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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Programa De Pós-Graduação Em Relações Internacionais
UNESP/UNICAMP/PUC
Felipe Afonso Ortega
Cores da Mudança? As Revoluções Coloridas e seus
reflexos em política externa
MESTRADO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
SÃO PAULO
2009
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Programa De Pós-Graduação Em Relações Internacionais
UNESP/UNICAMP/PUC
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Felipe Afonso Ortega
Cores da Mudança? As Revoluções Coloridas e seus
reflexos em política externa
MESTRADO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE em Relações
Internacionais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo
sob orientação do Prof. Dr. –
Reginaldo Mattar Nasser.
SÃO PAULO
2009
2
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Banca Examinadora
______________________
______________________
______________________
3
Sumário
Resumo........................................................................................5
Introdução...............................................................................6
Capítulo 1 – Rosas no Cáucaso...............................................23
1.1 – A Revolução das Rosas.................................................23
1.1.1 – O Projeto Político do Novo Governo............................25
1.1.2 – Mudanças no Estado e no Governo.............................29
1.2 – Geórgia e Rússia nas Organizações Internacionais.........31
1.3 – Geórgia e Rússia no Campo Militar.................................41
1.4 – Geórgia e Rússia no Campo Econômico.........................56
1.5 – Uma Relação Turbulenta.................................................60
Capítulo 2 – Laranja no Leste Europeu....................................63
2.1 – A Revolução Laranja.......................................................63
2.1.1 – O Projeto Político do Novo Governo............................68
2.1.2 – Mudanças no Estado e no Governo.............................71
2.2 – Ucrânia e Rússia nas Organizações Internacionais..........73
2.3 – Ucrânia e Rússia no Campo Militar.................................84
2.4 – Ucrânia e Rússia no Campo Econômico.........................90
2.5 – Uma Relação Difícil........................................................94
Capítulo 3 – Tulipas na Ásia Central.........................................96
2.1 – A Revolução das Tulipas.................................................96
2.1.1 – Mudanças no Estado e no Governo............................101
2.1.2 – O Projeto Político do Novo Governo...........................103
2.2 – Quirguistão e Rússia nas Organizações Internacionais..105
2.3 – Quirguistão e Rússia no Campo Militar..........................112
2.4 – Quirguistão e Rússia no Campo Econômico..................118
2.5 – Uma Relação Melíflua...................................................122
Conclusão.............................................................................124
4
Resumo:
Entre 2003 e 2005, três países da ex-União Soviética presenciaram movimentos
oposicionistas chegarem ao poder, seja diretamente, através de eleições presidenciais,
seja pela renúncia dos líderes de então em resposta a intensos protestos populares. Esse
conjunto de movimentos – a Revolução das Rosas na Geórgia, a Revolução Laranja na
Ucrânia e a Revolução das Tulipas no Quirguistão – acabou recebendo a alcunha de
Revoluções Coloridas.
O objetivo central deste trabalho é fazer uma análise das políticas exteriores
adotadas após as Revoluções Coloridas por cada um dos três países onde elas
ocorreram. A principal preocupação é com as relações que emergiram com a Rússia,
que representou obstáculo importante ao sucesso de cada um dos três movimentos. Uma
análise como esta pode ajudar a esclarecer em que medida o embate russo-americano,
tão marcante durante os processos que levaram às revoluções, manteve-se presente nos
discursos e nas ações dos novos governantes após a subida ao poder.
Abstract:
Between 2003 e 2005, three countries from the former Soviet Union saw
opposition movements coming to power, either directly, through presidential elections,
or through the resignation of the incumbent leaders, following series of popular protests.
This group of movements – the rose revolution in Georgia, the Orange revolution in
Ukraine and the Tulip Revolution in Kyrgyzstan – was eventually called ´color
revolutions`.
The central goal of this dissertation is to analyze the foreign policies adopted
after the color revolutions by each one of the three countries. The main concern is with
the relations that emerged with Russia, a country that represented an important obstacle
to the success of the three movements. Such an analysis can help to clarify to what
extent the russian-american confrontation, so evident during the processes that led to the
revolutions, kept present in the speeches and actions of the new governments.
5
Introdução
Entre 2003 e 2005, três países da ex-União Soviética viram movimentos
oposicionistas chegarem ao poder, seja diretamente, através de eleições presidenciais,
seja pela renúncia dos líderes de então em resposta a intensos protestos populares. Esse
conjunto de movimentos – a Revolução das Rosas na Geórgia, a Revolução Laranja na
Ucrânia e a Revolução das Tulipas no Quirguistão – acabou recebendo a alcunha de
“Revoluções Coloridas”.
Além de processos semelhantes, o que faz dessa série de movimentos um grupo
uniforme é o objetivo declarado pelos oposicionistas e pelas massas que os apoiaram:
instaurar o processo de democratização. Em todos os casos, os novos governantes só
chegaram ao poder após denúncias de fraudes em processos eleitorais, seguidas de
grandes manifestações populares. A principal reivindicação de cada um desses
movimentos era eleições livres de manipulações e irregularidades.
Também em todos os casos, o envolvimento de atores estrangeiros seguiu um
padrão similar. Os Estados Unidos e os países da União Européia, de um lado, deram
apoio aos oposicionistas e se engajaram na tentativa de garantir eleições sem fraudes. A
Rússia, de outro, manifestava um discurso pró-estabilidade. Na visão russa, movimentos
que desafiassem a ordem vigente – por vezes através de procedimentos extra-
constitucionais – poderiam ameaçar o cenário político de toda a região através do
estímulo a ações similares em outros países. Os autores divergem quanto ao papel
efetivo representado pelo apoio ocidental às Revoluções Coloridas – alguns
argumentam que essas revoluções foram de facto patrocinadas pelos Estados Unidos
1
,
enquanto outros defendem que o papel ocidental, embora importante, dependeu da
existência prévia de movimentos oposicionistas nativos
2
. Em todos os casos, todavia, é
reconhecida a importância do apoio ocidental, especialmente frente à oposição russa a
qualquer mudança no status quo dos países da região.
Se o envolvimento intenso de atores estrangeiros é característico das Revoluções
Coloridas, o mesmo se pode dizer da resposta a esse envolvimento por parte dos líderes

1
NestegrupoestãoMarkMacKinnon(TheNewColdWar);SreeramChaulia(Democratization,NGOs
and“ColorRevolutions”);VladimirSimonov(RussiaDevisesProtectionAgainstColorRevolutions)
2
AquiseenquadramBunceeWolchik(FavorableConditionsandElectoralRevolutions);Fairbanks
(Georgia’sRoseRevolution);HenryHale(Democracy,AutocracyandRevolutioninPostSovietEurasia);
MarkBeissinger(StructureandExampleinModularPoliticalPhenomena);MichaelMcFaul(Transitions
fromPostcommunism)
6
que chegaram ao poder. A manifestação de uma postura nitidamente pró-ocidental foi
marcante, ao menos durante os processos georgiano e ucraniano. No Quirguistão, a
mesma tendência não pôde ser claramente observada, embora as posições russa e
ocidental tenham sido as mesmas frente à Revolução das Tulipas.
Em face de todos esses fatores, o objetivo central deste trabalho é fazer uma
análise das políticas exteriores adotadas após as Revoluções Coloridas por cada um dos
três países onde elas ocorreram. A principal preocupação é com as relações que
emergiram com a Rússia, que representou obstáculo importante ao sucesso de cada um
dos três movimentos. Uma análise como esta pode ajudar a esclarecer em que medida o
embate russo-americano, tão marcante durante os processos que levaram às revoluções,
manteve-se presente nos discursos e nas ações dos novos governantes após a subida ao
poder.
Nesta introdução, será analisado primeiramente o desenvolvimento político dos
países do leste europeu e da ex- União Soviética no pós-Guerra Fria, especialmente os
obstáculos enfrentados pela democratização nos Estados da região. A seguir, serão
expostas as principais características das revoluções eleitorais, movimentos
democratizantes ocorridos em um conjunto específico desses países, dos quais fazem
parte as “Revoluções Coloridas”. Por fim, serão expostas as principais razões para a
caracterização das Revoluções Coloridas como um grupo de movimentos
fundamentalmente semelhantes, tanto em suas características internas como em suas
relações com o exterior.
O Mundo Pós-Comunista
Em parte alguma do planeta, o final da Guerra Fria e o colapso da União
Soviética tiveram impacto tão significativo quanto no mundo pós-comunista. Na região
que vai do Leste Europeu à Ásia Central, diversos novos países surgiram, seja através
da dissolução dos Estados multinacionais da União Soviética e da Iugoslávia ou, no
caso alemão, da reunificação de um Estado dividido há quase meio século.
O impacto dos novos tempos, todavia, não foi sentido somente nos Estados que
surgiam. Em todos os países da região, ocorreram mudanças para a substituição dos
regimes comunistas de partido único por democracias liberais nos moldes ocidentais.
Essas mudanças foram feitas em diferentes ritmos e com diferentes graus de sucesso em
7
toda a região. No espaço pós-soviético, especificamente, a democratização encontrou
dificuldades extremas, advindas em grande parte dos mais de setenta anos em que o
regime comunista, com todo o aparato estatal e governamental que o acompanhava,
esteve em vigência. Robert Service apresenta uma descrição dos primeiros momentos da
transição russa que é ilustrativa, já que as dificuldades encontradas ali estiveram
presentes também nos demais Estados pós-soviéticos. Em suas palavras,
“Os métodos do comunismo foram usados por Yeltsin para erradicar traços da
época comunista. Ele raramente se preocupava com o apoio do Soviete Supremo, e
ainda mais raramente visitava este órgão. Ele confiava deliberações políticas a um
pequeno círculo de personalidades. (...) Ele demitia pessoal sempre que suas
políticas não estivessem sendo obedecidas. Em províncias onde seus inimigos
ainda governavam, ele introduzia seus próprios apontados para trazer as
localidades para o seu lado. No papel de Presidente, Yeltsin estava governando
como um Secretário Geral [do Partido Comunista] – e com ainda menos deferência
à “liderança coletiva”. (Service, 2003, p. 513)
O que se viu nos Estados que sucederam a União Soviética, portanto, foi o
surgimento de alguns novos regimes completamente autoritários ao lado de outros que
receberam as alcunhas de “regimes híbridos” ou “semi-autoritários”
3
.
“Ditaduras completas se enraizaram bem cedo na maior parte da Ásia Central e,
depois das eleições presidenciais de 1994, em Belarus. Semi-autocracias e
democracias parciais se espalharam pelos demais Estados pós-soviéticos, incluindo
a Rússia” (McFaul, 2005, p. 5).
Na maior parte dos casos, diversas características dos regimes anteriores permaneceram
vigentes, de forma institucionalizada ou não, mas os “procedimentos democráticos
formais – especialmente eleições – não foram suspensos” (McFaul, 2005, p. 7).
Os Estados semi-autoritários da região pós-soviética tiveram em comum, além
de um caminho incompleto rumo à democracia, a adoção de um conjunto especial de
instituições, que Henry Hale chamou de “presidencialismo patronal”
4
. Nesse tipo de
regime,

3
EssasclassificaçõesestãopresentesnostrabalhosdeGershmaneAllen,Hale,McFaul,D’Anieri,Bunce
eWolchik,entreoutros.
4
Estacaracterizaçãoestápresenteemdiversostrabalhosdoautor,dentreosquais“Democracyor
AutocracyontheMarch?Thecoloredrevolutionsasnormaldynamicsofpatronalpresidentialism”e
“Democracy,Autocracy,andRevolutioninPostSovietEurasia”.
8
“o poder é controlado quase completamente por um presidente diretamente eleito e,
crucialmente, este poder envolve não somente a autoridade formal, mas uma
autoridade informal imensa, baseada em relações perversas de patrão-cliente e no
uso da máquina política” (Hale, 2006).
Outra definição do sistema de presidencialismo patronal o relaciona a duas
características fundamentais.
“Primeiro, um presidente diretamente eleito é investido com poderes formais
imensos em relação a outros órgãos do Estado. Segundo, o presidente também
acumula um grande poder informal baseado na disseminação das relações patrão-
cliente e na intersecção do Estado com a economia” (Hale, 2005, p. 137).
O que se vê, portanto, é que o tipo de regime que floresceu no espaço pós-
soviético se afasta fundamentalmente do modelo ideal de democracia liberal. Enquanto
algumas instituições democráticas permaneceram formalmente em vigor, uma série de
instituições informais, combinadas com um super-presidencialismo, corromperam as
relações de poder nas sociedades e as transformaram em verdadeiras oligarquias, com
um líder forte no centro e uma elite econômica corrupta e corruptora ao seu redor. Num
sistema como este, o presidente e os oligarcas se apóiam mutuamente, e essa coalizão
torna o regime sustentável em longo prazo. Enquanto o acordo tácito permanece,
qualquer desafio ao regime é extremamente improvável, já que toda a máquina política
e econômica funciona a serviço do governo em vigor.
“Quando um presidente patronal está firmemente no cargo, (…) aqueles que têm
uma posição política ou econômica importante na sociedade tendem a evitar
qualquer coisa semelhante a um desafio ao regime. Isso significa que os oponentes
ideológicos do presidente terão dificuldades para atrair qualquer tipo de apoio
material, seja na forma de financiamento ou de tempo na televisão. Nesses
momentos, um país com instituições patronal-presidencialistas se assemelhará
muito a um regime autocrático clássico” (Hale, 2006).
Não bastasse o domínio formal e informal de todas as estruturas do Estado, os
governos dos regimes semi-autoritários da ex-União Soviética também se
caracterizaram pelo desrespeito às regras formais durante os momentos de eleições – o
mais significativo procedimento democrático introduzido nesses Estados. Além de
diversos problemas com as legislações eleitorais em si, flagrantes violações foram
denunciadas pelos monitores da OSCE e de outras organizações internacionais e não-
9
governamentais durante a imensa maioria das eleições na região desde a década de
1990
5
. À exceção dos países bálticos, que tiveram uma transição mais rápida e completa
para a democracia, fraudes foram comuns em todos os países da região. Violações de
outros princípios legais, como a extrapolação do número de mandatos presidenciais
permitidos e a negação do registro a potenciais adversários, também foram
disseminadas durante o período pós-Guerra Fria.
Com todas essas características, pode-se afirmar que os Estados que sucederam a
desintegração da União Soviética, à exceção dos Estados bálticos, pararam a transição
em algum ponto anterior à democracia. Em alguns casos, foi adotada uma ditadura
completa (o maior exemplo é o Turcomenistão), enquanto na maioria dos Estados o
semi-autoritarismo
6
foi a forma que se consolidou. Nesse ambiente, as oposições
democráticas tiveram sempre um espaço muito limitado de atuação. Ainda assim, foi
possível observar o surgimento de alguns movimentos importantes nesse sentido.
O Caminho da Democratização
A democratização efetiva – ou ao menos a adoção de regimes mais próximos do
padrão ocidental de democracia – ocorreu em ritmos diferentes em toda a região pós-
comunista. Entre o final da década de oitenta e os primeiros dois anos da década de
noventa, alguns países da região conseguiram fazer uma transição bem sucedida. Bunce
e Wolchik chamam este período de “primeira onda de democratização” da região. De
acordo com as autoras, essa onda “trouxe a democratização à Polônia, à Hungria, ao que
era então a Tchecoslováquia, à Eslovênia e aos Estados Bálticos” (Bunce & Wolchik,
2006, p. 5).
Neste mesmo período, outros Estados também passaram por processos de
transformação, mas, como mencionado acima, falharam em completar a transição para a
democracia, adotando regimes que variavam de autocracias completas a híbridos de
democracia e autoritarismo.

5
OsresultadosdasmissõesdaOSCEemdiversospaísesdaregiãoestãodisponíveisem
http://www.osce.org
6
OtermofoiutilizadoporMarinaOttaway(DemocracyChallenged:TheRiseofSemi‐
Authoritarianism),edepoisretomadopordiversosoutrosautores,comoAndreasSchedler(TheNested
GameofDemocratizationbyElections),GershmaneAllen(TheAssaultonDemocracyAssistance),
HowardeRoessler(LiberalizingElectoralOutcomesinCompetitiveAuthoritarianRegimes),Kalandadze
eOrenstein(ElectoralProtestsandDemocratization:BeyondtheColorRevolutions)eMichaelMcFaul
(TransitionsfromPostcommunism)
10
Dentre os Estados que falharam em completar o processo durante a primeira
onda de democratização, contudo, nem todos permaneceram como regimes híbridos por
muito tempo. A partir da segunda metade da década de 90, alguns países da região
deram novos passos rumo à democratização. Nesses casos, a transição para a
democracia não aconteceu simplesmente como a continuação de um processo
interrompido ou mal-sucedido. Foram necessários grandes movimentos de contestação,
que mais tarde receberam a alcunha de “revoluções eleitorais”, para pôr fim aos regimes
semi-autoritários que se proliferaram pela região. O conjunto desses movimentos foi a
“segunda onda de democratização” (Bunce & Wolchik, 2006) na região. De 1996 a
2005, essa onda
“de democratização por revoluções eleitorais varreu a região pós-comunista da
Europa Central e do Leste e os Estados pós-soviéticos. A onda começou na
Bulgária e na Romênia e atingiu a Eslováquia, a Croácia, a Sérvia-Montenegro, a
Geórgia, a Ucrânia e o Quirguistão” (Bunce & Wolchik, 2006).
É perfeitamente compreensível que os autores tratem os processos de transição
do primeiro e do segundo grupo como conjuntos distintos. No primeiro caso, as
transições tiveram como impulso o processo de abertura iniciado por Gorbachev na
União Soviética e se completaram rapidamente. Nesses países, a transição do Estado de
partido único para a democracia foi feita de forma direta e relativamente bem sucedida.
O processo de transição culminou com a realização de eleições livres e diretas, surgidas
de compromissos entre os governos comunistas e as oposições democráticas.
“Uma característica específica nas transições da Europa Central e do Leste foi o
surgimento de mesas redondas nas quais representantes dos velhos sistemas
políticos comunistas discutiram os termos da transição com representantes da
oposição. (...) O principal objetivo das mesas redondas era similar em todos os
países: definir os termos para a criação de um sistema político reformado ou novo.
Decisões sobre datas e períodos de eleições democráticas, mudanças na
constituição (...) e o desmantelamento das forças de repressão domésticas (...)
tiveram de ser tomadas. Finalmente, as mesas redondas levaram a ou foram
responsáveis pela escolha de governos de transição” (Welsh, 1994, p. 383).
Nos países da “segunda onda” também é possível observar semelhanças
significativas. A principal característica comum, nesses casos, é a utilização das
revoluções eleitorais como processo transformador dos regimes. As revoluções
eleitorais eram impossíveis nos países comunistas pelo simples fato de que, nesses
11
países, não existiam eleições gerais, abertas e diretas para os principais cargos
executivos. Nos regimes híbridos, por outro lado, eleições periódicas, ainda que
geralmente fraudulentas, foram sempre mantidas e serviram como oportunidade para os
oposicionistas estabelecerem um desafio real aos governantes.
De acordo com alguns dos principais autores preocupados com as revoluções
eleitorais, então, é possível dizer que suas características fundamentais são: a utilização
de eleições (nem sempre presidenciais) para contestar abertamente o governo e/ou o
regime vigentes; uma grande participação popular, não apenas durante as eleições, mas
também antes e, se necessário, após os processos de votação, para contestar possíveis
fraudes; e uma mudança significativa de governo, às vezes acompanhada por uma
mudança de regime
7
. Em todos os casos mencionados como parte da segunda onda de
democratização, essas características estiveram presentes.
Se a onda de revoluções eleitorais começou a varrer a Europa a partir de 1996,
contudo, foi só em 2003 que o espaço pós-soviético passou a experimentar também este
fenômeno. À exceção dos Estados Bálticos, então, pode-se dizer que as primeiras
tentativas de democratização efetiva na ex-União Soviética foram iniciadas já no início
do século XXI, e essas tentativas nos parecem bastante semelhantes entre si,
semelhanças essas que vão além do simples fato de todas elas terem sido levadas a cabo
através de revoluções eleitorais.
As Revoluções Coloridas
As semelhanças entre as revoluções eleitorais do espaço pós-soviético fizeram
delas um conjunto separado, como fenômenos que têm origens e características
semelhantes. As três revoluções eleitorais que ocorreram a partir de 2003 na região,
respectivamente na Geórgia, na Ucrânia e no Quirguistão, então, passaram a ser
conhecidas como Revoluções Coloridas. Embora tenham passado por processos
semelhantes e tenham mantido conexões diretas com revoluções eleitorais anteriores,
estes três movimentos têm semelhanças – tanto no aspecto interno quanto nas relações
com outros países – que as distinguem dos demais processos democratizantes do Leste
Europeu.

7
EssascaracterísticassãocomunsàsdefiniçõesdeBunceeWolchikeMcFaul.
12
A primeira revolução eleitoral do espaço pós-soviético ocorreu na Geórgia, em
2003. Em novembro daquele ano, após eleições parlamentares denunciadas como
fraudulentas por Organizações internas e internacionais
8
, iniciaram-se uma série de
manifestações populares, especialmente na capital, Tbilisi. O movimento atraiu centenas
de milhares de pessoas às ruas. O estopim dos protestos ocorreu no dia 22 de novembro,
quando o movimento oposicionista, liderado por Mikhail Saakashvili, irrompeu no
parlamento enquanto o presidente Eduard Shevardnadze lia o discurso que empossaria
os novos eleitos. Confrontado com aquele quadro, o presidente deixou o parlamento e
declarou estado de emergência no país, renunciando no dia seguinte.
A Revolução das Rosas, como ficou conhecida, culminou com a formação de
um governo provisório e a realização de novas eleições parlamentares e presidenciais.
Durante as eleições presidenciais, os mais importantes partidos da oposição se uniram
em torno da candidatura de Saakashvili, que acabou eleito com 96% dos votos. Nas
novas eleições parlamentares, o bloco apoiado pelo novo governo também obteve ampla
maioria, com 66% dos votos (Kalandadze, 2006).
A segunda das Revoluções Coloridas ocorreu cerca de um ano após a primeira.
O movimento, que ficou conhecido como Revolução Laranja, aconteceu na Ucrânia, em
2004, e teve suas raízes em uma eleição presidencial. Ao contrário do que ocorreu na
Geórgia, portanto, a substituição do então chefe de Estado, Leonid Kuchma, já estava
preparada para aquele outono. Seguindo as normas constitucionais, o então presidente
sequer se candidatou à reeleição
9
.
O primeiro turno das eleições, ocorrido em 31 de outubro de 2004, foi muito
disputado. O candidato da oposição, Viktor Yushchenko, ficou em primeiro lugar, com
39,9% dos votos. Logo atrás ficou o candidato apoiado pelo presidente, Viktor
Yanukovich, com 39,2% do total. Os demais concorrentes ficaram muito atrás dos dois.
Em 21 de novembro, os dois candidatos mais bem colocados disputaram o segundo
turno das eleições. De acordo com os resultados anunciados pela Comissão Eleitoral
Central do país, Yanukovich havia vencido com uma pequena diferença (menos de 3%)
em relação a Yushchenko.

8
AlémdaOSCE,outrasorganizaçõesseapressaramacondenarasfraudes,comoaONGFairElectionse
omovimentojovemKmara.
9
Aconstituiçãoucranianaimpediaumterceiromandatoconsecutivo,eKuchmaterminava,então,seu
segundomandato.
13
Já no dia 22 de novembro, estava claro para os observadores que houve sérias
violações durante o processo eleitoral. A partir daquele dia, um número crescente de
manifestantes passou a se reunir na praça central de Kiev para protestar contra as
fraudes. O laranja, cor escolhida para a campanha do Movimento Nossa Ucrânia, de
Yushchenko, se tornou o símbolo das manifestações e acabou, mais tarde, dando nome
à revolução. As manifestações populares, somadas às pressões internacionais, acabaram
fazendo com que a Suprema Corte da Ucrânia declarasse inválidos os resultados do
segundo turno das eleições e convocasse uma nova rodada eleitoral para o dia 26 de
dezembro. No novo pleito, Yushchenko foi declarado vencedor, com 52% dos votos
contra 44% de Yanukovich.
A derradeira revolução eleitoral nos países da ex-União Soviética ocorreu no
Quirguistão, poucos meses após a Revolução Laranja. O movimento representou a
primeira sucessão presidencial tida como pacífica na Ásia Central desde o final da
União Soviética, em 1991
10
.
O pretexto para o movimento foram as eleições parlamentares que ocorreram em
27 de fevereiro e 13 de março de 2005. As primeiras manifestações foram feitas já após
o primeiro turno das eleições, na província de Jalalabad, no sul do país. Os resultados
do segundo turno contribuíram para incendiar ainda mais os protestos, que já
começavam a acontecer em outras províncias, especialmente no sul. A capital, Bishkek,
que fica no norte, só aderiu às manifestações bem depois do seu início. Apenas no dia
23 de março as primeiras manifestações ocorreram na cidade.
Os protestos na capital não precisaram de muito tempo para causar efeitos
permanentes. No dia 24, manifestantes invadiram o principal prédio do governo. No
mesmo dia, o presidente Askar Akayev deixou a capital e viajou para a Rússia. Dez dias
mais tarde, quando já havia um governo alternativo de facto no país, o presidente
assinou sua renúncia em Moscou. Com a renúncia do presidente, Kurmanbek Bakiyev,
um dos líderes da oposição e candidato derrotado no segundo turno das eleições
parlamentares, foi feito presidente interino pelo parlamento. No dia 10 de julho, eleições
presidenciais foram realizadas e Bakiyev foi confirmado no cargo com uma vitória
esmagadora: ele recebeu 89% dos votos.

10
Alémdessa,aúnicasucessãopresidencialdaregiãoocorreunoTadjiquistão,emmeadosdadécada
de90,emmeioaumaguerracivilquetomouopaís.
14
Pelas breves descrições acima, é possível perceber as muitas semelhanças entre
as três Revoluções Coloridas. Todos os movimentos apoiaram-se em processos
eleitorais para contestar os governos vigentes. Em todos os casos, também, derrotas
eleitorais da oposição foram sucedidas por manifestações populares que denunciavam
fraudes durante os processos. Os oposicionistas finalmente conseguiram a aceitação de
suas reivindicações, seja através da renúncia dos líderes de então – nos casos de Geórgia
e Quirguistão – ou pela anulação dos resultados eleitorais divulgados – no caso da
Ucrânia.
Todas essas semelhanças fizeram com que surgissem diversos estudos sobre as
maneiras pelas quais esses processos se relacionaram uns com os outros. Bunce e
Wolchik (2006), por exemplo, argumentam que as Revoluções Coloridas foram o
resultado de um processo de difusão do modelo de revolução eleitoral desenvolvido e
propagado a partir do Leste Europeu. Segundo elas,
“a difusão se refere a um modelo eleitoral de democratização que foi desenvolvido
e aplicado em um grupo de Estados e depois aceito e implementado por grupos
oposicionistas e cidadãos comuns quando eleições eram marcadas em outros
Estados da região. Os casos bem sucedidos de emulação (…) incluem a Croácia e a
Sérvia-Montenegro em 2000, a Geórgia em 2003, a Ucrânia em 2004 e o
Quirguistão em 2005” (Bunce & Wolchik, 2006).
A idéia de emulação de um modelo bem sucedido também é defendida por
Beissinger. Para reforçar essa idéia, o autor ressalta as ligações diretas entre grupos
muito influentes em cada uma das Revoluções Coloridas: os movimentos da sociedade
civil.
“O caráter emulativo dessas revoluções é evidente nas ligações transnacionais que
as conectam. Ativistas da sociedade civil na Geórgia estabeleceram ligações com a
Otpor [organização sérvia] na primavera de 2003. Alguns dias após retornarem,
haviam criado a Kmara. (…) Na Ucrânia, o movimento jovem Pora, que teve papel
central na Revolução Laranja, teve como modelos as organizações da Sérvia e da
Geórgia. (…) Um grande número de jovens quirguizes foram à Ucrânia durante a
Revolução Laranja como observadores eleitorais; eles voltaram para casa para criar
um novo movimento, Kelkel, baseado na Otpor e na Pora” (Beissinger, 2007, p.
262).
15
Seja através de ligações diretas da sociedade civil ou pela simples intenção da
oposição de repetir movimentos bem-sucedidos em países vizinhos, as Revoluções
Coloridas estão certamente ligadas. Elas representam as primeiras tentativas de
democratização efetiva no espaço pós-soviético – à exceção dos Estados bálticos – e
adotaram procedimentos marcadamente semelhantes durante essas tentativas. Além de
todas as semelhanças internas já mencionadas, algumas outras características comuns
podem ser verificadas nas relações desses movimentos com outros países. Também no
aspecto externo, as Revoluções Coloridas podem ser consideradas como um conjunto
particular.
As Revoluções e o Exterior
No que se refere ao âmbito externo, as Revoluções Coloridas também tiveram
características comuns, talvez ainda mais marcantes que aquelas do processo interno. É
possível identificar dois atores externos que tiveram forte influência nas Revoluções
Coloridas. O primeiro refere-se ao Ocidente – especificamente União Européia e
Estados Unidos – e o segundo à Rússia. Estes atores tiveram papel importante durante
todo o processo de preparação dos movimentos em questão e, por conseqüência,
também aparecem de forma marcante nas prioridades estabelecidas pelos novos
governos.
O primeiro grupo de atores – Estados Unidos e União Européia – teve
participação fundamental no estímulo aos movimentos de oposição que chegaram ao
poder através das Revoluções Coloridas. Este grupo de Estados esteve ao lado dos
vencedores, pressionando por eleições abertas e livres de fraudes.
“As revoluções eleitorais geraram acaloradas discussões a respeito do papel dos
Estados Unidos em particular na exportação da democracia à região pós-comunista.
Do lado mais extremo, argumenta-se que essas revoluções foram idealizadas pelos
Estados Unidos. (…) Entretanto, talvez a mais importante qualificação é que todas
as revoluções eleitorais bem-sucedidas nasceram de complexas colaborações
transnacionais que incluíram não apenas promotores de democracia americanos e
freqüentemente também embaixadores americanos, mas também promotores
regionais de democracia e ativistas dedicados e experientes dispostos a correr
muitos riscos” (Bunce & Wolchik, 2006).
16
Aceite-se a visão das Revoluções Coloridas como produto direto da interferência
americana ou como resultado de uma rede de colaboradores vasta e complexa, é
consensual que a participação estadunidense teve alguma influência no sucesso nos
movimentos.
“O governo Americano gastou 65 milhões de dólares promovendo a democracia na
Ucrânia nos anos imediatamente precedentes à Revolução Laranja. Em maio de
2005, Bush viajou para Tbilisi, onde ele caracterizou a Revolução das Rosas como
um exemplo a ser seguido por todo o Cáucaso e pela Ásia Central. Sob a influência
das comunidades da sociedade civil que elas servem e de seus financiadores
governamentais (...), um grande número de ONGs americanas (Freedom House,
National Endowment for Democracy, National Democratic Institute, International
Republican Institute e a Fundação Soros) silenciosamente passaram a adotar modos
mais confrontacionais de promover mudanças” (Beissinger, 2007, p. 261).
Todos esses fatores contribuíram, em maior ou menor grau, para o sucesso das
Revoluções Coloridas.
E não foi somente através de financiamento direto e da ação de ONGs que a
presença americana pôde ser verificada durante o período de preparação das eleições
que acabaram por se tornar os cenários das Revoluções Coloridas. Nos casos da Geórgia
e da Ucrânia, pôde-se observar um envolvimento ainda mais direto do governo
americano nos processos eleitorais. Foram enviados a esses países representantes do
governo americano para reuniões com os presidentes então em exercício com o objetivo
de enfatizar a importância que eleições livres de fraude tinham para o governo
estadunidense.
Além dos americanos, outros Estados e instituições ocidentais também tiveram
papel importante durante as Revoluções Coloridas. Merece destaque o papel da
Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), que enviou missões de
observadores aos três Estados em questão. Em todos os casos, os observadores da
OSCE denunciaram rapidamente as irregularidades cometidas durante os processos
eleitorais, justificando assim as queixas dos oposicionistas.
Se Europa e Estados Unidos contribuíram para os esforços dos oposicionistas
durante as Revoluções Coloridas, o papel da Rússia foi exatamente o oposto. Durante os
três movimentos, Moscou se mostrou firmemente disposta a sustentar o status quo.
Após a Revolução das Rosas, Sergei Ivanov, Ministro da Defesa da Rússia, declarou:
17
“Shevardnadze tomou a decisão de renunciar sob pressão, por isso não se pode
dizer que essa decisão foi plenamente democrática (...) Embora as formalidades
constitucionais tenham sido observadas, nós não estamos satisfeitos com a forma
pela qual a mudança de poder ocorreu” (IVANOV, 2003, apud BLAGOV, 2003).
Durante as eleições ucranianas, a Rússia também se colocou firmemente ao lado do
candidato presidencial, mesmo quando as fraudes eleitorais se tornaram evidentes e
Estados Unidos e Europa pressionavam pela repetição do pleito. Finalmente, durante o
processo eleitoral no Quirguistão, observadores enviados pela Comunidade dos Estados
Independentes (CEI), com o apoio russo, contestaram publicamente os resultados
apresentados pela missão da OSCE, que havia constatado irregularidades no processo.
As diferentes posições adotadas pela Rússia, de um lado, e pela Europa e pelos
Estados Unidos, de outro, refletiam-se também nas idéias de política externa dos líderes
dos movimentos que chegaram ao poder com as Revoluções Coloridas. Especialmente
na Geórgia e na Ucrânia, os novos presidentes declararam abertamente, durante suas
campanhas eleitorais, a intenção de se aproximar do Ocidente e de se afastar da
influência russa. Ambos manifestaram interesse em ingressar na OTAN e na União
Européia, o que contrariava os interesses de Moscou, especialmente no que se refere à
Aliança Atlântica, que poderia chegar definitivamente a alguns dos mais importantes
vizinhos da Rússia.
No caso da Revolução das Tulipas, o apoio dos oposicionistas a uma política
externa voltada ao ocidente não esteve claro durante o processo eleitoral. É preciso
ressaltar, todavia, que, pela própria situação geográfica do Quirguistão, a aproximação
com Europa e Estados Unidos tem limites mais estreitos neste país que aquele percebido
por Ucrânia e Geórgia, localizadas no leste do continente europeu.
Entre a Rússia e o Ocidente
Frente a essa clara oposição de interesses entre Rússia e Ocidente durante os
processos que levaram às Revoluções Coloridas, de um lado, e ao discurso pró-
ocidental de alguns dos principais líderes desses movimentos, de outro, a intenção deste
trabalho é verificar em que medida essa tendência se manteve na política externa dos
novos governos.
18
Durante o processo eleitoral que culminou com a Revolução das Rosas, na
Geórgia, o caráter pró-ocidental do movimento estava claro. Mikhail Saakashvili,
principal líder oposicionista, tem formação ocidental – graduou-se em Colúmbia – e
viveu nos Estados Unidos até a metade dos anos 90. Ademais, durante a campanha,
manifestou abertamente o desejo de levar o país ao ingresso na OTAN e, num futuro
mais distante, na União Européia. Zurab Zhvania, outra liderança rosa, também era
reconhecidamente um político pró-ocidental. Desde o início da década de 90, ele
manifestava o desejo de aproximar o país da Europa. Foi ele que declarou, frente ao
Conselho da Europa, em 1999, a célebre frase: “sou georgiano e, portanto, sou
europeu!”
11
.
Na Ucrânia, a tendência oposicionista era a mesma, e talvez com uma ênfase
ainda maior na aproximação com a Europa, especialmente porque o candidato da
situação, Yanukovich, era manifestamente pró-russo e abertamente apoiado pelo
Kremlin. O candidato desafiante Viktor Yushchenko, por outro lado, apresentou como
meta principal de sua política externa a entrada do país na União Européia, que seria
possibilitada por um processo de reformas econômicas e políticas internas (Wolczuk,
2005, p. 1). O contraste das visões de mundo dos dois candidatos foi um dos principais
temas da campanha eleitoral, e culminou com um verdadeiro racha no país, que tem no
leste uma grande influência russa e no oeste uma proximidade maior com o restante da
Europa.
Se nas eleições quirguizes o elemento pró-ocidental não foi característico dos
discursos dos candidatos, tampouco se pode dizer que não havia indícios nesse sentido.
Os papéis da Rússia e do Ocidente, durante a Revolução das Tulipas, foi exatamente o
mesmo verificado nos dois movimentos anteriores. O Ocidente contribuiu com missões
de verificação nas eleições e insistia na necessidade de um pleito livre de fraudes,
enquanto a Rússia mantinha o tradicional discurso pró-estabilidade. Com a vitória
oposicionista, não seria estranho um esfriamento das relações com a Rússia, que impôs
sérias dificuldades ao seu triunfo.
O embate russo-ocidental nos discursos dos líderes oposicionistas e nas ações
diretas das potências estrangeiras em cada uma das Revoluções Coloridas atraiu a
atenção dos analistas desses movimentos. Argumentou-se, por exemplo, que

11
Disponívelemhttp://www.ecoi.net/file_upload/mv168_cipddgeo.pdf
19
“desde a Revolução das Rosas (...), a Geórgia se tornou cada vez mais importante
para os Estados Unidos. (...) A localização estratégica da Geórgia entre o
Azerbaijão rico em petróleo e o Mar Negro, sua proximidade ao Iraque, ao Irã e ao
restante do Oriente Médio e sua relação controversa com a Rússia estão entre as
razões dadas por aqueles que consideram que a Geórgia tem importância
geopolítica para os Estados Unidos. Mas essas razões não são totalmente
convincentes. (...) O sucesso da nascente democracia na Geórgia é entendido como
um grande sucesso dos esforços americanos de promoção da democracia. A
Revolução das Rosas foi a primeira ruptura desse tipo na antiga União Soviética
além dos Estados Bálticos, e ela foi a imediatamente e visivelmente reconhecida
pelo Ocidente como um grande avanço democrático” (Mitchell, 2006, p. 669).
As demais Revoluções Coloridas tiveram repercussões semelhantes, e não
apenas para o Ocidente. A Rússia vê as revoluções como frutos da influência ocidental
que ameaçam diretamente a estabilidade regional, e tomou medidas, interna e
externamente, para evitar a disseminação descontrolada de revoluções eleitorais para os
demais Estados pós-soviéticos. Internamente, o governo Putin adotou medidas de
contenção da influência estrangeira no ambiente político e de maior centralização
administrativa.
“Gradualmente, o Kremlin (...) propôs uma série de passos que incluíam uma
reforma abrangente do sistema político. No coração da proposta estava uma maior
centralização da tomada de decisões. Governadores locais deixaram de ser eleitos;
ao contrário, passaram a ser nomeados pelo presidente e confirmados pelos corpos
legislativos locais” (Tsygankov, 2006, p. 156).
Outra medida importante foi a promulgação de uma nova lei relativa às Organizações
Não-Governamentais, que impôs restrições às atividades de organizações estrangeiras
no país e às formas de financiamento das organizações locais.
Externamente, através de uma rede de organizações que liga a Rússia a quase
todos os Estados pós-soviéticos, Moscou também passou a trabalhar para manter o
status quo na região. Um exemplo claro dessa ambição é a Organização para a
Cooperação de Xangai (SCO, sigla em inglês), que tem como um de seus objetivos
declarados acabar com o “extremismo” na região da Ásia Central.
“A Rússia gostaria que a SCO continuasse monitorando e discutindo maneiras de
neutralizar as atividades extremistas na Ásia Central para assegurar a estabilidade
dos regimes existentes. Numa situação em que qualquer mudança de regime é
20
acompanhada pelo perigo da diminuição da influência russa sobre novos governos
centro-asiáticos, a Rússia aprecia o papel da SCO em reforçar o status quo na
política regional” (Bailes, Dunay, Guang, & Troitskiy, 2007, p. 36).
A Comunidade dos Estados Independentes e a Organização do Tratado de Segurança
Coletiva, que ligam a Rússia a todos os demais Estados pós-soviéticos – à exceção dos
Estados Bálticos – também são mecanismos que servem ao propósito de manter a
estabilidade regional.
A análise das políticas exteriores dos três países que viveram as Revoluções
Coloridas pode esclarecer como as tendências acima mencionadas evoluíram após a
consolidação dos novos governos. A necessidade de lidar com a Rússia como principal
potência vizinha, de um lado, e o desejo de se aproximar do Ocidente, de outro, são
problemas por vezes conflitantes com que os novos líderes tiveram que lidar. A análise
das políticas externas adotadas no período pós-revolucionário pode ajudar, portanto, a
entender como cada um dos novos governos lidou com esse inevitável embate.
Ademais, uma análise desse tipo permite ajudar a avaliar a afirmação de que as
Revoluções Coloridas foram patrocinadas pelos Estados Unidos para implantar
governos pró-americanos e anti-russos na região da ex-União Soviética, como forma de
garantir alianças estratégicas. De acordo com essa visão, a promoção da democracia tem
pouco a ver com as reais razões americanas para estimular os líderes oposicionistas pós-
soviéticos. Esta afirmação é apresentada, por exemplo, por Mark MacKinnon, que faz o
seguinte comentário acerca da importância da Revolução das Rosas para os Estados
Unidos:
“Mark Mullen, o diretor do NDI [National Democratic Institute] na Geórgia à
época, admitiu depois que a administração americana e seus próprios chefes tinham
uma obsessão por levar democracia à Geórgia que estava fora de compasso com
sua disposição em tolerar uma semi-ditadura no vizinho rico em petróleo, o
Azerbaijão. Não há dúvidas, para ele, de que grande parte dessa contradição tem a
ver com a necessidade de dar segurança à rota do oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan.
(...) Os Alievs [pai e filho que se sucederam na presidência do Azerbaijão] eram
vistos como pró-americanos e, portanto, tolerados como uma ‘força pela
estabilidade’. (...) Shevardnadze, por sua vez, era visto como crescentemente
imprevisível, fraco e preso à Rússia.” (MacKinnon, 2007, p. 119)
21
A hipótese a ser testada neste trabalho, portanto, é que, das Revoluções
Coloridas, nasceram administrações que se caracterizaram, em suas ações externas, pelo
afastamento em relação à Rússia e, paralelamente, pela aproximação com o Ocidente. O
trabalho será organizado de forma a dar ênfase às relações estabelecidas entre os três
países e a Rússia até o final do governo Putin. As relações com o Ocidente serão
também levadas em conta, especialmente na medida em que afetaram as políticas em
relação a Moscou. Os três capítulos do trabalho terão como foco, respectivamente, a
Geórgia, a Ucrânia e o Quirguistão. Cada um dos capítulos será dividido em quatro
sessões, de forma a analisar os principais aspectos das relações exteriores dos três
países. A primeira sessão será uma exposição de cada movimento oposicionista, sua
chegada ao poder e suas principais propostas. A seguir, serão analisadas as relações dos
novos governos com Moscou, respectivamente no campo institucional, no campo
militar e no campo econômico, três áreas que ligam cada um dos países em questão à
Rússia de forma intensa.

22
Capítulo 1 – Rosas no Cáucaso
1.1- A Revolução das Rosas
A primeira revolução colorida a ocorrer no espaço pós-soviético teve lugar no
sul do Cáucaso, mais especificamente na Geórgia. Ali, no outono de 2003, a oposição
ao presidente Eduard Shevardnadze iniciou manifestações populares imensas, num
movimento de protesto a eleições parlamentares fraudulentas. O movimento culminou
com a renúncia do presidente, a formação de um governo provisório e o agendamento
de novas eleições parlamentares e presidenciais.
Já nos meses que antecederam as eleições em questão, a oposição iniciou os
preparativos para a realização de um intenso monitoramento do pleito, que visava coibir
possíveis tentativas, por parte do governo, de garantir por meios fraudulentos uma
maioria no parlamento. Internamente, diversas ONGs tomaram parte no monitoramento
eleitoral. O movimento Kmara! (Basta!, em georgiano) foi formado pouco antes das
eleições para mobilizar os jovens e fiscalizar o pleito. O modelo seguido foi o da
Otpor!, organização sérvia que trabalhou na campanha de oposição a Milosevic alguns
anos antes. As estratégias empregadas e a formação dos quadros, fundamentalmente
jovens universitários, seguiram os moldes sérvios. Até o símbolo foi importado: um
punho cerrado (Bunce & Wolchik, 2006). A ONG Fair Elections também empregou um
grande contingente no monitoramento da votação e conduziu uma apuração paralela dos
votos.
O apoio de organizações americanas e européias também foi importante durante
todo o processo eleitoral georgiano. A OSCE, por exemplo, teve participação
importante no monitoramento das eleições, enviando um número de observadores sem
precedentes para verificar possíveis fraudes durante o pleito. A Organização, após a
divulgação dos primeiros resultados oficiais, apressou-se em relatar as irregularidades
ocorridas, o que deu apoio e legitimidade aos protestos que começavam a ocorrer
internamente.
Outro ator que teve papel importante durante o processo eleitoral georgiano foi
os Estados Unidos. A USAID, agência americana de apoio ao desenvolvimento
internacional, gastou 1,5 milhão de dólares para computadorizar o sistema de apuração
de votos da Geórgia antes das eleições de novembro (Fairbanks, 2004). Os Estados
Unidos também dedicaram importante soma para o envio dos observadores da OSCE
23
que acompanharam o pleito. Ademais, antes das eleições o presidente George Bush
enviou à Geórgia o antigo Secretário de Estado James Baker. Ele se encontrou com
Shevardnadze e membros da oposição e apresentou uma fórmula para garantir uma
representação equitativa de todos os partidos nas comissões eleitorais. Entregou, ainda,
uma carta de Bush a Shevardnadze em que o presidente americano enfatizava a
necessidade de eleições livres (Fairbanks, 2004).
Após as eleições, os Estados Unidos demonstraram o desejo de condenar as
fraudes cometidas durante o pleito. No dia 21 de novembro de 2003, em meio aos
crescentes protestos em Tbilisi, o Departamento de Estado americano emitiu uma
declaração que sintetizava a posição do país: “Os Estados Unidos estão profundamente
desapontados com a conduta das eleições parlamentares na Geórgia em 2 de novembro,
que falharam em cumprir os compromissos assumidos pela liderança Georgiana frente à
OSCE e aos Estados Unidos. O atraso na apuração dos votos e a manipulação dos
resultados revelaram um esforço da Comissão Central Eleitoral e do governo georgiano
para ignorar a vontade do povo”
12
.
Após a divulgação dos resultados oficiais, que davam vitória à coalizão
governamental, e em meio a denúncias de fraudes vindas de diversas organizações
internas e internacionais, teve início a maior onda de manifestações populares na
Geórgia desde os movimentos nacionalistas pró-independência do final dos anos 80. O
movimento atingiu o auge nos dias 22 e 23 de novembro, quando, estima-se, 50.000 a
150.000 pessoas tomaram as ruas da capital Tbilisi (Nodia, 2005). No dia 22, o
movimento oposicionista, liderado por Mikhail Saakashvili, irrompeu no parlamento
com rosas nas mãos – que representavam o caráter pacífico do protesto – enquanto o
presidente Shevardnadze lia o discurso que empossaria os novos eleitos. Confrontado
com aquele quadro, o presidente deixou o parlamento e declarou estado de emergência
no país. No dia seguinte, diante da relutância das forças policiais em usar a força contra
um movimento pacífico e preocupado em iniciar uma onda de violência no país, o
presidente renunciou. Nino Burjanadze, uma das lideranças do movimento
oposicionista, tornou-se presidente em exercício e novas eleições foram anunciadas para
janeiro. Os mais fortes partidos de oposição se uniram, então, em torno da candidatura
de Saakashvili, que acabou eleito com 96% dos votos. Em março, novas eleições

12
Disponívelemhttp://www.state.gov/r/pa/prs/ps/2003/26539.htm
24
parlamentares foram realizadas e o bloco apoiado pelo governo obteve ampla maioria,
com 66% dos votos.
Em meio a este quadro e às manifestações de apoio vindas dos Estados Unidos e
da Europa à maneira pacífica pela qual as fraudes foram condenadas e o novo governo
chegou ao poder, uma voz dissonante se destacou: a da Rússia. Embora não tenha
tomado atitudes efetivas para evitar a Revolução das Rosas, no dia 24 de novembro o
ministro das relações exteriores russo deu uma declaração que sintetizava o sentimento
de Moscou frente ao episódio:
“Embora as formalidades constitucionais tenham sido observadas, nós não estamos
satisfeitos com a forma como a mudança de poder ocorreu. Em particular, a
decisão do presidente georgiano foi tomada sob severa pressão das ruas e ninguém
pode dizer que foi uma decisão completamente democrática”
13
.
1.1.1- O Projeto Político do Novo Governo
O novo governo georgiano, já durante a campanha eleitoral e, principalmente,
nas primeiras semanas e meses após as eleições, deixou claros os principais desafios
que enfrentaria e suas principais prioridades. Como afirmou Ghia Nodia, “as fontes dos
desafios de segurança que a Geórgia enfrenta podem ser divididos nas categorias interna
e externa” (Nodia, 2005, p. 40). O novo governo tinha essas duas dimensões da
insegurança em mente, e em seus primeiros discursos já deixava claros quais os
principais aspectos de cada uma delas.
Internamente,
“se tornar uma única nação provou ser o maior desafio enfrentado pelos georgianos
desde a independência. (...) No caso Georgiano, os desafios foram ainda maiores
que em outros países pós-comunistas, e, ademais, as respostas da elite política do
país foram muito menos efetivas, particularmente nos primeiros anos pós-
independência” (Nodia, 2005, p. 44).
O projeto de governo de Saakashvili reconhecia que a unificação definitiva do país, que
conta com duas regiões de facto independentes – a Abkhazia e a Ossétia do Sul – era o

13
Disponívelem
http://www.mid.ru/brp_4.nsf/e78a48070f128a7b43256999005bcbb3/d5752b587e277d6143256de900
44fad6?OpenDocument
25
principal desafio a ser enfrentado. O próprio lema de sua campanha presidencial,
“Geórgia Unida”, fazia referência a este objetivo.
Em um discurso proferido em maio de 2004, ainda no início de seu governo,
Saakashvili deixou claro que a unificação definitiva do país era, para ele, o maior
objetivo a ser alcançado. Nas comemorações do Dia da Independência do país, nesse
sentido, ele afirmou:
“Eu gostaria de enfatizar que nem a Geórgia nem seu presidente vão tolerar a
desintegração do país. Portanto, nós oferecemos negociações imediatas para nossos
amigos abkhazes e ossetas. Nós estamos prontos para discutir qualquer modelo de
Estado, levando em consideração seus interesses para a promoção de seu futuro
desenvolvimento”
14
.
O outro grande objetivo do novo governo estava relacionado ao combate à
corrupção e ao crime organizado. No mesmo discurso do Dia da Independência,
Saakashvili afirmou que
“nós lançamos uma guerra contra a corrupção e já ganhamos a primeira batalha.
Hoje, não existe uma única pessoa no país que goze de imunidade em qualquer
nível do governo. Nós neutralizamos e desarmamos diversas gangues, fizemos
grandes progressos no fortalecimento das forças armadas e eu gostaria de enfatizar
que, hoje, a confiança nas nossas forças armadas está retornando”
15
.
Os desafios externos da Geórgia também eram reconhecidos pela nova
administração, que os apresentou muito claramente à população ainda nos primeiros
meses do governo. Antes de apresentar a visão de mundo do novo governo e a proposta
de política externa que ele trazia, todavia, é importante fazer referência à formação do
principal líder da Revolução das Rosas, Mikhail Saakashvili. O novo presidente
georgiano estudou direito em Columbia, nos Estados Unidos, e lá iniciou sua carreira
profissional. Seu retorno à Geórgia só aconteceu em meados da década de 1990,
atendendo a um convite de Zurab Zhvania, então primeiro-ministro, para que se tornasse
ministro da justiça do país. Grande parte do ministério formado pelo presidente
Saakashvili também tinha formação ocidental. As propostas dos novos governantes para
o exterior refletem esses laços pessoais antigos do presidente e de seus principais
aliados com o Ocidente.

14
Disponívelemhttp://www.president.gov.ge/main2.php?l=E&m=0&sm=3&id=151
15
Disponívelemhttp://www.president.gov.ge/main2.php?l=E&m=0&sm=3&id=151
26
Desde o início do novo governo, então, ficou claro que a aproximação com o
Ocidente era a escolha que a Geórgia faria a partir de então. Em fevereiro de 2004,
pouco depois de eleito presidente, Saakashvili deixou isso explícito em um discurso
proferido na Universidade de John Hopkins, nos Estados Unidos. Naquela
oportunidade, o presidente delineou os princípios que orientariam sua política externa.
Segundo ele, a Geórgia tirava da Revolução das Rosas três lições importantes. A
primeira delas era a superação do desafio da sucessão, com uma transição política
pacífica e democrática.
“A segunda lição da Revolução das Rosas é que os georgianos se tornaram
membros integrais da Europa e da família européia. Ao refletir sobre este ponto, eu
não me refiro apenas ao aspecto geográfico, mas à identidade nacional. O que nós
vimos em novembro foi uma população mobilizada em defesa dos princípios da
democracia liberal. O que nós vimos foi uma população que se recusou a ter sua
voz, sua escolha e seu futuro roubados por um governo corrupto e incompetente.
(...) Esta é uma democracia cuja identidade nacional e cujo destino estão
enraizados na Europa, como membros plenos e participativos das instituições
Euro-Atlânticas, para a segurança regional e para o desenvolvimento
econômico”
16
. (grifos meus)
Para completar o quadro, Saakashvili afirmou que
“a terceira lição da revolução é que a Geórgia tem uma relação especial com os
Estados Unidos da América. Eu afirmo que esta avaliação é baseada na percepção
de que georgianos e americanos compartilham um conjunto comum de valores
(...) Para aqueles que acreditam que nossa revolução foi de alguma forma
secretamente apoiada por interesses especiais americanos, eu só posso dizer que
eles não compreendem nossa cultura e nossos valores. (...) Ser georgiano é ser
parte de uma família de nações democráticas composta por nossos irmãos
europeus e nossos amigos e parceiros americanos
17
. (grifos meus)
Neste discurso, proferido em Washington cerca de um mês após ser eleito, o
presidente Saakashvili não deixa dúvidas a respeito de suas prioridades externas. Além
de enfatizar a identidade européia da Geórgia, o novo líder fala abertamente de sua
intenção de participar plenamente das instituições Euro-Atlânticas (leia-se OTAN e
União Européia). Para completar o quadro, o presidente defendeu uma “relação

16
Disponívelemhttp://www.president.gov.ge/main2.php?l=E&m=0&sm=3&id=171
17
Disponívelemhttp://www.president.gov.ge/main2.php?l=E&m=0&sm=3&id=171
27
especial” com os Estados Unidos da América, que, ainda segundo ele, deu importante
contribuição para a Revolução das Rosas
18
. É importante notar, também, que o
presidente menciona abertamente a família de nações democráticas da qual a Geórgia
passava então a fazer parte, “composta por nossos irmãos europeus e nossos amigos e
parceiros americanos”. Deliberadamente ou não, a Rússia, maior parceira comercial da
Geórgia e país com o qual Tbilisi estava indissociavelmente ligada por laços políticos,
militares e econômicos, foi excluída da nova família georgiana.
No que tange diretamente às relações com a Rússia, o presidente também se
pronunciou em seus primeiros discursos após eleito. Jaba Devdariani afirma, com razão,
que o presidente apontava para uma possibilidade de aproximação com a Rússia, com
quem a Geórgia pós-soviética sempre teve uma relação conturbada. De acordo com o
autor,
“depois de sua esmagadora vitória nas eleições presidenciais de janeiro de 2004,
Mikhail Saakashvili afirmou seu desejo de reparar as relações com a Rússia.
Durante seu discurso inaugural, ele disse que estava ‘estendendo a mão da
amizade’ para a Rússia, adicionando que ele não era pró-russo nem pró-americano,
mas pró-georgiano”
(Devdariani, 2005).
O mesmo autor admite, contudo, que as declarações iniciais de Saakashvili eram
cautelosas em relação aos russos. Para corroborar com essa afirmação, ele utiliza o
mesmo discurso citado acima, em que “Saakashvili deixou claro (...) que seu governo
permaneceria firme ao demandar o fechamento das duas bases militares russas – em
Batumi e Akhalkalaki” (Devdariani, 2005).
Essa mistura de otimismo e cautela, que contrasta com a forma entusiástica com
que Saakashvili se referia aos Estados Unidos e à Europa, também está presente no
discurso proferido em Washington em fevereiro. Ali, o presidente afirmou que
“a Rússia é um caso especial por causa de seu vasto mercado e do papel que pode
exercer para promover ou reduzir a estabilidade regional. Depois da minha
viagem a Moscou, eu tenho esperança de que uma nova era em nossas relações está
emergindo – uma era baseada no pragmatismo e no reconhecimento mútuo de
interesses comuns. Embora eu não tenha ilusões de que nossas relações serão

18
Disponívelemhttp://www.president.gov.ge/main2.php?l=E&m=0&sm=3&id=171
28
transformadas do dia para a noite eu vejo que a porta está aberta para relações
novas e mais positivas”
19
(grifos meus).
O contraste entre as declarações sobre o Ocidente e sobre a Rússia é gritante. Enquanto
Estados Unidos e Europa são os membros da nova família georgiana, com a Rússia
esperam-se simplesmente relações pragmáticas. Ao mesmo tempo, o presidente
reconhece abertamente que a Rússia pode “promover ou reduzir” a estabilidade
regional. Quando se analisa o histórico das relações entre os dois países, com acusações
constantes por parte da Geórgia de que a Rússia apóia as regiões separatistas em seu
território, esta afirmação ganha importância, podendo ser interpretada como uma
condenação velada das ações russas na região.
Se o trecho reproduzido acima reflete alguma cautela, mas ao mesmo tempo a
esperança de melhores relações, o presidente completa suas afirmações sobre a Rússia
delineando claramente as condições para um convívio harmonioso entre os dois países.
Em suas palavras,
“desde que a Rússia se lembre e respeite nossa soberania; desde que a Rússia
cumpra seu compromisso internacional de remover as bases; desde que a Rússia
perceba que nós não podemos e não vamos nos tornar um campo de batalha entre
duas superpotências, eu estou pronto para uma nova era”
20
.
Fica claro, portanto, que as caracterizações de Saakashvili como pró-ocidental,
que são marcantes especialmente na imprensa, têm razão de ser. Já no início de seu
governo, e mesmo antes, durante a campanha eleitoral, as declarações de Saakashvili
em relação à Europa e aos Estados Unidos contrastam claramente com aquelas que ele
fazia sobre a Rússia. Os primeiros são parceiros estratégicos, membros da família
georgiana. Moscou, por sua vez, é um fardo que deve ser carregado, e relações
pragmáticas eram o melhor que se poderia esperar do relacionamento bilateral.
1.1.2- Mudanças no Estado e no Governo
Imediatamente depois de instalado o novo governo georgiano, foram tomadas
medidas para emendar a constituição do país, fazendo mudanças que alteravam
sensivelmente a relação de poder entre as instituições do Estado. Ao contrário do que se

19
Disponívelemhttp://www.president.gov.ge/main2.php?l=E&m=0&sm=3&id=171
20
Disponívelemhttp://www.president.gov.ge/main2.php?l=E&m=0&sm=3&id=171
29
poderia esperar pelo discurso pró-democratização das novas lideranças, os poderes do
presidente foram fortalecidos ainda mais, em detrimento das capacidades do
parlamento.
Emendas constitucionais aprovadas no início de fevereiro de 2004 “deram ao
presidente o direito dissolver o parlamento – quando este falhasse em ratificar o
orçamento – e a dissolver o Gabinete de Ministros” (Freizer, 2004). Sempre que
houvesse um conflito entre executivo e legislativo, portanto, a balança estaria inclinada
em favor do presidente, e o legislativo deixava de contar com a possibilidade de usar o
veto ao orçamento como forma de pressionar o chefe de Estado.
Outra mudança importante foi a criação do “posto de primeiro-ministro (...) para
chefiar o Gabinete de Ministros” (Freizer, 2004). Embora a criação do novo posto
pudesse sugerir o aparecimento de uma figura forte, com o poder de contrabalançar o
grande poder presidencial, havia limites claros a isso. O principal deles é que o
primeiro-ministro era apontado pelo presidente. O primeiro a ocupar o novo cargo foi
Zurab Zhvania, um dos principais líderes da Revolução das Rosas ao lado do presidente
Saakashvili.
Enquanto os poderes do presidente eram alargados, o parlamento não ganhou
novos meios para contrabalançar o executivo. Ao contrário, “com três quintos de seus
membros, o parlamento pode passar um voto de desconfiança contra o governo, mas
não pode decidir pelo impeachment do presidente” (Freizer, 2004). A única maneira de
impedir o presidente seguiu sendo através de uma acusação da Suprema Corte, como já
determinava a Constituição de 1995. Os poderes do presidente de apontar os
governadores regionais também não sofreram alterações, permanecendo, portanto, o
caráter extremamente centralizado do Estado Georgiano.
As reformas aprovadas pouco após a posse de Saakashvili levaram alguns
autores a questionar o real compromisso do novo líder com a democracia. Mitchell, por
exemplo, afirma que, com esta reforma, ficou claro que a prioridade do governo recém-
empossado estava em garantir a integridade territorial do país, mesmo que para isso a
democratização efetiva tivesse de ser sacrificada (Mitchell, 2006). Fairbanks, por sua
vez, diz que esta série de
“emendas apressadas – aprovadas por um Parlamento acuado a despeito de
objeções apresentadas pessoalmente a Saakashvili por ONGs democráticas e outros
30
apoiadores da Revolução das Rosas – aumentou o poder presidencial e deixou o
parlamento e as cortes praticamente sem poder independente. A constituição
‘superpresidencial’ de Shevardnadze é agora a constituição ‘hiperpresidencial’ de
Saakashvili” (Fairbanks, 2004).
O que se pode concluir, portanto, é que o presidente não teria entraves burocráticos para
implantar seu novo projeto político, já que expandia seus poderes em relação ao
legislativo. Ainda assim, o parlamento foi importante fonte de apoio à política externa
de Saakashvili, atuando seguidamente, como se verá, em prol dos objetivos delineados
pelo chefe de Estado.
1.2- Geórgia e Rússia nas Organizações Internacionais
Como todos os Estados pós-soviéticos, à exceção dos países bálticos, a Geórgia
está ligada, através de uma série de instituições, a outros países da região. A principal
organização que liga a Geórgia à Rússia é a Comunidade dos Estados Independentes
(CEI). Ademais, o país é membro do GUAM, associação política que inclui também
Azerbaijão, Moldávia e Ucrânia. Além de uma descrição da política externa da Geórgia
nessas duas instituições, esta seção fará também uma análise das iniciativas georgianas
relativas às instituições Euro-atlânticas, em especial nas áreas em que essas iniciativas
impactaram as relações do país com Moscou.
As ações da Geórgia no interior da CEI desde o início foram conturbadas. A
exemplo dos países bálticos, o primeiro governo georgiano, liderado por Zviad
Gamsakhurdia, também se recusou a fazer parte da organização. Depois das duas
guerras civis por que o país passou no início dos anos 90
21
, contudo, o país viu na
adesão à CEI uma maneira de estabilizar o cenário interno. À época, o novo presidente,
Eduard Shevardnadze, lutava contra o separatismo e contra guerrilhas lideradas por
Gamsakhurdia, que havia sido deposto e lutava para retomar o poder.
“Em setembro de 1993, unidades de Gamsakhurdia atacaram forças georgianas no
oeste do país, e os abkhazes, graças ao apoio russo, reconquistaram Sukhumi. (...)
Depois desta derrota, um Shevardnadze profundamente humilhado foi forçado a
apelar à Rússia por apoio militar contra Gamsakhurdia. Em duas semanas, tropas

21
AsduasguerrasaquireferidassãoadaOssétiadoSuleadaAbkhazia,duasregiõesquebuscavama
independênciadeTbilisi.Emambososcasos,osconflitosresultaramemEstadosdefacto
independentes,massemreconhecimentointernacional.
31
russas puseram fim às operações militares conduzidas pelas tropas de
Gamsakhurdia. Em troca, a Geórgia foi forçada a encerrar sua oposição à CEI,
tornando-se membro integral [da organização] e assinando uma série de acordos de
cooperação na área de segurança” (Zürcher, 2005, p. 96).
Após a Revolução das Rosas, o relacionamento da Geórgia com a Rússia, no
interior da CEI, parecia refletir ainda essa mesma oposição que fez com que o país se
recusasse a aderir à organização quando da sua fundação. A primeira demonstração
pública das sérias divergências entre os dois países ocorreu em setembro de 2004,
durante uma entrevista que sucedeu uma reunião de chefes de Estado da CEI em
Astana, no Cazaquistão. Na ocasião, Putin e Saakashvili travaram um áspero debate
diante da imprensa internacional, motivado pela decisão unilateral russa de restabelecer
uma ligação ferroviária com a Abkhazia.
Sobre o assunto, Saakashvili disse que
“o problema da Abkhazia foi posto na agenda do encontro (...), e os líderes dos
países da CEI reiteraram seu compromisso de seguir acordos passados da
organização, incluindo as resoluções adotadas em 1995 e 1996 sobre o fim de todos
os tipos de laços com o regime separatista da Abkhazia, que também proíbem laços
econômicos e de transportes com o regime separatista. (...) Eu estou feliz que a CEI
apoiou essa decisão, incluindo a Rússia, e nós esperamos que a decisão seja
cumprida”
22
.
Em face a este discurso, Putin declarou que
“nós acreditamos que a decisão de hoje, assim como todas as outras decisões
anteriores, incluindo 1996, não restringem atividades comerciais de organizações
não-estatais. (...) Nós entramos em acordo com o ex-presidente da Geórgia sobre
sincronizar o processo de restauração de linhas de transporte e o retorno de pessoas
internamente deslocadas ao distrito de Gali. De acordo com estimativas de
especialistas independentes, de 50 a 60 mil pessoas já retornaram”.
As divergências entre os dois líderes seguiram, até que Putin encerrou a discussão
dizendo que “este não é um formato apropriado para a discussão desses assuntos (...)
Nós discutiremos todos esses problemas com meu colega Saakashvili depois dessa
conferência de imprensa”
23
.

22
Disponívelemhttp://www.civil.ge/eng/_print.php?id=7852
23
Disponívelemhttp://www.civil.ge/eng/_print.php?id=7852
32
O fato é que as divergências entre os dois lideres se tornaram públicas, e uma
resolução aprovada pela CEI foi debatida na frente de toda a imprensa internacional. Os
problemas seguiram, e os laços ferroviários entre a Rússia e a Abkhazia não foram
interrompidos, a despeito dos protestos de Saakashvili. Nos seguintes encontros de
líderes da CEI, conferências conjuntas de imprensa foram evitadas.
As relações entre Geórgia e Rússia no interior da CEI não tiveram melhora
sensível após esta primeira controvérsia pública. De fato, a partir do final de 2005, a
Geórgia passou a considerar seriamente a possibilidade de deixar a organização. O
estopim, para a Geórgia, foi a recusa russa de emitir visto ao parlamentar Givi
Targamadze, que seria um dos enviados georgianos a um encontro da organização em
São Petersburgo. Em resposta aos protestos georgianos, a embaixada russa em Tbilisi
emitiu uma nota dizendo que
“depois de refeita a consideração do pedido de visto do Sr. Targamadze, foi
decidido emitir um visto de entrada. (...) A presidente do parlamento georgiano foi
informada sobre isso. Então, a recusa da delegação georgiana de participar da
Assembléia Parlamentar da CEI não pode estar ligada ao problema do visto”
24
.
Em uma conferência de imprensa, Nino Burjanadze, presidente do parlamento
georgiano, rebateu as explicações russas dizendo que
“foi uma manifestação de cinismo que apenas agora, enquanto eu entrava nesta sala
e o avião já partiu, eu tenha sido informada pelo Chefe do Departamento de
Relações Internacionais que a Rússia não é contra a visita do Sr. Targamadze. Eu
considero isto uma manifestação de cinismo”
25
.
Mais tarde, através de uma carta à CEI, Burjanadze voltou a protestar contra a atitude de
Moscou. De acordo com o documento,
“este passo politicamente motivado [foi] direcionado não apenas contra a Geórgia,
mas contra toda a CEI também. (...) Na prática, desde o estabelecimento da
Comunidade dos Estados Independentes, as autoridades russas consideram a
organização uma ferramenta suplementar russa, assim como um mecanismo para
implementar as políticas unilaterais russas”
26
.

24
Disponívelemhttp://www.civil.ge/eng/article.php?id=11155
25
Disponívelemhttp://www.parliament.ge/newsletter/english/2005/22.11.2005/pr_rel1.htm
26
Disponívelemhttp://www.unomig.org/media/headlines/?id=4726&y=2005&m=11&d=18
33
O imbróglio sobre o visto ao parlamentar deu origem a debates no parlamento
georgiano sobre a retirada do país da organização. Alguns dias após o acontecimento,
Burjanadze admitiu que uma proposta para a retirada georgiana da CEI seria aceitável,
após consultas com o presidente e o parlamento sobre o assunto e uma análise das
possíveis implicações dessa atitude. A principal preocupação do governo era com
possíveis prejuízos econômicos que o país sofreria se encerrasse os acordos sobre
comércio e circulação de pessoas assinados no âmbito da CEI.
Em março de 2006, entretanto, frente a um embargo russo ao vinho georgiano,
os argumentos a favor da saída da CEI ganharam força. Desde então, o assunto foi
discutido diversas vezes no parlamento, e até o presidente da república tomou algumas
medidas que visavam avaliar os efeitos de uma retirada unilateral da organização. Em
maio de 2006, nesse sentido, foi formada pelo presidente uma comissão para avaliar os
possíveis danos que a saída da CEI causaria à economia georgiana. Dois dias depois, o
presidente afirmava, num discurso em Vilnius, que
“a questão mais séria para nós é se vale a pena ser membro de uma organização
que não nos beneficia de forma alguma. Nós não vamos tomar uma decisão sem
pensar adequadamente. Nós mediremos todos os pontos positivos e negativos e
apenas depois disso tomaremos uma decisão”
27
.
Apesar do prosseguimento das discussões, o bloco governamental no parlamento
seguiu evitando aprovar uma resolução pedindo a saída da CEI, e o presidente também
não tomou medidas nesse sentido, embora a Geórgia tenha deixado o Conselho de
Ministros da Defesa da organização em janeiro de 2006. A preocupação com possíveis
conseqüências econômicas para o país esteve sempre presente. Em novembro e
dezembro de 2006, parlamentares oposicionistas apresentaram resoluções pedindo a
saída da CEI, mas o bloco governamental por três vezes adiou a votação do tema, e até
o fim do Governo Putin na Rússia não havia decisão parlamentar nesse sentido.
Também em novembro de 2006, no auge das discussões parlamentares sobre a
saída da Geórgia da CEI, Nino Burjanadze compareceu a uma sessão parlamentar da
Comunidade em São Petersburgo, onde apresentou duras críticas à organização. Ali, ela
afirmou que

27
Disponívelemhttp://www.president.gov.ge/?l=E&m=0&sm=1&st=320&id=1837
34
“nenhum dos princípios fundadores da CEI funcionam na prática. (...) Há um
membro da oposição na delegação georgiana aqui na sala. (...) Sua facção iniciou
uma proposta para a retirada da Geórgia da CEI. Digam-me, por favor, quais
argumentos eu posso usar para provar aos meus colegas que a retirada da CEI não
trará benefícios”.
A parlamentar também apresentou severas acusações ao papel da organização frente às
tensões russo-georgianas:
“Por que a CEI mantém o silêncio quando um de seus membros ameaça outro
estado-membro? (...) Apoio ativo da CEI poderia ter ajudado a Rússia e a Geórgia
a encontrar interesses comuns e resolver seus problemas, mas infelizmente a CEI
escolheu permanecer um observador. Infelizmente, os peacekeepers da CEI
falharam em resolver qualquer coisa nas áreas de conflito. Os peacekeepers da CEI
são ineficientes; além disso, eles estão facilitando o congelamento ainda maior dos
conflitos na Geórgia”
28
.
A visão do governo em relação à CEI permaneceu inalterada durante o ano de
2007, mas, até o final do governo Putin, a Geórgia permanecia como membro da
organização, a despeito de toda a oposição interna e das críticas feitas pelas maiores
autoridades do país. Pode-se notar que a organização, durante todo o período, foi um
fórum que refletiu, em seu interior, os diversos problemas no relacionamento entre
Tbilisi e Moscou. Mais que uma oposição à instituição em si, as principais restrições
apresentadas pela Geórgia à CEI referiram-se sempre a um de seus membros – a Rússia
– e ao papel que esse membro exerce no interior da organização.
Já no GUAM, a atuação georgiana durante a presidência de Saakashvili foi
fundamentalmente diferente daquela que o país apresentou na CEI. O primeiro estágio
na formação do GUAM ocorreu em 1997, com a criação de um fórum permanente de
discussões entre os quatro países fundadores (Geórgia, Ucrânia, Azerbaijão e
Moldávia
29
). Apenas em 2006, entretanto, o grupo se transformou numa verdadeira
Organização Internacional, adotando o nome de Organização para a Democracia e o
Desenvolvimento Econômico – GUAM, e estabelecendo sua sede em Kiev. Um dos
principais parceiros da organização, desde a sua fundação, são os Estados Unidos.
“Desde novembro de 2001, já ocorreram 14 encontros formais no formato GUAM –

28
Declaraçõesdisponíveisemhttp://www.civil.ge/eng/article.php?id=14099
29
OUzbequistãofoimembrodoGUAMentre1999e2005,períodoemqueogrupoteveonome
alteradoparaGUUAM.
35
Estados Unidos”
30
. Além disso, em 2002 foi estabelecido o Programa GUAM - Estados
Unidos sobre Facilitação do Comércio e do Transporte, Garantia do Controle de
Alfândegas e Fronteiras, Combate ao Terrorismo, ao Crime Organizado e ao Tráfico de
Drogas, para fomentar a cooperação do bloco com Washington.
Pela própria estrutura da organização, seus Estados-membros e principais
parceiros – além do fato de a participação russa ser completamente inexistente – fica
claro que o GUAM tem, para seus participantes, a capacidade de ser um canal de reação
e reclamação frente às ações russas na região. Na imprensa e em alguns quadros
políticos, a caracterização do grupo como anti-russo é freqüente. Mais que isso, em sua
própria carta constituinte o bloco afirma sua “aderência às normas e valores
democráticos e a determinação de proceder no caminho da integração européia” (grifo
meu), numa clara referência às instituições Euro-atlânticas.
Durante toda a presidência de Saakashvili, então, a Geórgia aproveitou o canal
oferecido pelo GUAM para expressar sua insatisfação frente à Rússia e à CEI, seja
através dos documentos da organização, de discursos proferidos em seus encontros ou
do fomento à maior institucionalização do grupo ao mesmo tempo em que
progressivamente se afastava da CEI.
As primeiras iniciativas na direção de uma reforma do GUAM e sua conversão
em uma organização internacional foram tomadas em 2005, após a Revolução Laranja,
ocorrida na Ucrânia no ano anterior. As conversas entre os chefes de Estado dos quatro
países manifestavam a intenção de transformar o GUAM numa organização para a
promoção da democracia, numa clara referência à onda de Revoluções Coloridas na ex-
URSS. Em uma conferência em Chisinau, na Moldávia, em maio de 2005, Saakashvili
disse que “o GUAM está gradualmente se tornando uma organização de novos Estados
democráticos, que estão no caminho para a integração européia”. Na mesma ocasião, o
presidente declarou que
“o povo de um Estado soberano não deveria tomar decisões sob a pressão de
algumas forças políticas estrangeiras. (...) Nós ficamos muito chateados quando
observamos pressão direta em campanhas eleitorais. Essas pessoas que intimidam e

30
Informaçãodisponívelemhttp://www.guam.org.ua/211.501.0.0.1.0.phtml
36
chantageiam já ‘quebraram a cara’. Eles quebraram a cara na Ucrânia; eles
quebraram a cara na Geórgia”
31
.
Os chantagistas em questão são claramente os russos, principais opositores dos
movimentos georgiano e ucraniano.
A transformação do GUAM numa organização internacional foi concluída no
ano seguinte, em maio de 2006. O momento diz muito acerca das expectativas da
Geórgia em relação à nova organização, já que naquele mesmo mês o presidente
Saakashvili formava a comissão encarregada de avaliar os impactos de uma eventual
saída da CEI para a economia georgiana. É também significativa a declaração do
presidente quando da formação da organização, ocasião em que afirmou que
“frente a um quadro de embargo econômico, nós concordamos em introduzir um
regime de livre comércio entre nossos países. Isto é um benefício muito concreto
para todos os Estados, para os cidadãos e produtores, para os exportadores e
importadores desses países”
32
.
A Área de Livre Comércio em questão foi decidida e anunciada na Declaração de
Kiev, que deu origem à organização, mas não foram definidos prazos ou metas para
sua implementação. De qualquer forma, frente à possibilidade de perder os acordos
firmados no escopo da CEI e ao embargo russo ao vinho georgiano, o país já
começava a forjar novos acordos comerciais com os parceiros pós-soviéticos.
Após sua conversão definitiva em organização internacional, o GUAM seguiu
sendo um fórum apropriado para as reclamações georgianas em suas sucessivas
controvérsias com Moscou. Além disso, em oposição ao que ocorria na CEI, no
GUAM a Geórgia encontrava apoio às suas idéias, especialmente no que tange à
solução dos conflitos separatistas em seu território e ao respeito absoluto à sua
integridade territorial e à sua intenção de ingressar nas instituições Euro-atlânticas.
Ambos são princípios declarados em diversos documentos da organização, inclusive
em sua Carta constitutiva. Enquanto a CEI representou para a Geórgia, durante todo o
período pós-Revolução das Rosas, um fantoche manipulado pela Rússia, o GUAM
representava uma oposição a isso, sendo a única organização regional que refletia suas
posições sobre os controversos temas de conflito com Moscou.

31
Declaraçãocitadaemhttp://www.civil.ge/eng/article.php?id=9241
32
Declaraçãocitadaemhttp://www.civil.ge/eng/article.php?id=12627
37
Se as divergências com a Rússia marcaram as ações georgianas nas instituições
pós-soviéticas das quais o país faz parte, o mesmo se pode dizer das aspirações de
Tbilisi com relação às instituições Euro-atlânticas. Em suas iniciativas de
aproximação com a Europa e com os Estados Unidos, a Geórgia teve sempre de lidar
com a oposição aberta de Moscou, e durante todo o período pós-Revolução das Rosas
o conflito em torno deste tema esteve presente no relacionamento bilateral. A
seriedade das intenções georgianas foi confirmada com a criação, já em 2004, do
Ministério para a Integração às Estruturas Européias e Euro-Atlânticas, encarregado
de monitorar os processos de aproximação do país com a OTAN e com a União
Européia.
No que se refere à União Européia, o ingresso georgiano na organização se
assemelhava a um sonho distante e, até 2008, o bloco não acenou com a possibilidade
real de iniciar o processo de inclusão do país. Não se pode dizer, todavia, que não
houve uma aproximação entre Tbilisi e Bruxelas após a Revolução das Rosas. De fato,
em 2004 os três países do sul do Cáucaso (Armênia, Azerbaijão e Geórgia) foram
incluídos no programa European Neighborhood Policy (ENP). Poviliunas argumenta
que
“um ponto de inflexão na abordagem da União Européia em relação à região foi a
Revolução das Rosas na Geórgia, já que os protestos contra fraudes eleitorais
contribuíram para a mudança de regime e levaram o país a se aproximar do
Ocidente, e o novo presidente Mikhail Saakashvili ressaltou a importância da
entrada na União Européia e na OTAN” (Poviliunas, 2006, p. 127).
Em 2006, foi aprovado um ENP Action Plan para a Geórgia, que define objetivos
mais individualizados para o país no processo de cooperação com a União Européia.
Este novo mecanismo, todavia, também não oferece perspectiva de uma possível
inclusão definitiva da Geórgia na UE.
Se o progresso georgiano em direção à União Européia foi tímido, e, também
por isso, pouco influiu nas relações do país com a Rússia, o mesmo não se pode dizer
em relação à outra instituição Euro-atlântica que atrai as atenções do governo
Saakashvili: a OTAN. Em relação à Aliança Atlântica, o novo governo se empenhou,
desde os seus primeiros momentos, em dar passos decisivos para garantir à Geórgia a
condição de membro permanente.
38
No início de 2004, começaram as conversas para desenvolver um Individual
Partnership Action Plan (IPAP) da OTAN para a Geórgia. O IPAP é um instrumento
novo da Organização, que propõe reformas necessárias para aproximar o país-alvo da
aliança. O IPAP – Geórgia teve início oficial em outubro de 2004, e, para o governo
georgiano, era o primeiro passo rumo ao Membership Action Plan (MAP), mecanismo
que dá início ao processo de adesão de um país à OTAN. A nota do Ministério de
Relações Exteriores georgiano que informava sobre o início do IPAP deixava claro
que, para o país, este era o primeiro passo rumo à presença definitiva na Aliança. O
documento destacava que “o Ministério de Relações Exteriores da Geórgia está
confiante que, após a implementação bem-sucedida do ‘Individual Partnership Action
Plan’, a Geórgia será aceita para o ‘Membership Action Plan’ (MAP)”
33
.
Com o prosseguimento do IPAP e os crescentes conflitos com a Rússia, o
governo georgiano passou a declarar cada vez mais abertamente sua intenção de
ingressar definitivamente na OTAN o mais cedo possível. Um exemplo desse tipo de
declaração foi a resolução aprovada pelo parlamento georgiano em março de 2007
sobre a OTAN. O documento, entre outras coisas, afirmava:
“reconhecendo que o ingresso na OTAN é a melhor maneira de garantir unidade,
integridade territorial, segurança e desenvolvimento democrático na Geórgia (...);
Discordando do ponto de vista de uma possível neutralidade da Geórgia como
uma alternativa ao ingresso na OTAN e considerando absolutamente sem
fundamentos a afirmativa de que o processo de integração à OTAN e o acesso
definitivo à OTAN podem constituir uma ameaça à integridade territorial da
Geórgia (...), Solenemente declara que nós unanimemente concordamos e
apoiamos a integração total da Geórgia e seu acesso à condição de membro da
Organização do Tratado do Atlântico Norte no mais curto período possível”
34
.
Chamam a atenção as referências, em primeiro lugar, à possibilidade de
garantir a integridade territorial do país através da OTAN e, em seguida, à negação de
uma possível neutralidade do país. Ambas são referências diretas à Rússia, vista como
principal apoiadora das regiões separatistas do país. A primeira afirmação denota um
possível papel, a ser exercido pela OTAN, de guarda-chuva contra possíveis
intervenções russas no país em prol das regiões separatistas. A segunda faz referência
a uma declaração do embaixador russo na Geórgia, que repercutiu poucas semanas

33
Disponívelemhttp://www.unomig.org/media/headlines/?id=3612&y=2004&m=11&d=4
34
Disponívelemhttp://www.parliament.ge/index.php?lang_id=ENG&sec_id=98&info_id=15215
39
antes na imprensa, dizendo que interessava a Moscou a neutralidade georgiana.
Segundo o embaixador, “a Rússia quer ver a Geórgia como um Estado independente,
soberano e neutro, com relações amigáveis com a Rússia”
35
.
Outras autoridades russas também manifestaram abertamente a oposição de
Moscou ao ingresso georgiano na OTAN. Um comunicado oficial do Ministério de
Relações Exteriores da Rússia de setembro de 2006 ilustra bem a posição do país. O
comunicado foi expedido dias após o anúncio, pelo Secretário-Geral da OTAN, de que
a Organização iniciaria um “diálogo intensificado” com Tbilisi para o acesso do país à
Aliança. A nota do MRE russo afirmava que
“Nossa atitude negativa frente a isto é muito conhecida. A natureza dos novos
riscos e ameaças pedem esquemas de cooperação internacional diferentes da
expansão de alianças político-militares criadas durante os anos de Guerra Fria.
Qualquer expansão da OTAN provoca mudanças substanciais no campo da
segurança. Mas o caso da Geórgia tem um caráter especial por causa de sua
proximidade geográfica com a Rússia e da complexidade óbvia dos problemas do
Cáucaso. A entrada da Geórgia na presente e não-modificada OTAN (...) afeta
seriamente os interesses políticos, econômicos e militares da Rússia e terá um
efeito negativo na frágil situação do Cáucaso. (...) Nós achamos que nossos
parceiros da OTAN também têm algo a pensar sobre isso. É muito previsível que
a integração da Geórgia à Aliança piorará a percepção do público russo sobre a
Aliança ainda mais”
36
.
As declarações dos dois lados não mudaram de tom até o fim do governo
Putin. De um lado, o governo georgiano constantemente declarava sua intenção de se
tornar membro da OTAN no mais breve período possível. De outro, diversas
autoridades russas manifestavam sua oposição frente a este plano, por vezes
duramente, como na nota acima citada.
O auge das tensões ocorreu em abril de 2008, quando a Geórgia esperava
receber, no encontro de Bucareste da OTAN, a confirmação da aceitação do MAP.
Isso significaria o início do processo de acesso definitivo à organização. Contrariando
as expectativas georgianas, contudo, o MAP não foi aprovado durante o encontro,

35
Declaraçãodisponívelemhttp://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/eav030707.shtml
36
Disponívelem
http://www.mid.ru/brp_4.nsf/e78a48070f128a7b43256999005bcbb3/189f1fec3ba59380c32571f10052
77ba?OpenDocument
40
frente à oposição de alguns países europeus, destacadamente a França e a Alemanha.
A pressão russa pode ter influenciado na decisão da organização, mas o communiqué
emitido após o encontro deixava o caminho aberto para o ingresso georgiano à
Aliança no futuro. O documento dizia que
“A OTAN agradece as aspirações Euro-atlânticas da Geórgia e da Ucrânia. Nós
concordamos hoje que os dois países se tornarão membros da OTAN. (...) O
MAP é o próximo passo para a Ucrânia e para a Geórgia em seus caminhos para
se tornarem membros. (...) Portanto, nós começaremos agora um período de
engajamento intensivo com os dois países para resolver as questões ainda
importantes relacionadas às suas aplicações para o MAP”
37
.
As “questões ainda importantes”, no caso da Geórgia, são claramente os
problemas com a Rússia, em especial o conflito em torno das províncias separatistas.
A OTAN, uma aliança militar que diz em sua Carta constitutiva que um ataque a um
de seus membros é um ataque a todos eles, não poderia se permitir ter um de seus
membros envolvido numa guerra com a segunda maior potência militar do mundo.
No fim do governo Putin, portanto, ainda não havia definição quanto ao acesso
georgiano à OTAN. Da mesma forma, o país permanecia na CEI a despeito de toda a
oposição manifestada e o GUAM, mesmo com poucos avanços efetivos, seguia como
único foro regional para a manifestação de suas posições no espaço pós-soviético. O
que se pode afirmar é que, no nível institucional, entre 2004 e 2008, o diálogo russo-
georgiano foi marcado pela divergência e freqüentemente pelo conflito.
1.3- Geórgia e Rússia no Campo Militar
As relações da Geórgia com a Rússia no campo militar estão ligadas
especialmente a dois temas. O primeiro é o das bases militares russas no país, cuja
remoção a Geórgia pedia desde o governo Shevardnadze. O segundo refere-se aos
militares russos que atuam como peacekeepers nas regiões da Ossétia do Sul e da
Abkhazia, que freqüentemente se tornaram tema de controvérsia entre os dois países.
Outro fator importante, e que será aqui discutido, é a questão do terrorismo e o
programa de treinamento estabelecido em parceria com os Estados Unidos para o
combate ao problema na região de Pankisi, no norte do país.

37
Disponívelemhttp://www.nato.int/docu/pr/2008/p08049e.html
41
A questão das bases militares, como se viu, foi assunto abordado pelo presidente
Saakashvili desde os seus primeiros discursos. Esta foi uma das poucas controvérsias
bilaterais que puderam ser solucionadas até o fim do governo Putin em proveito da
Geórgia. Ainda assim, as negociações entre os dois países foram marcadas mais por
conflitos que por cooperação. A Rússia nunca se recusou a retirar suas bases do
território georgiano, mas o período para essa retirada foi o principal impedimento para
um acordo definitivo desde o início de 2004, quando Saakashvili foi eleito.
Na realidade, a questão das bases russas na Geórgia é foco de tensão entre os
dois países desde 1999, quando, no Encontro de Istambul da OSCE, “o governo Ieltsin
aceitou fechar as bases de Vaziani e Gudauta até julho de 2001 e negociar a retirada das
duas bases restantes, em Batumi e Akhalkalaki” (Devdariani, 2005, p. 191). As bases de
Vaziani e Gudauta foram de fato fechadas, em cumprimento do acordo, mas nenhum
compromisso foi conseguido no que se refere às duas bases remanescentes. Quando
Saakashvili chegou ao poder, então, uma de suas prioridades foi conseguir um
compromisso especificamente quanto ao fechamento das duas bases que permaneciam
em território georgiano. Além disso, o novo presidente pedia o monitoramento
internacional da base de Gudauta, localizada na Abkhazia e, portanto, fora do controle
do governo de Tbilisi (ver mapa 1.1).
Mapa1.1‐BasesdeGudauta(Abkhazia),BatumieAkhalkalaki
No início do ano de 2004, as divergências quanto às condições da retirada russa
eram evidentes. “A Rússia demandava um período de onze anos e, de acordo com o
ministro de relações exteriores da Geórgia, Tedo Japaridze, uma compensação
42
financeira de USD 500 milhões” (Devdariani, 2005, p. 191). A Geórgia, por sua vez,
insistia num prazo de retirada bem menor, que não superasse três anos.
Durante todo o ano de 2004, as divergências entre os dois países sobre as bases
permaneceram. Diversas rodadas de negociações bilaterais até o início do ano de 2005
falharam em produzir um acordo, o que tornou as divergências ainda mais acirradas. A
Rússia insistia em um prazo maior de retirada e, ao mesmo tempo, exigia um
compromisso do governo da Geórgia de não abrigar bases estrangeiras no país após a
saída russa. Embora concordasse em teoria com a demanda russa, Tbilisi se recusava a
inserir este compromisso num acordo. Em uma entrevista em janeiro de 2005,
Saakashvili afirmou que
“nós garantimos que não haverá bases militares estrangeiras na Geórgia, mas do
ponto de vista legal, será difícil incluir esta provisão no acordo. É difícil encontrar
uma formulação adequada para incluir esta provisão e, ao mesmo tempo, não
restringir nossa soberania”
38
.
Atores estrangeiros também estiveram envolvidos na controvérsia,
especialmente os Estados Unidos. A insistência americana de que a retirada completa
russa era uma precondição para a ratificação da Adaptação ao Tratado sobre Forças
Convencionais na Europa (CFE) irritou o Kremlin, que insistia que os dois assuntos não
estavam conectados
39
. A demanda americana se baseava no fato de a Declaração de
Istambul, que trazia as novas provisões do CFE, conter também uma declaração russo-
georgiana sobre as bases no país. Além de estabelecer a remoção das bases de Gudauta
e Vaziani, o texto dizia que “durante o ano de 2000 os dois lados completarão as
negociações sobre a duração e as modalidades de funcionamento das bases militares
russas em Batumi e Akhalkalaki e as instalações militares russas em território
georgiano”
40
. Para os americanos, um acordo sobre a retirada das bases era precondição
para o novo CFE. Na interpretação russa, em oposição, o documento nada afirmava
sobre a retirada de tropas, constituindo meramente uma declaração de que conversações
seriam estabelecidas sobre seu funcionamento. A divergência de interpretação sobre
este ponto causou diversas trocas de acusações entre os países durante todo ano de
2004, e o congresso americano acabou por não ratificar o acordo.

38
Declaraçãocitadaemhttp://www.civil.ge/eng/article.php?id=8841
39
Aratificaçãorussadotratadoocorreuemjunhode2004.
40
Disponívelemhttp://www.osce.org/documents/mcs/1999/11/4050_en.pdf
43
Em fevereiro de 2005, os ministros de relações exteriores da Rússia e da Geórgia
concordaram em estabelecer grupos de trabalho bilaterais para lidar com o problema das
bases e outras controvérsias em pauta. A despeito deste acordo, todavia, a tensão seguia
crescendo e, no início de março, o parlamento georgiano aprovou, por unanimidade,
uma resolução que dava ao processo de negociações sobre as bases um prazo até 15 de
maio – ou seja, pouco mais de dois meses – para que fosse conseguido um acordo entre
os dois países. Caso o prazo não fosse suficiente, o parlamento demandava que o
executivo tomasse medidas retaliatórias. As medidas autorizadas pelo parlamento
foram: a interrupção da emissão de vistos para militares russos; a cobrança, em relação
à Rússia, de todos os custos provocados pelo funcionamento das bases ao governo da
Geórgia; a determinação de todo o impacto ecológico causado pelo funcionamento das
bases; a implementação de um regime especial de movimento de pessoal e
equipamentos militares relacionados às bases russas; a implementação de um programa
para a inclusão social dos cidadãos georgianos empregados pelas bases”. Na mesma
resolução, o parlamento afirmava que
“até primeiro de janeiro de 2006, as bases militares russas estacionadas em
território georgiano funcionarão em regime de retirada (pull-out regime) que
devem servir ao objetivo último de sua saída do território da Geórgia. O
funcionamento de bases militares em outro regime é categoricamente inaceitável
para a Geórgia”
41
.
A resolução era, na prática, um ultimato. Se um acordo não fosse alcançado no prazo
estabelecido, as bases seriam expulsas do território georgiano.
O endurecimento da posição de Tbilisi, apesar de criticado pela Rússia, pareceu
trazer resultados.
“Enquanto a resolução parlamentar ainda estava em deliberação, [um representante
do Ministério da Defesa russo], em uma tentativa mal-sucedida de impedir sua
aprovação, disse que a Rússia aceitaria um período de retirada de três a quatro
anos, metade do tempo pedido pela delegação russa um mês antes” (Devdariani,
2005, p. 195).
O pedido, no mês anterior, havia sido de sete anos, o que já contemplava uma redução
significativa em relação à posição inicial russa, que pedia de 10 a 11 anos para a retirada
das bases.

41
Disponívelemhttp://www.parliament.ge/index.php?lang_id=ENG&sec_id=98&info_id=944
44
O resultado final das negociações, então, foi um documento muito favorável às
requisições georgianas. Em 30 de maio de 2005, os dois países emitiram uma
declaração conjunta em que definiam os termos da retirada das bases russas, que deveria
ser completada até o final de 2008. O prazo, bem menor do que aquele defendido
inicialmente para a Rússia, foi considerado pelo governo Saakashvili uma grande vitória
diplomática. A maior concessão feita pela Geórgia foi ter aceito discutir, num momento
futuro, a formação de um centro conjunto anti-terrorismo com a Rússia, aproveitando as
instalações da base da Batumi. A declaração conjunta de 2005 foi finalmente
transformada num extenso acordo oficial em abril de 2006 – já em meio ao processo de
retirada das bases. O acordo definia detalhadamente as fases da retirada e confirmava o
ano de 2008 como prazo final para o processo. No que se refere ao centro anti-
terrorismo, o acordo dizia que
“as partes, o mais breve possível, completarão a elaboração do Acordo sobre a
Fundação e o Funcionamento do Centro Russo-Georgiano Anti-Terrorista e o
prepararão para ser assinado. De acordo com este documento, uma parte acordada
do pessoal, dos recursos técnicos e dos materiais e da infra-estrutura da base militar
russa de Batumi será usada para o benefício do supracitado Centro”
42
.
Embora parte da oposição georgiana tenha declarado preocupação quanto às possíveis
repercussões desta cláusula, o centro anti-terrorismo não saiu do papel até o fim do
governo Putin.
Como resultado do acordo, as duas bases russas que ainda permaneciam em
território georgiano foram removidas antes do prazo previsto. A base de Batumi, a
última a ser desativada, foi entregue à Geórgia em novembro de 2007. No que se refere
às bases, o único problema que persistiu até o fim do governo Putin foi a fiscalização
internacional das instalações de Gudauta, na Abkhazia, a que a Rússia seguiu se
negando a consentir. Esta base está também ligada ao segundo e mais sério problema
russo-georgiano no campo militar: as regiões separatistas.
As guerras separatistas na Geórgia abalaram o país no mesmo período em que a
independência em relação à União Soviética era conquistada. A Abkhazia e a Ossétia do
Sul, as duas regiões que entraram em conflito com o governo central no início da década
de 1990, eram, à época, respectivamente uma república autônoma e uma região
autônoma no interior da República Socialista Soviética da Geórgia.

42
Textocompletodoacordodisponívelemhttp://www.civil.ge/eng/article.php?id=12247
45
“A União Soviética era uma federação assimétrica, que consistia de unidades
territoriais com status diferentes. No primeiro nível estavam as quinze repúblicas
da união, depois as repúblicas autônomas e depois as regiões autônomas. O drama
georgiano resultou da desintegração dessa estrutura, em que cada nível de
governança estava ordenado hierarquicamente – com o centro da união (Moscou)
no topo, a república da Geórgia no meio e, finalmente, a república autônoma da
Abkhazia e a região autônoma da Ossétia do Sul na base” (Zürcher, 2005, p. 86).
Quando a República da Geórgia começou a fazer movimentos no sentido de
conquistar sua independência em relação a Moscou, as repúblicas da Ossétia do Sul e da
Abkhazia, que já contavam com suas respectivas estruturas administrativas e elites
políticas, passaram a reivindicar também a independência em relação a Tbilisi. O
primeiro conflito a emergir foi com a Ossétia do Sul, em 1991.
“No conflito com a Ossétia do Sul, a Rússia se tornou um fator central. Pressão
política de Moscou, na forma de apoio militar mal-disfarçado para os ossetas e
gestos ameaçadores, como ataques esporádicos de helicópteros a vilas georgianas,
forçaram Shevardnadze a aceitar um cessar-fogo. Em julho de 1992, uma operação
de peacekeeping russo-osseta-georgiana sob liderança russa começou a monitorar o
cessar-fogo” (Zürcher, 2005, pp. 94-95).
Cerca de um mês após o fim da guerra com a Ossétia do Sul, Tbilisi teve de
enfrentar mais uma vez o problema do separatismo. Dessa vez, a Abkhazia reivindicava
sua independência frente ao governo central, e um novo conflito irrompia em território
georgiano.
“A Rússia, inicialmente, dividiu suas lealdades entre as duas partes do conflito abkhaz-
georgiano. (...) Entretanto, essas lealdades não permaneceram estáticas ao longo do
conflito; enquanto a violência persistia, mais e mais atores russos foram atraídos para o
lado abkhaz do conflito” (Antonenko, 2005, p. 211).
De fato, mais uma vez só foi possível chegar a um acordo de cessar-fogo com a
mediação russa e a aceitação da presença de outra missão de paz vinda de Moscou.
“A Geórgia e a Abkhazia assinaram um acordo de cessar-fogo e separação de forças em
Moscou em 14 de maio de 1994. O acordo foi concluído sob os auspícios da ONU com
facilitação da Federação Russa. Ele estabelecia o envio de forças da CEI para monitorar
sua implementação. (...) No dia 21, a força de peacekeeping russa (CISPKF), as únicas
tropas efetivamente envolvidas na missão da CEI, foram enviadas a duas zonas de
segurança” (Antonenko, 2005, p. 220).
46
A ONU também pôde enviar uma missão à Abkhazia, mas com o status apenas de
observadora. As únicas forças militares envolvidas no acordo foram as da CEI, que, na
prática, eram somente russas.
Mapa 1.2 A Abkhazia e Ossétia do Sul, as duas regiões separatistas da Geórgia, estão no norte do país, na
fronteiracomaRússia
Desde então, os dois conflitos permaneceram inalterados, e por isso receberam a
alcunha de “frozen conflicts” (conflitos congelados). A Abkhazia e a Ossétia do Sul se
tornaram Estados de facto, mas permaneceram sem reconhecimento internacional. As
negociações, em cada um dos casos, são estabelecidas de forma multilateral e dependem
da mediação ou da facilitação da Rússia, reconhecida como principal garantidora da paz
nas duas regiões.
Como já se mencionou, uma das principais propostas de Saakashvili ao chegar
ao poder era restabelecer a unidade do país. Isso significava, na prática, voltar a ter
controle efetivo sobre a Abkhazia e a Ossétia do Sul, com a conquista de um acordo
47
definitivo sobre o status dessas repúblicas no interior da Geórgia. A despeito das
iniciativas do presidente, todavia, nenhum avanço foi conseguido nas negociações com
as duas repúblicas e, ao contrário, o processo foi marcado, durante todo o período, por
um conflito entre Tbilisi e Moscou. Por vezes, os dois lados chegaram a falar da
possibilidade de uma retomada do conflito armado nas regiões rebeldes, o que
demonstra, de um lado, a fragilidade dos acordos conquistados e, de outro, o precário
relacionamento bilateral que se estabeleceu entre Geórgia e Rússia depois da Revolução
das Rosas.
O principal desentendimento entre a Geórgia e a Rússia na questão das
províncias separatistas foi quanto às forças de paz russas presentes no país e seu papel
na estabilização dos conflitos. Após uma série de controvérsias entre os dois países
durante o primeiro ano e meio do governo Saakashvili, então, o parlamento georgiano
aprovou uma resolução que criticava o papel da Rússia como mediadora dos conflitos e
pedia explicações sobre diversas medidas tomadas por Moscou em relação às regiões
rebeldes que, de acordo com o documento “[fortaleciam] os regimes separatistas e
[promoviam] a anexação de facto de parte do território georgiano
43
(grifo meu).
Entre outras coisas, o parlamento queixava-se da concessão, por parte de Moscou, de
cidadania russa a grande parte das populações da Abkhazia e da Ossétia do Sul, do
estabelecimento de um regime de vistos diferenciado para as províncias separatistas (um
regime de trânsito livre) em relação àquele vigente em relação à Geórgia e de um
suposto contrabando de armas russas, por meio de seus peacekeepers, às províncias
rebeldes, a despeito das proibições internacionais vigentes
44
.
Frente a todos estes problemas, o parlamento dava um prazo até 15 de julho de
2006 para sua solução por meio de negociações com a Rússia e com as províncias
rebeldes. Na eventualidade da permanência dos problemas, o parlamento pedia a
revogação dos acordos existentes e a expulsão das forças russas do país. Numa medida
semelhante àquela tomada em relação às bases russas, os parlamentares georgianos
endureciam o discurso em relação a Moscou visando à solução definitiva dos
problemas.

43
Disponívelemhttp://www.parliament.ge/index.php?lang_id=ENG&sec_id=98&info_id=7268
44
Essasmedidasestãodescritasnodocumento,disponívelem:
http://www.parliament.ge/index.php?lang_id=ENG&sec_id=98&info_id=7268
48
Ao contrário da posição de Moscou quanto às bases, todavia, em que uma
retirada já era aceita, restando apenas um acordo quanto ao prazo, não havia qualquer
disposição russa para retirar suas tropas de paz da Geórgia enquanto os conflitos não
fossem definitivamente solucionados. Isto ficou claro em uma nota oficial do Ministério
das Relações Exteriores russo, emitida no dia seguinte à aprovação da resolução pelo
parlamento georgiano. A nota dizia que
“a Rússia vê a resolução como uma ação provocativa, com vistas a aumentar as
tensões, quebrar com os formatos de negociação existentes e liquidar a base
jurídica de uma possível solução para os conflitos no território da Geórgia”.
Além disso, a nota deixava clara a posição da Rússia frente à possível expulsão de seus
peacekeepers e à eventual retomada dos conflitos na região. O ministério afirmava que
“as ações irresponsáveis de Tbilisi podem causar danos irreparáveis à solução
pacífica dos conflitos. A Geórgia precisa compreender que a opção da força, em
direção à qual alguns cabeças-quentes estão se inclinando, é rejeitada pela
comunidade internacional. A Rússia vai tomar todas as ações necessárias para
garantir a implementação dos acordos internacionais, prevenir a desestabilização na
região e proteger os direitos e interesses dos cidadãos russos vivendo ali”
45
.
A última frase da nota é particularmente relevante, já que grande parte das populações
da Abkhazia e da Ossétia do Sul são também cidadãos russos, o que inseria um tom de
ameaça ao documento.
O conflito sobre os peacekeepers persistiu, e o parlamento da Geórgia aprovou
outras duas resoluções, em fevereiro e julho de 2006, sobre as forças russas no país. Na
última delas, aprovada três dias após o prazo final definido pela resolução de 2005,
concretizava as ameaças prévias e pedia a retirada das tropas. O documento pedia ao
governo que tomasse
“os procedimentos necessários para imediatamente suspender as assim chamadas
operações de peacekeeping na Abkhazia e no antigo Distrito Autônomo da Ossétia
do Sul, para imediatamente retirar as forças armadas da Federação Russa do
território da Geórgia”
46
.

45
Disponívelem
http://www.mid.ru/brp_4.nsf/e78a48070f128a7b43256999005bcbb3/87b7fe6d8356e729c3257098005
8c7cc?OpenDocument
46
Disponívelemhttp://www.parliament.ge/index.php?lang_id=ENG&sec_id=98&info_id=13089
49
Em resposta à nova resolução, diversas autoridades russas expressaram
descontentamento, notadamente o ministro de relações exteriores, Sergei Lavrov, e o
ministro da defesa, Sergei Ivanov. O primeiro afirmou que
“nós protegeremos nossos cidadãos e nossos peacekeepers com todos os meios
disponíveis. Então, eu não recomendaria que ninguém ameaçasse a vida e a
dignidade de nossos cidadãos e de nossos peacekeepers”.
Ivanov, por sua vez, declarou que a resolução “não pode ter nenhum significado prático.
Para tomar uma decisão apropriada, o consentimento de pelo menos duas partes
envolvidas é necessário”
47
. A Rússia demonstrava, assim, que não aceitaria uma medida
unilateral georgiana de braços cruzados.
Apesar das resoluções do parlamento, o governo georgiano não chegou a tomar
medidas práticas para expulsar as forças russas do país. A tomada dessas medidas, na
verdade, seria na prática muito difícil, já que Tbilisi não tinha controle efetivo sobre as
regiões em que os soldados russos se encontravam. A decisão do parlamento, todavia,
demonstrava a posição do governo frente à situação dos conflitos. Na visão oficial, as
forças russas serviam apenas para tornar a situação imutável, garantindo a estabilização
de uma situação em que dois Estados de facto, muito mais próximos de Moscou que de
Tbilisi, existiam no interior das fronteiras internacionalmente reconhecidas do Estado
georgiano. Ainda em Outubro de 2007, Nino Burjanadze, líder do parlamento, dava
como certa a adoção de medidas para a retirada das forças russas do país, embora
evitasse falar em prazos ou medidas concretas.
É importante notar, também, que o governo georgiano, ao mesmo tempo em que
pedia a retirada das missões russas do país, advogava sua substituição por tropas
“neutras”, em oposição às missões vigentes, que supostamente favoreciam os
separatistas. Por “neutras”, Tbilisi queria dizer missões ocidentais, levadas a cabo pela
OSCE ou pela União Européia, sob os auspícios das Nações Unidas. Havia nesse caso,
então, uma tentativa de afastar os russos do país e, ao mesmo tempo, substituí-los pelos
países ocidentais.
No início de 2008, nos meses finais do governo Putin, as tensões entre os dois
governos sobre as regiões separatistas atingiram talvez o pior nível desde 2004. O início
do problema ocorreu com uma instrução dada pelo presidente Putin para estreitar os

47
Declaraçõescitadasemhttp://www.civil.ge/eng/article.php?id=13109
50
laços do país com a Abkhazia e com a Ossétia do Sul unilateralmente, sem qualquer
consulta prévia ao governo georgiano. De acordo com a determinação presidencial,
“o Governo foi ordenado a interagir com os organismos de poder de facto na
Abkhazia e na Ossétia do Sul, incluindo a organização de cooperação nas áreas
comercial, econômica, social e técnico-científica e nas esferas de informação,
particularmente com o envolvimento das regiões russas. (...) Órgãos executivos
federais foram instruídos a cooperar com a Abkhazia e com a Ossétia do Sul na
área de assistência legal em assuntos civis, familiares e criminais. Os órgãos do
Ministério de Relações Exteriores russos no território de Krasnodar e na República
da Ossétia do Norte (...) irão, em caso de necessidade, exercer funções consulares
no interesse de pessoas residindo permanentemente na Abkhazia e na Ossétia do
Sul”
48
.
As medidas adotadas unilateralmente pelo governo Putin provocaram fortes
reações por parte da Geórgia, que foi apoiada, ainda que somente por declarações, por
outras lideranças internacionais, em especial nos Estados Unidos. A embaixadora
americana à OSCE, por exemplo, disse que a Rússia estaria “abertamente tomando o
lado dos separatistas, pondo em questão seu papel de facilitador”
49
. O presidente
Saakashvili, dias após o anúncio das medidas, deu um discurso em que afirmava que
“na semana passada, de acordo com a tarefa determinada pelo presidente da Rússia,
a Federação Russa adotou um ato através do qual a anexação de facto de uma parte
muito importante da Geórgia foi diretamente legalizada. Eu quero enfatizar o que
está escrito neste ato. Está escrito que a Federação Russa não reconhece mais a
jurisdição do governo georgiano sobre os territórios da Abkhazia e da Ossétia do
Sul e que [a Rússia] terá contato direto com as lideranças separatistas – com os
executores de limpezas étnicas, com os autores de muitos atos criminosos. (...) A
Geórgia é vítima de um ato absolutamente ilegal e muito agressivo”
50
.
Até o final do governo Putin, a questão das regiões separatistas seguiu no centro
dos problemas entre os dois países, escalando ainda mais após a iniciativa supracitada.
Ainda em abril, a Rússia, usando como justificativa o aumento das tensões entre
Geórgia e Abkhazia, decidiu aumentar o número de peacekeepers na região, a despeito

48
Disponívelem
http://www.mid.ru/brp_4.nsf/e78a48070f128a7b43256999005bcbb3/b75734bac2796efbc325742d005
a6f7c?OpenDocument
49
Discursodisponívelemhttp://osce.usmission.gov/archive/2008/04/st_041708_georgia.pdf
50
Disponívelemhttp://www.president.gov.ge/?l=E&m=0&sm=3&st=10&id=2590
51
dos protestos de Tbilisi. Ao mesmo tempo, uma série de aviões não tripulados da
Geórgia foram derrubados em território abkhaz e, de acordo com a Geórgia, forças
russas foram responsáveis pelos acontecimentos. Russos e abkhazes, em resposta,
declararam que forças abkhazes haviam derrubado os aviões georgianos, que, estes sim,
violavam os acordos existentes entre as partes.
A ordem do presidente Putin, o aumento das forças na região e a questão dos
aviões levaram a Rússia e a Geórgia à beira de um conflito direto. Um documento do
International Crisis Group sobre o desentendimento dizia que
“indivíduos com ligações próximas à administração georgiana especulam que uma
guerra na Abkhazia é uma possibilidade real. Já em fevereiro de 2008, um oficial
avaliava, provavelmente com algum excesso, que existia uma chance de guerra de
50%, mas com a espiral de piora nas relações com Moscou, as chances não estão
melhorando. A frustração com o status quo é tanta que alguns em Tbilisi
favoreceriam qualquer ação para mudá-lo”
51
.
A questão dos peacekeepers foi apenas uma das que permearam as relações
entre Tbilisi e Moscou nos anos Saakashvili. Durante todo o período, crises seguidas
envolveram as ações dos dois países nas províncias separatistas e contribuíram para
piorar ainda mais as já complicadas relações bilaterais
52
. O problema, que já se arrasta
há mais de 15 anos, viu chegar o fim o governo Putin com uma ameaça clara de uma
nova guerra. Os “conflitos congelados” foram o tema que mais elevaram a temperatura
do difícil diálogo Geórgia-Rússia.
O último tema militar importante no relacionamento bilateral após a Revolução
das Rosas refere-se ao terrorismo. O problema veio à tona já em 1999, quando da
segunda guerra da Chechênia, empreendida por Moscou em resposta a uma série de
atentados terroristas supostamente empreendidos por líderes separatistas da região. Na
ocasião, os russos acusavam a região montanhosa de Pankisi, no norte da Geórgia, de

51
Disponívelem
http://www.crisisgroup.org/library/documents/europe/caucasus/193_georgia_and_russia_clashing_ove
r_abkhazia.pdf
52
Destacamse,paracitaralgumas,crisesenvolvendoopapeldeMoscouemeleiçõesnaAbkhaziaena
OssétiadoSul,acrisedeabastecimentodeáguanaOssétiadoSulqueseestendeupormaisdeumano,
aquestãodeumsupostoataquerussoàsposiçõesgeorgianasemKodori,emmarçode2007,eo
posteriorincidenteemquefoiencontradoummíssilrussonamesmaregião,emagosto.Umacriseséria
tambémemergiudedeclaraçõesdeoficiaisrussos,inclusivedopresidentePutin,ligandoaquestãode
Kosovo,quandoaindependênciadaprovínciasemostravaiminente,comoscasosdaOssétiadoSule
daAbkhazia.Outrosproblemasmenores,envolvendoaaçãodospeacekeepersedapoíciageorgiananas
regiõesdeconflito,tambémforamtemasdeconstantesdivergênciasentreosdoispaíses.
52
servir de esconderijo para uma série de milicianos que fugiam do conflito que se
desenrolava no norte do Cáucaso. Mais tarde, com os atentados de 2001 nos Estados
Unidos e a importância que ganhou o terrorismo na agenda internacional, o problema
cresceu em importância e as acusações russas foram reforçadas.
Inicialmente, os Estados Unidos se eximiram de corroborar com as acusações
russas, mas
“uma virada dramática ocorreu em fevereiro de 2002, quando Philip Remler,
chargé d’affaires americano em Tbilisi, fez referência à possível presença de
‘pessoas ligadas à Al Qaeda’ em Pankisi. A história apareceu nas primeiras páginas
dos jornais americanos, e a alegada presença de terroristas internacionais quase
imediatamente se tornou a base para a decisão de aumentar substancialmente a
ajuda militar americana à Geórgia. Isso tomou a forma do Georgia Train and Equip
Program (GTEP), programa de 64 milhões de dólares destinado a prover
capacidades antiterroristas às empobrecidas e mal pagas tropas georgianas”
(Devdariani, 2005, p. 183).
O auxílio americano, combinado com uma operação policial conduzida por
Tbilisi em 2002 para acabar com uma onda de seqüestros na região, reduziram o
problema, mas não o eliminaram definitivamente.
“Em setembro de 2002, Putin copiou uma página do livro da política recente
americana e, no primeiro aniversário dos ataques em Nova Iorque, ordenou o
desenvolvimento de um plano para ataques ‘preemptivos’ aéreos e terrestres em
Pankisi direcionados a eliminar os terroristas” (Devdariani, 2005, p. 186).
Diante da recusa americana em corroborar com a doutrina preemptiva russa, esses
ataques não chegaram a ser postos em prática, mas demonstraram a magnitude do
problema.
Nos anos que se seguiram à Revolução das Rosas, o problema do terrorismo
seguiu como motivo de conflito entre Moscou e Tbilisi. Em setembro de 2004, isso
ficou evidente quando, em um discurso numa sessão especial do governo, Putin
reafirmou que a Rússia tinha o direito de, através de ataques preemptivos, “destruir
criminosos em seus esconderijos e, se necessário, em outros países”
53
. A declaração era
a ressurreição do princípio declarado dois anos antes e nunca posto em prática. A
ameaça russa de intervir unilateralmente na Geórgia para combater terroristas, desde

53
Declaraçãocitadaemhttp://www.civil.ge/eng/article.php?id=7818
53
então, foi sempre uma fonte de discórdia entre os dois países, e nunca completamente
abandonada pelos russos. Demonstrando também o novo tipo de relação que emergia
entre a Geórgia e os Estados Unidos, no dia seguinte à declaração de Putin o porta-voz
do Departamento de Estado americano falava do sucesso dos programas antiterrorismo
estabelecidos na Geórgia. Em suas palavras “como resultado desses programas, Pankisi
não é mais um porto-seguro para terroristas”
54
.
A pressão russa à Geórgia foi intensificada após a crise do seqüestro em um
colégio em Beslan, em setembro de 2004. A partir de então, autoridades russas
passaram seguidamente a acusar Pankisi de abrigar terroristas chechenos e a pressionar
o governo georgiano a tomar providências. Em janeiro de 2005, por exemplo, a
embaixada russa em Tbilisi emitiu uma nota em que dizia que
“recentemente, oficiais russos fizeram algumas declarações públicas sobre a
presença de terroristas chechenos na região de Pankisi, na Geórgia, numa tentativa
de atrair a atenção da liderança georgiana, de agências relevantes e da sociedade
para este problema. (...) Mas, infelizmente, em resposta, em vez de tomar medidas
apropriadas, declarações foram feitas [por oficiais georgianos] de que Pankisi está
livre de terroristas”
55
.
E a Guerra de acusações não era unidirecional. Durante todo o período, o
governo georgiano também acusou Moscou de promover atos de terrorismo em seu
território com vistas a desestabilizar o país. Um exemplo foi uma explosão em Gori,
ocorrida em fevereiro de 2005. Após uma série de investigações, o ministro do interior
georgiano afirmou que
“de acordo com nossas informações, um ano e meio atrás o coronel Anatoly
Sisoev, do GRU da Rússia, montou um grupo de sabotadores, que (...) foi treinado
em território russo (...) Esse grupo foi responsável pelo ato terrorista em Gori”
56
.
O Ministério do Exterior russo se apressou em negar as acusações, que julgou uma
forma de provocação por parte da Geórgia. Menos de um ano depois, em janeiro de
2006, quando explosões na Ossétia do Norte danificaram um duto que levava gás à
Geórgia, mais uma vez Tbilisi acusou Moscou de estar por trás dos ataques,
supostamente empreendidos para pressionar Tbilisi, que ficaria sem importante
suprimento de gás no meio do inverno. Dessa vez, o Ministério do Exterior da Rússia

54
Declaraçãocitadaemhttp://www.civil.ge/eng/article.php?id=7819
55
Disponívelemhttp://www.georgia.mid.ru/interv/z5.html
56
Declaraçãocitadaemhttp://www.civil.ge/eng/article.php?id=10425
54
respondeu com uma nota enfurecida, em que dizia que Moscou estava fazendo o
possível para restaurar o abastecimento de gás à Geórgia e investigar as explosões. De
acordo com a nota,
“mesmo com esses esforços russos, direcionados a minimizar os efeitos do acidente
para a população da Geórgia, a julgar pelas agências de notícias, os comentários
que são ouvidos de Tbilisi só podem ser descritos como histeria e fanfarronice.
Praticamente todos os membros da liderança da Geórgia, como se estivessem
competindo uns com os outros, encontraram nessa situação uma possibilidade de
gerar uma espiral na campanha anti-russa. (...) Moscou se acostumou com a
maneira pela qual a liderança georgiana se comporta nas relações com a Rússia. Se
formou um misto de arrogância parasita, hipocrisia e descontrole, multiplicados por
um senso de impunidade na esperança de encontrar no Ocidente apoiadores de sua
linha anti-russa”
57
.
E a troca de acusações seguiu sendo a regra no relacionamento entre Tbilisi em
Moscou no que se refere a terrorismo. Tbilisi insistia, durante todo o período, que
Pankisi estava livre de terroristas e que Moscou patrocinava atos de terrorismo e
sabotagem contra o país. A Rússia, por sua vez, seguiu acusando a Geórgia de ser um
refúgio para terroristas. O último capítulo da troca de acusações ocorreu em março de
2008, nos meses finais do governo Putin. Após duas explosões no território da Ossétia
do Sul, o Ministério de Relações Exteriores russo emitiu uma nota dizendo que “dois
atos terroristas sanguinários foram empreendidos no território da Ossétia do Sul durante
este mês, e seus traços levam à Geórgia”
58
. A resposta georgiana, claro, foi a negação
das acusações, que classificou como infundadas.
Na verdade, todas essas trocas de acusações só refletiram o padrão de
relacionamento que se estabeleceu entre os dois países após a Revolução das Rosas. O
problema do terrorismo não resultou em ações preventivas concretas por parte dos dois
países, mas, ao contrário, a troca de ameaças e as acusações abertas, muitas vezes sem
evidências que as corroborassem, foram a tônica do relacionamento bilateral. Desde a
Revolução das Rosas até o final do governo Putin, a cooperação foi a exceção num

57
Disponívelem
http://www.mid.ru/brp_4.nsf/e78a48070f128a7b43256999005bcbb3/38c6ebbe3d803f1cc32570ff00427db0?OpenDocument
58
Disponívelem
http://www.mid.ru/brp_4.nsf/e78a48070f128a7b43256999005bcbb3/a271f991dbdac8dec325741900221284?OpenDo
cument
55
relacionamento que, em assuntos militares, foi marcado pela divergência e pelo
confronto.
1.4- Geórgia e Rússia no Campo Econômico
No campo econômico, as relações da Geórgia com a Rússia são extremamente
relevantes para o país do Cáucaso. Além de importante parceiro comercial, a Rússia era
o único fornecedor de energia à Geórgia em 2004, o que dava um aspecto estratégico ao
relacionamento bilateral nessa área. Para além da compra direta de energia, a questão
das rotas de transporte do petróleo e do gás do Mar Cáspio e da Ásia Central permeia o
relacionamento entre os dois países nessa área, e aí o Ocidente – em especial os Estados
Unidos - tem papel central.
O primeiro foco de desentendimentos entre Geórgia e Rússia na área econômica
no período pós-revolução esteve justamente ligado ao setor energético e foi herdado da
era Shevardnadze. O problema era a construção do oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan
(BTC), destinado a transportar o petróleo do Mar Cáspio até a Turquia – e daí ao
restante da Europa – através do Azerbaijão e da Geórgia, sem passar pela Rússia. O
maior incentivador da construção do gasoduto, desde o início, foi o governo americano.
“Sem o apoio de Washington, o oleoduto BTC provavelmente não teria sido
construído. Companhias envolvidas no BTC precisaram da intervenção americana
para garantir o apoio dos governos locais e o financiamento de instituições
internacionais. Com o encorajamento americano, a International Finance
Corporation (IFC) – o braço no setor privado do Banco Mundial – concordou em
participar do projeto BTC em novembro de 2003” (Helly & Gogia, 2005, p. 279).
Enquanto os Estados Unidos apoiavam e incentivavam o projeto, a Rússia o
reprovava, já que o via como uma iniciativa política que visava diminuir a dependência
ocidental da Rússia como fornecedora e transportadora de energia. Apesar da oposição
russa, entretanto, o BTC foi concluído em 2005. Em maio daquele ano, o oleoduto
começou a funcionar, e aumentou gradativamente sua capacidade, planejada para atingir
o teto em 2010. Para a Geórgia, a importância do empreendimento reside nas tarifas de
trânsito que o país arrecada com o transporte do petróleo por seu território.
Apesar de sua importância política e da oposição Leste-Oeste que envolveu,
todavia, o BTC não foi o único, e sequer o maior, problema russo-georgiano na área de
56
energia desde a Revolução das Rosas. Um problema que perpassou todo o período
Saakashvili, até o fim do governo Putin na Rússia, foi a questão do gás. Desde o início
de seu governo, Saakashvili manifestou a intenção de diversificar o fornecimento de gás
do país, que então era completamente dependente da Rússia no setor. Em julho de 2004,
por exemplo, um porta-voz do Ministério da Energia falava da possibilidade de importar
gás do Irã em situações emergenciais, embora reconhecesse as dificuldades de importar
o produto regularmente. Em suas palavras,
“o gás iraniano pode servir como uma fonte alternativa de gás para a Geórgia
apenas em casos de emergência e no caso de a Rússia parar ou reduzir o
suprimento de gás. O Irã não pode ser um fornecedor permanente, já que o gás
iraniano é mais caro”
59
.
No início de 2005, no mesmo sentido, o primeiro-ministro Zurab Zhvania demonstrava
preocupação em depender exclusivamente do gás russo e instruiu o Ministério de
Energia a desenvolver um plano para diversificar os fornecedores georgianos.
As preocupações de Tbilisi com o setor energético e o conflito com a Rússia a
esse respeito se intensificaram quando dois problemas passaram a preocupar o país
simultaneamente: uma crise energética nacional e a intenção russa de elevar o preço do
gás. No início de 2005, apenas a capital do país tinha suprimento de energia durante
todo o dia. Nas outras regiões, o suprimento era limitado, e as faltas de energia
constantes. Por volta da metade do mesmo ano, a Gazprom, estatal russa de energia,
começava a iniciar conversas no sentido de elevar o preço do gás para os países da CEI,
o que ameaçava diretamente a já frágil segurança energética georgiana. Em setembro
daquele, ano, confirmando as expectativas, a Gazprom de fato anunciou o aumento
substancial do valor do gás para a Geórgia. Mil metros cúbicos de gás, que
anteriormente custavam 62,5 USD, passariam, a partir de 2006, a custar 110 USD, ou
quase o dobro do preço anterior
60
.
Apesar das alegações da Gazprom, que dizia que as alterações visavam adequar
os preços ao mercado, o governo georgiano viu as mudanças como uma decisão política
de Moscou. Nas palavras do então primeiro-ministro georgiano,

59
Declaraçãocitadaemhttp://www.civil.ge/eng/article.php?id=7499
60
Informaçõesdisponíveisemhttp://www.gazprom.ru/eng/news/2005/09/17903.shtmle
http://www.gazprom.ru/eng/news/2005/12/18580.shtml
57
“nós já recebemos gás aos preços do mercado, um preço de mercado para a nossa
região – o Sul do Cáucaso. Claro que os preços do gás, por exemplo, para a
Alemanha e para o Sul do Cáucaso, serão sempre diferentes, porque o gás da nossa
região vem da Ásia Central. (...) O preço do gás para outros países também vai
aumentar, mas para a Geórgia ele aumenta mais que para outros países. Então eu
acho que isso é uma decisão puramente política”
61
.
No mesmo sentido, Saakashvili disse que “isso é claramente uma decisão política. O
incremento do preço do gás vai atingir a economia georgiana, mas não vai suprimir o
ambiente democrático”
62
.
A controvérsia em torno do novo preço do gás, que acabou tendo que ser aceito
pela Geórgia, não foi a única que perturbou as relações bilaterais. Em janeiro de 2006,
explosões em dois gasodutos na Ossétia do Norte interromperam temporariamente o
abastecimento na Geórgia, num momento em que o país atravessava um rigoroso
inverno – período em que a necessidade de aquecimento artificial aumenta ainda mais o
consumo de energia. Mais uma vez, o governo georgiano acusou Moscou de estar por
trás do ato, o que o governo Putin negou veementemente. A escalada na crise, que
transformou a já precária situação energética georgiana num verdadeiro caos, deu mais
um impulso para o governo buscar novas fontes de energia, em especial novos
fornecedores de gás. Em um discurso no dia 30 de janeiro, Saakashvili anunciou que
“Nós estamos trabalhando para garantir que, já no próximo inverno, a parcela da Rússia
no fornecimento de energia à Geórgia decresça de forma significativa”
63
. De fato, o país
importou algum gás do Irã durante a crise de abastecimento, mas deixou de fazê-lo
quando os gasodutos russos foram reparados. Durante o restante do ano, o governo
trabalhou para selar um acordo com o Azerbaijão, que deveria se tornar o principal
fornecedor de gás do país já em 2007.
Devido a atrasos, entretanto, a Rússia seguiu fornecendo grande parte do gás
georgiano em 2007. Novamente, para esse ano os preços foram elevados, dessa vez a
235 USD por 1000 metros cúbicos, mais que dobrando o preço cobrado no ano
anterior
64
. Novas acusações de motivações políticas foram feitas pelas lideranças
georgianas, mas novamente o aumento teve de ser acatado. Em março de 2007, a

61
Declaraçãocitadaemhttp://www.civil.ge/eng/article.php?id=11216
62
Declaraçãocitadaemhttp://www.civil.ge/eng/article.php?id=11255
63
Disponívelemhttp://www.president.gov.ge/?l=E&m=0&sm=3&st=100&id=1406
64
Informaçãodisponívelemhttp://www.gazprom.ru/eng/news/2006/12/22080.shtml
58
Geórgia finalmente iniciou a importação de gás do Azerbaijão, a um preço de 120 USD
por 1000 metros cúbicos, pouco mais da metade do preço cobrado pela Rússia. Cerca de
40% do gás importado pelo país em 2007 veio da Rússia, uma importante redução, já
que até 2006 os russos eram os únicos fornecedores georgianos.
Além da área energética, outros campos do comércio russo-georgiano também
foram marcados por crises entre 2004 e 2008. O primeiro entrevero surgiu em dezembro
de 2005, quando o ministério da agricultura russo emitiu uma ordem banindo a
importação de produtos agrícolas georgianos, alegando que estes não atendiam os
padrões sanitários estabelecidos por Moscou. Em março de 2006, a Rússia passou a
proibir também a importação de vinho georgiano, novamente alegando razões sanitárias.
Em maio do mesmo ano, a proibição se estendeu também à água mineral da Geórgia,
pelas mesmas razões. As proibições eram significativas, vindo de um país que, em
2005, havia comprado um quinto das exportações georgianas, sendo seu principal
parceiro comercial. No mesmo ano, ademais, o vinho havia sido o principal produto de
exportação da Geórgia. Naquele ano, as bebidas alcoólicas e derivados do tabaco
responderam por um quarto do valor total das exportações do país. Em 2006, quando
começaram a vigorar as proibições russas, a participação desses produtos no total de
vendas do país caiu para menos de um sexto, e o valor absoluto caiu em mais de 50
milhões de dólares
65
.
Em setembro de 2006, mais uma crise prejudicou as relações econômicas
bilaterais. Em razão da prisão de quatro oficiais russos acusados por Tbilisi de
espionagem, teve início uma crise diplomática que levou os países a um conflito de
proporções imensas. A Rússia, em resposta à ação georgiana, tomou medidas duras. No
dia seguinte à prisão, Moscou emitiu nota dizendo que
“foi decidido chamar o embaixador da Federação Russa na Geórgia, Vyacheslav
Kovalenko, a Moscou para consultas. Por causa da crescente ameaça à segurança
do pessoal das agências russas na Geórgia e dos membros de suas famílias, foi
decidido começar uma evacuação parcial daquele país. (...) Dada a situação atual, o

65
InformaçõesdoDepartamentodeEstatísticasdaGeórgia,disponíveisem
http://www.statistics.ge/_files/yearbook/Yearbook_2007.pdf
59
Ministério de Relações Exteriores recomenda aos cidadãos russos que evitem
viagens à Geórgia”
66
.
O tom da nota russa dava a entender que era iminente um conflito armado com a
Geórgia. Medidas de evacuação do país estavam sendo preparadas e o embaixador era
chamado de volta. Nos dias que se seguiram, a Rússia também deixou de emitir vistos a
cidadãos georgianos e cortou todas as ligações aéreas, postais e navais com o país. Além
de claras ameaças, as ações russas, que se prolongaram muito além da crise (os supostos
espiões foram soltos no dia 2 de outubro), tiveram impacto importante, de médio prazo,
nas relações bilaterais. Apenas em janeiro de 2007 o embaixador russo retornou à
Geórgia. Em maio do mesmo ano os vistos a georgianos voltaram a ser emitidos pela
Rússia e só em março de 2008 voltaram a ser realizados vôos comerciais entre os dois
países.
Todas essas crises tiveram impacto sensível no comércio exterior da Geórgia
com a Rússia. Em 2004, o país exportou 104 milhões de dólares para o vizinho. Em
2007, esse valor havia caído para 53 milhões, praticamente a metade. Em compensação,
as importações feitas da Rússia subiram de 233 milhões de dólares em 2004 para 578
milhões de dólares em 2007. O peso da série de controvérsias com Moscou, como se
poderia supor, recaiu sobre a economia mais frágil. O déficit de 130 milhões de dólares
no comércio bilateral em 2004 passou a 525 milhões em 2007. Só no primeiro trimestre
de 2008, mais 100 milhões de dólares de déficit no comércio bilateral foram
acumulados pela Geórgia
67
. As políticas de Moscou impactaram de fato na Geórgia,
reduzindo em muito as exportações do país ao vizinho do norte. Por outro lado, a
fragilidade georgiana não permitiu que uma ação similar fosse empreendida, e as
compras da Rússia só aumentaram em meio a todas as crises bilaterais.
1.5- Uma Relação Turbulenta
Todo o descrito acima demonstra um desenvolvimento uniforme da política
externa georgiana desde a Revolução das Rosas. A opção do afastamento em relação à
Rússia, simétrica a uma aproximação com o Ocidente, em especial com os Estados

66
Disponívelem
http://www.mid.ru/brp_4.nsf/e78a48070f128a7b43256999005bcbb3/6d43f8ba3dd2944fc32571f7004f
606d?OpenDocument
67
EssesdadostêmcomofonteoDepartamentodeEstatísticasdaGeórgiaeestãodisponíveisem
http://www.statistics.ge
60
Unidos, pôde ser observada nos três campos analisados – o institucional, o militar e o
econômico. Como se viu, quatro anos após o movimento que levou Saakashvili ao
poder, o governo Putin se encerrava na Rússia com os dois países à beira de um
conflito, fomentado pelo maior problema bilateral: a questão do separatismo na
Geórgia.
Esse padrão de relacionamento é coerente com a proposta inicial de Política
Externa apresentada por Saakashvili. Em seus primeiros discursos, ele deixou claro que
o relacionamento com Moscou seria guiado por um suposto pragmatismo, e os objetivos
georgianos – a unificação definitiva do país, a diversificação das fontes e rotas
energéticas e a aproximação com as instituições Euro-atlânticas – não seriam
sacrificados em nome de um relacionamento harmonioso com os russos.
No campo institucional, o país se distanciou da CEI, acusada de ser um
instrumento de política externa russa e formalmente responsável pela tão denunciada
operação de paz na Abkhazia. Ao mesmo tempo, buscou o desenvolvimento do GUAM,
visto como a antítese da CEI na região da ex-União Soviética e como um possível
trampolim para se aproximar das instituições Euro-atlânticas – o objetivo final de
Saakashvili, que representaria a independência definitiva em relação a Moscou no
campo institucional. Militarmente, a expulsão dos russos do país foi o principal
objetivo, seja no tocante às bases militares ou em relação aos peacekeepers nas regiões
separatistas. No caso dos peacekeepers, mais uma vez a opção proposta era a
substituição da Rússia pelo Ocidente, uma constante no discurso externo de Saakashvili.
As bases foram efetivamente retiradas, mas os peacekeepers russos permaneceram em
território georgiano, a despeito das seguidas críticas, e foram o principal foco do
conflito bilateral durante todo o período. Finalmente, no campo econômico, o
afastamento em relação à Rússia ganhou um sentido de mão única, e não em favor da
Geórgia. A dependência das importações do vizinho do norte não pôde ser reduzida e,
ao contrário, se ampliaram no período analisado. Enquanto isso, as exportações para a
Rússia sofreram forte redução em virtude de medidas restritivas de Moscou, ampliando
significativamente o déficit georgiano na balança do comércio bilateral.
O pragmatismo proposto, portanto, freqüentemente ganhou contornos de um
áspero confronto, que chegou próximo a um conflito armado em 2006 e, no início de
2008, mais uma vez anunciava a possível retomada de uma guerra em território
georgiano. Até a retirada das bases russas do país, grande vitória diplomática de
61
Saakashvili no relacionamento com Moscou, acabou obscurecida frente a todos os
outros problemas bilaterais, que culminaram com a intervenção russa na Ossétia do Sul
pouco depois do fim do governo Putin. Quando se leva em conta o relacionamento
bilateral que se desenvolveu desde a Revolução das Rosas, o conflito em questão parece
a crônica de uma morte anunciada, embora tenha pego muitas lideranças mundiais de
surpresa.
A primeira das Revoluções Coloridas na pós-União Soviética, então, cumpriu no
plano externo aquilo que anunciou: a oposição russa ao movimento que levou
Saakashvili ao poder transformou-se, durante todo o restante do governo Putin, num
conflito quase ininterrupto entre Tbilisi e Moscou em todas principais esferas do
relacionamento bilateral.
62
Capítulo 2- Laranja no Leste Europeu
2.1- A Revolução Laranja
O movimento que ficou conhecido como “Revolução Laranja”, ocorrido na
Ucrânia em 2004, teve suas raízes em uma eleição presidencial. Ao contrário do que
ocorreu na Geórgia, portanto, a substituição do então chefe de Estado, Leonid Kuchma,
já estava preparada para aquele outono. Seguindo as normas constitucionais, o então
presidente sequer se candidatou à reeleição. Kuchma estava no cargo desde 1994 e
completava, portanto, dez anos à frente do país. Embora não pudesse se candidatar
novamente, o presidente já tinha seu sucessor escolhido: Viktor Yanukovich, então
primeiro-ministro.
Desde 2001, mudanças na liderança ucraniana indicavam para o fortalecimento
da oposição e, ao mesmo tempo, para o enfraquecimento da base de apoio de Kuchma,
que viu muitos de seus aliados migrarem para partidos rivais. O início do isolamento de
Kuchma está ligado a um episódio que ficou conhecido como Kuchmagate. Em 2001,
Mykola Melnychenko, antigo aliado do presidente, divulgou gravações em que Kuchma
ordenava o assassinato de Georgi Gongadze, jornalista ligado à mídia oposicionista.
Essas gravações geraram muitos protestos no país e no exterior. O principal reflexo
interno foi o início de um movimento de desagregação na coalizão governamental, com
a migração de um número crescente de parlamentares para a oposição (Way, 2005, p.
138 e 139).
Muitas das lideranças da Revolução Laranja haviam sido, num passado recente,
aliados de Kuchma. O próprio Viktor Yushchenko foi um importante elemento da base
de apoio do presidente, chegando a exercer o cargo de primeiro-ministro (que, na
Ucrânia, era apontado pelo presidente) entre 1999 e 2001. Após deixar o cargo,
Yushchenko se tornou a principal liderança oposicionista do país, fundando o bloco
Nossa Ucrânia, que esteve à frente do movimento laranja. Yulia Tymoshenko, outra
figura-chave da oposição, também já havia participado da base de apoio presidencial.
Desde 2001, então, a oposição ganhou força no país. Já nas eleições
parlamentares de 2002, os partidos oposicionistas receberam a maioria dos votos da
parte da eleição que seguia o sistema proporcional. Além disso, o Nossa Ucrânia foi,
individualmente, o partido que elegeu mais deputados para o parlamento (Way, 2005, p.
63
132). Era a demonstração prática de que a coesão do bloco presidencial estava se
desfazendo.
A debandada dos apoiadores de Kuchma teve novo impulso em 2004. Um
grande número de parlamentares, durante a campanha presidencial, abandonou o
suporte ao governo e passou para a oposição. A base de apoio de Kuchma estava ligada
à oligarquia do país, formada na segunda metade da década de 90, quando um grande
processo de privatizações transferiu às mãos de alguns indivíduos boa parte das riquezas
estatais – nos moldes do que aconteceu na Rússia de Yeltsin um pouco antes. Essa
oligarquia ocupava importantes postos no parlamento e em órgãos administrativos, mas
não tinha uma sólida base ideológica. A percepção de que Yushchenko havia se tornado
favorito nas eleições, portanto, foi fator fundamental para que boa parte dessa elite
transferisse seu apoio à oposição, temerosa de acabar do lado derrotado do pleito (Way,
2005, p. 136).
O primeiro turno das eleições, ocorrido em 31 de outubro de 2004, foi muito
disputado. O candidato da oposição, Viktor Yushchenko, ficou em primeiro lugar com
39,9% dos votos. Logo atrás ficou o candidato apoiado pelo presidente, Viktor
Yanukovich, com 39,2% do total. Os demais concorrentes tiveram votações
inexpressivas. Em 21 de novembro, então, os dois candidatos mais bem colocados
disputaram o segundo turno das eleições. De acordo com os resultados anunciados pela
Comissão Eleitoral Central do país, Yanukovich havia sido o vencedor, com uma
pequena diferença (menos de 3%) em relação a Yushchenko.
Já no dia 22 de novembro, estava claro para os observadores que houve sérias
violações durante o processo eleitoral. Em primeiro lugar, em alguns distritos
claramente favoráveis a Yanukovich houve um comparecimento eleitoral muito superior
àquele que havia acontecido no primeiro turno. O mesmo não se repetiu nos redutos
eleitorais de Yushchenko. A OSCE também reportou abusos de outros tipos em alguns
distritos, como a falsificação de votos e a intimidação de eleitores. Outra fraude
denunciada pela oposição foi um sistema que ficou conhecido como “carrossel”, em que
eleitores de Yanukovich eram levados em trens e ônibus a diversos distritos eleitorais,
votando repetidas vezes no candidato do governo (Wilson, 2005, p. 108 e seguintes).
Tudo isso motivou os protestos em larga escala que em pouco tempo tomaram a capital
Kiev.
64
Como na Geórgia, as Organizações Não-Governamentais e outros movimentos
populares tiveram um papel importante durante as manifestações que deram origem à
Revolução Laranja. ONGs do país auxiliaram no monitoramento do pleito e fizeram
apurações paralelas às oficiais para constatar possíveis desvios entre os resultados. Teve
particular importância, ainda, o movimento jovem PORA! (Está na Hora! Em
ucraniano). O movimento foi treinado por antigos membros da Otpor! e da Kmara!, que
tiveram papéis importantes, respectivamente, nas quedas de Milosevic e Shevardnadze.
Era uma demonstração da inspiração que a Revolução das Rosas representava para os
oposicionistas ucranianos em 2004.
Já a partir do dia 22 de novembro, um número crescente de manifestantes passou
a se reunir na praça central de Kiev para protestar contra as fraudes eleitorais. O laranja,
cor escolhida para a campanha do Movimento Nossa Ucrânia, de Yushchenko, se tornou
o símbolo das manifestações e acabou, mais tarde, dando nome à revolução.
As manifestações populares, reunidas às pressões internacionais, acabaram
fazendo com que a Suprema Corte da Ucrânia declarasse inválidos os resultados do
segundo turno das eleições e convocasse uma nova rodada eleitoral para o dia 26 de
dezembro. Isto representou, na prática, uma reversão da posição do governo, que cedia à
crescente pressão. Àquela altura, Viktor Yanukovich já havia sido declarado vencedor
pela Comissão Eleitoral do país.
O esfacelamento da base de apoio presidencial foi fator fundamental para o
sucesso da Revolução Laranja. O parlamento foi o primeiro órgão do governo a
reconhecer a fraude nas eleições e a enfatizar a necessidade de uma nova rodada
eleitoral. Outros funcionários estatais também abandonaram o presidente durante os dias
de manifestações populares, especialmente nos órgãos de segurança. Diplomatas e
outros altos funcionários do governo fizeram o mesmo (Arel, 2005, p. 4). O golpe
decisivo foi a decisão da Suprema Corte de repetir a realização do segundo turno, em
desacordo com as determinações presidenciais.
Na repetição do segundo turno, que atraiu, além dos observadores internos e
internacionais, grande atenção da imprensa estrangeira, as eleições correram de forma
muito mais limpa e ordenada. Os novos resultados demonstraram que as fraudes
realmente haviam feito a diferença na rodada anterior. No novo pleito, Yushchenko foi
declarado vencedor, com 52% dos votos, contra 44% de Yanukovich.
65
Os resultados do turno adicional das eleições dizem muito acerca do ambiente
político no país à época da Revolução Laranja. Em primeiro lugar, ao contrário do que
ocorreu na Geórgia, onde se formou um consenso da oposição em torno da candidatura
de Saakashvili, na Ucrânia os adversários de Kuchma não constituíam um único e coeso
bloco. O Partido Comunista da Ucrânia (KPU), que se dizia de oposição a Kuchma, foi
o maior exemplo disso. Os comunistas estavam muito afastados do Movimento Nossa
Ucrânia, que consideravam excessivamente nacionalista e, paradoxalmente, manipulado
pelos países ocidentais. O KPU estava, na realidade, menos distante de Yanukovich que
de Yushchenko, embora se opusesse a ambos (Kuzio, 2005, p. 178).
Em segundo lugar, também diferentemente da Revolução das Rosas, o resultado
das eleições revela que não existia um apoio generalizado em torno da candidatura de
Yushchenko, nem sequer uma condenação unânime a Kuchma e a Yanukovich. A
diferença relativamente apertada do turno adicional das eleições, que foi considerado
limpo pelos observadores internacionais, demonstra que os eleitores de Yanukovich
formavam uma importante parcela do país, mesmo depois de todas as condenações
internas e externas que o candidato sofreu após o segundo turno.
Por último, uma análise da distribuição regional de votos na Ucrânia mostra um
país dividido também geograficamente. Nas regiões leste e sul do país, Yanukovich teve
vitória esmagadora. O oposto ocorreu nas regiões central e oeste, que deram vitória
incontestável a Yushchenko. A Ucrânia tem 27 regiões (ou oblasts, um tipo de divisão
administrativa). Yushchenko ganhou em 17 delas, que correspondem a 52% do
eleitorado do país. Yanukovich, por sua vez, venceu em 10, que concentram 48% do
eleitorado. Em apenas um território, Kherson, no sul do país, a diferença entre os
candidatos foi pequena (51% a 49% em favor de Yanukovich). Em todos os demais, o
candidato vitorioso teve maioria esmagadora. Depois de Kherson, o resultado mais
próximo foi em Kirovograd, onde Yushchenko teve cerca de 31% de vantagem sobre
seu oponente (Arel, 2005, p. 6).
A distribuição regional dos votos corresponde também à divisão lingüística da
população. No leste e sul do país, o russo é a língua predominante para a maioria da
população. No centro e no oeste, ao contrário, o ucraniano é a língua mais utilizada
(Arel, 2005, p. 9). Uma divisão tão marcada do país constituiu importante preocupação
para o novo governo. Autoridades ucranianas, após as eleições, “avisaram os líderes da
Ucrânia oriental que qualquer discurso pelo separatismo seria severamente punido”
66
(Woehrel, 2005, p. 5 e 6), demonstrando preocupação com possíveis tentativas de
secessão, embora não haja minorias étnicas ou nacionais importantes no país (exceto na
Criméia, de população predominantemente russa).
Se internamente houve diferenças importantes entre a Revolução Laranja e sua
correspondente georgiana, o mesmo não se pode dizer do papel dos atores estrangeiros
nos dois processos. Também na Ucrânia, o Ocidente e a Rússia tiveram papéis
importantes nos acontecimentos que levaram à revolução.
A OSCE, mais uma vez, teve participação decisiva. Como durante a Revolução
das Rosas, a organização enviou uma equipe de monitores para as eleições ucranianas,
que se apressaram a relatar as fraudes ocorridas durante o processo eleitoral. Além dos
problemas no dia da votação, a organização já havia relatado abusos durante a
campanha, dizendo que a oposição não tinha o mesmo acesso à mídia que os partidos
pró-governo e era alvo de perseguição constante por parte do presidente. Um episódio
que demonstra com clareza o tratamento dispensado à oposição durante as eleições de
2004 é o atentado sofrido por Yushchenko, que, em setembro daquele ano,
“ficou seriamente doente após jantar com o chefe dos serviços de segurança
ucranianos. (...) Yushchenko logo continuou sua campanha, mas seu rosto estava, e
permanece, seriamente marcado” (Woehrel, 2005, p. 2).
Mais tarde, constatou-se que o candidato havia sido envenenado.
A União Européia também manifestou comprometimento com a garantia de um
processo eleitoral lícito na Ucrânia. Após a divulgação dos resultados do segundo turno,
e com o suporte da OSCE, a maior parte dos países membros da organização se recusou
a reconhecer Yanukovich como presidente.
Talvez ainda mais importante tenha sido o papel dos Estados Unidos durante
todo o processo eleitoral. Já em 22 de julho de 2004, o senado americano aprovou
resolução condenando as violações às normas da OSCE durante a campanha eleitoral na
Ucrânia. Em outubro, resolução semelhante foi aprovada exortando o presidente Bush a
advertir o governo ucraniano das conseqüências negativas que eventuais fraudes
eleitorais poderiam acarretar nas relações entre os dois países. Em 18 de novembro, uma
nova resolução foi expedida, autorizando o governo a tomar medidas contra indivíduos
envolvidos em fraudes eleitorais na Ucrânia. O Senador Richard Lugar, a pedido do
presidente Bush, foi à Ucrânia para monitorar pessoalmente o segundo turno das
67
eleições. A exemplo do que aconteceu na Geórgia, ele levou uma carta de Bush a
Kuchma, alertando que as relações dos dois países poderiam ser prejudicadas se as
eleições fossem adulteradas (Woehrel, 2005, p. 10). As eleições foram posteriormente
classificadas por Lugar como completamente fraudulentas.
Se os países ocidentais tiveram forte participação no processo eleitoral
ucraniano, o mesmo se pode dizer, embora em sentido oposto, da participação russa. No
caso ucraniano, o envolvimento russo foi ainda mais enfático do que o ocorrido um ano
antes na Geórgia. O presidente Vladimir Putin deu declarações apoiando
ostensivamente o candidato do governo, Viktor Yanukovich. Mais que isso, contrariou
os governos ocidentais ao reconhecer a vitória de Yanukovich antes mesmo de os
contestados resultados do segundo turno das eleições serem divulgados oficialmente.
É notório que a maior parte dos Estados membros da CEI tenham seguido a
Rússia e reconhecido a vitória de Yanukovich. Mikhail Saakashvili, ao contrário,
apoiou a Revolução Laranja, ressaltando que a Ucrânia seguia, então, o exemplo da
Geórgia no caminho da democratização definitiva.
2.1.1- O Projeto Político do Novo Governo
A plataforma política do novo governo ucraniano ficou muito clara já durante a
campanha eleitoral que levou à Revolução Laranja. Durante todo o período, a política
externa defendida por cada um dos candidatos foi tema central dos debates. De um lado,
Viktor Yanukovich defendia a aproximação com a Rússia como foco das ações externas
ucranianas e, em troca, recebia o apoio do Presidente Putin. Enquanto isso, Viktor
Yushchenko advogava uma aproximação cada vez maior com a Europa e, de uma forma
geral, com as instituições ocidentais.
Após assumir o governo, então, Yushchenko seguiu a linha que orientou sua
campanha. Internamente, o novo presidente defendia o fortalecimento da democracia
ucraniana, denunciando os princípios que orientaram a vida política do país desde a
independência. Era a continuação natural da Revolução Laranja, que tinha na luta contra
o autoritarismo sua principal bandeira. Em um discurso proferido em abril de 2005,
frente a uma sessão conjunta do Congresso americano, o Yushchenko afirmou que
“eleições livres e justas trouxeram ao governo uma nova geração de políticos não
comprometidos com a mentalidade do passado soviético. (...) Nós estamos
68
construindo um novo modelo de comportamento para o nosso governo. Ele precisa
proteger os direitos e liberdades constitucionais dos cidadãos. (...) O novo governo
não permitirá nenhuma pressão administrativa nas eleições parlamentares do
próximo ano. A justiça e a transparência das eleições serão asseguradas. O povo
não permitirá qualquer outro caminho. (...) Nós estamos construindo uma economia
que encoraje a inovação, recompense a iniciativa e garanta um alto nível social.
Nós iniciaremos uma guerra implacável contra a corrupção, promoveremos a
competição livre e formaremos uma relação transparente entre governo e
empresas”.
68
De forma similar, o presidente prometia responsabilizar os antigos líderes pelos
crimes cometidos nas administrações anteriores. O envenenamento por que passou
durante a campanha eleitoral, afinal, era um símbolo das práticas que deveriam ser
combatidas. O presidente defendia que os crimes passados, especialmente o assassinato
de Gongadze, que deu origem ao Kuchmagate, fossem investigados, e os responsáveis
punidos.
Externamente, o presidente também deixou muito claras as prioridades da nova
administração. É importante notar que, de forma similar ao que ocorreu na Geórgia,
Yushchenko tinha ligações pessoais importantes com os Estados Unidos. O presidente
não teve formação ocidental, tendo se graduado no Instituto Econômico e Financeiro de
Ternopil e trabalhado para o governo soviético desde 1975, quando ingressou na
administração de uma fazenda coletiva. Sua mulher Kateryna, entretanto, emigrou para
os Estados Unidos ainda jovem e lá obteve toda a sua formação. Ela trabalhou inclusive
na administração americana, durante os governos Reagan e Bush pai. Durante toda a
campanha eleitoral, Kateryna Yushchenko teve papel destacado, e sua formação era um
dos principais alvos da oposição.
Os laços que a Ucrânia pretendia estabelecer com o Ocidente também ficaram
muito claros no discurso proferido para o Congresso americano em 2005. O primeiro
passo, para a nova administração, era garantir o acesso ucraniano à União Européia.
Nesse sentido, o presidente afirmou que
“nós vemos o acesso à União Européia como uma oportunidade para realizar o
potencial do nosso país. Para nós, o futuro europeu é um poderoso incentivo para
obter altos padrões políticos, sociais e econômicos. Nós esperamos a abertura das

68
Discursodisponívelemhttp://www.houseofukraine.com/YUSHCHENKO_CONGRESS.HTML
69
portas européias e o aumento da confiança dos nossos vizinhos. Seria injusto privar
os ucranianos (…), que provaram tão claramente sua identidade européia, dessa
chance. (...) O acesso da Ucrânia à União Européia colocará um fim à divisão da
Europa e dará novo ímpeto à nossa civilização”
69
.
Para a Ucrânia, então, ingressar na União Européia era um objetivo tido como palpável,
diferentemente da Geórgia, que via essa possibilidade de maneira mais distante.
Outro objetivo declarado da nova administração era ingressar definitivamente na
OTAN. Quanto a isso, Yushchenko declarou que
“é lógico que nós direcionamos nossos esforços para uma integração com a OTAN,
a aliança que tem um papel essencial na garantia da paz e da estabilidade no
continente europeu. Eu estou convencido de que as aspirações européias e Euro-
atlânticas da Ucrânia não devem ser vistas como um obstáculo adicional. A
integração ucraniana não é um problema, mas sim uma nova oportunidade se
abrindo para a civilização (...) O acesso à Aliança significa um novo nível de
estabilidade em uma região estrategicamente vital, que vai de Varsóvia a Tbilisi e
Baku”
70
.
O presidente apresentava claramente, portanto, seus principais objetivos externos,
que estavam numa aproximação crescente com o Ocidente, inclusive do ponto de vista
institucional. Além disso, Yushchenko delineou no mesmo discurso diversos pontos em
que a cooperação bilateral com os Estados Unidos deveria ser fomentada. Segundo ele,
“uma nova Ucrânia oferecia aos Estados Unidos uma genuína parceria estratégica”
71
.
Os pontos de cooperação iam desde um maior intercâmbio comercial até a abolição dos
vistos para turistas e uma parceria na solução definitiva das seqüelas de Chernobyl.
Tudo isso somado formava o quadro da política externa proposta pela nova
administração: uma aproximação crescente com a Europa e uma parceria estratégica
com os Estados Unidos. Era a repetição do que se viu na Revolução das Rosas.
Se as políticas em relação ao Ocidente foram completamente delineadas, o
mesmo não se pode dizer ao que Yushchenko tinha em mente em relação à Rússia. Se
isto é compreensível num discurso feito para o Congresso americano, não se pode dizer
o mesmo de outras ocasiões, como no discurso inaugural do presidente, por exemplo.
Ali, Yushchenko falou claramente de sua ambição de integrar a Ucrânia à União

69
Disponívelemhttp://www.houseofukraine.com/YUSHCHENKO_CONGRESS.HTML
70
Idem
71
Idem
70
Européia e discorreu longamente sobre a vocação européia do país. Em relação à
Rússia, por outro lado, a única referência, ainda assim indireta, foi a afirmação de que
“nós respeitamos todos os nossos vizinhos no Leste e no Oeste. Eu farei meu melhor
para o desenvolvimento de uma colaboração estável com todos os países”
72
. Talvez
mais clara seja uma outra afirmação de Yushchenko, também durante o discurso
inaugural, que atestava que
“os ucranianos ocuparão o assento que eles merecem na comunidade das nações. A
Ucrânia não será um buffer nem um campo para a competição alheia. Nós estamos
prontos para respeitar os interesses de outros Estados, mas, para mim, assim como
para vocês, o interesse nacional da Ucrânia está acima de tudo!”
73
No mesmo discurso em que a vocação européia da Ucrânia é longamente declamada,
fica claro que esta afirmação é direcionada à Rússia, de cuja influência o novo governo
buscava se afastar definitivamente.
Se em seus discursos iniciais Yushchenko deixou dúvidas quanto à postura a ser
adotada em relação à Rússia, mencionando-a somente indiretamente, o presidente
deixou mais explícita sua posição em relação a Moscou em algumas entrevistas no
início de seu mandato. Em junho de 2005, por exemplo, o presidente disse que
“a Rússia é um parceiro estratégico eterno da Ucrânia. Entretanto, eu gostaria que
nossas relações fossem baseadas num pragmatismo econômico saudável em vez de
emoções políticas subjetivas”
74
.
Como na Geórgia, então, na Ucrânia pós-revolução o pragmatismo deveria ser a base
das relações com Moscou. É interessante notar, contudo, que, enquanto o presidente
defendia o abandono de “emoções políticas subjetivas” no tocante à Rússia, a integração
com a Europa é vista como “uma nova oportunidade se abrindo para a civilização”.
Claramente, o discurso frio e distante em relação a Moscou é contraposto pelo tom
emocionado das relações buscadas com o Ocidente.
2.1.2- Mudanças no Estado e no Governo
Após a Revolução Laranja, a Ucrânia também passou, como a Geórgia, por um
processo de reforma constitucional. Nesse caso, todavia, a reforma produziu um efeito

72
Disponívelemhttp://www.ambucraina.com/Pressrelease/Ucraino/inaugural_address.htm
73
Idem
74
Disponívelemhttp://www.president.gov.ua/en/news/533.html
71
oposto àquele da Revolução das Rosas, enfraquecendo o presidente em relação ao
parlamento. Na realidade, a reforma constitucional ucraniana foi um compromisso a que
chegaram Yanukovich e Yushchenko em meio à indefinição que se abateu sobre o país
após o segundo turno das eleições presidenciais.
“Os deputados votaram um ‘pacote’ [de reformas] no dia 8 de dezembro [de 2004];
uma reforma constitucional junto com uma nova lei eleitoral, reforma dos governos
locais e o acordo final de Kuchma de demitir o desacreditado procurador-geral e o
presidente da Comissão Eleitoral. O ‘pacote’ foi votado como um todo e recebeu
402 votos de 450 possíveis. De forma significativa, a maior parte do entusiasmo
estava do lado do governo. Todas as facções da ‘maioria’ de então votaram a favor
do ‘pacote’ (...) [Por outro lado], Tymoshenko não votou por princípio. Mais
misteriosamente, Yushchenko também não votou, embora estivesse presente no
Parlamento na hora da votação.” (Wilson, 2005, p. 149 e 150)
O referido “pacote” de reformas, de fato, beneficiava mais os aliados de Kuchma
que a oposição. Quando o acordo foi alcançado, a Suprema Corte já havia decidido por
uma nova eleição e a pressão interna e externa sobre o governo, em razão das fraudes
eleitorais, era intensa. De qualquer maneira, o presidente ainda tinha poder suficiente
para protelar qualquer nova votação, ou mesmo para passar por cima do Judiciário. O
acordo serviu para dar a certeza de um novo pleito para a oposição (que, àquela altura,
tinha a vitória nas urnas como certa) e, ao mesmo tempo, para enfraquecer o novo
presidente vis-à-vis o parlamento, o que agradava a Kuchma e a Yanukovich.
Concretamente, de acordo com a nova legislação,
“o presidente perdia a autoridade de apontar e demitir membros do governo sem a
aprovação do parlamento. Ademais, sob a Constituição reformada, o presidente
passava a nomear apenas os ministros da defesa e das relações exteriores. Uma
coalizão de partidos políticos (mais de 50 por cento dos assentos parlamentares)
nomearia o Primeiro-Ministro e apontaria um governo, enquanto o presidente
estaria autorizado a dissolver o parlamento se uma coalizão não fosse formada em
30 dias.” (Sushko & Prystayko)
Na prática, portanto, o presidente perdia muito do poder de que usufruía até então. Sob a
legislação antiga, cabia ao presidente indicar o Primeiro-Ministro e, conseqüentemente,
determinar os rumos do governo. Como a nova lei só entraria em vigor em 2006,
contudo, Yushchenko, após eleito, pôde apontar Yulia Tymoshenko para chefiar o
72
governo, cumprindo o acordo que levara os dois a se unir em uma única frente
oposicionista.
A principal conseqüência prática da Revolução Laranja, com toda a divisão que
provocou no país, e das reformas constitucionais subseqüentes é que, na Ucrânia, o
Parlamento não seria, durante todo o período pós-revolução, um órgão de suporte à
política externa do presidente. Ainda mais significativamente, durante parte do período
estudado o posto de Primeiro-Ministro foi ocupado por Viktor Yanukovich, cuja
proposta de política externa era diametralmente oposta à da coalizão laranja. De
qualquer maneira, sob a Constituição reformada Yushchenko ainda era o principal
responsável pela política exterior da Ucrânia, embora internamente tenha sido
seriamente enfraquecido.
2.2- Ucrânia e Rússia nas Organizações Internacionais
A Ucrânia é outro dos Estados pós-soviéticos que está inserido na teia de
organizações internacionais que se formou na região da antiga superpotência comunista.
A CEI também é, nesse caso, a principal instituição pela qual o país está ligado à
Rússia. Esta seção analisará, além da política ucraniana nesta organização, sua
participação no GUAM e o desenvolvimento das aspirações Euro-atlânticas enunciadas
por Yushchenko nos primeiros momentos de seu governo.
No que tange à CEI, a participação da Ucrânia é historicamente diferente da
georgiana. Ao contrário de Tbilisi, que foi forçada a aderir à Organização dois anos
após sua criação, a Ucrânia é membro-fundador do bloco e, até a Revolução Laranja,
nunca teve um governo considerado pró-ocidental ou mesmo anti-russo. A participação
ucraniana na comunidade que sucedeu a União Soviética se deu sem grandes
contestações, nos moldes dos demais membros-fundadores.
Após a subida de Yushchenko ao poder, todavia, o cenário se alterou por
completo. As prioridades externas do presidente, que via no acesso à União Européia
uma perspectiva não muito distante, afastavam o país das organizações pós-soviéticas, e
em especial da CEI, que representava o elemento de continuidade remanescente do
passado comunista, reunindo 12 das 15 antigas repúblicas soviéticas.
Apesar dessa incompatibilidade da CEI com a visão externa do novo governo,
todavia, a participação ucraniana na organização após 2005 foi significativamente
73
menos conflituosa que a política georgiana no bloco. De fato, Yushchenko via a
Comunidade como uma oportunidade econômica importante para a Ucrânia. Em agosto
de 2005, por exemplo, o presidente afirmou que o país tomaria parte no Espaço
Econômico Comum (CES, sigla em inglês), ainda que ressalvasse que essa participação
não deveria prejudicar as aspirações européias da Ucrânia, o principal objetivo de seu
governo
75
. O CES foi uma proposta de integração econômica lançada em 2003, que
deveria incluir inicialmente quatro membros da CEI (Rússia, Belarus, Cazaquistão e
Ucrânia) e estaria aberta a novas adesões num momento posterior.
Além do CES, o presidente via a CEI como uma fonte de outras possibilidades
para o país.
“De acordo com um decreto presidencial de 15 de dezembro [de 2006], as áreas de
operação prioritárias para a Ucrânia na Comunidade dos Estados Intependentes
(CEI) são a realização do potencial da Ucrânia como país de trânsito, o alívio das
conseqüências de emergências naturais e causadas pelo homem, lutar contra o
crime organizado e a migração ilegal, aprofundar a cooperação multilateral no setor
energético, no setor de transportes, no complexo agro-industrial, na indústria da
saúde, no setor científico e no setor social, a resolução dos conflitos ‘congelados’
na área pós-soviética, a prevenção de crimes transfronteiriços e a cooperação na
área de law enforcement.”
76
Como se vê, portanto, o governo ucraniano via na CEI uma possibilidade efetiva de
cooperação na região da pós-União Soviética, embora enfatizasse repetidamente que
essa cooperação não deveria prejudicar o principal objetivo ucraniano: a participação
nas instituições Euro-atlânticas.
Isso não impediu o surgimento de controvérsias, especialmente entre o final de
2005 e o início de 2006. O período foi marcado por diversas críticas ucranianas à CEI e
por uma tentativa de se distanciar da organização. Em janeiro de 2006, por exemplo,
Anton Buteyko, vice-ministro de relações exteriores da Ucrânia, declarou que o país não
permitiria observadores da CEI em suas eleições parlamentares (e, ao mesmo tempo,
convidaria observadores da UE e da OSCE), agendadas para março daquele ano. A
resposta russa foi dada numa nota do MRE, em que afirmou que:

75
Disponívelemhttp://www.president.gov.ua/en/news/1012.html
76
Disponívelemhttp://eng.forua.com/news/2006/12/18/112059.html
74
“Esta declaração nos espanta. O não-reconhecimento ucraniano do status legal
internacional da CEI de forma alguma significa que a Comunidade não seja uma
organização internacional. (...) Um testemunho a favor do status legal da CEI são
seus numerosos tratados sob o direito internacional com outras organizações
internacionais e Estados. (...) As palavras do mesmo Buteyko, que disse que a
Ucrânia está lutando para demonstrar sua prontidão para realizar eleições abertas e
democráticas, de forma alguma se compatibilizam com suas declarações contra o
convite a observadores da Comunidade dos Estados Independentes”
77
.
Durante todo o período entre a Revolução Laranja e o final do governo Putin na
Rússia, de fato, houve apenas um momento em que se cogitou a saída da Ucrânia da
Comunidade dos Estados Independentes, justamente entre o fim de 2005 e o início de
2006. Em maio de 2006, nesse sentido, o vice-Ministro das Relações Exteriores do país
declarou que
“nós estamos agora analisando as organizações das quais fazemos parte, os custos e
os efeitos. Dentro desse processo, nós analisaremos as vantagens e desvantagens de
nossa participação na CEI. (...) Nós estamos desapontados com a fato de a CEI
estar perdendo sua atração, já que essa organização, que tem que agir, se tornou
uma estrutura que apenas fala”
78
.
Após essa declaração, outras autoridades ucranianas emitiram opiniões semelhantes. O
chefe do serviço de relações exteriores do gabinete do presidente, Konstantin
Timoshenko, por exemplo, afirmou que “a menos que alguma coisa mude, a questão da
retirada da Ucrânia da CEI se tornará um plano prático”
79
. Também criticando o
funcionamento da organização, secretário do Conselho de Segurança da Ucrânia,
Anatoly Kinakh, afirmou que “centenas de documentos foram aprovados pela CEI, mas
eles não foram implementados”
80
.
Após todas essas declarações, todavia, o próprio Ministro de Relações Exteriores
ucraniano tratou de esfriar os ânimos, dizendo que deixar a CEI não fazia parte dos
planos externos da Ucrânia
81
. De fato, as próprias razões alegadas para a saída do bloco
eram de caráter instrumental e não político. Os advogados desta tese sustentavam que a

77
Disponívelem
http://www.mid.ru/brp_4.nsf/e78a48070f128a7b43256999005bcbb3/f09f1565608f6082c32571060036
adf8?OpenDocument
78
Disponívelemhttp://en.forua.com/news/2006/05/05/120021.html
79
Disponívelemhttp://en.forua.com/analytics/2006/05/07/181048.html
80
Idem
81
Disponívelemhttp://en.forua.com/news/2006/05/11/141647.html
75
organização deixara de trazer benefícios. Durante todo o período, o presidente
ucraniano trabalhou mais por uma reforma na CEI, que a tornasse mais operacional, que
para a retirada do país da organização, que sequer chegou a ser oficialmente proposta. A
política ucraniana em relação à CEI foi resumida por Yushchenko, quando perguntado
sobre a participação na organização e suas expectativas de ingressar na União Européia.
Na ocasião, o presidente afirmou que
“você não pode comparar essas duas comunidades completamente diferentes, com
objetivos diferentes. (...) Para a Ucrânia, é economicamente favorável ser incluída
em ambas as organizações, o que não contradiz nossa Constituição.”
82
Além da CEI, a Ucrânia, ao lado da Geórgia, da Moldávia e do Azerbaijão,
também foi membro-fundador do GUAM. Ao contrário da Comunidade, como já se
mencionou, este fórum tem como principal característica ser uma instituição
internacional pós-soviética que não tem a Rússia como membro. Por isso mesmo, o
papel da Ucrânia na organização é fundamental. Em comparação com os outros
membros, o país é, de longe, o maior e mais populoso. Além do mais, é o que apresenta
maior proximidade política com a Europa – especialmente após a Revolução Laranja –,
tem as Forças Armadas mais numerosas e mais organizadas e tem o maior potencial
econômico.
Desde 2005, então, a participação da Ucrânia no bloco foi importante em vários
aspectos. Em primeiro lugar, o governo Yushchenko buscou fortalecer o grupo,
estimulando a inclusão de outros países, especialmente os países Bálticos e os Estados
da região do Mar Negro
83
. Embora a iniciativa não tenha sido bem sucedida, os esforços
ucranianos seguiram no sentido de transformar o grupo numa Organização
Internacional, já que, até então, era apenas um bloco não-institucionalizado. O
presidente entendia que a criação de uma Organização Internacional de jure era
importante para tornar o grupo mais efetivo. Nesse sentido, ele afirmou que, com a
institucionalização,
“muito cedo, a organização estará apta a responder a importantes desafios que
afetam seus membros. Eu estou falando de projetos econômicos, comerciais e

82
Disponívelemhttp://www.kmu.gov.ua/control/en/publish/article?art_id=74512014&cat_id=32606
83
Disponivelemhttp://www.president.gov.ua/en/news/1864.html
76
energéticos que afetam não apenas os países do GUAM, mas também outros países
europeus”
84
.
De acordo com Yushchenko, além dos projetos regionais de desenvolvimento
econômico, o GUAM poderia ser uma ferramenta eficaz para solucionar os “conflitos
congelados” na região
85
. No caso Ucraniano, o conflito mais importante a resolver era o
do Transdniester, região no norte da Moldávia, na fronteira deste país com a Ucrânia.
A transformação do GUAM numa Organização Internacional, que ocorreu em
maio de 2005, teve de fato importante contribuição ucraniana, e o símbolo dessa
contribuição foi a decisão de instalar a sede da nova organização em Kiev. Para o
governo ucraniano, assim como para o georgiano, além dos objetivos regionais
mencionados acima, o GUAM poderia e deveria servir como ferramenta para a
integração dos países do bloco com as instituições Euro-atlânticas. A ausência da Rússia
não era o único sinal do viés pró-ocidental do grupo. A própria carta constitutiva da
organização, afinal, afirmava como um dos seus objetivos “proceder no caminho da
integração européia”.
86
Além da carta constitutiva do GUAM, o discurso proferido por Yushchenko
quando da inauguração da Organização para a Democracia e Desenvolvimento
Econômico-GUAM (ODED-GUAM, sigla em inglês) deixava claro o que o país
esperava da nova organização. O presidente afirmou, então, que
“Nós estamos assentando a fundação do nosso futuro, para criar uma zona de
estabilidade, segurança e prosperidade, que é análoga à União Européia em
constante expansão e consistente com as normas e padrões europeus (...) Nossa
resolução de ingressar na União Européia e na OTAN, de promover a democracia,
de estimular a integração européia, de estimular o desenvolvimento econômico e de
fortalecer a estabilidade e a segurança na região tornou possível recriar o GUAM
como uma Organização Internacional. O novo status tornará nossas posições mais
fortes e ajudará os países-membros a se tornarem parte do sistema de segurança
internacional”
87
.
Após o ambicioso início, todavia, o prospecto de transformar o GUAM numa
organização com participação ativa nos problemas regionais não teve muito sucesso.

84
Disponívelemhttp://en.forua.com/news/2006/05/18/173018.html
85
Idem
86
Disponívelemhttp://guamorganization.org/en/node/450
87
Disponívelemhttp://www.president.gov.ua/en/news/3303.html
77
Apesar de ter se tornado um importante fórum de diálogo entre Geórgia e Ucrânia, que
se aproximaram muito após a Revolução Laranja (símbolo dessa aproximação foi a
decretação do ano da Ucrânia na Geórgia em 2005 e, em resposta, do ano da Geórgia na
Ucrânia em 2006), os projetos práticos da organização não saíram do papel. A zona de
livre comércio que ficou acertada quando da fundação da ODED-GUAM
88
nunca foi
concluída. Outro projeto que não foi à frente foi o estabelecimento de uma força de
peacekeeping do GUAM, que, nas palavras do secretário do Conselho Nacional de
Segurança e Defesa da Ucrânia, Ivan Plyushch, deveria “tomar parte em operações de
peacekeeping, tanto no âmbito militar como no policial”
89
. Uma força desse tipo
interessava especialmente à Geórgia, que queria substituir as forças de paz russas em
seu território. Divergências entre os membros do GUAM, todavia, impediram o projeto
de ser finalizado.
De qualquer maneira, o GUAM serviu para traduzir internacionalmente as
aspirações Euro-atlânticas da Ucrânia. Além disso, a criação da ferramenta permanente
de diálogo do grupo com os Estados Unidos foi outra demonstração do caráter pró-
ocidental da organização. Além do GUAM-EUA, já foram feitos encontros bilaterais da
organização com a República Tcheca e com a Polônia, dois dos principais aliados
americanos na Europa, além do Japão. A Rússia jamais foi objeto de contato oficial do
grupo. Se os resultados práticos da integração dos países do GUAM são escassos,
portanto, o grupo serviu ao menos para representar, na região da antiga União Soviética,
a visão de política externa do novo governo ucraniano, do mesmo modo como ocorreu
com a Geórgia.
No que se refere à União Européia, a Ucrânia tinha planos bem mais ambiciosos
que a Geórgia.
“A Revolução foi baseada na criação de uma nação política, na mudança da
natureza do regime político da Ucrânia e no redirecionamento das flechas do
desenvolvimento político em direção a uma ‘sociedade aberta’, que, no vocabulário
político corrente, é sinônimo de uma palavra: Europa” (Arel, 2005, p. 1).
Se, na visão da Geórgia, a aproximação com a União Européia era um objetivo de longo
prazo, para a nova liderança ucraniana a intensificação do relacionamento com a Europa

88
Disponívelemhttp://www.president.gov.ua/en/news/3306.html
89
Disponívelemhttp://en.forua.com/news/2007/06/19/172548.html
78
era uma prioridade imediata. Nos discursos iniciais do novo presidente, essa prioridade
foi insistentemente mencionada, como já se demonstrou.
Nos primeiros momentos do governo Yushchenko, um passo importante foi
dado na aproximação com a Europa. Em fevereiro de 2005, foi estabelecido um “Action
Plan” entre a União Européia e a Ucrânia. Embora não fosse oferecida a perspectiva de
integração completa ao bloco, o Action Plan era um avanço significativo na cooperação
entre ucranianos e a União Européia, que até então se baseava no “Partnership and
Cooperation Agreement”, em vigor desde 1998. O novo acordo servia basicamente para
intensificar o contato bilateral, definindo diversas áreas em que a cooperação seria
estimulada e estabelecendo um monitoramento dessa cooperação, que passaria por uma
avaliação anual por parte da União Européia.
De acordo com a UE, a implementação do Action Plan ajudaria
“na consecução das provisões do Partnership and Cooperation Agreement (PCA)
como uma base válida para a cooperação UE-Ucrânia, e [encorajaria e apoiaria] o
objetivo ucraniano de uma maior integração com as estruturas econômicas e sociais
da Europa. A Implementação do Action Plan [avançaria] significativamente a
aproximação dos padrões, das normas e da legislação ucranianas aos da União
Européia. Ele também [construiria] fundações sólidas para uma maior integração
econômica (...) [e ajudaria] a desenvolver e a implementar políticas e medidas para
promover o crescimento econômico e a coesão social, para incrementar os padrões
de vida e para proteger o meio-ambiente, contribuindo, assim, para o objetivo de
longo prazo do desenvolvimento sustentável”
90
.
Como se vê, então, o novo acordo pretendia levar a cooperação bilateral a um novo
patamar, e o fato de ter sido assinado nos primeiros momentos do novo governo na
Ucrânia era um sinal de que a aproximação poderia avançar significativamente, como
pretendia a nova administração.
Apesar dos primeiros sinais, contudo, os obstáculos à aproximação entre Ucrânia
e União Européia logo apareceram. Internamente, os problemas não foram
significativos. Até o bloco liderado por Viktor Yanukovich, a ala mais pró-russa da
política ucraniana, evitou interpor barreiras a uma maior aproximação com a Europa,
embora se abstivesse também de defender abertamente a entrada definitiva do país no

90
DocumentooficialdaUE.Disponívelemwww.ieac.org.ua/pics/content/15/1109931048_ans.doc
79
bloco. Em um artigo publicado em 2006 no Washington Post, o então Primeiro-
Ministro afirmava que
“O presidente Yushchenko e eu (...) concordamos que a Ucrânia fez uma escolha
pela Europa e estabelecerá relações mais próximas com todas as instituições
européias e euro-atlânticas. Com a União Européia, nós estamos trabalhando em
um plano de ação de reformas sob os auspícios da European Neighborhood Policy,
que, nós esperamos, levará ao início de um acordo UE-Ucrânia de livre comércio”.
(Yanukovich, 2006)
No mesmo sentido, em fevereiro de 2007 Yanukuvich declarou que havia no país
um consenso social a respeito da entrada da Ucrânia na União Européia, em acordo com
as prioridades do novo governo
91
.
Externamente, contudo, o caminho para a Europa era bem mais tortuoso. O
principal obstáculo, nesse sentido, foi a própria União Européia, que durante todo o
período não se mostrou disposta a iniciar o processo de adesão da Ucrânia ao bloco.
Diversas lideranças da Organização afirmaram sucessivamente que a Ucrânia não se
tornaria membro efetivo num futuro próximo. Em 2006, por exemplo, José Manuel
Barroso, no exercício da presidência da Comissão Européia, afirmou que
“Eu estou convencido de que a Ucrânia tem um futuro europeu. Mas, falando
francamente, a União Européia não pode propor novas perspectivas de acesso para
outros países no momento. Nós precisamos de unidade entre os países-membros. A
única coisa que podemos fazer é determinar projetos de neighboring policy e
cooperar com a Ucrânia tanto quanto possível. Nós acreditamos na idéia de ajudar
a Ucrânia e seu povo”
92
.
Este foi o quadro durante todo o período e declarações no mesmo sentido foram
abundantes por parte de autoridades européias. Na verdade, a oposição européia ao
acesso ucraniano ao bloco foi muito mais impeditiva que a oposição manifestada pela
Rússia. O Kremlin não manifestou oposição aberta à entrada ucraniana na UE no
período, talvez em decorrência da postura defensiva européia sempre que a perspectiva
de integração definitiva da Ucrânia era apresentada.
Embora o acesso ao bloco tenha permanecido distante, contudo, não se pode
dizer que não houve qualquer aproximação bilateral. Em 2007, por exemplo, foram

91
Declaraçãodisponívelemhttp://en.forua.com/news/2007/02/27/141258.html
92
Disponívelemhttp://en.forua.com/news/2006/04/12/104927.html
80
iniciadas conversas para o estabelecimento de uma área de livre comércio entre UE e
Ucrânia e para a criação de um New Enhanced Agreement (NEA), que deveria suceder o
PCA criado em 1998. Ambos seguiam em negociação quando o governo Putin se
encerrou. No mesmo sentido, em janeiro de 2008 entraram em efeito acordos sobre a
facilitação de vistos. Também em 2008, foram iniciadas tratativas para o
estabelecimento de uma área de aviação comum
93
. A aproximação pode ter parado num
ponto bem anterior ao que planejavam as lideranças laranjas, mas os avanços foram
significativos desde o início do novo governo.
Em relação à OTAN, a política externa ucraniana também teve implicações
importantes. Se o acesso ao bloco não era a prioridade número um dos novos
governantes quando da sua chegada ao poder, o país foi levado a uma aproximação mais
intensa com a Aliança do que aquela que ocorreu com a União Européia.
O primeiro sinal da aproximação entre a Ucrânia e a OTAN ocorreu ainda em
abril de 2005, nos primeiros meses da nova administração ucraniana. Foi lançado,
naquele momento, um Diálogo Intensificado entre OTAN e Ucrânia, no âmbito do já
existente “Action Plan” OTAN- Ucrânia, que deveria ajudar a promover as reformas
necessárias para a eventual entrada do país na Organização. O novo diálogo tinha como
metas ajudar a Ucrânia a fortalecer as instituições democráticas, renovar o diálogo
político bilateral, acelerar a cooperação nos setores da defesa e as reformas necessárias
na área de segurança, incrementar os contatos diplomáticos e avaliar os impactos sociais
das reformas militares na Ucrânia
94
.
Durante os três anos seguintes, a intensificação dos esforços de aproximação
seguiu evidente. Em 2006, por exemplo, o presidente Yushchenko decidiu pela
formação de uma Comissão Interdepartamental sobre a Cooperação com a OTAN, que
estaria encarregada de avaliar a integração com a Aliança em seus diversos aspectos
95
.
Além disso, da mesma maneira que a Geórgia, a Ucrânia esperava, na reunião de
Bucareste da OTAN, em abril de 2008, receber a aprovação de seu Membership Action
Plan (MAP), que daria início ao processo de adesão à Organização – uma culminação
dos anos de aproximação bilateral. Como se viu, contudo, o MAP não foi aprovado para

93
Informaçõesdisponíveisemem
http://europa.eu/rapid/pressReleasesAction.do?reference=MEMO/08/215&format=HTML&aged=0&lan
guage=EN&guiLanguage=en
94
Informaçõesdisponíveisemhttp://www.nato.int/docu/pr/2005/p050421e.htm
95
Informaçãodisponívelemhttp://en.forua.com/news/2006/03/14/142839.html
81
nenhum dos dois países, embora a Aliança tenha afirmado, após o encontro, que o
caminho estava aberto para a adesão futura dos novos membros.
No caso ucraniano, houve, durante todo o período, uma série de obstáculos
internos e externos à entrada do país na OTAN. Internamente, as forças políticas de
oposição a Yushchenko, especialmente o Partido das Regiões, liderado por
Yanukovich, foram o principal obstáculo ao projeto. Externamente, a Rússia exerceu
papel importante, declarando abertamente que se opunha à entrada do país na Aliança,
ao contrário do que aconteceu relativamente à União Européia.
No que se refere a Yanukovich, sua posição em relação à OTAN ficou clara no
mesmo artigo em que defendia a adesão à União Européia, publicado em 2006 no
Washington Post. Ali, após deixar claro que apoiava uma maior integração com as
instituições Euro-Atlânticas, o então primeiro-ministro afirmava:
“Como nossas relações com a OTAN têm sido fonte de alguma confusão, deixe-me
ser claro. O presidente e eu aprovamos leis que permitem às tropas ucranianas
participar em exercícios da OTAN, na Ucrânia e em outros países. Nós
pretendemos avançar com as reformas na área da defesa. Mas, quando um convite
para a adesão for feito, nós faremos um referendo no qual a população ucraniana
poderá fazer sua escolha. O que quer que aconteça nesse sentido, todavia, não deve
haver dúvidas sobre a direção européia da nossa nação”. (Yanukovich, 2006)
O problema, aqui, é que, ao contrário do que acontece na Geórgia, em que a grande
maioria da população era favorável a uma aproximação com a OTAN, na Ucrânia existe
um grande racha sobre esse tema. A divisão já tinha ficado clara quando da Revolução
Laranja, oportunidade em que o leste do país votou majoritariamente pelo candidato
derrotado. No que se refere à OTAN, o problema é ainda mais sério, já que, mesmo na
parte ocidental do território, existe uma grande oposição à entrada na Aliança
96
. A
defesa de um referendo pela adesão à OTAN, por isso mesmo, tem sido o mote da
oposição durante todo o período.
Enquanto Yanukovish insistia por um referendo, o governo tratava de tentar
alterar a percepção negativa que a população tinha da OTAN. Foram lançadas diversas
campanhas informativas com esse objetivo durante todo o período. Um exemplo

96
Váriaspesquisassobreotemaforamfeitasnoperíodoestudado.Umadelas,realizadaem2006,
mostravaqueapenas20%dosucranianosapoiavamaentradadopaísnaOTAN,contracercade50%
contráriose30%indecisos.Osresultadosestãodisponíveisem
http://en.forua.com/news/2006/11/27/104458.html
82
emblemático foi uma série de dez episódios chamada “NATO: Ally or Alien”,
financiada pelo governo, que foi reproduzida na TV ucraniana numa tentativa de reduzir
a oposição à Aliança
97
. Até o início de 2008, contudo, a maior parte da população
seguia contra a adesão à OTAN, assim como os principais partidos da oposição. Uma
das últimas demonstrações dessa oposição foi a distribuição de um folheto pelo Partido
das Regiões, na véspera do encontro de Bucareste, em que se lia:
“OTAN – Não! (...) No encontro de Bucareste, uma tentativa de lançar o processo
de integração da Ucrânia a essa aliança político-militar será feita. Nós estamos
sendo persuadidos de que OTAN = Europa. Mas a Finlândia e a Suécia são países
europeus e não são membros da OTAN. Ao mesmo tempo, a Turquia é membro da
OTAN há quase 30 anos e não entrou na União Européia”
98
.
Internamente, portanto, Yanukovich era o principal opositor da entrada
ucraniana na OTAN. A Rússia exercia o mesmo papel externamente, e o Kremlin
deixou isso claro publicamente em diversas oportunidades. Inicialmente, a estratégia
russa era seguir o Partido das Regiões e pedir um referendo sobre o assunto. Em
dezembro de 2006, por exemplo, Sergei Ivanov, Ministro da Defesa da Rússia, declarou
que
“quanto ao acesso da Ucrânia à OTAN, nós entendemos que todos os Estados,
todos os povos têm o direito de determinar seu caminho de desenvolvimento. Se
autoridades políticas querem se juntar às fileiras do Atlântico Norte, e se a
população da Ucrânia apóia essa idéia, então quem pode impedi-los? Mas até onde
eu sei, apenas 20% da população apóia a entrada da Ucrânia na OTAN”
99
.
Mais tarde, contudo, quando a perspectiva de adesão ucraniana se tornou mais próxima,
as autoridades russas passaram a ser mais enfáticas quanto à sua oposição. Às vésperas
do encontro de Bucareste, por exemplo, o presidente Putin afirmou que a adesão
ucraniana à OTAN era uma ameaça à Rússia e que, no caso de uma presença efetiva da
Aliança em território ucraniano, “nós seremos forçados a apontar nossos foguetes em
direção a esses objetos, que nós consideramos ameaças a nossa segurança nacional”
100
.
Era o ponto alto da crise do relacionamento bilateral.

97
Informaçãodisponívelemhttp://en.forua.com/news/2006/10/19/165517.html
98
Otextocompletoestádisponívelemhttp://www.eng.forua.com/analytics/2008/04/03/124525.html
99
Disponívelemhttp://en.forua.com/news/2006/12/22/115356.html
100
Disponívelemhttp://eng.forua.com/news/2008/02/15/142027.html
83
Como se vê, então, o caminho institucional adotado pela Ucrânia também foi a
busca pela aproximação com a Europa e com os Estados Unidos. A intensificação dos
laços com a União Européia foi insistentemente buscada durante todo o período
analisado, e a aproximação com a OTAN também foi um objetivo político, pelo menos
do presidente e de seus aliados. Por outro lado, não se observou a mesma oposição à
CEI que se viu no caso ucraniano, e as crises diplomáticas com a Rússia foram menos
intensas e menos freqüentes. O que pode ter contribuído para isso é a divisão no país.
Enquanto a Geórgia apresentou uma unidade inequívoca em direção ao Ocidente, na
Ucrânia as forças pró-russas também são consideráveis, e estiveram presentes durante
todo o período, representadas especialmente pelo bloco liderado por Viktor
Yanukovich.
2.3- Ucrânia e Rússia no Campo Militar
No campo militar, as relações entre Ucrânia e Rússia foram marcadas, após a
Revolução Laranja, pelo diálogo em torno da frota russa presente no porto de
Sevastopol, na região ucraniana da Criméia. Este problema esteve ligado a um outro
ponto, referente a um possível separatismo na Ucrânia, que também foi motivo de
tensão bilateral no período analisado.
A frota do mar negro da União Soviética, ancorada no porto de Sevastopol (ver
mapa 2.1), foi dividida, após a dissolução do Estado comunista, entre Rússia e Ucrânia.
A maior parte da frota, que permaneceu sob controle russo, seguiu estacionada na
Criméia, e esta situação foi regulada pelo Acordo de Paz e Amizade entre os dois
países, de 1997. O acordo visava pôr fim a uma disputa que tinha em seu centro a região
da Criméia. A península, na costa do Mar Negro,
“foi parte do Império Russo desde sua anexação em 1783. Quando a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas foi criada, após a Revolução Bolchevique, (...) a
Criméia foi feita parte da República Socialista Soviética da Rússia. Mas, em 1954,
o líder soviético Nikita Khrushchev deu a Criméia à República Socialista Soviética
da Ucrânia como um gesto de amizade para comemorar o trecentésimo aniversário
do parlamento ucraniano”. (Arutunyan, 2008)
À época, o gesto de Khrushchev não tinha maiores conseqüências práticas, mas o
assunto se tornou um problema com a independência ucraniana, em 1991.
84
Mapa2.1
O acordo de 1997 reconhece a Criméia e a cidade de Sevastopol como partes da
Ucrânia, mas permite, ao mesmo tempo, que a frota russa no Mar Negro fique
estacionada naquele porto e utilize suas instalações. O aluguel das instalações à Rússia
foi feito por vinte anos, tendo término previsto, portanto, para 2017.
Desde o início do governo Yushchenko, a base russa em Sevastopol demonstrou
ser uma questão bilateral importante. Já em 2005, algumas autoridades de ambos os
lados deram declarações que evidenciavam as diferenças de visão a respeito do assunto.
Em junho daquele ano, por exemplo, Boris Tarasyuk, disse, em uma entrevista, que o
valor pago pelo aluguel das instalações – próximo de 100 milhões de dólares anuais –
era insuficiente, e propunha uma revisão. Em suas palavras, o preço do aluguel deveria
ser definido “por valores mundiais. Para este fim, um inventário das instalações e do
terreno deve ser feito e o estado do meio-ambiente determinado”
101
. Ao mesmo tempo,
um deputado russo, Konstantin Zatulyn, afirtmava que o governo ucraniano tentava
forçar a saída russa de Sevastopol, provocando incidentes entre os militares dos dois
países. De acordo com ele,
“As autoridades ucranianas deram ao seu serviço secreto a tarefa de provocar
incidentes envolvendo pessoal russo em Sevastopol para comprometê-los e sujeitá-
los a uma campanha de difamação da mídia que pudesse levar à revisão do acordo
sobre a ancoragem da Frota do Mar Negro”
102
.

101
Disponívelemhttp://en.forua.com/news/2005/06/15/120024.html
102
Idem
85
O inventário sugerido pelo ministro do exterior ucraniano de fato foi organizado,
e teve início já em outubro de 2005. A partir daí, seguiram-se diversas acusações
ucranianas de violações russas do acordo de 1997. Em particular, as reclamações eram
de danos ao meio-ambiente e da utilização indevida de instalações que não faziam parte
do tratado bilateral. Em janeiro de 2006, então, a Ucrânia tomou forçosamente um farol
em Yalta que vinha sendo utilizado pela frota russa. Boris Tarasyuk defendeu a ação
ucraniana, dizendo que ela era uma resposta às violações russas do acordo. Em suas
palavras, os russos “controlaram ilegalmente as instalações de navegação [na Criméia]
por mais de dez anos”
103
. Em resposta, Sergey Lavrov, Ministro de Relações Exteriores
russo, deu uma entrevista em que dizia que o farol de Yalta e outras instalações na
região estavam em um vácuo jurídico, já que o acordo de 1997 propunha a utilização
conjunta das instalações e previa um novo acordo que listasse cada um dos itens de
infra-estrutura da região. O novo acordo nunca foi feito, o que deixava a situação
incerta. Lavrov concluía dizendo que
“É claro que é um absurdo jurídico que cortes locais examinem assuntos de caráter
interestatal, que são governados por acordos e tratados interestatais. Esse foi o caso
na Ucrânia. No fim de 2005, os tribunais comerciais de Sevastopol e da região de
Kherson tomaram a decisão de alienar 83 instalações (...). É com base nessas
decisões dos tribunais locais ucranianos que a tomada do farol de Yalta foi
feita”
104
.
A explicação jurídica do caso não refletia toda a situação. A decisão de tomar o farol e
denunciar a utilização das instalações pela Rússia se inseria num cenário político de
intensificação da confrontação entre os dois países, que tinha na base de Sevastopol um
de seus principais elementos. A justificativa oficial ucraniana fazia referência às
decisões das cortes locais mencionadas por Lavrov, mas também deixava claro o caráter
político da decisão. Uma declaração do Bloco Nossa Ucrânia, de Yushchenko, dizia:
“Nós declaramos que a Frota do Mar Negro da Federação Russa prejudica a
segurança nacional e fere os interesses ucranianos. Nós consideramos o atraso no
cumprimento da decisão judicial de transferir as (...) instalações à Ucrânia como

103
Disponívelemhttp://en.forua.com/news/2006/01/16/125006.html
104
Disponívelem
http://www.mid.ru/brp_4.nsf/e78a48070f128a7b43256999005bcbb3/068befcc5dd7ff8ac32570fb0058d
ecc?OpenDocument
86
uma violação da lei, uma interferência nos assuntos internos de nosso Estado e uma
tentativa de manter uma hegemonia política e militar na região”
105
.
O incidente do farol foi o ponto alto da disputa entre os dois países sobre
Sevastopol, mas não a única. Durante os anos de 2006 e 2007, desacordos sobre um
possível aumento no valor do aluguel pago pela Rússia, assim como sobre a utilização
das instalações de navegação pela Frota do Mar Negro, foram freqüentes. Outro ponto
alto de tensão ocorreu em maio de 2008, quando a Rússia realizou um teste de mísseis
na região sem informar o governo ucraniano. Na ocasião, o Ministério das Relações
exteriores da Ucrânia emitiu uma nota de protesto, em que dizia que
“os testes não foram acordados com a Ucrânia. Ao mesmo tempo, de acordo com o
Tratado de 1997 sobre o status e as condições da Frota do Mar Negro da Federação
Russa no território da Ucrânia, as atividades de combate e preparação de operações
podem ser feitas somente com o consentimento dos órgãos competentes da
Ucrânia”
106
.
Em resposta, a Frota do Mar Negro afirmou que o míssil não estava armado e não era
perigoso para a população nem para o meio-ambiente. Sendo assim, não constituía
combate ou preparação para combate. De qualquer maneira, o incidente reacendeu a
disputa sobre Sevastopol e sobre as forças russas ali estacionadas.
E o governo Putin foi encerrado sem uma solução para as divergências, seja
sobre o valor do aluguel, seja sobre a utilização das instalações pela Rússia. A Ucrânia,
reconhecendo o acordo de 1997, limitava-se a dizer, então, que não renovaria o aluguel
da base, o que forçaria a frota russa a deixar a região em 2017. Além disso, todavia,
nenhuma atitude prática foi possível, já que as embarcações russas estão sob o guarda-
chuva de um acordo interestatal.
A questão da frota na Criméia está também ligada a outra questão que permeou
o relacionamento bilateral entre Ucrânia e Rússia. Logo após a Revolução Laranja,
quando o país estava completamente dividido entre o leste pró-russo e o oeste pró-
ocidental, surgiram as primeiras ameaças de secessão, embora o país não possua
diferenças étnicas ou nacionais importantes (exceto na Criméia, de população
predominantemente russa). Naquele momento, então, autoridades do novo governo

105
Disponívelemhttp://en.forua.com/news/2006/01/16/172501.html
106
Disponívelemhttp://en.forua.com/news/2008/05/06/134918.html
87
“avisaram os líderes da Ucrânia oriental que qualquer discurso pelo separatismo seria
severamente punido” (Woehrel, 2005, p. 5).
Se a divisão do país ao meio foi uma ameaça passageira, resquício do racha
eleitoral que levou Yushchenko ao poder, uma ameaça mais séria persistiu durante todo
o período estudado, dessa vez em relação à Criméia. Já em junho de 2005, uma
associação chamada “All Crimean Voters” declarava sua intenção de devolver a região
à Rússia. O presidente da organização em Sevastopol, Yuri Bastrikov, declarou, naquela
oportunidade, que “a Ucrânia tomou posse da península ilegalmente”
107
, e demandou
sua reintegração ao país vizinho.
Além do problema estrito do separatismo, outra questão relacionada à
nacionalidade russa na Criméia se transformou em uma dificuldade para o governo: o
idioma. Já em dezembro de 2005, a Criméia reivindicava a realização de um referendo
para dar ao russo o status oficial de segunda língua na região. Vasil Kiselyov, presidente
regional do Partido das Regiões, de Yanukovich, defendia a realização do referendo
regional dizendo:
“A decisão sobre o status de segunda língua do Estado para o idioma russo só pode
ser tomada por referendo. Juristas confirmaram que a decisão do parlamento não é
suficiente, e a vontade do povo é necessária. É por isso que iremos implementar o
referendo”
108
.
Naquele momento, a assembléia legislativa de Sevastopol recusou o referendo por
questões orçamentárias, mas sua realização seguiu na pauta de reivindicações de
autoridades regionais.
Em maio de 2006, a crise da Criméia ganhou um novo capítulo, e dessa vez por
uma ação russa. A Duma, na ocasião, aprovou uma resolução que recomendava ao
governo que reivindicasse a retomada da Criméia, baseado em um acordo de 1774 entre
o Império Russo e o Império Otomano. Pouco depois, o bloco Nossa Ucrânia, de
Yushchenko, emitiu uma declaração recheada de ironia, em que repudiava a ação russa.
O documento dizia:
“O maior órgão legislativo da Rússia não deveria aprovar decisões políticas
baseadas em eventos históricos de 250 anos atrás. Nós estamos convencidos de que

107
Disponívelemhttp://en.forua.com/news/2005/06/14/123024.html
108
Disponívelemhttp://en.forua.com/news/2005/12/19/135537.html
88
as relações internacionais contemporâneas devem levar em conta a situação política
do presente, e não acordos da Era do Iluminismo ou outras Eras”
109
.
O executivo russo não levou à frente a resolução da Duma, mas era a primeira
demonstração, por parte de um órgão oficial russo, da intenção de retomar a região da
Criméia. O período dessa demonstração também era importante, pois ocorria pouco
depois da crise do farol de Yalta, que acendeu a questão da frota russa na região.
Além do desafio externo da Rússia, o governo ucraniano tinha o desafio interno
da oposição também no que toca ao separatismo. Em junho de 2006, nesse sentido, o
bloco Nossa Ucrânia acusava o Partido das Regiões de promover o “federalismo” e
tentar dividir a Ucrânia. No documento divulgado pelo bloco presidencial, lia-se:
“O partido Nossa Ucrânia declara que o Partido das Regiões começou a usar (...) a
sistemática e direta propagação do federalismo na Ucrânia. Os últimos eventos
políticos mostram isso, como a questão do idioma e a criação de histeria anti-
OTAN sem sentido na Criméia (...). Tais ações provam mais uma vez que essa
força política está pronta para criar conflitos sociais na Ucrânia e fazer cada
cidadão dependente da sua vontade, para o bem dos seus próprios interesses
oligárquicos e corporativos. Eles ferem a Constituição na questão do idioma e
tentam dividir o país”
110
.
Como se vê, então, o separatismo atormentava o governo tanto externamente, com
ações vindas da Rússia, como internamente, através de atos da oposição e de facções
regionais.
A questão de um possível referendo sobre o idioma russo na Criméia e na
Ucrânia como um todo, assim como a questão da autonomia e o espectro de secessão na
Criméia seguiram em pauta pelo período que seguiu. Em resposta a esses problemas, o
presidente Yushchenko resolveu indicar um representante especial para a região,
encarregado de lidar com os assuntos que ponteavam a agenda política regional.
É claro que o novo representante presidencial não foi suficiente para resolver
todos os imbróglios. A questão da Criméia se transformou novamente num problema
bilateral com a Rússia em 2008, quando declarações de autoridades russas voltaram a
questionar a soberania da Ucrânia sobre a região. Destaca-se, nesse quadro, o prefeito
de Moscou, Yuri Luzhkov, que declarou em maio que a questão de Sevastopol não

109
Disponívelemhttp://en.forua.com/news/2006/05/30/150728.html
110
Disponívelemhttp://eng.forua.com/news/2006/06/05/181030.html
89
estava resolvida e que a Rússia tinha direitos sobre aquele porto
111
. Em resposta, ele foi
proibido de entrar em território ucraniano e recebeu duras recriminações de diversas
autoridades do país, como o Ministro do Interior, que afirmou que a declaração foi
“vergonhosa” e que deveria ser aberto “um processo criminal pelas declarações sobre a
integridade territorial da Ucrânia”
112
. A Rússia, por seu turno, defendeu o prefeito de
Moscou e, em nota do Ministério das Relações Exteriores, afirmou que:
“Nessa história inteira, nós ficamos receosos com o seguinte: a Ucrânia nega aos
cidadãos russos o direito de expressar suas visões sobre nosso passado comum pela
enésima vez e mais uma vez adota a prática condenável de produzir ‘listas negras’,
restringindo a entrada na Ucrânia a cidadãos da Federação Russa”
113
.
Como se vê, portanto, o governo Putin terminou com uma crise instalada entre
os dois países que tinha como centro a questão da Criméia. Além do problema imediato
da presença dos navios russos na região, que autoridades ucranianas acusavam de ações
ilegais e afirmavam não tolerar após o término do acordo bilateral, a questão da
autonomia da Criméia e sua relação com a Rússia ainda não estava totalmente resolvida.
No campo militar, os anos laranjas foram marcados por uma divergência quase
permanente e, nessa área, a cooperação entre os dois países foi completamente
inexistente.
2.4- Ucrânia e Rússia no Campo Econômico
Economicamente, pode-se separar o relacionamento russo-ucraniano, no período
estudado, em duas grandes áreas: a energética e a comercial. No campo da energia, o
relacionamento foi marcado, durante todo o período, por conflitos não resolvidos,
particularmente no que se refere ao abastecimento da Ucrânia com o gás russo. No
campo comercial como um todo, por outro lado, os conflitos não foram a norma, e as
relações seguiram um curso relativamente tranqüilo.
No que se refere ao setor energético, o relacionamento entre os dois países foi
problemático desde os primeiros meses do governo Yushchenko. Já em agosto de 2005,
a Gazprom, estatal de energia russa, falava na necessidade de elevar o preço do gás ao

111
Disponívelemhttp://en.forua.com/news/2008/05/12/123923.html
112
Disponívelemhttp://en.forua.com/news/2008/05/12/164055.html
113
Disponívelem
http://www.mid.ru/brp_4.nsf/e78a48070f128a7b43256999005bcbb3/caecc53b20a0cc3ec3257448003f
bba9?OpenDocument
90
que considerava valores de mercado (à época, o gás russo era vendido à Ucrânia ao
preço de US$ 50,00 por mil metros cúbicos
114
). Em resposta, o governo ucraniano
ameaçava elevar também a tarifa de trânsito paga pela Rússia para exportar seu gás a
outros países europeus. Essa era a maior margem de manobra da Ucrânia, já que 90%
do gás russo enviado à Europa passava pelo país.
Com a aproximação do inverno, as conversas sobre um possível aumento no
preço do gás se tornaram mais ásperas. No final de novembro de 2005, assim, após
algumas negociações iniciais, o vice-presidente do comitê de gestão da Gazprom,
Alexander Medvedev, afirmou, em entrevista, que o preço do gás seria elevado para
US$ 160,00 por mil metros cúbicos, o triplo do que era cobrado até então
115
. Em
resposta, Viktor Yushchenko rejeitou o novo preço, dizendo que “a Ucrânia [estava]
disposta a pagar preços de mercado pelo gás, mas somente após um período de
transição”
116
.
A questão do gás, àquela altura, era extremamente complicada, porque envolvia
quatro atores diferentes. Além de Ucrânia e Rússia, o problema envolvia o
Turcomenistão, que era o principal fornecedor de gás à Ucrânia – através do território
russo – e a União Européia, que dependia do fornecimento russo de gás através da
Ucrânia. Em dezembro de 2005 ainda não havia um acordo de fornecimento e trânsito
de gás concluído para 2006, o que ameaçava não apenas o abastecimento ucraniano,
mas também o fornecimento de energia à Europa. Em um artigo publicado na época,
Vladimir Socor resumiu assim o problema bilateral:
“Sem um acordo de trânsito entre Rússia e Ucrânia no dia primeiro de janeiro de
2006, não está claro como ou em que termos o gás russo poderia chegar à Europa.
Numa nota de imprensa marcadamente ofensiva, a Gazprom acusou a Ucrânia de
ser ‘totalmente improdutiva, jogando um jogo muito perigoso, transformando o
povo ucraniano em refém e arriscando a segurança energética dos consumidores
europeus de gás russo’. (...) O Primeiro Ministro russo Mikhail Fradkov (…) [já]
alertou a UE sobre ‘possíveis atrasos na entrega de gás russo à Europa’ por causa
da posição de Kiev”. (Socor, 2005)
No final de dezembro de 2005, portanto, era esperada uma possível crise no
abastecimento europeu de energia em razão da disputa russo-ucraniana.

114
Informaçãodisponívelemhttp://en.forua.com/news/2005/06/14/120042.html
115
Informaçãodisponívelemhttp://en.forua.com/news/2005/11/30/110039.html
116
Disponívelemhttp://www.president.gov.ua/en/news/1939.html
91
No dia 4 de janeiro de 2006, então, foi assinado um acordo entre os dois países
para o fornecimento de gás, após uma interrupção do abastecimento feita pela Gazprom
no início do ano. O preço do gás importado pela Ucrânia seria de 95 USD por mil
metros cúbicos, quase o dobro do que pagava até então, mas bem menor do que as
ofertas russas feitas anteriormente. Isso foi conseguido através de um esquema
complexo, segundo o qual a empresa RosUkrEnergo – uma joint venture russo-
ucraniana –, compraria gás diretamente da Gazprom e depois redistribuiria o produto na
Ucrânia
117
. O preço de 95 USD seria proveniente de uma mistura de gás russo (vendido
a 230 USD por mil metros cúbicos) e turcomeno (a 60 USD por mil metros cúbicos).
Jackson Dieh resumiu a complexidade e a obscuridade do acordo em um artigo
publicado pelo Washington Post, em que dizia:
“O presidente da Ucrânia, Viktor Yushchenko, e o Primeiro Ministro, Yuri
Yekhanurov, concordaram em comprar o gás para a Ucrânia através de uma
companhia suíça de comércio [a joint venture RusUkrEnergo, registrada neste país]
cujos proprietários e beneficiários são desconhecidos do público (...). Eles
garantiram a essa obscura empresa uma quota de 50% no negócio de distribuir o
gás aos consumidores ucranianos. Eles aceitaram um acordo no preço do gás
entregue à Ucrânia com duração de poucos meses, mas garantiram que taxas muito
baixas para o armazenamento e para o trânsito do gás russo para o Ocidente fossem
congeladas por 25 anos”. (Dieh, 2006)
O acordo, portanto, estava longe de ser uma vitória ucraniana, e despertou mais dúvidas
que certezas quanto ao futuro do abastecimento energético do país.
As disputas subseqüentes sobre preço do gás foram menos intensas, mas levaram
a novos prejuízos para a Ucrânia. Em 2007, o preço acertado foi de 130 USD por mil
metros cúbicos e, no ano seguinte, 179,5 USD por mil metros cúbicos. No fim do
período estudado, portanto, o gás russo exportado para a Ucrânia era três vezes e meia
mais caro do que em 2005. Os aumentos de 2007 e 2008, todavia, foram justificados em
grande parte pelo incremento no preço do gás turcomeno, que passou de 60 a 135 USD
entre 2006 e 2008
118
.
Além das disputas em torno do preço e da forma de abastecimento do gás para a
Ucrânia, entre o fim de 2007 e o início de 2008 problemas de débitos ucranianos com a

117
Informaçãodisponívelemhttp://en.forua.com/news/2006/01/11/152010.html
118
Informaçãodisponívelemhttp://en.forua.com/news/2007/12/28/105800.html
92
Gazprom se tornaram o centro de uma disputa entre os dois países. A estatal russa
passou, então, a ameaçar o país de cortes no abastecimento de gás no caso do não
pagamento desses débitos. Oleksandr Shlapak, membro do gabinete de Yushchenko,
respondeu então às ameaças da seguinte forma:
“Esses são débitos de empresas privadas, e todas as somas mencionadas e que
causam grande confusão dizem respeito ao relacionamento entre essas empresas.
Para mim, o tom das declarações e o período em que foram feitas demonstram que
a Gazprom quer ver mais do que apenas um problema entre empresas privadas.
Nós vemos isso como um tipo de pressão política na Ucrânia nesse período difícil
de formar o novo governo do nosso país (...) e também de preparação para as
conversas sobre os preços do gás em 2008”
119
.
Já em outubro de 2007, portanto, quando esta declaração foi feita, o problema
preocupava as autoridades ucranianas.
Após uma série de controvérsias, o governo ucraniano concordou em pagar uma
parte das dívidas cobradas, mas não todo o montante reclamado pela estatal russa. As
ameaças da Gazprom foram finalmente concretizadas em março de 2008, quando a
empresa passou a cortar parte do abastecimento da Ucrânia em razão de dívidas não
pagas. Os cortes duraram apenas três dias (de 4 a 6 de março), e foram suspensos após
um acordo entre a Gazprom e a Naftogaz ucraniana. De qualquer forma, o final do
período Putin via uma nova crise no relacionamento entre os dois países no setor
energético, que culminou com outra retenção no abastecimento de energia, como
ocorrera no início de 2006.
No campo do comércio bilateral, por outro lado, não houve alterações
significativas decorrentes de conflitos bilaterais. Isso não significa que não houve
controvérsias. A principal delas ocorreu no inverno de 2005/2006, quando a Rússia
baniu a importação de carne transportada através da Ucrânia. Mais tarde, o banimento
se estendeu a produtos de carne pré-preparados e finalmente a toda a produção
animal
120
. A justificativa do banimento foram problemas sanitários, mas é significativo
que o fato tenha ocorrido entre o fim de 2005 e o início de 2006, auge dos conflitos
bilaterais entre os dois países.

119
Disponívelemhttp://eng.forua.com/news/2007/10/11/174403.html
120
Informaçãodisponívelemhttp://en.forua.com/news/2006/01/27/174737.html
93
Quando se analisa o comércio bilateral como um todo, todavia, não se vê um
impacto negativo significativo da Revolução Laranja. Ao contrário, entre 2005 e 2007,
as exportações ucranianas para a Rússia aumentaram mais de cinqüenta por cento,
subindo de 7,4 para 12,6 bilhões de dólares. O mesmo movimento ocorreu com as
importações, que subiram de 12,8 para 16,8 bilhões de dólares no mesmo período
121
.
No que se refere à Europa, o comércio bilatral também aumentou, e aí o déficit
ucraniano deu um salto significativo. Somando todos os países europeus, as exportações
ucranianas entre 2005 e 2007 foram de 10,8 para 14,7 bilhões de dólares, um aumento
relativo e absoluto inferior àquele verificado nas relações com a Rússia. As importações
dos países europeus, por outro lado, deram um salto muito maior, passando de 12,6 para
23 bilhões de dólares entre 2005 e 2007. O déficit no comércio bilateral anual, que era
de menos de 2 bilhões de dólares em 2005, saltou para mais de 8 bilhões em menos de
dois anos. No campo comercial, portanto, a aproximação com a Europa trouxe um
problema a mais para a balança comercial do país
122
.
Em relação aos Estados Unidos, a aproximação comercial foi praticamente
insignificante. O comércio bilateral, que em 2005 foi de 1,6 bilhão de dólares
(somando-se importações e exportações), passou para 2,4 bilhões em 2007, um
crescimento relativo significativo, mas pouco representativo no conjunto do comércio
exterior ucraniano
123
.
2.5- Uma Relação Difícil
É possível notar, então, que houve um afastamento ucraniano em relação à
Rússia após a Revolução Laranja, embora diferente daquele experimentado pela
Geórgia após a Revolução das Rosas. No caso ucraniano, a opção pelo Ocidente se deu
de maneira menos confrontacionista, exceto em alguns períodos específicos,
especialmente o inverno de 2005/2006. Foi neste período que ocorreram as principais
críticas do país à Comunidade dos Estados Independentes, além do auge do contencioso
com a Rússia em torno da frota do Mar Negro e dos maiores problemas em relação ao
fornecimento de gás. No início de 2008, mais uma vez a confrontação se tornou mais

121
InformaçõesdapublicaçãooficialdoDepartamentodeEstatísticaucraniano.Disponívelem
http://www.ukrstat.gov.ua/druk/uk_in_fg/Uk_in_fg_2007_eng.zip
122
Idem
123
Idem
94
visível, com as conversações sobre o ingresso ucraniano na OTAN, novas disputas em
Sevastopol e mais um problema relacionado ao gás, dessa vez em razão das dívidas
ucranianas no setor.
No conjunto do período analisado, portanto, o confronto e a troca de acusações
foram sazonais. Embora houvesse de fato uma tentativa constante do governo
Yushchenko de se aproximar das instituições Euro-atlânticas, isso não se refletiu em um
afastamento radical da Rússia. O comércio bilateral, entre 2005 e 2008, cresceu nos dois
sentidos, e as comunicações e os laços diplomáticos entre os dois países jamais foram
interrompidos. Simetricamente, os confrontos que eventualmente surgiram foram
sempre resolvidos pela via diplomática, e um conflito militar não foi seriamente
considerado em nenhum momento.
O padrão que se desenvolveu pode ser em parte explicado pela própria
composição das forças políticas ucranianas. Mesmo durante a Revolução Laranja, o
setor pró-ocidental da sociedade nunca conseguiu uma hegemonia incontestável. O
presidente Yushchenko foi eleito com pouco mais da metade dos votos, e seus
opositores mantiveram uma força considerável no parlamento durante todo o período
analisado
124
. A ala pró-Russa da política ucraniana, portanto, jamais foi completamente
vencida, e isso exigiu do governo uma política externa equilibrada, a despeito da
posição claramente pró-Ocidental do presidente, como ficou claro em sua campanha e
nos seus primeiros discursos.
De qualquer forma, o discurso pró-Ocidental das lideranças laranjas pôde ser
visto em prática nos três campos analisados. Institucionalmente, uma aproximação à
União Européia e à OTAN foi visível, embora menor que a desejada por Yushchenko.
Militarmente, os constantes problemas em torno da frota russa em Sevastopol mostram
o mesmo caminho e, no campo econômico, o crescimento do comércio com a Europa
foi exponencial, embora acompanhado de um crescimento importante também nas
trocas com a Rússia.

124
Issosignificouumainstabilidadeenormenosgovernosucranianosentre2005e2008,edeuao
opositorYushchenkoaoportunidadedesetornarPrimeiroMinistro,eportantochefedegoverno,
duranteumapartedesseperíodo.
95
Capítulo 3 - Tulipas na Ásia Central
3.1- A Revolução das Tulipas
Em março de 2005, poucos meses depois de concluída a revolução na Ucrânia,
uma manifestação popular foi responsável por mais uma transferência de poder na
região da Comunidade dos Estados Independentes (CEI). Dessa vez, o movimento teve
lugar no Quirguistão, o que representou a primeira sucessão presidencial tida como
pacífica na Ásia Central desde o final da União Soviética, em 1991
125
. Nas palavras de
Radnitz,
“quando os protestos sobre eleições parlamentares fraudulentas forçaram o
presidente Askar Akayev a fugir para Moscou em 24 de março de 2005, ele
deixou atrás dele a primeira transferência de poder pacífica – embora
inicialmente extra-constitucional – que os cinco países que compunham a Ásia
Central Soviética viram em uma década e meia de independência. O
Quirguistão depois realizou uma eleição presidencial considerada livre e justa
por observadores internacionais”. (Radnitz, 2006, p. 132)
O pretexto para a revolta que irrompeu no país foram as eleições parlamentares
que ocorreram em 27 de fevereiro e 13 de março de 2005. As primeiras manifestações
foram feitas já após o primeiro turno, na província de Jalalabad, no sul do país (ver
mapa 3.1). Na capital da província, no dia 4 de março, apoiadores de candidatos
derrotados nas eleições, insatisfeitos com os resultados apresentados, se reuniram no
centro da cidade e exigiram conversar diretamente com o governador. No mesmo dia, os
manifestantes tomaram um prédio do governo e ali permaneceram pelas duas semanas
seguintes (Radnitz, 2006, p. 135).
Com o tempo, o número de insatisfeitos no local foi crescendo. Inicialmente, os
manifestantes eram indivíduos diretamente ligados aos candidatos derrotados, mas, com
a atenção dispensada pela mídia aos protestos, mais pessoas passaram a engrossar as
fileiras dos descontentes. As reivindicações, que primeiro diziam respeito apenas às
eleições, passaram a se alargar, e críticas diretas ao presidente Askar Akayev ganharam
espaço.
Os resultados do segundo turno das eleições contribuíram para incendiar ainda
mais os protestos, que já começavam a acontecer em outras províncias do país,

125
Adespeitodaviolênciaqueseviuemalgumasprovínciasdopaísemalgunsmomentos,como
descritoadiante.
96
especialmente no sul. No dia 20 de março, então, o presidente tomou a decisão de
retomar à força o prédio ocupado em Jalalabad. A polícia cumpriu as determinações e
retomou o edifício, deixando alguns feridos entre os manifestantes. Mais tarde, os
revoltosos reocuparam o prédio, invadiram outros centros administrativos da cidade e
instalaram um novo governo para a província. O caráter não violento das manifestações
da Geórgia e da Ucrânia demonstrava que não se repetiria completamente na primeira
revolução colorida asiática.
Mapa3.1Emdestaque,Bishkek,JalalabadeOsh,trêscidadesimportantesdaRevoluçãodasTulipas
A capital do país, Bishkek, que fica no norte, só aderiu às manifestações bem
depois do seu início. Apenas no dia 23 de março as primeiras manifestações ocorreram
na cidade. A essa altura, os protestos já haviam chegado a outras regiões do sul do país,
como Osh e Pulgon (ver mapa 3.1). Esta foi mais uma diferença importante em relação
às revoluções coloridas anteriores.
“Enquanto as revoluções ‘das rosas’ e ‘laranja’ se realizaram quase inteiramente
nas respectivas capitais da Geórgia e da Ucrânia, a capital do Quirguistão se
tornou o foco das mobilizações somente após cidades de importância secundária
serem controladas pela oposição. (...) Em Osh, como nas outras cidades [que
iniciaram os protestos antes dela], a oposição começou como resultado de
97
demandas individuais de candidatos derrotados. (...) Por quase todo o curso dos
protestos, a grande maioria dos manifestantes era de origem rural, alguns vindos
de mais de 100 quilômetros de distância, de áreas próximas à fronteira com a
China” (Radnitz, 2006, p. 136).
Na capital, os protestos foram liderados pelo Movimento Popular do Quirguistão
(NDK) (Radnitz, 2006, p. 135). Criado pela oposição no ano anterior reunindo diversos
pequenos partidos, o movimento tinha pouco de homogêneo. Sua força residia
principalmente no fato de unir representantes das elites do norte e do sul do país – o
presidente Akayev era freqüentemente acusado de privilegiar o norte em sua
administração.
Os protestos na capital não precisaram de muito tempo para causar efeitos
permanentes. No dia 24, manifestantes invadiram o principal prédio do governo, numa
repetição do que já havia ocorrido em Jalalabad e em outras províncias do sul do país.
No mesmo dia, o presidente Akayev deixou a capital e viajou para a Rússia. Dez dias
mais tarde, quando já havia um governo alternativo de fato no país, o presidente assinou
sua renúncia em Moscou. Com a renúncia do presidente, Kurmanbek Bakiyev, um dos
líderes do NDK e candidato derrotado no segundo turno das eleições parlamentares, foi
feito presidente interino pelo parlamento. No dia 10 de julho, eleições presidenciais
foram realizadas e Bakiyev foi confirmado no cargo com uma vitória esmagadora: ele
recebeu 89% dos votos.
O movimento de oposição no Quirguistão começou a ganhar força em 2002
(Abazov, 2007, p. 529). O ponto alto do confronto com o governo aconteceu quando
Azimbek Beknazarov, então líder do Comitê Jurídico do Parlamento, pediu o
impeachment do presidente, em razão de concessões territoriais feitas durante as
negociações de fronteiras com a China (Olcott, 2005, p. 2). Após o incidente,
Beknazarov passou a ser perseguido pelo presidente, e acabou preso sob a acusação de
abuso de poder quando exercia um cargo público nos anos 90. A prisão do oposicionista
motivou protestos na região de Aksy, no sul do país, liderados por alguns de seus
apoiadores. A polícia reagiu violentamente, dissolvendo as manifestações e deixando
cerca de sete mortos.
A partir de então, o confronto entre presidente e parlamento se intensificou.
Bakiyev, que era então primeiro-ministro, foi destituído do cargo (Olcott, 2005, p. 2).
Meses depois, diante do clima de instabilidade no país, Akayev convocou uma equipe
98
de especialistas, incluindo políticos e membros da sociedade civil, para sugerir
mudanças na constituição. As mudanças sugeridas apontavam, de forma geral, para a
redução dos poderes do presidente e o fortalecimento do parlamento. Alterações no
texto foram feitas pelo gabinete do presidente, contudo, e a versão final apresentada
fazia o oposto, fortalecendo ainda mais o presidente. As mudanças acabaram aprovadas
da forma como foram propostas por Akayev (Olcott, 2005, p. 3).
Foi apenas no final de 2004 que a oposição deu um novo passo rumo à maior
coordenação de suas atividades. A formação do NDK possibilitou a união de lideranças
do norte e do sul do país. Isso foi importante porque a oposição ao presidente até então
se assemelhava a uma guerra entre essas duas regiões. Os principais opositores de
Akayev tinham como base províncias ao sul do país. Uma das principais razões do
descontentamento com o líder era a concentração dos investimentos na parte norte do
território, relativamente mais desenvolvida e onde está localizada a capital, Bishkek.
Nas palavras de Abazov,
“o president Akayev estava não apenas associado com o relativamente próspero
norte, mas Bishkek, a maior cidade industrial do norte, e os distritos ao seu
redor, atraíam aproximadamente 70% de todos os investimentos e assistência
internacional, se tornando, assim, uma ilha de relativa prosperidade. Embora o
desenvolvimento ocorresse não por um plano, mas através de um padrão
particular de desenvolvimento após a transição fora do controle governamental,
as elites regionais do sul o viam como injusto e como resultado direto das
reformas de Akayev” (Abazov, 2007, p. 530).
Nas manifestações de 2005, as diversas ONGs existentes no Quirguistão e o
movimento estudantil do país tiveram importância reduzida nos protestos que levaram à
revolução das tulipas – especialmente se comparadas a seus equivalentes na Geórgia e
na Ucrânia. As organizações da sociedade civil tiveram papel de destaque na
organização das manifestações em Bishkek, mas estiveram virtualmente ausentes dos
protestos que irromperam no sul do país a partir do início de março (Radnitz, 2006, p.
138). Como se viu, a participação da capital no movimento que levou à renúncia do
presidente, embora importante, foi relativamente reduzida, estando restrita ao clímax do
processo. Da mesma forma, o NDK não pode ser visto como o causador da revolução
das tulipas. Ao contrário, a frente oposicionista só tomou a frente dos protestos na
99
capital. Nas províncias, as lideranças individuais eram muito mais importantes que os
partidos políticos.
No tocante ao relacionamento com o exterior, a revolução das tulipas teve
importantes particularidades, decorrentes em parte das próprias causas e do formato da
revolução. Aí, a participação externa foi menos ativa e decisiva do que aquela que se
viu nos movimentos georgiano e ucraniano, mas o padrão de envolvimento externo foi o
mesmo dos casos anteriores.
A OSCE, presente nas demais revoluções coloridas, também enviou
observadores para os dois turnos das eleições parlamentares de 2005 no Quirguistão.
Após o primeiro turno, os observadores da organização relataram que o processo
eleitoral ficara longe dos padrões internacionais. No segundo turno a avaliação dos
observadores foi de que houvera expressiva melhora na conduta das eleições, embora
reconhecessem que ainda havia problemas. Os observadores da CEI, que também
agiram no Quirguistão, contestaram publicamente os resultados apresentados pela
OSCE. Em sua avaliação, as eleições ocorreram de forma correta, e não havia
justificativa para as manifestações que se seguiram
126
. A Rússia endossou os resultados
da CEI, enquanto Estados Unidos e os países europeus seguiam a OSCE.
Ainda assim, o papel dos Estados Unidos nas eleições foi bem mais discreto que
aquele desempenhado nas revoluções coloridas anteriores. Ao mesmo tempo em que
denunciou as fraudes eleitorais, apoiando os relatórios da OSCE, o governo americano
condenou a violência dos protestos e recomendou que governo e oposição resolvessem
suas diferenças através do diálogo. Uma nota do Departamento de Estado de março de
2005 dizia, nesse sentido, que:
“Os Estados Unidos estão preocupados com a violência no sul do Quirguistão,
incluindo as cidades de Osh e Jalalabad. Nós continuamos a pedir ao governo
que aja com moderação. Nós condenamos o uso da força por qualquer lado,
assim como a tomada e a destruição de propriedades governamentais. (...) O
subsecretário de Estado Burns pediu [em reunião com oficiais quirguizes] que o
governo inicie um diálogo sem precondições com a oposição para encontrar um
caminho rumo a uma estabilidade duradoura através da correção das
irregularidades nas eleições parlamentares recentes e da construção das bases
para eleições presidenciais livres e justas no outono. Os Estados Unidos

126
Informaçãodisponívelemhttp://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/pp040205.shtml
100
também pedem aos líderes da oposição que aceitem esse diálogo sem
precondições”
127
.
Embora seja considerado um movimento pacífico, portanto, os incidentes violentos que
marcaram a revolução das tulipas não passaram despercebidos para os observadores
internacionais e, como se viu, interferiram na forma como a participação dos outros
países se deu.
3.1.1- Mudanças no Estado e no Governo
Ao contrário do que ocorreu na Geórgia e na Ucrânia, a Revolução das Tulipas
não foi marcada por mudanças significativas no período pós-revolucionário. Em
primeiro lugar, o parlamento eleito nas eleições cujas irregularidades motivaram as
manifestações populares não foi desfeito. Ao contrário, os novos parlamentares foram
empossados e passaram a trabalhar com o novo governo. Ao mesmo tempo, foi feita
uma seleta caça às bruxas, em que a Comissão eleitoral cassou o mandato de
parlamentares próximos ao antigo presidente, notadamente seus familiares.
“Após a mudança de regime em março, Kulov [um dos líderes da opoisção] se
dirigiu ao antigo parlamento e insistiu fortemente que o parlamento eleito
precisava permanecer no poder ‘quer nós gostemos ou não’. Permitir que o
novo parlamento assumisse deveria ajudar a estabilizar o país prevenindo
protestos liderados pelos novos parlamentares. Assim, a Comissão Central
Eleitoral e a Suprema Corte consideraram casos individuais de eleições
fraudulentas, incluindo as vitórias de Bermet Akayeva e Aidar Akayev, filhos
do presidente deposto. Askar Akayev” (Marat, 2006, p. 29).
Ao mesmo tempo, a nova administração passou a investigar direta e
profundamente o antigo presidente, suspeito de estar envolvido em uma série de
atividades ilegais.
“Não é surpresa que um dos primeiros passos tomados pelo novo regime tenha
sido a criação de uma comissão para investigar a propriedade pessoal e os
imóveis de Akayev em busca de sinais de corrupção. A comissão é composta de
parlamentares, funcionários do Estado, o Ombudsman estatal, banqueiros,
funcionários de ONGs e cidadãos comuns. Ela é presidida por Daniyar Usenov,

127
http://20012009.state.gov/r/pa/prs/ps/2005/43746.htm
101
um parlamentar com um longo registro de posições anti-Akayev” (Marat, 2006,
p. 21 e 22).
Simultaneamente, diversos privilégios presidenciais foram cancelados, em mais uma
demonstração do caráter anti-Akayev que a Revolução tomou.
“De acordo com uma decisão parlamentar de 8 de abril, foi negado a Akayev o
status histórico de ser o primeiro presidente do Quirguistão independente. O
parlamento também o privou do direito a uma guarda pessoal (proporcionada
pelo Estado) no território do Quirguistão, do direito de tomar parte na vida
política do país e de imunidade diplomática para ele e para seus familiares”
(Marat, 2006, p. 17).
Como se vê, então, o período pós-revolução foi repleto de medidas contra o
antigo presidente e seus familiares e, ao mesmo tempo, escasso de reformas reais nas
estruturas administrativas do Estado. As duas lideranças mais proeminentes da
revolução, Kurmanbek Bakyiev e Felix Kulov, uniram forças após a renúncia de
Akayev e lançaram uma única candidatura presidencial. Bakyiev foi eleito com quase
90% dos votos e Kulov, nos termos do acordo que os uniu (Marat, 2006, p. 17), foi feito
primeiro-ministro, à frente de um parlamento eleito em eleições supostamente
fraudulentas.
Só muito depois da vitória de Bakyiev é que uma verdadeira reforma foi feita.
No final de 2006, uma reforma constitucional foi promovida pelo governo que alterou
substancialmente a relação de forças no país.
“Sob a nova constituição, o presidente perde o poder de selecionar os membros do
governo. O partido político com mais assentos no parlamento ganha o direito de
apontar o primeiro-ministro e os membros do gabinete. Ademais, a nova Carta
Magna transfere a responsabilidade de supervisão do Serviço de Segurança
Nacional do presidente para o primeiro-ministro. O parlamento também obteve o
poder de apontar juízes regionais” (Khamidov, 2006, p. 39).
A nova constituição também alterou o número de parlamentares e o sistema eleitoral,
que passou a ser um misto de lista partidária e votação majoritária. Estas últimas
mudanças foram programadas para entrar em vigor apenas em 2010.
É preciso ressaltar, por fim, as diferenças entre a reforma quirguiz e aquelas
promovidas por Geórgia e Ucrânia. No Quirguistão, as reformas não foram exatamente
o resultado natural do projeto do novo governo, como aconteceu na Geórgia e, em certa
102
medida, também na Ucrânia
128
. No Quirguistão, Bakiyev aceitou as reformas a
contragosto, como resultado de uma série de protestos ocorridos no final de 2006.
Alisher Khamidov explica o sucesso das reformas como uma soma da fraqueza do
governo central, da organização da oposição em torno de um projeto claro e factível de
reforma constitucional e da bem-sucedida mobilização que levou milhares de pessoas às
ruas de Bishkek em novembro de 2006 (Khamidov, 2006, p. 39 e 40). De qualquer
maneira, o resultado foi uma alteração da relação de forças entre governo e parlamento
a partir do terceiro ano de mandato de Bakyiev, e esta alteração retirou parte importante
das atribuições presidenciais.
3.1.2-- O Projeto Político do Novo Governo
Como a Revolução das Tulipas foi preparada com menos antecedência que suas
antecedentes e aconteceu de forma inesperada para muitos observadores, os objetivos
dos novos líderes ganharam menos visibilidade, e pode-se mesmo sustentar que não
estavam claros num primeiro momento. De qualquer maneira, é possível observar
alguns temas que dominavam a agenda proposta por Bakyiev nos momentos que
sucederam a repentina renúncia de Akayev.
O primeiro desses temas era o combate à corrupção, que, como já se viu, ganhou
ares de uma caça às bruxas, com a revogação dos privilégios do antigo presidente e a
perseguição explícita de membros de sua família. Em resposta a esses atos, o antigo
presidente declarou que o novo governo estava “tomando um caminho perigoso” e que,
“defendendo meus direitos presidenciais e civis, assim como minha dignidade humana,
se preciso eu apelarei à comunidade internacional que, sem dúvidas, condenará as
atividades e condutas dos responsáveis” (Marat, 2006, p. 17).
Outra preocupação importante nos primeiros passos do novo governo eram
acabar com o caos que se instalou na capital do país, com a ocorrência de saques e
violência generalizada, e reafirmar o caráter democrático da revolução, que foi
caracterizada como golpe de Estado por alguns veículos internacionais, em grande parte
devido à violência que se instalou na capital por dias a fio. O novo presidente afirmou,
nesse sentido, que “nós vimos que diferentes veículos internacionais de mídia

128
NaUcrânia,asreformassederamcomoresultadodeumcompromissopréeleitoralentregovernoe
oposição,mas,dequalquerforma,faziampartedosplanosdeYushchenkoquandoeleassumiuo
governo.
103
acentuaram os roubos em massa e os saques. Foi doloroso ver uma descrição como esta
dos eventos, tão tendenciosa e unilateral” (Marat, 2006, p. 26). Além da democracia e
da corrupção, outro tema tratado corriqueiramente era a reforma constitucional, que,
como se viu, só foi levada a efeito, a fórceps, um ano e meio após a Revolução das
Tulipas.
Se os assuntos a serem tratados internamente estavam de acordo com aqueles
das revoluções coloridas anteriores (com a notável exceção da violência que se instalou
no país após a Revolução das Tulipas), externamente o caminho de Bakyiev foi distinto.
Poucos dias depois da renúncia de Akayev, o novo governo dava sinais de que a
aproximação com o Ocidente não teria precedência sobre um bom relacionamento com
Moscou. Erica Marat escrevia, em abril de 2005, nesse sentido, que
“na cena internacional, o governo interino conseguiu apoio oficial da Rússia e dos
Estados Unidos. Roza Otunbayeva, Ministra de Relações Exteriores, planeja uma
viagem a Moscou nos próximos dias para encontrar representantes russos. (...) [Por
outro lado], o Quirguistão continua a contar com a assistência americana para o
desenvolvimento de sua democracia” (Marat, 2006, p. 18).
No que se refere especificamente à Rússia, o projeto de um bom relacionamento ficou
claro no início de maio de 2005, quando Bakyiev foi a Moscou par a celebração dos 60
anos do fim da Segunda Guerra Mundial. Lá,
“Bakyiev tratou de uma série de assuntos bilaterais com a Rússia, incluindo a dupla
cidadania, a dívida quirguiz com o país e o significado da Revolução das Tulipas
para o desenvolvimento futuro. Bakiyev argumentou que a cidadania dupla
ajudaria a diminuir o êxodo de russos étnicos do Quirguistão e também auxiliaria
os 400 ou 500 mil quirguizes que trabalham na Rússia. O líder quirguiz também
agendou o encontro com diversos empresários russos para discutir possibilidades
de cooperação bilateral” (Marat, 2006, p. 25).
Todas as ações iniciais do novo governo demonstravam, então, que o caminho
escolhido era o de diálogo e cooperação com a Rússia, ao contrário do que
demonstraram os primeiros atos dos novos governantes georgiano e ucraniano. Se o
sentido das mudanças internas – ao menos no nível dos discursos – era o mesmo,
externamente o caminho quirguiz parecia peculiar, e apontava para o prosseguimento da
parceria com Moscou, embora a colaboração com o Ocidente também fosse buscada.
104
3.2- Quirguistão e Rússia nas Organizações Internacionais
No campo institucional, se notam claramente diferenças importantes do
Quirguistão em relação à Ucrânia e à Geórgia. Essas diferenças são perceptíveis já no
conjunto de instituições a que o país está associado no mundo pós-soviético. Ao
contrário dos protagonistas das Revoluções Coloridas anteriores, que integravam o
GUAM, uma instituição de viés pró-Ocidental na região, e tinham planos de ingressar
nas principais instituições euro-atlânticas, o Quirguistão está envolvido somente em
instituições regionais de forte influência russa. Entre essas instituições estão, além da
Comunidade dos Estados Independentes, a CSTO (Collective Security Treaty
Organization) e a EurAsEC (Eurasian Economic Community). Além disso, o país é
membro fundador da SCO (Shanghai Cooperation Organization), que tem como
membros, além de Estados centro-asiáticos, a China e a Rússia, e apresenta em seus
propósitos, como se verá, características marcadamente anti-ocidentais.
No que se refere à Comunidade dos Estados Independentes, o Quirguistão teve
uma trajetória sem sobressaltos entre a Revolução das Tulipas e o final do governo
Putin na Rússia, no primeiro semestre de 2008. Em 2005, pouco depois do fim da série
de Revoluções Coloridas na região, Igor Torbakov publicou um artigo em que analisava
o futuro da Organização. O autor argumentava que os políticos russos passavam, então,
por um momento de definição, em que teriam de elaborar uma estratégia para lidar com
uma CEI rachada. Em suas palavras,
“[Havia] um consenso geral na comunidade política russa de que a CEI [estava]
dividida em dois campos: um aberto para a cooperação com Moscou e o outro
lutando para manter o Kremlin a uma distância segura” (Torbakov, 2005).
No campo pró-Moscou estariam Belarus, Armênia e Uzbequistão, entre outros Estados.
No campo contrário, Geórgia e Ucrânia seriam os líderes. Após esta análise, o autor
afirmava que, nesse cenário,
“a orientação geopolítica do Quirguistão pós-revolucionário [era] vista por
muitos em Moscou como a ser determinada. Alguns observadores argumentam
que Bishkek [estava, então,] vacilando entre os dois campos, o que o fazia ser
visto com suspeita pelos dois” (Torbakov, 2005).
A indefinição sobre o lado que o Quirguistão adotaria na Comunidade dos Estados
Independentes não perdurou. Num contraste marcante com as duas revoluções coloridas
anteriores, o país participou da Organização de forma ativa. Durante todo o período
105
estudado, Bishkek não apresentou nenhuma grande queixa ou qualquer conflito com a
Rússia na Organização, chegando inclusive a ocupar sua presidência rotativa em 2008.
Era a demonstração de que, se o novo governo não seria um aliado incontestável do
Kremlin na região, também não estava disposto a se alinhar com a política
confrontacionista de Ucrânia e Geórgia.
Além da CEI, outras duas organizações pós-soviéticas contam com a
participação quirguiz, como mencionado acima. A primeira delas é a EurAsEC, ou
EAEC. Esta organização é fundamentalmente econômica, e tem como objetivo ampliar
o comércio e intensificar a coordenação das políticas econômica e comercial dos países
membros. Foi fundada em 2002 por Rússia, Belarus, Cazaquistão, Tadjiquistão e
Quirguistão. Mais tarde, o Uzbequistão também foi admitido como membro pleno da
Organização. De acordo com sua carta de fundação,
“Os propósitos da formação do EAEC são a implementação efetiva, pelas partes
contratantes, do processo de formação da União Aduaneira e do Espaço
Econômico Único e a implementação de outros objetivos e tarefas descritas nos
acordos [existentes] sobre a União Aduaneira, no Acordo sobre o
Aprofundamento da Integração nas Esferas Econômica e Humanitária e no
Acordo sobre a União Aduaneira e o Espaço Econômico Comum, nos estágios
descritos nos supracitados documentos”
129
.
O Espaço Econômico Comum, objetivo final da EurAsEC, ainda não foi criado,
e pode ter início em 2010, inicialmente com as três maiores economias do bloco
(Rússia, Belarus e Cazaquistão), de acordo com o presidente russo atual, Dmitri
Medvedev
130
. De qualquer maneira, a presença do Quirguistão numa união que tem
preponderância absoluta da Rússia é um sinal da escolha econômica feita pelo país, que
não mudou após a Revolução das Tulipas. Ao contrário, Bakiyev ressaltou, durante o
seu período no governo, a necessidade de fortalecer a Organização e intensificar a
cooperação entre ela e as demais estruturas pós-soviéticas, nas áreas econômica e de
segurança
131
.
E é justamente na área de segurança que se enquadra a outra organização pós-
soviética de que o Quirguistão participa. Trata-se da CSTO, a principal estrutura de
segurança coletiva da região, fundada em 2002 como uma evolução do CST (Collective

129
Disponívelemhttp://www.worldtradelaw.net/fta/agreements/eaecfta.pdf
130
Informaçãodisponívelemhttp://www.rbcnews.com/free/20081225170003.shtml
131
Informaçãodisponívelemhttp://eng.24.kg/community/2007/03/27/1681.html
106
Security Treaty), que era parte do corpo jurídico da CEI. Os membros da Organização
são os mesmos da EurAsEC, com a adição da Armênia, o principal aliado russo no
Cáucaso. O fato de Geórgia e Ucrânia não fazerem parte de nenhuma dessas duas
organizações é relevante, e é indicativo do grau de predominância da Rússia em ambas
as estruturas. Tanto econômica como militarmente, não há qualquer Estado na região
que sequer se aproxime do nível de desenvolvimento russo e, como resultado lógico, o
Kremlin exerce forte influência nos rumos dessas duas organizações.
Em sua carta constitutiva, a CSTO declara que
“os propósitos da Organização são fortalecer a paz e a segurança regional e
internacional e assegurar a defesa coletiva da independência, da integridade
territorial e da soberania dos Estados Membros”
132
.
Estes propósitos fazem da CSTO uma organização de segurança coletiva e, portanto, a
condição de membro nesta organização já é um impeditivo prático para a participação
na OTAN
133
. Mais adiante, o documento delimita as áreas de atividade da Organização,
e seus objetivos ficam ainda mais explícitos:
“Para alcançar os propósitos da Organização, os Estados Membros deverão
tomar medidas conjuntas para organizar, em seu escopo, um sistema efetivo de
segurança coletiva, estabelecer agrupamentos regionais de forças e os corpos
administrativos correspondentes, e criar uma infra-estrutura militar de
treinamento de pessoal e de especialistas militares para as forças armadas. (...)
Os Estados Membros poderão adotar uma decisão sobre o estacionamento de
forças e de instalações militares em seus territórios por Estados que não são
membros da Organização somente após estabelecer consultas urgentes (e
encontrar acordo) com os demais Estados Membros
134
. (grifos meus)
O que isso significa é que a organização pretendia formar uma infra-estrutura militar
conjunta, tornando-se, assim, um corpo efetivo com poder de ação nos assuntos de
segurança regional. Mais que isso, o trecho grifado deixa claro que, na eventualidade de
serem instaladas bases estrangeiras no território de qualquer Estado Membro, o
consentimento dos demais seria necessário. Na prática, isto quer dizer que nenhuma
base estrangeira seria instalada na região sem o consentimento russo.

132
Disponívelemhttp://untreaty.un.org/unts/144078_158780/5/9/13289.pdf
133
Teoricamente,nãoincongruêncianaparticipaçãoemduasorganizaçõesregionaisdesegurança,
masapresençaemumaorganizaçãodesegurançacoletivacompredominânciarussaafasta,naprática,
qualquerpossibilidaderealdeparticipaçãosimultâneanaOTAN.
134
Disponívelemhttp://untreaty.un.org/unts/144078_158780/5/9/13289.pdf
107
Outro dos principais objetivos declarados da CSTO é o combate conjunto ao
terrorismo e ao extremismo, e é com este propósito que foi fundada a primeira estrutura
militar efetiva no escopo da organização, a Força de Reação Rápida. Esta estrutura teria
em Moscou seu centro de comando e estaria localizada na Ásia Central. Para pôr o
projeto em prática,
“A Rússia montou uma base em Kant, no Quirguistão, para prover suporte
aéreo às forças de deslocamento rápido. Em setembro de 2003, Bishkek e
Moscou finalmente concluíram um acordo longamente adiado, em nome da
CSTO, para o estabelecimento de uma base controlada pela Rússia e o
estacionamento de pessoal da força aérea russa e aeronaves de combate no
Quirguistão. Essas instalações [seriam] parte de um elemento aéreo conjunto
(russo/quirguiz) que [comporia] a Força de Reação Rápida da CSTO, com sua
função antiterrorista”
135
.
É significativo que o Quirguistão tenha sido escolhido para sediar a base militar
da CSTO (que na prática é russa) na Ásia Central. O acordo foi concluído em 2003,
portanto antes da Revolução das Tulipas, e a base também foi instalada antes da
mudança de governo. Em todo o seu período no cargo, contudo, como se demonstrará
mais adiante, Bakyiev jamais contestou a presença das forças russas no país, ao
contrário do que ocorreu com a Geórgia, onde as bases russas foram motivo de
constantes embates após a Revolução das Rosas. Também no caso da CSTO, a postura
de Bakyiev foi de estímulo à Organização, e a cooperação foi a marca da participação
quirguiz no bloco.
Além dessas três organizações pós-soviéticas, o Quirguistão também faz parte de
outro bloco que conta com a presença, além da Rússia, da outra grande potência
regional, a China. Trata-se da Shanghai Cooperation Organization (SCO), criada em
2001 como uma seqüência do Shanghai Five, um mecanismo de consultas mútuas
desenvolvido em meados da década de 90. Os membros da Organização, além dos três
mencionados acima, são o Cazaquistão, o Uzbequistão e o Tadjiquistão, todos Estados
da Ásia Central.
De acordo com a Carta da Organização, além de fomentar a cooperação em
diversas áreas (desde a política e a militar até a econômica e a cultural, a SCO tem como
objetivo

135
Disponívelemhttp://www.globalsecurity.org/military/world/int/csto.htm
108
“combater conjuntamente o terrorismo, o separatismo e o extremismo em todas
as suas manifestações, lutar contra drogas ilícitas, o tráfico de armas e outros
tipos de atividades de caráter transnacional, assim como a imigração ilegal”
136
.
A Organização pretende ser, portanto, além de um instrumento amplo de cooperação,
uma estrutura especificamente capacitada para lidar com aquelas que julga ser as
principais ameaças regionais de segurança.
O primeiro órgão criado para atender a este objetivo no escopo da SCO foi a
Estrutura Regional Anti-Terrorismo (RATS). Apesar do nome, seus objetivos são
fomentar a cooperação e a troca de informações sobre atividades relacionadas, além do
terrorismo, ao extremismo e ao separatismo. Além disso, a estrutura tem uma atuação
mais prática, que consiste na
“assistência na interação entre os Estados membros para a preparação e a
execução de exercícios contra-terroristas, sob a requisição de Estados
interessados, na preparação e na condução de operações de busca e outras
atividades na área da luta contra o terrorismo, o extremismo e o separatismo”
137
.
Como se vê, então, a SCO tem um componente militar importante em sua estrutura, e
está legalmente apta a promover operações conjuntas na região com o fim de combater
ameaças paraestatais à segurança.
Além do corpo jurídico que prevê um componente militar para o bloco, a SCO
também realizou, desde 2005, uma série de exercícios militares conjuntos. E os
objetivos desses exercícios vão muito além do proclamado pelos membros da
organização.
“Embora os exercícios fossem anunciados como atividades contra-terroristas,
eles não foram, como afirma Martin Andrew, ‘... nada desse tipo. O poder naval
e a operação demonstrada eram patentemente irrealistas contra uma organização
terrorista, mas muito adequadas para uma operação contra uma potência naval
regional” (Tolipov, 2006, p. 164).
De fato, a magnitude das operações “Peace Mission” da SCO, como foram
denominadas, foi não apenas impressionante, mas completamente desconexa de
qualquer possível treinamento antiterrorista. Esta descrição do “Peace Mission 2005”
resume o caráter das operações:

136
Disponívelemhttp://www.chinadaily.com.cn/china/200606/12/content_614628.htm
137
Disponívelemhttp://www.sectsco.org/EN/AntiTerrorism.asp
109
“A ‘Peace Mission 2005’, um exercício militar conjunto de oito dias
envolvendo 10.000 militares russos e chineses, foi feito no extremo leste da
Rússia e na península Shandong, na China. Os exercícios foram liderados pelo
general russo Makhmut Gareyev, um veterano da Segunda Guerra Mundial que
lutou contra a Alemanha e o Japão. (...) Os exercícios conjuntos envolveram
desembarques na praia, operações aéreas, bloqueios navais, mísseis anti-
embarcações e bombardeios de precisão a partir de bombardeiros estratégicos.
Para a surpresa de oficiais de inteligência ocidentais, os bombardeiros
estratégicos russos Tu-95MS e Tu-22M3, desenhados para carregar mísseis
nucleares, foram usados durante os exercícios”
138
.
Como se vê, portanto, os objetivos da SCO vão muito além do simples combate ao
terrorismo e às demais ameaças regionais, e seus exercícios militares, que claramente
visam demonstrar o poderio regional ao mundo, são um exemplo disso.
É preciso levar em conta, também, o que a organização entende por extremismo,
um dos seus inimigos declarados, juntamente com o terrorismo e o separatismo. Isso é
importante porque, na visão da SCO, o extremismo quer dizer qualquer atividade que
vise a contestação extra-constitucional dos regimes vigentes. Numa região em que a
alternância de governos é praticamente inexistente e a democracia encontra claros
limites práticos, a luta contra o extremismo nada mais é que a tentativa de manutenção
do status quo contra qualquer possível ameaça. Nas palavras de Troitskiy,
“A Rússia gostaria que a SCO continuasse monitorando e discutindo meios para
neutralizar atividades extremistas na Ásia Central, para assegurar a estabilidade
dos regimes vigentes. Numa situação em que qualquer mudança de regime traz
a ameaça da diminuição da influência russa sobre novos governos da Ásia
Central, a Rússia aprecia o papel da SCO no reforço do status quo da política
regional” (Troitskiy, 2007, p. 36).
Como se vê, portanto, a SCO é uma organização que visa combater as ameaças
regionais de segurança e, ao mesmo tempo, evitar mudanças bruscas nos regimes
políticos da Ásia Central. Por mudanças bruscas de regime, leia-se Revoluções
Coloridas, a principal ameaça recente à estabilidade dos Estados da região. É revelador
que o Quirguistão participe, de forma inconteste, de uma organização como esta, que
tem nas revoluções coloridas um inimigo declarado.

138
Disponívelemhttp://www.globalpolitician.com/21244russiachina
110
A participação do país em todas as organizações regionais desde 2005, de fato, é
um grande indicativo dos resultados efetivos da Revolução das Tulipas em matéria de
política externa. O país seguiu como membro ativo de todas as organizações pós-
soviéticas, nas quais não se envolveu em qualquer disputa substantiva com a principal
potência regional, a Rússia. Para completar o quadro, o país seguiu apoiando as
atividades da SCO, organização que tem na prevenção da disseminação das Revoluções
Coloridas na Ásia Central um de seus objetivos centrais. Num cenário como este, o
espaço para a intensificação da cooperação com o Ocidente, já limitado pela localização
geográfica do país, fica ainda mais restrito.
Isso não significa que não tenha havido qualquer contato entre o Quirguistão e as
instituições Euro-atlânticas após a Revolução das Tulipas. Ao contrário, houve um
contato relativamente intenso, especialmente entre o país e a OTAN. Esta aproximação,
todavia, foi feita em razão de uma necessidade estratégica da OTAN, e tinha limites
muito estreitos. Ao contrário de Geórgia e Ucrânia, o Quirguistão jamais foi
considerado um potencial candidato a membro efetivo da Aliança Atlântica
139
.
O principal instrumento de cooperação bilateral entre o Quirguistão e a OTAN é
o Partnership for Peace (PfP). O PfP é um programa que a OTAN estabelece com
diversos países, que tem como objetivo incentivar o contato bilateral e estabelecer
programas específicos de cooperação, especialmente na área de segurança. O PfP, no
Quirguistão, está em vigor desde 1994. Após a Revolução das Tulipas, pouco se
avançou nessa área, exceto pela adesão do país, em 2007, ao PfP Planning and Review
Process (PARP). De acordo com a OTAN, o PARP
“ajuda a identificar, a desenvolver e a avaliar as forças e capacidades que
podem ser disponibilizadas para operações de paz lideradas pela OTAN. Ele
também proporciona uma estrutura para os parceiros desenvolverem forças
armadas efetivas, sustentáveis e pouco custosas, assim como para promoverem
esforços amplos de reforma no setor de defesa. Sob o PARP, os planos são
negociados com cada país participante e revisões anuais extensivas são
estabelecidas”
140
.

139
Éclaroqueascaracterísticasgeográficasdopaíssãoumimpeditivopráticoparaummovimento
nessesentido,mastambémosãoaspolíticasquirguizesapósaRevoluçãodasTulipas,comose
demonstraránaanálisedasrelaçõesexterioresdopaísnocampomilitar.
140
Disponívelem
http://www.nato.int/ebookshop/backgrounder/partners_central_asia/partners_central_asiae.pdf
111
Se o PfP e o PARP são os principais instrumentos permanentes de cooperação
entre o Quirguistão e a OTAN, não são os mais significativos. A principal forma de
cooperação bilateral se dá através da presença, em território Quirguiz, da base aérea de
Manas, que está ali estacionada desde 2002 e serve como apoio para as operações da
Aliança no Afeganistão. A base se tornou ainda mais importante depois que a outra base
na Ásia Central, que ficava no Uzbequistão, foi fechada pelo governo uzbeque. A partir
de então, o Quirguistão se tornou o único país centro-asiático a hospedar uma instalação
militar da OTAN. A função da base é fundamentalmente servir de suporte para as
operações no Afeganistão, e conta com a presença de cerca de 1000 militares da França,
dos Estados Unidos e da Espanha
141
.
De qualquer maneira, a cooperação entre Quirguistão e OTAN se limita ao
estreito programa do PfP e, temporariamente, à concessão de uma base aérea para a
International Security Assistance Force (ISAF), que lidera as operações no Afeganistão.
Enquanto isso, o país está imerso em uma rede de instituições regionais que abrangem
aspectos políticos (CEI e SCO), econômicos (EurAsEC) e militares (SCO e CSTO).
Todas essas instituições têm forte influência russa e, no caso da SCO, também uma
importante participação chinesa. Em termos relativos, portanto, a Revolução das
Tulipas, no campo institucional, não trouxe grande aproximação com o Ocidente, e
manteve basicamente o curso que o país já tomava anteriormente em suas relações
externas
142
.
3.3- Quirguistão e Rússia no Campo Militar
Na área militar, o Quirguistão oferece um campo fértil de análise, já que, como
mencionado, o governo que chegou com a Revolução das Tulipas herdou duas bases
estrangeiras em seu território. Em Manas ficava a base dos EUA/OTAN e a poucos
quilômetros dali, em Kant, ficava a base da Rússia/OSCE. As relações do país com cada
uma delas oferece uma boa medida da orientação exterior do novo governo.
A base de Manas foi fundada em 2002, como já mencionado, como suporte para
as operações militares que se desenvolveram no Afeganistão em resposta aos ataques de
11 de setembro. Quando da sua instalação, a Rússia apoiava a estratégia geral em

141
Informaçõesdisponíveisemhttp://www.manas.afcent.af.mil/
142
NotesequeabasedaManaseoPfPQuirguistãoexistiamem2005,nãopodendo,portanto,ser
atribuídosaonovogovernoquirguiz.
112
relação ao Afeganistão, em parte porque as operações antiterroristas americanas se
coadunavam com os objetivos russos na Chechênia. À época, foi instalada também uma
outra base da OTAN na região, no Uzbequistão
143
. Após o fechamento desta base, em
2005, a única instalação militar de apoio à ISAF na Ásia Central passou a ser a base de
Manas, o que elevou substancialmente sua importância.
E até o fim do governo de Askar Akayev, as relações do governo quirguiz com
as potências que controlavam a base de Manas eram, em geral, muito boas. Em julho de
2004, por exemplo, o então presidente afirmava que a base tinha “uma grande
importância para a Ásia Central” e que “a estabilidade da Ásia Central depende da
estabilidade no Afeganistão”. Na mesma ocasião, e talvez mais significativamente, o
líder quirguiz qualificou a base de Manas como “um símbolo da cooperação técnico-
militar entre Estados Unidos e Quirguistão”
144
, demonstrando que as instalações
significavam, para seu país, mais que uma contingência temporária e indesejada da
guerra no Afeganistão.
Apesar da herança positiva nas relações em torno de Manas, todavia, o que se
estabeleceu após a revolução das Tulipas não foi uma era de proximidade com as
potências ocidentais responsáveis pelo controle da base. Em julho de 2005, pouco
depois da posse do novo governo, por exemplo, o embaixador quirguiz em Moscou,
Apas Jumagulov, afirmou que “a base americana está perdendo a relevância, e este é um
assunto a ser negociado”. Sobre uma possível retirada americana do país, o embaixador
disse que “não [acreditava] que isso ocorreria do dia para a noite, mas [aconteceria]
pouco a pouco”
145
. As declarações não chegavam a ser uma confrontação, mas davam o
tom da posição que o novo governo tomaria em relação a Manas.
De maneira mais direta, o presidente Bakyiev deixou clara a posição do novo
governo na primeira reunião de chefes de Estado da SCO após sua posse. A reunião, em
Astana, no Cazaquistão, se deu em um momento importante para a região, já que
sucedia a Revolução das Tulipas, no Quirguistão, e o incidente de Andijon, no
Uzbequistão, que esfriou substantivamente as relações deste país com o Ocidente. E o

143
AbasedeKarshiKhanabad,ouK2,foifechadaapedidodogovernouzbeque,apósumasériede
controvérsiascomoOcidenteemrazãodeumaoperaçãopolicialquematoucentenasdepessoasem
Andijon,em2005.AscríticasocidentaisàaçãodoUzbequistãolevaramaumafastamentosubstancial
dopaísemrelaçãoaosamericanoseeuropeusesuaparalelaaproximaçãoàRússiaeàsinstituiçõespós
soviéticas.Foiapósestacontrovérsia,porexemplo,queoUzbequistãoingressounaCSTO.
144
Disponívelemhttp://en.rian.ru/onlinenews/20040717/39765333.html
145
Disponívelemhttp://en.rian.ru/world/20050711/40886695.html
113
comunicado final da reunião, assinado por todos os líderes dos países do bloco, dava
uma mensagem clara à OTAN e suas bases na Ásia Central. O texto do documento
dizia:
“Nós estamos e continuaremos apoiando os esforços da coalizão internacional
que conduz as operações antiterroristas no Afeganistão. Hoje nós notamos uma
dinâmica positiva na estabilização da situação política interna do Afeganistão.
Alguns Estados-membros da SCO cederam sua infra-estrutura para o
estacionamento temporário de contingentes militares de alguns Estados-
membros da coalizão, assim como disponibilizaram seu território e espaço aéreo
para o trânsito militar no interesse das operações antiterroristas. Considerando a
finalização do estágio militar ativo da operação antiterrorista no Afeganistão, os
Estados-membros da Shanghai Cooperation Organization consideram
necessário que os respectivos membros da coalizão antiterrorista determinem
um prazo para o uso temporário dos objetos supracitados de infra-estrutura e
para a estada dos seus contingentes militares nos territórios dos Estados-
membros da SCO”
146
.
Como se vê, então, em julho de 2005 a SCO e o novo governo Quirguiz davam sinais de
que a presença americana na região não seria mais tão bem-vinda. Após as declarações
do embaixador quirguiz em Moscou, era mais um sinal forte do novo relacionamento
que se estabeleceria entre o Quirguistão, de um lado, e OTAN/Estados Unidos do outro.
De acordo com Stephen Blank, a declaração da SCO era significativa, e estava
intimamente ligada com a disputa em torno das Revoluções Coloridas. Em suas
palavras,
“o encontro da SCO foi um esforço para ligar uma rivalidade estratégica e
ideológica na Ásia Central. A rivalidade estratégica é a disputa entre
Washington, Moscou e Pequim por bases, influência, energia, etc. A batalha
ideológica é travada no terreno de assuntos como a democratização e os direitos
humanos, e nos dois casos Washington descobriu que Moscou e Pequim se
coligaram contra suas políticas (...). A mistura de rivalidade ideológica e
estratégica criou, então, condições na Ásia Central não apenas para um grande
jogo, mas também para uma bipolaridade estratégica reminiscente da Guerra
Fria no Terceiro Mundo. A declaração desse encontro indica como Moscou e
Pequim estão usando a fusão desses dois elementos de rivalidade para avançar

146
Disponívelemhttp://www.pircenter.org/data/resources/Declaration_July2005,2005.pdf
114
suas políticas às expensas dos Estados Unidos, e para tentar re-subordinar esses
Estados aos seus objetivos e estruturas políticas domésticas” (Blank, 2005).
A percepção do autor refletia uma linha comum de análise para a questão. Na Ásia
Central, a Rússia, com o apoio da China, combatia com mais efetividade as Revoluções
Coloridas e seus resultados, e a declaração de Astana, pouco depois da Revolução das
Tulipas, era exemplo claro disso.
Após o encontro, a base americana de K-2, no Uzbequistão, foi fechada em
poucos meses, mas o mesmo não se deu com Manas. Apesar de, no caso do Quirguistão,
não ter sido estabelecido um prazo para a retirada da base, que seguiu operando
normalmente, a visão de uma cooperação estratégica, apresentada por Karimov em
2004, claramente já não orientava mais o governo quirguiz. A partir de então, a visão
que prevaleceu foi a de que a base de Manas deveria ser utilizada como uma fonte de
vantagens econômicas para o país. Já em setembro de 2005, nesse sentido, o presidente
Bakiyev indicava que um aluguel maior deveria ser pago pela presença militar em
Manas. Em novembro, na mesma linha, o presidente consentia com a continuidade da
presença americana no país, mas dizia que “isso significaria grandes despesas para os
Estados Unidos”. De acordo com Bakiyev, a partir de então os americanos teriam que
“pagar preços de mercado globais por cada metro do terreno utilizado”
147
.
A questão do aumento dos preços pagos pela base americana se arrastou por
vários meses, e o Quirguistão insistiu sempre pela renegociação dos valores, que via
como a principal razão para a continuidade da presença americana no país. Após uma
série de tratativas frustradas, Bakiyev afirmou, em abril de 2006, que
“o Quirguistão se reserva o direito de terminar o acordo bilateral (...) se
qualquer circunstância impedir a finalização do processo de negociações até
primeiro de junho de 2006 (...) Nós precisamos pensar primeiro no nosso Estado
e na nossa soberania. Nós não devemos ser dependentes de nenhum Estado”.
148
Como resultado das negociações, foi estabelecido um acordo que previa o pagamento de
um aluguel anual de USD 17,5 milhões pelo uso da base de Manas, além de outras
despesas relacionadas, em comparação com os USD 2 milhões pagos até então. A
presença americana tinha se tornado, para o Quirguistão, uma questão puramente
econômica.

147
Disponívelemhttp://en.rian.ru/world/20051102/41966339.html
148
Disponívelemhttp://en.rian.ru/world/20060419/46602080.html
115
Após os desacordos em relação ao aluguel da base, novos problemas bilaterais
surgiram com os Estados Unidos. Em agosto de 2006, por exemplo, dois diplomatas
americanos foram expulsos do Quirguistão sob a alegação de interferência em sua
política doméstica. Em resposta, dois diplomatas quirguizes também foram expulsos de
Washington. Poucos meses depois, em dezembro, após um incidente envolvendo o
assassinato de um civil por um militar americano em Manas, o parlamento Quirguiz
aprovou uma resolução que instruía o governo a tomar medidas para rever a presença
americana no país. No mesmo sentido, o primeiro ministro Felix Kulov afirmou que
“após o incidente em que um militar americano matou um nacional quirguiz, nós
adotamos a decisão de revisar parte do acordo estipulando o status dos militares e civis
americanos empregados no Quirguistão”
149
.
A base de Manas seguiu em funcionamento até o final do governo Putin, mas
seu status de provedor de vantagens econômicas jamais foi substancialmente alterado. O
Quirguistão permaneceu encarando a presença americana como uma necessidade
temporária e, ainda em fevereiro de 2008, o presidente Bakiyev afirmava, sem
determinar um prazo, que “nós iremos levantar a questão do fechamento da base. Isso é
certo”
150
. Se houve uma mudança na relação com as forças ocidentais no país após a
Revolução das Tulipas, ela certamente não foi no mesmo sentido das Revoluções
Coloridas anteriores.
Com relação à base de Kant, foram observadas diferenças marcantes na postura
do governo pós-revolução. Quando do fim do período Akayev, a visão em relação à
base russa no país, que havia sido aberta em 2003 – depois, portanto, da abertura da
base americana de Manas – era semelhante àquela adotada em relação aos Estados
Unidos. A diferença era que a base de Kant era vista como um fato possivelmente mais
duradouro, enquanto Manas, embora tivesse sua importância ressaltada, tinha suas
origens e limites claramente conectados com as operações no Afeganistão. De qualquer
maneira, em 2004 o governo quirguiz ressaltava a importância da base russa no país,
que o ministro de relações exteriores do país, Askar Aitmatov, definia como “a principal
base político-militar para a Rússia na Ásia Central”
151
. Bakiyev chegou ao poder,
portanto, em um país que estabelecia relações amistosas tanto com os Estados Unidos e
seus aliados como com a Rússia no campo militar.

149
Disponívelemhttp://en.rian.ru/world/20061215/56993379.html
150
Disponívelemhttp://en.rian.ru/world/20080220/99718840.html
151
Disponívelemhttp://en.rian.ru/onlinenews/20040812/39767139.html
116
Enquanto as primeiras ações do novo governo foram no sentido de contestar a
presença americana no país, todavia, o oposto se deu no tocante à base russa em Kant.
Em maio de 2005, o presidente Bakiyev já afirmava que a presença russa no país se
prolongaria “pelo tempo que fosse necessário”
152
, e sugeriu inclusive a possibilidade da
criação de uma nova base russa no Quirguistão, fosse sob a égide da CSTO ou da SCO.
O início de seu governo demonstrava claramente, portanto, que a abordagem em relação
a Moscou e a Washington teria tons diferentes.
E da mesma maneira seguiu a postura do governo durante o período seguinte.
No início de 2006, por exemplo, enquanto discussões sobre os valores a serem pagos
pelos Estados Unidos pela presença em Manas estavam em andamento, as principais
lideranças quirguizes manifestavam publicamente o apoio à continuidade da presença
russa no país. Em fevereiro daquele ano, nesse sentido, o primeiro-ministro Kulov
afirmava que
“o governo do Quirguistão vai oferecer todo o suporte para a base aérea [de
Kant] e criar condições [favoráveis] para os militares (...) Esta base militar
precisa ser encarada como uma parte constituinte da defesa do Quirguistão. Ela
nos deixa confiantes de que tudo o que há sobre nossas cabeças está
protegido”
153
.
A visão da Rússia como parceiro estratégico se mantinha, portanto, e mesmo se
ampliava. Ao mesmo tempo, a Rússia respondia, através do comandante Vladimir
Mikhailov, da força aérea, dizendo que pretendia dobrar seu contingente em Kant no
período de um ano
154
. O contraste não poderia ser mais evidente.
Um episódio ocorrido em outubro de 2006 demonstra com clareza a
excepcionalidade do caso quirguiz do ponto de vista militar. À época, a Rússia vivia um
período tenso com a Geórgia, que acusava oficiais de Moscou de espionagem (ver
capítulo1). Na ocasião, o ministro de defesa russo Sergei Ivanov fez uma caracterização
emblemática das relações russas com o Quirguistão do ponto de vista militar, durante
uma visita ao país:
“Nós continuaremos fazendo grandes investimentos no desenvolvimento da
base de Kant, não apenas do ponto de vista militar, mas também na esfera

152
Disponívelemhttp://en.rian.ru/world/20050524/40406773.html
153
Disponívelemhttp://en.rian.ru/world/20060202/43301780.html
154
Informaçãodisponívelemhttp://en.rian.ru/russia/20060512/48032440.html
117
social, porque os militares russos precisam ter condições apropriadas de serviço,
independentemente de onde estejam, para assegurar que cumpram seus
objetivos. (...) Os militares russos se sentem seguros aqui. Infelizmente, este não
é sempre o caso – eu posso fazer uma comparação com a Geórgia. É como o
céu e a terra”
155
.
E o mesmo padrão de relacionamento, que fez do Quirguistão o “céu” para os
militares russos, se manteve até o fim do governo Putin. A base russa, que foi aberta
após a base de Manas, talvez até como uma resposta de Moscou à presença americana
na Ásia Central, pôde, com o consentimento quirguiz, ganhar um caráter permanente,
especialmente se comparado à efemeridade com que a presença americana era vista,
ainda mais depois da Revolução das Tulipas. Em meados de 2007, poucos meses depois
da controvérsia diplomática a respeito do assassinato de um cidadão quirguiz em
Manas, a Rússia falava novamente na expansão de seu pessoal em Kant. Uma nota da
força aérea russa, dizia, então, que “nos próximos um ou dois anos, o número de
militares será ampliado para 500, e três aviões Su-27, um Na-26 e quatro L-39 serão
entregues”
156
. Da mesma forma, no início de 2008, enquanto Bakyiev dizia que a
presença americana seria eventualmente terminada, seu ministro da defesa afirmava que
a presença russa era “benéfica para os dois lados” e que o acordo sobre a base de Kant
seria “automaticamente renovado todos os anos”
157
.
Durante todo o período, então, o relacionamento militar do Quirguistão com o
exterior foi extremamente esclarecedor. O governo que chegou ao poder com a
Revolução das Tulipas herdou duas bases militares que tinham, então, uma presença
tranqüila no país. Uma delas, a americana, seguiu funcionando em meio a sucessivos
tropeços, incidentes diplomáticos e divergências quanto aos valores devidos pelo
aluguel das instalações. A outra, da Rússia, seguiu gozando da visão estratégica
prevalecente no período anterior, e o período tulipa foi permeado de promessas de
ampliação do contingente, de prosseguimento indefinido do acordo e mesmo da
construção de uma nova base no país. O contraste não poderia ser mais claro.
3.4- Quirguistão e Rússia no Campo Econômico

155
Disponívelemhttp://en.rian.ru/russia/20061004/54500540.html
156
Disponívelemhttp://en.rian.ru/russia/20070606/66799603.html
157
Disponívelemhttp://en.rian.ru/world/20080325/102144315.html
118
Também na área econômica, as relações entre Quirguistão e Rússia foram
marcadas, após a Revolução das Tulipas, por cooperação, e não distanciamento. Ao
contrário do que marcou as duas revoluções anteriores, o novo governo em Bishkek não
se envolveu em qualquer disputa com Moscou por questões energéticas. Também de
forma significativa, o comércio bilateral e os investimentos diretos russos no
Quirguistão foram significativamente ampliados, demonstrando, também nessa área, a
inclinação do novo governo para uma aproximação com a Rússia.
No setor energético, o Quirguistão não passou por nenhum momento de
controvérsia com Moscou. Ao contrário, a Gazprom, estatal russa do setor de
hidrocarbonetos, desenvolve, desde 2003, uma parceria estratégica com o Quirguistão,
que permaneceu em franca expansão após a Revolução das Tulipas. O acordo, assinado
em 2003 pela Gazprom e pelo governo quirguiz e que previa uma parceria no setor de
gás por 25 anos, envolvia a empresa russa nas áreas de exploração dos campos de gás
em território quirguiz, de construção e operação da infra-estrutura necessária e de
transporte e abastecimento de gás no país.
Em janeiro de 2006, seguindo no caminho da cooperação,
“a Gazprom e o governo da República do Quirguistão assinaram um
Memorando de Intenções voltado para o estabelecimento de uma joint venture
russo-quirguiz nas indústrias de óleo e gás. Em maio de 2007, a Gazprom e o
governo da República Quirguiz assinaram o Acordo sobre Princípios Comuns
para a Pesquisa Geológica dos Recursos do Subsolo, que foi a pedra
fundamental (...) para a operação da joint venture. Em fevereiro de 2008, a
Gazprom obteve licenças para pesquisa geológica dos recursos do subsolo nas
promissoras áreas de óleo e gás de Kugart e Mailu-Suu Oriental”
158
.
E toda essa parceria culminou no acordo para a privatização de uma parte da estatal
Kyrgyzgaz, adquirida pela Gazprom em 2008, já após o fim do governo Putin. A
cooperação estabelecida no setor energético durante o período Putin-Bakyiev, portanto,
é inegável, e o acordo de privatização nada mais foi do que o resultado natural da
parceria que se desenvolveu nos anos anteriores.
E a cooperação no setor energético não foi restrita à Gazprom. Outra gigante
russa, a UES (United Energy Systems), lançou uma parceria com o governo quirguiz,

158
Disponívelemhttp://www.gazprom.ru/eng/news/2008/10/31389.shtml
119
dessa vez no setor hidrelétrico. O projeto, foi lançado no fim de 2005, poucos meses
depois da chegada de Bakyiev ao governo.
Também no final de 2005, Pyotr Goncharov falou sobre a intenção russa de
intensificar sua presença econômica – e não apenas econômica – no Quirguistão de
forma muito clara. Em suas palavras,
“a Rússia prepara uma volta ao Quirguistão. A administração presidencial e o
governo da Rússia elaboraram um plano para incrementar a influência Russa no
Quirguistão. Ele cobre todas as direções estratégicas da cooperação bilateral –
de laços nas esferas militar e técnico-militar a contatos sobre a construção de
hidrelétricas e outras áreas da indústria do Quirguistão. O plano prevê a
construção das hidrelétricas Kambarata-1 e Kambarata-2 pela Unified Energy
Systems da Rússia (UES), a gigante russa de eletricidade, com a participação da
Russian Aluminium (RUSAL) no sul da República. A RUSAL vai construir
uma grande planta de alumínio no sul do Quirguistão, que usará a energia das
hidrelétricas Kambarata. (...) Moscou elaborou este plano em cooperação com
Bishkek (...) Está claro que Bishkek quer que as corporações russas invistam em
quase toda a indústria hidrelétrica da pequena república. A RUSAL logo terá o
monopólio de facto na sua metalurgia não ferrosa e a Gazprom na sua indústria
de gás” (Goncharov, 2005).
Esta análise resume com clareza as relações econômicas entre os dois países. Durante o
período em questão, o Quirguistão passou cada vez mais decididamente à órbita
econômica russa, especialmente no setor energético. Mais significativamente, isto
aconteceu com a conivência e, mais que isso, com a colaboração ativa de Bishkek, que
participou de todas as decisões sobre grandes investimentos russos no país.
E os números mostram claramente esta tendência. Entre 2005 e 2007, os
investimentos diretos da Rússia no Quirguistão passaram de modestos USD 1,2 milhão
para significativos USD 207 milhões. Isso representa um aumento de 200 vezes em
apenas dois anos. É verdade que os investimentos totais russos também deram um salto
no período, mas a participação relativa quirguiz também cresceu de forma importante. O
país, que em 2005 representava 0,2% dos investimentos russos na região da CEI, passou
em 2007 a receber 7,7% dos investimentos russos na região. Isso significa que a
120
importância relativa do Quirguistão, dentre os países da CEI, cresceu quase 40 vezes em
dois anos
159
.
A mesma tendência pôde ser observada no comércio bilateral. Em 2004, as
importações feitas da Rússia pelo Quirguistão somavam 268 milhões de dólares, e suas
exportações atingiam 150 milhões. Em 2007, as importações atingiram 879 milhões de
dólares, e as exportações cresceram para 290 milhões. O volume de comércio bilateral
triplicou em apenas três anos, e o déficit quirguiz, que já era significativo, tornou-se
ainda mais acentuado.
No que se refere ao Ocidente, por outro lado, a evolução é menos
impressionante. O comércio bilateral com os Estados Unidos, por exemplo, passou de
um total de 40 milhões de dólares, em 2004, para 47 milhões em 2008, um crescimento
inexpressivo tanto em números absolutos como relativos. Por outro lado, o déficit
quirguiz nessa relação deu um salto significativo, passando de 18 para 41 milhões de
dólares no mesmo período. Em 2006, pico do comércio bilateral (a soma de trocas
comerciais naquele ano atingiu mais de 75 milhões de dólares), o déficit quirguiz
chegou a impressionantes 67 milhões de dólares. Durante todo o período, portanto, o
comércio bilateral com os Estados Unidos cresceu pouco e as exportações quirguizes
para este país foram praticamente inexistentes
160
.
Com relação à União Européia, a tendência não é muito diferente. De 2004 a
2007, o comércio agregado do bloco com o Quirguistão passou de 126 para 249 milhões
de euros. O aumento de quase 100% é significativo (embora muito menor que o
crescimento do comércio com a Rússia), mas, seguindo a tendência geral, se deu quase
todo em prejuízo quirguiz. Na verdade, as exportações feitas à União Européia sofreram
um declínio nesse período, passando de 30 para 23 milhões de euros. As importações,
por outro lado, cresceram de 97 para 226 milhões de euros, elevando o déficit no
comércio bilateral de 67 para 203 milhões de euros. Esta tendência de déficit crescente
pôde ser verificada nos três casos analisados, e também no conjunto do comércio
exterior quirguiz, que passou de um déficit de 173 milhões de euros em 2004 para
impressionantes 3 bilhões de euros negativos em 2007
161
.

159
Dadosdisponíveisemhttp://www.gks.ru/bgd/regl/b08_12/IssWWW.exe/stg/d02/2413.htm
160
Dadosdogovernonorteamericano,disponíveisemhttp://www.census.gov/foreign
trade/balance/c4635.html
161
EstatísticasoficiaisdaUniãoEuropéia,disponíveisem
http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2006/september/tradoc_113409.pdf
121
Percebe-se, portanto, que na área econômica a parceria Rússia-Quirguistão
também seguiu com vento a favor, tanto em termos absolutos quanto na comparação
com a evolução das relações quirguizes com o Ocidente. As relações no campo
energético, que atormentam as relações russas com diversos países da região (e também
com alguns estados europeus) foram marcadamente amistosas com o Quirguistão. Os
investimentos russos no país deram um salto impressionante, e o setor energético foi
responsável por uma grande fatia dessa soma. Da mesma maneira, o comércio bilateral
seguiu se expandindo, e praticamente triplicou entre o início do governo Bakyiev e o
fim do governo Putin. A diferença em relação às Revoluções Coloridas anteriores,
também na área econômica, é visível.
3.5- Uma Relação Melíflua
Como se vê, então, a linha de política externa adotada pelo governo tulipa foi
similar em todas as áreas e sui generis em relação aos movimentos anteriores. A
peculiaridade do caso quirguiz começou, na verdade, já na própria Revolução das
Tulipas, quando a violência tomou algumas cidades do sul do país e os saques se
tornaram comuns na capital. O caráter não-violento que marcou os movimentos
georgiano e ucraniano não se repetiu completamente ali.
No campo institucional, o novo governo herdou uma rede de Organizações
Internacionais que ligava o país à Rússia em todos os campos. Isso era um indicativo do
nível de dependência do país em relação a Moscou, mas também poderia ser um fator de
intensificação de conflitos, caso a visão externa das Revoluções Coloridas anteriores
tivesse se reproduzido entre as lideranças quirguizes. Não foi o que aconteceu. As
relações com Moscou foram absolutamente amistosas no campo institucional, mesmo
quando, como no caso do encontro de Astana da SCO, o caráter anti-ocidental dessas
Organizações se tornava claro.
No campo militar, o mesmo cenário se repetiu. A presença da base russa no país
jamais foi contestada pelos novos governantes e, ao contrário, em algumas
oportunidades se discutiu a ampliação da presença militar da Rússia, com a possível
construção de novas instalações. Paralelamente, diversos imbróglios marcaram a
presença militar americana no Quirguistão. Das negociações em torno dos aluguéis a
serem pagos pela manutenção da base de Manas ao incidente que resultou na morte de
122
um cidadão quirguiz, por diversas vezes a presença americana foi contestada e, em
todos os momentos, os governantes faziam questão de enfatizar a efemeridade da
presença ocidental no país.
Economicamente, a cooperação com a Rússia também ficou evidente. Um sinal
importante dessa tendência foram os acordos com a Gazprom e com a UES, duas
gigantes russas do setor energético que ampliaram significativamente a participação no
Quirguistão após a Revolução das Tulipas. No campo comercial, as trocas com a Rússia
também cresceram de forma exponencial. Também houve crescimento do comércio
com o Ocidente, mas em níveis inferiores ao que se viu no caso russo.
123
Conclusão
Nos capítulos anteriores, foram feitas descrições dos rumos tomados por cada
uma das três Revoluções Coloridas da região da antiga União Soviética. Dessas análises
individualizadas, cabe proceder a um arrazoado conjunto, que demonstre como elas se
posicionam umas em relação às outras. Para seguir o modelo adotado até aqui, este
capítulo será também dividido em seções temáticas, cada uma delas sobre um tema
específico das relações dos três países com a Rússia. A primeira seção fará uma análise
dos movimentos em si, com foco especial na maneira como se relacionaram com as
potências estrangeiras durante os momentos de crise institucional e o imediato pós-
revolução. As seções seguintes abordarão cada uma das três divisões temáticas adotadas
nos capítulos anteriores, quais sejam, a político-institucional, a militar e a econômica.
Por fim, serão feitas considerações gerais sobre o caráter externo dos governos nascidos
das Revoluções Coloridas, numa tentativa de responder à questão que motivou este
trabalho: pode-se classificá-las, em conjunto, como movimentos pró-ocidentais e
claramente anti-russos?
As Revoluções Coloridas
Como processo revolucionário, é possível argumentar que houve mais
semelhanças entre Geórgia e Quirguistão do que entre qualquer um deles e a Ucrânia.
Nos dois primeiros, a mudança de governo foi motivada por eleições parlamentares, e
não presidenciais. Também nos dois casos, os pleitos foram considerados fraudulentos
pela oposição, que organizou manifestações de massa que, em última instância,
forçaram os chefes de Estado a abdicar de seus postos. Em ambos os casos, a oposição
se uniu e conseguiu maioria expressiva nas eleições executivas posteriores e, um fato
significativo, o destino escolhido pelos líderes depostos, Shevardnadze e Akayev, foi o
mesmo: a Rússia.
Enquanto isso, na Ucrânia as eleições que motivaram a Revolução Laranja
foram presidenciais. De fato, a substituição de Leonid Kuchma já era algo aceito, e a
disputa se dava entre o sucessor escolhido, Viktor Yanukovich, e seu homônimo
oposicionista, Yushchenko. O processo só foi considerado uma “revolução” porque se
repetiu, ali, o fenômeno dos protestos de massa que haviam sido vistos na Geórgia um
ano antes, e os líderes vitoriosos proclamaram uma ruptura institucional. Mais uma vez,
124
o povo foi às ruas para denunciar fraudes eleitorais e, como resultado, a Suprema Corte
do país revogou a vitória de Yanukovich e determinou a realização de um novo pleito,
que deu ao candidato oposicionista uma vitória relativamente apertada – especialmente
na comparação com as demais Revoluções Coloridas.
Este argumento, todavia, tem o limite estreito das características procedimentais
dos movimentos em questão. Ao se analisar mais a fundo cada um dos processos,
percebe-se claramente que o patinho feio do grupo é a Revolução das Tulipas. Em
primeiro lugar, o caráter não-violento das duas primeiras Revoluções Coloridas não se
repetiu no Quirguistão. Na Geórgia e na Ucrânia, os líderes dos movimentos
revolucionários foram bem-sucedidos na organização e na contenção das massas, e para
isso contaram com a importante ajuda de movimentos jovens que estiveram envolvidos
desde o início na campanha eleitoral – que se chamavam, respectivamente, Kmara e
Pora. Embora o movimento Kel Kel, no Quirguistão, tenha também tomado parte na
Revolução, seu papel foi muito reduzido em comparação com seus equivalentes
anteriores. Ademais, no caso quirguiz as manifestações tiveram início em províncias do
interior, e foram marcadas por confrontos com a polícia e pela tomada de prédios do
governo. A capital, Bishkek, só aderiu ao movimento nos seus momentos finais, em
mesmo ali ocorreram cenas de violência, como a onda de saques que atormentou os
momentos iniciais do novo governo.
Outra característica interna que faz do Quirguistão o elemento estranho do
conjunto foram as mudanças trazidas pelos novos governos. Na Geórgia e na Ucrânia,
as revoluções trouxeram mudanças constitucionais quase imediatas. No primeiro caso,
os poderes do presidente foram reforçados, numa tentativa de facilitar o avanço das
propostas de Saakashvili. Na Ucrânia, ocorreu o oposto – o aumento do poder do
parlamento –, como resultado de um acordo entre governo e oposição que deu fim ao
impasse que se instalou após o segundo turno das eleições. No Quirguistão, por outro
lado, nenhuma mudança significativa foi feita após a posse de Bakyiev. Ao contrário, o
parlamento eleito foi empossado – e isso é significativo, levando-se em conta que as
supostas fraudes eleitorais dessas mesmas eleições foram o motor da revolução – e as
primeiras mudanças constitucionais só foram feitas quase dois anos depois, como
resultado de pressões da oposição. Tudo isso não quer dizer que tenha havido, de fato,
uma mudança de regime nos dois primeiros casos – o que justificaria o epíteto
revolução – nem que a Revolução das Tulipas tenha significado uma simples mudança
125
de governo – discussão que extrapola os limites deste trabalho. Mas as diferenças de
fundo entre os casos georgiano e ucraniano, de um lado, e o quirguiz, do outro, são
notórias.
O que mais interessa, aqui, a despeito de todas as semelhanças e diferenças
acima tratadas, é o significado de cada um dos movimentos para o mundo exterior. Mais
uma vez, nesse caso nota-se importante diferença no processo quirguiz. Tanto na
Geórgia quanto na Ucrânia, a plataforma política dos oposicionistas apregoava uma
aproximação significativa com a Europa e com os Estados Unidos – a ênfase em cada
um deles variou nos dois casos – e uma postura de maior afastamento em relação à
Rússia. Isso ficou muito claro nos discursos dos principais líderes dos dois movimentos,
já bastante citados ao longo deste trabalho, e nas ações propostas durante as campanhas
presidenciais e levadas a cabo já nos primeiros momentos dos novos governos. Em
ambos os casos, propunha-se uma maior integração com a União Européia e com a
OTAN e, paralelamente, uma relação “pragmática” com a Rússia. A caracterização de
Saakashvili, que declarou que “ser georgiano é ser parte de uma família de nações
democráticas composta por nossos irmãos europeus e nossos amigos e parceiros
americanos”, é emblemática da visão de mundo das primeiras Revoluções Coloridas.
No Quirguistão, por outro lado, evitou-se qualquer declaração do mesmo tipo.
Poder-se-ia argumentar que o movimento teve suas opções limitadas pelas
características geográficas do país, o que é verdadeiro, mas nenhuma tentativa séria de
aproximação com o Ocidente foi proposta por Bakiyev. Na verdade, o presidente
buscou restabelecer relações normais com a Rússia assim que chegou ao poder –
primeiro provisória e, mais tarde, definitivamente –, no que foi bem-sucedido. Externa e
internamente, portanto, o movimento quirguiz teve características peculiares, que o
distanciam do modelo seguido pelas duas revoluções coloridas anteriores.
As Revoluções e as Organizações Internacionais
No campo das Organizações Internacionais, também é possível identificar
claramente que o Quirguistão foge ao padrão dos seus dois predecessores. Isto pode ser
demonstrado de duas maneiras distintas, quais sejam, através da rede de Organizações
Internacionais que cada um dos três países integrou e/ou desejou integrar no período
126
pós-revoluções e através do padrão de relacionamento que se estabeleceu no interior de
cada uma dessas organizações.
Já em uma análise superficial das prioridades internacionais dos novos governos
que surgiram das Revoluções Coloridas, é possível apontar semelhanças claras entre
Geórgia e Ucrânia. Tanto Saakasshvili como Yushchenko viam a aproximação com as
instituições euro-atlânticas como metas, e deixaram isso claro em suas campanhas e em
seus primeiros discursos, como já se demonstrou. Enquanto a Geórgia viu na OTAN sua
principal oportunidade externa, a Ucrânia tinha a União Européia como meta prioritária.
Esta diferença de prioridades, todavia, era reflexo de situações internas. A Geórgia tinha
um relacionamento complicado com a Rússia, duas regiões separatistas apoiadas por
Moscou e bases militares indesejadas em seu território. Era natural que a aproximação
com o Ocidente tivesse como principal viés a segurança. A Ucrânia, por outro lado,
tinha na recuperação econômica a prioridade número um. Ademais, a divisão interna no
país era muito mais pronunciada que na Geórgia, e grande parte da população se opunha
a uma integração militar com a Aliança Atlântica
162
. De qualquer maneira, ambos os
países tinham nas instituições ocidentais o ponto central de suas relações exteriores, e
viam numa parceria com a Europa e com os Estados Unidos uma oportunidade de
reduzir a histórica influência russa.
Da mesma maneira, ambos os países se afastaram progressivamente das
instituições pós-soviéticas, em especial da CEI, que tem um viés mais político e menos
econômico. No caso georgiano, as divergências com a Rússia no interior da
Comunidade foram freqüentes, passando por uma acalorada discussão pública entre
Putin e Saakashvili na frente da imprensa internacional. O país declarou, desde o início
do governo rosa, que não via a organização como um instrumento útil de sua política
internacional, acusando-a freqüentemente de servir exclusivamente aos interesses de
Moscou. Após anos de ameaças, o país finalmente se desvinculou da CEI após o
conflito com a Rússia em agosto de 2008, já durante o governo Medvedev. Apesar do
conflito armado ter servido como gota d’água, todavia, a saída georgiana do bloco foi
resultado de anos de divergências, e não a resposta a uma crise isolada. O caso
ucraniano foi menos conflituoso, mas as divergências também estiveram presentes.
Especialmente entre o fim de 2005 e o início de 2006, quando as tensões com a Rússia

162
Aindaassim,asconversasparaoingressoucranianonaOTANavançarammuito,eareuniãode
Bucareste,em2008,porpouconãodeuinícioaoesperadoMAP,passodefinitivoparaaentradana
Aliança.
127
se exacerbaram em diversos temas do relacionamento bilateral, a saída da organização
foi cogitada, embora nunca levada a efeito.
Por fim, Geórgia e Ucrânia tiveram no GUAM uma importante ferramenta de
contato bilateral e utilizaram a organização para tentar impulsionar suas ambições Euro-
atlânticas. O bloco representou a institucionalização de uma parceria, que ganhou força
após as Revoluções Coloridas dos dois países. Diversas visitas oficiais e a instauração
do ano da Geórgia na Ucrânia e do ano da Ucrânia da Geórgia também demonstraram a
convergência das políticas exteriores dos dois países. Essa tentativa de coordenação,
embora não tenha obtido resultados práticos significativos, era simbólica da visão
externa similar dos governos Saakashvili e Yushchenko.
O caminho do Quirguistão, do ponto de vista internacional, já começa diferente.
O país, quando da Revolução das Tulipas, já estava imerso em uma rede de
organizações pós-soviéticas que o ligava inexoravelmente à Rússia. A CEI, do ponto de
vista político, a EAEC, de uma perspectiva econômica e a SCO e a CSTO, com um viés
militar, atrelavam as relações exteriores do Quirguistão a Moscou de uma forma
completa. É significativo, contudo, que o país nada tenha feito para se desvincular de
qualquer dessas organizações, mesmo quando elas ganhavam uma perspectiva
abertamente anti-ocidental. O maior exemplo, nesse sentido, foi a reunião de Astana da
SCO, em que a organização, com o apoio do Quirguistão de Bakiyev, pedia o fim da
presença militar ocidental na Ásia Central. Embora não tenha seguido o exemplo
uzbeque, que de fato expulsou os americanos de seu território após a reunião de Astana,
o apoio quirguiz a uma declaração com esse tom demonstrava que a prioridade do país
estava realmente nas organizações regionais, e não na Europa ou nos Estados Unidos. A
mesma tendência ficou demonstrada pela evolução da parceria quirguiz com a OTAN,
ou, melhor dizendo, pela falta de evolução dessa parceria após a Revolução das Tulipas.
Do ponto de vista institucional, portanto, mais uma vez o Quirguistão destoa de
seus antecessores. As prioridades externas do país, após 2005, seguiram concentradas
nos países da antiga União Soviética e nas instituições que os uniam, enquanto Geórgia
e Ucrânia procuraram se desvencilhar dessa rede em favor de uma aproximação com o
Ocidente.
128
As Revoluções e as Questões Militares
Nos assuntos de natureza militar, o padrão observado nas instituições
internacionais se manteve. Mais uma vez, Geórgia e Ucrânia tomaram um caminho
semelhante, de afastamento em relação a Moscou – com a Geórgia marcadamente mais
confrontacionista, como também se observou nas organizações internacionais – e o
Quirguistão adotando a via oposta, de aproximação e diálogo com a Rússia. O campo
militar é fértil para uma abordagem comparativa dos três países porque todos eles,
quando das Revoluções Coloridas, abrigavam bases russas em seus territórios. Também
em todos os casos essas bases foram parte importante da política exterior dos novos
governos.
Na Geórgia, como se demonstrou, a questão militar era um ponto chave para as
relações bilaterais com a Rússia desde o período de campanha eleitoral. Na verdade,
desde antes disso, ainda durante o governo Shevardnadze, as instalações russas eram
motivo de diálogo e, freqüentemente, de conflitos bilaterais. O fechamento definitivo
das bases de Batumi e de Akhalkalaki, ambas no sul do país, eram uma prioridade
manifesta de Saakashvili, e o presidente contava, nesse aspecto, com o apoio americano,
sustentado nas promessas feitas pela Rússia quando da assinatura do CFE
163
. A postura
russa foi, desde o início, de concordância com a idéia de retirada, mas de discordância
absoluta em relação ao prazo, que, na visão de Moscou, deveria ser muito maior do que
o exigido pelo governo georgiano. As tratativas em torno do tema foram sempre
conflituosas, com papel destacado para o parlamento georgiano, que aprovou como
resoluções verdadeiros ultimatos para a retirada russa. Um acordo foi finalmente
estabelecido quanto à retirada das duas bases, mas a questão militar entre os dois países
persistiu em torno de dois outros temas: a fiscalização internacional, pedida pela
Geórgia, das instalações de Gudauta, na Abkhazia, que a Rússia se recusava a aceitar (e
que se transformou em um problema ainda maior com o reconhecimento posterior da
Abkhazia como independente, já no governo Medvedev) e as divergências quanto ao
papel dos peacekeepers russos no país, que a Geórgia insistia em substituir por forças
“neutras”
164
. Tanto o tema das bases como o das forças de paz estiveram no centro de
diversas controvérsias bilaterais durante todo o período estudado, e mesmo depois do
fim do governo Putin. O confronto foi a marca da relação entre os dois países nesta área,

163
OTratadocontinhaprovisõessobretodasasbasesrussasemterritóriogeorgiano.Vercapítulo1.
164
EmoposiçãoaopapeldesequilibradoqueSaakashviliacusavaastropasrussasdeexercer.
129
o que os levou, por mais de uma vez, à beira de um conflito armado, que veio
finalmente a eclodir em agosto de 2008.
Na Ucrânia, a questão militar estava também relacionada a uma base russa em
seu território. Nesse caso, todavia, a base em era naval (a frota russa estacionada em
Sevastopol, na Criméia) e estava amparada por um acordo bilateral de longa duração, o
que dava contornos diferentes daqueles da questão georgiana. Mesmo assim, a
cooperação não foi o tom da relação bilateral nesta área. Os problemas se concentraram,
também aqui, entre o fim de 2005 e o início de 2006, período de maior afastamento
entre os dois países em todos os setores. Foi neste pequeno intervalo que as forças
ucranianas tomaram forçosamente um farol em Yalta, após acusarem os russos de
utilizarem ilegalmente as instalações. Seguiu-se um período de acusações mútuas, com
freqüentes promessas ucranianas de que o acordo para a permanência da frota russa no
país não seria prorrogado para além de 2017, quando expira o atual tratado. Outro
período tenso para o problema foi o início de 2008, quando declarações do prefeito de
Moscou cogitando a possível revisão da cinqüentenária cessão da Criméia à Rússia
trouxeram uma nova troca de farpas entre autoridades dos dois países. Mais uma vez, o
período coincidiu com divergências em outros temas, já que era cogitada, à época, a
admissão definitiva da Ucrânia à OTAN. Embora menos constantemente que na
Geórgia, portanto, as questões militares também foram motivo de tensões entre Ucrânia
e Rússia, especialmente quando temas de outras áreas conturbavam as relações
bilaterais.
O Quirguistão, mais uma vez, foge ao padrão neste campo. Quando da
Revolução das Tulipas, o país contava com uma base russa no país e, diferentemente
dos seus antecessores revolucionários, também com uma base americana, construída
para dar suporte à guerra no Afeganistão. Ao contrário do que se poderia esperar pela
interpretação das Revoluções Coloridas como ferramentas de “ocidentalização” da
política, contudo, o novo governo quirguiz teve muito mais problemas com a base
americana do que com a russa, em torno da qual as relações foram absolutamente
melífluas durante todo o período estudado. O documento de Astana, que pedia a
eventual retirada americana da Ásia Central, e as freqüentes declarações de autoridades
quirguizes, que diziam que a presença americana no país era temporária e útil somente
pelo aspecto econômico, deram o tom da política do governo Bakiyev, que ainda teve
controvérsias pontuais importantes com os Estados Unidos – especialmente na
130
discussão sobre a renegociação dos valores a serem pagos pela base e quando do
assassinato de um cidadão quirguiz em Manas. Quanto à base russa, nada disso se
repetiu. A comparação feita por Sergei Ivanov, em visita ao Quirguistão, entre a base
russa no país e suas equivalentes na Geórgia, foi esclarecedora. Falando em solo
quirguiz, ele afirmou que “os militares russos se sentem seguros aqui. Infelizmente, este
não é sempre o caso – eu posso fazer uma comparação com a Geórgia. É como o céu e a
Terra”
165
.
Pode-se dizer, portanto, que, no campo militar, a diferença das políticas
estabelecidas a partir das duas primeiras revoluções coloridas e aquelas adotadas pelo
Quirguistão foram evidentes. A metáfora do Ministro de Defesa russo pode ser
estendida para o quadro completo das relações militares da Rússia com os três países. O
Quirguistão, de um lado, e a Geórgia e a Ucrânia, do outro, estiveram para Moscou
como “o céu e a terra”.
As Revoluções e a Economia
No aspecto econômico das relações exteriores, a tendência apontada nas demais
áreas também é visível, mas de forma menos evidente. Para deixar mais claro que,
também neste aspecto, o Quirguistão foge ao caminho comum de Geórgia e Ucrânia, é
necessário dividir a análise em duas áreas. A primeira é aquela mais dependente do
Estado, representada fundamentalmente pelo setor energético. Aí, o caminho de conflito
e afastamento em relação a Moscou é bem identificável nos protagonistas das duas
primeiras Revoluções Coloridas. A segunda área, menos dependente do Estado, é a do
comércio internacional de forma geral. Neste campo, as conseqüências das mudanças de
governo são menos visíveis, embora também possam ser observadas em alguns setores.
Na área energética, como se demonstrou, a Geórgia e a Ucrânia trilharam
caminhos muito semelhantes. A Geórgia teve na questão um ponto chave de sua política
exterior, já que, quando da revolução das Rosas, todo o gás importado pelo país vinha
da Rússia, e esta era a principal matriz energética ali utilizada. Seguindo a tendência
conflituosa das relações entre os dois países, o relacionamento em torno na questão do
gás também foi problemático em diversos sentidos. Todas as tratativas em torno de
aumentos do preço do produto, justificados pela Rússia em termos puramente

165
DisponívelemDisponívelemhttp://en.rian.ru/russia/20061004/54500540.html
131
econômicos, ganharam tons políticos, com acusações mútuas freqüentes em cada nova
tentativa de mudança. Ademais, as misteriosas explosões nos gasodutos da Ossétia do
Norte, em 2006, que interromperam o fornecimento do produto para a Geórgia no meio
do inverno mais rigoroso do país em muitos anos, geraram novas ondas de ataques por
parte das lideranças de Tbilisi. Durante todo o período estudado, Saakashvili acusou
Moscou de utilizar a energia como instrumento político, com vistas a manter a Geórgia
na órbita russa. Os russos, por seu turno, classificavam os discursos vindos de Tbilisi
como “um misto de arrogância parasita, hipocrisia e descontrole”
166
.
A Ucrânia, de forma semelhante, viveu períodos tensos de negociações sobre o
preço dos hidrocarbonetos vindos da Rússia. Também nessa área, as divergências do
país com Moscou tiveram tons menos dramáticos que os vividos pela Geórgia, mas, de
toda forma, são claramente identificáveis. As controvérsias, mais uma vez, estiveram
concentradas nos dois períodos chave dos cerca de três anos e meio que este trabalho
analisa: o inverno de 2005/2006 e o início de 2008. O primeiro período, que coincidiu
com as maiores controvérsias bilaterais em todos os campos, foi marcado pelas mais
intensas disputas entre os países em torno do preço do gás russo para Kiev e do valor a
ser pago por Moscou pelo trânsito do produto em território ucraniano. Novamente, no
início de 2008, outro período tenso em diversas áreas, controvérsias em torno de
supostas dívidas ucranianas com a Gazprom ganharam importância e culminaram com
cortes russos no abastecimento de gás para o vizinho.
O Quirguistão, por seu turno, novamente se destaca pelas diferenças. Enquanto
seus antecessores viveram relações conturbadas com Moscou no setor energético, o
caminho quirguiz foi de cooperação ininterrupta também neste campo. Acordos de
cooperação com a Gazprom e com a UES, duas estatais russas do setor energético,
marcaram o período estudado e aprofundaram a influência da Rússia no país também
nesta área.
No campo comercial, o que se pode destacar é que o comércio com Moscou
cresceu substantivamente nos três países estudados. O único diferencial, no caso
georgiano, foram os bloqueios comerciais impostos pela Rússia, que marcaram
momentos de intensificação das crises bilaterais e restringiram de forma significativa as
importações de produtos georgianos. De qualquer maneira, as exportações para aquele

166
DisponívelemDisponívelem
http://www.mid.ru/brp_4.nsf/e78a48070f128a7b43256999005bcbb3/38c6ebbe3d803f1cc32570ff00427db0?OpenDocument
132
país sempre cresceram, demonstrando a dependência crônica de Tbilisi dos produtos
russos. No caso do ocidente, todavia, há uma tendência importante. Enquanto Geórgia e
Ucrânia intensificaram significativamente o comércio bilateral, especialmente com a
Europa, no Quirguistão esse crescimento foi menos visível, especialmente se
comparado com o exponencial aumento das relações comerciais com Moscou.
No agregado das relações econômicas, então, a tendência se mantém. Geórgia e
Ucrânia mantiveram relações distantes com Moscou, especialmente nos setores
fortemente dependentes da atividade estatal, como o energético. No Quirguistão,
observou-se o caminho oposto, com uma crescente relação de cooperação com a Rússia
em todas as áreas e grandes projetos bilaterais no setor de energia. Esta redundância
setorial não deixa dúvidas a respeito da trajetória externa escolhida por cada um dos três
países analisados.
Considerações Finais
O que se vê claramente, portanto, é que, nas duas primeiras Revoluções
Coloridas, houve um padrão de comportamento externo semelhante ao esperado pelos
defensores da tese de que foram movimentos estimulados pelo Ocidente, destinados a
combater a influência russa nos países em questão. Geórgia e Ucrânia buscaram uma
aproximação crescente com as instituições Euro-atlânticas e se afastaram
simetricamente de Moscou. No caso georgiano, esse afastamento teve contornos
dramáticos – e culminou com um conflito militar – enquanto, no caso ucraniano, se deu
de forma menos conflituosa, exceto em alguns períodos específicos. O fato é que, com
base nas experiências exteriores desses dois países, não se pode rechaçar a hipótese de
que as Revoluções Coloridas produziram governos marcadamente pró-ocidentais,
destinados a reduzir a influência russa nos respectivos países.
O terceiro caso, contudo, diverge completamente dos dois primeiros. Após a
Revolução das Tulipas, o Quirguistão não apenas não se afastou da Rússia, como se
aproximou ainda mais deste país. Paralelamente, o relacionamento com o Ocidente não
se tornou mais tranqüilo, como se poderia esperar. Ao contrário, divergências com os
Estados Unidos foram constantes nos assuntos militares e, nos outros campos, as
relações foram praticamente inexistentes.
133
Esta análise põe em foco, portanto, duas questões. A primeira é que não se pode
classificar os três casos estudados como externamente homogêneos. Geórgia e Ucrânia
confirmam a expectativa da hipótese apresentada, de que as revoluções coloridas
produziram governos marcadamente pró-ocidentais e anti-russos, e o Quirguistão foge
completamente ao padrão. A segunda questão, decorrente da primeira, é até que ponto
se pode incluir o Quirguistão no mesmo grupo dos casos anteriores. Se o movimento
quirguiz foi diferente desde as origens, e sua particularidade se manteve nos assuntos
externos, há de se questionar se, de fato, pode-se falar de três “Revoluções Coloridas”,
com tudo o que esse termo passou a significar em termos de democratização e
ocidentalização. Ao menos quanto ao segundo aspecto, o Quirguistão claramente destoa
do padrão esperado.
134
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