr. Luderites de Quadros é presidente da Natuagro e foi a principal fonte de entrevista para a parte referente
a Natuagro e colaborou com as informações sobre a Feira da Penha.
28
Programa de investimento na agricultura familiar do Governo do Estado do RS, em parceria com o Banco
Interamericano de Desenvolvimento.
86
Este processo não foi tranqüilo junto aos produtores agroecológicos, a quem era
destinada às instalações, primeiramente, porque nem todos tinham recursos para este
investimento, segundo, porque desde o início o grupo que assumiu a frente do processo entre
os agricultores, tinha uma proposição de fazer uma feira diferente das demais, pois
funcionaria todos os dias da semana, modelo que exigia maior interação entre os mesmos.
Outra questão importante foi a localização da “feira”. A princípio, deveria ser em uma
área pública, o que não se concretizou, até mesmo porque o grupo também buscava um ponto
de boa localização. Desta forma, com apoio do agrônomo da Smader, contatou-se algumas
entidades, que levou a realização de uma parceria com a Associação de Pais e Amigos de
Excepcionais de Ijuí (Apae), que cedeu a área necessária. Esta cedência tem como
contrapartida o repasse de 5% do faturamento bruto do ponto de venda para a Apae.
Após a formação do grupo, o levantamento do capital necessário para o início da
obra
29
e a definição do local, foi dado início a construção do ponto de comercialização.
Paralelo a isto, com apoio da Smader, grupo passou a realizar reuniões mensais nas
instalações da própria Apae, onde foi formatando o que viria a ser a Natuagro.
Como produto destas discussões resultou no estatuto social da entidade, que foi
definida como uma cooperativa, que reuniria não apenas produtores agroecológicos, mas
também os agricultores familiares de produtos coloniais, dentro de um compromisso de todos
buscarem a transição de seus sistemas de produção para a agroecologia. Quanto à
abrangência, foi estipulado que seriam regional, embora até o momento, todas as famílias
sejam efetivamente de Ijuí e a cooperativa também não tem registro de operações comerciais
fora do município.
Além da marca da agroecologia, que de certa forma, contribui para formação de um
projeto político no grupo, outra questão definidora é o fato da Natuagro operar com toda a
comercialização unificada. Ou seja, ao invés de cada família ter seu espaço de
comercialização, como ocorre nas demais feiras, na Natuagro os agricultores trazem sua
produção alguns dias por semana
30
, sendo que os produtos são pesados, identificados com
uma etiqueta com o numero do produtor e com as informações de peso e preços e, por fim,
colocados nos stands ou refrigeradores para comercialização.
Este processo é realizado por três funcionários, sendo uma vendedora fixa, que recebe
uma comissão de 5% das vendas. A outra funcionária é mais eventual, atua especialmente nos
29
A construção do espaço foi realizada pela Cooperativa de Prestação de Serviços Unicoos, que é ligada ao
Fórum de Economia Solidária.
30
Dependendo o produto a entrega pode ser diária, mas em geral, é de duas vezes por semana.
87
sábados pela manhã e recebe cerca de R$ 50,00 por semana. Um terceiro funcionário tem
atuado junto ao empreendimento, em função de um convênio com outras entidades no
município.
Em todo esse processo, porém, participação dos agricultores, que além de ajudar na
atividade em si, também tem estabelecido uma escala de trabalho, sendo que cada sábado uma
família é responsável por atuar na recepção dos clientes e ajudar nas atividades.
Todo este processo foi pensado antes da cooperativa ser inaugurada, embora alguns
ajustes tenham sido realizados durante os mais de dois anos de funcionamento da mesma.
A obra foi concluída em março de 2006, mas o grupo estava aguardando agenda do
governo do estado para a inauguração. Como esta confirmação estava demorando, o grupo
iniciou por conta própria as atividades na páscoa de 2006, pois havia a necessidade de
aproveitar o ponto para comercializar peixes. Cerca de três meses depois houve a cerimônia
oficial de inauguração, que contou com a presença do vice-governador do estado na época.
Logo nas primeiras semanas de funcionamento da Natuagro, começou a manifestar-se
um problema que ainda parece estar longe de ser superado pelo grupo. Em geral, os
agricultores que formaram a Natuagro eram feirantes semanais que comercializavam
hortifrutigranjeiros e produtos coloniais como reforço a outras atividades agrícolas
(especialmente a soja). Alguns dos que formaram a cooperativa, inclusive, devido à
dificuldade inicial de reunir os 20 associados, não estavam sequer preparados para produzir de
forma eficiente e qualificada para abastecer uma comercialização diária. Além disso, os mais
preparados possuem outra clientela, as quais buscam sempre manter.
Na outra ponta, os consumidores deste tipo de produtos estão habituados à rotina das
feiras (Aprofeira, Ginasião, Penha), que abrem às 6h da manhã, sendo que o forte da
comercialização vai até às 9h. Desta forma, uma Feira que funciona de segunda de manhã a
sábado de noite (nos primeiros meses estava abrindo até domingo), rapidamente formou uma
clientela constante, que resultou de imediato em prateleiras vazias em diversos produtos.
Além do consumo externo, também se desenvolveu rapidamente na cooperativa um
consumo interno de certos produtos, como os ovos. Isto porque produtos de panificação
tiveram grande saída, sendo que as famílias que produziam tiveram que aumentar sua
produção e começaram a se abastecer de ovos dentro da própria cooperativa. Logo, não havia
mais ovos coloniais para venda.
Situações semelhantes ocorreram com outros produtos, de maneira que a cooperativa
começou a tomar providencias para solucionar o problema das “prateleiras vazias”.
Importante notar que, se do ponto de vista do coletivo isto era um problema, no nível de
88
famílias, as coisas estavam muito bem, pois aqueles que produziam pouco, vendiam tudo,
aqueles que produziam uma maior quantidade e variedade, podiam escoar na Natuagro tudo
que não vendiam nas outras feiras.
A percepção dos cnicos e consumidores influentes pesaram no grupo, de maneira
que um dos primeiros encaminhamentos da diretoria foi procurar outros agricultores,
especialmente aqueles que fizeram o curso de agroecologia e participavam da associação, a
esta altura já extinta. A idéia era aumentar o número de associados, para suprir eficientemente
o ponto.
Esta decisão, porém, foi rejeitada pelo conjunto de associados, dentro da
argumentação de que era necessário dar preferência para aqueles que acreditaram na proposta
desde o início. Desta forma, outras ações ganharam maior relevância. Os associados foram
desafiados a aumentar a produção, para isto, além da busca de recursos via Pronaf, foi
proposto financiamentos entre os próprios agricultores, para questões mais urgentes.
Não foi possível precisar os resultados dessas ações, porém pode-se dizer que não
resolveram os problemas, pois ainda há demanda maior que oferta em vários produtos,
especialmente naqueles que agregam maior valor. E também nestes dois anos houve um
aumento da demanda da Natuagro em relação aos primeiros meses, o que pode significar que
as respostas dadas naquele momento, de fomento a produção conseguiram atender a demanda
daquele momento, porém, ainda é insuficiente frente ao avanço da cooperativa.
Outras ações tomadas para aumentar a produção foram no sentido de articular as
famílias dos associados, ou seja, cada sócio foi estimulado a trazer a produção de parentes e
visinhos próximos, desde que apresentassem qualidade mínima nos produtos. Também foi
estimulado a formação de grupos internos de acordo com os produtos. Estes grupos seriam
uma espécie de Câmara Setorial, uma vez que nos grupos, que funcionam informalmente,
com base na conversa quando se encontram nas reuniões ou mesmo na entrega dos produtos,
se dão os acertos dos preços, pois todos os produtos têm preços padronizados.
Isto também requer uma qualidade homogênea e um planejamento mínimo da oferta.
A responsável pelas vendas também exerce uma papel ativo nesse sentido, pois ela é quem
tem todas as informações de vendas, sendo que estimula os agricultores a trazer mais certos
produtos, menos de outros, ou a rever preços.
Quanto ao funcionamento da cooperativa, ela manteve a regularidade de reuniões, que
ocorrem todas as primeiras terças-feiras de cada mês. Em geral, participam entre 14 e 17
associados. O grupo considera a família associada, por tanto, às vezes vem o casal, às vezes
89
esposo ou esposa. Todas as discussões relativas à cooperativa dão-se nesses encontros, que
elabora as diretrizes que depois são operacionalizadas pela diretoria ou pelos funcionários.
A responsável pelas vendas é também encarregada de fazer a contabilidade do que
cada agricultor entregou e quanto tem para receber. Do valor bruto das vendas por família é
realizado um desconto de 13% (5% para APAE, 5% para vendedora e 3% para cooperativa).
Eventualmente o grupo faz aportes maiores de recursos, para algum investimento ou despesa
extra.
Embora a “feira” seja uma cooperativa e atue como um mercado, nas questões fiscais
o empreendimento permanece sendo uma feira. Fruto de acordos entre os associados, Smader
e Secretaria da Fazenda do Município, a comercialização ocorre tirando notas no bloco do
produtor, ou seja, a Natuagro, do ponto de vista fiscal, opera da mesma forma que as demais
feiras. Mas uma parte dos associados tem tido problemas por ultrapassarem as cotas
estabelecias para isenção fiscal.
No momento, é possível identificar duas tendências no grupo, uma delas, que reúne
aqueles agricultores que desde o inicio eram pouco preparadas para esta atividade, que viram
seu investimento dar um excelente retorno e que, portanto, estão satisfeitos e que pretendem
apenas manter as coisas como estão buscando preocupar-se o mínimo possível com o
empreendimento e concentrando esforços nas suas propriedades. Por outro lado, tem-se um
grupo que fez investimentos constantes e que quer que a cooperativa avance, não apenas no
aumento da renda dos associados, mas podendo também aumentar o numero de associados e
beneficiar mais os agricultores e consumidores de Ijuí.
Outro ponto de discussão no grupo é a necessidade de retomar o debate da
agroecologia, tendo em vista que houve poucos avanços nesse campo entre os associados nos
últimos dois anos. Uma deficiência encontrada é a falta de assistência técnica nas
propriedades.
Paralelo às atividades da cooperativa, também surge outras oportunidades aos
associados, como por exemplo, na produção de álcool combustível, uma vez que a
cooperativa tem a possibilidade de encabeçar uma proposta da região junto ao Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) para receber recursos para construção de uma
microdestilaria de álcool, a qual seriam agregadas outras famílias. Também esta sendo
viabilizado a construção de uma agroindústria com derivados alimentícios da cana-de-açúcar,
esta exclusivamente para os associados.
A Natuagro, portanto, é o grupo mais avançado na articulação econômica de
agricultores feirantes, pois além de manter um ponto de comercialização com excelente
90
procura, ainda é um espaço de visibilidade para outros projetos e para formação dos
agricultores. Mas tudo isto tem um custo, pois é um empreendimento de gestão complexa, que
exige envolvimento dos associados e gera expectativas na sociedade, as quais o grupo, de
maneira geral, sente que precisa atender. E também, todos visualizam o potencial econômico
que a Natuagro possui e que pode alavancar muito ainda a vida das famílias integrantes. Por
isso cada vez mais tem surgido à idéia de profissionalizar a gestão, porém, sem perder sua
finalidade e seus princípios.
4.5 Perfil e condições de Reprodução Social dos Agricultores Feirantes
A partir de entrevistas com os agricultores que compõem os grupos de feirantes
analisados, podem-se descrever algumas características gerais destes. Foram entrevistados 40
agricultores, nas quatro feiras estudas. Cada um deles responde por uma família, sendo que
em alguns casos, existe mais de um associado por família junto às feiras, como ocorre
geralmente com os membros da Aprofeira. Em alguns casos, uma mesma família participa de
mais de uma feira. Considerou-se a alocação das famílias na feira que julga mais relevante na
composição de sua renda. Desta forma, tem-se o quadro a seguir:
EES/Feira Entrevistas
APROFEIRA 20
Feira do Ginásio do ASSIS BRASIL 9
NATUAGRO 8
Feira da PENA 3
Total geral 40
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Entre os entrevistados, três que estão em outras feiras participam na Natuagro e um
participa da Aprofeira. As entrevistas abrangiram cerca de 50% dos associados da Aprofeira,
mas representaram a maioria dos stands, tanto na feira aos sábados como nos demais dias da
semana. Na Feira do Ginásio do Assis Brasil e dos feirantes da Penha abrange a totalidade dos
associados. Na Natuagro, as entrevistas ocorreram em reuniões gerais do grupo.
No gráfico 01 é possível observar os principais pontos de concentração das unidades
de produção dos agricultores entrevistados:
91
Graf. 01 - Localização dos Agricultores entrevistados
0%
2%
4%
6%
8%
10%
12%
14%
16%
(
v
azi
o)
A
l
to da U
n
ião
Arr
oi
o das
A
ntas
Bar
r
e
i
r
o
Chorão
Linha
2
Oeste
Linha 3
Leste
Linha 3 Oeste
Linha 4 Oeste
Linha 5 Oeste
Linha 6
L
este
Linha 7 Norte
Linha 8 Norte
Linha 9
O
este
Linha Base
Lin
ha
B
as
e S
ul
Par
a
do
r
Ri
nc
ão dos
P
ampa
s
Vil
a sa
ntana
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Observa-se no gráfico 01 que a maior concentração dá-se na localidade denominada
“Parador”, que encontra-se na microrregião três de nossa análise, ou seja, uma área de
pequenas propriedades, mas com “agricultura semi-capitalizada (em capitalização,
diversificada)”, sendo localizada bem próximo a sede do município. Outra grande
concentração é na vila Santana, um pouco mais afastada da zona urbana, mas integrante desta
microrregião.
Os agricultores do Alto da União estão na microrregião 02, caracterizada por ser
“agricultura pouco capitalizada (descapitalizada)”, embora deva-se notar que esta é uma área
de transição para a microrregião 01.
De modo geral, a maioria das unidades de produção dos agricultores feirantes estão
localizadas na microrregião 03, sendo que algumas estão na 02, mas geralmente próximas as
sedes dos distritos, pois a ligação viária e mesmo a proximidade com o município é essencial
para a atividade, tendo em vista que os meios de transportes, que não recebem financiamentos
específicos para agricultores, costumam ser precários.
Em geral, estes agricultores atuam em áreas pequenas, resultado de divisões das
antigas colônias entre membros da família, sendo que alguns estão nas áreas desde a primeira
geração. São, portanto, agricultores que conseguiram resistir ao êxodo rural do ultimo quarto
do século XX. No gráfico 02 pode-se visualizar os estratos de áreas em que maiores
concentrações de agricultores feirantes entrevistados:
92
Graf. 02 - Tamanho das áreas dos entrevistados
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
0
a
5
ha
6
a
1
0
ha
1
1 a
15
h
a
1
6 a 20 ha
21 a 25 h
a
2
6
a
3
0 h
a
3
1
a
35
h
a
3
6 a
40
h
a
4
1 a
45 ha
46 a 50 h
a
ma
is d
e 5
0
h
a
N
de
clar
a
do
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Observa-se que a grande concentração de agricultores feirantes esta em propriedades
de até 20 há. Um percentual considerável possui menos de 5 ha de área. Com raras exceções,
de agricultores acima de 20 ha, pode-se dizer que os feirantes de Ijuí não têm condições de
produzem commodities apenas, por estas requererem escala, de maneira que a principal
alternativa é a diversificação e comercialização direta.
Nas entrevistas, levantou-se quais eram as principais atividades agrícolas
desenvolvidas em nível de unidade de produção, a partir da contribuição no produto bruto das
mesmas.
De acordo com os agricultores entrevistados, foi possível estabelecer estas
atividades, a partir das opiniões dos agricultores. O gráfico três apresenta os resultados:
93
Graf. 03 - Principais atividades dos entrevistados
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
Soja/Milho
Hortig
r
an
j
eiros
P
r
o
du
to
s Coloniais
Leite
So
j
a
/
tr
i
g
o
M
u
da
s F
r
ut
ife
ra
s
F
ra
n
go
/O
vos
Atividades
%
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Observa-se que para 30% dos entrevistados, o sistema de produção de grãos,
baseado na soja e no milho representa ainda a principal atividade nas unidades de produção.
No entanto, o sistema soja e trigo, pilar da mecanização, permanece como atividade central
para apenas 8% dos entrevistados. Os demais agricultores entrevistados apresentam como
suas atividades centrais aqueles produtos que comercializam nas feiras, como
hortifrutigranjeiros, produtos coloniais ou frangos e ovos. O leite, comercializado in natura
nas feiras ou para empresas que fazem o processamento, também é uma atividade relevante
nos grupos.
Importante observar-se que na categoria “produtos coloniais” esta um leque muito
variado de derivados de leite, carne, panificações, entre outros produtos, que seguem modos
de confecção tradicionais, realizadas a várias gerações pelas famílias, ou então produtos
com características menos coloniais e típicas de empresas do ramo da panificação.
Além destas atividades principais, buscou-se estabelecer as atividades consideradas
secundárias pelos feirantes, que seguem a seguir:
94
Graf.: 04 - Atividades Secunrias dos entrevistados
0%
5%
10%
15%
20%
25%
Hortigranjeiros
L
e
ite
Pr
od
u
t
os Colo
n
iais
So
j
a
/M
ilh
o
Fruticu
lt
ura
Cereais
Mil
h
o
Me
l
M
ud
a
s
fr
u
ti
f
er
a
s
Pe
i
xe
Soja/Mi
l
ho/trigo
Soja/Tr
i
go
D
eriva
d
os de Can
a
F
r
a
ng
os
/o
v
o
s
Atividades
%
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Os dados das entrevistas demonstram que a produção de hortigranjeiros, leite e
produtos coloniais esta presente nas atividades destes agricultores de forma significativa,
sendo que a soja e grãos em geral também continuam se fazendo presente. No entanto, a
produção de milho para a maior parte destes agricultores é apenas para abastecer a própria
unidade de produção, sendo poucos os que efetivamente comercializam este grão.
Dos 40 agricultores feirantes entrevistados, a soja esta presente em 27 unidades de
produção, o que demonstra que mesmo sendo pequenos produtores, a grande maioria
mantém-se vinculada, ao menos em parte, com o produto agrícola mais importante na região.
Para muitos, a participação nas feiras é uma renda alternativa, que aos poucos vai ganhando
importância na renda agrícola. Para outros, é uma atividade tradicional, que apesar da cultura
da soja, nunca deixou de ser relevante e mesmo principal.
A partir desta descrição geral dos agricultores feirantes, realizaram-se entrevistas
diretamente nas unidades de produção de cinco agricultores feirantes, buscando-se contemplar
uma diversidade entre os tamanhos de áreas, localização, membros da família e trabalhadores
contratados. O objetivo era analisar as condições de reprodução social destes, observando
como se combina sua inserção nas feiras com suas atividades agrícolas. A seguir segue a
descrição dos resultados da análise dos cinco casos.
95
Caso 1
Agricultor familiar, de produção diversificada, com propriedade na linha 2 Oeste, com
48 ha, sendo 30 ha de Superfície Agrícola Útil (SAU). Possuí quatro unidades de trabalho
familiar (UTF) e duas Unidades de Trabalho Contratadas (UTC).
a) Produção Bruta - PB
Entende-se por produção bruta o total de produtos comercializados pela unidade de
produção durante um período, em geral, 12 meses. Para obterem-se os dados financeiros,
considera-se preços de mercado multiplicadas pelas quantidades, que são levantadas com base
na produção normal, ou em termos estatísticos, a “moda”, a freqüência que mais ocorre. Isto
difere do conceito de média de produção, que incorpora todos os dados de um período, que
sofrem influências do clima e de outras variáveis.
No primeiro caso analisado, podemos observar o seguinte produto bruto:
Resumo Produto Bruto Total
Derivados de Carne suína 139.692,80
Derivados de frango 12.776,40
Produtos apícolas 4.680,00
Derivados de Carne de gado 1.170,00
Derivados de Uva 96.000,00
Derivados de Cana 2.950,00
Hortifruti 20.025,00
Reflorestamento 26.000,00
Subsistência 5.628,40
Total 308.922,60
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria
Os principais produtos que são comercializados e que compõem este PB são: a)
Derivados de Carne suína - Salame, Presunto, Banha, Toresmo, Carne, Ossinho e Lingüiça; b)
Derivados de frango carne e ovos; c) Produtos Apícolas mel; d) derivados bovinos
carne; e) Derivados de uva - Vinho, Uva, Vinagre e Suco; f) derivados de cana - cachaça,
Melado e Açúcar mascavo; g) Hortifruti - Bergamota, Amendoin, Pipoca, Pepino e Mandioca;
h) reflorestamento lenha; i) subsistência - Carne frango, Carne porco, Carne gado, Ovos,
Leite, Mandioca, Feijão, Mel, Melado e Amendoin.
Esta relação não se esgota em si, pois o agricultor atua dentro do sistema
agroecológico, de maneira que a rotatividade de culturas é fundamental em seu processo
produtivo, o que sempre leva a uma renovação nos itens produzidos.
96
b) Consumo Intermediário - CI
O CI refere-se aos custos que incidem diretamente sobre a produção do Produto
Bruto. Consideram-se também preços de mercado e quantidades normais, excluindo-se as
variações positivas ou negativas fora da “moda”.
No caso analisado, obteve-se a seguinte composição de CI:
Resumo CI Total
Derivados de Carne suína 9.700,08
Derivados de frango 6.758,04
Produtos apícolas 86
Derivados de Carne de gado 1160,68
Derivados de Uva 41.740,00
Derivados de Cana -
Hortifruti 119,50
Reflorestamento 1.920,00
Subsistência 1.396,20
Total 62.880,50
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
O consumo intermediário do agricultor é relativamente baixo, primeiramente porque
praticamente não são utilizados insumos de fora da propriedade. Basicamente compõem este
consumo adubos, combustíveis, sementes, embalagens, unidades para criação e engorda e
uvas (uma vez que a produção própria destas é insuficiente). Outro insumo muito utilizado, o
milho, é integralmente produzido na propriedade, com semente própria.
c) Depreciações
A existência de área agrícola, insumos e trabalho não bastam ainda para o
desenvolvimento da atividade agrícola. São necessários estruturas e equipamentos, voltados
para o sistema produtivo desenvolvido por cada unidade de produção.
Estas estruturas e equipamentos requerem um investimento inicial, mas ao longo do
tempo e principalmente, da utilização, estas vão diminuindo sua capacidade produtiva,
perdendo valor de uso e de troca. Em outras palavras, são depreciadas.
Existem mais do que uma forma de calcular a depreciação, sendo que para fins deste
estudo utilizou-se uma que considera um valor residual no bem depreciado, sendo que o valor
anual da depreciação é o valor de mercado do bem, descontado o valor residual e dividido
pelo tempo médio de utilização do bem.
No caso analisado, obtiveram-se os seguintes resultados das depreciações das
instalações e equipamentos:
97
Depreciação das instalações
Item Tamanho m² Valor do m² Valor Duração Total
Pocilga 90 150 13.500,00 30 405,00
Galpão Propriedade 48 150 7.200,00 30 216,00
Mangueira 15000 1 15.000,00 20 675,00
Galinheiro 1 32 150 4.800,00 30 144,00
Piquetes 5000 0,9 4.500,00 20 202,50
Galinheiro 2 15 150 2.250,00 30 67,50
Galpão Colonial 48 150 7.200,00 30 216,00
Galpão Depósito 96 150 14.400,00 30 432,00
Total 2.358,00
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Depreciação dos equipamentos e maquinários
Item Valor Duração Total
Semeadeira manual 300 20 12,00
Arado de boi 500 30 13,33
Espalhador 3000 20 120,00
Trator 10000 20 400,00
Semeadeira 6000 20 240,00
Triturador 3000 20 120,00
Pipas 11200 10 896,00
Moenda de Uva 1500 30 40,00
Moenda de cana 2000 20 80,00
Embutidor 400 10 32,00
Carroça 2000 20 80,00
Moedor de carne 1200 15 64,00
Total 2.097,33
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
d) Valor Agregado Bruto (VAB) e Valor Agregado Líquido (VAL)
A partir do levantamento do PB, do CI e das depreciações, é possível estabelecer
qual é a nova riqueza que esta unidade de produção criou dentro do período analisado. Como
se analisa a partir de cada subsistema de produção, é possível demonstrar a contribuição de
cada uma, que no caso analisado segue a seguir:
Atividade Área PB CI VAB VAB/ha
Derivados de Carne suína 7,50 139.692,80 9.700,08
129.992,72
17.332,36
Derivados de frango 3,30 12.776,40 6.758,04
6.018,36
1.823,75
Produtos apícolas 0,50 4.680,00 86
4.594,00
9.188,00
Derivados de Carne de gado 6,00 1.170,00 1.160,68
9,32
1,55
Derivados de Uva 0,80 96.000,00 41.740,00
54.260,00
67.825,00
Derivados de Cana 2,00 2.950,00 -
2.950,00
1.475,00
Hortifruti 1,50 20.025,00 119,5
19.905,50
13.270,33
Reflorestamento 8,00 26.000,00 1.920,00
24.080,00
3.010,00
Subsistência 1,00 5.628,40 1.396,20
4.232,20
4.232,20
Total 30,60 308.922,60 62.880,50
246.042,10
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
98
Com base nesta tabela, é possível observar que as atividades mais representativas em
termos de VAB são os derivados de carne suína (53%), derivados de uva (22%) e
Reflorestamento (10%). Em termos de rendimento por área, prevalece os derivados de uva,
seguido por derivados de suínos e hortifrutigranjeiros. Por fim, os derivados de cana-de-
açúcar têm uma pequena contribuição no VAB total e por área e os derivados de carne bovina
tem participação insignificante no processo.
Considerando-se que este VAB de R$ 246.042,10 foi produzido pela combinação de
fatores de produção como terra, trabalho e capital, sendo que estes últimos traduzem-se nas
instalações e equipamentos, é necessário descontar da riqueza gerada o valor das
depreciações. Desta forma, temos a seguinte situação:
VAB Depreciações VAL
246.042,10 4.455,33 241.586,77
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
O VAL é efetivamente o valor novo criado no processo produtivo, que será
distribuído na remuneração de outros proprietários de fatores de produção que contribuíram
no processo produtivo ou de realização da produção.
e) Distribuição do Valor Agregado (DVA) e Renda Agrícola (RA)
A distribuição do valor Agregado decorre do fato que além do produtor agrícola,
outros proprietários contribuíram no processo produtivo ou de comercialização. De forma
clássica, pode-se entender que são remunerados o capital (no caso, capitais de terceiros, como
juros bancários, serviços de colheitas ou outros prestados por terceiros), a terra (no caso de
áreas arrendadas) e o trabalho (de pessoas contratadas para trabalhar na propriedade). Além
destes três, pode-se incorporar o Estado, tanto pela visão da obrigatoriedade dos Impostos ou
pela noção de um pagamento “imposto” como contrapartida dos serviços públicos prestados.
No caso analisado, na categoria de outros proprietários teremos presente à figura da
cooperativa, que responde por parte significativa da comercialização, o que demanda uma
remuneração especifica para a cooperativa, que seria uma comissão” pela comercialização
dos produtos.
99
Desta forma, o DVA do caso analisado dá-se da seguinte forma:
Distribuição do Valor Agregado (DVA)
Itens Unidade Valor
Impostos gerais R$ 500,00
Natuagro 13% vendas na Natuagro 10.140,00
Funrural 2,30% da venda no bloco 1.560,78
U.T.C 26 Salários Mínimos Nacionais
10.790,00
Total 22.990,78
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Descontando-se o DVA do VAL, o valor restante é o que remunera o agricultor, é a
Renda Agrícola. É com base neste valor que será possível analisar a capacidade de reprodução
das condições de vida dos agricultores analisados. No caso especifico, temos a seguinte
situação:
VAL DVA RA
241.586,77 22.990,78 218.595,99
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
f) Remuneração do Trabalho e modelização
Considerando-se o VAL gerado nesta atividade e o número de Unidades de Trabalho
(UT), tanto familiar como contratadas, pode-se obter a margem de contribuição de cada UT
na formação deste valor. No caso analisado, como são seis UTs, pode-se dizer que cada uma
criou ao longo do período R$ 40.264,46, ou seja, este valor representa a produtividade do
trabalho alcançada com este sistema de produção.
E considerando-se a Renda Agrícola e o número de UTF, pode-se obter a
participação de cada UTF na apropriação da renda. No caso analisado, são quatro UTFs, de
maneira que cada uma pode apropriar-se R$ 54.649,00.
Para determinar se efetivamente Renda Agrícola permite a Reprodução Social de
suas UTFs, é necessário comparar esta renda ao Nível de Reprodução Social (NRS). Este
NRS é a renda mínima que uma pessoa necessita para suprir suas necessidades elementares de
alimentação, vestuário, moradia, laser, entre outros, no local onde vive, ou é o custo de
oportunidade de seu trabalho.
Com base neste conceito de NRS e de RA, pode-se realizar uma modelização,
visando analisar não apenas se a RA é superior ao NRS, mas em que condições ocorrem esta
situação.
100
Desta forma, estabelece-se a equação Y = ax –b, onde:
Y = renda
a = Coeficiente angular, determinado pela equação (PB CI - Dep. Proporcional - DVA
proporcional) / SAU
x = Relação de SAU / UTF
b = Representa os custos fixos de uma unidade de produção, expresso na equação (Dep. não
prop. + DVA não prop.)/UTF
As depreciações e DVA proporcionais são aquelas que variam de acordo com a
intensidade da produção e as Não Proporcionais são aquelas que independem do volume
produzido, são constantes.
Quanto ao NRS, o valor do mesmo pode ser arbitrado, se considerar que no Brasil
existe uma legislação, que consta na Consolidação das Leis Trabalhistas, que determina a
existência de um Salário Mínimo Nacional (SMN) que deve atender todas as necessidades
consideradas no NRS. Portanto, estipula-se que o NRS
31
equivale a 13 SMN (12 meses
acrescidos de um 13° salário). No período em que foram realizados os cálculos estava em
vigor o valor de R$ 415,00 para o SMN, de maneira que 13 SMN equivalem as R$ 5.395,00.
No gráfico 05 pode-se observar o resultado da modelização para o caso 1:
Graf. 05 - Remuneração do Trabalho Caso 1
(10.000,00)
-
10.000,00
20.000,00
30.000,00
40.000,00
50.000,00
60.000,00
0 2 4 6 8
SAU/UTF
RW
Y= ax - b
NRS
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Pode-se observar que com aproximadamente um hectare por trabalhador familiar (01
SAU/UTF) é possível atingir o NRS, sendo que a RA obtida pela Unidade de Produção ocorre
31
O Nível de Reprodução Social (NRS) leva em conta o custo de oportunidade do trabalho em determinada
região, determinado pelo mercado de trabalho ou de condições alternativas de obtenção de renda.
101
com 7,5 SAL/UTF. No caso 1, considerando-se os dados apresentados, pode-se observar que
esta é uma Unidade de Produção que consegue se reproduzir socialmente, apresentando
condições de manter-se na atividade agrícola e possivelmente de desenvolver mais seus
sistemas de produção, capitalizando-se e elevando a renda.
Caso 2
Agricultor familiar, de produção diversificada, com 12,5 ha, sendo 9 ha de SAU, na
qual atuam 5 UTF e nenhuma UTC. A Unidade de Produção localiza-se na linha do Parador.
a) Produção Bruta – PB
A tabela a seguir resume o Produto Bruto do caso 2:
Resumo Produto Bruto Total
Hortifrutigranjeiros 16.085,00
Fruticultura 1.290,00
Derivados de cana-de-açúcar 1.000,00
Derivados de leite 5.936,00
Subsistência 3.478,50
Total 27.789,50
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Compõem o Produto Bruto os seguintes itens: a) hortifrutigranjeiros - Alface,
Cenoura, Beterraba, Pimentão, Tomate, Amendoim, Pepino, Mandioca, Ovos, Cebola,
Repolho, Alho e Morango; b) Fruticultura - Uva, Laranja e Bergamota; c) derivados de cana-
de-açúcar melado; d) Derivados de leite - Leite, Nata e Quichimia; e) Subsistência - Leite,
Alface, Mandioca, Carne gado, Carne porco, Carne frango e Ovos
Esta relação de produtos sofre alterações à medida que outros produtos tornam-se mais
atrativos ou mesmo para promover a rotação de culturas, pois a produção também é
agroecológica.
b) Consumo Intermediário – CI
No caso 2 tem-se a seguinte estrutura de consumo intermediário:
Resumo CI Total
Hortigranjeiros 2.028,90
Fruticultura 208,00
Derivados de Cana-de-açucar 162
Derivados de leite 3.323,00
Subsistência 1.138,50
Total 6.860,40
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
102
O consumo intermediário da propriedade incorpora principalmente os insumos para
a produção de leite e seus derivados e os hortifrutigranjeiros, que são as principais atividades
em termos de Produto Bruto desenvolvidas na unidade de produção.
c) Depreciações
Em relação às depreciações, o quadro abaixo ilustra os dados referentes às
instalações/construções:
Depreciação das construções
Item Tamanho m² Valor do m² Valor Duração Total
Galpão I 40
150
6.000,00 30
180,00
Galpão II 40
150
6.000,00 30
180,00
Curral 120
150
18.000,00 20
810,00
Galinheiro 63
150
9.450,00 30
283,50
Pocilga 35
150
5.250,00 20
236,25
Total 1.689,75
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
A depreciação dos equipamentos e maquinários está no quadro a seguir:
Depreciação dos equipamentos e maquinários
Item Valor Duração Total
Trator 30000 20 1.200,00
Grade 1000 30 26,67
Trilhadeira 2000 20 80,00
Pé-de-pato 1000 30 26,67
Encanterador 5000 20 200,00
Plataforma 1000 30 26,67
Sombrite 2300 10 184,00
Bomba 7,5 cv 2500 15 133,33
Bomba 3,0 cv 500 20 20,00
Barras 3 polegadas 1500 20 60,00
Barras 2 polegadas 3000 20 120,00
Aspersor 600 15 32,00
Caixa 3000 litros 1000 20 40,00
Gotejamento 500 10 40,00
Taxo 200 20 8,00
Moenda 500 30 13,33
Caixas 150 5 24,00
Total 2.234,67
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
103
d) Valor Agregado Bruto (VAB) e Valor Agregado Líquido (VAL)
Em relação ao VAB do caso 2, tem-se o seguinte quadro:
Resultados Econômicos por atividade
Atividade Área
PB CI VAB VAB/ha
Hortigranjeiros 2 16.085,00
2.028,90
14.056,10
7.028,05
Fruticultura 0,50
1.290,00
208,00
1.082,00
2.164,00
Derivados de Cana
0,50
1.000,00
162
838,00
1.676,00
Derivados de leite 5,70
5.936,00
3.323,00
2.613,00
458,42
Subsistência 0,30
3.478,50
1.138,50
2.340,00
7.800,00
Total 9,0 27.789,50
6.860,40
20.929,10
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
É possível observar que a maior contribuição de VAB ocorre com os hortigranjeiros,
com 67% do VAB total. A segunda atividade mais importante são os derivados de leite, com
12%, seguido pela subsistência, com 11%. A atividade de derivados de leite esta apresentando
níveis de rendimento baixos.
Quando analisado o VAB por área, observam-se mudanças no nível de contribuição
das atividades. Primeiro, porque a subsistência apresenta maior VAB/ha, seguida pelos
hortigranjeiros em segundo e fruticultura em terceiro. Os derivados do leite apresentam a
menor contribuição por área.
Em relação ao VAL, tem-se o seguinte resultado:
VAB Depreciação VAL
20.929,10 3.924,42 17.004,68
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Em termos percentuais, pode-se observar que as depreciações representam 19% do
VAB ao passo o VAL representa 81%.
e) Distribuição do Valor Agregado (DVA) e Renda Agrícola (RA)
Em relação ao DVA do caso 2 tem-se a seguinte situação:
Distribuição do Valor Agregado (DVA)
Itens Unidade Valor
ITR Anual 10,00
Pronaf C 6000/8anos/3%a.a. 772,50
Investimento 6000/8anos/3%a.a. 772,50
Funrural 4% PB 255,66
Total 1.810,66
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
104
A partir deste calculo do DVA, pode-se obter a Renda Agrícola, a qual consta a seguir:
VAL DVA RA
17.004,68 1.810,66 15.194,02
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Este DVA representa 11% da VAL, sendo que a RA representa 89% da riqueza
liquida criada na Unidade de Produção. Em relação ao VAB esta representa 73% e 55% em
relação ao PB.
f) Remuneração do Trabalho e modelização
Em relação à criação de valor, cada UT foi responsável por R$ 3.400,94 do VAL,
expressando uma baixa produtividade do trabalho. Em relação a RA, cada UTF pode
apropriar-se de R$ 3.038,80. Modelizando os dados desta Unidade de Produção, pode-se obter
o seguinte gráfico:
Graf. 06 - Remuneração do Trabalho Caso 2
(2.000,00)
(1.000,00)
-
1.000,00
2.000,00
3.000,00
4.000,00
5.000,00
6.000,00
0 0,5 1 1,5
SAU/UTF
RW
Y= ax - b
NRS
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
O gráfico 06 demonstra que a situação do caso 2 não permite a reprodução social,
tendo em vista que a área de terra é pequena para a manutenção de todas as UTF, dentro do
atual sistema de produção desenvolvido pela Unidade de Produção.
A tendência deste caso é algumas UTFs abandonarem a atividade agrícola, buscando
outras rendas. Alternativamente seria possível buscar a agregação de valor por meio da
105
intensificação de algumas atividades, sobretudo nos hortifrutigranjeiros, além de melhorar a
produtividade dos derivados de leite.
Caso 3
No caso três tem-se uma unidade de produção agrícola familiar, localizada na linha
Santana, com produção diversificada, com 5 ha, sendo 4 de SAU. A produção é mantida por
1,5 UTF e 1,5 UTC.
a) Produção Bruta – PB
Em relação ao PB da Unidade de produção, tem-se o seguinte quadro:
Resumo Produto Bruto Total
Viveiro 56.775,00
Derivados de cana-de-açúcar 9.600,00
Derivados do Pomar 500,00
Subsistência 1.171,60
Total 68.046,60
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Compõem o produto bruto desta unidade de produção os seguintes itens: a) viveiros
- Mudas de parreira, Mudas de pessegueiros, Mudas de laranjeiras, Mudas de ameixeiras,
Mudas de pés de Pêra, Mudas de Figueira e Outras Mudas; b) derivados de cana-de-açúcar
melado; c) Derivados do pomar - Pêssego in natura e Uva in Natura; Subsistência - Mandioca,
Porco, Leite, Ovos, Queijo e Farinha.
O PB desta unidade de produção evidencia que a atividade mais importante deste
caso não esta voltada para a produção de alimentos para o mercado local, mas sim a produção
de um insumo muito importante na agricultura familiar, que são as mudas frutíferas,
demandadas pelos demais agricultores familiares na região.
um esforço da Unidade de Produção de diversificar suas atividades, visando
diminuir a dependência de apenas um produto. Como a área é extremamente pequena, não são
possíveis muitas alternativas, até mesmo porque são poucas UTFs igualmente.
b) Consumo Intermediário – CI
Em relação ao CI do caso 3, pode-se visualizar no quadro a seguir:
Resumo CI Total
Viveiro 15.417,10
Derivados de Cana-de-açúcar 4.841,00
Derivados do Pomar 578,50
Subsistência 1.021,40
Total 21.858,00
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
106
Os principais elementos que compõe o CI estão ligados às atividades do
viveiro/produção de mudas, como calcário, adubos, combustíveis, estruturas para enxertos,
entre outros. Os custos com derivados de cana-de-açúcar referem-se à despesa com lenhas,
potes, entre outros. O CI da subsistência refere-se basicamente a milho e rações para os
animais e no pomar são basicamente os tratos com produtos agroecológicos e embalagens
para conservas ou venda in natura.
c) Depreciações
Em relação às depreciações, o quadro abaixo ilustra os dados referentes às
instalações/construções:
Depreciação das construções/instalações
Item Tamanho m² Valor do m² Valor Duração Total
½ galpão 20
200
4.000,00 30
120,00
Estufa 10
335
3.350,00 6
502,50
Total 622,50
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
A depreciação dos equipamentos e maquinários está no quadro a seguir:
Depreciação dos equipamentos e maquinários
Item Valor Duração Total
Tobate 18000
8
1.800,00
Caminhão 25000
20
1.000,00
1/2 motosserra 60
9
5,33
1/2 roçadeira 400
9
35,56
Pulverizador 120
4
24,00
Utensílios Pomar 600
4
120,00
Canavial 650
4
130,00
Total 3.114,89
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Parte das instalações e equipamentos da Unidade de Produção foi adquirido em
sociedade com outra unidade de produção, de maneira que o rateio do montante a ser
depreciado foi distribuído proporcionalmente a responsabilidade da UP em analise.
d) Valor Agregado Bruto (VAB) e Valor Agregado Líquido (VAL)
No quadro a seguir, observa-se o VAB total e por atividade da Unidade de
Produção:
107
Resultados Econômicos por Atividade
Atividade Área
PB CI VAB VAB/ha
Viveiro 2,5 56.775,00
15.417,10 41.357,90 16.543,16
Derivados de Cana 0,50
9.600,00 4.841,00 4.759,00 9.518,00
Derivados do Pomar 0,50
500,00 578,50 (78,50) (157,00)
Subsistência 0,50
1.171,60 1.021,40 150,20 300,40
Total 68.046,60
21.858,00 46.188,60
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Observa-se que a dependência das atividades de viveiro é muito grande. Estas
apresentam a maior agregação de valor bruto e o maior rendimento por área. As atividades de
derivado de cana-de-açúcar são fontes de renda interessante para a unidade de produção. As
atividades de Pomar e mesmo a subsistência apresentam baixo (se não negativo) valor
agregado. A explicação disto é que, no caso da subsistência, a maior parte é relacionada à
carne e leite, sendo que os insumos para a criação são adquiridos fora da propriedade. No caso
do pomar, o mesmo contribui na subsistência da família, sendo que um pequeno excedente é
comercializado.
Em relação ao VAL, pode-se observar o desempenho do mesmo a seguir:
VAB Depreciações VAL
46.188,60 3.114,89 43.073,71
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Observa-se que o Valor Agregado Líquido representa 93% do VAB e 63% do PB.
e) Distribuição do Valor Agregado (DVA) e Renda Agrícola (RA)
O valor agregado é distribuído da seguinte forma:
Distribuição do Valor Agregado (DVA)
Itens Unidade Valor
ITR anual
50,00
Pronaf Investimento R$
1.902,86
Pronaf Custeio R$1200 x 2,75% a.a
1.233,00
Registro MMA anual
50,00
Credenciamento anual
100,00
Assistência técnica anual
1.037,50
UTC R$ 1.050 x 13 meses
13.650,00
Total 18.023,36
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Entre os fatores que são remunerados com o valor agregado gerado na propriedade,
observa-se que o mais significativo são as UTCs, uma vez que não UTFs suficientes na
108
unidade de produção e a atividade de viveiros requer muita mão-de-obra em determinados
períodos do ano.
Com base neste DVA, pode-se estabelecer a Renda Agrícola da UP:
VAL DVA RA
43.073,71 18.023,36 25.050,36
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
A renda agrícola da unidade de produção representa 58% do VAL, 54% do VAB e
37% do Produto Bruto. Expresso de outra forma, pode-se dizer que a cada R$ 1,00 que a UP
fatura, R$ 0,37 são convertido em renda para as UTFs.
f) Remuneração do Trabalho e modelização
Em relação à criação de valor, cada UT foi responsável por R$ 14.357,90 do VAL.
Em relação a RA, cada UTF respondeu por R$ 16.700,24. Modelizando os dados desta
Unidade de Produção, pode-se obter o seguinte gráfico:
Graf. 08 - Remuneração do Trabalho Caso 3
(10.000,00)
(5.000,00)
-
5.000,00
10.000,00
15.000,00
20.000,00
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3
SAU/UTF
RW
Y= ax - b
NRS
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Pode-se visualizar no gráfico 08 que o caso 03 apresenta condições de reprodução
social, tendo em vista que com 1,3 de área útil é possível cada membro da UTF atingir o NRS,
no atual sistema de produção. O problema possivelmente é a dependência de uma atividade, o
que tem levado a unidade de produção a buscar uma maior diversificação.
109
Caso 4
Analisar-se-á a seguir as condições de reprodução social de uma unidade de
produção agrícola familiar, com características de minifúndio, com produção de leite e aves,
com uma superfície total e útil de 3 ha. Atuam nesta UP 1,5 UTF e nenhuma UTC. Localiza-
se na linha três oeste do município de Ijuí.
a) Produção Bruta – PB
Em relação ao PB da unidade de produção, pode-se analisar o quadro a seguir:
Resumo Produto Bruto Total
Leite 4.745,00
Avicultura 1.095,00
Subsistência 2.189,50
Total 8.029,50
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Em função da pequena área disponível, nos arredores da cidade, a principal atividade
agrícola desenvolvida por esta unidade de produção é a criação de vacas leiteiras e a criação
de aves poedeiras, sendo os principais produtos que compõem o PB leite e ovos.
Compõem a subsistência nesta UP Leite, Tomate, Alface, Mandioca, Carne gado, Carne
porco, Carne frango e Ovos.
Estes produtos que ora compõe apenas a subsistência foram atividades de
comercialização, mas devido à falta de UTFs, foram restringidas apenas para o consumo
familiar.
b) Consumo Intermediário – CI
O consumo intermediário do caso 4 pode ser observado a seguir:
Resumo CI Total
Leite 1.278,13
Avicultura 2.225,60
Subsistência 1.116,50
Total 4.620,23
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Compõe este consumo intermediário os insumos básicos para alimentação de gado
leiteiro e aves, como rações, sementes de milho, entre outros, além de mudas, sementes de
hortaliças e pintos.
110
c) Depreciações
A seguir, apresenta-se a composição das construções e instalações e os cálculos de
depreciação dos mesmos:
Depreciação das construções/instalações
Item Tamanho m² Valor do Valor Duração Total
Sala Ordenha 40
150
6.000,00
30 180,00
Sala Refeição 52,5
100
5.250,00
30 157,50
Galpão 120
100
12.000,00
20 540,00
Galpão II 70
100
7.000,00
30 210,00
Total
1.087,50
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Complementando as depreciações, apresentam-se no quadro a seguir os itens e
cálculos referentes a maquinário e equipamentos:
Depreciação dos equipamentos e maquinários
Item Valor Duração Total
Ordenhadeira 1500
10
120,00
Resfriador 500
10
40,00
Tufão 500
15
26,67
Bomba d`água 400
12
26,67
Tobata 4000
20
160,00
Total 373,33
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
d) Valor Agregado Bruto (VAB) e Valor Agregado Líquido (VAL)
Com os valores demonstrados de PB, CI e depreciações, pode-se apresentar o
VAB a seguir:
Resultados Econômicos por atividade
Atividade Área
PB CI VAB VAB/ha
Leite 2,2 4.745,00
1.278,13
3.466,88
1.575,85
Avicultura 0,1 1.095,00
2.225,60
(1.130,60)
(11.306,00)
Subsistência
0,70
2.189,50
1.116,50
1.073,00
1.532,86
Total 3,0 5.657,00
4.620,23
3.409,28
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
É possível observar-se que o VAB é pequeno na unidade de produção, sendo que a
atividade de avicultura esta gerando prejuízos. Em função da situação geral, o que justifica a
permanência na atividade agrícola é a produção leiteria e de subsistência, em termos de
agregação bruta de valor.
111
Compondo a analise a partir do VAL, pode-se obter o seguinte resultado:
VAB Depreciações VAL
1.036,78 1.460,83 1.948,44
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Apesar do prejuízo nos ovos, as UP esta obtendo um resultado positivo em termos
de valor agregado liquido, especialmente em função do leite.
e) Distribuição do Valor Agregado (DVA) e Renda Agrícola (RA)
Diante da situação exposta, o caso 4 praticamente não apresenta condições de
distribuir valores agregados, porém os agricultores, nesta situação, consideram apenas os
valores brutos, de maneira que sua situação se manifesta claramente ao longo de um certo
período de tempo, a medida que os bens de capital não são repostos.
O único item que consta no DVA é o pagamento da taxa anual do Imposto
Territorial Rural, ITR, que representa apenas R$ 10,00.
Em termos de Renda Agrícola, a situação é a seguinte:
VAL DVA RA
1.948,44 10,00 1.938,44
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Este valor de Renda Agrícola é a realidade da unidade de produção, porém em
termos de fluxo de caixa, o agricultor absorve como sua renda o montante do VAB, uma vez
que as depreciações ao um custo abstrato no dia-a-dia da atividade agrícola.
f) Remuneração do Trabalho e modelização
Frente a realidade da unidade de produção, pode-se dizer que cada UT responde por R$ -
1.298,96 do VAL e cada UTF por R$ 1.292,29 da renda gerada. Modelizando estes dados
obtém-se o seguinte gráfico:
112
Graf. 09 Remuneração do Trabalho Caso 04
(1.000,00)
-
1.000,00
2.000,00
3.000,00
4.000,00
5.000,00
6.000,00
0 0,5 1 1,5 2 2,5
SAU/UTF
RW
Y= ax - b
NRS
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
O gráfico 09 demonstra claramente que esta unidade de produção não apresenta
condições de reproduzir-se socialmente. A manutenção na unidade de produção justifica-se
pela obtenção de outras rendas (como aposentadorias) e pela não reposição dos demais fatores
de produção.
Evidentemente que se pode questionar porque não abandonar definitivamente a
atividade, no entanto o agricultor em questão vem buscando saídas para melhor o desempenho
de sua unidade de produção, o que o motiva a ser atuante em grupos de discussão do meio
agrícola.
Caso 5
No quinto caso analisado, tem-se uma unidade de produção familiar, com produção
de soja e demais produtos diversificados, com superfície total de 18,5 ha, sendo 16 de área útil
(SAU). Atuam quatro UTFs e nenhuma UTC.
113
a) Produção Bruta – PB
Em relação ao Produto bruto do caso 5, obteve-se o seguinte resultado:
Resumo Produto Bruto Total
Soja 12.950,00
Frango 10.500,00
Bolacha 4.480,00
Queijo 8.100,00
Feijão 630,00
Subsistência 3.483,00
Total 40.143,00
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Compõem este PB os valores da soja comercializado e as demais valores referentes a
comercialização junto as feiras de produtos com carne de frangos, bolachas, queijos e feijão,
além da produção de subsistência, na qual inserem-se carnes de gado, porco, aves, leite entre
outros.
b) Consumo Intermediário – CI
O Consumo Intermediário do caso 5 apresenta-se no quadro a seguir:
Resumo CI Total
Soja 7.658,50
Frango 6.276,80
Bolacha 1.842,40
Queijo 2.899,60
Feijão 50,00
Subsistência 1.500,00
Total 20.227,30
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Neste CI estão todos os produtos relacionados a cultura do soja, desde sementes até
os tratos culturais usuais, os custos relativos a cultura do milho, que é utilizado na ração de
aves, suínos e gado, os custos com farinhas e outros insumos típicos da panificação e os
custos na cultura do feijão.
c) Depreciações
De acordo com o modelo de analise adotado, apresenta-se a seguir as depreciações
das construções e instalações:
114
Depreciação das construções/instalações
Item Tamanho m² Valor do Valor Duração Total
Galpão 42 200,00 8.400,00 30 252,00
Galinheiro
18 335,00 6.030,00 15 361,80
Total 613,80
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Em relação às depreciações do maquinário e equipamentos, segue quadro a seguir:
Depreciação dos equipamentos e maquinários
Item Valor Duração Total
Trator 20000
20
800,00
Plantadeira 2000
20
80,00
Pousador 1500
10
120,00
Sovadeira 400
10
32,00
Total 1.032,00
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
d) Valor Agregado Bruto (VAB) e Valor Agregado Líquido (VAL)
A seguir apresenta-se o valor agregado bruto e VAB por área.
5.1 - Resultados Econômicos por atividade
Atividade Área PB CI VAB VAB/ha
Soja 13 12.950,00
7.658,50
5.291,50
407,04
Frango 1 10.500,00
6.276,80
4.223,20
4.223,20
Bolacha 0,1 4.480,00
1.842,40
2.637,60
26.376,00
Queijo 0,1 8.100,00
2.899,60
5.200,40
52.004,00
Feijão 1 630,00
50,00
580,00 580,00
Subsistência
0,80 3.483,00
1.500,00
1.983,00
2.478,75
Total 40.143,00
20.227,30
19.915,70
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Analisando-se o VAB do caso 5, pode-se ver que a atividade de produção de soja,
que ocupa 80% da SAU, responde por apenas 27% do VAB, apresentando o menor
rendimento por área. A atividade de produção de queijo, embora utilize uma área bem menor,
responde por 26% do VAB e os frangos por 21%. Ambos apresentam um rendimento muito
superior por área.
Em relação ao Valor Agregado liquido, obteve-se o seguinte resultado:
VAB Depreciações VAL
19.915,70 1.645,80 18.269,90
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Este Valor Agregado Líquido representa 92% do Valor Agregado Bruto e 46% do
Produto Bruto.
115
e) Distribuição do Valor Agregado (DVA) e Renda Agrícola (RA)
Em termos de Distribuição do Valor Agregado, o caso 5 limita-se apenas ao
pagamento de imposto territorial rural, ITR, no valor de R$ 50,00. Desta forma, a Renda
Agrícola (RA) nesta unidade de produção é de R$ 18.219,90.
f) Remuneração do Trabalho e modelização
No caso 5, cada uma das 04 UT foi responsável pela criação de riqueza estimada em
R$ 4.567,48, e cada UTF apropriou-se de R$ 4.554,98 como renda agrícola. A modelização
dos dados resultou no gráfico a seguir:
Graf. 10 - Remuneração do Trabalho caso 5
(1.000,00)
-
1.000,00
2.000,00
3.000,00
4.000,00
5.000,00
6.000,00
0 1 2 3 4 5
SAU/UTF
RW
Y= ax - b
NRS
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
O gráfico 10 demonstra que a unidade de produção que compõe o quinto caso
analisado não consegue atingir o nível de reprodução social adequadamente a todas as UTFs.
Como os resultados em termos de renda se aproximam do NRS, seria importante intensificar
alguma atividade que resulte em maior VAB/ha, o que poderia resultar na obtenção do
resultado satisfatório.
Uma conseqüência deste resultado poderá ser a diminuição de UTFs na unidade de
produção, devido à remuneração ficar aquém de um nível satisfatório.
116
Síntese dos casos
De maneira geral, estes cinco casos nos demonstram que os níveis de diferenciação
entre os agricultores feirantes são expressivos. Embora não se tenha buscado uma amostragem
estatística, a escolha de casos que pudessem refletir a diversidade de situações demonstra que
as dificuldades de reprodução social na agricultura familiar são inúmeras.
Mesmo assim, em praticamente todas as situações, os produtos picos de feiras,
como salames, queijos, bolachas, frangos, hortifrutigranjeiros, costumam apresentar
rendimentos superiores a R$ 5 mil reais por hectare, ao passo que atividades como a soja
apresentam rendimentos que ficam em torno de R$ 500,00 por hectare (LIMA et al, 2009).
Evidentemente que há sistemas de produção de feirantes com produtividade menos intensivas,
mas, em tese, é mais fácil buscar soluções técnicas para incrementar a produção destes,
elevando a produtividade por área e a renda familiar, do que torná-los mais intensivos em
produtos que dependem de escalas muito superiores e de insumos industriais.
E as feiras são o principal canal de escoamento desta produção, na medida em que os
agricultores se especializam no atendimento do público, se organizam para diminuir custos
fixos e podem, inclusive, buscar políticas públicas ou outras ações para terem maior
assistência técnica. No quadro a seguir, pode-se comparar o desempenho global dos casos
analisados:
QUADRO SINTESE Caso 1 Caso 2 Caso 3 Caso 4 Caso 5
Área utilizada (hectares) 30,0
7,0
4,0
3,0
16,0
Unidades Trabalho Contratado (UTC) 2,0
-
1,5
-
-
Unidades Trabalho Familiar (UTF) 4,0
5,0
1,5
1,5
4,0
Valor Agregado Bruto – VAB (R$) 246.042,00
20.929,00
43.488,00
3.409,00
19.915,00
Renda Total (R$) 54.649,00
15.194,00
22.350,00
1.938,00
18.219,00
Renda por UTF (R$) 13.662,00
3.038,00
14.900,00
1.292,00
4.554,00
Nível Reprodução Social – NRS (R$) 5.395,00
5.395,00
5.395,00
5.395,00
5.395,00
Fonte: Dados coletados com os agricultores, elaboração própria.
Apesar das disparidades é possível observar que, de maneira geral, os
empreendimentos de agricultores feirantes estudados possuem uma área de terras
aproveitáveis de tamanho reduzido e, mesmo assim, conseguem manter uma quantidade
elevada de unidades de trabalho de membros da família. Mesmo com muitos trabalhadores
envolvidos as atividades de feira proporcionam uma renda por trabalhador familiar que fica
bastante próximo do nível de reprodução social, fixado neste trabalho em um salário mínimo.
Embora parte da subsistência esteja considerada, não se pode desconsiderar que esta pode
representar valores mais elevados dada a diversidade de possibilidades alimentares
117
encontradas junto a estes agricultores, o que em parte também contribui para explicar porque
mesmo aqueles que não alcançam o NRS se mantenham na atividade. O desafio, no entanto, é
viabilizar esta atividade a médio e longo prazo, incorporando a nova geração representada
pelos filhos destes agricultores.
118
5. Os EES de catadores do município de Ijuí/RS
Assim como o processo de desenvolvimento do meio rural levou diversos
agricultores a abandonarem a atividade agrícola ou a região que seus pais haviam colonizado,
o processo de desenvolvimento urbano excluiu trabalhadores, sobretudo do meio fabril, que
somados aos deserdados da terra, contribuíram para formar grande população de
trabalhadores informais, ou “exercito de reserva” do capital, que vivem de atividades diversas,
sem estabilidade e direitos sociais.
Mas o fato destes não se enquadrarem nos padrões formais do trabalho assalariado,
de não possuírem capital, nem mesmo um “canto de lavoura”
32
, e de geralmente não terem
tido acesso nem aos conhecimentos da escola primaria de forma plena, isto não quer dizer que
estes trabalhadores estejam completamente excluídos dos processos produtivos e que sua
força de trabalho não seja explorada.
O caso mais nítido desta inserção é o setor da reciclagem, que opera a serviço de
grandes complexos industriais, mas a força de trabalho central são os catadores. Estes, apesar
de serem aparentemente livres de deveres (e de direitos), são elementos fortemente
dependentes das estruturas deste mercado, que opera com o resíduo do consumo e com o
resíduo da força de trabalho, que não encontra outro meio de ser explorada e dedica-se a esta
atividade.
Não se pretende menosprezar a importância da reciclagem, sobretudo para o meio-
ambiente, mas registrar que boa parte de uma das mais importantes ações ambientais de hoje,
a reciclagem, depende fundamentalmente da pobreza.
Como alternativa, existem as tentativas de organizar estes trabalhadores da
reciclagem, sendo que a seguir está demonstrado a caminhada da organização destes em Ijuí,
partindo de um perfil socioeconômico, analisando a relação com o Poder Público e por fim
debatendo as condições de reprodução social de um EES da reciclagem.
32
Canto de lavoura é a denominação dada por minifundiarios a suas pequenas áreas de terra que são, exatamente
isto, pequenos pedaços de terra entre lavouras, geralmente descontínuos.
119
5.1 O Perfil dos catadores em Ijuí
O município de Ijuí se construiu historicamente como uma referencia para a região,
especialmente em relação a seu mercado de trabalho e centro de consumo. O processo de
formação de novos municípios não reverteu esta tendência, de maneira que muitos
trabalhadores que migraram da agricultura em toda a região, vinham se estabelecer na cidade
de Ijuí.
Importante lembrar que até os anos 1980, o município possuía uma dinâmica
industrial importante, o que possibilitava absorver boa parte desta mão-de-obra que vinha para
a cidade.
Este processo de crescimento populacional foi se dando sob áreas no entorno da
região central do município, sendo que antigas “colônias” foram paulatinamente sendo
fracionadas e transformadas em terrenos urbanos.
Ocupadas as áreas mais centrais, foram se estabelecendo periferias, no entorno do
centro da cidade, sobretudo no lado norte do município. Nesta região, tanto em função de
ocupações irregulares nas proximidades da Ferrovia que por ali passa como pela oferta de
áreas públicas, desenvolveram-se dois grandes bairros de caráter popular. O Bairro Getulio
Vargas, cuja expansão mais significativa é fenômeno do séc. XXI, em função de ocupações
e projetos de habitações populares, e o bairro Luis Fogliatto, que cresceu desordenadamente e
sem equipamentos públicos e com vários estigmas sociais. Entre estes dois grandes bairros
existe o bairro Alvorada, que é o “em torno” da Ferrovia.
No sentido oeste do município existe uma das poucas “vilas”, que é conhecida como
“Pedreira”, por tratar-se de um conjunto de famílias que reside em uma vila, dentro do Bairro
Tomé de Souza, também um grande Bairro Popular. Ao lado desta vila fica uma antiga
pedreira, desativada e inundada, a qual se deve o apelido da vila. Mais próximo ao centro
do município, no sentido leste, existe um pequeno aglomerado, semelhante a uma vila, porém
denominado Bairro São Paulo, que exibe as mesmas características dos anteriores, a saber,
população de baixa renda, falta de equipamentos públicos, estigmas sociais, entre outros.
Com estas mesmas características, no lado norte do município também, na margem
leste do Arroio Moinho, encontram-se os bairros Tancredo Neves e Colonial, que são uma
continuidade social e geográfica do Luis Fogliatto, separados pelo arroio, por alguns
latifúndios urbanos e áreas de matas nativas ainda existentes.
120
No em torno da Ferrovia existe também o Bairro Osvaldo Aranha, no sul do
município, que possui uma concentração de casas paupérimas, formando uma pequena Vila,
onde também há uma relativa concentração de catadores.
Nestas regiões urbanas de Ijuí reside a grande maioria dos trabalhadores catadores.
Um número significativo deles também formou um aglomerado na linha 6 Leste, área rural do
município, onde encontra-se o deposito de lixo do município. A maioria destes catadores são
oriundos de uma das regiões citadas. E também uma pequena concentração de catadores
na conhecida “Faixa velha”, saída para o Parador, onde residem algumas famílias, que tanto
atuam como mão-de-obra para os pequenos agricultores da região, como catadores no meio
urbano. Embora esta seja uma área rural, está a menos de dois quilômetros da área urbana, na
região que outrora foi o caminho entre o município mãe, Cruz Alta, e a “Colônia Ijuhy”.
De todas estas regiões, optou-se por fazer um levantamento das tipologias dos
catadores no bairro Luis Fogliatto, por ser este o que reúne um grande número de catadores,
com alta concentração das residências dos mesmos (em Bairros como Getulio Vargas e
Colonial, os catadores se misturam em meio a outros trabalhadores informais, de maneira que
se torna mais difícil identificá-los na paisagem urbana).
E também, por ser este bairro um dos mais estigmatizados, região onde os terrenos
são acessíveis, pois não há uma grande oferta de áreas públicas, como os preços são baixos
devido à existência de um Presídio Estadual. Acrescenta-se que no senso comum, a presença
do presídio no município, inaugurado em 1998, representa a fonte de todos os problemas de
criminalidade, sendo o “em torno” deste presídio local aonde vem residir os parentes dos
apenados, oriundos tanto da região como de outros municípios do estado.
Quando se observa a ocupação urbana do Bairro Luis Fogliatto, pode-se visualizar
primeiro, que se trata de uma região bastante acidentada em termos de relevo, de forma que o
bairro se fez nas encostas oeste e sul de uma ladeira, que é cercada por partes altas. Nestas
regiões que foram ocupados primeiro, nos últimos 30 anos, pelo menos, desenvolveu-se com
relativa organização. Próximo à via que se denomina Rua Cassiano Ricardo, conhecida como
Perimetral Norte
33
, existem de longa data alguns estabelecimentos comerciais, como
pequenos mercados, é onde ficam as igrejas católicas e evangélicas, mais tradicionais, onde
esta a Sede da Associação de Moradores, cuja estrutura é utilizada apenas como capela
33
A Perimetral Norte é um eixo de ligação fundamental do município, pois se estende desde o inicio do Bairro
Luis Foliatto, no fim da zona urbana do município, até o acesso a Rodovia Estadual RS 155, que vai a região
Celeiro, na outra ponta do município. muitos anos cogitava-se o asfaltamento desta rua, para desviar todo o
transito pesado entre esta rodovia 155 e as saídas para a região Missões e ou Fronteira Noroeste, mas até agora
saiu apenas um calçamento, recentemente.
121
mortuária, o Posto de Saúde e a Escola Estadual Luis Fogliatto. O posto e a escola são as duas
grandes referências do local, ao menos para os moradores que vivem, pois para o restante
do município a referencia é o presídio.
No sentido oeste-leste, paralelo a Perimetral Norte, apenas três ruas que
abrangem todo o bairro, sendo os eixos centrais de ocupação. A Rua Décio Betineli, que passa
ao lado da Escola e em frente ao Posto de Saúde e da Associação dos Moradores, é onde esta
o setor mais capitalizado do Bairro, onde as residências são de melhor acabamento, em
alvenaria. Porém, no inicio da ladeira, o calçamento termina, e praticamente não mais
residências, apenas alguns terrenos desocupados e uma área de mato no em torno de um
córrego de água canalizado.
Na segunda via, Rua Tobias Barreto, que é a mais central das três, encontram-se o
setor mais típico do Bairro, com construções de alvenaria mais recentes, em geral construídas
aos poucos (os populares puxados), com maior irregularidade nos acabamentos. Esta via foi
calçada apenas no final de 2007. É a via que passa em frente ao Presídio. Porém, o presídio
esta no outro extremo do bairro, no lado leste, sendo que antes disto o calçamento termina e
só reinicia na frente do presídio.
A terceira via, denominada Humberto de Campos, é menor, vai apenas até um campo
de futebol. O calçamento é mais antigo nesta via, sobretudo porque uma escola infantil de
um projeto social no fim da rua, antes do campo. As casas são de madeira em boa parte,
porém são residências mais antigas. O fim desta rua liga-se por uma trilha particular com uma
rua lateral ao terreno do Presídio.
No ponto final das três ruas, considerando-se as irregularidades das mesmas, inicia-se
uma área aonde o calçamento não chegou, onde passa um córrego, que foi canalizado, onde as
casas são muito precárias, e ao lado de cada pátio costuma haver uma pilha de materiais
recicláveis preparados para serem comercializados. O único estabelecimento comercial que
existe nesta parte do bairro é um galpão de reciclagem, de uma compradora particular.
Nesta área que abrange cerca de seis quarteirões, todos formados por terrenos
pequenos, está concentrada uma grande quantidade de catadores, os quais foram
entrevistados, no sentido de buscar conhecer-se melhor a realidade destes.
Foram entrevistados em torno de 30 catadores, diretamente em suas residências.
Destas entrevistas, pode-se compreender que nem todos os trabalhadores da reciclagem
desenvolvem a atividade da mesma forma, com o mesmo grau de prioridade e nas mesmas
condições.
122
O traço comum a todos é que o trabalho com a reciclagem foi, em determinado
momento, a única alternativa encontrada para suprir uma necessidade de renda, que de outra
forma não seria possível.
Com base nas entrevistas, foi possível determinar uma tipologia dos catadores que
residem nesta região. Acredita-se que esta tipologia aplique-se a grande parte dos catadores
do município. Existem, de acordo com a analise, quatro tipos de catadores em atuação no
município:
a) Catadores de Atividade Principal, que são aqueles que dedicam tempo integral a
esta atividade (2 turnos diários aproximadamente), possuem equipamentos (carrinho
ou carroça própria), entregam cargas quinzenais ou mensais, ou seja, buscam escala,
tem rendas da reciclagem próxima ao salário mínimo, negociam com compradores que
oferecem melhores preços, buscando geralmente os maiores compradores da cidade.
Geralmente é uma atividade desenvolvida pelo “chefe
34
” da família. Este tipo de
catador tem maior conhecimento dos pontos de coleta onde encontra material nobre,
muitos até tem fornecimento exclusivo, como chaves de prédios, entre outros e tem
conhecimento sobre os tipos de materiais, realizando uma separação maior e
agregando maior valor as cargas. Muitos destes iniciaram a atividade por uma
necessidade extrema de renda, era sua última alternativa, porém, conseguiram
visualizar nesta uma boa oportunidade de melhorar de vida, e se reinseriram no
mercado como trabalhadores da reciclagem.
b) Catadores, Atividade Complementar, são aqueles que possuem algum membro da
família que recebe uma renda superior, muitos não possuem carrinho, dependem do
comprador, fazem vendas semanais, possuem maior dependência dos compradores,
priorizando fazer a entrega para aqueles que possuem maior relação (confiança,
amizade, adiantamentos quando necessário, proximidade), a remuneração oriunda da
atividade não passa de ½ Salário mínimo, sendo uma atividade desenvolvida por
outros membros da família que não o “chefe”. Aqui se incluem muitos adolescentes e
mesmo crianças, além de aposentados de baixa renda.
c) Catadores Eventuais: Possuem uma outra atividade salarial e ou renda,
eventualmente catam materiais, especialmente em seu local de trabalho (limpar pátios,
fazer faxina, etc), os quais vendem a compradores próximos, em pequenas
34
Historicamente chefe de família era o marido/homem. No sentido aqui dado, chefe de família é aquele que
representa a família externamente, que busca o sustento de todos, especialmente dos que não tem condições de o
fazer, e que no limite, administra o conjunto dos recursos familiares.
123
quantidades. Neste grupo encontram-se domésticas, trabalhadores de fabricas, garis,
entre outros.
d) Catadores Avançados, são os profissionais mais avançados deste setor, seja em
termos de reconhecimento profissional, de remuneração ou de inclusão em políticas
públicas locais. Pode-se subdividi-los em três grupos: Os primeiros são catadores que
conseguiram capitalizar-se o suficiente para comprar materiais de outros, os quais
juntam com o que eles mesmos recolhem, fechando cargas maiores. Os segundos desta
categoria são os assalariados que trabalham para atravessadores em tempo integral,
com ou sem Carteira de Trabalho assinada e por fim, os terceiros são os que trabalham
de forma associativa em uma das quatro associações existentes no município.
Apesar desta inserção diferenciada no mercado da reciclagem, todos eles configuram
partes da categoria “Catadores”, de maneira que socialmente vivem em condições
semelhantes e gozam do estigma de trabalhar com “lixo”, ou seja, de trabalhar com tudo
aquilo que a sociedade descarta que não quer mais. Além disto, a grande maioria destes
trabalhadores são oriundos do meio rural, diretamente, ou são filhos de pequenos agricultores.
Em grande parte são oriundos de municípios próximos, cujos territórios pertenciam a
“Colônia Ijuhy” ou estavam em sua área de influência. Poucos catadores foram profissionais
especializados em outras atividades. Suas experiências profissionais anteriores, quando não
do meio rural, limitam-se a ajudantes na construção civil, eventualmente pedreiros, mas de
caráter autônomo. O vel de instrução escolar também é baixo, não completando o ensino
primário. Por uma característica social da colonização na região, é possível encontrar muitos
sobrenomes de origem germânica e ou italiana, entre outros, além dos traços físicos
característicos dos descendentes de emigrantes europeus. Evidentemente que o perfil
dominante é do “brasileiro
35
”, pele morena, olhos escuros.
Como o objetivo deste trabalho é buscar analisar os EES do setor da reciclagem, este
trabalho dedicou-se em especial nos catadores avançados, que constituíram associações,
buscando entender o contexto em que estas se desenvolveram e qual a contribuição social
destas ao desenvolvimento local.
35
“Brasileiro” é o tratamento que os descendentes dos colonos mais antigos dão as pessoas que já habitavam este
território, especialmente de origem portuguesa e africana e eventualmente indígenas, embora estes sejam
pejorativamente chamados de “bugres”.
124
5.2 Projeto Amigos do Papel
A Prefeitura Municipal de Ijuí, por meio de uma empresa terceirizada, coleta cerca de
50 toneladas de lixo domestico por dia no município. Esta quantidade foi maior até a
primeira metade da cada de 2000, chegando a 60 toneladas. Todo o material recolhido, por
mais de 40 anos, é depositado em um aterro
36
, que fica a cerca de 10k da zona urbana, na
localidade denominada Linha 6 Leste.
Neste aterro, a cerca de duas décadas já, famílias de trabalhadores da reciclagem se
aglomeraram, para recolher em meio ao lixão todo tipo de material reciclável, que possa ser
comercializado. Fizeram isto, primeiro pela necessidade, mas também porque, a mais de 30
anos existe mercado para estes produtos em Ijuí. Exemplo disto é um atravessador que atua
neste ramo, que esta estabelecido a mais de 30 anos com galpões de reciclagem no Bairro
Assis Brasil, sendo um dos compradores mais antigos.
Os catadores, que tiravam sua sobrevivência no aterro, constituíam um grave problema
social. Em busca de alternativa para estas pessoas, na primeira metade da década de 1990, na
gestão 1993/1996, houve uma tentativa de organizar uma usina de triagem no aterro/lixão.
Foram adquiridos equipamentos, como uma prensa e os catadores foram estimulados e se
associarem na Cooperativa de Trabalho Informal de Ijuí, a Cootrail. Um funcionário da
prefeitura foi destacado para organizar os trabalhadores no local.
Esta experiência não evoluiu, por motivos diversos, entre eles a falta de autogestão,
uma vez que o negócio passou a ser controlado por terceiros, segundo relatam os catadores, e
devido à falta de manutenção dos equipamentos e principalmente pela incapacidade de
organizar efetivamente os trabalhadores/catadores. Deixou uma imagem negativa para estes
catadores da idéia de “cooperativa”. Porém, muitas famílias haviam se transferido para
morar nas imediações do lixão e permaneceram. Alguns, em função de desentendimentos
ou por necessidade de ficar na área urbana, com acesso a serviços públicos, como postos de
saúde e escolas, decidiram coletar os materiais recicláveis nas ruas da cidade.
Evidentemente que haviam outros catadores que faziam isto, mas o fracasso da
experiência no lixão impulsionou o deslocamento de muitos dos catadores
profissionalizados para a cidade.
36
Embora o nome seja aterro, é na verdade um lixão, onde não se faz mais o aterro do material. Este será feito
em definitivo, após o fechamento do lixão.
125
Gradativamente, estes trabalhadores foram se misturando à paisagem urbana do
município, se estruturando, com carrinhos, sendo que simultaneamente abria-se mercado para
novos produtos, os quais passaram a ser coletados e comercializados. Surgiram muitos
compradores/atravessadores, alguns filhos de antigos compradores, que continuaram com o
negócio da família, porém estabelecendo-se em regiões diferentes para não concorrem com os
pais ou irmãos.
Acrescenta-se a isto que no final dos anos 1990, a economia brasileira estava com
sérios problemas, o desemprego e estagnação econômica, somado à falta de políticas sociais
abrangentes e eficientes, levaram parte da população de baixa renda a buscar sua
sobrevivência na atividade de reciclagem. Neste período, em função da insustentabilidade da
política monetária, a moeda brasileira desvalorizou-se em relação ao Dollar, encarecendo os
custos de matérias-primas cotadas nesta moeda estrangeira, sobretudo a celulose, os derivados
do petróleo e os minérios, isto elevou a procura por matérias-primas mais baratas, o que
estimulou muito o mercado da reciclagem, que naquele momento contava com grande mão-
de-obra disponível, a baixa remuneração, e infinidade de materiais a serem simplesmente
recolhidos nas ruas ou nos lixões.
Pode-se acrescentar a este raciocínio, em menor medida, uma elevação da
preocupação ambiental, que estimulam o investimento das empresas em matérias-primas
oriundas da reciclagem. O governo, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social, BNDES, também ofertou linhas de créditos para a reiserção de material
reciclável na cadeia produtiva.
Desta forma, Ijuí (e todo Brasil, evidentemente) adentrou no século XXI com um
grande salto na cadeia da reciclagem. Rapidamente aquilo que poucos queriam começou a ser
disputado por muitos. O primeiro sintoma disto foram os bares, restaurantes e casas noturnas
que passaram a recolher as latinhas de refrigerantes ou cervejas, e vende-las diretamente para
os atravessadores. Algumas empresas e indústrias também adotaram estas políticas. Os
trabalhadores da empresa que recolhia o lixo também faziam uma coleta paralela, de materiais
com maior valor no mercado.
Nas ruas e no lixão, o número de catadores era grande, seja pela crise econômica em
si, seja pela renda oferecida na reciclagem. Rapidamente o material começou a escassear.
Sobretudo aquele de maior valor. Inúmeros incidentes começaram a ocorrer. Registros
policiais de brigas no lixão, de brigas de catadores nas ruas, confronto entre catadores e garis
do caminhão de coleta de lixo, tornaram-se cada vez mais freqüentes.
126
Além disto, os catadores ao passar nas ruas para recolher os materiais, eram obrigados
a abrir as sacolas plásticas, para retirar o material que lhes interessava. Isto despertou a irá da
opinião pública, sobretudo dos setores de classe média, que viam nos catadores os “sujadores”
da cidade
37
.
Frente a esta situação e combinado com novas políticas sociais a vel federal,
buscando valorizar os trabalhadores da reciclagem, a Prefeitura Municipal de Ijuí criou, junto
ao Gabinete da Primeira Dama, na Secretaria de Assistência Social, o projeto “Amigos do
Papel”. Este projeto visava reunir mensalmente os catadores, para discutir sua inserção na
sociedade, educá-los no sentido da limpeza pública e evitar que os catadores causassem
problemas as demais atividades urbanas relacionadas à coleta de lixo. Também se inseria em
uma política federal de Segurança Alimentar, de maneira que os catadores participantes do
projeto recebiam uma cesta de alimentos básicos
38
. Reunia uma população de mais de 150
famílias, socialmente fragilizadas, sendo que as mesmas, por meio deste projeto, tinham uma
relação direta com a Primeira Dama e com o Prefeito Municipal. Independente disto, o projeto
manteve a mesma estratégia e objetivos do seu inicio, em meados de 2003, até o final de
2008. Porém, diante de um conjunto de outras políticas sociais, como o Programa Bolsa
Família, perdeu importância relativa. E também porque o maior problema que o projeto
visava enfrentar, que era ensinar os catadores a “catar adequadamente”, foi relativamente bem
resolvido.
Embora os catadores do projeto não componham um EES e nem sejam classificados
como catadores do tipo avançado, o programa é representativo de todo o setor e o andamento
deste projeto será determinante no surgimento dos EES de catadores em Ijuí no período
seguinte, mesmo sem interromper ou mudar suas diretrizes básicas.
5.3 Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Ijuí – ACATA
Ao longo da existência do projeto Amigos do Papel, sobretudo no período pós-
eleitoral de 2004, ocorreram algumas reformulações, que levaram a retirada de alguns
beneficiários do projeto. E havia um grande número de novos catadores, não incluídos no
projeto, que se sentiam excluídos e mesmo perseguidos politicamente.
37
Importante registrar que se a população realizasse a separação do material reciclável do lixo orgânico, não
seria necessária a abertura das sacolas.
38
Não é a mesma cesta básica do IBGE, nesta vem apenas 5h de arroz, 5k de açúcar, 1k de feijão, 5k de farinha
de trigo e um pacote de massa, geralmente.
127
Além deste contexto, havia setores da sociedade buscando formas de organizar estes
trabalhadores, visando à defesa de seus direitos sociais, econômicos e políticos. Um militante
desta causa, um ex-gari, que em seu trabalho junto à empresa que recolhe o lixo em Ijuí,
conseguiu intermediar políticas de relacionamentos, como a proibição dos garis coletar
materiais e a busca por respeito ao trabalho dos catadores, era um importante liderança junto
aos catadores do Luis Fogliatto. O papel de liderança que o ex-gari exercia junto aos
catadores foi decisivo para este organizar um pequeno grupo e ir em busca de apoio para
constituir uma associação.
Por outro lado, havia em Ijuí um Fórum Regional de Economia Solidária que já
debatia a necessidade de organizar estes trabalhadores, sendo que a Incubadora de Economia
Solidária da Unijuí, que começou a operar com recursos da FINEP ao final de 2004, tinha em
uma de suas metas organizar uma associação de catadores.
A partir da reunião destes setores, em janeiro de 2005, começou-se a formatar a
proposta do que viria a ser em julho daquele ano a Associação de Catadores de Materiais
Recicláveis de Ijuí, ACATA.
Uma equipe de técnicos, professores e estudantes da Incubadora/Unijuí, bem como os
catadores liderados por Zacarias, além de outros EES, como a cooperativa Unicoos,
começaram a se mobilizar para realizar reuniões nos bairros com maior concentração de
catadores. Ocorreram várias reuniões em diversos bairros, umas que reuniam 30 pessoas,
outras apenas cinco pessoas. Em todas as reuniões discutiam-se as dificuldades vivenciadas
pelos catadores, criticava-se falta de uma política pública para o setor e concluía-se pela
necessidade de se fazer uma associação ou cooperativa tanto para dialogar com o Poder
Público como para atuar no mercado. Mas nas reuniões seguintes, novas pessoas apareciam e
dos anteriores poucos estavam e tinha-se que discutir tudo novamente.
Apesar destas dificuldades, em julho de 2005 foi possível fundar a associação e eleger
uma diretoria provisória e em setembro do mesmo ano ouve o registro do estatuto e eleição da
primeira diretoria, tendo o ex-gari, Zacarias Camargo Ribeiro como presidente.
O principal impulso da ACATA num primeiro momento foi a conquista de carrinhos,
por comodato, junto a uma empresa no município e um contrato de compra e venda com
preços mais vantajosos do que os praticados normalmente pelos pequenos atravessadores.
Portanto, o público que a ACATA reunia neste primeiro momento eram os catadores de tipo
de atividade complementar, com poucos equipamentos, pouco conhecimento do mercado, sem
trabalhar com escala e vendendo apenas nas imediações do bairro.
128
A Incubadora, além de apoiar nas questões técnicas, investiu bastante na busca de
parcerias para a associação, desde a Associação Comercial e Industrial do Município, até o
Poder Público Municipal. Em termos de mídia, a associação rapidamente tornou-se
conhecida, pois era uma tentativa de organização muito promissora. E na memória coletiva,
os catadores eram ainda os “sujadores de ruas”. Além disto, havia a polemica do Programa
Bolsa Família, no sentido de que vários setores sociais questionarem esta política, de maneira
que uma ação de geração de renda por parte dos próprios catadores foi bem vista tanto por
setores mais progressistas como conservadores no município.
O Poder Executivo naquele momento não teve a compreensão correta do que
representava a ACATA. Entendeu-a como mais um “projeto”, nos moldes do Amigos do
Papel. Com este entendimento, a posição oficial da prefeitura era de que os catadores não
poderiam estar em “dois projetos”. Na prática, os associados da ACATA não deveriam
receber a cesta alimentação do Amigos do Papel. Evidentemente que a falta de cooperação do
poder público causou inúmeras adversidades a associação, de maneira que catadores queriam
participar, desde que fosse em sigilo.
Esta situação com o executivo municipal mudou definitivamente em novembro de
2007, dentro de uma rediscussão completa do município sobre as questões do lixo urbano, que
tiveram implicações decisivas na organização de catadores.
Antes disto, porém, é importante registrar a segunda fase que a ACATA vivenciou. Na
sua primeira fase, os catadores, com seus carrinhos individuais ou com os da associação,
coletavam o material, armazenavam nas suas casas e no determinado dia, vendiam para a
empresa que a ACATA tinha contrato (formal ou tácito). O grupo se reunia mensalmente para
conversar, assessorado pela Incubadora/Unijuí. As reuniões costumavam ser na Escola
Estadual Luis Fogliatto. Nestas reuniões, além de se trabalhar aspectos de formação e
organização do grupo, se planejava e projetava o futuro.
Evidentemente que o cenário era difícil, nem sempre as vendas se concretizavam, os
carrinhos da associação tinham custos de manutenção, nem sempre os associados conseguiam
contribuir, entre outros problemas. O mercado da reciclagem costuma passar por altos e
baixos, sobretudo no verão há uma queda geral nos preços, devido à oferta maior de materiais.
Em meio a este cenário, um grupo se consolidou e levou a associação adiante, de maneira que
apesar de sempre haverem dificuldade internas, a associação ganhou um relativo destaque no
município.
129
No final de 2006, por meio da aprovação de um projeto junto Organização Não
Governamental AVESOL
39
, em Porto Alegre, o grupo conseguiu recursos para construir um
galpão, em um terreno cedido por um empresário local, no Bairro Luis Fogliatto. A partir do
estabelecimento de um galpão da própria associação, esta passa para uma nova fase, que se
definiu como segunda.
Nesta segunda a fase, o grupo passa a ocupar o galpão. Não é mais em casa que os
produtos devem ser depositados. Desta forma é possível a diretoria ter maior controle sobre as
quantidades de materiais e buscar melhores negócios. Porém isto exige um grau de
cooperação maior na associação. Antes, muitos sócios contribuíam quando queriam e
geralmente a contribuição era destinada diretamente à manutenção de um carrinho que o
mesmo usava. Agora a contribuição passa a ser retirada diretamente da venda dos produtos.
Surgem novas despesas, como energia elétrica, água. É necessário remunerar uma pessoa para
trabalhar no galpão, realizando a pesagem dos materiais depositados e os controles diversos.
Além disto, a ACATA muda seu posicionamento no mercado. Antes, embora gozasse
de excelente reputação na sociedade, economicamente não existia. Era pouco mais
significativa do que o Amigos do Papel e seus propósitos associativos não passavam de
discurso. Agora a associação tinha um galpão, tinha custos fixos, exigia fidelidade de seus
associados. Começa a receber materiais de outros catadores não associados, mediante
pagamento a vista. Ou seja, agora a ACATA existe também economicamente, não apenas
politicamente.
Esta mudança de localização exigiu dos associados uma nova postura, sendo que este
processo não é simples. Alguns atravessadores assumem postura mais hostil em relação ao
novo concorrente, ofertando preços melhor que os da associação. Por usa vez, a Associação
não consegue se capitalizar, uma vez que praticamente todos os recursos que ficavam em
caixa eram destinados às despesas. E o número de associados efetivos, que entregavam suas
cargas e recebiam semanalmente (os não associados recebiam a vista) não ultrapassava de 10.
Como se não bastasse o número diminuto de associados efetivos, a baixa escala
também se devia ao perfil, ou tipologia destes associados. Por não serem do tipo de catador
principal, mais profissionalizado, em sua grande maioria, poucos catadores traziam cargas
diárias para a associação.
39
AVESOL – Associação do Voluntariado para a Solidariedade
130
Esta segunda fase, que durou entre janeiro a novembro de 2007, foi um importante
período de organização da associação, onde houve troca de responsáveis
40
pelo galpão, vencia
o prazo da diretoria eleita em 2005, o que representou o afastamento do maior líder do grupo,
por motivos profissionais
41
.
A duras penas o grupo conseguiu estruturar um modus operandi, que embora fosse
pouco significativo no mercado da reciclagem, atendia satisfatoriamente o grupo de
associados e era um grande exemplo em matéria de educação ambiental. A todo o momento o
grupo recebia visitas ou eram convidados para dar palestras e contar sua experiência. A renda
média dos associados da ACATA não chegavam a R$ 100,00 mensais, equivalentes 30% do
salário mínimo da época. Baixa escala e falta de capital de giro eram os principais problemas
do grupo. O local de trabalho, embora não fosse adequado, atendia a pequena quantidade de
material, que girava em torno de 4 toneladas por mês, de produtos diversos.
Em relação ao mercado, a ACATA representava pouco mais do que uns três catadores
profissionais, de maneira que foi rapidamente incorporada por um comprador, que viu as
vantagens de negociar com o grupo devido à qualidade do material, que era bem selecionado
e organizado. Esta melhor qualidade do material, resultado do trabalho dedicado a isto tanto
pelo responsável oficial, o “pesador”, como pela cooperação do grupo que fazia “mutirões”
pra fechar as cargas, rendia-lhes preços pouco acima do que receberiam coletando e vendendo
isoladamente
42
.
Paralelo a esta evolução da associação, que se dava de forma lenta e dependendo de
apoios externos, para capitalização, especialmente em relação a equipamentos como
carrinhos, novas instalações, prensas, etc. Ijuí começava a se questionar sobre os rumos do
lixo no município. Esta discussão abre uma nova fase na ACATA, e também na trajetória dos
catadores no município.
5.4 Coleta Seletiva em Ijuí
O aterro de lixo de Ijuí estava irregular de acordo com as normas ambientais, tanto
em relação a sua localização como no manejo do material depositado. Desde 2005 havia
40
A Associação possui uma diretoria, composta a época de 6 membros, mas as principais funções reais no grupo
era a de Presidente, eletiva, a de caseiro, não remunerada, e a de “pesador”, que recebia uma pequena
remuneração. A proposta era que estas posições sempre fossem ocupadas por pessoas diferentes, mas em muitos
momentos uma mesma pessoa ocupou duas ou as três funções, centralizando poder.
41
Zacarias Camargo Ribeiro passou a residir e trabalhar em Santa Catarina.
42
Importante lembrar que estes catadores não eram do tipo principal, mas sim complementar. Certamente o
preço que recebiam equivalia a de um catador mais profissionalizado.
131
um Termo de Ajuste de Conduta entre a Promotoria Pública de Defesa Comunitária e o Poder
Executivo Municipal, no sentido de fechar o lixão e estabelecer de fato um aterro sanitário,
dentro das normas exigidas pela Fundação de Proteção ao Meio Ambiente, FEPAM, órgão do
Governo de Estado responsável por esta fiscalização.
Com o fim do prazo se aproximando sem que houvesse um encaminhamento
definitivo para o problema, a Promotora Pública de Defesa Comunitária convocou a sociedade
para uma audiência pública, para discutir a situação. Esta audiência, que ocorreu no dia 18 de
setembro de 2007, abriu toda a discussão da problemática do lixo em Ijuí, onde o aterro
sanitário era uma variável.
Diversos ambientalistas, articulados pela Associação Ijuiense de Proteção ao
Ambiente Natural, AIPAN, e outros setores da sociedade, reivindicaram uma política de
gestão de resíduos sólidos abrangente. Os catadores, integrantes da ACATA, que se fizeram
presentes nesta audiência, reivindicaram apoio para sua iniciativa.
Entre os encaminhamentos desta audiência, a Promotora estabeleceu que as
entidades presentes devessem apresentar proposições sobre a questão, determinou o imediato
fechamento do lixão e agendou uma nova audiência, para 18 de outubro, para avançar as
discussões.
Várias entidades apresentaram contribuições, sendo que a ACATA, por meio de seu
presidente, apresentou alguns itens e fez ponderações, em uma carta, dirigida à promotora.
Nesta carta, observa-se a busca por inserir os catadores no processo:
Quando se fala em coleta seletiva, fechamento do “lixão” (ou aterro sanitário, como
deveria ser), leva-se em conta os custos que terá o novo aterro, os custos de fazer a
coleta seletiva, etc. Precisamos que seja levado em conta também os custos da
atividade dos catadores (RIBEIRO, 2007, p. 02).
E o grupo de catadores ligado a ACATA tinha um entendimento sobre a importância
da coleta seletiva, uma vez que a mesma fazia parte de suas reivindicações desde as primeiras
reuniões em 2005. Neste sentido, Ribeiro afirma:
a) A coleta seletiva, em qualquer hipótese, favorece os catadores, por aumentar a
quantidade de pessoas que irão fazer a separação em casa, e pelo conhecimento que
os catadores terão sob onde e quando coletar;
b) Se esta coleta seletiva for organizada pensando nos catadores, será mais fácil
convencer a sociedade de contribuir nesse processo, não por meio da separação
dos materiais, como também evitando que pessoas com outras rendas venham a
vender para catadores e atravessadores o material que desejamos coletar;
c) O material coletado pela prestadora de serviços no município deve ser entregue
aos catadores, preferencialmente aqueles organizados
associativamente/cooperativamente ou alguma empresa pública que venha a ser
constituída com tal finalidade;
d)
Mesmo que o material seja entregue a empreendimentos de catadores, ainda
existiram catadores não associados e atravessadores atuando no mercado, sendo que
132
para os catadores deve-se respeitar sua autonomia e para os atravessadores, deve
haver regulações sobre sua atuação (RIBEIRO, 2007, p. 02).
A defesa de uma coleta seletiva, e da destinação adequada do resíduo orgânico, bem
como a inclusão dos catadores neste processo foram bandeiras amplamente defendidas pelos
participantes das audiências públicas, de maneira que a promotora decidiu-se a obrigar, por
meios legais, o poder executivo a implantar a coleta seletiva, além da regularização do lixão.
A ACATA, porém, não falava pelo conjunto de catadores do município. A proposta
da promotora, de estabelecer uma coleta seletiva, retirando os catadores das ruas, junto com a
idéia de fechar o lixão, retirando os catadores que atuam no lixão, assustou e mobilizou estes
trabalhadores, que viram seu modo de vida ameaçado. Os primeiros a se mobilizar foram os
catadores do lixão, que protestaram primeiro em frente à Prefeitura e posteriormente em
reuniões com a promotoria. Os catadores das ruas se mobilizaram, primeiro em uma reunião
do Amigos do Papel, onde definiram em conjunto com membros da equipe do projeto, uma
posição contrária a sua saída das ruas (e também contra a coleta seletiva feita por empresa).
Em meio a esta mobilização dos catadores, havia a prefeitura alegando a inviabilidade da
coleta seletiva no município
43
. E também os atravessadores, sobretudo os menores ou aqueles
estabelecidos no lixão, que viam seus negócios seriamente ameaçados, buscaram incentivar os
catadores que tinham relação, a protestar contra a coleta seletiva.
Por outro lado, a AIPAN, temerosa que a coleta seletiva não fosse bem sucedida se
começasse imediatamente, sem preparo da população, propunha que esta começasse
gradualmente, em alguns bairros do município.
Em meio a este embate entre diversos setores da comunidade, e frente a
impossibilidade concreta de fechar o lixão, tendo em vista que não havia outra área para
deposito deste no município ou mesmo fora, que atendesse as exigências ambientais, a
promotora negociou uma saída, ousada, que atendia parcialmente a todos, porém exigia de
todos adequações.
No novo termo de Ajuste de Conduta assinado entre Promotoria e Poder Executivo,
foram concedidos mais dois anos para fechamento total do atual lixão e criação de um aterro
sanitário no município. Isto resolvia o problema imediato da prefeitura e dos catadores do
lixão. Porém o prazo de dois anos foi fracionado em várias etapas, que se não cumpridas,
pode levar a suspensão do acordo, dando seqüência ao Processo Judicial. Além disto, o termo
estabeleceu a obrigatoriedade do município iniciar no mês de novembro, a coleta seletiva em
43
Na primeira audiência pública, o Prefeito Municipal desafiou um cidadão ijuiense presente a provar que fazia
separação de lixo na sua residência. Como boa parte da platéia era ambientalista, prova e exemplos não faltaram,
sendo que o publico ensaiou vaias ao gestor municipal.
133
todo o município. Isto atendia a demanda dos ambientalistas e catadores ligados a ACATA,
porém de forma mais radical, uma vez que não haveria implantação gradual, como propunha a
AIPAN.
Como o material da coleta seletiva deveria ser entregue para os catadores, estava
implícita a noção que todos os catadores deveriam sair das ruas e do lixão, e trabalhar de
forma associativa, processando o material da coleta seletiva.
Frente à impossibilidade de se questionar a decisão, cada setor tratou de se adequar
da melhor forma possível. A partir deste momento, a ACATA inicia sua terceira fase, surge a
Associação Amigos do Papel, ASSAPEL, e a Associação de Reciclagem Linha 6, ARL6.
Cada uma destas passou a receber o material da coleta seletiva, distribuído de forma
relativamente igual a todas.
5.5 Associação Amigos do Papel – ASSAPEL
Frente à decisão da promotoria de proibir a atuação de catadores nas ruas, a
Prefeitura Municipal se viu obrigada a buscar reorientar a forma de trabalhar os programas
sociais com este público. Isto não resultou mudanças no projeto Amigos do Papel, mas houve
a tentativa de organizar uma associação, a partir do projeto.
Cerca de 60 catadores, integrantes do Projeto Amigos do Papel, participaram das
primeiras discussões para fundar a Associação Amigos do Papel, ASSAPEL. Destes, 32
foram sócios fundadores. O grupo, orientado pela Prefeitura, formalizou a associação, elegeu
diretoria, alugou um galpão, contratou escritório de contabilidade e se organizou para receber
os materiais da coleta seletiva.
A coleta seletiva iniciou muito aquém do esperado pelo grupo da ASSAPEL e por
todos os setores da sociedade que desejavam a coleta seletiva. A empresa responsável
entregava um caminhão por semana, sendo que não se aproveitava mais de 30% do material, o
que equivalia em torno de 1 tonelada, cuja renda não poderia manter um grupo tão grande e
com custos fixos elevados.
Rapidamente o grupo se restringiu a poucos sócios, sendo que os mesmos foram
obrigados a abandonarem o galpão, em função de não poderem pagar o aluguel. Nesta
mudança, houve uma divisão entre os poucos membros que restavam, de maneira que o
presidente da associação se afastou e criou uma microempresa, denominada “Galera da
Reciclagem”, onde ele e outros catadores continuaram processando material oriundo da coleta
134
seletiva. O tesoureiro e a secretaria geral da associação, que são da mesma família,
mantiveram a ASSAPEL, também recebendo os materiais oriundos da coleta seletiva.
Até janeiro de 2009 a associação continuava existindo formalmente, os dois
subgrupos continuam processando os materiais da coleta seletiva, e existem dividas em nome
da associação, referentes ao aluguel do galpão. Entre os catadores que participam do projeto
Amigos do Papel, existe um descrédito em relação à retomada da associação, embora o grupo
que manteve o nome de ASSAPEL afirme possuir catadores querendo associar-se. No
entanto, o maior problema dos dirigentes é que o ingresso de mais membros, para além de sua
família, significará uma redução na renda per capita, o que eles querem evitar neste momento.
A família que mantêm o grupo processa o material junto a sua residência, no Bairro
Colonial, sem equipamentos ou infra-estrutura. Como a rua não possui calçamento, muitas
vezes o caminhão da empresa que coleta o material não consegue levar a carga até o local.
Além de cerca de uma tonelada semanal da coleta seletiva, também recebe materiais de
catadores avulsos, mediante pagamento a vista, o que praticamente dobra o volume.
Diante do objetivo proposto ao grupo, de organizar os catadores do projeto Amigos
do Papel, evidentemente que a experiência não foi exitosa, mas os elementos que levaram ao
insucesso do grupo são importantes para serem analisados futuramente, visando corrigir-se
em novas tentativas. Além disto, objetivamente uma pequena parte dos associados, divididos
em dois subgrupos, mantém-se dentro da política pública da coleta seletiva e podem ser
embriões da retomada da associação.
5.6 Associação de Reciclagem Linha 6 – ARL6
Dentro do processo de organização da coleta seletiva, as famílias que atuam no
aterro/lixão do município foram as que se sentiram mais ameaçadas, tendo em vista que se a
coleta seletiva efetivamente funcionasse e se fosse constituído um aterro sanitário em outra
localização, estes trabalhadores objetivamente perderiam seu trabalho, devido à perda ao
acesso aos materiais. Na melhor das hipóteses, poderiam vir coletar nas ruas, mas isto também
estava ameaçado.
Devido a estes fatores, os trabalhadores da reciclagem que atuavam no lixão,
juntamente com um comprador estabelecido no local, se organizaram, pressionando a
Prefeitura e a Promotoria, no sentido de evitar as mudanças propostas (contra a coleta
seletiva, contra o fim do lixão). A pressão não teve o resultado esperado, mas foi importante
no sentido de prorrogar o prazo para adequação do aterro sanitário do município.
135
O grupo, no entanto, foi desafiado a se organizar em forma de associação. Como
existia, informalmente, uma organização, articulada em torno do comprador estabelecido no
local e de seus familiares, estes e mais alguns catadores constituíram a Associação de
Reciclagem Linha 6, ARL6.
Devido a experiência no mercado, um maior nível de capitalização (o grupo possui 2
prensas) e ao grande volume que processa (cerca de 40 toneladas por mês), este grupo possui
maiores rendas, de maneira que o material da coleta seletiva é uma ínfima parte do negócio.
Evidentemente que o maior volume processado vem diretamente do lixão, comprado junto aos
catadores que lá atuam. O grupo, eventualmente também compra de catadores na cidade.
Não foi possível, no decorrer da pesquisa, apurar informações precisas deste grupo,
tendo em vista que o presidente e outros membros a diretoria não tiveram tempo para
entrevistas, apenas apresentaram as informações aqui expostas, de maneira dispersa. Parte das
informações também foram colidas diretamente nas audiências públicas realizadas, a qual o
pesquisador pode presenciar.
Mas é possível evidenciar que este grupo, por ter uma organização anterior, por
ter maior conhecimento do mercado (o grupo realiza vendas diretamente para uma empresa
em Soledade/RS) e um bom nível de capitalização, consegue atingir rendas bem superiores
(estima-se que em torno de 2 salários mínimos em média). Evidentemente que contribui
decisivamente para isto a existência de cerca de 80 a 100 catadores avulsos negociando
diretamente com o grupo, o que permite a escala.
Sem dúvida, em termos econômicos, é o grupo mais estruturado e preparado para
atuar no mercado de reciclagem, embora tenha sua viabilidade ligada diretamente a
permanência próxima ao lixão e a mão-de-obra dos demais catadores não associados que lá
atuam.
5.7 ACATA pós Coleta Seletiva
A Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Ijuí, ACATA, surgida em
2005 e que desempenhou papel propositivo no sentido de buscar a melhoria das condições de
trabalho e renda dos catadores durante as discussões sobre a implantação de uma coleta
seletiva no município, em 2007, foi o modelo no qual se apoiou a proposta de entregar o
material coletado para os catadores.
136
A conquista da ACATA naquele momento não se traduziu efetivamente nas melhorias
que o grupo esperava. O primeiro problema foi que do material entregue nas primeiras
semanas, não se aproveitava mais de 30% do material, sendo o restante rejeito. Os associados,
até então acostumados a coletarem nas ruas diretamente apenas o material com valor
comercial, dentro dos horários que julgavam adequado, tiveram que adaptar-se aos horários
da empresa que faz a coleta, que entregava as cargas durante a madrugada, sendo necessário
uma equipe de associados para descarregar o material.
Outro problema surgido foi o volume de rejeitos, que tornaram-se atratores de vetores
de doenças (insetos, ratos, etc), sendo que a estrutura da associação não apresentava
condições adequadas de acondicionamento do material. Esta situação causou
desentendimentos com os visinhos e entre os próprios associados, tendo em vista que poucos
queriam trabalhar com este material. Importante lembrar que a coleta seletiva iniciou no mês
de novembro de 2007, período em que tradicionalmente ocorre queda nos preços dos produtos
de materiais recicláveis.
Um fator interno também ajudou a desestabilizar o grupo, pois houve eleições, sendo
que o presidente até então e principal liderança, Zacarias Ribeiro, afastou-se da associação,
indo residir em Santa Catarina. As dificuldades oriundas da coleta seletiva, o problema de
preços (lembrando que este era o primeiro ano que o grupo efetivamente comercializava
conjuntamente) ampliaram diversos focos de tensão e disputas no grupo, ao qual o novo
presidente não teve condições de enfrentar. Um pequeno grupo restou na associação, com
cerca de cinco membros, sendo destes apenas um dos fundadores. Este grupo sofreu uma nova
redução em março, quando o novo presidente se licenciou e se afastou da associação,
juntamente com sua esposa, que era uma das catadoras de ruas.
Dos três membros que restaram, dois trabalhavam na coleta seletiva um catava nas
ruas. A maior dificuldade do grupo era escala, tendo em vista que pouco se aproveitava da
coleta seletiva e apenas um associado catava nas ruas e havia pouco capital de giro para
compra de catadores avulsos.
Apesar das dificuldades, alguns fatores contribuíram para que a partir de abril de 2008
a associação retomasse uma rota positiva. Uma delas foi o inicio das obras do novo galpão da
associação, com financiamento da Fundação Vonpar, dentro de um edital da Rede de Parceria
Social, da Secretaria Estadual de Justiça e Desenvolvimento Social, sendo que a FIDENE foi
a proponente do projeto. Embora o projeto tivesse sido elaborado e aprovado ainda no final de
2007, com a participação efetiva do grupo, foi apenas com o início das obras que realmente os
catadores ligados a ACATA acreditaram que teriam um novo galpão.
137
Além deste fator externo, internamente o grupo estava organizado e unido. Apesar da
baixa renda gerada, o trabalho estava sendo bem realizado, os problemas com a vizinhança
haviam sido contornados, o grupo tinha adquirido confiança de antigos associados, que
estavam novamente depositando materiais no galpão.
A partir de abril até o final de 2008, a associação passou por uma grande evolução,
que se traduziu na elevação dos numero de associados, chegando a 16, sendo que destes seis
atuavam diretamente no galpão. Em termos de rendas não houve melhorias efetivamente,
embora o faturamento tenha melhorado. Outra melhora significativa foi nas condições de
trabalho, uma vez que todo material passou a ser processado dentro do novo galpão, sendo
que os catadores ficaram abrigados das intempéries climáticas. Gradativamente o material da
coleta seletiva também foi melhorando, sendo que no final de 2008 cerca de 80% de uma
carga era aproveitável.
Do ponto de vista organizativo, o grupo reformou o estatuto, extinguindo alguns
cargos, como de “presidente”, criando a figura do “coordenador”, diminuiu o mandato para
um ano, foram nomeadas pessoas diferentes para exercer funções no galpão (como caseiro e
pesador), visando distribuir poder no grupo. Paralelo a isto, o grupo participou
constantemente de espaços de discussão, como Fórum da Agenda 21, encontros com outras
associações de catadores.
O ano de 2008, em geral, foi um ano de consolidação da associação, em termos de
processo de trabalho, de estruturação interna do grupo e uma nova inserção no mercado da
reciclagem. Algumas conclusões possíveis deste processo, é que a organização de catadores é
muito sensível as mudanças do ambiente e/ou contexto a que estão submetidos, respondendo
positivamente as melhorias de condições de trabalho e renda, mas com grandes dificuldades
de manter a organização quando o cenário é desfavorável. Parece uma conclusão evidente,
porém, demonstra a necessidade de uma profunda interação entre políticas públicas
ambientais, sociais, e econômicas, em todos os níveis de governo, favorecendo o tratamento
adequado dos resíduos sólidos, o reaproveitamento de materiais-primas recicláveis e
programas de transferência de rendas.
Por outro lado, a necessidade de metodologias apropriadas de trabalho coletivo, de
empoderamento destes trabalhadores, no sentido dos próprios sentirem-se sujeitos nos
processos. Se por um lado, a ACATA sempre apresentou em sua trajetória crises, foi à ação
decidida de alguns membros, que variaram nas diversas fases, que manteve o EES
funcionando, rumo a um patamar melhor.
138
Registra-se a ainda que toda esta trajetória deu-se em um contexto fortemente
desassistido de políticas setoriais, sobretudo em escala municipal, sendo que o grupo
basicamente reagia aos condicionantes do mercado da reciclagem.
5.8 Mercado local da reciclagem
Como referido anteriormente o mercado da reciclagem, de modo geral, recebeu forte
estímulo no inicio da cada de 2000, sobretudo pela elevação da moeda nacional frente ao
Dolar norte-americano, o que encarecia as matérias primas que são commodities. Somando-se
a isto, uma “onda ecológica” ajudou a abrir mercado para produtos oriundos da reciclagem e
políticas de crédito contribuíram para o desenvolvimento de bens de capital neste setor
(prensas, esteiras, entre outros).
Gradativamente, a estabilização monetária, com uma queda da cotação da moeda
nacional frente ao dólar, diminuiu este estímulo, mas o mercado estava dinamizado,
mantendo forte espaço, expandindo-se coletas seletivas, galpões de reciclagem, empresas que
fazem compra e venda de materiais, ao longo dos anos posteriores. Registra-se que o mundo
em geral, e o Brasil em particular, vem elevando as taxas de crescimento do PIB, o que
estimula a demanda por matérias-primas, sobretudo as básicas (minérios, petróleo, celulose).
Este cenário de expansão passou a apresentar sinais de reversão apenas com o inicio da crise
mundial, a partir do segundo semestre de 2008.
Salienta-se que boa parte do desenvolvimento da reciclagem no Brasil, que é
considerado um dos países que mais recicla no mundo
44
deve-se a uma combinação perversa
de elevadas taxas de pobreza e miséria na sociedade, sobretudo nos grandes centros, onde se
encontram também ilhas de riqueza que apresentam elevado padrão de consumo.
Isto, somado a obsolescência planejada dos bens de consumo, a falta de políticas de
subsidio a matérias-primas no mercado interno e a alguns “vôos de galinha” de nosso PIB,
têm uma demanda importante por materiais recicláveis, que são coletados por uma mão-de-
obra remunerada abaixo dos padrões mínimos salariais do país e sem nenhum direito social do
trabalho. Na prática, os benefícios da reciclagem são prioritariamente para as grandes
indústrias. Em menor medida, no caso brasileiro, para o meio-ambiente e para as zonas
urbanas
45
. Os catadores são os que menos ganham com sua atividade.
44
97% das latas de refrigerantes são recicladas, de acordo com o CEMPRE (www.cempre.org.br).
45
O meio-ambiente em geral beneficia-se com a redução na utilização de matérias-primas novas e pelo
recolhimento dos materiais poluentes. As cidades se beneficiam pela diminuição do acumulo de lixo, pela
desobstrução de canais e esgotos.
139
Pelo volume de material reciclável produzido em Ijuí, bem como por sua localização
viária, que a coloca como centro de ligação de todo noroeste gaúcho com os grandes centros
industriais gaúchos (região metropolitana ou a Serra Gaucha), ou caminho para Santa Cataria
e para o sudeste do país, o município é um ponto para instalação de compradores
intermediários que realizam a compra de materiais regionalmente e repassam para os centros
maiores ou diretamente para as indústrias.
Um destes que mais de trinta anos está estabelecido no município, possui uma
estrutura invejável, com um galpão com cerca de 500 m², 6 m de pé direito, braços mecânicos,
balança para pesar caminhões de até 80 toneladas, quatro prensas que fazem fardos de 250 kg
em média, entre outros equipamentos
46
. Atuam nesta empresa 09 funcionários, além do
proprietário e de dois filhos. Este empresário se especializou em papeis, papelão e outros
produtos a base de celulose, sendo que os produtos são adquiridos a nível regional, de
empresas menores, de associações e também de catadores avulsos, muitos dos quais entregam
pequenas cargas no galpão, em uma rotina de décadas para este empresário, que conheceu
jovem muitos dos catadores.
Os produtos são comercializados, atualmente, diretamente com fábricas em Santa
Catariana, mas antes o empresário revendia para outros atravessadores na região de Passo
Fundo. Embora a pesquisa não tenha se concentrado neste tipo de empresa, foi importante
conhecer a dinâmica do mercado. As informações não são precisas, pois os empresários do
setor são razoavelmente fechados a respeito de números. Pode-se acrescentar ainda que este
empreendimento cumpre todas as formalidades legais, desde as trabalhistas até as ambientais.
Mas entre os catadores e os empresários deste porte, existe uma infinidade de outros
intermediários, alguns especializados, mas uma grande parte comercializa todos os produtos,
para mercados segmentados ou para atravessadores maiores, com cargas de todos os tipos de
materiais. Um exemplo deste tipo é uma compradora, que possui um galpão de reciclagem
localizado no Bairro Luis Fogliatto, próximo de onde reside um grande número de catadores.
O galpão dela é de madeira, com cerca de 100m², ela não possui prensas ou outros
equipamentos, mas tem cerca de 15 carrinhos, que cede aos catadores com os quais negocia
regularmente. Outro fator determinante no seu negócio é o capital de giro que dispõe,
estimado por ela em torno de R$ 2.000,00 “na mão dos catadores”, fruto dos adiantamentos
que ela faz.
46
O empresário possui outro galpão menor, no qual ele desenvolvia as atividades até 2007, sendo que este novo
galpão foi inaugurado mais recentemente.
140
Esta intermediaria movimenta entre seis e oito toneladas mensais de materiais
recicláveis, revende para outros atravessadores existentes no próprio município. Atuam no
galpão, além da proprietária, duas filhas. A renda média de cada uma delas esta estimada em
um salário mínimo, mas a proprietária tem dificuldade de separar sua renda do valor
empenhado em adiantamentos.
Antes de entrar no ramo da reciclagem, esta compradora possuía um pequeno
estabelecimento comercial no município de Passo Fundo, mas em virtude de um divorcio,
veio se estabelecer em Ijuí, residindo junto aos catadores e interessou-se pela atividade. Como
possuía um capital, estimado em R$ 5 mil, começou a empregar parte deste montante no
negócio e outra parte no galpão. teve prensa, mas esta tornou-se inviável devido aos custos
de manutenção e energia elétrica, sendo que o baixo volume que processa não permitia cobrir
estes custos. O negócio é informal, sendo que a proprietária foi notificada por órgãos
ambientais do município, que exigem sua regularização. Segundo ela, esta cobrança
começou depois da “tal coleta seletiva”.
Entre os dois casos citados, pode-se encontrar um caso intermediário, comprador de
porte mediano, cujo pai também era um atravessador, com mais de 30 anos no mercado.
Possui uma firma registrada, um caminhão de pequeno porte e um capital de giro, que ele
emprega principalmente para compra a vista de materiais junto aos catadores. Até meados de
2008 este atravessador não possuía galpão, realizava seus estoques no pátio de sua casa, sendo
que havia uma pequena estrutura que abrigava a prensa e os materiais que não podiam ficar
expostos ao tempo, como papelão. Após uma notificação e uma multa da Coordenadoria de
Meio Ambiente do município, o mesmo iniciou a construção de um galpão, no bairro Luis
Fogliatto, com cerca de 120m². Além do próprio empresário, atuam dois funcionários junto ao
mesmo. Não foi possível apurar se o vinculo empregatício dos mesmos está formalizado.
O foco do negócio deste empresário de porte médio é adquirir o material de
catadores profissionais, que fazem estoques em suas casas e junto a outros comerciantes, em
geral donos de pequenos estabelecimentos comerciais, que compram materiais recicláveis de
catadores e revendem. Desta forma, ele aproveita-se de outras estruturas para fazer estoques.
Seus compradores variam bastante, desde outros atravessadores locais até empresas fora da
região, onde são destinados produtos específicos.
Além destes atravessadores, que fazem o meio do caminho entre os catadores e o as
indústrias, estão instalada em Ijuí duas indústrias que utilizam matérias-primas de materiais
recicláveis. Uma delas, a Alquim, que trabalha vários anos com tubos de ensaios, sendo
que diversificou suas atividades, atuando no ramo de descontaminação de lâmpadas
141
fluorescentes. Complementa suas atividades reciclando vidros de todos os tipos, produzindo
novos produtos de vidro. Devido a um convênio com estabelecido o Poder Público Municipal,
a empresa recebe os vidros da coleta seletiva, de maneira que não precisa neste momento
comprar esta matéria-prima.
A outra indústria é a Ferradura S/A, atua no ramo de plásticos, que produz
embalagens. Parte da matéria-prima utilizada por esta indústria é um plástico P.A.D. O
mesmo tem pequena participação na composição de produtos coletados pelos catadores, de
maneira que empresa não consegue abastecer-se apenas no mercado local, mas compra o
possível junto às empresas e associações.
Pode-se ver claramente que na base da reciclagem estão os catadores, mas que estes
se relacionam com um conjunto diferenciado de atravessadores. Desde pequenos
comerciantes que complementam suas atividades na reciclagem, passando por pequenos
atravessadores descapitalizados, médios atravessadores com maior volume de capital e
mercados diversificados até grandes atravessadores, existentes apenas em municípios como
Ijuí ou maiores, com elevado nível de capitalização e negociando diretamente com indústrias.
Os principais centros de transformação final dos produtos coletados na região são nas
fabricas de celulose e papel de Santa Catarina, as indústrias químicas e de embalagens da
Serra Gaúcha e região metropolitana, no caso dos derivados do petróleo e os ferros e sucatas
de metais na região metropolitana, sobretudo na indústria Gerdau.
Em nível nacional, o sudeste, sobretudo São Paulo, é o grande centro de
reaproveitamento de materiais reciclados do país, sendo para que vai grande parte dos
materiais coletados em outras regiões.
5.9 Condições de Reprodução Social de um EES de reciclagem
A partir da analise da formação e desenvolvimento das três associações de
catadores em atividade no município, desenvolvemos a analise econômica da que mais
tipicamente representa uma EES de catadores, que constitui neste trabalho o caso 06, a
ACATA.
Caso 06
É uma unidade de recebimento e triagem do material da coleta seletiva do
município, mas também conta com material coletado diretamente nas ruas. É composta de 12
142
Unidades de Trabalho Associados (UTA) e esta localizada na zona urbana, no Bairro Luis
Fogliatto.
Diferentemente dos casos anteriores, dos agricultores feirantes, que se observaram
as Unidades de produção familiares, neste caso analisa-se o conjunto da unidade de produção,
tendo em vista que parte significativa do trabalho é desempenhada coletivamente, não apenas
a comercialização. Todos os dados são referentes 12 meses, com preços e quantidades
normalizadas pelas ocorrências mais freqüentes.
a) Produção Bruta – PB
Em relação à Produção Bruta, obteve-se o seguinte quadro:
PRODUÇÃO BRUTA R$
PET
R$ 3.621,00
PET MISTO
R$ 3.812,26
PAPELÃO
R$ 1.052,62
PP
R$ 446,06
PAPEL BRANCO
R$ 3.475,20
PAPEL MISTO
R$ 1.580,14
PLASTICO BRANCO
R$ 283,97
PLASTICO COLORIDO
R$ 417,50
PAPEL CIMENTO
R$ 59,08
LATINHA
R$ 500,68
LATAS/FERRO
R$ 417,02
VIDROS
R$ 23,17
TOTAL
R$ 15.688,71
Fonte: Dados coletados junto ao EES, elaboração própria.
Estes dados refletem quantidades e preços praticados normalmente no mercado da
reciclagem ao ano, por um EES que movimenta entre 5 e 6 toneladas mensais de produtos
apenas enfardados, comercializados localmente.
b) Consumo Intermediário – CI
O consumo intermediário é pouco significativo no grupo, principalmente porque o
nível de capitalização é pequeno, exigindo poucos insumos e porque não há custos da matéria-
prima, tendo em vista que ela é entregue pelo Poder Público Municipal, via Coleta Seletiva,
ou coletada nas ruas diretamente pelas UTAs.
Os dados de CI apurados são os seguintes:
143
Consumo Intermediário R$
ÁGUA
480,00
ENERGIA ELETRICA
600,00
DESPESAS GERAIS
960,00
TOTAL
2.040,00
Fonte: Dados coletados junto ao EES, elaboração própria.
c) Depreciações
O montante de depreciações expressam o nível de capitalização das Unidades de
Produção. No caso 06, o EES possui apenas os equipamentos primários para desenvolver a
atividade de triagem e comercialização de material reciclável. No quadro a seguir, pode-se
observar os montantes de investimento em capital fixo e depreciações:
DEPRECIAÇÕES
R$ Mercado Tempo R$ Residual Deprec
08 Carrinhos
800,00
5 20% 128,00
01 Galpão Madeira 90 m
5.000,00
10 30% 350,00
01 Galpão Alvenaria 120 m
30.000,00
50 30% 420,00
01 Balança 500 kg
1.500,00
10 20% 120,00
TOTAL
37.300,00
1.018,00
Fonte: Dados coletados junto ao EES, elaboração própria.
O capital investido deve-se exclusivamente a apoios externos, ou seja, todos as
instalações e equipamentos disponíveis foram adquiridos com recursos externos, doados ao
EES. Porém, os custos de depreciações são do grupo.
d) Valor Agregado Bruto (VAB) e Valor Agregado Líquido (VAL)
O VAB do EES, resultado da Produção Bruta menos o Consumo Intermediário, esta
expresso no quadro a seguir:
PB CI VAB
15.688,71 2.040,00 13.648,71
Fonte: Dados coletados junto ao EES, elaboração própria.
Deste valor agregado, descontam-se as depreciações, que devem ser utilizadas para
repor o capital investido. Desta forma, obtém-se o Valor Agregado Líquido:
VAB DEPRECIAÇÕES VAL
13.648,71 1.018,00 12.630,71
Fonte: Dados coletados junto ao EES, elaboração própria.
144
De modo geral, pode-se observar que o CI representa 13% do PB e o VAB, portanto,
representa 87% deste. As depreciações representam 7% do VAB e o VAL representa 93%
deste e 81% do PB.
e) Distribuição do Valor Agregado (DVA) e Renda do Trabalho (RW)
Em termos de DVA, o EES não difere muito dos casos anteriores, tendo em vista
que atua em pequena escala e por tanto, sem comprometimentos fiscais e devido às parcerias
externas, consegue isentar-se de pagamentos de serviços, como contabilidade, por exemplo.
Mas mesmo assim, o EES paga taxas periodicamente e por ter a necessidade de um
associado permanecer fixo uma carga horária no galpão, independente do trabalho com os
materiais, pode-se considerar esta uma remuneração para além da renda oriunda do trabalho
associativo. Desta maneira, em termos de DVA, tem-se o seguinte quadro:
DVA R$
Pesador 1.440,00
TAXAS 100,00
TOTAL 1.540,00
Fonte: Dados coletados junto ao EES, elaboração própria.
Em termos de geração de renda, a situação do EES é a seguinte:
VAL DVA RENDA
12.630,71 1.540,00 11.090,71
Fonte: Dados coletados junto ao EES, elaboração própria.
A principio esta renda é interessante, pois representa 71% do PB, 81% do VAB e
88% do VAL. No entanto, ela foi gerada por 12 UTA, de maneira que precisa ser apropriada
pelo conjunto.
f) Remuneração do Trabalho e modelização
Considerando-se uma jornada equivalente para todos os associados, pode-se
considerar que cada UTA agrega R$ 1.052,56 ao EES e cabe-lhe a renda de R$ 924,23. Se
considerarmos a renda mensal resultante deste cálculo, cada UTA receberá por mês R$ 77,02.
145
Com base nestes dados, procedeu-se a modelização. Porém, diferentemente dos
casos anteriores, onde tinha-se a SAU, a variável x aqui utilizado são apenas as UTAs.
Também foram elaboradas mudanças no calculo do NRS. Considerou-se até agora o valor de
13 salários mínimos para cada UTF como NRS, em função de uma determinada SAU. No
caso 06, o NRS foi definido a partir da jornada de trabalho realizada pelas UTAs.
Partiu-se da mesma base (13 SMN), porém considerando-se que esta remuneração
equivale a uma jornada de 44 horas semanais. Como no caso 06 as UTAs atuam cerca de 16h
semanais, fez-se o calculo proporcional, de qual seria o NRS adequado para esta jornada, que
resultou em R$ 1.961,82. No entanto é preciso considerar que este valor seria para apenas
uma UTA, de maneira que multiplicou-se o valor pelo número total de UTAs, para se
estabelecer qual seria o nível nimo de renda que o EES deveria atingir. A modelização
resultou no seguinte gráfico:
Graf. 11 - Remuneração do trabalho caso
6
(5.000,00)
-
5.000,00
10.000,00
15.000,00
20.000,00
25.000,00
0 2 4 6 8 10 12 14
UTA
RW
Y= ax - b
NRS
Fonte: Dados coletados junto ao EES, elaboração própria.
O gráfico 11 demonstra que o EES que esta no caso 06 não consegue atingir um
nível de reprodução social mínimo, que seria o valor da hora do SMN, proporcional ao
número de horas que o grupo atua.
Um questionamento evidente é o porquê um número tão elevado de UTAs. Bastaria
reduzir as mesmas para oito, por exemplo, e intensificar a produtividade em 100%, que o EES
seria plenamente viável. Mas aqui se tem a lógica deste tipo de organização, que frente à
renda que efetivamente possibilita aos catadores, estes buscam outras estratégias para
complementar suas rendas familiares, de maneira que não buscam viver apenas desta renda.
Evidentemente que se tivessem garantias de que a renda fosse maior, dedicar-se-iam
mais tempo a atividade, resultando em menos postos de trabalhos para os outros. Mas esta
146
alternativa, além de impossível no momento, dado a instabilidade deste mercado, levaria à
inúmeros conflitos entre os próprios trabalhadores. Portanto, realizando uma jornada
moderada, podem se dedicar a outras atividades e incluir mais pessoas, desde que
pertencentes a seu grupo de relações sociais, na atividade.
Outra variável que determina essa baixa jornada das UTA é a produtividade dos
catadores avulsos, que para tirar uma renda equivalente, como os catadores profissionais,
atuam cerca de 8h por dia o mês inteiro nas ruas. Ou seja, em termos médios, a produtividade
do trabalho se equivale.
Uma conclusão que se depreende deste raciocino, é que se todo o material reciclável
fosse recolhido pelo sistema de coleta seletiva e todos os catadores que atuam nas ruas hoje
fossem organizados em galpões, virtualmente haveria uma diminuição na jornada de trabalho
destes. Este seria o primeiro efeito positivo da medida.
A prestadora de serviços que realiza a coleta seletiva para a Prefeitura de Ijuí recolhe
aproximadamente 50 toneladas de lixo por dia nas ruas do município (PERSICH, 2007). Se
considerar-se que 40% deste materiais possa se material reciclável, com valor comercial, ter-
se-ia 600 toneladas de materiais recicláveis por mês em Ijuí.
No caso analisado, 12 catadores trabalham 16h
47
por semana e processam 6
toneladas aproximadamente por mês, ou seja, cerca de 7kg por hora. Como se estima cerca de
300 catadores em Ijuí, poder-se-ia organizá-los, dentro de estruturas como a expressa no caso
06, mas com uma jornada de 20h semanais, com uma produtividade de 20kg/h, o que
resultaria em uma diminuição relativa da jornada de trabalho de grande parte dos catadores,
que trabalha bem mais para atingir o mesmo resultado. A renda média ficaria em torno de
70% do SMN, porém com um processo de trabalho menos penoso, pois na rua, certamente a
intensidade é bem superior a 20k/h. Por outro lado, o cálculo não considera as possibilidades
de agregação de valor que existiriam com novos equipamentos e comercialização conjunta (e
nem os novos custos).
Este raciocínio está mais bem exposto no quadro a seguir:
47
A definição desta jornada considerou os turnos dedicados ao trabalho de reciclagem e as reuniões realizadas na
associação. Os catadores nas ruas, ligados a associação, tem uma jornada de20 a 24h semanais.
147
ACATA SIMULAÇÃO
Catadores 12
300
Horas/Mês 72
90
TT H/M 864
27000
KG/Mês 6.000,00
600.000,00
Prod/H 6,94
22,22
Renda/Mês 925,00
92.500,00
Renda/Kg 0,15
0,15
SMN 415,00
415,00
R Sóc 77,08
308,33
R/SMN 19%
74%
Fonte: dados coletados junto ao EES, elaboração própria
O calculo considera a estrutura do caso 06, que obtém na renda final dos associados
em média R$ 0,15 por kg de material reciclável que comercializam. Com esta informação,
considerando-se a estimativa de catadores e as estimativas de material reciclável, poderia-se
obter os resultados desta simulação.
Concretamente, em relação ao caso 06, este demonstra que as condições de
reprodução social do EES de reciclagem analisado são difíceis, tendo em vista a pequena
renda que gera efetivamente para o grupo. Algumas alternativas são o aumento da
produtividade do trabalho, com o aumento da recepção de materiais da coleta seletiva,
possibilidade concreta, mas que depende do Poder público, ou melhoria dos preços no
mercado, o que depende da conjuntura internacional e da capacidade de agregação de valor ao
trabalho do grupo. Outro cenário é dispensar UTAs, para tornar mais atrativo o nível de renda
para os sócios que permanecerem, levando os demais a buscarem outras formas de
complemento de rendas.
148
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desenvolvimento é entendido ainda, em grande medida, como a instalação de uma
grande indústria, no modelo fordista, que gere muitos empregos e estimule a formação de um
parque fabril na região, atraindo outros serviços. Este modelo, característico do pós-guerra,
contribuiu para a formação do Estado de Bem Estar Europeu, mas não se pode dizer que este
modelo seja universal.
Sem querer apresentar um contraponto ao modelo da grande indústria, mas inúmeras
experiências, com destaque para a o caso do noroeste italiano demonstra que é possível um
nível de desenvolvimento elevado, com uma organização econômica difusa, baseada em
grande número de pequenas empresas. No entanto, as pequenas empresas não podem, por si
só, sustentar economias avançadas (BAGNASCO, 1997).
Outra situação que deve ser considerada é que nenhum processo de desenvolvimento
difunde-se por si só. O Estado tem um importante papel, contribuindo na promoção de
estímulos e na irradiação de efeitos positivos. Mas isto não quer dizer que basta o estado
querer fazer, pois os estímulos devem ser dirigidos a setores que vão responder, ou seja a
promoção do desenvolvimento pode se dar por meio do estado, articulado com setores
econômicos, ambos buscando formas de dinamizar o processo e redistribuir resultados.
Ao longo deste trabalho, discutiu-se uma visão de desenvolvimento no qual não se
buscou um modelo a ser seguido, mas entender que tipos de condicionantes contribuem para a
evolução. Os sistemas sociais, que se inovam a partir de perturbações nas relações sociais
e/ou de técnicas com base no uso de matéria e energia, são os que mais rapidamente podem se
desenvolver. E a cada crise que a organizações sociais passam novos sistemas ou subsistemas
se organizam.
149
Quando se refere à Economia Solidária como uma proposta sistêmica, entende-se está
como resultado de um conjunto de perturbações que forçam o sistema a se refazer, sendo que
se as modificações forem significativas, o novo sistema produzido pode ser mais eficiente
para assegurar um processo de desenvolvimento, que combine fatores sociais e ambientais,
numa síntese mais eqüitativa.
A combinação de desenvolvimento e Economia Solidária se principalmente nas
esferas locais, porque a participação dos atores do processo de desenvolvimento é central,
visando adequar os fatores externos a realidade local. Os propósitos da Economia Solidária,
de gerar renda de forma sustentável, por meio da cooperação dos trabalhadores, com
processos autogestionários entre os integrantes de um EES e solidários com os demais
trabalhadores na sociedade.
Neste sentido, entende-se que o estado democratizado pode, a partir do respaldo nas
experiências da Economia Solidária e em outras ações de desenvolvimento local, orientar
ações econômicas e sociais que estimulem estas a alcançarem êxito, assim como fez com o
capitalismo moderno, por exemplo.
O trabalho buscou analisar algumas experiências de Economia Solidária existentes em
Ijuí/RS, a partir de uma contextualização dos empreendimentos de Economia Solidária no
país, no estado e na região, bem como uma discussão sobre como se processou o atual estágio
de desenvolvimento do município.
O estudo buscava responder como se a reprodução social de EES, no contexto
socioeconômico de Ijuí/RS, tendo por hipótese de que os EES são uma importante estratégia
de geração de renda para seus integrantes, contribuindo para formação de novos parâmetros
de pensar o desenvolvimento.
A análise das experiências dos EES buscou conhecer seu desenvolvimento histórico,
as relações com o poder público e com o mercado, os processos internos de organização,
visando compreender a evolução histórica destes grupos.
E também buscou compreender a organização do sistema produtivo destes, porém,
considerando suas peculiaridades. No caso dos EES de agricultores feirantes, embora se
constituam em EES, os mesmos buscam atender diretamente a realidade de unidades de
produção familiares, sendo as feiras um espaço de comercialização do conjunto destas
unidades de produção. Já em relação aos EES de catadores, analisou-se o sistema de produção
150
de um caso, que reúne um conjunto de associados que atuam coletivamente na unidade de
produção.
Esta análise considerou a produção bruta das unidades de produção, a agregação de
valor para a sociedade e a apropriação deste valor, por meio das rendas. O levantamento das
informações deu-se diretamente com os trabalhadores, com base em seus conhecimentos da
forma como organizam seus processos produtivos.
Diversas conclusões foram levantadas ao longo do trabalho, algumas, no entanto, cabe
ressaltar. Considerando apenas os EES analisados, observa-se que eles contribuem
diretamente na geração de renda de uma centena de famílias, das quais, algumas se encontram
diretamente na base da pirâmide social, como os catadores.
Outros, como os agricultores familiares, não apresentam condições para atuar no
sistema de produção dominante na região, a cultura da soja, de forma eficiente e, portanto,
estariam virtualmente excluídos da atividade agrícola se não encontrassem alternativas, as
quais a horticultura, os derivados de leite, de carne de suínos e bovinos, as panificações e
confeitarias, entre outros, tem se mostrado muito importante. Mas apenas produzir não basta,
o diferencial destes agricultores esta em conseguir colocar sua produção diretamente na mesa
dos consumidores, o que é possível, em boa parte, devido as feiras.
No caso dos catadores, pode-se dizer ainda que a trajetória de organização coletiva
destes, até aqui, possibilitou primeiro um pouco de reconhecimento social, que se traduziu,
entre outros fatores, em políticas públicas como a coleta seletiva e programas sociais e em
respeito junto à opinião pública. A atenção social também tem possibilitado uma capitalização
dos grupos mais organizados, em bens de capital, visando à melhoria das condições de
trabalho e a agregação de valor.
Concretamente, em termos de renda, ainda não se pode dizer que os grupos são de fato
uma alternativa ao trabalho individual realizado nas ruas por catadores, mas apresentam
potencial de vinculação a políticas públicas que responderiam adequadamente a pelo menos
duas necessidades do desenvolvimento local, que seriam um tratamento adequado aos
resíduos sólidos e a inclusão de um grande contingente de famílias de populações de baixa
renda em ações de inclusão produtiva, com empoderamento social.
O processo de desenvolvimento de Ijuí, assim como qualquer processo deste tipo é
complexo, não apresenta um caminho único e não pode ser “criado” a partir do nada, está
condicionado à realidade existente. Pensar um processo de desenvolvimento que não gere
151
alternativas aos agricultores familiares, cada vez mais inviabilizados dentro do sistema de
produção da soja e ao mesmo tempo para os catadores, que estão na margem da apropriação
das riquezas, mas que prestam um serviço essencial nestes tempos de crise ambiental, seria
algo no mínimo excludente e, portanto, questionável em termos de desenvolvimento.
E a existência de organizações econômicas destes setores, que lhes permite conquistar
estes avanços registrados é a demonstração de que com os estímulos adequados torna-se
possível construir estas alternativas, que contribuem para o conjunto da sociedade, seja em
termos de agregação de valor ou de formas de transferência de rendas com relevância social e
potencial de empoderamento.
No caso dos feirantes, embora estes ocupem uma importante posição no
abastecimento alimentar do município, frente a uma população de 75 mil habitantes, o
potencial mercadológico é grande ainda, sendo necessário prover estes agricultores de
recursos e políticas adequadas para a produção e comercialização. E além das feiras, que
podem ser entendidas como espaços de organização econômicas destas famílias, outras ações,
como abastecimento da merenda escolar, por exemplo, dariam um importante estímulo a esta
produção.
No meio urbano, a nucleação de grande parte das famílias de catadores em unidades de
produção, com uma infra-estrutura mínima, para processar os materiais recicláveis oriundos
da coleta seletiva, e o desenvolvimento de estratégias de agregação de valor e comercialização
em conjunto entre estes grupos, já permitiriam que o valor gerado por estas famílias ocorresse
em condições de trabalho melhores e com potencial de maior apropriação de parcelas deste
valor.
Além disto, o potencial emancipatório que representam estes EES, com feirantes e
catadores organizados, discutindo sua realidade de trabalhadores e formas de contribuir no
desenvolvimento, por si são uma conquista que deve ser incentivada, pois possibilita
maior autonomia destes setores frente ao mercado, o qual não centra preocupações com
setores de menor inserção econômica.
E também representam uma maior autonomia frente ao estado, à medida que deixam
de ser “clientes” dos favores e passam a ser construtores de políticas públicas, contribuindo de
maneira geral para a democratização do estado e universalização de ações de
desenvolvimento, como a própria Economia Solidária.
152
As raízes históricas dos processos de desenvolvimento são importantes, sobretudo para
explicar como chegou-se até esta situação, mas o central é entender como os atores do
desenvolvimento valorizam e selecionam os recursos herdados, no momentos decisivos de
suas trajetórias na construção da história que segue.
Neste momento, cabe ao EES e demais atores do desenvolvimento local ter a clareza
dos recursos que dispõem frente aos desafios que se encontram e buscar as alternativas mais
apropriadas para sua evolução. Acredita-se que este trabalho levantou elementos que
contribuem nesta compreensão, confirmando a hipótese levantada.
153
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE, Paulo Peixoto de. Autogestão. In: CATTANI, Antonio D. (Org.). A outra
economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003, p. 20-26
ARCE, A ; LONG, N. (eds.) Anthropology, development and modernities: exploring
discourses, counter-tendencies and violence, Routledge, London, 232p., 2000.
BAGNASCO, A . La función de las cidades en el desarrollo rural: la experiencia italiana.
Políticas Agrícolas. REDCAPA, México, 1998.
Basso, D. (org). Estudo da dinâmica e perspectivas da indústria de Ijui-RS /Ijui: Ed. UNIJUI,
2000. - 104 p.
BHASKAR, R. Realismo crítico, relaciones sociales y defensa del socialismo. Revista Viento
Sur, artigos da Web, 2003, disponível em
http://www.vientosur.info/articulosweb/index.php?pag=27, acessado em 10/01/2008
Borba, MFS; Gomes, JCC ; Trujillo, RG. Desenvolvimento endógeno como estratégia para a
sustentabilidade de áreas marginais. Disponível em
http://www.inclusaodejovens.org.br/Documentos/BIBLIOTECA/Desenvolvimento/Desenvolv
imento_Endogeno_e_Potencial_Endogeno.doc Acessado em 20/07/2008.
BRUM, A. L. Economia Solidária: elementos para compreensão. Revista Desenvolvimento em
Questão, Ijuí, RS: Ed. Unijuí, n.1, p. 217-228, jan./mar.2003.
CARVALHO, N. V. Autogestão, o nascimento das ONGs. São Paulo: Brasiliense, 1996. 193
p.
CHANG, H. J. Chutando a Escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica.
São Paulo, Ed. Unesp, 2004.
BRUNDTLAND, Comissão. (1987), Nosso Futuro Comum, Relatório sobre
DesenvolvimentoSustentável, ONU, Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente, Cambridge:
Polity Press.
DILLARD, D. A Teoria Econômica de John Maynard Keynes. São Paulo: Pioneira, ed.,
1989.
DIOCESE DE SANTA MARIA. Projeto Esperança/Cooesperança: uma experiência que deu
certo. On: TÉVOÉDJRÉ, Albert. A pobreza, riqueza dos povos: a transformação pela
soliedariedade. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 2002. Parte integrante do livro, 27 p.
154
DUDERMEL, T; BASSO; D. LIMA, A. P. A política agrícola e a diferenciação da
agricultura do noroeste do RS. Ijuí, RS: Editora Unijuí, 1993.
ENGELS, F. A origem da família, da Propriedade e do Estado. São Paulo, SP: Editora
Escala, 2° ed., s.d.
FRANTZ, W. Reflexões e apontamentos sobre cooperativismo. Ijuí: Ed. Unijuí. 2005.
(Coleção Cadernos Unijuí, Série Cooperativismo, 08).
FRIORI, J. L. Introdução: De volta à questão da riqueza de algumas nações. In FIORI, J. L
(org). Estados e Moedas no desenvolvimento das Nações. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 49-85.
FURTADO, C. Teoria e Política do desenvolvimento Econômico. São Paulo: Ed. Nacional, 2º
ed., 1968.
GAIGER, L. I. A Economia Solidária diante do modo de produção capitalista. Disponível
em: http://www.ecosol.org.br/bib2.htm. Acessado em: 21 de junho de 2006.
GIAMBIAGI, F; ALMEIDA, P. R. Morte do Consenso de Washington? Os rumores a esse
respeito parecem muito exagerados. In Textos para Discussão 103, BNDES, Rio de Janeiro,
2003. Disponível em
www.bndes.gov.br. Acessado em 03 de jul de 2007.
GOERCK, C. Emergência do cooperativismo, reestruturação do capital e Economia
Solidária e o papel do serviço social em empreendimentos econômicos solidários. Ijuí: Ed.
Unijuí, 2006. (Coleção Cadernos Unijuí, Série Economia Solidária, 05).
GRAY, J. Falso Amanhecer: os equívocos do capitalismo global. Rio de Janeiro: Record,
1999.
KALECKI, M. A diferença entre os problemas econômicos cruciais das econômicas
capitalistas desenvolvidas e subdesenvolvidas. In. MIGLIOOLI, J. (org). Kalecki. São Paulo:
Ática, 1980, p. 129-136.
KEIL, I. M; MONTEIRO, S.T. Os pioneiros de Rochdale e as distorções do cooperativismo
na América Latina. São Leopoldo, 1982, disponível em
http://www.cootrade.com.br/pioneirosrochdale.pdf, acessado em 29/12/2007.
KRAYCHETE, G. A produção de mercadorias por não-mercadorias. Disponível em:
http://www.capina.org.br/públicacoes/ProdMercNaoMerc.pdf Acessado em 21/06/2006.
LECHAT, N. M. P. ; RITTER, C. ; LEMES F. R. M. ; SCHIRMER, T. . Gestão de
Empreendimentos Econômicos Solidários na Região Noroeste do Rio Grande do Sul. Civitas
(Porto Alegre), v. 7, p. 175-194, 2007.
LECHAT, N. M. P. Trajetórias intelectuais e o campo da Economia Solidária no Brasil.
Campinas, SP: Unicamp; Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2004. (Tese de
Doutorado em Ciências Sociais).
LEMES, F.R.M . A inserção da Economia Solidária no mercado: contradições e
possibilidades. Otra Economía - Revista Latinoamericana de Economia Social y Solidaria, v.
2, p. 52-67, 2008.
155
LEMES, F. R. M. A Economia Solidária no mercado capitalista: uma análise dos
empreendimentos econômicos solidários das Regiões Noroeste Colonial, Fronteira Noroeste,
Alto Jacuí e Missões. Ijuí. Departamento de Economia e Contabilidade, Unijuí, 2006.
(Monografia de Conclusão de curso de Economia).
LESSA, S; Revolução e contra-revolução, fator subjetivo e objetividade. In: Revista Outubro,
nº 16, Ed. Alameda, São Paulo, SP, jul-dez 2007.
LIMA, Arlindo Jesus Prestes de; SILVA NETO, Benedito; OLIVEIRA, Angélica de.
Dinâmicas e Estratégias de desenvolvimento agrícola do município de Ijuí RS. Ijuí:
UNIJUI, 2009. (Relatório de pesquisa).
LIPIETZ, A. Miragens e Milagres: Problemas da industrialização do Terceiro Mundo. São
Paulo: Nobel, 1988.
LISBOA, A. M. Economia Solidária e autogestão: imprecisão e limites. Revista de
Administração de Empresas (FGV), São Paulo, v. 45, n. 3, p. 109-115, 2005a.
LONG, A.; van der PLOEG, J.D. Endogenous Development: Practices and Perspectives In:
Born from Within: practice and perspectives of Endogenous Rural Development, van der
Ploeg, J. D. & Long, A. (eds.), Van Gorcum, Assen, The Netherlands, 298p, 1994.
LOVELOCK, J; A Vingança de Gaia. Ed. Siciliano: São Paulo, SP, 2006.
MOLINA, G.F. Desenvolvimento Sustentável. In: SIEDENBERG, D. R. Dicionário de
Desenvolvimento Regional. Santa Cruz do Sul, RS: Editora Edunisc, 2006.
MONTCHANE, J. L. Economia social e Economia Solidária: álibi ou alternativa ao
neoliberalismo? Disponível em: <
http://www.ecosol.org.br/bib4.htm>. Acesso em: 18 mai.,
2007.
NOVAES, H. T.. Para além da apropriação dos meios de produção? O processo de
Adequação Sócio-Técnica em Fábricas Recuperadas. In: I Workshop dos alunos de pós-
graduação do Departamento de Política Científica e Tecnológica, 2005, Campinas, 2005.
OFFE, C. A Atual transição histórica e algumas opções basicas para as instituições da
sociedade. In BRESSER PEREIRA, L. C; WILHEIM, J; SOLA, L. (org) Sociedade e Estado
em transformação. São Paulo/Brasília: Ed. UNESP/ENAP, 1999, p. 119-145.
OLIVEIRA, B. A; VERARDO, L. Economia Solidária e desenvolvimento. In: FBES (org).
Rumo à IV Plenária Nacional de Economia Solidária: Caderno de aprofundamento aos
debates, 2007, disponível em
http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=406&Itemid=1
8. Acessado em 10/01/2008.
PERSICH, J.C. Gerenciamento de Resíduos Sólidos: Vantagens socioeconômicas e
ambientais da implantação da coleta seletiva de lixo Ocaso de Ijuí. Monografia de
Conclusão de Curso de Gestão Pública, na UNIJUI, Ijuí, 2007.
POLANYI, K. A Grande Transformação: As Origens de Nossa Época. Rio de Janeiro:
campus, 1º Reimpressão, 1988.
156
PUTNAM, Robert D., Comunidade e democracia: a experiência da Italia moderna / Rio de
Janeiro: Fundacao Getulio Vargas, 2002. - 257 p.
RIBEIRO, Z.C. Of. ACATA, s/n°, 16/09/2007, Arquivos da ACATA. 2007.
RODRIK, D. Depois do Neoliberalismo, o que? In CASTRO, A C. (org) Desenvolvimento em
Debate: Novos Rumos do Desenvolvimento no mundo. RJ, Mauad/BNDES, 2002. V.a p.
277-298. Disponível em
www.bndes.gov.br, Acessado em 03 de jul de 2007.
SACHS, Ignacy. Desenvolvimento includente, sustentável, sustentado / Rio de Janeiro:
Garamond, 2004. - 151 p.
SCHNEIDER, José Odelso. Democracia, participação e autonomia cooperativa. São
Leopoldo: UNISINOS, 1991.
SCHUMPETER, J.A. A Teoria do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Nova Cultural,
1985.
SENAES. Secretaria Nacional de Economia Solidária. Economia Solidária: Mapeamento no
Rio Grande do Sul. São Leopoldo, RS, 2008.
SENAES. Secretaria Nacional de Economia Solidária. Atlas da Economia Solidária no Brasil.
1. ed. Brasília: MTE/SENAES, 2006a.
SENAES. Secretaria Nacional de Economia Solidária. CONFERÊNCIA NACIONAL DE
ECONOMIA SOLIDÁRIA, 1. 2006, Brasília. Anais Conferência Nacional de Economia
Solidária. Brasília, 26 a 29 Jun.2006b.
SENAES. Secretaria Nacional de Economia Solidária. SIES: Manual de Entrevista. 1. ed.
Brasília: MTE/SENAES, 2004.
SILVA NETO, B. Análise-Diagnóstico de Sistemas Agrários: uma interpretação baseada na
Teoria da Complexidade e no Realismo Crítico. Revista Desenvolvimento em Questão.
Editora Unijuí • ano 5 • n. 9 • jan./jun. • 2007 p. 33-58
SILVA NETO, Benedito, Sistemas dissipativos, complexidade e desenvolvimento sustentável:
parte 1: conceitos básicos / Ijuí : Ed. UNIJUI, 2006. - 48 p.
SINGER, P. I. Globalização e Desemprego: diagnósticos e alternativas. São Paulo: Contexto,
1998.
SINGER, P; SOUZA, A. R. (Org.) A Economia Solidária no Brasil: autogestão como
resposta ao desemprego. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2003.
TAUILE, J. Do Socialismo de Mercado à Economia Solidária. Disponível em:
http://www.ecosol.org.br/bib2.htm. Acessado em 21 de junho de 2006.
TOURAINE, A. ¿Podremos Vivir juntos? Iguales y diferentes, Madrid: Ed. PPC, 445p.,
1997.
157
VASCONCELOS, M. R; STRACHMAN, E; FUCIDJI, J.R. O realismo crítico e as
controvérsias metodológicas em Economia. Revista Estudos Econômicos. São Paulo, V. 29,
N. 03, p. 415-445, Julho-setembro, 1999.
VEIGA, J. E; A emergência socioambiental. São Paulo, SP: Ed. SENAC, 2007.
WEBER, R. Os Inícios de Industrialização em Ijuí. Ijuí, RS, Ed. Unijuí, 1987.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo