Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA
ESTELA ALTOÉ FEITOZA
A INSERÇÃO DO CIRURGIÃO-DENTISTA NO PROGRAMA DE
SAÚDE DA FAMÍLIA: MUDANÇAS E DESAFIOS
VITÓRIA
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ESTELA ALTOÉ FEITOZA
A INSERÇÃO DO CIRURGIÃO-DENTISTA NO PROGRAMA DE
SAÚDE DA FAMÍLIA: MUDANÇAS E DESAFIOS
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva do Centro de Ciências da Saúde da
Universidade Federal do Espírito Santo, como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Saúde Coletiva.
Orientador: Profª Drª Nágela Valadão Cade.
VITÓRIA
2008
ads:
ESTELA ALTOÉ FEITOZA
A INSERÇÃO DO CIRURGIÃO-DENTISTA NO PROGRAMA DE SAÚDE DA
FAMÍLIA: MUDANÇAS E DESAFIOS
Dissertação de Mestrado submetida à Banca Examinadora do Programa de Pós-
Graduação em Saúde Coletiva do Centro de Ciências da Saúde da Universidade
Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre
em Saúde Coletiva.
Aprovada em 12-11-2008, por:
____________________________________________________
Profª Drª Nágela Valadão Cade – Orientadora
PPGASC - Universidade Federal do Espírito Santo-UFES
____________________________________________________
Profª Drª Sara Ramos da Silva – 1º Examinador
Centro Federal de Educação Tecnológica do ES – CEFETES
___________________________________________________
Prof. Dr. Adauto Emmerich Oliveira – 2º Examinador
PPGASC - Universidade Federal do Espírito Santo-UFES
VITÓRIA
2008
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Feitoza, Estela Altoé, 1976 -
F311i A inserção do cirurgião-dentista no Programa de Saúde da
Família : mudanças e desafios / Estela Altoé Feitoza. – 2008.
170 f. : il.
Orientadora: Nágela Valadão Cade.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Ciências da Saúde.
1. Família - Saúde e higiene. 2. Família - Programas de saúde.
3. Saúde bucal. 4. Dentistas. I. Cade, Nágela Valadão, 1958-. II.
Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências da
Saúde. III. Título.
CDU: 614
A meus filhos, Sofia e Enzo,
que com amor, graça e simplicidade, enchem minha
existência de esperança e divindade.
Agradeço,
A Deus.
Ao Beppe, meu companheiro de todos os momentos.
Aos nossos filhos, Enzo e Sofia, que nos motivam a melhorarmos internamente.
A toda calorosa família, irmãos, cunhados, sogro e sogra, em especial, a meus pais,
Elza e Zeca, pelo apoio incondicional nos momentos de angústia, pelo cuidado com
as crianças para que eu pudesse terminar esse trabalho e por me educarem nas
virtudes da simplicidade e do amor ao próximo.
A todos os amigos que fiz nesse percurso, Carol Esposti, Luciana, Josilda, Renata
Madureira, Karina, Roberta, Verúcia e muitos outros, que me incentivaram nos
momentos de incerteza e desencantamento.
Às queridas amigas Júnia Zaidan e Flávia Pazinatto pelo carinho de sempre.
À professora Alacir por acompanhar os primeiros passos do trabalho.
À professora Nágela pela disponibilidade, pelo apoio, incentivo e pela cuidadosa
orientação.
Ao professor Luiz Henrique pela escuta terapêutica e pelo auxílio.
À professora Bete por toda a atenção e apoio.
À professora Sara pelo incentivo e por introduzir o método do DSC com apreço e
entusiasmo, mostrando-nos as diversas possibilidades da técnica.
Ao professor Adauto por sua bela trajetória na Saúde Bucal Coletiva.
À professora Raquel pela participação na banca de defesa.
A todos os professores do PPGASC e à Coordenação.
À Coordenação de Saúde Bucal da SEMUS que muito colaborou para a realização
da pesquisa.
A CAPES pelo apoio financeiro.
À Morgana, pelo auxílio bibliotecário desde o processo seletivo, quando o trabalho
ainda era um pré-projeto de pesquisa.
Aos sujeitos do estudo, colegas de profissão, que confidenciaram os dados dessa
pesquisa.
Enfim, a todos aqueles que direta ou indiretamente participaram da construção
desse trabalho, e não obstante, à minha própria construção.
One ship drives east and another drives west
With the selfsame winds that blow
‘Tis the set of the sails and not the gales
That tells them the way to go.
Like the winds of sea are the winds of fate
As we voyage along through life.
‘Tis the set of a soul that decides its goals
And not the calm or the strife.
Um barco sai para o leste e o outro para o oeste
Levados pelo mesmo vento que sopra
É a posição das velas, e não o sopro do vento,
Que determina o caminho que eles seguem.
Como os barcos no mar, assim são os caminhos do destino
Ao navegarmos ao longo da vida.
É a posição da alma que determina a meta,
E não a calmaria ou o conflito.
Ella Wheeler Wilcox
RESUMO
O estudo objetiva explorar a inserção do cirurgião-dentista (CD) no Programa de
Saúde da Família (PSF) de Vitória, Espírito Santo, buscando compreender as
mudanças percebidas pelo profissional no cotidiano de seu trabalho. Trata-se de
uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, desenvolvida com 14 CDs
inseridos no PSF. Foi utilizada a entrevista com roteiro semi-estruturado para a
coleta de dados e a estratégia do Discurso do Sujeito Coletivo para análise dos
mesmos. Os principais resultados, organizados em quatro temas a inserção do CD
no PSF, seu cotidiano de trabalho, as mudanças no cotidiano e os desafios a serem
enfrentados sugerem que o PSF configura-se como um novo mercado de trabalho
para o CD. A análise de seu cotidiano no Programa demonstra fragmentação entre
as ações clínicas e aquelas de cunho educativo-promocional. Houve mudanças
importantes no processo de trabalho do CD, que ao estender sua atuação para além
da clínica, amplia seu olhar sobre o processo saúde-doença-cuidado, estabelece
relações de vínculo e responsabilização com os usuários de seus territórios de
saúde e cria novas relações interprofissionais com os membros das equipes de
saúde da família. Os CDs apontam como principais desafios de sua atuação no PSF
a organização da demanda espontânea, a contratação de mais profissionais, a
ampliação da atenção especializada e a consolidação de currículos de graduação
em Odontologia com maior enfoque para a esfera social. Conclui-se que o PSF
configura-se como lócus potencial para operar transformações subjetivas no
profissional CD que é capaz de repensar suas práticas, a partir de um espaço de
contradições e dificuldades.
Palavras-chave: Odontólogos. Programa Saúde da Família. Prática de Saúde
Pública. Saúde Bucal.
ABSTRACT
Oral Health is a relatively new addition to the Family Health Program (Programa de
Saúde da Família-PSF). Dentists, as newcomers, have to face the challenge of both
acquiring an already established public health knowledge base and interacting with a
multidisciplinary team. This study aims at investigating the changes dentists have to
undergo in this process. A qualitative, exploratory research design was chosen and
semi-structured interviews were carried with 14 PSF dentists working in the program.
The Collective Subject Discourse analysis strategy was used, and the results showed
that PSF represents a new market for dental surgeons. Fragmentation between the
clinical actions and those which focused on health promotion was also pointed.
Despite this problem, dentists show an increasing awareness towards health
prevention, a closer bound with the communities they serve and a deeper integration
with other PSF health professionals. To improve PSF oral health programs, PSF
dentists suggest hiring more dental professionals, organizing access to all age
groups, providing more specialized care and strengthening integration with Family
Health workers to advance changes in Public Health. A revision in Dentistry School
curricula, to allow for a stronger emphasis on social determinants of health, was also
put forward. In conclusion, PSF seems to offer a rich environment for subjective
changes in dental professionals, as the conflicting perspectives of their traditional
curative dental practices and the socially oriented care perspective engender careful
reflection and the repositioning of their social role.
Keywords: Dentists. Family Health Program. Public Health Practice. Oral Health.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AB – Atenção Básica
ABEN – Associação Brasileira de Ensino Médico
ABO – Associação Brasileira de Odontologia
AC – Ancoragem
ACD – Auxiliar de Consultório Dentário
ACS – Agente Comunitário de Saúde
AIS – Programa de Ações Integradas de Saúde
APS – Atenção Primária em Saúde
CAPS – Caixa de Aposentadoria e Pensão
CD – Cirurgião-Dentista
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos da Saúde
CEO – Centros de Especialidade Odontológica
CFO – Conselho Federal de Odontologia
CNS – Conferência Nacional de Saúde
CNSB – Conferência Nacional de Saúde Bucal
CPO-D – Dentes Cariados, Perdidos e Obturados
CRO – Conselho Regional de Odontologia
DAB – Departamento de Atenção Básica
DSC – Discurso do Sujeito Coletivo
DST/AIDS – Doenças sexualmente transmissíveis
ECH – Expressões-Chave
ENATESPO – Encontro Nacional de Técnicos e Administradores do Serviço Público
Odontológico
ES – Espírito Santo
ESB – Equipe de Saúde Bucal
ESF – Equipe de Saúde da Família
ESFSB – Equipe de Saúde da Família com Saúde Bucal integrada
IAD I – Instrumento de Análise de Discurso I
IAD II – Instrumento de Análise de Discurso II
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IC – Idéia Central
IAPS – Institutos de Aposentadoria e Pensões
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
IMBRAPE – Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas Sócio-Econômicas
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
IPES-ES – Instituto de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento Jones dos Santos
Neves
LAPA – Laboratório de Planejamento e Administração em Saúde
LRPD – Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias
MBRO – Movimento Brasileiro de Renovação Odontológica
MS – Ministério da Saúde
NOAS – Norma Operacional da Assistência à Saúde
NOB/SUS – Norma Operacional Básica do SUS
OMS – Organização Mundial de Saúde
OPAS – Organização Panamericana da Saúde
PAB – Piso de Atenção Básica
PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PDI – Plano Diretor de Investimentos
PDR – Plano Diretor de Regionalização
PEP – Programa de Educação Permanente
PMV – Prefeitura Municipal de Vitória
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PPI – Programação Pactuada Integrada
PPR – Prótese Parcial Removível
PROEX – Projeto de Expansão e Consolidação do Programa de Saúde da
Família
PSF – Programa de Saúde da Família
SB – Saúde Bucal
SBC – Saúde Bucal Coletiva
SEMUS – Secretaria Municipal de Saúde
SESA – Secretaria Estadual de Saúde
SESC – Serviço Social do Comércio
SESI – Serviço Social da Indústria
SESP – Serviços Especiais de Saúde Pública
SIAB – Sistema de Informação da Atenção Básica
SILOS – Sistemas Locais de Saúde
SINODONTO – Sindicato dos Odontologistas
SPT 2000 – Saúde para todos no ano 2000
SUDS – Sistema Único e Descentralizado de Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
THD – Técnico de Higiene Dental
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
US – Unidade de Saúde
UBS – Unidade Básica de Saúde
USF – Unidade de Saúde da Família
USP – Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 14
2 A TRAJETÓRIA DA ODONTOLOGIA E SEU DESENVOLVIMENTO NO
BRASIL ........................................................................................................... 18
2.1 AS ORIGENS DA ODONTOLOGIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
HISTÓRICAS ................................................................................................... 18
2.2 A ODONTOLOGIA NO BRASIL: DE ODONTOLOGIA À SAÚDE BUCAL
COLETIVA ....................................................................................................... 21
2.3 O CONTEXTO ATUAL DA ODONTOLOGIA: A CRISE DO MERCADO
PRIVADO E AS NOVAS PERSPECTIVAS DA SAÚDE BUCAL
COLETIVA ....................................................................................................... 30
3 A MUDANÇA DE MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE: O PROGRAMA
DE SAÚDE DA FAMÍLIA ENQUANTO ESTRATÉGIA MODIFICADORA. ... 35
3.1 O PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: UM MODELO DE ATENÇÃO
EM CONSTRUÇÃO......................................................................................... 36
3.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO EM SAÚDE NO COTIDIANO
DO PSF ........................................................................................................... 42
3.3 CRÍTICAS AO PSF E DESAFIOS A SEREM ENFRENTADOS ..................... 50
3.4 A INSERÇÃO DA SAÚDE BUCAL NA SAÚDE DA FAMÍLIA: O PAPEL
DO CIRURGIÃO-DENTISTA NA EQUIPE ...................................................... 55
3.5 A SAÚDE BUCAL NO PSF DE VITÓRIA – ES ............................................... 61
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS ................................................................... 67
4.1 TIPO DE ESTUDO .......................................................................................... 67
4.2 CENÁRIO DO ESTUDO .................................................................................. 67
4.3 SUJEITOS DO ESTUDO ................................................................................ 68
4.4 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS ..................................................... 69
4.5 PROCEDIMENTOS DE COLETA E TRATAMENTO DOS DADOS ............... 70
4.6 ASPECTOS ÉTICOS ...................................................................................... 74
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................... 75
5.1 APRESENTANDO OS SUJEITOS DO ESTUDO ........................................... 76
5.2 AS TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS DOS SUJEITOS ................................. 79
5.3 APRESENTANDO OS DISCURSOS DO SUJEITO COLETIVO .................... 80
5.3.1 A inserção do cirurgião-dentista no PSF de Vitória, ES ........................... 80
5.3.2 A atuação profissional cotidiana do CD no PSF ........................................ 90
5.3.3 As mudanças no cotidiano de trabalho do CD após inserção no PSF1166
5.3.4 Os desafios para o trabalho do CD no PSF: para consolidação das
mudanças de práticas de saúde bucal ................................................... 1277
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 1411
7 REFERÊNCIAS ........................................................................................... 1466
APÊNDICES ........................................................................................................ 16060
ANEXOS ................................................................................................................ 1688
14
1 INTRODUÇÃO
Um passo à frente e já não estamos mais no mesmo lugar
Chico Science
O presente estudo partiu da necessidade de compreender melhor a vivência dos
cirurgiões-dentistas (CDs) diante das novas práticas de Saúde Coletiva,
configuradas pelo Programa de Saúde da Família (PSF)
1
. A escolha do tema desta
investigação não foi ao acaso. Foi um processo construído ao longo de minha
trajetória profissional
2
. Meu interesse pela temática da Saúde Bucal Coletiva foi
despertado ainda na graduação, todavia, tive maior aproximação com as políticas
públicas de saúde bucal a partir de minha inserção no mercado de trabalho como
CD da rede municipal de saúde de uma cidade do interior do estado.
A realidade vivenciada ali me instigou a refletir sobre o tipo de Odontologia que
vinha sendo praticada na esfera pública, com restrição de acesso a certos grupos
populacionais e a inexistência, naquele momento, de serviços especializados que
permitissem a atenção continuada ao usuário. Essas indagações levavam-me a
questionar os papéis que a profissão, representada por nós, cirurgiões-dentistas,
deveria desempenhar junto à sociedade.
Ao vivenciar as dificuldades para um CD estabelecer-se na Odontologia privada, sua
inserção no Sistema Único de Saúde (SUS) passava a ser uma atrativa
oportunidade de trabalho. Observava, porém, que a estabilidade de um emprego no
SUS muitas vezes se traduzia em dificuldades de adesão à proposta, tanto pela
limitada formação e capacitação do CD para esse tipo de trabalho, quanto pelo ideal
de profissão consolidado pelas academias e pela sociedade, trabalho esse de cunho
individual, apoiado na evolução de técnicas, materiais e equipamentos. Trabalhar
com um olhar para a comunidade e sob a égide da Atenção Básica em Saúde
1
O Ministério da Saúde (MS) ora utiliza a denominação Programa de Saúde da Família, ora o termo
Estratégia de Saúde da Família (ESF). Embora incorporado como programa, o PSF foge à
concepção geral dos demais programas adotados pelo Ministério da Saúde, porque não se propõe
a ser uma intervenção vertical e sim uma estratégia que possibilita a integração e promove
organização das atividades em um território definido (BRASIL, 2000). Neste trabalho será utilizado
o termo PSF, por ser esse mais comumente difundido, porém, referindo-se ao sentido de
estratégia.
2
Na Introdução, a narrativa será na primeira pessoa do singular, devido ao caráter estritamente
pessoal do relato.
15
significava, em minha ótica, adotar menos densidade tecnológica e mais percepção
para o social. Assim, tais inquietações foram se configurando ao longo tempo,
despertando meu interesse em aprofundar os conhecimentos nessa área.
Historicamente, a Odontologia transitou de uma profissão meramente artesanal,
para uma profissão científica. Sua evolução na sociedade deu-se muito mais para
atender a um mercado privado, do que propriamente para assistir às populações,
para as quais foram formulados programas verticais que davam respostas pontuais
a questões epidemiológicas complexas (NARVAI, 2002). Todavia, com o advento da
Atenção Primária à Saúde e a regulamentação do SUS, tornou-se premente a
inclusão da profissão no contexto das reformas da saúde, para melhor assistir às
necessidades da população.
Em tal contexto, o PSF é concebido como estratégia de mudança do modelo de
atenção à saúde. Visa reorientar a Atenção Básica em Saúde, priorizando a
organização da demanda através de uma distribuição da clientela por territórios,
pelos quais uma Equipe de Saúde da Família torna-se responsável. E esse tornar-se
responsável significa, através da construção de projetos comuns via trabalho em
equipe, criar um vínculo com aquelas pessoas do território, que ultrapassa o
compromisso da assistência curativa que o profissional vai prestar (BRASIL, 2008c).
Nesse sentido, as transformações em termos de processo de trabalho em saúde no
cotidiano dos serviços vêm sendo consideradas como potenciais para consolidar as
mudanças nas formas de fazer saúde. Sendo assim, as análises têm se voltado à
importância dos trabalhadores das diversas áreas da saúde, de se colocarem
enquanto sujeitos protagonistas dessas mudanças, em que as dinâmicas relacionais
passam a ser agenciadoras de modelos assistenciais centrados no usuário
(MERHY, 2002; CAMPOS, 2006a; b).
Considerando todas as transformações que a Odontologia vem vivendo no campo
do mercado de trabalho e o incremento dos investimentos federais em políticas
públicas de saúde bucal, é muito significativa a inserção da Odontologia (agora
Saúde Bucal) e do CD no PSF.
16
Nesse espaço, não cabe ao CD uma concepção fragmentada de sua ação
profissional. Seu objeto de trabalho, o usuário e a comunidade onde vive, têm
fazeres, saberes e práticas também legítimas, elaboradas a partir de suas
experiências de vida, que podem não condizer com a lógica do discurso médico-
odontológico. A relação entre profissional e usuário pressupõe um encontro de
universos culturais diferentes acerca do processo saúde-doença, saberes que
devem ser negociados na produção do cuidado.
O CD, enquanto promotor do cuidado, precisa desenvolver um arsenal tecnológico
que vai muito além da reprodução mecânica de procedimentos. Habilidades essas
exploradas de forma marginal nos cursos de graduação em Odontologia.
Aleixo (2002) afirma que os recursos humanos, quando não qualificados, podem
dificultar a efetivação das propostas de mudança na saúde, pautada pelos ideários
da Reforma Sanitária. É preciso que esses profissionais estejam conscientes de
seus papéis ‘reformadores’ quando inseridos nas políticas nacionais de saúde.
A implementação do PSF e a recente incorporação da Saúde Bucal no programa,
tornam-se campo rico de investigações para conhecer se, de fato, essa nova
realidade contribui para a reorientação das práticas em Saúde Bucal, em que o
profissional CD se desloca de um modelo de práticas individuais e curativas para um
modelo que se respalda pelo trabalho em equipe e pela produção do cuidado
integral à saúde.
Considerando a recente incorporação da Saúde Bucal na Saúde da Família, a
necessidade de conhecer a experiência profissional do CD nesses espaços e de
explorar se esse profissional tem conseguido desenvolver as ações propostas pelo
PSF no município de Vitória, Espírito Santo (ES), como objetivo, este estudo se
propõe a explorar a inserção do cirurgião-dentista no PSF de Vitória-ES, buscando
compreender as mudanças percebidas pelo profissional no cotidiano de seu
trabalho.
A compreensão de como tem se dado a inserção do CD nessa nova realidade
poderá contribuir para discutir seu processo de trabalho no PSF, bem como criar
17
possibilidades de intervenção naqueles aspectos que dificultam sua atuação
profissional, colaborando para a gestão da saúde bucal do município de Vitória.
A fim de atender ao objetivo proposto, este trabalho ficou assim estruturado: o
primeiro capítulo, aqui descrito, introduziu as questões de investigação; o segundo
capítulo faz um resgate da trajetória da Odontologia e dos modelos de atenção à
saúde bucal no Brasil; o terceiro capítulo traz uma análise do PSF enquanto
proposta de mudança de modelo de atenção à saúde e caracteriza a inserção da
saúde bucal e do CD em tal contexto, finalizando com uma reflexão sobre a Saúde
Bucal no PSF de Vitória, ES. Tais reflexões configuram o referencial teórico que
embasa o trabalho, construído a partir de autores da Saúde Bucal Coletiva, da
Saúde Coletiva e dos documentos e publicações acerca das políticas públicas de
saúde.
A metodologia utilizada na pesquisa é explicitada no capítulo quatro. O capítulo
seguinte expõe os resultados obtidos pela análise dos dados empíricos, iniciando
com a caracterização dos sujeitos participantes da pesquisa e de suas trajetórias
profissionais, trazendo, posteriormente, a apresentação e a discussão dos Discursos
do Sujeito Coletivo, fundamentada pelos autores que embasam o trabalho.
Finalmente, no sexto capítulo são feitas as considerações finais do estudo.
Esta pesquisa é resultado da colaboração direta e indireta de muitos atores. Visto
dessa forma, optamos pela construção do trabalho na terceira pessoa do singular, a
qual será utilizada a partir de então.
18
2 A TRAJETÓRIA DA ODONTOLOGIA E SEU DESENVOLVIMENTO NO BRASIL
A trajetória da Odontologia nos países em que essa profissão foi primeiramente
institucionalizada, bem como no Brasil, reflete a trama política vigente em cada
momento histórico e acompanha as mudanças contextuais desses países. Tomando
como eixo condutor deste trabalho a inserção da Odontologia (Saúde Bucal) nas
políticas públicas de saúde do Brasil mais especificamente no PSF e o desafio
de redimensionar o trabalho do CD nesses espaços, esse capítulo traz um breve
resgate de como a Odontologia se constituiu enquanto profissão e de seu
desenvolvimento no Brasil, tendo o CD como protagonista de uma prática
hegemônica.
2.1 AS ORIGENS DA ODONTOLOGIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
HISTÓRICAS
A Odontologia tem suas origens a partir da Medicina. Até a Idade Média, era uma
atividade inespecífica, realizada ora por curandeiros, ora pelos barbeiros, tendo a
extração dentária como ação terapêutica primordial. Povos de diferentes regiões do
globo, sem contato mútuo e de culturas diversas, desenvolveram hábitos similares
em relação aos cuidados com a saúde bucal (RING, 1998).
Foram os cirurgiões-barbeiros europeus que se especializaram no tratamento dos
dentes, num contexto de proibição do clero ao exercício da cirurgia e de ampliação
das atividades do barbeiro, o que ocorre, sobretudo, na França e também na
Inglaterra.
As atividades cirúrgicas eram vistas com certo desdém tanto pela Medicina quanto
pela Igreja, que considerava a intervenção nos corpos humanos como um ato
impuro. Dessa forma, repercutiu-se, desde o início até o final da Idade Média, uma
concepção de que os cirurgiões eram praticantes inferiores da Medicina geral, o que
contribuiu para difundir a separação entre Medicina e cirurgia. Esta atividade passa
então a ser uma tarefa dos barbeiros que, com isso, ampliam seu campo de
atuação. Além de fazer as barbas e cortar os cabelos, passam a realizar vários tipos
de cirurgias, e, dentre essas, extraíam dentes.
19
O século XVIII introduziu mudanças profundas no exercício da Odontologia,
estimuladas pelo desenvolvimento científico e tecnológico. Foi neste século que a
Odontologia se converteu em campo científico independente, principalmente a partir
de obras literárias no campo odontológico. Até esse momento histórico, a
apropriação do conhecimento sobre a prática odontológica empírica dava-se, quase
que exclusivamente, através da observação e aprendizado com o outro
(EMMERICH, 2000; RING, 1998).
Uma das grandes obras literárias na Odontologia da época foi a publicação do livro
Le chirurgien dentiste: ou traité dês dents (O cirurgião dentista: ou, tratado dos
dentes), em 1728, produzido por Pierre Fauchard, um cirurgião francês que ficou
consagrado como o ‘Pai da Odontologia’. Neste livro, Fauchard cobriu todo o campo
da Odontologia, desde as patologias orais à descrição de técnicas de reposições
protéticas. Fauchard separou a Odontologia do campo mais amplo da cirurgia,
dando-a uma identidade e equiparando-a a uma profissão com campo devidamente
circunscrito, cunhando a expressão “cirurgião-dentista”, para caracterizar a
emergente identidade profissional do dentista (RING, 1998).
Apesar de a França ter sido o berço da Odontologia, a partir do século XIX esta
liderança passou para os Estados Unidos, já que a nova nação americana
representava boa oportunidade de crescimento econômico aos dentistas
profissionais da Europa. É em 1840, em Baltimore, que surge a primeira escola
dental do mundo, criada por Hayden
3
e Harris
4
com o objetivo de oficializar o ensino
da Odontologia e regular o exercício da profissão em detrimento dos charlatões e
dos barbeiros leigos. A Odontologia passava a iniciar um caminho próprio, em
separado da Medicina.
3
Horace H. Hayden 1769-1844, geólogo, trabalhou como assistente de Thomas Hamilton, o dentista
mais famoso de Baltimore, e passou a exercer o ofício por conta própria. Em 1810, obteve a
primeira licença para exercer a Odontologia, emitida pela Medical and Chirurgical Faculty of
Maryland. Em 1819, Hayden foi convidado a dar aulas de Odontologia para os estudantes de
medicina de Maryland (RING, 1998).
4
Chapin A. Harris 1806-1860, estudou medicina com seu irmão, mas não consta na literatura que
tenha obtido o título de médico. Por volta de 1828, mesclava as práticas de Odontologia e
Medicina. Na década de 30 foi para Baltimore e tornou-se aluno de Hayden, estabelecendo-se
nesta cidade. Escreveu livros e artigos na Odontologia, protagonizando, junto com Hayden, a
institucionalização da Odontologia nos EUA (RING, 1998).
20
Nesse contexto de institucionalização das profissões da saúde, tanto nos Estados
Unidos como na Inglaterra, as novas ocupações de classe média (como foi o caso
da nascente Odontologia), numa tentativa de conquistarem o título de “profissão” e
se aproximarem do status das profissões acadêmicas mais tradicionais,
aproveitaram a falta de controle estatal para legitimarem-se, com o apoio do Estado,
já que as atividades eram realizadas pelos mais diversos profissionais (FREIDSON,
1998; NOVAES, 1998).
A esse respeito, Ring (1998) coloca que, no início do século XIX, coexistiam os mais
diferentes profissionais executando as práticas odontológicas: o médico local, que,
entre outras coisas, era capaz de praticar extrações descomplicadas; os dentistas
ambulantes ou charlatões que extraíam e obturavam dentes com materiais
obscuros, e o barbeiro local que, ocasionalmente, poderia exercer a profissão.
Após a institucionalização da primeira faculdade de Odontologia em Baltimore, já
nas últimas décadas do século XIX e durante todo o século XX, outras faculdades de
Odontologia floresciam nos EUA e também na Europa. Junto ao aumento no número
dessas instituições, progrediam também as descobertas de materiais, da
microbiologia, da radiologia, e o progresso nos equipamentos de trabalho, fatores
esses que, em conjunto, revolucionaram a investigação, o ensino e o exercício da
Odontologia no ocidente.
As práticas das profissões da saúde foram orientadas, desde o início, para o
diagnóstico e tratamento das enfermidades. Chaves (1986) argumenta que a
Odontologia também teve essa orientação essencialmente curativa e reparadora em
suas origens. Emmerich (2000) em sua obra A Corporação odontológica e seu
imaginário discorre sobre a construção social e histórica de uma “cultura do
odontocentrismo” que garante identidade à profissão odontológica e suas práticas
cotidianas. Destaca ser a extração dentária o que caracteriza o “ato odontológico
original”. É com essas características, e sob forte influência das Escolas européias e
americanas, que a corporação odontológica se desenvolve no Brasil, em meados do
século XIX.
21
2.2 A ODONTOLOGIA NO BRASIL: DE ODONTOLOGIA À SAÚDE BUCAL
COLETIVA
Nos três primeiros séculos de colonização do Brasil, do século XVI ao XVIII, a
Odontologia era exercida predominantemente pelo cirurgião-barbeiro, que tinha uma
origem social bastante humilde, diferente do que acontecia na Europa na Idade
Média, quando existiam os cirurgiões-barbeiros “acadêmicos” que estudavam para
exercer a profissão (EMMERICH, 2000).
Esse profissional, que foi trazido para o Brasil pelo povo português no período de
colonização, era o barbeiro desqualificado, de origem modesta, que fazia de tudo na
área da saúde, além de cortar cabelo e extrair dentes. Quando chegaram ao Brasil,
o trabalho desses barbeiros sobrepôs ao dos pajés, que eram uma espécie de
curandeiro que também cuidava da saúde bucal. As ações terapêuticas tanto dos
barbeiros quanto dos pajés eram curativas, individualizadas e artesanais
(EMMERICH, 2000).
A primeira fase de desenvolvimento da profissão era uma etapa de “ocupação
indiferenciada”, em que a Odontologia era uma atividade exercida por curandeiros e
pessoas da comunidade. Com a introdução dos cirurgiões-barbeiros, passou a ter
uma característica de ofício, no entanto, ainda era uma atividade possível de ser
exercida por qualquer pessoa que quisesse aprendê-la (CHAVES, 1977;
EMMERICH, 2000).
A Regulamentação do exercício profissional do barbeiro foi iniciada no século XVIII
através da Carta de Ofício, uma licença especial dada pelo Cirurgião Mor, uma
espécie de autoridade médica de Portugal. Esta Carta surgiu em 1521 e foi
modificada cerca de um século depois, em 1631, quando, para sua expedição,
passa a ser necessário uma comprovação de dois anos de experiência na atividade
de barbeiro (ROSENTHAL, 2001).
No Brasil, a institucionalização do ensino e a organização das atividades
profissionais na área da saúde só tiveram início após 1808, por influência da Coroa
Portuguesa que havia se estabelecido no Rio de Janeiro. Em 1856 foi instituído, na
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, exame para dentistas se habilitarem ao
exercício da profissão. Somente em 1884 é que são criados os cursos de
22
Odontologia anexos às Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia
(EMMERICH, 2000; ROSENTHAL, 2001).
A institucionalização do ensino odontológico no Brasil ocorreu num contexto de
disputas pelo exercício profissional. Entre charlatões, sangradores, barbeiros e
cirurgiões, os cirurgiões-barbeiros trazidos de Portugal tinham a proteção da elite
portuguesa estabelecida no Rio de Janeiro e, por isso, conseguiram formalizar suas
atividades, em detrimento da atuação das demais categorias. Dessa forma, ocorreu
a separação entre os que podiam praticar a Odontologia, amparados pela lei, e os
que a exerciam ilegalmente. Hoje essa separação se reflete pela presença histórica
dos dentistas práticos, os antigos barbeiros, que exercem a Odontologia ilegalmente,
e os cirurgiões-dentistas graduados (CARVALHO, 2003; EMMERICH, 2000;
WARMLING; CAPONI; BOTAZZO, 2006).
A formalização do ensino, da forma como ocorreu, facilitou o desenvolvimento de
uma Odontologia restrita a atender às necessidades de uma elite em ascensão,
assumindo, assim, características mercadológicas.
Zanetti (1999) comenta que esse desenvolvimento da corporação odontológica via
“diplomação universitária” ocorre devido ao desenvolvimento do capitalismo e
aumento do consumo por serviços de saúde, mas que, na verdade, pouca diferença
havia entre os CDs práticos e os diplomados em relação ao exercício de suas
atividades.
A maior procura por serviços odontológicos também foi resultado do aumento da
prevalência da doença cárie, impulsionado pela maior ingestão de açúcar, que
passa a ser acessível a todas as camadas da população, a partir do século XIX. Até
então, o açúcar era um “artigo de luxo”, consumido pelos ricos. O consumo em
massa de açúcar fez com que a cárie passasse a ser epidêmica, provocando muito
sofrimento à população (CARVALHO, 2003; FREITAS, 2001).
Nesse contexto de aumento da procura por serviços odontológicos e de aumento da
competição pelo exercício profissional dessa atividade, o ensino odontológico é
institucionalizado, e a Odontologia passa então de profissão “artesanal” à científica.
O primeiro curso de Odontologia do Brasil sofreu grande influência dos currículos
estrangeiros, principalmente franceses, americanos e ingleses. O contexto de
23
Revolução Industrial emergente, sob influência filosófica marcante do Positivismo,
permitiu que fossem privilegiadas disciplinas que davam ênfase ao que pudesse ser
calculado e medido, em detrimento das demandas sociais vigentes (EMMERICH,
2000; PERRI DE CARVALHO, 2006).
A esse respeito, Emmerich (2000) afirma que, ao ignorar os aspectos históricos e
sociais relacionados à saúde, a Odontologia se constituiu alheia à sociedade, com
um discurso que focaliza o dente como objeto de sua ação terapêutica.
O nascimento da Odontologia científica, segundo Mendes (1986), é uma
manifestação regionalizada da Medicina, que se consolida após a publicação do
Relatório Flexner em 1910, nos EUA, pela Fundação Carnegie. Este relatório visou
reformular o ensino médico, garantindo uma base científica sólida, repercutindo
também na Odontologia (MENDES, 1986; RING, 1998).
Apesar de ter reformulado e modernizado o ensino médico, tal relatório influenciou
todas as profissões da saúde, imprimindo a elas características mecanicistas,
biologicistas, individualizantes e de especialização, com ênfase na medicina curativa
e exclusão das práticas complementares (EMMERICH, 2000; KOIFMAN, 2001).
Segundo Mendes (1986), o marco conceitual, tanto da prática quanto da educação
odontológica tradicionais, vem então a ser a Odontologia Científica ou Flexneriana,
que se constituiu dos seguintes elementos ideológicos:
a) mecanicismo, pois faz analogia do corpo humano com a máquina, elemento do
modo de produção dominante;
b) biologicismo, pois há focalização na natureza biológica das doenças e a não
preocupação com as determinações de natureza social;
c) individualismo, pois seu objeto de trabalho é o indivíduo, fragmentado e alienado
de seu contexto social;
d) especialização, com vistas ao aprofundamento do conhecimento específico
visando acumulação de capital, o que exigiu a fragmentação do processo de
produção, via divisão técnica do trabalho;
24
e) exclusão de práticas alternativas, consideradas ineficazes;
f) tecnificação do ato odontológico.
Dessa forma, a Odontologia Flexneriana, por razões ideológicas e econômicas,
estrutura o ato odontológico mediante a incorporação de densidade tecnológica à
prática, com ênfase na atuação curativa, desvinculada de atividades de promoção
da saúde.
A esse respeito, Zanetti (1999) coloca que a incorporação de densidade tecnológica
à pratica ocorre devido ao desenvolvimento de equipamentos e materiais
odontológicos que acompanhou a evolução nacional do capitalismo, o que ocorre a
partir dos anos 30, atingindo o auge nos anos 70. Segundo o mesmo autor, os
próprios profissionais do meio acadêmico eram os principais agentes formadores de
uma postura de incorporar tecnologia à prática clínica odontológica.
Com relação às ações sanitárias, é a partir do final da década de 1910 que as
políticas de saúde têm início efetivo, através da criação de modelos institucionais
orientados pelo conhecimento médico-sanitário desenvolvido nos grandes países
capitalistas, visando à manutenção da força de trabalho e proteção dos espaços de
exportação contra as epidemias, para permitir as atividades econômicas em escala
mundial (LIMA; FONSECA; HOCHMAN, 2005; ZANETTI; LIMA, 1996).
A assistência à saúde nessa época, incluindo a odontológica, era secundária e
restrita aos trabalhadores contribuintes das Caixas de Aposentadoria e Pensões
(CAPS)
5
, criadas na década de 1920.
Com relação às atividades odontológicas exercidas pelo poder público no Brasil, o
marco se dá com a criação, em 1942, do Serviço Especial de Saúde Pública
(SESP), o qual vem a ser o primeiro programa em saúde no Brasil baseado em
dados epidemiológicos. A Odontologia nos serviços públicos, até então, atendia à
5
Instituição previdenciária de direito privado, sob responsabilidade do Estado, para conceder
benefícios e serviços de assistência médica e odontológica apenas para grupos específicos de
servidores públicos, que para obter tais benefícios, pagavam contribuições ao Estado. As CAPS
foram posteriormente substituídas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPS) e estes
posteriormente unificados, quando da criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS),
em 1966. Para maiores informações sobre as origens da Reforma Sanitária e do SUS consultar
Escorel, Nascimento e Edler (2005).
25
livre demanda, sem ações programáticas direcionadas a grupos populacionais
(EMMERICH; FREIRE, 2003; ZANETTI; LIMA, 1996).
O SESP implementou os primeiros programas de Odontologia Sanitária, inicialmente
em Aimorés, Minas Gerais, em 1952, em seguida em Baixo Guandu, Espírito Santo,
os quais adotavam a fluoretação das águas e a educação sanitária como medidas
de caráter coletivo, e a assistência odontológica de caráter incremental para a
população em idade escolar, com referência das crianças com melhores recursos à
clínica privada. As atividades do SESP eram então baseadas no Sistema
Incremental
6
, focalizadas em escolares, e abrangiam ações educativas, preventivas
e curativas. As ações programáticas ficavam restritas à fluoretação das águas de
abastecimento público e utilização de bochechos fluoretados (EMMERICH; FREIRE,
2003; NARVAI, 2002).
Assim, métodos e técnicas de planejamento e programação em saúde passaram a
fazer parte do cotidiano de dezenas de profissionais de Odontologia em várias
regiões do país, levando à emergência do marco referencial conhecido como
Odontologia Sanitária, na década de 60 (NARVAI, 2002; 2006).
Apesar de serem indiscutíveis os benefícios trazidos pela abordagem do Sistema
Incremental, são muitas as críticas a tal lógica de assistência que, por prever a
cobertura gradual e ascendente às ações preventivas, curativas e educativas, a
partir das idades menores, teve como conseqüência a focalização do atendimento
odontológico prioritariamente a escolares e exclusão do restante da população
(MANFREDINI, 2003; NARVAI, 2002; ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA
SAÚDE - OPAS, 2006; RONCALLI et al., 1999).
Para Roncalli et al. (1999), apesar do Sistema Incremental se tratar de um modelo
que poderia ser aplicado a qualquer clientela circunscrita, acabou se tornando
sinônimo de modelo assistencialista em saúde bucal voltado a escolares e se
manteve hegemônico durante mais de 40 anos. Apesar dessas críticas, o sistema é
6
Sistema de atendimento introduzido na administração dos serviços de Odontologia Sanitária a
partir de experiências desenvolvidas nos Estados Unidos, sendo empregado com maior ênfase aos
escolares, tanto pela facilidade de abordagem a esses grupos na própria instituição de ensino,
quanto pelo interesse em prevenir doenças bucais precocemente (NARVAI, 2002; OPAS, 2006).
26
reconhecido por seu valor histórico, por instituir as práticas públicas de Odontologia
no país (NARVAI, 2002).
Dessa forma, entre os anos 50 e final dos anos 80, na assistência odontológica
pública no Brasil havia um predomínio do modelo de assistência a escolares, na
maioria das vezes, com Sistema Incremental e, para o restante da população, a
assistência se dava de forma pulverizada entre as diversas instituições, entre elas as
conveniadas com o Sistema Previdenciário, as secretarias estaduais de saúde e
entidades filantrópicas, com uma grande parcela da população excluída dos serviços
de saúde bucal (RONCALLI et al., 1999).
A assistência planejada, voltada para os escolares, introduzida pelo SESP no início
da década de 1950, de certa forma rompeu com a rigidez da demanda espontânea
do modelo hegemônico de atenção odontológica, porém, não permitiu a inclusão de
outras faixas da população, que era timidamente assistida, mais em caráter de
atendimento urgencial, mantendo-se as características flexnerianas e
mercadológicas (NARVAI, 2002; 2006; OPAS, 2006).
A segunda metade do século XX testemunhou o surgimento de mudanças no setor
odontológico. No Brasil, entre 1952 e 1992, consagraram-se várias expressões para
a Odontologia, representando novas propostas de práticas. Narvai (2002),
analisando tais proposições em relação aos contextos nas quais emergiram, discorre
sobre as seguintes Odontologias: Sanitária, baseada no Sistema Incremental,
Preventiva e Social, Simplificada ou Comunitária e Integral. Explorando suas
conexões com propostas mais gerais para o setor saúde e com diferentes projetos
de sociedade, Narvai (2002) acrescenta que tais propostas incorporaram avanços
significativos para contrapor a prática individualista, porém, se revelaram impotentes
para quebrar a hegemonia da Odontologia de mercado.
No caso da Odontologia Preventiva, que surgiu a partir das propostas da Medicina
Preventiva
7
, sistematizada por Leavell e Clark, em 1965, apesar de se propor a
prevenir as enfermidades bucais, consolidou-se como prática programática
desvinculada das práticas curativas, entendendo de maneira reducionista o processo
saúde-doença, pois não priorizava o social (NARVAI, 2002).
7
Análise crítica sobre a Medicina Preventiva será encontrada na obra de Arouca (2003).
27
Já a Odontologia Simplificada ou Comunitária, que surge na década de 70 como
crítica à Odontologia científica, buscou consolidar-se mediante a simplificação do
sistema de trabalho, a fim de aumentar a produção curativa, em menor tempo, pelo
custo mais baixo possível. Apesar de introduzir uma diminuição nos custos com
insumos odontológicos e introduzir o conceito de equipe odontológica, foi um
enfoque que acabou expressando uma queda da qualidade dos serviços e a
priorização das ações curativas (MENDES, 1986; NARVAI, 2002).
A Odontologia Integral, expressão que surge concomitante à Odontologia
Simplificada/Comunitária, propôs vencer a histórica dicotomia entre prevenção
versus tratamento, associando uma concepção sistêmica do indivíduo e
desmonopolização do saber. Para Narvai (2002), tal proposição teórica apresentou
progressos marcantes no que diz respeito aos equipamentos, recursos humanos e
afirmação da necessidade de participação popular. Todavia, acabou caracterizando,
na prática, as propostas de simplificação da Odontologia Comunitária/Simplificada,
não se constituindo, para o autor, como contraproposta ao modelo tradicional da
Odontologia curativa e de mercado.
A reprodução do modelo tradicional da prática odontológica curativa e excludente
passou a ser criticado intensamente, e na sétima Conferência Nacional de Saúde,
em março de 1980, pela primeira vez, dá-se destaque à contribuição da Odontologia
no Sistema Nacional de Saúde. Os membros participantes concluíram que o modelo
de prática odontológica vigente até então era ineficaz e ineficiente, por ser de alto
custo e baixa resolubilidade, descoordenado e mal distribuído, de baixa cobertura,
envolvia o uso de alta tecnologia, era mercantilista e inadequado na preparação dos
recursos humanos, que, por sua vez, eram formados de maneira desvinculada à
realidade do país (NARVAI, 2002).
A partir da década de 80, a Odontologia passa por mudanças tanto em suas práticas
sanitárias no setor público, quanto no setor privado. A crise nacional que assolou o
país repercute também na Odontologia privada, levando as mudanças estruturais na
profissão, exigindo maiores investimentos por parte dos CDs, em troca de menores
rendimentos. O final do século XX é marcado por valorização das especialidades e
da indústria tecnológica como forma de regulação do exercício profissional
(ZANETTI, 1999).
28
Também é a partir dos anos 80 que as reformas do setor da saúde ganham força e
passam a repercutir nas políticas de saúde bucal. Tais reformas constituíram-se de
um movimento político e ideológico caracterizado pela busca de reformulação crítica
das políticas de saúde vigentes até então curativas, individualistas, médico-
centradas e centralizadas no poder do Estado. O movimento conhecido como
Reforma Sanitária culminou com uma nova proposta de estrutura e de política de
saúde no Brasil, discutida na oitava Conferência Nacional de Saúde, e que deu
bases à criação do SUS na Constituição de 1988 (NARVAI, 2002).
O movimento sanitário odontológico passa a ser representado por estudantes e
profissionais ligados à área, organizados em movimentos como o Movimento
Brasileiro de Renovação Odontológica (MBRO), os Encontros Nacionais dos
Técnicos e Administradores do Serviço Público (ENATESPO), ambos iniciados em
1984, e o Núcleo de Odontologia do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
(CEBES) (SERRA; GARCIA; MATTOS, 2005).
Da confluência dos princípios norteadores do nascente SUS (universalidade,
eqüidade, descentralização, hierarquização e participação social) e da construção
conceitual da Saúde Coletiva, passou-se a falar da Saúde Bucal Coletiva como uma
nova prática sanitária. Com a força política e ideológica dos movimentos sanitários
no sentido de desmedicalização da saúde e ampliação do conceito de saúde, falar
em saúde bucal e, não em saúde dentária, significava uma adjetivação necessária
(CHAVES, 1977; 1986; NARVAI, 2002).
Sendo assim, a Saúde Bucal Coletiva (SBC) emerge ancorada ao conceito da
Saúde Coletiva
8
, como prática sanitária e social produzida a partir de referenciais
políticos, ideológicos e epistemológicos distintos dos que tradicionalmente
acompanham a história da saúde pública. A expressão SBC representa uma nova
práxis, na qual o objeto explícito de trabalho odontológico deixa de ser a boca (corpo
8
Paim e Almeida Filho (1998) conceituam Saúde Coletiva como um conjunto articulado de práticas
técnicas, científicas, culturais, ideológicas e econômicas, desenvolvidas no âmbito acadêmico, nas
instituições de saúde, nas organizações da sociedade civil e nos institutos de pesquisa, resultantes
da adesão ou crítica aos diversos projetos de reforma em saúde. Consideram-na como práxis em
construção, que pode ser vista tanto como campo de conhecimento de natureza interdisciplinar em
relação à questão sanitária da população, como âmbito de práticas que tomam como objeto as
necessidades sociais de saúde de grupos sociais, independentemente do tipo de profissional e do
modelo de institucionalização.
29
biológico), com finalidade de cura do indivíduo, e passa a ser os processos de
adoecimento tomados em sua dimensão coletiva (BOTAZZO, 2003; NARVAI, 2002).
Em tal contexto reformista, intensificam-se as discussões sobre a participação da
Odontologia na esfera pública, bem como sobre sua inclusão nas Conferências
Nacionais de saúde (CNS). É apenas na oitava Conferência Nacional de Saúde, em
1986, que ocorre a primeira Conferência Nacional de Saúde Bucal (CNSB),
introduzindo a participação social da Odontologia, representada pela Sociedade
Civil, por entidades de classe e profissionais da área, a fim de deliberarem sobre as
políticas públicas de saúde bucal, em consonância com o movimento da Reforma
Sanitária Brasileira (BRASIL, 1986).
Os resultados da primeira CNSB apontaram para o início de um amadurecimento
social, técnico e político do setor odontológico. As conferências setoriais de saúde
bucal, apesar de terem se iniciado tardiamente, tenderam a redefinir a Odontologia,
não apenas a prática odontológica, mas, sobretudo o desenvolvimento social,
reforçando o compromisso com a qualidade de vida e defesa da cidadania, numa
tentativa de superação da Odontologia de mercado.
Outras conferências foram realizadas com a preocupação de discutir os rumos das
políticas de saúde bucal. A segunda CNSB ocorre em 1993 e, somente mais de 10
anos após, acontece a terceira e mais recente CNSB, em 2004. Nesta Conferência,
as condições de saúde bucal e o estado dos dentes foram considerados sinais de
exclusão social e de precárias condições de vida de milhões de pessoas em todo o
país, decorrentes de problemas de saúde localizados na boca ou por imensas
dificuldades para conseguir acesso aos serviços assistenciais (BRASIL, 2005).
O Relatório Final da terceira Conferência propõe uma reorganização dos serviços
em saúde bucal, a partir do estabelecimento de práticas que garantam a
universalização do acesso e o acolhimento do usuário, vínculo entre profissionais e
população, integralidade na atenção, resolubilidade e participação de usuários e
trabalhadores na gestão. Tudo isso a partir da descentralização das ações, de
acordo com as necessidades locais (BRASIL, 2005; OPAS, 2006).
A saúde bucal no Programa de Saúde da Família desponta, atualmente, como
prioridade de Governo e passa a ser o principal modelo de ação dessa nova práxis
30
em construção, a Saúde Bucal Coletiva, que vem pretendendo romper com o
modelo hegemônico da Odontologia curativa e de mercado e imprimir novos
caminhos à Odontologia.
2.3 O CONTEXTO ATUAL DA ODONTOLOGIA: A CRISE DO MERCADO
PRIVADO E AS NOVAS PERSPECTIVAS DA SAÚDE BUCAL COLETIVA
Atualmente, é observável um cenário de mudanças tanto na Odontologia enquanto
profissão, quanto na saúde bucal dos brasileiros. No âmbito econômico, a
Odontologia de mercado caminha para a saturação, iniciada com a crise econômica
do país a partir dos anos 80, e que atinge maiores proporções a partir dos anos 90,
quando modificações no contexto mundial, como a abertura comercial e o fenômeno
da globalização, influenciaram todo o setor saúde, ampliando a competitividade no
setor privado (JUNQUEIRA; RAMOS; RODE, 2005; ZANNETI, 1999).
O cenário de saturação do mercado privado na Odontologia vem se constituindo por
uma confluência de fatores, dentre eles, pode-se citar a diminuição da procura pelos
serviços devido à crise econômica prolongada; o aumento do custo dos serviços
conseqüente ao incremento tecnológico observado na prática do trabalho; aumento
exacerbado no número de cirurgiões-dentistas no mercado, sendo este aumento
considerado desproporcional ao crescimento da população já que não se efetiva
uma regulação tanto da força de trabalho quanto da criação de novas faculdades
(MOYSES, 2004; NARVAI, 1999; ZANETTI, 1999).
Segundo o Conselho Federal de Odontologia (CFO), em julho de 2007, havia 188
faculdades de Odontologia em todo país e 220.213 CDs devidamente registrados
nos Conselhos Regionais de Odontologia (CRO), sendo que no CRO do Espírito
Santo, no mesmo período, havia um total de 4.094 profissionais inscritos (CFO,
2008).
Zanetti (2007)
9
considera que tal situação caracteriza uma condição de pletora, que
foi configurada quando o crescimento da população profissional ultrapassou o
número de consumidores com potencial de compra, que pudessem sustentar o
9
ZANETTI, C.H.G. A perda do espaço e o futuro da corporação odontológica. Palestra proferida
no I Fórum de Convênio e Credenciamento – Saúde Suplementar – do Estado do Espírito Santo,
realizado nos dias 1 e 2 de julho de 2007.
31
mercado de serviços. Segundo o mesmo autor, há no país mais CDs que o mercado
de serviços privados tem condições de remunerar.
Um estudo realizado com CDs em Uberlândia, Minas Gerais, demonstrou que a
maioria dos profissionais considera que o mercado profissional saturou, sendo que
os principais fatores responsáveis por tal quadro seriam o excesso de profissionais
no mercado e o contexto da política econômica atual. Os autores do estudo também
consideram a concentração desses CDs nos grandes centros urbanos como fator
que agrava a crise de mercado (RABELO; MACEDO; MARRA, 2008).
Destaca-se também o cenário de transição epidemiológica em saúde bucal no
Brasil, sobretudo da cárie dentária, devido à utilização maciça das novas
tecnologias, em especial a presença crescente do flúor no cotidiano das populações
brasileiras a partir dos anos 80 (FRAZÃO, 2003; MARCENES; BONECKER, 2000;
NADANOVSKI, 2000; NARVAI et al., 2006).
Há de se considerar, ainda, o reflexo da mudança nos padrões socioeconômicos e
sanitários da população, modificando sensivelmente os níveis de incidência e
prevalência de cárie, apesar desta diminuição dar-se desigualmente entre os
diferentes estratos sociais (NADANOVSKI; SHEIHAM, 1995).
No âmbito social, existe uma grande demanda por serviços assistenciais, já que o
contexto da Saúde Bucal no Brasil reflete grandes desigualdades. É importante
salientar que a Odontologia brasileira chega ao século XXI com nível científico e
tecnológico de primeiro mundo, porém, com uma grande gama da população
excluída dos serviços (GARRAFA; MOYSÉS, 1996).
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998,
mais de 29 milhões de brasileiros jamais haviam obtido atenção odontológica. Em
2003, esse número sofreu pequena diminuição para 27,9 milhões de pessoas,
todavia, manteve-se ainda expressiva a população de brasileiros sem acesso ao CD.
Além disso, o mais recente estudo epidemiológico realizado em 2003, o
Levantamento Nacional de Saúde Bucal – SB Brasil revelou altos índices do
indicador de cáries dentárias CPO-D
10
principalmente na população adulta, o que
10
Índice epidemiológico que significa a média de dentes Cariados, Perdidos e Obturados e revela a
prevalência de cárie nas populações (CHAVES, 1986).
32
reflete o descaso da atenção a estes grupos (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE, 2000; 2005; BRASIL, 2004c).
A história de programas focalizados em escolares e restritos a atendimentos de
urgência à população adulta, principalmente através de atos mutiladores como as
extrações, contribuiu para a exclusão dessa população aos serviços, o que é
confirmado por um histórico de altos índices de CPO-D na população acima de 35
anos, principalmente pelo componente “P” do índice, que perfaz os dentes perdidos.
Na faixa etária de 65 a 74 anos, no plano nacional, o componente “P” do índice
perfaz uma porcentagem de 92,25%, o que reflete a escassa assistência a esses
grupos, acesso restrito aos serviços e uma herança de um modelo assistencial
centrado em práticas curativas e mutiladoras (BRASIL, 2004c; NARVAI et al., 2006).
Comparando-se os dados de edentulismo
11
em nosso país e as metas estabelecidas
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o ano 2000, observa-se que o
Brasil está aquém dessas metas, com apenas 10% dos idosos com vinte ou mais
dentes. Somente entre as crianças de doze anos a meta da OMS foi atingida, ainda
assim a cárie nesta idade representa
um grave problema de saúde pública, com
marcantes diferenças macrorregionais e com cerca de 3/5 dos dentes atingidos pela
doença, sem tratamento (OPAS, 2006).
IDADE META DA OMS PARA 2000 SB BRASIL
5 A 6 ANOS 50% sem experiência de cárie 40% sem experiência de cárie
12 ANOS CPO-D < ou = 3,0 CPO-D = 2,78
18 ANOS 80% com todos os dentes 55% com todos os dentes
35 A 44 ANOS 75% com 20 ou mais dentes 54% com 20 ou mais dentes
65 A 74 ANOS 50% com 20 ou mais dentes 10% com 20 ou mais dentes
Quadro 1. Comparação entre as metas da OMS para o ano 2000 e os resultados do SB
Brasil, 2003
Fonte: Brasil, 2004c.
Segundo Roncalli (2006), quando se analisa a média de CPO-D aos doze anos para
as diferentes macrorregiões do país, existe uma desigualdade das condições
relativas à cárie dentária, de modo que as regiões Sul e Sudeste apresentam
melhores condições, em todas as idades, quando comparadas com as demais
regiões.
11
Ausência completa de dentes.
33
Sendo assim, apesar da grande demanda por acesso aos serviços odontológicos, o
mercado de trabalho está escasso e competitivo para os CDs. A acessibilidade a
serviços de saúde bucal é desigual para os diferentes estratos sociais, sendo mais
acessível aos que tem melhor situação socioeconômica.
Em relação à formação universitária dos CDs, existe, atualmente, um movimento em
construção nos cursos de graduação em saúde, de superação do caráter biomédico
e fragmentado do ensino, com vistas à integralidade, interdisciplinaridade,
integração das ciências sociais e aproximação com a realidade dos serviços, o que
resultou na articulação entre os Ministérios da Saúde e Educação, a fim de
readequar o ensino nas áreas da saúde e melhor qualificar os profissionais para o
trabalho na esfera pública (ALMEIDA; FEUERWERKER; LLANOS, 1999; CECCIM;
FUERWERKER, 2004; BRASIL, 2006d).
Apesar do movimento de mudança, a qualificação dos recursos humanos em
Odontologia ainda é controversa, visto que reproduz o caráter privado e tecnicista da
profissão. Zanetti (2006a) coloca que, na história da Odontologia, a saúde, enquanto
objeto complexo, é tomada com reducionismos, e que a formação do CD atual deve
voltar-se para a atenção integral à saúde, de modo que haja uma maior aproximação
teórica e metodológica com as ciências sociais e a filosofia.
Com relação à participação da Odontologia na esfera pública, as ações do Estado
são ainda restritas no que diz respeito às necessidades da população. As políticas
de saúde bucal foram historicamente incipientes, cabendo à esfera privada absorver
a maior parte da demanda, que desprovida de recursos permanecia excluída e
desassistida (MANFREDINI, 2003; RONCALLI et al., 1999; VARGAS; PAIXÃO,
2005; ZANETTI, 1999).
Atualmente, é observável o incremento das ações de Saúde Bucal através da
Política Nacional Brasil Sorridente, a qual propõe a inclusão da Equipe de Saúde
Bucal (ESB) no PSF e a criação dos Centros de Especialidade Odontológica (CEO)
(BRASIL, 2001a; 2006a).
Dado o contexto de incertezas do mercado de trabalho atual, tal incremento das
políticas públicas de saúde bucal aumenta os postos de trabalho para este setor e
34
faz emergir uma nova dinâmica de prática de trabalho mais articulada com a esfera
pública (FERNANDES NETO et. al., 2006; ZANNETI, 1999).
Sendo assim, a inserção da Saúde Bucal no PSF traz novas perspectivas e desafios
para os profissionais e a possibilidade de oferecer novos rumos à Saúde Bucal,
assuntos que serão desenvolvidos no próximo capítulo, que abordará a proposta do
Programa, enquanto modelo de atenção à saúde.
35
3 A MUDANÇA DE MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE: O PROGRAMA DE
SAÚDE DA FAMÍLIA ENQUANTO ESTRATÉGIA MODIFICADORA.
A reflexão sobre a problemática dos modelos de atenção à saúde
12
remete às
origens do movimento de Reforma Sanitária Brasileira, cujos alicerces conceituais
foram embasados pelos trabalhos de análise crítica da prática médica desenvolvidos
por Sérgio Arouca, em 1975, sobre a Medicina Preventiva, e por Maria Cecília
Donnangelo, em 1976, sobre a Medicina Comunitária. Esses estudos pioneiros
abriram caminho para as investigações sobre o processo de trabalho em saúde e
sobre as diversas modalidades de organização das práticas de saúde no Brasil
(TEIXEIRA, C. F., 2006a).
Ao longo da década de 80 e no início dos anos 90, a produção acadêmica voltou-se
mais para os debates em torno do direito à saúde, do financiamento e gestão do
sistema público de saúde, no plano político-institucional, de modo que a temática do
processo de trabalho nesses espaços e suas formas de organização foi pouco
discutida. A partir de 1998, com a expansão da Saúde da Família, a questão dos
modelos de atenção volta à arena de debates e a problemática da mudança do
modelo passa a ter importância central no conjunto das políticas do Ministério da
Saúde (TEIXEIRA, C. F., 2006a).
No momento atual, a principal estratégia adotada pelo Governo Federal para
reorganização da atenção à saúde no SUS é o PSF, o qual visa inverter o modelo
tradicional centrado na doença, a partir do fortalecimento da Atenção Básica em
Saúde.
Nesse capítulo busca-se caracterizar o PSF enquanto proposta de mudança, discutir
seus principais desafios e limitações, apontar algumas proposições de autores da
Saúde Coletiva para que as mudanças na saúde se efetivem e discutir a inserção da
saúde bucal e do CD no PSF.
12
Segundo Teixeira, C. F. (2006a), o modelo de atenção à saúde de concepção “ampliada” inclui três
dimensões: uma dimensão gerencial, relativa ao processo de reorganização das ações e serviços,
uma dimensão organizativa, que diz respeito à hierarquização dos níveis de complexidade
tecnológica do processo de produção do cuidado, e a dimensão técnico-assistencial ou operativa,
que diz respeito ao processo de trabalho em saúde, a partir das relações entre o sujeito das
práticas e seu objeto de trabalho, relações essas mediadas pelo saber, por subjetividades e
demais tecnologias que operam nos vários planos do processo de trabalho, da promoção da
saúde, à prevenção, recuperação e reabilitação dos sujeitos.
36
3.1 O PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: UM MODELO DE ATENÇÃO EM
CONSTRUÇÃO
A instituição do SUS no Brasil pela Constituição Federal, em 1988, é resultado de
um amplo movimento de mobilização política da sociedade brasileira nas décadas
de 70 e 80, conhecido por Reforma Sanitária. Além de incorporar em seus
princípios o conceito ampliado de saúde, com vistas à desmedicalização da
assistência, o SUS representou grande avanço rumo à organização da atenção à
saúde, uma vez que estabelece as diretrizes e os princípios que expressam a
cidadania conquistada com esse processo, já que a saúde passa a ser vista como
direito de todos e dever do Estado.
Dessa forma, o processo de construção do SUS, apesar de absorver influência de
alguns modelos internacionais como da Atenção Primária em Saúde (APS),
caracteriza-se como movimento tipicamente brasileiro, pois sua concepção reflete o
momento político-libertário intrínseco de democratização do país, após o período de
autoritarismo político das décadas de 60 e 70.
No plano internacional, na década de 70, preconizava-se a organização de um
sistema de saúde unificado, mais humanitário, que enfrentasse a segmentação
social e que valorizasse o primeiro nível de atenção no sistema, a Atenção Primária.
A Conferência Internacional Sobre Cuidados Primários de Saúde, em 1978,
realizada em Alma Ata (Cazaquistão), lançou os componentes fundamentais da APS
educação em saúde para divulgação dos problemas mais prevalentes e dos
métodos para sua prevenção e controle, provisão de água e saneamento básico,
cuidados com a saúde materno-infantil, imunização contra doenças infecciosas,
tratamento apropriado de doenças comuns e fornecimento de medicamentos
(BRASIL, 2002; HEINMANN; MENDONÇA, 2005).
A Conferência de Alma Ata configurou a proposta de Saúde para todos no ano 2000
(SPT2000), projeto que tomou como modelo explicativo da saúde, o da
multicausalidade, o qual preconizava políticas públicas que abordassem tanto a
prevenção, cura e reabilitação, bem como o controle de doenças e agravos.
37
Todavia, a lógica interna de tal proposta mantinha o paradigma da clínica, da
medicina preventiva, com base na história natural da doença, oferecendo uma
solução racionalizadora para a organização dos serviços básicos de saúde, em
contraposição à crescente incorporação tecnológica na saúde (HEINMANN;
MENDONÇA, 2005).
Vários projetos de reforma em saúde surgiram nos países ocidentais, no interior das
escolas de Medicina nas décadas de 70 e 80, buscando resgatar a formação de um
médico generalista, em oposição à crescente segmentação e superespecialização
características da prática médica. Nos anos 70 foi apresentada a proposta da
“Medicina Familiar” e suas denominações
13
, como alternativa à formação médica
tradicional que incorporava o aumento da complexidade tecnológica da medicina
(CAMPOS; BELISÁRIO, 2001).
A proposta do médico da família tem origem nos EUA, chegando também ao
Canadá, México, alguns países europeus, consolidando-se em Cuba, ao final dos
anos 80. Progressivamente, este movimento se deslocou das instituições de ensino
para os serviços. No Brasil, a introdução dessa proposta foi intermediada pela OMS
e a Associação Brasileira de Ensino Médico (ABEM), porém, configurou-se como um
movimento sem grandes repercussões pelas críticas à idéia de limitar-se à
assistência de baixa complexidade, para pobres.
Segundo Campos e Belisário (2001), os pressupostos da Medicina da Família se
chocavam com as transformações do setor saúde já em curso, que avançava no
reconhecimento do direito universal à saúde, priorizando a Atenção Primária e a
implantação de um modelo mais integral e resolutivo.
A primeira ação concreta em direção à Atenção Primária no Brasil ocorreu a partir da
criação do Programa de Ações Integradas de saúde (AIS), em 1982, e,
posteriormente, com a proposição do Sistema Único e Descentralizado de Saúde
(SUDS) que culminaram com a instituição do SUS, em 1988.
Heinman e Mendonça (2005) argumentam que a implementação do SUS, pautada
pelos princípios de universalização do acesso aos serviços de saúde com eqüidade,
13
A expressão “Medicina Familiar” é utilizada por alguns autores como sinônima à medicina geral
comunitária e medicina de assistência primária (CAMPOS; BELISÁRIO, 2001).
38
de descentralização da gestão no plano municipal e da participação social, fez com
que a estratégia da APS tivesse que ser reconceituada e passou a ser chamada de
Atenção Básica (AB), a qual se fundamenta no pressuposto da determinação social
da doença, no sentido de superar a proposição preventivista.
Dessa forma, na década de 1990, o processo de implantação do SUS caminhou
para a adoção de uma série de medidas governamentais voltadas para o
fortalecimento da AB, hoje entendida pelo Ministério da Saúde como
[...] um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que
abrangem a promoção e proteção da saúde, a prevenção de agravos, o
diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a manutenção da saúde. É
desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias
democráticas e participativas, sob a forma de trabalho em equipe, dirigidas
a populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume
responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no
território em que vivem essas populações (BRASIL, 2006b, p. 2).
O avanço da municipalização das ações e serviços a partir de 1993 resultou na
transferência da gestão da AB para o nível municipal, no sentido de redefinir as
práticas de saúde e o modelo assistencial do SUS (TEIXEIRA; SOLLA, 2005).
É em tal contexto de descentralização que a unidade familiar volta a ser discutida
como objeto de atenção e surgem as primeiras experiências do Programa de
Agentes Comunitários que antecederam o Programa de Saúde da Família, no início
da década de 90, no Norte e Nordeste brasileiros, onde as redes públicas de AB
eram praticamente inexistentes (HEINMANN; MENDONÇA, 2005; TEIXEIRA;
SOLLA, 2005).
O Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), criado em 1991, mostrou
experiências municipais bem sucedidas no Nordeste do país, especialmente no
Ceará, onde já se trabalhava tendo a família como unidade de ação programática.
Com os bons resultados do PACS, particularmente na redução dos índices de
mortalidade infantil, buscou-se uma ampliação da proposta e uma maior
resolubilidade das ações (CAMPOS; BELISÁRIO, 2001).
Tomando as experiências do PACS como precursoras, o PSF é criado e adotado
como ação da política nacional de saúde em 1994, visando à reorganização da
Atenção Básica do SUS e ao aprofundamento da municipalização. Resultou de
39
esforços conjuntos de diversos atores, incluindo gestores de diversos níveis de
governo preocupados com a necessidade de mudar o modelo de atenção em saúde
vigente, fragmentado no tocante à assistência e prevenção, de alto custo e centrado
na doença (HEINMANN; MENDONÇA, 2005).
Andrade, Barreto e Bezerra (2006) argumentam que a criação do PSF ocorreu em
um contexto institucional em que várias experiências diferentes coexistiam
pontualmente, nas diversas realidades dos municípios brasileiros, como o modelo
assistencial “Em Defesa da Vida”, as “Ações Programáticas em Saúde” e os
Sistemas Locais de Saúde (SILOS). Todos sofreram influência da perspectiva da
APS, buscando a melhoria dos indicadores básicos de saúde do país.
O Modelo “Em Defesa da Vida” surgiu no final da década de 1980, a partir do
trabalho de um grupo de pesquisadores engajados no Movimento de Reforma
Sanitária, que criou o Laboratório de Planejamento e Administração em Saúde
(LAPA) na Universidade Estadual de São Paulo (UNICAMP). A proposta desse
modelo, vigente em alguns municípios do país, envolve a gestão democrática, a
saúde como direito de cidadania e serviços públicos de saúde voltados para a
defesa da vida individual e coletiva. O objeto central da análise do grupo é o
processo de trabalho em saúde. Propõem o restabelecimento de novas relações
entre gestores, trabalhadores e usuários, mediadas pela busca de autonomia e
reconstrução de subjetividades (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2006;
TEIXEIRA, C. F., 2006a).
O Modelo conhecido como “Ações Programáticas em Saúde” é organizado pelo
grupo de pesquisa do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de
São Paulo (USP). Toma como ponto de partida a programação enquanto tecnologia
para reorganização do processo de trabalho, avançando para a incorporação do
enfoque epidemiológico sobre perspectiva crítica e, mais recentemente, vem
problematizando a dimensão ética do cuidado à saúde. Propõe que a intervenção
sobre as necessidades sociais de saúde deve ser definida em função de critérios
demográficos, socioeconômicos e culturais (TEIXEIRA, C. F., 2006a; ANDRADE;
BARRETO; BEZERRA, 2006).
40
Já o modelo dos SILOS, entre todas as propostas, foi o mais difundido
nacionalmente, durante o processo inicial de operacionalização do SUS, tendo a
intermediação da OPAS e da OMS. A proposta SILOS incorporou o enfoque por
território e problema, influenciando as proposições do PSF.
Em seus pressupostos, o PSF incorpora os princípios do SUS de – universalidade
de acesso a todos os cidadãos; de eqüidade nesse acesso de forma que a atenção
seja oferecida mais aos que mais necessitam; de integralidade da atenção à saúde,
ou seja, do olhar sobre a totalidade do indivíduo proporcionando a assistência a
suas necessidades nos diversos níveis de complexidade; de descentralização da
assistência e, de participação social, de modo que o locus da atenção é a família e a
comunidade em que esta família se insere.
Além de reafirmar os princípios do SUS, o Ministério da Saúde define que o PSF
deve ser estruturado a partir da Unidade Básica de Saúde da Família (USF) e o
trabalho deve ser orientado pelas seguintes diretrizes organizativas:
a) caráter substitutivo: a USF caracteriza-se como a porta de entrada do sistema
local de saúde. Substitui as práticas convencionais pela oferta de atuação
centrada na Atenção Básica em Saúde;
b) hierarquização: a USF está inserida no primeiro nível de ações e serviços do
sistema local e deve estar vinculada a toda rede de serviços, de modo que sejam
asseguradas a referência e a contra-referência para os níveis de maior
complexidade, de acordo com a necessidade de saúde da pessoa;
c) territorialização e adstrição de clientela: a USF trabalha com território de
abrangência definido, de modo que a equipe seja responsável pelo
cadastramento e acompanhamento de 600 a 1.000 famílias (2.400 a 4.500
habitantes) vinculadas a esta área;
d) trabalho em equipe multiprofissional: cada equipe de saúde da família (ESF) é
composta, no mínimo, por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de
enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários de saúde (ACS). Outros
profissionais (CDs, assistentes sociais e psicólogos) poderão ser incorporados às
equipes mínimas, de acordo com as necessidades e possibilidades locais, e a
41
USF pode atuar com uma ou mais equipes, dependendo da concentração de
famílias no território sob sua responsabilidade (DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO
BÁSICA- DAB, 2000; BRASIL, 2006b).
Segundo o Departamento de Atenção Básica (DAB), a rede básica de saúde do PSF
não deve ser vista como de menor qualidade, mas como organizadora do acesso à
saúde:
Ao priorizar a atenção básica, o PSF não faz uma opção econômica pelo
mais barato, nem técnica pela simplificação, nem política por qualquer
forma de exclusão. (...) O PSF não é uma peça isolada do sistema de
saúde, mas um componente articulado com todos os níveis. Dessa forma,
pelo melhor conhecimento da clientela e pelo acompanhamento detido dos
casos, o programa permite ordenar os encaminhamentos e racionalizar o
uso da tecnologia e dos recursos terapêuticos mais caros. O PSF não isola
a alta complexidade, mas a coloca articuladamente a disposição de todos.
Racionalizar o uso, nesse sentido, é democratizar o acesso (DAB, 2000, p.
317).
Primariamente concebido como programa, a um primeiro momento, o PSF ficou
restrito às áreas de risco social. Posteriormente, o PSF é redefinido e, em 1998,
passa a ser concebido como estratégia estruturante dos sistemas municipais de
saúde, com vistas à reorganização de todo o serviço de AB, a partir de novos
mecanismos específicos de financiamento, através do Piso de Atenção Básica
(PAB) (BRASIL, 2004b).
Segundo Heinmann e Mendonça (2005), entre 1998 e 2002, ocorreu o momento de
expansão do PSF. Em 2001, a Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS)
e sua reedição de 2002 avançam na forma de financiamento da AB e na estratégia
de hierarquização do sistema de saúde, através da Programação Pactuada
Integrada (PPI), a qual formaliza os pactos intergestores para garantir o acesso da
população aos níveis mais complexos do sistema, da criação do Plano Diretor de
Regionalização (PDR) e do Plano Diretor de Investimentos (PDI), para levantamento
da necessidade de instalação de serviços, ampliação de estrutura física e inserção
de recursos humanos. Também através do NOAS de 2001, passam a ser
consideradas ações estratégicas da AB – a eliminação da hanseníase, o controle da
tuberculose, do Diabetes mellitus e da hipertensão, as ações de saúde bucal, saúde
da criança e da mulher.
42
A partir de 2003 até o momento atual, o PSF avança para uma fase de
consolidação, que se apóia no Projeto de Expansão e Consolidação do Programa de
Saúde da Família (PROESF), estratégia que visa fortalecer a conversão do modelo
de AB à saúde para o PSF, nos municípios com mais de cem mil habitantes, além
de adotar metodologia para acompanhamento e avaliação da AB nos municípios e
reforçar a política de desenvolvimento dos recursos humanos (HEINMANN;
MENDONÇA, 2005; BRASIL, 2008a).
Dessa forma, o Ministério da Saúde entende o PSF como uma estratégia em
construção, que propõe a inversão do modelo assistencial centrado na doença,
através da reorganização da Atenção Básica em Saúde, pautada por uma
concepção de saúde voltada à promoção da qualidade de vida e intervenção dos
fatores que a colocam em risco. Envolve a incorporação das ações programáticas de
forma mais abrangente e ações intersetoriais, para que haja ruptura da dicotomia
entre ações de saúde pública e de atenção individual.
Nesse sentido, ao propor uma nova dinâmica para a estruturação dos serviços de
saúde, pressupõe que tal reorganização possibilite gerar novas práticas no cotidiano
de trabalho dos profissionais inseridos nas equipes de saúde da família (BRASIL
2000a; 2008b; DAB, 2000), reflexão que será feita a seguir.
3.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO EM SAÚDE NO COTIDIANO DO
PSF
O debate em torno da atuação dos profissionais de saúde no cotidiano do PSF
remete às discussões sobre os processos de trabalho em saúde e de como os
modelos de atenção podem repercutir na operacionalização do trabalho.
Os autores que discutem as mudanças na saúde, apesar de defenderem
perspectivas diferentes de modelos de atenção, conforme já discutido anteriormente,
concordam que é no nível dos processos de trabalho que reside o potencial para
desencadear as transformações necessárias para redimensionar a forma
hegemônica e medicalizante de se fazer saúde (CAMPOS, 2006a; 2006b; 2007;
MENDES GONÇALVES, 1994; MERHY, 1997; 2002; PAIM, 2002; SCHRAIBER et
al., 1999; TEIXEIRA, C. F., 2006a; 2006b).
43
O trabalho em saúde, entendido como parte do setor de serviços, gera a produção
do cuidado, ou seja, uma produção não-material. Para Pires (2000), o trabalho em
saúde é parte do setor de serviços e se completa no ato de sua realização. É um
trabalho da esfera da produção não-material, de modo que seu resultado não é um
produto comercializável no mercado. Trata-se de um processo de produção em que
o produto é indissociável do processo que o produz.
Na Saúde Coletiva, grande parte do trabalho é coletivo, realizado por diversos
profissionais que desenvolvem atividades para a manutenção da estrutura
institucional (RIBEIRO; PIRES; BLANK, 2004).
Segundo Paim (2002), o objeto das práticas em Saúde Coletiva são as
necessidades de saúde individuais e coletivas, de modo que os meios do trabalho
precisam dar conta do caráter coletivo do objeto. Nesse sentido, Paim (2002) afirma
que o especialista em Saúde Coletiva precisa lançar mão de distintos saberes, em
sua prática cotidiana, que compõem a “dupla-face” desse profissional – técnico de
necessidades de saúde e gerente de produção de serviços. Para o autor, o
trabalhador tem importância fundamental na produção do cuidado.
Dessa forma, há o reconhecimento da complexidade envolvida no trabalho em
saúde, que incorpora essa dimensão coletiva do cuidado, através de atividades que
são compartilhadas pelos diversos profissionais.
Para Merhy (2002), o trabalho em saúde é uma tarefa coletiva do conjunto de
trabalhadores de saúde, e é no modo cotidiano de operar esse trabalho que está um
dos grandes nós críticos para a mudança no modo de se produzir saúde.
Na dinâmica micropolítica do trabalho em saúde, há produções de subjetividades, a
partir do espaço de interseção resultante do encontro entre o trabalhador e o
usuário. É nesse espaço em que se abre o processo de escuta de problemas, troca
de informação e mútuo reconhecimento de direitos e deveres, tendo em vista a
necessidade de saúde demandada pelo usuário (MERHY, 1997; 2002).
Ao fazer análise crítica sobre a teoria do processo de trabalho em saúde, Merhy
(2002) desenvolve as noções de tecnologias, de trabalho vivo e trabalho morto. Para
o autor, as tecnologias envolvidas no trabalho em saúde podem ser classificadas
44
como leves (no caso das tecnologias de relações do tipo produção de vínculo,
autonomização, acolhimento, gestão como forma de governar processos de
trabalho), leve-duras (no caso de saberes bem estruturados que operam no
processo de trabalho em saúde, como a clínica médica, clínica psicanalítica,
epidemiologia) e duras (como no caso dos equipamentos tecnológicos como
máquinas, normas, estruturas organizacionais).
O momento do trabalho em si expressa, de modo particular, o trabalho vivo em ato.
Esse momento é marcado pela total possibilidade de o trabalhador agir no ato
produtivo com grau de liberdade. Já o trabalho morto são produtos de trabalhos
humanos que se concretizaram em momentos anteriores, que nos seus momentos
de produção tinham uma dimensão viva, mas que agora estão expressando um
trabalho morto, resultado do vivo anterior que os produziu (MERHY, 2002).
Segundo Merhy (2002), as tecnologias duras como equipamentos, ferramentas etc.,
são produto humano, trabalho morto, portanto. Porém, o trabalhador, ao utilizar-se
dessas ferramentas para o trabalho em ato, incorpora seus saberes tecnológicos à
forma como está organizado o trabalho, de modo que nessas duas dimensões (a
organização e os saberes tecnológicos), há combinação de trabalho vivo com
trabalho morto.
Sob essa perspectiva de análise
[...] o trabalho em saúde não pode ser globalmente capturado pela lógica do
trabalho morto, expresso nos equipamentos e nos saberes tecnológicos
estruturados, pois o seu objeto não é plenamente estruturado e suas
tecnologias de ação mais estratégicas configuram-se em processos de
intervenção em ato, operando como tecnologias de relações, de encontros
de subjetividades, para além dos saberes tecnológicos estruturados,
comportando um grau de liberdade significativo na escolha do modo de
fazer essa produção (MERHY, 2002, p. 49).
Nesse sentido, o trabalho em saúde pode ou não estar sendo capturado pelo
trabalho morto, comprometendo a dimensão criadora do trabalho, sobretudo a
dimensão das relações produzidas no encontro entre profissional e usuário, quando
se configuram os processos de intervenção e negociação entre a necessidade
demandada pelo usuário, e o saber técnico do profissional (MERHY, 2002).
A dimensão cuidadora dos processos de produção em saúde é vista como a
essência dos serviços de saúde, e qualquer profissional de saúde detém essa
45
potência cuidadora (BARROS; PINHEIRO, 2007; FRANCO; MERHY, 2006;
MERHY,1997; 2002).
Para Merhy (2002, p.129),
[...] todo profissional de saúde, independente do papel que desempenha,
como produtor de atos de saúde é sempre um operador do cuidado, isto
é,sempre atua clinicamente, e como tal deveria ser capacitado, pelo menos,
para atuar no terreno específico das tecnologias leves, modos de produzir
acolhimento, responsabilizações e vínculos.
Todavia, o atual modelo médico hegemônico diminui muito essa dimensão do
trabalho em saúde, dada sua normatividade estruturada centralmente, o que leva a
dimensão técnica do saber profissional a ter maior relevância, a partir de problemas
específicos, dentro da ótica neoliberal, que subordina a dimensão cuidadora a um
papel irrelevante e complementar (MERHY, 2002).
Para Ayres (2004, p.74), o cuidado
[...] é uma categoria com a qual se quer designar simultaneamente, uma
compreensão filosófica e uma atitude prática frente ao sentido que as ações
de saúde adquirem nas diversas situações em que se reclama uma ação
terapêutica, isto é, uma interação entre dois ou mais sujeitos visando o
alívio de um sofrimento ou o alcance de um bem-estar, sempre mediada por
saberes especificamente voltados para essa finalidade.
Segundo esse autor, assistir à saúde do outro significa muito mais do que a mera
aplicação de conhecimentos, já que a decisão tomada pelo profissional de saúde
interfere nos projetos de vida do outro. Nesse sentido, há de articular o
conhecimento técnico com outros aspectos existenciais demandados pelo usuário.
Há de se indagar:
[...] Como aparece ali, naquele encontro de sujeitos no e pelo ato de cuidar,
os projetos de felicidade de quem quer ser cuidado? Que papel
desempenhamos nós, os que queremos ser cuidadores, nas possibilidades
de conceber essa felicidade, em termos de saúde? (AYRES, 2004, p. 85).
Ao pensar em cuidado, Boff (2006) compartilha dessa noção existencial e
humanizadora do agir, quando afirma que o cuidado é a condição fundamental da
vida humana.
Para alguns autores, a centralidade de todo agir em saúde é o usuário, com suas
necessidades particulares de saúde. Todos os trabalhadores tornam-se
responsáveis de alguma maneira pela ação cuidadora, momento de construção de
46
tecnologias leves, como a produção de acolhimento, responsabilizações e vínculos
(CAMPOS, 2006a; 2007; CECÍLIO, 2006; FRANCO; MERHY, 2007; MERHY, 1997;
2002).
O modelo de atenção à saúde proposto pelo PSF pretende aliciar construção de
vínculo entre trabalhadores e usuários a partir da adstrição de clientela de um
território específico, a uma equipe de saúde da família, a qual deve ser responsável
por aquela população (BRASIL, 2008b).
O vínculo é entendido por Campos (2006a; 2007) como recurso para realização de
uma prática clínica de qualidade e integral, a partir da aproximação afetiva entre os
trabalhadores e usuários, e da participação dos últimos na identificação de suas
necessidades de saúde. Visa estimular a autonomia dos sujeitos, tanto dos
profissionais quanto dos usuários, os quais devem ser reconhecidos em seus
saberes, também legítimos. Santos e Assis (2006) ressaltam que o vínculo deve
funcionar como agenciador das relações.
Para Campos (2007), é fundamental que a equipe deixe claro seu compromisso com
o usuário, para que seja possível a construção do vínculo que se estabelece a partir
de uma dependência mútua – os trabalhadores precisam exercer a profissão e os
usuários precisam ser atendidos em suas necessidades de saúde. Ou seja, para que
haja vínculo positivo, os grupos devem acreditar que a equipe de saúde tem
capacidade de resolver problemas, e a equipe deve acolher a demanda dos usuários
ou das organizações.
Assim como o vínculo, o acolhimento é caracterizado como tecnologia leve e
relacional, que agencia transformações na micropolítica do trabalho cotidiano das
equipes de saúde, pois possibilita organizar o acesso por meio da oferta de ações e
serviços mais adequados, contribuindo para a satisfação do usuário (CAMPOS,
2007).
Sendo assim, o modelo da Saúde da Família, ao propor a organização do trabalho
das equipes a partir da territorialização, aposta na vinculação da clientela e no
trabalho em equipe multiprofissional como dispositivos para reorientar o modelo
assistencial hegemônico (BRASIL, 2000a; 2006b; DAB, 2000).
47
Nesse sentido, o trabalho em equipe é considerado um dos pilares do PSF e
envolve a atuação inter e multidisciplinar de profissionais com núcleos de
competência distintos, os quais são co-responsáveis pela saúde da população de
seu território.
A equipe é composta por, no mínimo, um médico, um enfermeiro, dois auxiliares de
enfermagem e cinco a seis agentes comunitários de saúde, que são responsáveis
por uma população adstrita de até três mil pessoas. A equipe de saúde bucal,
composta minimamente por um CD e um Auxiliar de Consultório Dentário, foi
incorporada posteriormente ao PSF, e pode ou não estar inclusa na equipe de saúde
da família.
Visto que o produto final de todo agir em saúde é o cuidado integral do usuário,
conforme já discutido, é imprescindível que os profissionais do PSF atuem sob uma
concepção ampliada sobre seu trabalho no Programa, o que exige visão sistêmica e
integral do indivíduo, da sua família e da comunidade, a partir de um projeto
assistencial comum a todos os profissionais.
O trabalho em equipe multiprofissional nas práticas de saúde vem sendo discutido
por muitos autores como Peduzzi (2001; 2007), Schraiber et al. (1999), Paim (2002),
Gomes, Pinheiro e Guizardi (2005), Bonaldi et al. (2007), Barros e Barros (2007),
entre outros. Todos problematizam a necessidade da integração multiprofissional
para que seja viável produzir o cuidado integral para o usuário.
No entanto, o cotidiano de trabalho desses atores na instituição de saúde representa
um espaço de lutas, de exercício de poderes, numa relação de cooperação e
conflitos, entre uma pluralidade de atores com diferentes capacidades, poderes e
interesses.
Esse espaço institucional constitui-se em cenário de encontros e disputas entre três
atores – o usuário, o gestor e o trabalhador da saúde. A mudança para um modelo
usuário centrado requer que cada ator entenda o potencial do outro, na produção do
cuidado. Nesse sentido, é necessário que haja processos de negociação claros
sempre que houver o encontro entre esses três atores (MERHY, 2006).
48
Conforme assinala Schraiber et al. (1999), no caso do trabalho cotidiano de uma
unidade de saúde, a construção de um projeto assistencial comum a todos os que
compõem a equipe de trabalho requer uma prática comunicacional, tolerância às
adversidades, permeabilidade ao novo, às mudanças, às críticas, e o
reconhecimento mútuo do trabalho uns dos outros, para que haja participação dos
profissionais nos distintos momentos do processo de trabalho, desde o planejamento
à execução e avaliação.
Assim é que o trabalho em equipe no espaço do PSF envolve a interação entre
atores com diferentes saberes e fazeres, e a comunicação direta entre os
profissionais e destes com os usuários do serviço, constituindo-se como um dos
grandes desafios para as equipes que vêm se inserindo no Programa.
Para Peduzzi (2001), nem toda equipe opera integrada. Existem aquelas em que há
apenas justaposição de ações e agrupamentos dos agentes, classificadas pela
autora como equipe agrupamento, enquanto outras operam a partir de uma concreta
articulação das ações e interação entre os agentes, caracterizando a equipe
integração.
Sendo assim, a mera locação de profissionais de áreas diferentes nos mesmos
locais de trabalho, realizando ações isoladas e justapostas, sem articulação e sem
comunicação, não permite a produção do cuidado de maneira integral. É consenso
entre os autores de que o trabalho em equipe implica o compartilhar das ações, do
planejamento, a cooperação e a colaboração, o que pressupõe a interação
democrática entre diferentes atores, saberes, práticas, interesses e necessidades
(CAMPOS, 1997; PAIM, 1999; PEDUZZI, 2001; SCHRAIBER et al. 1999).
Todavia, a crescente divisão do trabalho em saúde, a superespecialização das
disciplinas científicas, e a segmentação da atenção clínica e promocional nos
serviços dificultam a proposta de integração dos profissionais. Aliado a isso,
conjuga-se a postura ético-política de cada profissional, que pode favorecer ou
dificultar tal integração (SCHRAIBER et al., 1999).
Nesse sentido, a interdisciplinaridade e a interação comunicativa tornam-se
instrumentos essenciais à superação das dissociações das práticas profissionais.
49
Segundo Saupe et al. (2005), a interdisciplinaridade no trabalho em saúde pressupõe o
reconhecimento da complexidade do objeto das ciências da saúde e a conseqüente
exigência de um olhar plural no sentido de ressignificar o trabalho conjunto, respeitando
os saberes disciplinares específicos e, ao mesmo tempo, buscando soluções
compartilhadas para os problemas das pessoas e das instituições.
A postura interdisciplinar deve ser estimulada nos espaços de formação dos
profissionais de saúde, os quais são ainda pautados pela compartimentalização dos
saberes, dificultando a interação dos trabalhadores entre si e destes com os
usuários (PEDUZZI, 2001).
Ao falar do trabalho em equipe, Bonaldi et al. (2007) demonstraram que o mesmo
contribui para o estabelecimento de uma responsabilidade coletiva na produção do
cuidado em saúde, quando desenvolvido de maneira harmônica entre os diversos
profissionais.
Porém, Campos (1997) observa que a simples implementação das equipes segundo
as normas não garante que se alcance tal objetivo, sendo necessário superar os
modelos de trabalho em equipe em que há excesso de normatização das atividades.
Campos (1997) enfatiza que a atenção em saúde de qualidade depende de uma
adequada combinação de autonomia profissional, com certa dose de normatização.
O trabalho autônomo, para ser eficaz, depende da capacidade desses trabalhadores
de se responsabilizarem pelos problemas de outros. Na prática, esses coeficientes
de autonomia têm sido mais utilizados em prol de interesses das categorias
profissionais, do que para a assistência eficiente aos usuários.
Apesar do caráter prescritivo do trabalho na saúde pública, no dia-a-dia dos
serviços, o cotidiano é dinâmico. A partir do encontro do trabalhador com o usuário,
momento do trabalho vivo em ato, há negociação das necessidades do paciente,
conferindo ao profissional a possibilidade de exercer sua autonomia e criatividade
sobre o ato terapêutico. Visto dessa forma, apesar do trabalhador estar subordinado
a normas e protocolos a serem seguidos, ele sempre terá certa liberdade para
protagonizar seus processos de trabalho e decidir como irá operar suas práticas no
cotidiano do serviço e, por isso, sua postura profissional e a forma como opera o
trabalho são importantes determinantes sobre o cuidado final ao usuário.
50
No entanto, os trabalhadores não são os únicos protagonistas nesse processo.
Campos (2007) e Onocko (2007) ressaltam a importância que o modelo de gestão
tem para estimular a desalienação dos profissionais e reconstruir o encantamento
dos mesmos com o exercício da profissão, a partir de educação continuada e
valorização profissional. Segundo esses autores, há de se promover espaços onde
seja possível a co-gestão de todos os sujeitos envolvidos – os trabalhadores, os
usuários, o Estado e as organizações.
Enfim, o PSF propõe um novo modo de operar o trabalho em saúde. Segundo a
lógica do Programa, o objeto do trabalho são as necessidades individuais e
coletivas, a partir do núcleo familiar. A finalidade do trabalho é produzir o cuidado às
pessoas de maneira integral e os meios para que essa produção ocorra envolvem
tecnologias duras e, sobretudo, tecnologias leves.
A inserção de profissionais no PSF pressupõe uma concepção “ampliada” de
trabalho em saúde, pautada pelo trabalho em equipe multiprofissional, que atua
sobre as famílias de um determinado território. Sob essa perspectiva, busca estreitar
as relações de vínculo entre profissional e usuário, de modo a humanizar as práticas
de saúde. Para que essas práticas se efetivem, tornam-se necessários profissionais
com visão sistêmica e integral do indivíduo, da família e da comunidade na qual ela
está inserida (BRASIL, 2000).
Apesar de serem reconhecidas as características positivas do PSF, entendê-lo como
estratégia modificadora, ou como novo modelo de atenção traz à tona discussões
em torno de sua capacidade concreta de reverter o modelo biomédico
assistencialista, e dos desafios a serem enfrentados nesse processo, o que veremos
a seguir.
3.3 CRÍTICAS AO PSF E DESAFIOS A SEREM ENFRENTADOS
A adoção do PSF enquanto estratégia capaz de mudar o modelo de saúde
assistencialista hegemônico e reorganizar toda lógica do sistema de saúde vigente
no país tem gerado um campo rico de discussões, trazendo novamente o debate em
torno das mudanças de modelo de atenção. A articulação teórica entre o modelo do
51
PSF e a proposta da APS gera opiniões diversas quanto às suas possibilidades e
limitações.
Franco e Merhy (2006) fazem críticas ao PSF enquanto estratégia de inversão da
lógica medicalizante do sistema de saúde, a partir da Atenção Básica. Para esses
autores, o PSF se assemelha às propostas da Medicina Comunitária e dos Cuidados
Primários em Saúde, tendo uma intenção racionalizadora, portanto, para a
reorganização dos serviços de saúde.
Por outro lado, para Andrade, Barreto e Bezerra (2006) a construção do PSF não
pode ser resumida à replicação de modelos internacionais de Medicina de Família
ou atenção à saúde simplificada, já que tem sido um processo lento e contínuo de
tensão com o modelo hegemônico de atenção à saúde, em que há uma discussão
teórica com outros modelos que inspiraram o modelo atual de saúde da família,
como o Modelo em Defesa da Vida, o Modelo de Ação Programática e o Modelo
Silos, já discutidos anteriormente.
Aleixo (2002) considera que o PSF tem bom potencial para estruturar a Atenção
Básica em nosso país, mas faz alguns questionamentos quanto ao seu possível
isolamento em relação a outros projetos estruturantes do SUS, de modo que a falta
de estruturação dos demais níveis de referência sobrecarrega o nível básico.
Ressalta a falta de capacitação de recursos humanos e a pouca qualificação dos
profissionais que vem se inserindo na estratégia como um dos principais obstáculos
à implementação do Programa.
Teixeira, C. F. (2006a) também argumenta que a limitação de origem da Saúde da
Família está no fato de focalizar fundamentalmente a Atenção Básica. Para essa
autora, há necessidade de aproximar o PSF da concepção da Vigilância da Saúde
14
,
e das idéias propostas pela Promoção da Saúde, as quais extrapolam as ações de
14
A noção de Vigilância da Saúde surgiu como proposta de integração das práticas de saúde no
Distrito Sanitário, no início dos anos 90, a partir de uma releitura crítica da proposição da História
Natural das Doenças. Prevê a valorização dos princípios de regionalização e hierarquização dos
serviços aplicados a áreas de abrangência de um território circunscrito, de acordo com a situação
epidemiológica e as condições de vida da população. Pretende dar conta do princípio da
integralidade em saúde, tanto na perspectiva horizontal de organização dos serviços, quanto na
perspectiva vertical de articulação das ações de promoção da saúde, prevenção de riscos,
assistência e recuperação (TEIXEIRA, C. F., 2006a).
52
educação e mobilização popular e incorporam o desencadeamento de ações
intersetoriais nos territórios de abrangência das ações das equipes.
Outro desafio do PSF apontado por Teixeira, C. F. (2006b) e também por Sousa
(2002) está na expansão do Programa nos grandes municípios, onde este passa a
competir com o modelo médico-assistencialista hegemônico, enfrentando resistência
dos vários atores implicados na reprodução desse modelo, incluindo os profissionais
de saúde e a população usuária, habituada a consumir serviços especializados.
Franco e Merhy (2006) entendem que o PSF não tem poder para mudar o modelo
de atenção porque não centraliza as mudanças nos sujeitos e suas práticas. Para os
autores, há mudança na estrutura, o que não significa que haverá mudança de
modelo.
Os autores avançam nas críticas ao avaliarem a estratégia da territorialização,
pautada segundo um pensamento epidemiológico, circunscrito ao campo da
Vigilância da Saúde. Tal idéia regulamenta os processos de trabalho dos
profissionais segundo cuidados oferecidos para o território, desprivilegiando o
conjunto da prática clínica no seu plano individual. Sendo assim, fazem críticas ao
PSF porque aprisiona o trabalho “vivo em ato”, a partir de normas e regulamentos
definidos, transformando as práticas dos profissionais em trabalho “morto”
dependentes. Dessa forma, argumentam que o PSF opera centralmente na
produção de procedimentos, mas não na produção do cuidado (FRANCO; MERHY,
2006).
Outras críticas desses autores dizem respeito à pouca acessibilidade para a
demanda espontânea, que não é ponto forte da agenda de trabalho, causando um
descrédito do PSF frente aos usuários. Ressaltam ainda o caráter prescritivo do
programa, que limita o trabalho em equipe, a interação e a criatividade dos
profissionais, fazendo com que os mesmos isolem-se em seus núcleos de
competência.
Segundo Franco e Merhy (2006, p. 122), para remodelar a assistência à saúde,
O PSF deve modificar os processos de trabalho, fazendo-os operar de
forma ‘tecnologia leves dependentes’, mesmo que para a produção do
cuidado seja necessário o uso das outras tecnologias. Portanto, pode-se
53
concluir que a implantação do PSF por si só não significa que o modelo
assistencial esteja sendo modificado.
Tanto Campos (2006a; b; 2007), quanto Merhy (2002) e Franco e Merhy (2006)
defendem que o potencial para a mudança de modelo está no nível dos micro-
processos de trabalho e nas relações intersubjetivas entre o trabalhador e usuário, a
partir do uso das ferramentas de acolhimento, vínculo, responsabilização e
autonomização dos sujeitos envolvidos na produção do cuidado, de modo que o
usuário seja referência.
Teixeira, C. F. (2006a; b) fala que as mudanças devem estar em todas as instâncias
do modelo de atenção, não apenas nos micro-processos de trabalho. Acredita na
idéia da integralidade como eixo central para a formulação de políticas. Vê como
pontos favoráveis do Programa a incorporação das “ações programáticas
estratégicas”, a regionalização da atenção, a reorientação da formação profissional
em saúde proporcionada pelas novas diretrizes curriculares e a implementação dos
Pólos de Educação Permanente. Vê como nós – críticos das práticas político-
institucionais atuais o financiamento, a perspectiva limitada da AB com tendência à
focalização e o desenvolvimento de pessoal. Acredita que as políticas de
financiamento e de educação permanente dos profissionais serão imprescindíveis
para empreender os rumos que tomará o processo de mudança de atenção à saúde
no SUS.
Dessa forma, pode-se entender pelo exposto que ainda não se pode afirmar que, no
conjunto, a expansão do PSF tenha produzido, de fato, a mudança de conteúdo das
práticas e da forma de organização do processo de trabalho prevista nos
documentos oficiais.
Segundo Teixeira, C. F. (2006a), a pertinência ou não da estratégia vai depender da
criação de condições para a implantação do modelo, o que, às vezes, extrapola a
capacidade dos governos municipais.
Todavia, é preciso entender a estratégia como processual, ou seja, um projeto em
construção. A esse respeito, Andrade, Barreto e Bezerra (2006, p. 810) colocam que
o PSF não representa um projeto “acabado de Atenção Primária”, mas sim uma
política pública em processo evolutivo, gerada a partir do Movimento de Reforma
54
Sanitária no Brasil e pela práxis resultante da implantação de modelos de atenção
que fossem alternativos ao assistencialista-privatista. Além disso, há diversidade de
experiências nas cidades brasileiras, o que é conseqüência do tempo de
implantação, capacitação dos profissionais, compromisso dos gestores, estabilidade
de financiamento e do nível de participação da comunidade.
As mudanças no SUS têm sido incorporadas a partir de um processo de
experimentações. É o que argumenta Teixeira, C. F. (2006a) quando afirma que
nenhuma proposta sozinha dá conta de todas as dimensões do processo de
mudança do modelo de atenção à saúde, sendo necessário que os serviços e
práticas sejam organizados de acordo com a realidade de cada local. Para a autora,
é necessário conjugar iniciativas “macro” sistêmicas, como a formulação e
implementação de políticas, que agenciem as modificações no nível “micro”.
Campos (2006b) ressalta essa incompletude dos processos de mudança na saúde.
O autor enfatiza que é a interação entre fatores universais (macro-estruturais) e
particulares (micro-estruturais) que constitui as situações de saúde de cada pessoa
ou de cada coletividade. Dessa forma, o desafio que se coloca para a política, a
gestão, a saúde coletiva e para a clínica seria o de captar essa variabilidade, a fim
de propor projetos singulares, em cada situação.
Dessa forma, foi possível apreender alguns estudos que têm discutido sobre os
temas do modelo assistencial e do trabalho em saúde (CAMPOS, 2006a; 2007;
MENDES GONÇALVES, 1994; MERHY, 1997; 2002; SCHRAIBER, et al., 1999;
TEIXEIRA, C. F., 2006a; b).
Todos dão conta de entender que não é a mudança da forma ou estrutura de um
modo medicalizante para outro, centrado na equipe multiprofissional como núcleo da
produção de serviços, que por si só garante uma nova lógica na organização do
trabalho. É preciso, concomitantemente, mudar as estruturas e os sujeitos que se
colocam como protagonistas do novo modelo de assistência. Nesse sentido, a
capacitação dos profissionais e os pólos de educação permanente tornam-se
importantes dispositivos de reorientação profissional, para uma conduta baseada na
humanização das práticas e no desenvolvimento ético-político do agir em saúde.
55
Tendo refletido sobre o modelo proposto pelo PSF e sobre questões mais
conceituais do trabalho em saúde no cotidiano do Programa, passa-se a refletir, a
partir de então, sobre a inserção da saúde bucal e do CD no contexto dessas
mudanças.
3.4 A INSERÇÃO DA SAÚDE BUCAL NA SAÚDE DA FAMÍLIA: O PAPEL DO
CIRURGIÃO-DENTISTA NA EQUIPE
A Saúde Bucal vem, de forma gradativa, ganhando maior visibilidade na política
nacional de saúde, já que historicamente tal setor vinha sendo estruturado a partir
de ações incipientes.
A necessidade de melhorar indicadores epidemiológicos e de aumentar o acesso
exíguo aos serviços de saúde bucal, demonstrado pelos resultados do PNAD de
1998, aliada à pressão política exercida por entidades odontológicas como os
sindicatos, os conselhos regionais e por alguns cirurgiões-dentistas engajados no
movimento da Reforma Sanitária Brasileira, desde as décadas de 80, impulsionaram
a incorporação desse setor ao PSF (BRASIL, 2000b; IBGE, 2000; DIAS, 2006).
A inserção da saúde bucal na Saúde da Família foi formalizada em 2000, a partir da
Portaria n° 1.444 de 28 de dezembro de 2000, a qual estabeleceu incentivo
financeiro para reorganização da atenção à saúde bucal pelo Programa de Saúde da
Família (BRASIL, 2000b).
Pela Portaria, são criadas duas modalidades de Equipes de Saúde Bucal (ESB) – a
modalidade I, composta pelo CD e Auxiliar de Consultório Dentário (ACD); e a
modalidade II, composta pelo CD, ACD e Técnico de Higiene Dental (THD), sendo
necessário que haja disponibilidade de equipo e cadeira para o THD, para que a
ESB possa ser considerada como de modalidade II.
Ficou estabelecido ainda que a ESB fosse responsável por uma população de
aproximadamente 6.900 habitantes. Nos municípios com população superior a esse
número, recomendava-se a proporção de uma ESB para duas ESF já implantadas
ou em processo de implantação. Essa relação desigual entre ESB e ESF foi
bastante criticada, pois a população adstrita a uma ESB seria o dobro da população
de uma ESF. É apenas a partir da publicação da Portaria n° 673, de 3 junho de
56
2003, que a equiparação de uma ESB para uma ESF passa a ser permitida, porém,
esta fica a critério do gestor municipal (BRASIL, 2000b ; DIAS, 2006).
Com a publicação da NOAS/2001, em 26 de janeiro de 2001, a saúde bucal passa a
ser uma das sete áreas de atenção prioritária, junto com a saúde da criança, saúde
da mulher, controle da tuberculose, da diabetes, da hipertensão e erradicação da
hanseníase. Todavia, as ações de saúde bucal priorizavam a população de zero a
quatorze anos e gestantes, de modo que a atenção à maioria dos demais grupos
populacionais limitava-se aos atendimentos urgenciais, sem o agendamento prévio
de consulta (BRASIL, 2001b; GONSALVES, 2005).
Em 06 de março de 2001 é publicada a Portaria n.° 267, a qual estabelece as
normas e diretrizes de inclusão da saúde bucal no PSF, bem como o Plano de
Reorganização das Ações de Saúde Bucal na Atenção Básica. Posteriormente
revogada pela Portaria n.° 648, de 28 de março de 2006, tais documentos
especificam ainda as responsabilidades de cada esfera do governo, o financiamento,
o elenco de procedimentos de saúde bucal na Atenção Básica (ANEXO A) e as
atribuições de cada profissional da Equipe de Saúde Bucal (ESB) (BRASIL, 2001a;
2006b).
Esses documentos reafirmaram os princípios e diretrizes do SUS, para a
reorientação das ações de saúde bucal, e elencaram também os seguintes
princípios: caráter substitutivo das práticas tradicionais, adstrição da população à
USF, integralidade da assistência à saúde bucal, articulação da referência e contra-
referência dos serviços com maior complexidade, definição da família como núcleo
de abordagem, humanização do atendimento, abordagem multiprofissional, estímulo
às ações de promoção de saúde, à intersetorialidade e ao controle social, educação
continuada dos profissionais e acompanhamento e avaliação permanente das ações
realizadas (BRASIL, 2001a; 2006b).
As mudanças no setor intensificaram-se ainda mais, após a divulgação dos
resultados do levantamento epidemiológico nacional em saúde bucal realizado em
2003 e publicado em 2004, o SB Brasil. Pelo levantamento, ficaram evidenciados
alguns pontos críticos da saúde bucal da população brasileira: alta prevalência de
edentulismo entre adultos e idosos, com perda dentária iniciando-se precocemente,
57
declínio da cárie de maneira desigual entre as regiões brasileiras, municípios sem
fluoretação de água com piores índices de prevalência de cáries quando
comparados com os municípios com fluoretação, baixo acesso de adolescentes,
adultos e idosos aos serviços de atenção à saúde bucal (BRASIL, 2004c).
É nesse contexto que as autoridades nacionais evidenciaram a saúde bucal como
uma das prioridades de governo. Sendo assim, em janeiro de 2004 foram publicadas
as Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal com o objetivo de ampliar e
qualificar a Atenção Básica, possibilitar o acesso a todas as faixas etárias e ofertar
mais serviços, assegurando atendimentos nos níveis secundário e terciário, de modo
a buscar a integralidade da atenção, além da eqüidade e a universalização do
acesso às ações e serviços públicos de saúde bucal (BRASIL, 2004a).
Para tornar possível tal expansão, em julho de 2004 foram criados os CEOs e os
Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPD), como uma das ações do
Programa Brasil Sorridente
15
, criado pelo Governo Federal (BRASIL, 2004a; 2006a;
2006c).
A criação dos CEO foi um marco na história das políticas públicas de saúde, pois
permitiu a incorporação das ações especializadas como – diagnóstico bucal, com
ênfase no diagnóstico e detecção do câncer de boca; periodontia especializada;
cirurgia oral menor dos tecidos moles e duros; endodontia e atendimento a
portadores de necessidades especiais. A referência para o CEO deve partir das
unidades básicas de saúde e unidades de saúde da família e o contra-
referenciamento deve ser assegurado, para que haja continuidade na assistência ao
usuário.
Todavia, por ser iniciativa recente e com oferta limitada de serviço especializado, os
CEO não atendem a todas as demandas referenciadas, o que compromete os
princípios da integralidade e da universalidade, conforme já vem sendo demonstrado
por alguns estudos (SANTOS; ASSIS, 2006; SOUZA; RONCALLI, 2007).
15
Política Nacional de Saúde Bucal, lançada em 17 de março de 2004 e vigente até então.
Apresenta, como principais linhas de ação, a viabilização da adição de flúor a estações de
tratamento de águas de abastecimento público, a reorganização da Atenção Básica e da Atenção
Especializada (através, principalmente, da implantação de Centros de Especialidades
Odontológicas e Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias) (BRASIL, 2006c).
58
Hoje, a expansão da saúde bucal no PSF e sua articulação com as ações
especializadas são ações prioritárias do governo. De dezembro de 2002 até
dezembro de 2007, foram implantadas 11.433 novas Equipes de Saúde Bucal (ESB)
no PSF, totalizando mais de 76 milhões de pessoas cobertas por estas equipes (um
aumento de mais de 192% na cobertura). A meta para 2010 é chegar ao total de 24
mil ESB em funcionamento (BRASIL, 2008b).
Apesar de ser indiscutível o aumento na oferta de serviços de saúde bucal, o
crescimento em número de ESB não garante que esteja havendo,
concomitantemente, a reorientação na qualidade dessas práticas. Na própria Diretriz
Nacional é reconhecido que o maior desafio da inserção da saúde bucal no PSF diz
respeito ao processo de trabalho e às práticas cotidianas dos profissionais.
Outro aspecto fundamental desta estratégia diz respeito ao processo de
trabalho. Ao colocar para a saúde bucal a proposta de sua inserção em uma
equipe multiprofissional, além de introduzir o ‘novo’, afronta valores, lugares
e poderes consolidados pelas práticas dos modelos que o antecederam.
Esta situação traz o desafio de se trabalhar em equipe. Para a Saúde Bucal
esta nova forma de se fazer as ações cotidianas representa, ao mesmo
tempo, um avanço significativo e um grande desafio. Um novo espaço de
práticas e relações a serem construídas com possibilidades de reorientar o
processo de trabalho e a própria inserção da saúde bucal no âmbito dos
serviços de saúde. [...] As maiores possibilidades de ganhos situam-se nos
campos do trabalho em equipe, das relações com os usuários e da gestão,
implicando uma nova forma de se produzir o cuidado em saúde bucal
(BRASIL, 2004a, p. 16).
Sendo assim, com relação ao processo de trabalho do CD inserido no PSF, cabe o
desafio de trabalhar em equipe e de desenvolver novas formas de produzir o
cuidado em saúde bucal, de modo que o papel a ser desempenhado por ele seja o
de cuidador, o que transcende a mera reprodução mecânica de atividades e
incorpora a dimensão subjetiva do trabalhar em saúde.
Além da relação com o usuário, muda também a relação com os colegas da equipe.
Nesse sentido, há o deslocamento de um profissional que historicamente
desenvolve suas atividades de maneira individualizada e fragmentada, para um
lócus de trabalho coletivo, onde se faz necessário compartilhar responsabilidades e
projetos com toda uma equipe de saúde. Pode-se então concluir que há mudança na
cultura organizacional do trabalho do CD no PSF.
A atuação de todos os membros das ESB é atualmente regulamentada pela Portaria
n.° 648, de 28 de março de 2006. As principais atribuições comuns a todos os
59
profissionais da equipe, o CD, a ACD e o THD, constam da organização do processo
de trabalho de acordo com as diretrizes do PSF e plano municipal, da identificação
das necessidades da população em saúde bucal, da promoção da saúde e da saúde
bucal, com atividades de educação e prevenção, da execução de ações básicas de
vigilância epidemiológica, da programação e realização de visitas domiciliares, do
planejamento, da avaliação das ações desenvolvidas e do desenvolvimento de
ações intersetoriais (BRASIL, 2006b).
Ao núcleo de ação do CD especificamente cabe a coordenação de ações coletivas e
a supervisão do ACD e THD, a realização de procedimentos clínicos e a
manutenção da integridade do tratamento, o desenvolvimento de atividades de
educação em saúde, promovendo a integração entre atividades clínicas às de saúde
coletiva, o encaminhamento referenciado para outros níveis de complexidade, o
registro no SIAB e a realização de levantamentos epidemiológicos (BRASIL, 2006b).
Enquanto promotor de saúde, o CD inserido na atenção básica tem a
responsabilidade de desenvolver todas as atividades de maneira articulada,
auxiliando os usuários a se capacitarem na busca de sua qualidade de vida e da
coletividade, a partir de uma visão ampliada sobre o processo saúde-doença
(AERTS; ABEGG; CESA, 2004; MANFREDINI, 2006; SHEIHAM; MOYSES, 2000).
Todavia, alguns estudos sobre o trabalho do CD, no âmbito do PSF, mostram o
predomínio do desenvolvimento das práticas de saúde bucal focalizadas no
atendimento clínico (ARAÚJO; DIMENSTEIN, 2006; BALDANI et al., 2005;
ESPOSTI, 2007; GONSALVES, 2005; OLIVEIRA; SALIBA, 2005).
Em contrapartida, Santos et al. (2008) encontraram que as práticas de saúde bucal
no PSF facilitam o desenvolvimento de tecnologias do tipo relacionais, pois
permitem o estreitamento do vínculo entre profissionais e usuários.
Além desses aspectos, foram também demonstradas a precariedade nas relações
de trabalho do CD com o município e a necessidade de readequar o perfil do CD
para o PSF (ARAÚJO; DIMENSTEIN, 2006; BALDANI et al., 2005; ESPOSTI, 2007;
OLIVEIRA; SALIBA, 2005; SOUZA; RONCALLI, 2007).
60
Nesse sentido, Manfredini (2006) faz uma ressalva quanto ao perfil profissional dos
CDs que vêm sendo inseridos nas equipes, já que muitos são incorporados ao PSF
de maneira acrítica, sem que haja cursos de capacitação. Para o autor, a
modalidade de contratação dos profissionais e as descontinuidades das ESF,
também influenciam a qualidade do trabalho das ESB. Dessa forma, esses estudos
apontam que a inserção da Saúde Bucal na saúde da família configura-se como
processo em construção, e, como tal, muitos desafios se colocam para todos os
profissionais das ESB, sobretudo para o CD, para que seja protagonista das
mudanças de prática.
Para Zanetti (2001) e Moysés (2004), o trabalho na Saúde Coletiva exige dos CDs
habilidades para ultrapassar o limite da ação individual (privada) para alcançar a
ação coletiva, o que é desafiador para tal profissional, pois ainda é qualificado para a
ação curadora e para a esfera privada.
Conforme aponta Silveira Filho (2002), a saúde bucal no PSF incita um amplo
debate para o setor, já que o serviço público torna-se alternativa promissora de
mercado de trabalho e há necessidade de revisão das técnicas de promoção e
prevenção em saúde bucal, ainda centradas no preventivismo, de apreensão da
epidemiologia social e do planejamento estratégico, de compreensão dos processos
sociais e de se constituírem outros níveis assistenciais, como as especialidades de
Endodontia e Prótese.
A Saúde Bucal, no lócus das práticas coletivas, necessita resgatar todas as suas
tecnologias, incluindo as relacionais. Sendo assim, precisa ser ressignificada
(BOTAZZO, 2005).
A operacionalização do PSF deixou visível a questão da formação dos CDs, uma
vez que inclui a mudança dos cenários de prática, a partir de uma concepção de
trabalho pautada pela interação em equipe e sob a forma de atenção interdisciplinar,
em que a ampliação do trabalho do CD requer mudanças ético-políticas (SERRA;
GARCIA; MATTOS, 2005).
Segundo Moysés (2004, p. 34):
As necessárias mudanças devem começar na formação profissional e na
visão de mundo reproduzida dentro das academias, pois certamente nestes
61
espaços também começa a formação das possibilidades para a
empregabilidade futura do cirurgião-dentista e de sua relevância social.
Torna-se fundamental que a Odontologia, protagonizada pelos CDs, ocupe de fato
seu espaço dentro das discussões sobre as mudanças de modelo de atenção, sobre
as competências a serem desenvolvidas pela categoria, bem como sua relação com
as demais profissões de saúde, de forma que contribua de maneira concreta para a
melhoria das condições de saúde da sociedade que atende (SERRA; GARCIA;
MATTOS, 2005).
3.5 A SAÚDE BUCAL NO PSF DE VITÓRIA – ES
O município de Vitória, capital do Espírito Santo, através do processo de
municipalização e regionalização dos serviços de saúde, foi dividido em seis regiões
territoriais administrativas de saúde: Continental, Maruípe, Forte São João, Centro,
São Pedro e Santo Antônio (ANEXO B).
Buscando a inversão do modelo de atenção à saúde vigente e visando o
fortalecimento da Atenção Básica como a porta de entrada dos usuários ao sistema,
o município iniciou a implantação do PSF em fevereiro de 1998. Inicialmente, as
equipes foram implantadas nas Unidades de Saúde (US) de Resistência, US Jesus
de Nazareth, US Andorinhas, US Fonte Grande e US Ilha do Príncipe, priorizando as
regiões de saúde contempladas pelo Projeto Terra.
16
Hoje, a rede própria do município é composta de diferentes tipos de serviços de
saúde: 28 Unidades Básicas de Saúde (UBS), sendo 4 unidades básicas sem o
PSF, 4 com o PACS e 20 com o PSF (USF) (ANEXO C). Das 28 Unidades de
Saúde, 7 funcionam em horário ampliado: uma até 22 horas - Maruípe; uma Unidade
de Saúde até 21 horas – Jardim Camburi; e cinco Unidades de Saúde até 20 horas
- Santo André, Maria Ortiz, Praia do Suá, Gilson Santos e Ilha do Príncipe (VITÓRIA,
2008a).
Além das Unidades Básicas de Saúde, o município conta ainda com oito centros de
referência (Centro de Especialidades Odontológicas, Centro de Referência em
Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST, Centro de Atendimento ao Idoso,
16
Informação fornecida pela Coordenação de Saúde Bucal do município.
62
Centro de Controle de Zoonoses, Centro Municipal de Especialidades, Centro de
Tratamento de Toxicômanos, Centro de Atenção Psicossocial, e o Centro de
Referência em Saúde do Trabalhador em parceria com a Secretaria Estadual de
Saúde - SESA), um Pronto Atendimento 24 horas, uma Policlínica em São Pedro, 11
Módulos de Serviço de Orientação ao Exercício Físico e 1 Laboratório Central
Municipal (VITÓRIA, 2008a).
Apesar da implantação do PSF no município ter ocorrido em 1998, foi apenas seis
anos após, em 2004, que a saúde bucal foi oficialmente inserida. Até então, a saúde
bucal persistiu organizada através do modelo convencional, em que atuavam CD
clínicos gerais ou odontopediatras (em turnos de quatro horas diárias), mesmo
naquelas unidades que já trabalhavam no modelo de Saúde da Família. Dessa
forma, os serviços básicos em saúde bucal, eram oferecidos em esquema de
demanda espontânea, com exceção da atenção dada aos escolares através do
Programa Sorria Vitória, criado em 1995, com o propósito de controlar e reduzir o
índice de cáries e doenças periodontais em crianças de zero a quatorze anos no
município, incorporando também ações de educação em saúde.
O Programa Sorria Vitória, ainda vigente, baseia-se na atenção organizada para o
grupo prioritário de escolares. O Programa tem o intuito de ser integrado às demais
ações coletivas de Saúde Bucal, e não de se constituir como atividade realizada
paralelamente. O trabalho é desenvolvido a partir de parcerias entre a Secretaria
Municipal de Saúde (SEMUS) e instituições de ensino público e particular,
organizações não-governamentais e movimentos comunitários (VITÓRIA, 2005b).
Nas escolas, as atividades envolvem, desde um levantamento anual das
necessidades em saúde bucal das crianças, até bochechos semanais com flúor,
distribuição trimestral de escova e creme dental, atividades educativas e de
promoção da saúde. Aquelas crianças com necessidades de tratamento
odontológico são encaminhadas para as unidades de saúde. As atividades
educativas podem ser realizadas pelos THD, ACD, e CD, bem como por professores
e pedagogos, de acordo com sua complexidade. Na verdade, aos CDs cabe o
levantamento anual de necessidades, além da constante coordenação e supervisão
do trabalho, bem como a orientação aos THD e ACD.
63
Nesse contexto de prevenção às crianças em idade escolar, ressalta-se que o índice
CPO-D aos doze anos do município, segundo o levantamento realizado pelo
Ministério da Saúde em 1996, foi de 1,47, classificando Vitória como a capital
brasileira com o menor índice de cáries em dentição permanente (VITÓRIA, 2008c).
A implantação da saúde bucal no PSF de Vitória iniciou-se através da inclusão de
dezessete ESB de modalidade I, compostas pelo CD e ACD. As primeiras unidades
de PSF em que a saúde bucal foi implantada foram: Andorinhas, Maruípe,
Consolação, Bairro da Penha, Ilha do Príncipe, Grande Vitória, Santo Antônio e
Favalessa, sendo que nessas unidades, oito THD atuavam oferecendo suporte às
atividades coletivas locais (VITÓRIA, 2004).
Os primeiros dezessete CDs foram inseridos no PSF mediante processo seletivo
interno que contou com prova escrita, entrevista e análise de currículo e privilegiou
apenas os profissionais que já trabalhavam na rede municipal de saúde bucal.
Desse processo, participaram 58 CDs, que estão sendo inseridos gradativamente,
de acordo com a expansão e surgimento de vagas, respeitando-se essa
classificação.
As primeiras dezessete equipes de saúde bucal implantadas participaram de
capacitações, no período de julho a agosto de 2004, e os temas abordados
destacaram as perspectivas das ESF no Brasil e em Vitória; o processo de trabalho
nas equipes de PSF; a abordagem familiar sistêmica; e o curso introdutório ao PSF.
Hoje o município conta com 72 ESF e 41 ESB atuando em 20 USF, sendo que a
USF de Thomaz Thommasi não presta serviços de saúde bucal. A rede municipal
conta ainda com 25 THD que muito embora participem das equipes de saúde, não
caracterizam essas equipes como de modalidade II por falta de espaço físico e
equipamentos odontológicos para as mesmas (Informação verbal)
17
.
A cobertura populacional do PSF vem se expandindo com a ampliação do
Programa. Em dezembro de 2007 a cobertura das ESF foi de 57,68%, com 174.563
pessoas cadastradas no Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB). A
cobertura das ESF com Saúde Bucal integradas (ESFSB1) foi de 13,81%,
17
Informação fornecida pela Coordenação Municipal de Saúde Bucal em junho de 2008.
64
correspondendo a 41.794 pessoas cadastradas
18
. O sistema de informação aceita
dados correspondentes a apenas uma ESFSB1 e sabe-se que a relação no
município é de no mínimo 1ESF para 2ESB. Estima-se, portanto, que essa cobertura
populacional da saúde bucal seja maior do que a registrada no sistema. Por fim, a
cobertura populacional de toda a rede municipal de saúde (PSF + PACS+ ESFSB1)
é de 81,39%, considerando as 246.322 pessoas cadastradas (VITÓRIA, 2008b).
Em relação aos serviços de especialidades, os serviços de endodontia são
oferecidos pelo Forte São João e a Policlínica São Pedro, para suas respectivas
áreas de abrangência. Em 19 de março de 2005 foi implantado o CEO de
modalidade II, junto ao Centro de Especialidades Municipais, no Centro de Vitória.
São oferecidas as especialidades de Endodontia, Periodontia, Cirurgia Oral Menor,
Diagnóstico Oral, Atenção a Pacientes Especiais, Radiologia e Prótese Total, para
toda a microrregião Vitória. O CEO conta hoje com três endodontistas, dois
especialistas em Cirurgia Oral Menor, três periodontistas, dois protesistas, um
especialista em pacientes especiais e três THD que atuam na radiologia
odontológica. Algumas especialidades funcionam até as 22 horas. Além do CEO, foi
implantado também o Laboratório de Prótese Dental, que oferece serviços de
prótese total e conta com dois técnicos.
Com relação à organização de todo o serviço odontológico, desde o básico ao
especializado, e à orientação ao processo de trabalho das equipes de saúde, as
ações são estabelecidas pelo protocolo de saúde bucal do município. Segundo o
documento, a organização do acesso às ações de saúde bucal implica em
organização da atenção programada; organização da livre demanda; organização da
atenção extra-clínica; e organização do pronto-atendimento. A atenção programada
é caracterizada como um conjunto de ações de promoção de saúde, prevenção e
intervenções clínicas, que deve ser ofertada, de forma planejada, a grupos
prioritários e famílias em risco social, de acordo com a clientela cadastrada do
território. Essa população deve ser priorizada através de agendamento, para realizar
o tratamento odontológico necessário (VITÓRIA, 2005b).
18
Foi considerada a base de cálculo populacional fornecida pelo Ministério da Saúde para o
município de Vitória no ano de 2007.
65
As famílias em risco social serão captadas através da demanda espontânea ou das
visitas domiciliares. Já os grupos prioritários serão a clientela captada pelas ESF
(gestantes, idosos, diabéticos, pacientes com necessidades especiais, hipertensos,
portadores de hanseníase, as crianças e adolescentes até 19 anos).
Também fica estabelecido que o atendimento programado deva ocupar, no mínimo,
50% do tempo clínico, e a atenção à livre demanda, no máximo, 50% do tempo
clínico, com o objetivo de aumentar o tempo para a demanda programada, dentro de
cada realidade epidemiológica. A priorização e organização do atendimento da livre
demanda são de responsabilidade do CD, que deverá avaliar a queixa principal do
paciente, resolver o problema imediato do mesmo e realizar outros procedimentos
de acordo com a disponibilidade da agenda (VITÓRIA, 2005b). Segundo informação
da Coordenação de Saúde Bucal, foi padronizado que fossem agendados seis
pacientes por turno.
Com relação à atenção extra-clínica, fica estabelecido, sob o mesmo protocolo, que
a atenção domiciliar deverá ser realizada nas famílias consideradas de risco em
saúde bucal – cárie dentária, doença periodontal e câncer de boca. Tanto aquelas
com risco individual (com problemas sistêmicos como diabetes, hipertensão, etc),
quanto àquelas famílias consideradas de risco social, ou seja, grupos populacionais
em situação de exclusão social. Essas visitas devem ser realizadas inicialmente
pelos ACS, seguidos do THD e/ou ACD, de acordo com a demanda por atendimento
clínico ou orientação educativa, de modo que o CD se desloque apenas em
situações específicas. A atenção curativa no domicílio deverá ser realizada apenas
quando o usuário não puder se deslocar até a US.
Segundo o documento, com relação aos processos de trabalho no PSF, ao CD
cabe: a) conhecer a realidade epidemiológica de saúde bucal da comunidade; b)
realizar os procedimentos clínicos definidos na Norma Operacional Básica do SUS
NOB/SUS 96 e na NOAS (ANEXO A); c) assegurar a integralidade da assistência na
atenção básica tanto encaminhando e orientando os usuários com problemas mais
complexos para os níveis superiores de especialização, assegurando seu
acompanhamento, quanto integrando as ações clínicas às coletivas, de acordo com
as prioridades locais; d) coordenar as ações coletivas e supervisionar o trabalho
desenvolvido pelo THD e pelo ACD; e) capacitar as equipes de saúde da família no
66
que se refere às ações educativas e preventivas em saúde bucal; e f) registrar na
Ficha D Saúde Bucal todos os procedimentos realizados, para alimentação do SIAB
(VITÓRIA, 2005b).
O atual protocolo de saúde bucal do município está em processo de modificação e a
meta para 2008 é que todas as Unidades de Saúde cobertas pelo PSF estejam com
as equipes de saúde bucal inseridas.
19
Foi possível, até então, desenvolver uma reflexão sobre os aspectos teóricos que
embasam este estudo. A partir do próximo capítulo será explicitada a metodologia
utilizada e elencados os resultados do estudo.
19
Informação verbal fornecida pela Coordenação de Saúde Bucal Municipal em junho de 2008.
67
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS
4.1 TIPO DE ESTUDO
Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, de abordagem qualitativa, dada a
natureza do objeto de estudo, que são as opiniões, os pensamentos de um grupo de
cirurgiões-dentistas. Segundo Minayo (1992), as abordagens qualitativas de
pesquisa são capazes de incorporar a questão dos significados, dos motivos,
aspirações, crenças, valores, atitudes, os quais não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis.
Na construção teórica e metodológica deste estudo, é importante considerar que o
objeto de pesquisa, a inserção do CD no PSF, como qualquer temática no campo da
Saúde Coletiva, é um fenômeno complexo, de caráter interdisciplinar, que perpassa
transversalmente diversos campos de conhecimento. Sendo assim, tais fenômenos
não são passíveis de serem reproduzidos em sua totalidade, embora possam ser
observados em caráter parcial e aproximado. Vale também considerar a constante
transformação das sociedades, de modo que suas historicidades, leis, instituições e
visões de mundo são dinâmicas e provisórias (MINAYO, 1992).
Dessa maneira, a proposta deste estudo, ao privilegiar o ponto de vista dos CDs sobre
seus processos de inserção no PSF de Vitória, buscou aproximar-se da realidade
vivenciada por esses atores sociais no cotidiano de seu trabalho no programa,
buscando priorizar as percepções desses sujeitos sobre essa nova realidade.
4.2 CENÁRIO DO ESTUDO
A pesquisa foi desenvolvida no município de Vitória-ES. A escolha de Vitória como
cenário para o estudo justifica-se por ser esta uma capital, sendo importante
referência no contexto das políticas públicas do Estado do Espírito Santo.
A cidade de Vitória tem 93 km², o que corresponde a 0,20% do território estadual
(IBGE, 2008). O município integra a Região Metropolitana de Vitória, constituída por
outros cinco municípios: Vila Velha, Serra, Cariacica, Viana, Guarapari e Fundão.
Possui uma população de 314.042 habitantes (IBGE, 2008) e a densidade
68
demográfica em 2005 era de 3.290,4 hab./km
2
, consideravelmente maior quando
comparada com a do Estado inteiro, que era de 73,8 hab./km
2
(INSTITUTO DE
APOIO À PESQUISA E AO DESENVOLVIMENTO JONES DOS SANTOS NEVES –
IPES, 2007).
Vitória está na composição do grupo das cinco maiores economias do Estado. Os
três maiores municípios por ordem são: Vitória, Serra e Vila Velha. Nas outras duas
posições alternam-se Cariacica e Aracruz. Estes cinco municípios concentram
aproximadamente 65% do PIB do Estado e têm a Indústria como atividade
econômica principal (IPES, 2007).
Em 2005, o PIB do município de Vitória perfazia
R$ 14.993.650, correspondendo à grande parte do PIB estadual, de R$ 47.190.914,
no mesmo ano (IBGE, 2008). Porém, a renda familiar média mensal de grande parte
das famílias do município, segundo o censo de 2000, estava situada entre um a
cinco salários mínimos (IPES, 2007).
A Atenção Básica em Saúde do Município incorporou a saúde bucal no PSF em
2004 e, desde então, vem expandindo sua cobertura. Sendo assim, no momento da
pesquisa, alguns CDs já estavam inseridos no programa há mais de três anos. Em
dezembro de 2007, o PSF do município apresentava 41 Equipes de Saúde Bucal de
modalidade 1, compostas por um CD e um auxiliar de consultório dentário (VITÓRIA,
2008b).
4.3 SUJEITOS DO ESTUDO
A população total de CD inserida no PSF de Vitória no período do estudo perfazia 41
profissionais distribuídos entre 19 USF
20
, essas, distribuídas pelas seis regiões de
saúde, segundo a divisão territorial da saúde do município (ANEXO B).
Participaram do estudo quatorze CDs atuantes em diferentes USF do município,
assim distribuídos: Região Centro (1CD), Região Continental (1CD), Região São
Pedro (3CDs), Região Maruípe (5CDs), Região Santo Antônio (2CDs), Região Forte
São João (2CD), conforme explica o quadro apresentado nos apêndices
(APÊNDICE D).
20
Apesar de haver 20 USF na rede municipal, existem 19 USF com ESB porque a USF de Thomáz
Thomazzi não tem serviços de saúde bucal incorporados.
69
Para a escolha desses sujeitos, obedeceu-se aos seguintes critérios: privilegiar CDs
que estivessem, no momento da pesquisa, inseridos no programa há pelo menos um
ano, não importando se exerciam esta atividade profissional exclusivamente ou não;
incluir aqueles profissionais que quisessem participar da pesquisa
espontaneamente; incluir pelo menos um profissional de cada USF, distribuídas
pelas seis diferentes regiões territoriais de saúde do município, por considerar que
diferentes realidades poderiam implicar em diferentes pontos de vista.
Lefrève e Lefrève (2005), ao discorrer sobre a escolha dos sujeitos para uma
pesquisa qualitativa, afirmam que quando o universo a ser estudado é limitado, o
pesquisador pode compor sua amostra escolhendo os indivíduos a serem
pesquisados, mediante critérios estabelecidos para a sua pesquisa, conforme as
características que se deseja estudar.
Sendo assim, obedecendo aos critérios descritos, entrevistou-se quatorze CDs de
quatorze unidades diferentes, distribuídas pelas seis regiões de saúde, de um
universo total de 41 CDs e de 19 USF que apresentam o CD inserido na equipe.
Inicialmente pensou-se em privilegiar um dentista por unidade, o que daria dezenove
sujeitos. Porém, no momento da coleta de dados, as equipes de saúde bucal de
uma unidade não haviam completado um ano de PSF.
Além disso, em duas unidades, houve recusa de quatro profissionais a participarem
da pesquisa; em duas outras, os CDs estavam de férias ou afastados de suas
atividades no momento da coleta de dados. Optou-se pela não identificação das
unidades escolhidas, de modo a preservar o anonimato dos sujeitos.
4.4 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
A fim de apreender os discursos dos sujeitos, utilizou-se, nesta pesquisa, a
entrevista aberta semi-estruturada como o tipo de instrumento para a coleta de
dados, por possibilitar acessar, de forma mais espontânea, as percepções dos
dentistas sobre seu trabalho no PSF. Através da fala dos entrevistados, é possível
ter acesso a dados da realidade de caráter mais subjetivo, como idéias, crenças,
maneiras de pensar, opiniões, sentimentos, maneiras de se atuar, em condições
históricas, socioeconômicas e culturais específicas (MINAYO, 1992).
70
Simioni, Lefrèvre e Pereira (1996) colocam que por entrevistas abertas semi-
estruturadas devemos entender aquelas em que o informante fala livremente sobre o
tema proposto, porém, limitado por um roteiro de questões a serem pontuadas no
momento da entrevista.
Destaca-se que a entrevista “semi-estruturada”, ao mesmo tempo em que valoriza a
presença do investigador, oferece todas as perspectivas possíveis para que o
entrevistado alcance a espontaneidade necessária, bem como permite discorrer
sobre o tema proposto sem respostas ou condições pré-fixadas rigidamente pelo
pesquisador, enriquecendo a investigação (TRIVIÑOS, 1987).
O roteiro de entrevista que orientou a pesquisa (APÊNDICE A) foi composto de duas
partes: a primeira parte objetivou caracterizar os sujeitos e suas trajetórias
profissionais e a segunda parte do roteiro, constituída por treze questões, abordou,
em um primeiro momento, a inserção dos cirurgiões-dentistas no PSF. Em um
segundo momento, buscou-se enfatizar aspectos da atuação cotidiana desses
profissionais e suas visões sobre as mudanças percebidas na prática, após suas
inserções no programa.
4.5 PROCEDIMENTOS DE COLETA E TRATAMENTO DOS DADOS
A coleta de dados foi antecedida por um estudo piloto, realizado em setembro de
2007, com dois CDs inseridos no PSF de outro município da Grande Vitória,
escolhidos intencionalmente. Esse momento prévio possibilitou uma maior
aproximação do pesquisador com o objeto da pesquisa e permitiu uma readaptação
do roteiro-guia que norteou a pesquisa, de modo que algumas questões foram
refeitas e readequadas.
Optou-se, assim, por manter essas questões numa forma menos diretiva possível,
para que fossem evitadas induções às respostas, e também para estimular a fala
dos sujeitos de maneira livre e espontânea.
A coleta de dados propriamente dita foi realizada no período de novembro de 2007 a
janeiro de 2008. Cada CD entrevistado foi contatado pessoalmente pela
pesquisadora, num momento anterior à entrevista, quando eram explicadas as
propostas e a relevância da investigação, e, no caso de concordarem em participar
71
da pesquisa, era apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(APENDICE B). A entrevista era então agendada para dias e horários convenientes
aos pesquisados, geralmente após seus expedientes de trabalho. Apenas um CD foi
entrevistado em sua residência. Os demais foram entrevistados individualmente na
unidade de saúde, em salas ou imediações da própria unidade, locais que
permitiram a privacidade necessária entre pesquisador-pesquisado. Todas as
entrevistas, que duraram em média 60 minutos, foram gravadas em fitas cassete
e/ou aparelho MP3.
Ao proceder pessoalmente as entrevistas, o contato com os sujeitos pesquisados
propiciou um momento de encontro rico, em que as reflexões, idéias e discursos
desses profissionais começavam a emergir, e suas falas tomavam corpo, trazendo à
tona, seus cotidianos, suas perspectivas e suas contradições.
De posse das entrevistas gravadas, realizou-se o processo de transcrição, com o
cuidado de fazê-lo da forma mais fidedigna possível. Dez entrevistas foram
transcritas pelo próprio pesquisador e quatro por profissionais contratados, as quais
foram checadas ipsi litis pelo pesquisador. Com as entrevistas transcritas, foi
realizada a leitura flutuante do material.
Nesse primeiro momento de análise, foi importante reportar Minayo (2007) quando
argumenta que o primeiro obstáculo do pesquisador ao iniciar o processo de análise
do material recolhido em campo é uma falsa impressão de familiaridade com os
dados, como se o real se mostrasse nitidamente ao observador. Consciente desse
momento prévio de ”ingenuidade empírica”, chamado de pré-análise, optou-se por
fazer uma leitura individual das falas dos sujeitos, buscando compreender a
essência desvelada por cada sujeito, e tentando penetrar nos significados que esses
atribuíam às suas vivências profissionais no PSF.
Após construção do corpus
21
constituído pelo todo das entrevistas, passou-se por
um momento de reformulação das indagações iniciais e dos objetivos, já que a
leitura exaustiva do material parecia apontar alguns indícios de que a inserção dos
CDs no PSF, apesar de trazer à tona uma tensão entre a hegemonia dos saberes e
práticas que operam numa racionalidade biomédica ou flexneriana (e uma nova
21
Termo que diz respeito ao universo estudado em sua totalidade (MINAYO, 2007).
72
racionalidade), esse modelo biomédico
22
não impedia alguns dos entrevistados de
serem sujeitos críticos e reflexivos, e nem os impedia de ter alguma adesão a outro
modelo de saúde. Dessa forma, optou-se por focalizar o estudo na compreensão de
como esse profissional CD percebia as mudanças em seu cotidiano de trabalho,
após a inserção no PSF.
Após reformulação das indagações iniciais, seguiu-se para uma etapa de exploração
e tratamento do material, quando foi utilizada a estratégia do Discurso do Sujeito
Coletivo (DSC), segundo Lefréve e Lefréve (2005), para o processamento dos
dados.
A estratégia do DSC permite acessar pensamentos, opiniões de uma comunidade
sobre um dado tema, através da soma de discursos individuais gerados pelas
entrevistas, de modo que um conjunto de falas individuais de sentido semelhante ou
complementar, organizadas juntamente, expressa e representa um pensamento
coletivo. Parte-se de um pressuposto sócio-antropológico, ou seja, de que o
pensamento coletivo gerado sobre certo tema pode ser visto como existente na
sociedade e na cultura em que esses indivíduos estão inseridos. Sendo assim,
consiste de uma forma destinada a fazer essa coletividade falar, diretamente.
Trata-se de uma proposta de organização e tabulação dos dados qualitativos de
natureza verbal, extraindo-se de cada depoimento, expressões-chave e as idéias
centrais e/ou ancoragens correspondentes. As expressões-chave (ECH) são trechos
de um depoimento que expressam a opinião de um sujeito sobre determinado tema
focado pela pesquisa. Assim, uma idéia central (IC) advém de um conjunto de
expressões-chave de diferentes respostas à determinada pergunta ou tema proposto
pela entrevista. Já as ancoragens (AC) são manifestações explícitas de uma teoria,
pressuposto ou crença que o autor do discurso professa e podem ou não estar
presentes nos discursos de forma clara.
O DSC é a principal das figuras metodológicas, consistindo num discurso-síntese
redigido na primeira pessoa do singular e composto pelas ECH que têm a mesma IC
ou AC. A proposta do DSC busca reconstruir, mediante partes de discursos
individuais, um dado pensar ou representação sobre um fenômeno. Sendo assim, o
22
Modelo biomédico ou flexneriano serão adotados como sinônimos.
73
DSC é uma estratégia metodológica que visa tornar mais clara uma dada
representação social (LEFRÉVE; LEFRÉVE, 2005).
Neste trabalho, foram utilizadas as seguintes figuras metodológicas – a idéia central
(IC), a ancoragem (AC), as expressões-chave (ECH) e o Discurso do Sujeito
Coletivo (DSC).
Para permitir a construção desses discursos segundo a técnica do DSC, foi preciso,
num primeiro momento, agrupar todas as respostas de cada sujeito entrevistado, por
tema pesquisado ou por pergunta do roteiro, copiando-as integralmente numa
tabela, configurando então o Instrumento de Análise 1 (IAD1).
O segundo passo consistiu em identificar, em cada uma dessas respostas, as
expressões-chave das idéias centrais, e, quando houve, as expressões-chave das
ancoragens – que foram destacadas e sublinhadas – sendo identificadas as idéias
centrais iguais ou de mesmo sentido, no IAD1.
Posteriormente, as expressões-chave de sentido semelhante, que descrevem cada
idéia-central encontrada, foram agrupadas no Instrumento de Análise 2 (IAD2), o
que permitiu a construção dos DSC para cada tema estudado. Será apresentado, no
Apêndice C, um exemplo da construção dos DSC dos dentistas sobre o sub-tema –
razões para a Inserção do CD no PSF – quando foi abordado o tema sobre a
inserção do CD no PSF de Vitória.
Os DSC dos CDs foram organizados a partir de quatro grandes temas, a saber:
a) a inserção do CD no PSF de Vitória, ES;
b) a atuação profissional cotidiana no PSF;
c) as mudanças no cotidiano de trabalho do CD após inserção no PSF; e
d) os desafios para o trabalho do CD no PSF: para consolidação das mudanças de
práticas de saúde bucal.
A análise e discussão dos discursos foram feitas através de um movimento dinâmico
entre o material empírico coletado e o referencial teórico utilizado no estudo, a partir
dos pressupostos do PSF enquanto modelo de atenção em saúde, bem como dos
74
autores que discorrem sobre a área da Saúde Coletiva, da Saúde Bucal Coletiva e
do trabalho em saúde.
4.6 ASPECTOS ÉTICOS
As entrevistas foram realizadas após autorização da SEMUS de Vitória para a
condução da pesquisa, e devida aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em
Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito
Santo, que foi aprovado em agosto de 2007, obedecendo a Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisas com seres humanos.
75
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Se existe alguma coisa permanente em ciência, é a provisoriedade
de seus resultados ou a perenidade do questionamento.
Pedro Demo
A seguir, serão apresentadas e discutidas as informações de maior relevância
obtidas neste estudo, segundo as proposições iniciais de investigação. A primeira
parte da apresentação consiste da caracterização dos sujeitos e de suas trajetórias
profissionais, visando melhor subsidiar a análise do material coletado. Para
preservar o anonimato dos profissionais, preferiu-se referir a qualquer um deles,
genericamente, no masculino.
Nesse momento, visto que cada trajetória profissional é única, elas serão
apresentadas de forma descritiva e, na segunda parte da apresentação, serão
demonstrados os Discursos do Sujeito Coletivo (DSC), obtidos nesta pesquisa.
Em função do extenso volume de material coletado, os DSC foram organizados a
partir de quatro grandes temas e alguns sub-temas gerados, a saber:
a) a inserção do CD no PSF e os sub-temas
as razões para inserção; facilidades
e dificuldades para inserção; a importância dos Pólos de Educação Permanente;
b) a atuação profissional cotidiana do CD no PSF e os sub-temas
as atividades
realizadas; a participação nas atividades; o trabalho em equipe; a referência para
as especialidades;
c) as mudanças no cotidiano de trabalho do CD após inserção no PSF; e
d) os desafios para o trabalho cotidiano no PSF.
Ao proceder à discussão, os DSC serão numerados de maneira progressiva. A
princípio, foram encontradas 72 IC, que, posteriormente reduzidas, geraram os 54
DSC apresentados no trabalho. Previamente à discussão, será apresentado um
quadro síntese com todas as IC obtidas para cada tema e o número de seu DSC
76
correspondente. Algumas ancoragens puderam ser apreendidas pelo pesquisador.
Nesses casos, no quadro das IC, elas estarão identificadas pela sigla AC.
Os DSC serão apresentados em itálico, e incluem a fala de homens e de mulheres.
Sendo assim, naqueles discursos em que aparecem palavras referentes a uma fala
feminina, manteve-se o que foi originalmente falado pelo sujeito, acrescendo-se o
artigo masculino (o) entre parênteses, sem o formato itálico, indicando uma
alteração do pesquisador, no intuito de representar a fala do coletivo.
Convém ressaltar que este estudo consiste em uma aproximação da realidade de
um determinado momento histórico-social, que, por ser dinâmico, não demonstra
uma verdade estanque, mas um processo em construção.
5.1 APRESENTANDO OS SUJEITOS DO ESTUDO
A pesquisa contou com a participação voluntária de quatorze CDs do PSF de Vitória-
ES. Desses, dez são do sexo feminino e quatro do masculino. Dados sobre o perfil
do CD tanto em esfera nacional quanto no próprio Estado do Espírito Santo,
mostram uma pequena predominância do sexo feminino na classe odontológica
(INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS SÓCIO-ECONÔMICOS,
IMBRAPE, 2003; CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA DO ESPÍRITO
SANTO, CRO, 2002).
Com relação à idade, a maioria dos sujeitos está numa faixa etária acima dos 45
anos de idade. Dos 14 sujeitos, 7 têm mais de 50 anos; 4 deles têm entre 42 e 49
anos e apenas 3 entrevistados têm entre 35 e 39 anos.
Dada a predominância dos entrevistados na faixa etária acima de 45 anos, a maioria
tem mais de 20 anos de graduado. Dos quatorze sujeitos, quatro têm mais de 30
anos de formado, sete têm entre 21 e 27 anos de formado, e os três mais jovens
graduaram na década de 90. Todos os sujeitos já trabalhavam como CD da rede
municipal de saúde de Vitória, anteriormente à inserção no PSF, por uma longa
data. Alguns estão na rede municipal há 30 anos (4 CDs). De todos os
entrevistados, o CD com menor tempo de atuação na Prefeitura Municipal de Vitória
(PMV) está na rede há nove anos. Todos têm vínculo efetivo com a instituição, com
exceção de um CD que, por opção, preferiu manter-se como celetista.
77
Ter privilegiado apenas CD com cargo efetivo não constituiu um critério de inclusão
da pesquisa, porém, mostrou-se interessante, pois permitiu explorar percepções de
dentistas com vínculo de carreira com a rede municipal e com história de uma longa
trajetória profissional na saúde bucal e, conseqüentemente, com uma prática mais
consolidada naquelas ações que este estudo buscou compreender.
Com relação ao tempo de atuação no PSF especificamente, seis sujeitos atuam
mais de três anos e fizeram parte das primeiras dezessete ESB inseridas nas ESF.
Esses seis CDs tiveram capacitação prévia à inserção no Programa, ofertada pela
SEMUS. Os demais fizeram parte do “segundo grupo” que vem sendo inserido
gradativamente, com o processo de expansão da cobertura da saúde bucal na
saúde da família. Esses oito CDs não tiveram a capacitação da SEMUS, mas alguns
participaram do Curso Introdutório do PSF, ofertado pela SESA, em 2004. De todos
os entrevistados, cinco relataram não ter participado de nenhuma dessas
capacitações.
Com relação à pós-graduação, a metade dos sujeitos do estudo (sete) já havia
cursado especializações em Saúde Pública ou Saúde Coletiva com ênfase em
Saúde da Família, enquanto um dos CDs cursou Saúde Coletiva em nível de
Mestrado, títulos esses obtidos por iniciativa dos próprios profissionais. Dois dos
entrevistados ainda estavam com as especializações em Saúde Coletiva em curso,
na época da coleta de dados, que foram patrocinadas pela instituição. É interessante
notar que a maioria desses títulos foi obtida após 2001, sendo que apenas dois CDs
fizeram o curso de Saúde Pública antes, em 1989 e 1995, o que demonstra uma
“movimentação” recente da classe odontológica para o campo de atuação da Saúde
Coletiva.
Por outro lado, foi observado que dos quatro CDs que não tinham nenhuma pós-
graduação, todos já atuavam há 30 ou quase 30 anos na própria instituição. Dois
deles, além de não terem especializações, também não tiveram capacitações. Como
ação do Pólo de Educação Permanente do Município, esses CDs estarão cursando
especializações em Saúde Coletiva durante o ano de 2008.
O perfil de formação dos quatorze CDs que participaram dessa pesquisa não
corrobora com os achados de Rodrigues (2002), que analisou o perfil dos
78
profissionais de saúde bucal nos serviços de saúde pública do Rio Grande do Norte
e encontrou 67% dos CDs sem formação na área de Saúde Pública ou Saúde
Coletiva. Por outro lado, o mesmo estudo também demonstrou que a maioria dos
CDs (72%) tinha longa trajetória nesses serviços, variando entre onze e trinta anos
de atuação.
Com relação ao perfil do CD, um estudo realizado em esfera nacional, em 2003,
mostrou que apenas 17,9% dos profissionais registrados nos Conselhos Regionais
de Odontologia encontravam-se na faixa etária acima de 45 anos, estando a grande
maioria dos profissionais (97%) concentrados em zona urbana (Instituto Brasileiro de
Estudos e Pesquisas Sócio-Econômicas - INBRAPE, 2003). Apesar de serem dados
nacionais, é provável que uma situação semelhante ocorra em Vitória, de modo que
os dentistas que participaram do estudo, com faixa etária acima de 40 anos, não
apresentam as características da grande maioria dos profissionais que estão ativos
no mercado de trabalho do município. Pesquisa transversal realizada no estado em
2002 mostrou que apenas 33% dos CDs pesquisados atuavam no serviço público e
apenas 5,6% tinham pós-graduação em Saúde Pública ou áreas afins. A mesma
pesquisa mostrou que a área mais procurada para especialização era Prótese,
seguida de Implantodontia e Ortodontia (CONSELHO REGIONAL DE
ODONTOLOGIA-ES – CRO-ES, 2002).
O perfil dos profissionais deste estudo mostra duas características:
a) as especialidades mais comuns entre os CDs são em Saúde Coletiva, ao
contrário do que tem sido demonstrado em outros estudos (RODRIGUES, 2002;
VILARINHO; MENDES; PRADO JÚNIOR, 2007);
b) com relação ao tempo de experiência profissional, a maioria tem longa trajetória
na instituição, incluindo aqueles prestes a recorrer à aposentadoria.
Alguns dos profissionais entrevistados também tinham especializações em outras
áreas da Odontologia, como Odontopediatria (dois sujeitos), Cirurgia Oral (um
sujeito), Dentística (dois sujeitos), Ortodontia (um sujeito) e um CD tinha Mestrado
em Ciências Fisiológicas. Tais pós-graduações foram realizadas quando esses
profissionais ainda atuavam no mercado privado, o que não é mais a realidade da
79
maioria desses sujeitos, reflexão que faremos a seguir, a partir de suas trajetórias
profissionais.
5.2 AS TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS DOS SUJEITOS
Os cirurgiões-dentistas entrevistados têm em comum uma trajetória profissional que
se inicia com o consultório particular, caracterizada pela atuação concomitante no
serviço público ou outras possibilidades de emprego assalariado, e avança com o
fechamento dos consultórios e atuação exclusiva no serviço público municipal de
saúde de Vitória. De todos os quatorze entrevistados, apenas três ainda mantêm
consultório concomitante, porém, com atuação muito restrita, principalmente após a
inserção deles no PSF, quando passaram a atuar na rede municipal por oito horas
diárias.
O assalariamento da classe e atuação concomitante em consultórios particulares
próprios é uma característica presente na trajetória profissional de todos eles, e,
além do trabalho na Prefeitura Municipal de Vitória, alguns tiveram experiência como
CD do Serviço Social do Comércio (SESC), do Serviço Social da Indústria (SESI), do
Exército e de serviços públicos de outros municípios, a maioria exercendo dupla
jornada público-privada.
Apenas um dos sujeitos, graduado na década de 90, relatou atuação prévia em
clínicas populares, quando recém-formado. Um dos sujeitos relatou experiência na
gestão de Saúde Bucal da rede SEMUS por cinco anos, quando participou do
processo de implantação do Programa Sorria Vitória e dois dos entrevistados
tiveram experiência de docência na área de Saúde Coletiva, em Instituição de
Ensino Superior do Estado.
Todos os CDs entrevistados têm uma longa trajetória dentro da própria instituição,
revelando-se como parte da história dos serviços de saúde bucal da rede municipal
de Vitória.
A partir da entrada no PSF, a maioria dos entrevistados “fecha as portas de seus
consultórios” e passa a trabalhar integralmente sob a lógica da Atenção Básica,
porém, num contexto de transformação e mudanças de práticas, o qual é proposto
pelo Programa.
80
A análise que se segue apresenta os Discursos do Sujeito Coletivo dos CDs sobre
sua inserção e experiência profissional no PSF, novo marco em suas trajetórias
profissionais.
5.3 APRESENTANDO OS DISCURSOS DO SUJEITO COLETIVO
O Discurso do Sujeito Coletivo é, em suma, uma forma ou um
expediente destinado a fazer a coletividade falar diretamente.
Lefréve e Lefréve
O Discurso do Sujeito Coletivo é uma proposta metodológica que expressa o
pensamento coletivo, segundo Lefréve e Lefréve (2005), e, portanto, partindo dessa
asserção, considerou-se que os cirurgiões-dentistas sujeitos do estudo, quando
referidos no espaço de suas práticas de saúde no PSF, constituem-se num coletivo
que compartilha de uma mesma cultura e prática social.
5.3.1 A inserção do cirurgião-dentista no PSF de Vitória, ES
O quadro 2 a seguir
mostra uma síntese das IC, das AC que puderam ser
apreendidas e das perguntas do roteiro de entrevista referentes ao Tema 1 que trata
da inserção do CD. Conforme descrito no Capítulo 2, a Odontologia constituiu-se
como profissão, transitando de uma atividade artesanal, para uma prática
desenvolvida sob alta densidade tecnológica e voltada prioritariamente para o
mercado privado.
O PSF, regulamentado em 1994, foi implantado em Vitória em 1998 e a inserção das
ESB no PSF do município ocorreu oficialmente cerca de seis anos após, em dois de
julho de 2004, mediante processo seletivo interno, do qual participaram 58 CDs que
já trabalhavam na rede básica de saúde bucal do município. Foram inseridos,
inicialmente, os dezessete primeiros colocados na seleção, que contou com prova
teórica e prova de título (VITÓRIA, 2004).
81
Tema 1: A inserção do CD no PSF
Por que quis se inserir no PSF? Fale
como foi sua inserção no Programa.
Fale sobre a capacitação que recebeu.
Sente-se preparado para o
desenvolvimento de suas atividades?
Idéias-Centrais (IC) e/ou Ancoragens (AC) e
Discursos do Sujeito Coletivo (DSC)
correspondentes
Sub-temas
Razões para inserção no PSF
Ter estabilidade financeira (DSC 1)
Gostar do trabalho em Saúde Coletiva e acreditar
em seus resultados – AC (DSC2)
Dificuldades para inserção Formação e práticas biologicistas – AC (DSC 3)
Falta de capacitação (DSC4)
Facilidades para inserção Familiaridade com o PSF (DSC5)
Vivência no serviço e especialização em Saúde
Pública (DSC 6)
A importância dos Pólos de
Educação Permanente
Aprecia a iniciativa (DSC7)
Desconhece a proposta e não acredita na mesma
(DSC8)
Quadro 2. Síntese das IC e AC do tema: a inserção do CD no PSF de Vitória
A inserção do CD no PSF ocorre num contexto de mudanças na Odontologia,
caracterizadas pela queda do mercado liberal, pela crise dos “consultórios privados”,
e ascensão do mercado de trabalho no SUS. O PSF torna-se, então, atrativa
oportunidade de trabalho.
Ao serem questionados sobre as razões que os levaram a se inserir no PSF, alguns
sujeitos relatam que a escolha foi baseada na possibilidade de maiores rendimentos
e estabilidade financeira, dados que reforçam o momento de “crise dos consultórios”.
DSC1
Na realidade, eu fui migrando de acordo com o mercado, vou ser bem
honesta (o). Foi um meio de aumentar o rendimento, mais por uma questão
financeira, lógico! Você ganha x para fazer 4 horas, 8 horas... não é? E uma
coisa efetiva, você tem mais segurança, você tem férias, 13º, e isso pesa
muito. E também, na época, eu tinha vontade de deixar o consultório e ficar
o tempo todo, estender minha carga horária. Não queria mais o consultório
na minha vida. Consultório particular é muito cansativo. Eu não tenho a
pretensão de dizer aqui que eu amo o PSF, por isso eu migrei para o PSF.
Não, eu senti que eu tinha que migrar para outra coisa porque o consultório
estava entrando em crise. Todo mundo sabe que hoje consultório está
difícil, que deu uma queda muito grande, então, foi mais vantagem eu ficar
só no serviço público 8 horas. Mas eu não queria ser um profissional que
entrasse no PSF só por causa do dinheiro. Era a proposta de ter uma
82
estabilidade financeira, mas também de falar alguma coisa para alguém.
Então, fui me direcionando para ser um profissional do PSF.
Tal discurso corrobora com as análises de Zanetti (1999; 2007
23
) sobre a crise
estrutural do mercado de trabalho em Odontologia, iniciada a partir dos anos 80,
quando começa a se configurar o quadro de pletora profissional, fenômeno em que
há muita oferta de serviços e redução da procura, em função do aumento no
número de profissionais no mercado, concomitante ao aumento do valor dos
serviços.
A incerteza do mercado de trabalho atual faz com que haja uma dinâmica de
trabalho mais articulada com a esfera pública (ZANNETI, 1999). A participação do
CD no serviço público subiu de 26,2% em 2003, para 54,84% em 2006, tendendo a
aumentar (CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA, 2008).
O DSC apresentado confirma o relato desses CDs sobre suas trajetórias
profissionais, em que o consultório particular é o lócus primário de identificação
profissional, contudo, aos poucos deixa de ser rentável e, é substituído pelo serviço
público. Com a mudança no lócus do trabalho para o âmbito do PSF, muda também
a essência do trabalho, que passa de uma prática isolada para outra em que ocorre
o compartilhamento do espaço institucional.
São práticas que operam em racionalidades diferentes. A lógica do consultório
privado opera através de uma prática isolada, voltada para o mercado privado, a
qual requer alto grau de especialização, é alicerçada na fragmentação do objeto de
trabalho e cultura às tecnologias duras. Tal fundamento choca-se com a
racionalidade pautada na Atenção Primária em saúde, que é a proposta do PSF. O
CD inserido no PSF precisa atuar sob outra ótica, sendo necessário que aprenda a
trabalhar em equipe, com os critérios de territorialização e adstrição de clientela e
com um olhar ampliado sobre os processos saúde-doença.
Segundo o DSC1, a estabilidade financeira foi importante motivador para o
desenvolvimento do trabalho, porém, é imprescindível que haja identificação político-
ideológica com a proposta do Programa. Com relação ao trabalho em saúde, Mattos
(1999) argumenta que os atores costumam se identificar mais com suas inserções
23
Cf. nota 8, p. 31.
83
no processo do trabalho em si, do que com suas inserções político-ideológicas, o
que dificulta para a gestão criar projetos coletivos que possibilitem a mobilização de
sujeitos sociais.
Outra razão também reportada pelos CDs, para escolherem o trabalho no PSF, foi o
prazer em trabalhar no campo da Saúde Coletiva, o que pode ser observado no
seguinte discurso:
DSC2
Na verdade, é uma área que eu gosto, me gratifica muito. Eu sempre me
identifiquei muito com saúde pública, com saúde coletiva, e eu percebo
assim, que a gente tem mais resultado quando a gente trabalha com um
propósito de atenção coletiva, de educação preventiva. No consultório, é
claro que você faz educação em saúde, mas é uma coisa muito limitada
assim, é você e o paciente. O PSF te dá mais um tempo para você
conversar mais, buscar mais a família, e conhecendo a realidade é que
você pode atuar melhor. Então, acho que o resultado quando você trabalha
desse jeito, é mais positivo.
O DSC aponta para a crença de alguns sujeitos nos propósitos da atenção coletiva e
para o reconhecimento das limitações da prática no plano individual. Acreditam na
proposta do PSF, o que sugere um envolvimento dos sujeitos com a ideologia da Saúde
Coletiva e, conseqüentemente, maior compromisso com suas práticas no Programa.
Ao falar de mudança de modelo em saúde, é indiscutível que os trabalhadores estejam
em sintonia com as políticas reformistas. Campos (2006a, 2007) defende a importância
dos trabalhadores da saúde se verem como sujeitos co-participes e protagonistas
dessas mudanças. Este autor aponta ser possível promover processos de mudança nas
pessoas e a partir delas, e também no funcionamento das instituições.
O modelo de saúde da família traz em seu bojo tal proposta de mudança das
práticas coletivas em saúde. Além de reforçar os princípios do SUS de
universalidade do acesso, integralidade e eqüidade das ações em saúde, traz o
pressuposto de organizar a demanda e também de humanizar o cuidado em saúde.
Prioriza o profissional com perfil generalista e com percepção para o social.
Com a incorporação da saúde bucal ao PSF, o CD precisa incorporar o novo,
trabalhar em equipe, ampliar seu olhar, modificar seu processo de trabalho
tradicionalmente centrado em procedimentos individualizados.
84
Porém, ao se inserirem em tal contexto e iniciarem suas trajetórias na lógica do PSF,
os CDs percebem facilidades e dificuldades para que se efetive tal inserção.
Antes da inclusão da Saúde Bucal no PSF de Vitória, em 2004, o modelo de atenção
que operava era o tradicional, mesmo naquelas unidades básicas em que o PSF já
havia sido implantado. A rede básica de saúde bucal contava com a atuação de
cirurgiões-dentistas clínicos gerais e odontopediatras, sendo que a grande maioria
dos sujeitos praticava uma dupla jornada público-privada, atuando na rede municipal
por quatro horas diárias, e em consultórios privados nos demais turnos, conforme
observado no relato de suas trajetórias profissionais. Tal cenário expunha o
profissional a uma multiplicidade de práticas, muitas vezes contraditórias, já que se
por um lado o serviço público de saúde requer do CD um perfil mais generalista, por
outro o mercado requer cada vez mais especialistas.
Além disso, a prática e a formação em Odontologia guardam as características
flexnerianas, marco conceitual tanto da prática quanto da educação odontológica
tradicionais, e a superação dessa prática para a construção de novos caminhos é um
desafio para a Odontologia (MENDES, 1986; NARVAI, 2002). A complexidade da
saúde é reduzida à boca, mais especificamente aos dentes, que vêm a ser o objeto do
trabalho da prática odontológica. A esse respeito, Botazzo (2000) afirma que o
isolamento do discurso odontológico não é capaz de recuperar o homem por inteiro.
Apesar de alguns CDs referirem gostar de Saúde Coletiva, sua formação inclui os
conhecimentos de saúde coletiva de forma marginal, muitas vezes não contribuindo
para o desenvolvimento de habilidades que são requisitadas no PSF. A formação
biologicista e o desenvolvimento da profissão, segundo a prática mecanicista,
fetichizada e fragmentada, são percebidos por alguns sujeitos como grandes
dificultadores à inserção do CD às novas práticas de saúde, promovendo uma
tensão entre o velho e o novo, um conflito vivido pelo profissional, conforme aponta
o discurso seguinte.
85
DSC3
Eu acho que era muito novo para todo mundo, ninguém sabia muito bem
como atuar. Ninguém sabia direito o que a Odontologia fazia no PSF. O que
você faz? Fazer visita domiciliar? Como que é isso? Essa coisa de não ter
estudado, de ter essa coisa muito mecânica, desde a faculdade, biologicista
sabe? Voltada mesmo para doença, tal, isso atrapalhou um pouco no início,
me atrapalha até hoje às vezes, acho que todo mundo, Sabe?Aí, é uma
coisa muito forte. A gente tinha que forçar o tempo todo: não, não é assim,
essa prática é a antiga, vamos voltar para o outro olhar.
O DSC 3 demonstra que, ao menos na fase inicial, não fica claro para o sujeito
coletivo o que é ser CD do PSF. Werneck (2000) citado por Manfredini (2006),
comenta que a inserção da Saúde Bucal no PSF, a partir do final de 2000, não
ocorreu mediante ampla discussão acerca de seus significados, com a participação
dos profissionais da Saúde Bucal entre si ou junto aos outros profissionais de saúde.
Vale registrar que, no município de Vitória, nem todos os profissionais passaram por
capacitações introdutórias, quando os pressupostos do programa são esclarecidos.
Apenas os dezessete primeiros CDs inseridos tiveram capacitação prévia. Os
demais foram sendo inseridos acriticamente, conforme a expansão da Saúde Bucal,
sem terem muita clareza sobre os objetivos da proposta, o que é ponto consensual
de críticas. Dessa forma, a falta de capacitação é percebida pelo sujeito coletivo
como dificultador à inserção.
DSC4
Foi uma dificuldade imensa para a gente conseguir entender o que era o
PSF, porque que era equipe 1, 2 e 3 e quem era da minha equipe. A nossa
expectativa frustrada foi que a gente devia ter tido um treinamento, fomos
jogados assim: fulano, você quer ir para o PSF? Está na sua vez. O
primeiro grupo, acho que foram 17 dentistas, teve um bom treinamento,
teve um curso básico de saúde da família e até de terapia familiar. Então, o
pessoal que entrou antes teve mais uma convivência. Agora, as pessoas
que foram entrando depois, elas foram quase todas jogadas, não é? Era
assim, clínico geral que nunca tinha atendido criança, o odontopediatra com
medo de atender o paciente que tinha extração de molar, por exemplo. Eu
não tive nenhuma preparação, e entrei com o que eu sabia da teoria que eu
estudei para prova. Foi assim... Uma coisa meio complicadinha. Na
verdade, eu acho que uma capacitação é muito importante, porque abre
muito o horizonte da gente, entende? Nós ainda precisamos de
capacitação, enquanto a gente não tiver um curso de formação que coloque
o trem no trilho. Porém, não é um momento só que é suficiente. Você
precisa de outros momentos também. E Isso cabe para a equipe inteira: os
médicos, os enfermeiros, os auxiliares... Tem que fazer em todos os níveis,
porque se a equipe não for coesa, um vai atrapalhando o outro não é? O
ideal, igual agora, vai ter uma especialização em Saúde da Família,
86
oferecida pela instituição. A prefeitura está dando uma oportunidade para
esses profissionais que não tiveram nenhuma capacitação, de estarem
aprendendo. Inclusive, a gente tem que elogiar, porque isso não é uma
coisa comum não é?
Dessa forma, a capacitação, que é de responsabilidade da gestão municipal, em
parceria com a Secretaria Estadual de Saúde (SESA), é percebida pelos CDs como
imprescindível ao desenvolvimento do trabalho, sendo necessário que seja realizada
rotineiramente para todos os membros da equipe de saúde, de modo que os atores
estejam envolvidos harmonicamente na construção de um projeto comum.
Ressalta-se que o processo de capacitação é fundamental para o envolvimento dos
atores com seus processos de trabalho, e, para que a proposta do PSF seja de fato
estabelecida, deve ser estimulado e promovido pela gestão municipal.
O CD precisa ter claro o seu papel enquanto profissional do SUS e, para isso, é
necessária a readequação dos cursos de Odontologia e a contínua capacitação dos
profissionais (AERTS; ABEGG; CESA, 2004).
A expectativa de alguns sujeitos CDs é a de ampliarem seus conhecimentos acerca
da Saúde Coletiva, de esclarecerem suas dúvidas sobre o processo de trabalho e
sobre seus papéis no PSF através do curso de especialização em Saúde Coletiva
patrocinado pela instituição, iniciativa reconhecida de maneira positiva pelos
sujeitos.
Apesar de os discursos acima revelarem dificuldades de alguns sujeitos à inserção
no PSF, essa não foi a percepção de todos os entrevistados. Ao privilegiar
profissionais já atuantes no município, a gestão local apostou que os mesmos teriam
um perfil mais apropriado para atuarem no novo modelo de atenção.
De fato, alguns já tinham familiaridade com a prática de trabalho das ESF, o que, de
certa forma, fez com que percebessem a mudança de modelo como algo natural,
como um facilitador para a inserção.
87
DSC5
Foi uma coisa assim mais natural, foi fácil porque eu já trabalhava na
unidade que era PSF, só que a Odontologia não estava inserida. E eu
sempre participei muito da comunidade e dos grupos. Então, por exemplo,
todos os programas que o PSF fazia, eles convidavam o dentista para
participar. E a gente participava. Mesmo que o dentista ainda não tinha sido
aprovado no PSF. A gente vai se envolvendo com prefeitura, a gente viu
que estava tendo uma mudança de modelo na Odontologia, e a gente foi
caminhando para acompanhar essas mudanças. Porque você, querendo ou
não, já acaba participando, já está dentro daquele contexto e aí você acaba
fazendo PSF sem ser do PSF.
A vivência prévia no serviço público e a pós-graduação em Saúde Pública também
aparecem como importantes facilitadores à inserção dos sujeitos, como sugere o
DSC a seguir.
DSC6
Por ter feito Saúde Pública antes do PSF, a gente já tinha uma visão
diferenciada... Eu acho que foi bom. Na prefeitura, ampliei mais ainda esse
olhar, não é? Nós já estávamos no serviço público e nós já pensávamos de
outra forma, a gente já queria mais. Não dava só para tratar boca, tinha que
conhecer como aquela pessoa vivia. Não queríamos ficar só naquela
demanda e naquela parte terapêutica ali. Então, fui ampliando para outras
coisas, para a Saúde Coletiva, a partir do momento que eu entrei na
prefeitura.
O discurso anterior sugere que a vivência cotidiana no serviço municipal permitiu a
ampliação dos olhares sobre o processo saúde-doença-cuidado. Tal afirmação leva
a reportar Campos (2007) quando afirma que os sistemas de saúde podem
contribuir para a constituição do Sujeito. O autor coloca que
[...] a gestão e as práticas profissionais têm capacidade de modificar o
Sujeito e os padrões dominantes de subjetividade. Têm potencial
pedagógico e terapêutico, portanto. Seja para criar dependência e
impotência, seja para co-produzir autonomia, ampliando a capacidade de
análise e co-gestão das pessoas (CAMPOS, 2007, p. 15).
A formação especializada em Saúde Pública também aparece como ampliador dos
horizontes profissionais. É importante destacar que a formação tradicional do CD,
conforme já comentado, está centrada na racionalidade biomédica. Ribeiro (2002)
comenta que a maior parte dos processos de formação dos profissionais de saúde
remete alunos e professores a uma redução dos processos saúde-doença à sua
dimensão biológica, e do cuidado a medidas terapêuticas, não permitindo ao
88
profissional entender sua atuação como prática socialmente construída. A
importância da educação permanente em saúde (CECCIM, FEUERWERKER, 2004)
e da aproximação das universidades com os serviços locais de saúde e com a
comunidade (ALMEIDA, FEUERWERKER, LLANOS, 1999) vem se constituindo
como possibilidades de transformação das práticas cotidianas em saúde e de
ampliação da relação entre os usuários dos serviços, alunos, professores e
profissionais de saúde.
A formação dos profissionais de saúde exige continuidade e precisa promover o elo
entre o conhecimento científico e as humanidades, sobre a diretriz da integralidade.
Ceccim e Feuerwerker (2004) argumentam ainda que a formação deve permitir a
construção de espaços com capacidade de desenvolver a educação das equipes de
saúde, dos agentes sociais e de parceiros intersetoriais para uma saúde de melhor
qualidade.
Esses autores defendem a política da Educação Permanente do profissional, em seu
próprio lócus de trabalho, para uma maior apreensão da realidade cotidiana das
práticas.
[...] Enquanto a educação continuada aceita o acúmulo sistemático de
informações e o cenário de práticas como território de aplicação da teoria, a
educação permanente entende que o cenário de práticas informa e recria a
teoria necessária, recriando a própria prática (CECCIM, FEUERWERKER,
2004, p. 49).
A proposta da Educação permanente é a da educação no serviço, de operar as
necessidades de formação e qualificação a partir da problematização dos
processos de trabalho, a partir do enfrentamento dos problemas concretos de
cada equipe de saúde em seu território de atuação. Tornou-se dispositivo político
a partir da Portaria Ministerial 198/2004, posteriormente atualizada pela Portaria
n.º 1.996/2007, que regulamenta os Pólos de Educação Permanente em Saúde,
conhecidos na prática como “rodas”. Têm por objetivo implementar a integração
entre a gestão, as instituições de ensino, os órgãos de controle social e os
serviços de atenção representados pelos profissionais de saúde e suas práticas
(BRASIL, 2007b).
89
Ao se referirem às rodas – prática da Educação Permanente – foi possível perceber
uma contradição de opiniões entre os CDs. Muitos entrevistados afirmam que
participam e apreciam a iniciativa.
DSC7
Temos as rodas. Eu participo, normalmente reúne toda equipe. Todo mundo
dá a sua opinião, quem tiver um problema no setor a gente procura tentar
resolver entre nós, cada um dá uma idéia, vê qual é a melhor opção, às
vezes um assunto novo, a gente discute o assunto. Muita coisa que a gente
colocou lá na roda, a gente conseguiu, de melhorias. A roda é muito boa.
Todavia, alguns não se mostram interessados, desconhecem sobre a política e não
acreditam na proposta, o que pode ser percebido no DSC a seguir.
DSC8
As rodas de educação permanente... Nós temos as rodas? Essa roda, você
vai ver, é difícil... É um reclamando do outro, é uma roda de problema. É
chato... Não está levando a nada por enquanto... A gente conseguiu
algumas melhoras, mas a troco de muito desgaste.
Ceccim e Feuerwerker (2004) afirmam que a mudança só será possível quando
todas as instâncias estiverem comprometidas, em relações de poder igual. Para
isso, reconhecem o desafio de mudar o que está instituído tradicionalmente pelas
academias e pelos serviços de saúde.
Soma-se a isso o fato de que tanto a Odontologia quanto a Medicina seguem as
regras do Mercado. Para Narvai (2002) a Odontologia de Mercado é que confere
identidade às práticas hegemonicamente construídas, sob influência político-
ideológica do projeto de sociedade neoliberal. A prática fetichizada, voltada ao
consumo de serviços, sobretudo estéticos, influencia a crença dos profissionais, dos
usuários, enfim, da sociedade em geral, de que a Odontologia ideal é a que envolve
o máximo de complexidade tecnológica e, por consequência, alto custo financeiro.
O trabalho na saúde pública, quando segue as regras mercantilistas, perde sua
essência política mobilizadora, perde seu sentido de solidariedade e compromisso
social. Os papéis sociais dos sujeitos envolvidos com a Saúde Coletiva devem ser
90
continuamente reforçados, já que o neoliberalismo e a globalização
24
têm
influenciado as escolhas e o comportamento da sociedade, para o individualismo.
Enfim, a inserção no PSF representa para os CDs uma boa oportunidade de
trabalho e uma possibilidade de mudança nas práticas odontológicas. Ao se inserir,
o profissional encontra dificuldades em lidar com o novo e romper com a
racionalidade biomédica, passando a conviver com ambas as realidades,
dialogicamente. A formação específica na área da Saúde Pública e a vivência
prévia na esfera pública permitem aos CDs se enquadrarem no contexto de
mudança de forma mais natural. Na medida em que o profissional avança para o
dia-a-dia da prática, reconhece o desconhecimento inicial sobre como atuar na
nova proposta, porém percebe a capacitação própria e de toda a equipe como
imprescindível à sua atuação profissional cotidiana e para a apreensão de seus
papéis no novo modelo de atenção.
5.3.2 A atuação profissional cotidiana do CD no PSF
O Quadro 3 a seguir mostra uma síntese das ICs, das ACs possíveis de serem
identificadas pelo pesquisador e das perguntas do roteiro de entrevista referentes ao
Tema 2, bem como os sub-temas apreendidos no corpus dos dados.
As atribuições dos CDs e dos demais integrantes da ESB são estabelecidas através
da Portaria n.º 267, de 6 de março de 2001, posteriormente revogada pela Portaria
648, de 26 de março de 2006 (BRASIL, 2001a). Tal documento elenca as funções
comuns a toda a equipe e as específicas a cada profissional.
Tomando por base os conceitos de “núcleo e campo”, desenvolvidos por Campos
(2000), núcleo seriam os saberes e a prática profissional específicos a uma área,
enquanto campo seria um espaço onde cada disciplina e profissão buscariam em
outras apoio para cumprir suas tarefas teóricas e práticas.
24
Para maior aprofundamento sobre os temas – globalização e modernidade – consultar:
GIDDENS, A. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
GIDDENS, A. Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo em nós. 3 ed. Rio
de Janeiro: Record, 2003.
91
Tema 2- A atuação
profissional cotidiana do CD
no PSF
Fale sobre o dia-a-dia de sua
prática. Fale das atividades
extra-clínicas. Como você vê
seu trabalho enquanto membro
de uma equipe? Fale sobre a
referência para as
especialidades
Idéias-centrais (IC) e/ou Ancoragens (AC) e Discursos
do Sujeito Coletivo (DSC) correspondentes
Sub-temas
Atividades realizadas
Atividades clínicas (DSC9)
Atividades educativas no escovário (DSC10)
Atividades educativas nas escolas junto à THD (DSC11)
Atividades educativas com os grupos-alvo e visitas
domiciliares (DSC12)
Reuniões de equipe e rodas de educação permanente
(DSC13)
Participação nas
atividades.
Participa de todas as atividades de maneira integral
(DSC14)
Participa pouco das atividades coletivas devido à grande
demanda por cura e à falta de RH (DSC15)
Participa pouco devido às urgências (DSC16)
Não participa de atividades coletivas porque trabalha no
PSF como num Pronto Atendimento- AC (DSC17)
Não há participação plena nas atividades por cobrança de
produção (DSC19)
Participa de tudo e há pouca urgência (DSC18)
Participa das visitas, mas não entende sua finalidade
(DSC20)
Participa das visitas, pois são importantes, mas prefere
delegá-las aos ACS e THD (DSC21)
Participa de educação coletiva, porém esta função é da
THD (DSC22)
O trabalho em equipe
O trabalho em equipe não se efetiva (DSC23)
A estrutura física é inapropriada para as reuniões (DSC24)
A rotatividade de profissionais prejudica o trabalho em
equipe (DSC25)
O entrosamento entre profissionais é difícil (DSC26)
Há bom entrosamento para fins de intervenção clínica
(DSC27)
Os demais profissionais vêem a saúde bucal como
especialidade – AC (DSC28)
O próprio CD vê a saúde bucal como especialidade
(DSC29)
O isolamento do dentista prejudica o trabalho em equipe-
AC (DSC30)
Realiza planejamento em conjunto (DSC31)
Há relação interdisciplinar (DSC32)
Realiza trabalho intersetorial e mobilização na comunidade
(DSC33)
A referência para as
especialidades
O Centro de Especialidades é um avanço, mas a referência
é muito lenta (DSC34)
A falta de reabilitação protética é um contratempo da
política nacional de saúde bucal (DSC35)
Quadro 3. Síntese das IC e/ou AC do tema: a atuação profissional cotidiana do CD no PSF
92
Campos (2000) complementa que o conceito de “núcleo” mantém parte da tradição
disciplinar, mas de modo que haja um espaço de compartilhamento para um
“campo” interdisciplinar. Segundo o autor, essa diferenciação do núcleo faz-se
necessária na Saúde Coletiva para que seja possível definir responsabilidades
científicas e políticas de cada área.
Dessa forma, ao núcleo de ação do CD especificamente cabem atividades clínicas,
ações de coordenação como supervisão do ACD e do THD e capacitação das ESB,
ações educativas/preventivas e de encaminhamentos, como referência para
especialidades, laudos, levantamentos epidemiológicos e registros no Sistema de
Informação da Atenção Básica (SIAB) (BRASIL, 2001a; BRASIL, 2006b).
Em conjunto com os demais membros da ESB e das ESF cabem as atividades
interdisciplinares de planejamento, acompanhamento e avaliação das ações
desenvolvidas no território de abrangência das USF, de educação coletiva, visitas
domiciliares e ações intersetoriais (BRASIL, 2006b).
É importante destacar que para um profissional da Saúde Coletiva, um sanitarista, o
objeto, os meios e a atividade do trabalho devem estar voltados para as
necessidades de saúde da população. A esse respeito, Paim (2002) argumenta que
o objeto da prática em Saúde Coletiva são as necessidades sociais de saúde,
assumidas individual e socialmente, enquanto os meios de trabalho, que são os
instrumentos e saberes inerentes às Ciências Sociais, à Epidemiologia, à clínica, e
também à própria organização do trabalho em saúde, precisam dar conta do caráter
coletivo do objeto, de modo que os serviços estejam organizados segundo uma
dimensão positiva da saúde.
Ao descreverem seu cotidiano de trabalho no PSF, os sujeitos relatam que há
priorização da clínica sobre as demais atividades. Dentre as atividades realizadas,
fazem atividades clínicas básicas.
DSC 9
A gente faz profilaxia, dentística, periodontia básica e exodontia simples;
nós fazemos também urgência, pulpotomia e pulpectomia. Havendo
necessidade de exodontia cirúrgica, cirurgia periodontal, endodontia para
93
dente permanente (quando esse dente pode ser restaurado aqui na própria
rede), a gente encaminha para um apoio de especialidades, na US Vitória.
As atividades educativas são realizadas tanto no “escovário” da Unidade de Saúde,
individualmente, quanto extra-muros, como nas escolas, feitas em conjunto com a
THD, e em conjunto com os demais membros das ESF, para os grupos-alvo
priorizados pelo Programa.
É importante destacar que as atividades de Educação em Saúde na Odontologia
têm tradicionalmente um caráter bastante prescritivo e disciplinador. A “escovação
supervisionada” ainda é comum, e faz parte do cotidiano de trabalho do CD, que
descreve as atividades de Educação em Saúde realizadas no “escovário”.
DSC10
Aqui, as ações educativas são feitas no escovário. Então, todo o paciente
que vai para a cadeira, passa pelo escovário. Ele escova, faz controle de
placa e as meninas orientam. Não sei se você reparou o cartaz ali: ‘favor
trazer a escova de dentes’. Além disso, a gente tem também a produção do
escovário.
A esse respeito, Campos (2007) defende que a adesão dos sujeitos usuários às
atividades de intervenção em saúde depende da postura da prática profissional
realizada, de modo a ampliar a capacidade desse usuário de se sentir valorizado. O
autor argumenta:
[...] A ênfase no tratamento supervisionado não indicaria, da parte do
discurso sanitário, uma tendência para infantilizar as pessoas? Por que não
investir, durante o tratamento supervisionado, na reconstrução da cidadania
e subjetividade desses pacientes com dificuldade para defender a própria
vida? (CAMPOS, 2007 p.15).
De fato, o papel do CD na atenção básica deveria ser direcionado para o
fortalecimento de ações de promoção da saúde, de modo a auxiliar as pessoas a se
capacitarem na busca de sua qualidade de vida e da coletividade (SHEIHAM;
MOYSES, 2000; AERTS; ABEGG; CESA, 2004).
Alves (2005), tomando por referencial o princípio da integralidade em saúde,
defende uma perspectiva dialógica de Educação em Saúde para o PSF, mediante a
qual a prática educativa transforma saberes e não apenas informa, e visa o
94
desenvolvimento da autonomia e da responsabilidade dos indivíduos no cuidado
com a saúde, não pela imposição de um saber técnico, mas sim pelo
desenvolvimento da compreensão de sua situação de saúde.
Segundo Moysés e Watt (2000), a Odontologia Preventiva apresenta limitações
porque tem foco individualista. Além disso, reduz a explicação do processo saúde-
doença segundo um conceito cartesiano, isolando a saúde bucal da saúde geral,
como se o fornecimento de informações fosse suficiente para a mudança de
comportamento do indivíduo. Os autores ressaltam a importância de políticas
públicas saudáveis por parte do Estado e o desenvolvimento de ações intersetoriais
na Odontologia, para ser possível promover saúde.
Atividades intersetoriais vêm sendo realizadas nas escolas, em conjunto com a THD,
e fazem parte do rol de ações do Programa Sorria Vitória, criado em 1999, o qual
visa desenvolver atividades preventivo-promocionais de saúde bucal em crianças
em idade escolar, articulando os setores da educação e da saúde bucal.
DSC11
A THD é nossa ponte direta com a escola. No início do ano vai o dentista, o
THD, o ACD e algum ACS para fazer as visitas nas escolas que são todas
aquelas atividades, entrega dos insumos, escova e creme dental, revelação
de placa bacteriana, escovação orientada e aplicação de fluorgel nas
escovas, mais o exame para o levantamento de necessidade. Nessa
primeira reunião, a gente participa de todas as atividades mais o
levantamento de necessidades, quando a gente faz os exames, e aqueles
que estão necessitando de tratamento a gente encaminha para cá. E
depois disso, a gente já tem o levantamento feito, aí é uma técnica que vai
com um ACD ou com um agente, pra fazer as outras atividades.
As atividades de Educação em Saúde são também realizadas para os grupos-alvo,
em conjunto com os demais membros da equipe, e também durante as visitas
domiciliares.
95
DSC 12
Tem ação que a gente participa junto com a equipe para fazer as
orientações, como o programa de bebês, de hipertensos, diabéticos... Fora
as reuniões que acontecem na comunidade, dentro desse público que é o
alvo, o grupo prioritário. Geralmente quando fazemos essas ações, a gente
nem faz dentro da unidade, reserva um espaço na escola, um auditório, aí a
gente já leva a agenda também. E tem também a visita domiciliar.
As reuniões de equipe e as rodas de educação permanente também fazem parte do
rol de atividades cotidianas do CD.
DSC 13
A gente tem reunião de equipe, reunião de planejamento. Existem também
as reuniões que chamamos de roda. A gente tem participado, mas de uma
forma menor até do que nós gostaríamos. Nós estamos fazendo de uma
forma ainda tímida, digamos assim.
De acordo com o princípio da integralidade, o PSF deve ofertar atenção curativa e
reabilitadora sem, contudo, descuidar da assistência promocional e preventiva.
Porém, ao descreverem sua participação nas atividades que exigem do dentista sair
da clínica, ou como dizem “sair da cadeira”, fica claro que não há homogeneidade
entre os CDs no desenvolvimento das mesmas. Uns realizam mais, outros menos.
Alguns sujeitos afirmam conseguir realizar as atividades coletivas de maneira regular
e articulada com as atividades clínicas, de maneira interdisciplinar e integral,
apontando para a ampliação do campo de atuação do profissional.
DSC 14
A gente participa das reuniões da equipe, muitas ações são realizadas por
nós dentistas e estão vinculadas com as ações dos médicos, por exemplo,
diabéticos, hipertensos... Tem ação que a gente participa junto, mas na
verdade, você participa de tudo. Eu participo do programa de saúde mental,
do programa de assistente social, bolsa família, sabe? Eles te chamam. A
gente ainda tem as rodas de educação permanente em que reúne um grupo
de pessoas da unidade, independente da formação, e, a gente faz tipo uma
tempestade de idéias sobre os problemas, e em cima de um nó critico, a
gente procura tentar resolver, cada um dá uma idéia, vê qual é a melhor
opção, às vezes a gente discute um assunto novo. É muito bom.
96
Todavia, essa não é a realidade de certos entrevistados, que dizem sair pouco da
cadeira.
As ações educativas nas escolas são praticamente realizadas pela THD. O CD vai
apenas ao início do ano, junto com a THD e ACD para realização do levantamento
de necessidades, conforme aponta o DSC 11 anterior.
As ações coletivas com os grupos prioritários na comunidade são feitas de forma
ainda tímida e, nas situações em que o CD diz realizá-las, parece haver certa
passividade do dentista, que vê a necessidade de “ser chamado” pelo médico ou
pelo enfermeiro para participar de tais atividades.
Com relação à participação dos sujeitos nas reuniões de equipe e nas visitas
domiciliares, foi possível verificar uma freqüência mais variada de realização das
mesmas. Dos quatorze CDs entrevistados, um relatou não participar das reuniões de
equipe, cinco afirmam participar pouco e oito dos entrevistados dizem participar das
reuniões semanalmente, ou de quinze em quinze dias.
Com relação às visitas domiciliares, três CDs entrevistados afirmaram não realizá-
las, oito afirmaram fazer esporadicamente, quando requisitados e apenas três
sujeitos relataram realizar visitas rotineiramente, de quinze em quinze dias ou
semanalmente.
Na verdade, a maioria dos discursos demonstra que os CDs participam pouco das
reuniões de equipe e das atividades coletivas/educativas porque encontram
dificuldades para “sair da cadeira” devido à grande demanda por cura, acumulada
pela histórica baixa acessibilidade aos serviços de saúde bucal, e também devido à
falta de recursos humanos.
DSC15
O dentista tem muita dificuldade de sair da cadeira, por mais que não
queira, porque a procura é muito grande! E a gente não dá muito conta não,
algumas pessoas vão ficar de fora. Todo mundo tem a agenda pesada e
trabalha com muita gente. E aqui, a população utiliza muito a unidade de
saúde. Então é uma coisa louca, porque a pessoa é atendida hoje, e vai ser
atendida novamente em meses. É uma questão que a gente fica angustiada
(o), mas não tem uma solução em curto prazo. E fica complicado porque a
97
gente faz bastante coisa, mas a maior parte é clínica não é? E nós
trabalhamos muito na questão de pronto-atendimento por causa da
demanda altíssima, tanto pela característica do bairro, como também pela
falta de Recursos Humanos. Infelizmente, aqui a gente vê o seguinte: as
reuniões são muitas, porque você trabalha com várias equipes para cada
dentista, então, a gente não consegue sair do consultório. Por exemplo, ali
na porta tem um monte de gente reclamando que está com dor e com
necessidades curadoras, e fala: cadê o dentista? Ou eu fico fazendo
reunião, ou eu atendo o povo. Eu acho mais importante atender o povo. A
reunião depois eles me passam aí o que foi falado. Então é complicado!
Essa é uma reflexão que você tem que fazer todos os dias. Você não vai à
reunião e você acaba atendendo porque a pressão é maior do que a
reunião. Então, a gente tem feito reuniões de equipe, a gente participa de
reuniões de hipertensos, diabéticos, mas ainda não deu tempo de botar
essa parte educativa mais efetiva, não é? Mas a gente vai fazendo como
pode. Às vezes a gente até brinca que aqui a gente não faz PSF, a gente
faz é carga horária não é? Porque a gente só trabalha mesmo atendendo,
atendendo...
Pode-se entender por esse DSC que em certos territórios as ações coletivas e em
equipe são feitas de forma tímida e desarticulada, o que corrobora para que o CD
atue em seu cotidiano de trabalho no PSF de maneira conflituosa, tendo que optar
entre “atender os usuários individualmente ou “sair da cadeira” e fazer atividades
coletivas, quando acabam “atendendo porque a pressão (da demanda) é maior”.
A alta demanda reprimida por serviços curativos ficou evidenciada com os
resultados do levantamento nacional de saúde bucal realizado em 2003, os quais
demonstraram altos índices de CPO-D para a população, caracterizada por alta
porcentagem de perdas dentárias, apesar da redução nos valores do índice para
2,78 aos doze anos, alcançando a meta da OMS para esta faixa etária. Através do
levantamento é perceptível o alto índice de edentulismo na população brasileira, o
qual não teve uma redução significativa: a proporção de dentes perdidos entre
adultos ficou em 65,7% (BRASIL, 2004c).
Segundo Narvai et al. (2006), a ampliação da cobertura dos serviços odontológicos,
decorrente da descentralização do sistema de saúde brasileiro e dos investimentos
no setor e maior disponibilidade de recursos odontológicos, não foi suficiente para
alterar significativamente o padrão de composição do índice CPO-D. Com relação ao
componente “C” do índice, relativo aos dentes cariados, à medida que aumenta a
idade, este decresce, e aumenta o predomínio do componente “P”, relativo aos
dentes perdidos. Segundo o SB Brasil (2004c), o componente “P” do índice, na faixa
etária de 35 a 44 anos, perfaz uma porcentagem de 65,72% e na faixa etária de 65 a
74, o componente “P” perfaz 92,25% do índice, o que pode ser reflexo do acesso
98
restrito desses grupos populacionais aos serviços e uma herança de um modelo
assistencial centrado em práticas curativas e mutiladoras.
A prioridade dos serviços públicos odontológicos esteve historicamente focalizada
no atendimento a escolares, prática adotada por várias programações em saúde
bucal, oferecendo pouca possibilidade de acesso do adolescente, do adulto e do
idoso aos serviços de saúde bucal. Tal fato contribuiu para que essa população
tivesse maior possibilidade de acesso aos serviços de urgência odontológica, que
quase sempre se restringem às extrações dentárias, o que pode explicar o avanço
da mutilação dentária precoce, já que essa população geralmente tem necessidades
complexas de tratamento, que não são atendidas somente pela atenção básica
(MANFREDINI, 2003; VARGAS; PAIXÃO, 2005).
Através do modelo proposto pelo PSF tenta-se ampliar o acesso aos serviços de
saúde bucal, porém, no dia-a-dia do serviço, o CD se depara com tal demanda
reprimida, o que prejudica a organização programada da assistência.
Outra limitação para o trabalho cotidiano do CD, demonstrada pelo DSC15, é a falta
de Recursos Humanos e a desproporção entre ESB e ESF, o que faz com que, em
alguns territórios, a população adstrita seja muito grande e a demanda espontânea
muito alta, impossibilitando a organização de seus processos de trabalho, conforme
preconizado pelo PSF. Além disso, o trabalho em equipe fica comprometido, já que
os CDs acabam não participando, de forma efetiva, das reuniões de equipe, nem
das rodas de educação permanente, por trabalharem com muitas equipes para cada
dentista
.
Foi constatado que dos quatorze CDs entrevistados, apenas dois estavam numa
relação ideal de uma Equipe de Saúde Bucal para uma ESF, em que o dentista era
responsável por apenas um território de saúde e interagia com uma ESF. Os demais
estavam em relações desiguais: um CD trabalhava numa relação de uma ESF e
meia, oito sujeitos estavam numa relação de uma ESB para duas ESF, um CD
trabalhava com duas equipes e meia de saúde da família, um CD estava associado
a três ESF e um CD estava relacionado a quatro ESF, prejudicando sobremaneira a
organização de suas práticas.
99
Apesar de institucionalmente já ser admitida a relação de uma ESB para uma ESF,
essa proporção “ideal” não é obrigatória, ficando a critério do gestor municipal, o que
é motivo de críticas (DIAS, 2006; SANTOS; ASSIS, 2006).
O discurso também aponta para o fato de que, em determinados territórios, a
demanda por atendimento clínico é maior, sugerindo o contexto de desigualdade em
saúde no município de Vitória. É importante salientar que naqueles locais em que o
PSF foi implantado recentemente, há pouco mais de um ano, o processo de trabalho
está em fase de organização, bem como a programação da demanda.
O quadro de desigualdade em saúde bucal no Brasil pode ser observado através do
fenômeno da polarização da cárie dental, problema bucal mais prevalente nas
populações. Com a polarização, ocorre a redução heterogênea da doença entre a
população brasileira, de modo que há concentração de casos e necessidades de
tratamento em certos grupos de indivíduos (FRAZÃO, 2003; NARVAI et al., 2006).
O levantamento SB Brasil mostrou também diferenças regionais tanto nos índices
CPO-D quanto no padrão de acessibilidade aos serviços de saúde bucal, em que os
piores valores foram encontrados na região Nordeste (BRASIL, 2004c). Segundo
Narvai et al. (2006), a polarização pode estar refletindo tanto as medidas de
prevenção e controle da enfermidade embasadas na estratégia populacional, como
as medidas de fluoração, quanto outro fenômeno: o da iniqüidade e das diferenças
de ordem social, que desafiam o Estado e a sociedade no Brasil.
Outro aspecto importante que dificulta para o CD realizar atividades educativas e
preventivas é o grande número de usuários com necessidades de urgência, o que
compromete a resolubilidade do serviço e dificulta a organização do atendimento.
DSC 16
É muita urgência batendo na porta, e a gente não consegue nem atender o
pessoal que está agendado direito. A gente faz um procedimento mais
rápido desse paciente que está lá agendado, para conseguir atender essa
urgência. A gente deixa de fazer um procedimento, às vezes uma obturação
mais trabalhosa, que ia durar mais tempo, e faz uma coisa mais simples,
para atender aquele paciente que está com dor, abscesso, e isso aí, às
vezes atrapalha, porque a gente programa para fazer uma coisa, e tem que
fazer outra. E infelizmente, a gente tem que trabalhar de acordo com a
movimentação.
100
Tal quadro também pode ser explicado pela demanda reprimida acumulada. A esse
respeito, alguns CDs, em função da grande procura por urgências e da
desorganização da demanda por assistência, referem-se ao seu trabalho no PSF
como pronto-atendimento, por não darem conta de incorporar as ações educativas
em seus processos de trabalho, o que causa bastante descontentamento com suas
práticas no Programa.
DSC 17
A gente está atendendo praticamente como PA. Entendeu? Agora que nós
estamos programando marcações na agenda por grupos. Na unidade em
que eu estou não tem reunião de equipe, uma vez ou outra o médico faz
reunião, mas os nossos nunca entram. O que eu faço é atendimento. E
ainda não consegui fazer visita. Então, eu tenho dificuldade, porque o PSF
ainda não é aquilo que eu esperava que fosse.
Corroborando com o DSC anterior, uma pesquisa realizada entre 106 CDs de ESF
no Ceará mostrou certo descrédito dos mesmos com relação ao PSF. Um índice alto
de 85% crê que suas ações são realizadas apenas parcialmente, segundo o que
preconiza o PSF, enquanto quase 10% assumem que suas ações reproduzem
modelos tradicionais de assistência que contrapõem os princípios do SUS (DIAS;
REGO, 2004).
Em contrapartida aos discursos anteriores, observou-se que em alguns territórios
menores, em que há melhor relação de ESB para ESF, essa não é a realidade
observada pelo sujeito que participa de tudo e atende poucas urgências.
DSC 18
Olha... no nosso território aqui, hoje em dia, a gente participa de tudo, e nós
fazemos pouquíssimas exodontias... tem pessoas que vêm pra exames de
rotina mesmo, mas você vê que já não tem nada.
Visto que as atividades realizadas em campo não dependem unicamente do
profissional, nem tampouco apenas da necessidade da população, é importante
fazer uma ressalva quanto ao que é formalizado pela instância central e pelas
coordenações de saúde bucal.
101
Por exemplo, com relação ao arcabouço jurídico, as portarias que regulamentam a
atuação do CD não são muito claras quanto ao seu papel no PSF e o tempo que o
profissional deve se dedicar à clínica. A Diretriz Nacional de Saúde Bucal diz que o
tempo clínico do CD deve ocupar 75 a 85% de seu tempo total de trabalho (BRASIL,
2004a). Além disso, as metas que os municípios devem atingir são pactuadas e
financiadas de acordo com a produtividade, o que reflete contradições dentro da
própria regulamentação do Programa, que por um lado é tomado como estratégia
modificadora e, por outro, reproduz práticas procedimento-centradas. Tal fato é
percebido por alguns sujeitos como limitador à realização plena das atividades
segundo a proposta do PSF.
DSC 19
As pessoas estavam acostumadas com o dentista dentro do consultório,
então eles não queriam o dentista fazendo visita, fazendo programas. Eles
querem um dentista na cadeira. A própria população e os próprios
funcionários da unidade de saúde. Porque é muito difícil, eles acham assim,
quando você está fazendo um programa, tipo escovação ou uma palestra,
você está enrolando, você não está atendendo. Na verdade, a Prefeitura
não quer a gente fazendo isso. Então a gente teve dificuldade. Por isso a
gente tem que atender, para depois sair e fazer outras atividades. Na
realidade, aqui, a cadeira absorve praticamente 100%. Ainda mais que a
gente tem uma produção. Na nossa programação, nós começamos fazendo
visitas, algumas atividades educativas também, mas meio que dificultou
assim, porque ficavam cobrando muito produção, e, acaba que você quer
implantar um programa que é cheio de coisas boas e tem que ficar só na
clínica, não é? Também, lá era uma demanda muito grande batendo na
porta direto, e por isso, cobravam de eu ficar muito na cadeira. Por
exemplo, agora, o nosso indicador do Ministério da Saúde de primeira
consulta deu uma caída, porque a população aqui é muito grande. Então a
gente está mais na cadeira, para ver se dá uma melhorada nesse indicador.
O discurso anterior também demonstra a legitimação do CD junto à população e os
demais profissionais de saúde através de clínica, de procedimentos. Ou seja, o
dentista é reconhecido pela sociedade como um curador, não como um promotor de
saúde.
Rocha (2005), em estudo realizado em Sobral-CE sobre a interação do CD do PSF
com a comunidade, observou que os usuários ainda vêem as atividades desses
profissionais como meramente curativas, e os CDs percebem essa representação
popular como uma dificuldade para a reorientação das práticas de saúde bucal.
102
Em estudo de representação social de usuários de serviços de saúde bucal, sobre a
imagem do CD, foi demonstrado que os sujeitos associavam a figura do profissional
ao uso de instrumentais, ao tratamento dentário e às sensações de medo e dor
(CRUZ et al., 1997).
Ferreira e Alves (2006), buscando encontrar os sentidos produzidos por usuários de
serviços de saúde sobre a boca, encontraram que a saúde da boca é representada
principalmente por aspectos biológicos e a colocação de próteses é vista como
forma de reinserção social.
Sendo assim, a “cadeira” é o lócus de identidade do CD. A cadeira, um
equipamento, a tecnologia dura, o trabalho morto, o atendimento curativo. Alguns
CDs também se identificam profissionalmente através do atendimento curativo,
como aponta alguns discursos dos próprios CDs quando afirmam não entender a
finalidade de realizar visitas domiciliares.
DSC 20
Até hoje eu não sei a finalidade da visita odontológica. Nós estamos aqui
para atender... Alguns casos são importantes, mas eu não entendi muito
bem não. Porque a gente é dentista, não é? E a gente pode fazer promoção
na cadeira também.
A realização ou não de visitas domiciliares pelo CD é um ponto de contradições na
própria literatura e nas portarias. A visita domiciliar pode ser vista como um dos
pilares do PSF, por proporcionar o acesso à atenção em saúde aos impossibilitados
de se locomover e por propiciar uma maior aproximação do profissional com a
realidade da comunidade em que está inserido, facilitando a formação de vínculo
com as famílias e ampliação do olhar sobre as questões de seu território.
Porém, como vimos anteriormente, apenas três CDs realizam as visitas
rotineiramente. A grande maioria as realiza esporadicamente, apenas quando
requisitados. A esse respeito, os sujeitos reconhecem a importância das visitas, mas
preferem delegá-las aos agentes comunitários e THD, restringindo suas saídas
apenas naqueles casos de extrema necessidade.
103
DSC 21
Eu acho importante, é uma coisa boa, porque quem é acamado mesmo, ele
não tem acesso à gente, nunca. E às vezes uma visita resolve um problema
seriíssimo. E também uma orientação que um dentista dá, um enfermeiro,
um auxiliar de enfermagem, um médico, muda até o estilo de vida da
pessoa. Agora, cada caso é específico, e você tem que ter esse olhar crítico
de saber se vale a pena, se realmente tem necessidade da minha presença,
porque se é uma coisa que eu possa ir lá e ser resolutivo, eu vou sim. Às
vezes existem pessoas que querem orientação de higiene, um acamado,
então nós solicitamos a THD. Também o agente de saúde pode estar indo
lá, a atendente de consultório. Agora, o mais importante, você manda a
THD, ela faz uma triagem daquilo que você precisa e você então depois vai
e faz todo o trabalho. Porque também você não pode ficar se ausentando
da cadeira demais pra fazer outras coisas, e deixar de atender muita gente
aqui. Mas você tem que fazer a visita sim.
A esse respeito, Manfredini (2006) defende a delegação das atividades coletivas aos
auxiliares e técnicos dentários, devido à dificuldade de acesso da população aos
serviços de saúde bucal. O autor coloca que o CD não deve ser deslocado
sucessivamente para execução das ações coletivas que caberiam aos ACS, ACD e
THD. Ao CD caberia organizar tais atividades e supervisioná-las.
No entanto, foi possível observar que poucos CDs relataram coordenar tais
atividades que, na maioria das vezes, são realizadas nas escolas de maneira
fragmentada pelas THDs que, em número pequeno, acabam assumindo tudo o que
diz respeito ao “Programa Sorria Vitória”. Este acaba sendo uma ação paralela e não
muito bem articulada com as demais ações coletivas, apesar da maioria dos CDs
aceitar bem a presença da THD na equipe.
Todavia, um DSC aponta para a presença da THD na equipe, como perda de
espaço do exercício profissional para o CD. Como se qualquer procedimento a ser
realizado “na cadeira” fosse privilégio apenas do CD e que à THD caberia a
educação coletiva. Tal postura compromete o trabalho em equipe, conforme sugere
o discurso seguinte.
DSC 22
Eu acho que tem uns profissionais que deixam a THD fazer profilaxia, assim
o mais básico. Mas, eu acho que não tem necessidade para isso. THD a
função dela seria a educação coletiva.
104
Com relação ao trabalho em equipe multiprofissional, base estruturante do PSF, é
importante que se faça algumas considerações. O PSF iniciou em 1994 contando
apenas com médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes
comunitários de saúde. A equipe de saúde bucal foi inserida oficialmente em 2000,
como uma equipe separada, devendo ser integrada à ESF. Portanto, a inserção da
saúde bucal foi institucionalmente fragmentada desde sua concepção.
O trabalho em equipe é entendido como a participação de todos os integrantes na
construção de projetos comuns, através da interação comunicativa entre os
trabalhadores, independente de terem diferentes formações (FORTUNA et al., 2005;
GOMES; PINHEIRO; GUIZARDI, 2005; SCHRAIBER et al., 1999).
Na verdade, o trabalho em equipes de saúde refere-se muito mais a uma interação
em rede entre pessoas, rede de relações de poderes, saberes, afetos, interesses e
desejos. Trabalhar em equipe equivale a se relacionar (FORTUNA et al., 2005).
Porém, a mera justaposição de ações e de recursos humanos de áreas profissionais
diferentes, nos mesmos locais de trabalho, não garante a produção de cuidado na
perspectiva de uma atenção integral (PAIM, 1999; SCHRAIBER et al., 1999).
No cenário estudado foi possível apreender que a maioria dos CDs está associada a
duas ou mais equipes de saúde da família, o que torna a integração interdisciplinar
entre os profissionais bastante limitada de ser realizada. Tal quadro, aliado à grande
demanda por atendimentos clínicos, faz com que alguns sujeitos percebam que, na
prática, o trabalho em equipe não se efetiva.
DSC 23
Não é fácil fazer as coisas, é difícil, porque você não tem uma equipe só.
Não dá! Em uma equipe, eu me considero bem inserida (o). As outras
equipes, eu estou mais no apoio, porque você não pode ficar três vezes por
semana sem atendimento, de tarde ou de manhã. E você tem que pensar
que cada equipe geralmente tem 4 micro-áreas ou 5, e são 4 ou 5 agentes
diferentes. Então não adianta você pensar que vai dar conta disso porque
você não vai dar. O dentista tem muita demanda, agora, às vezes, o médico
também está tão cheio de pacientes que nem ele consegue fazer PSF, não
é? Então se o médico não consegue fazer PSF, a gente não consegue
interagir com ele, nem com a enfermeira. Então eu acho que ainda é
complicado.
105
Alguns sujeitos relatam que nas unidades onde atuam a estrutura física é
inapropriada para a realização das reuniões de equipe.
DSC 24
Aqui não tem nem lugar pra fazer reunião. Existem casos em que a reunião
é feita na sala de espera, ali.
Outro fator que limita a interação entre os participantes da equipe é a alta
rotatividade de profissionais das demais áreas. O relato do DSC a seguir demonstra
que, até recentemente, apenas o CD possuía vínculo empregatício efetivo com o
município. Muitos profissionais, principalmente os auxiliares de consultório dentário e
os médicos, ainda têm contratos temporários de trabalho, o que prejudica a
constituição da equipe, a interatividade entre os atores e a construção de vínculo
com as famílias.
DCS 25
Nós passamos por uma fase difícil porque tinha muita rotatividade de
profissionais, principalmente de enfermeiros, de auxiliar de enfermagem,
médicos, então, faltava funcionário porque eram todos contratados, e
quando você começava a fazer as coisas, às vezes no final de contrato,
logo tinha que parar, e as ações não aconteciam... Os únicos efetivos aqui
eram os dentistas. Mas hoje, já está entrando um pessoal efetivo. As
atendentes agora também estão sendo concursadas, então a gente já está
fazendo um trabalho melhor. Acredito que se a pessoa é efetiva né, ela tem
um vínculo maior, ela sabe que não vai sair daí a seis meses, e o contrato
não vai acabar. Então, eu acho que esse ano vai melhorar.
A precariedade das relações de trabalho entre os profissionais das equipes de PSF
não só prejudica a construção de vínculo entre os profissionais e a comunidade,
como também prejudica o comprometimento individual com o projeto institucional.
A esse respeito, Campos (2007) afirma que é fundamental que haja um modelo de
gestão que reconstrua o encantamento dos profissionais com o exercício da própria
profissão, o que implica educação continuada e valorização do fator humano em
saúde. Onocko (2007) reforça essa idéia dizendo que cabe à gestão criar e instituir
espaços nos quais possa experimentar a valorização dos profissionais e a tomada
106
de decisões coletivas, que se oponham às abordagens clássicas da gestão como a
disciplina do controle, amarradas ao exercício do poder sobre as ações dos outros.
Um discurso apontou para dificuldade de entrosamento da equipe, devido à “falta de
vontade” dos colegas em interagir, em construir um projeto assistencial comum.
DSC26
O Trabalho em equipe eu acho que... que não existe. É um querendo fazer
mais... Passar por cima do outro, um à toa e deixa tudo nas costas do outro.
Às vezes a gente quer fazer e a outra pessoa não faz: “ah, isso aqui eu não
vou fazer”, entendeu? Tem dificuldade ainda de fazer as coisas... E essa
relação com a equipe, esse entrosamento de colegas, é muito difícil. É
complicado porque nem todo mundo está a fim de arregaçar as mangas.
Porque para fazer isso, tem que arregaçar as mangas mesmo. Tem que ir
buscar, tem que tentar. Tem que ter tempo para organizar e a gente não
tem isso.
Fica claro pelo discurso apresentado que alguns trabalhadores sentem-se
descompromissados com seus processos de trabalho. O próprio discurso revela a
necessidade de os trabalhadores serem ativos, de se verem protagonistas de seus
processos de trabalho, co-gestores e co-responsáveis pelo cuidado final com o
usuário, mas para isso ocorrer eles precisam “ter tempo para organizar” o que
sugere a necessidade de colaboração também no nível da gestão, da organização
do trabalho.
Por isso, Gomes, Pinheiro e Guizardi (2005) defendem a metáfora da orquestração,
do agir em concerto, para o trabalho em equipe, de modo que haja respeito entre as
especificidades e a noção de responsabilidade de cada profissional, de modo que o
trabalho em saúde não se restrinja ao fazer de nenhum trabalhador especificamente,
mas que englobe a harmonização de todos para a produção do cuidado. O discurso
anterior mostra que entre algumas equipes não há esse compartilhamento das
responsabilidades, não há um comprometimento de todos os trabalhadores com
vistas a um projeto comum.
Conforme argumenta Campos (1997), ainda que a equipe multiprofissional seja
considerada como solução para a fragmentação do trabalho e para a
desresponsabilização conseqüente da excessiva especialização dos profissionais, a
107
simples normatização e implementação das equipes não garante que se alcance tal
objetivo. Para o autor, há necessidade de superar os modelos de trabalho em equipe
em que há normatização das atividades sob protocolos que tendem a fazer com que
cada trabalhador se restrinja por fazer apenas o que é de sua área técnica. Por outro
lado, o modelo que se baseia na responsabilidade coletiva pelo trabalho, como se
todos fizessem tudo e ninguém fosse responsável pessoalmente por nada em
particular, também não garante o trabalho em equipe.
Bonaldi et al. (2007) colocam que a percepção de que os diferentes trabalhadores
são fundamentais para a realização do serviço reforça a noção de pertencimento à
equipe, o que produz uma forma de comprometimento que rompe com seu campo
de atuação específico, superando a desresponsabilização, de modo que o sucesso e
o fracasso passam a ser responsabilidade da equipe e não dos profissionais
individualmente.
Dessa forma, existe uma relação entre o grau de envolvimento do membro da
equipe com o trabalho e reconhecimento de sua responsabilidade sobre o resultado
final, com o sentimento de pertencimento à equipe.
Diante do conflito entre realizar as atividades específicas e aquelas de caráter
interdisciplinar, Campos (2007) argumenta que é importante conhecer os aspectos
mais gerais dos processos saúde-doença-atenção e, para isso, o profissional deve
saber escutar e também decidir, mas compartilhando dúvidas, de modo que tanto o
profissional quanto as organizações de saúde adotem a cultura da comunicação e a
construção coletiva de projetos terapêuticos.
Um DSC aponta para a boa comunicação entre os diferentes profissionais e
sentimento de pertencimento à equipe para fins de intervenção clínica no usuário.
DSC 27
Eu tenho um entrosamento muito bom de equipe para equipe... A nossa
equipe é muito boa, tem uma abertura muito grande com todos os agentes,
com todos os enfermeiros, os médicos, os auxiliares de enfermagem; eu
nunca tive muito problema para me relacionar com ninguém, então é muito
tranqüilo, é muito legal. A gente está sempre integrado, ou seja, a gente
trabalha exatamente junto, então quando a gente consegue se entender
108
bem aqui dentro, fica mais fácil. A gente está assim, pronto para atuar no
paciente junto, entendeu? Não tem essa divisão. Por exemplo, tem alguma
dúvida de alguma gestante de alto risco, eu preciso do médico. Um
hipertenso, com a pressão muito alta e eu tenho que intervir, a gente faz a
medicação com o respaldo total do médico. O nosso enfermeiro também. E,
é de lá pra cá e daqui pra lá. Se a gente vê que precisa de fono, a gente
manda para o fono. Também o fono manda pra gente. A enfermeira manda
pra gente, a gente chama a enfermagem aqui.
É interessante observar que, apesar de se sentirem parte da equipe e relatarem
trabalhar “exatamente junto”, ou seja, perceberem que não há isolamento
profissional, ainda existe o paradigma do modelo biomédico, com reducionismo do
objeto de trabalho, ou seja, o paciente, passivo, fragmentado por doenças,
reconhecido pela doença que porta, e o ato curativo como a ação final desejada. É a
redução do cuidado para seu aspecto clínico e a visão passiva do usuário destituído
de seus desejos e aspirações.
Não se trata de ignorar a importância da clínica, mas de ampliar os olhares para
além dela.
Comentando os resultados das pesquisas sobre trabalho em equipe sob o eixo da
integralidade, Pinheiro, Barros e Mattos (2007, p. 10) levantam alguns aspectos
considerados relevantes. Um deles diz respeito ao reconhecimento da importância
de se trabalhar em equipe e “[...] o quanto é prejudicial o hábito recorrente dos
trabalhadores em saúde de restringirem o usuário ao aspecto da fisiopatologia, da
doença.” Argumentam que “[...] é necessário enxergar o usuário como sujeito
singular, com vivências e histórias que devem ser consideradas durante o processo
de tratamento”.
Os autores avançam na reflexão convidando-nos a pensar sobre a atual estrutura
das equipes de saúde e sobre a relação entre os profissionais e destes com os
usuários. Colocam que a pressão constante para produzir resultados dificulta aos
trabalhadores avançar nessas relações, mas que o profissional deve, ao mesmo
tempo, ouvir o usuário e ser resolutivo através da comunicação.
Integrar os profissionais das equipes de saúde bucal às equipes de saúde da família
parece se configurar como um paradigma. Além do prejuízo da própria política que
segmenta a saúde bucal da saúde da família, enxergar a equipe de saúde bucal
como especialidade, como apoio e não como parte da equipe básica é uma grande
109
limitação, como aponta o seguinte DSC do CD sobre o olhar dos demais
profissionais da equipe.
DSC 28
Porque tem pessoas que trabalham na equipe que não encaram a gente
ainda dentro da equipe não. Eles vêem a gente como um apoio, aquele
profissional especializado, entende? Porque eles ainda não conseguem
entrar na nossa prática também, entender como funciona. Eles falam que a
gente ainda fica naquele cantinho, não é? Eles ainda sentem a gente um
pouco distante, acham que a gente ainda é um meio fechado. A própria
atividade que a gente faz, não é? Que é centralizada, mais clínica. Assim,
pela minha experiência, se eu estivesse ficado no meu canto, essa troca
seria bem pequena.
O discurso acima aponta novamente para a forma de legitimação da Odontologia
diante dos demais profissionais de saúde, através da clínica, e do “cantinho”, o
consultório, como o lócus de trabalho do CD, cuja atividade é segmentada das
demais ações que acontecem na Unidade Básica de Saúde. Nesse aspecto é
importante reportar à forma em que a Odontologia constituiu-se enquanto profissão,
fragmentada da Medicina, como se a saúde bucal não fizesse parte da saúde geral.
Segundo o DSC 28, também é possível observar a busca do sujeito coletivo em
romper com essa tradição, demonstrando que é a postura ativa dos mesmos que faz
com que as interações com os demais profissionais ocorram.
No entanto, paradoxalmente, outro discurso demonstra que a Odontologia é vista
como especialidade pelo próprio CD, que entende a sua equipe de saúde bucal
como um apoio.
DSC 29
O trabalho em equipe, o nosso objetivo final é o usuário, então, a
Odontologia em si é uma especialidade não é? Então a gente está dando
um apoio e se integrando. Precisando da gente, a gente está aí, para
ajudar.
Sendo assim, não parece claro para os CDs se eles estão realmente integrados à
equipe de saúde ou não. Alguns sujeitos reconhecem que o isolamento profissional
110
do dentista dificulta o trabalho em equipe e declaram ser necessário um aprendizado
constante, com mais momentos de discussão.
DSC 30
Olha, trabalhar em equipe, para dentista, é a coisa mais difícil que existe,
não é? Porque dentista é um ser eremita e solitário! Não por essa coisa
vaidosa de eu ser líder não, é porque a gente trabalha meio isolado mesmo.
Por mais que você não queira. Você é hiper limitado, porque passa oito
horas dentro de um consultório, e se você vive dentro de uma unidade de
saúde, você ainda tem uma equipe que te requer. A Odontologia é sempre
difícil de inserir na equipe, e a gente aqui é bem aberto a isso. Porque nós
temos uma agenda fechada e a gente tem que dar conta dessa agenda.
Você de vez em quando percebe que está muito isolado, então você volta
para sua equipe... E a gente ainda precisa aprender muito nessa questão
de trabalhar em equipe, é bem difícil, a gente tem que estar aberto para
aprender, e nem todo mundo tem essa vontade. Eu acho essa roda de
educação permanente um espaço muito rico de discussão, que é
fundamental para a união de todos, agente comunitário, agente ambiental,
estagiários... Na verdade, ficam as equipes se reunindo entre si e não tem
uma reunião mais ampla, de coisas assim, de toda a unidade de saúde,
então eu acho que esse momento faz falta.
A fragmentação do trabalho do CD com relação às demais áreas da saúde reflete
uma formação de caráter biomédico, que não tem dispositivos capazes de constituir
profissionais preparados para o trabalho multiprofissional.
Esposti (2007), ao analisar o trabalho em equipes de saúde bucal junto a equipes de
saúde da família de duas USF de Vitória-ES, concluiu que, na realidade,
dificuldade de integração entre CDs e demais membros das equipes, principalmente
em decorrência de sua falta de preparo para atuar em equipes multiprofissionais,
com a manutenção de um trabalho hierarquizado, orientado para atos
individualizados e que privilegia procedimentos clínicos e tecnologias duras.
Tais resultados corroboram parcialmente com o demonstrado neste estudo, visto
que foi possível observar alguns discursos em que os sujeitos relatam experiências
enriquecedoras de integração e intersetorialidade, apesar das dificuldades
cotidianas já demonstradas para participarem das reuniões em equipe e das ações
coletivas. No discurso a seguir, é possível observar tais experiências de integração,
quando falam do planejamento em conjunto e da importante participação dos
agentes comunitários de saúde na equipe.
111
DSC 31
A gente faz o planejamento em conjunto. Primeiro a gente faz o
planejamento da odonto, e depois a gente leva para as nossas reuniões de
equipe. Os agentes comunitários trazem informações de tudo que está
acontecendo naquela semana e passam para mim as últimas pessoas que
às vezes não foram cadastradas. É a partir das informações delas que eu
planejo. Nesse momento, a gente planeja também alguma atividade
educativa, a gente discute o problema que está mais difícil de resolver com
as famílias, e tenta fazer alguma coisa voltada para aquilo. Porque na
verdade, o PSF não funciona sem agente de saúde, que é o grande elo de
tudo. Principalmente porque sabem de particularidades, pela característica
de morarem no bairro. Além disso, nós temos também as metas do
Ministério, ou seja, aqueles programas que a gente tem que atingir, tem que
estar dentro daquilo. Mas as nossas ações, a gente sempre planeja junto.
Essa relação interdisciplinar entre os membros da equipe é vivenciada por alguns
sujeitos do estudo que dizem haver integração entre os CDs e os profissionais das
demais áreas que compõem a equipe.
DSC 32
Tem um intercâmbio. No dia-a-dia, eles chamam a gente para orientar,
existe muito essa integração. Você tem que estar aberto para participar de
tudo, na verdade é mesmo interdisciplinar. Não aquele negócio de só
odonto, não. Aqui a gente trabalha bem essa questão da
interdisciplinaridade. E a gente participa sempre, mesmo que não seja na
nossa área.
Outro Discurso do Sujeito Coletivo demonstra a experiência inovadora de
intersetorialidade e mobilização comunitária na prática do CD que, numa postura de
participação, interage com outros profissionais e mobiliza diversos setores para ação
promotora de saúde.
DSC 33
Foi tirado, na roda de educação, um problema do território: o lixo nas
esquinas. Fora de hora, em local não condicionado e tal. Aí foi tirada uma
comissão, e eu tive o prazer de coordenar essa comissão para trabalhar
esse problema. Aí envolvemos outras secretarias da prefeitura: a de
serviços, a do meio ambiente... Então a gente mobilizou os agentes
comunitários, trabalhamos a comunidade, a secretaria do meio ambiente
preparou o folder só para o bairro, informando sobre o serviço que a
112
prefeitura oferece para a comunidade. Então os agentes ambientais e
agentes de saúde foram para as famílias e foi feito um treinamento com
elas. E aí nesse local onde tinha essa lixaiada, esse problema todo, nós
preparamos um mosaico, que ficou maravilhoso, muito lindo mesmo, e
agora você passa lá, mudou completamente. E aí a intenção era passar
para outros pontos, multiplicar esse trabalho no território todo. Então assim,
foi um trabalho muito rico, e eu tive muito prazer de realizar esse trabalho
com a equipe, e a gente teve um resultado muito bom. A gente também
está querendo fazer uma mobilização na comunidade em relação ao tema
diabético e hipertenso. A gente já fez algumas reuniões, com a comunidade
também. O centro comunitário também quer participar, e a gente vai fazer a
feira da saúde. A gente está pensando em fazer aqui na frente, convidar
vários setores da secretaria de saúde para estar montando estandes,
barracas mesmo, para estar informando sobre todos os serviços, e... A
gente está providenciando patrocínio.
O DSC acima demonstra indiscutíveis mudanças no cotidiano de trabalho do CD. É
importante observar que o sujeito coletivo foi capaz de incorporar os princípios de
intersetorialidade e de participação da comunidade, demonstrando que a mudança
nas práticas de saúde bucal existe, mesmo que não seja uma realidade presente no
relato de todos os entrevistados.
Por outro lado, existem dificuldades para a concretização do trabalho em equipe, e
achados desse estudo corroboram com os de Esposti (2007), que também
observou, como limitações para a interação na equipe, a cobrança por parte da
gerência sobre produtividade, o trabalho de uma ESB para até duas ESF, o vínculo
empregatício precário dos demais profissionais da equipe que gera rotatividade
nessas equipes, e deficiência na formação e na capacitação dos profissionais para
atuar em equipe.
Nesse contexto é importante ressaltar que, para que haja integração entre o trabalho
de cada equipe, é necessário que deva haver um elo não apenas entre os diferentes
trabalhadores da saúde mas, sobretudo, entre esses e o projeto institucional, ou
seja, a organização do serviço também deve promover a mudança da lógica que
orienta os processos de trabalho.
Peduzzi (2007) argumenta que a construção do trabalho em equipes integradas
necessita promover a mudança tanto na orientação dos processos de trabalho
quanto na organização dos serviços, do modelo biomédico para a lógica da
integralidade e do cuidado em saúde.
113
No entanto, a fragmentação das ações com centralidade na clínica e a não
integração concreta entre a ESB e as ESF parece ser o que ainda predomina,
apontando para a reprodução do modelo hegemônico de saúde bucal, centrado em
atividades individuais e curativas, apesar da coexistência de inovações no processo
de trabalho de alguns sujeitos, que tentam protagonizar a mudança de maneira ativa
e participativa.
Contribuindo para a segmentação das ações em saúde bucal, outra grande limitação
apontada por todos os sujeitos do estudo é a falta de integração entre os níveis de
complexidade, com restrição à assistência de média e alta complexidade. As
Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal reconhecem que a atenção em saúde
bucal nesses dois níveis tem sido ainda muito pequena, comprometendo a
integralidade e a resolubilidade das ações. A expansão da cobertura para atenção
secundária em saúde bucal só ocorreu recentemente a partir da implantação do
CEO, em 2004. Até então, a oferta de serviços odontológicos especializados era
esporádica e não institucionalizada (BRASIL, 2006a).
As ações de referência e contra-referência para com as necessidades
especializadas dos usuários é um ponto consensual de críticas entre os sujeitos, que
reconhecem a implantação do CEO de maneira positiva, porém, vêem a falta de
integração entre os níveis como um nó crítico na organização dos serviços de saúde
bucal.
DSC 34
O Centro de Referência de Vitória, o CEO, foi realmente uma abertura de
caminho. Antes era muito pior, a gente não tinha nem para onde mandar o
paciente, a gente tinha que mandar para a UFES, ou a FAESA
25
, ou o
SESC, e hoje já tem o CEO. Tem também a policlínica, onde nós temos
endodontia e periodontia. Mas a gente tem uma demanda acumulada muito
grande, demora assim, para conseguir alguma especialidade. A gente está
tendo dificuldade principalmente no que diz respeito à endodontia, que é
mais concorrido, o paciente está esperando em torno de 11, 12 meses para
ser chamado, e isso complica um pouco porque esse dente a gente tem que
atender em caráter de urgência, até que termine o tratamento, porque volta
a incomodar, ou então perde o dente por fratura porque não está
restaurado. E a prefeitura, em relação ao canal, ela diz o seguinte: só vai
encaminhar o paciente que dê para restaurar na rede. A grande dificuldade
25
Faculdade Espírito-Santense.
114
é essa. A periodontia também, antes chamava rápido, agora já está
congestionando. O paciente especial e a cirurgia é um pouco melhor, o
diagnóstico também é mais rápido, mas a endodontia é o grande vilão da
gente. Ortodontia também, às vezes é uma coisa simples de criança, uma
mordida aberta, e a gente não tem para onde encaminhar. A prótese, a
gente só trabalha com prótese total que ainda é difícil. Eu acho que a
prótese é um entrave, mas assim mesmo é um avanço muito grande.
Quando eu comecei não tinha nem a endo, a gente não tinha periodontia
para mandar, não tinha pequenas cirurgias... Eu acho o Brasil Sorridente
um projeto que pelo menos dá visibilidade a essas necessidades que não
se tinha, dá para vislumbrar uma luz, está indo no caminho certo, mas é
aquela coisa lenta que a gente sabe que é, mas vejo positivamente.
O contexto descrito pelos sujeitos compromete a resolubilidade dos serviços e não
garante a integralidade das ações em saúde bucal, nem a universalidade das
mesmas, já que as vagas especializadas são muito poucas, quando comparadas
com as necessidades acumuladas da população.
Essa é uma realidade observada nos diversos municípios do país. Souza e Roncalli
(2007), ao avaliarem a saúde bucal no PSF de 19 municípios do Rio Grande do
Norte, encontraram que, na maioria dos municípios em que há referenciamento para
as especialidades, o sistema ainda funciona precariamente.
É importante destacar que com relação ao restabelecimento protético dos usuários,
estes são restritos às próteses totais. As próteses unitárias ou parciais removíveis
(PPR) ainda não são realizadas no cenário estudado, o que mais uma vez
compromete a atenção integral ao indivíduo. A restauração protética é ainda
elitizada, visto que sua oferta é praticamente restrita aos serviços privados. A esse
respeito, os CDs entrevistados percebem a ausência de cobertura para próteses
unitárias como um grande contratempo da Política Nacional de Saúde Bucal, para
que haja mudança na lógica da mutilação dentária.
DSC 35
Agora, eu sinto assim, principalmente a parte de prótese, porque nós não
temos prótese unitária, não é? Aí infelizmente você vê a pessoa tendo que
extrair aquele dente porque não dá pra botar uma coroa... Então, isso aí
você encaminha, a gente sempre dá uma referência, mas às vezes a
extração é uma solução para o problema dele, entendeu? Às vezes ele
mesmo fala: olha, não tenho condição, não tenho dinheiro, resolve para
mim. Aí a gente resolve. Às vezes a gente fica triste de ver que teria jeito,
mas o que vai fazer? A gente resolve do jeito que dá. Então eu acho um
contratempo não ter prótese unitária, que na verdade, a gente precisa mais
do que da prótese total. Não é só a ‘dentadura’ que precisa. Precisava ter
pelo menos a PPR.
115
A perda dentária na população brasileira é grave e demonstra falha nas ações de
promoção e atenção primária ao usuário. Segundo relatório da Organização Mundial
de Saúde, a perda dentária e o não restabelecimento das funções orais são
problemas crescentes de Saúde Pública nos países em desenvolvimento
(PETERSEN, 2003).
Os dados do levantamento nacional SB Brasil (BRASIL, 2004c) demonstram que a
necessidade de algum tipo de prótese começa a surgir precocemente, entre os 15 e
19 anos de idade, e mais de 28% dos adultos não possuem nenhum dente em pelo
menos uma arcada, sendo que três a cada quatro idosos (75%) não possuem
nenhum dente funcional. Desses, mais de 36% não têm prótese total, indicando a
alta prevalência de edentulismo e necessidade de prótese.
Sendo assim, a proporção de pessoas edêntulas entre a população idosa é ainda
muito alta, sobretudo, devido à herança de um modelo assistencial odontológico
mutilador, a programas focalizados em escolares e restritos aos serviços básicos,
com uma grande demanda reprimida. É evidente a baixa capacidade de oferta dos
serviços de atenção secundária e terciária, comprometendo o estabelecimento de
adequados sistemas de referência e contra-referência em saúde bucal.
Zanetti (2006b) coloca que a ampliação da oferta de procedimentos restauradores,
que não permite o acesso ao tratamento odontológico completo, continua
potencializando as chances de extração dentária, e, conseqüentemente, tornando
evidente a baixa resolubilidade do serviço e acrescendo a mutilação dos usuários.
Essa organização reforça a concepção entre os usuários de que a perda dentária é
um processo quase natural, o que contribui para a passividade dos mesmos quanto às
suas necessidades de saúde bucal. Essa premissa reforça a necessidade de
empoderamento dos usuários, tanto pela organização dos serviços, quanto pelos
profissionais, para que esses usuários lutem pelos seus direitos quanto à saúde bucal.
Enfim, a caracterização da atuação profissional cotidiana do CD no PSF permitiu
delinear sua dificuldade em desenvolver ações clínicas e promocionais de maneira
articulada e integrada. Foi possível verificar, apesar das muitas contradições nos
discursos, que os CDs vivem num conflito entre fazer ou não as atividades coletivas
116
e em equipe, e como encaixar isso em seu cotidiano, já que a demanda por
procedimentos curativos é grande e faltam profissionais.
Porém, apesar das adversidades e da não superação do modelo tradicional
fragmentado, foi possível demonstrar mudanças importantes nas práticas cotidianas
do CD.
5.3.3 As mudanças no cotidiano de trabalho do CD após inserção no PSF
O Quadro 4 mostra uma síntese das IC, das ACs possíveis de serem apreendidas e
das perguntas do roteiro de entrevista referentes ao Tema 3.
Tema 3: As mudanças no trabalho
do CD após inserção no PSF
Como avalia sua prática profissional
após inserção no PSF? O que mudou?
Idéias-Centrais (IC) e/ou Ancoragens (AC) e
Discursos do Sujeito Coletivo (DSC)
correspondentes
Mudanças na organização do trabalho: o cuidado com
o território (DSC36)
Estreitamento do vínculo com os usuários - AC
(DSC37)
Ampliação do olhar do profissional para a integralidade
– AC (DSC38)
Maior satisfação com o trabalho (DSC39)
Há mudanças apenas na carga horária porque continua
trabalhando como antigamente (DSC40)
Ampliação do trabalho do CD no SUS e em sua
capacitação para a saúde coletiva (DSC41)
Quadro 4. Síntese das IC e AC do tema: as mudanças no trabalho do CD após inserção no
PSF
Ao discutir sobre mudanças no modelo de atenção à saúde bucal, a partir do
cotidiano de trabalho do CD no PSF, considerou-se tal cenário como potencial para
desencadear ampliações tanto na estrutura e na organização do serviço, quanto nos
processos de trabalho e na relação entre os diversos sujeitos envolvidos na
produção do cuidado em saúde bucal, ou seja, os trabalhadores, os gestores e os
usuários.
117
Campos (2006a) argumenta que a ocorrência de transformações depende de pelo
menos dois elementos: da vontade, ou seja, da dimensão subjetiva, e de um projeto
construído, ou seja, uma dimensão vinculada à razão. Para o autor,
[...] qualquer projeto mudancista que aspire ao sucesso deveria tentar, ao
mesmo tempo, tanto as mudanças das pessoas, dos seus valores, da sua
cultura ou ideologia, quanto providenciar alterações no funcionamento das
instituições sociais. Dizendo de outra maneira, temos que mexer,
simultaneamente, com as pessoas, com as estruturas e com as relações
entre elas (CAMPOS, 2006a, p. 30).
Segundo o autor, na Reforma Sanitária brasileira esforços foram empenhados mais
na mudança do aparato legal e da estrutura político-administrativa, do que nas
pessoas que operariam os serviços (CAMPOS, 2006a).
De fato, através de seu arcabouço legal, o PSF propõe modificar a estrutura e a
organização dos serviços, a fim de promover a reorganização da atenção básica em
saúde. Essa alteração no nível da organização e operacionalização do trabalho
cotidiano, visando o cuidado com o território, foi a mudança mais perceptível pelos
CDs após inserção no PSF.
DSC 36
A mudança... Existe um antes e um depois do PSF, isso aí é básico. Olha,
o antes, quando eu trabalhava sem o PSF, a gente trabalhava muito
atendendo demanda espontânea e nós não tínhamos grupo nenhum. E a
partir do momento que começou a estruturar o PSF, que começou a
trabalhar com os programas, com as prioridades, a gente dá uma atenção
especial para as crianças e para o idoso. E aí tem o pessoal que é
hipertenso, diabético, toda a gestante que faz pré-natal aqui no posto,
passa por mim aqui. Eu senti também a diferença de que eu era
responsável por um grupo de famílias, então hoje você já vai trabalhando de
uma forma que preserva a família, não é? Tem educação à saúde oral, não
só a THD, mas a gente, que participa também. A gente visita as escolas, a
gente orienta mais a criança, é um negócio mais planejado. Quando eu
trabalhava só quatro horas, eu não podia fazer muito planejamento. Agora
não, a gente já trabalha com dados, para fazer avaliação, e antes a gente
não podia fazer isso, porque ficava na unidade com a demanda grande. A
gente também tem mais contato com o paciente, a gente foi para igrejas, a
gente faz palestras e atua com as pessoas na própria comunidade, trabalha
com o grupo um determinado problema. A gente sai mais da cadeira, não
é? O fato de você visitar as pessoas também, de você estar mais perto,
você consegue orientar a pessoa melhor. Então isso melhorou. Agora a
prática nossa é a integralidade, a gente tem que trabalhar junto com as
outras pessoas, com mais entrosamento. E você ter esse tempo para reunir
com outros profissionais, essa troca de formações é muito importante,
porque você não tinha esse relacionamento com as outras equipes, com o
118
enfermeiro, com a agente, com o médico. Você tem os agentes
comunitários que te informam, te orientam sobre a visita, isso tudo que não
tinha na minha prática anterior. Antes a gente trabalhava mais sentado na
cadeira, era o dentista, o todo poderoso ali, e a gente esperava muito os
pacientes irem até a gente, não é? Agora, com a saúde da família, a gente
tem também que ser mais ativo, entendeu? Tem que saber cuidar do
território e conhecer o território, então a gente fica mais atento, tem uma
noção maior de epidemiologia e conhece mais nossa clientela. Você sai um
pouco da prática só clínica, para ampliar seu olhar para outras coisas. É
completamente diferente daquela coisa mais dura de consultório, de você
não ter esse lado. Então eu acho que os resultados, principalmente em
matéria de educação e prevenção, hoje está bem melhor.
O DSC aponta para a ampliação do processo de trabalho do CD para além do seu
núcleo de atuação, para além da clínica. O sujeito coletivo percebe as mudanças em
suas práticas a partir da incorporação da equipe multiprofissional, da
responsabilidade por cuidar de um território específico e das visitas domiciliares
como potentes transformadores da sua própria atuação, já que se consideram mais
ativos e percebem melhora nos resultados das ações de promoção e prevenção.
O discurso sugere que os CDs têm mais tempo para planejar e interagir com outros
profissionais da equipe, para conhecer e cuidar do território, para organizar melhor a
demanda. Sendo assim, há melhora nas condições de trabalho e na aproximação
com a comunidade. Sentem-se mais valorizados, mais incluídos, mais parte do todo.
São mais protagonistas.
Apesar de o sujeito coletivo perceber melhoras em seu cotidiano de trabalho quando
comparado com os modelos anteriores ao PSF, a análise de sua prática profissional
no Programa ainda demonstra que predominam, entre eles, a realização das
atividades de maneira fragmentada e individualizada, o que não caracteriza por si,
mudança efetiva no modelo de atenção, conforme discutido no tema anterior, sobre
o trabalho do CD no PSF.
A esse respeito, Franco e Merhy (2007) fazem críticas ao PSF porque as mudanças
propostas estão centradas mais na estrutura, ou seja, na forma de operar o serviço,
do que nos fazeres cotidianos de cada profissional. Sendo assim, esses autores
argumentam que não há garantias de que a organização e a forma do trabalho das
equipes no PSF propiciarão a ruptura com o modelo biomédico hegemônico.
119
De fato, os discursos não permitem afirmar que existe ruptura com o modelo
hegemônico das práticas de saúde bucal, mas não se pode negar as mudanças
positivas apreendidas pelos sujeitos do estudo em seus processos de trabalho.
Outra importante mudança relatada pelos CDs é o estreitamento do vínculo com os
usuários e com a comunidade.
DSC37
Eu comparo sempre como era o meu trabalho antes do PSF e depois. É
outra coisa. Eu acho que o que muda nessa estratégia, é o vínculo que
você tem com essa comunidade, de trazê-la para próximo de você, de você
tirar aquela figura de médico, dentista e enfermeiro, de que eu estou aqui e
ela está lá. Você vai formando aquele vínculo que é bom pra você trabalhar.
E a gente tenta fazer, pela experiência que a gente tem, alguma coisa pelo
paciente a mais do que aquilo que está no script, vamos dizer assim. Hoje,
com o PSF, você trabalha com cerca de 8 a 10 micro-áreas, então, essas
pessoas que moram nessas micro-áreas, são seus pacientes mesmo, e
você tem responsabilidade com elas, então essa é a mudança fundamental.
Porque antigamente ninguém tinha compromisso com ninguém. Eu não
tinha compromisso nenhum, eu tinha o compromisso de atender 10 por dia,
seis por dia e acabou. Hoje não, eu tenho compromisso com aquela família
de fulano de tal, que mora em tal rua e que é minha família. É óbvio que a
nossa demanda é explosiva, pesadíssima, e que nós não temos agenda pra
todo mundo, mas pelo menos você vai estar disponível pra escutar e pra
trabalhar com essas pessoas. Essa é a grande mudança. A mudança
mesmo é da relação, sua com o paciente e sua família. A mudança para
mim principal é essa. A do vínculo com a comunidade, que melhorou muito
e pode melhorar ainda mais, dependendo, assim, de cada profissional. A
gente pode fazer uma auto-avaliação e melhorar isso.
O DSC anterior reflete uma apropriação por parte dos CDs da humanização do
cuidado, através da construção de laços de vínculo entre profissional e usuário, ou
seja, ocorre mudança no plano das tecnologias leves, na esfera das relações, que
vêm sendo consideradas como os maiores dispositivos para as transformações na
saúde (CAMPOS, 2006a; 2007; MERHY, 2002; 2006).
O vínculo pode ser visto como ferramenta que possibilita as trocas de saberes,
afetos, experiências entre profissional e usuário e agencia a construção do ato
terapêutico de maneira colaborada, contribuindo para a co-responsabilização do
usuário no processo do cuidar.
120
Santos et al. (2008) reforçam essa premissa ao demonstrarem que práticas de
saúde bucal, alicerçadas sob o vínculo, possibilitam ao usuário ter mais autonomia,
ampliando o cuidado.
O discurso também demonstra maiores graus de responsabilização e compromisso
dos profissionais não apenas com o projeto institucional, mas, sobretudo, com os
usuários dos serviços de saúde bucal. Isso fica claro quando afirmam que, mesmo
reconhecendo a impossibilidade de atender a toda a demanda, o sujeito coletivo CD
está aberto à escuta e a fazer para aquela pessoa mais do que está estabelecido
pelas normas, “mais do que está no script”.
É nesse sentido que Merhy (2002) utiliza a expressão “trabalho vivo em ato” para
caracterizar o encontro entre profissional e usuário final, momento em que se
revelam os componentes vitais da tecnologia leve no trabalho em saúde – produção
de vínculo, autonomização, responsabilização e acolhimento.
Trata-se da dimensão do cuidado que permeia toda prática de saúde, que visa
produzir
[...] processos de falas e escutas, relações intercessoras com o mundo
subjetivo do usuário – como ele constrói suas necessidades de saúde-,
relações de acolhimento e vínculo, posicionamento ético, articulação de
saberes para compor projetos terapêuticos, etc (MERHY, 2002, p. 103).
Sob a perspectiva do cuidado, o CD tenta articular aspectos da produção da saúde,
que vão além da aplicação de tecnologias instrumentais. Assim concebido, o
cuidado caracteriza-se pela busca de reconhecimento mútuo entre profissional e
usuário, de modo que a lógica que orienta as ações permite contemplar uma esfera
mais ampla de trocas na relação com os usuários, que envolvem a escuta, a
interação e a pactuação intersubjetiva de suas necessidades de saúde (AYRES,
2004).
Segundo Boff (2006, p. 98), o cuidado é a atitude fundamental que devemos ter para
com a integralidade do ser humano. Para o autor, “[...] Onde há cuidado, aí
desabrocha a vida humana, autenticamente humana. Importa cultivar o cuidado
como precondição essencial para a vida, sob qualquer uma de suas formas”.
121
Contribuindo para a produção do cuidado e para o agir em saúde de maneira mais
integral, o sujeito coletivo relata outras mudanças subjetivas, a partir da ampliação
do olhar profissional.
DSC 38
Eu não consigo mais olhar para o paciente e enxergar só a boca porque
essa visão já acabou, e o PSF nem comporta isso mais. Hoje, você
consegue ver o paciente mais integral. A diferença entre o antes e o depois,
é exatamente essa... Você tem que trabalhar com o todo do paciente, para
que ele melhore a saúde, a educação, a alimentação, você tem trabalhar
com a parte psicológica dele, você tem que dar ouvidos a ele... Prestar
atenção na família dele, então você tem que ter essa percepção. Você tem
que trabalhar com todo mundo e tem que trabalhar a pessoa como um todo.
Então hoje o dentista parece que tem uma cultura de saúde muito maior.
Antigamente a gente era tratado meio mecânico, não é? E hoje não, você
elabora e participa. Você é um profissional de saúde. Antes você era muito
o tira-dentes mesmo, não é? E tapa buracos. O serviço público que te dá
outra maneira de ver. A gente vê o paciente de outra forma que no
consultório a gente não vê. Aqui, quando eu vejo um problema, eu tenho
recurso para chamar um profissional, um colega, e a gente cuidar daquilo
ali. Então, eu que era uma pessoa da iniciativa privada, aprendi muito com
os profissionais que eram realmente envolvidos com a causa da Saúde
Pública, principalmente porque dentista que estava na Saúde Pública, era
discriminado mesmo; e hoje eu aprendi muito com meus agentes de saúde
que são o retrato, a fala da comunidade. E essas visitas domiciliares fazem
com que a gente fique mais perto da comunidade também. Eu hoje me sinto
super enriquecida(o) porque eu consegui ver coisas que eu jamais veria se
eu estivesse dentro daquele consultório que eu montei há anos atrás. Então
eu acho que a Saúde Pública nos abre um horizonte que o consultório não
abre.
A compreensão ampliada de alguns CDs sobre os determinantes do processo
saúde-doença-cuidado contribui para a visão integral do indivíduo, para além das
questões biológicas. Há uma ressignificação do objeto e da prática de trabalho. Tal
noção diz respeito ao princípio da integralidade que, relacionado ao conceito de
saúde, não possui sentido único. Engloba a visão do usuário em toda sua
complexidade, sentido demonstrado no discurso acima; pode significar também a
articulação entre os diversos níveis do cuidado à saúde, desde ações educativas às
de alta complexidade; e envolve também o sentido de multifatorialidade envolvida no
campo da saúde, que não se restringe ao setor, mas envolve condições de vida e
bem-estar social, o que pressupõe articulação intersetorial de políticas públicas,
sentido que também aparece no discurso anterior.
122
Os profissionais sentem que a trajetória de trabalho na saúde pública é que os
permitiu ampliar as percepções sobre as questões de saúde-doença, a partir da
interação e da troca de saberes com os demais trabalhadores da equipe de saúde,
sobretudo com os agentes comunitários, além de perceberem as visitas domiciliares
como dispositivos de aproximação com a comunidade na qual estão inseridos.
Sendo assim, os CDs se apropriam do trabalho multiprofissional como dispositivo de
aprendizagem e mudança, por possibilitar o cuidado integrado e multidisciplinar,
quando comparado com o trabalho individualizado na iniciativa privada, tradição
histórica da prática odontológica, que é limitado, ineficiente e fragmentado, não
proporcionando ao profissional CD apropriar-se das tecnologias relacionais, como a
construção de vínculo, através da responsabilização e da escuta para com o
usuário. A prática transforma a teoria e a reconstrói epistemologicamente.
A lógica do trabalho em equipe tem sido demonstrada como dispositivo capaz de
influenciar aspectos da prática odontológica, direcionando-a para o cuidado e
impregnando o desempenho do cirurgião-dentista na produção de vínculo e
responsabilização (TEIXEIRA, M. C. B., 2006).
Bonaldi et al. (2007) demonstraram que o trabalho em equipe desenvolvido de
maneira harmônica entre os diversos profissionais contribui para o estabelecimento
de uma responsabilidade coletiva na produção do cuidado em saúde, constituindo-
se em dispositivo de integralidade.
Barros e Barros (2007) destacam essa potência formativa do trabalho em equipe no
campo da saúde, já que o fazer com o outro, no sentido de um funcionamento em
rede, permite passar de uma dimensão prescritiva dos processos de trabalho para
uma dimensão mais ampla, que engloba valores e ética do trabalho. Desse modo, a
potência da equipe/rede será aumentada ou diminuída dependendo da maneira
como se dão as relações entre os trabalhadores. As autoras avançam na discussão
e dizem que os modos de aumentar essa potência do trabalho da equipe são os
processos de cooperação e co-gestão nos ambientes de trabalho e os processos
formativos indissociados do trabalhar coletivo.
Entendendo seu trabalho no PSF como propiciador de transformações não apenas
das práticas de saúde bucal, mas, sobretudo de sua própria evolução enquanto
123
profissional de saúde, o sujeito sente-se mais realizado, apesar das dificuldades
cotidianas. Nesse sentido, alguns CDs dizem estar mais satisfeitos com seu trabalho
após inserção no PSF.
DSC 39
Hoje em dia, mesmo com essa brabeira toda, eu me sinto muito mais
satisfeita (o) profissionalmente e me realizo muito mais fazendo esse
trabalho com o PSF, de conhecer melhor a comunidade não é? É muito
mais prazeroso, e a qualidade do trabalho também melhorou muito. Porque
conhecendo mais a realidade, você se sente fazendo mais saúde, menos
mecanizado. Nós também temos condição de trabalho muito boa. E eu acho
que o próprio PSF é muito mais estimulante, você serve mais, assim, você
tem um reconhecimento até muito maior. Aliás, é um reconhecimento diário.
Mas com certeza, tem muita coisa ainda que a gente tem que construir.
O discurso anterior permite constatar que alguns sujeitos, ao realizarem seu trabalho
com maior satisfação, percebem mudanças em si próprios, a partir da inserção no
PSF. Consiste numa interação dialética, em que há uma relação recíproca de
mudança entre o sujeito (o CD), a estrutura (a política e a organização de seu
trabalho no contexto do PSF) e na relação entre ambos. Ou seja, esse contexto
retrata a situação de reforma reportada por Campos (2006a), quando diz que na
saúde há de se promover reforma nas estruturas, mas também nas pessoas.
Nesse sentido, os achados do estudo permitem inferir que o PSF contribui para o
estreitamento das relações entre os CDs e os demais trabalhadores de saúde e
entre esses e a comunidade, através das estratégias desenvolvidas pelas equipes
de saúde bucal, como as visitas domiciliares e as atividades desenvolvidas para a
comunidade junto aos demais integrantes das ESF, corroborando com os achados
de Araújo (2005) e Santos et al. (2008).
No entanto, em contrapartida ao exposto até então, ao falar de mudanças, alguns
DSC não são tão positivos com relação ao trabalho no PSF, o que corrobora com os
achados do tema anterior sobre o cotidiano das práticas do CD no PSF. Ao
contrário, percebem que, na realidade, não há mudanças concretas; relatam apenas
o aumento na carga horária, já que continuam trabalhando como antigamente, ou
seja, há reprodução do modelo assistencial anterior ao PSF.
124
DSC 40
Eu acho que somente uma carga horária integral, não é? Porque eu passei
a trabalhar o dia inteiro. Em vez de quatro horas, estou trabalhando oito
horas, entendeu? Porque aqui, a saúde da família, ela não funciona. Aqui o
que a gente tem é tratamento básico, estou falando tanto para enfermeiro,
como para médico, para todo mundo. Você está atolado na demanda, você
faz atendimento e uma vez ou outra faz uma ação educativa. Eu estou
falando pela minha unidade de saúde. Eu acho que aqui a Odontologia não
era para ser do saúde da família desse jeito, você está apostando que vai
dar errado. É muito assim, urgência, urgência, urgência... O pessoal manda
da recepção e a gente vai atendendo. Nossa vida está mais assim, de
atendimento mesmo. E... Assim, não está definido ainda, o dentista no PSF.
A gente é um pólipo... Eu me sinto um ponto de apoio. Ah, alguém da micro-
área tal, é da minha micro-área? É para mim. Entendeu? Eu estou
trabalhando como antigamente. Então eu acho que aqui a saúde da família,
ela só tem nome. Mais é a demanda mesmo. Ou o dentista trabalhando oito
horas. Por isso, o PSF ainda tem muito a desejar. E eu estou em fase de
busca ainda. A gente ainda tem que trabalhar muito para colocar isso nos
eixos.
Sendo assim, a mudança das práticas não é realidade de todos os sujeitos.
Constatou-se que existem particularidades de locais cuja população tem
necessidades assistenciais maiores e urgenciais, e cujas relações de trabalho são
piores, conforme já discutido, que dificultam a realização plena das atividades
segundo as proposições do Programa.
Alguns estudos que analisaram as práticas de saúde bucal e o trabalho do CD no
PSF demonstraram que, de fato, há poucas mudanças concretas nessas práticas e
na organização do trabalho, que ainda é pautado por ações fragmentadas,
construídas a partir da demanda reprimida (ARAÚJO; DIMENSTEIN, 2006;
BALDANI et al., 2005; GONSALVES, 2005; OLIVEIRA; SALIBA, 2005; SANTOS;
ASSIS, 2006).
Apesar de certas condições de trabalho serem mais desfavoráveis, isso não inviabiliza
ao CD poder protagonizar a escuta, o acolhimento, o vínculo. Percebe-se que alguns
sujeitos estão desmotivados e alienados de sua capacidade modificadora, o que faz
com que reproduzam acriticamente as práticas de saúde bucal tradicionais, não
percebendo a dimensão das tecnologias leves na produção do cuidado.
Algumas outras mudanças relativas à própria categoria profissional foram
percebidas pelos CDs, como a melhora na integração do dentista no SUS e em sua
capacitação para a Saúde Coletiva.
125
DSC 41
Tem muita gente que fala que o dentista não se integrou. Eu acho que ele
está bem integrado sim, porque hoje o dentista está inserido no SUS não só
tratando de dente e de boca, ele tem outras atividades de gerenciamento,
tem dentista que é gerente de unidade de saúde, tem também a parte de
trabalhar com a epidemiologia da região. E, além disso, eu acho animador a
gente ter tanto dentista agora fazendo saúde coletiva, mais abrangente, não
é? Então eu acho importante que está acontecendo isso. Isso é uma
mudança, não é? É mais uma luz no fim do túnel.
A maior participação da categoria “cirurgião-dentista’ no SUS reflete o contexto de
incremento das políticas públicas de saúde bucal do país, concomitante à crise do
mercado privado em Odontologia, conforme já discutido, que contribui para o
“deslocamento” desse profissional dos consultórios e ampliação de seu campo de
atuação para além da clínica, em atividades ligadas à Saúde Coletiva, como a
Epidemiologia e a própria gestão do sistema.
Foi possível demonstrar esse movimento da classe, através dos relatos dos
entrevistados sobre suas trajetórias profissionais, quando caminham de um contexto
em que o trabalho no sistema público era secundário e menos importante, para uma
nova realidade de atuação exclusiva no PSF, que passa a ser mais interessante
economicamente e estimula os profissionais a se qualificarem para esse novo
mercado.
Outras mudanças também reportadas foram no nível das políticas, como a
ampliação do acesso da população aos serviços de saúde bucal. Alguns CDs
responsáveis por um território menor perceberam também melhoras no perfil de
saúde bucal de sua população adstrita.
Ao falarmos do trabalho do CD no PSF, assim como em qualquer prática de saúde,
é importante que se ressalte a relevância dessa dimensão humana do trabalho, a fim
de que o cuidado assuma lugar privilegiado nas práticas de saúde, de modo a
funcionar como estratégia concreta, realizada por sujeitos que busquem incorporar a
solidariedade como princípio.
Nesse sentido, Barros e Pinheiro (2007, p.126) afirmam que:
[...] A competência para cuidar engendra-se em outros territórios de saberes
e práticas que não pertencem a nenhuma profissão especificamente,
convidando os profissionais não somente para dar respostas aos problemas
126
de saúde da população, mas para se disponibilizarem à troca com outros
profissionais da equipe e com os usuários dos serviços. Ou seja, um convite
ao comprometimento com o processo de trabalho e, ainda, a um
comprometimento com vidas, admitindo que ainda se tem muito a aprender.
Conforme reflexão de Peduzzi (2007) sobre o trabalho em saúde, o trabalho em
equipe junto a outras idéias como a integralidade da saúde (PINHEIRO; MATTOS,
2003; 2005), o cuidado em saúde (AYRES, 2004; PINHEIRO; MATTOS, 2005) e a
centralidade do usuário e da população de referência (MERHY, 2002) podem ser
considerados princípios organizadores do trabalho em saúde. Enfatiza ainda que,
em todas essas perspectivas, a prática comunicativa permite promover a integração
da equipe e a recomposição dos trabalhos especializados.
No entanto, a integração efetiva do CD às equipes de saúde da família, e o
desenvolvimento de habilidades relacionais necessárias à produção do cuidado em
saúde, ainda são questionáveis, visto que a formação acadêmica em Odontologia
contribui para a alienação do CD, tanto no que diz respeito ao papel social que
exerce através de seu trabalho, quanto para a fragmentação de suas práticas junto a
dos demais profissionais de saúde.
Dessa forma, ao falar de mudanças desencadeadas pelo PSF, foi possível constatar
contradições nos discursos do sujeito coletivo, visto que alguns CDs afirmam que a
estratégia não funciona, enquanto outros sujeitos ressignificam suas práticas,
percebendo as melhoras tanto no nível de seu trabalho, quanto em si mesmos,
enquanto profissionais.
Enfim, tais contradições, refletem práticas de Saúde Bucal no PSF também
conflituosas e contraditórias que, por isso mesmo, constituem-se em potencial
ferramenta de mudança nos processos de trabalho, e também nos sujeitos CDs, que
convivem com o “velho” e o “novo”, num processo em construção.
Apesar dos entrevistados reconhecerem o PSF como uma nova perspectiva de
atenção à saúde, eles apontam também desafios para que as mudanças se
efetivem, tema que será abordado a seguir.
127
5.3.4 Os desafios para o trabalho do CD no PSF: para consolidação das
mudanças de práticas de saúde bucal
O Quadro 4 apresenta uma síntese das Idéias-Centrais (IC) e das perguntas do
roteiro de entrevista referentes ao Tema 4.
Tema 4: Os desafios para o
trabalho do CD no PSF
Você pontuaria algum desafio para o
trabalho aqui? Quais?
Fale sobre suas expectativas com
relação a seu trabalho aqui.
Como avalia a formação que recebeu
para seu trabalho aqui?
Idéias-Centrais (IC) e Discursos do Sujeito Coletivo
(DSC) correspondentes
Formar equipes completas, contratar mais dentistas e
organizar a demanda espontânea (DSC42)
Conseguir integração dos níveis de complexidade e a
referência para as especialidades (DSC43)
Realizar levantamento epidemiológico para organizar e
avaliar o serviço (DSC44)
Melhorar o registro dos dados e o fluxo de comunicação
com a central (DSC45)
Dar atenção à família que trabalha (DSC46)
Ampliar o acesso para adultos e adolescentes (DSC47)
Cuidar da família (DSC48)
Integrar as equipes (DSC49)
Construir um elo entre o profissional e o paciente, com
atenção mais humanizada (DSC50)
Melhorar o interesse dos profissionais pela Saúde
Coletiva (DSC51)
Ampliar o olhar do CD para as questões da categoria e
da comunidade (DSC52)
Atuar de forma integral (DSC53)
Consolidar uma formação acadêmica em Odontologia que
prepare o profissional para a Saúde Coletiva (DSC54)
Quadro 5. Síntese das IC do tema: os desafios para o trabalho do CD no PSF: para a
consolidação das mudanças de práticas de saúde bucal.
A partir da inserção do CD no PSF do cenário estudado, muitas mudanças
ocorreram no nível da organização dos serviços e do processo de trabalho das
equipes de saúde bucal, porém, ainda assim não se pode afirmar que o sistema
como um todo sofreu as transformações substanciais esperadas, nem que tenha
correspondido aos anseios da população.
Muitos problemas ainda persistem. Em alguns casos parece haver importação da
lógica dos serviços de urgência ao trabalho da Atenção Primária em Saúde.
128
Os desafios existem nas diversas instâncias do modelo proposto pelo PSF, desde
em seu aspecto político-estrutural, ao segmentar as equipes de saúde bucal das
ESF, bem como nas práticas dos profissionais de saúde.
Com relação ao seu trabalho no PSF, os CDs do estudo percebem limitações para
efetiva organização de seus processos de trabalho, quando apontam como principal
desafio a necessidade de formar equipes completas, contratar mais dentistas e
organizar a demanda espontânea.
DSC 42
Nossa, tem tantos desafios aqui! Primeiro desafio é que a gente precisa de
mais recursos humanos para formar uma equipe completa, que tenha
continuidade no dia-a-dia. E que fosse um dentista para uma equipe.
Realmente, o número de dentistas teria que ser proporcional ao número de
população, o que não é. Então a gente tem que trabalhar dentro dos
princípios, onde se possa realmente fazer aquilo que a gente aprendeu no
PSF, ser integrado com o enfermeiro, com o médico, conhecer todas as
pessoas, fazer visitas. Hoje, são muito poucos dentistas sendo contratados.
É muito complicado isso aí. Não pode, porque senão, primeiro o mercado
acaba, e ... Nós estamos fazendo tudo do PSF sozinhas (os). Então fica
difícil. Além disso, a gente tem que organizar essa demanda, o que é um
desafio grande, mesmo você trabalhando só num território, não é? É uma
extrema necessidade que nós temos. A demanda é muito alta, e não é fácil
porque é na cadeira direto, cadeira direto.
Desse modo, as necessidades acumuladas pela histórica exclusão de certos grupos
populacionais aos serviços de saúde bucal e a falta de recursos humanos, conforme
já problematizado anteriormente, comprometem a atenção integral à saúde bucal
dos usuários, pois ocorre a centralização do trabalho em práticas urgenciais e
procedimento-centradas. Além disso, tal contexto prejudica ou, em certas situações,
quase anula a possibilidade de se trabalhar em equipe.
Nesse sentido, Campos (2003), ao falar do desafio da integralidade nos modelos de
Vigilância à Saúde e Saúde da Família, faz a seguinte reflexão:
O primeiro desafio na busca do atendimento integral é reestruturar a forma
como os distintos estabelecimentos e organizações do setor saúde
trabalham até nos dias de hoje. As mudanças das práticas de saúde devem
ocorrer em dois níveis. O primeiro, institucional, da organização e
articulação dos serviços de saúde. O segundo, das práticas dos
profissionais de saúde [...] (CAMPOS, 2003, p. 574).
129
Sendo assim, a forma em que a instituição organiza os serviços de saúde bucal
deve favorecer as mudanças das práticas dos profissionais, apesar de ser
reconhecida a dificuldade de se implantar o PSF plenamente nos municípios de
grande porte onde a saúde da família passa a competir com o modelo médico-
assistencial hegemônico, enfrentando resistência dos vários atores implicados nesse
modelo (SOUSA, 2002; TEIXEIRA, C. F., 2006b).
Outros desafios em termos de organização dos serviços foram percebidos pelos
CDs, tais como conseguir integração dos níveis de complexidade e a referência para
as especialidades.
DSC 43
Pra mim, um desafio é a questão da especialidade, que é um funil. A gente
abre na atenção básica, aí quando chega na necessidade especializada, a
gente esbarra aí no pouco acesso. A falta de integração dos níveis é um nó
crítico, não só na odontologia, do PSF mesmo. A questão da especialidade
tem que melhorar e pode ser ampliada. Por exemplo, a prótese unitária,
seria interessante que fosse implantada, a prótese removível também. Além
disso, na hora que você precisa de um nível superior, não tem alta
complexidade. Esse caminho você não tem. Não tem a linha definindo, por
exemplo, o acamado. Não tem ainda um caminho da prefeitura chegar, para
poder internar essa pessoa, para fazer tratamento odontológico. Então são
desafios.
Outro desafio apontado pelos sujeitos em relação ao serviço local foi o de realizar
levantamento epidemiológico para avaliar e organizar o serviço.
DSC 44
O levantamento epidemiológico é um nó crítico. Em Vitória, já deveria ter
sido realizado. Então isso eu acho que é uma falha, porque foi feito um em
96, no início do Programa Sorria Vitória, para a implantação e realização do
Programa, e era para ter sido feito outro dois anos depois, e até hoje não se
fez ainda. Porque o que a gente faz nas escolas, na população do
Programa Sorria Vitória, é um levantamento de necessidades, não é um
levantamento epidemiológico, e eu acho que isso é fundamental para a
organização dos serviços, para avaliar se você está no caminho certo. E
exatamente nós não fomos preparados para isso dentro da odontologia né?
A gente não tem essa formação, eu acho até que tem poucos profissionais
inclusive, que tem essa formação, de especialização em epidemiologia.
130
Ainda na esfera da organização dos serviços, foi apontado o desafio de melhorar o
sistema de registro dos dados e fluxo de comunicação com a central.
DSC 45
Esse sistema de informação, a questão da informatização e da
comunicação, eu acho que é ruim. A gente passa os dados e a
coordenação passa para a SEMUS. E a gente tem pouco retorno, na
verdade. Além disso, também é uma coisa falha porque nem todo mundo
passa os dados da mesma forma.
Outro ponto abordado pelos entrevistados é o da necessidade de dar atenção à
família que trabalha.
DSC 46
A finalidade do programa é tratar de uma família, mas os pacientes estão
marcando e faltando... Não comparecem porque trabalham: a mãe
trabalha, o pai também e o filho não vem. Então, a gente fica ocioso aqui.
Todas essas questões levantadas pelos CDs são desafios do sistema de saúde
como um todo. A desarticulação entre a atenção básica e a especializada, como o
próprio sujeito coletivo reporta, não é uma questão particular do setor de saúde
bucal.
Porém, conforme já discutido, corroborando com os achados de Souza e Roncalli
(2007) e de Santos e Assis (2006), as ações de média e alta complexidades no setor
de Odontologia são ainda tímidas, pois apenas recentemente, em 2004, é que houve
a implantação dos Centros de Especialidade pela Política Nacional Brasil Sorridente.
Há necessidade de expansão da atenção especializada para que sejam efetivados
os princípios constitucionais da universalidade do acesso e integralidade da atenção
à saúde bucal.
A falta de levantamento epidemiológico local para diagnóstico de necessidades e
avaliação das práticas de saúde bucal, bem como a falta de padronização na
retroalimentação do SIAB, também prejudicam a organização do modelo e a
131
orientação do trabalho do CD, constituindo-se em limitações que não se restringem
ao setor de saúde bucal.
Com relação ao acesso do usuário trabalhador, a coordenação de saúde do
município de Vitória tem concentrado esforços para expandir os horários de
atendimento para além das 18 horas, o que já ocorre nas unidades básicas de Maria
Ortiz, Jardim Camburi e nas unidades de saúde da família de Maruípe, Praia do Suá,
Gilson Santos, Santo André e Ilha do Príncipe. Contudo, nas demais unidades essa
não é a realidade, e muitos usuários acabam não comparecendo. Tal fato foi
também reportado por Esposti (2007) ao estudar a inserção das ESB nas ESF de
duas USF de Vitória, ES, e por Araújo e Dimenstein (2006) ao estudarem o processo
de trabalho dos CDs no PSF de municípios do Rio Grande do Norte. Dessa forma, a
questão do acesso do trabalhador aos serviços de saúde bucal deve ser avaliada de
acordo com o perfil populacional de cada território de saúde, para que seja possível
otimizar o tempo de trabalho do profissional, contemplando também os usuários que
trabalham.
Ao falar de acesso aos serviços de saúde bucal, um CD faz críticas à própria
estrutura do modelo de atenção proposto pelo PSF, que prioriza os grupos
considerados “de risco” e apontam como desafio a necessidade de ampliar o acesso
para adultos e adolescentes.
DSC47
Pra mim hoje, o grande desafio do PSF é uma população enorme que não
tem acesso nenhum. O maior problema que nós temos hoje no PSF qual é?
Nós trabalhamos só com grupos: gestante, criança, escola, hipertenso,
diabético... Mas nós não trabalhamos com o adulto que não faz parte
desses grupos. O idoso, a gente ainda pega, mas até 60 anos você não
tem. Então, esse adulto, ele não tem vaga. É zero, nada. Demanda
espontânea. Mas a demanda espontânea fecha, ela acaba. Bate e volta.
Então hoje, o grande desafio... O adolescente, por exemplo, não tem
acesso. A gente trabalha com as escolas, a gente trabalha com até 15, 16
anos, mas adolescente chega até aos 19. Como que a gente vai fazer o
atendimento dessas pessoas? A população nem procura porque acha que
não precisa e nem vai conseguir. É complicado, porque você também não
pode ser dentista de apoio, você descaracteriza o PSF. Eu acho que hoje é
o grande desafio. A Odontologia hoje está numa crise violentíssima, a
população está cada vez precisando mais e nós não damos acesso, o que
está acontecendo? É hora da gente repensar isso aí. Ou a gente repensa,
ou a Odontologia vai acabar.
132
O acesso da demanda espontânea à saúde bucal, conforme aponta o DSC anterior,
ainda configura-se como grande limitação do PSF. Apesar de a formulação política
permitir que a incorporação dessa demanda seja flexível às necessidades locais de
cada território, o que foi possível perceber no cenário estudado, é que aos mesmos
cabiam duas vagas por turno na agenda dos dentistas, no antigo esquema da
espera por senha.
Franco e Merhy (2006) destacam que o PSF não dispõe de um esquema para
atendimento da demanda espontânea e argumentam que o atendimento às
urgências não é ponto forte da proposta, o que faz com que seja vista com
descrença pelo usuário.
O discurso também aponta para o paradoxo da Odontologia atual, de maneira que,
por um lado, há um excesso de CD no mercado precisando de trabalho e, por outro,
há um grande contingente da população que não tem acesso aos serviços de saúde
bucal (MOYSÉS, 2004).
Tal condição foi também observada por Andrade e Ferreira (2006) ao estudarem a
satisfação do usuário com os serviços de saúde bucal no PSF de Pompéu, MG. Os
autores encontraram grandes desigualdades de acesso e insuficiência de recursos
humanos, comprometendo a integralidade do serviço.
Nesse sentido, Vieira Netto (2007) caracterizou a falta de acesso à saúde bucal para
grupos populacionais, como o de adolescentes, como um contexto de violência
estrutural, em que a gestão pública não percebe a reprodução do viés das históricas
programações de saúde bucal que, sendo focalizadoras, mantêm um acesso restrito
para os adolescentes.
A esse respeito, outro DSC faz críticas ao PSF por priorizar “grupos de risco”,
portadores de doenças, e não a família, como era a proposta primária do Programa.
Dessa forma, o sujeito coletivo percebe como desafio da proposta, cuidar da família.
DSC 48
Eu acho, no meu ponto de vista, que a Estratégia de Saúde da Família, é
tratar a família: o pai, a mãe... Não separar por grupos, porque agora a
133
gente trabalha os grupos, a gente trabalha o grupo de hipertenso, o grupo
do idoso, o grupo do risco. Ah, o risco social... A gente fala assim: a família
de risco é prioridade. Mas aqui todo mundo é de risco não é, como você
faz? Ah, a criança é de risco e a mãe não é? Então eu gostaria de tratar
realmente a família. Aí a equipe vai discutir aquela família, como é que está
a condição dela... Isso é que eu acho que é saúde da família. Não tratar o
indivíduo separado por doença. Por enquanto, a gente está classificando o
indivíduo por doença. Se o indivíduo tem doença, ele consegue a vaga. Se
ela está grávida ela consegue a vaga. E se ele não tem nada? Então
continuou focado na doença, não na saúde.
A matriz estruturante do PSF está circunscrita à proposta da Atenção Primária e da
Vigilância da Saúde, que se traduz na operacionalização do serviço através da
valorização dos princípios de regionalização e hierarquização dos serviços, com a
incorporação da idéia de mapas de risco, ou de “problemas de saúde”, delimitando
as micro-áreas, e orientando o processo de planejamento e programação das ações,
sem perder de vista as necessidades sociais de saúde da população. Pretende dar
conta do princípio da integralidade, através da organização articulada dos diversos
níveis de complexidade, e das ações de promoção da saúde, prevenção, assistência
e recuperação (TEIXEIRA, C.F., 2006b).
Porém, ao priorizar os “grupos de risco”, a estratégia parece ainda sustentar um
caráter programático e focalizador em suas ações de saúde, já que a atenção fica
muito dirigida aos aspectos que os diversos programas priorizam.
Franco e Merhy (2006) argumentam ainda que, da forma como foi concebido, o PSF
perde sua potência transformadora, porque transforma o trabalho vivo em saúde em
práticas seguidoras de normas e regulamentos. Os autores avançam na discussão
e colocam que a verdadeira mudança diz respeito às dinâmicas relacionais entre
todos os profissionais que labutam na produção de serviços de saúde, e entre esses
e os usuários, no sentido de interagirem saberes e fazeres, somando entre si
diversos conhecimentos, a partir da articulação das tecnologias e do trabalho
multiprofissional, para a produção do cuidado em saúde.
No plano das micropolíticas do trabalho no PSF, alguns sujeitos observam, como
desafio, essa mudança subjetiva do profissional, para que haja integração entre as
equipes, conforme aponta o seguinte DSC.
134
DSC 49
Ah, eu acho que o desafio é você conseguir essa integração da equipe, de
um modo geral, e entre as próprias equipes de saúde bucal. É você ter essa
vontade de fazer, de melhorar aquela comunidade ali. É muito difícil você
conseguir trabalhar em equipe, trabalhar junto, pensar mais ou menos junto,
entendeu? Você ter mais ou menos aquele pensamento de que você quer o
melhor para aquelas pessoas, não é? Você não precisa estar fazendo
necessariamente as mesmas coisas. Mas eu vejo que muita gente está
passando um tempo ali, não é... E que não aceita muita coisa, entendeu?
Então, na verdade, é esse pensamento de melhorar a comunidade, você
gostar do que faz e caminhar na mesma direção.
Integrar pessoas para que tenham um projeto cuidador comum é desafiador, porque
as práticas de saúde se constituíram a partir da divisão hierárquica do trabalho. O
“ter o pensamento de que você quer o melhor para aquelas pessoas” envolve a
dimensão solidária e humana do cuidado, além de um compromisso com aquilo que
realiza. Não cabe mais ao SUS profissionais que não se vêem como sujeitos de
seus processos de trabalho e que não tenham envolvimento com o projeto
institucional junto aos outros profissionais da equipe.
Nesse sentido, é indispensável que os profissionais sejam capacitados para a
dimensão cuidadora do trabalho em saúde. Franco e Merhy (2006) colocam que
todo profissional de saúde é sempre um operador do cuidado e, por isso, deveria ser
capacitado para atuar no âmbito das tecnologias leves, de modo a produzir
acolhimento, responsabilizações e vínculos.
Sob a dimensão das tecnologias leves, alguns CDs perceberam como desafio
construir um elo entre o profissional e o paciente, com atenção mais humanizada.
DSC 50
Eu acho que o desafio das pessoas que vão mexer na área de saúde
pública, também do dentista, é você conseguir ter empatia pelo paciente,
uma atenção mais humanizada. É fazer o paciente entender que você não é
mais do que ele, que ele está no mesmo pé de igualdade, não é... Na
questão do conhecimento, que eu acho que isso é um grande salto. Eu
acho que o grande desafio, é o dia que o profissional de saúde, ele sair um
pouquinho desse pedestal que ele sem querer coloca, e se colocar assim:
eu sou gente igual a esse pessoal aqui. A hora que conseguir que tenha
esse elo, eu acho que a coisa desanda. Desanda não, a coisa vai,
deslancha.
135
Corroborando com o DSC anterior, o sujeito coletivo percebe ainda como desafio
para a mudança subjetiva do profissional, melhorar o interesse dos profissionais pela
saúde coletiva.
DSC 51
Eu acho que o que precisa melhorar são as pessoas que trabalham na
saúde. E eu vejo, por aí, o desinteresse de muita gente. Trabalhar na área
de saúde é complicado, porque você está lidando com ser humano não é?
E você atende gente de diversos tipos, então, tem que ter jogo de cintura
para receber essas pessoas, entendeu? Eu acho que o que falta aqui é
isso, o grande problema é esse, são as pessoas que trabalham na saúde. A
partir do momento que formar uma equipe de gente: ‘vamos trabalhar,
vamos tentar, pelo menos, né... tentar melhorar o problema da
comunidade’... E não é uma coisa difícil, é só querer.
Os dois discursos anteriores remetem à questão da relação profissional-usuário,
entendida por Merhy (2002) como o momento do encontro, do “trabalho vivo em
ato”, conforme discutido anteriormente. Apontam também para a necessidade do
sujeito trabalhador envolver-se plenamente com todas as dimensões do cuidar, de
modo a firmar compromisso com o resultado do seu trabalho enquanto um projeto
coletivo, produzido por uma equipe multiprofissional da qual faz parte.
Nesse sentido, é indispensável que o CD, bem como os demais profissionais de
saúde, tenha mais sensibilidade, escute o outro, numa postura que não seja distante
e impessoal.
Faz-se necessário ressaltar que práticas de saúde excessivamente normatizadas
coíbem a satisfação profissional, além de provocarem um estado de estagnação, em
que o profissional continua a realizá-las de forma mecânica, como não se
incomodasse com a recorrência do adoecimento (CAMPOS, 2003).
É importante que a organização dos serviços estimule o envolvimento do profissional
em todos os aspectos de seu processo de trabalho, para que se torne ativo
protagonista de seu trabalho, e não um mero reprodutor das práticas
hegemonicamente construídas.
136
Em se tratando do cirurgião-dentista, em particular, a tentativa de ampliar o trabalho
no âmbito do SUS traz à tona os conflitos de uma categoria profissional afastada dos
problemas de saúde da sociedade e alienada de si mesma (BOTAZZO, 2005).
Essa alienação política da categoria é percebida pelo sujeito como entrave à
inserção concreta do CD no PSF, que percebe como desafio a necessidade de
ampliar o olhar do profissional para as questões da categoria e da comunidade.
DSC 52
O dentista ainda não entendeu que ele tem que entender de tudo, tem que
aprender a técnica, mas também tem que ampliar o olhar para as questões
da categoria e da comunidade. Porque o dentista, de um modo geral, tem
que sair um pouquinho do castelo de cristal. E, infelizmente, as pessoas
que fazem Odontologia vêm de um padrão aquisitivo em que a pessoa tem
uma vivência muito longe assim, dessa realidade, não é? E o dentista ainda
não assumiu o seu papel, não é? Além disso, nós temos aí o sindicato, e
ninguém vai lá ver o que é essa entidade. Fica todo mundo reclamando,
mas o dentista tem que cair na real, que está uma competição danada, e se
ele não tomar a rédea, eu acho que ele vai parar... Então, arregaça a
manga e luta pela profissão!
A fragilidade política do CD é uma questão que reflete a forma em que a educação
odontológica e suas práticas se constituíram, privilegiando a dimensão
eminentemente técnica de seu trabalho, englobando os aspectos administrativos e,
sobretudo políticos, de maneira inexpressiva.
A formação odontológica ao reforçar a dimensão técnica do trabalho supõe a prática
liberal como horizonte a ser alcançado e, por conseqüência, produz procedimentos
dependentes de equipamentos e instrumentais, não reforçando a construção de
sujeitos politizados, que é o que mobiliza vontades e interesses para que as
mudanças sociais aconteçam.
Botazzo (2005) afirma que a fragmentação da prática odontológica reproduz a
segmentação disciplinar apresentada nos cursos de Odontologia, direcionados para
a prática privada, isolada, a qual é reproduzida no interior dos serviços públicos.
Sendo assim, o modo como é organizado o trabalho clínico acaba por fragmentar o
cuidado com o usuário e limitar a relação do CD com os demais profissionais.
137
Dessa forma, romper com essa tradição é um conflito constante para o cirurgião-
dentista inserido no PSF, de maneira que atuar de forma integral é um desafio para
o mesmo.
DSC 53
É difícil demais você ter essa mudança de olhar! Esbarrei muitas vezes na
minha própria prática que tem esse vício, esse biologicismo aí, e a gente
não teve uma formação, não é? Então acaba ficando muito em cima do: eu
vou tentar dessa forma, e você tem que buscar muito para atuar de forma
integral. Tem que estar buscando o tempo todo sabe? Buscando junto com
as outras pessoas, porque dessa prática mesmo, que a gente aprendeu na
faculdade, não tem nada assim que a gente possa tirar de lado, porque era
totalmente focalizada, não é?
Sendo assim, a formação do CD e as práticas de saúde bucal ainda precisam
proporcionar o resgate integral das suas tecnologias no âmbito das práticas
coletivas, porque o trabalho do cirurgião-dentista é fragmentado em sua essência.
Para o cuidado integral o CD necessita ressignificar tanto seu ato clínico, bem como
a relação profissional-paciente que não deve ser vista como relação do tipo
hierárquico, mas como relação entre cidadãos (BOTAZZO, 2005).
Nesse sentido, bem como aponta o DSC 54, o desafio atual consiste em consolidar
uma formação acadêmica em Odontologia que prepare o profissional para a Saúde
Coletiva.
DSC 54
Na situação que estamos hoje, eu acho que conseguir uma formação
acadêmica com uma discussão mais aprofundada de mercado de trabalho,
dos desafios econômicos do país, dos desafios de educação que nós
temos, da nossa categoria, das mudanças de currículo que têm que ser
feitas urgente, não é.... Eu não estou contra a técnica, eu acho que a gente
tem que aprender a técnica, mas também, nessa tecnologia, tem que ser
criativo, tem que aprender a fazer coisas simples também. Por exemplo,
que tipo de técnica a gente vai usar numa comunidade, sabe? E a gente sai
da faculdade muito formatado. Tem que ter um jogo de cintura danado!
Então a formação do dentista tem que priorizar mais ainda a parte de
educação em saúde, a parte que nós temos que entender a formação de
um povo, nós temos que entender a formação de uma comunidade. A gente
tem que entender isso tudo, porque não dá, é impossível trabalhar no PSF
se você não tem um mínimo de leitura a respeito de como as coisas
funcionam. Tem que ter uma coisa mais técnica mesmo, nessa área de
138
antropologia, de sociologia, de psicologia. Eu acho que o dentista tem que
começar... quer trabalhar no PSF, quer trabalhar com Saúde Coletiva? Ele
tem que ter um conhecimento, ele tem que ler muito... Ele tem que vir
antenado.
O sujeito coletivo aponta para a necessidade de uma formação em Odontologia mais
contextualizada com a sociedade, de modo que permita articulação entre os
conhecimentos técnico, social e humano envolvidos no trabalho do CD, que é, como
toda prática de saúde, socialmente construído.
A formação para o exercício generalista da profissão tem sido um desafio na
graduação de Odontologia. A compartimentalização do ensino em disciplinas
especializadas, a segmentação entre a teoria e a prática e a desarticulação entre
formação geral e formação especializada têm sido apontadas por diversos autores
(MOYSÉS, 2004; PERRI DE CARVALHO, 2005; SECCO; PEREIRA, 2004;
ZANETTI, 2006).
Cordioli e Batista (2006) investigaram o processo de formação em Odontologia
entrevistando 21 CDs inseridos na prática generalista da profissão. Dentre os
aspectos observados pelos CDs, foram salientados a falta de articulação da teoria
com a prática, uma formação descontextualizada da realidade com conseqüente
despreparo profissional para atuação no mercado de trabalho, ênfase
intraprofissional com pouca integração com as outras áreas da saúde, formação
inadequada para o trabalho na equipe de saúde no contexto do SUS, preparo
inadequado para ações administrativas e relacionais.
Estudos realizados com CDs inseridos no PSF destacaram a necessidade de maior
adequação do perfil do profissional para o trabalho na Saúde Coletiva e de uma
formação que pudesse contemplar melhor esse “novo” campo profissional (ARAÚJO;
DIMENSTEIN, 2006; ESPOSTI, 2007; FACÓ et al., 2005; GONSALVES, 2005).
Matos e Tomita (2004), ao explorarem as percepções de formadores e estudantes
de Odontologia sobre a atuação do CD no PSF, observaram nos discursos conceitos
em construção e enfatizaram a necessidade de maior envolvimento do ensino
superior com os serviços públicos de saúde.
A articulação do ensino nas áreas da saúde com o SUS, oficializada a partir da
Portaria Interministerial nº. 2.101 dos Ministérios da Saúde e Educação, pode ser
139
vista como uma ação intersetorial a fim de melhor qualificar os profissionais para a
esfera pública, readequando o perfil do egresso em conformação com as
necessidades do serviço de Atenção Básica em saúde (BRASIL, 2006d).
Todavia, normas e protocolos não garantem que os cirurgiões-dentistas, bem como
os demais profissionais de saúde, incorporem todas as condições necessárias para
o trabalho em nível comunitário. É preciso que todo o contexto seja favorável à
construção de um modelo de atenção que permita aos profissionais resgatarem a
cidadania dos indivíduos, contemplando a integralidade da atenção à saúde, em
todas as suas dimensões.
Dessa forma, foi possível constatar que o sujeito CD insere-se no modelo proposto
pelo PSF, mas não integralmente, porque apesar de perceberem mudanças
positivas em seus processos de trabalho, ainda existem muitos desafios para que o
modelo se concretize. É preciso que haja mudanças nos aspectos das micropolíticas
do processo de trabalho do profissional, com maior incorporação de dispositivos de
acolhimento, responsabilização e vínculo, o que implicaria em transformações mais
subjetivas na postura e nas relações do sujeito CD com os usuários e com os
demais profissionais de saúde. (MERHY, 2002; 2006; CAMPOS, 2006a, 2007).
No entanto, os desafios não se limitam aos micro-processos do trabalho do CD.
Constatou-se que desafios existem na própria estrutura do modelo, que reproduz a
histórica dicotomia entre as ações de caráter curativo, de um lado, e as ações do
campo da saúde coletiva, de cunho mais preventivo e coletivo, do outro. Tanto na
estrutura da política, bem como na organização dos serviços, em que se percebe
uma insuficiência de profissional para assistir às necessidades de saúde bucal da
demanda.
Portanto, creditar o sucesso do modelo de saúde bucal no PSF apenas à atuação do
CD e dos demais membros da equipe de saúde bucal seria uma perspectiva
reducionista. Na verdade, o desafio que se coloca é tornar concretos os princípios
que motivaram a Reforma Sanitária e o Sistema Único de Saúde.
Para isso, é importante reportar Campos (2006a, p. 34), quando afirma que
140
[...] temos que criar movimentos, situações e contextos, que favoreçam a
constituição de sujeitos coletivos, ainda que inacabados, e sempre presos
a diversas contradições e limitações, mas maduros o suficiente tanto para
realizar as mudanças indicadas como para sustentá-las e renová-las no
curso da vida. Creio que esses são nossos maiores desafios práticos e
teóricos.
141
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo ponto de vista é apenas a vista de um ponto.
Leonardo Boff
Ao finalizar o estudo, algumas perguntas puderam ser respondidas e outras tantas
foram (re)construídas. Sabendo da parcialidade de tomar apenas o ponto de vista do
profissional CD, e da parcialidade do olhar do investigador, chega-se ao consenso
de que o fenômeno estudado envolve campos interdisciplinares que ultrapassam a
possibilidade de apreendê-lo em todas as suas dimensões, as quais vão além da
capacidade reflexiva do pesquisador. Na verdade, com este estudo não se
pretendeu esgotar o assunto, mas sim apontar caminhos que pudessem contribuir
para a consolidação da saúde bucal no PSF.
O estudo demonstrou que a inserção do CD no PSF está vinculada à saturação da
Odontologia no espaço privado e à possibilidade de estabilidade financeira para o
profissional. Sob nova política de atenção, numa perspectiva coletiva, os CDs
começam a redefinir as habilidades exigidas nesses serviços: habilidades não
apenas técnicas, mas, sobretudo relacionais, que, conforme argumenta Zanetti
(2001), possibilitam enfrentar as incertezas e dificuldades características da esfera
pública.
Ao proceder à coleta de dados, os resultados apontaram para mudanças
importantes no cotidiano do CD, ao contrário do que era esperado pelo pesquisador,
já que a revisão de literatura sobre o assunto mostrava poucas mudanças no
processo de trabalho e nas práticas de saúde bucal no PSF em outros cenários.
Foi possível apreender a dimensão mais subjetiva das mudanças, no nível mais
relacional. Dessa maneira, pode-se compreender que o modelo proposto pelo PSF,
estrutura mudanças organizacionais no processo de trabalho do CD, que ao sair do
espaço exclusivamente clínico, a partir das visitas domiciliares, das reuniões de
equipe, dos encontros na comunidade, amplia seu horizonte profissional e seu olhar
sobre o processo saúde-doença-cuidado.
142
A responsabilização pelos usuários advindos de territórios específicos e a interação
proporcionada pelo trabalho em equipe também demonstraram ser potentes
dispositivos de transformação das práticas, agenciando a construção recíproca de
vínculo entre os CDs e os demais trabalhadores das equipes, e desses com a
comunidade, produzindo cuidado.
Todavia, tal cenário é marcado de conflitos e contradições, caracterizando uma linha
de tensão cotidiana vivida pelo CD, que depara com uma grande demanda por
necessidades curadoras a qual não legitima as atividades do CD realizadas fora da
clínica.
A análise do cotidiano do CD no PSF demonstra a fragmentação entre as ações
clínicas e aquelas de cunho educativo-promocional. A relação desigual entre ESB e
ESF dificulta sua atuação de forma integral, já que passa a ser parte de várias
equipes e a ser responsável por mais de um território, tendo situações de relação
com até quatro territórios, impossibilitando que, de fato, haja mudança no modelo de
atenção. Portanto, pode-se inferir que existem mudanças nas práticas e nos sujeitos,
mas questiona-se se há mudança concreta no modelo de atenção à saúde bucal
tradicionalmente curativo.
Dessa forma, para a consolidação das práticas de saúde bucal no PSF de Vitória, os
sujeitos reportam desafios tanto na ordem da organização dos serviços, tais como:
organização da demanda espontânea e a necessidade de contratação de mais
profissionais, a necessidade de ampliar a atenção especializada, a falta de
levantamento epidemiológico e de padronização do sistema de informação, bem
como desafios de ordem mais relacional, nos micro-processos de trabalho, a saber:
a integração entre profissionais da equipe, a motivação e interesse dos diversos
profissionais para a Saúde Coletiva e a construção de vínculos, afetos e
responsabilizações entre profissional-paciente.
Os sujeitos também reportam desafios mais estruturais da própria categoria
profissional, como: maior politização da classe, e processo de formação mais
condizente com as necessidades de saúde bucal da população e com a amplitude
interdisciplinar envolvida no campo da Saúde Coletiva, sobretudo ao que diz respeito
143
às ciências sociais e humanas e ao desenvolvimento de competências mais
relacionais envolvidas no processo do cuidar.
Antes de finalizar, pode-se destacar alguns pontos que, por não terem sido objetivos
primários desse estudo, necessitariam maior reflexão. O primeiro é que o CD faz
poucas menções ao usuário como sujeito político, co-responsável pelo ato de cuidar,
o que leva a questionar a participação do sujeito usuário nesse processo.
Outro ponto para reflexão é que é possível afirmar que existem mudanças
significativas no cotidiano do CD operadas pelo modelo do PSF, todavia, é mais por
uma pressão do mercado que o profissional vê a necessidade de abraçar esse novo
caminho, e capacitar-se para isso, o que explica a movimentação dos sujeitos para
especializarem-se em Saúde Coletiva. Essa asserção levanta a necessidade de
serem realizados estudos mais aprofundados que possam abordar a influência das
mudanças societárias, como os efeitos da globalização, sobre a Odontologia e suas
práticas, no momento atual.
O terceiro ponto é que a problematização da saúde bucal no PSF remete a questões
do SUS como um todo, em todos os seus níveis, e passa a exigir novas articulações
institucionais para fazer frente, com alguma competência, às demandas
acumuladas.
O esforço institucional de gestores de US e da própria coordenação de saúde bucal
do município vem sendo reconhecido de maneira positiva pela maioria dos
profissionais, sobretudo no que diz respeito às especializações em Saúde Coletiva,
patrocinadas pela instituição. Campos (2007) afirma que a mudança opera quando
há um esforço conjunto entre os trabalhadores da saúde, incluindo gestores, e
desses com os usuários, de modo que o objetivo final seja atender à necessidade de
saúde desse usuário.
Não se pode deixar de mencionar que muitas vezes a gestão de saúde é
‘engessada’ pela própria estrutura do Programa, que separa a saúde bucal da saúde
geral, e regulamenta a pactuação de metas entre a esfera federal e estadual, com o
município, de acordo com produtividade.
144
Levando em consideração os desafios destacados pelos próprios CDs para o
desenvolvimento de seu trabalho no PSF, considera-se necessário: ampliar o quadro
de CD, para que seja possível trabalhar minimamente dentro dos princípios de
territorialização, ampliando o acesso da demanda aos serviços; capacitar as equipes
de saúde bucal regularmente; incorporar projetos intersetoriais e avaliar os serviços
prestados; estimular maior integração das equipes, sob a lógica da humanização do
cuidado e da dimensão ético-solidária do trabalho; estimular maior participação e
empoderamento dos usuários; redimensionar a formação em Odontologia para o
sentido ético-social da prática; avaliar o arcabouço do Programa, tendo em vista a
integralidade das ações.
Nesse sentido, acredita-se que a inserção concreta do CD no PSF depende não
somente da postura do profissional, mas também de mudanças em todas as
dimensões envolvidas na organização do serviço de saúde bucal, sendo necessária
a construção de um elo entre os trabalhadores, os usuários e os gestores, em
harmonia com o projeto institucional.
Foi possível observar que, sob a lógica do cuidado e da integralidade em saúde, a
construção de projetos coletivos torna-se viável, e os cirurgiões-dentistas
redimensionam suas práticas, trazendo a possibilidade de configurar processos de
trabalho que não operem somente sob um agir instrumental, mas que permitam
construir novas relações de trabalho, espaços de negociação e escuta, entre
profissionais e usuários. Enfim, concorda-se com Honorato e Pinheiro (2007) quando
dizem que, no campo da saúde, é preciso pensar a alegria na atividade, não apenas
como estímulo que antecede e justifica o trabalho, mas como sendo gerada na
atividade, potencializando-a.
Finalizando, o estudo permitiu conhecer a condição dialética vivida pelo CD em seu
processo de trabalho no PSF, que aponta possibilidades para o sucesso, a partir de
um espaço de contradições e dificuldades.
Nesse sentido, o PSF indica um processo em construção, em que os desafios estão
colocados. A superação dos mesmos implica em estratégias que permitam recriar os
espaços, e que possam abraçar a complexidade envolvida na produção do cuidado
145
integral em saúde, cuja responsabilidade é dos envolvidos no sistema como um
todo.
146
7 REFERÊNCIAS
AERTS, D.; ABEGG, C.; CESA, K. O papel do cirurgião-dentista no Sistema Único
de Saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n.1 p. 131-134, 2004.
ALEIXO, J.L.M. A atenção primária à saúde e o Programa de Saúde da Família:
perspectivas de desenvolvimento do terceiro milênio. Revista Mineira de Saúde
Pública, Belo Horizonte, ano 1, n. 1, p. 1-16, 2002.
ALMEIDA, M.; FEUERWERKER, L.C.M.; LLANOS, M. (Org.). A educação dos
profissionais de saúde na América Latina: teoria e prática de um movimento de
mudança. São Paulo: Hucitec; Buenos Aires: Lugar Editorial; Londrina: UEL, 1999,
2v.
ALVES, V.S. Um modelo de educação em saúde para o Programa de Saúde da
Família: pela integralidade da atenção e reorientação do modelo assistencial.
Interface- Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 9, n. 16, p. 39-52, set.
2004/fev. 2005.
ANDRADE, K.L.C.; FERREIRA, E.F. Avaliação da inserção da odontologia no
Programa Saúde da Família de Pompéu (MG): a satisfação do usuário. Ciência e
Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.11, n.1, p.123-130, 2006.
ANDRADE, L.O.M.; BARRETO, I.C.H.C.; BEZERRA, R.C. Atenção primária à saúde
e Estratégia Saúde da Família. In: CAMPOS, G. W. et al. (Org.). Tratado de saúde
coletiva. São Paulo; Hucitec; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. cap. 25, parte 4, p.783-
836.
ARAÚJO, L.C. O Programa de Saúde da Família pelo olhar do cirurgião-
dentista. 2005. 98f. Dissertação (Mestrado em Odontologia) - Programa de Pós-
graduação em Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal,
2005.
ARAÚJO, Y.P.; DIMENSTEIN, M. Estrutura e organização do trabalho do cirurgião-
dentista no PSF de municípios do Rio Grande do Norte. Ciência e Saúde Coletiva,
Rio de Janeiro, v. 11, n. 1 p. 219-227, 2006.
AROUCA, S. O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da
medicina preventiva. São Paulo: UNESP; Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2003.
AYRES, J.R.C.M. Cuidado e reconstrução das práticas de saúde. Interface-
Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 8, n. 14, p. 73-91, 2004.
AYRES, J.R.C.M. Sujeito, intersubjetividade e práticas de saúde. Ciência e Saúde
Coletiva, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 63-72, 2001.
BALDANI, M.H. et al. A inclusão da odontologia no Programa Saúde da Família no
Estado do Paraná, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 4,
p. 1026-1035, jul./ago. 2005.
147
BARROS, F.S.; PINHEIRO, R. Notas teóricas sobre a noção de competência:
discutindo cuidado e humanização na saúde. In: PINHEIRO, R.; BARROS, M.E.B.;
MATTOS, R.A. (Org.). Trabalho em equipe sob o eixo da integralidade: valores,
saberes e práticas. Rio de Janeiro: IMS/UERJ – CEPESC – ABRASCO, 2007. Parte
2, p.111-128.
BARROS, M.E.B.; BARROS, R.B. A potência formativa do trabalho em equipe no
campo da saúde. In: PINHEIRO, R.; BARROS, M.E.B.; MATTOS, R.A. (Org.).
Trabalho em equipe sob o eixo da integralidade: valores, saberes e práticas. Rio
de Janeiro: IMS/UERJ – CEPESC – ABRASCO, 2007. Parte 2, p.75-84.
BOFF, L. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. 44. ed.
Petrópolis: Vozes, 2006.
BONALDI, C. et al. O trabalho em equipe como dispositivo de integralidade:
experiências cotidianas em quatro localidades brasileiras. In: PINHEIRO, R.;
BARROS, M.E.B.; MATTOS, R.A. (Org.). Trabalho em equipe sob o eixo da
integralidade: valores, saberes e práticas. Rio de Janeiro: IMS/UERJ – CEPESC –
ABRASCO, 2007. Parte I, p.53-72.
BOTAZZO, C. Da arte dentária. São Paulo: Hucitec-Fapesp, 2000.
BOTAZZO, C. Novas abordagens em saúde bucal. A questão da Integralidade. In:
GARCIA, D.V. (Org.) Novos rumos da saúde bucal: os caminhos da integralidade.
Rio de Janeiro: ABO-RJ/ ANS/ UNESCO, 2005. p. 43-47.
BOTAZZO, C. Saúde bucal e cidadania: transitando entre a teoria e a prática. In:
PEREIRA, A.C. et al. (Org.). Odontologia em saúde coletiva: planejando ações e
promovendo saúde. São Paulo: Artmed, 2003, Cap.1 p.17-27.
BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Conferência Nacional
de Saúde Bucal, 1., Brasília, 1986. Relatório final. Disponível em:
<www.saude.gov.br > Acesso em: 1 jul. 2008.
BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Conferência Nacional
de Saúde Bucal, 3, Brasília, 2004. Relatório final. Brasília, 2005. Disponível em:
<http://paginas.terra.com.br/saude/angelonline/artigos/art_doc_ofic/iiicnsb.pdf>.
Acesso em: 1 jul. 2008.
BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação
Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal.
Brasília, 2004a. Impresso.
BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Dez anos de
Saúde da Família no Brasil. Informe da Atenção Básica, ano V, n. 21, mar/abr.
2004b.
BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Proesf - expansão
e consolidação saúde da família. Disponível em: <http://www.saude.gov.br>. Acesso
em: 28 ago. 2008a.
148
BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Programa de
Saúde da Família. Cadernos de Atenção Básica. Brasília, 2000a Cad. 3, Prefácio.
BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da Família
Histórico de cobertura da Saúde da Família de Vitória-ES. Disponível em:
<www.saude.gov.br>. Acesso em: 20 mar. 2007a.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n.º 1.444, de 28 de dezembro de 2000.
Estabelece incentivo financeiro para a reorganização da atenção à saúde bucal
prestada nos municípios por meio do Programa de Saúde da Família. Brasília,
2000b. Disponível em:
<http://paginas.terra.com.br/saude/angelonline/artigos/art_doc_ofic/portaria1444_sb_
psf.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2008.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n.°267, de 6 de março de 2001. Aprova as
normas e diretrizes de inclusão da Saúde Bucal na estratégia do Programa de
Saúde da Família. Brasília: Diário Oficial da União, Brasília, Seção 1, p. 67, 7 mar.
2001a.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 599, de 23 de março de 2006. Define a
implantação de Especialidades Odontológicas (CEO) e de Laboratórios Regionais de
Próteses Dentárias (LRPD) e estabelece critérios, normas e requisitos para seu
credenciamento. Brasília, 2006a. Disponível em:
<http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/ Port2006/GM/GM-599.htm>. Acesso
em: 23 ago. 2007.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n.º 648, de 28 de março de 2006. Aprova a
Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas
para a organização da Atenção Básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e o
Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Brasília, 2006b. Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/se/2007/prt0648_31_12_2007.html>.
Acesso em: 23 ago. 2007.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n.º 1.996, de 20 de agosto de 2007. Dispõe
sobre as diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
22 ago. 2007b.
BRASIL. Ministério da Saúde. Programas da Saúde. Brasil sorridente. Disponível
em: <http:// www.saúde.gov.br>. Acesso em: 18 maio 2006c.
BRASIL. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003. Condições de Saúde Bucal
da População Brasileira. Brasília, 2004c. Disponível em: <http://www.saúde.
gov.br/bucal>. Acesso em: 20 maio 2006.
BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde da família. Disponível em:
<http://www.saude.gov.br>. Acesso em: 19 jul. 2008b.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Regionalização da
assistência à saúde. Norma Operacional da Assistência à Saúde: NOAS-SUS
01/01 e Portaria MS/GM n.º 95, de 26 de janeiro de 2001 e regulamentação
complementar. Brasília, 2001b.
149
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em
Saúde. Educação Superior. Programa de reorientação profissional da formação
profissional em saúde. Disponível em: <http://www.saude.gov.br>.Acesso em: 21
out. 2006d.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Projeto Promoção
da Saúde. As cartas da promoção da saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2002.
(Série B: Textos Básicos em Saúde).
CAMPOS, C. E. A. O desafio da Integralidade segundo as perspectivas da vigilância
da saúde e da saúde da família. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n.
2, p. 569-584, 2003.
CAMPOS, F. E.; BELISÁRIO, S. A. O Programa de Saúde da Família e os desafios
para a formação profissional e a educação continuada. Interface - Comunicação,
Saúde, Educação, Botucatu, v. 5, n. 9, p. 133-142, ago. 2001.
CAMPOS, G.W.S. Considerações sobre a arte e a ciência da mudança: revolução
das coisas e reforma das pessoas. O caso da saúde. In: CECÍLIO, L.C.O. (Org.).
Inventando a mudança na saúde. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 2006a. Cap.1, p.29-
87.
CAMPOS, G.W.S. Clínica e saúde coletiva compartilhadas: teoria paidéia e
reformulação ampliada do trabalho em saúde. In: CAMPOS, G.W.S. et al. (Org.).
Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006b.
cap.2, parte 1, p.41-80.
CAMPOS, G.W.S. Saúde paidéia. 3. Ed. São Paulo: Hucitec, 2007.
CAMPOS, G.W.S. Saúde pública e saúde coletiva: campo e núcleo de saberes e
práticas. Ciência e Saúde Coletiva, v. 5, n. 2, p. 219-230, 2000.
CAMPOS, G.W.S. Subjetividade e administração de pessoal: considerações sobre
modos de gerenciar os trabalhos em equipes de saúde. In: MERHY, E.E.; ONOCKO,
R. (Org.). Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec; Buenos
Aires: Lugar, 1997. Cap.7, parte 3, p.229-266.
CARVALHO, C.L. Dentistas práticos no Brasil: história de exclusão e resistência
na profissionalização da Odontologia brasileira. 2003. 265f. Tese (Doutorado em
Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Osvaldo Cruz, Rio
de Janeiro, 2003.
CECCIM, R.B.; FEUERWERKER, L.C.M. O quadrilátero da formação para a área da
saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: Rev. Saúde Coletiva, Rio
de Janeiro, v. 14, n.1, p.41-65, 2004.
CECÍLIO, L.C.O. Prólogo. In: _____. Inventando a mudança na saúde. 3. ed. São
Paulo: Hucitec, 2006. p.11-28.
CHAVES, M. M. Odontologia social. 2. ed. Rio de Janeiro: Editorial labor do Brasil.
1977.
150
CHAVES, M. M. Odontologia social. 3. ed. São Paulo: Artes Médicas, 1986.
CHAVES, S.C.L.; SILVA, L.M.V., 2007. As práticas profissionais no campo
público de atenção à saúde bucal: o caso de dois municípios da Bahia.
Disponível em:<http://www.abrasco.org.br/cienciaesaudecoletiva/artigos/artigo_ int.
php?id_artigo=372>. Acesso em: 2 fev. 2007.
CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA (CFO). Profissionais e Entidades no
Brasil. Disponível em: <http://www.cfo.org.br> Acesso em: 5 jul. 2008.
CONSELHO REGIONAL DE ODONTOLOGIA DO ESPÍRITO SANTO. Perfil sócio-
econômico do cirurgião-dentista capixaba. Nov. 2002. Disponível em:
<http://www.croes.org.br>. Acesso em 10 de junho de 2008.
CORDIOLI, O.F.G.; BATISTA, N.V. O processo de formação do cirurgião-dentista e
a prática generalista da odontologia: uma análise a partir da vivência profissional. In:
PERRI DE CARVALHO, A.C.; KRIGER, L. (Org.). Educação odontológica. São
Paulo: Artes Médicas, 2006. Cap. 9, p.87-96.
CRUZ, J. S. et al. A imagem do cirurgião-dentista: um estudo de representação
social. Revista de Odontologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 11,
n. 4, p. 307-313, out./dez. 1997.
DEMO, P. Conhecimento moderno: sobre ética e intervenção do conhecimento.
2.ed. Petrópolis: Vozes, 1998, p.18.
DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA - DAB. Secretaria de políticas de saúde.
Infomes técnicos institucionais. Programa Saúde da Família. Revista de Saúde
Pública, São Paulo, v. 34, n. 3, p. 316-319, 2000.
DIAS, A.A.; REGO, D.M. Autopercepção do cirurgião-dentista no Programa de
Saúde da Família do Ceará. In: THERRIEN, S.M.N. (Org.) Construção do saber em
Saúde Coletiva. Fortaleza, 2004. v. 11.
DIAS, A.A. Saúde Bucal Coletiva e Legislação à luz da Construção de um Novo
Modelo de Atenção. In: DIAS, A.A. et al. (Org). Saúde bucal coletiva: metodologia
de trabalho e práticas. São Paulo: Ed. Santos, 2006. Cap.1, p.1-20.
EMMERICH, A. A corporação odontológica e o seu imaginário. Vitória: Edufes,
2000.
EMMERICH, A.; FREIRE, A. S. Flúor e saúde coletiva. Vitória: Edufes, 2003.
ESCOREL, S.; NASCIMENTO, D. R.; EDLER, F. C. As Origens da Reforma
Sanitária e do SUS. In:
LIMA, N.T.; GERSCHMAN, S. (Org.). Saúde e democracia:
história e perspectivas do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz/OPS/OMS, 2005. Cap. 2 p.
59-81.
151
ESPOSTI, C.D.D. A saúde bucal na saúde da família: ação comunicativa de
Habermas guiando as relações. 2007. 141f. Dissertação (Mestrado em Saúde
Coletiva) - Programa de Pós-graduação em Atenção à Saúde Coletiva, Universidade
Federal do Espírito Santo, Vitória, 2007.
FACÓ, E.F. et al. O cirurgião-dentista e o Programa Saúde da Família na
Microrregião II, Ceará, Brasil. RBPS, Fortaleza, v. 18, n. 2, p. 70-77, 2005.
Disponível em: <http://www.unifor.br/notitia/file/512.pdf>. Acesso em: 20 maio 2007.
FERNANDES NETO, A.J. et al. A trajetória dos Cursos de Odontologia no Brasil. In:
HADDAD, A.E. (Org.). A trajetória dos cursos de graduação na saúde: 1991-
2004. Texto de Referência. Brasília: INEP/MEC, 2006. p. 381-409. Disponível em:
<http://www.publicacoes.inep.gov.br>. Acesso em: 17 jul. 2008.
FERREIRA, A.A.A.; ALVES, M.S.C.F. Os sentidos da boca: um estudo de
representações sociais com usuários dos serviços de saúde. Cadernos de Saúde
Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n.1, p.19-30, 2006.
FORTUNA, C. M et al. O trabalho de equipe no programa de saúde da família:
reflexões a partir de conceitos do processo grupal e de grupos operativos. Revista
Latino-americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v.13, n. 2, p. 262-268, mar./abr.
2005.
FRANCO, T.B.; BUENO, W.S.; MERHY, E.E. O acolhimento e os processos de
trabalho em saúde: o caso de Betim (MG). In: MERHY, E. E. et al. (Org.). O
trabalho em saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano. 3. ed. São
Paulo: Hucitec, 2006. Cap. 2, p. 37-54.
FRANCO, T.B.; MERHY, E.E. Programa de Saúde da Família (PSF): contradições
de um programa destinado à mudança do modelo tecnoassistencial. In: MERHY,
E.E. et al. (Org.). O trabalho em saúde: olhando e experienciando o SUS no
cotidiano. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 2006. Cap. 3, p.55-124.
FRANCO, T.B.; MERHY, E.E. PSF: Contradições e novos desafios. Conferência
Nacional de Saúde On-Line. Tribuna Livre. Disponível em
<http://www.datasus.gov.br/cns/cns.htm> Acesso em 10 jan. 2007.
FRAZÃO, P. Epidemiologia em Saúde Bucal. In: PEREIRA, A.C. et al. (Org.).
Odontologia em saúde coletiva: planejando ações, promovendo saúde. São
Paulo: Artmed, 2003, Cap. 4, p. 64-81.
FREIDSON, E. Renascimento do profissionalismo: teoria, profecia e política. São
Paulo: EDUSP, 1998.
FREITAS, S.F.T. História social da cárie dentária. Bauru: Edusc, 2001.
GARRAFA, V.; MOYSÉS, S.J. Odontologia brasileira: tecnicamente elogiável,
cientificamente discutível, socialmente caótica. Divulgação em Saúde para Debate,
Londrina, n. 13, p. 6-17, 1996.
152
GOMES, R.S.; PINHEIRO, R.; GUIZARDI, F.L. A orquestração do trabalho em
saúde: um debate sobre a fragmentação das equipes. In: PINHEIRO, R.;
MATTOS,R.A. (Org.). Construção social da demanda: direito à saúde, trabalho em
equipe e participação e espaços públicos. Rio de Janeiro: Cepesc/Uerj/Abrasco,
2005. Parte II, p.105-116.
GONSALVES, E. O processo de trabalho do cirurgião-dentista: uma contribuição
à construção do SUS. 2005, 140f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) -
Programa de Pós-graduação em Atenção à Saúde Coletiva, Universidade Federal
do Espírito Santo, Vitória, 2005.
HEINMANN, L.S.; MENDONÇA, M.H. A trajetória da atenção básica em saúde e do
Programa de Saúde da Família no SUS: uma busca de identidade. In: LIMA, N.T. et
al. (Org.). Saúde e democracia: história e perspectivas do SUS. Rio de Janeiro:
Fiocruz/OPS/OMS, 2005. p. 481-502.
HONORATO, C.E.M.; PINHEIRO, R. “Trabalho político”: construindo uma categoria
analítica para análise da integralidade como dispositivo do trabalho em equipe na
saúde. In: PINHEIRO, R.; BARROS, M.E.B.; MATTOS, R.A. (Org.). Trabalho em
equipe sob o eixo da integralidade: valores, saberes e práticas. Rio de Janeiro:
IMS/UERJ – CEPESC – ABRASCO, 2007. Parte 2, p. 85-109.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Cidades do Espírito Santo:
Vitória. Disponível em <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 17 jun. 2008.
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Acesso e utilização
dos serviços de saúde 1998. Rio de Janeiro, 2000. Disponível
em<www.ibge.gov.br> Acesso em: 15 set. 2008.
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Acesso e utilização
dos serviços de saúde 2003. Rio de Janeiro, 2005. Disponível em:
<www.ibge.gov.br> Acesso em: 15 set. 2008.
INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS SÓCIO-ECONÔMICOS -
INBRAPE. O perfil do cirurgião-dentista no Brasil. 2003. Disponível em:
<www.cfo.org.br> Acesso em: 10 de junho de 2008.
INSTITUTO DE APOIO À PESQUISA E AO DESENVOLVIMENTO JONES DOS
SANTOS NEVES – IPES/ES. Perfil Municipal – Vitória. Disponível em:
<www.ipes.es.gov.br>. Acesso em: 20 mar. 2007.
JUNQUEIRA, C. R.; RAMOS, D.L.P.; RODE, S.M. Considerações sobre o mercado
de trabalho em Odontologia. Revista Paulista de Odontologia, São Paulo, v.27, n.
4, p. 24-27, 2005.
KOIFMAN, L. O modelo biomédico e a reformulação do currículo médico da
Universidade Federal Fluminense. História, Ciências, Saúde, Manguinhos, v. 8, n.
1, p. 48-70, mar./jun. 2001.
LIMA, N.T.; FONSECA, C.M.; HOCHMAN, G. A Saúde na Construção do Estado
Nacional no Brasil: Reforma Sanitária em Perspectiva Histórica. In: LIMA, N.T. et al
153
(Org.). Saúde e Democracia: história e perspectivas do SUS. Rio de Janeiro:
Fiocruz/OPS/OMS, 2005. Cap. I, p. 27-58.
LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A.M.C. O Discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque
em pesquisa qualitativa. 2. ed. Caxias do Sul: Educs, 2005.
MANFREDINI, M.A. Planejamento em saúde bucal. In: PEREIRA, A.C. et al. (Org.).
Odontologia em saúde bucal coletiva: planejando ações e promovendo saúde.
Porto Alegre: Artmed, 2003. Cap. 3, p. 50-63.
MANFREDINI, M.A. Saúde bucal no Programa de Saúde da Família no Brasil. In:
DIAS A.A. et al. (Org.). Saúde bucal coletiva: metodologia de trabalho e práticas.
São Paulo: Ed. Santos, 2006. Cap. 3, p. 43-73.
MARCENES, W.; BÖNECKER, M.J.S. Aspectos Epidemiológicos e Sociais das
Doenças Bucais. In: BUISCHI, Y.P. (Org.). Promoção de saúde bucal na clínica
odontológica. São Paulo: Artes Médicas, 2000. Cap. 4, p. 73-94.
MATOS, P.E.S.; TOMITA, N.E. A inserção da saúde bucal no Programa Saúde da
Família: da universidade aos pólos de capacitação. Cadernos de Saúde Pública,
Rio de Janeiro, v. 20, n. 6 p.1538-1544, nov./dez. 2004.
MATTOS, R.A. Em busca de novos projetos coletivos. Ciência e Saúde Coletiva,
Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 250-252, 1999.
MENDES, E. V. A reforma sanitária e a educação odontológica. Cadernos de
Saúde de Pública, Rio de Janeiro, v. 2, n. 4, p. 533-552, out./dez. 1986.
MENDES, E. V. Uma agenda para a saúde. São Paulo: Hucitec, 1996.
MENDES GONÇALVES, R.B. Tecnologia e organização social das práticas de
saúde. Características tecnológicas de Processo de Trabalho na Rede Estadual de
Centros de Saúde de São Paulo. São Paulo: Hucitec-Abrasco, 1994.
MERHY, E.E. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em
saúde. In: MERHY, E.E.; ONOCKO, R. (Org.). Agir em saúde: um desafio para o
público. São Paulo-Buenos Aires: Hucitec/Lugar Editorial, 1997, cap. 2, p.71-112.
MERHY, E.E. Novos modos de fabricar os modelos de atenção. In: MERHY, E.E. et
al. (Org.). O Trabalho em saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano. 3.
ed. São Paulo: Hucitec, 2006. Cap. 1, p.15-35.
MERHY, E.E. Saúde, cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec, 2002.
MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São
Paulo: Hucitec, 1992.
MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10.
ed. São Paulo: Hucitec, 2007.
154
MOYSÉS, S.J. Políticas de saúde e formação de recursos humanos em
Odontologia. Revista da ABENO, Brasília, v. 4, n. 1 p. 30-37, 2004. Disponível em:
<www.abeno.org.br> Acesso em: 10 out. 2005.
MOYSÉS, S.T.; WATT, R. Promoção de saúde bucal: definições. In: BUISCHI, Y.P.
(Ed.). Promoção de saúde bucal na clínica odontológica. São Paulo: Artes
Médicas-EAP-APCD, 2000. Cap. 1, p. 1-21.
NADANOVSKI, P. O declínio da cárie. In: PINTO, V. G. (Org.). Saúde bucal
coletiva. 4. ed. São Paulo: Ed. Santos, 2000. Cap. 12, p. 341-351.
NADANOVSKI, P.; SHEIHAM, A. Relative contribution of dental services to the
changes in caries levels of 12 year-old children in 18 industrialised countries in the
1970s and early 1980s. Community Dentistry Oral Epidemiology, Copenhagen, v.
45, p. 163-167, 1995.
NARVAI, P.C. et al. Cárie dentária no Brasil: declínio, polarização, iniqüidade e
exclusão social. Revista Panamericana de Salud Pública, Washington, v. 19 n. 6,
p. 385-393, jun. 2006.
NARVAI, P.C. Odontologia e saúde bucal coletiva. 2. ed. São Paulo: Ed. Santos,
2002.
NARVAI, P.C. Recursos humanos para promoção de saúde bucal. In: KRIGER, L. et
al. (Org.). Aboprev: promoção de saúde bucal. 2. ed. São Paulo: Artes Médicas,
1999. Cap. 19, p. 449-475.
NARVAI, P.C. Saúde bucal coletiva: caminhos da odontologia sanitária à bucalidade.
Rev Saúde Pública, São Paulo, v.40, p.141-147,
2006. Número especial.
NOVAES, H.M.D. Tecnologia e Saúde: a construção social da prática odontológica.
In: BOTAZZO, C.; FREITAS, S.F.T. (Org.). Ciências sociais e saúde bucal:
questões e perspectivas. Bauru: Unesp/Edusc, 1998. Cap.6, p.141-158.
OLIVEIRA, J.L.C.; SALIBA, N.A. Atenção odontológica no Programa de Saúde da
Família de Campos dos Goytacazes. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.
10, p. 297-302, dez. 2005.
ONOCKO, R. A gestão: espaços de intervenção, análise e especificidades técnicas.
In: CAMPOS, G.W.O. (Org.). Saúde paidéia. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 2007. p.
122-149.
ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Desenvolvimento de
Sistemas de Serviços de Saúde. A política Nacional de Saúde Bucal do Brasil:
registro de uma conquista histórica. Brasília, 2006. Disponível em:
<www.saude.gov.br>. Acesso em: 15 jun. 2006.
PAIM, J.S.; ALMEIDA FILHO, N. Saúde coletiva: uma “nova saúde pública” ou
campo aberto para novos paradigmas? Revista de Saúde Pública, São Paulo, v.
32, n. 4 p. 299-316, 1998.
155
PAIM, J.S. Por um planejamento das práticas de saúde. Ciência e Saúde Coletiva,
Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 243-261, 1999.
PAIM, J.S. Saúde, política e reforma sanitária. Salvador: Instituto de Saúde
Coletiva, 2002.
PEDUZZI, M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Revista Saúde
Pública, São Paulo, v. 35, n. 1, p. 103-109, 2001.
PEDUZZI, M. Trabalho em equipe de saúde no horizonte normativo da integralidade,
do cuidado e da democratização das relações de trabalho. In: PINHEIRO, R.;
BARROS, M.E.B.; MATTOS, R.A. (Org.). Trabalho em equipe sob o eixo da
integralidade: valores, saberes e práticas. Rio de Janeiro: IMS/UERJ – CEPESC –
ABRASCO, Parte 2, p.161-178, 2007.
PEREIRA, D.Q.; PEREIRA, J.C.M.; ASSIS, M.M.A. A prática odontológica em
Unidades Básicas de Saúde em Feira de Santana (BA) no processo de
municipalização da saúde: individual, curativa, autônoma e tecnicista. Ciência e
Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 599-609, 2003.
PERRI DE CARVALHO, A.C. Ensino de especialização: redirecionamento
acadêmico. Revista da ABENO, Brasília, v. 5, n. 2, p. 125-129, 2005. Disponível
em: <www.abeno.org.br> Acesso em: 10 out. 2007.
PERRI DE CARVALHO, A.C. Ensino de Odontologia no Brasil. In: PERRI de
CARVALHO, A.C.; KRIGER, L. (Org.). Educação odontológica. São Paulo: Artes
Médicas, 2006. Cap. 2, p. 5-15.
PETERSEN, P.E. The world oral health report 2003. Continuous improvement of
oral health in the 21
st
century- the approach of WHO Oral Health Programme.
Geneve, 2003. Disponível em <http://www.who.int/oral_health/media/en/orh_
report03_en.pdf> Acesso em: 20 jun. 2006.
PINHEIRO, R.; BARROS, M.E.B.; MATTOS, R.A. Introdução- Trabalho em equipe: a
estratégia teórica e metodológica da pesquisa sobre integralidade em saúde. In:
PINHEIRO, R.; BARROS, M.E.B.; MATTOS, R.A. (Org.). Trabalho em equipe sob o
eixo da integralidade: valores, saberes e práticas. Rio de Janeiro: IMS/UERJ –
CEPESC – ABRASCO, 2007. Parte 1, p. 10-17.
PINHEIRO, R.; MATTOS, R.A. Construção da integralidade: cotidiano, saberes e
práticas em saúde. Rio de Janeiro: IMS/UERJ-ABRASCO, 2003.
PINHEIRO, R.; MATTOS, R.A. Cuidado, as fronteiras da integralidade. Rio de
Janeiro: IMS/UERJ-CEPESC-ABRASCO, 2005.
PIRES, D. Reestruturação produtiva e conseqüência para o trabalho em saúde.
Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 53, n. 2, p. 251-263, 2000.
156
RABELO, N. S.; MACEDO, L. A.; MARRA, E. M. O. Percepção dos cirurgiões-
dentistas sobre o mercado de trabalho atual. Disponível em:
<http://www.propp.ufu.br/revistaeletronica/edicao2002/D/PERCEPCAO%20.PDF>
Acesso em: 7 jul. 2008.
RIBEIRO, E. C. O. Discussão sobre o livro - a educação dos profissionais de saúde
na América Latina: teoria e prática de um movimento de mudança. Interface -
Comunicação, Saúde e Educação, Botucatu, v. 4, n. 7, p. 139-142, 2002.
RIBEIRO, E.M.; PIRES, D; BLANK, V.L.G. A teorização sobre o processo de
trabalho em saúde como instrumental para análise do trabalho no Programa Saúde
da Família. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 438-443,
mar./abr. 2004.
RING, M. E. História Ilustrada da Odontologia. São Paulo: Manolo, 1998.
ROCHA, P.D. A relação do cirurgião-dentista de saúde da família com a
comunidade em Sobral, CE. 2005. 53f. Monografia (Especialização em Saúde da
Família) – Curso de Especialização em Saúde da Família, Universidade Estadual
Vale do Acaraú, Sobral, 2005.
RODRIGUES, M.P. O perfil dos profissionais de saúde bucal dos serviços de
saúde pública do Rio Grande do Norte. 2002. Disponível em:
<www.observatorio.nesc.ufrn.br>. Acesso em: 20 jan. 2007.
RONCALLI, A.G. et al. Modelos assistenciais em saúde bucal no Brasil: tendências e
perspectivas. Ação coletiva, Brasília, v. 2, n. 1, p. 9-14, jan./mar. 1999. Disponível em
<http://www.abrasco.org.br/cienciaesaudecoletiva/artigos/artigo_int.php?id_artigo=
501>. Acesso em: 27 maio 2007.
RONCALLI, A.G. Levantamentos epidemiológicos em saúde bucal no Brasil. In:
ANTUNES, J.L.F.; PERES, M.A.A. (Org.). Fundamentos de odontologia:
epidemiologia da saúde bucal. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. v. 1, cap. 3
p. 32 -48.
ROSENTHAL, E. A Odontologia no Brasil até 1900. In: ______. A odontologia no
Brasil no século XX. São Paulo: Ed. Santos, 2001.
SANTOS, A.M. et al. Vínculo e autonomia na prática de saúde bucal no Programa
Saúde da Família. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 42, n. 3 p. 464-470,
2008.
SANTOS, A.M.; ASSIS, M.M.A. Da fragmentação à integralidade: construindo e
(des)construindo a prática de saúde bucal no Programa de Saúde da Família de
Alagoinhas, BA. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 53-61,
2006.
SAUPE, R. et al. Competência dos profissionais de saúde para o trabalho
interdisciplinar. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 9, n. 18,
p. 521-536, set./dez. 2005.
157
SCHRAIBER, L.B. et al. Planejamento, gestão e avaliação em saúde: identificando
problemas. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 221-242, 1999.
SECCO, L.G.; PEREIRA, M.L.T. Formadores em odontologia: profissionalização
docente e desafios político-estruturais. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.
9, n. 1, p. 113-120, 2004.
SERRA, C.G.; GARCIA, D.V.; MATTOS, D. A explicitação das antigas inquietações e
a busca das soluções na realidade recente da saúde bucal: um processo doloroso
de espera pelo fim das ansiedades e angústias. In: GARCIA, D.V. (Org.) Novos
rumos da saúde bucal: os caminhos da integralidade. Rio de Janeiro: ABO-RJ/
ANS/ UNESCO, 2005. p. 9-21.
SHEIHAM, A.; MOYSÉS, S.J. O papel dos profissionais de saúde bucal na
promoção da saúde. In: BUISCHI, Y.P. (Ed.). Promoção de saúde bucal na clínica
odontológica. São Paulo: Artes Médicas, 2000. Cap. 2, p. 23 -36.
SILVEIRA FILHO, A.D. A saúde bucal no PSF: o desafio de mudar a prática.
Revista Brasileira de Saúde Família, Brasília, v. 6, p. 36-43, 2002.
SIMIONI, A.M.C.; LEFÈVRE, F.; PEREIRA, I.M.T.B. Metodologia qualitativa nas
pesquisas em saúde coletiva: considerações teóricas e instrumentais. o Paulo:
Universidade de São Paulo, 1996.
SOUSA, M.F. (org). Os sinais vermelhos do PSF. São Paulo: Hucitec, 2002.
SOUZA, T.M.S.; RONCALLI, A.G. Saúde bucal no Programa Saúde da Família: uma
avaliação do modelo assistencial. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.
23, n. 11, p. 2727-2739, nov. 2007.
TEIXEIRA, C. F. A mudança do modelo de atenção à saúde no SUS: desatando nós,
criando laços. In: TEIXEIRA, C.F.; SOLLA, J.P. (Org.). Modelo de atenção à saúde.
Promoção, vigilância e saúde da família. Salvador: EDUFBA, 2006a. p. 19-58.
TEIXEIRA, C.F. Saúde da família, promoção e vigilância: construindo a integralidade
da atenção à saúde no SUS. In: TEIXEIRA, C.F.; SOLLA, J.P. (Org.). Modelo de
atenção à saúde. Promoção, vigilância e Saúde da Família. Salvador: EDUFBA,
2006b. p. 59- 83.
TEIXEIRA, C.F.; SOLLA, J. Modelo de atenção à saúde no SUS: trajetórioa do
debate conceitual, situação atual, desafios e perspectivas. In: LIMA, N.T. et al.
(Org.). Saúde e Democracia: história e perspectivas do SUS. Rio de Janeiro:
Fiocruz/OPS/OMS, 2005. Cap. 14, p. 451-480.
TEIXEIRA, M.C.B. A dimensão cuidadora do trabalho de equipe em saúde e sua
contribuição para a odontologia. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n.
1, p. 45-51, 2006.
TRIVIÑOS, N. S. A. Introdução em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em
educação. São Paulo: Atlas, 1987.
158
VARGAS, A.M.D.; PAIXÃO, H.H. Perda dentária e seu significado na qualidade de
vida de adultos usuários de serviço público de saúde bucal do Centro de Saúde Boa
Vista, em Belo Horizonte. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 4, p.
1015-1024, 2005.
VIEIRA NETTO, M. F. A violência estrutural e a saúde bucal dos adolescentes:
um estudo da gestão odontológica municipal no Estado do Espírito Santo. 2007,
137f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Programa de Pós-graduação em
Atenção à Saúde Coletiva, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2007.
VILARINHO, S.M.M.; MENDES, R.F.; PRADO JÚNIOR, R.R. Perfil dos cirurgiões-
dentistas integrantes do Programa Saúde da Família em Teresina (PI). Revista
Odonto Ciência, Porto Alegre, v. 22, n. 55, p. 48-54, jan./mar. 2007.
VITÓRIA (ES). Secretaria Municipal de Saúde. Programa de Saúde Bucal. Saúde
bucal na estratégia do programa de saúde da família. Vitória, 1999.
VITÓRIA (ES). Secretaria Municipal de Saúde. Coordenação de Saúde Bucal. A
saúde bucal no PSF de Vitória. Vitória, 2004.
VITÓRIA (ES). Secretaria Municipal de Saúde. Plano municipal de saúde de 2006
a 2009. Vitória, 2005a.
VITÓRIA (ES). Secretaria Municipal de Saúde. Gerência de Atenção à Saúde.
Coordenação de Saúde Bucal. Protocolo de Saúde Bucal. Vitória, 2005b.
VITÓRIA (ES). Secretaria Municipal de Saúde. Relatório de Gestão 2006. Vitória,
abr. 2007. Disponível em: <www.vitória.es.gov.br>. Acesso em: 25 jun. 2008.
VITÓRIA (ES). Secretaria Municipal de Saúde. Relatório de Gestão 2007. Vitória,
abr. 2008a. Disponível em: <WWW.vitoria.es.gov.br> Acesso em: 25 set. 2008.
VITÓRIA (ES). Secretaria Municipal de Saúde. Coordenação da Atenção Básica.
Sistema de Informação de Atenção Básica. Cobertura de PACS/PSF. Vitória,
2008b.
VITÓRIA (ES). Secretaria Municipal de Saúde. Programa Sorria Vitória. Disponível
em: <www.vitoria.es.gov.br> Acesso em: 5 jul. 2008c.
WARMLING, C.M.; CAPONI, S.; BOTAZZO, C. Práticas sociais de regulação da
identidade do cirurgião-dentista. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n.
1, p. 115-122, 2006.
ZANETTI, C.H.G. A crise da odontologia brasileira: as mudanças estruturais do
mercado de serviços e o esgotamento do modo de regulação curativo de massa.
Ação coletiva, Brasília, v. 2, n. 3, p. 11-24, jul./set. 1999.
ZANETTI, C.H.G. A formação do cirurgião-dentista. In: DIAS, A.A. (Org.). Saúde
bucal coletiva: metodologia de trabalho e práticas. São Paulo: Ed. Santos, 2006a.
Cap. 2, p. 21-41.
159
ZANETTI, C.H.G. Odontologia: habilidades e escolhas. Brasília: Universidade de
Brasília, 2001. Disponível em: <http://www.saudebucalcoletiva.unb.br>. Acesso em:
26 ago. 2006. (Trabalho Acadêmico).
ZANETTI, C.H.G. Que sorriso é este? In: DIAS, A.A. (Org.). Saúde bucal coletiva:
metodologia de trabalho e práticas. São Paulo: Editora Santos, 2006b. Cap. 18, p.
343-358.
ZANETTI, C.H.G.; LIMA, M.A.U. Em busca de um paradigma de programação local
em saúde bucal mais resolutivo. Divulgação em saúde para debate, Londrina, n.
13, p. 18-35, jul. 1996.
160
APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA
PARTE I – CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS
Dados Pessoais
Sexo. Idade.
Formação
Ano de graduação.
Pós-graduação.
Capacitação profissional.
Atuação profissional:
Tempo de atuação profissional.
Tempo de atuação profissional no PSF.
Trajetória profissional (resumida).
Atividade exclusiva ou complementar?
Vínculo
Tipo de vínculo empregatício/ forma de inserção no trabalho.
PARTE II – ENTREVISTA
A inserção do CD no PSF de Vitória
1) Por que quis se inserir no programa?
2) Fale como se deu sua inserção aqui.
3) Sente-se preparado para o desenvolvimento de suas atividades?
4) Fale um pouco sobre a capacitação que recebeu.
5) O que mudou na sua prática, comparando com antes?
A Atuação Profissional cotidiana
6) Fale um pouco sobre o dia-a-dia de sua prática.
7) Fale das atividades extra-clínicas.
8) Como você vê o seu trabalho enquanto membro de uma equipe?
9) Fale sobre a referência para as especialidades.
As mudanças no trabalho do CD após inserção no PSF
10) Como você avalia sua prática profissional aqui (PSF) hoje? O que mudou?
161
Os desafios para o trabalho no PSF
11) Você pontuaria algum desafio para o trabalho aqui? Quais?
12) Que expectativas você tem com relação ao seu trabalho aqui?
13) Como você avalia a formação que recebeu para sua prática profissional aqui? O
que contribuiu e o que não contribuiu para seu trabalho aqui?
162
APÊNDICE B -TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Caro Cirurgião-dentista:
Agradecemos sua participação na pesquisa intitulada: “O Cirurgião-dentista e sua
Prática Profissional no Programa de Saúde da Família”. Este estudo faz parte de
uma dissertação de mestrado, conduzida pela mestranda Estela Altoé Feitoza e
realizada pelo Programa de Pós-Graduação em Atenção à Saúde Coletiva
(PPGASC) da Universidade Federal do Espírito Santo e tem por finalidade conhecer
como você vê sua prática profissional no contexto do PSF. Este estudo poderá
auxiliá-lo a refletir sobre sua prática profissional no âmbito da Saúde Coletiva, bem
como auxiliar as instituições formadoras de recursos humanos em Odontologia na
orientação de seus projetos pedagógicos e planejamento de programas de
capacitação e qualificação profissional mais coerentes com a sua realidade e com a
realidade da população. Sua participação será voluntária e a qualquer momento
você poderá deixar de participar.
Caso concorde em fazer parte desta pesquisa, ser-lhe-ão feitas perguntas sobre o
tema citado acima, e sua entrevista será gravada para facilitar a análise dos dados.
Fique à vontade para esclarecer suas dúvidas a qualquer momento. Sua identidade
não será revelada e será mantido sigilo sobre todas as informações.
Contamos com sua colaboração.
Atenciosamente,
Estela Altoé Feitoza
Cirurgiã-dentista/ mestranda do PPGASC
Assinatura do participante:________________________________________
Para maiores informações, PPGASC. Tel.: 3335-7287 ou Estela. Tel.: 8817-4866.
163
APÊNDICE C – CONSTRUÇÃO DOS DSC 1 E 2
TEMA 1: A INSERÇÃO DO CD NO PSF DE VITÓRIA, ES
Sub-tema: Razões para a Inserção no Programa de Saúde da Família (Por que quis se
inserir no PSF?)
INSTRUMENTO DE ANÁLISE 1 (IAD1)
EXPRESSOES-CHAVE IDÉIAS CENTRAIS ANCORAGEM
S1
Eu vim por causa do meu interesse.
Entrou no PSF porque tinha
interesse. A
S2
Sempre gostei, sempre gostei. Me
gratifica muito.
Entrou porque sempre gostou. A Gostar de Saúde
Pública
S3
Eu sempre me identifiquei
muito com
saúde pública, sempre. Então eu
atendia no consultório, mas eu tinha
mais prazer no meu trabalho em saúde
pública em Viana, depois aqui em
Vitória. Eu percebo assim, que a gente
tem mais resultado quando a gente
trabalha com um propósito assim de
atenção coletiva, de educação
preventiva. Consultório é claro que
você faz educação em saúde, mas é
uma coisa muito limitada assim, é você
e o paciente. Então sempre me
identifiquei e acho que o resultado
quando você trabalha desse jeito é
mais positivo.
Entrou no PSF porque se
identifica e tem prazer em
trabalhar com Saúde Pública.
A
Porque atenção coletiva dá mais
resultado do que consultório. A
Gosta de Saúde
Pública e a atenção
coletiva dá mais
resultado do que
consultório
S4
Acho que pelo perfil mesmo, de não
querer ficar com aquele olhar só
voltado ali para dentro do consultório,
de uma pessoa sem esse ... Porque o
PSF tem aquela questão de vínculo
com as famílias. Então é a questão de
você conhecer como a pessoa vive,
você conhecendo a realidade é que
você pode atuar melhor. O PSF te dá
mais um tempo para você conversar
mais, buscar mais a família, você tem
os agentes comunitários que eles te
informam, te orientam sobre a visita,
então é completamente diferente eu
acho. Daquela coisa mais dura de
consultório, de você não ter esse, lado.
Entrou porque tem perfil e queria
ampliar o olhar para além do
consultório. A
A atenção coletiva
(PSF) dá mais
resultado do que o
consultório
Continua
164
Continuação
EXPRESSOES-CHAVE IDÉIAS CENTRAIS ANCORAGEM
S5
Sem registro.
S6
Porque era a vontade nossa. E
também na época eu tinha vontade de
deixar o consultório e ficar o tempo
todo, estender minha carga horária,
apesar de eu trabalhar em outro
lugar...
Porque queria deixar o
consultório. B
S7
Na verdade ée uma área que eu gosto.
Se tem uma área da Odontologia que
eu gosto é o serviço público,
e se tem
uma coisa dentro do serviço público
que eu gosto, é o PSF.
Porque gosta do serviço público.
A
Gosta de Saúde
Pública
S8
Sem registro.
S9
Sem registro.
S10
Então na realidade eu fui migrando de
acordo com o mercado, vou ser bem
honesta. Eu não tenho a pretensão de
dizer aqui que eu amo o PSF, por isso
eu migrei para o PSF. Não, eu migrei
para o PSF porque tudo na época
convergia para o PSF. Eu vi que ou eu
ia ter que migrar pra uma coisa mais
arrojada como implante etc., que não
era o que eu queria, não estava mais a
fim disso, consultório particular é muito
cansativo, eu já estava com um certo
cansaço mesmo.
Entrou no PSF por causa do
mercado e porque o consultório
é muito cansativo. B
S11
Era uma forma de você estar
aumentando seu rendimento, dentro de
um local que também a gente já visa,
em determinado momento também. Já
tinha largado o consultório, não queria
mais o consultório na minha vida. E
uma forma de aumentar minha renda
para aposentadoria também. Dentro do
próprio município.
Porque queria aumentar a renda
e largar o consultório. B
S12
Eu já era 4hs da prefeitura não é? E aí
teve o concurso interno, e, efetiva, uma
coisa efetiva você tem mais segurança,
você tem férias, 13º, você tem licença
maternidade, e isso pesa muito. E o
consultório particular ele deu uma
queda muito grande, e você faz muitos
gastos com consultório particular,
então para mim que tinha duas
crianças foi mais vantagem eu ficar
no serviço publico 8 horas.
Porque o trabalho efetivo da
mais segurança e o consultório
deu uma queda muito grande.B
Continua
165
Conclusão
EXPRESSOES-CHAVE IDÉIAS CENTRAIS ANCORAGEM
S13
Eu gosto dessa parte. Eu já fazia isso
há algum tempo.
Entrou pela satisfação. A
S14
Na verdade, a maioria das pessoas, se
falar o contrário do que eu vou falar
agora acho que esta mentindo. É mais
por uma questão financeira, lógico!
Você ganha x para fazer 4 horas, 8
horas...não é? Aí foi um meio de
aumentar seu rendimento. Porque todo
mundo sabe que hoje consultório está
difícil.
Para aumentar o rendimento
porque o consultório está difícil.
B
Quadro 1.
Instrumento de análise 1 (IAD1)
INSTRUMENTO DE ANÁLISE 2 (IAD2)
A: Entrou no PSF porque gosta do trabalho em Saúde Coletiva e acredita nos seus
resultados (ancoragem).
EXPRESSÕES-CHAVE DSC
S1-Eu vim por causa do meu interesse.
S2-Sempre gostei. Me gratifica muito.
S3-Eu sempre me identifiquei muito com saúde
pública, com saúde coletiva. Eu percebo assim,
que a gente tem mais resultado quando a gente
trabalha com um propósito assim de atenção
coletiva, de educação preventiva. No
consultório, é claro que você faz educação em
saúde, mas é uma coisa muito limitada assim, e
você e o paciente. Entao sempre me identifiquei
e acho que o resultado quando você trabalha
desse jeito é mais positivo.
S4- Acho que pelo perfil mesmo, de não querer
ficar com aquele olhar só voltado ali para dentro
do consultório. você conhecendo a realidade é
que você pode atuar melhor. O PSF te dá mais
um tempo para você conversar mais, buscar
mais a família.
S7- Na verdade é uma área que eu gosto. Se
tem uma área da odontologia que eu gosto é o
serviço público, e se tem uma coisa dentro do
serviço público que eu gosto, é o PSF.
S13- Eu gosto dessa parte. Eu já fazia isso há
algum tempo.
Na verdade, é uma área que eu gosto, me
gratifica muito. Eu sempre me identifiquei muito
com saúde pública, com saúde coletiva, e eu
percebo assim, que a gente tem mais resultado
quando a gente trabalha com um propósito de
atenção coletiva, de educação preventiva. No
consultório, é claro que você faz educação em
saúde, mas é uma coisa muito limitada assim, é
você e o paciente. O PSF te dá mais um tempo
para você conversar mais, buscar mais a
família, e conhecendo a realidade é que você
pode atuar melhor. Então, acho que o resultado
quando você trabalha desse jeito, é mais
positivo.
Quadro 2. Instrumento de análise 2 (IAD2)
166
B: Entrou no PSF para ter estabilidade financeira e deixar o consultório (idéia-central
).
EXPRESSÕES-CHAVE DSC
S6- E também na época eu tinha vontade de
deixar o consultório e ficar o tempo todo,
estender minha carga horária, apesar de eu
trabalhar em outro lugar...
S10- na realidade eu fui migrando de acordo
com o mercado, vou ser bem honesta. Eu não
tenho a pretensão de dizer aqui que eu amo o
PSF, por isso eu migrei para o PSF. Não, eu
migrei para o PSF porque tudo na época
convergia para o PSF. Eu senti realmente que
eu tinha que migrar pra outra coisa porque o
consultório estava entrando em crise.
Consultório particular é muito cansativo, ai
nesse meio tempo eu fui vendo, fui
conversando, fui analisando, e fui me
direcionando para ser uma profissional do
PSF. Mas eu não queria ser uma profissional
do PSF que entrasse no PSF só por causa do
dinheiro. Não era a minha proposta. Era a
proposta de ter uma estabilidade financeira,
mas era também eu tivesse uma proposta de
falar alguma coisa pra alguém.
S11- Era uma forma de você estar
aumentando seu rendimento. Já tinha largado
o consultório, não queria mais o consultório na
minha vida. É uma forma de aumentar minha
renda para aposentadoria também. Dentro do
próprio munipio.
S12- Uma coisa efetiva você tem mais
segurança, você tem férias, 13º, você tem
licença maternidade, e isso pesa muito. E o
consultório particular ele deu uma queda muito
grande, foi mais vantagem eu ficar só no
serviço público 8 horas.
S14- É mais por uma questão financeira,
lógico! Você ganha x para fazer 4 horas, 8
horas...ne? Aí foi um meio de aumentar o
rendimento. Porque todo mundo sabe que hoje
consultório está difícil.
Na realidade, eu fui migrando de acordo com
o mercado, vou ser bem honesta (o). Foi um
meio de aumentar o rendimento, mais por
uma questão financeira, lógico! Você ganha x
para fazer 4 horas, 8 horas... não é? E uma
coisa efetiva, você tem mais segurança, você
tem férias, 13º, e isso pesa muito. E também,
na época, eu tinha vontade de deixar o
consultório e ficar o tempo todo, estender
minha carga horária. Não queria mais o
consultório na minha vida. Consultório
particular é muito cansativo. Eu não tenho a
pretensão de dizer aqui que eu amo o PSF,
por isso eu migrei para o PSF. Não, eu senti
que eu tinha que migrar para outra coisa
porque o consulrio estava entrando em
crise. Todo mundo sabe que hoje consultório
está difícil, que deu uma queda muito grande,
então, foi mais vantagem eu ficar só no
serviço público 8 horas. Mas eu não queria
ser uma profissional que entrasse no PSF só
por causa do dinheiro. Era a proposta de ter
uma estabilidade financeira, mas também de
falar alguma coisa pra alguém. Então, fui me
direcionando para ser uma profissional do
PSF.
Quadro 3. Instrumento de análise 2 (IAD2)
167
APÊNDICE D - NÚMERO DE CDs ENTREVISTADOS (ESB) NAS USF DE
VITÓRIA POR REGIÃO TERRITORIAL DE SAÚDE EM 2007
Região de Saúde USF ESF/ CDs (ESB)
N° de CDs
Entrevistados por
região de saúde
CONTINENTAL
Jardim da Penha
5 ESF/ 3CDs
1
MARUÍPE
Maruípe 7ESF/ 4CDs
5
Andorinhas 2ESF/ 2CDs
Consolação 6ESF/ 2CDs
B. da Penha 3ESF/ 2CDs
Tomáz Thomazzi
3ESF/ --
Sta. Marta
4ESF/ 2CDs
CENTRO
Fonte Grande 2ESF/ 2CDs
1
Vitória
4ESF/ 4CDs
Ilha do Príncipe 2ESF/ 2CDs
STO. ANTÔNIO
Favalessa
3ESF/ 1CD
2
Sto. Antônio
5ESF/ 2CDs
Grande Vitória
4ESF/ 2CDs
SÃO PEDRO
Santo André 3ESF/ 2CDs
3
Ilha das Caieiras 3ESF/ 2CDs
São Pedro V 4ESF/ 1CD
Resistência 2ESF/ 1CD
FORTE
SÃO JOÃO
Jesus de Nazareth 2ESF/ 2CD 2
Praia do Suá 3ESF/ 2CDs
Santa Luíza 5ESF/ 3CDs
TOTAL
20
72ESF/ 41CDs (ESB)
14
Quadro 1. Número de CDs entrevistados (ESB) nas USF de Vitória por região territorial
de saúde em 2007
Fonte: Vitória, 2008a.
168
ANEXO A - ELENCO DE PROCEDIMENTOS DE SAÚDE BUCAL NA ATENÇÃO
BÁSICA
Os procedimentos odontológicos, a seguir relacionados, referem-se àqueles
constantes da Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde – NOB/SUS
96 – e da Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS) (BRASIL, 2001b).
Procedimentos Coletivos (PC);
Consulta odontológica – 1º consulta;
Aplicação Terapêutica Intensiva com Flúor – por sessão;
Aplicação de cariostático (por dente);
Aplicação de selante (por dente);
Controle de placa bacteriana;
Escariação (por dente);
Raspagem, alisamento e polimento - RAP (por hemi-arcada);
Curetagem supra-gengival e polimento dentário (por hemi-arcada);
Selamento de cavidade com cimento provisório (por dente);
Capeamento pulpar direto em dente permanente;
Pulpotomia em dente decíduo ou permanente e selamento provisório;
Restauração a pino;
Restauração com amálgama de duas ou mais faces;
Restauração com amálgama de uma face;
Restauração com compósito de duas ou mais faces;
Restauração com compósito de uma face;
Restauração com compósito envolvendo ângulo incisal;
Restauração com silicato de duas ou mais faces;
Restauração com silicato de uma face;
Restauração fotopolimerizável de duas ou mais faces;
Restauração fotopolimerizável de uma face;
Restauração com ionômero de vidro de uma face;
Restauração com ionômero de vidro de duas ou mais faces;
Exodontia de dente decíduo;
Exodontia de dente permanente;
Remoção de resto radicular;
Tratamento de alveolite;
Tratamento de hemorragia ou pequenos procedimentos de urgência;
Ulotomia;
Ulectomia;
Glossorrafia;
Necropulpectomia em dente decíduo ou permanente;
169
ANEXO B - MAPA DA REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE EM VITÓRIA
Fonte: Vitória, 2008a.
Figura 1. Mapa da regionalização da saúde de Vitória
Fonte: Vitória, 2008a.
170
ANEXO C- REDE BÁSICA DE SAÚDE DE VITÓRIA
Região de Saúde UBS USF PACS
CONTINENTAL
Jardim Camburi
Jabour
Maria Ortiz
Jardim da Penha Bairro República
MARUÍPE
Maruípe
Andorinhas
Consolação
B. da Penha
Tomáz Thomazzi
Sta. Marta
CENTRO
Fonte Grande
Vitória
Ilha do Príncipe
Avelina
Santa Tereza
STO. ANTÔNIO
Favalessa
Sto. Antônio
Grande Vitória
SÃO PEDRO
Santo André
Ilha das Caieiras
São Pedro V
Resistência
FORTE
SÃO JOÃO
Ilha de
Santa Maria
Jesus de Nazareth
Praia do Suá
Santa Luíza
Forte São João
Quadro 1. Rede básica de saúde de Vitória
Fonte: Vitória, 2008a.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo