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Souto Maior, Maria Amélia Cunha de
Rui, me ouvindo ? : uma análise da
construção do sentido na interação em um sitcom /
Maria Amélia Cunha de Souto Maior. - Recife : O
Autor, 2005.
114 folhas : il., fig., quadros.
Dissertação (mestrado) Universidade Federal de
Pernambuco. CAC. Letras, 2005.
Incluir bibliografia e anexos.
1. Lingüística Análise sócio-pragmática do
discurso. 2. Textos televisivos linguagem sitcom
Programa “Os Normais” - . 3. Interação face a face
Construção de sentido Mecanismos lingüístico
discursivos. 4. Autonomia e interpretação dos atores,
ethos – Limite escrito-oral. I. Título.
81’42 CDU(2.ed) UFPE
401.41 CDD (22. ed) BC2006-130
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À Deus, meu Pai eterno, que está comigo o tempo
todo.
Ao professor e amigo Antônio Carlos Xavier, o
Tonix, meu adorável orientador, que além de ter
acreditado na minha proposta de trabalho e ter
compartilhado de seu valioso tempo comigo na
construção desse estudo científico, sempre tinha uma
palavra amiga, uma direção e acima de tudo, muita
compreensão.
Ao meu amigo-irmão, Dario Brito, companheiro
permanente de perdas e conquistas. Nossa história,
nossos momentos, só nós dois sabemos.
RESUMO
Este trabalho propõe uma análise da construção do sentido durante
um programa de TV. Muitos estudos já se debruçaram sobre a problemática
da interação.O ineditismo do nosso estudo se dá por analisarmos o sentido
que se constitui em uma interação pré-produzida ou idealizada no
sitcom, classificado como gênero discursivo televisivo. O corpus analisado
foi a comédia de situação Os Normais, exibida pela Rede Globo de
televisão, entre 2001-2003, que se tornou um modelo-padrão para outras
produções do gênero. A perspectiva da Análise do Discurso, que nós
utilizamos, enfoca o aspecto sócio-pragmático do discurso, particularmente,
no tocante às estratégias argumentativas, utilizadas na preservação e
manutenção do jogo de linguagem entre os interactantes. Nosso referencial
teórico fundamenta-se na ótica sócio-interacionista e dialógica de Mikhail
Bakhtin ([1979]2000) e ([1929]2000), na análise do discurso sócio-
pragmática de Dominique Maingueneau (2002/2005), e nas observações
teóricas de Ingedore Koch ([1993] 2003) e ([1997]2002), relativas à
perspectiva interacional da conversação face a face para a construção de
sentido de textos orais e escritos. Objetivamos neste trabalho refletir sobre
quais são os mecanismos lingüístico-discursivos, considerando suas
condições de produção, em que o sitcom se baseou para constituir o efeito
de sentido do humor privilegiado pelos telespectadores. Outros fatores,
também, foram considerados em nossa análise como formato de programa
televisivo diferenciado, interpretação e autonomia dos atores que
contribuíram para uma interação híbrida nas fronteiras do escrito com o oral
pelas quais flutua o gênero televisivo que investigamos.
Palavras-chave: sitcom, interação, interdiscursividade, jogo de linguagem, ironia,
preservação da face.
ABSTRACT
This paper aims the meaning construction analysis on a TV program.
Many studies have already had insights about the interaction issue, although
we have innovated when focusing the meaning in a pre produced or
conceived interaction on a sitcom, classified as a discursive gender on
television. The analyzed corpus was the comedy of situation Os Normais,
on air at Globo channel within 2001 and 2003, which served as a model for
other similar productions. The perspective of the Discourse Analysis used
by us focuses the discourse social pragmatic aspect, especially, the
argumentative strategies used to keep what we could call linguistic game
between interlocutors. Our theorical references include Mikhail Bakhtin
([1979]2000) and ([1929]2000) with his social interactionist and dialogical
theory, Dominique Maingueneau (2002/2005), with a social pragmatic
discourse analysis; and Ingedore Koch ([1993]2003) and ([1997]2002), with
an interactional perspective of the discourse, facing the meaning
construction, so we could reflect on the linguistic and discursive matters,
taking in account its production conditions, the sitcom took as basis to
build its meaning effect from the humor expected by the telespectators.
Other aspects have also been considered for our analysis, such as original
format, actors performance and autonomy, that contributed for a perfect
interaction between written and oral within the gender under investigation.
Key words: sitcom, interaction, inter discourse, linguistic game,
irony, face maintenance
SUMÁRIO
Introdução..........................................................................................13
PARTE I: TRAJETO METODOLÓGICO................................................17
1- Justificativa.....................................................................................17
2- Hipóteses e Metodologia...................................................................18
PARTE II: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS...............................................21
CAPÍTULO 01: UM GÊNERO QUE DEU CERTO: O SITCOM................21
1.1 A relação entre gênero discursivo e suporte.....................................21
1.2. A televisão: um domínio discursivo e seus vários formatos..............24
1.3.O gênero sitcom............................................................................27
1.4.A ideologia machista que orienta os personagens............................ 29
1.5 A simulação da realidade para o telespectador: a audiência
qualificada.................................................................................. 33
CAPÍTULO 02: A LINGUAGEM DO SITCOM........................................37
2.1 A linguagem cotidiana:um diálogo sócio-interativo..........................37
2.2. Da interação artificial à conversação espontânea: a fronteira
entre o escrito e o oral..................................................................41
2.3. O jogo de linguagem dos interactantes: as estratégias
interacionais................................................................................46
2.3.1.O fenômeno da polidez dos atores: a preservação da face e
o alinhamento na manutenção da interação nos contextos
sociais. ................................................................................. 47
2.3.2 Mecanismos de Subversão........................................................50
a) A interdiscursividade da ironia na constituição do
sentido humorístico....................................................................53
b) Um traço do inconsciente constituindo o humor: os chistes...........56
2.4. Possibilidades de conflito - interincompreensão dos
personagens................................................................................58
CAPÍTULO 03: SENTIDO CONSTRUÍDO NA INTERAÇÃO...................60
3.1 A Instauração do Ethos..................................................................60
3.2. A autonomia do ator.....................................................................63
3.3. A publicidade de Os Normais: interação na marca e no formato.........67
PARTE III: ANÁLISES DO CORPUS
CAPÍTULO 04 : OS EPISÓDIOS E AS CHAMADAS DE OS NORMAIS..72
4.1 Sobre o Corpus: o sitcom Os Normais ...........................................72
4.2 A análise da conversação de Rui e Vani..........................................73
4.3 Como se dão os efeitos de sentido em Os Normais...........................74
4.4 Análises dos Episódios..................................................................76
4.4.1 Episódio Motivos Normais.......................................................76
a) trecho 01.................................................................................76
b) trecho 02 ................................................................................80
C) trecho 03 ................................................................................83
4.4.2. Episódio Os Normais .............................................................85
a) Rui e Vani num restaurante italiano dando as primeiras garfadas
nos respectivos pratos............................................................. 85
4.5 Análise dos Monólogos...................................................................87
a) Típico Rui............................................................................... 87
b) Típica Vani..............................................................................87
4.6 Análise das Chamadas....................................................................88
a) Chamada 01.............................................................................88
b) Chamada 02.............................................................................89
Considerações Finais ..........................................................................92
Bibliografia........................................................................................95
Anexos...............................................................................................98
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - Categorias e Gêneros dos Programas na
TV Brasileira por Souza ................................................ 26
QUADRO 2 - Círculo de programação, produção e consumo....................34
QUADRO 3 - Quadro baseado em Goffmam...........................................50
QUADRO 4 - Modalidades faladas e escritas por Koch...........................66
QUADRO 5 - Formas e Objetivos do Discurso.......................................69
QUADRO 6 - Foto ilustrativa dos personagens fazendo a chamada..........70
QUADRO 7 - Sinais de transcrição por Marcuschi.. ..... ...................... ..... ..... ..... .74
QUADRO 8- Corpus Restrito...................... .............................................................. .75
QUADRO 9 - Categorias de Análise......................................................75
INTRODUÇÃO
Atualmente o cenário de programação das empresas televisivas vem
apresentando um aumento nas produções de entretenimento como os
programas humorísticos, as comédias de situação (sitcoms
1
) e os programas
de auditório. Isso possivelmente tem ocorrido porque esses gêneros
televisivos possuem uma grande interatividade com o telespectador e
conseqüentemente recebem uma resposta positiva constatada pelo aumento
da audiência.
Esse quadro pode ser observado tanto na TV aberta como nos canais
por assinatura. Neles, a produção é tão acentuada que vários programas são
meras adaptações de algo já veiculado, já testado, mesclando o nacional e o
global. Tais programas são inspirados em produções estrangeiras muitas
com várias versões, que tiveram grande audiência em outros países, um
exemplo é o sitcom Sexo Frágil, que muitos críticos classificam como uma
versão brasileira masculina da série americana Sex and the City.
O corpus pesquisado neste trabalho é a série de comédia de situação
Os Normais, referência de produção televisiva em sua categoria, exibida
pela Rede Globo de Televisão entre os anos de 2001 a 2003. Pela riqueza de
dados, pelo material interativo contido e pelo sucesso alcançado junto ao
público e à maioria significativa dos jornalistas, é que propusemos a série
Os Normais como objeto de estudo.
Assim, a questão central desse projeto está relacionada ao efeito de
sentido do humor construído pelos personagens nesta interação em análise.
Entretanto, vale salientar, que o estudo científico ora apresentado tem
uma motivação particular que é de descrever e explicar como o
funcionamento da linguagem no tocante à interação verbal e ao efeito de
sentido constituído é alicerçado por vários fatores extra - lingüísticos e que,
mesmo diante de uma interação pré-construída, como um diálogo em um
1
Programa exibido semanalmente, com elenco fixo, que enfoca a comédia de situação, isto é, a observação do humor nos
atos cotidianos de pessoas de classe média.
programa de televisão, o sentido é estabelecido na hora por seus
interactantes.
O percurso acadêmico em busca de dar respostas à nossa questão de
pesquisa, ou seja, quais seriam os mecanismos lingüístico-discursivos,
considerando suas condições de produção, nos quais o programa televisivo
em pauta se apoiou para produzir o efeito de sentido desejado pelos
telespectadores iniciou, primeiramente, em nossas interpretações do
referencial teórico da Análise do Discurso. Mais especificamente apoiamo-
nos no sócio-interacionismo e no dialogismo de Bakhtin ([1979]2000) e
([1929]2000); nos conceitos de subversão argumentativa, ethos, cena da
enunciação e fenômeno de interincompreensão de Dominique Maingueneau
(2002/2005), e finalmente baseamos-nos também na ótica sócio-
interacionista que descreve e explica como se dá a construção de sentido no
texto escrito e falado postulada por Ingedore Koch ([1993] 2003) e
([1997]2002).
Em um segundo momento, percebemos a necessidade de classificar o
sitcom Os Normais como um gênero discursivo televisivo. Assim sendo,
observamos que este sitcom apresenta estrutura e formato próprios, além de
se ancorar em uma ideologia por ser utilizado dentro de uma dada cultura.
O telespectador, a partir de uma possível identificação com as situações
vividas pelos personagens acaba tendo uma atitude responsiva ativa
2
percebida pelos altos índices de audiência do programa, independente do
suporte em que foi veiculado (programa exibido semanalmente, livro, DVD,
cinema).
Para explicitar a valorização da interação pré-construída de um
programa televisivo, observamos inicialmente as características do gênero
sitcom.
O primeiro capítulo da segunda parte discute não só o conceito de
gênero discursivo, como também sua relação com o suporte utilizado. Se faz
mister atentar para o fato de que a diferenciação entre os dois é bastante
2
De acordo com Mikhail Bakhtin([1979] 200), o interlocutor visando à interação adota uma postura responsiva ativa, isto
é, concorda, discorda ou complementa a fala do locutor seja com palavras, seja com ações.
delicada e é necessário estabelecer seus limites. Para Marcuschi (2003), o
gênero é um modelo de discurso que modifica o efeito de sentido também
por causa do suporte utilizado. Dentro dessa premissa, o capítulo busca a
visualização dessa mudança de suporte no que diz respeito ao sitcom Os
Normais, uma vez que este se apresenta ao telespectador não só como uma
série televisiva transmitida semanalmente, como é também disponibilizada
em DVDS e livros, o que proporciona um efeito de sentido diferenciado no
telespectador. O capítulo trata, também, do entendimento do que seja um
gênero discursivo televisivo como o sitcom. Explicita a gênese de seu
formato em terras americanas e sua importação a terras brasileiras, bem
como suas características sine qua non como diálogos sustentados por
humor, ironia com elenco e cenários em sua grande maioria fixos.Esse
capítulo faz ainda um apanhado histórico a respeito das discussões sobre a
ideologia. Entre várias posições a esse respeito, a conclusão recai nos
posicionamentos de Michel de Certeau por constatar que aos indivíduos é
possível perceber a ideologia que neles está instaurada e como eles dela
fazer uso em prol de si mesmos.
O público-alvo das comédias de situação não é irrelevante, é um
público segmentado que possui características e atitudes peculiares.Tal
audiência só elege programas para seu entretenimento se estiverem
compatíveis com suas crenças, valores, situação social e cultural, chegando
muitas vezes, a buscar programa que simula sua própria realidade. Isto
acontece muitas vezes quando assiste de forma regular e satisfatória aos
sitcoms.
No tocante ao segundo capítulo, abordamos a linguagem do sitcom
abarcando grande parte das categorias de nossa análise. Inicialmente
destacamos a perspectiva teórica bakhtiniana sócio-interativa da linguagem.
Observamos que a linguagem verbal do sitcom é complementada pela
naturalidade das interpretações dos personagens que envolvem a cena da
enunciação: muitas vezes, os atores aparecem com roupas íntimas ou de
dormir, interagem com os telespectadores quando olham diretamente para a
câmera e têm atitudes consideradas anormais diante de outras pessoas,
como gritar, quebrar pratos ou se questionar o tempo todo sobre o porquê de
tal atitude, o que fazer diante do tédio, etc. Isso evidencia que um forte
elemento constituinte do sentido produzido é alicerçado pela expressividade
e conversação simulada com os telespectadores. Ainda nesse capítulo,
discutimos o jogo de linguagem dos personagens, que revela que estão
sempre em confronto. O jogo mostra que o casal está freqüentemente
produzindo um interdiscurso subversivo, utilizando a ironia e as estratégias
argumentativas, apesar de manterem a harmonia da interação através da
polidez, da preservação das faces, e da mudança de alinhamento. A
enunciação humorística é construída pelas situações que são interpretadas
de forma equivocadas, e pela interincompreensão
3
do sentido instaurado.
O III capítulo da segunda parte da dissertação trata de conceitos
centrais para a nossa análise, tais como, o ethos do personagem, isto é,
como a imagem dos personagens é construída e apresentada ao telespectador
e quanto interfere na interpretação deste. Aqui também, discutimos a
autonomia do ator em relação ao texto original do programa. Ao encenar, os
atores/atrizes constroem sua interpretação também com improvisos, com
acréscimos de textos que contribuem para o efeito de sentido pretendido
pelo diretor do programa. Outro ponto tratado neste capítulo diz respeito à
publicidade do programa, seu formato interativo, inovador em que o próprio
personagem sai do programa e faz a chamada.
E finalmente, na parte III deste trabalho, realizamos as análises do
corpus, ou seja, observamos, descrevemos e comentamos trechos de alguns
programas para podermos visualizar melhor e interpretarmos com mais
precisão e clareza a interação empregada nesta interessantíssima comédia de
situação.
3
A interincompreensão na Análise do Discurso é defendida por Dominique Maingueneau e será tema de discussão no
capítulo 02 deste trabalho.
PARTE I: TRAJETO METODOLÓGICO
1- Justificativa
Várias são as justificativas possíveis em defesa do presente estudo. A
primeira delas é que, nesse estudo, pretende-se, dentro de uma concepção
bakhtiniana de interação verbal, analisar o formato, a linguagem, a
interatividade com o outro, mesmo que este outro seja o próprio
personagem, conversando consigo mesmo e/ou com o telespectador. Uma
outra razão desse estudo é investigar quais são as causas desse produto ter
se tornado um grande sucesso de audiência.
Todas as vertentes de Análise do Discurso consideram que as
condições de produção são constitutivas de sentido. Portanto, se pensarmos
o contexto/cenografia como constitutivo de interação qualquer variação
relativa às condições de produção compromete a significação e
conseqüentemente a compreensão dos interlocutores.
Outro fator que promove o efeito de sentido cômico são as
interferências discursivas. A interdiscursividade dos personagens é
estabelecida nas estratégias argumentativas de subversão irônica, por sua
natureza contraditória entre referências implícitas e explícitas.
A esse respeito, ressaltamos o pensamento de Beth Brait (1996,
p.196) que afirma que:
Considerando que a ironia está sendo concebida (...) como forma
interdiscursiva, como interdiscurso cujo sentido necessariamente
advém de um imbricamento contraditório que conta com a
conivência e com a memória do enunciatário para se realizar
como tal, os diferentes mecanismos de produção estão sendo
considerados como diferentes formas de citação, como estratégia
de combinações de vozes.
A justificativa que o orienta é o intuito de contribuir para a
construção de uma visão mais clara, de uma maior compreensão da
complexidade da utilização de estratégias lingüística-discursivas para
constituir sentido, mesmo que seja em uma interação pré-estabelecida, como
é o caso de um programa de TV. Esse estudo justifica-se também relevante
pela tentativa de evidenciar e identificar como ocorre a interatividade do
telespectador com os atores na construção do sentido, a partir dos diálogos
em confronto, da sua ideologia e da cultura que refletem principalmente as
referências a que ele teve acesso ou a que tem sido submetido.
Em última análise, a pertinência deste estudo se dá por almejar
contribuir para o enriquecimento da literatura especializada, servindo como
material de consulta para estudantes e profissionais da área de lingüística,
comunicação, sociologia, antropologia e afins.
2- Hipóteses e Metodologia
Sabendo-se que o discurso não é homogeneizado, não é limpo e é
passível de furos, de incompreensão do que é dito, levando a sentidos
confusos, a mal-entendidos e a interincompreensão a partir das condições
externas à linguagem, o problema de pesquisa proposto neste estudo
consiste no seguinte: Como evidenciar os mecanismos lingüístico-
discursivos, considerando suas condições de produção, em que Os Normais
se baseiam para constituir o efeito de sentido do humor privilegiado pelos
telespectadores?
Mediante a esse questionamento, buscamos confirmar duas hipóteses:
A primeira: que a estratégia lingüístico-discursiva da ironia
sustentada na interdiscursividade enquanto estratégia
interativo-argumentativa, proporciona o efeito de sentido de
humor, gerando a atração necessária e conseqüentemente a
preferência dos telespectadores;
A segunda:.o sucesso de Os Normais se reflete em seu ethos e
em sua cena de enunciação irreverentes que produzem
identificação nos telespectadores.
O estudo será descritivo buscando examinar o funcionamento da
linguagem utilizada no texto do sitcom considerando sua exterioridade
constitutiva, embora seja um gênero discursivo pré-construído.
Adicionalmente, procederemos a uma análise interpretativa do
discurso do objeto, o que significa dizer que o trabalho será essencialmente
qualitativo.
Quanto ao procedimento metodológico geral, utilizamos o de natureza
indutiva: por ele, as constatações particulares permitiriam uma
generalização. Essa generalização, evidentemente, deriva de observações
específicas de fatos e situações da realidade concreta em que se insere o
objeto de estudo.
Assim, tendo por objetivo geral analisar as estratégias lingüístico-
discursivas utilizadas no sitcom Os Normais. Buscamos ainda atingir os
seguintes objetivos específicos:
Identificar que mecanismos lingüístico-discursivos são utilizados
no programa Os Normais, e quais os efeitos de sentido são
produzidos para se conseguir o humor necessário ao sucesso de
audiência do programa;
Investigar se a produção de sentido é constituída pela autonomia
dos mecanismos lingüístico-discursivos ou se ela depende da
composição de outros elementos, como a interatividade dos atores
com público/telespectador na cena, isto é, a identificação do
telespectador com o próprio discurso e a interação simulada entre
atores e telespectadores.
Debruçamo-nos no que diz respeito às estratégias argumentativas
utilizadas na instauração da preservação e manutenção do jogo de
linguagem entre os interactantes. Para fins de análise, todo material
interativo foi considerado: jogos de linguagem, valores ideológicos e
culturais, trocas conversacionais etc. Os procedimentos de pesquisa
compreenderam, especificamente, os seguintes passos:
a) Ampliação e aprimoramento do arcabouço conceitual e teórico de
pesquisa;
b) Análise dos mecanismos lingüísticos e as estratégias discursivas das
relações de interação social, valorizando todo o material interativo
contido no corpus que representou interpretações à luz de conceitos
como dialogismo, conversação face a face, interdiscursividade, polidez,
preservação da face, subversão, ironia, interincompreensão, ethos e cena
da enunciação.
c) Análise de trechos do programa, no que se refere à construção do seu
formato cenográfico e teatral. Examinamos as situações vividas pelos
personagens (monólogos e diálogos) selecionados na versão em livro do
programa entitulada Os melhores Momentos. (Anexo A). A fonte
fundamental de observação foram os episódios constantes em Os
melhores Momentos e nos doze episódios editados em dois DVDS (Os
Normais e Os Normais sem cortes), que foram exibidos no período
2001-2003, além do episódio inédito para tv presente no DVD Os
Normais o filme. Por essa razão, nosso estudo pode ser caracterizado
como sendo um estudo longitudinal conforme mostram os anexos F, G e
H.
d) Análise das chamadas dos programas
4
, para observar especificamente a
utilização do metadiscurso na fala dos atores que nestas chamadas,
simulam conversar com o telespectador.
e) Análise das entrevistas concedidas pelos autores, atores e diretores (da
série e do núcleo) na Rede Globo de Televisão
5
.
4
As chamadas estão inseridas no segundo DVD disponibilizado ao público : Os Normais sem Corte.
5
As entrevistas estão dentro do primeiro DVD disponibilizado para o público – OS Normais.
PARTE II- PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
CAPÍTULO 01
O SITCOM: UM GÊNERO QUE DEU CERTO
1.1 A relação entre gênero discursivo e suporte
Falar sobre gêneros discursivos é falar do funcionamento sócio-
comunicativo da linguagem e de práticas sociais cotidianas. Entretanto, isto
não quer dizer que eles apenas reflitam os usos e costumes da sociedade,
mas que, na verdade, fazem parte dela. A legitimidade dos gêneros está
justamente em sua natureza social. Os gêneros têm um caráter regulador e
normativo que orienta os usuários em suas ações sociais. Normalmente se
utiliza um gênero comunicativo que envolva interação na práxis social,
pois, ao falar ou escrever, determinadas regras fazem-se necessárias, ou
seja, precisa-se de formatos que garantam certa estabilidade para que os
falantes possam agir de forma adequada e eficiente. Podemos tomar como
exemplo Mikhail Bakhtin ([1979]2000), que entende que o gênero
discursivo está inserido em toda atividade humana, como formas
relativamente estáveis de enunciados
6
, tendo uma intenção de dizer,
alicerçada em uma atitude responsiva ativa, já que se inscreve em uma
relação comunicativa interacional dialógica, isto é, todo o enunciado é
sempre um enunciado de alguém para outrem. Bakhtin explicita que o
desejo de dizer de um locutor passa necessariamente pela seleção de um
gênero de discurso que melhor realize esta vontade comunicativa. Segundo
ele:
6
É considerado como uma seqüência verbal relacionada com a intenção de um mesmo enunciador e que forma um todo
dependente de um gênero de discurso determinado. Maingueneau (1998,p.56).
o querer-dizer do locutor se realiza acima de tudo na escolha de
um gênero discursivo. Essa escolha é determinada em função da
especificidade de uma dada esfera da comunicação verbal, das
necessidades de uma temática (do objeto de sentido), do
conjunto constituído dos parceiros. Depois disso, o intuito do
locutor, sem que este renuncie à sua individualidade e à
subjetividade, adapta-se e ajusta-se ao gênero escolhido,
compõe-se e desenvolve-se na forma do gênero determinado
(Bakhtin, [1979]2000, p.301).
Bakhtin lembra que os gêneros discursivos não são exatamente uma forma
de língua, e sim, uma forma de enunciado, como por exemplo, as cartas, os
bilhetes, os avisos que apesar de terem função informativa semelhante, são
gêneros discursivos diferentes, pelas suas condições e formatos, por
expressarem uma forma enunciativa típica, em certo contexto. Em suma, a
função do gênero define sua utilização. (Bakhtin, [1979] 2000, p.312).
Com relação ao conceito de gênero, Luiz Antônio Marcuschi
(2003,p.05) define gêneros discursivos como textos orais ou escritos
materializados em situações comunicativas recorrentes, ou seja, são
modelos de linguagem que realizam ações comunicativas diárias para
regularizar contextos sócio-interacionais definidos. Dessa forma, é possível
afirmar que o discurso
7
social entra em atividade por meio do gênero,
levando-se em consideração suas condições de produção histórica, cultural,
ideológica e, principalmente, sua intenção de produzir uma resposta no
outro. Uma vez que o gênero está relacionado com a utilização da língua
por meio dos enunciados, e esta se relaciona com todas as esferas da
atividade humana, podemos dizer que os gêneros têm grande diversidade.
Assim sendo, é difícil categorizá-los, bem como defini-los. Notamos,
portanto, que, a noção de gênero depende tanto do entendimento da língua,
quanto do entendimento do autor. Por essa razão, pode-se afirmar que os
gêneros são dinâmicos.
7
Discurso, de acordo com Dominique Maingueneau (2002,p.53), são enunciados orientados que se desenvolvem no
tempo com uma finalidade de efeito de sentido em uma relação sócio-interativa contextualizada regida por normas.
Várias teorias apresentam os gêneros enfocando diversos aspectos: os
funcionais, enunciativos, culturais, cognitivos e sócio-interacionais. Na
abordagem do objeto de estudo a ser aqui trabalhado, o gênero sitcom,
adotaremos a teoria sócio-interacionista de Mikhail Bakhtin.
Para a perspectiva de língua como sendo essencialmente dialógica,
como postula Bakhtin, utilizada a partir da existência do outro, na relação
de um eu para um tu, promovendo as relações interpessoais, o gênero é
composto por três elementos centrais: conteúdo temático, que tem a ver
com o que se fala; estilo, que se refere à autoria e construção
composicional que reflete a estrutura lingüística recorrente caracterizadora
do gênero.
Para todo gênero há um suporte, entretanto, é preciso ficar atento
para o fato de que há diferenciação entre gênero e suporte, pois ela é
bastante tênue, fazendo-se necessário o estabelecimento de definições
capazes de sinalizar os seus limites. Nessa perspectiva, Marcuschi (2003,
p.80) afirma que o gênero é uma prática discursiva que muda seu efeito de
sentido também de acordo com o suporte utilizado. Uma simples frase
estarei sempre com você, dependendo do suporte que a exponha, receberá
significações distintas, podendo ser desde uma declaração de amor até uma
advertência. Ainda conforme Marcuschi, (...) o suporte de um gênero é
uma superfície física em formato específico que suporta, fixa e mostra um
texto.
Observando o funcionamento do programa de TV Os Normais,
percebemos ser possível enquadrá-lo dentro do domínio discursivo televisivo.
Então, poderíamos afirmar que ele se realiza pelo gênero discursivo sitcom.
Já no que diz respeito ao suporte, podemos considerá-lo um programa
semanal de televisão.
O sitcom Os Normais possui uma variação de suporte de transmissão,
como a exibição semanal pela TV, o DVD e o livro. É válido ressaltar que
apesar de manter uma atitude responsiva ativa (classificação bakhtiniana), o
telespectador, provavelmente, já não produz o mesmo efeito de sentido de
quando assiste ao programa de forma inédita.
Aliado a esse posicionamento, Marcuschi (2003) em suas conclusões
a respeito da relação da mudança de efeito de sentido na variação do gênero
a partir do suporte eleito, afirma que:
(...) nós não operamos do mesmo modo com os textos em
suportes diversos, mas isso não significa ainda que os suportes
veiculem conteúdos diversos para os mesmos textos. O suporte
não muda o conteúdo, mas nossa relação com ele, não só por
permitir anotações, mas por manter um contato diferenciado com
ele. (Marcuschi 2003, p.28 ).
É importante salientar que a relação gênero versus suporte necessita
de todo um cuidado na definição sobre o que pode ser considerado gênero e
sobre o que deve ser considerado suporte.
O fato é que a relação de recepção, de efeito de sentido é modificada,
por vários aspectos e contextos diferentes, por exemplo, ao assistir ao
sitcom em DVD, temos a opção de repetir a cena, de dar pausas. Ao ler o
livro, é possível fazermos uma releitura de certo trecho, diferentemente
da exibição semanal, na qual cada segundo não pode voltar. Em resumo:
ou o telespectador se vê compenetrado ou ele poderá perder o fio
condutor do sentido. Assim, podemos afirmar que não só a escolha do
gênero está associada ao querer dizer, a intencionalidade do
autor/locutor, como à escolha do suporte no qual o querer dizer se
realiza. Na verdade, o gênero dentro da atividade humana constituído por
diretrizes culturais, sociais e históricas, funciona como uma estratégia de
comunicação, visando à interação entre o enunciador e enunciatário,
como bem entendia Bakhtin. Por essa ótica, lembramos que Jesús Martin-
Barbero ([1987]1997, p.302) entende gênero como estratégia de
comunicabilidade, dizendo que: um gênero não é algo que ocorra no
texto, mas sim pelo texto, pois é menos questão de estrutura e
combinatórias do que competência.
1.2- A televisão: um domínio discursivo e seus vários formatos
A televisão surgiu nos Estados Unidos da América e chegou ao Brasil
em 1950. Desde então, é orientada para atender às perspectivas dos
telespectadores. Nos anos 1970/1980, com o advento da transmissão em
cores, já se percebia o alcance da audiência extraordinária que ela atingiria.
O veículo televisivo também impulsionaria a economia, ao abrir as portas
para a publicidade que promove o consumo e a produção de bens materiais e
simbólicos, vendendo o mundo para o mundo. Herdeira do rádio no trabalho
de comunicação através do diálogo, a televisão com o passar dos anos, foi
definindo seu papel na vida cotidiana da sociedade: orientação, companhia,
informação, entretenimento, bem como, a função de estabelecer
comportamentos. Assim, várias possibilidades de diálogo foram desenhadas
pelos programas televisivos diferentes que foram surgindo: entrevistas,
debates, e mesmo apresentações solo monólogo, já que há uma interação
com o telespectador do outro lado da tela. Tudo isso permite dizer que a
televisão se enquadra no que entendemos por domínio discursivo.
Bakhtin ([1979]2000) acredita ser o domínio discursivo uma esfera de
atividade humana, que proporciona o surgimento de diversos gêneros
discursivos. No caso do domínio televisivo, vários gêneros são originários
deste, tais como: gênero jornalístico, gênero humorístico, gênero telenovela,
inclusive o gênero sitcom. Nessa perspectiva, podemos afirmar que o domínio
discursivo não abarca necessariamente um único gênero, pelo contrário,
acomoda vários deles, constituindo práticas discursivas identificáveis e
específicas em determinados gêneros.
Retomando as considerações bakhtianas da constituição de um
gênero, podemos ver claramente que cada gênero televisivo possui um
tema central que norteia o programa: particularidades próprias, que o
diferenciam dos demais e caracterizam sua autoria; uma estrutura
composicional, ou seja, um formato de apresentação, quantidade de
apresentadores/atores, breaks (intervalos comerciais), ainda que pertença
a um só gênero, como o jornalístico. Nesse gênero há as apresentações
monológicas, dialógicas, formatos de bancada, de sala de estar ou mesmo
com apresentador em pé no cenário. Apesar do formato diferenciado, a
necessidade sócio-comunicativa, o tema e a estrutura composicional são
as mesmas, ou seja, transmissão de informação em linguagem direta e
objetiva.
José Carlos Aronchi de Souza (2004), estudioso do gênero e dos
formatos que existem no domínio televisivo, destaca que a classificação
geral dos programas deste domínio discursivo abrange o entreter, o
informar e o educar. Entretanto, há categorias que não se encaixam
nesses três grandes gêneros, e podem ser classificadas como: religioso,
político, teleshopping e alguns identificados na programação das redes de
televisão.
No domínio discursivo televisivo, vários formatos constituem um
gênero de programa. Segundo Souza, alguns gêneros agrupados formam uma
categoria, como, por exemplo, na categoria entretenimento existem os
gêneros sitcom, o humorístico, talk Show, novela, filme, variedades, etc.
Souza (2004, p.92) sistematiza os gêneros e as categorias televisivas no
seguinte quadro:
QU ADRO NÚM ERO 01: catego rias e gên eros dos programas na tv brasileira por S ouza
CATEGORIA GÊNERO
ENTRETENIMENTO Auditório. Colunismo social.Culinário.Desenho
animado.Docudrama.Esportivo.Filme.Game
show(competição).Humorístico.Infantil. Interativo.
Musical.Novela.
Quiz show (perguntas e respostas).Reality show (tv-
realidade).Revista.Série brasileira. Sitcom (comédia
de situações. Talkshow.
Teledramaturgia(ficção).Variedades.
Western(faroeste.)
INFORMAÇÃO Debate.Documentário.Entrevista.Telejornal.
EDUCAÇÃO Educativo.Instrutivo.
PUBLICIDADE Chamada.Filme. Comercial. Político.Sorteio.
Telecompra.
OUTROS Especial.Eventos.Religioso.
Souza (2004, p.42) retoma o pensamento de Michel Foucault sobre o
contexto cultural que direciona aordem desses gêneros ao lembrar que
gênero e ordem existem como verdades culturais. Segundo este mesmo
autor, os estudos sobre gêneros devem ser relacionados com aspectos
históricos e culturais das sociedades que os utilizam.Conseqüentemente,
essas podem ou não ser influenciadas pelas considerações do observador e
de seus pares.
Entretanto, no tocante à televisão, todo gênero construído é
elaborado a partir da interação com o telespectador, já que este é a pedra
fundamental que a alimenta. A influência é tanta que muitos diálogos dos
programas são reproduzidos pelo público no dia-a-dia. A esse propósito,
Bakhtin afirma que muitos gêneros são construídos e fomentados por uma
cultura, de modo a proporcionar comunicabilidades em várias gerações de
enunciadores.
1.3- O gênero sitcom
Atualmente, os Estados Unidos e o Brasil são os maiores
produtores de programas para a televisão do mundo, particularmente na
categoria entretenimento. De acordo com Souza (2004), alguns dos
programas de maior audiência nos Estados Unidos são os sitcoms, filmes,
docudramas, talk shows, noticiário, seriados de ação entre outros. Essa
grande produção televisiva facilitou países da América Latina, como o
Brasil, a produzir telenovelas um gênero aprovado pelo público e,
conseqüentemente, que seria de fácil comercialização junto aos
patrocinadores.
Nos Estados Unidos, a produção de sitcom ocorre em larga escala,
geralmente alcançando grande sucesso junto ao público, como é o caso da
série Friends, Mel Rose, E.A
8
, etc. No Brasil, apesar da expressão maciça
nos canais por assinatura, esse tipo de produção vem crescendo nos canais
abertos como pode ser observado na programação da Rede Globo de
Televisão em programas do gênero como a Diarista e a Grande Família
veiculadas atualmente.
A estrutura composicional, o conteúdo temático e o estilo nos
permitem categorizar um gênero discursivo no suporte televisão. Nesse
sentido lembramos a afirmativa de Souza (2004, p. 46) de que o formato
está sempre associado a um gênero, assim como gênero está diretamente
ligado a uma categoria. Como vimos, na leitura de Bakhtin, o discurso de
determinado programa e a categoria representam o domínio televisivo.
O gênero sitcom insere humor na teledramaturgia para apresentar
situações engraçadas dos costumes humanos buscando uma possível
identificação com os telespectadores. São construídos com base no dia-a-
dia de pessoas normais como os telespectadores, sejam dentro de um
ambiente de hospital, de um condomínio, de uma profissão específica, ou
mesmo com situações cotidianas como é o caso de Os Normais.
8
Também conhecida como Plantão Médico.
O formato da série analisada era uma comédia de situação que tentou
reportar a linguagem e os hábitos de grupos sociais de classe média, cuja
personalidade privada era apresentada de forma reveladora, tanto de seus
atos solidários e nobres, como de suas atitudes agressivas e individualistas;
suas formas de consumo, seus sentimentos, suas frustrações profissionais.
Em resumo, seus hábitos contemporâneos revelados com naturalidade por
um casal de noivos: os personagens centrais Rui, interpretado pelo ator
Luiz Fernando Guimarães, e Vani, interpretada pela atriz, Fernanda Torres.
Por outro lado, vale ressaltar que a saída de programas do ar em
pleno auge (anexo B e C) é um mecanismo de condução que observamos na
indústria brasileira de entretenimento. Esse procedimento é especialmente
notado no caso da Rede Globo de televisão, através do comando do diretor
Guel Arraes, que tem como estratégia recorrente a preservação de suas
obras, retirando-as de exibição quando elas possuem relativo sucesso de
audiência
9
.
Assim, emoção, humor, ironia, ambigüidade, subversão
argumentativa, são alguns dos elementos que compõem os roteiros desses
programas que envolvem temas como atividade político-econômica do
país, situações sobre relações familiares, conjugais, amizade e
comportamento.
Em relação a sua produção, o sitcom necessitava de um elenco fixo,
da construção de cenários para contar a história em episódios semanais com
duração média de 30 minutos.
De acordo com Anna Maria Balogh (2002, p.116), sempre existiu na
TV brasileira a tendência de manter o humor menos sutil, como é
apresentado nos humorísticos Zorra Total, A Praça é Nossa. Já o humor
bem mais moderno, escrachado, intertextual e metalingüístico surgiu no
programa TV Pirata e a partir daí, surgiram programas que os mesclavam,
como o Sai de Baixo.
9
Na década de 1980 a série Armação Ilimitada e o humorístico TV Pirata e na década de 1990 A comédia. da Vida
Privada saíram do ar sem desgaste de audiência.
Os sitcoms, geralmente mantêm os mesmos personagens, em episódios
diferentes. Ao fazerem isso, essas séries parecem contribuir para a criação
de uma relação de afetividade entre atores e público, de identificação deste
último com os personagens, gerando, assim, o que poderíamos chamar de
audiência planejada e qualificada.
1.4 - A ideologia machista que orienta os personagens
A ideologia é um dos conceitos nucleares das Ciências Humanas. O
conceito de ideologia recebeu várias definições de diferentes concepções
de autores como Karl Marx e Friedrich Engels, Louis Althusser, Paul
Ricoeur, Michel Foucault. O termo ideologia surgiu pela primeira vez na
história da sociedade no ano de 1801 na obra do filósofo Destutt de
Tracy, Elements d Idéologie, como uma ciência da gênese de idéias,
oposta à metafísica, à teologia e à monarquia. Entretanto, por volta de
1812, Napoleão Bonaparte inverteu seu conceito, entendo a ideologia de
forma pejorativa, nebulosa, tenebrosa e abstrata, perigosa para os
interesses franceses.
O termo voltou a ter um sentido valorativo com Augusto Comte, pai
do Positivismo. Comte, entendia a ideologia da mesma maneira que
Tracy, como formação de idéias a partir da experimentação das sensações
do corpo humano com o meio ambiente. Mas também, percebe que a
ideologia é um conjunto de idéias de uma determinada época, como se
fosse uma espécie de opinião geral dos indivíduos pensadores dessa
época. Esse posicionamento positivista acarretou três conseqüências: a
ideologia era entendida como teoria que se reduzia à organização
sistemática e hierárquica de idéias, autoritária no comando do saber
perante a subserviência dos ignorantes e, mero instrumento de
regularidades e normatizações.
Novamente, o conceito de ideologia passa a carregar um tom
negativo, de opressão de classes, como apontaram Marx e Engels. Os
autores alemães viam a ideologia como uma inversão da realidade,
instrumento de distorção que cristaliza idéias particulares como
universais. A separação de classes, de propriedades, do que era material
trabalho braçal - do intelectual o saber. Era compreendida como
condições de existência, condições que não produzidas pelo próprio
homem e sim entregue a ele de forma aleatória. A ideologia alimenta a
alienação para poder manter os interesses da classe dominante. A
dominação é mantida de forma camuflada, fazendo com que os homens
crescessem entendendo que a divisão de classes de forma desigual era
devido a forças da própria natureza ou de competência de alguns
privilegiados.
Para Althusser, a ideologia se realiza a partir de práticas e dos aparelhos
que reproduzem essas práticas. Em Aparelhos Ideológicos do
Estado(1970), Althusser explicita que o Governo, o exército, os tribunais
- aparelhos repressores do Estado, bem como, a escola, a igreja, os
sindicatos, a cultura aparelhos ideológicos do Estado, interferiam na
sociedade como orientação de obediência, de comportamento de
exploração. Para ele, a ideologia interpela os indivíduos em sujeitos
sociais, orientando-os em sua práxis social e proporcionando uma visão
Dentro da perspectiva marxista de ideologia, Ricoeur (1977) afirma
que há algumas funções da ideologia que não foram tratadas além do foco
das classes sociais. Nesse sentido, Ricoeur destaca a função de
integração social, da necessidade de união do grupo, do convívio entre
os homens. Os traços que desenham essa função de coesão social são: a
perpetuação das idéias para além do momento atual; a motivação,
propulsora da prática social, a simplificação e a esquematização das
práticas sociais. A ideologia também é entendida para Ricoeur como
operatória, não-temática e intransigente à inércia que lhe é característica
cabendo ao homem se adequar a esses modelos, conforme, as condições
sociais nas quais está inserido.
A outra função disposta pelo teórico é a de dominação, na qual a
política, o Estado, instaura a hierarquia e a organização social através da
ideologia de forma regularizadora e legítima. E finalmente, a última função
é a de deformação. Ao representar os interesses da classe dominante, a
ideologia deforma a realidade de ilusoriamente, sem repressão, de maneira
natural, dentro do caráter da inversão apontada por Marx.
A partir disso, percebe-se o ser humano como um ser racional que
constitui sua personalidade e atos a partir das suas experiências sociais,
culturais e históricas. Inserido no meio em que vive, age e reage de acordo
com os membros sociais com os quais está inserido. Por outro lado, o
Estado sempre manteve seu status de poder e regência na sociedade, para
manutenção daordem e do bem social, seja na defesa dos interesses da
classe dominante ou da classe operária.
Convém também trazer a essa discussão as reflexões de Marilena
Chauí (1985 [1980]), filósofa brasileira que faz um bem apurado balanço
das considerações tratadas pela ótica marxista da ideologia. Para ela, a
ideologia é o resultado da divisão de trabalho, material e intelectual,
instrumento de dominação, cuja implantação independe de ser percebida
pelos indivíduos de uma dada sociedade ou não que impede que esta seja
percebida em sua realidade. Assim, Chauí lembra que a ideologia age nos
indivíduos como:
um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações
(idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que
indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem
pensar e como devem pensar, o que devem valorizar, o que
devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como
devem fazer.(Chauí [1985] 1980, p.113)
Chauí (1980,p.108) lembra que para muitos autores como Gramsci, a
ideologia é compreendida como uma visão de mundo manifesta
implicitamente, ou seja, como os membros sociais interpretam esse mundo
através da arte, do Direito, nas manifestações individuais e coletivas. Dessa
forma, as Formações Ideológicas alimentam as Formações Discursivas
10
que
são construídas pelos indivíduos materializando a concepção de mundo que
receberam, isto é, os discursos dos sujeitos durante a interação refletem o
discurso das classes sociais.
Em outra perspectiva, a da análise crítica do discurso, Teun Van Dijk
(1997)
11
entende que a ideologia não é nem verdadeira nem falsa, é na
realidade, forma de perceber o mundo e de agir dentro dele, funcionando
como orientação de conduta, procedimento e objetivos. Nesse sentido, o
autor afirma que nada impossibilita a existência de falsas crenças, como,
por exemplo, o machismo. Tal exemplo mostra uma atitude provavelmente
preconceituosa da sociedade ou paradigmas de entendimento e posturas
usados para atender a fins particulares.
Sendo assim, entendemos que o homem atual, dentro da ideologia
dominante na qual está inserido, acaba por viver e se guiar por esta
ideologia, como bem lembra Michel de Certeau (1994). Segundo Certeau, é
possível para o homem social em sua prática do cotidiano reconhecer a
ideologia determinante e optar pelo uso, sendo nem totalmente livre, nem
totalmente determinado. Nessa perspectiva o indivíduo torna-se usuário da
ideologia que o cerca. Por fim, Certeau defende que não há pessoas mais
inocentes ou comandadas, mas sim alerta, capazes de perceber o sentido do
que lhe é sugerido.
O homem constrói o sentido do seu discurso. O machismo, por
exemplo, é uma ideologia historicamente reconhecida e tem marcado seu
lugar nas relações sociais, determinando o espaço social que cada gênero de
sexo deve ocupar.
10
Formação discursiva é um termo amplamente usado pela Análise de Discurso Francesa introduzido por Foucault para
explicar conjuntos de enunciados relacionados a um mesmo sistema de regularização,
(Maingueneau,1996, p.67-68)
11
Teun Van Dijk lançou sete hipóteses sobre a ideologia que podem ser encontradas em seu artigo Semântica do
discurso e ideologia [In: PEDRO, Emiliana Ribeiro (org). Análise Crítica do Discurso. Lisboa: Editorial Caminho, 1997.
Cap. 4, pp. 105-168]
O texto do sitcom em estudo retrata o modo de concepção da mulher
pelo homem, a idealização da mulher perfeita para viver ao lado do homem,
as características e atributos que ela deve possuir para que ele, o homem,
possa manter um relacionamento.
A série Os Normais tem em seu texto muito claramente esse discurso
ideológico machista do homem estereotipado, decisor, centralizador de
toda e qualquer atenção.
Por mais que o feminismo seja atuante em nossa sociedade, o
sentimento machista de que o homem é quem deve tomar a iniciativa do
casamento e que a mulher deve lhe ser submissa, em alguns aspectos, ainda
é muito latente em nossos grupos sociais.
Partindo desse pressuposto, podemos dizer que há uma tentativa de
manipulação consciente do interlocutor, uma vez que o falante organiza sua
estratégia discursiva em função de um jogo de imagens: a imagem que ele
faz do interlocutor, a que ele pensa que o interlocutor tem dele, a que
deseja transmitir ao interlocutor etc. É em razão desse complexo jogo de
imagens que o falante usa certos procedimentos argumentativos e não
outros.
A partir do exposto, percebemos que o sujeito possui posicionamentos
que variam de acordo com as condições de produção
12
estabelecidas no
momento da enunciação.
Nesse sentido, podemos dizer que há uma simulação da realidade. O
interlocutor telespectador interage com o enunciado da série por este
representar um protótipo de sua realidade, de sua ideologia, de sua
história, não levando em consideração que o programa é apenas uma
teatralização, uma dramaturgia seriada e que nada vivido ou dito ali de fato
aconteceu. O que importa para o telespectador é a sua identificação com os
episódios, seu prazer, seu entretenimento e não a constatação da veracidade
dos fatos. Assim, já que um programa televisivo retrata o cotidiano dos
12
Termo originário da Psicologia Social, foi reelaborado por Pêcheux para a análise do discurso com intuito de
estabelecer o pré-construído (representações imaginárias através do que foi dito e do que foi ouvido). Também é
empregado como uma variante de contexto.(Mainguenau, 1996,p.30-31)
indivíduos, mesmo que seja uma das suas piores situações vividas já
relatadas, é compreensível que a audiência corresponda e eleja como seu,
um certo programa semanal, seja por identificação ideológica ou cultural.
1.5- A simulação da realidade para o telespectador: a audiência
qualificada
A indústria cultural, enquanto indústria do entretenimento, tem na televisão um
poderoso instrumento de difusão. Por sua vez, o público é seduzido por essa máquina de
entretenimento, que oscila entre o atendimento das necessidades de mercado e o
atendimento de uma dada demanda blica. Para Theodor Adorno e Max Horkheimer
(1990,p. 174): A força da indústria cultural reside em seu acordo com as necessidades
criadas”, por isso, talvez seja possível dizer que, na produção midiática, existe a tendência
a repetir experiências de sucesso: o que deu certo deve ser repetido com uma roupagem
diferente e estrategicamente posicionada. Por isso, considera-se que fatalmente o sucesso
de público e audiência serão garantidos. Logo, o interlocutor- telespectador passa a ser
objeto de pesquisa na busca do conhecimento das preferências do público- alvo e seu estilo
de vida. Para isso, criam-se bancos de dados sobre os indivíduos e grupos. Essas
informações alimentam o seguinte círculo:
QUADRO NÚMERO 02: círculo de programação, produção e consumo
Consumo
Programação Produção
Stuart Hall, um dos principais teóricos dos estudos culturais,
refletindo sobre o processo da comunicação televisiva, definiu-a ou dividiu-
a em quatro momentos de construção: produção, circulação,
distribuição/consumo e reprodução. Sua preocupação eram as audiências.
Entendia que a audiência era, ao mesmo tempo, receptora e fonte da
mensagem, já que as condições de produção, na pessoa dos codificadores,
atendem às imagens que a televisão faz da audiência. Desse modo, Hall
define três tipos de codificadores: os codificadores dominantes (fatores
hegemônicos que são vistos como naturais e legítimos); os codificadores
oposicionais (a visão de mundo contrária) e finalmente a codificação
negociada (é a mistura de oposição e adaptação).
Hall desenhou um quadro teórico capaz de mostrar que o
funcionamento de uma mídia não pode ser limitado a uma transmissão
hipodérmica (emissão/recepção). Ele acredita em um modelo triádico do
material midiático: discurso, imagens, relato; também crê em fatores como:
dados técnicos, pressões de produção e modelos cognitivos, que
condicionam o sentido da mensagem. Chamava a atenção para o fato de que
as produções deveriam considerar as referências culturais dos receptores.
Dentro da ótica de Hall, entendemos que se faz necessário perceber
que a audiência tem estatutos sociais e culturais que devem ser levados em
consideração para qualquer produção dirigida a um público específico.
Assim, devemos levar em conta a classe social do casal de noivos
(personagens principais) da série, seus hábitos, suas crenças, e suas
ideologias, pois essas características segmentam a audiência do programa.
A identificação do público dirigido se dá justamente por este perfil
comportamental dos personagens. A audiência de Os Normais é
supostamente constituída por um público de classe seletiva e detentora de
conhecimento geral, uma vez que as ironias e subversões existentes nos
diálogos dos personagens muitas vezes são subentendidas, veladas e,
portanto, para que se tenha o efeito de sentido pretendido, a audiência
dirigida deve compartilhar um conhecimento enciclopédico similar a dos
personagens do programa. As próprias chamadas da série aludiam a um
público de vida social ativa, por insistirem que o telespectador só saísse de
casa na sexta-feira à noite após assistirem ao programa. Dentro dessa
perspectiva, entende-se que, mesmo em um sistema de televisão
hegemônico, o grande poder de decisão de formato e gêneros audiovisuais
dependem do público-alvo que deverá consumir aquele produto cultural
televisivo ou a intenção sócio-comunicativa. Como já dissemos
anteriormente, no sitcom em questão, a palavra de ordem é ironia,
funcionando como uma espécie de resposta inteligente ou dissimulada para
não deixar de dizer o que se pensa e ao mesmo tempo, preservar a imagem
diante do interlocutor/telespectador.
A preservação da imagem é uma característica essencial aos personagens, pois
mesmo discordando de algum ponto de vista, é latente a preocupação da não agressão, da
polidez no embate dialógico. O casal procura um meio termo em suas estratégias
discursivas para equilibrar as discordâncias, sem correr o risco de ameaçar ou afetar o
parceiro. Corroborando o papel sedutor do personagem televisivo, Joan Ferrés (1998, p.71)
destaca que: A televisão seduz porque é o espelho, não tanto da realidade
externarepresentada quanto da realidade interna de quem a “. Pelas razões expostas, e
considerando que (...) a civilização atual a tudo confere um ar de semelhança
(Horkheimer/Adorno, 1990, p. 159), acreditamos que o sitcom é essencialmente uma
simulação
13
da realidade. Simulação da vida cotidiana de sua audiência qualificada, em
primeiro lugar, pelos seus aspectos culturais, sociais e ideológicos, pelas experiências e
situações vividas pelos personagens, pela manutenção do emprego, pelo noivado, etc, bem
como, pela preservação da imagem nas discussões conjugais. O telespectador consome o
produto que lhe parece mais próximo de sua personalidade, de suas experiências, de sua
vida de modo geral.
13
O sentido de simulação adotado no trabalho é entendido como uma reprodução quase perfeita do real. Desta forma, o
consumo está garantido, por representar uma realidade autêntica.
CAPÍTULO 2
A LINGUAGEM DO SITCOM
2.1- A linguagem cotidiana: um diálogo sócio-interativo
No início do século XX, o lingüista genebrino, Ferdinand de
Saussure, apresentou uma abordagem ao estudo da linguagem pelo qual
considerava os idiomas como sistemas estruturados. Essa perspectiva de
estudo recebeu o nome de Estruturalismo, embora a palavra estrutura nunca
tenha sido mencionada por Saussure, mas sim, a noção de sistema, como
objeto de estudo fundamental, em lugar dos elementos particulares que o
compõem. Dessa forma, Saussure, ao mesmo tempo, combateu a
atomicidade na abordagem do estudo da linguagem por seus predecessores e
centrou a discussão na análise de dicotomias: Significante versus
Significado; Langue versus Parole e Sincronia versus Diacronia.
Em relação à dicotomia, Langue versus Parole, o lingüista suíço
valoriza a língua (langue), deixando à margem, a fala; muito embora ele
reconhecesse o caráter dual da linguagem, formada por uma instância
subjetiva, a fala, e outra objetiva, a língua. Saussure percebia a língua
como um fato social pelas seguintes razões: pertencia a todos os membros
de uma comunidade de fala; era passível de fixação e de sistematização em
dicionários e gramáticas; constituía-se de um patrimônio extenso e,
finalmente, não poderia ser possuída em toda sua totalidade por qualquer de
seus usuários. Por essa compreensão, cada falante retém uma parte do
sistema, que não existe perfeita, funcionalmente, em nenhum indivíduo. O
recorte saussureano fez com que o estruturalismo se tornasse a orientação
dominante na lingüística européia.
Por sua vez, Edward Sapir e, especialmente, Leonard Blommfield
desenvolveram o estruturalismo americano, tratando-o de maneira
relativamente independente, isso levou a que a proposta chegasse ao
extremo pelos seus sucessores, através da abordagem a que chamaram
distribucionalista.
Entretanto, não tardou a aparecerem críticas ao estruturalismo, uma
vez que a compreensão da língua como sistema de estrutura, bloqueava todo
o processo de significação e de funcionamento.
A partir do postulado da teoria da Enunciação, na década de 1960,
surgem abordagens que percebem no estudo da linguagem a instância do
enunciador, visando, assim, prover o sistema de abertura e de mobilidade.
Como Saussure, Mikhail Bakhtin, também via a língua como um fato
social, entretanto, o mestre russo afasta-se do pai da lingüística moderna,
ao priorizar a fala, a parole, a enunciação, e ao afirmar a natureza social e
não individual da língua. Para Saussure, o mais importante não é nem tanto
o enunciado em si, mas a enunciação, o processo verbal. Como bem destaca
Cardoso (2003) em Discurso e Ensino:
A oposição que Bakhtin (1929) faz a Saussure é radical, se
levarmos em conta que a linguagem, para esse filósofo, não se
divide em duas instâncias, língua e fala, ou língua e discurso, ou
ainda competência e performance. A enunciação, a verdadeira
substância da língua, é, para Bakhtin, a síntese do processo da
linguagem, o conceito-chave para se entender os processos
lingüísticos. (Cardoso, 2003, p.24)
Bakhtin critica as duas correntes do pensamento filosófico da
linguagem: o Objetivismo Abstrato (que coloca como substância da língua
um sistema de formas normatizadas) e o Subjetivismo Idealista (que
valoriza o ato da fala de criação individual como o fundamento da língua e
considera o psiquismo individual como lugar de origem da língua).
A língua como sistema estável de formas normativamente idênticas é
apenas uma abstração científica que só pode servir a certos fins teóricos e
práticos particulares. Essa abstração não dá conta da realidade concreta da
língua. A língua constitui um processo de transformação ininterrupto que se
realiza através da interação verbal social dos locutores;
As leis da transformação lingüística não são de maneira alguma, as
leis da psicologia individual, mas também não podem ser divorciadas da
atividade dos falantes. Tais leis da lingüística são essencialmente
sociológicas;
Bakhtin acentua que são as condições de produção de um dado
enunciado que determinam sua forma de enunciação. Segundo o autor, o
percurso que vai da elaboração mental do conteúdo a ser expresso à
objetivação externa desse conteúdo - a enunciação -, é orientado
socialmente, buscando adaptar-se ao contexto imediato do ato da fala e,
sobretudo, a interlocutores concretos. Não há, portanto, uma elaboração
discursiva a priori, uma construção imanente do discurso, mas sua
formulação está intrinsecamente relacionada às condições de produção e às
direções proposicionais (a ideologia) que engendra num determinado
contexto, ou seja, a enunciação é ideológica, que se transforma e recebe
diferentes significados, de acordo com o contexto que está inserida.
A palavra chave do pensamento de Bakhtin é diálogo. A orientação
voltada para o outro tem, na interlocução, um fator específico para a
dialogização do discurso, pois "toda enunciação depende 'bivocalmente' do
locutor e do alocutário". Nesse sentindo retomamos as palavras de Bakhtin
([1929]2000,p.113):
Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo
fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige
para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do
locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em
relação ao outro.
Para o autor o diálogo é o modo mais natural de expressar a
linguagem. Os enunciados que produzimos, mesmo produzidos diretamente
para nós mesmos, são monológicos apenas em sua exterioridade, pois sua
estrutura interna, semântica e mesmo estilística são necessariamente
dialógicas. Por esta razão, podemos entender o diálogo em um sentido bem
maior, não apenas em um formato de interação face a face, mas também,
inserido dentro de toda atividade comunicativa do homem, como textos
escritos e orais, palestras, sala de aula, discursos auto-reflexivos, etc.
As contribuições de Mikhail Bakhtin a partir dos anos 1960
influenciaram todas as posições dos lingüistas que criticavam a visão da
língua como um sistema homogêneo e imóvel, e anteciparam as principais
preocupações da lingüística moderna. A concepção de língua como
interação social influenciou os estudos que hoje se desenvolvem sobre a
interação verbal, como a pragmática, a teoria da enunciação e a análise do
discurso, e que adotam o princípio de que linguagem é ação e não
meramente instrumento de comunicação. Na ótica interacionista, a
exterioridade lingüística configura todo o conjunto a ser observado como as
trocas conversacionais, a comunicação verbal e não-verbal, os aspectos
culturais, pragmáticos utilizados na linguagem. Dentro dessas perspectivas
teóricas, o sujeito volta a ocupar uma posição privilegiada no discurso e a
linguagem passa a ser considerada o lugar de constituição da subjetividade.
Nessa visão da linguagem sócio-interativa bakhtiniana, é possível
inserir o seriado humorístico Os Normais. Comédia que provoca o humor,
na observação dos pequenos acontecimentos diários tendo como
personagens protagonistas Rui e Vani. A série tinha uma linguagem
objetiva, direta e reveladora, expondo situações embaraçosas e atitudes
secretas dos personagens/ indivíduos, que antes seriam consideradas
inconfessáveis. Os telespectadores identificavam-se com diálogos muitas
vezes, de caráter íntimo, antes nunca visto em um programa de televisão
14
.
Observa-se uma linguagem que revela a intimidade dos personagens.
Um exemplo do formato inusitado e singular do programa seria o
episódio em que Vani se encontra com uma mulher estranha em um banheiro
de um restaurante. A personagem da mulher inicia uma conversa,
ressaltando o fato de que Vani não está gorda, enquanto urina de porta
aberta com uma naturalidade desconcertante.
Validando a linguagem sócio-interativa do sitcom com o público,
outros pontos do seu formato de apresentação podem ser destacados, quando
os atores surgem na cena, em seu apartamento com trajes sumários
(comportamento que só temos com pessoas que gozam de nossa intimidade).
Eles interagem com os telespectadores olhando e se dirigindo para a
câmera, como se o telespectador estivesse realmente na sua frente ou até
14
Opinião do próprio Luiz Fernando Guimarães comentada no DVD.
mesmo no cenário. Assim, assumem atitudes consideradas anormais
diante de outras pessoas, como ir ao banheiro, fazer depilação, discutir voz
alterada, etc. Esse comportamento revela um ethos
15
totalmente privado e
íntimo em uma situação pública.
O ethos traz à cena todo o suporte da lingüística interacionista
comentada. Aspectos culturais, sociais, ideológicos aliados à
expressividade, dialogismo, mesmo quando produzido unilateralmente, pois
os personagens se abrem totalmente para os telespectadores.
O diretor do núcleo da série, Guel Arraes, em seu depoimento no
primeiro DVD disponível ao público, ressalta que eles confiam ao
telespectador seus sentimentos mais secretos, as culpas mais vergonhosas e
acaba tendo um efeito liberador. A exposição da intimidade possivelmente
leva os telespectadores à identificação e/ou ao choque. Isso é ser normal?
2.2 - Da interação artificial à conversação espontânea: a fronteira
entre o escrito e o oral
Sabemos que toda ação humana procede da interação, assim, como
seres sociais, os indivíduos não têm como fugir desse fenômeno. Por isso, a
lingüística não poderia deixar de tratá-la como um dos modos de
funcionamento da linguagem.Isso nos remete ao posicionamento de Morato
(2004, p.317) quando afirma que:
(...) a linguagem não apenas é estruturada pelas circunstâncias e
referências do mundo social; é ao mesmo tempo estruturante do
nosso conhecimento e extensão (simbólica) de nossa ação sobre
o mundo. Ou seja, podemos dizer da linguagem que ela é uma
ação humana (ela predica, interpreta, representa, influencia,
modifica, configura, contingência, transforma, etc.) na mesma
proporção em que podemos dizer da ação humana que atua
também sobre a linguagem.
15
De acordo Dominique Maingueneau (2002, 98)) a noção de ethos encapsula “não a dimensão propriamente vocal,
mas também o conjunto das determinações físicas e psíquicas ligadas pelas representações coletivas à personagem do
enunciador.”Trataremos mais detalhadamente a esse respeito no capítulo três.
Nessa perspectiva, os estudos sobre interação verbal foram avançando
e construindo seu espaço no campo da lingüística. Várias vertentes foram
estabelecendo essa seara, dentre elas a vertente da pragmática e da
sociolingüística interacional.
Na metade do século XX, ocorreu a chamada virada pragmática nos
estudos da linguagem. A pragmática é uma concepção da linguagem,
particularmente da comunicação, contrária ao estruturalismo, sendo assim,
perpassa por uma série de ciências humanas que comungam do mesmo
interesse sobre as análises ligadas ao uso que os falantes fazem da língua
como, a semiótica de Charles Peirce, a teoria dos atos de fala de Austin, o
estudo das inferências que os participantes fazem em uma interação de
Grice, o estudo da interação verbal e de certas teorias da comunicação.
Para Bakhtin, a interação verbal é a realidade essencial da língua.
Esse fenômeno social constituído pela enunciação é o que de fato
materializa e faz evoluir as relações sociais, culturais, ideológicas nas
diversas situações da vida cotidiana dos indivíduos.
A interação verbal se dá de forma natural, na qual os fenômenos
ocorridos durante o processo comunicativo como truncamentos, hesitações,
reformulações e mesmo marcadores conversacionais, que antes eram
considerados como ruídos ou complicadores do entendimento, da
compreensão de sentido, são dentro dessa perspectiva, as pedras
fundamentais na constituição do sentido que os interlocutores produzem.
As condições que determinam e caracterizam a interação são
trabalhadas por Van Dijk em sua obra La Ciencia Del Texto (1989). Para
explicitar o que seja interação, o autor assinala que a interação resulta de
uma série de atos de fala de diferentes interlocutores, ordenados, entre
outras coisas, seguindo regras convencionais(p.92). A interação é uma
ação social constituída por, pelo menos, duas pessoas, e deve ter no
mínimo, um acesso parcial do conhecimento, do desejo, das intenções dos
interlocutores.
Assim, ao constatar que o interlocutor interpreta corretamente os
propósitos do locutor e os aceita, a partir da persuasão do que foi falado,
traz à tona a existência de vários tipos de atos de fala.
Na década de 1960, precisamente em 1962, J. L. Austin, filósofo
britânico, introduziu a Teoria dos Atos de Fala. As concepções austinianas
focavam a concepção de linguagem como uma atividade realizada pelos
interlocutores, isto é, os falantes sempre expressam uma ação em seu
dizer, ao falar, como desejos, ordem, acordos, etc.
Uma das descobertas do filósofo britânico é o conceito de enunciados
performativos e performativos implícitos. Os enunciados performativos
expressam que alguém ao dizer alguma coisa, denota um compromisso
só pelo fato de dizê-lo. Por seu turno, os enunciados performativos
implícitos são os enunciados que dizem por outros meios alguma coisa, por
exemplo, eu trago. Esses enunciados carregam três tipos de atos:
locucionário, ilocucionário e perlocucionário.
A definição dos atos de fala é trazida por Austin em sua obra Quando
Dizer é Fazer:
Distinguimos um conjunto de coisas que fazemos ao dizer algo,
que sintetizamos dizendo que realizamos um ato locucionário, o
que equivale, a grosso modo, a proferir determinada sentença
com determinado sentido e referência, o que, por sua vez,
equivale, a grosso modo, a significadono sentido tradicional
do termo. Em segundo lugar dissemos(sic) que também
realizamos atos ilocucionários tais como informar, ordenar,
prevenir, avisar, comprometer-se, etc., isto é, proferimos que
têm uma certa força (convencional).Em terceiro lugar também
podemos realizar atos perlocucionários, os quais produzimos
porque dizemos algo, tais como convencer, persuadir, impedir,
ou, mesmo, surpreender ou confundir. (Austin, [1962,1975]
1990,p. 95)
Austin alerta-nos para a distinção do ato ilocucionário, ao dizer tal coisa eu o
estava prevenindoe que para o ato perlocucionário, ao dizer tal coisa eu o convenci, ou
surpreendi, ou fiz parar”, por serem ações intencionais que têm efeitos diferenciados.
A teoria dos Atos de Fala tratada aqui nos serve de norte para o entendimento dos
fenômenos que ocorrem durante a interação face a face. Esse entendimento nos permitirá
compreender se um evento idealizado e pré-fabricado pode se transformar em uma
interação real.
Diante disto, como podemos considerar uma atividade de fala
preliminarmente organizada, por exemplo, o caso de Os Normais, como um
evento interativo social?
Os sitcoms, como qualquer outro produto fabricado pela mídia
televisiva, têm características de conversação
16
artificial, ou seja, discursos
e diálogos idealizados e escritos por autores a serem dramatizados por
atores. Sendo assim, dessa forma, todas as expressões corporais e atividades
comunicativas a priori, já estão estruturadas. Mas será que realmente no
momento de suas atuações os atores/interactantes obedecem fielmente às
orientações pré-estabelecidas?
É importante ressaltar que processo de interação social é usado a
partir de alguns elementos constituídos no texto pelos interlocutores no
momento da fala
17
. A atividade de fala, como bem lembra John J.Gumperz
(1982,p.151), é um processo dinâmico que se desenvolve e sofre
alterações à medida que os participantes interagem. Essas alterações de
que nos fala o sociólogo podem ser observadas na interpretação dos
atores/interactantes em seus diálogos roteirizados, através de seus
acréscimos de fala, de suas expressões corporais e faciais no
desenvolvimento de suas interpretações. Partindo desse pressuposto de
mudança do script comunicativo no encontro conversacional, mesmo que
inicialmente orientado, é possível que o mesmo se torne um encontro
natural, em uma interação social real, como é o caso dos sitcoms. Um
exemplo disto pode ser bem claramente evidenciado na fala de um
personagem em que apenas estava escrito o seguinte texto sem outras
16
Neste trabalho, os conceitos de textos conversacionais e textos falados não recebem distinção, como também as
expressões decorrentes dessas denominações receberam o mesmo tratamento.
17
Ribeiro & GARCEZ em sua obra Sociolingüística Interacional (2002) definem “fala” como qualquer produção de
elocuções em situação de interlocução.
orientações: ah, é. Ao interpretar esse texto, o ator, a partir do sentido e
intensidade que queira dar a sua interpretação, enfocará um tom sugestivo,
ameaçador ou mesmo, acordativo, como também, sua hesitação, suas
expressões faciais. Tais mecanismos ocorrem naturalmente em uma
interação face a face e que nessas condições não ficam apenas em uma
tentativa de interpretação do real e sim da própria realidade, a partir do
momento em que o ator também é o interactante e como interactante tende a
realizar sinais naturais de conversação.
Neste trabalho, refletimos sobre o discurso de Os Normais, para
saber o que os autores utilizam da linguagem em sua essência, quando
interagem ou simulam interação com outro, mesmo que este outro, seja o
próprio personagem, conversando consigo mesmo e/ou com o telespectador.
Talvez essa estratégia de interatividade com o público seja o grande
diferencial de Os Normais: o personagem conversa com o telespectador,
se revela e se identifica, com a grande maioria de sua audiência.
Guel Arraes, diretor do núcleo da série, em seu depoimento no
primeiro DVD do programa diz tentar se aproximar do pensamento da
audiência ratificada do sitcom, para que ela se identifique com o programa:
(...) esse personagem sente isso que eu também sinto, quando há
identificação do telespectador, termina funcionando como uma
espécie de divã de psicanálise na televisão, porque se todo
mundo é maluco então ser maluco é ser normal.
Após essas reflexões, podemos entender que para esse gênero de
discurso - sitcom, a expressividade aparece como uma das particularidades
que constroem o sentido. O humor só é instaurado se considerarmos toda a
cenografia, expressividade, tonicidade. E essa expressividade e tonicidade
estão atreladas aos atos de fala dos atores em suas interpretações e
construções dos personagens. O ator e o personagem se encontram e
formam um terceiro personagem, como bem relata Luiz Fernando
Guimarães no depoimento do DVD, e esse terceiro personagem é
constituído na hora da interação social da cena, seja com o personagem
Vani, seja com o telespectador ao se dirigir diretamente para a câmera, ou
ainda, com os atores convidados que participam dos episódios. Esse cenário
interativo nos remete a classificação de Van Dijk (1989) sobre os critérios
de interação: da seqüência dos atos de fala, dos interactantes e seus
possíveis contribuintes, na situação pública social, na convencionalização,
no objetivo social e das convenções. Isso nos leva a percebermos novamente
o estado híbrido em que Os Normais se apresenta, ao se enquadrar nas
condições de existência da interação social, ou seja, em uma fronteira de
interação entre o escrito e o oral.
2.3 - O Jogo de linguagem dos interactantes: as estratégias
interacionais
Na interação pela linguagem há sempre objetivos a serem alcançados,
como, por exemplo, a aceitação pelo outro daquilo que queremos dizer, o
efeito de sentido que queremos proporcionar, ou mesmo o comportamento
que queremos estabelecer no outro. Diante disso, podemos dizer que a
interação é sustentada por um jogo de linguagem
18
que os interactantes
utilizam para manter a estabilidade da interação. Esse jogo é realizado, com
no mínimo dois interactantes de acordo com as condições socioculturais
estabelecidas, bem como, os conhecimentos lingüísticos, enciclopédicos, as
condições ideológicas, os conhecimentos partilhados e obviamente as
intenções.
O jogo de linguagem se refere à realização dos diversos tipos de
atividade de fala, às estratégias de preservação das faces e/ou de
manutenção positiva do eu, que envolvem o uso de modelos amenizadores.
Outra referência seria as estratégias de polidez, de acordos, de mudança de
18
Na esteira de Koch 2004 , entendemos jogo de linguagem como estratégias interacionais realizadas pelos interactantes
e se referem às escolhas textuais que visam a construção de sentido que se quer aplicar.
alinhamento, de atribuição de causas aos subentendidos, mal-entendidos,
etc.
Na verdade nem sempre a intenção do locutor é compartilhada,
acordada com o interlocutor. Diante desse contexto, algumas estratégias
interacionais são praticadas para atingir o objetivo das práticas
comunicativas como, por exemplo, a estratégia da preservação da face, na
qual o interlocutor mesmo não concordando plenamente com o locutor,
utiliza recursos lingüísticos de polidez para manter a harmonia nas relações
interpessoais ou mesmo em suas reformulações enunciativas ou de
mudanças de alinhamento na interação.
Outra estratégia utilizada pelos interactantes são os mecanismos de
subversão, com os quais o interlocutor desqualifica o discurso do outro,
utilizando a ironia em prol de suas convicções ou lançando mão de chistes
para marcar lingüisticamente suas intenções. Essas estratégias acabam por
acarretar uma possibilidade de conflito identificada como
interincompreensão. Maingueneau (2005) diz que ocorre
interincompreensão quando o interlocutor não consegue entender o
posicionamento do outro, por questões ideológicas. Trataremos a seguir de
cada estratégia utilizada pelos interlocutores, levando em consideração seus
interesses bem como o fenômeno interincompreensivo.
2.3.1- O fenômeno de polidez dos atores: a preservação da face e o
alinhamento na manutenção da interação nos contextos sociais.
Em uma interação verbal são utilizadas expressões lingüísticas que
envolvem um acordo entre as partes para que o processo desenvolva
tranquilamente, flua sem risco de conflitos ou constrangimentos, pois se
trata principalmente de uma relação social. Novamente lembramos aqui o
pensamento de Van Djik (1989), para quem:
a interação tem de ser considerada referida a um contexto
social, e no qual só se compõem de categorias de participantes,
relações e distintos tipos de categorias convencionais (p. 249).
É consenso entre os estudiosos da linguagem a importância do
contexto nas atividades comunicativas, pois essas atividades fazem parte da
práxis social bem como são determinadas, guiadas pelo contexto social. É
uma grande troca de usos: uso da linguagem e uso do contexto. É a partir do
contexto instaurado que os indivíduos condicionam seus comportamentos,
suas palavras com ou sem moderação para manter o equilíbrio e a harmonia
da interação.
O interlocutor faz uso do fenômeno da polidez, ao ter cuidado com as
palavras e expressões de cortesia que serão dirigidas ao outro. Esse
fenômeno possui algumas variáveis como tom de voz, expressões de
tratamento, a opção de falar ou silenciar, entre outras. Essas variáveis
mudam de uma região para outra, de uma situação para outra. É preciso
conhecer a sociedade e o contexto cultural que se está para não correr o
risco de ser indelicado ou mesmo ofender. Um caso típico desse cuidado
pode ser observado nas expressões locais e culturais, como, por exemplo,
com o vocábulo rapariga. Em Portugal, rapariga significa uma jovem
moça, já no Brasil, refere-se a mulheres que exercem a profissão da
prostituição. Um interlocutor desavisado ou mesmo que tenha negligenciado
essa informação, passará no mínimo por uma situação constrangedora em
ambos os países dependendo de que sentido ele dê ao termo.
Outro exemplo que podemos citar dentro de contextos culturais são os
falantes de malgaxe de Madagascar que entendem como falta de polidez dar
respostas diretas às perguntas. Se o interlocutor assim o faz, provavelmente
perceberá algumas pistas de que não agiu corretamente no trato social.
Estas pistas podem ser consideradas como pistas de contextualização. De
acordo com Gumperz (1982, p.152) as pistas na realidade são todos os
traços lingüísticos que contribuem para a sinalização de pressupostos
contextuais. Entretanto, é importante salientar que o contexto social não se
refere apenas ao contexto cultural. As relações sociais são fomentadas
também por contextos políticos, ideológicos, econômicos que devem ser
alimentadas por estratégias de polidez. O fenômeno da polidez está inserido
dentro da Teoria das Faces criada por P. Brown e S. Levinson em 1987.
Essa teoria foi baseada nos postulados de Erving Goffmam (1974), cujas
noções de território e face sofreram uma releitura, agora entendidas
respectivamente como face negativa e face positiva. Entende-se que todo
ser humano carrega em si duas faces, e em uma interação verbal, há no
mínimo dois interactantes que se apresentam cada um com duas faces, a
positiva e a negativa. A face negativa refere-se ao território de cada
indivíduo (corpo, mente, privacidade), já a face positiva, refere-se à
fachada social, o reflexo da imagem que se apresenta às outras pessoas.
As faces sempre são potencialmente ameaçadas durante o processo
interativo, sendo assim, os atores sociais têm todo um cuidado para que
suas ações/expressões não percam a sua face positiva e sempre lançam mão
de estratégias que as preservem, como sua imagem diante do outro e mesmo
de si. A estratégia de preservação das faces ocorre através de atos que
podemos chamar de preparatórios, como o eufemismo, a mudança de tópico
e os marcadores que amenizam as expressões comunicativas. Koch(2004)
lembra que:
O grau de polidez é socialmente determinado, em geral com base
nos papéis sociais desempenhados pelos participantes, na
necessidade de resguardar a própria face do parceiro, ou ainda,
condicionado por normas culturais. (p.28)
A mudança de tópico pode ser compreendida como mudança de
alinhamento ou footing. O termo é cunhado por Erving Goffmam (1979) e
não possui tradução definitiva em português, tem-se utilizado alinhamento,
embora se perceba pouca significância em português. Em francês foi
traduzido como position. Posição, alinhamento, postura são comportamentos
observáveis que o interlocutor adota na interação em função da imagem que
pretende passar diante do contexto social que se encontra. Esse alinhamento
e sua provável mudança são bastante analisados por Goffmam que nos
lembra o seguinte:
uma mudança de footing implica uma mudança no alinhamento
que assumimos para nós mesmos e para os outros presentes,
expressa na maneira como conduzimos a produção ou a recepção
de uma elocução. Uma mudança em nosso footing é um outro
modo de falar de uma mudança de enquadre dos eventos.
(Goffmam 1979, p.113)
O autor alerta ainda para o fato de que é preciso delimitar a
participação de cada interlocutor na atividade conversacional, pois a partir
disto é possível entender a base para a análise das mudanças de footing. Em
uma conversa os falantes/interlocutores podem ser ratificados, ou seja, a
fala do locutor lhes é diretamente endereçada, ou ainda, quando a fala não
lhes é enderaçada exatamente, são chamados de não-ratificados. Uma
interação verbal, conforme já comentamos anteriormente, pode ser
constituída não só exatamente em um encontro face a face, tal qual uma
conversa, mas pode se apresentar também como um programa de televisão,
de rádio, uma palestra. Sendo assim, outros pontos devem ser considerados
na análise da mudança de footing na manutenção da interação. São eles: a
estrutura de participação dos interlocutores, ou seja, o cenário, a situação
na qual a interação ocorre e o formato de produção que o encontro
interacional se apresenta e os tipos determinados falantes, como por
exemplo, alguém que funciona como animador da fala, animador o qual foi
chamado de principal; alguém que organiza e estrutura o que é dito, ou seja,
autor, e finalmente, alguém cujos sentimentos e idéias são expressos,
responsável. Sobre tipos de falantes e formas de produção oral
apresentamos o seguinte quadro baseado nas idéias de Goffmam (1979):
QUADRO NÚMERO 03: qua dro baseado em Goffmam
Tipos de Falantes Formas de Produção Oral
Principal + Leitura
+ Memorização
- Improviso
Animador + Memorização
+ Leitura
- Improviso
Autor + Improviso
+ Memorização
- Leitura
2.3.2 - Mecanismos de Subversão
Os usuários da língua realizam várias estratégias textuais de acordo
com seus objetivos, envolvendo não só seu conhecimento lingüístico como
suas características pessoais, crenças, valores. Assim, fazem uso de
estratégias sociocognitivas-interacionistas que se baseiam em estratégias de
conhecimento partilhado. Compartilhando da afirmativa de Ingedore Koch,
entendemos que:
as inferências de ordem cognitiva têm assim, a função de
permitir ou facilitar o processamento textual, quer em termos de
produção, quer em termos de compreensão. As estratégias
interacionais, por sua vez, visam a fazer com que os jogos de
linguagem transcorram sem problemas, evitando o fracasso da
interação. (2002,p.36)
Nessa busca pela manutenção e harmonia da interação, retomamos o
princípio do dialogismo de Mikhail Bakhtin, no qual todo discurso, seja um
monólogo ou um diálogo, sempre está voltado para o discurso do Outro,
mesmo que seja para você mesmo. O teórico russo acredita que o discurso
do Outro atravessa e influencia a construção e a direção do discurso. A
legitimação do discurso reinvestido está na orientação da intenção do
sujeito em construir o sentido.
Koch (2004) postula serem várias as formas pelas quais os sujeitos
usam os textos a fim de atingir seus propósitos, seja com marcadores coesos
e coerentes, seja, com afrouxamento do foco (enquadre) escolhido. O
reinvestimento permite ao interlocutor reconhecer seu próprio discurso e o
possibilita entender a mensagem que está sendo produzida. Assim, nas
estratégias interacionais durante o jogo de linguagem, os interactantes, a
partir de suas intenções, reinvestem o texto do outro de forma a valorizá-lo
ou desqualificá-lo. Estas estratégias opostas são entendidas por Dominique
Maingueneau (2002) como captação e subversão respectivamente.
A captação de um discurso o segue em sua mesma direção, imita o
discurso não apenas pelo simples fato de imitá-lo, mas sim por legitimar o
discurso reinvestido. Exemplos de discursos captados podem ser observados
nas paródias, nos slogans, que elegem com conveniência um discurso para
valorizar o seu.
Por sua vez, o que Maingueneau enxerga como valor de subversão é o
processo oposto da captação; processo este em que o discurso incorpora o
interdiscurso para rebaixá-lo, questioná-lo, permitindo ao enunciador apoiar
a sua fala em cima da fala do Outro. É possível identificar dois tipos de
subversão: a subversão implícita, em que o co-enunciador recorre à
memória para interpretar o sentido, como a ironia, que desqualifica a si
mesma, para diminuir o discurso do Outro ou para colocá-lo em questão. E
a subversão explícita, pela qual o co-enunciador faz oposição ao discurso
do Outro, ridicularizando-o, para elevar o seu. A subversão é uma estratégia
interacionista que utiliza o interdiscurso para dar autoridade ao seu
discurso. A ironia é um mecanismo subversivo bastante presente nas
relações humanas, seja por sua forma implícita que ajuda a manter o
equilíbrio nas interações, seja, pela forma estilística do enunciador, por seu
conhecimento enciclopédico, cultural e ideológico que o faz não deixar de
dizer ou afirmar o que pensa sem ameaçar a sua face perante a sociedade.
Neste trabalho, o objeto de discussão é a estratégia interacionista de
subversão percebida a partir dos interdiscursos atravessados pela ironia. O
interdiscurso pode ser compreendido na visualização da reunião de vários
discursos, sejam contemporâneos ou não e com ligações e dimensões bem
variadas. Na Análise do Discurso, a interdiscursividade se insere no
processo de construção, interpretação ou interincompreensão do sentido.
Maingueneau (1976,p.39) ressalta que um discurso não vem ao mundo
numa inocente solitude, mas constrói-se através de um já-dito em relação
ao qual toma posição. Como já foi comentado neste trabalho, uma vez que
o discurso praticamente quase nunca se apresenta limpo, homegeneizado,
sempre é a edificação da fala de outrem, essa interdiscursividade é
apresentada por marcas de heterogeneidade, de alteridade, de discursos de
outros que pode ser expressa por uma heterogeneidade constitutiva, e por
uma heterogeneidade mostrada. Essas heterogeneidades encontradas dentro
do discurso foram observadas na Análise do Discurso por Jacqueline
Authier-Revuz (1982). Para a compreensão do que se trata realmente esses
dois fenômenos discursivos, retomamos aqui as definições de Charaudeau &
Maingueneau (2004). Os autores explicam que na heterogeneidade
constitutiva o discurso é dominado pelo interdiscurso (p.261), ou seja,
tem uma relação de embate com alteridade do discurso primeiro e se
constitui a partir disto. Funciona como se fosse um discurso pré-construído
natural ao sujeito. É uma heterogeneidade não marcada, mas é percebida na
formulação de hipóteses, através do interdiscurso. Por outro lado, a
heterogeneidade mostrada, possibilita de forma bastante clara a presença do
discurso Outro. Apresenta-se nas formas não-marcadas ou implícitas
através do discurso indireto livre, nas alusões, nas ironias, apoiadas no
conhecimento cultural partilhado dos enunciadores e nas formas marcadas
ou explícitas, percebidas de maneira unívoca através das aspas, do discurso
direto e indireto e das glosas que sugerem uma não-coincidência de
discursos, já que é um reencontro do já-dito. Authier-Revuz (apud
Maingueneau 2000, p.79) separa essa não-coincidência em quatro tipos de
glosas: 1) Não-coincidência do discurso com ele próprio, por exemplo
como nos fala fulano...; 2) Não-coincidência entre palavras e coisas, por
exemplo como poderei dizer?/é a palavra que convém; 3) Não-
coincidência das palavras com consigo mesmas, por exemplo em todos os
sentidos e 4) Não-coincidência entre o enunciador e o co-enunciador, por
exemplo, como você mesmo disse.
A partir do esclarecimento do que seja e como se instaura a
interdiscursividade nos diálogos, traremos agora o que diz respeito ao
fenômeno da ironia.
a) A interdiscursividade da ironia na constituição do
sentido humorístico
A ironia é um fenômeno inerente à sociedade, poderíamos arriscar a
dizer que se trata de uma condição sine qua non do cotidiano. O que se
pode considerar como relativo é se as pessoas são mais inclinadas, ou não, a
serem irônicas. Essa variável gira em torno da escolaridade, da cultura, da
religiosidade, da personalidade, etc. Nesse contexto, da forte presença da
ironia na vida das pessoas, lembramos a afirmativa do filósofo dinamarquês
Sören Kierkegaard (apud D. C. Muecke, 1995 [1982],p.19):
assim como os filósofos afirmam que não é possível uma
verdadeira filosofia sem a dúvida, assim, também pela mesma
razão pode-se afirmar que não é possível a vida humana
autêntica sem a ironia.
Desde os primórdios que o conceito de ironia é objeto de interesse da
classe intelectualizada, seja concernente a questões literárias, seja a
questões sociológicas. Assim, vários conceitos emergiram e entre eles, as
definições mais profícuas surgiram na Inglaterra e no restante da Europa
moderna nos postulados de Cícero e Quintiliano. Para eles, a ironia era
vista como uma forma de se dirigir ao interlocutor em um contexto
situacional de confronto, funcionando como uma estratégia de diálogo, isto
é, uma estratégia verbal argumentativa. Assim, a ironia era entendida como
algo que diz uma coisa mas significa outra, como uma forma de elogiar
a fim de censurar e de censurar a fim de elogiar. Ela seria como um modo
de zombar e escarnecer (MUECKE, 1995 [ 1982], p. 33).
Esse modelo dialógico da ironia foi concebido originalmente por
Sócrates através dos escritos de Platão
19
e posteriormente adotado por
Aristóteles. Era um modelo entendido como uma atitude do interlocutor que
transformava os diálogos contraditórios, isto é, uma afirmativa em uma
interrogativa, por exemplo. Tinha como propósito neutralizar o discurso,
seja pela insegurança da ignorância do assunto em questão, seja para pôr em
dúvida o que foi dito.
Dando um salto nos anos, foi no início do século XIX, que o termo
ironia ganhou outras percepções conceituais. O que antes era visto como
intencional, como atitude tal como apresentada por Aristóteles e Platão em
suas leituras de Sócrates, pode ser percebido depois como algo que
acontecera nas interações sociais. Desse período de reavaliação de
conceitos a respeito da ironia, a Alemanha através das diretrizes filosóficas
e estéticas foi o principal terreno europeu que mais se destacou. Um dos
ironólogos mais importantes desta época foi Friedrich von Schegel (1772-
1829).
Schegel foi o precursor do conceito romântico de ironia. Com ele os
estudos articulados entre os princípios filosóficos e estilos literários
irônicos receberam os elementos essenciais dessa orientação.
Compreendia que a ironia se inseria na arte como uma carta de licença para
a liberdade poética: contradição, presença e ausência do sentido literal e
figurado. A ironia era vista como natural, como observável nos indivíduos
sem necessariamente uma postura intencional e sim involuntária.
Caminhando na direção do entendimento histórico e teórico do que
seja, como surgiu e como é utilizada a ironia, traremos outra concepção
19
Sócrates nunca escreveu suas idéias. Seus posicionamentos intelectuais foram interpretados em sua
segunda voz, a voz de Platão.
diferente da entendida como romântica e que de uma certa forma pode ser
considerada como uma releitura da concepção clássica socrática. Tratam-se
das reflexões do filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard citado
anteriormente neste trabalho.
As reflexões de Kierkegaard sobre ironia, inseridas dentro de sua tese
O Conceito de Ironia de 1841 são interpretadas pelo antropólogo,
sociólogo e ensaísta filosófico Henri-Pierre Jeudy em sua obra A Ironia da
Comunicação (2001). Jeudy destaca que o filósofo dinamarquês lembra
que as posturas irônicas são, em um primeiro instante, um instrumento
constitutivo que possibilita assegurar constantementeuma subjetividade
sem aniquilar a realidade(pg.107). Jeudy comenta ainda que Kierkegaard
não percebe a ironia como um entretenimento diante da vida, mas sim uma
postura que se insere em comportamento ético de todo ser humano, unindo-
o à comunidade.
Diante dessas diferentes concepções, percebemos que é constante o
caráter dialógico e interdicursivo da ironia e consequentemente, da
essencialidade da interação para sua manifestação. Nesse sentido, o
discurso irônico promove uma dupla decodificação tanto lingüística quanto
discursiva, fazendo com que o interlocutor participe ativamente e assim
constitua-se em co-produtor do sentido. Para apoiar esse posicionamento,
recorramos às idéias de Beth Brait:
Considerando que a ironia está sendo concebida (...)como forma
interdiscursiva, como interdiscurso cujo sentido necessariamente
advém de um imbricamento contraditório que conta com a
conivência e com a memória do enunciatário para se realizar
como tal, os diferentes mecanismos de produção estão sendo
considerados como diferentes formas de citação, como estratégia
de combinações de vozes. (1996,p.196).
Essa co-autoria da produção de sentido dos interactantes remete à
situação que se estabelece durante a interação que é o jogo de linguagem.
A forma coletiva da ironia implica, ao contrário, uma percepção
comum domundo como jogo que torna possível os jogos de
linguagem. O que se designa como a realidade se apresenta
como objeto do desvio de sentido porque o sentido nele já está
desviado. (Jeudy,2001,p102)
Neste trabalho adotamos a definição de ironia como um processo
interdiscursivo verbal que produz efeitos de sentido sendo utilizado pelos
atores do sitcom intencionalmente a fim de preservar em sua face o jogo
comunicativo.
A estratégia interacional de subversão muito utilizada no sitcom em
análise é a ironia e será uma grande ferramenta para entendermos a
constituição humorística do programa e seu conseqüente sucesso com sua
audiência ratificada.
b) Um traço do inconsciente constituindo o humor:
os chistes
A ironia acaba constituindo um efeito bem humorado nas relações
sociais. Ao desqualificar, contradizer ou mesmo ridicularizar o discurso do
outro, o resultado pode muitas vezes acarretar em riso, em humor. Ao ser
irônico, o autor do discurso adota um desvio de comportamento. Um
discurso que está fora dos padrões se torna desarmônico, estranho,
deslocado e o que geralmente está fora do lugar provoca humor. Entretanto,
o que pode provocar humor em uma pessoa pode não provocar em outra,
pois a relação não é igual para todos, por isso o risco próprio da ironia.
A gênese da palavra humor é científica
20
, vem do latim umor (fluido)
que se transformou no vocábulo humor. Atualmente é usado em vários
países, na França evoluiu para humour (humor, ironia) e humeur
(disposição, ânimo). É fato sabido que o riso provoca a dilatação dos vasos
20
Não é ocasional que a primeira definição de humor na maioria dos dicionários tenha o caráter científico pois humor
significa substância orgânica líquida ou semilíquida como indica o dicionário Aurélio. Só em um segundo momento é que
a definição recai para “ disposição de espírito”; veia cômica, espírito, graça”.
sanguíneos otimizando seu fluxo. Ao rir o homem sofre duas reações
químicas: o aumento da liberação de endorfina, hormônios ligados às
sensações de bem-estar e prazer, e a diminuição dos níveis de adrenalina e
cortisol. Outro fator conseqüente de dar risada é o emagrecimento. Segundo
Estudos da Universidade Vanderbilt, nos USA, rir por mais de quinze
minutos provoca em média, uma queima de 50 calorias.
Assim como a ironia, a prática do humor é talvez um grande traço de
identidade do homem em sociedade, pois o homem é capaz de rir não só de
uma situação, de uma pessoa, como é capaz de rir de si mesmo. O indivíduo
que não é capaz de rir tem fortes possibilidades de ser uma pessoa
angustiada, sofrida, pesada. Como lembra o senso comum o riso é um
elixir para a alma ou como dizem os médicos sorrir faz bem ao coração,
alivia as tensões.
Nesse sentido, o humor ultrapassa a instância rotineira e ganha os
palcos da dramaturgia, da arte. O humorista lança mão do sarcasmo, da
subversão, da crítica para fazer piadas, anetodas e mesmo ironias com o
discurso de outrem, dizendo com freqüência o contrário daquilo que se quer
dizer. Por isso, o humor ultrapassa uma interpretação denotativa, sendo
necessário para o interlocutor um conhecimento partilhado geral
indissociável do locutor.
Os primeiros registros humorísticos estão nas cantigas de escárnio e
mal-dizer da Idade Média e nos textos de Gil Vicente. Estes textos
funcionavam como uma crítica social, como os textos humorísticos atuais
que são geralmente utilizados para desconstruir e subverter a realidade
socioeconômica e política dos países.
A discussão sobre o humor também é tratada através da psicanálise
por Sigmund Freud em sua obra: Os chistes e sua relação com o
inconsciente (1969).
Para Freud, o humor e a ironia são muito próximos do chiste por
fazerem o riso e possuírem a mesma capacidade de inverter o sentido das
coisas, já que o chiste permite que uma coisa pode significar seu
contrário como o conceito clássico dado à ironia, como algo que diz uma
coisa mas significa outra. Todavia, não são necessariamente a mesma
coisa, pois o chiste tem um caráter espirituoso de brincar com as palavras,
porém de forma inconsciente.
De acordo com Jane de Almeida (1998), o vocábulo chiste não é usual
em nosso país. Deriva do castelhano e quer dizer dito gracioso, pilhéria,
ou seja, está associado ao riso, ao cômico e ao espírito. Essa distinção entre
chiste e humor é comentada por Almeida:
pode-se perceber que no chiste, geralmente, o sujeito rir da
situação em que está e a coloca de forma externa a ele. No
humor, o sujeito rir principalmente dele mesmo, por estar em
determinada situação. O cômico compreende os dois ou exclama
sozinho: isto é a vida! (Almeida, 1998,p.40)
Freud alerta para o fato de que o interlocutor tem que estar preparado
para a contradição do humor, da ironia e até gostar dessa relação. Brait
(1996, pg.45) comenta que essa interação funciona como um diálogo ou
uma interlocução dos inconscientes. Essa concepção freudiana de ironia
remete ao jogo de linguagem já comentado aqui, no qual os interlocutores
dispõem de regras de participação, nesse caso de conhecimento intelectual e
emocional partilhados, para manterem não só a harmonia da interação como
a edificação de sentido.
Apesar do caráter inconsciente dado por Freud que se afasta das
diretrizes teóricas de uma análise lingüístico-discursiva de já-dito, pré-
construído, não-coincidências de discurso como bem analisado por Beth
Brait (1996,p.46), achamos por bem comentar o fenômeno chistoso que
ocorre entre usuários da língua e que acarreta também o humor.
2.4 - Possibilidades de conflito - interincompreensão dos
personagens
Segundo o Van Djik (1989), queremos ser compreendidos e o ato de
fala é formado de acordo com nossos propósitos, nossas intenções, as quais
devem ser entendidas por nossos interlocutores. Para tanto, os atos de fala
dependem em geral de alguns princípios de cooperação. Por exemplo, você
fala, eu escuto; se cumprimentamos alguém, estamos por criar um rápido
compromisso para que nos agradeça.
Da mesma forma, quando fazemos um discurso dentro de um contexto
sociocognitivo compartilhado, esperamos que não só sejamos
compreendidos como também que o nosso discurso seja aceito, uma vez que
quando comunicamos algo nunca há apenas o sentido informativo e sim
carregado de intenção. Entretanto, nem tudo que se é produzido é
compreendido como se desejou. O sentido de um enunciado é constituído
para além dele, ou seja, os vários contextos que envolvem esse enunciado é
que irão possibilitar a sua interpretação. Todavia, algum desnivelamento
entre os interactantes pode promover a incompreensão. Existe sempre o
risco da falha no jogo de linguagem. Como assevera Koch (2004,p.28),
conflitos, mal entendidos, situações que desencadeiam incompreensão
mútua são inevitáveis no intercâmbio lingüístico. Os conflitos podem
também ser gerados a partir de textos polêmicos por uma ideologia não
compartilhada, ou seja, não advém do exterior. A polêmica acaba por
articular o que Maingueneau conceitua de interincompreensão. O analista
de discurso francês acredita que o discurso segundo se constitui contra o
discurso primeiro e que cada interlocutor preenche um determinado espaço
enunciativo. Assim, o segundo nunca poderá compreender o que se fala a
partir do outro lugar ocupado, ou seja, do primeiro.
É certo que necessariamente dois indivíduos não possuem a mesma
representação dos fatos, mesmo que pertençam à mesma língua, por vários
fatores, como ideologia, conhecimento enciclopédico e conhecimento de
mundo que geralmente são variados e particulares.
Assim, o interlocutor apenas, esforça-se em refletir o que ele diria se
estivesse na posição contrária. Esse esforço evita o conflito direto, porque
representa um desejo de compreender o pensamento e a posição adotada
pelo outro.
CAPÍTULO 3
SENTIDO CONSTRUÍDO NA INTERAÇÃO
3.1- A instauração do Ethos
O termo ethos não é originário da análise de discurso francesa, é um
termo derivado da retórica antiga que o definia como uma imagem
construída para a otimização da prática oratória. Faz parte dos termos
logos e pathosda trilogia dada por Aristóteles para caracterizar os meios
de prova ou argumentos de finalidade persuasiva. Na retórica aristotélica o
termo ethos está relacionado a dois campos semânticos distintos mas não
excludentes: um de sentido moral ligado a epieíkeia, à moral, à ética,
envolvendo atitudes como honestidade e eqüidade que lhe concede
credibilidade. Há um outro termo, ligado a héxis (hábito) de caráter neutro,
objetivo, social. Por sua vez, o pathos está relacionado aos sentimentos, a
emoção, ao afeto. Por fim, o Logos está associado ao raciocínio, à razão, à
argumentação. Para Aristóteles (apud Eggs 2005, p.40,o ethos constitui
praticamente a mais importante das provas por absorver uma característica
coletiva das três provas: argumentação, moral e sentimento.
O enunciador persuade o co-enunciador através de seu discurso
imagético representado por seu ethos. Vale ressaltar aqui, entretanto, que a
imagem constituída pelo enunciador só será aceita e interpretada pelo co-
enunciador se ambos comungarem da mesma concepção ideológica, social e
enciclopédica. Na Análise do Discurso Francesa e na Pragmática, o termo
ethos é extensamente trabalhado por Dominique Maingueneau. Qualquer ato
de fala é originado de um enunciador, de um ator social que possui
características físicas, psicológicas, culturais, isto é, características que
revelam sua personalidade e que se encontram além do texto, seja, na
expressividade, seja na tonicidade que são visualizadas na enunciação.
Nesse sentido, o enunciador acaba criando uma espécie de imagem de si em
seu discurso.
Esses aspectos colaboram para a constituição de sentido do
interlocutor durante o processo interativo, e são identificados por
Dominique Maingueneau como um fenômeno que denomina ethos. A partir
dessa compreensão, o analista francês advoga que:
O universo de sentido propiciado pelo discurso impôe-se tanto
pelo ethos como pelas idéias que transmite; na realidade, essas
idéias se apresentam por intermédio de uma maneira de dizer
que remete a uma maneira de ser, à participação imaginária em
uma experiência vivida. (2002,p.99)
O ethos não se limita apenas à visualização do enunciador, na verdade
ele é um fenômeno que dá materialidade ao texto, ou seja, mesmo na não
presença do autor, ou como é entendido na análise do discurso francesa, de
seu fiador
21
, o leitor através do enunciado tem plenas condições de perceber
a tonicidade, de fazer uma representação mental do corpo do enunciador,
isto é, ocorre então um fenômeno do ethos sobre o co-enunciador
22
que é
entendido como incorporação.
A incorporação age no co-enunciador em três aspectos: proporciona
ao co-enunciador conceder um ethos ao fiador; pode provocar a
incorporação do co-enunciador ao fiador do enunciado pela forma como se
insere nas relações sociais; e finalmente proporciona a constituição de um
corpo ao enunciado a partir da concessão do ethos e da forma como
enunciado se posiciona no mundo. Assim, o entendimento de ethos abarca
não só a questão vocal, mas todo um complexo de características que
envolvem a personalidade do enunciador relacionando corpo, tom
23
, caráter.
Para Maingueneau o ethos é mostrado, não precisa necessariamente
ser explicado, pois é visto a olho nu. Mesmo se o co-enunciador não
tiver qualquer referência da personalidade, do caráter do enunciador, uma
primeira pista será a inserção do texto em um gênero discursivo. A partir do
gênero, o co-enunciador poderá construir uma representação do autor do
21
Fiador representa uma instância subjetiva encarnada do que é dito.( Maingueneau, 2002, p.98)
22
Termo utilizado pela Análise do discurso em substituição do termo destinatário e implicando que os dois participantes,
enunciador e co-enunciador tem papel ativo.
23
Em relação ao tom segundo Maingueneau (2005,pg.72) apresenta a vantagem de valer tanto para o sentido escrito
quanto para o oral: pode-se falar do “tom de um livro”.
texto. Como já foi discutido anteriormente neste trabalho o gênero
discursivo possui três elementos essenciais: o seu conteúdo temático, o seu
estilo, que se refere à autoria; e ,por fim, a sua composição, ou seja, sua
estrutura lingüística caracterizadora. Por exemplo, um gênero discursivo
publicitário possui um conteúdo de oferta de um produto ou serviço,
apresentado de forma particularmente criativa e competitiva com estrutura
lingüística em sua grande maioria construída por sentenças adjetivadas e
sedutoras. Nesse sentido, a partir do gênero discursivo o ethos mostrado ao
co-enunciador pertence a uma cena de enunciação. Dessa forma, no que diz
respeito à cena da enunciação no processo discursivo, Maingueneau lembra
que: um texto não é um conjunto de signos inertes, mas o rastro deixado
por um discurso em que a fala é encenada. (2002, p.85). Assim na
perspectiva postulada por Maingueneau, o ethos não pode ser medido
apenas no aspecto da retórica aristotélica como um mecanismo persuasivo
de argumentação de convencimento, pois ele faz parte da cena da
enunciação, dando autoridade ao seu enunciado no qual o sentido é
constituído.
Quando Maingueneau fala em cena da enunciação, ele a compreende
dividida em três: a cena englobante, a cena genérica e a cenografia. No que
diz respeito à cena englobante, as questões pragmáticas das relações sociais
através do discurso são as que a produzem, tais como, seu caráter político,
religioso, filosófico. Por seu turno, a cena genérica está relacionada a um
gênero, como a aula, o editorial, o publicitário. E finalmente no que se trata
de cenografia é nada mais que uma imposição do gênero utilizado, como
uma aula que pode ser dada em uma sala de aula, em um auditório, ou
mesmo à distância via internet. Diante desse fato, retomamos a assertiva de
Maingueneau em relação à cena de discurso:todo discurso, por sua
manifestação mesma, pretende convencer instituindo a cena de enunciação
que o legitima(2002, p.87). Entretanto, vale ressaltar aqui que uma
cenografia só se constitui inteiramente se tiver autonomia, ou seja, se puder
manter uma certa distância do co-enunciador. Um bom exemplo disto é o
discurso publicitário que em termos de cenografia pode aparecer de várias
formas como um anúncio impresso, eletrônico ou mesmo digital. O discurso
é o mesmo, o que muda é a sua cenografia. Faz mister ratificar que o termo
cenografia aqui discutido não está associado à teatralidade e sim a sua
inscrição, a sua caracterização enunciativa que a legitima. E essa relação é
compreendida como um enlaçamento paradoxal, isto é, ela é ao mesmo
tempo, aquela que o discurso vem e aquela que ele engendra
(Maingueneau,2005, p.77).
Trazendo a discussão de ethos para a esfera do sitcom Os Normais, os
personagens carregam um ethos revelador no qual se abrem e se confessam
na maioria dos episódios, seduzindo o telespectador através da
interatividade, da busca pela identificação. O texto dos personagens é
apresentado pela naturalidade das interpretações que envolvem a cena da
enunciação. Geralmente, os atores aparecem com roupas íntimas, interagem
com os telespectadores quando olham e conversam diretamente para a
câmera, e tem atitudes consideradasanormais diante de outras pessoas,
como gritar, quebrar pratos ou se questionar o tempo todo: o porquê de tal
atitude.
Ratificando o papel sedutor do ethos da personagem sobre os
telespectadores, Ferrés(1998,p.71) afirma que:
o fascínio que os personagens e as situações exercem sobre o
espectador provém de que o põe em contato com mais profundo e
oculto de suas tensões e pulsões, de seus conflitos e ânsias, de
seus desejos e temores.
Assim, entendemos que aliado às estratégias interativas utilizadas no
jogo de linguagem realizado pelos personagens, o ethos é um dos
componentes essenciais na constituição de sentido nas interações verbais,
neste caso em particular na constituição do humor.
3.2- A autonomia do ator
A perspicácia é característica das interações humanas, principalmente
em gêneros textuais em que o discurso é construído no momento da
interação pelos interlocutores. Como bem destaca Koch, em A Inter-ação
pela Linguagem (2003[1993], p. 25),o sentido é construído na
interlocução, no interior da qual os interlocutores se constituem e são
constituídos. Dentro desse prisma, lembramos que o texto de Os
Normais é idealizado por seus autores, e complementado pela naturalidade
e criatividade das interpretações dos atores, com os acréscimos que são
dados de forma espontânea durante a cena. Dessa forma, mesmos os
interlocutores-atores vivendo uma simulação da interação tornam real a
interação quando inserem no diálogo, os acréscimos de fala, empregando na
elaboração da interpretação certos fenômenos de repetições e
reformulações.
As reformulações podem ser visualizadas quando se observa que,
apesar das condições de harmonização do jogo de linguagem como polidez e
preservação da face, os atores sociais não deixam de inserir
intencionalidade, e ao inseri-la acabam por mudar o discurso, ou seja,
mudam as pistas de contextualização, a cena da enunciação, por meio do
improviso, reelaborando o texto pré-elaborado pelo autor. Dessa forma,
poderíamos dizer que há momentos claros de inserção e acréscimos de fala
feitas pelos atores ao texto dos autores, tornando os diálogos de Os Normais
muito semelhante à conversação espontânea, concedendo-lhes dessa maneira
um caráter vivo e dinâmico, fazendo com que a cada intervenção do
interlocutor haja uma orientação reformulada.
Os roteiristas do programa em estudo parecem ter consciência do
papel relevante das construções improvisadas pelos atores na hora da
interpretação, como também, sabem da importância dos efeitos de sentido
positivos que esses acréscimos e reformulações realizam no público. Os
próprios autores já explicitam isso em seus depoimentos no primeiro DVD
da série, disponibilizado ao público.
De acordo com a roteirista Fernanda Young:
O texto é feito, já inspirado no tipo de interpretação que a
Fernanda Torres e o Luís Fernando Guimarães fazem. Hoje em
dia escrever Os Normais desde o início já com o Luiz
Fernando e depois com a Fernanda, a sensação é que a coisa é
um trabalho de co-autoria.
Por sua vez, Alexandre Machado, roteirista do programa, destaca que:
Tudo, eu acho, que um roteirista de humor pediu na vida era o
Luiz Fernando e a Fernanda Torres na mesa, trocando diálogos
já era suficiente, se eles improvisassem durante o programa
inteiro já teria metade do ibope garantido. A gente só ia ter que
incrementar um pouco mais.
A repetição
24
é um fenômeno lingüístico inerente às interações e
principalmente à conversação espontânea. Usa-se a repetição para
persuadir, convencer o interlocutor de sua intenção como uma marca
conversacional de edificação do discurso. Repete-se também para marcar
exatamente aquilo que está sendo dito, para que não haja dúvidas ou mesmo
tentativas de subversão. Por outro lado, a repetição pode ser entendida,
como um processo de aprendizagem, repetir para aprender. A repetição
pode ser entendida e utilizada ainda como um mecanismo redutor de
ambigüidades. Esse fenômeno, essencial à linguagem recebeu através de
estudos a seu respeito quatro enfoques de análise: quanto ao seu mecanismo
coesivo, quanto ao recurso retórico, quanto aos seus efeitos semânticos e,
finalmente, quanto a sua importância na aquisição da linguagem, na
socialização e no ensino das línguas. Para nossa análise, o mecanismo da
repetição será tomado como um elemento constituinte da interação que tem
24
Marcuschi discute o fenômeno da repetição em seu trabalho: A Repetição na Língua Falada (1992) definindo a como ”a
produção de segmentos discursivos idênticos ou semelhantes duas ou mais vezes no âmbito de um mesmo evento comunicativo"
(p.07).
como função a estruturação do discurso em sua ênfase retórica e como
mecanismo de coesão textual.
Como já foi comentado anteriormente, o discurso de Os Normais é
híbrido, flutua entre a fronteira do escrito e do falado, entre a criação do
autor e a interpretação do ator. A fala e a escrita são modalidades da
linguagem que possuem especificações diferenciadas.
Retomando o pensamento de Koch (2002[1997}, p.78) há características
distintas que geralmente ocorrem entre as modalidades faladas e escritas:
QUADRO NÚMERO 04: Modalidades faladas e escritas pro Koch
FALA ESCRITA
Contextualizada Descontextualizada
Implícita Explícita
Redundante Condensada
Não-planejada Planejada
predominância do
modus pragmático
predominância do
“modus sintático”
Fragmentada não-fragmentada
Incompleta Completa
pouco elaborada Elaborada
pouca densidade informacional Densidade informacional
Predominância de frases curtas,
simples ou coordenadas
predominância de frases
complexas, com subordinação
abundante
pequena freqüência de passivas emprego freqüente de passivas
abundância de nominalizações poucas nominalizações
menor densidade lexical maior densidade lexical
Koch advoga que as características de cada modalidade não são
exclusivas podendo ocorrer de forma alternada. No que diz respeito à fala,
nosso foco de análise, ela possui uma estruturação própria mínima como
não-planejável, ou planejável localmente a cada intervenção, dinâmica, com
marcadores conversacionais e com uma sintaxe própria. A sintaxe própria
pode ser compreendida a partir das hesitações, repetições, truncamentos
inerentes à conversação espontânea. No tocante aos marcadores
conversacionais, podem ser observados quando, por exemplo, os atores do
programa acrescentam-nos em suas interpretações: oh, né, pô, aqui, (apesar
de não acrescentar nenhuma informação nova com isso). Dessa forma, falam
como se realmente estivessem face a face com o telespectador e não se
restringem ao texto pré-fabricado.
Marcuschi em Análise da Conversação (1999[1986], p. 62) aponta
que os marcadores conversacionais verbaisnão contribuem propriamente
com informações novas para o desenvolvimento do tópico, mas situam-no
no contexto geral, particular ou pessoal da conversação.
Percebemos, então, que o ator na realidade, quando sai do texto pré-
fabricado pelos autores através da interação com o outro, torna-se um co-
autor do texto em uma co-produção discursiva. Aliado à personalidade
artística dos atores do sitcom, o efeito de sentido do humor tende a ser
garantido.
3.3 - A Publicidade de Os Normais: interação na marca e no
formato.
Há algum tempo que a hegemonia da comunicação massiva televisiva
padronizava comportamentos, preferências, consumos. Hoje em dia, a
programação televisiva luta contra as rejeições, seleções e mesmo
segmentações do público telespectador. De maneira consciente ou
inconsciente, o que vem à cena são as crenças, culturas, ideologias,
sensibilidades e mesmo particularidades demográficas e qualitativas do
público desejado. Ferrés (1998, p. 268) assevera a seguinte afirmativa no
que diz respeito às mensagens televisivas:
(...) as mensagens da televisão somente adquirem plena
significação quando interagem com as mensagens que o receptor
emite na forma de resistências e filtros, mas também na forma de
desejos, temores, anseios, ilusões, esperanças...
Nesse cenário da busca pela preferência do telespectador, as
empresas de televisão, como todo mercado de ofertas, recorre a um
mecanismo secular, colaborador da sociedade consumista e do
desenvolvimento da economia: a publicidade. O que será esse instrumento
que invade todas as esferas da sociedade seja em bens de consumo,
ideológicos, religiosos e políticos?
Existe uma discordância teórica sobre como definir publicidade e
propaganda. Os dois termos são usados, muitas vezes, indistintamente. Para
muitos estudiosos as ações a eles correspondentes, têm a mesma função:
persuadir o consumidor a comprar ou ainda facilitar a venda de produtos e
serviços. Entretanto, outros estudiosos do assunto, como J. B. Pinho(1990)
e Armando SantAnna (2002) acreditam que exista apenas uma tênue
distinção entre ambas, devido à função exercida por cada uma delas. Pinho
defende que a propaganda é construída a partir de técnicas direcionadas
para a profusão de idéias, em especial para defesas políticas; por outro
lado, a publicidade, segundo ele, baseia-se em ações que visam a motivar e
incitar o consumo de produtos e serviços. (Pinho, 2001,p. 131).
Em sua origem e aplicação, os vocábulos Publicidade e Propaganda
distinguem-se. O vocábulo propaganda foi primeiramente utilizado pelo
Papa Clemente VII, por volta de 1597, para propagar a fé católica no
mundo, ao fundar a Congregação da Propaganda. O termo Propaganda
origina-se do latim, propagare e quer dizer reproduzir através de mergulho.
Santa´Anna interpreta essa tradução do Papa como sendo adequada para
exprimira propagação de doutrinas religiosas ou princípios políticos de
algum partido. Já em relação ao termo publicidade, o mesmo autor lembra
que, etimologicamente, a palavra tem também origem latina, publicus
(público) e significa divulgar, tornar público (Santa´Anna, 2002,p.75).
Pinho defende que, por essa razão, a propaganda é mais abrangente do que a
publicidade, já que ela compreende não só a propagação das idéias, mas por
extensão a sua vulgarização, no sentido de difusão. Os dois termos,
entretanto, apesar de seu uso indistinto, estão inseridos em uma ampla e,
constitutivamente falando, complexa tipologia, a saber: publicidade de
produto, publicidade de serviços, publicidade de varejo, publicidade
comparativa, publicidade cooperativa, publicidade industrial e, finalmente,
publicidade de promoção. Por sua vez, a propaganda também apresenta sua
própria classificação tipológica, de acordo com sua natureza: propaganda
ideológica, propaganda política, propaganda eleitoral, propaganda
governamental, propaganda institucional, propaganda corporativa,
propaganda legal e propaganda religiosa. (Pinho, 1990 ,p. 18-24).
Dessa forma, é possível perceber que o termo propaganda e a ação a
ele correspondente, significam a veiculação e propagação com o objetivo de
levar, promover e incutir idéias, crenças e valores a um público pré-
determinado e/ou determinado.
Partindo dessa percepção da questão, é que vamos observar como
ocorre a publicidade/propaganda do sitcom Os Normais. A forma e o
conteúdo em que o discurso foi constituído parecem revelar tanto a natureza
como o objetivo do discurso do programa:
QU ADRO NÚM ERO 05: Formas e Objeti vos d o Di scurs o
A forma: a natureza do discurso é essencialmente promocional, chamando
telespectador para assistir ao programa através dos personagens;
o objetivo geral do discurso: lembrar o telespectador o dia e o horário do
programa;
o objetivo específico: atingir, mediante uma propaganda específica, o
público alvo também singular que é essencialmente urbano, de classe média,
com bom poder aquisitivo e boa escolaridade.
Adicionalmente, a propaganda promocional em questão está apoiada
no que poderíamos chamar de propaganda institucional
25
com marca
própria. Mas cabe um esclarecimento: na medida do possível, todo
programa televisivo busca personalizar seu nome, sua identidade. Porém,
acreditamos que uma análise pontual, casuística poderia ajudar a perceber
nuances interessantes, permitindo uma abordagem indutiva do fenômeno da
personalização mediante uma abordagem do trabalho publicitária.
Vamos analisar primeiramente, a Marca Os Normais como bastante
enfática, cuidadosamente personalizada. A Marca em questão é o nome do
programa com a letra R escrita de forma inversa - -
implicando na identidade do programa de uma casal normal apesar de se
expor, de gritar e ridicularizar um ao outro. A marca é estratégica e
essencialmente personalista, mas também nominalista: o nome basta-se.
No segundo momento, observamos que o formato da publicidade do
programa é inovador para época, no qual os próprios personagens
divulgavam o programa agindo com o mesmo comportamento dos episódios:
brigas, ironias, disputas, expansividade.
26
A fórmula era como se fosse uma
25
Mensagem institucional ou propaganda institucional, de acordo com Sampaio (2003), é um tipo de propaganda
desenvolvida para valorar a instituição e obter ganhos para a imagem da marca.
26
Atualmente o formato de chamada publicitária de Os Normais, na qual os próprios personagens participam, tornou-se
estratégia recorrente nos sitcoms produzidos pela Rede Globo, como Sexo Frágil e a Diarista.
pílula do programa, ou seja, uma mini cena, uma degustação, para atrair o
interesse do telespectador para o episódio da semana.
QU ADRO 06: Foto ilustrativa dos personagens fazendo a chamada
Al Ries (2002, p.50) afirma que os responsáveis pela difusão
midiática têm amplo espaço para operar estrategicamente. No caso em
questão, através de recursos tais como formato irreverente e revelador,
interpretações interativas, apelo a situações e contextos de natureza
privada, tecnicamente fundidos com a publicidade e, finalmente, o uso da
metalingüagem
27
, na saída dos personagens para o ambiente das chamadas
do programa. Esse último recurso atende ao que afirma Marcos Rey (2001,
p.27): (...) o personagem é o grande elo entre o autor e o público. Se bem
concebido, por inteiro, pode salvar uma história fraca ou até dispensá-la,
pois traz no bojo toda uma biografia repleta de fatos. Nessa perspectiva,
os personagens Rui e Vani, protagonistas fundamentais de Os Normais,
carregam consigo vidas e situações reveladoras, sem pudor; e assim
conseguem atuar em plena interatividade com o telespectador, quando
conversam com ele, olhando direto para a câmera, quando revelam seus
segredos, sua privacidade. É válido ressaltar que quando levam isso para a
27
Segundo o dicionário de linguagem e lingüística de R.L.Trask, (2004) metalinguagem pode ser compreendida como
processo de utilização da língua para falar da língua objeto. No caso em questão os próprios personagens são utilizados
para falarem deles mesmos.
publicidade das chamadas, essa estratégia publicitária visa atingir um
mercado: o mercado simbólico da indústria do entretenimento. Essa
indústria, portanto, está de alguma forma, baseada na concepção
benjaminiana acerca das técnicas de reprodução e de uma preservação da
essência da arte, que nesse caso, quando aplicadas ao produto/série
midiático, podem influir e modificar a reação do público diante do produto.
PARTE III: ANÁLISES DO CORPUS
CAPÍTULO 4: OS EPISÓDIOS E AS CHAMADAS
DE OS NORMAIS
Após nossa discussão nos capítulos anteriores, a respeito do
arcabouço teórico que entendemos como necessário para evidenciar o efeito
de sentido construído na interação do sitcom, partiremos para a análise
descritiva e interpretativa do corpus estabelecido. Esperamos contribuir
para a visualização concreta dos aspectos discutidos ao longo do trabalho.
Antes, contudo, apresentaremos o nosso corpus, explicaremos as regras de
transcrição realizadas e exporemos as categorias de análise.
4.1 - Sobre o corpus: o sitcom Os Normais
O olhar do presente estudo se volta aos textos dos sitcoms brasileiros,
especificamente o texto de Os Normais, da Rede Globo de Televisão. O
programa pertencia ao Núcleo de Guel Arraes, com direção executiva de
produção de Eduardo Figueira. Escrito por Alexandre Machado e Fernanda
Young o sitcom era estrelado por Fernanda Torres e Luiz Fernando
Guimarães e dirigido por José Alvarenga.
O sitcom se destacou desde seu primeiro dia de exibição
28
e recebeu
prêmios como o Troféu APCA, outorgado pela Associação Paulista de
Críticos de Arte, considerando-o o melhor programa de 2001, na categoria
televisão. O programa recebeu também o Troféu Imprensa, do SBT, na
categoria de melhor programa de televisão de 2002. Após 71 episódios, em
outubro de 2003, saiu do ar e foi lançado Os Normais O Filme, nos
cinemas.(Anexo D e E)
28
Atingiu no primeiro dia exibição a média de 39 pontos no ibope segundo depoimento do diretor executivo
de produção, Eduardo Figueira em depoimento no DVD.
No ano de 2003, o sitcom atingiu a marca dos 22 pontos de média,
mantendo o perfil de sua última temporada.
29
Com menos de três anos de
exibição, boa audiência, formato de produção irreverente e linguagem
reveladora, a série utilizou-se dos outros produtos exibidos pela mesma
Rede de Televisão, além da sua exibição semanal, tais como as chamadas
(em que os próprios personagens, lançando mão do metadiscurso, faziam o
convite para o público assistir ao programa e ao filme) e as entrevistas nos
programas de auditório (talk show, games e variedades) para se manter
presente na vida dos telespectadores.
4.2 A Análise da conversação entre Rui e Vani
A Análise da Conversação é uma abordagem que deriva da
etnometodologia (definida como o estudo das maneiras pelas quais as
pessoas criam sentido nos ambientes sociais em que vivem). Trata-se de
uma corrente da sociologia surgida nos anos 1960 com os trabalhos de
Harold Garfinkel, Harvey Sacks, Emanuel Schegloff e Gail Jeffrson.
Segundo Luiz Antônio Marcuschi [1986]1999, p.07), a análise
conversacional é uma tentativa de responder a questões do tipo: como as
pessoas se entendem ao conversar? ou como sabem que estão agindo
coordenada e cooperativamente?, ou como criam, desenvolvem e resolvem
conflitos interacionais?
Como o corpus da Análise da Conversação é a interação verbal
espontânea entre no mínimo dois participantes, a teoria considera também
os detalhes não verbais como a entonação, a gagueira ou hesitação, a
simultaneidade e a alternância das falas como elementos constitutivos deste
tipo de interação passíveis de investigação. Assim sendo, realizamos a
transcrição de trechos de 02 episódios da série, dois monólogos e duas
chamadas do programa observando a troca de turno (a produção de um
falante enquanto ele está com a palavra, incluindo aí também o silêncio),
29
Dados do Ibope comentados no site Gente &TV, disponível in: http:// exclusivo.terra.com.br/interna
os marcadores conversacionais, para poder definir propriedades estruturais
claras.
As normas para transcrição dos diálogos obedeceram aos padrões
apresentados por Luiz Antônio Marcuschi em seu livro Análise da
Conversação (1999[1986]). Os sinais utilizados nas transcrições objetivam
respeitar a produção real de truncamentos, hesitações, que aparecem na fala
dos personagens. Os sinais utilizados foram:
QU ADRO NÚM ERO 07: Sinais de transcriç ã o por Marcuschi.
[[ ( colchetes duplos) - para as falas simultâneas no início do turno;
[ ( um colchete simples) - para a sobreposição de vozes abrindo a
sobreposição;
(+) ( sinal + entre parênteses) - para as pausas e silêncios até 0,5 minuto de
pausa ou silêncio, caso ultrapasse esse tempo, será cronometrado os minutos e
expressos em parênteses;
( ) (sinal de parênteses) - para dúvidas e suposições - quando não for
possível o entendimento do que foi dito coloca-se dentro dele o que supomos
ter ouvido;
MAIÚSCULA para explicitar ênfase ou acento forte - quando uma palavra é
pronunciada com um tom mais forte usamos a expressão com letra maiúscula;
(aspas duplas) - para sinais de entonação e ponto de interrogação, usamos
aspas duplas para indicar ponto de interrogação;
/ ( barra) - para truncamentos, usamos a barra indicando que o falante teve um
truncamento brusco e,
(( )) ( parênteses duplos) - finalmente para comentários do analista, quando
queremos descrever ou comentar algum gesto ou situação da cena.
4.3- Categorias de Análise: como se dá o efeito de sentido em Os
Normais
Partiremos finalmente para a análise do fenômeno da construção de
sentido estabelecida no sitcom Os Normais. Os doze episódios disponíveis
em DVD, exibidos no período 2001-2003 e do episódio inédito para tv
presente no DVD Os Normais o filme, além dos episódios constantes em
Os melhores Momentos constituem o corpus ampliado. A partir desse
universo selecionamos dois episódios, dois monólogos e duas chamadas
para melhor evidenciar os conceitos das categorias de análise.São eles:
QU ADRO NÚM ERO 08: Corpus Restrit o
1- Episódios:
Episódio 01: Motivos Normais
Trechos: 03 trechos - Cena no quarto
- Cena no elevador
- Cenário no carro
Fonte: episódio inédito para tv presente no DVD Os Normais o filme
Episódio 02 : Os Normais
Trecho: 01 trecho - Restaurante
Fonte: Episódio veiculado na tv, escrito no livro Os melhores momentos de
Os Normais e constante no DVD da série Os Normais.
2- Monólogos:
Fonte: Os melhores momentos de Os Normais
3- Chamadas:
Fonte: DVD OS NORMAIS SEM CORTES
Acreditamos que esses exemplos caracterizam de forma consistente os
aspectos propostos para estudo.
As categorias de análise foram comentadas nos capítulos 01, 02 e 03
dos pressuspostos teóricos. A título de visualização elencamos todas elas no
quadro a seguir:
QU ADRO 09: Categoria s de Aná li s e
Estratégias discursivas sócio-interativas:
- preservação da face;
- subversão argumentativa irônica;
Ideologia
Interincompreensão
Características da conversação:
- repetições;
- espontaneidade (acréscimos);
- tonicidade
Dialogismo
Interatividade:
- simulação da realidade;
- identificação com o ethos
4.4. Análise dos Episódios
4.4.1 Episódio Motivos Normais
a) Trecho 1: Cena no quarto, enquanto os dois se
preparam para viajar.
V: Rui (+), por que você gosta de mim
R: ih, aí! ((sorrindo))
V: "ih, aí!" o quê Queria saber por que você gosta de mim.
R: por que você tem o DOM de escolher a hora certa para fazer esse tipo de pergunta.
V: ah, que tipo de pergunta Uma pergunta simples, direta
R: ô, Vani, hoje é véspera de feriadão. Se a gente não sair antes das oito, vai pegar o
maior estresse na estrada.
V: calma. Eu não tô pedindo pra você convocar a imprensa, parar tudo o que você está
fazendo. Eu tô pedindo para você responder uma pergunta simples: Por que você gosta
de mim
R: você quer que eu diga porque eu gosto de você enquanto eu escolho quantas cuecas
eu vou levar
V: mas você precisa usar todos os neurônios do seu cérebro pra me responder uma coisa
tão simples? Me dá um motivo de você gostar de MIM.
R: ah, bom. Não sabia. Você quer UM motivo. Achei que você queria O motivo.
V: como assim
R: não, porque um motivo é uma coisa assim: eu pego um motivo e digo pra você. Mas
agora O motivo é a razão básica e fundamental do fato de eu gostar de você, entendeu
V: ah, é Eu quero esse aí. A razão básica e fundamental de você gostar de mim.
R: ah, é
V: é.
R: posso pensar no feriadão e domingo à noite eu te digo
(( Vani fica decepcionada com a resposta de Rui))
.....
Podemos notar, no primeiro trecho deste episódio, a presença de duas
estratégias discursivas sócio-interativas dos personagens: a preservação da
face e a subversão.
O personagem Vani na série é uma mulher em busca de sua realização
afetiva, dessa forma, tenta sempre engrenar conversas com seu noivo que o
levem à materialização do seu objetivo marcar a data de seu casamento.
Ao iniciar o tema da conversa, o faz de maneira casual, despretensiosa,
escondendo suas verdadeiras intenções ao fazer a pergunta: Rui, por que
você gosta de mim?
Por sua vez, o personagem do noivo, Rui, é um homem que foge de
compromissos mais sérios como o casamento, apesar de manter uma relação
de noivado com a Vani. Assim, sua resposta subverte de forma irônica a
pergunta dela :Por que você tem o DOM de escolher a hora certa para
fazer esse tipo de pergunta. Apesar da carga irônica da resposta dele,
sugerindo que este tipo de assunto não seria de seu interesse e nem o
momento seria oportuno, já que estão se preparando para viajar, ela insiste
novamente na pergunta, porém de forma mais objetiva: ah, que tipo de
pergunta? Uma pergunta simples, direta? Isto indica que ela quer manter a
direção da conversa.
Rui, novamente tenta se desvencilhar de responder à pergunta da
noiva, mantendo o tom irônico de suas respostas:Você quer que eu diga
porque eu gosto de você enquanto eu escolho quantas cuecas eu vou
levar?. Há, então, uma tentativa do personagem, através de respostas
irônicas, sinalizar que este assunto precisa ser tratado com cuidado, com
tempo e atenção e não no momento em que estão fazendo malas.
Como ressalta Brait (1996), o enunciador, ao fazer um discurso
irônico, busca formas de despertar a atenção do co-enunciador e
conseqüentemente obter sua adesão, sua concordância em mudar de assunto.
O noivo poderia responder diretamente a pergunta e pôr um ponto
final na conversa, entretanto, como ele tem um relacionamento afetivo com
ela e quer preservá-lo, tenta mudar de assunto:Ô, Vani, hoje é véspera de
feriadão. Se a gente não sair antes das oito, vai pegar o maior estresse na
estrada. Há novamente a estratégia de preservação da face por parte de
Rui, ao tentar mudar de tópico sem ser agressivo. Ele tenta fazer com que o
novo tópico seja mais relevante do que outro, uma vez que, geralmente, o
trânsito nas grandes metrópoles realmente congestiona em vésperas de
feriado. E assim, ela deixaria de insistir na continuação da conversa pela
qual ele não tem interesse.
Todavia, sabemos que o co-enunciador normalmente entende a
estratégia do outro e constrói também o sentido. É o que ocorre na resposta
dela: Calma. Eu não tô pedindo pra você convocar a imprensa, parar tudo
o que você está fazendo. Eu tô pedindo para você responder uma pergunta
simples: Por que você gosta de mim
Ao dar esse tipo de resposta à colocação de Rui, Vani acaba por
ameaçar a sua face positiva, ao demonstrar impaciência, perplexidade pelas
fugas dele, quando fala calma. Ou seja, ela quer transparecer que não é
nada assim tão complicado de responder. Como também, ao produzir esse
enunciado, Vani lança mão da ironia comentando que não seria necessário
convocar a imprensa ou coisa do tipo para responder à pergunta, mas que
era só responder. Do mesmo modo, há ironia quando ela diz que ele não
precisaria usar todos os neurônios para responder uma coisa tão simples.
Nesse ponto da conversa, ela muda de posição com Rui e agora, é ela quem
subverte as respostas dele. Ratificando o uso ou não dos neurônios, assim
novamente, Vani subverte o discurso de Rui através do mecanismo da
ironia.
Isso nos remete novamente ao pensamento de Brait (1996,p.105)
(...) um enunciado irônico envolve formas de interação entre os sujeitos,
bem como a relação com o objeto da ironia e com as estratégias lingüístico-
discursivas que põem em movimento o processo.
Apesar de que as respostas irônicas muitas vezes ameaçam a face do
casal, os noivos tentam sempre harmonizar o jogo de linguagem mesclando
suas falas com estratégias de preservação da face, como ocorre na tentativa
de Rui em dizer que houve um mal- entendido sobre o que ela queria
saber. A resposta de Rui : Ah, bom. Não sabia. Você quer UM motivo.
Achei que você queria O motivo, provocando em Vani a inevitável
pergunta como assim?. Rui, ao explicar que um motivo pode ser qualquer
um e o motivo é que é a causa do seu sentimento, mantém novamente uma
tentativa de mudança de assunto e que o que está se discutindo não é o foco
da conversa. Essa era a tentativa de fazer com que ela desistisse.
Como Vani não desiste e, pelo contrário, insiste na resposta a sua
pergunta, Rui lança mão de uma forma polida encerrando a conversa e assim
adia a resposta para pelo menos o fim do feriadão.
Esse trecho nos permitiu observar que as estratégias interativas de
preservação da face são recorrentes nas falas dos personagens. Ora as
intervenções dos personagens tinham polidez buscando a mudança do tópico
conversacional, ora apresentavam subversão, desqualificação
argumentativa, daquilo que é dito para comprovar que o tema não é
pertinente nem no tempo da relação e nem naquele momento. Suas falas
também continham ironia para explicitar o desvio ou desinteresse em dar a
resposta desejada. A ironia utilizada por diversas vezes pelo casal serve de
instrumento para sinalizar que um ou outro assunto não deve ser posto em
questão por vários motivos que não precisavam ser explicitados. Por outro
lado, a ironia é muitas vezes percebida como uma pista que a face está
sendo ameaçada, ao dizer o que se quer sem literalmente fazê-lo, que a
persistência no tópico conversacional poderia levar a desentendimentos, já
que transparece irritação, impaciência, intolerância.
b)Trecho 2 : Cena no elevador
V: eu sou uma besta quadrada mesmo. Eu sempre carrego mais coisa que precisa.
R: quer que eu leve a sua bolsa
V: não, não, que eu sou mulher pau pra toda obra.
R: hein Quê Quê
V: ué Você não falou há dois anos atrás que você adorava uma mulher pau pra toda
obra
Então eu SOU. Será que é esse o motivo de você gostar de mim
R: não. Eu acho que tem outras características importantes numa mulher.
V: Ué Quais, por exemplo
R: por exemplo, o companheirismo. Por exemplo, mulher ser companheira.
((vani dá um tapa amigável nas costas de Rui e passa a mão no ombro dele))
R: outra coisa que eu acho importante também: a mulher cuidar do homem, porque o
ho mem gosta muito de ser cuidado, né
V: escuta, você não teve aquele torcicolo na semana passada Você não pode carregar
peso, né
R: não, tá tudo bem.
V: não, deixa que eu carrego pra você.
R: não, Vani, não precisa.
V: Que é isso, meu amor? Deixa, deixa...
R: Quer carregar
V: Claro, Deixa!
(( Vani cai com o peso das bolsas ))
No segundo trecho do episódio, o discurso da personagem, Vani,
explicita avisão machista que muitos membros da sociedade absorvem.
Para que o personagem Rui goste dela, Vani recorre à exaltação de atributos
como companheirismo, preocupação com o bemestar que na opinião dele,
colaboram com o perfil da mulher ideal para qualquer homem.
No trecho da fala de Rui: Outra coisa que eu acho importante
também: a mulher cuidar do homem, porque o homem gosta muito de ser
cuidado, né, as expressões eu acho e porque o homem gosta revelam
a representação do discurso coletivo em uma sociedade pautada por
comportamentos e concepções machistas, como é a brasileira. Vale lembrar
aqui, que as Formações Ideológicas alimentam as Formações Discursivas
que são construídas pelos indivíduos materializando essa concepção de
mundo. Em outras palavras, os discursos dos sujeitos durante a interação
refletem o discurso das classes sociais.
Nessa perspectiva do perfil de alguns membros da sociedade, Van
Djik (1997) afirma que as ideologias têm manifestações que variam de
acordo com o contexto, como, por exemplo, se as pessoas estão inseridas no
mesmo grupo social e se identificam, podem comungar da mesma ideologia.
Outro trecho que podemos perceber a ideologia machista no discurso
da série está no fragmento a seguir da fala da personagem Vani: Ué? Você
não falou há dois anos atrás que você adorava uma mulher pau pra toda
obra? Então eu sou! Será que é esse o motivo de você gostar de mim? Ela
apresenta um discurso de submissão próprio de uma mulher em uma
sociedade machista na qual TEM obrigatoriamente ser o que o namorado
deseja e não exatamente como ela é individualmente, seus valores pessoais,
vontades próprias, etc. Sua crença e personalidade não são individuais, não
lhe pertencem, acabam por pertencer ao noivo.
Apesar da declaração da noiva em constatar que seu comportamento
condiz com o perfil submisso e subserviente que agrada os homens, Rui não
se dá por satisfeito, ressaltando que uma mulher pau pra toda a obra não
é uma característica suficiente, pois ainda existem outras que uma mulher
precisa possuir para ser merecedora do afeto do homem.
Nesse cenário é perceptível a existência de uma proposta
manipuladora consciente do interlocutor, já que o falante organiza sua fala
em função do jogo de linguagem em prol da imagem que ele faz do outro, a
imagem que ele pensa que o interlocutor faz dele e a que deseja transmitir
ao interlocutor etc. É em razão desse complexo jogo de imagens que o
falante usa alguns argumentos e não outros.
Nesse contexto, nós nos apoiamos em Van Djik (1997) com relação à
ideologia presente entre os membros da sociedade dentro de um certo
contexto, que acredita não existir uma ideologia falsa ou verdadeira. O que
pode ocorrer é a existência defalsas posições por parte das mulheres
feministas em relação ao domínio do homem machista. Na realidade, como
acredita o teórico holandês, esse tipo de ideologia compartilhada representa
provavelmente uma posição preconceituosa da sociedade que apóia seus
interesses.
No caso da relação do casal da série em análise, Rui utiliza seu
discurso machista para conseguir tudo o que quer com a noiva. Por sua vez,
Vani incorpora o machismo, a fim de satisfazer os desejos e caprichos do
noivo. Na verdade, ela está sendo muito mais tática, já que seu interesse é
obter a resposta de Rui sobre qual seria o motivo que o levaria a gostar dela
e conseqüentemente, reforçar o relacionamento afetivo, fortalecendo assim,
a idéia de par perfeito, pronto para o casamento.
c) Trecho 3: Cenário no carro
V: Rui, outro dia eu tava olhando um artigo numa revista e me lembrei imediatamente
de você.
R: ah, é
V: é. Eu vivo me lembrando imediatamente de você. O tempo todo. Eu acho, seu
quisesse te trair em pensamento, era uma coisa que eu não ia conseguir.
R: ah, que bacana o que você falou, isso.
V: será que esse o motivo de você gostar de mim Da minha lealdade a você
R: não... não é isso, não.
V ((suspirando)): Ah... (+) Mas então, eu tava te falando desse artigo da revista. E dizia
que o novo ideal de beleza da mulher é cabelo escuro, olho escuro e uma mulher bem
magrinha, sem peito.
R:ah, é
V: é.
R: ah, pô.
V: ai eu falei: "O Rui... o Rui é fogo, né Sempre à frente da moda esse HOMEM".
R: mas eu na frente da moda, por quê
V: ah, por quê? Porque você me escolheu, meu amor. E eu sou assim: cabelo escuro,
hummm ((sugerindo a descrição)).
R: ah, sim, meu amor. Mas, a opção sentimental que o homem faz é uma coisa. Mas a
opção estética que ele tem é outra, né
V: ah, é Mas qual é a sua opção estética
R: ué. Mulher loira, escorrido ((faz gesto de cabelos lisos)), de olho azul e do peitão.
V: Rui, mas isso não tem nada a ver COMIGO Isso é o oposto de mim, RUI.
R: sim, mas você vai falar: Rui é um homem superficial. Mas eu não sou um homem
superficial, porque eu não escolho mulher pela sua beleza exterior, né Vani
V ((decepcionada)): ah, Rui, vamo voltar pra casa
R: hein
V: não sei. Não tô me sentindo muito bem...
R: o que foi que eu te disse, que eu falei Alguma coisa errada
V: não, de jeito nenhum. Que eu não quero mais viajar: quero ir pra casa. Quero não.
R: quer não é
((silêncio))
V: ô Vani, como é que é essa sua amiga Patrícia é
((Vani fica constrangida. Surge uma mulher esteticamente idêntica à descrição de Rui))
(( Rui buzina duas vezes))
Patrícia: tô DESCENDO JÁ, só um pouquinho.
O fenômeno da interincompreensão pode ser muito bem ilustrado
neste trecho do episódio pelos diversos momentos de divergência do casal.
Por exemplo, a divergência que ocorre entre eles a respeito da escolha
estética do homem estar associada a sua escolha afetiva. Ela não consegue
entender que as duas coisas não são associadas ou interligadas, como
afirma seu noivo. Por sua vez, o personagem do noivo ainda exemplifica o
pensamento que a mulher teria se ele fizesse esse tipo de associação. Em
Sim, mas você vai falar: Rui é um homem superficial. Mas eu não sou um
homem superficial, porque eu não escolho mulher pela sua beleza exterior,
né Vani Ele tenta convencê-la de que as duas escolhas caminham separadas
e que se assim não o fossem, a decisão de se relacionar com outra pessoa
não seria sincera, realmente afetiva.Vani não acredita no que ouve e se
rebela: Rui, mas isso não tem nada a ver COMIGO Isso é o oposto de mim,
RUI.Ao chamar pela segunda vez o nome do noivo, Vani tenta fazê-lo
entender que o que está dizendo não tem fundamento, pois na sua
concepção, se um homem fica noivo de uma mulher, escolhe essa mulher é
porque ela atende a todas as suas expectativas. Percebendo que não haverá
uma concordância entre eles, ela resolve desistir, não só de continuar o
assunto, como também de viajar. Isto nos remete à assertiva de Koch (2004)
segundo a qual para restabelecer o consenso (commonality), é necessário
que os conflitos sejam devidamente identificados e que sejam percebidas as
possíveis causas para reconstruir o consenso, o sucesso do jogo.
O fenômeno de discurso observado nesse trecho é claramente de
interincompreensão. Não há possibilidade de se compreender o que o outro
está dizendo pela impossibilidade em se colocar na posição do outro. Cada
personagem só consegue visualizar e compreender seu modo de enxergar o
mundo. Não há entendimento entre eles, apesar de não ocorrer um total
desintendimento, já que no mínimo há intenção de preservar mutuamente as
faces de ambos buscam manter a harmonia na interação em andamento.
4.4.2. Episódio:Os Normais
A transcrição aqui ocorreu com o contraponto entre o discurso do
DVD e o discurso do livro, a fim de poder explicitar a ocorrência de
acréscimos dos atores no texto entregue pelos autores. Para indicar o
acréscimo dos personagens ao texto original, utilizamos o sinal : _____ e
colocamos o segmento entre parênteses.
a) Rui e Vani num restaurante italiano dando as primeiras
garfadas nos respectivos pratos.
Humm!... Delicioso
Delicioso (Tá ótimo!)
Que delícia, tá uma delícia, ta não
Hum, hum
Hum...
Tá ótimo
((Vani mastiga tristemente, como se fosse forçada a isso.))
R: Que foi? ( Gostou O que foi )
V:Nada.
R: Não tá bom?
V:Veio com cebola ( tem cebola. Rui )
R: Você pediu sem cebola? (Mas você pediu sem cebola)
V: Não. Mas o verdadeiro Nhoque à Romana não leva cebola. (Não. Mas o
verdadeiro Nhoque à Romana verdadeiro não tem cebola).
R: Sei.... Esse nhoque aí é falsificado. (Ah, tá, falsificaram o Nhoque )
V: Eu já viajei pra Roma, tá, Rui? E comi nhoque lá. Não tinha nenhuma cebola. (
fui a Roma comer nhoque a romana. tinha cebola.não Ta)
((Vani passa a acenar ao redor, buscando um garçom que veja.))
V: Ah, vem chau...
R: Eles vão escarrar no seu prato. (Ei, não faz isso não. Se não eles vão escarrar no
seu prato, heim )
V: Eu tô pagando, eu quero um verdadeiro Nhoque à Romana. (Mas eu tô pagando,
tô querendo).
R: Eles escarram no prato de cliente que reclama, todo mundo sabe disso.
((Vani pára de acenar, empurra o prato e emburra a cara.))
V: Então não vou comer. Melhor. Emagreço. (Então, melhor que eu não como que
eu emagreço.)
((Rui dá uma bufada impaciente. E troca de prato com ela)).
R: Come o meu talharim. É mais caro que nhoque. Você ainda sai no lucro. (Vani
fica com o talharim. Olha aqui... Talharim sai muito mais caro que nhoque. você
ainda sai no lucro.)
((Ele come o nhoque. Ela só cutuca o talharim com o garfo.))
V:Tem cebola
R: Talharim à Putanesca. Já fui muito à Putanesca. Putanesca não tem cebola. (
talharim a Putanesca não tem cebola. Eu já fui a Putanesca, talharima Putanesca não
tem cebola. Você chega assim em Putanesca : cebola! As pessoas perguntam : o que
é isso?
O texto do episódio Os Normais é elaborado pelos redatores do
programa e complementado com naturalidade e criatividade nas
interpretações dos atores que acrescentam falas espontaneamente durante a
cena.
Nesse tipo de programa, a espontaneidade é uma das características
particulares constitutivas do sentido. Devemos considerar aspectos como
cenografia, expressividade e tonicidade nos atos de fala dos atores para
entender a construção do efeito de sentido do humor.
Os textos sublinhados nesse trecho são os acréscimos dados pelos
atores na hora de suas interpretações. Quando Rui repete várias vezes o
hum retomando exatamente como as pessoas normais sentem ao
degustar um alimento saboroso, como também, o marcador conversacional
heim?, na fala do ator: Ei, não faz isso não. Se não eles vão escarrar no
seu prato, heim?, são algumas das características da conversação
espontânea que não estão no roteiro originalmente proposto.
Dessa forma, lembramos o depoimento de Luiz Fernando Guimarães
que consta no DVD:O ator e o personagem se encontram e formam um
terceiro personagem, e esse terceiro personagem é constituído na hora da
interação social da cena, seja com a atriz/personagem, Fernanda
Torres/Vani, seja com o telespectador, ao se dirigir diretamente para a
câmera, seja, com os atores convidados a participar dos episódios.
Concordamos com John J.Gumperz (1982,p.151) quando ele afirma
que, um ato de fala é um processo dinâmico que se desenvolve e sofre
alterações à medida que os participantes interagem.
Diante dessa definição, constatamos realmente o estado híbrido do
discurso produzido pelos personagens do sitcom Os Normais, a partir das
condições de existência da interação social. Koch (2003[1993], p. 25)
lembra que o sentido é construído na interlocução, no interior da qual os
interlocutores se constituem e são constituídos. Observando as pessoas
iniciando uma conversa (mesmo que este diálogo seja pré-produzido)
podemos notar (e elas mesmas também notam) que acabam mudando ou
acrescentando algumas palavras ao texto planejado. Portanto, é natural que
encontremos acréscimos de fala dos personagens no texto roteirizado,
caracterizando-se como uma conversação real em uma fronteira de interação
entre o escrito e o verbal.
4.5 –Análise dos Monólogos
a) Típico Rui
Vocês repararam como, de quatro em quatro programas, a Vani fica mais nervosinha?
(Fonte: Os melhores momentos de Os Normais, p.142, editora Objetiva)
b) Típica Vani
Tirem as crianças da sala. Daqui a pouco eu vou sair do banheiro com cara de magoada e nós vamos ter o
famoso “sexo de fazer as pazes”. É maravilhoso, você transa como se estivesse estrangulando a pessoa.
(Fonte: Os melhores momentos de Os Normais, p.49, editora Objetiva)
Nos exemplos a e b acima, observamos claramente o aspecto do
dialogismo na fala dos personagens. Os marcadores de interação com o
telespectador são explícitos: Vocês repararam e Tirem as crianças da
sala, percebemos que os personagens se dirigem para câmera e falam
diretamente com o telespectador. Dessa forma, acabam por fazer com que
haja uma resposta de aceitação ou não, ou um sorriso de concordância com
que ele/ela está falando, mesmo que não estejam (os atores e o público) em
um mesmo lugar. Como nesse evento comunicativo, apesar de as atitudes
responsivas ativas do telespectador existirem diante dos atos de fala dos
atores, não existe uma interação local ou mesmo presencial, fazendo com
que haja uma supremacia verbal dos atores em relação aos telespectadores,
como objetos de suas ações. Como nos lembra Bakhtin ([1929]2000), os
enunciados mesmo monológicos são apenas assim em sua exterioridade, já
que sua estrutura interna, semântica e estilística são necessariamente
dialógicas.
O sitcom Os Normais não é só baseado na rotina de um casal que
interage entre eles, ou diretamente com o público, mas também há interação
com outros personagens que participam dos episódios. O diálogo entre
quaisquer interactantes recai em conversas cotidianas, muitas vezes em
circunstâncias de confronto, de quem tem a razão, constituindo uma
interação de disputa, de marcas de subversão ou ironia do texto do outro. A
ironia é utilizada como mola mestra de marcação dos posicionamentos de
cada pessoa, como também, serve como um mecanismo de socialização, de
acordo entre as partes, já que a sinceridade ou discordância de certos
argumentos muitas vezes pode parecer descortesia ou má-educação.
4.6 - Análise das Chamadas
a )Chamada 01
Vani chega em frente à porta do banheiro e começa a bater dizendo:
V: Rui, RUI, tá na hora da chamada, meu amor, já estão aqui. Rui, Rui (( e continua a bater na porta ))
R: Vani, agora eu não posso (( Rui abre a porta , fala e a fecha rapidamente))
V- Não, não tá na hora da cha /
não , não
V: Rui,((e continua a bater na porta e fala com a câmera)) pera aí só um minuto que ele já vem. Rui, Rui
V: vai acabar a hora da chamada. A gente não vai ter chamada do programa hoje
R: Vani, tô ocupado, Vani
V: Quê que é, comeu alguma coisa ”
R: é tô (+) pera aí
V: pêra aí RuI . Vai sem Rui mesmo gente! É só pra lembrar que hoje depois da Globo Repórter tem Os
Normais, ta bom ”
((Rui abre a porta do banheiro))
R: é , depois do Globo Repórter, falou ”
V: Já falei isso Rui. Na hora ele vai ta fora do banheiro e também eu vou ta pronta, ta” Vai Rui senão nem na
hora do programa cê ta ai.
b) Chamada 02
Vani , olhando para o monitor, segura uma máscara de rosto masculino como se fosse o Rui e inicia
um diálogo:
V- Ficou boa essa né, também achei.
(( Vani responde como se fosse Rui))
V: É
((Vani pergunta a máscara)) V: essa aqui que é que você achou”
(( Vani responde como se fosse Rui)) é mais ou menos
V: é também achei mais ou menos
(( depois ela desiste de segurar a máscara e comenta))
V: ah, gente eu não vou ficar aqui segurando uma mentira pro público. Eu não vou mentir pro público.
Sabe o que acontece” o Rui foi embora cara(+)
Pegou um avião pra Espanha , disse que tava de férias e me deixou aqui para fazer 04 chamadas pra o
programa de amanhã.
Eu não tenho o que dizer
É gente” pelo amor de Deus ” assiste o programa amanhã depois do Globo Repórter.
(( ela se vira novamente para a máscara que está segurando e pergunta)) Não ta bom o programa”
(( respondendo pela máscara)) ta ótimo, viu, , ta bom
(( beija a máscara)) eu adoro ele.
Nos dois exemplos, percebemos que o formato de uma chamada de Os
Normais foge ao formato convencional, caracterizando dessa forma, a linha
do programa que se baseia na simulação dos pequenos acontecimentos
diários da rotina de um casal. Essa simulação é complementada pela
interatividade dos personagens com o público, que dentro desse formato,
participa ativamente como se estivesse frente a frente com os personagens.
Al Ries (2002) defende que a mídia tem abertura para operar
estrategicamente. Essas estratégias interacional e de metalinguaguem, pelas
quais o personagem sai do programa e faz a chamada do próprio programa
parece ser o grande diferencial das chamadas de Os Normais.
Na chama 01 a personagem Vani dialoga ao mesmo tempo com o Rui
(através da porta do banheiro) e com o público, quando olha para câmera e
dá explicação do que está acontecendo. Na chamada 02, ela chega ao ponto
de comentar que não está se sentindo à vontade por simular, que a máscara
não é o personagem Rui. Ela decide contar a verdade para o público: Rui
viajou. O ponto máximo percebido da interação pretendida pelos autores
da chamada se dá quando Vani comenta que teria ainda que fazer 03
chamadas para o programa, além daquela. Ela afirma não saber o que dizer,
apela à ajuda do público nessa missão, para que assista ao programa no
horário que ela informou. Nesse formato da chamada, lembramos aqui o
posicionamento de Ferrés (1998, p. 268) quando assegura que:
(...) as mensagens da televisão somente adquirem plena
significação quando interagem com as mensagens que o receptor
emite na forma de resistências e filtros, mas também na forma de
desejos, temores, anseios, ilusões, esperanças...
A sinceridade dos fatos é dita extra programa, ou seja, o personagem
continua sendo ele em qualquer lugar, ou seja, seu ethos é mantido na rua,
no programa e na chamada.
Outro ponto que merece comentário é a força dos próprios
personagens. Ninguém teria melhor resultado em fazer a chamada do que
eles mesmos. Esse fato foi percebido e comentado por Marcos Rey (2001,
p.27): (...) o personagem é o grande elo entre o autor e o público.”
Principalmente se considerarmos que o público admira e se identifica com
eles.
Tal formato proporcionou uma espécie de modelo de sucesso, pelo
menos no que diz respeito a chamadas de sitcom. Se observarmos, as
chamadas do sitcom a Diarista
30
, que se utiliza do mesmo formato
metalingüístico no qual o personagem para atrair e manter o interesse pelo
programa, fala diretamente ao telespectador no meio do break comercial.
Por tanto, podemos dizer que as chamadas de Os Normais exercem
sobre o público o mesmo fascínio que o programa a partir do momento que
constrói uma identificação de seus personagens com pessoas reais e comuns
tais como os telespectadores. Esses acabam por atender aos apelos das
chamadas e a gostar e assistir freqüentemente o programa pela possível
identificação não só dos personagens, mas também pelas situações vividas
no dia a dia. O próprio diretor do núcleo, Guel Arraes, destaca essa
estratégia interacionista no comentário abaixo, quando interpreta o
pensamento do telespectador do programa: “(...) esse personagem sente isso que eu
também sinto, quando identificação do telespectador, termina funcionando como uma
espécie de divã de psicanálise na televisão, porque se todo mundo é maluco então ser
maluco é ser normal”
30
A Diarista é uma comédia de situação que retrata as aventuras do dia –a- dia de uma empregada doméstica nas
diferentes casas que ele trabalha.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A descrição do funcionamento da linguagem no tocante à interação
verbal de um programa de TV foi para nós a motivação de desenvolver este
estudo de pesquisa. Uma interação pré-construída, planejada,
completamente divergente das características de uma conversação natural
poderia construir o sentido na hora pelos seus interactantes? E o que esse
sitcom, Os Normais, possuía como diferencial, o que ele teria de atraente,
diante de tantos programas exibidos aos telespectadores? Dentro desses
primeiros questionamentos, levantamos as duas hipóteses do projeto em
estudo, a primeira: o sucesso do sitcom Os Normais perante o público e a
imprensa se reflete em seu ethos interativo e pela cena enunciativa
irreverente com os quais os telespectadores identificam-se como um
discurso de si próprios; e a segunda hipótese acredita que a estratégia
lingüística da ironia sustentada na interdiscursividade da subversão
argumentativa, proporciona o efeito de sentido de humor, gerando a
atratividade e preferência por parte dos telespectadores.
Após o processo analítico do corpus ampliado e do corpus restrito,
em especial, alicerçado pela construção do arcabouço teórico referente ao
problema, chegamos à conclusão que as duas hipóteses parecem se
confirmar funcionando, assim, como pedras fundamentais para que o
telespectador privilegie a comédia de situação analisada, dentro de uma
variada grade de programação da quinta maior rede de TV aberta do mundo.
Vários fatores apontados nas hipóteses foram se confirmando no
encaminhamento de nosso estudo. O primeiro deles é a força representativa
do ethos do programa e dos personagens. Os personagens, dentro ou fora do
programa, (entenda-se quando estão fazendo a chamada comercial) mantêm
os perfis psicológicos, ideológicos, culturais e principalmente
comportamentais presentes em seu público-alvo.A identificação do
telespectador acaba se tornando quase imediata, seja pelo formato, seja pelo
roteiro ou até mesmo por causa dos personagens.
Outro ponto relevante que verificamos foi a interdiscursividade nos
diálogos, ou melhor dizendo, o jogo de linguagem dos personagens usado
para manter o equilíbrio e a estabilidade da interação. Apesar de
pertencerem à mesma classe social, à mesma cultura e, por que não dizer,
possuírem a mesma ideologia, os personagens Rui e Vani não estabelecem
hierarquia igual nas representações sociais. Isso é até muito normal,
principalmente quando o assunto é o casamento. Objeto de desejo dela,
significa o não desejo dele. Entre outros temas na série este é o mais
recorrente e é o que proporciona com mais facilidade o fenômeno discutido
por Maingueneau da interincompreensão. Não há entendimento por não
haver possibilidade de aceitação do posicionamento do outro. Esse
fenômeno ocorre durante um jogo de linguagem repleto de subversão
argumentativa, em sua maioria irônica, que desqualifica o discurso do outro
para elevar o seu. Isto não quer dizer que os personagens não preservam
suas faces. A polidez e a mudança de alinhamento são bastante visíveis em
seus discursos. A ironia não deixa de ser uma forma elegante de discordar,
fugir ou mesmo de criticar o assunto discutido. Isso é refletido nas palavras
de Bakhtin quando fala da atitude responsiva ativa dos interlocutores
próprio da interação verbal.
Como também vale a pena ressaltar, a interação discursiva dos
personagens é sustentada pela exterioridade lingüística: tonicidade,
expressividade que constroem o sentido pretendido, neste caso, o humor.
Concordamos com apremissa que nunca se pode prever com exatidão
em que sentido o parceiro vai orientar a sua intervenção,uma vez que a fala
é um processo dinâmico, pode-se afirmar que a análise conversacional tem
como uma de suas principais características o improviso, e que o discurso é
construído em tempo real pelos interlocutores. Isto quer dizer que a
autonomia dos atores durante as suas interpretações também contribui para
a produção do efeito de sentido geral do programa. O humor não se limita
ao texto, mas alcança, a vida que o ator proporciona ao personagem,
como um trabalho de co-autoria.
Logo, podemos afirmar diante do exposto que o efeito de sentido
também pode ser construído, na hora, durante a interação de personagens
em um programa de TV e que este programa em particular, a partir de seu
formato irreverente, de seus diálogos subversivos irônicos, e da
identificação do telespectador com o tema tratado e com os personagens,
que se revelam sem constrangimentos, sejam em seus hábitos mais secretos,
sejam em suas dúvidas cotidianas, atraem a atenção seletiva do
telespectador, retêm-no diante da tela surpreso por encontrar nas ações dos
personagens coisas tão banais. Isto o leva a se imaginar normal, exatamente
porque as maluquices não são exclusividades sua, mas comuns à maioria das
pessoas. Afinal se todo mundo é maluco, ser maluco é Normal (Guel
Arraes).
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OS Normais. O Filme. Direção José Alvarenga Jr. Intérpretes: Luís Fernando
Guimarães,Fernanda Torres, Marisa Orth e Evandro Mesquita. Brasil: Missão
Impossível 5; Globo Filmes, 2004DVD vídeo.(92 minutos).
OS Normais. Direção José Alvarenga Jr. Intérpretes: Luís Fernando Guimarães
e Fernanda Torres. Brasil: Ed. TV Globo Ltda, 2001DVD vídeo.(130
minutos).O DVD traz seis programas, entrevistas com os atores, autores,
diretor e diretor do núcleo.
Os Normais Sem cortes: Cenas jamais vistas! Direção José Alvarenga Jr.
Intérpretes: Luís Fernando Guimarães e Fernanda Torres. Brasil: Ed. TV
Globo Ltda, 2003; 2001DVD vídeo.(3h14mim) Os Normais.Disponível em <
http://www
.globo.com/os normais> acesso em:23 out.2003.
Fontes de pesquisa adicionais
SÉRIE Os Normais exibe os últimos episódios. Jornal do commercio, Recife,
19 out. 2003. Caderno C, Imagem, p-6.
O CASAL NEURA Rui e Vani sai do ar no auge da fama. Jornal do
commercio, Recife, 03 out. 2003. Caderno C, Imagem, p-6.
NO CINEMA como na TV. Jornal do commercio, Recife, 24 out. 2003.
Caderno C, capa, p-1.
ANEXOS
ANEXO A
CAPA DO LIVRO:OS MELHORES MOMENTOS DE
OS NORMAIS
ANEXO B:
MATÉRIA JC PUBLICADA EM 19/09/03
SÉRIE OS NORMAIS EXIBE
OS ÚLTIMOS EPISÓDIOS
ANEXO C
MATÉRIA JC PUBLICADA EM 03/10/03
O CASAL NEURA RUI E VANI SAI DO AR
NO AUGE DA FAMA
ANEXO D
MATÉRIA JC PUBLICADA EM 19/09/03
OS NORMAIS JUSTIFICA ADAPTAÇÃO
ANEXO E
MATÉRIA JC PUBLICADA EM 24/10/03
COMÉDIA LIGEIRA TEM ELENCO BEM RELAX E
HUMOR SARCÁSTICO
ANEXO F
CAPA DO DVD OS NORMAIS
ANEXO G
CAPA DO DVD OS NORMAIS SEM CORTES
ANEXO H
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