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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
Danielle Kristhine Alécio Virtuoso Vieira
OS LIMITES DE UMA SOCIEDADE DITA INCLUSIVA PARA
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Maceió
2008
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DANIELLE KRISTHINE ALÉCIO VIRTUOSO VIEIRA
OS LIMITES DE UMA SOCIEDADE DITA INCLUSIVA PARA
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social da Universidade
Federal de Alagoas, como requisito para a obtenção
do título de mestre em Serviço Social, sob a
orientação da Profª Dra. Maria Virgínia Borges
Amaral.
Maceió - 2008
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Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale
V658l Vieira, Danielle Kristhine Alécio Virtuoso.
Os limites de uma sociedade dita inclusiva para pessoas com deficiência /
Danielle Kristhine Alécio Virtuoso Vieira. – Maceió, 2008.
96 f.
Orientadora: Maria Virgínia Borges Amaral.
Dissertação (mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de Alagoas.
Faculdade de Serviço Social. Maceió, 2007.
Bibliografia: f. 90-96.
1. Deficientes – Condições sociais. 2. Deficientes – Trabalho. 3. Inclusão
social. 4. Educação inclusiva. 5. Direitos sociais. I. Título.
CDU: 364.2-056.26
3
4
DEDICATÓRIA
À memória do meu
inesquecível amigo Valmer
Urtiga, por ter me
apresentado um mundo de
esperança e superação.
5
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora Profª Drª. Virgínia Borges, pela compreensão, pelo apoio,
pela amizade e pela motivação.
À Profª. Drª. Maria Augusta Tavares e ao Prof. Dr. Eduardo Montenegro,
pelas valiosas recomendações na banca de qualificação.
Aos professores do Mestrado em Serviço Social, que suscitaram em mim a
crítica e a vontade inesgotável de aprender sempre mais.
Às funcionárias da secretaria da pós-graduação da Faculdade de Serviço
Social, pela dedicação e paciência.
À Universidade Federal de Alagoas - Faculdade de Serviço Social, pelo
incentivo à pesquisa.
À FAPEAL, por ter contribuído para a realização deste trabalho.
À Prefeitura Municipal de Maceió, por ter permitido que eu me dedicasse ao
estudo durante o tempo do mestrado.
Aos meus alunos, fonte de inspiração e motivo incessante da minha busca
pelo aperfeiçoamento profissional.
Às pessoas com deficiência com quem tive a oportunidade de conviver na
Secretaria de Assistência Social, no Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas
com Deficiência e no Centro Estadual de Educação Especial Wandete Gomes de
Castro, pelas inúmeras lições e pelo aprendizado profissional e pessoal.
Ao professor Ivo Tonet, pelo carinho, paciência e amizade com que nos abriu
as portas de sua casa para nos receber no grupo de estudos Marxismo para o
século XXI.
6
Aos meus colegas do mestrado, pelas experiências e dificuldades
compartilhadas e pelos agradáveis momentos de amizade e descontração.
À grande amiga Jô, com quem pude e posso contar em todos os momentos,
obrigada pelos livros, filmes, pesquisas, leitura dos trabalhos, por sempre torcer e
acreditar em mim, enfim, pela sua verdadeira amizade.
À minha família, por todo amor, carinho, admiração, proteção e por toda a
minha sólida formação pessoal.
Aos meus filhos, João e Mari, por terem feito companhia um ao outro nos
meus momentos de ausência e por me estimularem tanto a viver cada vez mais
intensamente para retribuir o amor e o orgulho que sinto por eles.
Ao Daniel, meu marido, meu amor, meu pilar... por tudo.
7
RESUMO
Neste texto analisamos o processo de inclusão das pessoas com deficiência
na sociedade, enfocando a educação e o mercado “dito” inclusivos. O processo de
investigação se deu com base em pesquisas bibliográfica e documental; através de
obras que tratam de temas como inclusão e exclusão, bem como das definições e
conceitos, trajetória histórica, enfim, de como as pessoas com deficiência são
inseridas na sociedade, dita inclusiva, considerando os aspectos econômicos e
sociais do problema, suas dimensões e relações.
No texto também abordamos a dinâmica da sociedade capitalista e sua
relação com as pessoas com deficiência, a questão dos direitos e sua
fundamentação, além de discorrer sobre temas como: trabalho, exploração, direitos,
cidadania, inclusão e exclusão, procurando mostrar os limites da luta das pessoas
com deficiência numa sociedade dita inclusiva. Podemos perceber que, de um modo
geral, o centro das discussões é a reforma da sociedade e, sem dúvida, o foco
central é a questão da igualdade através da inclusão. Partindo desse princípio,
propomos analisar o sentido da inclusão na sociedade e a forma como é tratada pelo
segmento em questão. Além disso, mostrar que a relação inclusão/ exclusão é mais
complexa que a discussão que o segmento pessoas com deficiência suscita.
A partir daí a reflexão não deve ser restrita ao segmento PcD, mas deve
alcançar a sociedade de um modo geral, visto que, o processo de inclusão das PcD,
com suas relações, seja através da luta do segmento ou das iniciativas
governamentais que se referem ao tema – leis, decretos, campanhas, tratados, diz
respeito a todas as pessoas e não só àquelas que tem alguma deficiência.
Palavras-Chave: Pessoa com Deficiência. Trabalho. Sociedade Inclusiva. Educação
Inclusiva. Mercado Inclusivo. Direitos Sociais.
8
ABSTRACT
This paper reviews the process of inclusion of disabled people in society, focusing on
education and the market "said" inclusive. The process of research made on the
basis of research literature and documentation; through works that deal with issues
such as inclusion and exclusion, and the definitions and concepts, historical
trajectory, finally, of how people with disabilities are included in society, said
inclusive, considering the economic and social aspects of the problem, its dimensions
and relationships. The text also discusses the dynamics of capitalist society and its
relationship with the disabled, the issue of rights and its grounds, and talk on topics
such as: labour, exploitation, rights, citizenship, inclusion and exclusion, trying show
the limits of fight of the disabled in a society inclusive said.
We realize that, in general, the centre of discussions is the reform of society and
undoubtedly the main focus is the issue of equality through the inclusion. On that
principle, we propose to analyse the sense of inclusion in society and the way it is
treated by the segment in question. Moreover, show that the relationship inclusion /
exclusion is more complex than the discussion that the segment disabled people
raises. From there the discussion should not be restricted to PcD segment, but must
achieve a society in general, since the process of inclusion of PcD with their
relationship, whether through the struggle of the segment or the government
initiatives that relate the theme - laws, decrees, campaigns, treaties, concerns all
people and not only to those who have a disability.
Keywords: Person with Disabilities, Labour Inclusive Society, Inclusive Education,
Market Inclusive, Social Rights.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………......11
1 AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE ..........................................17
1.1 CONCEPÇÕES E TRAJETÓRIA HISTÓRICA DE PcD......................................18
1.2 PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UMA HISTÓRIA DE PRECONCEITOS...........20
2 O ESTADO: DE GUARDIÃO DO BEM COMUM A GUARDIÃO DO BEM ESTAR
DOS INDIVÍDUOS......................................................................................................26
2.1 O ESTADO NA ANTIGUIDADE: GUARDIÃO DO BEM COMUM........................27
2.2 O ESTADO MODERNO E OS IDEAIS LIBERAIS: GUARDIÃO DO BEM ESTAR
DOS INDIVÍDUOS......................................................................................................28
2.3 A DIFUSÃO DOS DIREITOS HUMANOS............................................................34
2.4 O TRABALHO COMO DIREITO...........................................................................36
2.5 O TRABALHO E AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA..........................................38
3 A LUTA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA PELA INCLUSÃO NA SOCIEDADE
– A QUESTÃO DOS DIREITOS................................................................................44
3.1 O DIREITO À CIDADANIA...................................................................................45
3.2 AS ONG’s E AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE
BRASILEIRA..............................................................................................................48
3.2.1 O movimento da Igreja Católica pela inclusão das PcD na sociedade.............54
3.3 INCLUSÃO E EXCLUSÃO: DUAS FACES DA MESMA MOEDA........................58
10
3.4 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA..........................65
3.5 A LUTA DO SEGMENTO PcD POR UMA SOCIEDADE INCLUSIVA.................69
3.5.1 A educação inclusiva.........................................................................................72
3.5.2 O mercado inclusivo..........................................................................................76
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................84
REFERÊNCIAS .........................................................................................................90
11
INTRODUÇÃO
A realização deste trabalho resulta da necessidade de aprofundar o
conhecimento sobre o universo das Pessoas com Deficiência
1
- PcD - especialmente
no que se refere às suas relações na sociedade e à discussão sobre a
implementação e efetivação do seu direito ao trabalho.
A necessidade de investigar esse problema surgiu a partir de uma experiência
profissional desenvolvida como assistente social na Secretaria Municipal de
Promoção da Cidadania e Assistência Social de Maceió, no período compreendido
entre dezembro/1996 e agosto/2004, que além de propiciar um convívio com o
segmento pessoas com deficiência
2
, através da execução da Política de Atenção à
Pessoa Portadora de Deficiência, nos levou a participar do Conselho Municipal da
Pessoa Portadora de Deficiência de Maceió, entre os anos de 2001 e 2003. Na
oportunidade, identificamos uma grande movimentação por parte do governo e da
sociedade civil organizada em relação à luta, criação e implementação de leis que
preconizavam o direito das PcD ao trabalho, além da luta pela implementação por
uma educação e um mercado inclusivos
3
que favoreceriam esse processo.
Nossa idéia inicial era realizar uma pesquisa de campo, na qual
entrevistaríamos PcD que estivessem inseridas, como trabalhadores formais, no
mercado de trabalho, e outras que não estivessem. Avaliaríamos as condições
sociais que permitiram tal diferenciação entre elas: a educação, o transporte, a
saúde etc.
Com o desenvolvimento da pesquisa bibliográfica compreendemos que o fato
de essas pessoas estarem ou não no mercado de trabalho não era o elemento mais
1
A denominação utilizada para se referir às pessoas com alguma limitação física, mental ou sensorial assume
várias formas ao longo dos anos. Utilizavam-se expressões como “inválidos”, “incapazes”, “excepcionais” e
“pessoas deficientes”, até que a Constituição de 1988, por influência do Movimento Internacional de Pessoas
com Deficiência, incorporou a expressão “pessoas portadoras de deficiência”, que se amplia na legislação
ordinária. Adota-se também a expressão pessoas com necessidades especiais ou pessoa especial. Todas elas
demonstram uma transformação de tratamento que vai da invalidez e incapacidade à tentativa de nominar a
característica principal da pessoa, sem estigmatizá-la. A expressão pessoas com necessidades especiais é um
gênero que contém as pessoas com deficiência, mas também acolhe idosos, gestantes, enfim, qualquer situação
que implique tratamento diferenciado. Igualmente se abandona a expressão pessoa portadora de deficiência com
uma concordância em nível internacional, visto que as deficiências não se portam, estão com a pessoa ou na
pessoa, o que tem sido motivo para que se use, mais recentemente, conforme faremos ao longo desse trabalho, a
forma, pessoa com deficiência, esta é a denominação internacionalmente mais freqüente. (SASSAKI, 2003).
2
Doravante PcD.
3
Vamos tratar da educação inclusiva e do mercado inclusivo no decorrer deste trabalho
12
importante, nem o ponto de partida desta análise; o fundamental seriam as
condições que permitiram o acesso dessas pessoas a essa esfera da sociedade.
Supomos que o fato de essas pessoas terem ou não deficiência não se revela
determinante para a situação de opressão em que se encontram. As pessoas com
deficiência buscam uma “inclusão”
4
no mercado de trabalho, acreditando que assim
superariam o preconceito da sociedade, que o trabalho as colocariam em condições
iguais as de “pessoas não deficientes”. Assim, não compreendem que a sociedade
capitalista não comporta todas as pessoas no mercado de trabalho, mesmo aquelas
que não têm deficiências.
A partir dessa reflexão centramos nossa análise no estudo das produções que
se referem às pessoas com deficiência – produções científicas, leis, reportagens,
artigos de revistas e jornais, que nos indicam que o segmento PcD busca, de forma
isolada, soluções para as refrações da questão social, explicitadas através da
problemática das pessoas com deficiência, que as exclui do mercado de trabalho.
Até a promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988, as políticas
públicas de atenção ao segmento PcD estavam circunscritas ao tripé educação,
saúde e assistência social e os demais aspectos costumavam ser negligenciados.
Nos últimos anos este cenário começou a mudar, a inserção das pessoas com
deficiência no mercado de trabalho passou a constituir-se em um grande desafio
para a sociedade impulsionado por dois fatores decisivos: de uma lado, a crescente
preocupação das empresas em adotar políticas de responsabilidade social que
incluem reservar parte do percentual de empregos de suas empresas para pessoas
com deficiência; de outro a lei 8.213, de 1991 – a chamada lei de cotas - que institui
a obrigatoriedade da contratação de pessoas com deficiência em percentuais que
variam de 2% a 5% dependendo do número de empregados que a empresa tenha.
Esta modificação que chamamos de “mercado inclusivo”
5
acabou por gerar
uma situação inusitada em um país como o Brasil, acostumado a viver com altas
taxas de desemprego
6
. Há hoje uma surpreendente exceção: sobram milhares de
vagas para as pessoas com deficiência, já que grande parte das empresas não
4
Trataremos do tema inclusão ao longo do texto.
5
Chamaremos de mercado inclusivo os mecanismos de colocação das pessoas com deficiência no mercado de
trabalho, tal qual a educação inclusiva em relação à colocação de pessoas com deficiência em salas de aula
comuns e não mais especiais.
6
O país fechou 2007 com 1,7 milhão de desempregados (ANDRADE, 2008).
13
consegue encontrar trabalhadores para preencher as vagas de emprego destinadas
a elas. E não encontram porque a maioria não está preparada para o mercado de
trabalho, não tiveram preparação adequada e suficiente para preencherem as vagas
disponíveis por lei. Ou ainda, quando estão preparados, preferem os concursos
públicos, e há os que optam pelos benefícios concedidos pelo Estado para pessoas
com deficiência, não carecendo de uma preparação para o mercado de trabalho.
Junta-se a isso o fato de a educação dessas pessoas ter sido objeto de
inquietações e constituir um sistema paralelo de instituições e serviços
especializados cujo objetivo seria a inclusão escolar e a preparação para o mercado
de trabalho, despontando como um ideal a ser conquistado, já que, a priori, no
campo formal das leis e na prática, busca-se a sua efetiva implementação.
Nos moldes governamentais, Educação Inclusiva significa uma educação de
qualidade para todos. O Programa Educação Inclusiva da SEESP - Secretaria de
Educação Especial preconiza o direito à diversidade com o objetivo de:
[...] disseminar a política de educação inclusiva nos municípios
brasileiros e apoiar a formação de gestores e educadores para
efetivar a transformação dos sistemas educacionais em
sistemas educacionais inclusivos, adotando como princípio a
garantia do direito dos alunos com necessidades educacionais
especiais de acesso e permanência, com qualidade, nas
escolas da rede regular de ensino (BRASIL, DIREITO Á
EDUCAÇÃO, 2004).
A partir da realidade apreendida por meio da pesquisa bibliográfica realizada,
pretendemos mostrar que o que se observa nestes setores são ações isoladas e
simbólicas, ao lado de um conjunto de leis, projetos e iniciativas incipientes e
desarticuladas entre as diversas instâncias do Poder Público. Em todos os casos
percebemos uma concepção de sujeito fragmentado, incompleto, sem a necessária
incorporação das múltiplas dimensões da vida humana.
A proximidade com esse cenário, através do desenvolvimento da prática
profissional como assistente social, nos despertou o interesse em conhecer as leis e
14
os direitos requeridos pelo segmento e a sua efetivação na sociedade capitalista,
bem como pensar sobre as mudanças que vêm afetando o mundo do trabalho, a
esfera do Estado e as políticas públicas, além de analisar como estas vêm
estabelecendo novas mediações nas expressões da questão social na atualidade,
nas demandas da profissão e nas respostas do Serviço Social (IAMAMOTO, 2000).
O objetivo da sociedade capitalista é a obtenção do lucro e não a satisfação
das necessidades humanas, sendo assim, para fazer parte dessa sociedade os
indivíduos devem fazer parte do mercado de trabalho; considerando ainda que a
maioria das pessoas só dispõe da sua força de trabalho e não dispõe dos meios de
produção, como se inserem nesse processo os indivíduos que apresentam algum
tipo de deficiência? Como participam do processo de trabalho se, de antemão, já
têm o prefixo pejorativo “de” (ficiência), que se opõe a eficiência? Como vender uma
“força” de trabalho que não responde às exigências da sociedade capitalista ou que
não se enquadra nos moldes dessa sociedade?
Existem no mundo 600 milhões de pessoas com deficiência, dos quais 400
milhões vivem em países em desenvolvimento. Esses números colocam a questão
da deficiência intrinsecamente ligada à pobreza de modo geral. No Brasil, segundo
estimativas do IBGE
7
, 14,5% da população apresenta uma deficiência. De acordo
com o Censo de 2000, dos 24.650.000 brasileiros com deficiência, 27% vivem em
situação de pobreza extrema; 53% são considerados pobres; 15% pertencem à
classe média e somente 5% são da classe alta. Esse seria o motivo de as pessoas
com deficiência estarem à margem do processo produtivo e da sociedade? Desse
montante, 16 milhões de pessoas com deficiência estão em idade de trabalhar (entre
16 e 60 anos); deste universo, 2% trabalham com contrato ou carteira assinada; 8%
são donos de empresas comerciais ou industriais; 10% estão trabalhando como
empregados, sem contrato ou carteira assinada; 20% trabalham na economia
informal e 60% estão fora do mercado de trabalho, número bastante elevado e que
merece uma atenção especial na análise da problemática das pessoas com
deficiência
8
.
Para essa análise destacaremos a trajetória das pessoas com deficiência na
sociedade capitalista no Brasil, que pode nos indicar que os trabalhadores com
algum tipo de deficiência foram vistos, por muito tempo, como improdutivos.
7
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-CENSO 2000
8
Dados retirados do site www.gdln.org.br.
15
Podemos perceber que na sociedade, de um modo geral, o centro das
discussões é a reforma da sociedade capitalista
9
; sem dúvida, o foco central é a
questão da igualdade através da inclusão. No caso das PcD a análise das políticas
contidas nas produções, publicações e na legislação específica nos mostra que o
segmento PcD tem a inclusão como objetivo principal.
São várias as interpretações que atravessam o movimento de luta das
pessoas com deficiência: a da filantropia, da caridade e da solidariedade; o discurso
da individualidade, quando se fala em algumas pessoas que conseguem ultrapassar
as barreiras do preconceito, em detrimento de outras que não lograram igual êxito; e
o discurso da política da diversidade e da responsabilidade social como parâmetros
para a construção de uma sociedade melhor.
A promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988 trouxe uma certa
efervescência em relação à organização do movimento de luta pelos direitos das
pessoas com deficiência, no sentido de discutir e encaminhar propostas de inserção
dessas pessoas no mercado de trabalho.
Compreendemos que as causas de estas pessoas estarem fora do mercado
de trabalho, apesar da existência da lei, não são devidas à dificuldade de educação
e qualificação profissional do segmento PCD. Com o conhecimento mais
aprofundado da realidade, propiciado através do desenvolvimento deste trabalho,
centramos nossa atenção na contextualização das políticas e na implementação da
legislação que assegura os direitos das pessoas com deficiência ao trabalho.
Perguntamo-nos até que ponto os direitos reivindicados, ou os já instituídos pela
legislação estabelecida no país, contribuem para a efetivação da igualdade pleiteada
pelo segmento ou servem de ocultamento à exploração e discriminação comuns à
sociedade já que é tão difícil cumprir ou efetivar o que está estabelecido por lei.
A estrutura desta dissertação está assim definida: no primeiro capítulo
apresentaremos a trajetória histórica das Pessoas com Deficiência, com o propósito
de identificar as diversas formas como essas pessoas vêm sendo tratadas por esta
sociedade, bem como situar o leitor em relação às Pessoas com Deficiência, na
sociedade nos dias atuais.
A partir dessa discussão percebemos a necessidade de buscar a explicação
para o surgimento da sociedade capitalista, seu funcionamento, seus objetivos e
9
Por reforma entende-se: humanização, igualdade, inclusão, busca por mais justiça etc.
16
propósitos desde a constituição do Estado Moderno, considerando a doutrina liberal
como o fundamento da constituição desta forma de Estado, pois entendemos que
essa origem explica vários fenômenos que abordamos ao tratar do tema. Sendo
assim, no segundo capítulo, além de dissertarmos sobre o Estado como o guardião
do bem comum e do bem estar dos indivíduos, apresentaremos a concepção de
direitos humanos com seus fundamentos filosóficos e históricos, bem como a sua
difusão, fazendo a relação entre a constituição dos direitos humanos e as Pessoas
com Deficiências. Em seguida, ainda no segundo capítulo, enfocaremos o mundo do
trabalho e as transformações históricas e sociais que lhe são inerentes, relacionando
o trabalho como um direito na sociedade capitalista.
No terceiro capítulo faremos a análise do conceito de cidadania e sua relação
com o termo “inclusão”, e do processo de lutas pela inserção do segmento PcD na
sociedade - luta por direitos, especificamente, direito à educação/formação
profissional e ao trabalho (usaremos aqui os termos sociedade inclusiva, educação
inclusiva e mercado inclusivo). Travamos uma discussão acerca das políticas
públicas voltadas ao segmento PcD e da participação das Organizações Não
Governamentais - ONGs e da Igreja Católica nesse processo.
Em todo o texto estará presente a questão da igualdade, por meio deste
conceito analisaremos a influência da filosofia humanista cristã quando abordarmos
o discurso da Igreja Católica como fundamentação e base de sustentação para a
luta por direitos e inclusão nesta sociedade.
17
CAPÍTULO I
AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE
18
1.1 CONCEPÇÕES E TRAJETÓRIA HISTÓRICA DE PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA
O conceito adotado pela legislação brasileira em relação à deficiência assim a
define: “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica ou
anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do
padrão considerado normal para o ser humano” (BRASIL, Decreto 3.298/99).
Para discutir a relação das pessoas com a deficiência adotamos um conceito
que se opõe à ordem vigente, ao conceito formal, definido por lei, que é considerado
um conceito médico pela maioria das instituições que representam o segmento PcD
– Pessoa com Deficiência. Trata-se do conceito adotado pela Upias – Union of the
Phisically Impaired Against Segregation
10
:
[...] a deficiência considerada uma experiência resultante da
interação entre características corporais do indivíduo e as
condições da sociedade em que ele vive, isto é, da combinação
de limitações impostas pelo corpo com algum tipo de perda ou
redução de funcionalidade (‘lesão’) a uma organização social
pouco sensível à diversidade corporal [...] Deficiência:
desvantagem ou restrição de atividade provocada pela
organização social contemporânea que pouco ou nada
considera aqueles que possuem lesões físicas e os exclui das
principais atividades da vida social (UPIAS, 1976, p.3-4 apud
DINIZ; MEDEIROS, 2004, p.8).
De acordo com este conceito, que traduz o nosso entendimento, deficiência
não deve ser tratada como um problema individual, mas como uma questão
eminentemente social, “[...] transferindo a responsabilidade pelas desvantagens dos
deficientes das limitações corporais do indivíduo para a incapacidade de a
sociedade prever e ajustar-se à diversidade”.
11
Este conceito é diferente daquele definido pela legislação no Brasil (Decreto
3.298/99), pois trata de uma sociedade que não atende às necessidades dos
10
The Union of the Phisically Impaired Against Segregation, uma das primeiras organizações de deficientes com
objetivos prioritariamente políticos, e não apenas assistenciais, in DINIZ; MEDEIROS, 2004, p.8.
11
Idem.
19
indivíduos e nos aponta para o entendimento de uma sociedade excludente,
desigual e injusta, além de nos mostrar que não são os indivíduos que apresentam
deficiências, mas a própria sociedade.
A forma como se percebe as Pessoas com Deficiência na sociedade atual –
capazes de fazerem parte do mercado de trabalho e da sociedade em geral,
respeitadas as suas limitações –, a partir da instituição de leis que promulgam a
convivência na diversidade, é uma inovação se considerarmos que estas pessoas
vêm sendo tratadas, ao longo do tempo, de uma maneira excludente e
assistencialista. Na época do Império, por exemplo, caracterizada por uma
sociedade rural e desescolarizada foi possível silenciar o deficiente e esconder
aqueles que mais se distinguiam ou cuja presença mais incomodava (JANNUZZI,
2004).
Muitos problemas que afligem a vida das PcD têm origem na própria
sociedade, já que é certo que parte da redução da capacidade de andar, pensar,
aprender, falar ou ver está ligada a limitações que possuem, mas, também, uma boa
parte decorre das barreiras que lhes são impostas pelo meio social. Isso pode ser
demonstrado se atentarmos para o fato de que, em muitos casos, a pessoa amplia
sua acessibilidade, no momento em que a sociedade proporciona condições
adequadas. Por exemplo: quem usa cadeira de rodas para se locomover e encontra
no trabalho ou na escola transporte adaptado e rampas de acesso, tem sua
capacidade de locomoção proporcionada. A sociedade desempenha um importante
papel na definição, na interpretação e na superação das dificuldades das pessoas
com deficiência. Mas apesar de todo investimento, apesar das condições favoráveis
e adaptadas às suas limitações, essa pessoa não sai do segmento dos que
apresentam impedimento na locomoção por causa da deficiência, mesmo tendo sua
capacidade de locomoção ampliada.
O movimento de luta das PcD é pioneiro em algumas conquistas sociais.
Enquanto as universidades brasileiras estão tentando implementar o sistema de
cotas para afrodescendentes, já existe uma lei de cotas para as pessoas com
deficiência em relação à sua inserção no mercado de trabalho
12
. Em relação à
política de Assistência Social, é garantido um salário mínimo às PcD que
12
Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991 – Dispõe sobre os planos e benefícios da Previdência Social.
20
comprovarem não ter meios de prover a sua subsistência
13
. De fato, a análise
dessas políticas pode gerar lições relevantes não só para as pessoas com
deficiência como para todos os indivíduos, mas o pioneirismo deste segmento
implica a necessidade constante de aprimorar políticas e garantir o seu
cumprimento. Não devemos perder de vista essa dupla dimensão na luta do
segmento PcD.
1.2 PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UMA HISTÓRIA DE PRECONCEITOS
Por muitos séculos as atitudes preconceituosas em relação às PcD se
mantiveram relativamente estáveis. As sociedades humanas avançaram em alguns
aspectos, mas muito pouco na superação dos preconceitos. Estes foram apenas
variando na sua manifestação. Com o passar do tempo e por pressão dos
segmentos mais esclarecidos, os grupos preconceituosos foram sofisticando sua
reação diante das PcD. Surgiram comportamentos estereotipados e outros
superficialmente marcados por uma compreensão necessária ao movimento de
respeito às diferenças e de fomento à “sociedade inclusiva” reclamado pela
sociedade atual.
Podemos esclarecer, a partir de Barroco, que as diferenças são constitutivas
do gênero humano, porém tais diferenças não transformam as pessoas em seres
humanos melhores nem piores, apenas denotam características humanas diferentes,
mas nem por isso colocam os indivíduos em patamares diferentes:
As diferenças são constitutivas do gênero humano e funcionam
como afirmação das peculiaridades naturais e socioculturais. A
diversidade está presente nas diferentes culturas, raças, etnias,
gerações, escolhas, crenças, concepções de mundo, enfim,
‘nas particularidades do conjunto de expressões, capacidades
e necessidades humanas historicamente desenvolvidas’
(BARROCO, 2003, p.15).
13
Lei nº 8.742, de 7 de dezembro e 1993, Lei Orgânica da Assistência Social-LOAS, Cap. IV, Seção I Do
Benefício de Prestação Continuada.
21
A sociedade produz normas e regras que são mantidas para garantir um
controle social. Os sujeitos que alteram ou deixam de seguir essas padronizações
compõem o grupo das minorias e estão vulneráveis à exclusão e ao preconceito.
As diferenças naturais e/ou socioculturais na sociedade sempre foram tema
cujos debates eram restritos a poucos, em geral envolvidos direta e pessoalmente
com a causa. A maior parte da população, com raras exceções, sempre esteve à
margem das discussões e preocupações com os problemas vividos por essas
pessoas, até mesmo por desconhecerem a causa. A história nos mostra que as
pessoas com deficiência só foram alvo de atenção e preocupação no momento e na
medida exata em que os segmentos dominantes da sociedade sentiram tal
necessidade. Essa história é analisada de forma diferente por diversos autores, mas
em todos está presente o caráter preconceituoso que se estabelece nessa relação.
Segundo Ribas (1997), na Antiguidade remota e entre os povos primitivos o
tratamento destinado às pessoas com deficiência assumiu dois aspectos distintos:
alguns as exterminavam por considerá-las graves empecilhos à sobrevivência do
grupo e outros as protegiam e as sustentavam para buscar a simpatia dos deuses. A
lei das XII tábuas, na Roma antiga, autorizava os patriarcas a matar seus filhos
defeituosos, o mesmo ocorrendo em Esparta, onde os recém-nascidos frágeis ou
deficientes eram lançados do alto do Taigeto
14
.
Os hindus estimulavam o ingresso dos deficientes visuais nas funções
religiosas. Os atenienses, por influência de Aristóteles, protegiam seus doentes
deficientes em sistema semelhante à nossa Previdência Social, em que todos
contribuíam para a manutenção dos heróis de guerra e de suas famílias.
Durante a Idade Média, já sob a influência do Cristianismo, os senhores
feudais amparavam os deficientes e os doentes em casas de assistência, alternando
a concepção de deficiência, ora como noções teológicas de possessão pelo
demônio, ora como desígnios divinos.
Dessa forma, podemos verificar que desde a Antiguidade já se questionava
sobre a política a ser adotada para as pessoas com deficiência. Questionava-se
sobre a conduta a ser tomada: readaptá-las ou assisti-las? Qual o caminho que traria
melhores resultados? É a pergunta que desde aquela época pairava no ar.
14
Taigeto - abismo de mais de 2.400m de profundidade.
22
O assistencialismo foi, por muitas gerações, a resposta encontrada. Políticas
governamentais baseavam-se numa visão paternalista, desconsiderando os
potenciais daquelas pessoas. Esta visão tinha como grande problema o afastamento
dessas pessoas da vida em sociedade, o total alijamento delas na comunidade e da
possibilidade de influenciar os destinos da comunidade.
Com o Renascimento, (século XVI) a política assistencial cedeu lugar à
necessidade de integrar a pessoa à comunidade, de fazê-la membro participante e
ativo do meio em que habita. A preocupação não mais era proteger e amparar as
pessoas com deficiência; agora, as políticas tinham como meta trazê-las para o
convívio, reintegrá-las através de políticas de readaptação. A criação de leis e
políticas de atenção às pessoas com deficiência foi sendo concedida à medida que
foi se tornando necessária ao sistema dominante, pelo menos até o momento em
que os movimentos populares que se estruturaram passaram a reivindicar tais
políticas como um direito (RIBAS, 1997).
Para Lancillotti (2003), a noção de deficiência vai se modificando
historicamente à medida que as relações sociais vão se alterando e surgindo novas
necessidades entre os homens. Nas sociedades primitivas, onde os homens proviam
suas necessidades de sobrevivência através da caça e da pesca, sendo por isso
nômades, as pessoas que portavam algum tipo de deficiência eram um peso morto
para seu grupo social e seriam, provavelmente, abandonadas à própria sorte. Com a
sociedade escravista, na Grécia antiga, a satisfação das necessidades básicas do
homem livre era garantida pelos escravos; não tendo mais que prover sua própria
subsistência, ele podia pensar de forma sistematizada.
Essa prática só se modificou a partir da transformação do modo de
organização social. Na Idade Média, sob a influência teológica, a dicotomia
corpo/mente transformou-se em corpo/alma. A partir da instituição de uma moral
cristã, sendo todos os homens possuidores de uma alma, passou a ser intolerável a
prática do abandono, socialmente aceita e justificada na sociedade escravista. Havia
um conflito moral em abandonar essas pessoas dotadas de alma, portanto, o
asilamento foi a forma encontrada para tratar essas pessoas e aliviar o incômodo
das demais.
Com o advento do capitalismo, a partir das contradições da sociedade feudal,
o divino passou a ser tratado como natural. “O homem, a sociedade e o mundo
passaram a ser concebidos como realidades individuais, imanentes, dotadas de uma
23
lógica particular, em vez de serem determinados por forças divinas” (LANCILLOTTI
2003, p.48). Nessa perspectiva, Lancillotti cita Locke para descrever a deficiência
compreendida como uma coisa natural.
A questão do natural foi explicitada por Locke no seu segundo
tratado sobre o governo civil, publicado em 1692. Para ele os
homens são definidos como proprietários de si mesmos, de
seus corpos, de sua força de trabalho, livres e iguais, podendo
realizar no mercado a troca de mercadorias, sendo limitados
apenas por suas incapacidades naturais (LOCKE, 1978 apud
LANCILLOTTI, 2003, p.48).
Dessa forma, eram segregados em instituições asilares tuteladas pelo Estado
todos aqueles que não participavam do processo de produção e acumulação de
riquezas: as Pessoas com Deficiência, os miseráveis, os incapazes etc. Não se
concebia, sob nenhuma hipótese, que tais pessoas poderiam desempenhar alguma
atividade nessa sociedade que fosse compatível com suas habilidades. O simples
fato de depender do auxílio de outras pessoas já as tornava incapaz, como se todas
as outras ditas normais pudessem se bastar a si mesmas, como se os homens, em
suas relações sociais, não fossem dependentes uns dos outros e pudessem
construir seu mundo e se reproduzirem sozinhos, qualquer que seja a sua forma de
organização social.
Lancillotti explicita, a partir do pensamento de Bueno:
[...] se há alguma continuidade histórica na identidade social do
anormal, é que em todas as épocas a sociedade identificou,
por algum critério, aquelas que possuem características
divergentes das encontradas na maior parte de seus membros.
Argumentou que esta identificação é pautada não pela
presença da diferença, mas sim por suas conseqüências nas
possibilidades de participação desse homem na construção
coletiva da sobrevivência e reprodução social. Dessa forma,
uma pessoa é considerada deficiente quando não corresponde
24
a um padrão considerado normativo, e há um homem de
referência para cada tempo (LANCILLOTTI, 2003, p.50/51).
Por isso, a autora afirma que o conceito de deficiência é construído
historicamente e podem ser observadas mudanças no perfil daqueles ditos
deficientes, à medida que as relações sociais vão sendo transformadas pela relação
do homem com o meio em que vive.
D’Amaral (2004) discorre de forma mais filosófica sobre a história das
pessoas com deficiência. O autor ressalta que a idéia de ser deficiente tem
significados diferentes através dos tempos, de certa forma concordando com
Lancillotti quando diz que a construção do conceito de deficiência é histórica. Por
exemplo, na sociedade capitalista esse conceito tem a ver com uma civilização cujo
objetivo é a eficácia e a capacidade de produzir é que mede essa eficácia. “De modo
que a natureza humana e a singularidade individual não têm, a rigor, nenhum valor”
(D’AMARAL, 2004, p.14).
Diferentemente dos outros autores citados neste trabalho, D’Amaral afirma
que na Idade Média o deficiente era visto como uma pessoa sagrada: “A marca que
ele portava era o sinal da diferença e, nesse sentido, o deficiente era assinalado por
Deus” (D’AMARAL, 2004 p.15). Continua, dizendo que o deficiente no passado era
tratado de forma positiva, a deficiência era “o sinal, a marca, uma espécie de
predestinação” (Idem, ibidem). Afirma que vivemos numa civilização que se define
como ocidental e cristã, cuja origem está na Grécia e no Oriente Médio, portanto, os
pais fundadores de nossa cultura atual, tanto do lado grego como do lado judaico e
depois cristão, eram pessoas com deficiência. O autor está falando de Homero, que
cantou a Guerra de Tróia e depois a viagem de volta de Ulisses, em Ilíada e
Odisséia. Homero era cego e, no entanto, ninguém se refere a ele dessa maneira;
poucas pessoas sabem dessa característica. “Homero era um grande poeta, o maior
poeta de todos os tempos, assim se diz, mas o fato de ser cego não é significativo.
Era um fato e ponto” (Idem, p.16).
Pelo lado judaico tem-se a Bíblia, que conta a história dos patriarcas, reis e
profetas. Nela pode-se ler que Jacó é o fundador da outra tradição ocidental, que
juntamente com a tradição grega formou nossa civilização. Jacó, segundo a Bíblia,
era coxo devido a uma entorse que Deus colocou em seu corpo como uma marca
pela qual ele seria sempre lembrado como aquele que lutou com Deus. O fato é que,
25
enfatiza d’Amaral, ninguém se lembra dos pais-fundadores da nossa história como
deficientes. Estas duas pessoas com deficiência, Homero e Jacó, são os pais-
fundadores da cultura que hoje, no seu quase ocaso, trata o deficiente como alguém
menos humano, nem por isso mais divino, alguém a ser excluído, a ser mantido à
margem da sociedade, sem cidadania, uma vez que a diferença é vista como um
sinal negativo e não afirmativo (Idem, ibidem).
Por fim, conclui o autor:
Tanto Jacó como Homero não teriam lugar em nossas escolas,
em nossas universidades; sofreriam com as barreiras
arquitetônicas etc. Um não teria escrito a Ilíada e a Odisséia e
o outro não teria sido o pai-fundador da nação judaica e,
portanto, avô do cristianismo (Idem, ibidem).
Poderíamos acrescentar que também não teriam acesso ao mercado de
trabalho da mesma maneira como as pessoas que não têm nenhuma deficiência,
que sua força de trabalho não teria o mesmo valor nessa sociedade em que a
eficácia dita as normas e em que quase tudo é reduzido a mercadoria e, como tal,
uma força de trabalho deficiente não serve à acumulação de riquezas, tanto quanto
àquelas que não apresentam nenhuma deficiência.
Ao longo da história, constata-se algumas atitudes públicas para o
atendimento das necessidades das pessoas com deficiência, tanto no campo
médico, como no educacional e laboral. Mesmo com os avanços obtidos pelo
movimento das pessoas com deficiência em defesa de seus direitos, trazendo
mudanças significativas em relação à representação social da deficiência, em nossa
sociedade persiste a tendência para uma “cultura excludente”, que põe a diversidade
humana em segmentos estanques e isolados, em função de fatores psicológicos,
sociais, políticos e econômicos. Com tal tendência, a sociedade não se faz
representar em sua diversidade, o que contribui para o desconhecimento e a
desinformação sobre esses segmentos, gerando preconceitos pelos quais são
estigmatizados.
26
CAPÍTULO II
O ESTADO: DE “GUARDIÃO DO BEM COMUM A GUARDIÃO DO BEM ESTAR
DO INDIVÍDUO
27
2.1 O ESTADO NA ANTIGUIDADE: GUARDIÃO DO BEM COMUM
Para alguns filósofos, como Aristóteles, não existia poder de uns sobre os
outros; o poder servia para equilibrar, pois não era despótico nem arbitrário.
Segundo este pensador, o homem é um animal político por natureza, que deve viver
em sociedade, considerando que: “Na ordem natural, o Estado antepõe-se à família
e a cada indivíduo, visto que o todo deve, obrigatoriamente, ser posto antes da parte
(ARISTÓTELES, 2004, p.14)”.
Quem funda a sociedade como tal é a justiça, que constitui a sua base.
Então, para Aristóteles, as leis e o direito são fundantes da sociedade e do homem
como ser social e não mais, apenas, natural. Para ele, o Estado é quem deveria
cuidar do bem comum, e essa noção é retomada pelos filósofos liberais no século
XVIII (Hobbes, Locke e Rousseau). Mas o bem comum para Aristóteles significa a
busca da definição do justo meio, admitidas as desigualdades sociais, já que o
cidadão para ele era o homem que detinha um certo poder, era o homem livre,
membro da comunidade e que desfrutava do direito de chegar à magistratura,
portanto, os escravos não eram considerados cidadãos (Idem).
A noção de ser social era muito pouco separada da natureza. Aristóteles parte
de uma noção de homem como ser racional, como animal natural. Partindo dessa
noção, o homem, por ser racional, tem logos e tem como finalidade desenvolver
essa racionalidade. A partir daí, admitidas as desigualdades naturais, advém a
existência das classes sociais e dos conflitos sociais como naturalmente fundados.
Portanto, já que os homens são desiguais por natureza, o ideal é que o Estado cuide
do bem comum. Cuidar do bem comum seria impedir que os ricos o fossem em
demasia e os pobres, por demais pobres. Já que a existência da riqueza e da
pobreza era justa, era preciso que entrasse em ação um poder que impedisse as
injustiças, e esse poder era o Estado. Nessa forma de sociabilidade, o Estado é
instrumento de equilíbrio entre as classes sociais, admitidas como naturais, e o ideal
que se punha era a busca do bem comum.
Nesse contexto a propriedade privada é fato natural, bem como a
desigualdade social e o poder político, que serviam para equilibrar os conflitos
sociais na busca do ideal de exercer a justiça.
28
Para Aristóteles e os filósofos da Antiguidade, o homem é um animal político
e, como tal, é expressão da atividade racional que busca o bem comum. Sendo
assim, o estado de natureza se caracteriza pela inexistência de uma sociedade
política e da lei; é o poder político e a lei que fundam o Estado. A política e o Direito
instauram a sociedade, portanto onde não existir o Estado e não existir lei, aí reside
o estado de natureza. É preciso estabelecer regras e limites para que a natureza
humana possa se desenvolver. À medida que se estabelecem regras e limites, as
coisas podem funcionar, mas tais limites têm de ser construídos na sociedade, já
que não são imutáveis, nem eternos. Nesse sentido, ser cidadão é viver numa
democracia, fazer parte da condição humana, que deve ser o fim último dos homens
(ARISTÓTELES, 2004).
A política está acima de tudo e de todos. Há uma centralidade da política para
governar a todos, já que cidadania e democracia são valores universais. Isso
caracteriza o poder político, que não é um poder sobre, mas um poder entre as
classes, que não está acima, mas no equilíbrio.
Há em Aristóteles uma centralidade da política, pois é o Estado que
administra os conflitos sociais, que constrói as cidades e resolve os problemas
existentes, não de modo definitivo, mas no sentido de conciliar interesses e
administrar conflitos.
Partindo desse princípio, mas numa perspectiva liberal, é necessário
entender os fenômenos inseridos na totalidade em que existem, já que o movimento
da história é dinâmico e contraditório. Por isso vamos nos reportar à constituição do
Estado Moderno e à constituição dessa forma de sociedade para entendermos a
dinâmica do mundo atual, no que se refere à efetivação das políticas públicas e ao
papel do Estado na sociedade capitalista.
2.2 O ESTADO MODERNO E OS IDEIAIS LEBERAIS: GUARDIÃO DO BEM
ESTAR DO INDIVÍDUO
O liberalismo foi uma doutrina que surgiu na Europa - segundo Laski, a mais
importante doutrina da civilização ocidental. Trata-se de uma doutrina, sobretudo,
relacionada à liberdade, mas à liberdade formal, aquela que permite ao proprietário
explorar o trabalhador, que garante ao homem burguês a liberdade de ser possuidor,
liberdade que garante a propriedade privada a alguns e a exploração à maioria.
29
Liberdade limitada, liberdade a uns e opressão a outros, ou ainda, opressão de uns
homens sobre outros. Liberdade de vender sua força de trabalho, liberdade de
obedecer às leis impostas pelo Estado, “[...] a liberdade que procurou não tinha foros
de universalidade, visto que a sua prática estava limitada aos homens que tinham
propriedade a defender”
(LASKI, 1973, p.11).
De acordo com tal doutrina, o Estado serviria para defender os interesses da
burguesia, que era detentora de propriedades, em detrimento dos benefícios
daqueles que não as possuíam. Todavia, as idéias liberais também, apesar de
defenderem os interesses da burguesia, alavancaram um progresso indiscutível que
melhorou o padrão geral de condições materiais. “O liberalismo chegou, portanto,
como uma nova ideologia para ajustar-se às necessidades de um novo mundo”
(Idem, ibidem). A partir daí se modificam as relações e, em detrimento do poder do
clero, surge um Estado secular que substitui a Igreja como guardião do bem-estar
social e da ordem.
Para um melhor entendimento acerca da importância do liberalismo na
formação do Estado moderno, continuaremos citando Laski:
Temos, pois, que os alicerces de uma doutrina liberal foram
lançados no século XVI. Cria-se uma disciplina social que
encontra as suas sanções próprias, independentemente do
ideal religioso. Estabelece-se um Estado auto-suficiente. Gera-
se uma mentalidade intelectual cônscia, talvez um pouco
constrangidamente cônscia, de que qualquer limitação ao
direito de especulação é também uma limitação ao direito de
poder material. Há um novo mundo físico, tanto no sentido
geográfico, como no ideológico (LASKI, 1973, p.14).
E acrescenta:
O fato é que, aceitos os seus pressupostos, o liberalismo
econômico foi uma doutrina limitada a serviço de uma reduzida
seção da comunidade. O preço para o seu funcionamento foi
pago pelo trabalhador da fábrica e pelo agricultor sem terra
que, proibidos de se organizarem, privados do direito do voto,
30
sujeitos a tribunais de justiça que consideravam a preservação
da propriedade burguesa a finalidade básica da vida, eram
praticamente impotentes em face das novas disposições (Idem,
p.62).
Concordando com o autor e discorrendo sobre os fundamentos dessa
doutrina social e econômica, Aranha e Martins afirmam que o liberalismo indica o
conjunto de idéias éticas, políticas e econômicas da burguesia que se opunha à
visão de mundo da nobreza feudal (1993). Prosseguindo, as autoras complementam
a idéia afirmando que essa doutrina se posiciona, sobretudo, contra o absolutismo
real.
Dentro da doutrina liberal três filósofos se destacam: Hobbes, Locke e
Rousseau, além de Adam Smith, que se destacou na economia.
Thomas Hobbes (1588-1679) foi um filósofo contratualista, e como tal, partia
da análise do homem em seu estado de natureza, isto é, antes de qualquer
sociabilidade, quando, por hipótese, desfruta de todas as coisas, realiza os seus
desejos e é dono de um poder ilimitado. Hobbes pondera que o homem reconhece a
necessidade de renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando-se em
relação aos outros homens com a mesma liberdade que permite a si mesmo. Para
ele a nova ordem é celebrada mediante um contrato, um pacto, pelo qual todos
abdicam da sua vontade em favor de um homem, ou de uma assembléia de
homens, como representante(s) de suas pessoas. Para Hobbes, o poder do
soberano deve ser absoluto e ilimitado e, se não há limites para o governante, é
impossível aos súditos julgar se suas ações são justas ou injustas, tirânicas ou não,
já que não há abuso de poder quando este é ilimitado (Idem, p.210/211).
Comungando com as idéias de Hobbes e também tomando como ponto de
partida a existência de um estado de natureza, outro filósofo se destaca em relação
aos pressupostos das idéias liberais: John Locke (1632-1704). Considerou que o
Estado era feito para proteger os interesses dos homens que tinham bens e
propriedades, ou seja, para defender a propriedade privada.
Na análise de Laski, esse filósofo legitimou o Estado como defensor dos
interesses dos homens e conciliador das relações na sociedade, porquanto
arquitetou um Estado não soberano, que nada tem a ver com a religião, salvo no
caso de esta fomentar a desordem. Em resumo:
31
Locke estava construindo os alicerces de uma sociedade em
que o senhor rural e o agricultor, o comerciante e o lojista
recebiam voto de confiança. A segurança que advoga é a
segurança deles, sua liberdade é o tipo de liberdade que, com
suas propriedades, esperavam realizar; e o tipo de máquina
governamental que Locke arquitetou para que eles
controlassem é uma que, pelos próprios hábitos que lhe impôs,
se espera que a operem à sua própria maneira (LASKI, 1973,
p.85).
O Estado representa, reproduz e garante a propriedade privada, já que esta
existia por uma lei da natureza e, sendo assim, não possuir propriedade era culpa
dos pobres e não infelicidade. Partindo dessa premissa, o Estado e a sociedade os
consideravam vagabundos, já que tinham disposição física para conseguir riqueza e
propriedades e não o faziam por vagabundagem, incompetência e má sorte. “Criara-
se um Estado em que a propriedade era título efetivo de cidadania” (LASKI, 1973,
p.111), o que foi claramente explicitado por Laski quando aborda o pensamento de
Locke em relação à educação e este afirma que o mundo já era dividido, no que diz
respeito à educação, nas duas classes fundamentais: os ricos e os pobres. Para os
primeiros, a finalidade da instrução é dotá-los da capacidade de governar, quer nos
negócios do Estado, quer na administração de seus negócios particulares; para os
segundos, uma virtuosa e útil obediência é a finalidade da existência.Tudo isso com
o objetivo de garantir a propriedade privada e reproduzir os interesses da classe
detentora do poder (Idem, p.66).
Um terceiro filósofo também ligado à doutrina liberal, Rousseau, foi a
encarnação de toda a insatisfação e de todo o descontentamento de sua época,
tanto que ensinou os homens a verem seus erros e perversidades com uma nova
intensidade (Idem, p.151).
Adam Smith, que, diferentemente de Hobbes, Locke e Rousseau, que
sobressaíram nos fundamentos filosóficos do liberalismo, destacou-se nos
fundamentos econômicos. Laski assim o define:
32
Foi o profeta do industrialismo e transformou a Grã-Bretanha
na oficina do mundo. Foi o expoente do livre-comércio; e criou
um mercado mundial que acabou com o isolamento mesmo
dos povos mais distantes. Foi o advogado da tolerância
religiosa; e pôs termo tanto ao poder temporal de Roma como
ao direito da religião a definir as fronteiras da cidadania. Insistiu
em que o Estado deve, em geral, coincidir com as fronteiras
nacionais; [...] Estabeleceu o sufrágio universal e o
parlamentarismo quase como princípios do direito natural; e
aqueles que na Europa Ocidental se opuseram ao seu advento,
estiveram sempre na defensiva [...] (LASKI, 1973, p.161).
Para Laski a grande obra de Adam Smith, Riqueza das Nações, é uma
parcela de um incompleto sistema filosófico da sociedade; com ela, procurou tornar
os princípios do enriquecimento óbvios a todos os homens educados. Tinha aversão
pela ação estatal; para ele, o Estado serve como poder coercitivo para nos proteger
da injustiça e da violência contra a propriedade, sendo útil também para as questões
da educação ou para as obras públicas necessárias. O indivíduo pode obter lucro,
mais nada além disso, já que a função do Estado é proteger as ações espontâneas
dos indivíduos. “Garantida a segurança, é o que Adam Smith parece afirmar,
dificilmente se faz necessária qualquer ação política” (Idem, ibidem).
O cenário dos ideais liberais é, na verdade, um campo de batalha, é o da
lutas e embates entre as classes sociais.
No século XVIII, com a Revolução Francesa, as reivindicações foram em favor
da conquista da liberdade civil e política; a grande bandeira de luta era a igualdade,
pois esta bandeira foi fincada na afirmação da igualdade que constituiu o Estado
Moderno. Daquela data até os nossos dias houve um longo percurso, sempre
marcado pelo antagonismo entre opressores e oprimidos, que determinava o teor
das reivindicações.
Durante o feudalismo era impossível questionar o privilégio de nascimento, e
as desigualdades apareciam como sendo naturais. Assim, o maior movimento de
idéias a respeito dos direitos humanos está vinculado à formação do Estado
Moderno, a partir da Revolução Francesa. Com a revolução e o advento de uma
33
nova classe, a burguesia, e com o surgimento da concepção de que o Estado serve
para conciliar os conflitos nesta nova forma de sociedade, a noção de igualdade é
tida como garantia do Estado, portanto, há a necessidade de se implementar direitos
nesta nova forma de sociedade, já que a revolução pregou a igualdade e a liberdade
entre os homens.
Os franceses lutavam, em nome dos direitos humanos, contra o privilégio de
nascimento, característica principal do feudalismo; julgavam serem todos iguais
perante o Estado e perante Deus. Como se vê, os fundamentos do humanismo
cristão também se fizeram presentes na constituição dessa nova forma de
sociabilidade inaugurada pela burguesia.
Havia a noção de justiça como moral, e essa noção, segundo Trindade, tinha
suas raízes em filósofos da Grécia antiga; sua gênese era laica, pois esses direitos
decorriam da própria natureza. Já na Idade Média, São Tomás de Aquino buscou
atualizar para o pensamento cristão a idéia desse direito natural, esforçando-se para
compatibilizá-lo com a fé, uma vez que a natureza seria obra da criação divina, como
expressou nesta passagem retratada por Trindade:
[...] a natureza mostra que os homens nascem iguais, por isso
todo privilégio é antinatural; as pessoas podem estabelecer as
cláusulas do contrato que institui a sociedade; o indivíduo,
portador de direitos imanentes (porque naturais), deve ser
protegido do poder absoluto pela repartição do poder; a
intolerância religiosa abolida, o Estado, governado de acordo
com a vontade geral, por isso as leis devem ser as mesmas
para todos [...] (TRINDADE, 2002, p.37).
Como podemos observar, os direitos são históricos porque estão relacionados
a certas circunstâncias e procuram atender às aspirações dos homens em cada
época e em determinadas sociedades. Nesse sentido, Bobbio defende que:
[...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam,
são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas
circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas
liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual,
34
não todos de uma vez e nem de uma vez por todas (BOBBIO,
1992, p.5).
Por fim, ressaltamos que a doutrina sobre os direitos naturais preparou o
terreno para a noção de direitos adotada nas declarações atuais. Na realidade, a
doutrina dos filósofos jusnaturalistas influenciou, de forma significativa, os marcos ou
fundamentos históricos dos direitos humanos: a Declaração de Independência dos
Estados Unidos (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da
Revolução Francesa (1789), afirmam os direitos naturais do homem à vida, à
liberdade, à igualdade e à propriedade.
2.3 A DIFUSÃO DOS DIREITOS HUMANOS
A sociedade capitalista é o cenário dos direitos humanos, exatamente porque
sua principal marca são as desigualdades sociais, a exclusão, a competitividade, a
acumulação da riqueza nas mãos de uma minoria e pela banalização da violência,
da miséria e da pobreza humana. Esta é a sociedade que se sustenta sob a
exploração de uma classe pela outra – do proletariado pela burguesia.
À medida que a burguesia desenvolve-se, desenvolve-se também o
proletariado. Nos séculos XVIII e XIX, a classe dos modernos operários, os quais só
subsistiam enquanto encontravam trabalho, e só encontravam trabalho enquanto o
seu trabalho pudesse contribuir para o fortalecimento da burguesia. Esses operários,
que tinham de se vender, um a um, eram uma mercadoria como qualquer outra,
artigo de comércio e, por isso, igualmente expostos a todas as vicissitudes da
concorrência, a todas as oscilações do mercado. Ao longo da história foram
passando de servos a escravos, de escravos a homens livres, de homens livres a
mercadorias na sociedade capitalista.
O Estado vem para garantir a existência da sociedade e da propriedade
privada, sendo o guardião das leis, o normatizador dos conflitos. Com o surgimento
do capitalismo se torna um hábil instrumento para romper os laços com a ordem
feudal, mas bem mais hábil para manter os laços que causam a dominação e a
exploração. Com isso vai ao encontro dos interesses da burguesia para dominar
todas as relações sociais: propriedade, fluxo de mercado etc., no que caracteriza
35
muito bem o homem burguês. A burguesia adapta primeiro a religião, depois a
cultura e por último o Estado. O processo de constituição do Estado moderno vai se
adequando de acordo com as necessidades do capitalismo. Nessa passagem, Laski
nos ajuda a perceber esse processo e nos aponta o movimento dessa nova ordem:
O movimento do feudalismo para o capitalismo é a passagem de
um mundo no qual o bem-estar individual era considerado o
resultado final de uma ação socialmente controlada para um
mundo em que o bem-estar é considerado a conseqüência de
uma ação individualmente controlada (LASKI, p.21).
Somente após a Segunda Guerra Mundial foi criado um perfil de alcance
internacional pela promoção e difusão dos direitos humanos. O marco fundamental
deste padrão é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, que pela
primeira vez fixou os direitos humanos em nível internacional, pois só existiam nas
esferas nacionais.
Bobbio afirma que o problema grave do nosso tempo não é mais o de
fundamentar os direitos humanos e sim o de protegê-los. O autor defende que sem
os direitos do homem, reconhecidos e protegidos, não há democracia, e sem
democracia não há solução pacífica dos conflitos.
[...] a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se
tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos
fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tenha
guerra como alternativa, somente quando existirem cidadãos
não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo
(BOBBIO,1992, p.1).
Nessa direção, salienta Bobbio: “Os direitos do homem nascem como direitos
naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para
finalmente encontrarem sua realização como direitos positivos universais (Idem,
p.30).
36
De fato, desde o surgimento dos direitos naturais e inerentes ao próprio
homem, advindos das idéias dos filósofos jusnaturalistas, houve uma ampliação
gradativa dos direitos humanos. Chega-se ao século XX, quando vários documentos
foram aprovados por organismos internacionais, como: Declaração dos Direitos das
Crianças (1959), Declaração sobre a Eliminação da Discriminação à Mulher (1967),
Declaração dos Direitos do Deficiente Mental (1971), Conferência Internacional do
Trabalho – Convenção 159 (1983), e outros. Tudo isso demonstra o progresso na
constituição de novos sujeitos de direitos, mas ao mesmo tempo, demonstra também
uma fragmentação que separa os direitos das pessoas na sociedade em crianças e
adolescentes, mulheres, população negra, sociedades indígenas, estrangeiros,
refugiados e migrantes brasileiros, idosos e pessoas com deficiência.
Partindo desse ponto de vista, estes documentos consideram que as ações
para que haja justiça e liberdade são diferentes para cada um dos segmentos, como
se os direitos fossem diferentes, ou ainda, como se estas pessoas não formassem,
todas juntas, um mesmo gênero, um gênero humano e precisassem de ações
diferenciadas para concebê-las como tal. Bobbio justifica, de certa maneira, essa
fragmentação e explica que os direitos do homem são um fenômeno social, “[...]
porque o próprio homem não é mais considerado como ente-genérico, ou homem
em abstrato, mas é visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas
maneiras de ser em sociedade, como criança, velho, doente etc” (BOBBIO, 1992,
p.30).
A concepção de direitos humanos é reforçada por vários autores, leis,
tratados, programas e declarações, que se distinguem na forma de explicitá-los, na
direção e nos esforços para conseguir implementá-los, na justificação da
necessidade de sua existência e no esforço para manter a ordem social, em busca
da cidadania através dos direitos humanos.
2.4 O TRABALHO COMO DIREITO
Na Modernidade o Estado é responsável pela instauração de uma nova forma
de sociabilidade. O que o caracteriza como Estado de Bem Estar
15
.
15
Estado de Bem-estar Social ou Estado-providência (em inglês: Welfare State) é um tipo de organização
política e econômica que coloca o Estado (nação) como agente da promoção (protetor e defensor) social e
organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda vida e saúde social,
37
Segundo Pochman neste Estado consolidou-se:
[...] uma nova estrutura secundária de distribuição de
renda, que veio a se sobrepor à já existente
estrutura distributiva primária constituída pela própria
dinâmica capitalista (lucros, juros, aluguéis de
imóveis, salários e remunerações). Enquanto os
ricos passaram a ser tributados consideravelmente
(impostos sobre a renda, patrimônio e herança), foi
possível formar fundos públicos capazes de financiar
a transferência de renda para a população de menor
rendimento, permitindo reduzir a pobreza, o
desemprego e a desigualdade social no centro do
capitalismo mundial (POCHMAN, 2004, p.6, grifo
nosso).
Dessa forma, afirma-se ser possível haver transferência de renda dentro do
capitalismo, diminuir a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, através dos
programas de proteção e da distribuição de rendas.
Se na Antiguidade o trabalho era caracterizado como uma atividade penosa e
torturante, destinada a servos e escravos, na Modernidade o trabalho alcançou o
status superior como sendo um instrumento essencial de promoção pessoal e social,
pois o progresso de uma Nação é medido pela capacidade de produzir, com o
trabalho, riqueza e bem-estar para a sociedade (CUNHA, 1997, p.7).
O trabalho é instrumento de realização econômica, social e psicológica do ser
humano, sem o qual não há como ser inserido na sociedade, ficando à sua margem.
Por isso mesmo, tem-se procurado estabelecer tantos mecanismos para garanti-lo:
leis, campanhas, instituições e programas. Na atualidade o trabalho deixa de ser
dever de alguns para se tornar direito de todos; no plano formal diz-se que: toda
pessoa, sem considerar a sua condição, tem direito ao trabalho, à livre escolha
deste, a condições eqüitativas e satisfatórias e à proteção contra o desemprego (art.
23, I, Declaração Universal dos Direitos Humanos) (LEAL: 1997).
política e econômica do país em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, de acordo
com a nação em questão. Cabe ao Estado do bem-estar social garantir serviços públicos e proteção à população.
38
Nesse sentido Falcão & Netto analisam o trabalho na sociedade capitalista:
[...] o trabalho deixa de ser uma das atividades vitais, criadoras,
prazerosas, para se tornar um mero meio de subsistência. O
trabalho perdeu seu valor. Resta apenas o emprego e este é
escasso no mundo tecnológico moderno, criando uma nova
divergência alienante: os empregados passam a ser encarados
como privilegiados, os não-empregados como marginais
desocupados (FALCÃO & NETO, 1987, p.39).
Nesses moldes, como se insere uma força de trabalho que não se enquadra
nos parâmetros de concorrência e competição, que apresenta limitações e que é
vista como improdutiva? Como se inserem as pessoas com deficiência no mundo do
trabalho?
Trataremos destas questões no item seguinte ao analisarmos,
especificamente, o trabalho e as pessoas com deficiência.
2.5 O TRABALHO E AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
A Organização Internacional do Trabalho-OIT adotou, e o Brasil confirmou, a
Convenção Nº 111, de 1958, na qual se condena qualquer política ou medida que
prive o cidadão do legítimo direito (ou lhe negue igualdade de oportunidades) de
conseguir e de manter um emprego (CUNHA, 1997). Como outras leis,
especificamente no Brasil, essa igualdade é apenas formal. Podemos atentar para
situações no universo do trabalho, mais precisamente no universo das PcD, várias
formas de discriminação, privação de direitos, desrespeito, enfim toda forma de
alijamento dessas pessoas do trabalho, contrariando o que preconiza a OIT.
Nesse caso encontram-se as pessoas com deficiência que, por limitações
congênitas ou adquiridas, não podem preencher as qualificações de uma
determinada ocupação (Idem, ibidem).
De acordo com Néri, em seu trabalho “Retratos da deficiência no Brasil”,
existe um seleto grupo de pessoas deficientes bem-sucedidas em termos
empregatícios, que são aquelas que conseguem um posto no mercado formal de
39
trabalho. De acordo com o autor, a situação atual é a seguinte: num universo de 26
milhões de trabalhadores formais ativos, 537 mil são pessoas com deficiência,
representando 2,05% do total de empregados, segundo as próprias firmas.
Empresas com menos de 100 funcionários, que pela lei 8.213 não têm nenhuma
obrigação de contratar pessoas deficientes, apresentam uma taxa média de
contratação de pessoas com deficiência de 1,05% inferior ao conjunto de todas as
empresas que contratam o segmento. Aquelas que empregam de 100 a 200
funcionários são responsáveis por 8,5% do emprego formal e são obrigadas a
reservar 2% de seus postos para pessoas com deficiência, apresentando uma taxa
média de empregabilidade do segmento PcD de 2,7%. As empresas com 201 a 500
empregados, responsáveis por 12% do emprego formal, são responsáveis por uma
taxa média de empregos de pessoas com deficiência de 2,9%, quando a cota
exigida por lei é de 3%. Já aquelas que empregam de 501 a 1.000 servidores,
responsáveis por 8,6% dos postos de trabalho formais, apresentam uma taxa de
empregabilidade de pessoas com deficiência de 2,8%, quando a cota exigida é de
4%. Por fim, mas sem apresentar diferenças significativas, estão as empresas que
empregam mais de 1.000 funcionários. A lei determina que seja reservado um
percentual mínimo de 5% para as pessoas com deficiências; como a taxa de
empregabilidade observada na prática é de 3,6% de pessoas com deficiências
contratadas formalmente, podemos observar que, apesar da determinação da
legislação, na prática ainda nos deparamos com o seu descumprimento (NERI,
2003).
De acordo com o art. 93 da lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 (Plano de
Benefícios da Previdência Social)
16
, a empresa com 100 ou mais empregados está
obrigada a preencher de dois a cinco por cento de seus cargos com beneficiários
reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência habilitadas, na seguinte
proporção:
I - até 200 empregados...................2%
II - de 201 a 500...............................3%
III- de 501 a 1.000.............................4%
IV-de 1.001 em diante.......................5%.
16
Este artigo encontra-se também na Portaria Nº 4.667, de 29 de julho de 1998, do Ministério da Previdência e
Assistência Social. O decreto nº 3.298, art.36, parágrafo 5º, de 20 de dezembro de 1999, além de reeditar este
artigo incumbe o Ministério do Trabalho e Emprego de fiscalizar o seu cumprimento.
40
Apesar de a legislação ter dado um impulso em relação à inserção da pessoa
com deficiência no mercado de trabalho e o panorama hoje ser bem diferente do
observado até bem pouco tempo, especificamente antes de 2000, quando da
implementação da lei de cotas, o número de PcD empregadas formalmente poderia
ser bem maior se alguns aspectos fossem considerados.
Ribas (2004) nos esclarece em relação a esses aspectos: a maioria das
empresas só contrata por força da lei, o que quer dizer que acabam contratando sem
critérios, sem planejamento, sem conhecer o potencial dessas pessoas e sem
nenhum comprometimento com a empregabilidade delas. Além disso, há a
dificuldade que os profissionais têm em contratar e lidar com as PcD, pois ainda se
deparam com o medo, o sentimento de pena e ficam inseguras em ter de lidar com
tais pessoas. Outro fator é a falta de qualificação das pessoas com deficiência para
o mercado de trabalho; em termos gerais, sua educação ainda apresenta um nível
muito baixo, assim como é baixo o nível de preparação para o mercado de trabalho.
Por conta disso, apresentam um grau de competitividade muito baixo e acabam
participando, quando muito, do mercado informal. Por fim, os empresários, em sua
maioria, não recebem nenhuma forma de incentivo do governo para contratar
pessoas com deficiência; em muitos casos a lei é utilizada como uma forma de
coerção e não, como deveria ser, um recurso educacional para que as empresas se
adequassem a fim de promover a contratação, o crescimento profissional e a
retenção no emprego.
Mas, ainda segundo o autor, esses incentivos governamentais não seriam
traduzidos em isenções fiscais nem tributárias, não se tratando de deixar de pagar
impostos para poder contratar pessoas com deficiências, mas de poderem dispor de
uma linha de financiamento a juros baixos para investir em suas empresas, por
exemplo: adaptar arquitetonicamente as edificações, comprar equipamentos que
darão maior profissionalismo a essas pessoas como impressoras em braile,
formação de intérprete de Libras
17
.
Ribas defende que assim como as empresas investem na formação e
qualificação de seus empregados com cursos de inglês por exemplo, em
equipamentos que darão maior propulsão aos negócios, poderiam investir nas PcD
como possibilidade de lucro para sua empresa, enfim, o foco da lei de cotas deve ser
educativo e jamais coativo. As PcD têm de ser entendidas como mão-de-obra na
17
Língua Brasileira de Sinais.
41
qual pode-se, sim, investir. Devem ser vistas pelo seu potencial e não por sua
limitação. A grande problemática é que muitas empresas ainda não enxergam este
potencial, ficam tão preocupadas em cumprir as cotas, que criam departamentos
para pessoas com deficiência e as abandonam por lá, sem qualquer programa de
qualificação ou plano de carreira. Outro diferencial na contratação desta mão-de-
obra é a humanização
18
que acontece na empresa a partir do convívio com pessoas
com deficiência (idem, ibidem).
A vice-presidente do Instituto Paradigma
19
, Flávia Cintra, também partilha
dessa opinião: "Apostar na contratação de pessoas com deficiência muda o
comportamento dentro da empresa, gerando mais motivação, além de trazer valores
mais humanos para o universo corporativo” (CINTRA apud RIBAS, 2006). Afirma
ainda que existem exemplos práticos de como a inclusão da diversidade no
ambiente de trabalho pode ser saudável e aproximar as pessoas. Na HP (Hewlett-
Packard), por exemplo, o programa de inclusão de pessoas com deficiência
começou contratando cadeirantes, depois passou para deficientes visuais e, por
último, deficientes auditivos. Nesta fase, o restante dos funcionários da empresa, já
bilíngües, pediram ao Departamento de Recursos Humanos que incluísse a
linguagem de sinais (Libras) como terceiro idioma. Hoje, funcionários que possuem
uma carga horária de 12 horas diárias passam uma hora a mais na empresa para
aprender a se comunicar com os colegas por meio da linguagem de sinais. "Este é
só um exemplo de como a diversidade muda as relações humanas dentro da
empresa", defende a vice-presidente do Instituto Paradigma (Idem, ibidem).
A vice-presidente continua exemplificando com o caso do Banco Santander
que, segundo ela, é outro exemplo de empresa que mudou de mentalidade e passou
a apostar na sensibilização dos funcionários, fazendo com que o ambiente de
trabalho para as pessoas com deficiência se tornasse cada vez mais humano e
favorável. Em parceria com o Instituto Paradigma foram realizados projetos-piloto
com a participação de pessoas com os mais diversos tipos de deficiências, para
mostrar aos funcionários da empresa o quão interessante é lidar com a diversidade.
Segundo a gerente de Recursos Humanos do Santander, Silvia Pinheiro, é
18
Humanizar significa respeitar o trabalhador enquanto pessoa, enquanto ser humano. Significa valorizá-lo em
razão da dignidade que lhe é intrínseca. Esse conceito é restritivo a concepção de homem e de mundo burguesa.
O processo de humanização em outra perspectiva – marxiana - remete ao processo de objetivação e apropriação.
19
O Instituto Paradigma é uma organização da sociedade civil de interesse público, cuja missão é: promover a
inclusão social de pessoas com deficiência, construindo soluções e serviços, para ampliar o exercício da
cidadania (www.institutoparadigma.org.br, acesso em 20/6/2007).
42
importante apostar neste tipo de iniciativa, uma vez que ter uma força de trabalho
diversa agrega valor à empresa (PINHEIRO apud RIBAS, 2006).
É justamente esta a principal mensagem que a DRT/SP (Delegacia Regional
do Trabalho de São Paulo) quer passar às mais de sete mil empresas de São Paulo:
cumprir a cota não só garante oportunidade às pessoas com deficiência, mas
valoriza as relações humanas dentro da empresa. Segundo a chefe de fiscalização
da DRT/SP, Lucíola Rodrigues, a intenção é sensibilizar e conscientizar cada vez
mais empresas, a fim de convencê-las de que trabalhar com pessoas com
deficiência deve ser um processo natural e não um favor. "É uma estratégia que só
traz benefícios", reforça. Para Lucíola, já se foi o tempo em que os comerciais
politicamente corretos mostravam empregadores na TV, dizendo: "é muito
importante contratar pessoas com deficiência", ou então a pessoa com deficiência,
dizendo: "estou muito feliz com minha oportunidade". A hora é de mostrar para os
empregadores e para a sociedade que eles são competentes, têm potencial e são
tão bons profissionais como qualquer outra pessoa (RIBAS: 2006).
Fábio Gomes Alencar, de 26 anos, cadeirante, graduado em Administração e
pós-graduado em Administração Financeira, conta que, antes de 2003, quando a
política de atuação da DRT/SP era diferente, encontrar vagas no mercado de
trabalho era bem mais difícil. "Hoje, as empresas abrem as portas para as pessoas
com deficiência. É possível, inclusive, saber quais companhias têm uma política de
valorização deste profissional e quais não têm essa preocupação", afirma
(ALENCAR apud RIBAS, 2006).
É claro que pessoas como Alencar - que fazem parte de uma minoria
instruída, com acesso à educação e à informação - têm mais chances do que
aqueles que dependem de programas de qualificação para conseguir crescer. Ele
mesmo possui muito mais qualificação do que a grande maioria dos jovens na sua
faixa etária sem qualquer deficiência. "Além de minha formação, também falo inglês
e espanhol fluente", afirma (Idem, ibidem).
Apesar de todas essas indicações que, se efetivadas, contribuiriam para uma
melhor qualidade de vida das pessoas com deficiência, não podemos ignorar que a
integração dessas pessoas no processo produtivo, por si só, não é, a solução para a
discriminação em que se encontram. Basta observar as pessoas que estão na
mesma situação e que não portam nenhuma deficiência; são pessoas, com
deficiência ou não, empregadas ou desempregadas, que fazem parte do mesmo
43
processo, da mesma dinâmica, e cada uma tem o seu papel nessa sociedade; tais
pessoas incluem-se nessa sociedade tanto pelo emprego quanto pelo desemprego,
já que o desemprego é também uma categoria necessária à manutenção do capital,
e o fato de estarem à margem do processo produtivo, ou seja, de não fazerem parte
do mercado de trabalho, tem a ver com o fato de existir força de trabalho em
excesso, manobra necessária à sobrevivência do capital, muito mais do que com o
fato de serem qualificadas ou não, portanto, todas as pessoas estão incluídas na
sociedade capitalista; o que existe é uma inclusão precarizada, os sujeitos seriam
incluídos de forma precarizada, mas incluídos porque todos são necessários à
dinâmica do capital. Nesse sentido, quando a empresa emprega a pessoa com
deficiência, essa pessoa representa um ganho para aquela empresa por causa do
privilégio do emprego, muitas vezes faz melhor que os ditos normais, perfeitos, num
esforço competitivo para se manter no mercado de trabalho.
Em especial, no caso das PcD, paralelo às leis especiais que lhes dizem
respeito no mercado de trabalho, deve-se atentar para o preconceito em relação à
sua capacidade produtiva. Em muitos casos, estas pessoas sofrem o estigma de não
serem capazes de participar do processo de produção e de circulação de
mercadorias, num conceito competitivo que hoje orienta o mundo capitalista. A sua
força de trabalho numa sociedade onde esta também é uma mercadoria não atende
aos requisitos do mercado, sendo por isso colocadas à margem desse processo. O
mercado não sabe como aproveitar essa mão-de-obra, pois desconhece que essas
pessoas podem e devem trabalhar, desde que desenvolvam tarefas de acordo com
as suas capacidades, habilidades e limitações.
Na realidade isso acontece com muitas pessoas que apresentem ou não
algum tipo de deficiência e passam pelas mesmas dificuldades de acesso ao
mercado de trabalho, pelo fato de existir mão de obra mais qualificada e em excesso
para atender a esse mercado. As pessoas com deficiência não deixam de ser
empregadas somente pelo desconhecimento por parte dos empresários das suas
capacidades, mas também porque existe força de trabalho disponível para, em
relação ao número de empregos, uma quantidade muito maior do que aqueles que o
capital necessita para sua valorização.
Não são as lutas isoladas, individuais, das pessoas com deficiência que irão
extinguir a sua preterição do mercado de trabalho e do acesso a essa sociedade,
porque não são só as pessoas com deficiência que padecem desse mal.
44
A luta das pessoas com deficiência por direitos é legítima, mas tem resultados
focalizados, fragmentados e individuais, portanto a luta não pode e não deve ser
somente desse segmento, mas da sociedade de um modo geral, na busca da
superação de toda forma de desigualdade, preconceito e exclusão.
45
CAPÍTULO III
A LUTA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA PELA INCLUSÃO NA SOCIEDADE –
A QUESTÃO DOS DIREITOS
46
3.1 O DIREITO À CIDADANIA
A inclusão buscada pelo segmento pessoas com deficiência pode ser
traduzida pela necessidade de que a cidadania seja efetivada para essas pessoas.
Discutiremos aqui alguns conceitos para subsidiar nossa análise acerca da inclusão
requerida pelo segmento, a busca da cidadania e sua efetivação na sociedade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) uniu os povos do
mundo todo no reconhecimento de que “todos os seres humanos nascem livres e
iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir
uns para com os outros em espírito de fraternidade” (art.1º).
Em consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a
Constituição Federal do Brasil assume o princípio da igualdade como pilar
fundamental de uma sociedade democrática e justa, quando no caput do seu art 5º
declara que: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes nos país, a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade” (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988).
A Carta Magna de 1988 pode ser considerada como um avanço em termos do
reconhecimento de direitos pleiteados desde há muito tempo, se considerarmos a
conjuntura em que foi votada, pós-ditadura militar. Tal conjuntura pode ser
caracterizada pela efervescência dos movimentos sociais organizados após um
longo período de repressão, já que forçou o Estado a reconhecer como direitos
muitas das reivindicações de segmentos específicos da população brasileira.
Alguns dos direitos contemplados no principal documento do país não tinham
um respaldo da sociedade, pois eram resultantes de reivindicações de segmentos
específicos que até então não tinham sido experimentados na prática. Nesse caso
se enquadra o movimento das pessoas com deficiência em relação ao acesso ao
mercado de trabalho, que embora tenha sido indicado na Constituição Federal de
1988, em seu artigo 5º, quando trata dos Direitos Sociais, só irá se organizar a partir
da Lei 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios
básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência
ou com mobilidade reduzida e dá outras providências. Assim também a Lei 8.213,
que estabelece cotas nas empresas para empregar pessoas com deficiência.
Mesmo sendo datada de 24 de julho de 1991, somente passou a ter eficácia quando
47
o Presidente da República, através do decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999,
regulamentou a lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política
Nacional para Integração da Pessoa com Deficiência, em consonância com o
Programa Nacional de Direitos Humanos.
Nesse contexto a questão da acessibilidade das pessoas com deficiência na
sociedade
20
foi levada em conta pela primeira vez no Brasil nos moldes oficiais,
vindo a fazer parte do que, após a atual Carta Magna, seria um arsenal de leis de
proteção às pessoas com deficiência.
21
Antes da Constituição Federal de 1988, o
tema havia sido tratado apenas na Emenda Constitucional nº 12, de 17 de outubro
1978, e, ainda assim, o texto dizia respeito tão-somente ao acesso aos edifícios e
logradouros. Sem dúvida, a atual Constituição do Brasil levantou questões ao
abordar temas até então desconhecidos pela maioria da população que não estava
envolvida diretamente com a causa, pois a partir desse marco o tema
20
Acessibilidade tanto espaços físicos, quando se trata da eliminação de barreiras arquitetônicas e atitudinais
quando se trata do acesso ao emprego, à escola, dentre outros.
21
Dentre o arsenal de leis e decretos que trata da questão da pessoa com deficiência, promulgadas a partir da
Constituição Federal de 1988, algumas se destacam pela discussão travada pelo segmento a respeito do tema
tratado, dentre elas:
1) Lei Nº 7.853 de 24 de outubro de 1989 – Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua
integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
(CORDE), institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do
Ministério Público, define crimes e dá outras providências;
2) Lei Nº 8.213 de 24 de julho de 1991 – Dispõe sobre os planos e benefícios da Previdência;
3)Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993 – Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras
providências;
4)Lei 8.899, de 29 de junho de 1994 – Concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de
transporte coletivo interestadual;
5) Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional;
6) Lei 10.098 de 19 de dezembro de 2000 – Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da
acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida e dá outras providências;
7) Lei 10.216, de 6 de abril de 2001 – Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos
mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental;
8) Lei 10.436, de 24 de abril de 2002 – Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e dá outras
providências.
Dentre os decretos:
1) Decreto Nº 129 de 22 de maio de 1991 – Promulga a Convenção 159 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) sobre Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes;
2) Decreto Nº 1.744 de 8 de dezembro de 1995 – Regulamenta o Benefício de Prestação Continuada devido à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso, de que trata a lei 8.742 de 7 de dezembro de 1993 e dá outras
providências;
3) Decreto 3.298 de 20 de dezembro de 1999 – Regulamenta a Lei 7.853 de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre
a Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção e dá
outras providências;
4) Decreto 3.956 de 8 de outubro de 2001 – Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência;
5) Decreto 5.296 de 2 de dezembro de 2004
Fonte: Centro de Documentação e Informação – Coordenação de Publicações – Brasília-2004.
48
“acessibilidade” começou a fazer parte das discussões a respeito das políticas
públicas voltadas para a pessoa com deficiência.
Apesar de todo o avanço, a Carta Magna de 1988, ao tratar sobre
acessibilidade, apresenta uma dimensão limitada ao restringir a acessibilidade ao
direito de ir e vir. Em seu artigo 5º, estabelece que: “é livre a locomoção no território
nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar,
permanecer ou dele sair com seus bens”; e no artigo 227 define que: § 2º - “A lei
disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público
e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso
adequado às pessoas portadoras de deficiência” (BRASIL, CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988).
Mesmo a Constituição Federal tendo sido promulgada em 1988, só no ano
2000 o assunto foi regulamentado pelas leis federais nº 10.048 e 10.098, que
apresentaram uma visão mais ampla sobre a matéria. Mais recentemente, tais leis
foram regulamentadas pelo Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004. É a partir
da regulamentação destas leis que podemos avançar um conceito de acessibilidade
que assume novos parâmetros e altera a forma de pensar sobre a questão, a qual
durante muito tempo ficou restrita à eliminação das barreiras arquitetônicas. Sem
dúvida a Constituição Federal Brasileira de 1988 serviu para levantar uma discussão
em torno da questão e mobilizar um expressivo número de pessoas numa discussão
que foi além do segmento PcD, pois envolveu grande parte da sociedade.
Com a questão da acessibilidade em evidência veio a discussão sobre
inclusão e cidadania das PcD. A partir daí essas pessoas tornaram-se mais visíveis
para a sociedade, com suas reinvidicações, seus conceitos, seus problemas, mas
também suas habilidades, competências e talentos. Além disso, a sociedade foi
envolvida numa discussão muito maior, com a inclusão do segmento em várias de
suas instâncias, o respeito às diferenças, a igualdade e a criação e efetivação de
políticas públicas voltadas ao segmento. Tudo isso não se deu num passe de
mágica, mas a partir da luta e mobilização do movimento organizado em torno da
luta das pessoas com deficiência, que se organizaram num contexto político pós-
ditadura militar em consonância com os movimentos sociais das minorias, passando
a reivindicar direitos mais efetivamente a partir deste período. Outro fator decisivo foi
49
a pressão dos organismos internacionais pela adesão a seus tratados, o que
influenciou sobremaneira os governos brasileiros.
Dois movimentos se destacam nesse processo intitulado sociedade inclusiva:
a escola inclusiva e o mercado inclusivo
22
, que surgiram e foram frutos de inúmeras
discussões e mudanças na estrutura educacional e laboral do país, ao condenar as
salas especiais e contemplar a inclusão dos alunos nas salas de aula regulares, no
máximo com o auxílio de salas de recursos. E o outro movimento de impacto foi a
criação da lei de cotas para a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de
trabalho – Lei nº 8.213 - que, apesar de ter sido votada em 24 de julho de 1994, só
passou a ter eficácia em 1999
23
, numa clara demonstração da falta de interesse do
poder público pelas necessidades da sociedade e de seus membros, o que acentua
a necessidade de luta e organização dos movimentos para conquistar e acompanhar
não só a criação, mas também a implementação das leis que são criadas em favor
dos grupos tidos como minorias na sociedade.
Um desses instrumentos foram as Organizações Não Governamentais que se
organizaram em prol da luta das pessoas com deficiência pela efetivação de seus
direitos ao trabalho, à educação, à saúde, dentre outros. Sobre o papel das ONGs
trataremos a seguir.
3.2 AS ONG’S E AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE
BRASILEIRA
O termo ONG não existe juridicamente, embora sejam organizações
presentes na história brasileira desde a República Velha. É nos anos de 1990,
quando as práticas neoliberais são expressas na reforma do Estado brasileiro, com
pressões para diminuição dos gastos públicos, que há o boom dessas organizações.
No entanto, muitas outras já existiam há anos e tiveram papel fundamental no
processo de redemocratização do país.
Juridicamente elas aparecem no formato de fundações – que precisam ter
patrimônio prévio – ou de associações. Dentre as associações há diferentes
22
Destacaremos estes conceitos em itens específicos ao longo deste capítulo.
23
A lei 8.213, que estabelece cotas nas empresas para empregar pessoas com deficiência, é de 24 de julho de
1991, mas somente passou a ter eficácia quando o Presidente da República, através do decreto 3.298, de 20 de
dezembro de 1999, regulamentou a lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional
para Integração da Pessoa com Deficiência, em consonância com o Programa Nacional de Direitos Humanos.
50
regulações, segundo as quais elas podem ser: Organizações Sem Fins Lucrativos
(OSFL); Organizações da Sociedade Civil (OSC) ou Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIP). Essas especificações pouco servem para
esclarecer à sociedade diferenças quanto a papéis, identidade e mesmo idoneidade.
São apenas regulações, e o sentido de suas atuações ocorrerá por meio dos
projetos de sociedade que veiculam, dos temas e objetivos que mobilizam suas
práticas e dos compromissos que cada entidade possui
24
.
A partir da década de 1990 as Organizações Não Governamentais passaram
a ter mais visibilidade ao assumirem um maior protagonismo em relação a causas
como direitos humanos, participação popular e meio ambiente.
O Brasil tem tradição na doação de recursos de indivíduos; essas doações,
no entanto, ainda são, predominantemente, associadas à caridade. Até a década de
1980, instituições que recebiam doações de indivíduos eram quase que
exclusivamente de perfil assistencial. Este tipo de instituição estabelece com seu
doador uma relação passiva. De acordo com estimativas, apontam um universo de
cerca de um milhão de pessoas que doam anualmente mais de 100 milhões de reais
às ONGs. É razoável trabalhar com a hipótese de que o doador que aporta recursos
para instituições de defesa de direito é, em boa parte, proveniente do segmento da
população que realiza doações para instituições assistenciais. Se devidamente
dimensionado o número de pessoas que migram de uma instituição de caridade
para a de defesa de direito, identificaremos um campo de ação de grande potencial,
na medida em que estaremos diante de um público já convencido da necessidade
da doação, tendo apenas que direcioná-lo para um outro foco (LEITE, 2006).
Da mesma forma pode-se observar o movimento do voluntariado. De acordo
com pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos-Marplan
25
, em dezembro de 2004, com
50.520 pessoas com mais de 13 anos, 9% da população brasileira atua como
voluntário. Dentro deste universo, entre as que têm ensino superior completo, 20%
são voluntários e entre os com pós-graduação, 23% desenvolvem atividades
voluntárias. Outro dado importante é que entre as pessoas de 18 a 24 anos, 7% são
voluntárias e 11% das que têm entre 25 a 34 anos atuam voluntariamente. De modo
geral, essas pessoas também exercem suas atividades junto a instituições
assistenciais. “Enxergamos nesse público jovem e instruído um segmento promissor
24
www.rets.org.br (acesso em 8/12/2006).
25
www.ipsos.com.br
51
para o voluntariado ativista, que pode se engajar em campanhas na luta e defesa
dos direitos em várias instâncias da sociedade” (LEITE, 2006).
Paralelo ao voluntariado, o conceito de responsabilidade social sempre esteve
muito associado às grandes corporações. Boa parte dessas empresas de grande
porte, além de adotar um padrão de gestão socialmente responsável, constituiu
institutos e fundações por meio dos quais organizam suas ações sociais.
Sobre o sentido de responsabilidade social nas empresas, Amaral discorre:
A prática de responsabilidade social estaria articulando a idéia
de que a capacitação do trabalhador é uma condição para a
produtividade à concepção de que o investimento e o esforço
do trabalhador resultam em melhor remuneração no mercado.
Poder-se-ia, assim, compreender o esforço das empresas em
realizar programas de responsabilidade social voltados para a
qualidade de vida dos seus funcionários. Tratar-se-ia, então, de
uma forma atualizada de gestão dos recursos humanos para
fortalecer o processo produtivo das empresas. Pelo menos é o
que pudemos observar na fala dos empresários (AMARAL,
2007, p.73).
Para ilustrar melhor este tema - responsabilidade social – usamos uma
pesquisa realizada pelo Instituto Akatu
26
em 2004 sobre responsabilidade social
empresarial. O instituto ouviu 630 empresas, sendo 321 de pequeno porte. Destas,
81% desenvolvem ações de responsabilidade social, e das 19% restantes, apenas
sete empresas nunca discutiram o assunto. Trata-se de uma demonstração
eloqüente do quanto o conceito está disseminado nesse tipo de empresa. Por outro
lado, essa mesma pesquisa aponta que entre esse tipo de empresa há um baixo
índice de ações consolidadas de realização de projetos sociais em suas
comunidades (cerca de 10%) e de desenvolvimento de projetos sociais próprios ou
de apoio aos de terceiros (cerca de 15%). Se considerarmos que em pesquisa
anterior do mesmo Instituto Akatu, realizada com os consumidores, foi identificado
que 34% destes valorizam nas empresas o apoio a projetos sociais, temos aqui um
amplo campo de atuação. Mais especificamente, esta mesma pesquisa aponta que
26
www.akatu.net
52
30% dos consumidores valorizam ações de erradicação do analfabetismo entre os
funcionários das empresas.
Esse fator apresenta uma certa ambigüidade: pode representar uma
oportunidade para as ONGs, de modo geral, e para aqueles que atuam em
educação mais especificamente; mas também pode ocultar um mecanismo de
promoção e marketing das empresas, que se utilizam deste artifício para se
promoverem perante a sociedade, muitas vezes manipulando e explorando ainda
mais os trabalhadores, como nos esclarece Amaral:
Na prática discursiva empresarial, a responsabilidade social se
desloca muitas vezes da ação da empresa para a
responsabilidade do empregado para si mesmo. Amplia-se
para o sentido de responsabilidade sobre a equipe de trabalho
e sobre a comunidade; cada um seria responsável por si, pelo
resultado do trabalho da equipe e pela repercussão da
empresa na sociedade. A liberdade individual é submetida à
condição da equipe dentro da empresa, da ‘ajuda ao próximo’,
da ‘solidariedade’, da ‘cidadania’, desvirtuada e reduzida a
ações voluntárias (AMARAL, 2007, p.78).
Em relação às pessoas com deficiência o panorama não difere do exposto
acima. O discurso da responsabilidade social também está presente, muitas vezes
para explorar ainda mais as PcD ou usá-las para garantir uma “boa imagem” à
empresa.
Existem ONGs que são criadas pelo próprio segmento PcD que se organiza
e se junta para reivindicar seus direitos ou melhoria na qualidade de vida; mas
também existem aquelas que são criadas por profissionais especializados no
atendimento a esse segmento. Tais organizações promovem campanhas
educativas, formulam medidas legislativas, acompanham decisões jurídicas, ajudam
a promover a recuperação física, funcional e social, qualificam e reabilitam as
pessoas com deficiência, além de servirem como suporte e como uma forma de
visualização e exposição à sociedade de sua situação e dos problemas por elas
enfrentados. Estas entidades, por conhecerem melhor os problemas das pessoas
com deficiência, disseminam informações úteis sobre suas limitações e
53
potencialidades, assessorando o governo – nas três esferas – quando da formulação
e implementação de leis, criação de órgãos públicos de defesa dos direitos dessas
pessoas – secretarias, coordenações, conselhos de direitos e conferências.
As ONGs que trabalham com pessoas com deficiência se articulam com
técnicos e profissionais de diversas áreas, universidades e outras instituições –
públicas e privadas – que acompanham os aspectos factuais das alterações físicas,
sensoriais e mentais, o desenvolvimento das tecnologias e dos equipamentos
especializados, a evolução dos direitos e as oportunidades de relacionamento social
entre as pessoas com deficiência.
No Brasil essas entidades se organizam na forma individual e de redes, sendo
dezenas de organizações que operam nesse campo. O Centro de Documentação e
Informação do Portador de Deficiência (criado em 1990) é um exemplo das várias
entidades que se dedicam à coleta, organização e divulgação de informações sobre
legislação, campanha, eliminação de barreiras arquitetônicas, transporte,
comunicação e participação social
27
.
Essas entidades vêm despertando o interesse de vários outros grupos na
sociedade por se constituírem como espaços de reivindicação e luta do segmento
PcD e por terem adquirido o respeito e a visibilidade de toda a sociedade.
No entanto, em meio a esse contexto, pode haver algumas instituições com
forte influência político-partidária, desenvolvendo campanhas em busca de objetivos
diferentes daqueles das pessoas com deficiência. Por exemplo, alguns políticos, por
terem força decisória nos pleitos, costumam envolver essas organizações que, em
alguns casos, podem se transformar em respaldo de campanhas eleitorais de
interesses particulares. Em outros casos, podem apoderar-se do dinheiro público,
dotando essas entidades de benefícios que são repassados à população como se
fossem de grupos privados, gerando clientelismo e benesses.
Tais ações, por parte de alguns, sem dúvida desvirtuam o objetivo daquelas
entidades, defender os direitos das pessoas com deficiência na luta pela cidadania,
ou até de algumas que têm como objetivo ir além das lutas por direitos e seguem
com o objetivo de emancipar e instrumentalizar as PcD na conquista de seus direitos
e na luta por uma sociedade justa e igualitária.
Apesar da diversidade temática das ONGs, muitas atuam no campo da
educação (47%), da organização e participação popular (41%) e com diversos
27
www.cedipod.org.br Site do Centro de Documentação e Informação do Portador de Deficiência.
54
movimentos sociais e populares (62%). O papel político de buscar mudanças sociais
e lutar pela construção de uma sociedade justa e sustentável é também um
elemento existente entre as organizações analisadas. A maioria busca objetivos
como a promoção do desenvolvimento nacional com sustentabilidade ambiental e
social, a garantia dos direitos humanos, o fortalecimento da cidadania e da
participação política e a conscientização dos setores populares da sociedade.
No que diz respeito às estratégias de atuação, destacam-se as organizações
com foco na sociedade civil – apoio e assessoria a grupos populares, trabalhos de
educação popular, mobilização e articulação da sociedade civil e elaboração de
pesquisas e estudos – e aquelas com foco no Estado – proposição de políticas
públicas e controle social da gestão pública.
Segundo Tatiana Gouveia, diretora da Abong (Associação Brasileira das
ONGs), essas organizações encaram ainda o desafio de adquirir maior visibilidade e
legitimidade perante a sociedade, que muitas vezes tem dificuldades de separar o
trabalho delas daquele realizado por organizações de cunho filantrópico. Para a
diretora da Abong, as ONGs não têm o papel de executar políticas públicas e não
devem, em hipótese alguma, buscar substituir o Estado; devem, sim, atuar para que
o poder público seja fortalecido, apresentando novas propostas de ação e
organização.
A Abong não trabalha com o conceito de terceiro setor, por
exemplo. Consideramos que esse é um conceito acrítico, por
trabalhar com a idéia de setores. Acreditamos que existe uma
única esfera pública, da qual toda a sociedade deve participar,
seja propondo políticas e ações ou controlando o percurso dos
investimentos públicos (RETS/2006).
28
Nesse contexto as ONGs se constituem em importantes instrumentos na
proposição e efetivação de mudanças sociais.
Segundo Netto, as mudanças sociais são as formas como o capitalismo
transita na sociedade: por exemplo, de seu estágio concorrencial para o
monopolista; outra forma de expressar mudanças sociais são as alterações
contemporâneas por que passa o capitalismo com a substituição de um padrão de
28
www.rets.org.br (acesso em 18/8/2006).
55
acumulação rígido por um padrão de acumulação flexível; essas se constituem como
ponderações modificáveis que ocorrem na ordem burguesa. Já transformação social
[...] implica alterações substantivas no estatuto da propriedade
dos meios de produção fundamentais, na organização classista
do poder político e no padrão de interação das classes sociais
(com todas as suas implicações sociais na vida dos homens)...
são mais que mudanças sociais, são mais que processos de
modernização social – é a sinalização de um movimento no
sentido da supressão dos fundamentos da ordem burguesa, no
sentido da transição socialista. Numa palavra: transformação
social é o equivalente da carga semântica que saturou o termo
revolução (NETTO, 1996b, p.24).
Nesse sentido, devemos ter claro o limite e o papel das ONGs na sociedade
capitalista quanto a seus objetivos e à sua forma de atuação, com o propósito de
motivar mudanças sociais dependendo do significado que imprime à sua ação e da
condução política dessas ações.
Por fim destacamos que apesar de várias dessas entidades serem vinculadas
a igrejas, em suas diversas manifestações, achamos necessário destacar a atuação
da Igreja Católica Apostólica Romana pelo fato de esta estar participando nesta
conjuntura, ativamente, do debate acerca dos direitos das pessoas com deficiência.
Esse fato se reflete, mais precisamente, na proposição do Tema da Campanha da
Fraternidade 2006
29
– Fraternidade e Pessoas com Deficiência – e, de certa forma,
por ter colaborado para a visualização das discussões e apresentação dos
problemas e da luta vivenciados pelo segmento em nossa sociedade, com o objetivo
de despertar nas pessoas a necessidade de aprender a conviver com as diferenças
e promover a igualdade entre todos.
3.2.1 O movimento da Igreja Católica pela inclusão das Pessoas com
Deficiência na sociedade
29
A Igreja Católica realiza essa campanha todos os anos, através da CNBB-Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil.
56
Tendo como ponto de partida para a discussão o princípio fundamental que,
segundo a CNBB, rege as ações e relações entre as pessoas: “somos todos filhos
do mesmo Deus”, lutar pela redução das diferenças sociais, respeitando os direitos
individuais e buscando a paz, é responsabilidade de todos nós. Com essa
campanha da CNBB, a Igreja convoca as pessoas a não esperar mais, fazer a sua
parte diariamente, em casa, na escola, no seu grupo de amigos etc., já que o
discurso do exemplo é bem suscitado.
A Igreja colocou o tema da inclusão das pessoas com deficiência durante todo
o ano de 2006 e leva essa fala em todos os seus eventos, desde as missas
dominicais aos pronunciamentos do papa Bento XVI. Além de pregar a inclusão do
segmento, vem divulgando experiências de entidades, especialmente ONGs, que
têm desenvolvido trabalhos com grupos de pessoas com deficiência.
O lema da Campanha da Fraternidade 2006 – “Levanta-te e vem para o meio”
- convida a todos para uma tomada de consciência sobre o tema. Tomada de
consciência para a Igreja se resume em promover atitudes fraternas e ações
voltadas para uma cultura de “solidariedade humana” e da “fraternidade cristã”. Para
ela, isso se traduz em leis justas e políticas públicas adequadas para favorecer o
reconhecimento da dignidade e dos direitos das pessoas com deficiência.
Mais do que uma sugestão, a ação da Igreja Católica pretende gerar
discussões e produzir resultados como mudanças em leis e medidas
governamentais, não no sentido de transformar a realidade apresentada, mas sim no
sentido de apaziguar as diferenças e construir uma convivência harmônica e
pacífica. Como bem trata a Encíclica Rerum Novarum, quando prega sobre a
condição dos operários e aborda as desigualdades como sendo naturais:
O primeiro princípio a pôr em evidência é que o homem deve
aceitar com paciência a sua condição: é impossível que na
sociedade civil todos estejam elevados ao mesmo nível [...]
diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde,
de força; diferenças necessárias, de onde nascem
espontaneamente a desigualdade das condições. Esta
desigualdade, por outro lado, reverte em proveito de todos [...]
porque a vida social requer um organismo muito variado e
funções muito diversas [...] (LEÃO XXIII, 1990, p.18).
57
Mas ao tempo que invoca as diferenças como sendo naturais, ressalta o
dever de todos em não discriminar e conviver pacificamente com essas diferenças.
[...] façam os governantes uso da autoridade protetora das leis
e das instituições; lembrem-se os ricos e os patrões dos seus
deveres; tratem os operários, cuja sorte está em jogo, dos seus
interesses pelas vias legítimas; e visto que só a religião, como
dissemos a princípio, é capaz de arrancar o mal pela raiz,
lembrem-se todos de que a primeira coisa a fazer é a
restauração dos costumes cristãos, sem os quais os meios
mais eficazes sugeridos pela prudência humana serão pouco
aptos para produzir salutares resultados (Idem, p.58).
Trazendo a discussão para o nosso tema, nos tempos atuais, o papa João
Paulo II estabelece que:
O ponto de partida para cada reflexão sobre a deficiência está
enraizado nas persuasões fundamentais da antropologia cristã:
a pessoa com deficiência, também quando está ferida na
mente ou nas suas capacidades sensitivas e intelectivas, é um
sujeito plenamente humano, com os direitos sagrados e
inalienáveis próprios de cada criatura humana. Com efeito, o
ser humano, independentemente das condições em que se
desenrola a sua vida e das capacidades que pode expressar,
possui uma dignidade única e um valor singular desde o
princípio da sua existência até o momento da morte natural
(JOÃO PAULO II, 2006)
30
.
A constatação primeira dessa realidade, segundo a Igreja Católica, é que
Deus nos quer como somos, com tudo o que trazemos e oferecemos em nós, já que
30
Mensagem do papa João Paulo II (Congresso Internacional sobre Dignidade e Direitos da Pessoa com
Deficiência Mental, 5/1/2004, Roma-Itália).
58
somos cidadãos criados à imagem e semelhança de Deus, mas no espírito,
principalmente.
Através da Campanha da Fraternidade/2006 e à luz do Evangelho, a Igreja
procura sensibilizar a sociedade e convida a todos a uma mudança de postura, atos,
palavras, gestos, que sejam capazes de reconhecer no outro a dimensão da pessoa
humana, de promover a inclusão social das pessoas com deficiência, reconhecendo-
as como sujeitos de direitos, já que ser fraterno, a partir desse princípio, significa
lutar para que todos tenham vida digna e plena, e são essas lições que ajudam a
tornar o mundo “melhor” e mais “digno”. Segundo o discurso da igreja Católica,
acolher as diferenças e aprender a viver juntos é o desafio que ainda se impõe em
nossos dias. Através da Campanha da Fraternidade, orienta as pessoas a
desenvolver a capacidade de compreender e aceitar o outro, perceber que são
interdependentes e entender que o respeito pelos valores individuais e a
compreensão mútua são os caminhos para a paz e a vivência cristã e cidadã, já que
aos olhos de Deus todas são iguais.
Na segunda metade do século XX surgiram as leis de atenção às pessoas
com deficiência, reconhecidas pela Igreja Católica como extremamente necessárias
à convivência e integração dessas pessoas na sociedade, porém a Igreja salienta
que, muito mais do que leis, precisamos realmente de pessoas e instituições
capazes de abraçar a causa, entendendo que as PcD são como qualquer pessoa, já
que a única coisa que as diferencia enquanto seres humanos, porque para Deus
somos todos iguais, é a deficiência ou a falta de valores, de honestidade, de
moralidade e de ética.
A postura da Igreja Católica é muito bem retratada em relação à causa da
deficiência, quando afirma que por mais que seja difícil não ouvir, não andar, não
enxergar, não se pode esquecer que Deus, na sua infinita bondade e sapiência, dá a
estas pessoas outros dons que as fazem capazes como qualquer um de nós.
Não podemos deixar de questionar o que a Igreja Católica tem feito pelas
pessoas com deficiência na sociedade e mais especificamente para o acesso delas
nas igrejas. O discurso tem sido a única forma de manifestação em relação ao tema;
quando partimos para o campo das ações, essa instituição deixa muito a desejar; a
maioria das edificações da Igreja Católica ainda não têm acessibilidade – rampas e
calçadas adaptadas; a Igreja não se preocupou com o transporte dessas pessoas às
suas dependências, visto que a maioria dos ônibus não são adaptados e a utilização
59
de pessoas intérpretes de Libras nas celebrações da Igreja Católica ainda não é
uma realidade, o que nos leva a refletir que a ação da Igreja é apenas superficial, no
campo da fala, da pregação e da conscientização; no entanto, toda essa
consciência, não altera em nada as condições objetivas das pessoas na sociedade.
Marx afirma na Introdução à Crítica da Economia Política: “Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser: é o seu ser social que
inversamente, determina a sua consciência”. O que Marx quer dizer é que todas as
perspectivas são geradas socialmente, expressando os interesses mais profundos
das classes sociais, e é essa articulação com as classes sociais que explica as suas
possibilidades e os seus limites (1995).
Assim, esses fatos nos revelam que, como no Estado, também no âmbito da
Igreja, da religião, existem leis que não se expressam na realidade, que estão muito
longe da possibilidade de efetivação, quer dizer:
As boas palavras e as boas disposições são baratas, o que é
caro são a perspicácia e as ações eficazes; neste caso, elas
são mais do que caras, estão muito longe da possibilidade de
efetivação. Se estão muito longe da possibilidade de
efetivação, imagine-se quem, então, a partir daí tentar alcançar
o possível” (MARX, 1995, p. 20).
Podemos perceber então que as ações para a “inclusão” das pessoas com
deficiência nas diversas esferas da sociedade, por parte da Igreja Católica, são
meramente discursivas; efetivamente, não há nenhuma movimentação objetiva
nesse sentido.
Vejamos então qual o sentido de inclusão, já que essa é a principal
reivindicação do segmento PcD e de todos os que estão engajados na luta por
direitos na sociedade capitalista.
3.3 INCLUSÃO E EXCLUSÃO: DUAS FACES DA MESMA MOEDA
O século XX marcou, no plano formal, a concretização dos direitos sociais de
cidadania, decorrente da luta dos movimentos sociais em busca da proteção aos
excluídos do mercado de trabalho e do usufruto dos bens produzidos socialmente.
60
Surgem as leis destinadas às minorias, incluindo entre estas as pessoas com
deficiência, idosos, crianças, dentre outros.
As péssimas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores, ocasionadas
pelo acirramento da questão social, refletidas no aprofundamento das desigualdades
sociais decorrentes das guerras mundiais e da crise do capitalismo de 1929,
impulsionaram o reconhecimento da necessidade de conceder alguma proteção
social a essas categorias. Os primeiros sinais dessa proteção ocorreram na
Alemanha, ainda no final do século XIX, com a aprovação da lei do seguro-acidente,
de 1884, e da lei do seguro-invalidez e velhice, de 1889, como estratégia do
chanceler Bismark para angariar o apoio e simpatia dos trabalhadores alemães,
visando afastá-los dos ideais socialistas.
Com relação especificamente às pessoas com deficiência, o progresso da
ciência proporcionou a sobrevivência de pessoas que, antes, morriam em
conseqüência de doenças ou de acidentes; após o segundo grande conflito mundial,
um grande número de cidadãos com diferentes formas de deficiência, em sua
maioria heróis de guerra, que perderam a saúde e a incolumidade física defendendo
a pátria, passaram a exigir dos países, especialmente os da Europa e os Estados
Unidos, respostas eficazes à sua demanda.
Essa realidade levou a investimentos, pelos países desenvolvidos, a partir da
segunda metade do século passado, na qualidade de vida das pessoas com
deficiência, inversões estas traduzidas em implementação de políticas públicas,
adaptação de prédios de uso público, contratação da mão-de-obra das pessoas com
deficiência, ou seja, medidas destinadas a garantir a cidadania desse segmento e
proporcionar a sua “inclusão social”.
No Brasil, no período da República Velha (1989 a 1930) a questão social no
âmbito do Estado foi tratada de forma a responder às pressões das categorias mais
organizadas, sem haver um sistema definido e estruturado nacionalmente.
Em 1923, é criada a Lei Eloy Chaves, considerada um marco na criação do
sistema previdenciário brasileiro. Essa lei, que leva o nome de seu autor, então
deputado pelo Estado de São Paulo, determina a criação de Caixas de
Aposentadorias e Pensões (CAPs) para os empregados de ferrovias, que
posteriormente se expandiu para diversas categorias de trabalhadores, culminando
61
com a criação, na década de 40, dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs),
que originaram o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), atual INSS
(Instituto Nacional do Seguro Social).
Na Constituição de 1934, no art. 138, podemos encontrar o que seria um
embrião dos direitos das pessoas com deficiência, quando faz referência à
necessidade de amparo aos “desvalidos”, ao cuidado com a “higiene mental” e à
adoção de medidas capazes de restringir a mortalidade e morbidade infantil. A Carta
Magna de 1938 não traz modificações significativas neste particular.
Na década de 40, surgem também grandes instituições de caráter social
como a fundação da Legião Brasileira de Assistência, criada para proporcionar
assistência aos ex-combatentes e suas famílias, entre estes os mutilados de guerra.
Posteriormente, a Constituição Federal de 1946 faz breve referência à Previdência
Social para o trabalhador que se tornar inválido.
A Constituição Federal do Brasil de 1967 refere-se ao mesmo tipo de garantia
previdenciária aos trabalhadores inválidos. A emenda nº 01 de 1967 traz alguma
inovação no artigo 175, parágrafo 4º, com referência expressa aos portadores de
deficiência
31
, quando tratou da educação dos “excepcionais”. Com a emenda nº 12 à
Constituição Federal de 1967, datada de 17/10/78, é assegurada aos deficientes –
terminologia então adotada – a melhoria de sua condição social e econômica por
meio de educação especial e gratuita; assistência, reabilitação e reinserção na vida
econômica e social do país; proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão
ao trabalho ou ao funcionalismo público e salários; e possibilidade de acesso a
edifícios e logradouros públicos.
A Constituição Federal de 1988 incluiu a proteção às pessoas com deficiência
em vários dispositivos e capítulos distintos. As regras da isonomia estão dispostas
nos artigos 5º e 7º, referindo-se à igualdade perante a lei e proibição de qualquer
discriminação; seguem os dispositivos referentes à reserva de empregos públicos
(art. 37), assistência social (art. 203) e educação especial (art. 208). Atendimento
especializado ao portador de deficiência, acesso a edifícios e logradouros públicos,
e transporte coletivo (art. 22), cuidado e proteção das pessoas portadoras de
deficiência quanto à saúde pública como responsabilidade comum da União, dos
31
Assim chamadas as pessoas com deficiência pela citada lei.
62
Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23), com competência legislativa cabendo
à União, aos Estados e ao Distrito Federal (art. 24).
Como decorrência do disposto na Constituição Federal de 1988, é
sancionada, em 14 de outubro de 1989, a Lei nº 7.853, que “dispõe sobre o apoio às
pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria
Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), institui a
tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a
atuação do Ministério Público, define crimes e dá outras providências”. A referida lei
também explicita as responsabilidades do poder público nas áreas de educação,
saúde, formação profissional e do trabalho, recursos humanos e edificações.
Em 1993, através do Decreto nº 914, de 6 de setembro de 1996, é instituída
a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, cujos
objetivos buscam pôr em prática o disposto na Lei nº 7.853/89. Seguiram-lhe outras
leis, como a Lei n° 10.048/00, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de
atendimento às pessoas com deficiência, idosos, gestantes, lactantes e pessoas
acompanhadas de crianças de colo, e a Lei nº 10.098, de 20 de dezembro de 2001,
que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade
das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, entre outras
normas jurídicas.
Apesar de todos esses avanços, meramente formais, o direito à
acessibilidade é desrespeitado em grande parte de nossas cidades, pois não há
ônibus adaptados suficientes, não existem rampas em todos os prédios de uso
público, não se encontra sinalização em braile nos equipamentos dispostos nas
instituições públicas e privadas; o atendimento às pessoas com deficiência na área
de saúde ainda é precário e muitas dessas pessoas não têm o seu potencial de
trabalho aproveitado.
Em 2005, o governo federal lança uma cartilha denominada “Cartilha da
prioridade e da acessibilidade”, na qual define acessibilidade como:
63
Condição de utilização, com segurança e autonomia, das vias,
espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações
de uso público ou de uso coletivo, dos serviços de transporte e
dos sistemas e meios de comunicação e informação, por
pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida
(BRASÍLIA, 2005, p.10).
No ano de 2007, o mesmo governo, reeleito,
32
lança uma nova cartilha sobre
a inclusão das pessoas com deficiência e expõe seus propósitos a respeito do tema:
O processo de exclusão historicamente imposto às pessoas
com deficiência deve ser superado por intermédio da
implementação de políticas afirmativas e pela conscientização
da sociedade das potencialidades desses indivíduos (BRASIL,
2007, p.7).
Num panorama geral, a avaliação feita é que os governos que se sucedem
entendem o processo de exclusão, historicamente imposto às pessoas com
deficiência, e buscam sua superação por intermédio da implementação de políticas
inclusivas, ações afirmativas e pela conscientização da sociedade acerca das
potencialidades dessas pessoas.
Para colaborar com o governo, a mídia nacional tem exposto alguns exemplos
de empregabilidade com bons resultados. É crescente o número de empresas de
todo mundo que tentam cumprir sua responsabilidade social, através das leis de
cotas, que tentam garantir o ingresso, acesso e permanência das pessoas com
deficiência no mercado de trabalho e apontam uma reflexão para a opinião pública
de que é preciso sair dos modelos que implicam apenas a inclusão destas pessoas
como uma obrigação legal, por assistencialismo e benemerência, mas reconhecer
32
O Presidente Lula é reeleito em 2006.
64
suas reais capacidades, competências, habilidades e produtividade, como pessoa
humana em seu exercício de cidadania.
Seguindo por essa linha de pensamento e para minimizar a lacuna entre
empresas e pessoas com deficiência, foi criada a Lei 8.213/91, que beneficia
pessoas que possuem algum tipo de deficiência. Em seu artigo 93, a referida lei
determina que empresas com 100 ou mais funcionários devem preencher de 2% a
5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência. O
assunto já se tornou uma rotina no meio corporativo e das organizações. Através de
programas específicos, buscam cumprir a legislação, apesar de que, para algumas
empresas, cumprir a lei tem sido um pouco complicado. Há outras que não sentem
dificuldade alguma em contratar as PcD. Existem até empresas, como é o caso da
WMM Talentos
33
- uma empresa focada em Gestão do Capital Humano e
Responsabilidade Social - que conta com um Contact Center formado
exclusivamente por pessoas com deficiência.
A idéia de oferecer proteção social a quem precisa cria paradoxos. No caso
do Benefício da Prestação Continuada, que oferece um salário mínimo mensal,
vitalício, a pessoas de baixa renda com deficiência, avaliadas como incapazes pelo
INSS, cujo benefício foi criado para incluir as PcD na sociedade, atendendo-as em
suas necessidades básicas, transformou-se na única medida implementada pelo
Estado para garantir a participação das pessoas com deficiência na sociedade.
Mesmo que os defensores da forma atual da lei alertem para o fato de que a
qualquer momento é possível reavaliar a incapacidade carimbada, o que é verdade,
a realidade mostra que a lei vem sendo uma barreira à inclusão profissional. Para
não perder o salário vitalício, muita gente - pressionada pela família - esconde que
recuperou a capacidade laboral, engrossa a informalidade e revela à sociedade que
não existe inclusão de espécie alguma.
Como pensarmos então a inclusão nesta sociedade? Através de programas
como o Benefício de Prestação Continuada? Por meio das medidas de execução da
chamada lei de cotas para pessoas com deficiência? O processo de educação
inclusiva seria uma forma de incluir o segmento PcD? Como cobrar dos nossos
governantes ações humanitárias e inclusivas, quando o sistema capitalista absorve
33
www.wmmtalentos.com.br
65
todas as perspectivas de igualdade e revela a fragilidade de uma sociedade
incipiente? Podemos exigir das pessoas uma conduta honesta, das empresas
atitudes inclusivas, quando a imensa maioria dos exemplos que jorram na mídia
pregam a corrida ao poder e ao dinheiro como condição para se manter vivo neste
sistema?
Fala-se hoje em exclusão para justificar tudo aquilo que não se
pode explicar, que não se pode ajustar ou acomodar. O uso
impreciso da palavra exclusão é sintomático, oculta e traduz ao
mesmo tempo o estado atual da questão social. A palavra
designa um número imenso de situações diferentes,
encobrindo a especificidade de cada uma. Falar em termos de
exclusão é rotular com uma qualificação puramente negativa
que designa a falta, sem dizer no que ela consiste nem de
onde provém (CASTEL, 2004, p.21).
De tanto banalizar a palavra exclusão, oculta-se a necessidade de analisar
positivamente o seu real significado. Castel afirma que isso tem uma razão de fundo:
“os traços constitutivos essenciais das situações de “exclusão” não se encontram
nas situações em si mesmas” (Idem). Podemos entender o sentido de ofuscamento
das raízes da exclusão pelo seu oposto, ou seja, analisando as tentativas de
inclusão. Porque se fala tanto em inclusão nesta sociedade? Sociedade inclusiva,
escola inclusiva, mercado inclusivo, produção inclusiva, inclusão das pessoas com
deficiência no mercado de trabalho... quer dizer, tenta-se ocultar a verdadeira face
da exclusão com práticas fragmentadas e superficiais de inclusão nesta sociedade.
Na verdade, de acordo com Amaral:
A concepção de exclusão é útil para o capitalismo expor suas
boas (grifos nossos) intenções e ‘expor a necessidade histórica
e política de reconhecer os involuntários limites sociais e as
condições sociais do justo afã de mudar’. O que podemos
observar em uma sociedade cuja dominância é do capital
alicerçado na cultura da privatização, é a ‘exclusão’ dos que
não couberam nos limites do suposto acabamento
66
socioeconômico. Aqueles que ficaram de fora, que foram
privados dos bens, dos serviços e dos benefícios gerados pelo
capital passam a ser foco de uma atitude de reparação através
de um discurso de inclusão social. Todos os segmentos da
sociedade são convocados para assumir uma atitude de
responsabilidade social e assim permitir que a sociedade
continue seu processo de estruturação/desestruturação, dando
prosseguimento àquilo que a faz ser uma sociedade instituída
pela luta permanente entre desiguais (AMARAL, 2007,
p.57/58).
A desigualdade é inerente à sociedade capitalista, portanto, o que é
constitutivo dessa sociedade aparece como exceção. Àqueles que não conseguem
ser incluídos são atribuídos adjetivos para desqualificá-los: são analfabetos, idosos,
pessoas com deficiência... Quer dizer, a exclusão se dá efetivamente pelo estado de
todos os que se encontram fora da dinâmica do capital, por todos que não
conseguem se adequar ao sistema, ou ainda por aqueles que excedem à produção
do lucro.
A exclusão diz respeito àqueles que sempre estiveram à margem da
sociedade ordinária, que vivem de um trabalho precário, que ocupam uma moradia
sem condições de sobrevivência digna, sem acesso às políticas sociais. É nesse
sentido que se coloca a exclusão nesta sociedade; é por essa razão que as pessoas
se organizam em movimentos por melhores condições de vida, por melhores
condições de trabalho e por políticas sociais efetivas.
Desse modo trazemos à nossa realidade: cabe aos excluídos da sociedade
capitalista atual serem incluídos, terem dissipadas suas diferenças e fazerem parte
do mercado de trabalho? Dissolver suas diferenças, seja de raça, de cor, de credo
ou de condição física, não é garantia para a inclusão nesta sociedade, já que muitos
dos que não apresentam características diferentes do convencionado na sociedade
sofrem também a mesma situação de exploração e expulsão do mercado de
trabalho.
67
Lessa exemplifica, de forma esclarecedora, a exclusão das pessoas na
sociedade capitalista, quando afirma que hoje já se produz o triplo do necessário
para que todas as pessoas na face da Terra possam se alimentar:
A fome hoje não é mais uma dimensão insuperável da vida
humana, é uma questão de opção histórica entre distintos
modos de produção. Enquanto a produção for uma mediação
para o lucro, colocar toda a produção à disposição da
população significa ofertar mais que a demanda, derrubando
preços e travando a reprodução do capital. Para que o capital
se reproduza nessas circunstâncias históricas é necessário que
artificiosamente se mantenha a procura acima da oferta,
produzindo-se uma carência artificial (LESSA: 2007, p.44).
Por mais difícil que seja admiti-la, essa assertiva se traduz na mais absoluta
verdade. Esta é a origem da exclusão: a ganância do capital sobre todas as
necessidades dos seres humanos. Para os governos, controlar o preço das
mercadorias é muito mais importante que o controle da fome e da miséria, o que
resulta na elaboração de políticas fragmentadas e emergenciais, desde que não
atrapalhem a dinâmica de (re) produção do capital.
No caso das pessoas com deficiência, em sua maioria, a luta é pela
construção e implementação das leis e a não-efetivação destas é atribuída à falta de
vontade do Estado e de seus governantes ou à falta de esclarecimento e
mobilização do segmento PcD.
3.4 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Sendo a história entendida através da seqüência de acontecimentos, não são
os fatos de maneira isolada que esclarecem a história, mas estes fatos se
constituindo enquanto totalidade do processo. Assim, a história é entendida através
da junção de suas partes; de nada serve olhar essas partes isoladamente; é
necessário entendê-las e relacioná-las.
Antes da Revolução Industrial, os problemas das pessoas com deficiência
eram, em sua maioria, de responsabilidade da família, da Igreja e da comunidade.
68
Ao longo do século XX, cresceu a responsabilidade do Estado e das empresas.
Inúmeras leis foram aprovadas, atribuindo aos governos e aos empregadores a
obrigatoriedade de apoiar, encaminhar e inserir as pessoas com deficiência na
sociedade.
Os gastos do poder público variam muito, de país para país e de acordo com
a filosofia dominante em cada um deles. Os recursos públicos alocados para o apoio
às pessoas com deficiência nos países desenvolvidos são mais expressivos que nos
países da América Latina. Nos Estados Unidos, por exemplo, os gastos públicos
nesse campo chegam a 0,75% do PIB; na Alemanha, 2,2%; na Suécia, 4,1%; e na
Holanda, 5,2% (PASTORE, 2000, p.123/124)
34
.
Embora os países de capital avançado, com um elevado poder econômico,
baseiem o apoio às pessoas com deficiência na criação e efetivação das políticas
públicas – educação, reabilitação, compensações, além do acesso a todas as
políticas através de estímulos, benefícios e conscientização – para todas as pessoas
e não só para aquelas que têm algum tipo de deficiência, para que percebam e
aceitem que as diferenças que apresentam não as tornam incapazes e que, com as
devidas compensações, podem e devem se integrar à sociedade, não só por
determinação da lei, mas por considerá-las aptas a participar do mercado de
trabalho.
No Brasil, o universo de PcD recebe a atenção de vários órgãos de governo.
No nível federal a tarefa de traçar a política de atenção a essas pessoas, bem como
o acompanhamento dos programas, ficou a cargo do Conselho Nacional dos Direitos
da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE)
35
. Cabe a esse órgão aprovar o
plano anual da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência (CORDE)
36
, que constitui o braço mais operacional. Essa coordenadoria
tem seus desdobramentos, articulando-se com órgãos paritários, que atuam nos
níveis estadual e municipal.
A legislação federal atribui uma série de responsabilidades a vários órgãos
públicos nos campos da educação, saúde, cultura, lazer, turismo, ajudas técnicas,
34
Pastore é um economista que defende a flexibilização dos direitos justificando isso como sendo um fator que
vai gerar empregos; um sujeito que tem posições, em sua maioria, a favor do capital. Embora os dados sirvam
para ilustrar, não se trata de alguém que tenha a mesma perspectiva defendida neste trabalho. Queremos deixar
claro com esta nota que não comungamos com as idéias desse autor
, embora os dados pesquisados por ele sejam
úteis à nossa pesquisa.
35
www.mj.gov.br/sedh/ct/conade/index.asp
36
www.mj.gov.br/sedh/ct/corde/dpdh/corde/principal.asp
69
habilitação e reabilitações profissionais. Ao lado dos órgãos federais, outros
institutos legislativos atribuem a órgãos estaduais e municipais a implementação das
políticas públicas nos campos acima indicados.
Apesar desse aparato legal institucionalizado, as pessoas com deficiência têm
muitos obstáculos. No setor de saúde, por exemplo, a falta de atenção é
desrespeitosa e desumana. Mais da metade das unidades públicas não estão
adaptadas para os deficientes físicos, que encontram dificuldade de se locomover
em mais da metade das unidades de saúde do país. Dos 77.004 estabelecimentos
médicos espalhados pelo Brasil, somente 54,1% estão adaptados para recebê-los.
37
O setor público tem um percentual ainda menor, com apenas 44,9% dos prédios
adaptados às necessidades dos deficientes físicos. Já os privados têm percentual
melhor: 67,2%, numa clara demonstração de falta de interesse, fiscalização à lei e
empenho das autoridades para que a lei seja obedecida (DAFLON, 2006), já que a
Constituição Federal (art. 244) garante que a lei disporá sobre a adaptação dos
logradouros, dos edifícios de uso público, dos veículos de transporte coletivos
atualmente existentes, a fim de garantir acesso adequado às pessoas com
deficiência.
Em relação aos meios de transporte também existem inúmeros problemas. A
falta de adequação nos meios de transportes públicos priva pessoas com mobilidade
reduzida de uma vida social mais ativa. A infra-estrutura da grande maioria das
cidades do Brasil é muito deficitária e a acessibilidade das vias públicas é muito
precária. O principal problema está na falta de acesso ao transporte público
municipal, pois existem veículos que não comportam cadeiras de rodas, nem
dispõem de espaço para um cão-guia. Além disso, as pessoas com deficiências
sofrem no embarque e desembarque por causa da distância entre o piso do ônibus e
a calçada, que geralmente é muito grande. Algumas soluções mais simples já estão
sendo usadas, por exemplo, a plataforma elevatória, uma das opções mais baratas;
com um pequeno investimento, o proprietário instala o equipamento em um ônibus
convencional. Outra iniciativa que vem sendo trabalhada é o sistema porta a porta,
no qual um veículo menor leva a PcD até o seu destino.
As técnicas de acessibilidade no sistema metroviário são um exemplo de
ações que podem facilitar o dia-a-dia das PcD. Existe um vagão especial
visivelmente sinalizado, com espaço reservado para cadeiras de rodas, e as
37
O dado consta da pesquisa de Assistência Médico-Sanitária (AMS), divulgada pelo IBGE/ 2000.
70
estações têm pisos táteis para os deficientes visuais. Além disso, o sistema conta
com funcionários treinados para usar a linguagem de sinais na comunicação com os
deficientes auditivos.
As leis existentes no Brasil, em seus enunciados, formulam políticas públicas
para atender às necessidades da população com deficiência, porém sua aplicação
ainda é bastante precária; para os defensores da inclusão, um dos motivos seria a
falta de interesse dos governantes em dispor recursos para implementá-las, bem
como a falta de fiscalização e punição no cumprimento destas leis. Muitas das
organizações para pessoas com deficiência julgam necessária uma educação por
parte de toda a sociedade, para aprender a conviver considerando, aceitando e
respeitando as diferenças dessas pessoas, pois afirmam que a carência de ações,
estímulos e instituições que viabilizem, de forma concreta, a formação, habilitação,
reabilitação e inserção das pessoas com deficiência, especificamente na sociedade
brasileira, é uma clara demonstração da falta de implementação das leis e das
políticas públicas, fator determinante para que se agravem as condições de vida
daqueles que portam algum tipo de deficiência.
Na nossa concepção a falta de implementação das leis não se dá por falta de
estímulos ou de instituições para viabilizá-las, já que há muitas instituições e muitas
leis; o que não acontece é a aplicação dessas leis. Isso não acontece casualmente;
o fato de que as leis são letras mortas, que não são feitas para serem efetivadas,
servem para causar a impressão de que o Estado tem de fato uma preocupação
com as pessoas, que o Estado está acima das classes, mas, na realidade, as leis
não foram feitas para serem cumpridas.
Nessa afirmação encontramos a explicação para o fato de haver tantas leis e
tão pouca efetividade no cumprimento delas. A elaboração de leis serve como um
mecanismo de contenção à organização e mobilização dos trabalhadores, é uma
resposta às reivindicações dos movimentos que se organizam em busca de
melhores condições de trabalho e de vida, mas não quer dizer que se caracterizem
como vitórias operárias. Já a sua efetivação esbarra nos interesses do capital e
muitas vezes a efetivação dos direitos, expressos em leis e pleiteados pela
população, acontece como uma estratégia capitalista para atingir seus objetivos.
Para exemplificar essa questão citaremos uma análise de Lessa, quando
afirma que o Estado de Bem-Estar coincide com um momento de refluxo e derrota
das lutas operárias:
71
[...] sob as suas diferentes formulações e modulações, é muito
mais a generalização da falsa impressão gerada pelas políticas
públicas do Estado de Bem-Estar que, isoladas do contexto
histórico, pareciam atender antes às reivindicações dos
trabalhadores que às necessidades inerentes à reprodução do
capital, do que o reflexo teórico de uma efetiva alteração na
relação entre o Estado “político” e a atual “sociedade burguesa”
(LESSA, 2007, p.53).
Muito mais que consciência, boa vontade e competência no trato das
questões e na efetivação das leis que se destinam às pessoas com deficiência,
como aquelas que tratam da inclusão nos moldes pretendidos pelo segmento, é
necessário entender a essência do Estado.
Dentre os direitos operacionalizados pelo Estado, há alguns esforços que
mais se assemelham à necessidade de conter o avanço dos movimentos
reivindicatórios do que realmente a um esforço em direção à garantia de direitos.
Nesse sentido, a Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 208, inciso III,
reconhece o direito à educação como direito fundamental, enquanto necessidade
social básica ao pleno desenvolvimento humano e, ao mesmo tempo, estabelece a
responsabilidade pela sua promoção e incentivo ao Estado, à família e à sociedade.
Tal regime de responsabilidade igualmente se estende à inclusão da pessoa com
deficiência, que possui direito a um atendimento especializado, preferencialmente na
rede regular de ensino: pública ou privada. Sobre esse tema trataremos de forma
mais detalhada nos itens que seguem.
3.5 A LUTA DO SEGMENTO PCD POR UMA “SOCIEDADE INCLUSIVA”
O Brasil foi eleito, em 2004, pela organização não governamental
internacional IDRM – International Disability Rights Monitor -, como um dos cinco
países mais inclusivos das Américas. Um dos seis requisitos para a classificação
era a existência de um arcabouço legal que garantisse a adequada proteção das
pessoas com deficiência. Contudo, ainda que o Brasil possua uma legislação
72
avançada, abrangente e moderna do ponto de vista científico-tecnológico, existe
uma grande dificuldade para implementá-la no país.
De acordo com dados do Conade
38
, a legislação brasileira que contempla o
segmento das pessoas com deficiência é uma das mais completas, atribuindo ao
Brasil, recentemente, a quinta colocação mundial em termos de mecanismos de
defesa da cidadania das pessoas com deficiência.
O movimento de inclusão das pessoas com deficiência na sociedade
capitalista visa à plena participação social a partir da igualdade de oportunidades e
da eliminação de barreiras físicas e sociais, respeitando-se a diversidade humana. O
desenho universal
39
, por exemplo, tem revolucionado a criação de artefatos na
arquitetura, na engenharia, no design gráfico e até nos recursos da medicina. Tudo
isso constitui uma nova visão que prega a necessidade de as diferenças serem
levadas em consideração no momento da concepção de toda e qualquer ação a ser
empreendida; é o que se chama na atualidade de política da diversidade.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 incluiu a proteção às PcD em vários
dispositivos e capítulos distintos. A regra da isonomia está disposta nos artigos 5º e
7º, referindo-se à igualdade perante a lei e proibição de qualquer discriminação;
seguem os dispositivos referentes à reserva de empregos públicos (art. 37),
assistência social (art. 203) e educação especial (art. 208). Atendimento
especializado ao portador de deficiência, acesso a edifícios e logradouros públicos,
e transporte coletivo (art. 22), cuidado e proteção das pessoas portadoras de
deficiência quanto à saúde pública como responsabilidade comum da União, dos
Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23), com competência legislativa cabendo
à União, aos Estados e ao Distrito Federal (art. 24).
A partir da análise dos acontecimentos desencadeados desde a promulgação
da Constituição Federal de 1988, com o surgimento de leis e decretos que
favoreceram e trouxeram a discussão da inclusão das pessoas com deficiência na
sociedade, podemos tratar a inclusão como reverso de uma situação; a proposta da
inclusão social só se justifica porque se vive em uma sociedade excludente. A
exclusão é parte da sociedade capitalista, que atua como força centrífuga, expropria
38
Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
39
O desenho universal não abrange apenas as pessoas com deficiência; leva em consideração as múltiplas
diferenças existentes entre as pessoas. A idéia é evitar a necessidade de ambientes e produtos especiais para
pessoas com deficiência, buscando garantir a acessibilidade a todos os componentes da sociedade (Corde, 1998).
73
o homem de seu trabalho e empurra para a marginalização social um grande
contingente humano, que não serve aos seus interesses. (LANCILLOTTI, 2003, 88).
Esta ideologia faz crer que a questão das pessoas com deficiência independe
de classe social. Desse modo estariam na mesma condição todas as pessoas com
deficiência, quer tenham ou não suas necessidades básicas atendidas, cobertas por
políticas públicas de saúde, educação, transporte, lazer, habitação, dentre outras.
Este é um equívoco perigoso, que leva a obscurecer a compreensão do real: a
diferença de classe não pode ser confundida com a diferença cultural. No caso, uma
pessoa com deficiência que tem condições de se beneficiar dos avanços
tecnológicos para compensar seus limites, como o uso de próteses ou órteses
adequadas, freqüentando serviços de saúde e educação que atendam às suas
necessidades, estaria em condições vantajosas em relação àquelas que mal têm
condições de ver asseguradas suas necessidades básicas de sobrevivência.
Lancillotti avalia que não se trata de negar que, sendo classe favorecida,
essas pessoas não estejam submetidas a condições de exclusão, contudo, o
movimento inclusivo trata de incorporar suas necessidades no rol daquelas a serem
atendidas pelo capital, e a inclusão que se reclama é a de consumidor; já para os
despossuídos, restam as ações pontuais das políticas assistencialistas, muito mais
preocupadas em arrefecer as tensões sociais decorrentes da agudização das crises
do capital (Idem, p. 91).
Voltemos à questão da acessibilidade das pessoas com deficiência, para
subsidiar a nossa análise em relação à questão da inclusão dessas pessoas no
mercado de trabalho. Este tema tem sido amplamente discutido em toda a
sociedade, mesmo porque passou a fazer parte do cotidiano. No dia-a-dia
reconhecemos pessoas com deficiência trabalhando nos supermercados, nas
escolas, nas fábricas, nos transportes coletivos, enfim, o fato de essas pessoas
estarem participando de ações e estarem nos locais onde historicamente sempre
foram segregadas, indica-nos que estão incluídas na sociedade? E se estão
incluídas na sociedade, será que este é o seu objetivo final? O que significa estar
incluído nessa sociedade?
Nestes termos, nesta relação de exclusão/inclusão explicitada anteriormente,
quando tratamos da busca da cidadania, já está contida uma perspectiva de
74
sociedade muito presente no discurso das pessoas com deficiência, a perspectiva da
reforma, da busca por melhorias da sociedade capitalista.
Para entendermos melhor este tema, recorreremos aos fundamentos da
exploração e da busca pela inclusão na sociedade capitalista e faremos uma breve
explanação no item subseqüente.
3.5.1) A educação inclusiva
As duas últimas décadas foram marcadas por movimentos sociais
organizados em favor das pessoas com deficiência e por militantes dos direitos
humanos que conquistaram o reconhecimento formal à participação social.
Os anos 90 marcam o movimento denominado “International Inclusion” com a
promulgação da Declaração de Jomtien (1990)
40
, na qual os países estabelecem
que “a educação é um direito fundamental de todos, mulheres, homens, de todas as
idades, no mundo inteiro” (BRASIL, 2006).
A Declaração de Salamanca (1994)
41
provocou um grande debate conceitual
e metodológico sobre a educação formal oferecida às pessoas com deficiência.
Teve, como objetivo específico de discussão, a atenção diferenciada aos alunos com
necessidades educacionais especiais.
Há de ser também lembrada a Convenção da Guatemala (1998)
42
, que se
manifesta sobre todo e qualquer tipo de discriminação e de preconceito e preconiza
que “as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos humanos e
liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o de não
ser submetido a discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da
igualdade que são inerentes a todo ser humano” (BRASIL, 2006).
Esse debate envolve os educadores do mundo todo e, no Brasil, por meio da
LDB/96
43
, a educação inclusiva é contemplada de modo a garantir o ingresso e a
40
Em março de 1990, o Brasil participou da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien,
Tailândia, na qual foi proclamada a Declaração de Jomtien.
41
A declaração de Salamanca (Salamanca-Espanha-1994) trata dos Princípios, Política e Prática em Educação
Especial. Trata-se de uma resolução das Nações Unidas, adotada em assembléia geral, a qual apresenta os
procedimentos-padrão das Nações Unidas para a equalização de oportunidades para pessoas portadoras de
deficiência. É considerada mundialmente um dos mais importantes documentos que visam a inclusão social.
42
Convenção interamericana para eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras
de deficiência, acontecida na Guatemala em 28 de maio de 1999 e aprovada pelo Brasil através do decreto Nº
3.956 de 8 de outubro de 2001.
43
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A partir daí vários documentos são criados para a
operacionalização da educação inclusiva: Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
75
permanência das pessoas com deficiência no ensino regular. Posteriormente, é
promulgada a Resolução Nº 2 do CNE/CEB
44
, de 2001, que institui as Diretrizes
Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, DIREITO À
EDUCAÇ, 2004).
Mrech esclarece que a proposta de educação inclusiva surgiu nos Estados
Unidos em 1975 e assim a define: “Por educação inclusiva se entende o processo
de inclusão dos portadores de necessidades especiais ou dos distúrbios de
aprendizagem na rede comum de ensino em todos os seus níveis, da pré-escola ao
quarto grau” (MRECH 1998, p.37, apud LANCILLOTTI, 2003, p.87).
Para Ramos (2006), a educação inclusiva consiste em pôr em prática um
novo conceito que tem como base acessibilizar a educação a todas as pessoas para
atender às exigências de uma sociedade inclusiva, ou seja, que procura combater
preconceitos, discriminação, barreiras entre indivíduos, povos e culturas.
Lancillotti afirma que nesse momento ganhou terreno a idéia de que através
da educação um país poderia mobilizar todas as suas forças produtivas e
enriquecer. Assim, a educação ainda funcionaria como instrumento de
democratização, proporcionando aos indivíduos meios para a ascensão social. Com
base nesse ideário o Brasil promoveu ações como a ampliação do ensino técnico, ou
a preocupação com a oportunidade educacional para os deficientes (LANCILLOTTI,
2003, p. 87/88). A influência da economia na educação foi sentida quando foram
necessários braços para a expansão capitalista. Foi nesse período que surgiu o
Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, em 1973, no governo Médici, a
partir da influência da economia na educação. O CENESP era um órgão diretamente
subordinado ao Ministério da Educação, cuja atribuição era cuidar da Política
Nacional de Educação Especial, até então entregue às iniciativas comunitárias das
entidades filantrópicas (idem, p.88).
A Constituição Federal DE 1988 quando adota como princípio a “igualdade de
condições” para o acesso e permanência na escola, compreendido como efetivação
do objeto de “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor,
( 1999), Plano Nacional de Educação (2001), Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Contra as pessoas com Deficiência (2001), Diretrizes Nacionais Para a Educação Especial na
Educação Básica (2001), dentre outras portarias, decretos, medidas etc., além das leis existentes anteriormente, a
saber: Constituição Federal Brasileira de 1988 e Estatuto da Criança e do Adolescente.
44
Conselho Nacional de Educação.
76
idade e quaisquer outras formas de discriminação”, prevê uma sociedade com
escolas abertas a todos (BRASIL, DIREITO À EDUCAÇÃO, 2004, p.9).
Para Jannuzzi, a especificidade da educação especial também é reconhecida
pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996), que prevê
recursos diferenciados para estabelecimentos de ensino especial. Quanto à
operacionalização, cresce a colocação deles na escola regular, embora ainda não
haja uma avaliação do aproveitamento desse aluno. Como se não bastasse, ainda
há o abandono do aluno mais prejudicado (JANNUZZI, 2004, p-199). Jannuzzi diz
ser importante lembrar que inclusão não se faz por decreto; é um processo e como
tal leva tempo e implica mudanças estruturais na cultura, na construção de uma
nova postura pedagógica e na vida social. Para o autor, as escolas – sejam elas
públicas ou privadas - não estão preparadas para a educação de pessoas com
deficiência, apesar de a lei declarar que elas devem cumprir o que está
constitucionalmente assegurado sobre a inclusão das pessoas com deficiência
(Resolução 8/2003). Nesses termos o autor declara que as escolas deveriam se
capacitar cumprindo a obrigação legal de promoção da efetiva inclusão educacional,
e tal condição deveria funcionar como um pré-requisito para a concessão da licença
de funcionamento pelo Ministério da Educação.
As pessoas com deficiência sofrem restrições em termos educacionais, fato
que dificulta sua inserção no mercado de trabalho. Um estudo do SENAI estima que
apenas 3% das pessoas com deficiências, no Brasil, têm escolarização adequada.
Os dados levantados pelo Censo Escolar de 2000 registraram apenas 280 mil
alunos cursando as escolas regulares no Brasil, embora tenha sido ampliada
significativamente a educação de orientação inclusiva, pela qual alunos com
deficiência estudam em classes comuns de escolas regulares. A Educação Básica
cresceu de 13% em 1988 para 28,8% em 2003. De 2002 para 2003, o aumento da
matrícula em classes comuns do ensino regular é de 31,3% ((BRASIL, DIREITO À
EDUCAÇÃO, 2004, p.32).
Para o ideário do governo seria necessário que uma parcela expressiva
dessas pessoas cursasse escolas regulares, pois a inclusão estimula as pessoas
que têm limitações e as apresenta àquelas que não tem a possibilidade de conviver
com e entender as diferenças, mas a falta de formação dos docentes constitui um
grave entrave para a expansão desse ensino.
77
No que se refere à educação profissional, há algumas iniciativas que vêm
apresentando resultados satisfatórios, como nos casos do SENAI e SENAC, que
oferecem cursos profissionalizantes para pessoas com deficiências. A educação
sozinha não é garantia de emprego, mas ela ajuda às pessoas a se empregarem, a
manterem-se empregadas e a mudarem de emprego. O desemprego atinge muito
mais os menos educados.
Já a habilitação e a reabilitação das pessoas com deficiência cabem,
prioritariamente, ao Estado, através da Secretaria de Assistência Social do Ministério
da Previdência e Assistência Social.
Nesse contexto há dois papéis distintos por parte do Estado: o de prestador
do serviço de educação em nível federal, estadual e municipal e também o de
fiscalizador do cumprimento das diretrizes que norteiam o ensino público e privado
no país.
De acordo com a Constituição Federal do Brasil, art. 277, parágrafo 1º, inciso
II, a assistência integral às pessoas com deficiência cabe a todos: família, sociedade
e Estado. Mas o Estado deve se incumbir da criação de programas de prevenção,
atendimento especializado, bem como com a integração social dessas pessoas,
mediante o treinamento para o trabalho e a convivência; a facilitação do acesso aos
bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos
arquitetônicos.
Especialistas explicam que, desde 1991, quando a lei de cotas
45
para inclusão
de pessoas com deficiência no mercado de trabalho foi criada, não se via um
número tão expressivo de contratações e tamanha abertura do mercado de trabalho
em relação a esta mão-de-obra. Para esses especialistas, a falta de informação dos
empregadores, a ausência de pessoal qualificado e o preconceito, seja por parte dos
gestores das empresas ou dos colegas de trabalho - inaptos a lidar com a
diversidade -, são os principais responsáveis pela exclusão.
A Constituição Federal (art.7º) proíbe qualquer discriminação no tocante a
salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência. O art. 8º da Lei 7.853,
de 24 de outubro de 1989, informa que constitui crime punível com reclusão de um a
quatro anos e multa: “negar, sem justa causa, emprego ou trabalho a alguém, por
motivos derivados de sua deficiência”. Com relação à Administração Pública, direta
ou indireta, a Constituição Federal (art. 37, inciso VIII) determina que deverá
45
Lei Federal nº 8.213/91.
78
reservar percentual de cargos e empregos públicos para pessoas com deficiência e
definir critérios para admissão.
O que define se uma pessoa tem ou não possibilidade de escolarização ou
trabalho são as condições históricas em que está inserida. Uma pessoa com
condições de provisão na superação de suas dificuldades, sejam elas físicas ou
mentais, pode alcançar a escola e até o mercado de trabalho em um contexto que
permita seu aproveitamento. O contrário também pode acontecer; aquelas pessoas
que não apresentam nenhum tipo de limitação podem não ter o acesso à escola ou
ao trabalho em decorrência das condições sociais e econômicas em que vivem.
A educação e o encaminhamento das pessoas com deficiência ao mercado
de trabalho ocorrem a partir das demandas do capital e nos seus limites, por isso,
muitas vezes, a educação e o trabalho propostos a essas pessoas enfatizam a
aprendizagem de atividades de vida diária e prática no que apresentam de mais
simples, o que possibilita às pessoas com deficiência a ocupação de empregos “não
qualificados” (LANCILLOTTI, 2003, p.17).
A partir da leitura e análise da produção referente às pessoas com
deficiência
46
e sua organização para acesso ao mercado de trabalho, percebemos
que, em sua maioria, o segmento busca a inclusão na sociedade capitalista.
Percebemos um discurso que coloca a questão política como central, expressa na
necessidade de reformas, de melhorias, da busca pela cidadania, garantia de
direitos, enfim, da inclusão no mercado de trabalho como condição para a
participação efetiva na sociedade, em todas as suas instâncias. Abordaremos
melhor esse tema no item abaixo.
3.5.2) O mercado inclusivo
Tal como acontece com a educação, os anos 90 também foram marcados por
uma conjunção de fatores que proporcionaram um grande avanço na inclusão das
PcD ao mercado de trabalho. A medicina evoluiu e melhorou a qualidade de vida. O
desenvolvimento tecnológico trouxe a popularização de computadores, com recursos
de acessibilidade e de órteses e próteses que ampliaram a autonomia das PcD.
Tudo isso deu impulso à lei de cotas, criada em 1989, que determina que as
46
Através da bibliografia utilizada e citada no final deste trabalho, bem como por meio de reportagens exibidas
pela mídia e do convívio com o segmento, pela realização da nossa prática profissional.
79
empresas devem contratar um determinado percentual de trabalhadores com
deficiência em relação ao número total de empregados.
Apesar de não poder negar essa conjugação de fatores, o que é determinante
é uma movimentação por parte da sociedade para “permitir” que essas pessoas
façam parte do mercado de trabalho como forma de atender às exigências postas
pelo capitalismo mundial, já que foi nessa década que o Brasil deu atenção especial
à abertura de mercado internacional, com o discurso que não podia perder o “rumo
da modernidade” (AMARAL, 2007).
A partir dessa década, cresce o número de PcD que estão estudando línguas,
fazendo cursos e se aperfeiçoando para atender às exigências do capital. Nesse
contexto, as PcD também buscam garantir seu espaço no mercado, e isso não é
uma tarefa nada fácil. Se para alguém que pode utilizar todos os seus sentidos
como, por exemplo, audição ou visão, assegurar uma colocação e mostrar sua
capacidade profissional não é fácil, isso se torna uma tarefa ainda mais complicada
para quem convive com limitações sejam elas físicas, auditivas ou mentais.
Para minimizar essa lacuna entre empresas e PcD foi criada a Lei 8.213/91,
que beneficia pessoas que possuem deficiências física, mental, visual ou de
comunicação. Em seu art. 93, a referida lei determina que empresas com 100 ou
mais funcionários devem preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários
reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência.
Atualmente, inúmeros governos estabelecem sistemas de incentivos para os
empregadores contratarem e acomodarem pessoas com deficiência, o que é feito
através de bônus, deduções tributárias, reabilitação profissional ou, como no caso
do Brasil, através de sistemas de cotas.
O Brasil possui uma das maiores populações de pessoas com deficiência do
mundo (16 milhões de pessoas) e uma das menores taxas de participação no
mercado de trabalho. Segundo estimativas disponíveis, nove milhões estão em
idade de trabalhar; destes, os que trabalham no mercado formal somam cerca de
2%, enquanto nos países mais avançados essa proporção fica entre 30% e 45%
(PASTORE, p.7).
80
A maior queixa das empresas para cumprir a Lei de Cotas (regulamentada
pelo Decreto 3298/99) é a falta de qualificação dos profissionais com deficiência.
Para reverter esse quadro, ações de capacitação profissional são imprescindíveis já
que a inclusão escolar ainda engatinha. Segundo o Censo 2000 (IBGE) cerca de
43% dos 27 milhões de pessoas com deficiência no país têm menos de três anos de
estudo.
Na Constituição, destacam-se dispositivos cujo sentido é garantir às pessoas
com deficiência o direito a um convívio social equilibrado, o direito social ao trabalho,
bem como a proibição de qualquer tipo de discriminação, ainda que no tocante a
salários e critérios de admissão.
A legislação que estabelece a política de cotas no mercado de trabalho é de
1991. E após quase dezessete anos de sua vigência, a “suposta estabilidade” no
emprego da pessoa com deficiência, mito surgido de sua interpretação equivocada,
ainda permanece dividindo opiniões e atravancando os trabalhos de inclusão.
Lamentavelmente, há divulgação errônea de que a pessoa com deficiência
que for contratada, ainda que não corresponda ao perfil da empresa ou por algum
motivo se demonstre improdutiva no transcorrer da relação – como poderia
acontecer com qualquer trabalhador dito “normal” – adquiriria estabilidade no
emprego, em prejuízo da iniciativa privada, a qual passaria a arcar com
responsabilidade pela sua subsistência, o que deveria estar a cargo da Assistência
Social.
Daí tudo se desdobra em, mais e mais, preconceito e discriminação,
passando a imperar o receio de se adotar as medidas de inclusão social em favor da
pessoa com deficiência e em seguida se ver refém de oneroso compromisso
assistencial que erroneamente se vislumbra com a enganosa interpretação.
Ressalte-se que quando se fala de inserção de pessoas com deficiência no
mercado de trabalho, não se está referindo às pessoas inválidas ou doentes, mas
sim a trabalhadores habilitados, aptos e plenamente capazes, apesar de suas
possíveis necessidades de adaptação do acesso ou do posto de trabalho. A prática
demonstra, inclusive, que as medidas de acessibilidade são bem mais simples e
menos onerosas do que se imagina.
Como qualquer outra pessoa, a que tem uma deficiência goza de boa
saúde, apenas diferindo dos demais por necessitar, em alguns casos, de condições
81
especiais para o acesso ao local de trabalho ou para o próprio exercício de sua
profissão, como mencionado anteriormente. As pessoas com deficiência que são
consideradas inválidas, as que se encontram momentaneamente doentes, ou as que
não apresentam condições de se qualificar e de trabalhar, pela gravidade do quadro
geral apresentado, essas, sim, ficam a cargo da política de Assistência Social (no
caso do BPC) ou Seguridade Social (nos casos de afastamento do trabalho) que
lhes deverá conceder a assistência adequada para restauração de sua capacidade
laborativa, ou promover-lhe condições mínimas de subsistência, por meio do
benefício de prestação continuada, acesso à tecnologia assistiva, ou outros auxílios,
em sendo o caso (Mendonça, 1997).
Não se pode ignorar que o objetivo principal da iniciativa privada é o lucro. E
a alocação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, não pretende
transferir a responsabilidade estatal – de prestação de assistência social a quem
dela necessita – para o setor econômico.
Destaque-se o §1° do art. 93 da Lei n.° 8.213/91:
“§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de
deficiente habilitado ao final de contrato por prazo
determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a
imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só
poderá ocorrer após a contratação de substituto de
condição semelhante”.
O Decreto n.° 3.298/99, por sua vez, em seu art. 36, §1°, lhe reitera os
termos:
“§ 1º A dispensa de empregado na condição
estabelecida neste artigo, quando se tratar de contrato
por prazo determinado, superior a noventa dias, e a
dispensa imotivada, no contrato por prazo
indeterminado, somente poderá ocorrer após a
contratação de substituto em condições semelhantes”.
82
Trata-se mais de uma garantia social, do que de garantia no emprego
concedida ao trabalhador com deficiência, pura e simplesmente, pois sua dispensa
em contratos por tempo determinado de mais de noventa dias, ou imotivada, nos
contratos por tempo indeterminado, está condicionada a contratação prévia de
substituto em condições semelhantes.
A lei não pretendeu criar estabilidade para esta ou aquela pessoa com
deficiência, ou o resguardo de certos cargos no mercado de trabalho. Objetivou,
apenas, compelir a empresa a manter a reserva legal, estabilizando o número de
vagas ocupadas pela pessoa com deficiência em seus quadros.
Uma pessoa com deficiência só pode ser dispensada após a contratação de
uma outra. Assim, fica garantido que a empresa resguardará permanentemente o
percentual a que se encontra obrigada por lei. A despedida não justificada dessa
providência é inválida, daí a falsa impressão de se tratar de estabilidade no
emprego, o que não é verdade.
Já nas situações em que o empregador não está satisfeito com os serviços
prestados, mas não havendo motivo para a justa causa, deverá obedecer à lei,
antecipando a contratação de outra pessoa com deficiência à dispensa da que lhe
presta serviços.
Soma-se a isso, como atestam Ribas e Néri
47
, uma fragilidade das políticas
públicas implementadas no Brasil, já que neste país existe uma profusão de direitos
e uma precária implementação. Desta forma, os autores avaliam que as leis foram
feitas de modo que a inserção das pessoas com deficiência é muito mais um ato de
responsabilidade social (só para cumprir a lei), um ato humanitário, do que o
reconhecimento das capacidades que cada um possui ou a necessidade do
mercado de trabalho.
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Social, realizada
em 1995, definiu deficiência como uma forma de diversidade social e determinou
que qualquer sociedade deve ser uma sociedade para todos. De sua parte, a
Convenção da OIT sobre Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas
Portadoras de Deficiência (nº 159), de 1983, definiu a PcD como “o indivíduo cujas
possibilidades de obter, manter e crescer em um emprego adequado são
substancialmente reduzidas em função de uma limitação física ou mental
47
Em toda a bibliografia consultada esses dois autores expressam essas idéias.
83
devidamente reconhecida”. Com o fim de promover oportunidades para mulheres e
homens, incluindo aquelas PcD, para obter um trabalho decente e produtivo em
condições de liberdade, igualdade, segurança e dignidade humana, a OIT definiu os
seguintes princípios básicos: a não-discriminação, a igualdade de oportunidades e
de tratamento e o acesso a oportunidades de treinamento e emprego
Nos últimos anos, com a divulgação e fiscalização dos órgãos responsáveis,
vem crescendo o número de oferta de vagas e de contratações de pessoas com
deficiência. Tal panorama é considerado como uma mudança no cenário da
chamada “exclusão social” que, até pouco tempo, contribuía para a situação de
marginalidade a que estavam submetidos aqueles com algum tipo de deficiência.
Para se ter uma idéia da mudança, em São Paulo - pólo econômico e industrial do
país -, de maio de 2001 até maio de 2006, o número de pessoas com deficiência
que ocupam postos no mercado de trabalho saltou de 601 para 47.044. Além disso,
a quantidade de empresas com 100 ou mais funcionários que cumprem a
regulamentação de contratar tais profissionais pulou de 12 para 4.636 (UNIVERSIA:
2006).
Outra marca dos tempos atuais, em relação às PcD no mercado de trabalho,
é a existência de muito mais gente profissionalizada e bem colocada antes de ter
adquirido a deficiência. A guerra do trânsito nas grandes cidades e a insegurança
em vários setores de trabalho são os responsáveis por esse fenômeno. Não são
poucos os executivos que usam cadeiras de rodas e amputados reinseridos no
mercado de trabalho.
Nessa direção, abrem-se espaços para produtos, turismo e serviços voltados
a pessoas limitadas física e mentalmente. Inauguram-se áreas de cultura e lazer
adequadas ao acolhimento de idosos, obesos e de indivíduos com dificuldades
especiais. Capacitam-se profissionais em novos campos de trabalho, como o de
cuidadores e o de motoristas de táxis especiais. Cria-se toda uma estética favorável
à transposição da PcD para a condição de consumidor, demonstrando as artimanhas
do capitalismo, sob o discurso da “inclusão”.
Atualmente, mesmo com a ascensão do mercado inclusivo, não é raro
encontrarmos pessoas com deficiência no ambiente de trabalho, a maioria em
atividades pouco remuneradas, com grande necessidade de estudo e
especialização. Em postos de comando é a exceção da exceção e, geralmente,
84
aquelas PcD que já estavam bem colocadas antes de adquirirem a deficiência.
Nesse sentido Néri afirma que: “A deficiência é uma causa e ao mesmo tempo
conseqüência da pobreza, e eliminar a pobreza no mundo requer que os direitos e
as necessidades das pessoas com deficiência sejam levados em consideração [...]”
(NERI, 2003, p.14).
Inúmeras e inimagináveis são as deficiências que acometem as pessoas.
Mais surpreendente, ainda, é a capacidade de adaptação e superação das pessoas
com deficiência, que criam formas particulares de desenvolverem suas atividades,
sem que, com isso, percam em qualidade ou produção para os ditos “normais”, que
exercem sua função da forma padronizada. Ao contrário, está provado que muitas
atividades são melhor desenvolvidas por pessoas com deficiência, justamente por
lhes faltarem o órgão, sentido ou função, que seria diretamente afetado com a
atividade ou, ainda, por terem desenvolvido, com mais vigor, os demais sentidos,
funções ou membros preservados, num sistema de compensação orgânica, como é
o caso das pessoas com deficiência visual que se destacam no trabalho em câmaras
escuras ou em experimentação de aromas, ou das pessoas com deficiência auditiva
que desenvolvem suas atividades laborais em linhas de produção de indústrias com
níveis mais elevados em decibéis do que os suportáveis pelas pessoas de audição
considerada normal e, ainda, a conhecida capacidade de concentração em
atividades repetitivas, próprias das linhas de produção e cumprimento à risca de
determinações, afeita às pessoas com deficiência mental.
O que a lei de cotas objetivou, em alinhamento com os princípios contidos
nos mais modernos documentos internacionais, foi promover a inclusão social de
parte significativa da população, que se encontra em desvantagem educacional,
profissional e social, pois por muito tempo foi segregada e mantida em “quartinhos”,
nos fundos das casas de suas famílias, longe dos olhares e do convívio, o que
constitui, sem a menor sombra de dúvidas, no primeiro e mais resistente obstáculo à
inclusão social que se precisa derrubar.
Para ilustrar o exposto, e de acordo com os dados da RAIS – Relatório
Anual de Informações Sociais – no Brasil, existem 31.979 estabelecimentos com
mais de cem empregados. Se todos respeitassem a reserva legal, seriam gerados
559.511 postos de trabalho a serem garantidos às pessoas com deficiência. No
entanto, o número seria suficiente para empregar apenas 3,7% das 15,14 milhões
85
em idade adequada e aptas para o trabalho. Para ser exitosa, a inserção da pessoa
com deficiência no mercado de trabalho tem de ser conseqüência natural da
superação do preconceito, devendo ser efetuada de forma natural, e não somente
até que se atinja determinado percentual mínimo previsto em lei, que conforme
demonstrado, mesmo que cumprido à risca, não atenderá a todo o universo das que
se encontram aptas ao trabalho (Mendonça, 2007).
Portanto, a derrubada dos preconceitos e dos mitos que permeiam a
inclusão social da pessoa com deficiência é fundamental, facilitando-lhe a conquista
do merecido espaço no mercado de trabalho, para que possam garantir por seus
próprios meios uma vida digna e gratificante.
86
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Brasil é o detentor da legislação mais completa da Íbero-América, na área
de apoio às pessoas com deficiência. O arcabouço jurídico brasileiro inclina-se no
sentido de preparar as pessoas com deficiência para o convívio social e efetiva
inserção no mercado de trabalho, almejando permitir sua plena inclusão no grupo
das pessoas economicamente ativas.
No que se refere ao acesso ao mercado de trabalho, tema central do nosso
estudo, a integração das pessoas com deficiência no processo produtivo é um dos
maiores obstáculos para a sua inclusão social. Vários são os preconceitos em
relação à sua capacidade de contribuição em um esquema competitivo que orienta
hoje o mundo empresarial. Mas essa restrição não está ligada somente à questão
dos estigmas ou da falta de informação acerca das possibilidades de pessoas com
deficiência serem inseridas como agentes ativos do processo de produção, se
considerarmos que mesmo que lhes sejam dadas as oportunidades de
desenvolvimento de todo o seu potencial, o mercado inclusivo (como denominamos
ao longo deste trabalho a movimentação e implementação do Estado e da
sociedade civil na formulação e luta pela implantação de leis e ações para que o
segmento PcD faça parte do mercado de trabalho) não comporta todas as pessoas
com ou sem deficiência.
Apesar de, no plano formal, terem ocorrido avanços, com a promulgação de
leis e decretos e com a formulação de programas e campanhas em prol do
segmento PcD, a maioria não foi efetivada; os que foram executados não foram e
não são suficientes para garantir a inclusão do segmento ao mercado de trabalho e
à sociedade capitalista, visto que a grande maioria ainda continua destituída do
acesso aos direitos sociais, da participação nas políticas públicas e na distribuição
de renda.
Verificamos então que a relação das pessoas com deficiência na sociedade
tem um caráter duplamente excludente: além de serem exploradas devido à
característica intrínseca desse modo de produção, que obriga aqueles que não
possuem nada mais além de sua força de trabalho a vendê-la aos detentores dos
meios de produção - os capitalistas -, ainda têm sua força de trabalho considerada
87
deficiente, num sentido que se opõe à eficiência para esse modelo de sociedade que
hoje se apresenta.
Ribas questiona essa situação: como alcançar dignidade numa sociedade em
que o ideal de ser humano continua sendo: bonito, inteligente, jovem, útil,
trabalhador, perfeito e não-deficiente? E esclarece:
Pensar numa sociedade em que as pessoas portadoras de
deficiência vivam melhor é pensar não só na situação em que
elas se encontram, mas também nos problemas e na vida
cotidiana de todas as pessoas. Enfim, pensar numa sociedade
melhor para os portadores de deficiência é pensar também
numa sociedade melhor para todos (RIBAS, 1995, p.39, grifo
nosso).
Uma sociedade melhor para todos seria uma sociedade na qual não
houvesse exploração, na qual os homens fossem efetivamente livres e iguais,
pudessem se apropriar da riqueza produzida por eles mesmos e não fossem
alienados dessa riqueza. Uma sociedade na qual pudessem expressar suas
vontades e opiniões e não precisassem lutar por direitos, visto que haveria igualdade
de acesso e de condições. Enfim, uma sociedade na qual ninguém seria inferior e
descartado simplesmente por não corresponder ao aspecto físico exigido pela
sociedade.
Para alcançar essa sociedade faz-se necessário ir além da luta pela criação
de leis que permitam a acessibilidade, que impeçam a discriminação e que facilitem
o acesso das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho. Como diz Ribas, é
necessário pensar numa forma de sociedade melhor para todo o gênero humano e
não só para as pessoas com deficiência.
Considerar que a problemática das pessoas com deficiência faz parte das
refrações da questão social que se apresentam fragmentadas nesta sociedade é
entender a contradição existente na relação capital x trabalho e avançar em direção
ao enfrentamento dessa contradição.
88
Vários discursos se apresentam para ofuscar o verdadeiro sentido da luta
pela transformação da sociedade capitalista e mascaram os problemas cotidianos de
acesso dessas pessoas ao mercado de trabalho; por exemplo, tratando os
problemas como se não fossem próprios do capital, mas de cada pessoa
individualmente, ou, no máximo, de segmentos da população, tais como negros,
mulheres e pessoas com deficiência.
A idéia de igualdade é uma idéia que não se sustenta na sociedade
capitalista. “Todos são iguais perante Deus e todos são iguais perante a lei”. Na
realidade o indivíduo não consegue efetivar essa igualdade, que é puramente
ficcional e abstrata.
No caso das pessoas com deficiência, há vários fatores apontados como
causa do impedimento ao seu acesso ao mercado de trabalho, dentre outros, a falta
de conhecimento por parte dos empregadores, a falta de informação em relação à
capacidade produtiva dessas pessoas, ou ainda o fato de distorcerem a visão a
respeito delas, julgando-as, de antemão, como incapazes para a realização de
qualquer trabalho, por conta de uma limitação, já que a tônica desta sociedade é a
concorrência:
A segregação e estigmatização do deficiente pela sociedade
os leva à condição de incapazes e fracos, uma vez que não se
enquadram nos moldes produtivos do sistema capitalista... O
grande desafio da sociedade contemporânea é enxergar as
pessoas como um todo e não apenas como portadoras de uma
determinada limitação que pode algumas vezes desaparecer
mediante uma ação do lado social (NÉRI, 2003, cap.IV, p, 2).
Ainda em relação às pessoas com deficiência no mercado de trabalho, um
grande empecilho é a questão da educação/qualificação profissional. O mapa social
na pesquisa Retratos da Deficiência no Brasil (2003, 19/20) nos mostra dados
relevantes a esse respeito. A escolaridade média das pessoas com deficiência é de
3,95 anos completos de estudo, isto é, quase um ano inferior à média da população
brasileira, 4,81 anos de estudo. A proporção dos que nunca foram à escola é 32%
maior entre as pessoas com deficiência, o que significa dizer que as pessoas com
deficiência são menos instruídas, reduzindo as chances e as condições de ingresso
89
delas no mercado de trabalho. Além disso, as pessoas com deficiências ganham, em
média, R$ 100,00 a menos
48
(NÉRI, 2003).
Lancillotti faz uma análise pertinente quando trata da inserção das pessoas
com deficiência no mercado de trabalho, a partir da questão da
educação/qualificação, habilitação ou reabilitação delas. A educação/qualificação
para o trabalho tem sido pensada a partir da lógica do mercado. Segundo a autora, o
ideário neoliberal postula que é preciso desenvolver competências para ter acesso
ao mercado de trabalho. Esse discurso escamoteia o fato de que o trabalho vivo,
necessário à manutenção da esfera produtiva, está sendo reduzido. Hoje, as
empresas produzem mais com menos trabalhadores, graças à revolução
tecnológica. Então formar pessoas com deficiência a partir dessa lógica não irá
assegurar empregos e, o que é pior:
A despeito do discurso de que o trabalho vem exigindo níveis
mais elevados de formação por ser mais complexo, vê-se a
ampliação do trabalho simples, que exige menos do
trabalhador. E como o sistema automático permite,
progressivamente, a substituição de trabalhadores mais hábeis
pelos menos hábeis, muitas funções poderiam ser
desempenhadas por trabalhadores com deficiência. Assim, o
discurso de que estes sujeitos não são absorvidos pelo
mercado por falta de formação adequada para o trabalho não
serve à compreensão dos motivos que mantêm a pessoa com
deficiência alijada do mercado de trabalho (NÉRI, 2003, p.84).
A questão é que a partir do senso comum existe a crença de que as pessoas
com deficiência estão incapacitadas para pertencer ao mundo do trabalho. E tal
crença perpassa todos os níveis da vida social: família, escola, trabalho, ficando
cada vez mais difícil para elas se colocarem como competidoras num mercado onde
o critério para a permanência é trazer vantagem competitiva, agregar valor ao
capital, já que competente é aquele com capacidade para ser rentável.
48
A média salarial das pessoas com deficiência é de R$529, 00, contra R$ 628, 00, média salarial daquelas que
não apresentam nenhuma deficiência (NÉRI, 2003, 19/20).
90
Devemos considerar que as dificuldades existem, mas que não são só as
pessoas com deficiência que enfrentam dificuldades no mercado de trabalho: a
questão do desemprego é uma realidade também para aquelas que respondem às
demandas do mercado. Não são só as pessoas com deficiência que são pouco
instruídas para o mercado de trabalho; como vimos, a média escolar da população
brasileira não está muito além da população com deficiência. Muitas das pessoas
qualificadas para esse mercado não conseguem, assim como as que têm
deficiências, serem inseridas no mercado de trabalho, o que nos mostra que o
problema não é só a deficiência, mas o fato de não haver espaço para todos nessa
forma de sociedade, e que a diferença fundamental é a classe social a que pertence
e a distribuição desigual de renda.
A luta pela ampliação dos direitos é necessária, mas não suficiente. É
necessário travarmos uma luta que contenha uma dupla dimensão: a ampliação e
efetivação dos direitos e a construção das bases que darão sustentação a uma
sociedade justa e igualitária. Desejar e almejar uma sociedade diferente dos moldes
capitalistas, na qual as diferenças sejam respeitadas e a exploração e a injustiça
sejam banidas, é tão importante quanto a construção das condições objetivas para
tanto.
Essa análise nos leva a perceber que a inserção das pessoas com deficiência
no mercado de trabalho é extremamente necessária, mas não as farão diferentes de
inúmeras outras que estão fora deste mercado, sem educação ou sem acesso à
saúde e moradia. Não podemos perder de vista que o segmento PcD não é o único
que sofre discriminações, preconceitos e que está alijado do mercado de trabalho. E
que a luta pela inclusão na sociedade, pela distribuição de renda e pela não
discriminação não deve ser uma luta isolada do segmento PcD, mas de todas as
pessoas e instâncias da sociedade. O que significa dizer que a realidade do
movimento da luta pela inclusão das pessoas com deficiência na sociedade reafirma
a necessidade de travarmos lutas diárias por sobrevivência e melhores condições de
vida, não só para as PcD, mas para todas as pessoas.
Pretendemos com este estudo propor uma reflexão sobre as pessoas com
deficiência na sociedade, partindo do princípio de que existe uma teia de
contradições e um fosso entre o discurso e a ação. Portanto, devemos ter clareza de
que a busca de um modelo reformador dessa forma de sociedade não é garantia à
91
exclusão de suas mazelas, e no que se refere ao objeto do nosso estudo, não é
garantia de superação dos problemas enfrentados pelas pessoas com deficiência,
mas deve ser o ponto de partida na busca da inclusão das pessoas com deficiência
e de todas as demais ao mercado de trabalho e da sociedade de um modo geral.
Não podemos perder de vista que uma sociedade justa não se traduz apenas
num corpo sem marcas ou deficiências, mas a justiça e a igualdade transparecem
onde o gênero humano possa se desenvolver plenamente, onde indivíduo e
coletividade sejam um só e onde os homens possam, efetivamente, construir a sua
história e ser o motor condutor de seu destino.
92
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