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UNIVERSIDADE DE SOROCABA
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Ana Maria dos Reis
DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO E POLÍTICAS AFIRMATIVAS
NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR
SOROCABA
2008
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Ana Maria dos Reis
DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO E POLÍTICAS AFIRMATIVAS
NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade de Sorocaba, como exigência
parcial para obtenção do título de mestre em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. José Dias Sobrinho
SOROCABA
2008
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Ana Maria dos Reis
DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO E POLÍTICAS AFIRMATIVAS
NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR
Dissertação apresentada para obtenção do título
de Mestre em Educação pelo Programa de Pós-
Graduação em Mestrado da Universidade de
Sorocaba.
Aprovada em: 25 de agosto de 2008
BANCA EXAMINADORA
___________________________________
Dra. Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira
Universidade Estadual de Campinas - Unicamp
___________________________________
Dr. Pedro Laudinor Goergen
Universidade de Sorocaba - Uniso
4
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar o tema da democratização do acesso e das
políticas afirmativas na educação superior relacionando-os com a educação básica, no sentido
de um olhar direcionado aos processos de formação que acontece nos outros níveis do sistema
educacional, é guiado pela análise desses temas sobre o ponto de vista da questão legislativa,
da sustentação teórica e da aplicabilidade. O objeto de pesquisa é a educação superior e a sua
especificidade no contexto brasileiro assim como a inserção dos sujeitos nesse nível de ensino
e identifica como um fenômeno, os reais interesses que incidem sobre a inserção e a
permanência de uma demanda oriunda da educação básica. No que se refere à inserção dessa
demanda, este estudo, teórico e legislativo tem a intenção de abordar a relação entre políticas
públicas de inclusão com a democratização do acesso e a permanência nas instituições de
educação superior. Pontua as desigualdades educacionais, as questões de méritos e
privilégios, e ainda, como isso foi visto nas legislações brasileiras e para isso foi feito um
trabalho de percurso, um breve histórico da educação brasileira pelo ponto de vista em que
houve sinais de democratização do acesso. Analisa as políticas públicas econômicas e raciais
em algumas instituições de educação superior. A opção por essas instituições é circunstancial,
no que se refere à aplicabilidade das ações inclusivas, pois essas têm, como características,
políticas próprias de implantação de ações afirmativas socioeconômicas e políticas de cotas
raciais, e são oportunas, por revelarem as tensões resultantes da estruturação dessas
implantações por se tratarem de instituições educacionais que atentam para os aspectos
sociais. Analisa a implantação de cotas raciais pelo Programa de Cotas na Universidade
Federal de Minas Gerais, a implantação de políticas afirmativas pelo Programa de Ação
Afirmativa e Inclusão Social - PAAIS na Unicamp, O Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais REUNI e o Programa Universidade
para Todos Prouni.
Palavras-Chave: Educação Superior. Democratização do acesso. Políticas afirmativas.
5
ABSTRACT
The main goal of this work is to analyze topics such as democratization of access and
affirmative policies in higher and college education, relating it to base education as well as
focusing on the formation process that occurs in other educational system levels. It‟s guided
by the analysis of questions regarding the legislative issue, theoretical support and its
applicability. The aim of the research is superior education and its peculiarities in the
Brazilian context as well as the insertion of people in that level of education and, along with
that, identify, as a phenomenon, the actual interests that apply to the insertion and permanence
of a demand whose origin is basic education. Regarding the insertion of that demand, the aim
of this study is to analyze, in terms of theory and legislation, the relationship between public
policies of inclusion with the democratization of access and permanence of students in the
superior educational level. This study focus on the unbalanced and unequal education system,
issues of merit and privileges and, furthermore, how those were regarded by the Brazilian
legislation and, in order to reach this goal, a brief history of the Brazilian education was
analyzed by the point of view in which signs of democratic access were perceived. It analyzes
the public policies regarding the economic system and the racial issue in some institutions of
superior education. The option for those institutions is circumstantial, concerning the
applicability of inclusive actions since those actions have, as their traits, their own policies of
implementation of affirmative actions, socio-economic and racial quota and those are seen as
relevant because they reveal the tensions which result from the implementation of those
structures since those are educational institutions that give attention and are concerned with
social implications. Moreover, this work analyzes the implementation of racial quotas by the
Quota Program of the Minas Gerais Federal University, the implementation of affirmative
action by the Affirmative Action and Social Inclusion Program at Unicamp, the Program of
Support to the Reorganization and Expansion of the Federal University, which is called
Reuni, and University for All, which is called Prouni.
Key-words: Higher Education. Democratization of access. Affirmative action.
6
ISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABE Associação Brasileira de Educação
ABM Associação Brasileira das Mantenedoras
ABRUC Associação Brasileira das Universidades Comunitárias
ANDES Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior
ANDIFES Associação Nacional de Dirigentes de Instituição Federais de Ensino Superior
ANUP Associação Nacional das Universidades Particulares
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CFC Conselho Federal de Educação
COFINS Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social
COMVEST Comissão Permanente para os Vestibulares
CONED Congresso Nacional de Educação
CONVESU Comissão Nacional de Vestibular Unificado
CR Coeficiente de Rendimento
CREDUC Programa de Crédito Educativo
CRUB Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras
CTA Conselho Técnico Administrativo
DAEB Diretoria de Avaliação da Educação Básica
EAPES Equipe de Assessoria para o Planejamento no Ensino Superior
ENADE Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
FIES Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior
FUMP Fundação Universitária Mendes Pimentel
FUVEST Fundação para o Vestibular
GERES Grupo Executivo para a Reforma do Ensino Superior
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IES Instituições de Educação Superior
IFES Instituições Federais de Ensino Superior
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
INSS Instituto Nacional do Serviço Social
IRPJ Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas
LDB Leis de Diretrizes e Bases
MARE Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado
MEC Ministério de Educação e Cultura
MP Medida Provisória
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONG Organização Não-Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PAAIS Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social
PCE Programa de Crédito Educativo
PDE Plano de Desenvolvimento da Educação
PIS Programa de Integração Social
PNAD Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio
PNAES Plano Nacional de Assistência Estudantil
PNE Plano Nacional de Educação
PROUNI Programa Universidade para Todos
REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
7
SEMESP Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino do Estado de São
Paulo
SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
SESU Secretaria de Educação Superior
UDF Universidade do Distrito Federal
EU União Européia
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UNB Universidade de Brasília
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNESP Universidade Estadual Paulista
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
URJ Universidade do Rio de Janeiro
USAID United States Agency for Internacional Development
USP Universidade de São Paulo
WEI Word Education Incations
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................10
2 A ESTRUTURAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NAS LEGISLAÇÕES
UNIVERSTÁRIAS..................................................................................................................17
2.1 Estruturação da Educação Superior: Dos Primeiros Cursos à Primeira LDB ....................... 18
2.2 Estruturação da Educação Superior: Golpe de 64 .................................................................... 27
2.3 Lei da Reforma Universitária de 1968 ........................................................................................ 29
2.4 Estruturação da Educação Superior: a LDB 9.394/1996 ......................................................... 35
2.5 Plano Nacional de Educação........................................................................................................ 38
3 DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO E POLÍTICAS AFIRMATIVAS:
CONCEITUAÇÃO ................................................................................................................ 42
3.1 Democracia e Democratização da Educação no Brasil ............................................................. 43
3.2 O Pluralismo da Educação Superior no Brasil ...........................................................................49
3.2.1 Informes Quantitativos da Educação Superior no Brasil ............................................................. 56
3.2.2 A Expansão e Limites da Demanda e o Aproveitamento das Vagas Ociosas ............................. 59
3.3 As Novas Fronteiras de Estatal, Público e o Privado ................................................................ 62
3.4 Desigualdades Educacionais e Princípios de Mérito.................................................................. 66
3.5 Políticas Afirmativas na Educação Superior .............................................................................. 71
3.5.1 Interpretação Jurídica das Cotas ................................................................................................. 76
3.6 Políticas Econômicas e Políticas Raciais: a questão da Mobilidade Social ............................. 79
9
4 DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR PÚBLICA E
PRIVADA ...........................................................................................................................................85
4.1 Aplicabilidade das Políticas Afirmativas .................................................................................... 86
4.2 Programas de Cotas Raciais na Universidade Federal de Minas Gerais .................................89
4.3 Programa de ação Afirmativa e Inclusão Social PAAIS Unicamp..................................... 93
4.4 Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais REUNI...................100
4.5 Programa Universidade para Todos PROUNI........................................................................109
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................... 118
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................125
ANEXO 1 ............................................................................................................................................136
10
1 INTRODUÇÃO
A especificidade da educação, no caso brasileiro, sobre a educação básica e
profissional, e sobre a educação superior, carrega consigo pelo menos três períodos que se
projetam no primeiro período republicano, no momento da modernização na década de 1930, e
na reestruturação produtiva que se realiza a partir da década de 1980. Com isso, se apresenta
como uma educação que atende aos movimentos de transformação.
Quanto à educação superior, seus sentidos são amplos. Expressa-se ampla no que se
refere a sua atuação ao atender os interesses da diversificação institucional e da produção do
conhecimento, e na sua prática, por atender um antagonismo, verificado pelos Censos da
Educação Superior em que a demanda oriunda da educação básica pública apresenta a
tendência de buscar a educação superior privada.
Outra característica da educação superior brasileira está centrada na opção de seus
ingressantes pela formação profissional; segundo os dados do Exame Nacional dos Estudantes
(ENADE 2005) 90% dos ingressantes na educação superior, afirmam que procuram a
educação superior em busca de uma formação profissional.
Neste trabalho, o objeto de pesquisa é a educação superior e a sua especificidade no
contexto brasileiro assim como a inserção dos sujeitos nesse nível de ensino e identifica como
um fenômeno, os reais interesses que incidem sobre a inserção e a permanência de uma
demanda oriunda da educação básica. No que se refere à inserção dessa demanda, este estudo,
teórico e legislativo tem a intenção de abordar a relação entre políticas públicas de inclusão
com a democratização do acesso e a permanência nas instituições de educação superior.
Nas políticas públicas, concentra-se nas questões socioeconômicas e raciais ao analisar
a implantação de políticas afirmativas em instituições de educação superior. A opção por
essas instituições é circunstancial, em razão da aplicabilidade das ações inclusivas que
possuem, pois têm, como características, políticas próprias de implantação de ações
afirmativas socioeconômicas e políticas de cotas raciais, e são oportunas, ao revelarem as
tensões resultantes da estruturação dessas implantações, por se tratarem de instituições
educacionais que sob o aspecto da inclusão desvendam desigualdades sociais.
A intenção é de discorrer sobre o tema da democratização na educação superior
relacionando-o com a educação básica, no sentido de um olhar direcionado aos processos de
formação que acontece nos outros níveis do sistema educacional. Neste sentido,
11
“democratizar a educação, é oferecer a todas as camadas da população e a todas as categorias
sociais iguais oportunidades de freqüentar a escola e prosseguir na seqüência escolar”
(GOUVEIA, 1981, p. 13).
A importância desses temas atentam para as generalizadas representações que
entrelaçam escolaridade e emprego, representações essas, que orientam projetos de vida e
legitimam destinos desiguais. Os sujeitos aqui focalizados inserem-se no tema, na medida em
que as discussões sobre a democratização do acesso à educação convergem para o problema
mais amplo das desigualdades sociais (GOUVEIA, 1981).
As inferências e especulações sobre fatores associados à obtenção da escolaridade e,
particularmente, a respeito da relação entre escolaridade e emprego giram em torno de um
assunto que constitui em nossos dias não apenas objeto de debate acadêmico, mas
principalmente, se apresentam como fonte de dúvidas e ansiedades no plano das decisões
pessoais desses sujeitos.
A suposição que orienta os fatores associados à obtenção da escolaridade aponta para
o fato que a democratização do acesso à educação e o alcance da escolaridade, estão inseridos
em um imaginário coletivo e constitui um elo numa complexa cadeia de eventos, em que
alcançando estes, e também por outras vias pode-se alcançar oportunidades de emprego e
ascensão social. Esses eventos têm se efetivado por meio das políticas educacionais a partir da
industrialização brasileira, intensificando-se com a proposição desenvolvimentista que
enfatizava a educação como estratégia para o desenvolvimento econômico nacional.
Por outro lado, supõe-se também que as circunstâncias históricas balizem a atuação de
fatores familiares, escolares e potencialidades pessoais, oferecendo ou não, ao indivíduo,
conforme permitam aspectos estruturais de acesso e permanência, a possibilidade de iniciar e
percorrer determinadas trajetórias, sejam elas escolares ou profissionais (CUNHA, 1989,
1997; CURY, 2005; GOUVEIA, 1981).
O acesso à educação superior é hoje restrito a poucos, decorrência dos processos
socialmente excludentes que permeiam toda a vida social e que operam desde a educação
básica. Isso não significa, no entanto, que o acesso à educação superior esteja excluído do
direito à educação, como acentua a legislação vigente. Significa, ao contrário, que é
necessário fortalecer a educação pública nos níveis anteriores e ampliar as vagas na educação
superior pública, de modo a contribuir para alterar profunda e radicalmente os processos
escolares socialmente seletivos.
12
O tema apresenta-se atual e oportuno na educação brasileira e este trabalho pretende
fazer uma descrição a respeito da mobilidade social com a questão da democracia e das
políticas afirmativas de acesso à educação superior propaladas para garantir a democratização
do acesso e implementadas no âmbito das políticas públicas; pretende-se também verificar
que ao promover a democratização do acesso à educação superior, dos setores populares por
intermédio de programas de democratização, seja pelas instituições privadas ou pelas
instituições públicas, o Poder Público, ator que protagoniza o direcionamento dessas políticas,
destina ou não, um novo olhar para o sistema educacional, colocando-o na condição de um
dos setores pioneiros para a inclusão socioeconômica.
Para melhor entendimento desse assunto, é fundamental a interpretação de concepção
de Estado e de políticas afirmativas que sustentam os programas de acesso, de permanência e
as ações de ampliação de vagas na educação superior. Gomes (2003, p. 21) define “as ações
afirmativas como políticas públicas ou privadas voltadas à concretização do princípio
constitucional da igualdade material e neutralização dos efeitos da discriminação racial, de
gênero, de idade, de opção sexual, de origem e de compleição física”. Especificamente, em
relação às políticas afirmativas serão analisadas as políticas que compõem a questão racial e a
questão das classes social e econômica.
Este trabalho apresenta aspectos que hoje são considerados primordiais na educação
superior como acesso, permanência, ampliação de vagas e desigualdades educacionais e as
formas de seu desenvolvimento são guiadas pelas análises desses temas sobre o ponto de vista
da questão legislativa, da sustentação teórica e da aplicabilidade. Tem como preocupação a
sustentação teórica que existe com a relação da democratização e das ações afirmativas na
educação superior, e ainda, como isso foi visto nas legislações brasileiras e para isso foi feito
um trabalho de percurso, um breve histórico da educação superior brasileira pelo ponto de
vista em que se revelaram sinais de democratização de acesso.
As exposições que seguem nas transcrições deste estudo não emergem de um
posicionamento neutro. A opção pelo desenvolvimento deste tema, traduz, de certo modo, um
memorial descritivo vinculado a uma trajetória acadêmica na educação superior privada
posterior ao percurso realizado na educação básica pública.
Este estudo inicia-se com uma rápida abordagem da história da educação superior no
Brasil, mapeando a concessão de condições de méritos, de privilégios, gratuidade e bolsas de
estudos que foram concedidos a determinados grupos pela legislação como inserção na
13
educação superior. O Capítulo 1 tem como título A Estruturação da Educação Superior nas
Reformas Universitárias, traz a relevância de um olhar retrospectivo sobre a estruturação da
educação superior no Brasil e surge como oportuno no sentido de esclarecer as múltiplas
questões em processo que atualmente envolve as políticas educacionais. Esse capítulo segue
na orientação de verificar na legislação, a implementação e as mudanças traçadas pela
educação superior relativas à inserção de indivíduos ou de grupos, para que se possa
compreender como os ordenamentos trazem em suas trajetórias os planos de governos, onde
os mesmos foram os protagonistas. Para isso, revelou-se importante a reconstituição,
elaborada na interpretação de fatos do contexto político, econômico e da legislação
educacional do país considerados proeminentes na formulação das políticas públicas,
pontuando momentos referentes à democratização do acesso.
O Capítulo 2 intitulado Democratização do Acesso e Políticas Afirmativas:
Conceituação apresenta uma revisão da literatura com a descrição de conceitos utilizados ao
longo deste estudo. A conceituação dos temas que compõem este estudo revela a ênfase da
democratização do acesso, da permanência e da implantação de políticas afirmativas para as
questões sociais e para as questões da qualidade da educação, faz uma breve apresentação da
educação superior em referência aos informes quantitativos, discute os termos de igualdade e
desigualdade e aborda as questões das cotas raciais e econômicas.
Para fundamentar as políticas de ação afirmativa, este capítulo também discute a
igualdade formal no Estado e na necessidade de vedar ao Estado um tratamento
discriminatório negativo e também que o Estado deve promover a igualdade material, que é
um dos princípios das ações afirmativas no sentido de dar oportunidades por meio de políticas
públicas e leis que vão atender às especificidades de grupos menos favorecidos e dessa forma
compensar às desigualdades de fato, as desigualdades reais decorrentes do processo histórico
e da forma cultural como esses grupos estão no momento. Aliada a essas discussões discute-
se o entendimento de que igualdade hoje ultrapassa a premissa da neutralidade do Estado
formal ao implementar por meio de instrumentos de políticas essa real igualdade de
oportunidades.
O Poder Público entende “Ações Afirmativas como medidas especiais e temporárias
tomadas pelo Estado, com o objetivo de eliminar desigualdades raciais e étnicas, religiosas, de
gênero e outras, historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e
14
tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização
(MEC, 2007)”.
Este capítulo também aborda as questões que estão efervescentes no contexto
brasileiro. Pontualmente, a questão das cotas raciais, a inserção de negros e pardos que se
consolidam como um instrumento na implantação das ações afirmativas, e ainda, a questão
das políticas sociais e econômicas ao discutir o Projeto de Lei 73/1999, conhecido como Lei
das Cotas, que caso aprovado, determinará que 50% das vagas das universidades federais
serão reservadas para egressos de escola pública e entre essas vagas uma proporção igual
àquela obtida no último Censo do IBGE no Estado para pretos, pardos e indígenas.
O terceiro capítulo é a aplicabilidade das políticas afirmativas com o título
Democratização do Acesso na Educação Superior Pública e Privada construído pelos vieses
das políticas raciais e econômicas. Este capítulo aborda a implantação de políticas afirmativas
e políticas de cotas instituídas pelo Poder Público e pelos Conselhos Universitários das
Instituições e pretende apresentar o olhar dessas instituições em relação às políticas
afirmativas e as políticas de cotas e o olhar de autores teóricos e seus posicionamentos aos
resultados dessa implantação.
Em relação às políticas implantadas pelos Conselhos Universitários das Instituições
serão analisadas: a aplicabilidade de políticas de cotas raciais na Universidade Federal de
Minas Gerais UFMG e a aplicabilidade das políticas afirmativas socioeconômicas
implantadas na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp tentando verificar as
proposições dessas instituições na implantação dessas políticas.
Em relação às políticas instituídas pelo Poder Público, as questões, também relevantes,
centram na relação entre a aplicabilidade da legislação e a democratização do acesso. Para
tanto, serão discutidas a implantação do Programa de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais Reuni, que compõe um dos programas do Plano de
Desenvolvimento da Educação - PDE e a implantação do Programa Universidade para Todos
Prouni que é uma das proposições do Anteprojeto da Reforma Universitária, e ainda, o
posicionamento de autores da área da educação superior frente essas implantações.
Os questionamentos que orientam este trabalho concentram-se nos seguintes aspectos:
- Ao analisar os Censos de Educação Superior (2004; 2005; 2006) emitidos pelo Mec
verifica-se uma tendência dos estudantes brasileiros de procurarem a educação superior
15
noturna (70% do total das matrículas são noturnas) e privada (74% do total das matrículas são
privadas) e a formação profissional como indicam os dados do Enade (2005). Esses
estudantes, ao buscarem a educação superior, poderão ser contemplados pelas políticas
afirmativas e pelas políticas de permanência, como nos casos do Projeto de Lei 73/1999,
conhecida como Lei das Cotas e pelo Programa de Reestruturação das Universidades Federais
- Reuni, que reservarão vagas nas Universidades Federais para alunos oriundos das escolas
públicas. Quais as proposições que estas políticas trazem para direcionar e inserir esses
estudantes, que tendem buscar a formação profissional, em Universidades que têm como
referência a pesquisa e a formação acadêmica.
- O Ideb Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, uma avaliação
institucional do MEC que trabalha com indicadores para avaliar a qualidade da educação
básica, em seus primeiros momentos, publicou os resultados que as escolas públicas têm
atualmente e os resultados que deverão alcançar, uma maneira encontrada de atribuir a
responsabilização da qualidade da educação básica às instituições. Esses índices demonstram
que a qualidade da educação básica pública brasileira não acompanhou sua universalização.
Neste contexto, quais as políticas que estão sendo implementadas para assessorar além da
inserção, a permanência dos estudantes oriundos do ensino médio público em instituições que
implantaram políticas afirmativas econômicas e políticas raciais.
- Ao serem implantadas, as políticas afirmativas e políticas de cotas, têm em sua
concepção, projetos para conciliar, a diversidade institucional com o contexto sociocultural,
no qual está envolvida, preservando a identidade dos estudantes que serão contemplados pelas
políticas afirmativas “definidos com suas peculiaridades étnicas, raciais e classe social”
(SEARLE, 2002, p. 61) e principalmente a permanência desses estudantes nas instituições de
educação superior.
- O exame das instituições de educação superior envolve necessariamente o exame da
ação do Estado. A liderança deste tem como uma de suas vantagens decisivas antecipar-se à
evolução espontânea das instituições públicas ou das estruturas sociais. Por outro viés, outra
parcela da sociedade, como instituições privadas, grupos ou classes, por sua autopreservação,
concentram-se nos seus próprios interesses. Diante desses vieses pode-se questionar: Qual a
16
perspectiva do Estado ao implantar políticas inclusivas no sistema universitário brasileiro e
qual a contribuição que a democratização do acesso e a implantação de políticas afirmativas
traria as instituições públicas ou as instituições privadas.
Este estudo, inevitavelmente, localiza-se no tempo e no espaço, diante disso,
apresenta-se amplo no que se refere às datas e às legislações, à medida que o objetivo está em
apreender o dinamismo dos fatos que os gerava. A seleção de datas e leis constituem-se na
interpretação do contexto histórico, político, social e educacional do país e a divisão dos
capítulos guarda uma certa correspondência e uma certa linearidade no processo de
elaboração das políticas que envolvem as instituições do sistema educacional brasileiro.
Assume-se o caráter exploratório do trabalho, tendo-se valido de dados primários e
secundários para a obtenção das informações necessárias ao se desenvolvimento.
Fontes de pesquisa:
Primárias: documentos e dados estatísticos oficiais do Ministério da Educação (MEC)
e de entidades representativas das Instituições de Educação Superior (IES).
Secundárias: estudos sobre o tema, normas e disposições emitidas pelo Governo
Federal e por seus integrantes, ações e reações de grupos, associações, sindicatos, dirigentes
ou autoridades acadêmicas como indicativas do comportamento das instituições, comentários,
críticas e manifestações de outros autores.
17
2 A ESTRUTURAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NAS REFORMAS
UNIVERSITÁRIAS
A estruturação das reformas da educação superior e a intensidade de seu alcance em
responder ao que se propôs estão estreitamente relacionadas à sociedade, à cultura, à
economia e à política de um determinado tempo histórico. No contexto que será tratado,
necessário se faz uma rápida abordagem da história da educação superior no Brasil, mapeando
a concessão de méritos ou privilégios a determinados grupos para o acesso à educação
superior e examinando o conteúdo das normas aprovadas, que de certa forma concederam tais
prerrogativas.
Este capítulo trata também da gratuidade e bolsas de estudos e as reações sociais
resultantes dos processos de elaboração das legislações, das oportunidades de mobilizações do
Poder Público e dos diversos segmentos envolvidos na educação superior.
Ao tratar da estruturação da educação superior nas reformas universitárias são
analisadas as implantações dos primeiros cursos superiores no Brasil, ainda Colônia, passando
pela primeira LDB de 1961, pelo Golpe de 1964, pela Reforma Universitária de 1968, pela
LBD 9.394 de 1996 e finalizando com o Plano Nacional de Educação de 2001. Dentro desse
período, também são verificados os decretos que estiveram no centro da esfera administrativa
que concederam vantagens e privilégios para a inserção de indivíduos à educação superior.
18
2.1 Estruturação da Educação Superior: Dos Primeiros Cursos à Primeira LDB
Até 1808, com a chegada da família real ao Brasil, os luso-brasileiros realizavam os
estudos superiores na Europa, principalmente em Coimbra Portugal. Como descreve Maria
de Lourdes Fávero (1975, p. 20), “há notícias de 2.500 brasileiros diplomados até 1808, em
sua maioria religiosos”. A forma de colonização engendrou peculiaridades que determinaram
as diferenças, pois Portugal restringia, apesar dos esforços dos jesuítas, a criação de uma
universidade no Brasil. Nos demais países da América Latina, de colonização espanhola, o
comportamento foi outro
1
.
Luiz Antonio Cunha (1988) e Elizabete Monteiro de Aguiar Pereira (2007)
esclarecem que o atraso na estruturação da educação superior brasileira em relação a outros
países e a forma dessa estruturação reflete a história dos grupos de poder e seu entendimento
sobre o valor que este nível educacional teve para eles.
Com a vinda de D. João VI para a Colônia, é instituído no Brasil o chamado ensino
superior. Assim surgem os cursos e as academias, alguns com o objetivo de organizar a defesa
da colônia, conseqüência da instalação da Corte no Rio de Janeiro (FÁVERO, 1977). “As
escolas criadas foram: Academia Real da Marinha (1808); curso de Cirurgia na Bahia
2
,
instalado no Hospital Militar, e o de Cirurgia e Anatomia no Rio de Janeiro (1808), aos quais
foi acrescido, no ano seguinte, o curso de Medicina e Academia Real Militar para formação
de engenheiros civis e militares (1810)” (FÁVERO, 1977, p. 21).
Nas décadas de 50 e 60 do século XIX, as matrículas para os cursos superiores foram
realizadas através de leis específicas oriundas do Legislativo e uma das regulamentações mais
1
A primeira universidade criada na América Latina é a de Santo Domingo, em 1536. Fávero menciona as
seguintes: Em Lima, Peru, 1551; México, 1553; Córdoba, Argentina, 1613; Bogotá, 1622; Cuzco, Peru, 1692;
Havana, 1728; Santiago, Chile, 1783. Cf. FÁVERO, Maria de Lourdes. Universidade e Poder: análise crítica /
fundamentos históricos: 1930-45 p. 34
2
A Fundação da Bahia, primeira escola médica no país, foi criada devido à passagem da corte portuguesa em
Salvador. A contribuição desta escola médica se destaca por importantes observações relacionadas ao avanço do
conhecimento médico, como na área de medicina tropical. Instalada no Largo do Terreiro de Jesus em 1808
como a Escola de Cirurgia da Bahia, em 1816 virou Academia Médico-Cirúrgica da Bahia. Em 1832 seu nome
mudou novamente, para Faculdade de Medicina da Bahia, passando depois para Faculdade de Medicina e
Farmácia da Bahia (1891), Faculdade de Medicina da Bahia (1901) e desde de 1946 passou a ser a tradicional
Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia. O atual nome Faculdade de Medicina da Universidade
Federal da Bahia é de 1965. Cf. ABRAMCZYK, Júlio. Escola Médica do Brasil faz 200 anos. Caderno
Cotidiano, Folha de São Paulo, C9, 17 de fevereiro de 2008.
19
importantes do período foi o Decreto 296, de 30 de setembro de 1843, o qual concedia aos
diplomados no bacharelado em letras do Colégio Pedro II
3
e dos estabelecimentos a ele
equiparados o acesso direto aos cursos superiores do Império.
As Faculdades de Direito de São Paulo e Recife, em 1854, resultaram dos cursos
jurídicos São Francisco em São Paulo e São Bento em Olinda, respectivamente, e nesse
período, a concessão para o acesso à educação superior remete à questão de isenção de taxas,
como esclarece Sílvia Maria Leite de Almeida (2007, p. 2), denominando-a como privilégios
regulamentados em lei:
O Decreto 1.331-A, de 17/02/1854, regulamentou a reforma do ensino
primário e secundário do Município da Corte, admitindo que os alunos que se
distinguissem na realização dos exames seriam premiados com a isenção de direitos
4
de matrícula no Colégio Pedro II para tomar o grau de Bacharel” ou com a mesma
isenção nas academias de educação superior. Contudo, esta norma indicou que o
Regulamento dependeria da “definitiva aprovação do Poder legislativo” e parece que
não houve nenhum tipo de manifestação da Assembléia Legislativa, tanto que, em
10/05/1855, o Ministro Couto Ferraz publicou o Decreto n. 1.601, no qual mandava
executar as instruções para os exames de que tratava o Regulamento da Instrução
Primária e Secundária anexo ao Decreto 1.331-A, de 17/02/1854. Essa norma
concedia aos três primeiros candidatos que obtivessem aprovações com distinção nos
exames para admissão aos cursos jurídicos a possibilidade de ingresso sem pagar as
taxas de matrícula.
Em 1874, separam-se os cursos civis e militares, com a constituição da Escola Militar
e Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Em seguida, em 1876, em Ouro Preto, Minas Gerais, é
inaugurada a Escola de Engenharia. Stela Maria Meneghel (2001, p. 66) escreve que “cabe
diferenciar esta última instituição que, à exceção das demais, desde 1876 possuía um curso de
engenharia que operava com professores-pesquisadores em tempo integral e oferecia bolsas
de estudos para os alunos”. A citação tem o intuito de atentar para as menções em referencia
3
“O Colégio Pedro II foi criado como estabelecimento modelo dos estudos secundários, com o objetivo de
nortear a iniciativa das províncias, pois nelas ainda eram mantidas aulas avulsas. A criação do Colégio Pedro II
representou, portanto, a primeira organização curricular. Essa organização serviu para reconhecer os graus
conferidos pelos liceus provinciais que adotassem a estrutura e os planos de estudos do Colégio Pedro II”
(PEREIRA, 2007, p. 64-65).
4
“De acordo com o artigo 112 do Decreto n. 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1954, os alunos dos colégios
particulares que mais se destacaram nos preparatórios teriam isenção de direitos de matrículas no Colégio Pedro
II, podendo se quisessem, tomar o grau de bacharel em letras com todas as suas prerrogativas” (OLIVEIRA,
2006, p. 11).
20
às bolsas de estudos, oferecidas pela Escola de Ouro Preto, que compõe um dos temas
abordados neste trabalho.
A Constituição de 1891 proporcionou a tomada de algumas medidas como: criação
dos exames de madureza ao final do ensino médio e se os estudantes fossem aprovados
poderiam se matricular em qualquer curso superior, criação do Conselho de Instrução
Superior, responsável por aprovar programas de ensino das escolas federais e livres, propor
regulamentos para a inspeção das faculdades livres.
Em 1900, estava consolidado no Brasil o ensino superior em faculdade ou escola
superior, e em 1910, o Marechal Hermes da Fonseca, presidente da República, promulgou a
Lei Orgânica do Ensino Superior e do Fundamental na República, redigida pelo ministro
Rivadávia da Cunha Corrêa estabelecendo: a autonomia das faculdades federais, a retirada dos
privilégios dos diplomas das faculdades estaduais e do Colégio Pedro II, os exames de
admissão para o ingresso no ensino superior, a eliminação da fiscalização das escolas
superiores estaduais e particulares; visando a desoficialização do ensino superior e a
contenção da entrada de candidatos inabilitados.
Em 1915, no governo de Venceslau Brás, o Decreto 11.530 reordenava o ensino
secundário e superior, e segundo Tirsa Peres (1973, p. 88) “reintroduz a antiga função
disciplinadora e fiscalizadora do Estado no setor educacional, reintegrando o Colégio Pedro II
no seu papel de colégio modelo”. O decreto também manteve o Conselho Superior de Ensino
e em referência aos exames de admissão para o ingresso no ensino superior, estabeleceu os
exames vestibulares como forma de acesso àqueles alunos que apresentassem os exames do
curso secundário. Essa legislação subordinou os exames preparatórios a uma ordem, definindo
uma época única para a realização desses exames, cuja aplicação ficaria a cargo somente das
escolas oficiais.
A Universidade do Rio de Janeiro (URJ), considerada a primeira universidade
brasileira, foi criada em 7 de setembro de 1920 através do decreto 14.343
5
. Vale destacar
5
A Universidade do Rio de Janeiro formou-se a partir do agrupamento das instituições de ensino superior de
cunho profissional em funcionamento no Rio de Janeiro como a Faculdade de Medicina, oriunda dos cursos da
Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Hospital Militar do Rio de Janeiro criado, por carta régia, em 1808; a
Escola Politécnica, fundada em 1874 a partir dos cursos da Academia Real Militar, existente deste 1810; e a
Faculdade de Direito, criada como resultado da fusão, em 1920, da Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e
Sociais com a Faculdade Livre de Direito, ambas fundadas em 1891. Vide PAULA, Maria de Fátima. Op. Cit.,
2003, p. 223. Concordando com as afirmações de Paula (2003), Luiz Antônio Cunha (1980, p.189) afirma que “a
primeira instituição de ensino superior do Brasil que vingou com o nome de universidade a Universidade do
Rio de Janeiro foi criada em 1920, depois de 30 tentativas”.
21
as intenções de sua criação, segundo Maria de Fátima de Paula, “é possível ressaltar que o
motivo da criação da Universidade do Rio de Janeiro tenha sido a visita do Rei Alberto I da
Bélgica, a quem foi concedido o título de doutor honoris causa, quando de sua vinda ao Brasil
pela comemoração do primeiro centenário da independência do país” (2003, p. 223).
Nas décadas de 1920 e 1930 surgiram movimentos e ações importantes para a
estruturação da educação. Um deles foi a idéia do Plano Nacional de Educação, com a criação
de órgãos específicos tentando traçar uma linha de diretrizes curriculares. Em 1924 criou-se a
Associação Brasileira de Educação (ABE), que contribui para uma nova consciência no que
se refere ao papel do Estado. Várias dessas idéias consubstanciaram-se em dispositivos da
Constituição de 1924 e em proposições no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. O
Manifesto, escrito por Fernando de Azevedo e assinado por vinte e seis educadores brasileiros
“é um documento amplo, que abrange os níveis de ensino em muitos aspectos: finalidades,
valores, autonomia, papel do Estado, questão administrativa e financeira, conceito de
universidade e formação de professores” (PEREIRA, 2007, p. 66).
A Lei de 11 de agosto de 1927 permitia que nos primeiros cinco anos, os alunos dos
cursos jurídicos pudessem ingressar nos cursos sem prestar o exame de aritmética e
geometria. A eles estava concedida a possibilidade de realização de tais exames em qualquer
época, desde que antecedesse a formatura.
A partir de 1930 inicia-se o esforço de transformação do ensino superior no Brasil, e
esta década será referência na universidade moderna brasileira. A aglutinação de três ou mais
faculdades podia legalmente denominar-se universidade, resultado do Decreto 19.851, que
ficou conhecido como o Decreto da Reforma Francisco de Campos, contendo o Estatuto das
Universidades Brasileiras. Trazendo opiniões consensuais entre educadores e cientistas, como
a necessidade de desenvolver atividades de pesquisa no ensino superior, também refletia a
posição do Estado com relação aos rumos da educação diante da ordem econômica e social da
nação naquele momento. A partir de então, a idéia de universidade assumiu um novo formato,
pois foi difundida a concepção que extravasava a de simples aglomerado de faculdades
profissionalizantes. Por essa razão, o Estatuto foi considerado o marco estrutural da
concepção de universidade no Brasil.
A reforma do ensino superior é entendida por Francisco de Campos, na exposição dos
motivos que acompanham o Decreto encaminhado a Getúlio Vargas, como o mais valioso
22
concurso do espírito revolucionário para a obra de reconstrução que se processava no país. As
principais diretrizes da Reforma Francisco de Campos eram:
i) equipar tecnicamente as elites profissionais e promover ambiente para vocações
especulativas e desinteressadas, ou seja, a ciência pura; ii) manter a cátedra,
dificultando a criação de carreira docente devido à arbitrariedade dos mesmos para
escolha de assistentes e monitores; iii) exigir um mínimo de três unidades para
formação de universidade (Medicina, Direito e Engenharia ou duas delas mais uma
Faculdade de Educação, Ciências e Letras); iv) criar Faculdades de Educação,
Ciências e Letras com a função de promover a cultura geral e formar professores para
o ensino normal e secundário; v) permitir a realização dos cursos básicos em um
instituto de disciplinas para posterior profissionalização; vi) definir um modelo de
administração universitária: Reitoria (órgão executivo) e conselho universitário (órgão
consultivo e deliberativo). As Escolas, Faculdades ou Institutos teriam diretoria (órgão
executivo de direção técnica e administrativa) composta por um conselho técnico
administrativo (CTA) que seria deliberativo. Todos esses órgãos deveriam ser
constituídos por catedráticos, nomeados e/ou aprovados pelo Ministério da Educação;
vii) possibilitar autonomia de organização administrativa e didática, que ficava sujeita
à aprovação do Ministro da Educação; viii) estabelecer o ensino pago, mesmo nas
instituições oficiais (FÁVERO, 1980, p. 45-56).
Esta última citação, o item viii, referente ao pagamento de mensalidades fica evidente
ao analisar os Art. 105 e 106 do Estatuto das Universidades Brasileiras:
Art. 105 Com o fim de estimular as atividades das associações de estudantes, quer em
obras de assistência material ou espiritual, quer em competições e exercícios
esportivos, quer em comemorações e iniciativas de caráter social, reservará o conselho
técnico-administrativo do respectivo instituto, ao elaborar o orçamento anual, uma
subvenção que não deverá exceder a importância das taxas de admissão no 1° ano dos
cursos no ano letivo anterior.
A importância a que se refere este artigo, será posta à disposição do diretório em
valor igual ao que concorram as associações ou os estudantes do respectivo instituto
universitário para os mesmos fins.
2° O diretório apresentará ao Conselho técnico-administrativo, ao termo de cada
exercício, o respectivo balanço, comprovando a aplicação da subvenção recebida, bem
como a da cota equivalente com que concorreu, sendo vedada a distribuição de
qualquer parcela de nova subvenção antes de aprovado o referido balanço.
Art. 106 Aos estudantes que não puderem satisfazer as taxas escolares para o
prosseguimento dos cursos universitários, poderá ser autorizada a matrícula,
independente do pagamento das mesmas, mas com a obrigação de indenização
posterior.
Os estudantes beneficiados por esta providência não poderão ser em número
superior a 10% dos alunos matriculados.
2° As indenizações, de que trata este artigo, serão escrituradas e constituem um
compromisso de honra, a ser resgatado, posteriormente, de acordo com os recursos do
beneficiado.
Caberá ao diretório indicar ao conselho técnico-administrativo quais os alunos do
respectivo instituto necessitados do auxílio instituído neste artigo.
23
A análise sobre os debates políticos, a partir de 1931, aponta na direção de duas
correntes. Reforçando essas afirmações Cunha (1980) e Pereira (2007) relatam que a história
da estruturação da universidade no Brasil é tardia e resulta do embate de duas forças opostas
que se formaram no cenário político e econômico depois de 1930: a liberal e a autoritária.
Os conflitos entre as classes dominantes, os setores das camadas médias e das
classes trabalhadoras, por um lado, e, por outro, a burocracia do Estado
proporcionaram um quadro bastante contraditório entre ideais liberais em favor das
classes trabalhadoras e camadas médias e as idéias de centralização e fortalecimento
do governo federal. Estando o regime político se alterando para um regime ditatorial,
a educação superior foi, progressivamente, acompanhando o sistema político que se
instituía e estruturando-se em autoritarismo, em centralismo e em normatizações
(PEREIRA, 2007, p. 69).
Para Cunha (1980), em relação à gratuidade na universidade, a corrente autoritária
predominante no Governo Federal, conferia à educação a função de orientar os cidadãos a fim
de identificá-los com a ideologia do regime autoritário e a corrente liberal que defendia a
autonomia da instituição escolar diante dos interesses particulares de classe, credo religioso
ou político. Esta corrente dividia-se em liberais elitistas, liderados por Fernando de Azevedo,
que propunham que as escolas superiores desenvolvessem o saber livre de especialização e
aplicação imediata, e liberais igualitaristas, liderados por Anísio Teixeira, atribuíam à
universidade uma função técnica e política: ser centro de resistência democrática. “Eles
pretendiam que o ensino fosse acessível às massas ignorantes, às quais deveria ser assegurada
a gratuidade” (CUNHA, 1980, p. 250).
A reconstrução do espírito revolucionário não coincidiu com o projeto de reconstrução
educacional que o Manifesto dos Pioneiros de 1932 propôs, nem com o projeto de
reconstrução de São Paulo e da nacionalidade, que tinha como orientação a criação de uma
universidade em São Paulo. Estes projetos não partem do Decreto de 1931, o Estatuto das
Universidades Brasileiras, pelo contrário, a ele se opõem política e ideologicamente.
E nesses termos, originam as Universidades de Minas Gerais, reorganizada em 1933, e
a Universidade de São Paulo (USP)
6
, que em 1934 expressa uma preocupação de superar o
6
O projeto de criação da USP está intimamente vinculado ao grupo que, na década de 20, estava à frente do
Jornal O Estado de São Paulo. Entre seus componentes que tiveram papel de destaque como fundadores e
idealizadores da USP, podemos citar: Júlio de Mesquita Filho (secretário do jornal e redator), Armando de Salles
Oliveira (um dos diretores da Sociedade Anônima desde 1914, ao lado de Júlio de Mesquita) e Fernando de
Azevedo (que foi redator entre 1923 e 1926). Vide PAULA, Maria de Fátima. Op. Cit., p. 216.
24
simples agrupamento de faculdades. Seguindo o ideário liberal elitista, descrito em seu
estatuto, a USP deveria ocupar-se da pesquisa desinteressada. No entanto, o aspecto
institucional espelhou-se no modelo profissionalizante da universidade francesa (reunião das
escolas e Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras), tendo em vista a emergência da execução
do projeto (MENEGHEL, 2001).
Não são o foco deste trabalho, os modelos de universidades, mas vale registrar que em
referência ao aspecto institucional, Paula (2003) contrapõe as afirmações de Meneghel (2001)
e salienta que:
Data da primeira metade do século XIX o surgimento dos dois modelos
distintos de ensino superior o alemão e o francês - que terão uma influência
significativa sobre a concepção e a estrutura da Universidade de São Paulo e da
Universidade do Rio de Janeiro, nas suas origens. Esta última sendo fortemente
influenciada pelo modelo napoleônico e a primeira recebendo maior influência, no
âmbito da organização institucional e da concepção de universidade, do modelo
alemão, apesar do peso considerável dos professores franceses nas suas primeiras
décadas de funcionamento (PAULA, 2003, p. 218).
Por sua vez, José Dias Sobrinho escreve:
A USP surge como um projeto de formação de elites intelectuais e dirigentes
modernos para assegurar a hegemonia paulista no plano nacional. (...) A concepção
humboldtiana estava presente na forma e nas idéias. Tratava-se de instituição que
objetivava “promover, pela pesquisa, o progresso da ciência”, como condição
fundamental da construção de uma nação moderna. A pesquisa tem valor central,
como professado no Decreto 6.283, de 25 de janeiro de 1934, que funda a USP:
“somente por seus institutos de investigação científica de altos estudos, de cultura
livre, desinteressada, pode uma nação moderna adquirir a consciência de si mesma, de
seus recursos, de seus destinos” (DIAS SOBRINHO, 2002, p. 13).
A Universidade do Distrito Federal (UDF
7
) criada em 1935 no Rio de Janeiro, com
estrutura e objetivos distintos das universidades criadas no país propunha cursos inéditos,
voltados principalmente para as áreas de Ciências Humanas e Artes e, como na USP, foram
contratados vários professores estrangeiros para compor o quadro docente. Vale ressaltar que
Anísio Teixeira, responsável pelo projeto da UDF, elaborou-a segundo o ideal liberal
7
Cunha (1980, p. 206) escreve que a Universidade do Rio de Janeiro (URJ) passou a se chamar Universidade do
Brasil, em 1937 e que “a Universidade do Distrito Federal (UDF), criada em 1935, teve vida curta e foi
absorvida pela Universidade do Brasil em 1939”. Em 20 de janeiro de 1939, o Decreto-lei n° 1.063 dispôs sobre
a transferência dos estabelecimentos de ensino da UDF para a Universidade do Brasil.
25
igualitarista, colocando entre os seus princípios: “associação entre ensino e pesquisa;
autonomia didática, administrativa e econômica; promoção e difusão da cultura brasileira,
socializando os meios de adquiri-la” (FÁVERO, 1980, p. 79).
Em referência a USP e a UDF e ao posicionamento de Anísio Teixeira em relação à
educação, Pereira relata que:
Nessa época, o Brasil contava apenas com seis universidades e somente essas
duas tiveram um projeto que ia além da formação profissional, estabelecendo como
objetivos a preparação cultural e a formação intelectual. Embora também fosse
diminuto o número de outras instituições superiores, é interessante apontar que
havia, como atualmente, a crítica político-educacional a investimentos públicos na
educação superior, com o argumento de que faltavam escolas primárias. Anísio
Teixeira, em 1935, posiciona-se contra os que defendiam um investimento em escolas
primárias, e não em instituições de educação superior e lamentava a visão utilitarista,
no sentido limitado e estreito da palavra, com que essas instituições eram formadas e o
pequeno valor que tinham a cultura e a ciência, frente a essa formação. Foi essa
mentalidade utilitarista e profissional dominante no ensino superior brasileiro que
dificultou a permanência dessas duas instituições como planejadas. (2007, p. 71).
Quanto ao acesso, alguns aspectos de condições diferenciados são percebidos ao
analisar a Lei 9-A, de 12/12/1934, que possibilitava aos estudantes de colégios militares a
inscrição nos exames vestibulares sem a necessidade de realizar os cursos complementares
para o ingresso nos cursos superiores.
Na interpretação da Lei supracitada, os estudantes dos cursos secundários noturnos
também receberam um tratamento diferenciado:
Art. 7º. O aluno maior de 18 anos [...] que tenha concluído a série ou venha a
concluí-la até o período legal de 1936, inclusive, ficará isento do curso complementar,
sujeito, entretanto, ao exame vestibular nas escolas superiores, a que se destina.
Parágrafo único O aluno a que se refere a supracitada disposição prestará todos os
exames nos estabelecimentos de ensino secundário, oficiais ou sujeito a fiscalização
da União (LEI 9-A, de 12/12/1934).
Em referência à gratuidade, Cunha (1989) destaca que o ensino universitário público
era pago, mas estudantes que comprovassem falta de recursos tinham direito a bolsas de
estudos. As taxas escolares, devido às reivindicações por gratuidade, deixaram de ser
reajustadas até que, com o tempo, não mais cobradas. Esse fato aliado às pressões de
estudantes e docentes para expansão do ensino gratuito, levou à federalização de diversos
estabelecimentos. Por este procedimento, escolas mantidas por municípios e estados foram
26
incorporadas à União pela Lei n.° 1.254 de dezembro de 1950. No ano seguinte, mais 39
instituições, entre Faculdades Isoladas e Universidades também foram beneficiadas, com isso,
a gratuidade na educação superior brasileira passou a existir de fato na década de 1950
8
.
Em 1961, atendendo as reivindicações de estudantes e professores, dos três níveis de
ensino, em prol de mais escolas públicas e contra os subsídios concedidos às particulares, foi
aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 4.024/61, constituindo a
primeira LDB e “que apesar de toda luta e mobilização (...) prevaleceram os interesses
privatistas” (Meneghel, 2001, p. 84). A Lei, instituída no binômio educação-desenvolvimento,
impulsionada pela primeira experiência de planejamento governamental efetivamente
implantado no Brasil, referentes ao Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, foi estabelecida
na idéia de que a educação leva ao desenvolvimento e de que a ação planejada é o seu
instrumento mais eficaz, portanto, equilibrava-se entre o modelo econômico
desenvolvimentista e o modelo político nacionalista.
A interiorização, na década de 1960, segue as mesmas razões da década anterior, ou
seja, multiplicam-se as Faculdades em dezenas de cidades do interior, mas também refletia a
nova política inaugurada coma LDB de 1961, que liberava o processo de instalação de
Faculdades a ainda previa amparo legal e financeiro à iniciativa privada da educação superior.
O Artigo 83, da primeira LDB, consolida a gratuidade na educação superior, em
conformidade às reinvidicações de estudantes e docentes:
O ensino público superior, tanto nas universidades, como nos
estabelecimentos isolados federais, será gratuito para quantos provarem falta ou
insuficiência de recursos (Art. 83, Lei 4.024/61).
8
“Nas instituições de ensino superior criadas e mantidas pelo Estado de São Paulo, o ensino passou a ser gratuito
pela Constituição estadual de 1947” CUNHA, Luiz Antonio. O Público e o Privado no Ensino Superior
Brasileiro: Fronteira em Movimento? Revista Avaliação. Rede de avaliação Institucional da Educação Superior,
v. 2. n. 4 dez 1997.
27
2.2 Estruturação da Educação Superior: Golpe de 64
O golpe de 1964
9
alterou não o sistema político do país, mas também educacional.
A década de sessenta tornou-se significativa para e educação superior brasileira tanto em
referência à participação estudantil em movimentos como seminários e encontros, mas
também em movimentos dirigidos a reivindicações e posicionamentos contrários às políticas
de adesão e acordos, como o do Ministério de Educação e Cultura (MEC) com United States
Agency for Internacional Development (USAID). Os acordos firmados entre 1965 e 1968,
conhecidos como Acordos MEC-USAID
10
eram “voltados à assistência técnica e cooperação
financeira para planejar uma reforma no ensino superior brasileiro, e foram os que receberam
as maiores críticas de toda a população. Estas alertavam para a manipulação do aparelho
escolar brasileiro pela cooptação de estudantes e administradores na direção de interesses
capitalistas”(Meneghel, 2001, p. 114). Com a revisão do Plano Nacional de Educação, em
1965, que passou a destinar 5% do Fundo Nacional do Ensino Superior para subvencionar os
estabelecimentos particulares de educação superior associado com a contenção do
crescimento dos estabelecimentos do setor público abriram amplas possibilidades para o setor
privado no atendimento da demanda reprimida. O argumento usado era de buscar o progresso
empresarial como configura claramente nas citações de Cunha referentes às concepções do
modelo norte-americano traçado pela USAID:
.... ele não foi imposto pela USAID, com a conivência da burocracia da
ditadura, mas, antes de tudo, foi buscado, desde fins da década de 40 por
administradores educacionais, professores e estudantes, principalmente aqueles, com
um imperativo de modernização e, até mesmo da democratização do ensino superior
no país. Quando os assessores norte-americanos aqui desembarcaram, encontraram
um terreno arado e adubado para semear suas idéias (1988, p. 22).
9
Segundo Giannotti, o Golpe de 64, ocorrido em 31/03/1964 “foi um golpe de direita, civil-militar, com
características muito claras e a serviço exclusivo da burguesia nacional e internacional. Um golpe que estava em
gestação dez anos e, quando veio, não teve resistência imediata”. Acrescenta que o Golpe de 64 teve o apoio
da classe média, da igreja, dos EUA, da elite por denotarem medo do comunismo. Vide GIANNOTTI, Vito. Op.
Cit., p.1.
10
Sobre o convênio MEC-USAID ver José Arapiraca (1982). O Convênio MEC-USAID em referência a
importação dos modelos educacionais. O autor destaca que “seremos sempre os aplicadores, mas nunca os
produtores” e que o grande exemplo disso, é a reforma universitária decretada pela Lei 5.540/68, em base ao
sistema norte-americano e, segundo estudos realizados por uma comissão partidária composta por americanos e
brasileiros, em base a um convênio realizado entre o MEC e a USAID, com o compromisso do governo
brasileiro de adotar, na reforma, as sugestões apresentadas pela referida comissão.
28
Nesse período, também haviam as prerrogativas concedidas e as reclamadas. As
concedidas foram publicizadas através da legislação positivada e as reclamadas eram objeto
de reinvidicações jurídicas. A Lei 5.465, de 03/07/1968, conhecida como a Lei do Boi,
concedia a possibilidade de uma reserva de vagas de até 50% nos estabelecimentos de ensino
médio agrícola e escolas superiores de Agricultura e Veterinária pela União, para os
candidatos agricultores ou aos seus filhos, proprietários ou não de terras. Almeida (2007, p. 8)
afirma que “a Lei do Boi inaugurou na educação superior brasileira a políticas de cotas”.
Joaquim Barbosa Gomes (2003) faz alusão à Lei do Boi como uma ação afirmativa
bem brasileira. Para Almeida (2007) a referencia é um tratamento preferencial, ou seja,
destinado a um grupo privilegiado e não negativamente discriminado como uma política
afirmativa.
Para maior visibilidade, segue as normatizações comentadas:
Art 1º Os estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de
Agricultura e Veterinária, mantidos pela união, reservarão, anualmente, de
preferência, 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou
filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona
rural e 30% (trinta por cento) a agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de
terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino
médio.
§ 1º A preferência de que trata este artigo se estenderá aos portadores de certificado de
conclusão do ciclo dos estabelecimentos de ensino agrícola, candidatos à matrícula
nas escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidas pela União.
§ Em qualquer caso, os candidatos atenderão às exigências da legislação vigente,
inclusive as relativas aos exames de admissão ou habilitação.
Dentre os motivos que incentivaram a criação desta lei, estavam justamente um
movimento contrário ao dos excedentes e uma influência da USAID. Cunha (1988) argumenta
que um dos grandes problemas da década de 1960 foi a crescente questão dos excedentes, os
candidatos aprovados nos concursos vestibulares, porém não classificados. Esse problema não
era generalizado, havia muitos candidatos aprovados para cursos como Medicina e
Engenharia, mas para outros cursos essa relação era inversa, ou seja, havia cursos nos quais a
quantidade de vagas era maior do que a de candidatos aprovados e/ou até mesmo inscritos
para os respectivos concursos vestibulares. Os cursos dos estabelecimentos de ensino agrícola
destacavam justamente por essa carência de candidatos.
29
Para articular a pretensão dessas escolas, de aumentar o número de estudantes, com a
política governamental (e da USAID) de aumentar a produção de alimentos e, ainda,
com a difusa procura por ensino médio e superior da parte dos jovens oriundos da
zona rural, surgiu uma das mais curiosas medidas de política educacional, que veio a
ser conhecida como “lei do boi” (CUNHA, 1988, p. 90).
Almeida (2007) afirma que durante o tempo da Ditadura
11
essa lei era objeto de crítica
e que em um seminário realizado em 1984 promovido pela Fundação Carlos Chagas, Carlos
Alberto Serpa de Oliveira, membro do CONVESU (Comissão Nacional do Vestibular
Unificado) relatou a postura de perplexidade daquele órgão ao se deparar com a Lei do Boi,
nomeando-a como uma de lei de privilégio, uma lei inconstitucional. A lei do Boi foi
revogada 17 anos após sua publicação, em1985. “Creio que houve uma resistência em
extinguir tal ato pelo próprio fato do mesmo ter acabado privilegiando uma parcela da camada
média que buscava no “Brasil Rural” a sua ascensão” (Almeida, 2007. p. 8).
Nos planos de desenvolvimento elaborados a partir da ditadura militar (1964),
evidencia-se com a incorporação mais acentuada que coloca a educação como imprescindível
ao desenvolvimento econômico do país, os quais em linhas gerais tiveram o combate ao
analfabetismo e o ensino técnico como principais metais dos governos que seguiram no
período de 1964 a 1985 para a área educacional e sob a égide do desenvolvimento, os planos
nacionais elaborados após a instauração do regime militar apontavam que
O desenvolvimento seria alcançado pela valorização de recursos humanos,
mediante a qualificação de mão-de-obra que ocorreria via treinamentos, elevando,
assim, a distribuição indireta de renda, que teria que ser medida via salários indiretos,
concretizados na oferta educação, saúde, previdência e aumento de expectativa de
vida. Esse conjunto promoveria o aumento da produtividade (NOGUEIRA, 2007, p.
64).
2.3 Lei da Reforma Universitária de 1968
As reformas educativas trazem em seu eixo de concepção amplas mudanças e seguem
princípios fundamentados aos interesses condizentes ao seu tempo. Para Dias Sobrinho (2005,
11
A Ditadura Militar - Governo Militar de 1964 a 1985 - foi caracterizado como influência dos EUA. Durante
sua vigência, houve fortes protestos e passeatas reprimidos com muita violência e o “Milagre Econômico”:
crescimento sem distribuição de renda e aumento da dívida externa. Vide GIANNOTTI, Vito. Op. Cit. P.1.
30
p. 168) as “reformas educativas são construções de um quadro legal e burocrático, geralmente
proposto por políticos, para responder a determinados problemas e produzir efeitos mais ou
menos coerentes com projetos mais amplos de um governo ou de um sistema de poder”. E
foi neste contexto que Lei da Reforma Universitária, n.° 5.540/68 propôs como objetivo
conferir ao sistema universitário uma espécie de racionalidade instrumental em termos de
eficiência técnico-profissional, para o aumento da produtividade dos sistemas econômicos.
Era a visão de um sistema de educação superior como provedor de recursos humanos
necessários a uma prevista expansão da indústria nacional.
Vale ressaltar que a reforma universitária era uma luta de estudantes e de alguns
professores, que não tiveram uma parte de suas propostas atendidas e do Governo, que sob
pressões de tendências desenvolvimentistas de âmbito nacional e internacional, resolveu
tomar a liderança, com o discurso de modernizar a educação superior, mas com a intenção de
assegurar o controle e a ordem.
Cunha (1988) escreve que os convênios
12
MEC-USAID visando à assessoria e ao
planejamento da estrutura da educação superior brasileira estabelecia em seu conteúdo os
embates entre a opinião pública e o Conselho Federal de Educação com o MEC, em que
prevaleceu a determinação da política instalada no país. A Equipe de Planejamento no Ensino
Superior (EPES) foi substituída pela Equipe de Assessoria ao Planejamento do Ensino
Superior EAPES. A EAPES “era constituída por quatro educadores brasileiros de alto nível
(...) e quatro consultores de alto nível em planejamento educacional” (CUNHA, 1988, p. 179)
contratados pela USAID nos EUA. Os relatórios produzidos por brasileiros e americanos
eram contraditórios, cabe aqui ressaltar, na perspectiva desse trabalho, como seria o ingresso
ao ensino superior:
Um dos trechos dos brasileiros - infelizmente nenhum deles assinado diz
ser necessário um aumento de vagas no ensino superior que permitisse o ingresso de
pelo menos 50% dos que concluem, a cada ano, o ensino do grau. Para tanto,
impunham-se mudanças não nas instituições de ensino superior como, também nas
12
O convênio de 1965 estipulava o planejamento geral do ensino superior, enquanto que o convênio de 1967,
levando em conta as reações da opinião pública, do Conselho Federal de Educação (CFE) e, como resultado de
ambos, a dificuldade de compor a contrapartida brasileira dos consultores norte-americanos, acenava para uma
colaboração com o planejamento que o MEC estaria fazendo, cabendo sempre às autoridades brasileiras
competentes a responsabilidade de determinar a política e as normas da Educação, bem como de aprovar ou não
os planos elaborados (CUNHA, 1988, p. 179-180).
31
condições de admissão. A adoção do vestibular classificatório foi recomendada ainda
mais enfaticamente do que o fez o grupo norte-americano. Enquanto Hunter
13
admitia
ser conveniente estabelecer um desempenho mínimo, em termos de aptidão para
estudos superiores, os brasileiros diziam que não deveria haver aprovações ou
reprovações, preenchendo-se todas as vagas disponíveis e previamente anunciadas.
Reconheciam que essa medida poderia resultar na aceitação dos mais fracos. Mas esse
inconveniente parece-nos menor do que a figura do chamado excedente, ou seja, o
candidato aprovado, mas para o qual não há vagado (CUNHA, 1988, p. 197).
As recomendações contidas no relatório MEC/USAID convergem com as
recomendações do Grupo de Trabalho de Reforma Universitária (GRTU), cuja criação visava
responder à crise política instalada no Regime em face da mobilização estudantil que
influenciava vários setores da sociedade civil (Cunha, 1988; Meneghel, 2001). A vinculação
com o mundo profissional está explicita nos objetivos da Reforma de 1968, como assevera
Cunha (1988, p. 24),
no sentido prático, visa conferir ao sistema universitário uma racionalidade
instrumental em termos de eficiência técnico-profissional, para o aumento da
produtividade econômica e, no intelectualista, elevar a universidade ao plano da
racionalidade crítica e criadora, tornando-a instância de reflexão sobre as condições e
o sentido do desenvolvimento.
Nesses aspectos, a concepção de educação superior instituída pela Reforma é uma
visão que busca um instrumento de ação que produz efeitos funcionais, como também
assegura Pereira (2007, p. 74),
A visão de universidade estabelecida por essa reforma é a de uma agência
pragmática, necessária e decisiva no esforço de desenvolvimento do País. Em termos
econômicos, ela é vista como um pré-investimento capaz de oferecer um produto”
amplamente diversificado e atender as solicitações de um mercado de trabalho cada
vez mais diferenciado.
As reorientações de educação superior como uma agência provedora de técnicos, estão
expressas em termos claros nas passagens do Relatório do Grupo de Trabalho da Reforma: “a
universidade deve criar um know-how indispensável à expansão da indústria nacional” e “é
necessário absorver a legião de jovens que hoje a procuram em busca de um saber eficaz que
os habilite ao exercício das numerosas profissões técnicas, próprias das sociedades
13
John Hunter, Consultor americano da instituição Midwest Universites Consortium, contratada pela USAID.
32
industriais” (MEC, 1983, p. 125). A Reforma reorganizou as instituições de educação superior
cabendo às universidades o desenvolvimento de ensino e pesquisa. Quanto à organização de
estabelecimentos isolados, estes são admitidos como exceção, e estas instituições seriam
organizadas como autarquias de regime especial, quando oficiais e, quando particulares como
fundações ou associações, preferencialmente sem fins lucrativos.
Em referência a reorganização, Pereira declara:
Como estruturação do ensino superior, a Reforma considerou a instituição
universidade como a forma por excelência, pelo menos no uso do termo, admitindo o
instituto isolado apenas como exceção. No entanto, na prática, o que deveria ser
exceção foi a regra, antes e depois da Lei da Reforma, em razão, basicamente, do
intenso crescimento do setor privado propiciado pela própria política do Estado (2007,
p. 74).
Pereira (2007) faz referência a adoção de uma política expansionista da educação
superior voltada à iniciativa privada, uma vez que impulsionou a abertura de pequenas
instituições privadas de educação superior voltadas exclusivamente ao ensino, enquanto as
universidades, responsáveis, além do ensino, pelo desenvolvimento da pesquisa, passaram a
se constituir em exceção. Neste contexto, o termo universidade se consolida na concepção
ampla, que permitiu conciliar vários interesses e conceitos conflitantes, como foi abordado em
outro capítulo deste trabalho. Tal situação levou a Reforma a estabelecer uma universidade
que procurasse ser a síntese da concepção intelectualista e da concepção pragmatista. Esta
reorganização frustrou a expectativa dos movimentos de estudante e de professores, que
buscavam outros objetivos nas propositivas da Reforma, como complementa Pereira (2007, p.
74):
Os objetivos da universidade concebidos pelos proponentes da Reforma
diferiam dos buscados pelos alunos. Para o movimento estudantil a universidade
orientar-se-ia pelos princípios tais como: autonomia universitária; gestão paritária;
democratização do ensino traduzida em maior número de vagas e destinação de
recursos estatais provenientes de um percentual fixo no orçamento da União;
gratuidade do ensino; vestibulares de habilitação, e não de seleção; cursos noturnos;
condições efetivas de suporte à vida acadêmica (restaurantes, alojamentos, bibliotecas
e serviço médico). Para os proponentes da Reforma os objetivos foram: eficiência,
eficácia, não-reprodução de meios para fins idênticos, disciplinarização do
conhecimento.
33
Ao finalizar a análise das intenções e das deliberações da Lei da Reforma
Universitária, 5.540/68, Pereira (2007, p. 75) afirma “que o processo altamente
burocrático, centralizador e autoritário que resultou dessa Reforma foi mais um dos aspectos
que emperraram a estruturação de um verdadeiro espírito universitário nas instituições
brasileiras. O processo desencadeado desde então levou a poucas mudanças no ensino
superior e a nenhuma democratização das vagas”.
Concordando com as palavras de Pereira, Almeida (2007) acrescenta que em 1971 ao
ser promulgada a Lei n. 5.692
14
“pretendia, entre outros objetivos, uma profissionalização a
nível médio dos estudantes para conter a grande procura de candidatos pela educação
superior” (p. 9). A Lei n. 5.692 de 1971 foi extinta pela Lei. n. 7.044 de 1982.
A educação superior que se sedimentou para as décadas seguintes trouxe reflexos e
distanciamentos quanto aos aspectos funcionais e atendimento às camadas da população. “O
princípio da indissociabilidade ensino e pesquisa (...) foi frustrado dada à forma com que se
estimulou a expansão de matrículas na graduação e a atividade investigativa via cursos de
pós-graduação” (Meneghel, 2001, p. 169). Determinadas por diferentes políticas e dirigidas
para diferentes instituições, segundo Meneghel (2001), as Instituições de Educação Superior
(IES) proliferam por três tipos básicos: primeira, a privada, que expande vagas na graduação,
recebendo subsídios do MEC para tanto; segunda, a pública, que privilegia a pesquisa com
apoio das agências de fomento; terceira, a pública que, com infra-estrutura e recursos
humanos insuficientes para pesquisa, o desenvolve a pós-graduação e, portanto, não
beneficia de recursos suplementares mantendo-se numa posição intermediária entre as duas
anteriores.
Através da Portaria 100, de 6 de fevereiro de 1986, o Ministro da Educação Marco
Maciel, considerando a necessidade de reflexão coletiva sobre as proposições contidas no
relatório denominado Uma Nova política para a Educação Superior Brasileira, preparado pela
14
Luiz Antônio Cunha escreve que a função terminal do ensino técnico propugnado na política educacional dos
governos militares no Brasil, a fim de conter a acesso ao nível superior de ensino, destinado somente às elites,
não se efetivou por vários fatores, pois “a partir de 1964 intensificou-se o processo econômico de concentração
de propriedade, capital, renda e mercado, devido à política econômica, adotada a partir daí. Houve, então, grande
quantidade de falências de pequenas empresas durante a recessão a partir do primeiro semestre desse ano. Com
isso, ficavam mais dificultadas as possibilidades de ascensão da classe média, via poupança, investimento e
reprodução do capital, através da instalação de pequenas empresas, artesanatos e de exercícios de profissão
liberal. Em conseqüência, a demanda do ensino superior aumentou de modo que o crescimento das matrículas
resultou insuficiente diante de uma procura cada vez maior. No período de 1964-1968 o número de candidatos às
escolas superiores cresceu 120%, taxa superior à elevação do número de vagas que foi de 56% do mesmo
período” (CUNHA, 1978, p.238-239).
34
Comissão Nacional para a Reformulação da Educação Superior, criou o Grupo Executivo para
a Reformulação da Educação Superior GERES, com o objetivo de elaborar proposições e
apresentar medidas legais e administrativas voltadas para a reformulação da educação
superior brasileira. Esse grupo teria um prazo de 90 dias, a contar da sua instalação, para
apresentar as suas propostas.
O GERES enfatizou a necessidade de avaliação das IES, dos cursos de pós-graduação,
com continuidade ao processo de avaliação destes cursos pela CAPES, dos cursos de
graduação e do desempenho do corpo docente, como condição essencial para a alocação de
recursos e para o estabelecimento da autonomia universitária.
Sob o argumento de que os recursos governamentais eram escassos e limitados para
atender a expansão conforme a necessidade da educação superior, a prioridade do governo
15
foi para o ensino fundamental, sendo transferido para o setor privado a responsabilidade pela
ampliação das matrículas no nível superior. A estratégia do governo foi de “manter o sistema
público dentro dos limites atuais (25% das matrículas) assegurando ainda por dez anos
recursos para o seu financiamento, e investir na qualificação e expansão do ensino privado,
dentro da lógica de que a economia política neoliberal e a crescente participação internacional
contribuem para a legitimidade e a demanda das instituições privadas” (TRINDADE, 1997, p.
5-14).
A Constituição de 1988 determinou que o ensino superior era livre à iniciativa privada
desde que cumprida as normas gerais fixadas pelo Poder Público e autorização de
funcionamento para os estabelecimentos educacionais, mas inova ao prever a avaliação de
qualidade da educação neles ministrada. Determinou ainda que, os recursos públicos seriam
destinados às escolas blicas, podendo ser dirigidos às escolas comunitárias, confessionais
ou filantrópicas, que, entre outros requisitos, comprovassem finalidade não lucrativa. A
Constituição de 1988 também garantiu que a gratuidade seria garantida por direito.
15
Em 1991, enquanto parte do Projeto de Reconstrução Nacional (PRN) do governo Fernando Collor, o Ministro
da Educação José Goldemberg, apresentou a proposta de “Uma Nova Política para o Ensino Superior”. Em 1992,
ainda no governo Collor, foi anunciado o “Modelo de Financiamento para as Instituições Federais de Ensino
Superior”, que propunha que a distribuição de recursos a estas instituições se realizasse mediante a utilização de
critérios e indicadores de desempenho e “produtividade” copiados dos esquemas de gestão desenvolvidos nas
empresas privadas (PAULA, 2002, p. 260-261).
35
2.4 Estruturação da Educação Superior: a LDB n° 9.394/1996
O ano de 1995 marcou o início de publicações (leis e decretos) que delinearam as
metas do Governo Federal para as Instituições de Educação Superior (IES) e suas diretrizes
seguiram as orientações do Banco Mundial. Em referência a essa intervenção, Robert Castel
(1997, p.10) escreve que “o reducionismo economicista, a racionalidade instrumental, os
ajustes neoliberais propostos pelos organismos internacionais, com raras exceções, têm
trazido mais complicadores do que soluções”.
Entre esses complicadores as redefinições das naturezas de pública e privada, nas mais
variadas atividades humanas no âmbito do Estado e da sociedade civil resultaram do processo
de expansão do capital que tende a reorganizar o espaço social da educação. A expressão
desse processo na educação superior brasileira converge na modificação da natureza das
Instituições de Educação Superior (IES), que, segundo sua nova organização, tendem a
responder prioritariamente às demandas do mercado.
A especificidade da educação superior brasileira entra em cena novamente nos
reordenamentos da década de 1990, onde se observa uma reconfiguração nos espaços de
público e privado com a promulgação ou a edição de uma série de dispositivos legais leis
ordinárias, decretos, portarias, emendas constitucionais e medidas provisórias.
Os principais agentes desse movimento foram: o Estado, em especial o Poder
Executivo, através do Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE)
e do Ministério da Educação (MEC); a Associação Brasileira das Mantenedoras (ABM); a
Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP); a Associação Brasileira das
Universidades Comunitárias Brasileiras (ABRUC); o Conselho dos Reitores das
Universidades Brasileiras (CRUB); a Associação Nacional de Dirigentes de Instituições
Federais de Ensino Superior (ANDIFES) e a Associação Nacional dos Docentes do Ensino
Superior (ANDES).
Em 1995, o Ministro Bresser Pereira, do MARE, previu em seu projeto de reforma do
Estado, a implantação das organizações sociais, entidades públicas não estatais (fundações
privadas ou sociedade civil sem fins lucrativos), a prestarem serviços em diversas áreas,
inclusive nas da educação, ciência e tecnologia.
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), 9.394, aprovada em 20 de dezembro de 1996,
embora determinasse as diretrizes gerais da educação superior, necessitou de legislações
36
complementares para normatizar algumas de suas medidas. Para tanto, o Ministério da
Educação (MEC) utilizou decretos e portarias ministeriais, alguns dos quais revogavam ou
faziam emendas em determinações baixadas poucos meses antes. Esse procedimento, além de
conferir um caráter de transitoriedade às normas estabelecidas, trouxe dúvidas sobre a clareza
do MEC quanto à determinação dos rumos das políticas para o setor.
Em seus artigos 43 a 57, específicos à educação superior, estabelece um conjunto de
instrumentos legais que na prática seriam uma política pública para o setor privado.
Para Nina Ranieri (2000) a atuação do MEC era considerada centralizadora como a do
Estado Militar, era justificada pelo zelo com a qualidade do ensino, devido à forma
autoritária, ao conteúdo controlador e ao exagero com que conduziu as novas
regulamentações, colocou à mostra o caráter ilegal desta legislação, restringiu sua eficácia e
despertou a desconfiança do segmento acadêmico
16
.
Lúcia Maria Wanderley Neves (2000, p. 165-166)) afirma que a LDB aprovada,
incorporava os preceitos legais aprovados durante os dois primeiros anos do Governo FHC e
deixava obscuros e imprecisos pontos que ainda não haviam sido votados nos instrumentos
legais que tramitavam no Congresso e que haviam sito rejeitados pelo I CONED
17
,
especialmente no que se refere à educação tecnológica e à educação superior.
Quatro meses após a promulgação da LDB, a medida provisória (MP) 1.477, de 15
de abril de 1997, estabeleceu distinções inéditas para a educação superior brasileira no que diz
respeito à fronteira entre as esferas pública e privada. Assim, a educação superior passa a ter
as Instituições de Ensino Superior Públicas, as Instituições de Ensino Superior Privadas sem
fins lucrativos e as Instituições de Ensino Superior Privadas com fins lucrativos, estas últimas
16
Ranieri (2000) demonstra que um dos fatores a contribuir para o Estado exorbitar o poder que lhe é conferido
deve-se a um vácuo de poder na legislação dos estados sobre o ensino superior. Este vácuo decorreria; (i) dos
estados desconhecerem o espaço que podem ocupar, (ii) dos estados não terem interesse em assumir a
responsabilidade de legislar sobre o ensino superior. Uma exceção a esta regra é o Estado de São Paulo, cujo
Conselho Estadual de Educação começa a estabelecer regras próprias para a avaliação, por exemplo.
17
O CONED I Congresso Nacional de Educação, realizado em Belo Horizonte, em agosto de 1996, organizado
por entidades diretamente ligadas ao campo educacional, com a participação de cinco mil profissionais da
educação, onde foi aprovada a Carta de Belo Horizonte que repudiou as leis promulgadas no ano de 1995 e os
vários dispositivos legais em tramitação no Congresso Nacional: o parecer n° 72/96, o Projeto de Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional Darcy Ribeiro/MEC. “Essa insatisfação por parte das organizações
da sociedade civil e representantes dos interesses dos trabalhadores em educação vai se agudizando à medida em
que as diretrizes políticas neoliberais vão se explicitando e se constituindo em instrumentos governamentais de
reforço à exclusão social e educacional. Além disso, a forma autoritária utilizado na sua implementação aumenta
a certeza da impossibilidade do diálogo entre governo e setores organizados do campo social e educacional
democrático de massas”. Ver NEVES, Lúcia Maria Wanderley (org). Op. Cit.,p.163, 2000.
37
ficariam obrigadas a pagar, a partir dessa MP, uma série de encargos sociais, fiscais e
trabalhistas e impostos sobre o patrimônio. “Aconteceram fortes reações contrárias a tais
deliberações de parte das Instituições de Ensino Superior particulares com fins lucrativos,
levando o governo a alguns recuos, com a finalidade de amenizar um pouco o alcance dessa
legislação” (CUNHA, 1997, p. 11).
Um dos motivos que favoreceu a reedição das normas, estabelecendo critérios para
distinguir as entidades privadas com ou sem fins lucrativos foi o aumento abusivo das
mensalidades escolares nos estabelecimentos privados de ensino, em todos os níveis.
Em relação ao acesso à educação superior, o que se discutia em 1997, era que apenas
10% da população na faixa etária estava matriculada, ou seja, 1,3% da população e que
contrastava com países vizinhos como a Argentina e Chile. E o anteprojeto oficial do Plano
Nacional de Educação que tramitava, desde de 1994, no congresso propunha atingir a meta de
30%, o que estava próximo de ser atingido pela Venezuela e pela Bolívia. Entre os
concluintes, somavam apenas 1,5% da faixa etária, em 1997, o que posicionava o Brasil entre
os de pior desempenho educacional na inserção deste nível de ensino entre os países desse
continente.
É imperativo afirmar que essa realidade era refletida pela situação socioeconômica em
que a população do país estava submetida, entre as mais desiguais e injustas do planeta. As
discussões ocorridas no II CONED, em Belo Horizonte, em novembro de 1997, seguiam
nessa direção, ou seja, em comparações com outros países e outras economias, e afirmavam
que os modelos de desenvolvimento e décadas de políticas educacionais conservadoras
adotadas fizeram com que o conhecimento e a educação fosse, via de regra, entendidos muito
mais como mercadorias de interesse privado ou dádivas para semicidadãos, do que como bens
públicos universais de interesse coletivo da cidadania.
As Instituições de Ensino Superior (IES) organizadas como universidades, perfaziam
apenas 15,7% do total das IES do país (MEC/Inep, 1999), e o Decreto 2.306 de 1997
previa a obrigatoriedade da associação ensino, pesquisa e extensão apenas nas IES
organizadas como universidades. A pesquisa, desenvolvida normalmente em universidades
que possuíam programas de pós-graduação stricto sensu consolidados, e que somavam 30%
das universidades públicas e em algumas universidades confessionais, supunham que 80% da
população estudantil considerada universitária obtinham sua formação de nível superior em
IES que não cumpriam o preceito básico do modelo humboldtiano de universidades, isto é, a
38
associação ensino-pesquisa. A discussão sobre esse tema consistia em que, a extensão, que
havia sido recentemente agregada nesse nível de ensino, era tratada pelo clássico binômio e
constituía um paradigma de universidade ou IES de constituição socialmente referenciada.
Os argumentos em prol da diversificação da educação superior brasileira estavam no
contexto das políticas para esse nível de ensino. A diversificação das instituições rompeu com
o pressuposto da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e se tornou pré-requisito
para o atendimento de demandas diversas pela democratização da educação superior.
As alternativas como cursos seqüenciais e cursos de educação à distância foram
oferecidos como alternativas mais acessíveis e menos custosas aos que eram denominados
clientes que procuravam pela educação superior.
O Artigo 51 da LDB 9.394 descreve que as instituições de educação superior
credenciadas como universidades, ao deliberar sobre critérios e normas de seleção e admissão
dos estudantes, levarão em conta os efeitos desses critérios sobre a orientação do ensino
médio, articulando-se com os órgãos normativos do sistema de ensino. Para Brandão (2007) o
cumprimento do Artigo 51 da LDB é de fundamental importância para a democratização do
acesso dos estudantes egressos do ensino médio à educação superior, pois é necessário
considerar os conteúdos que se aprende no ensino médio nos processos seletivos de acesso à
educação superior. Acrescenta ainda que, especialmente, as universidades públicas, têm
obrigação de, ao deliberar sobre critérios e normas de seleção e admissão dos estudantes,
levar em consideração os efeitos desses critérios sobre a orientação do ensino médio público,
através da articulação com os órgãos normativos dos sistemas de ensino, democratizando o
acesso à educação superior pública brasileira, alegando com isso, que as políticas públicas de
democratização podem ser direcionadas ao atendimento regional em que esta universidade
está inserida, atendendo ao sentido da pertinência.
2.5 Plano Nacional de Educação
A implantação do Plano Nacional de Educação - PNE foi marcada pelos conflitos
gerados pelo encaminhamento de dois planos nacionais de educação, no final de 1997,
destacando para isso momentos significativos no processo de tramitação da nova LDB e na
definição da política educacional para a cada seguinte. Os embates eram evidenciados por
39
identificar algumas das divergências quanto ao conteúdo das propostas apresentadas para a
educação escolar dos próximos dez anos pelos dois planos, realçando as metas relativas à
gestão democrática, à expansão das oportunidades educacionais e à melhoria da qualidade de
ensino.
A apresentação de dois planos nacionais de educação, um do governo e outro da
sociedade civil, evidenciou a correlação de forças sociais no campo educacional no Brasil no
final dos anos de 1990 materializando duas propostas: uma da sociedade, proposta
democrática de massas e outra do Congresso, proposta liberal-corporativa.
A Lei 10.172, aprovou o Plano Nacional de Educação, em 9 de janeiro de 2001,
trazendo em seu diagnóstico, o resultado conjugado de fatores demográficos, aumento das
exigências do mercado de trabalho, políticas de melhoria do ensino médio e uma explosão na
demanda por educação superior. Previa também que a maior demanda seria de alunos
oriundos das camadas mais pobres, alunos que freqüentavam cursos noturnos, nas redes
estaduais.
Para a educação de níveis fundamental e médio, o Plano Nacional de Educação do
governo propôs a regularização do fluxo escolar, o aumento da jornada escolar e a redução da
repetência e da evasão; e em relação à educação superior, de cunho humanístico, científico e
artístico, pretende prover até o final da década, a oferta de ensino pós-médio equivalente à
pelo menos 30% da faixa etária de 18 a 24 anos.
Ensino pós-médio, no Plano Nacional de Educação, é a formação de nível superior de
menor duração, que pode atender às necessidades de qualificação em áreas técnicas e
profissionais. O PNE oferece, como modelo de ensino pós-médio, a modulação do ensino
universitário, com diploma correspondente ao nível superior.
Em relação à diversificação e à privatização das instituições de educação superior, o
PNE, direciona à formação para o trabalho, na medida que propõe a ampliação do Programa
de Crédito Educativo, de modo a atender 15% da população matriculada no setor privado;
diversificar o sistema de ensino superior, favorecendo estabelecimentos não-universitários
que oferecem ensino de qualidade e que atendam demandas específicas de formação:
tecnológica, profissional liberal, em novas profissões, de formação de profissionais para o
exercício do magistério ou de formação geral.
Essas medidas efetivaram no Brasil o processo de diversificação e diferenciação da
educação superior que se consubstanciou em vários dispositivos legais. Destaca-se nesse
40
processo, o Decreto 3.860, de 9 de julho de 2001, que alterou a organização acadêmica da
educação superior ao classificar as instituições de educação superior do Sistema Federal de
Ensino em: I universidades; II centros universitários; III faculdades integradas,
faculdades, institutos ou escolas superiores.
Em relação ao acesso à educação superior, o PNE propôs que fossem criadas políticas
que facilitassem o acesso das minorias, através de programas de compensação de deficiências
de sua formação escolar anteriores, permitindo-lhes dessa forma, competir em igualdade de
condições nos processos de seleção e admissão para esse nível de ensino. Em consonância
com a meta de atingir 30% da população na faixa etária de 18 a 24 anos estarem matriculados
no nível superior, propôs também expandir as matrículas no setor público para 40% até o ano
de 2010, porém esta última proposta foi vetada pelo então presidente Fernando Henrique
Cardoso em 2001 e retomada pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2004.
Eliezer Pacheco e Dilvo Ilvo Ristoff (2004) escrevem que para atingir essas duas
metas, o Brasil não poderá depender unicamente da força inercial instalada, devendo intervir
em pontos em que as evidências indicam que a inclusão de grandes contingentes
populacionais poderá ocorrer com a participação decisiva do Poder Público e entre as
recomendações está a expansão das matrículas nas instituições públicas federais e estaduais,
em especial no turno da noite.
Para os autores é relevante destacar que a expansão prevista no PNE estava
originalmente associada à projeção de aumento significativo dos gastos públicos com
educação passando a atingir o mínimo de 7%, para tanto, os recursos deveriam ser ampliados,
anualmente, à razão de 0,5% do PIB, nos quatro primeiros anos do Plano e de 0,6% no quinto
ano. Como essa meta também foi vetada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, a
ampliação expressiva das vagas pelo Poder Público ficou seriamente comprometida, passando
a expansão a depender quase que exclusivamente da força do mercado.
Considerando a importância de um olhar retrospectivo sobre a estruturação da
Educação Superior no Brasil para que se possa compreender as múltiplas questões em
processo que atualmente a envolvem, este capítulo seguiu na orientação de verificar na
legislação, a implementação e as mudanças traçadas pela Educação Superior no sentido da
inserção de indivíduos ou de grupos, para que se possa compreender como os ordenamentos
trazem em suas trajetórias os planos dos governos, onde os mesmos foram os protagonistas.
Para isso, revelou-se importante a reconstituição, elaborada na interpretação de fatos do
41
contexto político, econômico e da legislação educacional do país considerados relevantes na
formulação das políticas públicas, pontuado momentos referentes à democratização do acesso.
A seguir serão discutidas questões relevantes em relação à aplicabilidade da legislação
em referência ao tema deste trabalho. Serão discutidos os conceitos de democratização da
educação, as especificidades da educação superior brasileira, os conceitos de igualdade e
desigualdade educacional e os conceitos de políticas afirmativas. No desenvolvimento desses
temas, serão apresentadas as análises, sobre o ponto de vista de autores teóricos, reconhecidos
por suas defesas.
42
3 DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO E POLÍTICAS AFIRMATIVAS:
CONCEITUAÇÃO
Este capítulo objetiva discutir e explicitar os conceitos de democracia, democratização
da educação, democratização do acesso à educação superior, especificamente, faz um
direcionamento também para os outros níveis de ensino. Mostra o pluralismo na educação
superior no Brasil e os informes quantitativos da educação superior, discute o crescimento da
demanda e finaliza com os conceitos de políticas afirmativas, utilizados neste trabalho, para
que se possa recuperar aspectos significativos na trajetória da democratização do acesso à
educação superior.
O ponto de partida de qualquer discussão sobre o acesso à educação, valendo-se de
preceitos constitucionais é que a educação é um direito. O cumprimento obrigatório desse
direito limita-se à educação básica, porém não restringe eventual iniciativa dos setores
públicos e privados que contemple as questões do acesso à educação superior. Na educação
superior, essas iniciativas se traduzem nos programas de acesso, na expansão de vagas e
melhorias das instituições públicas e privadas como forma de torná-las acessíveis a todas as
camadas sociais, em especial às camadas trabalhadoras, que delas vêm sendo
sistematicamente alijadas.
Este capítulo discute também, os conceitos de igualdade e desigualdade educacional
tentando expressar os pontos que tencionam os pólos dessa realidade.
43
3.1 Democracia e Democratização da Educação no Brasil
“Tratar de democracia no Brasil é uma atividade que remete mais ao plano das
esperanças do que ao das realizações” (CUNHA, 1995, p. 19). Remete também ao contexto
histórico e político. No período imperial, a existência da escravidão e a estreita faixa de
volantes mesmo entre a população livre são elementos suficientes para desestimular qualquer
fantasia a respeito de uma democracia coroada. No primeiro regime do período republicano
que se convencionou de Primeira República ou República Velha (1889/1930), o poder político
estava dividido no interior das oligarquias de base latifundiária, sendo as mulheres e os
analfabetos excluídos das eleições, que em geral eram feitas por processos fraudulentos. Os
movimentos que se insurgiram contra esse regime acabaram por levar aos quinze anos da
ditadura presidida por Getúlio Vargas (1940/1945), cuja deposição abriu caminho para o que
deve ter sido a primeira experiência democrática no Brasil (1946/1964), ainda que limitada
pelas generalizadas práticas populistas. Embora os analfabetos continuassem sem direito a
voto, e a influência do poder econômico nas eleições fosse muito forte, os partidos políticos
tiveram nesses dezoito anos amplas possibilidades de atuação, propaganda e coalizão
(MORAIS, 1994; CUNHA, 1995).
Uma importante exceção aconteceu com a proibição do Partido Comunista, em 1947,
seguida da cassação dos mandatos eletivos que havia conquistado nas eleições do ano
anterior. Nos anos de 1950 e 1960 voltou a atuar, ainda que clandestinamente, no interior de
outros partidos, em especial no Partido Trabalhista Brasileiro (CUNHA, 1995).
Após 1960, o quadro partidário, pulverizado, tendia a se definir em dois grandes
blocos: um a favor de reformas reclamadas pelas classes trabalhadoras, e outro em defesa de
reformas propiciadas da maior acumulação do capital. Este confronto foi arbitrário em favor
do segundo bloco por uma intervenção militar em março/abril de 1964, que reduziu a atuação
política, chegando à cassação de mandatos parlamentares, à extinção dos partidos, à
intervenção dos sindicatos dos trabalhadores e à mudança das regras do jogo político que seu
apoio parlamentar esteve em desvantagem (CUNHA, 1995; NEVES 2000).
Estas explanações se devem ao fato de que a atuação política no Brasil celebra o termo
democracia e postula um conjunto de interesses com conseqüências paradoxais. A definição
mínima para democracia, segundo Noberto Bobbio (1987, p. 12) “é um regime onde existe
um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está
44
prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados”. Como a
participação direta é praticamente impossível nas sociedades complexas, os partidos políticos
surgiram, historicamente, como os únicos sujeitos autorizados a funcionar como elos de
ligação entre os indivíduos e o governo, acrescenta o autor.
Bobbio (1987) escreve que os países europeus viram ampliar e complexificar a
existência desse regime de governo, passando-se da democratização do Estado para a
democratização da sociedade, isto é, da democracia política para a democracia social:
O que acontece agora é que o processo de democratização, ou seja, o
processo de expansão do poder ascendente, está se estendendo da esfera das relações
políticas, das relações nas quais o indivíduo é considerado em seu papel de cidadão,
para a esfera das relações sociais, onde o indivíduo é considerado na variedade de seu
status e de seus papéis específicos, por exemplo, de pai e de filho, de cônjuge, de
empresário e de trabalhador, de professor e de estudante e até mesmo de pai de
estudante, de médico e de doente, de oficial e de soldado, de administrador e de
administrado, de produtor e de consumidor e de gestor de serviços públicos e de
usuário (BOBBIO, 1987, p. 54).
Para Bobbio (1987) e Cunha (1995) isto constituiu uma verdadeira reviravolta na
teoria e na prática da democracia. O princípio desse regime residia numa concepção
individualista de sociedade: os indivíduos soberanos criaram a sociedade política, sem corpos
intermediários (como as corporações das sociedades estamentais típicas da Europa medieval).
Daí a postulação de que a cada homem corresponde um voto. Em conseqüência ocorreu a
proeminência dos sujeitos políticos supra-individuais: grandes organizações, associações,
sindicatos e partidos, isto é, o povo dividido em grupos contrapostos e concorrentes. No
entanto, na Europa os partidos políticos continuam a ser as principais instâncias de agregação
de interesses, portadores de projetos coletivos para o conjunto da sociedade, competindo pelos
votos dos eleitores para poderem exercer, em seu nome, o poder do Estado sobre o conjunto
da população.
Dentro desse entendimento Cunha (1995) escreve que no Brasil, que passou por um
recente sistema de ditadura, o sistema partidário não chegou a se consolidar. Mais importante
do que os partidos têm sido os grupos corporativos e os candidatos defensores de interesses de
grupos profissionais, econômicos, religiosos, desportivos, entre outros, que se abrigam nos
diversos partidos conforme as conveniências momentâneas. Por isso, é possível dizer que no
Brasil acorreu uma precoce corporativização da vida política, sem que se aumentasse o
enraizamento social dos partidos políticos. Ainda que aquela complexa rede de organizações
45
de interesse tenha com eles algumas conexões, funciona com grande independência do
sistema partidário; embora a sociedade esteja, de fato mais organizada, o sistema partidário
não se fortaleceu
18
. Enquanto as organizações de interesses tendem a cristalizar o sistema
corporativo, o sistema partidário continua a ser o espaço de disputa e acomodação dos
interesses das elites regionais.
Ressalta ainda que essa dissociação é vista com preocupação por analistas políticos,
pelos efeitos negativos para a democracia no Brasil. De um lado o corporativismo pode servir
para reproduzir e confirmar as desigualdades existentes entre os diversos segmentos e classes
sociais. De outro o corporativismo pode potencializar uma nova força conservadora, a
despeito da retórica que enfatiza o caráter democrático da luta pelas reivindicações dos grupos
sociais cujos interesses cada entidade representa e que tem resultado em uma educação
excludente no Brasil.
As discussões que envolvem a democratização da educação e os seus desdobramentos
se tornam evidentes quando se tem presentes o perfil da pirâmide educacional brasileira
marcada por processos excludentes. Esses desdobramentos, por sua vez, reportam atualmente
à políticas baseadas em avaliações institucionais, conseqüentemente delegando a
responsabilização às instituições de educação.
E o que se entende por democratização da educação? A expressão é de uso corrente e
não tem sentido unívoco.
Para Aparecida Joly Gouveia (1981), em um primeiro momento, democratização da
educação pode referir-se às relações no interior da escola e particularmente às relações entre
professor e aluno, pois se acreditava que um relacionamento mais democrático ou igualitário
na escola facilitaria a aprendizagem.
Tradicionalmente concebida como uma relação assimétrica em que cabiam
unicamente ao professor a iniciativa e o controle da interação na sala de aula, passou a
atividade educativa a ser concebida como uma interação mais simétrica, que
respeitasse e encorajasse a participação do aluno, cujos interesses deveriam ser
reconhecidos, conforme postulavam os proponentes da progressive education”.
Inspirados pelas idéias de John Dewey, esse movimento difundiu-se no Brasil, através
dos escritos e da atuação dos pioneiros da Escola Nova. Estimuladas inicialmente
pelas teorias daquele filósofo e alimentadas por tentativas de inovação preconizadas
por pedagogos europeus, várias noções sobre a convivência ou mesmo a necessidade
18
É preciso estar atento para uma conseqüência paradoxal: “O efeito do excesso de politização pode ser a
revanche do privado. A participação multidirecional tem o seu reverso da medalha, que é a apatia política. O
custo que se deve pagar pelo empenho de alguns poucos é com freqüência a indiferença de muitos” (BOBBIO,
1987, p. 56-57).
46
de se modificar o estilo de trabalho do professor passaram a integrar o ideário nos
centros de formação (GOUVEIA, 1981, p. 12).
Por mais de uma razão, a idéia não encontra atualmente essa aceitação, e uma segunda
maneira de conceber a democratização da educação é a que parte da preocupação com o
problema das desigualdades educacionais, constatadas, em maior ou menor extensão, em
todas as sociedades contemporâneas. Neste sentido, “democratizar a educação, seria oferecer
a todas as camadas da população e a todas as categorias sociais iguais oportunidades de
freqüentar a escola e prosseguir na seqüência escolar” (GOUVEIA, 1981, p.13).
No Brasil, especialmente no período de 1920-1930, segundo Jorge Nagle (2001),
aliada ao ideário liberal, e em consolidação nas políticas públicas para a educação explicitava-
se a crença na possibilidade de reformar a sociedade pela reforma do homem. A essa crença
somaram-se ainda os movimentos chamados Entusiasmo pela Escolarização e Otimismo
Pedagógico, que culminaram em 1932, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.
Nessa direção, o entusiasmo pela escolarização caracterizou “a crença de que, pela
multiplicação das instituições escolares, da disseminação da educação escolar, será possível
incorporar grandes camadas da população na senda do progresso nacional” (NAGLE, 2001, p.
134). A partir da década de 50, quando Anísio Teixeira publicou Educação não é Privilégio, o
tema referente à democratização da educação despertou a atenção para um público mais
amplo, e as publicações sobre a democratização tornaram-se mais freqüentes.
Celso de Rui Beisiegel (1974) escreve que a democratização da educação no Brasil
veio ganhando extensão mediante o desenvolvimento de dois movimentos que se
complementam. O primeiro consiste no crescente aumento das matrículas nos vários níveis de
ensino e, especialmente, naqueles cursos entendidos como destinados à formação comum de
todos os habitantes. E a este propósito, adverte o autor, é conveniente observar que os
conteúdos da formação comum do cidadão e os cursos nela envolvidos também se alteram,
durante o período, como conseqüência direta da própria democratização das oportunidades.
O segundo dos movimentos consiste na gradual eliminação dos antigos diferentes
tipos de ensino de nível médio, destinados a diferentes tipos de clientela, e sua substituição
por um modelo único de escola (BEISIEGEL, 1974).
Gouveia (1981) analisa que o ideal de uma perfeita democratização da educação não
pode ser alcançada simplesmente mediante a oferta de vagas; nem mesmo quando, ao mesmo
47
tempo, se provê efetivamente às famílias recursos financeiros para que possam manter os
filhos na escola. A consciência da complexidade dos fatores de ordem extra-escolar que
dificultam a utilização socialmente indiferenciada das oportunidades oferecidas levou a um
novo enfoque para o problema, que passou a ser equacionado não simplesmente em termos de
igualdade de acesso à escola, mas, sobretudo, em termos dos resultados da escolarização. A
atenção se desloca, assim, do momento da entrada para o momento da saída.
Para a autora se iguais oportunidades de acesso à escola e se uma educação
indiferenciada, oferecida em uma escola comum, dirigida a todos, não eliminam as
desigualdades, conforme mostram as persistentes taxas diferenciadas de êxito escolar e a
trajetória acadêmica desigual de indivíduos pertencentes a diferentes grupos ou categorias
sociais, talvez a solução pudesse ser encontrada através de uma escola desigual, uma escola
em que aos menos aptos ou afeitos ao trabalho escolar oferecesse uma experiência mais
condizente com seus interesses e potencialidades.
Dessa forma, feita a separação, mesmo sem considerar os estigmas e
conseqüentemente os aspectos sociais mais amplos que uma política de escolas desiguais
poderia apresentar, especialmente no caso brasileiro, suscita, de um lado o reconhecimento de
que existem distorções na distribuição da educação e de outros bens sociais, mas que se
apresentam como naturais e transitórias; e de outro lado, a repetição fastidiosa de denúncias
que, contudo, não se fazem acompanhar de propostas concretas de mudança, quer seja no
sistema educacional, quer seja em políticas de emprego (GOUVEIA, 1981).
A importância desses aspectos atenta para as generalizadas representações que
entrelaçam escolaridade e emprego, representações essas que, orientam projetos de vida e
legitimam destinos desiguais. Os sujeitos aqui focalizados inserem no tema, na medida em
que as discussões sobre a democratização do acesso à educação convergem para o problema
mais amplo das desigualdades sociais
19
.
19
“Boa parte dos problemas que estamos enfrentando com a educação básica nacional advém do próprio formato
ideológico do projeto liberal hegemônico, agora “sob nova direção”: ele reduz qualidade a acesso
supostamente como uma primeira etapa da universalização. Mas, antes de ser uma etapa em direção à qualidade
plena da escola pública, é um limite ideológico. Os liberais admitem igualdade de acesso, mas como m uma
ideologia baseada na meritocracia, no empreendedorismo pessoal, não podem conviver com a igualdade de
resultados sem competição. Falam de igualdade de oportunidades, não de resultados (quando instados a falar de
igualdade de resultados, dizem que ela chegará com o tempo; por exemplo, um IDEB de 9,9 virá em 2095, tal
como a “liberdade, igualdade e fraternidade” viria). Para eles, os resultados dependem de esforço pessoal, uma
variável interveniente que se distribui de forma “naturalmente” desigual na população, e que deve ser uma
retribuição ao acesso permitido. Eles não podem aceitar que uma espécie de “acumulação primitiva” (Marx) ou
um ethos (Bourdieu) cultural sequer interfira com a obtenção dos resultados do aluno. Se aceitassem, teriam de
48
As inferências e especulações sobre fatores associados à obtenção da escolaridade e,
particularmente, a respeito da relação entre escolaridade e emprego giram em torno de um
assunto que constitui em nossos dias não apenas objeto de debate acadêmico, mas
principalmente, se apresentam como fonte de dúvidas e ansiedades no plano das decisões
pessoais desses sujeitos.
Em relação à educação superior a democratização de vagas nas escolas mantidas pelos
poderes públicos e, de igual modo, pelas instituições privadas envolvidas com este nível de
ensino, não veio acompanhando a expansão da procura de oportunidades, segundo Beisiegel
(1974).
Os grandes números anuais de diplomados pelas escolas de nível médio e os
excedentes acumulados da procura de vagas não atendida propiciaram o aparecimento
de um novo tipo de escola: o empreendimento voltado para a realização do lucro,
independentemente de outras considerações. A existência deste novo tipo de escola
provocou uma gradual relativização das representações coletivas outrora vigentes a
propósito desse nível de ensino. Amplos setores da população antes excluídos de
quaisquer possibilidades de ingresso na escola superior passaram a entendê-lo como
objetivo agora viável. Pouco a pouco, as barreiras ao ingresso na escola superior
foram sendo eliminadas. A existência desse novo tipo de escola possibilitou a
multiplicação de sua própria clientela e, por sua vez, os grandes contingentes de
candidatos daí resultantes abriram perspectivas mais promissoras à ampliação dos
investimentos nos negócios do ensino (BEISIEGEL, 1974, p. 388).
Em relação à trajetória da democratização da educação superior, o autor escreve que,
coexistem, pois, no ensino superior brasileiro, dois pólos, no primeiro, a escola que de certo
modo é a continuidade ao ensino superior que veio sendo constituído no país desde os tempos
de D. João VI, seletivo e elitista, caracterizado por crescentes índices de competição em torno
de poucas vagas disponíveis e, no outro pólo, escolas criadas para absorver toda clientela que
puderem alcançar, exigindo dos candidatos somente a indispensável habilitação legal de nível
médio e o rigoroso pagamento das mensalidades. No espaço delimitado entre estes dois
extremos, uma ampla variedade de situações confere ao ensino superior brasileiro uma
fisionomia bastante complexa.
Assim, acrescenta Beisiegel (1974), também o ensino superior evoluiu em direção a
uma relativa democratização de oportunidades de acesso. É bem verdade que sua
admitir as desigualdades sociais que eles mesmos (os liberais) produzem na sociedade e que entram pela porta da
escola. Isso faz que a tão propalada eqüidade liberal fique, apesar dos discursos, limitada ao acesso ou ao
combate dos índices de reprovação” (FREITAS, 2007, p. 967-968).
49
transformação não pode ser comparada às mudanças observadas, nos outros níveis, onde a
abertura das oportunidades se fez mediante a multiplicação das vagas em escolas públicas
gratuitas. “Mas é perfeitamente cabível afirmar que, hoje, mesmo o adolescente ou o adulto
analfabeto têm possibilidades reais de ingressar no ensino comum e caminhar ao longo da
escolaridade até a obtenção de um diploma do ensino superior” (BEISIEGEL, 1974, p. 388).
3.2 O Pluralismo da Educação Superior no Brasil
A forma de colonização no Brasil engendrou especificidades no campo educacional
marcado pelo pragmatismo e nas palavras de Anísio Spínola Teixeira (1998, p. 75), na análise
geral da instituição universidade, são que “nenhuma outra instituição parece ser tão natural
como esta e evolui, como as coisas naturais, por leis próprias ou sem lei nenhuma. Deixa levar
e, desse modo, se transforma, como se está transformando”. E com relação à educação
superior no Brasil, acrescenta “o mesmo se está dando conosco. As nossas escolas superiores
deixam-se ir e vão, assim mudando, aos trancos e barrancos, e de repente, se vêem
diferentes...” (TEIXEIRA, 1998, p. 75).
Estas afirmações, escritas e proferidas em 1960 e publicadas, pela primeira vez, em
1964, ao mesmo tempo em que designam as disparidades da educação superior brasileira,
instigam a compreensão da defesa do autor pela democracia e da educação pela democracia,
influenciado pelo filósofo John Dewey, com quem estudou. Em suas publicações, Anísio
Teixeira examina a implantação e a evolução desse nível de ensino, destaca a escassez de
esforços para a implantação de um sistema de educação superior no país e examina também a
legislação da educação superior em sua época, procurando avaliar em que medida a
reestruturação da instituição universidade garantiria o desenvolvimento de uma cultura
nacional.
Quando a inexistência de universidades no Brasil, a defesa dessa instituição e os seus
efeitos para o desenvolvimento da história e da cultura de um país aparece em seus discursos
e publicações. “A universidade e´, pois, na sociedade moderna, uma das instituições
características e indispensáveis, sem a qual não chega a existir um povo. Aqueles que não as
tem, também não tem existência autônoma, vivendo tão somente, como um reflexo dos
demais” (TEIXEIRA, 1998, p. 86).
50
Em seus discursos, fazia os questionamentos e os respondia.
Por que universidade, por que ensino superior, se existem livros e se os livros
contêm toda a cultura humana? Já reparastes, entretanto, que a nenhum povo da
história ocorreu esse ovo de Colombo? Já notastes que, muito pelo contrário, a
imprensa e o livro condicionaram o surto das universidades? Não. A função da
universidade é uma função única e exclusiva. Não se trata somente de difundir os
conhecimentos. O livro também os difunde. Não se trata, somente, de conservar a
experiência humana. O livro também a conserva. Não se trata, somente, de preparar
práticos ou profissionais de ofícios ou artes. A aprendizagem direta os prepara, ou, em
último caso, escolas muito mais singelas do que universidades (TEIXEIRA, 1998, p.
87).
Nos escritos de Anísio Teixeira, percebe-se a influência dos modelos de universidade.
Ao citar: “A universidade é, em essência, a reunião entre os que sabem e os que desejam
aprender” (TEIXEIRA, 1998, p. 88), percebe-se a influência do modelo alemão. O modelo
inglês e alemão ao registrar a defesa da convivência de professores e alunos, que cria a
atmosfera da universidade: “O saber não é um objeto que se recebe das gerações que se
foram, para a nossa geração, o saber é uma atitude de espírito que se forma lentamente ao
contato dos que sabem” (IDEM).
A defesa da universidade brasileira também acompanha seus discursos, ainda em
1960:
Quase cinco séculos depois, possuímos seis universidades, das quais apenas
uma tem, além de objetivos práticos e profissionais, objetivos de cultura
desinteressada e de preparação para a carreira intelectual. Pois neste nosso país que
não é, positivamente, a pátria das universidades, começamos a nos organizar, com
rumores em volta de nós de que somos demais, de que nos sobram instituições de
cultura superior e nos faltam escolas primárias. (...) É que nenhum país do mundo, até
hoje, julgou possível construir uma cultura de baixo para cima, dos pés para a cabeça.
Para haver ensino primário, é necessário que exista antes o secundário e para que o
secundário funcione, é preciso que existam universidades (TEIXEIRA, 1998, p. 90-
91).
Anísio Teixeira (1998) descreve que, em rigor, no Brasil, a universidade nunca foi
propriamente humanística nem de pesquisa científica, mas simplesmente profissional, à
maneira de algumas universidades mais antigas.
Na realidade, como descreve o autor, a universidade brasileira não teve nem influência
inglesa, nem influência americana, mas francesa e certos lampejos germânicos são as forças
mais visíveis e no fundo, o substrato português e talvez ibérico.
51
A especificidade no campo educacional superior brasileiro marcado pelo praticismo,
apresentada nos discursos de Anísio Teixeira que a denominou em “crise moral”, reflete
atualmente, as disparidades decorrentes dessa especificidade e é tratada por outros autores, em
outras crises. Dilvo Ilvo Ristoff (1999), por exemplo, se refere às crises financeira, do
elitismo e de modelo, e em relação à crise do modelo, esclarece se trata de educação superior
e não de universidades e que a educação superior é uma atividade de funções múltiplas e com
objetivos múltiplos.
Pedro Goergen (2005) afirma que a crise da universidade acontece em tripla dimensão:
a crise conceitual, a crise contextual e a crise textual. Para Goergen (2005), a variedade entre
as instituições acadêmicas de nível superior no país dificulta a clareza do que deve ou não ser
uma universidade e esse é o aspecto da crise conceitual.
tanto instituições de excelência que fazem jus ao nome “universidade”,
isto é, que tem cursos, instalações e corpo docente adequados, até aquelas que,
embora também se digam universidades, não dispõem de nenhuma dessas
condições. Em razão dessas disparidades, muitos autores preferem não falar de
universidades, mas de instituições de educação superior (GOERGEN, 2005, p. 11).
A crise contextual, acrescenta o autor, diz respeito à relação entre universidade e
sociedade e às profundas transformações que atualmente se encontram em curso ressaltando a
relevância que assume hoje a ciência e a tecnologia no mundo contemporâneo.
Falamos de “sociedade do conhecimento” e sabemos que ciência e tecnologia
se tornaram o principal fator produtivo. Além desse aspecto central, outros como
mobilidade social, a instabilidade no meio profissional, a agilidade da disseminação
de informações e conhecimentos pela mídia e a globalização econômica e cultural que
têm enorme repercussão sobre a universidade desestabilizando seus procedimentos e
estruturas tradicionais (GOERGEN, 2005, p. 11).
E por fim, a crise textual abrange os textos internos da universidade, seus conteúdos,
suas formas de ensino, sua relação com a ciência e a tecnologia e com os sentidos éticos e
sociais daquilo que faz ou deixa de fazer, como escreve Goergen (2005).
52
O foco e o direcionamento deste trabalho é a educação superior
20
, a educação pós-
médio
21
. É a educação que atende aos movimentos de transformação, com funções e objetivos
múltiplos. E nas palavras de José Dias Sobrinho (2005. p. 35) “abrem tantas perspectivas de
diversificação que não se pode mais falar de universidade. É bastante conhecida a
expressão multiversidade
22
”. E ainda, como acrescenta o autor, põe em foco as modificações
organizacionais e a fragmentação das funções. Mesmo assim, não contempla o universo de
instituições de estudos superiores. Mais abrangente, ainda que mais vaga, é a expressão
educação superior. Comporta os diversos tipos de universidade e instituições não
universitárias, de nível superior.
Para ordenar a discussão do pluralismo da educação superior, é importante recuperar a
relevância social desse nível de ensino para a formação humana, o que leva a refletir sobre sua
diversidade e seu papel social. Portanto, os questionamentos sobre a diversificação e
diferenciação e os sentidos de pertinência na educação superior, tornam essa discussão, um
complexo exercício.
Jorge Landinelli (2008) aponta para um panorama regional, referindo-se à América
Latina, em que as instituições de educação superior diferem entre si em múltiplos aspectos,
tais como, as finalidades e circunstâncias de sua criação, sua organização e seus propósitos,
20
José Dias Sobrinho (2005, p. 35) escreve que “muitas vezes a expressão educação superior incorpora
atividades que não seriam propriamente de vel superior; dque se faz necessária também a expressão ainda
mais imprecisa e abrangente de educação pós-secundária”. Escreve ainda, “uso universidade quando pretendo
insistir nas funções mais amplas de ensino, pesquisa e extensão em diversas áreas do conhecimento” (...) “Já
“educação superior” é uma expressão que, incluindo, embora não necessariamente a “universidade” e, até
mesmo, atividades “pós-secundárias” ou “pós-médias”, compreende também as instituições dedicadas,
principalmente, e, muitas, vezes, exclusivamente, ao ensino. Hoje, o ensino praticado nas instituições de nível
superior, especialmente as mais recentemente criadas e de menor porte, está bastante direcionado à capacitação
técnico-profissional, isto é, a preparação de mão-de-obra. De qualquer modo, a não ser quando se justifique por
razões específicas, evito sempre a designação “ensino superior”, por considera-la redutora” (IDEM).
21
A Resolução 1, de 3 de abril de 2002 institui Diretrizes Operacionais para a Educação Básica, constituindo
como Educação Básica: a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e Médio, a Educação de Jovens e Adultos, a
Educação Especial, a Educação Indígena, a Educação Profissional de Nível Técnico e a Formação de Professores
em Nível Médio na Modalidade Normal. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB012002.pdf. Acesso em: 14 abr 2008.
22
O termo multiversidade foi usado por Clark Kerr para caracterizar o pluralismo típico da universidade
americana. Foi apresentada pelo autor como “a primeira ilustração do campus multifacetado”. Tal característica
estaria praticamente em tudo: no surgimento de faculdades diretamente profissionais; na criação de faculdades
isoladas; nas doações de terras pelo governo federal, a partir de 1862, para a instituição de novas faculdades
(land gant colleges); na subdivisão das faculdades em departamentos; na multiplicação dos cursos; na maior
individualização do currículo pelas disciplinas eletivas; e assim por diante. KERR, Clark. Os usos da
Universidade. Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1982.
53
seu tamanho e modalidade de financiamento, sua adaptação no entorno territorial e sua
especial conexão com as necessidades de sua região. Acrescenta que esses fenômenos de
diversificação organizativa, de diferenciação das missões institucionais e de segmentação
social, não são variações evolutivas ou alterações regulares derivadas de missões estratégicas,
das práticas acadêmicas, dos preceitos éticos, das noções discursivas e simbólicas que
sedimentaram a matriz universitária tradicional. E esses acontecimentos, escreve o autor, o
suscetíveis de ser desagregados analiticamente e que em grau variável podem ser verificados
em países latino-americanos e caribenhos, demarcando modelos orgânicos formados por
subsistemas de magnitudes contrastantes.
No Brasil a educação superior é formada por diversas instituições: públicas ou
privadas, laicas ou confessionais, autônomas ou dependentes, nacionais, estaduais ou
municipais, de elites ou de massas, de investigação ou de pura capacitação profissional, de
financiamento de origem estatal ou privado, sem fins de lucros ou comerciais, de governo
político de origem acadêmica ou de gerenciamento empresarial. Cada vez mais, tem-se
consolidado, de modo progressivo, um quadro diversificado e de notável dispersão ao qual
tem-se agregado, nos últimos tempos, a potente gravitação do sistema educativo
transnacional, presencial ou à distância, através de diferentes programas que conduzem a
titulações avançadas.
No caso brasileiro, a diferenciação institucional decorre dentre outros fatores, do
modelo universitário adotado desde a Lei n.5.540 de 1968, Lei da Reforma Universitária; com
isso, os princípios da associação ensino, pesquisa e extensão estabeleceram a dualidade
institucional, com universidades de pesquisa e universidades de ensino representadas pelas
instituições de educação superior. Decorre também do Artigo 45 da Lei de Diretrizes e Bases
9.394 de 1996 que se restringe à afirmação: “A educação superior será ministrada em
instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou
especialização”. Tais graus de abrangência ou especialização resultam dos decretos que
estabelecem distinções para o sistema de educação superior como: Instituição de Ensino
Superior (IES) Públicas, IES Privadas sem fins lucrativos e IES Privadas com fins lucrativos.
Esses fatos como plataforma legal ou jurídica ancoram uma série de ações de reforma em
grande medida identificada com as recomendações de organismos multilaterais, mas também
defendidas por analistas e mentores nacionais da modernização do sistema de educação
superior do país.
54
A diferenciação e a diversificação flexibilizadas pela Lei de Diretrizes e Bases de
1996 têm como princípios orientadores, um sistema que objetiva a expansão e a massificação
da educação superior no Brasil. Os processos de multiplicação das instituições têm provocado
também uma mutação qualitativa condensada na marcada diferenciação dos sistemas, os quais
são integrados por organismos que não participam dos objetivos comuns e são cada mais
heterogêneos em relação às suas finalidades.
Em relação à população estudantil, que engloba indivíduos de origem social
consideravelmente em desvantagens, não é comparado com o que antes configurava o mais
exíguo, elitista e uniforme estudante universitário, proveniente de uma parte reduzida da
sociedade e de um entorno cultural homogêneo. A ampliação das matrículas fez com que
grupos antes desprezados, alcançassem níveis mais elevados de educação, no entanto,
constata-se que este grupo de alunos tem capital cultural desvantajoso e dificuldades em suas
biografias acadêmicas.
Quanto à pertinência, é tratada aqui, no sentido pontual da democratização ao acesso e
da permanência na educação e o que os indivíduos de uma dada realidade social reivindicam
como sendo suas demandas e seus valores. Essa pertinência, no entanto, reporta às realidades
sociais, ou seja, “é fazer da educação um fenômeno que eleve os interesses particulares em
categorias de valor público, assim construindo as bases de uma cidadania pública” (DIAS
SOBRINHO, 2005, p. 92).
Na Conferência Mundial sobre o Ensino Superior, ocorrida em outubro de 1998, em
Paris (UNESCO, 1999) foi elaborado o documento de trabalho: O ensino Superior no Século
XXI: visão e ação, baseado em quatro sínteses: Pertinência, Qualidade, Gestão e Finanças e
Cooperação Internacional.
No que se refere à pertinência, o documento (UNESCO, 1999, p. 102) apresenta que a
educação superior deve ser essencialmente concebida em função de seu papel e seu lugar na
sociedade, de sua missão de educação, pesquisa e prestação de serviços que dela decorrem,
assim como de seus laços com o mundo do trabalho, no sentido mais amplo, de suas relações
com o Estado e as fontes de financiamento públicas e de suas interações com os outros níveis
e formas de ensino.
O documento também traduz alguns sentidos de pertinência como: ir ao encontro das
políticas, de forma que as necessidades de desenvolvimento do país e das regiões sejam
colocadas no centro da visão política e das prioridades de ação; ir ao encontro do mundo do
55
trabalho, para que este possa contribuir, através de suas missões, para enfrentar as mudanças;
ir ao encontro dos outros níveis do sistema educativo, de tal maneira que se crie uma
verdadeira cadeia educativa; ir ao encontro da cultura e das culturas, de tal maneira que as
heranças culturais sejam preservadas; ir ao encontro de todos, em todos os lugares e todas as
épocas, através de uma maior flexibilidade dos instrumentos de formação e ir ao encontro dos
estudantes e dos professores, de tal maneira que estes sejam considerados como pessoas em
formação e como recursos que devem ser administrados segundo os princípios da equidade e
do mérito.
Coincidindo com as descrições do documento, Dias Sobrinho (2008) afirma que a
pertinência está enraizada na realidade social, ou seja, desde a raiz, e educação é um bem
público e um direito de todos, portanto, deve estar organizada como um sistema formado por
todos os níveis formais e informais e deve incluir o conjunto da ciência e tecnologia. Aponta
também que a educação superior pode ter um destaque para a preservação e o
desenvolvimento das culturas locais.
Mais importante, ainda, é a premissa, de que, segundo Dias Sobrinho (2008), a
educação é um bem público rechaça a visão da educação como mercadoria e, por isso, são
importantes os processos sociais que promovam as Instituições de Educação Superior cujas
atividades respondam com pertinência e relevância que é a missão que a sociedade espera
delas.
Ao discutir a pertinência e as realidades sociais da educação superior, o autor os
relaciona com os níveis anteriores e, sobretudo, com as políticas e ações para melhorar a
formação dos estudantes e professores, pontuando que a heterogeneidade das instituições de
educação básica produz seus efeitos nos seguimentos mais desfavorecidos, e as lacunas sobre
a equidade vão aumentando na medida em que o nível educativo também aumenta.
No sentido de convergir à pertinência com a democratização do acesso e a
permanência, as instituições educativas não se descaracterizam quando praticam seu exercício
de responsabilidade social. Ao contrário, os exercícios da pertinência e seu atendimento às
realidades sociais, fundados na autonomia e na crítica, constituem as bases para identificar as
prioridades no sentido social e público atendendo as demandas e as carências.
“A democratização na educação superior não se cumpre somente com uma ampla
cobertura” (DIAS SOBRINHO, 2008, p. 8). As políticas públicas, ainda segundo o autor,
devem levar em consideração que, em relação aos estudantes de educação superior, não se
56
trata somente do acesso, mas também de os manterem estudando, graduarem-se e alcançar
empregos adequados e coerentes com sua formação; isto irá permitir que as pessoas se tornem
cidadãos mais responsáveis, tendo oportunidades para desfrutar uma vida plena e poder
exercer a totalidade de seus direitos sociais.
Por sua vez, Carlos Tunnermann Bernheim (1997) afirma que a pertinência na
educação superior se expressa melhor através da variedade de serviços acadêmicos que presta
à sociedade. Em relação aos estudantes declara que a preparação para a vida profissional
requer também maior ênfase no desenvolvimento pessoal dos estudantes e, que a demanda de
graduandos e de programas de estudo poderia representar uma oportunidade de revitalizar as
humanidades e as artes na educação superior e ainda, abrir novas possibilidades de vínculos
cooperativos com diferentes organizações públicas.
3.2.1 Informes Quantitativos da Educação Superior Brasileira
Atualmente a educação superior no Brasil expressa, numericamente, resultados que
impressionam, pois se tratando de 5.311.895 de matrículas totais (Censo 2006), levando em
conta as matrículas de todas as idades, matrículas presenciais e à distância, os números se
tornam representativos comparativamente com outros países da América Latina, onde as
matrículas não ultrapassam, numericamente, a casa dos milhões, mas observando as
porcentagens em relação à população e, comparativamente com as porcentagens de matrículas
com os mesmos países da América Latina
23
, os resultados são menos expressivos.
Nos comentários do Censo de 2006, publicado em dezembro de 2007, pelo Instituto
Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira - Inep e pelo Ministério da
23
“Do conjunto de países pertencentes à América Latina, o Brasil é um dos que apresenta menor índice de
acesso à educação superior. A porcentagem de matriculados da população de 18 a 24 anos não alcança 12%.
Comparados com os 39% que a Argentina apresenta, 37% do Chile, 35% do Uruguai, 29,5% da Venezuela e
20,6% da Bolívia, os números brasileiros são preocupantes. Pior quando os dados estatísticos correspondem a
um país que, em termos econômicos, em 2005, ocupou o 16° lugar na ordem das economias mundiais. A
realidade da educação superior é tão negativa, que nas análises desenvolvidas por López Segrera em “Notas para
um estudo comparado da educação superior a nível mundial”, afirma que a América Latina e o Caribe é a região
com a maior desigualdade de distribuição de riquezas do planeta. (...) e os dados brasileiros seguem essas
tendências, no sentido que resulta no paradóxico que a 16ª economia mundial tenha índices de desenvolvimento
humano (IDH) inferiores (o Brasil não consegue superar o 70° lugar nos últimos três últimos índices anuais
apresentados pela Organização das Nações Unidas) há países da região muitíssimos mais pobres, menores e com
economias não tão poderosa como a brasileira (Chile, Argentina e Uruguai geralmente têm oscilados nesses
estudos entre 30° e 42° lugar)” (HERMIDA, 2006, p. 208-209).
57
Educação - MEC aparece que pela primeira vez as matrículas na graduação ultrapassaram os
20% da população brasileira, que é a taxa bruta.
Vale apresentar aqui dois registros: o que se traduz por taxa bruta e taxa líquida e o
que essa porcentagem de matrículas representa no contexto de Brasil.
A UNESCO considera a taxa de escolarização bruta na educação superior a razão
entre a matrícula total na educação superior (nível de graduação), independentemente dos
alunos matriculados e a população na faixa etária teoricamente adequada (5 anos contados a
partir do ensino médio; no Brasil seria de 18 a 22 anos). Tendo em vista que no Brasil, em
virtude de muitos alunos concluírem o ensino médio com idade superior a 18 anos em função
dos elevados índices de repetência na educação básica, este indicador pode apresentar alguma
distorção, pois uma parcela considerável de alunos matriculados na educação superior possui
idade acima de 24 anos.
O Plano Nacional de Educação (2001) foi elaborado no auge da expansão quantitativa
da educação superior e a ação de ampliação direciona para atingir, até 2011, a meta de 30% da
população da faixa etária de 18 a 24 anos, que é a taxa líquida, estarem matriculados na
educação superior.
A meta do Plano Nacional de Educação abrange somente a taxa líquida e, neste
contexto, a educação superior brasileira é considerada de elite, considerando a classificação
que Martin Trow (1973) estabeleceu, com bases em números e porcentagens, para caracterizar
o sistema de educação superior de um país, quanto ao seu atendimento à população na faixa
etária de 18 a 24 anos. Quando a educação superior de um país atinge até 15% dessa
população, o sistema de oferta é caracterizado como de elite. Tendo a oferta alcançado 40%
dos jovens, o sistema pode ser classificado como de massa. Se, porém, o alcance for mais que
50% estará caracterizada uma educação superior de sistema universal.
Segundo o Censo da Educação Superior (2006), o Brasil atingiu a taxa líquida de
12,1%, e com esta porcentagem, é considerada de elite.
As taxas, quando analisadas permitem comparações nacionais e internacionais, porém
tendem a reduzir os objetivos gerais da educação a meros aspectos quantitativos direcionando
suas orientações e a educação superior ganhou nas últimas décadas um espaço significativo,
nos eixos políticos e mercadológicos, muito mais em função da orientação imposta pelos
últimos governos, do que pelos resultados.
58
Os dados da educação superior, analisados nos âmbitos de matrículas ou de
porcentagens comparativas, indicam que o país ocupa uma posição extremamente
desfavorável, ainda que tenha apresentado uma expansão nas matrículas de graduação, de tal
forma que de 1960 a 2006, as matrículas cresceram 57 vezes (MEC, 2006). Cabe ressaltar,
contudo, que este aumento se deu de forma distinta entre as redes pública e privada e
principalmente em relação à graduação presencial e à graduação à distância
24
. Assim é que,
enquanto nesse mesmo período de 1960 a 2006, as matrículas de graduação presencial na rede
privada cresceram 84 vezes (de 41.000 para 3.467.342), na rede pública o aumento foi de 23
vezes (de 52.000 para 1.209.304). O resultado desse processo é que, se em 1960 o setor
privado respondia por 44% das matrículas de graduação, em 2006, essa participação passou
de 74,1%, tornando o Brasil um dos países com mais elevado grau de privatização desse nível
de ensino.
Em relação às matriculas por turno, a educação superior brasileira “é essencialmente
noturna e privada, pois se trata de uma lógica estrutural de natureza, antes de tudo,
econômica, mas também cultural” (RISTOFF, 2006, p. 89).
A realidade educacional brasileira apresenta um conjunto de singularidades, pois
recebe estudantes que estão inseridos na produção capitalista e chegam às escolas,
educação básica ou educação superior, esgotados do trabalho, resultando com isso, um grande
índice de evasões, reprovações, desistências, fato que contribui para a formação de um
contingente desqualificado.
Segundo o Censo as Educação Superior (2006), as matrículas noturnas representam
69,2% nas instituições privadas e 37% nas instituições públicas e nas palavras de Dilvo
Ristoff : “inescapável a conclusão de que a principal oportunidade para o aluno pobre e
trabalhador é o ensino superior privado, noturno, pago, não o público e gratuito” (2006. p.
89).
Ainda segundo Ristoff, ao analisar os dados do Exame Nacional de Desempenho dos
Estudantes (ENADE, 2005) verifica-se entre os estudantes matriculados na educação superior
algumas características:
24
Ainda que, segundo o Censo 2006, a evolução das matrículas de graduação à distância (EAD) foi mais de
315% de 2003 a 2006, a evolução dos cursos foi mais de 571%, para o mesmo período, a evolução do número de
inscritos foi mais 1.867% e a evolução dos concluintes foi mais de 544%, também para o mesmo período (MEC,
2006), neste trabalho serão analisados os dados e as formas de acesso na graduação presencial.
59
Entre os matriculados, o aluno típico é do sexo feminino (56%), solteira, vem
de famílias que ganham até 10 salários mínimos, não recebe bolsas de estudos ou
financiamentos para estudar, tem pais com escolaridade mínima de ensino médio e
superior, lê no máximo dois livros por ano, excetuando-se os livros escolares, lê
jornais apenas ocasionalmente, e apenas 14% do total lê jornais todos os dias. O aluno
típico utiliza a televisão para se manter atualizado sobre os acontecimentos do mundo.
(...) o acervo da biblioteca da sua instituição é a sua principal fonte de pesquisa, mas
reclamam do acervo bibliográfico. Cerca de 90% tem acesso à internet (RISTOFF,
2006, p. 91).
Em relação à dedicação aos estudos:
Esse aluno típico estuda no mínimo uma hora e, no máximo, 5 horas
semanais. Mas por que estuda tão pouco? Provavelmente porque o aluno típico estuda
à noite e trabalha durante o dia. (...) tem no cinema sua principal fonte de laser.
Participa principalmente de eventos promovidos pela própria instituição. Ou seja, a
vida cultural e acadêmica desses alunos se principalmente no campus (RISTOFF.
2006, p. 91).
As análises do crescimento apresentado e as metas de inserção desses estudantes na
educação superior, propaladas como instrumentos para a democratização do acesso da
população à educação superior, não demonstram que tenham a possibilidade de ser realmente
democráticas, pois o problema real é a qualidade da educação básica pública, aliada à visão de
educação privada como empresa lucrativa e à discutível qualidade de formação oferecida por
esta.
3.2.2 A Expansão e Limites da Demanda e o Aproveitamento das Vagas Ociosas
Em relação ao aumento da demanda, Dias Sobrinho (2005, p. 67) escreve que “um dos
aspectos mais notáveis das transformações da educação superior na segunda metade do século
XX consiste nos intercâmbios internacionais que se estabelecem entre instituições, entre
acadêmicos e entre decisores políticos”. Essas transformações derivam na implementação de
programas financiados e de práticas de assistência cnica, desenvolvidas de modo a
redesenhar as políticas educativas locais, especialmente nos países periféricos.
Escreve ainda o “fenômeno conhecido por modernização” (p. 68), e aponta que um
dos aspectos desse fenômeno correspondeu à urbanização, que é a migração populacional do
60
campo para a cidade que fez aumentar consideravelmente a demanda por educação,
primeiramente nos níveis primário e secundário, e, anos mais tarde, no superior. Associado a
isso, a intensificação da ascensão feminina na sociedade.
O autor aponta também para a crença no poder da educação de incrementar o
autodesenvolvimento individual:
Na década de 1960, propagou-se a crença de que a educação é a principal
propulsora da prosperidade. Segundo a noção então amplamente assumida, educação
gera desenvolvimento, desenvolvimento produz progresso e o progresso é sempre
positivo. Essa crença na educação como determinante da prosperidade econômica e do
progresso é contemporânea da emergência da teoria do capital humano, que acabou
dando a direção e o estímulo para a expansão dos sistemas de educação. De um modo
enfático, os organismos supranacionais, como OCDE e Banco Mundial, valorizavam o
ensino técnico, de preferência de curta duração, como sendo a melhor estratégia para
os países emergentes (DIAS SOBRINHO, 2005, p. 68).
No final do século XX, a utopia social, ou seja, a crença que a expansão da educação
superior seria o motor do desenvolvimento e o caminho que conduziria à realização de uma
nova sociedade, cedeu lugar, segundo o autor, à função econômica. Sob o argumento de que
havia uma demanda reprimida
25
, em grande medida relativa ao fato de que as instituições
públicas de educação superior não vinham respondendo a contento à oferta de vagas,
estimulou-se a proliferação de instituições e cursos de natureza privada, a partir de 1990.
Analisando os Censos da Educação Superior publicados pelo MEC (2004) verifica-se
que a demanda por educação superior, medida pelo total de inscritos nos exames vestibulares,
cresceu 161,6% entre 1990 e 2002. No mesmo período, a oferta de vagas ampliou-se em
252,6%. Com a expansão da oferta, reduziu-se a proporção de candidatos por vaga, de 3,8
para 2,8. No entanto, distintas tendências podem ser identificadas entre os setores público e
privado. Para as instituições públicas, houve aumento significativo dessa relação (de 5,7
candidatos por vaga, em 1990, para 8,9, em 2002), nas instituições privadas, houve uma
retração nessa proporção para o mesmo período (de 2,9 para 1,6).
25
A despeito da tendência identificada (demanda reprimida), nos países que integram a Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cerca de 78% dos gastos realizados com a educação
superior, em 2000, eram de natureza pública; inclusive àqueles reconhecidamente mais pobres, como xico e
Turquia, registravam valores acima desse valor médio. Para o atendimento dessa demanda, a opção assumida
pelo Estado Brasileiro, ao longo dos últimos mandatos presidenciais, foi a de transferir para o setor privado a
tarefa de atender, de forma preponderante, a demanda por esse tipo de formação (CORBUCCI, 2004).
61
Com referência ao índice de aproveitamento das vagas, verifica-se nas instituições
públicas, houve um acréscimo de 81,4%, em 1990, para 95%, em 2002. Ao passo que nas
instituições privadas o movimento foi inverso, de 80,8%, em 1990, para 62,6%, em 2002.
Em relação ao cenário atual do setor privado brasileiro Carlos Monteiro e Ryon Braga
(2007, p. 2) afirmam que “foi fácil prever o fim da expansão da demanda para o setor. Bastou
acompanhar os indicadores demográficos, de matriculados no ensino médio e de renda”.
Referindo-se a taxa de ingressantes, Monteiro e Braga (2007, p. 2) afirmam que “desde de
2001 sabíamos que a partir de 2005 o crescimento da demanda de ingressantes seria muito
pequeno, quando comparado com o período de 1997 a 2003, que chegou a ser mais de 150%
no total”.
Na verificação desses dados, pode-se questionar que o modelo de expansão da
educação superior centrado na iniciativa privada encontra limites que podem comprometer a
própria sustentabilidade da oferta, tendo em vista a capacidade de demanda da sociedade e
nesse sentido, a ampliação da oferta de vagas não constitui a condição suficiente para
assegurar a democratização do acesso à educação superior.
No intuito de assegurar o preenchimento de parte das vagas ofertadas pelo setor
privado, foi instituído, em 1999, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior
(FIES), destinado a alunos com certo nível de insuficiência econômica. Concebido para
substituir o antigo Programa de Crédito Educativo, o FIES foi desenhado para tornar-se
autofinanciável, ao contrário do vinha ocorrendo com o antecessor. Apesar disso, atualmente,
a taxa de cobertura da população-alvo do programa se mantém bastante distante da demanda,
tanto pelo fato de sequer atender 10% (454,6 mil pessoas em todo o Brasil em 2007) do total
de matriculados no setor privado como também por os índices de inadimplência
26
haverem
26
Um em cada quatro alunos está inadimplente no ensino superior, nas instituições privadas paulistas. Os dados
foram divulgados em 11 de outubro de 2007 através do Sindicato das Entidades Mantenedoras de
Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Semesp). Segundo a entidade, a taxa atual de
inadimplência dos estudantes universitários é de 23,7%, bem maior que a registrada no crediário (6%) e também
que o índice de cheques sem fundos no País (2%), em referência à data que os dados foram divulgados. Também
segundo a entidade, a inadimplência é menor entre as instituições que atendem a classe D, que esses alunos
passaram a ser beneficiados pelo Programa Universidade para Todos (Prouni), do Governo Federal. Por meio
desse programa, estudantes de renda baixa recebem bolsas de 50 a 100% no ensino superior privado e para esses
estudantes, o índice ficou em 3,1%, semelhante ao registrado em universidades voltadas para a classe A, de 3%.
CAFARDO, Renata. Um em cada Quatro Alunos está Inadimplente no Ensino Superior. O Estado de São Paulo,
São Paulo, 11 out. 2007. Educação, A23.
62
subido nos últimos anos. O índice de inadimplência do Fundo de Financiamento ao Estudante
do Ensino Superior FIES supera os 30%.
Segundo uma projeção feita pela Caixa Econômica Federal e pelo Ministério da
Educação
27
cresce a participação das classes C e D na educação superior. Nessa projeção os
indicadores sinalizam que somente a classe C deve crescer a taxas superiores a 100% na
educação superior, no período de 8 anos (2002 a 2010), o que significaria um universo de 2,5
milhões de pessoas nessa faixa de renda, matriculados em 2010.
Nessa mesma projeção, a classe A teria crescimento nulo no mesmo período da
análise, a classe B teria alta de 17% e a classe D, que sequer é identificada na educação
superior em 2002, passaria a ter 9% de participação na educação superior em 2010.
Esse é um processo em que o sistema educativo é visto como um mercado educacional
em que se estaria aplicando a mesma rmula do varejo e do mercado imobiliário brasileiro,
ou seja, atender as classes C e D sob forma de financiamentos.
3.3 As Novas Fronteiras de Estatal, Público e Privado
Os questionamentos a serem tratados, no âmbito das discussões acerca da
democratização do acesso, apontam para outros questionamentos, que surgem no decorrer da
construção do trabalho. Ainda que não seja a idéia central, os novos direcionamentos de
estatal, de público e privado se fazem necessários na mesma proporção que a educação
superior brasileira apresenta como característica, no decorrer de sua implantação,
intervenções de mercado se confundindo com o intervencionismo estatal. E esse
reordenamento conduz a uma breve exposição, sem sentido de aprofundar, das esferas
públicas e privadas e uma suposta existência de outros espaços intermediários entre o público
e o privado e como se movimentam essas dimensões.
27
“Os grandes grupos de ensino superior privado no país já trabalham com crédito educativo, o processo de
financiamento ao aluno é uma estratégia para que o ensino superior continue a crescer. Atualmente, a classe C é
a que mais tem aumentado sua participação no segmento. Mesmo com as fusões e diluição de seus custos, as
Instituições de Ensino Superior (IES) não podem reduzir a metade da mensalidade escolar. Então, para os
estudantes que não m condições de bancar a mensalidade na íntegra, a ampliação do prazo de pagamento da
dívida é a alternativa mais viável”. MARQUES, Andréia Torres. Cresce a Participação das Classes C e D no
Ensino Superior. CM Consultoria. Disponível em
http://www.cmconsultoria.com.br/print_notícias.php?ID=31747&ordem=2. Acesso em 30 jun 2008.
63
Em relação ao privado, os conceitos são explicados pelos interesses individuais e
empresariais. A educação superior enfrenta atualmente as tensões de que os conceitos de
produtividade e rentabilidade tendem a reforçar os sentidos de que a educação é bem privado,
sustentados por autores como Milton Friedman (1984), em que o indivíduo pode obter retorno
sobre seu investimento quando busca um subsídio à sua formação e as políticas públicas
postulam a transferência ou divisão de responsabilidades administrativas com o setor privado,
um meio de estimular a competição e aquecimento do mercado, mantendo-se o padrão de
qualidade na oferta de serviços.
Carmen Guarcía-Guadilla (2004, p. 124) escreve que “os conceitos que descreviam
dicotomias rígidas como público e privado, gratuito e não gratuito, bem público e mercado,
entre outras, perdem valor analítico na medida em que atualmente as fronteiras tendem
disseminar em contextos de alta complexidade onde os elementos se combinam de maneiras
inéditas”. Com isso, as instituições nacionais e internacionais se articulam, e às vezes são
mistas no sentido do privado e do público e, uma instituição que é pública em nível nacional
pode atuar como privada, vendendo seus serviços, quando estabelece acordo com instituições
estrangeiras, acrescenta a autora.
Na visão de Guarcía-Guadilla (2004) os conceitos de bem público aplicados à
educação superior merecem mais estudo e desenvolvimento, por serem fundamentados para
equilibrar o avanço do comércio de serviços. Ainda assim, nos países da América Latina, a
educação como bem público deve se proteger, pois a iniqüidade é muito forte, para isso o
Estado deve propor opções e alianças inéditas de modo a garantir a ampliação do acesso,
tratando de responder a agenda pendente do desenvolvimento sem esquecer a nova agenda da
globalização. Evidente que competir com essas condições é uma tarefa titânica para os
países” (GUARCÍA-GUADILLA, 2004, p. 125).
Para João dos Reis da Silva Jr. e Valdemar Sguissardi (1999, p. 89), em referência ao
cenário brasileiro, sob o arrazoado teórico-político, os pressupostos da ideologia liberal
ancorar-se-iam na diferenciação entre o público, inerente à sociedade, e o estatal, referente ao
governo, que se legitima ou não, conforme a natureza de suas ações contrarie ou não o
interesse público (sociedade). Assim, a diferença entre as instituições do público (sociedade)
deve ser feita tomando como referência suas próprias especificidades e não suas relações o
Estado (Governo), posto que na relação com o Estado, todas as instituições da sociedade são
64
iguais. Nessa acepção, para os autores, nenhuma instituição pública pode reivindicar a
condição de estatal.
Em referência às mudanças da educação superior, Silva Jr. e Sguissardi (1999)
mostram que é destacáveis o processo de racionalização, reorganização e industrialização pelo
qual o sistema de ensino atravessa. Em um primeiro momento, apresenta-se como
qualificação de mão de obra, produzindo a mercadoria força de trabalho sendo assumido pelo
Estado devido aos seus altos custos. No segundo momento, o setor de ensino passa a ser
explorado pelo capital de serviço: são empresas educacionais que exploram o setor no
contexto do movimento de saturação/expansão provocado pela própria racionalidade do
capital. Assim surgem as empresas de ensino e o processo acadêmico-científico, no caso da
educação superior, torna-se mercadoria.
E no terceiro momento, ainda segundo Silva Jr. e Sguissardi (1999), prevaleceria a
industrialização do setor de ensino e, neste sentido, trata-se da base em que a racionalidade do
capital introduz mercadorias necessárias à educação” (p. 103).
Esses momentos citados pelos autores surgem com os movimentos de abertura de
novas IES e o aumento de número de cursos e vagas, muito acima dos porcentuais de
crescimento da demanda, configurando uma diluição da demanda e consolidando nas
instituições privadas um aumento na taxa de ociosidade. Segundo o Censo 2006, 50% das
vagas do setor privado estão ociosas.
Como conseqüência da redução de ingressantes nas instituições privadas, a partir de
2005, as instituições menores iniciam um processo de dificuldade, inclusive, prevendo o
fechamento de centenas dessas instituições. Novamente, concretizam os momentos que João
dos Reis da Silva e Valdemar Sguissardi descreveram, referindo-se à industrialização, as
grandes Instituições de Ensino Superior (IES), para se consolidarem no setor, iniciam um
movimento de ampliação, aquisição e fusão
28
. Além das grandes IES, surgem no mercado as
holdings educacionais, que em sua maioria, são conjuntos de instituições mantidas pela
mesma mantenedora, que passam a atuar no modelo de holding.
29
28
“Do mesmo modo que ocorreu com diversos setores da economia, como supermercados e bancos, o setor do
ensino privado deflagra uma “corrida de gigantes” rumo a uma maior concentração de alunos e possibilidade de
economia em escala. Os grandes grupos educacionais tornam-se maiores a cada dia, aumentando muito a
dificuldade das pequenas para se manterem” (MONTEIRO; BRAGA, 2007, p. 2).
29
“De um lado, temos as grandes IES, em permanente expansão com o objetivo de atuarem em todos o território
nacional. Nessa categoria estão a mantenedora da Universidade Estácio de Sá, com os seus 180 mil alunos
65
Com isso, o sistema de educação superior brasileiro se apresenta como um paradoxo;
em referência ao desenvolvimento e à formação dos indivíduos, falta de oportunidades na
educação superior pública, onde convergem os centros de formação e pesquisas e em
referência às oportunidades oferecidas pela educação superior privada, os indivíduos são
vistos como clientes, pois as mesmas são regidas pelas regras do mercado. Porém, a
participação dos setores privados na educação requer especificidades, considerando que sua
atuação implica responsabilidades muito distintas das que regem outros setores do mercado.
Nesse sentido, Goergen (2006) se posiciona em relação ao que é oferecido em algumas
instituições de educação superior privada, quando analisa o conceito de universidade na sua
acepção mais ampla e sob esse termo, as instituições de ensino superior não universitárias,
como os centros universitários e as faculdades isoladas que se comportam como empresas
(pequenas, médias ou grandes) atuando no campo da educação regidas pelos preceitos de
mercado que visam essencialmente o lucro e o produto, no caso, a educação, é talhada na
medida exata exigida pela lei da oferta e da procura.
Adverte também sobre a manifestação de gestores e proprietários, quanto às fusões e
aquisições, quando justificam que esse momento do mercado aconteceu em outros
segmentos, como na indústria têxtil:
Esse tipo de manifestação, que é emblemática para grande número de
gestores ou proprietários de instituições privadas de ensino, mostra que o foco de suas
preocupações é de natureza mercadológica e não pedagógico-formativa. Enquanto
houver uma demanda reprimida e os alunos não tiverem outra alternativa, pouco se
fará para melhorar a qualidade do ensino e atender ao primeiro e mais fundamental
compromisso social de qualquer instituição de ensino superior, que é o de oferecer
ensino de qualidade e condições para que docentes e alunos realizem pesquisa. Quem
tem a oportunidade de observar in loco o quotidiano de grande parte de nossas
instituições de ensino superior percebe imediatamente, em primeiro lugar, que a
precariedade de condições em nada condiz com a propaganda feita para atrair
“clientes” e, em segundo lugar, que as condições encontradas não permitem atender ao
que designo como o mais fundamental compromisso social da universidade: oferecer
condições mínimas para a produção de conhecimentos e saberes e ministrar um ensino
de qualidade aos alunos (GOERGEN, 2006, p. 72).
espalhados por 56 unidades em 11 unidades de Federação. Está igualmente a Universidade Luterana do Brasil
(Ulbra) com seus mais de 50 mil alunos, presente em seis Estados e também no Uruguai. (...) Na modalidade de
holding temos a Anhanguera Educacional, uma S. A. com 14 instituições presentes em dez cidades e com planos
de expansão para mais 25 cidades, pois recebeu um aporte de capital de US$ 12 milhões da Internacional
Finance Corporation (IFC) Banco Mundial para acelerar o seu processo de expansão. (...) Em fase inicial de
consolidação na modalidade de holding, a Laureate Internacional, que adquiriu a Universidade Anhembi
Morumbi no ano passado, e negocia a compra de pelo menos outras cinco IES de grande porte, podendo vir a se
tornar um dos maiores grupos do País” (MONTEIRO; BRAGA, 2007, p. 2).
66
Essa realidade supõe uma desigualdade nos seus diversos sentidos: econômicos, de
oportunidades, de conhecimento, e como acrescenta Goergen (2006, p. 71) “há muitas queixas
em relação ao calote por parte dos alunos, mas não se reconhece que esses mesmos alunos
sofreram um calote antes mesmo de ingressarem em muitas dessas instituições porque lhes foi
prometido (em termos de formação) o que jamais será cumprido”.
3.4 Desigualdades Educacionais e Princípios de Mérito
De modo a complementar a discussão acerca dos conceitos tratados neste trabalho que
tem como foco a democratização do acesso à educação superior e as políticas de inserção para
esse nível de ensino, os termos de igualdade e desigualdade e o que isso implica com a
relação com a sociedade, tornam-se relevantes. Antes, porém de tratar dessas propriedades,
sob o olhar de autores, que se dedicam à esses temas, vale registrar as pesquisas publicadas
pela mídia
30
que tratam desse assunto na linguagem referencial.
“O abismo que separa pobres e ricos no país em termos de aprendizado é maior que o
verificado na desigualdade de renda, área em que, apesar dos avanços recentes, o Brasil ainda
é lembrado como uma das nações mais desiguais” (GOIS, 2007, p.1). A conclusão é de um
estudo do pesquisador José Francisco Soares, coordenador do Grupo de Avaliação e Medidas
Educacionais da Universidade Federal de Minas Gerais. A pesquisa estimou a desigualdade
da educação brasileira usando parâmetros similares aos do Índice de Gini
31
. Usando a mesma
escala, o pesquisador calculou a desigualdade de aprendizado de alunos brasileiros a partir das
notas dos estudantes de oitava série nas provas de matemática do Saeb
32
, exame do MEC que
30
As pesquisas tratadas a seguir foram publicadas pelo Jornal Folha de São Paulo, Caderno Cotidiano, p. C1, de
24 de dezembro de 2007. Foram redigidas pelo jornalista Antônio Gois com o título „Desigualdade Educacional
é ainda maior que a de Renda.
31
Índice de Gini Mede o grau de desigualdade existente na distribuição existente na distribuição dos
indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de zero, quando não desigualdade (a renda
dos indivíduos tem o mesmo valor), a 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a
renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula. Foi criado pelo matemático italiano Conrado
Gini. Disponível em:<http:www.pnud.org.br/popud/pop.php?d_pop> . Acesso em: 10 jan 2008.
32
Saeb Sistema de Avaliação da Educação Básica, criado em 1988 é uma ão do Governo Brasileiro
desenvolvido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Inep na sua
Diretoria de Avaliação da Educação Básica Daeb, onde são coletados sobre alunos, professores e diretores de
67
avalia a qualidade da educação básica, e chegou ao índice de 0,635. Para o mesmo ano, o
IBGE calculou em 0,545 o Índice de Gini brasileiro para a desigualdade de renda, medido
pela renda domiciliar médio.
Ao afirmar que o resultado do sistema educacional brasileiro fica muito abaixo das
expectativas e que a desigualdade educacional é maior que a desigualdade econômica, o
pesquisador demonstra sua preocupação, com o caso brasileiro, em que a discussão a respeito
da desigualdade não estar presente nas preocupações dos gestores, que em relação à escola
são os diretores e considerando o país, são os governantes.
Outra pesquisa publicada com o título „Diferenças são maiores em São Paulo‟,
efetuada pelo economista Fábio Waltenberg, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade
também conclui que a desigualdade educacional brasileira está intrinsecamente relacionada
com desigualdade de renda. O economista pesquisou a desigualdade brasileira a partir dos
resultados de avaliações de alunos da série do ensino fundamental em matemática pelo
Saeb e descobriu que São Paulo é o Estado com maior diferença, ou seja, com maior
desigualdade.
A atual Secretária Estadual de Educação de São Paulo, Maria Helena Guimarães de
Castro argumenta que o tamanho da população, cerca de 40 milhões de habitantes, é uma das
explicações para a maior desigualdade educacional e que no Brasil não existe nenhuma rede
tão heterogênea quanto à de São Paulo. Argumenta ainda, que para diminuir a desigualdade, o
governo paulista está melhorando o sistema de recuperação dos alunos com dificuldades de
aprendizado e padronizando os critérios de avaliação e o currículo.
As pesquisas, realizadas na educação básica retratam uma realidade para todos os
níveis da educação brasileira e a inserção dessa temática torna-se relevante para este trabalho
no sentido de convergir à discussão da democratização do acesso à educação superior com a
questão da desigualdade educacional.
Dados relevantes sobre as desigualdades educacionais apontadas pela Pesquisa
Nacional por Amostras de Domicilio - PNAD
33
(2006) demonstram que ainda muito tímida, a
escolas públicas e privadas em todo o país. O Saeb é aplicado a cada dois anos, desde de 1990 e avalia o
desempenho dos alunos brasileiros da 4ª e da 8ª séries do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio, nas
disciplinas de Língua Portuguesa (foco: leitura) e Matemática (foco: resolução de problemas). Disponível em
http://www.inep.gov.br/basica/saeb/perguntas_frequentes.htm. Acesso em: 12 jan 2008.
33
IBGE PNAD 2006. A pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio constitui um instrumento de avaliação
da situação das famílias no país. A PNAD 2006 entrevistou 410.241 pessoas em 145.547 domicílios, e representa
68
diminuição dessas desigualdades se devem à presença feminina pelo fato das mulheres
estarem progredindo mais rapidamente que os homens, em termos de nível de estudo.
Enquanto que na educação básica, a PNAD mostra que 43,5% da população feminina
concluíram o ensino médio e um terço dos homens possuem este nível de ensino, na educação
superior, em 1996, das matrículas efetuadas, 55,3% eram mulheres e em 2006, 57,6%.
Para Carlos Roberto Jamil Cury (2005, p. 251), o fato de nossas sociedades, desiguais
e assimétricas, mediadas por Estados não conseguirem patamares básicos de acessos, e neste
caso, convergem os acessos a bens sociais, econômicos e educacionais, implica na superação
da desigualdade
34
e da discriminação “por uma busca virtuosa em que o outro é visto como
igual, o que significa, por sua vez, uma negação do status quo existente. Mas é do
reconhecimento realista desse status quo que se deve partir, não para ficar nele e sim para
buscar superá-lo”. Acrescenta ainda que a desigualdade e a assimetria “impôs uma relação
entre dominantes e dominados, de tal modo que o pólo dos dominantes passou a ser referência
hegemônica da existência social”. E essa referência sobre os dominados tem sido envolvida
sempre por alguma forma de injustiça social, seja dentro dos espaços nacionais, seja entre os
espaços nacionais.
Carlos Alberto Vilar Estevão (2004) ensina que os conceitos de igualdade, de
equidade, de liberdade, de mérito, de poder e autoridade, entre outros vão condicionar, de
modo particular a maneira como se pensa a educação, de como as escolas se organizam para
cumprir suas finalidades e que, esses conceitos estão articulados com o conceito de justiça.
Aponta o autor que:
a situação real de maneira confiável, ainda que desagregável apenas ao nível de Grandes Regiões ou de Estados,
o que encobre desigualdades locais, perdidas nas médias. Disponível em: http://
www.ibge.gov.br/home/estatística/população/trabalhorendimento/pnad2006/comentarios2006.pdf. Acesso em:
15 jan 2008.
34
“Os termos igualdade/desigualdade pertencem ao âmbito jurídico, e fazem referência ao direito. Portanto,
quando se fala de igualdade, deveria entender-se “o princípio que reconhece a todos os cidadãos o mesmo
direito” à educação. Igualdade também se refere à “equivalência de duas quantidades ou, expresso de outra
forma, à equivalência de resultados”. Portanto, igualdade/desigualdade é ao mesmo tempo um direito e um
resultado objetivo. Por sua vez, o termo equidade localiza-se no plano da ética, faz referência à “justiça natural
por oposição à lei positiva. É guiar-se pelo sentimento do dever ou da consciência mais do que pelas prescrições
da lei (...) que leva a dar a cada um o que ele merece”. Por último, homogeneidade/diversidade refere-se “à
variedade, semelhança e diferença” que podem ter uma origem cultural”. CASASSUS, Juan. A escola e a
desigualdade. Brasília, DF: Plano, p. 46, 2002.
69
Nos casos concretos em que tem sido explicitamente invocada, a justiça na educação
tende a ser relacionada fundamentalmente com o princípio da igualdade de
oportunidades, com o mérito, com o respeito e até, mais recentemente, com a
eficiência, a qualidade e a competição, ou seja, a justiça tende a aparecer em educação
mediada por outros conceitos, mormente pelo de igualdade de oportunidades,
independente das críticas que este tem sido alvo quando erigido como o único
princípio das políticas educativas (ESTEVÃO, 2004, p. 36).
Uma das críticas, segundo o autor, advém do fato de, perante a situação atual, a
consideração do princípio singular da igualdade de oportunidades, de inspiração liberal,
tender a ser muito restritivo, desde logo porque acentua que a função da escola é fornecer
oportunidades e não satisfações, aberturas limitadas e não direitos inalienáveis. Acrescenta
que, este mesmo princípio passa a equivaler, em um contexto em que a prevalência da lógica
de mercado se torna cada vez mais evidente, a um meio de deformar o próprio princípio da
igualdade educativa, uma vez que, acaba por funcionar como um mecanismo para acender a
posições desiguais da sociedade, tornando-se assim numa forma mais de legitimar as
desigualdades, ou seja, este princípio pode objetivamente justificar a desigualdade na
obtenção de outros benefícios a que a educação dá acesso como, por exemplo, o emprego.
Nesse sentido, Estevão (2004) faz referência à escola como uma das grandes
intervenientes no jogo da desigualdade, embora não seja a única e que existem três contextos
inter-relacionados geradores de desigualdade em educação podendo atuar simultaneamente: o
socioeconômico, o sociocultural e o político. “Tendo em conta a classe social, o problema da
igualdade é sobretudo redistributivo (de riqueza ou de recursos) enquanto que relativamente à
etnicidade, à orientação sexual (...) a causa da desigualdade prende-se com a falta de
reconhecimento (invisibilidade) ou com o falso reconhecimento (estereótipos negativos) da
diferença, o que significa que o problema aqui tem a ver com o status e a identidade” (p. 38-
39).
Transportando a discussão para a educação superior, Dias Sobrinho (2005, p. 21)
descreve que “a crise que toma conta dos campi universitários e dos organismos responsáveis
pela educação superior é uma manifestação particular de uma crise estrutural que se
manifesta, sobretudo, nos níveis de estado, do trabalho e do sujeito”. E em referência ao
estado escreve que “o estado não consegue prover de modo satisfatório as instituições
encarregadas de produzir a equidade, a justiça social, os processos e as instituições de
democratização, dentre as quais, privilegiadamente, as educativas” (p. 21).
70
Esta problematização faz convocar aqui, ainda que sumariamente, o pensamento de
Pierre Bourdieu (1998), quando analisa as funções de reprodução e de legitimação das
desigualdades sociais que a escola cumpre, nomeadamente pela transmissão de uma cultura
imposta e portadora de um discurso socialmente neutro, universal e não arbitrário.
Para administrar essa realidade, Cury (2005) pontua que os Estados Democráticos de
Direito devem garantir os direitos sociais e educacionais, mas alerta, que um tratamento
diferenciado, que inclua discriminações justificadas, somente se legitima perante uma
situação objetiva e racional, em cujo diagnóstico e aplicação se considere o contexto mais
amplo. “A diferença de tratamento deve estar relacionada com o objeto e com a sua finalidade
e ser suficientemente clara e lógica para a justificar
35
” (p. 251).
Cabe ao Estado ou ao Governo
36
assumir o dever de propiciar condições de inserção
em que se situam “as políticas de reconhecimento, que possuem um horizonte e um conteúdo
positivos, quanto às políticas de distribuição como as dos direitos sociais e as relativas à
renda” (CURY, 2005, p. 249). As primeiras, políticas de reconhecimento, captam as injustiças
do ponto de vista dos direitos culturais. Tais injustiças concernem à falta de respeito para com
o outro em sua alteridade para além do sócio-econômico. As segundas, políticas de
distribuição, partem da existência de uma exploração sócio-econômica, de uma
“marginalização social, enfim de algo, a que hoje se dá o nome genérico de exclusão”
(CURY, 2005, p. 249). Nesse caso, a equidade
37
se impõe como forma de redistribuição de
renda e de garantia de direitos sociais, para que todos tenham direitos iguais de acesso.
Relacionando essa temática da exclusão com a falta de acesso à educação superior, e
por reflexo, a falta de conhecimento, a privação da formação de uma consciência própria, a
negação da compreensão que, para um desenvolvimento pleno permita preencher os espaços
35
“O caminho da igualdade pode permitir que a lei venha em ajuda a pessoas de vulnerabilidade congênita ou
adquirida, tal como nos casos de portadores de necessidades especiais ou de pessoas em situação de
vulnerabilidade social. Em vista de equalização de condições para atenuar profundas desigualdades, pode-se ter
uma desigualdade jurídica para maior igualdade social. O problema maior se instaura quando essas pessoas
passam a reivindicar sua pertença a um grupo cuja especificidade seria a comunhão de uma identidade coletiva”.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Da Diferença e da Igualdade. Revista da FAEEBA: Educação e
Contemporaneidade, Salvador: v. 14, n. 24, jul/dez 2005.
36
A diferenciação entre Estado e Governo é discutida no próximo item deste capítulo.
37
A equidade para Aristóteles (1973, p. 336), é “a retificação da lei onde esta se revela insuficiente pelo seu
caráter universal”. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. In: Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1973.
71
do capital social e do capital cultural, a assimetria do conhecimento, produz uma cruel forma
de exclusão, a ignorância.
Leandro Russovski Tessler (2006a) descreve que as políticas, tratadas no próximo
item deste capítulo, que garantem aos mais pobres o acesso à educação superior têm forte
apelo no sentido de diminuir as desigualdades. No entanto, a experiência internacional com
cotas sem que sejam tomadas medidas para garantir o nivelamento e a permanência mostra
resultados no mínimo preocupantes” (p. 5).
3.5 Políticas Afirmativas na Educação Superior
Entre os diversos atores, individuais e coletivos, internos e externos às instituições,
que participam do processo de democratização do acesso à educação superior, “o Estado,
constitui-se como um dos responsáveis pela manutenção e direcionamento de políticas para
este setor (MENEGHEL, 2001, p. 1). Diante disso, a análise e a conotação de Estado,
Governo, de planos de ação governamental e de propostas de alteração na legislação
constituem elementos fundamentais no desenvolvimento deste trabalho.
Diferentes aspectos podem estar referidos aos significados de Estado. Importante,
então, ressaltar rapidamente a diferenciação entre Estado e Governo. Para uma compreensão
compatível com os objetivos deste trabalho, é possível considerar as colocações de Eloísa de
Mattos Höfling:
Estado como o conjunto de instituições permanentes, como órgãos
legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico, que
possibilita a ação do governo; e governo, como o conjunto de programas e projetos
que partem da sociedade (políticos técnicos, organismos da sociedade civil e outros),
configurando-se a orientação política de um determinado governo que assume e
desempenha as funções do Estado para um determinado período. Políticas públicas
são aqui entendidas como o “Estado em ação”; é o Estado implantando um projeto de
governo, através de programas, de ações voltadas para os setores específicos da
sociedade (2001, p.31).
No Brasil, as políticas públicas de ações afirmativas ou discriminação positiva são
concebidas com leis vindas do executivo, que buscam igualdade de oportunidades para os
grupos sociais, como esclarece Vera Maria Ferrão Candau (2004, p. 91-92):
72
As ações afirmativas podem ser analisadas por dois prismas: em um sentido
restrito e em um sentido mais amplo. No primeiro caso, as ações afirmativas são
apontadas como políticas públicas temporárias, promovidas por parte do Estado, tanto
em seu poder legislativo quanto no Executivo, que objetivam a promoção da
igualdade entre os grupos sociais, levando em consideração desvantagens sofridas ao
longo da história (...), a segunda, são movimentos que buscam inserir as camadas
desfavoráveis na universidade, assim como medidas institucionais que visam oferecer
possibilidades não somente de acesso, mas também de oportunidades que levem os
alunos a estarem mais próximos da igualdade de oportunidades educacionais no
próprio processo de formação, favorecendo-se processos de empoderamento nos
níveis pessoal e coletivo, para que possam atuar no mundo social, conscientes de suas
potencialidades, de seus direitos e de seu poder.
As palavras de Candau (2004) são coerentes com a definição dada pelo Poder Público,
que entende,
Ações afirmativas como medidas especiais e temporárias tomadas pelo
Estado, com o objetivo de eliminar desigualdades raciais e étnicas, religiosas, de
gênero e outras, historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades
e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e
marginalização (MEC, 2007)
38
.
Para Tessler (2006a), no contexto do ingresso à educação superior, ação afirmativa
vem sendo confundida com políticas de reserva de cotas para grupos específicos, em geral
identificados como afrodescendentes, egressos de escola pública e população de baixa renda.
“O termo ação afirmativa (affirmative action) foi usado pela primeira vez em 1965 pelo
presidente dos Estados Unidos Lyndon Johnson, que convidou os americanos a “tomarem
ações afirmativas” para garantir que candidatos sejam empregados e uma vez empregados
sejam tratados igualmente, independente de sua raça” (TESSLER, 2006a, p. 3). Nota-se que
inicialmente o conceito era direcionado ao mercado de trabalho apenas, sendo logo depois
estendido à educação superior.
No Brasil o debate sobre ação afirmativa é centrado em propostas de cotas e tem
gerado oposição no meio acadêmico, na mídia e em diferentes setores da sociedade. Para
Tessler (2006a), é necessário avançar nos debates para que se esclareça que cotas não podem
ser confundidas com ação afirmativa. “Elas são uma forma de ação afirmativa que têm um
certo apelo especialmente para as lideranças do movimento negro mas vêm encontrando
38
Ministério da Educação Sesu Secretaria de Educação Superior. Políticas e Programas de Educação
Superior. www.mec.gov.br. Acesso em: 08 dez 2007.
73
resistência no meio acadêmico. Na medida em que reservam vagas para qualquer grupo social
ou étnico as cotas violam os princípios de mérito que norteiam o meio acadêmico”
(TESSLER, 2006a, p. 4).
Para Nilma Lino Gomes (2004), as cotas representam uma das estratégias de ação
afirmativa e, ao serem implantadas, desvelam a existência de um processo histórico e
estrutural de discriminação que assola determinados grupos sociais e étnico/raciais da
sociedade. “Talvez por isso elas incomodem tanto a sociedade brasileira, uma vez que
desvelam a crença de que somos uma “democracia racial” e que, se resolvermos a questão
socioeconômica, resolveremos a racial” (p. 49).
Seguindo com o sentido de conceituação e examinando os diversos autores
envolvidos, a análise do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa Gomes
torna-se relevante quando define “as ações afirmativas como políticas públicas ou privadas
voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e neutralização dos
efeitos da discriminação racial, de gênero, de opção sexual, de idade, de origem e de
compleição física” (GOMES, 2003, p.21).
Com o sentido de discorrer sobre discriminação positiva, termo usado pelo Poder
Público, que tem o mesmo significado de ação afirmativa, Daniel Sarmento (2006, p. 154)
conceitua:
Políticas de ação afirmativa são medidas públicas ou privadas, de caráter
coercitivo ou não, que visam a promover a igualdade substancial, através da
discriminação positiva de pessoas integrantes de grupos que estejam em situação
desfavorável, e que sejam vítimas de discriminação e estigma social. Elas podem ser
focos muito diversificados, como as mulheres, os portadores de deficiência, os
indígenas ou afrodescendentes, e incidir nos campos mais variados, como educação
superior, acesso a empregos privados ou cargos públicos, reforço à representação
política ou preferência na celebração de contratos.
Nos recortes utilizados das análises que constituem as ações afirmativas para a
educação superior, a questão em si é controvertida, pois impõe que sejam repensados não
apenas os critérios de acesso à educação superior, tornando-os mais diversificados, mas
também, em uma perspectiva mais ampla, questiona-se o critério do mérito em uma sociedade
cuja desigualdade social é uma marca de origem da própria nação. “A questão do acesso à
educação superior está diretamente ligada à formação das futuras elites do País; e as políticas
74
de ação afirmativa, quaisquer que sejam, interferem exatamente na formação profissional
desses quadros, alterando sua configuração futura” (PAIVA, 2004, p. 14).
Percebe-se que as ações afirmativas incidem nas questões raciais (inclusão dos
negros); de gênero (as mulheres também pleiteiam lugar de destaque, pautando-se inclusive
na inserção do universo feminino no mercado de trabalho); de origem (discute-se a origem
social e até mesmo a origem em termos de naturalidade e nacionalidade); e de inclusão dos
deficientes (existem disposições legislativas que versam sobre a reserva de vagas para os
deficientes em concurso público).
Para Gomes (2003) os grupos ou as classes mais fragilizados ao receberem incentivos
e melhores oportunidades superam as diferenças. Esta afirmação é baseada no princípio de
igualdade versado na Constituição de 1988, sob o prisma jurídico; e na adoção de mecanismos
jurídicos que versam sobre: a igualização entre homens e mulheres; inclusão dos deficientes
físicos; proteção dos povos indígenas, dos idosos, da criança e do adolescente; e reservas de
vagas para mulheres se candidatarem em partidos políticos, que incidem no contexto de ações
afirmativas.
Na assimilação dos conceitos deste trabalho, torna-se pertinente apresentar a versão de
autores que pontuam as ações afirmativas de acesso à educação superior como privilégios ou
formas alternativas para grupos privilegiados. Sílvia Maria Leite de Almeida (2007) discorre
que os decretos e as legislações instituídas anteriores à Constituição de 1988 e a LDB (Lei de
Diretrizes e Bases) de 1996, configuram como privilégios, considerando como privilégio,
“vantagem que se concede a alguém com exclusão de outros e contra o direito comum”
(FERREIRA, 2007, p. 557).
A autora acrescenta ainda, que privilégio, “sob uma hermenêutica jurídica, refere-se a
situação de superioridade, amparada ou não por lei ou costumes, decorrente da distribuição
desigual do poder político e/ou econômico” (ALMEIDA, 2007, p. 1), e que nos ordenamentos
a partir da Constituição de 1988, os dispositivos pertinentes ao acesso à educação superior são
políticas de ações afirmativas por promoverem setores menos favorecidos da sociedade
brasileira e não privilégios.
No tocante ao acesso à educação superior, reconhece-se que as classes sociais e
grupos étnicos mais fragilizados, ao receberem incentivos capazes de promovê-los e inserí-los
nesse nível de ensino, fortalecem o sentido que a educação é, sem sombra de dúvida, um dos
75
melhores mecanismos de ascensão social e a ampliação das oportunidades educacionais
configura um fator indispensável para a redução das desigualdades.
As primeiras iniciativas de ações afirmativas ligadas à questão da educação superior,
que surgiram no Brasil, foram a partir de 1992, promovidas por Organizações não-
governamentais (ONGs), por meio de oferecimento de cursos pré-vestibulares em regiões
periféricas das grandes metrópoles brasileiras.
No que se refere às cotas em vigência no Brasil, Raquel Villardi (2006, p. 96) pontua
que “atualmente está em vigência no país, cinco tipos prioritários de cotas”; as cotas sociais,
para os estudantes economicamente carentes; as cotas raciais, que atingem tanto os negros
quanto os descendentes de povos indígenas; as cotas de procedência escolar, que são aquelas
destinadas a estudantes de rede pública; as cotas para minorias, para os portadores de
deficiências
39
, e as cotas de gênero, que a Universidade Federal do Alagoas, UFAL, pratica.
Existe também o caso da Universidade do Amazonas, que adota uma política de restringir
parcelas de suas vagas para os moradores da região. Essa medida se deve, segundo Villardi
(2006), a que houve um tempo em que os estudantes do Sudeste que não conseguiam passar
no vestibular para o curso de Medicina procuravam essa universidade.
Segundo o Foro Latinoamericano de Políticas Educativas
40
, no Brasil, dos 12,1% dos
jovens entre 18 e 24 anos (Censo 2006) matriculados na educação superior, o número de
negros é ínfimo; 6% dos jovens negros entre 18 e 24 anos estão matriculados na educação
superior.
Uma pesquisa realizada junto ao Laboratório Latino-Americano de Políticas
Educativas Olped constatou que 72 instituições (32% do total de universidades públicas
brasileiras) promovem algum tipo de ação afirmativa. O estudo demonstrou também, que
existem variações significativas neste processo de inclusão.
39
No sentido de esclarecer a utilização do termo „portadores de deficiência‟, a legislação brasileira aponta para
uma ambigüidade. O inciso III do art. 208 da Constituição Federal assinala que “o dever do Estado com a
educação será efetivado mediante a garantia de, entre outros, atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. O art. 58 da LDB 9.394/1996 assinala
que “entende-se por educação especial, para os efeitos desta lei, a modalidade de educação escolar, oferecida
preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”.
40
O Foro Latinoamericano de Políticas Educativas foi fundado pelo OLPED Observatório Latino-americano
de Políticas Educativas que é mantido pelo Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (UERJ). Disponível em: www.olped.net. Acesso em: 30 mar 2008.
76
Essas variações derivam quanto ao modelo da política pública adotada: sistemas de
cotas, sistema por bonificação por pontos e reserva de vagas. Diferenciam também quanto ao
grupo promovido pela política, tendo a ver com a identificação dos sujeitos de direitos da
ação afirmativa: negros, indígenas, pessoas com deficiência, alunos da rede pública, pobres,
mulheres e mulheres negras.
Um estudo efetuado pelo Laboratório de Políticas Públicas, demonstrou que existe
uma ampla adoção de cotas étnico-raciais, ao todo 53 universidades públicas brasileiras
implementaram esse tipo de política. 34 instituições possuem medidas afirmativas para
negros, sendo que destas, 31 se desenvolvem pelo sistema de cotas e 3 através do sistema de
bonificação por pontos. Uma universidade adota a reserva, de um número determinado de
vagas, para mulheres negras.
O estudo também demonstrou que o Estado de São Paulo é o que possui mais
universidades com ações afirmativas, totalizando 7. No caso dos indígenas, 37 instituições
adotam ações afirmativas para esse grupo, sob a forma de reservas de vagas, sendo no Estado
do Paraná, o maior número de instituições que praticam essa forma de inclusão, totalizando
18.
Nesse balanço verifica-se também, que 17 universidades, grande parte delas na Região
Nordeste, estabelecem medidas somente para estudantes de escola pública. Uma instituição
adota o sistema de cotas somente para alunos pobres, independentemente de eles serem
oriundos da rede pública ou privada. Quanto às pessoas com deficiência, o estudo apontou 9
instituições que adotam ações afirmativas para este grupo.
O critério mais utilizado para reconhecer os sujeitos de direito da ação afirmativa é a
auto-declaração. Por ela, o candidato à política de inclusão tem que se declarar pertencente
aquele grupo específico (negros, indígenas, por exemplo) e afirmar que quer concorrer para as
vagas destinadas àquela minoria.
3.5.1 Interpretação Jurídica das Cotas
Tessler (2006b) esclarece que nos debates acerca das políticas de inclusão, as cotas são
tratadas como a única forma possível de ão afirmativa, porém instituir cotas é uma entre
muitas possíveis formas de ação afirmativa. E ainda, instituir cotas, é uma forma ingênua, em
77
desuso muitos anos nos Estados Unidos, o país que criou o conceito de ação afirmativa no
acesso à educação superior
41
.
Para Gomes (2003), os debates revelam argumentos em torno do sentido de igualdade
constitucional originado nas revoluções do século XVIII
42
, que firmam que, diante da lei, não
existem privilégio nem regalias, e que essa igualdade é aceita juridicamente que a qualquer
indivíduo que acione o Poder Judiciário terá a segurança de que a lei será igual para todos,
tem-se então o arcabouço para tratar os sentidos da igualdade (formal e material) e associá-los
à realidade “político-jurídico-social” da atualidade.
O sentido formal da igualdade constitucional, oriundo das revoluções americana e
francesa, como escreve Gomes (2003) que garante a qualquer indivíduo que a lei será igual
para todos “tratava-se de uma igualdade apenas formal, que fechava seus olhos para a
injustiça e a opressão na vida social” (Sarmento, 2006, p. 143), mesmo que presente na
Constituição de 1988, no caput do artigo 5°: “Todos são iguais perante a lei sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”.
A interpretação jurídica não pode ser vista em tiras, acrescenta Gomes (2003), restrita
apenas ao caput do artigo 5°. Quando se fala em igualdade, deve-se compreender de maneira
sistêmica. Assim é possível então, a reconceituação da igualdade em seu sentido material.
Esta também é a perspectiva de Sarmento (2006, p. 144):
O advento do Estado Social, no século XX, provocou no mundo toda uma
releitura do princípio da igualdade. A crescente intervenção estatal na seara das
41
Em artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo, em 16 de agosto de 2006, com o título “Cota não é
sinônimo de ação afirmativa”, Tessler escreve que “ao contrário do que muitos afirmam, cotas étnicas foram
declaradas inconstitucionais pela Suprema Corte americana e são proibidas desde 1976. Ainda assim, muitas das
boas universidades americanas adotam com sucesso programas de ação afirmativa até hoje”. Cf. TESSLER,
Leandro R.
42
Joaquim Barbosa Gomes (2003, p. 17) ensina que “a noção de igualdade, como categoria jurídica de primeira
grandeza, teve sua emergência como princípio jurídico incontornável nos documentos constitucionais
promulgados imediatamente às revoluções do século XVIII”. Nesse sentido tem-se por revoluções do século
XVIII: a Americana (que representou a independência das 13 colônias em 1789) e a Francesa (responsável pela
queda do absolutismo, com os pilares: liberdade, igualdade e fraternidade, que constituem um marco histórico
corroborando para a adesão e positivação de tais valores nos diversos textos constitucionais). O autor ensina
também, que os Estados Unidos e a França detêm o pioneirismo e uma forte influência na consolidação e
positivação do princípio de igualdade nas constituições pós-século XVIII e que a igualdade oriunda das
revoluções possuía uma conotação simplesmente jurídico-formal, segundo a qual a lei genérica e abstrata deve
ser igual para todos, sem qualquer distinção ou privilégio, devendo o aplicador fazê-la incidir de forma neutra
sobre as situações jurídicas concretas e sobre os conflitos interindividuais.
78
relações econômicas foi acompanhada por uma preocupação maior com a igualdade
material. Aos poucos os Estados e as constituições vão reconhecendo novos direitos
voltados para a população mais pobre, que envolviam prestações positivas e
demandavam uma atuação mais ativa dos poderes públicos voltados para a garantia de
condições mínimas de vida para todos.
A concepção material do princípio da igualdade corresponde ao que se entende por
Estado Social, pois cabe a este tanto garantir os direitos do cidadão quanto criar mecanismos
para efetivação e exercício, na maior plenitude possível, de tais direitos. É nessa perspectiva,
declara Gomes (2003), que se percebe o comportamento do Estado ao pesar às desigualdades
econômicas e sociais e, a partir disso, busca elaborar experimentos capazes de promover
justiça social. Essa assertiva fica clara ao observar a Constituição de 1988, artigo incisos I,
II e III:
Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: I construir uma sociedade livre, justa e solidária; II garantir o
desenvolvimento nacional; III erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais.
Com base nestes objetivos elencados no artigo 3° que refletem a postura do Estado em
assumir um compromisso de ação veemente , buscando combater as desigualdades, Joaquim
Barbosa Gomes afirma:
Assim, nessa nova postura o Estado abandona sua tradicional posição de
neutralidade e de mero espectador dos embates que se travam no campo da
convivência entre os homens e passa a atuar ativamente na busca da concretização da
igualdade positivada nos textos constitucionais (GOMES, 2003, p. 21).
Esta vertente social do Estado concretiza o fundamento capaz de conferir validade
legítima e legal às ações afirmativas na educação superior e a implantação de políticas
positivas eficazes de modo a democratizar o acesso, embora, intensifiquem a questão do
embate entre o princípio da igualdade e as ações afirmativas, mostra-se pertinente pela própria
Constituição, que em seus dispositivos, deixa clara sua intenção de promover igualdade que
vai além do mérito formal.
79
3.6 Políticas Econômicas e Raciais: a questão da Mobilidade Social
Um discurso relevante e atual diz respeito à temática de inserção de cotas étnicas e
sociais na educação superior, na perspectiva de democratizar o acesso e essas questões estão
efervescentes no contexto brasileiro. Dados estatísticos do IBGE (Síntese de Indicadores
Sociais, 2007)
43
mostram que os brancos correspondem a 52.1% da população nacional,
enquanto que os negros e pardos correspondem a 47,3%; quando, porém, se trata da
distribuição percentual por cor, entre os estudantes de 18 a 24 anos matriculados na educação
superior, verifica-se uma discrepância, dos brancos 46,4% estão na educação superior, e, entre
os negros e pardos, apenas 14,1%.
Torna-se pertinente discutir, frente essa realidade, a legitimidade e a legalidade da
adoção de ações afirmativas que objetivem o acesso de negros, afrodescendentes e egressos
de escolas públicas na educação superior, e em relação às políticas afirmativas, este trabalho
foca a questão racial e a questão das classes social e econômica.
Iray Carone e Maria Aparecida Silva Bento (2007) escrevem que o IBGE emprega
apenas quatro nomes para designar fenótipos de cor branco, preto, pardo e amarelo. “Em
certos grupos sociais, ainda se usa a expressão “pessoa de cor”, forma “educada” e distinta de
se designar indefinidamente pretos ou pardos (ou seu conjunto), embora seja execrada por
certos segmentos negros. A literatura sociológica dos anos 50 e 60 também empregou uma
série de palavras ou expressões para designação de negros”(CARONE; BENTO, 2007, p.
107).
Os estudos mais recentes sobre cor da população brasileira têm suscitados algumas
reflexões importantes, que se situam entre a chamada problemática do branqueamento e os
esforços do movimento negro em realizar um resgate da identidade racial da parte da
população brasileira, que está expressa nos censos pelas cores preto e pardo. Segundo as
autoras, o movimento negro emprega o termo negro em mais de uma situação: para definir a
população brasileira composta de descendentes de africanos (pretos e pardos); para designar
esta mesma população como aquela que possui traços culturais capazes de identificar, no bojo
da sociedade brasileira, os que descendem de um grupo cultural coeso, tanto quanto, por
exemplo, o dos amarelos; para reportar a condição de minoria política desta população e para
43
IBGE Síntese de Indicadores Sociais 2006 Uma análise das condições de vida da população brasileira.
Disponível em www.ibge.gov.br/home/estatística/população. Acesso em dez 2007.
80
situar dentro dos critérios inclusivos de pertinência dos indivíduos pretos e pardos ao seu
grupo de origem.
Na conjuntura social, a adoção de medidas por meio de políticas públicas, as cotas
aparecem no contexto de ações afirmativas ou discriminação positiva. A conceituação acerca
das cotas restringe e aponta apenas ao aspecto numérico de reserva de vagas para uma
determinada classe étnica, ou ainda, a vagas doadas ou cedidas àqueles que se enquadram nos
requisitos.
A questão das cotas para negros, índios e afrodescendentes está no bojo da discussão
atual, e ganhou novos rumos quando os ministros Tarso Genro e Fernando Haddad passaram
a defender cotas sociais em lugar de cotas raciais.
Para Edwiges Pereira Rosa Camargo (2005), o foco da polêmica gira em torno da ação
afirmativa direcionada à educação superior e racialmente dirigida aos afrodescendentes por
meio das cotas e, no bojo desta polêmica, uma nova questão surge: quem é o negro no Brasil.
Camargo (2005) escreve que pesquisadores sociais, biólogos, antropólogos e historiadores se
debruçam para responder a questão e que as cotas para a educação superior esbarram nessa
resposta e para isso, tece um comentário: “a resposta não é tão difícil... a polícia brasileira
sabe quem é o negro no Brasil; a sociedade em geral também sabe e muito bem quem é o
negro” (CAMARGO, 2005, p. 113).
Para a autora, a polêmica ganha espaço quando se discute o negro na educação
superior e a cota como possibilidade de acesso a essa educação. Em outros tempos, os pardos,
com raríssimas exceções, tentavam se distanciar da identificação como negros e não é sem
razão que o IBGE classifica a população em branco, preto e pardo, ao passo que nos Estados
Unidos, ou se é branco ou se é negro.
Outra observação de Camargo (2005) é a orientação de ampliar a discussão sobre a
necessidade de políticas e ações para combater o racismo e seus efeitos e nesse debate o
Brasil iniciou a implantação de ações afirmativas pelas cotas numéricas, e por esta razão, o
efeito não poderia ser mais desastroso, com sentimento de injustiça do branco e um certo
constrangimento do negro.
Essa observação, de que o país se equivocou ao iniciar a ação afirmativa por meio de
cotas ganha adeptos especialmente em relação à educação. Para Camargo (2005) seria
necessário que a sociedade tivesse conhecimento preliminar dos projetos, que tivesse
conhecimento da sustentação teórica, da justificativa histórica dos objetivos. Para a população
81
parece que surgiu do nada essa preocupação com o negro na educação superior e, em
conseqüência, a discussão fica mais a mercê da emoção dos envolvidos que, numa espécie de
plebiscito, se posicionam pelo sim e pelo não.
Outra problemática que o quesito cor parece pôr em evidência é o aspecto da auto e
heteroatribuição de cor e pertencimento racial, que é o processo usado pelo IBGE de auto-
atribuição de cor e também como nos vestibulares, a autodeclaração. E novamente os
desdobramentos das políticas educacionais entram em cena, assim como no caso das
avaliações institucionais, em que se delega o resultado da qualidade da educação às
instituições de educação
44
, aqui, a cor ou pertencimento racial, que alguém se atribui é
confirmada ou negada pelo olhar do outro.
A discussão é muito mais ampla e não se restringe somente à identidade étnica, mas, o
processo de coleta de dados que o IBGE adota, que é o princípio da autoclassificação. Este é
um processo, de certa forma, é uma comodidade para o Estado sobre as questões da
mobilidade social e sobre o histórico social da população brasileira e embora não se tenha
uma fundamentação, pode-se afirmar que o mesmo ocorre em relação às instituições de
educação superior que implementam políticas afirmativas ou políticas de cotas em que o
candidato deve declarar sua intenção de ser ou não contemplado, no ato da inscrição, ocorre
uma dissonância entre o reconhecimento de si mesmo e o reconhecimento através do olhar do
outro.
Também relevante na conjuntura social é a questão da influência da educação para a
obtenção de determinados status ocupacionais. Essa problemática insere aqui a relação da
discrepância da porcentagem de negros matriculados na educação superior com o papel da
educação como canal de mobilidade social. O problema das relações entre origem social,
racial, escolaridade e emprego constituem em linhas de preocupação que não se restringem à
esfera acadêmica. O interesse mais amplo que o tema tem despertado prende-se de um lado, à
crença de que a educação constitui um fator importante na determinação do status
ocupacional e conseqüentemente da situação econômica do indivíduo e, de outro, à esperança
de que, por essa via, se possa contribuir para a redução das desigualdades.
44
Essa associação entre a responsabilização da escola nas avaliações institucionais e o aspecto de cor e
pertencimento racial, usado pelo IBGE de auto-atribuição de cor e também a autodeclaração nos vestibulares,
não é encontrada na fundamentação teórica. Busca-se aqui apenas elucidar uma discussão em que a estratégia
liberal que o Estado, em uma visão de responsabilização transfere as falhas na implantação de políticas públicas,
de políticas sociais apenas para um dos los, no caso das avaliações institucionais, para a escola, e no caso do
pertencimento racial e autodeclaração, transfere o resultado pessoal do indivíduo a si mesmo.
82
Tais noções têm sido alimentadas pela teoria do capital humano, teoria essa, que tem
sido objeto de algumas controvérsias, relacionadas com aspectos metodológicos e conceituais.
De qualquer forma, mediatizada principalmente pela produtividade do trabalhador, como
postula essa teoria, ou intrinsecamente mesclada com outros fatores, a relação entre educação
e status merece atenção pois, estimulada por generalizados anseios, a demanda efetiva por
educação e titulações continuam crescendo, sem que se tornem claras, as conseqüências
sociais da expansão do sistema de educação superior.
O fato de julgar essa relação como indesejável, investigar a questão dos retornos da
educação não significa necessariamente aceitar a idéia de que a possibilidade de mobilidade
individual por essa via torna menos penosas as iniqüidades sociais. Ao contrário, acredita-se
que a preocupação com o problema poderá contribuir para o desvendamento dos mecanismos
que as mantêm.
O papel da educação como canal de mobilidade social constitui em eventos que se têm
efetivado por meio das políticas educacionais a partir da industrialização brasileira,
intensificando-se com a proposição desenvolvimentista que enfatizava a educação como
estratégia para o desenvolvimento econômico nacional.
Vale aqui uma relação de causalidade que caracteriza uma perversidade no contexto
brasileiro, a relação da discrepância da porcentagem de negros matriculados na educação
superior com a questão da mobilidade social, o que está no imaginário das pessoas, os negros
que não estão na educação superior têm menores chances de mobilidade social e que de certa
forma as políticas de ação afirmativa vêm reforçar essa relação.
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n° 3.627/2004 que aborda as questões
raciais e também reserva 50% (cinqüenta por cento) de vagas para estudantes de escolas
públicas em Instituições Públicas de Educação Superior. Esse Projeto de Lei é decorrente de
um primeiro Projeto n° 73/1999, conhecido como a Lei das Cotas. Caso aprovado determinará
que 50% das vagas das universidades federais serão reservadas para egressos de escolas
públicas e entre essas vagas uma proporção igual àquela obtida no último censo do IBGE no
estado para pretos, pardos e indígenas. Segundo Tessler (2006b, p. 1), “toda essa discussão
fica centrada na oposição entre uma política de inclusão social universalista (cotas sociais) e
uma política focada (cotas étnicas)”.
A Lei 73/1999 tem gerado controvérsias e manifesto contrário à sua aprovação. Os
Coordenadores de Vestibular das Instituições de Ensino Superior Públicas Brasileiras,
83
totalizando 28 representantes de instituições públicas, tendo em vista o noticiário sobre a
eminente votação do PL 73/1999 enviaram à presidência da Câmara de Deputados, em 21 de
maio de 2008, um manifesto
45
contrário à aprovação do Projeto de Lei. Para os
Coordenadores, o Projeto de Lei, caso aprovado, terá um efeito deletério sobre o conjunto das
IES e usar o mesmo critério de seleção em todas as IES públicas do país desmotivaria o rico
debate sobre acesso e ação afirmativa que tem levado a soluções inovadoras e eficazes.
No manifesto, os Coordenadores também consideram que a autonomia universitária é
um preceito constitucional muito caro às universidades públicas brasileiras e que graças a ela
as universidades têm um sistema de ensino, pesquisa e extensão diverso, criativo e
reconhecido no mundo inteiro. Os Coordenadores que assinaram o manifesto ressaltaram que
atualmente 50 IES públicas adotam políticas afirmativas, cada uma adaptada a sua rede local e
de acordo com os desejos de seus corpos docente, discente e funcional.
A iniciativa desse manifesto, abordando a autonomia universitária e as especificidades
de cada instituição, ainda que de modo diferenciado, impõe-se fundamentalmente relevante no
sentido de que, ao formar os atores de uma sociedade que se torna crescentemente mais
complexa, as políticas afirmativas e as políticas de cotas, ao serem implantadas poderão
conceber projetos para conciliar, a diversidade institucional com o contexto sociocultural, no
qual está envolvida, preservando a identidade dos estudantes que serão contemplados pelas
políticas afirmativas “definidos com suas peculiaridades étnicas, raciais, de classe social e de
gênero” (SEARLE, 2002, p. 61) e principalmente a permanência desses estudantes nessas
instituições.
Como ressaltado no manifesto, a autonomia universitária permite encontrar soluções
para os problemas particulares de cada instituição, e é o que se pretende discutir no próximo
capítulo: verificar a implantação de políticas afirmativas e as proposições dessa implantação
em algumas instituições. Para tanto, serão analisadas a aplicabilidade das políticas afirmativas
raciais na Universidade Federal de Minas Gerais, e também das políticas afirmativas
socioeconômicas implantadas na Universidade de Campinas e através dessas implantações
verificar, entre outros fatores, como essas instituições conciliam a diversidade das
características dos estudantes com o contexto sociocultural desses estudantes.
45
Coordenadores de Vestibular das IES Públicas. Vestibulares se manifestam contra lei das cotas. Portal
Unicamp. 2008. Disponível em http://www.unicamp.br/unicamp/divulgacao/BDND/ND_1374/ND_1374.html.
Acesso em: 22 jun 2008.
84
No próximo capítulo também serão discutidas questões relevantes em relação à
aplicabilidade da legislação em relação à democratização do acesso ao analisar a implantação
do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Reuni, que compõe
um dos programas do Programa de Desenvolvimento da |Educação - PDE e do Programa
Universidade para Todos e o posicionamento da comunidade acadêmica frente essas
implantações.
85
4 DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR PÚBLICA E
PRIVADA
Este capítulo abordará a implantação de políticas afirmativas e políticas de cotas na
educação superior privada e educação superior pública e discutirá como as políticas de
expansão de vagas e as políticas de acesso diferenciado, anunciadas como uma possível
universalização do acesso, atingirão uma demanda social com níveis de desigualdades
educacionais alarmantes que apresenta como principal característica, ao buscar a educação
superior, a busca pela formação profissional. As políticas de ações afirmativas ou as políticas
de cotas que serão tratadas são instituídas pelo Poder público e deliberadas pelos Conselhos
Universitários das Instituições.
Em relação às políticas implantadas pelos Conselhos Universitários das Instituições
serão analisadas a aplicabilidade das políticas afirmativas raciais na Universidade Federal de
Minas Gerais e a aplicabilidade das políticas afirmativas socioeconômicas implantadas na
Universidade de Campinas tentando verificar as proposições dessas instituições na
implantação dessas políticas.
Em relação às políticas instituídas pelo Poder Público, as questões, também relevantes,
centram na relação entre a aplicabilidade da legislação e a democratização do acesso. Para
tanto, dentro do PDE, um plano executivo que apresenta um conjunto de programa, será
discutida a implantação do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais Reuni e a implantação do Programa Universidade para Todos - Prouni, que é das
proposições do Anteprojeto da Reforma Universitária, e ainda, as controvérsias geradas por
essas implantações.
86
4.1 Aplicabilidade das Políticas Afirmativas
Os fatores socioeconômicos produzem desigualdades educacionais que se manifestam
por todos os períodos na vida de um indivíduo e no seu desempenho pessoal, profissional e
intelectual e segundo Eduardo Aponte-Hernández (2008) o seu impacto se determina através
de diferentes formas. Os índices de desigualdades educacionais sobressaem às políticas
adotadas para a inclusão dos indivíduos na educação, em todos os níveis; os índices
apresentados por institutos de pesquisa ou pela mídia apontam injustiças para os indivíduos
em sua característica de alunos e estabelecem critérios, também injustos, ao caracterizá-los
em escala de números crescentes ou decrescentes. Segundo o autor, ao se adotar políticas de
inclusão deve-se considerar as características pessoais dos indivíduos para que os mesmos
tenham oportunidades de desenvolvimento de suas potencialidades.
Acceso a la educación es acceso a la cultura, a la oportunidad de trabajar, a la
participación en los processos de cambio y de toma de decisiones de la coletividad
frente a los desafios de los tiempos. En la educación, extender el acceso a través de las
oportunidades existentes para incluir e un mayor número de personas sin alterar las
condiciones de participación y de aprovechamiento de acuerdo con las características
de las personas a las cuales se quiere incluir, supone que las personas al acceder a una
oportunidad no experimentada, puedan hacerlo con sus fortalezas y superando sus
limitaciones. De no ser así, como en la práctica a menudo se hace, se ofrecen
oportunidades desiguales a los distintos grupos y personas con necessidades diferentes
a las de las poblaciones para las cuales se diseñaron las poticas y las prácticas
existentes. Las oportunidades educativas “inclusivas” significan la transformación de
las instituciones y la experiencia educativa para que pueden dar una respuesta
pertinente, de calidad y de condiciones equitativas en relación con las diferencias de
las personas y de los grupos (APONTE-HERNÁNDEZ, 2008, p. 9).
Para que os indivíduos possam responder às diferentes oportunidades de acordo com
seus interesses é preciso que se tenha uma escola pública de nível básico, capaz de cumprir
sua missão de preparar os indivíduos para o seu desenvolvimento integral.
Uma das principais características da educação superior brasileira está centrada na
opção de seus ingressantes pela formação profissional; segundo os dados do Exame Nacional
dos Estudantes (ENADE 2005) 90% dos ingressantes na educação superior, afirmam que
procuram a educação superior em busca de uma formação profissional.
Em um sistema de educação superior com um número aproximado de 2.300
instituições (CENSO 2006), com mais de 22.000 cursos de graduação presencial, com cerca
87
de 70% deles no setor privado, as concepções de democratização do acesso e formação
intelectual, no sentido do enriquecimento da formação, se contradizem. Um sistema de
educação superior voltada para o futuro, que promova a emancipação social e a capacidade
dos indivíduos gerarem suas próprias oportunidades também se contradiz com as diretrizes do
Plano Nacional de Educação (2001) de alcançar a todo custo a meta de 30% da população da
faixa etária de 18 a 24 anos estarem matriculados, até 2011. Essas contradições se traduzem
efetivamente em ações. O que leva os estudantes a buscarem a educação superior?
A reflexão a respeito dessa busca, com a desigualdade social do país, emerge nos
sentidos de uma educação superior com direcionamentos antagônicos: de um lado a pesquisa
e a formação acadêmica do indivíduo está centrada na educação superior pública. E de outro
lado, uma educação superior caracterizada como de elite e centrada na educação superior
privada, com 90% de seus ingressantes apontando as intenções efetivas pela educação
profissional, evidencia um conflito, desse nível de educação, que por um lado é tradicional,
diferente do outro sistema de massas que se sustenta na educação superior privada.
Como inicialmente proposto neste trabalho, em que a intenção da discussão seria ao
encontro dos outros níveis educativos, um paradoxo possível, está na falta de oportunidades
oferecida pela educação básica, traduzida aqui, como oportunidades: o atendimento, a falta de
prestígio da educação básica pública oferecida, evidenciado pelas avaliações externas e a falta
de clareza de identificar a geração de uma demanda para a educação superior, não
quantitativamente, mas qualitativamente.
A intenção a ser discutida é que há uma necessidade de ampliação da oferta da
educação superior, porém as mesmas podem ser caracterizadas como medidas paliativas, na
medida em que, o enriquecimento da formação e uma sólida construção nos processos de
conhecimento não forem discutidos na educação básica.
necessidade de políticas de expansão, no sentido de pertinência, em todos os
níveis educacionais, há necessidade de políticas de acesso diferenciado que necessitam estar
acopladas às políticas de permanência, e, neste sentido, os mecanismos de permanência se
estendem na relação entre renda e escolaridade, na relação de desempenho e escolaridade da
família, na relação do capital cultural, associando o desempenho não a uma capacidade do
indivíduo, mas do acesso desse indivíduo a bens educacionais e culturais. E como hipótese, o
investimento nesse acesso a bens educacionais e culturais, vai permitir a superação de
dificuldades aparentemente intransponíveis.
88
Para corresponder às necessidades de democratização e atender o que Dilvo Ristoff
(2006) denominou imagem de futuro, e para isso recorreu à Alvim Tofler, vale apresentar
aqui, os quatro compromissos básicos, para a educação superior, perfazendo um total de 25
propostas e que segundo Ristoff (2006) é um plano de projeto de Estado, que em grande parte,
recupera o projeto de Estado presente no Plano Nacional de Educação:
O primeiro compromisso é o reconhecimento do papel estratégico das universidades,
em especial as do setor público, para o desenvolvimento econômico e social do país.
O segundo compromisso é a expansão significativa da oferta de vagas no ensino
superior, em especial no setor público, em cursos noturnos.
O terceiro compromisso é a ampliação do financiamento público ao setor público,
revisão e ampliação do crédito educativo e criação do Programa de Bolsas Universitárias, com
recursos não vinculados constitucionalmente à educação.
E, o quarto compromisso é a defesa dos compromissos da gratuidade do ensino
superior público.
No que se refere à implantação de medidas que asseguram a democratização do
acesso, o artigo 207 da Constituição de 1988 define as características essenciais da autonomia
ditático-científica e administrativa, bem como de gestão financeira e patrimonial das
universidades. A liberdade de gestão financeira e patrimonial é necessária para a concepção
de autonomia integral de autonomia universitária. As instituições de educação superior
pública têm autonomia administrativa para inserir políticas afirmativas ou cotas no critério de
ingresso.
Diante da diversificação da educação superior brasileira, as instituições, segundo suas
especificidades e em concordância com suas proposições e suas missões, exercem a seu modo
aquilo que entende ser sua responsabilidade diante da sociedade e as políticas afirmativas
poderão atuar como protagonistas desde que respeitadas a diversidade, a justiça, o bem
comum, “fazendo da educação um fenômeno que eleva os interesses particulares em
categorias de valor público, assim construindo as bases de uma cidadania pública” (DIAS
SOBRINHO, 2005, p. 92), e nisso consiste o núcleo central da responsabilidade social,
segundo o autor.
Algumas das políticas de ações afirmativas socioeconômicas e políticas de cotas
raciais, instituídas pelo Poder público e outras deliberadas pelos Conselhos Universitários das
Instituições serão discutidas a seguir. Algumas tratadas como práticas veiculadas como
89
responsabilidade social da comunidade em que está inserida, como a implantação das políticas
de cotas raciais na Universidade Federal de Minas Gerais UFMG e a implantação de
políticas afirmativas socioeconômicas na Universidade Estadual de Campinas Unicamp.
Outras trazendo aspectos, desde sua implantação, como medidas assistencialistas,
direcionadas ao segmento privado, tratadas por autores, como mecanismo de financiamento
público indireto para os estabelecimentos do setor privado, como o Programa Universidade
para Todos Prouni e ainda, outras, trazendo em sua implantação a defesa de que não
preconiza a adoção de um modelo único para a graduação das universidades federais, e que
assumem como pressuposto, tanto a necessidade de se respeitar a autonomia universitária,
quanto a diversidade das instituições, e a maneira de efetivar essa autonomia, propõem-se que
os projetos sejam apresentados pelas instituições, como o Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - Reuni.
4.2 Programas de Cotas Raciais na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
A demanda para os cursos de graduação na Universidade Federal de Minas Gerais
UFMG nas últimas duas décadas apresentou um aumento gradual e embora decorra do
crescimento do número de concluintes do ensino médio, não há proporcionalidade direta entre
essas variáveis. Nas últimas duas décadas, a procura cresce a uma taxa menor do que o
número de estudantes que conclui o ensino médio e medidas no âmbito da universidade, como
a criação de cursos e o aumento de vagas e de facilidades para a inscrição ou para a realização
das provas tendem também refletir no aumento da demanda.
Para Maria do Carmo de Lacerda Peixoto (2004), o sistema educacional brasileiro
evidencia a presença de fortes contraposições entre qualidade e quantidade. Na educação
básica predomina a rede pública e a universalização do acesso não é acompanhada pela oferta
do ensino com qualidade; o ensino médio vive um processo de expansão de matrículas, mas
os índices de repetência e evasão mantêm-se em patamares indesejados, configurando um
processo de exclusão intra e extra-escolar
46
. Esse panorama contribui na questão de como o
46
“Nos últimos anos houve um expressivo aumento no número de alunos matriculados no ensino médio. Em
Minas Gerais, aproximadamente 300.000 alunos terminam o ensino médio a cada ano, a grande maioria na
escola pública. Diante disso, seria de se esperar que a grande maioria dos alunos admitidos na UFMG, fosse da
escola pública. Isto, no entanto, não ocorre. Como o vestibular é classificatório, a explicação para este fato está
no fraco desempenho dos alunos da escola pública” (SOARES, 2004, p. 154).
90
discurso do mérito acadêmico tem se instaurado como um dos argumentos na implantação de
cotas econômicas e raciais.
Nilma Lino Gomes (2004) questiona a forma dos discursos na questão do mérito
acadêmico:
Nunca se falou tanto em mérito acadêmico quanto agora. Porém não
podemos reduzir o acesso à universidade, sobretudo a pública, a uma questão de
mérito. Ninguém nega que a vida acadêmica exige determinadas competências e
saberes, o que é muito diferente de discursarmos friamente sobre o mérito, como se o
vestibular classificatório fosse uma competição em que todos os concorrentes
participassem em condições de igualdade. Com efeito, as condições de vida, as
trajetórias sociais e escolares de negros e brancos, de pobres e ricos não são iguais.
Entrar para a universidade, sobretudo para uma universidade pública, não se reduz a
uma questão de mérito. É uma questão de direito. O fato de termos um maior acesso à
universidade de alunos negros, pobres e oriundos de escola pública não quer dizer que
teremos uma universidade de baixa qualidade e alunos com menor mérito, mesmo
porque, como sabemos, o mérito é uma construção social e acadêmica. O discurso do
mérito acadêmico, de modo tem sido formulado por alguns como algo isento e
objetivo, distancia-nos do debate sobre o direito à educação para todos os segmentos
sociais, econômicos e étnico/raciais (GOMES, 2004, p. 50).
E nesse contexto, segundo a autora, isso pode reduzir uma questão tão séria como a
democratização do acesso à idéia de capacidade inata, de capacidade intelectual. Ao
reconhecermos a existência das desigualdades sociais, econômicas e raciais, temos que
questionar as categorias com as quais temos trabalhado, com isso, o discurso do mérito
acadêmico precisa ser reavaliado.
A autora também indaga se, historicamente, o critério do mérito, o critério do direito e
o critério do público como espaço de direitos têm sido coincidentes e acrescenta que uma
política de ação afirmativa tem como objetivo corrigir os efeitos presentes da discriminação
praticada no passado, tendo por fim a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a
bens fundamentais, como educação e emprego. As políticas de ação afirmativa significam,
pois uma mudança de postura, de concepção e de estratégia do Estado, da educação superior,
do mundo do trabalho, os quais, em nome do discurso da igualdade para todos, aplicam
políticas e estabelecem critérios de seleção, ignorando a importância de fatores como raça,
etnia, social, sexo e econômico.
E por isso, afirma a autora, “reduzir o caráter e a abrangência das políticas de ação
afirmativa à concessão de cotas (ou reserva de vagas) para negros na universidade pode ser
fruto da falta de informação, do desentendimento e da manipulação política” (GOMES, 2004,
91
p. 49). As cotas representam uma das estratégias da ação afirmativa e a proposta de cotas
raciais em vigor não significa que os alunos negros deixarão de fazer o vestibular.
Eles o farão, porém, concorrerão com outros alunos do seu grupo/racial que
possuem trajetórias sociais e escolares semelhantes. Nesse aspecto, acredito,
sinceramente, que o debate sobre as cotas é que possui um grande mérito: ele abre o
caminho para refletirmos e implantarmos outras formas mais democráticas e mais
justas de admissão na universidade pública (GOMES, 2004, p. 51).
Gomes (2004) escreve que a defesa de cotas é uma constatação de que a questão das
cotas raciais é um tema na agenda nacional, é objeto de debate no judiciário, nas
universidades e nas conversas cotidianas, justamente porque desvelam que não há como
pensar no tema da democratização do acesso ao ensino superior, no Brasil, sem colocar a
questão das cotas. E salienta que, nesse sentido, que a discussão sobre esse tema aparece num
contexto de construção de um Estado mais democrático e uma universidade mais democrática
e fora desse contexto, provavelmente, o tema das cotas raciais não encontraria lugar.
A Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG possui um programa de ação
afirmativa intitulado Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão Ações Afirmativas na UFMG,
sediado na Faculdade de Educação da instituição e tem como parceiros a Pró-reitoria de
Extensão, a Faculdade de Letras, a Fundação Universitária Mendes Pimentel (FUMP), o
Centro cultural da UFMG e a Secretaria Municipal de Educação.
O Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão Ações Afirmativas na UFMG, foi
aprovado no Concurso Nacional Cor no Ensino Superior, do Programa Políticas da Cor
47
,
promovido pelo Programa Políticas da Cor, do Laboratório de Políticas Públicas da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com apoio da Fundação Ford, no ano de 2001, é
coordenado pela Professora da Faculdade de Educação da UFMG, Professora Nilma Lino
Gomes.
Traz uma proposta que apresenta estratégias de intervenção que visa reduzir os efeitos
dos processos de seleção e exclusão social e promover a permanência bem sucedida de
47
O fato do Programa de Cotas Raciais da UFMG ter sido aprovado no Concurso Nacional Cor no Ensino
Superior, não consiste à condição de sua existência, porém acrescenta uma experiência pertinente diante da
constatação do tema de cotas raciais na agenda nacional e pôr ter sido promovido pelo Laboratório de Políticas
Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com apoio da Fundação Ford, instituições nacionalmente
reconhecidas no âmbito das cotas raciais.
92
estudantes negros(as), sobretudo os(as) de baixa-renda. Apresenta também como proposta a
inserção destes(as) nos cursos de pós-graduação da UFMG.
É um programa de cotas étnico/racial, integrado por treze professores e professoras da
Faculdade de Educação, Faculdade de Letras, Escola da Ciência da Informação, Centro
Pedagógico, funcionários e monitores do Instituto de Ciências Exatas. Foi implantado no mês
de agosto de 2002 e sua atividade é direcionada para os alunos negros, sobretudo os de baixa-
renda, regularmente matriculados em qualquer curso de graduação da UFMG.
Desde de sua implantação, agosto de 2002, realiza atividades como seminários, cursos
e oficinas voltadas para os alunos negros, sobretudo os de baixa-renda, regularmente
matriculados em qualquer curso de graduação da instituição e tem como intenção construir
mecanismos que possibilitam conhecer a realidade étnico/racial da UFMG. Para Nilma Lino
Gomes (2004, 53), “não se discute democratização do acesso e da permanência na
universidade se essas questões não forem tratadas institucionalmente”.
Segundo Gomes (2004), esses mecanismos que permitiram conhecer a composição
estudantil da instituição, teve sua primeira iniciativa com a introdução do quesito cor no
formulário do vestibular 2003 e no formulário do aluno que solicita assistência à Fundação
Universitária Mendes Pimentel - FUMP.
A defesa pela implementação de cotas raciais na universidade brasileira, e também no
mercado de trabalho, para a autora, não pode fugir da discussão sobre raça, e que a
compreensão teórica mais recente da formação das identidades raciais estabelece uma
distinção importante entre raça e etnia, e que essa distinção é necessária sobretudo nos
contextos em que o fenótipo, que define raça, torna-se uma questão de maior destaque que a
língua, a cultura ou a religião. “A sociedade brasileira vive historicamente essa realidade
racial complexa. Os estudos e pesquisa sobre relações raciais, assim como a luta política do
movimento negro, têm nos mostrado que, no contexto do racismo brasileiro, a raça ganha
mais destaque do que a língua e a religião” (Gomes, 2004, 52).
O Programa de Ensino, Pesquisa, e Extensão Ações afirmativas na UFMG também
tem como objetivo, ao realizar o censo étnico/racial, aprimorar as experiências de
permanência desenvolvidas na instituição que desenvolvam projetos acadêmicos de ações
afirmativas voltados para a permanência de alunos negros e pobres no sentido de implementar
políticas de democratização e inclusão social na educação superior brasileira, para isso,
93
utilizando diagnósticos que permitirão construir políticas universitárias que corrijam
distorções.
Gomes (2004) escreve que é uma ilusão pensar que as cotas raciais, implantadas
isoladamente, colocarão fim às desigualdades raciais. Por isso, é necessário que aconteçam no
contexto das ações afirmativas, ou seja, de políticas mais amplas, a médio e longo prazo,
políticas de permanência, políticas voltadas também para a educação básica, e que tenham por
objetivo uma mudança cultural radical, uma mudança no imaginário social em relação aos
negros.
4.3 Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social PAAIS- Unicamp
A Universidade Estadual de Campinas Unicamp
48
compõe uma das três
universidades estaduais paulistas públicas que detêm autonomia acadêmico-administrativa,
tendo seu financiamento garantido por um percentual de arrecadação anual de ICMS do
Estado fixado na Lei de Diretrizes Orçamentárias do Estado, as outras universidades são a
Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual Paulista (UNESP)
49
. Essas
universidades têm seu modelo de seleção de estudantes de graduação, decidido por órgãos
colegiados dentro dos parâmetros de cada instituição.
A Unicamp tem um perfil acadêmico peculiar na cena brasileira, com um grupo de
docentes bastante qualificado, 95% dos docentes têm o título de doutor, com intensa atividade
de pós-graduação, o número de alunos gira em torno de 32 mil, cerca da metade são da pós-
graduação, sua opção de seleção é o vestibular
50
com alcance nacional, aplicado em 8 capitais
de Estados fora do Estado de São Paulo.
48
A Cidade Universitária “Zeferino Vaz” Barão Geraldo, é nome atribuído ao campus de Campinas da
Universidade de Campinas Unicamp. O campus tem o nome de seu fundador e idealizador, professor Zeferino
Vaz, falecido em 1981, que orientou e elaborou o plano diretor da universidade. Disponível em:
http://www.unicamp.br/anuario/2006/Unicamp/uni_historia.htlm. Acesso em: 30 mar 2008.
49
A autonomia da Universidade de Campinas, da USP e da Unesp é caracterizada de uma maneira que faz com
que recebam, por conta da legislação estadual, 9,57% do orçamento da arrecadação do ICMS do Estado
distribuídos entre as três universidades. A proporcionalidade que a Unicamp recebe corresponde a 2,57%, o que
em 2005 correspondeu a 1 bilhão e 84 milhões de reais.
50
“O vestibular é uma instituição sólida no Brasil. Apesar de determinar o futuro de milhares de jovens (no caso
da Unicamp decidir quais 3 mil entre 50 mil postulantes terão direito a uma vaga na instituição, deixando os
94
O Vestibular Nacional da Unicamp existe 20 anos. Até 1986 a Unicamp
selecionava seus estudantes junto com outras instituições de educação superior do Estado de
São Paulo, incluindo a USP e a UNESP, através do vestibular da FUVEST. Em 1985, foi
formada uma comissão composta por docentes da instituição com o propósito de criar um
modelo e formato de vestibular próprio, que avançasse em relação ao anterior, definindo um
perfil de aluno desejado e um tipo de prova capaz de selecionar candidatos com esse perfil,
independentes de parâmetros socioeconômicos. O modelo de vestibular adotado possui duas
fases discursivas e uma redação que vale metade da pontuação da primeira fase.
O Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social da Unicamp - Paais foi instituído
em maio de 2004, por deliberação do Conselho Universitário da Universidade Estadual de
Campinas - Unicamp e adotado desde o Vestibular Nacional de 2005. Trata-se de um
programa sem cotas com justificativas distintas, pois “os perfis socioeconômicos de
candidatos e matriculados, oriundos de escolas públicas na Unicamp é nitidamente distinto
daqueles dos egressos de escolas particulares” (TESSLER, 2006a).
As afirmações de Leandro Tessler (2006a) estão fundamentadas em um estudo
realizado na Comvest - Comissão Permanente para os vestibulares (PEDROSA, 2004) que
buscou determinar se existem outros fatores além do vestibular que devem ser considerados
para selecionar esses candidatos com melhor potencial para aproveitar a educação superior.
Para isso o coeficiente de rendimento (CR) médio
51
ao longo do curso de graduação de todos
os 7.094 ingressantes na Unicamp entre 1994 e 1997 foi comparado com a classificação no
vestibular. No final de 2002, 4.955 estudantes do grupo (cerca de 70%) haviam concluído
seus cursos.
A partir do questionário socioeconômico, aplicado na inscrição para o vestibular,
foram levantados quais fatores tiveram influência estatisticamente significativa sobre o CR
médio dos estudantes. A conclusão foi que entre os estudantes com notas semelhantes no
vestibular, aqueles que cursaram o ensino médio em escola pública apresentaram uma
variação do desempenho acadêmico, ao longo do curso, positiva e superior em relação aos
demais.
demais de fora) são raras as contestações sobre a legalidade do processo para determinar os mais aptos ao estudo
superior” (TESSLER, 2006a, p. 5).
51
O Coeficiente de Rendimento (CR) é definido na Unicamp como a média de todas as notas obtidas pelo
estudante numa escala entre 0 e 1.
95
O resultado desse estudo indicou outras informações que serviram como
fundamentação para a implantação de uma política afirmativa na instituição, pois a
possibilidade da Unicamp, de alguma forma, aumentar o número de egressos de escolas
públicas entre os alunos, poderia resultar positivamente em termos de desempenho
acadêmico. Segundo Pedrosa (2004), essa relação pode ser entendida da seguinte forma: se
dois candidatos, um egresso da escola pública e um da escola privada empataram (tiveram
pontuação semelhante) no vestibular, se a opção for pelo aluno da escola pública,
possivelmente se terá um melhor aluno na Unicamp.
O Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social - Paais adotado pela Unicamp tem
como justificativa central, segundo Leandro Tessler (2006a), os argumentos do desempenho e
da diversidade. “Isso não significa que as demais justificativas não são contempladas, mas nas
discussões internas e na formulação do programa esses argumentos foram decisivos”
(TESSLER, 2006a).
Ainda segundo Tessler (2006a), esse fato ilustra a importância de uma instituição
conhecer e entender sua realidade antes de decidir pela adoção de programas de ação
afirmativa e qual a melhor forma de implantá-la. E que tentativas por parte da sociedade de
impor programas de ação afirmativa ou de cotas através de leis estaduais ou federais poderia
ser interpretado como uma interferência indevida no processo de seleção e provavelmente
causaria reações muito negativas na comunidade universidade.
Em relação ao Paais, o Conselho Universitário da Universidade decidiu atribuir, na
segunda fase do vestibular 30 pontos bônus às notas finais dos candidatos que cursaram todo
o ensino médio em escolas da rede pública, e mais 10 pontos bônus às notas finais daqueles
que, entre esses candidatos, se autodeclararam pretos, pardos ou indígenas seguindo a
classificação adotada pelo IBGE. A intenção do Conselho Universitário neste caso, foi de
relacionar o potencial para um melhor desempenho acadêmico com o incentivo à diversidade
na universidade.
A participação no Paais não é automática, o candidato deve declarar sua intenção no
ato da inscrição. Juntamente com a bonificação de pontos para egressos de escolas públicas, o
candidato, também opta pelo programa de isenção de taxas de inscrição, implantado em 2000
e que foi gradativamente ampliado até se estabilizar no vestibular de 2005 e que consiste em
três modalidades:
96
1.Uma quantidade de isenções até o dobro de número de vagas oferecidas para
candidatos que cursaram o ensino fundamental e médio integralmente em escolas da rede
pública no estado de São Paulo, com renda familiar per capita inferior a um limite fixado pela
Comvest com base em indicadores socioeconômicos.
2.Um número ilimitado de isenções para candidatos que cursaram o ensino
fundamental e médio integralmente em escolas da rede pública e se candidataram aos cursos
noturnos de licenciatura (Ciências Biológicas, Letras, Integrado em Química e Física e
Matemática).
3.Cem isenções para funcionários da Unicamp e da Funcamp.
Os resultados sociais para Tessler (2006a) ocorreram na reversão da percepção que os
candidatos egressos da escola pública têm em relação à universidade pública, e que este é um
dos objetivos do Paais; a exemplo disso, cita que cerca de 80% dos concluintes do ensino
médio do Estado de São Paulo, estudaram em escolas públicas e o programa, ao oferecer
vantagens para egressos das escolas públicas buscava aumentar o percentual desses
candidatos na Unicamp.
Historicamente, na Unicamp, cerca de 30% dos inscritos para os vestibulares estudam
em escolas públicas Em 2004, o percentual de candidatos egressos de escolas públicas foi de
31,4; em 2005 subiu para 34,1% e em 2006 voltou para 31,3%. No Vestibular Nacional 2007
ocorreu uma diminuição significativa do número de candidatos oriundos das escolas públicas
brasileiras, o percentual caiu para 29%. Segundo Tessler (2006a, p. 14), “ainda é cedo para
entender completamente esse fato, mas não podemos deixar de considerar que neste ano o
ProUni consagrou-se como uma alternativa atraente para o ensino superior em instituições
privadas para egressos de escolas públicas”.
Tessler (2006b) destaca que como principal resultado do Programa o aumento na
quantidade de alunos de escolas públicas que se inscreveram no vestibular e que são
matriculados e também o ingresso de alunos do Paais em todos os cursos; entre as
dificuldades refere-se à pouca divulgação do Programa junto às comunidades carentes e
principalmente à aprovação da Lei 3.627/2004 que tramita no Congresso Nacional, que
estabelece a reserva de 50% das vagas de instituições públicas para alunos oriundos da escola
pública, o que, segundo o autor, caso aprovada, obrigaria a Unicamp a se adequar às novas
exigências e ter que abrir mão do Paais no seu modelo atual.
97
Alessandro de Oliveira Santos (2007), destaca que o Paais precisa avançar em relação
à inclusão de estudantes pretos, pardos e indígenas e embora o Programa aponte mudanças no
perfil dos inscritos e matriculados no vestibular, são resultados ainda pequenos, que
apresentam deficiências na inclusão de alunos com renda familiar mais baixa e alunos
autodeclarados pretos e indígenas.
E em relação à reserva de vagas, escreve que é um sistema que pode contribuir para a
diminuição do desempenho acadêmico do corpo discente, na medida que coloca em segundo
plano o princípio do mérito, e que o Paais redimensiona este princípio, ao levar em conta as
desigualdades socioeconômicas e educacionais dos alunos e preservar, ao mesmo tempo o
padrão acadêmico do corpo discente que ingressa na Universidade, mas adverte que é
importante estar atento ao fato de que o princípio do mérito também serve à manutenção das
desigualdades étnico-raciais na universidade, ao reforçar a idéia de que a responsabilidade
pela não-inserção dos negros no ensino superior é exclusivamente dos próprios negros,
quando na verdade ela é conseqüência direta de uma história de discriminações raciais e
desvantagens socioeconômicas.
Santos (2007) buscou a fundamentação em Boaventura de Sousa Santos para afirmar
que apenas uma parcela da população brasileira tem oportunidades de inserção nos espaços da
vida social a partir de seus próprios méritos e que é preciso reequilibrar a balança de
oportunidades para que o princípio do mérito possa vir a ser efetivamente tomado como
critério de acesso às oportunidades, e afirma que temos o direito de ser iguais quando a
diferença nos inferioriza e temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos
inferioriza; portanto, nem todas as igualdades são idênticas, nem todas as desigualdades são
injustas. O direito à diferença é fundamental na superação das iniqüidades e na promoção da
igualdade étnico-racial.
Na visão dos estudantes da Unicamp
52
em relação ao Paais, Santos (2007) escreve que
os mesmos defendem medidas como programas para alunos de escolas públicas ou com
dificuldades socioeconômicas, pois afirmam que as desigualdades entre brancos e negros são
fruto de um problema social, e não de racismo. Para esses estudantes, o Programa deve
52
“O estudo de caso realizado na Unicamp tem como proposta analisar quais os princípios que se baseia, como
opera e que fins atinge para a população negra o Programa de Ações Afirmativas e Inclusão Social Paais. O
Paais foi selecionado para estudo de caso em razão do seu potencial de inserção da população negra no ensino
superior. (...) A primeira etapa do estudo consistiu no levantamento de dados quantitativos e a segunda etapa
consistiu na realização de entrevistas com professores coordenadores do Paais e alunos que ingressaram na
universidade por meio do programa” (SANTOS, p. 189).
98
focalizar quem tem dificuldade no ensino e não populações específicas e que a melhoria na
educação básica é a principal medida para mudar as desigualdades, entendendo que as ações
afirmativas não resolvem o problema, é um desvio do problema que ocorre no ensino médio.
Na análise geral das entrevistas com os alunos beneficiados pela Paais, Santos (2007)
afirma que muitos alunos desconhecem realmente o Programa e os motivos que o
fundamentam, tampouco têm conhecimento sobre o significado das ações afirmativas, e
ainda, alguns, afirmaram que os pontos adicionais não fizeram diferença para sua entrada na
Unicamp. Santos (2007) também afirma que o Paais não contribuiu para criar uma identidade
de grupo e nem fortalecer a identidade étnico-racial entre os alunos beneficiados e em relação
à permanência dos alunos, o Programa está mais centrado no desempenho dos alunos
beneficiados do que na política universitária para absorver este segmento. Na Unicamp não
existe, por exemplo, uma política específica voltada para a permanência dos alunos que
ingressam no Paais. O Serviço de Apoio ao Estudante (SAE) da Universidade apóia a
permanência somente dos alunos que comprovem carência financeira e rendimento
acadêmico.
Esta também é a visão de Emerson Santos (2006) quando afirma sobre a necessidade
se conceber as reações, esforços e responsabilidades da Universidade frente aos
desdobramentos do Paais. O foco apenas no desenvolvimento dos alunos pode reiterar a idéia
de que um eventual fracasso é responsabilidades deles, seja devido às distorções de formação
ou às deficiências de toda sorte pelo qual passaram. E nesse sentido, conclui o autor, pode se
dizer que o Paais contribuiu pouco para a ampliação do interesse da Universidade sobre as
relações étnico-raciais ou mesmo sobre ações afirmativas. Os estudos sobre esses temas
continuam sendo feitos isoladamente por professores e pesquisadores (ou pelos coordenadores
do Paais) e ainda não são formalizados em grupos ou linhas de pesquisa.
Edgar Salvadori de Decca (2006) apresenta outra realidade ao delinear as proposições
da Unicamp na implantação de uma política afirmativa e chama a atenção para dois pontos
que considera primordiais em relação à democratização do acesso à universidade pública
brasileira: em primeiro é a questão da permanência do estudante após seu ingresso, afirma que
a questão não é acesso à universidade, a questão é como esse acesso pode vir associado a uma
política que permita que o estudante permaneça dentro da universidade.
Decca (2006) defende a questão da inclusão social e permanência na universidade do
estudante nas instituições públicas brasileiras associado à idéia de autonomia, acrescenta que,
99
é a autonomia universitária que vai criar a responsabilidade de cada campus, de cada reitor e
de cada unidade de ensino superior quando pensar a sua política de inclusão social. Quanto à
Unicamp, afirma que o nível de evasão é de 5%, considerado muito baixo, em relação aos
34% dos estudantes oriundos da escola pública matriculados na Universidade. Isso representa,
segundo o autor, ao mesmo tempo, uma política de inclusão social associada a um suporte e a
um financiamento de ensino desse estudante que tem a necessidade de permanecer com um
subsídio bastante efetivo, dentro da Universidade Estadual de Campinas.
“A autonomia universitária é fundamental para, inclusive, a própria responsabilidade
da universidade no que concerne ao papel social que ela tem que desempenhar no lugar onde
ela se insere. Por outro lado, a assistência estudantil que a Unicamp reserva no seu orçamento
chega a 13%” (DECCA, 2006, p. 162).
Outro ponto que Decca (2006, p. 162) destaca é a perspectiva da Unicamp em relação
aos estudantes da escola pública:
Quando a Unicamp resolveu fazer o seu vestibular, em 1987, havia, na perspectiva da
universidade, uma meta que foi alcançada 15 anos depois, ou seja, a meta de chegar a
35% de vagas ocupadas por estudantes de escola pública dentro da universidade, e que
consistiu uma batalha interna e externa junto ao Governo do Estado de São Paulo,
para assegurar uma política de inclusão social.
Essas expressões denotam as interpretações desses autores em relação à implantação
de um programa de ação afirmativa e constituem como desafio para o Paais, a necessidade de
promover debates e discussões sobre as desigualdades étnico-raciais e as ações afirmativas
junto à comunidade universitária, visando seu esclarecimento; e a tarefa de acompanhar de
forma mais próxima à inserção na Unicamp dos alunos beneficiados, apoiando sua
permanência e estimulando o desenvolvimento de uma identidade grupal, tendo em vista que
o Paais é uma alternativa à reserva de vagas, com possibilidades de ser adotado em outras
universidades; é fundamental produzir estudos que mostrem a importância da bonificação
específica.
100
4.4 Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Reuni
O Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE foi lançado pelo Governo Federal
em 24 de abril de 2007 com objetivos de reduzir desigualdades sociais e regionais fixados
pela Constituição Federal de 1988. Para esse movimento, o Governo Federal, traduz que o
PDE “pode ser apresentado como plano executivo, como conjunto de programas” (MEC,
2008) que está sustentado em seis pilares: i) visão sistêmica da educação, ii) territorialidade,
iii) desenvolvimento, iv) regime de colaboração, v) responsabilização e vi) mobilização
social, que são, na visão do Governo Federal, desdobramentos conseqüentes de princípios e
objetivos constitucionais, com a finalidade de expressar o enlace necessário entre educação,
território e desenvolvimento, de um lado, e a associação entre qualidade, equidade e
potencialidade , de outro.
Ainda na defesa do programa, o Governo Federal, representado pelo MEC (2008),
argumenta que o PDE pretende ser mais do que a tradução instrumental do Plano Nacional de
Educação PNE, o qual, em certa medida, apresenta um diagnóstico dos problemas
educacionais, mas deixa em aberto a questão das ações a serem tomadas para a melhoria da
qualidade em educação. E que, por um lado, o PDE está ancorado em uma concepção
substantiva de educação que perpassa todos os níveis e modalidades educacionais e, de outro,
em fundamentos e princípios históricos voltados para a consecução dos objetivos
republicanos presentes na Constituição, sobretudo no que concerne ao que o MEC designa por
visão sistêmica da educação e à sua relação com a ordenação territorial e o desenvolvimento
econômico e social.
Neste contexto o MEC publica:
Diferentemente da visão sistêmica que pauta o PDE, predominou no Brasil, até muito
recentemente, uma visão fragmentada da educação, como se níveis, etapas e
modalidades não fossem momentos de um processo, cada qual com um objetivo
particular, integrados numa unidade geral; como se não elos de uma cadeia que
deveriam reforçar mutuamente. Tal visão fragmentada partiu de princípios
gerencialistas e fiscalistas, que tomaram os investimentos em educação como gastos,
em um suposto contexto de restrição fiscal (MEC, 2008, p. 7).
101
Com essa visão, segundo o MEC (2008), criaram-se falsas oposições, e, entre elas, a
oposição entre educação básica e educação superior, que diante da falta de recursos, alegava-
se que caberia ao gestor público optar pela primeira.
Em relação aos investimentos e os resultados dessa opção o MEC declara:
Sem que a União aumentasse o investimento na educação básica, o
argumento serviu de pretexto para asfixiar a rede federal de educação superior, cujo
custeio foi reduzido em 50% em dez anos, e inviabilizar uma expansão significativa
da rede. Nesse particular é forçoso lembrar a revogação, em 1996, do parágrafo único
do artigo 60 do Ato das Disposições Transitórias, que estabelecia: “Nos dez primeiros
anos da promulgação da Constituição, as universidades públicas descentralizarão suas
atividades, de modo a estender suas unidades de ensino superior às cidades de maior
densidade populacional”. O resultado para a educação básica: falta de professores com
licenciatura para exercer o magistério e alunos do ensino médio desmotivados pela
insuficiência de oferta de ensino gratuito nas universidades públicas (MEC, 2008, p.
8).
Para o MEC, no contexto do PDE, a educação superior baliza-se por princípios
complementares entre si: expansão da oferta de vagas, garantia de qualidade, promoção de
inclusão social pela educação, ordenação territorial e desenvolvimento econômico e social.
Nisso consiste a continuidade da expansão das vagas nas instituições federais que teve início
em 2004 e se estendeu até 2006 com um programa de extensão que previa nove novas
universidades federais e 36 novos campi com a intenção de uma política de inclusão social em
que os focos iniciais e principais são as universidades que pertencem à rede pública federal
53
.
O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais Reuni, instituído pelo Decreto 6.096, de 24 de abril de 2007, compõe um dos
programas do PDE e expressa a orientação, na visão do MEC (2008), de colocar à disposição
das Instituições Federais de Educação Superior um instrumento que, respeitada a autonomia
universitária, pode viabilizar uma reestruturação de grande alcance do parque universitário
federal. Tem como fim imediato o aumento das vagas de ingresso e a redução das taxas de
53
Segundo o Ministério da Educação e SESu pretende-se um incremento a mais de inclusão, de possibilidade de
inclusão do aluno ao ensino superior, de 27 mil vagas e a política adotada consiste na ampliação territorial das
IFES. Tem estados da Federação onde estão concentradas universidades em uma parte do estado. O aluno, para
ter acesso à universidade federal, tem que se deslocar até aquela localidade. No caso do Rio Grande do Sul, tem
quatro universidades em um raio de 300 quilômetros. Tem uma parte do Rio Grande do Sul onde não existiam
dificuldades de vagas. Dentro da reforma universitária direcionada às universidades federais, a ação do MEC é
que, através de um convênio, de um consórcio entre as universidades federais, serão as universidades que
chegarão até os alunos. Para isso em 2006, foram destinados R$ 958 milhões para manutenção das universidades
federais, o que significa um aumento de R$ 156 milhões de investimento em relação a 2005 (CUNHA, 2006).
102
evasão nos cursos presenciais de graduação, pelo qual o Ministério da Educação cumpre o
papel atribuído pelo Plano Nacional de Educação quando estabelece o provimento da oferta
de educação superior para, pelo menos, 30% dos jovens nas faixas etárias de 18 a 24 anos, até
o final da década.
Tem também, como objetivo, a expansão democrática do acesso à educação superior,
o que, segundo o MEC (2007), aumentará expressivamente o contingente de estudantes de
camadas sociais de menor renda na universidade pública. Para o MEC (2008) o
desdobramento necessário dessa democratização é a necessidade de uma política nacional de
assistência estudantil que, inclusive, dê sustentação à adoção de políticas afirmativas.
O documento intitulado Diretrizes Gerais do Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Reuni elaborado pelo Grupo
Assessor
54
informa que o Reuni tem como meta global à elevação gradual da taxa de
conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de
alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco
anos
55
, a contar do início de cada plano.
O documento ressalta que o Reuni não preconiza a adoção de um modelo único para a
graduação das universidades federais, e que assume como pressuposto, tanto a necessidade de
se respeitar a autonomia universitária, quanto à diversidade das instituições; para tanto, a
maneira encontrada de efetivar este programa, sem prejuízo às Instituições Federais de
Educação Superior, propõe que os projetos sejam apresentados pelas universidades, desde que
as metas para a ampliação das vagas, a elevação da qualidade da educação nacional, ao final
do período de cinco anos, desde de sua implantação, sejam alcançadas e que, os planos de
54
O Grupo Assessor nomeado pela Portaria n° 552 SESu/MEC, de 25 de junho de 2007, em complemento ao art.
do Decreto Presidencial 6.096, de 24 de abril de 2007 é constituído por Alex Bolonha Fiúza de Mello,
Antônio Carlos Pedrosa, Iguatemy Maria de Lucena Martins, Leandro Russovski Tessler, Luis Davidovich,
Manuel Fernando Palácios da Cunha e Melo, Murilo Silva de Camargo, Naomar Monteiro de Almeida Filho,
Orlando Afonso Valle do Amaral, Paulo Eduardo Nunes de Moura Rocha, Paulo Speller, Ricardo Siloto da
Silva, Roberto da Silva Fragale Filho e Rodrigo de Araújo Ramalho Filho. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/diretrizesreuni.pdf. Acesso em: 30 mar 2008.
55
A relação de dezoito estudantes de graduação presencial por professor foi fixada com base em determinações
contidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996), no que se refere à Carga
horária dos professores (art. 57), estimando-se salas de aulas com 45 alunos de graduação e uma carga horária
discente de aproximadamente vinte horas semanais. Disponível em: Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/diretrizesreuni.pdf. Acesso em: 30 mar 2008.
103
reestruturação apresentados pelas universidades federais e aprovados pelo Ministério da
Educação, terão sua exeqüibilidade financeira garantida pelo MEC a partir de 2008, mediante
termo de pactuação de metas a ser firmado entre o Mec e as universidades participantes
56
.
O documento também esclarece que os projetos apresentados ao Reuni serão avaliados
em função da consistência entre as suas proposições e as exigências do decreto que instituiu o
Programa, bem como à exeqüibilidade dessas proposições, e que ao expor os principais
pontos do Reuni, busca esclarecer e orientar as Instituições Federais que desejam participar do
Programa, uma vez que sua implantação está fundamentada no princípio da adesão, nesse
sentido, contempla um conjunto de indicadores (Anexo 1) que caracterizam as diretrizes a
serem observadas por aquelas instituições quando da construção de suas propostas.
Ao apresentar o diagnóstico da educação superior brasileira, o documento traz como
um dos argumentos da implantação do Reuni o fato da maior oferta de vagas na graduação
estar centrada no setor privado de ensino superior, e que a expansão desse setor apresenta
sinais de esgotamento, principalmente pela saturação de mercado em várias profissões e pela
inadimplência de segmentos sociais incapazes de arcar com o alto custo da educação superior,
e dessa forma, a ampliação das vagas na educação superior pública torna-se imperativa para o
atendimento da grande demanda de acesso à educação superior.
Para o MEC (2008), o Reuni consolida a implantação de uma das políticas afirmativas
que visam corrigir desigualdades sociais historicamente acumuladas, destacando que o
sistema de educação superior brasileiro ainda conserva modelos de formação acadêmica e
profissional superados em muitos aspectos, tanto acadêmicos como institucionais, e precisa
passar por transformações e que no Brasil prevalece no sistema de educação superior uma
concepção fragmentada do conhecimento, resultante de reformas universitárias parciais e
limitadas nas décadas de 60 e 70 do culo passado que incorpora currículos de graduação
pouco flexíveis, com forte viés disciplinar, situação agravada pelo fosso existente entre
56
Segundo o documento, os investimentos e custeio previstos para o Reuni, considerando a hipótese de
participação de todas as universidades federais é da ordem de 2 bilhões de reais, projetados para o período de
2008 a 2011. O valor acrescido ao orçamento de custeio e pessoal de cada universidade aumentará
gradativamente, no período de cinco anos, até atingir, ao final, o montante correspondente a 20% do previsto
para 2007. Os recursos previstos para cada universidade federal no ano de 2008 poderão ser alocados
diretamente em sua unidade orçamentária e sua liberação será condicionada à aprovação do plano e assinatura do
termo de pactuação de metas correspondente. Caso uma universidade não ingresse no programa em 2008, os
recursos a ela previstos poderão ser realocados para outras instituições, como antecipação orçamentária, sem
prejuízo de ingresso posterior no programa. Disponível em: Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/diretrizesreuni.pdf. Acesso em: 30 mar 2008.
104
graduação e pós-graduação, herdado da reforma universitária de 1968. Destaca ainda, a
excessiva precocidade na escolha da carreira profissional, submetida a um sistema de seleção
pontual e socialmente excludente para o ingresso na graduação.
No Decreto 6.096, de 24 de abril de 2007, em seu Art. 1°, “Fica instituído o
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
Reuni, com o objetivo de criar condições para a ampliação do acesso e permanência na
educação superior, no vel de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de
recursos humanos existentes nas universidades federais”
Para Cláudio Antonio Tonegutti e Milena Martinez (2008), as metas, que condicionam
todos os projetos apresentáveis dentro do Reuni são incompatíveis com padrões de qualidade
de ensino aceitáveis, aprofundam a precarização do trabalho docente e, na concepção, ferem a
autonomia universitária ao impor padrões que são da competência acadêmica das
Universidades e nas discussões do Reuni e de suas implicações na IFES, é importante
considerar que o programa foi elaborado no bojo das discussões sobre a proposta formulada
pelo Reitor da Universidade Federal da Bahia, Prof. Naomar de Almeida Filho, denominada
Universidade Nova, e segundo ele, foi inspirada no plano diretor de implantação da
Universidade de Brasília
57
.
Os autores asseveram que entre os argumentos da incompatibilidade da implantação,
são que tanto na Universidade Nova como também no Reuni, os estudantes são obrigados a
escolher precocemente a profissão e este é um dos motivos que tem resultado nos altos índices
de evasão nas IFES. Acrescentam que isto é uma falácia, pois o programa que se apresenta
para corrigir as taxas de evasão, é colocado como verdadeiro, sem a apresentação de qualquer
57
“A proposta da “Universidade Nova” foi lançada em meados de 2006, tendo o Prof. Naomar de Almeida Filho
realizado palestras em várias Universidades. Nos dias 1 e 2 de dezembro de 2006, foi realizado o I Seminário
Universidade Nova na UFBA, em Salvador-BA, e de 29 a 31 de março de 2007, o II Seminário Universidade
Nova, UnB, em Brasília-DF. Na sua Apresentação, neste II Seminário, o Prof. Naomar de Almeida Filho afirma
que a idéia de estudos superiores de graduação de maior amplitude e não comprometidos com uma
profissionalização precoce e fechada, bem como maior integração entre esses estudos e os de pós-graduação, já é
realizada em muitos países social e economicamente desenvolvidos. O processo europeu de Bolonha é um
exemplo eloqüente dessa concepção acadêmica. [...] A proposta aqui denominada de Universidade Nova implica
uma transformação radical da atual arquitetura acadêmica da universidade pública brasileira, visando a superar
os desafios, resultando em uma modelo compatível tanto com o modelo Norte-Americano (de origem
flexneriana) quanto o modelo Unificado Europeu (Processo de Bolonha). A proposta de implantação da
Universidade Nova consiste em mudar o modelo da estrutura acadêmica da educação superior que passaria a se
compor por três ciclos: Bacharelado Interdisciplinar (1° ciclo) que propicia formação universitária geral, como
pré-requisito para progressão aos ciclos seguintes; Formação Profissional (2° ciclo), formação em licenciatura ou
carreiras específicas e Pós-graduação (3° ciclo), formação acadêmica científica, artística e profissional”
(TONEGUTTI; MARTINEZ, 2008, p. 52)
105
dado concreto de pesquisa que possa respaldá-lo. E que pesquisas
58
que tratam de avaliar
qualitativamente os motivos da evasão, do ponto de vista dos estudantes, não dão base de
sustentação para o argumento apresentado para a implantação do Reuni. Os fatores que
explicam cerca de 40% a 50%, da evasão nas IFES, e também nas IES privadas, é a
incompatibilidade entre o estudo e o trabalho, associada à sustentação financeira do estudante
ou de sua família. A influência sobre a evasão de fatores que poderiam ser ligados à escolha
precoce do curso ou da profissão é apenas de cerca de 10%. “Naturalmente, devemos nos
preocupar com estes fatores também, mas propor toda uma remodelação curricular para tentar
resolver o problema de 10% e esquecer dos outros 90%, que não vão ser resolvidos, é muito
esforço para pouco resultado” (TONEGUTTI; MARTINEZ, 2008, p. 55).
Outro fator que os autores apresentam e que é relevante no contexto educacional
brasileiro consiste nas questões das dificuldades dos estudantes para acompanhar os cursos, e
estas, estão principalmente relacionadas ao desempenho do ensino médio brasileiro, que em
grande extensão são os problemas relacionados à qualidade da educação básica, conseqüência
da falta de financiamento público na educação básica
59
.
Tonegutti e Martinez (2008) lançam críticas severas em relação às metas do Reuni: i) a
meta global da elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação
presenciais para noventa por cento e ii) da relação de alunos de graduação em cursos
presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos, a contar do início de cada
plano. Em relação à primeira, asseveram que é completamente deslocada da realidade
educacional, não do Brasil como também da grande maioria dos países desenvolvidos.
“Somente um país do mundo, o Japão, possui índice nesse patamar, mas num contexto
educacional e socioeconômico completamente diverso do nosso” (TONEGHTTI;
58
Os autores apontam para cinco pesquisas efetuadas em Instituições Federais Brasileiras que têm como foco
principal a evasão nos cursos de graduação em instituições públicas, como exemplo, a pesquisa efetuada pela
Comissão Especial de Estudos sobre a Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras promovidas pela
ANDIFES/ABRUEM/SESU/MEC em outubro de 1996.
59
Em maio de 2007, foi instituída uma Comissão Especial do Conselho Nacional de Educação para estudar
medidas que visem superar o déficit docente no ensino médio. Ao apresentar o relatório a Comissão apontou a
falta de financiamento público como um dos principais problemas e relacionou o investimento da educação
básica com o rendimento escolar. Nessa relação, o Brasil é o país que investe menos e, portanto, os estudantes
brasileiros apresentam o pior desempenho entre os estudantes dos países que participaram do PISA 2003. Países
vizinhos como a Argentina e o Chile investem o dobro do Brasil na educação básica (BRASIL/MEC/CNE,
2007).
106
MARTINEZ, 2008, p. 57). Quanto à segunda meta, asseveram que a relação aluno/professor
de 18 para 1, também é muito problemática, construída de forma arbitrária e, inclusive,
ferindo a autonomia universitária, que é assegurada pela LBB, no tocante à competência para
dispor dos currículos e programas dos seus cursos bem como das vagas, que serão fixadas de
acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio, como consta no art. 53 da
LDB 9.394 de 1996.
Outro problema, apontado pelos autores, que associado à adesão das IFES e a análise
das fórmulas propostas contidas no documento apresentado pelo MEC (2008), que no
conjunto, induz a ampliação da graduação, consiste no fato de que as propostas não levam em
conta as atividades de extensão, que refletem a inserção de cada IFES na sociedade local e
regional, bem como especificidades de áreas atendidas pela oferta atual dos cursos, o que traz
prejuízos para algumas IFES e favorecem outras sem qualquer motivo explícito. A
arbitrariedade das fórmulas, tanto pela forma discriminatória de tratar o conjunto das IFES, no
tocante à pós-graduação, quanto pelo fato de não incluir outros fatores que possam atender às
especificidades e à manutenção clara da indissociabilidade entre o ensino, pesquisa e a
extensão.
Para reafirmar a desaprovação em relação ao Programa, os autores também pontuam a
credibilidade da continuidade do Programa para o próximo governo; apontam que a proposta
de financiamento, contida no Reuni, avança sobre a execução orçamentária do próximo
governo (2011 e 2012), pois somente cerca de 44% dos recursos prometidos possuem
previsão de alocação para execução no período de 2008-2010 (tempo de mandato restante do
atual governo) e como o Reuni é um Programa estabelecido por decreto, e não uma lei, não há
como o atual governo garantir sua execução além de 2010 e questionam a credibilidade de um
programa de governo que pretende lançar para o próximo mais da metade da conta a ser paga.
A inferências de Licínio C. Lima; Mário Luiz Neves de Azevedo e Afrânio Mendes
Catani (2008) seguem nessa direção, no sentido da desaprovação, quando analisam os
projetos Universidade Nova e Reuni afirmando que esses modelos derivam dos novos
programas de cooperação e de financiamento, resultantes dos direcionamentos liberalizantes
que a União Européia - UE vêm implantando, revelando-se um autêntico locus supranacional
de definição de políticas educacionais de caráter transnacional, com particular destaque,
atualmente, para a educação superior, embora seus formuladores sejam reticentes em admitir
coincidências com os modelos existentes nos EUA ou na Europa. Esses modelos
107
caracterizam-se por produzir relatórios, livros brancos e outros textos de natureza político-
normativa, decidindo freqüentemente através da nova metodologia da adesão voluntária dos
governos nacionais a políticas comuns ou, em outros casos, vir a admitir processos de opting-
out (ficar de fora, ainda que transitoriamente), estabelecendo metas e objetivos a atingir,
avaliações intermediárias e recomendações rigorosas.
Para os autores trata-se de uma política pública de um meta-Estado para um meta-
campo universitário, ou seja, de uma política educacional supranacional, comuns aos estados-
membros da União, com vista à construção de um espaço europeu de educação superior. E é
aqui, face ao novo desígnio de criação de um sistema europeu de educação superior, sem
dúvida impulsionado e regulado pela União, mas com um alcance que já ultrapassa, em muito
as suas fronteiras políticas atuais
60
.
Os autores também afirmam que o Processo de Bolonha, com vista à criação de um
espaço europeu de educação superior altamente integrado e competitivo, exige um movimento
em direção à convergência, para que se possa falar de um sistema, sujeito às mesmas
orientações e regras, e para que a competição interna possa funcionar segundo critérios
comuns e comparáveis. Um mercado competitivo de educação superior requer um mínimo de
regulação relativa ao estabelecimento das grandes regras do jogo competitivo e da inclusão
das instâncias competidoras da estrutura comum dos serviços a prestar, dos critérios de
avaliação da sua qualidade e da informação a prestar aos consumidores e é por essas razões
que a educação superior enquanto bem público, assumindo uma dimensão social e de política
pública democrática, surge consideravelmente negligenciada no Processo de Bolonha.
Notadamente as críticas que decorrem na adoção dessas políticas educacionais
apontam para o fato de o Brasil, ao discutir suas reformas precisa discutir o seu projeto de
país, pois como tem acontecido em sua história, ao que tudo indica, o Brasil aprecia e admira
as novidades européias, embora se deixe levar pela força gravitacional dos EUA. Na história
60
O Processo de Bolonha é um processo político e de reformas institucionais, internamente processadas por
cada governo nacional ou respectivas entidades descentralizadas, que deverá conduzir ao estabelecimento efetivo
do novo sistema europeu de educação superior, até 2010, incluindo atualmente quarenta e cinco países (todos os
países da União Européia e ainda dezoito países europeus não pertencentes à UE). A construção do referido
sistema europeu de educação superior é considerada a chave para promover a mobilidade e a empregabilidade
dos cidadãos e para a obtenção de maior compatibilidade e de maior comparabilidade. Embora se recuse a idéia
de simples homogeneização ou padronização, eventualmente menos aceitável face à grande diversidade da
educação superior dos países aderentes, insiste-se na harmonização e na necessidade da coordenação de
políticas, na promoção da dimensão européia dos currículos, na cooperação internacional, na mobilidade e no
intercâmbio, bem como na cooperação no setor da avaliação da qualidade, tendo em vista vir a desenvolver
critérios e metodologias que sejam passíveis de comparação. (LIMA; AZEVEDO; CATANI, 2008)
108
recente das políticas públicas no Brasil nota-se que as reformas são bastante influenciadas
pelo fundamento das políticas externas, ou seja, por modelos estrangeiros, relatórios teóricos e
por think tanks transnacionais. A reforma universitária de 1968, por exemplo, durante o
regime militar, sofreu a influência do modelo departamental da universidade norte-americana.
Nos anos de 1990, as reformas do Estado e da educação superior tiveram por referencial
teórico o liberalismo ortodoxo orientado pelo Banco Mundial. Já no início do século XXI,
qualquer movimento de reforma universitária que se pretende implantar no mundo, entre
outras inspirações e referenciais, obriga-se fazer menção ao Processo de Bolonha (LIMA;
AZEVEDO; CATANI (2008).
Segundo os autores o Reuni surge para possibilitar a materialização da Universidade
Nova apesar do enunciado de boas intenções e de não haver menção ao Bacharelado
Interdisciplinar, trata-se em essência, de estabelecer uma política que procura estimular a
adesão a um novo modelo de universidade e uma nova relação de trabalho com os
professores. É um programa de reforma das IFES acoplado a um plus de financiamento para
aquelas universidades que a ele aderirem. Esse conjunto de condições é uma forma de
estimular a concorrência entre as universidades federais. Talvez mais correto seria dizer que
se trata de uma competição de regularidade e de busca de identidade ao modelo sugerido pelo
MEC. De forma semelhante ao conceito do contrato de gestão, instrumento inspirado nas
propostas do MARE (Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado), do
Ministro Bresser Pereira, o Reuni condiciona o financiamento ao cumprimento de metas
previamente acordadas, como consta no art. 6, a proposta, se aprovada pelo Ministério da
Educação, dará origem a instrumentos próprios, que fixarão os recursos financeiros adicionais
destinados à universidade, vinculando os repasses ao cumprimentos das etapas (LIMA;
AZEVEDO; CATANI (2008).
Fazendo uso da metáfora de Pierre Bourdieu, os autores escrevem: demonstrando o
predomínio da mão direita (finanças) sobre a o esquerda (educação) do Estado, o Reuni
está limitado à previsão orçamentária concedida, não havendo a garantia de efetividade, da
continuidade e do cumprimento de desembolsos acordados. Assim, o Ministério da Educação
subordina o Reuni e, conseqüentemente, o projeto de implantação da Universidade Nova aos
ministérios do Planejamento e da Fazenda, como consta no art. 3, o atendimento dos planos é
condicionado à capacidade orçamentária e operacional do Ministério da Educação.
109
4 5 Programa Universidade para Todos - Prouni
O Programa Universidade para Todos Prouni lançado oficialmente em 13 de maio de
2004, pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro da Educação
Tarso Genro, foi encaminhado ao Congresso na forma de Projeto de Lei nº 3.582/04, sob o
regime de urgência constitucional. As principais justificativas apontadas pelo governo para a
criação do Prouni foram que em 2004, segundo o Censo da Educação Superior, apenas 10%
dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos conseguiram ingressar para a educação superior, e
desse percentual, “menor ainda é o número de estudantes de baixa renda que não consegue
vencer as barreiras para entrar na faculdade” (PAULA, 2004, p. 137).
Contribuindo com essas justificativas, outros aspectos colaboraram para a criação do
Prouni, que foram o grande número de vagas ociosas nas instituições privadas de educação
superior, em 2004, na ordem de 40%, conforme dados do Inep (2004) e o aproveitamento de
parte dessas vagas ociosas para o programa, na forma de bolsas de estudos parciais e integrais,
possibilitando, na visão do Poder Público, a democratização do acesso à educação superior.
Diante das dificuldades de aprovação do Projeto de Lei no Congresso e,
sobretudo para atender as pressões das instituições privadas de ensino superior, o
presidente baixou a Medida provisória 213, em 10/09/2004, que tem força de lei a ser
apreciada pelo Congresso. Embora não seja idêntica ao PL, a MP, mantém a mesma
lógica dele, que é a renúncia fiscal em troca de vagas ociosas das instituições privadas
(PAULA, 2004, p. 138-139).
A Lei 11.096, de 13/01/2005, instituiu o Prouni, sob a gestão do Ministério da
Educação, destinado à concessão de bolsas de estudos integrais e bolsas de estudos parciais de
50% (cinqüenta por cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento) para estudantes de cursos de
graduação e seqüenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior,
com ou sem fins lucrativos, como consta em seu Artigo 1°.
As bolsas de estudos serão concedidas à brasileiros cuja renda familiar não exceda a
um salário mínimo e meio por mês per capita, que cursaram o Ensino Médio completo em
escolas públicas ou em instituições privadas na condição de bolsista integral . Serão
concedidas também à professores da rede pública, para os cursos de licenciatura, normal
superior e pedagogia, destinados `a formação do magistério da educação básica, independente
da renda familiar.
110
Como consta em seu Artigo 7°, o Programa adotará um percentual de bolsas de
estudos destinado à implementação de políticas afirmativas de acesso ao ensino superior de
portadores de deficiência ou de autodeclarados indígenas, pardos ou negros, de acordo com a
proporção dessas populações nos respectivos estados, para que serão utilizados os dados do
Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE.
O Processo de seleção dos estudantes para as vagas do Programa será feito, na
primeira etapa, mediante os resultados e perfis socioeconômicos obtidos no Exame Nacionais
do Ensino Médio (ENEM), ficando tais estudantes dispensados do processo seletivo
específico das instituições privadas, porém sujeitos à aprovação da instituição na etapa final,
segundo seus próprios critérios, à qual competirá, também, aferir as informações prestadas
pelos candidatos.
As instituições filantrópicas de educação superior que têm isenção de impostos
federais, incluindo o INSS, terão que transformar 20% de suas matrículas em vagas para o
Programa, desde que respeitada a proporção que será aplicada em cada curso, turno e unidade
administrativa da instituição.
As explanações de Antônio Leonel Cunha (2006) são que, antes de colocar o Prouni
em funcionamento, foi efetuado um estudo, e o primeiro passo foi a observação de que 89%
das universidades são particulares no Brasil, acompanhado com a idéia de ocupar vagas
públicas nas universidades privadas, trocando por alguns tributos. E para fazer toda a
logística, a interligação dos setores, e dentro do Ministério da Educação, o Inep é
fundamental. São oferecidos dois processos de seleção por ano. A primeira seleção dos
estudantes que é feita no Prouni é através de uma seleção socioeconômica, mas a principal é
seleção de mérito, e nesta seleção, utiliza-se o Enem, que é o exame já consolidado em todo o
território nacional. Essas explanações seguem, segundo Cunha (2006) no sentido de dar
respaldo às críticas de que com o Prouni, o Ministério da Educação estaria contribuindo com a
privatização.
Segundo Pereira (2007, p. 82), essa política educacional pretende, segundo o
Anteprojeto
61
, “o resgate da dívida social”. As vagas públicas nas instituições privadas são
61
A autora faz referência ao Anteprojeto da Reforma Universitária, um documento legal que se encontra na
quarta versão e que têm proposições de uma reforma universitária. Um Projeto de Lei de autoria do Ministério da
Educação que foi elaborado gradativamente durante os primeiros anos do Presidente Luis Inácio Lula da Silva
(2003-2006; 2007), a proposta original sofreu alterações a partir da sugestão de diversos setores da sociedade.
Para Pereira (2007) é um documento legal que pretende estabelecer novas normas para a educação superior e,
para isso, revoga todo o Capítulo IV da atual LDB 9.394/1996 (do art. 44 a 57), o qual se refere à Educação
111
destinadas a estudantes carentes que, pelo péssimo ensino médio público obtido, não têm o
preparo educacional adequado para competir nos processos seletivos das universidades
públicas. Como esses alunos também não têm condições financeiras para arcar com as
mensalidades das instituições privadas, o governo, por meio da renúncia fiscal, está sendo o
maior credor desse tipo de ensino, embora não deixe de considerá-lo um setor
“mercantilizado”.
É interessante atentar que os dados estatísticos atuais apontam a porcentagem de 12%
(Censo 2006) da população de 18 a 24% na educação superior e com a medida adotada, o
governo possibilita o aumento dessa porcentagem, que é sua real intenção, mas não aumenta o
número de vagas, uma vez que essas vagas são as vagas ociosas na educação superior privada
e para Pereira (2007), a análise de tais medidas, alardeadas como instrumentos para a
democratização do acesso dessa população ao ensino superior, não demonstra que elas tenham
a possibilidade de realmente ser democráticas, pois o problema real é a qualidade do ensino
básico público, aliada à visão do ensino privado como empresa lucrativa e à discutível
qualidade de formação oferecida por este.
A Lei 11.096/2005 que instituiu o Prouni estipula que a mantenedora de instituição
de ensino superior que aderir ao Programa passará a gozar de isenção prevista no art. 8 desta
lei pelo prazo de vigência do termo de adesão, mas deverá provar ao final de cada exercício a
quitação de tributos e contribuições federais dos tributos restantes administrados pela
Secretaria da Receita Federal, sob pena de desvinculação do Programa, sem prejuízo para os
estudantes beneficiados e sem ônus para o Poder Público. Os tributos de isenção do art. 8 são,
no caso das instituições privadas com fins lucrativos, que atualmente pagam todos os
impostos: o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ); a Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido (CSLL); a Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social
(Cofins) e a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS). Em contrapartida, a
instituição privada de educação superior deverá oferecer uma bolsa para cada nove alunos
regularmente matriculados em seus cursos, ou seja, 10% de suas vagas seriam destinadas a
alunos carentes e/ou professores da rede pública sem diploma de curso superior.
Superior; revoga a Lei 5.540/1968 (conhecida como Lei da Reforma Universitária); e altera artigos de
legislações introduzidas no período democrático, dos anos de 1994 a 2002. É interessante apontar, segundo a
autora, que a Lei 5.540/1968, promulgada no período ditatorial, já havia sido revogada pelo art. 92 da LDB
(9.394/1996).
112
A condição para uma instituição aderir ao Programa é estar em cumprimento com o
Ministério da Fazenda através da arrecadação de tributos e não, também, com a qualidade da
educação oferecida, pois o art. 7 da Lei que institui o Prouni, em seu inciso 4 determina que o
Ministério da Educação desvinculará do Prouni o curso considerado insuficiente, sem prejuízo
do estudante matriculado, segundo critérios de desempenho do Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior SINAES, por duas avaliações consecutivas, situação em
que as bolsas de estudo do curso desvinculado, nos processos seletivos seguintes, deverão ser
redistribuídas proporcionalmente pelos demais cursos da instituição. Ou seja, a adesão ao
Programa não está vinculada ao critério da avaliação do SINAES, esta verificação ocorre
somente para desvincular a instituição, e ainda assim, com certa complacência, a lei considera
um período de seis anos até que um curso mal avaliado seja retirado do Programa. Isto porque
o sistema completo de avaliação inclui o Enade (que avalia no primeiro ano de curso e a
graduação) mais uma avaliação das condições do curso, feita por visitas de especialistas às
instituições.
Esta condição permite precedentes que poderiam ser evitados, caso a legislação
vinculasse a adesão à qualidade dos cursos, o que também decorreria em outros problemas
devido o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, o SINAES, instituído em
dezembro de 2003, estar vigorando à apenas quatro anos. O Jornal O Estado de São Paulo
62
publicou em 31 de julho de 2007 que „Metade dos cursos mal avaliados no Enade oferece
bolsas no Prouni‟, segundo a reportagem, depois de três anos de avaliação, tempo que o
Prouni foi implantado, o Ministério da Educação descobriu que quase mil cursos têm
resultados sofríveis no Enade, dentre esses, 462 ofereceram bolsas via Prouni no segundo
semestre de julho de 2007. Ao todo, os cursos ruins representam 8% dos 5.800 cursos
oferecidos para o período citado. Segundo a reportagem, o porcentual não é alto, mas as notas
baixas incluem algumas das maiores instituições do País, que oferecem um grande número de
vagas, que é o caso da Universidade Paulista Unip. Ao mesmo tempo em que tem cursos
62
Reportagem publicada em 31 de julho de 2007, pelo jornal O Estado de São Paulo, afirma que o número de
instituições mal avaliadas que estão na mira do Ministério da Educação é bem maior do que o daqueles com
notas ruins que atualmente estão no Prouni. Chegam a 7% dos cursos de ensino superior no País, avaliados pelo
Enade. As diferenças entre as instituições em avaliadas (acima da linha de qualidade) e as que estão no fim da
fila (mal avaliadas) passam por problemas estruturais das escolas, dos professores, dos currículos e pelo perfil de
seus alunos. Segundo o jornal, um estudo feito com base socioeconômico do Enade 2006, mostra que as
instituições com piores resultados recebem alunos mais pobres, de escolas públicas, com pior acesso à
informação.
113
muito bem avaliados, a instituição aparece com 20 cursos entre aqueles com as piores notas
do Enade, em várias cidades do País, todos inscritos no Prouni.
Afrânio Mendes Catani et al. (2006) afirmam que o Prouni promove uma política
pública de acesso à educação superior, pouco se preocupando com a permanência do
estudante, elemento fundamental para sua democratização. Orienta-se pela concepção de
assistência social, oferecendo benefícios e não direitos aos bolsistas. Os cursos superiores
ofertados nas IES privadas e filantrópicas são, em sua maioria, de qualidade questionável e
voltados às demandas imediatas do mercado. Os autores enfatizam que um dos primeiros
passos da Reforma Universitária seria a edição de medidas que, a um tempo, suprissem a
necessidade de ampliação da rede de ensino superior e não implicassem gastos para a união.
O princípio do Prouni segue essa orientação: promove o acesso à educação superior com
baixo custo para o governo, isto é, uma engenharia administrativa que equilibra impacto
popular, atendendo às demandas do setor privado e regulagem das contas do Estado,
cumprindo a meta do Plano Nacional de Educação de aumentar a proporção de jovens de 18 a
24 anos matriculados em curso superior para 30% em 2010 e pretende, ainda, atender ao
aumento da demanda por acesso à educação superior, valendo-se da alta ociosidade do ensino
superior privado.
As críticas mais pontuais de Catani et al. (2006) expressam o sentido de que o discurso
fundamentado na meta do PNE encobre a pressão das associações representativas dos
interesses do segmento privado, justificado pelo alto grau de vagas ociosas e esta é a principal
orientação do governo na engenharia financeira do Prouni, ou seja, a manutenção de uma
política fiscal baseada na fixação de um valor de superávit primário. Daí a restrição de
políticas públicas de maior custo para o Orçamento da União, tais como o investimento
maciço nas universidades públicas. Para os autores, o Prouni seria um exemplo, dentre outros,
do esforço em gastar menos para vender a imagem aos investidores externos de que a dívida
do país é sustentável e de que não haverá calote e esta interpretação de política fiscal foi
definitivamente implantada no Brasil após o acordo com o FMI em 1998.
Outro fator relevante nas discussões do Prouni é a questão da permanência. A Lei
11.180 de 23 de setembro de 2005 criou a bolsa permanência de R$ 300,00 para bolsistas
integrais do Prouni e matriculados em cursos em tempo integral. Os critérios e a fiscalização
das bolsas foram regulamentados cinco meses depois que a Portaria 569 do MEC
estabeleceu os cursos nos quais poderia haver beneficiários: Agronomia, Ciência da
114
Computação, Enfermagem, Engenharias, Farmácia, Fisioterapia, Informática, Medicina,
Odontologia e Veterinária, desde que tenham ao menos 6 semestres de duração e média
mínima de 6 ou mais horas de aulas diárias. No primeiro semestre de 2007, apenas 4% dos
selecionados foram considerados aptos a recebê-la.
Em uma análise de Catani et al. (2006) sobre os bolsistas do Prouni e dos candidatos à
bolsa, a permanência constitui um agravante frente a renda das famílias. Os autores
recorreram às pesquisas do Observatório Universitário da Universidade Cândido Mendes que
constataram que 35% dos alunos que estão no último ano do ensino médio ou que
concluíram (3,7 milhões num total de 10,5 milhões) vêm de famílias em que a renda média
nem sequer é suficiente para comprar eletrodomésticos de primeira necessidade, como
geladeiras, ou que comprometem mais de 40% do orçamento familiar com aluguel. Além
disso, uma família com renda de R$ 1000 a R$ 1200 consome 82% de seus recursos com
despesas essenciais como alimentação, habitação, transporte, higiene, saúde e vestuário. Em
famílias no extremo mais pobre (renda mensal inferior a R$ 400), o orçamento familiar é
insuficiente para cobrir essas despesas básicas.
Esses fatores econômicos associados à falta de uma política, em paralelo com o
Programa, para melhorar a qualidade do ensino médio, e conseqüentemente melhorar o
rendimento dos candidatos para atingir a nota do Enem (45 pontos em uma escala de 0 a 100),
estão influenciando diretamente na sobra de 46 mil bolsas
63
oferecidas, o correspondente a
39% do total de bolsas oferecidas para o segundo semestre de 2008. O mero de alunos que
concluem o ensino médio dentro nível de renda que o Prouni apresenta como pré-requisito é
muito baixo, o maior número de evasão no ensino médio é dentro desse nível de renda. 94%
das bolsas não utilizadas são parciais e 45 % é do ensino a distância. Para justificar a sobra, o
Ministério da Educação afirma o ensino à distância é uma modalidade que requer recursos
tecnológicos que, muitas vezes os candidatos à bolsa não possuem, como computador, acesso
à internet banda larga e possibilidade de deslocamentos periódicos aos pólos presenciais.
O Enem constitui um dos pré-requisitos para a seleção no Prouni, os outros critérios
são os fatores socioeconômicos com as informações prestadas pelos candidatos e na etapa
final, a seleção pela instituição de ensino superior, segundo seus próprios critérios. O Enem
foi criado em 1998 e é uma prova voluntária, em que os estudantes se inscrevem por conta
63
Reportagem publicada pelo Jornal Folha de São Paulo em 30 de junho de 2008 com o título „Prouni tem mais
de 46 mil bolsas ociosas‟.
115
própria e de forma independente. A cada ano o número de alunos inscritos varia, assim como
o grau de dificuldade da prova. Por isso, o Ministério da Educação, apesar de divulgar os
resultados por Estados e Municípios, afirma que o exame não pode ser usado como uma
avaliação consolidada do sistema e nem seus resultados serem comparados fielmente com
anos anteriores. A última prova do Enem, em 2007 foi considerada uma prova com diferenças
no nível de dificuldade e o resultado final teve a maior média dos últimos cinco anos. Na
parte objetiva, a média de 2007 chegou a ser 15 pontos maior que 2006, segundo o Inep,
responsável pela prova. Embora o Inep não tenha confirmado o significado das diferenças no
nível de dificuldade, a sua real intenção foi aplicar uma prova mais acessível para os alunos
do ensino médio público, que são os candidatos do Prouni.
Esses resultados produzem efeitos contrastantes que consolidam a ineficiência da
educação básica pública e eficiência da educação básica privada. Os resultados divulgados
pelo Inep, publicados com ênfase pela mídia, são usados pelas escolas particulares como uma
de suas melhores propagandas. Como exemplo, o resultado do Enem de 2007, publicado em
abril de 2008 pelo jornal O Estado de São Paulo
64
, em caderno especial, confirmando que
entre as 20 melhores escolas do país, 15 são particulares e as 5 escolas públicas que aparecem
na lista são federais, ligadas a universidades ou Centros Federais de Educação Tecnológica
Cefets. Essas instituições federais têm orçamento diferenciado e processo de seleção
criterioso, diferenciando-as das redes estaduais e municipais. Mesmo quando se considera
apenas as escolas públicas, entre as quais, as estaduais e municipais, as federais se mantêm
entre as melhores classificadas, apenas 3 escolas são estaduais nessa comparação, ainda
assim, entre essas 3, incluem duas técnicas mantidas pelo Estado e uma mantida pela
Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ.
A rede estadual regular do Estado de São Paulo, com cerca de 5 milhões de alunos não
aparece na lista das melhores classificadas no Enem. Diante dessa realidade, Angela Solego
(2008), da Unicamp, faz uma duvidosa afirmação. Para a especialista, o mau desempenho das
escolas estaduais está relacionado à forma como a progressão continuada foi entendida pelos
professores no Estado. Esta afirmação traduz a forma de tratamento que as políticas
educacionais são estrategicamente legitimadas e que conduzem às políticas de
responsabilização unilateral, pontualmente, neste caso, atribuindo aos professores.
64
Reportagem publicada pelo jornal o Estado de São Paulo em 4 de abril de 2008. Caderno Especial Enem 2007:
Desempenho das Escolas com o título „5 escolas públicas estão entre as 20 melhores do ensino médio‟.
116
As notas do Enem são utilizadas por instituições de educação superior públicas
65
e
privadas para compor com o vestibular ou simplesmente como único método de seleção,
embora o Ministério da Educação não aconselha usar os dados como critério de avaliação, os
resultados do Enem também apontam fatores relevantes direcionados a atratividade da
carreira docente do país. Ao contrário dos países com sucesso educacional, o Brasil atrai para
o magistério os profissionais que possuem mais dificuldades acadêmicas e sociais. Apenas
5% dos melhores alunos classificados no Enem 2007 desejam trabalhar como docentes da
educação básica e entre todos os alunos que fizeram o Enem, somente 11% escolhem a
carreira docente. O baixo retorno financeiro é apontado como uma das causas pela baixa
procura, embora haja divergências entre educadores, porém, o desprestígio social da carreira
docente é citado entre os principais fatores e é consensual. As dificuldades acadêmicas e
sociais dos docentes brasileiros são uma realidade, mas não denotam como única
conseqüência para um possível fracasso de uma política educacional. Como estratégia para
seduzir os jovens para a carreira docente, a Secretaria da Educação Básica do Ministério da
Educação estuda projetos para intensificar a melhoria da educação básica pública, uma
melhoria que está em curso e deverá ser divulgada junto com os novos indicadores de
qualidade do ensino.
Na interpretação do Poder Público, o Prouni é uma política afirmativa que visa
aumentar a inserção das camadas populares no sistema de educação superior, e nessa
concepção, isso pode estar ocorrendo com o efeito do Prouni. O percentual de negros e pardos
na educação superior cresceu mais na rede privada do que na pública, mas essa última ainda
apresenta uma composição racial mais próxima da encontrada na população brasileira
66
.
Desde de 2001, primeiro ano em a Pnad separou a coleta de dados por rede pública e privada,
o percentual de aumento de negros e pardos nas particulares foi de 233%, enquanto que nas
65
Para o Processo Seletivo de 2009, a Universidade Federal do ABC, em Santo André, abriu 1500 vagas para o
Curso de Graduação Bacharelado em Ciência e Tecnologia. Os vestibulandos que tiverem acertado 90% do
Enem poderão concorrer a uma vaga sem precisar fazer o vestibular. Das 1500 vagas disponíveis, 500 serão
reservadas nesse sistema de inserção, e entre essas, 250, serão reservadas aos candidatos que concluíram ou
estejam prestes a concluir o ensino médio integralmente em escolas públicas. Disponível em www.vunesp.br.
Acesso em: 25 jul 2008.
66
IBGE PNAD 2006. Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio 2006. Disponível em: http://
www.ibge.gov.br/home/estatística/população/trabalhorendimento/pnad2006/comentarios2006.pdf. Acesso em:
15 jan 2008.
117
públicas, essa variação foi de 140%. Nessa mesma análise, os brancos não deixaram de
crescer em números absolutos, (130% nas particulares e 111% nas públicas), mas sua
participação no total foi inferior ao dos demais. Embora não haja consenso o MEC festeja que
este aumento da presença de negros e pardos pode ter sido um efeito do Prouni
67
.
Num contexto mais amplo em relação ao Prouni, o que se pode interpretar nesta
análise é que os estudantes beneficiados, oriundos da educação básica pública, ao terem
acesso à educação superior privada, mesmo com financiamento público, podem não estar se
beneficiando das mesmas oportunidades educacionais oferecidas aos estudantes originários de
camadas mais favorecidas. Indica, simplesmente, que um número maior de indivíduos
originários daqueles estratos está atingindo níveis de escolaridade constatados
predominantemente entre indivíduos provenientes das camadas bem situadas.
67
O Prouni foi criado em 2004, mas somente em 2005 os primeiros alunos ingressaram no ensino superior por
meio do programa. Em 2005 foram 112 mil alunos beneficiados e em 2006, 138 mil alunos. Como a Pnad
aponta o aumento de negros e pardos entre 2001 a 2005 (aumento de 550 mil alunos), ainda que tenha
influenciado, não foi a principal causa. Avanço de minorias é maior nas particulares. Folha de São Paulo,
Caderno Cotidiano, 20 de novembro de 2006.
118
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As questões que foram abordadas nas discussões iniciais deste trabalho direcionaram
ao entendimento de que o tema da democratização do acesso à educação superior estaria
vinculado aos processos de implantação, ou seja, a aplicabilidade de políticas afirmativas na
educação superior. Os temas, como descrito no início, valorados na realidade educacional
brasileira pelas características que esta apresenta quanto à mobilidade social no entendimento
dos indivíduos. Outro entendimento proposto nas discussões iniciais centraria na verificação
de que o Poder Público como protagonista no direcionamento de políticas públicas pretende
promover a democratização do acesso à educação superior através de políticas afirmativas,
para tanto, promovendo a implantação destas em instituições públicas e privadas.
Esses entendimentos foram contemplados neste estudo através do exame de diferentes
autores voltados para a área da educação superior e no desenvolvimento argumentativo da
questão da legislação, das sustentações teóricas e principalmente nas verificações pontuais da
aplicabilidade das políticas afirmativas e das políticas de cotas nas instituições de educação
superior. Dentre as políticas afirmativas (gênero, raciais, sociais, econômicas, origem,
inclusão de deficientes e outras), este estudo focou as raciais e econômicas.
Uma visão retrospectiva da legislação educacional brasileira revelou, que em geral, as
legislações apenas regulamentam o que já estava ocorrendo na educação do país e ainda
funcionaram como uma resposta adiada às reivindicações dos próprios atores do sistema,
formuladas nos períodos que antecediam as mudanças legais que tendiam incorporá-las
(SAMPAIO, 2000). Com a educação básica, profissional e a superior no Brasil a legislação
também decorre do primeiro período republicano, no momento da modernização na década de
1930, e na reestruturação produtiva que se realizou a partir da década de 1980 e o peso do
cumprimento das legislações se revelaram contraditórios.
De uma perspectiva histórica, verifica-se que a progressão da expansão de vagas na
educação superior apresenta-se como desordenada desde a década de 1950. Após o Golpe de
64, a tecnocracia ativada para resolver este problema tratou-o de forma estritamente técnica,
não considerando elementos complexos e fundamentais do seu equacionamento, como a
pressão de demandas regionais e a necessidade de uma política voltada para a qualidade da
educação superior, dada a rapidez que se propiciou o crescimento do setor privado e o que
seria para equacionar o problema da falta de vagas transformou-se em instituições
119
fragmentadas e sem condições de funcionamento, sendo assim, promoveu-se o crescimento
quantitativo das instituições, mas os reflexos qualitativos não se fizeram valer para o sistema
de educação superior, principalmente no que se refere à formação dos estudantes.
A pluralidade e a diversidade dos interesses do capital, associada a uma visão de
minimização do Estado estão a exigir uma correspondente diversificação e diferenciação da
educação superior no Brasil corroborando teses centrais do liberalismo concorrencial. Nessa
direção, a diversificação e a diferenciação acentuaram pressupostos fundamentais; buscam
favorecer o atendimento às diferentes demandas; procuram naturalizar as diferenças
individuais, instituindo paulatinamente um sistema meritocrático em que cada um terá a
educação superior que possa ter; ampliam a subordinação do sistema de educação superior ao
mercado, particularmente no tocante à formação e à privatização das atividades e serviços;
explicitam a forma de funcionar do sistema de educação superior mais do que as suas
finalidades sociais. Verifica-se com um sistema de educação superior bastante heterogêneo,
complexo, diversificado e diferenciado.
A expansão dos setores públicos e privados seguiu uma mesma política de
privatização, cuja origem além da limitação de recursos por parte do Estado, mas
principalmente, a percepção do sistema de educação superior como uma oportunidade de
investimentos e de elevada rentabilidade para o capital privado direcionado às instituições
privadas e no paradoxo de convergir os centros de pesquisas nas instituições públicas
configurando um caráter seletivo às Universidades.
Para Goergen (2006), em relação ao que oferecido pela educação superior privada,
consta-se uma indiferença com o compromisso social, em que não se disponibiliza o nimo
necessário para o desenvolvimento acadêmico, pelo contrário, depara-se com uma grande
massa de indivíduos que não possuem nenhuma ciência de seus direitos institucionais e
constitucionais garantidos. Esses indivíduos, quando matriculados na educação superior
privada, são denominados clientes.
Em questão de política educacional, num país do tamanho e da complexidade do
Brasil e um sistema de educação superior também complexo, as decisões raramente
correspondem com exatidão ao que pretendem os protagonistas nela envolvidos. É preciso
atentar para as suposições de que as ações provenientes de políticas inclusivas atendam aos
projetos de um grupo de interesse, que se beneficie dele, na medida esperada.
120
No que diz respeito à ação política de inclusão, a conclusão leva ao entendimento que
um aumento das camadas populares no sistema de educação superior não significa,
necessariamente, que os estudantes dessas camadas estejam se beneficiando das mesmas
oportunidades educacionais oferecidas aos estudantes originários de camadas mais
favorecidas. Indica, simplesmente, que um número maior de indivíduos originários daqueles
estratos está atingindo níveis de escolaridade constatados predominantemente entre indivíduos
provenientes das camadas bem situadas.
Em relação às políticas afirmativas e as políticas de cotas, as discussões têm ocorrido
isoladamente e Joaquim Barbosa Gomes (2001), o primeiro negro a ocupar uma vaga de
ministro no Supremo Tribunal Federal, afirma que essa estratégia, discussões isoladas, ou
discussões de grupos isolados, geralmente tem ocorrido na sociedade Brasileira, “as cotas
raciais têm que ser discutidas no contexto das políticas de ação afirmativas, as quais, por
conseguinte, estão inseridas na luta pelo combate às desigualdades sociais” (GOMES, 2001,
p. 40).
Como apontado anteriormente, uma política de ação afirmativa tem como objetivo
corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por fim a
concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais, como educação e
emprego. As políticas de ação afirmativa significam, pois uma mudança de postura, de
concepção e de estratégia do Estado, da educação superior, do mundo do trabalho, os quais,
em nome do discurso da igualdade para todos, aplicam políticas e estabelecem critérios de
seleção, ignorando a importância de fatores como raça, etnia, social, sexo e econômico.
O projeto de democratização de educação posta em prática pelo Estado brasileiro na
atualidade, não vai ao encontro da classe trabalhadora brasileira, principalmente porque não
aponta para caminhos que levem à igualdade material. O projeto de democratização de
educação tem sido acompanhado pela perda de qualidade e pela retirada das responsabilidades
do Estado, delegando às responsabilizações às instituições de educação, essa é a postura
encontrada para postergar os problemas políticos, econômicos e sociais que o liberalismo
enfrenta com sua política econômico-social, mas não resolve o problema da universalização
da qualidade da educação básica.
Caso os alunos da educação básica pública tivessem desempenho equivalente aos
alunos da educação básica privada não haveria discussão da necessidade de políticas
afirmativas e políticas de cotas, precisa se conhecer os motivos da diferença de desempenho
121
dos alunos das diferentes redes. As cotas se justificam se as razões do baixo desempenho
encontram-se em fatores estruturais, fora do controle dos alunos. Neste caso, uma política
afirmativa ou política de cotas contribuirá para tornar o sistema educacional mais justo.
A qualidade da educação básica pública não acompanhou sua universalização como é
verificado pelos índices de avaliação publicados pelo MEC e pela mídia classificando as
escolas em melhores ou piores e atribuído-lhes a responsabilidade, isentando o Estado dos
efeitos da implantação de uma política educacional. Como Soares (2004) defende, a diferença
de desempenho dos alunos da educação básica do sistema privado e do sistema público, não
pode ser atribuída às opções pedagógicas das redes de ensino. Os alunos atendidos pela escola
pública são muito diferentes, em termos de capital econômico, cultural e social, dos alunos da
escola privada, em fatores que estão fortemente relacionados com o desempenho cognitivo. E
ainda, de forma mais decisiva, os alunos da escola pública convivem com colegas com baixo
capital cultural, devido à segregação do sistema de ensino brasileiro. O efeito dos pares, que
para o aluno da escola particular é positivo, torna-se negativo para o aluno da escola pública.
Os problemas Sociais estão expostos na sociedade como um todo e este trabalho fez
um recorte na educação superior e em seus momentos os relacionou com a educação básica.
Esses momentos evidenciaram que a desigualdade social do país reflete nos sentidos de uma
educação superior com direcionamentos antagônicos: de um lado a pesquisa e a formação
acadêmica do indivíduo está centrada na educação superior pública. E de outro lado, uma
educação superior caracterizada como de elite e centrada na educação superior privada, com
90% de seus ingressantes apontando as intenções efetivas pela educação profissional.
Evidenciou também um conflito, desse nível de educação, que por um lado é tradicional,
diferente do outro sistema de massas que se sustenta na educação superior privada e somente
a educação não mudará uma realidade, precisa de uma consciência cultural que será
construída aos poucos. E na perspectiva do Estado, implantar políticas inclusivas no sistema
universitário brasileiro atende diretamente as diretrizes do Plano Nacional de Educação
(2001) de alcançar a todo custo a meta de 30% da população da faixa etária de 18 a 24 anos
estarem matriculados, até 2011.
A implantação de uma política de cotas raciais na Universidade Federal de Minas
Gerais - UFMG teve sua primeira iniciativa com a introdução do quesito cor no formulário do
vestibular com a intenção de conhecer a composição estudantil da instituição e diante disso,
implementar uma proposta de cotas que apresentasse estratégias de intervenção que visasse
122
reduzir os efeitos dos processos de seleção e exclusão social e promover a permanência bem
sucedida de estudantes negros(as), sobretudo os(as) de baixa-renda. Ao implantar o Programa
de Ensino, Pesquisa e Extensão Ações Afirmativas na UFMG a instituição buscou preservar a
identidade raciais dos estudantes, mas como escreve Gomes (2004) é uma ilusão pensar que
as cotas raciais, implantadas isoladamente, colocarão fim às desigualdades raciais, é
necessário que aconteçam no contexto das ações afirmativas, em um contexto mais amplo, a
médio e longo prazo, e políticas de permanência voltadas também para a educação básica, e
que tenham por objetivo uma mudança cultural radical, uma mudança no imaginário social
em relação aos negros.
Quanto à implantação do Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social da Unicamp
- Paais adotado desde o Vestibular Nacional de 2005 trata-se de um programa sem cotas com
justificativas distintas, pois os perfis socioeconômicos de candidatos e matriculados, oriundos
de escolas públicas na Unicamp são nitidamente distintos daqueles dos egressos de escolas
particulares. O Paais se baseou nos resultados de um estudo que indicou informações que
serviram como fundamentação para a implantação de uma política afirmativa na instituição,
pois a possibilidade da Unicamp, de alguma forma, aumentar o número de egressos de escolas
públicas entre os alunos, segundo o estudo, poderia resultar positivamente em termos de
desempenho acadêmico, se a opção for pelo aluno da escola pública, e possivelmente se terá
um melhor aluno na Unicamp.
O Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - Reuni que
centra sua justificativa na evasão, traz uma questão mais ampla, pois a evasão não pode ser
analisada somente em seus componentes decorrentes das estruturas existentes nas instituições
de ensino. É uma questão complexa, cujo combate requer medidas relacionadas tanto a fatores
estruturais internos quanto a fatores externos, do próprio estudante ou do meio social onde
vive. Mesmo o conjunto dos cursos de graduação apresenta uma grande variação, quanto à
incidência da evasão. Fatores que vão desde as repetências sucessivas, nos primeiros anos, até
a falta de recursos para os alunos se manterem, mesmo em uma universidade pública. Em
relação às dificuldades dos estudantes em acompanhar os cursos, essas estão relacionadas
principalmente ao desempenho do ensino médio público brasileiro.
A educação superior brasileira reflete a qualidade da educação básica do Brasil, não se
tem como dissociar, ainda que não sejam satisfatórios, para alguns autores, os financiamentos
da educação superior pública se fazem necessários, e o Reuni atende a gica da expansão de
123
vagas, as universidades federais terão financiamento maior se abrirem mais vagas; essa
vinculação é um tema que precisa ter continuidade nas discussões, por se tratar de uma
política de financiamento associada a uma política afirmativa de inclusão de alunos da
educação básica, que apresentam problemas muito mais sérios, como exemplos: as elevadas
taxas de evasão do ensino médio brasileiro e a falta de uma política pública que
gradativamente possa atender às necessidades econômicas, sociais e culturais de maneira que
os estudantes da educação básica pública direcionem seus interesses para a educação superior
pública.
O Programa Universidade para Todos Prouni é tratado como uma política afirmativa
que busca inserir estudantes da educação básica pública na educação superior privada e segue
o contexto econômico de inserção, mas principalmente, segue a orientação de promover o
acesso à educação superior com baixo custo para o Estado, isto é, uma engenharia
administrativa que equilibra impacto popular, atendendo às demandas do setor privado e
regulagem das contas do Estado, cumprindo a meta do Plano Nacional de Educação de
aumentar a proporção de jovens de 18 a 24 anos matriculados em curso superior para 30% em
2010 e pretende, ainda, atender ao aumento da demanda por acesso à educação superior,
valendo-se da alta ociosidade do ensino superior privado. A legitimidade social do programa
encontra ressonância na pressão das ações representativas dos interesses do segmento privado,
justificada pelo alto grau de vagas ociosas. O Prouni surge como uma excelente oportunidade
de fuga para frente para as instituições ameaçadas pelo peso das vagas excessivas
(CARVALHO, 2006).
Carvalho (2006) chama a atenção de que a tentativa de regular o segmento privado e
obter retorno da renúncia fiscal traz um afrouxamento do aparato estatal. A inexistência de
sanções mais severas pelo descumprimento das regras estabelecidas, combinada ao lapso
temporal para avaliação dos cursos, estimula comportamentos oportunistas por parte de
instituições de qualidades duvidosas. No entanto, é importante lembrar que a questão do
acesso à educação superior permanece em aberto. Considerando-se sua legitimidade social, o
programa pode trazer o benefício simbólico do diploma àqueles que conseguirem permanecer
no sistema e, talvez, uma chance real de ascensão social para poucos que estudaram no seleto
grupo de instituições privadas de qualidade. Mas, para a maioria, cuja porta de entrada
encontra-se em estabelecimentos lucrativos e com pouca tradição no setor educacional, o
programa pode ser apenas uma ilusão e uma promessa não cumprida, e ainda, a gratuidade
124
integral ou parcial para estudar não é suficiente para seus beneficiários, os quais necessitam
de assistência estudantil.
A análise da legislação e a revisão teórica foram os instrumentos utilizados neste
trabalho para que se pudesse verificar um possível alcance da democratização do acesso à
educação superior no Brasil e conclui-se que os dados sobre o perfil dos estudantes no sistema
de educação superior revelam que a democratização do acesso é complexa, diversificada e
diferenciada, reflexo da diversificada estruturação da educação superior no Brasil. Conclui-se
ainda, que diante dessa diversificada estruturação, os maiores desafios para a democratização
do acesso a educação é romper a brutal desigualdade educacional e desigualdade de renda que
se instalaram no País.
125
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ANEXO 1
DIRETRIZES GERAIS DO PROGRAMA DE APOIO A PLANOS DE
REESTRUTURAÇÃO E EXPANSÃO DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS
REUNI
Orientações para elaboração de Planos de Reestruturação e Expansão
Os planos de reestruturação e expansão a serem elaborados pelas universidades federais e
submetidos ao Ministério da Educação, deverão conter:
I. Introdução: justificativa, conceitos e fundamentos.
II. II.Caracterização atual da instituição: perfil (geral para a instituição.
III. As dimensões do projeto: objetivos e metas.
Para cada um sos aspectos das dimensões, o plano deve apresentar os seguintes pontos:
Diagnóstico da situação atual;
Metas a serem alcançadas com cronograma de execução;
Estratégias para alcançar a meta;
Etapas; e
Indicadores
IV. Plano geral de implementação da proposta:
Reordenação da Gestão acadêmica da IFES;
Formação docente para a proposta;
Programação da transição entre modelos, quando for o caso;
Plano de contratação de pessoal docente e técnico; e
Plano diretor simplificado de infra-estrutura física.
137
V. Cronograma geral de implementação e execução.
VI. Orçamento parcial e global detalhado de todas as etapas (investimento,
manutenção e pessoal).
VII. Plano de acompanhamento e avaliação da proposta, apresentando os indicadores
de progresso relativo às metas globais do Decreto 6.096/2007.
VIII. Plano de acompanhamento de indicadores de qualidade utilizando os instrumentos
nacionais de avaliação disponíveis para a graduação e pós-graduação.
IX. Impactos globais (expectativas de transformação da universidade ao final do
programa).
X. Quadro síntese da proposta conforme sistema fornecido pela SESu.
O modelo do formulário para envio de propostas apresentado no anexo deste documento
prevê os quadros adequados para apresentação das informações correspondentes. O
orçamento apresentado pelas universidades deve prever a associação de cada item previsto
(investimento, manutenção, pessoal, etc.) com os aspectos das dimensões correspondentes. No
quadro síntese da proposta será registrada a expansão da oferta de vagas de ingresso na
graduação e pós-graduação para o período de execução do REUNI, bem como a alocação
prevista dos recursos nas rubricas de investimento e custeio.
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