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apreensão do discurso exatamente como ele é. Grosso modo, poderíamos dizer que
o discurso é um conjunto de enunciados
103
e que o enunciado seria, portanto, a
unidade elementar do discurso.
104
Mas o enunciado não é “em si mesmo uma
unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades
possíveis e que faz com que apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no
espaço.”
105
Daí Foucault falar em “função enunciativa”, que significa a definição das
condições nas quais uma função se exerce em uma série de signos, possibilitando-
lhes uma existência específica. Assim, o discurso “é constituído por um conjunto de
seqüência de signos, enquanto enunciados, isto é, enquanto lhes podemos atribuir
modalidades particulares de existência.”
106
Com isso, a análise do discurso pode
ser entendida do seguinte modo.
“...trata-se de apreender o enunciado na estreiteza e na singularidade de
seu acontecimento; de determinar as condições de sua existência, de fixar
da maneira mais justa os seus limites, de estabelecer suas correlações com
os outros enunciados aos quais ele pode estar ligado, de mostrar que outras
formas de enunciação ele exclui (...) Deve-se mostrar por que ele não
poderia ser diferente do que é...”
107
Não se procura o que poderia existir por trás de um discurso manifesto,
porque este constitui um conjunto sempre finito e limitado, fazendo com que apenas
determinado discurso possa ocupar um determinado lugar e nenhum outro, não
podendo, portanto, ser diferente do que é. Neste sentido, Paul Veyne refere que
“Foucault não revela um discurso misterioso, diferente daquele que todos nós temos
ouvido: unicamente, ele nos convida a observar, com exatidão, o que assim é
dito.”
108
Mas, afinal, o que fundamenta o conjunto de um discurso? Inicialmente
Foucault pensou que seria o objeto do discurso que o individualizaria, hipótese que
foi descartada por duas razões. Primeiro porque o objeto do discurso não faz, ele
103
REVEL, J., Foucault, conceitos essenciais,p. 37-38. Apesar de Foucault precisar o significado do que entende
por discurso e por enunciado, várias vezes eles são apresentados em seus textos como se fossem uma só e mesma
coisa.
104
Cf., FOUCAULT, M., A arqueologia do saber, p. 90.
105
FOUCAULT, M., A arqueologia do saber , p. 98.
106
Ibid., p. 122.
107
FOUCAULT, M., “Sobre a arqueologia das ciências. Resposta ao círculo de epistemologia”, in Arqueologia
das ciências e história dos sistemas de pensamento, p. 93.
108
VEYNE, P., “Foucault revoluciona a história” in Como se escreve a história, p. 252.