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LUIZ EDUARDO FONTOURA TEIXEIRA
Arquitetura e cidade: a modernidade (possível)
em Florianópolis, Santa Catarina – 1930-1960
Foto de Norberto Depizzolatti
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LUIZ EDUARDO FONTOURA TEIXEIRA
Arquitetura e cidade: a modernidade (possível)
em Florianópolis, Santa Catarina – 1930-1960
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação do Departamento de Arquitetura e
Urbanismo da Escola de Engenharia de São
Carlos da Universidade de São Paulo para
obtenção do título de Doutor em Teoria e
História da Arquitetura e Urbanismo.
Área de Concentração: Teoria e História da
Arquitetura e do Urbanismo.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Ferreira
Martins
São Carlos
2009
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Ficha catalográfica preparada pela Seção de Tratamento
da Informação do Serviço de Biblioteca – EESC/USP
Teixeira, Luiz Eduardo Fontoura
T266a Arquitetura e cidade : a modernidade (possível) em
Florianópolis, Santa Catarina – 1930-1960 / Luiz Eduardo
Fontoura Teixeira ; orientador Carlos Alberto Ferreira
Martins. –- São Carlos, 2009.
Tese (Doutorado-Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo e Área de Concentração em Teoria
e História da Arquitetura e do Urbanismo) –- Escola de
Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo,
2009.
1. Arquitetura. 2. Cidade. 3. Modernidade.
Florianópolis. I. Título.
Para Mirtô, Bruno, Mariana e Cecília.
AGRADECIMENTOS
Ao professor Carlos Alberto Ferreira Martins por aceitar a orientação e pela confiança
nesse trabalho. Aos professores Carlos Eduardo Comas e Renato Anelli pela valiosa
contribuição crítica por ocasião do Exame de Qualificação. Aos professores da Banca Final
por aceitarem essa incumbência. Ao conjunto dos professores do Curso de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo da EESSC/USP pela contribuição intelectual que me deram, com
seu conhecimento e dedicação.
À CAPES pela bolsa de estudos PICDT. Ao conjunto dos professores e funcionários
do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, que em muito colaboraram para o
processo de concretizar o Doutorado.
Aos funcionários das Bibliotecas da EESC-USP, da UFSC e da UFRGS pela grande
ajuda na pesquisa. Aos funcionários da Pós-Graduação e da Graduação em São Carlos pela
ajuda permanente.
A Norberto Depizzolatti, da Casa da Memória de Florianópolis (FFC), pela disposição
e profissionalismo em contribuir com seu trabalho documental. Ao funcionário dos Arquivos
da SUSP, Sr. Juraci, pelo acesso ao (combalido) acervo de plantas de Florianópolis. Ao
ETUSC/UFSC, na pessoa da arquiteta Graça Velho, pelo acesso à documentação. A Betina
Adams, por viabilizar o acesso a documentos do IPUF e pela sua inestimável interlocução. A
Silvana Moretti que ajudou gentilmente a percorrer Blumenau e seus arquivos. A Ulisses
Munarim pela colaboração amiga permanente (inclusive no IPHAN) com essa pesquisa. À
família Rau, particularmente a Lea Rau Martins, pela pronta disposição em tornar acessível o
registro da obra de seu pai, inclusive viabilizando o contato pessoal com o Sr. Wolfgang
Ludwig Rau (hoje falecido), já então em avançada idade.
A Maria do Rocio Fontoura Teixeira, pelo carinho fraternal (legítimo) e recursos
logísticos em Porto Alegre.
A Carlos Alberto Zuzzi, anfitrião, parceiro e irmão em São Carlos.
Aos amigos da Pós, com sua energia contagiante, particularmente a Maria Tereza
Cordido, Francisco Sales e Ingrid Wanderley, que com afeto (e interlocução) tornaram minha
estadia em São Carlos mais interessante e profícua.
Aos colegas-amigos do SITUS-UFSC, particularmente a Maria Inês Sugai e Américo
Ishida, pela generosa colaboração intelectual com a qual me brindaram.
A alguns ex-alunos (nomear alguém seria injusto com os demais) que ajudaram com
sua vivência, a entender um pouco o interior catarinense.
A Mariana Nunes Elias (agora arquiteta) pela ajuda digital com os mapas. A José
Hélio Veríssimo Jr. pelo apoio digital amigo quando da Qualificação. Ao amigo Dario de
Almeida Prado, que com seu olhar atento e lúcido criou os registros fotográficos atuais da
pesquisa. Ao amigo e parceiro de grupo de estudos, Guilherme Freitas Grad, pelo
inesquecível e criativo “auxílio luxuoso” na parte gráfica e infinita paciência.
Por fim, à Ilha de Santa Catarina, que vinte e oito anos tem me acolhido, objeto e
motivação dessa investida em pesquisa.
RESUMO
TEIXEIRA, Luiz Eduardo Fontoura. Arquitetura e cidade: A modernidade (possível) em
Florianópolis, Santa Catarina 1930-1960. São Carlos, 2009. Tese (Doutorado em
Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo). Departamento de Arquitetura e
Urbanismo, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo.
O trabalho aborda a relação entre a arquitetura produzida e as transformações da
cidade de Florianópolis em dois ciclos. As concepções de moderno, modernidade e
modernização norteiam a investigação. Apontamentos para a montagem de um panorama da
modernidade catarinense são traçados. Um primeiro ciclo (décadas de 1930 a 1950) é definido
principalmente pela influência dos regimes de Gelio Vargas no governo federal o Estado
Novo e o posterior. Uma modernidade muito a reboque do estado, que mantém a cidade como
capital, com a chegada de novas edificações e programas arquitetônico-urbanos, é estudada.
Um crescimento lento ajuda a manter vazios urbanos na área peninsular fundadora.
Profissionais emigrados, na ausência de arquitetos formados, ajudam a desenhar a atualização
de espaços arquitetônicos e a desenvolver gradativamente novas técnicas construtivas. Um
segundo ciclo, que vai dos anos 1950 a meados dos anos 1960 o nacional-
desenvolvimentismo é também pesquisado. O início de um processo de verticalização e
adensamento do centro urbano e de balneabilidade e turismo no interior da Ilha são
abordados. Tendências da modernidade em arquitetura brasileira, como a do modernismo, são
apontadas em novos programas como o edifício de apartamentos e de escritórios. A expansão
para o além da península central, através de vetores como as avenidas, criando novos bairros e
consolidando outros, é estudada. O processo de aterramentos da área central e o início da
ênfase rodoviarista definem o encerramento desse segundo ciclo. A ausência histórica de
planos, que contemplassem a especificidade morfológica e contextual de Florianópolis, faz
concluir que a partir de então a cidade verá o avanço de problemas como a perda da
maritimidade e o do crescimento urbano descontrolado.
Palavras-chave: Arquitetura, cidade, modernidade, Florianópolis.
ABSTRACT
TEIXEIRA, Luiz Eduardo Fontoura. Architecture and city. The (possible) modernity in
Florianópolis, Santa Catarina 1930-1960. São Carlos, 2009. Thesis (Doctorate in
Theory and History of Architecture and Urbanism). Department of Architecture and
Urbanism, São Carlos Engineering School, University of São Paulo (USP).
The work broaches the relation between the architecture produced in Florianópolis and
the transformations of the city in two cycles. The conceptions of modern, modernity and
modernization guide the research. Notes for the assembly of a panorama of the modernity in
Santa Catarina are outlined. A first cycle (decades from 1930 to 1950) is defined mainly by
the influence of the Getúlio Vargas federal government regimes the so called "New State"
(Estado Novo) and the later regime. A modernity linked with the state, that maintains
Florianópolis as the capital city, with the appearance of new buildings and new architectural-
urban programs, is studied. A slow urban growth helps to keep urban empty spaces in the
original founder peninsular area of the city. Immigrant professionals, in the absence of local
architects, help to draw the update of architectural spaces and to gradually develop new
building techniques. A second cycle, that goes from the fifties to the beginning of the sixties –
the national-developmentalism is also researched. The beginning of the verticalisation and
density process of the urban center, and of the tourism development in other areas around the
island are broached. Tendencies of the modernity in the brazilian architecture, like the
modernism, are pointed in new programs like apartments and office buildings. The expansion
beyond the central peninsula of the island, through vectors such as avenues, creating new
neighborhoods and consolidating others, is studied.The process of embankments in the central
area and the beginning of the emphasis on road construction defines the ending of this second
cycle. The historical absence of a town planning that contemplates the morphological and
contextual specificity of Florianópolis, draws to the conclusion that since then, the city has
been witnessing the increasing of problems like the disconnection between the city and the
sea (embankments, lack of marine transportation and of marinas) and the out of control urban
growth.
Key-words: Architecture, city, modernity, Florianópolis.
LISTA DE FIGURAS
FIG. 2.1: BUSTO DE GETÚLIO VARGAS NO GRUPO ESCOLAR DO BAIRRO DO SACO DOS LIMÕES,
FLORIANÓPOLIS, 1940. _____________________________________________________________ 87
FIG. 2.2: BELVEDERE NA CABECEIRA INSULAR DA PONTE HERCÍLIO LUZ EM HOMENAGEM AO
GOVERNADOR. FLORIANÓPOLIS, DÉCADA DE 1940. __________________________________ 87
FIG. 2.3: CASA NEOCOLONIAL À RUA BELISARIO DA SILVEIRA, SACO DOS LIMÕES,
FLORIANÓPOLIS, DÉCADA DE 1940. ________________________________________________ 101
FIG. 2.4: CASA NEOCOLONIAL À RUA JUAN FERNANDES, SACO DOS LIMÕES, FLORIANÓPOLIS,
DÉCADA DE 1940. ________________________________________________________________ 101
FIG. 2.5: “CASA SEM DONO”. PERSPECTIVA DO PROJETO (1930) DE LUCIO COSTA.___________ 101
FIG. 2.6: CAPA DE A CASA POPULAR.____________________________________________________ 103
FIG. 2.7: PROJETO Nº 1, CASA CALIFORNIANA. ___________________________________________ 103
FIG. 2.8: PROJETO Nº 5, CASA ART DÉCO. ________________________________________________ 104
FIG. 2.9: PROJETO Nº 19, CASA ART DÉCO. _______________________________________________ 104
FIG. 2.10: PROJETO Nº 21, CASA NORMANDA. ____________________________________________ 105
FIG. 2.11: PROJETO Nº 24, CASA FUNCIONAL._____________________________________________ 107
FIG. 2.12: ORÇAMENTO DA CASA FUNCIONAL. ___________________________________________ 108
FIG. 2.13: CONJUNTO URBANO ART DÉCO À RUA CONSELHEIRO MAFRA, CIRCA 1940,
FLORIANÓPOLIS. _________________________________________________________________ 111
FIG. 2.14: EDIFÍCIO JOÃO ALMEIDA À RUA GENERAL BITTEENCOURT, CIRCA 1940,
FLORIANÓPOLIS. _________________________________________________________________ 112
FIG. 2.15: CONJUNTO URBANO ART DÉCO À RUA CONSELHEIRO MAFRA, CIRCA 1940,
FLORIANÓPOLIS. _________________________________________________________________ 112
FIG. 2.16: CARTEIRA DE HABILITAÇÃO PROFISSIONAL (CREA) DE WOLFGANG LUDWIG RAU. 114
FIG. 2.17: ANTIGO POSTO DE GASOLINA NAS INSTALAÇÕES HOEPCKE. ____________________ 117
FIG. 2.18: CONJUNTO DAS EDIFICAÇÕES DA FÁBRICA DE RENDAS E BORDADOS HOEPCKE, À
RUA FELIPE SCHMIDT, PROJETO DE TOM WILDI, CIRCA 1940, FLORIANÓPOLIS. _______ 117
FIG. 2.19: FACULDADE DE DIREITO (JÁ DEMOLIDA) À RUA ESTEVES JR, PROJETO DE TOM
WILDI, CIRCA 1940, FLORIANÓPOLIS. ______________________________________________ 117
FIG. 2.20: IGREJA SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS EM ANTÔNIO CARLOS, SANTA CATARINA,
CIRCA 1940, PROJETO DE SIMON GRAMLICH. ________________________________________120
FIG. 2.21: IGREJA MATRIZ DE SÃO BENTO DO SUL, SANTA CATARINA, CIRCA 1950, PROJETO DE
SIMON GRAMLICH.________________________________________________________________120
FIG. 2.22: EDIFÍCIO ZAHIA À RUA FELIPE SCHMIDT, FLORIANÓPOLIS, 1959, PROJETO DE
WOLFGANG RAU. _________________________________________________________________123
FIG. 2.23: INAUGURAÇÃO DO EDIFÍCIO ZAHIA, 1959. ______________________________________124
FIG. 2.24: EDIFÍCIO SANTA TEREZINHA, LAGES, SANTA CATARINA, CIRCA 1940, PROJETO DE
WOLFGANG RAU. _________________________________________________________________124
FIG. 2.25: HOTEL GRACHER, BRUSQUE, SANTA CATARINA, CIRCA 1950, PROJETO DE
WOLFGANG RAU. _________________________________________________________________125
FIG. 2.26: CLUBE 29 DE JULHO, TUBARÃO, SANTA CATARINA, CIRCA 1950, PROJETO DE
WOLFGANG RAU. _________________________________________________________________125
FIG. 2.27: FACHADA DO CINE MUSSI, LAGUNA, SANTA CATARINA, DÉCADA DE 1940, PROJETO
DE WOLFGANG RAU. ______________________________________________________________126
FIG. 2.28: PLANTA BAIXA DO TÉRREO DO CINE MUSSI, LAGUNA. __________________________126
FIG. 2.29: PLANTA BAIXA DO MEZANINO E PLATÉIA DO CINE MUSSI, LAGUNA. _____________127
FIG. 2.30: CORTE AA DO CINE MUSSI, LAGUNA. ___________________________________________127
FIG. 2.31: PLANTA DE DETALHES CONSTRUTIVOS DO CINE MUSSI, LAGUNA. _______________128
FIG. 3.1: MAPA DE SANTA CATARINA DA DÉCADA DE 1950.________________________________134
FIG. 3.2: MAPA DA SEDE DA COLÔNIA BLUMENAU, A STADPLATZ SANTA CATARINA, 1864. _136
FIG. 3.3: CENTRO DA CIDADE DE BLUMENAU NA DÉCADA DE 1950. ________________________141
FIG. 3.4: A FÁBRICA SUL FABRIL E SEU BAIRRO EM BLUMENAU, CIRCA 1950. _______________142
FIG. 3.5: CENTRO DE BLUMENAU, CIRCA 1950.____________________________________________142
FIG. 3.6: PLANTA DA CIDADE DE LAGES EM 1888. _________________________________________145
FIG. 3.7: PLANTA DA CIDADE DE LAGES, INÍCIO DO SÉCULO XX. ___________________________146
FIG. 3.8: CENTRO DA CIDADE DE LAGES, CIRCA 1950. _____________________________________146
FIG. 3.9: DESENHO DA FACHADA LATERAL DO MERCADO PÚBLICO DE LAGES, PROJETO DE
WOLFGANG RAU, CIRCA 1940. _____________________________________________________150
FIG. 3.10: VISTA DO MERCADO PÚBLICO DE LAGES EM 2003._______________________________150
FIG. 3.11: PERSPECTIVA DO PROJETO ARQUITETÔNICO DO CINE TEATRO MARAJOARA, LAGES,
1947, WOLFGANG RAU. ___________________________________________________________ 152
FIG. 3.12: FOTO DE ÉPOCA DO CINE TEATRO MARAJOARA, 1947.___________________________ 152
FIG. 3.13: VISTA NOTURNA DA FACHADA DO CINE TEATRO MARAJOARA EM 2003. _________ 153
FIG. 3.14: VISTA DO FOYER DO CINE TEATRO MARAJOARA EM 2003._______________________ 153
FIG. 3.15: VISTA DA PLATÉIA DO CINE TEATRO MARAJOARA EM 2003. _____________________ 154
FIG. 3.16: PLANTA BAIXA DO CINE TEATRO MARAJOARA, 1947, PROJETO DE WOLFGANG RAU.
_________________________________________________________________________________ 154
FIG. 3.17: CORTE LONGITUDINAL DO CINE TEATRO MARAJOARA. _________________________ 154
FIG. 3.18: DESENHO DA FACHADA DO CINE TAMOIO, 1948, LAGES, PROJETO DE WOLFGANG
RAU. ____________________________________________________________________________ 156
FIG. 3.19: DETALHE DE FACHADA DO CINE TAMOIO. _____________________________________ 156
FIG. 3.20: PERSPECTIVA DO PROJETO ARQUITETÔNICO DO EDIFÍCIO DR. ACCACIO, 1943, LAGES,
PROJETO DE WOLFGANG RAU. ____________________________________________________ 158
FIG. 3.21: VISTA DA VOLUMETRIA DE ESQUINA DO EDIFÍCIO DR. ACCACIO EM 2003. ________ 158
FIG. 3.22: PLANTA BAIXA (PAVIMENTO TIPO) DO EDIFÍCIO DR. ACCACIO. __________________ 158
FIG. 3.23: CONSTRUÇÃO DA PONTE HERCÍLIO LUZ, INÍCIO DA DÉCADA DE 1920,
FLORIANÓPOLIS. _________________________________________________________________ 161
FIG. 3.24: LOCALIZAÇÃO DA PONTE EMÍLIO BAUMGART, 1930, HERVAL DO OESTE, SANTA
CATARINA, PROJETO DO ENGENHEIRO EMÍLIO BAUMGART._________________________ 164
FIG. 3.25: VISTA DA PONTE BAUMGART EM EXECUÇÃO.__________________________________ 164
FIG. 3.26: PLANTA BAIXA E ELEVAÇÃO DO PROJETO ESTRUTURAL DA PONTE BAUMGART. 164
FIG. 3.27: VISTA DA PONTE BAUMGART EM JANEIRO DE 1983._____________________________ 165
FIG. 3.28: VISTA DA PONTE BAUMGART NAS CHEIAS DE 28, JUN, 1939. _____________________ 165
FIG. 3.29: MAPA DA DISTRIBUIÇÃO DAS CINCO REDES FERROVIÁRIAS DE SANTA CATARINA.167
FIG. 3.30: PERSPECTIVA DO PROJETO ARQUITETÔNICO DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE PORTO
UNIÃO, CIRCA 1940, SANTA CATARINA. ____________________________________________ 169
FIG. 3.31: VISTA ATUAL DA FACHADA DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE PORTO UNIÃO. ______ 170
FIG. 3.32: VISTA DA PORTADA DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE PORTO UNIÃO. _____________ 170
FIG. 3.33: VISTA ATUAL DA PORTADA COM O RELÓGIO DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE
CAÇADOR, CIRCA 1940, SANTA CATARINA. _________________________________________172
FIG. 3.34: VISTA ATUAL DA FACHADA DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE CAÇADOR. __________173
FIG. 3.35: PLANTA BAIXA DO PROJETO ARQUITETÔNICO DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE
LAGUNA, CIRCA 1940, SANTA CATARINA.___________________________________________173
FIG. 3.36: LOCAÇÃO DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE LAGUNA._____________________________173
FIG. 3.37: SEDE DOS CORREIOS E TELÉGRAFOS DE CHAPECÓ, CIRCA 1930, SANTA CATARINA. 179
FIG. 4.1: PLANTA DA VILLA DE N. S. DO DESTERRO DA ILHA DE SANTA CATARINA, 1754, MAPA
DE JOSÉ CUSTÓDIO DE SÁ E FARIA._________________________________________________185
FIG. 4.2: PLANTA DA VILLA CAPITAL DE SANTA CATARINA, 1774, MAPA DE JACQUES FUNCK.
__________________________________________________________________________________185
FIG. 4.3: PLANTA DA CIDADE DO DESTERRO, 1823, MAPA DO TENENTE COELHO PENICHE. __187
FIG. 4.4: PLANTA TOPOGRAPHICA DA CIDADE DO DESTERRO, 1876. ________________________188
FIG. 4.5: MAPA DIAGRAMÁTICO DOS ARRUAMENTOS DO DESTERRO. ______________________189
FIG. 4.6: PLANTA DA CIDADE DO DESTERRO. _____________________________________________189
FIG. 4.7: VISTA (POSTAL TRÍPTICO) DA ORLA INSULAR CENTRAL DA CIDADE DE
FLORIANÓPOLIS, DESDE A TORRE DA CATEDRAL, CIRCA 1920. _______________________191
FIG. 4.8: VISTA DA RUA FELIPE SHMIDT, DESDE A PRAÇA XV, ANTES DOS ALARGAMENTOS,
CIRCA 1920. ______________________________________________________________________192
FIG. 4.9: VISTA DA RUA FELIPE SCHMIDT DURANTE AS OBRAS DE ALARGAMENTO, CIRCA 1930.
__________________________________________________________________________________193
FIG. 4.10: ALARGAMENTO DA RUA FELIPE SCHMIDT (CIRCA 1930). _________________________193
FIG. 4.11: VISTA ATUAL DO PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (HOJE
CRUZ E SOUZA). __________________________________________________________________194
FIG. 4.12: VISTA DO CAIS RITA MARIA E FÁBRICA DE PONTAS, CIRCA 1930. _________________198
FIG. 4.13: VISTA DAS INSTALAÇÕES DA HIDRÁULICA DE FLORIANÓPOLIS, CIRCA 1920. ______198
FIG. 4.14: VISTA DA AVENIDA DO SANEAMENTO, CIRCA 1920, FLORIANÓPOLIS._____________201
FIG. 4.15: VISTA DA AVENIDA HERCÍLIO LUZ (ANTES DO SANEAMENTO), CIRCA 1950. ______201
FIG. 4.16: VISTA ATUAL DE TRECHO DA AVENIDA HERCÍLIO LUZ. _________________________201
FIG. 4.17: PLANTA DA CIDADE DE FLORIANÓPOLIS, NA DÉCADA DE 1930. __________________202
FIG. 4.18: VISTA ATUAL DA ANTIGA ESCOLA DO COMÉRCIO NA AVENIDA HERCÍLIO LUZ,
INICIADA EM 1921. _______________________________________________________________ 205
FIG. 4.19: VISTA ATUAL DO ANTIGO LICEU DE ARTES E OFÍCIOS, INAUGURADO EM 1917,
TENDO EM PRIMEIRO PLANO O COLÉGIO ESTADUAL DIAS VELHO DE 1941. ___________ 205
FIG. 4.20: VISTA DA PONTE HERCÍLIO LUZ, 1926, FLORIANÓPOLIS._________________________ 212
FIG. 4.21: VISTA ATUAL DA PONTE HERCÍLIO LUZ. _______________________________________ 212
FIG. 4.22: VISTA DA CIDADE DE FLORIANÓPOLIS NA DÉCADA DE 1940, COM A PONTE AO
FUNDO.__________________________________________________________________________ 212
FIG. 4.23: VISTA DO BAR E RESTAURANTE MIRAMAR (1928 – PROJETO DOS IRMÃOS CORSINI E
AUGUSTO HÜBEL) NA DÉCADA DE 1930. ___________________________________________ 215
FIG. 4.24: VISTA DA PRAÇA FERNANDO MACHADO (NO EIXO DA PRAÇA XV DE NOVEMBRO),
NA DÉCADA DE 1930, COM A INSTALAÇÃO DO POSTEAMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. 215
FIG. 4.25: VISTA ATUAL DA FACHADA DO ANTIGO CINE ROXY (DÉCADA DE 1930) E CONJUNTO
URBANO. ________________________________________________________________________ 215
FIG. 4.26: PORTADA DO CINE ROXY COM CARTAZES DE FILMES DA ÉPOCA, CIRCA 1950. ____ 216
FIG. 4.27: VISTA DO HOTEL LA PORTA (1932 – PROJETO DOS IRMÃOS CORSINI E AUGUSTO
HÜBEL), NA DÉCADA DE 1930. _____________________________________________________ 216
FIG. 4.28: ANÚNCIO PUBLICITÁRIO DO HOTEL LA PORTA EM 1952._________________________ 217
FIG. 4.29: VISTA DA ORLA INSULAR CENTRAL E PRAÇA FERNANDO MACHADO COM O HOTEL
LA PORTA, NO FINAL DA DÉCADA DE1950. _________________________________________ 217
FIG. 4.30: VISTA ATUAL DO FORTE SANTA BÁRBARA (CIRCA 1876) COM REFORMA ART DÉCO
DOS ANOS 1940. __________________________________________________________________ 219
FIG. 4.31: DETALHE DA VOLUMETRIA ATUAL DO FORTE SANTA BÁRBARA. ________________ 219
FIG. 4.32: VISTA AÉREA DA ORLA INSULAR CENTRAL (ANOS 1950) COM O FORTE SANTA
BÁRBARA AO FUNDO, JÁ CONSTRANGIDO ENTRE ATERROS. ________________________ 219
FIG. 4.33: VISTA DA AVENIDA MAURO RAMOS NA DÉCADA DE 1960._______________________ 221
FIG. 4.34: VISTA AÉREA ATUAL DA AVENIDA MAURO RAMOS. ____________________________ 221
FIG. 4.35: VISTA DO PRÉDIO DOS CORREIOS E TELÉGRAFOS, NA PRAÇA XV, NA DÉCADA DE
1940. ____________________________________________________________________________ 223
FIG. 4.36: VISTA ATUAL DOS CORREIOS E TELÉGRAFOS, NO CONTEXTO VERTICALIZADO DA
PRAÇA XV. _______________________________________________________________________223
FIG. 4.37: ANÚNCIO DA TABELA DE HORÁRIOS DOS NAVIOS DA EMPRESA HOEPCKE EM 1935.
__________________________________________________________________________________227
FIG. 4.38: VISTA ATUAL DA FÁBRICA DE RENDAS E BORDADOS HOEPCKE (CIRCA 1940,
PROJETO DE TOM WILDI). _________________________________________________________227
FIG. 4.39: VISTA DA TORRE DE ESQUINA DA FÁBRICA DE RENDAS NOS ANOS 1960, HOJE
DEMOLIDA. ______________________________________________________________________228
FIG. 4.40: VISTA NOTURNA (COM TONS EXPRESSIONISTAS) DA TORRE DA FÁBRICA DE
RENDAS. _________________________________________________________________________228
FIG. 4.41: ANÚNCIO PUBLICITÁRIO DA EXPOSIÇÃO DO CENTENÁRIO DA REVOLUÇÃO
FARROUPILHA DE 1935, EM PORTO ALEGRE. ________________________________________229
FIG. 4.42: VISTA DO PAVILHÃO DE SANTA CATHARINA NA EXPOSIÇÃO DE 1935. ____________232
FIG. 4.43: VISTA NOTURNA DO PAVILHÃO DE SANTA CATHARINA._________________________233
FIG. 4.44: VISTA AÉREA (POSTAL) DO CONJUNTO DA EXPOSIÇÃO DE 1935 (PLANO DE ALFRED
AGACHE). ________________________________________________________________________233
FIG. 4.45: ANÚNCIO PUBLICITÁRIO DO CINE REX._________________________________________234
FIG. 4.46: VISTA PANORÂMICA DO HOSPITAL NEREU RAMOS (1938) NA DÉCADA DE 1940.____238
FIG. 4.47: VISTA DO HOSPITAL NEREU RAMOS NA DÉCADA DE 1940. _______________________238
FIG. 4.48: VISTA ATUAL DE PARTE DAS INSTALAÇÕES DO HOSPITAL NEREU RAMOS. _______238
FIG. 4.49: VISTA LATERAL DAS INSTALAÇÕES DO HOSPITAL NEREU RAMOS. _______________239
FIG. 4.50: VISTA DO DEPARTAMENTO DE SAÚDE PÚBLICA (PROJETO DE PAULO MOTTA E
EXECUÇÃO DE TOM WILDI) NO INÍCIO DOS ANOS 1940, NOS ALTOS DA RUA FELIPE
SCHMIDT COM A RÓTULA DA ATUAL AVENIDA RIO BRANCO. ________________________241
FIG. 4.51: VISTA EXTERNA DO DSP A PARTIR DA RÓTULA DA AVENIDA RIO BRANCO. _______241
FIG. 4.52: DETALHE DE ACABAMENTO EXTERNO DA FACHADA DO DSP.____________________241
FIG. 4.53: DETALHE DA FACHADA FRONTAL À RÓTULA DO DSP, COM BUSTO DE OSVALDO
CRUZ.____________________________________________________________________________242
FIG. 4.54: VISTA PARCIAL DA LOCALIDADE CONTINENTAL DO ESTREITO NA DÉCADA DE1950.
__________________________________________________________________________________244
FIG. 4.55: VISTA ATUAL DE CONJUNTO DE EDIFICAÇÕES DE DOIS PAVIMENTOS NA AVENIDA
HERCÍLIO LUZ, CIRCA 1940. _______________________________________________________ 246
FIG. 4.56: VISTA ATUAL DE CONJUNTO DE EDIFICAÇÕES EM ROUPAGEM ART DÉCO NA RUA
CONSELHEIRO MAFRA, CIRCA 1940.________________________________________________ 246
FIG. 4.57: VISTA ATUAL DA FACHADA EXTERNA DO GRUPO ESCOLAR GETÚLIO VARGAS (1940)
NO BAIRRO DO SACO DOS LIMÕES. ________________________________________________ 249
FIG. 4.58: VISTA ATUAL DO PÁTIO INTERNO DO GRUPO ESCOLAR GETÚLIO VARGAS._______ 250
FIG. 4.59: DETALHE DA PLACA DE INAUGURAÇÃO DO GRUPO ESCOLAR GETÚLIO VARGAS._ 250
FIG. 4.60: VISTA EXTERNA ATUAL DO COLÉGIO ESTADUAL DIAS VELHO, (1941) À RUA VICTOR
MEIRELLES. _____________________________________________________________________ 250
FIG. 4.61: VISTA EXTERNA ATUAL DO GRUPO ESCOLAR D. JAIME CÂMARA (CIRCA 1941) NO
BAIRRO DO RIBEIRÃO DA ILHA. ___________________________________________________ 251
FIG. 4.62: VISTA ATUAL DO PÁTIO COBERTO DO GRUPO ESCOLAR D. JAIME CÂMARA. ______ 251
FIG. 4.63: OUTRA VISTA DO PÁTIO COBERTO DO GRUPO ESCOLAR D. JAIME CÂMARA.______ 251
FIG. 4.64: PROJETO DA VILA OPERÁRIA DO SACO DOS LIMÕES (1942).______________________ 254
FIG. 4.65: VISTA ATUAL DE RESIDÊNCIA UNIFAMILIAR DA VILA OPERÁRIA À RUA JUAN GANZO
FERNANDES._____________________________________________________________________ 255
FIG. 4.66: VISTA ATUAL DE RESIDÊNCIA UNIFAMILIAR DA VILA OPERÁRIA À RUA BELISÁRIO
BERTO DA SILVEIRA. _____________________________________________________________ 255
FIG. 4.67: MAQUETE DA EDIFICAÇÃO DO IPASE, (1944) À PRAÇA PEREIRA OLIVEIRA.________ 256
FIG. 4.68: PLANTA BAIXA DO PAVIMENTO TÉRREO DO IPASE._____________________________ 257
FIG. 4.69: PLANTA DO PAVIMENTO TIPO DO IPASE._______________________________________ 257
FIG. 4.70: VISTA ATUAL DA RESIDÊNCIA DO DR. CABRAL (1946-1950), À RUA ESTEVES JR,
PROJETO E EXECUÇÃO DE MOELLMANN, BRÜGGEMANN E RAU._____________________ 259
FIG. 4.71: DETALHE CONSTRUTIVO-ORNAMENTAL DA PORTADA DA RESIDÊNCIA DO DR.
CABRAL. ________________________________________________________________________ 260
FIG. 4.72: VISTA ATUAL DA FACHADA DA RESIDÊNCIA DO DR. CABRAL.___________________ 260
FIG. 4.73: VISTA AÉREA DE FLORIANÓPOLIS E SUA ÁREA CENTRAL INSULAR, NO INÍCIO DA
DÉCADA DE 1940. ________________________________________________________________ 261
FIG. 4.74: DETALHES DO PROCESSO COMPOSITIVO-CONSTRUTIVO DE UMA RESIDÊNCIA NEO
RENASCENTISTA (1949-1950) NA CHÁCARA DE ESPANHA, FLORIANÓPOLIS, PROPRIEDADE
DE JOÃO MUSSI, EM PROJETO DE WOLFGANG RAU.__________________________________264
FIG. 4.75: VISTA ATUAL DA RESIDÊNCIA MUSSI. __________________________________________265
FIG. 5.1: VISTA DO EDIFÍCIO SÃO JORGE (TRABALHO DE WILDI E RAU) EM OBRAS NO INÍCIO
DOS ANOS 1950, À RUA FELIPE SCHMIDT. ___________________________________________276
FIG. 5.2: VISTA ATUAL DA VOLUMETRIA DE ESQUINA DO EDIFÍCIO SÃO JORGE (1952). ______276
FIG. 5.3: BALCÕES DO EDIFÍCIO SÃO JORGE.______________________________________________277
FIG. 5.4: ANÚNCIO PUBLICITÁRIO DO LUX HOTELNO EDIFÍCIO SÃO JORGE._________________277
FIG. 5.5: VISTA DA ATUAL INSERÇÃO URBANA DO EDIFÍCIO SÃO JORGE. ___________________279
FIG. 5.6: PLANTA BAIXA DO EDIFÍCIO SÃO JORGE. ________________________________________279
FIG. 5.7: WOLFGANG RAU NO CAFÉ SENADINHO, TÉRREO DO EDIFÍCIO SÃO JORGE. _________279
FIG. 5.8: VISTA PANORÂMICA DE FLORIANÓPOLIS NOS ANOS 1950. ________________________281
FIG. 5.9: DIAGNÓSTICO DA ORGANIZAÇÃO URBANA DE FLORIANÓPOLIS. __________________288
FIG. 5.10: TRAÇADO VIÁRIO DE FLORIANÓPOLIS NA DÉCADA DE 1940. _____________________288
FIG. 5.11: PERSPECTIVA DA PROPOSTA DO PLANO DIRETOR DE1952 PARA FLORIANÓPOLIS. _291
FIG. 5.12: ESQUEMA GRÁFICO DA AVENIDA-TRONCO CONFORME PROPOSTA DO PLANO
DIRETOR DE 1952 PARA FLORIANÓPOLIS. ___________________________________________291
FIG. 5.13: PLANTA DE ZONEAMENTO DAS ALTURAS DAS EDIFICAÇÕES, COM OS VAZIOS DAS
CHÁCARAS OCUPADOS POR DESENHO BASEADO NA CIDADE-JARDIM, SEGUNDO O
PLANO DE 1952 PARA FLORIANÓPOLIS. _____________________________________________294
FIG. 5.14: ESQUEMA GRÁFICO DA NOVA ESTRUTURAÇÃO DA ZONA DO ESTREITO, CONFORME
O PLANO DE 1952 PARA FLORIANÓPOLIS. ___________________________________________295
FIG. 5.15: PROPOSTA ARQUITETÔNICA MODERNA PARA O CENTRO CÍVICO DE FLORIANÓPOLIS,
SEGUNDO O PLANO DE 1952. _______________________________________________________295
FIG. 5.16: ORTOFOTO DE FLORIANÓPOLIS DE 1957.________________________________________296
FIG. 5.17: ANÚNCIO PUBLICITÁRIO DE INAUGURAÇÃO DO CINE SÃO JOSÉ, FLORIANÓPOLIS. 298
FIG. 5.18: PERSPECTIVA DO PROJETO ARQUITETÔNICO DO CINE SÃO JOSÉ, PROJETO DE
WOLFGANG RAU. _________________________________________________________________298
FIG. 5.19: INAUGURAÇÃO DO CINE SÃO JOSÉ, TRANSMITIDA AO VIVO PELA RÁDIO GUARUJÁ,
20, JUL., 1954._____________________________________________________________________ 300
FIG. 5.20: VISTA DO INTERIOR DA PLATÉIA, DO CINE SÃO JOSÉ, COM TRABALHOS
DECORATIVOS DE FRANKLIN CASCAES. ___________________________________________ 300
FIG. 5.21: DETALHE DA LUMINÁRIA CENTRAL DA PLATÉIA DO CINE SÃO JOSÉ. ____________ 300
FIG. 5.22: PLANTA BAIXA DO CINE SÃO JOSÉ. ____________________________________________ 301
FIG. 5.23: VISTA AÉREA DA IMPLANTAÇÃO DO CLUBE DO PENHASCO (1954), FLORIANÓPOLIS,
PROJETO DE WALMY BITENCOURT. _______________________________________________ 303
FIG. 5.24: VISTA ATUAL DA INSERÇÃO URBANA DO CLUBE DO PENHASCO. ________________ 303
FIG. 5.25: VISTA EXTERNA ATUAL DO CLUBE DO PENHASCO, DESDE A VIA DE CONTORNO DA
PRAINHA.________________________________________________________________________ 304
FIG. 5.26: VISTA DA ÉPOCA DE INAUGURAÇÃO DO PALÁCIO DAS SECRETARIAS (1955), NA
ESQUINA DA PRAÇA XV DE NOVEMBRO, FLORIANÓPOLIS, PROJETO DE WOLFGANG RAU.
_________________________________________________________________________________ 305
FIG. 5.27: BAIXO RELEVO COM A NOMEADA DOS AUTORES DA OBRA DO PALÁCIO DAS
SECRETARIAS, NA PORTADA DA EDIFICAÇÃO. _____________________________________ 305
FIG. 5.28: VISTA DA INSERÇÃO URBANA DO PALÁCIO DAS SECRETARIAS NA DÉCADA DE 1960.
_________________________________________________________________________________ 306
FIG. 5.29: VISTA ATUAL DA INSERÇÃO URBANA DO PALÁCIO DAS SECRETARIAS. __________ 306
FIG. 5.30: VISTA ATUAL DA PORTADA DO PALÁCIO DAS SECRETARIAS, DESDE A RUA TENENTE
SILVEIRA. _______________________________________________________________________ 308
FIG. 5.31: VISTA ATUAL DO INTERIOR DO PAVIMENTO TÉRREO DO PALÁCIO DAS
SECRETARIAS. ___________________________________________________________________ 308
FIG. 5.32: PERSPECTIVA DO PROJETO ARQUITETÔNICO DO EDIFÍCIO MUSSI (1957), À RUA
NEREU RAMOS, DE WOLFGANG RAU. ______________________________________________ 310
FIG. 5.33: VISTA ATUAL DA FACHADA DO EDIFÍCIO MUSSI. _______________________________ 311
FIG. 5.34: DETALHE DE COROAMENTO DO EDIFÍCIO MUSSI._______________________________ 311
FIG. 5.35: DETALHE DOS PILOTIS EM “V” DO EDIFÍCIO MUSSI. _____________________________ 311
FIG. 5.36: PLANTA BAIXA DO EDIFÍCIO MUSSI. ___________________________________________ 314
FIG. 5.37: FACHADA FRONTAL DO EDIFÍCIO MUSSI. ______________________________________ 314
FIG. 5.38: EDIFICAÇÃO VIZINHA DO EDIFÍCIO MUSSI. _____________________________________314
FIG. 5.39: VISTA ATUAL DA ESCOLA TÉCNICA FEDERAL, 1957-1959, (ATUAL CEFET) NA
AVENIDA MAURO RAMOS._________________________________________________________318
FIG. 5.40: GRUPO ESCOLAR DA PRAINHA (PROJETO DE MOYSÉS LIZ) NA AVENIDA MAURO
RAMOS, EM FLORIANÓPOLIS, DENTRO DO PLANO DE “MIL ESCOLAS” (PLAMEG) DO
GOVERNO ESTADUAL DE CELSO RAMOS. ___________________________________________318
FIG. 5.41: VISTA EXTERNA ATUAL DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO (PROJETO DE
FLAVIO DE AQUINO E OLAVO REDIG DE CAMPOS), 1958-1963._________________________319
FIG. 5.42: VISTA ATUAL DO NTERIOR DE UMA SALA DE AULA DO INSTITUTO ESTADUAL DE
EDUCAÇÃO. ______________________________________________________________________319
FIG. 5.43: VISTA ATUAL DE UM DOS PÁTIOS DO INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. _____320
FIG. 5.44: MAPA DE 1924 DAS TERRAS COMUNAIS REPASSADAS PARA ANTÔNIO AMARO EM
1935, EM JURERÊ, FLORIANÓPOLIS. ________________________________________________322
FIG. 5.45: PLANTA BAIXA DO LOTEAMENTO PRAIA DO FORTE (PROJETO DE ANNITO PETRY –
CONSULTORIA DE OSCAR NIEMEYER), 1957, JURERÊ. ________________________________323
FIG. 5.46: MAQUETE DO EMPREENDIMENTO DA PRAIA DO FORTE. _________________________323
FIG. 5.47: CARTA DE OSCAR NIEMEYER, ACEITANDO A INCUMBÊNCIA DE COLABORAR COM O
LOTEAMENTO PRAIA DO FORTE. ___________________________________________________325
FIG. 5.48: FOTO DE OSCAR NIEMEYER E DO EX-GOVERNADOR ESTADUAL ADERBAL RAMOS DA
SILVA, SÓCIO DA IMOBILIÁRIA JURERÊ. ____________________________________________325
FIG. 5.49: VISTA DO RESTAURANTE CATETINHO EM CONSTRUÇÃO, PROJETO DE OSCAR
NIEMEYER (1957) EM JURERÊ.______________________________________________________328
FIG. 5.50: VISTA DO RESTAURANTE JÁ FUNCIONANDO NO LOTEAMENTO PRAIA DO FORTE. _328
FIG. 5.51: PLANTA BAIXA DIGITALIZADA DO RESTAURANTE CATETINHO.__________________329
FIG. 5.52: PROJETO TÉCNICO DA AVENIDA BEIRA MAR NORTE. TRECHO 1.__________________331
FIG. 5.53: PROJETO TÉCNICO DA AVENIDA BEIRA MAR NORTE. TRECHO 2.__________________332
FIG. 5.54: PROJETO TÉCNICO DA AVENIDA BEIRA MAR NORTE. TRECHO 3.__________________332
FIG. 5.55: VISTA AÉREA DA PRAIA DE FORA, COM O ATERRAMENTO PARA A CONSTRUÇÃO DA
AVENIDA BEIRA MAR NORTE. _____________________________________________________333
FIG. 5.56: PLANTA BAIXA DO PLANO DIRETOR PARA A UFSC, (PROJETO DE HÉLIO DUARTE E
ERNST MANGE), 1956. FONTE: COMISSÃO, 1998, P.51. ________________________________ 336
FIG. 5.57: VISTA DO PRÉDIO DA FACULDADE DE FILOSOFIA (ATUAL CENTRO DE
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO-CCE) DA UFSC, PROJETO DE PAULO MACEDO E ADROALDO
PEREIRA. ________________________________________________________________________ 337
FIG. 5.58: VISTA ATUAL DO CCE – UFSC._________________________________________________ 337
FIG. 5.59: VISTA ATUAL DO PRÉDIO DA REITORIA – UFSC. ________________________________ 337
FIG. 5.60: PRÉDIO DO IAPC (1958) NA PRAÇA PEREIRA OLIVEIRA AO LADO DO EDIFÍCIO DO
IPASE (1944). _____________________________________________________________________ 339
FIG. 5.61: EDIFÍCIO DO BANCO NACIONAL DO COMÉRCIO (BNC), NA PRAÇA XV, (INAUGURADO
EM 1959) EM OBRAS.______________________________________________________________ 341
FIG. 5.62: VOLUMETRIA DO BANCO NACIONAL DO COMÉRCIO (ATUAL SANTANDER). ______ 341
FIG. 5.63: DETALHES ORNAMENTAIS DO BANCO NACIONAL DO COMÉRCIO. _______________ 342
FIG. 5.64: VISTA ATUAL DA FACHADA DO EDIFÍCIO ZAHIA, À RUA FELIPE SCHMIDT, PROJETO
DE WOLFGANG RAU (1959). _______________________________________________________ 343
FIG. 5.65: PLANTA BAIXA DO EDIFÍCIO ZAHIA. ___________________________________________ 344
FIG. 5.66: VISTA ATUAL DA COBERTURA DO EDIFÍCIO ZAHIA. ____________________________ 344
FIG. 5.67: VISTA ATUAL DO OSCAR HOTEL (1959), Á AVENIDA HERCÍLIO LUZ. ______________ 345
FIG. 5.68: VISTA ATUAL DO EDIFÍCIO CIDADE DE FLORIANÓPOLIS (1960).__________________ 345
FIG. 5.69: VISTA ATUAL DO EDIFÍCIO DAS DIRETORIAS (1958-1961) ________________________ 347
FIG. 5.70: FACHADA DO EDIFÍCIO DAS DIRETORIAS.______________________________________ 347
FIG. 5.71: VISTA DA MARQUISE ONDULADA DO EDIFÍCIO DAS DIRETORIAS.________________ 347
FIG. 5.72: BRISES DO EDIFÍCIO DAS DIRETORIAS._________________________________________ 349
FIG. 5.73: PLANTA BAIXA DO PAVIMENTO TÉRREO DO EDIFÍCIO DAS DIRETORIAS. _________ 350
FIG. 5.74: VISTA EXTERNA ATUAL DO EDIFÍCIO DA FIESC, 1961, (ATUAL FATMA). __________ 351
FIG. 5.75: VISTA DO PAINEL DE MOSAICOS (ARTE DE MARTINHO DE HARO) DO PAVIMENTO
TÉRREO DO EDIFÍCIO DA FIESC. ___________________________________________________ 351
LISTA DE MAPAS
MAPA 1: MAPA DE EVOLUÇÃO URBANA. FLORIANÓPOLIS, DÉCADA DE 1920. LEGENDAS DO
AUTOR SOBRE MAPA-BASE DO IPUF._______________________________________________ 207
MAPA 2: MAPA DE EVOLUÇÃO URBANA. FLORIANÓPOLIS, DÉCADAS DE 1930 E 1940. LEGENDAS
DO AUTOR SOBRE MAPA-BASE DO IPUF. ___________________________________________ 267
MAPA 3: MAPA DE EVOLUÇÃO URBANA. FLORIANÓPOLIS, DÉCADAS DE 1950 E 1960. LEGENDAS
DO AUTOR SOBRE MAPA-BASE DO IPUF. ___________________________________________ 353
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CREA – Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
BADESC – Banco de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina
FCC – Fundação Catarinense de Cultura
FFC – Fundação Franklin Cascaes
IPUF – Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis
ETUSC – Escritório Técnico da Universidade Federal de Santa Catarina.
IAPC – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários
IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industrrios
IPASE – Instituto de Previdência e Aposentadoria dos Servidores Estaduais
PMF – Prefeitura Municipal de Florianópolis
SUSP – Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos
UBRO – União Beneficiente e Recreativa Operária
UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO_____________________________________________________35
PARTE 1: MARCO REFERENCIAL TEÓRICO____________________________57
1 CAPÍTULO 1: MODERNO, MODERNIDADE, MODERNIZAÇÃO:
ALGUMAS TEORIAS E CONCEPÇÕES ________________________________59
1.1
Introdução _________________________________________________________________ 61
1.2
O moderno _________________________________________________________________ 61
1.3
O processo do moderno e a cidade ______________________________________________ 62
1.4
A modernidade como processo_________________________________________________ 76
1.5
Modernidade e vanguarda ____________________________________________________ 77
1.6
Modernidade e modernização _________________________________________________ 78
2 CAPÍTULO 2: QUESTÕES HISTORIOGRÁFICAS: O MODERNISMO E
OUTROS MODERNOS ______________________________________________81
2.1
Introdução _________________________________________________________________ 83
2.2
A imagem como documento ___________________________________________________ 85
2.3
A imagem como representação_________________________________________________ 86
2.4
Apontamentos para uma revisão historiográfica __________________________________ 88
2.5
Arquiteturas da modernidade: algumas observações_______________________________ 91
2.6
Arquitetura das respostas populares ____________________________________________ 99
2.7
Arquitetura dos profissionais emigrados ________________________________________113
2.7.1
Alguns dados sobre Tom Wildi_____________________________________________115
2.7.2
Esboços sobre Simon Gramlich_____________________________________________118
2.7.3
Apontamentos sobre Wolfgang Rau _________________________________________121
PARTE 2: INTRODUÇÃO À MODERNIDADE EM SANTA CATARINA ______ 129
3 CAPÍTULO 3: APONTAMENTOS PARA A MONTAGEM DE UM
PANORAMA DA MODERNIDADE EM SANTA CATARINA ________________ 131
3.1
Introdução _________________________________________________________________133
3.2
Algumas especificidades da modernização em Santa Catarina ______________________135
3.2.1
Aspectos da modernidade em Blumenau______________________________________136
3.2.2
Um ciclo da modernidade em Lages _________________________________________143
3.3
As Obras de Arte na Modernidade Catarinense: as Pontes Pioneiras_________________159
3.3.1
A Ponte de Ferro ________________________________________________________160
3.3.2
A Ponte de Concreto _____________________________________________________161
3.4
A Malha Ferroviária e seu Papel na Consolidação das Cidades Catarinenses __________166
3.4.1
As Estações Ferroviárias __________________________________________________168
3.5
A Modernidade nas Comunicações: As Agências dos Correios e Telégrafos ___________174
3.5.1
Tipologias de uma Arquitetura Postal ________________________________________176
4 CAPÍTULO 4: A MODERNIDADE EM FLORIANÓPOLIS NOS ANOS
1930 E 1940 _____________________________________________________ 181
4.1
Introdução _________________________________________________________________183
4.2
Aspectos histórico-morfológicos de Nossa Senhora do Desterro, depois Florianópolis ___184
4.3
República: Ensaios de uma Modernidade _______________________________________193
4.3.1
Trabalhos de Modernização na Área Central __________________________________ 196
4.3.2
A Avenida do Saneamento________________________________________________ 199
4.3.3
A Avenida Hercílio Luz e seu entorno: o Ecletismo em edificações novas___________ 203
4.4
Um primeiro Ciclo de Modernidade Prometida: a Ponte de Ferro como elemento
deflagrador 209
4.4.1
Renovação na Arquitetura e Paisagem Urbanas: os Anos 1930____________________ 213
4.4.2
A Sede dos Correios e Telégrafos: um novo Equipamento Urbano na Praça Fundadora 221
4.4.3
O papel do capital: As Empresas Hoepcke ___________________________________ 225
4.4.4
Uma influência indireta na modernidade catarinense: o Pavilhão de Santa Catharina na
Exposição do Centenário Farroupilha: Porto Alegre – 1935 ____________________________________ 229
4.4.5
O Cinema nos anos 1930 e a idealização da modernidade em Florianópolis__________ 233
4.4.6
A presença do Estado na expansão e melhoramentos urbanos: a introdução de arquiteturas
para a Saúde 237
4.4.7
Incorporação de Área Urbana Continental: o Estreito ___________________________ 243
4.4.8
A Atualização do Comércio na Península ____________________________________ 245
4.4.9
As Novas Escolas_______________________________________________________ 248
4.4.10
As Instituições previdenciárias e a Habitação Social____________________________ 252
4.4.11
A expansão ao norte da península: A ocupação das áreas de chácaras – a casa do Dr.
Oswaldo Cabral 258
4.4.12
Aspectos de uma Cultura Urbana na Década de 1940 ___________________________ 261
4.4.13
Ecletismo em Tempos Modernos___________________________________________ 263
5 CAPÍTULO 5: A MODERNIDADE EM FLORIANÓPOLIS NOS ANOS
1950 E 1960______________________________________________________269
5.1
Introdução ________________________________________________________________ 271
5.2
A Década de 1950: Crescimento urbano e adensamentos da área central _____________ 273
5.2.1
Um Marco Urbano da Verticalização: O Edifício São Jorge ______________________ 275
5.3
Uma Segunda Modernidade: Cultura Urbana nos anos 1950 _______________________ 280
5.4
Um Plano Diretor para Florianópolis ___________________________________________285
5.4.1
Um diagnóstico de Florianópolis____________________________________________286
5.4.2
O Plano: Sobre seus conceitos e propostas ____________________________________290
5.5
No adensamento da área central, uma Modernidade Figurativa: o Cine São José_______297
5.6
Rumo ao sul da Ilha: O Clube do Penhasco e um ensaio de Arquitetura Moderna ______302
5.7
A modernização do aparelho de estado: um Palácio para as Secretarias de Governo ____304
5.8
Na expansão do centro, um programa urbano: o Edifício de Apartamentos ___________309
5.9
A consolidação das áreas limítrofes do triângulo central: Espaços para a Educação na
Avenida Mauro Ramos___________________________________________________________________316
5.10
Rumo às praias: primeiras investidas em balneabilidade e turismo ________________320
5.11
A expansão para o interior da Ilha pela orla norte: A Avenida Beira Mar e a
Universidade Federal ____________________________________________________________________330
5.11.1
A Avenida Beira-Mar Norte _______________________________________________330
5.11.2
A Universidade Federal de Santa Catarina e seu Campus na Trindade_______________333
5.12
Novas arquiteturas na cidade figurativa ______________________________________338
CONSIDERAÇÕES FINAIS _________________________________________ 355
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS __________________________________ 363
35
INTRODUÇÃO
36
37
“(...) A cidade é um pedaço do conjunto social; revela porque as contém e incorpora na
matéria sensível, as instituições e as ideologias. (...) A cidade se manifesta como um grupo de
grupos, com sua dupla morfologia (prático-sensível ou material de um lado, e social do
outro). Ela tem um código de funcionamento centrado ao redor de instituições particulares,
tais como a municipalidade com seus serviços e seus problemas, com seus canais de
informação, suas redes, seus poderes de decisão. Sobre esse plano se projeta a estrutura
social, fato que não exclui os fenômenos próprios à cidade, a uma determinada cidade, e às
mais diversas manifestações da vida urbana. Paradoxalmente, considerada neste nível, a
cidade se compõe de espaços desabitados e mesmo inabitáveis: edifícios públicos,
monumentos, praças, ruas, vazios grandes ou pequenos. Tanto isso é verdade que o “habitat”
não constitui a cidade e que ela não pode ser definida por essa função isolada.”
Henri Lefebvre
1
Esse trabalho deve muito a rios trabalhos anteriores, entre eles aqueles
desenvolvidos na disciplina de Arquitetura Catarinense do Curso de Arquitetura e Urbanismo
da UFSC, durante os anos de 1992 e 1993, juntamente com a colega professora Eloah Rocha
Monteiro de Castro. Outra experiência significativa foi entre 2003 e 2004, onde o profícuo
convívio, em trabalho de extensão, com o colega professor Américo Ishida e um grupo de dez
alunos do mesmo curso, nos fez apreender um pouco da experiência da modernidade em
Lages, Santa Catarina, e sua arquitetura urbana, fruto de um ciclo importante para a cidade.
O amadurecimento do processo de pesquisa se deu no decorrer do Curso de Doutorado
do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia da USP/São Carlos
durante as várias e instigantes experiências acadêmicas curriculares com os professores do
quadro
2
. Devem ser destacadas também as aulas com professores pesquisadores italianos
(Tópicos Especiais IV)
3
, onde a experiência do acúmulo cultural europeu foi importante.
1
In LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5ªed. São Paulo: Centauro, 2008, p.66.
2
Principalmente as lições das disciplinas Teoria e História da Arquitetura Moderna no Brasil (Prof. Carlos
Alberto Ferreira Martins) e Arte e Indústria na Arquitetura Moderna (Prof. Renato Sobral Anelli).
3
Sob a responsabilidade dos professores Renato Sobral Anelli e Joubert Lancha, com a participação de
professores convidados, vindos da Itália, Anna Maritano e Angelo Lorenzi. A disciplina abordou de modo muito
interessante e profícuo a relação entre arquitetura, cidade e cinema, trazendo o Neo-realismo como exemplo
dessa imbricação.
38
Muito enriquecedor foi o estágio de pesquisa levado a efeito no Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura (PROPAR)
4
da UFRGS, onde houve a oportunidade de consultar
várias fontes,como as dissertações e teses produzidas naquele programa.
O trabalho de pesquisa tentou trafegar em várias escalas, do urbano à arquitetura,
anotando-se aí as dificuldades desses percursos.
Também há que se ter consciência das inevitáveis reduções (às vezes simplistas) de
interpretação, quanto às diversas categorias de investigação conceitual da cidade. Um dos
elementos balizadores foi a forma
5
– tentando entender a morfologia urbana desde a fundação
e sua lógica até a configuração espacial dos anos 1960, especialmente no recorte espacial de
Florianópolis e suas especificidades.
A forma também foi referencial para investigar as mudanças estilísticas e técnicas das
várias manifestações de arquiteturas na modernidade.
A partir da montagem de anotações para um panorama de Santa Catarina, se
apresentaram hipóteses de trabalho, como, por exemplo, a iia da existência de dois ciclos de
modernidade em Florianópolis em sua condição de capital do estado.
O texto foi dividido em duas partes, sendo a primeira concentrada nos referenciais
teóricos e a segunda voltada a alguns esboços de estudos de caso em Santa Catarina e,
finalmente, focando a capital catarinense.
A Parte 1 contemplou dois capítulos, sendo o primeiro uma discussão sobre as várias
concepções de moderno, modernidade e modernização.
4
Sob a orientação do professor Carlos Eduardo Comas.
5
“(...) A análise dos fenômenos urbanos (da morfologia sensível e social da cidade ou, preferencialmente, da
cidade e do urbano e de sua conexão mútua) exige o emprego de todos os instrumentos metodológicos: forma,
função, estrutura – níveis, dimensões – texto e contexto – campo e conjunto, escrita e leitura,sistema, significante
e significado, linguagem e metalinguagem,instituições, etc. Sabe-se, aliás, que nenhum desses termos tem uma
pureza rigorosa, que nenhum escapa à polissemia.É o caso da palavra forma, que assume significados diversos
para o lógico, para o crítico literário, para o esteta, para o lingüista”. (LEFEBVRE, op cit., p.65)
39
Nesse Capítulo 1, na forma de um ensaio, foram abordados estudos sobre as obras de
Georg Simmel e Walter Benjamin (a partir dos ensinamentos e estímulos da disciplina
conduzida pela professora Cibele Saliba Rizek, no Doutorado) onde se tentou aclarar essas
terminologias, muitas vezes empregadas de forma contraditória e confusa. A idéia de
moderno tendo como locus a cidade foi um fio condutor desses trabalhos seminais. A
ambigüidade (a solidão em meio às pessoas, por exemplo) e a tensão (como a da relação entre
o indivíduo e a multidão) compareceram como elementos componentes desse moderno.
Simmel foi a abordado através da visão de seu estudioso brasileiro, Leopoldo
Waizbort, e Benjamin foi visto, por exemplo, através de trabalhos de Suzan Buck-Morss
(como as abordagens dos fragmentos e passagens), além de ensaios próprios desse filósofo da
modernidade.
O texto do primeiro capítulo foi assim abordar as concepções simmelianas, por
exemplo, do dinheiro e sua autonomia, da racionalidade e abstração da cidade e da nova
dimensão de seu tempo (produtivo), e da mobilidade, característica, ao que parece
fundamental do moderno.
O trabalho de Walter Benjamin e suas reflexões sobre a experiência e a sensibilidade
no trato das vivências urbanas, diferenciando-as em relação às da cidade pré-industrial,
também foi estudado, como elemento primordial e enriquecedor do debate sobre a
modernidade.
Em outra contribuição muito rica, a do trabalho do filósofo Nicolau Svecenko,
colaborou para o entendimento do moderno como palavra-chave na transposição para o
século XX.
Outra abordagem do processo foi feita através das considerações de Charles
Baudelaire e sua visão de uma poética da modernidade. O novo personagem, característico da
40
vida urbana, o flâneur, criado por Baudelaire na Paris dos grandes trabalhos de Haussmann,
seria central e emblemático dessa visão.
Finalizando o Capítulo 1, foi abordada a concepção de modernização e o processo da
modernidade, como o mundo em mudança, através de um breve estudo do trabalho da
historiadora Sandra Jatahy Pesavento.
O conjunto dessas reflexões, rebatido para o contexto da realidade do recorte espacial
da pesquisa, se transformou em referencial crucial para o andamento das indagações, ao longo
da pesquisa.
O Capítulo 2, ainda na Parte 1, abordou questões historiográficas relativas a uma
revisão de referenciais teóricos das arquiteturas da modernidade e sua inserção na
problemática urbana.
Nesse sentido o texto de Carlos Martins sobre uma revisão das perspectivas teóricas da
historiografia de arquitetura foi muito importante e revelador.
A imagem como documento historiográfico, na visão de Lilia Schwarcz, e a imagem
como representação do poder (no caso do Estado Novo e dos anos de desenvolvimentismo da
década de 1950) foi estudada, por ser fundamental em uma pesquisa envolvendo arquitetura e
cidade, no período em tela.
Dentro da linha de investigação dessa revisão, os trabalhos de Lauro Cavalcanti,
Marcelo Puppi e Luiz Gimenez, cada um em sua especificidade, foram estudados.
O autor argentino, Adrián Gorelik, e sua visão das vanguardas (adjetivadas) na
América Latina e do problema do conceito de influência, foi revelador para entender o
processo de difusão entre nós, dos preceitos e modelos das arquiteturas de renovação. Outro
autor, Mariano Arana, pesquisador dessas questões no Uruguai, foi importante para esclarecer
a pertinência urbana dessas arquiteturas no contexto do Cone Sul. Também o texto de
41
Francisco Liernur contribuiu em muito, através de sua discussão da crise de unidade da
arquitetura moderna e sua repercussão entre nós.
O termo protomoderno e a questão das dificuldades conceituais em torno do Art Déco
foram abordados, tentando problematizar, em termos historiográficos, a preocupação em
rotular (simplificando) as diversas manifestações da modernidade.
Foram estudados também dois autores fundamentais (Alan Colquhoun e Peter Gay),
para entender o modernismo, em um viés que tenta analisar esse fenômeno cultural sem
paixão ou engajamento ideológico precípuo. São textos, cada um com sua linha condutora,
que procuram revelar os meandros da história da modernidade, a partir de alguma (quase
impossível) isenção.
Mais adiante, Gorelik voltou a ser abordado quando estudado seu conceito de resposta
popular, quanto à participação do vernacular urbano na construção de arquiteturas no
contexto da modernização e na configuração da cidade.
Uma interessante manifestação de concreção de arquiteturas, em um viés
popularizante, foi estudada. A publicação A Casa Popular, uma das várias edições de projetos
arquitetônicos modelo, distribuídas em livrarias e destinadas ás classes médias dos anos 1950
foi analisada, trazendo á luz alguns esclarecimentos quanto á difusão dos tons modernos em
arquitetura, frente à necessidade de habitação dessas classes e o contexto fundiário dos
bairros. Tendo em vista a presença numerosa em Santa Catarina, dessas arquiteturas de
resposta popular, essa discussão se revelou importante.
Finalizando o Capítulo 2, foram abordados em rápidas pinceladas, merecendo
pesquisas posteriores, os trabalhos dos profissionais estrangeiros que para cá imigraram,
através do trabalho de Tom Wildi, Simon Gramlich e Wolfgang Rau. São contribuições
merecedoras de análise atenta, por imprimirem renovação técnica, ainda que muitas vezes
42
lenta, em visões variadas da modernidade no quadro da construção civil no estado, em
período de inexistência de formação acadêmica em arquitetura em Santa Catarina.
A segunda parte da tese, diz respeito a uma introdução à modernidade no estado e foi
dividida em três capítulos.
O Capítulo 3 foi dividido em três blocos de textos autônomos que apontam para a
montagem de um panorama dessa modernidade.
Uma diversidade cultura e morfológica e realidades econômicas distintas seriam a
marca diferenciadora de Santa Catarina, quanto ao restante do país. A leitura do trabalho de
Cynthia Campos, entre outros, trouxe à pesquisa dados sobre o processo de urbanização e
reordenamento territorial ocorrido no período do Estado Novo em terras catarinenses. O
controle social exercido sobre a população de origem alemã, por exemplo, promoveu um
ocultamento das práticas culturais, como o ensino em alemão, as atividades culturais próprias
dessa região do Vale do Itajaí, e, ao que parece, o mascaramento das fachadas em enxaimel
nas áreas urbanas.
Foram estudadas, de forma embrionária, diferentes especificidades da modernidade,
basicamente em duas regiões catarinenses.
Em Blumenau, sua morfologia fundacional própria (a Stadtplatz) e seu processo de
industrialização foram determinantes na organização fundiária, onde, por rios fatores
6
, os
bairros foram nucleados pelas indústrias. Essas imprimiram um modo peculiar de
urbanização, com grande autonomia vivencial para os distritos fabris. Os estudos de Claudia
Siebert e Silvana Moretti apontaram para uma análise da evolução urbana da cidade com
vários vieses. Transpareceu das leituras, entre outros fatores, a importância do impacto
estadual das leis de nacionalização das indústrias no período varguista (em sua primeira
6
Entre eles e principalmente, a busca de fontes d’água, capazes de fornecer força motriz às indústrias. Com as
nascentes localizadas nos morros próximos aos centros, também se estaria a salvo das cheias periódicas do Rio
Itajaí-Açu.
43
versão). Blumenau, em conseqüência do decorrente fortalecimento industrial, teve grande
crescimento habitacional e foi (no período 1930-1960) o mais importante lo industrial
(produzindo na área têxtil) de Santa Catarina.
Lages e seu ciclo de modernidade ligado à exploração da araucária teve também um
esboço estudado, basicamente no mesmo período temporal. O tropeirismo como primeiro
ciclo, nos séculos XVIII e XIX, originou a consolidação do núcleo serrano. O ciclo da
modernidade trazido pela extração da madeira – anos 1930-1940 criou uma relação peculiar
entre o cultivo da terra e o fato urbano. Uma modernização assim introduzida levou, por
exemplo, à criação de uma legislação urbana que promoveria o aformoseamento, tentando
desenhar uma cidade organizada e regularmente ocupada. Uma das manifestações visíveis
dessa proposta de embelezamento foi o desenho das esquinas arredondadas, de que se valeu
uma arquitetura renovadora de extração Art Déco para marcar esses lugares urbanos.
Ao final da década de 1930, conforme trabalho de Zilma Peixer, a cidade foi dividida
em três zonas e definido um perímetro urbano. Na área central, novos programas
arquitetônicos como os cinemas, os magazines e os edifícios de apartamentos, entre outros,
marcariam esse período de enriquecimento urbano. A renovação, como mencionado há pouco,
se deu pela introdução de uma estética Déco, aliada a um conservadorismo técnico-
construtivo. Em função do grande número de projetos arquitetônicos de Wolfgang Rau em
Lages nesse período, alguns foram elencados como exemplos no trabalho. Novos arruamentos
se desenharam e outros foram pavimentados. Nesse ciclo se deu também uma investida estatal
na área de habitação social, com a construção de um conjunto habitacional formado
sintomaticamente, por casas unifamiliares de madeira, no hoje chamado Bairro Popular. Ao
final dos anos 1940 esse ciclo tenderia a terminar, deixando a arquitetura e o contexto urbanos
como testemunho.
44
Outro bloco autônomo de apontamentos abordou a importância das obras de arte as
pontes pioneiras como ícones da modernidade técnica. Foram elas muito importantes no
processo de rodoviarização incipiente, tendo em vista a necessidade de integração e
crescimento produtivo do estado catarinense.
A ponte de ferro (denominada Hercílio Luz e estudada a seguir no capítulo 4) e a
ponte de concreto armado, esta projeto e obra do engenheiro blumenauense Emílio Baumgart,
foram evidenciadas como estado da arte à época, marcando um viés de modernidade, ainda
ao que parece pouco estudado.
A ponte de Baumgart, sobre o Rio do Peixe, em Herval do Oeste, introduziu a técnica
da construção por balanços sucessivos, cumprindo seu papel integrador até as cheias de 1983,
quando entrou em ruína.
O trecho seguinte desse trabalho, também apontando para futuras investigações, é o
que aborda a malha ferroviária (e suas instalações) como importante fator integrador regional
e nucleador de cidades catarinenses. Um valioso material documental disponibilizado pela
Diretoria Regional (11ª DR) do IPHAN, foi ponto de partida.
Desde sua atuação nas antigas colônias (ainda no século XIX), a trama ferroviária
catarinense composta por cinco linhas, além de escoar a produção, também foi introdutora de
valores da modernidade aos lugares interioranos.
Pela escala de sua intervenção física nas cidades e pela carga simbólica de
modernização por ela carregada, a ferrovia (através suas estações e demais equipamentos) foi
também impactante como fato urbano e arquitetônico. Principal elemento intermediador de
comunicação física, à época, a estação ferroviária era referencial de novos tempos. O relógio,
invariavelmente presente no alto de suas instalações, contrastaria muitas vezes com a torre
sineira da igreja local, símbolo de tempos anteriores à modernização.
45
Algumas estações, em especial aquelas construídas nos anos 1930-1940, trouxeram em
sua formulação arquitetônica, vieses de uma modernidade pretendida, como a do Art Déco.
Essa arquitetura, presente, por exemplo, na nova estação de Laguna, sítio com grande
quantidade de arquitetura eclética e luso-brasileira, veio a fazer parte da colagem de épocas,
somando seu ciclo aos anteriores das cidades.
Um outro trecho adiante abordou a questão dos Correios, elemento também primordial
das comunicações, agora virtuais, da época abordada. A efetiva ligação telegráfica entre as
várias regiões brasileiras foi possibilitada pela implantação (já durante o primeiro governo de
Getúlio Vargas) de uma rede postal, espacializada em novas e modernas agências. Margareth
Pereira, em trabalho investigativo extenso apontou para a importância de um escritório central
de planejamento dos Correios e Telégrafos, na antiga capital federal (o Rio de Janeiro), como
formulador de novas proposições modernizantes na arquitetura das agências. Implantadas em
quase todo o território nacional, configurando a citada rede postal, uma galeria tipológica
de instalações enfatizou via modernidade estilística uma nova monumentalidade. Muitas
vezes rompendo com a escala de pequenos lugares urbanos e com isso evidenciando
(simbólica e fisicamente) a presença estatal, essa agências (inclusive na Florianópolis dos
anos 1930-1940) ajudaram a agilizar as comunicações. Através do concurso, por exemplo, de
um novo recurso de transporte, o hidroavião, se conseguiu configurar essa rede postal
litorânea ao sul do Brasil. No caso de Florianópolis, sempre lugar historicamente estratégico
da região, foi construído – com largo intervalo de obras – um tipo especial de agência,
destinado a ser um marco urbano, em função inclusive de sua implantação em plena praça
fundadora, junto a outros símbolos estatais de tempos anteriores.
O Capítulo 4 abordou um primeiro ciclo de modernidade em Florianópolis estudo de
caso do recorte em um período histórico fundamental para a modernização do Brasil: os
anos 1930-1940.
46
Foi feito um mapeamento – a partir de mapa base atual do IPUF – onde as arquiteturas
e espaços urbanos produzidos ou atualizados no período ficaram quase todos registrados. Dois
mapas acompanham o capítulo: um primeiro marcando as realizações anteriores aos anos em
recorte particularizando principalmente os anos 1910 e 1920 e um outro, dos eventos
arquitetônico-urbanos dos anos 1930 e 1940. Além desses, outras imagens documentais
acompanham o capítulo, fazendo parte da articulação do texto.
O capítulo inicia com uma retrospectiva histórica do processo de fundação de Nossa
Senhora do Desterro, a partir de um plano urbano comum a outras cidades litorâneas da
América portuguesa. A praça central desempenhou um papel regulador do desenho original e
de fator locacional das principais instituições do poder constituído. A cidade foi elevada à
condição de capital da Província em 1823, fato marcado por mapa da época, onde a mancha
urbana incipiente foi registrada.
A chegada da leva de população açoriana no século XVIII foi definidora da ocupação
das localidades da costa do interior da Ilha. Com seu assentamento houve uma conseqüente
configuração das freguesias, pequenos lugares urbanos dedicados à pesca e à agricultura de
subsistência. O isolamento em relação ao núcleo central pela ausência de caminhos terrestres
cunhou um modo de vida nesses lugares, preservando fazeres e saberes populares.
As casas de chácara e seus grandes lotes, próximos à área central, foram nesse período
os primeiros eventos a romper com a estrutura fundiária da cidade antiga.
Maria Inês Sugai apontou os motivos de ocupação dessas chácaras e sua importância
futura como vazios intra-urbanos, a serem ocupados por adensamentos vindouros. O trabalho
(clássico) de Nestor Goulart Reis Filho foi fundamental para definir as configurações
tipológicas presentes em Florianópolis (como de resto em praticamente todo o litoral
brasileiro).
47
Ao final do culo XIX se iniciou uma definição mais clara da divisão espacial das
classes sociais. A oeste da praça (sítio em melhores condições) ficariam, predominantemente,
as elites locais e a leste, em áreas em geral alagadiças e pantanosas, constrangidas junto ao
maciço rochoso do Morro da Cruz, os mais pobres.
O processo de ecletização arquitetônica do final desse século mencionado atingiu as
casas comerciais e residenciais de Desterro, ornamentando as fachadas principais das mais
ricas e bem situadas. Paralelamente a isso, os novos Códigos urbanos chegaram, trazendo
como em outros lugares, novos procedimentos sanitários para as edificações e logradouros
públicos.
Com o advento da República, se iniciou uma modernização da cidade e sua
consolidação como capital estadual. Foi apontado o papel deflagrador das duas gestões do
engenheiro Hercílio Luz, à frente do governo estadual e de alguns de seus predecessores.
Marcou esse período a execução de infraestruturas urbanas (água e esgoto, energia elétrica e
arruamentos) na área central. A vida econômica da assim recém nomeada Florianópolis era
pouco expressiva, e pautada principalmente pela atuação das empresas Hoepcke (Fábrica de
Pontas Rita Maria, Companhia de Navegação e casas comerciais).
Duas grandes realizações de Hercílio Luz foram balizadoras da modernidade
conduzida pelo estado: a Avenida do Saneamento e a Ponte da Independência.
Sintomaticamente essas duas obras ponto de inflexão na vida urbana da capital foram
batizadas com o nome do governador, quando da sua morte.
A Avenida, concebida segundo a ótica do urbanismo sanitarista, na ambigüidade desse
processo, trouxe uma transformação urbana das áreas a leste da praça e conseqüente
deslocamento da população de baixa renda para lugares junto ao morro. Sua execução criou as
condições para a construção de novas edificações (monumentais) em situação fundiária
diferenciada do traçado antigo da área central.
48
A Ponte de Ferro significou uma modernidade prometida, trazendo a ligação definitiva
com a região continental e prometendo um meio de transporte moderno a ferrovia- nunca
executada. A construção da ponte provocou inevitáveis modificações no trânsito interno da
península, havendo alargamentos em ruas principais para melhor circulação dos veículos,
agora automotores.
Os anos 1930, marcados na esfera federal pelo Estado Novo, trouxeram também à
cidade uma renovação na arquitetura e na vivência urbanas. Exemplos icônicos desse
momento foram a inauguração do Cine Rex, do Restaurante Miramar e do Hotel La Porta.
Essas edificações se constituíram em programas arquitetônico-urbanos coerentes com os
tempos modernos e com a maritimidade (condição morfológica) da cidade.
Também dessa época foi a atualização estilística de várias edificações importantes no
contexto urbano de Florianópolis. O antigo forte Santa Bárbara (parte do sistema de
fortificações concebido pelo Brigadeiro Silva Paes no século XVIII) recebeu uma reforma de
tendência estilística Art Déco, bem como várias edificações comerciais e residenciais do
entorno da Praça XV de Novembro. Além do Art Déco, entendido como viés modernizante e
atualizador, ter sido empregado simplesmente como artifício de embelezamento de fachada
em muitas edificações, também desenhou novos equipamentos urbanos, como a nova sede
regional dos Correios e Telégrafos, construída na Praça, dentro da política estado-novista de
configuração de uma rede postal brasileira.
Essa arquitetura da modernidade teve grande divulgação, por ocasião da Exposição do
Centenário da Revolução Farroupilha, em Porto Alegre, no ano de 1935. Um Pavilhão
Catharinense foi edificado nessa exposição, a qual reforçou uma imagética moderna, de
extração Déco, por ampla publicação nas revistas ilustradas da época. Não estudos que
tragam quantificado o impacto dessa divulgação em terras catarinenses (como quanto ao
49
Rio Grande do Sul)
7
, mas, ao que parece, o seu impacto midiático teria contribuído também
para a popularização dessa tendência estilística em Santa Catarina.
Dentro do rol de melhoramentos urbanos, foi ampliada uma via de ligação entre as
duas extremidades norte e sul da península central. Alargada e pavimentada em quase toda a
sua extensão, a Avenida (hoje denominada Mauro Ramos) faria também o papel de divisor
físico do perímetro urbano de então, se confrontando a leste com o maciço do Morro da Cruz.
Em estudo do geógrafo Wilmar Dias, publicado em 1947, ficou registrado que na cada de
1940, vários pequenos arruamentos e becos foram se desenhando em sua transversalidade,
subindo o morro e abrigando uma parcela da população de baixa renda.
Dentro ainda de uma potica de abrangência nacional dos anos 1930-1940, dois
equipamentos urbanos destinados à Saúde foram inaugurados em Florianópolis. Em área de
expansão urbana o atual bairro da Agronômica foi inaugurado em 1938 o Hospital Nereu
Ramos (denominado assim em homenagem ao Interventor estadual de então) e no centro, em
lugar estrategicamente posicionado junto à cabeceira insular da Ponte Hercílio Luz o
Departamento de Saúde Pública
8
, projeto do arquiteto Paulo Motta (realizado no Rio de
Janeiro) e executado por Tom Wildi.
Outra estratégia de iniciativa federal, sob a égide varguista, que reverberou na região
catarinense, foi a da política de investimentos na Educação, através das idéias inovadoras de
Anísio Teixeira a Nova Escola. Em meados da década de 1940, três estabelecimentos de
ensino público foram sendo inaugurados em Florianópolis: o Grupo Escolar Getúlio Vargas
no bairro do Saco dos Limões, o colégio Estadual Dias Velho na área central (a leste da praça)
e o Colégio Estadual D. Jaime de Barros Câmara no distante distrito do Ribeirão da Ilha, na
extremidade sul da área insular de Florianópolis. Em sua formulação plástico-compositiva,
7
Como algumas dissertações produzidas nos últimos anos no âmbito do PROPAR/UFRGS. Entre elas cabe
destacar os trabalhos respectivamente de Adriana Callegaro, Miréle Chaves e Simone Ruschel.
8
Conforme estudo realizado por Ana Amora.
50
essas três escolas seguiam um padrão tipológico que privilegiava o pátio, como elemento
aglutinador das atividades pedagógicas, sempre dentro dos postulados que viam na educação
física, entre outras coisas, elemento formador de um novo homem.
A habitação social que passou a ser também preocupação de setores do governo
federal teve uma experiência efetivada em Florianópolis. No bairro do Saco dos Limões, a
Vila Operária do IAPI
9
, representou em 1942, além de uma das primeiras investidas
institucionais nacionais nesse setor, também um marco urbanizador em direção ao interior da
Ilha, próximo à área fundadora.
Finalizando esse capítulo, foi abordada a ocupação, em franca expansão adensadora,
do vazio urbano representado pelas chácaras. Como exemplo foi analisada a residência
neocolonial do Dr. Oswaldo Cabral, edificação emblemática do período, tanto por sua
formulação arquitetônica, quanto por sua implantação e localização, em lote de grandes
proporções.
O quinto e último capítulo abordou um segundo ciclo de modernidade em
Florianópolis, correspondente ao período dos anos 1950 e 1960, dentro do que se
convencionou denominar, na esfera federal, de nacional-desenvolvimentismo.
Uma modernidade praticamente comandada pelo Estado se desenvolveu na cidade.
Exemplo disso foi um Plano de Obras e Equipamentos criado no governo estadual de Irineu
Bornhausen (1951-1955). Esse plano contemplou áreas estratégicas para uma modernização
do estado de Santa Catarina, como a eletrificação e agricultura, além de investimentos em
saúde e educação. A estratégia de consolidar Florianópolis como capital seria o mote das
inversões na cidade. O porto estava em ritmo de declínio e a Florianópolis se manteria com a
economia basicamente voltada às atividades ligadas ao estado e sua manutenção.
9
Objeto de ampla pesquisa de Carolina Palermo, coordenadora do Grupo de Estudos da Habitação –ARQ/UFSC.
51
Nessa época o turismo começou a dar seus primeiros passos, com a construção de
alguns hotéis na área central e a freqüência aos balneários, inicialmente (até o início dos anos
1960) na área continental próxima.
Um processo de adensamento da área central foi se dando, com a ocupação das áreas
vazias (as chácaras), a partir de desmembramentos dos grandes lotes originais.
Arruamentos foram se concretizando no interior desses espaços e outros
melhoramentos, como, por exemplo, o tratamento das avenidas centrais, junto à cabeceira
insular da ponte. Outros avanços rumo à expansão do perímetro urbano se deram com um
aterramento feito na extremidade sudeste da península e, por outro lado, em direção ao atual
bairro da Agronômica, com a construção de uma Vila Militar da Marinha, que colaborou para
a consolidação urbana daquele lugar.
A aprovação de projetos de edificações com até oito pavimentos na rego central, de
forma pontual, indicaria uma demanda de crescimento. A ausência de um plano urbano
regulador e interesses especulativos vários das elites locais, ao que parece marcariam essa
demanda citada.
Um exemplo de edificação construída naquelas condições foi o edifício São Jorge, que
abrigou o Lux Hotel. Estabelecimento emblemático do período, sua linguagem náutica e seu
porte monumental (entre as demais edificações vizinhas) marcariam a paisagem urbana por
um bom tempo. Eventos de vários tipos ocorreram em suas instalações, como desfiles de
moda, exposições de arte moderna e outros, evidenciando os setores da população tomados
pelo desejo de ser moderno.
Foi analisada nesse capítulo a cultura urbana florescente em Florianópolis, onde o
rádio, o cinema e as novas lojas nas ruas centrais marcariam uma modernidade idealizada. O
“footing” em torno da Praça XV, daria ares interioranos à cidade nas tardes de domingo. Um
movimento cultural liderado por jovens intelectuais o Grupo Sul – lutaria contra o marasmo
52
da capital, por uma modernidade real, ativa. Suas publicações e a produção de um filme
deixariam a marca desse movimento, desejoso de renovar a linguagem artística em terras
catarinenses.
Foi se delineando uma condição bi-nuclear para Florianópolis, com o incremento
produtivo das atividades comerciais no bairro do Estreito, no continente. O centro antigo
continuaria a manter sua vocação urbana, ligado à maritimidade, embora a inflncia da
política rodoviarista começasse a se fazer sentir, com um aumento no trânsito em contraponto
ao acanhamento das antigas ruas.
A cidade que, ao que parece, nunca teve um plano, após o desenho fundador, precisava
de um. Na gestão do prefeito Paulo Fontes, em 1952, o escritório do urbanista Edvaldo Paiva
foi contratado e apresentou um Plano Diretor, aprovado em 1955.
O plano era calcado em uma interpretação desse escritório quanto aos preceitos
urbanos modernistas da Carta de Atenas. Era delegado a um porto continental a tarefa de
sustentar economicamente a cidade. Uma avenida-tronco ligaria esse porto à Ilha, em faixa
aterrada, passando por um centro cívico (de arquitetura moderna) e culminado em um
conjunto universitário. O turismo não era entendido (segundo o plano) como estratégico pra a
cidade. Uma epígrafe colocada no início do texto Florianópolis é antes de tudo uma cidade
insular e portuária – definiria as intenções desse plano.
Baseado em estudo do geógrafo Wilmar Dias, de 1947, o texto apontava para o
desequilíbrio de crescimento entre diferentes áreas da cidade, para lugares vazios da península
e para um processo de favelização, em curso, nos morros próximos à região central. Esse
plano não foi levado a cabo e dele foi aproveitado a idéia de aterramentos, em um trabalho
posterior da década de 1970.
53
Voltando ao adensamento dessa rego central, uma obra significativa do período foi
analisada. O Cine São José, de arquitetura figurativa, foi inaugurado em 1954, evidenciando a
importância desse espaço como palco de vida social da época.
Mas a popularização da arquitetura brasileira moderna (e sua difusão) viria a se
manifestar na cidade, com a construção do Clube do Penhasco. Uma implantação à maneira
das obras da Pampulha, a cavaleiro da ponta sudeste da península, e o uso da nova linguagem
arquitetônica seriam suas características.
O trabalho analisa também, como elemento para discussão, a simultaneidade de
linguagens de diferentes extrações nas arquiteturas produzidas no período. Um Palácio das
Secretarias, inaugurado pelo governador Irineu Bornhausen, desenhado em um Racionalismo
Clássico, tal como interpretado por Wolfgang Rau, evidenciaria o conservadorismo também
vigente, expressando em sua monumentalidade uma desejada segurança e solidez da
instituição estatal.
O edifício de apartamentos começava a ser um programa de habitação mais evidente a
partir dos anos 1950 na cidade. O rompimento da escala fundiária e a passagem da casa
unifamiliar para o habitat coletivo caracterizariam esse momento, Uma obra significativa
desse período, em arquitetura híbrida (no dizer do estudo de Eloah Castro) onde elementos
modernos se imbricam a tons decorativos seria o Edifício Mussi. Essa construção faria parte
do referido adensamento da área central, ainda em quatro pavimentos.
A cidade crescia e um exemplo disso foi o que se deu com a Avenida Mauro Ramos,
consolidada e que recebeu nessa época, entre outras construções novas, espaços para a
educação.
Grandes conjuntos de edificações na escala de equipamentos urbanos destinados a
esse fim necessitariam de lotes maiores, disponíveis nas bordas da avenida. A Escola Técnica
Federal, em tons modernos simplificados, o Instituto Estadual de Educação, projetado em
54
estrutura de pórticos modulados e o Colégio Estadual da Prainha, também em arquitetura
moderna, foram abordados como exemplos.
Rumo às praias, em um processo de balnearização do interior da Ilha, um
emepreendimento emblemático foi estudado. O Loteamento Praia do Forte, em Jurerê, como
estudo de caso revelaria várias características do período. Entre elas, a relação entre público e
privado, como por exemplo, a questão da transferência das terras comunais para uso
empresarial e, no plano da forma, a inflncia da popularização de Brasília, e suas soluções de
desenho de lotes (a superquadra residencial) foram algumas dessas evidências anotadas no
trabalho.
O loteamento teve consultoria de Oscar Niemeyer que também projetou um
restaurante para o local - com interessante aproveitamento da paisagem e que seria
demolido nos anos 1980.
Dentro do conceito de vetores de expansão urbana, foi estudado o caso da Avenida
Beira-Mar Norte. Essa via, que faria parte de um todo maior não executado, ligando as duas
baías, viria a ser fator determinante na ocupação posterior da orla norte, hoje quase que
totalmente ocupada por construções verticalizadas de alto padrão. A avenida também faria a
ligação entre o centro e a então área rural da Trindade, para a construção do Campus
Universitário. Ao contrário do que alegava o Plano de 1952, o distanciamento da
Universidade da região central não a levou a uma segregação, com o Campus fazendo às
vezes de nucleador e consolidador de uma outra centralidade urbana.
O capítulo finalizou com uma abordagem de novas arquiteturas, de viés moderno, em
plena cidade antiga, figurativa. Alguns edifícios dessa extração foram exemplificados, como o
do IAPC, na Praça Pereira Oliveira, o Zahia de escritórios e o prédio da Federação das
Indústrias de Santa Catarina, ambos na Rua Felipe Schmidt, em plena city florianopolitana.
Parece ser interessante ressaltar para estudos posteriores a convivência dessa nova
55
expressão arquitetônica com linguagens mais tradicionais, como a do edifício do Banco
Nacional do Comércio, na Praça XV, construído em 1959.
O futuro, no entender do trabalho, não seria alvissareiro para a capital catarinense. A
perda da maritimidade na região central fundadora, a ausência de um plano de caráter
metropolitano, a especulação imobiliária sem maior controle, e a ênfase rodoviarista no
transporte individual, (com o trânsito hoje às raias da exaustão) marcariam novos tempos. A
cidade está por merecer uma adequação à paisagem natural magnífica tão decantada e tão
maltratada.
56
57
Parte 1
MARCO REFERENCIAL TEÓRICO
58
59
1 Capítulo 1:
MODERNO, MODERNIDADE, MODERNIZAÇÃO:
Algumas teorias e concepções
60
61
1.1 Introdução
Para um trabalho investigativo sobre as relações entre a arquitetura produzida na
modernidade, e a cidade onde aquela se espacializa, e com ela interage, é imperioso revisar a
terminologia empregada. Por trás dessa terminologia, empregada muitas vezes de forma
corriqueira, existe uma gama de concepções, muitas delas contraditórias. Assim esse trecho
inicial do trabalho pretende discutir alguns termos como moderno, modernidade e
modernização, tentando alcançar a abrangência de cada um, dentro das limitações e objetivos
da pesquisa.
1.2 O moderno
O locus do moderno é a cidade, essa entendida aqui como fruto do processo de
industrialização. Para fins desse estudo, há que se estabelecer que se está falando do final do
século XIX, com o advento da progressiva transformação dos modos de produção, a
introdução de novas classes sociais e suas lutas e a demanda pelo espaço urbano. É a
experiência vivencial dessa cidade, caótica, ambígua, que pode explicar o moderno.
Filósofos como Georg Simmel, que vai ser referência para Walter Benjamin, ambos
estudiosos seminais da modernidade, descrevem o fenômeno da transformação da cidade
antiga em metrópole.
O conceito de moderno pode ter tido origem na Renascença, se considerarmos que
naquele período houve uma ruptura, um ponto de inflexão na cultura ocidental.
(...) Podemos ver no mundo de 1688 sinais das mudanças básicas que criaram nosso
próprio mundo muito diferente: o surgimento da ciência; o crescimento das cidades
e do comércio; políticas governamentais promovendo o crescimento econômico;
uma variedade imensa de escritos e publicações, alguns para um amplo público
urbano; algumas aceitações e reinterpretações muito individuais e idiossincráticas
das grandes religiões; protestos contra a escravidão e subordinação das mulheres.
(WILLS, 2001, p.19)
62
Outra periodização poderia atribuir a origem (ou consolidação) do moderno ao século
XVIII, com os Iluministas, e sua valorização da razão (e portanto da ciência) como motor da
evolução do homem.
Mas é na passagem do século XIX para o XX que viria a ocorrer o maior número de
transformações culturais particularmente na Europa centradas no surgimento da cidade tal
como a conhecemos, produto maior da Revolução Industrial.
Na passagem do século (XX), a palavra moderno se torna a palavra-origem, o novo
absoluto, a palavra-futuro, a palavra-ação, a palavra-potência, a palavra-liberação, a
palavra-alumbramento, a palavra-reencantamento, e acaba introduzindo um novo
sentido à história, alterando o vetor dinâmico do tempo que revela sua índole não a
partir de algum ponto remoto do passado, mas de algum lugar no futuro.
(SVECENKO, 1992, p.197).
1.3 O processo do moderno e a cidade
Em um dos textos de Simmel, acima mencionado, são colocados alguns aspectos
históricos de Berlim, sua cidade natal. Cidade sem partes antigas, resultado de um processo
continuado de renovação urbana, é o protótipo da modernidade, no final do século XIX.
Modernidade essa que se caracteriza, entre inúmeros outros aspectos por não ter passado, ou
como querem alguns modernistas, não ter história. Ainda segundo Simmel, nessa cidade não
haveria arte, pois a arte estaria reservada a cidades antigas, como Roma, onde poderia haver
uma experiência estética.
10
(...) a cidade é o lugar onde os homens vivem. Se a cidade é uma obra de arte, ela é
quase algo mais que a arte, é quase como se a vida se transformasse, ela mesma, em
arte (...).
11
Mas Berlim, por outro lado, é o solo do moderno. E o lugar onde Simmel nasce é
emblemático disso: uma das esquinas mais movimentadas da cidade. É a partir dessa cidade
10
Conforme Waizbort, op cit., p.507.
11
Op cit., p.507
63
que ele vai estabelecer conceitos como o do moderno, caracterizado como nervoso,
insatisfeito, nostálgico, ansioso, sempre em movimento.
12
uma oposição entre essa cidade, seus habitantes, e a pequena cidade. Na grande
cidade, sair á rua implica em sofrer ininterruptamente uma série de estímulos. Sair à rua é
deixar o interior
13
, é sofrer um processo de racionalização, é criar defesas que protejam esse
interior.
Benjamin, por outro lado parece ver na cidade alguns lugares onde experimentar,
vivenciar esse interior é possível. Seus relatos de infância, entre outros, descrevendo as
arcadas, os pátios internos, as loggias
14
, lugares urbanos de transição entre o público e o
privado
15
, parecem mostrar essa possibilidade:
(...) Desde a minha infância as loggias mudaram menos que os demais aposentos.
(...) É nelas que a morada do berlinense tem seus limites. Berlim – o próprio deus da
cidade começa nelas. Permanece tão atual que nada de passageiro se impõe a
ele. Sob sua guarda se reconciliam o tempo e o espaço. (...)
16
Lugares como esses, como as passagens são um tema importante e recorrente na obra
de Benjamin. A partir de um trabalho que ele deixou inacabado, Susan Buck-Morss tenta
recompor os fragmentos desses estudos. Fragmentos são a pedra-de-toque desse filósofo que
não se furta a afirmar que: “as passagens, como” casas sem exteriores “eram tais como
sonho”. Benjamin, conforme Buck-Morss, influenciado pela leitura que faz Siegfried Giedion,
vai mais adiante: para ele “toda arquitetura coletiva do século XIX proporciona morada para o
sonho para o sonho coletivo: arcadas (passagens), jardins de inverno, panoramas, fábricas,
12
Op cit., p.317
13
Op cit., p.317
14
“(...) Para mim o mais importante desses aposentos afastados era a loggia, ou porque, modestamente
mobiliada, não era muito apreciada pelos adultos, ou porque nela chegava já abafado o barulho da rua, ou porque
me facilitava a visão dos pátios das casas vizinhas com porteiros, crianças e tocadores de realejo (...)”.
In Tiergarten, Infância em Berlim por Volta de 1900. Obras Escolhidas vol II, 5{ ed., São Paulo, Brasiliense,
1995, p.97.
15
Adota-se aqui uma terminologia empregada em arquitetura quanto a uma possível tipologia de espaços
públicos, semipúblicos e privados.
16
Benjamin, Walter. Obras Escolhidas II, 5ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1995, p.134.
64
armários para figuras de cera, cassinos, estações de trem assim como museus, interiores de
apartamentos, lojas de departamentos e balneários”.
17
Sonho coletivo aqui se refere ao inconsciente coletivo (parte das teorias psicanalíticas
de Freud e Jung) trabalhado por Benjamin, e que se replica materialmente nas arcadas e
galerias (passagens) onde “todos os erros da consciência burguesa poderiam ser encontrados
(...) (fetichismo da mercadoria, coisificação, o mundo como” interioridade”), assim como (na
moda, na prostituição, na jogatina) todos os seus sonhos utópicos”.
18
Se para Benjamin a cidade possibilita experiências, que guardadas na memória
compõe uma individualidade, Simmel (ou sua leitura deixa entrever) nessa cidade, nos
mencionados inúmeros estímulos que ela propicia uma necessidade de preservar essas
experiências, essa interioridade. A multidão, a massa
19
, por sua vez proporciona a
possibilidade do indivíduo ficar incógnito, protegendo sua individualidade.
Na multidão ele é somente mais um, o que seria impossível em um ambiente da cidade
pequena ou do meio rural, onde todos forçosamente se conhecem.
O tema da defesa de uma identidade, para Simmel, se torna problemático, pois o
homem moderno, fruto da grande cidade, é um ser em permanente mutação de
comportamentos, em função das muitas e diferentes interações. Diferentes grupos sociais,
diferentes ambientes, variadas situações fazem com que a interação seja uma palavra de
ordem. Daí a necessidade do homem moderno ter várias facetas ou várias identidades,
conforme e com quem ele interaja, preservando sua interioridade. Tentando melhor explicar,
as iias de interação, relativismo e relações, expressam um conceito simmeliano, onde esses
termos têm caráter funcional, de entendimento do solo moderno.
17
In Buck-Morss, Susan. Dialética do Olhar – Walter Benjamin e o Projeto das Passagens, Belo horizonte, Ed.
UFMG, Chapecó, Ed. Universitária Argos, 2002, p.325.
18
Buck-Morss, op cit., p.66.
19
“(...) A massa é formada quando vários indivíduos unificam fragmentos de suas personalidades, impulsos,
interesses e forças parciais (...). Simmel citado por Waizbort, op cit., p.319.
65
Um dos vários aspectos do moderno, ou melhor, da modernidade, decorrente do
anonimato, da racional indiferença para com os outros, na tentativa de defender a privacidade,
a individualidade, é a solidão. A objetividade do moderno, via Simmel, tem como
contrapartida, entre outras coisas, essa solidão, tão decantada na literatura e arte modernas
20
,
Solidão sozinho e entre os outros, na multidão, O que possibilita ao homem moderno
preservar seu self, como propriedade privada, também o impele a estar só.
Aí comparece mais uma ambigüidade, que Simmel considera na questão proximidade-
distância. A ambigüidade que reside, por exemplo, na solidão em meio às pessoas na rua.
Apesar da proximidade corporal, onde eventuais contatos físicos não desejados (no metrô, no
caminhar na calçada) podem acontecer, há uma distância espiritual entre as pessoas.
21
Como mais um dos componentes do moderno, Simmel cita essa questão do tráfego na
cidade, que cria, como exposto acima situações antes inexistentes, do ponto de vista da
proximidade física e do contato com estranhos.A maneira de se comportar, nessas situações
diárias, também está ligada à “estilização dos comportamentos”, parte da técnica de
sobrevivência da privacidade. Como afirma Simmel:
(...) Antes da criação dos ônibus, trens e bondes no século XIX, os homens não
estavam absolutamente em condições de poder ou precisar se contemplar
mutuamente por minutos ou mesmo horas sem falar entre si. O tráfego moderno
limita cada vez mais as relações sensíveis entre os homens (...).
22
Esse tipo de situação (constrangedora para muitos
23
) é explicada por Simmel:
(...) O indivíduo se em uma situação de proximidade enorme e relativamente
demorada frente a outros, mas são tantos, e cada vez variáveis, que lhes é impossível
manter contato com eles. Eles permanecem estranhos: algo distante que está
próximo (...).
24
20
Não só na chamada alta cultura, como na arte popular em suas mais variadas formas, do samba-canção (aliás,
uma manifestação musical da cidade moderna brasileira), passando pelas novelas de rádio, fotonovelas,
telenovelas e outras formas de arte-mercadoria.
21
Empregando aqui os termos “proximidade corporal” e “distância espiritual”, muito a propósito utilizados por
Waizbort, op cit., p.333.
22
Waizbort, op cit., p.321.
23
Lembranças de infância: No bonde, alguns bancos ficavam dispostos de tal forma que uma pessoa ficava
sentada em frente á outra. Em geral esses eram os últimos a serem ocupados, em função do constrangimento do
olhar face-a-face.
24
Waizbort, op cit., p.323.
66
Essa aparente anestesia (no sentido de alheamento) faz parte do processo de
objetivação moderno, onde “tempo e espaço se industrializam”.
25
Como bem afirma Waizbort, os meios de transporte modernos propiciam um
encurtamento espacial na cidade. Novas experiências espaciais se dão, como, por exemplo,
percorrer a cidade sob a superfície e sair á luz do dia em lugares sem conexão visual direta
com o local de partida. Waizbort, a propósito, afirma que é “uma experiência em que o espaço
é uma coleção de buracos”.
26
Talvez esteja outra questão moderna: a impossibilidade de apreensão espacial do
todo urbano, experiência ainda possível na cidade pequena.
Voltando à interação, que como vimos, na cidade moderna, se todo o tempo, entre
as pessoas, com os acontecimentos diários, com o que caracteriza essa cidade em si.
27
Essa
interação é pontuada pela racionalidade, pela objetividade.
Racionalidade que também é útil para caracterizar o moderno. Como bons exemplos
dessa temos o tempo, e seu referencial moderno o relógio
28
, e a pontualidade, qualidade
imprescindível para o bom andamento das atividades, que são absolutamente necessários para
organizar “a complexidade dos interesses, relações e objetividades na cidade grande”.
29
A objetividade, o anonimato, a impessoalidade nas relações presentes na estilização
dos comportamentos está presente nos locais de trabalho da grande cidade: a grande empresa
(a S.A.), a fábrica criam, dentro da nova divisão social do trabalho, a figura do empregado
30
,
Este está submetido a regras impessoais, como é impessoal sua função. Ele é anônimo, como
25
Op cit., p.323.
26
Op cit., p.323.
27
Também aí há muitas referências para a literatura. Um escritor contemporâneo, como Julio Cortazar, se vale
das experiências interativas da cidade para formular uma escrita que, no tema e na forma, reflete essas
interações. Como exemplo, pode-se mencionar o conto Ómnibus, in Cortázar, Julio, Relatos, Buenos Aires,
Editorial Sudamericana, 1970, p.59.
28
A propósito, chama a atenção sobre isso uma gravura de Pugin, da segunda metade do séc. XIX (publicada por
Leonardo Benevolo em sua História da Cidade), onde um perfil de Londres com seus campanários é substituído,
na modernidade, por outro perfil , o das torres dos relógios.
29
Waizbort, op cit., p.320.
67
todos na multidão. Nessa empresa moderna aparece também outra característica da
modernidade: a mobilidade. Uma mobilidade que se manifesta nas diversas e novas
ocupações laborais de intermediação do dinheiro, inexistente antes do advento da
industrialização, da grande cidade.
A mobilidade do moderno também se manifesta em outra característica da cidade: ela
é cosmopolita. A ela acorrem não só as pessoas egressas do campo ou da cidade pequena. Ela
também atrai os estrangeiros, pela concentração (de dinheiro, movimento, informação). “Pois
concentração traz consigo também difusão”.
31
Difusão converte a cidade grande em
metrópole. Nela se concentram as informações, a produção, a economia, que, difundidas
retornam, ampliando os limites de sua abrangência, de suas relações, para além de seu
território físico. Basta lembrar que as grandes cidades são palco das Exposições Internacionais
e Universais, cujo objetivo primeiro era criar mercados para os novos produtos e quinas,
mas que por extensão, criavam vias de difusão da cultura e do comportamento.
32
Com o crescimento (irreversível) da cidade, nesse processo de concentração é
premente a necessidade de racionalizar, de planejar, entre outros aspectos, a ocupação e o
trânsito urbanos, o que levou à idéia de planejamento urbano. Os historiadores da cidade
(incluindo os progressistas, os culturalistas e outras categorias ideológicas) estabelecem aí,
no surgimento da grande cidade, as primeiras tentativas de teorizar e propor alternativas de
planejar, desenhar o espaço urbano. Das primeiras alternativas, como, por exemplo, a Cidade-
Jardim, tentando conciliar cidade-campo até as mais racionalistas (no sentido estrito do
termo), o que em comum é o ponto de partida: a necessidade de tentar dar fim ao caos do
crescimento descontrolado.
30
Termo hoje substituído em muitas empresas pelo eufemismo “colaborador”.
31
Waizbort, op cit., p.333.
32
Cabe lembrar, a propósito, a importância histórica desse processo nos continentes colonizados (como o nosso)
onde tudo vinha da metrópole e o sonho do colonizado era conhecê-la.
68
São recorrentes as ilustrações de Gustave Doré, para os livros de Charles Dickens
(presentes em muitos livros sobre urbanismo) mostrando situações de ocupação de espaços
embaixo de viadutos por edificações destinadas à moradia de trabalhadores.
A propósito, ambigüidade e racionalidade são também atributos do dinheiro, estudado
por Simmel (que elabora a propósito um estudo filosófico seminal) como principal elemento
intermediador na modernidade. O dinheiro por não ter cor, história, origem, é o mais
apropriado tradutor das relações modernas.
O dinheiro é impessoal, sua posse promove a ascensão social ou, ao contrário, sua
falta promove a decadência. A quantificação da vida, a coisificação das pessoas, a
transformação de tudo em mercadoria (como estabelece a filosofia marxista), passa pelo
dinheiro, que na visão de Simmel, lido por Waizbort faz socializar os homens por promover
a distância e também a indiferença”.
33
O dinheiro e a luta por ele fazem surgir na cidade a concorrência. Essa faz supor e
também estimular a mobilidade, outra característica do moderno
34
. Vê-se então o
entrelaçamento de dinheiro, mobilidade e cidade. Simmel afirma a propósito da concorrência:
(...) A tensão antagônica frente aos concorrentes aguça no comerciante a
sensibilidade fina para as inclinações do público até um instinto quase telepático
para as transformações iminentes de seu gosto, suas modas, seus interesses. (...) A
concorrência moderna, que se caracteriza como a luta de todos contra todos, também
é a luta de todos por todos. (...)
35
À racionalidade, à abstração, categorias simmelianas para entender a grande cidade, se
contrapõe, na visão de Benjamin, o entendimento dessa mesma cidade como um labirinto. Ao
falar de um dos maiores personagens da modernidade: o flâneur: “(...) A cidade é a realização
do antigo sonho humano do labirinto. O flâneur, sem o saber, persegue essa realidade (...).
36
33
Op cit., p.331.
34
Op cit., p.334.
35
Op cit., p.334.
36
Benjamin, Walter.Obras Escolhidas vol III, Charles Baudelaire, Um lírico no auge do capitalismo, 3ª ed., São
Paulo, Brasiliense, 1994, p.203.
69
A idéia de labirinto, e de uma de suas possíveis interpretações
37
, traz consigo a
possibilidade de contrariando a racionalidade dos comportamentos urbanos, caminhar à
vontade na cidade, flanar em fim.
Bem a propósito, o flâneur, citado tanto por Benjamin quanto por Simmel, na criação
de Baudelaire, é um homem moderno à margem das preocupações comezinhas, e a
personificação da individualidade.
Ele é habitado pela cidade. As ruas e o labirinto por elas formado são o seu palco. Ele
é o cronista, o poeta da modernidade, da indiferença.
38
O flâneur aponta também para a importância da experiência e da memória:
(...) Aquela embriaguez anamnésica em que vagueia o flâneur pela cidade não se
nutre apenas daquilo que, sensorialmente, lhe atinge o olhar; com freqüência
também se apossa do simples saber, ou seja, de dados mortos, como de algo
experimentado e vivido. (...)
39
A experiência possibilitada pela grande cidade de encontrar o desconhecido, a
quantidade de novas informações apreensíveis a cada passo, reduz a indiferença para quem
anda sem rumo:
(...) A cada passo o andar ganha uma potência crescente; sempre menor se torna a
sedução das lojas, dos bistrôs, das mulheres sorridentes e sempre mais irresistível o
magnetismo da próxima esquina, de uma massa de folhas distantes, de um nome de
rua. (...)
40
Benjamin se vale da literatura para descrever a flânerie. Citando um trecho de Proust,
na peculiar escrita desse autor, misturando sensações autobiográficas a minuciosas descrições,
Benjamin anota:
37
A idéia da deriva, proposta pelos situacionistas, pode ser uma alternativa da visão de cidade como labirinto.
Na contracorrente do planejamento urbano (de novo aí a racionalidade) eles propõem um caminhar aleatório pela
cidade, descobrindo novos e inusitados territórios. Tem-se aí também a valorização da experiência, da memória,
categorias do pensamento benjaminiano.
38
“O objeto de interrogação do flâneur é a própria modernidade. À diferença do acadêmico que reflete em seu
estúdio, caminha pelas ruas e” estuda “a multidão. Ao mesmo tempo, sua base econômica se desloca
drasticamente pois não está protegida pelo status de mandarim acadêmico” Conforme: Buck-Morss, Susan.
Dialética do Olhar – Walter Benjamin e o Projeto das Passagens, Belo Horizonte, Editora UFMG, Chapecó, SC,
Ed. Universitária Argos, 2002, p.360.
39
Benjamin, W. Obras Escolhidas Vol III, p.186.
40
Benjamin, op cit., p.186.
70
(...) de repente, um telhado, o reflexo de sol sobre uma pedra, o cheiro de um
caminho, me faziam parar por um prazer especial que me davam e também porque
pareciam, esconder, para além daquilo que eu via, alguma coisa que me convidavam
a vir apanhar e que, apesar de todos os meus esforços, eu não chegava a descobrir
(...)
41
A paisagem descrita nesse trecho de Du côté de chez Swann, embora se refira ao
campo, para Benjamin aponta para uma visão da paisagem urbana, em um novo viés
romântico. Ele lembra também que “a cidade é o autêntico chão sagrado da flânerie “.
42
Na cidade contemporânea a flanêrie parece estar limitada, territorialmente definida por
ruas de pedestres (como é o caso dos indefectíveis calçadões) e outros espaços restritos. Para
Buck-Morss, “(...) a flanêrie como uma forma de percepção se conserva na comercialização
das pessoas e as coisas na sociedade de massas e no caráter meramente imaginário da
gratificação que oferece a publicidade. As revistas ilustradas, de modas ou de sexo, todas
seguem o princípío do flâneur: olha-se, mas não se toca (...)”.
43
Mas na época do despertar da grande cidade, do flãneur, o vagar pelas ruas e avenidas
permite ao olhar ser inundado pela modernidade. Essa pode se expressar no uso dos novos
materiais como o vidro, que compõe tanto as vitrines das lojas de departamentos e galerias,
quanto os espelhos que pontuam, por exemplo, Paris:
(...) A cidade se espelha em milhares de olhos, em milhares de objetivas. Pois não
apenas o céu e a atmosfera, nem apenas os anúncios luminosos nos bulevares
noturnos fizeram de Paris a Ville Lumière Paris é a cidade dos espelhos: o
espelhado do asfalto das ruas. (...)
44
Benjamin continua, enfatizando que os “espelhos são o elemento intelectual desta
cidade, seu brasão, no qual se inscreveram os emblemas de todas as escolas poéticas”.
45
Tem-se material para várias considerações. Por exemplo, um dos ícones da
modernidade, pelo menos para a arquitetura e o urbanismo, é o caráter fascinante e
fantasmagórico da vida noturna da grande cidade. Os materiais que traduzem esse fascínio, a
41
Benjamin, op cit.,p.191.
42
Op cit., p.191.
43
Buck-Morss, Susan, op cit., p.409.
44
Benjamin, Obras Escolhidas , Vol II, Rua de Mão Única.5ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1995, p.197.
71
luz elétrica e sua aplicação nos anúncios luminosos, vão impactar fortemente artistas
modernos. Podem ser citados, por exemplo, tanto Mondrian, com sua série de pinturas sobre
Nova Iorque
46
, quanto outros como o cineasta alemão Fritz Lang, que no final dos anos 1920,
em viagem à América, faz uma série de fotografias sobre essa cidade á noite. Os
expressionistas, desde seus manifestos iniciais, colocam o vidro (o cristal) como um material
impregnado de misticismo, de pureza intrínseca, em virtude de suas propriedades, de sua
transparência.
Não pode se deixar de mencionar aqui, um dos maiores emblemas da cidade moderna
e até da própria Revolução Industrial, tal como descrito em inúmeros compêndios e tratados
da historiografia de arquitetura: o Palácio de Cristal. Erigido em 1851, para a Exposição
Universal em Londres
47
, combinava em sua forma dois materiais icônicos da modernidade: o
ferro e o vidro. Para além das possibilidades construtivas desses materiais, está sua forte carga
simbólica, pois nunca antes se havia conseguido ter tal monumentalidade e leveza. Fartamente
utilizada daí em diante, a combinação desses dois materiais vai erguer monumentos da
modernidade como a Torre Eiffel (a propósito, cartão postal de Paris) além de edifícios
corporativos, fábricas, lojas de departamentos, etc., em uma infinidade de aplicações do
capital. Essa utilização remete também a outra categoria da modernidade: a racionalidade.
45
Benjamin, op cit., p.197.
46
Como o quadro Broadway Boogie Woogie, década de 1940.
47
A propósito das Exposições Universais, espaços coletivos da modernidade, tal como outros de igual qualidade
(monumentais, cosmopolitas, ruidosos, modernos enfim...), como as gares ferroviárias, as estações de metrô e
parques, Simmel fez uma série de considerações. A partir de sua experiência pessoal , ele anotou que esses
espaços seriam a ‘realização mais perfeita’ da perda de memória do moderno. Para ele “a estreita vizinhança em
que os produtos industriais os mais heterogêneos são comprimidos provoca uma paralisia da capacidade de
percepção, uma verdadeira hipnose(...)”. Como a memória não tem condições de trabalhar tal quantidade de
informações, fica somente o atordoamento, em função da velocidade de vida que é proposta,
coercitivamente, nesses espaços. Daí proceder a afirmação de Simmel, levando-se em conta também que,
obviamente, são espaços de grande concentração de pessoas (a multidão), o que por si só já é uma característica
da grande cidade. Além disso, toda “essa imensidão de objetos é produzida em uma cidade”, com a
concentração ali do que a ‘divisão do trabalho separa”. Essas exposições, de certa forma, inauguram o frenesi
urbano dos parques temáticos, onde o divertimento é a única alternativa. Divertimento do esquecimento, do
acúmulo, do anestesiar dos sentidos. Tudo nesses espaços coletivos é praticamente artificial, desde a já citada
concentração de objetos até o divertimento necessariamente provocado.
In Waizbort, L. Op cit., p.344.
72
Racionalidade na rapidez de execução, de economia de meios, de rápido retorno dos
investimentos, além da racionalidade também –pode se atrever a afirmar no uso (com fins
lucrativos) do fascínio das massas por essas edificações urbanas.
Para citar um exemplo disso, basta se observar a importância das lojas de
departamentos, os magazines, como o Bon Marché em Paris, com seus vários pavimentos,
visíveis da rua, fazendo do ato de comprar (consumir), um espetáculo público. Visíveis desde
o interior desses espaços, não mais barreiras entre as mercadorias e o blico, que pode
avidamente se deixar seduzir pela possibilidade-recusa
48
das vitrines.
Por outro lado, a questão da transparência, possibilitada pelo emprego do vidro nas
vedações e paredes, vai ser um dos motes do modernismo em arquitetura. Tem-se aí a
discussão do espaço infinito, da continuidade interior-exterior, do prolongamento do olhar,
unindo o público e o privado, tornando os espaços visualmente integrados. Não por acaso,
como parte dos canônicos Cinco pontos da Arquitetura Moderna, defendidos por Le
Corbusier, está a iia da parede-cortina (curtain wall), a vedação feita por janelas
horizontais, vencendo os vãos de pilar a pilar, nessa idéia da transparência, do espaço infinito.
Caindo na possibilidade da digressão, podem ser apontadas aqui as alusões a Le
Corbusier por parte de Benjamin
49
, do fascínio de ambos pelos materiais e objetos ícones da
modernidade, desde os meios de transporte até os objetos da vida cotidiana na grande cidade.
Voltando aos personagens da modernidade, com motivos como o flâneur, Benjamin
introduz a categoria do choque, da cintilância, daquele momento (quando a lama das ruas de
48
A afirmação do termo possibilidade-recusa vem do texto de semiologia de Jean Baudrillard dos anos 1970, ao
afirmar da ambigüidade (moderna) do material vidro, que possibilitaria a visão do interior das embalagens, das
vitrines, mas, por outro lado impedindo o livre acesso ao seu interior. Esse acesso só seria facultado pela compra,
pelo consumo, ao qual, ato contínuo, se seguiria uma decepção, seguida do desejo renovado de consumir outras
mercadorias. Embora seja aqui outro solo de argumentações – o da semiologia- o exemplo parece interessante e
sintomático. In Baudrillard, Jean . O Sistema dos Objetos. São Paulo, Objetiva, 1973, p.49.
49
Como por exemplo no já citado texto da nota 17. In Buck- Mors, Susan, op cit., p.189 e 361.
73
Paris mancha as luvas do flâneur) em que se rompe a couraça contra os estímulos urbanos,
que provocam a indiferença blasé.
Para Simmel, essa indiferença com os outros e com tudo na cidade, que, entre outros
elementos, caracterizaria uma atitude blasé é decorrente da defesa contra o excesso de
estímulos da cidade. É parte da “estilização de comportamentos”
50
e resultado não do
excesso de excitação nervosa, mas também da “incapacidade (...) de reagir aos novos
estímulos com uma energia que lhes seja adequada”
51
.
Parte das “estratégias de sobrevivência”
52
na cidade grande, a atitude blasé, como bem
afirma Waizbort, a propósito de Simmel, “reverte em uma desvalorização de tudo e de todos,
e por fim no sentimento de depreciação da própria individualidade”.
53
A insensibilidade do blasé guarda semelhanças com a do dinheiro. Não nessas duas
categorias simmelianas lugar para individualidade, para distinções e diferenças de pouca
monta. Isso também caracteriza o homem da cidade: “(...) blasé: fatigado, indiferente,
insensível, saturado, lasso (...)”.
54
O lugar da insensibilidade blasé e do dinheiro é a grande cidade, é onde se essa
interação. No seu texto específico sobre o dinheiro (conforme apresentado por Waizbort),
Simmel aborda uma autonomização desse, o que faz parte de uma cadeia de argumentações
que tem por base a idéia de uma “segunda natureza”. Essa é um artifício pelo qual, o meio ao
se transformar em fim passa a ser entendido como parte de um processo “natural”, embora
seja parte de um processo histórico. Esse processo da autonomização , da coisificação das
pessoas (o blasé é uma pessoa coisificada) está intimamente ligado, comofoi dito, à grande
cidade, a cidade do capital.
50
Waizbort, op cit., p.324.
51
Op cit., p.325.
52
Op cit., p.329.
53
Op cit., p.329.
54
Op cit., p.328
74
A cidade-capital então, nunca antes existente na história, é o locus onde o capital
acumulado ou em movimento impera e impõe valores. A redundância parece ter sentido nessa
afirmação, afinal cidade e movimento podem ser, muitas vezes, sinônimos.
Indiferença em meio ao movimento (urbano), aos estímulos, caracterizam o
comportamento, o estilo de vida blasé.
Em função dessa atitude indiferente, indistinta, de quantificação de tudo, estudiosos
contemporâneos como Pierre Bourdieu trabalham com o conceito de capital simbólico, onde
as diferenças de classe social (ou na mesma classe) se expressariam pelo valor monetário dos
objetos de seus possuidores. Essa observação parece ser pertinente ao caso brasileiro, onde o
carro próprio, fetiche entre os fetiches, deixa de ser objeto de locomoção (meio) e passa a ser
um sinal de status (fim) de seu (feliz) proprietário.
55
A atitude de indiferença dissimula “um espectro mais amplo de sentimentos, que passa
pela reserva, aversão, estranheza, antipatia, etc.”.
56
Como já foi colocada anteriormente nesse trabalho, essa estranheza, por exemplo, faz
parte da vida diária da cidade, onde nos defrontamos todo o tempo com situações incômodas,
de ruídos urbanos, de encontros impessoais, de convivência com estranhos, de deslocamentos
demorados...
Decorrente desse tipo de vida, na grande cidade um processo de aceleração da
velocidade da própria vida. Simmel vai tratar disso: para ele o homem moderno é um
aventureiro, vive somente o tempo presente.
57
55
Esse exemplo pode ser equiparado ao de outro objeto (pós) moderno: o telefone celular. Pesquisas recentes
(cuja comprovação se dá pela simples observação das ruas) indicam-no como principal objeto de desejo de
adolescentes e adultos (já atingindo também as crianças- vítimas do consumo estimulado). Para esses objetos
também são estabelecidas escalas de valores quantitativos, havendo gradação entre modelos populares e outros
sofisticadíssimos.
56
Waizbort, op cit., p.330.
57
Op cit., p.331.
75
Para o moderno não passado e nem futuro: nesse sentido, por exemplo, pode ser
explicada a preocupação (quase obsessiva) dos modernos em arquitetura, em cortar todo e
qualquer vínculo (estilístico) com o passado
58
. Para a arquitetura moderna (ou modernista,
como querem alguns historiadores) não sentido em fazer refencias ao passado,
irrevogavelmente descartado. Na era da máquina, da grande cidade , o cabem imitações ou
alegorias nostálgicas a estilos pré-industriais. Reside aí, pelo menos, uma coerência
conceitual, de resto presente também nas manifestações dos vários “ismosda arte moderna.
O moderno, na arte e na vida, quer o agora. Ele, para Simmel, corre o perigo constante
do esquecimento. Waizbort enfatiza essa visão simmeliana: “o moderno é um tempo e um
espaço do esquecimento”.
59
Está em jogo uma capacidade de rememoração”, possível (valendo-se aqui de
Benjamin) da possibilidade do exercício da memória, da experiência revivida.
Um trecho surpreendente, vindo das lembranças da infância em Berlim, mostra a
importância do jogo memória-experiência, para Benjamin:
(...) A saudade que em mim desperta o jogo das letras prova como foi parte
integrante de minha infância. O que busco nele na verdade, é ela mesma: a infância
por inteiro (...) Assim posso sonhar como no passado aprendi a andar. Mas isso de
nada adianta. Hoje sei andar; porém, nunca mais poderei tornar a aprendê-lo. (...)
60
Essa nostalgia impregnada no texto de Benjamin, remete à importância, assinalada
anteriormente, da memória como recurso de luta contra a coisificação. Tentando fazer
algumas relações (a propósito dessa categoria característica da modernidade) se faz
necessário voltar ao conceito de cidade como labirinto. A memória também é labiríntica,
estranhos meandros a conduzem. Nesse sentido, Benjamin mais uma vez surpreende:
Saber orientar-se numa cidade não significa muito. No entanto, perder-se numa
cidade, como alguém se perde na floresta, requer instrução. Nesse caso, o nome das
58
Essa afirmação pode ser encontrada em vários manifestos desde, por exemplo, Loos, em seu texto O
Ornamento é um Crime, passando por Gropius (na defesa de uma vinculação entre arte e indústria) e Le
Corbusier ao fazer uma (quase) apologia da máquina e da sociedade maquinista.
59
Waizbort, op cit., p.331.
60
Benjamin, Walter. Obras Escolhidas II, Rua de Mão Única, 5ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1995, p.105.
76
ruas deve soar para aquele que se perde como o estalar do graveto seco ao ser
pisado, e as vielas do centro da cidade devem refletir as horas do dia tão nitidamente
quanto um desfiladeiro (...).
61
Esse trecho de Tiergarten novamente provoca uma digressão: quando se viaja (não
quando se faz turismo) é um prazer enorme se deixar perder por ruas desconhecidas de uma
cidade que se quer descobrir. É caminhar no labirinto, como fez Benjamin em sua Berlim :
(...) o caminho a esse labirinto, onde não faltava a sua Ariadne, passava sobre a
Ponte Bendler, cujo arco suave se tornou minha primeira escarpa (...).
62
O fio de Ariadne que ajuda a sair do labirinto parece ser a memória. No texto sobre
Moscou, Benjamin recorda:
(...) A cidade parece se entregar já na estação. Quiosques, mpadas de arco,
quarteirões se cristalizam em figuras que nunca se repetem. Porém tudo se dispersa
logo que busco nomes (...).
63
É um caminhar labiríntico, como é labiríntica a memória. Benjamin continua:
(...) Nesses primeiros tempos, a cidade tem ainda centenas de fronteiras. No entanto,
um belo dia, o portal, a igreja que eram fronteiras de um lugar, de improviso, são
meio. Agora a cidade se transforma em labirinto para o principiante (...)
64
O viajante (o aventureiro, o flâneur) sempre encontra surpresa, e Benjamin, aludindo
ao registro do cinema (não por acaso a arte mais emblemática da modernidade) anota:
(...) Somente um filme, em seu curso totalmente febril, desdobraria a quantidade de
armadilhas topográficas de que cai presa: a cidade grande se defende contra ele, se
mascara foge, faz intrigas, seduz, até confundir à exaustão seus círculos (...).
65
1.4 A modernidade como processo
O grande cronista da modernidade nesse sentido um pioneiro foi o poeta Charles
Baudelaire. Seu ambiente foi o da Paris das grandes transformações urbanas promovidas por
Haussmann e essas transformações parecem ter nele calado profundamente, pautando sua
produção literária e fazendo-o cunhar termos e concepções como a do flâneur.
61
Benjamin, Walter. Op cit.,p.73
62
Op cit., p.73.
63
Op cit., p.136.
64
Op cit., p.137.
65
Op cit., p.137.
77
Em seu texto Sobre a Modernidade
66
, descreve a figura do homem urbano, que
mergulha nesse processo: “Ele busca esse algo, ao que se permitirá chamar de Modernidade;
pois não me ocorre melhor palavra para exprimir a idéia em questão.” (BAUDELAIRE, 2002,
p.24).
A modernidade seria então “o transitório, o efêmero, o contingente” seria “a metade
da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável” (BAUDELAIIRE, op cit., p.25). O poeta
defende a iia da existência de várias modernidades ao longo do tempo, “para cada pintor
antigo”. A vitalidade dessas várias modernidades, que seriam a expressão da ruptura com o
anterior em cada momento da experiência humana, exigiria um compromisso: “Não temos o
direito de desprezar ou de prescindir desse elemento transirio, fugidio, cujas metamorfoses
são freqüentes.” (op cit., p.25).
Está colocada a idéia de alternâncias e seqüências de modernidades. A história da
cultura teria à sua disposição essa categoria de interpretação, a do ciclo, a da periodização das
modernidades. Nessa linha de raciocínio, para que uma modernidade seja alçada à uma
condição histórica, a perpetuar-se no registro dos ciclos, para que seja digna de tornar-se
Antiguidade, é necessário que dela se extrai a beleza misteriosa que a vida humana
involuntariamente lhe confere” (op cit., p.26).
1.5 Modernidade e vanguarda
O processo da modernidade implicaria em romper com o passado. Tarefa que os
modernos tem se proposto, ao longo do tempo, reivindicando para si, em cada ciclo histórico,
a condição de vanguarda.
66
Publicado postumamente na forma de artigo, na coletânea L’Art Romantique, em 1869.
78
Embora a idéia de modernidade implique tanto em uma crítica do passado, como um
compromisso definitivo de mudança e de valores do futuro, não será difícil
compreender porque, especialmente durante os últimos séculos, os modernos
estiveram a favor da aplicação da metáfora agnóstica da vanguarda a diversos
domínios, que incluem a literatura, a arte e a política. As óbvias implicações
militares do conceito assinalam com bastante propriedade algumas atitudes e
tendências que a vanguarda deve diretamente à mais ampla consciência de
modernidade um claro sentido de militância, ou do inconformismo, exploração
precursora valente, e em sentido geral, confiança na vitória final do tempo e a
imanência sobre as tradições que tentam parecer eternas, imutáveis e
transcendentalmente determinadas. (CALINESCU, 1991, p.99).
Se há uma vanguarda, depois de um processo de modernidade ter sido aceito e
incorporado ao momento cultural em que manifesta, haveria forçosamente uma retaguarda,
encarregada de divulgar e consolidar essa manifestação. Depois de um período heróico de
lutas pelo novo, pelo moderno, a vanguarda cederia espaço para certa vulgarização (entendida
aqui como democratização de acesso) dos fenômenos culturais dessa modernidade.
Surgindo do utopismo romântico com seus fervores messiânicos, a vanguarda segue
um curso de desenvolvimento essencialmente similar a mais antiga e compreensível
face da modernidade. Esse paralelismo se deve certamente ao fato de que ambas se
apóiam originalmente no mesmo conceito de tempo linear e irreversível e, como
conseqüência, enfrentam a todos os dilemas insolúveis e incompatibilidades
implicadas nesse conceito de tempo. Provavelmente não haja nem um rasgo das
vanguardas, em suas múltiplas metamorfoses históricas, que não esteja implicado ou
tenha sido inclusive previsto pelo âmbito mais amplo da modernidade.
(CALINESCU, 1991, p.100).
Uma das tarefas dessa pesquisa foi, dentro de seus limites, trabalhar com o conceito de
retaguarda, dos vários agentes envolvidos no processo de divulgação das novas práticas e sua
apropriação por parte do conjunto da sociedade atingida por esse torvelinho de mudanças.
1.6 Modernidade e modernização
A modernização pode ser entendida como um processo, como “o conjunto das
transformações econômico-sociais que acompanham o desenvolvimento do capitalismo.”
(PESAVENTO, 1994, p.199).
No Brasil, no período em estudo, quando se implanta o Estado Novo de Getúlio
Vargas (década de 1930), se inicia esse processo, que envolveu a presença estatal. Isso se deu
não no plano da imagem (a iia de um estado moderno, como a propaganda em torno
79
desse regime ditatorial propagou), mas também, e concretamente nas áreas da Saúde,
Comunicação e Educação (essa conclamando para a Escola Nova). Dentro da periodização
abarcada pela pesquisa, o final desse estudo seria o do ciclo do desenvolvimentismo, na
década de 1950, com o governo (democrático) de Juscelino Kubitschek.
Para Pesavento, dentro da modernização, a modernidade se caracterizaria por ser:
(...) a sensação de ver-se um mundo em mudança, arrebatado por um turbilhão de
transformações. Experiência histórica individual e coletiva, a modernidade se
caracterizaria pela atitude de celebração e combate, de atração e repúdio face à perda
de um universo de valores e certezas, ante a inquietude e a sedução do novo. (op cit.,
1994, p.200).
A modernização se manifestaria no espaço urbano, para além da simples implantação
de infra-estruturas necessárias. A modernização atingiria a rua, tal como atingiu o poeta
parisiense. Houve uma alteração no significado e nas atividades da rua, a partir de quando
“seu percurso (histórico) sofreu uma inflexão, que nos permitiria definir que elas (as ruas
como as conhecemos hoje), são uma criação do século XIX, objeto de um novo imaginário
social.” (PESAVENTO, 1992, p.8).
A internacionalização do processo modernizante, da transformação capitalista do
modo de produção e da “progressiva expansão de uma ordem burguesa, com seu corolário de
crenças, valores e idéias” (PESAVENTO, op cit., p.8), levou a uma nova “ordem urbano-
industrial”, que foi se manifestando paulatinamente, reinventando “as relações campo-cidade
e colocando a cidade como “o lugar onde as coisas acontecem”. Isso trouxe ao primeiro plano
“novos atores sociais, portadores também de novas práticas e idéias” (op cit., p.8).
Entre esses atores estariam não os membros da vanguarda, mas também os
encarregados da continuidade do processo, da consolidação das novas idéias e práticas: o
exército do cotidiano, os membros da retaguarda.
80
81
2 Capítulo 2
QUESTÕES HISTORIOGRÁFICAS:
O Modernismo e outros modernos
82
83
“Il faut être absolutment moderne.”
Rimbaud
67
2.1 Introdução
Se uma revisão historiográfica do Movimento Moderno em terras brasileiras vem se
impondo algum tempo, esse trabalho, dentro das limitações óbvias que tem, pretende
levantar questões sobre outras interpretações do moderno, e da modernidade no campo
68
da
arquitetura. Alguns dos vieses da modernidade em arquitetura, produzidos desde os anos 1920
até o final dos anos 1950, estão mergulhados em um limbo historiográfico, que,
paulatinamente vem sendo desvendado por estudos atualizados. Trabalhos como os artigos
sobre o Art Déco e o Racionalismo Clássico em Belém do Pará (BIANCO; CAMPOS NETO,
2003), e a modernização no período de 1930-1945 na mesma cidade (VIDAL, 2008) ajudam a
demonstrar que no vácuo da historiografia da arquitetura brasileira, começam a despontar
outros olhares. Nos cursos de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (não somente no
centro do país), têm sido desenvolvidas teses e dissertações
69
que, refletindo sobre a
modernidade nas várias regiões do Brasil profundo, trazem à luz vários atores (projetistas,
clientes estatais e privados) até então anônimos. As arquiteturas e espaços urbanos (também
muitas vezes tratados como anônimos pela produção historiográfica corrente), projetados e
67
In MURRAY, Chris (org.). The Hutchinson Dictionary of the Arts. Londres, Inglaterra: Helicon Publishing,
1994, p.348.
68
Ver definição de Bourdieu (1971) para campo: “Noção que caracteriza a autonomia de certo domínio de
concorrência e disputa interna. Serve de instrumento ao método relacional de análise das dominações e práticas
específicas de um determinado espaço social. Cada espaço corresponde assim, a um campo específico – cultural,
econômico, educacional, científico, jornalístico, etc. -, no qual são determinados a posição social dos agentes e
onde se revelam, por exemplo, as figuras de “autoridade”, detentoras de maior volume de capital.” (in
CULT.Pequeno glossário da teoria de Bourdieu.São Paulo: Bregantini, n.128,set. 2008, p.46). Capital deve ser
entendido aqui como (na concepção de Bourdieu), além do capital econômico, o capital simbólico, o que
distinguiria socialmente uns dos outros.
69
Como diversos trabalhos produzidos no âmbito do programa PROPAR/UFRGS. Entre eles destacamos as
dissertações de mestrado de Simone Pretto Ruschel (A modernidade na Avenida Farrapos – 2004), Adriana
Maróstica Callegaro (Uma outra modernidade em Porto Alegre: Um estudo sobre a evolução de padrões
tipológicos a partir da Arquitetura da Exposição Farroupilha – 2002), Rita Miréle Chaves (Arquitetura moderna
em Porto Alegre: aspectos de uma particularidade – 2001), entre outros.
84
construídos nesse período, estão muitas delas ainda presentes nas cidades, configurando
trechos e conjuntos dessas, testemunhas de ciclos econômico-culturais passados e, muitas
vezes, ausentes de políticas preservacionistas.
No sentido de municiar uma perspectiva teórica que busque contemplar essas
produções, vamos nos valer dos vários olhares e vieses, encontrados nas publicações e
trabalhos mais recentes sobre a questão historiográfica na arquitetura. Como afirma, por
exemplo, Carlos Martins:
É sabido que um trabalho de arquitetura deixa pelo menos três tipos de rastro
documental direto, que os historiadores chamariam primário. Especialmente em um
período marcado por um forte voluntarismo, os arquitetos afirmam seus projetos por
meio de textos, teóricos ou de combate, de desenhos e de obras. A intervenção de
um quarto nível documental, o da crítica ou da historiografia, é mais complexa do
que indicaria chamá-lo simplesmente “secundário”. A análise das relações entre
experiência artística e experiência verbal, superadas as visões de sua mútua
irredutibilidade, leva a uma transformação da recepção do trabalho crítico e/ou
histórico que reconhece “a crítica como uma participação ativa e fundamental, não
só na propagação, mas também na geração da cultura arquitetônica”.
Não se trata de fazer finca-pé nos aportes que a investigação histórica pode trazer ao
ato projetual em si, mas de admitir as leituras críticas e históricas como elementos
que se agregam à obra, reconstituindo-a por sua inserção em uma trama que recoloca
e reconverte o objeto de análise. (MARTINS, 1999, p.9).
Como em qualquer leitura de uma obra artística, também o olhar crítico sobre a obra
de arquitetura sofre a influência de várias camadas narrativas, presentes na interpretação ou
crítica do objeto em pauta. Um exemplo óbvio (e até talvez já anedótico) é o da pintura da
Mona Lisa, de Leonardo. Divulgado ad nauseum, em várias mídias, formatos e intenções, é
praticamente impossível separar qual das várias “Giocondas” se está abordando, mesmo em se
tratando do ato de ver o original do Louvre... Como esclarece Argan, “também o historiador
da arte, como explicou Lionello Venturi, deve considerar toda a cadeia de juízos que foram
pronunciados a respeito das obras de que trata.” (ARGAN, 1993, p.24).
85
2.2 A imagem como documento
A questão das imagens como documentos historiográficos merece consideração
especial, pois como afirma a historiadora Lilia Schwarcz:
A historiografia brasileira é muito refinada na análise de documentos e no contraste
de fontes, mas utiliza as imagens como uma espécie de reflexo da realidade. Passei a
me perguntar como os símbolos não apenas refletem, mas criam sentidos. Eles são
produtos, mas produção também: constroem valores e sentimentos. Para além da
eficácia política, os símbolos refeitos na literatura, nas imagens, são discursos
absolutamente poderosos. (SCHWARCZ, 2008, p.46)
As imagens então criam interpretações e, nesse sentido, o advento da fotografia (final
do século XIX) veio a ser emblemático para a divulgação da produção arquitetônica. Desde os
textos seminais de Walter Benjamin, os estudiosos têm se debruçado sobre a questão do uso
das imagens. Por exemplo, no caso da pesquisa sobre espaços construídos, há que se admitir a
intenção do fotógrafo de arquitetura, na procura do melhor ângulo, de ressaltar os aspectos
plasticamente favoveis do espaço arquitetônico retratado. Assim como as matérias e artigos
publicados em periódicos e livros são relativizados e contextualizados, as imagens divulgadas
também têm que o ser.
Para a arquitetura e sua crítica, isso hoje é crucial: em tempos midiáticos, “(...) os
agentes culturais, por intermédio de seus grupos editoriais, deram-se conta de que a
arquitetura está cada vez mais esplêndida e persuasiva, que merece ser tratada com destaque.”
(GIMENEZ, 1993, p.72)
A edição dos projetos de arquitetura pode guardar então uma cilada: cada vez mais
“(...) publicações que preferem as obras apresentadas com desenhos impecáveis e com uma
iconografia tão produzida que dificulta diferenciar os méritos da fotografia dos atributos de
seu tema.” (GIMENEZ, 1993, p.72)
86
2.3 A imagem como representação
Outro exemplo, recorrente no período histórico da pesquisa em tela, é o uso da
imagem como representação com fins ideológicos. É sobejamente conhecida e estudada, a
preocupação com a imagem, por parte dos governos Vargas (do Estado Novo, autoritário,
ditatorial, ao regime pós-1945, nacionalista e democrático), enaltecendo as obras e realizações
e exaltando o culto à personalidade do chefe de estado.
A produção de imagens, em fotografias e cines-jornal do DIP, por exemplo, na
inauguração de obras estatais (escolas, centros de saúde e outros) e nas comemorações
cívicas, tão ao gosto varguista, visava reforçar a imagem do estado e de seu condutor.
Por outro lado, esse culto à imagem se produzia também pela intronição de imagens
(retratos e bustos) de Vargas nos edifícios públicos. Um exemplo sintomático, entre outros
encontrados durante a pesquisa, é o da colocação de um busto em bronze, em posição
destacada no acesso ao espaço escolar de Grupo Escolar Getúlio Vargas (1940), em
Florianópolis. Tem-se o uso da imagem do governante como mentor (ou patrocinador) da
Nova Escola
70
, uma das preocupações maiores do regime, ao lado da Saúde e das
Comunicações (ver Fig. 2.1).
Outro exemplo, tamm recorrente, no espaço urbano é o uso da toponímia, com a
nomeação de lugares (avenidas, ruas, praças) aludindo aos valores pátrios (Avenida Brasil,
por exemplo) e, explicitamente ao chefe de estado (como, por exemplo, Praça Getúlio
Vargas), encontrados em quase todos os recantos do país (ver Fig. 2.2).
70
A Nova Escola, tal como a concebia o educador Aníso Teixeira, daria educação e formação cidadã ao jovem.
Incluiria no currículo atividades físicas, que junto com o estímulo mental da educação formal, forjaria um novo
homem. Essa filosofia norteou em parte a concepção programática dos Grupos Escolares (que incluiria o espaço
aberto – o pátio – como elemento espacial importante) construídos a partir do Estado Novo.
87
Fig. 2.1: Busto de Getúlio Vargas no Grupo Escolar
do bairro do Saco dos Limões, Florianópolis, 1940.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 2.2: Belvedere na cabeceira insular da Ponte Hercílio Luz em homenagem ao governador.
Florianópolis, década de 1940.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
88
A imagem de governante dinâmico e visionário foi também cultivada no governo
democrático do presidente Juscelino Kubitschek, no período conhecido como de
desenvolvimentismo (os anos 1950). Tendo como auge a realização da nova capital federal, a
construção de Brasília foi amplamente documentada e acompanhada, passo-a-passo, pelas
principais publicações semanais da época, como as revistas O Cruzeiro e Manchete. Fotos do
presidente e de seu entourage eram sistematicamente divulgadas nessas publicações, além de
aparições periódicas nos cines-jornal da época, fazendo uma representação do poder
associado a valores da modernização, onde Brasília seria o seu maiormbolo.
Além disso, vários estudos já foram feitos, demonstrando a popularização das novas
formas da arquitetura da Novacap, com sua reprodução e reinterpretação facilmente
encontráveis à época, nos mais distantes lugares e situações do Brasil. Essas formas, no
imaginário da população, representariam o moderno e a modernidade, como mbolos do
novo e reproduzidos em várias e inúmeras situações, dos bairros populares aos de uma
incipiente classe média urbana da época.
Em dois momentos políticos heterogêneos da história brasileira, o uso da imagem foi
especialmente importante para divulgar e popularizar os governantes e suas ações, formando
distintas concepções e valores de modernidade junto à população.
2.4 Apontamentos para uma revisão historiográfica
Na esteira de uma recomposição historiográfica da arquitetura brasileira,
particularmente sobre esse período emblemático, o do moderno, vários trabalhos tem sido
publicados. Parece interessante uma das interpretações recentes, sobre os rumos da
investigação e de uma posição ideológica mais clara:
Ao reconstituir em profundidade o debate de época, procurei evitar uma dupla
armadilha: uma a de adotar o ponto de vista dos “dominantes”, reduzindo todas as
outras correntes e estilos a tal ótica, o que é feito na enorme maioria dos livros sobre
89
a história da arquitetura no Brasil; outra, tão grave quanto a anterior e usual em
abordagens “pós-modernas”, seria a de analisar os modernos sem contextualizá-los
nem aos seus interlocutores de época. Tais estudos tornam inteligentes e espirituosos
os seus autores ao preço de uma crítica fácil e superficial, que transforma em
anacrônica a atuação do grupo enfocado. O exame de discussões estéticas,
alinhamento de grupos e apadrinhamentos governamentais fornece, também,
contribuição para um entendimento mais aprofundado da sociedade brasileira,
sobretudo no tocante às interações de suas elites e às relações entre arte/cultura e o
Estado enquanto mecenas. (CAVALCANTI, 2006, p.225).
Outro autor aponta para certo descaso, ou desvio ideológico historiográfico com
relação a correntes estilísticas não-modernas:
Os critérios moderno-nacionalistas adotados por nossa historiografia, e
particularmente por todos os autores que de um modo ou de outro estudaram o
período, conduziram de forma cada vez mais acentuada à redução da arquitetura dos
anos 1890-1930 a uma manifestação estrangeira, desvinculada e estranha a uma
cultura “autêntica”, nacional e moderna. (...) Essa tendência a uma análise
reducionista do período, isto é, a partir predominantemente da roupagem dos estilos
históricos, verifica-se de forma cada vez mais acentuada à medida que nos
distanciamos dos autores pioneiros. (PUPPI, 1998, p.176).
Puppi se refere, como pioneiros, a Lucio Costa e Paulo Santos, “cuja importância se
deve à dupla condição seja de protagonistas ou contemporâneos desses acontecimentos, seja
de narradores e intérpretes (ainda que parciais) desses mesmos fatos”. (PUPPI, op cit., p.176).
que se considerar, em que pese o fato desses autores pioneiros realmente terem sido
defensores de uma historiografia engajada do Modernismo, que não há parcialidade em
história.
A História, como disciplina, é uma construção, daí a importância de se cotejar os
estudo e vieses vários, bem como os contextos de produção e recepção das idéias e obras.
Esse autor, citado acima, ao defender um espaço mais adequado à discussão sobre, por
exemplo, o ecletismo carioca, também exibe sua parcialidade, melhor dizendo, seu próprio
olhar historiográfico.
Por outro lado, além dos trabalhos dos arquitetos consagrados, por sua qualidade
projetual ou pelas sucessivas modas arquitetônicas, também uma vasta produção da
arquitetura anônima, nos grandes, médios e pequenos centros urbanos brasileiros. Quase
sempre à margem das arquiteturas espetaculares, são obras, muitas delas de arquitetos,
90
trabalhando na “retaguarda da profissão, lugar onde se encontram todas as demandas que
requerem o controle da forma e do espaço nas cidades e que podem ser resolvidas por
intermédio do desenho: lugar do arquiteto.” (GIMENEZ, 1993, p.75).
Basta percorrer um centro urbano e seus bairros, que fatalmente serão encontrados
exemplares dessa arquitetura pequena (na expressão de Gimenez), honesta e atenta aos seus
objetivos: fazer cidade.
Sempre estamos reconhecendo obras de arquitetura na cidade, obras à margem das
publicações. Afirmamos que alguns bairros têm uma concentração notável de
edifícios qualificados e atribuímos este fenômeno à eloqüência dos arquitetos em um
determinado período. Reconhecemos então que nosso olhar descobre interesse em
outras coisas ou lugares. Indiretamente estamos fazendo uma crítica àquilo que
tínhamos como certo, pois é a dúvida que nos dispõem a procurar e que nos permite
encontrar outros nexos. Tal instinto pode ser o ponto de partida de uma ação
reflexiva que descubra e interprete os aspectos que chamam a atenção e que
provavelmente encerram valor. (GIMENEZ, op. cit., p.75)
No caso da pesquisa em tela, essa é a intenção de trabalho: ajudar a compor (sempre
dentro das limitações de autoria e condições de investigação) uma historiografia das relações
entre arquitetura e cidade, em Santa Catarina, um estado periférico ao centro brasileiro, em
um período importante, o da modernidade. Pelos dados levantados até esse momento,
podemos constatar a existência de uma modernidade alternativa, aonde a presença de
projetistas (como Wolfgang Ludwig Rau) e arquitetos de formação acadêmica (como Tom
Wildi e Simão Gramlich), quase todos vindos da Europa, trouxe a Santa Catarina uma
contribuição não alinhada com o modernismo de extração strictu sensu abstrata.
Como afirma Ramón Gutiérrez, a propósito da obra de dois arquitetos húngaros
(Andrés e Jorge Kalnay) atuantes na modernidade argentina dos anos 1930:
Tem sido freqüente em nossa historiografia o ato de assumir uma visão excludente
da modernidade, que costuma ser vinculada às propostas das vanguardas externas.
Esta ótica eurocêntrica não desvenda com claridade os processos de transculturação,
a síntese e a seleção ou também a adaptação e integração que se originam do foco
emissor até o meio cultural receptor. (GUTIÉRREZ, 2004, p.134).
Gutiérrez aponta para um problema local argentino, comum à historiografia brasileira
de arquitetura, certo olhar estrábico, que teria prejudicado uma visão panorâmica da
concepção e produção dos espaços da modernidade.
91
2.5 Arquiteturas da modernidade: algumas observações
Tentando perseguir esse olhar mais abrangente, a pesquisa até agora encontrou
elementos para afirmar, preliminarmente que, em Santa Catarina, a modernidade se fez
representar, em um primeiro momento, por arquiteturas como as de tendência Art Déco,
alternativas de Neocolonial (principalmente de inspiração não erudita) e outras referenciadas a
um Racionalismo Clássico. Uma das explicações possíveis para além da formação dos
agenciadores de arquitetura é a das condições sócio-culturais do estado, seu isolamento
geográfico e uma industrialização extremamente incipiente.
Isso teria levado à manutenção de uma tradição construtiva, com raras exceções
calcada no empirismo e na continuidade de práticas por parte de construtores, mais afeitos a
soluções extraídas da cultura luso-brasileira e para pequenas edificações. A continuidade de
uma tradição empírica se poderia constatar na passagem do episódio do ecletismo, por
exemplo, em Florianópolis, onde houve quase que somente a introdução de roupagem nova
nas fachadas de edificações de planta e estrutura luso-brasileiras
71
. Essa prática conservadora
continuaria ainda no século XX, nos anos 1940, quanto, por exemplo, à introdução de um Art
Déco, atualizando as fachadas das pequenas edificações do centro comercial da capital
catarinense, sem maiores alterações de planta e (o que nos parece mais evidenciador) sem
alterações na estrutura fundiária, com a manutenção dos estreitos e compridos lotes coloniais
da velha Desterro. Além disso, como se pode deduzir dos depoimentos, por exemplo, do
projetista-construtor Wolfgang Rau, o mercado de materiais de construção, mesmo na capital,
dispunha de poucas opções. A técnica do concreto armado, ícone da modernidade era pouco
empregada até os anos 1940, em função, por exemplo, da necessidade de importar o cimento
da Alemanha, entre outros países.
92
Uma hipótese de trabalho seria então a de que a interpretação dessas linguagens
citadas acima (também fruto de olhares modernos), por parte dos produtores envolvidos, seria
resultado da sua formação, dessas condições de trabalho e do meio cultural, também afeito à
tradição. Além do distanciamento geográfico dos centros culturais brasileiros e de uma menor
produtividade econômica comparada ao eixo Rio-São Paulo, Santa Catarina sofria de um
ritmo cultural lento e pacato e da manutenção sistemática no poder das elites locais (que, ao
que parece, não teriam interesse em maiores mudanças que se refletissem no meio urbano),
seriam alguns desses elementos históricos que explicariam o descompasso (muitas vezes
acentuado) entre o centro do país e suas mudanças estruturais e a capital catarinense.
Outro fato, a marcar o alheamento e isolamento
72
cultural de Florianópolis, era que,
embora capital de Santa Catarina, ela não era a cidade mais importante do estado
73
. Nos anos
1930-1940 esse posto pertencia à cidade de Lages, no planalto serrano, onde uma economia
baseada no corte da madeira e seu beneficiamento se traduziriam em um ritmo urbano
acentuado. Mais adiante é Blumenau, com a indústria têxtil, iniciada no final do século XIX, e
consolidada entre os anos 1930 e 1960, que alcançaria essa posição. Ainda hoje Florianópolis
disputa com Joinville (cidade com a maior população do estado e lo nacional da indústria
metal-mecânica) a primazia de cidade mais importante de Santa Catarina.
Esse meio cultural (a clientela e demais habitantes) veria nessas arquiteturas, providas
de alguma dose de ornamentação (geometrizada), e muitas vezes divulgada pelas mídias de
então, quase que única fonte de informação, a modernidade desejada.
71
Por exemplo, é o caso de muitas edificações (térreas e sobrados) do centro fundador (Área de Proteção
Cultural), situadas nas ruas Conselheiro Mafra, Francisco Tolentino, Praça XV de Novembro e entorno.
72
Tal isolamento só seria rompido com a instalação, na década de 1960, da rodovia BR 101, que ligaria
Florianópolis, de forma efetiva, ao restante do país.
73
Somente nos últimos anos - particularmente em 2009, segundo dados recentes de produtividade divulgados
pelo IBGE-essa situação tem se alterado, em função da inserção de Florianópolis no ramo da informática e de
um turismo ainda quase que artesanal.
93
Quanto ao papel das outras vertentes, as vanguardas de origem européia, na construção
de novos espaços e paisagens urbanas e o papel do Estado, como agente do processo,
entendemos ser importante a visão do pesquisador argentino Adrian Gorelik:
Assim, por meio da arquitetura, vanguarda e Estado confluem na necessidade de
construir uma cultura, uma economia nacionais. De modo que permanece
questionado em toda a linha o conjunto de postulados que se associa classicamente
à vanguarda: a negatividade, o caráter destrutivo, o combate á instituição, a
destruição da tradição, o internacionalismo. (GORELIK, 2005, p.16)
O conjunto dessas contradições faria com que essas vanguardas, na visão de Gorelik,
fossem então adjetivadas nos países sul-americanos, na tentativa de contextualizá-las:
(...) As vanguardas em nossos países não costumam ser vanguardas simplesmente,
mas “vanguardas atenuadas”, “vanguardas reativas”, vanguardas classicistas”,
“vanguardas oficiais”, “vanguardas tropicais”, definições que, em muitos casos,
aparecem explicitamente como uma contradição em termos (...) (GORELIK, op.cit.,
p.16)
Mas a crítica a uma historiografia que privilegia as vanguardas em arquitetura em
detrimento do estudo das alternativas estilísticas, construídas à mesma época em tela não
implica em uma defesa ou em elogio dessas respostas não-vanguardistas. O interesse de uma
pesquisa sobre essas correntes seria, além de constatar a sua presença, em graus qualitativos e
quantitativos, esboçar aspectos críticos quanto, por exemplo, ao envolvimento do Estado com
os agentes construtores. Já foi comprovada, tal como afirma Gorelik acima, em estudos
iniciados a partir dos anos 1990
74
, a ligação direta entre o Estado brasileiro e a vanguarda
modernista. É clássico o episódio do projeto para o Ministério de Educação e Saúde, que
iniciou uma verdadeira e profícua parceria, entre os vários atores envolvidos.
No caso de outras tendências estilísticas da modernidade, já está também comprovado,
o envolvimento do Estado, através de vários órgãos oficiais de planejamento, na proposição
de suas formulações espaciais para edificações-sede de, por exemplo, agências de Correios e
Telégrafos, Centros de Saúde e Grupos Escolares.
74
Como é o caso (referencial para Gorelik) da Dissertação de Mestrado de Carlos Alberto Ferreira Martins:
Arquitetura e Estado no Brasil – Elementos para uma Investigação sobre a Constituição do Discurso Moderno no
94
A propósito do envolvimento do Estado com a produção de arquitetura, vale citar
Peter Gay, quando esse afirma:
(...) A arquitetura, mais do que as outras artes, era um empreendimento público que
deixava traços perceptíveis e duradouros. Exigia investimentos consideráveis e não
podia escapar ao fascínio (nem à ameaça) da política partidária o patrocínio ou a
indiferença do Estado, o exercício do poder público, os funcionários se imiscuindo
em decisões estéticas ao conceder ou negar alvarás de construção, o poder financeiro
das pessoas interessadas em moldar as políticas oficiais. (GAY, 2009, p.282-283).
Essas afirmações se referem ao panorama do início do século XX, mas parecem
continuar verdadeiras, como em muitos casos ocorridos no Brasil.
Por exemplo, no estado catarinense, o episódio da construção em Florianópolis, do
Palácio das Secretarias (Wolfgang Rau, 1955), em Racionalismo Clássico, que coincidiu com
a edificação quase que simultânea e na mesma rua do Edifício das Secretarias
(engenheiro-arquiteto Domingos Trindade, 1953-1961), um projeto concebido dentro dos
referenciais modernistas, é sintomático dessa divisão entre as preferências estilísticas dos
governantes e de seu poder de escolha e decisão.
Tal divisão de gostos estilísticos não é privilégio da categoria dos políticos, então no
poder em Florianópolis. Se lembrarmos do episódio da construção do Ministério da Fazenda
no Rio de Janeiro (final da década de 1930), simulneo ao da execução do projeto do
Ministério de Educação e Saúde, em linguagens diametralmente opostas, podemos constatar a
mesma heterogeneidade de apreços estilísticos e um embate semelhante sobre qual arquitetura
e qual viés (conservador ou moderno) melhor representaria o poder.
Uma outra questão diz respeito à utilização, por alguns pesquisadores, do termo
protomoderno, designando essas arquiteturas, como, por exemplo, o Art Déco. Entendemos
que um equívoco: essas variações estilísticas e os movimentos modernos são
simultâneos no tempo e no espaço. Se entendido como um exemplo emblemático, é
esclarecedor o caso da Exposição Internacional das Artes Decorativas em Paris, 1925, onde se
Brasil: a Obra de Lucio Costa 1924/1952, defendida em dezembro de 1987, na Faculdade de Filosofia, Letras e
95
expuseram várias alternativas em arquitetura, todas elas reivindicando serem expressões da
modernidade: da vanguarda soviética de Melnikov, passando pelo pavilhão L’Esprit Nouveau
de Le Corbusier, e convivendo com as soluções de Robert Mallet-Stevens, que iriam gerar nos
anos 1960, a cunhagem do termo Art Déco.
Por outro lado, protomoderno poderia designar também uma espécie de preparação, de
educação para o moderno, que não parece ser o caso. São alternativas distintas, da concepção
à formalização espacial. Parece haver, no caso da insistência do emprego dessa terminologia,
uma concepção historiográfica autocentrada no modernismo das vanguardas, onde tudo
giraria em torno de uma hegemonia histórica dessas vanguardas.
Em trabalho extenso sobre a arquitetura produzida em Pelotas (RS) nos anos 1940 e
1950, Rosa Moura propõe essa terminologia, para explicar as transformações de gosto, como
parte das transformações ocorridas em um ciclo econômico da cidade gaúcha, de transição de
uma base agropastoril para um centro comercial regional. Para essa autora:
A partir de meados dos anos 1930, a arquitetura refletindo essas transformações,
também começou a modificar-se. Mantendo alguma continuidade com a arquitetura
eclética, estas mudanças já indicavam a apropriação de um gosto moderno, expresso
pelos novos materiais, mas, principalmente, pela decoração mais geometrizada,
depurada e simples das fachadas. (MOURA, 2005, p.10)
Moura se referencia (ao defender que essa arquitetura acima descrita seria
protomoderna), em artigo de Luiz Paulo Conde sobre os edifícios de Copacabana (Rio de
Janeiro) construídos do início do século XX aos anos 1940
75
. Embora a análise estilística do
Art Déco e outras variantes da modernidade arquitetônica, presente nos trabalhos de Conde e
de Moura seja procedente e relevante, não parece ser totalmente correto o emprego de uma
terminologia sempre referenciada ao modernismo abstrato strictu sensu. Na metodologia
adotada pela presente pesquisa, se entendeu ser mais relevante contextualizar e relativizar a
produção (significativa) de uma arquitetura urbana (portanto no locus do moderno), que
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
96
aliaria uma tradição construtiva a formas geometrizadas e com ornamentos estrategicamente
posicionados.
Parece persistir, na historiografia brasileira da arquitetura, um problema de adjetivação
das arquiteturas, de enquadramento das linguagens em nichos pré-determinados. Entendemos
que é o caso também em plano internacional e nacional da denominação Art Déco para
designar várias expressões plásticas de arquitetura produzida no período 1930-1950.
O autor inglês Adrian Tinniswood aponta que:
Um australiano poderia caracterizá-lo como “estilo náutico moderno”; um
americano como “moderno aerodinâmico” ou “estilo linear”, “zigzag moderno”, ou
“estilo arranha-céu”, dependendo de sua forma ou dimensões e sua habilidade em
registrar as nuances. Se você fosse francês, poderia falar em um “estilo moderno”,
ou “estilo 25”, ou “universalismo”. E se você, como pessoa de fala inglesa, quisesse
impressionar com sua sofisticação e cosmopolitismo, você poderia adicionar um “e”
gálico a “modern” e se referir a “jazz moderne”, “streamline moderne”, ou “zigzag
moderne”. (TINNISWOOD, 2005, p.8)
Uma denominação extraída da anteriormente citada Exposição Internacional de Artes
Decorativas (Paris, 1925) e utilizado a partir dos anos 1960, por ocasião de outra exposição
parisiense (sobre o revival em arquitetura)
76
,não conta das inúmeras variações estilísticas e
referências presentes na produção dessa mencionada arquitetura urbana. Alguns historiadores
norte-americanos, por exemplo, o aceitam o termo Art Déco para designar seus edifícios
arranha-céus do período (como os edifícios Chrysler e Empire State), preferindo a expressão
“american modern”. Outros autores afirmam que não se poderia falar em Art Déco após a
crise de 1929, quando a crise econômica mundial praticamente inviabilizou a pompa e
circunstância do caráter de luxo decorativo dessa arquitetura.
A questão da catalogação, da denominação, é complexa. Há que se considerar a
recepção dessas arquiteturas em nosso continente e país por parte da população com que ela
75
Ver CONDE, Luiz Paulo. Protomodernismo em Copacabana. In: revista Arquitetura e Urbanismo, são Paulo,
Pini, nº 16, fevereiro / março 1988, PP 68-75.
76
“O rótulo era virtualmente desconhecido até 1966, quando o Musée des Arts Decoratifs em Paris empregou
uma versão encurtada do título da Exposition des Arts Decoratifs et Industriels Modernes para sua exibição “Les
Années ‘25’ Art Déco/Bauhaus/Stijl/Esprit Nouveau”. O temo veio a se difundir entre o grande público em
97
conviveu. A pesquisa presente partiu assim, de outra preocupação: tentar conhecer essa
produção, seus agentes e os demais atores urbanos do processo de sua feitura e inserção
cultural.
Nesse viés, leituras importantes incluiriam as dos trabalhos desenvolvidos, por
exemplo, no Uruguai por Mariano Arana e Lorenzo Garabelli, que no início dos anos 1990
estudaram a arquitetura produzida em Montevidéu entre 1915 e 1940. Como parte de um
contexto de modernização do país, essa arquitetura (que os autores chamam apropriadamente
de renovadora) foi analisada dentro do espectro de concepções diferenciadas que a produziu,
nesse marco temporal:
Ao confrontar “Arquitetura” e “Idéia”, não se pretende a exclusiva consideração do
marco teórico que conduziu à particular maneira de resolver, cada criador, o
“objeto” arquitetônico. Mais que a idéia sobre arquitetura, procuramos explicitar a
pluralidade de idéias que condicionam e demarcam a produção arquitetônica do
período (ARANA; GARABELLI, 1995, p.7).
No estudo feito em Montevidéu, foram levantadas as principais realizações do
período, onde se pode comprovar a importância do confronto entre as múltiplas influências
européias e norte-americanas e a consideração de fatores que emergiam da realidade local.
Nosso grifo em influências visa marcar o debate em torno dessa expressão e seu
significado em arquitetura (particularmente em nosso continente), o que autores como Gorelik
enfatizam:
A antes iniludível noção de “influência” passou, pelo menos nos campos
historiográficos mais sofisticados, a uma vida melhor. Graças a pesquisas que
mostraram a força da circulação das idéias na modernidade, as noções de centro e
periferia, conjugam-se no plural, deixando para trás o tempo em que, para celebrar
ou injuriar as vanguardas, eram tomadas como versões, mais ou menos bem-
sucedidas, mais ou menos degradadas, de seus modelos de referência. (GORELIK,
2005, p.17)
em 1986, em artigo para a revista argentina Summa, Francisco Liernur apontava
para o problema dos paradigmas canônicos da historiografia corrente sobre a história da
arquitetura moderna:
1968, quando o historiador cultural britânico Bevis Hiller o adotou para o título de seu livro Art Deco of the 20s
98
(...) boa parte dos ensaios publicados em revistas como Oppositions, Archithese ou
Rassegna entre outras, vem rachando o mito historiográfico instaurado com a série
Hitchcock-Giedion-Pevsner, ampliado posteriormente por Zevi e completado por
Benevolo na década de 1960.
Desse modo, com o “paradigma canônico se desmorona o último refúgio do
monolitismo que se aninhara nas pretensões excludentes dos manifestos de
vanguarda. (...) (LIERNUR, 1986, p.61)
Liernur argumentava que, a partir da “crise de unidade” instaurada nos países de
origem do Movimento Moderno, haveria repercussões na América Latina:
O paradigma canônico nos permitia realizar um raciocínio simples, mas efetivo, de
forma independente da carga ideológica, valorativa, com que esse era abordado.
Segundo esse argumento, nosso Movimento Moderno se constituía seguindo o
esquema matriz-sucursal, onde a última cumpria o mero papel repetidor, enquanto a
criatividade e o programa eram patrimônio da primeira. Além disso, com esse tom
de racismo ao contrário que nos caracteriza, sempre estivemos dispostos a
comprovar como nossos repetidores jamais puderam – por carência colonial de
genialidade, podemos presumir por em prática fielmente os enunciados do
“centro”. Mas, o que sucede quando, como dissemos, estilhaça a noção de “centro”,
a imagem de um determinado corpo ideológico metropolitano coerente,
teleológico, de certa forma harmônico? (LIERNUR, 1986, p.61).
Sobre a importância de uma revisão crítica do Movimento Moderno e sua
historiografia, o crítico e historiador Alan Colquhoun é incisivo em seu livro com o título
sintomático de “La arquitectura moderna: una historia desapasionada”:
(...) Muitos aspectos da teoria moderna seguem sendo válidos hoje em dia, mas boa
parte dela pertence ao reino do mítico e resulta impossível de aceitá-la por si mesma.
O próprio mito já chegou a ser história e exige uma interpretação crítica. (...)
(COLQUHOUN, 2005, p.10).
A visão arejada do historiador cultural Peter Gay, afirma também existir uma
diversidade de entendimentos por parte dos atores do modernismo, negando a existência de
um movimento monolítico:
(...) Desde a metade do século XIX utilizou-se o termo “modernismo” para todo e
qualquer tipo de inovação, todo e qualquer objeto que mostrasse alguma dose de
originalidade. Assim não surpreende que os historiadores culturais, intimidados com
o panorama caótico e sempre variável a que tentam dar uma ordem retrospectiva,
tenham recorrido à prudência do plural: modernistas. (GAY, 2009, p.17)
As argumentações dos historiadores citados acima levam a crer na importância atual
de renegar o paradigma historiográfico da metrópole e partir como se está fazendo para a
construção de um novo paradigma. Esse deve contemplar um estudo crítico da produção de
and 30s’ (TINNISWOOD, 2005, p.8).
99
arquitetura na América Latina (e, portanto no Brasil), que tenha como base o estudo dos
diversos atores envolvidos e sua procedência, formação e repertório.
2.6 Arquitetura das respostas populares
Outro aspecto importante a considerar, na gênese dessas arquiteturas da modernidade,
que não seguem o ideário modernista, é o fato de terem sido concebidas, muitas vezes, por
projetistas não graduados em arquitetura. Por exemplo, a inexistência de cursos de graduação
em arquitetura no estado de Santa Catarina, à época, a presença de profissionais práticos (com
registro provisório ou parcial) e o pequeno número de arquitetos atuantes no estado, fez
proliferar uma série de diferentes respostas populares espontâneas, na expressão utilizada por
Adrián Gorelik.
O autor utiliza essa expressão para designar as manifestações de arquitetura advindas
de uma produção vernacular e o interesse nelas despertado por parte dos arquitetos, durante os
anos 1970 na América Latina. A crise do modernismo, causada entre outros fatores por “seu
alheamento à identidade latino-americana” fez com que, entre outras alternativas, se
pesquisasse a produção popular.
Assim uma renovada reivindicação da arquitetura como profissão liberal e da cidade
como território mercantil encontrava um correlato curioso no antimodernismo das
“soluções apropriadas”, na defesa inocente ou cínica das respostas populares
espontâneas ainda que, desde os anos setenta, o interesse por essas respostas tenha
se deslocado dos ranchos autoconstruídos da favela até o chalezinho neocolonial ou
art déco das classes médias urbanas. (GORELIK, 2005, p.10)
(ver Fig. 2.3 e Fig. 2.4)
Mesmo que se discorde da adjetivação “espontânea”, pois essa produção tem
procedência definida publicações populares de projetos prontos, repertório dos projetistas e
outros fatores – a expressão resposta popular é feliz, pois radiografa um panorama facilmente
encontrável na América Latina, em nosso país e, no caso em tela, em Santa Catarina.
100
Entre os modernistas da primeira hora, um episódio curioso, na tentativa de
popularização da arquitetura moderna no Brasil, ocorreu ainda na década de 1930. Lucio
Costa teria criado, para venda em bancas de jornal, um projeto do qual se tem um desenho
em perspectiva, para uma “casa sem dono”.
Na época em que já havia descoberto a arquitetura moderna (Costa) recusava-se a
fazer casas “de estilo”, mas não encontrava trabalho; nenhuma casa sem dono foi
construída. (in: Lucio Costa. Folha de São Paulo, São Paulo, 23 jul. 1995, p.4-6).
(ver Fig. 2.5)
Publicações de baixo custo eram vendidas em livrarias e bancas de jornal, oferecendo
uma gama de soluções em planta-baixa, com opções de fachadas em várias versões (Art Déco,
neocolonial californiano ou mexicano e outras), apresentadas em perspectivas coloridas.
Além das perspectivas e da planta, essas publicações traziam, para o projeto
apresentado, um orçamento básico de custos a partir de especificações genéricas, as
dimensões mínimas de testada de lote (considerando um terreno ideal plano) e outras
informações. Apresentadas como uma espécie de manual prático de construção da própria
casa (com o virtual auxílio de mestre de obras contratado para tal) continham, em geral, ao
fim do volume, anúncios publicitários das opções de materiais construtivos e de acabamentos.
101
Fig. 2.3: Casa neocolonial à Rua Belisario da Silveira, Saco dos Limões,
Florianópolis, década de 1940.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 2.4: Casa neocolonial à Rua Juan Fernandes, Saco dos Limões,
Florianópolis, década de 1940.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 2.5: “Casa sem dono”. Perspectiva do projeto (1930) de Lucio Costa.
Fonte: Folha de São Paulo, 23, jul, 1995, Caderno Mais, p.6.
102
Em uma dessas publicações, A Casa Popular, da década de 1950, era afirmado no
prefácio que: “A falta de habitações que se fez sentir em todo o país, é um dos grandes
problemas cuja solução deve ser encontrada, a fim de possibilitar condições de vida
satisfaria para a maioria da populão”. (BACELLAR, s/d, p.1)
Mais adiante o texto particulariza que:
No Brasil, o Governo Federal criou a Fundação da Casa Popular
77
, entidade
destinada a controlar um vasto plano de construções de preço acessível, financiadas
a longo prazo e juro baixo, proporcionando moradia decente e confortável a todos.
Visando colaborar neste setor, organizamos o presente Álbum de Casas Populares,
apresentando 25 projetos de construções econômicas e confortáveis, como primeira
contribuição à solução do grande problema. (BACELLAR, s/d, p.1)
O autor defendia o pragmatismo das soluções publicadas:
Os projetos apresentados o simples, sem complicações inúteis e caras, nem
pretensões descabidas. Procurou-se, sempre, a resultante do emprego mais direto e
econômico dos diversos materiais, tendo-se em vista o aproveitamento integral de
toda a área construída. Demais foram considerados os fatores sociais, psicológicos e
financeiros que ocorrem neste gênero de construções, a fim de se obter um conjunto
harmonioso e confortável. (BACELLAR, op cit., p.1).
Parece-nos importante destacar, os argumentos a favor de uma boa construção e a
divulgação de novos parâmetros de projeto, destacados no texto, de modo a atingir as
camadas da classe média, difundindo a iia de um profissionalismo técnico necessário à boa
concreção da obra:
Levaram-se em conta as necessidades domésticas e os problemas de circulação
interna, disposição de móveis, insolação e ventilação. Para obter todas essas
qualidades e vantagens apelamos para a experiência adquirida na organização de um
grande número de projetos, para oferecer uma obra útil àqueles que a consultarem.
(op cit., p1)
(ver Fig. 2.6 à Fig. 2.10)
77
A Fundação da Casa Popular (FCP) foi criada no Estado Novo, no final os anos 1940, e foi o “primeiro órgão
criado no âmbito federal com a atribuição exclusiva de solucionar o problema habitacional” e para tal “em 18
anos (...) produziu 143 conjuntos com 18.312 unidades habitacionais” (BONDUKI, 1998, p.115). Essa produção
se revelou insignificante se comparada à dos Institutos de Aposentadoria e Previdência (IAPs) que, “no mesmo
período (...) viabilizaram a edificação de 123.995 unidades habitacionais, sem contar os milhares de
apartamentos financiados para a classe média.” (BONDUKI, op. cit., p.115).
103
Fig. 2.6: Capa de A Casa Popular.
Fonte: BACELLAR,s/d.
Fig. 2.7: Projeto Nº 1, Casa Californiana.
Fonte: BACELLAR, s/d, p.3.
104
Fig. 2.8: Projeto Nº 5, Casa Art Déco.
Fonte: BACELLAR, s/d, p.11.
Fig. 2.9: Projeto Nº 19, Casa Art Déco.
Fonte: BACELLAR, s/d, p.39.
105
Fig. 2.10: Projeto Nº 21, Casa Normanda.
Fonte: BACELLAR, s/d, p.43.
Essa publicação em particular, contava com um corpo técnico de consultores formado
por arquitetos, engenheiros civis e desenhistas, sob a coordenação do autor, Ruy Bacellar, ele
mesmo engenheiro civil, com atuação em órgãos de planejamento em Porto Alegre. Várias
outras publicações da época, entre revistas e manuais de fácil acesso, certamente tentavam
compensar a presença escassa dos profissionais graduados na produção cotidiana da
construção civil de pouca monta, propondo-se a orientar de alguma forma sistetica o
interessado.
Também constatamos a presença, entre o elenco estilístico das propostas publicadas
em A Casa Popular, a presença de um “estilo funcional”, traduzindo em termos populares o
entendimento da nova arquitetura brasileira. A descrição do projeto em questão nos ajuda a
entender a proposta de tornar palavel, ao gosto da classe média da época, alguns dos
postulados da arquitetura moderna, de modo a fazer sua difusão como mais um dos “estilos
passíveis de serem adotados na construção da casa unifamiliar.
106
O texto sobre esse projeto
78
, afirma que
(...) confortável, moderna e racional é esta casa projetada em estilo funcional. As
suas linhas simples, elegantes e despretensiosas casam-se admiravelmente com a
paisagem circundante (sic), formando um conjunto delicado e agradável.
(BACELLAR, s/d, p.48).
(ver Fig. 2.11 e Fig. 2.12)
À parte as considerações sobre a “paisagem circundante”, pois em se tratando de um
projeto sem terreno, ou terreno ideal, plano, como mostra a perspectiva, não paisagem a
considerar, o arrazoado defende alguns pontos relativos a uma nova arquitetura, que se
tornaram popularizados na época (anos 1950).
Entre eles, salienta-se o uso de telhado de pequena inclinação e madeiramento mais
leve, afirmando-se que “a cobertura é de fibrocimento com duas águas, com uma calha no
centro”.
Por outro lado, postulados da arquitetura moderna, como o da integração interior-
exterior são defendidos: “A grande abertura envidraçada da sala de estar prolonga-se até o
jardim, dando uma idéia de amplitude e conforto” (BACELLAR, op cit., p.48).
A repercussão desses projetos populares, trazendo vários vieses de arquitetura
residencial, assim publicados, e sua difusão por publicações desse tipo, está por ser mais bem
estudada. Pode-se afirmar, porém, com alguma certeza, que o quadro econômico da época
(anos 1950), o ciclo do desenvolvimentismo, possibilitou que muitas famílias brasileiras
pusessem investir na construção de sua casa própria, e que, entre elas, houve a utilização,
parcial ou total, de tais informações.
É importante salientar, no conjunto da produção dessas casas unifamiliares, a presença
do mestre-de-obras. Oriundo da prática construtiva, com formação empírica, graças à sua
habilidade em “ler plantas”, tentava traduzir as parcas especificações de projeto em um
78
O projeto é assinado pelo arquiteto Joaquim de Almeida Mattos, apresentado na última capa da publicação,
como ex-diretor do Departamento de Urbanismo do Instituto de Arquitetos do Brasil (RJ) e autor de Vida e
Crescimento das Cidades, além de consultor do DNER. (BACELLAR, s/d,p.86).
107
resultado que atendesse, por um lado ao orçamento exíguo e às poucas opções de materiais
construtivos, oferecidas pelo mercado de então, e, por outro, aos desejos e sonhos da clientela,
ávida por concretizar o sonho da casa própria.
Fig. 2.11: Projeto Nº 24, Casa Funcional.
Fonte: BACELLAR, s/d, p.49.
108
Fig. 2.12: Orçamento da Casa Funcional.
Fonte: BACELLAR, s/d, p.48.
Exemplos dessas respostas populares não faltam em nosso universo de estudo: a
presença de uma linguagem neocolonial em casas unifamiliares, construídas em Florianópolis,
109
como nas casas para oficiais na Vila Militar da Marinha (1953), ou nas habitações
unifamiliares da Vila Operária do bairro do Saco dos Limões (1942), refletindo uma
inspiração fantasiosa (à maneira “californiana”) e não o neocolonial de extração erudita
(como o de Lucio Costa, por exemplo) revela o lado popular dessa manifestação
arquitetônica. As imagens do cinema e seus cenários impactantes, uma nostalgia de um
passado não vivido e idealizado, a romantização da casa unifamiliar podem ser algumas das
referências de projeto dessas habitações, construídas em quantidade, tanto pelo estado como
pelo capital imobiliário e pequenos proprietários.
Na arquitetura destinada aos espaços comerciais, se fizeram também presentes as
respostas populares. Edificações de pequeno porte (térreas ou sobrados) do entorno da Praça
XV de Novembro e regiões próximas, onde a estrutura fundiária era colonial (com lotes de
testada estreita e longos na outra dimensão) foram erguidas em arquitetura Art Déco. Outras,
existentes nessa área tradicionalmente destinada ao comércio, receberam um
aggiornamento de fachada, com platibandas serrilhadas ocultando o telhado cerâmico e
elementos geométricos ornamentais. Isso parece revelar uma contaminação do moderno, em
seus vieses não vanguardistas, junto aos agentes envolvidos com a construção civil de então,
em Florianópolis. Tudo indica que essas edificações foram modeladas segundo arquiteturas de
outros lugares, trazidas pelas mídias (como revistas, cinema) ou por impressões de viagens,
ou então influenciadas por trabalhos de arquitetos e engenheiros, nas edificações estatais e
privadas de maior porte. Se entendermos a importância simbólica e o impacto formal dessas
arquiteturas (monumentais), junto ao imaginário da população, podemos avaliar a influência e
a contaminação acima colocadas, junto, conforme também escrito acima, aos agentes
envolvidos, clientes e construtores. Seria uma modernidade por osmose, nos valendo de uma
expressão da química, onde a reforma ou inovação em um prédio comercial, traria a
concorrência a também fazê-lo, sob pena de perder a clientela de uma população urbana
110
ávida de novidades, essas também características da modernidade dos grandes centros (ver
Fig. 2.13, Fig. 2.14 e Fig. 2.15).
É grande o número dessas edificações, trabalhadas em referências náuticas,
aerodinâmicas, geometrizadas, que, quase sempre ocupavam toda a frente dos lotes, sem
recuos, preservando a mencionada estrutura fundiária original.
Muitas delas estão ainda presentes na paisagem urbana, em pleno funcionamento,
abrigando atividades contemporâneas, revelando um ciclo de modernidade que merece
preservação.
Formaram-se assim vários conjuntos, homogêneos ou não, integrados às arquiteturas
de ciclos anteriores, formando cidade, configurando a partir de suas fachadas públicas
uma nova paisagem urbana, à época. Poderia se destacar também, a qualidade urbana de
muitas dessas arquiteturas, seja nas esquinas, onde o desenho revela e marca esse cruzamento
viário, seja na proteção às calçadas (e aos passantes) pelas marquises e pestanas
79
de seus
térreos.
Essa contaminação chegou também aos bairros próximos da área central, onde
exemplares de pequeno comércio e residências unifamiliares das classes médias são bastante
freqüentes.
Particularmente no bairro continental do Estreito, incorporado à Florianópolis em
1943, essa difusão dos vieses de uma modernidade arquitetônica foi intensa. Das edificações
de grande porte, como os quartéis do Exército e Marinha do Brasil, a outros prédios estatais,
chegando às edificações privadas –comerciais e residenciais essas arquiteturas se
implantaram. Ocupando então espaços vazios, com outras dimensões fundiárias (embora
muitas vezes ainda alinhadas e sem recuo frontal como apontavam os Códigos de
79
Pestanas são pequenas lajes em balanço sobre as aberturas, que as protegem das intempéries. Fazem parte
também do jogo plástico das composições Déco, ao que parece referenciadas em soluções neoplásticas.
111
Construção), essas edificações assinalam a importância dessa área urbana continental,
destinada basicamente a serviços, comércio e pequenas indústrias.
Encontram-se exemplares de arquiteturas Art Déco, do neocolonial e racionalismo
clássico, bem como alguns chalés, remanescentes de uma nostalgia suburbana.
A variedade estilística revela também, a multiplicidade de opções, cada uma delas
identificando – a seu modo – a visão de modernidade do ocupante ou proprietário.
Fig. 2.13: Conjunto urbano Art Déco à Rua Conselheiro Mafra,
circa 1940, Florianópolis.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
112
Fig. 2.14: Edifício João Almeida à rua General Bitteencourt, circa 1940, Florianópolis.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 2.15: Conjunto urbano Art Déco à Rua Conselheiro Mafra, circa 1940, Florianópolis.
Fonte: Dario de Almeida Prado.
113
2.7 Arquitetura dos profissionais emigrados
Por outro lado, houve uma produção de arquitetura em Santa Catarina, no período em
recorte, advinda de arquitetos e projetistas de origem estrangeira, particularmente emigrados
de países de fala alemã. Em que pese a pesquisa sobre eles ser ainda incipiente, pode se
afirmar que não professavam in toctum a visão das vanguardas européias, estando mais
voltados a uma estilística acadêmica (no sentido Beaux Arts do termo), muitas vezes expressa
em linguagens historicistas ou ecléticas. É possível também detectar em suas obras traços
construtivos de uma formação politécnica e repertório calcado nas concepções de, por
exemplo, Karl Schienkel (1781-1841) e outros.
A pesquisa busca o registro do trabalho expressivo do arquiteto Tom Wildi (Aargau,
Suíça, 1897 – Florianópolis, 1985) formado na Escola Profissional e de Belas Artes em
Zurique, Suíça, e de Simon Gramlich, arquiteto austríaco. Na qualidade de projetista prático e
construtor licenciado, o extenso trabalho de Wolfgang Ludwig Rau (Suíça, 1916
Florianópolis, 2009), espelha também esse manancial de referências estilísticas diversas.
Esses e outros profissionais emigrados trabalharam sem problemas
80
, para uma
clientela variada (entre estado e capital privado) e praticamente não tinham concorrência, por
parte de arquitetos e engenheiros brasileiros, até então ausentes ou pouco presentes em
território catarinense (ver Fig. 2.16). Isso aconteceu até o emergir da Guerra Mundial,
quando o governo Getúlio Vargas, após ter insinuado simpatia pelo Reich alemão, se alinhou
aos norte-americanos. A partir daí, uma política de repressão à cultura alemã se impôs, com a
proibição da publicação, ensino e fala dessa língua. Os traços da cultura germânica, vivos
entre os imigrantes, particularmente no Vale do Itajaí (SC) e no Vale do Rio dos Sinos (RS),
80
Conforme relato de Wolfgang Ludwig Rau (1916), em entrevista por escrito feita em maio de 1995, no final
da década de 1940, trabalhando em Lages, em sociedade com construtor habilitado, obteve do Conselho
114
foram sendo sistematicamente apagados. Episódios como a “desgermanização” da arquitetura,
com o ocultamento das estruturas em enxaimel
81
, por exemplo, com reboco, passaram a ser
comuns. Parece ter sido comum também, durante a Guerra, um boicote ao trabalho desses
profissionais emigrados, em proveito de profissionais nacionais, poucos deles com a mesma
qualidade e formação. Seus registros profissionais (emitidos pelos órgãos de fiscalização,
como o CREA) foram cassados ou restritos, causando óbvios problemas de sobrevivência a
essas pessoas, que estavam ajudando a construir, naquele momento, a modernidade em Santa
Catarina.
A contribuição desses profissionais se deu em vários níveis e esferas de atuação.
Fig. 2.16: Carteira de habilitação profissional (CREA) de Wolfgang Ludwig Rau.
Fonte: Acervo da família Rau.
Regional de Engenharia e Arquitetura da então 8ª Região, Licença para Projetista sem Limite, para trabalhar
naquele município.
81
O enxaimel é uma técnica construtiva da Idade Média, recuperada por imigrantes alemães, forçados a retomar
essa tradição. Na ausência de olarias, que lhes fornecesse tijolos, apelavam para estruturas de madeira, abundante
nas matas dos vales (como o do rio Itajaí). Essas estruturas, cujos desenhos e junções peculiares apontavam para
as regiões particulares de origem, eram então preenchidas por tijolos, muitas vezes feitos em regime de mutirão,
para várias edificações dos colonos. Os tijolos eram colocados de maneira a realçar, por exemplo, as texturas
diferenciadas dos tons de queima, formando então padrões característicos. O enxaimel foi utilizado não só na
região rural (onde sobreviveu a maioria dos exemplares hoje preservados), mas também na área urbana de
cidades como Blumenau, Timbó e Pomerode, entre outras do Vale do Itajaí.
115
2.7.1 Alguns dados sobre Tom Wildi
O exemplo de Tom Wildi é emblemático: Nascido em Wholen, Cantão de Aargau,
Suíça em 1897, fez os estudo de Belas Artes em Zurique e de Arquitetura em Genebra. Veio
ao Brasil depois da Guerra Mundial, aportando no Rio de Janeiro em 1919. No início dos
anos 1920, trabalhou para a empresa General Eletric, em Florianópolis, como integrante de
um grupo de técnicos. Esses “executaram estudos e anteprojetos para um trem etrico na
linha Florianópolis-Taquaras e uma Usina hidrelétrica em Angelina”. Wildi também “projetou
trapiches de atracação, armazéns do Estreito, instalações para ferry-boats e incontáveis obras
complementares” (WILDI, 1971, p.7). Em seguida foi contratado pelo governador Hercílio
Luz, que “impressionado por sua capacidade, deu-lhe várias incumbências referentes a
projetos e execuções de prédios públicos” (WILDI, op. cit., p.7). Tom Wildi, contratado em
junho de 1921 como Encarregado das Obras blicas da Municipalidade, colaborou em obras
de infra-estrutura para a Ponte Hercílio Luz, participou como coordenador da elaboração do
primeiro cadastro imobiliário municipal.
Além disso projetou e executou várias obras de melhoramentos viários como a
implantação da Rua Dr. Bulcão Viana (Largo 13 de Maio), tendo retificado e alargado as ruas
Arcipreste Paiva, Almirante Alvim, Blumenau e Avenida Trompowski, todas parte do
sistema viário da península urbana. Também esteve a cargo dos alargamentos efetuados nas
ruas diretamente envolvidas com o tráfego advindo da Ponte Hercílio Luz, posto que suas
dimensões coloniais de caixa não suportavam a nova demanda.
Na atividade privada, à qual se dedicou exclusivamente a partir de 1932, participou
das reformas na Catedral Metropolitana de Florianópolis em 1934, projetou o conjunto da
Fábrica de Rendas e Bordados Hoepcke (década de 1940), construiu a sede do Departamento
de Saúde blica em Florianópolis (projeto arquitetônico do arquiteto Paulo Motta), além de
inúmeras outras obras particulares, como edifícios, estabelecimentos comerciais e residências.
116
Muitas vezes trabalhou em conjunto com outros profissionais como Wolfgang Rau,
tendo em vista o pequeno número de projetistas, construtores e empresas de construção civil
atuantes à época. Esse restrito corpo de profissionais disponíveis faria com que houvesse
essas associações para determinados trabalhos que exigissem maior detalhamento e
acompanhamento de obra.
Por outro lado, como não havia nos anos 1940, oferta de materiais de construção com
qualidade e em quantidade suficiente para abastecer a incipiente demanda da capital, Wildi
montou empreendimentos como uma fábrica de carpintaria civil, e outra de ladrilhos
hidráulicos de cimento e tijolos vasados de cerâmica, estes sob a marca “Tapuia”.
Nos anos 1950, durante a gestão do governador Irineu Bornhausen, foi responsável
pela reforma do Teatro Álvaro de Carvalho (de 1875), aprovada pela então Diretoria do
IPHAN.
A trajetória de Wildi aponta para um relacionamento com as principais agremiões
político-partidárias daqueles anos (como a UDN, ligada ao clã Bornhausen e PSD, ligado à
família Ramos), com os setores da Igreja Católica e com as mais importantes famílias da elite
local, como os Luz, Renaux, Daux, Schmidt e outras. Uma análise mais acurada desses
relacionamentos pode levar muitas vezes a detectar possíveis imbricamentos entre interesses
públicos e privados, nada incomum nas obras civis em terras brasileiras.
A listagem das obras e projetos de Tom Wildi é exaustiva e mostra, por um lado sua
abrangente produção e por outro um pouco da história da construção civil em Florianópolis
(entre os anos 1930 e 1950).
Restaria, como pista para uma pesquisa mais diretamente dirigida, sua participação na
Primeira Exposição Industrial e Agrícola de Santa Catarina, em 1926, na qual obteve Medalha
de Ouro “pelos estudos com modelos da Casa Econômica” (WILDI, 1971, p.27). Essa
exposição, bem como outra, intitulada Feira de Amostras de Florianópolis, realizada em 1940,
117
(onde Wildi recebeu duas Medalhas) e da qual também não se tem maiores dados, poderia
apontar (e talvez precisar) uma produção efetiva e seus agentes, na área de construção civil na
capital e no estado, no período em tela (ver Fig. 2.17, Fig. 2.18 e Fig. 2.19).
Fig. 2.17: Antigo posto de gasolina nas instalações Hoepcke.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 2.18: Conjunto das edificações da Fábrica de Rendas e Bordados Hoepcke,
à Rua Felipe Schmidt, projeto de Tom Wildi, circa 1940, Florianópolis.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 2.19: Faculdade de Direito (já demolida) à Rua Esteves Jr,
projeto de Tom Wildi, circa 1940, Florianópolis.
Fonte: Enciclopédia IBGE, 1959, p.105.
118
2.7.2 Esboços sobre Simon Gramlich
Uma manifestação arquitetônica representativa da cultura de fala alemã no sul do
Brasil, é a de Simon Gramlich “que nasceu em Baden em 1887; embora não se saiba ao certo
qual tenha sido sua formação acadêmica é bastante provável, pelo domínio que suas obras
apresentam em nível da estética de projeto, que tenha freqüentado escolas de arquitetura e
recebido influências do mestre Schinkel”. (SANTOS, 1984, p.4).
Simon
82
Gramlich, veio ao Brasil em 1922, tendo feito várias obras na Alemanha.
Trabalhou também no Rio Grande do Sul, tendo atuado “na região de Santa Cruz do Sul, onde
realizou obras como a catedral São João Batista daquela cidade (objeto de concurso de
projetos vencido por Gramlich e iniciada em 1928), a igreja católica de Sinimbu (1927-1932)
e a igreja matriz de Venâncio Aires. As três se caracterizam por suas grandes dimensões
quando comparadas com o limitado número de paroquianos.” (WEIMER, 2004, p.75-76).
Essa monumentalidade, um tanto exagerada, pode talvez ser explicada pela importância da
igreja nas comunidades da época e seu caráter agregador, como lugar de culto e atividades
comunitárias,espaço central nesses lugares.
Em Santa Catarina, fixou residência em Blumenau, e projetou em estilo neogótico
moderno
83
vários templos, como a Matriz de Itajem 1941 (concluída em 1953), o Santuário
de Nossa Senhora de Azambuja (1939-1956), a igreja de São Bonifácio em Indaial (1938).
Também projetou edificações no viés Art Déco, como a monumental Matriz de São Bento do
Sul (1954), de composão muito semelhante ao templo do Sagrado Coração de Jesus em
Antonio Carlos, implantada no alto de um morro e o Hospital de Ibirama (1935).
Segundo Santos, embora tenha trabalhado em um viés eclético, “devido às
exigências dos padres que conduziam as paróquias”, não fez pastiches, pois “ele
82
Também grafado como Simão, em aportuguesamento de seu nome de origem alemã. Esse procedimento era
comum à época.
83
Esse termo, que guarda uma contradição em si, foi encontrado em várias publicações e reportagens da época
sobre a arquitetura religiosa. Vagamente referenciado ao neogótico inglês do século XIX, se apresenta como que
extraído do imaginário dos fiéis e sacerdotes (e no senso comum), para representar o tema do templo.
119
domina os signos góticos e clássicos e usa-os sem cair nas colchas de retalhos e no
kitsch, próprios do ecletismo” (SANTOS, 1984, p.4)
Apesar de praticamente especializado em arquitetura religiosa, importantes
registros de trabalhos na área da saúde, como o Hospital de Ibirama, em Santa Catarina.
“Instalou-se em Blumenau, então centro econômico da região e juntamente com
Bleika, seu parceiro”, tamm projetou residências e prédios comerciais, “lançando sempre
que lhe era dada a liberdade, um desenho fora dos padrões do ecletismo” (SANTOS, op cit.,
p.4). Trabalhou nos anos 1930 no viés Art Déco, sendo um dos pioneiros da modernidade no
Vale do Itajaí.
A casa de Willy Belz (1931) e a de Walter Tonolli mostram a sua marca, que
influenciará quase toda a arquitetura urbana do Vale durante as décadas de 1930 e
1940. (op cit., p.4)
Simon Gramlich e o conjunto de sua obra fazem ver a necessidade de maior número
de pesquisas que revelem a riqueza das configurações urbanas da modernidade na diversidade
do interior catarinense (ver Fig. 2.20 e Fig. 2.21).
120
Fig. 2.20: Igreja Sagrado Coração de Jesus em Antônio Carlos,
Santa Catarina, circa 1940, projeto de Simon Gramlich.
Fonte: Acervo do autor.
Fig. 2.21: Igreja Matriz de São Bento do Sul, Santa Catarina,
circa 1950, projeto de Simon Gramlich.
Fonte: Acervo de Kendra Neumann.
121
2.7.3 Apontamentos sobre Wolfgang Rau
O suíço Wolfgang Ludwig Rau, nascido em 1916, filho do arquiteto Ludwig Rau
(nascido em 1878), cursou Escola Politécnica na Suíça, teve uma intensa atuação em Santa
Catarina (1935-1986), depois de ter feito parte de sua formação em Curitiba no curso de
Engenharia Civil.
Trabalhou inicialmente em Lages, onde esteve ligado à família Ramos. No final dos
anos 1940 veio para Florianópolis, ainda por iniciativa dos Ramos. Associado a vários
profissionais ao longo de sua carreira, Rau trabalhou em pelo menos seis empresas de porte
84
,
inclusive em associão com Tom Wildi. Em meio à sua extensa produção foi responsável por
14 cinemas e 21 igrejas de várias confissões.
Além disso, elaborou uma série de residências particulares, edifícios de apartamentos,
espaços comerciais e industriais, clubes sociais, postos de gasolina e lojas de automóveis e
outros. Para o estado, em vários governos estaduais, projetou e acompanhou a execução de
edifícios institucionais e monumentos comemorativos.
Hábil aquarelista, Rau trabalhou em várias vertentes estilísticas da modernidade. São
recorrentes em seus trabalhos artísticos as perspectivas de apresentação de projetos as
presenças de ícones de uma modernidade idealizada, como figuras femininas de vestido
longos, automóveis, amplas avenidas e uma peculiar visualização de um moderno maneira
de Baudelaire): o chão de asfalto molhado e faiscantes vistas noturna (sob iluminação elétrica)
das (na realidade acanhadas) ruas das cidades catarinenses de então.
Não faltam exemplares de sua visão pessoal do Art Déco (como o Cine Mussi em
Laguna e o São José em Florianópolis), além de inúmeros trabalhos residenciais em
neocolonial. Desenvolveu também versão própria do estilo marajoara, tendo feito pesquisas
84
As empresas construtoras foram respectivamente: Ludovico Rau (Lages), Arruda & Rau (Lages), Moellmann
& Bruegmann ,TomT. Wildi, Moellmann & Rau e Odemir Vieira (todas essas em Florianópolis).
122
na arte indígena brasileira para subsidiar seus trabalhos, como, por exemplo, o Cine-Teatro
Marajoara (Lages, 1947). Também se valeu do racionalismo clássico, que entendia como
apropriado para edificações institucionais (Palácio das Secretarias, 1955).
Deve se assinalar que Rau realizou, dentro de um peculiar e tardio ecletismo moderno,
algumas residências no contexto da expansão urbana (anos 1950 em diante), na região central
da capital. (na ocupação das áreas de chácaras) e no bairro continental do Estreito. Parece
sintomática essa particular produção, pois aponta para os ciclos de expansão urbana da capital
e para o gosto conservador das elites locais.
O projetista afirmou, por ocasião de entrevista de 1995, que havia pouca criatividade
nas construções em Florianópolis, nos anos 1950, pois ainda “predominavam (naturalmente
com honrosas exceções) as pequenas casas antigas “coladas” umas nas outras (...), e a
“chatice” de construções residenciais, (...) monótonas em suas linha arquitetônicas”. (RAU,
1995).
Mais adiante o escritório de Rau participou (em um segundo ciclo de modernidade em
Florianópolis) do processo de verticalização urbana, deflagrado a partir dos anos 1960. São
dele os projetos arquitetônicos do Edifício Zahia (realizado em 1959, em arquitetura moderna)
e do Edifício Dias Velho (dos anos 1970), ambos vizinhos de lote na Rua Felipe Schmidt. A
linguagem e o programa desses edifícios altos de escritórios e salas comerciais são
significativos. Por um lado evidenciam a chegada definitiva da arquitetura moderna e por
outro expressam um novo ciclo de atividades econômicas na capital catarinense, com a
valorização fundiária das áreas centrais.
Rau nunca abriu mão (segundo seu depoimento), mesmo em colaboração com outros
profissionais engenheiros, de acompanhar atentamente a execução das obras, como foi o caso,
123
que ressaltou em entrevista
85
, do conjunto das edificações do Instituto Estadual de Educação
(20 mil metros quadrados), em Florianópolis (1963), cujo projeto em arquitetura moderna foi
feito pelos arquitetos Flavio de Aquino e Olavo Reidig de Campos (ver Fig. 2.22 à Fig. 2.31).
A contribuição desses profissionais emigrados, cada um a seu modo (e a participação
de construtores e projetistas brasileiros), veio trazer a Santa Catarina as possibilidades da
modernidade em arquitetura, seja pelas novas técnicas e materiais construtivos, seja pelos
novos olhares compositivos e de enfoque nos novos programas arquitetônicos.
Em um período de introdução ao moderno no periférico estado de Santa Catarina,
esses profissionais assumiram o papel de pioneiros dessa modernidade possível. Com
trabalhos que oscilavam entre a tradição e a ruptura, simbolizam também uma atitude de
retaguarda, de uma modernidade tranqüilizadora (porque não radical) que, embora muitas
vezes sem excepcionalidade, abriu caminhos para a chegada de novos tempos nas cidades e
em suas arquiteturas.
Fig. 2.22: Edifício Zahia à Rua Felipe Schmidt,
Florianópolis, 1959, projeto de Wolfgang Rau.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
85
Conforme relato em entrevista ao autor dessa pesquisa, em 9 de julho de 2008.
124
Fig. 2.23: Inauguração do Edifício Zahia, 1959.
Fonte: Acervo da família Rau.
Fig. 2.24: Edifício Santa Terezinha, Lages, Santa Catarina,
circa 1940, projeto de Wolfgang Rau.
Fonte: Acervo da família Rau.
125
Fig. 2.25: Hotel Gracher, Brusque, Santa Catarina,
circa 1950, projeto de Wolfgang Rau.
Fonte: Acervo da família Rau.
Fig. 2.26: Clube 29 de Julho, Tubarão, Santa Catarina,
circa 1950, projeto de Wolfgang Rau.
Fonte: Acervo da família Rau.
126
Fig. 2.27: Fachada do Cine Mussi, Laguna, Santa Catarina,
década de 1940, projeto de Wolfgang Rau.
Fonte: Acervo do IPHAN, 11ªSR, Santa Catarina.
Fig. 2.28: Planta baixa do térreo do Cine Mussi, Laguna.
Fonte: Acervo do IPHAN, 11ª SR, SC.
127
Fig. 2.29: Planta baixa do mezanino e platéia do Cine Mussi, Laguna.
Fonte: Acervo do IPHAN, 11ª SR, SC.
Fig. 2.30: Corte AA do Cine Mussi, Laguna.
Fonte: Acervo do IPHAN, 11ª SR, SC.
128
Fig. 2.31: Planta de detalhes construtivos do Cine Mussi, Laguna.
Fonte: Acervo do IPHAN, 11ª SR, SC.
129
Parte 2
INTRODUÇÃO À MODERNIDADE
EM SANTA CATARINA
130
131
3 Capítulo 3
APONTAMENTOS PARA A MONTAGEM
DE UM PANORAMA DA MODERNIDADE
EM SANTA CATARINA
132
133
3.1 Introdução
Se for possível haver um único termo que defina o estado de Santa Catarina, esse é
diversidade. Diversidade morfológica, em termos de geografia; diversidade cultural, quanto às
várias procedências étnicas e nacionais de seus habitantes; diversidade econômica quanto às
várias atividades produtivas. Essa riqueza, particularmente no período de recorte da pesquisa
em tela, é o que esse capítulo tentará traçar em rápidas pinceladas. A idéia é fazer anotações,
que em um espectro amplo, esboçam temas variados (como variada é a modernidade), que
vão das obras de arte pioneiras, passando pelas ferrovias e suas estações, e chegando às
arquiteturas das novas agências de Correios e Telégrafos.Esse leque de temas (que tem em
comum as comunicações) merece um posterior aprofundamento, para a montagem de um
panorama do que foi a modernidade em terras catarinenses, nas décadas de 1930 a meados
dos anos 1960.
Norteia a busca o conceito de modernidade, como expressão cultural da modernização,
categorias de investigação abordadas anteriormente no Capítulo 1.
Para iniciar parece importante delinear alguns traços da vida produtiva do estado, que
viessem a promover a modernização no período histórico da investigação.
Mamigonian em um estudo (considerado clássico), de 1965, baseado na categoria de
análise da formação socioespacial, divide o estado em três tipos de zonas industriais: a zona
de colonização alemã, abrangendo Blumenau e Joinville; a zona da colonização italiana, no
Sul do estado, produtora de carvão e a zona pioneira do oeste, povoada por descendentes de
alemães e italianos, vindos do Rio Grande do Sul, que viria a trabalhar com a madeira e a
erva-mate (MAMIGONIAN, 1965, p.68) (ver Fig. 3.1).
134
Fig. 3.1: Mapa de Santa Catarina da década de 1950.
Fonte: ESPINHEIRA, s/d.
Santa Catarina havia alcançado um crescimento industrial significativo, a partir dos
anos 1920, particularmente nas regiões de colonização alemã do Vale do Itajaí e do litoral de
São Francisco do Sul, que já vinham se industrializando desde o final do século XIX.
Nos anos 1930, foi identificada nova etapa no desenvolvimento econômico de Santa
Catarina, sobretudo com um movimento de dinamização da indústria, afirmando-se
fundamentalmente o ramo metal-mecânico em Joinville e a indústria de papel e
celulose no planalto Norte e em Lages. (CAMPOS, 2008, p.53).
As maiores cidades catarinenses da época – Florianópolis, Blumenau, Joinville, Lages,
Araranguá e Tubarão tinham uma população que ia em média de quarenta a sessenta mil
habitantes e começavam a receber uma migração do campo, provocando um crescimento
urbano desordenado. Sem a racionalidade propalada nos anos 1930/1940, esse crescimento
atenderia a interesses imediatistas, como a expansão das indústrias, questões de defesa de
território e lucratividade rápida, por exemplo.
Quando se consolida o processo de urbanização, a população egressa do campo era
ligada anteriormente à produção em pequenas propriedades domésticas, agropecuárias e
135
artesanais. Segundo alguns historiadores (CAMPOS, 2008, p.56), teria havido um
desenraizamento dessas pessoas, afastadas que foram de suas práticas culturais e de seus
lugares de origem. Por outro lado, o governo central, a partir dos anos 1930 (notadamente
com o advento do Estado Novo, em 1937), adotou políticas de controle de conduta e
assistencialismo social, corroboradas pela administração do interventor Nereu Ramos
(1937/1945). Essas práticas assistencialistas atenderiam a um investimento estatal no
“reordenamento do cotidiano da população e da normalização de seus comportamentos”
(CAMPOS, op. cit, p.51), e também atenderiam às demandas provenientes da sociedade de
então, em seus vários estratos sociais, no sentido de uma educação regeneradora das massas,
frente à nova vida urbana e seus hábitos modernos.
Outro ponto importante seria o do controle das informações veiculadas pela imprensa,
filtradas por uma censura estatal, afirmando a idéia de um estado-pai, autoritário e
centralizador, mas passando a idéia de um governo ciente de seus deveres para com o povo.
Essa voga ditatorial, corrente entre vários governos estrangeiros de então, na Europa e na
América Latina, deflagrou no Brasil um processo de modernização, de cima para baixo, tanto
das relações de produção como de mudança de mentalidades.
3.2 Algumas especificidades da modernização em Santa Catarina
Duas cidades e seus aspectos urbanos gerais são aqui esboçados, tendo em vista sua
importância estadual à época do recorte temporal da pesquisa. A modernização introduzida na
vida urbana desses núcleos é o mote dessa abordagem esquemática inicial.
136
3.2.1 Aspectos da modernidade em Blumenau
O caso de Blumenau é o mais emblemático do período dos anos entre guerras: houve
uma consolidação das instrias atuantes (ainda ligadas a um artesanato agrícola
(GOULARTI FILHO, 2007, p.39)), também produzindo uma variedade de artigos como
tecidos (o que viria depois a marcar um ciclo econômico importante da cidade), confecções,
móveis e outros.
A cidade de Blumenau, fundada em 1850, a partir implantação da Stadtplatz na
conflncia dos ribeirões Garcia e Velha, em área de várzea, por iniciativa do Dr. Hermann
Blumenau (MORETTI, 2006, p.15), detinha em 1939, 2000 operários em média, se
configurando em uma cidade industrial poderosa. A industrialização teria se afirmado a partir
do acúmulo de capital formado pelo excesso de produção do sistema colônia-venda, definido
como “produção para consumo e comercialização” (GOULARTI FILHO, 2007, p.38). Outro
elemento importante foi o da chegada de uma nova leva de imigrantes alemães a partir de
1919, “uns mais abastados, outros com alguma experiência fabril (GOULARTI FILHO, op
cit., p.39) (ver Fig. 3.2).
Fig. 3.2: Mapa da sede da colônia Blumenau,
a Stadplatz Santa Catarina, 1864.
Fonte: PELUSO JR., 1991, p. 373.
137
Um dos fatores primordiais da posterior consolidação dessa industrialização foi o
decreto de Getúlio Vargas, em vigor durante os anos 1931-1937, que proibia “a importação de
máquinas para fabricação de tecidos tradicionais” (HERING, 1987, p.263). Isso provocou um
incremento nas vendas dos novos tecidos produzidos, por exemplo, pela Fábrica de Tecidos
Carlos Renaux, com maquinário previamente comprado na Europa e que se via assim sem
grande concorrência no eixo Rio-São Paulo. (HERING, op. cit, p.263)
Quanto à questão da formação da rede urbana, Blumenau teve algumas características
peculiares, pois além da sua implantação inicial (a Stadplatz) não ter obedecido (por motivos
óbvios) aos padrões portugueses, presentes nas cidades litorâneas, a industrialização e sua
espacialização definiriam a morfologia urbana.
“A forma peculiar da cidadefoi se moldando pela “necessidade de descentralização
das indústrias têxteis” (MORETTI, op cit., p.15). Essas se localizavam onde havia água
(ribeirões) e espaço de grandes dimensões, principalmente junto aos morros em volta da
região central. ”Assim isoladas, as fábricas foram grandes responsáveis pela constituição dos
bairros da cidade dando-lhes conformação a partir do estabelecimento industrial.”
(MORETTI, op cit., p.15).
Nesses bairros, onde se concentravam os equipamentos urbanos (religiosos,
educacionais, associativos e recreativos) incipientes, “a vida urbana assim se constituía em
torno das atividades dessas sociedades fabris” (op cit., p.15).
Uma prova da importância das indústrias na agregação urbana em torno delas, foi,
entre outros fatos, a construção no ano de 1923, de 13 casas para operários da Empresa
Industrial Garcia. “Seus administradores passaram a oferecer casas populares para seus
empregados, alugadas a preços simbólicos, todas com a mesma tipologia construtiva
(MORETTI, 2006, p.102). Essa iniciativa, pioneira em Blumenau, afinada com o que ocorria
138
em outros centros como São Paulo, traduzia a intenção de, em um viés paternalista dos
industriais, promover a habitação social, pelo menos no âmbito da empresa.
Essas vilas operárias se constituíram no embrião dos futuros bairros, reunindo em sua
conformação espacial, as condições de sociabilidade para a manutenção do estilo de vida dos
descendentes dos imigrantes alemães.
Em 1946, “as primeiras casas foram demolidas e reconstruídas com outra tipologia
arquitetônica” (MORETTI, op.cit, p.102). A análise de fotografias do conjunto operário
mostra um agrupamento em lotes individuais de casas unifamiliares com dois pavimentos,
coberturas cerâmicas de grande inclinação (com duas quebras de caimento), presença do sótão
e uma pequena varanda de acesso no térreo. São construções de caráter urbano, como observa
Weimer, assinalando essa característica mais acentuada em Santa Catarina, onde também a
verticalidade das edificações seria maior do que a apresentada nas manifestações da
arquitetura de imigração germânica no Rio Grande do Sul (WEIMER, 1983, p.260).
Quanto às normas construtivas essas remontam a 1923, quando foi aprovado, um novo
Código de Posturas, ”que tratava como o anterior, da higiene, ordem, segurança e moralidade
públicas, e trazendo maior detalhamento nos aspectos construtivos” (SIEBERT, 1999, p.66).
Nota-se nesse Código um progressivo avanço da urbanização, e “de cunho fortemente
sanitarista, (...) esboçava as primeiras normas sobre a ocupação do solo. Era proibido, por
exemplo, o avanço de muros ou escadas sobre o alinhamento, sendo permitido, entretanto a
projeção de balcões” (SIEBERT, op cit., p.66). Havia a determinação de liberação de pelo
menos 30 metros quadrados de quintal, estabelecendo antecedentes para uma Taxa de
Ocupação Máxima. Outra determinação importante era a da altura máxima das edificações,
que seria igual à largura das ruas para as edificações sem recuo de frente “e diretamente
proporcional, para as construções mais recuadas”. (Op.cit, p.66)
139
A malha urbana foi assim se estruturando. “Ao longo da década de 1930, se procedeu
à canalização de córregos e ribeirões que cortam o centro da cidade” (SIEBERT, 1999, p.61)
O Centro aparece, em um mapa do município de 1938, como “mancha”. O mapa
mostra Blumenau após desmembramento de Indaial e Gaspar, na década de 1930. Inclui
Pomerode, que se tornará município em 1958. Para SIEBERT (1999, p.71), a política de
desmembramentos atenderia também à intenção do Estado Novo de diminuir o poder político
do município, que detinha um território bastante vasto, indo na época, até o Alto Vale do
Itajaí.
Na cidade, os lotes urbanos carregavam ainda o desenho fundiário do sistema colonial.
Em 1934, se deu a inauguração da Rádio Clube Blumenau, a primeira emissora
radiofônica de Santa Catarina. (18/03/1934), comprovando o pioneirismo da modernidade em
Blumenau (FLORES et alli, 2006, p.157), quanto ao aparato de divulgação midiática das
informações e novidades.
O processo de nacionalização instaurado pelo Governo Federal, a partir do
estabelecimento do Estado Novo, entre outras ações, reprimiu as manifestações culturais dos
imigrantes (oriundos das nações do Eixo), em função de uma aproximação política com os
Estados Unidos da América. Em Blumenau e região isso “provocou séria ruptura na cultura
local, deixando marcas profundas na sociedade”. Entre outras atitudes de repressão, “a língua
alemã foi proibida nas escolas, igrejas e em público. As Sociedades Culturais e de Atiradores,
que existiam desde 1890, foram consideradas ilegais e fechadas”. (SIEBERT, 1996, p.85)
notícia, inclusive, do ocultamento por reboco, das fachadas em enxaimel das edificações
vernaculares da região, em função dessa repressão. Essa prática, iniciada pelo artigo 164 do
Código de Posturas de 1923, que atendia ao gosto da época, serviria nos anos 1930, para
esconder a origem germânica das arquiteturas históricas.
140
As comunicações eram ainda precárias. A ferrovia chegou a Pres. Getúlio e somente
após a Guerra Mundial foi concluída, na direção do Rio Itajaí, ligando Blumenau a Itajaí”.
(SIEBERT, 1996, p.83)
A modernização da infra-estrutura urbana se apoiou em dois instrumentos, ao final da
década de 1930: o fornecimento de água tratada e a promulgação de um Código de
Construções.
Esse Código, editado como Decreto-Lei 45/39, diferenciou a zona urbana da rural,
determinando, por exemplo, recuos frontais de quatro metros nas edificações a serem
construídas em ruas residenciais. O Código determinava rigores estéticos, com
recomendações, por exemplo, “sobre o desenho dos gradis, (...) motivos decorativos das
portas e janelas e sobre a pintura das edificações, prevendo inclusive a censura estética.”
(SIEBERT, 1999, p.74).
Observando as fotos de época, do centro da cidade, se percebe a existência de um
ritmo compositivo, de alinhamentos em altura de fachadas com dois pavimentos, de uma
presença constante das coberturas cerâmicas em ponto alto, com sótãos Aliada a essas
características de inserção e configuração de uma paisagem urbana própria, se percebe a
persistência de uma tectônica tradicional que, se não traía a origem germânica de concepção,
evidenciava uma forte influência da tradição européia.
Fortalecendo a malha urbana, por propiciar a integração entre as margens do rio Itajaí-
Açú, foi inaugurada a terceira ponte (Ponte Engenheiro Antonio Ávila Filho) conhecida
popularmente por Ponte dos Arcos. Por ela circulou a ferrovia, até a desativação em 1943,
servindo também, até hoje, ao tráfico de veículos. A ponte tem forte imagem construtiva,
caracterizada pelos arcos que a denominam.
Na década de 1940, a Companhia Hering consolidou suas iniciativas de assistência ao
operário, inaugurando um refeitório, “onde eram servidas refeições aos funcionários a preços
141
bem acessíveis”, abrindo também uma cooperativa de consumo e crédito. (MORETTI, 2006,
p.106). em 1945, “foram criadas a creche Hedy Hering e o ambulatório médico”
(MORETTI, op. cit, p.106). O conjunto das instalações fabris da Empresa Hering, que incluía
as residências da família e a vila operária, guardava toda uma ambiência de verdadeiro bairro,
encapsulando as vivências culturais da imigração.
Em 1948, promovendo a adequação às novas demandas urbanas, foi promulgado um
novo Código de Posturas, pela Lei 37/48 Em adição à regulamentação precedente, novas
exincias foram colocadas, como preceitos de largura e inclinação no desenho das novas
ruas, dimensões dos lotes urbanos (mínimo de 300m² e máximo de 1000m²) e outras
recomendações.
Blumenau contava em 1955, com 48.600 habitantes (SIEBERT, 1999, p.76) e tinha se
tornado a mais importante cidade catarinense quanto à modernização, cedendo nos últimos
anos lugar a Joinville (pólo metal-mecânico em nível nacional), hoje maior cidade catarinense
(ver Fig. 3.3, Fig. 3.4 e Fig. 3.5).
Fig. 3.3: Centro da cidade de Blumenau na década de 1950.
Fonte: Acervo do Arquivo Histórico de Blumenau.
142
Fig. 3.4: A Fábrica Sul Fabril e seu bairro em Blumenau, circa 1950.
Fonte: Acervo do Arquivo Histórico de Blumenau.
Fig. 3.5: Centro de Blumenau, circa 1950.
Fonte: Acervo do Arquivo Histórico de Blumenau.
143
3.2.2 Um ciclo da modernidade em Lages
Em 22 de Novembro de 1776, O Capitão Antônio Pinto de Macedo fundava a póvoa,
cumprindo uma política “de ocupação e povoação, promovida pela Capitania de São Paulo
(PEIXER, 2002, p.40). Após três tentativas foi assentada em definitivo às margens do Rio
Carah, sítio atual de Lages.
Para Peluso Júnior houve alguns fatores que motivaram a fundação:
Podemos mostrar a ação dos três fatores, resumindo: a bandeira de Correia Pinto, ao
cumprir a finalidade de fundar uma povoação para garantir a defesa da estrada de
Viamão, dispunha da população irriquieta de que regorgitavam os latifúndios
paulistas e contou para radicar essa gente no lugar, com os lucros que auferiam na
criação de gado. (PELUSO JR, 1991, p.34)
A 22 de Maio de 1771 Lages foi elevada a Vila (Nossa Senhora dos Prazeres do Sertão
das Lagens) “por ordem do Governador de São Paulo D. Luiz Antonio de Souza Botelho
Mourão” (ROSA, 1905, p.278). Em função dessa nova condição, uma primeira Planta da
Vila, definida na primeira ocupação foi editada em 1796. (PEIXER, 2002, p.49).
Lages foi aos poucos se consolidando, em função do ciclo do tropeirismo, como lugar
estratégico (de passagem e permanência) das tropas de mulas, destinadas à feira de Sorocaba e
empregadas na mineração e em outros trabalhos. Esse ciclo, que perdurou até meados do
século XX, era conseqüência do circuito que iniciava em Campos de Viamão (RS) e findava
na citada Sorocaba (SP), que foi importante nucleador urbano ao longo do caminho (ver Fig.
3.6).
Após a proclamação da República eclodiu a Revolução Federalista que chegaria
também a Lages. (op cit., 1905, p.279).
Como primeira iniciativa de ordenamento ocupacional da cidade, foi implantado o
Código de Posturas (Lei Nº. 6 de 9 de Julho de 1895) regulamentando práticas urbanas.
A Lei Orgânica Municipal estabelece ser da “competência do Conselho Municipal
resolver sobre salubridade e aformoseamento da cidade (Art. 10)” (PEIXER, 2002, p.64).
144
Também seria atribuição do Conselho, segundo o Art. 27: “Regular as edificações das
frontarias dos prédios, obedecendo quando possível ao bom gosto e arquitetura moderna”.
(op. cit, p.64)
No fim do século XIX, as frentes das casas começavam a ser enfeitadas. Algumas
eram feitas sobriamente, outras carregadas de ornamentos. A acompanhar a
evolução das formas das casas, as velhas edificações foram assumindo ares
modernos. (PELUSO JR., 1991, p.64).
Esse autor salienta que:
Em algumas atingiu o reboco, feito de salpique. Em outras, porém, mudou
inteiramente o aspecto. Outra adaptação às exigências modernas foi a colocação de
varandas nas velhas habitações do século passado. O antigo código de posturas
mostrava que os legisladores queriam ver a cidade com edifícios de platibanda, mas
somente as casas de arenito a ostentaram. (PELUSO JR., op cit., p.64).
Como é possível verificar na Lages de hoje, o patrimônio da arquitetura Art Déco,
legado dos anos 1940, se valeu das platibandas para identificar e individualizar as edificações
desse viés da modernidade.
Um fato importante, por dar conta dos interesses da elite local, foi a criação, em 1896,
do Clube de Julho, “por representantes de tradicionais famílias de fazendeiros” (op. cit,
p.93) se inseriu na manutenção da ordem social vigente. Era proibida por estatuto a discussão
político partidária em “uma tentativa de eliminar conflitos de interesses entre a elite” (op. cit.,
p.94)
Em 1901, evidenciando a importância lageana no estado, foi a construção do Palácio
Municipal, símbolo do poder público local e sua influência” (PEIXER, 2002, p.56). Em
estilo neobarroco francês, representaria uma modernidade, com o lustro (e lastro) europeu,
expressando o poder da elite rural dos fazendeiros, os “coronéis”.
No início do século XX houve a promulgação da Lei Nº. 96 (7 de janeiro de 1903) que
no art. estabelecia critérios para a ocupação urbana regulamentando “a edificação nas ruas,
praças e travessas”. O texto era explícito: “Só se concederá a frente do terreno preciso para a
construção e para um portão ao lado dessa, com fundo até a meia quadra” (PEIXER, 2002,
P.78).
145
No relato de 1905 (cf data de edição) do Alferes Jo Vieira da Rosa,
Lages é, segundo informaram-me pessôas criteriosas, uma cidade que possue bons
edifícios, ruas largas e muita fartura de fructas européias na estação própria. Tem
boas vias de comunicação, tem com tudo, progredido bastante, e pode dizer-se
mesmo que mais não se poderia exigir visto achar-se mui longe do litoral. (op.cit.,
p.282)
A cidade e rego vivem um ciclo do cultivo da terra, mostrando em Exposição
Agrícola (sem explicitação da data) “trigos, farinhas, centeios, aveias e uma grande variedade
de leguminosos” (op. cit., p.282). No mesmo texto, Vieira da Rosa, a propósito da
possibilidade de exportação do excedente agrícola, lamenta não haver “uma estrada de ferro
para Lages”. (op. cit., p.282)
Na entrada do século XX, os registros e poucas fotos da época mostram uma cidade
restrita a algumas ruas. Um traçado em formato xadrez, ainda definido na primeira
ocupação e construído a partir de três praças centrais” (PEIXER, 2002, p.49). Essas
praças eram respectivamente, a do mercado (das trocas com o campo), a municipal
(da cadeia) de caráter cívico e também com comércio, e a praça da igreja, a cavaleiro
da cidade, “todas essas praças unidas pela principal rua do traçado, a XV de
novembro, que depois virou Nereu Ramos. (PEIXER, 2002, p.49)
(ver Fig. 3.7 e Fig. 3.8)
Fig. 3.6: Planta da cidade de Lages em 1888.
Fonte: PELUSO JR., 1991, p.49.
146
Fig. 3.7: Planta da cidade de Lages, início do século XX.
Fonte: PELUSO JR., 1991, p. 53.
Fig. 3.8: Centro da cidade de Lages, circa 1950.
Fonte: Enciclopédia IBGE, 1959, p.226.
147
A exemplo de Florianópolis, como veremos nos próximos capítulos, a década de 1910
foi cenário das primeiras manifestações de modernização urbana em Lages. Logo no primeiro
ano da década foi inaugurada a instalação de iluminação pública com gás de acetileno.
Em 1913, deu-se a abertura de novas ruas. Além disso, também nesse ano houve a
instalação de energia elétrica na área central.
A instalação de uma rede telefônica inicial, foi feita em 1915, também na área central.
O crescimento urbano, por conta da atividade pecuária, que restringia a vida na cidade
a poucas pessoas e a freqüência periódica dos pecuaristas, era lento nesses primeiros anos do
século XX.
Conforme Peixer, somente na década de 1920 houve um crescimento razoável da
malha urbana (op. cit, p.50)
Foi com a Revolução de 1930 e a adesão a ela pelos líderes políticos locais
(principalmente os da família Ramos), que a cidade começou a receber a atenção do governo
central e seus representantes lageanos. Iniciou-se então, concomitantemente aos investimentos
privados, uma série de ações estatais de modernização.
Um bom exemplo, da década de 1930 foi a construção, dentro dos preceitos da Nova
Escola, de uma Escola Normal (Colégio Aristiliano Ramos), na Praça João Costa, lugar
central da cidade e onde ocorriam grande parte dos rituais urbanos, como festas, comícios e
procissões. A essa construção se somaram outras, na mesma área central, configurando a
eclosão de um novo ciclo da cidade: o da araucária.
A divisão da cidade em três zonas e a definição do perímetro urbano foi estabelecida
em Decreto de 53, datado de 8 de setembro de 1938. Os critérios, para PEIXER
(aparentemente de fundo socioeconômico), de divisão nessas zonas estabeleciam inclusive
quais materiais de construção deveriam ser empregados. Na zona A, rego central seria
148
utilizada somente a alvenaria, na zona B a madeira poderia ser empregada, porém com
alvenaria na fachada principal e na zona C não haveria restrão a uso de materiais quaisquer.
Outra determinação, que mostra uma intenção cenográfica, foi a de que as casas
situadas em esquinas da zona central deveriam ter os cantos arredondados.
Em conseqüência disso, as esquinas do centro apresentam essa característica formal
nas edificações. Por um lado se configurou uma identidade própria para essa região da cidade
(como acontece, por exemplo, em Laguna) e por outro, o resultado foi um conforto para os
pedestres, que assim têm mais espaço de circulação. Em entrevista publicada (PEIXER, 2002,
p.155) um artífice-construtor relata sua experiência de trabalho nos anos 1940, comentando
inclusive a questão das esquinas:
Eu fui mestre de pedreiro, trabalhei muitos anos como mestre (...). Eu trabalhei no
edifício Marajoara de pedreiro, trabalhei no Tamoio, no Cine Avenida, trabalhei no
edifício Centenário do começo ao fim (...). Aquelas esquinas redondas foi um
pedreiro quem inventou que fizesse redondo desde baixo,... aquelas semalhas (sic)
eles faziam só por boniteza. (entrevista realizada em 1999)
“Até a década de 1940, a cidade de Lages, sede religiosa e administrativa, estruturava
seu cotidiano e sua economia numa relação de estreita vinculação com as atividades da
pecuária extensiva” (PEIXER, 2002, p.85).
Nessa década, “novos grupos, novas atividades, novos tempos e novos espaços
começavam a se estruturar e a estruturar a cidade” (op. cit, p.100).
Um esboço de modernidade vai se afirmando em Lages. Uma modernidade pelo
menos presente no ritmo da cidade: “O ritmo dos carros, do horário de comércio, das serrarias
com seus apitos marcando o início e o fim de um dia de trabalho.(op. cit, p.101). Foi um
processo urbano marcado por uma modernização de aparências, se considerarmos que a
economia se baseava no extrativismo da madeira e as relações de produção eram as mesmas
da estratificação social da pecuária. Embora estivesse em processo a entrada em vigor das leis
trabalhistas de Vargas, na prática, porém continuaria a ordem social pré-existente. Além
disso, a exploração da madeira, recolhida das fazendas lageanas, combinaria a aplicação de
149
técnicas de racionalização (taylorista) do trabalho com o oportunismo nas negociações,
particularmente com o Estado e suas relações clientelistas. (op. cit, p.113).
No plano político e, portanto no papel dos dirigentes de governo, nas várias esferas do
poder de interferência na cidade e seus espaços, se sobressaiu a ”grande visibilidade e
expressão regional e nacional da oligarquia Ramos, bem como de suas fissuras e conflitos”
que vieram a ter destaque no estado (op. cit., p.103). Na busca de renovação, a cidade e sua
elite procuravam parâmetros de uma modernidade dos grandes centros. Nesse contexto se deu
a construção de novas arquiteturas, respondendo a novos programas de atividades, como, por
exemplo, os cinemas, os cafés, os edifícios de apartamentos. Além dessas atividades de
caráter privado, também aconteceram os investimentos estatais, marcados pela política do
Estado Novo e seus seguidores no estado de Santa Catarina, privilegiando a saúde, a educação
e a comunicação, na tentativa de criar uma imagem de nação.
Nessa década, evidenciando a necessidade de um entreposto comercial local, foi
construído o Mercado Público em arquitetura Art Déco
86
, executado conforme projeto de
Wolfgang Ludwig Rau (ver Fig. 3.9 e Fig. 3.10).
O Código de Posturas promulgado no ano de 1941 estabelecia, entre outras coisas,
“que nas ruas centrais, as casas deviam ter dois pavimentos e que deviam ser pintadas com
cores claras, de preferência branco.” (op. cit., p.120). Fica evidente uma política de
embelezamento urbano, de ordenamento (superficial) do tecido da cidade.
Além disso, esse Código priorizava o calçamento de ruas e abertura de avenidas.
86
Como de resto as demais manifestações arquitetônicas mencionadas anteriormente (cinemas, cafés, edifícios
de apartamentos e residências). Tal fato foi evidenciado por pesquisa (com levantamento arquitetônico de 30
unidades urbanas) feita por grupo do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, entre janeiro e julho de 2003.
Esse grupo, formado pelos professores Américo Ishida e Luiz Eduardo Fontoura Teixeira e dez acadêmicos,
trabalhou conveniado com a Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC) em pesquisa intitulada
“Levantamento da Arquitetura Art Déco em Lages, SC”.
150
Fig. 3.9: Desenho da fachada lateral do Mercado Público de Lages, projeto de Wolfgang Rau, circa 1940.
Fonte: Acervo da família Rau.
Fig. 3.10: Vista do Mercado Público de Lages em 2003.
Fonte: Foto de Ricardo Almeida.
A ação estatal, na esfera do município, tinha como em outros lugares, um papel central
na modernização:
Pode se agrupar a ação do executivo municipal em dois grandes grupos que
ressaltam bem essa lógica de ordenamento e hierarquização do espaço urbano, sob a
bandeira do moderno e do progresso. Num primeiro grupo, as medidas
disciplinadoras e sanitaristas do centro urbano; num segundo grupo, as intervenções
nos espaços centrais com remodelamento e reordenamento das praças e espaços
centrais (PEIXER, 2002, p.121).
151
Foi aprovada provisoriamente em 1942, uma versão local do Código de Construções
de Blumenau (10/junho/1939) como regulamento para as edificações da cidade.
Em 1944 foi aprovada a planta funcional de Lages (conforme data de publicação):
“Em toda a evolução urbana de Lages, encontramos os traços profundos das linhas de relevo
que apontamos e do pastoreio”. (PELUSO JR., 1991, p.58).
Apesar de se estar vivendo em Lages um novo ciclo econômico, pautado pela extração
e beneficiamento da araucária, os materiais e técnicas construtivas tradicionais eram ainda
vigentes nos anos 1940: “As olarias, a trabalharem na área sedimentária utilizavam, e a
maioria ainda o faz, a argila produzida na decomposão do arenito e do folhelho que possui
elevada porcentagem de sílica.” (PELUSO JR., op cit., p.61).
Esse conservadorismo se refletiu diretamente na produção da arquitetura que precisava
responder a novos programas urbanos como o cinema, o edifício de apartamentos, as lojas e
outros. Embora formalmente estivesse se experimentando vieses da modernidade,
principalmente os das linguagens Art Déco e neocolonial, as técnicas construtivas adotadas
eram as tradicionais, com o emprego (por exemplo) da cobertura em telhas cerâmicas e
estruturas portantes de alvenaria.
Um exemplo dessa contradição foi o da inauguração, em 18 de novembro de 1947 do
Cine-Teatro Marajoara, situado à Rua Nereu Ramos com projeto arquitetônico de Wolfgang
Ludwig Rau, cuja construção se iniciou em 1945. O empreendimento foi iniciativa de Mário
Augusto de Souza, empresário responsável pela criação de vários cinemas em Santa Catarina
à época. A linguagem arquitetônica empregada foi o Art Déco, no chamado estilo marajoara,
vertente da modernidade influenciada também, no plano das iias, pelo integralismo. Esse
viés de estilo moderno, através da recriação artística de uma cultura autóctone, defendia um
estilo nacional para a arquitetura brasileira (ver Fig. 3.11 à Fig. 3.17).
152
Fig. 3.11: Perspectiva do projeto arquitetônico do
Cine Teatro Marajoara, Lages, 1947, Wolfgang Rau.
Fonte: Acervo da família Rau.
Fig. 3.12: Foto de época do Cine Teatro Marajoara, 1947.
Fonte: Acervo da família Rau.
153
Fig. 3.13: Vista noturna da fachada do Cine Teatro Marajoara em 2003.
Fonte: Foto de Ricardo Almeida.
Fig. 3.14: Vista do foyer do Cine Teatro Marajoara em 2003.
Fonte: Foto de Ricardo Almeida.
154
Fig. 3.15: Vista da platéia do Cine Teatro Marajoara em 2003.
Fonte: Foto de Ricardo Almeida.
Fig. 3.16: Planta baixa do Cine Teatro Marajoara, 1947, projeto de Wolfgang Rau.
Fonte: Levantamento arquitetônico ARQ/UFSC – UNIPLAC, 2003.
Fig. 3.17: Corte longitudinal do Cine Teatro Marajoara.
Fonte: Levantamento arquitetônico ARQ/UFSC – UNIPLAC, 2003.
155
Mais um cinema, o Cine-Teatro Tamoio, também projeto de Wolfgang Ludwig Rau,
foi inaugurado, dessa vez em 1948 Sua composição foi possivelmente influenciada pela
arquitetura de outros cinemas como, por exemplo, a casa de espetáculos Art Déco parisiense
Folies-Bergère, onde a volumetria proposta cria uma caixa de fachada, emoldurando a entrada
(ver BAYER, 1992, p.148) (ver Fig. 3.18 e Fig. 3.19).
Começou também nesse ano a ocupação de um novo bairro da cidade, o do Coral, hoje
dos mais importantes entre os aproximadamente 50 que foram se configurando entre os anos
1940 e 1970. Um fato significativo em termos simbólicos da época, da inclusão em uma
modernidade, foi a própria denominação do bairro, originado da sigla “do nome de um posto
de combustível inaugurado em 1948” no local (PEIXER, 2002, p.117) e que acabou por ser
um referencial urbano importante.
É importante assinalar também outra manifestação de modernidade: a de um novo
programa arquitetônico no contexto lageano, o edifício de apartamentos.
A pesquisa apontou para um exemplar importante: o Edifício Dr. Accacio.
Sua maquete exposta em uma vitrine do centro conforme relata o periódico Guia
Serrano, em sua edição de 21 de novembro de 1943 deve ter certamente chamado a atenção
dos passantes pela novidade. Um edifício, compondo de forma elegante a esquina, com quatro
pavimentos, sendo um térreo destinado ao comércio e coroado por platibanda, que lhe
afirmava um arremate na composição, certamente não passaria desapercebido.
156
Fig. 3.18: Desenho da fachada do Cine Tamoio, 1948, Lages, projeto de Wolfgang Rau.
Fonte: Levantamento arquitetônico ARQ/UFSC – UNIPLAC, 2003.
Fig. 3.19: Detalhe de fachada do Cine Tamoio.
Fonte: Foto de Ricardo Almeida.
157
Além disso, sua posição urbana estratégica, marcando uma das principais esquinas de
Lages, na Praça João Costa, reafirma sua importância no bojo das transformações da cidade
de então. Estabelece-se um diálogo essencialmente urbano entre o edifício, a esquina e a
praça, acentuando o caráter de cenário assim configurado, de um espaço público que enfatiza
uma centralidade modernizada. São novos hábitos como o do café, a discussão pública ou o
simples flanar descompromissado.
O projeto arquitetônico, também de Wolfgang Rau, trabalha em viés Art Déco,
fazendo, por exemplo, a marcação da entrada com frisos verticais que seguem até o
coroamento. O jogo volumétrico dos balcões, o próprio desenho da esquina, a escolha dos
materiais para revestimentos e pisos e outros detalhes (como a preocupação com o desenho
das maçanetas), revelam o profissionalismo de projeto e a qualidade de execução.
Outro aspecto notável da edificação é o do cuidado projetual com, por exemplo, a
iluminação natural dos compartimentos e áreas de circulação coletivas, a dimensão generosa
dos espaços de viver (dormitórios e salas). Também, porque não menos importante, deve ser
assinalado o apropriado uso de uma técnica tradicional a das paredes portantes, ao que
parece a única disponível associado a um enfoque modernizado de projeto (ver Fig. 3.20,
Fig. 3.21 e Fig. 3.22).
Quanto às questões sociais e o aspecto do atendimento à emergência da concentração
populacional dos trabalhadores, no início da cada de 1950, uma Lei Municipal de 29,
datada de 5 de junho de 1952, determinou a construção do que seria o primeira iniciativa de
habitação social da cidade. Através da Fundação Casa Popular (instituição de nível federal,
abordada no Capítulo 2) em terreno municipal, foram implantadas, em bairro próprio, em
torno de 98 casas unifamiliares, em madeira, “todas no mesmo estilo e com o mesmo padrão
de ocupação do terreno” (op. cit, p.145).
158
Fig. 3.20: Perspectiva do projeto arquitetônico do Edifício
Dr. Accacio, 1943, Lages, projeto de Wolfgang Rau.
Fonte: Acervo da família Rau.
Fig. 3.21: Vista da volumetria de esquina do Edifício Dr. Accacio em 2003.
Fonte: Foto de Ricardo Almeida.
Fig. 3.22: Planta baixa (pavimento tipo) do Edifício Dr. Accacio.
Fonte: Levantamento arquitetônico ARQ/UFSC – UNIPLAC
159
Muitas das casas permanecem, na localidade conhecida como Bairro Popular,
algumas com modificações significativas em sua estrutura e dimensões.
A cidade de Lajes (sic) tem 14.596 habitantes, em 1959, sendo a 5ª cidade em
população no Estado de Santa Catarina, e conta com 124 logradouros, dos quais 23
totalmente pavimentados. É servida de luz elétrica, com 3 182 ligações domiciliares.
Os edifícios mais importantes são: Catedral Metropolitana, construída com blocos
de arenito, Prefeitura Municipal, colégio Diocesano, Escola Normal, Edifício
Marajoara, Edifício dos Correios e Telégrafos, Fórum, Maternidade Tereza Ramos,
Diretoria de Estradas de Rodagem, Edifício do Banco Indústria e Comércio de Santa
Catarina S.A. e Hospital Nossa Senhora dos Prazeres. (ENCICLOPÉDIA, 1959,
p.241)
Na década de 1960, aconteceu “o fim do ciclo da madeira e a procura de alternativas
para o desenvolvimento econômico”. (PEIXER, 2002, p.111)
Somente em 1966 foi instituído o primeiro Plano Diretor do Município através de Lei
Municipal 11 de 10 de março. Calcado em experiências de outros centros, como Porto
Alegre e Florianópolis, esse plano definia ocupação do solo, zoneamento de usos e gabaritos
de altura, não determinando, no entanto, limites para a expansão urbana nem regulamentando
loteamentos.
3.3 As Obras de Arte na Modernidade Catarinense: as Pontes Pioneiras
Como ícones da modernidade, a nova técnica e a máquina foram alguns dos
referenciais que foram utilizados na pesquisa para marcar o início do processo do moderno
em Santa Catarina. Conforme esses referenciais, estudar alguns casos concretos de obras
executadas empregando a nova técnica (o estado da arte), expressão da modernidade
tecnológica, seria importante:
Optou-se por estudar exemplos de manifestações espaciais da modernidade na área de
comunicações e transportes, por entenderem-se estratégicas as questões relacionadas a um
ciclo das ferrovias (em quase término á época) e a um início do ciclo do rodoviarismo (anos
1930-1950).
160
3.3.1 A Ponte de Ferro
Dois momentos na construção da modernidade em Santa Catarina, ao que parece,
devem ser anotados como relevantes, de acordo com uma das hipóteses formuladas na
pesquisa: a da modernidade prometida. São duas obras de arte, na terminologia (de dupla
leitura) da engenharia. Duas pontes que, em um estado periférico, trouxeram o mais avançado
grau de tecnologia de construção.
Se não vejamos: em 1926, foi inaugurada em Florianópolis, a ponte pênsil , que
deveria denominada Ponte da Independência(e posteriormente iria levar o nome de seu
idealizador Hercílio Luz), ligando definitivamente a Ilha de Santa Catarina ao continente.
Estado da arte, à época, prometia uma ligação rodoviária ao restante do estado e ao país.
Para garantir esse acesso permanente ao continente, o projeto estrutural previa uma
linha férrea que passaria pelo leito da ponte. Essa linha nunca se concretizou e, como veremos
mais adiante as estradas de ferro não chegariam perto da Ilha, e as ligações rodoviárias
época do recorte temporal dessa pesquisa) não contemplavam uma ligação direta com o centro
do país. Essa só veio a acontecer na década de 1960, com a construção da BR 101.
A modernidade prometida não se cumpria, ficando (além de promover a ligação local)
a ponte de ferro marcada na condição de mbolo dessa modernidade, eterno cartão postal a
aguardar restauração condigna, ora em execução.
A ponte de ferro será estudada com mais atenção no Capítulo 4, que trata de um
primeiro ciclo de modernidade em Florianópolis (ver Fig. 3.23).
161
Fig. 3.23: Construção da Ponte Hercílio Luz, início da década de 1920, Florianópolis.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória - FFC.
3.3.2 A Ponte de Concreto
Outro momento importante e emblemático do pioneirismo da engenharia em terras
catarinenses foi o da construção em 1930 da ponte em concreto armado, com um vão livre
de 68,50 metros, ligando Herval d’Oeste a Joaçaba empregando a tecnologia desenvolvida por
seu criador, engenheiro Emílio Baumgart
87
(1889-1943), a construção por balanços
sucessivos. Com a impossibilidade de ter apoios centrais no leito do Rio do Peixe, Baumgart
idealizou uma construção por etapas, a partir das margens, formando concretagens sucessivas,
livres de escoras. O processo era retomado a partir das anteriores concretagens, já curadas. As
cheias, que impediam a colocação desses apoios centrais, impulsionaram Baumgart a esse
arrojo estrutural reconhecido até hoje.
Baumgart aplicou ao concreto um processo utilizado em treliças metálicas, essas
pré-montadas e solidarizadas no local de obra. “Parecia impossível aplicar esse processo ao
87
Emílio Baumgart, nascido em Blumenau (SC), formou-se em Engenharia Civil em 1919, na Escola Politécnica
(atual Escola Politécnica da UFRJ). Já em 1913 elaborou os primeiros projetos em concreto armado, sendo
considerado o pioneiro brasileiro na matéria. Foi também professor na Escola Nacional de Belas Artes, na
162
concreto, pois esse material de construção demorava algum tempo até poder resistir ao seu
próprio peso” (VASCONCELOS, 1993, p.559). O calculista empregou várias técnicas
inovadoras envolvendo concretagens sucessivas de “15 trechos em balanço de 1,545m cada
um, sustentados por uma forma de madeira, cuidadosamente projetada, que se deslocava
1,545m toda vez que a resistência do concreto anteriormente moldado assim o permitisse”
(VASCONCELOS, 1993, p.559).
Além disso, uma série de procedimentos adotados por Baumgart permitiu que
houvesse sucesso no empreendimento. Previu rotações das metades da estrutura em torno dos
pilares das margens, de modo a tornar flexíveis os encaixes necessários para a sucessão de
concretagens. Além disso, como o conjunto inteiro da estrutura (com duas vigas principais,
apoiadas cada uma delas em pilar próprio) basculava, foi necessário o emprego de aparelhos
de topografia para o acerto de nível e esquadro. Também era notável a preocupação de
Baumgart com o detalhamento da estrutura e suas nuances de canteiro, com total
acompanhamento dos procedimentos.
Alguns dados importantes da ponte são também mencionados por Vasconcelos,
evidenciando a importância da obra:
A largura total da ponte é de 8,1m no meio do vão e de 9,5m nos apoios. As vigas
principais, com 30cm de largura no meio do vão, aumentam para fora até a largura
de 1m. A distância entre eixos das duas vigas principais é 7,9m no meio do vão e
8,5m nos apoios. A pista de rolamento é de 5,6m existindo, portanto, passeios
laterais de 0,95m. (VASCONCELOS, op cit., p.560)
Segundo esse autor, “a ponte foi mencionada em numerosas revistas técnicas do
mundo inteiro, como algo sensacional no campo de processos construtivos de pontes”. Ela foi
estado da arte na área, tendo sido “a origem das construções em balanços sucessivos, antes
mesmo das aplicações práticas do concreto protendido”. (VASCONCELOS, op cit., p.558).
disciplina “Sistemas e detalhes de construção, desenho técnico, orçamento e especificações” (1931). In:
www.ime.eb.br/~webde2/prof/ethomaz/baumgart_ponte_rio_do_peixe.pdf. Acesso em 30/08/2008.
163
Esse autor afirma também que, em função dessa ponte, “os alemães não conseguiram
o registro de patente daquele processo construtivo, disseminado no mundo inteiro
(VASCONCELOS, op cit., p.558).
Baumgart depois participou de outra experiência pioneira (dessa vez na arquitetura),
calculando as estruturas do Ministério da Educação e Saúde (depois MEC), no Rio de Janeiro,
(1936-1941), o seminal monumento da arquitetura moderna brasileira de Lucio Costa e
equipe. O engenheiro blumenauense viria a se tornar referência obrigatória na disciplina de
cálculo estrutural no Brasil e no exterior.
A construção da ponte era necessária para efetivar o escoamento da produção da
indústria moveleira, instalada na região e de outros produtos derivados da madeira:
A partir da guerra de 1914, desencadeou-se a industrialização da madeira, na região
Oeste e Vale do Rio do Peixe, lugares onde o crescimento industrial até os anos
1920 teria sido tão intenso que chegou mesmo a suplantar em quantidade a produção
do Vale do Itajaí. (CAMPOS, 2008, p.53)
A região onde foi construída a ponte era, e continua sendo, de intensa produção
econômica, como atesta Vasconcelos:
A ponte se localizava junto à via férrea da cidade de Herval e foi construída para
possibilitar o transporte de mercadorias dos distritos do outro lado do rio (do Peixe),
onde estão os criadores de gado de Joaçaba. Atualmente toda a região é muito
importante na produção de cereais, existindo em Herval numerosos armazéns e silos
da Cibrazem (...) (VASCONCELOS, 1993, p.558)
A ponte de Baumgart, que levou seu nome, foi destruída pelas cheias de 1983, quando
as águas se elevaram acima do platô de passagem, arrastando a estrutura pelo Rio do Peixe
(ver Fig. 3.24 à Fig. 3.28).
164
Fig. 3.24: Localização da Ponte Emílio Baumgart, 1930, Herval
do Oeste, Santa Catarina, projeto do engenheiro Emílio Baumgart.
Fonte: VASCONCELOS, 1993, P. 558.
Fig. 3.25: Vista da Ponte Baumgart em execução.
Fonte: VASCONCELOS, 1993, p.563.
Fig. 3.26: Planta baixa e elevação do projeto
estrutural da Ponte Baumgart.
Fonte: VASCONCELOS, 1993, p. 560.
165
Fig. 3.27: Vista da Ponte Baumgart em janeiro de 1983.
Fonte: VASCONCELOS, 1993, p. 559.
Fig. 3.28: Vista da Ponte Baumgart nas cheias de 28, jun, 1939.
Fonte: VASCONCELOS, 1993, p.558.
A construção da ponte, embora marcante do ponto de vista da modernidade que
representava, não assegurou, por si só, o início de um processo de ligação rodoviária
abrangente e de qualidade para o estado de Santa Catarina, tendo apenas impacto local. As
rodovias do período eram precárias e, como afirma o relatório do IBGE de 1959, ainda
naquele ano, havia um bom número delas, mas mesmo assim a extensão pavimentada é
pequena”. (PREFÁCIO; IBGE,1959, p.12).
É, no mínimo, interessante para fins de especulação historiográfica a presença pioneira
dessas duas obras de arte em solo catarinense. Presença em uma modernidade incipiente,
prometida e tantas vezes não cumprida.
166
O estado, durante os anos 1950 (conhecidos como a era desenvolvimentista), teve
grande impulso nesse sentido, o que deveria ter justificado investimentos na área de
comunicações e transporte:
O esforço de Santa Catarina pode ser bem expresso pela renda nacional; é a
Unidade da Federação, pela sua contribuição, com 2,7% do total, e colocou-se, no
decênio (1947-1957), em 1 lugar na percentagem de crescimento da renda
nacional, mas no qüinqüênio 1952-1957 passou ao lugar. (PREFÁCIO; IBGE,
1959, p.13)
3.4 A Malha Ferroviária e seu Papel na Consolidação das Cidades
Catarinenses
A modernidade, decantada por Baudelaire e estudada por Benjamin, deve muito à
máquina. Signo da modernização, a máquina, entendida aqui no sentido literal da palavra,
participou da expansão internacional do capital. Senão vejamos:
A máquina-a-vapor, uma inovação tecnológica conseqüente da Primeira Revolução
Industrial foi capaz de reestruturar todo o sistema produtivo, sendo durante muito
tempo a principal força motriz para as mais variadas máquinas das indústrias, para a
movimentação de locomotivas, de tratores e de navios. É justamente no capitalismo
industrial que as estradas de ferro vão ser criadas, expandindo-se para os mais
diversos cantos do planeta. (SILVEIRA, 2002, p.65).
A opção rodoviarista das ligações entre as várias regiões e lugares brasileiros, remonta
aos anos 1930, quando a crise econômica mundial e a situação política brasileira, fez se
constituir (com a força do Estado Novo) a substituição das importações e alguns pactos entre
os grupos envolvidos com o poder. Devido ao “rápido desenvolvimento da industrialização e
da urbanização, num país continental como o Brasil, necessitou-se de um meio de transporte
mais barato para os cofres públicos e rápido para a integração territorial (SILVEIRA, 2005,
p.33). Antes disso, as comunicações e o escoamento da produção se davam por uma rede de
ferrovias, implantada a partir do século XIX:
Em Santa Catarina, as ferrovias foram importantes para o progresso de algumas
colônias, facilitando o transporte da produção dessas regiões. No Oeste e no Sul do
estado a passagem das ferrovias ajudou na implantação das colônias interioranas. Na
região de Joinville e no Vale do Itajaí, a construção de estradas de ferro foi uma
167
“exigência natural”, para a não estagnação econômica das colônias implantadas.
Por conseguinte, a capitalização da pequena produção mercantil caracterizou o
desenvolvimento catarinense e a s ferrovias tiveram destacada participação.
(SILVEIRA, 2005, p.31)
(ver Fig. 3.29)
Fig. 3.29: Mapa da distribuição das cinco redes ferroviárias de Santa Catarina.
Fonte: IBGE-IPHAN, 11ª DR. SC.
Essas ferrovias, além de servirem para a circulação da produção (na maioria das vezes
extrativista: erva-mate, madeiras, carvão mineral, etc.), também serviram para nuclear novos
lugares urbanos e consolidar outros, já existentes, ao longo dos trilhos. Embora se afirme que
“as ferrovias tiveram um direcionamento muito mais radial do que longitudinal (SILVEIRA,
op. cit., p.32), as ferrovias de traçado longitudinal, em Santa Catarina, como a Tereza
Cristina, a EFSC, O Ramal São Francisco, levavam a produção para os portos de Itajaí, São
Francisco do Sul e Imbituba, que desses seguiam por navegação de cabotagem para outras
regiões brasileiras.
168
O escoamento da produção, assim garantido, serviu na consolidação dos processos de
urbanização da modernidade. Trazendo as novas mercadorias e máquinas (no processo de
troca capitalista), a ferrovia trouxe em si (máquina de locomoção) o bojo dessa modernidade.
Apesar da importância das ferrovias, com o advento do rodoviarismo, o chegou a se
formar uma verdadeira rede integrada de ferrovias no país.
Apesar de o governo de Getúlio Vargas procurar interligar, com pequenos trechos,
alguns pontos ferroviários e desativar outros, antieconômicos, para possibilitar uma
maior integração ferroviária nos locais onde já havia estradas de ferro, hoje se
observa que a integração territorial brasileira é feita pelas rodovias e os traçados
ferroviários, com alguma exceção no Sul, são, na maioria, voltados para um porto no
litoral. (SILVEIRA, 2005, p.34)
No prefácio da publicação Enciclopédia dos Municípios Brasileiros (IBGE, 1959), em
breve histórico do estado de Santa Catarina, ao analisar o desempenho econômico da cada
de 1950, é assinalado que:
(...) Um dos pontos altos da riqueza de SC é o Vale do Rio do Peixe, onde se
estendem trigais promissores e onde as parreiras se multiplicam com largas
colheitas. Um dos elementos mais efetivos da prosperidade desse vale é a via férrea
que o coleta, desenvolvendo núcleos populosos que estimulam o progresso da
região. Piratuba, Joaçaba, Erval d’Oeste, Tangará, Videira, etc.
Mas, se isso é significativo que se mencionar a imperiosa necessidade de
ultimação da rede ferroviária do Estado, que pela lentidão com que se tem estendido
causa graves efeitos, travando o surto racional do progresso.
A linha de Mafra a Marcelino Ramos está inacabada e mesmo isolada, em terras
riograndenses, de Passo Fundo a Bento Gonçalves. Mesmo em Santa Catarina, essa
zona ficou inacabada sem o escoamento natural pelo porto de Itajaí, pela não
complementação do trecho ferroviário de Rio do Sul a Ponta Alta. (p.12)
3.4.1 As Estações Ferroviárias
Havia todo um aparato de edificações em torno da estação ferroviária. Formando um
conjunto, necessário para a manutenção da linha férrea, havia além da Estação, a Casa do
Agente, destinada ao encarregado do local, e as Casas de Turma, um grupo de alojamentos ou
pequenas casas, para o uso habitacional dos empregados da linha férrea. Pouco restou desses
conjuntos, ou por estarem localizados em áreas centrais urbanas, sendo, portanto alvos da
169
demolição, quando da expansão das cidades, ou por terem entrado em ruína, causada pela
óbvia falta de manutenção de um patrimônio construído.
Para citar um dos inúmeros exemplos, o caso da cidade do sul do estado, Criciúma
(chamada á época de capital do carvão) é sintotico:
Em meados da década de 1960, quando se decidiu propor o deslocamento, através
do plano diretor, do ramal principal da RFFSA, do centro da cidade, (...) havia se
consubstanciado transformar a estrutura urbana de Criciúma (...).
Tirando os trilhos e implantada a Avenida Axial, sobraram as estruturas de apoio e
suporte ao transporte de carga e de passageiros da estrada de ferro.
Foram ficando ali na paisagem urbana, de forma esquecida pela administração da
rede e da municipalidade. Elas só vieram à memória no momento em que, mais uma
vez, a cidade reivindicou-lhes mais espaço (...). (VIEIRA, 2008, p.163)
Em outros lugares, de maior importância regional, os equipamentos do conjunto
ferroviário eram mais complexos. É o caso de Porto União, importante entroncamento de duas
linhas férreas: a Linha São Francisco (que leva ao porto marítimo de São Francisco do Sul) e
a Rede de Viação Paraná Santa Catarina, que chega até Marcelino Ramos (RS). Em Porto
União, cidade fronteiriça com o estado do Paraná, a linha geográfica de divisa passa pelo eixo
longitudinal da estação ferroviária. Do lado rebatido desse eixo, a estação pertence à cidade
paranaense de União da Vitória. O conjunto, inaugurado em 1942, compreende a Estação
Ferroviária (elaborada em um elegante desenho Art Déco), a Vila Ferroviária, o Clube e a
Casa de Pernoite Ferroviário (ver Fig. 3.30, Fig. 3.31 e Fig. 3.32).
Fig. 3.30: Perspectiva do projeto arquitetônico da Estação Ferroviária
de Porto União, circa 1940, Santa Catarina.
Fonte: IPHAN, 11ª SR, SC.
170
Fig. 3.31: Vista atual da fachada da Estação Ferroviária de Porto União.
Fonte: ARO Arquitetura / IPHAN, 11ª SR, SC.
Fig. 3.32: Vista da portada da Estação Ferroviária de Porto União.
Fonte: ARO Arquitetura / IPHAN, 11ª SR, SC.
171
Para efetivar as ligações ferroviárias, vencendo grandes desníveis (às vezes
verdadeiros abismos) eram construídas pontes de ferro, túneis e viadutos, como parte do
sistema. Na cidade de Corupá, por exemplo, (Linha São Francisco), havia um conjunto
formado por essas obras de arte como duas pontes, uma construída em 1940 e outra em 1949.
Nesse lugar havia também duas estações ferroviárias de passagem, a de Corupá, propriamente
dita, de 1940 e outra estação, a denominada Oswaldo Amaral, de 1949.
Signo construído do moderno, o programa arquitetônico da Estação Ferroviária era,
muitas vezes, o primeiro contato das pessoas com uma arquitetura de caráter monumental, de
dimensões e atividades coletivas, públicas.
que se considerar, para fins historiográficos, duas dimensões desse tipo de
programa. Uma primeira, o caráter espacial que se expressava pela já mencionada
monumentalidade, além da escala de espaço coletivo. Outro elemento que transparece em
muitas composições é o da interface com a cidade: a fachada voltada a essa, mais
ornamentada, assume sua função de recepção/partida e conexão intermodal com outros
veículos de transporte. A outra fachada, posterior, voltada à linha férrea, com desenho mais
austero, assumia ser fachada de fundos.
Em termos ainda de composição, o diagrama básico é o de um edifício longitudinal,
necessário para atender ao desenho da linha rrea. Constavam geralmente no programa da
estação, bilheteria, sanitários, guarda-bagagens e um ca, além da necessária sala de
Telégrafo.
Dignas de destaque são, nesse viés, as estações de Porto União (interestadual) e
Caçador, por exemplo. Essas duas estações possuem características arquitetônicas notáveis
entre as demais do estado, pelas elaboradas composições e posicionamento urbano.
Outra dimensão programática é o caráter simlico da estação: em geral, centralizando
a composição, comparecia a torre do relógio, marcando um novo tempo, o tempo do moderno.
172
O grande espaço, locus da máquina de ferro, inserido no urbano, com sua escala, técnica
construtiva, acabamentos e equipamentos da modernidade, introduzia nas pequenas e médias
cidades, a idéia de um novo tipo de espaço, o das ligações com outros lugares e do trânsito de
pessoas e mercadorias.
As estações, seus parques de manobra e trilhos, serviam também de divisores físicos
importantes no traçado urbano.
Em Caçador, por exemplo, ainda hoje é visível o desenvolvimento da cidade, em
aclive, em um eixo que tem em seu ápice a Catedral (com sua torre sineira) e na outra
extremidade no nível mais baixo, o vale, a frente da estação (com sua torre do relógio). Os
fundos dessa delimitaram, no fundo de vale, uma região urbana devoluta (no início) e ainda
hoje carente de infra-estrutura, de pouco valor fundiário e ocupada pela população de baixa
renda. Na trama urbana formada, outro eixo, esse transversal ao descrito acima, na curva de
nível, foi determinante para a localização das atividades comerciais e industriais da cidade
(ver Fig. 3.33 à Fig. 3.36).
Fig. 3.33: Vista atual da portada com o relógio da Estação
Ferroviária de Caçador, circa 1940, Santa Catarina.
Fonte: ARO Arquitetura / IPHAN, 11ª SR, SC.
173
Fig. 3.34: Vista atual da fachada da Estação Ferroviária de Caçador.
Fonte: ARO Arquitetura / IPHAN, 11ª SR, SC.
Fig. 3.35: Planta baixa do projeto arquitetônico da Estação Ferroviária
de Laguna, circa 1940, Santa Catarina.
Fonte: IPHAN, 11ª SR, SC.
Fig. 3.36: Locação da Estação Ferroviária de Laguna.
Fonte: IPHAN, 11ª SR, SC.
174
3.5 A Modernidade nas Comunicações: As Agências dos Correios e
Telégrafos
Um tema em comum une dois programas arquitetônicos tão distintos como as estações
ferroviárias e as agências postais: a comunicação.
Ambos, para efeito da pesquisa, foram estudados como manifestações espaciais da
presença do Estado em lugares urbanos, dos mais remotos aos mais centrais. No período
histórico estudado, principalmente no primeiro ciclo de modernidade (hipótese de trabalho),
foi intensa a construção e atualização, tanto das estações como das agências. Seriam ao que
parece, a modernização espacializada dos meios de comunicação, físicos e virtuais (telégrafo).
Além disso, sua monumentalidade, calcada nas dimensões físicas das edificações e no
desenho modernizado, evidenciaria na escala urbana a importância simbólica de seu advento.
Um dado a ponderar, relativo à monumentalidade, deve ser colocado. Essas
edificações, além de outras estatais, (bem como construções privadas como agências
bancárias e sedes corporativas) colaboraram também para a destruição das estruturas
fundiárias urbanas dos centros históricos, de lotes reduzidos e caixas de rua de pequenas
dimensões. Com isso, a mencionada escala urbana foi rompida, muitas vezes com efeitos
devastadores para a qualidade ambiental das cidades, em seus centros fundadores.
Com o monopólio da União sobre os serviços de comunicação, instaurado pelo
Decreto Nº 20.047 de maio de 1931, o poder público investiu no desenvolvimento de redes de
integração desses serviços: telegrafia, telefonia e radiodifusão. Com as idéias de reconstrução
nacional e da procura de um novo perfil de funcionário blico, o Ministério de Viação e
Obras Públicas, reorganizou os serviços postais e telegráficos, através da criação, via Decreto
de 26 de dezembro de 1931, do Departamento de Correios e Telégrafos (DCT).
O novo programa, calcado no suporte de 4664 postos e agências existentes em
1930, se baseou nas novas tecnologias de transporte, produtos de uma modernidade
175
emergente: “dirigíveis, aviões e hidroaviões garantiam maior rapidez nos contatos, tanto
internacionais como nacionais, e permitiam vencer as dificuldades da exígua infraestrutura de
rodovias e ferrovias” (PEREIRA, 1999, p.101).
Isso ficou patente no caso da capital catarinense, onde sua condição insular propiciou a
amerrissagem de hidroaviões, notadamente do Sindicato Condor
88
, na Baía Sul, frente
marítima da área central da cidade. Isso auxiliaria as comunicações postais, já que as ligações
rodoviárias, à época, eram precárias.
Por outro lado, era evidente a precariedade das agências postais existentes no território
nacional. O DCT iniciou então uma política de construção, “graças a créditos aprovados em
1931, de uma série de edifícios-tipo, de feição moderna, apropriados para agências postais e
telegráficas, de acordo com a importância do município” (PEREIRA, 1999, p.103).
Para essa autora, se configuraria aí,
(...) a consolidação de uma verdadeira arquitetura postal, através da criação de uma
padronização das agências, segundo sua natureza ou classe, em uma lógica de
“funcionamento industrial”, onde os projetos arquitetônicos se pautariam “na
hierarquização das regiões e municípios, que definiria o perfil, as dimensões e a
categoria de cada agência, num sistema operacional mais amplo. (PEREIRA, op.
cit., p.103)
A lógica da padronização, afinada com a idéia da modernidade industrial (seriação
produtiva), havia sido adotada, por exemplo, no desenho dos espaços destinados à malha
ferroviária, como as estações, vilas ferroviárias e outros.
Uma sistematização previa dotar “todas as capitais do país e seus principais los
regionais, dos serviços do DCT” e também trabalhar o conceito de monumento público,
símbolo de modernidade, via “uma arquitetura padronizada, no centro de cada cidade, como
imagem de um serviço público colocado ao alcance do maior número de cidadãos”
(PEREIRA, op. cit., p.103).
88
“Em 1935 a linha costeira do Sindicato Condor até Porto Alegre fazia escalas em Santos, Paranaguá, São
Francisco do Sul, Florianópolis, Rio Grande e Pelotas”. ((PEREIRA, 1999, p.108)
176
Essa idéia, para o estado de Santa Catarina, foi crucial. Não somente a capital recebeu
um imponente edifício-sede, mas várias cidades do interior catarinense tiveram novos projetos
e obras de agências postais.
Ainda está por ser estudado o impacto dessa nova arquitetura, carimbada com o selo
estatal, junto ao imaginário da população de uma pequena cidade interiorana. Com uma
localização privilegiada, no centro da cidade, certamente transmitiria a imagem de que aquela
arquitetura representava a chegada do moderno. Moderno no sentido de eficiência, de
maquinismo a serviço da presteza de comunicações. Moderno também como forma e escala:
um prédio imponente, com nova formulação estética, com novos materiais construtivos, em
contraponto à construção tradicional com seu telhado cerâmico.
3.5.1 Tipologias de uma Arquitetura Postal
A idéia de padronização perseguia também uma rapidez de execução das obras. A
precariedade de muitas agências existentes, para receber novos equipamentos e atender ao
público, fez com houvesse urgência na construção de novos espaços.
Uma classificação tipológica, baseada nas dimensões físicas e importância contextual
urbana das agências postais, fez com que se criassem tipos, definidos como I, II, III e especial.
Em 1932, a Seção de Edifícios subordinada à Diretoria de Material preparou 92
projetos ou estudos de remodelação e adaptação de sedes e repartições, de
mecanização ou construção de edifícios no Nordeste e de agências especiais ou
sedes de diretorias regionais nos estados. (PEREIRA, op. cit., p.103)
O Tipo I teria dois andares, planta quadrangular tendo no térreo as funções destinadas
ao público e no segundo pavimento a resincia funcional do administrador.
O Tipo II, com um pavimento, seria para construções simples, muito semelhantes à
residências unifamiliares urbanas. Pereira (p.106) afirma que o viés do Art Déco “estilo
moderno na época” era empregado, inclusive no tratamento das muretas do terreno, que
177
seguiria o perfil skyline” do coroamento, na platibanda que ocultaria o telhado. Note-se a
necessidade de rapidamente outorgar modernidade a uma construção convencional, dando-lhe
um tom atualizante, pelo mascaramento da cobertura, aludindo aos grandes edifícios em
altura, símbolos urbanos da época moderna.
Os elementos compositivos e funcionais, no caso dessas arquiteturas, estavam
encarregados de uma dupla jornada: as marquises, por exemplo, por um lado protegiam a
entrada do prédio para o cidadão e por outro, conferiam imponência e sentido público à
construção” (PEREIRA, op. cit., p.106). Ainda segundo Pereira, esses elementos
estruturariam a composição axial em torno da qual a planta se organizaria simetricamente,
dividindo-se em duas partes, uma para o atendimento postal, outra para o atendimento
telegráfico. (op. cit., p.106)
Isso não se transformaria em regra geral: em muitos casos, inclusive quando
empregado o viés Art Déco, havia composições que fugiam da simetria. Muitas agências,
como é o caso da construída em Lages, tiveram sua composição marcada por um equilíbrio
dinâmico assimétrico do todo volumétrico.
Também o Art Déco não foi o único viés de modernidade arquitetônica a desenhar as
agências postais. Citando o caso catarinense, a agência de Chapecó adotou o racionalismo
clássico (através do Tipo Especial VIII)
89
, uma das primeiras vertentes da arquitetura de
edifícios corporativos modernos, inspirada nas experiências seminais de Louis Sullivan, em
Chicago (EUA início do século XX), largamente difundida entre os arquitetos da época em
questão. Uma arquitetura relativamente simples, com controle dos ornamentos, que
compareciam em frisos verticais e horizontais e no desenho do coroamento, caracterizaria
certo pragmatismo estético, aliando decoração á funcionalidade.
89
Um tipo híbrido, conforme classificação adotada.(PEREIRA, 1999, p.120)
178
Porto União e Canoinhas iriam receber, para suas agências, o Tipo Especial VII, com
“maiores dimensões, introduzindo corpos laterais recuados com volumetria mais
movimentada” (PEREIRA, 1999, p.118).
Outras agências projetadas para definir o Tipo III, que se destinava àquelas de
classe, com um caráter de residência urbana (posto que serviria também de moradia ao chefe-
encarregado), foram definidas por um viés neocolonial, popularizado pela Exposição de 1922
e contraposto ao geometrismo formal do Art Déco
90
. Inicialmente, na cidade de Lages, seria
esse o estilo a ser adotado para a construção da sede, o que não aconteceu.
Os motivos dessa alteração o o conhecidos, mas parecem ser claras as
dificuldades projetuais e construtivas desse tipo de empreitada no amplo território nacional.
Falta de visitas técnicas ao terreno, muitas vezes sem levantamento plani-altimétrico e
projetos concebidos por profissionais não graduados, criariam uma série de contratempos.
Somente a partir de 1933, com a regulamentação da profissão, arquitetos ficaram
encarregados dessa tarefa projetual, baseados em fotografias da área urbana e do lote” (op.
cit., p.116) (ver Fig. 3.37).
90
Esse estilo moderno, adotado no início de carreira por Lúcio Costa, veio a ter, como poderá ser visto no
Capítulo 3, um viés popular, com a romantização, a idealização de um passado colonial não vivido. Em outras
versões (californiano, mexicano, etc.) muito influenciadas pelo cinema norte americano (anos 1920 / 1930) e por
revistas de divulgação de arquitetura da época, veio a compor o cenário das cidades brasileiras, principalmente
em programas residenciais unifamiliares. Essa alternativa faria parte do repertório que denominamos neste
trabalho, de resposta popular à modernidade.
179
Fig. 3.37: Sede dos Correios e Telégrafos de Chapecó, circa 1930, Santa Catarina.
Fonte: PEREIRA, 199, p. 120.
180
181
4 Capítulo 4
A MODERNIDADE EM FLORIANÓPOLIS
NOS ANOS 1930 E 1940
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4.1 Introdução
Esse capítulo e o seguinte trabalham com a hipótese central da existência de dois
ciclos de modernidade em Florianópolis, correspondentes a diferentes níveis temporais de
modernização. O primeiro deles, abordado nesse capítulo, iria dos anos 1930 até o início dos
anos 1950, correspondendo principalmente ao dos governos de Getúlio Vargas (o primeiro
denominado de Estado Novo ditatorial e o segundo democrático), que introduziram no
País várias transformações modernizadoras e uma proposta ideológica de Nação. O trabalho
busca mostrar a especificidade de Florianópolis, em sua condição de capital do estado,
basicamente insular e dependente (nos anos em recorte) quase que totalmente das inversões
estatais.
Ao que parece essa dependência da cidade em relação ao poder central remonta à
fundação da Vila. Sempre considerada lugar estratégico do ponto de vista da Coroa
Portuguesa ao do Império do Brasil, Nossa Senhora do Desterro se manteve capital do estado
desde então. Apesar de não ter sido, em quase nenhum momento, a cidade principal de Santa
Catarina (em termos de produtividade econômica), se mantinha graças à essa condição de
capital, com seu porto, mas com inversões estatais e um contingente de pessoas ligadas às
administrações.Com a República, apesar do episódio da Revolução Federalista, quando
Desterro se opôs ao governo central, a primeira gestão do governo estadual do engenheiro
Hercílio Luz se articulou com aquele. No decorrer desse processo, o nome da cidade foi
traçado para Florianópolis, em homenagem ao antigo desafeto.
Alguns dos governos estaduais, a começar pelas duas gestões de Hercílio Luz, foram
responsáveis por investimentos e ações urbanas, principalmente no sentido de continuar
mantendo a cidade como capital e introduzindo-a na modernidade.
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Uma modernidade quase sempre a reboque do poder, sem industrialização e força
comercial notáveis, que se caracterizou por um ritmo urbano lento. Transformações urbanas,
principalmente no sistema viário, expansão limitada da cidade e definida praticamente pela
influência das elites locais, além de atualizações construtivas e estilísticas nas arquiteturas
(que, embora se traduzindo em vieses da modernidade, eram ainda calcadas na tradição e
manutenção de práticas conservadoras), definiriam então um primeiro ciclo de modernidade
na cidade.
4.2 Aspectos histórico-morfológicos de Nossa Senhora do Desterro,
depois Florianópolis
O núcleo urbano inicial, fundado pelo Bandeirante Dias Velho, no século XVII,
ocupando inicialmente a Ilha de Santa Catarina, com o nome de Vila Nossa Senhora do
Desterro. A Ilha era considerada pelos navegantes como “porto de boa parada” pelas
condições favoráveis de atracação e abastecimento. Além disso, pelo fato de estar situado a
meio caminho das rotas náuticas entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires, sua ocupação era
estratégica pela Coroa Portuguesa (ver Fig. 4.1 e Fig. 4.2).
Para tal foi construído um sistema de fortificações, projetado na lógica renascentista
pelo Brigadeiro Silva Paes (século XVIII), e que veio a nuclear a futura cidade. O lugar
urbano fundador guardaria semelhanças morfológicas, oriundas dos planos urbanos luso-
brasileiros e da ocupação litorânea de territórios e sítios favoráveis, com as cidades de São
Francisco do Sul (ao norte) e Laguna (ao sul).
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Fig. 4.1: Planta da Villa de N. S. do Desterro da Ilha de
Santa Catarina, 1754, mapa de José Custódio de Sá e Faria.
Fonte: REIS FILHO, 2000, p. 225.
Fig. 4.2: Planta da Villa Capital de Santa Catarina,
1774, mapa de Jacques Funck.
Fonte: REIS FILHO, 2000, p.226.
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Sobre Desterro e seu desenho fundador, o geógrafo Victor Peluso Jr, afirmava que:
É provável que (o plano urbano) tenha sido traçado de acordo com a herança que os
luso receberam dos acampamentos romanos ou em cumprimento da Provisão de 9 de
agosto de 1747, que mandava assinalar “um quadro para a praça, de quinhentos
palmos de face, e em um dos lados se porá a Igreja, a rua ou ruas se demarcarão ao
cordel com largura ao menos de quarenta palmos. (PELUSO JR, 1991, p.315)
O plano urbano se caracterizava pela praça de dimensões retangulares, onde um eixo
longitudinal tinha em seu extremo norte, lugar mais alto, a Igreja Matriz (com risco original
do fundador Dias Velho) e no outro (sul), a frente marítima (porto). A oeste da praça ficava a
modesta construção do Palácio do Governo e a leste a Casa de mara e Cadeia, além das
poucas edificações iniciais, ao redor da praça, destinadas à moradia e a um pequeno comércio
de subsistência. Poucas quadras, ao redor da praça delimitavam a mancha urbana inicial.
No plano de Florianópolis, cuja tendência é o xadrez, os ângulos retos são exceções.
As quadras são irregulares. Os seus elementos principais o a rua da praia, a praça
central, a igreja e os primeiros arruamentos que se adaptaram ao relevo. Com essa
complexidade de influência, o principal elemento é a praça da igreja, pois que as
ruas mais ou menos paralelas à praia devem chegar a ela. (...) O núcleo antigo, tal
como consta da planta do Tenente Coelho Peniche, tem como característica a
disposição de blocos de edificação de um lado e de outro da praça da igreja.
(PELUSO JR. 1991, p.364)
Para intensificar e depois consolidar a ocupação da Ilha, no século XVIII (1748-1756),
Portugal fez chegar a Nossa Senhora do Desterro um grande mero de famílias açorianas.
Essas famílias e seus descendentes foram os responsáveis pela nucleação das freguesias
distribuídas pelo Sul e Norte da Ilha, em lugares abrigados e de bom atracadouro
91
. Era muito
precária a ligação desses núcleos (depois distritos) por terra com a Vila, havendo então um
isolamento cultural relativo entre as freguesias e o centro. As freguesias se dedicaram
basicamente à pesca e à agricultura de subsistência (ver Fig. 4.3).
Esses três primeiros núcleos urbanos catarinenses, no desenrolar de seus ciclos
econômicos também tiveram semelhanças como a atividade portuária, por exemplo.
91
“E desta forma, se fundaram as “freguesias” de N.Sra. da Conceição da Lagoa na Ilha de Santa Catarina, de
São Miguel da “terra firme” e de N. Sra.do Rosário da Enseada de Brito, também no continente. Estas no ano
de1750. No ano de 1751 foi fundada a de S. José da “terra firme”, no ano de1752, a de vila Nova e Sant’Ana do
Mirim, e no ano de 1755 a de N. Sra. das Necessidades e Sto. Antônio, também na Ilha de Santa Catarina.
(PIAZZA, 1987, p.16)
187
No século XIX, a cidade de Nossa Senhora do Desterro, elevada a Capital da
Província de Santa Catarina em 1823, tinha um movimento comercial localizado junto às ruas
perto da Alfândega (oeste da praça) e no porto, principalmente devido à exportação de farinha
de mandioca (produzida em engenhos nas freguesias), necessária, por exemplo, à alimentação
das tropas na Guerra do Paraguai. Além disso, havia alguns estaleiros em funcionamento.
A Planta Topographica de 1876 mostra uma mancha urbana de pequenas dimensões,
com grandes vazios. Sintomaticamente o mapa define somente uma península, com um
grande acidente geográfico a leste, o atualmente denominado Maciço do Morro da Cruz. Esse
maciço vai ser até os anos 1950, um dos limites físicos do perímetro urbano, restringindo (por
suas dimensões e altura) a expansão da área urbana. O perímetro, de forma triangular é
definido ao sul pelo cais e ao norte pela orla, a assim chamada Praia de Fora. Os grandes
espaços, na face oeste da península, sem arruamentos eram ocupados por chácaras, destinadas
inicialmente às residências de verão das classes abastadas, em geral comerciantes (ver Fig.
4.4).
Fig. 4.3: Planta da cidade do Desterro, 1823,
mapa do Tenente Coelho Peniche.
Fonte: PELUSO JR, 1991.
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Fig. 4.4: Planta Topographica da cidade do Desterro, 1876.
Fonte: Acervo do Arquivo do IPUF.
Essas casas de chácara foram as primeiras edificações a romper com o padrão edilício
da antiga cidade colonial peninsular. “Ficavam afastadas da rua e demais limites do terreno;
constituíam-se edificações espaçosas, confortáveis, com ventilação e iluminação direta em
todos os ambientes, e possuíam amplos jardins, pomar e quintais”. (SUGAI, 1994, p.22).
Conforme essa Planta de 1876, por volta de 70% das chácaras estava ao norte da Praça, na
direção da Praia de Fora, voltada para a Baía Norte, acompanhando os caminhos que levavam
do centro às fortificações de São Francisco e São Luiz (ver Fig. 4.5 e Fig. 4.6).
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Fig. 4.5: Mapa diagramático dos arruamentos do Desterro.
Fonte: DIAS, 1947, p.23.
Fig. 4.6: Planta da cidade do Desterro.
Fonte: DIAS, 1947, p.24.
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Maria Inês Sugai aponta vários motivos para a ocupação desses sítios pelas elites e
suas amplas casas: a facilidade de acesso à água potável, a qualidade e a beleza do sítio, a
paisagem das baías (visível por estarem acima da cota 10) e uma posição territorial favorável
quanto ao regime de ventos. (SUGAI, op cit., p.24). Além disso, o fator distância (social e
física) da área central, constrangida a reduzidos lotes, agregaria status diferenciado a essa
localidade.
As áreas de chácaras iriam desempenhar na metade do século XX, o papel de terrenos
de estoque para uso imobiliário, quando da expansão pra a Baía Norte.
No aspecto da localização das classes sociais, a península teria uma divisão clara: a
leste da Praça, na segunda metade do século XIX ficavam a maioria dos cortiços, habitados
pelas camadas mais pobres. Esses se localizavam principalmente nas áreas da Tronqueira,
Pedreira (altos da Praça) nas margens dos córregos, nas proximidades do Campo do Manejo
(área militar) e em direção às encostas do Morro. Também a leste, na Rua Augusta (atual João
Pinto) ficavam algumas casas de comércio, dirigidas a artigos náuticos e ferragens. Era o
bairro dos soldados, da marujada, das meretrizes e do bas fond da época. O pouco valor da
área era enfatizado pela presença das águas pantanosas e fétidas dos detritos ali lançados.
(CABRAL, 1979, p.200)
para o lado oeste da Praça, nas proximidades do Palácio, a situação era outra: casas
melhores sobrados de pavimento térreo comercial e com a residência do proprietário no
segundo pavimento e casas térreas assoalhadas, também das classes mais ricas. De resto,
essas configurações tipológicas das habitações, ocorriam em praticamente todo o Brasil.
Relata Nestor Goulart Reis Filho, em um texto (já clássico) que:
Os principais tipos de habitação eram o sobrado e a casa térrea. Suas diferenças
fundamentais consistiam no tipo de piso: assoalhado no sobrado e de “chão batido”
na casa térrea. Definiam-se com isso as relações entre os tipos de habitação e os
estratos sociais: habitar um sobrado significava riqueza e habitar casa de “chão
batido” caracterizava a pobreza. Por essa razão os pavimentos térreos dos sobrados,
quando não eram utilizados como lojas, deixavam-se para acomodação dos escravos
e animais ou ficavam quase vazios, mas não eram utilizados pelas famílias dos
proprietários. (REIS FILHO, 1970, p.28)
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Mais para o fim do século XIX, com a expansão para oeste da Praça, as classes sociais
ficaram espacialmente separadas. Desse lado do largo fundador, sítio mais alto e abrigado, era
menor o risco de pandemias, havia uma proximidade do Cais Municipal (facilitando o tráfego
de mercadorias e chegada de novidades). e, portanto, lugar melhor para as classes abastadas.
A feição colonial da cidade, com seus sobrados e casas térreas luso-brasileiros, só veio
a sofrer uma estilização de fachadas, com os tons ecléticos da época, também ao final do
século XIX e meados do XX. Para tal contribuíram os códigos municipais (como no restante
do país) exigindo dos proprietários que de suas casas não fossem lançadas as águas de chuva
ao logradouro público. Isso fez com que platibandas ornamentadas fossem adicionadas ao
corpo da fachada das casas mais ricas, bem como elementos decorativos (pinhas, estatuetas e
outros apliques) fossem também colocados no coroamento da fachada, em balcões (gradis) e
emoldurando as aberturas. Sinais exteriores de riqueza e de atualização estilística, esses
elementos muitas vezes ocultavam os mesmos interiores e cobertura de antes. Como uma
espécie de maquiagem urbana, a cidade – em sua parte mais rica – se remoçava, sem alterar a
essência e estratificação social de seus espaços arquitetônicos.
Do início da República até a década de 1920, pouco se alterou na paisagem urbana da
cidade, envolvida na monotonia do cotidiano de capital de província, com ares interioranos. O
governo de Hercílio Luz, no comando do estado em duas gestões, veio a imprimir uma marca
de modernidade, instaurando a comunicação permanente com o continente e saneando um
trecho da cidade considerável para a época, além de outras iniciativas de renovação urbana
(ver Fig. 4.7 e Fig. 4.8).
Fig. 4.7: Vista (postal tríptico) da orla insular central da cidade
de Florianópolis, desde a torre da Catedral, circa 1920.
Fonte: Acervo do autor.
192
Fig. 4.8: Vista da Rua Felipe Shmidt, desde a Praça XV,
antes dos alargamentos, circa 1920.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
Com o advento da Revolução de 1930, a capital inicialmente se posicionou do lado
legalista
92
, arcando com um posterior isolamento por parte do Governo Federal, até a
entronição de Nereu Ramos, como Interventor Estadual. Esse, afinado com Vargas, vai impor
uma série de ações de modernização, principalmente em Florianópolis, como capital do
estado. Coube à Prefeitura Municipal tomar a si várias obras de melhoramentos urbanos.
Durante e após a construção da Ponte da Independência (depois Hercílio Luz) houve a
necessidade decorrente de rever as hierarquias de tráfego na malha central, a partir da ligação
viária permanente como o continente. Ruas foram alargadas (como a mais importante, a Rua
Felipe Schmidt que partindo da Praça XV de Novembro, seria parte do sistema de acesso à
ponte), outras receberam calçamento e um processo de modernização se instaurou (Fig. 4.9 e
Fig. 4.10).
No correr das reformas se deu uma série de desapropriações de lotes para novos
arruamentos (como a abertura da Avenida Hercílio Luz) e instalação de infra-estrutura urbana,
envolvendo indenizações de baixo valor, já que, segundo relatos da época, não havia um
plano orçamentário municipal que contemplasse essas desapropriações.
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Fig. 4.9: Vista da Rua Felipe Schmidt durante as
obras de alargamento, circa 1930.
Fonte: RAMOS, 1986, p.146.
Fig. 4.10: Alargamento da Rua Felipe Schmidt (circa 1930).
Fonte: RAMOS, 1986, p.146.
4.3 República: Ensaios de uma Modernidade
A primeira construção republicana em Florianópolis foi a Hospedaria dos Imigrantes,
em 1890. Situada na parte continental, hoje bairro do Estreito, atualmente é utilizada como
repartição municipal.
92 Nessa ocasião se fizeram inclusive barricadas na Ponte para impedir o avanço das tropas revolucionárias.
194
Mas, certamente, foi a atualização estilística do Palácio do Governo (Atual Palácio
Cruz e Souza), em 1895, o primeiro ato republicano a marcar o novo tempo. Com “riscos”
originais do Brigadeiro Silva Paes, engenheiro militar responsável por vários projetos para a
consolidação de Desterro, o palácio construído no século XVIII, carregou sua feição colonial
até o fim do Império.
No primeiro governo de Hercílio Luz foi iniciada um reforma funcional e plástica do
prédio e instalações. A atualização arquitetônica do palácio seria estratégica, pois além de sua
situação urbana privilegiada na praça fundadora qualquer inovação feita sob a égide da
República seria sinal dos novos tempos (ver Fig. 4.11).
Fig. 4.11: Vista atual do Palácio do Governo do Estado
de Santa Catarina (hoje Cruz e Souza).
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Foi adotado no palácio uma roupagem eclética, através do trabalho de “uma equipe de
operários uruguaios, filhos de italianos” (PALÁCIO CRUZ E SOUZA, s/d). Houve a
introdução de elementos estilísticos ecléticos, estatuaria (de fundição francesa) na fachada
(nichos) e outros, como o brasão da República no centro do coroamento da fachada principal.
Esse trabalho de mestres de obra estrangeiros, como os artífices do Palácio, trouxe novas
195
tecnologias de construção e de acabamentos decorativos ecléticos, que foram difundidos na
cidade.
Outro ato importante, de afirmação de um novo poder, foi a alteração do nome da
capital. O governador Hercílio Luz, em 1894, sancionou lei denominando Nossa Senhora do
Desterro (ou simplesmente Desterro) de Florianópolis, em homenagem, muito criticada por
seus adversários políticos, ao Mal. Floriano Peixoto. Essa crítica era fundamentada no fato de
Peixoto ter sido responsável pelo fuzilamento de revoltosos, filhos da elite desterrense, na
Fortaleza de Anhatomirim, por ocasião da Revolução Federalista (1894).
93
Poucas atividades econômicas (como a Fábrica de Pontas Rita Maria – 1896) se
sobressaiam no contexto econômico da Ilha, cidade capital, eminentemente administrativa.
Ainda no regime monárquico, “como capital da Província, Desterro era a sede dos principais
órgãos oficiais como o do Governo, Junta da Fazenda, Alfândega, Juiz de Fora e Regimento
de Infantaria” (HÜBENER, 1981, p.18). Com o advento da República, passadas as crises
políticas de transição de regime, a cidade não sofreu alterações em sua morfologia e estrutura
econômica, não havendo maiores demandas de modernização. A população crescia
lentamente,
de 30.687 habitantes existentes em 1890, para 32.229, em 1900, pois não houve
outro grande surto imigratório depois da chegada dos açorianos, enquanto que no
continente próximo, as colônias alemãs recém criadas exigiam uma melhor projeção
social e econômica da região. (CORRÊA, 2004, p.276)
93 “Percebe-se que simultaneamente à derrota do movimento federalista e da Revolta da Armada os vencedores
foram acomodando forças e canalizando poderes, intensificando-se o debate em torno da urbanização da cidade,
ao mesmo tempo que se realizaram algumas obras. Foram abertas novas ruas, as antigas ganharam nomes de
personagens republicanos, enquanto foram cunhados a bandeira e o hino do estado”. (NECKEL,2003, p.53).
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4.3.1 Trabalhos de Modernização na Área Central
Na virada do século, “entre 1901 e 1925, a cidade
94
passa por profundas
transformações benéficas (...) desejos de conforto urbano estão presentes e se traduzem na
implantação de serviços de telefone, água encanada, luz elétrica, esgoto sanitário, linhas de
bonde, cinema e outros”. (PEREIRA, 1984, p.76)
Durante o segundo governo de Lauro Muller, entre 1902 e 1906, foram feitos
financiamentos para dotar a cidade de uma rede de esgoto, 25 anos somente após Paris.
Iniciaram-se também, nesse período, as tratativas para desenvolver grandes trabalhos de
modernização (infraestrutura urbana) na área central de Florianópolis.
Em 1910 foi inaugurada a Estação Elevatória de Esgoto, situada na Praça Fernando
Machado. Construída em um estilo historicista, e por suas feições alusivas a uma
romantização da Idade Média, a população a apelidou de Castelinho. Teve-se um momento
de sintonia simbólica entre a inovação sanitarista e um estilo arquitetônico que,
contraditoriamente passadista, dava roupagem a um novo equipamento urbano.
No governo de Gustavo Richard foi inaugurada, em 9 de janeiro de 1910, a primeira
adutora de água tratada, segundo projeto contratado com o eng. Edward Simonds em 1909.
(MÜLLER, 2002, p.102) (ver Fig. 4.12).
Também são dessa época a execução dos primeiros aterros centrais, ampliando, entre
outras, as áreas do cais e do Mercado Público.
Em 1914 se deu a inauguração do forno de queima de lixo, situado na rua Almirante
Lamego. Carrocinhas levavam o lixo da capital até os fornos, em um procedimento que
persistiu até 1958.
94 O termo cidade refere-se aí à mancha urbana central, pouco alterada desde a fundação de Desterro, depois
Florianópolis.
197
A vida econômica da capital não era expressiva, possuindo em 1914 apenas 606 casas
de comércio, voltadas praticamente à subsistência. Um destaque, porém deve ser dado aos
empreendimentos do industrial alemão Carl Hoepcke (1844-1924), criador de várias
empresas, como a citada Fábrica de Pontas Rita Maria (fabricação de pregos), o Estaleiro
Arataca e uma Fábrica de Rendas e Bordados todas situadas na área central. Além disso,
Hoepcke fundou a Empresa Nacional de Navegação Hoepcke (com quatro embarcações),
responsável por muito tempo pela ligação da capital com os portos de Santos e do Rio de
Janeiro. O Cais Rita Maria (também de propriedade da Empresa Hoepcke), naquela época, era
dos lugares mais fervilhantes de vida urbana em Florianópolis. Embarques, desembarques,
notícias e mercadorias faziam a conexão da capital com o restante do mundo (ver Fig. 4.13).
Além dos negócios de Hoepcke, “havia uma pequena indústria de bens de consumo
que se resumia em móveis, torrefação de café, telhas de cimento, vinagre, bebidas, sabão,
cigarros, massas alimentícias e refinação de açúcar”. (CORRÊA, 2004, p.279)
Em 1916, houve a inauguração do sistema de abastecimento de água na área central,
obra que pretendia resolver o problema do fornecimento de água potável, tendo em vista a
contaminação dos poços caseiros, saturados. No discurso do engenheiro Antonio Saldanha,
por ocasião da inauguração (publicado com destaque no jornal O Dia Órgão do Partido
Republicano Catharinense no dia 11/maio/1910) transparecia essa preocupação:
A água que aqui temos armazenada para o consumo público d’esta cidade foi
analysada pela repartição de águas de São Paulo e classificada “boa água potável” e
essa analyse é hoje confirmada pela prática do uso, pela população d’esta cidade.
(RAMOS, 1984, p.22)
No ano de 1918, Hercílio Luz implantou também o Serviço de Higiene do Estado, que
através de Comissões Sanitárias, chefiadas por médicos que visitavam, com poder de polícia,
esses lugares de habitação coletiva e impunham normas e procedimentos “prescritos no
Código de Posturas e nos Regulamentos Sanitários” (MÜELLER, 2002, p.115).
198
Em 1919, houve a assinatura de contrato do Estado de Santa Catarina com a Fundação
Rockfeller, organismo internacional que atuou em todo o país, para “prover serviços de saúde
pública, através de campanhas de profilaxia, inspeções da polícia sanitária e implantação de
reformas urbanas” (op. cit, 2002, p.116). O discurso estatal estava impregnado dos conceitos e
práticas sanitaristas, carregados de um moralismo próprio, em uma quase cruzada em defesa
de bons (e novos) costumes junto à população pobre.
Fig. 4.12: Vista do Cais Rita Maria e Fábrica de Pontas, circa 1930.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
Fig. 4.13: Vista das instalações da hidráulica de Florianópolis, circa 1920.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
199
4.3.2 A Avenida do Saneamento
Em 1918, se deu o icio das obras da Avenida do Saneamento depois batizada de
Avenida Hercílio Luz (ver Fig. 4.14).
Um dos principais símbolos de modernização na Florianópolis do início do século XX
fez parte de um amplo conjunto de medidas do governador Hercílio Luz. Francamente
inspirado no urbanismo sanitarista, esse governador, engenheiro de formação, “remodelou a
área central da cidade com obras que iam desde a simples ornamentação do lado superior da
praça XV de Novembro, ou a reformulação do adro da Catedral, criando amplas escadarias e
balaustradas”. (MÜELLER, 2002, p.112). Essas obras de pequeno porte, mas de ampla
visibilidade, pois maquiavam o centro da cidade (que era praticamente a única área
urbanizada de então) foram seguidas de outras, de maior porte, como melhoramentos do
sistema de água potável e de esgoto doméstico e da canalização de diversos cursos d’água. As
obras de maior impacto foram também acompanhadas de traumatismos sociais em função de
demolições sistemáticas de casas simples e cortiços ocupados pela população pobre. Além
disso, essas obras de amplião e redesenho de ruas provocaram mudanças irreversíveis no
traçado urbano, criando uma imagem de modernidade buscada, desejada basicamente pelas
elites locais e seus representantes.
A modernidade significou, para muitos de seus habitantes a perda de seus aspectos
físicos e afetivos, de seus referenciais, interferindo profundamente nas relações de
sociabilidade com o meio circundante, penalizando aqueles cujas casas foram
destruídas para dar lugar a avenidas, praças e prédios públicos majestosos, como o
novo prédio do Congresso Republicano e da Escola Normal. Construídos “com toda
beleza e arte incontestáveis”, pareciam justificar quaisquer discriminações ou
excessos. Num sintoma das distorções, dos sofrimentos e dos problemas provocados
por esta fúria de “embelezamento” e de “progresso”, chegam até nós ecos do que
significou para muitos a demolição da “cidade nova”, próxima ás ruas Trajano e
Marechal Guilherme. (NECKEL, 2003, p.67)
A ambiidade e as contradições do processo da modernidade comandada pelas elites,
demolindo as habitações precárias a leste da Praça e da chamada “cidade nova” (ocupação
informal de lotes das ruas citadas acima, a oeste, então de traçado irregular e sem
200
pavimentação) se evidenciam, pois “destruíam-se casas de pedreiros, carpinteiros,
broquiadores e outros agentes da remodelação de Florianópolis”. (NECKEL, op cit., p.68)
(ver Fig. 4.15 e Fig. 4.16).
As obras da grande avenida, a cargo do engenheiro Luiz Costa, seguidor dos conceitos
de Saturnino de Brito, foram acompanhadas paulatinamente pela imprensa local, que louvava
o empreendimento. Essas obras eram vistas como exemplares de uma “administração
modelar” que tornaria a cidade moderna, saneada, com suas avenidas a aformosear-lhes os
encantos naturais” (Jornal A REPÚBLICA, Florianópolis, 14 de agosto de 1919).
A construção da Avenida do Saneamento, (...) logo em seguida batizada com o
nome de seu idealizador Hercílio luz, margeava os dois lados do canal de drenagem
pluvial, separada por passeios arborizados. Foi considerada mbolo do progresso,
quando a população do município era de 41.300 habitantes, e evidenciou uma nova
época de melhoramentos e modernização para a cidade. Ela fazia a ligação da Baía
Sul, desde o Largo 13 de Maio, até a Baía Norte, na Praia de Fora, margeando a
encostado Morro do Antão, limitando a área central da cidade e permitindo o
deslocamento a áreas mais longínquas. (Jornal A REPÚBLICA, Florianópolis, 14 de
agosto de 1919)
A construção da Avenida, na ótica das elites locais, também guardava um aspecto
moral. É o que afirma o memorialista Oswaldo Cabral sobre essa obra:
Só quando Hercílio Luz acabou com o Beco Sujo, canalizou o rio da Bulha e
liquidou com os cortiços, abrindo a Avenida que leva o seu nome, onde dantes havia
os fundos das casas e casebres, foi que a coisa melhorou. Hoje já não se joga no
canal o que dantes se jogava. (CABRAL, 1979, p.199)
A remoção das famílias que precariamente moravam na região, fez com que muitas
delas viessem a ocupar as encostas do Morro (nas transversais da hoje Avenida Mauro
Ramos) iniciando um processo de favelização. Acuadas pela expansão urbana e sem ter para
onde ir, era praticamente inevivel essa opção, posto que, como em nossos dias, a maior parte
das ocupações produtivas dessas classes era no centro urbano – a península (ver Fig. 4.17).
201
Fig. 4.14: Vista da Avenida do Saneamento, circa 1920, Florianópolis.
Fonte: Acervo do Arquiivo da Casa da Memória, FFC.
Fig. 4.15: Vista da Avenida Hercílio Luz
(antes do Saneamento), circa 1950.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
Fig. 4.16: Vista atual de trecho da Avenida Hercílio Luz.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
202
Fig. 4.17: Planta da cidade de Florianópolis, na década de 1930.
Fonte: Digitalizada pelo autor, a partir de
original do acervo do Arquivo do IPUF.
Ao no final da década de 1940 a situação era mais problemática, pois aliada à
inexistência de transporte coletivo, a necessidade de inversões econômicas indisponíveis, para
acessibilidade aos morros era flagrante:
Destarte, são os morros áreas residenciais paupérrimas, de aspecto chocante que,
visíveis como são á distância e à primeira vista, contribuem para salientar o nível
econômico baixo da população e o deficiente ajustamento ao meio, característico das
cidades brasileiras em geral. (DIAS, 1947, p.39)
A construção da Avenida (possibilitada pelas já citadas obras iniciais de canalização e
drenagem de águas do Rio da Bulha, formando um canal central) foi acompanhada por uma
203
série de desapropriações de terrenos laterais
95
, o que possibilitou a construção de edificações
estatais, destinadas ao ensino (Instituto Politécnico e Escola Normal) de arquitetura eclética
monumental e representativas da valorização do ensino e formação, por parte do novo poder
republicano. As faixas de terreno laterais à Avenida, reservadas para construção de novos
prédios, foram sendo ocupadas também por construções particulares, desenhadas em
arquitetura eclética (ao gosto europeizante da época) em um ato significativo de ocupação de
uma área nobre. As imagens da época mostram uma avenida com renques de palmeiras em
suas calçadas e um canteiro central dividindo as duas vias.
Ao final, pom, dos anos 1940, a situação de relativo descaso com a Avenida era
flagrante:
O abandono em que, durante muito tempo, foi deixado o canal e a falta de
pavimentação das duas secções, que atravessam terreno argiloso, contribuíram para
que a Avenida Hercílio Luz não fosse objeto de preferência residencial até os
últimos anos. (DIAS, 1947, p.36)
Essa situação de baixa ocupação aos poucos foi se revertendo, chegando ao ápice atual
quando, por ocasião do boom imobiliário dos anos 1970 na ausência de regulação
apropriada, a Taxa de Ocupação chegou ao absurdo de 100% gerando o conhecido
“paredão” de prédios altos.
4.3.3 A Avenida Hercílio Luz e seu entorno: o Ecletismo em edificações novas
Em 1921 foi lançada a pedra fundamental da Escola de Corcio (em uma edificação
monumental, de roupagem eclética – com elementos ornamentais de inflncia Art Nouveau),
que foi o primeiro estabelecimento de ensino superior do estado. A instituição, depois
denominada Academia de Comércio, veio a ser construída na Avenida Hercílio Luz (atual
523), dentro da voga de modernização sanitarista, implantando novos referenciais urbanos
95
O depoimento da família Wildi argumenta que: “para feitura dos alargamentos (a cargo do arquiteto Tom
Wildi) conseguiu motivar toda uma população e destarte fazer com que muitas e muitas pessoas doassem seus
204
oficiais e residências de alto padrão nessa via. A Avenida se constituiu assim em mbolo de
um novo tempo, onde novos hábitos (como o passeio de automóvel e o footing) e códigos de
conduta se espacializariam. Foi também o primeiro espaço urbano desatrelado da malha
urbana colonial, com novos e maiores lotes, fruto de renovação urbana e onde as edificações
obedeceriam a novos códigos municipais, com afastamentos laterais e outras recomendações,
além de atender a novas vogas estilísticas (ver Fig. 4.18).
Outra edificação simlica dos novos tempos, voltada à educação profissionalizante
foi o Liceu de Artes e Ofícios, inaugurado em 1917, na Rua Alm. Alvim (hoje 491). Com
objetivos semelhantes aos da Escola de Comércio, sua configuração plástica seguiu o gosto
eclético (aqui baseado em critérios positivistas). A planta previa um espaço alpendrado de
circulação e estar, para o qual convergiam as salas de aula e laboratórios e que dava acesso a
um pátio central. Os cursos oferecidos refletiam as ocupações produtivas da época (entre eles
Marcenaria, Desenho de Máquinas e Móveis, Solda Elétrica e outros) e a possibilidade de
criar quadros de artífices para uma incipiente industrialização. Essa edificação abrigou
posteriormente a sede do governo municipal e depois, restaurada, sediou o BADESC.
Em 1924, outro prédio monumental, também elaborada em estilo eclético, foi
inaugurado. A Escola Normal, situada na Rua Saldanha Marinho (atual 196), foi o maior
prédio existente na capital por muito tempo. Sua implantação, sobre rocha de granito e suas
dimensões e arquitetura representam, ao modo da época, a importância do ato de valorização
da educação (ver Fig. 4.19).
terrenos ou recebessem parcelas indenizatórias mínimas, isso em virtude de, à época não contar a Prefeitura com
verbas necessárias aquelas urgentes providências”. (TOM WILDI, 1971, p.12)
205
Fig. 4.18: Vista atual da antiga Escola do Comércio na
Avenida Hercílio Luz, iniciada em 1921.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 4.19: Vista atual do antigo Liceu de Artes e Ofícios, inaugurado em
1917, tendo em primeiro plano o Colégio Estadual Dias Velho de 1941.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
206
Inicialmente abrigou a Escola de formação de professores, fundada em 1892 e hoje
sedia a Faculdade de Educação (UDESC). Seu partido arquitetônico é composto por um
grande bloco retangular, portada demarcada, planta baixa com um eixo central de simetria
especular (da entrada ao fundo), com dois pavimentos de alto direito e com um pátio
central coberto. Os elementos construtivos, como as colunas da portada (alvenaria) e as
colunas internas em ferro fundido, promovem o contraste ente técnicas e formas, fundindo
(como é a tônica do ecletismo) inspiração em épocas e tempos diferentes.
No entorno da Avenida, mas de outro porte arquitetônico, no mesmo ano de 1922, foi
fundado o Teatro da União Beneficiente Recreativa Operária (UBRO). Essa instituição
representava o esforço da classe operária de garantir a expressão cultural desses trabalhadores,
funcionando até a década de 1950. Sua arquitetura, modesta, porém afeita ao seu tempo, com
platibanda e frontão, fazia contraponto à monumentalidade dos prédios oficiais, descritos
acima. Foram feitas na atualidade reformas em seu prédio e na escadaria pública (que
conforma a Rua Pedro Soares, que o abriga) e o Teatro foi municipalizado.
207
Mapa 1: Mapa de Evolução Urbana. Florianópolis, década de 1920. Legendas do autor sobre mapa-base do IPUF.
Fonte: IPUF e VEIGA, 2000.
208
209
4.4 Um primeiro Ciclo de Modernidade Prometida: a Ponte de Ferro
como elemento deflagrador
A posição legalista da capital (Revolução de 1930) a fez inicialmente ficar preterida
no processo da modernização depois estabelecido pelo Estado Novo. Houve uma posterior
consolidação do caráter administrativo da cidade-capital. Apesar disso a cidade permaneceu
fora das rotas comerciais e industriais, muito em função de ausência de conexão rodoviária
com o resto do país. A ponte metálica, mbolo maior de progresso representaria assim uma
modernidade não cumprida, inacabada. O ato (simbólico e físico) da construção de uma
ligação ferro-rodoviária com o continente não se completaria. A ponte ficou, porém, em uma
hipótese de trabalho, como ícone de um novo tempo, de um primeiro ciclo de modernidade,
na capital e no estado de Santa Catarina.
Essa magnífica obra de engenharia, projetada pelos engenheiros norte-americanos
David. B. Stillman e Holton D. Robinsosn e contratada pela firma Byngton &
Sundstrom, dirigida pelos Srs. Drs. Alberto Byngton e Alfredo Sundstrom, além de
representar fator importante no desenvolvimento de Florianópolis, significa uma
maravilhosa obra. É essa ponte a de maior vão central na América do Sul, na sua
classe, estando entre as mais extensas do mundo. O vão livre central de 339 metros,
tendo 821,055 metros de comprimento. As torres m a altura de 69,764 metros. A
altura livre no centro, contada entre o nível médio do mar e parte inferior do estrado,
é de 30,80 metros, o que permite a passagem dos navios que demandam o porto de
Florianópolis. O peso aproximado do aço empregado é de 7000 toneladas.
(FLORIANÓPOLIS; IBGE, 1959, p.142)
(ver Fig. 4.20)
Outros profissionais vieram para a cidade em função das obras da ponte, tendo havido
“a participação de dezenove operários americanos e com a colaboração dos construtores
italianos, os irmãos Remo e Ormano Corsini”. (CASTRO, 2002, p.42)
O início das obras da Ponte pênsil metálica, ligando definitivamente a Ilha de Santa
Catarina ao continente, se deu em 1922. Essa obra, inicialmente projetada estruturalmente
para suportar uma linha férrea, representava, à época o estado da arte em termos de projeto e
execução de vão pênsil. Com ela se esboçava uma promessa de modernidade para a capital do
210
estado de Santa Catarina, através de ligação física permanente com o resto da região e do país.
O governador Hercílio Luz, desde o início de seu primeiro mandato, manifestava sua
contrariedade com a instabilidade de conexão permanente da Ilha com o continente,
dependendo sempre das condições climáticas para o funcionamento de um serviço de barcas.
Por outro lado, se desenhava uma movimentação potica, de grupos contrários ao governo,
propondo a transferência da capital do estado para Lages, geograficamente mais articulada
com o sul e com o centro do país. Urgia então se fazer essa ligação permanente com o
continente, importante nas esferas econômica e política. Empréstimos internacionais foram
feitos e o projeto contratado com uma empresa norte-americana, especialista em tais
estruturas. Em sua execução contou com a participação do arquiteto suíço Tom Wildi,
radicado em Florianópolis, a serviço do gabinete do Governador Hercílio Luz. Wildi
acompanhou os trabalhos, certamente incumbido do arranjo das cabeceiras, insular e
continental, da ponte (ver Fig. 4.21).
Em 1926 foi inaugurada a Ponte Hercílio Luz (13/05/1926), que levou o nome do
governador, seu idealizador, falecido antes desse evento. A denominação anterior seria a de
Ponte da Independência, nome abandonado em homenagem ao engenheiro-governador e
maior artífice político da modernidade pretendida.
Além dos benefícios diretamente ligados à ligação permanente com a região
continental, outras contribuições devem ser creditadas à construção da ponte. Com ela vieram
vários artífices e profissionais de nível superior trabalhar em Florianópolis, alguns deles
citados anteriormente e fixando residência na cidade. Esses técnicos, entre os quais devem ser
destacados os Irmãos Corsini e Tom Wildi, trouxeram inegavelmente uma grande
contribuição à modernização da capital, quanto aos procedimentos de projeto e construção.
Muitas edificações e obras de melhoramento urbano se devem a esses profissionais, que
estimularam um aggiornamento de outros construtores locais.
211
Por outro lado, a ligação física permanente com a região continental provocou um
impacto urbano de monta no acanhado sistema viário da área insular central:
As ruas Felipe Schmidt e Conselheiro Mafra, bem como a avenida Rio Branco
tiveram que ser adaptadas à nova função. Isto era natural, porque além de a área na
cabeceira da ponte passar a exercer parte da função até aqui desempenhada pela
praça central perto do mar, referente à chegada e saída de passageiros nas viagens
ilha-continente, na colina a que chegavam aquelas ruas esteve o cemitério público,
que em 1925 foi transferido para Itacorubi. (PELUSO JR, 1991, p.318)
(ver Fig. 4.22)
A transferência do cemitério para o bairro do Itacorubi, liberando a área fronteira à
cabeceira insular, bem como os alargamentos necessários no precário e antigo esquema de
ruas
1
foram feitos sob a responsabilidade do arquiteto Tom Wildi. Ele havia sido nomeado em
1921, como Encarregado das Obras Públicas da Municipalidade e promoveu, além de
inúmeras intervenções de retificação e alargamento de ruas centrais (como as citadas Felipe
Schmidt e demais centrais), construção de praças (como a Getúlio Vargas) e outros
melhoramentos. Foi também sob sua direção que foi feito o Cadastramento da cidade, medida
fiscal necessária aos novos tempos e até então precariamente realizada.
1 Que à época não poderia ser considerado um sistema viário, na ausência de qualquer tipo de plano.
212
Fig. 4.20: Vista da Ponte Hercílio Luz, 1926, Florianópolis.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 4.21: Vista atual da Ponte Hercílio Luz.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 4.22: Vista da cidade de Florianópolis na década
de 1940, com a Ponte ao fundo.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
213
4.4.1 Renovação na Arquitetura e Paisagem Urbanas: os Anos 1930
A Avenida Hercílio Luz continuou, como ícone de uma modernidade possível, a
receber equipamentos urbanos e edificações referenciais, como a Maternidade de
Florianópolis, inaugurada em seis de fevereiro de 1927.
Nesse mesmo ano se deu uma primeira exposição individual de Martinho de Haro no
Salão do Conselho Municipal de Florianópolis. Esse pintor, incorporando a linguagem
moderna em seus trabalhos, viria a ser um dos referenciais para um movimento cultural
incipiente na capital e que se expressaria com mais força nos anos 1950.
Em 1928 foi inaugurado o Bar e Restaurante Miramar, projeto dos Engenheiros
Irmãos Corsini (Remo e Ormano)
2
e do arquiteto Augusto Hübel. Situado no eixo longitudinal
das Praças XV de Novembro (a praça fundadora) e Fernando Machado. Local estratégico na
vida urbana, em plena maritimidade da Capital, de arquitetura ectica, sediava os encontros
diários e acompanhava as chegadas das embarcações de pequeno porte, que vinham ter ao
Cais Frederico Rolla. A Praça Fernando Machado, esse lugar urbano particular, de interface
entre mar e terra, veio também a ser utilizado como terminal dos ônibus, que substituiram os
antigos bondes de tração animal (ver Fig. 4.23 e Fig. 4.24).
Houve uma continuidade na renovação urbana da capital, com a transformação dos
sobrados luso-brasileiros (inicialmente com novo desenho de fachadas) da área central.
Alguns remanescentes arquitetônicos desse período (de transformação de fachadas desde o
final do século XIX ao início do século XX) estão na Praça XV, preservados pelo município,
2 Os irmãos construtores, Engenheiros Remo e Ormano Corsini, oriundos de São Paulo, tiveram atuação
destacada em Florianópolis, principalmente nas décadas de 1930 e 1940. Entre suas realizações se destacaram a
colaboração na montagem da Ponte Hercílio Luz, a ampliação do Mercado Público, com a construção de nova
Ala na Rua Conselheiro Mafra e a execução do Hotel Canasvieiras, certamente o primeiro estabelecimento
turístico da capital, situado em balneário, fora do centro urbano.
214
por Lei de 1985 e testemunhas (como os de outras épocas) de ciclo importante da cidade (ver
Fig. 4.25 e Fig. 4.26).
Em 1932 foi inaugurado o que seria considerado o primeiro hotel de qualidade em
Florianópolis, o Edifício Hotel La Porta, na face oeste da Praça, em terreno de esquina
fronteiro à Baía Sul, perto do Cais Municipal (ver Fig. 4.27 e Fig. 4.28).
Com projeto arquitetônico e construção dos Engenheiros Iros Corsini e do arquiteto
Augusto Hübel, a edificação contava com quatro pavimentos. O projeto contava com todas as
características do ecletismo historicista, como, por exemplo, coroamento, ornamentos
disseminados pelas fachadas, demarcação forte da portada principal e outras. Isso
evidenciava, à parte de seu programa de hotel, afinado com os melhoramentos e inovações da
época, o conservadorismo do gosto compositivo dos projetistas que trabalhavam em
Florianópolis e o distanciamento cultural da capital das vogas modernas na arquitetura
brasileira. Diferenciando-se dos demais prédios ecléticos situados na área central urbana, o
Hotel La Porta, localizado na Praça Fernando Machado, foi o primeiro prédio da capital a ter
elevador, e o melhor estabelecimento do gênero por muito tempo, enquanto vigorou a
movimentação do porto.
Nos anos 1940 e 1950 funcionou em seu térreo uma agência da VARIG, uma das mais
importantes empresas de aviação da época. A importância dessa atividade de conexão com o
restante do país evidenciava a centralidade da localização do Hotel, e sua qualidade de
referência na malha urbana (ver Fig. 4.29).
Posteriormente foi reformado para a Caixa Econômica Federal e nos anos 1980 foi
implodido, restando até hoje um vazio urbano, resultado dos desentendimentos entre essa
instituição bancária e os pressupostos de gabaritos edificatórios municipais na área, situada no
polígono de preservação patrimonial do centro urbano.
215
Fig. 4.23: Vista do Bar e Restaurante Miramar (1928 – projeto
dos Irmãos Corsini e Augusto Hübel) na década de 1930.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
Fig. 4.24: Vista da Praça Fernando Machado (no eixo da Praça XV de Novembro),
na década de 1930, com a instalação do posteamento de energia elétrica.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
Fig. 4.25: Vista atual da fachada do antigo Cine Roxy
(década de 1930) e conjunto urbano.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
216
Fig. 4.26: Portada do Cine Roxy com cartazes de filmes da época, circa 1950.
Fonte: RAMOS, 1986, p. 159.
Fig. 4.27: Vista do Hotel La Porta (1932 – projeto dos Irmãos Corsini
e Augusto Hübel), na década de 1930.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
217
Fig. 4.28: Anúncio publicitário do Hotel La Porta em 1952.
Fonte: O Estado, 27, jan, 1952, p. 12.
Fig. 4.29: Vista da orla insular central e Praça Fernando Machado
com o Hotel La Porta, no final da década de1950.
Fonte: Enciclopédia IBGE, 1959, p.107.
218
“Debruçado sobre a pracinha Fernando Machado, com vistas para a Baía Sul e o
direito na Praça XV, esquina com Conselheiro Mafra, O Hotel La Porta era o Copacabana
Palace de Florianópolis” (RAMOS, 2008, p.5). Sua arquitetura era eclética, “do jeito um tanto
anárquico, um pouco art nouveau, quase sempre pintado de marrom escuro, abrigando uma
agência da Varig no andar térreo, esquina com Conselheiro Mafra”. (RAMOS, op. cit., p.5)
Nessa década de 1930, uma reforma atualizadora (iniciada já nos anos 1920) de um
importante monumento fundacional de Nossa Senhora do Desterro foi encaminhada. A cargo
do arquiteto Tom Wildi, a Catedral Metropolitana recebeu melhoramentos e ampliações, a
partir de pesquisas prospectivas do arquiteto. Da capela original (1678) de Dias Velho,
bandeirante fundador do núcleo urbano, passando pela igreja desenhada por Silva Paes
(engenheiro militar, responsável por projetos como o do sistema de fortificações do século
XVIII), a Catedral passou por várias alterações, resultado das demandas de uso e atualizações
necessárias aos rituais católicos.
Outro edifício, parte da história da ocupação da Ilha, o Forte Santa Bárbara, também
sofreu alterações radicais em sua formulação plástica exterior (ver Fig. 4.30, Fig. 4.31 e Fig.
4.32).
Por volta do final da década de 1930, o antigo sobrado luso-brasileiro, inicialmente
parte do sistema fundacional de fortificações, destinado na cada em tela a abrigar a
Capitania dos Portos, recebeu roupagem Art Déco, com coroamentos serrilhados (sky-line)
em seu corpo principal e muradas, entre outros elementos. Situado em área central, à Rua
Antonio Luz (atual 260), é um exemplo, entre outros, de um aggiornamento arquitetônico,
pressusposto da época, quando a preservação patrimonial ensaiava seus primeiros passos
(falamos aqui da fundação do IPHAN), mas que privilegiava, em grande parte, o barroco
monumental.
219
Fig. 4.30: Vista atual do Forte Santa Bárbara (circa 1876)
com reforma Art Déco dos anos 1940.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 4.31: Detalhe da volumetria atual do Forte Santa Bárbara.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 4.32: Vista aérea da orla insular central (anos 1950) com o
Forte Santa Bárbara ao fundo, já constrangido entre aterros.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
220
Importante também é salientar o papel atualizador da variante estilística Art Déco,
renovando a fachada e volumetria do Forte. Mais adiante veremos que essa formulação iria
desempenhar o mesmo papel atualizador, também nas casas comerciais e residências térreas e
sobrados, tanto do lado leste quanto do oeste da Praça, espaço esse mais destacadamente
comercial, Essa contaminação cenográfica (posto que de fachada) atingiu inclusive os locais
mais distantes do centro da península, substituindo o ecletismo do século XIX. Nesse sentido,
pode-se supor que o Art Déco, em muitos casos (quando, por exemplo, da mera alteração de
fachada) teve a mesmo caráter de voga modernizadora.
No que diz respeito às transformações urbanas, no plano viário não houve alterações
de monta.Cabe destacar porém, um espaço urbano, a Avenida Mauro Ramos, importante para
ligar a área central, desde a orla sul até a Praia de Fora (atual Avenida. Beira Mar Norte) foi
finalizado após os anos 1930. Essa longa avenida definiria um dos lados do polígono da
mancha central, contornando o maciço do Morro da Cruz. A Avenida Mauro Ramos assumiu
o papel que deveria ser da Avenida Hercílio Luz, que teria uma inflexão tomar rumo à orla
norte, em direção à Praia de Fora. Esse desenho foi modificado posteriormente aos anos 1930.
Ficou então a nova Avenida como divisa entre a cidade urbanizada e a informalidade das
habitações e arruamentos precários do Morro (ver Fig. 4.33 e Fig. 4.34).
221
Fig. 4.33: Vista da Avenida Mauro Ramos na década de 1960.
Fonte: O Estado, 10, dez, 1962, p.6.
Fig. 4.34: Vista aérea atual da Avenida Mauro Ramos.
Fonte: Google Earth. Acesso em agosto de 2009.
4.4.2 A Sede dos Correios e Telégrafos: um novo Equipamento Urbano na Praça
Fundadora
A construção da sede central em Florianópolis (na Praça XV de Novembro), dos
Correios & Telégrafos, projetado em 1934, pelo Escririo de Planejamento da instituição,
sediado no Rio de Janeiro, finalizado em 1945, marcou mais um evento modernizante para a
capital e estado de Santa Catarina. Esse projeto arquitetônico seguiu orientação de uma
222
política nacional estatal, de “consolidação de uma verdadeira “arquitetura postal”, (...),
tradução de diretriz política de prestação de um serviço e, ao mesmo tempo, de equipamento
de cidades e regiões de maneira sismica e hierarquizada” (PEREIRA, 1999, p.103) (ver Fig.
4.35).
Sua formalização de arquitetura, configurada como Tipo Especial, segundo
formulação do escritório de planejamento central, seguia as linhas Art Déco, dentro de um
padrão compositivo que marcaria uma série de edificações estatais (como prédios de Justiça,
Ensino, Alfândega e outros. É importante reforçar que, durante o governo Vargas, em que
pese a influência dos modernistas junto ao ministro Capanema, muitos dos escritórios
encarregados dessas edificações estatais optavam pela formulação Art Déco ou Neocolonial,
linguagens também de viés moderno (na ótica do debate de então). A viabilidade construtiva
(se valendo de técnicas apoiadas na tradição e de mão de obra locais) dessas linguagens, em
vários recônditos do país, também associaria esses empreendimentos estatais a um tom de
modernidade desejado pelo estado. A sede catarinense do Departamento de Correios e
Telégrafos, seguia a proposta de um Tipo Especial, pertence “á mesma família formal de
Goiânia e Vitória” (PEREIRA, op. cit., p.132), e sua execução foi protelada várias vezes,
sendo inaugurada somente em 1945, pois:
Do programa de construções previstas a partir de 1933-34, a sede da DR de Santa
Catarina, em Florianópolis, demorou a ser construída devido a contingências
políticas e financeiras que direcionaram os investimentos em função da priorização
das ações em certas áreas do país. O projeto, aprovado em 1934, começou a ser
executado para compor, com a DR de Curitiba, recém-inaugurada, o suporte para o
desenvolvimento dos serviços postais e telegráficos na região Sul. (op. cit., p.150)
(ver Fig. 4.36)
223
Fig. 4.35: Vista do prédio dos Correios e Telégrafos,
na Praça XV, na década de 1940.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
Fig. 4.36: Vista atual dos Correios e Telégrafos,
no contexto verticalizado da Praça XV.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
224
Essa posição estratégica da sede de Florianópolis era reforçada pela presença do
Serviço Aéreo Postal que, por meio de hidroaviões, chegava à cidade por mar (no cais da área
urbana central), pois eram precárias as ligações por terra. Assim “dirigíveis, aviões e
hidroaviões garantiam maior rapidez nos contatos, tanto internacionais como nacionais, e
permitiam vencer as dificuldades da exígua infra-estrutura de rodovias ou ferrovias”. (op. cit.
p.101). Essa afirmação é corroborada pela operação de linhas aéreas, a cargo do Sindicato
Condor de Aviação (depois Viação rea Rio Grandense), operando em Florianópolis e São
Francisco do Sul desde 1935, com os citados hidroaviões.
Sobre a arquitetura da sede em si, a autora argumenta que, “revelando o
distanciamento da preocupação decorativa presente no prédio de Curitiba, a concepção do
prédio de Florianópolis alinhava-se às pesquisas formais desenvolvidas nos edifícios de
Salvador, Belo Horizonte e Belém. Foi dada ênfase, antes de tudo, ao agenciamento
volumétrico e espacial pontuado pela movimentação de diferentes planos de fachada” (op. cit,
p.150). A arquitetura Art Déco, em sua versão influenciada pelo Palais Stoclet
3
(de Josef
Hoffmann) segundo Robert Mallet-Stevens, um dos arquitetos mentores do viés francês
dessa linguagem seria então adequado a conferir imponência e sentido publico á
construção, estruturando a composição axial em torno da qual a planta se organizara
simetricamente”, muitas vezes, “dividindo-se em duas partes: uma para o atendimento postal,
outra para o atendimento telegráfico(op. cit, p.106). Essa organização interna, nos edifícios-
tipo de dois pavimentos, como é o caso de Florianópolis, se refletiria em um partido de planta
quadrangular, que acolheria
no pavimento térreo a agência propriamente dita, que era composta de hall, áreas
independentes para atendimento postal e telegráfico, seção de caixas postais e
3
É recorrente na historiografia consultada a respeito do Art Déco, a influência formal confessada por modelos de
arquitetura. O Palais Stoclet (Bruxelas, 1905-11), projeto de Josef Hoffmann, egresso da Secessão vienense, por
sua arquitetura sobriamente ornamentada e volumetria sofisticada, foi referência para um viés do Art Déco. Cabe
lembrar que o Art Déco, não sendo um movimento com manifestos e postulações definidos, admitia um rol
muito amplo de referências, muitas delas restritas ao âmbito da forma.
225
reembolso, (...) almoxarifado e arquivos, além de sanitários para os funcionários.
(op. cit, p.106).
No caso de Florianópolis, ao contrário de outras localidades, onde o segundo
pavimento era destinado à residência funcional do encarregado, esse era certamente ocupado
pela gerência geral e tesouraria, e demais funções correlatas.
Outro ponto a ponderar, foi o amembramento de velhos lotes coloniais, para a
construção da sede monumental, formalizando-se um processo de ruptura com a estrutura
fundiária da antiga área central fundadora (a Praça XV). Isso possibilitou também uma
volumetria mais destacada, com três fachadas voltadas para o espaço público. A
monumentalidade resultante marcaria assim a presença de novos signos estatais, voltados à
modernidade. Isso resultaria em um processo de ruptura com o antigo sistema fundiário
urbano e da verticalização da península, processos então esboçados e que se consolidariam
em um segundo ciclo de modernidade: os anos 1950.
4.4.3 O papel do capital: As Empresas Hoepcke
Nesse período há uma consolidação das operações da Empresa Nacional de
Navegação Hoepcke, com vários horários para o litoral norte do país. (ANÚNCIO. O Estado,
Florianópolis, 13 set. 1935, p.5). Um ciclo portuário importante até a 2ª Guerra Mundial e que
teve seu término da década de 1960, teve como principal protagonista essa empresa que, com
três navios fazia a ligação de Florianópolis com o centro do país, através dos portos de Santos
e do Rio de Janeiro. A movimentação no Cais Rita Maria era grande nos horários de
embarque e desembarque, fazendo parte de um ritual urbano ligado à condição marítima da
capital (ver Fig. 4.37).
Carl Hoepcke (1844-1924) pode ser colocado entre os principais empresários que
investiram em Florianópolis, desde que a cidade ainda se chamava Desterro. A partir de uma
226
única casa comercial, e o acúmulo de capital dessa, partiu para o comércio atacadista e
varejista, exportação e importação, aumentando significativamente seus horizontes de
investimento.
Ao final do século XIX, fundou a já citada acima Empresa Nacional de Navegação
Hoepcke (1895), um ano depois inaugurava a Fábrica de Pontas Rita Maria e a seguir, na
virada do século, uma Fábrica de Gelo. (REIS, 1999, p.99)
A expansão de seus negócios levou à formação de uma rede de lojas no estado, onde
produtos procedentes de várias partes do mundo, graças ao trafegar de seus navios,
Cada uma dessas lojas tinha em comum com as demais o fato de estar situada em
um dos melhores pontos comerciais da respectiva cidade, próxima ao porto, quando
fosse o caso, além de estar instalada em prédio grandioso, sólido, com fachadas que
poderiam ser consideradas como imponentemente discretas. (REIS,op cit., p.101)
Esse era o caso das lojas centrais de Florianópolis, situadas no coração comercial e
vivencial – à Rua Felipe Schmidt (uma drogaria e outra loja de máquinas) e a paralela a essa à
Rua Conselheiro Mafra (que abrigava uma loja de ferragens). Uma arquitetura de ambiência
alemã espacializava as suas casas comerciais, denunciando a procedência e austeridade do
imigrante.
Entre os anos 1930 e 1940 a empresa Hoepcke montou uma Fábrica de Rendas e
Bordados, com máquinas de última geração e com destino à exportação. Essa brica, hoje
transferida para o continente, tinha suas instalações nos altos da Rua Felipe Schmidt, em
frente ao conjunto de edificações do Departamento de Saúde Pública, na confluência dessa
rua com a Avenida Rio Branco. O projeto de parte das instalações é atribdo ao arquiteto
Tom Wildi, que, conforme testemunho de publicação de sua família, também foi o
responsável pelo desenho e execução do primeiro posto de serviço de gasolina da cidade,
instalado no conjunto, no lado da Rua Conselheiro Mafra (ver Fig. 4.38, Fig. 4.39 e Fig.
4.40).
227
Fig. 4.37: Anúncio da tabela de horários dos navios
da Empresa Hoepcke em 1935.
Fonte: O Estado, 13, set, 1935, p.5.
Fig. 4.38: Vista atual da Fábrica de Rendas e Bordados Hoepcke
(circa 1940, projeto de Tom Wildi).
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
228
Fig. 4.39: Vista da torre de esquina da Fábrica
de Rendas nos anos 1960, hoje demolida.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
Fig. 4.40: Vista noturna (com tons expressionistas)
da torre da Fábrica de Rendas.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
229
Esse local das instalações fabris era logisticamente adequado, posto que muito
próximo à cabeceira insular da Ponte Hercílio Luz. Uma torre de esquina marcava o lugar
urbano, em um viés arquitetônico emprestado do Expressionismo. A torre se ressaltava por
iluminação noturna e relevava uma imagem de modernidade do empreendimento, único
exemplo de modernização industrial na cidade.
4.4.4 Uma influência indireta na modernidade catarinense: o Pavilhão de Santa
Catharina na Exposição do Centenário Farroupilha: Porto Alegre – 1935
Fig. 4.41: Anúncio publicitário da Exposição do Centenário da
Revolução Farroupilha de 1935, em Porto Alegre.
Fonte: Revista do Globo, 3, nov, 1935, p.21.
230
Ainda no ano de 1935, um grande evento, de repercussão nacional, foi realizado em
Porto Alegre (RS), inaugurado em setembro desse ano. Foi a Exposição do Centenário da
Revolução Farroupilha, que, de maneira indireta veio a influenciar culturalmente
Florianópolis e o estado de Santa Catarina. Realização emblemática do Estado Novo, chefiado
pelo presidente Getúlio Vargas. Vargas, gaúcho de São Borja, com essa exposição se
pretendia atingir dois objetivos: homenagear a Revolução de 1835 (e com isso seu estado) e
propagandear o novo regime, através da urbanização da Várzea da Redenção e de arquiteturas
triunfalistas (muitas delas associadas aos regimes totalitaristas nacionalistas europeus). Em
uma primeira análise se percebe o caráter monumentalista das edificações, o tratamento
cenográfico do conjunto (inclusive com a utilização de iluminação noturna feérica, inédita
para a época), destacando a modernidade pretendida pelo regime. O projeto de urbanização, a
cargo de Alfred Agache, urbanista francês, conhecido pelo seu projeto para a Praça do
Comércio no Rio de Janeiro, tinha um viés figurativo, fortemente influenciado pela Beaux
Arts, com um grande eixo monumental, entre outros elementos compositivos. O desenho da
Exposição reforçava as simetrias, iniciando o percurso por um Pórtico monumental, e a
gravitação, em torno do eixo, dos pavilhões estaduais e temáticos. Um pavilhão, destinado a
exibir os produtos e a cultura catarinense, tinha destaque especial na composição. As
linguagens empregadas nos projetos, em seus vários vieses modernos (como chamados á
época) privilegiavam um Art Déco, carregado de óbvias influências francesas, além de outras
como a versão tupiniquim, o Estilo Marajoara, presente, entre outros, no Pavilhão do Pará. O
Pórtico, o Cassino, e vários outros pavilhões temáticos eram desenhados em um Art Déco
náutico, com alusões diretas a elementos constitutivos dos navios (escotilhas, chaminés,
conveses, balaustradas), fazendo o que Tafuri chama de modernismo mimético, com
referências literais à máquina (ver Fig. 4.42 e Fig. 4.43).
Em matéria publicada no jornal O Estado era afirmado que:
231
(...) O govêrno de Santa Catharina acha-se ardentemente interessado em conseguir
que as nossas classes productoras figurem com abundância e brilho, na grande
Exposição que se realizará em Setembro próximo em Porto Alegre. Damos acima, a
photographia do pavilhão reservado, naquelle certame, a Santa Catharina, e que,
estamos certos, abrigará as mostras de nossa capacidade de trabalho em todos os
sectores da vida econômica barriga-verde. (CENTENÁRIO Farroupilha. O Estado,
Florianópolis, 1º julho 1935.p.06)
O Pavilhão de Santa Catarina, um dos sete pavilhões estaduais, foi projetado em Porto
Alegre pela empresa A.D. Aydos & Cia Ltda
4
. Tinha área construída de 300 metros quadrados
e foi executado pela empresa João C. Petry & Cia. Ltda (CATÁLOGO, 1999, p.44). Sua
arquitetura formalizada em Art Déco, era composta basicamente por três volumes escalonados
em planta compacta e assimétrica.
Pela análise da documentação (basicamente fotografias) se percebem influências da
arquitetura de Rob Mallet-Stevens, onde, por exemplo, os volumes fazem balanço entre
verticalidade e horizontalidade. Há também traços expressionistas, principalmente em volume
curvo do bloco intermediário, com rasgo contínuo de aberturas que o acentuava
horizontalmente. Elementos compositivos como antenas, mastros, ressaltos e frisos verticais
se contrapunham à massa construída, coroada por cimalhas e vazada por rasgos verticais e
horizontais que pretendiam dar dinamismo ao todo projetado. O pavilhão, como o resto dos
demais, foi pensado para ter destaque á noite, o que foi possibilitado por iluminação elétrica
condizente com a cenografia da Exposição.
O arquiteto Christiano de La Paix Gelbert, da Prefeitura Municipal de Porto Alegre foi
encarregado da maioria dos projetos (á exceção dos pavilhões estaduais e do Pórtico
Monumental) e da fiscalização da obra (ver Fig. 4.44).
Pela envergadura do evento e o grau de divulgação pela imprensa, certamente foi o
primeiro no sul do país a mostrar a arquitetura como espetáculo midiático. Além de deixar
4
Alberto D. Aydos, formado em Engenharia em 1924 (Porto Alegre), dois anos depois fundou uma empresa
construtora nessa cidade, que “é a única das três grandes empresas construtoras fundadas na década de 1920 que
ainda subsiste”. (WEIMER, 2004, p.23). Entre seus quadros contou com os arquitetos Franz Filsinger, Adolf
Siegert e Fernando Corona.
232
para a cidade de Porto Alegre um parque central urbanizado e alguns equipamentos da
Exposição, que permaneceram até hoje, esse acontecimento repercutiu junto aos projetistas e
construtores do Rio Grande do Sul. Muitas das arquiteturas, a partir dali construídas naquele
estado, seguiram o viés Art Déco (em suas várias versões náuticas, aerodinâmicas, por
exemplo), que representaria a possibilidade de unir a tradição construtiva com as feições da
modernidade perseguida, na renovação urbana de muitas cidades. Resta investigar como esse
processo repercutiu em Santa Catarina, haja vista a existência de uma ligação política e
cultural com aquele estado. Além disso, houve uma repercussão considerável da Exposição
(em todo o país) possibilitada pelo caráter oficial do evento (a serviço do Estado Novo) e a
circulação nacional, por exemplo, de periódicos como a Revista do Globo (RS), que traziam
matérias detalhadas sobre o assunto. Talvez tenha sido o primeiro momento em que a
arquitetura tenha assumido, junto ao grande público, um caráter midiático de informação.
Fig. 4.42: Vista do Pavilhão de Santa Catharina na Exposição de 1935.
Fonte: O Estado, 1º, jul, 1935, p.6.
233
Fig. 4.43: Vista noturna do Pavilhão de Santa Catharina.
Fonte: Revista do Globo, 9, nov., 1935, p.36.
Fig. 4.44: Vista aérea (postal) do conjunto da
Exposição de 1935 (Plano de Alfred Agache).
Fonte: Acervo do autor.
4.4.5 O Cinema nos anos 1930 e a idealização da modernidade em Florianópolis
O primeiro cinema da cidade, o Cine Roxy, funcionou no prédio do antigo Centro
Popular, construído em 1930, na Rua Padre Miguelinho (atual 53). Como parte da
234
renovação das edificações do conjunto da Catedral Metropolitana, levada a cabo na década de
1920, esse Centro abrigou manifestações artísticas, apresentações teatrais e festas na década
de 1930. Também foi utilizado como salão paroquial da Catedral e sede do Arcebispado. Sua
arquitetura é eclética, com inflncias do Art Nouveau (particularmente no desenho das
aberturas em arco pleno e ornatos) e outras linguagens. Com as projeções regulares de filmes
no Cine Roxy e o ingresso com preços populares, o hábito de ir ao cinema rapidamente se
popularizou. Os seriados de faroeste e dramas românticos, ali exibidos, acolhiam
democraticamente a população.
Na mesma edição em que foi publicado o chamamento à participação das empresas
catarinenses na Exposição de 1935, o jornal O Estado anunciava a inauguração de um novo
espaço para cinema: o Cine Rex (ver Fig. 4.45).
Fig. 4.45: Anúncio publicitário do Cine Rex.
Fonte: O Estado, 5 jul, 1935, p.4
235
O anúncio fala por si, refletindo um anseio de modernidade, uma modernidade
exótica, reluzente, pica do propagado pela imprensa de então. Era a promessa de uma
Florianópolis aparelhada com as últimas máquinas de entretenimento urbano, no palco social
do cinema. Transparece também no anúncio outra promessa, dessa vez ingênua: a de
igualdade das classes sociais pela possibilidade de acesso e freqüência ao mesmo novo lugar
urbano.
Deve ser destacada a importância do cinema e seu caráter urbano: para além do
simples divertimento das massas, era também o lugar por excelência dos encontros sociais, do
namoro às conversas política, passando pelo observar mútuo dos comportamentos e roupas da
moda. Essa, aliás, era muito divulgada pelos filmes de Hollywood, que além de induzirem
novos costumes (ou reforçar outros, como o hábito de fumar), traziam para as moças e
senhoras, os novos modelos do bem vestir.
Portador de imagens da vida nas grandes metrópoles norte-americanas e européias, o
cinema serve de referência para grandes contingentes de espectadores. Por ser uma
linguagem essencialmente moderna, contribui para construir uma nova relação entre
seu público e o cotidiano da vida urbana, tematizando a velocidade e fragmentação
da vida moderna, interferindo nos seus hábitos culturais e sociais. (ANELLI, 1992,
p.35)
O cinema traduzia em suas várias versões arquitetônicas (principalmente com o Art
Déco) essa espacialização dos encontros urbanos: a partir do desenho da entrada, em geral
marcada por portada diferenciada, que logo levava a um faiscante foyer (com a indefectível
bombonière e, muitas vezes, envidraçado, para ser visto da rua), o espaço de transição
para plaia, mas também lugar de exposição das pessoas, que promoviam, por si só, um outro
espetáculo. A platéia era também, em geral, decorada com motivos que remetiam aos filmes,
fazendo a ambiência da entrada e dos intervalos de exibição das películas, transformando os
espectadores em parte do espetáculo.
Tanto o Cine Rex (depois denominado Ritz) quanto o Roxy, ficavam em ruas muito
próximas à Praça, em plena centralidade florianopolitana dos anos 1930. A arquitetura desses
236
cinemas, de um ecletismo comum à época, era materializada por técnicas construtivas
tradicionais (paredes portantes e cobertura em telhas cerâmicas). Seus edifícios
contrastariam com os demais prédios do entorno por suas dimensões de espaço coletivo.
Certamente o contraste entre o que era visto (e sonhado) na tela e a ambiência pacata do
centro da cidade era um choque. Se o moderno o era ainda vivenciado diretamente no
cotidiano, os filmes desempenhavam o papel de familiarizar a platéia com o clima urbano das
metrópoles.
Quanto à arquitetura eclética dos citados cinemas de Florianópolis essa era entendida
como de caráter moderno, pois, como no anúncio citado acima, tudo o que dizia respeito ao
cinema era moderno. Essa indistinção entre moderno e eclético (ou fantasia estilística) na
arquitetura não era exclusividade da capital catarinense e sua ambiência provinciana. A
propósito disso, assinala Renato Anelli sobre o cinema em São Paulo nos anos 1930 e o
entendimento do moderno na metrópole brasileira:
Não havia em São Paulo nesse momento, uma distinção nítida entre intervenções da
vanguarda modernista e os estilos historicistas. As grandes metrópoles norte-
americanas e européias foram construídas com absoluta predominância de estilos
históricos e ecletismos. Ser moderno naquele momento era mais um acerto de contas
com a aparência dessas metrópoles do que uma opção cultural pelo modernismo.
(ANELLI, op cit., p.36) (grifo nosso).
A modernidade como manifestação espacial, urbana, da modernização não aconteceria
em Florianópolis nesse momento. O ritmo frenético da festa urbana, do rodar dos automóveis,
das luzes metropolitanas, ficaria no plano dos sonhos. A cidade se contentaria com o espelho
da modernidade, com o brilho dos cerios e figurinos nos bailados e canções dos “canoros
rouxinóis da tela”.
237
4.4.6 A presença do Estado na expansão e melhoramentos urbanos: a introdução de
arquiteturas para a Saúde
Até o advento dos anos 1930, a única instituição hospitalar de porte, além do Hospital
Militar (final do século XIX), era o Hospital de Caridade, construído em várias etapas,
iniciadas por uma pequena Casa de Saúde (ou Santa Casa) em 1789. Edificado no topo da
parte leste do Morro da Cruz (limite físico da península), foi ali implantado segundo critérios
da época: um local alto, com ventos higienizantes e livre dos “miasmas” das áreas planas e
pantanosas dos lugares baixos.
Em 1938, marcando também a expansão da área urbana para além da península, foi
inaugurado o Hospital Nereu Ramos, no bairro da Agronômica, assinalando a presença do
estado na modernização da área da saúde. Uma instituição com instalações apropriadas e
lugar de novas práticas hospitalares era então acompanhada de arquitetura condizente e
também atualizada (ver Fig. 4.46 à Fig. 4.49).
Um forte eixo de simetria, estruturador do partido arquitetônico comandava a
composição, desde a portada. Uma ala externa, em forma de “U” avarandada, definia a
localização dos quartos dos pacientes. Destinado inicialmente ao tratamento de doenças
infecto-contagiosas, suas varandas e pátios internos seriam apropriados ao sistema de
tratamento terapêutico da época.
O Hospital Nereu Ramos, para além de sua arquitetura tradicional (a não ser por
algum tratamento de fachada à maneira Déco), foi importante elemento nucleador da região
do bairro da Agronômica, até então área rural. Junto a outras edificações estatais, como a
Penitenciária, o Abrigo de Menores e o Palácio residencial do governador (também da mesma
época), marcou o avanço urbano sobre áreas rurais, próximas da península central. É sabida a
importância dessas edificações oficiais, como estruturadoras de uma ocupação urbana, tanto
no plano simlico, como nos aspectos funcionais.
238
Fig. 4.46: Vista panorâmica do Hospital Nereu Ramos (1938) na década de 1940.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
Fig. 4.47: Vista do Hospital Nereu Ramos na década de 1940.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
Fig. 4.48: Vista atual de parte das instalações do Hospital Nereu Ramos.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
239
Fig. 4.49: Vista lateral das instalações do Hospital Nereu Ramos.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Marcando a também a ação estatal, dessa vez na esfera federal. No início da década de
1940 foi inaugurado o edifício do Departamento de Saúde blica com projeto do arquiteto
carioca Paulo Motta e com execução a cargo do arquiteto Tom Wildi. O conjunto das
instalações espacializava um programa de iniciativa estatal, no campo da Saúde blica, parte
do tripé de políticas nacionais do Estado Novo: Educação, Saúde e Comunicação. A
linguagem empregada era configurada espacialmente em termos de um estilo moderno, no
caso o neocolonial, afirmando a ão modernizadora do Estado. A implantação seguiu uma
geometria triangular, de axialidade simétrica, com volumes gravitando em torno da grande
portada e diminuindo de escala, à medida que os blocos se afastavam do eixo.
O conjunto das edificações foi posicionado em um lugar nevrálgico da cidade, a
conflncia da Rua Felipe Schmidt uma das principais artérias do centro e a Avenida Rio
Branco, importante eixo viário (parte do trecho de acesso á Ponte Hercílio Luz), concluída no
final dos anos 1950. Certamente o posicionamento da sede do Departamento, junto à Ponte,
atenderia a uma rápida acessibilidade, necessária nesse tipo de equipamento urbano e uma
forte presença estatal na malha urbana, criando mais um referencial na cidade.
Além disso, essa edificação monumental – em relação à escala vigente das edificações
da Florianópolis dos anos 1930 fez parte de uma rie de intervenções do prefeito Mauro
240
Ramos, quanto aos melhoramentos da malha viária. O crescimento da construção civil na
cidade, com dois momentos de pico: 1930/1931 e 1935/1939 (AMORA, 2006, p.283)
justificaria a preocupação com a modernização dos fluxos de trânsito. A prefeitura compraria
alguns prédios nas Ruas Felipe Schmidt e Conselheiro Mafra (as já citadas vias de acesso à
ponte), entre as Ruas Deodoro e Jerônimo Coelho, que estavam fora do alinhamento e
recuando-os. Toda a área entre a Praça XV e a cabeceira insular da Ponte Hercílio Luz
acabaria por entrarem um ritmo acelerado de reformas:
Na Rua Conselheiro Mafra, a partir de acordo com os proprietários, a administração
pública resolveu modificar a fachada dos prédios localizados na primeira quadra e
fora do alinhamento, dotando-os de platibanda e tornando-os recuados.
Concomitante com os ajustes das ruas procederam-se obras de pavimentação, como
a da Avenida Trompowsky, da rua Almirante Alvim e da Quintino Bocaiúva, do cais
junto à Alfândega, além da abertura da rua Luís Delfino, obras de encanamentos
para escoamento das águas pluviais até o mar, recuperação de ruas pavimentadas,
colocação de meios-fios e construção de passeios. Estava previsto para 1939 o
alargamento da Rua Sete de Setembro. (AMORA, 2006, p.283-284)
Como assinala a autora, a prefeitura promoveu melhoramentos na rede viária de
conexão com o continente. Por outro lado, também cuidou de atender os interesses de
expansão, lenta e gradual, para as áreas das chácaras (Av. Trompowsky, Rua Almirante
Alvim e outras), nessa época já em processo de desmembramentos. Pela proximidade do
centro (agora com os automóveis), situação urbana favovel quanto à paisagem e regime de
ventos, além da disponibilidade de novos e maiores terrenos, era certamente, naquele ciclo da
cidade, objeto de olhares atentos e cobiçosos das elites locais. Um maior aprofundamentose
possível, haja vista a reduzida possibilidade de existência de dados arquivados mais precisos –
talvez explicite os locais desse incremento da construção civil mencionada anteriormente,
apontando certamente também para as áreas das chácaras (ver Fig. 4.50 à Fig. 4.53).
241
Fig. 4.50: Vista do Departamento de Saúde Pública (projeto de Paulo Motta
e execução de Tom Wildi) no início dos anos 1940, nos altos da
Rua Felipe Schmidt com a rótula da atual Avenida Rio Branco.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
Fig. 4.51: Vista externa do DSP a partir da rótula da Avenida Rio Branco.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 4.52: Detalhe de acabamento externo da fachada do DSP.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
242
Fig. 4.53: Detalhe da fachada frontal à rótula do DSP,
com busto de Osvaldo Cruz.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Voltando ao Departamento de Saúde Pública e sua arquitetura, Ana Amora dá conta de
que “o partido adotado pelo arquiteto Paulo Motta
5
para o edifício seguiu as orientações do
sanitarista Ernani Agrícola”. Agrícola propôs um fluxograma racionalizado, em dois
pavimentos, com funções de atendimento rápido no térreo. Esse receberia duas entradas, uma
no vértice do triângulo (entre a Av. Rio Branco e a Rua Felipe Schmidt) para o Departamento
em si e suas funções administrativas e outra mais discreta, na Felipe Schmidt, destinada ao
acesso ao Centro de Saúde, onde a população seria atendida.
Motta optou pelo desenvolvimento dos espaços circundados, com circulações
avarandadas, idealizou um pátio interno em alusão aos espaços de uso comum
protegidos de nossa arquitetura colonial e as variadas funções impostas destacando-
se na volumetria da fachada. (AMORA, 2006, p.286)
Para Amora, “o arquiteto optou pela variante missões do neocolonial que, apesar de ter
raízes na arquitetura ibérica, apresentava características especiais, sendo pouco valorizada e
de cunho mais popular”. (AMORA, op cit., p.87). Essa variante do neocolonial, presente em
vários países latino-americanos, foi também reverberação das arquiteturas cenográficas dos
anos 1930-1940. Onde se exigisse uma locação com ambiência latina seja para fazendas ou
residências urbanas era empregado esse viés de uma arquitetura romantizada. O emprego
243
dessa variante por um lado pode ter uma dupla representação: por um lado, o embate das
várias tendências estilísticas (entre o modernismo de cunho abstrato e as figurações da
modernidade) presentes no Estado. Representaria também a tentativa de popularizar
esteticamente uma estrutura (urbana) de saúde, certamente não muito palatável (com suas
campanhas de vacinação) entre as camadas populares.
4.4.7 Incorporação de Área Urbana Continental: o Estreito
A capital incorporou na década de 1940 uma área continental, o Estreito, que, com a
construção da ponte Hercílio Luz, havia se integrado a Florianópolis. “Como zona rural e
depois como sede do distrito, o Estreito pouco ou nenhum cuidado recebeu do Poder Público.
As ruas eram trechos de estradas (...)” (PELUSO JR., 1991, p.318) e algumas foram sendo
abertas por proprietários a partir de vias principais” (op. cit, p.318) a partir de necessidades
prementes de ligação segura com o sistema viário de acesso à Ilha. Esse descaso do estado
perdurou, embora o novo bairro da capital se desenvolvesse (por conta de sua importância
estratégica), indo ali predominar as atividades comerciais, como revendas de automóveis,
lojas de ferragens e outras atividades correlatas (ver Fig. 4.54).
O Estreito era local estratégico antes da construção da Ponte:
Era ponto de parada obrigatória para aqueles que se dirigiam á sede do governo na
Ilha. O local onde se situava o trapiche para embarque e desembarque de
passageiros, no Continente, era conhecido como “Passagem Valente”. (...) O
percurso de lanchas para passageiros era feito entre essa Passagem, na baía norte
continental, e o trapiche da Praça XV de Novembro. As cargas maiores
atravessavam o canal através de balsas, cujo embarcadouro, no Continente,
localizava-se na área próxima à Ponte Hercílio Luz. (SUGAI, 1994, p.40)
Com a Revolução de 1930 chegando à entrada da capital catarinense, o Estreito viria a
desempenhar um papel importante na defesa (comandada pelo então governador Fulvio
Aducci) contra os revoltosos. Conforme depoimento do antigo comerciante do lugar, Quíncio
5
Pertencente aos quadros de planejamento do Ministério de Educação e Saúde, Rio de Janeiro.
244
Romalino da Silva, “para impedir que as tropas revolucionárias pudessem atingir a ponte
Hercílio Luz, o Governo Estadual mandou retirar o assoalho da ponte, que era de madeira e
cruzaram arame farpado com eletricidade”. (SOARES, 1990, p.32)
Fig. 4.54: Vista parcial da localidade continental do Estreito na década de1950.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
Nesse mesmo depoimento, o comerciante descreve os principais estabelecimentos
comerciais e industriais do Estreito, nos anos 1930 e 1940. Esses locais serviam
estrategicamente, posto que localizados na entrada terrestre da capital, ao abastecimento de
Florianópolis. Entre eles, Quíncio da Silva destaca o comércio de. André Maykot, de secos e
molhados, que mais tarde veio a se dedicar ao ramo das ferragens; as atividades exportadoras
de. Antônio Lehmkuhl (Fett & Cia); os armazéns de Ernesto Riggenbach (próximos à ponte)
destinados á venda de couro e café; a farmácia de Luiz D’Acampora e o depósito de água
mineral de Jacob Vilain Filho. bricas haviam duas: a de sabão (única no estado na época)
de João Areias e a de manilhas (tubos para esgoto) de Pedro Cherem. Para o depoente, alguns
marcos na paisagem definiam as atividades do Estreito e sua vocação produtiva: “De longe
avistava-se a chaminé da fábrica. Aliás, duas chaminés: a da fábrica do sr. Pedro Cherem e a
do sr. João Areias”. (SOARES, 1990, p.36-38)
Outro autor destaca a importância estratégica do Estreito, nos anos 1930 e mais ainda
na década de 1940 enquanto local de cais, destinado ao armazenamento de cargas de
exportação, notadamente a madeira:
245
A localização nesse lado, é explicável, em primeiro lugar, pela maior acessibilidade
do porto; em segundo lugar, pela mais fácil movimentação da carga exportável que,
quase toda, procede do continente; e, finalmente, devido ao maior espaço para
armazenamento oferecido, em razão do mais baixo preço da terra. (DIAS, 1947,
p.56)
Esse baixo custo da terra iria permanecer até os anos 1950, quando o lado continental
de Florianópolis começou a receber residências de verão em função da balneabilidade de suas
águas e pela ausência de estradas que levassem ás praias concorrentes do Norte da Ilha. Nessa
época se consolidaram, na outra baía continental, os bairros de Coqueiros, Itaguaçú e Bom
Abrigo, principalmente. Hoje a poluição impede a balneabilidade, mas esses bairros
mencionados e outros da área continental, abrigam uma considerável parcela populacional de
Florianópolis e sofrem um desenfreado processo de verticalização imobiliária.
4.4.8 A Atualização do Comércio na Península
Tanto do lado oeste, quanto ao leste da Praça XV, com a movimentação do porto e
algum incremento econômico resultante também de pequenas indústrias, o comércio se
consolidou nesses lugares.
Na década de 1940 se iniciou a reforma e construção de rias edificações de 02 a 03
pavimentos, nas principais ruas do centro comercial. No lado oeste, isso se deu nas Ruas
Felipe Schmidt, Conselheiro Mafra e transversais, além das ruas do lado leste da Praça XV,
como João Pinto, Tiradentes e transversais, se disseminando pelos arredores da Avenida
Hercílio Luz (ver Fig. 4.55).
Deu-se, muitas vezes, a formação de conjuntos urbanos modernos, no viés Art Déco
em várias versões. Houve desde simples reformas de fachada (com a ocultação do telhado por
platibanda, muitas vezes fazendo analogia ao perfil escalonado da grande cidade desejada ou
246
“sky line”) até volumetrias e ornamentos de fachada mais desenvoltos, seguindo uma linha de
arquitetura cúbica (ver Fig. 4.56).
Alice Viana em extenso levantamento da arquitetura de viés Art Déco em
Florianópolis, particularmente na área urbana aqui mencionada, aponta:
É considerável pensar que, em Florianópolis, estas edificações de que falamos foram
em sua maioria desenhadas e executadas por construtores que não apresentavam
nenhuma formação, por profissionais possuidores de um saber empírico, quase
artesanal. Na pesquisa realizada na SUSP podem ser citados os nomes de Estanislau
Makowiecki, João José Mendonça, João Batista Berreta e Theodoro Bruggemann,
como os mais encontrados na autoria destas tipologias de edificações. (VIANA,
2008, p.80)
Fig. 4.55: Vista atual de conjunto de edificações de dois
pavimentos na Avenida Hercílio Luz, circa 1940.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 4.56: Vista atual de conjunto de edificações em roupagem
Art Déco na Rua Conselheiro Mafra, circa 1940.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
247
A esses nomes, a autora soma os de outros profissionais que realizaram esse trabalho
de escala modesta, cotidiana, mas de inegável importância na renovação urbana dos anos
1930-1940.
A renovação atingiu basicamente edificações térreas e sobradas, edificados sempre na
estrutura fundiária original da península. Cabe ressaltar em termos de desenho urbano, no lado
oeste da Praça, entre as Ruas Conselheiro Mafra e Francisco Tolentino, a existência de
terrenos com duas frentes. A principal fachada, em geral, mais trabalhada em composição, era
a voltada para a Rua Conselheiro Mafra, a rua comercial por excelência, portanto mais
importante. A fachada de fundos, sintomaticamente voltada para a orla marítima, a da Rua
Francisco Tolentino, era em geral mais simples, de acabamentos e composição modestos, se
comparados aos da fachada principal.
Essas novas construções e reformas atendiam à modernização e/ou expansão das
atividades comerciais da cidade, que no auge do ciclo portuário (com a presença dos navios
de carga e passageiros, além de hidroaviões), teve um alento econômico.
Em Florianópolis, a tecnologia do concreto armado começou a ser aplicada na época
em que a cidade procurava saídas em direção a um progresso, buscando superar uma
fase de “estagnação”. O sistema de estruturas independentes de concreto armado
chegou à Ilha de Santa Catarina em torno dos anos 40, mas ainda havia dificuldades
técnicas na utilização da estrutura independente. (CASTRO, 2002, p.48)
Mais adiante, nas novas construções mais arrojadas, tanto em altura, quanto em área
construída, como hotéis, edifícios e outros empreendimentos, seria necessário o aporte de
profissionais com formação adequada. Principalmente, conforme essa hipótese, em um
segundo ciclo de modernidade (anos 1950-1960), outro tipo de profissional, mais
especializado, foi requerido. Foi o caso do projetista politécnico Wolfgang Ludwig Rau, e sua
necessidade de atuação com outros parceiros em alguns empreendimentos, como o engenheiro
José da Costa Möellmann e o de vários outros profissionais, emigrados ou não. A esses
profissionais e aos arquitetos formados em outros centros e aqui chegados, coube a
248
continuidade do processo de renovação, com a introdução, por exemplo, do concreto armado
e de outros novos materiais e técnicas construtivas.
4.4.9 As Novas Escolas
A 12 de março do ano de 1940, foi inaugurado com visita oficial do Presidente da
República, Getúlio Vargas, o Grupo Escolar que levou seu nome, na então Rua Geral do Saco
dos Limões. Esse conjunto de edificações, com seus pátios e espaços cobertos, era parte
material da proposta maior de um sistema educacional (varguista), baseado em concepções
pedagógicas que, através do estímulo á educação, ao esporte e a atividades coletivas (como
desfiles, escotismo, bandas marciais, entre outras), pretendia criar um homem novo, moderno,
nacionalista. (REVISTA DE SANTA CATARINA, 1939, p.94) (ver Fig. 4.57, Fig. 4.58 e
Fig. 4.59).
Essa inauguração atendia também à estratégia de dotar de equipamentos urbanos os
bairros próximos ao centro, marcando de forma física e simbólica, a presença do Estado
Novo. No caso em questão, o da localidade do Saco dos Limões, um conjunto de habitações
coletivas, (composto de casas térreas), também promovido pelo Estado, a Vila Operária, seria
também construído, induzindo uma urbanização desse arrabalde.
Um ano depois se iniciou o funcionamento do Colégio Estadual Dias Velho, edificado
à Rua Victor Meirelles, em pleno centro urbano, na transversal leste da Praça XV de
Novembro. Também parte desse novo sistema educacional, o conjunto de edificações foi
projetado na linguagem Art Déco. Formalmente bem mais elaborado que o Grupo Getúlio
Vargas, essa instituição de ensino mantém elementos de composição característicos, como a
marquise na portada principal, marcação das aberturas, cimalhas e platibanda de coroamento,
embora seja dotada de uma cobertura tradicional, com telhado. Além desses elementos
249
compositivos, também o Dias Velho teria seu pátio interno, elemento estruturador das
atividades coletivas. (REVISTA DE SANTA CATARINA, 1939, p.91) (ver Fig. 4.60).
Na mesma época foi aberto o primeiro estabelecimento escolar do novo regime na
região interiorana da Ilha de Santa Catarina. O Grupo Escolar Dom Jaime mara, no distrito
do Ribeirão da Ilha, no distante sul da Ilha, trouxe todos os elementos espaciais da Nova
Escola: instalações pedagógicas modernas (para a época) e pátios coberto e aberto. Merece
destaque, em meio à construção das edificações luso-brasileiras do distrito (com técnica
tradicional), a expressão estrutural do pátio coberto, com suas tesouras plasticamente
elaboradas (ver Fig. 4.61, Fig. 4.62 e Fig. 4.63).
O conjunto dessas ações estatais na Educação, embora modestas em mero,
certamente trouxe, dentro da ambigüidade ideológica que caracterizou o regime varguista, um
novo aporte pedagógico. Também residem nessas novas edificações e suas formulações
arquitetônicas, traços de uma modernidade outorgada pelo braço do Estado paternal. A
imagem moderna transmitida a Florianópolis, pela implantação (desde a área central ao
afastado distrito do sul) dessas unidades escolares e seus espaços higiênicos, teria a intenção
de moldar no imaginário urbano, uma idéia de escola nova, formadora de um novo homem.
Fig. 4.57: Vista atual da fachada externa do Grupo Escolar
Getúlio Vargas (1940) no bairro do Saco dos Limões.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
250
Fig. 4.58: Vista atual do pátio interno do Grupo Escolar Getúlio Vargas.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 4.59: Detalhe da placa de inauguração do Grupo Escolar Getúlio Vargas.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 4.60: Vista externa atual do Colégio Estadual Dias Velho,
(1941) à Rua Victor Meirelles.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
251
Fig. 4.61: Vista externa atual do Grupo Escolar D. Jaime Câmara
(circa 1941) no bairro do Ribeirão da Ilha.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 4.62: Vista atual do pátio coberto do Grupo Escolar D. Jaime Câmara.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 4.63: Outra vista do pátio coberto do Grupo Escolar D. Jaime Câmara.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
252
4.4.10 As Instituições previdenciárias e a Habitação Social
Em de março de 1942, foi inaugurado no bairro do Saco dos Limões, ao sul da área
central, a Vila Operária do IAPI, considerada a primeira investida institucional nacional
consolidada na habitação social. Além disso, para a capital, representou (junto com o Grupo
Escolar Getúlio Vargas) uma das primeiras investidas de avanço urbanizador ao interior,
próximo da malha urbana fundadora.
Para estudiosos da habitação social no Brasil, como Bonduki, instrumento de retórica
ou preocupação legítima, o fato é que, com Vargas, o Estado incorporou o tema da habitação
como um problema do governo, ligado à proteção social aos trabalhadores assalariados”
(BONDUKI, 1998, p.112/113).
É de se considerar também, o fato de que, para a pequena comunidade desse bairro
(como para qualquer lugar suburbano), a Vila Operária representou, além da presença
simbólica e física estatal, a chegada de novos equipamentos e infra-estrutura urbana, mesmo
que acanhada. A isso deve ser somada uma nova forma de vivência e de relações sociais,
propostas por um novo agenciamento coletivo das habitações (ver Fig. 4.64).
Com alguma inspiração na cidade-jardim, a vila segue padrão nacional da época, com
100 casas unifamiliares (muitas delas geminadas), transformando um entorno, até então
composto de pequenas favelas e áreas residenciais ao redor das encostas dos morros em volta
do Maciço do Morro da Cruz. A área construída de cada unidade era de 42m², tendo os lotes,
em média, 204,60m², cercados por cercas vivas e de madeira. Em termos construtivos havia
“uma parede em comum para duas unidades (geminadas), em madeira compensada como
divisória e pé direito de 2,60m. (PALERMO, 2002, p.5)
A linguagem empregada em grande parte das edificações foi a do neocolonial. Com a
presença de um arco demarcando uma pequena varanda, um jogo plástico de telhados e
reboco texturizado, esse neocolonial refletia uma resposta popular de arquitetura, calcada
253
certamente em modelos circulantes no repertório de projetistas e construtores. Não se tratava
do neocolonial de extração erudita (como o neobarroco de Lucio Costa) e tampouco do estilo
fantasioso e rebuscado das classes sociais mais ricas. Parece ter sido na verdade, o
entendimento (economicamente possível) de um viés de modernidade em arquitetura
habitacional, em se tratando de pequenas casas unifamiliares (ver Fig. 4.65 e Fig. 4.66).
Na área da arquitetura institucional, representante simbólico de um poder político
então presente, o Edifício do IPASE, importante instituição previdenciária da época, com
projeto do arquiteto Raul Pinto Cardoso, foi inaugurado em 1944, no centro da cidade. O tom
modernista de concepção está presente no projeto, com colunas fazendo os pilotis na fachada
fronteira à Praça Pereira Oliveira (fundos da Catedral Metropolitana e que abriga o Teatro
Alvaro de Carvalho 1875). O edifício se expressa em vários estilemas modernos, tendo uma
curiosa construção na cobertura, com formas aludindo à Pampulha de Niemeyer (ver Fig.
4.67, Fig. 4.68 e Fig. 4.69).
A iia dos pilotis, com o recuo térreo do prédio, fazendo uma proteção –na escala
urbana ao pedestre, iria a ser retomada na inserção posterior do prédio vizinho, destinado a
outra instituição previdenciária, o Edifício do IAPC (1954-58) e do Edifício das Diretorias
(1953-61), situado nas proximidades.
254
Fig. 4.64: Projeto da Vila Operária do Saco dos Limões (1942).
Fonte: PALERMO, 2002, p.5.
255
Fig. 4.65: Vista atual de residência unifamiliar da Vila Operária à Rua Juan Ganzo Fernandes.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 4.66: Vista atual de residência unifamiliar da Vila Operária à Rua Belisário Berto da Silveira.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
256
Fig. 4.67: Maquete da edificação do IPASE, (1944) à Praça Pereira Oliveira.
Fonte: O Construtor – Revista de Arquitetura, Nº 59, jan-fev, 1944.
257
Fig. 4.68: Planta baixa do pavimento térreo do IPASE.
Fonte: O Construtor, Nº 59, jan-fev, 1944.
Fig. 4.69: Planta do pavimento tipo do IPASE.
Fonte: O Construtor, Nº 59, jan-fev, 1944.
258
4.4.11 A expansão ao norte da península: A ocupação das áreas de chácaras a casa do
Dr. Oswaldo Cabral
Nas proximidades do centro, na região de expansão urbana que tinha como vetor a rua
Esteves Júnior (que levava à área da orla norte, a Praia de Fora), entre 1946 e 1950, foi
construída a casa do Dr. Oswaldo Cabral, na Rua Esteves Júnior. O Dr. Cabral era, além de
médico, um respeitado pesquisador e memorialista, responsável por vários textos sobre a
história de Desterro. Com projeto arquitetônico de José da Costa Moellmann e Theodoro
Brüggemann e colaboração de Batista Berreta e Wolfgang Ludwig Rau. (COUTO, 2006, p.8),
a edificação neocolonial (tendendo para o “colonial espanhol segundo a historiadora Sara
Regina Poyares Reis, pesquisadora e sobrinha do Dr. Cabral), estava situada em grande lote
remanescente das chácaras próximas à área central (ver Fig. 4.70).
Do fim do século XIX em diante, como afirmado anteriormente, essas chácaras
passaram a ser gradativamente local de moradia da burguesia florianopolitana, que tinha seus
negócios no centro.
Os elementos compositivos da grande casa, como as janelas em arco pleno com
molduras salomônicas, avanços de fachada do tipo “bow window” e varandas com
balaustradas compõem o vocabulário empregado, afinado com a tendência neocolonial, uma
das variantes das arquiteturas da modernidade brasileira. Com uma área construída de
aproximadamente 800m², em um único pavimento térreo e porão habitável, a casa foi
mobiliada por trabalhos de marcenaria de um artesão italiano e tem jardins seguindo modelos
franceses, atestando o ecletismo vigente no gosto burguês da época. O gosto impregnado na
formulação arquitetônica demonstra a popularização, entre as camadas sociais mais
esclarecidas (como à que pertencia o Dr. Cabral) do estilo neocolonial, conotativo de uma
atitude cosmopolita de época.
259
Hoje, a casa e seu lote, tombados como bens patrimoniais municipais, atestam a
situação fundiária remanescente da época dos fracionamentos das chácaras, A Rua Esteves Jr.
sofreu alargamentos, alguns deles recentes como o último na gestão da prefeita Ângela Amin,
quando da necessidade de dar vazão ao fluxo de trânsito da área, extremamente verticalizada.
A propriedade, porém resistiu à descaracterização do sítio, testemunha de outros tempos e de
sua lógica fundiária, ficando a murada explicitamente fora do alinhamento oficial da rua.
Cabe assinalar também o contraste entre o terreno e seus circundantes, configurando um
“vazio” entre torres (ver Fig. 4.71 e Fig. 4.72).
Fig. 4.70: Vista atual da residência do Dr. Cabral (1946-1950), à Rua Esteves Jr,
projeto e execução de Moellmann, Brüggemann e Rau.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
260
Fig. 4.71: Detalhe construtivo-ornamental da portada da residência do Dr. Cabral.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 4.72: Vista atual da fachada da residência do Dr. Cabral.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
261
4.4.12 Aspectos de uma Cultura Urbana na Década de 1940
Fig. 4.73: Vista aérea de Florianópolis e sua área
central insular, no início da década de 1940.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
não se tratava mais da Florianópolis, anos 40, pacata, com suas noites de
blackout, missa das dez, paletó e gravata, vestido novo, footing, Pérola, Gato Preto,
Bom Dia, empada do Chiquinho, Miramar, madrugada do café do Mercado, saída do
Carl Hoepcke às 24 horas, carnaval do Lira e do Doze, Bocaiúva do Agapito, Cine
Odeon, Imperial, Rex, depois do Ritz, Bogart com sua Colt 45. (Depoimento de do
artista plástico Hassis. In: O Catarina. Florianópolis. Jan-fev., 2001, 44, ano IX, p.3)
Um dos artistas modernistas a retratar as alterações da paisagem de Florianópolis foi o
pintor Martinho de Haro
6
. Companheiro de estratégias conceituais do Núcleo Bernardelli de
São Paulo (onde trabalharam artistas como Volpi), ele procurou documentar, com a devida
licença poética, os passos da lenta modernização da capital catarinense:
Porém, não queiramos enxergar Martinho com uma visão alienada do real,
parnasiana, buscando o Éden na ilha de Florianópolis. As construções ali estão e se
integram nesse novo conceito de paisagem, os barcos, e aqui e ali, chaminés do
processo de industrialização que ameaçam esse paraíso perdido. As raras formas
humanas, quando presentes na paisagem, são assinaladas por resíduos do passado,
carroças puxadas por cavalo, acentuando talvez um desencantamento latente da
perda daquela paisagem nativa ainda viva e intocada na memória do artista.
(GUERREIRO, 2007, p.1)
6
Nascido em São Joaquim (SC) em 1907, foi pintor, desenhista e muralista. Teve um início de carreira em
Lages, por volta de 1920 e anos depois viajou à França onde estudou na Academia de La Grande Chaumière
(1938). Voltou ao Brasil em 1939, em função da eclosão da Segunda Guerra Mundial, ficando até 1944 em São
Joaquim. Nesse ano mudou-se para Florianópolis, onde desenvolveu uma intensa produção. Faleceu na capital
do estado em 1985.
262
Vale assinalar a importância das poucas estações de rádio e cinemas, que além das
revistas ilustradas de circulação nacional acentuavam o contraste entre a frenética vida urbana
da Capital Federal e outros lugares centrais, e a interiorana ambiência de Florianópolis.
Em 1943 se deu a inauguração da Rádio Guarujá de Florianópolis Ltda. e a cidade
pode contar então com uma emissora local. Cabe frisar a importância do rádio na época, o
só para a informação da população, mas também no aspecto da cultura popular urbana.
Transmissões de futebol, rádio novelas, programas de auditório e outros, compunham a
programação. Além disso, as propagandas comerciais veiculadas ajudavam a idealizar uma
modernidade, através da indução à aquisição de bens de consumo, como os primeiros
eletrodomésticos, automóveis e as novas modas de vestuário.
Em 1945, no bojo das manifestações culturais da modernidade, um grupo de
intelectuais locais lança a revista literária Atualidades.
Em 1948 se deu a edição do primeiro mero da Revista Sul (1948/1957) editada pelo
Círculo de Arte Moderna, composto por vários jovens intelectuais, como Salim Miguel, Eg
Malheiros e outros. A Revista se propunha a ser um veículo de discussão e propagação da
cultura moderna, afinado com as mudanças lingüísticas que eclodiram a partir da Semana de
1922. Para tal o Grupo Sul, como passou a ser conhecido o Círculo promoveu a Exposição de
Arte Contemporânea, com a presença e palestra do crítico Marques Rebelo.
Após uma grande movimentação de grupos de intelectuais, principalmente os do
Grupo Sul, foi fundado o Museu de Arte Moderna de Florianópolis. A 18 de março de 1949, o
Museu ficou inicialmente sediado no Grupo Escolar Dias Velho, onde em seu pátio aconteceu
a mencionada Exposição de Arte Contemporânea.
Essa Exposição teve alguns detratores que, como o senso comum mandava, entendiam
tal qual Monteiro Lobato (em 1922) ser a arte moderna um embuste. O conservadorismo
ainda imperava no gosto florianopolitano, o que se refletia na arquitetura por ele solicitada.
263
4.4.13 Ecletismo em Tempos Modernos
Um projeto arquitetônico emblemático do gosto então vigente entre a clientela
florianopolitana foi o da residência João Jorge Mussi (1949-1950) A obra de Wolfgang L.
Rau, na época trabalhando com a Construtora Moellmann & Bruggemann, seguiu uma
formulação compositiva eclética, denominada pelo autor como “Estilo Renascença Italiana”.
Com a presença de farta ornamentação alusiva, a obra representa um gosto em voga à época,
calcado em influências românticas da cenografia cinematográfica, entre outras referências.
Esse projeto recebeu registro especial do autor, que o documentou, acompanhando as várias
etapas de trabalho, desde a perspectiva de ilustração do projeto, passando pela fase da
alvenaria executada e finalizando com a residência pronta. Chamam a atenção dois aspectos
nesse procedimento: de um lado, a preocupação de Rau em preservar seu trabalho e seu
todo compositivo, e a fidelidade do resultado final com a ilustração apresentada ao cliente,
no início das tratativas de contratação (ver Fig. 4.74).
A localização da edificação residencial, conforme fotos da época de construção atesta
o avanço urbano analisado nesse capítulo, sobre as áreas de chácaras ao noroeste da Praça.
Em 1949 já havia algum mero de edificações em andamento, em lotes residenciais nos
padrões de hoje. Isso indicaria por um lado ,um incremento na construção civil daquele
momento e, por outro, a valorização imobiliária em andamento na área, extremamente
próxima ao centro peninsular.
264
Fig. 4.74: Detalhes do processo compositivo-construtivo de uma residência neo renascentista (1949-1950)
na Chácara de Espanha, Florianópolis, propriedade de João Mussi, em projeto de Wolfgang Rau.
Fonte: Acervo da família Rau.
265
É importante ressaltar que, para além de qualquer crítica quanto ao caráter estilístico
eclético do projeto, tardio ou o, o registro é importante para uma discussão acerca do perfil
do cliente, seus gostos, suas fantasias. Parece ser marcante, ainda hoje, o gosto pelo estilo,
historicista ou eclético, no senso comum do brasileiro, pertencente á classe dia ou não. Se
analisarmos as páginas dominicais dos grandes jornais brasileiros de hoje, veremos
anunciados dezenas de projetos (principalmente de habitação coletiva em altura e de alto
custo) em que predomina o neoclássico e outros ecletismos. Isso certamente faz pensar sobre
os rumos da arquitetura de mercado e o que faz uma clientela (de classe média alta) requerer
tais arquiteturas para sua moradia.
Na sociedade do espetáculo, a garantia de um passado nobre, construído pela
arquitetura, parece ainda investir de um status diferenciador a clientela desse tipo de
empreendimento (ver Fig. 4.75).
Fig. 4.75: Vista atual da residência Mussi.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
266
267
Mapa 2: Mapa de Evolução Urbana. Florianópolis, décadas de 1930 e 1940.
Legendas do autor sobre mapa-base do IPUF. Fonte: IPUF.
268
269
5 Capítulo 5
A MODERNIDADE EM FLORIANÓPOLIS
NOS ANOS 1950 E 1960
270
271
5.1 Introdução
Esse capítulo aborda a hipótese da existência de um segundo ciclo de modernidade em
Florianópolis, correspondente ao período do início dos anos 1950 a meados de 1960. Toda
periodização historiográfica é parcial e, portanto passível de discussão. A expressão segunda
modernidade, que carrega uma ambiidade intrínseca ao processo, nesse sentido
corresponderia a um novo ciclo na cidade, heterogêneo em relação ao período anterior, onde
essa recebeu atualizações em arquitetura e espaços urbanos. Introduziu-se também, um outro
elemento a esse processo, que se tornou irreversível: o crescimento urbano.
Na esfera federal se vivia o período conhecido por nacional-desenvolvimentismo (os
“Cinquenta Anos em Cinco” do presidente eleito Juscelino Kubitschek). O crescimento da
industrialização, calcada basicamente na indústria automotiva e outros fatores – como a
vigência da democracia levavam o país a viver certo estado de euforia e crença em um
futuro. Eventos como a bossa nova, a primeira Copa Mundial de Futebol ganha pelo Brasil e a
construção de Brasília, construíram para além dos fatos midiáticos, um otimismo vivencial no
imaginário do brasileiro comum.
A capital de Santa Catarina nesse outro ciclo, ao que parece, continuou a receber uma
modernidade a reboque do estado, pois não teria tido incremento na industrialização e seu
porto chegaria a um estado de decadência total. Por outro lado, investimentos para a expansão
em direção ao interior da Ilha, direcionados a um turismo, por exemplo, teriam a chancela
subjacente do estado, em parcerias público-privadas nem sempre claras.
Em Florianópolis, na década de 1950 se iniciou a verticalização e o adensamento da
área central. Um dos efeitos desse processo foi a violenta ruptura que se iniciou (e se
consolidou nos anos 1970) da estrutura fundiária do centro fundador na península, ou
triângulo central.
272
Foram feitos investimentos estatais na cidade administrativa e, na esfera estadual, um
Plano de Obras e Equipamentos (POE) foi lançado, na gestão de Irineu Bornhausen (1951-
1955). Esse que seria o primeiro plano governamental para o estado, previa investimentos nas
áreas da eletrificação, agricultura, educação e saúde. Pretendia alcançar o desenvolvimento
através da construção de estradas de rodagem, escoando a produção e integrando as diversas
regiões do interior. Nessa década também foram criados a Federação das Indústrias, a
Diretoria de Cultura e, como ações estaduais a construção do Palácio das Secretarias, do
Instituto Estadual de Educação e da avenida de acesso ao aeroporto. Além dessas grandes
obras, importantes para a modernização da capital e do estado, foi iniciada a implantação do
Campus Universitário. Uma pequena obra, porém digna de nota, foi o asfaltamento da ponte
Hercílio Luz, tornando-a mais eficiente para o tráfego, cada vez maior. (PEREIRA, 1974,
p.64)
Um turismo incipiente se apoiava na construção de hotéis com vários pavimentos na
área central insular e na freqüência aos balneários na área continental contígua. Também se
iniciava, ao final da década, a expansão gradual em direção aos lugares de praia do norte da
Ilha, através de loteamentos.
Esse período coincide com o fortalecimento da tendência modernista em arquitetura
nas grandes cidades brasileiras, tendo Brasília e sua arquitetura fartamente divulgada, como
ícone. O crescimento populacional da capital e o incremento das construções ajudaram ao
início de atuação mais efetiva, na capital catarinense, de arquitetos graduados no centro do
país.
Ao final dos anos 1960 se daria o fim desse ciclo, conforme nossa hipótese, pois se
iniciaria outro, sob um governo militar. Alguns fatores, entre outros, evidenciariam essa
fase, como por exemplo: a execução de dois grandes aterros (na Baía Sul e na orla Norte),
alterando radicalmente a morfologia da Ilha, praticamente sepultando a sua condição marítima
273
e insular na península central; a consolidação da Universidade Federal no antigo lugar rural da
Trindade e a nucleação ali de um novo bairro, graças inclusive à abertura da Avenida Beira
Mar Norte; a implantação em lugar conexo à UFSC da sede da Eletrosul (no bairro do
Pantanal); um ciclo de balneabilidade sendo consolidado no norte da Ilha de Santa Catarina; a
abertura da BR 101, tirando a capital do isolamento rodoviário com o restante do país.
5.2 A Década de 1950: Crescimento urbano e adensamentos da área
central
Segundo o geógrafo urbano Victor Peluso Jr (se valendo de fontes como o IBGE), em
1940 Florianópolis tinha 34.110 habitantes (computando-se aí os bairros do Estreito, Saco dos
Limões e Trindade), crescendo em 1950, 41,52 %, pois alcançou nessa década uma população
de 48.264 pessoas. (PELUSO JR., 1991, p.311).
Isso veio a exigir um aumento no número de habitações, “problema que foi resolvido,
em grande parte, pelo adensamento de edificações nas ruas existentes”. (PELUSO JR., op
cit., p.318)
As chácaras, citadas anteriormente, ao norte da Praça, foram sendo desmembradas,
sendo criadas em seu interior novas ruas, instalando-se ali parte das elites locais. As camadas
mais pobres continuaram a ocupação do Maciço do Morro da Cruz e ruas adjacentes e
dirigindo-se também para o Estreito.
No final dos anos 1940, a abertura da Avenida Mauro Ramos, contornando o Morro da
Cruz, foi um dos investimentos estatais que mais impactaram a cidade. “Seu início se deu na
área do antigo Forte de São Luiz, terminando no largo 13 de Maio, chamado hoje de Praça da
Bandeira, já então completamente aterrada (grifo nosso), num longo processo que tivera seus
albores na metade do século XIX”. (op cit., p.319).
274
O processo de aterramento da Praça da Bandeira se estendeu, aumentando (na década
de 1950) consideravelmente a área ganha ao mar (ver Mapa 3), onde hoje se situa a
Assembléia Legislativa de Santa Catarina. Isso veio a alterar a morfologia da ponta sudeste da
península, formando o que veio a ser um dos extremos do grande aterro viário da Baía Sul,
executado nos anos 1970.
Ainda sobre a Avenida Mauro Ramos, essa “absorveu algumas ruas existentes cuja
orientação na base do morro prosseguiu, extinguindo ruelas e becos nas imediações do quartel
onde se encontra hoje o Instituto de Educação”. (op cit., p.319).
Esse aumento expressivo da população se deu principalmente na península central.
Além dessa houve a citada subdivisão de áreas das chácaras e loteamentos no Estreito.
Outras chácaras na encosta do Morro do Antão (hoje bairro da Agronômica) foram também
loteadas, inclusive com a instalação da Vila de Oficiais da Marinha (5º Distrito Naval),
atraindo parte da população para lá.
Peluso Jr. aponta também que “este desenvolvimento da indústria (sic) da construção
atraiu numerosos moradores da zona rural, que aumentaram os bairros da população de baixa
renda.” (op cit., p.319)
O processo de crescimento levou a capital “a ser dotada de edifícios de oito andares e
mais, conforme os gabaritos aprovados pela Prefeitura Municipal, prédios destinados a
escritórios e apartamentos no centro e somente a apartamentos nas outras áreas”. (PELUSO
JR, op cit., p.319)
Na ausência de um plano regulamentador de uso do solo e gabaritos (descaso que
historicamente acontecia desde Desterro), os critérios para as aprovações de projetos de
construção eram pontuais e, muitas vezes, visando interesses de grupos econômicos ligados às
elites locais.
275
5.2.1 Um Marco Urbano da Verticalização: O Edifício São Jorge
Em 1952 foi inaugurado o Edifício São Jorge, que depois abrigaria o Lux Hotel. Foi
construído em área de grande centralidade, na esquina da Rua Felipe Schmidt com a Rua
Deodoro, na margem oeste da Praça, em local urbano do comércio mais expressivo da capital
na época. A edificação ainda hoje marca aquele lugar urbano, local de vários eventos
importantes na vida política e cultural da capital.
A obra esteve a cargo da construtora Surugi & Colle de Curitiba e o projeto
arquitetônico teve desenvolvimento por Wolfgang Ludwig Rau (ainda sediado em Curitiba na
época) e posterior colaboração licença de construção do arquiteto Tom Wildi (ver Fig. 5.1
e Fig. 5.2).
Algumas características como a centralidade da portada e o eixo simétrico especular
na fachada principal traduziam uma composição com sabor acadêmico. Uma decoração
discreta (cimalhas em relevo) contornava elementos de fachada. O resultado foi impactante na
malha urbana adjacente (o centro vivencial da época), tanto pela altura, quanto pelo aspecto
compositivo, aliando tradição e modernidade. Sua inserção urbana ainda hoje se mantém,
inclusive pelo trato com o espaço público adjacente (desenho da esquina, marquises no
térreo). Essa inserção, em se tratando de uma das mais importantes esquinas da área central, é
enfatizada pela composição dos balcões em balanço, acentuando uma verticalização
(cenográfica), típica da modernidade. O hotel foi lugar de destaque na cultura urbana dos anos
1950, com exposições de arte moderna, desfiles de moda de vanguarda e festas. No seu
pavimento térreo se deram várias atividades ligadas à vida urbana, como barbearia, ca e
lojas. Um restaurante no último pavimento, durante muito tempo, foi lugar de encontros
comerciais, políticos e sociais das elites econômicas locais (ver Fig. 5.3 e Fig. 5.4).
276
Fig. 5.1: Vista do Edifício São Jorge (trabalho de Wildi e Rau)
em obras no início dos anos 1950, à Rua Felipe Schmidt.
Fonte: RAMOS, 1986, p.165.
Fig. 5.2: Vista atual da volumetria de esquina do Edifício São Jorge (1952).
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
277
Fig. 5.3: Balcões do Edifício São Jorge.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 5.4: Anúncio publicitário do Lux Hotelno Edifício São Jorge.
Fonte: O Estado, 3, jan, 1952, p.3.
278
Um evento exemplar da importância urbana do Lux Hotel foi, por exemplo, a
Exposição de “Gravuras Brasileiras”, em outubro de 1954, a cargo do Clube de Gravura de
Porto Alegre. Esse Clube reunia artistas de renome nacional, engajados em uma arte de cunho
social, e que faziam da gravura um instrumento de democratização da arte. A exibição trazia
assim alguma renovação no ambiente conservador das artes plásticas em Florianópolis e, não
por acaso, seu palco foram os salões do Lux Hotel, talvez o único lugar com pretensões
cosmopolitas da capital catarinense, na época.
Conforme Castro (2002, p.93) o Lux Hotel funcionou como tal até 1974, quando foi
ampliado em dois pavimentos, adotando a denominação Center Plaza Hotel. Uma segunda
reforma em 1988 transformou o prédio em edifício de escritórios e salas comerciais, com o
nome de Ed. São Jorge (Fig. 5.5 e Fig. 5.6).
A edificação apresentava oito pavimentos, conforme gabarito para a área citado
anteriormente, (mais dois construídos após), em formulação Art Déco de viés náutico. Balcões
ondulados, janelas-escotilhas, pestanas e outros elementos aludem ao paquebôt, o
transatlântico.
A planta tipo revela espaços interiores, nas habitações do hotel, de dimensões
reduzidas, em uma compartimentação ainda tímida, oriunda da técnica tradicional das paredes
portantes. Os materiais de piso e revestimento parecem configurar o que Nestor Goulart Reis
chamou de aparência de moderno
1
, sendo utilizados os pisos de tacos de madeira (parquet),
ladrilhos hidráulicos, a granitina e outros amplamente disseminados na década de 1950,
Brasil afora.
O térreo do Edifício São Jorge se integrava à vida urbana, como visto em parágrafo
anterior, e sua volumetria elegante marcaria por muito tempo a primeira fase de verticalização
do centro comercial (Fig. 5.7).
279
Fig. 5.5: Vista da atual inserção urbana do Edifício São Jorge.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 5.6: Planta baixa do Edifício São Jorge.
Fonte: Arquivo da SUSP.
Fig. 5.7: Wolfgang Rau no Café Senadinho, térreo do Edifício São Jorge.
Fonte: Jornal da Semana, Florianópolis, nº 43, 24/nov. a 1º/dez., 1979, p. 43.
1
In REIS FILHO, 1970, p.76, onde o autor discorre sobre os novos materiais e a aparência de moderno nas casas
tradicioanais.
280
5.3 Uma Segunda Modernidade: Cultura Urbana nos anos 1950
Nos anos 1950, na cidade ainda pequena e com um cotidiano pacato, se iniciou uma
intensa atividade (guardadas as proporções) de grupos de artistas e escritores. Entre eles, o
mais ativo foi o Grupo Sul, que inclusive produziu o que seria a primeira película realizada
em Santa Catarina, o filme O Preço da Ilusão. A cidade ensaiava uma atividade turística
(recebia hidroaviões e abria hotéis) e pouco a pouco novas construções, promovidas pelo
Estado e pelo capital privado, iam ocupando o espaço das velhas edificações do centro.Os
cinemas e as emissoras de rádio eram os propagadores de uma modernidade possível.
O estilo de arquitetura das casas exceção de alguns casarões, ou casas
ajardinadas) era bastante monótono e de uma lastimável ausência de inspiração para,
mesmo utilizando os materiais de construção ainda não muito variados nesta região
“provinciana”, à disposição dos profissionais de edificação, criar novas formas,
externas de fachada e, internamente, em plantas mais funcionais. (Depoimento de
Wolfgang Rau em entrevista de 1995)
Um outro depoimento, não menos preciso, e rico em detalhes vivenciais da
Florianópolis dos anos 1950, é o do jornalista Sérgio da Costa Ramos, em uma crônica
publicada recentemente:
Nessa película cheia de sombras e luminescências, o Verão acontece no “Praia
Clube” em Coqueiros (...). Saindo do Largo da Alfândega num “Gostosão” do “Bom
Abrigo”, levava-se meia hora para chegar no ponto da Igrejinha.(...) O ônibus
resfolegante atravessava a Ponte Hercílio Luz sobre um trilho de tábuas, que
“coaxava” num coral de madeira, um quá-quá-qque se associava á paisagem, o
motor fervente “fazendo sala” ao lado do motorista.(...)
Parabéns, companheiro, avançado ns seus “enta”. Hás de ter vivido a melhor
Floripa de todos os tempos. (...)
de ter freqüentado o Salão Record, na Praça XV barbearia e usina de notícias.
“A Soberana”, dos Moritz, pães, sonhos, doces folheados, quindins. A sorveteria do
barão. A banca de jornais do “seu” Beck. As Fiambrerias Koerich. O Carnaval da
praça XV. O Miramar. O Katcips da Praia de Fora.O cinema do Clube Doze, às
terças. O Encontro dos Brotinhos, no Lira, aos domingos.O Piano Bar, no
Querência, sexta, à noite. Lingüiça frita no Universal. Bauru no Alvorada. Conversa
de botequim no Topázio, antes de Avaí e Figueirense no “Pasto do Bode. (...)
(RAMOS, 2007, p.5).
(ver Fig. 5.8)
281
Fig. 5.8: Vista panorâmica de Florianópolis nos anos 1950.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
O mesmo cronista lembra a ambiência urbana da cidade nessa época:
(...) Apenas quatro edifícios começavam a mudar a planície do chamado “Centro
Histórico”: o Hotel La Porta primeira modernidade pós-Revolução de 30 O
Edifício Ipase, o Querência Palace e o Banco do Comércio. Por causa dessas
“torres”, já não se dizia que a ponte ligava “o nada a coisa alguma (...) (RAMOS,
2008, p.5).
Como se pode deduzir, o texto traduz o sentimento do cidadão de Florianópolis,
entendendo a verticalização das arquiteturas como animação urbana, associando aquela a um
tipo de progresso. Por outro lado, a crônica faz uma alusão irônica à modernidade pretendida
pela inserção da Ponte Hercílio Luz no imaginário urbano, evidenciando que, apesar dessa, a
Ilha-Capital continuava isolada, sem maiores ligações (físicas e simbólicas) com o centro do
país.
Um clima de um desenvolvimentismo sedutor que irradiava das publicações, do rádio
e seus anúncios e novelas, um mundo moderno com seus aparatos industrializados se
descortinava nos anos 1950, para a pacata Florianópolis:
A modernização instituída pela renovação técnica do espaço urbano produzia toda
sorte de experiências sociais e culturais. Homens e mulheres se viam, eles próprios,
como projetos modernos, a se construírem numa estética de si. Desejos, sonhos,
fantasias, novas condutas, novos valores, novos gostos, novos estilos fundem-se aos
aparatos institucionais, tecnológicos, visuais. Na cidade, tudo ganhava o apelo do
moderno. (FLORES, M. B. R, 2006, p.17)
Havia um grande desejo de ser moderno, desejo esse impulsionado pela promessa
estabelecida por ofertas de uma modernidade rapidamente alcançável:
282
O aumento da energia elétrica incrementava o consumo de eletrodomésticos
modernos; cafés e bares eram coadjuvantes dos cinemas Ritz, Roxy, Imperial,
Odeon e Império; a Real ou a Varig cruzavam o céu trazendo e levando os viajantes;
as rádios Atlântida e Guarujá enxameavam a cidade com novos sons musicais e
notícias do mundo de Paris e do Rio de Janeiro; os colunistas sociais anunciavam a
última moda;o Clube Doze de Agosto, ou o Clube Seis de Janeiro eram o palco da
vida social de uma elite educada, “gente de bem”, de gosto moderno No Café Rio
Branco, tomava-se sorvete e discutia-se os lançamentos da literatura mundial,
chegados a Florianópolis pela Editora Globo, de Porto Alegre. As vitrinas exibiam o
que havia de novo para a casa e para a toalete pessoal, tudo moderno. (FLORES,
M.B.R., 2006, p.17)
Impressões dessa modernidade tinham outras interpretações, de cunho existencial,
como nessa crônica:
Floripa, anos 50. A Felipe Schmidt marginada por “coches” da época, dotados de
imensos motores, estribos e rodas de “polainas” brancas. (...) Homens e mulheres
caminhando pelas calçadas. Um homem de terno e gravata – coroado por um
acessório daqueles tempos um chapéu. (...) A partir do meu olhar, o homem do
chapéu ganha movimento. A foto se “descongela”: um Ford 48, de “praça”, pára na
sinaleira. Um velhinho pede um café no Ponto Chic. (...) Do rádio bojudo que se
aloja numa prateleira da Barbearia do Formiga, encravada no térreo do Lux Hotel,
desprendem-se músicas da época (...). (RAMOS, S. da C. Uma Época. Diário
Catarinense. Florianópolis, 26 janeiro 2008, p.5)
A vida cultural de Florianópolis, através de alguns grupos de jovens escritores e
intelectuais, tentava lutar contra a condição (recorrente em vários depoimentos sobre a época)
de cidade pacata, de capital provinciana, afastada dos movimentos do centro do país. Um
exemplo dessa atitude foi a edição da revista literária Bússola, no ano de 1950.
O início da década de 1950 foi marcado, na área cultural, diretamente ligada à
arquitetura, pela publicação de texto na Revista Sul Nº13 (Abril 1951) do arquiteto Carlos
Henrique Bahiana, intitulado a “Função social do Arquiteto”. O texto aborda a importância
da atividade do arquiteto como agente social e, de certa forma, inaugura em terras
catarinenses um debate que tomou conta das reuniões dos arquitetos, em torno de suas
entidades representativas, até os anos 1970: “A arquitetura, assim como todas as artes é por
excelência um reflexo das condições político-sociais de uma época (...)”. Prosseguindo, o
autor defende uma arquitetura moderna como educativa de mentalidades:
(...) Uma vez projetada e construída uma obra realmente moderna, seu autor
contribuiu por vários modos para a educação social do homem. É um verdadeiro
psiquiatra fazendo uma profilaxia das moléstias sociais (...). A formação de uma
nova mentalidade é o grande objetivo que o arquiteto tem em mente ao projetar uma
283
escola ou uma fábrica, um parque infantil, até mesmo um prédio de habitação
coletiva (...). (BAHIANA, 1951, p.12)
O texto defende uma atribuição messiânica ao exercício da arquitetura moderna e
coloca como exemplo Oscar Niemeyer, o qual é configurado como “verdadeiro marco
assinalando uma nova época de humanismo”.
Esse texto, publicado em uma capital de um estado então periférico aos debates
culturais do centro do país, estava carregado de certa ingenuidade sociológica, típica da
época. Por outro lado, demonstra a necessidade que os círculos culturais de Florianópolis
tinham de discutir os problemas de uma modernidade emergente e o papel do arquiteto, como
formulador de novos espaços urbanos.
Atestando a crescente importância da arquitetura na vida cultural da capital, foi
publicado na Revista Sul 14 um projeto arquitetônico para um novo Trapiche Miramar em
concepção do arquiteto Luiz Eduardo Santos. O Miramar, palco da vida boêmia e ponto de
encontro referencial, receberia, segundo o autor, modernização adequada aos novos tempos da
arquitetura, continuando a ser lugar urbano inserido na maritimidade de Florianópolis.
Em 1957, uma manifestação cultural foi significativa, no conjunto de ações dos
artistas e intelectuais, para afirmar uma identidade cultural catarinense. Foi a Exposição de
Pinturas e Desenhos de Motivos Catarinenses com os artistas Hassis e Meyer Filho, no
Instituto Brasil – Estados Unidos.
Na vida cultural de Florianópolis dos anos 1950, pode se perceber esse desejo de
acompanhar o brilho do moderno dos centros maiores, entre várias camadas da população,
pois:
Imbricam-se moderno, modernidade, modernismo, modernização, termos que
ocupam amplo espaço no campo da literatura, da arquitetura, das artes plásticas, no
campo econômico, no cotidiano e nos corpos, dentro dos padrões técnicos e estéticos
modernos. (FLORES, 2006, p.21)
284
Essa indistinção de termos que remetem a um mesmo tema seria comum, não para
Florianópolis, mas, ao que parece, para uma larga parcela da população brasileira, mergulhada
direta ou indiretamente no processo de urbanização daquele momento.
Sobre a vida econômica da capital nessa época, o depoimento do professor Carlos
Augusto de Figueiredo Monteiro, um dos fundadores do Curso de Geografia da UFSC, é
preciso:
Não diria que, ao chegar a Florianópolis em 1955, ela fosse uma cidade estagnada.
Era evidente que aquilo que lhe poderia ser imputado até 1945, graças à influência
da Segunda Guerra Mundial, possibilitou alguma acumulação de capital; a cidade
registrava um surto de progresso que pode ser atestado pelo mero anual de
construções urbanas: entre cinqüenta e sessenta no período até 1945, passando no
período em tela, para 350 a 450. (MONTEIRO, 2005, p.12)
No ano de 1957 foi criado, por vários jovens artistas de então, o Grupo de Artistas
Plásticos de Florianópolis (GAPF). A exposição do Grupo se deu no espaço das Lojas
Cimo e a tônica dos trabalhos expostos era o cotidiano ilu (lugares e personagens urbanos)
em uma formulação plástica moderna. O grupo, que tinha várias linhas de expressão, era
composto por Aldo Nunes, Pedro Paulo Vecchietti, Rodrigo de Haro, Tércio da Gama, Thales
Brognoli, Meyer Filho, Dimas Rosa, Hugo Mund Jr. e Heidy de Assis Corrêa (Hassis). Esses
artistas, cada um a seu modo, vieram a marcar a produção futura de artes plásticas em
Florianópolis, introduzindo um olhar moderno, em seus vários vieses.
Nesse mesmo ano foi feita a produção do filme “Preço da Ilusão” pelo Clube de
Cinema / Círculo de Arte Moderna (CAM) do Grupo Sul composto por escritores e artistas,
como Salim Miguel, Eglê Malheiros e outros. Uma película amadora (no sentido stricto
sensu, feita por amantes de cinema), apesar do impacto cultural que causou, de certa forma
evidenciou a tese da modernidade prometida (e não cumprida): a idéia do fazer local não
deixou continuidade de produção de cinema em Florianópolis.
Nessa época, Florianópolis assumia sua condição binuclear, com o bairro do Estreito
já superando “o estágio de simples subúrbio para definir-se como outro centro, embora
285
secundário” (MONTEIRO, op. cit, p.12). A porção continental de Florianópolis também foi
até o final dos anos 1960, particularmente nos bairros do Bom Abrigo e Coqueiros, o primeiro
lugar de balneabilidade da capital.
Por outro lado a cidade não abria o também, no seu lado insular, da relação com o
mar, pois “o centro da cidade era intimamente comprometido com sua condição de
maritimidade. O mar batia o molhe da Praça XV, com o trapiche do Miramar, e chegava à
calçada do Mercado Municipal e cais da Rita Maria (MONTEIRO, op. cit., p.13). Essa
relação da cidade com o mar, aparentemente óbvia, em função da sua condição insular, vai ser
rompida nos anos 1970 pelos mencionados grandes aterros viários, que o fazer
Florianópolis merecer o cognome de Nossa Senhora dos Aterros, inteligente boutade do
escritor catarinense Fábio Brüggemann.
5.4 Um Plano Diretor para Florianópolis
Em alentado estudo sobre o Urbanismo no Brasil entre 1895 e 1965, escrito por vários
especialistas da área, a organizadora, Maria Cristina Leme, identifica três períodos sobre a
formação do pensamento urbanístico no Brasil. O primeiro iria de 1895 a 1930, o segundo de
1930 a 1950 e o terceiro de 1950 a 1964. Sobre esse último período, onde se enquadraria o
recorte temporal de um segundo ciclo de modernidade em Florianópolis, a autora afirma que:
“Entre 1950 e 1964, o terceiro período, são iniciados os planos regionais, dando conta da nova
realidade que se configura nesta época: a migração campo-cidade, o processo crescente de
urbanização, o aumento da área urbana e conseqüente conurbação”. (LEME, 1999, p.31-32)
Embora a maior parte desses fatores interviesse nos grandes centros brasileiros da
época, com sua modernização em processo, em Florianópolis alguns deles se configuraram de
forma impactante na capital, fazendo-se necessário tomar alguma atitude de planejamento.
286
Como afirmado, a cidade sofria, praticamente desde sua fundação, da inexistência de um
plano.
Em meados dos anos 1950, na gestão do prefeito Paulo de Tarso da Luz Fontes, foi
contratado um Plano Diretor para Florianópolis, cuja elaboração,
pela equipe de Edvaldo Paiva, de Porto Alegre
2
(...), partia de uma análise da cidade
em seus aspectos físicos, sociais, culturais e econômicos, tendo como base um
modelo de urbanismo amplamente aceito pelos arquitetos da época, proposto pelos
CIAMs. (CASTRO, 2002, p.63)
Para Eloah Castro,
no caso de Florianópolis, um pano de fundo se estendia sob os debates que
impulsionaram as iniciativas para a realização do Plano. Era preciso tirar a capital de
um atraso econômico, era preciso dar um salto para acompanhar o progresso que se
insinuava por todo o país, era necessário entrar no ciclo do desenvolvimentismo.
Qual deveria ser a principal atividade econômica de Florianópolis? Como cidade
capital, além de sua função administrativa, qual traço característico deveria lhe
conferir uma identidade? A avaliação da equipe de Edvaldo Paiva confirmava uma
visão de que Florianópolis era “atrasada do ponto de vista industrial e comercial”
sem condições econômicas “de sustentar uma grande cidade moderna. (CASTRO,
2002, p.63)
A epígrafe do estudo para o Plano traduzia o conceito que nortearia sua concepção:
Florianópolis é, antes de tudo uma cidade insular e portuária”. (PAIVA et alli, 1952, p.8).
Tratava-se então de aliar essa condição fundacional com critérios do urbanismo moderno,
para promover um desenvolvimento urbano compatível.
5.4.1 Um diagnóstico de Florianópolis
A análise feita para montagem do pré-plano radiografava “a fisionomia da cidade”
segundo fatores sócio-econômicos. Essa radiografia era calcada (conforme o próprio texto do
plano afirma) nos estudos do geógrafo Wilmar Dias, publicados em 1947 e já citados nesse
trabalho. Entre outras afirmões constava nesse diagnóstico, a existência de grandes áreas
2
Edvaldo Paiva formou-se em Engenharia Civil pela UFRGS (1935) e em Urbanismo pela Universidad de la
República (Montevidéu-Uruguai- 1942). Trabalhou entre outros, nos Planos Diretores de Porto Alegre
(coordenado por Arnaldo Gladosch, entre 1938 e 1943). (LEME, 1999, p.31), Uruguaiana, Lajeado, Rio Grande,
Caxias do Sul e Passo Fundo, cidades do Rio Grande do Sul.
287
vazias próprias para habitações, com um desequilíbrio de crescimento entre as áreas Sul (mais
densificada) e a Norte, mais vazia. Isso se deveria à “exisncia de grandes chácaras dentro do
perímetro urbano e nas proximidades do Centro atual, de propriedade de famílias tradicionais”
(PAIVA, op cit., p.12). Realmente, o lado Sul da Ilha estava densamente ocupado pelos
órgãos estatais, religiosos, mesclados às atividades comerciais e o lado Norte estava “dividido
em grandes glebas, servindo de anteparo ao natural crescimento das áreas residenciais”
(PAIVA, op cit., p.12). A descrição crítica da paisagem urbana apontava a já considerável
presença de sub-habitações nos morros da periferia do centro urbano e a “falta de obras de
melhoramentos urbanos” (op cit., p.15), conseqüência do pequeno desempenho econômico e
financeiro da cidade. Uma incipiente especulação imobiliária promovia também a vacância de
áreas de estoque, principalmente junto às áreas centrais.
Sobre o marasmo da vida econômica de Florianópolis, o Plano anotava que a
ausência de indústrias modernas e a natureza das ocupações da população” explicaria o “ritmo
relativamente lento de vida”, o que levaria à pequena densidade e a um espraiamento das
habitações no meio urbano (op cit., p.15). Outro fator importante de estagnação seria a
condição de a cidade ter somente a função de sede administrativa do estado e o interior (da
Ilha) não ter atingido “um nível econômico capaz de sustentar uma cidade moderna”.
(PAIVA, op cit., p.12) (ver Fig. 5.9).
Outro ponto anotado, hoje em estado crítico na cidade, foi a questão do trânsito e a
ênfase no uso cada vez maior de veículos motorizados (a partir da existência da ponte). Esse
fator, aliado a um traçado viário de desenho colonial, “com ruas inadequadas pela sua largura
e indiferenciação” (op cit., p.16) acarretaria em rios problemas, como o então isolamento da
área Norte e o estrangulamento à Leste da Praça XV de Novembro, com ruas-beco de largura
mínima (ver Fig. 5.10).
288
A análise destacava um fator positivo quanto ao quadro geral econômico de
Florianópolis, que poderia mudar radicalmente a situação: “a construção de um porto
moderno”. (op cit., p.16).
Esse é o fato mais importante a considerar para uma justa interpretação do futuro
desenvolvimento da cidade. O porto será um fator importante para o seu progresso
econômico. Esse progresso, significando desenvolvimento industrial e comercial,
virá condicionar fundamentalmente a concepção do Plano. (grifo nosso) (op cit.,
p.16)
Fig. 5.9: Diagnóstico da organização urbana de Florianópolis.
Fonte: PAIVA, 1952, p.16a.
Fig. 5.10: Traçado viário de Florianópolis na década de 1940.
Fonte: DIAS, 1947, p.8a.
289
Tal hipótese de partida se revelou equivocada, pois as condições de calado do porto de
Florianópolis, não possibilitariam o recebimento de navios maiores e modernos. Na ausência
de estudos técnicos mais precisos, quando da formulação dessa premissa, todo o Plano ficaria
ameaçado.
Além disso, os propositores, contrariando segundo eles, “uma esperança dos círculos
universitários”, não via na função universitária uma saída para a capital. Afirmavam inclusive
que “sem subestimar o aporte que o desenvolvimento da vida universitária trará à cidade, não
cremos na concretização do sonho de uma Florianópolis como cidade essencialmente
universitária.” (op cit., p.16).
Se Florianópolis hoje não é “essencialmente universitária”, muito da sua vida
econômica deve à instalação da Universidade Federal de Santa Catarina. Além de consolidar
uma expansão para uma área rural e criar nova centralidade (o bairro da Trindade), o
desenvolvimento tecnológico por ela possibilitado, ajudou a criar, por exemplo, novos setores
terciários, como o do ramo da informática.
Outra premissa que parece também ter sido um tanto frágil, foi a desconsideração para
com o turismo, descartado pela equipe como não sendo fator central de desenvolvimento.
Embora ainda hoje essa atividade divida opiniões e não tenha tido ainda maior planejamento,
essa desconsideração inicial impediu maiores avanços sobre a questão, pensando, por
exemplo, estratégias espaciais para sua implantação. Transcrevemos abaixo o trecho da
análise feita pela equipe, para reflexão:
O desenvolvimento do turismo ou, melhor, o seu surgimento, pode parecer para
alguns uma função fundamental para Florianópolis. A cidade é, certamente, uma das
mais belas do país, não do ponto de vista da paisagem natural do lugar como,
também, e talvez mais ainda, pela beleza singular de alguns pontos da cidade epelo
grande conteúdo tradicional de suas construções. No entanto, a função turística de
um lugar depende, também, da existência de um fluxo regular de turistas provindos
de lugares próximos. O turista proveniente de estados ou países distantes não pode
constituir uma esperança séria e, muito menos, uma garantia de mercado turístico
para Florianópolis. É fácil ver que o nível econômico das regiões vizinhas não é de
molde a proporcionar um tipo de turista que, pelo número e poder aquisitivo seja
capaz de determinar o progresso de uma cidade de mais de cinqüenta mil habitantes.
Acreditamos, assim, que o turismo poderá ser uma função acessória da cidade, que
290
reúne muitas condições para isso. Não pensarmos que tal função possa adquirir
primazia sobre a função econômica da produção e intercâmbio único capaz, a nosso
ver, de sustentar uma grande urbe (op cit., p.18-19).
5.4.2 O Plano: Sobre seus conceitos e propostas
O Plano proposto pelo escritório de Paiva e elaborado em co-autoria com Demétrio
Ribeiro e Edgar Albuquerque Graeff, tinha o zoneamento de usos como principal referência,
dentro do ideário funcionalista, baseado nos princípios da Carta de Atenas.
A equipe vinha de experiência anterior, levada a cabo em Porto Alegre, quando
Edvaldo Paiva e Demétrio Ribeiro elaboraram um Ante-projeto de planificação de Porto
Alegre de acordo com os princípios preconizados pela Carta de Atenas”, concldo em
fevereiro e 1951.
O ante-projeto é absolutamente literal: as quatro pranchas apresentam quatro plantas
temáticas, cada uma enfocando uma das quatro funções urbanas definidas na Carta
de Atenas: habitar, trabalhar, circular e cultivar o corpo e o espírito. (ABREU
FILHO, 2006, p.182)
Dentro desse princípio da Carta de Atenas, em Florianópolis haveria uma forte
hierarquização do sistema viário e uma localização precisa de equipamentos urbanos e de um
porto continental. Esses equipamentos seriam uma estação marítima, uma ferroviária, um
campus universitário, um estádio esportivo e o centro cívico. Uma avenida-tronco estruturaria
o novo sistema viário, anexado por aterro à orla marítima do centro insular (ver Fig. 5.11 e
Fig. 5.12).
Os pressupostos da cidade moderna (segundo a Carta de Atenas) e sua espacialização
se contraporiam aos da cidade existente (a cidade figurativa, no dizer dos urbanistas
modernos) e seu traçado (a rua-corredor). Haveria assim a necessidade, no caso de
Florianópolis de ampliar o território, alterando a morfologia original da Ilha. Aquela havia
sido alterada desde o século XIX, mas nunca nas dimensões requeridas pelo plano moderno
proposto.
291
Fig. 5.11: Perspectiva da proposta do Plano Diretor de1952 para Florianópolis.
Fonte: PAIVA, 1952, p.50a.
Fig. 5.12: Esquema gráfico da avenida-tronco conforme proposta
do Plano Diretor de 1952 para Florianópolis.
Fonte: PAIVA, 1952, p. 47.
292
O plano previa que no processo de evolução urbana de Florianópolis, zonas
residenciais seriam construídas na parte continental, a qual receberia também a implantação
de uma zona comercial e industrial. O centro fundador, insular, continuaria com as funções
comercial, administrativa e habitacional. Os objetivos principais desse plano eram:
a) Regulamentar a utilização e a percentagem de ocupação dos terrenos da área
urbana e regulamentar os gabaritos de altura das construções.
b) Constituir zonas residenciais bem definidas, melhorando as áreas loteadas e
prevendo o arruamento das áreas vacantes próximas ao centro atual.
c) Localizar convenientemente as áreas destinadas à cultura do espírito e do corpo,
prevendo para esse fim, espaços verdes correspondentes (praças), que seriam obtidas
por meio de desapropriação de áreas convenientemente localizadas.
d) Caracterizar uma via tronco desde o acesso terrestre na zona do Estreito, até o
lugar atualmente denominado “aterro”. Localizar ao longo dessa via tronco todos os
centros de atividades, comercial e administrativa (centros comerciais, centro cívico,
centro universitário, etc.). Criar novas vias e melhorar as existentes, quando
necessário (...) a fim de conseguir uma trama viária equilibrada e completa. (PAIVA
et alli, 1952, p.21)
Quanto ao item “b”, a função habitar, no miolo das áreas correspondentes ao vazio
urbano das chácaras insulares, um outro conceito urbano comparece. Esse também estava
presente no plano de Porto Alegre, correspondendo a uma interpretação da cidade-jardim. Na
capital gaúcha, cujo plano estava recém proposto (como vimos anteriormente), haveria a
introdução na escala urbana de “unidades de habitação, inspiradas no modelo da
neighborhood unit” da cidade-jardim americana, desenvolvida por Clarence Perry e ilustrada
exemplarmente no sistema Radburn de Stein e Wright”. (ABREU FILHO, 2006, p.185). Essa
solução comparece na planta de zoneamento do plano de Florianópolis, evidenciando uma
mescla de conceitos (o moderno racional dos CIAM e a visão bucólica da cidade-jardim) em
torno da modernidade na escala urbana (ver Fig. 5.13).
Abreu Filho aponta também para uma visão equivocada, ou mal traduzida, dos termos
da Carta de Atenas por parte de Paiva, a partir de tradução do inglês desse manifesto.
293
A versão da Carta que ele reproduz em Problemas Urbanos de Porto Alegre tinha
sido apresentada originalmente em setembro de 1945 no Boletim Municipal
3
, como
tradução da Town-Planning Chart publicada por José Lluis Set em 1942, de autoria
do engenheiro Clovis Pestana, à época prefeito municipal de Porto Alegre. (ABREU
FILHO, 2006, p.192-193)
Segundo esse autor, “Paiva retoma a tradução de Clovis Pestana, modificando alguns
termos ou frases e acrescentando outros, mas mantendo quase todos seus (muitos) erros e
equívocos”. (op cit., p.193).Não se pode precisar até que ponto a presença de Demetrio
Ribeiro, na co-autoria do Plano para Florianópolis, pode ter corrigido ou amenizado essas
interpretações, o que (em outro estudo mais aprofundado a ser feito) seria importante aclarar.
O plano defendia a construção de um porto moderno na região continental próxima (o
Estreito) como fator fundamental de desenvolvimento econômico. O porto seria estratégico
para não retomar uma vocação da cidade e sua maritimidade, mas para o incremento
comercial e vivencial da região continental (ver Fig. 5.14):
A análise do processo de desenvolvimento do Estreito indica que, nas proximidades
do porto e da zona industrial, na confluência dos acessos terrestres á cidade, tenderá
a formar-se um centro de vida comercial após a construção do porto e se houver
efetivamente um desenvolvimento da indústria florianopolitana (op cit., p.29).
A partir desse desenvolvimento seria possível manter uma função universitária para
Florianópolis, que o Plano não via como fundamental para o progresso da cidade, como
queriam alguns círculos políticos. Apesar desse entender como secundária em relação à
função portuária, a Universidade (a ser implantada com caráter central) foi alocada em aterro
a ser feito próximo ao centro fundador e com frente marítima.
A espacialização do Plano, esboçada em perspectivas, descia a detalhes da arquitetura
de alguns espaços públicos estratégicos. Ele sugeria, através de desenhos específicos, uma
arquitetura moderna para os edifícios do Centro Cívico à beira mar na Baía Sul, e um
desenho urbano também moderno para os espaços abertos, inclusive os do Campus
Universitário, seguindo um ideário semelhante ao da Cidade Universitária do projeto de Lúcio
3
Boletim Municipal (21), Porto Alegre, jul-set 1945, pp 187-194 (In ABREU FILHO, 2006, p.192 - Notas).
294
Costa para o Rio de Janeiro. Para isso, critérios técnicos como insolação, ventilação e
acessibilidade correta, norteariam o projeto específico, a ser concebido (ver Fig. 5.15).
Em artigo do Prof. Arq. Edgar Graeff (da equipe de Edvaldo Paiva), publicado no
jornal O Estado, em 11/05/1952, sobre o Plano Diretor de Florianópolis, eram colocados
argumentos que defendiam um conceito de Campus Universitário, integrado à cidade, ao
invés de uma Cidade Universitária, afastada do centro urbano.
O Plano, que chegou a ser publicado, não foi implantado. Dele foram retiradas
algumas referências formais, (como a grande área aterrada na orla marítima insular e certa
ênfase no novo sistema viário), para a elaboração de outro Plano (em um contexto político
completamente diferente) a cargo do arquiteto-urbanista Luiz Felipe Gama D’Eça em 1967.
Esse plano que implantaria um aterro na Baía Sul, como parte de um novo sistema viário,
viria a marcar a paisagem urbana da área central insular, afastando-a física e vivencialmente
do mar.
Fig. 5.13: Planta de zoneamento das alturas das edificações, com os vazios
das chácaras ocupados por desenho baseado na cidade-jardim,
segundo o Plano de 1952 para Florianópolis.
Fonte: PAIVA, 1952, p. 66.
295
Fig. 5.14: Esquema gráfico da nova estruturação da zona do Estreito,
conforme o Plano de 1952 para Florianópolis.
Fonte: PAIVA, 1952, p.44.
Fig. 5.15: Proposta arquitetônica moderna para o Centro Cívico
de Florianópolis, segundo o Plano de 1952.
Fonte: PAIVA, 1952, p.53a.
296
As pressões de grupos das elites locais levaram à implantação de uma Cidade
Universitária na área rural da Trindade, como veremos mais adiante. O curioso é que a
preocupação de Graeff, quanto ao isolamento e segregação dessa Cidade, porque afastada da
vida urbana do centro, não aconteceu. A antiga área de pecuária se transformou em um bairro,
e a Trindade hoje tem uma centralidade própria, praticamente independente da Universidade
Federal e bastante conectada à vida urbana de Florianópolis.
Da influência de Porto Alegre houve, por outro lado, a promulgação de um Código de
Obras, aprovado por Lei Municipal Nº 246 de 15 de novembro de 1955, na gestão do prefeito
Osmar Cunha. Esse Código, na ausência de outro, mais atualizado, foi utilizado até
recentemente.
A cidade, como afirmado antes, continuaria a sofrer a ausência de planejamento que
contemplasse o todo urbano e sua relação com uma região metropolitana. Procedimentos
pontuais continuariam a ser adotados, mesmo depois com a presença impactante da BR 101 e
a conurbação com a cidade continental contígua de São José e outros municípios vizinhos
como Palhoça, Biguaçú e Santo Amaro da Imperatriz, região hoje cognominada Grande
Florianópolis (ver Fig. 5.16).
Fig. 5.16: Ortofoto de Florianópolis de 1957.
Fonte: Acervo do IPUF.
297
5.5 No adensamento da área central, uma Modernidade Figurativa: o
Cine São José
Como vimos anteriormente, na década de 1950, a cidade estava em processo de
crescimento populacional e conseqüente adensamento de sua área central. Os lazeres urbanos
se consolidaram nesse momento e, entre eles, cada vez mais popular, o cinema. A hegemonia
desse ainda não era ameaçada pela televisão
4
e o cinema de rua, com sua arquitetura própria,
era muitas vezes um forte referencial urbano.
O jornal O Estado, meses antes, anunciava a inauguração do Cine São José que se
deu em 21 de julho de 1954. Localizado na Rua Padre Miguelinho, em lugar central (próximo
à Catedral) e construído pela firma Moellmann & Rau, teve projeto arquitetônico de
Wolfgang Rau e chefia das obras a cargo do Eng. José da Costa Moellmann. O
empreendimento ficou a cargo do empresário Jorge Daux, ligado à área de cinemas em todo o
estado de Santa Catarina. A inauguração teve uma grande repercussão urbana, sendo
transmitida ao vivo pela Rádio Guarujá, e recebendo a benção do Bispo D. Jaime mara
5
,
marcando de forma impactante o início de atividade de uma casa de cinema (ver Fig. 5.17 e
Fig. 5.18).
O cinema era, além de entretenimento, lugar de acesso às informações, divulgadas
pelos cine-jornais. O cinema era cada vez mais lugar
6
de encontros sociais, dos mais
importantes da época e essa inauguração (aliando atividade urbana moderna e arquitetura
nova) marcaria uma promessa de modernidade para a capital (ver Fig. 5.19).
4
A primeira transmissão de televisão em Florianópolis se deu em 31 de maio de 1970 pela TV Cultura.
5
Era comum à época, em praticamente todo o país, o ritual de abençoar prédios e espaços arquitetônicos de
destaque no meio urbano, em uma espécie de chancela da Igreja Católica, independente das convicções
religiosas do empreendedor.
6
Lugar entendido aqui do ponto de vista antropológico: local com identidade urbana, relacionado a uma cultura
da cidade, lócus de sociabilidade.
298
Nas palavras de um dos discursos do evento, a cargo de Ildefonso Juvenal,
empresário-farmacêutico:
(...) Florianópolis, a nossa querida Capital, está assumindo aspecto de grande cidade,
Florianópolis modernizou-se. Observa-se evidentemente, grande animação no centro
urbano da cidade. Surgem os primeiros arranha-céus, desafiando as alturas e
espreitando a vastidão do horizonte por meio de centenas de olhos abertos nas
paredes colossais de cimento e aço. Constroem-se por toda a parte custosos e
arquitetônicos prédios residenciais (...). (A Pré-Inauguração do Cine São José, O
Grande Acontecimento Social de Florianópolis. O Estado, Florianópolis, 20 de julho
de 1954, p.4)
Fig. 5.17: Anúncio publicitário de inauguração do
Cine São José, Florianópolis.
Fonte: O Estado, 13, maio, 1953, p.11.
Fig. 5.18: Perspectiva do projeto arquitetônico do
Cine São José, projeto de Wolfgang Rau.
Fonte: Acervo da família Rau.
299
A arquitetura do cine São José refletia as várias influências e experiências que
Wolfgang Rau teve em seu trabalho. O projetista era experiente com esse tipo de projeto,
pois em 1948 havia construído o Cine-Teatro Marajoara em Lages e o Cine Mussi em
Laguna, com sucesso. Trabalhou nesse projeto com elementos de várias referências, onde, por
exemplo, a colocação de um elemento vertical na fachada (talvez com intenção de um diálogo
com a torre da Catedral), aparentemente sem função, desempenharia um papel de marcação
urbana do novo prédio no cenário urbano. O grande pano de vidro, no segundo pavimento,
evidenciando o papel de vitrine social do foyer, a marquise sinuosa sobre a entrada, também
enfatizavam a importância do evento cinema, no processo dessa modernidade figurativa (ver
Fig. 5.20).
Os interiores, onde o saguão de entrada e a platéia com mezanino, faziam o papel de
teatro do encontro social, eram ornamentados por elementos cenográficos (florões) nas
paredes laterais (com execução a cargo do Professor Franklin Cascaes
7
e dos Iros Vitali) e
uma luminária monumental, centralizada no forro (ver Fig. 5.21).
Toda a ambientação enfatizava o cinema como evento urbano dos mais importantes,
para além do que se projetava na tela...
(...) E houve o Cine São José jóia do tempo em que os cinemas se chamavam
“Palace” e justificavam o nome, sem imaginar que um dia acabariam servindo de
sacristia para bispos e bispas da Igreja Renascer. Do cinema da rua Padre
Miguelinho (...), muito me marcaram comédias como Gigi (...) e Quanto Mais
Quente Melhor (...). (RAMOS, S. da C.. Cines Paradiso. Diário Catarinense,
Florianópolis, 23 janeiro 2008, p.5)
7
O professor Franklin Cascaes foi um artista multimídia “avant la lettre”: ceramista, escultor, pesquisador da
cultura da Ilha de Santa Catarina, fabulista e museólogo Seu trabalho é referencial e único.”A obra de Franklin
Cascaes, que se desdobra ao longo de trinta anos de “pesquisa de campo”, além de situá-lo como o maior
mitólogo do Sul, representa um elo entre o passado caboclo/açoriano e o presente, em suas novas
tendências”.(ARAÚJO, 2008, p.27).
300
Fig. 5.19: Inauguração do Cine São José, transmitida
ao vivo pela Rádio Guarujá, 20, jul., 1954.
Fonte: Acervo da família Rau.
Fig. 5.20: Vista do interior da platéia, do Cine São José,
com trabalhos decorativos de Franklin Cascaes.
Fonte: Acervo da família Rau.
Fig. 5.21: Detalhe da luminária central
da platéia do Cine São José.
Fonte: Acervo da família Rau.
301
A planta-baixa nos mostra a seqüência espacial desejada pelo programa: uma
continuidade do público ao privado, com o citado foyer como espaço de intermediação. Mais
elucidativo é o corte, evidenciando a técnica tradicional de tesouras de madeira da cobertura
cerâmica, a qual a fachada ocultava. foi comentado anteriormente o papel da platibanda em
arquiteturas da modernidade de viés figurativo. Sua presença ocultaria convenientemente um
passado construtivo não condizente com tempos modernos e, ao mesmo tempo, no caso do
cinema, poderia fazer o papel de grande écran, marcando presença na paisagem urbana (ver
Fig. 5.22).
Fig. 5.22: Planta baixa do Cine São José.
Fonte: Arquivo da SUSP.
302
5.6 Rumo ao sul da Ilha: O Clube do Penhasco e um ensaio de
Arquitetura Moderna
Outra atividade de lazer da época, bastante requisitada era o clube social. Em uma
expansão da área central, em área em processo de adensamento, a Prainha, na volta do acesso
rumo ao Sul da Ilha, foi inaugurado nesse mesmo ano de 1954, o Clube do Penhasco,
projetado pelo arquiteto Walmy Bittencourt, formado no Rio de Janeiro, que teria sido o
arquiteto a trabalhar na cidade.
8
Uma arquitetura de extração moderna, com referências às
obras da Pampulha, foi assim introduzida em Florianópolis, convivendo com arquiteturas
eclético-modernas, como a do cine são José.
A sua implantação foi feita em um promontório, verdadeiro mirante natural, e o Clube
foi projetado com uma volumetria cilíndrica em uma apropriação bem sucedida da paisagem
marítima, através de aberturas perimetrais (ver Fig. 5.23).
O arquiteto alcançou uma implantação marcante no sítio, integrada à topografia, na
volta para o Sul do morro sobre a baía, a cavaleiro da paisagem. Paradigma moderno em
termos estruturais, o uso de estrutura de laje nervurada na cobertura abobadada, criando
amplo espaço livre interior, resolveu um programa de necessidades que incluía pista de
danças, palco, bar e espaços de apoio (ver Fig. 5.24 e Fig. 5.25).
A simultaneidade no tempo e no espaço dessas duas arquiteturas, a figurativa de
Wolfgang Rau e a moderna de Walmy Bittencourt, vieses diametralmente opostos da
modernidade comprova a sua convivência em um mesmo ciclo econômico-cultural da cidade.
Nesse sentido, o termo protomoderno, aplicado a arquiteturas (como o Art Déco e outras) que
“preparariam” para o moderno, não seria correto, sendo expressão de uma historiografia
moderna autocentrada, autorefenciada. São arquiteturas que não seguiam o ideário conceitual-
303
formal do Movimento Moderno e tinham um entendimento diferenciado da modernidade em
arquitetura. Beco sem saída para alguns historiadores
9
, esse viés que integrava o ornamento ao
espaço como um todo, teve seu papel próprio na cidade, fazendo lugares urbanos.
Fig. 5.23: Vista aérea da implantação do Clube do Penhasco (1954),
Florianópolis, projeto de Walmy Bitencourt.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
Fig. 5.24: Vista atual da inserção urbana do Clube do Penhasco.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
8
Se considerarmos Tom Wildi como o primeiro profissional diplomado em Arquitetura a atuar em Florianópolis.
9
Conforme artigo sobre a arquitetura de Robert Mallet-Stevens (COSME, 1986, p.23).
304
Fig. 5.25: Vista externa atual do Clube do Penhasco,
desde a via de contorno da Prainha.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
5.7 A modernização do aparelho de estado: um Palácio para as
Secretarias de Governo
Como parte da estratégia do citado Plano de Equipamentos e Obras, foi inaugurado em
1955, o Edifício das Secretarias (hoje Secretaria da Fazenda) na esquina da Rua Tenente
Silveira com a Praça XV de Novembro. O projeto arquitetônico era de Wolfgang Ludwig Rau
e sua construção esteve a cargo da empresa Moellmann & Rau (ver Fig. 5.26 e Fig. 5.27).
A localização do edifício, em esquina lateral à Catedral, na praça fundadora da cidade,
marcaria a presença estatal na modernização edilícia de Florianópolis, alinhada aos
monumentos anteriores, presentes no lugar, como o Palácio Cruz e Sousa, a Câmara de
Vereadores e outra instituições. Essa modernização se expressaria também na nova montagem
administrativa das secretarias de estado, que necessitariam de espaço físico condizente com as
novas condições de trabalho.
Inaugurada pelo governador Irineu Bornhausen, essa edificação representaria através
de sua monumentalidade o poder do estado, sua presença no contexto urbano central e o aval
da verticalização que se iniciava. A ruptura com a antiga estrutura fundiária, representada
305
pelos sobrados remanescentes e suas paredes geminadas, daria lugar aos grandes prédios,
liberados nos terrenos amembrados (ver Fig. 5.28 e Fig. 5.29).
Fig. 5.26: Vista da época de inauguração do Palácio das Secretarias (1955),
na esquina da Praça XV de Novembro, Florianópolis, projeto de Wolfgang Rau.
Fonte: Acervo da família Rau.
Fig. 5.27: Baixo relevo com a nomeada dos autores da obra do
Palácio das Secretarias, na portada da edificação.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
306
Fig. 5.28: Vista da inserção urbana do Palácio das Secretarias na década de 1960.
Fonte: Acervo da família Rau.
Fig. 5.29: Vista atual da inserção urbana do Palácio das Secretarias.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
307
O edifício desenharia a esquina através de elementos compositivos como a ênfase no
pavimento térreo, com pé direito de escala urbana, revestimento em mármore negro (como um
grande sócolo, definidor de um piano nobile) e uma portada monumental com escadaria
(situada na Rua Tenente Silveira). Os pavimentos superiores, com elementos volumétricos
(formando uma espécie de brise, marcando uma caixa de tons claros, foram coroados por uma
cimalha, garantindo a expressão clássica de um viés racionalista (onde os três elementos
base, fuste e coroamento aludiam à coluna do classicismo). A linguagem empregada no
Palácio, embora esse devesse representar a modernização estadual, remete ao racionalismo
clássico, como o do final do século XIX, cujo maior representante seria Louis Sullivan, em
Chicago, Estados Unidos da América. Isso refletiria certa visão de moderno, um moderno
conservador, tanto por parte do projetista Wolfgang Rau, como por parte de seu cliente, o
estado, na figura do governador Irineu Bornhausen (ver Fig. 5.30 e Fig. 5.31).
Esse aspecto solene final, externo, revestiria como pele, um interior bem iluminado,
das plantas baixas mais espaçosas, destinadas aos novos encargos administrativos do estado.
O edifício marcaria a paisagem urbana da capital por um bom tempo, enquanto que seu
vizinho – o Edifício das Diretorias –, na esquina seguinte, estava em construção:
Contavam-se nos dedos de uma mão os edifícios de certa altura nenhum
merecedor do termo arranha-céu como os edifícios públicos das Secretarias e das
Diretorias de Estado, ao lado do belo palácio do Governo (hoje Museu Cruz e
Sousa), e alguns outros que não atingiam a dezena. (MONTEIRO, 2005, p.12)
Mais importante do que o aspecto formal do edifício, parece ser sua feição
monumental, situando-se em uma das mais importantes esquinas da praça fundadora e ruptura
com a antiga estrutura fundiária do lugar. Se o ecletismo (representado pelas edificações
sobrados do outro lado da Praça) não fazia essa ruptura, somente atualizando as fachadas,
essa edificação estatal o faria. De novo o estado levaria a reboque uma modernidade, mesmo
que essa por contradão e ambigüidade, afinal suas características carregasse o gosto
conservador dos seus agentes.
308
Fig. 5.30: Vista atual da portada do Palácio das Secretarias,
desde a Rua Tenente Silveira.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 5.31: Vista atual do interior do pavimento térreo
do Palácio das Secretarias.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Na continuidade do processo político, em 1956, outra promessa de modernidade se
instaurou na esfera estadual. Jorge Lacerda, político e intelectual, assumiu o governo do
Estado de Santa Catarina (1956/1958). Lacerda seria a perspectiva para Santa Catarina
assumir um lugar mais destacado na modernidade cultural. Crítico de arte, jornalista e homem
do mundo, ele personificava uma nova atitude, no tradicional mundo da política catarinense.
Como exemplo de sua breve atuação no governo, ele criou a Diretoria de Cultura da
Secretaria Estadual de Educação, estabeleceu as bases para a implantação da termoelétrica de
309
Capivari, hoje Usina Jorge Lacerda, além de ter iniciado o asfaltamento das rodovias
estaduais. Sua morte trágica em acidente de avião em 1958 levou junto outros políticos de
importância como o ex-presidente Nereu Ramos e o deputado Leoberto Leal.
5.8 Na expansão do centro, um programa urbano: o Edifício de
Apartamentos
O Edifício Mussi, destinado à habitação coletiva e para tal construído por Moellmann
& Ráu Ltda, faz parte do contexto do início da verticalização do centro de Florianópolis. Na
década de 1950, particularmente na segunda metade dessa, como já afirmado anteriormente,
edifícios de quatro até oito pavimentos são construídos, em um processo de renovação urbana.
Alguns antigos lotes, típicos da estrutura urbana colonial do centro, são amembrados e
recebem novas edificações, transformando a paisagem da pacata Capital do estado. A
modernidade chegava à cidade, muitas vezes por meio de uma arquitetura de viés moderno
híbrido carregado de ênfases decorativas (ver Fig. 5.32 e Fig. 5.33).
A maioria das construções ainda adotava técnicas tradicionais, com discreto uso de
estruturas de concreto (incorporadas ás paredes), muito em função do pequeno número de
profissionais habilitados para seu uso e da difícil aquisição de novos materiais de construção,
muitos deles importados.
A empresa Moellmann & Ráu, responsável por muitos dos prédios da época, como
alguns estatais (como por exemplo, o já descrito Edifício das Secretarias) e outros
empreendimentos privados, como cinemas, hotéis, postos de gasolina e outros, foi
encarregada do projeto desse edifício de apartamentos.
O Edifício Mussi está construído em um lote de meio de quadra, à Rua Pres. Nereu
Ramos, do lado noroeste da Praça, rumo ao antigo vazio urbano das chácaras. Tal lote está na
310
diagonal da Igreja Evangélica de Confissão Luterana (1913) e se destaca como fundo de
perspectiva da rua transversal à Pres. Nereu Ramos. No sentido de quem sobe essa
transversal, vindo da Avenida Prefeito Osmar Cunha, o Edifício Mussi ocupa, portanto, lugar
de destaque (ver Fig. 5.34).
A edificação carrega em sua composição alguns elementos plásticos que comparecem
em outros trabalhos de Wolfgang Ráu. Esses elementos o resultantes de um processo de
concepção de projeto, carregado de certo ideário eclético, ou brido como quer Eloah Castro
em sua tese de Doutorado sobre o Modernismo em Florianópolis. Rau se valeu de influências
formais de Frank Lloyd Wright, como, por exemplo, as sancas de canto na fachada principal,
formando pratos de luz para o interior dos apartamentos e que encimam as aberturas também
de canto. Por outro lado, certamente influenciado pelo modernismo brasileiro da primeira
época, utilizou nos pilotis do térreo, pilares em “V”, o que resultou em certa leveza do volume
frontal (ver Fig. 5.35).
Fig. 5.32: Perspectiva do projeto arquitetônico do Edifício Mussi (1957),
à Rua Nereu Ramos, de Wolfgang Rau.
Fonte: Acervo da família Rau.
311
Fig. 5.33: Vista atual da fachada do Edifício Mussi.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 5.34: Detalhe de coroamento do Edifício Mussi.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 5.35: Detalhe dos pilotis em “V” do Edifício Mussi.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
312
O repertório empregado na dita composição revela as convicções estéticas de Ráu, as
quais ele repassava para as proposições arquitetônicas que apresentava à clientela. Esse
hibridismo formal pode ser entendido como parte de um contexto cultural de Florianópolis e
do Estado de Santa Catarina, onde a vontade de ser moderno se contrapunha, por um lado, às
difíceis condições de atualização do canteiro de obras, quando materiais básicos (como o
cimento) eram importados e elementos construtivos (como por exemplo, esquadrias de ferro)
eram de difícil e cara execução.
Por outro lado, reinava certo conservadorismo, tanto no gosto do senso comum,
quanto na clientela mais receptiva às tendências modernas, um tanto temerosa de se arriscar
em empreitadas mais ousadas. Se considerarmos que na época (final dos anos 1950) estava
em curso a construção de Brasília, com tudo que isso implicava no imaginário brasileiro,
deveria haver, inclusive, diferentes (e antagônicas) concepções de moderno entre a população.
O conservadorismo pode ser verificado em uma análise das plantas baixas dos
apartamentos. Essa atitude conservadora quanto à habitação coletiva, não era somente
fenômeno provinciano. Reis Filho, se referindo à situação urbana da década de 1940 no centro
do país, assim se referia ao novo programa urbano do edifício de apartamentos e suas
características espaciais:
Os exemplos mais antigos resolviam-se, dentro do possível, como as residências da
época e não como um problema novo. Plasticamente, os edifícios eram solucionados
em termos de fachada, acompanhando os estilismos, até mesmo o “modernismo”.
Internamente procurava-se, por todos os meios, repetir as soluções de planta das
residências isoladas, com seus corredores, salas e saletas, e mesmo alpendres, de
modo a oferecer aos habitantes uma reprodução de seus ambientes de origem. (REIS
FILHO, 1970, p.79)
O autor aponta a contradição entre o programa de habitação coletiva e as estruturas
fundiárias onde as edificações se implantavam:
Os novos tipos de edificação conservariam os mesmos lotes e os mesmos esquemas
de relacionamento com esses, como as antigas habitações, cujos terrenos tinham
vindo ocupar. (...) Ocupando-se novamente dois ou três dos limites laterais dos
terrenos, sobravam as áreas internas como soluções para arejamento e iluminação
dos vários compartimentos afastados da rua. (REIS FILHO, 1970, p.79)
313
Outra situação que persistiu muito tempo na arquitetura urbana brasileira e que nesse
exemplo do Edifício Mussi, também comparece é o do
esquema de valorização social e arquitetônica das frentes e o desprestígio dos
fundos. Assim, os prédios de apartamento continuavam como as casas, a ter frente e
fundos, fachada e quintal, servindo esse para garagem, casa de zelador, depósito, etc.
(op cit., p.80)
(ver Fig. 5.36 e Fig. 5.37)
O Edifício Mussi, um dos primeiros edifícios de apartamentos implantados na
península central, no sentido da expansão urbana a caminho das áreas de chácaras, carregaria
em sua composição e agenciamento urbano essa série de contradições. Essas, como vimos,
iam do âmbito urbano ao da formulação plástica, ambígua e um tanto indecisa entre tradição e
modernidade.
Portanto, na falta de maiores dados, pode-se pensar em um misto compositivo,
resultante dessas várias e diferentes concepções de moderno. Haja vista a ausência, até então,
de arquitetos graduados em Florianópolis, que trouxessem essas novas concepções de uma
forma mais clara, o ambiente cultural talvez fosse favovel a um ecletismo moderno. Some-
se a isso o relativo isolamento de Florianópolis quanto aos centros urbanos metropolitanos,
como São Paulo e Rio de Janeiro, em função das precárias condições de acessibilidade e da
distância geográfica, o que fazia com que o ambiente cultural da cidade gravitasse em torno
das informações trazidas pelo cinema e pelo rádio (ver Fig. 5.38).
O Edifício Mussi é composto por três volumes principais (com três pavimentos mais
pilotis), sendo o do meio destinado à circulação vertical e serviços. O volume frontal, de salas
e dormitórios, com sua fachada para a rua, revela esse ecletismo de influências modernas
mencionadas. É muito forte, nessa fachada, a presença de um plano de balcões destacado,
com trabalho de serralheria em motivos de desenho alternados. Esse volume é salientado
também pelo jogo contrastante de cores, sendo o plano geral claro e os balcões pintados em
cor terrosa.
314
Fig. 5.36: Planta baixa do Edifício Mussi.
Fonte: Arquivo da SUSP.
Fig. 5.37: Fachada frontal do Edifício Mussi.
Fonte: Arquivo da SUSP.
Fig. 5.38: Edificação vizinha do Edifício Mussi.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
315
Uma platibanda, destacada no arremate do coroamento, oculta o telhado de telhas
cerâmicas. O térreo, com os pilotis em “V”, tem painel mural em mosaicos e placa
explicitando as autorias do projeto e construção.
A estrutura, a não ser no térreo mencionado, tem as vigas de concreto armado
embutidas nas paredes. Em se tratando de vãos pequenos, residenciais, parece haver coerência
nessa atitude construtiva.
O volume dos fundos abriga as mesmas funções do volume frontal, destinado aos
apartamentos de trás.
Cabe destacar ainda, os materiais de acabamento, muito utilizados na época, como por
exemplo, a granitina, com desenhos geometrizados em várias cores de tons pastéis, nos pisos
das áreas de circulação comum.
O conjunto é de presença marcante na quadra e no contexto urbano próximo,
contrastando hoje com a verticalização radical desse.
A edificação, inaugurada em 1957, apresentava uma proposta arquitetônica
“ambígua”, como quer Eloah Castro (em sua tese sobre a arquitetura dos anos 1950 em
Florianópolis), oscilando, como vimos, entre modernidade e tradição, ornamento e abstração,
influências contraditórias da obra de arquitetos renomados no Brasil e no exterior, entre outras
considerações. De certa forma isso representaria um pouco do conjunto expressivo da obra
dos construtores anônimos da modernidade no interior (e em muitas capitais) do Brasil na
época: uma vontade de ser moderno, enfrentando novos programas arquitetônicos, e um
emprego predominante (aí contraditório) de técnicas construtivas tradicionais paralelamente a
um uso incipiente do concreto armado.
No início dos anos 1950, na época em que Rau havia se associado ao engenheiro
Tom Wildi, havia uma fábrica de cimento em Itajaí (nos anos 1940, o cimento vinha
da Alemanha). A cal vinha da Enseada do Brito, as telhas eram de Tijucas, as janelas
de Rio do Sul. Não havia de fato um grande investimento na construção civil. Esta
seria incrementada no final da década. Rau observando as dificuldades na época,
em se operar com as técnicas do concreto armado, lembra que muitas vezes
exagerava-se no dimensionamento de vigas, lajes e pilares obtendo-se resultados
316
contraditórios com os objetivos da técnica: a construção se tornava mais cara e
visivelmente mais pesada, como o edifício à Rua Nereu Ramos (...). (CASTRO,
2002, p.49)
Um outra edificação, atual nº.52 (antigo nº.14), uma residência unifamiliar tam,bem
deve fazer parte do período. Suas características formais, como marquise e varanda
curvilíneas, remetem à popularização do desenho moderno da arquitetura brasileira.
O conjunto de edificações dessa rua documenta o avanço urbano em direção aos
lugares remanescentes das chácaras.
5.9 A consolidação das áreas limítrofes do triângulo central: Espaços
para a Educação na Avenida Mauro Ramos
A Avenida Mauro Ramos define o limite oeste da península central, pois tem na sua
borda o início da escarpa do maciço do Morro da Cruz. Já consolidada na década de 1950, iria
receber várias edificações estatais nessa época. Algumas dessas, particularmente as destinadas
à Educação, merecem registro.
Na esfera federal, também engajada na modernização da capital catarinense, se
realizou outro ato importante, na área de educação profissionalizante, e destinado a produzir
o-de-obra técnica qualificada. Foi a criação da Escola Técnica Federal, (1957-1959)
situada na Avenida, com cursos inicialmente destinados à construção civil e instalações
elétricas e mecânicas. Sua arquitetura, sem maiores pretensões plásticas, refletiria uma visão
tecnocrática do espaço educacional (ver Fig. 5.39).
Em 1962, foi divulgado na imprensa, o projeto arquitetônico de uma unidade de
educação em Florianópolis, parte do projeto de modernização do estado na gestão de Celso
Ramos (1961-1965). Esse governador propôs o chamado “Plano de Metas para o Governo”
(PLAMEG), dividido em três blocos: “O homem”, “O meioe a “Expansão da Economia”.
317
Uma das metas então, era a de contemplar via educação modernizada a formação básica do
“homem” catarinense.
Exemplo dessas ações, no distrito da Prainha, no então denominado Largo 13 de Maio,
o projeto de um Grupo Escolar, com projeto do arquiteto Moisés Lis, em linguagem afinada
com o ideário moderno, se espacializaria em uma série de blocos, entremeados por pátios. O
programa previa uma capacidade de 400 alunos por turno, tendo em seu programa um
“pequeno museu, biblioteca, gabinete médico e dentário, secretaria, gabinete de direção, sala
para professores e 19 salas de aula.
10
(ver Fig. 5.40)
Em 1963, outra obra de arquitetura moderna foi inaugurada em Florianópolis. Dessa
vez, um importante equipamento urbano foi instaurado, ainda na área da educação pública: o
Instituto Estadual de Educação. Com projeto do arquiteto Flávio de Aquino
11
, natural da
cidade, que trabalhava no escritório de Oscar Niemeyer Filho no Rio de Janeiro. O arquiteto
Olavo Reidig de Campos teria colaborado com Aquino na concepção do Instituto.
Essa edificação moderna apresentava para a cidade uma das iias mais caras ao
Movimento Moderno: a seriação estrutural. Os vários blocos do Instituto, em pórticos de
concreto armado, traziam a mesma lógica compositiva, por exemplo, do Museu de Arte
Moderna, de Affonso Eduardo Reidy, no Rio de Janeiro. O conjunto de edificações que
compõem o Instituto, à Avenida Mauro Ramos Nº. 275, ocupou o antigo Campo do Manejo,
faceando a Avenida Hercílio Luz (antes Avenida do Saneamento) (ver Fig. 5.41).
10
In: GRUPO para a Prainha. O Estado, Florianópolis, 31 jan. 1962, p.2
11
Flavio de Aquino era além de arquiteto, crítico de arte. Escrevia na época, nos seguintes jornais: Jornal de
Letras, O Semanário e O Estado de São Paulo. Publicou “Três Fases do Movimento Moderno” pelo serviço
documental do MEC. Fez parte do Júri de Seleção da II e IV Bienal de São Paulo. Está escrevendo “Panorama
da Pintura Moderna no Brasil”. É professor de História da Arte no Instituto Municipal do Rio de Janeiro e
trabalha com Oscar Niemeyer Filho. In: O Estado, Florianópolis, 3 ago. 1958, Suplemento Dominical, p.5.
318
Fig. 5.39: Vista atual da Escola Técnica Federal,
1957-1959, (atual CEFET) na Avenida Mauro Ramos.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 5.40: Grupo Escolar da Prainha (projeto de Moysés Liz) na Avenida Mauro Ramos, em Florianópolis,
dentro do plano de “mil escolas” (PLAMEG) do governo estadual de Celso Ramos.
Fonte: O Estado, 7/dez., 1962, p.1.
319
Fig. 5.41: Vista externa atual do Instituto Estadual de Educação
(projeto de Flavio de Aquino e Olavo Redig de Campos), 1958-1963.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Foi criado assim, para além da função de pólo educacional, um vetor de qualificação
da área urbana. A execução e administração da obra, com mais de 20 mil metros quadrados
foi feita pela empresa de Wolfgang L. Rau, em um trabalho que se iniciou em 1958.
O conjunto das edificações e espaços abertos do Instituto nos parece ser de grande
qualidade vivencial, com uma particular fluidez espacial. Além disso apresenta condições
ambientais de qualidade, como, por exemplo, a iluminação natural dos ambientes de estudo
(ver Fig. 5.42 e Fig. 5.43).
Fig. 5.42: Vista atual do nterior de uma sala de aula do
Instituto Estadual de Educação.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
320
Fig. 5.43: Vista atual de um dos pátios do Instituto Estadual de Educação.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
5.10 Rumo às praias: primeiras investidas em balneabilidade e turismo
Como vimos anteriormente as primeiras urbanizações balneárias de Florianópolis
foram em sua área continental.
A ponte facilitou o acesso de veículos ao setor continental costeiro, uma área rural e
pesqueira, onde foram realizados vários loteamentos balneários, destinados á elite
local, os quais deram origem aos atuais bairros continentais: Coqueiros, Balneário,
Itaguaçú. (OLIVEIRA, 1999, p.58)
A prática de banhar-se nas praias se desenvolveu a partir do final do século XIX na
Europa. Na Desterro imperial, o banho de mar não era corrente pois, ao contrário, a praia (nas
áreas da cidade) era local de despejo de lixo e dejetos de todo o tipo. Nas freguesias do
interior da Ilha, dedicadas á pesca e à agricultura, o mar era lugar de trabalho (e de temor, em
função das perdas eventuais de vidas de pescadores).
A idéia de balneário na Ilha de Santa Catarina começa a ocorrer a partir de 1929, em
Canasvieiras, situada ao norte. Lá foi construído:
Um hotel denominado Balneário de Canasvieiras, com freqüência restrita ao círculo
de famílias locais de maior poder econômico e político e seus convidados, inclusive
de outras cidades e estados. A praia adquiriu um grande status, e nos anos 1950 é a
primeira praia a receber os maiores investimentos públicos e privados. Em 1956, a
prefeitura municipal realizou um loteamento sobre os campos comuns para fins
balneários, na área contígua ao hotel existente. (OLIVEIRA, 1999, p.59)
321
O hotel citado teve projeto arquitetônico atribuído aos engenheiros Irmãos Corsini
12
,
que tamm executaram a primeira ponte desse Balneário.
Havia, porém uma grande dificuldade de acesso terrestre às praias, pois o modelo
histórico de ocupação da Ilha deu-se por via marítima e os caminhos por terra eram poucos e
precários. Além disso, as terras existentes eram os locais de cultivo agrícola, consistindo-se
em campos comuns (ou terras comunais), derivadas da imigração açoriana (século XVIII) e
localizadas principalmente no interior da Ilha.
O uso das terras comunais pelo pequeno produtor rural foi intenso na Ilha até a
década de 1940, quando começou a sofrer, de forma cada vez mais acelerada,
processo de apropriação, tanto por parte dos setores privados como por parte do
Estado. (SUGAI, 1994, p.36)
Segundo CAMPOS (1991, p.125), citado por Sugai, as áreas comunais foram
transformadas em grandes fazendas particulares (de políticos, comerciantes e outros ligados
ao poder público) e loteamentos relacionados a grandes empreendimentos do setor
imobiliário. (SUGAI, op cit., p.37).
Em 1957, em terras adquiridas de Antônio Amaro em 1935, na localidade de Jurerê,
ao norte da Ilha de Santa Catarina, um empreendimento capitaneado por Aderbal Ramos da
Silva (ex-governador do estado) e o engenheiro Annito Zeno Petry, criou a Imobiliária Jurerê,
a qual, com farto material publicitário (para a época) divulgou a idéia de um loteamento
diferenciado. Essas terras eram antigos campos comuns e foram transferidas a Amaro em
troca de áreas urbanas desapropriadas para a construção da cabeceira insular da Ponte Hercílio
Luz. “As informações que teriam subdisiado essa transação estão registradas na ‘Planta das
terras concedidas ao Snr. Antonio Amaro da Costa sitas nos lugares Morro e Campo da Ponta
Grossa’, datada de 1924”. (TEIXEIRA; ADAMS, 2007, p.6) (ver Fig. 5.44).
12
Conforme entrevista realizada em março de 2001 com Patrícia Corsini, neta de um dos engenheiros.
322
Fig. 5.44: Mapa de 1924 das terras comunais repassadas para Antônio Amaro em 1935,
em Jurerê, Florianópolis.
Fonte: Acervo da família Salvi.
No ano de 1957 veio a Florianópolis uma importante figura da arquitetura moderna
no Brasil, Oscar Niemeyer. A convite de um amigo, também integrante do PCB, Niemeyer
proferiu palestra na Associação Catarinense de Engenharia, onde discorreu sobre a nova
arquitetura brasileira. Niemeyer, já muito conhecido pelo trabalho da Pampulha, estava
envolvido com os projetos para a implantação de Brasília e veio também a Florianópolis para
prestar consultoria no empreendimento Loteamento Praia do Forte. Esse loteamento que
começou também em 1957 a se concretizar era fruto de investimentos da Imobiliária Jurerê,
que tinha como integrantes
o advogado Dr. Aderbal Ramos da Silva, empreendedor, banqueiro e ex-governador,
junto com o engenheiro civil Annito José Petry e o advogado Julio Teixeira.
Tratava-se de projetar uma Cidade Balneária de grande porte, inédita no tempo e no
espaço, tanto pelo conceito idealizador como pelas condições de desenvolvimento
da então Florianópolis. (TEIXEIRA; ADAMS, 2007, p.7)
(ver Fig. 5.45 e Fig. 5.46)
323
Fig. 5.45: Planta baixa do Loteamento Praia do Forte (projeto de
Annito Petry – consultoria de Oscar Niemeyer), 1957, Jurerê.
Fonte: Acervo da família Salvi.
Fig. 5.46: Maquete do empreendimento da Praia do Forte.
Fonte: Acervo da família Salvi.
Em carta datada de 22 de abril de 1957, endereçada ao diretor da imobiliária, Aderbal
Ramos da Silva, Oscar Niemeyer aceita a incumbência, nos seguintes termos:
Ilustre patrício e amigo: tive a satisfação de assinar, hoje, o contrato pelo qual me
obrigo a prestar minha colaboração técnica nos projetos que essa Imobiliária tem em
mira realizar na “Praia do Forte”.
Conhecendo a encantadora natureza de que é dotada a Ilha de Santa Catarina e as
reais possibilidades de que dispõe o seu estado para trasnformar-se em ponto de
324
atração turística, foi efetivamente com prazer que comprometi meus serviços com
essa empresa. (TEIXEIRA; ADAMS, op. cit, p.8)
(ver Fig. 5.47 e Fig. 5.48)
A morfologia proposta para o loteamento respondia a ecos de Brasília, pois era muito
semelhante à concepção de algumas superquadras da Nova Capital. O desenho do
empreendimento, projeto do engenheiro Anito Petry, com consultoria de Oscar Niemeyer,
oferecia lotes residenciais, alternados entre ruas comuns e amplas passagens de pedestres
(tratadas e qualificadas como áreas verdes). Além disso, haveria um Hotel, cujo projeto
arquitetônico esteve também a cargo de Niemeyer, tendo sido executado parcialmente.
Dos equipamentos e edificações previstos somente alguns foram executados:
Dos conjuntos residenciais, somente foi construído uma parte de um dos três blocos
projetados, que, “à feição moderna e funcional”, apresenta garagem no térreo, sob os
pilotis, “facilitando ao proprietário alcançar a parte superior sem demora”.
Considerava-se que fora
(..) adotada a mais avançada técnica urbanística no que se refere à circulação de
pedestres e veículos”, com alamedas para os pedestres e ruas para os veículos. As
ruas partiriam dos fundos do loteamento, ao sul, em direção à orla, onde terminariam
em ‘cul de sac’, sem se cruzar as alamedas. (TEIXEIRA;ADAMS, op cit., p.11)
Além dos conjuntos residenciais haveria também o “Hotel Balneário de Jurerê”, que
teria apartamentos voltados para a vista do mar, com telefone e serviço de rádio. “O hotel
estava associado a uma ampla praça, defrontando um shopping center’, que se transformaria
“em verdadeiro centro social da praia”, e para completar o conjunto haveria um club’. (op
cit., p.11).
325
Fig. 5.47: Carta de Oscar Niemeyer, aceitando a incumbência de
colaborar com o Loteamento Praia do Forte.
Fonte: Acervo da família Salvi.
Fig. 5.48: Foto de Oscar Niemeyer e do ex-governador estadual
Aderbal Ramos da Silva, sócio da Imobiliária Jurerê.
Fonte: Acervo da família Salvi.
326
A questão do acesso a Jurerê, ainda precário na época, foi solucionada pela construção
de uma estrada, denominada inicialmente SC-401, a atual Estrada Mauricio Sirotsky. Essa
obra esteve a cargo da própria Imobiliária Jurerê Ltda. em 1958.
Tratava-se de uma extensão de aproximadamente 5km, que partiu da Estrada
Estadual para Canasvieiras, tendo sido aproveitado o traçado do dique sobre o Rio
Ratones (obra do DNOS). A execução contou com mão de obra de moradores locais
e sentenciados da Colônia Penal de Canasvieiras. (op cit., p.12)
Essa peculiar associação entre capital privado e estado não era nova em Santa
Catarina, como de resto nas tradicionais práticas políticas brasileiras, merecendo, porém
nosso destaque.
O Loteamento teria, em uma primeira seção, uma área de três milhões de metros
quadrados, já tratada, contendo 576 lotes de 15x30 metros. O todo do projeto previa 4.000
lotes, com área útil de 450m², cada um. Haveria, nessa concepção de loteamento,
abundância de áreas livres, das quais uma parte seria constituída por um extenso
parque cultivado para utilização coletiva, sobretudo a área da franja litorânea
(severamente batida pelos ventos) e que se encontrava em franco desenvolvimento.
(op cit., p.12)
Além disso, a percentagem de áreas livres seria de 40%, estabelecendo assim um outro
paradigma de relação entre construções e espaços abertos, em empreendimentos dessa
natureza.
No mesmo balneário foi construído o Restaurante Catetinho, também com desenho de
Niemeyer. A denominação do restaurante aludia à construção em Brasília, da pequena
edificação em madeira, que marcou o imaginário nacional, a partir da divulgação sistemática,
em revistas de circulação nacional, como O Cruzeiro e Manchete. Edificação em alvenaria
sobre pilotis, com cozinha térrea (lateral), planta livre no segundo pavimento com bateria de
sanitários (lateral na prumada da cozinha) e fachada curtain wall em frente ao mar, na faixa
de intermediação entre o loteamento e a praia, o restaurante foi muito utilizado como lugar de
festas da empresa de Ramos da Silva. A edificação, exemplo icônico da melhor arquitetura
moderna no Brasil, de implantação bastante adequada ao sítio e à função, foi demolida na
327
década de 1980, pelos novos proprietários do empreendimento, que criaram como expansão, o
loteamento Jurerê Internacional. Nos parece lamentável a decisão quanto à derrubada do
restaurante, pelo exemplo que representaria de ocupação inteligente e plasticamente
interessante do sítio praiano (ver Fig. 5.49, Fig. 5.50 e Fig. 5.51).
É importante ressaltar a qualidade ambiental do Loteamento Praia do Forte,
empreendimento pioneiro. Os loteamentos posteriores (inclusive em outros balneários) não
mantiveram a ambiência das ruas verdes e, muitos deles, na voracidade da especulação
imobiliária, ocuparam frentes de praia, e em suas edificações (principalmente as
contemporâneas) desfiguraram muitas vezes a paisagem. Essa desfiguração se deu, via de
regra, ou por verticalização excessiva ou por arquiteturas de apelo plástico duvidoso,
recorrendo a velhas fórmulas ectico-historicistas. Esse é o caso, ao que parece do próprio
entorno do Loteamento Praia do Forte, o assim chamado Jurerê Internacional, um balneário
com alusões que remetem, por exemplo, a Miami.
O turismo e seu agenciamento espacial em Florianópolis, continuariam em pauta. No
ano de 1958, a idéia de uma promoção do turismo como alternativa econômica para
Florianópolis, começou a tomar corpo na cidade. Um debate em torno do assunto chegou às
páginas dos jornais catarinenses, como em O Estado. Uma série de matérias jornalísticas foi
publicada sobre as deficiências da cidade na área, tais como a inexisncia de uma estação
rodoviária e de um aeroporto condignos com o status desejado à capital. Um texto a destacar,
porque editado em revista cultural, foi a publicação de artigo na Revista Sul Nº. 23, do
professor Renato Barbosa sobre “Aviação e Turismo”.
328
Fig. 5.49: Vista do Restaurante Catetinho em construção, projeto de Oscar Niemeyer (1957) em Jurerê.
Fonte: Acervo da família Salvi.
Fig. 5.50: Vista do Restaurante já funcionando no Loteamento Praia do Forte.
Fonte: Acervo da família Salvi.
329
Fig. 5.51: Planta baixa digitalizada do Restaurante Catetinho.
Fonte: Desenho a partir de croquis do acervo da família Salvi.
330
5.11 A expansão para o interior da Ilha pela orla norte: A Avenida Beira
Mar e a Universidade Federal
5.11.1 A Avenida Beira-Mar Norte
Como vimos (no ponto 5.4) um Plano Diretor foi concebido para Florianópolis.
Embora tenha sido aprovado, conforme Lei 246/55, pouco dele se aproveitou. Uma das idéias,
em termos de sistema viário foi a execução da Avenida Beira-Mar Norte.
Para Maria Inês Sugai, em estudo já citado,
a abertura da Av. Beira-Mar ao longo da orla da baía norte, além de garantir a
acessibilidade e a conseqüente valorização da área norte da península, foi a
intervenção viária que procurou diferenciar e definir a marca de modernidade a este
setor residencial. (SUGAI, 1994, p.70)
Sua construção foi iniciada no começo dos anos 1960 (governo de Celso Ramos) e
finalizada em meados dos anos 1970, no governo de Ivo Silveira. Temos aqui novamente o
estado promovendo dessa vez em sua alçada a modernização da capital. Um aterro foi
providenciado (ver Mapa 3) na orla norte, para viabilizar a avenida (depois nomeada como
Avenida Rubens de Arruda Ramos) na Praia de Fora. Essa iniciaria na atual Praça Celso
Ramos (limite do bairro da Agronômica) e finalizaria na cabeceira insular da Ponte Hercílio
Luz.
A obra de maior importância para o plano urbano realizada nos anos sessenta foi a
construção da avenida Rubens de Arruda Ramos, desde logo aproveitada pelas
empresas incorporadoras para construção de edifícios de até doze andares
destinados a apartamentos. Essa avenida enriqueceu o plano urbano sem alterá-lo,
pois substituiu a praia da baía Norte; mudou, porém a significação da baía Norte no
contexto urbano, eis que a Beira-mar Norte, como frequentemente é chamada,
passou a constituir a área nobre da cidade, com fácil acesso ao centro comercial
através das avenidas Othon Gama D’Eça e Osmar Cunha. (PELUSO JR., 1991,
p.320)
A avenida inverteu o sentido de ocupação da orla, até então lugar tranqüilo e de fundos
das casas da Rua Bocaiúva e Almirante Lamego. Hoje a acentuada verticalização da área e
suas atividades (habitações coletivas de alto custo, hotéis, restaurantes e comércio), definem
um novo lugar urbano. Como contradições da solução adotada, poderia ser apontado, além da
331
elitização da área, a inexistência de equipamentos urbanos e de um desenho que contemplasse
o cenário e sua maritimidade. A inexistência de passeios blicos na escala do lugar e de
qualquer possibilidade de balneabilidade, prejudicam o modelo de ocupação, muito
referenciado, ao que parece, na orla urbana carioca.
Dentro dos melhoramentos urbanos da modernidade, ainda no setor viário porque
vetor de expansão urbana Sugai aponta com propriedade outras obras significativas do
período, tamm mencionadas pelo geógrafo Peluso Jr., ambas no triângulo central:
Duas outras importantes avenidas, que efetuavam a ligação norte-sul da península,
foram abertas em 1958: a Avenida Othon Gama D’Eça e a Avenida Osmar Cunha.
Estas duas avenidas e sua conexão não constavam do Plano Diretor, mas apoiavam-
se no traçado de ruas definidas pelo plano. Além de efetuarem a ligação norte-sul no
centro da península, garantiram também o reloteamento das áreas centrais, onde
situavam-se as antigas chácaras ainda não desmembradas. A Avenida Othon Gama
D’Eça, iniciando-se na Avenida Beira-Mar Norte, atravessou a chácara do Barão
Wangenheim até alcançar a Av. Rio Branco, que efetuava a ligação leste-oeste da
cidade. Em conexão com a Av. Othon Gama D’Eça, foi aberta, na direção sul, a Av.
Osmar Cunha, atravessando terras da antiga chácara da família Linhares, para
atingir o centro comercial e administrativo na baía sul. (SUGAI, 1994, p.71)
A modificação no sistema viário efetuada por essas conexões formou um corredor no
sentido norte-sul, que acabou por estimula por um lado o desenvolvimento e por outro a
verticalização (nos anos 1970) da área (ver Fig. 5.52 à Fig. 5.55).
Fig. 5.52: Projeto técnico da Avenida Beira Mar Norte. Trecho 1.
Fonte: SUGAI, 1994, p.268.
332
Fig. 5.53: Projeto técnico da Avenida Beira Mar Norte. Trecho 2.
Fonte: SUGAI, 1994, p.269.
Fig. 5.54: Projeto técnico da Avenida Beira Mar Norte. Trecho 3.
Fonte: SUGAI, 1994, p.270.
333
Fig. 5.55: Vista aérea da Praia de Fora, com o aterramento
para a construção da Avenida Beira Mar Norte.
Fonte:Acervo de Carlos Damião.
5.11.2 A Universidade Federal de Santa Catarina e seu Campus na Trindade
Embora o Plano Diretor de 1952 propusesse que o Campus Universitário ficasse
situado em plena área central, uma disputa política entre as elites locais não permitiu essa
localização.
Uma correlação de forças entre os dois principais partidos poticos em Santa Catarina,
após 1945, o PSD e a UDN, dividiu as opiniões acerca da localização da Universidade. Na
realidade, a divisão política era referenciada a duas oligarquias estaduais. De um lado a
família Ramos (PSD), oriunda da pecuária lageana, com ampla influência no poderes
legislativo e executivo estadual, e de outro os Konder e Bornhausen, originários do Vale do
Itajaí, ligados ao setor financeiro e empresarial.
A Universidade Federal de Santa Catarina, criada em 1960, teve seu início nos
edifícios das antigas escolas particulares que incorporou no centro da cidade. A
decisão de fazê-la funcionar na Trindade, em área de antiga fazenda do Estado,
doada para esse fim, atraiu para o bairro numerosa população. (PELUSO JR, 1991,
p.319)
334
O professor João David Ferreira Lima, primeiro Reitor da Universidade, inicialmente
defendia a consolidação dessa no centro, próximo ao Hospital de Caridade, na Baía Sul,
conforme proposta do Plano de 1952. Discussões acaloradas do conselho Universitário
defendiam outra alternativa, a de localizá-la na Fazenda Assis Brasil, na Trindade, a 8km do
centro.
As alegações de Ferreira Lima versavam basicamente sobre os custos de infraestrutura
da construção na Trindade, tendo em vista esse local ser um vale coletor da bacia hidrográfica
da região, envolvendo, portanto altos custos de fundações. Além disso, a necessidade de
construir acessos adequados ao futuro Campus, encareceria em demasiado o empreendimento.
Venceu, porém essa alternativa de implantação na Trindade e a localização do Campus
nesse bairro exerceu papel polarizador e
transformou de tal forma o entorno urbano do campus, que os pontos negativos
evidenciados pelo Prof. João David, tornaram-se quase sem significado frente ao
crescimento vertiginoso da cidade. (COMISSÃO DO PLANO DIRETOR FÍSICO,
1998, p.8)
O texto de Maria Inês Sugai comprova o acerto dessa decisão:
A implantação do campus da Universidade Federal representava a possibilidade de
mudanças na economia e na dinâmica imobiliária da capital. Previa-se que seriam
escoados para a cidade e, em especial, para a área do futuro campus imensos
investimentos federais. Conforme comprovou-se posteriormente, havia fundamento
nesta previsão. Segundo o reitor Ferreira Lima, “nos primeiros 10 anos de existência
da Universidade Federal, o seu orçamento foi sempre, várias vezes maior do que o
da Prefeitura da capital”. (SUGAI, 1994, p.76)
Um primeiro Plano Diretor feito especificamente para a Trindade, foi elaborado pelo
arquiteto Hélio Duarte
13
e pelo engenheiro Ernest Roberto de Carvalho Mange
14
, ambos da
Universidade de São Paulo. O governo estadual de Santa Catarina encomendou esse plano,
13
O arquiteto Hélio Duarte (1906-1989) foi responsável por vários projetos arquitetônicos destinados à
educação. Formou-se em Arquitetura pela ENBA em 1951. Foi o criador da Escola de Engenharia de São Carlos.
Entre os mais significativos projetos de sua produção, estão os dos CEU (Centros Educacionais Unificados) em
São Paulo, baseados nas concepções pedagógicas de Anísio Teixeira. Com Ernest Mange foi premiado no 1º
Salão Paulista de Arte Moderna de 1952 pelo projeto do Conjunto Indaiá em Santos, destinado à habitação
coletiva. In http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq031/arq031_02.asp Acesso em 14 jul. 2009.
14
Ernest Robert de Carvalho Mange (1922-2005) foi engenheiro civil, formado pela Politécnica da USP (1940-
1945). Estagiou com Rino Levi entre 1947 e 1948. Foi também estagiário de Le Corbusier. Mange foi, além
disso, pintor e urbanista.
335
apresentado à Comissão da Universidade em janeiro de 1956. Um ano depois, o governador
Jorge Lacerda, através do Decreto n.56, aprovou o Plano que teria seu início de implantação
em 31 de janeiro de 1957.
O Plano criava um sistema viário que dividiria o Campus em três grande áreas. Essas
abrigariam os setores de Ensino, Pesquisa, Habitação, Recreação e Administração. Previa que
a construção fosse feita por etapas, sendo primeiramente executadas as edificações da área
central, como um grande auditório, a Reitoria e alguns blocos educacionais (ver Fig. 5.56).
Do Plano foi aproveitado somente o esquema viário principal, sendo encomendado
outro projeto, dessa vez concebido por arquitetos do escritório técnico da UFRGS.
O término do Plano data de 1964, tendo sido apresentado com o nome de Projeto
Piloto do Campus da Universidade de Santa Catarina. Seus autores são os arquitetos
Nelson Souza e Castelar Peña (projeto) e engenheiro Ernani Guntzel Iinstalações).
(COMISSÃO, 1998, p.52)
O Plano estabeleceu diretrizes de ocupação do solo e zoneamento para as primeiras
edificações. Entre elas foi executado o prédio da Faculdade de Filosofia (depois Centro de
Estudos Básicos) projeto a cargo dos arquitetos Paulo Apício de Macedo e Adroaldo Pinto
Pereira, e que começou a ser construído em 1960. Outras edificações pioneiras do Campus
foram o prédio de Administração do curso de Engenharia Mecânica (atual Reitoria), as
instalações iniciais desse mesmo curso e um campo de futebol (ver Fig. 5.57, Fig. 5.58 e Fig.
5.59).
Na cada de 1970, um plano paisagístico foi encomendado ao arquiteto Roberto
Burle Marx, que concebeu o desenho da atual Praça da Cidadania, espaço intermediário entre
os prédios do Centro de Estudos Básicos e da Reitoria.
336
Fig. 5.56: Planta baixa do Plano Diretor para a UFSC, (projeto de Hélio Duarte e Ernst Mange), 1956.
Fonte: COMISSÃO, 1998, p.51.
337
Fig. 5.57: Vista do prédio da Faculdade de Filosofia (atual Centro de
Comunicação e Expressão-CCE) da UFSC, projeto de
Paulo Macedo e Adroaldo Pereira.
Fonte: COMISSÃO, 1998, p. 28.
Fig. 5.58: Vista atual do CCE – UFSC.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 5.59: Vista atual do prédio da Reitoria – UFSC.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
338
5.12 Novas arquiteturas na cidade figurativa
A 17 de abril de 1958 foi fundado em Florianópolis, o Conselho Regional de
Engenharia, Arquitetura e Agronomia da 10ª Região, a partir de diversas solicitações de
profissionais envolvidos no virtual crescimento do mercado de trabalho em engenharia. Em
uma das proposições iniciais, constou em Ata que: “se discutisse a maneira de se fornecer
com urgência os elementos necessários para que firmas e profissionais não se sentissem
tolhidos nas suas apresentações para concorrências, posses em cargos públicos, etc.”
15
Entre os fundadores não havia nenhum arquiteto, mas vários engenheiros civis
assinaram a Ata de Fundação. Isso demonstraria, por um lado, a escassa presença no estado de
Santa Catarina, de profissionais com a formação específica de projeto arquitetônico e, por
outro, a existência, já quase hegemônica dos engenheiros civis no crescente mercado da
construção, tanto no plano privado, quanto no estatal, em todas as suas esferas.
Ao final da década de 1950 até meados dos anos 1960 (recorte temporal precisado pela
hipótese de um segundo ciclo de modernidade em Florianópolis), várias edificações em altura
foram realizadas na área central. Novas formulações plásticas, dentro do ideário moderno da
arquitetura brasileira, iriam contrastar com a cidade figurativa e seu traçado e sistema
fundiário.
Em parte aproveitando a legislação já citada, que previa um gabarito de oito
pavimentos e, por outro lado, se valendo de um novo ritmo econômico, esses edifícios iriam
consolidar o programa do edifício de escritórios, associados ou não a apartamentos. As
próximas décadas, com um ‘boom’ imobiliário de proporções significativas, levariam a uma
maior e profunda valorização fundiária do centro urbano.
15
In: http://www.creasc.org.br/intranet/sites/historico/pagacervo/ata_funda.html. Acesso em 11 set. 2008.
339
Embora tivesse somente quatro pavimentos, um exemplo dessa inserção de edifício
moderno na cidade tradicional foi o Edifício do IAPC (projeto do engenheiro Carlos Valente e
do arquiteto Hugo O. Lopes). Inaugurado em 1958 e siituado à Praça Pereira Oliveira, o
edifício-sede do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários teve suas obras
iniciadas em 1954.
Seu contíguo vizinho de quadra o edifico do IPASE construído em 1944 (como
vimos no capítulo anterior) já propunha, ainda que de forma tímida, uma ocupação de lote
distinta da tradicional. O correr de pilares no pavimento térreo sugeria uma continuidade, ao
longo da calçada e, se estendido ao conjunto das ruas centrais, uma série de arcadas, dando
outra qualidade ao espaço público. Isso não se concretizou e não tivemos notícia de eventual
legislação que permitisse ou incentivasse tal atitude.
A linguagem moderna em caráter monumental aplicada à sede do IAPC, demonstrava
a importância da instituição junto à conjuntura da época (antes da centralização estatal em
torno da previdência dos trabalhadores). Os elementos característicos (estilemas) da
arquitetura moderna no Brasil se fizeram presentes tais como os brises, enquadrados em
volumetria própria, as colunas no térreo (fazendo ás vezes de pilotis) e, no plano funcional, a
planta livre (ver Fig. 5.60).
Fig. 5.60: Prédio do IAPC (1958) na Praça Pereira Oliveira
ao lado do edifício do IPASE (1944).
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
340
Um outro exemplo, no sentido de edificar em maior altura, é o do Banco Nacional
do Corcio, cuja inauguração se deu em 19 de setembro de 1959. Essa obra esteve a cargo
do engenheiro Theodoro Brügemann (profissional muito conceituado em Florianópolis) e do
construtor Dario Fontes. Conforme editorial desse dia, do jornal O Estado, o edifício de 10
pavimentos, situado à Praça XV de Novembro, era mais um “marco de progresso”, se
incorporando “à vida florianopolitana”. Se a formulação da arquitetura o era a moderna, a
verticalização proposta romperia, porém, com a escala da praça fundadora, introduzindo novo
referencial no perfil urbano, fato registrado pelos cartões postais, então muito populares como
registro da cidade.
A linguagem empregada lembra a de edifícios da mesma época, como o Edifício
Sulacap de Porto Alegre, com elementos compositivos (frisos e cimalhas) evidenciando os
pavimentos e emoldurando as aberturas. As edificações bancárias ainda apelavam, à época, a
uma solidez construtiva, denotativa da segurança do investimento e da confiabilidade da
instituição financeira.
Os pavimentos superiores do Banco (hoje ainda com esta função no térreo Banco
Santander) foram projetados para abrigar apartamentos. Esse programa misto era bastante
comum não somente em Florianópolis nos centros urbanos. Provido de infraestrutura e de
serviços, morar no centro nessa época era sinal de status e de certeza de qualidade de vida
(ver Fig. 5.61, Fig. 5.62 e Fig. 5.63).
341
Fig. 5.61: Edifício do Banco Nacional do Comércio (BNC),
na Praça XV, (inaugurado em 1959) em obras.
Fonte: Acervo do Arquivo da Casa da Memória, FFC.
Fig. 5.62: Volumetria do Banco Nacional do Comércio (atual Santander).
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
342
Fig. 5.63: Detalhes ornamentais do Banco Nacional do Comércio.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Também em 1959, houve a inauguração do Edifício Zahia, com sete pavimentos,
situado na Rua Felipe Schimdt, com projeto de Wolfgang L. Rau. Empreendimento dos
Irmãos Amin, proprietários de uma concessionária de automóveis, foi construído ao lado dos
edifícios Dias Velho (edificação posterior dos anos 1970 em linguagem moderna) e Santo
Antônio (construção anterior final da década de 1940 em extração Art Déco), também
projetados pelo escritório de Rau, o conjunto moderno de edifícios altos viria a marcar a
paisagem do centro e acentuar uma modernização dos programas arquitetônicos de
Florianópolis (ver Fig. 5.64).
O Edifício Zahia apresenta uma marquise no primeiro pavimento e um destaque na
fachada frontal, formando uma caixa em balanço para balcões. Esse recurso salientaria a única
elevação visível da rua, em se tratando da inserção de uma nova arquitetura em lote
343
tradicional. As demais elevações, como de resto no todo dessa área central, ficariam como
empenas cegas, limítrofes aos lotes contíguos (ver Fig. 5.65).
Cabe anotar algumas diferenças entre a proposta inicial, apresentada em perspectiva de
Wolfgang Rau, e a formulação final da obra, particularmente quanto ao desenho da marquise.
A edificação da cobertura, com desenho em asa de borboleta e dotada de grandes panos de
vidro, foi visivelmente alterada a posteriori, tirando certa leveza da solução (ver Fig. 5.66).
Ainda em 1959, a inauguração do Oscar Hotel, no centro de Florianópolis, na Avenida
Hercílio Luz, em 06 de novembro, com sete pavimentos, demonstrava o crescimento da área
econômica do turismo. A incorporação aos novos empreendimentos da linguagem moderna da
arquitetura brasileira, mostrava assim a entrada definitiva desse movimento em terras
catarinenses (ver Fig. 5.67).
Fig. 5.64: Vista atual da fachada do Edifício Zahia, à
Rua Felipe Schmidt, projeto de Wolfgang Rau (1959).
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
344
Fig. 5.65: Planta baixa do Edifício Zahia.
Fonte: Arquivo da SUSP.
Fig. 5.66: Vista atual da cobertura do Edifício Zahia.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
345
Fig. 5.67: Vista atual do Oscar Hotel (1959), á Avenida Hercílio Luz.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Ainda em 1960 “terminava-se a construção do edifício Cidade de Florianópolis com
doze pavimentos, à esquina da Rua Vidal Ramos com a Arcipreste Paiva, contrastando
visivelmente com a Catedral (CASTRO, 2002, p.99). As construções modernas, atendendo a
programas arquitetônicos de novos escritórios com planta livre e crescendo em altura viriam a
alterar o perfil urbano (sky line) da capital, introduzindo novos símbolos urbanos (ver Fig.
5.68).
Fig. 5.68: Vista atual do Edifício Cidade
de Florianópolis (1960).
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
346
Mas, certamente uma das mais expressivas inserções de arquitetura moderna no centro
antigo foi a do Edifício das Diretorias. Ele foi inaugurado em 6 de janeiro de 1961, após três
anos de construção. Foi edificado na esquina das ruas Tenente Silveira com Deodoro, com
recuo viário e uma marquise (em forma livre e sinuosa) sobre o pavimento térreo, refletindo
em seu partido e soluções plásticas, o ideário da arquitetura brasileira daquele momento.
Tal inauguração foi estratégica, pois marcava o momento de saída do governo da
corrente político partidária da UDN, no poder desde 1951” (CASTRO 2002, p.18). Uma
aliança entre os partidos do PSD e PTB assumiria o governo. Para Castro, “a questão fechada
de inaugurar o edifício dentro de um prazo estrito fato comum em finais de mandato
assinalava a importância potica da obra acabada: a construção de um edifício materializando
uma realização política.” (CASTRO, op cit., p.18) (ver Fig. 5.69 e Fig. 5.70).
Pode se entender essa realização por vários vieses: é o primeiro edifício a ter em seu
projeto todos os elementos do ideário formal modernista; se apropria do espaço urbano, com
sua esquina desenhada pela citada marquise ondulada, rompendo com a lógica dos lotes
urbanos coloniais; e é também o “último edifício blico a ser construído” (CASTRO, op cit.,
p.135) sobre a antiga estrutura fundiária, herdada da Desterro colonial, pouco modificada (a
não ser por alargamentos pontuais) até então (ver Fig. 5.71).
347
Fig. 5.69: Vista atual do Edifício das Diretorias (1958-1961)
à Rua Tenente Silveira, projeto de Domingos Trindade.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 5.70: Fachada do Edifício das Diretorias.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 5.71: Vista da marquise ondulada do Edifício das Diretorias.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
348
Sobre esse edifício vale lembrar o que Abreu Filho anota acerca de caso semelhante, o
do Edifício Esplanada em Porto Alegre, “aquele da cidade real que se construía com edifícios
modernos em implantações tradicionais” e que se constituiria em um
fragmento exemplar da cidade ideal dos anos 1950, na qual a cuidadosa inserção de
edifícios de arquitetura moderna no tecido urbano da cidade figurativa tradicional
cria uma relação de enorme potencialidade, plena de tensão e criatividade. (ABREU
FILHO, 2006, p.182)
Como bem aponta Castro, em seu trabalho de Doutorado, “a partir da década de 1960,
a cidade vai se expandir e sofre grandes alterações” (CASTRO, op cit., p.135) sendo
emblemáticos dessa mudança radical, o Plano Diretor de 1967 e algumas de suas indicações,
como a segunda ponte (Colombo Sales), o aterro da Baía Sul (frontal ao centro histórico), que
criaram novos paradigmas urbanos para a capital, dentro do espírito desenvolvimentista (e
rodoviarista) do estado autoritário implantado em 1964.
A linguagem adotada pelo Eng. Domingos Trindade
16
, responsável pelo projeto
arquitetônico, segue claramente o postulado modernista, onde o prédio do Ministério de
Educação e Saúde foi referencial. Isso se deu tanto em sua lógica funcionalista, na
distribuição dos diferentes espaços, como na formalização espacial, com os elementos
projetuais característicos: estrutura independente; pilotis desempenhando sua função urbana,
criando espaço diferenciado de circulação e estar, abrigado em marquise aludindo às formas
livres de Niemeyer, à época; brises corretamente posicionados; marcação volumétrica das
16
O engenheiro Domingos Trindade era formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1941) e em 1953
projetou o Edifício das Diretorias. A construção se deu efetivamente entre 1959 e 1961, devido à ausência de
recursos financeiros para cobrir o custo (muito elevado á época) de Cr$ 15.425.437,60. (CASTRO, 2002, p.30).
Trindade foi um dos fundadores da seccional catarinense do Conselho de Engenharia, Arquitetura e Agronomia e
titular, no governo Celso Ramos (1961-1965), da Secretaria de Viação e Obras Públicas, vinculada à Diretoria de
Obras Públicas. Essa Diretoria foi responsável pela execução de inúmeras obras civis nas áreas de Educação,
Saúde e Infraestrutura, como parte do Plano de Metas para o Governo (PLAMEG), espinha dorsal do governo de
Ramos.
349
diferentes fachadas, introduzindo na capital catarinense e com toda a qualidade, o
modernismo de viés brasileiro, aquele “algo irracional” de Gideon
17
(ver Fig. 5.72).
Na Florianópolis do início dos anos 1960, depois de um esboço introdutório, a cargo
do restaurante “Catetinho” de Oscar Niemeyer (no balneário Jurerê), finalmente ecoou a
linguagem arquitetônica (que o olhar popular atribuía a Brasília) que melhor traduziu o
espírito da época (ver Fig. 5.73).
Fig. 5.72: Brises do Edifício das Diretorias.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
17
Comentário de Siegfried Gideon (no prefácio da edição original do livro Modern Architecture in Brazil (1956)
do arquiteto brasileiro Henrique Mindlin) sobre a inusitada explosão criativa da arquitetura moderna em terras
tropicais brasileiras. Tal comentário foi salientado pelo Prof. Carlos Alberto Ferreira Martins, conforme notas de
aula da disciplina Teoria e História da Arquitetura Moderna no Brasil, em 2005, no âmbito do Curso de Pós-
Graduação do Departamento de Arquitetura e Urbanismo (USP-São Carlos).
350
Fig. 5.73: Planta baixa do pavimento térreo do Edifício das Diretorias.
Fonte: Arquivo da SUSP.
A título de finalização provisória desse levantamento inicial, cabe destacar outro
edifício significativo do período, inaugurado em 25 de novembro de 1961. O Palácio da
Indústria, pertencente à Federação das Instrias do Estado de Santa Catarina (FIESC), foi
“projetado por Moellmannn & Rau, com uma área de 2431,60m², em um subsolo, um andar
térreo e mais seis pavimentos, situado à Rua Felipe Schmidt” (CASTRO, 2002, p.99).
A edificação, situada em esquina da rua mais importante do centro comercial e
vivencial de Florianópolis, seguiria a mesma lógica da arquitetura moderna no Brasil:
pavimento térreo sob pilotis, planta livre nos demais pavimentos e fachadas com aberturas
formando bandas horizontais (ver Fig. 5.74).
Um painel de mosaicos, a cargo do artista Martinho de Haro, da primeira linha
modernista, compõe uma parede frontal do térreo, aludindo ás atividades industriais do estado
de Santa Catarina. Nesse sentido, aconteceu em Florianópolis, obviamente nas proporções da
cidade periférica, uma união das atitudes modernas, nos campos da arquitetura e artes
351
plásticas, tal como acontecia nos centros urbanos maiores do país, continuando uma prática
iniciada no projeto seminal do Ministério de Educação e Saúde (ver Fig. 5.75).
Fig. 5.74: Vista externa atual do Edifício da
FIESC, 1961, (atual FATMA).
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
Fig. 5.75: Vista do painel de mosaicos (arte de Martinho de Haro)
do pavimento térreo do Edifício da FIESC.
Fonte: Foto de Dario de Almeida Prado.
352
353
Mapa 3: Mapa de Evolução Urbana. Florianópolis, décadas de 1950 e 1960. Legendas do autor sobre mapa-base do IPUF.
Fonte: IPUF.
354
355
CONSIDERAÇÕES FINAIS
356
357
“Uma cidade, uma campina, de longe são uma cidade e uma campina; mas, à medida que
nos aproximamos, são casas, árvores, telhas, folhas, grama, formigas, pernas de formigas, ao
infinito. Tudo isso se reveste com o nome de campo.”
Pascal
1
Um trabalho de investigação segue pistas e guardada a obviedade dessa afirmação
também deixa outras. A pesquisa aqui apresentada, dentro de suas (muitas) limitações
pretende ter continuidade e seguir as possíveis indagações deixadas pelas investigações
preliminares.
Algumas das constatações surgidas, e que colocaríamos em seguida, poderiam ser
assim aprofundadas:
A condição estratégica da Ilha de Santa Catarina, ao que tudo indica, condicionou sua
ocupação inicial e evolução urbana posterior. No início – quando da fundação no século XVII
Desterro era logisticamente importante, como porto de boa parada, a meio caminho entre o
Rio de Janeiro e Buenos Aires, pois já fora visitada por vários viajantes desde o século XVI e
Portugal precisava desse lugar para garantir sua hegemonia ao sul da América.
A vinda das famílias açorianas, na metade do século XVIII promovida também por
Portugal nucleou lugares no interior da Ilha e seu isolamento pela precariedade da
circulação por via terrestre, acabou por preservar várias nuances culturais e consolidar modos
de vida. Esses pouco se alteraram até meados do século XX, quando se iniciou a abertura ou
melhoramento de caminhos que levassem à península central.
Uma morfologia própria, definida por duas baías (sul e norte) e um maciço rochoso a
oeste do sítio fundador, limitou o crescimento e expansão iniciais da Vila, depois cidade
insular. Essa cidade foi lentamente sendo ocupada (no triângulo central) a partir de caminhos
abertos em direção às fortalezas. Como vetores iniciais de expansão, foram assim sendo
definidos arruamentos, além daqueles que iriam em busca de água, a partir do núcleo inicial.
358
A ligação com o continente, por via marítima, era também precária, pois dependia da
sazonalidade do vento sul sempre tornando difícil a navegação e, ao que parece somente
investimentos na esfera do poder central da época, garantiriam a permanência do status de
capital da província.
Essa condição iria ser periodicamente ameaçada por outros lugares urbanos do interior
catarinense (como Lages) e novamente o poder central iria socorrer a cidade, dotando-a de
melhorias como, por exemplo, as primeiras medidas do poder republicano. Ressalte-se a
figura de Hercílio Luz, o engenheiro com visão atualizadora e suas ações, como a Avenida do
Saneamento e a Ponte da Independência. Discursos laudatórios à parte, essas ações e gestões
(em dois governos) marcariam Luz como um exemplo de exercício de poder modernizador.
Certamente essas ações teriam seus efeitos colaterais – danosos às classes mais pobres,
como a remoção de seus lugares e um início (ainda que em pequena escala) de um processo
de favelização. Além disso, iria se consolidando aliás, em praticamente todo o estado,
historicamente periférico ao poder central – o poder das oligarquias. Como o trabalho em tela
tentou esboçar, esse poder iria continuar a se manifestar nas principais agremiações políticas
da primeira metade do culo XX.
Haveria dois ciclos, a partir da vigência da modernidade como espacialização da
modernização – importantes de serem estudados em Florianópolis.
Um primeiro que teria como preâmbulo as ações já citadas de Hercílio Luz: a Ponte
garantindo ligação permanente com o resto do país, embora essa ligação fosse ainda precária
até os anos 1960; a Avenida, criando novas áreas de ocupação urbana, diferenciadas da trama
urbana colonial das ruas-beco e lotes estreitos e compridos.
Esse ciclo iniciaria nos anos 1930, tendo a Revolução conduzida por Vargas e seus
três períodos subseqüentes de poder como pano de fundo.
1
Citado por Bernard Lepeti t (LEPETIT, 2001, p.226).
359
As arquiteturas desse ciclo se manifestariam em vários programas, através de alguns
vieses da modernidade, advindos de referências de outros centros. Esses vieses seriam
filtrados (como foi, por exemplo, o caso da nova agência dos Correios), muitas vezes, por
inviabilidades técnicas advindas de uma precariedade de meios, por um lado, e um
conservadorismo de gosto estilístico das elites locais e seus agentes, por outro.
Além disso, pouco se modificou da trama urbana original, a não ser por poucos
alargamentos em ruas estratégicas ao novo esquema de circulação viária a partir da Ponte e
benfeitorias em praças da área central.
Não haveria grande excepcionalidade nessas arquiteturas e tampouco, evidências de
monumentalidade diferenciada de outros centros, mais importantes do ponto de vista
econômico. Trata-se então, como afirma Fernando Díez, de arquiteturas de produção
2
, e não
de proposição. Seria a retaguarda da profissão, a do exercício da arquitetura cotidiana, aquela
prática que consolida postulados ou os enterra de vez. De resto, essa situação iria se manter
em Florianópolis – nos ciclos seguintes – como na maioria das cidades brasileiras.
Esse primeiro ciclo de modernidade se encerraria ao final dos anos 1940, com a
decadência do porto e a pouca presença de uma economia voltada ao comércio e a serviços.
Florianópolis historicamente, ao que parece, não teria indústrias locais, e a não ser através da
atuação de poucas empresas, a capital teria sua economia dependente das inversões estatais.
Isso determinaria uma modernidade a reboque do Estado e dos interesses do momento das
famílias das elites locais.
Um outro ciclo, em diferentes condições sócio-econômicas, se iniciaria na década de
1950, correspondendo a novos tempos da política, com o regime democrático de Juscelino
2
Seu “principal objetivo é dar resposta às necessidades práticas, ao encargo, produzindo a maioria dos edifícios
construídos em uma cidade sob as normas, as condições técnicas e econômicas, e com os procedimentos
correntes disponíveis. Seu objetivo é ser útil aos propósitos que a sociedade explicitamente lhe assinala e ajustar
ao máximo as soluções conhecidas. Ou seja, produzir uma quantidade em tempo e forma, proporcional a essa
360
Kubitschek e os anos do nacional-desenvolvimentismo. Ao mesmo tempo em que novos
arruamentos (avenidas cruzando os lugares das antigas chácaras e cortando a península) se
fizeram, novas arquiteturas verticalizando o centro urbano, começariam a por em evidência
uma ruptura com a trama urbana fundadora. A chamada cidade figurativa receberia, aos
poucos, arquiteturas vieses da modernidade de feição moderna (abstrata), colocando em
tensão a relação do espaço construído com a estrutura fundiária.
Novos programas presentes em outros centros compareceriam ou se
consolidariam. Eram o cinema, o edifício de apartamentos e os de escritórios, por exemplo,
verticalizando e valorizando lentamente a península em sua área central, mas ainda em um
processo comandado pelo Estado, modernizando seu aparato e provocando alterações e
rupturas na trama urbana.
Paralelamente a isso, o processo de aterramentos vindo desde o final do século XIX
iria modificando a morfologia insular. Nesse ciclo, a orla Norte iria receber uma franja de
aterro para desenhar a Avenida Beira-Mar, conduzindo até o centro da Ilha, e ajudando a
implantar a Universidade Federal.
Esse ciclo se encerraria, conforme nossa hipótese, mais ou menos ao final dos anos
1960, quando o novo regime político de 1964 militar e autoritário desenharia outros
paradigmas.
A cidade de Florianópolis se tornaria paulatinamente bi-nuclear (entre Ilha e
continente), sofreria mais aterramentos, dessa vez sepultando a condição de maritimidade na
área central e quase que sucumbindo a um rodoviarismo internalizado. Caminhos antigos se
transformariam em rodovias estaduais, e a malha viária da península ficaria aquém da
capacidade de fluxos, em uma situação que se mantém sem controle.
demanda com os meios e a organização disponível, e produzir uma qualidade consistente no aperfeiçoamento
das soluções conhecidas, implícita ou explicitamente requeridas no encargo”. (DÍEZ, 2008, p.70).
361
Nossa Senhora dos Aterros, a antiga Florianópolis, ainda não teve, ao que parece, a
oportunidade de experimentar um plano que abranja suas peculiaridades morfológicas, sua
condição insular e seu status de lo de uma região metropolitana, cada vez mais conurbada e
caótica.
Exemplos pontuais de bom agenciamento espacial existem e o trabalho tenta apontar.
É o caso do Loteamento Praia do Forte em Jurerê, demonstrando a possibilidade de uma
negociação com o ambiente natural, e também de alguns edifícios (como o das Diretorias) e
espaços abertos, infelizmente ainda em minoria.
A cidade necessita, em tempos de um Plano Diretor Participativo, avançar para além
dos interesses de grupos solidamente ancorados no poder. Contemplar sua condição insular e
de uma paisagem natural ímpar, preservar as escalas de convivência ainda presentes no centro
antigo, delimitar áreas de um possível crescimento em novos tempos de novas economias,
como a maricultura, e trabalhar as questões urbanas considerando a região metropolitana,
seriam, a nosso ver, algumas das pistas possíveis.
Esse trabalho teve por objetivo, dentro de suas limitações, registrar esses ciclos em
tela, para se for o caso, servir para alguma reflexão sobre uma cidade nascida em um lugar
incomparável, e que volte a ser um porto de boa parada.
362
363
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Universidade Federal de Santa Catarina.
Pública Estadual de Santa Catarina.
Faculdade de Arquitetura / UFRGS.
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura – PROPAR – UFRGS.
ARQUIVOS PÚBLICOS
Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos -Prefeitura Municipal de Florianópolis – SC.
Casa da Memória – Fundação Franklin Cascaes – Prefeitura Municipal de Florianópolis – SC.
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – 11ª Diretoria Regional – Santa
Catarina.
Laboratório de Documentação e Acervo / ARQ / UFSC.
Museu de Comunicação Social Hipólito da Costa – Porto Alegre – RS.
ARQUIVOS PARTICULARES
Acervo Wolfgang Ludwig Rau.
Acervo Família Tom Wildi.
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ENTREVISTAS
RAU, Wolfgang Ludwig. Entrevista a Luiz Eduardo Fontoura Teixeira e Eloah Castro
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__________ . Entrevista a Luiz Eduardo Fontoura Teixeira. Florianópolis, julho/2008.
SALVI, Luiz. Entrevista concedida a Luiz Eduardo Fontoura Teixeira e Betina Adams.
Florianópolis, 28/julho/2007.
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