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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP
Midori Hijioka Camelo
O espelho e a janela – As investigações ópticas de Filippo
Brunelleschi (1377-1446) e Leon Battista Alberti (1404-1472)
para a “costruzione legittima
DOUTORADO EM HISTÓRIA DA CIÊNCIA
São Paulo
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP
Midori Hijioka Camelo
O espelho e a janela – As investigações ópticas de Filippo
Brunelleschi (1377-1446) e Leon Battista Alberti (1404-1472)
para a “costruzione legittima
DOUTORADO EM HISTÓRIA DA CIÊNCIA
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para
obtenção de título de Doutor em História da
Ciência sob a orientação do Prof. Dr. José
Luiz Goldfarb
São Paulo
2009
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Banca Examinadora:
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9
Ao Chico, Lucas e Arthur, com amor.
10
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Prof. Dr. José Luiz Goldfarb, pelos conselhos, orientações e
incentivos permanentes. E por acreditar nesta pesquisa mais do que eu
mesma. Shalom.
À Prof
a
. Dr
a
. Ana Maria Goldfarb, por nos iniciar e conduzir na apaixonante
pesquisa em História da Ciência.
À Prof
a
. Dr
a
. Márcia Helena Mendes Ferraz, pelas preciosas orientações nas
buscas de fontes e documentos.
À Prof
a
. Dr
a
. Maria Helena Roxo Beltran pela sábia indicação a partir da qual
teve início esta pesquisa.
Ao Prof. Fumikazu Saito pela generosidade em compartilhar suas descobertas.
À Prof
a
. Dr
a
. Vera Cecília Machline, por ter, entre outras coisas, me
possibilitado aproximar da “Arte Poética”.
À Prof
a
. Dr
a
. Lilian A.-C. P. Martins, pelos preciosos ensinamentos, conselhos e
atenção permanente.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em História da
Ciência, por compartilhar seus conhecimentos e experiências.
À equipe do CESIMA, Centro Simão Mathias de Estudos em História da
Ciência, por possibilitar toda forma de pesquisa.
À equipe da biblioteca do MASP, que mesmo naquele momento peculiar
possibilitou o acesso às obras raras.
À bibliotecária da FAU-USP que em plena greve e paralisação do campus, me
permitiu a consulta às obras raras.
A todos do “Mão na Massa” (Estação Ciência), que compreenderam meu
afastamento do projeto e deram o apoio necessário para a escrita desta.
À minha família e ao Chico, Lucas e Arthur, verdadeira força, verdadeiro amor.
A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização desta
pesquisa.
11
RESUMO
Esta pesquisa buscou identificar as contribuições de Filippo Brunelleschi
e Leon Battista Alberti para o estudo da óptica geométrica. Tradicionalmente,
disputados pelos estudiosos da história da arte e arquitetura como “inventores”
da perspectiva, neste estudo em história da ciência, deixaram-se de lado a
questão de genealogia para encontrar, no interior das investigações para a
costruzione legittima”, contribuições para a óptica geométrica.
O período vivido por Brunelleschi e Alberti, o Renascimento, apresenta
muitos elementos de transformações que marcaram historicamente a transição
entre o Medieval e o Moderno. Particularmente para o estudo da perspectiva,
trata-se de um momento de formação de um novo significado para o termo. O
que era sinônimo de óptica durante toda Idade Média, passa a incorporar,
graças às investigações dos pintores e arquitetos iniciada ali, a idéia de “modo
de representação”, ficando no decorrer do tempo somente com esta última, tal
como entendemos hoje.
Juntamente com o complexo movimento de aproximação de elementos
do mundo real para a pintura, vemos ocorrer uma aproximação da geometria à
forma de representação. No encontro de saberes e fazeres, de arte e ciência,
plasma-se o espírito da ciência moderna. Na história da óptica geométrica e
experimental, a arte da pintura mostra-se mais presente que tradicionalmente
se pensa.
Ao vislumbrar, no alvorecer da ciência moderna, as conexões entre
Brunelleschi e Alberti revelou-se a artificialidade da fronteira entre a arte e a
ciência, o fazer e o saber.
12
ABSTRACT
This work tried to identify the contributions of Filippo Brunelleschi and
Leon Battista Alberti to the geometrical optics study. Tradicinally, seen by the
history of arts and architecture study as “inventors” of the perspective, in this
history of science study, the issue of genealogy was left behind, so they could
find in the investigations about “costruzione legittima”, contributions for the
geometrical optics.
The period lived by Brunelleschi and Albert, the Renaissance one, shows
many changing elements that made the transition from the Medieval and the
Modern History. Specially about the perspective study, it’s an incorporating
moment, with a different meaning to the word. What used to be the synonym of
optics throughout Middle Age, thanks largely to the investigations of architects
and painters started then, has now the idea of the “representation way”, keeping
it though the time, like we understand it today.
Along with the complex movement of approaching of the heavenly thing
to the ones here on Earth, witch in canvas mean the introduction of elements of
the real world in representations, we can also see an approach of mathematics
to the useful things of life, and geometry becomes equally important to the
“costruzione legittima” of visual reality. In the arts and science knowledge and
duties meetings, brought to you by the humanism, the spirit of modern science
blends together, In the history of geometrical and experimental optics, the art of
painting is show more present than it was traditionally thought to.
At the time of seeing, the birth of modern science, the connections of
Brunellesch and Alberti revealed how artificial the limit of art and science, the
duties and the knowledge.
Keywords: history of perspective, geometrical optics, Filippo Brunelleschi, Leon
Battista Alberti
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................9
PRIMEIRO CAPÍTULO
Considerações sobre Filippo de ser Brunelleschi (1377-1446), Leon
Battista Alberti (1404-1472) e suas contribuições para a representação
em perspectiva .......................................................................................13
A perspectiva naturalis e artificialis e a “costruzione legittima”..............13
Vida de Brunelleschi por Giorgio Vasari ................................................21
Brunelleschi e a tábua de perspectiva ...................................................25
Um outro modo de conhecer ..................................................................32
Vida de Leon Battista Alberti por Giorgio Vasari ....................................35
Os escritos de Alberti .............................................................................42
O tratado Da Pintura ..............................................................................48
SEGUNDO CAPÍTULO
As conexões de saberes de Brunelleschi e Alberti ................................63
As aproximações ....................................................................................63
O humanismo em Brunelleschi e Alberti ................................................67
A arquitetura em Brunelleschi e Alberti ..................................................69
Vitruvio e Horácio ...................................................................................71
Uma medida para a “costruzione legittima” – o braccio .........................84
O espelho e a janela – as investigações ópticas ...................................94
TERCEIRO CAPÍTULO
Da perspectiva às perspectivas ...........................................................103
Noções do percurso histórico da perspectiva ......................................103
A “costruzione legittima” como perspectiva..........................................108
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................110
BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................113
ANEXOS .............................................................................................................I
14
INTRODUÇÃO
Quando falamos de história da perspectiva, é quase unânime a idéia de
uma pintura “quase perfeita” que os grandes artistas renascentistas
começaram a executar em torno dos culos XV na Itália e que teria atingido o
seu apogeu na primeira metade do século XVI. na atualidade, a perspectiva
tornou-se uma técnica útil e necessária para o desenvolvimento de projetos nas
indústrias, no design, na arquitetura, dentre outros.
Nestes mais de meio milênio que separa as primeiras investigações em
torno da representação mais correta, ou nos termos da época, a costruzione
legittima”, iniciadas pelos pintores renascentistas até os nossos dias, muitos
desdobramentos foram gerados.
Nosso estudo pretende reconhecer nas raízes da investigação para a
costruzione legittima”, as contribuições para a ciência da óptica geométrica e
instrumental.
Tradicionalmente, a história da arte e da arquitetura aponta para dois
personagens a “invenção” desta que foi conhecida como perspectiva
artificialisou pingendi”, hoje chamada perspectiva exata: Filippo Brunelleschi
e Leon Battista Alberti.
No primeiro capítulo, apresentamos as figuras centrais de nossa
pesquisa, através dos registros biográficos feitos por Vasari. Embora esta seja
insuficiente para desvendar as contribuições de Brunelleschi e Alberti para a
perspectiva, o testemunho de Vasari possibilita vislumbrar o universo social a
que pertenceram. Recorremos a outros documentos, para conhecer as
investigações ópticas feitas por eles em busca da costruzione legittima”. O
15
aparato criado por Brunelleschi é a tábua de perspectiva, que para alguns
estudiosos, não se trata de um recurso para pintura, mas de investigação
óptica. A investigação de Brunelleschi é muitas vezes desconsiderada pelos
teóricos pelo fato dele não ter deixado por escrito as suas descobertas, no
entanto, acreditamos que no procedimento prático deste reside outro modo de
conhecer, igualmente importante para investigação da natureza: uma técnica
que não é simplesmente atividade manual, mas, método ou processo
racional.
Dentre os inúmeros escritos, o tratado Da Pintura é o documento
utilizado para compreender a proposta geométrica de Alberti para a
costruzione legittima”. Segundo o próprio Alberti, a novidade está em falar da
pintura através da matemática (geometria). Mas é uma matemática (geometria)
que se aproxima do fazer artístico conduzido pela óptica. Aproximações, todas
elas promovidas pela pintura, que deixa a hegemonia do sublime para se
aproximar gradativamente do mundo material, da realidade visível.
No capítulo II procuramos identificar as conexões entre Brunelleschi e
Alberti começando pelo movimento humanista na qual estavam ambos
inseridos. Como reflexo da valorização da vida útil promovida pelo pensamento
humanista, a preocupação com questões urbanísticas e com ela a arquitetura
se apresenta como o estudo que irá aproximar nossos personagens. Tendo
Vitrúvio (séc I a.C.) como uma possível fonte comum, delineia-se o perfil do
arquiteto ideal, onde toda forma de saber é incentivada para o conhecimento
do novo. O novo para Brunelleschi e Alberti é a contruzione legittima”. Cada
um a sua maneira desenvolvem suas investigações. A medida do braccio”,
comumente usado pelos arquitetos da época, é fator limitador no aparato de
16
Brunelleschi, mas torna-se medida de construção geométrica (abstração) para
Alberti. Pela via do espelho ou pela via da janela, ambos buscam se apoderar
da manifestação de um fenômeno físico, a formação da imagem. A lei
geométrica da reflexão era conhecida pelos árabes, como Al-kindi ou
Alhazem, também pelos sábios medievais como, Grosseteste, Peccham e
Roger Bacon. A “materialização” da imagem sob forma de “regras para pintura
a ser desvendada” pela “pespectiva pingendi” (perspectiva do pintor) prepara, a
nosso ver, o terreno para a aceitação da imagem vista através dos telescópios
e microscópios, tempos depois.
No capítulo III procuramos dar uma noção do percurso histórico da
perspectiva. Em “Da perspectiva às perspectivas”, fazemos uma breve análise
das transformações promovidas pelas investigações em torno da costruzione
legittima na pintura do século XV. A perspectiva naturalis fortemente
estudada durante toda a Idade Média é fonte para os pintores conhecedores da
filosofia natural do século XV. Os conhecimentos válidos estruturados no
interior da cultura escolástica têm os saberes ainda fortemente hierarquizados
conforme a tradição aristotélica. Ciências intermediárias são, segundo a
estruturação de Tomás de Aquino, aquelas que ficam subalternadas à
matemática.
As escolas de humanidades possibilitam o início da ruptura do saber
rigidamente estruturado. A aproximação da matemática às coisas úteis da vida
promove o diálogo entre a pintura e a matemática. A geometrização da óptica
presente desde a antiguidade possibilita a geometrização da representação
da pintura. Essa possibilidade vem mesclada de vários elementos do universo
prático do pintor, como as registradas por Dürer.
17
A “costruzione legittima” apresentada por Brunelleschi e Alberti não são
propostas distintas como tradicionalmente se apresenta. Na elaboração da
teoria geométrica de Alberti está presente toda forma de “coisas” úteis: janela,
véu, espelho, sem falar da inspiração que teve, segundo Vasari, na máquina de
prensa de Gutemberg. A tábua de perspectiva de Brunelleschi poderia ser
criada com uma base teórica suficientemente elaborada. Nesta complexa
interação de saberes provenientes das diversas artes emergem, a nosso ver,
as condições epistemológicas necessárias para construir e compreender a
expansão do mundo visível, que acontecerá tempos depois, através dos
telescópios e dos microscópios.
18
PRIMEIRO CAPÍTULO
CONSIDERAÇÕES SOBRE FILIPPO DE SER BRUNELLESCHI (1377-1446),
LEON BATTISTA ALBERTI (1404-1472) E AS SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA
A “COSTRUZIONE LEGITTIMA”.
A PERSPECTIVA NATURALIS E ARTIFICIALIS
E A “COSTRUZIONE LEGÍTTIMA
Na atualidade, quando falamos de representação em perspectiva, logo
nos vem a mente algo como projetos de arquitetura ou de desenho técnico. Um
aspecto importante a ser considerado em nossos estudos é a mudança de
significado que esta palavra apresentou no decorrer do tempo. De outro modo,
correm-se o risco de se perder de vista as mais complexas transformações
ocorridas em torno desta questão, que no início do século XV envolveu artistas,
arquitetos, matemáticos e intelectuais humanistas.
Na primeira metade do culo XV a perspectiva era o termo latino de
óptica (do grego οπτικα) e ambos diziam respeito aos estudos sobre a visão.
No início do século XV, talvez a um pouco antes, um movimento que
aconteceu principalmente entre alguns pintores que perseguiam a
representação que mais se aproximasse da realidade observada, fez surgir
uma investigação em torno da “pintura tal como se vê”, conhecida naquele
tempo como perspectiva artificialis ou pingendi (do pintor), para distinguir
daquela que já vinha sendo desenvolvida durante toda a Idade Média chamada
19
de perspectiva naturalis ou communis. Enquanto a perspectiva naturalis
procurava entender os fenômenos ópticos com base na física e matemática
(geometria), a perspectiva artificialis buscava a “costruzione legittima”, ou
seja, o modo mais correto para a representação tal como enxergamos. No
capítulo III, procuraremos vislumbrar alguns procedimentos adotados naquela
época para se chegar a tal representação.
As pinturas e iluminuras do período medieval mostram que não se tinha
a preocupação de representar fielmente a realidade observada (figura 1).
figura 1
.
Iluminura medieval que registra o trabalho dos escribas no interior de um monastério.
20
Os elementos representados revelavam a sua importância hierárquica
pelo tamanho. Não se observa qualquer intenção de se formular a
representação espacial como conseqüência da representação fiel da realidade
observada. Isso se deve, segundo Fayga Ostrower ao fato de “na Idade Média,
as qualificações positivas se concentravam exclusivamente na alma, no
espírito, no ser imaterial” e assim, qualquer nculo com o “mundo real” era
associar ao mundo material tida como “sumamente desprezível porque
perecível”
1
.
No final daquele período, surgem artistas, como por exemplo Giotto de
Bondoni (1266 1337), que introduz nas pinturas elementos do mundo real
(figura 2).
figura 2
A anunciação de Santa Ana, afresco (1302-1305), Giotto.
Capela dos Scrovegni, Pádua, Itália.
[ imagem: http://www.christusrex.org/www1/giotto/joachim.html ]
1
Fayga Ostrower, A sensibilidade do intelecto, p. 32.
21
Podemos observar na pintura de Giotto (figura 2), uma serviçal no
pórtico da entrada da casa; segundo F. Ostrower, esta é a primeira
representação, na história da arte, de um trabalho manual
2
. Embora não utilize
aplique integralmente a perspectiva artificialis”, Giotto traz a representação de
um lugar “terreno”.
Simultaneamente às investigações ópticas, as representações das
pinturas de alguns artistas trazem cada vez mais semelhança com a realidade
visível. Na pintura, a busca pela costruzione legíttima terá seu auge na
primeira metade do século XV, com Michelangelo (1475 – 1564), Rafael Sanzio
(1483 – 1520), entre outros (figura 3).
figura 3
. A Escola de Atenas (1510-1511), afresco, Stanza della Signatura, Palácio Vaticano, Roma.
[imagem: http://caminhodomeio.files.wordpress.com/2008/12/raphael-school-of-athens.jpg]
2
Fayga Ostrower, op. cit. p.33.
22
No afresco de Rafael (figura 3), cada personagem tem uma pose ou
atitude específica revelando a “atitude da alma”
3
e a perspectiva utilizada para
representar o espaço arquitetônico é elemento fundamental que traduz a
investigação óptica em torno da representação do mundo visto.
A preocupação com a fidelidade de representação do mundo visível, ou
seja, a busca pela contruzione leggítima não foi unanimidade entre os
pintores, como iremos constatar nos escritos de Vasari, mas aqueles que o
fizeram, estabeleceram um diálogo importante entre a arte e a investigação
óptica, criando uma condição, a nosso ver significativa para a epistemologia da
óptica geométrica e instrumental do período que se seguiu.
Em nossos dias, perspectiva renascentista ou perspectiva exata é o
termo utilizado para se referir àquela forma de representação, ou seja, a
perspectiva artificialis ou pingendi.
Os estudiosos da arte e da arquitetura apontam a “descoberta” da
perspectiva exata para a primeira metade do século XV, e dividem-se entre os
que atribuem a autoria a Filippo Brunelleschi e os que defendem a favor de
Leon Battista Alberti. Outros, porém, consideram a ambos, sem, no entanto,
distinguirem de maneira clara as contribuições de cada um.
Segundo Júlio R. Katinsky, estudioso da história da arquitetura, o fato
de, até meados do século XIX, ser o tratado Da pintura, de Alberti o primeiro a
expor o método da perspectiva exata, fez com que se creditasse a ele a
descoberta, mesmo que Georgio Vasari (1511-1574) tivesse registrado na
3
H.W. Janson & A. F. Janson, Iniciação à história da arte, p. 219-20.
23
biografia de Brunelleschi uma breve passagem que indicasse a precedência
deste.
Entretanto, a partir de 1870, como resultado de um imenso trabalho
filológico, revelou-se um conjunto de tratados e textos do século XV, dentre os
quais o Tratado de Filarete, os Comentários de Ghiberti e a biografia de
Brunelleschi escrita por Antonio Manetti. Nestes textos, principalmente em
Manetti e Filarete, aparece, segundo Katinsky, a reivindicação da autoria de
Brunelleschi para a “descoberta da perspectiva exata”
4
.
Rudolf Arnheim ao questionar a respeito do aparato de Brunelleschi
sobre “qual era o objetivo e o resultado deste método ardiloso?”, conclui:
O objetivo deste artifício não era ajudar os pintores a
fazer corretamente os escorços. (...) Este todo teria
realmente um grande efeito, permitindo que ele obtivesse um
desenho projetivamente correto. Não teria, porém,
absolutamente nada a ver com a construção geométrica da
perspectiva central.
5
E ainda segundo Arnheim, a descrição feita por Manetti sobre a tabuleta
teria sido escrita após a morte de Brunelleschi, o que significa que teria sido
posterior à publicação do tratado de Alberti
6
.
Em nossos estudos, por verificarmos que a elaboração da perspectiva
artificialis foi um processo complexo e gradual, deixaremos de lado a questão
da descoberta ou invenção e procuraremos analisar as contribuições mútuas
em torno das investigações ópticas ocorridas para aquele fim.
4
J. R. Katinsky, “A Perspectiva Exata Florentina e o Desenvolvimento da Ciência Moderna” in
Renascença: Estudos Periféricos, p. 77.
5
Rudolf Arnheim, A intuição e intelecto na arte, p. 200-1.
6
Idem. p. 199.
24
Acreditamos que no interior daquelas investigações poderemos
encontrar elementos para o estudo da histórica da ciência, que teriam
contribuído fortemente para o desenvolvimento da ciência moderna, em
particular para a óptica geométrica e instrumental.
Embora o testemunho de Giorgio Vasari (1511-1574) não evidencie as
investigações feitas por Brunelleschi e Alberti em torno da perspectiva
artificialis, referindo-se a elas de forma muito discreta dentre os feitos de seus
biografados, por ser considerado a “biógrafo oficial” dos pintores, escultores e
arquitetos do Renascimento, tomaremos num primeiro momento de nossa
pesquisa, o seu depoimento para conhecer mais de perto nossos personagens
centrais: Filippo de ser Brunellechi e Leon Battista Alberti.
Os depoimentos de Manetti e Fillarete trazem alguns detalhes do
aparato feito por Brunelleschi para se chegar a construzzione leggitima”, o
qual ficou conhecido como “tábua de perspectiva”. Com base nessas
descrições procuraremos conhecer as contribuições de Brunelleschi para as
investigações de óptica.
as contribuições de Alberti poderão ser verificadas no tratado que ele
mesmo escreveu em 1436, o Da Pintura. Escrito no ano em que Brunelleschi
concluía a construção da cúpula da Igreja de Santa Maria Del Fiore, o tratado
traz o procedimento para a contruzine legittimacomo um dos elementos da
“nova pintura”, juntamente com o desenho da orla e o claro escuro.
A biografia deixada por Vasari, não permite constatar se Brunelleschi e
Alberti conviveram ou freqüentaram ambientes comuns. Outras fontes, porém,
como o depoimento de Massacio e estudos feitos por E. Garin nos dias de
25
hoje, nos indicam que ambos pertenceram ao círculo de humanistas na qual os
sábios, os homens ilustres e os artesãos compartilharam suas idéias.
7
Embora os procedimentos de Bruenlleschi e Alberti para a “contruzione
legittima” pareçam distintos à primeira vista, estes, a nosso ver, se
complementam como investigações ópticas.
Transcendendo a separação entre ciência e techné, as investigações
feitas por Brunelleschi e Alberti para “contruzione legittima”, plasmaram o
saber e o fazer necessários para o desenvolvimento da ciência moderna, em
especial para a óptica geométrica e instrumental, revelando que outrora a arte
e a ciência dialogaram-se de forma mais intensa que comumente se pensa. As
aproximações e as possíveis conexões serão desenvolvidas no capítulo II.
7
E. Garin. Ciência e vida civil no Renascimento, p. 10 -17.
26
VIDA DE BRUNELLESCHI POR GIORGIO VASARI
figura 4.
Escultura em mármore de Brunelleschi.
O olhar de Brunelleschi está alinhado ao lanterním sobre a cúpula da Igreja Santa Maria del Fiori.
Florença, Itália.
Filippo de Ser Bunellechi (figura 4) nasceu em Florença, no ano de 1377,
filho de Ser Brunelleschi com uma virtuosa dama da nobre família dos Spini.
Desde sua infância, seu pai o fez estudar as letras e seus progressos foram
prodigiosos, apesar de sua pouca dedicação, pois era arrastado pela sua
vocação para outras artes, para desgosto de seu pai, que pensava em prepará-
lo para a profissão de notário
8
, que era a sua, ou médico, na qual teria se
destacado seu bisavô M. Ventura Bacherini. A facilidade do jovem Fillipo para
8
A profissão de notário na época Romana era chamada de notariuse era sinônimo de escrivão, mas, na
Idade Média havia se tornado uma profissão nobre, exercida pelas pessoas mais cultas e tinha muitas
vezes, a possibilidade de ascensão social, podendo acompanhar a corte dos Imperadores ou dos Papas. No
Renascimento, por volta do século XV, principalmente na Itália, os notários formavam corporações de
ofício bastante representativo.
27
com todas as coisas engenhosas que necessitasse de habilidade manual
determinou que seu pai o colocasse, quando terminou de aprender a ler e a
contar, na oficina de ourives de seu amigo para que o ensinasse a desenhar.
Filippo se dedicou na ourivesaria e logo aprendeu a montar pedras finas com
mais destreza que os velhos mestres do ofício. Cedo tivera contato com
estudiosos que lhe revelaram os segredos da física e da mecânica e lhe
possibilitaram, também, montar relógios de grande beleza. Filippo apresentava
disposição para qualquer profissão e, à medida que mostrava sua aptidão, foi,
também, sendo reconhecido pelas autoridades, como um bom arquiteto.
Escreveu Vasari.
Brunelleschi tornou-se um arquiteto celebrado em sua época e, na
história da arquitetura, perpetua-se pelo projeto que possibilitou concluir a
cúpula da Catedral de Santa Maria del Fiori
9
. Podemos, no entanto perceber
na biografia, que devido a sua formação mais prática que letrada, o processo
de convencimento das autoridades e cônsules para que lhe atribuíssem a
responsabilidade pela empreitada teria sido bastante árdua e trabalhosa,
consumindo muitos anos de sua vida
10
.
9
A construção da Cúpula de Santa Maria del Fiore entre os anos de 1420 e 1436 representou a conclusão
de um drama na história da arquitetura Fiorentina, iniciada em torno de 1296 por Arnolfo di Cambio para
a pequena catedral de Santa Reparata. Com a explosão demográfica de Florença ocorrida no século XIV,
a pequena catedral passaria por uma reforma na qual teria, agora, capacidade para comportar 30.000
pessoas em seu interior, e seu nome também seria modificado para Santa Maria das Flores (Santa Maria
del Fiori) que conjugaria o nome da Mãe de Deus com o mbolo da cidade de Florença (Flores). Em
1321, o projeto da reconstrução se encontrava sob a responsabilidade das cinco dentre as sete maiores
corporações de ofício de Florença: Calimala ou Corporação dos Mercadores, Cambio ou Corporação dos
Banqueiros, Lana ou Corporação das Lãs, Seta ou Corporação da Seda e Medici e Speziali ou Corporação
de Médicos e Boticários. Inicialmente, sob forma de revezamento na qual cada corporação assumia
durante um ano o andamento do projeto. A partir de 1331, no entanto, a Corporação da Lã assumiu para si
o prosseguimento de toda a obra. Foi nesta época que Brunelleschi apresentou seu projeto de construção
da Cúpula. Vide: Giovanni Fanelli & Michele Fanelli, Brunelleschi’s Cupola Past and Present of an
Architectural Masterpiece, p. 9.
10
Giorgio Vasari, Vida de pintores, escultores e arquitetos ilustres, p. 241 259; (encontra-se
parcialmente traduzido no Anexo).
28
A formação intelectual de Brunelleschi, com base neste biógrafo, nos
parece bastante próximo daquela que Baxandal descreve como a que era
freqüentada pela burguesia ascendente da época:
Por cerca de quatro anos, a partir dos seis ou sete anos,
freqüentava uma escola primária ou botteghuzza, onde aprendia
a ler e escrever e algumas noções básicas de correspondência
e fórmulas notariais. Em seguida, por cerca de quatro anos a
partir da idade de dez ou doze anos, a maioria prosseguia os
estudos em uma escola secundária, abbaco. Aqui estudavam
alguns livros mais avançados, como Esopo e Dante, mas a
maior parte do ensinamento agora era baseada na
matemática.
11
Poucos prosseguiam os estudos na universidade, que eram pessoas
pertencentes à classe média e as noções de matemática adquirida por elas era
uma matemática comercial adaptadas às exigências do comerciante. Duas de
suas noções essenciais, entretanto, estavam inseridas na pintura do século XV:
a técnica da medição (estereometria) e a geometria.
Quando encontramos em outras biografias que Brunelleschi sabia
abbaco, podemos inferir que ele teria tido esta formação.
A partir dela, Brunelleschi aprimora seus conhecimentos de desenho
com artífices da ourivesaria, no entanto, seu grande interesse pela arquitetura
antiga o teria levado a Roma. Com Donatello (1386-1466), amigo escultor,
parte, em 1402 para Roma. Enquanto Donatello estudava as antigas esculturas
romanas, Brunelleschi pesquisava sobre as construções, principalmente sobre
a construção de cúpulas.
11
Michael Baxandal, O Olhar Renascente Pintura e experiência social na Itália da Renascença, p. 167.
29
Encontramos ainda em sua biografia que ele “tivera contato com
estudiosos que lhe revelaram os segredos da física e da mecânica”. Sabe-se
que um desses estudiosos com quem Brunelleschi aprendeu geometria foi
Messer Paolo dal Tozzo Toscanelli (1397-1482).
Vasari relata que o conhecimento que Brunelleschi havia adquirido com
o sábio matemático aliado àquele proveniente de sua prática lhe possibilitava
“embora não sendo homem ilustre”, argüir tão bem que deixava assombrado
seu próprio mestre.
Seu estudo sobre arquitetura foi desenvolvido, principalmente através
das investigações que fez durante suas estadas em Roma, entre 1402 e 1418.
Se por um lado, a sociedade Fiorentina daquela época promovia a
aproximação de estudiosos e bios com artífices e artistas, por outro lado, o
fato de Brunelleschi não ser “homem ilustre”, o teria levado a realizar as mais
árduas articulações para ser reconhecido pelas autoridades como alguém
capacitado a tornar-se responsável pela construção da cúpula da Igreja de
Santa Maria Del Fiore, conforme notamos em sua biografia.
Tal dificuldade se deve, possivelmente, a um tipo de obstáculo do qual
fala Paulo Rossi
12
, que associado àqueles de Bachelard
13
, diria respeito à
estrutura da sociedade e a organização trabalhista, que ligada à tradição
aristotélica de se conceber as formas de conhecimento entre aquelas voltadas
ao exercício da sophia (sabedoria, ciência) e as formas inferiores mergulhadas
12
Para Paolo Rossi, a idéia do “vil mecânico” constitui um tipo de obstáculo que tem a ver com a
estrutura da sociedade e com a organização trabalhista, juntamente com a idéia do homem culto e sábio
que predomina na sociedade, dominando nas organizações dentro das quais é elaborado e transmitido o
saber. Vide Paolo Rossi, O nascimento da ciência moderna na Europa, p. 40 – 4.
13
Os “obstáculos epistemológicos” para Gastón Bachelar são as causas de inércia, estagnação e até
regressão que impedem o progresso da ciência, e está no âmago do próprio ato de conhecer. Vide G.
Bachelard, A formação do espírito científicao, p. 17-28.
30
dentro das coisas materiais e sensíveis, ligadas às atividades manuais
(techné), configurariam obstáculo dos mais difíceis de se superar.
Aristóteles excluíra os “operários mecânicos” da
classificação dos cidadãos e os diferenciara dos escravos
pelo fato de que atendem às solicitações e às necessidades de
muitas pessoas ao passo que os escravos servem a uma única
pessoa. A oposição entre escravos e pessoas livres tendia a se
resolver na oposição entre técnica e ciência, entre formas de
conhecimentos voltados para a prática e para o uso de
conhecimento voltado para a contemplação da verdade.
14
O obstáculo superado por Brunelleschi parece ser, portanto, de natureza
social, já que a oposição entre os saberes de então, ou seja, entre a ciência e a
técnica (techné), se configurava bem menos nítida e os conhecimentos antes
voltados para a contemplação da verdade, especialmente a matemática, já
permeava de forma muito intensa o universo das técnicas, seja aritmética ou
geometria. No entanto, o elogio da vida ativa, o elogio das mãos e a defesa das
artes mecânicas promovidas pelo movimento humanista, não removeria de
todo tal obstáculo.
BRUNELLESCHI E A TÁBUA DE PERSPECTIVA
A maior parte da biografia de Brunelleschi escrita por Vasari fala do seu
empenho na a construção da cúpula da Igreja de Santa Maria Del Fiore; já para
14
Paolo Rossi, op. cit., p.40.
31
a questão na qual estamos focando nossa atenção, a da perspectiva, ele faz
apenas uma breve menção que reproduzimos a seguir:
Filippo se aplicou igualmente à perspectiva, e os enormes
erros que adoecia este ramo na arquitetura, lhe roubaram muito
tempo, até que encontrou a maneira de fazê-la exata e perfeita.
Ensinou a sua descoberta a Masaccio, jovem pintor da época e
também seu grande amigo, que logo demonstrou ter aprendido
tais leis, como o comprovou através de suas obras
15
.
Tommaso di Ser Giovanni di Mone, dito Masaccio teve uma vida breve.
Nasceu em 1401, conviveu no círculo de humanistas de Florença, juntamente
com Brunelleschi e Alberti. Morreu em 1428.
Embora muitas das suas pinturas tenham desaparecido, uma em
especial é testemunha do aprendizado sobre a perspectiva recebida de
Brunelleschi e também da convivência com Alberti. É a pintura (afresco) que
se encontra numa das paredes internas da Igreja de Santa Maria Novela,
conhecida como Trindade (figura 5 e 6), cuja fachada foi construída por
Alberti.
15
Giorgio Vasari, op. cit., p. 243.
32
figura 5
.
Trindade, afresco, 667 x 317 cm, Masaccio.
Florença, Igreja de Santa Maria Novella
33
figura 6
. Perspectiva aplicado por Masaccio no afresco Trindade
[imagem: http://www.ottobw.dds.nl/filosofie/kubovy_29.jpg]
Podemos notar que fazia parte das preocupações de Brunelleschi a
construzzione leggítima para os desenhos arquitetônicos. Esta passava
necessariamente pelo estudo da perspectiva naturalis. No tempo de Vasari a
perspectiva já se legitimava como “ciência da representação”, como se verá no
34
capítulo III, mas no século anterior, na época de Brunelleschi, estudar
perspectiva significava estudar a óptica (perspectiva naturalis). Detalhes da
transição da perspectiva como ciência da visão para a perspectiva como
ciência da representação será desenvolvido no capítulo III.
Infelizmente, não chegou até nossos dias, registro teórico de
Brunelleschi, se é que o fez, sobre “a maneira de fazer (a perspectiva) exata e
perfeita”. Nem podemos verificar a maneira como Brunelleschi teria ensinado
Masaccio sobre as tais leis que regiam a representação. Temos, no entanto,
uma descrição feita por Manetti da “tabuleta de perspectiva” utilizada por ele
para demonstrar como chegar à tal representação “exata e perfeita”.
Antonio Manetti nos deixou a descrição da tabuleta (figura 7 e 8) criada
por Bunelleschi, da seguinte maneira:
O fato da perspectiva ele (Brunelleschi) o demonstrou, pela
primeira vez, em uma tabuleta de, aproximadamente, meia
braça quadrada, onde executou uma pintura semelhante a um
templo do lado de fora, copiado se San Giovanni de Florença,
como se de um ângulo do mesmo, pelo lado externo; parece
que ele o copiou de uma distância de três braças, no interior da
porta no meio de Santa Maria del Fiore: isso foi feito com tanta
diligência e gentileza, e com tanta precisão das cores dos
mármores preto-e-branco que não existe miniaturista que o
tivesse feito melhor; imaginando-se diante daquela parte da
praça que recebe o olhar, tanto na direção do lado fronteiriço à
Misericórdia até o arco e o canto dos Pecori, como pelo lado
da coluna do milagre de San Zanobi, até o canto da Paglia e
mais o quanto se pode ver, ao longe, deste lugar; na porção
35
que se deveria mostrar do céu, isto é, que as muralhas da
pintura recortam no ar, ele colocou uma placa polida, para que
o ar e os céus naturais se espelhassem aí dentro e, do mesmo
modo, as nuvens que se vêem naquela prata, levadas pelo
vento, quando ele os arrasta. (...) e eu a tive em mãos, e a vi
mais vezes, em meu tempo, e posso dar testemunha dela.
16
Este método parece, à primeira vista, bastante simples. No entanto, são
exigidas algumas condições para que a representação possa ser conferida: ser
observada a partir de um “único lugar” [observador no ponto fixo], um espelho
bem defronte [paralela à pintura] e uma distância fixa entre o objeto (pintura) e
o espelho. O que Brunelleschi está propondo é, portanto, retirar diretamente do
espelho, a construção da perspectiva. Lembremos, no entanto, que o objeto a
ser refletido, no nosso caso, a pintura, precisa estar invertida para se encaixar
à paisagem atrás do espelho.
figura 7. Esquema da tabuleta de Brunelleschi
[imagem: http://www.moodle.ufba.br/file.php/9965/Imagem2.jpg]
16
A. Manetti, op. cit., p.55. O trecho utilizado foi traduzido por Vilma de K. Barreto para J. R. Katinsky,
op. cit. p. 72.
36
figura 8
. Tabuleta de Brunelleschi
[ http://www.urjc.es/cccom/archinauta/IMG/4_09_Tablilla%20PerspectiBrunelleschi_1413_1.jpg]
Sem este aparato, entretanto, é preciso que se conheça de forma muito
precisa, as leis da reflexão no espelho plano. Possivelmente Brunelleschi sabia
fazê-lo, pois um segundo aparato é descrito por Manetti, onde, desta vez, o
há uma forma de conferi-lo pelo espelho:
Fez com perspectiva a praça do palácio dos Signori di
Firenze, com tudo o que em cima e ao redor, o quanto a
vista atinge, estando fora da praça ou confrontando-se com ela,
ao longo da faixa da Igreja de San Romolo, passando-se o
canto de Calimara Francesca que dá sobre a dita praça, a
poucas braças em direção ao horto San Michele, do qual se
olha o palácio dos Signori de tal modo que se vêem duas faces
inteiras: a que se volta para o poente e a que se volta para o
norte; é uma coisa maravilhosa contemplar-se o que aparece
junto com tudo o que a vista capta nesse lugar. Fucci, depois
Paolo Ucello e outros pintores quiseram falsificá-la e imitá-la; vi
37
mais de uma delas e não eram boas como aquela. Poder-se-ia
perguntar aqui: por que o fez ele, nessa pintura em
perspectiva, aquele buraco para o olho, como na tabuleta do
Duomo de San Giovanni? Isso se deve a que a tábua de tão
extensa praça precisava ser muito grande para receber tantas
coisas diferentes e não se podia segurar como a de San
Giovanni, com a mão no rosto e a outra no espelho, pois o
braço do homem não é tão comprido que, com o espelho na
mão, ele o pudesse colocar exatamente defronte e na devida
distância, nem forçá-lo tanto que conseguisse segurá-la.
17
O primeiro aparato possibilitava fazer representações dentro dos
parâmetros definidos pelas seguintes dimensões: distância do objeto (pintura)
ao espelho e tamanho do objeto (pintura). Isto significa que com base
unicamente neste primeiro aparato, o tamanho da pintura ficaria limitado pela
distância de um braço [um braccio] até o espelho. Pintura de maior dimensão
teria que ser feita obedecendo as “tais leis”, que Brunelleschi teria ensinado a
Massaccio e que, no entanto, não se tem registro.
OUTRO MODO DE CONHECER
Brunelleschi tinha um modo particular de proceder em sua investigação.
A solução para os desafios da prática viria da própria prática. Os
acontecimentos lhe ensinariam o melhor caminho a seguir para solucioná-los.
Essa postura pode ser percebida na passagem do seu discurso às autoridades
responsáveis pela construção da cúpula:
17
Antonia Manetti, Vita de Filippo Brunelleschi, p. 55. O trecho aqui citado foi retirado da tradução feita
por Vilma K. Barreto para Renascença: estudos periféricos de J. R. Katinsky, op. cit. p. 72.
38
As águas da cúpula chegarão até um conduto de
mármore, com largura de um terço de braccia de onde cairão
sobre um piso sólido. Se revestirão os oito ângulos da
superfície exterior da cúpula de mármore de espessura
conveniente e um braccio de altura sobre a cúpula com tetos de
cornijas de duas braccias de largura de maneira que pode
haver vãos e goteiras em todas as partes. Esta terá a forma
piramidal desde a base até o vértice. A cúpula será construída
do modo que acaba de ser indicado, sem armação até a altura
de trinta braccias e o restante empregando os meios que
preferirem os mestres a quem se confiem estes trabalhos. A
prática ensinará o que se deve fazer
18
.
No que diz respeito ao aparato para se representar a paisagem em
perspectiva, o método proposto por Brunelleschi é chamado, segundo
Katinsky, de “perspectiva pelos pontos de distância” ou “perspectiva do
arquiteto” e trata-se, na sua origem, de um resultado de investigação óptica
sobre reflexão dos espelhos planos. Seu procedimento não foi especificado por
Brunelleschi porque, para Katinsky, nosso arquiteto não tinha o saber
universitário para provar a validade teórica de sua descoberta.
19
Em nosso estudo, entretanto, consideramos que esse modo de
investigar, que “disponibiliza o espírito para que a prática mostre o caminho”, e
o conhecimento proveniente da observação direta dos fenômenos, embora não
teorizadas, constituem uma forma de saber importante que irá plasmar o
surgimento dos estudos de óptica ulterior.
Para outro estudioso do Renascimento, Júlio Carlo Argan:
18
G. Vasari, op.cit., p. 245.
19
J. R. Katinsky. “A Perspectiva e Desenvolvimento da Geometria Óptica” in op. cit., p. 199-200.
39
Brunellechi é o homem para o qual a racionalidade do
juízo é norma de ação, guia da vontade. Seu ideal é a técnica,
mas uma técnica que não é atividade manual, e sim método
ou processo racional, que, portanto, se aplica tanto à resolução
de problemas construtivos como à pesquisa histórica e ao
conhecimento da realidade. Os pequenos retábulos que pintara
eram instrumentos de óptica.
20
O conhecimento não formalizado de Brunelleschi não impediu que sua
idéia fosse aplicada pelos pintores da época. Transformados em artefatos com
outras versões, aconstruzzione leggítima”, seguiu sendo perseguida de vários
modos, os quais serão apresentados no capítulo III.
Vale lembrar que busca pela contruzione legittimaera também uma
maneira de desvendar os segredos da visão.
20
J. C. Argan. Clássico Anticlássico, p. 85.
40
VIDA DE LEON BATTISTA ALBERTI POR VASARI
figura 9
. Giovanni Lusini, 1843-1850. Estátua em mármore de Leon Battista Alberti.
Corredor externo da Galeria Uffizzi, Florença, Itália.
Analogamente a apresentação que fizemos de Brunelleschi, tomaremos
como referência os registros feitos por Vasari para falar de Leon Battista Alberti
(figura 9).
Alberti, 27 anos mais novo que Brunelleschi, manifesta grande
admiração pelo famoso arquiteto. A construção da cúpula de Santa Maria del
Fiore havia acabado de ser construída, quando em 1436, Alberti louvando-o,
lhe dedica a versão em vernáculo de seu tratado Da Pintura.
Vasari dedica poucas páginas para falar de Alberti, apenas um terço
comparado com Brunelleschi. Mas um aspecto muito importante para nossa
pesquisa chama a atenção logo no início de seu texto:
41
O caminho da inventividade será aberto aos artistas,
principalmente escritores, pintores e arquitetos, que mais se
deleitarem nas letras, pois elas mostram ser muito úteis
àqueles para conceberem suas obras.
Quem não sabe, ao empenhar-se na construção de um
edifício, que deve evitar cientificamente o perigo dos ventos
doentios, a insalubridade do ar e as emanações das águas
servidas? Quem ignora que é necessário refletir
profundamente para saber ou aprender por si mesmo o que
deseja executar, e que não se pode confiar somente na teoria
dos outros porque está separada da prática, e na maioria dos
casos resulta pouco proveitosa? Mas quando estas duas
qualidades estão unidas, nada mais convenientes para
nossas vidas, pois a arte com a ajuda da ciência adquire
maior perfeição e riqueza, da mesma forma que os escritores
e os conselhos dos artistas cultos têm maior eficiência e
merecem mais créditos que as palavras e obras daqueles que
são somente artesãos por melhor que tenham trabalhado.
Leon Battista Alberti é uma prova do que falamos.
21
Nesta passagem podemos notar que as gerações que se seguiram a
Brunelleschi e Alberti, particularmente no tempo de Vasari, reconheciam de
algum modo a importância de se conciliar a teoria e a prática, a arte e a
ciência.
O próprio Alberti, diz Vasari, buscou conciliar a atividade prática e os
estudos teóricos.
21
G. Vasari. op. cit. , p. 289.
42
Alberti se dedicou não somente ao estudo da arquitetura,
da perspectiva e da pintura, mas também aprendeu a língua
latina e graças aos seus escritos é considerada superior a
infinidade de seus colegas que, sem dúvida, foram melhores
por suas obras.
22
Verificamos, assim, que Alberti foi reconhecido como um dos
pensadores que promoveu a aproximação do saber ao fazer, ou o
reconhecimento da importância da interação de ambas, pois em Brunelleschi
isto acontecia. Talvez Alberti tivesse contribuído para o reconhecimento dos
artistas-letrados pelos letrados-não-artistas, uma batalha difícil numa
sociedade ainda fortemente marcada pela divisão tradicional de saberes, como
se nota particularmente na luta de Brunelleschi no convencimento das
autoridades. Percebemos ainda que Vasari tende, ainda, a destacar a
superioridade de Alberti pelo fato de ter sido ele versado nas letras.
Sobre as realizações práticas de Alberti, Vasari o reconhece mais como
arquiteto que como pintor:
Este célebre arquiteto, da nobre família dos Alberti,
nasceu em Florença. Realizou numerosas viagens para estudar
os monumentos da antiguidade, mas se dedicou mais a
escrever que a produzir obras materiais. Hábil matemático e
geômetra, escreveu, em latim, dez livros sobre a arquitetura
que foi publicada no ano de 1481; e foi logo traduzido para o
toscano por revendo Messer Cosimo Bártoli, pároco de San
Giovani de Florença. A ele são atribuídos três livros sobre a
pintura, hoje traduzidos para o toscano por Messer Lodovico
Domenichi, um tratado sobre a inclinação e métodos de
medição de alturas, os livros da vida civil e alguns outros
22
Idem, p. 290.
43
escritos eróticos em verso e em prosa. Foi o primeiro que tratou
de latinizar a versão italiana, traduzindo a métrica dos versos
latinos, como prova as estrofes dos versos:
Questa per estrema miserabile pistola mando
A te que spregi miseramente noi.
Em Roma, durante o papado de Nicolau V, célebre por
sua mania de construir, conseguiu entrar ao serviço de Sua
Santidade por intermédio de seu amigo Biondo de Forli, familiar
do papa quem anteriormente havia sido aconselhado sobre
arquitetura por Bernado Rosselino, escultor e arquiteto
florentino. O papa confiou a este artista com o assessoramento
de Leon Battista, a restauração de seu palácio e algumas obras
na igreja de Santa Maria Maior. Com o conselho de um e
execução do outro, Nicolau V realizou numerosas obras de
muita utilidade dignas de ser louvadas, como a reforma do
aqueduto Virgem e a construção, na Praça de Trevi, de uma
fonte com ornamentos de mármore ostentando as armas de
sua santidade e do povo romano.
23
Sobre o estudo de perspectiva feito por Alberti, Vasari registra apenas
uma breve passagem na qual teria criado um instrumento útil (figura 10).
No ano de 1457, época em que o alemão Juan
Gutemberg inventou a imprensa, Leon Battista criava um
instrumento similar para reproduzir as perspectivas naturais,
diminuir as figuras e ampliar as coisas pequenas, o que foi
original, belo e útil para a arte.
24
23
Idem, p. 290-1.
24
Idem, p. 290.
44
É curioso observar que a contribuição de Alberti para a perspectiva
está, segundo Vasari, no aspecto prático e não teórico. Isso nos faz pensar
que no tempo de Vasari, a perspectiva pingendi era executada muito mais pelo
uso dos instrumentos derivados da proposta prática de Alberti que pela sua
teoria.
figura 10
. Modelo de uma máquina de impressão de Gutemberg na qual Alberti teria se inspirado.
[ imagem: http://www.clickideiamedio.com.br/medio/disc/not/preview/NOT0812150401_02_p.jpg
]
Registros da possível herança desses instrumentos foram registrados
nas gravuras de Albrecht Dürer (1471 – 1528) (figura 11 e 12).
figura 11
. Gravura de Durer na qual se vê representado um aparato para o pintor representar com
fidelidade o que se vê
[ imagem:
http://www.cienciaviva.pt/projectos/inventions2003/marrocos4.jpg ]
45
figura 12
. Gravura de Dürer e o pórticon; aparato para se registrar ponto a ponto o objeto a ser
representado.
[ imagem: http://www.uh.edu/engines/durer1.gif ]
Notamos assim que, se no Da Pintura, Alberti escreveu para os pintores
a teoria necessária para compreender os aumentos e diminuições para a
costruzione legittima com base na pirâmide visual, buscou também
demonstrá-la através de “invenções” de instrumentos. Portanto, a prática e a
teoria em Alberti não se encontravam desvencilhadas.
No entanto, versado mais nas letras, Alberti tem, contrariamente a
Brunelleschi, dificuldades diante das questões práticas como narrou Vasari em
sua biografia, deixando o seguinte comentário: “esta falta de tino e de desenho
prova que a prática é tão necessária como a teoria, porque o critério nunca
pode ser perfeito se o conhecimento não for exercitado pelo trabalho
25
”.
Quanto ao questionamento sobre se Alberti teria ou não deixado alguma
pintura, temos no relato de Vasari:
25
Idem, p. 291.
46
Leon Battista deixou algumas pinturas que não se
destacam por sua perfeição, coisa que não nos surpreende se
pensarmos que seus estudos não lhe permitiram dedicar a este
ramo da arte. No entanto, soube expressar com facilidade seus
pensamentos por meio do lápis, como provam os numerosos
desenhos que conservamos em nossa coleção, entre outros,
uma da ponte de Santo Ângelo e outro que representa as
galerias cobertas que logo se fizeram, para proteger os
transeuntes das chuvas e dos ventos no inverno, e do sol no
verão. Leon Battista havia projetado este trabalho para o papa
Nicolau V, a quem a morte impediu de realizar as obras de
embelezamento que havia prometido a cidade de Roma. Em
Florença, em uma pequena capela dedicada a Nossa Senhora,
que se encontra sobre um dos pilares da ponte de Carraia,
pintou em um altar, três pequenas cenas com algumas
perspectivas que descreveu melhor com a pluma que com o
pincel. Para a casa dos Rucellai, em Florença, deixou seu auto-
retrato e um quadro com grandes figuras em claro-escuro.
26
Percebemos que, mesmo que de forma discreta, Vasari registra maior
reconhecimento de Alberti como um homem das letras que como artista.
Infelizmente, as pinturas e desenhos que existiam no tempo de Vasari,
parecem não ter sobrevivido até os nossos dias.
De família nobre, nota-se que a formação intelectual de Alberti foi
bastante diferente de Brunelleschi. Pouco se sabe sobre os seus primeiros
anos de estudos, mas C. Grayson nos conta que ele teria freqüentado, entre
seus 12 e 14 anos, a escola de humanidades em Pádua. Em Bolonha, seguiu
26
Idem, p. 292.
47
seus estudos em direito canônico, mas com o falecimento do pai e
conseqüentes contestações patrimoniais e resistência da família, abandonou
os estudos de direito e dedicou-se por alguns anos ao estudo de física (filosofia
natural) e matemáticas que lhe dariam base para suas obras técnicas,
artísticas e arquitetônicas. No ano de 1428, porém, consegue o diploma de
direito canônico em Bolonha. Reconhecido em seu próprio tempo pelos
trabalhos literários e técnicos, Alberti atuou profissionalmente como secretário
de chanceler pontifício, redator apostólico, prior e vigário.
27
Transitou também
pelo universo das corporações de ofício dos pintores e arquitetos, atuando
nesta última nas décadas finais de sua vida. Aspectos biográficos de Alberti,
apesar de incompletos, nos permitem situá-lo num contexto de formação
intelectual ligado principalmente à estrutura religiosa da época.
OS ESCRITOS DE ALBERTI
Dos seus 68 anos de vida, deixou muitos e variados escritos. Sua fase
literária acontece entre os seus 24 aos 48 anos, sendo seu último trabalho
literário os dez livros do tratado De Re Aedificatória, após este período
dedicou-se principalmente a prática da arquitetura.
O quadro 1 relaciona cronologicamente os escritos de Alberti.
27
Cecil Grayson, Introdução in Da Pintura, pp. 35-6.
48
quadro 1:
1428 24 anos
Philodoxeos
Intercenales Deifira
Ecatonfilea
De commodis letrarum
atque incommodis
Vita
Dissuasio Valerii ne
uxorem
Comédia latina
Breves peças satíricas em latim,
inspirados em Luciano
Pequenas obras amatórias em
italiano em forma dialógica
Livro dedicado ao irmão Carlo
Livro autobiográfico [?]
Versão livre em italiano da obra de
Walter Map -Obras em italiano -
quase todas amorosas – formas
variadas: sonetos, sextilhas, baladas,
madrigais, frotole, églogas. Pelo
vigor da linguagem e força de
expressão, é considerado inovador
para o Quatroccento.
1432 28 anos
Vai para Roma como secretário de
Biaggio Molin (chanceler pontifício)
Em Roma, tem a companhia de
ilustres humanistas vinculados à
49
cúria (Bruni, Poggio Biondo etc.)
Tem contatos (reencontros) com
Ghiberti e Brunelleschi
Realiza experiências ópticas – que
se refere em Da Pintura (§19) e no
Vita.
Exercita na pintura e nas artes
plásticas
Começa a desenvolver seu interesse
pela arquitetura estudando Vitrúvio
e as ruínas de Roma antiga.
1433 29 anos Vita S. Potiti Primeira de uma série de “vidas de
santos e mártires” em latim, a
pedido de Molim, mas é
interrompida.
1434 30 anos De la famiglia
1434 Julho
Vai para Florença (no séqüito de
Eugenio IV)
Renova amizade com Brunelleschi,
Donatello e outros artistas, com
Burchiello, Vespasiano da Bisticci,
Piero de Cosimo Médici, etc.
Impressionado com a renovação
artística da cidade, em particular com
a construção da cúpula do Duommo
e sentindo-se seguro pelos estudos e
experiências iniciadas em Roma,
redigiu:
1435 31 anos De Pictura Tratado sobre a pintura em latim
1436 32 anos De Pictura Versão do tratado sobre a pintura em
vernáculo dedicado a Brunelleschi
ano em que ele conclui a
construção da cúpula
50
Elementi di pittura Escrito em italiano e traduzido mais
tarde para o latim ~1448
De locutione Romana Sobre ngua latina após ter assistido
às discussões entre os secretários
papais à respeito da língua latina
Desloca-se com a corte papal para
Bolonha
1437 33 anos
De Amore
Sofrona
De iure
Pontifex
Apoligi
Em meio aos compromissos de sua
secretaria, compôs em latim e
italinao, muitas pequenas obras
sobre os mais diferentes assuntos:
Uma carta longa dirigida a Paolo
Codagnello – amigo bolonhês
Um breve diálogo amatório dedicado
ao sobrinho do cardeal Lúcido Conti.
Um tratado em latim
Em outubro de 1437 breve visita a
Perúgia para assistir a consagração
do tio Alberto como bispo de
Camarino.
Expõe as virtudes necessárias ao
episcopado e critica os vícios dos
clérigos.
Eescreveu em poucos dias: 100;
dedicando-o a Francesco
Marescalchi, amigo de Ferrara.
Nesse período que viveu entre
Ferrara e Florença.
51
Uxória
Villa
Sobre o casamento em italiano
dedicado a Piero de’ Médici
Opúsculo didático em italiano
baseado nos “rei rusticae scriptores
De volta a Florença, permanece aí
por mais quatro anos; período de
maior devoção à língua vulgar
1438 34 anos Vai para Ferrara, onde se reunia o
concílio da Igreja Romana e
bizantina.
1439 35 anos Volta para Florença, por Ferrara não
ser mais lugar adequado à
permanência do concílio, em razão
da peste.
1441 37 anos
Grammatica della
língua toscana
Theogenius
Empenhou-se em corrigir os
primeiros três livros Da Famíglia e
acrescentou-lhe o quarto.
Reflete sua preocupação com a
língua vernácula.
(enviado a Leonello d’Este em 1441)
52
Profugiorum ab
aerumna libri
Temas característicos (fortuna e
virtude, liberdade e paixão, riqueza e
pobreza) correspondem aos que
foram desenvolvidos nas peças
Intercenales, em latim, iniciadas
durante a juventude em Bolonha, e
por volta de 1439, recolhidas em
coletânea para serem dedicadas ao
amigo Toscanelli.
1442-3 38-9 Musca
De équo animante
Canis
Opúsculo lucianesco, dedicado a
Cristoforo Landino.
Dedicado a Leonello em 1441
Elogio jocoso de seu cão
1443 39 anos Encerra o período rico e variado das
obras albertianas – vota a Roma
Descriptio urbis Roma
De statua
[na segunda estada em Roma]
Os 30anos que se seguem em Roma
com visitas freqüentes a Rimini,
Florença e Mântua, dedicou-se
principalmente a atividades artísticas
e arquitetônicas.
Ajudou o papa Nicolau V nas
restaurações e reconstrução de
edifícios romanos e outros projetos
1452 48 anos Ludi matematici
De re aedificatoria
Escreveu como um entretenimento
para o príncipe Meliaduse, marquês
d’ Este, quase 15 anos depois de
solicitado.
Os dez livros do tratado De re
53
aedificatoria fruto de muitos anos
de leituras e estudos de arquitetura e
de atividades práticas – obra vasta
modelada em Vitrúvio é considerada
a mais completa e madura expressão
dos ideais estéticos, sociais e morais
de Alberti
Organizados cronologicamente, podemos perceber que o Da Pintura foi
escrito no auge da construção da cúpula, obra arquitetônica representativa do
contexto social da Florença em meados do século XV. O Ludi matematici,
apesar de ter sido escrito no final de sua carreira literária, teria sido pensado
na época que escrevia o Da Pintura, pois na dedicatória que escreve ao
príncipe Meliaduse d’ Este, pede desculpas pela demora (passados 15 anos)
do pedido feito. Este livro, geralmente negligenciado pelos estudiosos das
obras de Alberti, será útil em nossos estudos como testemunho histórico do
seu modo do pensar a mensuração de edifícios e torres com base no teorema
de Thales e a possível transferência deste para a construção geométrica da
perspectiva. o De re aedificatória (ou L’Architettura na versão toscana),
foi escrito na fase mais madura, em que ele próprio atuava como arquiteto; o
construtor da cúpula de Santa Maria del Fiore, havia falecido há 6 anos.
Os tratados e ensaios escritos por Alberti foram divididos por M. Boenke,
em filosóficos-morais, satíricos e sobre teoria da arte, estes últimos abarcam os
tratados sobre arquitetura e pintura
28
.
28
Blum, P. R. Filósofos da Renascença, p. 76.
54
O TRATADO DA PINTURA
figura 13
Tratados Técnicos de Alberti
A novidade, no Tratado Da Pintura de Alberti (figura 13) estaria segundo
suas próprias palavras, em “falar da pintura com base na matemática e expô-la
a partir dos princípios da natureza”, ou seja, da física (filosofia natural)
29
.
Embora a preocupação em estabelecer uma relação entre a teoria da visão e a
matemática já fosse antiga e bastante discutida pelos autores do medievo
tardio, tais como R. Grosseteste, Roger Bacon e John Peccham, Alberti propõe
“unir a percepção do artista ao conhecimento do sábio e fazer da pintura uma
ciência da visão” e a pintura resultante desse processo está, segundo A. Bosi,
29
Leon Battista Alberti, Da pintura, p. 75.
55
no fato de que: “sua novidade e sua força residem no desejo de recriar a
pintura dos Antigos e fundar a ciência dos Modernos”
30
.
A proposta de Alberti se apóia na idéia dos raios visuais que estruturam
a “pirâmide visual”. Não está, como costumam colocar muitos historiadores da
arte e da arquitetura, criando uma nova concepção de espaço, pois, ainda se
encontra presente nele o interdito conceitual e teológico do espaço e do tempo
ocorrido em toda Idade Média.do qual nos fala F. Ostrower:
Na Idade Média, as qualificações positivas se
concentravam exclusivamente na alma, no espírito, no ser
imaterial, ao passo que a matéria era tida como sumamente
desprezível, porque perecível. Quanto ao espaço e o tempo,
eram considerados atributos de um Divino eterno e imutável,
onipresente e onisciente. Tudo o que acontecia ou poderia
acontecer era predestinado desde sempre. Teria sido
impossível, portanto, pensar o espaço e o tempo em termos e
formas outras que não fossem simbólicos
31
.
Será, portanto, através dos raios visuais, que Alberti irá estruturar a
pintura racionalmente organizada.
Tal aspecto pode ser observado quando Alberti inicia sua exposição
sobre as coisas importantes para a pintura. Após expor pedagogicamente as
30
Alfredo Bosi, “Fenomenologia do Olhar”, in O Olhar, p. 74.
31
Fayga Ostrower, op. cit. p. 32. Ver também sobre este aspecto, G. Santillana, comenta que no século
XV, a idéia de espaço era algo descontínuo e incomensurável, tanto que a “máquina de perspectiva” de
Brunelleschi, projetada para colocar objetos corretamente no espaço, recorta a parte que representa o céu,
deixando que este se reflita diretamente sobre a figura; não tendo o céu um lugar (uno luogo), não podia
ser medido, proporcionado ou comparado; não podia ser representado pelo sistema de proporções que
define a forma.
56
definições de ponto, linha, superfícies e ângulos, nos moldes de “Elementos”
de Euclides, acrescidos de analogias do universo prático do pintor detém-se
em comentar cuidadosamente a superfície, que considera ser de grande
interesse para o pintor. Ao falar da superfície, chama a atenção para os fatores
que podem alterá-las: o lugar e as luzes. Sobre a influência do lugar, diz:
Falaremos primeiro do lugar e, depois, das luzes e
investiguemos de que modo [mudado o lugar] as qualidades
que ficam à superfície parecem mudar. O fato diz respeito à
força da visão, já que, mudado o lugar, as coisas parecem
maiores, ou com outra orla ou com outra cor. Tudo isso são
coisas que medimos com a visão. Procuremos as razões disso,
começando pela opinião dos filósofos, os quais afirmam que as
superfícies são medidas por alguns raios, uma espécie de
agentes da visão, por isso mesmo chamado visuais, que levam
ao sentido a forma das coisas vistas.
32
A idéia é ainda de lugar aristotélico, sendo as mudanças de qualidade
da superfície atribuídas à “força da visão”.
Os filósofos aos quais se refere Alberti seriam, segundo C. Grayson são
os que escreveram sobre óptica a partir de Euclides, especialmente os autores
árabes medievais Alkindi e Alhazem.
Da antiguidade, porém, duas correntes de pensamento se
desenvolveram acerca da teoria da visão. Uma considerava que a sensação da
visão era causada pelo contato direto do órgão visual com o eidola ou
simulacra, substância material emitida pelos corpos. Era a teoria corpuscular
ou atomista, atribuídos a Demócrito e Lucrécio. A outra, conhecida como teoria
32
L. B. Alberti, op. cit., p.79.
57
Platônica, acreditava na existência de um fogo intraocularque era emitido
pelos olhos até os corpos, para que estes pudessem ser vistos.
33
Alfredo Bosi sintetiza, “o mundo antigo pensou no olhar em duas
dimensões: o olhar receptivo e o olhar ativo”:
Aparentemente, ambas as situações têm o mesmo
suporte físico: o olho, a luz e os corpos exteriores ao corpo
humano. A diferença profunda que corre entre uma e outra se
evidencia quando vista através da história da epistemologia
antiga: uma vertente materialista, ou mais rigorosamente,
sensualista do ver como receber, ao lado de uma vertente
idealista ou mentalista de ver como buscar, captar
34
.
Apesar de se referir à força da visão, não parece clara qual é a
dimensão do olhar na qual se apóia Alberti. Para ele, a sede do sentido da vista
está no olho. E os raios, como se fossem fios extremamente tênues, estão
ligados em feixes dentro do olho. Do olho, os raios se espalham em linhas
retas e muito tênues até a superfície em frente. Mas diferenças entre esses
raios quanto à força e quanto ao ofício, diz o autor, classificando-os em três
espécies: raio extremo, raio médio e raio cêntrico. Esses três raios irão
constituir a pirâmide visual, da qual falaremos mais adiante.
Os raios extremos servem para medir as quantidades, ou seja, todo
espaço da superfície entre dois pontos da orla. Assim, o olho mede essas
quantidades com raios visuais (extremos) quase como um par de compassos.
33
David C. Lindberg, Theories of Vision from Al-Kind to Kepler, p. 2-17.
34
Alfredo Bosi, “Fenomenologia do Olhar, in O olhar, p. 67.
58
Qualquer mensuração ou dimensão que se faça com a vista será feita com os
raios extremos. E, quando se vê, produz-se um triângulo cuja base é a
quantidade vista, e os lados são esses raios que se estendem até o olho.
Assim, nenhuma quantidade pode ser vista sem triângulo (Alberti, 1999, p. 80).
Nesta explicação, Alberti parece seguir a vertente mentalista, que entende ver
como buscar e captar.
Já os raios médios parecem atuar de modo diferente. Eles preenchem o
interior da pirâmide e o cercados pelos raios extrínsecos (ou extremos).
Segundo o autor, eles fazem o papel do camaleão, animal que toma as cores
de todas as coisas que lhe estão próximas. Estes raios se apropriam das cores
e da luz existente na superfície. Aqui Alberti parece seguir o discurso de
Epicuro e Lucrécio sobre os simulacra, figuras que duplicam sutilmente a forma
superficial das coisas. Esta seria uma versão materialista do olhar.
Por fim, o raio cêntrico, aquele que atinge perpendicularmente a
superfície, é o mais penetrante e o mais ativo. Cercado pelos outros raios, ele é
o último a abandonar a coisa vista, por isso Alberti o chama de príncipe dos
raios. A distância e a posição do raio cêntrico contribuem, segundo Alberti, para
a certeza da visão. Agora, Alberti retoma a versão idealista do ver.
Ao tentar aplicar a teoria da visão à prática figurativa, Alberti o faz a
distinção que os teóricos insistiam em fazer. Sobre esse aspecto Bosi comenta:
Com a Renascença o olho do pintor convive
harmoniosamente com o olho do sábio, desfazendo, mediante a
prática figurativa, aquele impasse que epicurismo e platonismo não
59
lograram superar: ou conhecimento pelos sentidos ou
conhecimento pelo espírito.
35
A Pintura, para Alberti, deve ser sistematizada como parte de uma figura
geométrica formada por aqueles raios que identificou e especificou a pirâmide
(figura 14). Diz ele: “quem uma pintura, certa intersecção de uma
pirâmide. Não será, pois, a pintura outra coisa que a intersecção da pirâmide
visual”
36
.
A idéia da pirâmide visual, entretanto, não é nova, havia sido descrita
por J. Peccham no século anterior em Perspectiva Communis
37
.
Alberti assim define a pirâmide visual:
A pirâmide é a figura de um corpo no qual todas as linhas
retas que partem da base terminam em um único ponto. A
base dessa pirâmide é uma superfície que se vê. Os lados da
pirâmide são aqueles raios que chamei extrínsecos. O vértice,
isto é, a ponta da pirâmide, está dentro do olho, onde está o
ângulo das quantidades
38
.
35
Alfredo Bosi, op. cit., p. 74.
36
L. B. Alberti, op.cit., p. 88.
37
David Lindberg, op. cit., p. 39.
38
L. B. Alberti, op. cit., p.82.
60
figura 14
. Ilustração para a pirâmide visual de Alberti.
[ imgem: http://betwixteurope.blogspot.com/2007_07_08_archive.html ]
Assim, toda geometrização da pintura se faz considerando-a uma
superfície de intersecção dessa pirâmide. Alberti pede que se acrescente a
essa idéia a doutrina dos matemáticos, começando pela idéia de
proporcionalidades dos triângulos. Lembra, porém, que fala como um pintor e
não como um matemático.
Outro aspecto que Alberti considera relevante para se entender a
superfície vista são as considerações sobre a luz. Para ele, a luz é responsável
pelo claro e escuro e isso pode alterar a forma da superfície. Explica que as
cores também podem mudar em função da luz. Por isso afirma que as cores
têm grande parentesco com as luzes. Como pintor, diz saber que, pela mistura,
nascem infinitas outras cores, mas que apenas quatro são as verdadeiras, de
acordo com os quatro elementos da natureza: a cor do fogo: o vermelho; a do
ar: o azul; a da água: o verde; e a da terra: cinzenta ou parda. As outras cores
seriam as misturas dessas, que, sendo gêneros, produziriam diferentes
espécies. O branco e o preto não seriam cores verdadeiras, mas seriam
61
responsáveis por gerar muitas espécies. O branco representaria o mais puro
da luz e o preto, as trevas.
Embora com o preto e o branco, Alberti associe a cor à luz, nas demais
cores, considera apenas os pigmentos utilizados pelos pintores, não
investigando mais profundamente o “parentesco” que dizia existir entre a luz e
as cores.
Nesse particular, a crítica de Edgerton Jr é de que, embora Alberti
tenha vivenciado o ambiente de efervescência artística de Florença, não
contribuiu com nenhuma teoria nova sobre os pigmentos dos pintores nem
trouxe qualquer contribuição significativa sobre a teoria das cores
39
.
Alberti cita as possíveis fontes produtoras de luz: o sol, a lua, a bela
estrela Vênus e o fogo. E diz haver uma diferença entre elas, pois a luz das
estrelas produz sombra igual ao corpo, enquanto o fogo produz sombras
maiores. Ele explica que a sombra ocorre onde os raios são interceptados,
sendo que esses podem, ou retornar ao lugar de onde vieram ou se dirigir para
outro lugar. Sobre o fenômeno de reflexão e refração, Alberti não se detém na
explicação, afirmando que ele pertence aos “milagres da pintura”
40
, que
demonstrou aos amigos, certa vez, em Roma. Diz que basta saber que os
raios reflexos levam consigo a cor que encontram na superfície. Na versão
latina, porém, descreve as leis da reflexão.
39
S. Y. Edgerton Jr. “Alberti´s colour theory: a medieval bottle without renaissance wine”. Journal of
the Warburg and Courtauld Institutes, p.109.
40
L. B. Alberti, op. cit., p. 86 e 96: “A respeito dessas refrações poder-se-iam dizer mais coisas,como as
que pertencem aos milagres da pintura, que os meus amigos me viram fazer certa vez em Roma” e
“Diremos as razões disso se algum dia escrevermos sobre as demonstrações que fizemos aos amigos e
que eles, vendo e admirado, chamaram de milagre.” Tais demonstrações ficam mais esclarecidas no Vita
(p.73), na qual se percebe tratar-se de uma espécie de “câmara escura” na qual se viam cenas “reais”
projetadas em perspectiva. Para entender os aspectos de milagre e magia atribuídos aos fenômenos
observados, vide tese de Fumikazu Saito, Instrumentos de magia e de ciência: a observação mediada em
De telescópio segundo a perspectiva de Giambattista della Porta.
62
Alberti recorre com certa freqüência, à demonstração ou ao uso de
recursos práticos do universo do pintor. Após discorrer, em poucos parágrafos,
sobre proporção, deixa de lado as explicações e diz o que faz quando pinta:
Inicialmente, onde devo pintar, traço um quadrângulo de
ângulos retos, do tamanho que me agrade, o qual reputo ser
uma janela aberta por onde possa mirar o que será pintado,
e determino de que tamanho me agrada que sejam os
homens na pintura
41
.
A medida por Alberti para a costruzione legittima é o braccio, pois
assim prossegue:
Divido o comprimento desse homem em três partes,
sendo para mim cada uma das partes proporcional à medida
que se chama braço (braccio), porque, medindo-se um homem
comum, vê-se que ele tem quase a medida de três braços
(braccia). E, de acordo com essa medida de braço, divido a
linha da base do quadrângulo em tantas partes quantas deva
ela comportar. (...) Depois, dentro desse quadrângulo, fixo,
onde me parece melhor, um ponto que ocupará o lugar que o
raio cêntrico vai atingir e, por isso, eu o chamo de ponto
cêntrico.
42
Importante notar, que tal como o aparato de Brunelleschi, a fixação do
lugar possibilita a construção correta da representação.
41
L. B. Alberti, op.cit, p. 94.
42
Idem, p. 94-5.
63
Colocado o ponto cêntrico, conforme disse, traço linhas
retas a partir daí em direção e cada divisão feita na linha de
base do quadrângulo. Essas linhas traçadas me mostram de
que modo, quase até ao infinito, cada quantidade transversal
se vai alterando. (...) As quantidades transversais em que uma
sucede à outra procedo da seguinte maneira: tomo um
pequeno espaço no qual traço uma linha reta e a divido em
partes semelhantes àquelas em que foi dividida a linha da
base do triângulo. A seguir, coloco um ponto acima dessa
linha, a uma altura igual à altura existente entre o ponto
cêntrico e a linha de base do quadrângulo, e desse ponto traço
linhas para cada divisão assinalada na primeira linha.
43
Os esquemas que ilustram o procedimento descrito por Alberti aparecem
somente nas edições e traduções tardias (figura 15 e 16). O tratado de Alberti é
um tratado de um humanista. E os humanistas, segundo M. H. R. Beltran
desprezavam os livros ilustrados. “Para os humanistas, os livros ilustrados
representavam uma literatura para iletrados”
44
.
Uma melhor compreensão, porém, é proporcionada pela ilustrações que
se seguiram às edições tardias.
figura 15
. Esquema da proposta geométrica de Alberti
[ imagem: http://www.handprint.com/HP/WCL/IMG/LPR/alberti.gif ]
43
L. B. Alberti, op. cit., 94-7.
44
Vide Maria Helena R. Beltran, Imagens de Magie e de Ciência: entre o simbolismo e os diagramas da
razão, p.30-32.
64
figura 16
. Transversais e ortogonais na proposta geométrica de Alberti
http://zimmer.csufresno.edu/~dellad/Alberti.html
A base geométrica de Alberti para a “costruzione legittima” se resume a
este esquema. Mas, além da analogia à janela aberta, Alberti fala ainda do uso
do véu, o qual, entre amigos, costuma chamar de intersecção. E descreve o
seu uso e a sua função:
É da seguinte maneira: é um véu muito fino, de tecido
pouco fechado, tinto com a cor que se quiser, com fios mais
grossos formando quantas paralelas queiram. Coloco esse
véu entre o olho e a coisa vista de modo que a pirâmide visual
penetre pela tela do véu. (...) Portanto, o véu nos será de
grande utilidade porque, ao ver uma coisa, ela será sempre a
mesma. (...) Por essas coisas se pode ver bem, com
experiência e juízo, como é utilíssimo esse véu
45
.
Em outra passagem Alberti faz referência ao uso do espelho:
(...) é ótimo juiz o espelho. o sei por que, as coisas
bem pintadas têm muita graça no espelho. É estranho como
qualquer defeito da pintura aparece disforme no espelho.
45
L. B. Alberti, op. cit., p. 109.
65
Portanto, as coisas tiradas da natureza são corrigidas pelo
espelho
46
.
Em seu Segundo Livro, o autor parece fazer ainda uma alusão ao
espelho quando atribui a Narciso (figura 17) a invenção da pintura e diz: “que
outra coisa se pode dizer ser a pintura senão o abraçar com arte a superfície
da fonte?”
47
.
figura 17
. Narciso – Michelangelo Nerisi da Caravaggio
[ imagem: http://www.isa009.malakut.eu/narciso.jpg ]
O uso desses recursos práticos é um aspecto pouco estudado nas
discussões sobre a da elaboração da perspectiva feita por Alberti. A
historiografia tradicional da arte e arquitetura tem apresentado Alberti como um
teórico na história da perspectiva, contrapondo a este, apresenta Brunelleschi
46
Idem, p. 131.
47
Idem, p. 103
66
como um prático. Mas a referência explícita, porém não detalhada, de Alberti
sobre o emprego desses recursos faz pensar na possibilidade de o ponto de
convergência das paralelas, “o ponto cêntrico” ser “uma conseqüência e não
um princípio das geometrias projetivas”, como defende Vladimiro Valério
48
.
Alberti reconhece que talvez a sua teoria possa não ser bem entendida:
Essas coisas são de tal sorte que em razão tanto da
novidade da matéria quanto da brevidade do comentário não
serão talvez bem entendidas pelo leitor. (...) Costumo explicar
prolixamente essas coisas aos meus amigos por meio de
certas demonstrações geométricas, coisa que me pareceram
melhor omitir nestes comentários, para não me alongar.
Relatei aqui apenas os rudimentos da arte e chamo de
rudimentos porque eles darão aos pintores em formação os
primeiros fundamentos para bem pintar.
49
Seu esforço consiste em aproximar os conhecimentos de matemática
(geometria) e óptica (perspectiva) para o universo do pintor.
Foram apresentados neste capítulo, dois procedimentos aparentemente
distintos na investigação para a costruzione legittima”. A proposta de
Brunelleschi parece ser exclusivamente de natureza prática, apresentando o
aparato que ficou conhecido como “tábua de perspectiva”. Sua construção,
porém, exige cuidados técnicos que envolvem muita racionalidade em torno do
fenômeno da reflexão no espelho plano. Alberti, embora elabore uma teoria
matemática para a pintura, o faz na presença dos elementos práticos presentes
48
Vladimiro Valério, “Projective knowledge and perspective of lines in the works of Ptolemy and in late
Hellenistic culture (Italian)”. Nuncius Ann. Storia Sci. p. 295.
49
L. B. Alberti, op. cit., p.98-9.
67
no ofício do pintor, tais como: véu, vidro translúcido, espelho e janela. No
capítulo a seguir, analisaremos a possível convergência destas duas
investigações.
68
SEGUNDO CAPÍTULO
AS CONEXÕES DE SABERES DE BRUNELLESCHI E ALBERTI
AS APROXIMAÇÕES
Acostumados a pensar separadamente a arte, a ciência, a religião e
tantas outras “especialidades” que a modernidade gerou, encontramos
dificuldades para situar o pensamento de Brunelleschi e Alberti nesses
esquemas rígidos e fragmentados. Para vislumbrar o universo daquele período,
precisamos fazer um esforço crítico para compreender aquele sistema de
mundo bastante distinto do nosso, onde magia e milagres se misturam com
matemática, ciências e artes. Assim alertava T. Kuhn, ao falar da
incomensurabilidade das ciências em cada época e lugar nos seus estudos
sobre a Revolução Científica.
50
Igualmente “modernizada”, algumas culturas, porém, curiosamente
guarda em seus ideogramas a idéia que conjugam simultaneamente vários
aspectos em sua concepção. É o caso, por exemplo, do ideograma japonês
“jutsu”, para cuja tradução tem: arte, técnica, ilusão, magia, método e
habilidade.
jutsu
50
T. Kunh, A Estrutura das revoluções científicas, p. 20-3.
69
art, technique, skill, means, trick, resources, magic
51

gijutsu
Technology (Tecnologia)

geijutsu
Art (Artes Plásticas)

bijutsu
Art (Belas Artes)

senjutsu
Tactics (Táticas de Guerra)

shujutsu
Surgery (Cirurgia)

sanjutsu
Arithmetic (Aritmética)
Percebemos nesses ideogramas, a curiosa permanência da raiz comum
“jutsu” nos vocábulos: tecnologia, artes plásticas, belas artes, entre outros,
englobando os diversos aspectos relacionados a sua origem.
52
Na ausência de um termo que nos possibilite encaixar o conjunto de
idéias que plasmaram o “novo” no lusco-fusco da ciência moderna, buscamos
51
http://www.mahou.org/Kanji/3D51/
52
Obviamente o exemplo é meramente ilustrativo, pois a “semiogênese” da escrita chinesa – japonesa
não estabelece qualquer relação direta com a escrita ocidental. Vide Haroldo de Campos (org.),
Ideograma.
70
então, seguindo as trilhas abertas pelos pesquisadores em História da
Ciência
53
, tentar compreender as idéias em seu próprio tempo.
É sabido que Renascimento foi um período muito especial, estudado por
diversos historiadores da arte, arquitetura, literatura ou história geral. No
entanto, nos alerta E. Garin:
(...) Um número demasiado grande de historiadores, ou
que acreditam sê-lo, por uma exigência de continuidade cada
vez mais exasperada (the cancerous growth of continuity),
esforça-se para apresentar a ciência do século XVII como o
último parágrafo do saber medieval, esvaziando a importância
de parte da obra dos séculos XV e XVI, unicamente por não
conseguir incluí-la nos esquemas do passado. Não percebem a
armadilha implícita nessa maneira de compreender a
“continuidade”, confinada, em última análise, aos limites de uma
“linearidade” fixada segundo classificações escolásticas. Dessa
maneira, fecham toda via de acesso aos momentos da história
em que a ordem se diluía e o novo ainda não se afirmara.
54
E é justamente no período entre o XV e o XVI que se encontram os
nossos personagens centrais: Filippo Brunelleschi e Leon Battista Alberti. A
figura do renascentista, diz A. Goldfarb, “tem a ruptura como lema”, e
acrescenta:
(...) Primeiro, a assimilação dos clássicos em seu
original, feito pelos humanistas, tentando romper com a
53
Vide publicações do Centro Simão Mathias de Estudos em História da Ciências (CESIMA) e dos
professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciências (PUC-SP).
54
E. Garin. Ciência e vida civil no Renascimento, p. 9.
71
interpretação escolástica dada a estes. Depois, a assimilação
destes valores junto a uma tradição prática e técnica que
datava da primeira época do medievo, e que se fazia então
mais necessária do que nunca para romper com o forte laço
da religião e das hecatombes causadas pela fome e pela
peste, que estagnaram o crescimento daquele continente.
55
Segundo E. Garin:
Magia e ciência, poesia e filosofia misturavam-se
auxiliavam-se, numa sociedade atravessada por inquietações
religiosas e por exigências práticas de todo gênero. Longe de
se apresentarem em linhas bem definidas, os vários
movimentos agiram uns sobre os outros, condenando à
esterilidade as posições esquematizadoras ou as
reconstruções sistemáticas.
56
No entanto, o abandono das concepções mágico-místico não se deu
sob a forma de ruptura definitiva
57
.
Retomando as colocações de A. Goldfarb:
O renascentista tem muito de transformador pelas
próprias condições peculiares da sua cultura, e pouco de
revolucionário no sentido lato. Sua mentalidade conserva muito
da estrutura antiga, sua visão é ainda gico-vitalísta. No
momento em que nega o aristotelismo medieval, ele o substitui
pelo pensamento neopitagórico e pelo platônico.Seus protestos
contra a religião estabelecida não são os de um agnóstico, mas
de um homem profundamente místico na busca de uma religião
55
A. M. Alfonso-Goldfarb. Da Alquimia à química, p.142.
56
E. Garin. op. cit, p. 11.
57
Vide, F. Saito, tese de doutorado, op. cit.
72
mais austera, e que melhor fizesse a ligação de sua moral e
sua vida terrestre com as coisas divinas.
58
É, portanto, neste momento de intensas transformações que se
desenvolve a investigação óptica de Brunelleschi e Alberti. E pretendemos
neste capítulo, observar mais de perto dois desses “renascentistas-
humanistas”, denominados pela história à posteriori. Ao analisar o interesse
comum pela arquitetura e a possível fonte em Vitrúvio e Horácio, pretendemos,
vislumbrar as lições herdadas por eles, não tanto na arte de construir, mas
principalmente no perfil teórico-filosófico descrito pelos romanos.
O HUMANISMO DE BRUNELLESCHI E ALBERTI
O humanismo italiano herdado por Coluccio Salutati (1331-1406) e
depois por Leonardo Bruni d’Arezzo (c.1370 - 1444), discípulo de Salutati, e
que pensaram a Florença como filha e herdeira de Roma, promoveram nesta
cidade, as aproximações entre eruditos, artistas e artesões na qual se insere
Brunelleschi e Alberti.
Estudos tradicionais costumam analisá-los separadamente, fazendo a
distinção entre aquele pertencente ao universo prático e ao teórico. Nesta
distinção, perdem-se as contribuições que possam advir das circulações de
idéias entre “literatos” e “artesões”; se é que tal distinção de fato existiu nos
círculos de humanistas.
58
A. M.A. Goldfarb, op. cit., p. 142-3.
73
Estudos de A. Björnbo e M. Clagett revelam a existência de um conjunto
de “códices científicos” reunidos por Filippo di ser Ugolino Pieruzzi da Vertine,
notário da Riformagione em 1429, que congregava e promovia as discussões
nos círculos de humanistas da qual fizeram parte desde chanceleres
humanistas como Leonardo Bruni e AmbrosioTraversati (1386-1439),
matemáticos como Toscanelli (1397-1482) e Nicolau de Cusa (1401-1464) a
artífices como Brunelleschi.
59
Nestes círculos ocorria o encontro de cultura
revelada, por exemplo, na complexidade das atividades de Alberti.
Sem considerar este momento histórico de encontro de culturas,
perdem-se as contribuições das técnicas artesanais, magia, poesia e filosofia
natural na transformação cultural mais ampla, dentro da qual se plasmou a
ciência moderna.
Parece-nos, portanto, artificial tentar entender Alberti e Brunelleschi, na
contraposição entre o mundo dos artistas e o mundo dos sábios.
A ARQUITETURA EM BRUNELLESCHI E ALBERTI
Uma das características importante do humanismo que florescia na
Florença dos séculos XIV e XV, estava a valorização da atividade humana,
59
E. Garin, op. cit. , p. 15-6.
74
manifestada na construção da “cidade ideal” e na atividade produtiva em geral.
Antes mesmo de Leonardo Bruni, a convergência entre as considerações
urbanísticas e as político-sociais foi manifestada de várias formas e, com ele a
estrutura político social corresponderá também à estrutura arquitetônica.
60
Assim, a valorização da vida útil traduzia-se em Brunelleschi nos
estudos da arquitetura que se fundamentou, principalmente, na descoberta dos
segredos dos antigos através das investigações nas ruínas de Roma.
Brunelleschi viajou muitas vezes para Roma entre os anos 1402 e 1418.
Sua primeira partida se segue ao concurso da porta do batistério de San
Giovanni em 1401, que foi registrado por Vasari, nos seguintes termos:
Sendo Ghiberti encarregado para a execução da porta de
San Giovanni, de cujo concurso havia se candidatado Donato e
Filippo, estes decidiram sair de Florença e mudarem-se para
Roma; Donato para estudar escultura e Filippo arquitetura.
Filippo decidiu-se pela arquitetura porque queria superar
Donato e Lorenzo (Ghiberti), pois acreditava que esta arte era
mais útil aos homens que a pintura e a escultura
61
.
A opção de Brunelleschi pela arquitetura está, portanto, inserido ao
contexto humanístico de seu tempo, e como foi apresentado no primeiro
capítulo, ele dedica grande parte de sua vida em estudar a arquitetura deixada
pelos romanos. E é a partir dela que se estrutura o conhecimento capaz de
convencer as autoridades a lhe entregar a direção da construção da cúpula de
Santa Maria del Fiori.
60
E. Garin, op.cit. p.65.
61
G. Vasari, op. cit. , p. 244.
75
Na biografia de Alberti, Vasari o descreve como “célebre arquiteto da
nobre família dos Alberti” e atuante no governo eclesiástico de Nicolau V,
famoso pelos seus ambiciosos planos urbanísticos. Desde o papado de
Martinho V (de 1417 a 1431), passando por Eugenio IV (de 1431 a 1447) até
Nicolau V (de 1447 a 1455), Alberti tem o privilégio de atuar junto à cúpula da
administração eclesiástica que tinha preocupação urbanística e humanista, que
lhe possibilitou estudar a arquitetura e nela atuar de forma mais específica nos
últimos vinte anos de sua vida.
Em Roma, durante o papado de Nicolau V,
célebre por sua mania de construir, conseguiu entrar ao serviço
de Sua Santidade por intermédio de seu amigo Biondo de Forli,
familiar do papa quem anteriormente havia sido aconselhado
sobre arquitetura por Bernado Rosselino, escultor e arquiteto
florentino. O papa confiou a este artista com o assessoramento
de Leon Battista, a restauração de seu palácio e algumas obras
na igreja de Santa Maria Maior. Com o conselho de um e
execução do outro, Nicolau V realizou numerosas obras de
muita utilidade dignas de ser louvadas, como a reforma do
aqueduto Virgem e a construção, na Praça de Trevi, de uma
fonte com ornamentos de mármore ostentando as armas de
sua santidade e do povo romano
62
.
Alberti na arte e na arquitetura a possibilidade do bene beateque
vivendum(viver bem e feliz). Para Carlos A. L. Brandão, estudioso de Alberti,
o discurso albertiano para a arte e arquitetura, volta-se para tal fim:
62
G. Vasari, op. cit., 290.
76
A Filosofia se faz Arte, discurso sensível destinado a ser
útil e tornar a existência humana mais feliz, como pretendera o
início do Quattrocento. A Arquitetura abriga esse filosofar e
importa ver o espaço concreto, o ambiente físico capaz de
gerar o ambiente adequado aos filósofos responsáveis por
construir o bene beateque vivendum dentro deste tempo de
lutas, oscilações e mudança de valores em todos os campos
63
.
Assim, um aspecto que molda a aproximação entre Brunelleschi e
Alberti, está sem dúvida no interesse pelos estudos da arquitetura.
VITRUVIO E HORÁCIO
Podemos notar que Alberti conhecia o tratado Dell Architectura (35 e 25
a.C) de Vitrúvio (sec. I a. C.), pois o cita textualmente no Da Pintura (1435).
Algumas dezenas do manuscrito do tratado vitruviano circularam durante
o período medieval tardio, proliferando-se a partir do século XV
64
.
No Da Pintura, Alberti faz breve referência ao arquiteto romano no Livro
II ao falar das medidas de um corpo animado:
O arquiteto Vitrúvio media a altura dos homens pelos s.
Quanto a mim, parece-me coisa mais digna que os outros
membros tenham referência com a cabeça, embora tenha
notado ser praticamente comum em todos os homens que a
63
Carlos A. L. Brandão. Quid Tum? O combate da arte em Leon Battista Alberti, p. 260
64
O manuscrito mais antigo do texto vitruviano é chamado Harleianus (H) 2767, que se encontra no
Britsh Museum, em Londres. Data do séc. IX. Até o séc. XV conhecem-se cerca de trinta. A partir do séc.
XV proliferam novos manuscritos, chegando a praticamente à centena, entre transcrições completas e
extratos. O interesse renascentista pela Antiguidade contribui decisivamente para esta procura do texto e
sua divulgação. Vide: M. Justino Maciel, Introdução in Vitruvio: Tratado de Arquitectura, p. 20-21.
77
medida do seja a mesma que vai do queixo ao cocuruto da
cabeça
65
.
No De re Aedificatória (1452), tratado sobre arquitetura que Alberti
escreve tempos depois, podemos notar efetivamente a presença do arquiteto
romano como uma de suas principais fontes.
Embora alguns estudiosos busquem levantar as diferenças entre o texto
de Vitrúvio e Alberti, cabe relembrar que se trata de manifestações em épocas
muito distintas, e novamente devemos atentar para a incomensurabilidade dos
conhecimentos em cada época e lugar.
Arquiteto de formação militar, Vitrúvio escreve o tratado (figura 18)
durante o império de lio César e Otávio César Augusto no primeiro século
a.C., estando, portanto, inserido dentro da ideologia da época romana. Muito
do que encontramos em Vitrúvio, contudo, está presente na arte e na
arquitetura de Alberti e contemporâneos. Para Carlos A. L. Brandão, o tratado
albertiano “destrói” (o tratado de) Vitrúvio para, utilizando-se do mesmo
material, erigir um novo edifício e um novo tipo de arquitetura
66
.
65
L. B. Alberti, op. cit. p. 116.
66
Carlos A. L. Brandão. op. cit., p 327.
78
figura 18
Vitrúvio, I DIECI LIBRI DELLA ARCHITETTURA.
Apresentamos a seguir, de maneira resumida, os temas e a idéia
romana de construção que se apresenta nos dez livros propostos por Vitrúvio
79
no I Dieci Libri Dell’Architettura, mais comumente conhecido como Da
Arquitetura
67
.
No livro primeiro apresenta o conceito de arquitetura como fazendo parte
da economia social política, associado ao prestígio de quem o constrói. Discute
também as condições mínimas para o assentamento das cidades e suas
defesas (com muralhas e fossos).
No segundo, através da história do arquiteto Dinócrates
68
, mostra que no
mundo helenístico o arquiteto não tinha o estatuto necessário para ter acesso
aos detentores do poder. Mostra que no contexto em que vive, necessita do
mecenatismo para realizar seus projetos. Que o arquiteto é, assim, instrumento
nas mãos dos governantes. E apresenta os materiais e as potencialidades da
sua utilização, em especial dos adobes, da cal, das pedras, da madeira e dos
tipos de muros.
No terceiro livro fala da importância da arte na vida do homem e seus
valores. Tem em Sócrates seu referencial teórico. O termo artifex é utilizado
por Vitrúvio para significar tanto artista como artesão. A ténica (techne) dos
gregos é vista progressivamente pelos Romanos como arte (ars).
No quarto livro trata dos templos circulares e altares, como também das
portas dóricas, jônicas e áticas. Trata também da origem e da sistematização
das ordens, proporções entre as partes entre si e em relação ao todo.
O quinto livro trata da arquitetura pública civil, onde o tratado de
Arquitetura deve ter ciência e engenho e ao mesmo tempo deve impor-se com
67
Vitruvio, I Dieci Libri Dell’Architetura, tradotti e commentati da Mons. Daniel Bárbaro, 1567. Ver
também: Vitrúvio, Da Arquitetura, introdução de Júlio Roberto Katinsky, São Paulo, 1999; Vitrúvio,
Tratado de Arquitectura, tradução do latim, introdução e notas por M. Justino Maciel, Lisboa, 2006.
68
Arquiteto romano que viveu no século IV a.C.. Trabalhou para Alexandre III da Macedônia no
planejamento e construção da cidade de Alexandria. Museu de tecnologia de Tessalônica -
http://www.tmth.edu.gr
80
autoridade. Praças, Basílicas, Tesouros, Prisões, Assembléias Municipais,
Teatros, Termas, Ginásios, Portos e obras subaquáticas são tratados neste
livro.
O sexto livro, que trata dos edifícios privados, urbanas e rurais. Narra em
seu preâmbulo a história de um discípulo de Sócrates que naufragou na costa
de Rodes, sublinha que o saber e a competência aliados à honestidade são a
verdadeira riqueza do arquiteto, pois são bens imperecíveis.
No sétimo, cita os autores que o antecederam, dá-nos referência de toda
uma tradição que enriquece o seu trabalho. Trata neste livro dos acabamentos,
das técnicas de revestimento, pintura e decoração dos edifícios incluindo a
preparação dos pigmentos usados na pintura a fresco.
O oitavo livro é dedicado à Hidráulica considerada em relação às fontes
de água potável, seu conduto a as cidades e seu depósito, ou sua
distribuição entre os cidadãos. Parte de um referencial filosófico: Tales de
Mileto considerava a água como o Arché de todas as coisas. Ela é um dos
princípios do Universo, uma fonte de vida para a natureza. como que uma
liturgia da água, que tem o seu melhor exemplo na religião egípcia e nos cultos
de Ísis e de Serápis.
O nono tem como tema a gnomônica
69
. Ensina a construir gráficos de
movimento solar para efeito de iluminação e saneamento das edificações,
69
Vitrúvio se propõe aqui a explicar a regra da gnomônica, que para ele consiste em conhecer
como medir o tempo através da sombra do gnômon e aprender a astronomia dos antigos. O gnômon deve
ter sido o mais antigo instrumento astronômico construído pelo homem. Em sua forma mais simples,
consistia apenas de uma vara fincada, geralmente na vertical, no chão. A observação da sombra dessa
vara, provocada pelos raios solares, permitia materializar a posição do Sol no céu ao longo do tempo.
Observando a sombra da gnômon ao longo de um dia, os antigos astrônomos puderam perceber que ela
era muito longa ao amanhecer e que ia mudando tanto de direção como de comprimento ao longo do dia.
Verificaram que o instante em que a sombra era a mais curta do dia, correspondia ao instante que dividia
a parte clara do dia em duas metades. A esse instante deram o nome de Meio-dia e a direção em que a
sombra se encontrava nesse instante recebeu o nome de Linha do Meio-dia ou seja, linha meridiana. A
81
estudo do zodíaco para a construção de vários tipos de medidores de tempo,
baseado em uma Astronomia que tem a Terra como centro do Universo.
O décimo livro trata sobre Machinatio, e nele sobressaem as máquinas
de guerra, em especial as capazes de destruir ou ultrapassar muralhas.
Para alguns historiadores, particularmente da arquitetura, o tratado de
Vitruvio teria contribuído muito indiretamente para a arte de construir,
especialmente ao se observar as grandes obras romanas, construídas
posteriormente ao tratado; do mesmo modo teria influenciado no De re
Aedificatória de Alberti (figura 19).
70
linha horizontal perpendicular à linha meridiana chamaram de linha Leste-Oeste, sendo que a direção
Leste foi nomeada aquela que correspondia a do lado do nascer do Sol, ficando o Oeste para o lado
oposto. De pé, com os dois braços esticados na horizontal, e apontando o direito para o leste, definia-se o
Norte como sendo a direção da linha meridiana à frente da pessoa e Sul para trás. Assim foram definidos
os pontos cardeais Norte, Sul, Leste e Oeste. A observação da variação cíclica do comprimento da sombra
mínima ao longo do tempo, permitiu definir o conceito de estações e de Ano das Estações. Ao intervalo
de tempo necessário para que o comprimento da sombra completasse um ciclo chamaram de Ano das
Estações. Observaram que quando a sombra ao meio-dia era a mais longa de todas, era uma época fria,
enquanto que, na época da sombra mais curta, era uma época mais quente. Definiram que o início do
Inverno ocorria quando a sombra ao meio-dia era a mais longa; o início do Verão ocorria quando essa
sombra era a mais curta. Para definir os instantes dos inícios da primavera e do outono, usaram a posição
da sombra no instante em que ela dividia ao meio o ângulo formado pelas posições do Sol nos inícios do
verão e do inverno. http://www.iag.usp.br/siae98/astroinstrum/antigos.htm
70
J. R. Katinsky. “Preliminares a um estudo futuro de Vitrúvio”, in Vitrúvio – Da Arquitetura, p. 23.
82
figura 19.
Leon Battista Alberti, L’ARCHITETTURA.
De fato, ao se analisar de forma específica o tratado de Alberti, não
encontramos mais que 6 ou 7 citações pontuais de Vitrúvio. Numa delas,
lamenta que diante das grandes obras deixadas pelos antigos, tenha
sobrevivido ao “naufrágio”, apenas o livro de um único escritor: Vitrúvio; e que
este não é completo o bastante para tudo que gostariam de conhecer. Escreve,
83
ainda, que o texto vitruviano é pouco elaborado, parecendo aos latinos que foi
escrito em grego e aos gregos, escrito em latim
71
.
Mas, uma análise mais atenta permite notar que Vitrúvio foi fonte
importante para Alberti e seus contemporâneos, principalmente na concepção
sobre a natureza da arte e arquitetura e para o perfil do arquiteto ideal.
Sobre os saberes necessários ao arquiteto, escreveu Vitrúvio no capítulo
I do Livro I:
A ciência do arquiteto é ornada por muitos
conhecimentos e saberes variados, pelos critérios da qual são
julgadas todas as obras das demais artes. Ela nasce da prática
e da teoria. Prática é o exercício constante e freqüente da
experimentação, realizada com as mãos a partir de materiais de
qualquer gênero, necessária à consecução de um plano.
Teoria, por outro lado, é o que permite explicar e demonstrar
por meio da relação entre as partes, as coisas realizadas pelo
engenho
72
.
O conhecimento que deve nascer da teoria e da prática parece ser para
os humanistas do século XV, que tinha como um dos lemas a valorização da
vida ativa, um caminho apontado por Vitrúvio para se encontrar o
“conhecimento e saberes variados”.
71
L. B. Alberti, Della Architettura, libro sesto, 160, 26-36: “Percioche e’ mi fapeua male, che tante gran
cofe, & tanto eccellenti auuertimenti de gli Scrittori, fi pedeffino per la ingiuria de tempi, di maniera, che
a pena un folo di si gran naufragio, cioe Vitruvio ci fuste rimasto; scrittore veramente, che fapeva ogni
cosa, ma per la lunghezza del tempo in modo guasto, che in molti luoghi, vi mancano molte cose e in
molti ancora molte piu cose vi si desiderono. Oltra di questo ci era ancora, che egli non haveva scritto
molto ornatamente. Conciosia che egli parlava, di maniera, che a Latini pareva che e' parlasse Greco e a
Greci pareva che egli parlasse Latino; Ma la cosa stesta nel dimostrarcisi sa testimonianza, che egli non
parlo ne Latino, ne Greco; di modo che egli e ragionenole, che egli non scrivesse a noi, poiche egli fcriffe
di maniera, che noi non lo intendiamo.”
72
Vitrúvio, Da Arquitetura, Livro VI, p. 49-50.
84
A importância da valorização da teoria e da prática é reforçada por
Vitrúvio quando explica:
Por isso, os arquitectos que exerceram sem uma
formação teórica, mas apenas com base na experiência das
suas mãos não puderam realizar-se ao ponto de lhes
reconhecerem autoridade pelos seus trabalhos; também
aqueles que se basearam somente nas teorias e nas letras
foram considerados como perseguindo a sombra e não a
realidade. Todavia, os que se aplicaram numa e noutra coisa,
como que protegidos por todas as armas, atingiram mais
depressa, com prestígio, aquilo a que se propuseram.
73
Impossível não identificar o reflexo desse ensinamento em Alberti,
quando encontramos na biografia deixada por Vasari, colocações muito
semelhantes na descrição do perfil de seu biografado:
Quem ignora que é necessário refletir profundamente
para saber ou aprender por si mesmo o que deseja executar, e
que não se pode confiar somente na teoria dos outros porque
está separada da prática, e na maioria dos casos resulta pouco
proveitosa? Mas quando estas duas qualidades estão unidas,
nada mais convenientes para nossas vidas, pois a arte com a
ajuda da ciência adquire maior perfeição e riqueza, da mesma
forma que os escritores e os conselhos dos artistas cultos têm
maior eficiência e merecem mais créditos que as palavras e
obras daqueles que são somente artesãos por melhor que
tenham trabalhado. Leon Battista Alberti é uma prova do que
falamos.
74
73
Vitrúvio, Tratado de Arquitectura, p.30.
74
G. Vasari, op. cit., 289.
85
O arquiteto ideal para Vitrúvio é aquele que, compreende o que é
significado e o que significa, ou seja, o significante (quod significat) e o
significado (quod significator). Para exercitar numa e noutra parte, diz que se
convém conhecer muitas coisas:
Em tudo na verdade, xime certamente na arquitetura,
essas duas coisas estão presentes: o que é significado e o que
significa. O que é significado é algo proposto do qual se fala; o
que significa é a demonstração explicada pelas regras das
doutrinas. Por essa razão, quem vier a professar o ofício de
arquiteto deverá estar exercitados nessas duas coisas. Assim,
é necessário que seja engenhoso e sujeito à disciplina, pois
nem o engenho sem disciplina, nem a disciplina sem o engenho
podem produzir o artífice perfeito. E para que possa ser
devidamente instruído, perito em desenho, erudito em
geometria, que aprenda história profundamente, que ouça com
atenção os filósofos, que conheça a música, que não seja
ignorante em medicina, que conheça as respostas dos
jurisconsultos, que tenha conhecimento das regras da
astrologia e do céu.
75
Analogamente, Alberti instrui os pintores de seu tempo no Livro III do
tratado Da Pintura:
Acho muito bom que o pintor seja o quanto possível,
instruído nas artes liberais, mas antes de tudo desejo que saiba
geometria. (...) A companhia de poetas e oradores traria aos
pintores muita satisfação. Eles têm muitos recursos em comum
75
Vitrúvio, Da Arquitetura, p. 50.
86
com os pintores; dotados de vasto conhecimento sobre muitas
coisas, serão de grande ajuda para uma bela composição da
história. (...) È isso que aconselho a todo pintor que se torne
íntimo dos poetas, dos retóricos e de outros iguais
conhecedores das letras.
76
Assim, notamos que o pintor ideal albertiano é moldado muito de perto
no arquiteto ideal vitruviano. Alberti, porém, acrescenta sentido moral e
estético ao seu aconselhamento.
A aproximação entre pintor e poeta que Alberti sugere, parece, a nosso
ver, ter sua fonte localizada num contemporâneo de Vitrúvio, Horácio (65 a.C.-
8 a.C.).
O belo ideal, para Horácio, não se desvincula da verdade e do bem. É o
belo pitagórico, matemático, que se funda no esplendor da ordem, unidade na
multiplicidade, onde nada fica fora de lugar
77
. Também para Alberti o belo é
modelado pela natureza, que apresenta toda sua graça na ordem e na
concordância das partes
78
.
Diz Horário que “a poesia é como a pintura, haverá a que mais te cativa,
se estiveres mais perto e outra, se ficares mais longe”; e lembra que “o saber é
o princípio e a fonte de bem escrever. (...) Prescreverei ao douto imitador que
observe o modelo dos costumes da vida e tire daí uma linguagem viva”. No
entanto, o poder de transmissão é mais forte na pintura que na poesia, por
76
L. B. Alberti, Da Pintura, p.138-140.
77
Dante Tringali, A arte poética de Horácio, p.8.
78
“Tutto quello certo che produce la Natura, tutto si modera secondo gli ordini della leggiadria. Ne
Studio alcuno maggiore La Natura, che Il fare che Le cose ch’ella hara prodotte sieno perfettamente
finite. Il che no verria fatto se se ne levasse La leggiadria, conciosia che Il principale consenso delle parti
che opera, mancherebbe; ma sai detto di queste cose abbastanza. Lequali se son chiare abbastanza,
possiamo haver deliberato in questo modo. Che La belezza, e um certo consenso, e concordantia delle
parti, in quali si voglia cosa che dette parti si ritruovino, laqual’concordanzia si sai nauuta talmente com
certo determinato numero, finimento e collocatione, qualmente La leggiadria cioè, Il principale intento
della natura, ne ricerccava”. L. B. Alberti, L’Architettura, Libro Nono, 337, 38-44 e 338, 1-5. Vide
também, idem, Libro Sesto, 162, 40; 163, 5.
87
isso, Horácio não admite que os poetas sejam regulares: “o que se transmite
pelo ouvido excita mais debilmente o espírito do que aquilo que se põe diante
dos olhos fidedignos e que o próprio espectador aprende por si”.
79
Tu nada dirás ou farás contra a vontade de Minerva
80
,
que tenhas esse parecer, essa disposição de espírito. Se,
contudo, algum dia, escreveres algo, submete-o aos ouvidos do
crítico Mécio
81
e aos de teu pai e aos meus e que, encerrado
em pergaminhos, seja guardado aao nono ano; o que não
tenhas editado te será permitido destruir. As palavras soltas
não podem tornar.
82
Para Horácio, o belo consiste em imitar a natureza, de forma muito
exigente. É preciso mover o espírito do espectador, e para tanto deve, através
das palavras, exprimirem os movimentos da alma:
Não basta que os poemas sejam belos, é preciso que
sejam doces e transportem o espírito do ouvinte para onde
quiserem. Assim como o rosto humano ri com os que riem,
assim compartilha com os que choram. (...) Se recitares mal o
teu papel ou dormirei ou rir-me-ei. Palavras tristes convêm a
rosto pesaroso; ao rosto irado convêm palavras carregadas de
ameaça; ao rosto brincalhão convêm palavras joviais; palavras
sérias de dizer convém ao rosto severo. A natureza, com efeito,
nos modela primeiro interiormente segundo todas as situações
da fortuna alegram-nos ou impele-nos à lera ou nos
79
Idem, p. 34-5.
80
Vide notas à tradução feitas por Dante Tringali: Minerva deusa romana, identificada com Palas
Atena, deusa guerreira, protetora da vida intelectual e das artes. Na Mitologia de Horácio, ela ocupa o
segundo lugar depois de Júpter. Sem a proteção de Minerva ninguém pode ser artista. Ela sintetiza o
engenho e a arte. Idem, p. 46.
81
Também conforme notas feitas por Dante Tringali, Mécio Tarpacélebre crítico e símbolo do crítico
por antonomásia. Idem, p.46.
82
Idem p. 36.
88
prosterna por terra sob o peso da aflição e nos angustia, depois
exprime esses movimentos da alma por meio da língua.
83
Assim também Alberti orienta os pintores:
(...) a história comoverá a alma dos espectadores se os
homens nela pintados manifestarem especialmente seu
movimento de alma. Faz a natureza nada mais ávido do
seu semelhante que ela com que choremos com o que
choram, riamos com os que riem e soframos com os que
sofrem. (...) Mas os movimentos da alma são conhecidos pelos
movimentos do corpo. (...) Por isso é importante que os pintores
conheçam muito bem os movimentos do corpo; poderão
aprendê-los pela observação da natureza, embora não seja
fácil imitar os movimentos da alma.
84
O preceito de Horácio para se atingir a perfeição está no
desenvolvimento do engenho e da arte:
Tem se perguntado se um poema se torna digno de
louvor pela natureza ou pela arte. Eu não vejo de que serve a o
trabalho sem uma veia fértil nem de que serve o engenho rude,
assim uma coisa reclama o auxílio da outra e conspiram
amigavelmente.
85
Nesse ponto, podemos encontramos a maior aproximação entre
Vitrúvio, Horácio, Alberti e seus contemporâneos. O desenvolvimento do
83
Idem, p. 29.
84
L. B. Alberti, Da Pintura, p. 122.
85
Dante Tringali, op. cit., p. 36.
89
engenho e da arte
86
, sugerida por Horácio, juntamente com a
necessidade de se aprimorar a teoria e a prática proposta por Vitrúvio,
reflete, indubitavelmente na figura de Brunelleschi e Alberti. E neles, o
belo pitagórico é remodelado junto com uma investigação da natureza
“com as próprias mãos”.
UMA MEDIDA PARA A CONSTRUZIONE LEGGITIMA - O BRACCIO
FLORENTINO
G. Santillana aponta como uma das inovações da “mente científica par
excellencede Brunelleschi, a criação de uma medida básica única, que teria
anotado em “tiras de pergaminho”. Segundo o autor, grande seria esta
inovação, porque os antigos mestres nunca tiveram esta idéia já que não
sabiam escrever e reproduziam as medidas com pedaços de barbante.
87
A idéia de “criação de uma medida básica única”, entretanto, deve ser
entendida unicamente como uma forma de padronização, por um objeto
particular, a fim de facilitar a mensuração, e não como uma nova “unidade de
medida”. Pois, sobre esta questão, não podemos deixar de considerar o que
diz Bachelard sobre os obstáculos dos conhecimentos quantitativos
88
:
Um conhecimento objetivo imediato, pelo fato de ser
qualitativo, é falseado. Traz um erro a ser retificado. (...) Um
86
Na Arte Poética, Horácio escreve sobre a poética do engenho e sobre a poética da arte. Engenho e arte
são aqui tratados de forma distinta ao que trata Vitrúvio sobre teoria e prática. O engenho, para Horácio
está associado à vocação, talento natural ou mesmo chamado divino. Arte por sua vez implica em estudo
e aprendizado, associado à prática. Na idéia de arte de Horário, portanto, parece se insere a teoria e
prática de que falam Vitrúvio e Alberti. Vide Dante Tringali, op. cit. , p. 59-63.
87
Giorgio de Santillana, O papel da arte no renascimento científico. P. 37.
88
G. Bachelard, op. cit., p.259-292.
90
conhecimento imediato é, por princípio, subjetivo. (...) Seria,
aliás, engano pensar que o conhecimento quantitativo escapa,
em princípio, aos perigos do conhecimento qualitativo. A
grandeza não é automaticamente objetiva, e basta dar as
costas aos objetos usuais para que se admitam as
determinações geométricas mais esquisitas, as determinações
quantitativas mais fantasiosas.
89
Mesmo com a emergência da “física-matemática” estabelecida na
relação entre a matemática e a física, impulsionada pelas ciências
experimentais, que terá lugar nos escritos matemáticos dos jesuítas no início
do século XVII
90
, a questão da medida está, segundo Bachelard, ainda inserido
no espírito pré-científico que se precipita para o real e se afirma em precisões
excepcionais
91
. Para Bachelard:
De fato, uma das exigências primordiais do espírito
científico é que a precisão de uma medida refira-se
constantemente à sensibilidade do método de mensuração e
leve em conta as condições de permanência do objeto medido.
Medir exatamente um objeto fugaz ou indeterminado, medir
exatamente um objeto fixo e bem determinado com um
instrumento grosseiro, são dois tipos de operações inúteis que
a disciplina científica rejeita liminarmente. (...) O objeto medido
nada mais é que um grau particular da aproximação do método
de mensuração. O cientista crê no realismo da medida mais do
que na realidade do objeto.
92
Assim, cabe-nos situar de forma mais cuidadosa ao pensar sobre a
adoção de uma “medida básica”.
89
G. Bachelard, op. cit. p. 259.
90
Peter Dear, Discipline & Experience – The mathematical way in the Scientific Revolution, p. 170.
91
G. Bachelard, op. cit., p.262.
92
Idem, 261-2.
91
Lembramos assim que, para estrutura do conhecimento formal daquele
período, tínhamos ainda as artes liberais do trivium e quadrivium. O trivium por
sua vez era formado pela gramática, retórica e dialética, estava voltado para os
modos de aquisição de conhecimentos. O quadrívium era formado pelas
ciências que seguem o modelo matemático aritmética, geometria, astronomia
e música; este último muitas vezes substituído pela perspectiva.
93
Embora as articulações dos conhecimentos no interior deste sistema
se encontrassem bastante modificado, o modelo a ser seguido era o platônico
aristotélico. Em Aristóteles, a óptica, harmônica e astronomia era parte da
matemática:
“Esto es también claro em las partes de las matemáticas más
próximas a la física, como la óptica, la armónica y la
astronomia, ya que se encuentran em relación inversa com la
geometria, pues mientras la geometría estudia la nea física,
pero em tanto no es física, la óptica estudia la línea
matemática, no em tanto que matemática, sino em tanto que
física.”
94
Os debates travados desde o Tomás (1224-1274) sobre as ciências
mais próximas da matemática ou da física (ciências intermediárias) não
93
Vide Alfredo Storck, Filosofia Medieval, p.21. Vide também: Lena Márcia Mongeli (coord), Trivium e
Quadrivium: as artes liberais na Idade Média.
94
Aristóteles, Física, Livro II, 2, 194a 7-11, edição espanhola com tradução de Guillemo R. de Echandía.
Ver também C.A. R. Nascimento, De Tomás de Aquino a Galileu, p. 20, nota 28, onde esta passagem é
traduzida como “Ver-se-á ainda tal diferença a propósito das partes mais físicas das matemáticas, como a
ótica, harmônica, astronomia, pois sua relação com a física é inversa àquela da geometria que estuda a
linha física enquanto esta não é física; pelo contrário, a ótica estuda a linha matemática, não enquanto
matemática, mas enquanto física”.
92
estavam ainda claramente delineados. Nessa discussão inclui-se o estudo da
perspectiva.
Medir era, dessa forma, desde os tempos antigos, parte da
estereometria, isto é, a ciência que trata da mensuração dos corpos sólidos.
Este era parte dos estudos da geometria associada às ciências mecânicas, ou
artes mecânicas, que estabelecia uma relação direta com a manipulação da
matéria.
95
Assim a “medida básica” terá lugar dentro da matemática do universo
prático. Aquela matemática e geometria ensinada nos cursos de botteghuzza e
abbaco.
É sob estas condições que se situa a medida utilizada pelos arquitetos: o
braccio.
A medida braccio, cujo plural é braccia, foi utilizada desde o século XIV
pelas corporações de ofício de construtores e arquitetos.
No relato histórico dos Fanelli sobre a construção da Catedral de Santa
Maria del Fiori consta que, na primeira metade do século XIV, o trabalho na
nova catedral (iniciada em 1296-98) seguia de forma muito lenta. Novo ímpeto
foi dado em 1350, segundo os apontamentos do mestre de construção
Franceso Talenti. Uma resolução de 1357 determinou que a construção
devesse ter uma nave e corredores, num total de 164 braccia.
96
95
Trata-se de um ramo da geometria que se ocupa com a medição dos sólidos. Em 1578 circula em
Portugal a obra de Fillipo Terzi, Estudos sobre embadometria, estereometria e as ordens
de arquitectura, e em 1591 foi publicado em Londres o Livro de Leonardo Diggis (1520-1559): A
Geometrical Practical Treatize named Pantometria, que contém os três livros: Longimetria, Planimetria
e Estereometria. Vide A. W.Crosby, A mensuração da realidade, a quantificação e a sociedade Ocidental
1250 – 1600. Vide também Peter Dear, Discipline and Experience – The mathematical way in tehe
Scientific Revolution.
96
Fanelli, Giovanni & Michele Fanelli. Brunelleschi’s Cupola, p. 12-15.
braccio pl. braccia: uma unidade linear de medida usada na Florença até o século XIX, equivalente a
0,584...m
93
No relato de Vasari, Brunelleschi descreve as dimensões que deverá ter
a Cúpula às autoridades aos quais deve convencer a lhe entregar a
responsabilidade pela construção, nela nota-se que esta medida também está
presente:
A abóbada terá na parte de baixo, três braccia e três
quartos de espessura adotarão uma forma piramidal até o lugar
em que se encontrará com o lanternín, diminuindo ao mesmo
tempo de espessura, de maneira que não terá mais que um
braccio e um quarto no alto. A abóbada exterior, também de
forma piramidal, que colocará a abóbada interior ao abrigo dos
estragos da chuva, terá na parte inferior, a espessura de dois
braccia e meia e somente dois terços de braccia quando
chegar ao lanternín. (grifo nosso)
Como apresentamos anteriormente, sendo a arquitetura um estudo de
grande interesse para Alberti este, sem dúvida, conhece de perto o universo
dos arquitetos e construtores de sua época. Embora seja tardia sua atuação
mais efetiva nas construções e a edição dos dez livros sobre a arquitetura, o
Dell’ Architettura (1457), ocorra somente cerca de 20 depois do tratado Da
Pintura (1435), o braccio havia sido introduzido como medida na teoria de
representação visual.
Inicialmente, onde devo pintar, traço um quadrângulo de
ângulos retos, do tamanho que me agrade, o qual reputo ser
uma janela aberta por onde possa eu mirar o que aí será
pintado, e determino de que tamanho me agrada que sejam
os homens na pintura. Divido o comprimento desse homem
em três partes, sendo para mim cada uma das partes
94
proporcional à medida que se chama braço (braccio), porque
medindo-se um homem comum, vê-se que ele tem quase a
medida de três braços (braccia). E, de acordo com essa
medida de braço (braccio), divido a linha da base do
quadrângulo em tantas partes quantas deva ela comportar.
97
(grifo nosso)
A incorporação desta como “medida perspectívica”, é a nosso ver um
fato importante que sinaliza a artificialidade das descrições que se faz de
Alberti como um mero “intérprete literário (...) que deu a essas idéias (de
perspectiva de Brunelleschi) completa cidadania no mundo paramentado das
letras e do humanismo
98
”.
Assim, não existe para a época, a nosso ver, “unidade de medida”
capaz de tornar mais erudito ou mais literária, as “descobertas” feitas no
mundo das artes mecânicas. A distinção entre “saber corporativo” e “saber
canônico” parece, ao menos com base nesta questão, uma separação
inexistente. Nesta investigação Alberti e Brunelleschi estão igualmente
imersos numa realidade que mescla e impossibilita qualquer delineamento
entre o mundo do saber e o mundo do fazer.
Nos esquemas a seguir (figura 20 e 21), B é a medida braccio, utilizada
por Alberti na sua proposta para a “construzzione leggítima”.
97
L. B. Alberti, Da Pintura., p. 94.
98
G. de Santillana, op.cit. p. 35.
95
figura 20.
Esquemas da construção geométrica proposta por Alberti.
96
figura 21.
Esquemas da construção geométrica proposta por Alberti.
O braccio que literalmente deriva da medida do braço de um homem
adulto torna-se, na proposta de Brunelleschi, parâmetro limitador para a
construzzione legítima”. Ou seja, na “tábua de perspectiva” (figura 22 e 23) de
Brunelleschi, a distância máxima entre o objeto (pintura) e o espelho, fica
condicionada ao comprimento do braço, isto é, um braccio. Isto significa que,
nesta proposta, as dimensões da “pintura” ficam limitadas a este parâmetro.
97
figura 22. Tábua de perspectiva de Brunelleschi
figura 23. Tábua de perspectiva de Brunelleschi.
Essa limitação havia sido descrita por Manetti. Em seguida à
descrição de como Brunelleschi demonstrou a perspectiva na primeira tabuleta
que tinha um “furo”, para ver a representação do templo de San Giovanni de
98
Florença perfeitamente refletida no espelho, nos conta sobre uma segunda
tabuleta (que infelizmente se perdeu):
Fez com perspectiva a praça do palácio dos Signori di
Firenze, com tudo o que em cima e ao redor, o quanto a
vista atinge (...); é uma coisa maravilhosa contemplar-se o que
aparece junto com tudo o que a vista capta nesse lugar. (...)
Poder-se-ia perguntar aqui: por que não fez ele, nessa pintura
em perspectiva, aquele buraco para o olho, como na tabuleta
do Duomo de San Giovanni? Isto se deve a que a tábua de
tão extensa praça precisava ser muito grande para receber
tantas coisas diferentes e não se poderia segurar como a
de San Giovanni, com a mão no rosto e a outra no espelho,
pois o braço do homem não é tão comprido que, com o
espelho na mão, ele pudesse colocar exatamente defronte
e na devida distância, nem forçá-lo tanto que conseguisse
segurá-la.
99
(grifo nosso)
Embora não se conheça maiores detalhes sobre sua elaboração, sabe-
se através de Manetti que esta ultima pintura não pôde ser conferida pelo
espelho, mas tratava-se igualmente de uma “construzzione legítima”.
Por outro lado, o esquema geométrico proposto por Alberti possibilita, a
partir da medida do braço, ampliar, tantas vezes quanto se queira as
dimensões da “representação” que se pretende fazer. Esta possibilidade de
“abstração” sugerida a partir do limite imposto pelo “aparato” parece ter, a
nosso ver, um aspecto importante na convergência dos saberes de
Brunelleschi e Alberti.
99
Antonio Manetti, Vida de Filippo Brunelleschi, in Julio Roberto Katinsky, Estudos Periféricos, p. 72–
4.
99
Embora não tenhamos qualquer registro textual, tudo nos faz crer que
Brunelleschi conhecia essa possibilidade, pois assim teria conseguido fazer
a segunda tabuleta com a representação da Praça dos Signori de Firenze (hoje
Palácio Vecchio, antiga sede do governo florentino). E Alberti, ao possibilitar
uma elaboração “abstrata” para a “costruzione legittima”, cria para o pintor, a
possibilidade de articular de maneira autônoma, isto é, desprovido de aparatos,
a representação próxima da realidade visível.
Temos, assim, a nosso ver, na medida do braccio um elemento de
convergência entre os saberes de Brunelleschi e Alberti.
O ESPELHO E A JANELA - AS INVESTIGAÇÕES ÓPTICAS DE
BRUNELLESCHI E ALBERTI
Iniciaremos nossa análise pela “tábua de perspectiva”, aparato proposto
por Brunelleschi para demonstrar a “costruzione legittima”.
Com base na descrição feita por Manetti, a tabuleta (onde executou a
pintura) tinha a dimensão de meia braça quadrada (aprox. 29 X 29 cm). Sobre
ela executou uma pintura “copiada de San Giovanni de Florença” (Batistério de
San Giovanni) (figura 24).
100
figura 24
. Batistério de San Giovanni, Florença, Itália.
WWW.aticaeducacional.com.br/htdocs/secoes
Diz Manetti que “parece que ele o copiou de uma distância de três
braças (braccia), no interior da porta no meio de Santa Maria del Fiore”. A partir
de um “lugar único” o pintor fez tal pintura. Para se “ver” a pintura era preciso
que se colocasse também no “lugar único”, para que não se pudesse enganar
a vista. Então fez Brunelleschi, um buraco “pequeno como uma lentilhapelo
lado da pintura, que se alargava piramidalmente para o avesso. O olho deveria
ser colocado do lado do avesso, onde o buraco era maior, e segurando um
espelho bem defronte, a uma distância de uma braça (braccio), veria a pintura
refletida. E “parecia ver-se a própria e verdadeira realidade” (figuras 25, 26 e
27).
101
figura 25.
Tábua de perspectiva de Brunelleschi
http://info.aia.org/aiarchitect/thisweek08/0328/0328p_duomo6_b.jpg
figura 26.
Tábua de perspectiva de Brunelleschi
http://daniloarquiteto.files.wordpress.com/2008/10/perspectiva03.jpg
102
figura 27.
Verificação da tábua de perspectiva de Brunelleschi.
http://graphics.stanford.edu/courses/cs99d-99/Brunelleschi/brunelleschi-annotated.jpg
Notemos que não era a pintura que se via, mas o seu reflexo. E, para
que este reflexo fosse “a própria e verdadeira realidade”, esta foi pintado
inteiramente de maneira “especular” (ou invertida).
Katinsky levanta algumas hipóteses sobre os passos seguidos por
Alberti na tarefa prévia de fazer o desenho sobre a tabuleta: dois modos de
representação em perspectiva, herdada dos gregos, fazia parte da tradição
medieval de representação “em perspectiva”. Mas estes métodos eram
aplicados em corpos isolados, não sendo válido para o “todo da cena”.
Brunelleschi o faz, unificando todas as linhas do horizonte. Isso só foi possível,
segundo Katinsky, porque a escolha de Brunelleschi pelo batistério era
particularmente adequada, pois o sólido geométrico (figura 28) que dava forma
103
ao batistério (forma octogonal) teria como planta a intersecção de dois
quadrados (figura 29), e assim:
A distância do observador ao edifício era conhecida
bem como a altura em relação ao edifício. Poder-se ia, então,
traçar, em escala, uma face: aquela paralela ao quadro. A
perpendicular também era conhecida: encontrava o quadro
um ponto fácil de determinar. As faces oblíquas poderiam ser
controladas facilmente pelo quadrado de faces paralelas e
pelo espelho.
100
figura 28.
Sólido geométrico similar a edificação do Batistério San Giovanni
http://www.edu.xunta.es/contidos/premios/p2004/b/poliedros/desenvolvementos/desenvolvementos.htm
figura 29.
Na intersecção de dois quadrados está a “planta octogonal” do batistério
http://www.clubedotaro.com.br/site/imagens/nn_geo1_numero_08.jpg
100
J. Katinsky, op. cit., p.54.
104
Na hipótese de Katinsky, a construção da tabuleta (pintura) se deu com
base no conhecimento na unicidade da linha do horizonte, o que possibilitou a
visão unitária do espaço. Conhecimentos estes demonstrados em 1401 ao
executar os painéis para o concurso da porta do mesmo batistério. O aparato
teria servido para controlar a visão unitária do espaço representado, com a
realidade física observada
101
(figura 30).
figura 30.
Perspectiva de Brunelleschi
http://www.istitutomaserati.it/prospettiva/Ingrandimenti/Brunelleschi3-gr.htm
101
105
O todo empregado por Brunelleschi para a representação chama-se ,
segundo Katinsky, “perspectiva dos pontos de distância” (ou perspectiva do
arquiteto) (figura 31).
figura 31.
Perspectiva do ponto de ditância
http://smarthistory.org/assets/images/images/perspective.jpg
Com base na expressão “parece que ele o copiou de uma distância de
três braças (braccia), no interior da porta no meio de Santa Maria del Fiore”,
deixada por Manetti, alguns estudiosos consideram a possibilidade da tabuleta
(pintura) ter sido feito a partir da própria imagem refletida na superfície do
espelho, e assim, o resultado observado no aparato, seria da dupla reflexão:
imagem da imagem. Na opinião de R. Arnheim:
(...) Brunelleschi pintou o próprio quadro na superfície de
um espelho. Na verdade, isto deve ter sido quase inevitável,
porque, salvo se a pintura fosse uma imagem refletida da cena
real, o observador, olhando pelo orifício, teria visto o reflexo da
cena lateralmente invertida. A esquerda e a direita da Piazza
del Duomo teriam sido trocadas. Um segundo espelho usado
como superfície da pintura teria compensado esta perturbadora
106
inversão no espelho de observação. Também teria permitido
que o artista simplesmente traçasse os contornos de sua cena
na superfície refletora. Este método teria realmente um grande
efeito, permitindo que ele obtivesse um desenho projetivamente
correto. Não teria, porém, absolutamente nada a ver com a
construção geométrica da perspectiva central.
102
Independentemente à confirmação desta ou daquela hipótese, estamos
incontestavelmente diante de um aparato óptico, onde se demonstra que a
partir da reflexão no espelho plano, pode-se chegar à representação correta,
isto é à “costruzione legittima”.
Na proposta de Alberti, ao mesmo tempo em que descreve
geometricamente seu procedimento ao pintar (como vimos no capítulo I), pede
que se faça uma analogia com uma “janela aberta” (figura 32). Nela, o vidro
faria o papel da “intersecção” da pirâmide visual, posteriormente substituída
pelo véu, cujo “quadriculado” serviria de guia para o pintor (figura 33). Nesta
proposta prática, tal como em Brunelleschi, é imprescindível que se coloque um
“lugar único” a partir da qual se fará a “costruzione legittima”.
102
R. Arnheim, op. cit. , p. 201.
107
figura 32.
Vidro translúcido sugerido por Alberti
http://www.webexhibits.org/arrowintheeye/i/elements2_large.jpg
figura 33.
Véu ou “grid” como intersecção da pirâmide visual.
figura 34.
Esquema geométrico da perspectiva de Alberti
http://csmt.uchicago.edu/glossary2004/perspective/alberti.gif
108
Ao considerar o método geométrico (figura 34) de Alberti associado aos
elementos práticos que ele mesmo propõe, nota-se que o resultado obtido,
corresponde à fixação da imagem sobre a superfície do vidro posicionado
perpendicularmente à superfície.
Analisado como manifestação de um fenômeno físico, tanto a imagem
do espelho plano de Brunelleschi, como a imagem sobre o vidro de Alberti,
seriam análogos. Pois, ao substituir o espelho de Brunelleschi pelo vidro de
Alberti, ter-se ia a mesma imagem sobre o suporte (figura 35). Donde
concluímos que as propostas de Brunelleschi e Alberti constituem em conjunto
a legitimação da imagem como resultado de um fenômeno físico, traduzido
racionalmente pela “costruzione legittima”.
figura 35. Formação da imagem no espelho plano.
HTTP://WWW.UNB.BR/IQ/KLEBER/EAD/FISICA-4/AULAS/AULA-13/FIG13-3.GIF
109
TERCEIRO CAPÍTULO
Da perspectiva às perspectivas
NOÇÕES DO PERCURSO HISTÓRICO DA PERSPECTIVA
Na época de Brunelleschi e Alberti, o termo perspectiva o tinha o
mesmo significado de hoje.
Ao longo do período que antecede o culo XV, a perspectiva termo
latino para óptica (do grego), foi amplamente discutida pelos filósofos
medievais e se situava, segundo a classificação do saber de São Tomás de
Aquino (1224 – 1274), entre as chamadas “ciências intermediárias”.
As ciências intermediárias tinham como principal característica a
aplicação dos princípios matemáticos às coisas naturais, ou, tomavam os
princípios abstratos das ciências puramente matemáticas e aplicavam à
matéria sensível
103
.
Esta idéia de hierarquizar os conhecimentos havia sido estabelecida
por Aristóteles (384-322 a.C.) quando falou a respeito da matemática e da
física
104
.
Desde Aristóteles existia, portanto, uma “partedo conhecimento que se
situava entre a matemática e a física. Algumas delas eram, na época de
Aristóteles, óptica, harmônica e astronomia.
103
Carlos Arthur R. Nascimento, op. cit,, p. 19-20. “Para situar tais ciências, que não são nem puramente
matemáticas nem puramente físicas, São Tomás sempre parte das matemáticas puras, e diz que, por
oposição a estas que fazem a abstração da matéria sensível, as ciências intermediárias aplicam a esta
matéria os princípios abstratos das primeiras. Os dois grupos de ciências seguem, pois movimento
contrário: enquanto as matemáticas puras se desligam da matéria sensível (abstração), as ciências
intermediárias desta se aproximam (aplicação)”.
104
Aristóteles, Física, Livro II, 2, 194a 7-11. “Ver-se-á ainda tal diferença a propósito das partes mais
físicas das matemáticas, como a ótica, harmônica, astronomia, pois sua relação com a física é inversa
àquela da geometria que estuda a linha física enquanto esta não é física; pelo contrário, a ótica estuda a
linha matemática, não enquanto matemática, mas enquanto física”.
110
No tempo de Tomás de Aquino, serão perspectiva, música e astronomia,
a compor as ciências “intermediárias”.
O estudo da perspectiva foi muito importante para os filósofos
medievais, particularmente para Roger Bacon (1214 1294), que irá tirar das
leis gerais, a estruturação e modo de transmissão de conhecimentos. Para
Bacon:
O ouvido nos faz crê, porque cremos nos mestres, mas
não podemos experimentar o que aprendemos se não pela
vista. Se alegarmos, porém, o gosto, o tato e o olfato, então,
nos revestiremos de uma sabedoria animal. Pois os brutos
tratam do degustável e do tangível e exercem o olfato em vista
do gosto e do tato. Mas vil, pouco e comum aos brutos aquilo
de que estes sentidos certificam e, portanto, o ascendem à
dignidade da sabedoria humana (...). Ora, é da vista e não
de outro sentido que se constitui uma ciência autônoma entre
os filósofos, à saber, a perspectiva”.
Assim, somente através do sentido da visão poderia se acrescentar
conhecimentos ao homem, e a ciência capaz de explicá-la seria a perspectiva.
E já na época de Roger Bacon havia uma ciência autônoma que se ocupava da
de estudar os tratados da visão. A perspectiva, portanto, estuda a ação da luz e
da cor sobre a vista
105
. O agente responsável por sensibilizar a vista chama-se
espécies (species). A tratado de Roger Bacon, Sobre a multiplicação das
espécies deriva do tratado de Óptica de Grosseteste (?1193-1207). Segundo
Celina L. Mendoza, Grosseteste pode ser considerado fundador da óptica do
ocidente, pois foi o primeiro a ocupar-se dela de forma sistemática,
105
Carlos Arthur R. do Nacimento, De Tomás de Aquino a Galileu, p. 93.
111
representando uma etapa inicial do processo de assimilação dos gregos e
islâmicos
106
.
Grosseteste tratou da óptica em quatro opúsculos: De lineis, angulis et
figuris, De iride, De natura locurum e De colore. A abordagem é feita, segundo
Celina L. Mendoza, de quatro maneiras: pelo aspecto físico-matemático,
aspecto psico-fisiológico e anatômico, aspecto físico-meteorológicos e
aspectos mecânicos
107
.
No opúsculo De Lineis, Angulis et figuris seu de fractionibus et
reflexionibus radiorum, Grosseteste afirma que é através de linhas ângulos e
figuras que as causas e os efeitos naturais devem se expressar
108
. E uma das
figuras exigidas na ação natural é a pirâmide
109
.
Em De iride, seu de iride et speculo, Grosseteste escreve que os
fisósofos naturais sustentam que o sentido visível é natural e passivo e afirma
que a visão por intromissão. Por outro lado os matemáticos e os físicos ao
investigar o problema, estimam que o sentido visível é de natureza superior e
ativo e que a visão se produz por extramissão
110
.
Grosseteste está se referindo ao debate que acontece desde a
antiguidade entre a teoria dos atomistas e a platônica.
106
Celina A. Lértora Mendoza, “Introdução, tradução e notas” in Roberto Grosseteste, Óptica, p. 14-15.
107
Idem, p. 30-1.
108
Roberto Grosseteste. Óptica, p.44: Todas las causas de los efectos naturales deben expresarse por
líneas, ângulos y figuras. De outro modo ES imposible conocer su por que’. Esto se explica de la
siguiente manera: El agente natural proyecta su potencia desde si hasta El paciente, sea de obre em el
sentido o em la matéria. Esta potencia a veces se denomina ‘especie’. Otras veces ‘semejanza’, y es lo
mismo, de cualquier modo que se La llame; tanto sea que se dirija alsentido o a La matéria, o AL
contrario, como lo cálido se dirige igualmente altacto y a lo frio.
109
Idem, p. 48: Pero también La acción natural exige outra figura: La pirâmide. Porque si La potencia
provienen de uma parte del agente y se dirige a outra parte del paciente, y así siempre, de tal modo que
em todos los casos La potencia provenga de una parte del agente y se dirija a uma parte del paciente, La
acción nunca será fuerte o buena.
110
R. Grosseteste, op. cit., p.58. “Los fisósofos naturales sostienen que de por el sentido visivo ES
natural y pasivo y afirman que La visión se produce por intususcepción Em cambio los matemáticos y los
físicos AL investigar El problema, estimam que El sentido visivo esde superior naturaleza y activo y que
La visión se produce por extramisión.
112
A teoria atomista defendida por Democritos e Epicuro, atribui aspecto
corpuscular a imagem como resultado da eidola ou simulacra, que reproduz a
forma e a cor dos corpos e invade a vista desde que esta se encontre aberta.
A platônica acredita na existência do fogo interior que, partindo do olho,
“ilumina” tudo aquilo que desejamos ver, buscando ativamente o conhecimento
através da visão. Esta teoria teria origem na escola pitagórica.
Nos Diálogos de Platão, Timeu afirma a existência de uma espécie de
fogo que não tem a propriedade de queimar, mas de fornecer luz branda
111
.
(45 b):
Os olhos, portadores de luz foram os primeiros órgãos por eles (deuses)
fabricados; fixaram-no no rosto pelas razões que passaria a relatar.
Entre uma e outra, surgirão teorias conciliatórias que acreditam na
interação do fogo interno e externo, sendo o meio responsável pela condição
da visibilidade.
Também poderiam ser encontradas as leis de reflexão e refração nos
tratados medievais, baseados exclusivamente no comportamento retilíneo do
raio visual.
Assim, a perspectiva em Brunelleschi e Alberti é a perspectiva dos
estudiosos medievais que desenvolvem seus tratados sobre a ação da luz e
das cores sobre a visão.
111
Platão, Diálogos Timeu, 54 b. “Os olhos portadores de luz forma os primeiros órgãos por eles
fabricados; fixaram-no no rosto pelas razões que passaria a relatar. Da espécie de fogo que não tem a
propriedade de queimar mas a de fornecer uma luz branda, eles imaginaram fazer o próprio corpo de cada
dia. Porque o fogo puro dentro de nós, irmão do precedente, fizeram passar pelos olhos através de partes
lisas e comprimidas, e construíram todo o globo ocular, principalmente a porção central, de forma que
retivesse a matéria mais crassa e filtrasse essa espécie de fogo puro. (...) Quando toda a corrente da
visão, submetida às mesmas afecções pela similitude de suas partes, toca algum objeto ou é por ele
tocado, transmite todos os movimentos através do corpo até a alma, produzindo em nós a sensação que
nos leva a dizer que vemos.”
113
Os debates em torno da teoria da visão que ocorreu durante toda a
idade média, prepararam as condições necessárias para que, no final daquele
período, a aproximação com a pintura gerasse novos questionamentos a
experimentações.
A “CONSTRUÇÃO LEGÍTIMACOMO PERSPECTIVA
Antonio Manetti (1423 – 1497) escreve Vida de Filippo Brunelleschi após
sua morte. Neste escrito encontramos junto com a descrição do “aparato”, uma
expressão que nos sinaliza que, a geração de pintores e arquitetos que se
seguiu a Brunelleschi e Alberti, denominaram de “perspectiva”, aquela
representação correta, ou seja a “costruzione legittima” por eles apresentados.
Manetti escreveu:
Assim, ainda naqueles tempos ele (Brunelleschi) levou
avante, e efetivamente, aquilo que hoje os pintores chamam de
perspectiva, porque essa é uma parte daquela ciência que, de
fato, propões bem e racionalmente as diminuições e os
acréscimos das coisas que aparecem de longe e de perto, aos
olhos dos homens: construções grandes, planos e montanhas,
regiões de qualquer proporção e,em qualquer lugar, as figuras
e as outras coisas com aquela medida correspondente a
distância da qual se mostram longe; e com ele nasceu a regra,
que constitui tudo o que de importante nisso se fez, daquele
tempo para cá.
112
Quando Manetti coloca “aquilo que hoje os pintores chamam de
perspectiva”, mostra que o temo foi adotado entre os pintores como
112
Manetti, Antonio. Vida de Filippo Brunelleschi, p. 55-60;
114
representação que se faz, através do conhecimento da outra perspectiva,
que “esta é uma parte daquela ciência”.
O surgimento da perspectiva como parte da perspectiva anterior,
também é percebido quando Filarete (1400 – 1469) escreveu:
(...) se quiseres por uma outra via mais cil refletir
qualquer coisa, pega um espelho e pões diante dessa tal coisa
que tu queres fazer. E olha nele e verás os arredores das
coisas mais fáceis, e, assim, aqueles que te estão mais
próximas e aquelas mais afastadas parecerão diminuir mais. E
verdadeiramente, por este modo, creio que Pipo de Ser
Brunelleschi encontrou esta perspectiva, a qual em outros
tempos não era usada. Os antigos, ainda que fossem
sutilíssimos e argutíssimos não compreenderam nem usaram
nada de parecido com ela. Este modo desta perspectiva, ainda
que usassem uma boa descrição naquelas coisas, punham as
coisas sobre o plano, não por estas vias e razões.
113
Pode-se perceber que Filarete diferencia através das expressões
“Brunelleschi encontrou esta perspectiva” e também este modo desta
perspectiva”, possivelmente para identificar o surgimento da nova perspectiva,
que diferentemente da anterior, foi capaz de colocar racionalmente os
aumentos e as diminuições no plano.
A partir desta distinção, surgem no universo dos artistas e arquitetos,
múltiplas possibilidades práticas e geométricas para as representações,
mostrando assim, que, de maneira diversa continuou a acontecer a
investigação da representação.
113
Filarete, Tratado de Perspectiva, p. 657 cf. tb. 653.
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao buscar nas pinturas do Renascimento uma possível transição entre a
óptica medieval e a ótica moderna, deparamos com uma realidade na qual não
se estabelece uma clivagem clara entre a arte e ciência, o saber teórico e o
saber prático.
A pintura, durante o Renascimento e também na antiguidade foi
considerada uma disciplina cumulativa por excelência, na medida em que
perseguia a representação cada vez mais perfeita da realidade observada.
Aquela pintura que em boa parte da Idade Média havia se limitado a
representar os aspectos sublimes da alma, estava, no final daquele período,
experimentando uma nova conexão com aspectos terrenos da vida.
Com o movimento humanista que se manifesta no século XIV, e com ela
a valorização das coisas úteis da vida, alguns pintores se vêm motivados cada
vez mais a representar fielmente a realidade visível.
Nesse processo, entender o como e porque enxergamos, torna-se uma
problemática que o pintor assume para si investigar. Investigar a natureza da
visão é buscar nos conhecimentos estabelecidos elementos que possibilitem
reproduzir a perfeita realidade observada.
É, pois na óptica antiga e medieval, que para os latinos era perspectiva
natural, que se buscam a base matemático-filosófica da representação.
Um dos obstáculos para a compreensão da histórica da perspectiva
surge quando não se leva em conta a mudança ocorrida no uso do termo entre
antes e depois desta busca. Depois que os pintores desvendaram e aplicaram
as técnicas de representação, esta passou a chamar perspectiva artificialis ou
116
pingendi (do pintor), e a perspectiva natural anteriormente, gradativamente
caminha para o que hoje chamaríamos de óptica geométrica.
A historiografia tradicional pela via da arte ou da arquitetura localiza ali a
descoberta da perspectiva tal como a entendemos hoje. Ou seja, sem uma
distinção clara da mudança de concepção, se debatem entre a figura de
Brunelleschi e Alberti quanto ao verdadeiro “pai” da perspectiva (perspectiva
artificialis).
A ausência de registro teórico de Brunelleschi sobre sua “construzione
legittima” impede que se conclua o procedimento usado para a pintura da
tabuleta. No entanto, a descrição do aparato feito por Manetti, permite entender
claramente, tratar-se de uma investigação sobre a natureza e comportamento
da imagem no espelho plano.
O tratado de Alberti, considerado tradicionalmente como registro teórico
da perspectiva, revela-se também apoiada em aparatos práticos como janela,
véu e espelho.
Ao considerar o aspecto de investigação óptica, ambos estão diante do
mesmo problema. Ambos buscam legitimar por via das demonstrações e
geometria, a representação da costruzione legittimacomo sendo pertencente
à mesma realidade manifestada pelo fenômeno da reflexão no espelho ou
projeção sobre o vidro da janela.
Assim, a perspectiva natural, ao receber as contribuições resultantes das
investigações para a perspectiva artificial, ganha novos desafios,
experimentais, teóricos ou epistemológicos e segue um caminho autônomo
sem necessariamente permanecer junto da pintura.
117
Na legitimação da representação que tem como base o fenômeno físico,
está a contribuição para o desenvolvimento epistemológico da educação do
olhar.
Muitos historiadores atribuem ao surgimento da perspectiva artificialis,
uma nova concepção do espaço, chegando a afirmar que a perspectiva
possibilitou o novo domínio do espaço. Em nossa pesquisa, verificamos que a
perspectiva artificialis está estritamente preocupada com a representação. A
ilusão espacial decorrente desta representação não é necessariamente a
conquista de uma nova concepção de espaço. Para os pintores que buscaram
a “costruzione legittima”, o espaço é ainda concebido como “lugar” aristotélico.
Analogamente ao que aconteceu com a transição da música para a
acústica
114
, a perspectiva natural, disciplina antes subordinada à geometria,
ganha através das investigações do fenômeno físico manifestado sobre o
espelho ou sobre o vidro, a possibilidade de se tornar uma ciência autônoma
da luz e da visão, a óptica geométrica.
Sem privilegiar um ou outro procedimento, este ou aquele “inventor”,
esta pesquisa em história da ciência, buscou vislumbrar na investigação dos
pintores do renascimento as contribuições para a óptica geométrica e
experimental, que depois possibilitaram a expansão da realidade visível para
mais longe e mais perto.
Esta pesquisa pretende assim, contribuir para uma nova historiografia da
ciência e da arte, reconhecendo entre elas um diálogo e uma aproximação
maior do que tradicionalmente se apresenta.
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Senese e Giovanni Chrieger Alemano Compagni. MDLXVII.
127
ANEXOS
Traduções de Vida de Filippo Brunelleschi e Leon Battista Alberti que se
encontram em:
VASARI, G. Vida de pintores, escultores y arquitectos ilustres. Trad.
Castellana de Juan B. Righini y Ernesto Bonasso. Libreria y Editorial El
Ateneo, Buenos Aires, 1945.
Anexo 1
128
VIDA DE FILIPPO BRUNELLESCHI
Escultor e Arquiteto Fiorentino
1377-1446
Tem pessoas de aspecto mesquinho, dotadas de tal grandeza e força
espiritual, que descansam quando pegam e levam ao final feliz uma
empreitada das mais difíceis e até aparentemente impossível, com grande
assombro da humanidade que os admiram; e é tal a sua qualidade, que elevam
e dignificam quando passam por suas mãos, por mais baixo e vil que seja.
Nunca se deve desdenhar aos que não se distinguem pela sua graça e beleza,
se trabalham em algo, pois abaixo dos negros torrões de terra se escondem as
veias de ouro.
Ocorre com freqüência que homens de aspecto insignificante possuem
espírito generoso, grande sinceridade e nobreza de coração, qualidades que se
traduzem em caráter admirável, porque eles se esforçam por compensar os
defeitos do corpo com as virtudes do gênio. Tal é o caso de Fillipo di Ser
Brunellesco, cujo físico era tão precário como o de Messer Forese da Rabatta e
Giotto, mas sua mentalidade era tão extraordinária que se pode dizer que o céu
o enviou para investir com novas formas a arquitetura extraviada por muitos
séculos, durante os quais os homens haviam desperdiçado grandes somas ao
erguer edifícios sem plano nenhum, com mau estilo, falta de graça, com
disparatadas inovações e piores ornamentos. Quis o céu dotar Filippo de clara
inteligência e o espírito divino que faltou na terra durante tantos anos, deixar
(como legado) ao mundo o maior e belo edifício, o mais extraordinário de todos
os tempos, ele que demonstrou que a habilidade dos artistas toscanos estava
adormecido, mas não havia morrido. O adornavam também outras grandes
virtudes, entre elas, o culto da amizade, pois não houve homem mais carinhoso
e bom que ele. Seu juízo estava isento de paixão e quando notava o mérito
alheio, deixava de lado seus próprios interesses, e ainda o de seus amigos.
Conhecia-se bem a si mesmo e comunicava suas virtudes aos outros; estava
sempre disposto a acudir na ajuda ao próximo. Era inimigo declarado dos
vícios e buscava sociedade dos que praticavam a virtude. Nunca perdia tempo
129
e estava sempre ocupado em seus trabalhos e aos que necessitavam dele;
lembrava de seus amigos e os visitava.
Ser Brunellesco casou-se com uma dama virtuosa da nobre família dos
Spini, que lhe contribuiu como dote uma casa na qual viveu em companhia de
seus filhos até a sua morte. Esta estava situada em frente a San Michele
Bertelli, em uma esquina atrás da Praça dos Agli. Enquanto vivia em plena
felicidade, no ano de 1377, um filho aumentou a sua alegria, a quem colocou o
nome de Filippo, em memória de seu pai falecido. Desde sua infância o fez
estudar as letras e seus progressos foram prodigiosos, apesar de sua pouca
dedicação, pois era arrastado pela sua vocação para outras artes, para
desgosto de Ser Brunellesco que pensava em prepará-lo para a profissão de
notário, que era a sua, ou médico, na qual teria se destacado seu bisavô M.
Ventura Bacherini. A atitude do jovem Fillipo para todas as coisas engenhosas
que requeresse habilidade manual determinou por fim, que seu pai a
colocasse, quando terminou de aprender a ler e a contar, na oficina de ourives
de seu amigo para que o ensinasse a desenhar. Filippo trabalhou
ardorosamente e não tardou muito em saber montar as pedras finas com mais
destreza que os velhos mestres do ofício.
Prontamente se colocou em contato com estudiosos que lhe revelaram
os segredos da física e a mecânica e não tardou em montar relógios de uma
beleza grandiosa. Não contente com isso, se despertou em sua alma uma
grande vocação pela escultura, originada pela sua grande amizade com o
jovem Donatello. Como este era tido em alta estima por suas condições e
esperanças que despertava, Filippo começou a praticar sob sua direção, e pela
finidade de caráter que chegaram a se querer tanto que não podiam viver um
sem o outro.
Filippo tinha disposição para qualquer profissão, assim que o pouco que
exerceu foi conceituado pelos entendidos como um bom arquiteto, porque
soube restaurar alguns edifícios.Na esquina de los Ciai, em direção ao Mercato
Vecchio, introduziu inovações na caso de seu parente Apollonio Lapi; também
reformou a torre e a casa da Petraia, em Castello, nos arredores de Florença.
No palácio de la Señoria restaurou e separou os departamentos ocupados
pelos funcionários de Monte e construiu as portas e a janelas segundo o estilo
antigo, caído em desuso , porque a arquitetura na Toscana era muito grosseiro.
130
Depois de ter realizado alguns ensaios de pequenos trabalhos em escultura,
quis mostrar que poderia embarcar neste gênero as obras mis importantes, e
executou em madeira de tília uma bela estátua de Santa Maria Madalena
penitente, para uma pela de religiosos de Santo Spirito. Terminada e colocada,
a estátua foi considerada muito bela.
Filippo se aplicou igualmente à perspectiva, e os enormes erros de que
adoecia este ramo da arquitetura, lhe roubaram muito tempo, até que
encontrou a maneira de fazê-la exata e perfeita. Ensinou sua descoberta a
Massacio, jovem pintor desde então, seu grande amigo, que demonstrou logo
haver aprendido perfeitamente as ditas leis, como o comprovam suas obras.
Também deu conselhos aos que trabalhavam em marchetaria, que é a arte de
unir pedaços de madeiras coloridas, e tanto os estimulou, que logo se fizeram
coisas muito boas e úteis que deram fama e benefício a Florença durante
muitos anos. Um dia, convidado por Messer Paolo dal Tozzo Toscanelli (1397-
1482) foi de tal maneira seduzido pelo discurso deste sábio sobre as
matemáticas, que se relacionou intimamente com ele a fim de aprender a
geometria sob sua orientação. Embora não sendo homem ilustre, devido a sua
prática e experiência, Fillippo argüia tão bem que deixava assombrado seu
próprio mestre. Jamais repousava seus pensamentos, imaginando sempre
coisas engenhosas e difíceis, preferia, sobretudo, discutir com Donato acerca
das dificuldades da arte; os dois amigos falavam com franqueza sobre os
méritos e os defeitos de suas próprias obras. Donato, havia acabado nesses
dias o crucifixo de madeira que se depositou em Santa Croce de Florência,
debaixo do quadro pintado por Taddeo Gaddi que representa São Francisco
ressuscitando um menino, e quis conhecer a opinião de Filippo; mas se
arrependeu, porque este lhe assegurou que havia colocado na cruz um
camponês. Mortificado pela crítica, Donato, como relataremos em sua
biografia, exclamou: “Bem, pegue uma madeira e faça uma você”. Filippo
suportou pacientemente esta saída, voltou a sua casa e se fechou nela por
vários meses, tempo que empregou em esculpir um crucifixo de madeira de um
desenho e de uma execução tão admirável, que ao vê-lo um dia Donato deixou
cair por terra os ovos e outras provisões que trazia para comer com seu amigo
e não se cansava de contemplar os braços, as pernas, o torso e o conjunto
desta figura; não somente se confessou vencido, como se manifestou
131
publicamente a admiração que sentia por Filippo. Este crucifixo está hoje em
Santa Maria Novela, entre a capela dos Strozzi e a dos Bardi de Vernio e é
muito elogiado também pelos artistas modernos.
Sendo Ghiberti encarregado para a execução da porta de San Giovanni,
de cujo concurso havia se candidatado Donato e Filippo, estes decidiram sair
de Florença e mudarem-se para Roma; Donato para estudar escultura e Filippo
arquitetura. Filippo decidiu-se pela arquitetura porque queria superar Donato e
Lorenzo (Ghiberti), pois acreditava que esta arte era mais útil aos homens que
a pintura e a escultura. Para mudar-se para Roma e suprir as necessidades da
viagem, vendeu uma pequena propriedade que tinha em Settignano. Chegando
a Roma, ficou impressionado com a maravilhosa grandiosidade de seus
edifícios e a perfeição de seus templos. Livre de preocupações familiares,
dedicou-se aos estudos e quase não comia nem dormia, entregando-se
somente à arquitetura, que havia sido em seu tempo, desvirtuada; estudando
os estilos antigos e não os bárbaros góticos então na moda. Estava possuído
por dois grandes ideais: reviver a verdadeira arquitetura e colocar seu nome ao
lado de Cimabue (c.1240-1302) e Gioto (c. 1266-1337) e encontrar meios de
concluir a abóbada da cúpula de Santa Maria del Fiore, que desde a morte de
Arnolfo Lapi (c. 1245-1302) ninguém havia se atrevido a realizar sem enormes
gastos de armações de madeira.
Brunelleschi não falava a ninguém sobre este projeto, nem sequer para
Donato, mas a fim de assegurar seu êxito, desenhava e estudava todas as
abóbadas antigas, particularmente a de Rotonda.
Esgotados os recursos de nossos dois artistas, Donato teve que
regressar à Florença e Brunellechi se dedicou a incrustar pedras preciosas
para o trabalho de alguns ourives, amigos seus. Desta maneira pôde continuar
seus estudos das ruínas dos velhos edifícios, todavia, com mais zelo.
Em 1407 Brunelleschi caiu enfermo, e seus amigos o aconselharam a
mudar de ares. Regressou a sua pátria onde doou desenhos e deu conselhos
para reconstruir vários edifícios que haviam se arruinado durante a sua
ausência.
Neste mesmo ano, os responsáveis pela construção de Santa Maria del
Fiore e as autoridades da corporação da lã, convocaram uma assembléia de
arquitetos e engenheiros de todo país para deliberar sobre a melhor maneira
132
de construir a cúpula. Nela concorreu Brunelleschi e aconselhou remover o
teto e abandonar o desenho de Arnolfo, fazer um friso de quinze “braccia” e
colocar um “olhono centro de cada “cara”, visto que, ao suportar o peso do
“dorso” das tribunas, permitiria arredondar mais facilmente a cúpula. Seu
conselho foi ouvido, fizeram-se os modelos e iniciou-se o trabalho.
Alguns meses depois, Filippo, cuja saúde estava completamente
restabelecida, se encontrou uma manhã na praça de Santa Maria del Fiore
com Donato e outros artistas. A conversação se encaminhou sobre o tema das
esculturas antigas. Donato contou que no seu regresso de Roma havia visitado
a célebre fachada de rmore da catedral de Ouvieto, obra de vários mestres
e considerada notável, e que atravessando a cidade de Cortona teve a
oportunidade de ver na paróquia da mesma um antigo sarcófago de mármore
com um baixo-relevo de beleza inigualável verdadeira raridade neste tempo
porque, todavia, não haviam desenterrado todas as obras mestras da
antiguidade que hoje conhecemos. Donato continuou se referindo à excelência
com que o mestre havia feito este trabalho, descrevendo a perfeição e a
beleza de seu acabamento. Filippo não pode resistir ao desejo de conhecê-la.
Sem dizer uma palavra e assim como estava, com um manto, um capuz e com
tamancos, levado pelo seu amor a arte partiu em seguida para Cortona onde
viu o sarcófago, o admirou, o desenhou a pluma e regressou a Florença antes
que Donato e outros notassem sua ausência, pensando que estava ocupado
em desenhar e projetar algo. Quando mostrou a Donato o desenho, este não
mão pode senão admirar o amor e a dedicação de Brunelleschi pela arte.
Filippo empregou vários meses em compor secretamente seus modelos
e tudo que julgava necessário para o vasto trabalho da cúpula e para ocultar
melhor seus trabalhos, tomava parte nas diversões de outros artistas. Foi
então que fez aquela brincadeira com Grasso e Matteo, e frequentemente
ajudava Lorenzo Ghiberti a polir as portas do batistério. Mas um dia, interado
de que se ia realizar uma nova consulta aos engenheiros sobre a cúpula,
regressou a Roma, persuadido de que ele se viesse de outro lugar lhe dariam
mais categoria. Foi chegar a Roma, e na Florença foi tratado assunto da
cúpula e se destacaram a engenhosidade e a segurança com que planejou a
solução, enquanto os outros mestres estavam tão perdidos com os pedreiros,
desalentados pensando que nunca encontrariam a forma de arredondar-la nem
133
madeira forte o bastante para fazer uma armação capaz de resistir a
semelhante peso. Decididos a por um fim no caso, sem mais demora,
escreveram a Filippo, rogando-lhe que apressasse seu retorno a Florença, o
que fez de imediato porque não desejava outra coisa. O empreiteiro de Santa
Maria del Fiore e as autoridades da Corporação da Lã, se reuniram e lhe
submeteram todas as dificuldades com que tropeçavam os outros mestres que
presenciaram a assembléia.
Filippo assim que os escutou disse: “Senhores, as grandes coisas
encontram sempre grandes obstáculos. Não se surpreendam se o vasto
projeto que os ocupam lhe apresenta dificuldades tão numerosas e temíveis
que nunca tenham imaginado. Jamais, que eu saiba, os antigos executaram
uma abóbada tão grandiosa como esta. Eu tenho meditado muito tempo
sobre os meios de armar a construção interior e exterior para trabalhar nela
com toda a segurança, mas não cheguei a uma solução, e a amplitude e a
altura do edifício me espanta. Se essa abóbada fosse circular, se seguiria o
método usado pelos romanos no Panteón, isto é, na Rotonda. Mas aqui temos
oito faces aos quais devemos nos submeter e em seguida unir e assentar as
pedras, coisa extremamente difícil. Mas lembrando que este templo está
consagrado por Deus e a Virgem Maria, espero que o todo poderoso nos
infundirá todo o saber, a força, a inteligência e o gênio para levar a cabo esta
nobre empreitada. Eu não estou encarregado de realizar esta obra, no entanto,
em que posso ser útil? Confesso que se tivesse que fazê-la, bastaria a minha
decisão para encontrar a forma de concluí-la sem tantas dificuldades. Vocês
desejam que eu explique o procedimento agora, mas não tenho nada decidido
a este respeito. Quando decidiram realizar o projeto, não se contentaram com
as idéias que eu pude propor, achando-as insuficientes para tamanha
empreitada. Convida, pois os arquitetos de Toscana, da Itália, da Alemanha,
da França e de todos os países a reunirem-se em Florença daqui a um ano;
submetam o projeto a discussão e depositem suas confianças no homem que
propuser os expedientes mais simples, mais convenientes e mais sensatos. Eu
não saberia dar outros conselhos nem indicar caminho melhor.”
O discurso de Filippo satisfez às autoridades e aos empreiteiros,
embora tenham desejado que o artista lhes mostrasse um modelo na qual ele
havia pensado. Fillipo fingiu não dar importância ao assunto e pediu permissão
134
para regressar a Roma de onde, segundo dito lhe haviam escrito chamando-o.
Os cônsules e os empreiteiros, vendo que suas solicitações eram inúteis para
retê-lo, lhe pediram por intermédio de seus amigos e lhe ofereceram um
presente em dinheiro que se encontra anotado no registro da obra, com data
20 de maio de 1417. Mas Filippo se manteve firme e partiu para Roma, onde
se entregou a sérios estudos para preparar-se a sustentar a luta em que se
havia empenhado. Ao escutar que chamaram novos arquitetos, não lhe passou
a idéia de que seus rivais pudessem conquistar a vitória, se não melhor o
orgulho de que presenciaram seu êxito. Os mercadores florentinos no
estrangeiro receberam ordens para atrair à cidade, os mais famosos arquitetos
da França, Alemanha, Inglaterra, Espanha, sem que se importasse com os
gastos, mas passou-se muito tempo até que pudessem vir.
Finalmente, em 1420 os mestres estrangeiros, florentinos e toscanos se
reuniram e Filippo retornou de Roma. A assembléia se realizou em Santa
Maria del Fiore, na presença das autoridades, dos empreiteiros da construção
e dos cidadãos mais eminentes. Tratava-se de se ouvir todas as opiniões e
resolver definitivamente sobre os meios de concluir a cúpula. Solicitou-se que
cada arquiteto expusesse sua opinião e foi coisa divertida ouvir as estranhas e
diferentes idéias sobre o assunto. Um pretendia erguer pilares de onde
partiriam os arcos que sustentariam a armação destinada a suportar o peso da
cúpula; outro sugeria que se construísse a abóbada de pedra pones a fim de
que se tornasse mais leve; alguns aconselhavam colocar um pilar central e dar
ao domo a forma de um pavilhão semelhante ao de San Giovanni de Florença.
Chegou-se a propor que se elevasse uma montanha de terra que servisse de
andaime, no interior da qual se esconderia uma quantidade de dinheiro, para
que o povo com sede da ganância retiraria rapidamente toda a terra, quando a
cúpula estivesse concluída. Somente Filippo afirmou que se poderia concluir a
cúpula sem necessidade de armação, pilares, andaimes, terra ou arcos. As
autoridades os empreiteiros e cidadãos consideraram que ele havia dito uma
grande bobagem; brincando e rindo dele, ordenaram que falasse em outro tom,
pois sua proposta era absurda e ele, um louco. Felippo ofendido lhes
respondeu:
“Senhores, não conseguireis elevar a cúpula se não aceitarem o método
que lhes indico. Riram de mim, mas se não forem obstinado reconhecerão que
135
não se pode fazer de outra maneira. Será necessário, para realizar meu
projeto, dispor as abóbadas em ogiva; fazer duas cúpulas, uma interior e outra
exterior, de modo que entre elas exista um espaço suficiente para caminhar e
que a estrutura se unam em ângulos de oito faces, pelo encaixe das pedras e
ligações de madeira de nogueira. Terá que se calcular as aberturas para a luz,
as rampas, os escoamentos pluviais. Nada se tem pensado da necessidade de
dispor andaimes no interior da cúpula, para trabalhar os mosaicos ou pintura.
Nada se refere à numerosas dificuldades que eu havia previsto, e volto a
insistir que não há outro método que o meu se quer triunfar nesta tarefa”.
Quanto mais se esforçava Filippo em explicar seu plano, mais se
multiplicavam as vidas, e se chegou a tratá-lo de demente e charlatão.
Várias vezes fora ordenado que se retirasse, e como não obedecera se fez
expulsa-lo violentamente por alguns servidores, dando-lhe definitivamente por
louco.
Depois de sofrer esta afronta, se trancou em sua casa, temeroso de sair
em público para não lhe gritarem: “Aí vai o louco Filippo”.
As autoridades estavam muito confusos ante as dificuldades que
estranhavam os projetos dos outros artistas e não podiam compreender a
dupla cúpula de Filippo e sua pretensão elevar-la sem valer-se de armações.
Por outro lado, o artista que havia sacrificado tantos anos na esperança de ser
encarregado da direção das obras, não sabia o que fazer. Estava tentando
afastar-se de Florença, mas se decidiu finalmente a triunfar contra todos os
obstáculos e esperou com paciência o curso dos acontecimentos, pois
conhecia bem o humor versátil dos florentinos. Havia podido mostrar um
pequeno modelo que mantivera em reserva, mas não o quis, por desconfiança
da capacidade dos juízes e porque temia a inveja de seus rimais e a
volubilidade dos cidadãos, que hoje se inclinavam por um e amanpor outro.
Isto não me estranha, pois em Florença cada um se gaba de saber tanto como
os mestres e na realidade os entendidos são poucos.
Filippo tomou novo alento e começou a convencer separadamente os
que não havia conseguido convencer em conjunto, e mostrou uma parte de
seus desenhos a cada um daqueles notáveis até que conseguiu que se
reunissem novamente em assembléia. Os arquitetos retomaram suas objeções
sem resultados, porque todas foram rebatidas por Brunelleschi, e quando
136
pretenderam exigir do nosso artista que revelasse seus procedimentos e
mostrasse seu modelo, ele se negou. Propôs em troca, mostrando-lhe um ovo,
que o parassem sobre a mesa de mármore e que assinasse a obra aquele que
conseguisse. Seus rivais consentiram o desafio, mas fracassaram todos, até
que Brunelleschi golpeou ligeiramente a ponta do ovo, que se achatou e se
manteve firme sobre a mesa. Todos se apressaram a reclamar que assim
também o podiam fazer, ao que respondeu Filippo sorridente, que também
poderiam fazer a cúpula se lhes mostrasse o projeto.
Uma vez que Filippo obtivera a direção da obra, lhe foi solicitado que
explicasse aos cônsules e às autoridades, os meios com que contava para
executá-lo. Voltou para a sua casa e em um relatório detalhou o mais
explicitamente que pode o seu plano, na seguinte forma: “Tenho meditado
profundamente sobre as dificuldades que esta empreitada apresenta, e é
completamente impossível aplicar à cúpula uma abóbada redonda, pois o peso
do lanternín não tardará em provocar a sua ruína. Creio, aliás, que os
arquitetos que não se preocupam com a eternidade dos edifícios não levam
em consideração a memória que deixarão de si. Por esta razão, decidi
construir o interior da abóbada com em secções que correspondam com o
exterior, adotando a forma ogival, pois seus ângulos se sustentam uns aos
outros e unidos ao lanternín aumentará sua solidez. A abóbada terá na parte
de baixo, três braccias e três quartos de espessura, adotará uma forma
piramidal até o lugar em que se encontrará com o lanternín, diminuindo ao
mesmo tempo de espessura, de maneira que não terá mais que um braccio e
um quarto no alto. A abóbada exterior, também de forma piramidal, que
colocará a abóbada interior ao abrigo dos estragos da chuva, terá na parte
inferior, a espessura de dois braccias e meia e somente dois terços de braccia
quando chegar ao lanternín. Se colocará em cada um dos oito ângulos uma
estaca, sendo duas em cada frente, no meio, formando um total de dezesseis.
No interior e exterior, no centro do ângulo de cada frente haverá duas estacas,
de uma espessura de quatro braccias na base. As duas abóbadas se
elevariam piramidalmente diminuindo em igual proporção até a abertura do
lanternín. Logo, se disporá ao redor da abóbada vinte e quatro estacas e seis
arcos de pedra dura, solidamente unidas por barras de ferro. Correntes de
ferro abraçarão a abóbada e as estacas. Antes de dividir as abóbadas, se
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elevará um maciço de cinco braccia e um quarto de altura e se trabalhará nas
estacas. Se disporá na base duas fileiras de pedra dura de largura, que
servirão de suporte para as suas abóbadas. Cada nove braccias de altura da
abóbada, haverá pequenos arcos entre as estacas com grossas correntes de
nogueira que se unirão às estacas destinadas a sustentar a abóbada interior.
Estas correntes de madeira estarão recobertas com lâminas de ferro para fazer
as encostas das abóbadas. As estacas estarão construídas de rochas e pedras
duras e dos mesmos as oito faces da cúpula, ligadas às estacas até a altura de
vinte e quatro braccias. Depois continuará a edificação com ladrilhos e pedras
leves, como julgar conveniente o encarregado da obra, a fim de obter a melhor
leveza possível. No exterior será feito um corredor sobre as janelas redondas,
um terraço embaixo e um parapeito aberto de duas braccias de altura, iguais
às galerias debaixo, formando dois corredores um sobre o outro em uma
cornija decorada, sendo o superior aberto ao céu. As águas da cúpula
chegarão até um conduto de mármore, com largura de um terço de braccia de
onde cairão sobre um piso sólido. Se revestirão os oito ângulos da superfície
exterior da cúpula de mármore de espessura conveniente e um braccio de
altura sobre a cúpula com tetos de cornijas de duas braccias de largura de
maneira que pode haver vãos e goteiras em todas as partes. Esta terá a forma
piramidal desde a base até o vértice. A cúpula será construída do modo que
acaba de ser indicado, sem armação até a altura de trinta braccias e o restante
empregando os meios que preferirem os mestres a quem se confiem estes
trabalhos. A prática ensinará o que se deve fazer”.
Filippo entregou este informe ao tribunal que o examinou com toda
atenção e embora os cônsules não fossem capazes de compreender suas
razões, ficaram impressionados pela firmeza com que expunha seus planos
como se o houvesse colocado em prática inúmeras vezes. Como os outros
arquitetos se mostraram inseguros resolveram, depois de inúmeras consultas,
confiar a direção da obra ainda que desejassem primeiro demonstrasse seu
método em um caso concreto.
A sorte favoreceu o cumprimento deste requisito, Bartolommeo
Barbadori já havia contratado Filippo para a execução de uma capela em
Santa Felicitá onde havia feito a abóbada sem armação. Esta capela está a
direita da entrada da igreja, onde está a pia batismal, também obra sua. De
138
maneira semelhante fez a abóbada da capela de San Iacopo del Arno, junto ao
altar maior por encomenda de Stiatta Ridolfi. Estas experiências deram mais
confiança aos cônsules que as argumentações. Convencidos os cônsules e
guardiões através do informe e trabalhos apresentados, confiaram-lhe a
execução da cúpula, nomeando-o pela maioria dos votos, mestre principal;
mas sob condição da construção não subir além de doze bráccia de altura,
pois desejavam ver como se desenvolvia o trabalho, e se tudo prosperava do
modo previsto o veriam inconveniente que se terminasse a obra. Pareceu
estranho a Felippo que os cônsules e guardiões foram tão duros e
desconfiados e não intermediar sua convicção de ser o único capaz de cumprir
a tarefa. No entanto, ávido pelo desejo de alcançar a glória, aceitou a direção
dos trabalhos. Sua memória e o contrato figuram inscritos no registro onde o
provedor anotava o nome dos devedores e dos credores de madeiras e
mármores. Se lhe pagaram o mesmo que se abonavam aos outros mestres de
sua época. Ao se tornar conhecida as atribuições de Filippo começaram os
murmúrios dos artífices e do povo, enquanto uns aprovavam, criticavam os
invejosos.
Enquanto se reuniam os materiais necessários, os artesãos e cidadãos
se confabulavam e se levantaram contra a decisão dos cônsules e das
autoridades, argumentando que uma empreitada tão importante não devia ser
confiada a uma arquiteto, coisa imperdoável porque em Florença
abundavam artistas excelentes e se acontecesse alguma catástrofe, a
vergonha recairia não somente sobre os nsules se não sobre toda a cidade.
Aliás, acrescentavam, seria conveniente que Filippo fosse ajudado por um
colega que freasse seu ímpeto desmedido. Nesta época, a realização das
portas de San Giovanni havia tornado famoso Lorenzo Ghiberti. Seus amigos
eram poderosos e intrigaram tanto que conseguiram que os cônsules o
associasse a Filippo. Ao receber esta notícia, nosso artista caiu vítima de dor e
desespero tão grande que esteve a ponto de fugir de Florença se seus amigos
Donato e Luca della Robbia não o tivessem confortado, quem sabe não teria
suportado estas intrigas e fofocas. Que ímpio e cruel é a cegueira dos
invejosos que põem em perigo as belas obras, guiados somente por sua louca
ambição! Pouco faltou para que Filippo destruísse em meia hora todos os
modelos e desenhos, frutos de tantos anos de trabalho e de investigações. As
139
autoridades lhe pediram desculpas e lhe imploraram a continuar, assegurando-
lhe que seria considerado sempre como o único autor da cúpula, mas
concederam a Lorenzo igual salário.
Brunelleschi estava muito desanimado, pois lhe penalizava a idéia de
compartilhar sua glória com Lorenzo, mas a esperança de esmagar seu rival o
impulsionou a realizar seu projeto, tal como havia escrito em seu informe.
Despertou, então em seu espírito, a idéia de fazer um modelo, cuja execução
confiou a um carpinteiro chamado Bartolommeo, que devia conter, seguindo
rigorosamente as proporções da cúpula, os detalhes mais difíceis: as escadas
iluminadas e escuras, as diferentes aberturas para a luz, as portas, as
correntes, as estacas e uma pequena galeria. Lorenzo quis ver este projeto,
mas como Filippo o impediu, se encolerizou e resolveu começar um por sua
conta, a fim de que não dissessem que recebia um salário para o fazer
nada.O modelo de Filippo custou cinqüenta liras e setenta e cinco centésimos,
como se consta no livro de Migliores di Tommaso, com data de 3 de outubro
de 1419. Ghiberti, devido mais a suas relações que a utilidade que reportava o
edifício obteve trezentas liras a título de gastos com seu modelo. Filippo
continuava sofrendo cruelmente por ter que compartilhar as honras com
Lorenzo e estes tormentos que duraram até o ano de 1426, exerceram um
ímpeto tal sobre seu espírito que não o deixavam um momento de repouso.
A cúpula, entretanto, se havia elevado a doze braccia de altura, e se começava
a construção das correntes d pedra e de madeira, cuja realização era difícil;
Filippo quis conversar com Lorenzo, para comprovar se ele havia considerado
estas dificuldades, mas Lorenzo, que não havia meditado sobre elas o
respondeu para sua grande satisfação, que ele não era o inventor da obra;
acreditou por fim que se havia chegado a oportunidade de separá-lo e de
demonstrar que estava longe de possuir a inteligência que lhe atribuíam seus
amigos.
Os trabalhos estavam parados; os pedreiros esperavam que lhes
ordenassem começar as abóbadas e acorrentá-las, para o qual era necessário
levantar andaimes a fim de poder trabalhar sem perigo, pois a tal altura até o
homem mais sereno sente vertigem ao olhar para o pavimento.
Mas o tempo passava e nem Filippo nem Lorenzo ordenavam coisa
alguma. Os pedreiros e outros operários não demoraram a proptestar, porque
140
estas pessoas viviam de seu trabalho e temiam que os arquitetos não tivessem
coragem para continuar a obra. Para ocupar o tempo se dedicavam em polir na
melhor forma possível o que já estava construído.
Uma manhã, Filippo não apareceu no trabalho; ficou em sua casa, com
a cabeça enrolado em panos, queixando-se de violentas dores.
Quando os operários souberam, dirigiram-se a Lorenzo Ghiberti para que lhes
dessem instruções; este lhe respondeu que era preciso esperar as ordens de
Brunelleschi. Os homens manifestaram estranheza porque ele não sabia o que
devia fazer. Lorenzo replicou que sem dúvida sabia, mas que não faria nada
sem Filippo. Isto era uma desculpa porque não hão havia visto o modelo e
como nunca lhe havia perguntado quais eram suas intenções, para não
demonstrar sua ignorância, contestava sempre com evasivas. Passaram-se
dois dias e como Filippo não abandonava o leito, o provedor e os mestres de
obras foram vê-lo, suplicando-lhe que lhes dessem instruções. “Mas não está
lá Ghiberti? Que trabalhe um pouco”. Não foi possível obter outra resposta. Os
protestos subiram de tom. Entenderam que Filippo não queria deixar a caoma
porque não se sentia capaz de construir a cúpula e estava arrependido de tê-la
iniciado. Seus amigos o defenderam alegando que sua enfermidade havia sido
provocada pela vergonha e pena que sentia de ter como colega Lorenzo, e que
sua pneumonia se devia ao esforço realizado no trabalho.
Paralisados os trabalhos, os operários com os braços cruzados,
aumentavam o clamor contra Ghiberti. Murmurava-se que ele recebia dinheiro
para não fazer nada e que não sabia como dar um passo se Filippo
desaparecesse ou permanecesse durante muito tempo enfermo. Nesta
situação, as autoridades resolveram visitar Filippo e, depois expressaram a
pena que sentiam pela sua enfermidade e informaram sobre a desordem que
reinava na construção e as dificuldades provocadas pela sua ausência. “E
Lorenzo, o que faz? Realmente vocês me surpreendem”. “Mas Lorenzo não
quer fazer nada sem você”. “Pois eu posso trabalhar muito bem sem ele”.
Depois de escutar estas intencionadas palavras, as autoridades não
perguntaram mais, compreendendo que o único mal estar de Filippo era que
desejava continuar a obra sozinho. Pouco depois, enviaram a seus amigos
para anunciar-lhe a intenção de destituir Lorenzo.
141
Apesar de tais promessas, Filippo que conhecia o poeder dos protetores
de Ghiberti, resolveu cobrir de ignomínia o seu rival e colocar em vista de
uma vez por todas, a sua ignorância. Reuniu com as autoridades, na presença
de Lorenzo e lhes disse: “Senhores autoridades: se pudéssemos prolongar
nossa vida como podemos apressar nossa morte, indubitavelmente muitas
obras hoje inconclusas estariam terminadas. A enfermidade que me atacou
poderia ter me tirado a vida e interromper a obra. Se mesmo um acidente, que
Deus não o queira, afetar um de nós seria conveniente que nada impedisse o
outro de continuar o trabalho. Assim como Vossas Senhorias decidiram que
dividíssemos o salário, poderíamos dividir também as tarefas. Então, cada um
mostraria seu saber, para a maior glória da república. Agora enfrentamos duas
dificuldades: a primeira consiste em elevar no interior e exterior da pula, os
andaimes necessários para que os operários possam trabalhar com segurança
e receber as pedras, o cal, e os instrumentos e materiais necessários; a
segunda, reside em estabelecer sobre as doze braccias já construídas, a
corrente que deve unir as oito faces da cúpula, de modo que o edifício possua
a firmeza necessária dado o peso que deverá suportar. Que Lorenzo se
encarregue dos andaimes ou da corrente, o que lhe parecer mais fácil, [...]. Eu
dou minha palavra que darei fim a parte da obra que me deixar. Assim não se
perderá mais tempo”.
Lorenzo não podia mais voltar a trás sem colocar em risco sua honra
ainda que a seu desgosto, escolheu a corrente, como a tarefa mais fácil.
Pensava em tirar partido dos conselhos dos pedreiros, e lembrou ainda que na
abóbada de San Giovanni havia uma corrente de pedra da qual pensava copiar
parte, senão todo o procedimento.
Filippo construiu os andaimes de modo tão engenhoso que mereceu os
elogios de seus próprios inimigos. Seu modelo foi conservado na igreja, pois
eram tão perfeitos por sua seguranças e os operários trabalhavam e
levantavam os pesos sobre eles com a mesma comodidade que se estivesse
em terra firme.
Durante este tempo, Lorenzo, com muitas dificuldades realizou a
corrente de uma das faces da cúpula; as autoridades lhe mostraram a Filippo,
que não disse uma palavra. Mas na roda de amigos manifestou que não
podia suportar o peso que logo carregaria e que tão desperdiçado era o
142
dinheiro que se pagava a Lorenzo como inútil era a corrente que havia
construído.
Difundida esta opinião, foi solicitado que explicasse seu plano e se
apressou a apresentar os modelos e desenhos que havia realizado. As
autoridades e os demais senhosres reconheceram o erro que haviam cometido
ao favorecer a Lorenzo e, para repará-lo, designaram a Filippo diretor vitalício
das obras e ordenaram que nada se fizessem sem seu consentimento. Em 13
de agosto de 1423, lhe fizeram a entrega de cem florins, em ato firmado entre
o notário Lorenzo Paoli, soma que devia pagar anualmente e durante toda a
sua vida por intermédio de Messer Gherardo Cosrsini.
Para os menores detalhes, Filippo executava modelos e desenhos e
com o propósito de simplificar os procedimentos, inventou máquinas
engenhosas. No entanto, os amigos de Ghiberti persistiam em aborrecê-lo,
apresentando a cada momento, novos planos. Algumas vezes lhe opunham
outros mestres, entre eles Antonio de Verzelli, patrocinados por cidadãos que
com seu pouco saber e escassa inteligência lhe faziam perder tempo.
As correntes das oito fazes da cúpula estavam já concluídas e os
trabalhos seguiam rapidamente, quando os pedreiros irritados pela
minuciosidade de Filippo e cedendo as instigações da inveja, se confabularam
para declaram que não continuariam suas tarefas difíceis e perigosas se não
lhe aumentassem o salário, que era bastante elevado. Para superar esta
dificuldade, que contrariava as autoridades, Filippo despediu, num sábado,
todos os operários. Na segunda-feira seguinte, empregou dez lombardos a
quem dirigiu pessoalmente, instruindo-lhes tão bem que puderam continuar o
trabalho durante várias semanas.
Os pedreiros em folga não tardaram a se arrepender e suplicaram a
Filippo que os perdoassem. Passaram alguns dias até que se decidira a pegá-
los de novo quando o fez assinar um salário menor. Desta maneira o dano que
pensavam infringir a Filippo se voltou contra eles mesmos.
Os rumores se apaziguaram, pois o gênio de Filippo havia triunfado de
tal maneira e conseguido se impor de tal forma, que quem não estava cegados
pela paixão consideravam que havia demonstrado mais habilidade que
nenhum outro artista moderno ou antigo; e desde que expôs publicamente seu
modelo, ninguém duvidou disto. Não se podia menos que admirar sua rara
143
inteligência para calcular as escadas da iluminação exterior e interior, de modo
que nada pudesse lamentar na escuridão e a colocação de sustentações de
ferro para subir as rampas. Havia pensado também em tudo que era
necessário para levantar os andaimes no interior da cúpula, no caso de se ter
que descer mais tarde para orná-la com pinturas ou mosaicos. Havia disposto
cuidadosamente os condutores para as descargas nos lugares menos
perigosos, mostrando onde deviam seguir cobertos e onde não, distribuiu
espaços para atalhos e para que as tempestades e tremores de terra não
pudessem danificar o edifício. Apreciou-se então a habilidade de Filippo ao
assimilar com tanto proveito seus estudos em Roma. Quando se considera seu
sistema de união, incrustação e travação das pedras se emudecem ante o
gênio deste arquiteto, para ao qual não existiram dificuldades. Inventou
máquinas com contrapesos e polias que permitiam que se transportassem
cargas por um único boi coisas que somente seis pares de bois poderiam
mover.
Os trabalhos haviam chegado a uma altura tal que os operários perdiam
um tempo preciosos e sofriam enormemente no calor quando precisavam
descer para comer e beber. Para contornar esse inconveniente Filippo
estabeleceu perto da abóbada, uma loja onde vendia vinhos e comidas, de
maneira que nada ninguém abandonasse a obra antes do fim da jornada.
A medida que a construção avançava, crescia o ânimo de Brunelleschi e
redobrava seus esforços. Visitava os fornos onde se preparavam os ladrilhos,
examinava a terra e a amassava, e uma vez cozidos os selecionava com
atenção cuidadosa. Esmerou-se para que os talhadores de pedra utilizassem
somente blocos puros e sólidos, dando-lhes modelos de madeira e de cera
para guiar-los no corte e na união daquelas que igualmente aconselhava aos
ferreiros. Inventou as dobradiças e seus eixos e toda uma série de
instrumentos que conduziram a arquitetura a um grau de perfeição jamais
conhecido pelos toscanos.
No ano de 14213 o bairro de San Giovanni elegeu Filippo membro do
Conselho dos Senhores, pelos meses de maio e junho, ao memo tempo que o
bairro de Santa Cruz elegia a Lapo Niccolini gonfaloneiro da justiça. Nos
registros dos priores, nosso artista se encontra inscrito sob o nome de Filippo
di ser Brunellesco Lippo, nome que deriva de seu avô Lippo e não de Lapi
144
como era o seu. Os registros contem outros casos similares, como bem o
sabem quem está familiarizado com os costumes dessa época. Filippo exerceu
aquele cargo e outros muitos com tanta habilidade como prudência.
As duas abóbadas já estavam a ponto de ser concluídas, restando
somente dar-lhes os últimos retoques. Brunelleschi havia executado em Roma
e em Florença vários modelos de madeira e argila, que mantinham ocultas e
resolveu concluir primeiro a galeria para a qual compôs vários desenhos que
se conservaram depois de sua morte na igreja, e desapareceram mais tarde
por negligência dos guardiões. Em nossos dias se construiu aproximadamente
a oitava parte desta galeria, mas como não coincidiam os estilos
abandonaram-se os trabalhos por conselho de Miguel Angel Buonarroti.
Filippo fez um modelo de lanterním octogonal em completa harmonia
com a cúpula e de uma sedutora beleza por sua originalidade, variedade e
ornamentação. Fez a escada que conduzia à parte superior e como fechou a
entrada com um pedaço de madeira, ninguém se dava conta de onde estava.
Este projeto despertou a inveja adormecida algum tempo e todos os
mestres se decidiram produzir lanterním. Conta-se que auma dama da casa
dos Gaddi se aventurou a competir com Filippo. Ele se contentava em rir da
presunção alheia. Seus amigos lhe disseram que não devia mostrar seu
modelo a ninguém e ele lhes respondeu que somente um era bom e os demais
eram irrelevantes. Choveram muitos elogias ao modelo de Filippo, mas não
omitiram apontar defeitos, como de não se ver a escada que conduzia ao
globo. Apesar disso lhe confiaram à execução do lanterním na condição de
que mostrasse a escada; então, tirou um pedaço de madeira e revelou a
subida em pilar cilíndrico feito com estribos de bronze, que, a maneira de
escadas, permitiam subir até o pico. A morte impediu Brunelleschi de concluir
seu lanterním. Em seu testamento recomendou fazê-la exatamente como
indicava seu modelo e segundo as instruções que deixou escritas,
assegurando que se não as seguisse o edifício se arruinaria, porque , sendo a
abóbada ogival, necessitava de um contrapeso que a fizesse mais forte.
Quando se juntaram todos os mármores que deviam entrar na construção da
lanterna se afirmou que a abóbada não poderia suportar este enorme peso,
pensando muita gente que isto era tentar a Deus. Filippo se esquivava destes
temores e não abandonava seus projetos. Continuou armando as máquinas e
145
tudo que era necessário para a construção e sua mente estava
constantemente ocupada em preparar cada detalhe até o ponto de prever que
os mármores fossem quebrados quando levados a sua posição, para o qual os
arcos dos tabernáculos foram rodeados por armações de madeira e para o
resto como já temos sinalizado, deixou os modelos e as instruções escritas.
Para julgar a beleza desta cúpula, basta contemplá-la; desde o piso da
igreja até o olho do lanternín se contam cento e cinqüenta e quatro braccia; o
lanterním tem trinta e seis braccia de altura, a bola de cobre quatro braccia e a
cruz oito braccia, o que forma um total de duzentos e dois braccia. Os antigos
jamais construíram um edifício tão alto e nenhum de seus monumentos desafia
o céu como esta cúpula, que se confunde freqüentemente com as montanhas
que rodeiam Florença. O céu parece invejá-la, pois seus raios a perseguem
continuamente. Enquanto dirigia todos estes trabalhos, Brunellechi achou
tempo para ocupar-se de numerosas obras que detalharemos a seguir.
Fez o belo modelo da sala principal de Santa Cruz de Florença para os
Pazzi e o modelo do palácio dos Busini, tão vasto que podia alojar duas
famílias. Se deve a ele também o projeto da casa e da “logia” dos Inocentes,
cuja abóbada foi executada sem armação, método universalmente adotado em
nossos dias.
Nesta época, começou em Florença a Igreja de San Lorenzo a pedido
dos paroquianos, sob a direção de um prior que se orgulhava de conhecer
arquitetura, arte com o qual ele se entretinha como um passatempo. havia
começado a trabalhar nos pilares de ladrilhos, quando Giovanni di Bicci de
Médicis, que havia prometido custear a sacristia e a capela. Convidou Filippo
para almoçar, solicitando-lhe sua opinião sobre a nova igreja. Filippo não
soube calar-se diante dos erros cometidos pelo prior, homem de mais letras
que experiência em edificação deste tipo. Giovanni lhe perguntou se poderia
fazer algo melhor, ao que Filippo respondeu: “Sem dúvida alguma, e me
surpreendo que sendo vós o chefe não adianteis alguns milhares de escudos
para fazer uma igreja como o lugar o requer com local para tumba dos nobres;
a quem ao verem que alguém deu o primeiro passo não tardará em seguir com
suas capelas fazendo emprego de seu máximo poderio; especialmente porque
não deixamos para trás mais memória que as paredes para testemunhar a
existências de seus autores por centenas e milhares de anos”. Animado por
146
estas palavras, Giovanni resolveu construir a sacristia, a capela maior e todo o
corpo da igreja; cooperaram estas sete famílias porque as demais careciam
de meios: Rondinelli, Ginori, Dalla Stufa, Neroni, Ciai, Marignolli, Martelli e
Marco di Luca. Ocupou-se antes de qualquer coisa em construir a sacristia e
depois, pouco a pouco, o resto da igreja, a qual por suas dimensões permitiu-
se considerar várias capelas de distintos cidadãos.
Enquanto se concluía a abóbada da sacristia, morreu Juan de Médicis, e
seu filho Cosme ordenou que se continuasse a obra. Era a primeira vez que
ordenava uma construção e tanto prazer lhe produziu, que até o final de sua
vida protegeu as artes. Impulsionou os trabalhos com mais ardor que seu
padre e apenas se começava uma obra e planejava outra. Estas ocupações as
tomavam como passatempos agradáveis. Graças a sua solicitude Filippo
finalizou a sacristia; Donato fez o reboco, cinzelou as portas de bronze e os
ornamentos de pedra das pequenas portas. Dispôs o mausoléu de Juan, seu
pai, debaixo de uma grande prancha de mármore, sustentada por quatro
balaustres no meio da sacristia utilizada como vestuário pelos padres. No
mesmo lugar colocou as sepulturas de sua família: os homens separados das
mulheres. Em um canto das pequenas câmaras, em cujo espaço se encontra o
altar da sacristia, construiu um lavabo. Juan de Médicis desejava que o coro
ficasse abaixo da tribuna, mas Cosme, aconselhado por Filippo, trocou este
plano, ampliando a capela principal, de modo que se pode construir o coro de
maneira que vemos hoje. Concluídos estes trabalhos, se construiu a tribuna do
meio e o resto da igreja, que foram abobadados depois da morte de
Brunelleschi. Esta igreja tem cento e quarenta e quatro braccia de
comprimento e nela se vêm numerosas incorreções, como por exemplo, que
as colunas descansam sobre o solo, sem um prisma debaixo, até o nível das
bases dos pilares colocadas sobre os estrados. Desta forma, os pilares
parecem mais curtos que as colunas e toda a obra desnivelada; mas se deve
acusar destes defeitos os arquitetos que sucederam Filippo e que arruinaram
este edifício e quantos ele deixou inconclusos, para vingar-se dos sonetos
satíricos que ele havia composto contra seus projetos. Brunelleschi traçou os
planos e construiu uma parte da casa dos frades de San Lorenzo, cujo claustro
tem cento e quarenta e quatro braccia de comprimento.
147
Enquanto se construía este edifício, Cosme de Médicis desejava
construir seu palácio e consultou Filippo, que deixando de lado tudo que tinha
em mãos lhe fez o mais belo dos modelos. Queira que se construísse isolado
na praça em frente a San Lorenzo. Filippo agradeceu a sorte, que lhe oferecia
a oportunidade de satisfazer seu tão ansiado desejo de construir um palácio, e
concentrou todos os seus esforços nesta obra. Seu projeto pareceu a Cosme
de Médicis demasiado suntuoso, e não se atreveu a realizá-lo, não pelos
gastos que demandaria, senão pelo temor de excitar a inveja de seus
compatriotas. Por despeito, Brunelleschi rasgou seu projeto em mil pedaços e
Cosme se arrependeu mais tarde de não ter colocado em prática, pois
apreciava as qualidades do nosso artista e manifestava que jamis havia
encontrado um espírito o inteligente e uma alma tão elevada. Para a nobre
família dos Scolari, projetou um templo dos Angeli, modelo audaz que ainda
hoje permanece inconcluso, porque os florentinos investiram o dinheiro
destinado a este edifício em suprir outras necessidades da cidade.
Fora das portas de San Nicolò, num lugar chamado Ruciano, construiu
para Messer Luca Pitti, um rico palácio que estava muito longe de igualr na
grandeza e magnificência ao que começara em Florença por ordem do mesmo
cidadão e cuja construção realizou até o segundo piso. As portas deste último
palácio são duplas e de dezesseis braccia de altura e oito de largura. As
janelas do primeiro e do segundo piso são inteiramente semelhantes as portas,
as abóbadas duplas e o edifício é em sua totalidade uma das obras mais belas
e esplendidas que se produziu na arquitetura.
A construção deste palácio foi confiada a Luca Fancelli, arquiteto
florentino, que dirigiu igualmente a execução de outros trabalhos de Filippo e a
grande capela da Annunziata em Florença, de Leon Batista Alberti, a pedido de
Lodovico Gonzaga, quem depois o levou a Mantua, onde relizou numerosas
obras, casou-se, viveu e morreu, deixando herdeiros que todavia levam o
nome de Luchi.
Faz poucos anos, a ilustríssima senhora Leonor de Toledo, duquesa de
Florença, comprou aconselhado por seu marido, o ilustríssimo duque Cosme, o
palácio Pitti, ampliando de tal maneira as dependências, que hoje possui um
enorme jardim que se estende sobre a planície, os montes e a encosta. Este
jardim está coberto de árvores de todas as variedades e salpicado de
148
pequenos bosques agradáveis, de grama sempre verde, de fontes, canais,
viveiros e muitos outros adornos de uma magnificência principesca impossível
de descrever e imaginar. Este palácio parece que foi construído para Messer
Luca Pitti, segundo os planos de Brunelleschi, e sua excelência ilustríssima
não podia encontrar um palácio mais digno de sua grandeza. Luca se viu
impedido de continuá-lo pelos seus compromissos com o Estado, e seus
herdeiros, carecendo de dinheiro para terminá-lo, com gosto, o vendeu a
duquesa Leonor, que o salvou assim da ruína. Esta senhora, enquanto viveu,
não reparou em gastos para que se prosseguissem os trabalhos e estava
disposta a investir quarenta mil ducados anuais para finalizá-lo.
Como o modelo de Brunelleschi havia se extraviado, sua excelência
ordenou a Bartolommeo Ammannati, hábil escultor e arquiteto, que realizasse
outro, que está utilizando, havendo construído grande parte do pátio em
estilo rústico como o exterior. É difícil compreender como Brunelleschi pode
conceber tão vasto projeto. A distribuição interior do palácio não é menos bela
que a fachada; passa ao alto uma vela paisagem e o anfiteatro formado por
agradáveis colinas que descem até os muros do palácio e, para ser breve, direi
que as maravilhas que contém este palácio são superiores a qualquer edifício
principesco.
O renome de Filippo cresceu tanto, que de todos os cantos da Itália se
lhe encomendavam projetos e desenhos para edifícios e para isso se valiam
das mais variadas influências. Entre outros, o marques de Mântua escreveu a
Senhoria de Florença pedindo que lhe enviasse o artista. Em 1445, foi a corte
deste príncipe e desenhou os planos e desenhos dos diques del e de
outras obras, recebendo muitos favores por seus trabalhos. O príncipe
costumava dizer que Florença era digna de ter um cidadão como Filippo, assim
como ele merecia tão nobre e bela cidade como pátria.
Durante uma quaresma, Messer Francesco Zoppo, pregador em
evidência na época, recomendava à generosidade dos fiéis o convento de
Santo Spirito de Florença, e sobre tudo a igreja que pouco tempo antes havia
sido consumida pelas chamas. Os chefes do bairro, Lorenzo Ridolfi,
Bartolommeo Cobinelli, Neri di Gino Capponi e Goro de Stagio Dati e outros
cidadãos, obtiveram da Senhoria a permissão para recostruir a igreja de Santo
Spirito, elegendo por provedor Stoldo Frescobaldi, a cuja família pertencia a
149
capela do altar principal. Stoldo dedicou o mais grande zelo para apressar as
construções e entes que fosse recebido a importância correspondente a taca
pelos sepulcros e capelas, adiantou de seu próprio pecúlio vários milhares de
escudos, que lhe foram reembolsados mais tarde. Filippo foi encarregado de
fazer um projeto com todas as distribuições convenientes para um templo
cristão; ele desejava mudar completamente o plano do edifício, ampliando a
praça até o Arno, para que a magnificência deste monumento não passasse
inadvertida para as pessoas que viessem de Gênova, Riviera, Lunigiana, Pisa,
Lucca e outras regiões, mas não pode cumprir sua aspiração porque
numerosos didadãos se negaram a demolir duas casas. Apresentou em
seguida o projeto da igreja e da casa dos religiosos que se executaram tal
como a vemos hoje.
Filippo possuía um caráter vivo e jovial e era homem de frases muito
engenhosas. Lorenzo Ghiberti havia comprado uma propriedade em Monte
Morello chamada Lepriano, que não tardou em vender, muito desgostoso,
quando comprovou que os gastos superavam as rendas que produzia. Pouco
tempo depois perguntaram a Filippo, qual era a melhor prova de gênio de
Lorenzo, pensando que o julgaria por sua inimizade, ele contestou: “vender
Lepriano”.
Em 16 de Abril de 1446, aos sessenta e nove anos de idade,
Brunelleschi entregou sua alma a Deus e mereceu por seus muitos trabalhos
um nome honrado sobre a terra e um lugar glorioso no céu.
Teve um aluno conhecido o nome de Buggiano, por ser de Borgo
Buggiano, que fez a pia batismal da sacristia de Santa Reparata, adornada
com crianças que lançam jatos de água e esculpiu igualmente, de tamanho
natural, o busto em mármore de seu mestre, que foi colocado sobre seu
sepulcro, próximo da entrada da igreja de Santa Maria del Fiore. Os
florentinos, para honrar a Brunelleschi depois de sua morte, como ele havia
honrado a Florença durante a sua vida, gravaram sobre sua tumba, o seguinte
epitáfio:
150
D. S.
QUANTUM PHILIPPUS ARCHITECTUS ARTE DAEDALEA VALUERIT;
CUM, HUIUS CEBARRIMI TEMPLI MIRA TESTUDO, TUM PLURES
ALIAE DIVINO INGENIO AB EO ADINVENTAE MACHINAE CODUMENTO
ESSE POSSUNT. QUAPROPTER, OB EXIMIAS SUI ANIMI DOTES,
SINGULARESQUE VIRTUTES, XV KAL. MAIAS ANNO MCCCCXLVI EIUS B. M.
CORPUS IN HAC HUMO SUPPOSITA GRATA PATRIA
SEPELERI IUSSIT.
151
Anexo 2:
VIDA DE LEON BATTISTA ALBERTI
Arquiteto Fiorentino
1404 - 1472
Grande utilidade proporcionam universalmente as letras a todos os
artistas que nelas se deleitam, principalmente os escultores, pintores e
arquitetos, porque abrem os caminhos da criatividade na concepção de suas
opbras. Quem não sabe, ao empenhar-se na construção de um edifício, que
deve evitar cientificamente o perigo dos ventos doentios, a insalubridade do ar
e as emanações das águas servidas? Quem ignora que é necessário refletir
152
profundamente para saber ou aprender por si mesmo o que deseja executar, e
que o se pode confiar somente na teoria dos outros porque está separada
da prática, e na maioria dos casos resulta pouco proveitosa? Mas quando
estas duas qualidades estão unidas, nada mais convenientes para nossas
vidas, pois a arte com a ajuda da ciência adquire maior perfeição e riqueza, da
mesma forma que os escritores e os conselhos dos artistas cultos têm maior
eficiência e merecem mais créditos que as palavras e obras daqueles que são
somente artesãos por melhor que tenham trabalhado.
Leon Battista Alberti é uma prova do que falamos, nosso artista se
dedicou não somente ao estudo da arquitetura, da perspectiva e da pintura,
mas também aprendeu a língua latina e graças aos seus escritos é
considerada superior a infinidade de seus colegas que, sem dúvida, foram
melhores por suas obras. A experiência demonstra sim que os escritos são os
meios mais poderosos para criar a reputação de um homem. Os livros entram
em todos os lugares, e contanto que sejam verídicos e o contenham
mentira, proporcionam sempre a seus autores um alto crédito. Por isso não é
surpreendente que Leon Battista Alberti seja mais conhecido mais pelo que
escreveu do que pelos edifícios que deixou.
Este célebre arquiteto, da nobre família dos Alberti, nasceu em
Florença. Realizou numerosas viagens para estudar os monumentos da
antiguidade, mas se dedicou mais a escrever que a produzir obras materiais.
Hábil matemático e geômetra, escreveu em latim dez livros sobre a arquitetura
que foi publicada no ano de 1481; e foi logo traduzido para o toscano por
revendo Messer Cosimo Bártoli, pároco de San Giovani de Florença. A ele são
atribuídos três livros sobre a pintura, hoje traduzidos para o toscano por
Messer Lodovico Domenichi, um tratado sobre a inclinação e métodos de
medição de alturas, os livros da vida civil e alguns outros escritos eróticos em
verso e em prosa. Foi o primeiro que tratou de latinizar a versão italiana,
traduzindo a métrica dos versos latinos, como prova as estrofes dos versos:
Questa per estrema miserabile pistola mando
A te que spregi miseramente noi.
153
Em Roma, durante o papado de Nicolau V, célebre por sua mania de
construir, conseguiu entrar ao serviço de Sua Santidade por intermédio de seu
amigo Biondo de Forli, familiar do papa quem anteriormente havia sido
aconselhado sobre arquitetura por Bernado Rosselino, escultor e arquiteto
florentino. O papa confiou a este artista com o assessoramento de Leon
Battista, a restauração de seu palácio e algumas obras na igreja de Santa
Maria Maior. Com o conselho de um e execução do outro, Nicolau V realizou
numerosas obras de muita utilidade dignas de ser louvadas, como a reforma
do aqueduto Virgem e a construção, na Praça de Trevi, de uma fonte com
ornamentos de mármore ostentando as armas de sua santidade e do povo
romano.
Leon seguiu viagem a Rímini, nas instâncias de Segismundo Malatesta,
que lhe encomendou o modelo da igreja de São Francisco e especialmente a
fachada que foi feita em mármore, assim como a abóbada que se ao meio
dia, com arcos enormes e mausoléus para os homens ilustres desta cidade.
Realizou as obras de tal forma que, por sua solidez é um dos mais famosos da
Itália.
No ano de 1457, época em que o alemão Juan Gutemberg inventou a
imprensa, Leon Battista criava um instrumento similar para reproduzir as
perspectivas naturais, diminuir as figuras e ampliar as coisas pequenas, o que
foi original, belo e útil para a arte. Nesta mesma época, seu amigo Giovani de
Paolo Rucellai manifestou seu desejo de construir em mármore a fachada
principal de Santa Maria Novela, para perpetuar sua memória; o artista lhe
assessorou e desenhou um projeto que o entusiasmou a realizar a obra.
Também para o seu amigo Cosimo Rucellai desenhou o palácio que se
encontrana rua da Vigna e a “logia” que está em frente.
Infelizmente, havendo girado os arcos sobre as colunas estreitas da
face dianteira, ao querer seguir os mesmos e não haver um arco encontrou
que lhe sobrava espaço em ambos os lados, pelo que se viu obrigado a fazer
retoques nos ângulos interiores. Quando chegou ao arredondamento do
interior, achou que se desse ao arco meio círculo, resultaria espalhado e tosco;
decidiu então girar sobre os ângulos pequenos arco de uma coluna a outra.
Esta falta de tino e de desenho prova que a prática é tão necessária como a
154
teoria, porque o critério nunca pode ser perfeito se o conhecimento não for
exercitado pelo trabalho.
Em San Bracanzio aplicou o mesmo método para construir a capela dos
Rucellai, que é considerado como uma de suas melhores produções por ser
complicada e sólida; as grandes travas que perfuram os muros da igreja estão
suportadas por duas colunas e duas pilastras. No meio desta capela se
encontra uma tumba de mármore de forma oval e comprida semelhante a de
Jesus Cristo de Jerusalém, como o indica uma inscrição.
Ludovico Gonzaga, marquês de Mântua, lhe encomendou diversos
projetos, entre eles o da igreja de Santa Andrea. No caminho entre Mântua e
Pádua, se vêm igrejas na qual se reconhecem o estilo de Leon Battista.
Salvestro Fancelli, arquiteto e escultor florentino, dirigiu em cada cidade, com
tino e habilidade extraordinários, a execução dos desenhos e projetos de Leon
Battista.Em Mântua encomendou a direção de seus trabalhos a outro artista
florentino, muito inteligente, chamado Luca quem, de acordo com que nos
conta Filarete, viveu e morreu em ntua e seu seu nome a família dos
Lucchi.
Leon Battista deixou algumas pinturas que não se destacam por sua
perfeição, coisa que não nos surpreende se pensarmos que seus estudos não
lhe permitiram dedicar a este ramo da arte. No entanto, soube expressar com
facilidade seus pensamentos por meio do lápis, com provam os numerosos
desenhos que conservamos em nossa coleção, entre outros, uma da ponte de
Santo Ângelo e outro que representa as galerias cobertas que logo se fizeram,
para proteger os transeuntes das chuvas e dos ventos no inverno, e do sol no
verão. Leon Battista havia projetado este trabalho para o papa Nicolau V, a
quem a morte impediu de realizar as obras de embelezamento que havia
prometido a cidade de Roma. Em Florença, em uma pequena capela dedicada
a Nossa Senhora, que se encontra sobre um dos pilares da ponte de Carraia,
pintou em um altar, três pequenas cenas com algumas perspectivas que
descreveu melhor com a pluma que com o pincel. Para a casa dos Rucellai,
em Florença, deixou seu auto-retrato e um quadro com grandes figuras em
claro-escuro.
Foi Leon Battista pessoa de costumes sociais honráveis, amigo de
gente respeitada, liberal e gentil no trato. Viveu honrosamente e como um
155
cavalheiro (gentilhomem) que era. Ao chegar a uma idade muito avançada,
abandonou satisfeito e feliz este mundo, deixando honrosa memória.
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