Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A
CAPTURA DO JOVEM APRENDIZ PELO
PROGRAMA DE APRENDIZAGEM COMERCIAL
Dione Danesi Gallo
Canoas, 2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A
CAPTURA DO JOVEM APRENDIZ PELO
PROGRAMA DE APRENDIZAGEM COMERCIAL
Dione Danesi Gallo
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Luterana do Brasil como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientador Profª Drª Maria Isabel Edelweiss Bujes
Canoas, 2008
ads:
3
A
GRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pelo dom da vida e pela conclusão desse trabalho.
Agradeço ao amor da minha vida, Rafael Roco de Araújo, meu marido e grande
companheiro, maior incentivador, que em todas as horas me apoiou e tornou esse momento
mais tranqüilo.
A meu pai Rubem, que me inspirou para os estudos.
À minha mãe Laise, que me ensinou para vida.
Aos meus irmãos Alexandre, Andréa e Jandora por seu carinho e atenção constante.
À minha orientadora Maria Isabel Bujes, que de maneira inteligente, sábia a atenta
conduziu esta dissertação.
Aos professores João Paulo Pooli, Fabiana de Amorim Marcello e Clarisse Taversini,
que prontamente aceitaram o convite de fazerem parte da banca examinadora.
À colega de orientação Themis Cardoso Costa pela amizade e pelo entusiasmo nas
discussões e trocas de idéias que tanto agregaram ao desenvolvimento deste trabalho.
À Marta Campos de Quadros pela leitura e revisão desta dissertação e por sua
colaboração na finalização deste trabalho.
Às colegas do grupo de orientação Ana Claudia, Ilza, Eloísa, Suani e Claudia pelas
sugestões e apoio durante nossos encontros.
Aos colegas e às colegas de mestrado pelo incentivo recebido durante nossos
seminários.
Aos meus amigos bibliotecários Rosane, Anelise, Filipe e Luis Diego pelo auxílio no
acesso as referências bibliográficas.
4
R
ESUMO
O tema central desta dissertação A captura do jovem aprendiz pelo Programa de
Aprendizagem Comercial é a educação do jovem aprendiz, segundo o referencial teórico
para a ação do SENAC que trata a respeito da Educação para o trabalho no comércio.
Valendo-me do conceito de governamento a partir de Michel Foucault, busco compreender
algumas das condições de possibilidade que permitem a essa instituição profissionalizante, ao
executar o Programa de Aprendizagem Comercial, capacitar jovens de baixo poder aquisitivo.
Analiso em particular documentos do SENAC que apresentam esse Programa e os textos
relativos à estrutura curricular que contemplam um conjunto de competências que vão formar
o jovem aprendiz. Um de meus objetivos foi problematizar como no texto do Programa é
caracterizado o jovem aprendiz. Analisei também, a produtividade das abordagens da
Administração a respeito do que teorizam em relação à educação do trabalhador e o que
reforçam nesse aspecto desde a Revolução Industrial até a Contemporaneidade. Ao examinar
os documentos do SENAC que orientam o Programa de Aprendizagem, percebi discursos
que, na medida em que instituem práticas pedagógicas e saberes em relação ao trabalhador
requerido, regulam e produzem sujeitos adequados para cumprirem determinadas funções na
sociedade. Portanto, na sociedade das capacitações em que as empresas planejam
constantemente estratégias para atingir a eficácia e a eficiência nas suas atividades produtivas,
é preciso pensar continuamente novas formas para tornar os trabalhadores conscientes de tais
propósitos e também comprometidos com eles. Nesse sentido, se busca uma capacitação nas
instituições de ensino profissionalizante referendada em princípios da racionalidade
neoliberal e também da responsabilidade social que, por sua vez, atingem o sujeito em suas
práticas diárias, capturando-o com narrativas a respeito do aprimoramento profissional com
base no slogan: o futuro que começa aqui.
5
A
BSTRACT
The main theme of this thesis A captura do jovem aprendiz pelo Programa de
Aprendizagem Comercial – is the learner youngster education, according to it has been
showed in the theoretical references for SENAC action, whose materials approach the
Education to the commerce work. From the government concept of Michel Foucault, I seek to
understand some possibility conditions that enable it professional teaching institution, during
the Commercial Apprenticing Program, to make capable poor youngster. I analyse, in
particular, SENAC documents that explain this Program and the texts that present the
curriculum structure and cover a set of competences that will form the learner youngster. One
of my objectives was to raise the problem relate to the mean as the Program text characterize
the learner youngster. I also analysed the productivity of Administration approaches with
respect to its theories about worker education and what shows up in this aspect since the
Industrial Revolution until the Contemporary times. Examining the SENAC documents that
direct the Apprenticing Program, I perceived discourses that, in so far as institutes teaching
practices and knowledges in relation to the required work rules and produces adequate
customers to fulfill specific function in the society. Hence, in the society of capacities where
the firms constantly plan strategies to get efficacy and efficiency in their production activities,
it is need to continuously think new forms to make workers conscious of that proposals and
also compromised with them. In this sense, it has searched for capacities in the professional
teaching institutions based on principles of neoliberal rationality and also, of social
responsibility that by it mean reaches the customer in his/her daily practices, capturing
him/her with narratives about professional refinement based on the slogan: the future begins
here.
6
S
UMÁRIO
C
APÍTULO
I
M
EUS CAMINHOS E O ENVOLVIMENTO COM O TEMA
....................................................
07
C
APÍTULO
II
D
E APRENDIZ DE ARTESANATO À MECANIZAÇÃO DO TRABALHO
.................................
18
Jogos de poder em ação......................................................................................... 20
Discursos que governam ....................................................................................... 22
C
APÍTULO
III
N
AS TRAMAS DOS DISCURSOS DA RESPONSABILIDADE SOCIAL
.....................................
39
Educação: vendendo a competitividade no mercado de trabalho ......................... 41
Responsabilidade Social: estratégia empresarial de todos por todos.................... 46
Ações Sociais, controle de riscos.......................................................................... 49
C
APÍTULO
IV
O
PENSAMENTO NEOLIBERAL AO CELEBRAR A COMPETITIVIDADE LANÇA MÃO DAS
PRÁTICAS ESCOLARES ATRAVÉS DO CONCEITO DE APRENDIZAGEM
............................
59
O cenário da educação profissional através da criação do SENAC...................... 61
Vencendo a competitividade empresarial através da aprendizagem..................... 66
C
APÍTULO
V
C
APTURANDO JOVENS APRENDIZES ATRAVÉS DOS DISCURSOS DA COMPETÊNCIAS
....
71
Um modelo curricular para induzir hábitos e atitudes eficazes ............................ 82
Sistema Modular: projetos e competências...........................................................84
Aprendizes capacitados em um perfil que responda aos empresários .................. 95
R
EFERÊNCIAS
.................................................................................................................
98
7
C
APITULO
I
M
EUS CAMINHOS E O ENVOLVIMENTO COM O TEMA
O compromisso com a formação e o aprimoramento profissional são princípios que
estimulam e norteiam a minha vida. Procuro estar sempre atualizada e buscar na medida do
possível participar de novos cursos para me qualificar. A possibilidade de cursar o mestrado
em Educação com ênfase no campo dos Estudos Culturais foi sendo construída ao longo do
tempo e dentro de tais princípios.
Durante o mestrado, minha vida, no âmbito pessoal e profissional, sofreu pequenas e
grandes modificações. Percebi que alguma coisa tinha acontecido – não sabia bem o que era –
, mas já não era mais a mesma pessoa que ingressara no curso. No início tudo me incomodava
e me deixava sem chão. Esses estudos eram bem diferentes de todos os outros feitos até então.
À medida que examinava os textos e me familiarizava com os autores inscritos no campo dos
Estudos Culturais e com os teóricos pós-estruturalistas, sentia que estava sendo desconstruída
termo conhecido no início do curso e que aos poucos foi sendo assimilado, ganhando mais
sentido. A partir desse processo fui me aproximando dos caminhos de pesquisa e da
construção do objeto de investigação com outros olhos, com outras lentes.
Desde a época do curso de graduação em Pedagogia com habilitação em Orientação
Educacional estou envolvida em leituras e estudos a respeito de temas relacionados com a
Educação. Essa postura inquiridora foi se intensificando com o desempenho da função de
pedagoga orientando e supervisionando professores e alunos em escolas e empresas e fui
percebendo que as experiências vividas, as reflexões e as leituras me propiciavam ir além do
conhecimento adquirido através da prática profissional cotidiana.
Nesta dissertação, então, busquei ir além da narrativa da minha experiência como
coordenadora pedagógica de uma das unidades do Sistema S
1
, objetivei compreender como os
discursos produzidos pelo Sistema S, mais especificamente pelo Programa de Aprendizagem
do SENAC, interpelam e governam condutas e desejos dos jovens aprendizes e de suas
famílias. Os planos de curso, publicações didáticas e institucionais e os instrumentos de
1
É denominado Sistema S o conjunto de organizações formadas por entidades corporativas empresariais das
áreas da indústria, transportes e comércio voltadas para o treinamento profissional, assistência social,
consultoria, pesquisa e assistência técnica, que além de terem em comum seu nome iniciado com a letra S, têm
raízes comuns e características organizacionais similares.
8
comunicação publicitária
2
foram fundamentais para o reconhecimento destas formações
discursivas.
Neste sentido, as questões relativas à aprendizagem profissional e às ações educativas
destas organizações chamavam a minha atenção por tocarem no mesmo ponto, ou seja, o
apelo à população jovem de baixa renda para ingressar no Programa de Aprendizagem (tanto
para o SENAI, como para o SENAT, como para SENAC), tendo como argumento principal
de sua comunicação publicitária a necessidade de construção do futuro no presente. Este
argumento também era encontrado em rios documentos produzidos por estes Serviços
cujas ações educativas, programas de aprendizagem e eixos norteadores são similares, mas
cujo público é formado por integrantes de diferentes áreas da produção e serviços. Essas
organizações produzem a chamada Educação para o Trabalho e estão voltadas para os
discursos da inclusão social por meio do aprendizado comercial e industrial sob o slogan O
Futuro começa aqui. Diante destas constatações, me senti instigada a buscar novas
perspectivas para analisar tal oportunidade intensamente divulgada pelos órgãos
governamentais e empresas privadas através dos vários instrumentos que utilizam para se
dirigirem aos jovens de baixa renda tais como fitas cassete, livros, apostilas, panfletos,
cartazes e vídeos institucionais.
A escolha do tema a pesquisar foi uma tarefa difícil tendo em vista a diversidade de
assuntos e questionamentos que passaram pela minha mente e que com certeza precisaram ser
organizados e amadurecidos a fim de possibilitar a escolha e a delimitação do corpus desta
investigação. Minha escolha recaiu sobre o objeto de meu próprio trabalho o Programa de
Aprendizagem Comercial do Sistema S, do qual fiz parte durante o período de 2004 a 2006,
atuando como pedagoga em uma das unidades SENAC. Atualmente me encontro em outra
Unidade desse Sistema. Como coordenadora pedagógica eu era responsável pelo bom
andamento da aprendizagem e também pelo cuidado com as boas maneiras dos alunos
durante o curso com o objetivo de garantir a efetivação da missão do Programa como
constatado na apresentação do livro Menor Aprendiz editado pelo Departamento Nacional do
SENAC: “Esse programa foi criado com a missão de qualificar e preparar jovens de baixo
2
De acordo com Quadros (2005, p. 83), a expressão comunicação publicitária inclui de forma ampliada “um
conjunto de sistemas simbólicos inseridos na cultura e datados historicamente, que a partir da intencionalidade
de persuadir, informam o receptor, fabricando sentidos e produzindo uma dinâmica informacional através da
mídia que possibilita visualizar determinados aspectos da “realidade” e impede de ver outros. Estes sistemas
fazem parte do sistema industrial capitalista e são formas de interpretação do mundo cujos produtos são
diferentes formas de textos culturais: anúncios, eventos, comerciais em áudio e vídeo, jingles, informes pagos,
patrocínios, etc.” Vídeos e publicações institucionais tais como as que analiso no presente trabalho, também se
enquadram em tal noção.
9
poder aquisitivo para o mundo do trabalho através da educação a fim de que os aprendizes
possam exercer dignamente uma tarefa ou trabalho segundo os organizadores de tal
programa” (SENAC, 2004, p.X).
O Programa de Aprendizagem Comercial do SENAC me suscitou inúmeros
questionamentos por se tratar de um programa que desde a sua criação propunha a inclusão
social dessa população jovem de baixa renda. Como pedagoga de uma das unidades SENAC
onde esses jovens realizam os cursos de aperfeiçoamento, ficava me questionando a respeito
da promessa de sucesso profissional garantido (como se fosse possível garantir sucesso
profissional a esses jovens aprendizes). Durante muito tempo acreditei nos propósitos deste
Programa e na possibilidade de assegurar oportunidades de trabalho a esta população,
considerando-o meritório.
Na abertura dos Cursos, eu e o diretor da Unidade dávamos as boas vindas aos alunos
e as suas famílias bem como apresentávamos um vídeo institucional a fim de que aqueles
jovens soubessem onde estavam se inserindo e demonstrando o quanto o SENAC ajudava na
vida de cada uma daquelas pessoas, de cada uma daquelas famílias. Quando falávamos do
SENAC sempre era enfatizado que se tratava de uma das maiores organizações voltadas à
educação profissional no âmbito do Brasil. Salientávamos que estes alunos estavam sendo
privilegiados por estarem ali, pois estudar e se formar no SENAC representaria investir no
sucesso e no futuro garantido (nessa época e até a bem pouco tempo eu acreditava nessas
promessas).
Outro aspecto ressaltado era a seleção pela qual estes jovens passavam para ingressar
no Programa Aprendiz. Mencionávamos diante do auditório formado pelos jovens aprendizes
que haviam sido selecionados entre um grande número de candidatos, ou seja, destacávamos
o fato de eles serem os escolhidos para participar de um programa que melhoraria suas vidas
pessoal e profissionalmente. Explicávamos também que no planejamento dos cursos do
Programa de Aprendizagem Comercial eram contempladas as competências associadas às
questões de autonomia, de zelo, de boas maneiras.
Enfatizávamos também, que essas questões eram trabalhadas integralmente durante o
aprendizado e que tudo no curso era valorizado. O objetivo da equipe coordenadora era
divulgar a idéia de que o SENAC tinha a desejada missão de formar profissionais qualificados
para toda a área de comércio do país e, portanto, quem estivesse inserido no programa de
educação profissional dessa organização, estaria em ótimas mãos. Dentro desta lógica
discursiva parecia estar implícito que se tal objetivo não se cumprisse, se algo não saísse
10
como estava previsto, a responsabilidade não seria do SENAC, mas de cada um dos jovens
aprendizes que não haviam aproveitado a oportunidade que lhes fora reservada.
Durante os cursos muitas coisas aconteciam e chamavam a minha atenção. Uma destas
ocorrências refere-se à advertência feita pela equipe diretiva aos jovens que em muitas
ocasiões tinham uma conduta inadequada na sala de aula e nos corredores. Esta advertência
se constituía em chamar a atenção desses jovens para a possibilidade de punição através da
perda da participação no Programa e da perda da cota – valor pago pela empresa para
assegurar que o jovem possa realizar o curso de aprendizagem. A advertência também incluía
a chamada da atenção dos estudantes aprendizes para o compromisso que eles assumiam
quando optavam pela realização do curso de qualificação no SENAC.
Quanto às advertências feitas, eu considerava ser legítimo fazê-las, afinal, “como é
que esses jovens não vão aproveitar essa grande oportunidade em suas vidas. O SENAC está
aqui proporcionando o futuro para eles. As empresas pagando para que seus funcionários
tenham a qualificação”. Não podia admitir que, diante desse cenário promissor de
possibilidades, um jovem não se comportasse de acordo com os princípios da boa educação.
Hoje, contudo, constato que esses jovens não tinham efetivamente optado pelos cursos e
muito menos pelo Programa. Na maioria das vezes, os jovens eram induzidos ou convencidos,
ou pelas empresas - e são estas que selecionam e indicam quem vai participar dos cursos e,
assim, exigem a qualificação de seus funcionários - ou pelas próprias famílias que desejavam
para os mesmos uma formação que garantisse o acesso a uma profissão de sucesso.
Outro fato que julgo relevante para pensar as formas pelas quais os discursos
produzidos, reproduzidos, repetidos nas e pelas organizações governam os desejos e as
condutas destes jovens aprendizes e de suas famílias, é a realização das solenidades de
formatura dos cursos inscritos no Programa de Aprendizagem Comercial. A essas formaturas
comparece o diretor da Unidade, um empresário (que representa a área do Comércio), a
pedagoga da unidade, o paraninfo e os professores homenageados pela turma. A família do
formando vem em grande número (afinal, o final do curso representa um marco na vida de
seus filhos e de suas filhas, o fechamento de um processo de investimento pessoal e familiar
que os leva ao sucesso). É significativo o envolvimento dos jovens e de suas famílias na hora
da entrega dos certificados de conclusão dos cursos. As famílias (de baixo poder aquisitivo)
estampam felicidade no rosto e demonstram estar realizadas. Nesses momentos, agradecem
muito à equipe, expressam que são eternamente gratas à Organização e às empresas pelo
sucesso de seus filhos, “porque eles agora sim estão bem encaminhados, eles estão com o
11
futuro garantido porque estudaram e se profissionalizaram no SENAC” (SENAC. DN, 2004,
p.15).
Assim como no início dos cursos, também no início de cada formatura a platéia é
convidada para assistir um vídeo institucional com a Apresentação dos Cursos de
Aprendizagem. O vídeo de curta duração 10 minutos é rico em detalhes extremamente
significativos (imagens mostrando ambientes muito limpos e organizados; jovens
uniformizados e sorrindo). Para a composição do elenco deste vídeo foi escolhido um grupo
de aprendizes que na época estava se formando e as suas cenas foram gravadas em seus
próprios locais de trabalho (nas oficinas, nos restaurantes, nas lancherias, nas lojas etc). Mas,
o público que estava na formatura assistindo ao vídeo parecia se ver no próprio enredo de
sucesso e felicidade que a cada cena era apresentado. A alegria e a satisfação eram visíveis e
palpáveis, tomando conta do ambiente e do semblante daqueles jovens aprendizes e de seus
familiares. Eles, jovens formandos e suas famílias que estavam ali, no presente, e já
visualizando uma parte daquele sucesso prometido para o futuro. O clima da solenidade de
formatura era de gratidão ao SENAC pela grande oportunidade que se confirmava.
No vídeo os jovens eram questionados a respeito do que os tornava melhores a partir
de tal oportunidade de qualificação profissional oferecida gratuitamente pelo SENAC. Os
aprendizes felizes e bem paramentados respondiam: “agora sou melhor aluno, mais tarde serei
melhor funcionário”; “sou mais responsável”; “esse curso profissionalizante vai me garantir
um futuro melhor”; “serei um ótimo profissional porque estou qualificado para esse mercado
de trabalho cada vez mais competitivo”.
3
Em uma dessas formaturas, (da qual participei como pedagoga da Unidade), registrei
algumas situações que na ocasião chamaram a minha atenção para o fato de como tudo
parecia estar bem sintonizado e em harmonia. Hoje com um olhar mais questionador e
refinado pelas leituras e novas formas de compreender estas situações através das lentes
constituídas pelos Estudos Culturais, percebo que tal situação não era assim tão harmoniosa
como me parecia ser.
Durante o seu discurso, o presidente da Federação do Comércio
4
salientava a
mobilização e o envolvimento das empresas em realizar e assegurar cotas aos aprendizes. O
3
Neste trabalho utilizo algumas falas que fazem parte da memória da minha experiência profissional como
orientadora pedagógica do SENAC. Elas não foram gravadas ou constam de documentos escritos e divulgados,
mas estarão citadas entre aspas e com a referência de obtenção no corpo do texto.
4
De acordo com as informações contidas no site da Federação do Comércio de Bens e de Serviços no Estado do
Rio Grande do Sul, essa é a entidade que atua em âmbito econômico, político e social pela constante qualificação
12
representante da área empresarial ressaltava o compromisso que as empresas têm com essa
causa nobre, sublinhando a importância de preparar os jovens para mundo do trabalho. Na
apresentação do diretor do SENAC, o mesmo fazia menção sobre a boa e a única
oportunidade que esses programas de inclusão social proporcionavam ao jovem aprendiz.
Explicava, entre outras questões, que muitos dos formandos que ali se encontravam, estavam
envolvidos em situação de risco social
5
antes de entrar para o Programa e haviam sido
retirados de tal situação (salvos) pelo SENAC com o objetivo de prepará-los (capturá-los)
para o mundo do trabalho.
Nos argumentos do empresário estava ressaltada a importância da modalidade do
ensino comercial para a população jovem. O presidente da Fecomércio acrescentava que
“esses programas ensinam a cidadania, abrem portas para o futuro e proporcionam a inclusão
social através da formação profissional”. Segundo o representante do empresariado, tal
qualificação realizada pelo SENAC atende as demandas do mercado de trabalho atual e
“acima de tudo, contempla a formação pessoal e cidadã”. Para concluir este pensamento, o
presidente da Fecomércio ressaltava que no mundo competitivo em que vivemos a
participação como cidadão faz muita diferença e, reforçando esta idéia, salientava ainda que
“ser cidadão é um dever de todos nós humanos sujeitos dessa sociedade”.
Importante assinalar que o Programa de Aprendizagem é visto pelo SENAC e pela
área empresarial como um conjunto de ferramentas que irão contribuir para “servir a outras
pessoas além dos aprendizes”. De acordo com esse Programa, quando um jovem de baixa
renda ou em situação de risco social é contemplado com a possibilidade de aprendizagem, a
sua família também está sendo ajudada e, consequentemente, o SENAC, está colaborando
com a formação do sujeito para a sociedade. O Programa, além de oferecer formação
profissional, auxilia também no ingresso do jovem aprendiz ao mundo do trabalho. Conforme
comentou o paraninfo da turma “os jovens sem qualificação têm muitas dificuldades em
entrar no mundo do trabalho” e, na opinião deste, existe “muito trabalho e poucas pessoas
qualificadas”.
e crescimento do setor terciário. [...] Fortalecendo a representatividade e credibilidade consolidada, o Sistema
Fecomércio-RS é integrado pelo Centro do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio Grande do
Sul (Ccergs) Serviço Social do Comércio (Sesc-RS), pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac-
RS) e pelo Instituto Fecomércio de Pesquisa (Ifep). (FECOMÈRCIO, 2008)
5
Segundo o Instituto ETHOS, a situação de risco social é característica de grupos sociais que recebam uma
renda per capita de R$ 100,00 ou menos, tenham baixa escolaridade, estejam envolvidos em conflitos familiares
e habitem em zonas controladas pelo tráfico, pela criminalidade, ou seja, expostas as mazelas da pobreza.
(INSTITUTO ETHOS, 2007)
13
O presidente da Federação do Comércio também salientou aos formandos que o
SENAC “sempre estará com as portas abertas para qualificação e sempre ajudará e criará
oportunidades para o desenvolvimento” dos jovens. O empresário ainda parabenizou os
alunos pela etapa de conclusão do curso de qualificação salientando que este fora oferecido
gratuitamente pelo SENAC; e ressaltou que sem dedicação, esforço, empenho e perseverança
seria impossível a conclusão do referido curso. Ele conclui afirmando que “esse sistema existe
para fazer a diferença na vida das pessoas”.
Um aluno concluinte do Programa de Aprendizagem também se manifestou durante a
solenidade de formatura, dizendo:
Obrigado SENAC por ter mudado nossas vidas! Vivíamos muito de nós em
situação de precariedade e muitas vezes não gostávamos mais de estudar.
Nas nossas escolas públicas os professores faltam muito e pouco se
importam conosco. Já aqui no SENAC conquistamos todo mundo, até a tia
do bar e da limpeza se preocupam com a gente. Todos aqui no SENAC nos
tratam bem e se importam conosco” Obrigado SENAC! Que o SENAC
continue sempre fazendo a diferença na vida da gente
!
Naquele período, entre 2004 e 2006, estava tão envolvida no discurso do sucesso
garantido em que o Programa de Aprendizagem Comercial estava inscrito que me era
impossível refletir sobre toda ação pedagógica e sobre as promessas feitas aos alunos atraídos
até a organização. No dia em que fui procurada por Rogério
6
, um ex-aluno do Programa para
me contar que não tinha conseguido nenhum estágio, nenhuma colocação e muito menos um
emprego minhas crenças e certezas começaram a desmoronar. Não tinha idéia do que
acontecia com aqueles jovens aprendizes que terminavam o curso e que não vinham por
indicação das empresas, que aqueles aprendizes indicados pelas empresas pareciam ter um
futuro, pelo menos imediato, garantido. Comecei a me dar conta de que alguma coisa não
estava tão bem assim como imaginava. Passei a me questionar sobre quantos Rogérios não
saíram iludidos, com a esperança de um Futuro Melhor, ou de que o Futuro começa aqui e
agora e que o sucesso estava ali. Rogério foi um caso isolado e acabou no esquecimento.
Somente a partir deste processo de construção de minha pesquisa para a elaboração da
dissertação de mestrado, das lembranças da minha trajetória profissional como parte da
constituição do meu objeto de pesquisa a situação de Rogério voltou a me interpelar.
6
Os integrantes do Programa de Aprendizagem Comercial referidos no decorrer do trabalho tiveram seus nomes
substituídos por nomes fictícios atribuídos pela autora.
14
Como coordenadora pedagógica dos cursos técnicos do SENAC ficava também
envolvida com as ações de cunho social que eram incentivadas pela própria unidade. Nessas
ocasiões, os alunos, professores e funcionários eram convidados pela escola a visitar
organizações voltadas ao amparo a crianças abandonadas e vítimas de maus tratos, como
também visitar crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais e garotas
adolescentes grávidas com a intenção de fazer com que os jovens se sensibilizassem com os
problemas sociais e despertassem para a solidariedade e a possível intenção de engajar-se em
ações de voluntariado. Parece importante destacar no âmbito desta pesquisa que essas
atividades são realizadas de acordo com o desejo das empresas de que seus funcionários
sejam pessoas do bem. Desta forma, o que fazíamos era impor a esses jovens uma escolha de
modo autoritário e direcionado e o voluntariado perdia o seu caráter de ação da própria
vontade do sujeito. Essa situação era referendada de muitas formas pelos discursos em
circulação no SENAC. No livro Menor Aprendiz encontramos uma passagem que exemplifica
a lógica discursiva referente ao voluntariado em que o Programa está inscrito:
Despertar no jovem um comportamento solidário e o exercício da cidadania
é o objetivo primordial do currículo desenvolvido pelo SENAC para o
programa. Nas aulas mais variadas, são sempre estimulados o respeito aos
direitos humanos, à eqüidade e ao meio ambiente; a humanização das
relações interpessoais; e o repúdio a qualquer tipo de violência. Em meio a
classes de comunicação oral e escrita, operação de cálculos básicos, leitura e
interpretação de textos, os memores têm lições de organização pessoal,
respeito mútuo, responsabilidade, integridade, compromisso, assertividade,
iniciativa, criatividade e autodesenvolvimento. (SENAC. DN, 2004, p.13)
7
Sendo responsável por organizar e despertar o interesse dos integrantes do Programa
de Aprendizagem Comercial em se engajarem nessas ações sociais, era impulsionada a buscar
relatos e experiências que poderiam ser usados como exemplos para motivar a participação do
grupo em ações de voluntariado. Percebia que o principal meio motivacional era o relato de
experiências. Estas narrativas mobilizavam os jovens para a realização dessas ações, vistas por
eles como algo de bom, de nobre e que se delas participassem, seriam considerados seres
superiores, mais humanos. A experiência de solidariedade era normalmente relatada em
7
A primeira clientela do SENAC foi, por força de lei, o menor aprendiz de 14 a 18 anos empregado no
comércio. Através do Projeto Menor Aprendiz, a Organização procurava atenuar as dificuldades de acesso ao
primeiro emprego enfrentadas pelos jovens brasileiros diante das exigências de experiência e habilidades
específicas por parte das empresas. O Projeto Menor Aprendiz esteve em funcionamento em todo o país até
2003. Em 2005, o capítulo referente ao menor da Consolidação das Leis do Trabalho CLT passou por um
processo de modernização através da promulgação de novas leis e por força das mesmas o SENAC passou a
atender jovens de até 24 anos na categoria aprendiz, dentro do Programa de Aprendizagem Comercial, também
conhecido como Jovem Aprendiz. Este aspecto será ampliado no Cap.IV O pensamento neoliberal ao celebrar
a competitividade lança mão das práticas escolares através do conceito de aprendizagem.
15
termos do prazer em ajudar ou em dar carinho para alguém. De acordo com as experiências
relatadas, os jovens pareciam reconhecer que as pessoas de quem eles cuidavam eram tão ou
mais necessitadas ou carentes do que eles.
A partir desses caminhos também compreendi que quando estamos inscritos em alguns
discursos (principalmente das empresas nas quais trabalhamos) precisamos de um certo
distanciamento para podermos olhar com outros olhos e realizar uma reflexão e análise das
situações que nos rodeiam. “A pesquisa requer de nós estranhamento e familiaridade,
proximidade e ao mesmo tempo distância, pois só é julgado ‘estranho’ o que não corresponde
ao esperado e o distanciamento é necessário para que a leitura seja desprovida de preconceitos
e opiniões enraizadas” (COSTA, 2005, p. 200). A exemplo do que é afirmado por Costa,
passei a olhar com certo estranhamento as coisas que me cercavam, aquilo que,
aparentemente, parecia estar sob controle e seguro. Comecei a fazer um exercício de suspeita,
o que me permitiu reconhecer que o SENAC fazia a sua parte atendendo os jovens aprendizes
por demanda ou não das empresas cadastradas. Por sua vez, estas mesmas empresas
mantinham o SENAC, com o objetivo de que o mesmo prestasse serviços de treinamento e
assistência social. Havia um interesse empresarial e não unicamente uma benesse nestas
oportunidades.
No universo acadêmico em que estamos inseridos, o usual é buscarmos idéias e
respostas que nos ofereçam um único e correto caminho para nos fazer chegar rapidamente a
respostas para nossas questões de pesquisa. Estamos habituados a percorrer estes caminhos
que fazem parte de nosso mundo escolar, onde desde muito cedo aprendemos a obter
respostas únicas, diretas e prontas. Mas, quando optamos por um Mestrado em Educação com
enfoque no campo dos Estudos Culturais, entramos em outra perspectiva de pesquisa. Nossas
certezas ficam suspensas e nos damos conta de que não temos mais soluções e respostas
fechadas para nada. Pelo contrário, nos vemos diante de novos modos de ver e entender o
mundo que nos rodeia. “Um projeto de investigação implica, antes de tudo, perder-se,
embrenhar-se em tramas e teias de pensamento que, ao invés de nos indicarem rotas seguras,
capturam-nos e enleiam-nos em circuitos aparentemente inescapáveis.” (COSTA, 2005, p.
200)
O grande desafio que é pensar a pesquisa no âmbito de um curso de Mestrado em
Educação no campo dos Estudos Culturais exige certo desprendimento das nossas certezas a
respeito dos assuntos que iremos tratar. Se pensarmos que teremos respostas definitivas como
produto de nossas investigações, estaremos retornando às crenças alheias a este campo de
16
estudos. Segundo Costa (2002, p. 155) “o próprio Foucault nos mostrou que aquilo que
produzimos com a pesquisa não são mais do que fulgurações de verdades sempre
incompletas”. De acordo com a pesquisadora, “a característica primordial para o
desenvolvimento da pesquisa dentro dos estudos culturais é a capacidade do pesquisador de ir
além na busca incessante pela descoberta e abrir um leque de possibilidades para inúmeros
questionamentos” (COSTA, 2002, p.155). Outra característica importante apontada por Costa
referentemente ao pensamento foucaultiano e que nos instiga a trilhar seu caminho é a
maneira como se envolve com a pesquisa. Deve-se estranhar o familiar, comportando-se
como uma espécie de detetive que sente prazer no seu trabalho.
Nesta investigação valho-me das teorizações do campo dos Estudos Culturais, tendo
como viés a vertente pós-estruturalista com base nos estudos de Michel Foucault. Nesse
sentido e de acordo com Costa (2002, p. 155) “torna-se necessário desconstruir as verdades
pré-estabelecidas e as grandes normativas teóricas que através desses estudos partem do
princípio de que devem ser questionadas, discutidas, e, não simplesmente aceitas como
verdades absolutas, que encerram um pensamento”.
Assim, nesta análise, busco seguir esses contornos pós-estruturalistas e mostrar o que
é dito sobre o jovem aprendiz no referencial teórico para a educação profissional do SENAC.
Aponto como os discursos dessa Instituição divulgam, definem um determinado perfil de
aprendiz. Problematizo os planos de cursos que compõem o Programa de Aprendizagem
Comercial – baseados no modelo das competências – naquilo que respeita a sua produtividade
em capacitar e governar os jovens aprendizes. Discuto a intenção do SENAC de querer
produzir e constituir o aprendiz de acordo com o que é desejado pelas organizações
empresariais.
Nessa perspectiva, dois focos de análise se fazem presentes nessa investigação: os
hábitos e as atitudes dos jovens aprendizes que são formatados e padronizados de tal ou qual
forma através das competências indicadas nos planos de cursos durante o processo de
formação profissional no Programa de Aprendizagem do SENAC. Nesse trabalho examino o
curso de Assistente de Restaurante como um dos modelos de aprendizagem oferecidos à
população jovem de baixa renda. Aponto que esses sujeitos são capturados e treinados para a
higiene, para a beleza e para a ordem e, dessa maneira, atendem as demandas do mercado/
mundo. Problematizo, assim, de que formas o jovem aprendiz tem sido modelado,
classificado e governado.
17
C
APITULO
II
D
E APRENDIZ DE ARTESANATO À MECANIZAÇÃO DO TRABALHO
No relato de minha trajetória profissional em uma das unidades do SENAC, como
coordenadora pedagógica, verifiquei que as atividades das quais participo articulam-se tanto
com a Educação, como também com o campo da Administração e, em especial com a área de
Treinamento de Pessoas. Frisei naquele capítulo que essas ações educativas estavam
intimamente relacionadas com a chamada Educação para o Trabalho. No presente capítulo
busco fazer uma leitura de como as organizações têm sido caracterizadas, realizando uma
breve apresentação das idéias de alguns autores que mais se destacaram ao tentar formalizar o
estudo das organizações, abordando a questão da aprendizagem e do treinamento para a
qualidade e da desejada eficiência nas empresas. Para levar a efeito tal leitura e também toda
a análise empreendida nesta dissertação, me apoio especialmente nos conceitos de discurso e
de governamento
8
como os concebeu Michel Foucault (2000, 2002a, 2002b, 2005, 2007).
Este filósofo francês, inscrevendo suas idéias na denominada virada lingüística, orienta-
se por uma concepção de linguagem que a toma não apenas como um instrumento para
descrever o mundo, mas como uma ferramenta para construí-lo ativamente. Nesta perspectiva,
a linguagem também não se estabelece como uma mediação entre o homem e o mundo, não
possui um caráter representacional (VEIGA-NETO e LOPES, 2004). A partir da virada
lingüística que reivindica o mundo social como uma construção que se na linguagem e
pela linguagem, Michel Foucault (junto com alguns outros pensadores) nos ajudou a
reconhecer novos significados ao entendimento tradicional das Ciências Humanas e de seus
saberes. Ao nos mostrar, por exemplo, como um campo de saberes e de práticas humanas
esteve comprometido com determinados interesses, valores ou forças sociais, o filósofo nos
desafia a compreender em que circunstâncias e de que modo os conceitos provenientes
daquele campo de saberes e de práticas se constituíram, se organizaram e ganharam
relevância. Conhecer a posição daqueles que pensam, conhecem e falam sobre Administração,
a partir de uma determinada atividade, campo, ou prática profissional supõe, no caso do
8
O termo governamento é usado nesta dissertação, conforme Veiga-Neto (2000) e Bujes (2002), no sentido de
ato, ação ou efeito de governar(-se). Segundo os autores, mesmo sendo um termo fora de uso, vale retomá-lo
para diferenciar do termo governo, “como instância de controle político, como instituição a quem cabe o
exercício da autoridade, do ato que se exerce sobre uma pessoa ou que ela exerce sobre si mesma, para controlar
suas ações” (Bujes, 2002, p.78).
18
presente trabalho, relacioná-la com determinados interesses, tornar explícitos os jogos de
poder inscritos nos modos de dizer que acabam por produzir verdades sobre os mesmos.
Veiga-Neto (2003, p. 112) afirma que “os discursos não são resultado da combinação de
palavras que representariam as coisas do mundo”. De acordo com o pensamento de Foucault
(2002a), “os discursos formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os
discursos são feitos de signos; mas o que eles fazem é mais que utilizar esses signos para
designar coisas. É esse mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato de fala.” Assim, a
prática discursiva não é somente o ato de falar, compreende o conjunto de enunciados que
tenta produzir determinados efeitos.
Foucault (2002b) nos ensinou que o discurso é constituído de um número limitado de
enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência. Neste
trabalho, utilizo o termo discurso tomado no sentido que lhe o filósofo francês em
Arqueologia do Saber (2002b, p.135): um conjunto de enunciados, “na medida em que se
apóiem na mesma formação discursiva”. O discurso nem constitui uma forma ideal, nem é o
mesmo em tempos diversos. É o fato de ele ter uma história que lhe impõe limites e produz
suas transformações.
Silva em Identidades Terminais (1996) salienta que na formulação do conceito de
discurso, Foucault chama a atenção para o papel exercido pela linguagem como elemento de
constituição da realidade e sua cumplicidade com relações de poder. O pesquisador brasileiro
ressalta ainda que “com isso, fica questionada também a noção de verdade como
correspondência epistemológica com algum suposto e independente real” (SILVA, 1996,
p.255). Silva enfatiza o destaque dado por Foucault ao papel de efeitos de verdade realizado
pela linguagem e pelo discurso. Nessa perspectiva, o “sujeito e a subjetividade são também
efeitos de operações discursivas e não essências que pré-existam à sua constituição na e pela
linguagem.” (SILVA, 1996, p. 255)
Fischer (1995, p. 20) em Análise do discurso: para além de palavras e coisas, esclarece
que enunciados e visibilidades, textos e instituições, falar e ver constituem práticas sociais
por definição, permanentemente presas, amarradas às relações de poder que as supõem e que
as atualizam”. Para Michel Foucault (2002a, p.10), o discurso “não é simplesmente aquilo que
traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do
qual nos queremos apoderar”.
19
J
OGOS DE PODER EM AÇÃO
Feitos estes breves esclarecimentos sobre a teorização que sustentará minhas leituras e
análise dos materiais que compõem o corpus desta dissertação, julgo oportuno também
examinar a noção de governamento, termo esse apresentado por Foucault (2007) e que
representa as ações utilizadas para conduzir a conduta. Ao analisar a questão do
governamento, Bujes (2002), apoiando-se nas teorizações foucaultianas, esclarece que para
atingir a perfeição e bem governar, é preciso dispor de meios, prever táticas, pôr em ação as
estratégicas que
nos levem à consecução de certos fins. A pesquisadora ressalta que
o conjunto de práticas, de rotinas e de rituais institucionais, quando orientado
por alguns princípios ou metas e balizado por um processo de reflexão, torna
tais atividades governamentais, como nos explicou Foucault, pois as conecta
com vários procedimentos e aparatos cuja finalidade é a de garantir que elas
obtenham certos efeitos.(BUJES, 2002, p.79)
Assim, no amplo espectro social, percebe-se que se inventam modos de governar os
sujeitos para que esses se tornem cidadãos responsáveis, comprometidos com ações sociais,
profissionais e educativas. Neste sentido, constata-se no âmbito da presente pesquisa que o ato
de governar se organiza e se manifesta, por exemplo, nos chamados projetos de qualidade de
vida que são oferecidas à população jovem de baixo poder aquisitivo por organizações como
o SENAC. Quando pensamos em como a sociedade brasileira contemporânea vem se
comprometendo com o exercício ações sociais e condutas de solidariedade, perceberemos
como cada ação desenvolvida produz outras ações com a mesma intenção (ou até com
intenções que a ela se contrapõem). São os jogos de poder em ação. No livro Infância e
Maquinarias, ao abordar a governamentalidade, Bujes (2002, p.80), apóia-se nas
interpretações de Nikolas Rose sobre o pensamento foucaultiano e aponta que
A governamentalidade é tomada por Foucault como um conjunto formado
por instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas. Ela é
composta por arranjos técnicos (notações, computações, avaliações, etc.) e
pela utilização de instrumentos (levantamentos, pesquisas, sistemas de
treinamento, etc.) que possibilitam a diferentes autoridades levar a efeito
programas de governo que têm por finalidade regular não as decisões,
mas as ações individuais, grupais ou institucionais.
Bujes (2002) ao analisar a governamentalidade mostra-nos que a mesma deve ser
examinada como um tipo de maquinaria intelectual para tornar a realidade pensável de um
modo tal que seja possível nela intervir. A pesquisadora ao citar Rose indica que a
20
racionalidade política tem “um caráter moral e uma feição epistemológica e põe em marcha
certo estilo de raciocínio; tudo isso conjugando-se para constituir domínios de idéias e de
práticas que se tornam passíveis de intervenção”(BUJES, 2002, p. 258). Segundo a autora, os
experts possuem papel relevante no processo de mudança relativa ao projeto moralista e
filantrópico do liberalismo do século XIX. O governamento assume um caráter social e
“amplia as fronteiras da esfera política pela proliferação de redes através das quais o Estado
pode procurar estender a administração a eventos e a pessoas, em muitos lugares e o mais
amplamente possível”. (BUJES, 2002, p.258)
Bujes, analisando o sujeito do neoliberalismo, afirma que é aquele que responde a
inúmeras interpelações,
que tem perpétua e constante necessidade de estabelecer critérios, de fazer
escolhas, de deslocar-se entre diferentes tribos’, de desfocar-se e refocar-se
em cenários em constante mutação. É também um sujeito que deve lealdade
a muitos e diferentes grupos e em cada um deles assume identidades
particulares e muitas vezes conflitantes. É, enfim, um sujeito que precisa
acreditar que está no controle de si mesmo. (BUJES, 2002, p. 266)
Desta forma, a governamentalidade neoliberal, nas formulações de Bujes, pode ser
tomada como um conjunto de tecnologias, de estratégias, de dispositivos que, segundo
Foucault, funcionam como uma dobradiça que realiza a conexão/translação de “um domínio
da racionalidade política a um regime particular de práticas mutuamente implicados na
condução da conduta”. (BUJES, 2002, p. 267)
Neste contexto, podemos entender como a racionalidade política neoliberal torna-se
processo que desencadeia e constrói as tarefas dos governantes em termos de supervisão e
maximização das forças da sociedade. Várias questões mais amplas podem ser discutidas a
partir deste conceito de neoliberalismo como, por exemplo, a formação profissional gratuita
para aprendizes, a saúde da mulher através de campanhas de prevenção de câncer de mama, a
prevenção de doenças sexualmente transmissíveis dentre tantas outras. Tais programas
expressam, geralmente, através das suas formulações, preocupações com princípios de
cidadania, de ética, de saúde e de qualificação para o trabalho.
Ao discutir as articulações propostas por Foucault entre as tecnologias do eu e as
estratégias de governamento, Rose (1998, p.31), em Governando a alma, argumenta que
“nossos sentimentos, nossos desejos, e aspirações, são intencionalmente governados”. Assim,
convenções sociais, vigilância comunitária, normas, leis, obrigações familiares e religiosas
21
exercem em nossas vidas um intenso poder. Também a conduta, a fala e a emoção têm sido
examinadas em termos de um estado interior; é a administração do eu pelos especialistas
inscritos na área psi a partir de saberes específicos e profundos. Esses especialistas afirmam,
classificam e medem o eu interior, diagnosticando as causas, os problemas, e prescrevendo
remédios ou outras condutas terapêuticas.
Assim, na perspectiva foucaultiana, trata-se de apontar como o projeto iluminista de
ordenamento do mundo tem se valido da educação para civilizar o homem, não importando se
esta educação se no contexto das escolas, das fábricas, dos quartéis, das igrejas ou mesmo
das prisões. Todas essas instituições estão “intimamente conectadas com a construção da
Modernidade e com a manutenção das suas práticas e dos valores que a justificam e a
sustentam” (VEIGA-NETO, 2000, p.188).
D
ISCURSOS QUE GOVERNAM
Ao fazer neste capítulo uma apresentação das diversas abordagens que m como foco
de análise a questão da aprendizagem e do treinamento para a produtividade nas empresas,
pretendo mostrar como os conceitos centrais inscritos nas diferentes linhas teóricas que
conformam o campo da Administração constituem mais do que uma elaboração intelectual,
pois se referem às práticas em desenvolvimento nas próprias organizações ao longo do tempo.
Não por isso a preocupação de analisar exaustivamente as posições dos vários autores que
aqui apresento. Para melhor compreender a situação atual das organizações e fazer a análise
da questão da aprendizagem nas empresas, mostro os principais pontos de vista, as filosofias e
algumas das escolas de pensamento que foram dominantes durante o século XX recorro à
literatura da própria Administração, me valendo de estudos como os desenvolvidos por
Chiavenato
9
(1979;1999).
Para esta dissertação tomo como ponto de partida a Revolução Industrial
10
que ocorreu
articulada a um período de transformações que modificou não a estrutura econômico-
social, como também a político-cultural. É nesse período que se passa da oficina, do ambiente
9
Autor de vários livros na área de Administração de Empresas e de Recursos Humanos.
10
A chamada Revolução Industrial ocorreu no final do século XVIII e se estendeu durante o século XIX,
chegando ao limiar do século XX. Esse fenômeno teve início na Inglaterra com a invenção em 1776 da máquina
a vapor cuja aplicação no processo de produção provocou um surto de industrialização por toda a Europa e
Estados Unidos. De acordo com os estudos de Chiavenato (1979, p.29) “essa situação levou à divisão do
trabalho e à simplificação das operações, fazendo com que os ofícios tradicionais fossem substituídos por tarefas
semi-automatizadas e repetitivas, que podiam ser executadas com facilidade por pessoas sem nenhuma
qualificação e com enorme simplicidade de controle”.
22
doméstico e familiar, para as grandes maquinarias, nos ambientes das fábricas. Com a
organização do trabalho em outras bases, empreendimentos na produção ocorreram em uma
escala até então desconhecida. Foi preciso dar uma feição disciplinada às atividades
realizadas. Juntamente com o sistema fabril, expandiram-se o aparato escolar, o serviço
militar obrigatório, o sistema penal (as prisões), os hospitais como instituições voltadas
especificamente para acolher os doentes. Nesses ambientes se buscou operar sobre os corpos
dos indivíduos para controlar as multiplicidades humanas. Nas operações de disciplinamento,
o controle dos corpos não foi imposto pela violência. Nesse caso, conforme refere Bujes
(2002, p. 120), não se tratava de “de impor, forçar, submeter, mas, antes, de incitar,
conquistar, acumpliciar”.
Foi a opção pelas táticas disciplinares que mostrou a necessidade de distribuir os
indivíduos no espaço, controlar o tempo de execução das tarefas, treinar as operações com o
maquinário, calcular os gestos mais precisos e mais econômicos (para não desperdiçar forças),
ajustar não o modo de operar de cada um, mas articular as ações entre uns e outros, atuar
sobre o singular para colocá-lo em sintonia com o múltiplo.
Michel Foucault (2000) ressalta três grandes processos que desde muito cedo foram
encontrados nos colégios, nas oficinas, nos hospitais: estabelecer as cesuras, obrigar a
ocupações determinadas, regulamentar os ciclos de repetição. O autor sinaliza para o fato de
que o “rigor do tempo industrial guardou durante muito tempo uma postura religiosa; no
século XVII, o regulamento das grandes manufaturas precisava os exercícios que deviam
escandir o trabalho” (FOUCAULT, 2000, p. 127). Foucault argumenta que as ordens
religiosas foram durante muito tempo as responsáveis pelo ensino da disciplina, “eram os
especialistas do tempo, grandes técnicos do ritmo e das atividades regulares”
(FOUCAULT,
2000, p. 127).
A preocupação em administrar as empresas e a necessidade de criar um corpo de
conhecimentos adequado para desenvolver as práticas de organização e controle é que
origem, posteriormente, à moderna administração. Tal preocupação e necessidade nascem
nesse ambiente em que também se modificam as relações entre aqueles que produzem e o
material que está sendo produzido, conforme explica Chiavenato (1979, p.29):
Da calma produção do artesanato, em que os operários eram organizados em
corporações de ofício regidas por estatutos, onde todos se conheciam, em
que o aprendiz, para passar a artesão ou a mestre, tinha de produzir uma obra
perfeita perante os jurados e os síndicos, que eram as autoridades da
23
corporação, passou o homem rapidamente para o regime da produção feita
através de máquinas, dentro de grandes fábricas.
É interessante notar, na formulação acima, que as transformações operadas no
conjunto da vida social e econômica, bem como numa nova forma de conceber a relação entre
homem e trabalho não encontram guarida nas formulações do autor. Para Chiavenato (1979,
p.26), o mundo civilizado não era mais o mesmo e a moderna administração teria surgido
em resposta às conseqüências da própria Revolução Industrial, entre elas: o crescimento
acelerado e desorganizado das empresas que passaram a exigir um novo tipo de administração
capaz de substituir a improvisação pela ordem sem ambigüidades. O autor também relata que
tal crescimento industrial “era improvisado e totalmente baseado no empirismo, uma vez que
a situação era totalmente nova e desconhecida” (CHIAVENATO, 1979, p.30). Ele acrescenta
que simultaneamente à intensa migração de mão-de-obra dos campos agrícolas para os
centros industriais se desenvolvia um surto acelerado de urbanização, também marcado pela
falta de planejamento ou orientação. Chiavenato salienta ainda que concomitantemente à
consolidação do capitalismo, crescia o proletariado, uma nova classe social.
Com a concentração de indústrias e fusão das pequenas oficinas alimentadas
pelo fenômeno da competição, grandes contingentes de operários passaram a
trabalhar juntos, durante as jornadas diárias de trabalho, que se estendiam
por 12 ou 13 horas de labor, dentro de condições ambientais perigosas e
insalubres, provocando acidentes e doenças em larga escala.
(CHIAVENATO, 1979, p.30)
Nesse cenário de intensa concorrência e competição, cresce a referência à necessidade
de maior eficiência, produtividade e ordem nas empresas para fazer frente às demandas do
mercado. Em relação à eficiência é interessante sublinhar aqui que esse termo aparece
constantemente nas formulações tanto dos teóricos, como das empresas e também dos
empresários, e, de acordo com os discursos da área empresarial, está intimamente associado
ao sucesso das organizações.
Essas questões (da ordem, da eficiência, da produtividade) estão implicadas
simetricamente no projeto de ordenamento do mundo moderno. Desde a transição da
sociedade medieval para a moderna, o homem surge e quer reordenar e imprimir sua própria
marca no mundo, pois durante toda a Idade Média foi subserviente à Igreja e ao Rei. É na
Modernidade que acontecem rupturas com as questões medievais até então vigentes. Com
esse advento, então, engendram-se novos saberes que tomam por inspiração o humanismo
greco-romano, cuja realização máxima é o movimento renascentista.
24
Especialmente a partir do século XVII, com a razão tendo conquistado autonomia,
emancipando-se da e tornando-se livre para realizar explorações, florescem as ciências
experimentais a partir da observação, descrição e explicação da natureza, tal como esta se
manifestaria aos nossos sentidos. Dessa maneira, o mundo moderno se firma expressando um
novo pensamento. Agindo pela razão, a preocupação central do homem moderno é a
demonstração de tipo científico para assim estruturar e organizar a sociedade, sem o apelo a
crenças e mitos característicos de um pensamento ingênuo ou mágico.
Alicerçada na ciência, na tecnologia, na educação, a Modernidade planeja e organiza
seu espaço, pretendendo superar as ambigüidades; opõe-se ao velho e ao antigo, aspira pelo
novo. A partir dessa visão de mundo, busca afirmar que tudo tem uma explicação racional.
Como suporte para esse projeto, a Modernidade traz em seu ideário formulações carregadas
de pressupostos positivistas e com base nesses saberes, o desejo de classificar, categorizar,
disciplinar tudo e todos, e assim, Estado, sociedade e escola, enquadram o sujeito moderno
em regulamentos e normas, criando os riscos, a previsibilidade e a segurança.
Talvez seja necessário aqui enfatizar que o surgimento dos saberes modernos sobre o
homem neste caso considerado genericamente encontra-se ancorado nessa racionalidade.
Um campo de conhecimento voltado para a realização de uma administração moderna e
científica começa a se organizar na conjugação de novas necessidades tais como: o
desenvolvimento de novas tecnologias; o domínio de novos processos de produção e de
construção; o crescimento de reivindicações trabalhistas; a incorporação de legislação em
defesa e proteção à saúde e à integridade física do trabalhador, etc...
A administração das empresas industriais como preocupação para seus proprietários
estaria intimamente associada a um movimento para selecionar idéias e métodos empíricos.
Ressalta Chiavenato (1979) que ao invés de pequenos grupos de aprendizes e artesãos
dirigidos por mestres habilitados, o problema agora era
O de dirigir batalhões de operários da nova classe proletária que se criou. Ao
invés de instrumentos rudimentares de trabalho manual, o problema era o de
operar máquinas, cuja complexidade aumentava. Os produtos passaram a ser
elaborados em operações parciais que se sucediam, cada uma delas entregue
a um grupo de operários especializados em tarefas específicas, estranhos
quase sempre às demais operações, ignorando até a finalidade da peça ou da
tarefa que estavam executando. Essa nova situação contribuiu para apagar da
mente do operário o veículo social mais intenso, ou seja, o sentimento de
estar produzindo e contribuindo para o bem da sociedade. (CHIAVENATO,
1979, p.30
)
25
No início do século XX Frederick Taylor, engenheiro norte-americano, apresenta os
princípios da administração moderna, criando a chamada Administração Científica, ou o
estudo da Administração como Ciência. Taylor ficou conhecido como o precursor da Teoria
da Administração Cientifica e suas idéias podem ser sintetizadas nestes itens:
Ciência em lugar do empirismo e da improvisação: reunir todo o
conhecimento tradicional relativo ao trabalho num corpo sistematizado de
serviços, métodos e processos; Seleção e treinamento dos trabalhadores:
selecionar, racional e cientificamente, o trabalhador e promover o seu
treinamento e desenvolvimento; articular o trabalho com a ciência:
cooperar cordialmente com o trabalhador selecionado e treinado, colocando
à sua disposição aquele conhecimento reunido e sistematizado; divisão do
trabalho e das responsabilidades: manter divisão eqüitativa do trabalho a ser
feito em duas partes 1) planejamento a cargo da gerência; 2) execução a
cargo dos operários e de seus superiores. (CHIAVENATO, 1979, p.46)
A partir das considerações de Taylor, a organização poderia ser comparada com uma
máquina que segue um projeto pré-definido. O engenheiro norte-americano ao preconizar a
prática da divisão do trabalho, enfatizando tempos e métodos a fim de assegurar seus
objetivos de máxima produção a mínimo custo, seguia os denominados princípios da seleção
cientifica do trabalhador, do tempo padrão, do trabalho em conjunto, da supervisão e da
ênfase na eficiência
11
. O que Taylor fez, efetivamente, foi dar uma roupagem científica e uma
justificação para modos de realizar a atividade produtiva, segundo moldes disciplinares,
inventados bem antes dele. O que ele mostra, sem dúvida, são as vantagens de se realizar um
investimento sobre os corpos dos trabalhadores para torná-los mais dóceis e úteis, como nos
apontou Foucault em Vigiar e Punir (2000). Também Hardt e Negri (2004 p. 106), analisando
as transformações operadas pela Modernidade, indicam que:
A Modernidade substituiu a transcendência tradicional de comando pela
transcendência da função ordenadora. Arranjos de disciplina começaram a
ser formados já na idade clássica, mas só na modernidade o diagrama
disciplinar tornou-se o diagrama da própria administração. Por toda essa
passagem, a administração exerce um esforço contínuo, amplo e incansável
11
R
essaltando a questão da eficiência, Chiavenato (1979, p.66) baseado em Simon
11
, que salienta o fato do
termo eficiência ter adquirido vários sentidos. Praticamente até o final do século XIX foi considerado quase
como sinônimo de eficácia. A eficiência é uma aptidão ou poder de realizar algo ou, ainda, o sucesso na
realização do objetivo desejado, o poder adequado, a efetividade ou a eficácia. A partir dos anos 1850, com a
engenharia e passando ao comércio e à economia nos primórdios do século XX, o termo eficiência representava
a relação entre fatores aplicados e o produto final obtido, a razão entre o esforço e os resultados, entre a despesa
e a receita, entre o custo e o prazer usufruído. A eficiência adquiriu um terceiro sentido com a Administração
Científica. Taylor, em A Piece Rate System descreve o seu método pioneiro de. Após o estabelecimento dos
padrões para o desempenho de tarefas, a eficiência da mão-de-obra passa a ser a relação entre o desempenho real
e o padrão de desempenho estabelecido previamente.
26
para fazer o Estado sempre mais íntimo da realidade social, e assim produz
uma ordem de trabalho social.
Taylor é considerado pelo campo da Administração como o pai da Organização
Científica do Trabalho e a sua abordagem segundo Chiavenato (1979, p.30) “é a que mais se
enquadra para o estudo do sistema de produção fabril”. O princípio fundamental do
taylorismo afirma que há uma e uma única maneira de melhor executar uma tarefa
descoberta e adotada essa única melhor maneira a eficiência do trabalho será maximizada.
Com base nesse princípio, Taylor partiu para o denominado método científico para buscar
atingir a maximização da eficiência no trabalho, através do denominado estudo de tempos e
movimentos. O filme Tempos Modernos, de Charlie Chaplin, constitui uma crítica a essa
abordagem pelo excesso de rigidez, de especialização e de mecanização do homem no
trabalho.
Observando metódica e pacientemente a execução das tarefas a cargo dos
operários, viu Taylor a possibilidade de decompor cada tarefa em uma rie
ordenada de movimentos simples, cuja duração podia ser medida. Através de
tal sistema, era possível especializar o pessoal em cada tarefa e selecioná-lo
de tal forma a admitir ao serviço apenas aqueles agentes capazes de executar
sua tarefa dentro do tempo considerado conveniente e utilizando os demais
em outras tarefas, para as quais revelassem habilidade suficiente. Assim, era
possível atribuir a cada operário a tarefa mais adequada às suas condições
físicas e aptidões, dando-lhe possibilidade de fazer seu trabalho na empresa
com a máxima eficiência e de receber, em compensação, um salário bem
superior à medida da remuneração da categoria a que pertencia.
(CHIAVENATO, 1979, p.45)
Com base neste método e, no sentido de identificar uma e única maneira de melhor executar
uma tarefa (e assim, corresponder à eficiência desejada e conseguir o rendimento ótimo),
Taylor propôs que qualquer tarefa, mesmo as de supervisão, fosse o mais simples possível.
Esse método consistiu na desagregação de cada tarefa de um indivíduo nos seus movimentos
físicos elementares que eram então cronometrados de forma a minimizar o tempo de execução
na referida tarefa. O objetivo de Taylor era evitar o maior de todos os problemas: a perda de
tempo.
Cada colaborador teria uma tarefa o menos complexa possível e receberia
instruções de alguém altamente especializado, propondo, em vel de
supervisão que a tarefa tradicional de um supervisor seja dividida em oito
(disciplina, conservação, abastecimento da linha,...) cada uma delas da
competência de um indivíduo altamente especializado organização
funcional do trabalho. Assim, cada colaborador labora como um autômato,
fazendo repetidamente tarefas extremamente simples. Taylor apenas se
27
debruça sobre o nível operacional e fabril das organizações, pois para ele a
coordenação interna e o relacionamento com o exterior são dispensáveis.
(CHIAVENATO, 1979, p.30)
A minúcia dos regulamentos, o olhar esmiuçante das inspeções, o controle das
mínimas parcelas da vida e do corpo de acordo com Foucault (2000, p.121), “darão em breve,
no quadro da escola, do quartel, do hospital ou da oficina, um conteúdo laicizado, uma
racionalidade econômica ou técnica a esse cálculo místico do íntimo e do infinito”. Em
relação a essa técnica o filósofo francês assim exemplifica,
Uma observação minuciosa do detalhe, e ao mesmo tempo um enfoque
político dessas pequenas coisas, para controle e utilização dos homens,
sobem através da era clássica, levando consigo todo um conjunto de
técnicas, todo um corpo de processos e de saber, de descrições, de receitas e
dados. E desses esmiuçamentos, sem dúvida, nasceu o homem do
humanismo moderno. (FOUCAULT, 2000, p.121)
Em 1911, Taylor publicou o livro que foi considerado como a bíblia dos organizadores
do trabalho: Princípios da Administração Científica. Em tal obra o autor propõe os princípios
e a prática de gestão científica: planejamento, padronização, especialização, controle e
remuneração; aplicação do método científico para encontrar a única melhor maneira de
realizar o trabalho; seleção de forma científica dos trabalhadores que melhor desempenharão a
tarefa; treino, educação e desenvolvimento dos trabalhadores de modo à melhor desempenhar
as atividades.
Segundo Chiavenato (1979) a obra de Taylor não deve ser avaliada em termos de
elementos particulares, mas principalmente pela importância da aplicação de uma
metodologia sistemática na análise e na solução dos problemas de organização, da base para o
nível superior. Sobre Taylor, o autor comenta que
O fato de ter sido ele o primeiro a fazer uma análise completa do trabalho,
inclusive dos tempos e dos movimentos, de ter sido ele que estabeleceu
padrões precisos de execução, que treinou o operário, que especializou o
pessoal, inclusive o de direção, que instalou uma sala de planejamento, em
resumo, que assumiu uma atitude metódica ao analisar e organizar a unidade
fundamental de qualquer estrutura, adotando esse critério até o topo da
organização, tudo isso o eleva a uma altura não comum no campo da
organização. (CHIAVENATO, 1979, p.61)
28
Todos esses esmiuçamentos que constituem a base do taylorismo como forma de
gestão científica moderna das organizações, fazem parte do que Foucault (2000, p. 124)
denominou de princípio do quadriculamento do indivíduo, ou seja,
Importa distribuir os indivíduos num espaço onde se possa isolá-los e
localizá-los; mas também articular essa distribuição sobre um aparelho de
produção que tem suas exigências próprias. É preciso ligar a distribuição dos
corpos, a arrumação espacial do aparelho de produção e as diversas formas
de atividade na distribuição dos ‘postos’.
Nesse cenário, de acordo com as formulações de Foucault (2000, p. 127) trata-se de
“organizar o múltiplo, de se obter um instrumento para percorrê-lo e dominá-lo; trata-se de
lhe impor uma ‘ordem’.” Nesse quadro com movimentos regulados de ordenamento espacial
dos homens, Foucault adverte que sob a forma de repartição disciplinar, o quadriculamento
tem por função o tratamento da “multiplicidade por si mesma, distribuí-la e dela tirar o maior
número possível de efeitos”.
Junto ao controle da atividade estava a preocupação com a qualidade do tempo
empregado, “controle ininterrupto, pressão dos fiscais, anulação de tudo o que possa perturbar
e distrair trata-se de construir um tempo integralmente útil” (FOUCAULT, 2000, p. 127). O
filósofo salienta que o tempo medido e pago deve ser “também um tempo sem impureza nem
defeito, um tempo de boa qualidade e durante todo o seu transcurso o corpo deve ficar
aplicado ao seu exercício. A exatidão e a aplicação são com a regularidade, as virtudes
fundamentais do tempo disciplinar.” (FOUCAULT, 2000, p. 127).
O norte-americano Henry Ford absorveu aspectos do taylorismo e inovou o processo.
O novo processo de produção e regulação do trabalho, denominado fordismo, consistia em
organizar a linha de montagem de cada fábrica para produzir mais, controlando melhor as
fontes de matéria-prima e de energia, os transportes, a formação da mão-de-obra. Ford foi um
dos introdutores da produção em série, em massa, através da padronização do maquinário e
equipamento, da mão-de-obra e das matérias-primas e, consequentemente, dos produtos. De
acordo com Chiavenato (1979, p. 61) “Ford foi o mais conhecido de todos os precursores da
moderna administração, iniciou a sua vida como simples mecânico, chegando posteriormente
a engenheiro-chefe de uma fábrica”.
Ford utilizou os princípios de padronização e simplificação de Taylor e desenvolveu
outras técnicas consideradas avançadas para a época. Uma das principais características do
fordismo foi o aperfeiçoamento da linha de montagem. Os veículos eram montados em
29
esteiras rolantes que se movimentavam enquanto o operário ficava praticamente parado,
realizando uma pequena etapa da produção. De acordo com essa abordagem não era
necessária quase nenhuma qualificação dos trabalhadores. Neste contexto, fica famosa a frase
de Ford afirmando que poderiam ser produzidos automóveis de qualquer cor, desde que
fossem pretos. Tal afirmativa estava fundamentada no fato de que a tinta de cor preta secava
mais rápido e os carros poderiam ser montados mais rapidamente.
Paralelamente aos estudos de Taylor, o engenheiro francês Henri Fayol, defendia
princípios semelhantes na Europa, relacionando 14 princípios básicos para administrar. Estão
entre esses postulados o ato de planejar, de comandar, de organizar, de controlar, de
coordenar, que são conhecidos pela sigla PCOCC e se constituíram nos fundamentos da
Teoria Clássica de Administração, defendida por Fayol.
Desde este cenário é possível perceber que o taylorismo privilegiava as tarefas de
produção e que o fordismo enfatizava as tarefas de organização. Taylor destacava a adoção de
métodos racionais e padronizados e máxima divisão de tarefas enquanto Ford atribuía maior
relevância à estrutura formal de empresa e à adoção de princípios administrativos pelos níveis
diretivos. Fayol vai preocupar-se fundamentalmente com a análise da estrutura hierárquica
das organizações, pondo acento na chamada linha de comando (estrutura em linha ou
estrutura militar) da qual dependeria todo o bom funcionamento organizacional.
Ressaltando os princípios gerais da Administração Clássica, Chiavenato (1979)
salienta que Fayol enfatizava o papel da disciplina estrita na organização fabril, copiada
principalmente dos modelos das estruturas militares. Assim, de acordo com Chiavenato, a
disciplina para Fayol é um dos princípios da Administração e está por ele conceituada da
seguinte forma:
Disciplina: é o respeito por acordos que são destinados à obtenção de
obediência, aplicação, energia e sinais externos de respeito. Para Fayol, a
disciplina exige bons superiores, em todos os níveis, acordos e justos, bem
como aplicação judiciosa de penalidades e medidas disciplinares. A
disciplina é deveras importante. A sua falta traz o caos à administração.
(CHIAVENATO, 1979, p.86)
Ao problematizar o poder disciplinar, Foucault (2000) afirma que esse poder tem
como principal função o adestramento, o disciplinamento como produção de trabalhadores
dóceis e úteis, adaptáveis, que sabem o que é melhor. Assim, o sucesso do poder disciplinar,
de acordo com o filósofo, “se deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar
30
hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é
específico, o exame” (FOUCAULT, 2000, p.143). Através desta lógica disciplinar, Foucault
adverte também que a punição está presente na essência de todos os sistemas disciplinares
estabelecendo infrapenalidades, funcionando como um pequeno mecanismo penal.
Na oficina, na escola, no exército funciona como repressora toda uma
micropenalidade do tempo (atrasos, ausências, interrupções das tarefas), da
atividade (desatenção, negligência, falta de zelo), da maneira de ser
(grosseria, desobediência), dos discursos (tagarelice, insolência), do corpo
(atitudes “incorretas”, gestos não conformes, sujeira), da sexualidade
(imodéstia, indecência). Ao mesmo tempo é utilizada, a título de punição,
toda uma série de processos sutis, que vão do castigo físico leve a privações
ligeiras e a pequenas humilhações. Trata-se ao mesmo tempo de tornar
penalizáveis as frações mais tênues da conduta, e de dar uma função punitiva
aos elementos aparentemente indiferentes do aparelho disciplinar: levando
ao extremo, que tudo possa servir para punir a mínima coisa; que cada
indivíduo se encontre preso numa universalidade punível-punidora.
(FOUCAULT, 2000, p. 149)
Foucault (2000) adverte também que a disciplina traz consigo uma maneira específica
de punir. Reforça que é apenas um modelo reduzido do tribunal. Salienta também que o
castigo disciplinar tem a função de reduzir os desvios. Deve, portanto, ser
essencialmente corretivo. Ao lado das punições copiadas ao modelo
judiciário (multas, açoite, masmorra), os sistemas disciplinares privilegiam
as punições que o da ordem do exercício – aprendizado intensificado,
multiplicado, muitas vezes repetido. (FOUCAULT, 2000, p. 149)
O filósofo assinala ainda que o poder da norma aparece através das disciplina. Ao
questionar sobre o que é a norma, Ewald (1993) afirma que ela é um princípio de comparação,
uma medida comum e, nos alerta que a norma não conhece o exterior, todos são por ela
abrangidos. Portanto, afirma esse autor que a norma está entre as artes de julgar,
possibilitando, desta maneira, a ocorrência da biopolítica, ou seja, o poder sobre a vida sem o
uso da força como era antes, no regime monárquico, onde o soberano tinha o poder de
‘dispor’ da vida de seus súditos, mandava matar ou deixava viver.
Nesse sentido, as análises de Bujes (2002, p. 149) que discutem a respeito da
normalização, são importantes para refletir também a respeito da norma. A autora com base
nos estudos foucaultianos e em Ewald (1993) refere que o conceito de norma é como “uma
medida, esta medida comum que num mesmo mecanismo torna comparável e individualiza. A
normalização requer que se invoque ou estabeleça um padrão de refere ncia. O que define o
normal é a conformação a este padrão” (BUJES, 2002, p. 149). Bujes ressalta ainda, que
31
o processo de individualização não pode prescindir, portanto, desses ritos
anônimos de observação, destas medidas que se valem da norma como
referencia, do exame, enfim, pois o exame está no centro dos processos que
constituem o indivíduo como efeito e objeto do poder, como efeito e objeto
do saber(BUJES, 2002, p. 149).
Dessa maneira, a norma vai definir os normais, vai categorizar e distinguir os
anormais e vai enquadrar cada sujeito em um lugar pré-estabelecido. Nesse sentido, como
instrumentos para a efetivação da ordem moderna, esse conjunto de regras distribui os
indivíduos no espaço para que sejam normatizadas as condutas e normalizados os
comportamentos, as ações e até o pensamento. Ewald (1993, p.83), ao desenvolver as idéias
de Foucault, reforça que a disciplina fabrica indivíduos e salienta também, que a norma é a
referência para isso. Mostra-nos que “a norma articula as instituições disciplinares e torna-as
interdisciplinares” (EWALD, 1993, p.83). Nessa perspectiva, as disciplinas são normativas e
como tal mobilizam e vigiam os indivíduos no espaço, no tempo, nos gestos e, assim, a norma
é a linguagem que a religião, a escola, o estado fazem consigo mesmo, a partir do momento
em que estão disciplinando, normatizando e normalizando. As disciplinas modelam também
as sociedades, e uma sociedade disciplinar é ao mesmo tempo, uma sociedade da difusão das
disciplinas, permitindo que tudo se comunique com tudo.
Portanto, na vida moderna tem-se a pretensão de que tudo esteja em ordem e, neste
aspecto, Bauman (1998) nos apresenta uma análise do mundo moderno em torno do qual foi
projetado um sonho de pureza onde a ordem é tida como um meio regular, o orgulho da
Modernidade e a pedra angular de todas as suas outras realizações, quer se apresente como
pureza, beleza ou limpeza. A ordem é imposta a uma humanidade naturalmente desordenada
que forçada por regras de conduta, segue rumo à civilização sob as rédeas da disciplina e da
normalidade. Afinal, “a ordem é o contrário do caos e o caos o contrário daquela”
(BAUMAN, 1999, p.12).
O pensamento moderno vai refletir a ordem no mundo, vai à busca do progresso, da
inovação, de mudanças, mas sem ambigüidades, sem caos, limpo e, o mais importante, dentro
de um lugar, seguro, confortável, pré-estabelecido e determinado por saberes científicos que
assim ditam e forjam como o homem deve ser. Com a intenção de que tudo fique em ordem é
32
que a área psi
12
, dentro do ideal iluminista, entra com seus saberes nas fábricas, limpando,
higienizando e colocando ordem.
Assim, desde a Revolução Industrial até os dias de hoje, um conjunto de processos de
disciplinamento e estratégias de governamento das populações, aliados ao desenvolvimento
tecnológico, acabou por tornar os métodos de produção mais eficientes. Os produtos passaram
a ser fabricados mais rapidamente, reduzindo custos e estimulando o consumo. Contudo, tais
transformações nos processos produtivos também fez crescer o número de desempregados. As
máquinas foram substituindo, aos poucos, a mão-de-obra humana. A poluição ambiental, o
aumento da poluição sonora, o êxodo rural e o crescimento desordenado das cidades também
são conseqüências deste conjunto de transformações.
O desemprego é, ainda hoje, um dos grandes problemas a serem enfrentados pelos
países em desenvolvimento. Gerar empregos tem se tornado um dos maiores desafios para os
Estados e para as economias no contexto da globalização. Os trabalhadores que executavam
atividades repetitivas, com exigência de pouca qualificação, foram sendo substituídos por
máquinas e robôs. As empresas procuram profissionais qualificados para ocuparem postos de
trabalho que exijam cada vez mais criatividade e múltiplas capacidades. Mesmo nos países
desenvolvidos têm faltado empregos para a população.
Neste contexto, pessoas que dispõem de acesso a recursos tecnológicos tais como
computador e linha telefônica, por exemplo, podem conectar-se à Internet, ampliando
enormemente suas possibilidades de usufruir de informação e, conseqüentemente, se
encontram em condições de aumentar sua qualificação e competir em mercados que estão
cada vez mais exigentes. No entanto, é preciso considerar que, principalmente nos países
subdesenvolvidos, onde há carência de serviços básicos como redes de energia elétrica,
tratamento e distribuição de água potável, captação e tratamento de esgotos, se conectar,
cotidianamente, à rede mundial de computadores é um privilégio restrito às camadas da
população com maior poder aquisitivo.
O desenvolvimento tecnológico de uma empresa ou mesmo de um país tornou-se um
fator determinante no que respeita a competitividade internacional. A presença de tecnologias
novas e não tão novas é constatada em todos os setores econômicos, destacando-se o
industrial e o de serviços. Os avanços tecnológicos nas áreas de eletrônica, robótica,
12
Nomenclatura utilizada para referir o campo de conhecimentos e as práticas relativas à Psicologia, Psiquiatria,
Psicanálise e Psicopedagogia, surgido a partir de meados do século XIX com o objetivo de estudar, classificar,
conhecer e controlar as populações.
33
informática e telecomunicações constituem um elemento fundamental na conquista e
ampliação de mercados consumidores.
Assim, tal como a exigência de desenvolvimento tecnológico, o aumento das fusões
entre empresas como estratégia de inserção em mercados caracterizados por maior
competitividade e capacidade de investimento em novas tecnologias –; a expansão das
multinacionais e o aumento nos fluxos de investimentos e de mercadorias entre países; fazem
parte de um contexto que tomou forma com a aplicação das idéias neoliberais. Essas idéias
pregam entre outros aspectos, a necessidade dos países eliminarem ou diminuírem restrições
de qualquer natureza à entrada de capitais e produtos estrangeiros. Trata-se assim da liberação
da circulação dos capitais e do comércio internacional.
Ainda, segundo as teses neoliberais, fazem parte das políticas desse sistema a redução
das barreiras comerciais; os processos de privatização (nos quais grande participação de
empresas estrangeiras); e a contenção de gastos públicos, até mesmo com diminuição de
investimentos em setores como educação, saúde, geração de energia, saneamento básico e
moradia popular. Esses processos de mudança com base nos princípios do neoliberalismo
foram amplamente favorável aos países desenvolvidos, às multinacionais, aos grandes bancos
e investidores estrangeiros, pois aumentou ainda mais as possibilidades de lucro para as
empresas e para os investidores.
A partir dos anos 1980, os organismos internacionais (Banco Mundial, Fundo
Monetário Internacional e a Organização Mundial da Saúde, entre outros), em boa parte
comandados pelos países desenvolvidos, estimularam diferentes processos de abertura de
capital e de redução de gastos por parte dos governos em vários países principalmente nos
denominados subdesenvolvidos e em desenvolvimento –, como aspectos fundamentais de
ajuste das economias e políticas ao cenário globalizado que começava a se consolidar.
Tais mudanças no contexto político-econômico demandam também um novo perfil de
trabalhador para compor a nova ordem mundial. O Mercado apontado quase como um
equivalente da Sociedade exige o desenvolvimento de competências que habilitem este
trabalhador à inserção na chamada produção digna. A construção desse perfil requalificado
demanda uma educação profissional que garanta ao cidadão aprender a trabalhar a partir do
acesso às conquistas científicas e tecnológicas da sociedade contemporânea.
Desta maneira, o capitalismo vai transformando produtos, bens e serviços em
mercadoria. O neoliberalismo renova as forças do capitalismo, mercantilizando serviços
34
essenciais como os sistemas de saúde e educação. A idéia de trabalho como fonte de riqueza e
as políticas surgidas dessa suposição e guiadas por ela é de origem recente. Nesse campo,
Bauman em Modernidade Líquida (2001, p. 67) salienta que o trabalho estava sendo
sustentado até os anos 1970 pelo discurso do mundo fordista e que simbolizava em seu
apogeu um modelo de industrialização, de acumulação e, principalmente, de regulação. Esse
conjunto de práticas produtivas, segundo o autor, caracteriza a modernidade sólida ou do
capitalismo pesado.
Entre os principais ícones dessa modernidade estavam a fábrica fordista, que
reduzia as atividades humanas a movimentos simples, rotineiros e
predeterminados, destinados a serem obediente e mecanicamente seguidos,
sem envolver as faculdades mentais e excluindo toda espontaneidade e
iniciativa individual (BAUMAN, 2001, p.33).
Em sua análise, Bauman (2001, p.68) considera a fábrica fordista como “a maior
realização até hoje da engenharia social orientada pela ordem”. Nesse sentido, Bauman
esclarece que o termo ordem significa monotonia, regularidade, repetição e previsibilidade. O
autor explica também que uma situação está em ordem “se e somente se alguns eventos têm
maior probabilidade de acontecer do que suas alternativas, enquanto outros eventos são
altamente improváveis ou estão inteiramente fora de questão” (BAUMAN, 2001, p.67). No
mundo ordeiro, segundo Bauman não espaço para o que não tiver uso ou propósito. Quer-
se com a ordem, eliminar a imprevisibilidade.
O fordismo, método de racionalização da produção em massa, é considerado por
Bauman (2001, p.69) como
a autoconsciência da sociedade moderna em sua fase ‘pesada’, ‘volumosa’,
ou ‘imóvel’ e ‘enraizada’, ‘sólida’. Nesse estágio de sua história conjunta,
capital, administração e trabalho estavam, para o bem e para o mal,
condenados a ficar juntos por muito tempo, talvez para sempre amarrados
pela combinação de fábricas enormes, maquinaria pesada e força de trabalho
maciça. Para sobreviver, e principalmente para agir de modo eficiente,
tinham que ‘cavar’, desenhar fronteiras e marcá-las com trincheiras e arame
farpado, ao mesmo tempo em que faziam a fortaleza suficientemente grande
para abrigar todo o necessário para resistir a um cerco prolongado, talvez
sem perspectivas. O capitalismo pesado era obcecado por volume e tamanho,
e, por isso, também por fronteiras, fazendo-as firmes e impenetráveis
.
Mas, “a corrente invisível que prendia os trabalhadores a seus lugares e impedia sua
mobilidade” (BAUMAN, 2001, p.70) se rompeu e, de acordo com o sociólogo, foi o divisor
de águas decisivo na experiência de vida dos sujeitos. Esse evento se associa à decadência e
35
extinção do modelo fordista e da certeza de que a carreira profissional seguiria seu curso
num mesmo lugar de trabalho.
Se antes o capital estava fixado ao solo quanto aos trabalhadores que
empregava, hoje o capital viaja leve apenas com a bagagem de mão, que
inclui nada mais que pasta, telefone celular e computador portátil. Pode
saltar em quase qualquer ponto do caminho, e não precisa demorar-se em
nenhum lugar além do tempo que durar sua satisfação. O trabalho, porém,
permanece tão imobilizado quanto no passado mas o lugar em que ele
imaginava estar fixado de uma vez por todas perdeu sua solidez de outrora;
buscando rochas, as âncoras encontram areias movediças. Alguns dos
habitantes do mundo estão em movimento; para os demais, é o mundo que se
recusa a ficar parado. (BAUMAN, 2001, p.70)
Bauman (2001) tem discutido em seus estudos a idéia de liquidez e fluidez. Trata-se de
conceitos voltados à mudança de formas de viver/produzir para acomodação nos mais
diversos encaixes. Na nova modernidade líquida maleável, o que vigora é a ascensão de um
objetivo individual, em declínio nas instituições sólidas, pesadas. A desordem provocada pela
insegurança no sentido de não se saber o que vai acontecer, difere muito do modelo fordista,
onde o roteiro funcional era por toda a vida, estático e, principalmente, em ordem.
Os passageiros do navio ‘Capitalismo Pesado’ confiavam (nem sempre
sabiamente) em que os seletos membros da tripulação com direito a chegar à
ponte de comando conduziriam o navio a seu destino. Os passageiros
podiam devotar toda sua atenção a aprender e seguir as regras a eles
destinadas e exibidas ostensivamente em todas as passagens. Se reclamavam
(ou às vezes se amotinavam), era contra o capitão, que não levava o navio a
porto com a suficiente rapidez, ou por negligenciar excepcionalmente o
conforto dos passageiros. Já os passageiros do avião ‘Capitalismo Leve’
descobrem horrorizados que a cabine do piloto está vazia e que não meio
de extrair da ‘caixa preta’ chamada piloto automático qualquer informação
sobre para onde vai o avião, onde aterrizará, quem escolherá o aeroporto e
sobre se existem regras que permitam que os passageiros contribuam para a
segurança da chegada. (BAUMAN, 2001, p.70)
Sennett em A Corrosão do Caráter (2004) tece uma rede de relações para mostrar que
resulta de todos estes processos de transformação e flexibilização no mundo do trabalho, da
produção e do consumo; o estabelecimento de uma crescente desorientação e falta de rumo
dos sujeitos trabalhadores e /ou consumidores cujo ponto final é a própria corrosão do
caráter. O autor argumenta que as pessoas estão famintas [de mudança], isso ocorre,
segundo afirma um dos gurus da administração, James Champy, porque o mercado pode ser
motivado pelo consumidor como nunca antes na história” (SENNETT, 2004, p. 22).
36
O sociólogo britânico salienta que o mercado, segundo essa visão, é muito dinâmico
para permitir a execução das mesmas atividades ou das atividades da mesma maneira ano
após ano, tanto por parte das empresas como por parte dos trabalhadores; e aponta como uma
das mudanças geradas pela dinâmica do mercado contemporâneo a terceirização, ou seja, a
distribuição de tarefas antes executadas permanentemente nas instalações das empresas e por
indivíduos empregados, para empresas/indivíduos externos à organização, através de
contratos de curto prazo.
Sennett (2004) põe em relevo um conjunto de situações marcadas pela lógica do novo
padrão do mundo do trabalho. O autor destaca questões cruciais para a compreensão dos
impactos das novas formas de organização do trabalho sobre a dimensão humana do
trabalhador. Uma das questões enfatizadas e discutidas pelo autor refere-se às relações de
curto prazo ligadas à perda do sentido de linearidade do tempo, que orientou o modelo do
fordismo, permitindo a utilização do planejamento de longo prazo. Outra questão destacada
por Sennett faz referência à perda de sentido do trabalho, característica das formas flexíveis
de organização do trabalho.
Uma mudança na moderna estrutura institucional acompanhou o trabalho a
curto prazo, por contrato ou episódico. As empresas buscaram eliminar
camadas de burocracia, tornar-se organizações mais planas e flexíveis. Em
vez das organizações tipo pirâmide, a administração quer agora pensar nas
organizações como redes. (SENNETT, 2004, p.23)
Vivendo em um mundo instável e baseado em relações de trabalho precárias, as novas
gerações estariam marcadas pela fragmentação do tempo. Adaptadas à idéia de que não
longo prazo, essas novas gerações não teriam a possibilidade de estabelecer relações
profissionais e pessoais duradouras. O esquema de curto prazo das instituições modernas
limitaria o amadurecimento da confiança, da lealdade e do compromisso mútuo, gerando uma
espécie de vazio na vida pessoal e profissional. Assim, num contexto social e econômico
marcado pela fluidez, se estabeleceriam novas necessidades em relação à força de trabalho.
Novos tipos de habilidades e também novas maneiras de relacionar-se com as próprias tarefas
laborais estariam se tornando necessárias.
Portanto, em uma sociedade contemporânea em que as empresas planejam
constantemente estratégias para atingir a eficácia e a eficiência nas suas atividades produtivas,
é preciso pensar continuamente novas formas para tornar os trabalhadores conscientes de tais
propósitos e também comprometidos com eles. Nesse sentido, se busca uma formação
37
continuada para o quadro de funcionários, também chamados de colaboradores. Observando
os princípios referidos, se percebe que é com base no discurso da racionalidade neoliberal
e da responsabilidade social que muitas das ações institucionais se estruturam e por sua vez
atingem o indivíduo em suas práticas diárias, capturando-o com narrativas a respeito da
formação ou aprimoramento profissional.
38
C
APITULO
III
N
AS TRAMAS DOS DISCURSOS DA RESPONSABILIDADE SOCIAL
No capítulo precedente vimos que o capitalismo adquiriu força e predominância
mundial a partir da Revolução Industrial do século XIX. Essa supremacia deveu-se, entre
outras razões, ao aprimoramento de máquinas capazes de (re)produzir em grande escala o
mesmo produto, e ao advento da eletricidade que, possibilitaram à indústria produzir, não em
função de necessidades humanas, mas visando cada vez mais a produtividade e a qualidade
com vistas ao aumento do lucro das empresas.
Ao analisar este sistema de produção fabril, percebemos que o neoliberalismo é a
“continua relação de fundação do capitalismo com o mercado mundial” (HARDT; NEGRI,
2004, p. 26). É necessário notar, de acordo com as teorizações formuladas no livro Império de
Hardt e Negri (2004, p. 26), que
o que era conflito ou competição entre diversas potências imperialistas foi,
num sentido essencial, substituído pela idéia de um poder único que está por
cima de todas elas, que as organiza numa estrutura unitária e as trata de
acordo com uma noção comum de direito decididamente pós-colonial
e pós-imperialista.
Nesse cenário, tais aspectos se integram uns nos outros e se orientam pelos aspectos
produtivos, com relações globais de poder revela-se também, a preocupação com a temática
da Responsabilidade Social. Mas por que tanto interesse das empresas nas ações sociais? O
que leva a empresa (micro, média e grande) a se envolver com ações qualificadas como
solidárias?
Podemos inferir que tal atitude, segundo os teóricos da Administração, estaria
relacionada com o crescente envolvimento com os problemas sociais, econômicos e
ambientais, por parte do empresariado. A partir de dados de uma pesquisa realizada pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada sobre o tema da Responsabilidade Social ou ação
social das empresas, foi divulgado que, 59% das empresas do setor privado brasileiro estão
envolvidas de alguma forma com a área social, desenvolvendo ações em benefício de alguma
comunidade. Em 2000, conforme resultados finais da mesma pesquisa, o investimento das
empresas em ações de Responsabilidade Social atingiu R$ 4,7 bilhões, valor que apesar de ser
apontado como expressivo, corresponde a apenas
0,4% do PIB do País. “São cerca de 465 mil
39
empresas, com um ou mais empregados, que o sua contribuição, seja fazendo doações eventuais a
pessoas carentes ou desenvolvendo projetos mais estruturados.(IPEA, 2008).
Os resultados dessa pesquisa realizada pelo IPEA apontam também que a maioria das
empresas privadas brasileiras – 76% delas – argumenta que suas ações na comunidade devem-
se ao puro interesse humanitário
e elegem as áreas de assistência social (54%) e de alimentação (41%) como
prioritárias, sendo que a maioria (62%) se volta para o grupo infantil. De
acordo com Anna Peliano, tal resultado parece confirmar que, na visão dos
empresários, esse grupo etário é o mais vulnerável e o que necessita de uma
maior assistência. Este é o primeiro retrato nacional da atuação da iniciativa
privada brasileira na área social e, segundo os técnicos do Ipea, os dados
poderão contribuir para orientar as ações do setor privado, do terceiro setor e
do governo, possibilitando uma atuação mais eficaz no combate às carências
de grande parte da população. (IPEA, 2008)
Reconhecendo tal cenário, penso que é relevante para esta pesquisa situar e discutir o
que vem sendo conceituado como Responsabilidade Social no campo empresarial, buscando
traçar os vínculos dessas ações sociais com as iniciativas de instituições profissionalizantes
com vistas à formação continuada para o mercado de trabalho. Faço isso indicando que a
Responsabilidade Social se articula com dimensão educativa através de programas, de eixos
norteadores e de uma infinidade de projetos que se voltam (e que se moldam) para a
qualificação profissional nas empresas.
Quando se trata do mundo moderno e de seus infindáveis projetos, Bauman (2005,
p.41) salienta que a Modernidade pode ser caracterizada como
um estado de perpétua emergência inspirado e alimentado, para citar um
texto de Geoffey Bennington referente a outro contexto, por ‘um senso de
que alguém tem de dar ordens para que o todo não se perca’. Sem nós, o
dilúvio. Sem ações preventivas ou investidas antecipadas, a catástrofe. A
alternativa a um futuro pré-planejado é o domínio do caos. Não se pode
deixar que as coisas humanas sigam o seu próprio curso. A modernidade é
uma condição da produção compulsiva e viciosa de projetos.
A produção de projetos algo a ser construído a partir de ações planejadas de
acordo com Bauman (2005, p. 40) “faz sentido à medida que nada no mundo existente é como
deveria ser”. Ainda mais importante, salienta o pesquisador polonês é essa produção de
projetos que ganha uma fama merecida se esse mundo não é o que poderia ser,
considerando-se os meios disponíveis ou esperados de tornar as coisas diferentes
(BAUMAN, 2005, p. 40). Para enfatizar ainda mais tal argumento, Bauman (2005, p. 40)
40
afirma que “o objetivo da produção de projetos é abrir mais espaço para o ‘bem’, e menos ou
nenhum para ‘o mal’. É o bem que faz do mal aquilo que ele é: mal. ‘O mal’ é o refugo do
progresso”.
Em relação à prática tipicamente moderna, à substância da política moderna, do
intelecto moderno, da vida moderna, Bauman (1999, p. 15) afirma que o esforço que a
Modernidade faz para exterminar a ambivalência é “Um esforço para definir com precisão – e
suprimir ou eliminar tudo que não poderia ser ou não fosse precisamente definido”.
Reforçando essa idéia o autor também esclarece que a “existência é moderna na medida em
que é administrada por agentes capazes (isto é, que possuem conhecimento, habilidade e
tecnologia) e soberanos” (BAUMAN, 1999, p. 15).
Assim, neste capítulo, inicio o exame da trama dos discursos que orientam os projetos
que envolvem a Responsabilidade Social e das condições históricas que motivam e que tecem
esses princípios que incidem sobre a educação para o mundo do trabalho e a tão proclamada
inclusão social de jovens de baixa renda pela via da participação nos cursos técnicos
projetados pelos Programas de Aprendizagem empresariais – comercial, industrial ou de
transportes – do Sistema S
13
como ações sociais estratégicas efetivadas pelas organizações.
E
DUCAÇÃO
:
VENCENDO A COMPETITIVIDADE NO MERCADO DE TRABALHO
Em toda sociedade a produção de discursos, de acordo com Foucault (2002a), é
controlada por certo número de procedimentos cujo papel é conjurar seus poderes para obter
domínio sobre seus eventos. Com base nessa idéia, Peters (1994, p. 211) analisa as relações
da educação com a racionalidade neoliberal e afirma que “não existe, talvez, melhor exemplo
da extensão do mercado a novas áreas da vida social que o campo da educação”. Esse autor
salienta que sob os princípios do neoliberalismo, “a educação tem sido discursivamente
reestruturada de acordo com a lógica do mercado. A educação, neste modelo, não é tratada de
forma diferente de qualquer outro serviço ou mercadoria” (PETERS, 1994, p. 211).
Por meio de instituições disciplinares (fábricas, escolas, quartéis, hospitais) tem-se a
pretensão de pôr para funcionar a sociedade e, consequentemente, assegurar a obediência às
regras estabelecidas e aos mecanismos de inclusão (que operam simultaneamente a exclusão),
13
No Capítulo IV será examinado de forma mais aprofundada o Sistema S e o Programa de Aprendizagem
Comercial do SENAC que é o foco desta dissertação.
41
deixando dessa maneira, tudo limpo e em ordem. “Tais técnicas tomam o corpo de cada um na
sua existência espacial e temporal, de modo a ordená-lo em termos de divisão, distribuição,
alinhamento, séries (no espaço) e movimento e seqüeciação (no tempo), tudo isso submetido a
uma vigilância constante” (VEIGA-NETO, 2003, p. 78).
No capítulo “O sonho da pureza do livro “Mal Estar da Pós- Modernidade”, quando
Bauman(1998, p. 15), se refere à ordem, esclarece que
a pureza é uma visão das coisas colocadas em lugares diferentes dos que elas
ocupariam, se não fossem levadas a se mudar para outro, impulsionadas,
arrastadas ou incitadas; e é uma visão da ordem – isto é, de uma situação em
que cada coisa se acha em seu justo lugar e em nenhum outro.
A ordem como nos demonstra Bauman (1998, p. 15)
é um meio regular e estável para os nossos atos; um mundo em que as
probabilidades dos acontecimentos não estejam distribuídos ao acaso, mas
arrumadas numa hierarquia estrita – de modo que certos acontecimentos
sejam altamente prováveis, outros menos prováveis, alguns virtualmente
impossíveis.
O ambiente de negócios tornou-se, a exemplo da sociedade, cada vez mais complexo e
imprevisível. As pressões competitivas aumentaram e aquelas organizações que antes eram
consideradas como tendo enormes vantagens competitivas revelaram ser inexistentes. O ritmo
das mudanças tecnológicas e de outras mudanças parece estar aumentando a competitividade.
Em razão desse fato, percebe-se que outras formas de organização e abordagem da
Administração estão surgindo para tornar possível que a empresa se torne eficaz no futuro e
atinja suas metas.
As empresas o operam no vácuo. Esta frase retirada do livro A estante do
administrador (GALBRAITH. E LAWLER III 2002, p.94), obra organizada em forma de
manual, uma coletânea apresentada como parte das leituras obrigatórias da Administração,
serve para analisarmos a discussão a respeito de como as organizações são orientadas para
superar crises e vencer a competitividade.
Argumentar que as empresas não operam no vácuo é justificar a existência de reação à
concorrência que se a partir de iniciativas estratégicas para aumentar a produtividade e a
qualidade, bem como a satisfação do cliente, com o objetivo de ocupar um lugar melhor e
mais amplo no mercado mundial. Estas iniciativas:
42
Em vez de criarem uma vantagem sustentável, (...) serviram principalmente
para atender a exigências competitivas básicas. Somente as companhias que
foram capazes de implantar estratégicas competitivas mais depressa, ou
melhor, que seus concorrentes obtiveram uma vantagem competitiva e isso
foi muitas vezes apenas temporário. No futuro, é provável que somente a
competência de uma empresa de se organizar eficazmente e administrar a
mudança formará a base para se obter uma vantagem mais duradoura. As
empresas devem adquirir e adotar estratégias de negócio mais rapidamente
que a concorrência e fazer um trabalho melhor implantando essas estratégias.
(GALBRAITH. E LAWLER III 2002, p. 94)
Freqüentemente ouvimos falar que mudanças na economia e na sociedade em geral se
refletem em mudanças no campo educacional, numa suposição de que estes campos seriam
autônomos, com interfaces entre eles. Argumento aqui que as mudanças no campo
educacional se constituem causa e efeito de si mesmas. Utilizo aqui não uma noção de
relações causais do tipo causa-efeito, mas a idéia de relações de imanência, em que uma causa
se atualiza em seus efeitos. Valendo-me das formulações de Deleuze (apud Bujes 2002, p.
144), entendo que
Um efeito não é, de modo algum, uma aparência ou uma ilusão. É um
produto que se difunde e se expande sobre uma superfície. Ele está
estritamente co-presente à e é co-extensivo com sua própria causa. Ele
determina essa causa como uma causa imanente, inseparável dos seus
efeitos.
Nos anos 1970, inicia-se o esgotamento do modelo econômico vigente nos países do
Ocidente. Com o final da Era de Ouro (HOBSBAWM, 1995) do capitalismo monopolista,
entre 1945 e 1975, a sociedade passa por intensas mudanças no mundo do trabalho. Poder-se-
ia dizer que o que caracterizou esse modelo produção em série, consumo em massa,
organização prescritiva do trabalho, com fragmentação do mesmo e desvinculação entre seus
processos de elaboração e de execução – entrou em crise nas décadas que se seguiram.
Enquanto até os anos 1970, a organização fabril se fazia com base no modelo taylorista-
fordista, com a crise do petróleo, do início da década de 1970, desenha-se a necessidade de
sua reestruturação, o que obriga a busca de novas formas de organização da produção e do
trabalho.
Mudanças na organização econômica, política e ideológica associam-se a um novo
modelo de acumulação flexível, que se apóia numa forma nova de conceber a organização dos
processos de trabalho, os produtos e padrões de consumo. Tais transformações têm como
central a idéia de flexibilidade, como explicitam vários estudiosos do campo do trabalho de
vários matizes teóricos (HARVEY, 1996; SENNETT, 2004, 2006; BAUMAN, 1999, 2001).
43
Em Condição Pós-Moderna, Harvey (1996) questiona a respeito de como os usos e
significados do espaço e do tempo mudaram com a transição do fordismo para a acumulação
flexível. Respondendo essa questão, o autor argumenta que a transição para a acumulação
flexível foi feita em partes por meio da rápida implantação de novas formas organizacionais e
de novas tecnologias produtivas. Salienta ainda esse autor que a volatilidade torna
extremamente difícil qualquer planejamento de longo prazo e nos adverte que “hoje é muito
importante aprender a trabalhar com a volatilidade” (HARVEY, 1996, p. 257).
No entendimento de Harvey (1996, p. 259) esse aprendizado significa “ou uma alta
adaptação e capacidade de se movimentar com rapidez em resposta a mudanças de mercado,
ou o planejamento da volatilidade”. Explicando esse aprendizado o autor justifica sinalizando
que “a primeira estratégia aponta em especial para o planejamento de curto prazo, bem como
para o cultivo da arte de obter ganhos imediatos sempre que possível” (HARVEY, 1996, p.
259).
A ênfase na flexibilidade, de acordo com Sennett (2004, p. 9), está mudando o próprio
significado do trabalho, e também as palavras que empregamos para ele. Argumenta o autor
que a palavra carreira, “significava originalmente, na língua inglesa, uma estrada para
carruagens, e, como acabou sendo aplicada ao trabalho, um canal para as atividades
econômicas de alguém durante a vida inteira”. Nessa perspectiva Sennett afirma que:
O capitalismo flexível bloqueou a estrada reta da carreira, desviando de
repente os empregados de um tipo de trabalho para o outro. A palavra job
[serviço, emprego], em inglês do século quatorze, queria dizer um bloco ou
parte de alguma coisa que se podia transportar numa carroça de um lado para
o outro. A flexibilidade hoje traz de volta esse sentido arcano de job, na
medida em que as pessoas fazem blocos, partes de trabalho, no curso de uma
vida. (SENNETT, 2004, p. 9)
De certa maneira, conforme com Sennett (2004, p. 9), é bastante natural que a
flexibilidade cause ansiedade, afinal, “as pessoas não sabem que riscos serão compensados,
que caminhos seguir”. Explicando essa idéia, o autor salienta que para tirar a maldição da
expressão sistema capitalista, “antes criavam-se circunlocuções, como sistema de ‘livre
empresa’ ou ‘empresa privada’. Hoje se usa a flexibilidade como outra maneira de levantar a
maldição da opressão do capitalismo” (SENNETT, 2004, p. 9).
Sennett (2004, p. 9) adverte ainda que “atacando a burocracia gida e enfatizando o
risco, a flexibilidade às pessoas mais liberdade para moldar suas vidas”. Mas, conclui o
autor, “a nova ordem impõe novos controles, em vez de simplesmente abolir as regras do
44
passado mas também esses novos controles são difíceis de entender. O novo capitalismo é
um sistema de poder muitas vezes ilegível” (SENNETT, 2004, p. 9).
Em Cinco lições sobre o Império, Negri (2003, p.11) aponta que a primeira tese que
sustenta a trama do discurso desenvolvido no livro Império (HARTD; NEGRI, 2004) trata a
respeito de que não há globalização sem regulamentação. Esse autor esclarece ainda que não
existe uma ordem econômica, uma ordem das trocas que não exija alguma regulamentação.
Negri (2003, p.11.) salienta também, que “existem sempre mãos, mãos ativas, regras mais ou
menos visíveis, de qualquer modo eficazes e sempre manipuladoras, que correm no mercado e
em toda a sociedade”. Todas estas mudanças têm trazido ameaças à sobrevivência das
empresas em todo mundo pelos mais variados motivos conforme justificam os experts em
Administração.
É preciso considerar, no entanto, que não apenas o modelo econômico entra em crise,
como propõem teorizações de alguns campos da análise política; também o modelo de gestão
da sociedade a racionalidade governamental, segundo a perspectiva legada por Michel
Foucault passa a ser questionado. Acompanham o declínio do modelo anterior, as críticas
feitas ao excesso de governo. Argumentos econômicos mostram o peso dos gastos sociais
para o Estado as áreas da previdência, da assistência, da saúde e da educação seriam as
principais responsáveis por parte considerável dos gastos públicos. Com a crise fiscal do
aparato estatal, uma das soluções preconizadas é o corte de investimentos nas políticas
sociais. “O setor produtivo que tinha a finalidade de criar riquezas não podia ser
penalizado e sustentar os custos de políticas sociais improdutivas” (BUJES, 2002, p.263).
Como argumentou Veiga-Neto (2000, p. 198):
O que acontece é a invenção de novas técnicas e novos dispositivos que
colocam o Estado sob uma nova lógica. Em termos macroeconômicos (...)
isso se apresenta com duas faces: ou se privatizam as atividades estatais
(lucrativas), ou se submetem as atividades não lucrativas à lógica
empresarial. É por isso que os discursos neoliberais insistem em afirmar que
o estado deve se ocupar apenas com algumas atividades “essenciais”, como a
educação e a saúde; e, assim mesmo, encarregando-se de, no máximo,
regulá-las ou provê-las (nesse caso, aos estratos sociais comprovadamente
carentes).
Assim, associados à disseminação da gica chamada neoliberal, novos conceitos
entram em cena: globalização, integração, flexibilidade, competitividade, qualidade total,
participação, pedagogia da qualidade, formação polivalente e valorização do trabalhador.
Todos eles associam-se a novas formas de sociabilidade para estabelecer um novo padrão de
45
acumulação, colocar em vigência novos aparatos de regulação e também para definir as
formas concretas de integração à reorganização da economia mundial.
Sem dúvida, essa imposição de uma nova lógica que vem a se disseminar veloz e
eficazmente em escala global, ao afetar de um modo notável o campo do trabalho, também
produz sensíveis transformações nos modos através dos quais se passa a pensar a preparação
para o mesmo. Enquanto no modelo anterior, de inspiração fordista-taylorista, orientava-se a
educação profissional para uma qualificação operacional adequada àquela forma de
organização técnica do trabalho; no horizonte produtivo deste novo modelo baseado na
acumulação flexível, estabelece-se que o trabalhador será valorizado no mercado em função
de suas competências.
O mundo das organizações declara que necessita de pessoas competentes. Explicam os
especialistas em Administração que num mundo globalizado, a busca pela qualidade se
identifica com o sucesso; a exigência crescente dos clientes se contrapõe a longas jornadas de
trabalho; e prevalece o dito popular “quem não tem competência, não se estabeleça” na
mentalidade dos empresários.
Para os fins que interessam a este trabalho, julgo necessário destacar que no discurso
contemporâneo relacionado à formação do trabalhador, algumas expressões ganham
importância: valorização humana, capital intelectual, centralidade da educação. Nesse
contexto, também se torna manifesto o interesse das empresas em participar ou assumir papel
educacional há um crescimento relevante de empresas que têm como finalidade oferecer
serviços educacionais: universidades-empresa, sistemas de ensino por franquias,
universidades corporativas, sistemas de treinamento profissional, etc. É nesse conjunto de
possibilidades que se enseja, crescentemente, a disseminação do discurso da
Responsabilidade Social.
R
ESPONSABILIDADE
S
OCIAL
:
ESTRATÉGIA EMPRESARIAL DE TODOS POR TODOS
No contexto mundial, onde prevalece o processo de globalização e a economia de
mercado, ressalta-se a diferença cada vez maior entre as sociedades ricas e pobres. O mesmo
ocorre no interior de algumas sociedades, onde a distância entre as populações dos estratos
que se encontram nos limites da pirâmide social também tem crescido. Esse estado de coisas
46
tem levado à busca de estratégias de administração dos problemas sociais e implicado em
outra concepção do que constitui o papel do Estado na proposição das políticas sociais.
Entre estas estratégias poderíamos apontar aquelas através das quais as organizações
buscam mostrar seu comprometimento com a sociedade em que estão inscritas a partir de
processos de produção e/ou consumo através de iniciativas na proclamada área da
Responsabilidade Social. Tais iniciativas podem ser exemplificadas tanto através da educação
de jovens de baixa renda, do atendimento médico e odontológico a populações carentes,
quanto a partir da divulgação de campanhas de prevenção de doenças, de ações na área de
preservação ambiental, entre tantas outras ações sociais.
Nesse conjunto de iniciativas se poderia destacar uma característica comum: o
estímulo à “autonomia individual e [à] associatividade em instâncias não-Estatais” da
população, e uma flexibilização do Estado em relação às suas funções controladoras e de
“provedor da sociedade” (VEIGA-NETO, 2000, p. 201).
Historicamente as preocupações com os menos afortunados têm levado certos grupos
sociais a prestarem algum tipo de atendimento aos pobres, aos doentes, aos velhos, às
crianças, aos abandonados e também ao exercício de outras ações sociais e/ou educativas.
Esta é uma questão que preocupa a humanidade bastante tempo, e tem se expressado sob
diferentes formas e denominações, tais como caridade, assistência e filantropia. Ainda que
tenham todas essa raiz comum de preocupação com problemas sociais que se associam à
administração da pobreza e de seus efeitos –, elas têm indicado o enfrentamento dessa gama
de situações com enfoques diferenciados. São vocabulários diferentes para nomear práticas e
significar objetivos que, mesmo partindo de preocupações comuns, vão adquirindo uma feição
própria ao longo do tempo.
Kuhlmann Jr.(1998) ao analisar como se organizaram através dos tempos iniciativas
de assistência aos pobres, discute as polêmicas que se travaram em torno dos termos
utilizados para nomear tais iniciativas e dar conta de suas especificidades. Afirma o autor que
A história da assistência representa justamente o embate das questões
envolvendo a sua função, as prioridades e modalidades de atendimento, o
papel do Estado e das organizações da sociedade civil, os requisitos e os
procedimentos a adotar para a prestação do serviço. (KUHLMANN JR.,
1998, p.60)
Ao referir-se ao confronto entre filantropia e caridade, por exemplo, historiador
brasileiro recorre a Donzelot, afirmando que este considerava que “a filantropia representaria
47
a organização racional da assistência, em substituição à caridade, prática dominada pela
emoção, por sentimentos de simpatia e piedade” (
KUHLMANN JR., 1998, p.61
). Ao fazer esta
distinção, o pesquisador aponta para o caráter racional da organização da assistência e para
seu afã de regular a vidas das famílias em torno das idéias de religião e de trabalho.
O significado da expressão Responsabilidade Social possui outro enfoque, indicando
um envolvimento empresarial de ordem prática. As ações de responsabilidade social, ao
serem concebidas em uma perspectiva de solidariedade, nos indicam o envolvimento de
brasileiros, em especial de empresários, neste caso, nas causas sociais e na administração dos
problemas dessa natureza, no país. O significado de solidariedade aqui é o de esforço
compartilhado, implica numa estratégia de todos por todos; representa governo e sociedade
(neste caso, o segmento empresarial) trabalhando juntos para eliminar a conjunção negativa
que resultou de séculos de subdesenvolvimento.
Como nos advertem os teóricos do campo pós-estruturalista, precisamos estar atentos
aos realizarmos uma análise discursiva aos efeitos das palavras, interessa menos o seu
significado do que elas fazem (ROSE, 2001), uma vez que elas geram efeitos sobre a conduta
dos indivíduos. Assim, utilizar o termo responsabilidade, por sua conotação de compromisso
com os outros e de uma escolha voluntária, constituiria também uma importante estratégia
para garantir a credibilidade e o funcionamento das iniciativas que hoje são reunidas sob a
denominação de Responsabilidade Social.
A questão que cabe propor se refere à motivação da empresas para o envolvimento
com essas ações. As iniciativas de ações de responsabilidade social e os programas nelas
implicados, se atentarmos para os conceitos de governamento e governamentalidade,
expressos por Michel Foucault, constituem-se em estratégias para produzir determinados tipos
de práticas e de sujeitos. Os discursos relativos à responsabilidade social se constituem “como
práticas que incitam a produção de modos particulares de ser e agir das pessoas, na
sociedade” (TRAVERSINI, 2005, p.2)
A exemplo do que afirma Traversini (2005, p.2) em relação à alfabetização, penso que
levar a efeito programas de aprendizagem para jovens aprendizes
pode ser considerad[o] uma forma de administrar, de governar cada
indivíduo em particular, bem como a população de uma comunidade, cidade,
Estado e País. Para Foucault (1998), governar uma população é torná-la
produtiva. Governa-se para aumentar as riquezas, a duração da vida,
conservar a saúde, escolarizar a população. Para atingir esses fins são
48
inventados instrumentos como as campanhas, por meio das quais ‘se age
diretamente sobre a população’.
A
ÇÕES SOCIAIS E CONTROLE DE RISCOS
A partir do que foi enfatizado na seção precedente deste capítulo, as ações ou
programas de responsabilidade social têm uma relação direta com o governamento das
populações. O que se pretende através de tais estratégias é administrar as populações de um
determinado modo, “evitando a formação de áreas com concentrado potencial de risco social
(TRAVERSINI, 2005, p.2).
Do quadro das formulações foucaultianas sobre o poder, o autor nos aponta duas
direções em que o mesmo passa a ser exercido no período compreendido entre os séculos
XVII e XVIII. As novas técnicas de poder analisadas por Foucault em Vigiar e Punir e nos
cursos ministrados no Collège de France indicam que as disciplinas surgiram a partir do
século XVII, “centradas no corpo dos indivíduos e que implicaram resultados profundos e
duradouros até mesmo no âmbito macropolítico” (FOUCAULT, 2000, p. 119). “Tomando o
corpo coletivamente, num conjunto de corpos, esse novo poder inventou um novo corpo, a
população; mas agora trata-se, ao contrário do poder disciplinar, de um corpo com uma
multiplicidade de cabeças.” (VEIGA-NETO. 2003, p. 87).
Em relação a uma hierarquização entre tais poderes, Veiga-Neto (2003, p. 87) nos
adverte que o biopoder precisa das técnicas disciplinares, “mas ele se coloca numa outra
escala, tem outra superfície de suporte e é auxiliado por instrumentos totalmente diferentes”.
Esse autor salienta ainda que se trata de um poder que se aplica à vida dos indivíduos;
“mesmo que se fale nos corpos dos indivíduos, o que importa é que tais corpos são tomados
naquilo que eles têm em comum: a vida, o pertencimento a uma espécie” (VEIGA-NETO.
2003 p. 87). Hardt; Negri.(2004, p. 42) em relação ao biopoder reforçam, de acordo com
Foucault, que o poder só pode adquirir comando efetivo sobre a vida total da população
quando se torna função integral, vital, que todos os indivíduos abraçam e reativam por sua
própria vontade. “Biopoder é a forma de poder que regula a vida social por dentro,
acompanhando-a, interpretando-a, absorvendo-a e a rearticulando”.
(HARDT; NEGRI, 2004,
p. 43).
49
A população é o novo corpo, o corpo múltiplo, corpo com inúmeras cabeças e para
conhecer melhor esse corpo se descreve, se quantifica, se captura, se toma posse dele e para
dele fazer o que se quer, investindo e intervindo com múltiplos saberes dos quais a
Responsabilidade Social é um deles. Veiga-Neto (2003, p. 87) nos adverte que há aí um duplo
objetivo “controlar as populações e prever seus riscos (ou os riscos que elas podem impor a
nós mesmos...)”. E quem sabe nesse sentido, as organizações com suas ações responsáveis se
deparam com a idéia do risco em relação à população jovem de baixa renda e passam, então, a
intervir para prevenir os riscos e ameaças que esse corpo jovem com suas múltiplas cabeças
possa representar à sociedade. É ainda Veiga-Neto (2003 p. 87) que afirma que para o
controle e a previsão dos riscos se efetivem “será sempre preciso investir política e ativamente
sobre esse corpo múltiplo, com a força do biopoder. Isso tem de ser feito não mais ao nível do
detalhe do corpo individual, como continua sendo feito na disciplina, mas sim ao nível da
vida coletiva mediante a regulamentação”.
Assim, no ambiente empresarial conduzido sob o paradigma do poder disciplinar e do
biopoder, complexo de investimentos, de iniciativas humanitárias e de manobras financeiras
sobre a população jovem de baixa renda, pudemos observar então que a concepção da
Responsabilidade Social vem tratando e retratando essa camada jovem não em livros, em
pesquisas, em institutos profissionalizantes, mas também em filmes
14
, telenovelas, e
programas informativos televisivos, entre outros textos culturais.
É bom pontuar que, na lógica discursiva em que se inscreve a Responsabilidade
Social, as suas ações não são consideradas assistencialistas. Os teóricos da Administração que
defendem a Responsabilidade Social como um recurso estratégico, fazem questão de
distanciá-la da perspectiva assistencialista ou filantrópica para que não seja confundida com
essas. Neves (2004, p. 36) justifica tal postura de desvinculação ao afirmar que “nada contra
caridade, assistência social e filantropia, muito pelo contrário”. Contudo, é comum ver a
14
O filme Quanto vale ou é por quilo?, de Sérgio Bianchi, pode ser tomado como um exemplo desta agência.
O diretor da produção brasileira traça um paralelo entre a vida no período colonial, marcado pela presença da
escravidão, e a sociedade brasileira contemporânea, focalizando as semelhanças existentes entre ambas no
contexto social e econômico e revelando as mazelas e as contradições de um país em crise de valores. O
documentário questiona até que ponto a estrutura da sociedade brasileira mudou nestes quase três séculos,
através de duas histórias: a de um capitão-do-mato que captura uma escrava fugitiva no passado, e a de uma
jovem no tempo presente que descobre que a caridade de um projeto na periferia é, na verdade, uma fachada
para esconder o superfaturamento de uma empresa. Quanto vale ou é por quilo aborda o marketing social das
parcerias efetivadas por organizações ditas humanitárias como uma espécie de solidariedade de fachada, pois o
interesse nas ações sociais está no lucro seja ele social, político ou econômico. Neste sentido, Bianchi sinaliza
no filme que a empresa socialmente responsável pode até vender mais caro que a sua concorrente, afinal, está
investindo no bem comum.
50
palavra sustentabilidade complementar a expressão Responsabilidade Social
Responsabilidade Social Sustentável e emprestar a essa outras possibilidades discursivas.
Neste contexto, Neves (2004, p.36) comenta que o termo sustentável, entre os inúmeros
significados e possibilidades de interpretação, também quer dizer:
algo com o qual podemos ter ou contar e oferecer por ‘conta própria’. É
diferente de ajudar, no sentido que fazemos quando damos esmolas, e tem
mais a ver com oportunidade. Exemplo, se você arranjar um emprego para
alguém, certamente estará ajudando, mas nada vai lhe garantir que o seu
amigo ou amiga conseguirá mantê-lo, por conta própria. O efeito desse tipo
de ão é pequeno, curto, não se sustenta no longo prazo. Coisa diferente
acontece quando você propicia oportunidades, seja de conhecimento, de
informação ou de apoio.
Convivem no âmbito da cultura contemporânea, diferentes visões em relação às ações
sociais que se efetivam na vida cotidiana. Neste sentido, segundo Mestriner (2001), em
O
estado entre a filantropia e a assistência social,
Assistência, filantropia e benemerência têm sido tratadas no Brasil como
irmãs siamesas, substitutas uma da outra. Entre conceitos, políticas e
práticas, tem sido difícil distinguir o compromisso e competências de cada
uma destas áreas, entendidas como sinônimos, porque de fato escondem – na
relação Estado-sociedade – a responsabilidade pela violenta desigualdade
social que caracteriza o país. (MESTRINER. 2001, p.14)
Essas práticas, de acordo com o referencial teórico que as fundamentam, são vistas
como mobilizadas e sensibilizadas pela solidariedade com vistas ao desenvolvimento social.
Mas, segundo os teóricos da Administração que justificam a Responsabilidade Social,
somente esta ação, por ter um caráter de sustentabilidade é que dará suporte à organização
para ser uma Empresa Responsável, porque, no entendimento dessa abordagem, quando uma
instituição adota as ações socialmente responsáveis está voltada para:
estratégias de auto-sustentabilidade de longo prazo, buscando resultado de
bem-estar para a sociedade de modo geral. Dentro da estrutura
organizacional, seja em empresas ou grupos, realiza ações cooperativas, por
meio da participação de lucros e resultados, destinando parte de sua
lucratividade em benefício dos trabalhadores e familiares, em parceria com a
comunidade, onde está inserida, bem como no ambiente local e regional,
podendo ou não estar relacionada com os negócios da empresa. (BORBA.
BORDA, ANDREATTA 2001, p.51)
Ser responsável socialmente, portanto, não se encaixaria na esfera filantrópica e
caritativa e nem deveria ser percebida como uma postura assistencialista, antes deveria ser
51
considerada “como uma forma de assistência ou de ajuda ao necessitado caracterizada por dar
respostas imediatas a situações de carência para reparar, corrigir e ou compensar ou males e
sofrimentos que derivam dos problemas sociais” (ANDER-EEG, 1995, p. 37)
Vale ressaltar também que na contemporaneidade as práticas de que estamos tratando
aparecem com muita intensidade e em forma de parcerias. Nas análises de Traversini (2003,
p. 144) a respeito da instituição de parcerias, a autora as apresenta “como a promoção de ‘uma
nova relação entre Estado e Sociedade para combater a exclusão social’ que busca uma
atuação estatal eficiente e eficaz a partir da descentralização e integração das ações no nível
local e melhoria da gestão das ações governamentais”. Essa rede de parceiros é também
assinalada por Traversini (2003, p. 144) como uma organização que foi tratada por uma
Comunidade Solidária como seu ‘produto mais inovador’, pois, revela a pesquisadora que
existe uma nova forma de conceber e trabalhar a questão social:
são redes constituídas sem hierarquia, por adesão dos parceiros e que
funcionam baseadas no engajamento de seus integrantes. O engajamento, a
adesão e o não-estabelecimento de hierarquia são formas de interpelar cada
parceiro/a para a responsabilidade na solução dos problemas sociais.
Assumindo tal responsabilidade, cada parceiro/a passa a integrar a rede
solidária, pertencendo a uma “comunidade solidária”, ou seja, ele/a passa a
pertencer a uma comunidade que se sente comprometida em auxiliar o
Estado na solução dos problemas sociais. (TRAVERSINI, 2003, p. 144)
Assim o discurso da Responsabilidade Social está associado a práticas discursivas de
como orientar as organizações através de programas para desempenhar e adotar ações
socialmente responsáveis, conduzindo assim as empresas à realização de metas de inclusão,
assumindo, compromissos com a comunidade e com o meio ambiente, em termos de
sustentabilidade.
A Responsabilidade Social empresarial, de acordo com o entendimento dos teóricos
da administração, estaria preocupada em desenvolver socialmente o cidadão e aqui não teria a
bondade como palavra-chave, mas sim a eficicácia e a competência. Uma empresa com ações
responsáveis, segundo os gurus da Administração, teria profissionais engajados nessas ações
e não só amadores de boa vontade e de boa intenção.
No entendimento de Drucker (1996, p.45), a ação responsável empresarial é
libertadora e busca a inclusão social e não reproduz modelos que mantêm a exclusão. A
sustentabilidade é de diferentes fontes de apoio e não de apenas doações”. Esse autor
52
também salienta que as empresas se relacionam com o terceiro setor na perspectiva de, ao
fazer o bem, melhorar sua imagem e, portanto, melhorar seu lucro” (DRUCKER, 1996, p.4).
Drucker (1989, p. 50) também adverte sobre o fato de que
toda empresa deve assumir plena responsabilidade pelo impacto causado sobre os
empregados, os clientes, o meio ambiente, ou seja, com tudo e todos com que se
relaciona. Em se tratando de uma sociedade pós-capitalista não podemos pensar
que o único propósito seja o desempenho econômico de uma empresa.
O tema das ações responsáveis envolve muitas outras estratégias: empresarial; de
relacionamentos; de marketing institucional; de valorização das ações da empresa; de recursos
humanos e outras. Podemos, em relação a este tema, chegar a aproximações, sempre parciais,
interessadas, não pela gama de iniciativas e atividades que estão envolvidas nesta cultura,
mas também pela compreensão acerca dos múltiplos sentidos que pode adquirir uma palavra
ou expressão. Enfim, como vimos, o conceito de Responsabilidade Social não é recente e
defini-lo é uma tarefa a que este trabalho não se propõe.
Assim, segundo Foucault (2005, p. 146), não está em questão desvelar um sentido
oculto do discurso, mas é preciso tentar “tomar o discurso em sua existência manifesta, como
uma prática que obedece a regras”. Como nos aponta Veiga-Neto (2006, p.15), inspirado em
Foucault, o mais importante
“é examinar e analisar as práticas concretas, em sua
microscopicidade, em sua especificidade, caso a caso, tratando de descer ao estudo das
práticas concretas pelas quais o sujeito é constituído na imanência de um campo de
conhecimentos”. Porque o que mais interessa é descrever e compreender as diferentes
maneiras pelas quais as tecnologias do poder atuam na prática, para nos individualizar e nos
constituir como sujeitos (VEIGA-NETO, 2006, p15).
Trazendo a idéia de governamento, discutida na seção precedente, entendendo-a
como operações/estratégias que têm por finalidade dirigir a conduta. Podemos nos valer aqui
da explicitação de Marshall (1994, p. 28) que o governamento como: “uma forma de
atividade dirigida a produzir sujeitos, a moldar, a guiar ou a afetar a conduta das pessoas de
maneira que elas se tornem pessoas de certo tipo”. O desejo de constituir um tipo específico
de sociedade se assenta numa visão dos sujeitos ideais que comporão a mesma. É possível,
então, afirmar que as práticas de construção de identidades e subjetividades constituem um
ato politizado, resultando de estratégias que conjugam poder e saber. Nesse aspecto, percebe-
se que as organizações, no afã de investir no social, ocupam-se em propor em seus discursos,
enunciados promovendo o desenvolvimento e proclamando o desejo de construir uma
53
sociedade melhor e mais justa para todos; e para atingir tais objetivos se valem no mundo
contemporâneo das estratégias da Responsabilidade Social.
Retomando a discussão a respeito das ações socialmente responsáveis parece relevante
referir aqui que cada prática discursiva aparece sempre associada a outras práticas, a outros
ditos. Numa perspectiva foucaultiana, de acordo com os estudos de Veiga-Neto (2003. p. 53)
a questão das práticas assume um caráter singular e fundamental: “pela palavra prática
Foucault não pretende significar a atividade de um sujeito, mas designa a existência objetiva e
material de certas regras a que o sujeito está submetido desde o momento em que pratica o
discurso”. E entre as práticas, aquelas que envolvem relações de poder principalmente do
poder disciplinar são da maior importância para compreendermos como nos tornamos os
sujeitos que somos (VEIGA-NETO, 2006).
Na nova ordem política global que está sendo chamada de Império, Hardt e Negri
(2004, p. 42) chamam a atenção para a questão da transição da sociedade disciplinar para a
sociedade de controle e para o poder disciplinar, argumentando que esse se manifesta, com
efeito, na estruturação de parâmetros e limites do pensamento e da prática, sancionando e
prescrevendo comportamentos normais e/ou desviados. Como sociedade disciplinar, com base
nas pesquisas de Foucault, os autores explicam que “é aquela na qual o comando social é
construído mediante uma rede difusa de dispositivos ou aparelhos que produzem e regulam os
costumes, os hábitos e as práticas produtivas” (HARDT & NEGRI,2004, p. 42).
Assim, as práticas discursivas vão moldando nossas crenças e visões de como o
mundo é constituído e de como podemos falar dele. Não depende tão somente das nossas
vontades para que ocorram tais práticas, mas sim de como a sociedade as legitima. Estas
formulações são encaradas como verdades essenciais, passando antes por um suposto ciclo,
um movimento naturalizado dessas idéias, em primeiro lugar pela aceitação, em seguida pela
repetição de tais narrativas e, por fim, pela transmissão daqueles que constituem os princípios
que as sustentariam.
Encontramos em Norbert Elias (1994, p.63) um exemplo dessas idéias que circulam e
que acabam, no decorrer do tempo, sendo aceitas como inquestionáveis:
Todos sabem o que se pretende dizer quando se usa a palavra ‘sociedade’, ou
pelo menos todos pensam saber. A palavra é passada de uma geração a outra
como uma moeda cujo valor fosse conhecido e cujo conteúdo não
precisasse ser testado. Quando uma pessoa diz ‘sociedade’ e outra a escuta,
elas se entendem sem dificuldade.
54
Fischer (1995, p. 21), a respeito da Análise do Discurso, a partir da investigação de
Foucault, afirma que “discurso e poder são inseparáveis” e argumenta que não relação de
poder que não implique uma relação de saber, nem relação de saber que não esteja associada a
uma dinâmica de poder.
Em relação ao caráter do projeto neoliberal no campo social e educacional, o discurso
educativo do neoliberalismo configura-se a partir do enfoque da qualidade com eficiência e
produtividade e, nesse sentido, a doutrina neoliberal e a filosofia da Responsabilidade Social
chamam a atenção para este aspecto que as duas teorias têm em comum: a educação servindo
ao trabalho para favorecer as demandas e o desempenho do mercado global.
Assim, o discurso das ações socialmente responsáveis está intimamente relacionado
com o discurso neoliberal, principalmente com a noção de investimento na formação humana.
A própria expansão do mercado ao potencializar o crescimento econômico vai com isso,
necessitar da crescente mão-de-obra qualificada.
Discutindo a respeito das propostas neoliberais para organizar a sociedade em função
do mercado e dos interesses privados e empresariais, Silva (1994, p. 20) problematiza a
questão da qualidade referindo que a “qualidade existe qualidade de vida, qualidade de
educação, qualidade de saúde. Mas apenas para alguns. Nesse sentido, qualidade é apenas
sinônimo de riqueza e, como riqueza, trata-se de um conceito relacional”.
Podemos perceber então que, na filosofia da Responsabilidade Social, as relações que
se estabelecem nas atuações sociais e educativas são marcadas nitidamente pelas práticas
discursivas da racionalidade neoliberal que ao influenciar o mercado globalizado dita às
organizações o conceito da qualificação profissional. Tais ações demandam um novo perfil de
trabalhador, exigindo competências. A construção desse perfil qualificado exige de acordo
com a visão dos teóricos da Administração uma educação profissional que garanta ao cidadão
aprender a trabalhar a partir do acesso às conquistas científicas e tecnológicas da sociedade.
Encontramos no Portal Setor3
15
uma forma de veicular as ações do SENAC. Este site,
segundo seus organizadores, divulga eventos, palestras de especialistas em Responsabilidade
15
As informações contidas na página de abertura do site são assim apresentadas: “Compromisso Social: o
SENAC ajudando a escrever uma nova história para o País. Portal Setor3: é um site do SENAC pelo
desenvolvimento social”. O texto esclarece que o SENAC “entende que sua responsabilidade como organização
educacional envolve o apoio ao desenvolvimento e à transformação de pessoas e grupos por meio de acesso e
disseminação do conhecimento. Envolve, também, uma ativa participação na vida das comunidades em que atua.
Buscando firmar-se ainda como referência de veículo de comunicação via web, especializado em
desenvolvimento social, e entendendo que para isso é preciso instrumentalizar os atores sociais, o portal oferece
uma série de serviços como: agenda, vagas de emprego, dicas de publicações, banco de financiadores, dentre
55
Social Sustentável e cases de sucesso de empresas de médio e grande porte como exemplos a
serem seguidos por outras empresas. O Portal Setor3 tem como missão difundir informações
e serviços para contribuir com o desenvolvimento social das comunidades e, como visão, ser
referência nacional como portal especializado em desenvolvimento social (SETOR3, 2007).
Assim, o Portal, buscando cumprir sua missão e alinhado com o pensamento de
transformação do social, veicula a matéria Série de Seminários sobre Sustentabilidade
Corporativa inicia com palestras de especialistas e casos de empresas de médio e grande
portes. O texto de Sarmiento (2007) abre com uma declaração do presidente do Centro das
Indústrias do Estado de São Paulo, Cláudio Vaz, que parece resumir a ordem discursiva em
que se inscrevem as empresas contemporâneas, relativamente à Responsabilidade Social
Sustentável: ‘Antes de sermos industriais, somos cidadãos’. Segundo a matéria, Vaz na sessão
de abertura do evento conclamou os empresários a participarem da série de seminários,
“explicando a importância da categoria participar de eventos como esse para aprender e
aplicar práticas de Sustentabilidade, que a sociedade exige a cada dia uma postura
socioambiental responsável
.”
(SARMIENTO, 2007). É importante ressaltar que a série de
seminários sobre sustentabilidade corporativa foi realizada por um instituto de assessoramento
empresarial, Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social
16
, que oferece serviços
para auxiliar as empresas a investirem no social de forma estratégica.
Nesse cenário mundial, percebemos uma movimentação por parte das empresas em
querer se envolver e participar de atividades voluntárias e de se comprometer com projetos
sociais e educativos sem, no entanto, deixar de lado as preocupações com a qualidade e a
produtividade. Outro exemplo desse discurso aparece em entrevista publicada pela revista
VEJA (2006, p.22), na qual o banqueiro norte-americano David Rockefeller afirma que todas
as empresas devem ser responsáveis em relação ao bem-estar de sua comunidade. Esse
outros. Conquistando o reconhecimento do público e também do mercado editorial e das empresas preocupadas
com as causas sociais, o Portal Setor3 recebeu em 2006 o 6º Prêmio Ethos de Jornalismo na categoria web”.
Este site foi criado em setembro de 2002 e “reúne jornalismo e prestação de serviços com o objetivo de informar,
mobilizar e integrar organizações e experiências, ampliando o debate em torno de questões sociais”. Os
produtores do site afirmam que a proposta jornalística deste portal está próxima das revistas. “Com linguagem
ágil, aprofundamento das pautas, e prioridade pelo trabalho de campo, o portal reúne reportagens, entrevistas,
coberturas jornalísticas de eventos e matérias especiais sempre buscando disseminar ações e personagens que
tem por objetivo a transformação social”. (SENAC, 2007)
16
O IDIS Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social é uma organização de assessoramento para as
empresas, levando em consideração missão, visão e valores da empresa. O IDIS oferece serviços de
Direcionamento Estratégico do Investimento Social Corporativo; Estruturação de Institutos e Fundações
Empresariais; Desenvolvimento de Programas e Projetos Sociais; Implantação de Programas e Projetos Sociais;
Reavaliação Estratégica de Projetos e Programas Sociais; Avaliação de Impacto de Programas e Projetos Sociais,
entre outros projetos. Outras informações ver http://www.idis.org.br
.
56
princípio, segundo ele, deveria ser uma prioridade de todas as companhias, juntamente com a
rentabilidade e o crescimento a longo prazo.
Com a finalidade de auxiliar as empresas a desenvolver uma série de serviços, o IDIS
(2007), segundo sua finalidade, oferece, através de seus programas auxílio para as
organizações identificarem estratégias de investimento de recursos na sociedade, alinhadas a
seus valores e negócios. O Instituto desenvolveu uma série de serviços que trazem o conceito
de Investimento Social Corporativo, entendido como “a alocação voluntária e estratégica de
recursos da empresa, sejam eles financeiros, em espécie, humanos, cnicos ou gerenciais,
para o benefício público. É a evolução da simples doação” (IDIS, 2007). Segundo as
orientações do IDIS às empresas, e
m um processo de assessoria busca-se
desenvolver uma relação estratégica com a comunidade beneficiada;
preservar identidade com os valores da empresa; promover o engajamento
dos colaboradores; agregar valor à comunidade e à empresa; envolver
parceiros compromissados com mudanças e estabelecer comprometimento
de longo prazo, de modo a sustentar e multiplicar os resultados.(IDIS, 2007)
Assim, a empresa tendo o assessoramento do IDIS, seguindo e executando o
Investimento Social Corporativo de maneira estratégica, a organização receberá muitas
melhorias, entre elas: tornar a empresa sujeito do processo de transformação social do país;
valorizar a imagem institucional e da marca; aumentar a lealdade do consumidor; incrementar
a capacidade de recrutar e manter talentos; melhorar o clima organizacional.
Segundo a gica que orienta as ações de Responsabilidade Social, uma
organização justifica e/ou retribui à sociedade o benefício que dela extrai, comprometendo-se
com ações de cunho social e educacional. As empresas, com base em princípios que
fundamentam suas ações como, por exemplo, de ordem moral, realizam trabalhos voluntários
e afirmam que, ao adotarem tais atitudes, estão assumindo-as como um estilo de vida.
Durante esse processo de transformação do estilo de vida, as instituições vão forjando
um tipo de sujeito que está sendo subjetivado pelas ações e condutas de engajamento em tais
projetos sociais e educacionais. Isto ocorre principalmente, porque à medida que as
instituições adotam ações socialmente responsáveis, vão influenciando as condutas e a
maneira de pensar da população alvo. Silva (1994, p. 19) enfatiza que nesses discursos surge a
narrativa a respeito de um sujeito que é dito como autônomo, racional, participativo,
responsável, cidadão e que é produzido no clima desse projeto neoliberal.
57
Com isto, o governamento se através de muitos modos e, através dos discursos,
podemos visualizar como os projetos sociais das empresas são direcionados na forma de suas
ações, de sua dedicação, a fim de cumprir determinados propósitos. Assim, estamos nos
subjetivando quando, por exemplo, pensamos que, por livre iniciativa, vamos buscar uma
melhor qualidade de vida na profissão que a instituição de ensino está a oferecer.
Portanto, alicerçada na teorização acerca do governamento de inspiração
foucaultiana, tomarei, então, esse conjunto de idéias relacionadas à Responsabilidade Social,
para colocar em discussão alguns dos discursos de Responsabilidade Social, do modo como
estes se manifestam no mundo empresarial. Este trabalho pretende realizar uma análise a
respeito das formulações discursivas que tratam da captura da população jovem de baixa
renda a partir de programas de aprendizagem profissional promovidos/mantidos pelas
empresas privadas. Para isso examino o Programa de Aprendizagem Comercial do SENAC,
instituição essa que apresenta e representa o Jovem Aprendiz através do Programa de
Educação Profissional.
58
C
APITULO
IV
O
PENSAMENTO NEOLIBERAL AO CELEBRAR A COMPETIVIDADE
LANÇA MÃO DAS PRÁTICAS ESCOLARES ATRAVÉS DO CONCEITO DE
A
PRENDIZAGEM
No capítulo II apresentei um panorama sobre as abordagens que mais se destacam e que
fundamentam a Teoria das Organizações. Pode-se perceber que desde o advento da Teoria das
Relações Humanas (com as primeiras pesquisas realizadas por psicólogos e sociólogos no
ambiente fabril) um novo enfoque passa a dominar o repertório administrativo. Antes (até o
final dos anos 1930), a Teoria Clássica prevalecia com os princípios de autoridade, de
hierarquia, de racionalização e da mecanização no trabalho em série, com o foco baseado na
eficiência e no homo economicus, segundo o qual o comportamento do homem era motivado
exclusivamente pela busca do lucro e pelas recompensas e sanções salariais e materiais do
trabalho.
No capítulo III, destaquei o interesse das empresas nos últimos anos pelo discurso da
Responsabilidade Social dentro da lógica neoliberal como uma estratégia competitiva e, ao
mesmo tempo, como uma forma de auto-proteção da própria instituição ao aproximar-se da
comunidade em que está situada, mostrando-se como uma organização adequada ao bem-
estar da sociedade através das ações sociais.
No mundo contemporâneo, essas antigas idéias passam a ser contestadas pelos
especialistas em Administração, que orientados pela abordagem humanista, questionam os
princípios que antes eram aceitos por uma grande maioria de empresas industriais e
comerciais
De acordo com Bauman (2004, p. 34) em Vidas Desperdiçadas, o mundo moderno é
um mundo que contém um desejo e uma determinação: desafiar a mesmidade. “O desejo de se
fazer diferente do que se é, de se refazer, e de continuar se refazendo. A condição moderna é
estar em movimento. A opção é modernizar-se ou perecer”. Para o sociólogo, a história
moderna tem sido, “a história da produção de projetos e um museu/túmulo de projetos
tentados, usados, rejeitados e abandonados na guerra contínua de conquista e/ou desgaste que
se trava contra a natureza” (BAUMAN, 2004, p.34).
No cenário empresarial, o engenheiro e o técnico abrem espaços para os projetos do
psicólogo e do pedagogo. Esses profissionais entram nas empresas com a finalidade de
59
atuarem no recrutamento, na seleção e na capacitação dos candidatos (regados com muita
disciplina, higienização, pureza, beleza e a tão desejada ordem tanto no ambiente empresarial
como no ambiente pessoal) para nesse sentido poder então ocupar cargos para os quais estão
devidamente preparados. Mas o que significa capacitar alguém nesses moldes? No que
consiste esse esforço para formar sujeitos segundo estes princípios?
No entendimento de Bauman (1999, p. 12) podemos pensar a Modernidade como um
tempo em que se reflete a ordem, “a ordem do mundo, do hábitat humano, do eu humano e da
conexão entre os três: um objeto de pensamento, de preocupação, de uma prática ciente de si
mesma, cônscia de ser uma prática consciente e preocupada com o vazio que deixaria se
parasse ou meramente relaxasse”. Então capacitar pessoas é ordená-las, pô-las em ordem, na
ordem para um cenário tipicamente moderno onde os comportamentos são modulados por
competências. Coloca-se em ordem o que se pensa estar em desordem.
Na literatura especializada em Administração vamos verificar que a velha concepção
de Relações Industriais foi substituída por uma nova maneira de administrar as pessoas, a qual
recebeu o nome de Administração de Recursos Humanos ou Gestão de Pessoal. Nessa
abordagem, de acordo com Chiavenato (1999, p. 29), as pessoas são visualizadas como
recursos vivos e inteligentes e não mais como fatores inertes de produção. “As pessoas
constituem a principal vantagem competitiva, a empresa precisa investir nelas, desenvolvê-las
e ceder-lhes espaço para seus talentos”.
Em A Cultura do novo capitalismo, Richard Sennett (2006) analisa as capacitações
profissionais, discutindo a respeito do talento e o fantasma da inutilidade. O autor aponta o
medo de se ficar para trás na sociedade da capacitação e focaliza novas convicções sobre
mérito e talento que com o passar do tempo foram substituindo velhos valores como
habilidades específicas e realizações a longo prazo. “Na Grande Depressão, os indivíduos
acreditavam num remédio pessoal para a inutilidade que transgredia qualquer panacéia
governamental: seus filhos teriam uma educação e uma capacitação especial capazes de fazer
com que os jovens fossem sempre necessários, estivessem sempre empregados” (SENNETT,
2006, p.81).
Neste capítulo apresentarei o SENAC e o Programa de Aprendizagem Comercial
como uma das iniciativas da Responsabilidade Social desenvolvida pela mesma, porque,
segundo seus empreendedores, é o que mais se destaca como a maior e melhor ação social
desempenhada por essa Organização no setor educacional objetivando a capacitação de mão-
de-obra qualificada para as demandas das empresas. Na sociedade das capacitações, segundo
60
Sennett (2006, p. 81), a armadura que as pessoas buscam ainda é igual ao tempo da Grande
Depressão, mas, aqui o contexto está mudado. “Muitos dos que estão enfrentando o
desemprego receberam uma educação e uma capacitação, mas o trabalho que buscam migrou
para lugares do planeta em que a mão-de-obra especializada é mais barata. De modo que são
necessárias capacitações de natureza muito diferente”.
O
CENÁRIO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ATRAVÉS DA CRIAÇÃO DO
SENAC
A Constituição Federal do Brasil (1989, p. 64) prevê, em seu artigo 149, três tipos de
contribuições que podem ser instituídas exclusivamente pela União: contribuições sociais;
contribuição de intervenção no domínio econômico e contribuição de interesse das categorias
profissionais ou econômicas. È esta última que possibilita com seu conjunto de contribuições
a criação e sustentação do Sistema S .
O Sistema S está atualmente composto pelo SENAI - Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial; SESI - Serviço Social da Indústria ; SENAC - Serviço Nacional de
Aprendizagem do Comércio; SESC - Serviço Social do Comércio; SEBRAE - Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas; Fundo Aeroviário - Fundo Vinculado ao
Ministério da Aeronáutica; SENAR - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural; SEST -
Serviço Social de Transporte; SENAT - Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte;
SESCOOP - Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo.
As receitas arrecadadas através das contribuições ao Sistema S são repassadas a
organizações, na maior parte de direito privado, que devem aplicá-las conforme previsto na
respectiva lei que regula o funcionamento da organização. A criação desses organismos e
respectivas fontes de receita remonta à década de 1940, sendo que apenas quatro delas
(SEBRAE, SENAR, SEST e SENAT) foram instituídas após a Constituição de 1988. De
acordo com as informações da Receita Federal (2008) a respeito da arrecadação em relação ao
Sistema S, “em geral, as contribuições incidem sobre a folha de salários das empresas
pertencentes à categoria correspondente e destinam-se a financiar atividades que visem ao
aperfeiçoamento profissional e à melhoria do bem estar social dos trabalhadores”.
O Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC – é uma instituição
autônoma de direito privado, mantida e administrada pela classe empresarial do setor
terciário, criada pelo Decreto-Lei nº. 8621, de 10 de janeiro de 1946 em São Paulo. É uma
61
organização brasileira de educação profissional aberta a toda a sociedade. Esse Decreto-Lei
dispõe sobre a criação do SENAC e também outras providências. O Presidente da
República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição, decreta:
Art. 1º Fica atribuído à Confederação Nacional do Comércio o encargo de
organizar e administrar, no território nacional, escolas de aprendizagem
comercial. Parágrafo único. As escolas de aprendizagem comercial manterão
também cursos de continuação ou práticos e de especialização para os empregados
adultos do comércio, não sujeitos à aprendizagem. Art. A Confederação
Nacional do Comércio, para o fim de que trata o artigo anterior, criará, e organizará
o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). Art. 3º O SENAC
deverá também colaborar na obra de difusão e aperfeiçoamento do ensino
comercial de formação e do ensino imediato que com ele se relacionar diretamente,
para o que promoverá os acordos necessários, especialmente com estabelecimentos
de ensino comercial reconhecidos pelo Governo Federal, exigindo sempre, em
troca do auxílio financeiro que der, melhoria do aparelhamento escolar e
determinado número de matrículas gratuitas para comerciários, seus filhos, ou
estudantes a que provadamente faltarem os recursos necessários
. (BRASIL, 1989)
O SENAC foi criado com o objetivo justamente de suprir as necessidades de formação
de recursos humanos para o setor terciário da economia - comércio e serviços. No Rio Grande
do Sul, o SENAC iniciou suas atividades em 13 de setembro de 1946 participando do novo
cenário socioeconômico encenado no País que exigia mão-de-obra qualificada em detrimento
de outras, especialmente no setor terciário. “As novas tecnologias de comercialização
incorporadas começavam a ser exigidas e adotadas em busca de talentos, demandando, assim,
uma força de trabalho ajustada às novidades técnicas e com maior especialização
profissional” (SENAC, 2002, p. 11).
Nos anos 1940, o SENAC (2002; 2004) atuou em cooperação com escolas do ensino
comercial, fornecendo bolsas de estudos. A partir da década de 1950, estruturou um sistema
próprio de cursos de aprendizagem, como, por exemplo, os cursos comerciais básicos e o
ginásio comercial. Os primeiros Centros de Formação Profissional foram construídos junto
com o SESC.
Na década de 1960, tem início a construção dos centros próprios e os cursos de
aprendizagem passaram a integrar o sistema de ensino oficial. A partir de 1970, o SENAC
diversificou os currículos, criou outras áreas ocupacionais: as Empresas Pedagógicas de
Hotelaria, as Unidades Móveis e o Ensino por Correspondência.
Os anos 1980 foram marcados pelo “início do processo de mudanças dos paradigmas
institucionais, com a adaptação dos sistemas ao processo de globalização” (SENAC, 2002, p.
62
22). As bases cnicas de preparação do trabalhador de acordo com os dirigentes do SENAC
foram adequadas à nova realidade.
O SENAC (2002, p.23) durante a década de 1990 “deu continuidade a esse processo
de consolidação do novo projeto pedagógico e instauração de modalidades de aprendizagem
mais compatíveis com as tendências da educação com foco no desenvolvimento de
competências profissionais”. Esse projeto é narrado como uma ação que acompanhou as
mudanças da sociedade e do mercado, superando também na perspectiva dessa instituição a
formação de trabalhadores para postos de trabalho, embasada no paradigma tecnicista, e
culminando, na contemporaneidade, com a proposta das competências. É deste período
também o início do processo de ensino à distância como mais uma forma de auto-
aprendizagem. Atento às demandas do mundo produtivo contemporâneo, o SENAC passou a
manter também empresas pedagógicas e de treinamento, restaurantes-escolas, laboratórios de
informática e outros ambientes especializados para aprendizagem prática.
No discurso dessa Organização (SENAC-RS, 2007a), “iniciava-se aí, toda uma
trajetória de sucesso que norteou a linha filosófica do SENAC em sua atividade-fim: a
educação profissional para o setor de Comércio e Serviços” A narrativa de Francisco de
Moraes, Gerente de Desenvolvimento Educacional da Unidade SENAC São Paulo, permite
constatar marcas desse discurso.
dois anos, o Senac São Paulo decidiu reorganizar seu portfólio de cursos e
reduziu o número de títulos de 3 mil para 2 mil. O objetivo foi eliminar
redundâncias e direcionar melhor os cursos[...] Para chegar a essa lista mais enxuta,
foram necessários entrevistas com representantes do empresariado,workshops e
muita pesquisa de campo. O portfólio será novamente reformulado, em breve. É
necessário definir prioridades, demandas do mercado. O curso é um investimento
que as empresas e os trabalhadores fazem. Ninguém quer investir em algo que não
tem utilidade, que não dá resultado. (SENAC-RS, 2007a)
A primeira clientela do SENAC (SENAC. DN, 2008a) foi, por força de lei, o menor
aprendiz de 14 a 18 anos empregado no comércio. “A admissão no primeiro emprego é uma
das principais dificuldades enfrentadas pelos jovens brasileiros. As empresas costumam exigir
experiências e habilidades específicas”. Para atenuar essa situação, o SENAC até o ano de
2003 atendia em todo o país a jovens nessa faixa etária por intermédio do Projeto Menor
Aprendiz. Para divulgar esse Projeto o SENAC apresentava em vídeo com o nome de Menor
Aprendiz. O Futuro começa aqui, mostrando como funciona e quem são seus participantes.
63
Com o tempo, os serviços do SENAC “foram se ampliando, abrangendo adolescentes
e adultos nos três setores da economia e, a aprendizagem profissional no Brasil,
historicamente regulada pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, no capítulo referente
ao menor, “passou por um processo de modernização com a promulgação das Leis 10.097/00
e 11.180/05” (SENAC, 2006, p. 10). Esta última foi a responsável por estender até 24 anos a
faixa etária dos aprendizes. A partir daí, o SENAC institucionalizou o Programa de
Aprendizagem Comercial, mais conhecido como Jovem Aprendiz, em razão da faixa etária
atendida.
Com base em um conjunto de dez princípios o SENAC (2004) vai capacitando pessoas
organizações e estruturando sua instituição no que denomina desenvolver pessoas e
organizações. Em um dos princípios, essa entidade salienta a necessidade de que seus
clientes/estudantes tenham sempre atitudes pró-soluções e que canalizem suas energias para
o construtivo, o antecipativo e o preventivo. Evitem desperdiçar energia e talento criticando o
que não está bom e perdendo-se em diagnósticos após o fato. Saiam do sintomático e vão
sempre à causa das causas”.
A missão institucional do SENAC (2002. p13) aponta para o desejo de "prestar
serviços de capacitação profissional em atividades terciárias, preparando pessoas e
organizações para a competência e a competitividade". A Organização salienta que tem
procurado incorporar em suas atividades as modificações que ocorrem na educação, na
economia, no mercado de trabalho e na sociedade como um todo. É ressaltado também pelo
SENAC (2002, p.14) que as características de sistema educacional aberto e não formal
assumido pela organização, “têm possibilitado a adoção de currículos versáteis e prontamente
adaptáveis às transformações que se processam no mundo do trabalho sendo ditadas pelas
empresas”. Essa Instituição salienta também que o capital humano influenciou a própria
prática educativa e que
a guisa de obter resultados mais imediatistas, passou a pautar-se por uma
pedagogia fundamentada nos princípios da racionalidade e da eficiência que
regem a lógica do mercado, dando ao trabalho escolar um caráter
acentuadamente tecnicista, que se materializava em propostas fechadas
restritas a uma aprendizagem para o saber fazer. (SENAC, 2002, p. 22)
De acordo com o site institucional do SENAC (2008a), a missão dessa entidade é
“Educar para o trabalho em atividades de comércio de bens, serviços e turismo”, e segundo tal
missão, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial afirma promover “há mais de 60
64
anos o crescimento profissional e pessoal de milhões de brasileiros por meio de uma vasta
programação de cursos e atividades em 15 áreas de atuação e em três tipos de ensino”. Neste
contexto, a Organização afirma dispor de “centenas de ambientes educacionais de ponta e
especializados, como, por exemplo, as empresas pedagógicas e as unidades móveis” e salienta
que “por tudo isso, o SENAC é considerado referência nacional em educação profissional”.
O Programa de Aprendizagem do SENAC (2002, p.14), segundo o que é apresentado,
se caracteriza por atender as necessidades de alunos com diferentes níveis de escolaridade,
através de “cursos de duração variável, aliando teoria e prática e promovendo o
desenvolvimento de suas competências profissionais focadas nas necessidades impostas pelo
Mundo do Trabalho”. De acordo com o que é informado no site institucional (2008a) a
respeito dos cursos do SENAC “tem sempre um bem pertinho de você”. È informado também
que por meio de diferentes modalidades de ensino, o SENAC se faz presente em todo o
território nacional. e é assinalado por essa instituição que este Serviço está “à disposição de
quem quer se capacitar e investir num futuro melhor. Com uma linguagem descontraída e
informal o SENAC se comunica mostrando ser fácil se qualificar”.
O site (2008a), ao narrar a história do SENAC, destaca as ações sociais que a
instituição está adotando. Salienta que a mesma conta com uma unidade base envolvida
diretamente com projetos sociais e faz referências ao SENAC Comunidade, ressaltando que
nesse projeto os objetivos estão direcionados para o desenvolvimento social, econômico e a
melhoria da qualidade de vida das comunidades em que atua. É também destacado que “por
meio da promoção de Programas e Ações Sociais, o SENAC visa contribuir para a inclusão
social, para o efetivo exercício da cidadania e para a organização e fortalecimento das
entidades do terceiro setor” (SENAC-RS, 2007a). Nesse sentido, essa Instituição afirma que:
o SENAC Comunidade almeja contribuir para a redução das desigualdades sociais e estimula
a autonomia das comunidades, por meio de ações de educação profissional.
Em relação à Responsabilidade Social do SENAC, o site institucional disponibiliza,
através do link SENAC - Soluções Corporativas, um texto sob o título Responsabilidade
Socioambiental (SENAC-RS, 2007b), a partir do qual parece buscar mostrar-se como uma
instituição que valoriza o seu compromisso com a comunidade em que está inserida e, ao
mesmo tempo, fazer um alerta a respeito da sociedade e das respectivas mudanças estruturais
devido aos efeitos da globalização econômica e tecnológica das últimas décadas. O SENAC
argumenta, neste sentido, que “esse fato tem exigido que as organizações assumam novos
papéis, os quais vão além dos definidos pela ordem econômica. Nesse contexto, a função das
65
empresas sofre alterações, levando-as a assumirem responsabilidades socioambientais que
transcendem sua prática tradicional de gestão”. A Organização também reforça no referido
site que “administrar, hoje, exige que as organizações levem em conta a melhoria da
qualidade de vida dos cidadãos, a valorização do potencial humano, o equilíbrio ecológico e a
eqüidade social.”.
Assim, essa Instituição se propõe a promover o desenvolvimento social, econômico e
a qualidade de vida nas comunidades e organizações em que atua e afirma que “o SENAC/RS
pode subsidiar ações e projetos de responsabilidade social e ambiental de sua empresa. Para
tanto, o SENAC/RS oferece projetos de capacitação, assessoria e consultoria, apoiando as
empresas no cumprimento de sua cota de responsabilidade socioambiental” (SENAC-RS,
2007b). Finaliza essa proposta com uma citação do escritor norte-americano Willian Cronon,
advertindo os dirigentes empresariais: “Os executivos deverão levar em conta os efeitos que
suas empresas exercem sobre os ecossistemas mundiais. Os governos e os clientes cobrarão a
cota de responsabilidade ambiental de cada empresa” (SENAC-RS, 2007b).
Com esta provocação que o SENAC faz através de seu site podemos perceber que a
empresa que não tiver adotado ações socialmente responsáveis poderá ter conseqüências
ameaçadoras. Mas o que é que mostra que uma empresa pratica ações socialmente
responsáveis? Algumas instituições disponibilizam para venda projetos de ações responsáveis
para quem quiser comprá-los (como foi apontado no Capítulo III desta dissertação em relação
ao IDIS e agora ao SENAC). Esses serviços são oferecidos, principalmente, para aquelas
organizações que não sabem como fazer o bem ou não tem noção de como atuar nesse novo
empreendimento.
V
ENCENDO A COMPETITIVIDADE EMPRESARIAL ATRAVÉS DA APRENDIZAGEM
Nesta secção, vamos analisar como o pensamento neoliberal ao celebrar a
competitividade lança mão das práticas escolares através do conceito de Aprendizagem
realizadas mediante treinamentos técnicos e profissionalizantes de acordo com as demandas e
apoio financeiro das empresas respaldadas pelas estratégias da Responsabilidade Social com o
desejo da tão proclamada inclusão social de jovens de baixo poder aquisitivo no mercado de
trabalho. Esses treinamentos são realizados através de cursos que são oferecidos pelo
Programa de Aprendizagem desenvolvido nas chamadas instituições de ensino
66
profissionalizante do Sistema S, dando destaque aqui, ao Programa de Aprendizagem
Comercial.
Nesta seção destacarei algumas citações dos dispositivos legais (das leis e dos
decretos) contidas na legislação vigente que regem o Programa de Aprendizagem Comercial
do SENAC. Meu foco serão os textos que se referem à aprendizagem oferecida aos jovens
estudantes, na forma como a Instituição segue a lei e como atua junto à população jovem de
baixa renda, capacitando assim mão-de-obra barata e acessível às demandas das empresas do
setor do comércio. Comento a razão da denominação aprendiz, atribuída o jovem que tem
acesso à qualificação profissional que, de acordo com os ensinamentos neoliberais, pode
resultar em uma oportunidade para o ingresso no mercado de trabalho (se ele for o escolhido
e apontado pela empresa interessada, como o aprendiz).
O Programa de Aprendizagem Comercial tem como principal finalidade o
encaminhamento de jovens de baixa renda ao mercado de trabalho. Esse Programa parte da
ação legal que está prescrita no Art.3 do Decreto-Lei nº. 8621, de 10 de janeiro de 1946. A
norma apresenta o compromisso do SENAC frente ao ensino comercial de formação
profissional e a disponibilidade de vagas para os jovens sem recursos.
Pesquisando na legislação vigente e suas relações com a temática da aprendizagem,
podemos observar que a Lei 10.097/2000 (BRASIL, 2007a), no seu artigo 428 e o Decreto
5.598/05, no seu artigo 2º estabelecem que o Contrato de Aprendizagem:
é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo
determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de
quatorze anos e menor de vinte e quatro anos, inscrito em programa de
aprendizagem, formação técnico-profissional, metódica, compatível com o
seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e, o aprendiz, a executar,
com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação
(BRASIL,
2007b)
.
A seguir, apresento o quadro (SENAC, 2006, p. 27) que mostra as atribuições de cada
sujeito envolvido no processo da aprendizagem e o desejo para que o mesmo ocorra com a
qualidade esperada. Nesse quadro, a aprendizagem é apontada como dependente das
respectivas atribuições do referido processo. Essas atribuições indicam que um ator está
relacionado com o outro, justificando a dependência do sistema formado.
67
Atores Atribuições
Empresa
- Indicar jovens para inscrição em cursos de aprendizagem, para cumprimento de
cotas e atendimento das necessidades da empresa.
- Contratar o jovem aprendiz.
- Remunerar o jovem aprendiz de acordo com os termos legais.
- Garantir ao jovem aprendiz os direitos trabalhistas e previdenciários.
- Respeitar o que dispõe a legislação quando for necessária a realização da prática
profissional na empresa.
SENAC
- Atender às demandas das empresas, oferecendo cursos de aprendizagem
comercial.
- Inscrever e matricular os jovens encaminhados pelas empresas, observados os
requisitos definidos nos planos de curso.
- Informar à empresa a freqüência do jovem no curso e seu desempenho.
- Supervisionar o desenvolvimento de prática profissional na empresa.
- Certificar a qualificação do aprendiz.
Aprendiz
- Freqüentar com assiduidade o curso de aprendizagem.
- Executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a sua formação.
Responsável
pelo Aprendiz
- Assinar o contrato de aprendizagem.
- No caso de jovem menor de 18 anos, acompanhar o desempenho do aprendiz
durante a realização da aprendizagem.
Delegacia
Regional do
Trabalho
- Identificar a demanda e a oferta da aprendizagem.
- Fiscalizar as empresas quanto ao cumprimento da cota de aprendizagem.
- Aplicar as medidas cabíveis quando do cumprimento da cota de aprendiz e das
normas de saúde e segurança.
- Fiscalizar as condições dos estabelecimentos para a realização da prática
profissional.
Importante ressaltar que o SENAC é visto como um intermediador e facilitador
entre o jovem que necessita inserção junto ao mercado de trabalho e a empresa contratante
que, de acordo com o que é pré-estabelecido, deve cumprir a legislação vigente.
No Decreto 5.598 de 01/12/2005, artigo apresenta uma significativa
consideração no que diz respeito à contratação do aprendiz. O mesmo obriga todas as
empresas a se comprometerem com essa medida. Na contratação, a empresa assume, na
condição de empregador, todos os ônus dela decorrentes, assinando a Carteira de Trabalho e
Previdência Social do aprendiz. Essa legislação também dispõe que:
68
Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e
matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem mero de
aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no
máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas
funções demandem formação profissional (BRASIL, 2007b).
Este decreto 5.598/05 fixa a jornada de trabalho com as horas destinadas às atividades
teóricas e as práticas. As práticas não podem ultrapassar seis horas diárias para os que ainda
não concluíram o ensino fundamental e, oito horas para os que concluíram. Essa carga
horária permite que os jovens tenham oportunidades de concluir o ensino fundamental ou
médio. Os órgãos fiscalizadores dessa prática são o Ministério do Trabalho e Emprego, a
Delegacia Regional do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho.
As vantagens para as empresas no cumprimento da legislação que regulamenta a
contratação de aprendizes de acordo com o SENAC (2006, p.10) são: a facilidade de
reposição de recursos humanos (também visto como disponibilidade de cadastro reserva), a
qualificação de sua força de trabalho e o baixo custo para qualificação de possíveis
profissionais.
No livro Menor Aprendiz (SENAC, 2004, p.IX) é comentado que várias lições a
tirar do Programa de Aprendizagem que o SENAC começou a desenvolver a partir de 1947. A
primeira delas, é que “a melhor maneira de mudar o país, ainda é através da educação
adequada e eficaz que leve em consideração que não aprendizado sem prática e vice-
versa”. É também ressaltado que o objetivo do Programa, mais que proporcionar uma
formação profissional de qualidade e oportunidades de emprego, forma cidadãos e, pela
inclusão social, transforma a sociedade. O Programa “Está, em suma, promovendo o
aprendizado para a vida” (SENAC, 2004, p.IX). Enfim, o SENAC atende tanto o jovem
aprendiz quanto o mais alto executivo de uma grande empresa (SENAC, 2004, p 53).
Podemos dizer de acordo com as afirmações de Bauman (1999, p. 15) que a existência
é moderna na medida em que é produzida e sustentada pelo projeto, manipulação,
administração, planejamento. A existência é moderna para esse autor na medida em que “é
administrada por agentes capazes (isto é, que possuem conhecimento, habilidade e tecnologia)
e soberanos.
Os agentes são soberanos na medida em que reivindicam e defendem com
sucesso o direito de gerenciar e administrar a existência: o direito de definir
a ordem e, por conseguinte, pôr de lado o caos como refugo que escapa à
definição (BAUMAN, 1999, p. 15)
69
A fim de proporcionar o entendimento das motivações de ordem legal do Programa de
Aprendizagem Comercial, apresento alguns dispositivos que norteiam e disciplinam tais
práticas. Segundo o Decreto 5.598/05 no capitulo 1, artigo trata a respeito do conceito
de Aprendiz:
todo jovem maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos de idade,
que celebra contrato de aprendizagem, nos termos do art. 428 da Consolidação das
Leis do Trabalho - CLT. O adolescente deverá ser contratado por empresa ou
instituição em conformidade com a legislação trabalhista e estar matriculado em
curso ou programa de aprendizagem comercial. (BRASIL, 2007b)
A partir da lei n. 11.180/05 que ampliou a faixa etária de 14 a 18 anos para 14 a 24
anos, o SENAC passou a considerar o fato como um marco divisório na trajetória histórica da
aprendizagem no Brasil. “Este panorama que começa a ser construído, com novo perfil de
clientela, deve obter mudanças significativas nos próximos anos” (SENAC, 2002, p.14).
70
C
APITULO
V
C
APTURANDO JOVENS APRENDIZES ATRAVÉS DOS DISCURSOS
DAS COMPETÊNCIAS
No capitulo IV apresentei o SENAC como instituição de ensino profissionalizante do
Sistema S e, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, como Unidade que está
qualificada para oferecer os Cursos de Aprendizagem Comercial. Mostrei que o SENAC,
além de justificar inicialmente a criação do Programa de Aprendizagem como resposta às
demandas crescentes das empresas, enquadra discursivamente tal projeto como uma ação
socialmente responsável. Busquei caracterizar o Aprendiz conforme disposto no Decreto nº.
5.091 e o que é preciso saber e fazer para realizar o Contrato de Aprendizagem
17
regido pela
Lei 10.097/00 no artigo 428 e pelo Decreto nº. 5.598/05, artigo 2º.
No presente capítulo analiso o conjunto de possibilidades que facilitam a capacitação
do jovem aprendiz através dos vários cursos oferecidos pelo Programa de Aprendizagem
Comercial. Estes cursos conforme os Referenciais para a Educação Profissional do SENAC
(2002) são apresentados na forma de um sistema de módulos composto por um elenco de
competências de acordo com o que é estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional LDB. Neste capítulo, então, mostro o desenho curricular que compõe o plano do
curso Assistente de Restaurante
18
, documento que tomo como representativo do conjunto dos
planos dos cursos do Programa de Aprendizagem do SENAC. Minha escolha recai sobre o
curso de Assistente de Restaurante em razão do acesso a estes documentos ser restrito à
equipe pedagógica do SENAC – mesmo quando se trata de pesquisa acadêmica que
somente me franqueou o plano do referido curso.
Ocupo-me, assim, em trazer aqui o conjunto de informações produzidas pelo SENAC
em relação aos cursos realizados através do Programa Jovem Aprendiz e distribuídos em
quatro Áreas de Educação profissional: Comércio, Gestão, Turismo/Hospitalidade e
Informática. O SENAC, ao executar essas atividades, demonstra possuir o status de uma
instituição que, além de produzir conhecimento para o setor do Comércio de Bens e Serviços,
está engajada em ações sociais e, desta forma, melhora a sua reputação e imagem pública.
Aponto como essa Unidade do Sistema S, se apropria das práticas escolares e fabrica verdades
através da (re)produção dos discursos sobre as competências, mediados pelos conhecimentos
17
O modelo de contrato de aprendizagem sugerido pelo SENAC encontra-se na integra no Anexo I
18
O plano de curso Assistente de Restaurante na íntegra encontra-se no Anexo II.
71
formação profissional, permitindo a captura e governamento dos jovens sujeitos que
compõem a população de baixa renda.
Ao analisar os estudos de Foucault relativamente ao sujeito moderno em Infância e
Maquinarias, Bujes (2002, p. 165) refere que através de análises que tratam dos variados
dispositivos, táticas e estratégias de que se vale o poder, “interessa estudar qual o tipo de
racionalidade política que rege os estados liberais. A identificação deste tipo de racionalidade,
por seu lado, implicará a busca do entendimento de como nos governamos e de como somos
governados, o que nos leva à questão: afinal quem somos?”
Nesse sentido, Bujes (2002, p. 161) afirma que as análises foucaultianas se opõem a
uma concepção essencialista dos sujeitos, “bem como à noção de que eles possuem uma
natureza biológica e psicológica que determina estes processos de constituição de
subjetividades”. Tais análises nos mostram, de acordo com a autora, que “para compreender
as diferentes formas de tornar-se sujeito, faz-se necessário estudar os discursos e as práticas
que, ao longo da História, deram origem a tais processos” (BUJES, 2002, p. 161).
Penso ser necessário, então, remeter aos estudos de Rose (1998), em Governando a
alma, quando apresenta seu pensamento em relação à expressão expertise da subjetividade. O
autor argumenta que essa tem se tornado fundamental para nossas formas contemporâneas de
sermos governados e de governarmos a nós mesmos.
Mas não porque os experts conspiram com o estado para iludir, controlar e
condicionar os sujeitos. A política democrática liberal coloca limites às
intervenções coercivas diretas sobre as vidas individuais através do poder do
estado; o governo da subjetividade exige, pois, que as autoridades ajam
sobre as escolhas, os desejos e a conduta dos indivíduos de uma forma
indireta. A expertise fornece essa distância essencial entre o aparato formal
da lei, das cortes e da polícia e a moldagem das atividades dos cidadãos. Ela
obtém seu efeito não através da ameaça da violência ou do constrangimento
físico, mas através da persuasão inerente às suas verdades, das ansiedades
estimuladas por suas normas e das atrações exercidas pelas imagens da vida
e do eu que ela nos oferece (ROSE, 1998, p.42).
Ao chamar a atenção a respeito da subjetividade, Bujes (2002, p. 165) fundamentada
em Foucault e Rose afirma que esse
[...] é o nome que podemos dar ao efeito da composição e recomposição de
forças, práticas e relações que lutam ou operam para tornar os seres humanos
formas diversas de sujeitos, capazes de tomar a si mesmos como sujeitos de
suas próprias práticas ou de práticas alheias que atuam sobre eles.
72
Para entender como as relações de poder e de saber atravessam as subjetividades e,
neste caso, as dos jovens aprendizes, valho-me das formulações de Foucault (2000, p. 27)
para assim problematizar estratégias de governamento do SENAC como instituição de ensino
profissionalizante.
Nesta análise, realizo um exame a partir de dois focos relativos às condutas dos jovens
aprendizes: os hábitos e as atitudes que são induzidas pelas competências dispostas na grade
curricular do curso Assistente de Restaurante. Tais competências parecem formatar e
padronizar o vestuário e a aparência desses sujeitos jovens aprendizes, incitando nesses o
interesse pela higiene, pela beleza, pela ordem e, principalmente, pela autonomia. Esses focos
de análise hábitos e atitudes foram definidos a partir das leituras do material empírico,
articuladas com as referências teóricas inscritas no campo dos Estudos Culturais de vertente
pós-estruturalista, a partir do pensamento foucaultiano, que apresentei nos capítulos
precedentes. Aponto como essa população jovem tem sido disciplinada, modelada, mas, mais
do que isso, como esses sujeitos têm sido seduzidos, capturados, categorizados e governados.
Utilizo a noção de governamento
19
como ferramenta teórica nessa dissertação,
inspirada pelos ensinamentos de Foucault e de outros pesquisadores que abordam esse tema.
Dentro dessa perspectiva, Foucault (2007, p. 284) salienta que no caso da teoria do governo
(relacionado às artes de governar as condutas dos indivíduos de uma sociedade), se trata de
dispor as coisas, isto é, “utilizar mais táticas do que leis, ou utilizar ao máximo as leis como
táticas. Fazer, por vários meios, com que determinados fins possam ser atingidos”. Nesse
aspecto, seguindo o pensamento do filósofo a finalidade do governamento “está nas coisas
que ele dirige, deve ser procurada na perfeição, na intensificação dos processos que ele dirige
e os instrumentos do governo, em vez de serem constituídos por leis, são táticas diversas”
(FOUCAULT, 2007, p. 284).
Esclarecendo a respeito do termo governamento, Bujes (2002, p. 80) reforça essa idéia
argumentando que seria interessante sublinhar que “as relações de poder que se estabelecem
entre as populações nesta estrutura governamentalizada utilizam-se, de forma vital, de táticas
multiformes e da existência de uma variedade de especialistas, disseminados por inúmeras
agências que geram as políticas sociais, econômicas, culturais, etc.” Bujes completa seu
pensamento citando Rose quando afirma que essas agências vão “operar tanto para constituir
19
Esta noção de governamento foi referida inicialmente no Capitulo II De aprendiz de artesanato à
mecanização do trabalho – quando a apresentei a partir de Bujes (2002 p. 79-80).
73
os problemas sociais para os quais a ação governamental é dirigida quanto para ativamente
regular, controlar, coordenar os alvos ali estabelecidos” (BUJES, 2002, p. 80).
As investigações de Nikolas Rose (1998, p.30) apontam para o fato de vivermos num
tempo em que nossas personalidades, subjetividades e relacionamentos “são intensivamente
governadas. Talvez elas sempre o tenham sido”. Dessa maneira, o sociólogo aponta que
convenções sociais, vigilância comunitária, normas legais, obrigações familiares e religiosas
exerceram um intenso poder sobre a alma humana em épocas passadas e em outras culturas, e
ainda continuam exercendo. “A conduta, a fala e a emoção têm sido examinadas e avaliadas
em termos dos estados interiores que elas expressam. Também têm-se feito tentativas para
alterar a pessoa visível através de uma ação exercida sobre esse invisível mundo interior”
(ROSE, 1998, p.30). Rose ainda salienta que pensamentos, sentimentos e ações são
socialmente organizados e administrados nos detalhes mais peculiares.
Dessa forma, para a discussão nesta pesquisa relativamente à captura e ao
governamento dos aprendizes juvenis, apresento um convite na forma de notícia produzido
pelo SENAC aos jovens gaúchos, para ingressarem em um dos cursos do Programa de
Aprendizagem, com a finalidade de incentivá-los a participar das novas turmas do Programa
Jovem Aprendiz. O mesmo foi veiculado em 28 de janeiro de 2008 pelo site institucional do
SENAC nacional, no link Notícias SENAC, sob o título
Senac/RS abre inscrições para turmas do
Jovem Aprendiz
(SENAC, 2008b).
Jovens gaúchos de Santa Cruz do Sul interessados em se qualificar para o mercado
de trabalho e com expectativas concretas de iniciar uma carreira profissional têm
uma excelente oportunidade com os cursos do Programa Jovem Aprendiz,
ministrados pela Escola de Educação Profissional do Senac Santa Cruz do Sul. A
Unidade está com inscrições abertas, até 29 de janeiro, para os cursos Vendedor
Júnior e Assistente de Serviços Administrativos, ambos com qualificações em
habilidades de informática básica. As capacitações são totalmente gratuitas. As
aulas têm início em 11 de fevereiro, na sede da escola (r.Fernando Abott, 660).
O programa contempla jovens entre 16 e 24 anos com escolaridade mínima de
série do Ensino Fundamental. Além da qualificação, os alunos são beneficiados
com carteira de trabalho assinada, salário mínimo, auxílio-alimentação e vale-
transporte. Em cada curso, os alunos participam de 860 horas de atividades
curriculares, das quais 360 se referem à qualificação teórica, com aulas
ministradas no Senac Santa Cruz do Sul, e outras 500 horas referentes à prática
supervisionada, em que os estudantes são contratados por empresas parceiras da
Instituição. “A principal carência que identificamos nesse público é a falta de
oportunidades de ensino e trabalho, e essa iniciativa vai diretamente ao encontro
dessas questões”, afirma o professor Humberto Lopes Caminha. (Grifos do autor)
74
A seleção dos cursos a serem oferecidos pelo SENAC é realizada por Comitês
Técnicos. O SENAC (SENAC-RS, 2003, p.1) criou estes comitês com a finalidade de analisar
o mercado de trabalho, “fornecendo informações necessárias para elaboração dos perfis
profissionais; identificando tendências relativas às áreas profissionais, vislumbrando
demandas de Educação Profissional e contribuindo para validação e readequação dos produtos
educacionais”. Os cursos, de acordo com esse Comitê, atendem a uma demanda certa e são
organizadas de acordo com a realidade do mercado.
Esse Comitê foi criado com a intenção de elaborar o Plano de Curso (SENAC-RS,
2003, p.2) conforme o tipo de atividade e da área de produção desejada. Essa instância do
SENAC é responsável pela análise em cada curso proposto da justificativa, dos requisitos
para acesso ao curso, do perfil profissional, da organização curricular, além da quantidade de
módulos que vão compor a estrutura do curso. Para realizar essas tarefas, esse Comitê é
constituído por uma equipe do SENAC (uma pedagoga e um técnico da área de educação do
curso. Por exemplo: se o curso a ser oferecido é Assistente de Restaurante, o técnico será um
entendido em gastronomia, que na maioria das vezes, será coordenador ou professor do curso)
e por um grupo de profissionais atuantes e destacados na área do curso em questão.
No curso de Assistente de Restaurante, a equipe de profissionais será composta por um
proprietário de restaurante (o mesmo que empregará ou não o assistente, e a partir do qual se
origina a demanda relativa a esta formação profissional); e por um Maître reconhecido
publicamente por sua competência profissional que poderá ser membro da equipe do mesmo
restaurante ou não (e será esse quem irá supervisionar ao assistente durante a realização do
trabalho).
Os membros desse Comitê por serem convidados para fazerem parte do grupo que irá
montar o plano de curso e, portanto, definir as competências necessárias para os aprendizes a
serem capacitados, se sentem reconhecidos e privilegiados ao desempenharem essa atividade.
Ao fazê-lo, segundo eles, estão contribuindo e traçando o itinerário formativo da área em
questão, mesmo sem a compensação financeira. Este tipo de posicionamento pode ser
constatado no excerto citado a seguir recortado de notícia veiculada no site institucional do
SENAC por ocasião do lançamento do Comitê Técnico de Hospitalidade pela Unidade
SENAC do estado de Mato Grosso. Segundo a notícia, a diretora de Educação Profissional do
SENAC/MT,
Márcia Vecchi,
afirma que com a criação do Comitê, os cursos estarão mais
afinados com a demanda de capacitação e formação profissional nas diversas áreas e o mesmo
75
irá contribuir com o avanço das competências destes profissionais, com
objetivo de atender aos empresários que possuem dificuldades para encontrar
pessoas qualificadas. A missão do Senac é atender empresários do comércio
de bens, serviços e turismo e assim, pretendemos suprir esta demanda, no
sentido de treinar desde o nível básico ás demais graduações(ASSESSORIA,
2008).
Os cursos técnicos oferecidos pelo SENAC são autorizados pela Secretária da
Educação do Estado e devem ser supervisionados pelo Setor pedagógico da Instituição,
amparados e legalizados pelos dispositivos legais referidos, organizados em um plano que
permita a realização do estágio profissional. Mas, mesmo assim, com todos os dispositivos
legais: decretos, leis, emendas, portarias e instruções normativas, permanecem sem o estágio
alguns jovens que realizam o curso teórico e não conseguem espaços para concretizar o sonho
do futuro.
Cabe destacar aqui, que alguns alunos ficam sem a possibilidade de local para
experimentar e aplicar na prática profissional os novos conhecimentos adquiridos com os
cursos. Esta situação torna-se mais relevante à medida que se considere que a realização do
estágio é obrigatória para a plena certificação no curso. É de responsabilidade do SENAC a
certificação de conclusão do curso, mas, é a empresa parceira que deve prover ou não o
estágio. Quando o mesmo não ocorre, a certificação fornecida pelo SENAC é parcial, sendo
denominada saída parcial. Parece que a promessa do futuro começou e terminou ali.
De acordo com Sennett (2006, p.83), a sociedade das capacitações continua produzindo
excedentes de mão-de-obra capacitada, e “o que é pior, o sistema educacional gera grande
quantidade de jovens formados, mas impossíveis de empregar, pelo menos nos terrenos para
os quais foram treinados”. O autor reforça essa idéia argumentando que “a máquina
econômica pode ser capaz de funcionar de maneira eficiente e lucrativa contando apenas com
uma elite cada vez maior” (SENNETT, 2006, p. 84). Nesse aspecto, Sennett chama a atenção
para o fato dos jovens aprendizes, considerados sem talento, não se destacarem como
indivíduos, convertendo-se em uma massa.
A seguir, apresento o plano de curso de Aprendizagem Comercial da Área de
Educação Turismo e Hospitalidade, detalhando o plano do curso Assistente de Restaurante,
na modalidade presencial, para 20 alunos.
A carga horária total dos cursos que compõem a Aprendizagem Comercial é de 860
horas, organizadas em dois módulos. O primeiro é de 360 horas sendo totalmente
desenvolvido pelo SENAC, contemplando competências gerais e específicas da profissão em
76
foco, em laboratórios especializados. O módulo II se constitui no desenvolvimento da prática
profissional supervisionada, realizada na empresa com a carga horária de 500 horas.
Atualmente, os cursos oferecidos pelo SENAC são apresentados nas quatro Áreas de
Educação:
a) Área do Comércio: Vendedor Júnior; Agente Comercial; Operador de
Supermercados. b) Gestão: Assistente em Serviços Administrativos; Assistente em
Serviços; Administrativos para Cooperativas. c)Turismo e Hospitalidade:
Assistente de Restaurante. d)Informática: Operador de Informática; Administrador
de Redes.
O Plano de Curso identificado como Assistente de Restaurante, aqui estará formatado
de acordo com o Núcleo de Educação Profissional do SENAC:
Identificação no Sistema: ASSIST. RESTAURANTE-APRENDIZAGEM
Atualizado em: 07/2007
Nome do Curso: ASSISTENTE DE RESTAURANTE– PRENDIZAGEM
COMERCIAL
Carga Horária: 860 horas
Tipo de Curso/ Atividade: Aprendizagem Comercial
Nível do Curso: Formação Inicial e Continuada de Trabalhadores
Área de Produção: Ações de Educação Profissional
Área de Educação: Turismo e Hospitalidade
Modalidade de Ensino: Presencial
Número sugerido de alunos: 20
I JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS
Contribuir para a capacitação de adolescentes entre 14 e 24 anos, para o mundo do
trabalho, oportunizando cumprimento do estabelecido nas Leis nº10. 097/00 e
Decreto 5.598/ 2005, que regulamenta a contratação de aprendizes e outras
providências.
Essa Instituição pretende com esse curso facilitar
a capacitação do adolescente contratado, ou não, pelas empresas do setor de
comércio de bens e serviços, por meio de cursos destinados a proporcionar, na
forma da lei, competências necessárias ao exercício profissional.Propiciar a
formação integral do adolescente, criando situações de aprendizagem que o levem
a aprender a pensar, a aprender a aprender, a mobilizar, articular e colocar em ação
conhecimentos, habilidades e valores em níveis crescentes de complexidade.
77
Como requisito para acesso ao curso acima referido é solicitado ao jovem aprendiz o
seguinte:
II REQUISITOS PARA ACESSO
Idade: entre 14 e 23 anos e meio (preferencialmente a partir de 17 anos).
Escolaridade: cursando, no mínimo, 7ª série do Ensino Fundamental.
Documentos:
Carteira de trabalho, documento da empresa que encaminha o adolescente para o
curso na condição de adolescente aprendiz, quando contratado, comprovante de
escolaridade mínima exigida, 1 foto 3X4 recente, original e cópia da Carteira de
Identidade e / ou Certidão de Nascimento.
Considerando o Artigo 2º – Capítulo I, do Decreto 5.598/2005, que regula a
contratação de Aprendizes: Aprendiz é o maior de 14 anos e menor de 24 anos, as
UEs podem então, ofertar turmas, conforme a faixa etária dos alunos.
Obs.: Em casos específicos, o Setor Pedagógico deverá analisar a possibilidade
de inclusão de aluno(s), em uma única turma, contemplando as duas faixas
etárias.
Em relação ao Perfil Profissional do Assistente de Restaurante, o aprendiz ao concluir
o curso será visto de acordo com as competências estabelecidas pelo Plano de Curso:
III PERFIL PROFISSIONAL DE CONCLUSÃO
O ASSISTENTE DE RESTAURANTE é o (a) profissional da área de Turismo e
Hospitalidade que atua em restaurantes, bares, cafés, hotéis, clubes e empresas e
integra uma equipe de profissionais de alimentos e bebidas, cujas principais
funções são: recepcionar e acolher o cliente, servir alimentos e bebidas, realizar o
mise-en-place, desenvolver as técnicas e rotinas operacionais dos serviços de
restaurante, bares e similares. Mise-en-place: MISE-EN-PLACE. Expressão
francesa usada para indicar o conjunto de operações ou tarefas necessárias para
colocar no lugar os elementos ou utensílios essenciais para a execução de um
trabalho. Preparação do restaurante: arrumação das mesas com a colocação de
pratos, dos talheres e de todos os utensílios necessários antes da abertura para o
público. É a organização interna, preparativos do trabalho.
Fonte: VIEIRA, Elenara. Glossário técnico - gastronômico, hoteleiro e turístico.
Caxias do Sul, EDCS, 2000.
É interessante analisar as atividades prescritas pelo SENAC para o jovem profissional
que será capacitado durante o curso. Dentre essas atividades o aprendiz será treinado para
acolher e servir bem o cliente dentro dos considerados bons princípios para que através desse
atendimento, esse cliente fique satisfeito e volte sempre. No curso Assistente de Restaurante,
assim como em outros cursos profissionalizantes dessa Instituição, a estrutura dos módulos é
muito semelhante. O que diferencia os planos dos diversos cursos oferecidos são as
78
competências definidas pelo Comitê Técnico como específicas para cada função de acordo
com a Área da Educação e a Área de Produção em que estão inseridos.
Assim, é esperado, por parte do SENAC, que o aprendiz aprenda, principalmente, o
que está determinado como função principal, ao final das 860 horas de capacitação. Segundo
o plano do curso Assistente de Restaurante, são funções principais do jovem aprendiz
recepcionar, acolher e servir, além de realizar o mise-en-place. Essa expressão francesa, de
acordo com o plano do curso, está relacionada ao item Perfil Profissional desse jovem
aprendiz. O SENAC dessa maneira vai operacionalizando as competências necessárias à
formação profissional; apresentando ao jovem aprendiz expressões estrangeiras que designam
um conjunto de tarefas que ele deve apreender; e ensinando destrezas nos movimentos e em
especial, na hora de arrumar as mesas na medida certa, no lugar certo, antes que o público se
faça presente no ambiente.
Esse domínio/controle das atividades, sejam elas desempenhadas na fábrica, na escola
ou no quartel; com horários cronometrados, com movimentos marcados no tempo e no
espaço, caracterizados pela exatidão, pela aplicação e pela regularidade são, segundo Foucault
(2000), as virtudes fundamentais do tempo disciplinar. O filósofo francês, a esse respeito,
comenta que o “tempo medido e pago deve ser também um tempo sem impureza nem defeito,
um tempo de boa qualidade, e durante todo o seu transcurso o corpo deve ficar aplicado a seu
exercício” (FOUCAULT, 2000, p. 129).
Para o controle disciplinar, Foucault (2000) adverte que não é suficiente simplesmente
ensinar ou impor uma série de gestos definidos, mas “[impor] a melhor relação entre um gesto
e a atitude global do corpo, que é sua condição de eficácia e de rapidez” (p. 129). Foucault
ainda salienta que “no bom emprego do corpo, que permite um bom emprego do tempo, nada
deve ficar ocioso ou inútil: tudo deve ser chamado a formar o suporte do ato requerido. Um
corpo bem disciplinado forma o contexto de realização do mínimo gesto” (FOUCAULT,
2000, p. 129). Assim, se pode verificar que o detalhamento do plano de curso tem por
objetivo o controle de todas essas operações disciplinares para que o resultado obtido
corresponda ao que é desejado.
No item IV do Plano de Curso é referente à Organização Curricular. Nesse item é
discriminado o Módulo I, correspondendo às 360 horas de capacitação no SENAC. Esse
módulo é dividido em sete blocos respectivamente: gestão, Língua Portuguesa, M
atemática
instrumental, informática, b
oas práticas de manipulação de alimentos, princípios de turismo e
hospitalidade e técnicas do serviço de garçom. Em cada bloco são apresentadas as
79
competências correspondentes ao que é designado/apontado como desejável pelo Comitê
Técnico em relação ao jovem aprendiz.
No Módulo II severificado o desempenho deste jovem através do estágio na própria
empresa que solicitou o curso em questão. Nesse módulo, a avaliação
20
está sob a
responsabilidade do supervisor dessa empresa, e envolve a observação dos indicadores de
competências (nos quesitos: saber, saber fazer e saber ser). A avaliação se em quatro
momentos durante o estágio (no início, com período de um a cinco dias de atividades; no
meio do período, com 30 dias de atividades; no final do período de estágio, quando ocorre
uma avaliação da situação final desse aprendiz), e, ao final do estágio, a produção de um
parecer indicando de forma objetiva se o jovem aprendiz está apto ou não apto para o
desempenho da profissão ensinada.
Para dar conta do leque de atributos necessários ao perfil desse jovem aprendiz, o
SENAC estrutura e agrupa as competências profissionais através de quatro blocos com suas
respectivas cargas horárias. O bloco referente à área da Gestão está configurado com 68
horas/aula e trabalha a competência relativa à elaboração de um planejamento estratégico
pessoal e profissional, bem como à identificação do “cenário atual no mundo do trabalho, com
comprometimento e pró-atividade, reconhecendo a importância do trabalho em equipe e os
princípios de cidadania”. Em relação às Boas práticas de manipulação de alimentos, o bloco
tem a duração de 16horas/aula e busca trabalhar a aplicação de “normas de boas práticas na
elaboração e conservação de alimentos, com organização e asseio, utilizando os
procedimentos operacionais
Outros dois blocos estão previstos para o Módulo II do Plano de Curso: Princípios de
turismo e hospitalidade, com oito horas/aula; e Técnicas do serviço de garçom, com duração
de 144 horas/aula. O primeiro trabalha as competências necessárias à aplicação dos princípios
do turismo e hospitalidade no exercício da profissão de Assistente de Restaurante, respeitando
os perfis dos turistas
.
o bloco referente às técnicas do serviço de garçom, com a maior
carga horária, trabalha competências de outra ordem, da ordem do saber fazer, da ordem das
práticas. Destaco que a partir do Plano de Curso é possível perceber que hábitos e atitudes são
reforçados em cada competência mencionada; e que esse curso gira em torno da etiqueta e das
boas maneiras de servir.
20
O modelo de avaliação do Programa de Aprendizagem Comercial do SENAC está apresentado na íntegra no
Anexo III.
80
Recepcionar os clientes individualmente ou em grupos, acomodá-los à mesa
de forma cortês, considerando as cnicas de atendimento, recepção e regras
de etiqueta, comunicando- se de forma clara e objetiva; Apresentar menus e
cardápios, observando regras de etiqueta e apresentação pessoal, visando à
satisfação dos clientes; Servir os pedidos, assegurando a satisfação do
cliente, sendo o “elo” de ligação entre o cliente e a cozinha/ bar/ copa, bem
como finalizar o atendimento, apresentando a conta, esclarecendo sobre as
formas de pagamento; Realizar o mise- en- place da copa e do restaurante,
utilizando as técnicas específicas para cada tipo de serviço.
Esse conjunto de competências, que caracteriza o jovem aprendiz demandado pelas
empresas para as instituições de ensino profissionalizantes, chama atenção para a crescente
valorização do termo competência no mundo empresarial como principio de organização
curricular que está vinculado ao modelo neoliberal, a mudanças no processo de produção e
acumulação capitalista; ao paradigma da produção flexível que supõe idéias de autonomia,
flexibilidade, criatividade, inovação com histórias de sucesso narradas pelo SENAC e, que
regem as ações do mesmo, como instituição de ensino profissionalizante.
O termo flexível de acordo com o que é apresentado por Veiga-Neto (2002, p.155) tem
sido uma palavra muito usada para designar quase sempre positivamente uma resposta
adequada
a esse estado de coisas em que tudo deve estar pronto para mudar a qualquer
momento. No mundo das empresas, a flexibilidade tem sido saudada como
uma qualidade capaz de conferir maior competitividade entre concorrentes.
No nível individual, a flexibilidade tem sido uma moeda forte no sentido de
instrumentalizar para a vida diária e, assim, levar seus portadores ou
praticantes a concorrer com vantagem em relação aos demais [...] a ordem
cada vez mais ouvida é ‘seja flexível.
O foco em competências e o esperado resultado de formação de um sujeito com
determinado perfil profissional vão orientando a aprendizagem e estimulando, através dos
cursos, o desempenho desejado. São estratégias adotadas pelas empresas para desenvolver e
educar os sujeitos que nela trabalham ou que dela irão fazer parte por um determinado
período de tempo de tal ou qual maneira. Afinal, os cursos são preparados e oferecidos para
suprirem as necessidades atuais e futuras das empresas, tendo como justificativa a definição
das habilidades, dos conhecimentos e das atitudes necessárias para que esses aprendizes
atuem com sucesso no ambiente organizacional. Assim, “complexos mecanismos de governo
são acionados no discurso analisado para conduzir condutas, para formar, dirigir, administrar
e controlar” (PARAÍSO, 2007, p. 131).
81
Como vimos em capítulos anteriores, as transformações nos cenários político,
econômico, social e científico-tecnológico mundiais caracterizaram no âmbito das
organizações, a emergência de estratégias para resolver a questão da competitividade
econômica articulada com a valorização cada vez maiores da educação ou do conhecimento
no ambiente empresarial. Nessa perspectiva, o SENAC como instituição profissionalizante
apresenta um Modelo Curricular com base em competências.
U
M MODELO CURRICULAR PARA INDUZIR HÁBITOS E ATITUDES EFICAZES
A aprendizagem no mundo contemporâneo passou a ser um dos projetos da área
empresarial, sendo reforçada pelo governo, pelos especialistas da Administração; divulgada
em vídeos, DVDs, prospectos, livros, revistas, cursos, eventos, dia; e sendo transmitida de
sujeito a sujeito como sendo o lugar certo para se capacitar. Dessa maneira, a chamada
sociedade da capacitação de Sennett (2006) vai inspirando jovens de baixo poder aquisitivo
para participar de tais projetos, porque “a
c
ompetitividade num mercado globalizado resulta
na utilização de modernas tecnologias que pedem pessoal apto a operá-la” (SENAC, 2006,
p.14). Neste sentido, a notícia que reproduzo a seguir intitulada Empresas querem
trabalhador qualificado, veiculada no site do jornal A Notícia, da cidade catarinense de
Joinville, pode ser apontada como um desses lugares a mídia que divulga e legitima o
setor empresarial como responsável pela aprendizagem e ratifica a fragilidade do ensino
escolarizado no mundo contemporâneo. A linha de apoio da notícia reforça o papel da
empresa como lugar de aprender a fazer e a ser: Formação, muitas vezes, é feita no local de
trabalho ou em instituições criadas para realizar treinamentos” (LOETZ, 2008).
Empresas assumindo o papel que caberia à escola na formação profissional.
Esse é um indicador da realidade que depõe contra o ensino. A
competitividade empresarial se torna possível mediante educação e
adequada formação de mão-de-obra, capaz de colocar no mercado pessoas
aptas a atuar nestes tempos globalizados. (LOETZ, 2008)
No Programa de Aprendizagem Comercial a família de baixa renda também é
envolvida, porque é de lá que vai sair o jovem que será o aprendiz nos bancos das instituições
de ensino profissionalizantes. O jovem é pressionado pela família, pois mesmo que ele não
queira ou não goste do Programa oferecido pelo SENAC, o pai ou a mãe, seduzidos pelas
oportunidades anunciadas o obrigam a realizar o curso.
82
Nas salas de aula do SENAC, esses jovens entram com determinado
comportamento e devem se transformar, num período de 860 horas/aula, em alunos
obedientes e disciplinados. É a educação servindo ao mundo do trabalho. No depoimento
intitulado Deixando as bermudas, concedido por Washington Ferreira da Silva, 17 anos, ao
site institucional do SENAC nacional que reproduzo abaixo é possível constatar que
um jovem recém incluído no Programa Educando para a Cidadania, que compõe o
Programa de Aprendizagem Comercial já se sente transformado.
Aos 17 anos Washington Ferreira da Silva esse preparando para ingressar
no mercado profissional. Selecionado pela Prefeitura Municipal de
Araguaína para participar do PEC
21
Programa Educando para a Cidadania,
ele se diz muito feliz em estar estudando no Senac: “Pra mim quase tudo é
novidade. Estou conhecendo como funciona uma empresa e como devemos
agir no trabalho. Aprendi também a usar calças compridas, antes vivia de
bermuda e achava que era bonito falar errado. Hoje estou preocupado com
minha postura”. (SENAC, 2007a)
Com relação à docilização, Foucault (2000) afirma que, em qualquer sociedade, o
corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações,
proibições ou obrigações e que muitas coisas são novas nessas técnicas. “A escala, em
primeiro lugar, do controle: não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se
fosse uma unidade indissociável, mas de trabalhá-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma
coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica movimentos, gestos atitude,
rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo” (FOUCAULT, 2000, p. 118). O filósofo
reforça essa idéia de docilização dos corpos, argumentado que “é o momento em que nasce
uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem
tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo
o torna mais obediente quanto é mais útil, e inversamente” (FOUCAULT, 2000 p.119).
Assim, em face das transformações do mundo contemporâneo e dos processos de
reestruturação produtiva, a capacitação para o trabalho de acordo com os especialistas em
Administração deixa de ser compreendida como fruto da aquisição de modos de fazer,
21
PEC – Programa Educando para a Cidadania faz parte dos programas de inclusão social que atendem a missão
social do SENAC e são financiados pelo Departamento Nacional, em todo o país. Ele se destina a jovens em
busca do primeiro emprego, desempregados e em situação de risco; e nasceu da preocupação em preparar jovens
para um mercado cada vez mais competitivo. Além de qualificar, o PEC tem o desafio maior de formar cidadãos.
O Programa tem por objetivo principal ampliar as possibilidades de inserção de jovens entre 16 e 24 anos no
mercado de trabalho, além proporcionar ao jovem uma qualificação básica, incluindo os recursos tecnológicos. O
curso prepara também para o convívio no ambiente profissional e sensibiliza para a importância das relações
humanas no ambiente de trabalho (SENAC, 2002).
83
passando a ser vista como resultado da articulação de vários elementos, “subjetivos e
objetivos, tais como: natureza das relações sociais vividas pelos indivíduos, escolaridade,
acesso à informação, a manifestações culturais, além da duração e da profundidade das
experiências vivenciadas, tanto na vida social, quanto no mundo do trabalho” (SENAC, 2002,
p. 30). A partir desse entendimento, o SENAC (2002) informa através dos Referenciais para
a Educação Profissional que a formação dos trabalhadores passa a ter como objetivo, nos
cursos oferecidos pelo Programa de Aprendizagem, o desenvolvimento de competências
articuladas com outras lições, especialmente de ordem moral.
S
ISTEMA
M
ODULAR
:
PROJETOS E COMPETÊNCIAS
O desenvolvimento de competências, como padrão de articulação entre
conhecimento e inteligência pessoal, ganha espaço nas instituições educacionais por exigência
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e se torna eixo do processo de ensino e
de aprendizagem. A luz da LDB, ser competente é não se limitar a conhecer, é ir mais além,
“porque envolve o agir numa determinada situação”. As competências, no entendimento do
SENAC (2002, p. 31), são assim, “as capacidades ou os saberes em uso, que envolvem
conhecimentos, habilidades e valores”.
A nova legislação para a educação profissional Lei 9.394/96 (BRASIL, 2007c)
prevê que os currículos de cursos profissionalizantes devem ser construídos pela própria
escola, em torno de competências gerais por área e de competências específicas para cada
habilitação. Essa estrutura implica uma permanente atualização do currículo de acordo com as
transformações que vão se processando no mercado de trabalho.
Competência, segundo a Resolução 04/99, é o desenvolvimento de um conjunto de
conhecimentos, habilidades e atitudes que o sujeito deve dar conta para uma vida profissional
de sucesso. O Parecer 16/99
(BRASIL, 2007d)
também faz uma menção aos diferentes
significados que o conceito de competência vem recebendo e adverte que, às vezes, são
contraditórios e que nem sempre são suficientemente claros para orientar a prática pedagógica
das escolas. Assim, no texto do Parecer 16/99, competência profissional é entendida como
a capacidade de articular, mobilizar e colocar em ão valores,
conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente e
eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho. O conhecimento é
entendido como o que muitos denominam simplesmente saber. A habilidade
84
refere-se ao saber fazer relacionado com a prática do trabalho, transcendendo
a mera ação motora. O valor se expressa no saber ser, na atitude relacionada
com o julgamento da pertinência da ação, com a qualidade do trabalho, a
ética do comportamento, a convivência participativa e solidária e outros
atributos humanos, tais como a iniciativa e a criatividade. (BRASIL, 2007d)
Nesse aspecto, o SENAC (2002. p. 31) salienta que “o indivíduo competente seria
aquele que age com eficácia diante do inesperado, superando a experiência acumulada e
partindo para uma atuação transformadora e criadora”. A educação profissional deve, então,
segundo o Referencial para a Educação Profissional do SENAC (2002, p.33) propiciar ao
trabalhador para a criatividade, a iniciativa, a autonomia e a liberdade de expressão, “abrindo
espaços para incorporação de atributos como o respeito pela vida, a postura ética nas relações
humanas e a valorização da convivência em sociedade e nas relações profissionais,
contribuindo para a percepção de seu trabalho como uma forma concreta de cidadania”.
O SENAC (2002, p. 34) apresenta o sistema modular como “uma das formas de
flexibilizar e organizar um currículo centrado na aprendizagem do aluno e na ampliação de
competências”. Esclarecem em seu Referencial para a Aprendizagem (SENAC, 2002) que os
módulos podem ser entendidos como um conjunto de conhecimentos profissionais que,
estruturados pedagogicamente, respondem a uma etapa do processo de formação.
“A duração dos módulos dependerá da natureza das competências que se pretendem
desenvolver, e eles devem permitir a construção de itinerários diversificados, tanto na
formação inicial como nos processos de educação continuada” (SENAC, 2002, p.36). Assim,
para elaborar um sistema modular por competências, conforme documento dessa Instituição é
preciso aprofundar as escolhas metodológicas. “Estas devem se pautar pela identificação de
ações ou processos de trabalho do sujeito que aprende e devem incluir projetos, provocados
por desafios e/ou problemas, que coloquem o aluno diante de situações simuladas ou, sempre
que possível, e preferencialmente, reais” (SENAC, 2002, p.36).
Reproduzo a seguir, notícia publicada durante o mês de março de 2008 no site do
SENAC-RS, intitulada Aprendizes de Alegrete realizam doações em gincana solidária
conta dessa escolha metodológica da Instituição no que respeita colocar os alunos diante de
situações reais que permitam a articulação da teoria com a prática. A notícia (re)produz,
reforça, discursivamente,
o caráter social das iniciativas promovidas pela instituição ao longo das
aulas.
85
Os 24 alunos do curso de Vendedor Júnior oferecido pela Escola de
Educação Profissional Senac Alegre encerraram de forma exemplar a
primeira fase da capacitação. Com o objetivo de reforçar o caráter social
das iniciativas promovidas pela instituição ao longo das aulas, os
estudantes promoveram, na última, semana uma gincana solidária que
envolveu a arrecadação de itens a serem doados a duas instituições do
município. O resultado não poderia ser mais positivo: foram arrecadadas
700 peças de roupas, 21 itens de higiene; 61 pares de calçados 67 quilos
de alimento não-perecível; 103 brinquedos e um cobertor. Os itens
foram destinados ao Lar Moradia São Vicente asilo responsável pelo
atendimento de 44 idosos – e à Moradia Transitória, instituição que
atente cerca de 40 crianças em situação de vulnerabilidade social de
Alegrete. (ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SISTEMA
FECOMÉRCIO, 2008)
Ainda no que se refere aos princípios que norteiam pedagogicamente a ação do
SENAC, com o subtítulo Desafios do Modelo de Competências, nos Referenciais para
Educação Profissional (SENAC, 2002, p.38), essa Instituição reitera que é importante
considerar que esse sistema modular por competências “exige a criação de condições para que
os indivíduos articulem saberes para enfrentar os problemas e as situações inusitadas
encontradas em seu trabalho, atuando, a partir de uma visão de conjunto, de modo inovador e
responsável”. Nesse sentido, formar para o desenvolvimento de competências, segundo o
SENAC, também, significa “educar para a autonomia, para a capacidade de iniciativa e de
auto-avaliação, para a responsabilidade, para a ampliação da capacidade de trabalho, de
concepção e realização de tarefas e projetos” (SENAC, 2002, p.38).
A crença de que sem um direcionamento adequado, os indivíduos em situação de
pobreza estarão fadados ao inevitável destino da criminalidade, é algo disseminado na
sociedade brasileira contemporânea como um todo. Assim, o vínculo entre pobreza e
criminalidade tem orientado, desde muitas décadas, políticas assistenciais voltadas para a
população de baixa renda. À infância e à juventude da população de baixo poder aquisitivo é
reservada especial atenção para que se possa, desde cedo, “criar valores morais mais rígidos
que sobrepujam os impulsos naturais que fazem com que estes se inclinem para o mundo do
crime” (SENAC, 2002, p. 13).
As práticas escolares em massa, no entendimento de Alvarez-Uría e Varela (1992, p.
88) apresentam como pano de fundo a regulação social que desde a segunda metade do século
XIX vem se institucionalizando nos bancos da escola obrigatória. “A educação das classes
populares e, mais concretamente, a instrução e formação sistemática de seus filhos na escola
nacional, fazem parte, na segunda metade do século XIX e em princípios do século XX, das
medidas gerais do bom governo.” Os autores citam também, resumidamente, programa
86
político destinado a resolver a questão social, a luta de classes, no interior da qual a educação
ocupa um papel primordial.
O operário é pobre e é forçoso socorrê-lo e ajudá-lo; o operário é ignorante e
faz-se urgência instruí-lo e educá-lo; o operário tem instintos avessos, e não
há outro recurso senão moralizá-lo se queremos que as sociedades e os
estados tenham paz e harmonia, saúde e prosperidade. [...] a experiência nos
ensina que o poderio das nações não depende exclusivamente da força
material, senão que antes ao contrário, as verdadeiras conquistas dos tempos
modernos, os triunfos e as glórias em todas suas esferas, alcançam-se com o
desenvolvimento ordenado da instrução e da educação.
(
ALVAREZ-URÍA
E VARELA, 1992, p. 88)
No livro Mal Estar da Pós-Modernidade, Bauman (1998, p. 27) inicia o segundo
capítulo falando a respeito de como cada sociedade produz seus estranhos. Os estranhos são
aqueles que, de alguma forma, não se encaixam na ordem do mundo. Esse é um pensamento
típico da Modernidade, pois em seu desejo de ordenar, localiza e enquadra os sujeitos. Como
afirma o autor, os estranhos são aqueles que “geram a incerteza, que por sua vez dá origem ao
mal-estar de se sentir perdido” (BAUMAN, 1998, p. 27). Estando o mundo moderno inscrito
em um movimento ordenador, pouca tolerância para aqueles sujeitos que transgridem os
limites, passando estes, a serem vistos com estranhos. É nesse sentido que Bauman afirma que
a construção da ordem foi uma espécie de guerra contra os estranhos e o diferente, porque
nesse mundo que se pretende ordeiro, cheio de divisões, classificações e fronteiras muito
definidas, não há espaço para a incerteza e para a ambivalência.
Para evitar que os jovens entrem para o mundo do crime, as ofertas de experiências
voltadas para o mundo do trabalho são apontadas como ideais. Subjacente a essa questão,
encontra-se outra crença, a de que o trabalho é o antídoto ideal contra a criminalização da
população de baixa renda e que, através da educação, se pode conquistar um futuro melhor.
Mas, o sonho de se formar através da educação escolarizada está cada dia mais longe em
razão do difícil acesso às salas de aula para a maioria dessa população, como também, da
árdua jornada dos que nela conseguem se inserir, enfrentando cotidianamente a rotina escolar.
Segundo o estudo de Idaulo José Cunha
,
intitulado A indústria catarinense rumo ao
novo milênio, livro publicado em 1997, pela Federação das Indústrias do Estado de Santa
Catarina, em parceria com o SEBRAE, “o primeiro descompasso negativo do Estado em
relação ao Brasil se expressa nos indicadores de educação” (LOETZ, 2008). Cunha, citando
Relatório sobre Desenvolvimento Humano no Brasil, preparado pelo IPEA, em 1996, afirma
que “Santa Catarina é o quinto na classificação geral quanto ao grau de escolaridade. No
87
entanto, uma das desvantagens de Santa Catarina no contexto nacional, é o menor tempo de
permanência nas escolas de primeiro e segundo graus” (LOETZ, 2008). Assim, governo,
abordagens administrativas, instituições de ensino profissionalizante, empresas e famílias
clamam pela educação infantil e juvenil, mas, principalmente por uma capacitação que possa
manter o jovem ocupado, formatando-o docilmente pelo modelo das competências.
O corpo humano segundo Foucault (2000) entra numa maquinaria de poder que o
esquadrinha, o desarticula e o recompõe. De acordo com o filósofo, surge uma anatomia
política, que é também igualmente uma mecânica do poder, “ela define como se pode ter
domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para
que operem como se quer, com as cnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina”
(FOUCAULT, 2000, p. 119). Foucault ressalta ainda que “a disciplina fabrica assim corpos
submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos
econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência)”
(FOUCAULT, 2000, p. 119).
De acordo com Bauman (2001, p. 155),
O encantamento moderno com o progresso com a vida, pode ser ‘trabalhada’
para ser mais satisfatória do que é, e destinada a ser assim aperfeiçoada ainda
não terminou, e não é provável que termine tão cedo. A modernidade não conhece
outra vida senão a vida feita’: a vida dos homens e mulheres modernos é uma
tarefa, não algo determinado, e uma tarefa ainda incompleta, que clama
incessantemente por cuidados e novos esforços.
Em A maquinaria escolar, Alvarez-Uría e Varela (1992), entre outras questões,
apresentam as vantagens de uma sociedade que investe na educação dos jovens para o
trabalho. Já no século XVIII e XIX, “a educação dos trabalhadores é o único meio seguro de
precaver as agitações tormentosas e de fazer desaparecer os crimes que atrás de si arrasta a
mendicidade, sempre desmoralizadora” (ALVAREZ-URÍA E VARELA, 1992, p. 88). Nesse
aspecto, os autores salientam que
filantropos, higienistas, reformadores sociais e educadores empenham-se em ajudar
‘desinteressadamente’ os operários e, do mesmo modo que anteriormente os
eclesiásticos, estes novos moralizadores de massas se arrogarão o direito à verdade,
a qual naturalmente as ignorantes classes hão de se submeter (ALVAREZ-URÍA E
VARELA, 1992, p. 88).
Entre as virtudes que fizeram o trabalho ser elevado a principal valor dos tempos
modernos, de acordo com Bauman (2001, p. 156), está a capacidade de dar forma ao informe
88
e duração ao transitório. Graças a essa capacidade, o autor afirma que “foi atribuído ao
trabalho um papel principal, mesmo decisivo, na moderna ambição de submeter, encilhar e
colonizar o futuro, a fim de substituir o caos pela ordem e a contingência pela previsível (e,
portanto, controlável) seqüência de eventos”.
“O trabalho assim compreendido era a atividade em que se supunha que a humanidade
como um todo estava envolvida por seu destino e natureza, e não por escolha, ao fazer
história” (BAUMAN, 2001, p. 157). Ao trabalho, conforme salienta Bauman (2001, p. 156)
foram atribuídas muitas virtudes e efeitos benéficos, como, por exemplo, “o aumento da
riqueza e a eliminação da miséria; mas subjacente a todos os méritos atribuídos estava sua
suposta contribuição para o estabelecimento da ordem, para o ato histórico de colocar a
espécie humana no comando de seu próprio destino”.
De acordo com essa visão de sociedade moderna, o trabalho, no entendimento de
Bauman (2001) era um esforço coletivo do qual cada membro da espécie humana tinha que
tomar parte e através dele o futuro estava sob controle. Para o sociólogo, o trabalho é
colocado como condição natural dos seres humanos, e, estar sem trabalho é visto como
anormalidade ou como denominou Sennett (2006 p. 81) o fantasma da inutilidade que
atormenta quem não tem trabalho. Outra conseqüência apontada por Bauman (2001, p. 158)
era a de “atribuir ao trabalho o primeiro lugar entre as atividades humanas, por levar ao
aperfeiçoamento moral e à elevação geral dos padrões éticos da sociedade”.
A história da era moderna para Bauman (2005, p. 34) tem sido uma longa cadeia de
projetos considerados, tentados, perseguidos, compreendidos, fracassados ou abandonados.
Salienta ainda o autor que os projetos foram muitos e diversos, mas cada um deles pintou uma
realidade futura diferente daquela que os projetistas conheciam. “E uma vez que ‘o futuro’
não existe enquanto permanece ‘no futuro’, e que ao lidar com o não-existente não se pode
‘obter a certeza de um fato’, não havia como prever, muito menos com precisão, como seria o
mundo a emergir na outra ponta dos esforços de construção” (BAUMAN, 2005, p. 34). Em
Modernidade Liquida, Bauman (2001, p. 151) reforça a questão do futuro, argumentando que
o mesmo na condição moderna “era visto como os demais produtos nessa sociedade de
produtores: alguma coisa a ser pensada, projetada e acompanhada em seu processo de
produção. O futuro era a criação do trabalho, e o trabalho era a fonte de toda a criação”.
Um dos slogans da campanha do Jovem Aprendiz é: o futuro começa aqui (o mesmo
slogan que pertencia ao projeto do Menor Aprendiz conforme vimos no capitulo anterior).
Essa chamada é um convite para que o jovem perceba a possibilidade de alcançar um futuro
89
promissor. A comunicação publicitária do SENAC ressalta a idéia de que participando dos
cursos oferecidos pelo Programa de Aprendizagem Comercial o futuro estará garantido. É
que entram em atuação os chamados atributos da marca SENAC. Primeiro a marca representa
chances favoráveis de ingresso em cursos para capacitação profissional e, segundo as
informações dessa instituição, “quem no SENAC ingressar será bem sucedido e capacitado
para o mundo do trabalho” (SENAC, 2004, p.56).
De acordo com a pesquisa Marcas de Quem Decide 2008, promovida pelo Jornal do
Comércio, de Porto Alegre, e pela QualiData Pesquisas e Conhecimento Estratégico, o
SENAC-RS é destaque na categoria Ensino de Capacitação Profissional pelo segundo ano
consecutivo. Essa pesquisa ouviu empresários, executivos e profissionais liberais gaúchos, em
um total de 454 pessoas entrevistadas, em 46 municípios do Rio Grande do Sul; e seus
resultados foram veiculados na edição do Jornal do Comércio do dia 31 de março de 2008. O
caderno especial, além de gráficos e análises dos cinco primeiros lugares de cada categoria,
está composto por artigos de opinião de diversos profissionais e especialistas em marketing e
comunicação do país. Segundo a notícia veiculada no site do SENAC- RS (2008a), “o
caderno Marcas de Quem Decide chega ao mercado com mais de10 mil exemplares, que
serão distribuídos em universidades, entidades empresariais, bibliotecas e agências de
publicidade e propaganda”.
Em relação a marcas Sennett (2006) acrescenta que a ênfase nas marcas tenta fazer
com que um produto básico vendido em todo o planeta fique parecendo o único, tratando para
isso de obscurecer a homogeneidade. O autor enfatiza que “para vender algo essencialmente
padronizado, o comerciante exalta o valor de pequenas diferenciações concebidas e
executadas de maneira rápida e fácil, de tal maneira que é a superfície que importa. Para o
consumidor, a marca deve ter mais relevância que a coisa em si” (SENNETT, 2006, p. 132).
A comunicação publicitária produzida em torno da marca SENAC não foge a esta lógica
discursiva, que aliada às práticas pedagógicas e às articulações com o mundo do trabalho
fabrica o reconhecimento da Instituição como destaque na categoria Ensino de Capacitação
Profissional.
Os jovens, em meio a todas essas ações estratégicas no âmbito do marketing, podem
associar seus desempenhos com as oportunidades que tiveram através da formação oferecida
por essa Instituição e, provavelmente, lembram da marca do SENAC e a indicam para seus
90
pares. O depoimento
22
a seguir, intitulado Revendo conceitos, é um exemplo da produtividade
desse Serviço e da marca que leva.
Apesar de estar trabalhando um bom tempo na área, Lívia Costa Coelho
não perdeu a oportunidade de se qualificar em Serviços Administrativos. “É
sempre bom estar estudando, revendo os conceitos e aprimorando as
técnicas”. Lívia trabalha na MVL Construções/Construtora M21
coordenando toda a organização do escritório e buscou o Senac Araguaína
por indicação de amigos e pela garantia de obter um ensino de qualidade. A
jovem quer se profissionalizar cada vez mais. (SENAC, 2007b)
No depoimento abaixo, veiculado pelo site do SENAC (2007c), encontramos uma
manifestação de uma jovem que encantada pelo mantra da qualificação, acredita que com
seu empenho e dedicação vencerá as barreiras do mundo do trabalho.
Estudar aqui me ensina muita coisa. Aprendi até como cuidar melhor dos
meus filhos”, é o que declara Rosilene Lopes, aluna do curso Técnico em
Enfermagem do Senac Palmas. Rosilene é dona de casa e decidiu que estava
na hora de ter uma profissão. Como sempre gostou da área de saúde e de se
relacionar com as pessoas optou por esse curso. E está muito feliz com a
escolha: “Estou adorando o curso”. Atualmente se prepara para o estágio
supervisionado, está empolgada com a idéia de ir a campo. “Vou passar
pelos hospitais Dona Regina e Comunitário, além dos postos de saúde e
pronto atendimento. Estou ansiosa pra colocar em prática o que venho
aprendendo.” Dedicada, Rosilene estuda a noite mas está pelo menos 3 vezes
por semana na Biblioteca a tarde. “Quero aprender mais e uso todos os
recursos que o Senac me oferece como esse espaço tranqüilo e com muito
material para pesquisa.” Rosilene Lopes, aluna do curso Técnico em
Enfermagem do Senac Palmas
De acordo com o principio da localização imediata, o quadriculamento que Foucault
(2000, p. 123) nos apresenta em seus estudos, percebemos que o encontramos nos discursos
dos teóricos da Administração conforme vimos nos capítulos anteriores destacando entre eles:
Taylor, com a idéia de que uma e uma única maneira de melhor executar uma tarefa;
Fayol, preocupando-se com a análise da estrutura das organizações, adotando o conceito de
homem-servo, e pondo acento na chamada linha de comando; Ford, para quem o importante
era as tarefas da organização com a ênfase na estrutura formal da empresa e a adoção de
22
Importante destacar que os depoimentos que o SENAC apresenta no site, apontam para o sucesso dessa
Instituição na realização do Programa de Aprendizagem Comercial, mas o que se percebe é que se tratam de
excertos de entrevistas realizadas pela equipe do marketing do SENAC, moldados de acordo com os interesses
da própria Organização, mostrando os aspectos positivos. É significativa também a dificuldade em encontrar,
textos e materiais disponíveis na internet em relação ao Programa de Aprendizagem do SENAC no Estado do
Rio Grande do Sul. O site do SENAC / o Paulo, por exemplo, é o mais atualizado no que se refere às
informações e aos serviços que esta unidade oferece. Em razão deste fato optei por adicionar alguns textos e
documentos de São Paulo, bem como de outras localidades para exemplificar as ações desta Instituição.
91
princípios administrativos pelos considerados altos escalões e, Mayo que, mesmo com sua
abordagem humanista, desejava também um trabalhador cooperativo. A motivação e o
relacionamento interpessoal passam a ser considerados como a verdadeira chave da eficiência
do sistema produtivo. Essa eficiência é vista, sobretudo, como motivação pela vontade das
pessoas.
Enfim, através desses princípios que influenciaram e continuam a influenciar
seguidores e especialistas desde a era clássica até a contemporânea, percebemos que nessas
abordagens o quadriculamento referido nos estudos de Foucault encontra-se nessas teorias
apresentadas, ou seja, cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar, um indivíduo. Porque o
que parece importar em todas essas postulações é o estabelecimento das presenças e das
ausências, é “saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis,
interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de cada um, apreciá-lo,
sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos” (FOUCAULT, 2000, p. 123). Portanto, de
acordo com Foucault (2000, p. 123.) é “um procedimento para conhecer, dominar e utilizar”.
Esses princípios ampliados e utilizados pela racionalidade neoliberal, apreendidos e
estimulados pelas estratégias da Responsabilidade Social, encontram-se no âmago do
cotidiano das instituições, das empresas, da sociedade e do governo, conforme podemos
constatar no excerto da notícia intitulada
Alunos do Senac Santana do Livramento realizam
doação de alimentos, reproduzido abaixo.
Essas ações por sua vez, atingem de forma certeira a
família através de benefícios, da sedução e, especialmente, através da captura de seus
membros que são categorizados como jovem aprendiz e que aprendem entre outras coisas a
ser também benevolentes.
O conceito de responsabilidade social mais uma vez foi destaque na atuação
dos alunos dos cursos de Aprendizagem Comercial da Escola de Educação
Profissional Senac Santana do Livramento. Juntos, 40 alunos das duas
turmas do curso de Assistente de Serviços Administrativos da escola
realizaram a doação de 65 quilos de alimento não-perecível às crianças
atendidas pela creche Pai 7, do município. Os alimentos, entregues no último
dia 15 de fevereiro, foram arrecadados durante a palestra “Profissão
Radialista: O Mercado da Voz”, evento realizado pelo Senac no final do mês
de janeiro e que apresentou o curso de mesmo nome.(ASSESSORIA DE
COMUNICAÇÃO SISTEMA FECOMÉRCIO, 2008b)
Nos documentos do SENAC referentes à aprendizagem, no período estudado (2000 a
2008) vamos encontrar comentários que reforçam a idéia de cidadania ligada à
Responsabilidade Social como algo a ser aprendido para a vida e que carrega em si a
92
possibilidade de transformação da sociedade, pois “mais do que abrir oportunidades de
emprego, mais do que uma formação profissional, a partir da inclusão social, o programa
Jovem Aprendiz forma cidadãos, transforma a sociedade e promove o aprendizado para a
vida” (SENAC-RS, 2005).
As publicações do SENAC reproduzem este discurso de forma ampliada chamando
sujeitos de outros lugares a falar. Na edição n. 45 do informativo Diga Lá, uma reportagem
intitulada Educação e Mercado de Trabalho: uma relação delicada traz como voz autorizada
a falar sobre o tema o diretor de qualificação do Ministério do Trabalho e Emprego, Antonio
Almerico Biondi Lima. Na reportagem, sob o subtítulo Qualificação e inclusão social, o
diretor de qualificação do MTE conta que o governo também investe em programas de
formação profissional através de programas federais como Primeiro Emprego e Trabalho
Doméstico Cidadão, bem como de ações voltadas aos afro-descendentes e pessoas portadoras
de deficiência. Segundo Antonio Lima (apud MEROLA, 2007, p.19), “qualificação é uma
ferramenta de inclusão social, que ajuda o cidadão a competir no mercado de forma mais
palpável.”, mas para garantir efetivamente a inserção profissional a partir da formação
profissional é necessário respeitar as demandas setoriais, o perfil exigido e o número de vagas
disponíveis, pois “Não adianta jogar recursos fora, criar a falsa ilusão de que
oportunidades” (LIMA apud MEROLA, 2007, p. 19).
Ainda que sejam feitas tais ressalvas relativas à necessidade de adequação entre oferta
e demanda e de não criação de falsa ilusão de que oportunidades para todos aqueles que
conquistarem uma formação profissional, o encantamento com o mundo do trabalho e o sonho
com um futuro melhor são discursos ainda muito produtivos no que se refere ao
governamento dos desejos e condutas dos jovens aprendizes, principalmente quando dizem da
experiência de seus pares. No depoimento abaixo, veiculado no site do SENAC de Tocantins
com o título Conhecendo o universo dos negócios, uma jovem de 15 anos expressa em uma
frase o seu encantamento com o mundo do trabalho e o sonho de sua possível inclusão como
atriz nesse cenário:
Adrielle Taiane Pires, 15 anos, está na maior expectativa em relação ao seu
futuro profissional. Estudante do PEC Programa Educando para a
Cidadania – do Senac Araguaína ela está adorando conhecer o universo dos
negócios. “É muito bom saber como funciona uma empresa!” (SENAC,
2007d) (Grifos do autor)
93
Nesse outro depoimento veiculado no mesmo site, podemos observar que, através do
Programa de Aprendizagem Comercial, o SENAC (2006, p. 11-12), além de fazer a promessa
ao jovem aprendiz de que o futuro começa aqui, vale-se também de uma formulação
discursiva para referir sua intenção de formar jovens “responsáveis, comprometidos e com
uma boa qualificação profissional capaz de contribuir para um mundo melhor”(SENAC.
2006, p. 20). Assim, de posse da marca SENAC, quem se inscreve nos cursos dessa
Instituição está Buscando aprimorar conhecimentos como o título atribuído ao depoimento
anuncia – para obter uma efetiva inserção no mercado de trabalho:
A falta de colocação no mercado de trabalho fez com que Adriano Fernandes
Souza buscasse melhorar sua vida profissional investindo em cursos
profissionalizantes. “Busquei o Senac Araguaína para, de porte de um
diploma, poder buscar um emprego. Acredito que qualificado, as minhas
chances serão bem maiores”. Ele agrega a isso o fato do Senac ser uma
instituição idônea, reconhecido em todo o país. Com o curso de Serviços
Administrativos o jovem está aprendendo muita coisa e pretende fazer
também outros cursos na área de comércio e gestão como Secretariado,
Vendas, entre outros. (SENAC, 2007e) (Grifos do autor)
O conjunto de depoimentos apresentados nesta seção nos mostra que o jovem
aprendiz vai se capacitando para o mundo do trabalho conforme as referências propostas pelo
SENAC (2002; 2004 e 2006). O jovem aprendiz vai sendo enquadrado em um conjunto de
competências que o moldam. A proposta dessa Instituição é para que o jovem invista em
educação e ao mesmo tempo opere como um exemplo de como fazer a escolha certa junto
aos seus pares e à sociedade, bem como um convite para a felicidade tal como sugere o
excerto abaixo:
Venha estudar no Senac!
Fazer a escolha certa é de responsabilidade de cada um. Investir em
educação, em conhecimento, em crescimento profissional é a certeza de
garantir e assegurar a inserção no mercado de trabalho. Para isso os cursos
do Senac Tocantins contemplam o que de melhor e mais moderno no
conceito de educação profissional através da diversidade de recursos
tecnológicos que favorecem o processo de aprendizagem: aulas teóricas e
práticas, laboratórios, biblioteca, escola aberta de informática, estágios,
atividades extensivas. Isso agregado ao know-how de 59 anos formando
cidadãos para o mundo do trabalho faz do Senac a escolha certa!(SENAC,
2007f)
Também no site do SENAC, encontramos o seguinte depoimento
Cada vez mais
qualificada – onde está expresso
o desejo de uma jovem em buscar conhecimentos que a
qualifiquem para vencer a competitividade no mercado de trabalho:
94
‘Visual e auto estima tem tudo em comum!’, essa é a afirmação de Katrinny
Noleto da Silva Santos, aluna do curso de Cabeleireiro 2005 (Turno
Vespertino) do Senac Palmas. Trabalhando mais de um ano como
cabeleireira ela decidiu procurar o Senac para se especializar melhor na área
e aprimorar as técnicas que já conhecia. “Além de me identificar com a
profissão, quero estar cada vez mais preparada para o mercado de trabalho
por isso eu escolhi o Senac, um lugar onde posso aprender cada vez mais”.
Para isso Katrinny está aproveitando o curso ao máximo, além das aulas ela
faz questão de buscar a Biblioteca para ter acesso a mais informações e usa
com gosto tudo o que a escola oferece, a exemplo das horas/aula de
informática. “Minhas expectativas são as melhores e quero continuar
trabalhando e cada vez mais estar qualificada. (SENAC, 2007g)
A
PRENDIZES CAPACITADOS EM UM PERFIL QUE RESPONDA AOS EMPRESÁRIOS
Em Governando a Alma, Rose (1998) adverte que nossas subjetividades são
intensivamente governadas (convenções sociais, vigilância comunitária, normas legais,...) e
sobre esse aspecto, o autor argumenta que a conduta, a fala, a emoção, os pensamentos e até
sentimentos podem parecer “do mais intimo eu, mas eles são socialmente organizados e
administrados nos mínimos detalhes” (ROSE, 1998, p. 31). Rose esclarece ainda, a respeito
da administração do eu contemporâneo, que ela é diferente ao menos sob três aspectos. Aqui
apresentarei o primeiro:
Em primeiro lugar, as capacidades pessoais e subjetivas dos cidadãos têm
sido incorporadas aos objetivos e aspirações dos poderes públicos. Isso não
constitui apenas um nexo ao nível de uma abstrata especulação política.
Constitui também um nexo ao nível de estratégias sociais e políticas e de
instituições e técnicas de administração e regulação. Embora seja exagerado
argumentar que aqueles que nos governam constroem agora suas ações
totalmente ou em grande parte em termos das vidas interiores dos cidadãos, a
subjetividade faz parte dos cálculos das forças políticas no que diz respeito
ao estado da nação, às possibilidades e aos problemas enfrentados pelo país,
às prioridades e às políticas. Os governos e os partidos de todos os matizes
políticos têm formulado políticas, movimentado toda uma maquinaria,
estabelecido burocracias e promovido iniciativas para regular a conduta dos
cidadãos através de uma ação sobre suas capacidades e propensões mentais
(ROSE, 1998, p. 31).
Assim, formar o jovem aprendiz com as capacidades que assegurem flexibilidade para
enfrentar, de modo competente, o complexo mercado de trabalho, requer desses um perfil que
possibilite responder aos empresários com efetividade e aprendizagens necessárias. Qual
então o perfil demandado ao treinado nos cursos do Programa Jovem Aprendiz?
95
O Programa de Aprendizagem compromete-se durante o tempo de curso, capacitar o
jovem aprendiz com uma “adequada formação profissional, levando em consideração que os
conhecimentos, habilidades e valores são desenvolvidos em níveis crescentes de
complexidade” (SENAC, 2002, p. 33). Chama a atenção, o fato de ser comentado no decorrer
dos depoimentos apresentados e no plano dos cursos oferecidos pelo Programa de
Aprendizagem, que os jovens são “preparados para exercer os princípios da cidadania,
responsabilidade e respeitar as diferenças entre as pessoas” (SENAC, 2004. p. 31), ou seja, de
acordo com o referencial teórico do SENAC (2006, p. 10) “desenvolver a autopercepção e a
percepção do outro, a postura ética, a criatividade e a tolerância”.
Nessa perspectiva, segundo orientações do SENAC (2002, p. 31), a formação
assume como finalidade a capacitação de indivíduos “para que tenham condições de
disponibilizar durante seu desempenho profissional os atributos adquiridos na vida social,
escolar, pessoal e laboral, preparando-os para lidar com a incerteza, com a flexibilidade e a
rapidez na resolução de problemas”.
Observa-se que a baixa escolaridade constitui fator restritivo ao ingresso no
mercado de trabalho. Segundo o DIEESE, o próprio mercado revela às
pessoas que, na atual estrutura econômica, as chances de se conseguir
trabalho variam de acordo com a escolaridade. Nos últimos anos tem-se
verificado aumento na taxa de crescimento do emprego com maior exigência
de escolaridade, até mesmo em atividades simples. Um frentista, por
exemplo, tem que, no mínimo, saber operar a máquina de cartão de crédito e
as bombas automáticas, além de servir aos clientes com qualidade. (SENAC,
2002, p. 11)
A exigência do mercado por trabalhadores qualificados aliada à escassez de emprego
formal vem acarretando significativas mudanças no mercado de trabalho. O modelo da
competência sugere como mencionei, que a qualificação de um indivíduo está posta menos no
seu conjunto de conhecimentos e habilidades, mas principalmente em sua capacidade de agir,
intervir, decidir em situações nem sempre previstas ou previsíveis.
De acordo com o SENAC (2002, p. 14) o modelo da competência confere grande
importância aos atributos pessoais do trabalhador. “Dentre as qualidades pessoais atualmente
demandadas, podem ser assim mencionadas: espírito de equipe; responsabilidade; autonomia;
iniciativa; capacidade de comunicação; flexibilidade; cooperação; interesse e atenção”.
Assim, no entendimento do SENAC (2002, p. 15)
96
o ganho e também o desafio é educar o trabalhador, no sentido de atuar
de modo participativo e ativo dentro e fora do mundo do trabalho, como
profissional e, também, na condição de cidadão consciente de seus direitos e
responsabilidades e dos valores humanos que devem reger a vida em
sociedade.
Nesse sentido, a sociedade das capacitações com instituições executoras de
aprendizagens profissionais vai depurar a tecnologia na busca por talentos (SENNETT, 2006),
qualificando-os através de competências que se articulam e dessa forma: “A busca do talento
adapta-se perfeitamente às condições peculiares das organizações flexíveis. Tais organizações
usam os mesmos instrumentos para uma finalidade mais ampla: não promover, mas
também eliminar os indivíduos” (SENNETT, 2006, p.119). Mas, como é tornar-se importante
e útil aos olhos dos outros? Respondendo essa questão Sennett (2006, p.119) afirma que “a
maneira clássica é a perícia, desenvolvendo algum talento especial, alguma capacidade
especifica”. Nessa promoção por seleção ou mesmo por indicação, são escolhidos aqueles que
de uma forma ou de outra mostraram seus méritos para as empresas e em função.
Conforme as análises realizadas nesta dissertação, vejo o Programa de Aprendizagem
do SENAC como um conjunto de estratégias para o governamento da população jovem de
baixa renda. Um exemplo dessa possibilidade é a captura desse jovem pelos cursos desse
Programa com o convite sedutor vindo de uma pequena frase, porém, uma mensagem que
transmite a visão de que o futuro começa aqui. Através do uso desse slogan em documentos
de várias naturezas, a família é pressionada e o jovem é seduzido para ingressar em qualquer
um dos cursos do SENAC, é só escolher que o futuro já está garantido.
Nessa escolha, o jovem de baixo poder aquisitivo que antes poderia se envolver em
situações de risco (roubos, drogas, prostituição) vai ser capturado pelas ações responsáveis do
SENAC para se transformar, por exemplo, no jovem aprendiz do curso de Assistente de
Restaurante, onde ele aprenderá entre outras atividades ditas principais, a acolher e a servir o
cliente. Nesse aprendizado, os hábitos e as atitudes vão sendo fabricados, forjados, moldados
até se chegar ao ponto desejado, ou seja, à conduta esperada e definida através de um elenco
de competências impostas pelo Comitê Técnico que tem como um dos membros, um
representante da própria empresa que solicitou a oferta do curso pelo SENAC.
Enfim, o SENAC como instituição de aprendizagem executa em suas salas de aula um
modelo curricular para o governamento do jovem aprendiz, satisfazendo as demandas das
empresas através do Programa de Aprendizagem e, com isso, capacita jovens aprendizes
treinados para a ordem, a beleza, a higiene e, principalmente, para a flexibilidade.
97
R
EFERÊNCIAS
ALVARES-URIA, Fernando e VARELA, Julia. A maquinaria escolar. Teoria e Educação, n.
6.1992. p. 68 a 96.
ANDER-EGG, Ezequiel. Diccionario Del Trabajo Social. 2ed. Madrid:Lúmen,1995.
ANGERAMI, Valdemar Augusto (Org.). Crise, trabalho e saúde mental no Brasil. São
Paulo: Traço, 1986. 159 p. (Série Psicoterapias Alternativas, 4).
ASSESSORIA. Segmento de hospitalidade em Mato Grosso ganha comitê técnico.
Disponível em: :
<http://www2.mt.senac.br:8080/index.php?e11=KQcNHlgCEQAwTgkWU1IMCFhHUEU%
3D> Acesso em 02mar 2008.
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SISTEMA FECOMÉRCIO. Aprendizes de Alegrete
realizam doações em gincana solidária. Disponível em
http://www.senacrs.com.br/2007/?noticia=1&icoddestaque=21054&iduo=&codunit=&unit=
Acesso em 05 mar 2008a.
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SISTEMA FECOMÉRCIO, Alunos do Senac Santana
do Livramento realizam doação de alimentos. Disponível em
http://www.senacrs.com.br/2007/?noticia=1&icoddestaque=21054&iduo=&codunit=&unit=
Acesso 05 mar 2008b.
BAUMAN, Zygmunt. O mal estar da pós-modernidade. Tradução de Mauro Gama, Claudia
Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Tradução de Marcus Penchel. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2002.
BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2005.
BORBA, Elisabete Regina de Lima; BORBA, Lenyr Rodrigues; ANDREATTA, Roldite.
Terceiro setor: responsabilidade social e voluntariado. Curitiba: Champaagnat, 2001.
BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil
: 5 de outubro de 1988. São Paulo:
Atlas, 1989.
98
BRASIL. Lei n. 10.097, de 19 de dezembro de 2000. Altera dispositivos da Consolidação das
Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1 de maio de 1943.
Disponível em: <http://www.conexaoaprendiz.org.br/alei/10097.php>. Acesso em 9 set.
2007a.
BRASIL. Decreto n. 5598 de 1 de dezembro de 2005. Regulamenta a contratação de
aprendizes e outras providências. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2 dez. 2005.
Disponível em: <http://www.trt02.gov.br/geral/tribunal2/legis/Decreto/5598_05.html>
Acesso em 9 set. 2007b.
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as leis de diretrizes e bases da
educação nacional. In: BRASIL. Ministério da Educação. Legislação Educacional: Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional versão em pdf. Disponível em: <.http: //
portal.mec.gov.br/index.php?option=content&task=view&id=78&Itemid
=221>. Acesso em: 9set. 2007c.
BRASIL. Ministério da Educação. Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação. Parecer CED n. 16/99: aprovado em 5 de outubro de 1999. Estabelece as diretrizes
curriculares nacionais para a educação profissional de nível técnico. Brasília (DF), set de
1996. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/index.php?option=content&task=view&id=358&Itemid
=406>. Acesso em: 9 set. 2007d.
BRASIL. TEM, SIT, SPPE. Manual da aprendizagem: o que é preciso saber para contratar o
jovem aprendiz. Brasília: 2006.
BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Infância e maquinarias. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de pessoas; o novo papel dos recursos humanos nas
organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
CHIAVENATO, Idalberto. Teoria geral da administração. São Paulo: McGraw-Hill do
Brasil, 1979.
COSTA, Marisa Vorraber. Uma agenda para jovens pesquisadores. In: COSTA, Marisa
Vorraber (Org.). Caminhos investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em
educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 149-156.
COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Caminhos investigativos III: novos olhares na pesquisa em
educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
DRUCKER, Peter Ferdinand. Uma era de descontinuidade: orientação para uma sociedade
em mudança. Tradução de J. R. Brandão Azevedo. São Paulo: Círculo do Livro, 1969.
DRUCKER, Peter Ferdinand. A nova era da administração. 3ed. São Paulo: Pioneira, 1989.
DRUCKER, Peter Ferdinand. Administrando para o futuro: os anos 90 e a virada do século.
2ed. São Paulo: Pioneira,1996.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
EWALD, François. Foucault: a norma e o direito. 2ed. Lisboa: Vega, 1993.
99
FECOMÉRCIO – Federação do Comércio de Bens e de Serviços no Estado do Rio Grande do
Sul. Disponível em http://www.fecomercio-
rs.org.br/fecomercio/portal/view_conteudo.asp?id=5. Acesso em 03 fev 2008.
FISCHER, Rosa Maria. Análise do discurso: para além de palavras e coisas. Educação e
Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 18-37, jan./jun. 1995.
FOUCAULT, Michel. Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982). Tradução de
Andréa Daher. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: histórias da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes,
2000.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio.
15. ed. São Paulo: Loyola, 2002a. (Leituras Filosóficas).
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Bueta Neves. Rio de
Janeiro: Forence Universitária, 2002b.
FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos: arqueologia das ciências e histórias dos sistemas de
pensamento, organização e seleção de textos. Organização de Manuel Barros da Motta.
Tradução de Elisa Monteiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. v. 2.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro:
Graal, 2007.
GALBRAITH, Jay R.e LAWLER III, Eduard E. Organizando para competir no futuro In
NEWSTRON, Pierce. A estante do administrador: uma coletânea de leituras obrigatórias.
Tradução de Maria Adelaine Carpigiani. 5ed. Porto Alegre: Brookman, 2002.
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. Rio de Janeiro: Record, 2004.
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança
Cultural. Trad. Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 1996.
HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Cia. das
Letras, 1995.
IDIS Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social. Disponível em:
<http://idis.org.br/idis/inv-social-corporativo/copy ofinvestimento-social> Acesso em: 20
set.2007.
INSTITUTO ETHOS. Disponível em http://www.ethos.gov.br. Acesso em 26 dez. 2007.
IPEA-Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicas. Disponível em <www.ipea.gov.br/asocial>
Acesso em 20 fev. 2008.
KUHLMANN JR, Moysés. Infância e educação infantil: Uma abordagem histórica. Porto
Alegre, Mediação, 1998.
LOETZ, Cláudio. Empresas querem trabalhador qualificado. Disponível em:
<http://www1.an.com.br/1998/jan/31/0ecc.htm
> Acesso em: 01 mar. 2008.
100
LOPES, Maura C. & VEIGA-NETO, Alfredo. Os meninos. Educação & Realidade. Porto
Alegre, v.29, n.1, p.229-239, jan./jun.2004.
MARSHALL. James. Governamentalidade e Educação Liberal. In: SILVA Tomaz Tadeu da.
O Sujeito da educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994.
MEROLA, Ediane. Educação e Mercado de Trabalho: uma relação delicada. Diga , n.45, p. 16-23,
2005. Disponível em:<
http://www.senac.br/informativo/diga/46/segundamateria-46.pdf>
Acesso em: 20 set. 2007.
MESTRINER, Maria Luiza. O estado entre a filantropia e a assistência social. São Paulo:
Cortez, 2001.
NEGRI, Antonio. Cinco lições sobre império. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
NEVES, Carlos. A lógica da Responsabilidade. T&D Inteligência Corporativa. São Paulo,
a.12, n.136, 36-37, 2004.
PARAÍSO, Marlucy Alves. Currículo e mídia educativa brasileira: poder, saber e
subjetivação. Chapecó: Argos, 2007.
PETERS, Michael.Governamentalidade neoliberal e educação liberal. In: SILVA Tomaz
Tadeu da. O Sujeito da educação: estudos foucaultianos. Petrópolis: Vozes, 1994.
QUADROS, Marta Campos de. Contando histórias, governando a vida: pedagogias do rádio
informativo no cotidiano contemporâneo. 2005 Dissertação (Mestrado em Educação)
Programa de Pós-Graduação em Educação. Curso de Pedagogia. Universidade Luterana do
Brasil. Canoas: ULBRA, 2005.
RECEITA FEDERAL. Disponível em:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/Historico/Arrecadacao/Carga_Fiscal/1999/SistemaS.htm>
Acesso em: 01mar. 2008
ROCKEFELLER, David. VEJA São Paulo, n. 47, p. 22, nov. 2006.
ROSE, Nikolas. Como se deve fazer a história do eu? Educação e Realidade. Porto Alegre, v.
1, n.26, p. 33-58, jan/jun 2001.
ROSE, Nikolas. Governando a alma:a formação do eu privado. In: SILVA Tomaz Tadeu da.
Liberdades reguladas. Petrópolis: Vozes, 1998.
SARMIENTO, Susana. Série de Seminários sobre Sustentabilidade Corporativa inicia com
palestras de especialistas e casos de empresas de médio e grande porte. Disponível em:
<http://www.setor3.com.br/senac2/calandra.nsf/0/3BC5E29911CDC3D38325734C0052AFD
3?OpenDocument&pub=T&proj=Setor3> Acesso em 26 out. 2007.
SENAC. DN. Referenciais para a educação profissional do SENAC. Rio de Janeiro:
SENAC/DFP/DI, 2002.
SENAC.DN. Menor aprendiz: o futuro começou aqui. 2ed. Rio de Janeiro: Senac Nacional,
2004.
101
SENAC. DN. Programas de aprendizagem comercial: referenciais para a ação Senac. Rio de
Janeiro:SENAC/DEP/CTP, 2006. (Documentos Técnicos).
SENAC. DN. Deixando as bermudas. Disponível em:
<http://www.senac.br/tocantins/senac/lst_depoim.asp> Acesso em: 20 ago. 2007a.
SENAC.DN. Revendo conceitos. Disponível em:
<http://www.senac.br/tocantins/senac/lst_depoim.asp> Acesso em: 20 jul. 2007b.
SENAC.DN Disponível em: <http://www.senac.br/tocantins/senac/lst_depoim.asp> Acesso
em: 20 ago. 2007c.
SENAC.DN Conhecendo o universo dos negócios. Disponível em:
< http://www.senac.br/tocantins/senac/lst_depoim.asp> Acesso em: 20 jul. 2007d.
SENAC.DN Buscando aprimorar conhecimentos. Disponível em:
<http://www.senac.br/tocantins/senac/lst_depoim.asp> Acesso em: 20 jul. 2007e.
SENAC.DN Venha estudar no Senac! Disponível em:
< http://www.senac.br/tocantins/senac/lst_depoim.asp> Acesso em: 29 ago. 2007f.
SENAC.DN Cada vez mais qualificada. Disponível em:
<http://www.senac.br/tocantins/senac/lst_depoim.asp> Acesso em: 20 ago. 2007g.
SENAC.DN. Disponível em: http://www.senac.br> Acesso em: 08 jan.2008a.
SENAC. DN. Senac/RS abre inscrições para turmas do Jovem Aprendiz. Disponível em
http://www.senac.br/informativo/correio/correio_280108p.asp. Acesso em 30 jan. 2008b.
SENAC-RS. Orientações do SENAC para Comitês Técnicos. Porto Alegre: Núcleo de
Educação Profissional: 2003. (Documento de circulação interna restrita)
SENAC-RS. Apresentação do Programa de Aprendizagem Comercial ao Comércio. Porto
Alegre: SENAC-RS, 2005. (Apresentação institucional em slides)
SENAC-RS. Disponível em http:// www.senacrs.org.br. Acesso em 20 jul. 2007a.
SENAC-RS. Disponível em
http://www.senacrs.com.br/amkt/solucoes/responsabilidade_socio_ambiental.asp Acesso em
20 set. 2007b
SENAC-RS. SENAC-RS é a marca mais lembrada e preferida dos gaúchos. Disponível em
http://www.senacrs.com.br/2007/?noticia=1&icoddestaque=21049. Acesso 05 mar 2008a.
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: as conseqüências pessoais do trabalho no novo
capitalismo. 8ed. Tradução de Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 2004.
SENNETT, Richard. A cultura do novo capitalismo. Tradução Clóvis Marques. Rio de
Janeiro: Record, 2006.
102
SETOR3 Portal do Terceiro Setor. Disponível em
<http://www.setor3.com.br/senac2/calandra.nsf/0/238ED01C3228560803256C33006B38FE?
OpenDocument&pub=T&proj=Setor3&sec=portal%20setor%203> Acesso em 26 out.2007.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidades terminais: as transformações na política da pedagogia
e na pedagogia da política. Petrópolis: Vozes, 1996.
TRAVERSINI, Clarice Salete, Debite um analfabeto no seu cartão: a solidariedade como
estratégia para alfabetizar a população e desresponsabilizar o Estado. In: Reunião Anual da
Anped, 28ª, 2005, Caxambu. 40 Anos da Pós-graduação em Educação no Brasil (anais). Rio
de Janeiro: Associação Nacional de Pos-graduação e Pesquisa em Educação, 2005. p. 1-15
(CD-rom).
TRAVERSINI, Clarice Salete. Programa Alfabetização Solidária: o governamento de todos e
de cada um. 2003 Tese (Doutorado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação.
Faculdade de Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS,
2003.
VEIGA-NETO, Alfredo. Educação e governamentalidade neoliberal: novos dispositivos,
novas subjetividades. In: PORTOCARRERO, Vera e CASTELO-BRANCO, Guilherme
(org.). Retratos de Foucault. Rio de Janeiro: NAU, 2000, p. 179-217.
VEIGA-NETO, Alfredo. Olhares... In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Caminhos
investigativos: novos olhares na pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p.19-
35.
VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e a educação. 2ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
VEIGA-NETO, Alfredo. Dominação, violência, poder e educação escolar em tempos de
Império. In Figuras de Foucault Figuras de Foucault. Org. RAGO, Margareth e VEIGA-
NETO, Alfredo. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 13-38.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo