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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAUDE COLETIVA
ROBERTA MELO VELLO POLDI
RELAÇÃO ENTRE TRABALHO E NECESSIDADES DE SAÚDE DE
MORADORES ADSCRITOS A UMA UNIDADE DE SAÚDE DA
FAMÍLIA DO MUNICÍPIO DA SERRA-ES
VITÓRIA
2008
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ROBERTA MELO VELLO POLDI
RELAÇÃO ENTRE TRABALHO E NECESSIDADES DE SAÚDE DE
MORADORES ADSCRITOS A UMA UNIDADE DE SAÚDE DA
FAMÍLIA DO MUNICÍPIO DA SERRA-ES
VITÓRIA
2008
Dissertação apresentada ao Programa de Pós -
Graduação em Saúde Coletiva do Cento de
Ciências da Saúde da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito para obtenção do
grau de Mestre em Saúde Coletiva.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Henrique Borges.
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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Poldi, Roberta Melo Vello, 1976-
P762r Relação entre trabalho e necessidades de saúde de
moradores adscritos a uma unidade de saúde da família do
município da Serra-ES / Roberta Melo Vello Poldi. – 2008.
151 f.
Orientador: Luiz Henrique Borges.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Ciências da Saúde.
1. Saúde – Serra (ES). 2. Família - Saúde e higiene. 3.
Necessidades básicas. 4. Cuidados Primários de Saúde. 5.
Trabalhadores - Cuidados médicos. I. Borges, Luiz Henrique. II.
Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências da
Saúde. III. Título.
CDU: 614
ROBERTA MELO VELLO POLDI
RELAÇÃO ENTRE TRABALHO E NECESSIDADES DE SAÚDE DE
MORADORES ADSCRITOS A UMA UNIDADE DE SAÚDE DA
FAMÍLIA DO MUNICÍPIO DA SERRA-ES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós - Graduação em Saúde Coletiva do
Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Saúde Coletiva.
Aprovada em 24 de junho de 2008.
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________________________
Prof. Dr. Luiz Henrique Borges
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientador
_________________________________________
Profª. Drª. Maristela Dalbello de Araújo
Universidade Federal do Espírito Santo
_________________________________________
Profª. Drª. Leny Sato
Universidade de São Paulo
_________________________________________
Profª. Drª. Francis Sodré
Escola Superior de Ciências da Santa Casa de
Misericórdia de Vitória
_________________________________________
Profª. Drª. Rita de Cássia Duarte Lima
Universidade Federal do Espírito Santo
À Humberto e Ana Lúcia, meus pais, que nunca
mediram esforços para me fazer feliz
À Francisco, por me fazer acreditar que histórias
de amor também existem na realidade.
AGRADECIMENTOS
A busca de conhecimentos é uma tarefa constante para uma possível transformação
da realidade. Neste processo, que culminou com a confecção dessa dissertação,
foram muitos os colaboradores e certamente eu não teria conseguido realiza-la
sozinha.
Assim, agradeço a Deus por me dar saúde e disposição para a vida.
Aos trabalhadores pela simplicidade e riqueza com que expuseram suas vidas. Sem
vocês o haveria esta pesquisa. Em especial, agradeço a ajuda indispensável de
Seu Manoel e Zélia pela disponibilidade e ajuda na montagem dos grupos.
A Francisco, pelo amor e carinho; por entender e me dar força para alcançar mais
este sonho entre tantos na minha vida; por respeitar as minhas ausências. Sem você
tudo seria muito difícil. Você me deu o suporte que eu precisava para concluir mais
esta etapa.
À toda minha família, em especial a meus pais, pela presença constante. Já perdi as
contas das vezes que precisei do apoio de vocês a quem dedico todo o amor e
gratidão.
Ao professor Luiz Henrique pelo respeito com que conduziu a minha orientação
desde a especialização e por ser mais que um professor, um mestre generoso na
partilha dos conhecimentos. Você foi o meu iniciador” e talvez o principal “culpado”
por eu me apaixonar pela Saúde do Trabalhador. Sentirei falta das nossas
conversas e também dos lanchinhos.
À professora Maristela pela ajuda fundamental neste trabalho, pelos ensinamentos e
pela disponibilidade em colaborar sempre. Sou muito grata.
Às professoras Leny Sato e Francis Sodré pela responsabilidade e dicas preciosas
na minha qualificação e por aceitarem participar da minha banca.
À professora Rita de Cássia Duarte Lima pelo carinho com que sempre me tratou.
Aos meus colegas da Turma de Mestrado, e alguns da outra turma, pela troca de
experiências, idéias e utopias, aprendi muito com cada um de vocês. Em especial,
às minhas amigas Karina, Kátia, Josilda e Margareth. Sem vocês, eu não teria
conseguido. Foram inúmeros trabalhos em grupo, horas de conversas e alguns
chopinhos para descontrair. Vocês permanecerão sempre no meu coração.
Aos profissionais do Núcleo de Controle e Avaliação da Estratégia de Saúde da
Família da Serra, Fabiane, Renata, Rose, Silvia e Simone, por me ajudarem
prontamente nas inúmeras vezes em que telefonei ou fui à sala de vocês pedir
informações.
À coordenadora e profissionais da USF de Jardim Carapina, pelo carinho com que
me acolheram nas minhas idas à unidade e pelas informações prestadas.
Aos meus colegas da VISA, em especial, Alessandra, Cíntia, Luzinete, Martha,
Plínio e Polyane por “segurarem as pontas” na minha ausência.
E aqueles que certamente devo ter esquecido, perdoem-me pelo ato falho e sintam-
se incluídos no tradicional “a todos, que direta ou indiretamente, contribuíram para a
realização desta pesquisa”.
“Cada pessoa que passa em nossa vida, passa
sozinha, porque cada pessoa é única e nenhuma
substitui a outra. Cada pessoa que passa em
nossa vida passa sozinha e o nos deixa
porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho
de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da
vida e a prova de que as pessoas não se
encontram por acaso”.
Charles Chaplin
RESUMO
Este estudo teve como objetivo identificar e analisar as necessidades de saúde na
ótica de moradores, com diferentes inserções ocupacionais, adscritos a uma
unidade de saúde da família do município da Serra-ES. A pesquisa foi exploratória,
de abordagem qualitativa, baseada em grupos focais compostos por trabalhadores
da construção civil e trabalhadoras domésticas. Utiliza a análise temática, tendo
como referencial teórico-conceitual a Taxonomia de Necessidades de Saúde de
Matsumoto (1999) e a identificação de dois temas: a relação entre o trabalho e o
processo sde-doença e a relação entre as necessidades de saúde e a utilizão
dos serviços de saúde. Os dados mostram que o trabalho é, antes de tudo, uma
necessidade para a sobrevivência, interferindo diretamente no tempo de estudo e
lazer, tendo impacto direto sobre o processo saúde-doença. Esses trabalhadores
possuem uma visão pluralista e holística deste processo, articulada com as
condições materiais de existência, ressaltando que saúde é ter boas condições de
vida e a tranqüilidade que dela decorre. Quanto à utilização dos serviços prestados
pela USF do bairro, apontam problemas como: a demora e a dificuldade em
conseguir agendamento; a falta de profissionais e de equipamentos necessários; o
número de vagas ofertadas menor do que a demanda; o horário de funcionamento
da unidade coincidente com o horário de trabalho; a falta de integração dos serviços
de referência e contra-referência. Evidenciam a necessidade da garantia ao acesso
a todas as tecnologias disponíveis. Demonstram a autonomia no modo de andar a
vidaquando utilizam, além de serviços tidos como pertencentes à Medicina oficial,
medidas populares, como a medicina caseira, as práticas médico-religiosas, a
automedicação e a consulta ao farmacêutico. Apesar de perceberem a pouca
preocupação e responsabilização dos profissionais da unidade com relação à sua
saúde, valorizam a dimensão relacional do cuidado, destacando a capacidade de
escuta, demonstrando a necessidade de ter nculo com o profissional ou a equipe
de saúde. Apesar da consciência da saúde como um direito e da necessidade de
participação da comunidade na luta pela realizão deste direito, o serviço blico
de saúde não cria as condições de espaço e tempo para que, no âmbito da instância
participativa, possam emergir as características da tessitura social em que eso
inseridos, onde o trabalho é central. Pretendeu-se levantar questões que contribuam
para a inclusão de ações de saúde do trabalhador na atenção básica, mais
especificamente na ESF. Direcionar esses serviços na lógica da satisfação das
necessidades de saúde, na ótica de seus usuários, apresenta um potencial de dar
visibilidade ao trabalho como um dos fatores determinantes do processo saúde-
doença, o reduzindo as ões de saúde do trabalhador à dimeno assistencial,
resgatando o protagonismo do trabalhador na construção da integralidade da
assisncia à saúde.
Palavras-chaves: Determinação de necessidades de saúde. Saúde da família.
Atenção primária à saúde. Saúde do trabalhador.
ABSTRACT
The study aimed at identifying and analyzing the health needs in the point of view of
the ones living in Serra/ES district, with different occupational insertions and added in
writing in a health family unit of the same district. The research was exploratory, with
a qualitative approach, based on focal groups, composed by civil construction
workers and maids. It uses the thematic analysis, having as theoretical-conceptual
referential the Matsumoto’s (1999) Taxonomy of Health Needs (1999) and the
identification of two themes: the relation between work and health-disease process
and the relation between health needs and the use of health services. Data show that
the work is, above all, a necessity to survive, interfering directly in the study time and
pleasure, impacting directly on the health-disease process. It presents a pluralist and
holistic vision of this process, articulated with the material conditions of existence,
highlighting that health is the same of having good conditions of life and the
tranquility that comes with it. About the use of the services given by the district health
family unit, it points problems such as: the delay and the difficulty in getting an
appointment; the lack of professionals and of necessary equipment; the number of
vacancies offered lower than the demand; the unit working schedule that coincides
with the worker’s labor hours; the lack of the services integration of reference and
against-reference. It stands out the necessity to guarantee the access to all available
technologies. The people living in the district demonstrate the autonomy in the way
they live life, when they use, besides the services considered as belonged to the
official Medicine, popular measures, like homemade Medicine, the medical-religious
practices, the auto medication and the pharmacist assistance. Despite noticing little
preoccupation and responsibility of the unit professionals considering their health,
they value the relational dimension of care, emphasizing the listening capacity,
showing the necessity of being linked to a professional or to the health team. Despite
the health conscience as a right and the necessity to participate in the community
fight for such right accomplishment, the public service of health does not give space
and time conditions so that, in the participative instance ambit, can emerge the
characteristics of social tessitura in which are inserted, having the work as center.
The research raises questions that contribute for the inclusion of health ocupational
actions in primary health care, more specifically in ESF. Directing these services in
the satisfaction logic of health, in their usersoptic, presents a potential of giving
visibility to work as one of the determining factors of the health-disease process, not
reducing the health actions of the worker to the assistance dimension, rescuing the
protagonism of the worker in the construction of integrality of health assistance.
Keywords: Health needs. Family health. Primary health care. Occupational health.
LISTA DE SIGLAS
ABO-ES - Associação Brasileira de Odontologia – Seção do Espírito Santo
APS - Atenção Primária em Saúde
CDDH - Centro de Defesa dos Direitos Humanos
DAAM - Departamento de Assistência Ambulatorial
EAC - Estratégia de Agente Comunitário de Saúde
ESF - Estratégia Saúde da Família
GF - Grupo Focal
MS - Ministério da Saúde
OMS - Organização Mundial da Saúde
PACS - Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PSF - Programa Saúde da Família
PST - Programas de Saúde dos Trabalhadores
RENAST - Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador
SESA - Secretaria Estadual de Saúde
SIAB - Sistema de informação da Atenção Básica
SUS - Sistema Único de Saúde
UBS - Unidades Básicas de Saúde
UNICEF- Fundo das Nações Unidas Para a Infância
USF - Unidades de Saúde da Família
VISA - Vigilância Sanitária
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ...................................................................................................15
INTRODUÇÃO.........................................................................................................19
CAPÍTULO I - REFERENCIAL TEÓRICO.............................................................25
1.1 A RENAST E A PROPOSTA DE CONSOLIDAR AS AÇÕES EM SAÚDE
DO TRABALHADOR NA ATENÇÃO BÁSICA...............................................25
1.2 A ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA COMO CENÁRIO
FAVORÁVEL PARA O DESENVOLVIMENTO DAS AÇÕES EM SAÚDE
DO TRABALHADOR .....................................................................................28
1.3 AS NECESSIDADES DE SAÚDE E SUA IMPORTÂNCIA NA
ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE.............................................34
CAPÍTULO II - PERCURSO METODOGICO....................................................42
2.1 O BAIRRO DE JARDIM CARAPINA COMO CENÁRIO DE ESTUDO ..........43
2.2 TRABALHADORES DA CONSTRUÇÃO CIVIL E TRABALHADORAS
DOMÉSTICAS: OS SUJEITO DO ESTUDO ................................................47
2.3 O GRUPO FOCAL COM TÉCNICA DE COLETA DE DADOS......................51
2.4 O TRABALHO DE CAMPO ...........................................................................53
2.5 A ANÁLISE DOS DADOS..............................................................................58
CAPÍTULO III -RELAÇÃO ENTRE O TRABALHO E O PROCESSO SAÚDE
DOENÇA..................................................................................................................60
3.1 SIGNIFICADO DO TRABALHO NA VIDA .....................................................60
3.2 INTERFERÊNCIA DO TRABALHO NA VIDA................................................69
3.3 O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA E A NECESSIDADE DE BOAS
CONDIÇÕES DE VIDA..................................................................................75
3.4 RISCOS PERCEBIDOS E MORBIDADES REFERIDAS ...................................82
CAPÍTULO IV - AS NECESSIDADES DE SAÚDE E A UTILIZAÇÃO DA
UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA DO BAIRRO ..................................................94
4.1 A NECESSIDADE DE ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE ....................95
4.2 A NECESSIDADE DE VÍNCULO COM A EQUIPE DE SAÚDE DA
FAMÍLIA.......................................................................................................108
4.3 DIANTE DAS DIFICULDADES A BUSCA POR ALTERNATIVAS...............116
4.4 ORGANIZAÇÃO DA COMUNIDADE E O CONTROLE SOCIAL NA LUTA
PELO DIREITO À SAÚDE...........................................................................119
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................124
REFERÊNCIAS......................................................................................................128
APÊNDICE A – Breve Apresentação do Município da Serra-ES.......................138
APÊNDICE B Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para o Grupo
Focal.................................................................................................................141
APÊNDICE C Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para
Participação de Menores de 18 Anos nos Grupos Focais ..........................145
APÊNDICE D – Roteiro para as Sessões de Grupo Focal.................................148
APÊNDICE E – Participantes dos Grupos Focais..............................................149
ANEXO – Termo de Aprovação do Comitê de Ética..........................................150
15
ARESENTAÇÃO
Iniciando nesta apresentação, faço memória do início de minha atuação profissional,
mais especificamente no município da Serra. Ao passar em um concurso da área de
saúde, optei por ser lotada na Vigilância Sanitária (VISA), onde, entre outras
atribuições, comecei a vistoriar os estabelecimentos de interesse à saúde.
Nesses ambientes, além dos itens que deveria fiscalizar, muitas vezes me deparava
com pessoas que pareciam angustiadas com o trabalho ao qual estavam sujeitas e
cujo processo não entrava em meu roteiro de inspeção.
A cada nova visita, percebia que, para uma efetiva Vigilância em Saúde, não
bastaria fazer com que o estabelecimento vistoriado cumprisse as normas sanitárias,
deveria ser dispensada uma atenção especial aos sujeitos e aos seus processos de
trabalho. Ao mesmo tempo me perguntava: o que eu e os outros profissionais de
saúde, principalmente do Sistema Único de Saúde (SUS), poderíamos fazer diante
dessa situação?
Aproximadamente um ano depois, soube que a Secretaria Estadual de Saúde
(SESA), em conjunto com o Ministério da Saúde (MS), promoveria um Curso de
Especialização em Saúde do Trabalhador na Escola Superior de Ciências da Santa
Casa de Misericórdia de Vitória, com o objetivo de capacitar profissionais do Espírito
Santo que trabalhavam no SUS, para desenvolverem ões nessa área. Foram
disponibilizadas quatro vagas para o município da Serra e eu, imediatamente,
candidatei-me para participar do curso. Seria uma oportunidade de adquirir
elementos teórico-conceituais que me fizessem compreender melhor o mundo do
trabalho e de que adoecem e morrem os trabalhadores nele inseridos.
Apesar de ter tido todo apoio da coordenação e de ser uma pós-graduação
direcionada a profissionais de saúde que atuavam no SUS, sendo comum na Saúde
Coletiva o discurso da necessidade de um conhecimento interdisciplinar, na prática,
muitas pessoas não compreendiam o que uma dentista poderia fazer nessa área e o
porqdo meu interesse pela Saúde do Trabalhador. Mas não desisti de buscar
novos horizontes, mesmo que percorresse caminhos mais longos, pois tinha a
16
clareza de que deveria me qualificar para promover saúde e que não deveria limitar
as minhas ações à saúde bucal das pessoas.
Nesse curso, lembro-me de ter escutado, pela primeira vez, no meio acadêmico,
discussões sobre a centralidade do mundo do trabalho e outras tantas relativas ao
aumento do desemprego, da informalidade e da precarização das condições
laborais, pois esses são assuntos comuns no cotidiano das pessoas. Foi tamm
quando comecei a me preocupar com o impacto dessas mudanças no SUS e com a
responsabilidade dos profissionais de saúde em prestar atendimento a um
contingente cada vez maior desses trabalhadores, contando, para isso, com uma
rede de serviços despreparada para lidar com esses impactos na vida das pessoas.
Para aprimorar meu aprendizado, fiz uma Especialização em Odontologia do
Trabalho na Associação Brasileira de Odontologia Seção do Espírito Santo (ABO-
ES). Como, além de trabalhar na VISA, também prestava assistência odontológica
em Unidades Básicas de Saúde (UBS), percebia que o trabalhador parecia estar
excluído dos serviços ofertados por essas unidades. Essa questão foi motivadora
para que, no trabalho de conclusão desse curso, eu pesquisasse o perfil
socioeconômico e de inserção no trabalho dos usuários das Unidades de Saúde da
Família (USF) do município da Serra - ES. O estudo demonstrou que a maioria
desses usuários era constituída de donas de casa, estudantes e aposentados, o que
apontava um cenário seletivo, excludente e focalizado. Os trabalhadores, em
especial os homens, pareciam enfrentar barreiras de acesso a essas unidades, o
que representava um descompasso com o direito universal à saúde, preconizado
pela Constituição Federal de 1988.
Desde então, algumas questões permeavam meu pensamento: por que os
trabalhadores não freqüentam as USF de seus bairros? Como consolidar as ações
de saúde do trabalhador na atenção básica, se o trabalhador parece estar excluído
dela? Como fazer com que as equipes de saúde da família, já tão sobrecarregadas,
desenvolvessem as ações em saúde do trabalhador, sem vê-las como mais uma
atividade que teriam que executar? Como dar visibilidade ao trabalho, como um dos
fatores determinantes da saúde, aos profissionais de saúde que atuam na atenção
básica? O que poderia unir a Política Nacional de Atenção Básica e a Política
Nacional de Saúde do Trabalhador? Assim, fui motivada a fazer o Mestrado em
17
Saúde Coletiva, mais especificamente, dedicando-me à linha de pesquisa de Saúde
do Trabalhador.
Procurando entender meus questionamentos, fui à procura de leituras que
pudessem saná-los. Porém uma questão se repetia e parecia permear essas
políticas: as necessidades de saúde. Deparei-me, então, com as dificuldades e
complexidade desse conceito, aparentemente tão simples. A maioria das
publicações que empregavam o termo o utilizavam no senso comum.
Devido à necessidade de discussão do termo, Stotz (1991) desenvolveu pesquisa na
área, e realizou uma exaustiva revisão teórica, apontando a possibilidade de
construção de uma taxonomia como instrumento de investigação. Dessa forma,
Cecílio e Matsumoto (1999), para criar um referencial teórico-conceitual para
conduzir uma pesquisa acadêmica, formularam uma Taxonomia de Necessidades
de Saúde que tem possibilitado a operacionalizão do conceito como instrumento
de pesquisas, de educação em saúde e servido como um roteiro para a avaliação e
organização da assistência.
Algumas pesquisas recentes têm procurado responder quais são as necessidades
de saúde de moradores adscritos às Unidades Básicas de Saúde (CAMPOS, 2004;
NERY, 2006), sob a ótica desses usuários; entretanto não foram pesquisadas
categorias específicas de trabalhadores.
Assim, a força propulsora para a realização desta pesquisa foi a crença de que os
serviços de saúde devem ter, como prioridade, satisfazer as necessidades de saúde
de sua população adscrita, reconhecendo que o trabalhador tem necessidades
específicas decorrentes de sua condição de trabalho e que identificar essas
necessidades, sob a ótica desses trabalhadores, poderia incentivar a inserção de
ões de saúde do trabalhador na atenção básica.
Esta dissertação pretende trazer para o meio acadêmico e, conseqüentemente, para
a sociedade, algumas reflexões que proporcionem a indicação de novos caminhos
na organizão desses serviços, para que incorporem, de forma efetiva, em suas
concepções, paradigmas e ões, o lugar que o trabalho ocupa na vida dos
indivíduos, ou seja, o papel que o trabalho exerce na determinação do processo
saúde-doença-cuidado.
18
Assim, algumas perguntas se tornam relevantes: o que os moradores, com
diferentes inserções ocupacionais,
1
adscritos a uma Unidade de Saúde da Família
do município da Serra-ES, reconhecem como suas necessidades de saúde? Existe,
para esses moradores, relação entre trabalho e processo saúde-doença-cuidado?
Como se relacionam com os serviços de saúde, em especial com a Unidade de
Saúde da Família de seu bairro?
1
Nesta pesquisa, a expressão inserção ocupacional está relacionada com a ocupação do morador, entendida
como o trabalho que o morador exerce, independentemente da sua profissão de origem.
19
INTRODÃO
Uma das questões mais discutidas atualmente pelos profissionais que atuam na
área de Saúde do Trabalhador no Brasil diz respeito às possibilidades e dificuldades
para a consolidação das ações de saúde do trabalhador no SUS.
A institucionalização da Saúde do Trabalhador no SUS é um processo sociopolítico
em construção (DIAS, 2007), que se inicia, no Brasil, no final dos anos 80, com a
posse dos governadores eleitos diretamente e os esforços para a condução de um
movimento político-ideológico de criação dos Programas de Saúde dos
Trabalhadores (PST), que preconizavam ações de saúde ocupacional na rede de
serviços de saúde pública (LACAZ, 1997).
Esse movimento aconteceu sob a forma de ações isoladas, implementadas a partir
de alianças solidárias entre técnicos dos serviços públicos de Saúde e de Hospitais
Universitários, da fiscalização do Trabalho e da Previdência Social e de sindicatos
de trabalhadores, em alguns Estados e municípios brasileiros (DIAS, 2007). Obteve
maior repercussão com a VIII Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em 1986
(que propõe a criação do SUS), e com a I Conferência Nacional de Saúde do
Trabalhador, em dezembro desse mesmo ano. Dessa forma, a Saúde do
Trabalhador no Brasil reflete uma resposta institucional aos movimentos sociais que,
a partir da metade dos anos 70, reivindicavam que as questões de saúde
relacionadas com o trabalho fizessem parte do direito universal à saúde, incluídas no
escopo da Saúde Pública.
Com a Constituição de 1988, a implementação do SUS e a promulgação da Lei
Orgânica da Saúde, n.º 8.080, de 19 de setembro, e da Lei n.º 8.142, de 28 de
dezembro, ambas de 1990, a saúde e o trabalho passaram a ser contemplados
como direitos sociais. Essa Lei aponta que os fatores determinantes e
condicionantes da saúde são, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento
básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o
acesso aos bens e serviços essenciais (BRASIL, 1990).
Além disso, a Carta Magna, em seu art. 200, descreve que compete ao SUS, além
de outras atribuições, executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica,
20
bem como as de saúde do trabalhador (BRASIL, 1988), e a Lei Orgânica da Saúde,
em seu art. 6º, regulamentou os dispositivos constitucionais sobre Saúde do
Trabalhador como:
[...] um conjunto de atividades que se destina, através das ações de
vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da
saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e à reabilitação
da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das
condições de trabalho (BRASIL, 1990, p. 3).
Nessa época, como uma alternativa para potencializar os escassos recursos
disponíveis, facilitar o diálogo com o movimento social e capacitar profissionais para
desenvolver as ações propostas na área de saúde do trabalhador, foram criados os
Centros de Referência em Sde do Trabalhador (CERESTs) (DIAS; HOEFEL, 2005).
Os CERESTs são serviços espeficos e especializados, de nível secundário, que
buscam incorporar maior densidade tecnológica em seu quadro de profissionais, de
apoio diagnóstico e de vigilância, de modo a se constituírem em retaguarda e
centros de articulação das práticas de Saúde do Trabalhador na rede básica de
saúde do SUS. Foram, a princípio, constituindo-se em importantes municípios do
País, como São Paulo, Campinas, Santos, Porto Alegre, Belo Horizonte e Volta
Redonda e, atualmente, todos os Estados do Brasil e o Distrito Federal possuem
CERESTs habilitados (SANTOS; LACAZ, 2007).
A partir de 1998, são estabelecidos os procedimentos para orientar e
instrumentalizar as ões em saúde do trabalhador pelos Municípios, Distrito
Federal e Estados, com a publicação da Norma Operacional de Saúde do
Trabalhador, pela Portaria MS/GM nº. 3.908, de 30 de outubro de 1998 (BRASIL,
1998).
Porém, os CERESTs, apesar de terem permitido avanços setoriais, amulo de
experiência e conhecimentos técnicos (HOEFEL; DIAS; SILVA, 2005), não
conseguiram se articular intra-setorialmente e tornaram-se “guetos” dentro do próprio
setor Saúde. Com o esgotamento desse modelo, em 2002, no âmbito da Secretaria
de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde, cria-se a Rede Nacional de Atenção
Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), pela Portaria MS/GM nº. 1.679, de 19
de setembro de 2002, contando, pela primeira vez, com um financiamento extrateto
21
das ações, vinculado à operacionalização de um Plano de Trabalho de Saúde do
Trabalhador, em nível estadual e municipal (DIAS, 2007).
A partir de 2003, a coordenação da Área Técnica de Saúde do Trabalhador do
Ministério da Saúde priorizou a implementação da RENAST, como a principal
estratégia da Política Nacional de Saúde do Trabalhador (PNST) para o SUS
(BRASIL, 2004).
Conceitualmente, a RENAST é um rede nacional de informação e práticas de sde,
organizada com o propósito de implementar ações assistenciais, de vigilância e de
promoção da Saúde do Trabalhador no SUS (DIAS; HOEFEL, 2005).
Apesar de formalmente incorporada no organograma e práticas do Ministério da
Saúde e nos níveis estaduais e municipais do SUS, desde o início, a
compartimentalizão das estruturas vem dificultando a implementação de uma
atenção integral e integrada aos trabalhadores.
Segundo Santos (2006), através dos anos, tem-se notado uma dicotomia evidente,
na qual os que praticam a saúde coletiva o se preocupam com a saúde
ocupacional. Os trabalhadores, quando conseguem assistência à saúde, recebem
essa assistência de forma fragmentada, desvinculada de seu trabalho e da
Vigilância em Saúde.
Mesmo que algumas experiências isoladas tenham sido implementadas nos últimos
20 anos na rede pública de serviços de saúde, o SUS, de maneira geral, ainda não
incorporou, de forma efetiva, em suas concepções, paradigmas e ações, o lugar que
o trabalho ocupa na vida dos indivíduos e suas relações com o espaço
socioambiental, ou seja, o papel que o trabalho exerce na determinação do processo
saúde-doença, não apenas dos trabalhadores diretamente envolvidos nas atividades
produtivas, mas tamm da população em geral e dos impactos ambientais que
essas atividades produzem (HOEFEL; DIAS; SILVA, 2005).
Para Otani (2003), as dificuldades da construção da área de Saúde do Trabalhador
no SUS podem se dar diante da incapacidade operacional dos setores que o
comem, em razão de problemas de ordem estrutural e conjuntural, como: a
ausência de uma cultura institucional sanitária em face dos problemas decorrentes
22
da relação entre saúde e trabalho; a face intensamente ideologizada da área, que
implica resistências de caráter político-partidário nos diversos níveis de gestão; a
dificuldade implicada na visualizão da inserção institucional da área; o caráter
inovador da área, confrontado a própria abordagem do setor saúde, em relação a
estruturas cristalizadas como Vigilância Epidemiológica, Vigilância Sanitária e
setores assistenciais; a alta complexidade da abordagem, tanto no aspecto
normativo quanto no operacional; a deficiência quantitativa e a baixa qualificação
dos quadros de profissionais generalistas do SUS.
Santos e Lacaz (2007) ressaltaram algumas questões pertinentes quanto às
possibilidades e dificuldades para a consolidação das ões da Saúde dos
Trabalhadores na rede do SUS, entre elas, as necessidades de: se efetivar a intra-
setorialidade com as instâncias de atenção básica, média e alta complexidade,
assim como a articulação com as vigilâncias em Saúde do Trabalhador
(epidemiológica, sanitária e ambiental); delinear claramente para os CERESTs a
concepção da Vigilância em Saúde do Trabalhador e suas formas de atuação e
articulação intra e intersetorialmente; inclusão e participação dos trabalhadores nos
mecanismos de controle social, num cenário de desemprego estrutural e
globalização neoliberal; análises de causalidades mais elaboradas e respostas dos
CERESTs mediante as mudanças no perfil de morbidade dos trabalhadores;
discussão e organização dos CERESTs por regiões e a maneira e possibilidade de
contribuição da RENAST nos processos de pactuação dos procedimentos de
assisncia; vigilância e informão entre os municípios de abrangência desses
CERESTs; bem como articulação mais estreita com instituições de pesquisa e
universidades, visando a fornecer respostas e subsídios cnico-científicos para o
enfrentamento dos problemas de formação de profissionais em Saúde do
Trabalhador e, finalmente, a necessidade de dar visibilidade às informões
processadas no SUS, além da criação de indicadores de impacto das ações e de
instrumentos e procedimentos de avaliação da qualidade das intervenções.
Dias (2007), discorrendo também sobre as dificuldades para a consolidação das
ões da Saúde dos Trabalhadores na rede do SUS, aponta, como desafios para a
mudança do cenário atual: a baixa prioridade da questão nas agendas dos
governos; o orçamento deficiente; a ausência de um sistema ágil de informação; o
despreparo dos profissionais e a insuficiência do saber técnico que conta dos
23
novos agravos à saúde gerados pela adoção de novas tecnologias e novas formas
de gestão do trabalho; a desarticulação do movimento sindical e social, agravada
pelas dificuldades de incorporar os trabalhadores do setor informal nas instâncias de
controle social; a indissociabilidade das ações assistenciais e de vigilância da sde,
que se constitui numa pedra angular da Saúde do Trabalhador; a organização da
RENAST; a integração intra-setorial e a desarticulação histórica que se observa nas
práticas das vigilâncias sanitária, epidemiológica e ambiental.
O processo de reestruturação produtiva que altera a configuração do trabalho tem
causado fortes conseqüências para os trabalhadores, como: o desemprego
estrutural; a precarização do trabalho e o crescimento do setor informal, com perda
de direitos trabalhistas e previdenciários historicamente conquistados. O
desemprego estrutural repercute na organização dos sindicatos, obrigando-os a
deslocar o foco de atuação na a preservação de postos de trabalho, deixando em
segundo plano as condições em que o trabalho é executado, e nas atividades dos
próprios CERESTs, que se deparam com a contradição entre as exigências técnicas
de mudança dos processos de trabalho e o fantasma” da interdição e do
fechamento de postos de trabalho (DIAS, 2007).
Otani (2004) alerta que, nas duas últimas décadas, a População Economicamente
Ativa (PEA) cresceu predominantemente no setor terciário da economia, o de
prestação de serviços, com aumento de trabalhadores não contribuintes, aliado a um
baixo rendimento familiar.
Ao lado disso, toma corpo um movimento de feminização do mercado de trabalho
nacional, caracterizado por uma clara desvantagem em relação aos indivíduos do
sexo oposto, tanto do ponto de vista do rendimento, quanto da perspectiva da
qualidade das ocupações criadas (SOUZA, 2001).
Essas mudanças representam, na perspectiva da informação em saúde, um cenário
preocupante, pois os trabalhadores informais e os desempregados, apesar do seu
grande contingente, constituem população à margem das estatísticas oficiais. Não
registros dos acidentes e doenças do trabalho que os atingem, tornando obscura
sua morbimortalidade ocupacional (SILVA; BARRETO JÚNIOR; SANT’ANA, 2003).
24
Além disso, essas mudanças impactam o trabalho, o modo de vida e as condições de
saúde da população e fazem com que o SUS tenha que assumir um papel diferenciado,
ao se colocar como a única política pública de cobertura universal para o cuidado da
saúde dos trabalhadores (DIAS; HOEFEL, 2005), uma vez que possui uma rede de
serviços de saúde presentes em todas as Reges do Ps e, pode-se dizer, em
praticamente todos os municípios brasileiros, com o potencial de atender a todos,
independentemente de sua inserção no mercado de trabalho (SANTOS, 2001).
Dessa forma, para o cuidado da Saúde dos Trabalhadores, é fundamental redefinir
as práticas de saúde e a construção de um modelo de atenção que considere essas
questões e permita que, de fato, o SUS, como um todo, esteja mobilizado para suprir
as necessidades de Saúde dos Trabalhadores (DIAS, 2007).
Tendo em vista essas reflexões, reafirmamos neste momento os objetivos desta
pesquisa.
OBJETIVO GERAL
Identificar e analisar as necessidades de saúde na ótica de moradores, com
diferentes inserções ocupacionais, adscritos a uma unidade de saúde da família do
município da Serra-ES.
Objetivos específicos
Nossos objetivos específicos estão assim estabelecidos:
a) identificar e analisar as relações entre trabalho e processo saúde-doença na
ótica de moradores com diferentes inserções ocupacionais, adscritos a uma
unidade de saúde da família do município da Serra-ES;
b) identificar e analisar a utilizão dos serviços de saúde por moradores, com
diferentes inserções ocupacionais, adscritos a uma unidade de saúde da família
do município da Serra-ES.
25
CAPÍTULO I
REFERENCIAL TEÓRICO
1.1 A RENAST E A PROPOSTA DE CONSOLIDAR AS AÇÕES EM SAÚDE DO
TRABALHADOR NA ATENÇÃO BÁSICA
A Política Nacional de Saúde do Trabalhador, como parte da política para o setor
saúde, está submetida a um movimento real e concreto de forças sociais, cuja
expressão se intensifica na dinâmica das variáveis conjunturais presentes na relação
entre o Estado e a Sociedade Civil (OLIVEIRA; VASCONCELOS, 1992).
Em vigor desde 2004, essa política visa à redução dos acidentes e doenças
relacionados com o trabalho, mediante a execução de ações de promoção,
reabilitação e vigilância na área de saúde. Suas diretrizes, descritas na Portaria
MS/GM nº. 1.125, de 6 de julho de 2005, compreendem a atenção integral à saúde,
a articulação intra e intersetorial, a estruturação da RENAST, o apoio a estudos e
pesquisas, a capacitação de recursos humanos e a participação da comunidade na
gestão dessas ações.
Com o objetivo de ampliação e fortalecimento da RENAST e baseado na experiência
adquirida ao longo de aproximadamente três anos de implantação dessa rede, o
texto da Portaria MS/GM nº. 1.679, de 2002, foi revisado pela Portaria MS/GM nº. 2.
437, de 7 de dezembro de 2005, com a finalidade de organizar uma rede de atenção
integral à ST no SUS, estruturada a partir dos CERESTs, das unidades de atenção
básica e de uma rede sentinela
2
em torno de um território delimitado. A porta de
entrada
3
para o trabalhador tem que ser a atenção básica, que deverá ter
profissionais qualificados para compreender e intervir na relação trabalho-doença e
promover saúde (BRASIL, 2002).
2
O termo rede sentinela é utilizado para nomear a rede de serviços assistenciais de retaguarda, de média e alta
complexidade, organizada de modo a garantir a geração de informação e viabilizar a vigilância em Saúde do
Trabalhador (DIAS; HOEFEL, 2005).
3
O termo “porta de entrada” é usado para definir o primeiro contato do usuário com os sistemas de saúde,
baseado na idéia de que existe um ponto de entrada cada vez que um novo atendimento é necessário e que este
ponto de entrada deve ser de fácil acesso (STARFIELD, 2002).
26
No que se refere à organização da RENAST, tem havido conflitos decorrentes da
lógica do modelo, que propõe que os CERESTs tenham uma atuão regional, em
um modelo de municipalização e pactuação regional dos procedimentos de
assisncia, vigilância e informação em saúde, dificultando a abordagem das
questões de Saúde do Trabalhador. Com freqüência, as áreas de abrangência e
atuação dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador não coincidem com
as Regionais de Saúde. Essa contradição aparece forte na forma de distribuição e
de credenciamento dos Centros de Referência, que o consideram os mesmos
critérios de regionalização e territorialização assumidos na organização dos SUS
nos Estados. Além disso, aumenta a pressão para que o SUS responda a um
contingente crescente de trabalhadores, contando para isso com uma rede
inadequada, despreparada e sobrecarregada, sobretudo no que se refere à atenção
básica e na Estratégia de Saúde da Família (ESF) (DIAS, 2007).
Porém a proposta da RENAST é de qualificar essa atenção, na perspectiva da
transversalidade, ou seja, que o sistema como um todo passe a entender e funcionar
na perspectiva da Saúde do Trabalhador. Para o trabalhador, como indivíduo, ainda
que os procedimentos diagnósticos e o tratamento do agravo ou doença que
apresenta sejam os mesmos, independentemente de estar ou não relacionado com
o seu trabalho atual ou pregresso, é importante que esta relação entre o trabalho e o
processo saúde-doença seja estabelecida (MENDES, 2007).
O objeto da Saúde do Trabalhador pode ser definido como o processo saúde-
doença dos grupos humanos em sua relação com o trabalho (MENDES; DIAS,
1991). Assim, a compreensão do processo saúde-doença dos trabalhadores que
norteia a RENAST esbaseada no enfoque das relações trabalho-saúde-doença e
da centralidade do trabalho na vida das pessoas, desenvolvido pela epidemiologia
social
4
(DIAS; HOEFEL, 2005).
Mendes (2007) apresenta quatro importantes relações entre o trabalho e a saúde: o
trabalho como determinante da saúde, a saúde como condição de trabalho, o
trabalho como causa de doença e a doença como impedimento ao trabalho.
4
Breihl (1980) conceitua a epidemiologia social como um conjunto de conceitos, métodos e formas de ação
prático que se aplicam ao conhecimento e transformação do processo saúde-doença na dimensão coletiva ou
social.
27
Segundo Laurell e Noruega (1989), para a compreensão dos determinantes da
saúde do trabalhador, um dos elementos-chave é a conformação concreta do
processo de trabalho, que permite desentranhar de que forma se constitui o nexo
biopsíquico dessa coletividade. Torna-se, pois, necessário decompô-lo em seus
elementos constitutivos para analisá-los, e depois voltar a reconstituí-lo como
processo global, resgatando seu movimento dinâmico com relação à Saúde do
Trabalhador.
Ainda de acordo com esses autores, é necessário entender o trabalho não como
fator de risco ambiental, mas como categoria social, uma vez que ele é que
determina a organização da sociedade e da vida de cada trabalhador, e que o
processo saúde-doença não é somente um processo biopsíquico, é, antes de tudo,
um processo social. O nexo biopsíquico é a expressão concreta na corporeidade
humana do processo histórico, num momento determinado e o é passível de ser
pensado nem estudado na perspectiva saúde-doença, estabelecida pela Medicina
dominante e, menos ainda, da perspectiva da doença.
É nesse contexto que a teoria da determinação social do processo saúde-doença, a
partir do trabalho, ganha corpo. Esse modelo teórico compreende a explicação das
doenças a partir da inserção social dos grupos humanos na sociedade, não
contrapondo o social ao biológico, procurando entender como os indicadores gerais
de saúde se comportam em diferentes grupos econômicos e sociais (FACCHINI,
1993).
O resgate dos pressupostos do campo da Saúde do Trabalhador faz-se necessário
no cenário atual de fragilidade do movimento sindical, postura pouco engajada da
academia e desenvolvimento de políticas blicas reducionistas em que a
abordagem interdisciplinar está sendo abandonada, o que tem causado um
retrocesso nesse campo (LACAZ, 2007).
O Ministério da Saúde, apesar de estar incentivando a inserção das ações em saúde
do trabalhador na atenção básica, tendo, inclusive, editado um Caderno de Atenção
Básica em Saúde do Trabalhador (BRASIL, 2005), tem baseado a atuação das
equipes em protocolos, priorizando as ações de assistência em detrimento das
ões de vigilância.
28
De acordo com Santos (2006), a atuação de equipes baseadas em protocolos
prontos, desconsiderando qualquer atividade que o se enquadre naquelas
predeterminadas institucionalmente, contraria os conceitos de integralidade e
eqüidade, os quais trazem o sentido de autonomia ao usuário do serviço e,
conseqüentemente, ao trabalhador nele inserido.
É preciso reforçar que o indivíduo se encontra inserido na sociedade e no ambiente
em que vive e trabalha, devendo sua saúde ser analisada de forma holística e
preocupada com os efeitos dessa interação, e apenas a atenção básica tem a
possibilidade de fazer chegar ações de saúde o mais próximo possível de onde as
pessoas vivem e trabalham (DIAS, 2007).
1.2 A ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA COMO CENÁRIO FAVORÁVEL
PARA O DESENVOLVIMENTO DAS AÇÕES EM SAÚDE DO TRABALHADOR
Na Conferência Internacional Sobre Cuidados Primários de Saúde em Alma-Ata,
promovida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações
Unidas Para a Infância (UNICEF) em 1978, a atenção primária
5
em saúde (APS) foi
postulada como a principal estratégia para atingir a meta Saúde para todos no ano
2000”.
A Organização Mundial de Saúde (1978, p. 1) define cuidados primários como:
[...] cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias
práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis,
colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade,
mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país
possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de
autoconfiança e automedicação. Fazem parte integrante tanto do sistema
de saúde do país, do qual constituem a função central e o foco principal,
quanto do desenvolvimento social e econômico global da comunidade.
Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da
comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os cuidados de
saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde
pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um
continuado processo de assistência à saúde.
A partir de então, outras confencias internacionais também m ressaltado, em
seus documentos oficiais, a necessidade de implementação de políticas de atenção
5
Nesta pesquisa, atenção primária e atenção básica são usadas como sinônimos.
29
primária à saúde, ao mesmo tempo em que propõem o paradigma da promão da
saúde no sistema de saúde dos países.
A APS é um tipo de atenção à saúde que tem o potencial de reverter a gica das
ões pautadas nas ações curativas, desintegradas e centradas na figura do
médico, para uma abordagem preventiva e promocional, que agrega outros
profissionais de saúde e se articula com outros níveis do sistema, com a finalidade
de um atendimento integral. Deve oferecer atenção ao indivíduo nas suas diversas
condições, dando assistência aos problemas mais comuns identificados na
comunidade, com a oferta de serviços perante uma necessidade de saúde, de forma
a promover a saúde e o bem-estar do indivíduo (STARFIELD, 2002).
A atenção básica deve ser o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da
comunidade com o sistema de saúde, a porta de entrada trazendo os cuidados em
saúde o mais próximo possível dos locais onde as pessoas vivem e trabalham.
Nessa concepção e com a preocupação de redirecionar as prioridades de ações em
saúde no Brasil, tem se destacado e ganhando notoriedade a Estratégia de Saúde
da Família.
O Programa Saúde da Família (PSF) foi proposto em 1994, inspirado no Programa
de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), que estava sendo implementado desde
1991. A partir daí, começou-se a enfocar a família como unidade de ação
programática de saúde e não mais (tão-somente) o indivíduo, e foi introduzida a
noção de área de cobertura por família (VIANA; POZ, 2005).
A inclusão da família como foco de atenção básica de saúde pode ser ressaltada
como um dos avanços e contribuição da ESF na tentativa de modificar o modelo
biomédico de cuidado em saúde, ultrapassando o cuidado individualizado, focado na
doença e elegendo aquele que contextualiza a saúde, produzida num espaço sico,
social, relacional, resgatando as múltiplas dimensões da saúde (RIBEIRO, 2004).
Entre os mecanismos para impulsionar a implementação do até então Programa de
Saúde da Família,
6
destacaram-se a Norma Operacional Básica de 1996 (NOB/SUS-
01/1996), que valorizava o incremento de cobertura pelo PSF, com maior incentivo
financeiro aos municípios, e o Projeto Reforço à Reorganização do SUS -
6
Atualmente, o PSF é definido com Estratégia Saúde da Família (ESF).
30
REFORSUS”, uma iniciativa do Ministério da Saúde, com financiamento do Banco
Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial (AGUIAR, 1998).
A Unidade de Saúde da Família passou a constituir a porta de entrada do sistema,
sendo a equipe de saúde da família, basicamente, constituída por: um médico de
família ou generalista; um enfermeiro; um auxiliar de enfermagem; e quatro a seis
agentes comunitários de saúde. A equipe pode incorporar outros profissionais,
dependendo da necessidade e disponibilidade financeira (D’AGUIAR, 2001).
Devido a um esforço governamental de contemplação de todo o espectro de atenção
à saúde, os profissionais da saúde bucal (o dentista, o auxiliar de consultório
dentário e o técnico de higiene dental), têm integrado as equipes que, neste caso,
passam a ser denominadas de equipe de Estratégia de Saúde da Família Ampliada.
Recentemente, foram publicadas a Portaria MS/GM nº. 399, de 22 de fevereiro de
2006, o Pacto pela Vida em suas três dimensões: pela Vida, em Defesa do SUS e
de Gestão e a Portaria MS/GM nº. 648, de 28 de março de 2006, aprovando a
Política Nacional de Atenção Básica.
7
Ambas fortalecem a atenção básica e a
consolidação e qualificação da Estratégia Saúde da Família como modelo de
atenção básica e centro ordenador das redes de atenção à saúde no SUS.
A partir dessa política, fundamentaram-se e redefiniram os princípios gerais,
responsabilidades de cada esfera de governo, infra-estrutura e recursos
necessários, características do processo de trabalho, atribuições dos profissionais e
as regras de financiamento, incluindo as especificidades da ESF. De acordo com a
Portaria MS/GM nº. 648, a atenção básica apresenta os seguintes fundamentos:
I - possibilitar o acesso universal e contínuo a serviços de saúde de
qualidade e resolutivos, caracterizados como a porta de entrada preferencial
do sistema de saúde, com território adscrito de forma a permitir o
planejamento e a programação descentralizada, e em consonância com o
princípio da eqüidade;
II efetivar a integralidade em seus vários aspectos, a saber: integração de
ações programáticas e demanda espontânea; articulação das ações de
promoção à saúde, prevenção de agravos, vigilância à saúde, tratamento e
reabilitação, trabalho de forma interdisciplinar e em equipe, e coordenação
do cuidado na rede de serviços;
7
Para maiores esclarecimentos, ver o volume 4 da série Pactos pela Saúde 2006, que trata da Política Nacional
de Atenção Básica.
31
III - desenvolver relações de vínculo e responsabilização entre as equipes e
a população adscrita garantindo a continuidade das ações de saúde e a
longitudinalidade do cuidado;
IV - valorizar os profissionais de sde por meio do estímulo e do
acompanhamento constante de sua formação e capacitação;
V - realizar avaliação e acompanhamento sistemático dos resultados
alcançados, como parte do processo de planejamento e programação; e
VI - estimular a participação popular e o controle social (BRASIL, 2006 p. 3).
Compete à ESF, por meio de equipes multidisciplinares de saúde: efetuar um
diagnóstico social e epidemiológico de sua área de adscrição; definir microáreas de
atuação; realizar visitas domiciliares regulares com a participação de agentes
comunitários e prover atenção à saúde segundo clínicas básicas (pediatria, clínica
médica, ginecologia e obstetrícia) e odontológicas. De acordo com as características
locais, a oferta de serviços deve ser ampliada e adaptada a necessidades sociais
observadas (RIBEIRO, 2004).
A compreensão da ESF como componente do primeiro nível de atenção de um
sistema público de amplitude nacional redimensiona a sua relevância, uma vez que
o seu impacto vai depender da sua capacidade de integração às demais redes de
atenção à saúde (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2007).
O dilema de superar a etapa de expansão quantitativa do acesso à ESF e passar
para uma discussão mais formuladora do programa e sua respectiva interação com
o resto da rede assistencial do SUS marcam o cerne das discussões teóricas atuais,
as quais se traduzem em desafios para os gestores de saúde, sobretudo no nível
municipal (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2007). Ao longo desses anos,
críticas a essa estratégia têm sido feitas por alguns autores.
Segundo Campos (2007), a ESF tem sido implementada, mas com ritmo e
resultados ainda insuficientes. Pelo menos 80% dos brasileiros necessitariam estar
cadastrados nas equipes de atenção básica. Pela teoria dos sistemas de sde,
uma atenção primária que se responsabilize por 80% dos problemas relacionados
com a sde de uma população e que resolva 95% deles é uma condição
fundamental para a viabilidade, inclusive financeira, dos sistemas públicos de saúde.
Pinheiro (2004), objetivando levantar questões sobre os limites e possibilidades de
construção da integralidade nos serviços de saúde, a partir da análise da relação
32
entre demanda e oferta no cotidiano dos atores em suas práticas em serviços de
saúde, realizou um estudo de caso sobre o sistema de saúde local, de Volta
Redonda, no Estado do Rio de Janeiro. Os resultados surgiram do levantamento de
questões em dois planos distintos, mas complementares entre si: o primeiro, tratou
da dinâmica de construção da oferta e demanda nos serviços de saúde, na
perspectiva dos atores envolvidos na prestação direta do cuidado em saúde; e o
segundo analisou o Programa de Saúde da Família nessa localidade. Concluiu que
o PSF assume uma dimensão política e assistencial de promoção de práticas em
saúde que interfere na lógica da oferta e da demanda, pelas quais a humanização
do atendimento, a satisfação da clientela e a democratização e politização de
conhecimentos relacionados com o processo saúde-doença atuam de maneira
concreta na organização e produção de serviços em saúde. Porém, isso não quer
dizer que as dificuldades associadas a questões sobre a relação entre demanda e
oferta o estejam presentes na implementação desse tipo de programa; ao
contrário, constituem o pano de fundo das políticas que evidenciam a quase
impossibilidade de cumprir os objetivos por ele propostos, entre os quais a
integralidade, que funciona como eixo norteador.
Conill (2002) discutiu a avaliação de políticas de atenção primária, a partir da análise
do caso de implantação do PSF em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Concluiu
que o PSF começa com relativo atraso nessa Capital, passando de principiante para
um modelo singular. maior disponibilidade da oferta para a população não
beneficiária de planos de saúde, embora haja ainda grande diversidade das práticas.
O grau de implantação é moderadamente adequado: há maior integralidade na
atenção, mas existem problemas no acesso (relação número de famílias/equipe).
Sugere que tais propostas de reorientação de modelos assistenciais tendem à
racionalizão, legitimão política ou democratização dos serviços, e que o
encaminhamento da problemática referente ao acesso pode determinar a direção
predominante.
Trad et al (2002) realizaram avaliação qualitativa de satisfação de usuário em áreas
cobertas pelo PSF, situadas em cinco municípios da Bahia. Foram consideradas,
nessa avaliação, as seguintes dimensões: cognitiva, relacional, organizacional e
profissional, vistas tamm sob o ponto de vista das equipes de saúde da família. A
partir da técnica de grupos focais, os usuários expressaram sua percepção sobre o
33
programa e os serviços oferecidos pelas equipes, ao mesmo tempo em que
revelavam suas necessidades e expectativas de satisfação. Os autores constataram
um elevado grau de satisfação de usuários do PSF nas áreas estudadas, havendo
uma clara associação dessa satisfação com os seguintes itens: maior acesso aos
cuidados médicos, melhoria do nível de informão sobre o processo saúde-doença
(situação de risco e proteção, cuidados básicos), existência da visita domiciliar como
elemento-chave da prevenção e do acompanhamento. Entre os aspectos negativos
apontados pela população, destaca-se a persistência das filas e a fragilidade no
referenciamento para os níveis secundário e terciário da atenção.
Segundo Vasconcelos (1999), em alguns municípios que implantaram a ESF, o
programa significou mais uma modificação institucional (nova divisão de trabalho
entre os profissionais, deslocamento do local de atuação, acréscimo na
remuneração da equipe, entre outros) do que uma maior aproximação com o
cotidiano das famílias. Isso ocorre porque o eixo que orienta a intervenção familiar
o os programas de saúde públicos definidos e padronizados nas instâncias
hierarquicamente superiores da burocracia do setor saúde. A percepção e a
intervenção dos profissionais locais tendem, então, a ficar restritas. Nas visitas às
famílias, a atenção fica muito dirigida aos aspectos que os diversos programas
priorizam. Passam a ser denominadas “saúde da família” práticas tradicionais de
abordagem individual ou de relação com os grupos comunitários. Muitas vezes, não
se identificam as várias situações de risco vivenciadas pelas famílias ou entre os
diversos contextos familiares em que se situam os problemas referentes à saúde e,
portanto, não existe a preocupação na utilização das diferentes metodologias de
abordagem necessárias.
Misoczky (1994), apesar da expansão da estratégia de Saúde da Família no Brasil e
da credibilidade de muitos no modelo, faz uma crítica, ao afirmar que se trata de um
modelo de atenção voltado para os pobres, muito aquém das formulações que
marcaram o processo da Reforma Sanitária brasileira e que configuraram o SUS.
De modo geral, a atuação dos profissionais da ESF tem se baseado nos princípios
do Programa de Saúde da Família, com atividades curativas como consultas
médicas, de enfermagem e atendimentos odontológicos e preventivas como o
Programa de Atenção ao Hipertenso e Diabético, de Atenção à Gestante e de
34
Atenção à Criança, com pesagem mensal. O trabalho da equipe está voltado aos
grupos de risco preconizados pelo Ministério da Saúde, seja ele idoso, seja mulher,
seja criança. O adulto somente recebe atenção especial do serviço de saúde quando
se encontra doente.
Para Campos (2007), as forças interessadas no avanço do SUS estão obrigadas a
enfrentar obsculos políticos, de gestão e de reorganização do modelo de atenção,
cuidando e, ao mesmo tempo, devem demonstrar a viabilidade da universalidade e
da integralidade da atenção à saúde. Entre algumas das alternativas listadas pelo
autor, como meio para garantir esse movimento de mudança, está o planejamento
segundo necessidades de saúde, eficácia e eficiência e gestão, com avaliação de
resultados e do desempenho
A Saúde da Família, ao se fundamentar em premissas de reconhecimento e
apropriação do território por uma equipe de saúde, de proximidade com as famílias e
de estabelecimento de relações de longa duração com vínculo, tem o potencial de
construir espaços de participação ativa da população nos processos de gestão, na
busca pela satisfação das necessidades de saúde de sua população (MOREIRA,
2001).
1.3 AS NECESSIDADES DE SAÚDE E SUA IMPORTÂNCIA NA ORGANIZAÇÃO
DOS SERVIÇOS DE SAÚDE
As necessidades de saúde são o aspecto mais importante quando lidamos com a
organização de serviços, pois fomentam os serviços e embasam a configuração
geral de sua estrutura (SCHRAIBER; MENDES-GONÇALVES, 2000).
Ao reorientar o foco da atenção para necessidades, ao invés de problemas, busca-
se dar uma feição cada vez mais ampliada e coerente com o projeto que
fundamentou o SUS. Tenta-se superar as ões imediatistas, reduzidas e focadas
na expressão da doença, para poder produzir impacto e resolutividade, na
perspectiva de atacar as raízes dos problemas associadas à saúde (CAMPOS,
2004).
35
O texto constitucional demonstra claramente que a concepção do SUS está baseada
na formulação de um modelo de sde voltado para as necessidades da população,
procurando resgatar o compromisso do Estado com o bem-estar social,
especialmente no que refere à saúde coletiva, consolidando-o como um dos direitos
da cidadania (POLIGNANO, 2007).
A expressão “necessidades de saúde” (por vezes, “reais necessidades de saúde”) é
recorrente na discussão sobre planejamento em saúde. Decorre da necessidade
lógica de identificar metas, objetivos para a intervenção que justificarão o curso da
ão escolhida. Como em outras situações, contudo, a aparente simplicidade da
expressão oculta importantes problemas conceituais, com repercussões bastante
complexas na prática (CAMARGO JÙNIOR, 2005).
O que estamos querendo dizer, quando falamos em necessidades de saúde?
O conceito de necessidades nos remete a diversas interpretações e formas de
aplicão, a depender da área de conhecimento, bem como das correntes de
pensamento, existindo, portanto, vários estudos sobre o tema, com diversas
abordagens (NERY, 2006).
Para Donabedian (1994, apud STOTZ, 2004), necessidade de saúde seria
simplesmente uma condição que requer um serviço. Há, nessa definição, a
suposão de que, nem sempre, as pessoas podem assegurar, por si mesmas, um
estado saudável, pois sabemos que a situação socioeconômica, as identidades de
gênero, etnia ou de raça condicionam o desenvolvimento das capacidades de cada
pessoa. Quanto mais desigual for, nesses aspectos, uma sociedade, quanto mais
essa desigualdade for sancionada culturalmente, tanto maior serão as necessidades
de saúde dos diferentes grupos da população (STOTZ, 2004).
Campos (2004) identificou que estudos, a partir de 1990, vêm categorizando as
necessidades de saúde em dois grandes grupos: necessidades de saúde como
conceito abstrato e necessidades de saúde no âmbito operacional do conceito,
utilizado na área de Planejamento em Saúde.
Essa autora, em sua tese de doutoramento, citou alguns autores, como Leopardi
(1992), Mendes-Gonçalves (1992), Vaitstman (1992), Melo Filho (1992), Carneiro
36
(2002), que assentaram seus estudos na conceituação da dimensão abstrata das
necessidades de saúde e, de certa forma, na sua aplicabilidade às práticas de
saúde. Tomam como central as condições essenciais para a manutenção da vida e
alguns avançam na direção dos direitos e da cidadania.
Mendes-Gonçalves (1992) defendeu que as necessidades não são naturais nem
iguais, pois são desiguais as distribuições e o consumo dos produtos do processo de
trabalho. O autor aponta que as necessidades sociais são sinônimas de
necessidades de reprodução do modo de produção, discutindo a reorganização do
trabalho em saúde para responder às necessidades sociais características do
projeto capitalista.
Vaitsman (1992, apud CAMPOS 2004) define as necessidades humanas como um
conjunto composto por vários tipos de necessidades fundamentais ao ser humano,
definidas universalmente, variando somente a forma de satisfazê-las.
Ainda segundo Campos (2004), autores com Stotz (1991), Doyal e Gough (1991),
Iunes (1995), Matsumoto (1999), Dussaut e Souza (2000) e Lima et al. (2000)
apresentam o conceito de necessidades de saúde na sua dimensão concreto-
operacional, permitindo um recorte de necessidades a partir do qual será organizada
a produção dos serviços de saúde.
Stotz (1991) defende que, para deflagrar ações voltadas à resolução de problemas
referentes à saúde do coletivo, toma-se como obrigatória a reflexão sobre os
processos de trabalho a serem instaurados e que o processo de determinação das
necessidades deve ser definido a partir de uma lógica capaz de “dar voz” aos
indivíduos. Conclui que, embora a saúde seja um bem coletivo, que diz respeito a
toda a sociedade, a doença tem características individuais. A dimensão social do
fenômeno da saúde é a síntese das exigências, das condições particulares de cada
homem ou mulher; as necessidades de saúde são sempre históricas, dinâmicas e
cambiantes; as necessidades de saúde m um componente de natureza subjetiva e
individual, o que significa admitir, explicitamente, o valor e as implicações dele
decorrentes; as necessidades de saúde não é um conceito suscetível de ser
defendido nem pelo indivíduo isolado “livre”, abstraído de suas relações sociais,
concretas, nem pela “estrutura” social colocada de forma genérica.
37
Iunes (1995,), ao definir o conceito de demanda e discutir sua utilização na área da
saúde, contrastando-o com o conceito de necessidade, propôs que houvesse a
aproximão do conceito de necessidades ao de demanda para o planejamento em
saúde, apontando, para ambas, potencialidades e limitações. O conceito de
demanda não leva em consideração a distribuição de renda, sendo pouco eqüitativo,
o de necessidades o complementa, uma vez que é igualitário, podendo ser usado
para mensurar iniqüidades
Matsumoto (1999) realizou um estudo, visando a verificar o quanto as necessidades
de saúde de uma comunidade foram consideradas em uma unidade básica de
saúde do Plano de Assistência à Saúde, no município de São Paulo-SP. Parte do
seu trabalho se constituiu na proposição de uma taxonomia de necessidades de
saúde. Segundo Cecílio e Matsumoto (2006), trata-se de uma taxonomia
intencionalmente eclética, pois dialoga com distintos enfoques e perspectivas de
necessidades de saúde desenvolvidas por diversos autores, a partir de ltiplas
perspectivas teóricas. Sua taxonomia contempla: necessidades de boas condições
de vida, garantia de acesso a todas as tecnologias, necessidade de ter vínculo com
um profissional ou equipe de saúde (sujeitos em relação), necessidades de
autonomia e autocuidado na escolha do modo de “andar a vida”, na construção do
sujeito.
Dussaut e Souza (2000, apud CAMPOS 2004) afirmam que, atualmente, existem
dois modos de organização dos serviços: a organização como resposta às
demandas ou como satisfação de necessidades de saúde. Ressaltam que a primeira
é pautada no modelo tecnoassistencial individualista e curativista, baseado na
demanda direta dos usuários, sendo influenciada por dificuldades não atinentes às
condições de saúde, mas que afetam o acesso aos serviços de saúde. Propõem a
organização dos serviços a partir da ótica das necessidades, por ser mais eqüitativa
e eficiente, na premissa de que a utilização de serviços apropriados gera um
impacto positivo na situação de saúde da população.
Por sua vez, Lima et al. (2000) abordaram o conceito de necessidades de saúde
como norteador da organização de ões na atenção básica em saúde. As autoras
verificaram que os profissionais de saúde identificam necessidades de saúde
primordialmente de duas formas: pelo diagnóstico de saúde e pela demanda trazida
38
pelo usuário, traduzida pelos trabalhadores como queixa. Apontam para a
importância da instauração da escuta para que haja uma negociação entre o usuário
do serviço e o trabalhador de saúde e que o cuidado seja instaurado para responder
a necessidades definidas nesse espaço e negociação.
Outros autores, como Merhy (2003), ao discutir a micropolítica do trabalho em
saúde, percebem que o trabalhador de saúde, no momento de seu encontro com o
usuário, tem uma certa autonomia para tomar decisões. Salienta que, nesse
momento, o usuário apresenta-se como um portador de necessidades de saúde e o
trabalhador de um arsenal de saberes e práticas capazes de serem operadas para
atender ou não às necessidades expressas pelo usuário. Os critérios adotados de
“aceitação“ do problema ou da necessidade de saúde são variados, por conta dos
diversos critérios adotados. Porém são esses critérios que darão sentido ao conceito
de necessidades de saúde que o serviço utiliza e verifica se o problema, ou a
necessidade de saúde, apresentado pelo usuário, vai servir de base para a
construção ou não de uma relação com ele.
Para Mattos (2005), subjacente a todos os sentidos da integralidade esum direito:
o direito universal de atendimento às necessidades de saúde. Distingue as
necessidades de saúde entre as que dizem respeito às boas condições de vida e as
necessidades de acesso e consumo de certas tecnologias, supostamente capazes
de melhorar ou prolongar a vida. Defende que a idéia de respostas abrangentes e
adequadas às necessidades de saúde implica uma compreensão articulada desses
dois conjuntos de necessidades.
Pensando nessas desigualdades, as necessidades básicas de saúde podem ser
entendidas, como o caso do Brasil, como demandas sanitárias, tais como:
saneamento do meio, desenvolvimento nutricional, vacinação ou informação em
saúde (SCHRAIBER; MENDES-GONÇALVES, 2000).
Porém, ao pensar em necessidades de saúde, imediatamente nos lembramos da
assisncia, pois a imagem mais clara delas está representada pela procura de
cuidados médicos que um doente faz ao dirigir-se a um serviço assistencial.
Caracterizamos essa procura como demanda, uma busca ativa por intervenção que
representa tamm consumo, no caso de serviços. A origem dessa busca é o
39
carecimento, algo que o indivíduo entende que deve ser corrigido em seu atual
estado sociovital (SCHRAIBER; MENDES-GONÇALVES, 2000).
Dessa forma, os elementos constituintes da demanda em saúde surgem de
interações dos sujeitos (usuários, profissionais e gestores), na sua relação com a
oferta dos serviços de saúde, em face de um determinado projeto político
institucional (PINHEIRO, 2005).
As necessidades de saúde são, então, muitas vezes reduzidas a problemas de
saúde”, que se deseja, pela formulação de intervenções, evitar, corrigir ou minimizar,
traduzidos na racionalidade biomédica por doenças claramente identificáveis
(SCHRAIBER; MENDES-GONÇALVES, 2000).
Esses elementos se encontram relacionados com diferentes, mas coerentes, visões
entre saúde, doença e cura. Contudo, ao se falar em atender a “problemas de
saúde”, entendidos pelos profissionais e gestores como demandas expressas pelos
usuários dos serviços, logo se observam os limites e dificuldades de elaborar
respostas capazes de solucioná-los de fato. Nota-se que as respostas dadas
apresentam a clara distinção entre “soluções terapêuticas” e “soluções sociais”,
como se ambas fossem excludentes e confinadas a áreas isoladas (PINHEIRO,
2005).
O problemático não está na origem social da necessidade, mas na situação em que
essa pretensão de bem comum, de “social”, ocorre, ignorando a efetiva
desigualdade das necessidades sociais, tanto pela distribuição dos benefícios
alcançados por alguns, quanto pelos contextos instauradores de necessidades, com
a criação de demandas voltadas, de fato, para um segmento da população
(SCHRAIBER; MENDES-GONÇALVES, 2000).
Na medida em que esse cenário se tornou real, os sinais de que as possibilidades
de vida estão interrompidas ou perturbadas passaram a ser tamm ignorados ou
reprimidos. Fato é que, em razão das condições sociais e da ideologia vigentes nas
sociedades, as necessidades de saúde podem ou não ser sentidas e, estas, por sua
vez, ser expressas, ou seja, transformar-se em demandas; demandas podem ou não
manifestar necessidades; a oferta de serviços pode ou o atender às demandas e;
40
por último, necessidades podem ser tecnicamente definidas sem que, por isso,
sejam sentidas (STOTZ, 2004).
Esse procedimento resulta na interdição política dos diferentes sujeitos nesse
processo, implicando outra interdição: a de natureza ética, que é do diálogo crítico. A
voz excluída é a de sujeitos considerados tecnicamente inaptos para falar, o que
resulta na invalidação de seus pronunciamentos, quando conseguem falar. Diremos,
então, que, no plano de reconhecimento subjetivo, as necessidades se apresentarão
como algo que se coloca “por sobre os indivíduos”, sem ter origem nos indivíduos e
no seu modo de viver; isto é, quanto à origem, o seriam as necessidades sociais,
embora, quanto ao jogo de interesses, representassem necessidades sociais (boas
para todos) (SCHRAIBER; MENDES-GONÇALVES, 2000).
Assim, é importante que sejam criados mecanismos para se conhecer outras
necessidades, o que significa criar espaços de emergência de necessidades na
organização da produção e em razão dessa organização. Necessidade que
tampouco os cnicos dominam e que refletem carecimentos pertencentes à vida
cotidiana (SCHRAIBER; MENDES-GONÇALVES, 2000).
Nery (2006), em estudo de abordagem qualitativa, junto com usuários
acompanhados por uma equipe de Saúde da Família do município de Jequié-BA,
teve como objetivo geral utilizar a taxonomia de necessidades de saúde de
Matsumoto (1999) como instrumento de leitura dessas necessidades, a partir da
ótica das famílias atendidas. Considerando que as transformações do processo de
trabalho em saúde só se efetivarão num movimento de articulação entre a produção
do cuidado em saúde, a participação social e a gestão de serviços na direção de
uma lógica da integralidade da assistência, concluiu que a taxonomia citada pode
levar os gestores e a equipe a refletirem e apontar um trabalho em saúde que os
aproxime dos usuários, favorecendo os processos de participação social,
possibilitando uma escuta que passe a ser qualificada pela compreensão de
necessidades de sde e com a premissa da integralidade da assistência à saúde.
Schraiber e Mendes-Gonçalves (2000) sugerem quatro possibilidades situadas no
patamar de necessidades que querem reconhecer, quais sejam: promover a
assisncia que se delimita para a unidade básica de saúde; evitar a redução de
41
necessidades de saúde a processos fisiopatológicos; revalorizar a busca por
assisncia progressivamente totalizadora do cuidado produzido, ao invés da
somatória de atos especializados; instituir a dimensão subjetiva das práticas de
saúde como parte da inovação tecnológica, revalorizando, tanto para a população
como para os profissionais, uma prática cujas relações interpessoais resguardem o
sentido humano das profissões em saúde.
42
CAPÍTULO II
PERCURSO METODOLÓGICO
Considerando que não modelo único para se construir conhecimentos confiáveis,
assim como o modelos “bons ou “maus” em si mesmos e sim modelos
adequados ou inadequados ao que se pretende investigar (ALVES-MAZZOTI;
GEWANDSZNAJDER 1999), este capítulo descreve os caminhos e as opções
metodológicas desta pesquisa.
As escolhas vão ocorrendo durante o processo de execução de uma pesquisa,
embora o pensamento do autor não esteja explicitamente colocado; falam dos
pressupostos metodológicos, uma vez que todo método envolve uma concepção de
mundo, uma maneira de ver o homem e uma determinada compreensão sobre os
caminhos da produção do conhecimento (DALBELLO-ARAÚJO, 2007).
Neste estudo, delineamos as estratégias e construímos os instrumentos que
julgamos ser a alternativa metodológica mais adequada à análise deste objeto de
pesquisa.
Partimos do pressuposto de que qualquer ação de tratamento, prevenção e
planejamento em saúde coletiva deveria estar atenta às atitudes, crenças,
percepções, sentimentos e valores dos grupos a que se dirigem, pois o
comportamento das pessoas tem sempre um sentido, um significado que não se dá a
conhecer de modo imediato, precisando ser desvelado (PATTON, 1986, apud
ALVES-MAZZOTI; GEWANDSZNAJDER, 1999; MYNAYO, 2007).
Devido à ausência, na literatura, de trabalhos acadêmicos sobre atenção às
necessidades de saúde de trabalhadores adscritos a uma Unidade de Saúde da
Família, o estudo exploratório foi o que melhor se aplicou aos propósitos desta
pesquisa, no intuito de aumentar o conhecimento sobre o tema, para tornar o
problema mais expcito e preciso, criar hipóteses e estabelecer prioridades para
pesquisas futuras.
Os estudos exploratórios têm por principal característica a “[...] a descoberta de
idéias e intuições. Por isto, o planejamento de pesquisa precisa ser suficientemente
43
flexível, de modo a permitir consideração de muitos aspectos diferentes do
fenômeno” (SELTTIZ, 1975, p.60).
Optamos pela abordagem qualitativa, pois é a que nos possibilita o melhor
entendimento, quando precisamos captar um processo dinâmico nos interstícios de
sua processualidade (DALBELLO-ARAÚJO, 2007). Além disso, nesta abordagem, é
ressaltada a importância do ambiente na configuração da personalidade, problemas
e situações de existência do sujeito (TRIVIÑOS, 1994).
A saúde e a doença passam a ser tratadas não como categorias a-históricas, mas
como processos fundamentados na base material de sua produção e com as
caractesticas biológicas e culturais com que se manifestam. São vistas como
manifestações, tanto nos indivíduos como no coletivo, de formas particulares de
articulação dos processos biológicos e sociais no processo de reprodução. Assim, o
individual, da mesma forma que o coletivo, são fenômenos biológicos socialmente
determinados (ALVES-MAZZOTI; GEWANDSZNAJDER, 1999).
2.1 O BAIRRO DE JARDIM CARAPINA COMO CENÁRIO DE ESTUDO
O desenvolvimento de um estudo qualitativo supõe um corte temporal especial de
determinado fenômeno por parte do pesquisador. Esse corte define o campo e a
dimensão em que o trabalho se desenvolverá, isto é, o território a ser mapeado
(NEVES, 1996).
Optamos por desenvolver esta pesquisa no município da Serra–ES,
8
tendo em vista
que trabalhávamos na Secretaria de Saúde desse município aproximadamente
quatro anos, o que facilitaria a operacionalizão da pesquisa.
Para a escolha do bairro, buscamos conhecer a quantidade e em que bairros
estavam localizadas as Unidades de Saúde da Família da Serra. Para isso, após
explicação sobre os objetivos da pesquisa, solicitamos ao Núcleo de Controle e
Avaliação da Estratégia de Saúde da Família
9
do município essas informões.
8
Para mais informação, consultar o APÊNDICE A.
9
Trata-se de uma equipe composta por uma médica, uma dentista, uma enfermeira e uma assistente social,
responsáveis pela implantação, monitoramento e avaliação da ESF do município da Serra.
44
Na ocasião nos foi entregue um quadro (APÊNDICE A) contendo a lista das
Unidades de Saúde da Família do município da Serra, segundo o bairro de
instalação da unidade, o número de identificação das equipes, o número de equipe,
a situação (Estratégia de Saúde da Família ou Estratégia de Agentes Comunitários
de Saúde), o número de agentes comunitários e o número de equipes com
Odontologia.
Havia, em janeiro de 2007, 16 Unidades de Saúde da Família no município e 31
equipes, entre Estratégia de Saúde da Família e Estratégia de Agentes Comunitários
de Saúde.
Decidimos que o bairro escolhido seria o que tivesse a equipe da Estratégia de
Saúde da Família atuando mais tempo, por acreditar que esse aspecto facilita a
construção de vínculos entre a comunidade e os profissionais de saúde, bem como
a organização dos serviços ofertados, aspectos importantes na leitura das
necessidades de sde.
O núcleo nos auxiliou, mais uma vez, fornecendo-nos uma lista com o tempo de
trabalho de cada profissional que come essas equipes.
Como as Equipes 1, 2 e 3 foram implementadas juntas e havia, em todas,
profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e dentistas) que estavam desde o
início da formação da equipe, o critério de escolha foi a USF que tinha o médico
atuando há mais tempo, por ser este, ainda, o profissional de referência para a
população, em relação aos cuidados em saúde. A Equipe 2 era a que possuía a
médica que atuava há mais tempo na equipe .
Dessa forma, como a Equipe 2 trabalha na USF localizada em Jardim Carapina, esse
foi o bairro selecionado. Nesse momento, esvamos pensando em trabalhar apenas
com essa área do bairro.
10
Jardim Carapina faz parte do distrito de Carapina, na Serra-ES, ocupando uma área
de 1.415,75 (em 1000m
2
). Possui 10.225 habitantes, sendo 5.178 homens e 5.047
mulheres, morando em 2.570 domicílios particulares permanentes (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000).
10
Essa decisão foi posteriormente mudada como será explicado à frente.
45
O distrito de Carapina (155km²) é uma área de serviços formada por um comércio
forte, incluindo o Parque Estadual Agropecuário Floriano Varejão (parque de
exposão) e o Vitória Apart Hospital (hospital).
No diagnóstico integrado realizado pelo município da Serra, na perspectiva de
conhecer a sua realidade, o bairro se destacou pelo elevado índice de
vulnerabilidade social, comprometimento de infra-estrutura e saneamento básico.
A Tabela 1 mostra o rendimento nominal mensal da pessoa responsável pelo
domicílio entre os moradores de Jardim Carapina.
Tabela 1 Moradores de Jardim Carapina, em domicílios particulares permanentes, por
classes de rendimento nominal mensal da pessoa responsável pelo domilio
Classes de rendimento nominal mensal da pessoa responsável
pelo domicílio (salário mínimo)
Total %
Até ½ 106 1,04
Mais de ½ a 1 2010 19,76
Mais de 1 a 2 3182 31,27
Mais de 2 a 3 1536 15,1
Mais de 3 a 5 942 9,26,
Mais de 5 a 10 396 3,9
Mais de 10 a 15 36 0,35
Mais de 15 a 20 17 0,17
Mais de 20 8 0,08
Sem rendimento (2) 1940 19,07
10173 100
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000. Elaboração: PMS/SEPLAE/DAE/DIG
Portanto, 71,14% dos moradores de Jardim Carapina possuem renda inferior a dois
salários mínimos, e 19,07% não possuem rendimento mensal.
Segundo informões do der comunitário,
11
tamm conhecido como “presidente
do bairro”, hoje o número de habitantes do bairro é de aproximadamente 18.000.
Esse bairro foi criado a partir de invasões que ocorreram em 1986. Desde então, as
pessoas do local m lutado e conseguido melhorias no saneamento básico, mas
ainda problemas na coleta do esgoto. Os moradores, em sua maioria, pertencem
às classes D e E.
11
As informações com o “presidente do bairro” foram obtidas por meio de uma entrevista que será explicada
melhor adiante.
46
No comércio do bairro, encontram-se variedades: supermercados, material de
construção, lojas de diversos setores, hortifrutes, escolas de informática. O bairro
não possui rede bancária.
Conta com quatro escolas municipais: uma creche (CEI Curumim), três escolas de
vel fundamental (Padre Gabriel, João Paulo II e Espaço Alternativo Jardim
Carapina). Não há escolas de ensino médio.
Apresenta uma variedade de igrejas para cultos religiosos: Católica, Maranata,
Batista, Assembléia de Deus, entre outras.
Não há praças públicas com quadras e jardins.
12
Semanalmente, a realização de uma feira livre no bairro, que se torna a única ou,
às vezes, uma complementar fonte de renda para grande parte dos moradores.
Carapina tem uma Unidade de Saúde da Família onde atuam duas equipes
ampliadas, subdivididas em 15 microáreas.
De acordo com o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), de maio de
2008, há no bairro 2.473 famílias cadastradas, correspondendo a 8.931 pessoas,
sendo o número de homens e mulheres praticamente o mesmo em todas as faixas
etárias.
Das pessoas cadastradas, apenas 460 pessoas (5,5%) possuem plano de saúde.
Quase todas as famílias possuem abastecimento de água e coleta de lixo, entretanto
menos da metade (48,7%) conta com um sistema de esgoto. O destino dos dejetos
é a fossa, para 633 famílias (25,6%) e o céu aberto para 636 famílias (25,7%).
12
Já foi votada no orçamento participativo a construção de uma praça.
47
2.2 TRABALHADORES DA CONSTRUÇÃO CIVIL E TRABALHADORAS
DOMÉSTICAS: OS SUJEITO DO ESTUDO
13
Segundo Minayo (1992), em pesquisas qualitativas, a escolha dos participantes é
proposital e depende das questões de interesse do estudo, de acesso e
permanência no campo e disponibilidade dos sujeitos.
Assim, após determinarmos o bairro, outra questão se fazia presente: a escolha dos
sujeitos da pesquisa. Queríamos que fossem usuários comuns facilmente
identificados por qualquer equipe de saúde da família que atuasse em um território
14
desfavorecido socioeconomicamente como esse. Para tanto, procuramos descobrir
quais eram as ocupações mais freqüentes no bairro.
Sabendo que a Ficha A,
15
que é preenchida pelos agentes de saúde no momento do
cadastramento, contemplava esse campo (Ocupação) e que as informações dessa
ficha são digitadas para entrada no SIAB (BRASIL, 2003), achamos que construir
um banco de dados com as ocupações dos moradores do bairro seria simples. Para
nossa surpresa, para resgatar essa informação, teríamos que abrir, no sistema,
família por família e copiar a ocupação de cada integrante dessa família. Não havia
um programa que fizesse um consolidado automaticamente.
Na área de atuação da Equipe 2, havia 1.327
16
famílias cadastradas,
correspondendo a 4.681 pessoas, sendo 3.347 pessoas na faixa etária de 15 anos
ou mais.
Dessa forma, como não comprometeria o objetivo do estudo e considerando o
procedimento mais vvel, resolvemos fazer esse levantamento em apenas uma
microárea. A escolha da microárea se deu pelo mesmo critério da área. Foi
escolhida a Microárea 10, por ter a agente de saúde que trabalhava há mais tempo.
13
Nesta pesquisa, a expressão trabalhadores da construção civil esta relacionada com a ocupação do morador de
pedreiro e ajudante de pedreiro, pessoas que exerciam atividades associadas a edificações de grandes obras, a
pequenos reparos realizados em residência; e trabalhadoras domésticas esrelacionada com a ocupação do
morador de empregada doméstica e diarista, pessoas que exerciam atividades gerais de cozinha e limpeza de
resisências.
14
Nesse contexto, usamos território como espaço de demarcação de limites das áreas de atuação dos servos e
de reconhecimento do ambiente, população e dinâmica social existentes nessas áreas sob responsabilização de
uma equipe da ESF (PEREIRA; BARCELOS, 2006).
15
A Ficha A é preenchida nas primeiras visitas que o agente comunitário de saúde (ACS) faz às famílias de sua
comunidade, devendo ser preenchida uma ficha por família.
16
Essas informões foram obtidas em um consolidado feito pelo próprio SIAB.
48
Criamos um banco de dados, com informações do SIAB, referente à ocupação de
moradores de 15 anos ou mais das famílias cadastradas. Como, na prática,
sempre uma desatualização dos dados do SIAB, após autorização do cleo e de
explicar os objetivos da pesquisa para a coordenadora da USF e para a agente
comunitária de saúde da Microárea 10, solicitamos acesso à Ficha A dos moradores
sob sua responsabilidade. Cada ficha foi conferida uma a uma, manualmente, em
relação ao campo ocupação das pessoas acima de 15 anos, alterando o nosso
banco de dados, quando assim se fazia necessário.
Nesse momento, tivemos uma pequena amostra de que a dimica da vida é
muito difícil de ser apreendida em dados e estes, muitas vezes, só representam
um instante. O que havíamos imaginado se confirmava naquele momento. Muitas
informações do nosso banco de dados previamente confeccionado não batiam
com os dados da Ficha A que tínhamos em os. Havia falias que estavam
cadastradas em nosso banco, mas não constavam na Ficha A; em outras fichas,
o número da falia correspondia, mas as informações referentes a seus
membros o, e os nomes de algumas famílias haviam sido acrescentados.
Após as alterações em nosso banco de dados, esse estudo prévio das Fichas A, da
microárea selecionada, mostrou que havia 197 famílias cadastradas, com 460
pessoas com idade acima de 15 anos ou mais, sendo semelhante à proporção entre
homens e mulheres. A Tabela 2 mostra a distribuição dessa população, segundo o
campo ocupação.
49
Tabela 2 Distribuição da população de 15 anos ou mais das famílias cadastradas na
microárea estudada, segundo ocupações
Ocupação Freqüência Absoluta
%
Dona de Casa/Do Lar 90 19,6
Estudante 74 16,1
Pedreiro/ajudante de pedreiro 38 8,26
Doméstica/Diarista 22 4,8
Desempregado (a) 21 4,6
Aposentado 14 3,0
Motorista 12 2,6
Vendedor (fora exceções) 09 2,0
Autônomo (a) 07 1,5
Auxiliar de serviços gerais 07 1,5
Servente sem especificação 07 1,5
Serviços gerais 07 1,5
Comerciante 06 1,3
Vigia /vigilante 06 1,3
Mecânico 04 0,8
Pintor sem especificação (sem curso superior)
04 0,8
Balconista 03 0,6
Cabeleireiro (a) 03 0,6
Jardineiro 03 0,6
Operador de máquina não especificado 03 0,6
Auxiliar de expedição e recepção 02 0,4
Borracheiro 02 0,4
Caixa 02 0,4
Catador de papel/papelão 02 0,4
Cobrador 02 0,4
Costureiro (a) 02 0,4
Cozinheiro 02 0,4
Encarregado sem especificação 02 0,4
Faxineiro 02 0,4
Montador sem especificação 02 0,4
Padeiro 02 0,4
Recepcionista 02 0,4
Outras Ocupações * 33 7,1
Sem informação 63 13,6
Total 460 100%
Nota: *Ocupações que tiveram a freqüência de apenas um caso: agente comunitário de saúde;
agente de saúde pública; ajudante de cozinha; armador sem especificação; atendente; auxiliar
administrativo; auxiliar de padaria; auxiliar de produção; babá; carpinteiro; carroceiro;
conferente sem especificação; doceiro; eletricista; embalador; florista não especificado; frentista
sem especificação; garçom; metalúrgico; motoboy; operador de batistaca; operador sem
especificação; passadeira; pensionista; professor sem especificação; recreadora; revendedora;
serralheiro (fora exceção); técnico de enfermagem; topógrafo; torneiro mecânico; trocador
As ocupações mais freqüentes na Microárea 10 foram: donas de casa, estudante,
pedreiro/ajudante de pedreiro, doméstica/diarista e desempregados.
50
Porém, após o estudo das Fichas A, decidimos que seria muito importante uma
conversa com os ACSs. Elaboramos previamente um roteiro de entrevista para os
ACSs responderem em conjunto nessa reunião. Esse formulário era divido em duas
partes: a primeira visava a entender as atividades relacionadas com o
cadastramento da família e a segunda pretendia obter dados sociodemográficos do
território, de acordo com a percepção dos ACSs. Nessa parte, foi perguntado sobre
quais eram as ocupações que ocorriam com mais freqüência na Ficha A.
Após nova autorização da coordenadora da unidade e com a ajuda da enfermeira da
Equipe 2, marcamos a reunião. Explicamos os objetivos da pesquisa e pedimos a
colaboração deles. A conversa foi realizada no dia 20 de julho de 2007 e durou
cerca de uma hora e meia. Explicaram que cadastravam as famílias após três meses
que estavam morando no local. Como muitos alugavam as casas, era comum se
mudarem. O bairro estava sempre em movimento, por isso preenchiam as fichas a
lápis. Foram unânimes em dizer que as ocupações mais freqüentes são: do lar,
estudantes, trabalhadoras domésticas para as mulheres e pedreiros e ajudante de
pedreiros para os homens. Relataram-me que não conseguem encontrar a maioria
deles em casa, sendo, por isso, abordados muitas vezes por esses trabalhadores na
rua, ou em suas próprias casa, fora do seu horário de expediente. Na ocasião,
relataram problemas e conflitos de sua profissão. Pudemos perceber que, por
residirem no mesmo bairro que a comunidade, muitas vezes se sentiam
pressionados e havia uma tensão entre os agentes e a comunidade. Uma das
maiores queixas foi que a comunidade o entendia o serviço deles e por isso
cobrava mais do que eles podiam fazer, razão pela qual sugeriram a confecção de
folders explicativos. Após essa conversa, decidimos ampliar a seleção de
participantes para todo o bairro (e não apenas da Equipe 2), visando a não
estabelecer processo que constrangesse somente uma equipe, a qual se sentiria
avaliada.
Marcamos uma entrevista na USF, com o presidente do bairro
17
para entender um
pouco melhor a realidade do território. Na ocasião, ele nos contou como foi a
formação do bairro (há aproximadamente 23 anos), quais eram os problemas
17
Nome dado ao presidente da associação do bairro.
51
enfrentados pela comunidade naquele começo de luta, os que ainda enfrentavam
hoje, mas afirmava que havia melhorado bastante.
Essa entrevista durou cerca de 40 minutos, sendo apontado, tamm, que donas de
casa, desempregados, trabalhadoras domésticas e trabalhadores da construção civil
o os grupos ocupacionais mais freqüentes no bairro.
Tomando como referência o estudo das Fichas A, anteriormente citado, e a
informação dos ACSs e do presidente do bairro para a realização dos grupos focais.
Inicialmente, pensamos em formar quatro grupos homogêneos, selecionados entre
aqueles com maior representatividade no campo da Ficha A referente à ocupação,
excluindo os estudantes, quais sejam: pedreiros/ajudante de pedreiro;
diarista/doméstica/faxineira; donas de casa/ do lar; desempregados.
Entretanto, após testagem da metodologia e do roteiro com um grupo de donas de
casas e trabalhadoras, em frente à complexidade dos temas surgidos e visando a
não fugir muito do nosso foco, que era o trabalhador, optamos fazer, nesse
momento, um recorte em nosso objetivo inicial e estudar apenas duas categorias
ocupacionais: trabalhadoras domésticas (domésticas e diaristas) e trabalhadores da
construção civil (pedreiros e ajudantes de pedreiro).
2.3 O GRUPO FOCAL COM TÉCNICA DE COLETA DE DADOS
Concordando com Minayo (1992) quando afirma que a discussão em grupo deve ser
valorizada como abordagem qualitativa, seja em si mesma, seja como técnica
complementar, optamos por utilizar o Grupo Focal (GF) como técnica de coleta dos
dados.
Ainda segundo essa autora, o específico dos grupos de discussão são as opiniões,
relevâncias e valores dos entrevistados. Difere, por isso, da observação participante
que focaliza mais o comportamento e as relações. O grupo focal consiste em uma
técnica de importância inegável para se tratar das questões de sde sob o ângulo
do social.
O grupo focal é uma técnica de entrevista coletiva que vem, desde a década de 80,
conquistando um locus privilegiado nas mais diversas áreas de estudo. Tal
52
crescimento foi, em grande medida, impulsionado pela pesquisa de mercado que,
resgatando procedimentos clássicos das ciências sociais, das áreas de Psicologia e
Serviço Social, conjugados às modernas tecnologias e paradigmas de business,
marketing e mídia, reelaborou-as com o objetivo de apreender os anseios dos
consumidores, definindo padrões a serem seguidos pelas empresas em seus futuros
lançamentos. Os resultados foram de tal forma positivos que a técnica recebeu novo
alento no campo das Ciências Sociais (CRUZ-NETO, 2002).
Hassen (2002 p. 161) define grupo focal como:
[...] uma técnica de pesquisa, dentre as consideradas de abordagem rápida,
que permite a obtenção de dados de natureza qualitativa a partir de sessões
em grupo, nas quais 6 a 20 pessoas, que compartilham alguns traços
comuns, discutem aspectos de um tema sugerido. A técnica de grupo focal
permite a identificação e o levantamento de opiniões que refletem o grupo
em um tempo relativamente curto, otimizado pela reunião de muitos
participantes e pelo confronto de idéias que se estabelece, assim como pela
concordância em torno de uma mesma opinião, o que permite conhecer o
que o grupo pensa. Em alguns poucos encontros, é possível conhecer
percepções, expectativas, representações sociais e conceitos vigorantes no
grupo.
Para Krueger (1994), o grupo focal é direcionado a um grupo que é selecionado pelo
pesquisador a partir de determinadas características identitárias, visando a obter
informações qualitativas. Suas principais características são: uma intencionalidade
clara, um foco definido e a constituição de um grupo selecionado a partir de
alguma(s) característica(s) comum(ns), não sendo, portanto, um grupo
espontaneamente formado. O número de grupos focais a serem constituídos, assim
como o número de participantes em cada um deles, é definido no desenvolvimento
do próprio trabalho e segundo as necessidades detectadas pela equipe da pesquisa.
Morgan (1997 apud NERY, 2006) assinala que a escolha de grupos homogêneos ou
heterogêneos vai depender dos objetivos do estudo que podem estar focados em
crenças e opiniões compartilhadas ou, ao contrário, o pesquisador pode estar
interessado no que sustenta a polarização e demarca as posições antagônicas. O
mesmo autor destaca que os GF trazem à tona aspectos que não seriam acessíveis
sem a interação grupal e que o processo de compartilhar e comparar oferece rara
oportunidade de compreensão por parte do pesquisador de como os participantes
entendem suas semelhanças e diferenças.
53
Segundo Cruz-Neto et al. (2002), a fala que é trabalhada nos GFs o é meramente
descritiva ou expositiva; ela é uma fala em debate”, pois todos os pontos de vista
expressos devem ser discutidos pelos participantes. Se o pesquisador deseja
conhecer as concepções de um participante sem a interferência dos outros, a
técnica de grupos focais o é a mais adequada. Exatamente por isso, as questões
aventadas pelo pesquisador devem ser capazes de instaurar e alimentar o debate
entre os participantes, sem que isso equivala à preocupação com a formação de
consensos. O importante é que todos tenham possibilidades equânimes de
apresentar suas concepções e que elas sejam discutidas e refinadas.
2.4 O TRABALHO DE CAMPO
A coleta dos dados foi iniciada após ter sido autorizada previamente pela Secretária
Municipal de Saúde da Serra, pela diretora do Departamento de Assistência
Ambulatorial (DAAM), pela coordenadora da Unidade de Saúde da Família de
Jardim Carapina e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFES (ANEXO A).
Uma questão importante foi a forma de montagem dos grupos. Uma possibilidade
seria utilizar o conhecimento dos funcionários da USF, como os ACSs, para acessar
e convidar os possíveis participantes. Entretanto, tendo em vista que haveria um
viés decorrente do fato de as pessoas convidadas serem aquelas que estariam
vinculadas à UBS (um dos temas a serem avaliados pela pesquisa), optamos por
buscar diretamente um contato na comunidade. Dessa forma, após pedir sugestão a
alguns funcionários da USF, sobre quem poderia ser nosso informante-chave, fomos
colocada em contato com um morador do bairro, engajado nos movimentos sociais
da comunidade e que fazia parte da Pastoral Operária.
Ao ser abordado, primeiro por telefone, para pedir permissão para que eu
pudéssemos ir pessoalmente à casa dele, colocou-se à disposição em ajudar, e foi
escolhido como informante-chave e ponto inicial de uma rede de contatos com os
moradores do bairro.
Esse informante-chave foi um dos primeiros proprietários de terreno no bairro, onde
mora nove anos. Aposentado, foi anteriormente tesoureiro e presidente da
Associação de Moradores do bairro, hoje ainda é participante. É coordenador da
54
Pastoral Operária, onde tem convênio com o Centro de Defesa dos Direitos
Humanos (CDDH). Entre outras atividades, na Pastoral, envolveu-se na criação de
várias cooperativas como a dos pescadores de Jacaraípe,
18
e com o
SINDIPESCAS. No bairro, a Pastoral encaminha pessoas desempregadas para o
CDDH, realizando, também, cursos de capacitação de pedreiros, eletricistas e
domésticas.
Solicitamos ao informante-chave que montasse uma lista com cerca de 25 nomes de
pessoas pertencentes aos grupos ocupacionais escolhidos. Entretanto, para a lista
das mulheres, ele indicou uma moradora pertencente à Pastoral da Criança que, ao
ser contatada, tamm se disponibilizou a ajudar.
Diante da necessidade de testar o instrumento de coleta de dados, aproveitamos um
evento da pastoral da criança na Igreja Calica do bairro, ocorrido no dia 16 de
dezembro de 2007. Mesmo imaginando as dificuldades que teríamos pela frente o
local não havia sido escolhido para essa finalidade; as pessoas (mulheres) seriam
convidadas na mesma ocasião do grupo e seriam pegas de surpresa, provavelmente
haveria muitas pessoas no local e com isso barulho, as mães certamente não teriam
com quem deixar seus filhos – resolvemos topar o desafio.
Elaboramos um primeiro roteiro com quatro questões-chave tendo como eixo a
Taxonomia de Necessidades de Saúde de Matsumoto (1999), quais sejam:
necessidade de boas condições de vida; garantia de acesso a todas as tecnologias;
necessidade de ter vínculo com um profissional ou equipe de saúde (sujeitos em
relação); necessidades de autonomia e autocuidado na escolha do modo de “andar
a vida”, na construção do sujeito.
Ao chegar ao local, juntamente com duas colegas que nos ajudaram, fomos,
imediatamente, acolhidas pelos organizadores do evento. O único local disponível
para a realização do grupo era uma sala com uma janela, que permitia que as mães
pudessem olhar seus filhos. No local havia aproximadamente 18 mães e, após
explicarmos os objetivos da pesquisa e como funcionaria o encontro, 14 delas
concordaram em participar. Dessas, 12 eram exclusivamente donas de casa, e duas
também trabalhavam fora.
18
Jacaraípe é um bairro da Serra.
55
Esse grupo de teste da metodologia foi fundamental para determinar o recorte de
categorias de trabalhadores que seriam os sujeitos do estudo. Além disso, optamos
por readequar o roteiro, utilizando a Taxonomia supracitada como um apoio
referencial para a análise dos dados. Esse novo roteiro (APÊNDICE D) foi dividido
em quatro momentos: o primeiro se referia ao acolhimento do grupo; o segundo
trazia questões referentes à relação do trabalho com o processo saúde-doença; no
terceiro, às questões eram referentes às necessidades de saúde e a utilizão dos
serviços de sde, em especial, a USF do bairro; e o quarto consistia do
fechamento, um momento para que sugerissem como a USF poderia ajudar a
resolver as necessidades de saúde deles
Com ajuda dos informantes-chave, pensamos em um local onde os encontros
poderiam ser realizados. Inicialmente, foi sugerida a escola do bairro, mas, como
haveria dificuldades para marcar os grupos à noite e durante os finais de semana,
esse local foi destacado.
Outro lugar que foi sugerido por um funcionário da USF foi uma Igreja Batista do
bairro, a qual se mostrou adequada. A responsável pelo local foi muito atenciosa,
disse que, se necessário, poderia ser usado à noite e nos finais de semana. Era um
local de cil acesso (na rua principal do bairro) e neutro (pois não era dentro da
USF), onde as pessoas poderiam ficar mais à vontade para falar.
O convite às trabalhadoras para participar da pesquisa contou também com a
colaboração de uma outra moradora
19
e foi realizado nos domicílios, durante três
noites. Algumas vezes, a própria trabalhadora nos acompanhava quando íamos
convidar outra moradora. Optamos por percorrer o bairro à noite, pois era o horário
em que elas eram encontradas mais facilmente em casa. Foram convidadas 19
pessoas.
Durante esses convites, pedíamos que indicassem um horário mais adequado à
reunião e solicitávamos um telefone para confirmar o dia e o horário. A maioria
indicou sábado à tarde. Assim, o grupo foi agendado para as 16h30min, do dia 26 de
janeiro. Como uma das informantes-chave se empenhou muito nos convites e quis
19
Solicitamos a ajuda de uma auxiliar de serviços gerais que trabalhava conosco na Secretaria de Saúde para nos
ajudar a formar uma rede de contatos.
56
participar, foi permitido que fizesse parte do grupo, mesmo não seguindo o critério
da ocupação.
No dia do encontro, por telefone, reinteramos o convite e confirmamos quem poderia
ir. Esse procedimento se mostrou adequado, visto que algumas disseram que
tinham esquecido e outras afirmaram que se esforçariam em ir, diante do nosso
interesse.
Nessa etapa, contamos com a ajuda de uma relatora. Utilizamos os seguintes
recursos materiais: uma filmadora, três gravadores de som (que foram colocados em
pontos separados da sala). Na sala havia um quadro-de-giz (para o caso de que se
fizesse necessária alguma anotação).
Fizemos um lanche para recepcionar as pessoas e ir “quebrando o gelo”. A princípio,
pareciam muito acanhadas e quase não comeram. Participaram 13 mulheres, com
média de idade de 34 anos. O APÊNDICE E traz informações acerca da idade,
tempo de moradia no bairro e ocupação.
Depois da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE
B), as discussões duraram aproximadamente uma hora e trinta minutos. Durante
esse tempo, elas foram se soltando e a participação foi muito intensa.
Fizemos o relatório da reunião, após o encontro, com auxílio das anotações feitas
pelo relator. Nesse momento, foram anotadas tamm as reflexões acerca da
dinâmica apresentada pelo grupo, nos aspectos que sucitaram atenção da equipe
técnica.
O convite aos homens (dezenove)
20
também foi realizado à noite, durante dois dias.
Alguns foram feitos em domicílios, outros em bares do bairro, onde fomos
acompanhada do nosso informante-chave. Foi permitida, tamm, a participação do
informante-chave no grupo, tendo em vista ser elemento fundamental na rede de
relações que se formou. Muitas vezes, o compromisso da participação foi firmado
diretamente com ele.
20
Este número semelhante ao de mulheres foi coincidência.
57
Repetimos os mesmos procedimentos já adotados. Durante as visitas, pedimos uma
sugestão de dia e horário e telefone para confirmação. O dia e horário sugerido foi
uma terça feira, após as 19h30min.
Assim, esse grupo se reuniu no dia 29 de janeiro. Tamm contou com a presença
de um relator e os mesmos recursos materiais utilizados no primeiro encontro.
Fizemos um lanche para recepcioná-los. Chegaram um pouco atrasados e juntos, o
que fez com que achássemos, por alguns minutos, que o compareceriam.
Participaram 15 trabalhadores, com média de idade de 40 anos. O APÊNDICE E
traz informações a cerca da idade, tempo de moradia no bairro e ocupação.
Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, iniciamos a
reunião. Para nossa surpresa, aparentavam estar muito à vontade, dispostos e
animados com a oportunidade de falar. As discussões duraram cerca de duas horas.
Fizemos o relatório com auxílio do relator.
A transcrição das fitas foi feita e as filmagens realizadas mostraram-se muito úteis.
Após a primeira leitura dos dados apreendidos (relatório dos grupos e transcrição
das fitas) e algumas reflexões, achamos importante fazer mais um grupo, misto
(trabalhadoras domésticas/diaristas e trabalhadores da construção civil) e com
menos pessoas, para aprofundar alguns pontos.
Para esse terceiro encontro, não foi possível contar com a colaboração dos
informantes-chave anteriores, tendo em vista a premência de encerrar o trabalho de
campo. Dessa forma, o informante-chave foi um ACS, que pode nos acompanhar no
primeiro dia de visitas para convidar os participantes. Diante de imprevistos no seu
trabalho, passamos a realizar as visitas sozinha. Foram convidadas 15 pessoas,
mas sentimos que a rede formada estava bem mais fraca.
Os mesmos passos descritos anteriormente foram seguidos. O grupo foi reunido no
mesmo local, às 16h, do dia de março, tendo durado 1h30min. Também contou
com a presença de um relator e com os mesmos recursos materiais utilizados nos
encontros anteriores.
58
Participaram do grupo quatro trabalhadores e três trabalhadoras, com média de
idade de 48 anos. O APÊNDICE E traz informões acerca da idade, tempo de
moradia no bairro e ocupação. Não houve a participação do informante-chave neste
grupo. Após o encontro, foi elaborado um relatório com a síntese do mesmo, com
auxílio do relator.
2.5 A ANÁLISE DOS DADOS
Pesquisas qualitativas geralmente geram um enorme volume de dados que precisam
ser organizados e compreendidos (ALVES-MAZZOTI; GEWANDSZNAJDER 1999).
Os dados foram analisados pela da técnica de análise de conteúdo. Segundo Bardin
(1979), para a análise do conteúdo do material e das impressões do pesquisador,
faz-se necessário um trabalho de releitura e edição de maneira a possibilitar a
emergência dos temas ou núcleos de análises. Afirma a autora:
[...] análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise de
comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos
de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou
não) que permitam inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens ( BARDIN, 1979,
p. 42).
Segundo Minayo (1992), do ponto de vista operacional, a análise de conteúdo parte
de uma literatura de primeiro plano para atingir um nível mais aprofundado, aquele
que ultrapassa os significados manifestos. Para isso, a análise de conteúdos, em
termos gerais, relaciona estruturas semânticas (significantes) com estruturas
sociogicas (significados) dos enunciados.
Dentre as cnicas de análise de conteúdo, a que melhor se adequou à investigação
qualitativa do material coletado neste estudo foi a análise temática.
A análise temática consiste em:
[...] descobrir núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja
presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objeto analítico
visado. Ou seja, a análise temática se encaminha para a contagem de
freqüências das unidades de significação como definitórias do caráter do
discurso. Ou ao contrário, qualitativamente a presença de determinados
temas denota valores de referência e os modelos de comportamento
presentes no discurso (MINAYO, 2007, p. 316).
59
Neste estudo, em primeiro lugar, foi realizada uma leitura vertical de cada grupo,
separando em cada um deles os núcleos de sentidos. Após, foi feita uma leitura
horizontal entre os diferentes grupos.
A Taxonomia de Necessidades de Saúde de Matsumoto (1999), por suas qualidades
na aplicação ao cenário da Saúde da Família, numa realidade concreta e
circunscrita, considerando-se a inserção e o contexto de condições de vida dos
sujeitos no nível local, foi usada como pano de fundo e interlocutora privilegiada para
esta análise.
Segundo Nery (2006), que utilizou a Taxonomia de Necessidades de Saúde de
Matsumoto (1999) como instrumento de leitura de necessidades na Unidade de
Saúde da Família, a partir da ótica de famílias atendidas, do município de Jequié,
Bahia, ela mostrou-se adequada, levando-se em conta a questão da saúde como
direito que fundamenta o SUS, e a perspectiva de saúde no conceito ampliado,
colocado pela Estratégia de Saúde da Família.
Como visto, Matsumoto (1999) entende necessidades de sde como:
necessidade de boas condições de vida, garantia de acesso a todas as tecnologias,
necessidade de ter vínculo com um profissional ou equipe de saúde (sujeitos em
relação), necessidades de autonomia e autocuidado na escolha do modo de “andar a
vida”, na construção do sujeito.
Após a ordenação dos dados empíricos, dois temas principais se destacaram como
mais relevantes para a compreensão do objetivo deste trabalho. Os dados relativos
a cada um desses temas, sua análise e discussão com autores que abordaram o
tema em seus estudos serão apresentados na forma de capítulos. Para melhor
entendimento do leitor, os depoimentos foram identificados com caracteres que
informam sobre o grupo que participaram, conforme o APÊNDICE E.
O Capítulo III aborda a relação entre o trabalho e processo saúde-doença e o
Capítulo IV se refere às necessidades de saúde e a utilização dos serviços de
saúde, em especial a USF do bairro.
60
CAPÍTULO III
RELAÇÃO ENTRE O TRABALHO E O PROCESSO SAÚDE DOENÇA
Este capítulo tem por objetivo apresentar e analisar dados empíricos da pesquisa
que se aglutinaram ao redor de algumas questões o significado do trabalho para
vida; a interferência do trabalho na vida; a compreensão do processo saúde-doença
e riscos percebidos e morbidades referidas que nos ajudam na compreensão da
relação entre trabalho e processo saúde-doença, na ótica de trabalhadores da
construção civil e de trabalhadoras domésticas adscritos à Unidade de Saúde da
Família de Jardim Carapina.
Na contramão das teses que apontam a perda da centralidade do trabalho na
sociedade contemporânea, esses resultados reforçam o que Borges (2006) ressalta
em seus estudos e pesquisas: a relevância e centralidade das transformões
em curso no mundo do trabalho sobre as demais esferas da vida social, entre as
quais a família, pólo de reprodução intimamente articulado com o pólo da produção.
3.1 SIGNIFICADO DO TRABALHO NA VIDA
Neste início de milênio, o trabalho e a família continuam sendo os eixos
organizadores da vida de homens e mulheres de todas as idades, raças e
nacionalidades. O mito de que o trabalho e a família eram dois mundos separados
acabou e hoje um reconhecimento da importância das relações entre eles
(GOLDANI, 2002).
O trabalho remunerado, extradomiciliar, para grande parte das trabalhadoras
domésticas, é apontado como uma necessidade para a sobrevivência, conforme
depoimentos das entrevistadas:
O trabalho para mim hoje é uma necessidade (R8).
Se eu não trabalhar, eu não moro, não como, meus filhos não comem. Eu
tenho que trabalhar... não posso parar, não. Eu pago aluguel (R3).
Só sou eu e Deus. Eu não tenho marido para me ajudar. Se eu não
trabalhar eu passo necessidade. Se eu não trabalhar, quem vai colocar
comida dentro de casa para mim comer (R11)?
61
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2000), no Brasil,
30% das unidades domésticas urbanas são lideradas por mulheres. É comum, entre
as famílias pobres, a mulher ser a “chefe da casa e da família” e arcar sozinha com
todas as despesas, o que tem contribuído para o fenômeno chamado “feminização
da pobreza”.
A necessidade de participação no orçamento doméstico é a principal razão para se
trabalhar apontada pelas mulheres que vivem conjugalmente, pois o cônjuge não
tem conseguido, sozinho, prover todas as necessidades familiares ou, em alguns
casos, estão desempregados:
As coisas hoje em dia estão muito difíceis. Se trabalhando está difícil,
imagina sem trabalhar. Se você quiser comprar uma coisinha melhor para o
seu filho, pagar um curso, você tem que trabalhar. o marido não dá.
Então você tem que ajudar (R10).
Hoje é dividido. As despesas da casa são divididas. É um s, uma luz,
uma comida, um telefone, tudo é dividido. Hoje não tenho os filhos para
ajudar, nossos filhos já estão casados, só tem unzinho que ajuda nas
despesas... (R6).
[...] quase não sobra nada para mim, pois é tudo dividido, gás, comida,
se eu fizer mais alguma coisa fora (R8).
Eu trabalho porque eu preciso. Meu marido tem que sustentar eu e minha
filha, então eu trabalho para ajudar ele (R9).
Agora eu sei que tem muitas aqui que trabalham porque precisam. Eu já
passei por isto, quando meu marido ficou desempregado dois anos. Eu
tinha que trabalhar sozinha, pagar luz, fazer compra, ainda pagar uma
pessoa para olhar a minha filha. Mas, graças a Deus, isto acabou. Agora
meu marido está em um emprego (R2).
Rodrigues (1978), ao estudar sobre operários e operárias da Grande São Paulo,
afirma que o próprio fato de as mulheres terem que trabalhar se deve, muitas vezes,
à incapacidade do homem para suprir as necessidades de recurso materiais da
família.
Araújo e Sacalon (2006), quando se referem às mudanças na característica dos
arranjos conjugais, apontam alterações dos padrões de organização familiar. O
ingresso maciço das mulheres no mercado de trabalho parece contribuir para essas
mudanças, trazendo evidências de que os modelos de conciliação entre trabalho
pago e vida familiar, baseados na clássica dupla “homem provedor” e mulher
cuidadora”, vêm sendo alterados em direção a um modelo dual, no qual as mulheres
62
permanecem como as principais “cuidadoras”, mas o trânsito entre o espaço
doméstico e público se constitui um dado contemporâneo.
Porém uma outra perspectiva do significado do trabalho para as mulheres
pesquisadas que é a satisfação por não ter um trabalho exclusivamente de
reprodução social, como o da dona de casa. A mulher que trabalha fora pode sair de
casa e conhecer pessoas diferentes. Mesmo numa sociedade ainda machista e
patriarcal, ter o próprio dinheiro contribui para que essa mulher não fique submissa
aos desejos do marido:
Eu gosto de trabalhar. É uma maneira da gente sair de casa (R12).
Eu também gosto de conhecer pessoas novas, fazer amizade. Eu também
não gosto de ficar dentro de casa (R1).
O trabalho é tudo para mim. Se eu quero uma coisa, vou lá e compro. Se eu
quero sair, eu não tenho que pedir dinheiro. Meu marido fala que era bom,
quando eu estava em casa, chegava cedo em casa. que eu odeio ficar
em casa. Assim, quando eu estou de férias, eu arrumo outro bico para fazer
porque eu não gosto de ficar em casa. Eu acostumei sair todos os dias,
conhecer pessoas diferentes. Você as pessoas conversando coisas
novas. Meu marido fala que está fazendo um ponto e diz que, quando tiver
pronto, eu não vou mais trabalhar fora. Mas minha vontade não é essa. É
continuar trabalhando, colocar tudo dentro do ponto, mas continuar. Pois lá
eu não vou ter a mesma independência do que na rua. Pois eu tô lá no meu
ponto e ele vai vir me perguntar se eu estou fechando. Eu penso em ter
meu próprio negócio, mas continuar trabalhando (R13).
O meu caso é esse aí... Eu trabalho, porque quero as coisas e não preciso
ficar pedindo ao meu esposo. Eu quis comprar uma máquina digital e
acabou. Ele falou que, se dependesse dele, ele não ia comprar a máquina.
Eu estou trabalhando, fui lá e comprei a quina. Ele não falou nada. É
meu dinheiro e pronto! (R2).
Em relação à ocupação de doméstica e diarista, algumas trabalhadoras apontam o
preconceito da sociedade com essa ocupação, o que faz com que, muitas vezes,
prefiram esconder essa condição. Entretanto, parece ocorrer também preconceito
por parte delas próprias, atingindo, inclusive, sua feminilidade. A própria vestimenta
traduz, visualmente, um status socioprofissional diferenciado e diminuído, em
relação ao trabalho em empresas, que, por outro lado, pode ser utilizado como meio
de conseguir uma vantagem adicional em frente às patroas:
Eu desanimo. Eu não passo nem um batom, eu sei que vou para lá. Não
coloco nem uma roupinha mais ou menos. Não adianta ser toda bonitona,
toda poderosa que chega no serviço e é doméstica. Você entra na casa da
mulher e fica lá. Se você vai toda bonitona, ela pensa que você está
podendo, e que não te dá nenhum negocinho, nem uma roupinha, não te
63
dão nem uma sandália usada para você vestir. Eu fico imaginando aquele
serviço... só sentada, no ar condicionado (R8).
Eu acho tão bonito quando passa aquelas mulheres de uniforme, sabem...
com aquelas gravatinhas... Tem certas vezes que você vai fazer um cartão
na loja, eu tenho que mentir, senão eles me dão um limite pequenininho
(R12).
Uma moradora relatou sentir menos vergonha em assumir exclusivamente o seu
papel na reprodução social do que falar que é trabalhadora doméstica,
principalmente diante de mulheres “estudadas”. Ter a opção de somente cuidar dos
filhos é socialmente mais valorizado do que a necessidade de trabalhar e, pela falta
de estudo, restar ser trabalhadora doméstica.
Em relação a este negócio, a culpa é minha de eu estar nesta profissão. Eu
ser doméstica. Eu acho que foi minha culpa, eu não procurei estudar, eu
queria namorar. É a coisa mais triste você falar, ‘eu sou doméstica’. Eu sinto
até vergonha. É porque tem muitas pessoas que, às vezes, eu já tive caso
de eu falar e ficarem rindo de mim. Vou contar para vocês: uma vez eu fui
com o meu marido em um culto, então ele me perguntou se eu queria ir na
Praia do Canto, ‘Quero né!’, A gente que não é estudada fala errado. A
gente dele, vinha me perguntar: ‘Você esestudando?’. ‘Não, não tô mais’.
falta ele me perguntar em que rie eu parei. Tomara que não pergunte.
Não trabalho, não, eu tomo conta dos meus filhos’. Porque, onde a gente
tava, tinha uma que era professora, outra advogada, outra o sei o quê.
Isso aí complica. Fico quieta na minha. A gente fica meio tensa em falar que
é doméstica. As minhas amigas sabem. Eu falo com elas, mas têm certos
ambientes que você está que é complicado assumir isto (R2).
Por outro lado, outras dizem sentir orgulho do que fazem por ser um trabalho
honesto e que sempre as ajudou no sustento próprio e de sua família. Entretanto,
mesmo estas reforçam a necessidade de mais estudo para conseguir um emprego
em empresa considerado mais digno:
Este ponto que ela falou aí eu já não concordo muito, não, pois desde os
meus 12 anos eu sou doméstica. Esta questão de me arrumar, eu também
não perco a vontade, não! O que eu acho é que devemos ter mais direito
[...]. Você vai fazer um curso porque você quer ser uma coisa melhor, mas
não vai falar que votem vergonha de ser doméstica. Isto, não. Você vai
estudar porque quer uma coisa melhor mais tarde, porque doméstica é
puxado. Você pode voltar a estudar, nunca é tarde, mas vergonha de ser o
que você é, aí eu jáo concordo. Se me perguntarem eu digo: Sou
doméstica, cozinheira’! (R6).
Eu também não concordo, não. Eu acho que é difícil [voltar a estudar], mas
depende da gente, temos que nos esforçar para chegar igual ela falou
gravatinha’ [referindo-se às trabalhadoras de empresas que usam
uniformes]’ (R7).
Talvez essa desvalorização ocorra porque essa atividade profissional está
diretamente relacionada com quem a realiza (mulheres, na maioria das vezes
64
negras), e com o tipo de trabalho que se faz (doméstico). Como assinalam algumas
feministas, o tempo dispendido pelas mulheres com a reprodução da vida com o
cuidado de pessoas que não podem se autocuidar (idosos, crianças, doentes,
pessoas com deficiência), com ões essenciais para a própria manutenção das
atividades produtivas como educação, vestimenta, alimentação, saúde e abrigo
não é contabilizado como produtivo para a organização social do trabalho, sendo
expropriado do trabalho das mulheres. Esses aspectos podem ser observados em
expressões como é muita exploração”, “exploram e pagam pouco” (FÓRUM
ITINERANTE E PARALELO SOBRE A PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2008).
A desvalorizão da ocupação no mercado de trabalho se concretiza na dificuldade
de reconhecimento dos direitos trabalhistas, quando uma maior remuneração é
negociada em troca da não regulamentação e da manutenção do vínculo informal.
Eu comecei com 15, comecei como doméstica, depois fichei numa firma na
CST, fiquei três anos como cozinheira, saí e hoje eu trabalho como diarista,
porque, para você fichar hoje, eles não querem pagar o que você tem na
carteira. Se eles te pagam 600, querem te fichar como 390. Não tem
condição. No hospital me chamaram para trabalhar e queriam me pagar
390, não tem como aceitar, se minha carteira está como 600. Fui obrigada a
trabalhar em uma casa de família depois de ter uma profissão na carteira,
por causa do salário. Então, hoje eu tô trabalhando como diarista. A gente é
obrigada a aceitar para ganhar mais dinheiro [...] (V6).
E ficam jogando na sua cara que tão te pagando muito. E se você falar,
dizem que você vai ver se arranja um outro serviço (R1).
vale a pena trabalhar com carteira em firma, pois você tem o seu
horário para entrar e para sair. A doméstica não tem este direito (R12).
Quando perguntadas sobre qual seria o trabalho ideal, quase todas as trabalhadoras
responderam que é ter um negócio próprio, pois, dessa forma, acreditam que
ganhariam mais e teriam mais liberdade de controlar o tempo, de administrar o
próprio tempo na vida.
Araújo e Scalon (2006), ao estudarem os sentidos do trabalho doméstico para
homens e mulheres, concluem que a conciliação de um trabalho que permita às
mulheres desenvolverem atividades relativas ao cuidados dos filhos, sobretudo
quando estes ainda são pequenos, se constituiu em um ideal para uma parcela
significativa de suas entrevistadas.
65
No que diz respeito aos trabalhadores homens dos grupos estudados, quando
perguntados sobre o significado do trabalho em sua vida, tamm consideram ser
uma necessidade para a sobrevivência de si e da sua família. O trabalho da
construção civil é muito importante por permitir que pessoas de baixa escolaridade,
que vieram principalmente do interior, possam se inserir rapidamente no mercado de
trabalho, que não depende muito de qualificação profissional. O que interessa é
conseguir uma ocupação que possibilite a sobrevivência deles e da família. Dessa
forma, diante da falta de opções, agradecem a Deus por estar trabalhando e
esforçam-se para gostar da ocupação, para Deus abençoar ainda mais. Hoje o
mercado da construção civil, no Estado do Espírito Santo, es muito aquecido,
favorecendo a oferta de servos e melhores rendimentos:
Para mim, hoje, a construção civil é tudo, né? É uma forma de eu
sobreviver, ganhar um dinheiro, levar a minha vida, cuidar da minha família.
Porque hoje, se eu for optar por outra coisa... primeiro porque eu não tenho
tempo e se, hoje, eu for investir em uma outra profissão eu vou passar
necessidade em outras coisas, porque não compensa. Lá em casa só quem
trabalha sou eu para manter a casa toda. Toda conta de luz quem paga sou
eu mesmo, então eu tenho que me virar mesmo, o tenho outra opção.
Então eu tenho que graças a Deus que eu ainda tenho conhecimento
para que eu possa trabalhar e tô sobrevivendo disto. Eu acho que hoje, para
mim, eu o tenho outra saída a não ser encarar de frente e fazer meu
trabalho com amor, porque eu acho que tudo que a gente faz com amor e
carinho, seja a profissão que for, seja um catador de lixo, mas, se ele estiver
sobrevivendo e es dando certo, tem que fazer com amor e carinho. É
forma que, também, Deus abençoa a gente e pode ajudar a gente a se
interessar pelo próprio trabalho e ir tentando agradar, pois às vezes a
pessoa não consegue agradar todo mundo (A10).
Eu considero o carro-chefe este trabalho de pedreiro, pois, sobretudo para a
gente que não tem estudo suficiente para exercer uma profissão. Eu, por
exemplo, nem rie, nem ano primário. Então, se eu for querer, de
certa forma, crescer, eu tenho que estudar, mas agora, com 55 anos, ir para
uma sala de aula não é para mim mais. Então este trabalho é o que a gente
tem como profissão, para você ganhar um pouquinho mais, para ajudar a
família e procurar se manter, a gente e a família. Por sinal, está sendo muito
bom, está aparecendo tanto serviço agora, está até sobrando serviço agora
e faltando pedreiro (A2).
Eu observei o seguinte, a maioria, quase todos nós aqui, vinha do interior ou
vinha de outra cidade, então o que acontece é que a maioria destas
pessoas aqui tem uma escolaridade baixa, inclusive eu, então o que
acontece é que a gente chega em uma outra cidade, eu sou da Bahia, o
outro é de Minas. A gente chega aqui e qual a primeira opção que a gente
tem? Trabalhar na construção civil. Então, às vezes, não é porque a pessoa
gosta da construção civil, é porque ele é empurrado, pois é uma coisa que
ele consegue fácil e não depende de escolaridade. Qualquer escolaridade o
cara entra na construção civil (A12).
66
Nessa característica, as categorias de trabalhadoras domésticas e trabalhadores da
construção civil se assemelham, pois representam uma possibilidade de as pessoas
de menor nível socioeconômico e escolaridade, que necessitam trabalhar
precocemente, se inserirem no mercado de trabalho. Como disse Valla (2002), um
trabalho frustrante para as classes populares o significa uma má escolha”, mas
quase sempre uma “única escolha” por causa das poucas ofertas do mercado.
Também consenso dos trabalhadores da construção civil com as trabalhadoras
dos serviços domésticos de que é um trabalho pouco valorizado. Os que trabalham
com carteira assinada ganham muito pouco e os que trabalham como autônomos,
apesar da possibilidade de melhores rendimentos, não têm direitos trabalhistas,
segurança e se sentem totalmente desamparados pelo Estado:
Trabalho da construção civil é trabalho braçal, é trabalho bruto, é pouco
recompensado, é pouco o valor (V5).
[...] se vo trabalha com carteira assinada, você ganha é muito pouco,
trabalham mais por falta de opção. A maioria das pessoas que trabalham
como pedreiro não tem carteira assinada, não tem INPS, são pessoas que
estão desamparadas. O trabalhador autônomo fica desamparado. Se ele
sofrer um acidente, se ele precisar de um tratamento para qualquer coisa,
você es enrolado. Eu não considero uma boa coisa, tanto quem é
empregado como quem é autônomo, pois você não é valorizado (A12).
Iriart et al. (2008), ao estudarem as representações do trabalho informal e dos riscos
à saúde entre trabalhadoras domésticas e trabalhadores da construção civil, em
Salvador-BA, perceberam, entre os trabalhadores da construção civil, alguns
aspectos positivos do trabalho sem carteira assinada, apontando-o como o que
possibilitaria maior remunerão e realização de diferentes serviços.
O caráter marginal dessas duas categorias remete, na verdade, ao fato de elas
serem atípicas, nem tanto em relação à média dos trabalhadores (pois são bastante
numerosos, principalmente em países subdesenvolvidos), mas em relação à imagem
típica do trabalhador que foi construída pelas leis nacionais, pelos discursos
sindicais e pela literatura erudita da sociologia do trabalho, sem falar no discurso
popular (LAUTIER; PEREIRA, 1994).
Trata-se de duas categorias homogêneas do ponto de vista do gênero,
caracterizadas por grande proporção de jovens, migrantes e com baixo nível de
escolaridade. A desvalorização e a estigmatização (que comportam com freqüência
67
elementos de racismo) são muito intensas, sejam elas externalizadas pelos próprios
trabalhadores ou pelos patrões, pela hierarquia ou pelo conjunto da população
urbana. As relações de trabalho são, em grande parte, informais (no sentido do não
pagamento dos encargos sociais e da falta de respeito às leis que regem o uso do
trabalho quanto a feriados, segurança e salário mínimo). A fraca regulação
institucional desses empregos, bem como fatores próprios do ramo (no caso da
construção civil) ou da natureza das relações profissionais (no caso das domésticas)
leva a uma forte precarização; enfim, as relações com aqueles que dominam de
perto esses trabalhadores (as patroas das empregadas, os operários qualificados da
construção e o mestre de obra) são sempre fortemente personalizadas (LAUTIER;
PEREIRA, 1994).
Em estudo de Iriart et al. (2008), citado, os trabalhadores foram unânimes em
afirmar que não gostariam que seus filhos seguissem sua profissão e enfatizaram a
necessidade de estudar para ser mais bem sucedido. Para esses trabalhadores, a
baixa escolaridade, o medo do desemprego e a falta de opção foram trazidos como
fatores que impossibilitam a mudança de ocupação e levam à aceitação do trabalho
doméstico ou na construção civil por ser melhor do que ficar desempregado.
Entretanto os trabalhadores da construção civil aqui estudados ressaltam ser uma
profissão que exige inteligência e criatividade, comparando-a ao ofício de um artista.
Por atuarem em uma área em constante evolução tecnológica, estão sempre tendo
que lidar com novos produtos, aprendendo na prática, sem nenhum treinamento
específico. Reconhecem que um trabalhador instruído tem mais facilidade diante
dessas mudanças e incentivam os mais jovens a estudarem. Porém poucos
conseguem, pela dificuldade decorrente da necessidade de trabalhar o dia inteiro em
um ofício onde é intenso o uso da força de trabalho:
É um serviço que exige muito. O cara tem que ser muito inteligente para
desenvolver nesta área, mesmo que ele tenha estudado pouco. Não é
qualquer pessoa que consegue trabalhar como pedreiro (A12).
O mercado hoje na construção civil é muito evoluído, por causa do
engenheiro, arquiteto e decoradores. Então na construção civil hoje, a
própria empresa que fabrica os produtos, o interesse deles é melhorar,
aperfeiçoar e, por causa disto, é novidade todos os dias. Então é uma área
que você nunca sabe tudo, você está sempre aprendendo todos os dias,
pois têm sempre coisas novas. O pedreiro acaba se tornando um artista,
porque ele não está na escola estudando, mas dentro da profissão dele tem
que se virar. O pedreiro tem que estar aprendendo todo dia, porque, se ele
68
não fizer, se ele não tiver uma mão de obra qualificada, de primeira, ele fica
enrolado para conseguir trabalhar. Porque eu cheguei numa obra, ontem
mesmo, por exemplo, chega o material... se ele nunca viu o material... Hoje
esses meninos novos, que trabalham comigo aí, têm um estudozinho.
Mas, quando eu pego essas pessoas mais novas, eu peguei muita gente
que veio da Bahia, que não tinha estudo nenhum, que não sabia nem
escrever o nome, eu mesmo incentivava. Isto é importante, sim, mas, às
vezes, o serviço é muito puxado, sim, e quando chega à noite fica difícil
encarar o colégio (A10).
Tem que saber alguma coisa, pois, se ele for pegar um projeto, como é que
ele vai se desenrolar? Ele tem que saber calcular, somar, multiplicar, dividir,
tem que saber ler para entender o que ele está fazendo. Eu mesmo trabalho
por conta própria, eu tenho o meu grau de escolaridade, senão eu não fazia
o que faço, não construía um prédio, não fazia uma decoração, pois se hoje
você não tiver também, você se perde todinho em um projeto (A11).
Outro aspecto referido é que o trabalho tem um significado como valor moral e social
e o somente como valor de produção. A partir daí formulam expressões como o
trabalho engrandece o homem e o trabalho dignifica”. Entendem que o trabalho
como obrigação por si só não é bom, mas o respeito, a dignidade, a credibilidade e a
própria sde que ele pode gerar, isso, sim, é o lado bom do trabalho. Nessa ótica,
quem não trabalha tem dificuldade de se inserir socialmente:
Em relação ao trabalho, não é bom, não, ele engrandece a gente, mas que
é bom... Digamos você, hoje eu tô a fim de trabalhar eu vou, mas ir todo dia,
não é bom, não. Tem uma variedade de trabalho, mas não pensa que existe
trabalho bom, porque todo trabalho é ruim. Mas sem trabalho voé um
homem sem confiança, sem moral, sem crédito, pois fica uns cinco anos
sem trabalho e chega no comércio e tenta comprar fiado para ver se o cara
te vende. Uma desgrama que te vende. Tudo isto e tem saúde também, se
o cara pára de trabalhar, adoece (V1).
Apesar de não ser para todos, o trabalho ajuda no caráter, na formão da
pessoa, ajuda a valorizar o que você tem, porque o cara que tem tudo na
mão, dificilmente dá valor aquilo que ele tem (V3).
No meu modo de pensar, quem não trabalha e vive melhor do que quem
trabalha com certeza alguma coisa errada fez (V1).
O grupo composto por homens e mulheres destaca, também, o problema da
desvalorizão da mão-de-obra feminina, quando comparada com a masculina.
Consideram essa diferença uma discriminação quando ambos executam a mesma
função.
[...] A mesma coisa que o homem faz a mulher faz e ganha menos. O
cozinheiro ganha os 600 pau, porque que a mulher tem que ganhar menos?
Eu acho muito errado. Não pode acontecer isto. A gente é discriminada
(V6).
Acontece na mesma profissão. A profissão é a mesma. Não pode acontecer
isto. É uma discriminação (V1).
69
Uma das características mais marcantes do mercado de trabalho brasileiro é o
diferencial de rendimentos entre raças e gênero. Diante disso, Cambota e Pontes
(2007) estudaram a desigualdade de rendimentos por gênero para os indivíduos
alocados em uma mesma ocupação no mercado de trabalho do Nordeste, segundo
sua auto-identificação racial, utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) de 2004. Os resultados sugerem evidências de discriminação
contra mulher intra-ocupação, sendo esta visualmente mais evidente nas ocupações
com maior escolaridade.
Soares (2000), ao discutir o perfil de discriminação, no mercado de trabalho, de
homens negros, mulheres brancas e negras, tamm utilizando dados da PNAD,
afirma que uma das esferas da vida na qual é possível mensurar os efeitos da
discriminação é o mercado de trabalho. Uma das conclusões a que chegou é a de
que a mulher, mesmo as tão bem ou mais qualificadas que os homens, com a
mesma cor da pele, que trabalham em setores industriais e regiões cuja
remuneração é idêntica, na hora de decidir o tamanho do contracheque, o delas é
muito menor que o deles. A diferença es em torno de 35% e foi bem maior. A
interpretação do autor, em relação ao perfil da discriminação contra mulheres, é que
existe um acordo tácito no mercado de trabalho de que as mulheres, mesmo
exercendo tanto quanto os homens atividades que exigem qualificação, precisam ou
merecem ganhar menos, tendo em vista os homens serem chefes de família, e
terem mais responsabilidades.
3.2 INTERFERÊNCIA DO TRABALHO NA VIDA
Os trabalhadores da construção civil estudados relataram trabalhar de segunda a
sexta-feira, em jornadas de oito a nove horas, com uma hora de almoço, das 11 às
12h. No
sábado, alguns trabalham quando o serviço exige, outros trabalham na
melhoria das próprias casas e outros não trabalham.
Da mesma forma, as trabalhadoras domésticas, empregadas domésticas, cumprem
jornadas de oito a nove horas por dia, de segunda a sexta-feira.
O
sábado também é
muito variado: enquanto umas trabalham no mesmo emprego, outras
complementam seu salário, trabalhando como diaristas em outras casas, e algumas
disseram trabalhar em suas próprias casas, fazendo os serviços domésticos. As
70
trabalhadoras domésticas, diaristas, o têm uma jornada de trabalho definida,
depende da negociação com cada patrão.
Não bastassem as jornadas de trabalho extensas, o trabalho extra é citado por
alguns trabalhadores de ambas as ocupações, como uma estratégia para “aproveitar
o tempo” e completar o orçamento familiar:
Eu, para aproveitar meu tempo... Eu sou músico. A noite, para eu ganhar
um troco, ou vou em um barzinho, toco, chego em casa de madrugada e:
Tá aqui mulher’ [imita com quem está dando o dinheiro] (A4).
Meu nome é [...], sou pedreiro, morador de Jardim Carapina 17 anos e
sou também churrasqueiro [ele vende churrasquinho à noite em uma
esquina do bairro] (A5).
Trabalho como doméstica todos os dias de 9h30min até 13h30min. Depois
eu vendo outras coisas, como cosméticos, e até às 22h eu ainda trabalho
(R6).
Eu trabalho todos os dias. Tem dia que eu saio às 3h da manhã para matar
galinha para um restaurante. Não tenho dia nenhum em casa. Ontem eu
cheguei às 9h da noite. Eu não tenho descanso, não (R11).
Trabalho como doméstica, das 7h às 15h, mais ou menos, e depois ainda
tenho que fazer um extrazinho. Eu monto cama elástica em uma praça do
bairro (R8).
Às vezes, eu ainda trabalho à noite. Tem final de semana que o pessoal
liga... Em dezembro, eu fiquei oito dias sem passar em casa. Eu só ligava
para minha filha. saindo do serviço e estou indo para o hospital [tomar
conta de pessoas acamadas] (V2).
Rodrigues (1978), ao relatar as narrativas que um grupo de operários e operárias
fazem do seu dia-a-dia, revela uma corrida contra o relógio, num ritmo de vida
embrutecedor desde o momento em que acordam. A recorrência da preocupação
com o tempo se alia à da preocupação com o dinheiro: além dos cálculos que fazem
das 24 horas dos dias, m que fazer dos 30 dias do mês. Dessa forma, conclui que
o trabalho ocupa todo o espo da vida dessas pessoas.
Para Torres (2002, apud COUTINHO; GOMES, 2006), as mudanças que se operam
nas relações de trabalho vão além da contradição emprego-desemprego: o trabalho
assalariado perdeu a sua centralidade como estrutura, mas o trabalho, em seu
sentido ontológico, continua sendo elemento central na vida do sujeito histórico, ou
seja, uma categoria de interpretação da condição humana.
71
Entre as mulheres, principalmente entre as que têm filhos pequenos, foi comum a
queixa em relação à dupla jornada de trabalho e à falta de apoio dos companheiros
nos serviços domésticos. Como, além do trabalho extradomiciliar, continuam com a
obrigação do trabalho de casa e o tipo de atividade realizada nos dois lugares é
comum (trabalho doméstico), sentem que um é a extensão do outro. Além disso, é
um trabalho cotidiano e inesgotável, sendo assim, para elas, é mais vantajoso ser
homem. As afirmões a seguir expressam essas opiniões:
Eu acho que mesmo quem trabalha menos e chega cedo não consegue ter
lazer, não, porque o que a gente trabalha lá, a gente trabalha em casa
também. A gente trabalha em dobro (R8).
O serviço de casa você nunca consegue terminar (R5).
É um serviço que é direto (R2).
Eu penso que eu queria ser homem, para só trabalhar uma vez no dia (R9).
Ah, eu também. Eu falo isso toda hora (R2).
Eles chegam e ficam tranqüilos, vão tomar seu banho, assistir uma televisão
e a gente está ali, fazendo tudo e ainda tomando conta de criança (R2).
Janta, vai deitar e a gente continua arrumando tudo, pois amantemos
que sair (R6).
O meu chega, liga a televisão vai deitar e eu digo: ‘Olha o prato. Tem que
ajudar, senão eu também não ajudo no final do mês’ (R4).
Graças a Deus, em casa o adianta, eu posso falar... Me raiva, me
vontade de pegar ele e estrangular com as mãos.Mas eu não posso
(R8).
Evidentemente, para a mulher que duplica suas tarefas, realizando o trabalho
doméstico e o extradoméstico, esse aspecto do trabalho ocupando todo o tempo é
ainda mais dramático. Antes de tudo, essa mulher é muito necessária dentro de
casa e não tem com quem deixar os filhos. Para trabalhar, ela tem que duplicar sua
tarefa, cumprindo suas funções dentro e fora de casa (RODRIGUES, 1978).
Segundo Iriart et al. (2008), a dupla jornada de trabalho, que leva a trabalhadora
doméstica a repetir, na sua casa, as mesmas atividades realizadas na casa dos
patrões, deve ser levada em consideração como um fator de risco de adoecimento.
Pela ideologia do patriarcado, o trabalho doméstico é instituído como tarefa natural
da mulher e torna-se, por isso, um obsculo à liberdade das mulheres no mundo
público, à igualdade, à democracia nas famílias e à justiça no mercado de trabalho.
72
Desse modo, por terem sob sua responsabilidade os filhos e as tarefas domésticas,
e como a contabilidade capitalista coloca na conta das mulheres os custos com a
reprodução, as mulheres tornaram-se "mais caras" para os empregadores. E é
justamente por estar colocada sobre as mulheres essa responsabilidade que os
homens ficam desobrigados, como grupo social, dessas tarefas, tornando-se, assim,
"mais baratos" e tendo mais tempo livre para o trabalho, o lazer, a organização
política... A dupla jornada sobre as mulheres é, portanto, central para a exploração
do trabalho no capitalismo (CARTA ABERTA DAS MULHERES, 2007).
Foi comum, tamm, os homens entrevistados, falarem que exercem, principalmente
nos finais de semana, o seu ofício de pedreiro dentro da própria casa:
O cara que trabalha na construção, ele trabalha direto, ele não tem folga,
não, tem sempre uma coisa para fazer em casa. Quase todo mundo que
trabalha aqui, trabalha o final de semana em casa. Mesmo que não seja
todo final de semana. E [porque], às vezes, tem um limite que você está em
casa, querendo fazer alguma coisa, mas o corpo não obedece. A sua mente
está sempre trabalhando o tempo inteiro (A12).
Tem mais de anos que estou construindo [minha casa]. Vocês repararam
que a gente nunca termina de fazer o serviço da gente? Nunca termina
(A2).
Eu tô com oito finais de semana que eu não sei o que é encostar em um
cantinho e falar, ‘Agora eu vou descansar uma hora e meia aqui” (A4).
Apesar de terem relatado de forma semelhante que o trabalho interfere diretamente
no tempo de estudo e lazer, sobretudo com a família, parecem lidar com essa
situação de forma diferenciada das mulheres.
Os trabalhadores reconhecem a importância de dar mais atenção aos filhos,
entendido por eles como sair para passear e brincar, mas é a necessidade de
trabalhar para poder garantir possibilidades melhores de vida aos filhos que fala
mais alto. É como se fosse natural, se não tivessem escolha, tendo que ser assim.
Alguns, quando têm um tempo livre, se dividem entre a Igreja, o lazer e a família:
Na verdade, é complicado descobrir um tempo para a família. Desde que eu
vim morar em Vitória, acredito eu que tem menos de 30 anos que eu moro
aqui, este ano, Deus me deu a oportunidade de eu sair de férias. A
primeira vez na minha vida, com a minha família, que eu curti um pouquinho
das férias com os meus filhos e descansei um pouquinho também. Na
verdade, tem dia que eu falo muito pouco com os meus filhos, não dá tempo
de eu falar com eles. Sair com eles, muitos menos. O domingo que folga
para mim o companheiro me cobra de eu ir a Igreja, mas eu gosto do meu
horário de diversão também. Eu gosto de ir para a minha pescaria também.
Aí que chego em casa exausto, tomo um banho, apago e acabou. É esperar
73
segunda-feira para começar tudo de novo. Eu acredito que preciso valorizar
mais, mas, na verdade, você não tem este tempo. Igual meu filho: Pai,
vamos na Pedra da Cebola?’. Ultimamente eu não tenho conseguido, mas
um dia eu vou. Eu falando a realidade da gente. Na verdade, a gente
quer dar o melhor para os filhos da gente. Eu comecei a trabalhar muito
novo, não tive oportunidade de estudar, série muito mal. A oportunidade
que eu não tive no passado, hoje eu quero dar para os meus filhos, pois eu
sei que faz falta. O mercado hoje é um mercado competitivo. A gente tem
que tentar melhorar a situação da família da gente, dos filhos. O que você
ganha é para instruir os filhos (A1).
Eu sou cobrado. Eu tenho uma filha de dez anos que me cobra direto: Pai,
um tempo, descansa um bocadinho, vamos passear...’ [pensativo].
Domingo nós vamos’. E não acontece. Pois é, pois é... a situação tem hora
que pesa. Eu conversei com minha esposa, vou diminuir um bocadinho e
dar atenção para esta menina. O rapaz, não, porque já está grande, mas
criança gosta de passear. Mas eu tenho que trabalhar também e não tem
jeito... é necessidade (A2).
Eu tenho mais ou menos uns seis anos que não sei o que é viajar, é entrar
em um ônibus e viajar. É sempre aquela rotina, trabalhar de segunda a
sexta, sábado fazer alguma coisa dentro de casa, sair com meu filho
mesmo, eu tenho saído muito pouco. Acho que eu fui no shopping com ele
uma única vez, vai fazer cinco anos. É uma rotina dupla, eu tenho uma
outra filha de dois anos, final de semana é tomando conta de menino,
tomando conta de criança. Durante a semana trabalhando e final de
semana tomando conta de menino (A12).
Parece até uma vergonha eu contar para vocês, mas eu nunca saí aqui com
minha esposa e meus filhos. Falar assim, nós vamos na praia, nós vamos
na Pedra da Cebola, nós vamos no shopping, ou vamos passear hoje.
Nunca. Exatamente por causa do tempo. Nosso tempo que nós tira é uma
horinha para uma celebraçãozinha na Igreja de manhã. Dali um trabalho em
casa e vai passando o tempo. Um dia desses a gente estava conversando
lá em casa, e puxa vida, eu falando com minha esposa: Você sabe que a
gente não pára pra nada. A gente precisa parar um pouquinho para
descansar, se divertir’. Mas é uma rotina, a gente se acostumou com aquela
rotina ali e vai (A4).
Araújo e Sacalon (2006), em pesquisa visando a estudar, além de outros aspectos, o
“cuidado” e as atividades de homens e mulheres com as crianças, encontraram que
a divisão do trabalho doméstico entre casais, tendo em vista o cuidado dos filhos,
sugere poucas mudanças nos padrões tradicionais, sendo ainda hoje considerada
responsabilidade feminina. A única exceção é em relação à atividade de brincar com
as crianças, em que a participação masculina aumentou um pouco.
Para essas mulheres, a falta de tempo para se dedicar aos filhos é um fator de muita
angústia e estresse. Sentem remorso por deixar os filhos em casa e sair para
trabalhar. Algumas reagem a isso com sentimento de culpa, outras com
agressividade, outras procuram contornar a situação e tirar folga quando podem
para poder ficar com eles.
74
Para mim, o trabalho interfere em quase tudo. Tem vezes que eu chego tão
cansada que fico estressada com a minha filha, de tanto trabalhar. Porque
eu venho do trabalho, neste sol quente, de bicicleta, pois mal, mal tenho
dinheiro para passagem, e isto me estressa muito. Eu não bato nela, mas
me estresso. Eu respondo ela com ignorância, mas depois eu me
arrependo. Eu respondo ela com ignorância, isto me estressa muito. Deus
me livre! (R7).
Eu quase não tenho lazer com os meus filhos, só por causa do meu horário,
só as vezes que eu falto e tiro uma folga para ficar com eles (R5).
Lá em casa eu só posso me estressar sábado e domingo, porque eu
trabalho de segunda a sexta, depois estudo até às 23h. Então chega
sábado e domingo eu descanso e aí eu brigo com todo mundo (R13).
O pouco que eu tenho às vezes é dia de domingo, que eu tenho duas
netinhas que eu me dedico a elas. Quando eu não tenho trabalho à noite
(E2).
Conforme o estudo de Sales e Santana, citadas Iriart et al. (2008), é comum as
trabalhadoras domésticas apresentarem sintomas de depressão e ansiedade, como
“tristeza e desânimo”, “dificuldade de concentração”, “palpitações” e “agressividade”.
Por fim, o tempo dedicado ao trabalho, interferindo nas atividades de lazer, foi um
aspecto comum entre homens e mulheres. Porém três trabalhadores disseram que
dão sempre um jeito de se divertir, que não abrem mão do lazer em nome do
trabalho, e para dois deles o lazer foi associado à bebida:
Até que a gente acha um tempinho, vai no barzinho tomar umzinho... para
relaxar um pouquinho (A8).
[...] Como eu trabalho de 7 às 5h, saio do serviço e vou para o boteco [...]
(V1).
A gente vai também [mais risos]. [...] às vezes eu emendo direto, sábado,
domingo. Falo ’Vamos poca fora pessoal!”. Vamos para casa de tio, da mãe
dela, então vamos para e a gente esquece um pouco de mão. O que ficou
fica para outro dia, a gente vai morrer e ficar tudo aí (A11).
Entre as trabalhadoras, apenas uma afirmou que não abre mão do lazer, mesmo
que, para isso, vá trabalhar cedo depois de uma noite sem dormir, bebendo e
dançando. Essa fala se diferenciou muito das demais, pelo grau de liberdade
demonstrado por essa mulher, que se permite sair à noite com os filhos mais velhos
e deixar o pequeno para o marido tomar conta.
Eu trabalhei em Goiabeiras um ano. Uma firma de Curitiba, com 80 peão.
De domingo a domingo. Chegava em casa sabádo à noite 11h da noite. Ia
para o Singo’s dançar Chegava do Singo’s, entrava no chuveiro, meia
bêbada, botava uma roupa e firma... Chegava lá e o engenheiro falava
assim: Cê tá chegando da onde?’. ‘Vim fazer o almoço. Ixi, a senhora o
75
boa, não, dançou a noite toda’. ‘Dancei, sim, mas você pode ficar
tranqüilo, fazia o almoço para os 80 peão, eles entravam no quarto, eu
pegava as roupas deles todinhas e levava para casa. Lavava no domingo
tudinho e segunda-feira eu entregava tudo passada, fiz isto um ano.
[falando com orgulho]. E agüentava mais um ano. Agora, no carnaval, eu
trabalhei os quatro dias e pulei os quatro dias em Nova Almeida. Num pique
só. Meu marido falou: ‘Quando você caí, você morre’. Eu disse: Eu morro,
sim, mas feliz e satisfeita.’ Os filhos vão tudo junto. Eu não posso sair
sozinha. Meus filhos, uma de 17 o outro de 18, falam assim: ‘A senhora está
muito nova, vamos com nós, votem que se divertir.’ Eu falo para o meu
marido assim: ‘Fica aí e toma conta do pequeno (V6).
3.3 O PROCESSO SAÚDE-DOENÇA E A NECESSIDADE DE BOAS CONDIÇÕES
DE VIDA
Os trabalhadores estudados possuem uma visão pluralista e holística do processo
saúde-doença, articulada com as condições materiais de exisncia. A doença
refere-se a desequilíbrios que afetam de uma só vez espírito, alma, corpo e matéria.
Trazem a concepção de saúde-doença como fruto da produção-reprodução social,
pelo modo e pelas condições de vida de cada indivíduo na conformão de suas
relações da vida em sociedade, ao relatarem que ter saúde é ter boas condições de
vida e a tranqüilidade que dela decorre. Isso quer dizer: ter boa alimentação,
educação, lazer, segurança e ter recursos financeiros para pagar suas contas:
Para a pessoa ter saúde, ele tem que se alimentar bem, ter um horário
determinado para dormir. E também a parte financeira, pois, se o cara não
tiver condições de pagar as suas contas, ele não fica bem, não. Tem que ter
estas coisas no mínimo para ter saúde (A12).
É ter saúde e educação em primeiro plano, mas fica em último plano.
Dormir cedo, acordar cedo. Qualidade de vida (V5).
É ter dinheiro para não ter preocupação, pois, sem dinheiro, a preocupação
vai acumulando dentro da cabeça. Pois tem água, tem luz e a mulher
encostando no canto da parede. Se vonão tiver dinheiro, você fica ruim
(A15).
Para mim é ter segurança, senão a gente fica com uma coisa na cabeça.
Não pode nem sair, pensando: Eu vou ficar com meu filho, senão pode
acontecer alguma coisa” (R).
Direito a ter atendimento [à saúde] e uma vida digna (V4).
É ter tranqüilidade na vida. É estar bem com você mesmo. Tipo assim, você
acorda, está faltando um kilo de feijão, você sai preocupado por estar
faltando aquele feijão na sua casa (A14).
76
Essa concepção vai de encontro àquela proposta por Dejours (1996, p.11) que, ao
falar sobre saúde, afirma:
A saúde é a liberdade de dar ao corpo de comer quando tem fome, de fazê-
lo dormir, quando tem sono, de dar-lhe açúcar quando a glicemia baixa. É,
portanto a liberdade de adaptação. Não é anormal estar cansado ou com
sono, não é anormal, talvez ter uma gripe, e aí isto vai longe. Pode ser que
seja normal ter algumas doenças. O que não é normal é não poder cuidar
dessa doença [...].
Para a quase totalidade dos homens desses grupos, a saúde es associada à
possibilidade de executar suas tarefas cotidianas, sobretudo ter força para trabalhar
e, dessa forma, cumprir o seu papel de provedor, aquilo que a sociedade e eles
próprios esperam. Para ter condições para sobreviver, é preciso trabalhar. Para
trabalhar, é preciso ter saúde, o que, em última instância, quem dá é Deus. Uma vez
que Deus lhes dá a força do corpo, cabe a cada um buscar a disposição dentro de si
mesmo para o trabalho. Acordar cedo reforça a idéia do homem trabalhador, que,
com o nascer do sol, com o primeiro suspiro do dia, já se mobiliza para o trabalho:
Para mim é eu acordar de manhã, ir para o meu trabalho, cuidar bem do
meu serviço e me deitar sem nenhum problema. Desde o momento que eu
estou trabalhando sacrificado, eu sinto que estou sem saúde (A1).
Para mim é acordar disposto sem ter problema e, quando tiver problema,
que seja mínimo,que dê para as pessoas se agüentarem no trabalho (A4).
Para mim é estar agüentando trabalhar, estar sempre disposto. Se eu tiver
sentindo qualquer coisa, eu não me conformo de jeito nenhum Eu fico
nervoso, eu queria fazer isto e não consigo. Para mim fica tudo ruim. DEUS
que me livre, mas é difícil acontecer isto comigo. Tomo logo um banho frio e
fico bem disposto (A5).
É acordar de manhã cedo para trabalhar, alegre e sorridente (A11).
Acordar cedo para trabalhar e conseguir ajudar meus pais (A13).
Tem o lado psicológico também, a pessoa parada pode entrar em
depressão. Seu organismo já não é mais o mesmo, fica debilitado, a partir
da sua cabeça (V4).
Você fica parado, dá depressão (V3).
Eu peço a DEUS para me manter firme e forte para trabalhar, pois, se eu
não tiver força, não tenho ninguém para me sustentar. É eu acordar cedo e
ter oportunidade de manter a minha família (A7).
É algo indispensável, que nos dá força para trabalhar, acordar cedo e
batalhar. Quem me dá a saúde é DEUS. A minha fé (A8).
É ter força para trabalhar e saber que está tudo bem com a minha família. É
ter tranqüilidade. Eu peço muito isto a DEUS (A9).
77
Você viu o problema de A1 mesmo. Foi muito psicológico, mesmo. Ele não
foi consultado, não foi medicado e ele curou o problema dele. Mas, se ele
não trabalhasse a cabeça, se ele se achasse doente, ele não iria ficar bom,
mas, como ele teve força de vontade também, a voz de DEUS escutou ele.
Hoje ele ainda sente uma coisinha, mas a dor que ele sentia na perna ele
ficou bom (A6).
Segundo Minayo (2007), do ponto de vista da classe trabalhadora, duas noções
principais estão subjacentes ao tema da doea; a em Deus, na cura e a relação
do adoecimento com a incapacidade de trabalhar.
Se, para esses trabalhadores, saúde é ter e garantir que a família tenha boas
condições de vida e é o trabalho que propicia tais condições, pode-se concluir que
ter saúde é poder trabalhar. A representação que se constrói a partir daí tem
expressões como a saúde é tudo”: “É tudo na vida do ser humano. A partir do
momento que a pessoa adoece não tem como fazer alguma coisa” (A10).
As pessoas ligadas à fé cristã colocam em Deus a causa primeira do aparecimento e
da cura das doenças, embora vinculem em seu discurso causas socioeconômicas,
emocionais e naturais ao aparecimento das enfermidades. A característica
fundamental da visão religiosa da saúde-doea (ou melhor, da vida) é a relação
intrínseca entre a e a graça. Essa visão está referenciada nas dificuldades do
cotidiano e visa à prática, ao resultado concreto: ela traz para perto o milagre e o
toma parte do cotidiano, como solução, às vezes única, para as agruras do dia-a-dia.
(MINAYO, 1988):
Foi só Deus. Foi a minha fé que eu tenho em Deus. A minha fé curou (A1).
[referindo-se a não adoecer] Comigo, graças a Deus, não acontece nada
(A6).
Eu peço a DEUS para me manter firme e forte para trabalhar (A7).
Quem me dá a sde é DEUS. A minha fé (A8).
Como os operários da construção civil tiram seus meios materiais de existência da
sua atividade física e de sua venda, necessitam usar intensamente seus corpos e
tirar o máximo de proveito deles. O corpo precisa ser útil. O corpo é associado a
uma máquina que precisa estar sempre em funcionamento para não enferrujar e o
trabalho possibilita isso, na medida em que mantém o corpo sempre em movimento.
Por outro lado, o desemprego é associado ao fato de ficar em casa o dia inteiro
78
comendo e engordando. Se o corpo saudável é um corpo ágil, por oposição, um
corpo doente é um corpo emperrado, pesado.
Você, quando está trabalhando, está exercitando seu corpo. É uma maneira
de você manter a saúde também. Você fica parado, você fica doente. Você
acostuma seu corpo para trabalhar, es sempre trabalhando, na ativa,
porque é um exercício também (V4).
Coluna, se você ficar parado é pior do que voficar movimentando. Se
você ficar sem movimentar. A minha é assim. Se eu ficar três dias parados,
sem fazer nada, eu não agüento. Eu tenho que acordar e levantar (A3).
Senão o corpo começa a enferrujar (A11)...
[em casa, desempregado] Fica comendo, comendo e vai engordando
(V5).
Alguns relatos revelam que o que prejudica a saúde é a preocupação, a falta de
estabilidade no emprego que impede de planejar a vida no futuro, o “corre-corre do
dia-a-dia” que prejudica a mente e o corpo. O “nervoso da vida”, devido aos
problemas cotidianos, é citado como elemento provocador de ansiedade e
adoecimento.
Minayo (2007), citando uma pesquisa do Estudo Nacional de Despesas Familiares
(ENDEF), de 1974, demonstra que as classes populares, quando entrevistadas
sobre os perfis de morbimortalidades, classificam, em primeiro lugar, as “doenças
dos nervos” ou “doenças do espírito”. Essas doenças são explicadas por eles como
um conjunto de ansiedades e insatisfações que vivenciam por causa das
“dificuldades da vida”, representadas, entre outras, por sobretrabalho, restrições
causadas por salários baixos, alimentação insuficiente.
Por conseqüência, conforme um entrevistado, para que o adoeçam e tenham
saúde, precisam ter uma harmonia com tudo que foi aqui dito anteriormente, pois o
estado de saúde é um estado dinâmico:
A princípio, eu acho que saúde é estar de bem com a vida. Se você ficar
nervoso por um problema qualquer, tudo acaba para ele, seja um problema
na família, um filho ou uma esposa doente e você não consegue resolver.
Isto tudo prejudica a saúde, sobretudo os nervos. Você não consegue ir
trabalhar tranqüilo deixando um casa um filho doente. A saúde, além de
estarmos bem fisicamente e precisamos estar bem psicologicamente.
Principalmente psicologicamente. A matéria da gente depende muito da
cabeça. Se a gente o estiver bem psicologicamente, estamos sofrendo,
mesmo sem estarmos com um problema no físico. Principalmente o
trabalhador que está acostumado a sair cedo de casa e chegar à noite.
79
Se deixar um problema em casa, às vezes faltou um gás, ele não tem
dinheiro para comprar este gás, ele tá nervoso no serviço (A6).
A Organização Mundial de Saúde define saúde não apenas como a ausência de
doença, mas como a situação de perfeito bem-estar sico, mental e social. Dejours
(1986), ao criticar essa definição, afirma que saúde é, antes de tudo, um fim, um
objetivo a ser atingido. Não se trata de um estado de bem-estar, mas de um estado
do qual procuramos nos aproximar, pois o estado de bem-estar social, físico e
psíquico não é um estado estático, que, uma vez atingido, possa ser sempre
mantido.
A seção européia da Organizão Mundial da Saúde propôs que a saúde fosse
definida como a capacidade de um indivíduo ou grupo ser capaz, por um lado, de
realizar aspirações e satisfazer necessidades e, por outro, de lidar com o meio
ambiente (STARFIELD, 2002).
Quando estimulados a falar sobre os elementos presentes no bairro que podem
prejudicar a saúde, os trabalhadores entrevistados apontam inicialmente a falta de
infra-estrutura de saneamento básico, como esgoto e lixo jogado a céu aberto e
pragas urbanas (ratos, baratas e mosquitos).
A necessidade de políticas blicas, que garantam as boas condições de vida, ficou
evidenciada, principalmente, nos depoimentos das trabalhadoras domésticas. Sendo
assim, os problemas da ausência de creche para todas as crianças do bairro, da
falta de critério na distribuição das vagas dessa creche e da falta de atividades extra-
escolares, para os filhos maiores, apareceram constantemente nos depoimentos
delas, como fonte de angústia. Para que tenham tranqüilidade, é fundamental saber
que os filhos estão protegidos e cuidados durante sua ausência. Como é conflitante
a necessidade de trabalhar e de cuidar dos filhos, precisam que o Estado, pelo
menos, ofereça vagas nas creches para as mães que trabalham fora:
Saúde é ter tranqüilidade. É ter um postinho bom, um colégio bom para
colocar as crianças para você ficar tranqüila. Aí você não adoece não (R2).
Antes só colocava as crianças na creche se tivesse comprovante de que
tivesse trabalhando, hoje em dia não, é por sorteio, então quem precisa fica
fora (R7).
Quando eu fui para ver se conseguia vaga para o meu filho foi assim que
me disseram. Me perguntaram se eu estava trabalhando, eu disse que
estava, então elas me disseram que eu tinha condão de pagar uma creche
80
particular. A conversa delas foi esta comigo. Depois uma colega minha foi lá
para ver se conseguia creche, pois tava tudo arrumado para ela voltar a
trabalhar. perguntaram se ela tava trabalhando, quando ela disse que
não, disseram que, então, ela não precisava, pois podia ficar em casa e
cuidar dos seus filhos (R2).
Aquelas que vão toda feiosa, descabelada, elas acham que não tem
condição. Aquelas que tomam um banho antes, está limpinha, elas acham
que não precisa, não. Vão pela cara, e não se é uma pessoa de emprego.
Mais pelo relaxo (R6).
Um projeto para as crianças ter outra atividade quando saírem da escola,
não tem. Tipo o Caíque em Vitória. Não tem um projeto que as crianças
saem da escola e fazem atividades físicas. Aqui no bairro não tem nada
disto (R8).
Seria bom ter uma casa para acolher a infância e a juventude, porque, por
exemplo, a mãe que precisa deixar os filhos. Não precisa ser integral, que
seja meio expediente. Ter uma atividade fixa lá, ter uma vez na semana
acompanhamento de médicos, eu acho que seria muito importante,
principalmente para as mães. Eu tenho o meu de 14 anos, eu acho que
seria ótimo, pois a hora que não es na escola, está lá, seria uma
preocupação a menos, se está lá, está fazendo alguma coisa de bom (R13).
A flexibilidade proposta e implantada no mundo do trabalho não veio acompanhada
de uma flexibilidade nos programas de proteção social. Os governos nacionais
buscam ajustar suas economias aos desafios criados pelo mercado global,
restringindo e cortando empregos, salários e serviços estatais gratuitos básicos.
Nesse processo, a comunidade e as famílias passam a assumir responsabilidades
por serviços que o Estado deixa de oferecer. As garantias de níveis mínimos de
emprego e salário dos trabalhadores, a saúde e a educação gratuitas como direitos
universais estão ameaçados pelos novos modelos econômicos e políticos
(GOLDANI, 2002).
Historicamente, o Estado tem repassado suas responsabilidades para as mulheres
e, nesse sentido, favorecido a exploração do seu trabalho. Faz isso, tamm,
quando cria políticas que não oferecem condições dignas de trabalho ou
reproduzem a divisão sexual do trabalho, desvalorizando o trabalho das mulheres e
dificultando sua autonomia. O desvalor e a desproteção conferida ao trabalho das
mulheres têm sido fundamentais para a acumulão de capital e têm servido ao
Estado, especialmente no neoliberalismo, que se sustenta pela transferência de
serviços antes prestados pelo serviços públicos para as mulheres, sobrecarregando
sua jornada de trabalho reprodutivo e mantendo seu lugar subordinado e a divisão
sexual do trabalho na esfera doméstica. A invisibilidade e o desvalor do trabalho das
mulheres, especialmente todo o trabalho nos cuidados com a família, interessa às
81
políticas neoliberais, que se fazem transferindo para as mulheres o trabalho que
deveria ser feito ou amparado pelo Estado, como é o caso das creches, escolas em
tempo integral, lavanderias blicas, etc. (FÓRUM ITINERANTE E PARALELO
SOBRE A PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2008).
Diante dessa ausência estatal, as redes sociais se tornam cada vez mais
importantes. Algumas trabalhadoras, durante a sua ausência para trabalhar fora,
contam com a ajuda da vizinha para cuidar dos filhos. Porém, como isso nem
sempre é possível, é comum situações como a relatada por uma moradora, que,
para ir trabalhar, tem que deixar em casa os filhos menores de idade sozinhos. A
mais velha geralmente fica com a incumbência de cuidar da menor.
Os meus, quando eu saio para trabalhar têm que ficar sozinhos. A minha
tem doze [anos] e o meu tem oito [anos]. Eu peço para a minha vizinha ir lá
dar comida, pois meu medo é do gás, pensou eu chegar em casa e...
(R2).
É criança tomando conta de criança (R3).
Esses depoimentos confirmam a importância de grupos que ultrapassam os limites
do domicílio (redes sociais de parentes, amigos, vizinhos), como parte fundamental
das estragias para enfrentar as dificuldades e escassez de recursos materiais
entre as famílias pobres (LOPES; GOTSHALK, 1990; GONZÁLES DE LA ROCHA,
1998; GARCIA; OLIVEIRA, 1994 apud GOLDANI, 2002).
É compreensível que essa crítica, em relação à ausência do Estado em garantir
direitos sociais mínimos, como saúde e educação, tenha surgido no grupo das
mulheres, pois cabe a elas sincronizar a vida laboral com a vida doméstica.
Um dos aspectos mais evidentes, quando se analisam as relações entre família e
espaço blico, é o de que “o doméstico” permanece como o principal elemento de
mediação da vida das mulheres, mesmo que isso ocorra de forma involunria. Por
essa razão, os aspectos “internos” à família cuidado ou atividades de reprodução
da vida doméstica assim como aspectos envolvendo as mulheres no mercado de
trabalho necessitam ser observados, também, sob o prisma da interação entre a
esfera doméstica/familiar e a esfera pública, problematizando-a em relação às
articulações com o mercado e com o Estado, a exemplo de vários autores (ARAÚJO;
SCALON, 2006).
82
3.4 RISCOS PERCEBIDOS E MORBIDADES REFERIDAS
A participação dos trabalhadores é considerada essencial para a identificação dos
fatores de risco presentes no trabalho e das repercussões destes sobre o processo
saúde-doença. Também é fundamental para a transformação das condições
geradoras de acidentes e doença. Na atualidade, o crescimento das relações
informais e precárias de trabalho exige a criação ou identificação de novas
modalidades de representação dos trabalhadores, para além das organizações
sindicais tradicionais (SILVEIRA; RIBEIRO; LINO, apud DIAS, 2007).
Os trabalhadores da construção civil e as trabalhadoras domésticas citam diversos
riscos de adoecer e morbidades relacionadas com sua ocupação no mercado de
trabalho.
Entre as trabalhadoras domésticas, os principais fatores de risco de adoecimento no
trabalho apontados foram: o relacionamento patrão-empregada, os produtos
químicos (principalmente o cloro) e a altura quando necessitam limpar janelas:
O cloro, eu fui falar que meus dedos estavam inchando, fui chamada de
mentirosa e já fiquei estressada. Fiquei com tudo vermelho (R8).
É porque é assim. Tem patroas boas, mas tem patroas abusadas (V6).
É de acidente, o maior risco é este, quando não tem grade na janela. Subir
uma escada e limpar a janela (V6).
As principais morbidades associadas ao trabalho foram: estresse, alergias,
dermatites, problemas respiratórios, rouquidão, dor de cabeça, falta de ar e
lombalgia. Apesar do sofrimento, relatam a necessidade de continuar trabalhando,
mesmo doentes e o dinheiro, muitas vezes é usado para comprar remédios.
O estresse. Problemas respiratórios por causa dos químicos. Para eu
sobreviver, eu tenho que encarar este problema assim mesmo. Com dor de
cabeça, ou com falta de ar, ou com alguma coisa eu tenho que encarar. Eu
preciso sobreviver e criar os meus filhos. Tenho que encarar a realidade.
o dinheiro que eles pagam à gente, não recompensa o remédio que a gente
tem que comprar depois (R3).
Alergia, eu não consigo mexer em sabão em pó e cloro (R9).
Semana passada, eu fui lavar um banheiro e tive que jogar cloro. Quando
cheguei em casa, tive que comprar remédio de tanto que tinha irritado a
garganta e o nariz (R7).
Eu trabalho doente, porque, se eu faltar, eu não vou ter dinheiro. Tem vez
que você trabalha tonta, tem dor de cabeça no serviço, dor de coluna. Dor
83
de coluna é o pior, é o que mata, o meu problema maior é este. Tem dia
que eu não agüentando. Tomo um remedinho e vou embora. A coluna
estraga. Você vai pegar no serviço... Você não pode levar atestado. Isso
não existe levar atestado para um dia de faxina. Então, se eu não for, eu
não recebo. Tenho que trabalhar doente, então. Diarista é bom, porque
você recebe mais dinheiro, mas se vofaltar... é difícil achar uma pessoa
que aceita isto. Eu até hoje não achei (R12).
O ano passado, eu tive dor nos rins. Mas era uma dor mesmo. Não tinha
remédio que eu tomasse que passava, não. Mas eu fui trabalhar, porque eu
precisava trabalhar. Mas se chego e falo que estou com dor nos rins, não
adianta nada, pois eles não ligam muito (R8).
Esses dados coincidem com os encontrados por Iriart et al. (2008), quando as
trabalhadoras entrevistadas mencionaram problemas de coluna e dores lombares
(devido ao constante movimento de flexão e levantamento de peso), bursite, dores
nas pernas, inchaço no joelho e alergias a produtos de limpeza como problemas de
doença associados ao trabalho doméstico.
Além disso, há o medo do desemprego e o desânimo de se sair dali, ter que
enfrentar os mesmos problemas em outro serviço. Dessa forma, elas se sujeitam
diante da necessidade de sobrevivência delas e dos filhos:
A gente é assim, saiu já sabe que tem outra na porta esperando para entrar,
porque o desemprego está terrível aí fora [...]. A gente vai sair dali e ter que
encarar um outro na semana seguinte, porque tem as contas para pagar
(R6).
Por outro lado, a expressão de trabalhadoras mais maduras nos faz pensar que
outras possibilidades de agir de acordo com o contexto no qual estão inseridas.
Mesmo estimuladas pelos trabalhadores e pela moderadora a reconhecerem alguns
possíveis riscos presentes no ambiente de trabalho doméstico (peso, acidentes,
produtos químicos), culpam as próprias trabalhadoras por se exporem a tais riscos,
que poderiam se negar a fazer o que mandam. As que aceitam se expor são
inexperientes ou bobas. Consideram que pessoas experientes como elas não
sofrem acidentes, nem adoecem pelo trabalho, pois já conhecem os riscos na
execução de sua ocupação e caberia a elas não se expor a tais riscos. Talvez o fato
de já terem criado os filhos dê a essas mulheres mais autonomia na organização do
trabalho, fazendo com que não se sujeitem às imposições que consideram injustas e
inapropriadas: elas se recusam a pegar pesos, usam luvas para mexer com
produtos químicos e não se penduram em janelas:
84
Quando a pessoa está acostumada como ela ali, eu, ela ali também. A
gente tira de letra. E nada de se pendurar na janela. Eu sou mesmo
abusada. Limpeza na janela eu digo, to fora. Peso, isto é coisa de homem
(V2).
A autoconfiança criada pode ser firmada pela experncia prática acumulada durante
o tempo de serviço, permitindo a criação de novos procedimentos de trabalho, a
adaptação ou até mesmo a promão de soluções capazes de melhorar a
segurança e o conforto no trabalho.
Uma participante reproduziu um diálogo vivido por ela e sua patroa, para
exemplificar que ser submissa é uma qualidade mais valorizada no serviço de
doméstica do que ser trabalhadora. Para facilitar o entendimento desse diálogo, ele
foi transcrito identificando a doméstica como D, a patroa como P e a irmã da
doméstica, que também trabalhava para aquela patroa, como I.
no décimo quinto andar, você olhava para baixo tudo pequenininho: ‘Ah
porque tem que limpar a janela, porque não sei o quê’.
D Se eu me pendurar como você quer, eu caio e quem vai cuidar da
minha filha?
P – Morreu, enterra.
Eu peguei ela por aqui [mostra a camisa]. Dei umas sacudidas nela. Ela se
dirigiu para a minha irmã que também trabalhava para ela e disse:
P– Guria, pelo amor de Deus, você pode ficar, mas sua irmã é
trabalhadeira, mas eu não quero... Você pode ficar, mas sua irmã, não. Ela
quis me bater.
Mas não contou pra minha irmã o porquê.
I – Você tinha que fazer.
D – Você é que é boba, eu não sou não.
A minha irmã trabalhou lá 22 anos
Esse relato nos faz refletir como a submissão é uma característica valorizada nessa
ocupação, talvez por ser considerada, por alguns autores, uma reminiscência do
período escravagista e colonial, um resquício dos tempos de escravidão (IRIART et
al., 2008). Essa atividade apresenta como característica marcantes o isolamento
social, a unidade entre o local de trabalho e o de moradia, além da baixa
regulamentação social ou estatal, que favorece uma superexploração por parte dos
empregadores (MILKMAN, 1998; MELO, 1998; KOFES, 2001, apud IRIART et al.,
2008)
85
Entre os trabalhadores da construção civil, os principais riscos encontrados no
trabalho foram: ruído, cargas pesadas, posições inadequadas de serviço e os riscos
químicos.
Eu acho que o que mais prejudica na construção é a poluição de resíduos e
a poluição sonora (A12).
É sempre essa coceira e às vezes temos que estar tirando alguma coisa
que cai nas vistas. E às vezes as sujeiras que caem no rosto, a gente tem
que sempre tá lavando o rosto (A12).
É serviço bruto mesmo, não tem como [...] (V3).
[...] Chego pego peso, pego um saco de cimento, pego uma outra coisa
[...] (A3).
A gente trabalha com muita química na construção civil e é um fator de risco
para pele, para olho, para o corpo, para tudo na vida desta pessoa (A10).
Os riscos relatados coincidem, em grande parte, com aqueles encontrados no
estudo de Iriart et al. (2008), em que os trabalhadores da construção civil
identificaram como riscos presentes no ambiente de trabalho: ser atingido por
objetos, carregar peso, manter contato com substâncias tóxicas e objetos
perfurocortantes, além do risco de queda.
Em relação ao risco químico, os trabalhadores da presente pesquisa relataram que o
que mais preocupa é o caráter insidioso e invisível desse risco. Tanto os
trabalhadores autônomos, como os que trabalham em grandes empresas, não
sabem exatamente com o que estão lidando e o que aquilo pode acarretar no futuro.
Sentem que é como um veneno que está ali, que ninguém enxerga mas que pode ir
matando as pessoas aos poucos:
Dentro da área da XLP
21
[...] ainda existe o problema do gás CO, s
benzeno, diversos tipos de gás, me parece que são umas oito ou seis
qualidades de gás. Ainda o que prejudica a gente ali dentro é o ruído como
ele falou [...] (A4).
[fala de um trabalhador autônomo] Tem uma coisa muito importante
também que é a química do material que a gente trabalha. Porque [se], lá
na XLP, mesmo com toda segurança, isto acontece [imagina com a gente].
A gente trabalha com tinner, diversos tipos de cola, tintas, cimentos, todos
esses materiais têm química e química brava. Todos estes, se você olhar as
recomendações, está pedindo para não ingerir, passar na pele, procurar um
médico. Eu acho que é tipo um veneno que vai acabando pouco a pouco
com você e você não percebe, entendeu? Porque são coisas que estão ali e
ninguém percebe [...] (A10).
21
XLP é a sigla fictícia de uma siderúrgica de renome internacional, localizada na região metropolitana da
Grande Vitória, no Estado do Espírito Santo, especializada na produção de aço.
86
Um participante relatou ser comum os trabalhadores da construção civil terem que
aprender na prática, sem treinamento e sem informações anteriores, sobre as
funções que vão desempenhar e os riscos com os quais vão ter que lidar. Isso
demonstra que, diante do descuido com a segurança no trabalho, é a experiência de
um saber de ofício adquirido durante a prática do trabalho que mais protege a saúde
daquele operário. Dessa forma, é a condição de assalariamento e de subordinação a
outros níveis hierárquicos que diminui a autonomia em frente aos riscos, que, por
sua vez, se torna também um risco, à medida que têm que se sujeitar a trabalhar em
condições prejudiciais à saúde. O tom dado pelos operários de empresas é
diferenciado daquele dispensado pelos pedreiros autônomos, eles reconhecem os
riscos, mas são obrigados a fazer para não perder o emprego:
Na construção civil é assim, vonão tem profissão. O desvio de função é
uma coisa que pode. Uma coisa é o que está na CLT. Você entra para
trabalhar de pedreiro, você têm que fazer serviço de lavrador, carpinteiro,
auxiliar, se bestar eles botam vo para ler projetos, serviço de
encarregado. Quer dizer, tudo que você faz, prejudica a sua saúde. Não tem
como (V3).
Segundo Dejours (1986), tudo o que concerne ao trabalho – às condições de
trabalho e a organização do trabalho deveria ser controlado pelos próprios
trabalhadores.
Ao discorrer sobre aspectos de organizão do trabalho e segurança e saúde na
indústria da construção civil, Medeiros e Rodrigues (2001) afirmam que as condições
reais dos canteiros de obra se configuram como riscos. Esses riscos são
agravados pelas variações nos métodos de trabalho realizados pelos operários, em
função de situações não previstas, mas que, na realidade, são bastante constantes.
Não existem procedimentos de execução formalizados na maioria das empresas,
existindo, no máximo, instruções verbais. Muitas vezes, o os próprios
trabalhadores que fazem a regulação desses procedimentos, por ações informais ou
não usuais. Esse saber pragmático é incompleto e pouco tranqüilizador, pois é
colocado em xeque por uma troca de posto de trabalho ou pela instalação de um
novo equipamento.
Sobre a inteligência prática dos trabalhadores, Dejours (1993) afirma que sua
primeira característica é estar fundamentalmente enraizada no corpo. Qualquer
evento que rompa a rotina ou ocasione desagrado podendo ser um ruído, uma
87
vibração, um cheiro, um sinal visual pode solicitar o sujeito, mas primeiro, o seu
corpo, os seus sentidos. Isso ocorre desde que exista previamente uma experiência
vivida pelo corpo inteiro da situação comum de trabalho. É esta inteligência,
chamada pelo autor de inteligência astuciosa, que proporciona muitos ajustes
necessários à organização do trabalho e à prevenção de acidentes.
De maneira geral, tanto as trabalhadoras domésticas como os trabalhadores da
construção civil tenderam a minimizar o risco de se acidentarem durante a execução
de tarefas laborais. Talvez não admitir que haja freqüentemente acidentes seja um
mecanismo de defesa diante do sofrimento psíquico relacionado com as condições
de trabalho em que não podem interferir. Quando o acidente foi citado, foi associado
à falta de experiência da pessoa em lidar com os riscos. Percebe-se que, ao invés
de haver um esclarecimento das causas do acidente, na tentativa de detectar sua
causa e evitar a ocorrência de outros acidentes futuros, há uma tendência de
ocultamento do caso:
Tem risco de acidentes. Cortar mármore, um disco cego, por exemplo, se
ele agarrar na pedra ali, e o camarada não tem o hábito. Ele na verdade não
sabe utilizar o manguito. Aquilo está arriscado voltar na mão dele e cortar a
mão dele. Um exemplo do que acontece na área da XLP, o rapaz estava
cortando com uma circular, eu não tenho certeza, mas todo mundo
desconfiou que aquele disco estivesse trincado. Ele meteu o disco na
madeira, na hora que ele encostou lá, o disco terminou de trincar, voou uma
lasca e atingiu o outro [trabalhador] no pescoço. Eu não sei o que realmente
aconteceu, porque, nestas áreas industriais, é tudo por debaixo dos panos.
Você pode reparar que nunca morre ninguém lá dentro, não morre. Nós que
estamos lá dentro sabemos, mas não morre ninguém lá dentro (V3).
O ramo da construção civil, segundo Iriart et al. (2008), abriga uma realidade dura,
no que diz respeito às condições de trabalho: é considerado um dos mais perigosos
em todo o mundo, inclusive no Brasil, liderando as taxas de acidentes de trabalho
fatais, não fatais e anos de vida perdidos. A incidência de acidentes ocupacionais
não fatais, também é alta na ocupação de trabalhadoras domésticas, estimada em
7,3%, para a região metropolitana de Salvador-BA (SANTANA et al., apud IRIART et
al., 2008).
Quanto aos acidentes de trabalho na construção civil, Athayde (1996) reforça a idéia
anterior sobre a percepção e reação dos trabalhadores, pois observa ainda, no
discurso dos operários, cipeiros e engenheiros, a negação do quadro de violência
sobre a saúde e segurança nos canteiros e a aceitação da tese de falha humana.
88
A consciência aguda do risco de acidente, mesmo sem maiores envolvimentos
emocionais, obrigaria o trabalhador a tomar tantas precauções individuais que ele se
tornaria ineficaz do ponto de vista da realização do seu trabalho (DEJOURS, 2003).
Por outro lado, há também a percepção de que o acidente é expressão de uma
dimensão maior que é a organizão do trabalho, a rotina do dia-a-dia, reconhecida
como bruta e para a qual eles têm que se sujeitar. Dessa forma, mesmo a utilização
dos equipamentos de proteção individual (EPI) não daria conta de lhes proteger de
muitos outros acidentes e doenças adquiridas no trabalho:
Eu não considero que foi um acidente. A rotina que tem lá dentro, ele não
agüentou e existem muitos ali, eu conheço muitos que ali dentro perderam a
saúde. Inclusive tem um rapaz, que agora mora na Serra. Trabalhou com a
gente quatro anos na mesma empresa que eu trabalho hoje, ele era
marceveteiro, eu trabalhei oito anos como marceveteiro também, ele
trabalhou três anos e, no último ano, já trabalhou no empurrão, e hoje teve
que se encostar também. Exatamente por causa disto. Problema de gás,
água (A4).
Os EPIs só resolve para alguns acidentes, mas sobre outros não tem como.
Construção civil é peso. Se o cara trabalhar a semana todo colocando piso,
que coluna vai agüentar (V1)?
Citam a tentativa de ocultação das mortes e adoecimentos causados pela
organização do trabalho por motivos ecomicos. A imagem negativa da empresa
no mercado poderia prejudicar o valor de suas mercadorias e algumas pessoas com
cargos de chefia poderiam ser punidas.
Ah... Isto é óbvio. Não morre ninguém lá dentro. Quem vai querer um
produto cheio de sangue. Quem vai comprar isto lá fora. Começa a divulgar
isto. Aonde vai para os preços da XLP e YVA?
22
O preço disto? E aí como é
que fica? Não é que eles se importam com as mortes de que está aqui. O
que importa são os valores (V3).
O negócio é que tem muito cargo em jogo. Se acontecer um negócio deste
muito neguinho cai. Por que o cnico não avisou? Porque isto, porque
aquilo, porque o encarregado vai tudo na mesma água. Então todo mundo
abafa (V4).
Em relação aos riscos, os autônomos podem até, em certos momentos, estar mais
expostos a eles, mas isso é compensado com uma maior autonomia, com maior
possibilidade de controlar sua exposição a eles, diferentemente de um operário que
tem que se subordinar, na organização do seu trabalho, em um ritmo, muitas vezes,
que não é o dele. No autônomo, apesar de, às vezes, se impor um ritmo maior para
22
YVA é a sigla fictícia de uma mineradora multinacional que produz e comercializa minério de ferro, pelotas,
níquel, concentrado de cobre, carvão, bauxita, alumina, alumínio, potássio, caulim, manganês e ferroligas.
89
auferir maior retorno financeiro ao seu trabalho, um espaço maior de negociação
com a organização do trabalho.
Até quando se trata do uso ou não do EPI, também há um tom diferenciado entre os
operários de grandes empresas quando comparados com os autônomos. No caso
dos autônomos, uma possibilidade de negociação com a realidade. Usam,
quando entendem que devem, o usam se consideram que pode prejudicar mais
do que ajudar. Nas empresas, eles não têm esse direito à negociação, usam porque
é obrigatório. É uma norma de fora, junto com outras tantas que a organizão do
trabalho traz e que, na verdade, pode colocar o trabalhador ainda em maior risco,
pois ilude. Apesar de estar usando um material que deveria protegê-lo, o EPI, por si
, não consegue fazê-lo, e isso se torna perceptível, à medida que os operários
continuam adoecendo por trabalhar nessas empresas, mesmo fazendo uso
obrigatório de EPIs.
Apesar da consciência dos riscos ambientais (físicos e químicos), muitos
trabalhadores, principalmente os informais, não costumam usar nenhum
equipamento de proteção individual e alguns dos motivos citados foram: são
incômodos, o têm costume, diminuem a agilidade necessária para o trabalho e,
muitas vezes, não resolve:
Na construção civil você usa uma camisa de manga curta, qualquer produto
químico que você mexe, você vai lixar uma parede emassada, por exemplo,
aquilo ali vai te prejudicar.Quero deixar claro que a empresa dá os EPIs,
certo? Mas nem sempre todo mundo respeita. Você vai trabalhar com
cimento, o cimento é um produto químico, o cal é um produto químico, você
está com uma camisa curta, aquilo vai ficar em contato com a sua pele [...].
Mas o que acontece é o seguinte, o EPI te ajuda, ele não resolve o
problema. Em relação à poeira, você usa o respirador, mas ele não vai
evitar que amanhã vo tenha um problema de pulmão, um problema
respiratório e outros mais (V3).
É serviço bruto mesmo, não tem como é uma hérnia de disco, um bico de
papagaio mais tarde. Aí vai uma série de outros problemas. Não tem como,
trabalhando na construção civil, mesmo que você use corretamente os
EPIs, não tem como (V3).
A empresa ainda fornece os equipamentos, mas os autônomos não têm. Às
vezes você não tem costume de usar o equipamento apropriado (V2).
Não é que o cara não usa. Existe o técnico em segurança da empresa,
mesmo ele explicando as pessoas às vezes fazem um mau uso. Não usam
como deveriam usar (V3).
Às vezes os EPIs atrapalham você a fazer aquele serviço. Principalmente a
luva. A luva tem gente que vai rebocar tem costume de usar a luva, mas
90
tem gente que não tem esse costume de usar a luva, reboca direto, vai
comer o dedo, entre outras coisas. Você vai carregar peso, deveria colocar
o cinturão de couro para não dar problema, mas ninguém usa (V4).
Aqui dedo furado de cimento. Eu até tenho luva, mas não boto (V1).
Em relação ao uso de EPIs. A gente vai cortar uma parede, por exemplo,
usar uma máscara e um óculos não certo. Você tem que ficar com a
máscara e proteger o olho de alguma maneira, ou proteger o olho e tirar a
máscara. Os dois juntos não certo. Se você usar os dois, a respiração
embassa os óculos. Ou você respira poeira, ou tira os óculos (V5).
[...] Principalmente a gente que trabalha como autônomo a gente não se
protege. Dificilmente você alguém usando uma máscara, usando um
protetor de ouvido, é muito difícil colocar um óculos. A gente não usa
proteção quase nenhuma. Mal, mal você alguém usando um chinelo,
botando uma bota. A gente não acostuma. A gente que acostumou trabalhar
assim de autônomo, a gente coloca uma bota e logo começa a incomodar,
estamos acostumados a trabalhar de bermuda, de chinelo de dedo (A12).
Toda vez que eu tô cortando, eu lembro. Eu tenho óculos lá em casa,
aparelho de colocar no ouvido e não levo. É relaxo mesmo. (A11)
No estudo de Iriart et al. (2008), entre alguns trabalhadores, transparece um
sentimento de impotência em frente ao risco de acidentes, dada a impossibilidade de
diminuí-los com medidas de protão efetivas. A não disponibilização dos
equipamentos de proteção individual e coletiva pelas empresas ou a falta de
condições financeiras dos trabalhadores autônomos para a aquisição do
equipamento necessário levam a que muitos realizem o trabalho sem nenhuma
proteção ou tendo que improvisar medidas paliativas.
Conforme Souza (1997, p.118), "[...] os trabalhadores, acostumados a conviver com
a precariedade das condições de trabalho, desenvolvem o senso comum de que
estas condições são normais, próprias do trabalho em obra e transmitem esse
conceito aos companheiros nas várias obras em que atuam”.
Dejours (2003) inclui essa atitude imprudente entre as chamadas estratégias
defensivas de “negação do risco” e afirma ser funcional tanto no nível do grupo,
garantindo sua coesão e coragem, quanto no nível do pprio trabalho, garantindo
que seja realizado. Nesse sentido, a atitude de não usar o EPI pode ser
demonstração de bravura e virilidade, imagem esta que parece querer assumir,
principalmente na presença de um outro companheiro:
O cara que trabalha na construção como autônomo criou um hábito de não
se proteger e, quando está trabalhando com outro, cortando alguma coisa e
91
coloca uma máscara: Esse é bichinha, é frescura dele...’. Não sabem a
necessidade que tem! (A12).
São fatos como esses que, segundo esse autor, levaram alguns autores a dizer que
a psicopatologia dos operários da construção civil” se caracterizava por um gosto
pronunciado pelo perigo e pela performace sica, por meio de tros dominados
pelo orgulho, rivalidade, valores ligados a sinais exteriores de virilidade, mas
também pela temeridade, ou seja, inconsciência diante da realidade, ausência de
disciplina, etc.
A hipótese de naturalização dos riscos fica ainda mais reforçada quando dizem que
continuam trabalhando mesmo cientes dos riscos e quando agradecem a Deus por
ainda não estarem doentes. Se, para não adoecer, dependem de Deus, então, não
têm por que se proteger. A própria fé desafia as dificuldades da vida e protege das
situações das quais eles não têm controle, quando o têm com quem contar.
Dessa forma, somente Deus é quem pode determinar a ocorrência dos acidentes e,
conseqüentemente, protegê-los também. A constitui, então, uma defesa contra os
perigos do trabalho.
Apesar de as grandes empresas terem todo um departamento de segurança do
trabalho funcionando, em alguns casos, seus funcionários não se sentem seguros.
Para eles, só Deus pode dar essa segurança:
Dentro da área da XLP, eles trabalham muito em cima de tudo isto que
vocês falou aqui, segurança no trabalho. Mas com tudo isto a dificuldade ali
é grande, porque ali ainda existe o problema do s CO, gás benzeno,
diversos tipos de gás, me parece que o umas oito ou seis qualidades de
gás. Ainda o que prejudica a gente ali dentro é o ruído, como ele falou. Eles
têm toda a proteção, é uso obrigatório, máscara, óculos, fone de ouvido,
mas, com tudo isso, a dificuldade é grande, devido à poluição, tanto que o
cara que trabalha lá dentro muitas vezes sente dor nos ossos, muitas
pessoas... eu agradeço a DEUS por ainda não estar com estes problemas,
mas tem pessoas ali dentro com problemas nos ossos, dor de cabeça forte.
Eu levei um irmão meu pra lá, ele trabalhou comigo um ano, se eu não tiro
ele dali de dentro, ele tinha morrido instantaneamente. Ele passou a sentir
problemas que nunca tinha acontecido na vida dele. Problemas na mente,
ele ficou esquecido, tremia, perdia o lugar onde tava, eu não sei explicar
direitinho o que é. O que sei é que hoje, graças a Deus ele, encostou e está
sobrevivendo (A4).
Em relação às morbidades, os trabalhadores da construção civil relataram
principalmente: perda auditiva, diminuição da acuidade visual, dores nas costas,
dores nos ossos, dores de cabeça transtornos mentais, dores nos membros
(superiores e inferiores), dermatites e alergias:
92
Eu acho que a parte mais castigada de quem trabalha na construção é os
olhos e os ouvidos. Quase sempre a gente dormindo à noite e vem
aquele ruído na cabeça (A12).
De vez em quando ele (referindo-se a um irmão que trabalhou na XLP) fica
inquieto,irritação, fica falando assim que vai morrer, pra gente, com falta
de ar. Coitado, aquilo ali atacou ele muito (A5).
Eu mesmo tenho um problema na pele que é tipo uma verrugazinha e com
o tempo se torna uma mancha e eu tenho a certeza que é química destes
materiais (A10).
Dentro da área da XLP [...] a dificuldade ali é grande, [...] tanto que o cara
que trabalha dentro muitas vezes sente dor nos ossos, muitas pessoas...
com problemas nos ossos, dor de cabeça forte (A5).
[...] Eu trabalhei nove meses na XLP e, nestes nove meses, eu perdi 45%
da minha audição. Às vezes alguém passa e mexe comigo e eu não escuto
(A1).
Eu tive problemas no joelho. Fiquei rios anos com o joelho inchado, tinha
horas que eu não suportava andar direito, de trabalhar assim de joelhos
(V5).
É serviço bruto mesmo, não tem como é uma hérnia de disco, um bico de
papagaio mais tarde. Aí vai uma série de outros problemas (V3).
Muitos desses problemas coincidem com o encontrado por Iriart et al. (2008) ao
estudar os problemas associados à saúde de trabalhadores da construção civil,
decorrentes do trabalho. Nesse estudo, foram citados os problemas de coluna, os
respiratórios (em conseqüência da inalação de poeira e cheiro de tinta), rnia,
dores musculares, dores nas pernas e corrosão das mãos (pela manipulação de
cimento).
Porém, mesmo se percebendo enfermos, esses trabalhadores da construção civil,
em sua maioria, não costumam procurar o médico enquanto conseguem continuar
trabalhando. Uma das razões apontadas por eles para que isso ocorra é o receio de
que o médico diga que precisam ficar um tempo sem trabalhar para que haja a cura,
o que não poderão fazer diante da necessidade econômica para a sobrevivência.
Meu problema está sendo o nariz sempre entupido, inclusive hoje eu estou
assim, mas eu nunca corri atrás de médico por causa disto aí (A3).
Eu fui no médico por causa de alergia e ele me pediu para descobrir o
que me faz alergia. E aí, mexendo com massa cimento, não tem jeito (A2).
Aí o cara vai falar para você não trabalhar. E aí? Você vive de quê? (A11).
Imagina eu, por acaso, chego no médico e ele me diz que eu tenho que ficar
30 dias sem trabalhar. E aí o que eu vou fazer? (A10).
93
Eu sou igual a ele mesmo. Ainda mais que eu tenho problema de coluna. Se
eu for procurar o médico lá na clínica dos acidentados, quando eu chegar lá,
ele vai querer engessar e eu não quero colocar um gesso. O gesso não vai
dar jeito. Talvez se ele passar um remédio vai melhorar, não vai? Todo
mundo diz que gesso é ruim (A3).
Eu tenho os braços machucados. Tem uns 15 anos que eu tenho esse
braço machucado, a parte dos ombros, do tornozelo, entendeu? Tem vezes
que i mais do que se estivesse quebrado. Dói direto, mas eu também
trabalho direto e não vou ao médico. Tem dia que está doendo muito (A5).
No meu caso, eu, graças a Deus, agradeço a Deus todo dia, porque nunca
tive problema de saúde que eu tivesse que parar no hospital, agradeço a
Deus muito por isto. Só fui parar em hospital por causa de um acidente. Eu
sofri este acidente, fiquei enrolando e depois de oito dias, quando estava
muito inchada e vi que não tinha mais jeito, eu procurei o médico. Enquanto
tava dando jeito de ir levando, eu ia. Achava o negócio iria sarar, aí, quando
eu vi que o negócio tava feio, eu procurei o médico. Só procurei quando eu
não agüentei de dor mesmo (A10).
O estar doente redefine o sistema de vínculos o somente do indivíduo adoentado,
mas do entorno situacional, que regula o comportamento dos demais com o doente.
Por essa razão, a inclusão de uma terceira categoria cuidado no par conceitual
saúde-doença, significa um componente que não se pode deixar de incorporar na
constituição de uma ciência da saúde humana (SAMAJA, 2000).
Ao pensar em necessidades de saúde, é comum a associação com a “assistência”,
pois a imagem mais clara delas está representada pela procura por cuidados
médicos que um doente faz ao dirigir-se a um serviço assistencial. Essa procura é
caracterizada como demanda e é motivada por algo que o indivíduo entende como
carencial e que pode ser satisfeito (SCHRAIBER; MENDES-GONÇALVES, 2000).
Assim, dada a circularidade entre necessidades e o processo de trabalho, o
resultado dessas ações tem sido reconhecido como resposta à necessidade que
levou o usuário ao serviço e, a partir dessa resposta, reitera-se ao usuário o que ele
precisará consumir em situação semelhante, bem como onde buscá-la. Por isso, o
modo de organizar socialmente as ações em saúde para a produção e distribuição
efetiva dos serviços será não apenas resposta a necessidades, mas, imediatamente,
“contexto instaurador de necessidades” (SCHRAIBER; MENDES-GONÇALVES,
2000).
Dessa forma, para entendermos as necessidades de saúde desses trabalhadores, é importante
analisarmos, sob a ótica deles, como tem sido (e se tem sido atendidas) suas demandas, na
Unidade de Saúde da Família (USF) do bairro.
94
CAPÍTULO IV
AS NECESSIDADES DE SAÚDE E A UTILIZAÇÃO DA UNIDADE DE SAÚDE DA
FAMÍLIA DO BAIRRO
Este capítulo tem como objetivo apresentar e analisar dados obtidos na pesquisa
acerca das necessidades de saúde e a utilização dos serviços de saúde,
especialmente a Unidade de Saúde da Família de Jardim Carapina, na ótica de
trabalhadores da construção civil e de trabalhadoras domésticas que participaram
dos grupos focais.
Neste momento, algumas questões merecem ser destacadas. A utilização de
serviços de saúde é um comportamento complexo, resultante de um conjunto amplo
de determinantes que incluem as características de organização da oferta, o perfil
epidemiológico, aspectos relacionados com os prestadores de serviços, além de
características do próprio usuário associadas ao seu perfil sociodemográfico e
econômico (TRAVASSOS; MARTINS, 2004).
Principalmente os trabalhadores dos grupos estudados se percebem responsáveis
pela própria saúde, sabem que o estilo de vida adotado por eles pode influenciá-la,
mas m a clareza de que os profissionais de saúde, em especial o médico, têm um
papel importante de orientação, sobretudo em caso de adoecimento:
Eu acho que o responsável pela saúde da gente é a gente. Mas o médico,
na hora que você está com algum problema [de doença], não é você que vai
resolver, você não é medico. Tem hora que eu posso passar mal e precisar
do doutor. É lógico (V1).
O que eu gosto de observar também é que o povo brasileiro parece ser
dominado por vícios. A bebida, o nosso cigarro prejudica a gente a ser feliz
também. São rios fatores que vão se acumulando e onde a saúde da
gente vai ficando debilitada e continua, porque, às vezes, a gente não pára.
A gente pára depois que o médico fala: ‘Se você não parar você morre’.
Aconteceu comigo (A2).
Não é que o dico é o responsável [por nossa saúde], mas ele vai te
orientar, cabe a você praticar aquilo [que ele orientou] (V3).
Quando percebem que necessitam de cuidados de sde, a maioria depende quase
exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS). Para essas pessoas, diante da
falta de recursos financeiros, o SUS representa a única opção. Apenas ts pessoas
95
disseram possuir plano de saúde privado. Porém alguns trabalhadores, diante da
falta de acesso e de nculo com os profissionais da USF, usam, quando podem, o
sistema de desembolso direto que, por ser mais rápido, se torna mais vantajoso,
para quem necessita retornar rapidamente ao trabalho.
O horário que [hoje funcionando as USF] atinge o meu horário de
trabalho. Eu preciso trabalhar e não posso ficar ali esperando este
atendimento. Eu paguei uma bateria de exames particular, deu R$ 380,00.
Se eu fosse fazer pelo SUS, eu perdia pelo menos um mês [de trabalho]. Se
eu ganho dois mil reais e eu gasto [R$] 500,00, eu gasto um quarto e
resolvo o problema em meia hora (V1).
Criado pela Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde foi concebido visando
à redução do risco de doença e de outros agravos e garantir a acesso universal e
igualitário às ações e serviços de saúde a milhões de brasileiros que estavam à
margem do sistema de saúde que era, antes, restrito aos trabalhadores que
pagavam a previdência e a quem podia pagar (BRASIL, 1988).
O Ministério da Saúde tem incentivado a Saúde da Família como principal estratégia
para o fortalecimento do nível de atenção básica, assumida pelo SUS como sua
porta de entrada fundamental para sua organização (BRASIL, 2006).
4.1 A NECESSIDADE DE ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE
A garantia do acesso aos serviços de saúde é importante, pois, assim como o
comportamento e os estressores sociais, esse acesso é considerado um fator de
mediação que opera de forma indireta (muitas delas desconhecidas) em seu efeito
sobre a saúde. A cadeia de causas dos determinantes dos estados de saúde é
complexa. Envolve, além desses, fatores antecedentes (como o contexto ambiental),
as condições sociais e as relações sociais e os fatores de risco genético
(STARFIELD, 2002).
A idéia de garantir acesso às tecnologias de saúde para melhorar e prolongar a vida
espresente em vários autores, como Bradshaw, Pineault (apud STOTZ, 1991),
que elaboraram taxonomias de necessidades de saúde nas quais se pode
reconhecer que, implicitamente, se fala de necessidades identificadas pelos técnicos
ou pelos usuários do sistema, traduzida ou não em demanda, da mesma forma que
96
se está tentando qualificar em que medida os serviços de saúde estão dando conta
de lidar com essas demandas (CECÍLIO; MATSUMOTO, 2006).
No Brasil, o acesso universal e igualitário à saúde é um direito de todo cidadão,
desde a Constituição Federal de 1988 e a Lei Orgânica da Saúde de 1990. Portanto,
um parâmetro importante consiste em avaliar se o modelo procurou universalizar a
atenção, agregando demandas ou, ao contrário, focalizou-a priorizando grupos
específicos, selecionando ações de maior impacto (MALTA, 2001).
O acesso aos serviços de saúde oferecidos na USF do bairro é um problema
destacado pela maioria dos trabalhadores pesquisados, havendo barreiras na forma
como os serviços estão organizados. Entre as dificuldades citadas, estão: a demora
e a dificuldade em conseguir agendamento; a falta de profissionais e de
equipamentos necessários; o número de vagas ofertadas pela USF, para atender à
demanda espontânea, ser menor do que o necessitado pela comunidade.
Quando eu estou doente, procuro a USF do bairro, pois só tem aqui. Se
tiver agenda aberta, você consegue. Se não tiver, você não consegue, não.
Abre a agenda para marcar, preventivo, pediatra, só isto, só aquilo.
Eu fiquei mais de dois meses para conseguir marcar. Você vai à médica,
não tá lá. Ou você vai e já está lotado (R11).
Uma mãe relatou a dificuldade que enfrenta quando todos os quatro filhos adoecem.
Percebe que o atendimento prestado na USF continua individualizado, apesar de
dizerem que o foco de atenção das equipes da estratégia de saúde da família (ESF)
é a família.
Eu tenho quatro filhos, se eles todos estão doentes, eu tenho que consultar
um. Às vezes peço para o meu mais velho também pegar uma ficha e
consigo consultar dois. Eles falam que é a família... Mas fica difícil eu
escolher (R1).
O acompanhamento e a avaliação sistemática das ações implementadas, visando à
readequação do processo de trabalho à prática do cuidado familiar ampliado,
deveria ser uma das características do processo de trabalho das Equipes de Saúde
da Família, efetivadas por meio do conhecimento da estrutura e da funcionalidade
das famílias e propondo intervenções que influenciem os processos de saúde-
doença dos indivíduos, das famílias e da própria comunidade (BRASIL, 2006).
97
Para esses trabalhadores, aumentar o quantitativo de profissionais de saúde que
atendem no bairro, principalmente médicos e dentistas, é uma maneira de a USF
melhorar o acesso à atenção básica.
[Deveria ter] mais médicos e pessoas capacitadas, pois o que es
acontecendo é que tem aquele posto para atender, mas chega lá tem
três médicos para atender 20 mil ou mais pessoas entre crianças e adultos
(A4).
Além disso, sugerem que seja implantado um sistema eficiente de agendamento,
que poderia estar disponível pelo telefone, ou por meio da marcação pelo agente
comunitário de saúde (ACS) ou pelo próprio médico, como é feito para os grupos
considerados prioritários pela ESF. Um horário agendado com antecedência
facilitaria a negociação de quem precisa se ausentar do serviço para ser atendido.
O agendamento vai ajudar muito. Se o agente for e o achar a gente em
casa, deixa um papelzinho com o vizinho. Um papel com o horário marcado
(R2).
Se tivesse o agendamento, eu chegaria para minha patroa e negociaria a
falta ao serviço (R1).
Eu acho o agendamento seria importante, pois a gente já sabe que tal dia a
gente tem uma consulta (R12).
Reforçando o que foi sugerido, os participantes hipertensos confirmaram não ter
dificuldades de marcar consultas, pois a própria médica da equipe de saúde de
família agenda para que estejam sempre em acompanhamento, mas reconhecem
que essa facilidade só ocorre por serem considerados um grupo prioritário,
reafirmando as dificuldades de acesso dos demais membros da comunidade que se
intensificam no caso dos trabalhadores:
Na verdade, o hipertenso tem uma prioridade. Você consulta com o médico
e este agenda. Mas, no geral, para as pessoas consultarem ali é muito
difícil, tem que esperar dois, três meses para agendar. Ou, às vezes, vai lá
tem um atendimento rápido mais não agenda (A6).
Segundo Pinheiro (2004), as estragias de organizão da oferta dos serviços
prestados pelos profissionais da ESF possuem semelhanças com a da rede básica.
O agendamento é utilizado como recurso operacional para ordenamento das
demandas apresentadas pela população, da mesma forma que as Unidades Básicas
de Saúde, pautado em programas de controle de doenças crônico-degenerativas
(hiperteno e diabetes).
98
Visando à operacionalização da Atenção sica, o Ministério da Saúde define como
áreas estratégicas para atuação, em todo o território nacional, a eliminação da
hanseníase, o controle da tuberculose, o controle da hipertensão arterial, o controle
do diabetes mellitus, a eliminação da desnutrição infantil, a sde da criança, a
saúde da mulher, a saúde do idoso, a saúde bucal e a promoção da saúde. Isso faz
com que, na prática, os processos de trabalho das equipes sejam direcionados às
ões focalizadas sobre os grupos de risco e fatores de risco comportamentais,
alimentares e/ou ambientais, apesar de outras áreas poderem ser definidas
regionalmente (BRASIL, 2006).
Apenas uma trabalhadora, que não fazia parte desse grupo prioritário, afirmou ser
muito bem atendida na USF e que não tem problema de conseguir consulta. Mas,
segundo explicação dela, tem que passar a madrugada na fila para conseguir vaga.
Ela não enxerga a saúde como direito. Para ela, os brasileiros é que são folgados e
reclamam demais:
Eu não tenho o que reclamar do posto de saúde. Sempre levei minha
menina, sempre fui bem tratada e bem atendida. Agora que está este
negócio de agendar, mas, quando era para pegar ficha de manhã cedo eu
sempre consegui, porque eu saía de casa às 2h ou 3 h da manhã. Eu já
dormi muito em fila e consegui. Eu não tenho o que reclamar, não,
principalmente aqui do posto. O brasileiro é que quer tudo na mão, tem que
passar um apertozinho (V6).
Além disso, quando conseguem atendimento, muitas vezes, esse atendimento não
tem sido resolutivo. São comuns os múltiplos encaminhamentos aos serviços de
referência, como os exames de apoio diagnóstico e as consultas com especialistas
sem retorno, pois dificilmente conseguem vagas ou, quando conseguem, o tempo de
espera é longo. A burocracia e a disponibilidade necessária para conseguirem
essas vagas contrastam com a necessidade de trabalhar e comprometem a
integralidade do atendimento:
Precisavam ajudar mais a gente. Eu tenho um filho com problema de
audição. Eu já perdi cinco viagens, fora os dias que a pobre da minha
mulher perdeu de trabalho dela. E você chega lá e hoje não tem aparelho e
você volta para casa (A1).
Não atendem mesmo. E tem que fazer exame de não sei o quê, mais não
sei o quê, marcar para fazer outro dia (R8).
Eu fui no médico e falei que tava com muita dor na perna. Ele passou um
monte de exames. Eu fui na farmácia, pedi um remédio e comprei (R11).
99
Você vai pegar ficha, agenda, você vai consultar, tem que agendar para o
exame, faz o exame, aí pega e tem que marcar de novo para mostrar para o
médico (R12).
E vai uns três meses. Pois você vai no médico consultar, para você
conseguir marcar o exame para daqui a não sei quanto tempo, para depois
você pegar o resultado e conseguir mostrar para o médico. Ainda tem isto
(R7).
Quando vovai no médico, ele pede exame de sangue ou urina: ‘Quando
você trouxer, eu vou te passar um remédio. Agora toma aqui um
paracetamol’. O problema é como a gente não pode faltar [serviço] para
voltar lá, a saúde vai ficando até (R6).
Você imagina ter que levantar às três e meia da manhã para ir pegar ficha
no clínico geral, aí ele te pergunta se você quer alguma coisa e diz que vai
te encaminhar para Fulano de tal e te dá um papel para voir lá nas
Clínicas. Chega lá: ‘Ah, este médico só tem daqui a uns 15 dias. Esse outro
daqui a uns dois meses, tá tudo agendado’. Você tem vontade de
xingar aquela mulher todinha. Você pega aquele papel e embola para o
lado. Aí você toma um remédio e melhorou. Daqui a 15 dias você começa a
sentir um zumbido no ouvido, dor na coluna, e você tem que passar pelo
clínico geral de novo, ele te passa mais uma bateria de exames. Aquela
burrocracia’ toda, quando você vai ver, você já perdeu uma semana. Aí o
que acontece, o seu telefone já atrasou, a sua conta de luz já atrasou. Você
não tem condição de seguir esta ’burrocracia’ toda e essa falta de condições
que dão para gente (A12).
O negócio de você ir atrás, eu iria para resolver este meu problema de nariz
diretamente, se tivesse, mas você tem que ir no clínico geral para ele te dar
um encaminhamento, Quando você vai ver... quantos dias perdeu (A3).
Em relação à dimensão organizacional, esses resultados são semelhantes aos
apresentados por Trad et al. (2002), em seu estudo etnográfico da satisfação do
usuário do PSF da Bahia, a partir da técnica de grupos focais, em que, na maioria
das áreas investigadas, persistia o discurso de dificuldade no acesso a marcações
de consulta e a exames de laboratório. As queixas situaram-se em torno da
dificuldade de acesso a especialistas, emergência, assistência dentária e da
insuficiência de postos de realizão de exames laboratoriais. Remetem àquilo que
ainda está insuficiente, precário ou inexistente e ressaltam que as pessoas tendem a
demandar que um maior número de ões médicas e paramédicas fique
concentrado no vel local. Ficou patente que o processo de referenciamento é
precário e a cobertura, inclusive no nível primário, é baixa.
Conill (2002), avaliando as políticas de atenção primária, a partir da análise do caso
de implantação do Programa Saúde da Família (PSF) em Florianópolis, aponta que
a problemática pode ser classificada em três grandes blocos: recursos humanos,
financiamento e aspectos gerenciais e organizacionais. Os problemas no acesso,
100
decorrentes do quantitativo insuficiente de recursos humanos e as dificuldades na
referência, determinam uma situação das mais relevantes, pois podem dificultar as
vantagens obtidas nos demais itens da integralidade, impedindo a realização do
menos complexo por falta de tempo (prevenção, visitas) e do mais complexo, por
haver problemas na referência para especialidades. Dessa forma, conclui que,
apesar de avanços político-administrativos, ainda dificuldades para adequar o
modelo assistencial aos princípios reformadores do SUS, com maior eqüidade no
acesso e na integralidade das práticas.
Para facilitar a integralidade das ões em saúde, os trabalhadores pesquisados,
sugerem que seja construída uma policlínica no bairro, com as especialidades mais
procuradas.
Atendimento mais rápido. Não ficar mandar um pro outro, um pro outro,
Chegar e resolver o problema e não passar o problema para outro. No final,
você não consegue ser atendido (V4).
O ideal é que tivesse pelo menos uns dois especialistas no posto. Nas
especialidades mais procuradas. Faz uma pesquisa e . Se tem muitos
insetos e mosquitos no bairro, um dermatologista seria o mais indicado.
Quais o os especialistas mais procurados no bairro. Eles sabem disto,
eles estão lá. Por que pelo menos não fazem um esforço para trazer, ou
pelo menos para a policlínica, ou aqui para as unidades? As unidades
poderiam ser complicado, porque são muitas, então constrói uma policlínica
para ajudar todo mundo (V3).
Eu acho que no bairro deveria ter uma policlínica. Sabe por quê? Porque
nós íamos encontrar as especialidades que a gente precisa. Fica difícil
assim. A gente consulta com o médico, tem que dar o papelzinho do exame
para o agente da saúde marcar ou ir de madrugada tentar marcar. Então,
tendo uma policlínica, a gente encontraria tudo ali. Se tivéssemos que
consultar e marcar, a gente já marcaria, não teria que sair daqui e ir em
outro lugar para consultar (R7).
Mais uma vez, confirma-se a correspondência entre aquilo que se oferece e o que
se demanda, agora de uma maneira talvez mais totalizante. Trata-se de concepções
e percepções sobre saúde, doença e cura, que, no caso do "velho" isto é, do
velho modelo de assistência à saúde tende à reafirmação da idéia do processo
saúde-doença numa visão biologizante, com intervenções altamente especializadas
e tecnificadas. Mas é esse modelo que a população conhece e demanda, e com ele
se identifica, ainda que sua eficiência e eficácia social sejam reduzidas (PINHEIRO,
2004).
101
Cabe ao município, ao implementar a ESF, organizar o fluxo de usuários, visando à
garantia de ações de referência e contra-referência à ateão especializada, nos
serviços assistenciais de média complexidade ambulatorial à saúde, incluindo apoio
diagnóstico laboratorial e de imagem (RX e ultra-som), saúde mental e internação
hospitalar, levando em conta os padrões mínimos de oferta de serviços de acordo
com os protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde e a proposta para
garantia da assistência farmacêutica básica, devendo constar no Plano Municipal de
Saúde (BRASIL, 2006).
Segundo Andrade, Barreto e Bezerra (2007), a necessidade de superar a etapa de
expansão quantitativa do acesso à ESF e passar para uma discussão mais
formuladora do programa e sua respectiva interação com o resto da rede
assistencial do SUS marca o cerne das discussões teóricas atuais, as quais se
traduzem em desafios para os gestores de sde, sobretudo no nível municipal.
Os trabalhadores desses grupos ressaltam que a demora em conseguir acesso aos
serviços necessários na USF do bairro, a falta de resolutividade e os múltiplos
encaminhamentos fazem com que a USF seja percebida como um serviço de
triagem e o Pronto-Atendimento de Carapina seja a referência no cuidado eficiente
aos problemas de doença. Esse serviço é considerado melhor do que muitos outros,
mesmo quando comparado com hospitais particulares.
Aqui [na USF do bairro] você não consegue nada, eles logo encaminham
a gente. É como se fosse uma triagem (A1).
No postinho, eles não olham nem para cara da pessoa, vão pedindo
exames. Eles não te examinam. E, no pronto-socorro, eles já fazem o
exame lá, te examina, se tiver que te dar uma medicação é na hora (R9).
Vou te encaminhar para o pronto-atendimento (R13).
Quando eu tava com dor no rim, eu fui no médico, consegui. Ai ele me
passou para tal dia eu ir lá fazer um exame de sangue. Não adiantou nada,
eu fui parar dois dias internada no pronto-socorro e ficou tudo para lá, tem
que fazer na hora (R8).
Nesta unidade, só se você puder esperar. Se estiver morrendo, é melhor ir
correndo para um pronto-socorro (A10).
No pronto-socorro de Carapina, eu já fui duas vezes lá e fui bem atendido e
rápido. Eu tive dengue, fui ali no hospital particular, paguei tudo, fiquei lá um
tempão e não descobriram o que era. Eu tinha ido aqui também e não deu
certo. Aí eu peguei e fui no pronto-socorro e pronto. A médica passou o
remédio lá, me aplicou a injeção lá e pronto (V5).
102
Nem se compara o pronto-socorro com a unidade de saúde. Eu tô para te
falar que hoje, nem hospital particular atende tão bem igual aquele pronto-
socorro. Devia ter pelo menos umas quatro unidades daquela ali na Serra
(V1).
Werner (2006), ao estudar as realidades e perspectivas da assistência à saúde do
adulto trabalhador no município de Vitória-ES, ressalta que parece existir uma
dificuldade de interação entre suas necessidades e a organizão das práticas de
saúde das unidades de atenção primária. A assistência ao trabalhador encontra-se
ainda concentrada nos plantões de urgência e emergência nos finais de semana, em
feriados e nos pontos facultativos.
Na perspectiva de ter serviços que atendam prontamente às demandas, alguns
moradores relatam a necessidade de se construir um pronto-atendimento (PA) no
bairro e enfatizam ser comum os moradores do bairro buscar atendimento no PA de
um município vizinho.
Deveria funcionar um pronto-socorro à noite, porque eu, logo que vim morar
aqui, já saí muito a à noite para me consultar em Carapina. Nem carro
tinha para me levar. Eu moro aqui 15 anos, eu fui ganhar neném a pé.
Quando cheguei em frente ao Batolé,
23
nasceu. Ninguém levou a gente,
porque não parava de noite (V6).
Igual a São Pedro,
24
que tem um pronto-atendimento, tem muita gente daqui
que vai se consultar lá. Então no bairro tinha que ter um assim (R8).
De acordo com o Ministério da Saúde, os profissionais das equipes de sde da
família devem programar e implementar atividades, com a priorizão de solução
dos problemas referentes à saúde mais freqüentes na comunidade, considerando a
responsabilidade da assistência resolutiva à demanda espontânea (BRASIL, 2006).
Nunes et al. (apud DALMASO, 2000) afirmam que, em sociedade como a brasileira,
carente dos mais diversos tipos de serviços públicos e cada vez mais doente, a
dificuldade de acesso à consulta médica realizada de forma imediata passou a ser
um problema premente e direito básico da população. A reivindicação de assistência
médica, especialmente pronto-socorro hospitalar e pronto-atendimento ambulatorial,
tem sido uma das principais aglutinadoras de movimentos sociais na periferia de
grandes centros urbanos.
23
Refere-se ao nome fictício de um supermercado, localizado em um ponto da BR101, póximo ao bairro.
24
Trata-se de um bairro do município de Vitória-ES, que tem um PA 24h.
103
Diante de tais reivindicações, é comum ouvirmos a afirmação de que a população
esentrando pela porta errada”. Talvez seja mais correto afirmar que as pessoas,
diante de suas necessidades, acabam acessando o sistema por onde é possível,
contrariando a racionalidade que os técnicos do setor saúde continuam a defender,
sob a forma de uma pirâmide de serviços (CECÍLIO, 1997).
Como o acesso a USF tem se mostrado deficiente, mencionam algumas estratégias
usadas por eles para diminuir o tempo de espera por consultas e exames
solicitados, como se fazer passar por morador de outro bairro, de um outro município
ou contar com a ajuda de um parente:
Meu filho vai fazer, em fevereiro, cirurgia no nariz, porque ele tem problema
para respirar. A equipe solicitou uns exames. Neste posto eu consegui vaga
para daqui três ou quatro meses. Me filho teria que operar em junho. Eu
pedi uma conta de água emprestada de um conhecido meu de Goiabeiras,
e o exame do meu filho já está pronto. Não seria possível aqui no bairro eu
fazer os exames para o meu filho fazer a cirurgia agora dia 21 de fevereiro,
como está marcado. Aqui no bairro não existe este amparo (A12).
Esse exame que eu fiz agora, eu consultei lá e paguei os exames no
particular. Agora isto alguém foi lá marcou para mim, esperou o horário e na
hora ligou para mim e Ó, você pode vir que está na hora’. Algum parente,
porque eu pedi, porque eu o podia fazer. Eu estava sempre trabalhando
(V1).
De modo geral, os trabalhadores desses grupos se sentem desvalorizados e
excluídos do sistema de saúde público. Não concordam com a lógica organizacional
desses serviços que excluem quem precisa trabalhar, ao não disponibilizar horários
compatíveis. Até o pronto-atendimento, que é o serviço de referência para a maioria,
parece não estar considerando a falta de compatibilidade de horário do
funcionamento da USF com o do trabalho deles, fazendo com que se sintam
duplamente excluídos.
Você chega lá, tem uns dez na sua frente, mas você fica lá. O doutor
chegou, atendeu os dez, você é o onze, mas tem que voltar um outro dia. A
gente deveria ter um horário de atendimento fora do nosso horário de
trabalho. Porém hoje tem esses aposentados lá, esses velhos, tem dez na
fila e chega passa e é atendido. E a gente fica. Eu queria também que a
gente, que é ocupado no trabalho, tivesse uma oportunidade assim.
Chegasse no posto, tem aquela criança para ser atendida, eu sou um
trabalhador, eu que vou ser atendido primeiro, porque ele tem tempo, a mãe
dele tem tempo, pode esperar. Ou então eles [podem ser atendidos] em um
horário e nós em outro (V1).
Sabe o que hoje acontece muito? A pessoa está trabalhando, está dando 5h
está passando mal e embora. Ninguém escolhe a hora. Às vezes era um
problema que você até resolveria no posto, mas já está fechado. Você vai
104
para o pronto-socorro e eles se recusam a te atender. Eu estou falando
porque aconteceu isto comigo. Falam que é um problema que no posto
resolve. Você agüentou a sair do serviço. Você está tentando resolver
para não ter que perder um outro dia [de serviço]. Mas falam que é
problema do posto de saúde e que não vão te atender, não (V3).
Isto eu acho que é uma baita covardia. Eu, por exemplo, saí de férias dia
dois ou dia três de janeiro, foi conseguir marcar uma consulta no dia 18 de
fevereiro, aqui no meu bairro, porque, enquanto eu não passar no meu
bairro eu não consigo marcar aí fora. Eu acho uma covardia, nós que
trabalha estamos sendo escravos, não sei de que espécie, eu nem sei dizer.
Mas eu sei que hoje a saúde para nós, trabalhadores, nós que contribui, nós
estamos sendo massacrados. Nós não temos nada de valor a respeito disto.
Nós somos pior que um cachorro. Eu considero assim, com o perdão da
palavra, porque tem muita gente que tem cachorro aí, que o cão dele é
muito mais bem tratado que nós, seres humanos (A1).
A gente não presta para nada não (R10).
Uma idéia bastante recorrente nos discursos foi a necessidade de ampliação do
horário de funcionamento da USF, de preferência até à noite, para facilitar o acesso.
Batizaram esse horário de “a hora do trabalhador”. Aliás, uma moradora expressou
que essa seria a forma de sentirem a disponibilidade do serviço de saúde com eles
e com sua condição de trabalhador, pois, só assim, a USF poderia se efetivar como
a porta de entrada do trabalhador no SUS:
Ter um horário que permita que quem trabalha até mais tarde possa ir no
médico, sem ter que pedir ajuda. Eu vou trabalhar saindo dali eu vou ao
médico. A gente poderia ir e marcar, seja 7h da manhã, seja 18h. Depois,
você ia no posto, fazia seu exame e ia trabalhar. Tinha mais garantia, não
dependia do ACS, pois, às vezes, passam e não encontram a gente. A
gente tinha que encontrar uma porta aberta para atender a gente (R6).
Se só podem ser atendidos durante o horário de serviço, tendo que deixar de
trabalhar vários dias para tentar conseguir esse atendimento e como recebem
remuneração se trabalhar, concluem que o SUS es custando caro para quem
trabalha; aliás, alguns já consideram o sistema de desembolso direto uma alternativa
mais viável e mais barata do que o SUS:
A gente começa a trabalhar de sete as cinco horas [17 hs]. Que tenha um
atendimento depois das cinco h até as nove horas da noite. O horário que
atinge o meu horário de trabalho. Eu preciso trabalhar e não posso ficar ali
esperando este atendimento. Eu paguei uma bateria de exames particular.
Fiz exame de tudo, de colesterol, de diabetes, para ver se o coração
grande ou pequeno. Aí deu [R$] 380,00. Se eu fosse fazer pelo SUS, eu
perdia pelo menos um mês. Se eu ganho dois mil reais e eu gasto [R$]
500,00, eu gasto um quarto e resolvo o problema em meia hora (V1).
Eu marquei uma consulta pelo meu plano de saúde. Eu cheguei lá: ‘Que dia
que eu posso vir? ‘É dia de quinta feira’. ‘Que horas eu posso vir?’.
Depois das seis’. Eu fui lá, me consultei, beleza! Paguei lá. No SUS, que eu
105
já me consultei, demorei quase três meses para conseguir. [Na USF] você
até consegue, sim, mas você tem que chegar lá, passar pelo clínico, aqui
tem esta burocracia, ele te um encaminhamento, você vai colocar nas
mãos do agente de saúde. eles o marcar, você vai ver que dia você
pode aparecer lá. Agora, pelo plano, você pega telefone e: ‘Fulano que dia
está tendo consulta e quanto é a consulta?’ E pronto (V3).
Por terem necessidades específicas, gostariam que isso fosse levado em
consideração pelos profissionais da USF ao organizar e planejar os serviços
ofertados na unidade:
Deveria colocar mais médicos de plantão. Mais especialistas. Igual quando
ele falou que crianças e idosos têm preferência em relação ao trabalhador,
eu acho que deveria ter, se possível, um dico para atender crianças e
idosos, e um para os trabalhadores. Caso não tenha crianças e idosos, ele
vai atender os trabalhadores e o resto da população. diversificava mais.
Um como plantonista. Caso o outro não tivesse atendendo crianças e
idosos, iria ajudar o plantonista (V4).
ACS dar um tratamento, atendimento diferenciado para quem trabalha (R5).
[Deveria haver] um atendimento especial, mas especializado para o
trabalhador (A4).
A declaração de atendimento que os médicos têm dado no SUS no lugar do
atestado de saúde tem se configurado em mais um obstáculo no cuidado à saúde do
trabalhador. As empresas não têm aceitado essa declaração para abonar o dia de
serviço perdido. Como parecem ser vistos com desconfiança pelos dicos, os
trabalhadores têm que enfrentá-los para conseguir impor seus direitos e interesses:
A gente que trabalha tem outro problema. Você chega no posto ou no
pronto-socorro o cara mal, mal olha na sua cara e, quando te atende, você
pede um atestado, que a empresa não está mais aceitando declaração e
você perde um dia de serviço. Eles te dão uma declaração. Isto é um
absurdo, você quase tem que chorar no pé do médico, independente do que
você tenha. A declaração significa que você compareceu lá, e não que
você está impossibilitado de trabalhar. a última que eu precisei consultar
e fui ali. Eu falei para médica que eu precisava de um atestado. a médica
disse: Você quer uma declaração de suas horas’. Eu disse: ‘Não eu quero
um atestado, porque não dá mais para eu ir na empresa a esta hora’. Ela
olhou para a minha cara e não ia me dar, mas ela viu que eu olhei meio
sério e, aí me deu. Fez a mão. Nem atestado existe no posto de saúde.
Achei que a empresa nem ia aceitar. ‘Eu quero que a senhora coloca a CID
e carimba’. Eu levei para e eles aceitaram. Mas para conseguir
atestado, é difícil (V3).
Quando questionados a respeito da maior utilização dos serviços das USFs da Serra
pelas mulheres, alguns dos trabalhadores disseram ser porque elas são mais
preocupadas com a saúde.
106
Eu acho que a mulher está mais preocupada com a saúde, a gente
realmente não temos muito tempo, mas a gente também relaxa muito.
em casa, por exemplo, quem marca consulta para os meus filhos é ela,
mesmo quando não tem jeito, ela corre atrás, quando não tem jeito ela se
vira e paga exame. Ela procura um lugar mais barato que faz, farmácia, o
que for. É difícil? É, mas ela sempre dá um jeito e está sempre me
enchendo a paciência. Você tem que ir no médico’ O problema não é falta
de tempo. Toda mulher trabalha, mas ela está mais preocupada com a
saúde. Eu conheço um monte de mulher aí que trabalha fora, tem um monte
de filho e cuida da saúde. Mesmo as que ficam dentro de casa trabalham.
Minha esposa fica dentro de casa, mas ela trabalha pra caramba. Eu não
queria ficar no lugar dela não. Mesmo assim, ela consegue tirar um tempo
(A10).
Poldi (2006), ao estudar o perfil dos usuários das unidades de saúde da família da
Serra, destacou que são, em sua maioria, do sexo feminino, entre 21 e 40 anos,
casados ou vivendo maritalmente, m como grau de escolaridade o ensino
fundamental incompleto e os afazeres domésticos como atividade de trabalho.
Um dos pesquisados acha que a não procura se deve ao fato de os homens estarem
sempre trabalhando e, portanto, não terem tempo de se cuidar:
Eles não têm tempo para ir, preferem, às vezes, trabalha doente porque não
têm tempo de ir ou, quando vai lá, não é atendido. Ou tem um atendimento
rápido ali, mas ele é encaminhado para fazer o exame no hospital. Vai
demorar mais dois a três meses pra conseguir o exame solicitado pelo
posto. A pessoa que está doente pode até morrer. Não tem tempo para ficar
esperando tanto tempo para conseguir um tratamento. O homem que
trabalha dia a dia deveriam ter um tratamento diferenciado para resolver os
seus problemas. Os homens o menos, pois estão trabalhando (A1).
É porque o homem praticamente não tem tempo. As mulheres ficam mais
dentro de casa cuidando dos meninos e delas também. A mulher dia a
dia dentro de casa. Você quer comparar com a gente? A gente está um dia
em um lugar, outro dia em outro. Ela está mais dentro do bairro, ela tem
mais condições Eu o estou dizendo que elas não trabalham, todas
trabalham. Mas a mulher é todo dia a mesma rotina, lavar, passar e
cozinhar, lavar, passar e cozinhar (A11).
A maior flexibilidade quanto ao horário de serviço delas e uma tolerância maior por
parte da sociedade, quando elas falam que estavam cuidando da sua saúde ou de
seus filhos, tamm são fatores apontados como uma possível causa. Na divisão
social do trabalho, cabe ao gênero feminino a tarefa de cuidar:
Existe um fato muito positivo: 80% das mulheres que trabalham aqui no
bairro são domésticas. E, normalmente, as domésticas têm um tempo mais
flexível. No caso do homem dizem: ’Vai para casa, porque você perdeu o
seu dia’. Elas muitas vezes podem chegar mais tarde do emprego ou sair
mais cedo. Vochega no posto de manhã cedo, tem uma turma de mulher
na fila querendo ser atendidas porque trabalham (A6).
107
Figueiredo (2005), usando a fundamentação teórica em que prevalecem os
conceitos de gênero e de necessidade em saúde, relacionando esses conceitos com
a experiência prática desenvolvida em um Centro de Saúde, considerou a pouca
presença masculina nos serviços de atenção primária à saúde como uma
característica da identidade masculina relacionada com seu processo de
socialização. Nesse caso, a identidade masculina estaria associada à
desvalorizão do autocuidado e à preocupação incipiente com a saúde.
Por outro lado, no entanto, afirma-se que, na verdade, os homens preferem utilizar
outros serviços de saúde, como farmácias ou prontos-socorros, que responderiam
mais objetivamente às suas demandas. Nesses lugares, os homens seriam
atendidos mais rapidamente e conseguiriam expor seus problemas com mais
facilidade. As próprias Unidades Básicas de Saúde (UBS) poderiam ser a causa da
dificuldade do acesso dos homens ao serviço. Neste caso, os homens sentiriam
mais dificuldades para serem atendidos, seja pelo tempo perdido na espera da
assisncia, seja por considerarem as UBS como um espaço feminilizado,
freqüentado principalmente por mulheres e composto por uma equipe de
profissionais formada, em sua maioria, também por mulheres. Tal situação
provocaria nos homens a sensação de não-pertencimento àquele espaço.
Argumentou, ainda, que os homens não procuram as UBS porque estas não
disponibilizam programas ou atividades direcionadas especificamente para a
população masculina.
Para alguns trabalhadores pesquisados, é a maior sociabilidade que elas m,
quando comparadas com os homens, o que facilita a formação de redes sociais,
para, por meio desses conhecimentos, conseguirem o que precisam:
Eu acho as mulheres mais organizadas conseguem fazer mais contato uma
com as outras. Eu acho que é isto aí que ajuda. Nós temos muitas mulheres
que trabalham com faxina nos condomínios e elas têm muitas amigas que
trabalham em postos médicos. Elas, com tantas amizades, às vezes fazem
parcerias que resolvem os problemas. Se você hoje não tiver estes
conhecimentos, você não arruma nada. Tudo, em geral, se você não tiver
conhecimento voestá excluído. Às vezes, elas conseguem ter mais este
conhecimento do que a gente. Trabalham para um dono de farmácia, um
policial, um médico. A gente não tem muita chance de trabalhar com estas
pessoas. Tem muita gente da alta sociedade que é boa. E, você através da
bondade deles, acaba conseguindo alguma coisa diferente dos outros (A1).
Eu cheguei uma época de quase parar, com problema de hemorróidas.
Através de uma amizade da minha esposa com uma outra vizinha que
108
trabalhava no Hospital das Clínicas, eu consegui, graças a Deus, fazer a
consulta e, depois de quatro ou cinco meses, eu operei. Tem hora que a
união, a amizade ajuda a gente (A4).
Segundo Lima e Moura (2005), o termo capital social foi utilizado inicialmente por
Bourdieu em 1986 e desenvolvido e aplicado por sociólogos norte-americanos, como
Colleman e Putnam, entre outros, que enfatizam que as redes sociais informais e o
estabelecimento de relações de confiança entre os participantes dessas redes
permitem-lhes usufruír vantagens propiciadas por esse conhecimento. Ou seja, um
capital relacional resultante de um conjunto de normas de reciprocidade, informação
e confiança presentes nas redes de sociabilidade informais da vida cotidiana.
Neste trabalho, essendo considerado capital social o conhecimento com alguém
que trabalha dentro de alguma unidade de atendimento do SUS que, por meio desse
conhecimento, “dá um jeitinho” de conseguir a vaga, sem passar pelos trâmites
formais, como esperar o setor responsável pela marcação de vagas, chamar, na
ordem, o nome que consta em uma lista de espera.
As redes sociais informais se mostram particularmente importantes, onde há um
Estado provedor fraco, que, como no caso do Brasil, não cumpre o seu dever
constitucional de garantir acesso universal à saúde.
4.2 A NECESSIDADE DE VÍNCULO COM A EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA
A taxonomia de necessidades de saúde de Matsumoto aponta, entre as
necessidades de saúde, ter vínculo com um profissional ou uma equipe de saúde
(CECÍLIO; MATSUMOTO, 2006).
Considera-se nculo a responsabilizão de uma equipe multiprofissional de saúde
pelo problema de saúde” do usuário, individual e coletivo que, acoplado ao
acolhimento, é capaz de garantir o real reordenamento do processo de trabalho na
Unidade de Saúde, resolvendo definitivamente a divisão de trabalho
compartimentada e saindo da lógica agenda/consulta (FRANCO; BUENO; MEHRY,
1999).
Visando à continuidade das ões de saúde e à longitudinalidade do cuidado, o
Ministério da Saúde tem estimulado que os profissionais das equipes de saúde da
109
família desenvolvam relações de responsabilização e vínculo com a população
adscrita (BRASIL, 2006).
A longitudinalidade, segundo Starfield (2002, p. 62), pressupõe:
[...] a existência de uma fonte regular de atenção e seu uso ao longo do
tempo. Assim, a unidade de atenção primária deve ser capaz de identificar a
população eletiva, bem como os indivíduos dessa população que deveriam
receber seu atendimento da unidade [...]. Além disso, o vínculo da
população com sua fonte de atenção deveria ser refletida em fortes laços
interpessoais que refletissem a cooperação mútua entre as pessoas e os
profissionais de saúde.
Apesar do incentivo do Ministério da Saúde para que este vínculo entre profissionais
de saúde e usuários se estabeleça, percebe-se que, na prática, isso não tem se
concretizado na USF deste bairro.
Em nenhum momento, os moradores se referiram à USF, mas sim ao “postinho”.
Quando perguntados se conheciam os profissionais que compunham a equipe de
saúde da família responsável pela área em que moravam, associaram
imediatamente essa equipe aos agentes comunitários de saúde, “aqueles agentes”.
A maioria demonstrou não saber que havia outros profissionais responsáveis por
sua área, como médico, enfermeiro e dentista. Quando esclarecidos sobre a
presença dos demais membros da equipe, demonstraram surpresa: “Existe isto”?
“Estou sabendo disto agora”, “Então não é para a população em geral não, né?”, “Eu
não conheço ninguém”, “Nunca ouvi falar”,Nem sabia que isto existia”. Acham que
esses profissionais só atendem aos idosos. Entre os poucos que disseram conhecer,
confundem os médicos da estratégia saúde da família com os que não são, mas que
também atendem no posto.
Achado semelhante foi relatado por Trad et al. (2002), em seu estudo etnográfico
sobre a satisfação de usuários do PSF da Bahia, onde o houve uma identificação
muito clara do programa como tal. Naquela população, quando abordados
inicialmente acerca do PSF, surgiram perguntas como: “Vocês tão falando do
posto?Ou, no melhor dos casos: “É sobre estes agentes que visitam as casas?”.
Houve dificuldade em visualizar o PSF ou identificar com precisão sua lógica de
funcionamento. O programa, de fato, foi muito mais identificado a partir da sua
materialização em um posto de saúde e nas ões dos seus profissionais. A alusão
110
ao “postofoi uma constante nos grupos, ressaltando que, em nenhum momento,
apareceu claramente essa referência ao PSF ou à estratégia de saúde da família.
No presente estudo, muitos participantes, apesar de associarem a imagem da ESF
aos ACSs, disseram não conhecer o agente responsável por sua microárea de
saúde e os que conheciam demonstraram não possuir vínculo com esses
profissionais. Isso ficou evidente nas seguintes expressões: “Eu nem conheço a
minha”, “Eles não fazem nada”, “Passar, passaram em casa, mas eu nem sei
quem é”. Foi comum também a insatisfação com os serviços prestados por esses
agentes:
Eu morava em Boa Vista. O agente de 15 em 15 dias passava em casa.
Agora que moro aqui no bairro dois anos, o agente até hoje não passou
(R7).
Eu vi agente de saúde duas vezes na minha casa (A12).
Eles até passam lá em casa, mas é a mesma coisa que nada. A mulher vai
lá e dizem que tem que marcar lá em não sei aonde. Agora nem mais não
vão, tem um tempão que e não vejo ele (A11).
O agente comunitário de saúde esteve na minha casa e começou a me
perguntar um monte de coisa e quando e perguntei o porqestava me
perguntado tanta coisa disse que era só para entregar para o seu chefe. O
que eu percebi é que ela estava pouco se lixando para mim. queria
cumprir a obrigação dela para entregar lá. O que existe é alguns políticos
que colocam estes agentes de saúde, que são uns desocupados que ficam
fazendo propaganda política e ficam falando que você tem atendimento no
posto e quando vão lá... Eles são informantes, que ficam dizendo vai lá para
não sei a onde que tem e te dão um papel. Então o agente de saúde
trabalha para os políticos para dar informações mentirosas. Na verdade os
agentes do bairro não são agentes, são cabos políticos se fingindo de
agente. É tudo morador do bairro que estão tudo na aba de algum vereador
fingindo que estão trabalhando (A12).
Trand et al. (2002) encontraram resultado diferente ao encontrado neste estudo em
relação à satisfação dos usuários com os ACSs. Na maioria dos locais pesquisados,
houve satisfação do usuário em relação aos médicos e aos ACSs.
Uma das atribuições dos ACSs é estar em contato permanente com as famílias
desenvolvendo ações educativas, visando à promoção da saúde e à prevenção das
doenças, de acordo com o planejamento da equipe (BRASIL, 2006).
A ausência de vínculos entre a população do estudo e os ACSs do bairro pode ser
devido a algumas razões, como a rotatividade desses profissionais ou o número
111
insuficiente deles. Algumas áreas do bairro, apesar de adscritas à USF, encontram-
se sem cobertura efetiva:
O programa de agente comunitário no bairro era melhor no icio uns
cinco anos atrás. Os primeiros agentes eram melhores no tratamento do
povo, porque eram formados para isto. Venceu o contrato deles e
contrataram pessoas mal informadas (A2).
Tinha uma menina que saiu para ganhar neném que saiu tem uns cinco
meses e até hoje não colocaram ninguém (R9).
Eu sinceramente ouvi falar que a minha saiu [falando da agente] (V7).
Eu conhecia aquele menino, agora o resto, o inferno carregou tudo,
passa na porta da gente quando estão precisando de alguma coisa. Eu
tenho certeza que eles não passam mais lá em casa, tenho certeza (V6).
O meu agente de saúde não conheço. O posto de saúde sim. Inclusive eu já
procurei várias vezes, falei que o agente que tinha saiu e que agora era
outro, que dava o maior ‘caô’, e não passa lá em casa, não, mas o tempo foi
passando e eu agora desisti. Deixei para lá (V5).
[O ACS] Tinha que ter um contrato mais prolongado, porque eles passam
hoje na sua casa e depois, quando você vai ver, não está mais (A9).
É necessário lembrar que é preconizado, pelo Ministério da Saúde, que os ACSs
sejam em mero suficiente para cobrir cem por cento da população cadastrada.
Além disso, os ACSs devem cadastrar todas as pessoas de sua microárea e manter
os cadastros atualizados (BRASIL, 2006).
Outro fato que pode ter dificultado o estabelecimento de vínculo é a
incompatibilidade dos horários de trabalho desses trabalhadores e dos ACSs. Muitos
não sabiam sequer se estavam cadastrados. Alguns disseram que, apesar de saber
que são cadastrados, não estavam em casa no dia do cadastramento da família,
pois estavam trabalhando e foi outra pessoa da família quem deu as informações
solicitadas ao agente.
[Não estava em casa no dia do cadastramento], porque eu estava
trabalhando. Acho que foi o meu marido que deu as informações (R3).
[...] O agente tinha que ir mais tarde lá em casa, marcar o meu preventivo.
Eu faço de seis em seis meses. Mas deu o horário dele e ele racha fora. Ele
deveria marcar para gente. Se não encontrar, tenta novamente a
encontrar ou, quando te encontrar na rua, mas eles têm que marcar (R8).
Ontem eu consegui encontrar com a minha, porque eu tava em casa. Não
fui trabalhar. Pedi para marcar um preventivo para mim. Ela disse que não
podia, que a médica tava de férias, inventou mil desculpas (R12).
112
Mas, se a gente trabalha e não pode marcar [referindo-se ao agendamento
feito pelos ACSs]. Quando a gente vai no posto, eles perguntam Cadê a
sua agente?’ (R3).
O agente, quando passa, encontra a mulher. O homem está no serviço.
Dificilmente está em casa, por isso que não conhece. A mulher que o
nome, pois o homem também faz parte da família (A2).
Além disso, acham que o baixo nível de escolaridade interfere no trabalho dos ACSs
que atuam no bairro e que eles deveriam ser treinados melhor, antes de realizarem
as visitas domiciliares. Os requisitos considerados importantes no serviço desses
profissionais são: saber ouvir as pessoas, orientar a população em relação aos
problemas referentes à saúde mais freqüentes da comunidade, identificar se
precisam de cuidados médicos e agendar para eles o serviço indicado:
Eu conheço pessoas que trabalham na unidade que não têm nem o primeiro
grau completo, não têm preparo para a saúde. Deveria haver um cuidado
maior na seleção dessas pessoas (agentes) ou, pelo menos, darem um
curso primeiro para preparar melhor estas pessoas, antes delas irem para
rua, para visitar as casas dos outros (A10).
Porque o agente, quando é bom, orienta a família. Antigamente ele até ia lá
e marcava a consulta para pessoa, este negócio mudou (A2).
Eu acho que para melhorar isto aí, ninguém consegue fazer todas as coisas
corretas, mas quem está fazendo isto faça pelo menos a sua parte. Que
tivessem pessoas formadas, capacitadas para isto, com experiência para o
trabalho, que seja preparada para isto. Os agentes de saúde têm que
chegar lá, perguntar como está a família como está o filho, se tem alguém
precisando de consulta, conversar com a pessoa, ouvir a pessoa. Todos
que trabalham com a saúde, precisam ouvir as pessoas. Quando a gente
chega lá, eles querem o nome da pessoas, não conversam nada. Isto
errado, não é assim (A2).
Em relação aos agentes de saúde, há um tempo atrás eu conheci uma boa.
Essa ia na casa de todo mundo, conversava com todo mundo, media a
pressão. Quando estava com a pressão alta, falava que ela tinha que ir ao
médico, estava sempre cobrando isto. Só que ela saiu e os outros eu não
vejo fazendo isto (A3).
Essas expectativas estão de acordo com o preconizado pelo MS (BRASIL, 2006),
para a qual os ACSs devem realizar, além do cadastramento, as seguintes
atividades: desenvolver ações que busquem a integração entre a equipe de saúde e
a população adscrita à UBS, considerando as características e as finalidades do
trabalho de acompanhamento de indivíduos e grupos sociais ou coletividade;
orientar famílias quanto à utilizão dos serviços de saúde disponíveis; desenvolver
atividades de promoção da saúde, de preveão das doenças e de agravos e de
vigilância à saúde, por meio de visitas domiciliares e de ações educativas individuais
e coletivas nos domicílios e na comunidade, mantendo a equipe informada,
113
principalmente a respeito daquelas em situação de risco; acompanhar, por meio de
visita domiciliar, todas as famílias e indivíduos sob sua responsabilidade, de acordo
com as necessidades definidas pela equipe.
No caso específico do vínculo com os médicos, o valor dos medicamentos
receitados e dos exames prescritos é citado como exemplos de atendimentos
impessoais, em que esses profissionais provavelmente desconhecem ou não levam
em consideração o contexto sociocultural e a história pessoal deles, fazendo com
que percam a credibilidade nesse profissional e sintam que, no fundo, não se
importam com a sua sde. Nesse momento, mais uma vez, a crença em Deus
aparece como parte do cotidiano e como solução, às vezes única, para os
problemas referentes à doença:
Mas a maioria dos médicos hoje, eu não sei se eles têm algum convênio
com os laboratórios, mas só te dão remédio hoje de 150, 160 reais. Tiveram
a cara dura de dar uma receita de um remédio para a minha esposa de 600
reais. Você já imaginou um absurdo deste? Daqui a pouco você já tá
chegando no médico com medo: E doutor, para vo me passar um
genérico, um remédio que eu possa comprar? Ele não leva em conta a
condição de vida da gente, está preocupado com a comissão que leva dos
laboratórios, não estão nem aí com a sde de ninguém (A11).
O médico me examinou e falou: Olha, se eu fosse te pedir uma radiografia
pelo SUS vai demorar de dois a três meses, se você tiver condições de
fazer particular, daqui uns 45 dias eu te atendo de novo’. Como é que pode
uma coisa assim?É preferível deixar para que, graças a Deus, a dor
sumiu sozinha. O próprio trabalho é que curou. Sinto um pouquinho, sinto,
mas dando para caminhar. Com isto a gente vai se prejudicando,
se prejudicando, porque não tem outra solução, porque médico a gente não
tem. Eu não sei quem é o responsável, se é o Lula, isso eu não sei, mas o
que eu sei é que nenhum de nós tem condições de pagar uma consulta
particular, 87, 100, 145 contos. Aonde você vai arranjar este dinheiro? Se
você trabalha quase uma quinzena do seu salário para arranjar este
dinheiro. Não tem como. Só se vopassar fome. Quando ele me falou que
pelo SUS iria demorar de dois a três meses, para ele saber o que eu tinha
na perna. Aí eu falei: Pronto, o que vou fazer agora!’. Aí ele me passou um
remédio com o nome de diclofenac. Tomei quatro comprimidos dele, e não
fui capaz de tomar mais, pois, quando comecei tomar, foi me dando muita
dor no estômago. E agora quem vai resolver o meu problema. Meu médico
a partir de agora vai ser Deus, pois médico mesmo a gente não tem. E
sarou. E é assim, de vez em quando ainda dói, mas eu começo a trabalhar,
no serviço conserta, porque, se eu for ao médico, ele vai me dar uma
declaração, vou perder três dias. Eu pego um desconto de três dias no final
do mês. Você se ferra todinho. Você precisa deste dinheiro para pagar seu
gás, seu talão de energia. Foi Deus. Foi a minha fé que eu tenho em
Deus. A minha fé curou (A1).
Uma trabalhadora quis ilustrar, com um diálogo criado por ela, a falta de
compreensão, por parte dos médicos, dos problemas cotidianos enfrentados pela
classe popular trabalhadora, como a necessidade de uma mãe ter que deixar em
114
casa sozinho um filho pequeno para ir trabalhar. Neste diálogo, a letra U representa
uma mãe trabalhadora e a letra M um médico (a).
Mas, se a gente deixar em casa [o filho] e acontecer alguma coisa, a gente
ouve até... Seja do médico ou da doutora (R6).
M – Deixou a criança com quem? O que aconteceu?.
U – Eu estava trabalhando.
M Você foi trabalhar e deixou a criança sozinha? Que irresponsável que é
você. Você é uma mãe que não tem amor pelos seus filhos. Você não tem
responsabilidade.
A gente ouve. Porque eu já ouvi (R6).
A falta de paciência de uma médica que atua na USF do bairro para lidar com os
usuários foi citada como exemplo de falta de respeito ao usuário e mau atendimento
prestado por alguns médicos:
Ela [a médica] é ignorante. Ela fala com você aos gritos, todo mundo lá fora
ouve, que você sai com a cabeça baixa porque passa humilhação: ‘Por que
você não tirou a roupa do seu filho? Por que esta criança entrou com roupa
aqui?’ Meu neto estava com febre, só porque ele entrou com roupa, ela
começou a berrar com a ignorância (R6).
Para alguns, o mais importante é ter, nos serviços de saúde, médicos mais
qualificados e preparados para resolver os problemas referentes à saúde da
população, pois só assim a atenção básica seria mais resolutiva. Acham que deveria
ser criada uma especialidade que capacitasse os médicos a entender as
necessidades de sde da comunidade. A rapidez com que as consultas são
realizadas e a impessoalidade no atendimento são motivos de insatisfação:
Eu já fiz consulta mesmo que o médico com três minutos! Que com dois
minutos mesmo já estava com tudo escrito na receita: ‘Você descobriu tudo
que eu tenho, não vai colocar um aparelho para escutar meu coração, medir
a minha pressão?’. que ele sentiu, que eu bati na ferida dele, que ele foi
me examinar. Senão eu teria sdo de com um papelzinho e duas ou
três palavras dele, sem ele me examinar. Como é que pode? Não tem nem
lógica (A1).
Não é um único posto de sde no bairro que vai melhorar tudo, mas
existem formas de melhorar um pouco para o trabalhador. Médicos
capacitados em todos os bairros, pois, se hoje ele precisa de um
especialista, ele tem que ir lá, então uma maneira que eu acho que
resolveria um pouco o problema dos homens trabalhadores é um horário
especial para os homens com médicos também de formação especial, que
não me uma receita que eu tenha que ir em outro médico, em outro
lugar. Que resolva, que entenda melhor os problemas aqui do bairro e o
problema da saúde daquela pessoa que foi lá. Se ele não for um médico
especialista ele não vai resolver o meu problema, mas isto tem que ser
115
criado ainda, porque não existe uma especialidade assim. a policlínica e
postinho não vai resolver o problema. Eu acho que tem que ser criado pela
UFES, pelo Governo Federal, uma entidade saúde que vá resolver o
problema não só deste bairro como de outros tão carentes também. A gente
está aqui respondendo pelas necessidades do bairro, mas temos que
pensar nas outras pessoas que estão fora. Por que como hoje está, não
está resolvendo (A6).
A gente precisa um médico que resolvesse o nosso problema, não ficasse
mandando nós, adiando. Porque nem tudo pode adiar (A9).
Eu também já fui em médico deste jeito, que olhou para a ficha, nem
olhou para a minha cara para falar comigo. Perguntou: Seu Fulano, o que
você está sentindo?’. Me deu vontade de dizer: ‘Nada, não, só vim olhar
você (A3).
Uma das qualidades mais valorizadas por esses trabalhadores, como atributos
desejáveis em um profissional de saúde, seja ele médico, seja ACS, é a capacidade
de escuta.
Para Trad et. al (2002), não restam dúvidas de que os usuários expressam um alto
grau de satisfação em relação à dimensão relacional, em todos os seus atributos:
respeito, consideração, escuta, compreensão, acolhida, gentileza por parte dos
profissionais de saúde. Os atributos mais referidos, quando os usuários do PFS da
Bahia avaliaram a sua relação com os médicos, foram a escuta e gentileza.
A necessidade de ter vínculo com o profissional ou a equipe também foi ressaltada
por usuários de famílias adscritas a uma equipe de Saúde da Família do município
de Jequié, ao afirmarem que os trabalhadores da equipe o têm tempo de escu-
los em função da grande demanda e que gostariam de uma comunicão mais
“próxima” com os profissionais que os atendem (NERY, 2006).
Para Campos (1997, apud SCHIMITH; LIMA, 2004), o vínculo profissional/paciente
tem o potencial de estimular a autonomia e a cidadania do usuário, promovendo sua
participação durante a prestação de serviço. Da mesma maneira, a equipe da ESF
deve utilizar as potencialidades de que dispõe no vínculo com o usuário para a
construção de sujeitos autônomos, desde o momento que o reconhece como alguém
que fala, julga e deseja.
116
4.3 DIANTE DAS DIFICULDADES A BUSCA POR ALTERNATIVAS
Os conhecimentos, valores e práticas dos segmentos populares refletem uma
cultura própria, em que se encontram valores tradicionais atualizados e
componentes da sua história de vida, marcada pelo lugar que ocupam no mundo do
trabalho e relações sociais (GRAMSCI, 1991).
Talvez o aspecto mais marcante nesse sentido seja o papel da religiosidade. Pedir a
Deus que não adoeçam, agradecer a Ele o não adoecimento e, caso isso aconteça,
rezar para obter força e cura são hábitos comuns desses trabalhadores:
Eu sou realista, meu plano [de saúde] é Jesus, por que eu peço lá. Tudo eu
oro; Oh meu Jesus, eu não posso ficar acamada!. E todo dia agradeço a
meu Pai do céu (V2).
Eu dobro o joelho e peço a Deus [para não adoecer] (V3).
Para Minayo (1988), a religiosidade e sua interligação com as questões de saúde-
doença é vista como parte da cultura tradicional dos grupos populares, ligada à sua
visão acerca do homem e seu destino. Tem raízes históricas profundas e é
manifestada pelos vários grupos sociais de modo renovado, sobretudo no espaço
urbano.
Valla (2000), ao falar das redes sociais desenvolvidas pelas classes populares em
uma conjuntura de crise, destaca o extraordinário crescimento da presença das
pessoas dessas classes nas Igrejas, principalmente nas chamadas Evangélicas ou
Pentecostais. Observa que a falta de apoio institucional faz com que essas Igrejas
ofereçam um “potencial racionalizador”, isto é, sentido para a vida e criem grupos de
suporte para resistir à pobreza.
Os trabalhadores pesquisados buscam alternativas para resolver seus problemas
associados à saúde, como a utilizão de remédios, xaropes e chás caseiros que
podem estar dispoveis em casa ou ser facilmente comprados na farmácia, sendo,
portanto alternativas imediatas. Geralmente são receitados pelo farmacêutico, por
um amigo ou mesmo pela própria pessoa que reconhece o sintoma como parecido
com alguma doença que alguém já teve.
[Quando adoeço] Eu vou na farmácia e compro um remédio (V4).
117
Eu sou assim, senti alguma coisa: Me dá tal remédio aí’. Eu tomo e pronto.
Aí, quando eu vejo que eu ruim mesmo, que não melhorei, eu vou para o
pronto-socorro (V7).
Geralmente as pessoas se automedicam. Sentiu algum problema que tem
os sintomas parecidos com alguma coisa que alguém já teve, você se
automedica. Ir no hospital, meu Deus do céu, aumenta a dor de cabeça
(V4).
Às vezes é difícil entrar em contato com o médico e a gente fica nesta
situação de se automedicar (V5).
Existem as vovós que têm os remédios caseiros. Eu mesmo, sinceramente,
e quase todo mundo aqui, toma muitos remédios caseiros. É mato, é raiz.
Você pega, o índio mesmo, ele é criado na mata sem remédio, então por
que o índio tem saúde? É o que, muitas vezes, a gente pratica. Não tem
tempo de ir ao médico, vamos tomar um remédio caseiro e, com a fé em
Deus, a gente melhora (A6).
Eu fui trabalhar três dias deste jeito [doente]. Continuei tomando
medicamento em casa sem saber o que eu tinha, porque não tem, não tem
o que fazer. A gente tem que ficar em casa (R6).
Eu vou embora do servo. Tomo um antiinflamatório. Tomo diclofenaco e
vou embora. Eu compro e tomo. Eu já sei que é bom (R12).
Ao refletir sobre os recursos e estratégias em saúde, paralelos à prática médica
oficial, utilizados por um segmento de mulheres pobres brasileiras, Mandú e Silva
(2000) avaliam que a automedicação é favorecida pelos conhecimentos adquiridos
em situações anteriores, ou sob a influência da propaganda, que estimula a
medicalizão. O uso desse recurso se revela alternativo a situações em que os
serviços não correspondem às necessidades e demandas das entrevistadas. Um
contato mais próximo com os vendedores das farmácias, em geral pessoas que
vivem na comunidade, torna mais rápido o acesso às respostas requeridas.
Nery (2006), ao estudar as necessidades de saúde na estratégia saúde da família,
no município de Jequié, encontrou que os usuários relataram que buscam
alternativas para resolver seus problemas de doença, uma vez que os serviços de
saúde não conseguem atende-los. Muitas são as saídas encontradas na atenção
informal à saúde: a crença em Deus, a utilização de remédios e xaropes caseiros,
chás, simpatias, a farmácia, o uso de automedicação. Mesmo os que m plano de
saúde privado usam esse recursos, quando julgam necessário.
Outra maneira encontrada por eles para não sentir dor é manter o corpo sempre em
movimento, trabalhando. Conforme dito, é comum, principalmente os homens,
associar seus corpos a uma máquina. No caso do trabalhador com dor nas costas,
118
experimenta como pegar um peso, explora seus limites e os reconhece. Como um
exercício de autonomia, tem satisfação em saber que conseguiu dar conta:
Muitas vezes isto acontece mesmo. Tem dia que eu amanheço com a
coluna doendo e tal, corpo doendo... não, eu vou lá, eu tomo um
anadorzinho a dor melhora um pouquinho, o corpo esquenta e completou
(A4).
Quem sofre de coluna é assim. A minha, se eu ficar parado, dói muito,
agora, se eu tô trabalhando, melhora. Não é à toa que eu acordo e levanto
logo. Esquentou o corpo... Desde que eu machuquei minha coluna, uns
tempos atrás, dói quando eu estou em casa, quando eu levanto... Acho
que é porque eu com o corpo relaxado. Vou para o trabalho de bicicleta.
Chego lá, pego peso, pego um saco de cimento, pego uma outra coisa. Tem
gente que sofre de coluna e não sabe pegar um peso. Eu pego com
cuidado, eu observo. Quando você sente uma fisgada, pode deixar aquilo lá
que vai cair (A3).
Assim, diante das dificuldades de acesso aos serviços de saúde, as alternativas
citadas são consideradas por esses trabalhadores as primeiras opções que
deveriam ser tentadas antes de procurarem USF.
Além disso, alguns ressaltam a importância de a remuneração pelo trabalho,
permitir, quando necessário, outras possibilidades de acesso aos cuidados médicos
que não seja exclusivamente pelo SUS, mas pelos planos de saúde ou pelo
desembolso direto em clínicas privadas:
A gente já tem fixado, por isto que a gente tem que trabalhar, ficou doente é
particular, você não vai pelo SUS, que vosabe que vai agendar para
depois de um mês. Depois que você já está fedendo, é que eles vão te
atender (V4).
Do jeito que está tá uma bagunça. Chega no posto, não tem médico. Eu não
tenho este tipo de paciência. Tenho minhas economias, para eu fazer
particular, a gente correndo é para isto. Muitas vezes vochega lá,
eles tem má vontade. [Pagar] Tem mais resultado (V2).
Apesar da posse de um plano de saúde privado ser um ideal para quase todos os
trabalhadores desses grupos, uma moradora que tem plano de saúde afirma que
também tem sido muito difícil conseguir consulta com especialistas pelo plano de
saúde privado e que, muitas vezes, prefere ir à USF, pois, além da consulta, ainda
tem a oportunidade de conseguir o medicamento. Porém concorda que, em caso de
necessidade de internação, quem tem plano tem vantagem:
Mas particular também está assim. Eu fui esta semana, porque e tenho
plano, adivinha para quando eu marquei? Para abril, para o meu marido.
Médico de rins. Eu marquei para primeiro de abril. Marquei para minha
menina para médico de vista para dois de julho. No plano, não quem
119
güenta, não. Remédio é muito caro. E eles mandam uma renca. O plano é
para uma urgência, quando não tem jeito, mas para fazer uma consulta, um
exame de fezes, o bom é ir no posto de saúde. A única coisa que o plano
favorece nós é ser internada. Aí não tem jeito (V6).
4.4 ORGANIZAÇÃO DA COMUNIDADE E O CONTROLE SOCIAL NA LUTA PELO
DIREITO À SAÚDE
Na determinação de necessidades de saúde da população, os aspectos políticos,
técnicos, científicos e ideológicos têm de ser levados em conta, pois as implicações
para o planejamento são evidentes: por um lado, não como planejar nos limites
setoriais da Saúde Pública; por outro, o planejamento somente se viabiliza na
medida em que desenvolve a participação dos movimentos sociais, dos técnicos,
dos cientistas e das pessoas interessadas em decidir sobre as condições sociais de
sua via (STOTZ, 1991).
Visando a estimular a participação popular no planejamento em saúde, a Lei nº.
8.142, em seu art. 1º, instituiu, como integrantes obrigatórios do SUS, as
Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde. Essas instâncias colegiadas têm
um papel de democratizar a gestão do SUS e fazer com que o gestor ouça a
população e submeta suas ações ao controle da sociedade (BARROS, 1994).
Em relação aos Conselhos de Saúde, eles podem ser nacionais, estaduais e
municipais. Além disso, nos municípios, existem os conselhos ou comissões locais
de saúde que são formados por membros das unidades de saúde e da comunidade
local que deve seguir a mesma paridade dos demais. Isso significa dizer: 50%
devem ser representantes dos usuários, 25% representantes das entidades dos
trabalhadores de sde e 25% representantes do governo, de prestadores de
serviços.
Os conselhos locais de saúde devem estar vinculados às unidades de saúde e
destinar-se a possibilitar a participação e colaboração da comunidade no
acompanhamento, fiscalização e controle social das ações e serviços de sde nas
áreas de abrangência dessa unidade, visando à melhoria da assistência à saúde
prestada à comunidade (FREDERICO; ALBARRACIÍN, 2001, apud NERY, 2006).
120
Em Jardim Carapina, o conselho local da USF foi instituído em 2007, por uma
iniciativa da coordenadoria da unidade. Os representantes da comunidade foram
indicados pelo presidente da Associação de Moradores do bairro, sendo composto
principalmente por donas de casas. Funcionava uma vez por mês, às 15h, deixando
de funcionar após seis meses, deixou de funcionar. Segundo a coordenadora da
USF, as pessoas que faziam parte do conselho deixaram de ir, quando perceberam
que não teriam direitos diferenciados por participar do conselho. Não parecia haver a
consciência que o objetivo do conselho local é lutar por melhorias em saúde da
comunidade e não obter vantagens individuais.
Nenhum dos participantes dos grupos citou o conselho local de saúde do bairro, ou
parecia ter conhecimento da sua existência.
Segundo Barros (1994), o basta criar uma associação (ou um conselho), mas
essa associação tem que ser reconhecida pelos que ela pretende representar. Esse
reconhecimento deve ser autêntico e verdadeiro, para que confira legitimidade à
representação. Seus membros têm que avalizá-la como entidade capaz de
realmente representar seus interesses e suas demandas.
Em relação ao reconhecimento da sde como direito, esse é um processo que
apenas se inicia na sociedade brasileira, que, por décadas, se acostumou a aceitar
os direitos sociais como privilégio de alguns (BARROS, 1994). Porém alguns
trabalhadores desses grupos têm a consciência de que a saúde é um direito, é o
mínimo que o Estado poderia oferecer a quem paga seus impostos:
Exatamente, mas, para conseguir, voteve que dormir [na fila], e é um
direito seu. Não deveria nem ter que dormir. Deveria chegar e poder
marcar, dizer que precisa e conseguir, pois é direito. Infelizmente [em
relação a ter que dormir na fila] porque você paga imposto, e tudo tem que
pagar, tudo tem que pagar (A1).
Nós pagamos contribuição e nós não temos retorno disto daí. É uma
judiação isto aí (V4).
A saúde é obrigatória, eles têm que dar tudo para a gente (V4).
Reconhecem que a comunidade e os brasileiros, de modo geral, não costumam lutar
pelo direito de uma assisncia à saúde digna.
Deveria lutar mais (V4).
A comunidade não luta por isto não (V1).
121
Eu acho que a minoria dos brasileiros luta por isto, a minoria (V5).
De acordo com Lima e Moura (2005), no Brasil, a não participação da maior parte da
população insere-se na cultura política nacional marcada por pactos de elites e
mudanças de cima para baixo. Isso explicaria a dificuldade de implementação de
políticas participativas entre os brasileiros ou, pelo menos, a sua lentidão, pois
implicaria mudanças culturais significativas.
Ressaltam a necessidade de a comunidade cobrar dos políticos os investimentos
necessários em saúde e educação, que são direitos sociais prioritários para a
população:
Às vezes, a gente tem que reclamar, pois, enquanto os governantes estão
gastando com coisas que não têm tanta necessidade, a prioridade deveria
ser educação e saúde. Eu acho que isto tem que estar em primeiro lugar.
Sem educação você não é ninguém, sem saúde vo também não é
ninguém. Campo de futebol pode esperar, galeria pode esperar, praça de
lazer pode esperar, porque ninguém vai morrer, se não tiver uma área de
lazer. Mas saúde e educação têm que ser prioridade (R3).
O município é responsável por garantir infra-estrutura necessária ao funcionamento
das equipes de Saúde da Família, de Saúde Bucal e das unidades básicas de
referência dos agentes comunitários de saúde, dotando-as de recursos materiais,
equipamentos e insumos suficientes para o conjunto de ações propostas (BRASIL,
2006).
Outro problema citado pelos entrevistados é o não cumprimento da carga horária
pelo médico, o que deveria ser fiscalizado:
O que eu considero um problema sério em postos de saúde é que o médico
chega ali, se tiver pessoas para atender, ele atende, se não tiver, ele volta
para casa. Ele chega ali e tem horário... ou melhor ele não tem horário para
chegar, melhor dizendo, começa por ali, ele não tem horário para chegar,
chegam 9, 10h. meio–dia, ele quer ir embora e não quer nem saber se
tem mais gente. Reagenda aí, e se a agenda estiver volta amanhã, porque
ele não fica de sete as cinco? Todo mundo tem horário para trabalhar, por
que o médico não tem? (V3).
Ele chega depois e quer sair antes (V4).
Se eu trabalho de sete as cinco,, toda a semana, porque ele não pode
trabalhar? É obrigação dele, rapaz, ele ganha para isto. você chega no
posto meio-dia e cadê o médico? ‘Já foi, volta amanhã. O cara pode morrer
até amanhã. Pelo amor de Deus (V3).
Tinha que ter alguém para fiscalizar (A6).
122
Cabe ao município, sob o risco de suspensão do repasse de recursos do Piso
Atenção Básica variável, assegurar o cumprimento de horário integral jornada de
40 horas semanais de todos os profissionais nas equipes de Saúde da Família, de
Saúde Bucal e de agentes comunitários de saúde, com exceção daqueles que
devem dedicar ao menos 32 horas de sua carga horária para atividades na equipe
de SF e aoito horas do total de sua carga horária para atividades de residência
multiprofissional e/ou de Medicina de família e de comunidade, ou trabalho em
hospitais de pequeno porte, conforme regulamentação específica da Política
Nacional dos Hospitais de Pequeno Porte (BRASIL, 2006).
Para os entrevistados, uma das maneiras de a comunidade lutar por melhorias nos
serviços de saúde é se articular como comunidade. Uma das propostas é fazer
reuniões para discutir em grupo as necessidades de saúde da comunidade e
pressionar a Secretaria de Saúde para que, após ouvir a sugestão dos moradores,
crie projetos que favoreçam a resolução dos problemas do bairro.
[...] Eu acho que, se a gente fizer uma reunião sempre, a gente consegue
[melhorias]. A gente nunca teve esta oportunidade de falar sobre isto
[necessidades de saúde]. Assim, a gente tem que pegar de coração e juntar
mais pessoas para a gente conseguir o que estamos querendo (A7).
Eu estou aqui hoje com este pensamento, que isto cresça raiz entre nós e
outros que você já reuniu ou que vai reunir e que a gente tenha uma
melhoria nisto aí. É tipo assim, se eu juntar todo mundo aqui, não acontece
isto, mas, no meu pensamento, é através da sua idéia de reunir o pessoal,
que, quem sabe, cresce esta força (V1).
É uma possibilidade de se manifestar e pedi projetos, abri projetos e
mostrar para nós, para favorecer a gente. Eu acho que igual vocês estão
fazendo aqui. Eu acho que é pegar os principais problemas e passar para a
Secretaria de Saúde, e a Secretaria de Saúde, a partir daí, dar
continuidade. O governo, o secretário de saúde (V4).
Quando perguntados sobre a viabilidade de esse tipo de atividade em grupo ser
estimulada por profissionais da própria USF, concordam, apesar de afirmarem que
eles não o fazem.
Uma das atribuições dos profissionais da ESF é promover e estimular a participação
da comunidade no controle social, no planejamento, na execução e na avaliação das
ões (BRASIL, 2006).
Para Campos (1994, apud CECÍLIO; MATSUMOTO, 2006), ampliar a capacidade de
autonomia do paciente para melhorar o seu entendimento do próprio corpo, da sua
123
doença, de suas relações com o meio social e, em conseqüência, fazer com que
cada um possa instituir normas que aumentem as possibilidades de sobrevivência e
a qualidade de vida, é o objetivo de todo o trabalho terapêutico.
Matsumoto e Cecílio (2006) trazem, em sua taxonomia de necessidades de saúde, a
necessidade de autonomia e autocuidado na escolha do modo de andar a vida na
construção do sujeito. Incorporam idéias do pensamento crítico em Educação em
Saúde, sendo um de seus representantes Stotz (1991, apud CECÌLIO,
MATSUMOTO 2006, p.47) que, ao defender a necessidade de combinar enfoques
diferente da educação em saúde, enfatiza:
Os educadores [...] dirigem-se a indivíduos que para enfrentar seus
problemas de saúde devem agir como sujeitos de suas próprias vidas e,
para tanto, adquirir consciência da ampla tessitura social na qual estão
inseridos.
124
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quanto ao objetivo geral, que foi identificar e analisar as necessidades de saúde na
ótica de moradores com diferentes inserções ocupacionais, fizemos um recorte onde
e estudamos as ocupações mais expressivas, do ponto de vista numérico, entre os
moradores, adscritos à Unidade de Saúde da Família estudada.
Coincidindo com o que ocorre, com a força de trabalho brasileira, as trabalhadoras
domésticas e os trabalhadores da construção civil foram as categorias mais
freqüentes. Portanto, apesar de sustentado em um contexto específico, este estudo
pode contribuir para aumentar o conhecimento sobre esses grupos e favorecer a
inserção de ações de Saúde do Trabalhador na atenção básica.
Para a compreensão do primeiro objetivo, nos propusemos a responder a dois
outros: a relação entre o trabalho e o processo saúde-doença-cuidado e a utilização
dos serviços de saúde, em especial a USF do bairro.
O estudo mostrou que devido ao menor nível socioeconômico e de escolaridade,
não têm muitas escolhas de vida, diante da necessidade de inserir-se precocemente
no mercado de trabalho. Apesar de serem ocupações pouco valorizadas
socialmente, que apresentam fraca regulamentação institucional e precarização das
condições e relações de trabalho, não deixam de despertar o sentimento de
dignidade, sobretudo nos homens; entretanto, algumas mulheres relataram sentir
vergonha de sua ocupação. Mesmo sendo atividades extremamentes penosas, por
garantir a sobrevivência individual e da família, agradecem a Deus por esta
oportunidade.
A extensa jornada de trabalho permite poucas oportunidades de lazer e de
encontros com a família. Desta forma, tornam-se reféns deste trabalho e se vêem
impedidos de ascender socioeconomicamente, na medida em que o conseguem
estudar e é o estudo que pode possibilitar melhores empregos.
Houve algumas especificidades de gênero: o trabalhador da construção civil mantém
o seu papel de provedor, enquanto as trabalhadoras se dividem entre o trabalho fora
de casa (complementar ou, as vezes, essencial) e as “obrigações” do lar. Algumas
125
relataram a autonomia que o trabalho gera como algo prazeroso, mesmo sendo mal
remuneradas. Estas diferenças também se destacaram em outros aspectos da
relação do trabalho com a vida, como por exemplo, a falta de tempo no cuidado dos
filhos parece gerar mais angústia na mulher do que no homem.
Reconhecem que o processo saúde-doença esrelacionado, entre outras causas
sobrenaturais, à existência de boas condições de vida, em uma compreensão que
aponta o caráter intersetorial de sua realização. A religiosidade permite que possam
suportar as adversidades do cotidiano. A posse de um corpo saudável, funcionando
para labor, coloca em cada um o dever de buscar disposição para o enfrentamento
do trabalho.
Identificam muitos riscos ocupacionais aos quais estão expostos e percebem que as
empresas tendem a ocultar essa exposição, mantendo-os na ignoncia para que
não possam contrapor-se a eles e não prejudique a sua imagem perante a
sociedade. Quando conhecedores desses riscos, principalmente aqueles que são
autônomos, podem controlar melhor a organização do sua atividade e
consequentemente esses riscos.
Por outro lado, rios mecanismos de defesa psíquicas e comportamentais contra o
sofrimento psíquico, decorrente da percepção dos riscos à vida e a saúde no
trabalho, são observados. Talvez o mais comum seja a tendência a minimizar os
riscos de acidentes e a mais curiosa àquele ligada a fé, por considerarem que
somente Deus pode protegê-los, pois é quem sempre fez isto, dando condições de
sobrevivência até então.
Em relação à utilização dos serviços de saúde, as barreiras de acesso e de vínculo,
particularmente na atenção básica, da USF do bairro, faz com que não os
considerem como um referencial na manutenção da saúde e sim como a única
opção, em caso de adoecimento, após outras alternativas (remédios caseiros, auto-
medicão) terem falhados e não consigam mais trabalhar.
Apesar de conhecerem seu direito constitucional, não se vêem contemplados na
programação e na organizão destas unidades, contrariando suas expectativas de
que o serviço possa lhes acolher, particularmente na condição de trabalhadores, que
precisam manter-se saudáveis.
126
Diante do cenário apontado, os Prontos Atendimentos continuam sendo a referência,
para eles, no cuidado eficiente aos problemas de saúde. Apesar de ser comum
ouvirmos, que os usrios continuam querendo entrar pela porta errada (Pronto
Atendimentos ou Pronto Socorros), e que são os culpados por sobrecarregar estes
serviços, este trabalho nos faz refletir que à lógica do planejamento, não
corresponde a lógica dos usuários e que em uma sociedade como a brasileira,
carente dos mais diversos tipos de serviços públicos e cada vez mais doente, o
acesso à consulta médica realizada de forma imediata, passou a ser um problema
premente e direito básico da população.
Desta forma, concordamos com Cecílio (1997) quando defende a idéia de que o
sistema de saúde seria mais adequadamente pensado como um círculo, com
múltiplas portas de entrada localizadas em vários pontos do sistema e o mais em
uma suposta “base” e aponta a necessidade do sistema de saúde ser organizado a
partir da lógica do que seria mais importante para cada usuário, no sentido de
oferecer a tecnologia certa, no espaço certo e na ocasião mais adequada.
Em relação à participação popular, nas instancias participativas do SUS, apesar da
consciência da saúde como um direito e da necessidade da participação da
comunidade na luta pela realizão deste direito, de fato, os trabalhadores
pesquisados são duplamente penalizados. De um lado, uma inserção profissional
extenuante que diminui o espaço e tempo, o “ócionecessário para o debate político
da comunidade. De outro o serviço público de saúde que não cria estas condições
de espaço e tempo para que, no âmbito da instância participativa por ele proposta
(os conselhos, por exemplo), possam emergir as características da tessitura social
em que estão inseridos, onde o trabalho é central.
Na pretensão de levantar algumas questões que possam contribuir para a inclusão
de ões de saúde do trabalhador na atenção básica, mas especificamente na ESF,
concordamos com Merhy (2001) que esta estratégia de saúde ou qualquer outra,
não é uma questão óbvia, e também, necessariamente não é algo para ser
incriminado ou defendido, mas que se constitui hoje em um rico analisador, no
campo da saúde, de certas queses, entre elas a relação entre o trabalho e o
processo saúde-doença-cuidado.
127
Assim a escolha das necessidades de saúde como categoria de análise mais geral,
bem como sua operacionalização através dos dois eixos temáticos principais,
mostrou-se oportuna, permitindo o reconhecimento de elementos que prejudicam o
acolhimento adequado desses trabalhadores pelas USF, os mantendo a margem
desse sistema.
Acreditamos que o método sugerido pode ser apreendido pelos profissionais da
própria USF e que direcionar estes serviços na lógica da satisfação das
necessidades de saúde, na ótica de seus usuários, apresenta um potencial de dar
visibilidade ao trabalho como um dos fatores determinante do processo saúde-
doença-cuidado, o reduzindo as ações de saúde do trabalhador às dimenes
assistenciais e resgatando o papel do trabalhador como o principal protagonista de
sua saúde, na construção da integralidade do cuidado à saúde.
128
REFERÊNCIAS
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SOARES, S. S. D. O perfil da discriminação no mercado de trabalho: homens
negros, mulheres brancas e mulheres negras. Brasília: IPEA, 2000. 25 p (Texto para
discussão, nº. 769).
SOUZA, L. N. Uma análise da inserção feminina no mercado de trabalho da
RMS: uma leitura a partir dos dados da PED. 2001. Dissertação (Mestrado em
Economia) Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal da Bahia,
Salvador. 2001.
STARFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços
e tecnologia. Brasília: UNESCO - Ministério da Saúde, 2002.
STOTZ, E. N. Os desafios para o SUS e a educação popular: uma análise baseada
na dialética da satisfação das necessidades de saúde. In: ROCHA, C. M. F. et al.
(Org.) Ver SUS Brasil: cadernos de textos. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. v.
1, p. 284-299.
STOTZ, E. N. Necessidades de saúde mediações de um conceito (contribuição
das Ciências Sociais para a fundamentação trico-metodológica de conceitos
operacionais da área do planejamento em saúde)”. 1991. 513 f. Tese (Doutorado
em Saúde Pública) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 1991.
TRAD, L. A. B. et al. Estudo etnográfico da satisfação do usuário do Programa de
Saúde da Família (PSF) na Bahia. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n.
3, 2002. Dispovel em: < http://www.scielo.br/pdf/csc/v7n3/13034.pdf>. Acesso
em: 20 maio 2008.
TRAVASSOS. C.; MARTINS, M. Uma revisão sobre conceitos de acesso e utilizão
de serviços de saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, Supl 2, p. S190-
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TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa
qualitativa em Educação. São Paulo: Atlas, 1994. 175 p.
137
VALLA, V. V. Redes sociais, poder e saúde à luz das classes populares numa
conjuntura de crise. Interface Comum., Saúde, Educ., Botucatu, v. 4, n. 7, p. 37-56,
2000.
VASCONCELOS, E. M. A priorização das famílias nas políticas de saúde. Rev.
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VIANA, A. L. D.; POZ, M. R. D. A reforma do sistema de saúde no Brasil e o
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15, Supl., p. 225- 264, 2005.
WERNER, R. C. D. Realidades e perspectivas da assistência a saúde do adulto
trabalhador no município de Vitória-ES. 2006. Dissertação (Mestrado em Saúde
Coletiva) Programa de s Graduação em Ateão à Saúde Coletiva,
Universidade Federal do Esrito Santo, Vitória, 2006.
138
APÊNDICE A – Breve Apresentação do Município da Serra-ES
A Serra faz divisa com os municípios de Vitória, Cariacica, Santa Leopoldina e
Fundão. Está dividida em cinco distritos: Carapina, Queimado, Calogi, Sede e Nova
Almeida.
Até os anos 60, a Serra tinha base econômica rural, sem ter muito significado na
economia da Grande Vitória. A partir da segunda metade da década de 60, o
município comou a receber investimentos e a desenvolver seu parque industrial.
Essa mudança de perfil teve como fatores desencadeantes, dentre outros, a
reorientação do sistema de exportação de minério de ferro da Companhia Vale do
Rio Doce (CVRD), a expansão industrial, com a construção do Centro Industrial de
Vitória (CIVIT) e a construção do Porto de Tubarão.
A Serra concentra atualmente o maior parque industrial metropolitano e estadual,
sendo destaque as regiões de Carapina e Laranjeiras, principalmente devido à
localizão da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), dos CIVIT I e II e do
Terminal Industrial Multimodal da Serra (TIMS). Vem se destacando com o
crescimento no setor de mármore e granito. No entanto, as atividades de comércio
de varejo e atacado, serviços industriais e pessoais (saúde e educação) e o turismo,
também são atividades bastante desenvolvidas no município.
As atividades de comércio e serviços no município da Serra são recentes.
Desenvolvidas nas últimas cadas, encontram-se em expansão diante de seu
potencial de consumo. Os serviços de apoio à atividade industrial apresentam-se
mais bem estruturados, como armazenagem e logística de transportes e,
recentemente, os serviços voltados para o apoio ao comércio exterior.
Apesar da Serra concentrar atualmente o maior parque industrial do Estado, não
um programa específico para a classe trabalhadora. O encaminhamento para o
Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do ES (CRST-ES), para
investigação de nexo causal de doenças ocupacionais, somente é feito se o
profissional que realiza o atendimento tiver alguma informação sobre o CRST. Dos
atendimentos realizados no CRST, a Serra se destacou com o maior mero de
munícipes atendidos no período de 1999 a 2002 (ESPÍRITO SANTO, 2003).
139
O município da Serra é o segundo do Espírito Santo em população, tendo sido
contabilizados, no censo do IBGE de 2000, 330.874 habitantes, o que representava
23,2% da população da Região Metropolitana da Grande Vitória e 10,7% da
população do Estado (PREFEITURA MUNICIPAL DA SERRA, 2007).
Estima-se que, utilizando a taxa de crescimento populacional do IBGE 3,53 % ao
ano (para o período 2000-2006), em de julho de 2006, a Serra tinha 407.448
habitantes, dessa forma, tanto em 2000 quanto em 2006, aparece como o segundo
maior município capixaba em população (PREFEITURA MUNICIPAL DA SERRA,
2007).
O crescimento econômico, urbano e, sobretudo, populacional legou ao município
uma rie de problemas sociais, tais como: alto índice de desemprego, baixo nível
de escolaridade e renda, déficit habitacional e alto índice de violência.
Segundo a classificação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), o município estava, no ano de 2000, entre as regiões consideradas de
médio índice de desenvolvimento humano (IDH), entre 0,5 e 0,8.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado pela Organização das Nações
Unidas (ONU), representa uma alternativa para avaliar a qualidade de vida. O IDH é
construído com base em três variáveis: longevidade, educação e renda. A partir
dele, foi criado o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M).
A Serra está na Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada, e o atual perfil das
práticas em saúde corresponde a duas modalidades: modelo “clássico” e equipes de
ESF.
O município da Serra assinou com o Ministério da Saúde (MS) a carta de
compromisso do Projeto de Expansão e Consolidação da estratégia de Saúde da
Família (PROESF), para receber incentivos financeiros através do Ministério da
Saúde/ Banco Mundial, a fim de organizar e fortalecer a atenção básica em saúde.
O município deve estar em contrapartida, até o ano de 2007, com 75% da população
coberta com o ESF (PMS, 2007). Mas, ao analisarmos o histórico de implementação
da ESF e da EAC na Serra, podemos perceber que será muito difícil atingir ainda
140
neste ano essa cobertura. A Serra tem tido dificuldades de ampliação da cobertura
das equipes.
No Quadro 1, são apresentadas as Unidades de Saúde da Família do município de
Serra segundo o bairro de instalação da unidade, número de identificação das
equipes, número de equipe, situação (ESFs ou EACs), mero de agentes
comunitários e número de equipes com Odontologia.
Bairro Identificação
das equipes
Nº. de
equipes
Situação
Agentes Equipe c/
Oontologia
Boa Vista 01 01 ESF 08 ------
02 Jardim Carapina
03
02 ESF 15 02
04 Central Carapina
05
02 ESF 14 --------
06
07
Carapina Grande
08
03
ESF
22
01
09 André Carlone
10
02 ESF 14 02
11
12
Jardim Tropical
13
03
ESF
27
-----
14 ESF
15 ESF
16 EAC
José de Anchieta
17
04
ESF
28
02
Barro Branco/Mestre
Álvaro
18 01 ESF 07 --------
Campinho da Serra I
e II
19 01 ESF 05 ------
20 Nova Carapina I
21
02 ESF 16 01
22 Nova Carapina II
23
02 ESF 12 01
Pitanga 24 01 EAC 03 -------
Laranjeiras Velha 25 01 ESF 05 ------
Taquara I 26 01 ESF 08 -------
Taquara II 27 01 ESF 06 ------
28
29
30
Planalto Serrano
31
04
EAC
30
------
Quadro 1- UNIDADES DE SAÚDE DA FAMÍLIA DA SERRA-ES, 2007
Fonte: Núcleo de Controle e avaliação da ESF do município da Serra referente a 18 de janeiro de
2007
141
APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para o Grupo
Focal
Sr.(a):__________________________________________________________
Endereço: ______________________________________________________
Estamos desenvolvendo a pesquisa Necessidades de saúde na ótica de
trabalhadores adscritos a uma unidade de saúde da família, no município da
Serra-ES. Este projeto tem como temática as necessidades de saúde das pessoas,
com diferentes inserções no mercado de trabalho, moradores de uma área adscrita a
uma Unidade de Saúde da Família do município da Serra-ES. Tem por objetivo
ampliar as possibilidades de operacionalização das ações em Saúde do Trabalhador
na atenção básica do SUS, sobre uma lógica que possibilite a integralidade da
assisncia à saúde.
Assim, gostaríamos de contar com a sua participação nos grupos que serão
realizados com pessoas de diferentes inserções no mercado de trabalho. As
discussões em grupo serão gravadas em fitas eletromagnéticas que serão
posteriormente transcritas.
Sua colaboração será muito importante para a realizão da pesquisa. Sua decisão
em participar desta pesquisa é voluntária, portanto você não será pago por sua
participação. Você poderá não participar da pesquisa. Uma vez que você decidiu
participar da pesquisa, você pode retirar seu consentimento e participação a
qualquer momento. Se você decidir não continuar e retirar sua participação, você
não será punido, nem perderá qualquer benefício ao qual você tem direito. Não
haverá nenhum custo a você relacionado com os procedimentos deste estudo. As
informações e opiniões emitidas por você não lhe causarão nenhum dano, risco ou
ônus e será assegurado o seu sigilo e anonimato.
Se você ou seus parentes tiverem alguma dúvida com relação à pesquisa, aos
direitos dos usuários, ou no caso de danos associados à pesquisa, você deverá
contatar o pesquisador (Roberta Melo Vello Poldi, Tel.: 99323217 ou 32276867) ou o
orientador da pesquisa (Prof. Dr. Luiz Henrique Borges, Tel. 33253797).
142
Se você tiver dúvida sobre seus direitos como um paciente de pesquisa, você
poderá contatar o Comitê de Ética em Pesquisa em seres Humanos (CEP) do
Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Espírito Santo ou o Programa de
Pós-Graduação em Atenção à Saúde Coletiva, pelo tel. 3335-7287. O CEP é
formado por um grupo de indivíduos com conhecimento científicos e não científicos
que realizam a revisão ética inicial e continuada do estudo de pesquisa para mantê-
lo seguro e proteger seus direitos.
Atenciosamente,
Dr. Luiz Henrique Borges
Prof. Dr. Do Programa de Pós
Graduação em Saúde Coletiva da
UFES
Orientador
Telefone: (27) 33253797
Luiz.henrique.borges@terra.com.br
Roberta Melo Vello Poldi
Mestranda do Programa de
Pós – Graduação em Saúde Coletiva da
UFES
Pesquisadora
Telefone: (27) 33253022
144
DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO DO ENTREVISTADO
Eu, ________________________________________________________, aceito
participar do grupo da pesquisa Necessidades de saúde na ótica de
trabalhadores adscritos a uma unidade de saúde da família, no município da
Serra-ES em data e local a serem definidos antecipadamente. Estou ciente de que
o grupo será gravado, seus resultados tratados com sigilo e os dados tamm
podem ser usados para publicações científicas sobre o assunto. Entendo que sou
livre para aceitar ou recusar e que posso interromper minha participação a qualquer
momento, sem dar uma razão. Eu entendi a informação apresentada neste Termo
de Consentimento, e tive a oportunidade para fazer perguntas e todas as minhas
perguntas foram respondidas.
Eu receberei uma cópia assinada e datada deste Documento de Consentimento
Livre e Esclarecido.
Serra, ________ de ______________________de 2008
Assinatura
145
APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Participação
de Menores de 18 Anos nos Grupos Focais
Sr.(a):__________________________________________________________
Endereço: ______________________________________________________
Estamos desenvolvendo a pesquisa Necessidades de saúde na ótica de
trabalhadores adscritos a uma unidade de saúde da família, no município da
Serra-ES. Este projeto tem como temática as necessidades de saúde das pessoas,
com diferentes inserções no mercado de trabalho, moradores de uma área adscrita a
uma Unidade de Saúde da Família do município da Serra-ES. Tem por objetivo
ampliar as possibilidades de operacionalização das ações em Saúde do Trabalhador
na atenção básica do SUS, sobre uma lógica que possibilite a integralidade da
assisncia à saúde.
Assim, gostaríamos de contar com a participação de
__________________________________________________nos grupos que serão
realizados com pessoas de diferentes inserções no mercado de trabalho. As
discussões em grupo serão gravados em fitas eletromagnéticas que serão
posteriormente transcritas.
A colaboração dele(a) será muito importante para a realização da pesquisa. A
decisão em participar desta pesquisa é voluntária, portanto você não será pago
devido a participação dele(a). Você poderá decidir não permitir que ele(a) participe
da pesquisa. Uma vez que vo permita que ele(a) participe da pesquisa, você pode
retirar seu consentimento e a participação dele(a) a qualquer momento. Se você
decidir que ele(a) não continuae retirar a participação dele(a), você e/ou ele(a)
não serão punidos, nem perderão qualquer benefício ao qual vocês têm direito. Não
haverá nenhum custo a você relacionado com os procedimentos deste estudo. As
informações e opiniões emitidas por ele(a) não lhes causarão nenhum dano, risco ou
ônus e será assegurado o seu sigilo e anonimato.
Se você ou seus parentes tiverem alguma dúvida com relação à pesquisa, aos
direitos dos usuários, ou em caso de danos associados à pesquisa, você deverá
146
contatar o pesquisador (Roberta Melo Vello Poldi, Tel.: 99323217 ou 32276867) ou o
orientador da pesquisa (Prof. Dr. Luiz Henrique Borges, Tel. 33253797).
Se você tiver dúvida sobre seus direitos como um paciente de pesquisa, você
poderá contatar o Comitê de Ética em Pesquisa em seres Humanos (CEP) do
Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Espírito Santo ou o Programa de
Pós-Graduação em Atenção à Saúde Coletiva, pelo telefone 3335-7287. O CEP é
constituído de um grupo de indivíduos com conhecimento científicos e não
científicos que realizam a revisão ética inicial e continuada do estudo de pesquisa
para mantê-lo seguro e proteger seus direitos.
Atenciosamente,
Dr. Luiz Henrique Borges
Prof. Dr. Do Programa de Pós
Graduação em Saúde Coletiva da
UFES
Orientador
Telefone: (27) 33253797
Luiz.henrique.borges@terra.com.br
Roberta Melo Vello Poldi
Mestranda junto ao Programa de
Pós Graduação em Saúde Coletiva da
UFES
Pesquisadora
Telefone: (27) 33253022
robvello@hotmail.com
147
DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO DO ENTREVISTADO
Eu, ____________________________________________________________,
permito que _____________________________________________________
participe do grupo da pesquisa Necessidades de saúde na ótica de
trabalhadores adscritos a uma unidade de saúde da família, no município da
Serra-ES em data e local a serem definidos antecipadamente. Estou ciente de que
o grupo será filmado, seus resultados tratados com sigilo e que os dados também
podem ser usados para publicações científicas sobre o assunto. Entendo que sou
livre para aceitar ou recusar e que posso interromper a participação dele a qualquer
momento, sem dar uma razão. Eu entendi a informação apresentada neste Termo
de Consentimento e tive a oportunidade para fazer perguntas e todas as minhas
perguntas foram respondidas.
Eu receberei uma cópia assinada e datada deste Documento de Consentimento
Livre e Esclarecido.
Serra, ________ de ______________________de 2008
Assinatura
148
APÊNDICE D – Roteiro para as Sessões de Grupo Focal
1º Momento : Aquecimento
a) Há quanto tempo moram no bairro?
b) Falem um pouquinho da história de vocês no bairro. Quando vieram, por que vieram
morar aqui?
c) No que trabalham as pessoas deste bairro?
2º Momento: Relação entre o trabalho e o processo saúde/doença
a) O que este trabalho significa para vocês?
b) Quantas horas por dia vocês trabalham?
c) De que maneira isso interfere na vida de vocês? Vocês têm tempo para outras
atividades? (família, lazer, descanso, estudo, etc.)
d) Como fazem a atividade de trabalho?
e) Para vocês, o que é saúde? E doença?
f) Alguma coisa na rotina de trabalho de vocês pode prejudicar a saúde? O quê?
g) Que problemas referente à saúde vocês têm tido ultimamente?
h) Vocês acham que esses problemas têm a ver com a sua atividade de trabalho?
Momento: Necessidades de saúde e a utilização dos serviços de saúde, especialmente
a USF do bairro
a) Quando vocês ficam doentes o que fazem? (resgatar os problemas de saúde
citados).
b) Procuram algum serviço de saúde? Qual? Por quê? Esse serviço que vocês
procurem tem dado resultado?
c) Em que momento (quando? por quê?) isso se tornou um problema ou uma
necessidade na vida de vocês? (Que afeta o seu viver)
d) O que fazer para que isso de fato deixe de ser um problema de saúde? (Quais as
necessidades de saúde estão relacionadas com esse problema?) Do que vocês
necessitam para resolver esse problema de saúde?
e) Vocês são cadastrados na USF? Conhecem o ACS e a equipe responsável pela
área em que vocês moram? (Estavam em casa no momento da visita do agente de
saúde?)
f) Vocês procuram a USF? Quando vocês procuram a USF são atendidos?
g) Vocês participam de alguma atividade desenvolvida pela USF? Qual? De que
maneira?
4º Momento: Fechamento
a) Como vocês acham que a USF poderia ajudar a resolver as necessidades de saúde
de vocês?
149
APÊNDICE E – Participantes dos Grupos Focais
Tabela 1 Identificação dos sujeitos componentes dos grupos focais, por grupo em
relação à idade, sexo e ocupação. Serra-ES, 2008
Grupo Sujeito
componente
dos grupos
Idade em
anos
Sexo
Tempo de residência
em anos
Ocupação
R1 34 F 11 Diarista
R2 34 F 22 Diarista
R3 23 F 05 Doméstica
R4 27 F 10 Doméstica
R5 28 F 20 Doméstica
R6 47 F 11 Doméstica
R7 26 F 11 Diarista
R8 31 F 05 Doméstica
R9 31 F 21 Doméstica
R10 42 F 19 Doméstica
R11 58 F 20 Diarista
R12 26 F 20 Diarista
Rosa
R13 41 F 23 Aux. serv. gerais
A1 49 M 21 Entregador de material de
construção
A2 55 M 17 Pedreiro
A3 53 M 20 Pedreiro
A4 49 M 15 Pedreiro
A5 46 M 15 Pedreiro
A6 59 M 9 Aposentado
A7 34 M 10 Ajudante de pedreiro
A8 35 M 8 a 10 Ajudante de pedreiro
A9 26 M Menos de 1 ano Pedreiro
A10 50 M 19 Pedreiro
A11 34 M 20 Pedreiro
A12 38 M 8 a 9 Pedreiro
A13 15 M 2 Ajudante de pedreiro
A14 15 M 6 Ajudante de pedreiro
Azul
A15 48 M 17 Carpinteiro
V1 45 M 12 Pedreiro
V2 55 F Diarista
V3 28 M 17 Pedreiro
V4 29 M Menos de 1 ano Pedreiro
V5 58 M Menos de 1 ano Pedreiro
V6 39 F 16 Diarista
Verde
V7 49 F 22 Doméstica
150
ANEXO – Termo de Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de
Ciências da Saúde
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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