REVITALIZAÇÃO DOS CENTROS URBANOS: A LUTA PELO DIREITO À CIDADE
Elaine Freitas de Oliveira
56
e agentes privados, ao invés de atender, na escala necessária, os trabalhadores que mais precisam. Embora essa
tendência deva novamente prevalecer, há que se considerar o interesse político e eleitoral do governo em atingir a
base da pirâmide.
De um lado, o governo quer que o subsídio favoreça o deslocamento do mercado imobiliário para faixas de
aixa
renda, onde obtém maiores dividendos políticos, enquanto o mercado quer aproveitar o pacote para subsidiar
produção para classe média e média-
aixa, onde obtém maiores ganhos econômicos. Em ambos os casos, o
mercado depende do governo para expandir a oferta e não do sistema privado de crédito, como nos países centrais.
Ou seja, é um mercado que não é plenamente capitalista e acaba alimentado pelos fundos públicos. De outro lado, o
governo depende do mercado para implementar uma política social, pois o sucateamento dos órgãos públicos, das
secretarias de habitação e das Cohabs, além de questões ideológicas, impedem uma ação dirigid
predominantemente pelo Estado.
O perfil de atendimento previsto pelo pacote revela, porém, o enorme poder do setor imobiliário em dirigir os
recursos para a faixa que mais lhe interessa. O déficit habitacional urbano de famílias entre 3 e 10 salários mínimos
corresponde a apenas 15,2% do total, mas receberá 60% das unidades e 53% do subsídio público. Essa faixa poder
ser atendida em 70% do seu déficit, satisfazendo o mercado imobiliário, que a considera mais lucrativa. Enquanto
isso, 82,5% do déficit habitacional urbano concentra-se abaixo dos 3 salários mínimos, mas receberá apenas 35%
das unidades do pacote, o que corres
onde a 8% do total do déficit para esta faixa. No caso do déficit rural, a
orcentagem é pífia, 3% do total. Tais dados evidenciam que o atendimento aos que mais necessitam se restringirá,
sobretudo, ao marketing e à mobilização do imaginário popular.
3) Como o pacote mobiliza a ideologia da "casa própria"?
O pacote habitacional e sua imensa operação de marketing retomam a "ideologia da casa própria" que foi
estrategicamente difundida no Brasil durante o regime militar, como compensação em relação à perda de direitos
olíticos e ao arrocho salarial. A promessa de casa própria, como marco da chamada "integração" social, já se viu,
ode ser utilizada como substitutiva da emergência histórica do trabalhador como sujeito que controla a mudança
social (seu sentido e alcance). Seja por coerção, cooptação ou consentimento, a promessa da casa própria pode
promover um contexto de apaziguamento das lutas sociais e de conformismo em relação às estruturas do sistema.
Evidentemente que não se trata apenas de um fenômeno ideológico. A casa própria é percebida e vivida pelas
camadas populares como bastião da sobrevivência familiar, ainda mais em tempos de crise e de instabilidade
crescente no mundo do trabalho. Ela cumpre um papel de amortecimento diante da incompletude dos sistemas de
roteção social e da ausência de uma industrialização com pleno emprego. Para os políticos, esta operação de
marketing se faz necessária para amplificar os dividendos eleitorais, pois grande parte do pacote ocorre no plano do
imaginário, dada a disparidade entre a promessa e o atendimento previsto. E, para o capital imobiliário, ela també
é um excelente negócio.
4) O pacote favorece a desmercantilização da habitação, enquanto política de bem-estar social?
O volume de recursos públicos ou do FGTS destinados a subsidiar a operação dá a entender que se trata de um
imensa operação de distribuição de renda e de "salário indireto". A taxa de subsídio é alta para a faixa de 0 a 3
salários, que deve pagar 10% de seu rendimento ou o mínimo de 50 reais por mês, com juros zero, por um período
de 10 anos. Mesmo que o desenho da transferência de renda seja positivo, é preciso compreender quais as
intermediações sobre o recurso e seu resultado qualitativo, pois não se trata de uma transferência direta, como no
caso do cartão Bolsa-Família.
Enquanto o trabalhador recebe uma casa com apenas 32 m
2
de área útil (modelo proposto pela Caixa),
provavelmente nas periferias extremas, a empreiteira pode receber por essa casa-mercadoria até 48 mil reais, ou 1,4
mil reais por m
2
.
Tal como é desenhado pelo pacote, o subsídio, neste caso, tem a família sem-teto como "álibi social" para que o
Estado favoreça, na partição da riqueza social, uma fração do capital, a do circuito imobiliário (construtoras,
incorporadoras e proprietários de terra). Na verdade, o subsídio está sendo dirigido ao setor imobiliário tendo como
ustificativa a "chancela social" da habitação popular.
5) O pacote colabora para a qualificação arquitetônica e a sustentabilidade ambiental dos projetos de
habitação popular?
Mesmo não superando a condição da forma-mercadoria, o pacote poderia pretender qualificar minimamente os
rojetos de habitação popular, inclusive obtendo os dividendos eleitorais de casas mais funcionais, bonitas e
sustentáveis. Para tanto deveria mobilizar agremiações profissionais e universidades, avaliar referências
internacionais e nacionais, favorecer critérios de sustentabilidade ambiental etc. Do ponto de vista do processo
produtivo, poderia favorecer iniciativas sérias de pré-fabricação, já aproveitando o conhecimento acumulado, po
exemplo, pelas fábricas públicas de edificações (como as coordenadas por João Figueiras Lima).
Mas não há preocupação com a qualidade do produto e seu impacto ambiental, a não ser a que é posta pelo próprio
capital da construção e suas pífias certificações de qualidade, que garantem na verdade sua viabilidade como