Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO HUMANA - PPFH
EVALDO DE SOUZA BITTENCOURT
POLITICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO
BÁSICA NO BRASIL, DESCENTRALIZAÇÃO E
CONTROLE SOCIAL – LIMITES E PERSPECTIVAS .
RIO DE JANEIRO
NOVEMBRO - 2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO HUMANA - PPFH
EVALDO DE SOUZA BITTENCOURT
POLITICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO
BÁSICA NO BRASIL, DESCENTRALIZAÇÃO E
CONTROLE SOCIAL – LIMITES E PERSPECTIVAS .
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Políticas
Públicas e Formação Humana da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro – UERJ, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em
Políticas Públicas e Formação Humana.
Orientador: Prof. Dr. Zacarias Gama.
RIO DE JANEIRO
NOVEMBRO – 2009
ads:
3
EVALDO DE SOUZA BITTENCOURT
POLITICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO
BÁSICA NO BRASIL, DESCENTRALIZAÇÃO E
CONTROLE SOCIAL – LIMITES E PERSPECTIVAS .
Dissertação submetida a julgamento e aprovação para a obtenção do título de
Mestre em Políticas Públicas e Formação Humana no Programa de
Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
Aprovada em : ...... de ............................... de 2009.
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________________________
Professor Doutor Zacarias Gama.
Orientador.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
______________________________________________________
Professor Doutor Gaudêncio Frigotto.
Examinador.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
______________________________________________________
Professor Doutor Jailson Alves dos Santos.
Examinador(a)
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
______________________________________________________
Professora Doutora Lia Faria.
Examinadora.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
4
Dedico este trabalho
Aos meus amados pais
Francisco e Francelina
Aos meus queridos irmãos
Edmilson, Izabeti e Marileni,
`A amada esposa Eva
`A querida filha Elina
A todos os educadores
brasileiros que
em cada Escola
emancipam os
seres humanos e
transformam o mundo.
5
AGRADECIMENTOS.
Primeiramente a Deus, pela vida e pela oportunidade de evolução na Terra;
Aos meus amados pais Francisco e Francelina que sempre lutaram para
que eu e meus irmãos alcançássemos níveis de educação
aos quais eles não tiveram oportunidade de acesso ;
À minha querida Tia Minda, anjo acolhedor nos momentos
decisivos da minha formação e atuação inicial de professor;
À minha primeira e querida Professora Eumália , que ainda me
dá a alegria do convívio e se felicita com meus voos educacionais;
À minha amada esposa Eva , mulher guerreira , educadora de fibra e fiel
companheira, que sempre me incentivou a ingressar e concluir o mestrado,
apoiando-me em todas as horas juntamente
com sua mãe D. Carmélia e sua irmã Hellen;
À minha querida Elina , filha luminosa que torna as lutas mais leves e
harmoniosas dando alegria e sentido ao meu viver. Seus dedinhos no teclado
em muitos momentos inspiraram-me, renovando a
disposição para prosseguir lendo e escrevendo;
Aos meus queridos irmãos Marileni, Edmilson e Izabeti e sobrinhos(as):
parceiros de tantos desafios e inúmeras conquistas ;
Aos meus colegas professores e gestores das redes públicas de ensino do
Estado do Rio de Janeiro e do Município de São Pedro da Aldeia, a quem devo
gratidão pelo companheirismo e aprendizados compartilhados;
Ao Professor Doutor Donaldo Bello - UERJ, a quem devo minha
reaproximação à academia, depois de algumas décadas no pragmatismo escolar,
tendo me acolhido como colaborador no NUEPE – UERJ;
À Professora Doutora Lia Faria, com sua bela trajetória na educação
pública fluminense, fonte de inspiração para uma
prática educacional com muita garra e paixão na alma e nas veias;
Ao Professor Doutor Gaudêncio Frigotto que há 20 anos é minha
referência de aposta no ser humano e na possibilidade de construção de um mundo
bem melhor para todos, com justiça social e fraternidade;
Ao meu paciente orientador – Professor Doutor Zacarias Gama – que
soube dosar profissionalismo e companheirismo, estimulando-me a vencer as
barreiras e encontrar caminhos para que a conclusão deste trabalho fosse
alcançada com prazer e lucidez;
À Coordenação do PPFH, demais professores, funcionários e colegas do curso que
sempre me acolheram com muito carinho e atenção.
6
Não há nenhuma atividade humana da qual se possa
excluir qualquer intervenção intelectual – o Homo faber
não pode ser separado do Homo sapiens. Além disso, fora
do trabalho, todo homem desenvolve alguma atividade
intelectual; ele é, em outras palavras, um filósofo, um
artista, um homem com sensibilidade; ele partilha uma
concepção do mundo, tem uma linha consciente de
conduta moral, e portanto, contribui para manter ou mudar
a concepção do mundo, isto é, para estimular novas
formas de pensamento.
Antônio Gramsci.
7
RESUMO
O presente trabalho tratou de investigar as representações do Estado no contexto do
capitalismo globalizado em crise, tendo dimensionado os reflexos diretos dos
acordos dos organismos multilaterais na definição das políticas públicas para a
educação básica brasileira . Sem levantar dados novos, a pesquisa sustentou-se na
metodologia de monografia de base, tendo analisado o programa federal PDDE do
MEC, suas contradições, fatores limitantes e impactos efetivos da descentralização
de recursos financeiros na democratização das unidades escolares. O estudo
revelou uma fragilidade no controle social do programa, indicando uma
ressignificação da descentralização tendo desfocado na escola as bandeiras
democráticas das lutas progressistas anteriores às ondas neoliberais da década de
1990. O estudo mostra que o que ocorreu foi desconcentração de competências e
atribuições com atrelamento financeiro a programas federais de modo a reduzir a
autonomia dos sistemas e das escolas tanto na definição de suas políticas locais
quanto na avaliação destas mesmas políticas. O estudo revelou uma inconsistência
no controle social das políticas públicas educacionais num Estado que ainda não se
fez Nação, cujos níveis de cidadania e participação da sociedade civil são reduzidos
e inferiores quando confrontados às reais necessidades apontadas pelos
indicadores educacionais com os quais o Brasil adentrou o século XXI. Os conselhos
existentes , no contexto da trajetória oficialista e clientelista do Estado brasileiro,
estão mais a serviço da regulação estatal do que da democratização da educação.
Palavras-chave: Crise do Estado. Descentralização. Políticas públicas. Educação
básica. Controle social.
8
ABSTRACT
This work focuses on an enquiry on constructed imagery of State, within a
framework of globalized capitalism under crisis, boiling down to an appraisal of
epiphenomena streaming from agreements between multilateral organisms onto
definitions of public policies for the so called Educação Básica (Brazilian Basic
Education, comprised by approximately the first to the ninth grades in USA).
Research abstained to dig new data, rather drawing from extant methodologies of
historical hermeneutics and critical heuristic on raw, living documental data. The
major federal program now in flight, PDDE, as posed by Brazilian Ministério da
Educação (MEC , Ministry of Education) was so appraised, with a view of picking out
some of its contradictions, limiting factors and actual bearings on the
decentralization of financial resources through a process of democratization of
bottom educational unities. This study points to a degree of fragility of social control
over the program, sketching a way by which decentralization concept might have
been rebuilt along recent history, such as to decrease clarity, within those bottom
educational unities, of former democratic tenets once sourced from progressive,
political struggles as they happened in Brazil before the neoliberal pathways waving
from the 90`s. This work shows that what happened indeed, was a competence-
decentralization, in the sense that administrative assignments for basic education
management were slaved to federal, financial planning and scheduling, so that the
ultimate autonomy of the assigned personnel was eventually compromised, this
imposing constraints on the agents` freedom to posing and evaluating educational
programs they are engaged in. A bare inconsistency was then unraveled, between
social control by bottom educational unities over upper-streaming policies from a
State which may well fail yet to become a Nation. A mismatch was found between
required levels of citizenship and participation of the individuals involved in basic
education, in the face of the requirements and needs they have to meet, given some
stressed educational indicators flagged on Brazil at the overture of twentieth one
century. The existing Councils, in charge of promoting and supervising democratic
ideals for Brazilian education, seemed to this research to be rather exerting hard
regulation instead of breeding democracy—which frames them into two political
deviances acknowledged by Brazilianist literature: oficialismo and clientelismo.
Keywords: Crisis of State. Power Decentralization. Public Policies. Social Control.
Educational Polices. Educação Básica Brasileira.
9
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Efeitos da política do imperialismo nas três maiores economias latino-
americanas ........................................................................................................ 35
Quadro 2 – Comparação das metas do milênio relativas à educação e as metas da
Cúpula Mundial de Educação de Dacar. ........................................................... 40
Quadro 3 - Percentual da população em idade escolar que está na escola....... 50
Quadro 4 -Taxa de aprovação ......................................................................... 50
Quadro 5 - Taxa de reprovação ......................................................................... 51
Quadro 6 - Taxa de abandono ......................................................................... 51
Quadro 7 –
Percentual de alunos que aprendeu o que era esperado para cada série. ....... 51
Quadro nº.: 8 –
Aplicação dos recursos do provimento das necessidades da escola . .............. 85
Quadro 9 – Participação das comunidades escolar e local. Exercício do controle
social dos recursos repassados. ........................................................................ 86
Quadro 10 – Mobilização da comunidade escolar.............................................. 88
Quadro 11 – Adesão/ habilitação........................................................................ 91
Quadro 12 – Aplicação dos recursos. ................................................................ 91
Quadro 13 – Prestação de contas...................................................................... 93
Quadro 14 –
Na sua esfera de governo são feitas visitas de acompanhamento ou inspeção em
escolas ? ............................................................................................................ 94
Quadro 15 –
Principais dificuldades na execução do PDDE. Como são sanadas ? .............. 94
Quadro 16 - Os grupos enfatizaram que as dificuldades deveriam ser sanadas
adotando-se os seguintes procedimentos. ........................................................ 95
Quadro 17 - Dificuldades na transmissão de orientações sobre PDDE............ 95
Quadro 18 - Síntese das sugestões apresentadas para melhoria do PDDE..... 95
10
LISTA DE ABREVIATURAS:
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola.
PDE – Plano de Desenvolvimento da Escola.
PAR – Plano de Ações Articuladas.
FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério.
FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização do Magistério.
PNATE – Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar.
CAE – Conselho de Alimentação Escolar.
CACS – Conselho de Acompanhamento e Controle Social.
FPM – Fundo de Participação dos Municípios.
QESE – Quota Estadual do Salário Educação.
MEC – Ministério da Educação.
BM – Banco Mundial.
FMI – Fundo Monetário Internacional.
EUA – Estados Unidos da América.
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento.
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe .
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura.
OMC – Organização Mundial do Comércio.
MDMs – Metas de Desenvolvimento do Milênio.
EF – Ensino Fundamental.
EM – Ensino Médio.
IVR – Iniciativa Via Rápida.
FHC – Fernando Henrique Cardoso.
UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação.
CUT – Central Única dos Trabalhadores.
SEEDUC RJ– Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro.
11
CIEP – Centro Integrado de Educação Pública.
CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação.
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância.
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
BIRD – Banco Interamericano de Desenvolvimento.
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.
CNE – Conselho Nacional de Educação.
GATs – Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras.
PAC – Plano de Aceleração do crescimento.
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
USP – Universidade do Estado de São Paulo.
UFF – Universidade Federal Fluminense.
PNE – Plano Nacional de Educação.
PPA – Plano Plurianual.
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais.
SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica.
CONSED – Conselho de Secretários Estaduais de Educação.
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
PIB – Produto Interno Bruto.
OSs – Organizações Sociais.
OSCIPs – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público.
UExs – Unidades Executoras.
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social.
ONGs – Organizações Não-governamentais.
APM – Associação de Pais e Mestres.
CPM – Círculo de Pais e Mestres.
TCU – Tribunal de Contas da União.
DF – Distrito Federal.
SEB – Secretaria de Educação Básica.
UENF – Universidade Estadual do Norte Fluminense.
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
12
SUMÁRIO
Resumo
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 13
1 - ESTADO E POLíTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA ............... 24
1.1 - Estado – representação e satisfação de interesses contraditórios..................24
1.2 – A inserção do Brasil no desenvolvimento capitalista em expansão...............32
1.3 – Mudanças estruturais no interior do capitalismo............................................34
1.4 – Políticas públicas para a educação brasileira.................................................37
1.4.1 – Novos cenários para a educação brasileira – anos 1990......................37
1.4.2 – Reformas educacionais no Brasil e o Banco Mundial ..........................45
2 – GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA............................................ 50
2.1 – Gestão da educação no contexto da reforma do Estado brasileiro........... 50
2.2 – Descentralização e democratização da gestão educacional – desafios
permanentes.............................................................................................................. 61
3- PROGRAMAS DO MEC PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA
DESCENTRALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS E A
DEMOCRATIZAÇÃO DAS ESCOLAS..................................................................... 71
3.1- Financiamento da educação básica no Brasil................................................71
3.2- PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola - origem no contexto
das reformas do Estado brasileiro ............................................................................ 74
3.2.1 - PDDE – democratização da Escola – houve avanço ?.......................... 78
3.2.4 – Análise do Relatório do 1º Encontro Técnico Nacional do PDDE..... 83
4- CONTROLE SOCIAL DA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL – LIMITES E
PERSPECTIVAS...................................................................................................... 98
4.1 – Breve contexto histórico.............................................................................. 98
4.2 - Órgãos colegiados e os conflitos no processo de participação................ 102
4.3 – Os Conselhos de Acompanhamento e Avaliação ( CACS ) – limites e
perspectivas..................................................................................................... 107
4.3.1 – Conselhos inoperantes – razões e perspectivas................................109
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 114
6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 128
13
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NO BRASIL,
DESCENTRALIZAÇÃO E CONTROLE SOCIAL –
LIMITES E PERSPECTIVAS .
INTRODUÇÃO:
Nas sociedades contemporâneas, a consciência cada vez mais clara que se
tem da importância da educação, como fator de inclusão social e desenvolvimento,
está presente na complexidade das formas de relação sociocultural e torna-se
urgente a necessidade de dinamização dos mais variados recursos materiais e
humanos, que devem contribuir para efetuar, com qualidade, a função social da
educação e de cada instituição.
No entanto, historicamente, o Brasil tem se caracterizado como um país com
inconsistentes políticas públicas, imprimindo uma dicotomia marcante: uma das mais
acentuadas desigualdades sociais e uma das mais altas concentrações de renda do
mundo.
No âmbito da América Latina, o Brasil, em questão de educação, se
equipara aos países mais pobres: República Dominicana, Bolívia, Honduras, El
Salvador, Guatemala e Haiti, todos revelando déficit educacional semelhante ao
nosso, apesar da disparidade no campo econômico, com desvantagens
significativas para aqueles países .
Com uma economia fortíssima para os padrões latino-americanos e em
plena expansão e estabilidade, mesmo depois da recente crise do capitalismo que
abalou o planeta, ainda assim a sociedade brasileira não conseguiu avançar no
campo educacional mais do que os países profundamente empobrecidos do
continente.
Este panorama excludente tem reflexos primordiais no campo da educação,
e, segundo dados do IBGE ( PNAD 2003 ) cerca de dois terços da população
brasileira ( 60,4%) não possuem o ensino fundamental completo, tendo, no máximo,
sete anos de escolaridade.
14
Vive-se, ainda, num país de desigualdades sociais alarmantes e durante a
trajetória do autor desta dissertação ao longo de três décadas ( 1979 – 2009 ) como
docente ( alfabetizador, séries iniciais e finais do ensino fundamental e ensino
médio, inclusive curso normal) e gestor de unidade escolar e de sistemas públicos
de educação básica, tanto estadual quanto municipal, foi constatada a inexistência
de políticas públicas consistentes e contínuas para a educação básica e , as que
existiram eram insuficientes e ineficazes no alcance de resultados esperados que
viessem alterar o quadro educacional, por trazerem a força da transitoriedade dos
governos e das pessoas. Existem planos de pessoas e de governos, mas raros são
os planos de Estado , exequíveis e financiáveis, para o enfrentamento da enorme
dívida social com a população brasileira.
O cenário atual é o quadro composto por indicadores educacionais pífios
com os quais o Brasil adentrou o século XXI, carregando o reflexo de décadas e
séculos de descaso com a educação pública das camadas mais populares e
desfavorecidas deste país.
Como a dívida histórica secular com o povo brasileiro no campo educacional
não encontrou verdadeiramente as forças para liquidá-la, apesar das exigências
ampliadas no contexto de globalização, o que se vê é estarrecedor, pois as políticas
públicas das últimas décadas não conseguiram reverter o quadro excludente, não
obstante o avanço no acesso formal à escola de ensino fundamental ao longo dos
anos 1990.
Se por um lado, o acesso se ampliou, os fracassos parecem seguir
proporcionalmente, uma vez que as taxas de analfabetismo, de repetência, evasão e
distorção idade-série insistem em retratar um país que, lamentavelmente, não
conseguiu, até hoje, fazer seu dever de casa.
Um marco referencial desta trajetória recente da educação no Brasil pode
ser tomado a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, que inaugurou
um novo ordenamento jurídico para o Estado Brasileiro e toda a sociedade.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 os Municípios
brasileiros passaram à condição de entes federados com autonomia relativa para
que formulassem políticas educacionais por meio da criação dos seus próprios
sistemas de ensino, configurando uma descentralização há muito perseguida no
novo cenário democrático do país.
15
Constata-se que até então os Municípios detinham apenas sistema
administrativo, vindo, então a ser-lhes facultado o direito de emitir normas e
estabelecer políticas, visando, com isto, a implantação do regime de colaboração e
não mais a manutenção de relações hierárquicas, pelo menos na lei, entre as três
esferas políticas de poder (União, Estado e Municípios).
Segundo Souza & Faria ( 2003), o tema da Educação Municipal se fez
presente nas discussões políticas e nos atos legais desde a época do Império, tendo
sua culminância na criação dos sistemas públicos de ensino no Brasil: inicialmente,
no âmbito estadual, através das Constituições Federais de 1934 e 1946, e , a seguir,
mais recentemente, por intermédio da Constituição Federal de 1988, na esfera
municipal.
É relevante destacar com base em Saviani (1999) que a definição clara de
competências dos Municípios para a instituição de seus próprios sistemas de ensino
decorre mais do texto da LDB
1
(Lei Federal nº.: 9394/96) do que da Constituição
Brasileira. Com as atribuições de uma maior autonomia, os Municípios se depararam
com novos e significativos desafios e problemas relativos à: i) participação no regime
de colaboração
2
, de forma solidária, junto aos Estados e à União; ii) previsão da
Educação Municipal, como capítulo específico, na formulação de leis orgânicas; iii)
elaboração dos Planos Municipais de Educação, PDE – Planos de Desenvolvimento
da Educação e PAR – Plano de Ações Articuladas, estes dois últimos mais
recentemente; e, por fim, iv) constituição dos seus Conselhos de Educação e dos
Conselhos de Acompanhamento e Controle Social ( CAE, FUNDEB, PNATE e
outros ).
Muitas das reivindicações das representações da sociedade civil durante o
período de elaboração da nova lei de diretrizes e bases da educação nacional – LDB
– foram abandonadas e excluídas nas fases finais de aprovação da referida lei,
tendo o Ministério da Educação exercido influência decisiva no fechamento dos
embates políticos, ficando estabelecido, no corpo da lei, o espírito das diretrizes
neoliberais, ainda que, num primeiro momento, pudessem sinalizar avanços
democráticos, como, por exemplo, a autonomia e descentralização dos sistemas e
1
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional promulgada em 1996 que divide opiniões
encontrando quem a defenda e quem faça críticas e restrições.
2
O regime de colaboração entre União, Estados e Municípios ficou estabelecido no art. 211 da
Constituição federal e art. 5º da LDB – Lei nº.: 9.394/96.
16
das escolas. Pergunta-se: autonomia e descentralização a serviço de quem ? Quais
as intenções da descentralização de atribuições dos órgãos centrais para a escola ?
Percebe-se que os processos de descentralização com autonomia dos
municípios sofreram grande limitação por conta das forças hegemônicas do capital
internacional que, de modo explícito, definiram, para os países periféricos, as
diretrizes educacionais do final do século XX e, também, do início do Século XXI,
com reflexos permanentes nas atuais políticas do Governo Federal que
descentralizam certas competências e atribuições e centralizam mecanismos de
controle e de indução das políticas locais por meio de programas e ações,
especialmente na área da avaliação institucional, verticalizando e uniformizando
uma série de políticas, programas e ações, com atrelamento financeiro, como, por
exemplo, o PDDE, PDE e o PAR, exacerbando-se a preocupação com os dados
estatísticos representados quantitativamente e relegando-se ao abandono histórico
uma série de determinantes da real elevação qualitativa da educação brasileira.
Os municípios permanecem atrelados a uma dependência econômico-
financeira da União no contexto de uma política fiscal desfavorável aos Municípios.
Por isso, grande parte dos municípios ainda enfrenta graves problemas
orçamentários face às inúmeras demandas sociais, de infra-estrutura e da área de
saúde, limitando-se, muitos deles, à aplicação mínima de recursos estabelecida em
lei para a educação (Brasil 1996)
3
, Brasil (2007)
4
). Registra-se, além disso, uma
série de limitações na arrecadação dos recursos próprios a despeito das exigências
da lei de responsabilidade fiscal (Lei Federal nº.:101/2000) que, de sua fase de
implantação até hoje, não alterou significativamente - a cultura de sonegação,
tendo sinalizado resultados tímidos na ampliação do erário. No cenário nacional, a
grande maioria dos municípios sustenta-se com os repasses do FPM – Fundo de
Participação dos Municípios e os vinculados à educação, como QESE e FUNDEB .
Vive-se nos municípios brasileiros momentos de intensa busca de superação
de demandas de toda ordem, exigindo-se cada vez mais dos dirigentes municipais,
em particular os da área educacional, leituras de mundo e de sociedade bem
ampliadas a fim de se compreender com lucidez política o contexto atual e tomar
3
Brasil, Emenda Constitucional 14 de 12 de setembro de 1996. Modifica os artigos 34, 208, 211 e 212
da Constituição Federal e dá nova redação ao artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
4
Brasil, Lei Federal n° 9.424 de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério./ Lei do FUNDEB – Lei Federal nº.:
11.494 de 20 de junho de 2007.
17
decisões coerentes com os interesses da coletividade, indo ao encontro de políticas
públicas voltadas para a consolidação do estado de direito.
Pode-se deduzir que descentralização e centralização são formas
alternativas de dominação. Percebe-se que a redefinição da forma de dominação
ocorre sem grandes sobressaltos visando compatibilizá-la com exigências de novos
tempos. Essa característica estrutural da macro-política nacional tem uma coerência
com reflexos evidentes na educação.
A democratização da educação pública, nas suas dimensões de acesso,
gestão e qualidade de ensino está relacionada com a implantação de políticas
públicas que, por sua vez, apresentam contradições provenientes de vertentes
conceituais em disputa, quais sejam : 1) dar conta da educação como direito social
e 2) como cultura mercadológica filiada ao “modelo “ de mercantilização da vida.
Dando consistência teórica a esta inquietação vamos encontrar Souza e
Faria (2003) manifestando relevante questionamento :
Isso nos coloca uma questão de fundamental importância para ser
examinada: é possível a democratização da educação pública no âmbito do
Estado tradicional ( nos níveis municipal, estadual e federal ), contaminado
pela ideologia de mercado e com estruturas e políticas que expressam um
desenvolvimento que naturaliza a exclusão ?
Neste cenário paradoxal das políticas públicas para a educação no Brasil,
que diretamente afeta a educação municipal, com acentuada ênfase a partir dos
anos 1990, fica evidente a necessidade de se buscar resposta para alguns
questionamentos relevantes: 1) quais as influências da reforma do Estado Brasileiro
na formulação e implementação de políticas do MEC no período 1995 - 2005 ? 2)
quais as diretrizes do MEC que sustentam as políticas públicas e os programas
destinados à educação básica nacional ? 3) como os programas do MEC
interferiram na gestão e democratização das escolas, especificamente o PDDE ? 4)
como o controle social dos recursos destinados à educação básica vem se
consolidando desde a década de 1990 e quais os seus limites, avanços e
perspectivas ?
18
De imediato, pode-se levantar como hipóteses para os questionamentos
acima que: 1) as forças crescentes dos movimentos da sociedade civil brasileira,
iniciadas na fase profícua de luta pela redemocratização dos anos 1980,
conseguiram avançar pelos anos da década de 1990 e neutralizaram as
interferências dos organismos internacionais que desejavam reestruturar o Estado
Brasileiro por meio da onda neoliberal; 2) as forças políticas que ascenderam ao
poder no Executivo Nacional, com ampla base aliada no Congresso, em 1995,
conseguiram desmobilizar as forças nascedouras nos processos de elaboração da
Constituição de 1988 e uma nova diretriz suplantou os anseios progressistas para a
área educacional; 3) programas como o PDDE surgiram no MEC com bandeiras de
descentralização e autonomia das escolas, ancoradas em bases legais já aprovadas
pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo Executivo, que, em verdade visavam
construir um Estado Eficiente ao ponto de se desincumbir dos compromissos com a
educação e deixar a escola, os gestores e a comunidade no comando dos inúmeros
problemas, avolumados ao longo de décadas; 4) a crescente democratização da
escola possibilitou a participação de voluntários que, politizados, conseguiram
exercer a função maior de cidadania, elevando os patamares de organização e
mobilização social dentro e fora das escolas públicas brasileiras, garantindo, deste
modo, a efetividade dos direitos constitucionalmente definidos; 5) o tom pragmático
dos programas federais, ancorados em princípios de gerenciamento para eficiência
e eficácia, conseguiram minimizar os projetos políticos pedagógicos, suplantados
pelos planos indicados nos acordos dos organismos multilaterais ou não.
Nessa perspectiva, a luta pela educação pública de qualidade voltada para a
emancipação humana, saber e superação de exclusões encontra sentido se inserida
no movimento de constituição de identidade política do povo, bem como dos seus
dirigentes e, mais especificamente, dos dirigentes responsáveis pela definição,
implementação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas para a
educação pública.
Essa luta, por si só, é um momento educativo que no processo possibilita
contradições, divergências, saberes, convívio das diferenças e crescimento da
sociedade .
19
Procedimentos metodológicos
Como as coisas não se mostram ao
homem diretamente tal qual são e como o
homem não tem a faculdade de ver as coisas
diretamente na sua essência, a humanidade
faz um détour para conhecer as coisas e a
sua estrutura. (Karel Kosík, 1976).
A sociedade deste início do século, por causa de sua crise, exige de todos
os segmentos mobilidade e novas acomodações que, em breve tempo, face à
dinâmica das transformações, voltam às instabilidades e novas buscas para garantir
sobrevivência, reprodução cultural e organicidade mínima do estado, das instituições
de diferentes níveis e objetivos e da própria criatura humana.
O desafio de viver e gerenciar a vida neste aparente caos leva-nos a uma
ruptura dos paradigmas até então vigentes e nos reporta a uma revisão profunda
dos mecanismos e procedimentos de superação das adversidades e conflitos,
obrigando-nos a uma elevação de olhares para além do imediato e do pontual.
Faz-se urgente e necessária a leitura do processo e do contexto a fim de se
identificar as razões das transformações, os papéis de cada um no cenário em
mudança e as possibilidades de reflexão e de ação de cada sujeito histórico neste
momento de crise (Gentili, 2000).
Na busca de compreensão da totalidade, podemos nos reportar à Boris
Lima, citado por Carvalho (1986) que, ao tentar interpretar o método de Marx,
configura o processo de conhecimento do real a partir da análise do concreto, idéia
reiterada em sua afirmação
O caminho para o conhecimento vai do estudo dos fenômenos diretos à
descoberta de sua essência, da aparência à sua estrutura (...) Conhecer é
uma operação que se inicia por captar o exterior, perceber os objetos,
assimilar o concreto.
20
Ainda na tentativa de consubstanciar a argumentação da necessidade de
compreensão dos fenômenos da atualidade, recorremos à obra de Karel Kosík –
Dialética do concreto – da qual podemos destacar:
Captar o fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever
como a coisa em si se manifesta naquele fenômeno, e como ao mesmo
tempo nele se esconde. Compreender o fenômeno é atingir a essência” .
(...) O conceito da coisa é compreensão da coisa, e compreender a coisa
significa conhecer-lhe a estrutura. A característica precípua do
conhecimento consiste na decomposição do todo. ( KOSÍK, 1976).
A reconstrução histórica possibilita uma aproximação da realidade com
recusa óbvia de todo dogmatismo, de toda visão cética e fragmentada do mundo e
do relativismo como ponto de partida. A busca das articulações que explicam os
nexos e significados do real e levam à construção de totalidades sociais, relativas a
determinados objetos de estudo pode ser contraproposta aos sistemas explicativos
fechados e funcionais e à visão fragmentada da realidade. Podemos nos valer de
Ciavatta para ampliação da compreensão do conceito de totalidade:
No sentido marxiano, a totalidade é um conjunto de fatos articulados ou o
contexto de um objeto com suas múltiplas relações ou, ainda, um todo
estruturado que se desenvolve e se cria como produção social do
homem.(...) dialética da totalidade é um princípio epistemológico e um
método de produção do conhecimento. Estudar um objeto é concebê-lo na
totalidade de relações que o determinam, sejam elas de nível econômico,
social, cultural,etc.” ( CIAVATTA, 1998).
Desta forma, faz-se necessária a apresentação de contextos relacionados às
pesquisas já realizadas sobre a temática deste trabalho, onde se observa um
crescente aumento do volume de investigações acadêmicas e publicações sobre
políticas públicas educacionais no Brasil de tal forma que a ideia inicial apresentada
no projeto do autor para ingresso no Programa de Pós-graduação em Políticas
Públicas e Formação Humana da UERJ sofreu modificações desde sua concepção
até à qualificação, e desta até à finalização do trabalho tendo ocorrido abandono da
perspectiva de se realizar levantamentos de dados sobre implantação e resultados
21
de políticas públicas em algumas cidades de certa região do Estado do Rio de
Janeiro.
Constata-se no cenário das universidades brasileiras e seus núcleos de
pesquisa uma crescente demonstração de interesse em relação às questões que
envolvem as políticas públicas educacionais no Brasil. Prova disso, é o volume
considerável de produções acerca da temática, especialmente após a promulgação
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n.º: 9394/96 e das leis que
criaram os fundos de financiamentos da educação como Fundef e Fundeb, além de
seus marcos regulatórios norteados pelos princípios democráticos.
Levando-se em conta a vastidão da literatura existente que aborda a
temática escolhida para este trabalho, a realização de levantamentos de dados de
certos municípios ou deste ou aquele estado para se chegar às conclusões como
respostas à problemática levantada, tornou-se improfícua e desnecessária além de
inexeqüível no curto tempo destinado à elaboração da presente dissertação.
Por conta destas argumentações, a redação de uma dissertação ou “
monografia de base” conforme propõe Demerval Saviani ( 1991) é muito pertinente e
apropriada.
Pode-se, então, considerar o presente estudo como sendo do “... tipo
indicado que organiza as informações disponíveis sobre determinado assunto,
preparando o terreno para futuros estudos mais amplos e aprofundados”. (
Saviani,1991).
Desta forma, esta dissertação não levantará dados novos acerca da questão
investigada, mas sim irá organizar a literatura disponível “ segundo critérios lógico-
metodológicos adequados “ ( SAVIANI, 1991), facilitando, mais adiante, a retomada
do tema de forma mais aprofundada. Esta organização não só não exime o autor de
fazer suas próprias interpretações e análises, como, ao contrário, baseia-se nelas e
as pressupõe.
Assim, se por um lado poupa a pesquisa de levantamentos que
possivelmente serão inúteis e irrelevantes no contexto desta investigação, não exclui
de forma alguma o problema de delimitação do tema, tão instigante e extenso.
Existem diversas maneiras de se organizar um objeto de pesquisa para
melhor compreende-lo. Para Kosik, a mais relevante delas consiste em, inicialmente,
separar o essencial do secundário, isto é, o fenômeno daquilo que ele mascara e
oculta ( KOSIK, 1976 ) uma vez que:
22
Só através dessa separação se pode mostrar a sua coerência interna, e
com isso, o caráter específico da coisa. Neste processo, o secundário não é
deixado de lado como irreal ou menos real, mas revela seu caráter
fenomênico ou secundário mediante a demonstração de sua verdade na
essência da coisa . ( KOSIK, 1976 ).
Na busca do real conhecimento de políticas públicas, das intervenções
governamentais em uma determinada sociedade num dado tempo histórico e dos
mecanismos de controle social das mesmas faz-se necessário conhecer as bases
norteadoras dos programas, projetos e mesmo das políticas públicas mais amplas
sem, contudo, perder de vista as chamadas questões de fundo, as quais denunciam
as intenções das decisões tomadas, as escolhas feitas, os caminhos e as
estratégias adotados para implementação escolhidos.
Para melhor compreensão das políticas sociais implementadas por um
governo, é fundamental a compreensão da concepção de Estado e de política social
que sustentam tais ações e programas de intervenção. Visões diferentes de
sociedade, Estado e política educacional resultam em projetos de intervenção
nesta área dos mais diversificados.
Quando se analisa e avalia políticas implementadas por certo governo,
identifica-se uma série de fatores de diferentes natureza e determinação, que
sempre se referem a um contorno de Estado no interior do qual eles se
movimentam. Tais fatores não devem e nem podem ser identificados isoladamente,
mas no cenário macro, no contexto histórico, econômico, social, cultural e político
de determinada sociedade.
Pelo exposto, emergu a necessidade de organizar a dissertação em
diferentes capítulos que, no conjunto, dessem conta das investigações relacionadas.
No capítulo 1 serão tratadas as diversas concepções de Estado, suas
representações e mecanismos de regulação e satisfação de interesses
contraditórios objetivando-se compreender as relações estatais com a sociedade
civil para garantia da expansão do capitalismo e superação das suas crises.
Também serão tratadas as políticas públicas educacionais no âmbito do processo
acelerado de mercantilização da vida e seus reflexos nas reformas educacionais
brasileiras.
23
Já no capítulo 2, será feita a análise do modelo de gestão educacional
adotado pelo Estado eficientista e suas contradições no âmbito da escola pública,
especificamente quanto à descentralização e democratização da gestão.
Prosseguindo, no capítulo 3, será feito estudo do Programa Federal do MEC
implantado em 1995 – Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE – como
instrumento facilitador da compreensão da tendência no campo da gestão
educacional de tornar-se o conjunto de procedimentos administrativo-financeiros
como finalísticos no âmbito das escolas públicas, abrindo-se mão de relevante
processo de discussão política, filosófica e pedagógica dos planos que realmente
promovam a superação dos fatores determinantes da baixa qualidade da educação
pública brasileira. Também possibilitará o estudo do real impacto do PDDE nos
mecanismos de fortalecimento da gestão democrática da escola.
Por último, no capítulo 4, será feito estudo sintético da trajetória de
consolidação da vertente privada da sociedade brasileira e a contradição dos
setores públicos num Estado capitalista privatista, com seus reflexos visíveis na
cidadania fragilizada, não verdadeira e pouco legítima. Serão apontadas as forças
contrárias à participação cidadã e a inconsistência, limites e perspectivas do
controle social da educação pública.
Espera-se que os procedimentos acima mencionados sirvam, em seu
conjunto, producentemente, para a elaboração de um quadro analítico que
contemple objetivos, eixos temáticos e questões estratégicas que servem ao
balizamento da pesquisa ora em curso e possam dar conta , ainda que
relativamente, de responder as questões norteadoras desta investigação
acadêmica, ou mesmo venham a suscitar novas dúvidas que exigirão
aprofundamentos futuros e desdobramentos deste trabalho em novas etapas da
investigação científica, aguçada , no autor, ao longo destes dois anos do mestrado.
24
1– ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA.
1.1 - Estado - representação e satisfação de interesses contraditórios.
Objetivando-se compreender os determinantes históricos e econômicos da
política educacional brasileira nas duas últimas décadas, o presente capítulo tratará
das diversas concepções de Estado, suas representações e mecanismos de
regulação e satisfação de interesses contraditórios objetivando-se compreender as
relações estatais com a sociedade civil para garantia da expansão do capitalismo e
superação das suas crises. Também serão abordadas as políticas públicas
educacionais no âmbito do processo acelerado de mercantilização da vida e seus
reflexos nas reformas educacionais brasileiras.
Ao longo dos últimos séculos, de Maquiavel até Hobbes, e de Locke e de
Rousseau até Marx, o Estado é interpretado de diferentes maneiras.
É possível se considerar Estado, numa primeira aproximação, como o
conjunto de instituições permanentes - como órgãos legislativos, tribunais, exército e
outras que não formam um bloco monolítico necessariamente - que possibilitam a
ação do governo; e Governo, como o conjunto de programas e projetos que parte da
sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) propõe para a
sociedade como um todo, configurando-se a orientação política de um determinado
governo que assume e desempenha as funções de Estado por um determinado
período.
Como elemento mais antigo do binômio Estado - nação, o Estado tem já
uma longa duração histórica. Considerando-se este aspecto e não perdendo de
vista que só poderá ser bem caracterizado em referência às transformações
particulares que foram ocorrendo na sua configuração, natureza e funções, o Estado
poderá , de modo geral, ser entendido como a organização política que, a partir de
um determinado momento histórico, conquista, afirma e mantém a soberania sobre
um determinado território, aí exercendo, entre outras, as funções de regulação,
coerção e controle social – funções essas também mutáveis e com configurações
específicas, e tornando-se, já na transição para a modernidade, gradualmente
indispensáveis ao funcionamento, expansão e consolidação do sistema econômico
capitalista.
Segundo Renato Ortiz,
25
Revolução industrial e modernidade caminham juntas. Elas trazem consigo
um processo de integração até então desconhecido: a constituição da
nação. Diferentemente da noção de Estado (muito antiga na história dos
homens), a nação é fruto do século XIX. Ela pressupõe que no âmbito de
um determinado território ocorra um movimento de integração econômica
(emergência de um mercado nacional), social (educação de ‘todos’ os
cidadãos), política (advento do ideal democrático como elemento ordenador
das relações dos partidos e das classes sociais) e cultural (unificação
lingüística e simbólica de seus habitantes). (Ortiz, 1999, p. 78)
Torna-se necessário fazer referência ao papel e lugar do Estado-nação,
ainda que seja para melhor compreender a sua crise atual e a redefinição do seu
papel – agora, necessariamente, tendo em conta as novas condicionantes inerentes
ao contexto e aos processos de globalização e transnacionalização do capitalismo.
É , entretanto, em Marx que o Estado perde sua superioridade entre os
homens, pois sua existência passa a ser relacionada às contradições das classes
sociais existentes na sociedade.
Desta forma, em vez do Estado imanente e superior, acima dos homens,
Marx apresenta-o como um instrumento da classe dominante. A origem do Estado
reside na divisão da sociedade em classes, sendo sua fundamental função
conservar e reproduzir esta divisão, garantindo os interesses da classe que domina
as outras classes.
A partir destas concepções de Marx, as relações sociais sofreram relevantes
alterações como conseqüência das inúmeras inferências que a classe trabalhadora
pôde, a partir daí extrair, especialmente no sentido de incentivar a luta pela
superação das contradições internas da sociedade, passando a assumir um posto
de nova classe dominante, extinguindo-se assim a sociedade de classes.
Na concepção marxista o Estado não se apresenta como instância neutra e
imparcial a serviço de todos os grupos e classes sociais; configura-se numa forma
de organização que serve às classes dominantes da sociedade, detentoras de
capital. Nesta perspectiva, a sociedade se organiza
a partir de relações de produção as quais constituem a estrutura econômica
da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura
26
jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas de
consciência social (MARX,1983, p. 24).
Em Gramsci, vamos perceber que esta visão toma vulto e se desenvolve por
meio de uma visão mais elaborada e complexa sobre a sociedade e o Estado. Para
ele, o Estado é força e consenso porque mesmo estando a serviço de uma classe
dominante ele não se mantém apenas pela força e pela coerção legal; sua
dominação é bem mais sutil e eficaz. Por meio de diversos meios e sistemas,
principalmente através de entidades que aparentemente estão fora da estrutura
estatal coercitiva, o Estado se mantém e se reproduz como instrumento de uma
classe, também construindo o consenso no seio da sociedade.
Assim Gramsci dilata a visão marxista do Estado, interpretando-o como um
ser que a tudo envolve, composto pela sociedade política e a sociedade civil.
Nesta perspectiva, o Estado é um elemento da superestrutura da sociedade,
uma vez que neste plano estão situadas as formas jurídicas, políticas, religiosas,
artísticas ou filosóficas da organização social. Há no âmbito da superestrutura:
dois grandes “ planos “ superestruturais: o que pode ser chamado de
“sociedade civil”, ( isto é, o conjunto de organismos comumente chamados
de “ privados “) e o da “sociedade política ou Estado “, que corresponde à
função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade
e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e
no governo “ jurídico”. Estas funções são precisamente organizativas e
conectivas ( GRAMSCI,1982, p. 10-11).
Motta (2008), citando Nogueira (2003), afirma que sociedade civil em
Gramsci é um espaço do Estado “ dedicado a promover a articulação e a unificação
de interesses, a politizar ações e consciências e a superar tendências corporativas
ou concorrenciais “ com fins de construção de projetos globais de sociedade e de
articulação ético-política. O Estado burguês é, na concepção de Gramsci (2000), um
Estado-educador:
A classe burguesa põe-se a si mesma como um organismo em contínuo
movimento, capaz de absorver toda a sociedade, assimilando-a a seu nível
cultural e econômico; toda a função do Estado é transformada: o Estado
torna-se educador (...) na medida em que tende precisamente a criar um
novo tipo ou nível de civilização.
27
O Estado exerce a função educadora ao dirigir e organizar a sociedade para
uma determinada vontade política. Sua função educadora pode ser identificada ao
longo do processo de desenvolvimento histórico do modo de produção capitalista,
tendo expandido sua esfera de domínio por meio de estratégias refinadas capazes
de impor a adesão à sua forma particular de ver o mundo.
No atual contexto mundial, o Estado classista aperfeiçoa os mecanismos de
hegemonia ao exercer o papel de administrador dos ciclos de crise do capital e
como Estado-educador, em harmonia com o mercado e em parceria com as
organizações da sociedade civil para o enfrentamento das graves questões sociais.
Germano (2005) admite que o Estado, em formações sociais capitalistas,
assume, em geral, três funções essenciais: funções de legitimação, que dizem
respeito à direção política, à obtenção do consenso da sociedade; funções
coercitivas, que correspondem ao domínio e ao exercício da força e da repressão e,
finalmente, funções econômicas, que se caracterizam por servir de suporte à
acumulação do capital.
De fato, o processo de reprodução social do capital exige regulação como
forma de garantia da sua preservação que, em sua maioria, é estranha ao princípio
regulador das várias unidades de capital. O Estado acabou por corporificar esta
instância reguladora que se apresenta um instrumento particular separado dos
representantes da classe dominante, localizado acima de cada capitalista e que
aparece como uma força impessoal. Logo se pode evidenciar que a intervenção
econômica do Estado se reveste de um caráter conflitivo.
Primeiramente, no que se refere às relações entre trabalho e capital e,
depois, no que diz respeito aos esporádicos “desentendimentos” entre o estado e
determinadas unidades de capital, ou seja, empresas nominais ou setores
empresariais que, por diversas razões, se considerem prejudicados pela ação
econômica do Estado.
Segundo o liberal italiano Norberto Bobbio (1998), o Estado contemporâneo
envolve numerosos problemas, derivados principalmente da dificuldade de analisar
exaustivamente as múltiplas relações que se criaram entre o Estado e o complexo
social e de captar, depois, os seus efeitos sobre a racionalidade interna do sistema
político. Neste contexto vale destacar a noção liberal clássica e dicionarizada de
Estado segundo a qual ele é um “povo social, política e juridicamente organizado,
que, dispondo de uma estrutura administrativa, de um governo próprio, tem
28
soberania sobre determinado território “(KOOGAN-HOUAISS,1993, p. 341). bem
como a acepção política que Rancière, citado por Oliveira, lhe confere:
Nessa acepção, os que fazem política distinguem-se por pautar os
movimentos do outro, do adversário, por impor-lhe, minimamente, uma
agenda de questões, sobre as quais e em torno das quais se desenrola o
conflito. Impor a agenda não significa, necessariamente, ter êxito ou ganhar
a disputa, antes, significa criar um campo específico dentro do qual o
adversário é obrigado a mover-se”. ( OLIVEIRA, 2000).
Prossegue Torres ( 2003) citando Claus Offe (1984), possivelmente o líder
entre os proponentes alemães da teoria crítica do Estado :
(...) um dos temas centrais relacionados ao Estado é a contradição entre a
necessidade do Estado de acumulação capitalista e a legitimidade do
próprio sistema capitalista. Offe propõe uma abordagem analítica, baseada
na teoria de sistemas, que complementa e amplia a análise de Gramsci e a
interpretação de Poulantzas. Para Offe, o Estado é um mediador na crise do
capitalismo, adquirindo funções específicas na mediação das contradições
básicas desse sistema
.
Na perspectiva liberal, o Estado tem uma dimensão de maior neutralidade
na organização da vida social, exercendo o papel aglutinador dos diferentes
interesses que fluem na sociedade, garantindo condições para o Estado de direito.
No enfoque do liberalismo
5
clássico e do neoliberalismo,
6
portanto, o Estado exerce
um papel “de guardião dos interesses públicos. Sua função é tão-somente responder
pelo provimento de alguns bens essenciais “(AZEVEDO, 1997, p. 9), como, por
5
Entende-se por liberalismo uma determinada concepção de Estado na qual o Estado tem
poderes e funções limitadas e, como tal, se contrapõe tanto ao Estado absoluto quanto ao Estado
que hoje chamamos de social. É a doutrina que admite que o Estado é sempre um mal, mas é
necessário, devendo, portanto, ser conservado embora dentro de limites os mais restritos possíveis.
No liberalismo todo poder deve ser submetido a limites.
6
A idéia-força balizadora do ideário neoliberal é a de que o setor público ( o Estado ) é
responsável pela crise, pela ineficiência, pelo privilégio, e que o mercado e o privado são sinônimo de
eficiência, qualidade e eqüidade. Desta idéia-chave advém a tese do Estado mínimo e da
necessidade de zerar todas as conquistas sociais, como o direito à estabilidade de emprego, o direito
à saúde, educação, transportes públicos, etc. Tudo isso passa a ser regido e comprado pela lógica
das leis do mercado. A idéia de Estado mínimo significa, na verdade, o Estado suficiente e necessário
unicamente para os interesses da reprodução do capital.
29
exemplo, a defesa do território, a aplicação das leis e serviços sociais básicos como
saúde e educação.
Pode-se deduzir que a intervenção do Estado na economia realiza-se em
conformidade com a especificidade do desenvolvimento histórico das diversas
formações sociais concretas e com os interesses de grupos minoritários
hegemônicos, estando mais a serviço das minorias do que dos grupos majoritários e
destituídos de direitos, ainda que em estados ditos democráticos. No centro do
sistema capitalista mundial, especialmente na Europa e Estados Unidos, prevaleceu,
no período iniciado com a Revolução Liberal dos anos 1930, o modelo preconizado
por Keynes de Estado intervencionista na ordem econômica e promotor do bem-
estar social através de políticas públicas de caráter redistributivista.7
O Brasil, em sua evolução política, transitou para a modernidade e enfrentou
grandes desafios históricos, tendo sido, até os anos 1930, de uma formação político-
social na qual o Estado é tudo e a sociedade civil é frágil e elementar. Ao referir-se
ao tipo de Estado que resulta de processos de revolução passiva, Gramsci fala em
ditadura sem hegemonia. É evidente que o caso brasileiro gera uma via própria,
tendo suas especificidades.
Pode-se afirmar que o Brasil experimentou, sempre que precisou enfrentar
transformações sociais, processos diversos daqueles pelos quais passaram países
hoje desenvolvidos. A conseqüência é o fato anômalo de que o Brasil se fez Estado
antes mesmo de ser uma nação.
A nação brasileira foi construída a partir do Estado e não a partir da ação
das massas populares.
(...) isso provoca conseqüências extremamente perversas, como, por
exemplo, o fato de que tivemos, desde o início de nossa formação histórica,
uma classe dominante que nada tinha a ver com o povo, que não era
expressão de movimentos populares, mas que foi imposta ao povo de cima
para baixo ou mesmo de fora para dentro e, portanto,
não possuía uma efetiva identificação com as questões populares, com as
questões nacionais. Para usar a terminologia de Gramsci, isso impediu que
nossas elites, além de dominantes, fossem também dirigentes. O Estado
moderno brasileiro foi quase sempre uma ditadura sem hegemonia, ou, para
30
usarmos a terminologia de Florestan Fernandes, uma ‘ autocracia burguesa
. ( COUTINHO, 2006, p. 176).
Focando-se o período mais restrito da histórica do Brasil, com o objetivo
maior de produzir contexto que melhor possibilite compreensão das atuais políticas
públicas brasileiras para a educação, evidencia-se que a revolução de 1930
reproduz a tradição do Estado brasileiro superposto à nação e marca o ingresso do
Brasil na modernidade, sendo mais preciso afirmar que a referida revolução
contribuiu para consolidar definitivamente a transição do país para o capitalismo.
Depois da Abolição da Escravatura ( 1888 ) e da Proclamação da República
(1889 ), o Brasil já era uma sociedade capitalista, com um Estado burguês;
mas depois de 1930 que se dá efetivamente a consolidação e a
generalização das relações capitalistas em nosso país, inclusive com a
expansão daquilo que Marx considerava o ‘ modo de produção
especificamente capitalista, ou seja, a indústria”. ( Coutinho, 2006, p. 176).
Constata-se que no Brasil, com a implantação da ditadura do Estado Novo
em 1937, houve um intenso e rápido processo de industrialização pelo alto, visto que
a política adotada não foi resultado consciente da ação do empresariado, tendo sido
o estado o maior protagonista das transformações ocorridas à época. Manifestações
de importantes teóricos da direita autoritária dos anos 1930 / 40 defendiam
claramente que a nossa modernização de fato deveria ocorrer pelo alto, o que o
pensador marxista Caio Prado Júnior, dentre outros, citado por (COUTINHO, 2006,
P. 177):
mostrou que essa forma de modernização conservadora era, entre nós, um
fato histórico, mas indicou ao mesmo tempo os efeitos nefastos que isso
trouxe para o presente brasileiro ( déficit de cidadania, dependência
externa, formas de coerção extra-econômica na relação entre capital e
trabalho, etc.) (COUTINHO, 2006, P. 177).
O modelo de Estado classista que conhecemos ao longo de meio século no
Brasil apresenta como um dos traços mais característicos o fato de que a
supremacia da classe no poder se dava por meio da dominação ( ou da ditadura ) e
não da direção político-ideológica ( ou da hegemonia )¹³. Os cinquenta anos que vão
31
de 1930 a 1980 conhecem um tipo de Estado classista que se caracteriza, em sua
maior parte, pela presença de uma dominação sem hegemonia.
É este o caso dos momentos de ditadura explícita dos períodos de 1937 a
1945 e de 1964 a 1985, que perfazem um total de 30 anos. Outra forte evidência é
que o Estado brasileiro tornou-se um aparente Estado de bem-estar, criado
juridicamente mas que não funcionou efetivamente , pois a grande maioria dos
direitos sociais prescritos na Constituição não foi implementada, não pelas razões
alegadas de falta de recursos, mas essencialmente pela falta de vontade política de
concretizá-los, não havendo verdadeiro interesse público embasando a ação dos
governantes.
Pode-se afirmar que o Estado brasileiro foi sempre dominado por interesses
privados, característica de todo estado capitalista, não sendo uma singularidade de
nossa formação estatal. Porém, o privatismo referido assumiu aqui características
muito mais acentuadas do que em outros países capitalistas.
Sempre que há uma dominação burguesa com hegemonia, o que ocorre
nos regimes liberal-democráticos, isso implica a necessidade de
concessões da classe dominante às classes subalternas, dos governantes
aos governados. Portanto, nestes casos, o Estado – ainda que, em última
instância, defenda interesses privados – precisa ter também uma dimensão
pública, já que é preciso satisfazer demandas das classes trabalhadoras
para que possa haver o consenso necessário à sua legitimação. (
COUTINHO, 2006, p. 185).
No Brasil, a dominação burguesa se deu sem hegemonia, tendo usado
basicamente duas fórmulas depois de 1930 para exercer a dominação no Brasil :
uma delas a ditadura aberta e a outra o compromisso populista. Ambas pertencem a
um passado, ainda que recente, pois a burguesia tem hoje consciência de que essas
soluções são inviáveis, o que tem gerado um esforço para combinar sua dominação
com formas de direção hegemônica, ou seja, tem-se buscado alcançar um razoável
grau de consenso por parte dos governados.
_____________________
¹³ Para Gramsci hegemonia é um modo de obter o consenso ativo dos governados para uma
proposta abrangente formulada pelos governantes. O que caracteriza aquilo que Gramsci chamou de
ditadura sem hegemonia é o fato de que, nesse tipo de Estado, existe uma classe dominante que
controla direta ou indiretamente o aparelho governamental , mas o projeto político dessa classe não
tem o respaldo consensual do conjunto ou da maioria da sociedade
32
As forças do capital no Brasil e no mundo tem como grande objetivo atual “
consagrar a pequena política e a pseudo-ética do privatismo desenfreado como
elementos fundamentais de um senso comum que sirva de base à sua hegemonia.
É essa, precisamente, a face ideológica do neoliberalismo “. ( COUTINHO, 2006, p.
192).
1.2. – A inserção do Brasil no desenvolvimento capitalista em expansão.
O Brasil, bem como o resto dos países do Terceiro Mundo, a partir dos anos
1980, é forçado a inserir-se no novo processo de desenvolvimento econômico e
social do capitalismo em expansão. Esta inserção deveria ocorrer sem o uso da
violência física de regimes repressivos e acontecer num ambiente político-social de
redemocratização, visto que
(...) o exercício de hegemonia foi fundamental para a conquista da direção
política e cultural da sociedade e nas sociedades capitalistas avançadas. A
força do Estado reside cada vez menos na coerção, pois foi desenvolvendo
mecanismos de hegemonia cada vez mais refinados . ( MOTTA, 2008,
p.33).
Um discurso recorrente e forte, insistente e acirrado em defesa do
neoliberalismo criou corpo nos anos 1990 no Brasil, tendo encontrado apoios
estratégicos em formulações teóricas do pensamento pós-moderno e marcado
presença em todas as frentes do debate social. Verifica-se que concomitantemente
à retórica, por meio da legislação e das medidas programáticas, o governo brasileiro,
a partir da gestão do Presidente Fernando Collor de Mello ( 1990 – 1992 ) passa a
aplicar políticas públicas que vão efetivando as diretrizes neoliberais, com acentuada
evidência da execução de tais medidas nas duas gestões do Presidente Fernando
Henrique Cardoso ( 1995 – 2002 ).
Mas há de se levar em conta a dinâmica do Estado e da sociedade, o que se
pode aferir com o pensamento de Höfling ( 2001, p. 35 ):
33
As ações empreendidas pelo Estado não se implementam
automaticamente, têm movimento, têm contradições e podem gerar
resultados diferentes dos esperados. Especialmente por se voltar para e
dizer respeito a grupos diferentes, o impacto das políticas sociais
implementadas pelo Estado capitalista sofre o efeito de interesses
diferentes expressos nas relações sociais de poder.
Relevante afirmar que o processo de implantação dessa nova orientação
política não se consolidou simultaneamente em todos os países, estendendo-se,
como no caso brasileiro, até 1995. Tal elenco de orientações equivale ao conjunto de
reformas consensuais entre os principais organismos multilaterais sediados em
Washington – EUA, a partir do final dos anos 1980, conhecido como Consenso de
Washington que é um conjunto de medidas - que se compõe de dez regras básicas -
formulado em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras
baseadas em Washington D.C., como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do
Tesouro dos Estados Unidos, fundamentadas num texto do economista John
Williamson, do International Institute for Economy, e que se tornou a política oficial do
Fundo Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser "receitado" para
promover o "ajustamento macroeconômico" dos países em desenvolvimento que
passavam por dificuldades.
Independentemente das intenções originais de seu criador, o termo
"Consenso de Washington" foi usado ao redor do mundo para consolidar o
receituário de caráter neoliberal - na onda mundial que teve sua origem no Chile de
Pinochet, sob orientação dos “ Chicago Boys” , que seria depois seguida por
Thatcher, na Inglaterra (thatcherismo) e pela “ supply side economics “ de Ronald
Reagan (reaganismo), nos Estados Unidos.
O FMI passou a recomendar a implementação dessas medidas nos países
emergentes, durante a década de 90, como meios para acelerar seu
desenvolvimento econômico. De início essas idéias foram aceitas e adotadas por
dezenas de países sem serem muito questionadas. Só após a grave crise asiática,
em 1997, da quase quebra da Rússia, que viu seu PIB cair 30%, da "quebra" da
economia Argentina - que recebia notas A+ do FMI pelo zelo com que aplicava suas
sugestões - e de vários outros desajustes econômicos ocorridos pelo mundo, o
34
"Consenso" foi adaptado e, desde 2004, já revisto pelo próprio FMI, que abandonou
o dogmatismo inicial.
A popularização dessas políticas econômicas criadas, foi muito facilitada
pelo entusiasmo que gerou a queda do muro de Berlim e foi ajudada pela
decadência do socialismo soviético, numa época em que parecia que os países que
seguiam o planejamento central estavam fadados ao fracasso econômico e político.
1.3 - Mudanças estruturais no interior do capitalismo.
O capitalismo das últimas décadas do século XX caracteriza-se pelo abalo
da soberania do Estado nacional e pela globalização econômica. A soberania
reclamada pelos Estados desde o Século XVI não diz respeito propriamente ao
Estado como tal, mas ao sistema interestatal .
A fusão singular do Estado com o capital nos anos 1980 e 90 é fruto do
desenvolvimento do capitalismo moderno dependente do Estado de tal modo que o
capitalismo avançou até a fase em que o Estado nacional deu lugar a um império
mundial. O Estado-nação perdeu algumas de suas prerrogativas fundamentais e foi
forçado a redefinir suas funções, focando mais em segurança e ordem pública. O
comando anteriormente concentrado não mais se encontra no nível do Estado-
nação.
A hipótese básica é que a soberania tomou nova forma, composta de uma
série de organismos nacionais e supranacionais, unidos por uma lógica ou regra
única . As grandes corporações capitalistas não operam mais como no imperialismo
– período de hegemonia dos Estados -nação -- elas estruturam e articulam
territórios e populações, criando uma nova geografia mundial, uma nova
estruturação biopolítica do mundo. A nova estruturação global exige uma
regulamentação que substitua de fato e de direito a regulamentação estatal, que já
se encontra de várias formas subordinadas a decisões, determinações e controles
supranacionais.
35
Os entusiastas neoliberais das décadas de 1980 e 1990, que apostavam na
globalização econômica e no mercado livre das amarras do Estado como sendo
capazes de gerar desenvolvimento econômico em todos os quadrantes do planeta,
acreditavam que os benefícios de tal desenvolvimento seriam “ derramados “ por
osmose aos setores desfavorecidos e os tirariam da pobreza. Os dados da realidade
vão contrapor a tese difundida, pondo por terra a teoria do derrame. Há indicadores
evidentes de crescimento vertiginoso de miséria e pobreza nos países periféricos a
partir dos anos 1990.
Quadro 1 - Efeitos da política do imperialismo nas três maiores economias
latino-americanas. Pobres e miseráveis como percentual da população, segundo
metodologia da CEPAL
Fonte: CEPAL, Panorama Social de America Latina, 2002
e 2005.
Os fracassos repetidos do capitalismo em épocas diferentes, como a não ‘
eliminação da pobreza por conta do desenvolvimento econômico dos países nos
anos 1950 – 1970 e , agora, com o fracasso da teoria defendida que o derrame dos
benefícios do crescimento econômico mundial e globalizado iria ocorrer se o modelo
neoliberal fosse implantado, nos leva à reflexão do que escreveu Motta ( 2008),
baseada em MArx:
O capitalismo só pode existir em expansão contínua, impulsionado pela
competição, pelo lucro sempre ampliado; num processo de mercantilização
crescente de todas as atividades e produtos humanos. Nesse processo,
com a superexploração do trabalho, condiciona com suas regras as várias
esferas da vida social. Sua contradição essencial é que nas mesmas
condições em que se produz a riqueza, produz-se também a miséria.
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação –
FAO informou que a barreira de 1 bilhão de pessoas que sofrem desnutrição será
superada em 2009 em consequência da crise econômica mundial (a entidade define
como subnutrida a pessoa que ingere menos de 1.800 calorias por dia).
36
O número supera em quase 100 milhões o do ano passado e equivale a uma
sexta parte aproximadamente da população mundial, destaca a agência
especializada da ONU. Segundo as estimativas da FAO, baseadas em um estudo do
Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, "a maioria das pessoas
subnutridas vive em países em desenvolvimento". O número de subnutridos no
mundo passou de 825 milhões --no período de 1995 a 1997-- a 873 milhões entre
2004 e 2006. Em 2008, o número caiu de 963 milhões a 915 milhões por uma
melhor distribuição dos alimentos, mas a tendência se reverteu com o agravamento
da crise econômica e financeira do fim do ano. As estimativas da FAO confirmam a
tendência da última década para uma insegurança alimentar maior e revelam
claramente o impacto da crise nas populações mais pobres do planeta. "O aumento
da insegurança alimentar que aconteceu em 2009 mostra a urgência de encarar as
causas profundas da fome com rapidez e eficácia", afirma a organização. "A atual
desaceleração da economia mundial, que segue a crise dos alimentos e dos
combustíveis e coincide em parte com ela, está no centro do crescimento da fome
no mundo", indica a agência da ONU. ( ONU, Portal ODM, 2009) .
As perversas conseqüências do processo de globalização dos mercados de
capitalismo dependente e da conjuntura que apontava a infinita capacidade
produtiva do novo padrão tecnológico de produção, acabaram por intensificar a
polarização entre países, globalizar a pobreza, precarizar o mundo do trabalho, com
perdas de direitos conquistados por meio do aumento do desemprego estrutural e da
informalidade.
Nos anos finais da década de 1990, o clima instalado de insegurança, de
competição acirrada e de exacerbação do individualismo, e a série de crises
econômicas em países de capitalismo dependente criaram tensões em nível
mundial, resultando numa crescente onda antiglobalização. Diante desse
quadro, setores dominantes chegaram à conclusão de que o fracasso da
teoria do derrame estava colocando em risco a coesão social, nos planos
nacional e internacional. ( MOTTA, 2008, p.27 ).
A reação não poderia tardar e os mecanismos de adequação às novas
exigências do capitalismo do fim do século XX e início do século XXI começaram a
37
ser discutidos amplamente em busca de soluções para os males do capitalismo
mundializado. Vários encontros foram realizados entre setores políticos e
econômicos para discutirem sobre essa possível ameaça de ruptura da coesão
social e sobre a necessidade de redefinir ações voltadas para administrar esse
risco. Mais uma vez o efeito camaleão - mimetismo do capitalismo - se manifesta
para garantir hegemonia, sobrevivência e expansão. Segundo D’Araújo (2003)
citado por Motta (2008, p. 28) : “ É uma nova roupagem para preocupações antigas
que inquietam grande parte da população”.
Da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social, realizada em
Copenhague, em 1995 , ao encontro de Cúpula do Milênio da Organização das
Nações Unidas, realizado em 2000, em Nova York, um conjunto de políticas foi
definido e recebeu a denominação de Políticas de Desenvolvimento do Milênio -
PDMs. Nesse conjunto de políticas sociais, as bases ideológicas de orientação são
renovadas com a idéia de gerar capital social e a tese defendida é a de que as
reformas econômicas devem incorporar também ajustes nas dimensões culturais e
sociais.
1.4 - Políticas públicas para a educação brasileira.
1. 4.1 – Novos cenários para a educação brasileira – anos 1990.
Nos meses de produção deste trabalho foram alardeadas pela imprensa e
oficialmente pelo Governo Federal de que o Brasil passaria da condição de devedor
a credor do FMI, contrariando uma sequência histórica de empréstimos desde 1949.
Buscaremos nesta análise de políticas públicas para a educação considerar os
períodos anteriores ao atual, visto que o cenário recente, momentâneo, é ímpar e
não irá refletir as reais condições da economia brasileira que impactaram na
definição das políticas educacionais, podendo ofuscar as consequências de décadas
no cenário da educação nacional.
É sabedor que o Banco Mundial (BM), excetuado o período de alguns anos
do pós-guerra, constituiu-se num banco da política externa norteamericana,
38
chegando, na ultima década do século XX, a assumir este papel com intensidade
sem precedentes na sua trajetória, tendo minimizado a sua condição de organismo
pluralista.
A década de 1980 foi um período importante de reorientação do papel e das
políticas tanto do Banco Mundial ( BM) quanto dos demais organismos multilaterais
de financiamento, como o Fundo Monetário Internacional (FMI).
A crise de endividamento dos países do Terceiro Mundo – principalmente
com credores privados – na qual a América Latina esteve no centro,
propiciou o contexto político favorável para que o Banco assumisse um
papel central na renegociação e garantia dos pagamentos das dívidas
externas, na reestruturação e abertura das economias dos devedores e na
instituição de condicionalidades para a obtenção de novos financiamentos. (
HADDAD, 2008).
Relevante destacar o papel central das condicionalidades cruzadas como
ferramentas para a consecução do ajuste estrutural às economias endividadas dos
países periféricos. “ Estas condicionalidades entrecruzam exigências vinculadas aos
projetos específicos em negociação com o BM a outras referentes aos programas de
ajuste estrutural, que podem até mesmo afetar as políticas internas dos países e
provocar mudanças na sua legislação”(SOARES, 1996).
Segundo Martins ( 2001, p.29):
Nos anos 90, no contexto das relações internacionais constituído após o
Consenso de Washington, formou-se a idéia hegemônica de que o Estado -
sobretudo nos países periféricos - deveria focar sua atuação nas relações
exteriores e na regulação financeira, com base em critérios negociados
diretamente com os organismos internacionais. A reforma nas suas
estruturas e aparato de funcionamento consolidou-se nos anos 90, por meio
de um processo de desregulamentação na economia, da privatização das
empresas produtivas estatais, da abertura de mercados, da reforma dos
sistemas de previdência social, saúde e educação, descentralizando-se
seus serviços, sob a justificativa de otimizar seus recursos.
Da forma como apresentada acima, otimização representaria a criação de
condições para a garantia de uma maior eficiência e maior agilidade e transparência
39
na prestação de serviços públicos; busca cada vez mais ampliar o envolvimento do
poder local na identificação das demandas, no controle de gastos e na fiscalização
do cumprimento das metas estabelecidas e, a um só tempo, o acompanhamento
dessas ações também pelo setor público. Tornando-se esta idéia aceitável no
cenário de redemocratização, naturaliza-se, desta forma, o aprofundamento da
intervenção de diversos organismos internacionais nas políticas de educação de
países situados à margem das economias centrais, em particular na América Latina.
A integração das políticas do BM com as do FMI – inclusive consolidada pela
obrigatoriedade de que os países-membros do BM sejam também membros do FMI
– já vem sendo problematizada por diversos atores da sociedade civil, com destaque
para os Fóruns Mundiais Sociais organizados por movimentos sociais de diversos
continentes, com objetivo de elaborar alternativas para uma transformação social
global.
No entanto, cabe destacar, o processo mais recente em andamento: a
aproximação do BM e do FMI à Organização Mundial do Comércio (OMC). As
formas de cooperação envolvem o desenvolvimento de programas e modalidades de
articulação entre esses organismos, bem como critérios e atividades que promovam
o apoio das políticas financeiras do FMI e do BM às políticas comerciais da OMC,
visando sempre à liberalização do comércio de bens e serviços, dentre os quais a
educação. (...) merece consideração o fato de que os três organismos apóiam as
Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDMs) adotadas pela Organização das
Nações Unidas (ONU) em junho de 2000, através de recomendações e
condicionalidades afinadas com as mesmas.
A educação foi reafirmada como direito pela Conferência Mundial de
Educação para Todos ( ocorrida em 1990 na Tailândia, Jomtien ) e pela Cúpula
Mundial de Educação para Todos ( ocorrida em 2000 no Senegal, em Dacar ),
promovidas por Unesco, Unicef , PNUD e Banco Mundial.
As metas de Jomtien e de Dacar são abrangentes, abordando o conjunto da
educação básica, incluindo a educação de jovens e adultos, a questão de Gênero e
a dimensão da qualidade.
40
Apesar de a Unesco ( Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura ) ser por excelência a principal instituição multilateral
responsável pela implementação da estratégia de Educação para Todos, o
Banco Mundial vem tendo um papel mais determinante, trazendo reflexos
consideráveis para o modo como a cooperação internacional concebe a
educação e nos projetos apoiados. ( FIORI, 2001).
O Banco Mundial, mesmo sendo signatário de ambas conferências, vem
insistindo na priorização do ensino primário – correspondente às séries iniciais do
Ensino Fundamental no Brasil – e implementando estratégias de ação com um
marco de referências alternativo ao das duas cúpulas internacionais de educação,
especialmente as Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDMs), estas muito mais
restritivas. “No que tange à educação, estas metas são bastante reducionistas
quando comparadas às metas estabelecidas pela Cúpula Mundial de Educação para
Todos”.( HADDAD, 2008).
Quadro 2 – Comparação das metas do milênio relativas à educação e
as metas da Cúpula Mundial de Educação de Dacar.
Metas do Milênio Metas de Dacar
expandir e melhorar o cuidado e a
educação da criança pequena,
especialmente para as crianças mais
vulneráveis e em maior desvantagem
Garantir que até 2015 todas as
crianças, de ambos os sexos,
terminem um ciclo completo de
ensino primário.
assegurar que todas as crianças, com
ênfase especial nas meninas e crianças
em circunstâncias difíceis, tenham acesso
à educação primária, obrigatória, gratuita
e de boa qualidade até o ano 2015
assegurar que as necessidades de
aprendizagem de todos os jovens e
adultos sejam atendidas pelo acesso
eqüitativo à aprendizagem apropriada, a
habilidades para a vida e a programas de
formação para a cidadania;
alcançar uma melhoria de 50% nos níveis
de alfabetização de adultos até 2015,
especialmente para as mulheres, e
acesso eqüitativo à educação básica e
continuada para todos os adultos;
Eliminar a disparidade entre os
sexos no ensino primário e
secundário, se possível até 2005, e
em todos os níveis de ensino, a
mais tardar até 2015.
eliminar disparidades de gênero na
educação primária e secundária até 2005
e alcançar a igualdade de gênero na
educação até 2015, com enfoque na
garantia ao acesso e o desempenho
41
pleno e eqüitativo de meninas na
educação básica de boa qualidade;
melhorar todos os aspectos da qualidade
da educação e assegurar excelência para
todos, de forma a garantir a todos
resultados reconhecidos e mensuráveis,
especialmente na alfabetização,
matemática e habilidades essenciais à
vida.
Fonte : HADDAD, 2008 , p. 23.
Orientações e iniciativas do BM, do FMI e da OMC, mesmo que
aparentemente em convergência, não apresentam resultados de uma articulação
efetiva, pois chegam a produzir incoerências que, no extremo, inviabilizam o
cumprimento de metas e condicionalidades.
Haddad (2008) citando David Archer, comprova a idéia acima exposta:
(...) exemplo a esse respeito é apontado por David Archer ao comentar que
as metas de inflação exigidas em acordos com o FMI inviabilizam o
aumento de investimentos públicos em educação uma vez que estes,
supostamente, elevariam os índices inflacionários. Pondera, no entanto, que
os Ministros da Fazenda de cada país são também corresponsáveis por
essa situação porque, algumas vezes é uma política explícita do FMI, mas
em outras é o Ministro da Fazenda que acredita tanto nos mandamentos do
FMI que realmente bloqueia, de uma forma ou de outra, o aumento no gasto
com educação, saúde e outros gastos sociais (...)
As incoerências entre as condicionalidades e metas propostas pelo BM e
FMI, tem origem na contradição central entre o discurso que prioriza o combate à
pobreza e o alinhamento efetivo às políticas de ajuste estrutural, que tem caráter
essencialmente excludente . (SOARES, 1996).
Identificamos no rol das dezoito MDMs, apenas duas referidas à educação,
focadas na universalização da educação primária e na equidade de gênero.
As metas MDMs foram adotadas como referências pela Iniciativa Via Rápida
(IVR), mecanismo de financiamento da cooperação internacional para a área
educacional encabeçada pelo BM que se constituiu como a principal ação concreta
efetivada no contexto pós-Dacar. A IVR tem foco na educação primária e contém
42
uma série de parâmetros muito polêmicos, como ,por exemplo, a recomendação de
um teto para o salário de professores.
Haddad (2008) esclarece, com base em relatórios de 2002 do Banco
Mundial:
No documento de avaliação da Educação para Todos, plano de ação para
acelerar o progresso rumo à educação para todos, o Banco Mundial
recomenda a IVR para superar as dificuldades apresentadas até o
momento, sendo necessário que seja implementado pelos países um
quadro de ações orientadas por resultados, analisados a partir de uma visão
econômica.
Seguindo esta mesma diretriz, conforme afirma KRUPPA (s.d.), o BM vem,
durante as últimas décadas , recomendando um pacote de reformas educativas para
os mais variados países, que contém, dentre outros, os seguintes elementos: a)
prioridade na educação primária; b) melhoria da eficácia da educação; c) ênfase nos
aspectos administrativos; d) descentralização e autonomia das instituições
escolares, entendida como transferência de responsabilidade de gestão e de
captação de financiamento, enquanto ao Estado caberá manter centralizadas as
funções de fixar padrões, facilitar os insumos que influenciam o rendimento escolar,
adotar estratégias flexíveis para a aquisição e uso de tais insumos e monitorar o
desempenho escolar; e) a análise econômica como critério dominante na definição
das estratégias. A análise econômica mencionada no último item constitui, segundo
o BM, a metodologia principal para a definição das políticas educacionais, sendo,
portanto, “ um instrumento de diagnóstico para começar o processo de estabelecer
prioridades (...) “(CORAGGIO, 1996).
Segundo José Luiz Coraggio (1996), além do cálculo das relações
financeiras de custo-benefício, o instrumental economicista de abordagem da
educação implica, em última análise, a gradual introjeção e institucionalização de
valores da esfera do mercado no âmbito da educação e da cultura educacional. Isso
se constata como diretriz em documentos do próprio BM: “ O Banco fortalecerá o
apoio a reformas multissetoriais, especialmente aquelas relativas à entrega de
serviços. O Banco desenvolve estratégias de assistência na implementação de
reformas relativas à educação (...)” Sob o argumento de envolver a comunidade para
que participe da “gestão democrática” da unidade escolar, maximizar a eficiência e
43
obter resultados palpáveis, O BM propõe que a administração dos recursos da
educação seja descentralizada, isto é, que os fundos sejam administrados o mais
diretamente possível pelas instituições escolares, ao invés do controle pelo governo.
Mais do que isso, sugere que a responsabilidade por arrecadar recursos deve ser
compartilhada com a comunidade local, relativizando a responsabilidade do estado
em garantir o financiamento à educação.
Prossegue Haddad (2004), advertindo:
Apesar de o Documento de estratégia para a redução da pobreza, publicado
em 2001, indicar que não deveria haver mais cobrança de taxas em
operações escolares primárias (...) o Banco sugere que as comunidades
podem levantar recursos em dinheiro ou espécie para financiar projetos,
sobretudo para construção e custos de manutenção.
Sônia Kruppa ( s.d.) destaca que “ a educação está entre as políticas
públicas em processo acelerado de mercantilização “ e nos parece que os pais e as
comunidades locais estão sendo cada vez mais envolvidos nessa relação mercantil.
A apropriação, por parte do BM, da concepção de descentralização e de
aproximação da comunidade no âmbito da escola deve ser problematizada, já que
coloca em risco a própria noção de educação como direito a ser garantido por meio
de políticas públicas.
Estudos e propostas dos organismos multilaterais, guardadas as devidas
peculiaridades de suas prioridades e focos, alcançam convergência quanto à defesa
da descentralização como forma de desburocratização do Estado e de abertura a
novas formas de gestão da esfera pública; da autonomia gerencial para as unidades
escolares e, ainda, a busca de incrementos nos índices de produtividade dos
sistemas públicos, acentuadamente marcada pelo viés neoliberal.
O Brasil, como signatário dos documentos firmados, assume diversos
compromissos que irão influenciar as diretrizes e metas das políticas públicas de
educação, em específico ao que se refere ao Ensino Fundamental, bem como irão
satisfazer as condições internacionais impostas para alcançar liberação de
financiamento para a área, como as praticadas pelo Banco Mundial.
Neste cenário, a ideia de descentralização, que sempre foi identificada com
aspirações por maior participação nas decisões e, portanto, com práticas
44
democráticas substantivas, foi ressignificada (AZEVEDO, 2001). Isto decorre do êxito
cultural e ideológico do neoliberalismo, que se expressa no argumento da inexistência
de alternativas de desenvolvimento, enraizando a crença da inevitabilidade de novos
modos de (des) regulação social. Com efeito, até o sentido das palavras foi
ressignificado, como demonstra Boron (1999), exemplificando o caso do vocábulo
reforma, que, de uma conotação positiva e progressista, que remetia a
transformações sociais e econômicas orientadas para uma sociedade mais justa e
igualitária, passa a ser reconvertido pelos ideólogos neoliberais, aludindo a processos
e transformações de cunho involutivo e antidemocrático.
Segundo Azevedo (2001), o que se procurou estabelecer em nosso país foi
um replanejamento institucional, inspirado tanto no neoliberalismo quanto nas
práticas de gestão industrial, a partir dos pressupostos da qualidade total. Procura-se,
assim, privilegiar a administração por projetos, com objetivos estabelecidos
previamente, de base local (expresso no processo de descentralização) e altamente
competitivos. No entanto, nos próprios espaços locais, são observados germes de
resistência a esse modelo gerencial, imposto pela reforma do Estado brasileiro.
Assim,
[...] de uma perspectiva analítica mais global, é preciso termos presente que
nenhuma orientação que vem de fora é transplantada mecanicamente para
qualquer sociedade. Ao contrário, as diretrizes que, de um lado, estão
desnacionalizando o Estado-nação em função da acumulação de capital
são sujeitas a processos de recontextualização impingidos pelas
características históricas da sociedade a que se destinam (AZEVEDO,
2001, p. 12).
O processo de definição de políticas públicas para uma sociedade reflete os
conflitos de interesses, os arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam as
instituições do Estado e da sociedade como um todo.
45
1.4.2 – Reformas educacionais no Brasil e o Banco Mundial.
O plano de governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) em 1994,
segundo Helena Altman (2002) , já apresentava propostas de reformas
educacionais alinhadas com as diretrizes do Banco Mundial, tais como a “ redução
das taxas de responsabilidade do Ministério da Educação como instância executora;
o estabelecimento de conteúdos curriculares básicos e padrões de aprendizagem; a
implementação de um sistema nacional de avaliação do desempenho das escolas e
dos sistemas educacionais para acompanhar a consecução das metas de melhoria
da qualidade do ensino “.
A gestão FHC, segundo Haddad e Graciano ( 2004) buscou adequar o
sistema de ensino à reforma de Estado brasileiro, em consonância com as
orientações das instituições financeiras multilaterais. Esses autores ressaltam que
se a participação do ensino privado é minoritária nos níveis focalizados pela
atuação do governo e recomendados pelo Banco, não passando de 10% em média,
é no nível superior que ela ganha uma escala maior, recebendo até 70% das
matrículas .
No documento O que é o Fundef publicizado na rede mundial de
computadores pela Secretaria de Educação Básica do MEC – obtemos a
informação que “ o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério ( FUNDEF ), aprovado em 1996
durante a gestão FHC e substituído pelo FUNDEB em 2007, contemplou outro
importante componente do receituário do BM, qual seja, a focalização no ensino
fundamental. A intenção de focalizar esforços e recursos no ensino fundamental
regular foi criticada por diversos setores por deixar desassistidas as etapas da
educação infantil e do ensino médio, além da educação de jovens e adultos. Além
disso, na perspectiva da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
(CNTE), a focalização do FUNDEF “ ajudou a desestabilizar um pouco mais as
carreiras nos estados e municípios ao criar, dentro de uma mesma rede de ensino,
servidores de duas categorias: os vinculados ao ensino fundamental e os das outras
etapas.
46
Cabe ressaltar com destaque que o incentivo à focalização no ensino
fundamental veio seguido do incentivo à municipalização deste nível de ensino,
outra clara e evidente recomendação do Banco Mundial. Essa discussão nos
remete à chamada descentralização da educação brasileira e aos problemas daí
decorrentes, destacando-se a municipalização do ensino. Diversas análises
colocam em evidência que , no Brasil, houve a desconcentração de ações
educacionais de forma muito mais efetiva do que a descentralização garantidora de
autonomia aos entes federados. Houve transferência de competências de um ente
federado para outro, resultando na manutenção de ações pontuais e focalizadas
traduzidas em forma de apoio técnico e financeiro, em detrimento de ampla política
de planejamento, financiamento e gestão da educação básica. Por conta disso,
observa-se o predomínio de vários processos de regulação no cenário educacional
brasileiro que permeiam o cotidiano dos sistemas de ensino e das escolas públicas,
sob hegemonia da União, através de políticas de financiamento de ações e
programas governamentais, não em pouco número.
Muitos municípios não estavam preparados para esse processo de
municipalização que acabou por sobrecarregar as matrículas do ensino
fundamental que ficaram muito acima do potencial arrecadador. Também ficou
evidente uma lentidão e precarização do atendimento da educação infantil,
principalmente na faixa etária de até três anos de idade, uma vez que este
segmento da educação básica não foi contemplado com as legislações de
financiamento dos anos 1990, mais especificamente a Lei do Fundef que só
financiava o ensino fundamental.
A receita educacional apresentada pelo Banco Mundial , na qual se pode ler
a descentralização administrativa ( que, no Brasil, influenciou o processo de
municipalização do ensino), a concentração de recursos no ensino fundamental (
limitado o financiamento para outros níveis ) e a avaliação dos estabelecimentos de
ensino pelos resultados da aprendizagem ( dando origem aos Saebs, Enem e
Provão ) vai ser absorvida e aplicada pelos Governos, tendo reduzido muito o
espectro de variáveis no diagnóstico dos problemas educacionais considerado na
formulação das políticas públicas .
47
O Banco Mundial teve forte influência na definição das políticas
educacionais brasileiras nas últimas décadas, nem tanto pelo volume de recursos
que injetou no setor, mas pelo que conseguiu influenciar nas políticas sociais,
principalmente, porque seu aval abria portas para a liberação de empréstimos
destinados a programas de ajuste estrutural .
Kruppa (s.d.) esclarece que, ao mesmo tempo que incentiva
descentralização, no sentido da transferência de responsabilidades, o BM acena
com apoio até mesmo financeiro à constituição de sistemas de avaliação fortemente
centralizados, incumbindo o governo central de fiscalizar e propor aprimoramentos
tanto de caráter administrativo quanto curricular – funções, estas sim, que deveriam
contar com o envolvimento das instâncias locais.
Haddad (2008) afirma que :
No que concerne às políticas educacionais do BM, está atualmente em
curso um processo rigoroso de avaliação da eficácia de seus investimentos
em educação primária desde 1990. Um comitê, supostamente autônomo,
constituído pelo Banco, do qual faz parte o ex-ministro da educação do
Brasil, Paulo Renato de Souza, está encarregado de analisar a eficácia dos
projetos em educação financiados por essa instituição, que somam mais de
dez bilhões de dólares . Para David Archer, diretor internacional para
educação da ActionAid e também membro do comitê, a avaliação do
impacto do BM sobre a educação não pode se ater apenas aos projetos
educacionais isoladamente. Afirma ele: para avaliar o impacto do BM sobre
a educação não se pode olhar apenas para o quanto o Banco tem gasto
(...), pois o Banco financia pequenos projetos aqui e ali, mas o grande
impacto sobre a educação se dá a partir das políticas macroeconômicas
que ele tem apoiado junto ao FMI.
Diagnósticos, relatórios e receituários vão impactar as reformas
educacionais. Os instrumentos aplicados e analisados serão usados como
paradigmas pelas tecnocracias governamentais, elaborados na esfera de ação de
órgãos multilaterais de financiamento, como Banco Mundial, FMI, BID, BIRD,
UNESCO, UNICEF e PNUD.
48
Percebe-se que os efeitos são prolongados, notando-se crescimento em
volume e sofisticação ao longo da década do novo século dos instrumentos
utilizados para avaliação de programas, projetos e políticas públicas, sendo
ampliado o Sistema de Avaliação da Educação Básica/ MEC , com a
institucionalização nacional do IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica, capaz de garantir homogeneidade nacional em torno da busca de superação
de indicadores, ainda que em meio às diretrizes de descentralização dos sistemas.
Desta forma, descentralizam-se responsabilidades e competências e centralizam-se
controle, avaliação e financiamento. Muitos municípios, totalmente dependentes dos
repasses federal e estadual, sem uma compreensão mais ampliada das forças de
verticalização, acabam por elaborar planos ( PAR – PDE ) com a primordial intenção
de garantir os recursos financeiros necessários à manutenção e desenvolvimento do
ensino ( MDE ), além, obviamente, da preocupação dos seus governantes com o
ranqueamento nacional/estadual/regional que possa produzir dividendos políticos
com a visibilidade de resultados, muitos deles não condizentes com as reais
condições da educação pública local.
Estudos e propostas desses organismos, guardadas as devidas
peculiaridades de suas prioridades e focos, alcançam convergência quanto à defesa
da descentralização como forma de desburocratização do Estado e de abertura a
novas formas de gestão da esfera pública; da autonomia gerencial para as unidades
escolares e, ainda, a busca de incrementos nos índices de produtividade dos
sistemas públicos, acentuadamente marcada pelo viés neoliberal.
A relação entre sociedade e Estado, o grau de distanciamento ou
aproximação, as formas de utilização ou não de canais de comunicação entre os
diferentes grupos da sociedade e os órgãos públicos estabelecem contornos
próprios para as políticas pensadas para uma sociedade. Indiscutivelmente, as
formas de organização, o poder de pressão e articulação de diferentes grupos
sociais no processo de estabelecimento e reivindicação de demandas são fatores
fundamentais na conquista de novos e mais amplos direitos sociais, incorporados
ao exercício da cidadania.
Em um Estado de inspiração neoliberal as ações e estratégias sociais
governamentais incidem essencialmente em políticas compensatórias, em
49
programas focalizados, voltados àqueles que, em função de sua "capacidade e
escolhas individuais", não usufruem do progresso social. Tais ações não têm o
poder de alterar as relações estabelecidas na sociedade.
Pensando em política educacional, ações pontuais voltadas para maior
eficiência e eficácia do processo de aprendizagem, da gestão escolar e da
aplicação de recursos são insuficientes para caracterizar uma alteração da função
política deste setor. Enquanto não se ampliar efetivamente a participação dos
envolvidos nas esferas de decisão, de planejamento e de execução da política
educacional, estaremos alcançando índices positivos quanto à avaliação dos
resultados de programas da política educacional, mas não quanto à avaliação
política da educação.
Mais do que oferecer "serviços" sociais - entre eles a educação - as ações
públicas, articuladas com as demandas da sociedade, devem se voltar para a
construção de direitos sociais.
Numa sociedade extremamente desigual e heterogênea como a brasileira, a
política educacional deve desempenhar importante papel ao mesmo tempo em
relação à democratização da estrutura ocupacional que se estabeleceu, e à
formação do cidadão, do sujeito em termos mais significativos do que torná-lo
"competitivo frente à ordem mundial globalizada".
A frustração - ou não - destas expectativas se coloca em relação direta com
os pressupostos e parâmetros adotados pelos órgãos públicos e organismos da
sociedade civil com relação ao que se concebe por Estado, Governo e Educação
Pública. E nem sempre os responsáveis pelo planejamento e execução das
políticas públicas voltadas para a educação alcançam em profundidade os
conceitos fundamentais que ampliariam a visão de homem, mundo e sociedade, a
fim de garantir tomadas de decisões com um maior amadurecimento político e
social, visando a consolidação de uma educação que verdadeiramente possa
emancipar o ser humano.
50
2 - GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA.
2.1 - Gestão da educação no contexto da reforma do Estado brasileiro.
O presente capítulo buscará dar conta da análise do modelo de gestão
educacional adotado pelo Estado eficientista e suas contradições no âmbito da
escola pública, especificamente quanto à descentralização e democratização da
gestão.
As reformas educacionais em curso nas últimas décadas, tanto no Brasil
como em vários países, vem apresentando como tendência atual o foco na gestão
educacional e da escola como eixos fundamentais de transformação. Evidencia-se
como posição hegemônica nessas reformas o começo de uma mudança radical na
maneira de pensar e implementar a gestão dos sistemas educacionais,
concentrando-se a atenção, principalmente, na escola e em sua autonomia.
É muito comum dentro e fora do meio educacional haver muitos
questionamentos sobre qualidade do ensino básico e a produtividade da escola
pública. Há uma inquietação natural, levando todos os envolvidos a um debate
permanente, principalmente quando a abordagem envolve o atendimento do Estado,
tão preocupado em propalar os avanços quantitativos resultantes da expansão do
número de escolas e vagas, sem , contudo, deixar clara a política de universalização
da qualidade necessária e desejada, ainda tão descompassada dos avanços
numéricos em termos de acesso, pois os números de permanência, conclusão e
conclusão com qualidade ainda preocupam a todos os envolvidos com a escola
pública brasileira. Como se constata nos quadros 3, 4, 5, 6 e 7 seguintes :
Quadro 3 - Percentual da população em idade escolar que está na escola.
4 a 6 anos 7 a 14 anos 15 a 17 anos 4 a 17 anos
BRASIL 81,6% 97,5% 79,6% 90,6%
Fonte: PNAD/IBGE
Ano: 2007
Quadro 4 -Taxa de aprovação
4ª série (EF) 8ª série (EF) 3ª série (EM)
BRASIL 85,8% 79,8% 74,1%
Fonte: MEC/INEP/DTDIE
Ano: 2007
51
Quadro 5 - Taxa de reprovação
4ª série (EF) 8ª série (EF) 3ª série (EM)
BRASIL 10,4% 10,9% 7,9%
Fonte: MEC/INEP/DTDIE
Ano: 2005
Quadro 6 - Taxa de abandono
4ª série (EF) 8ª série (EF) 3ª série (EM)
BRASIL 4,8% 9,4% 10,3%
Fonte: MEC/INEP/DTDIE
Ano: 2005
Quadro 7 -Percentual de alunos que aprendeu
o que era esperado para cada série.
4a. série EF 8a. série EF 3a. série EM
Líng.
Port.
Matemática
Líng.
Port.
Matemática
Líng.
Port.
Matemática
BRASIL 27,9% 23,7% 20,5% 14,3% 24,5% 9,8%
Fonte: SAEB/INEP
Ano: 2007
Como sabemos, as reformas educativas empreendidas no país nas últimas
décadas levaram a um aumento significativo das matrículas no ensino
fundamental, nível constitucionalmente obrigatório e gratuito. É suficiente
lembrar que passamos de uma cobertura de 16 milhões de alunos, em
1970, para um total de pouco mais de 35 milhões em 2001, aparentando
uma proximidade da universalização do seu acesso, como vêm
demonstrando os resultados dos censos escolares. Em relação à sua
clientela (a população de 6 a 14 anos de idade), a taxa líquida de
escolarização tem abrangido cerca de 95% deste contingente e mesmo nas
regiões mais pobres do Brasil o grau de cobertura atinge um índice médio
aproximado de 90%. Estamos, certamente, bem distantes da situação de
1970, quando esta taxa era de apenas 67% (MEC/INEP, 2000).
Veem-se, nos cenários nacional e internacional, os estudos e pesquisas
sobre políticas públicas e gestão da educação se avolumando, até porque a
temática apresenta várias perspectivas, concepções e cenários complexos em
campos de disputa.
Necessário que seja destacada a ação política de diversos sujeitos e
contextos institucionais influenciados por balizas regulatórias preconizadas por
organismos multilaterais e fortemente assimilados ou naturalizados pelos gestores
de políticas públicas.
52
Nas últimas duas décadas, o debate educacional no continente latino-
americano vem passando por mudanças relevantes, deslocando-se na direção do
reforço à educação básica e, em especial, à sua qualidade.
As razões disso devem ser buscadas dentro da própria evolução dos
sistemas de educação em nível mundial, nas novas exigências que o
sistema produtivo impõe ao setor educacional e na forma como a discussão
desencadeada nos países centrais , nos últimos 20 anos, reflete-se nos
periféricos. ( KRAWCZYK, 1999, p. 03).
Mas de que qualidade se está falando ? Para atendimento de quem e de
quais interesses? As tendências acima apontadas acerca do debate educacional
expressam de modo bem explícito a transformação do cenário socioeconômico dos
últimos anos e ”a educação ganha centralidade por estar diretamente associada ao
processo de reconversão e participação dos diferentes países em uma economia em
crescente globalização” . ( KRAWCZYK, 1999 ). Evidencia-se neste cenário a primazia
da qualidade do ensino e a constância da mesma nas agendas dos políticos como
alavanca para alcançar a competitividade da produção nacional no mercado mundial
e o desenvolvimento de uma cidadania pronta a operar no tão propalado mundo
globalizado.
As mudanças em curso visam rearticular o sistema educacional com os
sistemas político e produtivo. A era do conhecimento, da globalização dos mercados
e do avanço das novas tecnologias geraram a necessidade de resignificar a
organização escolar de modo a tornar a escola eficiente e “ democrática “ no
processo de formação do “ novo cidadão “ , o cidadão da era globalizada.
Alguns estudos demonstram que as reformas de Estado ocorridas nos anos
de 1990 nos países latino-americanos apresentam como traço comum a
preocupação de reduzir gastos públicos destinados à proteção social, principalmente
dos pobres, e a priorização da assistência social dos mais pobres sobretudo a partir
de fundos públicos criados para este fim, com existência provisória. Nesse cenário
de mudanças, a redução da educação à escola, em muitos casos é um indicador da
visão pragmática e redentorista que passa a orientar as políticas da área por meio
de forte interlocução e indução dos organismos multilaterais, revelando intenções,
projetos e compromissos pautados pela intensificação das formas, desiguais e
combinadas, da sociabilidade capitalista excludente.
53
A análise das políticas educacionais, por essa perspectiva, indica o papel do
Estado na proporção em que ele deixa de ser visto como mero mediador de
interesses antagônicos, ao situá-lo à luz da correlação de forças que se
trava no âmbito da sociedade civil e política ( noção de Estado ampliado ),
como um processo complexo e articulado de embates, efetivados
simultaneamente no terreno ideológico e econômico (...). ( SILVA &
AGUIAR, 2004).
Esta concepção repõe o papel dessas políticas como ações sempre
influenciadas por escolhas ( prioridades, vínculos e compromissos ) nem sempre às
claras, que espelham funções e interesses, objeto da articulação pela estruturação
do sistema escolar entre o Estado, demandas sociais e o setor produtivo, permeado
por um conjunto de variáveis intervenientes ( mercado de trabalho, instituições e
tradições ).
Na década de 1990, as políticas de gestão para a educação no Brasil
estruturam-se tendo por opção política a implementação de ações de cunho
gerencial, buscando-se garantir uma otimização de recurso e, consequentemente,
uma racionalização economicista das ações administrativas, tendo em vista um
diagnóstico de que os problemas educacionais não eram resultantes da escassez e
sim da malversação dos recursos financeiros, fruto, dentre outros, do corporativismo
dos servidores, da baixa qualificação docente e da ineficiência do aparelho
administrativo e burocrático das escolas.
Responsabilizar a escola e seus profissionais unicamente pelo desastre é
ver-se repetir a cultura de acusação unilateral, quando, em outras décadas , a culpa
pelo fracasso escolar era tão somente do aluno que, oriundo das classes populares
e dos filhos dos trabalhadores, não oferecia bases suficientes para o
acompanhamento do currículo escolar .
No entanto, esse crescimento quantitativo das oportunidades de acesso à
escola pública, na medida mesmo em que possibilitou que significativos
contingentes de alunos das camadas populares a freqüentem, trouxe, como
problemática fundamental, a questão da precariedade da qualidade do
ensino ministrado e, por conseguinte, da impropriedade das políticas
educativas que têm sido implementadas para equacionar os problemas da
repetência, da evasão e do desempenho, enfim, da garantia de processos
efetivos de escolarização que combatam as desigualdades educacionais. (
AZEVEDO, 2003 ).
54
A tentativa por parte do Estado de capitanear o processo de mudanças na
educação, que ocorre na década de 1990, será fundada no discurso da técnica e na
agilidade administrativa. Para tanto, as reformas implementadas na educação no
período mencionado serão implantadas de forma gradativa, pulverizada e
fragmentada, porém com rapidez surpreendente e com a mesma orientação. A
lógica assumida pelas reformas estruturais que a educação pública vai viver no
Brasil em todos os âmbitos ( administrativo, financeiro e pedagógico ) e níveis (
básica e superior ) tem um mesmo vetor. Os conceitos de produtividade, eficácia,
excelência e eficiência serão importados das teorias administrativas para as teorias
pedagógicas.
Na educação, especialmente na Administração escolar, verifica-se a
transposição de teorias e modelos de organização e administração
empresariais e burocráticas para a escola como uma atitude freqüente. Em
alguns momentos tais transferências tiveram por objetivo eliminar a luta
política no interior das escolas, insistindo no caráter neutro da técnica e na
necessária assepsia política da educação. ( FERREIRA & AGUIAR, 2004).
A lógica eficientista incorporada às reformas educacionais dos anos 1990,
no que se refere à educação básica, tem suas origens na crise de legitimidade que o
Estado e, consequentemente o setor educacional enfrentaram a partir de meados da
década de 1980, quando não conseguiram responder quantitativamente nem
qualitativamente às pressões sociais em torno da educação pública. A crise é
detectada inicialmente por uma descompensação existente entre o número de vagas
nos estabelecimentos públicos de ensino e a população que demandava escola. O
problema localiza-se na alocação das vagas, ou melhor, em sua distribuição
espacial e temporal. A distribuição espacial refere-se à má alocação geográfica das
vagas. Certas regiões do Brasil foram privilegiadas por clientelismo político que
favoreceu a concentração demais em certas regiões e a carência em outras ( 75%
da ausência de vagas se concentraram no Nordeste rural ).
O problema do fracasso escolar resultante das altas taxas de evasão e
repetência ( Quadros 5 e 6 ) acabou por apontar situação mais preocupante – a
defasagem idade-série, pois com repetidas reprovações, até que ocorresse a
evasão, os alunos compunham quadro degradante das estatísticas largamente
utilizadas pelo Estado como indicadores na avaliação de políticas públicas para a
55
educação básica. O discurso recorrente era que a escola brasileira havia fracassado
e com ela os professores e seus gestores. Evidencia-se, desta forma, uma mudança
de culpados, migrando-se da indicação dos alunos como responsáveis pelo
fracasso, para o apontamento de docentes e gestores escolares como causadores
da ruína educacional brasileira.
A questão começa a aparecer, portanto, para os gestores como um
problema de ineficiência das redes públicas que não conseguem alcançar
seus objetivos com os recursos de que dispõem. “ A situação será assim
percebida como um problema administrativo ou mesmo de ordem
econômica, devendo o Estado, para tanto, investir na racionalização
administrativa do setor educacional para solucioná-lo “.
(FERREIRA &
AGUIAR, 2004, p. 98 ).
O viés economicista mais uma vez vem suplantar os demais determinantes
de políticas públicas passando o problema de educação para a condição de
problema econômico, de ordem administrativa, sustentando argumentos favoráveis à
reforma dos serviços públicos e, ao enxugamento da máquina burocrática, da
racionalização administrativa conduzirão ao estudo de soluções para o problema,
em que a contenção de gastos e a otimização dos recursos passam a ser o principal
alvo.
A crise educacional acima esboçada começa a ser diagnosticada no final
dos anos 1980, mas é a partir dos anos 1990 que passará a compor a
agenda de reformas governamentais, figurando como uma prioridade. O
contexto da reforma do Estado será favorável à adoção da racionalidade
administrativa como paradigma para as mudanças na gestão da educação
pública
. (FERREIRA & AGUIAR, 2004, p. 98 ).
Feita esta superficial radiografia educacional, a saída apontada pelas
políticas redirecionavam o panorama da escola e, particularmente, dos processos de
gestão implementados no cotidiano dessas. Questões como descentralização,
autonomia e participação foram ressignificadas por meio de uma visão restrita e
funcional de cidadania, efetivada por processos de desconcentração das ações sem
a garantia do partilhamento efetivo das decisões.
56
Faz-se necessária a ampliação da visão para além do reducionismo
educacional a serviço dos interesses imediatos da dinâmica do mercado. Quem
contribui com esta visão ampliada é Dourado ( 2007 ), ao nos advertir :
(...) a discussão sobre tais políticas articula-se a processos mais amplos do
que a dinâmica intra escolar, sem negligenciar, nesse percurso, a real
importância do papel social da escola e dos processos relativos à
organização, cultura e gestão intrínsecos a ela. Portanto, é fundamental
não perder de vista que o processo educativo é mediado pelo contexto
sócio cultural, pelas condições em que se efetiva o ensino aprendizagem,
pelos aspectos organizacionais e, consequentemente, pela dinâmica com
que se constrói o projeto político-pedagógico e se materializam os
processos de organização e gestão da educação básica.
Prossegue o mesmo autor auxiliando na análise e compreensão das
políticas e da gestão educacionais advertindo que as mesmas não devem ser
reduzidas à “ mera descrição dos seus processos de concepção e/ou de execução,
importando, sobremaneira, apreendê - las no âmbito das relações sociais em que se
forjam as condições para a sua proposição e materialidade”.
Nesta perspectiva, pressupõe-se a possibilidade ou perspicácia para que se
detecte os tipos de regulação subjacentes a esse processo. Ainda que as
regulações exijam sempre formas alternativas para se efetivar onde o controle do
Estado carece de braços e tentáculos, as normas e regras, diretrizes e
regulamentações determinadas pelos órgãos governamentais, ainda que
mascaradas por meio de um viés democrático que se consubstancia por conta da
realização de fóruns, conferências, debates para indicar consultas às bases da
sociedade civil, as forças políticas dos agentes históricos acabam por alterá-las e
adequá-las conforme condições, necessidades e interesses do contexto histórico e
humano.
Pode-se deduzir que o distanciamento evidenciado entre o que o Ministério
da Educação, ou mesmo as Secretarias Estaduais e Municipais, apontam como
regras e diretrizes destinadas à melhoria do ensino, encontram, no palco de cada
escola, novos arranjos e percepções. Muitas das diretrizes traçadas pelo CNE –
Conselho Nacional de Educação e deliberadas pelo MEC pós-LDB 9394/96 para
efetivação da Reforma do Ensino Médio no Brasil não foram aplicadas pelos
57
professores na grande maioria das Escolas devido, principalmente, ao
desconhecimento das fundamentações teóricas e ao descompromisso com planos
que eram julgados verticais, vindos de fora, uma vez que não houve a participação
efetiva e intelectual dos docentes em sua elaboração. O grupo de atores da escola
assume uma posição política de não se comprometer com idéias e projetos dos
quais não foi chamado a opinar e não se permite assumir apenas o papel de mero
executor. A aparente omissão ou apatia, que pode ser interpretada como ato
despolitizado e descompromissado com as questões relevantes da educação, na
verdade, é marcação de posição política frente à verticalização das normas estatais.
A escolarização configura-se em ato político na medida em que requer
sempre uma tomada de posição. A ação educativa e, consequentemente, a política
educacional em qualquer das suas feições não possuem apenas uma dimensão
política; é sempre política, já que não há conhecimento, técnica e tecnologias
neutros, pois todas são expressão de formas conscientes, ou não, de engajamento.
No campo educacional, vivenciamos, portanto, embates no que concerne à
concepção e delimitação do campo.
Engajamento pressupõe comprometimento e compromisso com a busca de
superação dos problemas identificados coletivamente na educação nacional. Se o
interesse maior gira em torno da superação do atraso educacional brasileiro e a
elevação de sua qualidade, faz-se necessário que a compreensão da concepção de
qualidade esteja em níveis convergentes , o que não ocorre. Para o mercado, para
os docentes ou para os pais e alunos o conceito de qualidade terá dimensões
diversas. O que reforça a não neutralidade da educação, pois os campos em disputa
de interesses e ideologias cada vez mais se ampliam, possibilitando o crescimento
democrático e da própria instituição escolar, quando assim percebido e valorizado o
espaço dialético de construção de conhecimentos e relações.
Para Dourado ( 2007, p. 923 ), a concepção de educação é entendida como:
(...) prática social, portanto, constitutiva e constituinte das relações sociais
mais amplas, a partir de embates e processos em disputa que traduzem
distintas concepções de homem, mundo e sociedade (...) é entendida como
processo amplo de socialização da cultura, historicamente produzida pelo
homem, e a escola, como lócus privilegiado de produção e apropriação de
saber, cujas políticas, gestão e processos se organizam, coletivamente, ou
não, em prol dos objetivos de formação.
58
Ratificando o pensamento de Dourado, Paro (1998) afirma que “ a
educação, entendida como a apropriação do saber historicamente produzido é
prática social que consiste na própria atualização cultural e histórica do homem. “
Conceber a educação como nas abordagens anteriores é estar integrado à
visão do homem histórico, criador de sua própria humanidade ou condição humana
pelo trabalho. Segundo Paro ( 1998 ), “ isso tudo tem implicações mais do que
importantes para uma educação escolar que tenha por finalidade a formação
humana. Prossegue ele:
Em primeiro lugar, é preciso ter presente que não basta formar para o
trabalho, ou para a sobrevivência, como parece entender os que veem na
escola apenas um instrumento para preparar para entrar na Universidade.
Segundo aspecto, corolário do primeiro, (...) não basta a escola preparar
para o bem viver, é preciso que, ao fazer isso, ela estimule e propicie esse
bem viver, ou seja, é preciso que a escola seja prazerosa para seus alunos
desde já.
Defende Paro ( 1998) que, para transformar a escola, a primeira condição a
ser posta em prática é “ que a educação se apresente enquanto relação humana
dialógica, que garanta a condição de sujeito tanto do educador quanto do
educando”.
A gestão da educação tem sido objeto de importantes estudos que a situam
como campo demarcado por acepções distintas no que concerne à organização,
orientação e prioridades adotadas por essa.
É preciso refutar, de modo veemente, a tendência atualmente presente no
âmbito do Estado e de setores do ensino que consiste em reduzir a gestão
escolar a soluções estritamente tecnicistas importadas da administração
empresarial capitalista. Segundo essa concepção, basta a introdução de
técnicas sofisticadas de gerência próprias da empresa comercial, aliada a
treinamentos intensivos dos diretores e demais servidores das escolas para
se resolverem todos os problemas da educação escolar. ( PARO, 1998, p.
5).
Haddad ( 2008, p. 95 ) afirma que :
59
Nas negociações do GATS
7
, a educação, (...) é reduzida a um mero
serviço, perdendo sua dimensão de direito humano. Assumir a educação
como direito humano significa afirmá-la como uma necessidade intrínseca
ao ser humano e como um direito universal ( para todos e com igual
qualidade ) , indivisível e interdependente com relação aos outros direitos
humanos destinados a garantir a dignidade para todas as pessoas. Cabe ao
Estado a responsabilidade pela efetivação deste direito.
Há, no contexto atual, no âmbito da Organização Mundial do Comércio –
OMC a atuação dos Estados Unidos, Austrália e União Europeia como líderes de um
processo que visa pressionar os países a abrirem seus “ mercados” educacionais.
A concepção de educação como um direito conflita com aquela que
apresenta a educação como serviço e defende a idéia de que as
necessidades básicas dos cidadãos seriam supridas de forma mais eficiente
pelas instituições privadas em razão dos mecanismos de mercado. O setor
privado incentivaria a competição e diminuiria a burocracia e a inércia
supostamente inerentes as sistema público
. ( HADDAD, 2008, p. 96 ).
Quando a educação é reduzida a serviço comercializável, o aluno tem sua
condição de cidadão transmutada para a simples condição de cliente, o que afetará
sobremaneira a qualidade da educação. No Brasil, o crescente e visível investimento
em marketing educacional é indicador dessa concepção de educação como
mercadoria ou serviço.
Haddad ( 2008 ), relata que durante o 9º Seminário de Marketing Escolar,
realizado em 2003, em São Paulo, Ryon Braga, consultor em marketing educacional,
atribuiu o sucesso do grupo Objetivo / UNIP à sua postura comercial: “ aqueles que
entraram na educação com uma visão mais empresarial e profissional desde o início
(...) obtiveram resultados melhores do que aqueles que entraram com visão muito
acadêmica, pouco profissional “. Os investimentos em marketing das empresas
educacionais cresceram constantemente nos últimos anos, mostrando a importância
atribuída à imagem, em detrimento da qualidade do ensino.
7
GATS – Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio da OMC – Organização Mundial do
Comércio.
60
As reflexões de Paro ( 1998, p. 06), que se contrapõem às concepções de
educação apresentadas pelos organismos multilaterais, principalmente BM e OMC,
dão sustentação à educação que forma para a emancipação humana, em
contraponto às pressões de ordem capitalista, a saber:
(...) é necessário desmistificar o enorme equívoco que consiste em
pretender aplicar, na escola, métodos e técnicas da empresa capitalista
como se eles fossem neutros em si. O princípio básico da administração é a
coerência entre meios e fins. Como os fins da empresa capitalista, por seu
caráter de dominação, são, não apenas diversos, mas antagônicos aos fins
de uma educação emancipadora, não é possível que os meios utilizados no
primeiro caso possam ser transpostos acriticamente para a escola, sem
comprometer irremediavelmente os fins humanos que aí se buscam.
Como a gestão educacional tem natureza e características próprias, tem
escopo mais amplo do que a mera aplicação dos métodos, técnicas e princípios da
administração empresarial, devido a sua especificidade e aos fins a serem
alcançados, a escola terá sua lógica organizativa e suas finalidades delimitadas
pelos fins político-pedagógicos que extrapolam o horizonte custo-benefício
puramente.
Para Dourado ( 2007, p.924 ), :
(...) isto tem impacto direto no que se entende por planejamento e
desenvolvimento da educação e da escola e, nessa perspectiva, implica
aprofundamento sobre a natureza das instituições educativas e suas
finalidades, bem como as prioridades institucionais, os processos de
participação e decisão, em âmbito nacional, nos Sistemas de Ensino e nas
escolas .
As proposições sobre gestão são diversas, indo desde aquelas que
defendem uma participação restrita e funcional atrelada às novas formas de controle
social, como exemplo, a defesa do paradigma de gestão com ênfase na qualidade
total, até as perspectivas que buscam o estabelecimento de mecanismos de
participação efetiva no processo de construção de uma nova cultura do cotidiano
61
escolar, como expressão de um projeto coletivo envolvendo as comunidades escolar
e local. A gestão da educação e da escola alicerça-se, portanto, em duas
possibilidades com forças antagônicas em campo de disputa. De um lado, evidencia-
se uma visão gerencial influenciada por uma lógica extremamente economicista,
cuja fundamentação despreza a especificidade da ação pedagógica, em que a
autonomia da escola se configura como uma falácia de participação regulada. Em
outro campo, a visão político-pedagógica fundamentada pela batalha histórica pela
efetivação da educação como direito social, pela tentativa de construção da
emancipação humana sem descuidar da especificidade da ação pedagógica e dos
movimentos em benefício da consolidação de uma crescente autonomia da unidade
escolar.
2.2 - Descentralização e democratização da gestão educacional – desafios
permanentes.
Estudos e debates na área educacional no Brasil vem sendo permeados
pelo tema da democracia.
Ainda na década de 1930, ela se colocava como a “ possibilidade de acesso
e permanência das crianças em idade escolar à escola pública “ ( MARQUES, 2008
). Nos anos 1980, cenário da redemocratização do país, toma consistência o debate
sobre a democratização dos sistemas educacionais e das unidades escolares.
Segundo Dourado ( 2007, p. 926 ):
Desde a redemocratização do país, houve mudanças acentuadas na
educação brasileira com destaque para a aprovação e promulgação da
Constituição Federal de 1988, que garantiu uma concepção ampla de
educação e sua inscrição como direito social inalienável, bem como a
partilha de responsabilidade entre os entes federados” (...)
Nos anos de 1990, o debate é direcionado às relações internas da escola,
como foco específico em sua gestão e formas de organização institucional.
Antes da ampliação de considerações acerca dos processos de
descentralização e democratização da educação e da escola no Brasil, faz-se
necessário refletir acerca das concepções de democracia e cidadania.
62
Coutinho ( 2000 ), assume posicionamento claro a respeito da contradição
existente entre cidadania e capitalismo quando afirma que “não hesitaria em dizer
que a ampliação da cidadania – esse processo progressivo e permanente de
construção dos direitos democráticos que caracteriza a modernidade – termina por
se chocar com a lógica do capital”.
Atenuando o marco contraditório que de imediato poderia ser tomado como
inflexível e radical, prossegue o mesmo autor:
Trata-se de uma contradição que se manifesta como um processo:
processo no qual o capitalismo primeiro resiste, depois é forçado a recuar e
fazer concessões, sem nunca deixar de tentar instrumentalizar a seu favor (
ou mesmo suprimir, como atualmente ocorre ) os direitos conquistados (...).
Embora políticas neoliberais venham sendo sistematicamente aplicadas há
vários anos em todo o mundo, pode-se constatar – como entre outros, o faz
Perry Anderson – que ainda permanecem em vigor, sobretudo, na Europa,
conquistas decisivas do Welfare State. ( COUTINHO , 2000 ).
Pode-se identificar uma outra contradição a partir do antagonismo existente
entre cidadania plena e capitalismo – a contradição entre cidadania e classe social.
Para Coutinho (idem) “ a universalização da cidadania é (...) incompatível
com a existência de uma sociedade de classes. (...) a divisão da sociedade em
classes constitui limite intransponível à afirmação consequente da democracia “.
Ainda que no limite haja o antagonismo estrutural entre a universalização da
cidadania e a lógica de funcionamento do modo de produção capitalista, não se
pode deixar de identificar, como uma das principais características da modernidade,
a presença de um processo dinâmico, contraditório e constante de aprofundamento
e universalização da cidadania. Expressando de outra forma - a crescente
democratização das relações sociais.
Para além da visão unilateral de muitos que concebem a sociedade como
moderna quando está plenamente integrada à lógica da atual globalização
capitalista, emerge uma modernidade também vista pelo ângulo da ampliação e da
universalização da cidadania, ou seja, concebida como uma época histórica
marcada pela promessa da plena emancipação do homem de todas as opressões e
alienações de que tem sido vítima, a maioria das quais produzidas e reproduzidas
precisamente pelo capitalismo.
63
Como as possibilidades que a modernidade abriu para a humanidade ainda
não foram realizadas, e longe de se ter esgotado, como dizem os “ pós-
modernos “ ou de se identificar com o capitalismo, como falam os
neoliberais, “ a modernidade continua a ser para nós uma tarefa : de
prosseguir no processo de universalização efetiva da cidadania e, em
conseqüência na luta pela construção de uma sociedade radicalmente
democrática e socialista (...). ( DOURADO, 2007 ).
Esta luta requer um aprofundamento das concepções de Estado e sociedade
civil de modo se ter clareza da fundamentação determinante das escolas por parte
dos gestores e definidores de políticas públicas.
Enquanto que para Hegel e Marx “ sociedade civil “ designava o mundo da
economia e dos interesses privados, para Gramsci sociedade civil referia-se a um
fenômeno historicamente novo, precisamente o espaço público situado entre a
economia e o governo, entre a “ sociedade econômica “ e a “ sociedade política “.
A sociedade civil para Gramsci tornara-se uma esfera que passaria a ter
incidências diretas sobre o Estado, sem que fosse governamental. O Estado tornou-
se, na concepção gramsciana, uma síntese contraditória e dinâmica entre a
sociedade política ( ou o estado strictu senso, restrito, coercitivo, ou, simplesmente,
governo ) e a sociedade civil.
Como a sociedade civil toma corpo e passa representar os múltiplos
interesses em que se divide a sociedade, o Estado capitalista já não pode ser
estável e se reproduzir mediante o simples recurso da coerção.
O Estado deixa de ser representante exclusivo das classes dominantes e
torna-se obrigado a se abrir também para a representação e a satisfação – ainda
que sempre parciais e incompletas – dos interesses de outros segmentos sociais. O
Estado, pois, torna-se, ele mesmo, um palco privilegiado da luta de classes.
Nicos Poulantzas, citado por Coutinho ( 2000), deu correta definição desse
novo fenômeno quando afirmou que o “ Estado é a condensação material de uma
correlação de forças entre classes e frações de classe”, na qual sempre se dá a
preponderância ou hegemonia de uma classe ou de uma fração de classe.
O que fica evidente a partir dessas considerações é que o Estado ampliado
não deixou de ser capitalista, mas alterou-se, de modo substancial, passando a
adotar novas maneiras pelas quais ele faz valer os interesses da classe burguesa
64
dominante. Em função da correlação de forças, tornou-se possível a imposição de
limites à implementação exclusiva dos interesses burgueses que, em certas
condições, são contrariados para atendimento das demandas das classes inferiores.
A concepção marxista de Estado, ampliada em Gramsci, está relacionada
diretamente aos processos de ampliação e construção da cidadania . Como afirma
Coutinho ( 2000):(...) “ foi porque se desenvolveram os direitos de cidadania, tanto
políticos quanto sociais, que se tornou possível essa nova configuração do Estado
que o faz permeável à ação e aos interesses das classes subalternas” .
Ainda em Coutinho evidencia-se a defesa da transformação radical da
sociedade “ não mais através de uma revolução violenta, concentrada num curto
lapso de tempo (...), mas sim através de um longo processo de reformas, do que
Gramsci chamou de “ guerra de posição” (...) ou “ reformismo revolucionário “.
A idéia básica é que se conquiste, de modo permanente e cumulativo, novos
espaços no interior da esfera pública, tanto na sociedade civil quanto no próprio
Estado. A intenção é tornar factível a inversão progressiva da correlação de forças,
fazendo com que, ao final do processo, a classe hegemônica já não seja mais a
burguesia e sim, o conjunto de trabalhadores.
A luta que perdura como tarefa fundamental, na concepção marxista, em
tudo que se refere aos direitos civis, políticos e sociais, não é tão somente o simples
reconhecimento legal dos mesmos, mas os embates para torná-los efetivos.
Com as forças neoliberais em curso há mais de vinte anos, empenhadas,
inclusive em nosso país, para eliminá-los das normais legais, em particular da
Constituição Federal de 1988, a luta se amplia para além da reivindicação de
materialização dos mesmos, e retorna ao esforço relevante de assegurar o
reconhecimento legal.
Como visto, os fins humanos da educação relacionam-se diretamente com a
liberdade humana que, por sua vez, não se efetiva com os aprisionamentos de toda
ordem oriundos da falta de satisfação das necessidades básicas e vida digna.
As políticas voltadas para a democratização das escolas e dos sistemas
públicos de ensino não podem ser consideradas como um movimento de mão única.
De um lado, os preceitos do neoliberalismo nos indicam a intervenção privatista
destas políticas, e de outro, elas são colocadas no campo progressista, com a busca
incessante da construção de um espaço público democrático, tendo em vista que a
65
democratização do Estado brasileiro sempre esteve na pauta das lutas da sociedade
civil.
Nesta perspectiva, o estudo da democracia na educação não pode se
prender aos aspectos normativos, como proposto pelas teorias hegemônicas, mas
sim às relações que se constroem nos diferentes espaços educativos. ( MARQUES,
2008 ).
Em Marques ( 2006 ), evidencia-se que a regulamentação por meio da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº: 9394/96 ,possibilitava, a
partir do ano de sua promulgação, uma compreensão da democracia da escola
como exigência legal, que a comunidade deve assumir. Da mesma forma que no
país se constituiu primeiro o Estado para bem depois se configurar a Nação, como já
visto no capítulo I, verifica-se que o conjunto de leis garantidoras da democracia nos
sistemas e nas escolas surge antes mesmo que os cidadãos brasileiros, diretamente
envolvidos, tenham consciência da abrangência das mesmas e efetivamente
exerçam seus papéis. Até hoje, passados 13 anos da LDBEN de 1996, existem
docentes, para não se falar de pais e alunos com nível de escolaridade inferior, que
desconhecem as balizas legais que normatizam seu trabalho e dimensionam a
gestão administrativa, financeira e pedagógica da unidade escolar onde atuam.
Marques ( 2006 ), afirma que :
A gestão democrática das Unidades Escolares públicas brasileiras ganha
terreno institucional quando passa a ser defendida pelo Estado neoliberal,
como forma de garantir a eficiência e a eficácia do sistema público de
ensino. Por isso, não tem significado, muitas vezes, avanços na construção
de uma escola pública de qualidade, que atenda aos interesses da maioria
da população brasileira.
No contexto das reformas do Estado na década de 1990, pode-se identificar
um esforço na busca de organicidade das políticas, tanto na esfera do governo
federal como de alguns governos estaduais, com o intuito de modernizar o Estado,
implementando novos modelos de gestão, cujo norte político-ideológico objetivava,
segundo Oliveira ( 2000, p. 331 ) “ introjetar na esfera pública as noções de
eficiência, produtividade e racionalidade inerentes à lógica capitalista”. Como já
largamente abordado, há, ainda que se destacar, “ o importante papel
66
desempenhado pelos organismos multilaterais na formulação de políticas
educacionais no período ( DOURADO, 2007, p.926 ).
Na verdade, a organicidade identificada, viria tratar as necessidades de
mudanças estruturais da educação apenas no território da superficialidade, dando
conta de “ alterar rotinas, apontando para ajustes e pequenas adequações no
cotidiano escolar, o que pode acarretar a suspensão de ações consolidadas na
prática escolar, sem a efetiva incorporação de novos formatos de organização e
gestão “ ( DOURADO, 2007, p. 926 ).
O mesmo autor aponta para a “ desestabilização do instituído “ sem a “ força
política “ de instaurar de fato, os “ novos parâmetros orgânicos à prática educativa “.
Segundo Cury ( 2002, p. 197 ), nos dois mandatos do Presidente Fernando
Henrique Cardoso ( 1995 – 1998 e 1999 – 2002 ) promoveram-se diversas
alterações fortemente marcadas :
(...) por políticas focalizadoras, com especial atenção ao ensino
fundamental, a fim de selecionar e destinar os recursos para metas e
objetivos considerados urgentes e necessários. Tais políticas vieram
justificadas por um sentido, por vezes satisfatório, do princípio da equidade
como se este fosse substituto do da igualdade. ( DOURADO, 2007, p. 927 ).
Neste cenário educacional aderente às reformas apressadas da década de
1990, o regime de colaboração entre os entes federados, previsto no parágrafo
único do artigo 23 da Constituição Federal de 1988 é literalmente atropelado e
desrespeitado, propiciando o surgimento de tensões em área que se refere ao pacto
federativo, por meio, segundo Cury ( 2002, p. 199 ) “ de um regime de decisões
nacionalmente centralizadas e de execuções de políticas sociais subnacionalmente
desconcentradas em que se percebe uma situação de competividade recíproca (
guerra fiscal ) entre os subnacionais. Fato inconteste que comprova tal afirmação é o
campo de disputa que se estabeleceu entre estados e municípios quando da
aprovação no Congresso Nacional dos coeficientes determinantes dos repasses do
FUNDEB com base no número de alunos matriculados nos respectivos sistemas. Na
quebra de braço, e barganhando apoio das suas bancadas de Deputados Federais
para aprovação de outros projetos de maior interesse do Governo Federal, no caso
os financiamentos das Obras do Plano de Aceleração do Crescimento – o PAC, os
Governadores ficaram em vantagem e conseguiram aprovação de coeficientes para
67
o Ensino Médio na ordem de 20 e 30% acima dos do Ensino Fundamental, enquanto
que os Municípios ficaram com coeficientes para a Educação Infantil, de
responsabilidade exclusiva das municipalidades , inferiores .
Pesquisas acadêmicas na área de políticas públicas e financiamento da
educação, com destaques para as de Marcelino ( USP ), Nicholas Davies ( UFF) e
Donaldo Bello ( UERJ ), evidenciam o descompasso entre a desconcentração de
atribuições e serviços relativos à educação básica para a execução nas esferas
municipal e escolar, e a concentração de recursos na esfera federal por meio de
impostos, taxas e contribuições , sem que a proporção adequada da partilha se
efetive, gerando uma dependência direta do governo federal.
Desta forma, Dourado ( 2007 ) afirma:
(...) tal cenário contribuiu, sobremaneira para a desarticulação de
experiências e projetos em andamento e para a adoção de medidas ligadas
às políticas federais para a educação básica em função da necessidade dos
sistemas e escolas buscarem fontes complementares de recursos.
Pode-se, assim, evidenciar a verticalização das políticas educacionais em
meio ao discurso da descentralização e autonomia dos sistemas e das escolas.
Essa dinâmica política permanece no contexto atual como realidade no
cenário educacional brasileiro visto que a lei complementar que definiria o regime de
colaboração recíproca entre os entes federados ainda não foi elaborada . Destaca-
se, também, que as bases reguladoras dos fundos de financiamentos , tanto do
extinto FUNDEF , como do recente FUNDEB , não garantiram aos Municípios a
autonomia financeira para que possam cumprir com qualidade suas metas em busca
do atendimento universalizado do ensino fundamental e da educação infantil,
conforme marcos definidos pelo Plano Nacional de Educação, em escala crescente
de atendimento.
Dourado ( 2007 ), prossegue elucidando a questão ao afirmar que :
(...) é possível depreender que as políticas focalizadas propiciaram a
emergência de programas e ações orientados pelo Governo Federal aos
estados e municípios (...) em detrimento de um sistema que propiciasse a
colaboração recíproca entre os entes federados. A rapidez com que se
68
processaram as políticas para a educação básica se deu em função da
centralização no âmbito federal.
A indução de políticas por meio de financiamento de programas e ações
priorizadas pelo governo federal, desprezou, até mesmo, o Plano Nacional de
Educação – PNE , que sequer foi integrado ao processo de elaboração do Plano
Plurianual da União – PPA e suas revisões. Isso denota falta de organicidade
orçamentária que viria dar sustentabilidade para tornar exequível o elenco de metas
do aludido plano.
Desde a distribuição dos Parâmetros Curriculares Nacionais e a Lei do
FUNDEF em 1996 e anos seguintes, passando pelo PDE Escola até chegar ao PDE
Nacional, com uma política de avaliação da educação básica ( SAEB ) , pode-se
reconhecer acentuada centralização federal que, segundo Dourado ( 2007 ) “ não
provocou, necessariamente a mudança da cultura institucional dos sistemas e das
escolas”. Em muitos casos, resultou em ajustes e arranjos funcionais dos processos
em curso nesses espaços, alterando, por vezes, a lógica e a natureza das escolas e,
em alguns casos, a sua concepção pedagógica, a fim de cumprir obrigações
contratuais com o Governo federal no âmbito da prestação de contas.
Evidencia-se , neste contexto, a falta de planejamento, organicidade,
articulação dos sistemas e uma sobrecarga das escolas por meio de superposição
de ações e programas.
Prossegue Dourado ( 2007, p. 928 ) elucidando:
Trata-se de um cenário ambíguo no qual um conjunto de programas parece
avançar na direção de políticas com caráter inclusivo e democrático,
enquanto, de outro lado, prevalece a ênfase gerencial com forte viés
tecnicista e produtivista, que vislumbra nos testes estandartizados a
naturalização do cenário desigual em que se dá a educação brasileira .
Com o abandono do Plano Nacional de Educação por parte do MEC e o
lançamento do PDE Nacional que não contou, este último, com a participação
efetiva dos setores organizados da sociedade brasileira, de representantes dos
sistemas de ensino e de setores do próprio MEC em sua elaboração, nem está
balizado por fundamentação técnico-pedagógica suficiente, carecendo de
articulação efetiva entre os diferentes programas e ações em desenvolvimento pelo
69
próprio MEC e suas políticas propostas, denuncia, desta forma, os limites estruturais
dos processos de proposição e materialização das políticas educacionais voltadas
para a real e efetiva melhoria da qualidade da educação básica brasileira.
Fica evidente um movimento paradoxal, dentro do próprio MEC, visto que na
área de gestão escolar muitos programas foram implantados, com a intenção de
contribuir para o processo de democratização da escola, mas que na verdade
priorizaram muito mais os mecanismos administrativo-financeiros denotando
supervalorização das atividades-meio em detrimento do real engajamento de
gestores, docentes, alunos e pais no fortalecimento da escola democrática e de
qualidade. Evidencia-se total pulverização de programas e projetos vindo de fora
tirando a atenção dos gestores daquilo que é prioritário e urgente de se fazer na
educação brasileira. A lógica da eficiência e da eficácia importada das empresas
impregnou as escolas resultando no abandono dos princípios democráticos
norteadores dos projetos escolares voltados para garantia de aprendizagem
significativa, contextualização, valorização, reprodução e produção cultural que
proporcionam emancipação humana por meio do entendimento da educação como
ato político. O enfraquecimento dos conselhos escolares e associações de pais e
mestres indica que o planos, currículos, programas e atividades desenvolvidos pelas
escolas brasileiras, em sua grande maioria, ainda não refletem os anseios e desejos,
crenças e valores, expectativas e objetivos da massa populacional que se beneficia
dos serviços das escolas públicas. Usa-se o sistema mas pouco se pode interferir
contribuindo para a melhoria da qualidade educacional.
Pode-se, parcialmente, concluir, com base no exposto neste capítulo, que as
reformas da educação brasileira foram capitaneadas pelos interesses de organismos
internacionais representantes da ordem mundial capitalista onde a descentralização
preconizada nos marcos legais dos anos 1990 deveria servir à redução dos
compromissos do Estado com a educação e o direito social da população.
Desobrigado de responsabilidades, o Estado desconcentrou a execução para tornar-
se mínimo e “menos gastador”, ao mesmo tempo que criou outros mecanismos de
regulação e controle, além de ter sofisticado os mecanismos de centralização das
políticas, desrespeitando o pacto federativo preconizado pela Constituição federal de
1988.
70
No campo da gestão, Dourado ( 2007) identifica três programas que
traduzem muito bem as políticas educacionais do Governo Federal: o PDE Escola, o
PDDE e o Programa Nacional de Fortalecimento de Conselhos Escolares.
No âmbito deste trabalho, o autor, fazendo um recorte do problema no
contexto das políticas públicas para a educação básica no Brasil , opta por analisar
estudos sobre o PDDE, implantado há 14 anos e que, por conta disso, poderá
fornecer indicadores consistentes desde sua implementação até os nossos dias,
possibilitando a identificação de sucessos, fracassos, avanços e limitações e seus
efeitos na escola pública brasileira. Além disso, o período de implantação e
expansão do programa federal é coincidente com o período em que o autor estava
gestor de unidade escolar pública estadual e gestor de sistemas públicos municipal
e estadual.
71
3 – PROGRAMAS DO MEC PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA –
DESCENTRALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS E A
DEMOCRATIZAÇÃO DAS ESCOLAS.
3.1- Financiamento da educação básica no Brasil.
Neste capítulo será feito estudo do Programa Federal do MEC implantado
em 1995 – Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE – como instrumento
facilitador da compreensão da tendência no campo da gestão educacional de tornar-
se o conjunto de procedimentos administrativo-financeiros como finalísticos no
âmbito das escolas públicas, abrindo-se mão de relevante processo de discussão
política, filosófica e pedagógica dos planos que realmente promovam a superação
dos fatores determinantes da baixa qualidade da educação pública brasileira.
Também possibilitará o estudo do real impacto do PDDE nos mecanismos de
fortalecimento da gestão democrática da escola.
A produção acadêmica nacional publicada no país sobre o tema aqui
estudado é muito extensa. Levantamento bibliográfico realizado no âmbito do
NUEPE – UERJ demonstra que no período compreendido entre 1996 e 2002 foram
identificados trezentos e sessenta trabalhos relacionados ao tema financiamento da
educação como dissertações de mestrado, teses de doutorado, livros, artigos em
livros, artigos em periódicos científicos e em anais de congressos, exclusive
referências legislativas. ( SOUZA & FARIA, 2003 ).
Para desenvolver o estudo sobre financiamento da educação, buscou-se a
análise da obra Desafios da Educação Municipal ( SOUZA & FARIA, 2003) e artigos
dos autores Marcelino Pinto ( USP), Nicholas Davies ( UFF) e Jorge Abrahão de
Castro (UnB).
Sem a pretensão do esgotamento do assunto, por considerá-lo demais
extenso e complexo, pode-se, para efeito de contextualização da temática, iniciar
trazendo à baila os principais pontos em discussão na pauta educacional no final do
governo que antecede à gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso ( 1995 –
2002 ) a fim de desenhar o contexto histórico-político da época.
72
Pode-se principiar pela participação do Brasil, em março de 1990, na
"Conferência de Educação para Todos", em Jomtien, na Tailândia, que resultou na
assinatura da Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Essa
conferência, que teve como co-patrocinador, além da UNESCO e do UNICEF, o
Banco Mundial, vai inaugurar a política, patrocinada por esse banco, de priorização
sistemática do ensino fundamental, em detrimento dos demais níveis de ensino, e
de defesa da relativização do dever do Estado com a educação, tendo por base o
postulado de que a tarefa de assegurar a educação é de todos os setores da
sociedade. Não obstante, esse evento acabou por ter reflexos interessantes no
Brasil em função da mobilização das entidades ligadas à educação naquele
momento. Como se sabe, essa declaração estabelecia como meta principal a
universalização, nos países signatários, do acesso à educação básica a todas as
crianças, jovens e adultos, assegurando-se a eqüidade na distribuição dos recursos
e um padrão mínimo de qualidade.
Para que estes objetivos fossem atingidos deveriam ser elaborados, pelos
mesmos países, planos decenais de educação. Como desdobramento desse
processo e visando a dar subsídios ao plano decenal, foi realizada em Brasília- DF,
de 10 a 14 de maio de 1993, a "Semana Nacional de Educação para Todos" com
intensa participação de órgãos governamentais das três esferas de governo, assim
como de entidades da sociedade civil. Desse evento resultou o "Compromisso
Nacional de Educação para Todos" com o objetivo de orientar a elaboração do
"Plano Decenal de Educação para Todos". Esse compromisso foi assinado, entre
outros, pelo então ministro da Educação, Murílio Hingel, pelo presidente do
CONSED (Conselho de Secretários Estaduais de Educação), Walfrido Mares Guia,
pela presidente da UNDIME (União dos Dirigentes Municipais de Educação),
Olindina Monteiro, e pelo representante da UNESCO no Brasil, Miguel Angel
Enriquez.
Entre outros compromissos da agenda constava o de 2- Assegurar eficiente
e oportuna aplicação dos recursos constitucionalmente definidos, bem como outros
que se fizerem necessários, nos próximos 10 anos, para garantir a conclusão do
ensino fundamental para, pelo menos, 80% da população em cada sistema de
ensino..
73
Já no texto final do Plano Decenal de Educação para Todos vamos
encontrar em suas "metas globais", entre outras:
• ampliar progressivamente a participação porcentual do gasto público em educação
no PIB brasileiro, de modo a atingir o índice de 5,5%
(...)
• aumentar progressivamente a remuneração do magistério público, através de
plano de carreira que assegure seu compromisso com a produtividade do sistema,
ganhos reais de salário e a recuperação de sua dignidade profissional e do
reconhecimento público de sua função social.
Tendo em vista esta última meta, foi ainda assinado em julho de 1994, no
Governo Itamar Franco, antecessor do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o
"Acordo Nacional de Valorização do Magistério da Educação Básica" que, entre
outras medidas, estabelecia o compromisso de se fixar um Piso Salarial Profissional
Nacional de R$ 300,00 (cerca de R$ 700,00 em valores atuais). Esse acordo foi
posteriormente ignorado pelo Governo FHC.
Outro fato histórico relevante foi a tramitação do projeto da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, que estava em discussão desde fins de 1998 e
que, depois de idas e vindas, foi finalmente aprovado pela Câmara dos Deputados
em 13 de maio de 1993, projeto este fruto de ampla discussão e participação
popular e que, em linhas gerais, conseguia representar os interesses daqueles
segmentos compromissados com a construção de uma escola pública de qualidade,
articulados em torno do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública.
No contexto educacional no final do Governo Itamar Franco, ainda que
houvesse intensa pressão dos interesses privatistas no âmbito da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional e de agências internacionais como o Banco
Mundial, os movimentos sociais representantes da sociedade civil, envolvidos na
defesa da escola pública, conseguiram avanços expressivos tanto no âmbito do
legislativo quanto no executivo, este último simbolizado pelo compromisso de
gastos públicos de 5,5% do PIB e Piso Salarial Profissional Nacional).
74
Porém, com a vitória do candidato Fernando Henrique Cardoso, liderando
uma aliança de centro-direita, esse cenário começa a sofrer uma acentuada
inflexão. De pronto identifica-se a mudança dos rumos que a LDB estava seguindo
no Congresso Nacional
A nova composição partidária, que deu uma folgada maioria nas duas
casas ao governo, e uma ação incisiva do MEC provocaram uma
reviravolta no processo e, por meio de uma manobra regimental no
Senado, o projeto originário da Câmara e fruto de longa discussão é
substituído por outro, elaborado, a toque de caixa, na "cozinha" do MEC
mas com a paternidade assumida pelo senador Darcy Ribeiro. Esse projeto
é aprovado em fevereiro de 1996 no plenário, de onde retorna para a
Câmara, que introduz pequenas alterações e o aprova em 17 de dezembro
de 1996. De lá segue para sanção presidencial e é promulgado como lei
em 20 de dezembro do mesmo ano, sem qualquer veto presidencial, fato
raro em nossa história e que mostra sua total sintonia com a nova aliança
no poder (Saviani, 1997).
Este episódio é espelho de como as forças do executivo nacional, em plena
sintonia com os interesses e diretrizes dos acordos firmados com o FMI e BM,
amparadas pelas forças do legislativo que, em maioria, sustentava o novo governo,
puderam redefinir os rumos das forças progressistas em andamento, fazendo com
que os novos instrumentos legais norteadores da política nacional para a educação
pudessem dar direcionamento aos marcos legais a fim de garantir aderência à fase
de reestruturação do Estado brasileiro.
3.2. PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola. - origem no contexto das
reformas do Estado brasileiro.
O contexto educacional brasileiro do período 1995 – 2005 reflete o cenário
de reestruturação do Estado com vistas à manutenção do capitalismo. O Programa
Dinheiro Direto na Escola é um dos escolhidos para análise neste estudo devido a
sua aproximação com modelos de gestão da esfera pública comprometidos com as
alterações na organização e funcionamento do aparato estatal, objetivando o ajuste
deste às exigências propagadas ou às estratégias adotadas para a superação de
mais uma crise cíclica do capitalismo, com destaque para a delegação, por parte do
75
Estado, da responsabilidade pela oferta de políticas sociais a uma genérica
sociedade civil ( ADRIÃO & PERONI, 2007, citando Montaño, 2002).
Suficientemente debatidas, mas não o bastante para minimizar sua tônica,
as referidas exigências identificavam a crise do capitalismo do final do
século passado com a crise fiscal de um Estado considerado pelos setores
hegemônicos, exageradamente, provedor. Por essa razão e, em linhas
gerais, a superação da crise do capital subordinava-se a transformações no
papel do Estado, situação que incluía a adoção de novos limites entre a
esfera pública e a esfera privada . ( ADRIÃO & PERONI, 2007).
A convergência do pensamento conservador apontava para a lógica
mercantil como mecanismo para enfrentar as falhas do Estado, identificadas pela
presença da política nos processos decisórios. O objetivo seria, na medida do
possível, neutralizar esta característica por meio do incentivo à adoção de
mecanismos de mercado, inclusive no âmbito da gestão estatal, de forma que o
estado atingisse um nível de atuação mais racionalmente, porque menos sujeito às
pressões de grupos de interesses, tornando-se mais eficiente e produtivo.
Nesta linha, adotava-se um choque de mercado no interior do Estado, como
um ajuste necessário àquelas esferas da ação estatal que, por sua natureza, não
poderiam ser diretamente privatizadas.
No Brasil, com o devido cuidado de se fazer adequações e respeitar
peculiaridades, a responsabilização do Estado pela crise econômica respaldou as
estratégias elencadas pelo Plano de Reforma do estado Brasileiro , das quais,
destacamos a transferência de políticas sociais para o denominado setor público
não-estatal. Esta alternativa justifica-se teórica e ideologicamente por meio da
propagação da denominada Terceira Via e pela atuação de seu operador nas
práticas sociais – o terceiro Setor ou por sua variação institucionalizada, as OSs –
Organizações Sociais e as OSCIPs – Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público. Nesse caso, o Estado, mesmo quando se retira da execução das políticas
sociais, mantém-se como seu financiador ou co-financiador.
Evidencia-se , na pauta dos governantes a adoção de mecanismos que
deleguem a responsabilidade pela oferta e/ou execução das políticas sociais,
76
consideradas como finalidades não exclusivas do poder público, à sociedade por
meio da privatização ou da constituição dessa esfera híbrida “ pública não-estatal “.
Para viabilizar tais mudanças uma forte atuação do criticado Estado vem se
concretizando por meio de políticas e medidas governamentais capazes de redefinir
a lógica da regulação estatal até então existente, razão pela qual ainda não se
alcançou a sua total implantação. Exemplos que evidenciam medidas nessa direção
têm sido sistematicamente adotadas, como as iniciativas às parcerias entre
instâncias públicas e setor privado, regulamentadas pela Lei Federal nº.: 9790 de 23
de março de 1999 e no Decreto nº.: 3100 de 30 de junho de 1999, que cria as
OSCIPs – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público.
Na área específica de nosso estudo – a educação – verificamos que o PDDE
induziu os sistemas de ensino a atuarem com estratégias, apontadas pelo
Programa, visando atender aos objetivos de descentralização financeira, de há muito
reivindicada pelas escolas públicas.
Na origem legal do programa – Resolução nº.: 12 de 10 de maio de 1995,
seu objetivo seria agilizar a assistência financeira da Autarquia FNDE- Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação – aos sistemas públicos de ensino, para
cumprimento do disposto no artigo 211 da Constituição Federal de 1988, referente
ao papel da União frente aos demais entes federados.
A exigência do Programa, desde 1997, como condição para o recebimento
dos recursos diretamente pelas escolas, é a formação de Unidades Executoras (
UExs) que se traduzem em entidades de direito privado, sem fins lucrativos e que
possuam representantes da comunidade escolar.
No texto da página principal do site oficial do FNDE pode-se encontrar as
informações gerais e específicas do Programa PDDE , além de links que
possibilitam acesso ao conjunto de fundamentação legal, aos dados estatísticos do
programa ao longo da década, bem como aos manuais e roteiros muito específicos
da área técnica destinados a fornecer orientações sobre execução do programa e
sua prestação de contas às esferas governamentais competentes.
Criado em 1995, o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) tem por
finalidade prestar assistência financeira, em caráter suplementar, às escolas
públicas da educação básica das redes estaduais, municipais e do Distrito Federal e
às escolas privadas de educação especial mantidas por entidades sem fins
lucrativos, registradas no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) como
77
beneficentes de assistência social, ou outras similares de atendimento direto e
gratuito ao público.
O programa engloba várias ações e objetiva a melhora da infraestrutura
física e pedagógica das escolas e o reforço da autogestão escolar nos planos
financeiro, administrativo e didático, contribuindo para elevar os índices de
desempenho da educação básica.
Os recursos são transferidos independentemente da celebração de convênio
ou instrumento congênere, de acordo com o número de alunos extraído do Censo
Escolar do ano anterior ao do repasse. As escolas públicas de educação básica com
mais de 50 alunos devem criar unidades executoras para receber diretamente
recursos do PDDE. Nas escolas com até 50 alunos, é facultada a criação de unidade
executora. Caso ela não seja formada, a escola pode receber o recurso por meio da
entidade executora (prefeitura ou secretaria de educação distrital ou estadual) a que
esteja vinculada. No caso das escolas privadas da educação especial, os depósitos
são realizados nas contas de suas entidades mantenedoras.
Os repasses dos recursos são feitos em parcela única anual, por meio de
depósito nas contas bancárias abertas pelo FNDE, em banco e agência com os
quais a Autarquia mantém parceria. Pode-se, ainda, destacar que no mesmo site
são apontados os parceiros e suas competências de modo a garantir o alcance dos
resultados esperados pelo Programa:
1. FNDE - responsável pelo financiamento, normatização, coordenação,
acompanhamento, fiscalização, cooperação técnica e avaliação da efetividade da
aplicação dos recursos financeiros.
2. Unidades executoras (UEx) - responsáveis pelo recebimento, execução e
prestação de contas dos recursos financeiros destinados às escolas públicas com
mais de 50 alunos ou com menos de 50 alunos que tenham constituído UEx.
3. Secretarias de Educação dos estados e do Distrito Federal - responsáveis
pelo recebimento, execução e prestação de contas dos recursos financeiros
destinados às escolas públicas integrantes de suas redes de ensino que não
possuem UEx e pelo acompanhamento, fiscalização e auxílio técnico e financeiro
julgado necessário para a regular execução dos recursos pelas escolas que
possuem UEx.
78
4. Prefeituras municipais - responsáveis pelo recebimento, execução e
prestação de contas dos recursos financeiros destinados às escolas públicas
integrantes de suas redes de ensino que não possuem UEx e pelo
acompanhamento, fiscalização e auxílio técnico e financeiro julgado necessário para
a regular execução dos recursos pelas escolas que possuem UEx.
5. Entidades mantenedoras (EM) - responsáveis pelo recebimento, execução e
prestação de contas dos recursos financeiros destinados às escolas privadas de
educação especial por elas mantidas.
Explicitamente, o PDDE opta pela criação de UEx de natureza privada como
mecanismo para garantir maior flexibilidade na gestão dos recursos repassados e
ampliar a participação da comunidade escolar nessa mesma gestão.
3.2.1 – PDDE – democratização da Escola – houve avanço ?
Devido à abrangência nacional do PDDE, indicando a capacidade de
indução a mudanças que aponta, uma elevação considerável do número de
Unidades Executoras em Escolas Públicas e Organizações Não-governamentais (
ONGs ) existentes no Brasil pode ser verificada . Cabe , também, evidenciar que o
PDDE, embora tenha como foco central o Ensino Fundamental, outras etapas da
educação básica beneficiam-se do programa e por ele são influenciadas, visto que,
em uma mesma Unidade Escolar, várias etapas de escolaridade são oferecidas e
estão sujeitas às deliberações tomadas por uma mesma esfera coletiva de gestão,
agora denominada de Unidade Executora.
Desse quadro é possível perceber que a generalização das UEx para as
diferentes redes e sistemas de ensino, de certa maneira, padronizou um
formato institucional que delega a responsabilidade sobre a gestão dos
recursos públicos descentralizados para a instituição de natureza privada
(ADRIÃO & PERONI, 2007).
79
Sabe-se que o ritmo da democratização da gestão dos sistemas e das
escolas altera-se de estado para estado, de município para município, graças a
diversos determinantes sociais, históricos e políticos, dentre outros tantos.
Nos sistemas onde o aprofundamento da democratização da gestão já
encontrava-se em curso, a proposta de transformação dos Conselhos Escolares em
Unidade Executora assumiu um caráter de disputa política entre diferentes
segmentos da educação.
O dilema vivido pelos sistemas relacionava-se à opção em alterar a natureza
jurídica dos Conselhos Escolares, transformando-os em Unidade Executora, cuja
conseqüência seria a instalação de uma instituição de direito privado na esfera da
gestão da escola ou, de outro modo, o fortalecimento do Círculo de Pais e Mestres (
COM ), estrutura análoga às Associações de Pais e Mestres ( APM ),
tradicionalmente menos democráticas e, em muitos casos, não subordinada ao
controle do colegiado gestor.
A partir de estudos já realizados sobre o Programa PDDE, constata-se que
nas redes de ensino menos organizadas, em que a institucionalização de
mecanismos coletivos de gestão era parcial ou inexistente, o PDDE estimulou a sua
implantação, tendo induzido, também, a incorporação de todos os segmentos
escolares em seu funcionamento, ainda que de maneira formal .
Como já afirmado anteriormente, face às variáveis históricas e políticas, os
arranjos foram dos mais diversos em todo o país, havendo UEx constituída tal qual a
exigência do PDDE, ou seja, via criação de APMs, como UEx que se consolidaram a
partir dos Colegiados Escolares já existentes, tendo possibilitado ampliação e
consolidação de estrutura mais democrática e aberta à participação de todos os
segmentos da escola nas decisões. Porém, esta não tem sido a regra geral.
A indução constatada, numa analogia à Nação que emerge posteriormente
ao Estado, acabou por redundar em limites para a própria democratização da
gestão. Como muitas escolas ainda estavam vivenciando o processo de
redemocratização nos anos 1990, não haviam consolidado mecanismos
democráticos de participação de professores, pais e alunos na dinâmica
administrativa e pedagógica da escola. Gradativamente este processo estava se
ampliando, quando, por força dos interesses presentes na onda neoliberal de se
80
descentralizar para desconcentrar as responsabilidades e atribuições do Estado,
surgiram, de modo vertical, instrumentos legais “ dando às escolas “ a prerrogativa
de serem democráticas, de desenvolverem cidadania e , ao mesmo tempo, de
“atolarem” em mecanismos burocráticos de planejamento, execução, controle e
prestações de contas de recursos sempre insuficientes para atendimento das
demandas locais em prol da melhoria da qualidade perseguida. Uma cortina de
fumaça se forma e os dirigentes transitam dentro e fora das escolas
sobrecarregados, sempre cheios de mapas, relatórios, levantamentos com prazos
exíguos, sem tempo para as questões mais relevantes e significativas do ato de
liderar uma escola e elevá-la à condição maior de núcleo pedagógico e cultural de
transformação social.
Os Conselhos recém-criados nasceram marcados pela lógica da UEx.,
consolidada a partir do paradoxo que a caracteriza ( entidade de natureza privada
articulada ao setor público ) e da função que lhe é prioritária: captar recursos
públicos descentralizados. Evidencia-se uma tendência no funcionamento desses
colegiados de tornar secundário o exercício das práticas democráticas nas decisões.
Há aqui a evidência do reducionismo do papel relevante de um colegiado
escolar. Da dimensão maior de conselho democrático as UEx transformaram-se em
“ cartórios escolares” apenas com a função de ratificar atos administrativos e
aplicações financeiras cometidos pelos gestores.
Nos casos em que a APM/CPM já funcionavam como UEx, o PDDE
colaborou com o aprofundamento de uma política de descentralização existente no
plano local que elegia como prioridade, em função da flexibilização administrativa
para a gestão de recursos públicos, a institucionalização de uma estrutura paralela à
administração pública, ainda que a ela vinculada, cuja natureza assemelha-se ao
que se denominou acima de público não-estatal.
Registra-se a experiência do autor que, gestor de 1990 a junho de 1997 de
unidade escolar estadual em São Pedro da Aldeia – CIEP, liderava um processo de
participação intensa de pais na gestão da escola antes mesmo da institucionalização
das UEX em 1995. Após este ano, evidencia-se uma nova fase de atuação da APM ,
muito mais focada no acompanhamento dos recursos financeiros transferidos e
gerados por iniciativa escolar. Percebe-se uma redução do tempo e da mobilização
dos pais para permanecerem com suas atividades políticas. Um exemplo forte
anterior à implantação da UEx nos moldes do PDDE é o episódio de luta junto à
81
Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro por ocasião da falta de
docentes para cinco disciplinas da matriz curricular . Recorda o autor que numa
assembléia na quadra da escola, centenas de pais deliberaram seguir um
cronograma de visita à SEEDUC RJ e, como não houve resposta do poder público
às reivindicações da comissão de pais, professores e funcionários, uma
manifestação foi organizada por eles fechando a pista de acesso para a maior
cidade turística da Região em pleno feriado nacional. O aparente caos de um dia de
lutas nas ruas resultou na resposta imediata com a contratação de docentes e a
normalização do cumprimento da matriz anteriormente defasada. Os direitos de ter
aula com pessoal qualificado só foi possível com a manifestação democrática de
força política de todos que diretamente sofriam as ameaças da ausência do Estado.
A dimensão técnico-operacional da UEx se sobrepõe à dimensão política
própria dos processos coletivos de tomada de decisão com graus mais avançados
de participação. O que salta aos olhos é a ênfase nos aspectos procedimentais,
exigida pela lógica do Programa e reforçada pela preocupação com a correta
prestação de contas junto às instâncias locais, regionais, estaduais até ao TCU –
Tribunal de Contas da União.
O tom pragmático e o viés tecnicista administrativo-financeiro das políticas
educacionais a partir dos anos 1990 no Brasil foram reforçados pelo Programa
PDDE visto que a expansão da participação, assumida historicamente como
possibilidade da sociedade civil exercer efetivamente o controle democrático sobre o
Estado, é reduzida ao emprego das energias de usuários e profissionais em tarefas
gerenciais. Evidencia-se, até hoje, uma forte tendência no campo da gestão
educacional de tomar-se o conjunto de procedimentos administrativo-financeiros
como finalísticos no âmbito das escolas públicas, abrindo-se mão de relevante
processo de discussão política, filosófica e pedagógica dos planos da Unidade
Escolar que realmente promovam a superação dos fatores determinantes da baixa
qualidade de ensino público brasileiro.
Constata-se evidente consequência deste pragmatismo-eficientismo, a
começar pelo fracionamento do processo de tomada de decisão expresso no
aprofundamento da dicotomia entre as decisões de natureza pedagógica e as de
natureza financeira. Este fracionamento pode ser percebido por meio de duas
formas: a primeira relaciona-se à valorização das UEx em detrimento dos colegiados
escolares, nos casos em que se constituem como instituições distintas e em que
82
estes últimos mantêm-se responsáveis pelas decisões de natureza político-
pedagógica . A segunda, nos casos em que os próprios colegiados assumiram o
formato de UEx, tem em seu funcionamento a minimização das questões poítico-
pedagógicas ou sua subordinação às de ordem financeira.
O Programa PDDE estimula o co-financiamento da escola pela comunidade
escolar, fato que tende a reduzir a participação dos usuários à arrecadação e gestão
de recursos financeiros, reprogramando a atuação dos colegiados. As energias e
tempo dos integrantes das UEx são destinados ao planejamento e execução de uma
série de eventos como festas, bingos, rifas, festas da primavera, ... sempre
destinados à arrecadação de recursos para suprir as necessidades decorrentes das
lacunas resultantes da ausência do Estado. Observa-se que muitos destes eventos
distanciam-se dos propósitos pedagógicos e culturais da escola, servindo, muitas
vezes, para reproduzir uma cultura alienante e pouco instigadora de transformação.
Exemplo é a realização de concursos de Miss e Rainha, com exaltação da beleza e
total ausência de culminâncias de caráter científico-cultural que poderiam valorizar
os talentos estudantis nas diversas áreas do conhecimento.
É muito comum a escola chamar os pais para participarem das festas e
eventos destinados à arrecadação de recursos financeiros sem que os mesmos
tenham o direito de participar da gestão dos saldos alcançados. Reduz-se a
participação dos pais a doações de brindes e quitutes, ou venda de rifas e bingos . O
gestor, quando muito, expõe num mural interno da escola um balancete com os
lucros da festa, não dando satisfação da real necessidade de aplicação . Da mesma
forma, longe está a participação efetiva dos alunos e pais das discussões sobre o
PPP – projeto político pedagógico, previsto na LDB 9394/96 e que a grande maioria
das escolas públicas brasileiras ainda exclui, além de pais e alunos, funcionários e a
totalidade de docentes.
Constatou-se que a articulação entre a fragmentação nas relações
estabelecidas entre mecanismos colegiados de gestão de natureza diversa e a
ênfase técnico-operacional acentuada pelo PDDE concentrou ainda mais as opções
de política escolar nas mãos dos diretores, tendo como conseqüências crescentes
restrições às práticas democráticas de gestão e indo de encontro a um de seus
princípios elementares : atribuir ao órgão coletivo de gestão escolar a possibilidade
de decidir sobre destinação e priorização de recursos.
83
Com o discurso de afirmação de uma gestão democrática e progressista, os
gestores na verdade autodenominam-se democráticos tomando como base apenas
o ato de prestar contas à comunidade escolar, impossibilitando, por diversos
mecanismos, a participação das pessoas no processo coletivo e plural de
pensamento, planejamento, execução e avaliação da gestão em toda a sua
abrangência.
Segundo Paro ( 1986), há de se considerar o aspecto que se refere:
À presença ou à ampliação do controle social sobre os recursos
descentralizados, já que se considera, no âmbito de políticas relacionadas
à democratização da gestão da educação, como necessária a existência de
medidas que facilitem o controle social do Estado por parte da sociedade
civil.
Pode-se afirmar, a partir da análise do modus operandi das UEx no âmbito
das escolas públicas, que o PDDE, paradoxalmente ao que segue declarado em
seus objetivos, pouco contribuiu para a instalação de efetivas práticas de controle
sobre os gastos, uma vez que as informações continuam restritas às equipes
escolares e, em alguns casos, excetuando-se inclusive desse acesso os docentes e
os funcionários não-docentes.
A análise feita logo a seguir dará materialidade ao exposto acima,
corroborando com as afirmações e dando consistência aos argumentos da pouca
contribuição do PDDE aos avanços democráticos das escolas públicas brasileiras,
mais especificamente na década compreendida entre 1995 e 2005.
3.2.2 – Análise do Relatório do 1º Encontro Técnico Nacional do PDDE.
Um trabalho de campo para coleta de relevantes dados sobre o PDDE
exigiria além de muito tempo, recursos financeiros e humanos, uma metodologia que
pudesse dar conta de consolidar dados das mais diversas regiões , estados e
municípios do Brasil.
84
Durante os trabalhos de investigação bibliográfica e documental, inclusive
por meio da rede mundial de computadores , acessando os sites do MEC e FNDE ,
deparei-me com o relatório do encontro realizado pelo MEC/ FNDE em Brasília –
DF, no período de 25 a 27 de outubro de 2005. Esse encontro teve como objetivo
divulgar a forma de operacionalização do PDDE, debater e analisar os problemas
levantados pelos responsáveis por sua execução nos Estados, Distrito Federal e
Municípios, bem como captar sugestões de melhoria, de ampliação das metas para
os próximos anos, fortalecendo, assim, a mobilização social em benefício da
qualidade do ensino e dos princípios de descentralização, transparência,
participação, fiscalização e eficiência do gasto público.
O Evento contou com a participação do Presidente e Diretores do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, dirigentes e técnicos das áreas
de Auditoria, Prestação de Contas da Autarquia, da Secretaria de educação Básica
(SEB), de técnicos da representação do MEC do Rio de Janeiro, de técnicos das
Secretarias Estaduais e Distrital de Educação e das Secretarias Municipais de
Educação das Capitais, envolvidos com a execução e gestão do PDDE, além de
representantes da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação –
UNDIME, representantes de entidades mantenedoras de educação especial - APAE
e de órgãos de Controle Interno e Externo.
De imediato, numa primeira análise, pode-se constatar o perfil pragmático do
Programa no momento que reúne técnicos das autarquias e secretarias, não
contemplando os diversos segmentos de representação das Unidades escolares
muito menos dos setores pedagógicos. A tentativa de se criar um viés democrático
para o evento apresenta-se por meio da participação da UNDIME que, por sua vez,
é representante dos dirigentes municipais de educação , e não dos gestores
escolares, bem mais próximos das realidades atinentes ao Programa avaliado e
debatido no referido encontro. Evidencia-se extensa programação com palestras
sobre os mais variados temas relativos ao PDDE, a saber:
1. FNDE no Contexto da Política Educacional,
2. Reforma do Estado e Descentralização,
3. Descentralização e Democratização de Políticas Educacionais,
4. Origem e a Evolução do PDDE,
5. Controle Social com Foco na Transparência do Gasto Público
6. Gestões Operacionais do PDDE,
85
7. Capacitações Técnicas – Operacionais e Acompanhamento do PDDE,
8. Aspectos da Gestão e Operacionalização da Prestação de Contas do PDDE,
9. Ações de Controle de Auditoria.
10. Impactos do PDDE na Gestão e Financiamento da Educação nas Diversas
Regiões do País - Enfoque Relatos da Pesquisa em Cada Região.
11. a liberação de recursos do PDDE, a operacionalização dos repasses: abertura
de contas, liberação de recursos e divulgação das liberações
As palavras-chaves que ficam em evidência são operacionalização,
financiamento, prestação de contas, ações de controle e liberação de recursos.
Nota-se, desta forma, que a ausência da SEB – Secretaria de Educação
Básica do MEC, com seu corpo técnico-pedagógico, não se faz representar por meio
de uma abordagem de dimensão político-pedagógica, inclusive que viesse a
possibilitar uma avaliação e reflexão sobre os impactos dos investimentos nos
resultados efetivos de melhoria da aprendizagem dos alunos. Nota-se que a
atividade-meio é tomada como finalístico, preenchendo toda a lógica do encontro,
dimensionado para dar conta das dúvidas dos técnicos e equipes das diversas
esferas governamentais.
Outro aspecto relevante é a ausência das instâncias interlocutoras da
sociedade civil como CNTE retratando a fragilidade da organização local,
municipal, estadual no que diz respeito ao acompanhamento da definição de
aplicação, execução orçamentária e transparência nas prestações de conta e/ou a
exclusão, por parte do MEC destas instâncias de representação não governamental.
Estão sintetizadas abaixo, nos diversos quadros, as principais
considerações extraídas dos documentos elaborados pelos Grupos de Trabalho
daquele encontro, o que passa, no contexto desta pesquisa, a contar com a análise
e apreciação crítica do autor.
- PRINCIPAIS DIFICULDADES E AVANÇOS DO PDDE NO QUE SE REFERE A :
Quadro nº.: 8
APLICAÇÃO DOS RECURSOS NO PROVIMENTO DAS NECESSIDADES DA ESCOLA
Dificuldades Avanços
O repasse tardio dos
recursos compromete o atendimento
As prefeituras ou secretarias de
educação podem disponibilizar recursos às
86
de algumas necessidades da escola
e compromete o tempo para prestar
contas.
escolas para outras despesas, uma vez que
o PDDE pode ser utilizado para a
manutenção da estrutura física.
A inadimplência imposta
pelo FNDE quanto à prestação de
contas dos recursos utilizados não
corresponde à situação real das
escolas, prefeituras e secretarias de
educação, comprometendo o
repasse dos recursos.
A estrutura física das escolas está
melhorada.
Reprogramação de saldo
vem ocorrendo de forma
injustificada.
Melhoria significativa nas atividades
pedagógicas da escola.
Universalização do programa para
as escolas com qualquer número de alunos.
Possibilidade de definição de % por
categoria econômica (custeio e capital).
De pronto, constata-se, no Quadro n.:8, que os avanços apontados pelos
técnicos referem-se à estrutura física, o que pode ser questionável quando
confrontados com outras tabelas do MEC que apontam número exacerbado de
escolas sem rede elétrica, água potável, esgotamento sanitário, biblioteca, quadras
poliesportivas, etc. Além disso, a expressão “ melhoria significativa nas atividades
pedagógicas da escola “ não vem atrelada a demonstrativos de como o PDDE
interferiu diretamente na melhoria mencionada, visto que na mesma coluna de
avanços, linhas um e dois, depreende-se que os recursos são destinados para a
rede física, podendo “As prefeituras ou secretarias de educação disponibilizar
recursos às escolas para outras despesas”.
Quadro nº.: 9
PARTICIPAÇÃO DAS COMUNIDADES ESCOLAR E LOCAL
NO EXERCÍCIO DO CONTROLE SOCIAL DOS RECURSOS REPASSADOS
Dificuldades Avanços
Os procedimentos de
prestação de contas ainda
apresentam dificuldades para os
membros das Uex.
A criação de UEx contribui para o
desenvolvimento do processo democrático
e maior autonomia na gestão da escola.
Intensa rotatividade dos
técnicos disponibilizados pela
prefeitura ou secretarias de
A escola tem se preocupado com a
elaboração de um planejamento estratégico
– Projeto Político Pedagógico (PPP) - com
87
educação para acompanhar o PDDE
junto as UEx dificulta o
esclarecimento de dúvidas sobre o
programa.
vista à dinamização e utilização dos
recursos
Período disponibilizado
desde o repasse até o momento de
prestar contas é curto para a
execução do PDDE pelas Uex.
Falta atuação efetiva do
Conselho Fiscal da Uex.
O grupo de técnicos que elaborou o Quadro n.: 9 constata que a “Intensa
rotatividade dos técnicos disponibilizados pela prefeitura ou secretarias de educação
para acompanhar o PDDE junto às UEx dificulta o esclarecimento de dúvidas sobre
o programa. Nota-se a constatação por parte dos técnicos integrantes do grupo de
estudo que ao mesmo tempo que o PDDE, por meio da criação da UEX “contribui
para o desenvolvimento do processo democrático e maior autonomia na gestão da
escola” , limita a maior atuação dos seus membros porque não são oferecidos, de
forma consistente e contínua, a formação adequada para, que esclarecidos e
conscientes do papel a desempenhar, pudessem atuar com maior desenvoltura e
eficácia. A descontinuidade da equipe de técnicos dificulta o esclarecimento de
dúvidas sobre o programa”. Pode-se perguntar se a rotatividade de elementos
técnicos tem aderência aos interesses da descontinuidade das políticas públicas por
parte da grande maioria dos governantes, nas diferentes esferas de governo, e da
falta de transparência da aplicação das verbas públicas , no caso, aquelas
destinadas às escolas. Esta tabela ainda nos faculta a identificação de uma
dificuldade real do PDDE :” Período disponibilizado desde o repasse até o momento
de prestar contas é curto para a execução do PDDE pelas UEx” . Este tempo exíguo
entre a chegada do recurso e sua prestação de contas, somada à rotina geral do
gestor escolar, corrobora para que o planejamento coletivo, que sempre exige maior
dedicação e tempo do líder e dos diversos atores sociais envolvidos , fique
atropelado e deixe de existir nos espaços escolares. A pseudodemocracia, para
muitos gestores, fica para a hora de prestar contas do que somente uma pessoa ou
um pequeno grupo decidiu como sendo de interesse e necessário para determinada
unidade escolar.
88
Quadro 10 - MOBILIZAÇÃO DA COMUNIDADE ESCOLAR PARA:
Identificar as
necessidades da escola
Em algumas localidades é pequena a
participação da comunidade nas atividades da
escola restando à direção da escola identificar as
id d
As escolas que não recebem apoio da
prefeitura e das secretarias de educação tem
inúmeras necessidades, bem maiores do que
possibilitam sanar os recursos disponibilizados
Interesses divergentes dificultam a
identificação das reais necessidades da escola
Definir as prioridades
de emprego dos recursos
A centralização dos recursos por parte do
diretor da escola dificulta a participação da
comunidade escolar no estabelecimento das
iidd
A escola que não faz um planejamento de
gastos encontra maior dificuldade na definição de
prioridades
O desconhecimento sobre as
possibilidades de uso dos recursos dificulta a
definição das prioridades
Controlar o emprego
de recursos
A falta de divulgação sobre o recebimento e
a utilização dos recursos, impossibilitam a ação de
controle
O desconhecimento sobre as atribuições
dos membros da UEx colabora para que ocorram
falhas no controle social sobre os recursos
d
Os membros da UEx não dispõem de
tempo para efetivar o controle necessário sobre os
recursos
O quadro 10 que trata da mobilização da comunidade escolar é rico de
informações e constatações sobre o PDDE . De imediato verifica-se que na primeira
coluna destinada a identificar as necessidades da escola, o grupo de técnicos
justifica que resta à “direção da escola identificar as necessidades” devido à
“pequena a participação da comunidade nas atividades da escola”. Não há evidência
de constatação das razões da baixa participação da comunidade, bem como essa
questão não é tomada como relevante. O teor da linha três: “Interesses divergentes
dificultam a identificação das reais necessidades da escola” retrata o
distanciamento do programa PDDE à concepção da escola como espaço
democrático de idéias e interesses em disputa, numa demonstração clara de
subsenção da função do programa ao pragmatismo-eficientismo-administrativo-
89
financeiro. O grupo prossegue apontando como causas das dificuldades de se
definir as prioridades de emprego dos recursos “A centralização dos recursos por
parte do diretor “, “a escola que não faz um planejamento de gastos” e “o
desconhecimento sobre as possibilidades de uso dos recursos”. As três razões têm
convergência numa só: a falta de gestão democrática por parte do diretor escolar
que não reunindo para informar e nem planejar coletivamente, mantém-se detentor
dos recursos e das decisões sobre sua destinação. Por fim, no quadro três da
coluna um, o grupo denuncia e comprova a fragilidade do controle social do
programa porque a comunidade escolar não tem acesso ao que se pode considerar
como básico num programa desta dimensão e abrangência, que é a falta de
conhecimento sobra “as atribuições dos membros da UEx” . Alegam, ainda, que os
integrantes da “UEx não dispõem de tempo para efetivar o controle necessário sobre
os recursos” .
Em uma experiência pessoal, como Coordenador Regional de Ensino da
SEEDUC RJ no âmbito de oito municípios das Baixadas Litorâneas – período de
julho de 1997 – dezembro de 1999 , pude constatar inúmeras situações
relacionadas à aplicação do PDDE em Colégios Estaduais.
Duas delas são mais significativas e relevantes para que possam ser
tomadas como exemplos objetivando corroborar com as observações apresentadas
sobre as deficiências do controle social do PDDE.
Num Colégio Estadual de grande porte, à época cerca de 3.000 alunos
(1997), participei de uma reunião pedagógica com os docentes. Um dos pontos da
pauta elaborada por eles, era a reivindicação, à Coordenadoria Regional / SEEDUC
RJ, de cursos de formação continuada para as diferentes áreas ou o apoio para
que, por sua conta, o professor pudesse se inscrever e participar de formações nas
Universidades Públicas em Campos dos Goytacazes ( UENF ), Niterói (UFF) e no
Rio de Janeiro ( UERJ, UFRJ e UniRio). As necessidades básicas para participação
de docentes do interior do Estado do Rio de Janeiro em cursos realizados nos
grandes centros urbanos reduzem-se à passagem de deslocamento, alimentação e,
em alguns casos, a hospedagem. Esclarecendo a impossibilidade do órgão regional
de promover o pleiteado por não dispor de recursos financeiros, apontei que o PDDE
do Colégio dispunha de recursos suficientes, proporcionais ao número de alunos
matriculados , e que o Plano de Gestão da Unidade Escolar, apresentado pela
chapa vencedora durante a eleição para diretores, mencionava percentual destinado
90
ao pedagógico. Fato que o grupo de docentes , em sua grande maioria,
desconhecia. Apresentei tabelas contendo todos os repasses do FNDE dos últimos
dois anos por meio do Programa PDDE para aquela UEx e o susto dos profissionais
foi grande. Após a apropriação das informações, a pessoa convocada pelo coletivo
de docentes para participar daquela reunião pedagógica foi o próprio Diretor da
Unidade de Ensino, que teve que se explicar, uma vez que o seu perfil
patrimonialista se sobrepunha aos interesses pedagógicos e se distanciava ainda
mais dos objetivos educacionais relacionados à melhoria do ensino e à formação de
alunos críticos e cidadãos.
Numa outra unidade de ensino estadual, também na Regional mencionada,
deparei-me com uma diretora, já no cargo há uns 20 anos, colocando granito nos
banheiros dos alunos com recursos do PDDE. Ao analisar a situação da escola, de
porte médio, foi identificada uma série de prioridades confirmadas pelos próprios
docentes, funcionários e alunos, tais como: reabertura dos laboratórios de Biologia e
Química com novos equipamentos e materiais de consumo , recuperação da quadra
esportiva e melhoria do acervo da Biblioteca, dentre outros não menos relevantes.
Os alunos, ouvidos por amostragem nos diferentes turnos, manifestaram total
desconhecimento dos recursos do PDDE, bem como se diziam ausentes de
qualquer reunião ou assembléia que pudesse denotar uma participação na definição
das prioridades que, no caso desta Unidade Escolar, foram apontadas, única e
exclusivamente, pela diretora. Retrato inconteste de uma “democracia” que ainda
não chegou nas escolas, reproduzindo dentro delas o que se quer transformar na
sociedade apenas com discursos vazios de formar alunos cidadãos e críticos.
Como os exemplos são do final da década de 1990, pode-se perguntar:
daquele período para os nossos dias, houve mudanças significativas no controle
social do PDDE em cada escola ? Pelo relatório do Encontro Nacional de 2005, em
análise , vê-se que a situação não avançou nestes anos do novo século em relação
às novas formas de controle social porque, na verdade, não houve uma mudança
de mentalidade dos gestores que, apenas ampliaram a atuação das instâncias
centrais ( órgãos de governo ) e passaram também a exercer verticalmente o
controle das verbas na esfera próxima ao cidadão usuário da educação pública –
dentro de cada escola. Os resultados de baixa produtividade, elevada evasão e
desinteresse dos alunos refletem os níveis de gestão do PDDE e, obviamente, dos
demais programas destinados às unidades escolares.
91
Quadro 11 - ADESÃO / HABILITAÇÃO
Atualização cadastral
(correio ou PDDENET)
O congestionamento do PDDENET
dificultou o cadastramento em alguns estados
A documentação que segue via correios
muitas vezes é extraviada dentro do FNDE
Encaminhamento do
Termo de Compromisso
Alguns municípios ainda não têm claro a
questão da responsabilização das prefeituras
sobre recursos transferidos as UEx
No quadro 11 acima o grupo de técnicos evidencia as fragilidades
operacionais tanto dentro do próprio FNDE como, por exemplo, quando “a
documentação que segue via correio muitas vezes é extraviada dentro do FNDE” ou
quando um dos parceiros – no caso os Municípios - na execução de etapas
relevantes para o sucesso esperado na dinâmica burocrático-administrativa- “não
têm claro a questão da responsabilização das prefeituras sobre recursos transferidos
as UEx” .
Como imaginar uma descentralização de recursos num país continental
como o Brasil e manter uma estrutura estatal de controle e centralização de
regulações dos mínimos detalhes operacionais ? Na verdade, o Estado não sai de
cena com a descentralização dos recursos e o que se verifica é o aumento sempre
crescente de seus braços e pernas – o Estado sempre burocrático, ainda que com a
nova roupagem da tecnologia – para manter centralização e regulação.
Quadro 12 - A
PLICAÇÃO DOS RECURSOS
Pesquisa de preços
Ausência de recursos para custear
deslocamentos necessários à realização de pesquisa
de preços, algumas vezes só possível em municípios
iih
Oferta local muitas vezes é de fornecedores
não legalizados
A liberação tardia dos recursos dificulta o
processo de pesquisa de preços
Escolha do menor
preço
Conciliar menor preço e qualidade nem
sempre é possível
92
Observância das
categorias econômicas
Custeio e Capital
A orientação das prefeituras ou secretarias
de educação e do FNDE nem sempre coincidem
quanto à categoria econômica de algumas despesas
A Resolução não deixa claro sobre a
utilização de rendimentos financeiros, quanto à
categoria econômica
Levando-se em conta que os recursos descentralizados pelo programa não
são suficientes para o atendimento das inúmeras e reais necessidades das escolas,
como já constatado no Quadro n.: 12 , faz-se relevante a pesquisa de preços num
mercado altamente competitivo com variações extremadas de preços, muitas vezes
numa mesma região e até num mesmo município.
Recordo-me de uma experiência de gestão de unidade escolar estadual,
quando desempenhei a função de Diretor de CIEP no Município de São Pedro da
Aldeia - RJ – período 1990 – junho de 1997 . Houve uma fase em que os gêneros
alimentícios da merenda escolar chegavam diretamente no CIEP, adquiridos pelo
órgão central. Posteriormente, os recursos financeiros para aquisição dos gêneros
alimentícios eram descentralizados para que a própria Escola comprasse o
necessário para o cardápio escolar . O valor per capita era muito pequeno em
relação às reais necessidades nutricionais de 550 alunos em horário integral que
demandavam aquisição de alimentos além dos recursos disponibilizados para a
unidade escolar, sempre incompatíveis com as reais necessidades.
Socializado o problema, um grupo de merendeiras e alunos das 3ªs e 4ªs
séries do Primeiro Segmento do Ensino Fundamental, começaram a participar de
pesquisas nos mercados da cidade como atividade pedagógica, e, com a ajuda dos
docentes em sala de aula, tabularam as pesquisas e identificaram os produtos que
estavam em promoções adequados ao cardápio recomendado pela equipe de
nutricionistas da SEEDUC RJ, a fim de possibilitar a “ esticada “ do dinheiro e a
garantia da merenda escolar em todos os dias do calendário letivo. Uma verdadeira
aplicação de economia doméstica no âmbito da Escola com a participação de
alunos, funcionários e docentes, possibilitando formação acadêmica com aderência
ao currículo escolar ( expressão oral e escrita, cálculos matemáticos, espaço urbano
e deslocamento, trânsito, leituras de rótulos e tabelas nos mercados ) e formação
humana e de cidadania ( liderança, relações humanas, participação coletiva de
decisões, análise de contexto econômico ). Uma reunião no Auditório do CIEP
93
possibilitava a socialização dos resultados das pesquisas e a tomada de decisão
para a efetivação das melhores compras nos mais diversos representantes
comerciais, a fim de solucionar o problema coletivo. Com esta medida houve uma
ruptura, no âmbito do CIEP em questão, com a prática generalizada na rede de
escolas públicas que, pelo menos à época, cristalizava um atrelamento da escola
a um único fornecedor. Uma outra ação que o problema desencadeou na escola foi
a campanha do não-desperdício, uma vez que alguns alunos serviam-se da
merenda além da capacidade de consumo.
A escola que busca uma gestão eficaz e eficiente, não pode abrir mão da
sua dimensão política para buscar coletivamente o enfrentamento dos desafios e
seus conflitos e minimizar seus problemas, sempre dinâmicos e peculiares em cada
tempo histórico.
QUADRO 13 - PRESTAÇÃO DE CONTAS
Preenchimento
dos formulários
Apesar de terem sido um pouco mais
simplificados, a quantidade e complexidade dos
formulários ainda torna a prestação de contas um
processo difícil para alguns municípios
Conciliação
bancária
Cobrança de CPMF e algumas taxas (indevidas)
comprometem a conciliação bancária
Reprogramação
de saldo
A reprogramação vem sendo usada de forma
injustificada em alguns casos
O repasse tardio dos recursos tem levado
algumas UEx obrigatoriamente à reprogramação de
ld
Falha nos Anexos III e VIII que não identificam a
categoria econômica dos recursos em relação ao saldo a
ser reprogramado.
Notas e recibos
Não há dificuldade
Recolhimento de
impostos
Calcular e recolher impostos dificulta a execução
O quadro n.: 13 explicita apenas critérios técnico-burocráticos para a
prestação de contas e deixa de levar em conta os mecanismos possíveis de
ampliação da transparência da aplicação dos recursos recebidos pela UEx, sem
mencionar a possibilidade de socialização ampliada por meio de realização de
assembléias, boletins internos, murais e internet. Este último meio viabilizado por
conta de que uma grande parte da população jovem brasileira já tem acesso, ainda
que em “ lan-houses” , à rede mundial de computadores. Nota-se que é recorrente a
94
afirmação de que o volume de procedimentos administrativos e formulários para a
prestação de contas acaba por constituir-se em fatores limitantes para uma melhor
aplicação dos recursos e execução do programa.
QUADRO 14 - VISITAS DE ACOMPANHAMENTO OU INSPEÇÃO EM ESCOLAS.
QUAIS OS PRINCIPAIS
ASPECTOS OBSERVADOS?
QUAIS FORAM AS
PROVIDÊNCIAS ADOTADAS?
Aspectos inerentes à execução
dos recursos
Diligências
Descumprimento de prazo
quanto à apresentação da prestação de
contas
Reunião com os conselhos
escolares e UEx
Centralização de poder por parte
dos diretores
Capacitação com os dirigentes
das escolas
Dificuldade de realizar o
acompanhamento, tendo em vista o difícil
acesso aos municípios
Não foi adotada nenhuma
providência
O
O
d
d
e
e
s
s
t
t
a
a
q
q
u
u
e
e
n
n
a
a
a
a
n
n
á
á
l
l
i
i
s
s
e
e
d
d
o
o
Q
Q
u
u
a
a
d
d
r
r
o
o
n
n
.
.
:
:
1
1
4
4
é
é
o
o
f
f
a
a
t
t
o
o
d
d
e
e
q
q
u
u
e
e
o
o
s
s
t
t
é
é
c
c
n
n
i
i
c
c
o
o
s
s
c
c
o
o
n
n
s
s
t
t
a
a
t
t
a
a
m
m
e
e
m
m
v
v
i
i
s
s
i
i
t
t
a
a
s
s
e
e
i
i
n
n
s
s
p
p
e
e
ç
ç
õ
õ
e
e
s
s
à
à
s
s
e
e
s
s
c
c
o
o
l
l
a
a
s
s
a
a
“ centralização de poder por parte
dos diretores” e “ a dificuldade de realizar o acompanhamento, tendo em vista o
difícil acesso aos municípios”. Para o primeiro problema, aponta-se como
providência a “ capacitação com os dirigentes das escolas” (sic), excluindo-se os
demais membros da UEx e da comunidade escolar que poderiam, uma vez
esclarecidos e conscientes, ampliar seus espaços de participação . Vê-se que a
providência adotada deixou de dar resposta adequada ao problema identificado,
tapando-se “ o sol com a peneira”. Mais grave ainda, é o fato de não ter adotado
qualquer medida que viesse solucionar o problema de difícil acesso aos municípios.
QUADRO 15 . PRINCIPAIS DIFICULDADES QUE AS UEX TEM EM
EXECUTAR O PDDE.
PRINCIPAIS DIFICULDADES
Fazer a prestação de contas
Falta recursos parar realizar capacitações
Demora por parte das UEx em encaminhar a prestação de contas às sedes,
ocasionando inadimplência
95
Tempo limitado quanto ao recebimento dos recursos e a prestação de
contas
As UEx não são capacitadas continuamente
Quadro 16 - Dificuldades deveriam ser sanadas adotando-se os seguintes
procedimentos:
Assegurar atendimento especial a municípios das regiões de difícil acesso;
Que o recurso seja repassado no início do ano em exercício;
Aumentar o prazo de entrega para apresentação da prestação de contas
junto ao FNDE
As UEx devem ser capacitadas pelos técnicos da equipe sede.
O prisma de análise dos quadros 15 e 16 é dos técnicos das secretarias que
recebem as prestações de contas para análise. Eles tenderam a minimizar a
execução do PDDE à dimensão financeiro-administrativa. No rol de dificuldades e
sugestões a solução dos problemas e apontamentos que indiquem visão dos
processos relacionados estão ausentes a dinâmica de planejamento e execução por
parte do coletivo escolar, dentro da esfera política de tomada de decisão com foco
na gestão democrática da escola.
QUADRO 17 - DIFICULDADES PARA TRANSMITIR ORIENTAÇÕES
RELATIVAS AO PDDE?
- Dificuldade de mobilizar a comunidade
Desconhecimento da legislação no tocante a contratação dos serviços
(pessoa física e jurídica)
- Falta de interesse das UEx em procurar informações junto à sede
Prazo para execução dos recursos
Falta de conhecimento das peculiaridades especificas do PDDE, por parte de
alguns auditores de controle externo.
Quadro 18 - SÍNTESE DAS SUGESTÕES APRESENTADAS PARA
MELHORIA DO PDDE
Repasse dos recursos até o 1º semestre;
Ajustes no processo de recebimento e análise das prestações de contas
encaminhadas pelas prefeituras e secretarias de educação ao FNDE;
Criação de representação do FNDE nos estados
Liberação dos recursos em conta integrada (conta corrente/conta poupança);
Elevar o valor dos recursos do PDDE;
96
Utilizar o censo escolar do ano do repasse e não o do ano anterior;
Informatizar os anexos das prestações de contas das prefeituras e
secretarias de educação;
Criação de mecanismos de avaliação da qualidade dos serviços prestados
pelas instituições bancárias;
Disponibilizar parte dos recursos para a capacitação dos membros das UEx;
Estabelecer contrapartida para as prefeituras e secretarias de educação
garantindo com isso que as UEx possam investir mais em necessidades particulares
de cada escola;
Divulgação mais efetiva do PDDE através da mídia (união/FNDE) sobre a
importância da participação social na execução e no controle da utilização dos
recursos
Elaboração de projeto de capacitação específico para os membros da UEx;
Capacitação do FNDE específica sobre prestação de contas;
isenção de impostos para as UEx;
Auxiliar as UEx quanto ao pagamento de multas referentes a impostos nos
moldes do Termo de Sub-rogação;
Os quadros 17 e 18 anteriores podem ser tomados como espelho da
dimensão do PDDE para as equipes de técnicos das instâncias governamentais
desde o FNDE / MEC até as Secretarias Municipais de Educação das Capitais. Por
partes: vamos perceber que o grupo aposta mais na força da mídia quando aponta
como sugestão: “ Divulgação mais efetiva do PDDE através da mídia (união/FNDE)
sobre a importância da participação social na execução e no controle da utilização
dos recursos” , deixando de apontar alternativas e estratégias inovadoras para os
gestores das escolas no sentido de superar ou minimizar o problema recorrente
identificado em todo o relatório que é a baixa mobilização da comunidade. Fato que
confirma a constatação de que o PDDE pouco ou nada contribuiu efetivamente para a
democratização da escola pública brasileira.
Outra sugestão dos técnicos que desperta atenção é a “ Criação de
mecanismos de avaliação da qualidade dos serviços prestados pelas instituições
bancárias”, parceiras do PDDE, em âmbito nacional. Para eles, os problemas
operacionais das limitações gerenciais e logísticas de atendimento e processamento
das informações por parte das instituições bancárias são mais relevantes do que os
problemas ocasionados na escola por conta da má aplicação dos recursos, muitos
deles não chegando a ocasionar impactos positivos na dinâmica pedagógica da
unidade escolar nem na ampliação da gestão democrática.
97
Seria plausível, minimamente, que um relatório nacional que contém
sugestões para melhoria do programa, apontasse a criação de mecanismos mais
eficazes de avaliação da qualidade dos serviços contratados e dos materiais
adquiridos pela Unidade Executora e seus reflexos direto na melhoria da qualidade
educacional. Mais uma vez o Programa, pelo prisma dos técnicos, deixa de alcançar a
dimensão do projeto político pedagógico da escola, conforme preconizado pela
própria LDB 9394/96.
O que fica evidente neste capítulo é o abandono por parte da escola de sua
dimensão política, deixando de buscar coletivamente o enfrentamento dos desafios e
seus conflitos por meio de uma maior e legítima participação dos professores,
funcionários, alunos e pais. Salta aos olhos uma escola pública com gestão
centralizadora distanciada das funções finalísticas da educação e reprodutora de
políticas fragmentadas e reguladoras, com enorme dificuldade de planejar e executar
estrategicamente ações voltadas para reversão da baixa mobilização e participação
da comunidade.
98
4- CONTROLE SOCIAL DA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL – LIMITES E
PERSPECTIVAS.
4.1 – Breve contexto histórico.
Neste capítulo será feito estudo sintético da trajetória de consolidação da
vertente privada da sociedade brasileira e a contradição dos setores públicos num
Estado capitalista privatista, com seus reflexos visíveis na cidadania fragilizada, não
verdadeira e pouco legítima. Serão apontadas as forças contrárias à participação
cidadã e a inconsistência, limites e perspectivas do controle social da educação
pública.
Na história brasileira, o processo de descentralização desenvolveu-se
dialeticamente, sempre com características próprias, visando à manutenção dos
mecanismos de dominação social. ( AZEVEDO, 2001 ). Pode-se afirmar, pois, que
na verdade o que ocorreu foi desconcentração de competências e atribuições com
atrelamento financeiro a programas federais de modo a reduzir a autonomia dos
sistemas e das escolas tanto na definição de suas políticas locais quanto na
avaliação destas mesmas políticas. A avaliação centralizada tornou-se forte
mecanismo de regulação e controle, como definidor de programas , ocasionando o
que se pode denominar de federalismo da educação.
No período colonial, os instrumentos políticos utilizados para o exercício do
poder pelas elites agrárias, que o faziam sempre em função dos interesses próprios
e em nome da metrópole – tinham alicerces no espaço local. Os chamados “
homens bons “, grandes proprietários de terras e de escravos, que compunham as
Câmaras locais e exerciam o poder.
A sociedade excludente do período colonial sustentava-se na convergência
de interesses entre a elite agrária, exportadora e os interesses mercantilistas da
metrópole. “ É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem
atenção e consideração que não fosse o interesse daquele comércio, que se
organizarão a sociedade e a economia colonial “. ( PRADO JÚNIOR, 1976).
O poder local e descentralizado da colônia não pode ser associado à
democracia. A descentralização e a centralização no Brasil operaram de forma
alternada ao longo do processo de formação da sociedade brasileira.
99
A fundação socioeconômica do Brasil, conforme se apreende da obra de
Gilberto Freyre ( 2005), reveste-se de três características: latifundiária, monocultura
e escravocrata.
A grande distância social entre os mundos da casagrande e da senzala, do
sobrado e do mucambo entravava a formação de uma estrutura de classes,
numa sociedade assimétrica em que a balança da riqueza e do poder
pendia inteiramente para as elites.
A vertente privada da sociedade brasileira tomou corpo e consolidou-se,
deixando frágil e débil a vertente pública. No surgimento das cidades brasileiras, o
sobrado era o reino da ordem patriarcal, com divisões hierárquicas muito claras e
seus poderes definidos, de caráter privado. Já a rua era o espaço onde a classe
dominante despejava seu lixo e o esgoto, constituindo-se, concomitantemente, no
espaço dos moleques, das prostitutas, dos pardos, dos escravos alforriados e de
todos aqueles que se encontravam na marginalidade social ( FREYRE, 2004).
O espaço público era, portanto, o espaço do refugo da ambiguidade e
inferioridade de status. Nada mais coerente, sob esta perspectiva, que a apropriação
do público pelo privado, gerando o patrimonialismo nacional até hoje
acentuadamente presente, com sua galeria de tipos que atravessa os tempos,
dentre outros: o eleitor encabrestado, as dinastias de prefeitos e políticos de modo
geral, o político corrupto, que obtém comissões e benesses à custa do dinheiro
público; o “ delegado nosso” e o líder populista com suas promessas doces na boca
e amargas no ventre.
O período Imperial no Brasil apresentou o poder de forma centralizada,
concentrado no governo central sem, contudo, promover alteração na dominação da
elite agrária, escravocrata, perdurando, assim, as bases da formação colonial.
Passada a monarquia e extinta a escravidão no final do século XIX, o poder,
novamente é descentralizado, retornando ao local, ao regional, repousando na
propriedade agrária-exportadora e latifundiária – a chamada República Velha.
Para Azevedo (2003 ), “ Mais uma vez, o pacto político consensoado pelas
elites oxigena-se numa estrutura descentralizada, passando, contudo, muito distante
de qualquer pretensão democrática” . O processo desencadeado em 1930 só sofre
esgotamento no final do século XX. Para efeito de cronologia e contextualização
100
histórica, pode-se caracterizar a fase pós 1930 no Brasil em quatro períodos
distintos , a conhecer:
a) Ditadura Vargas – 1930 – 1945;
b) A hegemonia populista – 1945 – 1964 ;
c) O Regime Militar – 1964 – 1985;
d) A redemocratização – a partir de 1985.
Abandonando-se o detalhamento de todos esses períodos, passa-se a focar
o período compreendido de 1988 até os nossos dias, tomando-se a promulgação da
Constituição Federal de 1988 como marco referencial relevante de convergência dos
movimentos de redemocratização do país que, por sua vez, encontraram um
contrafluxo nas forças da onda neoliberal que se agigantou nos anos 1990.
Para Azevedo ( 2003), “ o atual período é marcado pelo desmonte do Estado
gestado no processo pós 1930 “. As mudanças passam, então, a ser determinadas
pela “ hegemonia dos interesses e dos valores de mercado “.
(...) segundo esse parâmetro, os direitos sociais, até então delegados `a
proteção do Estado, devem ser revogados em nome da ‘ liberdade de cada
cidadão, mais propriamente denominado cliente, que deve comprar estes
direitos através de serviços que o mercado sabiamente disponibiliza,
permitindo a plena liberdade individual, qualidade natural da existência
social.
O processo de radicalização da centralização do poder político estabelecido
no período do regime Militar ( 1964 – 1985 ), dá vez, na democracia formal,
representativa, às novas restrições produzidas pelo mercado.
Há evidências explícitas de que descentralização e participação não são
necessariamente sinônimas de democracia. “ Na linguagem de mercado, tomam um
sentido não coletivo, assumindo um caráter de individuação, filantropia e
assistencialismo.
Deduz-se, então, que descentralização e centralização são formas
alternadas de dominação e regulação por parte do estado. E mais, pode-se admitir
que a democracia da macropolítica nacional que não intenciona romper com a
101
dominação, mas sim torná-la compatível com as exigências dos novos tempos, tem
uma linha histórica e coerente com os visíveis reflexos na educação.
Conforme Altvater ( 1999 ) “ a expressão direta praticada pelos sistemas
políticos autoritários foi substituída pela restrição sistêmica imposta pelo mercado
mundial não menos eficaz ou rígida do que aqueles regimes autoritários “.
O patrimonialismo, no país, pode ser conceituado como apropriação do que
é público em proveito privado. Pode-se, com Davies ( 2004 ), questionar: “ até que
ponto é possível tornar público, ou seja, sob controle social, um Estado capitalista,
que é intrinsecamente privatista ?”
É evidente que emerge uma série de indagações acerca dos mecanismos do
estado capitalista que estabelece as regras do jogo para sustentação da hegemonia.
As estratégias bélicas dos governos ditatoriais são gradativamente substituídas por
outras de capilaridade social visando governabilidade e manutenção da coesão
social. Na onda da democratização e valendo-se da fragilidade da formação histórica
da Nação brasileira, onde o indicador de baixa participação popular é evidente, o
corpo jurídico de suporte ao estado em reforma garante a criação de instâncias de
controle social. Ainda questiona-se de que forma tais conselhos existem para
apenas legitimar os atos do governo ou , de fato, como irá interferir na expansão e
intensificação do exercício de cidadania da população.
No capítulo “ A democracia e o poder invisível “ de seu livro O futuro da
democracia, Bobbio ( 2000) considera que a democracia é o governo do poder
visível e que nela nada pode permanecer confinado ao espaço do mistério. Por isto,
define o governo da democracia como “ o governo do poder público em público “.(
BOBBIO, 2000 ). Desta maneira, um governo democrático se distingue dos governos
imperiais, ditatoriais ou tirânicos por sua visibilidade e transparência. “ Por sua
própria natureza, o poder democrático deve ser exercido com o máximo de
transparência, às claras, e com a participação e consentimento consciente dos
cidadãos” . ( STRIEDER, 2004 ).
Devido a isto, a preocupação com a transparência numa sociedade
democrática é relevante e essencial, bem como é uma questão de ética. Contudo,
em épocas históricas diferentes, pensadores diversos observaram que o poder
corrompe e que o poder absoluto corrompe absolutamente.
102
E todos sabemos que a corrupção acontece às escondidas, lá onde não
existe transparência. Por isto, se constatarmos corrupção no poder, isto
significa que nesta mesma proporção falta transparência no exercício desse
poder (STRIEDER, 2004).
No campo do senso comum é notório o esforço de se buscar inibir a
corrupção, tornando o poder mais participativo e transparente, minimizando-se,
desta forma, os abusos do poder totalitário. Assim, a transparência do poder é
fundamental para a democracia. Conforme Wood ( 2006 ), estes benefícios da
transparência para a democracia não seriam tão interessantes para o capitalismo.
Afirma ela:
(...) nunca foi óbvio que o capitalismo poderia sobreviver à democracia, pelo
menos nesse sentido ‘ formal’ (...) Durante muito tempo, parecia que a única
solução seria a preservação de algum tipo de divisão entre governantes e
produtores, entre uma elite proprietária politicamente privilegiada e uma
multidão trabalhadora destituída de direitos ( WOOD, 2006 ).
Embora, no contexto da sociedade atual não se possa repetir a democracia
direta dos gregos, o caráter público permanece como regra fundamental em todo
Estado constitucional. A questão a elucidar é qual o significado de cidadania num
sistema em que o poder puramente econômico substituiu o privilégio político ?
4.2 – Órgãos colegiados e conflitos nos processos de participação.
O contexto social que estruturou o sistema de exploração e de opressão
instaurado pelo capitalismo a partir do século XIX viu emergir, no âmbito das
organizações, os movimentos participacionistas que foram se consolidando ao longo
da primeira metade do século XX. Tais movimentos eram formas de contestação ao
modelo de administração efetivado pelo taylorismo que, aliado ao fordismo,
sacralizou a separação entre concepção e execução e introduziu movimentos rígidos
na organização do trabalho, inclusive tempo e espaço.
“ Nesse contexto de organização da produção e da vida, a participação no
âmbito das organizações adquiriu várias características, dentre as quais, a
103
participação conflitual, a participação funcional e a participação administrativa “ (
MOTTA, 1986 ).
Muitos sociólogos na análise sobre o período de consolidação dos regimes
capitalistas utilizaram a expressão “ capitalismo da jaula de ferro”. Neste período a
influência da participação dos diversos atores sociais nas decisões políticas dos
regimes democráticos se restringiu à construção de mecanismos de distribuição do
poder, dentre os quais, as comissões e os órgãos colegiados ganharam destaque.
Ângela Martins ( 2008) ressalta, porém, que :
(...) os limites entre a participação efetiva de atores nesses mecanismos –
capazes de influenciar e alterar concretamente as decisões a favor da
coletividade – e a manipulação por parte daqueles que detêm o poder
utilizando-se dos mesmos mecanismos, são frágeis, tendo em vista que
este é um caminho de mão dupla: ao mesmo tempo em que os atores, em
situações coletivas, influenciam e podem modificar, ao menos parcialmente,
as decisões que emanam de órgãos centrais, podem ser cooptados para
cumprir seus objetivos.
A participação no âmbito das organizações baseou-se no processo de
negociação coletiva entre patrões e trabalhadores, estes últimos representados por
diretorias sindicais, centrais e associações de classe, excluindo a participação da
maior parte dos trabalhadores, fato delimitador da atuação direta e representação de
seus reais interesses.
(...) ao praticar a ação, todo ator mantém sempre uma margem relativa de
autonomia, conferindo à sua participação significados que variam de acordo
com os contextos sociais, políticos, econômicos da sociedade e da
organização onde ele se insere.( MARTINS, 2008).
Pode-se evidenciar que várias críticas são feitas a essa visão, tendo em
vista que se corre o risco de substituir pela primazia da esfera política e da ação do
Estado a primazia da ação do ator individual.
Prossegue Martins (2008) elucidando que :
(...) de qualquer forma, os regimes democráticos têm viabilizado e
canalizado a participação dos atores (...) através da instituição de canais
legitimados para tanto: eleições livres baseadas em princípios de
104
representação política; conselhos que funcionam em vários níveis e esferas
de governo; conselhos administrativos; conselhos de representação de
funcionários, deliberativos ou consultivos, etc.
Como estes mecanismos estão submetidos ao conjunto legal e normativo do
Estado que impõe regras e determina níveis e modalidades de funcionamento ,
estabelecendo o que alguns sociólogos denominam de participação organizada e
imposta sendo a escola uma das organizações mais afetadas nesse processo.
Entretanto, outros estudos apontam “ a complexidade que reveste a tradução feita
pelos atores escolares sobre a configuração do conjunto legal e normativo,
originando processos organizacionais imprevisíveis ( MARTINS, 2008). Afinal de
contas cada ator é sujeito histórico e político, ainda que não seja de forma
intencional e direta, explícita e aberta.
Nesse sentido, no que diz respeito aos aspectos informais que configuram
em boa medida o cotidiano das organizações, os atores respondem de
maneiras diferentes às orientações normativas, construindo um campo de
tensão, pois há um processo de ressignificação do conjunto legal (...) O
campo de tensão constituído nesse processo pode potencializar
comportamentos de resistências, omissões, dissimulações e/ou
simplesmente de adesões às orientações oficiais por meio de cumprimento
formal das diretrizes emanadas.(MARTINS, 2008).
Desta forma, refletir nos dias atuais acerca do papel que cabe à sociedade
civil em face dos rumos democráticos da vida social e política do país pressupõe,
portanto, não considerá-la acabada e condenada aos ditames da superestrutura
político-ideológica, mas ativa no e pelo processo histórico de mudanças da
sociedade.
Registra-se que desde os últimos anos do regime da ditadura militar no
Brasil, verificou-se um moroso, mas progressivo e consistente aumento da
participação popular nas principais decisões político-econômicas do país. Exemplos
desta fase são a campanha das Diretas Já em 1984, o envolvimento popular na
tarefa de fiscalizar a economia em 1986 e a mobilização dos caras-pintadas em
1992, todos demonstrando uma mudança social.
Ainda que visíveis as progressões de participação popular no âmbito
nacional nas décadas de 1980 e 1990, tendo culminado na Constituição Cidadã de
105
1988 a série de esforços da sociedade brasileira no sentido de ver garantidos os
seus direitos o que se constata até hoje é o dilema que precisa de resposta para que
se possa saber como o povo pode participar efetivamente da gestão e do controle
da coisa pública (...) e em que medida encontra seu destino guiado pela bússola da
cidadania ou submerge no clientelismo político ?
Como já visto no estudo do PDDE, a baixa mobilização da comunidade e a
reduzida participação de pais, alunos e profissionais na gestão escolar e no controle
social da mesma, precisa de esforços e vontade política no seio da própria
comunidade para reversão do quadro . Até porque a cidadania ofertada, dada pelo
governo ou pelo estado por meio de suas leis não é verdadeira e legítima.
Darcy Ribeiro citado por Azevedo ( 2003 ), afirma que
somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no
espírito (...). Essa massa de nativos oriundos da mestiçagem viveu por
séculos sem consciência de si, afundada na ninguendade. Assim foi até se
definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros. Um povo
até hoje, em ser, na dura busca do seu destino.
Prossegue Azevedo (2003), agora se valendo de Gomes ( 1985 ) para
afirmar que
havendo evidências de que o grau de vida comunitária contribui
significativamente para o sucesso do relacionamento da escola com seu
meio social imediato “ pode-se concluir que a participação social é, assim,
desgastada por dois fatores: de um lado, a herança do Brasil rural, com
suas assimetrias sociais; de outro, a modernização, sobretudo nas
metrópoles, diluindo os sentimentos comunitários e afetando a ação cívica.
O neoliberalismo exacerbou o individualismo, fragilizando ainda mais as
forças que buscavam superação de todos os fatores históricos
determinantes para o fracasso da organização civil e da participação
organizada, efetiva e constante do povo, nas mais diversas instâncias de
poder, desde a associação do bairro e da escola, até às de âmbito federal.
Reconhece-se, desta forma, que há no Brasil forças contrárias à participação
cidadã igualitária. Contudo, “ este não é um processo linear, soberano. Ao contrário,
106
está subordinado às determinações do jogo da correlação das forças políticas “. Esta
afirmação encontra respaldo nas idéias de Souza & Faria ( 2003):
A democratização da escola pública, nas suas distintas dimensões –
acesso, gestão e acesso ao conhecimento -, está hoje dialeticamente
relacionada com a implantação das ações práticas governamentais dentro
das contradições e das relações decorrentes das duas grandes vertentes
conceituais em disputa: a educação como direito – expressão dos
movimentos democráticos – e a educação como cultura mercadológica –
filiada ao modelo de mercantilização da vida. Se o fundamentalismo de
mercado é hegemônico em termos de macropolítica, não o é no âmbito das
práticas e das microrrelações que operam na cultura política do cotidiano da
vida nos serviços públicos. Essa contradição constitui o campo de batalha, o
espaço de conflito e, sobretudo, a possibilidade de universalização da
escola pública, desde que vista na perspectiva de um projeto estratégico de
desenvolvimento nacional alternativo à tendência dominante .
As crises cíclicas pelas quais passa o Estado exigem “ descompressão
política “ que, no caso brasileiro, “ possibilitou a liberação gradativa da cena política
para o aparecimento de novos atores tangidos pelo movimento de
redemocratização”. ( AZEVEDO, 2003).
Contudo, esta descompressão não vem sozinha, pois o Estado não abriria
mão dos mecanismos de controle e regulação da sociedade, processo coincidente
com o período de reforma do estado e criação de novo aparato jurídico que
configurasse aparentemente o atendimento das forças progressistas, tal como a
descentralização de recursos e a criação dos Conselhos de Acompanhamento e
Controle Social ( CACS).
Nora Krawczyk ( 1999 ) afirma que:
A construção de uma nova institucionalização democrática da escola não se
perfila como desafio ao novo modelo hegemônico de gestão educacional.
Pelo contrário, seu desafio define-se como a construção de uma nova
governabilidade – entendida de forma instrumental e, portanto, com um
conteúdo eminentemente normativo e pragmático – no interior do sistema
educativo, e a contribuição da escola para a governabilidade de toda a
sociedade.
107
A redefinição do papel do Estado e as relações daí decorrentes garantiram a
hegemonia da lógica do mercado, marginalizando, em certa medida, a
representação dos movimentos sociais, mas geraram uma nova contradição
desafiadora para a democracia, ou seja, o descrédito, a inoperância e a crescente
perda de legitimidade da democracia representativa.
4.3- Os Conselhos de Acompanhamento e Controle Social (CACS) – limites e
perspectivas.
Desde o final do século XIX, com a instalação do regime republicano, o
Brasil conta com um sistema federativo, reprodução evidente do adotado nos
Estados Unidos, mas que nunca se efetivou por não ter raízes no contexto
socioeconômico e político local, como visto anteriormente nos recortes históricos.
O marco de implantação das bases federativas no Brasil vai ocorrer quase
100 anos depois, em 1988, por meio da promulgação da Carta Magna, na qual os
Municípios são incluídos. Há redefinição de atribuições e competências na área
social, caracterizado pelo modelo centralizado comum nas décadas de 1960 e
1970.
Nesta redefinição de atribuições, o instrumento utilizado é a constituição de
conselhos. Estes, por sua vez, não são novidades na administração pública
brasileira. Conselhos consultivos, normativos e fiscais existiram e existem até hoje,
cuja característica comum é a composição por especialistas em determinada área.
No novo cenário da política nacional, no contexto da descentralização e Estado
mínimo, emerge um novo tipo de instrumento de participação popular na
administração das políticas públicas.
Deve-se acompanhar os questionamentos de Nicholas Davies formulados
no prefácio da obra Acompanhamento e controle social da educação– fundos e
programas federais e seus conselhos locais. ( SOUZA , 2006):
108
Em que contexto surgem os conselhos de acompanhamento e controle
social (CACS) de programas governamentais ? Representaram ou
representam um avanço da democratização do Estado e da sociedade ou
são apenas mais um mecanismo de legitimação dos donos do poder, ao
criarem a ilusão da participação em órgãos supostamente representativos
da sociedade e de efetivo controle social sobre as ações dos governantes ?
Estes questionamentos provocam uma reflexão acerca das
intencionalidades da criação dos conselhos para além do atendimento das forças
reivindicatórias do período de redemocratização do país para garantia de coesão
social. A questão é saber se modificações legais por si só são suficientes para que
os conselhos funcionem corretamente ou, em outras palavras, para que o controle
social aconteça de fato e se pratique de fato a tão falada cidadania. ( SOUZA,
2006).
O Professor Nicholas Davies, no mesmo prefácio referido, menciona que
estudos sobre os CACS realizados por ele “ apontam para alguns limites e
possibilidades dos conselhos contribuírem para a democratização do Estado na
área educacional”. Vasconcelos ( 2003) citado por Souza & Faria ( 2003) critica os
critérios utilizados pela maioria dos governantes na composição desses conselhos,
quer estaduais, quer municipais, que, no cenário atual, tendem a se inspirar em
interesses corporativos, privatistas ou mesmo meramente pessoais, práticas que
contrariam o caráter público – colegiado destas instituições.
Valendo-se de Souza (2008), a partir de estudos que realizou analisando a
composição mínima de membros dos Conselhos nas três esferas de poder –
excluindo-se os membros dos Conselhos de Educação ,pode-se afirmar que os
CACS têm composição marcadamente ‘ oficialista’. Cabe ao Poder Público instituir
os conselhos e nomear seus membros, ocorrendo que o secretário de Educação ou
seu adjunto ocupa a presidência; além disso, permite-se ao Poder Público a
manipulação posterior ao encerramento dos trabalhos, realizada pelos próprios
integrantes do conselho que representam os interesses momentâneos do governo,
nem sempre aderentes aos interesses da coletividade.
A dedução de Souza ( 2008 ) é que grande é o risco de os conselheiros não
terem uma atuação efetiva e isenta. Tal perspectiva é também compartilhada por
109
Azevedo ( 2001 ) que reafirma a pouca eficácia desses conselhos, sobretudo
ponderando a necessidade de se democratizar a gestão educacional. No contexto
de análise da composição dos CACS que majoritariamente é constituída de
representantes do poder Público, um órgão colegiado de fiscalização das ações do
executivo, jamais poderia o próprio governo presidir, ou pautar a conduta desse
órgão colegiado.
Prossegue Souza (2008) afirmando
(...) há que considerar que na tradição da administração pública brasileira,
quando há recursos públicos envolvidos a responsabilidade final pela sua
gestão cabe a um ente ou representante da esfera pública no pressuposto
de que as ações deste representante estão sujeitas a uma série de
controles oficiais, sendo o principal deles o Tribunal de Contas ( TC ).
A predominante característica financeiro-administrativo e a fragilidade da
organização da sociedade, principalmente quanto à dificuldade de apropriação do
aparato jurídico que normatiza os CACS e bem como a falta de acesso às
informações, como aquelas relacionadas aos repasses, tem reproduzido o modelo
cartorial, oficialista, perdurando na sociedade brasileira o verniz da
pseudodemocracia, existindo, em sua grande maioria, conselhos tão somente para
legitimar os atos e as políticas públicas adotadas pelo poder executivo.
4.3.1 – Conselhos inoperantes – razões e perspectivas.
Baseando-se nos resultados das análises das pesquisas que investigam a
implantação e o funcionamento dos CACS, realizadas, em sua maioria, nos anos
iniciais de implantação dos conselhos, pode-se estabelecer a divisão dos mesmos
em dois modelos explicativos. ( SOUZA , 2008).
Para o primeiro modelo, os CACS destinam-se a dar legitimidade às
políticas sociais planejadas pelo governo federal, cabendo aos níveis subnacionais (
estados e municípios ) apenas a execução dessas políticas. Dessa forma, é
110
pertinente que se fale de desconcentração mais do que de descentralização e
federalismo, pois o que se evidencia é a centralização do poder de decisão e a
descentralização da execução.
Chega-se a conclusão de que os conselhos se prestam basicamente para
garantir o consenso e a colaboração na implementação das políticas, referendando
práticas, acordos, programas, projetos, convênios e ações do governo, sem a
mínima participação ativa no sentido de contribuição crítica para melhoria dos
serviços prestados à população. Os conselhos, no contexto da reformulação do
estado, seriam, portanto, uma nova estratégia de manutenção do poder dominante.
Depreende-se que a expressão controle social dimensiona de fato a intenção do
estado em manter controle sobre a sociedade e não esta, no exercício pleno,
legítimo e consciente da cidadania exercer o controle social dos programas,
projetos, ações, financiamentos e resultados alcançados na esfera governamental.
Os conselhos de controle social tomam, então, uma outra via e passam a
ser controlados, limitados, engessados pela força da superioridade numérica dos
membros oriundos da área pública ( o “oficialismo” ), bem como pela forma de
indicação dos membros representantes da sociedade civil, muitos deles escolhidos
e nomeados em função do compromisso e alinhamento político com as bases de
sustentação do governo ou mesmo diretamente com as autoridades ( o
“clientelismo” ).
Souza ( 2008) afirma que é por este prisma que Davies ( 2004) “ se refere
aos CACS do Fundef como tendo participação impotente e existirem apenas no
papel “. Valendo-se de outros autores, pode-se afirmar que os mesmos reconhecem
a existência de outros fatores que interferem na atuação dos CACS.
Para Souza Júnior ( 2003 ),
(...) o ideário participacionista, co-irmão do ideário descentralizador, ainda
se encontra longe de alcançar seus objetivos. A participação da
comunidade encontra enorme resistência nas esferas locais de poder e,
mais ainda, pressupõe custos que nem sempre os cidadãos estão
dispostos a arcar no seu dia a dia, sobretudo nas regiões mais pobres do
país, com pouca ou baixa mobilização social e política.
111
Evidencia-se, desta forma, que a luta pela sobrevivência no cenário
nacional, principalmente nas camadas populares, onde os atores da escola pública
- pais, alunos e profissionais da educação - atuam, também se apresenta como
fator limitante para a participação efetiva nos conselhos de controle social.
A falta de estrutura e apoio dos poderes constituídos aos conselhos revela-
se como mecanismos de intencionalidade velada ou explícita de fragmentação e
descontinuidade no interior dos conselhos, não havendo constância no
desenvolvimento das suas atividades.
Estudos dos CACS revelam que pesquisadores encontraram em campo
situações que chegam ser anedóticas, como a de uma conselho que se
reunia no carro do Prefeito ou a de um colegiado cujo livro de atas passava
de mão em mão para ser assinado, sem qualquer possibilidade de
modificar o texto. Encontraram também conselhos sérios, de que a
secretária municipal de educação, suprapartidária, não participava, e em
que o funcionário da contabilidade se retirava das reuniões assim que
explicava os balancetes do FUNDEF. Pesquisadores também constataram
as dificuldades de dirigentes de municípios pobres que, no afã de cumprir
as leis, tinham de repetir conselheiros em vários colegiados, por falta de
pessoas qualificadas e disponíveis .( SOUZA , 2008).
Ao proceder-se a análise de estudos sobre os limites e as possibilidades do
controle social no âmbito da rede de ensino, sobressai-se como grande questão em
evidência, a dificuldade que os conselheiros demonstram na apropriação dos
referenciais jurídico-administrativo-financeiros, limitando-se, muitos deles, a
cumprirem o rito da presença nas reuniões sem que possam efetiva e plenamente
exercer o papel de promotor de ideias e fiscalizador.
Correntes progressistas defendem que vencida esta “ inibição inicial “ e
oportunizada a participação dos representantes com a voz do “ consenso popular” e
olhar de usuários dos sistemas e serviços, o suporte técnico e assessoramento
dariam conta de minimizar a situação e, gradativamente, qualificar o conselheiro e o
espaço plural de manifestações de ideias e intenções.
Geralmente, o que ocorre, é a repetição do discurso de que somente os “
doutores” entendem disso, os “diplomados” e os conselhos desta forma, alcançam
112
avanços qualitativos na atuação ou não, conforme os interesses e vontades
políticas em jogo.
A dimensão ampla da política educacional não está bem dimensionada na
formação dos conselhos na área educacional, ainda assim estes espaços podem
cumprir um papel de publicização das temáticas e dos conflitos, que é uma
importante dimensão da democracia. Uma das grandes questões que vem
percorrendo os estudos sobre os CACS Fundef desde a aprovação da lei tem sido
a dificuldade que estes conselheiros teriam com a tarefa, que pressupõe
conhecimento de contabilidade pública .
O ex-ministro da educação ( gestão 1995 – 2002) , o economista Paulo
Renato Souza, ao refletir sobre os seus oito anos a frente do MEC, parece fazer
frente a esta crítica, assumindo posição que enfraquece e minimiza a tarefa do
conselho. Afirma ele :
Ao chamarmos a participação da comunidade no acompanhamento da
execução dos programas descentralizados, tivemos o cuidado de não lhe
dar mais atribuições que as realisticamente factíveis de serem realizadas
com competência. Não podemos, por exemplo, exigir conhecimentos de
contabilidade ou da legislação de licitações públicas de voluntários que
participam dos conselhos mencionados. (SOUZA, 2006 ).
Devido à complexidade da temática da contabilidade pública, o CACS se
constitui , na origem legal, como um conselho de acompanhamento e não um
conselho de fiscalização, até porque a contabilidade pública é considerada como
questão de especialistas e do âmbito técnico, muito distanciada do domínio público
o que, obviamente vem contribuindo, historicamente, para as práticas de corrupção
e desvios de toda ordem.
Relevante o questionamento sobre a efetividade social do CACS uma vez
que o conselho não tendo assumido plenamente o seu papel, acaba por legitimar o
mau uso dos recursos.
O CACS, por sua relevância social, não deve restringir-se à tarefa de
possibilitar a criação dos espaços democráticos onde emergem os conflitos, as
113
contradições e as forças em disputa política e, até, de ordem financeira. Para o
desempenho eficaz do acompanhamento e da fiscalização dos recursos, desde seu
repasse até a sua prestação de contas, pressupõe-se que os integrantes dos CACS
estejam qualificados para tal. Estas duas dimensões – a política e a técnica - não
são excludentes e precisam caminhar juntas, de forma que, ao mesmo tempo que
atuam como agentes políticos e lidam com forças conflituosas, os conselheiros
ampliam a competência técnica que passa a ser grande instrumento no exercício de
cidadania. Informação e conhecimento das engrenagens contábeis e as
intencionalidades das mesmas podem fazer o grande diferencial na atuação dos
CACS.
114
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Ao finalizar esta dissertação, não há pretensão de se apresentar um texto
conclusivo dos diversos estudos e análises realizados a partir da temática
escolhida. Valendo-se dos inúmeros referenciais teóricos relacionados, pretende-se
organizar as considerações finais de modo a apontar algumas possíveis
alternativas facilitadoras da compreensão da problemática levantada inicialmente,
sem, contudo, abandonar a perspectiva de se provocar novos questionamentos que
demandarão estudos mais aprofundados, quem sabe até em outra etapa da
formação do autor em outro nível de pós-graduação.
Esta instigação acadêmica, por si só, já pode ser considerada como um
relevante produto de todo este processo investigativo balizado por objetivos
acadêmicos delimitados no âmbito do Programa de Pós-graduação em Políticas
Públicas e Formação Humana – PPFH da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro – UERJ.
O autor, consciente dos inúmeros fatores limitantes que interferiram durante
todo o processo apropriação das bases conceituais que sustentam este trabalho,
tais como determinantes culturais, históricos e políticos, limitações de tempo e
exigências coincidentes de agendas de trabalho , reconhece que este produto final
não retrata a produção idealizada inicialmente, mas, por conta do crescimento
pessoal e científico alcançado durante estes meses de leituras e digitações,
trabalhos e retrabalhos, reconhece que o inacabado é espelho da própria condição
humana que, insistentemente, não abandona a vida e tira lições de todas as
experiências.
Esta experiência acadêmica, por demais rica e intensa, desafiadora e
instigante, conseguiu promover movimentos interessantes de deslocamento de uma
margem extremamente pragmática, tendo conseguido desconstruir algumas pontes
muito sólidas e erguer algumas pinguelas como passagens duvidosas para outras
margens não menos inconsistentes e gelatinosas como as da dúvida, da incerteza
115
e da constante busca por novos conhecimentos que não se encontram aqui, ali nem
acolá numa sociedade envolta em crises de toda ordem.
Por conta dessas impressões no campo da subjetividade, depreende-se
que a educação já se encontra aderente desde estes parágrafos iniciais das
considerações finais, até porque não se pode conceber educação sem a dimensão
humana, histórica, política e cultural dos seres humanos diretamente a ela
vinculados.
O estudo possibilitou a ampliação da percepção do Estado desde sua
compreensão como sendo instância neutra e imparcial a serviço de todos os grupos
e classes sociais até aquela em que é uma organização que serve às classes
dominantes da sociedade sem abrir mão de se manter hegemônico , quer pelo uso
da coerção e domínio ditatorial, quer pelas vias das forças sutis de capilaridade
quase invisível .
Para os teóricos marxistas, o Estado busca manter hegemonia não só no
terreno do domínio direto ou de comando do governo jurídico como sociedade
política, mas assume funções para além da sua esfera, criando sempre braços,
pernas, tentáculos como um polvo a envolver a sociedade civil que, por sua vez,
torna-se espaço do Estado destinado a promover a articulação e a unificação de
interesses, desempenhando, para tanto, funções organizativas e conectivas.
Os estudos apontam que o Estado, em sociedades capitalistas,
desempenha três funções essenciais, a saber: funções de legitimação, funções
coercitivas e funções econômicas, dando suporte à acumulação do capital. Esta
última reveste-se de um caráter conflitivo, pois os esporádicos desentendimentos
entre o Estado e determinadas unidades de capital ( empresas e setores ) se
sentem prejudicados pela ação reguladora do Estado. Emerge, aqui, o que se pode
chamar de contradição entre a necessidade do Estado de acumulação capitalista e
a legitimidade do próprio sistema.
Por conta desta contradição, na perspectiva liberal, o Estado precisa
assumir uma dimensão de maior neutralidade na organização da vida social,
devendo focar sua ação na aglutinação dos interesses que fluem da sociedade. A
116
intervenção do Estado na economia deveria realizar-se em conformidade com a
especificidade do desenvolvimento histórico das diversas formações sociais
concretas e com os interesses de grupos minoritários hegemônicos, estando mais a
serviço das minorias do que dos grupos majoritários e destituídos de direitos, ainda
que em Estados ditos democráticos. Neste cenário, surge um Estado mínimo,
reduzido, que interfira da menor forma possível nas engrenagens dos interesses
capitalistas. O capitalismo só pode existir em expansão contínua, impulsionado pela
competição, pelo lucro sempre ampliado; num processo de mercantilização
crescente de todas as atividades e produtos humanos.
Pode-se afirmar, com base nos diversos estudos realizados, que o Estado
brasileiro foi sempre dominado por interesses privados, característica de todo
Estado capitalista, não sendo uma singularidade de nossa formação social, porém,
o privatismo assumiu no Brasil características muito mais acentuadas do que em
outros países capitalistas. Fato é que a supremacia da elite no poder se dava por
meio da dominação ou ditadura e não por conta da direção político-ideológica ou
hegemônica. Assim, de 1930 a 1980, o estado classista brasileiro se sustentou por
meio da dominação sem hegemonia, ou seja, sem consenso ativo dos governados
para uma proposta abrangente formulada pelos governantes.
Neste tipo de dominação – ditadura sem hegemonia – o Estado é
governado por uma classe dominante que controla direta ou indiretamente o
aparelho governamental e o projeto político dessa classe não tem o respaldo
consensual do conjunto ou da maioria da sociedade.
Torna-se evidente a fragilidade das nossas instituições no contexto histórico
social, com contrastes exacerbados entre as elites e o povo-massa. Para alguns
autores, o Brasil constituiu-se Estado antes de ser uma Nação, é um país sem
comunidade. O direito importado de outros países democráticos incrustava-se à
realidade causando evidente contraste em relação à realidade social brasileira. Ao
mesmo tempo que se buscava copiar as constituições de outros países, ocultava-se
o relevante fato de que neles o direito-lei é coincidente com o direito-costume. Fica
claro que a adoção formal de instituições liberais foi uma importação estratégica
que serviu aos interesses dominantes. Pode-se, ainda hoje, problematizar a
questão das intencionalidades atuais do estado brasileiro ao manter e atualizar
117
constantemente um conjunto de leis avançadas, garantidoras de direitos, tornando-
as inovadoras e sintonizadas com os desejos e anseios da sociedade como forma
de desfazer ou minimizar tensões e conflitos e manter coesão social, ainda que
grande parte dos direitos preconizados não estejam saindo do papel.
A chamada nova ordem mundial começou a adquirir contornos mais
nítidos no final dos anos 60. Sem que se faça aqui o resgate histórico
pormenorizado que se pode encontrar no corpo do presente trabalho, destaca-se
que os programas de empréstimo do Banco Mundial no período de meados de 1950
até o início de 1970, eram voltados para atender as políticas de industrialização dos
países do terceiro mundo ou periféricos, visando sua inserção, ainda que
subordinada, no sistema capitalista internacional. O pensamento monolítico que
regia essa orientação era que a pobreza desapareceria como conseqüência do
crescimento econômico daqueles países. Diante do fato de que, mesmo tendo
acontecido durante duas décadas o crescimento econômico continuado, que no
Brasil denominou-se de “ milagre econômico”, a pobreza não apenas persistiu, como
também se aprofundaram as desigualdades entre países ricos e pobres.
Os anos 1970 trazem em seu bojo transformações profundas nas diversas
esferas da vida social. A crise do estado do bem-estar social, a crise do padrão de
desenvolvimento pautado na produção e consumo de massa taylorista-fordista, a
mundialização da economia acompanhada do processo de financeirização
econômica e a ascensão do neoliberalismo, entre outros fatores e processos, criam
uma nova configuração da dinâmica social afetando profundamente a educação.
As mudanças ocorridas nos modos de produção capitalista que seguem uma
tendência histórica, juntamente com outros processos, modificaram
significativamente um conjunto de relação desde a produção de mercadorias, a
circulação e o consumo destas, a relação capital-estado, a correlação de forças
capital-trabalho, especialmente devido ao desemprego estrutural, que é um
fenômeno consequente desse processo de mudança.
Com a saída do Estado como regulador, a ampla liberalização do capital
amparada pelos avanços das tecnologias, especialmente de informação e
comunicação, propiciaram ao capital a possibilidade da total mobilidade no plano
mundial. Acrescentando-se a esse contexto uma certa saturação da acumulação
baseada na produção industrial, a esfera financeira se colocou como a mais
118
sedutora para a valorização do capital. Esta nova etapa da fase da acumulação
capitalista será caracterizada como a mundialização e financeirização do capital.
Esta nova dinâmica social representa uma hegemonia mundial quase absoluta do
capital – o neoliberalismo. Esse modo mundializado do capital redefiniu o papel do
Estado e impôs sucessivas derrotas à classe trabalhadora, assim como tem
redefinido o papel da educação.
Os grandes agentes do capitalismo internacional – Grupo do Banco Mundial
– elaboraram receitas específicas de mecanismos propriamente econômicos para
que fossem adotados como práticas produtivas, monetárias e financeiras,
comprometendo todos os países por meio de acordos mundiais, expandindo as
cobranças de adequações, também, nos campos político e cultural.
O Brasil, como o resto dos países do Terceiro Mundo, a partir dos anos
1980, é forçado a inserir-se no novo processo de desenvolvimento econômico e
social do capitalismo em expansão. Se até então o Estado brasileiro conseguia ter
dominação sem hegemonia, a nova ordem mundial exigia que a inserção deveria
ocorrer sem uso da violência física de regimes repressivos e acontecer num
ambiente político-social de redemocratização, uma vez que o exercício de
hegemonia seria fundamental para a conquista da direção política e cultural da
sociedade capitalista avançada. O Estado precisava refinar seus mecanismos de
hegemonia distanciando-se da coerção.
Cabe a advertência de alguns autores de que as ações empreendidas pelo
Estado não se implementam automaticamente, tendo movimentos e configurações
próprios, contradições podendo gerar resultados diferentes dos esperados,
especialmente por se voltar para e dizer respeito a grupos diferentes. O impacto das
políticas sociais implementadas pelo Estado capitalista sofre o efeito de diferentes
interesses expressos nas relações sociais de poder.
Relevante afirmar que o processo de implantação das orientações
neoliberais não se consolidou simultaneamente em todos os países, estendendo-se,
como no caso brasileiro, até 1995. Tal elenco de orientações equivale ao conjunto
de reformas consensuais entre os principais organismos multilaterais sediados em
Washington – EUA, a partir do final dos anos 1980, conhecido como o Consenso de
Washington.
A fusão singular do Estado com o capital nos anos 1980 e 1990 é fruto do
desenvolvimento do capitalismo moderno dependente do Estado de tal modo que o
119
capitalismo avançou até a fase em que o Estado nacional deu lugar a um império
mundial, resultando num definhamento do moderno sistema de Estados territoriais
como lócus primário do poder mundial, o que estaria levando a uma busca de
formas interestatais de governo mundial. Os Estados nacionais já não são mais
soberanos. Com isto, as grandes corporações capitalistas passaram a operar não
mais como no imperialismo – período de hegemonia dos Estados-nação. A nova
estruturação global passou a exigir uma regulamentação que substituísse de fato e
de direito a regulamentação estatal, que, por sua vez, já se encontrava subordinada
às decisões, determinações e controles supranacionais.
Os reflexos deste contexto mundial são claros e evidentes na área da
educação no Brasil por conta das normas jurídicas que emergiram no cenário
neoliberal dos governos da década de 1990. A democratização da educação
pública, nas suas dimensões de acesso, gestão e qualidade de ensino está
relacionada com a implantação de políticas públicas que, por sua vez, apresentam
contradições provenientes de vertentes conceituais em disputa, quais sejam : 1)
dar conta da educação como estado de direito e 2) como cultura mercadológica
filiada ao “modelo “ de mercantilização da vida.
As políticas de gestão para a educação brasileira estruturaram-se tendo por
opção política a implementação de ações de cunho gerencial, buscando-se garantir
uma otimização de recurso e, consequentemente, uma racionalização economicista
das ações administrativas , tendo em vista um diagnóstico de que os problemas
educacionais não eram resultado de escassez e sim da malversação dos recursos
financeiros. A tentativa por parte do Estado de capitanear o processo de mudanças
na educação será fundada no discurso da técnica e na agilidade administrativa. Para
tanto, as reformas implementadas na educação serão implantadas de forma
gradativa, pulverizada e fragmentada, porém com rapidez surpreendente e com a
mesma orientação – uma lógica assumida pelas reformas estruturais que a
educação pública vai viver no Brasil em todos os âmbitos: administrativo, financeiro
e pedagógico e níveis : educação básica e educação superior. Os conceitos
empresariais de produtividade, eficácia, excelência e eficiência serão importados
das teorias administrativas para as teorias pedagógicas.
Alguns autores elucidam que na educação, especialmente na administração
escolar, verifica-se a transposição de teorias e modelos de organização e
120
administração empresariais e burocráticas para a escola como uma atitude
freqüente. Em alguns momentos tais transferências tiveram por objetivo eliminar a
luta política no interior das escolas, insistindo no caráter neutro da técnica e na
necessária assepsia política da educação.
Os entusiastas neoliberais das décadas de 1980 e 1990, que apostavam na
globalização econômica e no mercado livre das amarras do Estado como sendo
capazes de gerar desenvolvimento econômico em todos os quadrantes do planeta,
acreditavam que os benefícios de tal desenvolvimento seriam “ derramados” aos
setores desfavorecidos e os tirariam da pobreza. Os dados da realidade vão
contrapor a tese difundida, pondo por terra a teoria do derrame. Os fracassos
repetidos do capitalismo em épocas diferentes, como a não eliminação da pobreza
por conta do desenvolvimento econômico dos países nos anos 1950 – 1970 e,
agora, com o fracasso da teoria defendida que o derrame dos benefícios do
crescimento econômico mundial e globalizado iria ocorrer se o modelo neoliberal
fosse implantado, possibilitam a todos uma série de indagações sobre o capitalismo
em expansão contínua e seus danosos efeitos em todas as atividades e produtos
humanos no final do século XX e início do século XXI.
O clima instalado de insegurança, de competição acirrada e de exacerbação
do individualismo e a série de crises econômicas em países de capitalismo
dependente criaram tensões em nível mundial, resultando numa crescente onda
antiglobalização. Diante deste quadro, setores dominantes chegaram à conclusão de
que o fracasso da teoria do derrame estava colocando em risco a coesão social nos
planos nacional e internacional.
Relevante destacar o papel central das condicionalidades cruzadas como
ferramentas para a consecução do ajuste estrutural às economias endividadas dos
países periféricos. “ Estas condicionalidades entrecruzam exigências vinculadas aos
projetos específicos em negociação com o BM a outras referentes aos programas de
ajuste estrutural, que podem até mesmo afetar as políticas internas dos países e
provocar mudanças na sua legislação”(SOARES, 1996).
Neste cenário, a idéia de descentralização, que sempre foi identificada com
aspirações por maior participação nas decisões e, portanto, com práticas
democráticas substantivas, foi ressignificada (AZEVEDO, 2001). Isto decorre do êxito
cultural e ideológico do neoliberalismo, que se expressa no argumento da inexistência
121
de alternativas de desenvolvimento, enraizando a crença da inevitabilidade de novos
modos de (des) regulação social. Com efeito, até o sentido das palavras foi
ressignificado, como demonstra Boron (1999), exemplificando o caso do vocábulo
reforma, que, de uma conotação positiva e progressista, que remetia a
transformações sociais e econômicas orientadas para uma sociedade mais justa e
igualitária, passa a ser reconvertido pelos ideólogos neoliberais, aludindo a processos
e transformações de cunho involutivo e antidemocrático. Segundo Azevedo (2001), o
que se procurou estabelecer em nosso país foi um replanejamento institucional,
inspirado tanto no neoliberalismo quanto nas práticas de gestão industrial, a partir dos
pressupostos da qualidade total. Procura-se, assim, privilegiar a administração por
projetos, com objetivos estabelecidos previamente, de base local (expresso no
processo de descentralização) e altamente competitivos. No entanto, nos próprios
espaços locais, são observados germes de resistência a esse modelo gerencial,
imposto pela reforma do Estado brasileiro. Assim,
[...] de uma perspectiva analítica mais global, é preciso termos presente que
nenhuma orientação que vem de fora é transplantada mecanicamente para
qualquer sociedade. Ao contrário, as diretrizes que, de um lado, estão
desnacionalizando o Estado-nação em função da acumulação de capital
são sujeitas a processos de recontextualização impingidos pelas
características históricas da sociedade a que se destinam (AZEVEDO,
2001, p. 12).
O processo de definição de políticas públicas para uma sociedade reflete os
conflitos de interesses, os arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam as
instituições do Estado e da sociedade como um todo.
Kruppa (s.d.) esclarece que, ao mesmo tempo que incentiva
descentralização, no sentido da transferência de responsabilidades, o BM acena
com apoio até mesmo financeiro à constituição de sistemas de avaliação fortemente
centralizados, incumbindo o governo central de fiscalizar e propor aprimoramentos
tanto de caráter administrativo quanto curricular – funções, estas sim, que deveriam
contar com o envolvimento das instâncias locais. Diagnósticos, relatórios e
receituários vão impactar as reformas educacionais. Os instrumentos aplicados e
analisados serão usados como paradigmas pelas tecnocracias governamentais,
122
elaborados na esfera de ação de órgãos multilaterais de financiamento, como
Banco Mundial, FMI, BID, BIRD, UNESCO, UNICEF e PNUD.
Estudos e propostas, guardadas as devidas peculiaridades de suas
prioridades e focos, alcançam convergência quanto à defesa da descentralização
como forma de desburocratização do Estado e de abertura a novas formas de
gestão da esfera pública; da autonomia gerencial para as unidades escolares e,
ainda, a busca de incrementos nos índices de produtividade dos sistemas públicos,
acentuadamente marcada pelo viés neoliberal.
A relação entre sociedade e Estado, o grau de distanciamento ou
aproximação, as formas de utilização ou não de canais de comunicação entre os
diferentes grupos da sociedade e os órgãos públicos estabelecem contornos
próprios para as políticas pensadas para uma sociedade. Indiscutivelmente, as
formas de organização, o poder de pressão e articulação de diferentes grupos
sociais no processo de estabelecimento e reivindicação de demandas são fatores
fundamentais na conquista de novos e mais amplos direitos sociais, incorporados
ao exercício da cidadania.
Pensando em política educacional, ações pontuais voltadas para maior
eficiência e eficácia do processo de aprendizagem, da gestão escolar e da aplicação
de recursos são insuficientes para caracterizar uma alteração da função política
deste setor. Enquanto não se ampliar efetivamente a participação dos envolvidos
nas esferas de decisão, de planejamento e de execução da política educacional,
estaremos alcançando índices positivos quanto à avaliação dos resultados de
programas da política educacional, mas não quanto à avaliação política da
educação. Mais do que oferecer "serviços" sociais - entre eles a educação - as
ações públicas, articuladas com as demandas da sociedade, devem se voltar para a
construção de direitos sociais.
A idéia básica é que se conquiste, de modo permanente e cumulativo, novos
espaços no interior da esfera pública, tanto na sociedade civil quanto no próprio
Estado. A intenção é tornar factível a inversão progressiva da correlação de forças,
fazendo com que, ao final do processo, a classe hegemônica já não seja mais a
burguesia e sim, o conjunto de trabalhadores. A luta que perdura como tarefa
fundamental, na concepção marxista, em tudo que se refere aos direitos civis,
123
políticos e sociais, não é tão somente o simples reconhecimento legal dos mesmos,
mas os embates para torná-los efetivos. Com as forças neoliberais em curso há
mais de vinte anos, empenhadas, inclusive em nosso país, para eliminá-los das
normas legais, em particular da Constituição Federal de 1988, a luta se amplia para
além da reivindicação de materialização dos mesmos, e retorna ao esforço relevante
de assegurar o reconhecimento legal.
Como visto, os fins humanos da educação relacionam-se diretamente com a
liberdade humana que, por sua vez, não se efetiva com os aprisionamentos de toda
ordem oriundos da falta de satisfação das necessidades básicas e vida digna.
As políticas voltadas para a democratização das escolas e dos sistemas
públicos de ensino não podem ser consideradas como um movimento de mão única.
De um lado, os preceitos do neoliberalismo nos indicam a intervenção privatista
destas políticas, e de outro, elas são colocadas no campo progressista, com a busca
incessante da construção de um espaço público democrático, tendo em vista que a
democratização do Estado brasileiro sempre esteve na pauta das lutas da sociedade
civil. Nesta perspectiva, o estudo da democracia na educação não pode se prender
aos aspectos normativos, como proposto pelas teorias hegemônicas, mas sim às
relações que se constroem nos diferentes espaços educativos. ( MARQUES, 2008 ).
Na história brasileira, o processo de descentralização desenvolveu-se
dialeticamente, sempre com características próprias, visando à manutenção dos
mecanismos de dominação social. ( AZEVEDO, 2003 ). Pode-se afirmar, pois, que
na verdade o que ocorreu foi desconcentração de competências e atribuições com
atrelamento financeiro a programas federais de modo a reduzir a autonomia dos
sistemas e das escolas tanto na definição de suas políticas locais quanto na
avaliação destas mesmas políticas. A avaliação centralizada tornou-se forte
mecanismo de regulação e controle, como definidor de programas , ocasionando o
que se pode denominar de federalismo da educação.
“ Nesse contexto de organização da produção e da vida, a participação no
âmbito das organizações adquiriu várias características, dentre as quais, a
participação conflitual, a participação funcional e a participação administrativa “ (
MOTTA, 1986 ).
Muitos sociólogos na análise sobre o período de consolidação dos regimes
capitalistas utilizaram a expressão “ capitalismo da jaula de ferro”. Neste período a
influência da participação dos diversos atores sociais nas decisões políticas dos
124
regimes democráticos se restringiu à construção de mecanismos de distribuição do
poder, dentre os quais, as comissões e os órgãos colegiados ganharam destaque.
Ângela Martins ( 2008) ressalta, porém, que :
(...) os limites entre a participação efetiva de atores nesses mecanismos –
capazes de influenciar e alterar concretamente as decisões a favor da
coletividade – e a manipulação por parte daqueles que detêm o poder
utilizando-se dos mesmos mecanismos, são frágeis, tendo em vista que
este é um caminho de mão dupla: ao mesmo tempo em que os atores, em
situações coletivas, influenciam e podem modificar, ao menos parcialmente,
as decisões que emanam de órgãos centrais, podem ser cooptados para
cumprir seus objetivos.
A participação no âmbito das organizações baseou-se no processo de
negociação coletiva entre patrões e trabalhadores, estes últimos representados por
diretorias sindicais, centrais e associações de classe, excluindo a participação da
maior parte dos trabalhadores, fato delimitador da atuação direta e representação de
seus reais interesses.
Pode-se evidenciar que várias críticas são feitas a essa visão, tendo em
vista que se corre o risco de substituir pela primazia da esfera política e da ação do
Estado a primazia da ação do ator individual.
Como estes mecanismos estão submetidos ao conjunto legal e normativo do
Estado que impõe regras e determina níveis e modalidades de funcionamento ,
estabelecendo o que alguns sociólogos denominam de participação organizada e
imposta, sendo a escola uma das organizações mais afetadas nesse processo.
Entretanto, outros estudos apontam “ a complexidade que reveste a tradução feita
pelos atores escolares sobre a configuração do conjunto legal e normativo,
originando processos organizacionais imprevisíveis ( MARTINS, 2008). Afinal de
contas cada ator é sujeito histórico e político, ainda que não seja de forma
intencional e direta, explícita e aberta.
Nesse sentido, no que diz respeito aos aspectos informais que configuram
em boa medida o cotidiano das organizações, os atores respondem de
maneiras diferentes às orientações normativas, construindo um campo de
125
tensão, pois há um processo de ressignificação do conjunto legal (...) O
campo de tensão constituído nesse processo pode potencializar
comportamentos de resistências, omissões, dissimulações e/ou
simplesmente de adesões às orientações oficiais por meio de cumprimento
formal das diretrizes emanadas.(MARTINS, 2008).
Desta forma, refletir nos dias atuais acerca do papel que cabe à sociedade
civil em face dos rumos democráticos da vida social e política do país pressupõe,
portanto, não considerá-la acabada e condenada aos ditames da superestrutura
político-ideológica, mas ativa no e pelo processo histórico de mudanças da
sociedade.
Como já visto no estudo do PDDE, a baixa mobilização da comunidade e a
reduzida participação de pais, alunos e profissionais na gestão escolar e no controle
social da mesma, precisa de esforços e vontade política no seio da própria
comunidade para reversão do quadro . Até porque a cidadania ofertada, dada pelo
governo ou pelo estado por meio de suas leis não é verdadeira e legítima.
Darcy Ribeiro citado por Azevedo ( 2003 ), afirma que
somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no
espírito (...). Essa massa de nativos oriundos da mestiçagem viveu por
séculos sem consciência de si, afundada na ninguendade. Assim foi até se
definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros. Um povo
até hoje, em ser, na dura busca do seu destino.
Prossegue Azevedo (2003), agora se valendo de Gomes ( 1985 ) para
afirmar que
havendo evidências de que o grau de vida comunitária contribui
significativamente para o sucesso do relacionamento da escola com seu
meio social imediato “ pode-se concluir que a participação social é, assim,
desgastada por dois fatores: de um lado, a herança do Brasil rural, com
suas assimetrias sociais; de outro, a modernização, sobretudo nas
metrópoles, diluindo os sentimentos comunitários e afetando a ação cívica.
O neoliberalismo exacerbou o individualismo, fragilizando ainda mais as
forças que buscavam superação de todos os fatores históricos
determinantes para o fracasso da organização civil e da participação
126
organizada, efetiva e constante do povo, nas mais diversas instâncias de
poder, desde a associação do bairro e da escola, até às de âmbito federal.
Reconhece-se, desta forma, que há no Brasil forças contrárias à participação
cidadã igualitária. Contudo, “ este não é um processo linear, soberano. Ao contrário,
está subordinado às determinações do jogo da correlação das forças políticas “. Esta
afirmação encontra respaldo nas idéias de Souza & Faria ( 2003):
A democratização da escola pública, nas suas distintas dimensões –
acesso, gestão e acesso ao conhecimento -, está hoje dialeticamente
relacionada com a implantação das ações práticas governamentais dentro
das contradições e das relações decorrentes das duas grandes vertentes
conceituais em disputa: a educação como direito – expressão dos
movimentos democráticos – e a educação como cultura mercadológica –
filiada ao modelo de mercantilização da vida. Se o fundamentalismo de
mercado é hegemônico em termos de macropolítica, não o é no âmbito das
práticas e das microrrelações que operam na cultura política do cotidiano da
vida nos serviços públicos. Essa contradição constitui o campo de batalha, o
espaço de conflito e, sobretudo, a possibilidade de universalização da
escola pública, desde que vista na perspectiva de um projeto estratégico de
desenvolvimento nacional alternativo à tendência dominante.
Assim, o presente trabalho alcançou seus objetivos tendo revelado a partir
das análises feitas de todo o material pesquisado que o paradoxo histórico da
educação brasileira entre mercantilização da vida e emancipação humana
permanece evidente e pujante no contexto das políticas públicas educacionais
brasileiras, com fortes tendências ao crescimento da regulação estatal, uma vez que
as políticas centralizadoras de financiamento atrelam sistemas e escolas públicos
aos programas de repasses federais. As avaliações externas implementadas pelo
MEC uniformizam medidas a serem adotadas, anulando o princípio da autonomia
dos entes federativos e das unidades escolares, indicando uma regulação estatal
velada. O volume de programas que seduz a todos desfoca as energias e o tempo
dos gestores que acabam por prenderem-se a uma rotina burocrático-administrativo-
financeira abandonando de vez a liderança de pessoas e processos educacionais no
campo pedagógico e nas esferas das funções sociais da escola, havendo
reducionismo do papel do gestor educador e da função social e política da unidade
escolar. O modelo de escola como empresa focada em resultados imediatos tomou
127
conta do país e as diretrizes e princípios da LDBEN 9394/96 que tratam da gestão
democrática e da formação de alunos críticos, participativos e efetivamente cidadãos
transformadores estão sendo abandonados, enfraquecendo os mecanismos de
controle social na esfera escolar, como os Conselhos Escolares que se
transformaram em Unidades Executoras de acompanhamento burocrático de verbas
transferidas, refletindo um privatismo no âmbito da escola pública.
Ampliada esta situação para a esfera governamental , o estudo revela a
inoperância dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social, existindo uma
longa e árdua estrada a ser percorrida a fim de se garantir de fato e de direito a livre
e consciente participação da representação verdadeira dos reais interesses e
necessidades dos usuários dos sistemas e das escolas.
Em síntese, a perspectiva de consolidação da gestão democrática com
legítima participação de professores, pais, alunos e funcionários na vida escolar está
casada com o amadurecimento da cidadania brasileira num Estado que ainda não
se fez nação plenamente. O processo histórico é dinâmico e a dimensão política da
escola quando não abandonada e potencializada por sua capacidade de elevação
do nível cultural dos seus integrantes, poderá apontar para todos nós uma via de
superação das fragilidades do controle social identificadas nos estudos. Partindo-se
de cada aluno, pai e professor como cidadãos conscientes vinculados à escola
pública brasileira e representantes da mesma nos Conselhos Municipais de
Acompanhamento e Controle Social pode-se vislumbrar uma fase nova de
superação e de enfrentamento com lucidez e perspicácia no sentido de buscar-se
ampliação dos mecanismos de transparência pública, tomada de decisões coletivas
na definição das políticas educacionais e fiscalização mais eficaz do erário de modo
a, minimamente, garantir os direitos de acesso, permanência e conclusão com
elevado nível de qualidade educacional.
Mais do que apenas executar políticas pensadas na esfera governamental a
escola deve assumir seu papel político dimensionando e potencializando as forças
internas e externas num movimento de convergência aderente às suas reais
necessidades para que possa verdadeiramente receber do poder público as
condições materiais e humanas para execução de um projeto que de fato dê conta
da superação dos inúmeros e desafiadores problemas da educação pública
brasileira, frutos do abandono histórico promovido pelo Estado e seu descaso com a
educação de qualidade para as camadas mais populares.
128
6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ADRIÃO, T.; PERONI, V. Implicações do Programa Dinheiro Direto na Escola para a
gestão da escola pública. Educação & Sociedade, Campinas, v. 28, n. 98, p. 253-
267, jan/.abr. 2007.
ALTMAN, H. Influences of the World Bank on the Brazilian education project. Educ.
Pesqui., jan/june 2002.
ALTVATER, E. A crise de paradigma nas ciências sociais e os desafios para o
século XXI. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999.
AZEVEDO, J.C de. Estado, planejamento e democratização da educação. In.:
SOUZA, Donaldo Bello de; FARIA, Lia Ciomar Macedo de. Desafios da Educação
Municipal. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
AZEVEDO, J.M.L. A educação como política pública. Campinas, Autores
Associados, 1997.
AZEVEDO, Neroaldo Pontes de. A UNDIME e os desafios da educação municipal.
Estudos avançados da USP, São Paulo, n. 42, p. 141-152, maio/ago. 2001.
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: para uma nova teoria na política.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
______. O futuro da democracia. São Paulo, Paz e Terra, 2000.
BORON, A. Estado, capitalismo e democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
BRASIL. Ministério da Educação. Manual de orientação do Fundef. Brasília:
Maio,2003
______. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, 1988.
______. Congresso Nacional. Lei Federal nº: 9.394 das Diretrizes Nacionais da
Educação Brasileira. Brasília, 1996
______. Congresso Nacional. Lei Federal nº: 10.172 do Plano Nacional de
Educação. Brasília, 2001.
______. Congresso Nacional. Lei Federal nº.: 9.424 do Fundo de Manutenção e
desenvolvimento do Ensino Fundamental e valorização do Magistério. Brasília, 1996
______. Congresso Nacional. Lei Federal nº.: 11.494 do FUNDEB . Brasília, 2007.
______.Legislação educacional. Rio de Janeiro: UNDIME-APREMERJ, 2004.
______. PNAD, IBGE, 2007.
______. MEC, INEP, DTDIE, 2005.
______. MEC, SAEB, INEP, 2007.
______. MEC, INEP, 2000.
129
CARVALHO, Alba Maria Pinho de. A questão da transformação e o trabalho social:
uma análise gramsciana. São Paulo: Cortez, 1986.
CIAVATTA, Maria. O conhecimento histórico e o problema teórico-metodológico das
mediações. Seminário de Teoria y Método de las Ciências Sociales y Humanidades.
México, 1998.
CORAGGIO, J.L. Propostas do Banco Mundial para a educação: sentido oculto ou
problemas de concepção ¿ In: TOMMASI, L. De; WARDE, J.M..; HADDAD, S.
(Orgs.). O Banco Mundial e as Políticas Educacionais . São Paulo: Cortez/Ação
Educativa/PUC-SP, 1996.pp.75-124.
COUTINHO, C.N. Notas sobre cidadania e modernidade. In.: Contra a corrente –
ensaios sobre democracia e socialismo. São Paulo: Cortez, 2000.
________. O Estado brasileiro: gênese, crise e alternativas. In.: LIMA, Júlio César
França (org.). Fundamentos da educação escolar do Brasil contemporâneo. Rio de
Janeiro: Editora FIOCRUZ/EPSJV, 2006.
CURY, C.R.J. A Educação Básica no Brasil. In: Educação e Sociedade. V.23, n 80,
pp 169-201. set/2002. Disponível em <www.cedes.unicamp.br>. Acesso em 20 06
2009.
D’ARAÚJO, M.C. Capital social. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
DAVIES, Nicholas. Gestão financeira da educação : o legal X o real ?
______. Legislação Educacional Federal Básica. São Paulo: Cortez, 2004.
DOURADO, L.F. Políticas e gestão da educação básica no Brasil: limites e
perspectivas. Educação e Sociedade, vol. 28, n 100. Especial, p 921-946, out/2007.
FERREIRA, Naura Syria Carapeto; AGUIAR, Márcia Angélica (orgs). Gestão da
educação – impasses, perspectivas e compromissos. 4ª ed. São Paulo: Cortez,
2004.
FIORI, J.L. O ‘pós-consenso de Washington’. In: 60 lições dos 90: uma década de
neoliberalismo. São Paulo: Record, 2001.pp 89-90.
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e
desenvolvimento urbano. 15 ed. São Paulo: Global, 2004.
_______. Casa Grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime de
economia patriarcal. 50 ed. São Paulo: Global, 2005.
GENTILI, Pablo (org.). Globalização excludente – desigualdade, exclusão e
democracia na nova ordem mundial. Petrópolis, RJ : Vozes; Buenos Aires: CLACSO,
2000.
130
GERMANO, J.W. Estado militar e educação no Brasil (1964-1985). Cortez: São
Paulo, 2005.
GRAMISCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. 4ª ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
_____. Cadernos do Cárcere. V.3 . Ed . e tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
HADDAD, S.(Org.). Banco Mundial, OMC e FMI: o impacto nas políticas
educacionais. São Paulo: Cortez, 2008.
HADDAD, S. & GRACIANO, M. Educação: direito universal ou mercado em
expansão. Documento para debate. 1ª versão, 2004.
________. O Banco Mundial e as políticas educacionais no Brasil. In.: As estratégias
dos Bancos Multilaterais para o Brasil. VIANA, A. (Org.). Brasília: Rede Brasil, 1998.
HÖFLING, E. de . M. Estado e políticas ( públicas ) sociais. Cadernos CEDES, ano
XXI, nº.: 55, novembro 2001.
IBGE. PNAD. Relatório 2003. Brasília: IBGE, 2003.
KOSÍK, Karel. Dialética do concreto. Tradução de Célia neves e Alderico Toríbio.
2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
KOOGAN-HOUAISS. Dicionário, 1993, p. 341.
KRAWCZYK, N. A gestão escolar: um campo minado... análise das propostas de 11
municípios brasileiros. Educação e Sociedade. V.20, n.67, Campinas, ago 1999.
KRUPPA, S.M.P. O Banco Mundial e as Políticas Públicas de Educação nos anos
90. São Paulo:FEUSP, s.d., mimeo. 15p.
MARQUES, L.R. Caminhos da democracia nas políticas de descentralização da
gestão escolar. Ensaio: aval.pol.públ. educ. v.14 n.53. Rio de Janeiro, out/dez. 2006.
______. Democracia radical e democracia participativa: contribuições teóricas à
análise da democracia na educação. Educação e sociedade, v.29, n. 102, Campina,
jan/abr., 2008.
MARTINS, Angela Maria. A descentralização como eixo das reformas do ensino:
uma discussão da literatura. Educ. Soc. , Campinas, v. 22, n.77, 2001. Disponível
em <http://www.scielo.br >. Acesso em: 06 Fev 2008.
_____. O contexto escolar e a dinâmica de órgãos colegiados: uma contribuição ao
debate sobre gestão escolar. Ensaio: aval. de pol. públicas educ. Rio de Janeiro, v.
16, n.: 59, p. 195-206, abr/jun, 2008.
MARX, K. O capital. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
MOTTA, F.C.P. Teoria das organizações: evolução e crítica. São Paulo: Pioneira,
1986.
131
MOTTA, V.C. “ Capital social”: solução para os males do capitalismo mundializado ?
V. 34, n. 2, Senac: Rio de Janeiro, maio/agosto 2008.
NOGUEIRA, M.A. As três idéias de sociedade civil, o Estado e a politização. In:
COUTINHO, C.N.; TEIXEIRA, A.P. (Org.). Ler Gramsci, entender a realidade. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003..
OFFE, C. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1984.
OLIVEIRA, D. A. Educação básica: gestão do trabalho e da pobreza. Petrópolis:
Vozes, 2000.
OLIVEIRA, F de. Crítica à razão dualista – o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo,
2006.
ONU. Portal ODM, 2009 . Disponível em:<http://www.portalodm.com.br/> . Acesso
em 29 09 2009.
ORTIZ, Renato. Diversidade cultural e cosmopolitismo. Lua Nova –
Revista de Cultura e Política, São Paulo, 1999, nº 47, p. 73-89.
PARO, V.H. Administração escolar – introdução crítica. São Paulo, Cortez: Autores
associados, 1986.
_______. A gestão da educação ante as exigências de qualidade e produtividade da
escola pública. In: SILVA, L.H. da. (Org.). A escola cidadã no contexto da
globalização. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 300-307.
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense,
1976.
SAVIANI, D. “ Concepção de dissertação de mestrado centrada na idéia de
monografia de base”. Em Educação Brasileira Vol. 13, n. 27. Brasília: CRUB, 1991.
_______. Sistemas de ensino e planos de educação: o âmbito dos municípios .
Educação & Sociedade, Campinas, v. 20, n. 69, p. 119-136, dez, 1999.
_______. A nova lei da educação: LDB, trajetória, limites e perspectivas. Campinas,
Editora Autores Associados, 1997.
SILVA, A.M.M.; AGUIAR, M.A.da S. Retrato da Escola no Brasil. Brasília: CNTE,
2004.
SOARES, M.C. Banco Mundial: Políticas e reformas. In: TOMMASI, L. De; WARDE,
J.M.; HADDAD, S. (Orgs.). O BAnco Mundial e as políticas educacionais. . São
Paulo: Cortez/ Ação Educativa/PUC-SP, 1996, pp. 15-40.
SOUZA, Donaldo Bello de; FARIA, Lia Ciomar Macedo de. Desafios da Educação
Municipal. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
SOUZA, Donaldo Bello de. (Org ). Acompanhamento e controle social da educação
– fundos e programas federais e seus conselhos locais. Xamã: São Paulo, 2006.
132
______. Conselhos municipais e controle social da educação: descentralização,
participação e cidadania. Xamã: São Paulo, 2008.
SOUZA JÚNIOR, L. Descentralização e controle social dos recursos da educação:
os conselhos de acompanhamento do Fundef. IN.: Reunião Anual da Anped, 26, GT
Estado e Política Educacional, 2003, Poços de Caldas. Anais. Rio de Janeiro:
Anped, 2003.
STRIEDER, I. A transparência democrática. Filosofia Unisinos. Vol. 5, n. 9, jul/dez
2004, p. 167-178.
TORRES, C.A. (Org.). Teoria crítica e sociologia política da educação. Tradução de
Maria José do Amaral Ferreira. Ed. Cortez:Instituto Paulo Freire, São Paulo, 2003.
VIANNA, F.J. de O. Instituições políticas brasileiras. Brasília, DF: Conselho Editorial
do Senado, 1999.
VASCONCELOS, M.C.C. Conselhos Municipais de educação: criação e implantação
em face das novas atribuições dos sistemas municipais de ensino. In.: SOUZA,
Donaldo Bello de; FARIA, Lia Ciomar Macedo de. Desafios da Educação Municipal.
Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
WOOD, Ellen Meiksins . Democracia contra o capitalismo- a renovação do
materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2006.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo