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Universidade de Brasília - UNB
Instituto de Psicologia
Departamento de Psicologia Clínica e Cultura
Infância Ferida:
Os vínculos da criança abusada sexualmente em seus
diferentes espaços sociais
Clinaura Maria de Lima
Brasília-DF
2007
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Infância Ferida:
Os vínculos da criança abusada sexualmente em seus
diferentes espaços sociais
Por
Clinaura Maria de Lima
Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia
da Universidade de Brasília como requisito parcial
à obtenção do título de mestre em Psicologia, no
Departamento de Psicologia Clínica e Cultura.
Orientadora: Profª Drª LIANA FORTUNATO COSTA
Brasília, agosto de 2007
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APROVADA PELA BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________________________
Profª Drª LIANA FORTUNATO COSTA - Presidente
Universidade de Brasília
________________________________________________________________
Profª Drª Viviane Neves Legnani - Membro
Universidade Católica de Brasília
_______________________________________________________________
Profª Drª Maria Izabel Tafuri - Membro
Universidade de Brasília
_______________________________________________________________
Profª Drª Maria Fátima Olivier Sudbrack - Suplente
Universidade de Brasília
Brasília, agosto de 2007
INFÂNCIA - Original pintado com a boca – Ann Lund
“Muitas vezes basta ser :
colo que acolhe, braço que envolve,
palavra que conforta, silêncio que respeita,
alegria que contagia, lágrima que corre,
olhar que sacia, amor que promove”.
(Cora Coralina)
Este trabalho é dedicado aos meus pais:
Maria Clinaura Lima e João Evangelista
Lima (in memorian) e às crianças que
compartilharam sua história.
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho foi construído a partir de muitas contribuições. Inicialmente,
agradeço aos participantes deste estudo que aceitaram compartilhar comigo suas
Histórias.
É sabido que a decisão de realizar um Mestrado muitas vezes pode ser feita de
maneira individual, autônoma; porém certamente a empreitada assumida é
compartilhada por muitas pessoas que, direta ou indiretamente, compõem este momento
singular e cuja presença especial, em todo o processo, culmina na conquista do
resultado final.
Diante disso cabe aqui o meu reconhecimento por cada um em especial. Nomeá-
los a todos é tarefa impossível, porém contemplarei algumas pessoas que foram
fundamentais nesse percurso e corporificam apenas parte do meu agradecimento.
À minha orientadora Profª. Dra. Liana Fortunato, a minha sincera e eterna
gratidão, pelas oportunidades de desenvolvimento profissional promovidas nesses
contatos.
Às professoras que compõem a banca examinadora pelas contribuições nesta
pesquisa: Maria Izabel Tafuri, Viviane N. Legnani, Maria Fátima O. Sudbrack .
A Deus, que me deu saúde, inspiração e recurso para realizar o mestrado e, em
especial, a dissertação.
Ao meu pai, in memorian, por tudo que representou na minha vida.
À minha mãe amada que sempre esteve ao meu lado em todos os momentos.
Ao meu grande companheiro, Erivelton Santana Costa, pelo carinho, dedicação e
cuidado dispensados a minha pessoa.
Aos meus familiares, em especial aos meus irmãos, de quem me distanciei
nesses últimos meses.
Aos meus amados sobrinhos, em especial os pequeninos Maria Luiza, João
Pedro, Maria Eduarda, Matheus e Pedro Henrique.
Aos amigos da Creche Leôncio Correia pela força e compreensão,
especialmente a minha coordenadora Luzia de Fátima.
Às amigas Rosamar Gonzalez, Karla Cristina, Sara e Jacqueline Marangoni, que
compartilharam comigo os momentos mais calorosos de discussão e também de sufoco
no “Ateliê” de construção das idéias.
Às colegas da Pós-graduação, especialmente a Marice, pela constante presença.
À minha amiga Natália Carvalho, pelo incentivo para que realizasse o mestrado.
À equipe de profissionais que participaram do grupo multifamiliar na Universidade
Católica de Brasília, pelo acolhimento e parceria neste trabalho.
ANEL MÁGICO
Marcus Viana
Se os corações e as mentes se unirem num grande anel com a força da paz,
A luz do amor que aquece as estrelas irá nos iluminar.
A vida é tão breve e há tanto por fazer
Por que então matar e morrer?
Refrão:
Crianças da África, crianças da América.
Crianças da Ásia, Europa e Brasil.
Crianças da Terra herdarão a paz!
Herdarão a paz!
Se os corações e as mentes se unirem num grande anel com a força da paz.
A luz do amor que aquece as estrelas irá nos iluminar.
A vida é tão breve e há tanto por fazer.
Por que então matar e morrer?
Refrão:
Crianças da África, crianças da América.
Crianças da Ásia, Europa e Brasil.
Crianças da Terra herdarão a paz!
Herdarão a paz!A Paz!
A Paz!
Lima, Clinaura Maria de (2007). Infância Ferida: Os vínculos da criança abusada
sexualmente em seus diferentes espaços sociais. Dissertação de Mestrado, Programa
de Pós Graduação em Psicologia Clínica e Cultura, Universidade de Brasília.
RESUMO
A pesquisa propõe-se a abordar os aspectos vinculares das crianças abusadas
sexualmente em seus diferentes espaços sociais, identificando fatores dificultadores de
restabelecimento dos vínculos, o sentido atribuído pela família nas experiências de
rompimento desses vínculos no desenvolvimento das crianças e na dinâmica familiar,
além de presentificar as manifestações desses comportamentos nos espaços de
convivência freqüentados por elas. A pesquisa foi realizada em sua primeira etapa no
Centro de Formação de Psicologia Aplicada da Universidade Católica de Brasília, com
o grupo multifamiliar freqüentado por famílias encaminhadas pela justiça, após estudo
no Psicossocial, e teve como objetivo investigar o processo de restabelecimento do
vínculo psicológico emocional e afetivo da criança abusada sexualmente. O segundo
momento constituiu-se das entrevistas semi-estruturada, realizada com as famílias. Para
a realização da pesquisa buscou-se contemplar seu objeto-sujeito do ponto de vista
sistêmico e novo-paradigmático que sustenta a subjetividade, a complexidade, os
processos sócio-histórico-culturais, as relações interpessoais e a integração com o objeto
observado. A metodologia na perspectiva da pesquisa-ação, inserida em um modelo
qualitativo favoreceu um estudo com o método de análise das informações na
abordagem de González Rey. Os resultados evidenciaram a dificuldade de superação no
restabelecimento dos vínculos tanto das crianças quanto das famílias sem a ajuda da
intervenção psicológica. É perceptível o sofrimento agudo dessas famílias, enquanto
sujeitos, constituídos por uma história de vida marcada pelo abandono, violência e a
restrição de acesso às oportunidades sociais, culturais e educacionais. Tais dificuldades
podem tornar essas pessoas vulneráveis e fragilizadas, sentindo-se isoladas,
desvalorizadas em seus afetos, sedentas de cuidado e atenção. Foi possível observar que
os aspectos de proteção e cuidado restringiram-se a uma visão fragmentada, dissociada
do sentido de proteção integral, centrando-se em ações punitivas, de vigilância e
restrições aos espaços sociais. Esta pesquisa constitui-se numa contribuição para
visualizar a importância do trabalho do psicólogo no contexto social, com famílias em
situação de violência.
Palavras - Chave: vínculo, abuso sexual, criança, espaços sociais.
ABSTRACT
The present research focuses on the family ties aspects of sexually abused children in
their different social spaces, on the identification of the factors that make the
reestablishment of family ties more difficult, on the meaning attributed by the family in
the experiences of these broken ties in the development of the children in the family
dynamics; it also observes the manifestation of these behaviors in the ‘living together’
process. The first part of this research was taken in the Applied Psychology Formation
Center of Católica University (Centro de Formação de Psicologia Aplicada da
Universidade Católica de Brasilia) with the multifamily group frequented by the
families designed by law after psychosocial studies; it had the objective of investigating
the reestablishment process of affective, emotional and psychological ties of sexually
abused children. The second part was the semi structured interviews made with the
families. In order to succeed in this research the subjects were focused under a systemic
and new paradigmatic point of view which sustains the subjectivity, complexity, socio-
cultural-historical processes, and the interpersonal relations in the integration with the
observed object. The methodology in the perspective of this action-research was
inserted in a qualitative model which favored a study with the method of analysis based
on Gonzáles Rey approach. The results showed the difficulty in overcoming the
reestablishment of ties of the abused children as well as their families without
psychological intervention. The deep suffering of these families is noticeable while
subjects of a life history marked by abandonment, violence and lack of access to social,
cultural and educational opportunities. Such difficulties may turn these people into
vulnerable and fragile beings who feel isolated and devaluated in their affection and
needy of care and attention. It was observed that the aspects of care on protection are
fragmented and dissociated of the idea of whole protection, but are simply centered in
actions of punishment, watching and restriction of social space. This research
contributes to the visualization of the importance of the psychological work in the social
context with families in situation of violence.
Key words: family ties, sexual abuse, child, social spaces.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................1
1. REFERENCIAL TEÓRICO......................................................................................6
2. REVISÃO DA BIBLIOGRAFIA ............................................................................10
2.1 A história da infância e o abuso sexual ao longo do tempo .................................10
2.2 O conceito de abuso sexual infantil .....................................................................16
2.3 O abuso sexual infantil no contexto familiar .......................................................19
2.4 A significação do abuso sexual infantil nos diferentes espaços sociais ...............27
2.5 Construção e reconstrução dos vínculos em crianças abusadas sexualmente ......30
2.6 Importância das redes sociais na proteção e responsabilização do abuso sexual
infantil..........................................................................................................................33
3. METODOLOGIA......................................................................................................36
3.1 Pesquisa qualitativa...............................................................................................36
3.2 Contexto.................................................................................................................36
3.3 Participantes...........................................................................................................38
3.4 Instrumentos..........................................................................................................44
3.5 Procedimentos.......................................................................................................47
3.6 Método da análise das informações.......................................................................54
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS...................................................56
4.1 As zonas de sentido...............................................................................................56
4.1.1 Zona de sentido 1 - Reconhecendo as conseqüências do abuso sexual
infantil..................................................................................................................57
4.1.2 Zona de sentido 2 - As diversas faces do sentido da proteção no olhar da
família e da criança..............................................................................................66
4.1.3 Zona de sentido 3 - Redesenhando a convivência na família, escola, igreja
. e outros espaços sociais........................................................................................79
5. CONCLUSÃO............................................................................................................92
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................97
7.ANEXOS....................................................................................................................111
1
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa estudou e investigou o abuso sexual infantil, enquanto tema de
extrema complexidade que possui tantas nuanças e formas, interpretando-o em várias faces
seu contexto social, histórico, político e cultural, além da dinâmica que permeia as famílias
com história de violência sexual. Atribuiu-se particular interesse à compreensão do
processo de restabelecimento psicológico e emocional da criança vítima de abuso sexual.
O interesse pelo tema foi construído nos espaços da academia, especialmente em
estágio realizado no Serviço Psicossocial Forense (SERPP), Taguatinga-DF, quando da
participação em estudos de casos e atendimentos às famílias envolvidas em situações de
violência, no ano de 2004. Pela experiência de trabalho vivenciada com crianças na área de
educação, o contato com esse estudo possibilitou enxergar nessas famílias uma presença
muito intensa de sofrimento intrapessoal e reduzidas oportunidades sociais. Isso despertou
uma mobilização irresistível para trabalhar essas questões de violências contra as crianças,
estudar e pesquisar suas relações afetivas, emocionais e psicológicas, em seu contexto de
convivência. Como no mito da fênix, que ressurge das cinzas, é relevante acompanhar
histórias de pessoas, famílias e, sobretudo, crianças, que, demolidas pelo sofrimento,
renascem revigoradas.
Falar da criança pressupõe contextualizá-la socialmente. Sabe-se que o espaço
familiar continua sendo um lugar privilegiado para a constituição psíquica e para o
processo de socialização infantil, embora esse espaço tenha sofrido marcantes
transformações em relação às formas de organização, às expressões afetivas, ao
gerenciamento dos conflitos, à convivência com a violência, à vivência da sexualidade,
entre outros aspectos do contexto familiar. A configuração da família se dá pela qualidade
das trocas afetivas que ocorrem entre os integrantes desse grupo, estabelecendo-se por meio
da triangulação pais-filhos-irmãos, além de suas representações sociais.
A busca pela literatura sobre o abuso sexual infantil permitiu visualizar que a
violência contra crianças e adolescentes permeia todos os espaços de convivência,
assumindo proporções alarmantes, exigindo do poder público, das instituições não-
governamentais e da saúde pública ações psicossociais urgentes, objetivas e pontuais que
controlem o fluxo desenfreado desse modelo de violência que assola os lares, a escola, a
rua, enfim, as dimensões pública e privada.
2
Definiu-se como objeto de estudo investigar o restabelecimento e a reconstrução
dos vínculos afetivos e emocionais, após a situação de abuso sexual. Buscou-se aqui
refletir, juntamente com os diversos autores (Azevedo & Guerra, 1995; Saffioti, 1995;
Cohen & Gobbetti, 2000; Faleiros, 2000; Sanderson, 2005) o quanto as manifestações da
violência sexual contra crianças e adolescentes causam danos à família e à pessoa abusada.
É imprescindível, pois, identificar fatores de risco e eventos adversos na experiência de
vida da família dessas crianças, assim como buscar formas de proteção e interdição desse
ato de violência.
A relação vincular, conforme destacada na literatura, constitui assunto recente e
pouco investigado pela ciência, principalmente pela psicologia, que somente há pouco
tempo vem mostrando interesse pelos vínculos afetivos, ao contrário dos psicanalistas, que
sempre reconheceram a importância desses laços interativos na vida dos seres humanos.
Nessa perspectiva de problematização da pesquisa, que inclui as relações, destaca-se de que
forma esses vínculos e sua prevalência serão significativos para a superação ou o
adoecimento da criança em seu desenvolvimento psicossocial. Bowlby (2001) esclarece
que muitas das mais intensas emoções humanas surgem durante a formação, manutenção,
rompimento e renovação de vínculos emocionais.
Maturana (1990) vem contribuir com a seguinte citação:
“O amor é a emoção central da história evolutiva humana desde o
início, e toda ela se dá como uma história em que a conservação de
um modo de vida, no qual o amor, a aceitação do outro como um
legítimo outro na convivência, é uma condição necessária para o
desenvolvimento físico, comportamental, psíquico, social e
espiritual normal da criança, assim como para a conservação da
saúde física, comportamental, psíquica, social e espiritual do
adulto” (Maturana, 1990, p.25).
A dimensão mais abrangente do referencial teórico que compõe o presente estudo
configura-se no pensamento sistêmico novo-paradigmático (Aun, Vasconcellos & Coelho,
2005) que implica num pensar auto-reflexivo. Propõe a formação dos profissionais que
3
lidam com relações humanas – médico, professor, gestor, psicólogo, etc. –, no sentido de
compreenderem a participação profissional no sistema de relações e na solução de
problemas.
A perspectiva da teoria sistêmica apresenta a construção de um conhecimento
articulado com as múltiplas dimensões de mundo, designado como um novo paradigma da
ciência. Retomando Vasconcellos (2002), a mesma aponta que o pensamento científico
estava voltado, a princípio, para o estudo do comportamento humano em uma visão de
mundo na qual a simplicidade, estabilidade e objetividade eram os construtos teóricos. O
indivíduo era visto de forma isolada de seu contexto familiar ou social. A abordagem
sistêmica veio mudar esse pensamento. O estudo sobre as famílias suscitou outro
paradigma – passou de um modelo reducionista, intrapsíquico e exploratório para um
caráter psicossocial, contextual e sistêmico.
Diante da diversidade desse referencial sistêmico, é importante apontar que os
temas relacionados ao contexto de pobreza são abordados numa visão original, que permite
resgatar o potencial de autoria daqueles até então definidos como vítimas desvalidas e
incapacitadas (Pakman, 1993; Tilmans-Ostyn, 1995; Vaconcellos, 2005).
Contribuições teóricas complementares sobre as relações serão utilizadas, tais como
a abordagem de Winnicott (1971) e Bowlby (2001). Considerando a criança e a família
numa perspectiva que provém das ciências sociais, a teoria das redes sociais e de proteção
integral (Dabas, 2001; Subdrak, 2003) fundamenta essas práticas como forma do sujeito se
redescobrir na relação com o outro, na construção e reconstrução de sua rede social.
Desse modo, a presente investigação fundamenta-se na compreensão de que o
abuso sexual é uma violência perpetrada contra a criança, que fere seu direito de cidadã,
além de ser uma forma perversa de violar sua estrutura psíquica. É notável a incompletude
da literatura perante a inesgotável trama das situações vividas por essas crianças e por seus
familiares. É preciso, pois, que estudos epistemológicos sejam amplamente realizados em
benefício dessas questões.
Traçou-se como objetivo geral deste trabalho: Investigar o processo de
restabelecimento do vínculo: psicológico, emocional, afetivo e social da criança abusada
sexualmente em seus diferentes espaços de convivência.
Os objetivos específicos foram delineados da seguinte forma:
4
¾ Contextualizar a abordagem sistêmica em sua dimensão novo-
paradigmática como importante referencial teórico e epistemológico no
trabalho com famílias que vivenciaram situações de violência;
¾ Compreender o sentido do sofrimento vivenciado pelas famílias e suas
crianças no processo de rompimento dos vínculos em relação às pessoas
da família nuclear extensa e aos lugares de convivência;
¾ Identificar fatores que dificultam o processo de restabelecimento e
reconstrução dos vínculos das crianças abusadas sexualmente em contexto
intrafamiliar e extrafamiliar, observando como se dão as interações e as
relações nos espaços de convivência;
¾ Analisar e discutir a importância das redes sociais na proteção, cuidado e
responsabilização dos adultos e familiares para com a criança abusada
sexualmente.
A pesquisa foi desenvolvida dentro de uma perspectiva metodológica da pesquisa-
ação. Thiollent (2005) define a “pesquisa-ação como um tipo de pesquisa de caráter social,
educacional, técnico, ou outro que é planejada e realizada em estreita ligação entre
pesquisadores e participantes, numa atitude de participação e cooperação” (p.10).
Hollanda (conforme citado por Valla & Stotz, 1993) e Thiollent (1986) destacam
que a pesquisa-ação caracteriza-se por promover uma motivação na população pesquisada,
cujos membros são agentes ativos do processo, ou seja, as ações das pessoas estão
implicadas no problema investigado. Uma ação coletiva de caráter educativo, além de ser
um método que favorece o trabalho com setores comunitários menos assistidos, objetivando
uma mudança social.
Esta pesquisa está inserida em uma proposta de modelo qualitativo, que, justificado
por (Gonzáley Rey, 2005), define-se essencialmente pelos processos implicados na
construção e na produção do conhecimento, não sendo, portanto, uma questão instrumental,
muito menos pelo tipo de dados a serem incluídos. O resgate do individual e do
conhecimento construtivista adquire significação essencial para a pesquisa na psicologia.
5
O estudo está organizado em cinco capítulos, nos quais se discute os aspectos do
abuso sexual infantil, em seu contexto social e cultural, compreendido como uma violência
contra a criança, o sofrimento causado pelo rompimento dos vínculos afetivos e o
entendimento do sofrimento vivenciado por essas famílias.
Destaca-se no capítulo 1 o pensamento sistêmico como novo paradigma da ciência
que sustenta o referencial teórico da presente pesquisa.
No capítulo 2, discute-se a história da infância, o conceito de abuso sexual, o
contexto familiar da criança abusada, os vínculos, a significação dos diferentes espaços
sociais, bem como a construção e reconstrução dos vínculos em crianças abusadas
sexualmente e a significação do abuso sexual infantil nos diferentes espaços sociais.
Apresenta-se no capítulo 3 a opção metodológica, a contextualização da pesquisa,
instrumentos e procedimentos, além das discussões das análises que permearam o estudo.
No capítulo 4, destaca-se a discussão dos resultados do estudo, as zonas de sentido
que apontaram as conseqüências sociais, psicológicas e emocionais, após o abuso sexual
trazendo visibilidade às questões dos vínculos.
O capítulo 5 é formado pela conclusão, a respeito do que o estudo permitiu
visualizar, seja em relação aos entraves da pesquisa em seu contexto geral, seja na
identificação dos fatores que permearam o objeto do estudo, enquanto perspectiva para
continuidade de novas pesquisas.
Por fim, espera-se que este trabalho possa contribuir no sentido de apresentar
alternativas de proteção, prevenção e responsabilização, por parte da família e da
sociedade, além de uma mudança paradigmática no que tange ao trabalho de intervenção do
psicólogo e demais técnicos envolvidos nessa área, de forma a permitir uma revisão dos
conceitos e valores vinculados à criança em sua relação afetiva com a família, escola e seus
diversos ambientes sociais.
6
1. REFERENCIAL TEÓRICO
A revisão de literatura buscou contextualizar e fundamentar teoricamente dimensões
do tema central do presente estudo, ou seja, os vínculos da criança após situação de abuso
sexual, abordando o rompimento das relações familiares, fatores de risco e eventos
adversos de vida em famílias com vivência de violência sexual intrafamiliar e nos
diferentes espaços de convivência.
O pensamento sistêmico, conforme fundamentado por Vasconcellos (1991) como
novo paradigma da ciência, é caracterizado como uma epistemologia sistêmica que
possibilita a articulação entre o pensamento tradicional da ciência e o novo-paradigma.
Dessa forma, esta abordagem permite uma nova visão ou concepção de mundo e de
trabalho científico, implícita em suas teorias e práticas.
Os aportes teóricos postulados por Vasconcellos (1991) enfatizam três dimensões
epistemológicas que marcaram um grande avanço na ciência contemporânea novo-
paradigmática: o pressuposto da complexidade, que implica a contextualização dos
fenômenos e o reconhecimento da causalidade recursiva; o pressuposto da instabilidade do
mundo, a indeterminação e a imprevisibilidade de alguns fenômenos e da sua
irreversibilidade, com a conseqüente incontrolabilidade; a intersubjetividade, o
reconhecimento de que “não existe uma realidade independente de um observador”, o
conhecimento do mundo é uma construção social.
As idéias desta autora em sua trajetória de estudo e pesquisa desde 1991, a
dissertação de mestrado em 1995, além de sua aproximação com outros estudiosos como
Humberto Maturana (1990) e Carlos Sluzki, (1991), especialmente no “Encontro
Internacional Novos Paradigmas, Cultura e Subjetividade”, ocorrido em Buenos Aires
(1991), culminaram no livro “Terapia familiar sistêmica: bases cibernéticas”. Vasconcellos
(1991) aborda o sistema familiar análogo a um sistema cibernético, ou seja, em constante
mudança. A evolução da cibernética e a Teoria Geral dos Sistemas provocaram fortes
transformações no pensar e no fazer da Psicologia. A cibernética é compreendida como a
ciência da comunicação e do controle no ser humano e na máquina (Sluzki, 1987).
As nuanças do pensamento sistêmico reportam-se a uma profunda mudança de
atitude científica, pessoal e contextual, visto que o pensamento sistêmico oferece a
linguagem comum, permite uma transdisciplinaridade, ao mesmo tempo em que articula os
7
diversos saberes da ciência transitando em seus amplos domínios, sem perder o referencial
do contexto no qual estão inseridas pessoas, famílias, instituições, redes sociais, entre
outros. (Vasconcellos, 2002).
Pensar o novo paradigma não significa que a ciência esteja deixando de ser
científica ou se confundindo com outros domínios de explicações. A ciência é compatível
com os complexos processos que o constitui, o mundo natural, onde evoluem os seres vivos
e suas sociedades (Prigogine & Stengers, 1979).
O abuso sexual infantil, particularmente o intrafamiliar, tem sido considerado um
dos grandes males da sociedade atual. Sabe-se, entretanto, que esse tipo de fenômeno não é
uma marca da vida familiar somente desta época. Contudo, a era contemporânea gerou
mudanças na forma de olhar a infância e, conseqüentemente, as manifestações de violência
passaram a ser vistas de maneira diversa. O abuso sexual infantil apresenta uma
organização fundada em torno do segredo, às vezes perpetuado por várias gerações. A esse
respeito, Gabel (1997) esclarece que o segredo funciona como lei interna no núcleo
familiar; argumenta também que toda organização familiar justificada na preservação do
segredo implica, por parte do pai, estratégias que lhe permitam administrar lapsos de tempo
que possibilitem as relações sexuais com a filha.
A terapia familiar sistêmica vem sendo indicada para o trabalho com essas famílias
pelo avanço demonstrado no quadro das patologias mais recorrentes (psicoses, anorexias,
perturbações de caráter). Trata-se, portanto de causalidade circular, ou seja, a compreensão
do momento crucial da crise, incluindo a revelação, a comunicação, a eventual retratação da
criança e algumas vezes a do próprio pai após suas confissões.
A postura novo-paradigmática, inserida na abordagem sistêmica, e os pressupostos
básicos da terapia familiar convergem para um pensar emergente e significativo do trabalho
desenvolvido pela psicologia na comunidade. Esse modo de pensar da psicologia apresenta
como meta o bem-estar, a valorização e a melhoria das condições de vida, promovendo
uma reflexão, ao mesmo tempo em que reconhece a importância das experiências intra e
interpessoais, a serem vistas como um continuum da Psicologia Clínica, em suas
conceituações específicas (Costa, 1998).
Nessa mesma linha de pensamento, considerando que o conhecimento se constrói na
interação, pode-se afirmar que duas condições se impõem aos profissionais que trabalham
8
na comunidade: conhecer o contexto local e contribuir para a construção de novos
significadas e narrativas por meio da interação (Costa & Marra, 2004). O conhecimento se
faz, portanto, na ação, ação no sentido de interação, relação e subjetividade.
A família, enquanto sistema vivo, forma estrutura totalmente diversificada, com
características únicas, específicas, construindo significados para seus problemas e para o
contexto em que convive (Santos, 2002). Para compreender essa família é preciso interagir
com ela, ser co-autor dessa história. Nessa perspectiva pode-se inferir que o tempo presente
configura-se em uma continuação, ou possibilidades de um novo rumo, uma vez que essas
histórias são construídas desde outras gerações.
Nesse processo de constante transformação, a família busca sua continuidade e o
crescimento psicossocial de seus membros e deixa de ser vista segundo modelos teóricos
preestabelecidos, preconceituosos e desorganizados, passando a ser encarada como
“organizada de maneira diferente, segundo as necessidades que lhe são peculiares” (Melo,
1995, p. 58, citado por Santos, 2002).
De acordo com Vasconcellos (1995), a concepção sistêmica data do século passado,
mesmo não sendo uma contribuição nova na abordagem clínica familiar. A teoria da
complexidade de Morin (1990), quando afirma que a “dificuldade de ultrapassar
efetivamente o paradigma tradicional pode manifestar-se de várias formas” (p.163), vem
favorecer uma nova visão da família na atuação do trabalho do profissional da psicologia.
A proposta deste estudo é enfocar uma perspectiva sistêmica de compreender e intervir na
violência intrafamiliar.
A perspectiva sistêmica (Andolfi, 1981; Calil, 1987) pretende ir além da visão de
vítima e vitimizador. Não só pelo aspecto de que essas famílias são elas próprias vítimas de
um sistema desigual de distribuição de renda, mas também pelo resgate da circularidade
(Boscolo, Cecchin, Hoffman & Penn, 1993), conceito explicitado pela terapia familiar na
compreensão do processo de expressão da violência na família. A circularidade pode ser
compreendida como um fenômeno relacional em que as pessoas envolvidas no ato violento
têm participação ativa (Cirillo & Di Blasio, 1991).
Delineando essa trajetória do pensamento sistêmico, concomitante com o olhar
sobre a violência no sistema familiar, especialmente no atendimento às famílias que
vivenciaram situações de extrema violência, pode-se afirmar que a postura sistêmica novo-
9
paradigmática se faz essencial para enfrentar os desafios do novo milênio. Nesse sentido,
Maldonado (2006), em seu livro Cá entre Nós na intimidade das famílias, destaca que: “Os
comportamentos violentos são aprendidos e como tal podem ser desaprendidos” (p.190). A
agressividade é inata, mas a violência e a guerra não correspondem às necessidades
biológicas.
Continuando essa linha de pensamento, a autora enfatiza a importância de se utilizar
o potencial de amorosidade e agressividade existente em todos nós, além da necessidade de
expandir o primeiro para nutrir a capacidade de amar e de ser solidário. No que se refere à
agressividade, sabe-se que a mesma se faz necessária para lutar pelos próprios direitos,
indignar-se com as injustiças, ter persistência para batalhar por metas de vida e
flexibilidade para continuar procurando saídas diante de grandes frustrações. No entanto, o
impulso agressivo, quando não canalizado, facilmente se transforma em ódio e violência e
se torna, portanto, destrutivo (Maldonado, 2006).
Imaginam-se tantos outros jeitos de pensar as relações familiares, entretanto, a
despeito das fundamentações da abordagem do pensamento sistêmico, visualiza-se que o
modo sistêmico tem a ver com a mudança de paradigma que está ocorrendo na ciência,
considera-se o pensamento sistêmico um conjunto de pressupostos, um novo olhar para
ações humanas no mundo.
10
2. REVISÃO DA BIBLIOGRAFIA
2.1 A História da infância e o abuso sexual ao longo do tempo
As relações familiares estabelecidas nas famílias que passaram por experiências de
abuso geralmente apresentam-se vulneráveis emocionalmente, revelando-se com
dificuldades de lidar com determinados fatores, desencadeando diversas formas de
violência, principalmente no convívio familiar.
Estudiosos e pesquisadores apontam o abuso sexual infantil como de natureza
social, influenciado de forma marcante pela cultura e pelo tempo histórico em que ocorre,
fator este que dificulta uma definição universalmente aceita. As atitudes e crenças
relacionadas às crianças, o sentido da infância e os padrões de cuidado dos filhos mudaram
significativamente ao longo do tempo.
Sobre esse fato é importante contextualizar os diversos olhares e significados
atribuídos à infância, além do caráter protetivo comparando com o tempo atual.
Procurando mostrar uma visão panorâmica do sentido da infância, pode-se apontar que, na
antiguidade clássica, os pais e o Estado decidiam sobre a vida e a morte das crianças, sendo
comum livrarem-se delas principalmente quando defeituosas. O infanticídio era uma prática
comum nas sociedades antigas (Sanderson, 2005).
O pátrio poder representava verdadeiro direito de propriedade dos pais sobre os
filhos, incluídos nessa perspectiva o direito de castigá-lo, mandar flagelar, de condenar à
prisão, de banir da família (Passetti, 1995). No direito romano, a preocupação maior em
relação às crianças estava mais diretamente ligada aos bens materiais do que à proteção. O
poder paterno passou a sofrer restrições de sua hierarquia frente ao poder divino,
representado pela igreja católica. “Em conseqüência, o primeiro direito suprimido foi o de
morte, pois o pai não pode destruir o que foi criado por Deus” (Badinter, 1985, p.42).
O abandono de crianças em orfanatos, na denominada “roda dos expostos”, e o
enfaixamento dos bebês que ficavam imobilizados enquanto os adultos cuidavam de seus
afazeres era uma prática muito comum nessa época. O “enfaixamento” era uma
recomendação médica, cuja finalidade era ajudar a vencer as fraquezas herdadas pelas
crianças (Kroll, 1977). Esses comportamentos eram adotados por pais de todas as camadas
11
sociais (Badinter, 1995). DeMause (2002) ressalta que, do século IV ao XIII, as crianças
eram vistas como possuidoras do mal, por isso apanhavam e eram espancadas, mantidas
emocionalmente distantes dos pais, abandonadas ou vendidas para escravidão. O cuidado
com a criança era considerado por muitos como um estorvo.
Somente a partir do século XIX e metade do século XX, o padrão de cuidado com
os filhos tem sido caracterizado por modo de ajuda, no qual se considera que as crianças
sabem do que precisam como qualquer outra pessoa. As mudanças nos modos de cuidar dos
filhos provocaram impactos tanto nas crianças quanto nos pais. DeMause (1976, 1991,
1993, 1998 e 2002, citado por Sanderson, 2005) aponta a existência do abuso sexual de
crianças em diferentes culturas, incluindo aqui a excisão genital feminina com incidência
muito elevada em diversos países da Ásia, África, Oriente Médio e até mesmo alguns
países da Europa e Estados Unidos, onde essa mutilação ganha status de rito de passagem
com fortes significados religiosos e, portanto, não sendo considerada uma violência sexual.
Defende também que pais abusados ou traumatizados na infância podem se sentir
compelidos a repetir esse trauma quando se tornarem pais, baseado no conceito de que
trauma exige repetição. Ressalva a autora que as implicações não podem ser generalizadas.
A Declaração de Genebra (1924) anunciou a necessidade de proteção especial à
criança. Assim também, no período pós-guerra, foi criado em 1946 o Fundo das Nações
Unidas para a Infância – UNICEF. A comprovação de que as crianças necessitavam de
atenção especial foi um passo revolucionário para a época, que coincidia com a
reconstrução da Europa e a formação de novos países.
O Brasil antecipou-se à Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela
ONU em 1989, ao incluir em sua Carta Magna, em 1988, no artigo 227, o seguinte
conteúdo:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito a vida, a saúde, a
alimentação, a educação, ao lazer, a profissionalização, a cultura, a
dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão. (Brasil, 1998, art.227)
12
A sociedade civil brasileira despertou para uma mobilização intensa em favor da
criança e do adolescente, pela gravidade do fenômeno da violência. Começou, então, a se
organizar em fóruns e debates que pressionaram a formulação de leis de amparo à infância,
numa perspectiva de direitos e de proteção integral. Surge o ECA – Estatuto da Criança e
do Adolescente, criado pela Lei 8.069, aprovada em junho 1990, em substituição ao Código
de Menores de 1979, que continha um caráter arbitrário quanto às noções do menor em
situação de irregularidade e de periculosidade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) representou um marco histórico de
respeito e dignidade de um ser antes considerado “coisificado”, mero objeto, importante
código considerado pelos juristas e pesquisadores como um dos mais avançados do mundo.
Sabe-se das dificuldades estruturais quanto à sua aplicação na sociedade brasileira. Essa
doutrina propõe políticas sociais e ações especiais com vistas à garantia de direitos à
infância e à adolescência e também restabelece a regulamentação de direitos e a doutrina da
proteção integral que asseguram a todas as crianças e adolescentes, indistintamente, os
direitos fundamentais de seres humanos no exercício pleno da cidadania.
É importante aguçar a percepção para o significado da infância percorrendo o
caminho da sociologia, da antropologia, do direito, da psicologia, entre tantas outras
ciências na tentativa de compreender por que a violência contra a criança permanece de
forma tão acentuada nos dias atuais. O processo de ressignificação da infância, em seu
formato histórico e cultural, imprime uma visão ampla de como o conceito de criança foi
sendo construído no decorrer do tempo. Os estudos sobre a infância, a família, a escola e os
diversos espaços em que a criança está inserida, além das concepções pedagógicas, estão
intimamente relacionados entre si.
A infância deve ser considerada uma condição do ser criança, sendo importante
respeitá-la e considerar seu universo de representações, visto que é um sujeito participante
das relações sociais inserido no processo histórico, social, cultural e psicológico. O registro
de suas representações significa possibilitar à criança escrever sua própria história, que até
então foi produzida somente pelos adultos como uma história sobre a criança. Os estudos
sobre a infância e a criança, ao serem abordados aspectos das relações sociais, por muito
13
tempo tiveram ênfase nos processos psicológicos básicos. Kramer (1996, p.18) faz
referência a esse tipo de abordagem afirmando:
Buscando a sociologia, a história e a antropologia para compreender a
infância, eu me afastava de referenciais eminentemente psicológicos
– e de uma psicologia do indivíduo, dos dons e aptidões – que
estiveram presentes na formação acadêmica que recebíamos, e que
insistiam em caracterizar a criança quer como imatura e dependente,
carente e incompleta, quer como esponja absorvente, semente a
desabrochar, quer ainda como perverso polimorfo ou sujeito
epistêmico. (Kramer, 1996, p.18).
Ariès (1981) trouxe importantes contribuições sobre a história da infância. O
enfoque diz respeito à condição e natureza histórica e social do ser criança. O conceito de
infância foi analisado por esse autor a partir das obras de arte e literatura, assim como os
costumes. Após esse período, um novo olhar é dado à infância. Começam a ser delineados
os espaços sociais, entre eles a escola, que assume um caráter de formação, ainda que nos
moldes pedagógicos preestabelecidos. A interação social e intergrupal é incentivada.
A violência verbal e ou psicológica é entendida como tortura psíquica (Guerra,
1998). Destaca-se como uma dessas formas de violência a depreciação constante do adulto
sobre a criança em suas tarefas, o que pode trazer bloqueio de seu aprendizado e rebaixar
sua auto-estima, causando-lhe sofrimento, temor e ansiedade. Também fazem parte da
violência psicológica os gritos rotineiros, os rótulos, as ameaças de abandono e os excessos
de “não”. Tais condutas têm sido as mais utilizadas pelos adultos que cuidam de criança,
seja na família ou em outros contextos sociais. A agressão física não está presente nesse
tipo de atitude, mas a ação direta da violência verbal e psicológica é equivalente.
O imaginário dos pais, e porque não dizer da família, é de que vivemos numa
cultura onde se valoriza a prática pedagógica do castigo como forma ideal de educação. O
modelo de proteção de muitas famílias tem sido uma reprodução do modelo que receberam
dos seus pais, e essa proteção quase sempre chega a formas de surras e maus-tratos,
indicando que as crianças deveriam se cuidar sozinhas. A pesquisa nesta literatura tem
14
mostrado a adesão das mães a valores e conceitos bastante conservadores, conforme Segato
(2003) e Penso, Costa e Almeida (2005).
Diante desses excessos vivenciados rotineiramente por tantas crianças, pode-se
perceber que as diversas formas de cuidado e proteção foram sendo desenvolvidas de modo
lento e fragmentado.
A descoberta da criança – vítima da família e da sociedade – tornou-se foco da
proteção pública e privada. O Estado inseriu-se na vida familiar para controlar o exercício
do poder paternal e lhe instaurar deveres. O conhecimento da criança e a medicina infantil
surgem por volta da segunda metade do século XIX como forma de proteção à infância, e o
termo “pediatria”, datado de 1872, é inserido. Até então, os médicos não tratavam crianças
(Barroso 2004).
Os olhares sobre a criança têm-se intensificado à luz de outro paradigma. À
procura do respeito à dignidade do infante, uma face mais humanizada pode ser desenhada,
superando séculos em que a família e suas crianças, embora existissem como uma realidade
vivida, não existiam como sentimento de valor (Ariès, 1981). Atualmente, podem-se citar
importantes conquistas em relação ao cuidado e à proteção, por meio do poder público:
Conselhos Tutelares, SOS Criança, Justiça da Infância, entidades não-governamentais,
além do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Todavia, não é demais enfatizar que a história da infância está relacionada
diretamente à história da família, e esta também se foi constituindo historicamente a partir
do contexto cultural, social e econômico. Ariès (1981) argumenta a constituição da família
a partir do final da Idade Média e, ao abordar o público e o privado, procura deixar claro
que esses conceitos não eram vistos como o são hoje. Até aproximadamente o século XVI,
não havia uma definição clara estabelecida para a vida familiar; muitos hábitos e práticas
familiares eram realizados junto com toda a comunidade, sem preocupação com
privacidade. Esse autor aponta três acontecimentos para a mudança na constituição dos
espaços, tornando-os privados ou públicos: o novo papel do Estado (Áries, 1991 p.9), o
segundo é o desenvolvimento da alfabetização e ampliação do hábito de leitura com o
surgimento da imprensa, e o terceiro, o surgimento de novas formas de religião.
Retomando ao tema inicial sobre a história da infância e o abuso sexual, torna-
se pertinente fazer referência às questões da sexualidade infantil, que representa importante
15
aspecto de contextualização, na busca de uma compreensão sobre o abuso sexual infantil e
suas conseqüências para a criança, a família e a comunidade em geral. A visão sobre a
sexualidade humana, especialmente a infantil, o conhecimento sobre o tema, sua
significação e representação social pelos pais, educadores e profissionais podem funcionar
como um forte indicador de proteção e cuidado em favor da criança.
O desenvolvimento da sexualidade infantil, assim como a do adulto, ainda
constitui um tabu fortemente enfrentado pela sociedade. Sabe-se que a sexualidade é
construída biológica e socialmente, reflete, portanto, crenças e valores culturais e
religiosos. Faz parte também da história de cada indivíduo, sendo muito importante para
seu desenvolvimento psicossocial, além de ser uma parte normal do seu desenvolvimento.
Para as crianças, a sexualidade é bem diferente do que é para os adultos. Não há
um direcionamento específico ao prazer genital, mas ao prazer experimentado por todo o
corpo (Sanderson, 2005). A percepção da sexualidade está mais direcionada para como
pensam sobre o corpo e como se sentem em relação a ele, o crescimento físico e as
mudanças, o relacionamento uns com os outros e a definição de gênero. As crianças são
naturalmente curiosas, sendo que, em relação à sua evolução, essa curiosidade é
fundamental para seu aprendizado. Importante, portanto, que os pais e adultos saibam
orientar o processo de desenvolvimento da sexualidade em seus filhos.
O desenvolvimento do comportamento sexual infantil é retratado por Sanderson
(2005) enfatizando a representação da brincadeira, o aprendizado e a importância da
orientação dos pais na condução das informações, estabelecendo os limites sobre o que é
apropriado em termos de espaço pessoal, de proximidade, de nudez e toques e regulando
também a linguagem, o vestuário, o comportamento em relação ao sexo e outras atitudes de
exposição.
A orientação sexual oferecida pela família e pela escola desempenha importante
papel na prevenção do abuso sexual, uma vez que a criança aprende a se defender, além de
evitar danos à integridade física, psicológica e emocional da criança. Pode-se contribuir,
assim, para a identificação de crianças em situações de risco ou que estejam passando por
uma experiência de abuso.
Essa breve incursão teórica e conceitual revela desde logo, que muitos aspectos
representados hoje como violentos, num passado recente, eram socialmente aceitos pelos
16
autores da violência, pelas vítimas e pelo meio social envolvente (Gallardo Cruz, 1994). Os
aspectos relacionados à concepção de infância e sobre como as crianças eram tratadas e
educadas permitem analisar e refletir a respeito de concepções hoje existentes, também
possibilitando uma reflexão sobre a educação e a escola hoje.
As diversas violações dos direitos das crianças ao longo do tempo e o crescente
aumento da violência na sociedade são questões amplas, mas freqüentemente trazidas para
o espaço da família e da escola. Isso conduz a indagações de que não existe um único
conceito de infância, pois pensar a criança e as infâncias implica analisar uma
multiplicidade de diferenças como as de classe social, etnia e gênero. Para melhor conhecê-
las, é necessário levar em conta suas condições reais de vida, sua origem social e sua
cultura.
2.2 - O conceito de abuso sexual infantil
O abuso sexual infantil não é um fenômeno recente. Referências e registros
históricos revelam reações sociais de extrema ambivalência que apontam desde a negação
da existência do contato sexual entre adultos e crianças até a aceitação desse contato
(Deblinger & Heflin, 1992). Porém, recentemente, o abuso sexual infantil assumiu uma
proporção bastante desenvolvida como foco de pesquisas e tem recebido dos meios de
comunicação atenção especial (Flores & Caminha, 1994).
Abuso sexual, conforme apontado por Shrader e Sagot (1998), pode significar
atividade coercitiva, pelo uso arbitrário do poder de uma pessoa sobre a outra com a
finalidade da primeira obter ganhos sexuais, ao mesmo tempo em que resulta em agressão à
dignidade da segunda, seja ao nível moral, psicológico ou físico.
O termo abuso sexual apresenta diferentes concepções nos mais diversos contextos
e abordagens da literatura consultada. Ainda assim, é importante que sejam apontados
alguns conceitos que subsidiam o presente estudo. Pesquisadores como Gabel e Flores
(1997) explicam o abuso sexual como forma de maus-tratos. Faleiros (2003) argumenta
acerca da relação de poder do adulto sobre a criança e das questões de gênero, da
submissão e do uso (abuso) do outro como objeto de prazer. É a violência da manutenção
da ordem.
17
A definição de abuso em criança é bastante ampla e alcança um nível de extrema
complexidade, tendo em vista os aspectos históricos, culturais e sociais em que o abuso está
envolvido. Sanderson (2005) destaca que a intensa influência cultural e a falta de
concordância na definição de abuso sexual infantil dificultam a amostragem dos dados
estatísticos, além de não permitirem a decisão sobre quais atos sexuais são abusivos. Esta
autora integra em seus conceitos um conjunto de abusos que uma criança pode
experimentar e explicita quatro categorias: abuso físico, abuso emocional, negligência e
abuso sexual. Esses conceitos foram inspirados na concepção literária do Departamento de
Saúde do Reino Unido, de 2003.
O abuso físico é caracterizado por atitudes como bater, sacudir, arremessar,
envenenar, queimar, afogar, sufocar ou causar danos físicos a uma criança. Danos físicos
também podem ser causados quando o pai ou o responsável finge sintomas de má saúde
para a criança ou deliberadamente os causa. Essa situação é comumente chamada “doença
fictícia por procuração” ou “síndrome de Munchhausen por procuração”.
O abuso emocional está qualificado como os maus-tratos emocionais persistentes
contra uma criança com a intenção de causar efeitos adversos severos e contínuos ao seu
desenvolvimento emocional. Pode também se caracterizar pela imputação à criança de
expectativas inapropriadas à idade ou ao seu desenvolvimento. Embora esse tipo de abuso
esteja implícito nos demais, ele também pode ocorrer isoladamente.
A negligência consiste no fracasso constante em satisfazer as necessidades físicas
e/ou psicológicas de uma criança. Pode envolver a falha de um pai ou responsável em
fornecer comida, abrigo, roupas adequadas, proteger uma criança de danos físicos e
perigos, assim como negar o acesso a cuidados médicos ou tratamento apropriado.
Abuso sexual compreende forçar ou incitar uma criança ou jovem a tomar parte
em atividades sexuais, que podem envolver contato físico, com atos penetrantes e não
penetrantes. Pode incluir, ainda, a exposição da criança a materiais pornográficos ou que a
ela presencie atividades sexuais.
Dada a dificuldade consensual do conceito de abuso sexual, é importante salientar,
conforme complementam Padilha e Gomide (2004), pelo menos três aspectos em comum
presentes nas definições e concepções acerca do abuso: a impossibilidade da criança de
decidir sua participação na situação abusiva; o uso da criança por parte do adulto para a
18
própria satisfação; o abuso de poder exercido pelo adulto, não sendo seu comportamento
coercitivo identificado por falta de provas físicas. Para essas autoras, o abuso é de natureza
variada, podendo envolver desde uma carícia intima, exploração sexual, pornografia,
exibicionismo ou mesmo penetração vaginal, anal ou oral.
Sobre a relação de poder evidenciada pela literatura, em boa parte das definições
de abuso, Furniss (1993) chama atenção para o entendimento estrutural do que seja
“poder”. Fala das diferentes formas de poder: emocional, social, legal e cognitivo e
argumenta a importância do poder em um nível interacional, em que a criança cria uma
dependência estrutural das capacidades físicas, mentais e sociais entre a pessoa que comete
o abuso e a sua imaturidade.
À luz desses esclarecimentos, Faleiros (2005) corrobora com a seguinte expressão:
A violência sexual contra crianças e adolescente acontece em escala
mundial, esteve sempre presente em toda a história da humanidade,
e em todas as classes sociais, articulados ao nível de
desenvolvimento e civilizatório na sociedade em que acontece. (...)
É consensual nos estudos sobre a violência sexual contra crianças e
adolescentes que esta é uma relação de poder entre desiguais,
exercida através da dominação e/ou da sedução (Faleiros, 2005,
p.2).
O abuso sexual da criança não é apenas um problema de gênero, tampouco entre
pais e filhos, mas uma preocupação social, legal, psicológica e emocional. Furniss (1993)
aborda o dano primário pela ocorrência do próprio abuso e o dano secundário incluindo a
vitimização que alcança níveis extremos de prejuízos sociais, emocionais e psicológicos
para a integridade física e psíquica da criaa que passa por experncia de abuso e maus-
tratos.
Silva Junior (2006), ao notificar o conceito de abuso sexual na visão de diversos
autores, indica que o abuso sexual de crianças se apresenta de diversas formas, em vários
contextos e cultura, razão pela qual identifica múltiplas definições. Ressalta a convicção de
que essa prática afeta a saúde física e mental daquele que sobrevive, trazendo implicações
sociais, jurídicas e legais. Referindo-se ao dano psíquico, indica que este tem sua origem a
partir do conceito de dano moral, mas se distingue do mesmo por ser passível de ser
19
objetivamente constatado, devendo, portanto, essa tarefa ficar a cargo de um perito com
formação na área de saúde mental e experiência forense.
Furniss (1993) esclarece que o dano psíquico (ou psicológico) em virtude de abuso
sexual da criança está relacionado a sete fatores, a saber: idade do início do abuso; a
duração do abuso; o grau de violência ou ameaça de violência; a diferença de idade entre o
perpetrador e a criança vitimizada; o tipo de relacionamento; a ausência de figuras parentais
protetoras; o grau do segredo. Esse autor alerta que não se deve julgar a severidade do
abuso sexual apenas pelas suas conseqüências, pelo seu dano físico ou psicológico, mas
pelo fato de ser uma violação da norma legal.
2.3 O abuso sexual infantil no contexto familiar.
Historicamente, a representação social de família sofreu mudanças significativas; o
grupo conjugal não é mais a forma básica e universal de família. Nesse sentido, os teóricos
do pensamento sistêmico e das escolas de terapia familiar contribuíram para a abrangência
de um novo paradigma (Haley, 1963; Bowen, 1976; Minuchin, 1982).
É incontável e abrangente a literatura a respeito do conceito de família. Haley
(1971), um dos fundadores da terapia familiar, afirmou que “a família é um tipo especial de
sistema, por possuir uma história” (p.96), o que pressupõe uma marca do tempo. Não se
pode, portanto, restringir a família aos relacionamentos (Aun, Vasconcellos & Coelho,
2005).
Satir (1967), explicitando a atual configuração vincular da família, aponta para
muitas das formas de relacionamento familiar compostas por um só dos pais
(monoparentais), particularmente a mãe. São as famílias de mães (ou pais) solteiras,
cônjuges abandonados, separados ou viúvos. Outra dimensão abordada pela mesma autora
é um fenômeno recente, que cresce em quantidade e interesse, as “famílias homossexuais”,
redefinidas como “os relacionamentos vinculares entre pessoas do mesmo sexo com desejo
de construírem um modo familiar”. Fato bem comum, também, em franco crescimento, são
as famílias e casais recasados. A obrigatoriedade, portanto, de “convivência sob o mesmo
teto” como condição para definição de família não é mais exclusiva ou, por assim dizer, a
regra.
20
As mudanças vivenciadas pela sociedade, especialmente no século passado,
refletem-se no modelo contemporâneo de organização familiar, promovendo mudanças na
legislação vigente e no tratamento legal das questões que envolvem a família e suas
relações. A Constituição Brasileira de 1988 tornou-se o marco legislativo da família
contemporânea (Lira, 1997). A mulher passou a ter, juntamente com o homem, o dever de
assistir, criar e educar os filhos menores, frutos do casamento ou não, pois não existem
“filhos legítimos, legitimados, naturais, adulterinos ou incestuosos”.
Os grandes eixos de mudança dessas últimas décadas, no que diz respeito à
modernização da família, segundo Figueira (1987), têm sido as mudanças do ideal de
família – ideal hierárquico para o ideal igualitário, a flexibilização das fronteiras, entre as
categorias de idade e sexo, anteriormente concebido como espaços demarcados de forma
rígida –, além da psicologização da família. Sobre esse aspecto percebe-se que a
participação da mulher na vida pública e a busca de igualdade no convívio e nos papéis
desenvolvidos na família, assim como na sociedade, vêm alterando significativamente sua
posição de inferioridade na relação com o homem.
As crianças e adolescentes são percebidos como indivíduos que apresentam
condições peculiares de desenvolvimento, necessitando, portanto, de cuidados especiais que
permitam a potencialização plena de seu crescimento intra e interpessoal, além do
desenvolvimento saudável de suas etapas de desenvolvimento físico, emocional e social.
Assim, pode-se sustentar que tanto o poder público quanto a sociedade e a família são
responsáveis pela garantia dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes
(Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal n. 8.069/1990).
A família ocupa, sem dúvida, lugar preponderante nesse processo, pois é o
primeiro sistema social no qual o ser humano está inserido; desempenha, também,
um poderoso papel no desenvolvimento das habilidades comportamentais das crianças.
É por meio de sua dinâmica que a família constrói interações que desenvolvem o
senso de cooperação e reciprocidade. O sentimento de pertencimento e a percepção de
serem amados fortalecem nas crianças e adolescentes a expectativa de que suas
necessidades serão atendidas, o que propicia a busca de gratificação de forma efetiva em
seu ambiente familiar. Quando os cuidadores, sobretudo os primários, desempenham ações
21
protetivas, as crianças e adolescentes tendem a responder com sucesso a situações de risco
(Brito & Koller, 1999).
Pesquisas apontam, entretanto, que mais de 90% das ocorrências de violência
contra as crianças e adolescentes são perpetradas no ambiente doméstico (Oliveira &
Flores, 1999; Pires, 1999).
As relações familiares são complexas pelo padrão de interações que a família
estabelece com os vários sistemas. É pertinente compreender que a função dessa instituição
ultrapassa a finalidade de criação e proteção, comprometendo-se com a formação do
cidadão. Nesse sentido, Minuchin (1982) analisa que a família é um sistema aberto e se
encontra em constante transformação devido à troca de informações que formaliza com os
sistemas extrafamiliares.
A família é vista como uma instituição social, e, como tal, as transformações nela
ocorridas refletem as mudanças no contexto social mais amplo, sendo um espaço onde as
relações de gênero são confrontadas no exercício de seus papéis e funções, além do
envolvimento afetivo-sexual (Aun, Vasconcelos & Coelho, 2005).
Esse contexto implica que cada família possui sua dinâmica, que dá significado às
mudanças ocorridas em sua organização, relativas às suas regras relacionais, valores,
relações de identidade entre seus membros, articulando com as outras instituições da
sociedade suas representações, tanto no que diz respeito à prática, quanto nas
representações que interpretam as relações sexuais, afetivas e de parentesco (Afonso, 1981;
Baremblit, 1992).
Um novo desenho da família brasileira, embora com conflitos bem marcados por
valores presentes nas práticas, afirma um ideal de igualdade nas relações entre cônjuges,
segundo o qual, tanto o indivíduo como o casal é soberano. No tocante a esses valores,
entre outras mudanças, deve existir a vontade de resolver o conflito entre o individual e o
coletivo (Vaitsman, 1994 citado em Aun, Vasconcellos & Coelho, 2005).
Na sociedade brasileira atual, há a exigência de diversidade e flexibilidade nas
soluções de problemas familiares e sociais, o que indica a necessidade de novos paradigmas
(Goldani, 1993). Conviver com o novo e o tradicional constitui um processo característico
da não-linearidade e da complexidade dos processos sociais. Em relação a essas
transformações, Aun, Vasconcellos & Coelho (2005) argumenta que o núcleo original da
22
família dissolve-se como grupo de residência, mas perduram as relações familiares. Os
laços afetivos, de amizade, de aliança e até de cumplicidade nem sempre se dissolvem de
seu núcleo original. “A família muda de lugar, desloca seus significados, se reconstitui,
seus conteúdos se rompem. Nesta configuração redesenha-se a família; ela não se acaba ao
rearranjar suas formas e, flexibilizar e redefinir suas fronteiras” (Aun, Vasconcelos &
Coelho p. 105).
A família, enquanto grupo de socialização primária, constrói laços, a partir da
convivência entre todos os membros, capazes de unir membros durante uma vida e por
várias gerações. Nessa visão de laços vinculares, o presente estudo pode contribuir para
descortinar as diferentes faces tingidas pelo sofrimento oculto, vergonha, culpa,
constrangimento, a impotência da vítima frente às ameaças do perpetrador, o medo de
dissolução da família, entre outros sentimentos que vão se configurando de maneira, às
vezes, ambígua e paradoxal, permitindo, inclusive, a tolerância da violência como uma
forma de manutenção desse vínculo familiar.
A despeito de tantas tentativas de definições sobre a família, ressalta-se a
incompletude de todas elas. Muitas falam de aspectos específicos da relação familiar;
outras, de características gerais. Nenhuma, portanto, é globalizante. Sabe-se que isso se
deve ao fato de o fenômeno chamado família ser uma das grandes manifestações da
complexidade humana, e, como tal, definições atualmente limitadas não podem abarcar o
fenômeno (Morin, 1991).
Féres-Carneiro (1983), em seu capítulo Saúde e doença emocional na família
estabelece algumas considerações respaldadas em Ackerman (1961) quando argumenta que
não existe família idealmente sadia, e, do ponto de vista psíquico, as famílias são
predominantemente sadias ou predominantemente enfermas. Ackerman distingue famílias
enfermas como aquelas que fracassaram progressivamente no cumprimento de suas funções
familiares essenciais. Segundo esse autor, tais funções referem-se à reciprocidade de
relações de funções familiares essenciais e os níveis de adaptação de acordo com o modo
como a família maneja seus problemas, variando segundo a estrutura social e posição
cultural de cada família.
Para Minuchin (1982), toda família enfrenta situações de tensão, e a família sadia
não pode ser distinguida da família enferma pela ausência de problemas. Sendo a família
23
um sistema sociocultural aberto, em processo de transformação, deve fomentar o
crescimento psicossocial de cada membro.
Um dos pontos marcantes na relação familiar é o padrão de comunicação como
expressão de comportamento. Este é enfatizado como fator de grande relevância no
comportamento nas relações familiares, como uma prática saudável no processo de auto-
estima, maturidade e funcionamento ou como fatores disfuncionais (Beterson, 1956; Satir,
1967; Minuchin, 1985).
Adentrando o contexto intrafamiliar, diversos aspectos precisam ser apontados
como pontos de entendimento e esclarecimento a respeito do funcionamento dessas
famílias, especialmente a família brasileira, aqui retratada e pesquisada, no que diz respeito
ao abuso sexual infantil como uma prática comum e pouco denunciada, configurada por
uma complexidade estrutural ideológica e cultural que envolve aspectos psicológicos,
sociais e legais. Todavia, entre tantos pontos a serem abordados, a dinâmica familiar e as
marcas da violência serão apontadas de forma mais enfática, uma vez que tais aspectos,
sem dúvida, provocam uma alteração significativa na vida cotidiana, nos vínculos
familiares e no desenvolvimento afetivo, cognitivo e socioemocional da criança abusada,
rompendo vínculos e dificultando o restabelecimento dos mesmos.
Em relação à dinâmica das famílias de crianças abusadas sexualmente, os
indivíduos são marcados pela violência intrafamiliar, oriunda da relação conjugal
conflituosa, do desemprego, do álcool e das drogas, da miséria e da má distribuição de
renda, sem contar aspectos de extrema pobreza (Guerra & Azevedo, 2000). São fatores de
risco que tornam as famílias mais vulneráveis, permissivas e fragilizadas emocionalmente,
oportunizando a repetição do ciclo abusivo.
O abuso sexual pode ser definido, de acordo com o contexto de ocorrência, em:
extrafamiliar e intrafamiliar. O extrafamiliar ocorre fora do convívio familiar, situações em
que as crianças e adolescentes são envolvidos em pornografia e exploração sexual; também
inclui toques, carícias, sexo oral ou relações com penetração (digital, genital ou anal).
Entretanto, a maioria dos abusos sexuais cometidos contra crianças e adolescente ocorrem
dentro de casa e são perpetrados por pessoas próximas, conhecidas, que desempenham
papel de cuidador delas. Dessa forma, os abusos são denominados intrafamiliares ou
incestuosos (Cohen & Mannarino, 2000; Braun, 2002;). Assim, as relações sexuais que
24
envolvem laços de consangüinidade, entre uma criança e um adulto (tutor, padrasto,
membro da família, ou familiar à criança), são consideradas incestuosas (Azevedo, Guerra
& Vaiciunas, 1997). Inclui também madrastas, meios-irmãos, avós e até namorados ou
companheiros que morem junto com o pai ou a mãe caso assumam a função de cuidadores
(Forward & Buck, 1978).
Sobre a incidência do abuso sexual intrafamiliar, Silva Junior (2006) apresenta em
sua pesquisa cento e oito laudos registrados no Instituto Médico Legal, pesquisados e
analisados, inclusive com perícia psicológica, dos quais 72% ocorreram no espaço
intrafamiliar, cometidos por pai ou padrasto. A respeito dos dados estatísticos sobre a
ocorrência do abuso sexual infantil no Brasil, os registros são desatualizados, sendo as
últimas estatísticas publicadas em 2002. Os casos de abuso que formaram a presente
pesquisa são provenientes da justiça e outros órgãos envolvidos, entre eles, a Vara de
família,Vara Criminal, Conselho Tutelar, entre outras. Esse formato dificulta o
acompanhamento de informações e dados específicos a respeito de registros em relação à
denúncia, aos exames periciais, tipos de abuso e dados estatísticos registrados no IML
(Instituto Médico Legal), uma vez que os processos correm como segredo de justiça, o
acesso do grupo multifamiliar a estas famílias, apresenta um caráter de estudo e
intervenção.
As famílias incestuosas apresentam relações interpessoais assimétricas e
hierárquicas, nas quais existe uma desigualdade e ou uma relação de subordinação (Koller,
1999). Esses fatores de risco vêm sendo constantemente identificados nesses modelos de
famílias. O abuso sexual intrafamiliar é desencadeado e mantido por uma complexa
dinâmica, diversos fatores que se mantêm interligados, entre eles, cita-se a “síndrome de
segredo”, diretamente relacionada com os comportamentos do agressor. Por gerar intenso
repúdio social, o mesmo tende a se proteger em um processo de negação, além de uma teia
de segredos, geralmente mantida à custa de ameaças e barganhas com criança abusada.
Outro fator é a “síndrome da adição”, caracterizada pelo comportamento compulsivo do
descontrole de impulso frente ao estímulo gerado pela criança. O abusador, por não se
controlar, usa a criança para obter excitação sexual, dando vazão e alívio as suas pulsões
sexuais (Furniss, 1993).
25
A violência física e psicológica no contexto intrafamiliar contribui para a
manutenção do abuso em segredo (Koller & De Antoni, 2006). A dinâmica do abuso sexual
apresenta alguns pontos comuns destacados pela literatura, como uma sucessão de fases
que envolvem interação sexual, sigilo e revelação. O adulto apresenta à criança atividades
como se fossem jogos ou brincadeiras, evoluindo em seus contatos, desde as brincadeiras
que expõem o corpo, passando por toques e carícias, até a ocorrência de sexo oral, anal,
vaginal.
A violência gera um ambiente em que predominam sentimentos de medo,
desamparo e isolamento, contribuindo, assim, para a manutenção do segredo. A presença de
outras formas de violência intrafamiliar, tais como negligência e abusos físicos e
emocionais, freqüentemente está associada ao abuso sexual, o que dificulta o rompimento
dessa dinâmica familiar (De Antoni & Koller, 2000; Anda, Giles & Felitti; 2003;
Habigzang & Caminha, 2003; Kellog & Menard, 2004).
A dimensão transgeracional da proteção e do cuidado, especialmente das mães, em
relação a situações potencialmente propícias ao abuso, aponta diferente nuanças quanto às
ações e modelos desempenhados para proteger os filhos e cuidar deles. A perpetuação das
histórias de violência, cometidas por homens vinculados afetivamente a essas mulheres,
que sofreram os mais diversos tipos de violência, constrangimento e sentimentos, faz com
que desenvolvam um modo particular de cuidado, que geralmente se repete: elas agem da
mesma maneira como foram cuidadas e protegidas pelos seus pais.
A qualidade dessa proteção quase sempre é trazida à mente de modo negativo, ou
ausente, com sentimentos de mágoa e tristeza. Sobre esse assunto, Costa, Penso e Almeida
(2005), em seu texto “Pequenas histórias, grandes violências”, retratam a experiência de
mães que participaram dos grupos multifamiliares, narrando suas histórias de abuso sexual.
Corroboram com reflexões a respeito das dificuldades que as mães enfrentam em conter a
violência sexual dirigida às crianças e aos adolescentes, devido à elasticidade e fragilidade
com que se apresenta esse tipo de violência, sendo essas crianças e adolescentes alvos
fáceis de reincidência, tanto no meio familiar, quanto em outros espaços nos quais estão
inseridos.
De modo complementar, Schidder (2005) ressalta que a falha no exercício da
maternidade deve ser vista como um elemento importante de causalidade na origem do
26
abuso e as mães não-protetoras apresentam um discurso permeado por ambigüidades e
contradições em que se mesclam indícios de culpa e justificativas para a ocorrência do
abuso. A responsabilidade pelo abuso é projetada para outras circunstâncias. Todos esses
fatos dificultam uma eventual denúncia, além de contribuírem para o prolongamento do
ciclo abusivo.
Algumas ponderações a esse respeito podem ser ilustradas como forma de reflexão
e questionamento no que concernem aos fatores de risco, proteção e cuidado. Furniss
(1993) argumenta que nos casos onde o segredo é mantido, há uma falha na função
protetora do progenitor não abusivo. Esse autor não evidencia a mãe como “cúmplice
silenciosa”, mas afirma que, quando há um relacionamento mãe-filha próximo e protetor, o
abuso pode ocorrer, mas não continuará por muito tempo, pois essa mãe reconhecerá a
mudança de comportamento da criança, sinais de abuso, assim como alteração no processo
familiar. A mãe é a figura preponderante para a proteção de seus filhos. As mães com
história de abuso, que tiveram a presença de uma pessoa de confiança ao longo de sua vida,
tendem a desenvolver um percurso resiliente, com grande capacidade de enfrentar a
ocorrência do abuso, ressignificar a situação e superá-la.
Existem casos nos quais a mãe é, de fato, co-responsável pela agressão e se utiliza
do abuso como “fator regulador de conflitos na família” (Furniss, 1993). Infere-se que essa
mãe delega, portanto, à filha obrigações conjugais, exigindo uma “quota de sacrifício” para
contribuir com a manutenção da família, “prendendo” o homem provedor a esse núcleo. A
despeito desses posicionamentos, Butler (1979) faz a seguinte pergunta: “Por que um
homem, com uma relação sexual insatisfatória com sua mulher faz a escolha destrutiva da
própria filha como uma substituta sexual?” (p.98)
É pertinente supor que a responsabilidade pela proteção da criança, especialmente
no que se refere às violências, é de toda a rede familiar e social, além, é claro, do Estado,
não devendo centralizar-se na figura da mãe. Como acentua Bass e Thornton (1985, p. 23),
“o fenômeno da violência contra mulheres e crianças e a tolerância destas agressões, não
são simplesmente uma perversão contemporânea, mas parte de uma velha tradição difusa
em todo o mundo”.
27
2.4 A significação do abuso sexual infantil nos diferentes espaços sociais
O ser humano e a sociedade são duas realidades inseparáveis. Ao nascer, a criança
é a mais indefesa dos seres vivos, pois necessita, por um longo período de cuidado e
proteção (Della Torre, 1986).
A forma de organização da sociedade se dá pelas interações, relações e processos
sociais, nela os indivíduos estão distribuídos por diferente status, desempenhando seus
papéis. O funcionamento da sociedade é dinâmico, está, pois em constante transformação
de seu mundo social, podendo variar seu ritmo lento ou acelerado.
A rede relacional da criança, seu pertencimento a agregações sociais, está
diretamente relacionada à família como grupo primário, à escola, aos amigos, aos seus
espaços de lazer, à igreja, entre outros.
Sobre esses espaços, debruçou-se um olhar em relação à violência sofrida pela
criança e a significação dos seus vínculos, especialmente no que concerne ao contexto
social na convivência grupal após o abuso sexual.
A família enquanto cenário de socialização primária pode ser considerada como o
lugar onde o indivíduo aprende a perceber o mundo e a se situar nele, num processo que é,
ao mesmo tempo, individual e coletivo. Nesse contexto cotidiano de organização e
significação dos afetos e das relações, as crianças irão desenvolver uma identidade
psicossocial, que incluirá, por sua vez, uma identidade de gênero.
A família em seus diferentes papéis, conforme indicado por Aun, Vasconcellos &
Coelho (2005), possibilita aos seus membros referencias de proteção, afeto e autoridade,
valores que permitem ao indivíduo reconhecer-se como indivíduo no mundo, pertencente a
um grupo, em momentos diferentes de sua trajetória pessoal. À medida que se fortalece o
sentimento de família, cresce a noção de individualidade, intimidade e de privacidade.
Sob esse aspecto da dinâmica funcional da família, paradoxalmente, a violência
sexual contra a criança, especialmente o abuso sexual, compreendido como um padrão de
violência construído por diversos fatores, nem sempre visíveis, predispõe a família para a
ocorrência da violência e situações de risco. Entre eles, o uso abusivo do álcool e outras
drogas, o estresse econômico e emocional, os conflitos do casal, a ruptura decorrente do
desemprego, uniões instáveis e padrões transgeracionais. No tocante à transgeracionalidade,
28
Costa, Gramkow, Santana e Ferro (2005) concordam que situações de violência na família
extensa criam um estado de vulnerabilidade para que a violência aconteça. Ressalta, ainda,
que o fator de proteção da criança e do adolescente é fundamental. Nesse mesmo sentido,
Rangel (2001) argumenta que a violência sexual, especificamente o abuso sexual
intergeracional apresenta especificidades, nem sempre visíveis. Essas especificidades só
serão percebidas sob um olhar dirigido às características que permeiam a infância e a
família.
Faleiros (2005) salienta que o abuso sexual de crianças remete a uma trama na qual
está inserida a diversa relação do abusador e da criança vitimizada, incluindo não só a
família, mas também os profissionais das diferentes áreas, as redes de exploração, assim
como a sociedade.
O abuso sexual infantil, geralmente, é silenciado e mantido por um segredo que
permeia as relações afetivas e sociais que se inscrevem como situações de extrema
vulnerabilidade na convivência familiar. Furniss (1993) esclarece que a dinâmica do abuso
gera um “enfeitiçamento”, que mantêm a pessoa vitimizada envolvida numa armadilha da
qual não sabe como se livrar, ocorrendo um processo de aprisionamento construído por
meio de uma trama emocional contraditória de amor e ódio, sedução e ameaça, o que faz
com que a vítima, aterrorizada, permaneça imobilizada. Tais comportamentos transformam-
se em rituais do silêncio, da chantagem e de uma comunicação bem singular.
Retomando-se as questões iniciais, sobre os demais espaços sociais, entre eles, a
escola, os amigos e o lazer, torna-se imprescindível contextualizar o espectro de pobreza e
exclusão em que estas crianças e suas famílias estão inseridas. A situação de privação e
dificuldade de acesso aos bens e serviços, acima de tudo, acentua a exclusão, pois fragiliza
as redes de afeto e de sociabilidade, corrói os valores culturais, fragilizando o grupo
familiar e as subjetividades de seus membros Aun, Vasconcellos & Coelho (2005).
A violência intrafamiliar, apesar de ocorrer na esfera das relações privadas,
termina por se inserir em outros contextos de relações vinculares da criança. É na escola
que geralmente a teia de segredos que envolvem a violência começa a ser desvelada.
Contudo, a maioria dos educadores brasileiros não sabe o que fazer quando se deparam
com uma situação de violência intrafamiliar. Às vezes, desconhecem os sintomas que as
29
crianças violentadas apresentam, os fatores de risco, os meios de proteção e as
possibilidades de encaminhamentos.
Considerando o papel do professor como agente de educação e de formação, ficam
evidentes as falhas de sua atuação para intervenções adequadas, conforme resultados de
pesquisa (Brino, 2002; Brino & Williams, 2003; Koller & Lisboa, 2004). A escola como
espaço público, em constante interação com a família, é apontada como um dos mais
significativos agentes de socialização da criança, por se tratar de um ambiente de cidadania,
conforme definido por Souza Santos (2004). De acordo com Brino e Williams (2003), a
escola mostra-se o lugar ideal para detecção e intervenção em casos de abuso sexual
infantil, em que, na maioria das vezes, o agressor encontra-se na família. Enquanto
instituição social educativa, a escola é reconhecido locus de referência de valores sociais,
culturais e éticos. Além da sua função educativa, desempenha importante papel na vida da
criança, podendo contribuir na prevenção da violência em suas mais diversas formas.
Contribuindo no esclarecimento de questões sobre o processo de exclusão, Aun,
Vasconcellos & Coelho (2005) afirma que as famílias em contexto de pobreza encontram-
se constantemente estressadas em suas atividades rotineiras, pois são privadas de outros
bens, como o lazer e a cultura. As crianças, basicamente, freqüentam dois espaços sociais
de referência, a família e a escola. O lazer e a brincadeira são inexistentes, geralmente
relegados, sem nenhuma importância para o desenvolvimento psicossocial da criança.
Sobre o brincar, Winnicott (1971) fundamenta a importância dessa atividade para
as crianças, coloca-o como fenômeno natural e universal, que significa a própria saúde.
Explicita que “o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos
relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação a serviço da
comunicação consigo mesmo e com os outros” (p.63). Entende-se, portanto, que o brincar
tem um papel insubstituível no processo vital de encontro consigo mesmo e com o outro. A
criança, através da formação e utilização das diversas manifestações simbólicas –
linguagem, imagem mental, desenho representativo, imitação na ausência de modelo,
fabulação lúdica –, adquire condições de, gradativamente, ir-se percebendo como alguém
que constrói a própria história de vida de modo ativo e interativo. Winnicott (1971) ressalta,
ainda, a importância fundamental da interação do adulto quanto à sensibilidade de enxergar
como a criança está se organizando em seu processo adaptativo através de uma conquista
30
física, prática e funcional, aprendendo a lidar cada vez mais com seu corpo, situando-o e o
organizando num contexto de tempo e espaço. Aprender a fazer essa leitura é sem dúvida
um grande e apaixonante desafio.
Quanto aos amigos, para essas famílias, são restritos, marcados por contatos
superficiais com uma fluidez acentuada na fragilidade dos vínculos. A constante
rotatividade de residência e o contexto da violência formatam esse modelo de
descontinuidade das amizades, marcadas, além de tudo, por desconfiança, conflito e
competição.
2.5 Construção e reconstrução dos vínculos em crianças abusadas sexualmente
Falar sobre o indivíduo desperta uma necessidade premente de tocar em suas
emoções. O desenvolvimento da espécie humana constitui uma das mais belas histórias,
pois a essa espécie foi concedida a capacidade de amar e de falar. A construção da relação
humana se dá desde sua formação no ventre materno. Em seu aspecto biológico, o cordão
umbilical, que continua a se desenvolver, metaforicamente, depois de sua ruptura, cria laços
afetivos, uma relação rica, cheia de ambivalência, multifacetada, com vantagens e
desvantagens. A intimidade dessa relação mãe/bebê é compreendida como a primeira
relação social de uma criança. O termo usado para essa ligação social inicial entre a criança
e a principal pessoa que dela cuida é denominada de vínculo, e tal ligação parece ser inata
(Ainsworth, 1982).
As contribuições científicas e de literatura de vínculo ainda são restritas aos
conceitos psicanalíticos, ficando a desejar um aprofundamento no qual se possa discutir
questões relativas à complexidade do comportamento humano. A teoria do apego
desenvolvida por Bowlby fornece uma base biológica para a compreensão de
relacionamentos próximos e protetores a partir das bases etológicas (Bowlby, 2001).
Bowlby (1984) argumenta que um núcleo na vinculação afetiva é a atração que um
indivíduo sente por um outro indivíduo. Caracteriza, ainda, a vinculação afetiva como
resultante do comportamento social de cada indivíduo de uma espécie, diferindo conforme
o outro indivíduo de sua espécie com quem ele esteja tratando. A característica essencial da
vinculação afetiva é que os dois parceiros tendem a se manter próximos um do outro.
31
Apesar das controvérsias sobre a importância dos acontecimentos nos primeiros anos de
vida para a saúde mental, hoje os grandes pesquisadores dessa área, incluindo Winnicott
(1971), reconhecem o quanto é vital uma relação estável e permanente com uma mãe (ou
substituta) amorosa e duradoura durante toda a infância e a necessidade de aguardar a
maturação antes de arriscar intervenções precipitadas, tais como desmame e o treinamento
de hábitos.
Em suas investigações longitudinais, Bowlby (1984) fundamenta que um dos
principais efeitos da privação mãe-criança é uma grande intensificação do conflito de
ambivalência às privações maternas, que conduz ao anseio lidibinal e ao ódio em níveis
particularmente elevados. Principalmente depois que a criança formou com a mãe uma
relação emocional, podem-se desencadear efeitos devastadores para o desenvolvimento de
sua personalidade. Existem, porém outros eventos que podem ocasionar problemas, entre
eles, a vergonha e o medo.
Para Bustos (1990), o vínculo pode ser definido como “o interjogo entre pessoas,
que atuam através de papéis. O vínculo se estabelece ‘entre’ papéis” (p. 79). Nessa
perspectiva, não se considera vínculo apenas à relação que se configura como amena,
protetora e amorosa, mas toda e qualquer relação afetiva, independentemente da qualidade
desse afeto. Esses vínculos podem assumir as mais variadas formas, provocando sobre o
comportamento do indivíduo efeitos diversos. A configuração que os vínculos apresentam
diferencia-se de indivíduo para indivíduo, ainda que estejam na mesma situação vincular.
Assim, os vínculos mãe-filho, pai-filho, marido-mulher assumirão características próprias,
podendo sofrer influências de fatores como o tempo, a cultura e o contexto social no qual se
apresentem. Traçando informações a respeito dos vínculos desenvolvidos no contexto
familiar, especialmente em famílias com ocorrência de situações de abuso sexual infantil, a
primeira reação é considerá-la como “patológica”, “desestruturada”, “insensível”, espaço
onde convivem pais “monstros” e mães “ausentes”, entre outras percepções. Há que se
ponderar os mais variados tipos de agrupamento, os quais têm um ponto comum: a
existência de um vínculo afetivo a ligar todos os seus integrantes. É importante observar a
problemática do incesto sob o ponto de vista da organização dos vínculos afetivos que se
estabelecem entre os membros de cada família.
32
Sobre as relações incestuosas, várias teóricos defendem a idéia de que elas têm
suas raízes na forma como se estruturam os vínculos mãe-criança. Nessa perspectiva,
Faiman (2004) afirma que o incesto pode representar conflitos diferentes para cada família,
e, portanto, não pode ser considerado a partir de uma única dimensão:
O incesto [...] pode ser a expressão de diversos conflitos ou
dificuldades de natureza absolutamente distinta para cada família,
com as mais diversas conseqüências e representações, o que
descarta qualquer resposta genérica advinda de um corpo teórico
previamente definido para as questões relativas a esse tema
(Faiman, 2004, pp. 22-23).
Considera-se insuficiente explicar a problemática da violência sexual, especialmente
no que diz respeito aos vínculos, somente do ponto de vista psicológico. Essas ponderações
adquirem importância fundamental, uma vez que a dinâmica da família é fortemente
influenciada pelo padrão de comunicação e o vínculo estabelecido entre seus membros.
Percebe-se nas relações vinculares dessas famílias uma dinâmica afetiva e
psicológica marcada por sentimentos de ambivalência, dificuldades de percepção acerca de
si e do outro, além de forte tensão, fragilidade e agressividade. Imbricada nesse sistema
vincular, onde todos os sujeitos estão envolvidos numa trama de relações possivelmente
disfuncionais, ninguém sai ileso, todos de alguma forma testemunham o que ocorreu na
família, e esse fato constitui um segredo muito bem guardado, cuja função é a manutenção
da estrutura familiar. Nesse sentido, pode-se inferir que a problemática do abuso sexual,
incluindo o incesto é fundamentalmente familiar e não individual.
Banchs (1994) apresenta diversas conseqüências emocionais e vinculares das
crianças (e de seus familiares) que vivenciaram situações de violência, sobretudo abuso
sexual. Entre as dificuldades, destacam-se: as econômicas advindas da separação do casal,
o rompimento vincular com a família extensa e o abusador, os temores e as inseguranças
em relação ao futuro. Ressalta esse autor a importância da revelação e a desmistificação
como uma forma de combater a prática abusiva, além de acreditar no potencial de
organização dessas famílias para a superação e recuperação do grupo familiar.
33
2.6 Importância das redes sociais na proteção e responsabilização do abuso sexual
infantil
A proteção se inscreve em um contexto histórico e sócio-cultural ao longo do tempo
como um aspecto imprescindível ao ser humano, especialmente a criança enquanto ser em
desenvolvimento. Requer, portanto, cuidado e atenção na saúde, alimentação, lazer,
integridade física, entre outros. É importante ressaltar o lado avesso desses aspectos, apesar
de todos os seguimentos da sociedade, família, escola, incluindo também, o poder público e
as instituições não governamentais planejarem ações de proteção e cuidado, especialmente
no que tange ao abuso sexual, esses fatores, ainda são negligenciados, desqualificados e
relegados à própria sorte.
O cenário da violência assumiu proporções alarmantes, por essa razão, o setor de
saúde, a partir da segunda metade do século XX, tem sido um dos maiores defensores da
proteção integral das crianças e adolescente. Minayo (2004) a partir do conceito ampliado
de saúde aborda o tema da violência e suas conseqüências negativas no âmbito da atenção à
saúde, reconhece também que ele diz respeito, à violação de direitos humanos, não
discriminando, em sua crueldade, classe social, raça, credo, etnia, sexo, nem idade. A
autora esclarece que apesar do crescimento da consciência social no país, em todos os
âmbitos relacionais e institucionais ocorrem problemas.
O contexto familiar e as interações que a família estabelece com os demais sistemas
presentes na sociedade permitem compreender que essa instituição ultrapassa a finalidade
de criação e proteção, e alcança a função de formação do cidadão. Quanto a isso, Minuchin
(1982) analisa que a família enquanto sistema aberto em constante transformação realiza
troca de informações com os sistemas extrafamiliares. Essas ações são formatadas de
maneira singular em cada um de seus membros, que são orientadas de acordo com as
características presentes no sistema familiar, mas podem sofrer influências e, por isso,
mudar diante das necessidades e das preocupações externas.
Nesse formato, percebe-se que as famílias se equilibram sobre uma estrutura
emocionalmente frágil que torna seus membros por demais vulneráveis perante os riscos
sociais, podendo assim gerar uma crise familiar que pode ser expressa através da violência.
34
A mãe é apontada pela literatura como a figura preponderante para a proteção de
seu(s) filho(s) nos casos de abuso sexual. Portanto, quanto mais próximo for o
relacionamento entre mãe e filho, maior será a possibilidade de rompimento do ciclo
abusivo, como também melhor será o processo de ressignificação do abuso pela criança ou
adolescente. Nesse sentido, a qualidade das relações está necessariamente ancorada na
história dos vínculos estabelecidos, na intensidade, freqüência e mutualidade dos mesmos.
Sluzki (1997) sustenta que: “Por exemplo, uma relação com muita história em comum
mantém intensidade mesmo se os contatos não forem muito freqüentes” (p.58).
Outro ponto bastante discutido na literatura consultada é a história de abuso-
vitimização vivida pela mãe durante a infância ou adolescência, a maneira como foi
protegido e cuidada, influenciam diretamente no processo de resiliência materno e na
capacidade de proteção que essas mães desenvolvem em relação aos seus filhos. A presença
de uma rede de apoio, não somente institucional, mas principalmente familiar e comunitária
compõem os fatores sociais de proteção. Através dessas redes primárias de proteção é
possível potencializar a garantia dos direitos das crianças e adolescentes, visto que ela é
capaz de identificar os abusos sexuais e incentivar a denúncia.
Sobre redes, Sluzki (1997) argumenta que a construção dessa rede apresenta um
formato que se configura como um "Mapa da rede": formadas, por pessoas significativas no
âmbito familiar, vizinhança, relações de trabalho, amizades, a partir das instituições as
quais a pessoa tem acesso. É importante o contato com as pessoas significativas, por meio
das diferentes interações que o solicitante estabelece em todo o seu contexto familiar e
social. Esta rede é fundamental, no processo de reestruturação familiar, visto que, a partir
da denúncia instala-se uma crise nas relações familiares, a qual exigirá apoio, compreensão
e afeto para fortalecer os vínculos entre os indivíduos e superar a crise.
Considera-se que a revelação do abuso sexual é sempre um momento de muito
sofrimento negação, jogo de culpas, marcado por uma crise de ruptura na família. A
respeito dos fatores sociais a espera pela verificação da denúncia, bem como pelo
acompanhamento institucional constituem um fator de risco com forte potencial para
reincidência dos abusos. Agrega-se a isto a falta de abrigos para o encaminhamento das
vítimas, o que as obriga a conviver com o abusador, submetendo-as a violência psicológica
que acompanha a violência sexual, que resulta muitas vezes na retirada da denúncia.
35
Á luz desses esclarecimentos Araújo (2002) argumenta que o abuso sexual
incestuoso se estabelece sobre uma sólida estrutura composta de sentimentos como culpa,
medo da destituição familiar, dependência emocional e financeira, os quais corroboram
para a instituição e conservação do segredo, gerando assim um tabu familiar que favorece a
reprodução do abuso por anos. Afirma esse autor que: “nas famílias incestuosas a lei de
preservação do segredo familiar prevalece sobre a lei moral e social” (Araújo, 2002, p. 8).
A intervenção de rede é entendida como sendo um percurso para a autonomia (Elkaim,
1995), (Sluski, 1996), (Dabas, 1995). Liberdade que tem uma pessoa de autodeterminar-se,
com possibilidade de enfrentar situações novas, de criar respostas originais, para solucionar
problemas e alcançar objetivos pelos quais é responsável. Nessa perspectiva, qualquer
problema que leva uma pessoa e sua família a buscar ajuda pode ser a oportunidade para
que estas pessoas olhem o grupo de relações que estabeleceram no decorrer de suas vidas e
definam seu lugar nestas relações. É lhes dado a chance de contatar com seus iguais e de
reconstruir
a história de suas vidas.
No momento da reconstrução da história de pertencimento, o indivíduo tem a
chance de reconhecer quais as relações construtivas que quer manter, e quais as que não
estão facilitando o seu crescimento e, portanto, não quer mantê-las. Cada pessoa,
influenciada por suas vivências na Rede Social, estabelece um modo próprio de se
relacionar e vai construindo histórias que só têm significado para os membros desta rede.
36
3. MÉTODO
3.1 Pesquisa qualitativa.
O objetivo deste capítulo é descrever o caminho percorrido para a realização da
presente pesquisa. O método de pesquisa-ação, enquanto modo de perceber e organizar uma
pesquisa social de finalidade prática e em consonância com as exigências próprias da ação e
da participação, em seu enfoque qualitativo, destaca-se como eixo norteador do processo de
construção desta pesquisa. Seu objeto de estudo é um tema complexo, contraditório e
inacabado, exigindo, portando constante transformação.
A pesquisa-ação associa-se a diversas formas de ação coletiva e se orienta de
maneira transformadora com a participação ativa do grupo, numa relação estreita entre
pesquisadores e participantes em atitude de cooperação. Desempenha um papel de
“bússola” nas atividades dos pesquisadores, explicitando suas decisões por princípios
científicos (Thiollent, 2005).
Conforme argumenta González Rey (2002), a pesquisa qualitativa constitui um
processo permanente de produção de conhecimento, em que os resultados são momentos
parciais que se integram constantemente com novas perguntas e abrem novos caminhos à
produção de conhecimento. Cada resultado está imerso em um campo infinito de relações e
processos que se multiplicam em infinitos eixos de continuidade da pesquisa. Afirma,
ainda, que a perspectiva qualitativa de investigação em Psicologia é uma opção
epistemológica, teórica e ideológica e não somente uma questão de método.
3.2 Contexto
O desenrolar da pesquisa aconteceu inicialmente no espaço do Centro de Formação
em Psicologia Aplicada, da Universidade Católica de Brasília – UCB/DF, no período de
setembro a novembro de 2006, no contexto do grupo multifamiliar com famílias que
passaram por experiências de abuso sexual. Participaram do estudo oito famílias,
juntamente com suas crianças. São realizados quatro ou cinco encontros de três horas cada,
com as seguintes temáticas: Proteção à criança, Auto-estima, Atenção à
transgeracionalidade; Responsabilização dos adultos pelos acontecimentos da violência;
37
Construção de um projeto futuro (Costa, Penso & Almeida, 2005). O grupo foi dirigido por
esta pesquisadora, em conjunto com uma equipe de pesquisadores estudantes de Pós-
Graduação da Universidade de Brasília, estagiários da Universidade Católica de Brasília e
professores supervisores de ambas as instituições.
O grupo multifamiliar é um contexto de acesso às famílias, além de um espaço
complementar de coleta de dados e de observação da pesquisa que muito contribui para a
identificação de fatores que caracterizam a problemática desse tipo de violência. Procura,
também, aliviar o sofrimento dessas famílias pela oportunidade da troca de experiência, da
fala, da escuta no grupo, além de possibilitar às famílias atendidas ajuda mútua por
mecanismos de identificação e/ou oposição entre seus participantes (Costa, Penso &
Almeida, 2003).
Essas famílias são encaminhadas pela Seção Psicossocial Forense do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios, em parceria com as instituições que desenvolvem
um trabalho de apoio às vítimas que se encontram em situação de desamparo e
vulnerabilidade, sujeitas a outros abusos. O atendimento preconiza o encontro em conjunto
de várias famílias considerando-as como um sistema. A teoria sistêmica compreende que o
problema familiar de um membro constitui um fenômeno relacional, portanto, todos os
membros são convidados a participar do grupo. O uso de provocações e questionamentos, o
processo de circularidade, além das diversas técnicas da terapia familiar, possibilita a
discussão das propostas temáticas, o que permite maior reflexão para ações de proteção,
responsabilização e interrupção do ciclo de violência perpetrado contra a criança e o
adolescente (Andolfi, 1981).
A metodologia do grupo multifamiliar proporciona, também, condições para a
revisão e reconstrução das relações entre pais e filhos. As conversações entre gerações
possibilitam visualizar a perspectiva transgeracional da violência, trazendo à tona o fato de
que os pais abusadores ou negligentes desenvolveram essas formas de relacionamento
intrafamiliar em suas experiências infantis. Esses comportamentos foram registrados em
suas memórias e serviram de modelo para a atuação dos papéis de pai e mãe.
A metodologia desenvolvida por esse grupo inicia-se com o rito de passagem,
momento de encontro das famílias que serão atendidas e dos profissionais que irão
trabalhar com essas famílias. O rito é considerado um marco inicial de estabelecimento de
38
compromisso e participação no grupo. A convocação para participar do grupo ocorre a
partir de uma intimação judicial oficializada pelos juizes de cada processo. Após esse
momento, o grupo segue seu curso com a realização de quatro ou cinco encontros, de três
horas cada um, em uma sala específica. O conceito de rede social na perspectiva teórica
de diversos autores, entre eles Dabas (1995) e Aun, Vasconcellos & Coelho (2005),
representa importante referência para o trabalho desenvolvido no grupo, uma vez que se
considera que a aproximação a essas famílias deve acontecer com base em sua rede natural
de pertença e sociabilização. É, portanto, nesse lócus social que as demandas familiares
ecoam, servindo de ressonância para ampliação e visibilidade dos problemas íntimos, para a
procura de amparo e resolução mais imediata (Costa, Penso & Almeida, 2003).
Após a realização do grupo multifamiliar, as famílias e suas crianças foram
entrevistadas em suas residências.
3.3 Participantes da pesquisa
Tomaram parte do estudo oito famílias e suas respectivas crianças, com idades entre
oito e doze anos, incluindo uma adolescente de quinze anos, que passaram por situações de
violência, especialmente os casos de abuso sexual infantil. Um breve relato dos casos das
famílias participantes será descrito no texto, contendo aspectos do estudo realizado nos
encontros do grupo multifamiliar, nas observações participantes e nas entrevistas semi-
estruturadas.
As oito famílias colaboradoras dessa pesquisa serão descritas, identificando-se da
seguinte forma: Família I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII para que suas identidades sejam
preservadas. É importante destacar o interesse desta pesquisadora pelas crianças
participantes do grupo, que constituem o foco de análise sobre o abuso sexual infantil e das
relações vinculares esfaceladas em decorrência da violência sofrida. Dessa forma, as
mesmas serão descritas, utilizando-se nomes de flores como forma de identificação, para
que suas identidades sejam protegidas.
A Família I, constituída pelo casal e dois filhos, além de uma irmã da mãe, uma
jovem de 24 anos, que reside com o casal, em Samambaia-Norte, DF. Pertencentes a uma
classe social baixa, moram de aluguel. O pai, de 37 anos, estava desempregado, alcoólatra,
39
escolaridade ensino fundamental incompleto; a mãe, 34 anos, trabalha em casa como
massagista, ensino médio. Violeta, a criança em destaque, na época da pesquisa com 12
anos de idade. Reside em Samambaia, DF. Participou do rito de passagem e três encontros.
Violeta estuda em escola pública, cursando a 5ª série. Quando a criança tinha um
ano de idade, a mãe começou a trabalhar em uma clínica de estética, deixando as crianças
com uma irmã da igreja; esses cuidados perduraram por três anos. Após esse período a mãe
contou com a colaboração da família paterna, que sempre se fazia presente na intimidade da
convivência do lar, com um vínculo de confiança e afetividade muito intenso. A família se
diz evangélica, com atuante participação na igreja, o pai afirma ser católico não praticante.
História do abuso - Violeta foi abusada por seu tio avô paterno de
aproximadamente 50 anos de idade, o fato vinha ocorrendo desde quando a criança tinha
sete anos de idade. O abusador costumava freqüentar a residência do casal quando estes não
estavam em casa, agradava o garoto mais velho com dinheiro e solicitava que fosse
comprar alguma coisa, a fim de ficar livre para manipular a genitália, despir, cheirar e fazer
sexo oral com Violeta. A mãe e as crianças compareceram ao grupo multifamiliar, faltando
a apenas um encontro. O pai não acompanhou a família. Segundo a mãe, estava iniciando
um novo emprego. O estudo e atendimento da família no psicossocial ocorreu no primeiro
semestre de 2006.
Família II, formada pelo casal e a filha Pétala, de 12 anos de idade, família
residente em Taguatinga-DF. Padrão classe média, o pai de 31 anos é agente penitenciário,
escolaridade ensino médio. A mãe de Pétala, de 30 anos de idade, trabalha no comércio
como vendedora, escolaridade ensino médio. Relata ter sido abandonada por sua mãe
biológica, criada pelos avós, sendo o avô bastante agressivo. A criança cursava, à época da
pesquisa, a 5ª série do ensino fundamental. A família faltou a dois encontros do grupo
multifamiliar, sendo que no rito de passagem a mãe não compareceu, pois o marido não
comunicou a ela que ia participar de um encontro sobre famílias que vivenciaram a
experiência de abuso. Informou aos pesquisadores que a mãe estava muito fragilizada com
tudo que tinha acontecido a sua filha. Faltou aos dois últimos encontros.
História do abuso - Pétala foi abusada em seu lar, por um jovem de 23 anos, amigo da
família, proveniente da Bahia, convivendo com os familiares. Na ocasião, o pai estava
dormindo, após o almoço. A mãe estava trabalhando e o pai havia consumido bebida
40
alcoólica. A mãe, ao chegar a casa, percebeu a filha estranha. Após dialogarem, a filha
contou para a mãe o ocorrido. A mãe fez a denúncia imediatamente. Ela teve medo da
reação do pai, pois não sabe o que teria acontecido caso ele tivesse acordado durante o
abuso. Essa família não foi visitada, devido às dificuldades de contatos. Após inúmeras
tentativas, desistiu-se da visita. Os pais apresentam um forte sentimento de culpa.
Família III, composta pelo casal e cinco filhos, três do sexo feminino com idades
de 7, 8 e 15 anos, dois filhos de 14 e 11 anos, religião evangélica, residentes no Recanto das
Emas, Distrito Federal. Os pais são procedentes da Paraíba. A mãe tem 36 anos, é faxineira,
estudou até a 4ª série, ensino fundamental; o pai, 41 anos, mecânico, escolaridade ensino
fundamental incompleto. Família muito carente, residência própria em condições precárias,
o lar de extrema pobreza, não se percebia nenhuma divisória para acomodação dos adultos
e das crianças, apenas dois cômodos para acolher a todos. A família sempre foi ajudada
economicamente pelos avós paternos da adolescente. Faltou ao primeiro encontro.
Margarida, adolescente de 15 anos de idade, filha mais velha do casal, cursava a 7ª
série do ensino fundamental em escola pública na época da pesquisa, relata um excelente
relacionamento com seus professores, que lhe deram bastante apoio quando da ocorrência
do abuso sexual. No grupo multifamiliar participou com os adultos, só faltou a um
encontro.
História do abuso – A adolescente foi estuprada com uso de violência pelo seu
genitor de 41 anos, o caso ocorreu em fevereiro de 2006. O fato aconteceu quando a família
festejava o aniversário do pai, que bebeu bastante e, certa hora da madrugada, resolveu
levar o irmão e a esposa a Samambaia. O pai então colocou a filha no carro para
acompanhá-los. Já alcoolizado, parou em um posto de gasolina e tomou cerveja, dando-a
também para a adolescente beber. Ela, em seguida, foi ao banheiro, pois estava menstruada,
e começou a passar mal, vomitando. Sob a alegação de que a filha precisava de ajuda, o pai
foi ao banheiro. Como estava demorando muito, o tio foi até lá para ver o que estava
acontecendo e encontrou a garota com as roupas todas desarrumadas. O tio ofereceu ajuda,
mas o pai recusou, inclusive liberando o tio e alegando que precisava ficar com a filha.
Após a saída do tio, o pai levou a filha para o cerrado e abusou dela com muita violência,
retornando à sua residência somente pela manhã. Quando chegou a casa, a mãe percebeu
41
que a filha estava em um estado deplorável e chamou a polícia. O pai reagiu usando uma
faca, mas foi preso em flagrante. Os irmãos presenciaram a cena de violência. O estudo e
atendimento da família no psicossocial ocorreram em abril de 2006.
Família IV, formada pelo casal e as duas filhas, religião evangélica atuante, o pai,
de 37 anos, proveniente da Bahia, escolaridade 5ª série do ensino fundamental, trabalha
como vigia numa empresa de segurança. A mãe, 28 anos, completou o ensino médio,
pensionista, artesã, nasceu no Distrito Federal. Aos três anos de idade foi abandonada por
sua mãe, sendo criada pelo pai e sua irmã de 11 anos de idade. O casal convive há 10 anos.
A família reside no Recanto das Emas, Distrito Federal, em casa alugada, bastante arejada,
com espaço para as crianças. Jasmim e Angélica, filhas do casal, com idades de 7 e 9 anos,
respectivamente. Jasmim cursava a 1ª série em escola particular à época da pesquisa.
Criança agitada, muito falante, costuma ficar emburrada quando não é prontamente
atendida, está sempre discutindo com a irmã. Angélica cursava a 3ª série do ensino
fundamental na mesma escola que a irmã. Bastante dedicada na escola, toma conta da irmã
constantemente.
História do abuso – Essa família participou de todos os encontros no grupo
multifamiliar. A suspeita de que o pai praticou abuso surgiu por meio de uma denúncia
anônima, por iniciativa da escola, que observou as crianças fazendo comentários a respeito
dos carinhos trocados entre pai e filhas, porém o fato não foi confirmado. A família
demonstrou interesse em participar do grupo para que o casal se trabalhasse, pois estavam
muito abalados com os acontecimentos. O estudo e atendimento da família no psicossocial
ocorreram em fevereiro de 2006.
Família V, família composta pela mãe de 37 anos, do lar, escolaridade 3ª série
ensino fundamental, viúva, com sete filhos, sendo três do sexo masculino com idades de
25, 14 e 13 anos, todos envolvidos com a justiça, quatro filhas do sexo feminino com
idades de 20, 19, 18 e 11 anos. O pai da criança faleceu com cirrose hepática há dois anos.
A família reside no bairro Areal, Taguatinga Sul, Distrito Federal, lote próprio, somente
com 2 cômodos em condições de extrema pobreza, convivendo 6 pessoas. Compareceu
apenas a um encontro.
42
Vitória Régia é a filha caçula da família, tem 11 anos de idade, cursa a 3ª série no
CAIC, rede pública de ensino, segundo informações da professora, chega sempre atrasada e
é bastante infreqüente. A criança compareceu com sua mãe ao primeiro encontro do grupo
multifamiliar. No rito de passagem a mãe compareceu sozinha, justificou que a filha estava
na escola. Vitória Régia, sempre muito calada, excessivamente tímida, não interagiu no
grupo, às vezes parecia alheia ao que estava acontecendo. Foram percebidas marcas de
queimaduras pelo corpo, no braço e pescoço.
História do abuso - Quanto ao abuso, existe uma suspeita de estupro extrafamiliar
por um senhor de aproximadamente 55 anos, que reside no bairro. A mãe relatou que
Vitória Régia estava brincando de pique-esconde na rua, mais ou menos às 20 horas, com o
irmão W, que ficou escondido em algum lugar quando um senhor bem maduro se
aproximou da criança, tapou sua boca e a levou para seu cômodo na vizinhança da
residência da família. Uma senhora veio avisar a família, após ouvir os gritos da menina.
M, a irmã de Vitória foi até o local, não estava conseguindo abrir a porta, a polícia foi
acionada. Pouco depois, M conseguiu arrombar a porta e encontrou Vitória Régia sem
calcinha chorando muito e bastante apavorada. A polícia prendeu o abusador, que continua
preso. O estudo e atendimento da família ocorreram no psicossocial em fevereiro de 2002.
Família VI, composta pela mãe de 37 anos, manicura cursando o ensino médio,
religião evangélica, avó das crianças, de 61 anos, as duas crianças e dois tios, todos
residentes no mesmo lote no Recanto das Emas. Os pais das crianças não são presentes na
convivência familiar, ambos abandonaram a mãe logo após o nascimento das filhas. Faltou
aos dois últimos encontros.
Dália, de 11 anos de idade, nasceu no Distrito Federal, cursa a 3ª série do ensino
fundamental. Freqüentou somente dois encontros, trouxe uma prima, aproximadamente da
mesma idade. Sua participação no grupo não foi muito interativa, desenhou, mas não se
manifestou, permanecendo em atitude de observação. Os pesquisadores foram informados
que a criança mudou-se para Goiânia com a mãe.
Rosa, de 9 anos cursava, na época a 2ª série do ensino fundamental, apresentando
um bom desempenho na escola, convive sempre com a avó. Freqüentou também dois
encontros no grupo multifamiliar.
43
História do abuso. Aconteceu um aliciamento das duas crianças por um jovem que
dava aulas de reforço e freqüentava a igreja. A mãe convidou para que ele ministrasse aula
para as crianças, em sua residência. Os adultos estavam em casa no momento das aulas,
assistindo a televisão, o jovem iniciou o atendimento colocando o caderno em cima das
pernas das crianças, iniciando os toques nas coxas e genitália das crianças, acariciando-lhes
outras partes do corpo. As crianças alegaram que estavam com sono, retirando-se para o
quarto. A mãe não percebeu nada, somente em outro momento, quando a família
participava de um culto familiar, as crianças contaram para a mãe o ocorrido. A mãe
providenciou um encontro com o rapaz em sua residência, no que ele atendeu prontamente.
A mãe e outras pessoas da família deram uma surra no rapaz, chamaram a polícia e o
mesmo foi preso, sendo que no Distrito policial todos já o conheciam, informando inclusive
que o mesmo tinha problemas psiquiátricos. Posteriormente, o rapaz foi julgado e preso, as
crianças ficaram com muito medo e não queriam sair de casa. O estudo e atendimento da
família no psicossocial ocorreram em julho de 2006.
A família VII descreve a criança Camélia. Sua mãe, de trinta e sete anos, é copeira
e é a provedora da família. Tem três filhos adolescentes. Reside no Paranoá. Sua mãe
relatou que essa avó tentou ou abusou de outras netas.
Camélia de 13 anos nasceu em Brasília, cursava a 4ª série do ensino fundamental.
Foi apenas ao primeiro encontro, em quatro de outubro de dois mil e seis, juntamente com a
mãe e um irmão de dezesseis anos.
História do abuso - Quando ocorreu o abuso, ela tinha doze anos, sendo o suposto
abusador o avô materno. Sua mãe relata que Camélia já havia passado por tentativa de
estupro por esse avô aos quatro anos de idade. O estudo no psicossocial aconteceu em
janeiro de dois mil e seis.
A família VIII relata a história de dois irmãos: Hortência e Cravo, que
compareceram apenas ao rito de passagem. Sua família é composta pelos dois e sua mãe.
Esta tem 39 anos, estava separada do pai das crianças e vivia há um ano com novo
companheiro. Trabalhava com serviços gerais, sendo a provedora da família. Moram no
Riacho Fundo. Ela não relatou o abuso para o pai das crianças alegando que teve receio da
reação dele, já que o mesmo tem passagem pela polícia.
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Cravo, com doze anos de idade a época da pesquisa, foi vítima de abuso sexual por
seu padrasto quando tinha seis anos. Apresenta dificuldades escolares. Lembra-se com
detalhes dos abusos sofridos.
Hortência, hoje com onze anos, tinha cinco quando foi vítima, juntamente com seu
irmão, de abuso sexual por parte de seu padrasto.
História do abuso – O abuso ocorreu no ano de dois mil, perdurando por um ano.
O padrasto cuidava das crianças quando a mãe ia trabalhar, aproveitando-se do fato para
molestá-las. A família dormia no mesmo quarto. A mãe acordou no meio da noite e flagrou
seu companheiro molestando a menina, que dormia sempre entre o casal. Foi a mãe quem
fez a denúncia na DPCA. As crianças foram encaminhadas para o IML e HMIB. O estudo
no psicossocial só veio a acontecer em julho de dois mil e seis.
3.4 Instrumentos para investigação
Neste estudo foram utilizados basicamente três instrumentos, a saber: a) observação
participante; b) entrevista semi-estruturada; c) material produzido pelas crianças, tais como
o desenho, a colagem e a dramatização. Esses recursos contribuíram para nortear a pesquisa
e vislumbrar seus objetivos. Em virtude da complexidade do fenômeno estudado, optou-se
por esses instrumentos numa perspectiva qualitativa que prioriza o diálogo, num processo
de construção de significados para melhor compreender a problemática estudada. As
principais características desses instrumentos serão evidenciadas no texto, por meio da
literatura.
Os instrumentos escolhidos contemplam o objetivo da pesquisa, ao mesmo tempo
em que possibilitam o acesso à opinião livre e a elaboração de significados no contato
pessoal entre os participantes e os pesquisadores.
A observação participante constitui-se em relevante instrumento de pesquisa. Tal
recurso metodológico tem sido considerado por alguns estudiosos não apenas como uma
estratégia no conjunto da investigação, mas como um método em si mesmo. Facilita a
compreensão da realidade, uma vez que suscita uma variedade de situações ou fenômenos
que não são obtidos por meio de perguntas. Observados diretamente na própria realidade,
45
os sujeitos transmitem o que há de mais imponderável e evasivo na vida real (Minayo,
1992).
Entende-se que esse instrumento favoreça, inclusive, uma melhor compreensão
das contradições vividas pelos sujeitos no seu cotidiano. Contudo, acredita-se que a
observação participante, como as demais técnicas utilizadas na construção do objeto de
estudo, não reúna condições para a apreensão integral da realidade, isso porque induz a
“explicações”, elaboradas a partir de categorias interpretativas criadas pelo pesquisador.
A observação participante conforme destacado por Minayo (1996) diz respeito ao
momento da estreita relação do pesquisador no campo com seus registros e anotações,
formando seu diário de campo. Essa técnica permite a visualização de diversas situações
que não são obtidas por meio das entrevistas formais, o que possibilita o rápido acesso a
dados sobre situações habituais que servem para esclarecer comportamentos captados no
momento das observações.
Outro instrumento a ser descrito é a entrevista semi-estruturada, que, conforme
ressalta Minayo (1996), é o procedimento mais utilizado no trabalho de campo e tem por
finalidade recolher informações por meio da fala dos atores sociais. O pesquisador deve
estar atento para a expressão corporal do entrevistado, bem como para a tonalidade de voz e
a ênfase em algumas palavras ou expressões durante sua fala.
No decorrer de todo o processo de entrevista, o pesquisador precisa ter uma postura
ativa e receptiva, uma vez que os dados obtidos são extremamente valiosos. Essa postura
propicia um clima agradável e libera os medos e constrangimentos entre o sujeito e o
pesquisador, sendo importante dar limites a essa relação para que o sujeito não confunda os
objetivos da pesquisa. Foi utilizado como parte dos procedimentos éticos o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, que foi lido juntamente com as famílias no momento
da entrevista (Anexo 2). O roteiro da entrevista utilizado (Anexo 3) é composto de quatro
questões abertas, focadas nos aspectos das relações vinculares e de convivência com a
família e os espaços sociais, atividade linha do tempo representada pelo desenho e a
narração “Repórter por um dia”, que identifica e contextualiza aspectos emocionais da
criança.
O desenho representa uma atividade expressiva relevante para a objetivação do
plano mais interno, profundo e oculto do pensamento. Esse instrumento foi bastante
46
utilizado nesta pesquisa, com as crianças. Ao desenhar, a criança projeta em seu desenho a
materialização da imagem que se reflete internamente para dar conta de suas emoções
(Souza, 2003). Nessa linha de pensamento, Ferreira (1998) e Souza (2003) argumentam
que, através desse processo de materialização, a criança conhece, organiza e elabora
concretamente suas emoções Nessa dinâmica da indução da linguagem oral, o desenho
pode se transformar em um meio de aproximação das tramas afetivas, sociais e
problemáticas ocultas atrás do pensamento. Ferreira (1998) comenta que a linguagem
verbal é importante recurso, fundamental para a constituição e a interpretação do desenho,
uma vez que a percepção e a produção gráfica da criança são configuradas pelos
significados culturalmente produzidos.
O “lugar” do desenho, enquanto espaço fundamental de expressão, configura o
mundo infantil em suas múltiplas dimensões, conforme destacado por Di Renzo,
Castelbianco e Vichi (1997), em seu artigo Pensamento Gráfico. O desenho da criança deve
ser considerado não apenas como uma modalidade de expressão ou de representação da
realidade, mas como resultado de atividade intencional envolvendo aspectos cognitivos.
Enriquecendo o referencial sobre o desenho, Pillar (1996) afirma que ao desenhar
a criança está inter-relacionando seu conhecimento objetivo e seu conhecimento
imaginário. Simultaneamente, “está aprimorando esse sistema de representação gráfica”.
Pode-se inferir que nesse universo de fantasia temos um produto social. (p.51)
A colagem representa uma técnica projetiva que permite ao sujeito expressar suas
percepções, emoções e pensamentos de forma inconsciente. A análise da colagem deve ser
realizada levando-se em conta o objetivo e o contexto no qual o sujeito está inserido, para
que não se torne abstrato desligado das condições de sua produção (Davidoff, 1983).
Dramatizar é possibilitar que os participantes vivenciem os seus conflitos de
interação social, liberem tensões e elaborem criativamente novas formas de solução. Na
dramatização, a situação é vivenciada como se fosse real, deixando que aflorem emoções,
que apareçam conflitos reprimidos e que os participantes se sensibilizem nas relações
interpessoais.
No processo de dramatização, os participantes são ativos, expressam sentimentos e
emoções na situação representada. Essa participação certamente é uma forma de produzir
47
mudanças e transformações, fugindo a um verbalismo que procura “aconselhar”, definindo
“teoricamente” o que é certo ou errado.
Ao fundamentar sobre a dramatização, buscou-se especificamente Moreno (1983),
que apresenta como base uma visão de homem e de mundo em permanente interação, sendo
que, na trama das relações cotidianas, o homem tem condições de se recriar, transformando
a si mesmo e o seu ambiente.
3.5 Procedimentos da pesquisa
a) Inicialmente o projeto desta pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética da
Universidade Católica de Brasília do Distrito Federal.
b) A equipe que desenvolveu a pesquisa foi constituída por quatro estagiárias da
Universidade Católica de Brasília, duas mestrandas e duas doutorandas da Universidade de
Brasília, três professoras supervisoras, sendo duas da Universidade Católica e uma da
Universidade de Brasília.
c) A primeira reunião para elaboração do planejamento do grupo multifamiliar e
conhecimento da metodologia e treinamento para os participantes teve início às 14 horas do
dia 30 de agosto de 2006, no espaço da Universidade Católica de Brasília.
d) Nessa oportunidade, os professores supervisores apresentaram a proposta do GM. A
explanação desenvolvida abordou as seguintes temáticas:
. Proteção à criança – aspectos sobre denúncia, formas de proteção, cuidado com o
corpo;
. Auto-estima: resgate e importância dos afetos, vínculos;
. Dimensão transgeracional – proteção e cuidado em relação às famílias de origem,
de que forma essa escuta traz significada elaboração do genograma;
. Responsabilização – qual a participação dos adultos sobre a responsabilidade,
clareza dos acontecimentos;
e) Em seguida abordou-se o desenrolar propriamente dito dos encontros no GM e seus
momentos específicos:
. O aquecimento com ênfase no lúdico, brincadeiras e ações;
48
. No desenvolvimento dos encontros destacaram-se os seguintes pontos:
preocupação com o enfoque de responsabilização pela presença da violência;
. Maior atenção à voz e à vez da criança; ênfase no papel de cuidadora das mães;
treinamento de dizer “não”;
. Acolhimento do sofrimento; dificuldades conjugais; resgate de conversação
transformadora sobre eventos; resgate da intimidade conjugal (culpa, vergonha);
. Reconstrução e revisão das relações entre pais e filhos; oportunidade para
reflexão resgate da dimensão do respeito mútuo; criação de espaço de conversação
promovido por profissionais.
f) Elaboração do cronograma das atividades a serem realizadas para o funcionamento do
GM e as supervisões;
g) Encontro entre a equipe de pesquisadores e os profissionais do Fórum de Taguatinga –
SERPP, dia treze de setembro de 2006, com os profissionais da Psicologia e do Serviço
Social, para conhecimento e anotações dos casos;
h) Foram discutidos e registrados oito casos;
i) As famílias para participarem do GM necessitavam de contribuição para o transporte, o
que a equipe providenciou;
j) Rito de passagem, que aconteceu dia 27 de setembro de 2006, às 15 horas, no
Psicossocial – Fórum de Taguatinga. O rito configura-se como momento importante de
contato entre a equipe e as famílias. Estiveram presentes sete famílias. A Assistente Social
do Setor Psicossocial esclareceu as dúvidas, ao mesmo tempo em que incentivou a
participação das famílias nos atendimentos do grupo multifamiliar. Após os
esclarecimentos, os participantes formaram dois grupos, crianças e adultos.
O subgrupo das crianças foi bastante animado. Inicialmente houve uma conversa
exploratória sobre o convite impresso intitulado “Encontro Marcado”, que continha o
calendário, especificando o local e horário dos encontros. O convite foi trabalhado de forma
interativa e lúdica por todo o grupo, contextualizando-se o sentido do convite e seu
objetivo. (anexo 8)
Em seguida, foi solicitado das crianças um desenho livre sobre esse encontro. As
produções tiveram uns tons coloridos, e o encontro significado pela descontração. As
49
crianças demonstraram curiosidade e contentamento com o convite, antevendo a
possibilidade de brincar.
Na volta para o grupo com os adultos, as crianças contaram suas vivências e
ofereceram o convite aos pais. Estes por sua vez relataram o que ocorreu em seu espaço.
a) Observação participante e grupo multifamiliar
Primeiro encontro (GM)
Dia quatro de outubro de 2006, aconteceu o primeiro atendimento do grupo
multifamiliar na UCB, às 14h40. Compareceram seis famílias. Os momentos iniciais foram
marcados pelo preenchimento de fichas e identificação das famílias que vieram para o
encontro, além do acolhimento. Foram explicadas as normas e regras de convivência, o
termo de compromisso e consentimento para a realização da pesquisa, o uso de gravações e
vídeos, além do sigilo profissional. Proteção à criança foi o tema trabalhado pelos adultos
e crianças, formando dois subgrupos. Os adultos foram trabalhados a partir de uma
dinâmica chamada escultura. Utilizando-se a fotografia, observava-se a posição dos
membros da família e as relações de proximidade e distanciamento provocadas pelas falas e
expressões. A partir dessa interação, os profissionais adentraram o tema proteção.
Encontro com as crianças
No encontro com as crianças, sempre marcado por brincadeiras, atividades lúdicas e
informações, trabalhou-se o tema proteção usando a metacomunicação, enfocando os
aspectos do cuidado e proteção com o corpo, o toque e a identificação das partes do corpo,
o que pode ser permitido e a percepção de saber dizer não”, além da abordagem dos
diversos locais de convivência como a escola, a rua, a família. O desenho e a colagem
também foram utilizados.
Segundo encontro (GM)
Esse encontro aconteceu dia dezoito de outubro de 2006, às 14h30min. O tema
apresentado e discutido foi Auto-estima. O aquecimento do grupo foi chamar atenção para
gostar de si. Focalizar um espelho com as coisas boas. Do que eu gosto em mim? E no
50
outro? E com os familiares? Coisas que eu gosto que dêem força para enfrentar as
dificuldades. Crianças e adultos participaram juntos nesse primeiro momento, cada um fez
seu auto-retrato evidenciando suas qualidades e dificuldades.
Encontro com as crianças
Na convivência com as crianças, foi utilizada uma história com fantoches que fala
dos “carinhos quentes”. A história foi narrada por uma das estagiárias, outros personagens
foram vivenciados por mim e demais pesquisadores. Aproveitando a temática da fábula de
Claude Steiner, verificou-se a importância da troca de carinhos com quem amamos, os tipos
de carinho e a questão da negociação. A troca de carinho e a barganha, de que forma as
crianças precisam ficar atentas para a compra de carinho, a bajulação, o proveito das
situações.
Terceiro encontro (Grupo Multifamiliar)
Aconteceu dia oito de novembro de 2006, às 14h40 horas. Somente duas famílias
compareceram, III e IV. O tema sobre Dimensão Transgeracional focalizou a inspiração
que a família de origem transmitiu às novas gerações, de que forma ações e
comportamentos foram perpetrados, inclusive a questão da violência: briga, maus-tratos, a
maneira de educar os filhos, entre outros. Após o aquecimento, foi explicado ao grupo que
cada um deveria comentar seus familiares que os antecederam, o que eles inspiraram. O que
marcou de forma positiva, agradável, o que contribuiu para as novas gerações e qual a
reflexão na educação dos filhos hoje. As crianças participaram em conjunto com os adultos,
alguns conteúdos sobre violência vieram à tona, mobilizando todo o grupo, momentos de
muita emoção vivenciados por todos, especialmente pelas crianças, sobre o assassinato do
avô de Jasmim e Angélica, cometido pelo próprio filho.
Encontro com as crianças
Inicialmente estabeleceu-se uma conversa sobre os exemplos e inspirações das
gerações que nos antecederam, o sentido da árvore genealógica e principalmente a forma de
convivência, os conflitos e violências. Foram utilizados desenhos sobre as formas de
51
violência dos adultos para com as crianças. Foram utilizadas massinhas de modelar para
construir super-heróis que poderiam transformar as coisas ruins em coisas boas: de que
forma pode-se mudar aquilo que incomoda, desagrada. Em seguida as crianças registraram
estes sentimentos, por meio das palavras em um papel. A representação dessas atitudes
negativas seriam jogadas e queimadas juntamente com as do grande grupo quando
retornassem. Após esse momento as crianças preencheram um “diploma” com as regras de
convivência, contrato construído no grupo devido às dificuldades apresentadas para seguir
normas e regras grupais.
Quando se retornou ao grupo dos adultos, foi organizado um grande círculo e todos
verbalizaram o que estava escrito. Pisotearam, a violência, o abuso, a agressão, a falta de
respeito, a tristeza, entre outros. O encontro foi encerrado com a oração do Pai Nosso.
Quarto encontro (GM)
Esse encontro aconteceu dia vinte e nove de novembro de 2006. Compareceram três
famílias. Os pais de Angélica e Jasmim, sua avó H. Margarida, a adolescente, com o irmão
e uma amiga, Violeta, sua mãe e seu irmão. O tema a ser trabalhado: Linha do Futuro.
Como cuido? Como protejo? Como gostaria de ser protegido? Possibilidades no presente e
futuro. Os profissionais iniciaram o atendimento fazendo o aquecimento, relembrando um
pouco o que o grupo ofereceu durante os encontros. Em relação a proteções, todos fizeram
comentários. Foi esclarecido que esse seria o último encontro do grupo. As famílias
demonstraram-se surpresas, muito embora tenham sido avisadas, desde o rito de passagem,
sobre a duração dos encontros e a metodologia. Os familiares fizeram vários comentários
sobre a ajuda recebida, a saudade que iriam sentir, além das amizades construídas nesse
espaço. Em seguida as crianças foram para outra sala.
Encontro com as crianças
No espaço infantil participaram cinco crianças. Foi realizada uma retrospectiva de
todos os encontros enfatizando o que mais marcou em cada um. Em seguida as crianças
registraram na folha de papel pardo um desenho que simboliza cada encontro. O trabalho
em grupo, as regras de convivência e as questões de proteção, o cuidado atual e os cuidados
52
com sua família. Após esse momento as crianças puderam brincar bastante de forma
diversificada: vivo morto, dança das cadeiras, jogo da velha, cantigas de roda, pular corda,
etc. Foi treinada uma música para ser cantada e coreografada no grande grupo, intitulada
“Eu vou entrar na roda e sacudir a poeira”. O encontro foi finalizado com a oração do Pai
Nosso.
b) Entrevista semi-estruturada
As entrevistas foram realizadas, posteriormente ao GM, em visita nas residências,
após contato inicial por telefone. Participaram desse momento da pesquisa apenas as
Famílias I, IV, V, VI, que serão abordadas a seguir, de acordo com a ordem cronológica de
acontecimento das entrevistas.
A família I foi entrevistada em 10 de dezembro de 2006, às 15h00. Participaram
dessa entrevista eu e K., aluna da pós-graduação. A família reside em Samambaia-DF.
Estavam presentes a mãe e os dois filhos. A casa simples, alugada, mas bem-arejada e
higienizada. A visita teve uma duração de quase duas horas. A família aguardava com
muita expectativa. Foram bastante receptivos. Após o inicio da entrevista, o pai das
crianças, senhor P., chegou à casa meio desconfiado, intrigado com as visitas, e logo foi
perguntando do que se tratava. Após as explicações, P. ficou mais tranqüilo, mesmo
estando alcoolizado. O senhor P. nos contou também que havia despertado às quatro horas
da madrugada pensando em nossa visita e foi lavar roupa para passar o tempo. Após o
relato de informações sobre a família de origem de cada par parental, trabalhei o desenho
com as crianças.
Família VI
Dia 21 de março de 2007, às 15 horas, realizou-se a visita ao lar da senhora V., mãe
de Vitória Régia, no bairro Areal, Taguatinga Sul, após muitas dificuldades para
encontrarmos o endereço. Os contatos preliminares para a visita foram realizados por mim,
através do telefone da avó paterna de Vitória Régia. Nesse espaço de extrema condição de
pobreza e falta de higiene, com apenas três cômodos, convivem sete pessoas adultas. A
visita durou aproximadamente 2 horas, a criança não se encontrava em casa, somente a mãe
e o irmão de 14 anos.
53
Família IV
A visita aconteceu dia 24 de março de 2007, às 14h00 horas. Pesquisadora e K,
ambas estudantes do programa de pós-graduação da UNB, compareceram à residência das
crianças, Jasmim e Angélica, moradoras no Recanto das Emas –DF, após contatos
telefônicos. Família reside em uma casa alugada bastante arejada onde estavam todos nos
aguardando com muita alegria e espontaneidade. A visita teve uma duração aproximada de
duas horas. Inicialmente ouviu-se um pouco a história da mãe das crianças, em seguida as
crianças participaram de algumas atividades utilizando o desenho e a narração, de forma
bem descontraída colorindo e falando bastante.
Família V
Sábado, dia 24 de março de 2007, às 16h, após diversos contatos pelo celular, as
pesquisadoras visitaram a família da adolescente Margarida, moradora no Recanto das
Emas - DF. Residência com apenas três cômodos, incluindo o banheiro, onde residem seis
pessoas. A visita durou cerca de 1h40m. A mãe de Margarida estava na vizinhança. Quando
chegamos solicitei gentilmente que o irmão de Margarida, que já conhecíamos do grupo,
fosse chamar a mãe para conversarmos, no que ele atendeu prontamente. A senhora F.,
sempre sorridente, nos acolheu com muito carinho.
A adolescente não se encontrava em casa, somente a filha caçula e o garoto já
citado.
c) Material produzido pelas crianças no GM
A interpretação dos desenhos e o relato de uma oficina encontram-se descritos nas
zonas de sentido como composição dos resultados das análises. Nessa descrição situa-se
essa atividade como produção das crianças nos encontros do grupo multifamiliar abordando
as temáticas que foram trabalhadas. Os desenhos e as oficinas constituíram-se em
importantes recursos lúdicos organizados por esta pesquisadora e os demais profissionais
com o intuito de oferecer ajuda profissional a essas crianças em situação de risco.
54
O uso do lúdico permite perceber as vias de recomposição e organização que essas
crianças necessitam para retomar o curso normal de suas vidas, além de construir outros
vínculos e se inserir nos espaços sociais necessários ao seu processo de desenvolvimento.
3.6 Método da Análise das informações
A construção da informação na pesquisa qualitativa não se apóia na coleta de
dados, tal como se realiza na pesquisa tradicional, forma, no entanto, um curso aberto e
progressivo de construção e interpretação que acompanha todos os passos da pesquisa
(González Rey, 2005).
Para análise e interpretação das informações obtidas como forma de vislumbrar o
processamento de construção do conhecimento foi utilizada a proposta de investigação
qualitativa de González Rey (2005). À luz dessa perspectiva, a análise é realizada a partir
de indicadores que aparecem nos instrumentos, nas relações, em quaisquer situações do
processo que compreendem o campo da pesquisa e representam alguma dimensão de
sentido no estudo. Essa abordagem analítica possibilita identificar questões subjetivas, ao
mesmo tempo em que permite compartilhar questões sociais.
O desenvolvimento de categorias de acordo com esse modelo é essencial em
pesquisas qualitativas, pois se afirma como um ponto de integração e generalização que
representam as categorias. Nesse sentido, os indicadores e as categorias são compreendidos
como processos inter-relacionados. Os indicadores formam categorias que facilitam o
seguimento dos complexos processos que caracterizam qualquer pesquisa no contexto da
subjetividade humana.
Essas categorias se constituem em instrumentos para a definição de zonas de
sentido sobre os problemas estudados. O significado de “zona de sentido” refere-se às
zonas que sintetizam os indicadores interpretados pelo pesquisador, permitindo uma forma
de compreensão da realidade investigada, enquanto os indicadores são produzidos com
finalidade explicativa, não descritiva, o que marca uma profunda diferença com a forma
como o conceito de dado é utilizado pela psicologia (González Rey, 2005).
No processo de análise foram utilizadas as seguintes informações: as falas e os
diálogos, observados no rito de passagem e na dinâmica dos quatro encontros do grupo
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multifamiliar com as famílias e as crianças; informações e diálogos apontados como
significativos nas entrevistas semi-estruturadas realizadas nas residências; desenhos
produzidos pelas crianças nos encontros do grupo multifamiliar e nas entrevistas.
As produções das crianças, especialmente os desenhos, representaram expressões
colhidas sobre a temática trabalhada durante os encontros, de forma a contextualizar a
proposição do tema proposto, sem a pretensão de análise aprofundada sobre as questões do
abuso. Os desenhos formaram um recurso lúdico que possibilitou vislumbrar sentimentos e
emoções reveladas ao contato da abordagem que emergiu simultaneamente à vivência das
intervenções realizadas.
56
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Este capítulo destina-se à análise interpretativa dos dados construídos por meio das
diferentes estratégias metodológicas utilizadas por este estudo. A leitura exaustiva de todo
material e a organização pautaram-se na formatação de indicadores empíricos que apontam
as relações familiares e sociais, aspectos de proteção e as questões vinculares, identificados
na observação participante das famílias e crianças no grupo (GM), narração das falas e
diálogos registrados nas entrevistas semi-estruturadas formando um primeiro conjunto de
sentido desses relatos. Em seguida, formou-se outro conjunto de material não verbal nas
representações dos desenhos e das oficinas. A partir desses elementos em um processo
interpretativo-construtivo formaram-se as zonas de sentido.
O pesquisador, nas pesquisas desenvolvidas nas ciências humanas, é antes de tudo
um sujeito inserido no espaço social e está colado ao seu objeto, havendo por isso, uma
conseqüente relação subjetiva entre pesquisador e o seu objeto pesquisado. Nesse sentido, o
tecido textual da dissertação foi construído por meio das histórias de violência das famílias
e suas crianças, jardins visitados por diálogos e descrições que as mesmas fazem de si e das
suas mães, pais, irmãos, amigos, em um contexto de conflito repassado por várias gerações.
As histórias de vida serviram de base no processo de análise e permitem visualizar,
em diferentes momentos, negações e afirmações, atitudes que constituem verdades e
ambigüidades vivenciadas em um cotidiano permeado por rompimentos, abandonos e
desqualificações dos afetos, sentimentos às vezes escondidos no mais íntimo do ser,
disfarçados em risos e espontaneidade que ajudam a encobrir a dor, pois é preciso viver,
continuar, ir à busca de libertação individual e social, enfim, sobreviver.
4.1 Zonas de sentido
As zonas de sentido consistem em sínteses de indicadores que representam possíveis
interpretações sobre os fenômenos investigados; não constituem, portanto, uma
correspondência exata dessa realidade. Elas emergem, na forma de conhecimentos, a partir
do momento em que são construídas à luz de uma teoria
(Gonzalez Rey, 1997).
57
Neste estudo, os resultados e discussão são apresentados a partir da elaboração de
três (3) zonas de sentido, a saber:
1) Reconhecendo as conseqüências do abuso sexual infantil;
2) As diversas faces do sentido da proteção no olhar da família e da criança;
3) Redesenhando a convivência na família, escola, igreja e outros espaços sociais;
4.1.1. Zona de sentido 1 - Reconhecendo as conseqüências do abuso sexual infantil
Esta zona de sentido remete aos sentidos construídos juntamente pelas famílias e
pelas crianças nas diferentes estratégias metodológicas utilizadas. As informações coletadas
trouxeram à tona um processo de reconhecimento por parte das famílias das conseqüências
sociais, psicológicas e físicas motivadas pela experiência de abuso vivida pelas crianças.
A brincadeira faz parte da vida da criança, constituindo-se em sua principal
atividade. Muitas crianças, entretanto, tornam-se brinquedos sexuais nas mãos das figuras
parentais que lhe são mais próximas. A literatura consultada aponta um elevado índice de
abuso sexual praticado por familiares, pais, irmãos, tios, avós, padrasto, entre outros,
havendo uma maior predominância do homem como agressor e da mulher como vítima.
(Azevedo & Guerra, 1988; Cohen, 1993; Saffioti, 1997).
A respeito das conseqüências do abuso sexual infantil, a literatura apresenta
sobejamente uma farta referência nacional e internacional sobre o tema. Colaboram com os
estudos, entre tantos autores, Michèlle Rouyer, 1997, Azevedo & Guerra, 2000, Furniss,
2002, Ministério da Saúde, 2004. Costa, Almeida & Penso, 2005, Rangel, 2005, Sanderson,
2005.
Os aspectos de conjugalidade foram fortemente percebidos como indicadores
permissivos à repetição do ciclo abusivo, seja pela constante forma de conflito e violência
dos pais, seja pela história de abandono e desproteção vivida especialmente pelas mães, que
não foram cuidadas e protegidas e passaram também por rompimentos de vínculos nesta
geração e na anterior, repetindo, portanto, o mesmo padrão de comportamento. A
fragilidade e vulnerabilidade dos laços conjugais e a constante troca de parceiros tornam a
dinâmica familiar mais acessível ás práticas abusivas.
58
Mc Dougall (1993) assinala como a configuração do sentido sexual dos filhos está
associada ao casal parental, sobretudo através das identificações com ambos os pais. Nas
famílias, histórias passadas e presentes se misturam e são transmitidas aos filhos,
associadas às expectativas de futuro, conjugando as fantasias individuais dos membros da
família e os mitos familiares. A genealogia segundo Silva (2005) mistura tempos e espaços,
podendo desencadear repetições, patologias ou elaborações criativas inovadoras.
No presente estudo, as narrativas trazidas pelos protagonistas expressam
importantes revelações que estão diretamente implicadas no processo de culpabilização
vivenciado pelas crianças e adolescentes. Quanto ao impacto do abuso sexual sofrido, esse
diz respeito à forma como a criança lida com o dano. As falas e os desenhos utilizados
corroboram os fundamentos de Sanderson (2005), quando argumenta que “o dano maior é
provocado pela reação dos adultos, familiares e dos profissionais diante da revelação e essa
revelação é responsável pelo trauma verificado na criança” (p. 168). Essas afirmações
conduzem a uma reflexão de extremo cuidado quanto à clareza da responsabilidade, tanto
do papel profissional, quanto de responsabilização dos adultos e familiares ao lidarem com
o abuso sexual.
O estudo revelou que as crianças apresentam maiores possibilidades de reconstrução
e enfrentamento que os adultos, especialmente os pais. Observa-se nas narrativas que o
nível de desorganização, a história de vida, as cisões com os familiares e a vulnerabilidade
social e cultural, situações de extrema pobreza e dificuldade de acesso às informações
também contribuem para que a família fique impactada, não conseguindo oferecer a ajuda
necessária para a superação ou diminuição dos sintomas e traumas correlacionados com o
abuso.
Nesse processo de auto-culpabilização pode-se evidenciar a interpretação das falas a
seguir:
Margarida: Às vezes é preciso apanhar como uma forma de se educar, que eu
era desmiolada, sem juízo”. “Costumo ser brincalhona e, quando aconteceu o abuso, os
professores deram bastante atenção, assim também o pessoal da igreja”.
[Relatou, ainda,
no grupo, sua interação com a família, especialmente com seus tios paternos. Atribuiu a ela
a necessidade de uma educação mais punitiva como forma de se corrigir.]
59
A fala da adolescente parece permeada de culpa – “sou sem juízo”, “necessito de
corretivo” –, e ela precisa se apresentar brincalhona e descontraída, com a sensação de que
está tudo bem. Chama atenção a atribuição do sentido de educação recebido por essa
adolescente. Nessa perspectiva, Fontenele e Bucher (2005), em seu capítulo Bater para
educar ou maltratar?, esclarece que esse padrão de conduta modelado pelos pais reflete a
supervalorização da obediência à autoridade dos pais como uma virtude, e estes utilizam
medidas punitivas, e até mesmo abusivas, quando sentem sua autoridade ameaçada. Essas
autoras ressaltam também que o imaginário social é interclasse, ou seja, é partilhado nas
relações sociais.
No que diz respeito às conseqüências do abuso sexual vivenciado pelas crianças,
sabe-se que essa experiência é intensamente mobilizada por um processo de culpa e não se
extingue com a interrupção do abuso. Pode-se, portanto, fundamentar a importância do
trabalho a ser realizado no sentido de ajudar a criança a se reestruturar, promovendo ações
de autocuidado e medidas de autoproteção, além de oferecer aspectos de prevenção para
lidar com sintomas, pensamentos, emoções e comportamentos decorrentes do abuso sexual.
Tais possibilidades vão permitir o fortalecimento dessas crianças frente ao padrão de
relação com o outro, diminuindo riscos e armadilhas futuras, ao mesmo tempo em que os
resultados desses novos comportamentos muito vão significar na relação familiar, como
outro modelo de aprendizagem.
É sabido que a família se apresenta com padrões difusos de relacionamento, em
que os “laços tornaram-se esgarçados”, segundo Sartir (2003), inviabilizando os contornos
que o delimitavam anteriormente. As narrações ora retratadas nesta zona permitem
visualizar o desequilíbrio no sistema familiar provocado tanto pela entrada de novos
companheiros ou figuras parentais na residência, como no caso de Pétala, Hortência e
Violeta, quanto pelas fronteiras do sistema conjugal que se tornaram difusas Minichin
(1982), descaracterizando papéis conjugais.
É notório o empobrecimento das relações conjugais nas famílias estudadas. Fatores
de risco como o álcool, a violência doméstica, inversão de papéis conjugais e parentais, a
repetição de padrões de comportamentos emitidos pelas gerações anteriores, por meio dos
mitos, regras e da afetividade, favorecem a repetição do ciclo abusivo, nas novas gerações.
Ainda assim, foi possível evidenciar a luta dessas famílias, especialmente das crianças, em
60
romper com tais comportamentos. Seguindo essa linha de entendimento, pude visualizar
que a família vem construindo, por meio dos diferentes processos, uma (re) configuração,
espaço privilegiado que se formata como um canal de aprendizado dos afetos e vínculos,
além das relações sociais, indiferente aos diversos desenhos e constituições desse grupo.
Sendo assim, é a família o “primeiro sujeito que referencia e totaliza a proteção e
socialização dos indivíduos” (Carvalho, 2002, p. 93).
Herman (1992) discorre sobre o processo de estigmatização que o abusador
transmite à criança por meio de mensagens e jargões: “Você é quem me seduziu”, “garota
malvada”, etc. Outra forma de manter essa submissão são os aspectos velados, furtivos e
secretos do comportamento. Essa dinâmica desencadeia um processo de auto-rotulação que
se expressa de diferentes formas e nos vários espaços.
Pesquisadora: Você percebeu muita diferença após o ocorrido? e da
Margarida: Sim. “No começo ela ficou muito agitada, depressiva, chorava à toa, eu fiquei
fora do ar, aérea, encontrei muito apoio na Igreja e da escola, melhorei bastante estou na
Igreja”.
Os sintomas do abuso são perceptíveis em todos os relatos, formando um conjunto
de reações emocionais bastante tipificadas. O entrelaçamento da afeição e do sofrimento
nessas experiências abusivas está fortemente estreitado, acarretando, conforme proposto
por (Finkelho & Browene, 1985), uma variedade de sintomas adaptativos inicialmente.
Depois, no entanto, mostra-se inadequado em termos de adaptação na idade adulta. Esses
autores argumentam que a criança abusada sexualmente é recompensada pelo
comportamento sexual inapropriado para seu nível de desenvolvimento. “O abusador troca
atenção e afeto por sexo, o que a criança pode repetir com outros” (p.191).
Nogueira e Pereira de Sá (2004), em seu artigo Atendimento psicológico a crianças
vítimas de abuso sexual: alguns impasses e desafios colaboram com importantes
esclarecimentos a respeito da vida psíquica da criança que vivenciou situações de abuso
sexual, especialmente a relação incestuosa. Enfatizam essas autoras a formação de traumas
que também passam a integrar o inconsciente sem que seja possível à vítima compreender
com clareza o ocorrido. Nesse contexto vão predominar o silêncio e a omissão na dinâmica
familiar, contribuindo também para perpetuar a situação abusiva. A criança, portanto, passa
61
a responder a essa demanda com intenso sofrimento psíquico que pode acarretar severas
conseqüências ao longo do seu desenvolvimento.
Nessa linha de pensamento as autoras argumentam que a criança se depara, então,
com um profundo estado de confusão, por não possuir maturidade física e psíquica para a
relação sexual, produzindo dessa forma intensos conflitos, tais como pânico, medo, silêncio
e fobias relacionadas à sexualidade, além do prejuízo das funções intelectuais e criadoras,
podendo acontecer a perda de interesse pelo brincar e pelos estudos.
O suporte teórico e de experiência relatado por essas autoras ilustra aspectos
visualizados nas narrativas deste estudo, especialmente o caso de Margarida, descrito na
família III.
Mãe de Violeta: Depois disso, Violeta ficou mais irritada, muito chorona...”
fiquei com muita raiva, chateada, e hoje cobro mais dela, principalmente com as
amizades”.
Parte dessa fala evidencia o comportamento da mãe frente à indignação pela
ocorrência do fato. Percebe-se, entretanto, que a tônica da proteção e cuidado recai sobre a
criança de modo punitivo com o cerceamento e vigilância, sem demonstrar um modelo de
orientação. Percebi no discurso dessas mães que a percepção dos acontecimentos ruins
antes do ocorrido é quase inexistente. Essas famílias não visualizam possibilidades de
ocorrência do abuso, mesmo havendo incidência, às vezes muito forte, de indicadores da
intimidade do pai ou padrasto. Geralmente essa relação de intimidade e acesso é percebida
como afeto positivo.
Mãe de MargaridaA família do pai de Margarida nos apoiou, só tem um irmão
que não acredita, o restante da família nos ajuda bastante”. Pesquisadora: Como a
família dele e a sua reagiram frente ao fato? “Em relação a ele minha família não quer nem
ouvir o nome”.
Mãe da Margarida:...Ela diz não fala o nome desse homem aqui. A Margarida
não quer nem ouvir falar quando eu falo no pai dela”.
Muitas crianças sentem-se incapazes de confiar em suas próprias percepções, não
conseguem distinguir o que seja apropriado. Os vínculos foram “arranhados” em relação
aos demais membros da família, enquanto a adolescente e seus irmãos demonstram medo e
pavor em relação ao pai, compreendendo-se que o vínculo foi quebrado.
62
As pesquisas têm alertado para a importância de um ambiente familiar onde a
criança se sinta protegida, para que ocorra a prevenção e cessação do abuso. Sobre esse
aspecto, Rangel (2001) argumenta: a “síndrome de adaptação da criança ao abuso sexual
intrafamiliar” se faz presente em famílias cuja dinâmica relacional é confusa e ambivalente.
Angélica:
tia, uma menina, ela lambeu a” “periquita” dele, “Pesquisadora: [Mas
o menino tem “periquita”?]. Angélica:” Ele também lambeu a periquita dela”. [... mas o
menino não tem periquita, fale mais sobre esse assunto.] Ela namora ele, tia, e lambeu a
genitália do homem e depois vomitou”.
Percebe-se nessa fala que as crianças narram suas história projetando outros
personagens. Utilizam também a 3ª pessoa, talvez como uma estratégia para não se
confrontar com a experiência de abuso vivido e as emoções advindas desse momento.
Conforme argumenta (Furniss, 1993, p.35), cria-se uma estrutura negadora de realidade da
experiência.
Percebe-se nessa fala que as crianças despertaram para uma maior sensibilidade em
relação ao tema, mais atenção e interesse para assuntos dessa natureza. Por outro lado esse
contato pode ter efeitos negativos ou prejudiciais pela aproximação e o contato em um
processo de resensibilização com adultos ou pessoas que não tenham a intenção de protege
a criança.
Os comentários que acompanham o relato também podem evidenciar sinais e
sintomas, conforme sustenta Sanderson (2005), apontados como indicadores da ocorrência
de abuso, que podem ser manifestados por meio das brincadeiras sexualizadas,
comportamentos agressivos com exagerados ataques de raiva, pesadelos ou problemas de
sono, padrão de conversa, conhecimento e atitudes erotizadas.
Pesquisadora: [Você sempre morou aqui?] Mãe de Margarida: “Tem 13 anos,
depois do fato morei três meses em outro lugar, até porque a vizinhança queria linchar
meu marido, ficou todo mundo com raiva, depois eu voltei”.
Trazendo para a discussão essa fala, torna-se evidente que esse evento configura-se
como um dano secundário, assim como a vitimização das crianças que sofreram abuso.
Suas famílias podem se tornar socialmente estigmatizadas pela reação dos vizinhos,
amigos, colegas da escola e demais ambientes. A respeito desse assunto, Furniss (2002)
argumenta que o processo de dano secundário e a vitimização podem ocorrer em diferentes
63
níveis devido à síndrome do segredo e adição. Nesse sentido discute a importância da
diferenciação entre trabalho de proteção e psicoterapia. Essa diferenciação baseia-se em
diferentes necessidades das crianças, objetivos, técnicas e capacidades.
Mãe de VioletaAntigamente tava tudo bem, especialmente os encontros aos
domingos... hoje todo mundo se afastou. A gente ficou sozinho, abandonado”.
Essa fala denota o sentimento de indiferença de cada membro da família em relação
aos outros membros por quebra do laço de confiança entre si. Afasta os contatos e repercute
na saúde geral de cada familiar. A visibilidade dada aos vínculos traz à tona a legitimidade
dos estudos a respeito dessa temática. O conceito de base segura fundamentado por Bowlby
(1969) esclarece que os seres humanos de todas as idades são mais felizes e capazes de
desenvolver seus talentos quando estão seguros de que existe uma ou mais pessoas que
virão em sua ajuda caso surjam dificuldades. Desse modo, a ameaça da perda gera
ansiedade e a perda real produz tristeza, e cada uma dessas situações é passível de suscitar
raiva (p.172).
Pai de Violeta:acompanhei ele [o tio] até a delegacia, porém no caminho pedi
para descer do camburão, porque os policiais estavam batendo muito nele”,...Não
agüentei a emoção”. Descrição do pai ao chegar a casa e se deparar com policiais e a maior
confusão. Contudo, não ficou claro de que forma a denúncia foi efetuada, se pela mãe ou
irmão de Violeta. Ressalta-se que esse pai já fazia uso de álcool, após o acontecido tem-no
consumido de forma mais intensa. O uso abusivo do álcool tem sido um recurso bastante
utilizado por essas famílias, principalmente pelos homens, como uma forma mediadora de
enfrentamento da realidade, em suas inúmeras perdas, como auxiliar na depressão que
geralmente assola essas pessoas.
Nota-se nessa fala uma grande confusão de sentimentos e emoções frente a
situações que extrapolam as percepções acerca das pessoas e dos acontecimentos. O
modelo de intervenção da justiça e o impacto da ocorrência do abuso, em seu efeito
devastador como acontecimento que invade o privado e extrapola o social e o coletivo.
Sabe-se que o papel da justiça é proteger a ordem pública a partir de um consenso social. À
justiça são atribuídas funções normativas, penais e reguladoras, devem ser cumpridas por
meio da lei. Quando a família se vê frente a situações de violência, ela necessita que a
justiça cumpra seu papel de autoridade, considerado metaforicamente como papel parental,
64
principalmente porque a violência não diz respeito exclusivamente à família, mas também a
um contexto social mais amplo (Sudbrack, 1992).
Pai de Violeta: “Parece que vou enlouquecer, tô muito magoado, principalmente
com meu tio, que considerava como um pai, e que traiu minha confiança com o que um
homem tem de maior valor, sua dignidade, sua honra”.
Percebem-se diferentes nuanças de reações frente à ocorrência de abuso, o uso do
álcool, o sentimento de desvalorização como pessoa, a quebra da confiança e dos laços de
parentalidade, a alteração da percepção de si, o conceito e o imaginário social das questões
de gênero em relação à honra e dignidade.
Pai de Violeta: “Todo mundo da minha família afastou da gente, nem falam mais
com a gente...“perdemos toda a família, nem a mãe nos visita, nem minha avó, que me
criou. Ela costuma vir na casa do meu irmão que é meu vizinho, mas não cumprimenta
ninguém da família...” “Falam que ela [a Violeta] está mentindo”... “Tem só um irmão
meu que entendeu a coisa e ficou do lado da gente” ... “Sei que isso tudo é culpa minha,
minha mulher nem precisa mais ficar falando isso...”.
A família relatou, ainda, que encontra dificuldades para conviver com o acontecido.
O vínculo de confiança e afetividade com o abusador era intenso, uma vez que o pai da
garota afirma ter sido criado por ele desde muito pequeno.
Essas informações, além do sofrimento, denotam o percurso da revelação do abuso
sexual, que produz uma crise imediata na família. Devido à enorme carga de ansiedade
mobilizada nessas situações, freqüentemente a família tenta fugir. Furniss (1993) propõe
ações integradas de proteção de forma a não causar maiores danos à criança, diante da
situação de exposição e rupturas desencadeadas pela situação da revelação. O descrédito na
criança é bastante freqüente, tanto pelos familiares como pela postura de alguns
profissionais de serviços de atendimento à criança.
Frente ao sofrimento moral, no contato com a dor da família, existem muitas
emoções que são vivenciadas pelos próprios pesquisadores, expressas das mais variadas
formas. Essa questão tem sido amplamente discutida no âmbito da pesquisa e do trabalho
com vítimas de abuso sexual. Nesse sentido, Ribeiro (2003) ressalta que o espaço social em
constantes transformações tem exigido dos profissionais que trabalham na esfera da justiça
posturas mais flexíveis, interconectadas e abertas ao diferente e ao novo.
65
Nessa mesma linha de argumentação, Costa (2003), ao se referir ao envolvimento
com as histórias de sofrimento das famílias, destaca que o preparo dos profissionais não
deve se dirigir somente à renovação teórica, mas precisa, principalmente, enfocar os
aspectos pessoais, a afetividade e as emoções de cada um dos que se dispõem a intervir na
violência.
Ao perceber e refletir sobre as indagações reveladas nas narrativas, a respeito da
quebra e reconstrução dos vínculos, verifiquei que a raiz do problema do meu objeto de
pesquisa ficou evidente, que a categoria vínculo seria primordial, uma vez que toda
violência atinge o corpo e a estrutura psíquica como elementos inseparáveis. Surgem então
diversas perguntas: Como construir novos vínculos frente a um contexto de violência e
desconfiança? De que forma essas famílias, cujas referências de co-construção de laços
afetivos são marcadas por conflitos conjugais, relação incestuosa, ameaçadora, agressiva,
invasiva, permeada por uma confusão de imagens parentais, darão conta de re-significarem
sua individualidade, suas emoções, de forma a retomarem suas trajetórias?
Mãe de Vitória Regia: “Eu já não tinha muito contato com a família do meu ex-
marido, agora, então, depois do acontecido, é que acabou mesmo. Os dois meninos
menores freqüentam a casa da avó, inclusive Vitória, mas eu não”.
Pai de Angélica e Jasmim: me senti arrasado, nem contei pra minha família [a de
origem], porque tenho vergonha de contar isto pra eles”. O casal obteve apoio dos amigos,
da igreja e de alguns vizinhos. Com todos esses acontecimentos, segundo o casal, o
relacionamento conjugal não foi afetado.
Essa fala remete à necessidade que a família sente de ocultar o acontecido, o
sentimento de vergonha e de culpa diante do julgamento dos familiares, além de não poder
contar com apoio e credibilidade. É interessante apontar, conforme ilustra Rangel (2001),
que a dissociação entre a figura do pai e do abusador faz com que a vítima o veja também
como fonte de segurança e, dessa forma deixe de odiá-lo. A explicação para esse fenômeno
é a de que, sendo o abusador a única pessoa ciente da violência, ao mesmo tempo em que é
capaz de oferecer compensações, empreende também sentimentos de vergonha e culpa ao
ofendido.
À luz dessa discussão, frente a tantos sofrimentos pessoais identificados em cada
caso, surge a reflexão e a mobilização também dos pesquisadores em suas apreensões
66
particulares. Penso que, a partir desse ponto, essas questões deixam de ser individuais,
singulares, para se expandirem ao campo social.
De acordo com a abordagem sistêmica da família, o casal é o eixo das relações
familiares Minuchin (1982). Nesse sentido, Andolfi (1995) aponta importantes
esclarecimentos a respeito do processo de pertencimento e separação, tão fortemente
observado nessas famílias. Pertencimento e separações são vicissitudes que acompanham o
ser humano ao longo de toda a vida. Ter um vínculo significa, em certa medida, depender
da outra pessoa envolvida na relação. Então, separar-se de relacionamentos passados
também significa correr o risco de esvaziar o significado da relação atual. Ao indagar a
história de origem dessas famílias, é possível compreender características bem marcantes
dessas mães, que em geral foram abusadas e acabam por eleger homens transgressores
como companheiros. Diante dessa escolha amorosa, tem sido freqüente o comportamento
de silenciar frente às atitudes dos parceiros, repetindo, assim, um padrão de
comportamentos que configura um fenômeno transgeracional.
Nesse sentido, diversas indagações necessitam ser pontuadas. A família em seu
processo de descontinuidade dessa socialização primária consegue sozinha recompor esses
vínculos? As conseqüências do abuso estão exaustivamente expostas na literatura, na mídia
e nos espaços de convivência. A quem caberá o processo de intervenção e interdição dessas
prolongadas conseqüências, que se constitui em múltiplas faces, seja na demora da mãe em
perceber que a criança está sofrendo o abuso, seja na dependência emocional e financeira
dessas mães com relação ao agressor, ou, ainda, na omissão da denúncia, no excesso de
confiança nos contatos das crianças com os adultos, padrão de permissividade prejudicial
aos aspectos de proteção e cuidado?
4.1.2. Zona de sentido 2 - As diversas faces do sentido da proteção no olhar da família
e da criança
O sentido desta zona se refere aos aspectos de proteção evidenciados nas narrativas
das crianças e das famílias, contextualizando as concepções, valores e o sentido atribuído a
essas ações e atitudes que dizem respeito ao cuidado e a atenção à saúde integral, incluindo
67
as redes de proteção à criança e adolescente e as redes sociais, aos fatores de risco e à
exposição da pessoa a situação adversa.
O processo interpretativo evidenciou o sentido de proteção a partir de diferentes
aspectos, a saber: relacionado à visão da criança; à abordagem da sexualidade e àquele
construído pela família na relação de cuidado com a criança.
Falar de proteção é inserir, impreterivelmente, a figura das mães. Discutir seu perfil
de “mães protetoras” ou mães que lamentam compõe a meu ver uma das questões mais
complexas do estudo a respeito do abuso sexual, visto que a proteção exercida pela mãe
geralmente está diretamente relacionada aos conflitos de conjugalidade do casal, à
exposição de um processo de competição da mãe com a filha, além da própria vivência de
uma história de violência. A literatura aponta fortes indagações no que diz respeito às
atitudes e limitações dessas mulheres em seu papel de mães e cuidadoras, frente à perversa
trama familiar. A esse respeito, Amendola (2004) esclarece que mães que vivenciaram
experiências de trauma, horror e desespero e foram inseridas em uma sexualidade perversa
pelos seus próprios genitores demonstram forte sofrimento psíquico, mostrando-se muito
mobilizadas e perplexas face às circunstâncias de abuso, e encontram dificuldades para
protegerem seus filhos.
As falas a seguir constituem as diferentes nuanças que os sujeitos delegam à
vivência da proteção e do cuidado em seu cotidiano familiar e social.
Nessa fala pude evidenciar a disputa da criança frente ao pai. O caso de abuso não
foi confirmado, mas a existência de algo na conjugalidade apresenta uma configuração
facilitadora para a ocorrência do abuso sexual. Percebe-se certo afastamento conjugal, em
favor da díade pai e criança.
Jasmim-Apaga minha mãe, deixa eu, meu pai. Angélica intervém: não tira minha
mãe não! Jasmim responde: é porque minha mãe não gosta de tirar foto.” [Quando
participava de uma atividade de brincadeira de tirar foto]
Mãe de Jasmim e Angélica – [História familiar da mãe, marcada por muita
violência, tinha muitos irmãos, costumavam brigar, vários conflitos, culminou com o
assassinato do pai (avô das crianças). Essa mãe relata que nunca havia comentado o fato e
confiou no grupo para relatar esse segredo. Percebeu-se que o marido não se moveu para
dar nenhuma forma de apoio, as filhas ficaram comovidas, e ela começou a chorar; a mais
68
nova abraçou a mãe e pediu para não chorar, a mais velha, Angélica, de 9 anos, enxugou as
lágrimas permanecendo em seu lugar].
Nota-se nessas narrações histórias de abandono e violência fortemente vividas pela
geração anterior. Percebe-se também que esses adultos encontram-se marcados em seus
afetos, com dificuldades para restabelecerem novos contatos.
Buscando compreender as relações de gênero e o significado da proteção na
convivência familiar, procurou-se identificar os diferentes sentimentos, expectativa crenças
e valores que norteiam os conflitos conjugais e o modelo de violência reproduzido com
mulheres e crianças. Diversas narrações distribuídas nessas zonas de sentido demonstraram
as percepções de gênero bem delineadas. Entre elas pode-se evidenciar a fala dos pais sobre
o brincar na rua, fato permitido aos meninos: “ele é homem”; “as meninas não podem sair
sozinhas”; “meu pai exige mais de mim que do meu irmão”; “vou dar o troco” – bater é
permitido para o menino como forma de se defender e marcar seu território. Mamãe não
deixa brincar com meninos – fala Angélica.
As relações de gênero na família percebidas pelas diferentes formas de proteger e
cuidar, identificadas singularmente na representação do ser homem e mulher, ao se
constituírem como uma díade no casamento ou como elementos do sistema familiar, com
sua identidade masculina e feminina, constroem e reconstroem suas identidades, à medida
que desempenham papéis, significam e ressignificam suas relações. Coelho (2005).
Nessa perspectiva, a visão sistêmica da interação entre homem e mulher implica uma
ampliação de visão que vai além dos indivíduos em um processo de inter-relação entre os
fenômenos. Assim, as relações de gênero sistemicamente são concebidas como uma
realidade construída, a partir das explicações de seus diferentes atores, com suas diferenças
e contradições. Nos diferentes papéis sociais, no processo de socialização, meninos e
meninas vivenciam a identidade de gênero, elemento fundamental para se entender a
atuação do sujeito na família e na relação do casal.
Coordenador do GM... o atendimento no grupo multifamiliar será um trabalho
diferente” ... “Os temas abordados são assuntos como a proteção e o cuidado com os
filhos, preocupações que todos os pais têm com seus filhos.”
69
Essa fala denota a importância e o cuidado dos profissionais em esclarecer os pais
sobre a melhor forma de proteger seus filhos sem alimentar mitos que venham a distorcer a
realidade. Se os temores dos pais forem fortalecidos sem razão, eles serão transmitidos aos
filhos, tornando as crianças prisioneiras em seus próprios lares (Sanderson, 2005).
Mãe de Angélica e Jasmim (família.)Todo mundo junto como uma família.”
Essa fala retrata a importância das relações em família, atribuindo ao grupo igual
sentido no que se refere à convivência de proximidade e a possibilidade de constituições de
vínculos semelhantes aos de família.
Pesquisadora: O que mudou depois do acontecido em relação aos cuidados?
Mãe de margarida: Todos ficaram sabendo, aonde chegávamos todos olhavam de
forma curiosa. Eu pedia: não abra a porta para estranhos”.... “O menino mais velho está
revoltado, estranho, ficou com medo, assustado.”
Tais visões representativas contribuem para a construção de estereótipos sobre o
significado da proteção visualizada sob uma forma de controle e centrada em aspectos
individuais focados em atitudes reducionistas com uma limitação de visão de mundo.
Pai de Pétala:Sinto-me ummanezão’, não fiz nada para proteger minha
filha” [relata que se sente discriminado com um peso muito grande]. Mãe: “Não dormia,
queria morrer, desmaiava no momento das audiências, só agora fiquei mais forte.” ...
“Busquei ajuda dos amigos e no grupo que participo” [na rede hospitalar].
Nessas falas as famílias trazem representações que evidenciam respostas que
denotam uma conotação de baixa percepção de si, a imagem negativa de impotência frente
à gravidade da situação. Esse “não dar conta” interfere de modo significativo na forma de
proteção, limitando inclusive aspectos de promoção da saúde. Foi percebido também que os
adultos ficam impactados, extravasam atitudes de forma dramática e não visualizam
estratégias de superação nas possibilidades de ajuda.
O processo de culpa pela ocorrência do fato e a sensação de desproteção
acompanha os familiares. Furniss (2002) fundamenta que a circularidade define aspectos
interacionais dos relacionamentos interpessoais que podem igualmente ser atribuído a
ambos os parceiros de acordo com o contexto. Essa mesma forma de pensamento esclarece
a importância de diferentes olhares para os conceitos de responsabilidade, participação,
70
culpa, poder e acusação. Isso ajuda a distinguir aspectos legais, terapêuticos e de proteção à
criança abusada.
A literatura consultada aponta que a vergonha e a culpa acompanham quase
invariavelmente o abuso sexual infantil. Esses sentimentos apresentam forte impacto na
auto-estima da criança, revelando quase sempre a maneira como ela interpreta o abuso
sexual.
Sanderson (2005) esclarece que a culpa normalmente está associada a uma ação
específica, ou omissão, que transgride formas aceitáveis de comportamento, sendo
merecedora de punição. Enquanto a culpa é definida pela auto-avaliação negativa dos
comportamentos, na vergonha o ser inteiro se sente exposto, degradado e inferiorizado,
sendo mais intensa que a culpa. A culpa, portanto, instila tensão, remorso ou pesar, que
motiva uma ação reparadora.
Mãe de Violeta: “o pai deles não deixa ficar na rua, a idade de treze anos que ele
tem agora exige cuidado com as drogas e as amizades.”
Violeta: Meu pai exige mais de mim do que do meu irmão. A mãe argumenta é
porque ele é homem.”
Essa fala revela uma discriminação da menina em relação ao menino, caracterizada
pela necessidade de proteger após a ocorrência do abuso, imprimindo marcas sociais, ainda
mais fortes. O diálogo não costuma ser utilizado, o pai restringe os contatos sociais e as
orientações. O distanciamento da função paterna denuncia a fragilidade de vínculo
estabelecido entre pai e filho. Essa fala nos remete às questões de gênero, o poder do
macho, além da interação e do padrão de comunicação nessa família. O sentido de proteção
enfatizado na influência das amizades, aquilo que é certo ou errado conforme o imaginário
social.
Pesquisadora: Para vocês, o que é proteção?
Violeta: Minha mãe fala: olha filha, não faça coisa errada”.
Angélica: “Minha mãe orienta para ter cuidado com as amizades”.
Jasmim:Quando alguém bate.” “Proteção é quando a pessoa fala: ‘não bate nela
não’.”
Violeta: Proteger da chuva, do Sol, usar o cinto de segurança no carro. Saber se
proteger na escola. “Não bater nem apanhar”.
71
Rosa:Saber atravessar a pista de pedestre.”
Pétala: “Não pode pegar carona com desconhecido.”
Irmão de Violeta: “O motorista que dirige bêbado pode bater o carro.”
Notam-se diferentes demandas desse momento de vivência das crianças, apontadas
nessas falas onde demonstram um conhecimento adquirido nos diversos lugares de
inserção, incluindo os frutos do trabalho realizado com elas no grupo multifamiliar.
Pesquisadora: Quais os cuidados na escola?
Angélica: “Não ficar sozinha isolada.
Pétala: “Ter cuidado no banheiro.”
Violeta: Não sair com desconhecidos, não receber balinhas.”
Irmão de Violeta: “Cuidado com as drogas.”
As falas apontam um conhecimento informativo que se refere também ao
autocuidado. A escola tem sido o local de confiança escolhido especialmente pelas crianças
e adolescentes, na busca de significado e entendimento sobre diversas questões que afetam
a família e o contexto social, entre elas as drogas, o abuso, os conflitos familiares e as
diversas formas de violência. É importante que essa instituição vislumbre de que forma
estão pautadas suas ações. Que sentido de construção a escola pode oferecer perante a
confiança a ela atribuída? Como a escola tem assumido seu lugar de formação, socialização
e investimento intelectual? Em que dimensão ela está contribuindo para a proteção das
crianças e adolescentes?
A escola é parte integrante da sociedade, em sua função de referência de valores
sociais, culturais, por isso, esperam-se atitudes condizentes de promoção e atenção à saúde,
desenvolvimento e bem-estar dos sujeitos nos diversos ambientes em que estão inseridos.
Pesquisadora: Como acontece a proteção com o corpo? Uma pessoa que não se
cuida, não se alimenta, está se protegendo?
Todos: “Não.”
É importante salientar o quanto a literatura aborda as intervenções de proteção
numa linha que destaca somente aspectos da sexualidade, centralizando os órgãos genitais,
realçando o fato do abuso em si, esquecendo que a criança, enquanto ser em
desenvolvimento, está inserida em um processo dinâmico de continuidade e precisa,
72
portanto, ampliar sua visão de mundo buscando novas perspectivas, inclusive de
enfrentamento das situações difíceis.
Pesquisadora: O que significa a palavra genitália? Em que região do corpo fica a
genitália?
Crianças:Por onde agente faz xixi, a gente precisa se cuidar de não deixar as
outras pessoas tocar em nosso corpo.”
Reconhecer as partes do corpo é fundamental para que a criança saiba como se
proteger e se cuidar, além de denunciar carinhos e toques que apresentem uma conotação
de intimidade e sexualidade. É importante ensinar para a criança que não há problemas em
dizer “não” se alguém tentar tocá-la ou ameaçá-la.
É importante encorajar um diálogo aberto das crianças com os pais, ou
responsáveis, a respeito do acesso ao conhecimento das partes do corpo e suas respectivas
funções. Reconhecer também falas e estratégias de aliciamento utilizadas pelos adultos para
conquistar as crianças.
Pesquisadora: O que vocês fariam para se proteger?
Angélica: “Não põe a mão que meu pai não deixa, minha mãe não deixa.”
Pétala: Contar para outra pessoa que a gente tenha confiança.”
Essas falas expressam um nível de relação e verbalização bem-elaborada. Pode-se
inferir que a criança está propícia a procurar ajuda e aponta inclusive sinais de que
necessita ser ouvida. É importante que os adultos tornem-se mais sensíveis a esses apelos
de ajuda.
Pesquisadora: A gente precisa se proteger de que forma?
Todos: “Gritando não pode!” “Meu pai não deixa usar o telefone.”“Ir para a
rua, chega me acode!” “Sair correndo, gritar para os vizinhos.” “Não ficar sozinho,
cuidado na escola, no banheiro, não ficar em lugares escuros sozinhos.”
Os abusadores distorcem a realidade da criança garantindo que o que está
acontecendo não é errado, mas uma forma de mostrar amor e afeição pelo outro. Uma outra
forma de fazer a criança ser conivente com o contato sexual é oferecer presentes, doces,
balinhas, etc.
Camélia:... Uma colega saiu da escola com uma pessoa desconhecida e ele
levou para o mato, ela confiou e essa pessoa acabou fazendo uma maldade com ela.
73
Pesquisadora: O que é proteção para vocês? [no grupo com os pais]
Casal (família de Jasmim) [... [A forma de proteger] é não deixar as meninas
saírem sozinhas, pelo menos por enquanto, pois elas estão muito novas [9 e 7 anos].
No final, o casal escreveu cartas para as meninas, prometendo cuidá-las e protegê-
las sempre. Comparação do desenho com a fala trazida por essa família.
Mãe de Margarida:Fico de antena ligada, hoje sou muito preocupada.” “...
proteger é estar atenta vinte e quatro horas por dia” “... uma das coisas que eu aprendi
um olho aberto e outro fechado.”
Essas expressões possibilitam enxergar o modo como a família percebe o sentido
da proteção. Essa dimensão de vigilância exagerada com foco na perda dos espaços antes
freqüentados pelas crianças gera uma reflexão cada vez mais contundente, a de que a
família sozinha não consegue reconstruir novos vínculos, mas somente com a oportunidade
de um trabalho terapêutico.
O sentimento de violência representado pelas crianças retrata exatamente as falas e
diálogos registrados durante as entrevistas e observações participantes. Percebe-se que
houve uma transferência fidedigna das atitudes dos adultos vivenciadas pelas crianças. Essa
fala demonstra alguns desenhos que as crianças trouxeram como forma de aprisionamento e
afastamento dos espaços de lazer e da brincadeira.
Encontro transgeracional: Atividade queimar as coisas ruins inclusive a
violência - Foi solicitado que as crianças escrevessem coisas ruins, de que elas não
gostam. Assim, Angélica escreveu: mentira, castigo, desobediente, desordem, tristeza,
maldade, seqüestro e falta de carinho. Jasmim escreveu: tristeza, castigo, dedo-duro,
maldade. Margarida escreveu tristeza, maldade, mentira e raiva.
Mãe de Vitória Régia: Relatou que os pais são falecidos, tem três irmãs, sendo que
uma delas é sua vizinha. Informa que sua mãe era muito rígida, batia bastante nela, que é a
mais velha. Segundo essa mãe, ela apanhava muito porque era traquina. O relacionamento
familiar hoje com seus filhos é descrito como bom e afetivo.
Mãe de Pétala: Falou que protege muito a filha, não a deixa brincar na rua nem ir à
padaria sozinha. Dormir na casa de coleguinha, jamais.
Pai de Pétala: Falou pouco, mas acrescentou que a forma de proteção que ele teve
foi muito diferente da que ele dá para a filha, pois, na época que ele era criança, morava no
74
interior, e tudo era muito diferente. Essa família vivencia uma história de proteção marcada
pela culpa e um forte jogo de autoculpabilização. O relacionamento do casal foi muito
abalado pelos acontecimentos, questões de confiança e visibilidade no processo de
convivência familiar.
Pétala sala das crianças. Parecia concentrada, demonstrando uma postura fechada,
e só se manifestou quando alguma questão era jogada para o grupo. Ela não se relacionou
com as outras crianças, ficando quieta em seu lugar. Nesse encontro, a temática foi sobre
proteção. Pétala citou como exemplo de proteção uma casa para se proteger da chuva e
cinto de segurança no carro. Quando foi indagado quem protege, Pétala permaneceu quieta.
Quanto a pedir ajudar, ela mencionou que, caso precisasse, ela pediria ajuda a alguma
pessoa, gritaria ou sairia correndo. tala desenhou uma casa bem pequena, sem portas e
janelas, porém com três pessoas dentro da casa, sendo seus pais e ela. Associando a
representação do desenho de Pétala ao significado que a criança lhe dá, observa-se que a
criança desenhava figuras relacionadas à sua realidade, dentro de um contexto temporal.
Pétala, sexo feminino, 12 anos de idade.
Sentido da proteção nos desenhos das crianças:
As produções das crianças foram colhidas no rito de passagem e nos
atendimentos do grupo (GM). A metodologia utilizada inclui observação no processo de
produção de vários desenhos em interação entre as crianças e o pesquisador. Os desenhos a
partir da temática abordada, às vezes acompanhados de diálogos, foram analisados
75
procurando-se compreender os significados e sentido, enquanto conhecimento de sua
vivência e de suas emoções, sobretudo no que diz respeito aos aspectos de proteção,
cuidado e auto-estima. Por meio de alguns recortes, essas produções serão representadas
nas zonas de sentido que compõem o presente estudo.
O processo de elaboração dos desenhos configurou-se como momento interativo
entre a pesquisadora e as crianças, marcado pela espontaneidade, carinho e atenção. As
crianças expressaram atitudes e desejos de permanecerem por mais tempo nessa atividade.
As atividades expressivas (desenhos, dramatizações, jogos, músicas) são mediações que
possibilitam à criança a objetivação e a materialização das imagens que ela criou sobre suas
emoções. Continuando a mesma linha de pensamento, é pertinente imaginar a extrema
necessidade de multiplicação desses espaços nas redes sociais e nos locais de convivência
freqüentados pelas crianças, de forma a permitir expressões que possam garantir às crianças
o direito de mostrar seus sentimentos, enquanto sujeitos livres dinâmicos e criativos.
No geral, os desenhos evidenciam o desejo das crianças em ter acesso ao afeto e a
uma infância e adolescência como a de outras pessoas de sua convivência, bem como a
necessidade de recomposição dos contatos interpessoais. Além disso, a construção do
desenho possibilitou às crianças abordar de maneira lúdica as experiências de relações com
a família e a perspectiva positiva sobre o futuro. Segundo Ferreira (1998):
O desenho, forma de pensamento, propicia oportunidade de
que o mundo interior se confronte com o exterior, a
observação do real se depare com a imaginação e o desejo de
significar. Assim, memória, imaginação e observação se
encontram, passado e futuro convergindo para o registro da
ação no presente (Ferreira, 1998, p. 04).
A descrição e interpretação dos desenhos seguem uma linha de análise que
possibilita enxergar a importância dos contatos de relações, o sentido de proteção revelado
pelas crianças e a perspectiva de superação pela busca dinâmica de uma visão de mundo
mais contextualizada. É importante apontar o tempo de ocorrência do abuso com o período
da intervenção, uma vez que apenas no caso do estupro houve maior rapidez. Nos demais
76
casos, a intervenção demorou bastante (vide participantes da pesquisa, na metodologia), o
que gera uma reflexão acerca da desproteção e desassistência a que essas crianças estão
submetidas.
Outro ponto a ser destacado é que as interpretações gráficas não foram significadas
como uma interpretação de personalidade ou análise de incidência traumática. O caráter
atribuído está mais relacionado aos sentimentos, expressões, interações e contatos no
tocante ao acesso do profissional da psicologia às crianças que vivenciaram a experiência
de abuso. O desenho, portanto, foi utilizado mais como um recurso lúdico que possibilitou
a essas crianças expressarem um pouco de suas histórias e atitudes do cotidiano na
convivência com seus familiares, seja no aspecto de proteção, auto-estima ou convivência
nos diversos espaços.
Nessas produções infantis, pôde-se observar que, ao ser solicitado o desenho livre
(no rito de passagem), as crianças representaram mais suas famílias e afetividade, enquanto
que, ao ser solicitado o desenho de proteção, a família e os aspectos afetivos não foram
diretamente explicitados. Tal fato leva a pesquisadora a questionar se as crianças não
percebem a família como agente protetor.
Ilustrando outros exemplos de representações das produções infantis, os desenhos
de Camélia, Dália e Angélica serão descritos pela contribuição que podem oferecer, nessa
intrigante e difícil tarefa de proteção do adulto em relação à criança, tão arraigada na
cultura e no imaginário social.
Camélia revelou na produção da sua atividade expressiva uma realidade conceitual,
a partir de conhecimentos e experiências sociais internalizadas. Durante o processo de
construção dos seus desenhos, bastante empobrecidos, representados por uma casa isolada
caracterizada pela ausência de portas e janelas, seus movimentos gráficos parecem uma
“reevocação da sua emoção”, ressignificando sua experiência. O desenho ao meu ver se
destaca pela simbolização da história de Camélia, já relatada no item participante da
pesquisa, na qual a mesma vivenciou tentativa de estupro pelo avô aos quatro anos de
idade. Hoje, aos treze anos, ao se deparar com atividades lúdicas que possibilitam a
expressão da intersubjetividade, é possível compreender o significado dos seus traços como
registro do tempo.
77
Camélia, sexo feminino, 13 anos de idade.
A produção de Dália foi construída com canetinhas e chama a atenção pelo uso
quase centralizado do espaço à direta. As três pessoas retratadas parecem flutuar sobre uma
grama, figuras femininas com expressões masculinas. Com um desenho bem colorido, a
criança não nomeou as pessoas da família que ela representou. Sempre muito calada, com
postura de isolamento no grupo, não verbalizou espontaneamente, só quando alguém
perguntava alguma coisa. Dália vivenciou a experiência de um aliciamento em sua própria
casa, onde os adultos de sua família estavam presentes. As atitudes de silenciar os
acontecimentos foram igualmente significadas, também no espaço lúdico. O embotamento
da criança pode significar ausência de diálogo, além de falta de oportunidade em expressar
suas idéias, anseios e dificuldades. A mãe da criança relatou sentimentos de mágoa pela
ausência do pai da criança, que a abandonou quando estava grávida. Igual experiência a
mãe de Dália vivenciou em sua infância: também foi abandonada pelo pai.
Dália, sexo feminino,
11 anos de idade.
78
Angélica participou ativamente de todas as atividades. O desenho retrata o sentido
da proteção, representado pelo objeto casa. Ambas as casas, as janelas estão fechadas, a cor
azul foi predominante, inclusive a árvore, o Sol com fisionomia de pessoas bem expressiva,
porém sem alegria. Muitos pássaros parecidos com gaivotas.
A história de Angélica, igualmente vivenciada nos desenhos é representada por
um nível de exigência dos adultos. Ela é a filha mais velha do casal, hoje com nove anos de
idade é responsável por cuidar da irmã mais nova, que muito agitada chama a tenção sobre
si o tempo todo no que é reforçada pelos pais, comparada como a mais inteligente.
Angélica procura o tempo todo superar suas dificuldades demonstrando alegria, bom
humor, cuidado e proteção com as pessoas que lhe são próximas.
Angélica, sexo feminino, 9 anos de idade.
Adentrando o contexto das relações do sistema familiar, é possível perceber a
complexidade que envolve o funcionamento, estrutura e dinâmica do sistema familiar, em
seus diversos subsistemas na convivência com seus membros, especialmente no que diz
respeito à triangulação, onde a criança é envolvida em um conflito parental Minuchin
(1979).
As narrações das produções a seguir tiveram lugar no rito de passagem e podem
ser visualizadas nos anexos 5, 6 e 7. É importante observar que em todos os desenhos as
crianças apresentam elementos gráficos comuns a todo o grupo. Sol com expressões
fisionômicas, nuvens, gaivotas, muitas flores, corações com mensagens de afeto para os
pais e direcionadas a elas, árvores com copas geralmente amplas. Casas com janelas e
79
portas fechadas e ou com ausência de janelas. Nesses desenhos as janelas são retratadas
quase sempre com grades, o que também reflete o cotidiano da representação social: as
“grades” como forma de se proteger da violência urbana, além claro, de significar o
aprisionamento aos espaços sociais de convivência a que a família, geralmente, submete as
crianças após o abuso.
As produções das crianças ganharam realce nas zonas de sentido, como exemplo de
ilustração na tentativa de melhor explicitar as diversas faces da proteção, além de retratar a
necessidade de reconstrução dos espaços de convivência social.
Diante dos relatos e narrações representados nessa zona de sentido, pode-se
indagar a importância da mudança de paradigma da família em relação aos aspectos de
proteção, uma vez que o aprisionamento conduz necessariamente à restrição ou destruição
das relações afetivas e sociais das crianças, suscitando percepções e sentimentos confusos,
fazendo-a necessitar de apoio, uma vez que se observa pouca recorrência às redes de
proteção e às redes sociais.
4.1.3 Zona de sentido 3 - Redesenhando a convivência na família, escola, igreja e
outros espaços sociais
A representação dessa zona de sentido se inscreve nos espaços sociais vivenciados
no cotidiano que são significados tanto em sua singularidade quanto na dimensão coletiva.
A família, a escola, a igreja e o lazer formam os espaços sociais, sobre os quais as
narrativas e diálogos das crianças e adultos são destacados no contexto dos indicadores e
representam essa zona de sentido, que apresenta a produção das oficinas construídas pelo
pesquisador conjuntamente com as crianças.
O foco das relações familiares pode ser percebido pela caracterização das perdas e
cisão dos espaços de convivência. A escola, enquanto importante rede social que contribui
para a formação da criança e dos jovens, emerge como um lugar de significação, de
confiança para a revelação do abuso sexual sofrido pelas crianças. A igreja em seu papel
espiritual de confortar e compreender o sentido da vivência sofrida por cada membro da
família, além da repercussão moral e social, revelou neste estudo importante espaço social
de apoio a essas famílias marcadas por forte sentimento de abandono e desamparo.
80
A família, como grupo humano, caracteriza-se pela união, por meio de seus laços de
afeto e referência de pertencimento. Dentre suas principais funções básicas de prover,
proteger e socializar, como fonte de referências morais de vínculos afetivos e sociais,
constitui-se em elo de identidade grupal, sendo também mediadora de outras instituições.
Essas instituições, no dizer de Aun, Vasconcellos e Coelho (2005), exigem da família
considerações, pautadas em ações significativas para os sujeitos, uma vez que a família é
parte de uma rede social que apóia, desenvolve e cria recursos para sobrevivência.
O lazer e a brincadeira para as crianças, na percepção desta pesquisadora, ainda não
são valorizados pela cultura de forma significativa, como um recurso imprescindível ao
desenvolvimento das funções superiores, além de representarem a visão de mundo
construída conjuntamente nas interações com os adultos em seus diversos espaços de
inserção. Sobretudo nessas famílias cujos adultos não tiveram oportunidade de brincar, de
ser criança, o lazer é compreendido como um custo adicional que implica momentos
específicos e dinheiro, não significando, portanto, bem-estar e busca de qualidade de vida,
além de recurso psíquico para o refazimento e construção das emoções.
Família IV(mãe de Angélica e Jasmim) O reencontro com minha mãe se deu por
meio da igreja, pois somos evangélicos, o pastor pediu para realizar um culto, em minha
casa, assim começou a aproximação entre a família.” [Havia uma cisão, um rompimento
dos vínculos entre a avó das crianças e a mãe delas; essa reconciliação aconteceu em 2005.]
Nessa fala, a família discursivamente significa a religiosidade como fator de busca
de apoio e segurança, tanto individual quanto em relação à família, na reconstrução dos
vínculos familiares.
A visibilidade atribuída à Igreja pode significar a busca por um lugar que lhe seja
próprio, afirmando-se em suas identidades pessoal e coletiva. Pertencer a uma igreja ou
grupos religiosos é estar situado socialmente, em contato com múltiplas relações que
nascem a partir das relações aí estabelecidas.
Foi realizada uma atividade de aquecimento para trabalhar o tema proteção, no
primeiro encontro do grupo. Os títulos atribuídos pelas famílias foram assim destacados:
Família de Benção”; “Família de Jesus”; “Família vitoriosa”; “Família Ferreira”; “Família
de Deus”. Nessas falas a percepção das famílias é de uma ascensão espiritual – sentem-se
qualificadas perante os olhos da religião. A igreja desempenha importante papel enquanto
81
rede social na vida das pessoas, especialmente quando a família participa ativamente. Por
outro lado, o processo de exclusão a que essas famílias são submetidas, além de questões
culturais e de escolarização, pode torná-las vulneráveis a situações de dependência
emocional, com um nível de confiança acentuado que as impede de apresentar atitudes
racionais e reflexivas frente às situações-problemas. A atitude das famílias em nomear
títulos sugestivos de conotação religiosa denota uma vontade de superação dos dramas de
forma mágica proveniente de uma decisão espiritual.
A convivência social é imprescindível ao ser humano. Reduzidas oportunidades de
freqüência a esses espaços enfraquecem os vínculos sociais. A esse respeito Paugam (1999)
retrata o conceito de desqualificação social, que é atribuído à expulsão e ao afastamento
gradativo das oportunidades de trabalho, lazer educação, entre outros, sofrido pelas
camadas mais pobres. Nessa linha de entendimento, o autor significa pobreza como um
processo que a diferencia de um estado estável e permanente.
No sentido de melhor entendimento sobre a importância dos espaços de
convivência, elege-se a contribuição de Winnicott (2005) em sua afirmação:
“A vida social é em muitos aspectos uma extensão das funções
da família. Se examinarmos os cuidados que se costumam propiciar
às crianças e estudarmos as instituições políticas dos adultos,
constataremos semelhanças com o lar e a família”. (Winnicott, 2005,
p.136).
A conotação da citação ilustrada traz à luz o sentido que as famílias e as crianças
atribuíram às relações vivenciadas no grupo durante a pesquisa, portanto, nas falas a seguir
identifica-se a tônica das narrações que compõem essa zona de sentido.
Mãe da Vitória Régia: “Brincar na rua eu não deixo mais, principalmente à
noite.” [Esse relato foi identificada na entrevista]
Pai de Violeta: Um dia ela vai ter sua família...” “Vai ter que aprender a cuidar
do seu espaço.” [O pai afirma que exige muito da criança, fiscalizando suas tarefas
escolares, as amizades].
Essas falas representam as perdas significativas e as restrições dos espaços de
convivência a que as crianças e os adolescentes são submetidos, especialmente após o
82
abuso. Constata-se, pelos resultados da análise dos dados, que, na verdade, essas crianças
estão duplamente penalizadas, tanto pelo afastamento social, quanto pela quantidade de
exigências.
Angélica perguntou: “O que fazia tantas psicólogas juntas?” [Essa fala foi colhida
no rito de passagem no grupo com as crianças].
Pétala respondeu: “nos ajuda a resolver problemas que não conseguimos tirar da
cabeça”.
À luz das discussões aqui traçadas, percebe-se nessa fala a importância da interação
das crianças com adultos, a representação da solicitude de intervenção que deve ser
realizada por profissionais, além do nível de complexidade dessas intervenções nesse
contexto. Percebem-se também os sentimentos e atitudes demonstrados pelas crianças
quando se deparam com vivências que lhes conferem oportunidade de serem ouvidas e
valorizadas, além da participação em um espaço que representa um momento de lazer, sair
de casa, conviver com pessoas que inspiram confiança, além de promover ajuda.
É de fundamental importância ressaltar que o objetivo do trabalho psicológico no
grupo multifamiliar, conforme esclarece Costa, Ribeiro, Penso e Almeida (2005), constitui-
se em possibilidades e potenciais terapêuticos, traçados com a perspectiva de promover
uma ação pautada mais amplamente nas questões prioritárias do restabelecimento da
proteção a essas crianças e adolescentes.
Retomando-se as narrativas, ilustram-se outras falas que contribuem para a
representação dessa zona.
Pai de Jasmim e Angélica: Relatou não ter sofrido nenhum tipo de violência em
sua família. Só se lembra com tristezas das bebidas que o pai consumia – isso o deixava
triste, mas o pai nunca ficou agressivo em conseqüência do uso do álcool. Afirma que o
castigo resolve, não precisa bater. Mãe de Jasmim e Angélica diz que a mais velha sente
ciúmes da mais nova. A mais velha é mais castigada porque é geniosa.
Angélica comentou também que sua mãe não gosta que ela brinque com meninos,
somente com aqueles que fazem parte da sua igreja.
Pesquisadora: [As crianças demonstraram curiosidade e contentamento com o
convite, intitulado o “Encontro” (folheto explicativo, anexo 3), contendo o calendário dos
83
encontros no (GM)]. Esse foi contextualizado no rito de passagem; a participação das
crianças sinalizou que estavam antevendo a possibilidade de brincarem.
Jasmim perguntou:Tia vamos poder brincar de roda, pintar, pular corda e jogar
bola.”
A representação dessa fala faz lembrar as condições de privação, as cisões e
desvinculações sofridas por essas famílias, que significaram seu cotidiano em atitudes de
vigiar e controlar os filhos, negando-lhes a oportunidade de convivência, especialmente de
momentos lúdicos, de lazer, tão importantes para o desenvolvimento da criança, além de
contribuir para a construção do suporte psíquico necessário ao enfrentamento das
adversidades.
É importante considerar que essas famílias e suas crianças encontram-se em
situação de risco, vulneráveis em suas emoções e percepções, necessitando, portanto, de
recursos inovadores no tocante ao trabalho de apoio e intervenção a ser desenvolvido.
Mãe de Jasmim e Angélica: “Aos três anos de idade fui abandonada pela minha mãe,
sendo então cuidada por minha irmã mais velha.” [que chamarei de Raquel, na época tinha
apenas 11 anos]. Essa mãe demonstrou durante os encontros e em suas narrativas
sentimentos de mágoa e abandono em relação a sua genitora de forma profundamente
sentida. A reaproximação com a mãe aconteceu por meio da igreja.
Mãe de Vitória Régia: Relatou que os pais são falecidos, tem três irmãs, sendo que
uma delas é sua vizinha. Informa que sua mãe era muito rígida, batia bastante nela, que é a
mais velha. Segundo essa mãe, ela apanhava muito porque era “traquina”. O
relacionamento familiar hoje com seus filhos é descrito como bom e afetivo. Percebeu-se
nessa família uma fusão das fronteiras e dos papéis parentais, dificuldades em estabelecer
limites, além da convivência com a violência.
Pesquisadora: Está tudo bem? [Iniciando o 2º encontro, a pesquisadora perguntou,
na sala das crianças, para o grupo]
Angélica: “Não está tudo bem. Eu e a Jasmim brigamos muito.”
Pesquisadora: As irmãs Angélica e Jasmim são bastante agitadas, costumam
chamar atenção do grupo sobre si. Jasmim ficou emburrada, devido à divisão do subgrupo;
no GM gritou, fez cara feia.
Pesquisadora: Como é essa convivência em casa?
84
Angélica:Cão e gato, rato e gato.”.
Essas informações revelam a necessidade em extrapolar os sentimentos e emoções
que as crianças sinalizam como informações de que está acontecendo algo. Nessa relação
de irmãos se faz necessário brigar, brincar e interagir, deixar vir à tona o que é preciso
expressar, mesmo que seja instigando, interpelando um ao outro.
A violência possui um caráter privado e íntimo, os pais podem exercer vários tipos
de violência contra os filhos com fins de pretensamente educá-los e discipliná-los. Isso
reforça o poder do adulto na desigualdade com a criança, repassando um modelo construído
geralmente na família, estendendo-se aos outros espaços.
Mãe de Vitória Régia:Foi muito legal, principalmente os esclarecimentos e o
carinho do grupo, lanche gostoso, entre outras coisas, aprendi muito.” [Quanto ao (GM)
relatou que foi bastante significativo para ela e a criança, gostou de ter participado dos dois
encontros].
Mãe da Violeta: “Várias pessoas tiveram sofrimentos iguais aos meus, inclusive eu
estive aqui, marcaram quinze dias, aí eu vim um dia que não houve eu senti falta.” [Fala
colhida na entrevista]
Pesquisadora: Tem alguma coisa que tenha marcado os encontros no grupo? Pode
falar.
Mãe da Violeta:O que marcou mais foi a ajuda de vocês, foi muito boa, que
vocês continuem sendo essas pessoas que ajudam os outros quando a gente falta, vocês
ligam, que Deus abençõe e que continue ajudando.”
A tônica atribuída a essas falas sugere no grupo (GM) uma composição de espaço
de convivência de grande importância para a aprendizagem, servindo também de referência
nas interações sociais e na intervenção da problemática dessas famílias.
Interpelação da pesquisadora durante as entrevistas: De que forma a família
utiliza o lazer?
Famílias: A gente só vai pra escola e pra igreja.”
Assim, observa-se que essas famílias não praticam nenhuma forma de lazer,
somente a escola e a Igreja são os espaços mais freqüentados pelas crianças, sempre
acompanhadas dos irmãos ou dos pais. Nota-se que a tônica dessa fala recai sobre uma
justificativa de controle e privação do contato com outros grupos e contextos culturais,
85
recreativos, lúdicos e esportivos, tão necessários ao desenvolvimento do ser humano em seu
aspecto integral de saúde e bem-estar físico, emocional, afetivo, social e cultural. A escola
tem sido o lugar de confiança e busca dessas crianças e de seus familiares, na tentativa de
aliviar suas tensões, conflitos e ambigüidades. É bem verdade que a escola, enquanto
sistema em constante mudança, também não consegue resolver a amplitude das solicitações
dela exigido.
O contexto escolar emerge como um espaço de transmissão e mudança de valores e
deve se tornar um ambiente promotor de interações. Sobre esse aspecto, Ariès (1981)
destaca que a escola influenciou a construção social da infância e da adolescência. Em sua
origem delimitou os espaços públicos e privados, assim como promoveu a separação entre
criança e adulto e, posteriormente, entre criança e adolescente, constituindo grupos de
idade.
A escola consiste em um cenário no qual interagem discursos e práticas de diferentes
matizes político-sociais, construídos conjuntamente na comunicação interativa dos sujeitos
(C. M. M. Araújo, 2003; Pinto, 2007).
Mãe de Vitória Régia relatou na entrevista que enfrenta problemas de violência
com o filho mais velho de 25 anos, que já esteve preso, e com o mais novo, de 14 anos, que
está envolvido com assaltos e drogas. Por esse motivo, a mãe e a criança Vitória Regia não
puderam freqüentar todos os encontros do grupo (GM), fato agravado pela constante
preocupação da mãe em “vigiar os comportamentos dos filhos” e o medo de sair de casa.
Percebem-se diferentes nuanças de violência em que a família está mergulhada.
Parte do relato evidencia a dinâmica e o contexto difuso das relações familiares permeadas
por dificuldades e conflitos, em um processo de exclusão marcado pela extrema situação de
pobreza. É notório o conflito da busca por uma rede de apoio e a freqüência a esses serviços
em decorrência de uma situação de abandono e desassistência do poder do Estado em ações
de políticas públicas, no atendimento aos direitos civis individuais: direito à vida e à
dignidade humana, na busca por cidadania (Afonso, 2004; Ferrari; Kaloustian, 1994;
Neder, 1994).
O contexto familiar é palco tanto da manutenção de valores e padrões
comportamentais quanto de suas transformações. Nessa linha de entendimento, Rocha-
Coutinho (2006) enfatiza que as transformações sócio-históricas geram mudanças na
86
estrutura e na dinâmica familiar e que esta também modifica o meio no qual está inserida.
Conforme apontam Benincá e Gomes (1998), “a família é um organismo mutável, que
transforma e é transformado pela sociedade” (p. 178)
Compreender o processo de reconstrução dos espaços sociais suscita o emergente
conceito traçado por Walsh (2005), que explicita a resiliência familiar, ampliando a
compreensão do bom funcionamento da família em situação de adversidades. Resiliência,
nessa visão, compreende uma capacidade de resistir e ter êxito frente a desafios críticos da
vida. A vulnerabilidade do indivíduo ou o impacto causado por condições altamente
estressantes podem ser superadas por mecanismos de mediação.
Observa-se nessas famílias, especialmente em suas crianças, uma busca de
superação do sofrimento numa perspectiva da resiliência familiar, em consonância com o
que esclarece Falicov (1988), citado por Walsh (1988), que defende uma concepção
ecológica multidimensional. Admite essa autora que em cada família se combinam e
sobrepõem traços derivados de múltiplos contextos culturais, baseados na configuração
singular que trazem da vida de seus membros em muitos aspectos, como a etnia, a posição
sócio-econômica, a religião, a estrutura de sua família de origem, os papéis associados ao
gênero, à tendência sexual e à etapa do ciclo de vida que estão atravessando.
OFICINA I - AUTO-ESTIMA
A oficina teve lugar na sala das crianças, no dia 18 de outubro de 2006. Participaram
dessa atividade sete crianças e três adultos, duas estagiárias da graduação de psicologia e
esta pesquisadora.
Iniciou-se o trabalho com um amplo painel de colagem fotográfica, representando
composições familiares. Realizou-se breve comentário sobre a composição das imagens, do
que as crianças participaram respondendo a indagações sobre o número de pessoas que
formavam a família e os diferentes modelos, raça e etnia. Após esse momento foi narrada
uma fábula de Claude Steine, do livro Carícia Essencial, autor: Roberto Shinyashiki (1992),
adaptada para essa atividade, intitulada “carinhos quentes”.
A fábula foi narrada por uma das estagiárias, e a história, representada por
fantoches pelos demais participantes. Nessa fábula (conforme anexo 1), constam os
seguintes personagens: um casal, dois filhos e a bruxa. As crianças representaram alguns
papéis, os demais formaram a platéia. A temática da fábula foi trabalhada no grupo de
87
forma bem acentuada, uma vez que a mesma enfocava a abundância de carinhos saudáveis
oferecidos por um casal a todas as crianças que nasciam naquela cidade. A ação da bruxa
planta discórdia e desarmonia na família. Os carinhos passaram a serem negociados e as
pessoas começaram a adoecer. Foram abordados aspectos da auto-estima, importância dos
afetos, tipos de carinhos, etc.
Um segundo momento foi marcado pela entrega dos “carinhos quentes” às crianças
com a brincadeira de passar o anel, cantando-se a música Ciranda cirandinha e colocados
nas mãos das crianças os “carinhos quentes” (saquinhos de tecido TNT, coloridos,
recheados de algodão). Após esse momento, as crianças utilizaram o desenho para
representar a temática sobre a auto-estima.
No momento seguinte utilizou-se recorte de revista com gravuras que
representassem carinhos positivos (sorriso, abraço, alegria, beijo). As crianças entregaram
as gravuras para os adultos no grande grupo, formando um círculo. No momento da
entrega, verbalizavam uma conotação positiva.
Na culminância desse encontro, como sempre acontecia no grupo, as crianças
relataram para os adultos tudo que havia acontecido na sala das crianças.
Pode-se observar nesse contexto que o recurso da oficina muito contribuiu para
recomposição afetiva e a percepção de si e do outro, numa dimensão mais extensiva.
Compreender a dimensão dessas falas e da presente zona de sentido tornou-se
importante por permitir visualizar o afastamento dos contatos sociais e dos espaços lúdicos
a que as crianças estão submetidas nessa visão fragmentada dos adultos, incluindo a
família.
Outro ponto a ser destacado é a necessidade de construção de um espaço terapêutico
que possibilite a essas crianças o contato com o lúdico e com a escuta sensível para
ressignificarem suas representações.
88
Jasmim, sexo feminino, 7 anos. Margarida, sexo feminino, 15 anos.
O tom atribuído à culminância das narrações descritas nas três zonas de sentido
pode ser ilustrado pela oficina 2, que evidencia um processo de retrospectiva de todos os
encontros realizados com as crianças.
Oficina 2: Retrospectiva dos encontros no grupo das crianças (GM)
O quarto encontro do grupo aconteceu no dia 29 de 2006. Participaram da atividade
cinco crianças. A temática, focada no projeto de Perspectivas Futuras, com indagações:
Como cuido? Como protejo? Como gostaria de ser protegido? Possibilidades no presente e
futuro? foi trabalhada com as crianças retomando-se todos os encontros realizados no grupo
(GM).
Após o aquecimento, todas as crianças construíram um grande painel em folha de
papel ampliada onde registraram pela expressão do desenho a significação dos encontros.
Os sentidos dos desenhos aqui expostos retrataram o desejo das crianças em construir
vínculos saudáveis com seus familiares. As crianças evidenciaram querer unir vínculos
positivos, esquecer os acontecimentos ruins. Desejam prosseguir com perspectivas futuras
de boa significação. Fogem do contato com experiências marcadas pelo sofrimento, tristeza
e abandono. As crianças retomaram a lembrança de um momento no grupo em que as
experiências ruins (violência, abuso, brigas, conflitos, magoas) foram jogadas no lixo e
queimadas, conforme relato do terceiro encontro do (GM) transcritos na metodologia.
O painel construído permite vislumbrar o trabalho de intervenção desenvolvido pelo
profissional da psicologia com crianças em situações de risco. Destaca-se também que, por
89
meio dos diversos recursos lúdicos e da condução do processo de intervenção, pautado em
uma abordagem de interações e construções conjuntas de significado, é possível atingir o
objetivo traçado. Observa-se que na constrão do painel, onde cada criança inseriu um
pouco de si, as representações se mostraram mais otimistas e abertas para o mundo do que
as primeiras representações, que foram analisadas na zona de sentido da proteção. Com uso
de conotações positivas e reconectação do sentido de refazimento, sem o caráter de
vitimização, que centraliza o foco apenas no acontecimento, é possível promover saúde e
bem-estar ao indivíduo.
É preciso um olhar sistêmico, em que todo o sistema, não só o indivíduo, é
trabalhado tanto em sua singularidade quanto nos aspectos das relações familiares,
envolvendo também as redes sociais. É importante salientar que o trabalho terapêutico, em
suas diversas nuanças de reconstrução, favorece não apenas o exercício da confiança e do
vínculo, mas, também, o processo de expansão em outros contextos, como o da igreja,
família e escola.
Araújo (2002), sobre o trabalho do psicólogo, argumenta que muitas vezes, ao se
deparar com as estratégias de intervenção, o terapeuta precisa realizar “desconstruções” de
suas próprias crenças, valores morais e práticas terapêuticas já instituídas. Reafirma a
autora que esse é um campo por excelência onde, com criatividade, o saber fazer
terapêutico é constantemente reinventado, recriado e reconstruído, de forma a possibilitar à
família uma melhor compreensão da sua realidade. Outro ponto destacado por esta autora é
a mobilização emocional do profissional durante o processo. É preciso, pois, estar atento às
suas defesas, resistências e processos transferenciais e contratransferenciais que
naturalmente ocorrem.
Neste estudo foi possível perceber a contribuição indispensável do profissional da
psicologia em seu trabalho de intervenção junto às famílias e suas crianças para valorizar a
escuta e a fala dessas crianças, que, em seu silêncio, reforçado pelas ameaças dos
agressores e pela falta da palavra mediadora dos adultos, muitas vezes sucumbem em um
processo de desvalorização que se arrasta por longo tempo, repercutindo nas gerações
seguintes. É preciso, pois, significar esses acontecimentos, essas emoções e sentimentos
profundamente sofridos, no sentido de interromper essas violências sociais, culturais e
familiares, especialmente contra as crianças e adolescentes.
90
Atividade linha do tempo
Essa atividade fez parte do roteiro de entrevista semi-estruturada realizada na
residência das famílias. Participaram dessa atividade quatro crianças, pertencentes às
famílias I e IV. As crianças e a adolescente das famílias III e V não estavam no lar no
momento da entrevista, portanto não participaram da atividade. O formato do roteiro
compõe o anexo 1, identificado na metodologia.
O recurso linha do tempo é representado por dois itens, por meio dos quais
procurou-se colher informações sobre acontecimentos considerados felizes e os ruins ou
tristes, no passado, presente e futuro. O objetivo dessa atividade foi verificar as relações
vinculares das crianças posteriores ao abuso e de que forma elas percebiam os contatos com
a família e com os espaços sociais.
Nesse mesmo recurso, foi desenvolvida a interação “Repórter por um dia”.
Procurou-se solicitar das crianças que descrevessem: Como é uma criança feliz, o que ela
tem que a faz feliz? Do que ela precisa? Como se sente? Com quem gosta de estar?
Os desenhos e os relatos representados por essas crianças e igualmente as descrições
retratadas nas oficinas e na zona de proteção destacaram pontos em comum, assim
ilustrados: as crianças fogem das histórias do abuso, não querem falar, além fugirem
também de outras situações que envolvam sofrimento, tristeza, cerceamento.
Significaram as relações com a família em falas que identificaram situações de
aprisionamento, vigília, aprisionamento em casa. Geralmente é negado às crianças o direito
de ficarem sozinhas consigo mesmas, com suas indagações.
Notadamente, foi identificado o desejo de prosseguirem, restabelecerem outros
contatos. Atribuem muita importância às amizades e referências com adultos e outras
crianças, argumentaram em suas falas o restrito ciclo de amigos da vizinhança e da escola.
Uma vez que a família rompeu os vínculos, pode se inferir que os contatos sociais, após o
abuso, ficam cada vez mais escassos.
Nessas produções, as crianças trouxeram os bons relacionamentos com os avós, com
a escola e também com os pesquisadores. Todas as famílias visitadas estavam aguardando
com bastante ansiedade, tanto as crianças quanto os adultos foram bem amorosos. Vale
ressaltar que as crianças que não estavam presentes tiveram seus motivos justificados.
91
Finalmente, o interesse, em investigar essa modalidade de análise possibilitou
visualizar o quanto às questões relativas aos aspectos das relações vinculares são
complexas, e pouco discutidas, necessitando, portanto de serem investigadas e, mais
profundamente pesquisadas. Particularmente destaco, que as crianças sejam atendidas, em
seu intenso sofrimento íntimo com mais urgência, possibilitando uma recomposição da sua
integridade física e emocional.
92
5. CONCLUSÃO
“Eu sou o que consegui fazer com o que fizeram de
mim” (Sartre: 1980).
Este estudo teve como principal objetivo investigar o restabelecimento dos vínculos
afetivos, emocionais, psicológicos e sociais nos diferentes contextos de inserção da criança,
após a situação de abuso sexual. Significar a identificação vincular das famílias e de suas
crianças, no tocante às histórias de abuso sexual infantil, vivenciadas na intimidade do lar e
nos espaços de convivência. Foi possível enxergar que o abuso é uma ação de violência,
sofrida pela criança, ou adolescente, que repercute em todo o sistema familiar.
Ao buscar respostas para o objeto de estudo, deparei-me com um nível de
complexidade sobre o qual não encontrei resposta satisfatória, às indagações e provocações
que suscitaram as narrações e experiências vivenciadas durante a pesquisa. A princípio a
restrita literatura a respeito de vínculo, sobretudo no tocante ao processo de reconstrução e
restabelecimento, após o abuso, dificultou uma incursão ao tema em questão. Dessa forma,
para melhor responder às proposições, serão ressaltados três eixos fortemente evidenciados
neste trabalho.
O primeiro deles diz respeito à reconstrução dos vínculos. O estudo revelou que as
relações vinculares dessas famílias apresentam uma dinâmica afetiva marcada por
sentimentos de ambivalência, dificuldade de percepção acerca de si e do outro, além de
forte tensão e agressividade. Sabe-se que o vínculo entre pais e filhos é fortemente atingido,
não só por quem sofre o abuso. Nogueira e Pereira de Sá (2004) afirmam que, em função da
relação previamente estabelecida com o abusador, a criança pode manter esperança de
receber um tratamento melhor, ao desejar que o abusador mude seu comportamento sem
puni-lo. É comum a criança apresentar ambivalência afetiva e sentimento de culpa,
buscando tentar salvar a relação a fim de assegurar equilíbrio familiar.
O processo de culpabilização é bastante presente, especialmente dos adultos em
relação às crianças que são abusadas sexualmente, ocorrendo inclusive como forma de
discriminação e preconceito, por parte da família nuclear e extensa, vizinhança, além de
outros espaços freqüentados pelas crianças. Tal fato pode ser confirmado nos relatos de
93
algumas mães, a exemplo das crianças: Violeta, Angélica, Jasmim e Vitória Régia.
Curiosamente, muitas mães percebem que algo estranho acontece em suas casas, com seus
filhos, entretanto, não conseguem ressonância com a sinalização da criança, e o
comportamento do pai abusador. Diante da ocorrência ficam perplexas e costumam afirmar,
assim como a mãe de Margarida:
“Fiquei encabulada, teria evitado, como a agente não vê as coisas dentro de casa,
sempre foi um homem respeitador, eu não sabia se não teria evitado, eu chorei muito me
senti pra baixo, senti muita raiva, revolta. Fiquei doida, agora não quero saber, deixa
apodrecer lá dentro da cadeia”.
Essa fala, sob um olhar sistêmico, faz pensar que as fronteiras do sistema
excessivamente abertas permite a extrapolação de suas funções, conforme assinala
Minuchin (1982). Para o funcionamento apropriado da família, as fronteiras dos
subsistemas devem ser nítidas, os papéis claros e flexíveis. Argumenta, ainda, que a função
da fronteira é proteger a diferenciação do sistema.
Sabe-se que a composição dos vínculos no sistema familiar não será mais a mesma,
após a revelação do abuso. A família vivencia um processo de intensa mágoa, desconfiança
e autoculpabilização. Constatou-se que o rompimento com a família nuclear e extensa é
muito forte e exigirá com certeza dessas famílias novas formas e arranjos para viverem
outro capítulo de suas histórias.
Percebeu-se que as crianças, diferentemente dos adultos, apontam desejos de formar
novos vínculos, colocando-se mais disponíveis e antevendo outras possibilidades de
significarem suas histórias, de formas mais fortalecidas. As crianças de um modo geral,
demonstram um grande potencial para lidar com suas habilidades, basta para isso que
saibamos atingi-la. A esse respeito, buscou-se uma concepção sistêmica da resiliência
familiar com a visão de Walsh (1998), que compreende os processos interativos que se
fortalecem no decorrer do tempo, tanto para o indivíduo, quanto para a família. Esta autora
buscou identificar processos-chave que permitem que as famílias superem as crises e os
estados persistentes de estresse. Entende-se, assim, que um conjunto de crenças e narrativas
compartilhadas, que fomentem sentimentos de coerência, colaboração, eficácia e confiança,
seja essencial para a superação e domínio dos problemas.
94
Destaca, também, a relevância das intervenções destinadas a fortalecer a resiliência
familiar diante das rápidas mudanças sociais e das incertezas que as famílias têm
enfrentado. Segundo Walsh (1998), ao consolidar a resiliência familiar, robustece-se a
família como unidade funcional e se possibilita sedimentar essa capacidade em todos os
seus membros; essa é uma premissa básica do olhar sistêmico.
O segundo eixo aponta as relações familiares, os conflitos conjugais, os
rompimentos vinculares entre outros aspectos de pensar a família.
A família é a matriz do processo de formação da identidade do indivíduo, ao mesmo
tempo, em que proporciona o sentimento de pertencimento e o sentimento de ser separado.
Minuchin (1985), ao se reportar à identidade saudável e a identidade doentia, argumenta
que ambas são construídas no seio familiar. Nesse entendimento, pode-se compreender a
importância das referências familiares, a responsabilidade dos pais e dos adultos que
convivem com crianças e adolescentes, no sentido de propiciarem um ambiente de
confiança e promoção de saúde que abrange as diferentes dimensões humanas.
Furniss (1993) enfatiza o que outros autores como Minuchin (1982) Andolfi (1981)
argumentam a respeito do rompimento das fronteiras intergeracionais nas famílias em que
ocorre abuso sexual. Sobre esse rompimento, esclarecem que o mesmo acontece em certas
áreas do funcionamento familiar e permanece intacto em outras. A inversão da hierarquia
familiar entre pais e filhos, em algumas áreas, conduz à incongruência entre os diferentes
níveis de funcionamento familiar, fato extremamente perturbador para a criança. No que diz
respeito ao cuidado e à proteção, parece não haver diferença nos padrões das famílias com
abuso e as outras famílias. Sobre o nível sexual, a dependência estrutural do filho ou filha
opõe-se ao seu papel de parceiro pseudo-igual no inadequado relacionamento sexual
intergeracional com a pessoa que abusa. Outro aspecto fundamentado é a dependência
emocional: o pai está em um nível de imaturidade igual ao da criança.
À luz desses esclarecimentos, o estudo realizado com essas famílias apresenta igual
correspondência com os aspectos abordados pela literatura, as evidências podem ser
percebidas nas histórias narradas pelas famílias estudadas.
Os resultados deste trabalho indicam que as famílias sozinhas não conseguem
reconstruir os laços vinculares, emocionais e sociais fortemente atingidos pela ocorrência
do abuso sexual que repercutem no desenvolvimento dessas crianças. Isso ficou evidente
95
por uma razão também de sofrimento moral que esses adultos vivenciaram, ao mesmo
tempo em que se tornam aprisionados nesses sentimentos, com muitas dificuldades de
prosseguir. Sobre esse aspecto, evidencia-se a importância do trabalho do profissional da
psicologia em co-reconstruir significados com essas famílias e suas crianças, promovendo
mudanças de ações significativas na maneira de cuidar, proteger, buscar recursos, além de
um olhar diferenciado no modo de gerenciar os conflitos.
Um aspecto marcante na dinâmica dessas famílias são as questões de
conjugalidade. No casamento, o conflito sexual é ignorado, não é manejado. Há dificuldade
dos pais de lidar com a confusão específica entre seus problemas emocionais e sexuais,
além da introdução de um tabu contra o reconhecimento dessas tensões e conflitos na
família, que concorre para a manutenção prolongada do abuso sexual da criança por longo
tempo.
O terceiro eixo retrata os aspectos do cuidar. O trabalho técnico específico do
profissional da psicologia.
O processo de intervenção psicológica desenvolvida no grupo multifamiliar
apresenta um nível de profundidade e significação que o faz diferenciar-se de outros
contextos e abordagens sociais, assim como as utilizadas pela escola, igreja e outros
espaços sociais. As ações do psicólogo são específicas e pontuais. A circulação das
informações descentraliza aspectos individuais para uma vivência compartilhada com todo
o sistema, pois descaracteriza o processo de vitimização e revitimização, comumente
utilizado por outras abordagens.
A aplicação dos diversos recursos lúdicos, as oficinas, o teatro e as representações
dos desenhos criam possibilidades para que as crianças possam expressar de forma mais
criativa e espontânea sentimentos, emoções, medos, inseguranças e fantasias, extravasando
situações, às vezes profundamente sentidas, que emergem quando o profissional lida de
forma apropriada com esses recursos. Isso pôde ser observado nas produções elaboradas
pelas crianças, assim também, identificou-se uma evolução na autopercepção, na visão de
mundo e na relação com os demais membros da família, fruto colhido nas intervenções
realizadas pelo grupo multifamiliar.
As percepções apontadas neste estudo a respeito das intervenções psicológicas
constatam que esse profissional, por meio das mais variadas técnicas e recursos
96
metodológicos, consegue conduzir a reconstrução e refazimento dos vínculos desfacelados
pelas situações de sofrimento e abandono que essas famílias vivenciaram. Além disso, pode
promover novas possibilidades de enxergar e refletir sobre outras perspectivas de
prosseguirem, sem, contudo tornarem-se presas às conseqüências do abuso, às formas de
aprisionamento do sentido de proteção, à falta de lazer e ao uso restrito dos espaços de
convivência. É importante, pois, promover saúde e bem-estar, mostrar-se, prosseguir de
forma positiva buscando ressignificar suas relações consigo, com a família e com o mundo.
Outro ponto emergente é o afastamento social dos espaços de lazer e convivência a
que essas crianças são submetidas, o que reforça estereótipos e sentimentos de
rebaixamento da auto-estima, além do conceito de auto-culpabilização que essas crianças se
atribuem.
O psicólogo pode promover intervenções, em diferentes contextos, que possibilitem
a construção de espaços de interação intencionalmente planejados para o debate e
informação sobre as conseqüências do abuso para a criança e para sua família. Ademais, é
preciso ressaltar que essas ações interventivas devem ter como foco estratégias de
enfrentamento que possam instrumentalizar os envolvidos para lidarem com as questões
que se originam com experiência de abuso. E, principalmente, que possam contribuir para o
desenvolvimento saudável das famílias, em especial das crianças e adolescentes.
Refletindo sobre os diversos pontos aqui explicitados, há de se considerar que o
resultado ora apresentado constitui apenas uma das inúmeras possibilidades e caminhos de
interpretação dos eventos e processos que se pôde testemunhar. Ainda assim, trata-se de
uma via de análise cuidadosamente construída e revista, com o intuito de respeitar a
realidade intersubjetiva que a originou e as subjetividades daqueles que a motivaram.
Espera-se que estas reflexões possam realmente contribuir para abrir novos
entendimentos sobre o universo de variáveis que envolvem a experiência de abuso sexual
infantil, no que diz respeito aos vínculos afetivos, após esse acontecimento. Os vínculos são
estabelecidos e construídos num processo de convivência. Nesse aspecto, percebe-se que as
relações familiares marcadas por uma teia de sentimentos ambivalentes e contraditórios
inserem-se num drama de perdão e punição que ultrapassa o entendimento imediatista da
relação humana. É importante, pois, instigar outros estudos acerca desse tema de tamanha
relevância social.
97
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Wash, F. (1998). El concepto de resiliencia familiar: Crisis y desafío. Sistemas
Familiares, 11-29.
Wash, F. (2005). Resiliencia familiar: Um marco de trabajo para la práctica clínica.
Sistemas Familiares, 21(1-2), 76-97.
Winnicott, D.W. (1971) O brincar & a realidade. J. O. Aguiar (Trad.). Rio de
Janeiro: Imago Editora Ltda.
Winnicott, D.W. (2005) A família e o desenvolvimento individual. M. B. Cipolla
(Trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Original publicado em 1965).
111
7 . ANEXOS
01 – Cronograma de atividades de pesquisas
02 – Termo de consentimento livre e esclarecido (modelo).
03 - Roteiro de entrevista semi-estruturada (modelo).
04 – Desenhos – Rito de passagem.
05 – Desenhos – Proteção.
06 – Desenhos – Auto-estima.
07 – Retrospectiva dos encontros no GM.
08 – Convite para participação no GM.
112
Fig.1 (Cravo) sexo masculino, 12 anos. Fig. 2 (Rosa) sexo feminino, 9 anos.
Fig. 03 (Jasmim) sexo feminino, 07 anos Fig. 04 (Hortência) sexo feminino, 11 anos
Fig. 05 (Dália) sexo feminino, 11 anos.
Fig. 06 (Angélica) sexo feminino, 09 anos.
Anexo 04 Tema: rito de passagem
113
Fig. 07 (Angélica) sexo feminino, 09 anos.
Fig. 08 (Jasmim) Sexo feminino, 08 anos.
Fig. 09 (Rosa) sexo feminino, 9 anos. Fig. 10 (Jasmim) sexo feminino, 08 anos.
Fig 11 (Camélia) sexo feminino, 13 anos Fig 12 (Pétela) sexo feminino, 12 anos.
Anexo 05 Tema: proteção
114
Fig 13. (Jasmim) sexo feminino, 08 anos. Fig. 14. (Jasmim) sexo feminino, 08 anos.
Fig. 15. (Violeta), sexo feminino, 12 Fig. 16. (Dália) sexo feminino, 11 anos
Fig. 17. (Pétala) sexo feminino, 12 anos Fig .18 (Margarida), sexo feminino, 15 anos
Anexo 06 Tema: auto-estima
115
_____________________________________________________________________________
Anexo 07 Tema: retrospectiva dos encontros GM
116
Gru
Encontro Marcado
Grupo Multifamiliar
O que vai acontecer?
CADA ENCONTRO TERÁ TEMAS
DIFERENTES
Como Participar?
Comparecendo aos encontros;
Participando de forma ativa;
Trazendo boa vontade e persistência.
Conversar e escutar os outros
Falar sobre convivência familiar
Aprender a se cuidar
Espaço para desenhar
Ouvir Histórias
Jogar
Entre outros...
Refletir sobre os erros
02
03
Local
Centro de Formação em Psicologia
Bloco “M”
Fone para contato: 3356-9328
Venha!
Compareça!
Esperamos por você!
01
UCB - Universidade
Católica de Brasília
Anexo 08 Convite
117
Quando vai acontecer?
Datas dos Encontros
04 de outubro de 2006 (quarta-feira)
18 de outubro de 2006 (quarta-feira)
08 de novembro de 2006 (quarta-feira)
22 de novembro de 2006 (quarta-feira)
29 de novembro de 2006 (quarta-feira)
O que vou receber?
Carinho e atenção;
Orientações e informações;
E muito mais...
04
05
Equipe de Profissionais Responsáveis
Professores UCB/UNB:
Alexina Ribeiro
Maria Aparecida Penso
Liana Fortunato Costa
Alunas da Graduação e Pós-Graduação:
Clinaura,
Cláudia,
Marice,
Vanessa,
Ivana,
Isabel,
Heron ,
Laila e
Rejane.
06
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
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