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UNIVERSIDADE DE SOROCABA
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
David Gomes Castanho
A QUESTÃO AGRÁRIA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE GEOGRAFIA
Sorocaba/SP
2009
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David Gomes Castanho
A QUESTÃO AGRÁRIA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE GEOGRAFIA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
de Sorocaba, como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Maria Lúcia de
Amorim Soares
Sorocaba/SP
2009
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Ficha Catalográfica
Castanho, David Gomes
D342q A questão agrária nos livros didáticos de geografia / David Gomes
Castanho. – Sorocaba, SP, 2009.
134f. ; il.
Orientadora: Dr
a
. Maria Lúcia de Amorim Soares
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de Sorocaba,
Sorocaba, SP, 2009.
1. Geografia – Estudo e ensino. 2. Livro didático – Brasil. 3. Reforma
agrária (Ensino médio). I. Soares, Maria Lúcia de Amorim, orient.. II.
Universidade de Sorocaba.
David Gomes Castanho
A QUESTÃO AGRÁRIA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE GEOGRAFIA
Dissertação aprovada como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre no
Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade de Sorocaba.
Aprovado em: ___/___/___.
BANCA EXAMINADORA:
Ass.:_____________________
Pres.: Profª. Drª. Maria Lúcia de Amorim
Soares - UNISO
Ass.:_____________________
Exam.: Prof. Dr. Paulo Celso da Silva -
UNISO
Ass.:_____________________
Exam.: Profª. Drª. Eliete Jussara Nogueira -
UNISO
Este trabalho é dedicado à Profª. Drª. Maria
Lúcia de Amorim Soares e.aos meus pais
AGRADECIMENTOS
A finalização desse percurso acadêmico, o é resultado individual, foi
construído ao longo de vários meses, com a colaboração de muitas pessoas.
Quero começar o meu agradecimento a ela que não mediu esforços, dedicou
horas e mais horas de orientação, não tem como eu colocar no papel o quanto eu
sou grato pela sua paciência, atenção, dedicação, força, entusiasmo, amor... Ela que
me ensinou a ver o mundo de forma totalmente distinta daquela que eu era
acostumado. Desde a graduação, ela me ensinou a principal vantagem de se
estudar Geografia: se um dia viesse a ficar desempregado, pelo menos, entenderia
por que razão isso aconteceu. Como esquecer o dia em que se deu o ataque às
torres gêmeas? Ao encontrar com ela no corredor da universidade, escutamos a
seguinte frase: “a partir de hoje, o mundo não será mais o mesmo”. Não de ver
que, mais uma vez, ela tinha razão... Certo dia houve uma excursão para assistirmos
a uma defesa de mestrado na USP, na hora do almoço, como esquecer a gentileza
dessa professora ao me presentear com aquela refeição. Professora Maria cia,
“Maria Luz”, minha eterna gratidão, praticamente tudo o que sou e tenho é
conseqüência da Geografia e do jeito alegre de encarar a vida que você me ensinou.
Ao professor Dr. Paulo Celso da Silva que, desde a graduação, também tem
me ensinado muito sobre o olhar geográfico para o mundo. Desde sua orientação ao
meu TCC, passando pelo o exame de qualificação, até os dias de hoje, tem
contribuído muito para minha formação.
Professora Drª Eliete Jussara Nogueira, que eu conheci somente no
mestrado, aceitou o convite em participar do meu exame de qualificação e contribuiu
de forma ímpar para a minha formação no que tange a um melhor entendimento das
questões envolvendo o cotidiano escolar. Deixo aqui meu eterno agradecimento.
A todos os professores que compõem o corpo docente do Programa do
Mestrado em Educação da Universidade de Sorocaba, em especial: ao Prof. Dr.
Jorge Camarano Gonzalez, ao Prof. Dr. José Luis Sanfelice, à Profª. Drª. Vânia
Regina Boschetti e o Prof. Dr. Wilson Sandano.
Aqueles que cuidam da parte mais burocrática do programa, em especial à
Charlene, que sempre nos atendeu com muita simpatia e alegria.
E a todos os alunos do mestrado em Educação, em especial ao Fernando,
quem sempre compartilhou alegrias e tristezas que a vida nos reserva.
Agradeço aos meus pais: Maria José Nunes Castanho (Mazé) e Silvino
Gomes Castanho (Vino), que me trouxeram ao mundo e me ensinaram os primeiros
passos e, apesar de muitas dificuldades na vida, ofereceram as condições
necessárias para o meu desenvolvimento como ser humano.
Ao meu irmão Eli Gomes Castanho, que mesmo sendo muito atarefado,
dedicou bastante do seu tempo com sugestões, dicas e revisões, para que eu
pudesse concretizar este trabalho.
À minha irmã, Priscila, que sempre me deu força dizendo: “Vai em frente que
você vai conseguir”.
Minha Natalia, que sempre me motivou e cativou pelo seu jeito humilde e
me ajudou na longa caminhada até aqui.
Aos meus tios, tias, primos e primas, pois, de uma forma ou de outra, têm me
ajudado a preservar minhas origens e cultura caipira. Obrigado pela força.
Quero deixar registrado aqui o meu eterno agradecimento aos alunos,
professores, diretores e funcionários da Escola Estadual Jardim Daniel David
Haddad. Em especial às coordenadoras Patrícia e Élida; aos professores: Silas,
Cláudio, Jorge Wellington, Hilton, Tozze, Adenilson, Amarildo, Jackson, Haroldo, ao
meu xará David... E as muitas professoras: Alcilene, Estela, Gisele, Regina Ortega,
Luciana, Silmara, Regininha, Daniela Zan, Laurides, Viviane, Valdicéia, Raquel,
Marinalva, Silvana... Aos funcionários: Zé, Solange, Ivone, Cidinha, Marcos, Narciso,
Adriana, Rosana, Paulinho, Telminha... As diretoras: Sandra e Cleuza.
Ao meu amigo Rogério, do mestrado em Educação Matemática da PUC, que
sempre esteve compartilhando suas experiências.
Ao Fred e a Clau, por terem me dado a oportunidade de colocar a Geografia
em prática, conhecendo novos mundos, muito obrigado pelo apoio de vocês.
Ao Jonatas e João Gaudêncio pela amizade.
Ao meu Leandro, ao Tico e a Maria, (in memória) como esquecer
dos bons momentos da minha infância vividos ao lado de vocês.
Agradeço também à Secretaria do Estado da Educação de São Paulo (SEE)
que financiou boa parte dos meus estudos através da Bolsa Mestrado.
E muitos outros que, por ventura, não tenham sido listados. Saibam que cada
um de vocês estão devidamente guardados no espaço reservado a gratidão.
Por fim, quero agradecer a DEUS de ter colocado cada uma dessas pessoas
em meu caminho, deixando a vida mais alegre e divertida.
Terra Brasilis, continente,
Pátria mãe da minha gente
Hoje eu quero perguntar
Se tão grandes são teus braços, por que
negas um espaço aos que querem ter um lar?
Eu não consigo entender
Que nesta imensa nação
Ainda é matar ou morrer
Por um pedaço de chão
Lavradores nas estradas
Vendo a terra abandonada
sem ninguém para plantar
Entre cercas e alambrados, vão milhões de
condenados
a morrer ou mendigar
Eu não consigo entender
Achar a clara razão
de quem só vive pra ter
E ainda se diz bom cristão
(Pedro Munhoz/ Martim César)
RESUMO
O presente trabalho tem como tema o estudo da questão agrária nos livros didáticos
de Geografia, adotados pela rede pública estadual, de ensino médio, com
especificidade aqueles utilizados na cidade de Salto de Pirapora-SP. A realização da
pesquisa justifica-se pelo fato de que a questão agrária é um tema polêmico, e tratá-
la no livro didático, implicaria assumir posicionamentos que refoariam a tese dos
movimentos de luta pela terra ou os refutariam. O objetivo geral da pesquisa foi
perceber como esses posicionamentos são revelados nas entrelinhas e imagens dos
livros selecionados. Para isso, recorremos a alguns procedimentos teórico-
metodológicos da Análise do Discurso, na perspectiva de Dominique Maingueneau
e Eni Orlandi, mais especificamente com as seguintes categorias de análise:
posicionamento e prática intersemiótica e silenciamento, respectivamente. Além
desses, colocou-se em diálogo autores da Geografia como Milton Santos e, em
particular da Geografia Agrária, entre eles Bernardo Mançano Fernandes, Carlos
Alberto Feliciano, Eduardo Girardi; bem como, pesquisadores de livros didáticos,
Célia C. de Figueiredo Cassiano, Jeane Medeiros Silva e Eloisa de Mattos Höfling.
Feita a análise dos capítulos que tratam da questão agrária nos livros selecionados,
os resultados da pesquisa indicam que os livros revelam posicionamento favorável
ao agronegócio em detrimento dos movimentos sociais; silenciamento no tocante
às questões de ordem geográfica, privilegiando a historicidade tão somente; o uso
das imagens corrobora o referido posicionamento e o silenciamento. Com esta
pesquisa, pode-se perceber que o livro didático não deve ser visto como referência
única ao professor de Geografia no seu trabalho; deve, antes, ser objeto de crítica,
reflexão, (re)construção estabelecidos pela interação aluno-professor. Agindo assim,
sobre os diversos fatos e/ou fenômenos que fazem parte do nosso cotidiano, as
aparências cederão lugar às verdadeiras essências, num verdadeiro movimento
dialético.
Palavras-chave: Cotidiano escolar. Livro didático. Questão agrária e Ensino de
Geografia.
ABSTRACT
This work deals with the study of the agrarian question in the Geography student’s
book, adopted by the state public schools, high schools, specifically with those used
in Salto de Pirapora city at o Paulo state. The completion of the research is
justified by the fact that the land question is a controversial issue and it´s treat in the
textbooks should be positioned to reinforce the point of view of the movements
fighting for land or refute. The aim of research was to see how these positions are
revealed between the lines and images of selected books. To this end, we resort to
some theoretical and methodological procedures of discourse analysis in the
perspective of Dominique Maingueneau and Eni Orlandi, specifically in the following
categories of analysis: practice and positioning intersemiotic and silencing,
respectively. Besides, put in dialogue authors of Geography as Milton Santos and, in
particular the Land Geography, such as Bernardo Mançano Fernandes, Carlos
Alberto Feliciano, Eduardo Girardi; as well as researchers from textbooks, Célia C.
de Figueiredo Cassiano, Jeane Medeiros Silva e Eloisa de Mattos Höfling. After
analysis of the chapters dealing with the agrarian question in the books selected, the
survey results indicate that the books reveal a favorable position to agribusiness at
the expense of social movements, they are mute with regard to issues of
geographical, focusing only as the historicity, the use of images confirm the
positioning and silencing. With this research, we can notice that the textbook should
not be viewed as a single reference to the Geography teacher in your work, but it
must be the object of critical reflection, (re) construction requirements for student-
teacher interaction. In such case, on the various facts and / or phenomena’s that are
part of our daily life, appearances give way to real essences, a truly dialectical
movement.
Key words: School daily. Student’s book. Agrarian question and Teaching of
Geography
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Capa da revista Veja, n° 2028............. .................................................70
Figura 2 Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo........................................72
Figura 3 Out-door Cubano...................................................................................73
Figura 4 O MST retratado por Sebastião Salgado..............................................74
Figura 5 Livro - Geografia: Pesquisa e Ação - volume único..............................77
Figura 6 Livro - Geografia – Geografia Geral e do Brasil - volume único............79
Figura 7 Capa em detalhe do livro - Geografia:
Pesquisa e Ação...................................................................................86
Figura 8 O Robin Hood nordestino......................................................................87
Figura 9 Movimento indígena..............................................................................89
Figura 10 Lula........................................................................................................91
Figura 11 Martin Luther King……………………….................................................92
Figura 12 Parada Gay em Nova York...................................................................93
Figura 13 Charge – Terra para Todos...................................................................94
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM) - Ensino
Médio.....................................................................................................29
Quadro 2 Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – Programa
Nacional do Livro Didático 2007 - Valores Negociados........................30
Quadro 3 Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – Programa
Nacional do Livro Didático 2008 - Valores Negociados........................30
Quadro 4 Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – Programa
Nacional do Livro Didático 2009 - Valores Negociados........................31
Quadro 5 Caracterização da rede de escolas estaduais urbanas de Ensino
Médio em Salto de Pirapora (SP) – 2009............................................60
Quadro 6 Relação dos livros didáticos adotados pelas escolas pesquisadas
em Salto de Pirapora (SP) – 2009........................................................61
LISTA DE ABREVIATURAS
AAD-69 – Análise Automática do Discurso
ABRALE – Associação Brasileira de Editores de Livros
ABRELIVROS – Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos
AD – Análise do Discurso
ARENA - Aliança Renovadora Nacional
CEB – Comunidade Eclesiais de Base
CNLI – Comissão Nacional de Literatura Infantil
COLTED – Comissão do Livro Técnico e Didático
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura
CPT – Comissão Pastoral da Terra
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
FAE – Fundação de Assistência ao Estudante
FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
FENAME – Fundação Nacional do Material Escolar
FERAESP – Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São
Paulo
FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FMI – Fundo Monetário Internacional
IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INDA – Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrícola
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n° 9.394, de 20/12/1996)
LOGSE – Lei Orgânica Geral de Educação
MAST – Movimento dos Agricultores Rurais Sem Terra
MEC – Ministério da Educação
MES – Ministério da Educação e Saúde
MIRAD – Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário
MLST – Movimento da Libertação dos Sem-Terra
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária
ONU – Organização das Nações Unidas
PFL – Partido da Frente Liberal
PIB – Produto Interno Bruto
PLID - Programa do Livro Didático
PLIDEF - Programa do Livro Didático – Ensino Fundamental
PNLD - Programa Nacional do Livro Didático
PNLEM - Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária
PNUD - Programa para as Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPB – Partido Progressista Brasileiro
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PUC – Pontifícia Universidade Católica
SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica
SEE – Secretaria do Estado da Educação
SNEL – Sindicato Nacional dos Editores de Livros
SEPS – Secretaria de Ensino de 1° e graus
UDR – União Democrática Ruralista
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
UNESP - Universidade Estadual Paulista
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNISO – Universidade de Sorocaba
USAID - United States Agency for International Development
USP – Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ………………….......……..…..………………………………….........15
2 O LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL: DAS PRIMEIRAS
PUBLICAÇÕES AO PNLEM..................................................................................18
2.2 Percurso do livro didático no Brasil.......................................................................19
2.3 Primeira fase do Programa do Livro Didático (PNLD)..........................................24
2.4 Segunda fase do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)..........................25
2.5 Livros didáticos e o governo Lula.........................................................................27
3 A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL.....................................................................32
3.1 Planos políticos e governamentais de Reforma Agrária......................................37
3.2 Reforma Agrária na Nova República ...................................................................43
3.3 Reforma Agrária no governo de Fernando Collor e Itamar
Franco – 1990 a 1993..........................................................................................45
3.4 Reforma Agrária nos dois mandatos de Fernando
Henrique Cardoso – 1994 a 2001........................................................................46
3.5 Reforma Agrária no governo Lula........................................................................50
3.6 O MST e a questão agrária no Brasil...................................................................53
4 FUNDAMENTOS TEÓRICOS METODOLÓGICOS...............................................58
4.1 Aspectos metodológicos: critérios de escolha da amostra..................................58
4.1.1 Escolas Estaduais de Ensino Médio na cidade de
Salto de Pirapora/SP.........................................................................................60
4.2 Elementos da Análise do Discurso utilizados para a compreensão dos
sentidos construídos pelos livros didáticos de Geografia.....................................61
4.2.1 Da formação discursiva ao posicionamento......................................................61
4.2.2 A polêmica do discurso.....................................................................................65
4.2.3 O silenciamento como marca de um posicionamento.......................................66
4.2.4 O discurso didático como prática intersemiótica...............................................69
5 A QUESTÃO AGRÁRIA NO LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA.......................76
5.1 Primeira análise
Capítulo do livro Geografia: Pesquisa e ação......................................................80
5.2 Segunda análise
Capítulo do livro Geografia: Geografia Geral e do Brasil.....................................96
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................105
REFERÊNCIAS........................................................................................................108
ANEXO A - Geografia: Pesquisa e Ação. Editora Moderna - Cap. 29:
Movimentos sociais e cidadania...........................................................113
ANEXO B - Geografia – Geografia Geral e do Brasil. Editora Ática - Cap. 49:
A agricultura e a pecuária no Brasil: estrutura fundiária.......................125
15
1 INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem como tema o estudo do tratamento dado à questão
agrária em livros didáticos de Geografia do Ensino Médio, adotados pela rede
estadual de ensino. Para este trabalho, escolhemos livros selecionados pelas
escolas públicas estaduais, de nível médio, da cidade de Salto de Pirapora/SP.
Impulsionou-nos a escrever esta dissertação o fato de que a questão agrária é
recorrente, nos discursos da mídia em geral e dos alunos, sempre propondo a seus
interlocutores uma questão polêmica que transita entre o apoio a movimentos sociais
de luta pela terra ou o repúdio a eles. Mais do que um tema controverso, a questão
agrária é um objeto de estudos da disciplina Geografia Agrária, a qual nos possibilita
entender os problemas sociais e, portanto, a escola não deve eximir-se de tratá-la,
sobretudo na disciplina de Geografia.
Parece haver uma tendência, no discurso didático em geral, em manter-se neutro
sob determinados assuntos, exatamente por serem eles controversos ou até mesmo
tabu na sociedade. Logo, é interessante pesquisar como o autor do livro didático
aborda o terreno escorregadio da questão agrária e o latifúndio de opiniões que ela
contempla. Embora haja uma vontade de manter-se neutro nesses assuntos, bem
sabemos, e os estudos lingüísticos têm comprovado, que se torna impossível velar a
subjetividade na linguagem.
Ao falarmos, de acordo com Maingueneau (1997), deixamos entrever um
posicionamento, um “eu” que diz algo, de algum lugar social, para um “tu”. Muitas
vezes, o posicionamento assumido pelo interlocutor é marcado não pelo que ele
fala, mas também pelo que deixa de falar, pelo silenciamento, conforme Orlandi
(2002); assim, omite-se, evita-se determinado assunto, no entanto, a opção pela
omissão revela um traço de um “eu”, que fala de um lugar da sociedade. Falar,
porém, não significa usar somente a palavra, mas a diversidade de signos. Desse
modo, privilegiamos, também, neste estudo com livros didáticos, as imagens
presentes nos capítulos selecionados, entendendo-as, de acordo com Maingueneau
(2007), como prática discursiva que é intersemiótica, ou seja, as escolhas das
imagens também são reveladoras / ratificadoras de um posicionamento.
16
Para entendermos as principais características da linguagem presente no livro
didático, faremos empréstimos de dispositivos da Análise do Discurso, de linha
francesa, principalmente dos autores acima citados. Convém frisar que os usos
desses dispositivos serão necessários para apoiar nossa compreensão de como a
questão agrária nos é apresentada através dessa materialidade lingüística, o livro
didático. É importante deixar claro que não temos a pretensão de realizar um
trabalho de Lingüística, mas sim, recorrer a alguns mecanismos dessa ciência para a
compreensão de uma questão cara à Educação e à Geografia, em particular.
O livro didático é, muitas vezes, a única ferramenta didática de trabalho do
professor, que se apóia nele como também único material para atualização e
construção de seu próprio conhecimento. Desse modo, estudá-lo implica perceber
como se veiculam informações que vêm a configurar a construção de um saber do
professor e do aluno.
Assim sendo, queremos, com este trabalho, buscar respostas para a seguinte
questão: ao abordar a questão agrária, os livros didáticos de Geografia, empregados
em escolas blicas estaduais do ensino médio, rompem ou reforçam os
preconceitos por parte dos alunos e professores a respeito dessa problemática?
Portanto, nosso objetivo geral é estudar o tratamento dado ao conteúdo do livro
didático de Geografia de ensino médio, no tocante à questão agrária no Brasil, de
modo a perceber filiações que possam repudiar ou fazer alusões à polêmica que a
própria temática instaura. São nossos objetivos específicos: examinar o
posicionamento dos autores ao se referirem especificamente à questão agrária;
perceber de que modo os livros didáticos fazem menção ou silenciamento sobre
tema; verificar como a seleção de imagens aponta para determinada escolha
ideológica feita pelo autor.
Os textos que compõem nossa amostra são capítulos de livros didáticos
adotados por três escolas públicas estaduais de ensino médio da cidade de Salto de
Pirapora/SP. Na cidade, quatro escolas desse nível de ensino, porém, uma não
recebeu livros didáticos, segundo informações de sua direção. Duas utilizam um
mesmo título, portanto, vamos analisar dois livros didáticos, a saber: Geografia:
Pesquisa e Ação - volume único, da Editora Moderna e Geografia Geografia Geral
e do Brasil - volume único, da Editora Ática.
17
Uma vez escolhidos os livros, mediante o critério anteriormente apresentado,
optamos pelo seguinte percurso metodológico: analisamos os textos e verificamos
se neles há o tratamento/silenciamento da questão agrária, concomitantemente,
percebemos a relação texto-imagem na produção dos sentidos. Para isso,
trabalhamos, principalmente, com as seguintes categorias de análise: silenciamento,
posicionamento e prática intersemiótica.
Esta dissertação se compõe desta introdução e de mais quatro capítulos.
O capítulo 2, intitulado O LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL: DAS PRIMEIRAS
PUBLICAÇÕES AO PNLEM, em que tratamos, ao longo da história do Brasil, como
tem se dado o processo de produção, escolha e distribuição do livro didático nas
escolas públicas brasileiras.
No capítulo 3, A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL, abordamos o assunto,
descrevendo as contradições que envolvem essa temática; levantando as políticas
públicas envolvidas nesse processo, além de apresentarmos as diferentes formas de
luta que os movimentos sociais se propõem a realizar.
no capítulo 4, denominado FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
apresentamos a caracterização de nossa amostra, bem como elementos teóricos
que auxiliarão nossa análise.
O capítulo 5, A QUESTÃO AGRÁRIA NO LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA, é
a análise propriamente dita, considerando os objetivos específicos levantados e uso
do referencial teórico escolhido.
Apresentamos, por fim, nossas considerações finais, seguidas das referências
bibliográficas e dos anexos.
18
2 O LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL: DAS PRIMEIRAS PUBLICAÇÕES AO PNLEM
O livro didático é um componente essencial para o processo de ensino-
aprendizagem nas escolas brasileiras, sejam elas do nível fundamental ou médio.
Seu relacionamento com a educação é o evidente que, muitas vezes, é possível
identificarmos, nesse material, as características dos professores que o utilizam,
bem como as marcas que são capazes de deixar nos alunos que estudam com esse
livro.
Sabemos que tratar da questão histórica do livro didático em nosso país não é
uma tarefa relativamente simples, que para muitos pesquisadores da área, esse
material não tem uma história:
Poder-se-ia mesmo afirmar que livro didático não tem uma história própria
no Brasil. Sua história não passa de uma seqüência de decretos, leis e
medidas governamentais que sucedem, a partir de 1930, de forma
aparentemente desordenada, e sem correção ou a crítica de outros setores
da sociedade (partidos, sindicatos, associações de pais e mestres,
associações de alunos, equipes científicas [...]. (FREITAG; COSTA;
MOTTA, 1989, p. 12)
O surgimento do livro didático está intrinsecamente ligado à Reforma
Protestante. Antes da Reforma, apenas alguns membros da hierarquia eclesiástica
tinham acesso às escrituras sagradas, já que, a igreja Católica não permitia a
qualquer indivíduo a interpretação da Bíblia. A Reforma veio ao encontro dessa
problemática, produzindo reflexões através de pensadores como: Lutero e
Melanchton, assim como através de importantes filósofos: Kant, Ficht e Hegel,
Goethe, o poeta. Além disso, a Reforma também produziu um número expressivo de
pedagogos. Entre eles, Comenius, que é considerado o precursor do livro didático,
com seu livro Didática Magna, cuja influência se faz presente até hoje, conforme
afirmação de Gilberto Alves (2006, p. 230 - 231):
[...] a organização do trabalho didático vigente nos estabelecimento
educacionais de nosso tempo foi fundada por Comenius no século XVII, sob
a inspiração da organização manufatureira do trabalho. No âmbito do
trabalho didático, arraigado ainda às suas origens, continuam a ser
utilizados os mesmos instrumentos preconizados pelo autor de Didáctica
Magna, em especial o manual didático.
19
No Brasil, uma característica marcante dos livros didáticos é sua capacidade
de remeter a educação ao centro do debate, no que se refere às políticas públicas,
às questões ideológicas, aos métodos e aos currículos neles baseados. Dessa
maneira, questões que envolvem o livro escolar são sempre atuais e geralmente
compreendidas, como sendo polêmicas, com especificidade pelo fato de carregar
um componente mercadológico bastante relevante e ser um material que precisa
passar por uma constante atualização, sobretudo, os de Geografia, postos à prova
pelas constantes mudanças de ordem geopolítica. Mas o livro didático não pode ser
entendido de forma isolada porque ele sempre está inserido em uma maquinaria de
importância estratégica:
[...] para a existência e funcionamento do sistema educacional como um
todo, estendendo sua influência a amplos setores do mercado editorial bem
como as instituições estatais. Funciona como instrumento de ensino no
processo pedagógico em sala de aula; como fonte de lucro e renda para os
editores e como “cabide de empregos” para os funcionários e técnicos dos
organismos estatais. (FREITAG; COSTA; MOTTA, 1989, p. 12)
Outra consideração necessária é que os livros didáticos são utilizados de
maneira heterogênea pelos professores, ou seja, para alguns, esse material é o item
essencial com vistas ao desenvolvimento de atividades em sala de aula; para outros
é apenas um complemento às atividades. Ao mesmo tempo, não podemos esquecer
que o livro didático “muitas vezes é o único livro a que o estudante terá acesso em
toda a sua vida”. (CASSIANO, 2007. p. 8)
Mas o que é um livro didático? Para muitos, o livro didático é aquele capaz de
transmitir certo aprendizado, capaz de auxiliar na construção do conhecimento, mas
de uso quase que exclusivo, por professores, em sala de aula. Esse livro específico
recebe denominação particular, como, por exemplo, o de manual (que significa
disposto ao manuseio) ou compêndio (resumo ou síntese de determinados
conteúdos). Dessa forma, podemos dizer que esse material afeta diretamente a
problemática dos conteúdos e dos currículos escolares.
20
2.1 Percurso do Livro Didático no Brasil
Nos primeiros séculos da educação brasileira, tínhamos a ausência de uma
estrutura no país capaz de atender à editoração de livros que, deste modo, eram
importados de países europeus, conforme Sposito (2006, p. 28):
[...] até as décadas iniciais século XX, era comum que alunos da escola
secundária utilizassem manuais franceses para o estudo da História Geral
que, como assinalou Elza Nadai, ocupavam lugar mais destacado do que o
reservado para história nacional.
Nesse mesmo século, mais precisamente na década de 30, adquirem
características nacionais. A partir de 1930, o Brasil desenvolve uma política
educacional progressista, com pretensões democráticas e aspirando um
embasamento científico. As mudanças podem ser evidenciadas, nesse período,
através da mobilização de intelectuais brasileiros que redigem o Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, em 1932.
Em 1930, também se deu a criação do MES (Ministério da Educação e
Saúde). Esse período é considerado o marco inicial para o período de ações
voltadas exclusivamente à produção, compra e distribuição de livros didáticos no
Brasil. Seis anos após a criação do MES, cria-se a Comissão Nacional de Literatura
Infantil, que tinha como principais atribuições:
[...] realizar levantamentos sobre a situação desse tipo de produção literária;
selecionar livros para serem traduzidos; Classificar por idade as obras
existentes e censurar as que fossem perniciosas; organizar um projeto de
bibliotecas infantis e, com destaque, promover o desenvolvimento de uma
boa literatura para crianças e jovens”. A comissão, integrada por nomes de
destaque das letras nacionais Manuel Bandeira, Jorge de Lima, José Lins
do Rego, Murilo Mendes, Lourenço Filho e, por um curto período, Cecília
Meireles -, também promoveu concursos para premiar obras destinadas ao
público infantil. (SPOSITO, 2006, p. 29)
Cabe lembrar, também, Guy de Holanda, em Programas e compêndios de
história para o ensino Secundário Brasileiro1931/1956, quando defende a posição
de que o livro didático no Brasil é uma conseqüência direta da Revolução de 30.
O Decreto Lei 1006 de 30 de dezembro 1938, em seu artigo segundo,
seguido do primeiro e segundo parágrafos, define pela primeira vez o que vem a ser
um livro didático, diferenciado-os dos livros de leitura:
21
Art. Para os efeitos da presente lei, são considerados livros didáticos os
compêndios e os livros de leitura de classe. § Compêndios são os livros
que exponham, total ou parcialmente, a matéria das disciplinas constantes
dos programas escolares. § Livros de leitura de classe são os livros
usados para leitura dos alunos em aula. (BRASIL, 1.006/1938, Art. 2º, §
e 2º)
Esse decreto-lei mostra a preocupação do governo na época, no que se
refere à escolha e uso de determinados livros didáticos, deixando claro que a
intervenção do governo a respeito dessa escolha se dana escolarização básica,
mas mesmo na Educação Superior os professores devem tomar cuidado na escolha
desse tipo de material:
Art. A partir de 1 de janeiro de 1940, os livros didáticos que não tiverem
tido autorização prévia, concedida pelo Ministério da Educação, nos termos
desta lei, não poderão ser adotados no ensino das escolas preprimárias,
primárias, normais, profissionais e secundárias, em toda a República.
Parágrafo único. Os livros didáticos próprios do ensino superior independem
da autorização de que trata este artigo, nem estão sujeitos às demais
determinações da presente lei, mas é dever dos professores orientar os
alunos, afim de que escolham as boas obras, e não se utilizem das que lhes
possam ser perniciosas à formação da cultura. (BRASIL, 1.006/1938, Art.
3º)
Outro ponto que merece a nossa atenção, nessa lei, é o artigo 21, 22 e 23 do
decreto na qual são numerados dezoito impedimentos referentes à autorização do
livro didático no Brasil. Com isso, fica evidente a preocupação do governo quanto à
utilização em sala de aula de livros didáticos queo fossem condizentes ao regime
adotado pelo governo da época. Todavia, o que torna esse artigo ainda mais
interessante é o fato de somente cinco dos dezoito impedimentos dizerem respeito
às questões meramente didáticas, como podemos observar:
Art. 21. Será ainda negada autorização de uso ao livro didático;
a) que esteja escrito em linguagem defeituosa, quer pela incorreção
gramatical quer pelo inconveniente ou abusivo emprego de termo ou
expressões regionais ou da gíria, quer pela obscuridade do estilo;
b) que apresente o assunto com erros de natureza científica ou técnica;
c) que esteja redigido de maneira inadequada, pela violação dos preceitos
fundamentais da pedagogia ou pela inobservância das normas didáticas
oficialmente adotadas, ou que esteja impresso em desacordo com os
preceitos essenciais da higiene da visão;
Art. 22. Não se concederá autorização, para uso no ensino primário, de
livros didáticos que não estejam escritos na lingua nacional.
Art. 23. Não será autorizado o uso do livro didático que, escrito em língua
nacional, não adote a ortografia estabelecida pela lei.
(BRASIL. Decreto-lei 1.006/1938, Art. 21º, 22º e 23º)
22
A forma constitutiva da lei acima se insere em conjunto de medidas, que
visavam à reestruturação e o controle ideológico de todo o sistema educacional
brasileiro. Para se ter uma visão de quão amplo foi esse controle, podemos lembrar
da introdução do ensino de Educação Moral e Cívica em todos os níveis de ensino,
que era uma disciplina com valorização de conteúdos que promovessem atitudes
voltadas especificamente para o nacionalismo nos alunos.
Assim, desde o início do século XX, o Estado preocupa-se com a “qualidade”
dos livros usados na escola. É claro que essa preocupação é explicada pelo medo
de estar abastecendo as instituições de ensino com livros que pudessem se tornar
uma ameaça aos poderes constituídos no país. Havia uma preocupação para que
esses livros colaborassem, de forma direta, com a construção da identidade nacional
e da memória histórica, ambas construídas de acordo com os princípios abraçados
pelo regime e que tinham de estar presentes nos livros usados em todas as escolas
do país. Desta forma, os livros didáticos eram, como são ainda hoje, dispositivos
imprescindíveis para o poder, pois são voltados especificamente para o público
jovem, na maioria das vezes, grupos sociais caracterizados por baixa criticidade e,
por isso, mais ceis de serem manipulados ou moldados aos interesses do regime
em vigor.
Além dessas questões, como se tratando de um produto da indústria cultural,
o livro didático pode ser reproduzido em larga escala e distribuído por todas as
unidades federativas do país, influenciando dessa maneira as palavras do professor.
Se não bastassem essas influências, o livro também é altamente eficaz no que diz
respeito à lenta impregnação de idéias, pois sua utilização é cotidiana e prolongada.
O livro didático era, então, uma importante ferramenta para atingir a unificação
nacional, lingüística e ideológica, difundida no governo Getúlio Vargas.
Em 1966, o Estado, sob o regime militar, volta a interferir de forma direta nos
livros didáticos, que é nesse peodo é criada a Comissão do Livro cnico e
Didático (COLTED), com a finalidade de coordenar a produção, edição e distribuição
dos livros para todo o país. Cabe lembrar que a partir de 1960, a quantidade de
alunos aumenta consideravelmente e, para assegurar uma boa distribuição dos
livros didáticos, o governo brasileiro precisou contar com empréstimos
internacionais, originários de um acordo entre o MEC (Ministério da Educação),
SNEL (Sindicato Nacional dos Editores de Livros) e a USAID (United States Agency
for International Development), conhecida em português como: Agência Norte-
23
americana para o Desenvolvimento Internacional. O dinheiro vindo desse acordo
assegurou a continuação do programa com relação a esses materiais, salientando o
fato de que os alunos não podiam aprender conteúdos que fossem contra a
ideologia do Estado constituído.
Esse acordo tinha como objetivo tornar disponíveis cerca de 51 milhões de
livros para os estudantes brasileiros no período de três anos. A distribuição seria
gratuita e a COLTED tomaria conta também do programa de desenvolvimento, que
incluiria instalações de bibliotecas e cursos de treinamento de instrutores e
professores em várias etapas, envolvendo o âmbito federal, estadual e municipal.
O convênio firmado pelo MEC mais SNEL e a USAID era compreendido pelos
funcionários do Ministério da Educação como uma “ajuda” necessária para o bom
andamento do desenvolvimento do sistema educacional no Brasil. Porém, críticos da
educação da época viam esse convênio com segundas intenções e denunciavam o
acordo como um controle estadunidense no mercado editorial do Brasil,
especialmente nos livros didáticos. Segundo tais críticos, esse controle se dava de
maneira bastante intensificada no âmbito ideológico de uma parte importante do
processo educacional do país.
A COLTED funcionou até 1971 quando foi substituída pelo Programa do Livro
Didático (PLID), de acordo com decreto 68.728, de 08 de junho de 1971. Porém,
desde a década de 1960 essa instituição estava sendo ameaçada de encerrar as
suas atividades, particularmente em 1967, com a lei 5.327 de 2 de outubro de
1967, quando foi sancionada a institucionalização da FENAME (Fundação Nacional
do Material Escolar). Em 4 de fevereiro de 1976, o decreto de 77.107 passa a
responsabilidade do livro didático para a FENAME, que fora criada quase uma
década, para providenciar diversos materiais para escola.
Sete anos mais tarde, mais precisamente em 18 de abril de 1983, é
sancionada a lei n° 7.091, pelo então presidente Jo ão Figueiredo. Através dela o
órgão responsável pelos livros no país passa a se chamar FAE (Fundação de
Assistência ao Estudante), que por sua vez tinha a:
[...] finalidade de apoiar a Secretaria de Ensino de e graus
SEPS/MEC – desenvolvendo os programas de assistência ao estudante nos
níveis de educação pré-escolar e de e graus p ara facilitar o processo
didático-pedagógico. (MEC/FAE. Relatório Anual, 1984. Brasília, 1985: 7)
24
A esse grupo de trabalho também cabia a função de averiguar quais eram os
problemas relativos aos livros didáticos no país, propondo a participação de
professores na escolha dos livros e ampliação do programa existente, através da
incorporação das demais séries do Primeiro Grau. A FAE foi responsável pela
execução da política educacional do país de 1983 até 1997, ano em que foi extinta.
Para alcançar seus objetivos – atingir o maior número possível de estudantes,
com qualidade –, a FAE parte de uma estratégia que é utilizada até os nossos dias:
ampliar a idéia do livro durável e de qualidade, que desde os acordos MEC/USAID
não eram empregados, que nesse acordo contemplava-se o livro que fosse
descartável, com o uso bastante limitado, pois continha em um único exemplar o
livro de texto e o caderno de exercícios. Dessa forma, tal exemplar não poderia ser
reutilizado por outro aluno no ano seguinte.
2.3 Primeira fase do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
Entende-se como primeira fase do PNLD, os anos iniciais do Programa, de
1985 até início de 1990. Nesse período, foram implementadas mudanças com
objetivo bem definido: dar início a uma nova política no cenário dos livros didáticos
no país.
Em 19 de agosto de 1985, é sancionada pelo presidente Jo Sarney, a
edição do decreto n° 91.542, na qual o PLIDEF (Prog rama do Livro Didático
Ensino Fundamental) é substituído pelo Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD). Esse programa era subsidiado pelo MEC e intermediado pela FAE. Sem
dúvida é o mais duradouro de todos os programas implementados pelo Estado no
que diz respeito à análise, à aquisição e à distribuição dos livros didáticos no país.
Para compreendermos a origem do PNLD, é importante referenciar o
documento denominado: Educação para Todos: caminho para a mudança, publicado
em 31 de maio de 1985, no qual o ministro da educação da época, Marco Maciel, faz
uma análise da situação atual do país, explicando que o governo tinha de implantar
uma verdadeira democracia, não excluindo a promoção do desenvolvimento com
justiça. Na sua concepção, era possível concretizar esses objetivos, com ações
que pudessem realizar um resgate social no país.
O documento revela que os problemas herdados pela nação no período
ditatorial, foram vários; baixos níveis de renda, elevado índice de desigualdade
25
social, carências alimentares, ausência de um sistema de saúde que atendesse, de
fato, a população. Argumenta ainda que todos esses problemas estão vinculados
com a falta de um planejamento político eficiente, priorizando o sistema educacional
brasileiro, entendido como fundamental para a superação dessas deficiências
sociais.
O PNLD iniciou-se com algumas falhas, como: indícios de corrupção; falta de
financiamento regular e influência direta por parte das editoras, coagindo o professor
na escolha do seu livro. Esse conjunto de causas fez com que as metas iniciais não
fossem totalmente contempladas, mas mesmo com esses problemas, as vendas de
livros aumentaram exponencialmente. Diante disso, em 1987, a FAE considerou
esse programa como sendo a maior distribuição de livros didáticos do mundo. Para
evidenciarmos o crescimento vultuoso domero de livros negociados após a
implantação da PNLD, observemos a seguinte citação:
Höfling (1993) relata que no primeiro ano da FAE, 1983, pelo Programa do
Livro Didático/ Ensino Fundamental (PLIDEF) que posteriormente foi
substituído pelo PNLD – foram distribuídos 12.385.087 livros em todo o
território nacional (Relatório FAE, 1983, p.27). Em 1987, esse montante, já
por meio do PNLD, ultrapassou 55 milhões de volumes, que foram
distribuídos para cerca de 25 milhões de estudantes. (CASSIANO, 2007, p.
27)
De 1983 (anterior a implantação do PNLD) para o ano de 1987, tivemos um
salto assombroso no volume de livros negociados. Houve um aumento superior a
400%. Por essa razão, o PNLD foi bem aceito pelas editoras da época. Conforme
(Höfling, 1993) o Estado, já nessa época, é considerado o maior comprador de livros
do país, adquirindo aproximadamente 70% da produção de livros didáticos.
2.4 Segunda fase do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
A segunda fase do PNLD é caracterizada por sua consolidação e marcada
por influência ainda mais forte dos grandes organismos multilaterais, como é o caso
da Organização das Nações Unidas (ONU) e seus demais organismos, como a
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o
Programa para as Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Banco Mundial. Nessa nova fase, essas
instituições passaram a agir de forma diferenciada, ou seja, elas o trataram
26
apenas das questões financeiras, mas também ofereceram assessoria técnica em
áreas da Educação, possibilitando uma “melhor” aplicação das verbas destinadas a
esse fim, através de uma rie de programas. Esse período possibilitou que
ocorressem profundas mudanças no mercado editorial brasileiro, conforme veremos
ao longo desta análise.
A destinação do fluxo regular de verbas para a aquisição de livros didáticos foi
consolidada na gestão de Itamar Franco, que assumiu a presidência em 1992 e
dirigiu a nação até 1994. Nesse período, foi publicada a resolução FNDE n°6, no dia
13 de julho de 1993. Possibilitando uma mudança significativa para o cenário
brasileiro quanto à aquisição de livros didáticos, essa resolução estabeleceu um
fluxo regular de verbas para a aquisição e posterior distribuição dos livros didáticos.
No ano seguinte, a portaria 542, de 10/05/1995, na gestão do então
presidente Fernando Henrique Cardoso, a “universalização” da distribuição de livros
é consolidada, legalmente falando. Assim, o volume de livros negociados teve um
crescimento vertiginoso, o que por sua vez, chamou a atenção de grandes grupos
internacionais ligados ao segmento de livros didáticos. Nos anos seguintes, instalou-
se no Brasil, um número cada vez maior de empresas multinacionais, que passaram
a ver o potencial brasileiro para o mercado editorial.
Em 1996, ocorreu a implementação da nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (Lei 9.394, de 20/12/1996), sustentando uma reforma curricular com
certa inspiração na Reforma Espanhola de 1990 (Lei Orgânica Geral de Educação
LOGSE). Esse período também é relevante para o livro didático em nosso país,
que a nova LDB traz uma série de modificações no sistema educacional brasileiro.
Essa lei faz com que ocorra um aumento considerável no número de alunos
matriculados na Educação Básica. Dentre essas mudanças, algumas o
consideradas de suma importância no ponto de vista da ampliação do mercado
editorial: antes da implantação da nova LDB, a Educação Infantil (crianças de 0 a 6
anos) e o Ensino Médio (adolescentes de 15 a 17 anos), não eram atendidas de
forma obrigatória pelo Estado, mas com as novas mudanças, cabe ao Estado
atender obrigatoriamente a esses níveis.
Os anos que se seguem, após a aprovação da LDB, continuam sendo
bastante promissores para o mercado de livros didáticos no Brasil. As mudanças
legais mais recentes sobre esse assunto são as várias resoluções que m sido
elaboradas pelo MEC, norteando a agenda político-pedagógica do PNLD, assim
27
como a elaboração de normas para tentar melhorar e ampliar a Educação Básica no
Brasil.
2.5 Livros didáticos e o governo Lula
No século XXI, tivemos uma ampliação no que diz respeito às políticas
públicas voltadas para a distribuição de livros didáticos no Brasil, lembrando que
esse crescimento, é parte da política educacional do novo presidente: Luiz Inácio
Lula da Silva, que iniciou sua gestão em 2003.
Nesse contexto, não podemos deixar de citar um documento denominado:
Para formar um país de leitores: contribuições para a política publica do livro escolar
no Brasil, composto por uma série de reivindicações elaboradas por duas entidades
que representam o interesse de setor editorial do país: ABRALE (Associação
Brasileira de Editores de Livros) e a ABRELIVROS (Associação Brasileira dos
Autores de Livros Educativos). Esse material, resultado de um processo de
discussão de três grupos de representantes de ambas as instituições (autores,
empresários do livro e profissionais de edição), levou três meses para ser concluído
e foi endereçado, em dezembro de 2002, para aquele que seria, na época, o
próximo governo federal do Brasil.
Assim, os responsáveis pela produção de livros no Brasil expressam suas
principais ambições e propostas ao que se refere à política do livro didático. O
documento divide-se em cinco capítulos, a saber: 1. Introdução; 2. Sobre a
importância do livro na escola; 3. Sobre o sistema de avaliação de livros didáticos; 4.
Sobre a operacionalização do PNLD e 5. Propostas.
Ao invés de analisarmos exaustivamente todo documento, interessa-nos
trazer dele duas propostas que, na verdade, o dois grandes tópicos. Em primeiro
momento, houve a solicitação de uma proposta que proporcionasse aos alunos e
professores o acesso aos mais variados livros, principalmente por meio da
ampliação desses Programas. O segundo trata diretamente sobre o PNLD, na qual
foram feitas sete reivindicações:
a. que o PNLD não sofresse descontinuidade e interrupções;
b. que fossem incluídos livros e dicionários de Espanhol e inglês;
c. que fossem incluídos livros de todas as disciplinas do ensino médio;
28
d. que se reavaliasse a questão do livro consumível, para as quatro primeiras
séries do ensino fundamental, ou pelo menos nas duas primeiras.
Entendendo que: “a forma consumível é muito mais coerente e eficaz e
deveria ser acessível também a todos os alunos da escola pública”
(ABRALE, ABRELIVROS, 2002, p. 27)
e. que os critérios de avaliação do PNLD fossem revistos. Tais como:
[...] é essencial diminuir a penalizacão econômica, moral e intelectual
imposta a editores e autores, que, sem direito de recurso ao julgamento a
que são submetidos e sem poder corrigir pequenos erros em suas obras, as
vêem praticamente banidas do mercado por até três anos [...] (ABRALE,
ABRELIVROS, 2002, p. 27)
f. revisão em algumas etapas do Programa diminuindo a burocracia e
aumentando a transparência e respeito às instituições envolvidas no
processo;
g. que se verificasse a sustentabilidade jurídica e legal do Programa, para
aferir se seria necessária alguma outra garantia legal, para torná-lo um
Programa permanente, com recursos assegurados e livres de potenciais
instabilidades políticas.
A resolução n°38, de 15/10/2003, e a portaria N.º 2.922, 17/10/2003, aprova o
Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM). Iniciado no ano
de 2004, o PNLEM tinha por objetivo a distribuição de forma inédita de livros
didáticos para os alunos do ensino médio público de todo o Brasil.
Em 2005, para serem utilizados em 2006, o governo “universalizou” a
distribuição de livros didáticos de Português e Matemática para o ensino médio.
Assim, de acordo com dados do MEC, 7,01 milhões de alunos das três séries do
ensino médio de 13,2 mil escolas do país foram beneficiados no início de 2006, com
exceção das escolas dos estados de Minas Gerais e do Paraná que desenvolveram
programas próprios.
Ainda de acordo com dados do MEC, em 2006 foram distribuídos mais de
26.268 conjuntos de livros para professores de língua espanhola. Nesse mesmo
ano, foram investidos R$ 121,9 milhões no PNLEM. Para 2007, o orçamento foi de
R$ 220 milhões, pois nesse período foram incluídas as disciplinas de História e
Química, além da reposição de Matemática, Português e Biologia.
29
Em 2007, pela primeira vez, foram distribuídos os livros de Biologia a “todos”
os alunos e professores do Ensino Médio das escolas públicas de todo o Brasil,
exceto as escolas estaduais de Minas Gerais. Também foram repostos os livros de
Português e Matemática. O PNLEM/2007, de acordo com o MEC, distribuiu 9,1
milhões de exemplares, beneficiado 6,9 milhões de alunos em 15,2 mil escolas.
Em continuidade à universalização progressiva do Programa Nacional do
Livro para o Ensino dio, em 2008, foram distribuídos 7,2 milhões de livros de
História e igual quantidade de Química aos alunos e professores do ensino médio.
Em 2008, houve ainda a reposição de livros de Português, Matemática e
Biologia envolvendo a distribuição de 2,3 milhões de livros. Também, em 2008, pela
primeira vez, foi realizada a escolha de livros das disciplinas de Geografia e Física e,
pela segunda vez, a escolha dos livros de Matemática, Língua Portuguesa e
Biologia, avaliados e selecionados no PNLEM/2007.
De acordo com a Resolução 1, de 15/10/2007, que d ispõem sobre a
execução do PNLEM, neste ano de 2009 foram contemplados todos os
componentes curriculares previstos pelo Programa: Matemática, Português, Biologia,
História, Geografia, Física e Química.
Abaixo, apresentamos quatro quadros que evidenciam o volume de livros
adquiridos pelo PNLEM desde que esse programa foi implantando em 2004. A
primeira, atravessando os anos 2004, 2005 e 2006, cada uma projetando-se para os
anos seguintes, trabalha com o número de alunos beneficiados, mero de livros
distribuídos e valor financeiro dispensado ao Ensino Médio. Os valores negociados,
segundo editoras no ano de 2008, atribuem à Editora Moderna o maior valor, mais
de R$ 50.000.000, com 44 títulos adquiridos entre onze outras editoras. Já a terceira
tabela, referente ao ano de 2009, coloca a Editora Saraiva em primeiro plano quanto
à tiragem total, com 38 títulos adquiridos.
Quadro 1 - Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM) – Ensino Médio
Fonte: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Disponível em:
< ftp://ftp.fnde.gov.br/web/livro_didatico/resumo_quant_pnlem_2004_2007.pdf >
Acesso em: 05 maio 2009
30
Quadro 2 - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – Programa Nacional do Livro Didático
2007 - Valores Negociados
Fonte: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Disponível em:
< ftp://ftp.fnde.gov.br/web/livro_didatico/valores_negociados_editoras_pnld_2007.pdf >
Acesso em: 05 maio 2009
Quadro 3 - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – Programa Nacional do Livro Didático
2008 - Valores Negociados
Fonte: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Disponível em:
< ftp://ftp.fnde.gov.br/web/livro_didatico/planilha_pnlem.pdf >
Acesso em: 05 maio 2009
31
Quadro 4 - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – Programa Nacional do Livro Didático
2009 - Valores Negociados
Fonte: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Disponível em:
< ftp://ftp.fnde.gov.br/web/livro_didatico/valores_negociados_editoras_pnlem_2009.pdf>
Acesso em: 05 maio 2009
No capítulo que segue, A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL, abordamos o
assunto, descrevendo as contradições que envolvem essa temática, levantando as
políticas públicas envolvidas nesse processo, além de apresentarmos as diferentes
formas de luta que os movimentos sociais se propõem a realizar.
32
3 A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL
A questão agrária envolve uma gama de questões, como lembrou Girardi
(2008, p. 98):
[...] os temas mais estudados na Geografia Agrária, sendo eles:
camponeses, modernização da agricultura, questão socioambiental e
agricultura, assentamentos, produção/comercialização agrícola, MST,
assalariados, questão fundiária, técnicas de pesquisa no campo, políticas
de colonização, relação cidade-campo, questões teórico-metodológicas em
Geografia Agrária, atingidos por barragens, políticas públicas, posseiros,
extrativismo vegetal na Amazônia e renda da terra. Outros temas
freqüentemente abordados são a questão de gênero, a relação entre a
agropecuária e a questão ambiental e os complexos agroindustriais.
No Brasil, presenciamos diversos problemas sociais, originários da nossa
péssima distribuição de renda. A forma na qual se encontra a distribuição das
nossas terras no campo contribui em muito para o agravamento do quadro social,
sendo que a posse da terra tem um papel decisivo para a manutenção da atual
conjuntura; dando origem a uma divisão acentuada de classes sociais, com a
presença de diversos conflitos.
A questão agrária é o movimento de conjunto de problemas relativos ao
desenvolvimento da agropecuária e das lutas de resistência dos
trabalhadores, que são inerentes ao processo desigual e contraditório das
relações capitalistas de produção. Em diferentes momentos da história,
essa questão apresenta-se com características diversas, relacionadas aos
distintos estágios de desenvolvimento do capitalismo. Assim, a produção
teórica constantemente sofre modificações por causa das novas referências,
formadas a partir das transformações da realidade. (FERNANDES, 2001,
p.23)
A questão agrária, e por conseqüente a reforma agrária no Brasil e os
debates em torno dessas temáticas, geram um enorme incômodo em muitos e
muito tempo, em território brasileiro. Para alguns estudiosos, essa questão foi
resolvida em nosso país; para outros essa discussão perdeu o seu sentido histórico.
Uma gama de correntes teóricas estão presentes na atual discussão sobre a
compreensão da agricultura brasileira, suas relações sociais e perspectivas. Para
que possamos entrar nesse debate, temos que compreender como são as relações
de forças e qual é o posicionamento político e ideológico de cada uma dessas
matrizes teóricas.
O Atlas da Questão Agrária Brasileira”, constituído de mais de 300 mapas,
acompanhados de análises, resultante da tese de doutorado do geógrafo Eduardo
33
Girardi, desenvolvida no Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma
Agrária (Nera), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), revela como está o
campo brasileiro, que abrigava quase metade da população do país 30 anos atrás e
que hoje não abriga 10% do total. Girardi (2008) defende com ênfase a Reforma
Agrária no Brasil, além de se opor ao agronegócio que, segundo o pesquisador, tem
sido o grande responsável pela concentração de terras e riquezas em nosso país.
As principais características da questão agrária no Brasil surgem no mapa
intitulado: O Brasil Agrário”. Nesse mapa, o pesquisador mostra como se encontra a
atual situação do campo brasileiro, chamando a atenção para o fato dele ser capaz
de revelar de forma sintetizada uma série de informações que passam despercebido
nos estudos da questão agrária no Brasil.
34
Mapa1 - O Brasil Agrário
Fonte: (GIRARDI, 2008, p. 309)
35
A análise do mapa Brasil Agrário permite evidenciar o espaço agrário
brasileiro ocupado segundo diversas facetas: uma região que concentra a ocupação
realizada por “movimentos camponeses socioterritoriais” e por políticas de
assentamentos implementados pelo Estado; outra que apresenta o maior número de
conflitos pela posse da terra; ainda outra com as atividades pertinentes ao
agronegócio, bem como áreas de concentração indígena. Em suma, o mapa em
questão evidencia que o nível de ruralizacão não é uniforme em nosso país, e que a
área de maior incidência de violência contra trabalhadores rurais e camponeses está
no chamado Bico do Papagaio, no extremo norte do estado de Tocantins, centro-
norte do Maranhão e leste do Pará. Embora o mapa consiga retratar uma gama de
particularidades do que diz respeito à questão agrária, a discussão vai além do
mapa. Por exemplo, Fernandes (2001, p. 33-34) elenca uma série de elementos que
envolvem seu entendimento:
[...] a propriedade da terra, conseqüentemente a concentração da estrutura
fundiária; os processos de expropriação, expulsão e exclusão dos
trabalhadores rurais: camponeses e assalariados; a luta pela terra, pela
reforma agrária e pela resistência na terra; a violência extrema contra os
trabalhadores; a produção, abastecimento e segurança alimentar; aos
modelos de desenvolvimento da agropecuária e seus padrões tecnológicos,
as políticas agrícolas e ao mercado, ao campo e a cidade, a qualidade de
vida e dignidade humana. Por tudo isso é correto afirmarmos que a questão
agrária compreende as dimensões econômica, social e política.
Outro tópico que não deve ser desconsiderado em nosso estudo é o fato de
que no Brasil a questão agrária e, por sua vez as diversas políticas que regem tais
ações, nunca estiveram voltadas para atender, de fato, a parcela da população que
mais necessita dessas mudanças: os menos favorecidos, conforme analisaremos
mais adiante. De acordo com Feliciano (2006), somente através de lutas e
resistências é que os camponeses conseguiram fazer com que o Estado passasse a
ver-se obrigado a tomar alguma medida capaz de, pelo menos, minimizar os
problemas existentes no campo brasileiro. Entre os movimentos sociais podemos
citar alguns exemplos presentes no estado de São Paulo: Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Agricultores Rurais Sem
Terra (MAST), a Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São
Paulo (Feraesp), o Movimento da Libertação dos Sem-Terra (MLST) e o Movimento
Camponês Independente. Geralmente, nesses movimentos organizados por uma
luta contra a atual estrutura agrária no país nos remetemos ao MST, mas o rol de
36
organizações permite perceber que além desse movimento outros também agem em
busca do mesmo ideal. Porém é o MST, o mais importante e atuante em nível
nacional, e agora também em nível internacional, em países vizinhos, conforme os
jornais têm noticiado recentemente:
[...] a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) deverá monitorar a
aproximação que estaria ocorrendo entre o Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra (MST) e o governo do presidente Fernando Lugo do Paraguai.
(O ESTADO DE S. PAULO, 08 jan. 2009)
Além dessa intermediação com o Paraguai, o MST, mantém contato com o
presidente da Bolívia, conforme podemos perceber na reportagem publicada por um
jornal de grande circulação no país:
Em maio de 2006, em Viena, o presidente da Bolívia, Evo Morales, recebeu
um inusitado apoio de João Pedro Stedile, principal líder da organização, a
sua “revolução agrária”. No encerramento do Fórum Alternativo, Stedile foi
além e ofereceu a Morales as tropas do MST para expulsar os “latifundiários
brasileiros” da Bolívia. (O ESTADO DE S. PAULO, 08 jan. 2009)
Para uma melhor compreensão sobre a problemática presente no campo
brasileiro, é preciso entender, também, a diferença existente entre a questão agrária
e a questão agrícola. Silva (1987, p. 11), elabora uma análise bastante precisa das
diferenças e semelhanças entre ambas questões:
Em poucas palavras, a questão agrícola diz respeito aos aspectos ligados
as mudanças na produção em si mesma: o que se produz, onde se produz e
quanto se produz. Já a questão agrária está ligada às transformações nas
relações de produção: como se produz, de que forma se produz. No
equacionamento da questão agrícola as variáveis importantes são as
quantidades e os preços dos bens produzidos. Os principais indicadores da
questão agrária são outros: a maneira como se organiza o trabalho e a
produção; o nível de renda e emprego dos trabalhadores rurais; a
produtividade das pessoas ocupadas no campo, etc.
A separação entre essas duas questões é apenas um recurso analítico,
que, na realidade objetiva dos fatos, não podemos separá-las em compartimentos
estanques. Em outras palavras, a questão agrária se encontra presente nas crises
agrícolas, da mesma maneira que a questão agrícola tem suas raízes na crise
agrária; além de, internamente relacionadas, muitas vezes, ocorrem
simultaneamente.
37
Se observarmos a ênfase que os grandes meios de comunicação dão à
questão agrária no Brasil, assim como os mais diversos trabalhos acadêmicos, fica
evidente o quanto essa questão se encontra em alta nos nossos dias. Esse fato é
explicado por duas razões: 1° - Salvo raras exceçõe s, hoje dispomos de uma maior
liberdade se comparada com os períodos da Ditadura Militar, no que tange à
discussão de várias questões que fazem parte do nosso cotidiano, como é o caso da
questão agrária no Brasil. 2° - Outro elemento que torna evidente essa questão, é o
fato de que ela vem sendo agravada pelo modo como se tem expandido as relações
capitalistas de produção no campo.
[...] a industrialização da agricultura é exatamente o que se chama
comumente de “penetração” ou “desenvolvimento do capitalismo no campo”.
O importante de se entender é que é dessa maneira que as barreiras
impostas pela Natureza a produção agropecuária vão sendo gradativamente
superadas. É como se o sistema capitalista passasse a “fabricar” uma
Natureza que fosse adequada a produção de maiores lucros. Assim, se uma
determinada região é seca, toma uma irrigação para resolver o problema
da água; se é um brejo, vai uma draga para resolver o problema do
excesso de água; se a terra não é fértil, aduba-se; e assim por diante.
(SILVA, 1987, p. 14)
3.1 Planos políticos e governamentais de reforma agrária
Alguns estudiosos afirmam que os conflitos pela posse da terra no Brasil
tiveram origem simultânea com a chegada dos portugueses ao nosso país, como
podemos evidenciar no fragmento apresentado abaixo:
Podemos dizer que a luta pela terra no Brasil nasceu naquele mesmo
instante em que os portugueses perceberam que estavam em uma terra
sem cercas, onde encontravam tudo muito disponível. Os habitantes do
local, então, diante de armas e intenções nunca imaginadas, teriam muito
que lutar contra esse verdadeiro caso de invasão. (MORISSAWA, 2001, p.
57)
Em terras brasileiras, desde o período colonial, a distribuição do espaço
agrário sempre esteve vinculada aos interesses de uma elite dominante. Os
portugueses, no seu papel de colonizadores desenvolveram no país uma
colonização caracterizada pela exploração de todos os recursos naturais passíveis
de utilização e, nesse contexto, a terra teve um papel fundamental para a execução
dos objetivos propostos, pois era através dela que conseguiam produzir e atender
aos interesses da metrópole. O território conquistado foi dividido em 15 capitanias
38
hereditárias, grandes porções de terra, distribuídas entre 12 donatários, incumbidos
de povoá-las, através da distribuição das sesmarias. Cabe lembrar que, nesse caso,
o sesmeiro tinha o direito de posse da terra, mas o rei de Portugal ficava com o
domínio. Para que fosse possível produzir nessas terras, seria necessário o uso de
mão-de-obra. Passa-se, então, ao uso de mão-de-obra escrava no país.
Em 1759, foi decretado o fim das capitanias hereditárias e, com isso, a Coroa
portuguesa tornou-se a única autoridade na colônia brasileira.
No início do culo XIX, mais precisamente em 1822, após a Independência,
ocorre a extinção do regime das sesmarias até que uma nova lei ainda a ser
elaborada e decretada resolvesse a questão agrária no novo país. Em meados
desse mesmo século, o regime escravocrata começa a entrar em decadência,
motivado por interesses da Inglaterra que, neste momento, não estava mais
interessada em vender escravos, e sim, em realizar transações comerciais,
envolvendo agora os seus produtos manufaturados. Nessa situação, o Brasil proíbe
a tráfico negreiro em 1850. O que faz surgir à necessidade de que se crie uma nova
legislação para definir os critérios de acesso à propriedade. Surge então a Lei de
Terras (lei 601/1850), lei que estabeleceu que as terras devolutas poderiam ser
apropriadas através da compra e venda, mediante autorização do rei. Foi também,
responsável pela criação das bases para a organização de um mercado de trabalho
livre para substituir o sistema escravista. Essa lei foi a base para a atual estrutura
fundiária no país, na qual a posse da terra passou a ter vínculo direto com o capital:
Por essa lei só poderia ter terra quem as comprasse ou legalizasse as áreas
em uso nos cartórios, mediante o pagamento de uma taxa para a Coroa.
Portanto a Lei de Terras significou o casamento do capital com a
propriedade da terra. Com isso a terra foi transformada em uma mercadoria
a qual somente os ricos poderiam ter acesso. (MORISSAWA, 2001, p. 71)
Além de servir de base para a configuração atual da estrutura agrária no
Brasil, essa lei também teve um papel decisivo para a criação de uma organização
do trabalho, capaz de gerar lucros para uma minoria privilegiada, conforme podemos
perceber na seguinte citação:
A Lei de Terras de 1850 foi elaborada com a intenção de favorecer de forma
decisiva a criação de uma estrutura fundiária e uma organização do trabalho
que gerasse benefícios diretos a elite detentora do poder. Quando a mão-
de-obra se torna formalmente livre, todas as terras tem que ser
escravizadas pelo regime de propriedade privada. Quer dizer, se houvesse
39
homem “livre”, ninguém iria ser trabalhador dos latifúndios. (SILVA, 1987, p.
25)
O debate sobre a reforma agrária ganhou espaço a partir da década de 1960.
O governo que precedeu o golpe militar de 1964 foi o de João Goulart, cujo nome
popular era Jango. Esse presidente foi eleito prometendo realizar diversas reformas
de base, dentre elas a reforma agrária, entendida como uma das principais soluções
para a economia brasileira. Acreditava também que a alteração na estrutura agrária
do país teria um papel decisivo na busca de uma solução aos conflitos que até então
ocorriam no campo.
Nos países em que havia ocorrido revoluções socialistas, sem nenhuma
exceção, tiveram como um dos primeiros atos dos governos revolucionários a
execução da reforma agrária. A reforma agrária seria, à elite brasileira, o prenúncio
de uma revolução socialista, nos moldes em que ocorrera em outros países, como
China e Cuba.
Diante dessa situação, ocorre um golpe de Estado derrubando o governo de
Jango e instituindo-se em seu lugar uma ditadura militar. Alguns estudiosos dizem
que o golpe militar foi a forma encontrada para evitar que os poderosos do Brasil
corressem o risco de perder suas propriedades, que até então eram usadas da
forma que melhor fosse conveniente a essa classe social.
Assim, uma ligação entre o golpe militar de 1964 e a possibilidade de uma
reforma agrária no Brasil. A violenta repressão que os generais lançavam sobre os
diversos movimentos sociais da época fica mais clara diante desses fatos. Em outras
palavras, para o regime militar, era necessário reprimir todas manifestações ligadas
ao comunismo, sejam elas no campo ou na cidade.
Os militares tinham uma preocupação toda especial com questões que
envolvessem a luta social por uma mudança na sociedade, inserido nesse contexto
a questão agrária. Dessa maneira, a desmobilização dos grupos locais que surgem a
partir de conflitos ganhava muita importância. Assim, foram elaboradas por esse
governo diversas ações com o intuito de desmoralizar tais movimentos sociais, pois
a discussão em torno da questão agrária ganhava, nesse período, muita força:
[...] os militares perceberam isso com clareza, razão por que vem se
envolvendo progressivamente na questão agrária. Sua tática tem vários
níveis. Em primeiro lugar implica desmoralizar os grupos locais que surgem
a partir dos conflitos. Nos casos extremos, essa desmobilização se
40
através da desapropriação por interesse social das terras por litígio; em
certos casos, envolve a titulação das terras, geralmente mediante um
acordo entre as partes. Com isso, a redução do problema a sua dimensão
econômica tira dele o potencial político. Em segundo lugar, envolve a
desmoralização das lideranças e, sobretudo, das mediações sindicato,
igreja, grupos de apoio... em terceiro lugar, envolve o aparecimento e a
disseminação das instituições e atividades de intervenção direta do Estado
e dos militares na vida civil das populações rurais, através da Operação
Cívico-Social do Exército, do Mobral, do Projeto Rondon ou do controle e
administração de recursos públicos para interferir nos vários veis da
ordem social não diretamente relacionados com a questão da terra.
(MARTINS, 1991, p. 1-10)
As ações encarregadas de desmoralizar os movimentos sociais deixaram
marcas que até hoje fazem parte da vida cotidiana do brasileiro. O fato de a
sociedade brasileira ser considerada passiva e conformista é um reflexo desses
anos de chumbo que o Brasil viveu no período da ditadura militar.
Como elencado anteriormente, João Goulart acreditava que uma reforma de
base seria fundamental para o desenvolvimento do país, mas os militares tinham
uma visão oposta a essa, ou seja, tinham convicção que o Brasil precisava de uma
política na qual a modernização do campo seria fundamental para a obtenção do
sucesso almejado. Isso se devia:
[...] ao fato de acreditar que tudo se resolveria com o progresso econômico.
Por meio de incentivos e subsídios fiscais, pretendiam atrair grandes
empresas, e essas ao lado do latifúndio, modernizariam-se e aumentariam,
assim, a produção transformando o trabalho camponês em uma forma
assalariada e o latifúndio em grandes empresários rurais. A esse processo
denominou-se “modernização conservadora”. (FELICIANO, 2006, p. 36)
Em outras palavras, os militares, no que se refere ao desenvolvimento
capitalista da agricultura tinham por base a corrente teórica que defende a
transformação dos latifúndios em empresas rurais capitalistas capazes de resolver o
problema da produção de alimentos tanto para o consumo interno quanto para a
exportação.
A primeira lei a tratar de forma específica sobre a reforma agrária no país foi
aprovada pelo Congresso Nacional no dia 30 de novembro de 1964, período em que
o Brasil era governado pelo marechal Castelo Branco. A lei a que nos referimos é a
4.504, que criava o Estatuto da Terra.
41
Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis
rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política
Agrícola.
§ Considera-se Reforma Agrária o conjunto de med idas que visem a
promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de
sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao
aumento de produtividade.
§ Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo
à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interêsse da
economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-
lhes o pleno emprêgo, seja no de harmonizá-las com o processo de
industrialização do país. (BRASIL, 4.504/1964, Art. 1º).
Como podemos notar no primeiro artigo do Estatuto da Terra, essa lei não se
ateve a estabelecer normas para a questão fundiária. De acordo com o fragmento
podemos perceber que abrangia também outras questões no que se refere ao
campo brasileiro, como: a política agrícola, salientando o processo de modernização
da agricultura, para rumar o país em direção do desenvolvimento rural.
O Estatuto da Terra introduziu novos conceitos, estabelecendo critérios para
distinguir os vários tipos de propriedades agrícolas no Brasil. Dentre essas novas
nomenclaturas, vale destacar: o minifúndio, que seria uma propriedade de área
menor que o necessário para o sustento e progresso de uma família; módulo rural
como uma propriedade capaz de proporcionar o sustento de uma família, assim
como o seu desenvolvimento econômico e social. Seu tamanho pode variar a partir
de critérios técnicos; a empresa rural, seria a propriedade que não excedesse 600
vezes o tamanho do módulo rural da região e que fosse explorada de forma racional,
ocupando mais de 50% da área agricultável; o latifúndio por exploração, toda a
propriedade que não excedesse o tamanho de uma empresa rural, mas fosse
mantida inexplorada em seu todo, sendo a propriedade conhecida por latifúndio
improdutivo; e o latifúndio por dimensão é a propriedade que independente da sua
forma de utilização, ultrapassa 600 vezes o tamanho do módulo rural estabelecido
para sua região.
O Estatuto da Terra instituiu a desapropriação, quer seja de latifúndios ou
minifúndios, que estivessem em desacordo com a lei, sem direito a contestação
judicial pelo proprietário, a não ser em termos de valores indenizatórios.
Essa lei também criou, pela primeira vez no Brasil, o imposto territorial para as
propriedades localizadas no campo. Vale lembrar que até então nenhum proprietário
rural havia pago tributos sobre a propriedade da terra. Nesse sentido fica evidente o
quanto a lei em questão era bastante progressista para a época.
42
A lei estabelecia o que seria a função social da terra. De acordo com essa
definição o proprietário que utiliza a terra com respeito ao meio ambiente, de forma
racional e adequada e cumpre a legislação trabalhista, está dando à terra sua
função social.
Diante da apresentação anterior, parece contraditório afirmarmos que a lei
citada, elaborada por um governo militar, tinha um embasamento bastante
progressista. Isso se deve ao fato dela ter sido construída por profissionais que
consideravam importante uma mudança na estrutura agrária do país. Morissawa
(2001, p. 99) chama a atenção para a competência dos técnicos:
[...] eram pessoas competentes, de mentalidade avançada, desejosas de
fazer um projeto decente, que realmente favorecesse os interesses dos
trabalhadores rurais. Prova disso foi que, na época, o Jornal O Estado de S.
Paulo e os latifundiários paulistas fizeram a maior pressão contra a lei.
Mas, na verdade, essa lei foi uma resposta a necessidade de distribuição das
terras como forma de evitar novas revoluções sociais, como a que acabara de
acontecer em Cuba em 1959. Analisando-se nesse aspecto fica mais fácil
compreender, de fato, quais eram os verdadeiros objetivos dessa nova legislação.
Nesse período, o governo militar também criou dois órgãos, com o intuito de
fazer valer o Estatuto da Terra: o IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária) e o
INDA (Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrícola). O primeiro cuidava das
questões voltadas para a reforma agrária; o segundo cuidava especificamente de
políticas agrícolas voltadas para o desenvolvimento rural. Para viabilizar a sua
política econômica, o Estado manteve a questão agrária sob o controle do poder
central: O IBRA era subordinado à Presidência da República, enquanto o INDA
estava vinculado ao Ministério da Agricultura (tradicionalmente comandado por
grandes proprietários capitalistas).
Segundo Morissawa (2001, p. 99), “[...] o Estatuto da Terra, jamais foi
implantado. Era um ‘faz de conta’ para resolver pelo menos momentaneamente os
problemas no campo.” Diante dessa política, o acesso a terra no Brasil havia ficado
fechado aos menos favorecidos e totalmente aberto às empresas capitalistas. Assim,
podemos dizer que o principal objetivo da lei citada era o de atuar como um
instrumento estratégico capaz de controlar as lutas sociais e desarticular os conflitos
pela terra.
43
As pouquíssimas desapropriações ocorridas nesse período serviram apenas
para diminuir os conflitos ou realizar projetos de colonização: uma das principais
metas do governo militar era colonizar todo o território brasileiro, evitando assim a
propagação de conflitos sociais. Costuma-se dizer que essa política era aquela que
levava homens sem terra para terras sem homens. Assim, os militares resolviam
dois problemas ao mesmo tempo: diminuição dos conflitos no campo e uma melhor
distribuição da população em territórios que antes dessa política se encontravam
praticamente inabitados.
A forma como se apresentava o Estatuto das Terras; dava a aparência de que
iria possibilitar uma verdadeira luta contra a estrutura agrária vigente no país. Por
outro lado, a política agrícola e agrária dos militares promoveu a modernização
tecnológica das grandes propriedades, ao mesmo tempo em que facilitava o acesso
dos grandes latifundiários aos órgãos do Estado, como o Ministério da Agricultura,
IBRA e INDA. Assim, a política real do regime militar foi a entrega de mais terras aos
comerciantes e industriais. E foi nesse período que se entregaram grandes
extensões de terras públicas da região amazônica à grandes grupos empresarias,
inclusive à vários grupos multinacionais.
3.2 Reforma Agrária na Nova República – 1985 a 1989
Em 1985, após 21 anos de governo militar, com a posse de um presidente
civil eleito indiretamente, o Brasil entrou na chamada transição democrática. Após o
falecimento de Tancredo Neves, o vice-presidente José Sarney herdou a presidência
da Nova República, assumindo todos os compromissos de Tancredo Neves no que
se refere à questão agrária. Com a morte de Tancredo, a esperança de uma efetiva
reforma agrária ficou um tanto comprometida, que Sarney era o ex-presidente da
Arena, além de representante do latifúndio do Norte do Brasil.
O tema da reforma agrária voltou a ser o foco das discussões, logo no início
do governo Sarney. Uma das primeiras ações desse governo a respeito da questão
agrária no Brasil, foi a criação do Ministério da Reforma e do Desenvolvimento
Agrário (MIRAD), que escolheu Nelson Ribeiro para ministro, ficando o INCRA a ele
subordinado. Tancredo havia convidado para ser o presidente do INCRA, naquele
momento, Jo Gomes da Silva, fazendeiro e engenheiro agrônomo, grande
defensor de uma efetiva reforma agrária. Aliás, um dos autores do Estatuto da Terra.
44
Ele era considerado a maior autoridade em reforma agrária no Brasil. Na visão de
Tancredo, o fato de se tratar de um fazendeiro servia para não assustar muito os
latifundiários.
No final de maio de 1985, o grupo coordenado por José Gomes da Silva
entregou as lideranças políticas um plano intitulado PNRA (Plano Nacional de
Reforma Agrária). Ele beneficiava posseiros, arrendatários, assalariados rurais e
minifundiários. O principal objetivo do PNRA era dar aplicação rápida ao Estatuto da
Terra e viabilizar a reforma agrária no período do mandato de Sarney, promovendo o
assentamento de 1,4 milhão de famílias.
No início de outubro desse mesmo ano, o presidente Sarney assinou o
decreto 91.766 que aprovou o PNRA. Porém, em uma versão bastante diferente da
que fora concebida inicialmente pela equipe do INCRA. Durante a tramitação da
proposta ela foi totalmente desfigurada e tornada impraticável. Ao verem no que a
PNRA havia se transformado, José Gomes da Silva e seus colaboradores deixaram
o governo.
Nesse ano, surge também a UDR (União Democrática Ruralista), entidade
criada por grandes proprietários de terra. Tinha a finalidade de impedir a realização
da reforma agrária projetada, pressionando o Congresso Nacional, onde tinham
diversos representantes. A penetração da UDR foi imediata entre os latifundiários e
também entre os pequenos e médios proprietários rurais, pelo fato dessa entidade
pregar que entre as desapropriações de terra proposta pelo governo estavam
inseridas propriedades produtivas, qualquer que fosse o seu tamanho. Fato que
contribuiu para criar um clima de oposição à reforma agrária que, por fim, levou a
desfiguração do Plano, que foi, ainda assim, abandonado no ano seguinte.
Continuando com o objetivo de frear a reforma agrária a UDR financiou a
campanha eleitoral de candidatos de partidos conservadores, como o: PPB, PFL e o
PTB, à Câmara e ao Senado, para fazer parte do Congresso Nacional Constituinte
de 1987 1988. Foi assim que ela conseguiu impor emendas à Constituição que
fizeram o Estatuto da Terra retroceder. A principal mudança nesse sentido foi a
aprovação da categoria “latifúndio improdutivo” para burocratizar, questionar e
impedir os avanços da reforma agrária. Isso se deve ao fato do termo “improdutivo”
ser amplo e complexo, dando margem para que os latifúndios recorressem e
impedissem que a desapropriação ocorresse.
45
Assim, até 1993, quando foi aprovada a regulamentação da Lei Agrária, não
foi possível realizar desapropriações para fins de reforma agrária. Em 1989, fim do
mandato de Sarney, haviam sido assentadas 82.690 famílias, ou seja, apenas 6%
do total previsto inicialmente pela PNRA.
3.3 Reforma agrária no governo de Fernando Collor e Itamar Franco – 1990 a
1993
Nessas eleições, Fernando Collor de Mello foi eleito presidente do Brasil,
após ter derrotado Luis Inácio Lula da Silva. Seu governo começa com mudanças
drásticas na economia do país, destacando-se o confisco da poupança dos
brasileiros. Em 1991, depois de uma grande dificuldade para a estabilização da
economia, começam a surgir uma série de denúncias, envolvendo diversos setores
do governo. O irmão do presidente eleito foi o principal denunciante. O caso
terminou com o “impeachment” do presidente. Muitos brasileiros foram às ruas exigir
a sua saída. Com intenção de não perder os seus direitos políticos Collor pediu
renúncia do seu cargo, ato que o surtiu o efeito desejado, que mesmo assim o
Senado cassou os seus direitos políticos por oito anos.
Uma das principais promessas de Collor era trazer uma modernização
econômica para o país, através da abertura da economia, tanto para investimentos,
quanto para a entrada de produtos importados. Além disso, o seu governo começou
a seguir a cartilha proposta pelo Banco Mundial, FMI e outras instituições
multilaterais, implantando o neoliberalismo no Brasil, que é a redução da intervenção
do Estado na economia. Para que essas mudanças tornassem possíveis ele reduziu
as taxas alfandegárias para estimular as importações e começou a privatizar as
indústrias estatais.
Diante desses dados, fica clara qual foi a posição desse governo em relação
às questões agrárias no país, conforme bem lembrou Fernandes (2003, p. 3):
[...] com o governo Collor, quando a Polícia Federal invadiu várias
secretarias e prendeu diversas lideranças do MST. As ocupações de terras
diminuíram, assim como o número de assentamentos implantados,
significando um retrocesso para a luta pela reforma agrária.
No curto período que Collor ficou no poder, o processo de reforma agrária ao
invés de avançar, teve um recuo. As medidas econômicas implantadas por Collor,
46
restringiam benefícios a uma pequena parcela da população brasileira, ou seja, a
elite.
Após o “impeachment” em 1991, assume o seu lugar o então vice-presidente
Itamar Franco. Em se tratando da questão agrária, o seu governo não mudou quase
nada em relação ao seu antecessor. A aprovação da Lei Agrária (lei 8.629) foi
importante para considerar todas as grandes propriedades improdutivas sujeitas a
desapropriação para fins de reforma agrária. Com ela, não mais vieses jurídicos
que impossibilitem as desapropriações. Essa lei inclui também um mecanismo
chamado de rito sumário para acelerar o processo de desapropriação, exigindo do
judiciário um prazo máximo de 120 dias para decidir se a propriedade é ou não
passiva de desapropriação.
A Lei Agrária, assim como as outras leis destinadas a esse fim, foram criada
com a intenção de controlar, pelo menos momentaneamente, as lutas pela reforma
agrária no Brasil.
3.4 Reforma agrária nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso – 1994
a 2001
O aspecto de maior sucesso no governo de Itamar Franco foi a anulação da
inflação, resultado do trabalho do ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso.
Essas mudanças, realizadas no governo anterior, possibilitou uma melhoria na
distribuição de renda, na ampliação do mercado consumidor, na estabilidade
econômica e conseqüentemente na atração de bilhões de dólares de investimentos
estrangeiros no país.
Esse quadro deu grande popularidade a FHC, que assume a presidência da
República em 1994.
Seu governo recebeu apoio de diversos meios de comunicação, entre eles
podemos destacar a revista Veja. De acordo com a Veja, (18 jun 2003, p. 78), o
governo de Fernando Henrique Cardoso teve uma atuação ímpar, no que concerne
a questão agrária no Brasil:
[...] a verdade é que a reforma agrária feita por Fernando Henrique Cardoso
em seus oito anos de administração foi o mais ambicioso plano de
distribuição de terra já tentado por um governo democrático. O governo FHC
retalhou 18 milhões de hectares, uma área maior que o Uruguai, e neles
47
assentou 525 000 famílias. Quase 2 milhões de brasileiros receberam terras
do governo entre 1995 e 2002.
No que diz respeito à questão agrária, em seu primeiro mandato (1995
1998) realizou uma ampla política de assentamentos rurais. O governo de FHC,
defendia a tese que não havia mais latifúndios no Brasil e que não existiam tantas
famílias sem-terra (CARDOSO, 1991, p.10). Assim, o governo acreditava que
promovendo o assentamento das famílias acampadas, o problema agrário no Brasil,
estaria resolvido.
Porém, seus planos iniciais o surtiram o efeito esperado, os problemas no
campo se intensificaram muito, conforme evidencia na citação que segue:
Todavia, com os massacres de Corumbiara, no Estado de Rondônia, em
1995, e de Eldorado dos Carajás, no Estado do Pará, em 1996, e com o
crescimento das ocupações de terra durante o seu primeiro mandato, que
passou de vinte mil famílias em 1994, para setenta e seis mil famílias em
1998, o governo FHC viu a sua tese cair por terra. (FERNANDES, 2003, p.
2)
Um dos mais trágicos conflitos pela posse da terra se deu no governo de
FHC. No dia 17 de abril de 1996, ocorreu um confronto direto com manifestantes do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e a Polícia Militar das cidades de
Marabá e de Parauapebas, no estado do Pará. Cerca de três mil famílias sem terra
encontravam-se na rodovia PA-150, realizando um protesto para exigir rapidez na
desapropriação de um latindio que os manifestantes haviam ocupado, e montado
um acampamento, por nome de Macaxeira.
A ação da polícia, realizada por 155 homens, tinha por objetivo neutralizar tal
manifestação, fato que resultou na morte imediata de 19 trabalhadores rurais sem
terra e ferimentos em outros 69, dos quais outras 3 acabaram morrendo por não
resistirem à gravidade das lesões.
Esse massacre é lembrado anualmente por diversos movimentos sociais, com
relevância o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
O episódio teve bastante repercussão, tanto nacional como
internacionalmente, para se ter idéia do seu impacto, o dia 17 de abril foi instituído
pela Via Campesina e reconhecido pelo governo brasileiro como o “Dia Nacional de
Luta pela Reforma Agrária”.
48
Para lembrar esse trágico momento da luta pela distribuição igualitária das
terras no Brasil, os movimentos sociais intensificam seus atos a partir do mês de
abril de cada ano. Essas ações são caracterizadas por ocupações em propriedades
privadas e públicas, como: latifúndios improdutivos, praças de pedágio, institutos que
desenvolvem pesquisas voltadas para a melhoria genética de produtos agrícolas,
assim como a organização e realização de protestos, marchas e outros atos que tem
por finalidade lembrar a morte dessas pessoas, vítimas do massacre, objetivando
também chamar a atenção do governo para a problemática envolvendo a questão
agrária em nosso país.
Em seu segundo mandato (1998 a 2001), FHC muda de estratégia
desenvolvendo uma política agrária extremamente repressora, criminalizando a luta
pela terra e desenvolvendo uma política de mercantilização da terra. Para se ter uma
noção do quanto fora grande a repressão proporcionada por esse governo contra os
movimentos sociais, a citação abaixo é reveladora:
[...] implantou o Banco da Terra, uma política de crédito para compra de
terras e criação de assentamentos. No segundo mandato do governo FHC,
essa política cresceu em detrimento das desapropriações. Também
destruiu a política de crédito especial para a reforma agrária, criada durante
o governo Sarney, e a política de assistência técnica, prejudicando centenas
de milhares de famílias assentadas, intensificando o empobrecimento. Ainda
proscreveu a política de educação para os assentamentos, que fora criada a
partir de um conjunto de ações do MST. (FERNANDES, 2003, p. 2)
Além dessas mudanças no governo de FHC foram criadas duas medidas
provisórias que atrapalharam em muito a solução da questão agrária no Brasil: uma
que determinava o não assentamento das famílias que participassem das
ocupações de terra e a outra que determinava a não vistoria das terras ocupadas
por dois anos, quando ocupadas uma vez e por quatro anos quando ocupada por
mais de uma vez.
FHC implantou o que os movimentos sociais chamam de Reforma Agrária de
Mercado. Para a realização dessa nova empreitada, o governo contou com o apoio
econômico, político e ideológico do Banco Mundial. O fundamento dessa proposta
era retirar do Estado sua função de agente mediador no processo de mudança da
estrutura fundiária e transferir essa responsabilidade para a sociedade civil. Assim,
trabalhadores rurais sem terra e/ou proprietários interessados em obter o seu
49
pequeno pedaço de chão ou aumentar a sua área passariam a organizar-se em
associações voltadas a compra da terra.
Dando seguimento à política da reforma agrária de mercado, o governo
federal implantou, em 1997 o Programa Cédula da Terra em cincos estados
brasileiros: Ceará, Maranhão, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais. Na verdade esse
programa era um teste para o Banco Mundial implantar efetivamente o Banco da
Terra, que foi finalmente criado no primeiro semestre de 1998.
Essa política foi muito criticada pelos movimentos sociais, que segundo
esse segmento da sociedade o maior beneficiário desse processo era o próprio
latifundiário que, acabava obtendo benefício duplo:
[...] se ele desejar vender suas terras, o fará de preço de mercado, sem
qualquer punição social por tê-las mantido improdutivas, por não obedecer à
legislação trabalhista ou por não preservar o meio ambiente; se não desejar
vende-las, permanecerá impune, pois não haverá mais possibilidade de
desapropriar suas terras por interesse social, em vista da inexistência de
recursos para isso. (MORISSAWA, 2001, p. 114)
O governo de FHC, na época, fez diversas propagandas dizendo que a
reforma agrária implantada em sua gestão foi a maior da história do Brasil. Segundo
Fernandes (2003), essa realidade produziu dois resultados lamentáveis: 1. o
represamento com o crescimento do número de famílias acampadas, que em 2003,
chegou a 120 mil famílias. 2. a precarizacão dos assentamentos implantados que,
na maioria das vezes, não tinham uma infra-estrutura sica e não contavam com
créditos agrícolas.
Em suma, poucos foram os avanços reais conquistados na questão agrária no
período em que FHC esteve na presidência da república:
Na verdade, o governo FHC nunca possuiu um projeto de reforma agrária.
Durante os mandatos de seu governo, 90% dos assentamentos implantados
foram resultados de ocupações de terra. Todavia, no seu segundo mandato,
quando criminalizou as ocupações e os movimentos camponeses entraram
em refluxo e, por conseqüência, diminuíram as ocupações de terra, também
diminuiu o número de assentamentos implantados. (FERNANDES, 2003, p.
3)
50
3.5 Reforma agrária no governo Lula – 2002 a 2009
Com especificidade, em relação à questão agrária, nos anos 90, aparece uma
nova corrente teórica. Essa corrente, denominada de Paradigma do Capitalismo
Agrário (ABRAMOVAY, 1992), procurava desconsiderar a existência da questão
agrária como problema impossível de ser solucionado no capitalismo.
Essa nova corrente segue a ótica do neoliberalismo, entendendo que os
conflitos entre as diferentes classes sociais (como os sem-terra e os grandes
latifundiários) só podem ser solucionados se houver uma melhor relação entre esses
diferentes grupos o que, traz benefícios para o sistema capitalista. Nesse
contexto, podemos citar o caso da compra de terras por meio de políticas do “Banco
da Terra”, como o apoio do Banco Mundial. Os idealizadores desse processo alegam
que essa interação pode ser uma saída para o problema agrário, o que na verdade
não consegue alterar de fato a estrutura agrária vigente, pois o latifundiário, vende a
sua terra geralmente pelo valor de mercado, portanto não uma mudança
significativa na concentração da renda. Essas e outras políticas passaram a ser bem
vistas por diversos setores da esquerda e da direita, fazendo parte também dos
discursos de parlamentares do PT.
Seguindo esse novo paradigma para a questão agrária, a mídia fazia uma
jogada com o intuito de esconder a verdadeira realidade do campo brasileiro,
entendido segundo Fernandes (2003, p. 4) como:
[...] uma das estruturas fundiárias mais concentradas do mundo e em
intensificação; com o aumento de famílias acampadas nas beiras das
estradas e dentro dos latifúndios; com o empobrecimento dos camponeses,
com o aumento da expropriação e exclusão.
No Brasil, poucos são os meios midiáticos que não apresentem “aversão” aos
movimentos sociais que lutam por uma reforma agrária. Após Lula conquistar a
eleição, as principais mídias do país, compreendidas pelo: jornal O Estado de S.
Paulo, pela Folha de S. Paulo, O Globo, e Jornal do Brasil, ainda pela revista Veja e
outros periódicos semanais, preocuparam-se em mostrar o aumento dos conflitos no
campo, mas não suas causas. Fica claro o quanto a empreitada do novo governo, à
respeito dessa questão, seria árdua e complexa. Diferentemente de governos
anteriores, Lula encontrou uma nova forma de lidar com essa problemática,
51
oferecendo cargos não apenas para grandes fazendeiros, mas também a pessoas
ligadas aos movimentos sociais, como podemos na seguinte citação:
Com a vitória do governo Lula, os movimentos camponeses participaram
nas indicações de nomes para cargos de segundo escalão do governo Lula.
O MST e a CPT tiveram forte influência na nomeação de vários cargos no
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, inclusive
indicando para presidente o geógrafo Marcelo Resende, que trabalhara no
Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais, durante a gestão do então
governador Itamar Franco. A CONTAG também indicou alguns nomes para
o Ministério do Desenvolvimento Agrário. (FERNANDES, 2003, p. 4)
As indicações aos cargos públicos voltados para a realização da reforma
agrária no país não se referiram apenas aos movimentos sociais. Os ruralistas
também foram contemplados com cargos, conforme citação de (Fernandes, 2003, p.
5):
[...] os ruralistas participaram das indicações de nomes para o Ministério da
Agricultura, garantido dessa forma a continuidade do modelo de
desenvolvimento da agropecuária, que fora implantado pelos governos
militares. Além de ocupar esse espaço político, os ruralistas reagiram
ferozmente ao aumento das ocupações de terra e do número de famílias
acampadas. Com o forte apoio da mídia, os ruralistas mobilizaram-se contra
a política agrária do governo Lula e conseguiram anular a primeira
desapropriação executada no município de São Gabriel, no Estado do Rio
Grande do Sul.
Porém, a política de novo presidente não se manteve por muito tempo do
modo inicial, que, no ano seguinte, em setembro de 2003, Lula destituiu o
presidente do INCRA e sua equipe e nomeou um assessor parlamentar do PT como
novo presidente. Com essa medida, o PT demonstrou para os sem-terra e para os
ruralistas o seu objetivo de ter o controle político sobre os conflitos fundiários.
Assim, podemos perceber o quanto houve um redirecionamento das políticas
voltadas para a questão agrária no governo Lula. Além dessas mudanças, chama
atenção o fato de ao longo dos seus mandatos, o presidente ter intensificado o seu
apoio ao Agronegócio, principalmente aquele relacionado à produção de
bicombustíveis. Podemos citar o seu discurso na FAO, em 2008, sobre a questão
dos alimentos no mundo, lembrou que no Brasil existe ainda muito espaço para a
prática da agricultura (77 milhões de hectares, segundo os dados mostrados por
Lula) e mais 40 milhões de hectares de pastagens degradadas e subutilizadas. Por
isso, o Presidente defendeu que possibilidade de expandir a produção de
52
agrocombustíveis (em maior quantidade o álcool) sem haver necessidade de ocupar
novas áreas na Amazônia ou de reduzir a área plantada com alimentos. (Folha
Online. Paulo, 03 jun. 2008).
Segundo Girardi (2008), em relação ao discurso do agronegócio, a visita do
Presidente Lula a Gana mostra a contradição da produção de agrocombustíveis. Na
ocasião, foi instalada uma unidade da Embrapa naquele país. Um dos principais
objetivos da estatal brasileira em Gana é contribuir para o desenvolvimento da
produção de agrocombustíveis. A empresa brasileira Constram S/A irá produzir
álcool em Gana para ser vendido à Suécia. (FOLHA ONLINE, 21 abril 2008). Em
2007, Gana estava em 155º lugar no ranking do IDH, com 0,55; e a Suécia, em
lugar, com 0,96. Desta forma, há uma questão a ser colocada: que tipo de
desenvolvimento é possível a partir de relações tão desiguais que transforma a
agricultura em mais um negócio do capital? No contexto da globalização perversa,
definida por Milton Santos (2003), a agricultura se torna uma mercadoria como
qualquer outra e sua produção e consumo são submetidos à lógica do lucro.
Outro ponto que não deve ser esquecido, quanto ao governo Lula, é a
expansão do Programa Bolsa Família. Esse programa destinado às famílias de baixa
renda exige o cumprimento de algumas regras; dentre elas podemos destacar:
manter as crianças nas escolas, revelar as principais características do domicílio,
seguir o calendário de vacinação e a agenda pré e pós-natal para as gestantes e
mães em amamentação. As famílias que conseguem cumprir todas as exigências
do Programa recebem uma ajuda mensal, que varia de família para família,
dependendo do número de filhos. Tal benefício tem sido responsável por uma
diminuição considerável dos movimentos sociais que lutam pela reforma agrária no
Brasil, conforme noticiou o jornal Folha de S. Paulo de novembro de 2007, com a
reportagem intitulada “Invasores de terra diminuem com avanço do Bolsa Família”:
Levantamento da Folha com base em dados do Ministério do
Desenvolvimento Social e da CPT (Comissão Pastoral da Terra) mostra que
o número de famílias que invadiram terras no Brasil caiu de 65.522, em
2003, para 44.364, em 2006 queda de 32,3%. Nesse mesmo período, a
quantidade de famílias sem-terra acampadas despencou de 59.082 para
10.259 uma diminuição de 82,6%. O único número que se manteve
estável foi o de invasões, que oscilou de 391 em 2003 para 384 em 2006”.
(FOLHA DE S. PAULO, 04 nov. 2007)
53
Assim, podemos resumir dizendo que existem duas formas de um governo
abordar a problemática da terra no Brasil: como política de desenvolvimento
territorial ou como política compensatória. No primeiro caso, o governo elaborará um
plano de reforma agrária com a intenção de alterar de fato a estrutura agrária do
país, dando uma nova configuração ao território no que tange à distribuição das
terras. No segundo caso, o governo trata a questão apenas pelo fato de ter sido
pressionado pelos movimentos sociais que buscam uma melhor redistribuição da
terra. Ao longo da nossa história não tivemos nenhuma ação política caracterizado
pelo desenvolvimento territorial, aparece apenas o segundo caso, sob a forma das
políticas compensatórias.
3.6 O MST e a questão agrária no Brasil
Os movimentos sociais brasileiros que lutam por uma melhor distribuição do
espaço agrário no país não se restringem apenas ao MST, mas a nossa escolha
desse movimento se deve ao fato dele atuar de forma diferenciada dos demais. O:
[...] mais importante movimento socioterritorial camponês é o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que é membro da Via
Campesina. Para o MST, a questão agrária brasileira não é somente uma
questão de terra; ela apresenta diversos outros problemas atuais como a
questão de gênero, democracia, meio ambiente (água, florestas e
biodiversidade), direitos humanos, alimentos transgênicos, agronegócio e
agricultura ecológica. (GIRARDI, 2008, p.114)
O campo de atuação do MST, o fato de ter inimigos declarados, assim como a
forma em que realiza suas ações, merecem destaque:
[...] luta pela solução dos problemas concernentes à questão agrária,
questionando o governo, as grandes empresas, os fazendeiros e a sociedade
acerca das práticas socialmente injustas e ambientalmente predatórias
disseminadas no campo pelo modelo agrícola dominante o agronegócio. O
MST luta por um desenvolvimento que considere a diminuição da
desigualdade e da pobreza no campo, na cidade e na floresta a partir da
resolução dos problemas da questão agrária. (GIRARDI, 2008, p.114)
Morissawa (2001) mostra que para atingir seus objetivos, o MST conta com
uma série de estratégias, que constituem formas de luta com o intuito de despertar
na opinião pública e nos representantes do governo o quanto a questão agrária no
54
Brasil é problemática e carece de uma solução. Dentre essas ações podemos
destacar:
Ocupação considerada a forma de luta mais importante do movimento. Tem
por objetivo gerar um fato blico e conseguir uma resposta por parte do governo,
quanto a esse problema.
Acampamento permanente quando a justiça determina o despejo,
geralmente com reintegração de posse, os militantes se instalam em locais
próximos, na maioria das vezes as margens de rodovias.
Marchas pelas rodovias tem por objetivo chamar a atenção da população
para o problema dos sem-terra, ganhar adeptos e simpatizantes, promover
discussão sobre a realidade brasileira e ser um poderoso meio de pressão sobre os
governantes.
Jejuns e greves de fome no caso do jejum, centenas de participantes ficam
sem comer por um tempo determinado, em lugar público. a greve de fome é
utilizada somente em casos extremos, quando o número de pessoas ameaçadas é
maior que o número de participantes. Os dois casos constituem formas de pressão
contra o governo, com a finalidade de chamar a atenção para um problema
específico.
Ocupação de prédios públicos o prédio ocupado geralmente é aquele onde
está sediado o órgão envolvido na reivindicação. O objetivo dessa ação é mostrar ao
público o fato dos representantes não terem cumprido os compromissos assumidos.
Acampamentos nas capitais os acampamentos localizados na zona rural
não despertam tanto interesse na mídia, por isso algumas vezes os sem-terra se
deslocam para os grandes centros urbanos, com o intuito de mostrar como é a vida
dentro de um acampamento.
Acampamentos diante de bancos é a forma encontrada para pressionar as
agências bancarias na liberação de recursos para que os assentados possam
começar a produzir.
Vigílias Geralmente são protestos contra injustiças. É uma manifestação
massiva, continua e permanente, mantendo-se dia e noite.
Manifestações nas grandes cidades - é a forma do MST ganhar visibilidade e
chamar atenção da população para os seus problemas. Na maioria das vezes, essas
manifestações são pacíficas e chamam a atenção pela ordem e disciplina.
55
No final da década de 70, com a fundação da CPT (Comissão Pastoral da
Terra) e as greves do ABCD paulista, os camponeses sentiram-se estimulados a
lutar por espaços para a prática da agricultura, iniciando-se assim ocupações de
latifúndios no Rio Grande do Sul, dando origem ao Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), conforme mostrou Bezerra (1999, p. 11):
O MST nasceu das lutas concretas pela conquista da terra, que os
trabalhadores rurais foram desenvolvendo de forma isolada na região Sul,
num momento em que aumentava a concentração de terras e ampliava a
expulsão dos pobres da área rural, devido a modernização da agricultura e
a crise do processo de colonização implantado pelo regime militar.
Muitos economistas, notadamente os que representam interesses da
burguesia, acreditam que uma melhor forma de distribuir a renda no Brasil é criar
uma urbanização planejada. Ao contrário dessa concepção, o MST acredita que
para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores rurais e proporcionar o
desenvolvimento social, os trabalhadores devem permanecer no campo, através de
uma reforma agrária que distribua a propriedade da terra em nosso país. Além disso,
para o movimento essa alteração na estrutura da terra, deve receber um caráter
socialista, de forma que se altere de modo acentuado os modos de produção e
também as relações de trabalho no campo.
Para muitos estudiosos do assunto, esse discurso é considerado bastante
contraditório, conforme lembrou Bezerra (1999, p. 12):
Esse discurso, porém, é contraditório: ao mesmo tempo em que o MST
afirma lutar por uma sociedade socialista, em que devem ser rompidas as
barreiras do direito “sagrado” da propriedade através das ocupações de
terras no campo, aceita e defende a pequena propriedade rural,
contribuindo para ampliar e fortalecer as relações capitalistas de produção
no campo, apesar deste setor ter sido historicamente considerado um
entrave nas lutas para a construção de uma sociedade socialista, dado o
seu caráter conservador.
Em janeiro de 1984, realizou-se o primeiro Encontro Nacional dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, na cidade de Cascavel, estado do Paraná.
Durante esse evento, D. José Gomes, presidente da CPT (Comissão Pastoral da
Terra), leu uma mensagem de apoio à fundação do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra, o MST. Estava, assim, fundado e organizado um movimento de
camponeses sem terra de alcance nacional voltado à luta por terra e reforma agrária.
56
Assim, o movimento passou a utilizar de forma oficial a sigla MST. Em janeiro do ano
seguinte (1985), realizou-se em Curitiba o Primeiro Congresso Nacional dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra. O número de delegados desse congresso também
apresentou um crescimento expressivo em relação ao primeiro, passado de 150
para 1500 delegados. O lema da luta desse congresso foi: “OCUPACÃO É A
SOLUÇÃO”. Tomaram aí diversas decisões importantes para o movimento, das
quais podemos destacar: foi eleita a primeira coordenação nacional e a primeira
direção nacional do movimento. Além disso, ficou decidido que os encontros
passariam a ocorrer a cada dois anos e os congressos a cada cinco anos.
Entre os dias 8 e 10 de maio de 1990, o MST realizou o seu Segundo
Congresso Nacional dos Sem-Terra, em Brasília. O número de delegados
participantes consegue refletir o quanto houve um crescimento do movimento em
relação ao seu primeiro congresso: participaram 5 mil delegados de 19 estados onde
o MST se encontrava organizado, além de diversas entidades que apoiaram o
movimento e 23 delegados de organizações camponesas de outros países, como:
Angola, Guatemala, El Salvador, Equador, Peru, Paraguai, Colômbia, Cuba, Chile e
México. Os principais objetivos desse congresso foram os seguintes, de acordo com
Morissawa (2001, p. 146):
[...] fortalecer a aliança com os operários e outros setores da classe
trabalhadora; divulgar a luta pela reforma agrária nacional e
internacionalmente; discutir plano de ação para os próximos anos;
reivindicar do novo governo (Collor) a realização da reforma agrária e o fim
da violência no campo; mostrar para toda a sociedade que a reforma agrária
é indispensável.
No final de julho de 1995, o MST organizou o Terceiro Congresso Nacional
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Nesse evento houve a participação de 5226
delegados, vindos de 22 estados da federação, da qual o MST se fazia presente.
Como no evento anterior tivemos a presença de delegados da América Latina, além
de alguns vindos da Europa e dos Estados Unidos. Para esse congresso foi definido
cinco objetivos básicos:
a. Colocar a reforma agrária na opinião pública;
b. Apresentar os principais problemas ao governo de FHC;
c. Definir as prioridades de ação;
d. Contribuir para a formação política dos integrantes;
57
e. Ser um espaço de confraternização do MST de todo o Brasil.
O Quarto Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ocorreu
em entre os dias 7 e 11 de agosto de 2000, na capital do país. Esse congresso
contou com a participação de 11 mil militantes do MST, vindos de 23 estados
brasileiros em que o MST atuava no momento, além de 107 estrangeiros de 25
países, representando 45 organizações e comitês. O número de participantes
consegue evidenciar o quanto o movimento continuava forte, apesar de todas as
dificuldades encontradas ao longo do caminho. Nesse congresso, a palavra de
ordem escolhida foi a seguinte: “POR UM BRASIL SEM LATIFÚNDIO”.
O Quinto Congresso dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ocorreu em
Brasília entre os dias 11 e 15 de junho de 2007, na qual estiveram presentes: 17.500
trabalhadoras e trabalhadores rurais Sem Terra de 24 estados do Brasil, 181
convidados internacionais representando 21 organizações camponesas de 31
países e amigos e amigas de diversos movimentos e entidades para discutir e
analisar os problemas da sociedade e buscar apontar alternativas. Nesse
Congresso, os trabalhadores se comprometeram em seguir ajudando na
organização do povo, para que lute por seus direitos e continue sendo contra a
desigualdade e as injustiças sociais. A palavra de ordem desse evento foi:
“REFORMA AGRÁRIA: POR JUSTIÇA SOCIAL E SOBERANIA POPULAR!”.
De acordo com o sítio do movimento (www.mst.org.br) as lutas hoje, não se
restringem apenas à realização da Reforma Agrária, as ações do movimento têm o
objetivo de promover melhoria em outras áreas, dentre as quais podemos destacar:
cultura, reforma agrária, combate a violência sexista, democratização da
comunicação, saúde pública, desenvolvimento, diversidade étnica, sistema político,
soberania nacional e popular.
A seguir, no capítulo FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS,
apresentamos a caracterização de nossa amostra, bem como elementos teóricos
que auxiliarão nossa análise para o tema desta dissertação de mestrado.
58
4 FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Neste trabalho, optamos por termos da Análise do Discurso (daqui para frente
AD), de linha francesa, na perspectiva de Dominique Maingueneau (1997 e 2006),
no sentido de buscar nessa disciplina lingüística critérios para o movimento analítico
sobre a questão agrária no livro didático de Geografia. Delimitamos nossa amostra
tendo como campo discursivo, o discurso didático, materializado em livros didáticos
de circulação nas escolas públicas da rede estadual de ensino do estado de São
Paulo, cujos capítulos tratam da questão agrária no Brasil.
Convém deixar claro que esta dissertação apenas faz empréstimos teóricos
da AD, logo, não se trata de uma investigação lingüística. Os termos selecionados
da disciplina servirão apenas para focarmos um olhar sobre os livros didáticos de
Geografia, utilizados em duas escolas da cidade de Salto Pirapora, e nos auxiliarão
a repensar sobre como a questão agrária, entendida como um discurso polêmico
vem sendo tratada nesse suporte.
Antes de partimos à análise, explicitaremos os critérios de seleção da amostra
que compõe a dissertação.
4.1 Aspectos metodológicos: critérios de escolha da amostra
O universo inicial desta pesquisa foi constituído em 04 escolas, com ensino
médio, da cidade de Salto de Pirapora, localizada na região Sudeste do estado de
São Paulo, distante 130 km da capital paulista. Nas 04 escolas, fizemos,
primeiramente levantamento junto aos diretores, para sabermos quais eram os livros
didáticos de Geografia que cada uma das escolas da cidade recebera para a
utilização em 2009.
Consideramos o ensino médio como o período em que o estudante entra em
uma fase intelectual de compreensão abstrata da realidade, uma forma de
pensamento que permite o exercício da criticidade, é o aprendizado geográfico, o
qual pode criar raízes mais fortes. Nesta fase, a Geografia pode servir de base para
que o aluno possa formar seu repertório quanto a uma rie de elementos
59
importantes para o exercício da cidadania. Assim, tem-se uma possibilidade nova
para a educação, se comparada às possibilidades que as séries iniciais e finais do
Ensino Fundamental acondicionam:
O aluno (do/no Ensino dio) pode se libertar da dependência intelectual
em relação ao pensamento dominante (professor, livros, “mass media” etc.)
e desenvolver a sua criticidade e imaginação, aprendendo a pensar sobre a
realidade em que vive e as diversas formas como é retratada, e
percebendo-se como cidadão capaz de atuar como agente de mudanças
(RUA, 1992, p. 19-20).
Dessa forma, o discurso geográfico voltado para as questões agrárias tende a
acentuar-se no ensino médio. Nesta dissertação, não pretendemos estudar a
aprendizagem do sujeito-educando, o que em outras palavras permite dizer que não
foram realizadas entrevistas com os alunos de forma a compreender como foi o seu
desenvolvimento cognitivo. Entretanto, focamos o livro didático como uma das
ferramentas de aprendizagem desse aluno. O pensamento dominante, de acordo
com a citação de Rua, no qual o sujeito é condicionado a exemplo do texto
didático que, mesmo suprimido de seu espaço de aprendizagem formal (quando o
professor não trabalha diretamente com o livro didático) se encontrado no
processo de ensino e aprendizagem, pois esse é considerado um dos principais
materiais de consulta da grande maioria dos professores e, conseqüentemente, no
seu trabalho pedagógico.
As escolas estaduais do Estado de São Paulo foram submetidas a algumas
modificações a partir de 2008, no que tange ao currículo escolar. Em 2008, o
governo elaborou um material específico denominado: Proposta Curricular, e dentre
as principais funções dessas propostas estava a de padronizar os conteúdos a
serem trabalhados na rede oficial do Estado. em 2009, essa proposta recebeu as
várias alterações, que segundo o governo foram resultado de sugestões elaboradas
pelos professores através de suas manifestações em fóruns virtuais ou através de
cursos voltados para esse fim. Dessa forma, o que era inicialmente uma proposta
curricular passa a se chamar: Currículo Oficial do Estado de São Paulo.
É evidente que essas mudanças fazem com que a utilização do livro didático
em sala de aula se faça de uma maneira diferenciada. Antes o livro didático
compunha um dos únicos materiais de apoio ao professor. A Proposta Curricular,
agora o Currículo Oficial do Estado, contém aulas pré-preparadas para o uso dos
60
professores. Mas, cabe lembrar que as escolas estaduais continuam a receber os
livros didáticos comprados pelo PNLEM, e que esses materiais não devem ser
suprimidos da sala de aula. Inclusive, as escolas receberam pela primeira vez os
livros escolares de Geografia destinados para as séries do ensino médio em 2009.
4.1.1 Escolas estaduais de Ensino Médio na cidade de Salto de Pirapora/SP.
A rede estadual de escolas públicas que oferecem o Ensino Médio na cidade
de Salto de Pirapora compõe-se de 4 unidades, que atendem em seu conjunto,
conforme a pesquisa de campo realizada em 2009, a um total de 1934 alunos,
constituindo 53 turmas, atendidas por 7 professores de Geografia. A quadro 5
demonstra a distribuição desses dados em cada instituição.
UNIDADES ESCOLARES
PROFESSORES
DE GEOGRAFIA
TURMAS
ALUNOS
MATRICULADOS
E.E. Benedicto Leme Vieira Neto
2 8 250
E.E. Dr. Afonso Vergueiro 2 21 822
E.E. Jd. Daniel David Haddad 1 13 485
E.E. Jardim Primavera 2 11 377
Σ
ΣΣ
Σ4 escolas Σ
ΣΣ
Σ7 professores Σ
ΣΣ
Σ53 turmas Σ
ΣΣ
Σ1934 alunos
Quadro 5 – Caracterização da rede de escolas estaduais urbanas de Ensino Médio em Salto de
Pirapora (SP) – 2009
FONTE: Pesquisa de Campo. O autor (2009)
O levantamento desses dados foi realizado diretamente em cada uma das
escolas citadas. Freqüentemente para se obter o título do livro didático
sugerido/trabalhado pela escola, teve-se que retornar diversas vezes as instituições
e recorrer a uma série de funcionários (diretores, vice-diretores, professores
coordenadores) ou consultar diretamente o professor de Geografia.
Todos os números elencados, na tabela 5, são importantes para a pesquisa
proposta, pois revelam um conjunto de espaços financiados com recursos públicos:
4 unidades, atendendo a uma parcela significativa de estudantes, 1934 alunos,
divididas em 53 turmas. Esses fatos dão origem a uma rie de implicações (ou
61
complicações), que afetam as relações de trabalho do professor, inclusive a que
mantém com o livro didático.
A partir da consulta de campo, encontramos dois títulos de livros didáticos
adotados pelas escolas pesquisadas. Os livros utilizados por essas escolas são os
seguintes:
Geografia (Lúcia Marina Alves de Almeida; Tércio Barbosa Rigolin) – Ed. Ática;
Geografia: Pesquisa e Ação (Ângela Correa; Raul Borges; Wagner Costa) Ed.
Moderna;
ESCOLAS
LIVROS DIDÁTICOS ADOTADOS
E.E. Benedicto Leme Vieira Neto Não recebeu livro de Geografia do PNLEM 2009
E.E. Dr. Afonso Vergueiro
Geografia
Editora Ática
E.E. Jardim Daniel David Haddad
G
eografia: Pesquisa e Ação
Ed. Moderna
E.E. Jardim Primavera
Geografia: Pesquisa e Ação
Ed. Moderna
Quadro 6 Relação dos livros didáticos adotados pelas escolas pesquisadas em Salto de Pirapora
(SP) – 2009
FONTE: Pesquisa de Campo. O autor (2009)
4.2 Elementos da Análise do Discurso utilizados para a compreensão dos
sentidos construídos pelos livros didáticos de Geografia
4.2.1 Da formação discursiva ao posicionamento
A AD surge na França, nos anos 60, como proposta de repensar os
paradigmas fortemente marcados pelo estruturalismo, sendo que a disciplina
Lingüística surgiu da confluência entre três áreas básicas das ciências humanas: o
materialismo histórico, o estruturalismo lingüístico e a psicanálise lacaniana.
Por discurso entende-se, segundo Fernandes (2007), a exterioridade à língua,
ou seja, aquilo que se encontra num terreno de ordem social e que deixa pistas na
materialidade lingüística. Desse modo, discurso não deve ser confundido com uma
fala com protocolos, como se poderia pensar, de acordo com o senso comum,
tampouco discurso seria texto, língua. Discurso é o movimento ideológico capaz de
pulsar os sentidos sobre um texto, implicando no que de oculto nas palavras
presentes no texto, na aparente neutralidade e transparência da linguagem. A tarefa,
62
pois, do analista é a de desvendar esse terreno que deixa pistas nas marcas
lingüísticas do texto.
A AD sofreu muitas mudanças desde seu surgimento. uma tendência em
separá-la em, pelo menos, três épocas, as quais Fernandes (2007, p.85) divide em
AD-1, AD-2 e AD-3. Nascimento e Castanho (2008) apontam que os conceitos
comuns entre as três ADs seriam a ideologia e a formação discursiva. A primeira,
objeto da própria disciplina, diz respeito ao que dá corpo a um modo de ver o mundo
e interagir com ele por um determinado grupo social, numa dada circunstância
histórica. Já o conceito de formação discursiva, originário em Foulcault (1995),
passou por mudanças e ditou as diferenças entre as três épocas da AD.
A AD-1 também conhecida como Análise Automática do Discurso (AAD-69)
tem como seu representante o francês Michel cheux. Nesse primeiro momento,
no último ano da década de 60, o autor propunha uma análise que desse conta de
mostrar a maquinaria discursiva que legitimaria determinado dizer, considerando-se
a ideologia incorporada pelo sujeito do dizer. Assim, era termo caro à AD-1 a palavra
“assujeitamento”. Dir-se-ia que determinado discurso era assujeitado a determinada
ideologia. Para chegar a essa conclusão, preferiam-se como corpus das análise
textos estabilizados, produzidos numa condição homogênea e estável. Por exemplo,
seria interessante, numa análise como essa, um texto como o Manifesto do Partido
Comunista. Ali se poderia perceber, pelas marcas deixadas no texto, um discurso
próprio à ideologia marxista, isto é, assujeitado a ela.
a AD-2, cujo maior representante ainda é Pêuchex, tem como diferencial a
incorporação do conceito foucaultiano de formação discursiva. É pela formação
discursiva que se pode obter resposta à pergunta formulada por Foucault (1995):
como apareceu determinado enunciado e não outro em seu lugar? Para ilustrar esse
conceito, Fernandes (2007) recorre a um exemplo corriqueiro na mídia, acerca dos
termos invadir e ocupar, em muitos casos se tratando do MST. O emprego do verbo
“invadir”, denota a utilização de uma ideologia que atua de forma contrária às
ações dos movimentos sociais em questão. Muitos entendem que o verbo invadir e
ocupar são sinônimos, o que não é verdade. Existe uma diferença muito grande
entre ambos. Fernandes (2007) elabora uma reflexão sobre o uso dessas palavras,
explicando as diferenças existentes entre esses substantivos, dizendo que é
bastante comum:
63
[...] o emprego dos substantivos ocupação e invasão em revistas e jornais
que circulam em nosso cotidiano. Tais substantivos são constantemente
encontradas em reportagens e/ou entrevistas que versam sobre os
movimentos dos trabalhadores rurais Sem Terra e revelam diferentes
discursos que se opõem e se contestam. (FERNANDES, 2007, p. 19)
Para que possamos compreender melhor a distinção existente entre esses
dois substantivos, Fernandes (p.19) continua:
Em torno do Sem-Terra, ocupação é empregado pelos próprios Sem-Terra,
e por aqueles que os apóiam e os defendem, para designar a utilização de
algo obsoleto, até então não utilizado, no caso a terra. Invasão, referindo-se
a mesma ação, é empregado por aqueles que se opõem aos Sem-Terra,
contestando-nos, e designa um ato ilegal, considera os sujeitos em questão
como criminosos, invasores. As escolhas lexicais e seu uso revelam a
presença de ideologias que se opõem, revelando igualmente a presença de
diferentes discursos, que, por sua vez, expressam a posição de grupos de
sujeitos acerca de um mesmo tema.
Ao se fazer uso do primeiro termo, podemos justificar o aparecimento dele
em razão de um assujeitamento a uma ideologia que vai de encontro aos
trabalhadores rurais sem terra: invade-se um espaço, logo, os militantes do
movimento são invasores. Ao usar o segundo termo, fica perceptível um
assujeitamento a outra formação discursiva, desta vez favorável ao movimento
social. Nesse segundo momento da AD, o termo formação discursiva será chave.
As análises não mais considerarão uma máquina discursiva que engendra a criação
do discurso, mas formações que orientam a produção de um dizer. Essas formações
deverão ser analisadas em justaposição, percebendo o que se diz e o que o
poderia ser dito em detrimento das condições sócio-históricas do discurso.
A terceira época da AD tem como termo-chave o conceito de interdiscurso,
advindo das novas tendências em AD, proposta pelo também francês Dominique
Maingueneau.
A proposta do lingüista parte do princípio da heterogeneidade do discurso. Tal
princípio corrobora a polifonia inerente aos enunciados, proposta por Bakhtin (2000),
o que vale dizer que um discurso carrega consigo muitas outras vozes que são
reveladas no momento da enunciação, o que Althier-Revuz tem chamado de
heterogeneidade. Para ela, essa heterogeneidade discursiva é revelada sob duas
formas: a constitutiva que diz respeito à propriedade inerente do discurso enquanto
matéria polifônica, isto é, portadora de muitas vozes; e mostrada, isto é, que indica,
no próprio texto, por aspas ou outros recursos, a voz do outro.
64
Considerando essa heterogeneidade discursiva, Maingueneau (1997) postula
o primado do interdiscurso. Desse modo, o texto é o espaço de negociação de
muitas vozes que ali se encontram. Assim, o conceito de formação discursiva passa
a ter outro tratamento, pois o interdiscurso seria constituído por várias formações
que se encontram num determinado espaço. Daí a necessidade de postular, nesse
vertente da AD, as noções de universo, campo e espaço discursivos. O universo
discursivo compreende a diversidade de formações discursivas existentes, o que é
inatingível ao analista; o campo discursivo é um agrupamento de formações capazes
de configurar determinado tipo de discurso, por exemplo, pode-se falar em campo
discursivo literário, jurídico, didático etc; o espaço discursivo diz respeito aos
interstícios, os pontos de confluência entre as diversas formações discursivas. Logo,
nesse espaço discursivo é que se engendra o interdiscurso e, por ser um terreno
mais limitado que o universo e o campo, configura-se como o lugar da análise e o
ponto de encontro de, pelo menos, duas formações discursivas, identificadas pelo
analista.
Esse novo modo de ver e conceber o discurso concorreu para a mudança de
outros sustentáculos da disciplina, inclusive o conceito de formação discursiva.
Maingueneau (2006. p.110.) o rebatiza como posicionamento. Esse termo é
entendido com dois valores: “- ato pela qual uma formação discursiva posiciona-se
em um campo discursivo, emerge, marcando sua identidade com relação a outras; -
a própria formação discursiva considerada como identidade num interdiscurso”.
Não obstante os dois valores apontados, o fato é que a AD passou por
mudança bastante substancial. Inclusive a própria noção de sujeito, cara à disciplina,
apresenta significativa mudança nas três épocas, conforme demonstra Silva (2006.
p. 169):
DESENVOLVIMENTO DA CONCEPÇÃO DE SUJEITO NA AD
1ª. Época
2ª. Época
3ª. Época
O sujeito é assujeitado a um sujeito-
estrutura, ou seja, às maquinarias
institucionais, o sujeito é concebido
como uno, regido pelas maquinarias
discursivas.
Persiste a noção de sujeito uno,
mas é proposta a noção de
sujeito-posição: a posição
ocupada pelo sujeito na
sociedade determina o seu dizer.
Marcado pela
heterogeneidade
discursiva, o sujeito é
clivado, cindido, dividido,
descentrado.
65
Para esta dissertação, julgamos ser viável identificar o posicionamento
presente nos livros didáticos, na tentativa de perceber uma formação discursiva
emergente no campo didático, bem como, identidade num interdiscurso. Esse olhar
faz-se necessário para que o professor de Geografia possa identificar, na
heterogeneidade do texto didático, posicionamento sobre uma questão polêmica
como é a reforma agrária. Vejamos, a seguir, o que entendemos por discurso
polêmico.
4.2.2 A polêmica no discurso
A questão agrária, conforme vimos em catulos anteriores é um tema que
divide opiniões, nas mais diversas mídias. Maingueneau (1997) dá relevância ao
aspecto polêmico dos discursos, vendo-o como marca constituinte da própria gênese
do discurso.
Há, segundo Maingueneau (1997. p. 49), um sistema de restrições que
permite ao sujeito enunciar determinado enunciado por acreditar que tal dizer
enquadra-se num determinado posicionamento. Retomando o exemplo dado por
Fernandes, invadir e ocupar são termos que marcam um posicionamento sobre o
acontecimento discursivo da reforma agrária no país. Mas o que levaria o falante a
usar invadir ou ocupar? Para Maingueneau, o sujeito falante possui uma
competência interdiscursiva que o possibilita filtrar semas que aprovariam ou
reprovariam determinado posicionamento, num mesmo espaço discursivo, no interior
do interdiscurso.
Assim, o discurso sobre a reforma agrária se constitui do simulacro entre
aqueles os que apóiam a reforma e os contrários a ela. O dizer origina-se dessa
relação polêmica, que pode ser representada por pares opostos como: invasão
versus ocupação, manifestação versus baderna, desenvolvimento econômico versus
agronegócio, movimento social versus organização paramilitar, MST versus UDR.
Essas palavras chamadas pela Lingüística de semas podem ser positivos aos
militantes do movimento, como podem ser negativos aos latifundiários e vice-versa.
O espaço discursivo é então uma rede de interação semântica que, mediante
a competência interdiscursiva do falante, lhe permite aceitar/produzir determinado
discurso ou refutar outros. Uma vez que, para Maingueneau (1997, p.103): “Cada
66
discurso repousa, de fato, sobre um conjunto de semas repartidos em dois registros:
de um lado, os semas “positivos”, reivindicados; de outro, os semas “negativos”,
rejeitados”.
Logo, considerando o discurso sobre a reforma agrária e seu teor polêmico,
cabe nos perguntar como se dará a transposição desse tema ao livro didático?
4.2.3 O silenciamento como marca de um posicionamento
Para a compreensão de como a questão agrária é focada nos livros didáticos
de Geografia do Ensino Médio, utilizaremos, também, como referencial teórico as
pesquisas realizadas a cerca do silenciamento na linguagem, segundo ORLANDI
(2002). O uso desse conceito da lingüística será necessário para percebermos, por
meio da materialização lingüística no livro didático, marcas (ou a omissão delas)
reveladoras do posicionamento a respeito da questão agrária.
O livro didático, como vimos em capítulos anteriores, apresenta um papel
relevante na formação do aluno, assim como na maneira como professor vai atuar
em sala de aula, que muitas vezes é o único recurso didático disponível para o
professor, principalmente em se tratando da rede pública estadual. Portanto,
tentaremos perceber quais são os silenciamentos presentes nesse tipo de material e
quais as suas implicações para a formação do aluno a respeito da temática agrária
no Brasil.
O livro didático empregado nas escolas públicas estaduais, como toda
manifestação linguageira, é carregado de implícitos e questões de ordem política
que se revelam em maior ou menor grau. Ainda mais se considerarmos o processo
de publicação e venda dos materiais didáticos, o qual é feito através de um
mecanismo de seleção, permeado pela relação entre o público e o privado, entre
políticas públicas de acesso ao livro e editoras, empresas que o publicam e vendem
ao Estado. Tendo em vista essa conjuntura, destacamos como um tema político, o
tratamento dado nos livros didáticos à questão agrária no Brasil.
Em um primeiro momento não podemos confundir o termo “silêncio” com o
termo “silenciamento”, pois são categorias diferentes.
A palavra silêncio, no senso comum, pode ser compreendida como a
ausência de barulho ou ruído percebido fisiologicamente em um determinado
67
ambiente. Essa compreensão não é compatível com o silêncio a que se refere
Orlandi.
A linguagem é materializada por meio do texto escrito. Sendo assim, como
identificar o silêncio no escrito, que silêncio seria a ausência do barulho? No
entanto, na escrita silêncio. Tal silêncio deve ser entendido como aquilo que
atravessa as palavras, ou seja, aquilo que pode existir entre elas, ou indicar que o
sentido pode ser sempre outro, ou ainda que aquilo que é o mais importante e nunca
se diz. O silêncio, nessa concepção, é compreendido como sendo fundador. Assim,
o silêncio se encontra implícito no texto. E o bom leitor é aquele capaz de decifrá-lo.
O poeta Carlos Drummond de Andrade, no livro Alguma poesia (1973, p. 43), nos
convida a decifrar esse silêncio.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
"Trouxeste a chave?"
Para dar conta de desvendar a face neutra do livro didático, não utilizaremos
a teoria do silêncio como citado anteriormente, haja vista que esse caso é mais
específico para a utilização por lingüistas e, como já citamos no início deste capítulo,
faremos pequenos empréstimos dessa ciência. Utilizaremos o conceito de
“silenciamento”, também conhecido por “política do silêncio”, que, segundo Orlandi,
(2002, p. 75): “se define pelo fato de que ao dizer algo, apagamos necessariamente
outros sentidos possíveis, mas indesejáveis, em uma situação discursiva dada”.
Essa escolha se justifica por entendermos o livro didático como sendo um produto
político. Ainda com Orlandi (p.75), o silêncio fundador é distinto da política do
silêncio ou silenciamento, já que:
A diferença entre o silêncio fundador e a política do silêncio é que a política
do silêncio produz um recorte entre o que se diz e o que não se diz,
enquanto o silêncio fundador não estabelece nenhuma divisão: ele significa
em (por) si mesmo.
Para ela, ainda existem duas formas diferentes da política do silêncio:
68
O silêncio constitutivo nesse caso o texto é constituído pela política do
silêncio, ou seja, nesse sentido fica bem claro aquilo que não se quis dizer, excluem-
se sentidos para que possa prevalecer aquele que seja considerado o mais
conveniente para determinado texto, conforme podemos observar da citação abaixo:
[...] representa a política do silêncio como um efeito de discurso que instala
o antiimplícito: se diz “x” para não (deixar) dizer y”, este sendo o sentido a
se descartar do dito. É o não-dito necessariamente excluído. Por apagam
os sentidos que se quer evitar, sentidos que poderiam instalar o trabalho
significativo de uma “outra” formação discursiva, uma “outra” região de
sentidos. O silêncio trabalha assim os limites das formações discursivas,
determinando consequentemente o limite do dizer. (ORLANDI, 2002, p. 76)
Como exemplo desse tipo da política do silêncio, a autora cita a denominação
“Nova República”, no Brasil, atribuída ao regime que seguiu a ditadura militar. Ao
nomear-se assim esse período, apagava-se o fato de que o que tínhamos tido antes
era uma ditadura.
O silêncio local - dando prosseguimento ao segundo tipo da política do
silêncio, é mais visível em relação ao silêncio constitutivo, isso por que ele é a
interdição do dizer. Segundo Orlandi (2002. p. 77), trata-se: “da produção do silêncio
sob a forma fraca, isto é, é uma estratégia política circunstanciada em relação a
política dos sentidos: é a produção do interdito, do proibido”. Como exemplo desse
tipo de política do silêncio, a autora (p. 79) cita a censura:
[...] estabelece um jogo de relações de força pela qual ela configura, de
forma, localizada, o que, do dizível, não deve (não pode) ser dito quando o
sujeito fala. A relação com o “dizível” é, pois, modificada quando a censura
intervém: não se trata mais do dizível sócio historicamente definido pelas
formações discursivas (o dizer possível): não se pode dizer o que foi
proibido (o dizer devido). Ou seja: não se pode dizer o que se pode dizer.
Em suma, quanto ao tipo da política do silêncio, tentaremos perceber a
ausência ou a presença desse mecanismo da linguagem nos dois livros didáticos de
geografia, mais precisamente nos capítulos que abordem a questão agrária no
Brasil, utilizados na cidade de Salto de Pirapora/SP.
69
4.2.4 O discurso didático como uma prática intersemiótica
Maingueneau (1997) aponta que os textos, os enunciados, apreendidos numa
materialização lingüística, são gerados a partir de um sistema de restrições
semânticas próprias de um tipo de discurso. Assim, postula o conceito de
competência discursiva, de modo que o enunciador, ao produzir textos, aceita
discursos compatíveis a sua formação discursiva, bem como refuta os contrários. O
posicionamento do sujeito falante pode ser apreendido por planos constitutivos de
sua semântica global que vão desde um modo especial de usar a língua (o código
linguageiro), uma imagem construída do falante e dos objetos do discurso (ethos
discursivo), bem como da construção de cenas de enunciação que validariam as
formas do discurso.
No entanto, tais planos tão somente não dariam conta de apreender o sistema
de restrições de um discurso, fato que leva o lingüista francês a recorrer a outros
tipos de estruturas semióticas capazes de estender “a reflexão às condições de
enunciação e à dinâmica institucional que o discurso pressupõe” (p. 145). Nesse
sentido, as imagens, a musicalidade, o arquitetural entre outros sistemas semióticos,
não lingüísticos, são entendidos como textos. E, por conseguinte, são passíveis de
um pertencimento a uma dada formação discursiva, um mesmo sistema semântico
de restrições. Ainda para Maingueneau (p. 148-149):
Assim como o enunciado, também o quadro, o trecho de música... estão
submetidos por sua prática discursiva a um certo número de condições que
definem sua legitimidade. Suponhamos, por exemplo, que se trate de um
quadro e que ele pertença ao “realismo socialista”; o tipo de “vocação
enunciativa” correspondente comportará, sem dúvida alguma, além da
aptidão para a pintura figurativa e uma formação acadêmica
correspondente, traços como um interesse particular pelos problemas e o
modo de vida das “massas”, uma participação ativa no trabalho de
militância; ela excluirá, coletivamente, os indivíduos não politizados, os
místicos, os pintores abstratos etc...
Como visto, a seleção de outros sistemas semânticos que acompanham o
lingüístico não se dá ao acaso. A seletividade de imagens, por exemplo, dialogam e
devem dialogar com o posicionamento do enunciador, deve ser fruto dos sistemas
de restrições que limitam o seu dizer. Como exemplo disso, temos a capa da revista
Veja (n. 2028, 3 out. 2007), acerca da vida do argentino Ernesto Che Guevara:
70
Figura 1 - Capa da Veja, n° 2028
Fonte: Veja (n. 2028, 3 out. 2007)
A capa acima mostra a foto do guerrilheiro falando ao microfone e uma
montagem do famoso retrato, intitulado Guerrillero heroico (Em português:
Guerrilheiro heróico), tirado por Alberto Korda, em 5 de março de 1960, em Havana,
se desmanchando em meio a fumaça do seu charuto. Seguido da seguinte
manchete: “CHE, A farsa do herói – Verdades inconvenientes sobre o mito do
guerrilheiro altruísta, quarenta anos depois de sua morte”.
Nessa mesma edição, há uma notícia com orientação argumentativa, sobre a
criação de um curso universitário para membros do Movimento Sem Terra. Assim
que se a manchete, input de sentidos, é possível perceber que a revista trata o
referido assunto com certa tendenciosidade. A manchete segue com a seguinte
frase: “INVASÃO NA UNIVERSIDADE”. O emprego do verbo “invadir” denota a
utilização de uma ideologia que atua de forma contrária as ações dos movimentos
sociais em questão. A manchete permite que o leitor construa a idéia de que, as
ações do MST chegam ao extremo na qual nem mesmo universidades são
71
poupadas de ações proferidas por tal movimento social. Podemos inferir que a
utilização dessa manchete possibilita ao leitor realizar o entendimento de que as
ações desses movimentos representam um retrocesso ao desenvolvimento do país,
pois nem mesmo as universidades, que são sinônimos de desenvolvimento
científico, tecnológico, cultural e social, são deixadas de lado nas ações perpetradas
pelo MST.
Após a manchete, encontramos o lead, com a seguinte frase: “A última do
MST: Cursos exclusivos em faculdades públicas com o patrocínio do governo”,
esclarece que a invasão na qual se refere à reportagem é aquela em que
assentados do MST, estão freqüentando cursos superiores em universidades
públicas. Assim, percebemos claramente a tendenciosidade do fato noticioso, pois
como argumenta Van Dijk (2004), o jornalista pode elaborar o input omitindo
informações e/ou fatos que não são considerados relevantes para ele, e é
exatamente isso que podemos perceber nessa reportagem, pois o lead revela que a
“invasão” a que ele se refere é diferente daquela que estamos acostumados a ver
nos meios midiáticos de comunicação, quando cita os movimentos sociais que
atuam no Brasil.
Assim, apenas o título nos uma pista do posicionamento da revista que,
dada sua competência discursiva, refuta o discurso entendido genericamente como
de esquerda. Acrescentando a imagem da capa da revista, temos então, um diálogo
forte entre os dois sistemas semióticos: a notícia e a foto da capa.
O mesmo faz o jornal “O Estado de S. Paulo” do dia 19 de abril de 2007, ao
noticiar ações do movimento ocorridas no mês de abril: No ‘abril vermelho’, MST
invade até universidade”. A adesão a um posicionamento contrário é perceptível
logo no título da notícia, assim como na reportagem da Revista Veja citada
anteriormente devido ao emprego do verbo invadir”, e mais exatamente em razão
do uso da preposição até”, em outras palavras: o MST o perdoa nem
universidade, são mesmos uns invasores. O input de sentidos, do jornal também
trata o referido assunto com certa tendenciosidade, pois o uso da expressão “terra
sem lei”, na qual é possível favorecer o entendimento do leitor, no que diz respeito à
desordem por que passa a questão agrária no país, e que isso é possível pelas
constantes ações de movimentos sociais que lutam por uma distribuição mais digna
da terra.
72
Esse posicionamento é corroborado pela fotografia, parte da notícia:
Figura 2 - Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo
Fonte: O ESTADO DE S. PAULO (19 abr. 2007, p. A8)
Nela, vemos um confronto visível entre a polícia e os militantes, esses
representados por um homem com roupas vermelhas e um pedaço de pau nas
mãos, investindo contra os policiais. A legenda da foto é a seguinte: “Quatro policiais
73
saíram feridos em confronto com integrantes do MST em São Gabriel (RS)” O
posicionamento é fortemente marcado, pois nessa imagem a pessoa em destaque
usa roupas da cor vermelha, o que automaticamente favorece o entendimento do
leitor, que se trata de um membro do MST. Além disso, o fato dele estar correndo
com um pedaço pau, favorece o entendimento do quanto às pessoas que fazem
parte desse movimento agem de maneira bastante violenta, para conseguir seus
objetivos.
O contrário também acontece. A foto abaixo se encontra num lugar empírica e
discursivamente marcado por um posicionamento: a cidade de La Havana. O out-
door ilustra a competência discursiva do governo da ilha, a qual também pressupõe
ser a mesma voz da maioria de seus habitantes insulares:
Figura 3 - Out-door Cubano
FONTE: Pesquisa de Campo; Havana (O autor, fev. 2008)
A imagem do out-door mostra o Tio Sam” com bastante raiva de um lado e
de outro a população cubana, representada por um agricultor, um militar, um
mecânico, uma estudante, um médico, uma bailarina, um professor e um estudante.
Os personagens citados encontram-se tranqüilos de um lado do painel enquanto que
o inimigo representado pelo personagem estadunidense se encontra bastante
irritado do lado oposto aos cubanos. Além disso, na imagem é possível lermos a
seguinte frase: Mientras más me bloqueas más me crece”, que em português quer
dizer: “Quanto mais me bloqueia mais crescemos”.
74
A foto seguinte, de Sebastião Salgado, também tem um posicionamento
bastante claro. Nesse caso é visível o apoio as esses movimentos. Esse fotógrafo se
tornou famoso no mundo todo pelo fato de retratar e denunciar os problemas sociais
em vários países. Essa foto está constituída da seguinte legenda: Ocupação da
Fazenda Pinhal Ralo, em Rio Bonito do Iguaçu, PR, em abril de 1996, com 3 mil
famílias”. A legenda reforça o posicionamento, em favor desse movimento social,
pois usa o verbo ocupar ao invés do verbo invadir e mostra, também, uma grande
massa de pessoas envolvida na ação: 3 mil famílias, revelando quão é organizado o
movimento e o grande mero de pessoas envolvidas nessa luta. O local escolhido
para obter a imagem é o portão da fazenda, portão que separa os latifundiários dos
sem-terra.
Figura 4 - O MST retratado por Sebastião Salgado
Fonte: Morissawa (2001, p. 176)
Os exemplos mostram o quanto as imagens não são escolhidas
aleatoriamente. Elas são, antes de mais nada, escolhas de sujeitos marcados por
um posicionamento, envoltos num sistema de restrições que permite dizer isto e não
75
aquilo. E nos livros didáticos? O que podem dizer as imagens, incluindo aí os mapas
e gráficos que os ilustram? Essas são questões que buscaremos responder, através
da análise dos textos que fazem parte dos capítulos voltados à questão agrária nos
livros didáticos, utilizados no Ensino Médio, nas escolas públicas estaduais do
município de Salto de Pirapora/SP.
O capítulo 4 - A QUESTÃO AGRÁRIA NO LIVRO DIDÁTICO DE
GEOGRAFIA – a seguir, guarda a proposta explicitada.
76
5 A QUESTÃO AGRÁRIA NO LIVRO DIDÁTICO DE GEOGRAFIA
Neste capítulo, ao apresentarmos a questão central da pesquisa: a questão
agrária no livro didático de Geografia, o universo de análise está constituído pelos
livros utilizados nas escolas de Salto de Pirapora/SP, bem como no uso dos
pressupostos teóricos da Análise do Discurso, anteriormente explicitados, que nos
auxiliarão a fazer a leitura dos textos didáticos. Para isso, privilegiaremos as
categorias: posicionamento, silenciamento e prática intersemiótica.
Os livros didáticos selecionados são: Geografia: Pesquisa e Ação - volume
único, da Editora Moderna e Geografia – Geografia Geral e do Brasil - volume único,
da Editora Ática. Ambos são destinados às séries do Ensino Médio, ambos lançados
em 2005. Se considerarmos a velocidade do desenvolvimento da informação no
mundo atual, constatamos certa desatualização nessas publicações, que esses
livros didáticos foram adquiridos pelo MEC, em 2008, para serem usadas em 2009.
Geografia: Pesquisa e Ação escrito por três autores: Ângela Corrêa Krajewski,
que na época da publicação era mestranda em Educação pela PUC Campinas,
professora de Geografia e Geopolítica no Ensino Médio e em curso pré-vestibular,
autora da Matriz de referência do SAEB Geografia e especialista em conteúdo do
ENEM; Raul Borges Guimarães, mestre e doutor em Geografia pela USP, professor
do Departamento de Geografia da UNESP, autor de referência do SAEB e da Matriz
de competências do ENEM, além de ser autor de livros didáticos para o Ensino
Fundamental; e Wagner Costa Ribeiro, mestre e doutor em Geografia pela USP,
professor do departamento de Geografia da USP e autor de livros didáticos para o
Ensino Fundamental, além de livros paradidáticos.
A seguir apresentamos a maneira com a qual o livro se encontra organizado:
77
Figura 5 - Livro - Geografia: Pesquisa e Ação - volume único
Fonte: BRASIL. MEC, 2008, p. 79.
O livro didático foi lançado pela Editora Moderna, possui 384 páginas e é
subdividido em cinco unidades:
Unidade 1 - Bases da Geografia: sociedade, natureza e território;
Unidade 2 - O mundo geopolítico contemporâneo;
Unidade 3 - Geografia econômica: as redes mundiais;
Unidade 4 - Desafios ambientais;
Unidade 5 - Geografia e mudança social.
Além desses capítulos, os autores apresentam, ao final, um glossário e
referências bibliográficas. Quanto às atividades, podemos encontrar certa
diversidade, sempre nomeadas com os seguintes títulos, recorrentes em cada
capítulo: Lição de Cartografia; Ponto de vista; Conexões; Agora é com você!;
Questões dos vestibulares e do ENEM e De olho na mídia.
78
Para nossa análise, selecionamos o capítulo de número 29, denominado:
Movimentos sociais e cidadania (p. 337 - 348). Essa escolha se deve ao fato de que
ali pudemos detectar aspectos pertinentes ao nosso trabalho.
De acordo com o catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino
Médio, PNLEM/2009, Geografia: Pesquisa e Ação, os aspectos positivos elencados
na síntese avaliativa são:
[...] como pontos significativos, a seqüência dos conteúdos, que leva
o aluno a um nível de compreensão crescente, e o uso da cartografia
e de figuras como base para o desenvolvimento de conteúdos. Os
diferentes níveis de dificuldade e complexidade das atividades e a
proposta teórico metodológica são apresentados no Manual do
Professor. Ressalta-se a qualidade gráfica do material, com equilíbrio
entre texto e ilustrações. As questões geopolíticas configuram o eixo
central do livro, presente em todas as unidades e todos os capítulos.
A proposta permite constatar o encadeamento entre os diversos
conteúdos e funciona como um fio condutor para toda a obra.
diversidade de atividades na obra, desde aquelas que estimulam a
memorização de conteúdos até propostas que exigem um
posicionamento do aluno. (BRASIL. MEC, 2008, p. 81)
O outro livro,
Geografia Geral e do Brasil é assinado por dois autores: Lúcia
Marina Alves de Almeida, licenciada e bacharel em Geografia pela PUC-SP, com
experiência no Ensino Fundamental e Médio nas redes públicas e privadas de
ensino; Tércio Barbosa Rigolin, bacharel e licenciado em História e Ciências Sociais,
respectivamente pela USP e UNESP, professor de Geografia dos níveis
Fundamental e Médio da rede pública e particular. Sua editoração e publicação
foram realizadas pela Editora Ática.
79
Figura 6 - Livro - Geografia – Geografia Geral e do Brasil - volume único
Fonte: BRASIL. MEC, 2008, p. 73.
O livro é composto em seis unidades, conforme podemos observar abaixo:
Unidade 1 - Fronteiras naturais: A questão ambiental;
Unidade 2 - Fronteiras políticas: o estado-nação;
Unidade 3 - Fronteiras humanas: a população do Brasil e do mundo;
Unidade 4 - Fronteiras econômicas: as marcas das desigualdades;
Unidade 5 - Fronteiras tecnológicas: progresso e exclusão;
Unidade 6 - Fronteiras supranacionais: um novo poder.
No total, são 528 páginas. Cada unidade propõe uma temática ampla,
subdividida em capítulos que a compõem. Atividades complementares são
apresentadas ao final de cada unidade, na seção Concluindo a Unidade. Ao final, o
livro apresenta: Significado das siglas, Bibliografia e indicações de Jornais e
Revistas.
80
No livro Geografia Geografia Geral e do Brasil, o capítulo eleito para a
análise é o de número 49: A agricultura e a pecuária no Brasil: estrutura fundiária (p.
434 - 443). A escolha desse capítulo também se justifica por ser aquele que propõe
uma abordagem da questão que nos interessa nesta pesquisa.
A avaliação que o Catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino
Médio fez apresenta-se nos seguintes termos:
“A obra é adequada para o estudo da Geografia e propicia ao professor e ao
aluno um contato com os principais temas da disciplina. Caracteriza-se pela
predominância de elementos descritivos e informativos, que dão suporte ao
processo de ensino-aprendizagem. Nas diversas atividades complementares
propostas, a informação é, muitas vezes, mais valorizada do que a
reflexão e a problematização dos temas. Predominam os conteúdos da
Geografia Humana, que estão pouco articulados com os da Geografia
Física, fato que limita a compreensão da relação entre sociedade e
natureza. As atividades propostas estimulam a expressão escrita do aluno e
são complementadas por ilustrações de qualidade e adequadas para as
finalidades a que se propõem, auxiliando na compreensão dos textos. A
riqueza de informações e ilustrações favorece o trabalho do professor, pois
amplia suas possibilidades pedagógicas.” (BRASIL. MEC, 2008, p. 73, grifo
nosso)
5.1 Primeira análise - Capítulo do livro Geografia: pesquisa e ação
O capítulo Movimentos Sociais e Cidadania inicia-se na página 337 e segue até a
página 348. Ele é subdividido em três itens gerais: (1) Movimentos sociais no campo;
(2) Movimentos sociais no campo no Brasil; (3) Movimentos sociais na cidade.
(Anexo A).
Pela estrutura organizativa do capítulo, podemos inferir o silenciamento nele
existente, no tocante à questão agrária. O único espaço para o tema é encontrado
nesse capítulo, mas a temática central são os movimentos sociais. Assim, o texto
chega ao leitor a partir de uma contextualização geral sobre alguns movimentos e,
principalmente, a partir de uma referência intertextual ao clássico da literatura
universal Robin Hood que:
81
foi construído como o herói que roubava dos ricos para dar aos pobres”.
Para o historiador Eric Hobsbawm, eles podem ser vistos como iniciadores
de uma resistência à concentração da riqueza. Infringiam as leis, mas
eram apoiados pela maioria pobre, que, senão os protegia, também não os
delatava. Assim, representavam a possibilidade de, ao desobedecerem as
normas e leis, buscar uma estrutura social mais justa (KRAJEWSKI;
GUIMARÃES; RIBEIRO; 2005, p. 337, grifo nosso)
Não obstante o aparente posicionamento de apoio aos movimentos sociais,
os enunciadores deixam entrever, pelo uso dos termos em destaque, outro
posicionamento contrário, que parece ter mais relevância no texto didático. Podemos
parafrasear o trecho com a seguinte proposição: membros de movimentos sociais
são ladrões, bandidos que estão a serviço da população pobre. Assim como se pode
falar dos traficantes em relação aos moradores de algumas zonas periféricas.
A contextualização segue, no texto em questão, com versões internacionais e
tupiniquins do herói que roubava para dar aos pobres: os bandoleros, camponeses
da Andaluzia; os cangaceiros e seu Robin Hood, Virgulino Ferreira da Silva; os
líderes da Revolução Mexicana, Emiliano Zapata e Pancho Villa; os russos da
revolução de 1917; Mao Tse-tung, na China; e, por último, Fidel Castro, em Cuba.
Ao apresentarem a Revolução Mexicana, os autores fazem aparecer pela primeira
vez a expressão “reforma agrária”, marcada no texto na cor laranja, para indicar
como expressão parte do glossário, ao final do livro didático.
O último parágrafo, que finaliza o primeiro item Movimentos Sociais no
Campo sugere, de modo bastante sutil, um posicionamento polêmico frente aos
movimentos histórico-sociais de luta pela terra: “Já na segunda metade do século
XX, outros eventos combinaram movimentos camponeses e acesso ao poder
político”. (p. 338, grifo nosso)
Pelo excerto, torna-se evidente que os movimentos sociais tem duplo objetivo:
garantir o direito à reforma agrária e, concomitantemente, tomar o poder, assim
como fizeram os cubanos. O posicionamento ocultado nas entrelinhas valida a
polêmica e estereótipo que antes de qualquer outro interesse, o que move os
movimentos sociais são interesses estritamente políticos, ou melhor, politiqueiros.
O segundo item Movimentos sociais no campo no Brasil parece ser, à
primeira vista, o que mais nos interessa, que pressupõe um tratamento específico
à reforma agrária no Brasil. Porém, isso não ocorre. O item “aparenta” ser mais
82
adequado a um livro didático de História do que de Geografia. É muito marcado o
trato histórico dado ao conteúdo. Torna-se muito perceptível uma linha do tempo
traçada pelos autores, sendo que o percurso apresentado inicia-se com as lutas
indígenas contra os portugueses pela posse da terra, momento em que há
referência à Confederação dos Tamoios. Em seguida, é feita uma alusão à
resistência dos escravos, destacando aí um Robin Hood afro-brasileiro, o Zumbi dos
Palmares. Esse tópico avança longamente tratando, inclusive, de sincretismo
religioso, costumes africanos, comunidades remanescentes, para, finalmente,
justificar o direito à terra aos quilombolas, garantido pela Constituição de 1988, com
vistas a manter o estilo de vida (p. 339).
O percurso histórico faz um retrocesso, voltando ao Brasil colônia, mais
precisamente em 1534 quando Portugal cria a lei das Sesmarias, dividindo a costa
brasileira em capitanias hereditárias, de modo a concentrar grandes extensões de
terras nas mãos de nobres portugueses, favorecendo, desde aquela época, a
exclusão do acesso à terra. O fim da lei das Sesmarias é lembrado como momento
em que surgem os posseiros, no século XVII, substituídos somente no século XIX
pelos fazendeiros agraciados com a criação da Lei de Terras e conseqüente
chegada dos imigrantes, configurando-se aí outro grupo, o dos colonos.
Na seqüência, o recuperados episódios históricos de revolta e seus
respectivos “Robins”: um sertanejo e outro sulista. O primeiro trata-se de Antonio
Conselheiro e o episódio de Canudos, momento no qual o texto didático insiste na
retomada histórica, fazendo menção aos “Sertões”, de Euclides da Cunha. O
segundo é o “monge” José Maria, da Guerra do Contestado.
O continuum segue até o ponto que mais nos interessa neste trabalho: os
movimentos sociais de luta pela terra. Mas para o qual são dedicados apenas meia
dúzia de curtos parágrafos, um mapa e um boxe.
Nos parágrafos, há predominância do caráter histórico. Da Guerra do
Contestado (1912-1916), os autores fazem um salto histórico à década de 50
quando surgiram as Ligas Camponesas, inicialmente em Pernambuco. Um subtópico
nos é apresentado, constituído pelo: histórico da liga camponesa de Engenho da
Galiléia, de Vitória do Santo Antão-PE, cuja primeira vitória foi a isenção do aluguel
das terras abandonadas pelos senhores de engenho. A rememoração a esse evento
é justificada pelos autores porque, tal conquista foi o estopim de uma rie de
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levantes camponeses para a realização da reforma agrária no Brasil (p.341). Dentre
as conseqüências desse evento, os autores apontam a criação da Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), em 1963.
No entanto, no momento em que os movimentos agrários ganhavam força
foram freados pelos governos militares, a partir de 1964. Esse percalço é lembrado
pelos autores do livro didático, inaugurando um movimento de resistência. Somente
nesse trecho é que essa palavra resistência é utilizada. Com isso, inferimos por
uma luta contra o governo militar tão somente, não contra os latifundiários. A Igreja
Católica, representado pela Comunidade Eclesiais de Base (CEB) e pela Teologia
da Libertação, é apresentada como forte aliado dos camponeses na luta pela posse
da terra e contra a ditadura militar. Os autores dizem que a Igreja manifestava sua
“opção preferencial pelos pobres”. (p. 341) Dois aspectos são relevantes nesse
excerto: primeiro, o uso do verbo no pretérito imperfeito manifestava o que
sugere apoio à luta pela reforma agrária somente naquele período, hoje não
manifesta mais esse apoio; o uso da expressão entre aspas: além de redundante, ao
tratar de opção preferencial, que toda opção implica uma preferência, o
referência à autoria do texto entre aspas, fazendo apenas alusão aos camponeses
como os pobres, assim corroborando com a concepção apresentada inicialmente do
Robin Hood, aquele que rouba para dar aos pobres.
A criação do Comissão Pastoral da Terra (CPT), de 1975, teve atuação direta
na primeira ação do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), de 1979,
“quando 110 famílias ocuparam a Gleba Macali, no município de Ronda Alta (RS)
(p. 341).
O ponto de chegada do percurso histórico apresentado é a criação do MST.
Os autores indicam como principais formas de luta dos membros do movimento, os
acampamentos e as ocupações. Não obstante os autores terem usado o termo
“principais” para as formas de luta, podemos perceber no trecho certo silenciamento
a outras formas: marchas pelas rodovias, jejuns e greves de fome, ocupação de
prédios públicos, acampamentos nas capitais, acampamento diante de bancos,
vigílias e manifestações nas grandes cidades.
Os autores apontam que o movimento cresceu consideravelmente, momento
indicado no mapa intitulado “ocupações de terras no Brasil (1988-1998)”. Embora a
fonte do mapa seja de Bernardo Mançano Fernandes (2000), um dos nomes da
84
geografia agrária, o mapa apresenta-se bastante desatualizado. pelo menos dez
anos de luta do MST que não são considerados.
O último parágrafo do capítulo nos chama a atenção em seus aspectos. Antes
de considerá-los, fazemos sua transcrição: “As ações do MST seguem suas
principais palavras de ordem: ‘Ocupar, resistir e produzir’. Muitas vezes, a
resistência gera mortes de sem-terra, como em Eldorado dos Carajás (PA), em
1996”. (p.341)
Podemos perceber certa convergência entre os autores e o movimento. Eles
usam o termo ‘ocupar’ em vez de ‘invadir’, o que revela posicionamento em
consonância com as práticas de ocupação de terra. Por outro lado, um
tratamento ao termo resistência que se opõe ao posicionamento aparentemente
apresentado. A resistência é ali tratada como uma doença que gera mortes, um
silenciamento no que se refere aos confrontos com a polícia que, de fato, geram as
mortes.
Os autores silenciam-se e não provocam discussão no tocante aos
confrontos. Fatos históricos foram exaustivamente lembrados durante todo o
capítulo, porém, o episódio de Carajás é somente mencionado, como se os alunos,
leitores, trouxessem em sua memória uma chacina do nosso tempo, envolvendo
trabalhadores rurais. Outro aspecto que deve ser considerado é que, pela leitura do
parágrafo, podemos concluir que a resistência não seja uma ação viável, uma vez
que a sua conseqüência é a morte e a ausência da paz.
Ao final dessa página, encontramos um boxe, intitulado: Como funciona um
acampamento do MST”, que de acordo com a fonte é um fragmento do livro: A
formação do MST no Brasil”, publicado em 2000 e assinado por um influente nome
da Geografia agrária brasileira: Bernando Mançano Fernandes. A obra é referência
nessa temática, que na sua versão integral, o autor estuda a origem do MST em
todos os estados em que ele se faz presente, desde a organização dos
trabalhadores de base, as ocupações de terra e as formas de resistência, os
confrontos com os latifundiários, com os governos federal e estaduais e os
enfrentamentos com jagunços e policiais, ao estabelecimento dos assentamentos
rurais. Recorda as experiências que levaram à construção do MST, em suas
relações com aqueles que apóiam à reforma agrária, bem como as suas conquistas:
terra, trabalho, cooperação e educação de parte da população que antes estava
85
excluída. O boxe condensa em poucas palavras quais as principais características
de um acampamento.
Assim sendo, compreendemos porque um pequeno fragmento, como o
presente no livro didático não consegue mostrar de forma clara quais são as
realidades em vivem os integrantes do MST, estejam eles acampados ou
assentados. o se pode negar que a fonte usada é muito pertinente a questão,
porém o boxe acaba não sendo tão relevante, devido a sua fragmentação. A ação
de tornar o texto breve, só vem a reforçar a concepção de silenciamento (ORLANDI,
2002), das questões envolvendo os conflitos de terras no livro didático.
O subtítulo que segue na composição do capítulo Movimentos sociais na
cidade formado pelos itens: o movimento operário, o movimento operário no Brasil,
os movimentos sociais urbanos, os novos movimentos sociais, não se configuram
como parte de nossa análise. Contudo, vale considerá-los como uma estratégia de
silenciamento no que se refere à luta pela terra no Brasil, uma vez que, novamente,
o aspecto histórico dos movimentos são considerados, em cinco páginas seguintes.
Dentre os novos movimentos, o movimento dos homossexuais é assim introduzido: é
o mais controverso e o que enfrenta maior preconceito... (p. 346) Note-se o caráter
avaliativo aí presente.
O silenciamento não se concretiza tão somente pela ausência de palavras,
mas também de imagens. Como entendemos o discurso do livro didático como uma
prática intersemiótica, convém analisarmos as imagens que compõe o capítulo e em
que medida elas corroboram o posicionamento dos autores.
Antes de analisarmos as imagens que compõem o capítulo propriamente dito,
é válida uma análise a respeito da capa do livro didático. Encontramos em sua capa
a foto de uma cultura de trigo, onde vemos ao fundo a máquina responsável pela
colheita executando o seu trabalho. Conforme podemos observar:
86
Figura 7 - Capa em detalhe do livro - Geografia: Pesquisa e Ação - volume único
Fonte: Krajewski; Guimarães; Ribeiro (2005)
Diante de um imponente equipamento agrícola, como o apresentado na
imagem, fica evidente que uma máquina desse porte não é usada por um pequeno
agricultor, e sim por aqueles que têm a agricultura, baseada no sistema do
agronegócio. Assim, a capa do livro por si só, é capaz de revelar um
posicionamento por parte dos autores. Nesse caso especifico, um favorecimento
ao agronegócio.
Vamos agora às imagens que fazem parte do capítulo específico de nossa
análise. Em um primeiro momento, podemos perceber que das oito imagens
(fotografias e mapas) que compõem o capítulo, não há nenhuma que faça referência
direta aos movimentos de luta pela terra.
Vejamos quais são as imagens que constituem esse capítulo e o papel
desempenhado por cada uma no tocante à questão agrária:
87
Figura 8 - O Robin Hood nordestino.
Fonte: Krajewski; Guimarães; Ribeiro (2005, p. 337)
Na foto acima, podemos verificar a presença de 31 pessoas, sendo 30
homens e uma mulher (provavelmente, Maria Bonita), a maior parte dos
personagens que constituem a imagem posam para a foto com armas de fogo nas
mãos. Lampião está em destaque com um círculo vermelho.
A fotografia apresentada, na primeira página do capítulo, parece ter a função
de reforçar a concepção mental de que os movimentos sociais o constituídos
muitas vezes por bandidos e ladrões, que roubam dos ricos para dividir com os
pobres. O uso dessa imagem é capaz de revelar um posicionamento contrário a
qualquer movimento social que venha a lutar por uma reforma agrária, pois
entender que essa não seja uma luta justa, pois não é certa uma distribuição
igualitária, construída nesses moldes.
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Mapa 2 - Comunidades remanescentes de Quilombos
Fonte: Krajewski; Guimarães; Ribeiro (2005, p. 337)
A autora do mapa apresenta a distribuição de quilombolas no país.
menção ao Cafundó, que é uma comunidade localizada no município de Salto de
Pirapora. As informações prestadas pelo mapa e o texto em anexo não remetem a
nenhuma discussão sobre essa temática.
89
Figura 9: Movimento indígena
Fonte: Krajewski; Guimarães; Ribeiro (2005, p. 340)
Nesta outra imagem podemos ver três indígenas cada um com um cartaz, na
qual é possível lermos: “Até quando?” e “IANOMAMI”. É possível observarmos o
desenho de uma índia com uma faca encravada em seu pescoço, da qual escorre
bastante sangue, tornando perceptível o sofrimento estampado em seu rosto. A
legenda da fotografia diz o seguinte: O movimento pela demarcação das terras
indígenas une povos e lideranças indígenas. Na foto, manifestação pela demarcação
de terras, em Brasília (DF), em 1993.
Um mapa mostra a situação das terras indígenas no Brasil, no ano de 2003,
apresentadas em três áreas: regularizada, aguardando regulamentação e aquela
que deve ser estudada para comprovar a ocupação por indígenas. A análise desse
mapa, associada ao mapa Ocupações de Terra no Brasil (1988 1998) construído
por Fernandes, revela que as áreas indígenas têm a mesma ambivalência daquelas
não utilizadas pelas ocupações de famílias sem terra. Ao mesmo tempo,
acampamentos e ocupações de terra é intensa no litoral do Nordeste e no Sul do
Brasil.
90
Mapa 3 - Situação das terras indígenas no Brasil (2003)
Fonte: Krajewski; Guimarães; Ribeiro (2005, p. 340)
Mapa 4 - Ocupação de terras no Brasil (1988 – 1998)
Fonte: Krajewski; Guimarães; Ribeiro (2005, p. 341)
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No tópico intitulado: Movimentos Sociais na Cidade seguem-se as fotos de
Luiz Inácio Lula da Silva (década de 70); de Martin Luther King (1963); e da parada
Gay em Nova York (1999).
Na figura 10, temos o então líder sindical, Luiz Inácio Lula da Silva, de posse
de um microfone na mão esquerda e discursando para uma multidão de
trabalhadores:
Figura 10 - Lula
Fonte: Krajewski; Guimarães; Ribeiro (2005, p. 344)
A finalidade da foto é remeter o leitor a um fato histórico, da década de 1970,
marcada por lutas sindicais contra o arrocho salarial. Novamente, o caráter
historiográfico do capítulo é reforçado. É certo que a Geografia aia-se na História,
mas, durante o capítulo não se faz referência ao espaço, tornando pouco claro o
objeto de estudo da disciplina.
Na seqüência, vemos a imagem na qual o líder estadunidense Martin Luther
King discursa contra o preconceito racial, em 1963, na capital dos Estados Unidos.
De acordo com a legenda, podemos inferir que a finalidade da foto é a de mostrar a
importância do movimento negro, assim como lembrar por quais motivos esse líder
influenciou e ainda continua a influenciar outros movimentos que lutam por um
mundo sem preconceito racial. Mais uma vez a imagem justifica o caráter
historiográfico.
92
Figura 11 - Martin Luther King
Fonte: Krajewski; Guimarães; Ribeiro (2005, p. 345)
Em nossa análise anterior, pudemos constatar que ao fazer referência sobre
os movimentos sociais na cidade, o movimento homossexual não foi deixado de
lado, encontramos também uma imagem, que mostra participantes da parada Gay
em Nova York.
Por meio da legenda, entendemos que o objetivo dos interlocutores ao
utilizarem essa fotografia é a de mostrar o quanto esse movimento tem crescido nos
últimos anos, e que esses militantes são organizados e lutam pelo reconhecimento
de sua opção sexual. Ademais, a fotografia informa os alunos leitores que o símbolo
desse movimento são as cores do arco-íris, representadas pela faixa e bandeira.
Conforme podemos perceber na imagem reproduzida na página seguinte:
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Figura 12 - Parada Gay em Nova York
Fonte: Krajewski; Guimarães; Ribeiro (2005, p. 346)
Considerando o discurso didático como uma prática intersemiótica, fica claro
que o uso da fotografia que retrata a parada gay tem a nítida finalidade de mostrar o
crescimento e organização desses movimentos. Vemos então, o florescer de um
mecanismo do capitalismo para tentar tirar o foco às questões pertinentes ao
trabalho. Em outras palavras para desfocar a centralização dos debates social, com
isso passa a encarar essa problemática de forma natural e com bastante
comodismo. Esses mecanismos buscam favorecer a paz, o amor, mas esquece
daquilo que o problema central do capitalismo: a exploração.
também
uma charge de Angeli, que serve de base para a resolução de
uma atividade, no item denominado: “Agora é com você!”. É solicitado aos alunos
que após observar a charge elaborem um texto que inclua as seguintes expressões:
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sesmarias, Lei de Terras, Estatuto da Terra, reforma agrária e produção de
alimentos.
Na charge, vemos um fazendeiro, na varanda de sua propriedade. O espaço
agrário está fragmentado e em cada parte escrito o grau de parentesco a que
pertence a propriedade. A charge intitulada: “TERRA PARA TODOS” é uma crítica a
estrutura fundiária brasileira, que ela revela que a terra no Brasil é de “todos”,
desde que esses sejam pessoas ligadas a outras por consangüinidade.
Figura 13 – Charge: Terra para Todos
Fonte: Krajewski; Guimarães; Ribeiro (2005, p. 347)
O texto dificilmente seria bem elaborado pelos alunos, que os textos e
imagens anteriores a que se referem as palavras sugeridas na questão foram muito
pouco trabalhadas. A questão agrária é mercada pelo silenciamento, sendo que a
atividade reforça a valoração da historicidade, pois das cinco expressões sugeridas
no exercício, três se voltam especificamente a História: sesmarias, Lei de Terras e
Estatuto da Terra.
Logo após essa atividade, há uma outra, denominada: Ponto de Vista, nele há
o fragmento de um texto elaborado pelo economista Jose Eli Veiga, publicado no
Jornal o Estado de S. Paulo, do dia 07 de outubro de 2000. Nessa proposta, é
solicitado aos alunos elaborarem um resumo com os principais exemplos de
discriminação social contidos no texto. Inicia-se com comparações sobre níveis de
desigualdade entre a população negra e branca dos Estados Unidos e também
95
sobre a população chinesa. O texto também trabalha a idéia de que a desigualdade
é um problema grave e de difícil solução; e que até os dias da publicação da matéria
jornalística o havia sido inventada outra política pública tão eficaz e barata para o
combate da desigualdade social, quanto ao que se refere ao programa de
assentamentos, adotado pelo governo brasileiro.
Analisando a reportagem na íntegra, percebemos um silenciamento para
reforçar o posicionamento dos autores, a essa temática. O primeiro parágrafo da
reportagem, silenciado, omitido pelos autores continha o seguinte:
O desemprego é uma das mais flagrantes manifestações de desigualdade.
Mesmo que fosse possível compensar a perda de renda por ele provocada,
continuaria absurdo subestimar seus gravíssimos efeitos sobre a vida dos
indivíduos e de sua família. provas abundantes de que seus impactos
são vastos e abrangentes: dano psicológico, perda de motivação para o
trabalho, perda de habilidade e autoconfiança, aumento de doenças e
morbidez, perturbação das relações familiares e da vida social,
intensificação da exclusão social, acentuação das assimetrias entre os
sexos, e assim por diante. (O ESTADO DE S. PAULO, 07 out. 2000, p.B2)
O último parágrafo da reportagem, que também foi excluído pelos autores,
ajuda a reforçar tal posicionamento:
se pode lamentar, então, que nos últimos 5 anos apenas 2,5% da área
total dos estabelecimentos agrícolas brasileiros tenha sido transferida de
perdulárias fazendas para os sítios familiares. Nesse período, o patrimônio
fundiário dos sitiantes aumentou quase 7%, enquanto o dos grandes
domínios diminuiu 4%. Não como disfarçar, portanto, que um programa
de assentamentos dessas proporções nem possa ser considerado reforma
agrária. Basta compará-lo, por exemplo, à reforma japonesa, que em dois
anos transferiu para trabalhadores rurais um terço da área total dos
estabelecimentos, beneficiando 4 milhões de famílias. Mesmo assim há
políticos que atacam o governo FHC porque ele estaria realizando "a maior
e mais cara reforma agrária do mundo”.
Em outras palavras, a forma na qual se encontra constituído o fragmento
publicado no livro didático, tem o claro objetivo de reforçar o silenciamento e
posicionamento dos autores quanto às questões polêmicas e que auxiliariam na
compreensão da questão agrária brasileira. Os autores silenciam-se no tocante aos
principais problemas gerados pelo desemprego e também quanto aos planos
políticos e governamentais de reforma agrária no Brasil têm sido deficitária.
96
5.2 Segunda análise - Capítulo do livro Geografia: geografia geral e do Brasil
Para o livro Geografia: geografia geral e do Brasil elegemos o capítulo de
número 49, que recebe o seguinte título: A agricultura e a pecuária no Brasil:
estrutura fundiária. Ele se encontra na unidade V: Fronteiras Tecnológicas:
Progresso e Exclusão”. O capítulo é composto de 10 páginas, iniciando-se na 439.
Dentro dele, encontramos os seguintes subtítulos: Latifúndio, Monocultura e
escravidão; A agricultura brasileira após a industrialização; Brasil principais
produtos agrícolas (Lavouras temporárias: Algodão, Cana-de-açúcar, Soja, Milho,
Feijão e arroz, e trigo. Lavouras permanentes: Café, Cacau e Laranja); A pecuária
no Brasil (Rebanho bovino, Rebanho suíno e Outros rebanhos); O agronegócio no
Brasil (A força do agronegócio); A estrutura fundiária no Brasil (Estatuto da Terra, O
módulo fiscal, Características da estrutura fundiária brasileira, Tensão no campo, As
relações de trabalho no campo e Outras formas de trabalho no campo), o capítulo
encerra-se com um texto de apoio denominado: Problemas climáticos reduzem
previsão de safra.
A estrutura do capítulo é marcada pelo silenciamento da luta pela terra, pois a
temática está presente em apenas três páginas do capítulo. Os demais itens não se
relacionam com os movimentos sociais e, tampouco, com o debate da reforma
agrária no Brasil.
A introdução do capítulo tem por objetivo mostrar o papel da agricultura na
história econômica do país, lembrando que a: “fundação do novo país, portanto, foi
marcada pela exploração da biomassa vegetal (pau-brasil)”. (p. 434.). Esse texto
também tem a finalidade de mostrar que a agricultura predominante no período
colonial foi aquela baseada em um modelo predatório, mostrando que ainda hoje
esse tipo de agricultura se faz presente em nosso país. Em seguida, revela que o
principal objetivo do capítulo vai ser a de mostrar as principais características e
problemas da agricultura brasileira. Destacando referências sobre a força do
agronegócio, com predominância de gêneros agrícolas destinados à exportação,
com prejuízo dos produtos alimentícios.
Ao fazerem referência aos grupos transnacionais que atuam no campo
brasileiro, os autores lembram que existe uma relação de interdependência entre a
97
cidade e o campo: “Nesse processo que subordina o campo à cidade, é marcante a
presença de grupos transnacionais. Podemos citar como exemplos a Nestlé
(alimentos), a Agroceres (sementes) e a Massey Fergusson (tratores e máquinas)”.
(p.434) Em nenhum momento o assunto é polemizado. Os enunciadores dão a
entender que a vinda desses grupos é inevitável e que a agricultura moderna tem
que aceitar a presença das grandes corporações transnacionais para que possa
obter um ganho de produtividade e acompanhar o processo de globalização.
Em seguida, um novo tópico: “O agronegócio no Brasil”, lembra que esse
setor envolve outros como: a agricultura de precisão e a biotecnologia. Refere-se à
EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias), que desenvolve
projetos em todas as regiões do país. Novamente os autores recorrem à idéia de
que é comum encontramos grupos transnacionais atuando nesse ramo: No Brasil, o
agronegócio é dominado por transnacionais do ramo alimentício (Bunge, Unilever) e
de fabricantes de insumos para agricultura (Monsanto, Bayer)”. (p. 439). Mais uma
vez, encontramos um silenciamento das conseqüências geradas pela presença
desses grandes grupos estrangeiros em nosso país. Ao final do texto, encontramos
uma frase na qual os autores marcam posicionamento:
Apesar de responder por um terço do PIB nacional, o agronegócio o é
unanimidade. Alguns críticos do setor acusam-no de exportar produtos que
são necessários à alimentação da população e de estar acabando com a
agricultura familiar, sendo, em última análise, o responsável por grande
parte dos conflitos no campo em nosso país. (p. 439)
Em seguida, nos é apresentado um texto, denominado: “A força do
agronegócio”. O próprio título sugere um posicionamento, que é reforçado ainda
mais pela fonte: “Revista da Indústria, Fiesp, mar. 2005”. Para evidenciar a
importância do agronegócio, o texto lembra que esse segmento da economia tem
um peso grande, pois é: “Responsável por 33% do PIB nacional, por 41% das
exportações totais e por 37% dos empregos, o setor iniciou sua curva ascendente
nos anos 1990 e não parou mais de crescer.” (p. 439).
No tópico seguinte, intitulado: “A estrutura fundiária no Brasil”, os autores
começam lembrando que, para tratar da agricultura e pecuária, não se deve deixar
de lado os problemas presentes no campo brasileiro. Entre esses problemas os
98
autores destacam a estrutura fundiária marcada pela concentração de terras, os
conflitos pela posse de terra e as relações desiguais de trabalho.
Nos parágrafos seguintes, assim como o primeiro livro analisado, os autores
retomam a divisão do país, no período colonial, em Capitanias hereditárias,
ressaltando a expansão da lavoura açucareira e a Lei de Terras de 1850. Elaboram
então um levantamento histórico, mas com a finalidade de mostrar por quais razões
a terra no Brasil tem uma distribuição tão desigual.
De 1850, os autores avançam um culo, para 1950 e 1960, lembrando do
surgimento da Ligas Camponesas e a Contag. De acordo com o texto essas
organizações surgiram pelo fato de: “Com o passar do tempo, essa desigual
distribuição de terras acabou gerando conflitos cada vez mais violentos e
generalizados entre proprietários e não proprietários” (p. 440).
No último parágrafo, os autores lembram como foi o tratamento dado a essa
questão nos governos militares:
[...]preocupados com o descontentamento social no campo, elaboraram um
conjunto de leis para tentar controlar os trabalhadores rurais e acalmar os
proprietários de terras. Essa tentativa deu-se por meio de um projeto de
reforma agrária para promover uma distribuição mais igualitária da terra,
que resultou no Estatuto da Terra [...]. (p. 440).
No tópico: “Características da estrutura fundiária brasileira”, os autores
deixam claro que a distribuição das terras no Brasil é bastante irregular: “Existe uma
concentração muito grande de terras em nosso país, onde poucos latifúndios
ocupam a maior parte da área total brasileira e o grande número de minifúndios não
chega a ocupar 2% dessa área.” (p. 441).
Ao se referir aos personagens que atuam nos conflitos pela posse de terra no
Brasil, os autores lembram que: “A forma de obter a propriedade da terra fez surgir
duas figuras que estão freqüentemente envolvidas nos conflitos pela terra: o
posseiro e o grileiro”. (p. 442). Não podemos negar a presença desses personagens
no campo brasileiro, mas há um personagem que não poderia ser silenciado quando
se trata da luta pela distribuição das terras agricultáveis em nosso país: os
trabalhadores rurais sem terra, que, entretanto, estão excluídos do texto.
99
Em seguida, os autores utilizam apenas quatro parágrafos para tratar do
seguinte tema: “Tensão no campo”. Para isso, recorrem à História, lembrando que
em 1950 surgiu no Nordeste as Ligas Camponesas de Francisco Julião. Já no
segundo parágrafo, os autores lembram que os primeiros movimentos dos
trabalhadores rurais sem terra surgiram em 1970, no Rio Grande do Sul, se
espalhando por outros estados do Brasil, com a criação de uma entidade que tem o
“objetivo de fazer uma reforma agrária rápida e justa – o MST”.(p. 442).
Ao citar a função social da terra, os autores deixam o termo entre aspas,
alegando também que a interpretação da sua função social é feita de maneira
diferente pelo governo e pelos proprietários rurais. Porém, não faz nenhuma
explanação do que vem a ser função social da terra, não declarando qual é a
interpretação do governo e a dos proprietários rurais quanto a essa questão. Assim,
podemos perceber um absoluto silenciamento dessa temática, ignorando nossa
Constituição que data de 1988, no seu artigo 184, ao deixar claro que a terra tem de
cumprir sua função social podendo para isso ser destinada à fins de reforma agrária.
Nesse mesmo parágrafo, ao fazer referência aos integrantes do MST, os
autores usam o adjetivo “invasores” que, por sua vez, é carregado de um
posicionamento que vai contra os interesses dos movimentos sociais ou daqueles
que apóiam esses movimentos, pois como vimos em capítulos anteriores o uso dos
verbos “invadir” e “ocupar”, são bastante distintos quanto se referem às questões
agrárias no Brasil. No caso do livro didático, percebemos que o adjetivo utilizado
possui relação direta com o verbo “invadir”, assim, os autores deixam transparecer o
seu posicionamento de que os membros do MST, não passam de pessoas
engajadas em realizar invasões pelo Brasil afora.
Ao se referirem ao MST, os autores sugerem que as ações desse movimento
social têm a finalidade de tomar posse de terras improdutivas. Na verdade, a entrada
e a posterior construção de acampamentos em propriedades têm o objetivo de
alertar a estrutura vigente na sociedade e pressionar o governo e os órgãos
responsáveis pela execução da reforma agrária sobre o problema existente no
campo brasileiro, de forma que tais representantes possam desapropriar
determinada fazenda a fim de promover de fato a reforma agrária almejada por
esses movimentos.
100
No penúltimo parágrafo, os autores apresentam, de forma sintetizada, os
resultados dessa luta entre diferentes classes sociais:
Esses diferentes pontos de vista têm causado violentos conflitos com baixas
em ambos os lados, embora o número de trabalhadores rurais mortos
nesses embates seja bem maior que o de policiais ou de homens
contratados por fazendeiros para defender suas terras. Muitas vezes,
grileiros que pretendem lucrar com a especulação imobiliária promovem
verdadeiras chacinas de posseiros e famílias que ocupam a terra para
produzir. (p. 442).
Para encerrar esse tópico no último parágrafo, segundo os autores: “Os
conflitos no campo e a participação do MST em invasões que nem sempre visam à
posse de terras improdutivas são um assunto polêmico na sociedade brasileira”.
(p.442
).
Mais uma vez, é reforçada a concepção, pelos autores do livro didático, de
que o MST é formado por um grupo de invasores, responsáveis por tensão no
campo brasileiro.
O capítulo que estamos analisando A agricultura e a pecuária no Brasil:
Estrutura fundiária –, encerra-se com três tópicos: “As relações de trabalho no
campo, Outras formas de trabalho no campo e Problemas climáticos reduzem
previsão de safra”.
No primeiro caso, são apresentadas as péssimas condições na qual estão
sujeitos os trabalhadores rurais brasileiros, sob a capitalização da atividade
agrícola”, como o trabalho assalariado temporário e a morada precária na periferia
das cidades.
O tópico Outras formas de trabalho no campo”, sintetiza o trabalho familiar, o
arrendamento e a parceria. Ao tratar do trabalho familiar os autores lembram que
esse tipo de produção se encontra bastante comprometida em nosso país, por conta
da falta de capital para investimentos e também devido as secas periódicas a que
estão sujeitos; por essas razões, segundo os autores, essas famílias acabam
migrando do campo para a cidade onde se tornam trabalhadores temporários. De
acordo com o texto: “Uma exceção aos trabalhadores familiares é encontrada nas
áreas vizinhas aos grandes centros urbanos (cinturões verdes), porque eles
conseguem vender sua produção...”
(p. 442).
Por último, o arrendamento e a
101
parceria são abordados de forma positiva, já que constituem novas oportunidades as
famílias destituídas de propriedade rural.
Ao findar do capítulo, encontramos um posicionamento “favorável” ao
agronegócio, com a construção do tópico denominado: Problemas climáticos
reduzem previsão de safra, baseando em uma notícia do jornal O Estado de S.
Paulo (26 de mar. 2004), expõe preocupação quanto às futuras colheitas das safras
de soja e milho, dois importantes produtos do agronegócio brasileiro.
O capítulo: “A agricultura e a pecuária no Brasil: estrutura fundiária” apresenta
um conjunto de dez gráficos, dos quais oito são gráficos setoriais, que tem a função
de mostrar quais são os principais produtos agropecuários do país. Dentre eles
selecionamos dois: um que mostra os principais produtos agrícolas (2003)
brasileiros, sendo que a cana-de-açúcar, lavoura temporária, introduzida nos
primeiros anos de colonização, se destaca com 70,68% de produção. O segundo,
que revela os principais produtos do agronegócio, utilizando as exportações de
2003, sendo que aquele que se destaca é o chamado complexo da soja com 26,6%
do total das exportações.
Gráfico 1 – Brasil – Principais Produtos Agrícolas (2003)
Fonte: Almeida e Rigolin (2005, p. 435)
102
Gráfico 2 - Brasil – Principais Produtos do agronegócio (Exportações, 2003)
Fonte: Almeida e Rigolin (2005, p. 439)
Na página seguinte um gráfico intitulado: A Concentração Fundiária no
Brasil (1967 2000) (p.439), constituído com índice Gini (quanto maior o índice,
maior a concentração de terras):
103
Gráfico 3 - Concentração fundiária no Brasil (1967 - 2000)
Fonte: Almeida e Rigolin (2005, p. 439)
Ele mostra uma queda na concentração de terras em nosso país, entre 1998
a 2000 que, entretanto, é ilusória, pois ainda estamos com o índice alto, ou seja,
muito longe do zero.
Tivemos sim um avanço nesse indicador, conforme lembrou o jornal O Estado
de S. Paulo, em 13 de Abril de 2009. O geógrafo, Eduardo Girardi, comenta ao
jornalista:
[...] ao contrário do que acreditam líderes dos movimentos de sem-terra, a
propriedade da terra não ficou mais concentrada nos últimos anos.
Utilizando os dados disponíveis, Girardi mostra que houve até uma
alteração para menos no chamado índice de Gini - critério de avaliação que
varia 0 a 1, sendo que quanto mais alto maior é o grau de concentração de
terras. Entre 1992 e 2003, o índice nacional baixou de 0,826 para 0,816 -
uma variação de -0,010. Não se trata, porém, de motivo para comemorar.
Segundo Girardi, a marca de 0,816 é das mais altas, sinalizando que a terra
continua concentrada nas mãos de poucos proprietários. Por outro lado, ela
indica também o fracasso das políticas de reforma agrária desenvolvidas
por sucessivos governos. (p. A 4)
104
A seguir, há um gráfico intitulado: Assassinatos em conflitos no campo (1985
2003), (p.441), construído pela Comissão da Pastoral da Terra e publicado em
Conflitos no Campo – Brasil, 2003.
Gráfico 4: Assassinatos em conflitos no campo (1985 - 2003)
Fonte: Almeida e Rigolin (2005, p. 439)
O gráfico acima revela os índices da violência no intervalo de 19 anos,
gerados por conflitos fruto da estrutura fundiária brasileira, destacando-se entre eles
os massacres de Corumbiara, no Estado de Rondônia, em 1995, e aquele que é
considerado um dos maiores massacres da história da luta pela reforma agrária no
Brasil ocorrido em 17 de abril de 1996, no estado do Pará, que ficou conhecido no
mundo todo: o massacre de Eldorado dos Carajás. Ambos acontecimentos foram
totalmente silenciados pelos autores do texto.
O capítulo não foi explorado pelos autores do livro didático, não fotos,
figuras ou imagens que mostrem a realidade do campo brasileiro. O que reforça a
concepção de silenciamento da questão agrária, conforme mostrada em nossos
capítulos anteriores, que de acordo com Orlandi (2002 p. 75) “se define pelo fato de
que ao dizer algo, apagamos necessariamente outros sentidos possíveis, mas
indesejáveis, em uma situação discursiva dada.”
105
6 CONSIDERACÕES FINAIS
É chegado o momento de retomarmos alguns dos principais pontos deste
trabalho e compartilhar questões surgidas nesse entremeio, inclusive algumas que,
por ventura, não tenham sido tratadas adequadamente.
A pesquisa contemplou um capítulo no qual foram abordadas as principais
características de parte da história do livro didático público em nosso país. Fizemos
um percurso, levantando dados sobre o processo de produção, escolha e
distribuição do livro didático nas escolas públicas brasileiras. Para compreender de
forma especifica a aquisição de livros pelo Estado, inserimos um conjunto de quatro
tabelas elaboradas pelo FNDE, que mostram quais foram os valores negociados
pelas editoras com o Estado. São cifras astronômicas e as editoras que encabeçam
o ranking das maiores vendedoras de livros ao Estado são sempre as mesmas.
Assim, podemos dizer que no Brasil, além do latifúndio agrário há também um
latifúndio editorial.
Após a análise dos capítulos selecionados dos livros didáticos de Geografia,
utilizados na cidade de Salto de Pirapora/SP, hipotetizamos pela existência de, pelo
menos, dois pareceres básicos: primeiro, um tratamento mais historiográfico que
geográfico à questão; segundo, encontramos posicionamentos nos livros didáticos
que se revelam favoráveis ao agronegócio em detrimento aos movimentos sociais.
Uma estratégia empregada pelos autores dos livros didáticos para não
colocar à tona questões especificas sobre os movimentos sociais brasileiros que
lutam pela reforma agrária é a valoração da historicidade. Em alguns momentos, os
livros de Geografia parecem ser livros de História. Os autores dedicaram várias
páginas abordando apenas questões históricas, como foi o caso de várias versões
de Robin Hoods (os bandoleiros, camponeses da Andaluzia; os cangaceiros e seu
Robin Hood, Virgulino Ferreira da Silva; os líderes da Revolução Mexicana, Emiliano
Zapata e Pancho Villa; os russos da revolução de 1917; Mao Tse-tung, na China; e,
por último, Fidel Castro, em Cuba), perpassando inclusive pelo surgimento do
sincretismo religioso em nosso país e os novos movimentos urbanos, como dos
grupos minoritários raciais, de gênero e da diversidade sexual.
106
Na ciência geográfica, a História tem a finalidade de auxiliar na compreensão
de fatos e/ou fenômenos geográficos, mas ela não pode suprir o debate geográfico.
Milton Santos (2002 [1996]) propõe que o espaço geográfico é “formado por um
conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e
sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no
qual a história se dá”. (p.63) Ou seja, como o livro didático é de Geografia o tema
central precisa estar relacionado a essa área do conhecimento que, no caso, deve
estar vinculada ao espaço geográfico.
no tocante à referência à expansão do agronegócio, a partir da década de
1990, os autores não retomam questões históricas importantes, tais como o início da
política neoliberal e conseqüente abertura da economia, que estava sendo
implantada no momento. De acordo com Fernandes (2003), fato que representou um
verdadeiro retrocesso para os movimentos sociais que lutavam por uma melhor
partilha da terra no país, em virtude das mais diversas ações, com vistas à
aniquilação dos movimentos. Além disso, segundo Abramovay (1992), foi no início
dos anos 90 que surgiu a corrente teórica denominada: “Paradigma do Capitalismo
Agrário”, que propõe uma solução por meio da integração dos camponeses ao
mercado e ao capital, resultando na execução de políticas desenvolvidas pelo
Estado, capazes de superar o problema agrário do capitalismo.
Além disso, para reforçar a idéia de que o agronegócio é vital para a
economia do Brasil, em determinada atividade avaliativa os autores sugerem que os
alunos respondam a seguinte questão: “Justifique a importância do agronegócio na
balança comercial brasileira”. Ante o exposto, a respeito do agronegócio no Brasil, o
aluno irá comentar a questão tomando por base os pressupostos apresentados até o
momento, com destaque para aquele de que não se pode ir contra ao agronegócio,
pois ele tem mais aspectos positivos que negativos. Assim, principalmente o livro
didático Geografia Geografia Geral e do Brasil direciona o pensamento do
professor e do aluno para assumir o mesmo posicionamento sustentado pelos
autores.
Esse posicionamento desfoca o real entendimento das questões agrárias,
pois Milton Santos (2003) deixa claro: se a agricultura estiver no contexto da
globalização perversa, ela se tornará uma mercadoria como qualquer outra e sua
produção e consumo estarão submetidos à lógica do lucro. Girardi (2008) lembra
107
que o agronegócio tem sido o grande responsável pela concentração de terras e
riquezas em nosso país.
Ao analisarmos as imagens dos dois capítulos que tratam da questão agrária
nos livros didáticos selecionadas, pudemos perceber que a escolha desse material
não foi feita a esmo, havendo a nítida finalidade de silenciar os debates a respeito
das questões agrárias, contrapondo-se àquelas consideradas mais importantes
pelos autores: agronegócio e a historicidade. Encontramos imagens históricas, como
no caso da imagem em que Lampião fora fotografado junto com seu bando, além
dos gráficos que quase em sua totalidade se preocupam em revelar dados a
respeito da produção do agronegócio brasileiro.
Nosso percurso nos serviu para poder afirmar que o livro didático não deve
ser entendido como referência única ao professor de Geografia; deve, antes, ser
objeto de crítica, reflexão, (re)construção estabelecidos pela interação aluno-
professor. Esses movimentos fazem-se necessários ao lançar o olhar sobre os
diversos fatos e/ou fenômenos que fazem parte do nosso cotidiano, rompendo com
as aparências e cedendo lugar às verdadeiras essências.
Por fim, o trabalho aqui que se encerra pelo menos formalmente, que a
discussão a que ele se dispõe é inacabada, assim como o próprio processo de
ensino-aprendizagem encerra-se fortalecido por ter dado voz aos que estavam
silenciados nas publicações didáticas. Nosso desejo é que o trabalho desperte nos
professores de Geografia o rompimento com o silenciamento presente em textos e
imagens, para dar voz a todos os que compõem o espaço geográfico repleto de
lutas, de relações de poder e cenário dos fatos históricos.
108
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113
ANEXO A – Geografia: Pesquisa e Ação. Editora Moderna - Cap. 29:
Movimentos sociais e cidadania
114
115
116
117
118
119
120
121
122
123
124
125
ANEXO B – Geografia – Geografia Geral e do Brasil. Editora Ática - Cap. 49:
A agricultura e a pecuária no Brasil: estrutura fundiária
126
127
128
129
130
131
132
133
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