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livro O Negro no Futebol Brasileiro (NFB), de Mário Filho (2003), ilustra bem essa
construção de um estilo e de uma identidade nacional; não é por acaso que Gilberto Freyre
seja o prefaciador do NFB. No NFB, publicado pela primeira vez em 1947, Mário Filho narra
a história do futebol brasileiro, a partir de uma ampla pesquisa realizada no Rio de Janeiro
3
.
Assim, seria mais correto falarmos que o NFB narra uma história do futebol carioca.
O NFB tem um estilo épico: narra os primeiros anos elitistas e racialistas do
nosso futebol, a discriminação imposta aos negros e mulatos e todo sofrimento e agonia
sofrida por estes, depois narra a batalha desses jogadores, a nova derrota na Copa de 1950 e
por fim a vitória (ascensão social) dos negros e mulatos através das conquistas das Copas do
Mundo de 1958 e 1962. Note-se que há um contínuo entre as idéias de Mário Filho e Gilberto
Freyre, revelando a influência deste sobre o pensamento daquele. O NFB é, sem dúvida, a
obra de maior importância e impacto na história do futebol brasileiro, ensejando grandes
debates entre literatos, jornalistas e acadêmicos, despertando críticas e elogios
4
. Entretanto, ele
refere-se apenas ao futebol profissional, o futebol amador aparece apenas como local de
―formação‖ do jogador de futebol negro, mulato e do branco pobre, que era excluído dos
clubes de elite.
3
―(...) estudar, separadamente, várias épocas do futebol brasileiro, ou melhor, do futebol carioca, cuja história
não há de diferir, em essência, de nenhuma outra dos grandes centros esportivos do país‖ (FILHO, op.cit., p. 20).
A pesquisa foi realizada em jornais da época (início 1910) e através de uma série de entrevistas realizadas por
Mário Filho. Em nota ao leitor, Mário Filho informa o nome de 63 pessoas que se dispuseram a conversar com
ele, além de outros não nomeados. Outra fonte utilizada foram atas e documentos oficiais da época.
4
No livro ―A invenção do país do futebol: mídia, raça e idolatria‖ (HELAL, SOARES e LOVISOLO, 2001),
trava-se um debate atual sobre o NFB. Soares critica a construção teórica que afirma terem sido os negros e o
processo de discriminação vivenciado por eles na sociedade e no futebol, sobretudo no início do século XX, os
responsáveis pelo surgimento do ―estilo brasileiro‖ de jogar futebol. Também critica os ―novos narradores‖, por
estes elaborarem essa construção baseados unicamente no NFB. Para Soares, este tipo de narrativa e sua
reprodução pelos ―novos narradores‖ atualizam um discurso oficial de construção de uma identidade nacional,
no caso, da identidade fundada em nossa singular miscigenação, e no mito da ―democracia racial‖. Helal e
Gordon Jr. (2001), por outro lado, questionam Soares, por este desconsiderar o fato de que essa identidade torna-
se ―real‖ a partir do momento em que ela é instaurada e encontra correspondência entre o discurso oficial e o
discurso popular, e, independente de ser a construção de uma classe, encontra resposta em outra classe. Os
autores destacam que o futebol (e a Copa do Mundo como ponto máximo) é um meio poderoso pelo qual essas
identidades nacionais se expressam, independente dessas identidades serem ou não construídas. Prosseguindo em
sua crítica, Helal e Gordon Jr., consideram que, ao fazer a crítica aos ―novos narradores‖, Soares descarta a
existência de um estilo brasileiro de jogar futebol. Para os autores pode-se até questionar o fato desse estilo ter
sido fruto da cultura negra, mas não se pode negá-lo, pois ele tornou-se ―real‖ ao se instalar no discurso
futebolístico e na percepção dos atores sociais.