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Stella Maria Peixoto de Azevedo Pedrosa
JOVENS DE FANFARRA:
MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação do Departamento de Educação da
PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para
obtenção do título de Doutor em Educação.
Orientadora: Profª Maria Apparecida C. Mamede-Neves
Rio de Janeiro
Maio de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
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Stella Maria Peixoto de Azevedo Pedrosa
JOVENS DE FANFARRA:
MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES
Tese apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação do Departamento de
Educação do Centro de Teologia e Ciências Humanas
da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora
abaixo assinada.
Prof
a
. Maria Apparecida Campos Mamede-Neves
Orientadora
Departamento de Educação – PUC-RIO
Profª. Rosália Maria Duarte
Departamento de Educação – PUC-RIO
Profª. Tânia Dauster Magalhães e Silva
Departamento de Educação - PUC-Rio
Prof. Pier Cesare Rivoltella
Universita Cattolica Del Sacro Cuore
Profª. Mailsa Carla Pinto Passos
UERJ
Prof. Paulo Fernando C. de Andrade
Coordenador Setorial do Centro de
Teologia e Ciências Humanas
Rio de Janeiro, 18 de maio de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou
parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora
e do orientador.
Stella Maria Peixoto de Azevedo Pedrosa
Stella Maria Peixoto de Azevedo Pedrosa graduou-se em
Pedagogia pela Universidade Santa Úrsula (1977) e licenciou-
se em Ciências pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(1979). Especializou-se em Supervisão Escolar na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998);
Psicopedagogia nas Faculdades Salesianas Dom Bosco, em
Americana, São Paulo (1991) e Educação com Aplicação da
Informática na Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(1999). Concluiu o Mestrado em Educação pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (2001), com a
dissertação “A formação continuada de professores no
ambiente da educação a distância”. No início do mestrado foi
bolsista CAPES e, nos nove meses finais, da FAPERJ, com a
bolsa Aluno Nota Dez. No Doutorado, também em Educação
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
apresentou a tese “Jovens de Fanfarra: memórias e
representações” (2007). Foi bolsista CNPq, inclusive com
Bolsa Doutorado Sanduíche nos quatro meses em que esteve
em Portugal, vinculada à Universidade Autónoma de Lisboa.
Ficha Catalográfica
CDD: 370
Pedrosa, Stella Maria Peixoto de Azevedo
Jovens de fanfarra : memórias e
representações / Stella Maria Peixoto de Azevedo
Pedrosa ; orientadora: Maria Apparecida C. Mamede-
Neves. – 2007.
284 f. : il. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Educação)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2007.
Inclui bibliografia
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
Agradecimentos
Meu muito obrigada!
À minha orientadora, Profa. Maria Apparecida Mamede Neves, pelo inestimável
apoio, pela constante atenção, pelas indicações precisas, pelo incentivo
permanente, pelo privilégio de ser sua orientanda.. Não há palavras para
agradecer!
À Profa. Tânia Dauster, pela delicadeza e pelo incentivo em relação ao tema de
minha tese e ainda pelas marcas profundas que a Antropologia deixou em mim.
Ao Prof. Miguel de Faria meu prezado orientador na Universidade Autônoma
de Lisboa na realização de meu doutorado-sanduíche, por ter me incentivado a
penetrar nas redes históricas da fanfarra.
À Profa. Rosália Duarte por sua leitura minuciosa, pela contribuição nas
qualificações, pelo olhar cinematográfico e pelas oportunidades que proporciona.
Ao Prof. Píer Cesare Rivoltella, pelas contribuições dadas ao meu trabalho
investigativo e por ter me apresentado Lotman.
Ao Prof. Fernando Vidal, pela leitura atenta de meu projeto, pelas sugestões e
questões instigadoras.
Ao Prof. Pedro Garcia pela participação no exame de qualificação, pela Paidéia.
À Profa. Fátima Queiroz e Melo, que me forneceu preciosas indicações
bibliográficas e iluminou conceitos latourianos.
Ao CNPq, pelo apoio recebido, em bolsa e taxa de bancada, durante todo o
período de doutoramento, no Rio de Janeiro e em Lisboa.
Ao Programa de Pós Graduação do Departamento de Educação, na pessoa de sua
Coordenadora Profa. Sonia Kramer, pelo apoio e atenção à minha trajetória
acadêmica.
Aos Professores de quem fui aluna em alguma disciplina, pelos conhecimentos
que me proporcionaram.
Aos funcionários do Departamento de Educação, especialmente à Janaína e ao
Geneci, pela atenção e gentileza constantes.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
À equipe da Biblioteca da PUC-Rio, por me socorrer com minhas constantes
buscas bibliográficas.
Aos colegas do Grupo de Pesquisa Jovens em Rede, todos que por ele passaram,
por nossos momentos de estudo, discussões acadêmicas, descontração e
amizade.
À Flavia Nizia, por diversas contribuições, especialmente pela companhia em
diferentes percursos pela PUC-Rio e fora dela. Por ajudar a transformar meus
sonhos gráficos em realidade.
À Ana Valéria, pelos livros emprestados e pelas indicações bibliográficas, assim
como por seu entusiasmo e incentivo; pelas músicas cantaroladas no momento
certo.
À Angelice, pelos exemplos de solidariedade e por seu bom humor e
disponibilidade ímpares.
Aos coadjuvantes dos retiros acadêmicos: Ao amigo Antonio Mamede, pela
paciência e atenção. À Vicky e ao Fernando, pelo apoio quando o computador
foi um determinado actante; À Verinha, pelas atenções que me dispensou.
Em Portugal, à Sandra Laert e família, pela acolhida, carinho e alegria, pelo jeito
baiano de ser. À Rita Marques, por me receber e encontrar abrigo para mim em
Lisboa. À Ana Paula Tudela, pelas inúmeras indicações e por mostrar-me uma
Lisboa que poucos conhecem. Ao maestro Luciano Franco, pelo interesse em
meu trabalho. E pela oportunidade de conhecer o interior da Irmandade de Santa
Cecília. Ao Prof. Rui Vieira Nery, por disponibilizar seu texto, então inédito. Ao
Prof. José Machado Pais, pela atenção em me ouvir, pelo livro que me ofertou.
Aos integrantes e ex-integrantes da FAGAP, especialmente, aos jovens
integrantes da FAGAP no período 2003-2006, por me permitirem acompanhá-
los por tanto tempo, conhecer suas histórias pessoais e sobre elas trabalhar.
Agradeço especialmente ao Washington, Iris, Tota, Agnaldo, Rafael Tobias,
Eliziane, Miller, Sonia e Cristina.
A meus familiares e amigos, pela constante atenção comigo, pela compreensão
de minhas ausências, pelo meu silêncio dos últimos meses. Ao Fernando, pelas
décadas que estamos juntos com o mesmo sentimento juvenil, pelo seu incentivo
e colaboração nas minhas aventuras acadêmicas. Pelo carinho e amizade, por
tudo! Aos meus filhos, Luciano e João Paulo, pela alegria, pelo carinho, pela
paciência. A Benedita e Marileide (Lene) pelo apoio nas tarefas domésticas de
Lorena e Rio, respectivamente.
Certamente não foi possível agradecer a todos que me ajudaram, formando uma
densa rede que me sustentou até aqui. Mas certamente, mesmo que aqui não
nomeados, estão em minha vida para sempre...
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
Resumo
Pedrosaa, Stella Maria Peixoto de Azevedo; Mamede-Neves, Maria
Apparecida C. Jovens de Fanfarra: memórias e representações. Rio de
Janeiro, 2007. 284p. Tese de Doutorado - Departamento de Educação,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Esta tese se desenvolveu dentro dos pressupostos metodológicos de um
estudo de caso de natureza qualitativa, elegendo a Fanfarra Gabriel Prestes – a
FAGAP – da cidade de Lorena, situada na região do Vale do Paraíba Paulista
como seu objeto. O ponto de partida da investigação foi conhecer de que
maneira o espaço da fanfarra interfere em seus integrantes, através de uma longa
e efetiva inserção na investigação de campo. O plano de pesquisa adotado se
desenvolveu de modo a dar conta, ao mesmo tempo, de dois eixos de análise do
objeto da tese: o diacrônico e o sincrônico. O eixo diacrônico possibilitou o
estudo do grupo dentro de um referencial histórico das fanfarras e da própria
FAGAP e o eixo sincrônico analisou as circunstâncias presentes. O cruzamento
desses dois eixos permitiu que fosse traçada uma configuração da FAGAP e
realizada a análise das características comuns a outros grupos musicais, bem
como a focalização de suas particularidades. A adoção deste desenho
metodológico mostrou ser possível o rompimento com uma perspectiva de
trabalho investigativo focada apenas no presente do grupo em estudo, bem como
recuperar práticas, contextos e tradições que podem situá-lo no seu cotidiano. Os
dados coletados na pesquisa histórica e os de campo produziram um corpo de
conhecimentos bastante denso que foi analisado criticamente à luz de autores
que se ocupam do estudo das representações e das culturas, mais particularmente
Jean Claude Abric, Iuri Lotman e Bruno Latour. Confrontando a história das
fanfarras com a da própria FAGAP, os dados mostraram como as fanfarras têm
sobrevivido às mudanças culturais, resistindo à ameaça de extinção e se
constituindo um espaço de educação da juventude.
Palavras-chave
juventude, fanfarra, educação, reapresentações, memória.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
Abstract
Pedrosa, Stella Maria Peixoto de Azevedo; Mamede-Neves, Maria
Apparecida C. (Advisor). Fanfare youths: memories and
representations. Rio de Janeiro, 2007. 284p. Tese de Doutorado -
Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.
This work was developed within the methodological guidelines of a
qualitative case study, having as its object the Gabriel Prestes Fanfare – FAGAP
– from the city of Lorena, located in the Vale do Paraíba Paulista region. The
onset of the research involved getting to know how the fanfare space interferes
with its participants by means of a long, effective immersion in the fieldwork.
The adopted research plan was developed in such a way as to simultaneously
follow two analytical axes on the object of the thesis: a diachronical one and a
synchronical one. The diachronical axis enabled studying the group within an
historical frame of reference of fanfares as well as FAGAP itself, while the
synchronical axis dealt with current circumstances. Crossing these two axes
made it possible to delineate a configuration of FAGAP and to analyze the
characteristics it shares with other musical groups, as well as to focus on its
peculiarities. Adopting such a methodological design proved possible to do
away with an investigative perspective focused solely on the present situation of
the group being studied, as well as to recover practices, contexts and traditions
which help approach the group in its everyday life. The data collected in the
historical research and those collected in the fieldwork produced a dense body of
knowledge which was critically analyzed in the light of authors who study
representations and cultures, particularly Jean Claude Abric, Iuri Lotman and
Bruno Latour. By confronting the history of fanfares to that of FAGAP itself, the
data show how fanfares have survived cultural changes and resisted the threat of
extinction, becoming an educational space for youths.
Key words
fanfare, education, representations, memories.
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Sumário
1. Introdução .................................................................................. 12
2. Fanfarra e Educação? Dissonância ou Consonância? .............. 18
2.1. O conceito de educação ......................................................... 19
2.2. Educação e Cultura ................................................................. 24
3. A Estrutura dos Caminhos Trilhados ......................................... 29
3.1. Métodos, Técnicas e Instrumentos – fazendo o caminho ....... 32
3.2. A Observação ......................................................................... 35
3.3. O questionário ......................................................................... 36
3.4. A entrevista ............................................................................. 37
3.5. Grupos focais .......................................................................... 38
3.6. Orkut e fotoblogs ..................................................................... 39
3.7. Articulação dos Eixos – o tratamento dos dados .................... 41
4. Fanfarra: de que se fala? ........................................................... 43
4.1. Bandas .................................................................................... 44
4.2. Fanfarras ................................................................................. 46
4.3. Entre Bandas e Fanfarras ....................................................... 48
4.4. As Representações de Fanfarra ............................................. 50
4.5. Então... De que se fala? .......................................................... 62
5. Panorama Musical ..................................................................... 64
5.1. Panorama até o período inicial gás Grandes Navegações –
final do século XV ..........................................................................
68
5.2. O Cenário Europeu quando da chegada dos Portugueses à
América – a partir do século XVI ....................................................
76
5.3. Panorama nas terras brasileiras desde 1500 ......................... 83
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6. O Cenário da FAGAP: Fragmentos Sobre a Cidade de Lorena 95
6.1. Identificação do Espaço Geográfico ....................................... 96
6.2. Elementos Históricos .............................................................. 97
6.3. Mais alguns fragmentos .......................................................... 107
6.4. Um Olhar sobre Lorena de Hoje ............................................. 110
7. O Cenário da FAGAP: sua história ............................................ 112
7.1. A fanfarra conta sua história .................................................. 114
8. Apresentando a FAGAP Hoje .................................................... 127
8.1. Desenredando e Enredando a Fagap ..................................... 134
8.2. Corpo musical ......................................................................... 134
8.3. Linha de Frente e seus componentes ..................................... 141
8.4. Equipe de Apoio ...................................................................... 148
9. Nas tramas da rede da Fanfarra ................................................ 151
9.1. Atividades Internas .................................................................. 162
9.2. Atividades Externas ................................................................ 167
10. O dia a dia dos membros da FAGAP: um espaço de
aprendizagem ................................................................................
177
10.1. Entrando na Fanfarra ............................................................ 178
10.2. Objeto sóciotécnico ............................................................... 192
10.3. O encontro consigo e com o outro ........................................ 196
10.4. Transmissão e Proximidade Familiar .................................... 203
10.5. A escolha pelo desafio .......................................................... 208
10.6. Viagens ................................................................................. 213
10.7. Planos de vida ....................................................................... 215
11. Uma Rede sem fim: conclusões .............................................. 219
12. Referências Bibliográficas ........................................................ 226
Anexos ........................................................................................... 239
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Lista de figuras
Figura 1 – Ao centro o maestro-regente da Fanfarra. Nós com as
marcas da chuva... ........................................................................
14
Figura 2 – Páginas do Orkut .......................................................... 40
Figura 3 – Fotolog .......................................................................... 40
Figura 4 – Chaves .......................................................................... 46
Figura 5 – Chaves .......................................................................... 46
Figura 6 – Palheta batente simples ................................................ 46
Figura 7 – Palheta batente duplo ................................................... 46
Figura 8 – Salpinx .......................................................................... 70
Figura 9 – Salpins ......................................................................... 70
Figura 10 – Lituus .......................................................................... 71
Figura 11 – Fanfarra de Janizaros ................................................. 77
Figura 12 – Localização de Lorena ................................................ 96
Figura 13 – Bernardo José Maria de Lorena, retrato em azulejos
no monumento Padrão do Lorena, na Estrada Velha de Santos ...
99
Figura 14 – Vila de Lorena, Primeiras notícias históricas de São
José dos Campos (1611-1822), Maria Aparecida Papali, Maria
José Acedo Del Olmo e Valéria Zanetti ....................... .................
100
Figura 15 – Bandeira de Lorena .................................................... 101
Figura 16 – Brasão de Lorena ....................................................... 101
Figura 17 – Junção do Ramal ........................................................ 104
Figura 18 – A Basílica Menor de São Benedito ............................ 106
Figura 19 – Catedral de Lorena ..................................................... 107
Figura 20 – Anos 1940 ................................................................... 108
Figura 21 – Anos 1970 ................................................................... 108
Figura 22 – Anos 2000 ................................................................... 108
Figura 23 – Quadro-lembrança ...................................................... 120
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Figura 24 – Quadro de D. Arlete ................................................... 121
Figura 25 – Troféus ........................................................................ 127
Figura 26 – Escola Gabriel Prestes – Primeira sede, Anuário do
Ensino do Estado de São Paulo 1908-1909 ..................................
127
Figura 27 – Campeonato em Queluz ............................................. 131
Figura 28 – Capa DVD Drumline (2002) Diretor: Charles Stone III 132
Figura 29 – Ensaio no Clube .......................................................... 136
Figura 30 – Em Queluz .................................................................. 139
Figura 31 – Mór .............................................................................. 142
Figura 32 – Campeonato Paulista 2005 ......................................... 143
Figura 33 – http://www.geocities.com/egyptology2000/danca.html 144
Figura 34 – Coreógrafa e baliza durante o ensaio ........................ 145
Figura 35 – Cada coisa no seu lugar... ......................................... 149
Figura 36 – Equipe de Apoio .......................................................... 149
Figura 37 – Mensagem no Fotolog ................................................ 157
Figura 38 – Assistindo a oficina em março de 2005 ...................... 162
Figura 39 – Músicos apoiando a oficina em março de 2005 .......... 162
Figura 40 – Oficina em março de 2005 .......................................... 163
Figura 41 – Certificado ProBandas ............................................... 163
Figura 42 – Oficina de Percussão ProBandas – dezembro de 2006 163
Figura 43 – ProBandas – dezembro de 2006 ................................ 163
Figura 44 – Coreto de Lorena ........................................................ 170
Figura 45 – Concha Acústica - Lorena ........................................... 170
Figura 46 – Embocadura ............................................................... 178
Figura 47 – Ensaio ......................................................................... 187
Figura 48 – Naipe ensaiando ........................................................ 188
Figura 49 – Iniciantes ..................................................................... 189
Figura 50 – Dia da Cultura 2005 .................................................... 189
Figura 51 – Gatilho ......................................................................... 195
Figura 52 – Imitação ....................................................................... 207
Figura 53 – Preparativos para viagem ........................................... 213
Figura 54 – Transportando os instrumentos ................................. 213
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1
Introdução
Meu Encontro com a Fanfarra
Certa vez, em algum dia de agosto de 2002, na praça
central de Lorena, cidade situada no Vale do Paraíba
Paulista, chamou-me atenção um grande número de
pessoas que se acotovelavam para ver apresentações que
faziam parte de um Concurso de Fanfarras. Do local onde
eu estava, ouvia-se uma música e via-se as pontas de
bandeiras coloridas. Curiosa por saber o que se passava,
logo estava eu arrastando marido e filhos, no meio da
multidão. Consegui me equilibrar em um degrauzinho da
entrada do Banco do Brasil e vi algo que poderia descrever
como curioso, original, completamente diferente de tudo que
eu conhecia ou ouvira falar de grupos juvenis.
A
novidade é que o Brasil não
é só litoral
É muito mais, é muito mais
que qualquer zona sul
Tem gente boa espalhada por
esse Brasil
Que vai fazer desse lugar um
bom país.
Notícias Do Brasil [Os
Pássaros Trazem]
Milton Nascimento/Fernando
Brant
In: Caçador de Mim
Universal/Polygram, 1998
Com roupas, que naquele então eu descreveria como
um misto de uniforme militar e fantasia de carnaval, um
considerável número de jovens e algumas crianças tocavam
alguns instrumentos de sopro e percussão formando uma
pequena banda, duas ou três garotas contorciam o corpo de
forma extraordinária e realizavam movimentos precisos com
aparelhos semelhantes aos da GRD - Ginástica Rítmica
Desportiva (depois descobri que, embora seja mais raro,
alguns garotos também o fazem), enquanto isso, um grupo
realizava movimentos, algo que eu definiria como um misto
de marcha, dança e acrobacia, executando uma original
coreografia.
Contrariando o desejo dos filhos ( “a mãe inventa...".) e
com o apoio, físico inclusive, de meu marido, permaneci
algum tempo em equilíbrio – mais ou menos instável –
observando a apresentação do grupo e a animação da
platéia que ovacionava, aplaudia, gritava... ou seja,
manifestava-se a cada apresentação, a cada movimento.
Depois prossegui meu caminho de volta a casa. No
percurso, vi alguns desses grupos pelas ruas, formados,
aguardando o momento de sua apresentação. Meu marido
comentou que boa mesmo era uma das fanfarras de Lorena,
que já havia conquistado alguns títulos estaduais e mesmo
nacionais. A conversa tomou outros rumos e não se falou
mais nisso.
Em setembro de 2002, precisamente no dia 7, meu
marido deveria comparecer ao Desfile do Sete de Setembro.
Fui também, recordando que, vinte anos antes, eu estava
naquela mesma avenida, mas por diferente razão, assistindo
ao mesmo desfile comemorativo... Lembro que 2002 era ano
de eleição, logo desfile movimentadíssimo, políticos
circulando por todo lado, beijinhos e abraços, cumprimentos
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Introdução |
13
de mão. Nada diferente do que acontecia em todas as
cidades do país, sobretudo fora dos grandes centros, das
metrópoles.
Foram muitos os desfiles: escolas municipais (com
seus novos uniformes), estaduais, trabalhadores, escoteiros
etc. No meio disso tudo, passa o louquinho da cidade, nesse
dia sem seu tradicional chapéu mexicano, talvez com seu
cachimbo, vestido com uma roupa de malha azul com o
nome e o número de um candidato...
Observava tudo isso com muita atenção, apesar de
um pouco cansada, pois mal me movia, estava de pé todo
aquele tempo embora em uma posição privilegiada pois
estava em um palanque.
De repente, pareceu-me que houve uma
movimentação estranha, um empurra-empurra tranqüilo,
mas decidido, crianças menores para frente, algumas
maiores sentavam-se ao chão. Meu marido cochichou-me:
vem aí a Fanfarra e complementou o regente é um cabo do
Quinto, dispõe o seu pouco tempo livre nesse trabalho... o
pessoal da banda rala e ainda faz muitas outras coisas. Se
não disse isso, foi mais ou menos isso. Logo deve ter sido
cortado pelo alto-falante que possivelmente anunciou o
texto padrão
1
, sempre repetido a cada apresentação.
1
Posteriormente o texto
sofreu pequenas
modificações.
Fundada em 1991, pela
diretora da escola, Arlete
parecida Rodrigues, este
grupo musical tem como
objetivos: retirar jovens
carentes das ruas e
encaminhá-los para um
futuro digno; despertar nos
alunos as vocações musicais
e ao mesmo tempo
estimular a sensibilidade
artística, oferecendo a
oportunidade de
aprendizagem de
instrumentos para uma
futura profissionalização na
comunidade. Visa também a
promover o congraçamento
de seus integrantes, através
da competição sadia; a
difundir conhecimentos de
técnicas musicais e a
desenvolver a participação
espontânea em trabalhos
coletivos e culto ao civismo,
para melhor formação da
nossa juventude.
2
Dia 14 de novembro
comemora-se o aniversário
da cidade de Lorena.
Rompe pela avenida a Fanfarra, deslocando-se em
marcha os músicos, outros com movimentos tais como
descrevi acima e, à frente, duas jovens que se
movimentavam com graciosidade e flexibilidade... Frente ao
palanque, de repente surge uma fumaça e logo vejo os
músicos parados em círculo, do nada surgiram alguns
instrumentos de percussão maiores que não vinham com o
grupo. As meninas que se contorciam deslocaram-se para
um lado e o grupo em que alguns portavam bandeiras, para
o outro e os movimentos eram realizados ao som da música
que o grupo executava. E que música! Aqueles metais e
aquela percussão tinham um belo som... Deveriam se
apresentar em outras ocasiões, pensei.
Em novembro desse mesmo ano, mais uma vez tive a
oportunidade de assistir a uma apresentação do grupo,
desta vez um pouco mais longa, por ocasião do aniversário
do Batalhão onde servia o regente da Fanfarra. Não sei o
dia, mas possivelmente no dia 14 ou 15. Mas certamente foi
no dia 16 de novembro do mesmo ano de 2002 que na
mesma praça de Lorena a que me referi ao iniciar esse
relato, na concha acústica estavam os músicos
apresentando-se, em uma programação relacionada à
semana de comemoração da fundação da cidade
2
. Na
verdade, não posso dizer que assisti a apresentação, pois a
chuva não permitiu que eu ficasse na praça, por isso
corremos para uma sorveteria e, ao longe, ouvimos a
Fanfarra.
Quando a chuva melhorou, já ao final, corremos para
assistir. Registramos alguns momentos do grupo, um
pequeno filme e umas poucas fotos enquanto a chuva
permitiu. Algumas dessas fotos são parte de minha tese.
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Introdução |
14
Nos últimos momentos da apresentação gotas
pesadas de chuva voltaram a cair... Algumas pessoas se
abrigaram na Concha acústica, nós inclusive, enquanto
outras poucas, mais prevenidas, abrigavam-se sob seus
guarda-chuvas.
Fig. 1 - Ao centro o maestro-regente da Fanfarra. Nós, com as marcas da chuva...
Em 2003, ano de meu ingresso no doutorado, cursei a
disciplina Antropologia e Educação. Ocorreu-me que o
trabalho final do curso poderia ser realizado junto à
Fanfarra. Seria possível? Talvez. Para isso, precisava me
aproximar do grupo. Pedi e fui apresentada ao maestro-
regente, perguntei-lhe sobre a viabilidade de acompanhar
alguns ensaios e pedi-lhe que falasse com a diretora da
escola e/ou com quem mais julgasse necessário.
Por dois meses e meio acompanhei os ensaios. Todos
os sábados, lá estava eu. Algumas fotografias foram tiradas,
não logo no início. Apresentei meu trabalho e, face ao meu
entusiasmo, a Profa. Tânia Dauster sugeriu que
conversasse com a Profa. Apparecida Mamede, minha
orientadora, sobre a possibilidade de minha tese versar
sobre a Fanfarra. Aliás, essa foi uma opinião unânime entre
os colegas do curso de Antropologia e Educação. Hoje,
observo que eu mesma já expressara esse desejo, ao
registrar na conclusão do texto que apresentei:
Fanfarra Gabriel Prestes:
A
lém da música. Trabalho
apresentado no Curso
A
ntropologia e Educação –
Profa. Tânia Dauster.
Programa de Pós-graduação
do Departamento de
Educação – PUC-Rio. Rio
de Janeiro: 2003.
3
Refiro-me às piscadelas
descritas por Geertz no
primeiro capítulo do livro A
Interpretação das Culturas
4
Lembro-me aqui de
O Trabalho do Antropólogo:
Olhar, Ouvir, Escrever.
(Cardoso de Oliveira,
1998)
ÚLTIMAS PALAVRAS... POR ENQUANTO!
Este texto não esgota as muitas possibilidades abertas
durante o trabalho etnográfico. Ao tentar construir uma
leitura do campo, buscando uma rede de significados
tecidos, certamente confundi alguns tiques nervosos ao
mesmo tempo que compreendi algumas piscadelas e
outras me passaram despercebidas
3
. Porém, sem dúvida,
praticar a etnografia foi um importante aprendizado que não
se esgota neste trabalho. Ao contrário, por isso pretendo,
dentro de minhas possibilidades, dar não apenas
continuidade ao ver e ao ouvir
4
, mas também ao difícil e
solitário processo de escrever.
Durante algum tempo, uma grande dúvida apoderou-
se de mim. Até que, em outubro, pude apresentar à minha
orientadora a Fanfarra em Lorena. Antes de qualquer
descanso ou refeição, ela foi conhecer a Fanfarra. No dia
seguinte, bem cedo nos deslocamos para Taubaté para
assistir a um Concurso de âmbito nacional entre fanfarras.
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Introdução |
15
Mais fotos e uma conquista definitiva. Era mesmo
impossível resistir ao chamado do tema. Ele já me havia
escolhido, me conquistado. A decisão já estava tomada,
embora não consciente. Alguns meses depois, com muito
entusiasmo, um projeto para minha tese de doutorado foi
escrito, tendo como tema central a Fanfarra de Lorena.
Durante os anos seguintes, acompanhei, incontáveis
vezes, os ensaios da Fanfarra procurando construir uma
interpretação que fosse além das representações correntes,
seja dos moradores da cidade, seja dos integrantes do
grupo.
O que é o conhecimento
objectivo? Aquele que se
produz a propósito de
realidades objectivas? E
estas o que são? A
«objectiva» de uma
máquina fotográfica
nunca é objectiva;
corresponde sempre a um
ponto de vista. A
contemplação do mundo é
j
á transformação do ob
j
ecto.
[grifo meu]
(Pais, 2002,
p.47)
Não pretendia que a simples observação sistemática
me permitisse generalizações ou conhecimentos imediatos.
Por isso, foram muitas as tentativas, construções e
reconstruções durante esse tempo. As decisões eram
provisórias e as buscas constantes.
Muitas vezes fotografei os ensaios. Fotografar me fez
aguçar o olhar, procurar frestas, novos ângulos, não
buscando que estes me proporcionassem fotos artísticas,
mas que propiciassem, o que certamente ocorreu, uma
observação mais apurada. Cheguei-me, aos poucos,
primeiro sem flashs, mas com retinas que fotografavam e
registravam no meu cérebro...
Fui tornando-me invisível para depois me fazer, outra
vez, visível e audível. Conversava mais e, adiante,
gravava... Na mesma época, ou um pouco antes, as fotos;
primeiro com a grande Canon com filme, revelação etc, ao
final, com a pequena Sony que cabe no bolso ou na palma
da mão. Nesse meio tempo, uma ou outra digital
emprestada. Além das fotos, pequenos vídeos foram
realizados com a própria câmera fotográfica.
Assim, documentei vários ensaios e apresentações, o
que me permitiu descrever e, sobretudo, entender melhor
aqueles momentos.
Paralelamente colecionei fotos relacionadas a bandas
e fanfarras, perdi a conta... Algumas integram o texto que
ora apresento. Mais adiante, obtive fotos dos próprios
integrantes do grupo, seja pessoalmente, seja via Intenet,
pois, a partir dos primeiros meses de 2006, constatei que
muitos jovens da Fanfarra ingressaram no Orkut e
montaram fotoblogs.
Entre o momento de entrada no campo e o de saída
passaram-se 3 anos e meio. Conheci outras fanfarras, o
que me ajudou a perceber a Fanfarra dentro de um conjunto
maior. Pude assim ver meu objeto de estudo único, local e
particular, imerso em um universo extenso que envolve
diferentes relações que se configuram em rede.
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Introdução |
16
A Chegada
A Fanfarra a que venho me referindo é a FAGAP –
Fanfarra Gabriel Prestes – oficialmente estabelecida na área
de uma escola da rede pública da cidade de Lorena, no
interior do Estado de São Paulo.
A
Escola Estadual Gabriel
Prestes (...) situa-se no
centro da cidade de Lorena
uma típica cidade média do
V
ale do Paraíba do Estado
de São Paulo. (...) Trata-se
de um estabelecimento de
ensino centenário, um dos
primeiros a serem criados
no estado de São Paulo.
Diversas gerações de
estudantes foram educadas
em seus bancos escolares,
inclusive muitos
professores, funcionários e
familiares dos atuais alunos.
(Rodrigues, 2001. p. 37-38)
Eu já sabia onde se localizava a escola e, por isso,
não foi difícil chegar até lá. Fui pela primeira vez até a
Escola Gabriel Prestes, onde se realizam os ensaios da
Fanfarra.
Uma das mães me foi apresentada pelo maestro-
regente como uma das integrantes da equipe de apoio.
Logo, ela tornou-se minha cicerone e meu primeiro principal
contato com o grupo.
Ao chegar, já observara que a maior parte dos jovens
músicos estavam ensaiando no pátio coberto. Na quadra, os
jovens do grupo que portava bandeiras, ainda que sem elas,
ensaiavam; não era difícil identificá-los por conta dos
movimentos que realizavam. Em algum lugar, em um
extremo da quadra ou em outro recanto da vasta área da
escola, as duas meninas – que me lembravam as da
Ginástica Rítmica Desportiva – ensaiavam seus
movimentos.
A mãe a qual fui
apresentada levou-me até uma
pequena sala onde são
guardados instrumentos
musicais, uniformes, troféus e
outros pertences da Fanfarra.
Fica no exterior do prédio
principal do colégio, entre a
quadra de esportes e o pátio
coberto. Algum tempo depois,
descobri uma outra sala,
localizada ao lado da casa do
caseiro da escola, onde
também são guardados
instrumentos musicais do
grupo.
Chamou-me a atenção o grande número de bicicletas
estacionadas na área entre o prédio principal da escola e
um outro prédio onde estão uma espécie de auditório e a tal
sala onde os pertences do grupo são guardados. Além
dessas, outras bicicletas estavam espalhadas em diversos
recantos da área. Apesar desta observação, esse é um fato
que não me surpreendeu, porque já, desde que morara em
Lorena no inicio dos anos 1980, a cidade já era conhecida
pelo grande número de bicicletas em circulação.
Algum tempo fiquei observando os ensaios de cada
um dos grupos, enquanto perguntava-me se tinha feito bem
ou mal em escolher tal tema como objeto de estudo de
minha tese.
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Introdução |
17
Enquanto isso, sentia-me também examinada... Mas, o
ensaio era mais interessante do que a minha presença e
logo eu já não era mais foco de tanta atenção.
Nesse primeiro dia, não foram poucas as informações,
mas como já disse, nem sempre me esclareciam muita
coisa...
Alguém falou que as fanfarras são conjuntos rítmicos
compostos por diferentes instrumentos de percussão e por
determinados instrumentos de sopro. Isso não me
esclareceu muita coisa. E o corpo coreográfico? E as
balizas? Eles não são músicos, logo não são fanfarras?
Aos poucos aprendi que existem diferentes tipos de
fanfarra e que, além dos músicos que constituem a fanfarra
propriamente dita, existem as balizas e o corpo coreográfico.
Algumas vezes, o termo fanfarra é utilizado para
denominar o grupo como um todo, outras vezes apenas os
músicos.
Por um longo tempo tudo isso permaneceu muito
confuso para mim e as respostas às minhas perguntas,
confundiam-me ainda mais. Porém, esses primeiros
contatos sinalizaram algumas questões. E eu comecei a ler
tudo o que encontrava sobre bandas e fanfarras.
Com algumas referências, ainda sem saber ao certo o
que era uma fanfarra, iniciei, em meados de abril de 2003,
minha primeira aproximação mais efetiva com o campo,
nessa época, apenas visando meu trabalho em Antropologia
e Educação.
Durante dois meses e meio, compareci a ensaios, tive
acesso a vídeos e fotos, conversei com o maestro-regente,
com alguns pais e com integrantes da FAGAP. No último
mês do período, acompanhei os preparativos para um
campeonato e fui convidada a ir com eles aonde se daria a
apresentação. Apesar de meu interesse em deslocar-me
junto com eles até a cidade onde foi realizado o
campeonato, não pude fazê-lo, mas acompanhei os últimos
preparativos e a saída do grupo para a viagem.
Lembro-me que, na época, lamentava comigo mesma
não ter podido acompanhar o grupo na viagem e o tempo
insuficiente para escrever tudo que gostaria, ou seja, a
impossibilidade de apresentar um trabalho mais completo.
Ao reler um dos textos estudados, deparei-me com a frase:
"A análise cultural é intrinsecamente incompleta e, o que é
pior, quanto mais profunda, menos completa"
(Geertz, 1989, p.
20)
.
Mas retornei e, tal qual como havia escrito, dei
continuidade ao ver e ao ouvir, e também ao difícil e solitário
processo de escrever... Fiz do tema a minha tese, o tempo
passou e hoje, – muitas observações, muitas entrevistas e
muitos campeonatos depois – entrego, certamente, um
trabalho menos completo, por mais profundo que possa
estar...
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2
Fanfarra e Educação?
Dissonância ou Consonância?
Algumas vezes, ao longo do tempo da pesquisa, ao
lado de palavras de apoio e incentivo, alguns foram de
questionamentos, inclusive no meio acadêmico, sobre a
relação entre Fanfarra e Educação, evidenciando a
presença, de “resistências à entrada de objetos que não
tenham clara a delimitação de seu perfil pedagógico”.
(Carrano, 2002, p.61)
1
Coordenado por Marilia
Pontes Sposito, publicação
MEC/Inep/
Comped.
A
nálise da produção discente,
num total de 296 trabalhos
apresentados em cursos de pós-
graduação. Os focos temáticos
dessa produção concentram-se
em dois eixos teóricos:
Sociologia e Psicologia. São eles:
aspectos psicossociais de
adolescentes e
j
ovens;
j
uventude
e escola; jovens, mundo do
trabalho e escola; jovens
universitários; adolescentes em
processo de exclusão social;
j
ovens e a participação política; e
a pesquisa sobre juventude e
temas emergentes.
2
Os demais focos são:
A
spectos Psicossociais de
A
dolescentes e Jovens;
Juventude e Escola; Jovens,
Mundo do Trabalho e Escola;
Jovens Universitários;
A
dolescentes em Processo de
Exclusão; Jovens e
Participação Política.
3
Consultei periódicos –em
bibliotecas e online – além da
produção diferentes
Universidades.
4
Adoto o sentido de Machado
Pais em Culturas Juvenis
(1993,1999,2005), obra de
referência nos estudos sobre o
tema. O autor toma juventude
não como uma fase da vida e,
tampouco, através de
características especificas.
Para ele os jovens tem seu
próprio percurso que varia de
acordo com as especificidades
de seu quotidiano e com suas
referências acerca de si próprio.
Outras vezes, o ponto controverso referia-se à
importância deste estudo ora sob o argumento de não ser a
fanfarra um grupo popular, nem mesmo uma expressão da
tradição brasileira, mas um estrangeirismo sem raízes
locais, ora por não ser uma manifestação cultural, menos
ainda uma manifestação da cultura juvenil. Esses
argumentos manifestam uma concepção restrita de Cultura
e o desconhecimento de História.
A produção de estudos sobre jovens concentra-se em
temas relacionados à escola, ou a culturas juvenis.
Em 2002, a publicação de Juventude e Escolarização
(1980-1998)
1
disponibilizou o balanço da produção – o
estado do conhecimento – de pesquisas discentes, na área
da Educação, sobre o tema Juventude.
Naquela ocasião, sob o titulo de A pesquisa sobre
juventude e os temas emergentes
2
, foram apontados como
eixos de investigação ainda pouco presentes: Mídia e
Juventude, Jovens e Violência, Grupos Juvenis, Jovens e
Adolescentes Negros.
Passados quatro anos, embora não tenha aparecido
até agora outro levantamento de mesmo porte, posso
afirmar – a partir de levantamentos que fiz em periódicos e
bancos de teses e dissertações
3
– que o número de
pesquisas que envolvem esses temas é considerável.
Especificamente, tomei como referência pesquisas
relacionadas a culturas juvenis
4
e observei que os temas
apontados como emergentes são, de fato, hoje encontrados
com freqüência.
No levantamento das pesquisas realizadas entre 1980
e 1998, Corti e Sposito
(2002) observam que o tema Grupos
Juvenis, embora pouco explorado naquele então, concedia
uma ênfase especial à expressão artístico-musical como
elemento de mobilização juvenil o que converge com alguns
estudos que apontam as práticas culturais como aquelas
que apresentam maior atrativo para os jovens (...) (Corti e
Sposito, 2002, p.213)
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Fanfarra e Educação? Dissonância ou Consonância? | 19
5
Entende-se por tribos urbanas
os microgupos que se formam
nas sociedades
contemporâneas e questionam
as sociabilidades modernas
elaboradas em torno da
identidade e da solidariedade
relativas às classes sociais. As
tribos urbanas não teriam, a
princípio, finalidades precisas,
nem se julgam sujeitos de uma
história em marcha. (Blass,
2004, p. 226)
6
Vide Pais (1999)
No cenário acadêmico, reiteradamente, aparecem as
pesquisas focadas nas chamadas tribos urbanas
5
, tais
como rappers, skatistas, grafiteiros, etc em geral sob o
enfoque de grupos marginais ou transgressores, grupos
caracterizados por atitudes e condutas de risco
6
.
O termo tribo é, em geral, associado a
comportamentos agressivos e contestatórios, o que é
reforçado pela forma sensacionalista como o tema é tratado
pela mídia
(Magnani, 1992).
Aliás, como mencionei acima, ao início de minha
pesquisa, percebi certa desconfiança em relação à
pertinência do estudo que eu pretendia realizar em função
de que seu foco seria um grupo tradicionalmente
constituído, ao contrário do que ocorre em relação a outros
grupos, cujos formatos não existiam anteriormente.
Em menor número são aquelas pesquisas que
focalizam grupos formados basicamente por jovens, mas
com apoio de elementos de gerações mais velhas, caso em
que se enquadra a fanfarra na qual, a par das interações
juvenis, está fortemente presente a influência
intergeracional.
A
s práticas culturais
desenvolvem a criatividade e a
imaginação, além de
proporcionar uma interação
mais plena com o mundo, a
partir do refinamento da
sensibilidade. (Corti e Sposito,
2002, p.213)
Ressalto que nas famílias de classe popular – em
virtude das condições demográficas e do estilo de vida
comunitário e mais restrito aos bairros – é mais comum a
presença de várias gerações na mesma atividade, o que
modifica a intensidade e o modo das relações
intergeracionais.
Nestes setores populares, se é jovem não tanto por portar
os signos legítimos da juventude – popularizados pelos
meios – se não por interactuar com as gerações mais
velhas na convivência diária, dentro da família, do bairro e
da comunidade.
(Margulis e Urresti, 2000, p. 28)
Mas qual seria a pertinência de se estudar uma
fanfarra sob o enfoque da Educação?
No decorrer da pesquisa, meu olhar investigador
revelou aspectos relacionados à Educação para além
daqueles que eu supunha em um primeiro momento e novas
questões foram sendo incorporadas àquelas que
inicialmente eu me propunha.
Ao longo da pesquisa, muitas vezes, surgiu a
necessidade de sistematizar algumas idéias a respeito da
Educação, reunidas aqui, em função do que considero
relevante para este debate.
2.1
O conceito de educação
Não são poucas as definições encontradas para
Educação. Existe, porém, uma “quase unanimidade entre
os autores de considerar a educação como um processo de
desenvolvimento”
(Libâneo, 1998, p.66). A finalidade que se
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Fanfarra e Educação? Dissonância ou Consonância? | 20
presume para a Educação e o grau de importância dado aos
fatores que interferem nesse processo, entre os quais são
mais comuns o social e o psicológico, é que difere em cada
uma delas.
Primeiro que tudo, a educação não é uma propriedade
individual, mas pertence por essência à comunidade. O
carácter da comunidade imprime-se em cada um de seus
membros e é no homem, muito mais do que nos animais,
fonte de toda a acção e de todo o comportamento. Em
nenhuma parte o influxo da comunidade nos seus membros
tem maior forca que no esforço constante de educar, em
conformidade com o seu próprio sentir, cada nova geração.
A estrutura de toda a sociedade assenta nas leis e normas
escritas e não escritas que a unem e unem os seus
membros. Toda a educação é assim o resultado da
consciência viva duma norma que rege uma comunidade
humana, quer se trate da família, duma classe ou duma
profissão, que se trate de dum agregado mais vasto, como
um grupo étnico ou um Estado.
(Jaeger, 1989, p.3 e 4)
A vida social não é idêntica para todos. A educação
não pode ser considerada fora de seu contexto próprio, de
sua história social e cultural. Apenas desta forma é possível
compreender o processo da representação de si e da
representação de si no mundo dos integrantes de diferentes
grupos.
Logo, enfocar uma prática educativa significa estudar
seu contexto social e cultural, visando entender suas
especificidades.
Uma definição clássica de educação é “ação exercida
pelas gerações adultas sobre as gerações que não se
encontre ainda preparadas para a vida social”
(Durkheim, 1978,
p.41)
Qual a abrangência e os atributos da educação? A
resposta a essa pergunta transparece na prática educativa,
daí a relevância de estudarmos diferentes práticas
educativas, entre as quais a da Fanfarra.
Neste ponto considero interessante apresentar
algumas colocações sobre a classificação da educação em
formal, não-formal e informal, que com muita freqüência
aparecem em estudos na área.
Formal? Não-formal? Informal? Que educação é essa?
Mais do que enquadrar as práticas educacionais em
qualquer tipologia, meu objetivo é trazer uma percepção da
amplitude da educação. Os processos educativos dão-se
em várias instâncias entre as quais não existem fronteiras
rígidas. Em decorrência, as modalidades formal, não-formal
e informal, se interpenetram.
Educação formal, não-formal e informal são termos
freqüentemente usados, por este motivo considerei
apresentar os principais atributos de cada um.
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Fanfarra e Educação? Dissonância ou Consonância? | 21
Muitas ações não escolares de natureza educativa são
marcadas por um alto nível de formalização, enfraquecendo
assim o conceito. Da mesma forma, seria possível que
práticas escolares fossem realizadas sem nenhum tipo de
informalidade? São, de fato, os contextos sociais, onde se
processariam a educação informal, imunes a elementos de
formalização ou ritos educativos? O que se convencionou
denominar como educação não-formal também não seria
constituído por diferentes eventos capazes de combinar
formalidade e informalidade educativa?
(Carrano, 2003, p.18)
A educação formal pressupõe que haja objetivos
educativos, dentro de instâncias de formação. Implica,
obviamente na presença de um responsável pelo
desenvolvimento de determinados conteúdos com objetivos
sistematizados e normatizados, expressos em currículos
definidos. Essas instâncias formadoras estão , como sub-
sistemas, subordinadas a órgãos superiores e de
especificidades próprias, e em um local específico.
(Gohn,
2006 e Libâneo, 1998)
Ninguém escapa da educação.
Em casa, na rua, na igreja ou na
escola, de um modo ou de
muitos, todos nós envolvemos
pedaços da vida com ela: para
aprender, para ensinar, para
aprender-e-ensinar. Para saber,
para fazer, para ser ou para
conviver, todos os dias
misturamos a vida com a
educação. Com uma ou com
v
árias: educação? Educações.
(Brandão, 1981, p.7)
A sua metodologia é antecipadamente delineada, com
base em estudos do processo de ensino-aprendizagem e
em função dos conteúdos previstos.
Ela tem caráter metódico. Na maioria das vezes, é
organizada por idade, conteúdos, séries ou ciclos. Após um
período de aprendizagem, comprovada de acordo com
critérios determinados, existe uma certificação que autoriza
um avanço para níveis mais avançados e/ou uma titulação
que permite o exercício de atividades especificas. O ensino
fundamental, médio e superior são exemplos.
Já a educação não-formal designa um amplo conjunto
de processos educativos, estruturados, embora não
curriculares, voltados, em geral, para o desenvolvimento de
laços de pertencimentos, contribuindo para a construção de
uma identidade coletiva
7
. Visa abrir novas perspectivas para
o indivíduo e suas relações sociais. Ao contrário da
educação formal, não é organizada em extratos, subdividida
por idade sendo, por isso, mais comum o encontro de
gerações.
7
Considero interessante
articular com os preceitos de
Maffesoli (1995). Ele considera
que que há um deslizamento de
uma lógica da identidade, mais
individualista, para uma lógica
da identificação, mais coletiva,
na qual existe um modelo no
qual se ancoram determinados
valores ; nesta lógica, os
grupos constituem-se por
a
fini
dades
.
Seus objetivos se constroem na interação com o outro,
originando, assim, o processo educativo. O educador é
aquele com quem se interage.
Em geral tem lugar em instituições educativas fora dos
padrões institucionais Assim, o espaço educativo é muito
variado, mas com alguma sistematização e estruturação
(Libâneo, 1998)
A participação no processo de educação não-formal
depende, geralmente, da vontade de cada um; a
participação dá-se em torno de interesses comuns, existindo
“uma intencionalidade na ação, no ato de participar, de
aprender e de transmitir ou trocar saberes”. (Gohn, 2006, p.29).
Por fim, a educação informal que não é intencional ou
organizada, não estando mormente vinculada a uma
instituição
(Libâneo, 1998). Ela ocorre durante o processo de
socialização em ambientes espontâneos como igreja,
vizinhança, meios de comunicação de massa, círculos de
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Fanfarra e Educação? Dissonância ou Consonância? | 22
amizades etc. Está impregnada de valores e culturas
próprias pois são parte do cotidiano, fruto de vivências
compartilhadas e da repetição de práticas anteriores.
Seus espaços educativos são demarcados por
preferências, ou pertencimentos, tais como: idade, sexo,
religião, localidade, etnia, amizades etc. É um processo
permanente, fortemente relacionado às emoções e aos
sentimentos.
Não existe uma sistematização do conhecimento na
educação informal, os resultados ocorrem pelo
compartilhamento de modos de pensar e de se expressar e
pelo desenvolvimento de atitudes e comportamentos
decorrentes do senso comum de cada grupo.
8
Uso a palavra educações sob
inspiração de Carlos
Rodrigues Brandão na abertura
do livro O que é educação?
Educação? Educações?
8
A educação não-formal, ao contrário da formal, não se
preocupa com parâmetros, ela faz-se principalmente em
função de desejos, necessidades e interesses dos
integrantes do grupo. Nesse caso, pode-se dizer que a
Fanfarra é um espaço de educação não-formal.
Permanentemente envolvido no processo educativo e
pelo simples fato de estar vivendo, o homem está
aprendendo na sociedade pela cultura; a sociedade é o
meio educativo próprio do homem, ainda que a todo
momento não tenha consciência disto. (Cazanga, 1993. Apud.
Gusmão, 1997, p.15).
Mas também poderia dizer que o estudo da música
pelos integrantes do corpo musical desta Fanfarra
9
é
anterior a sua participação efetiva no grupo, pois existem
alguns conteúdos que precisam ser incorporados para
leitura da pauta musical. Isso não aparece no corpo
coreográfico, onde não existe um registro específico para a
performance
10
e, portanto, a aprendizagem se dá muito mais
por observação e imitação.
9
Os integrantes de algumas
fanfarras não lêem música,
tocam apenas de ouvido, o que
não lhes permite elevar o grau
técnico.
10
Performance - A performance
é um modo de ação e
comunicação diferente do
cotidiano. Tem por
característica certos modelos
de comportamento e diferentes
registros de engenhosidade.
Ocorre, em geral, em
acontecimentos programados e
limitados no tempo e espaço. A
performance vai além de
dispositivos e técnicas e investe
os objetos (acessórios, por
exemplo) além de seu valor
material. (Pearson, 1999)
Participar da Fanfarra significa, ainda, ampliar o
círculo de relações, o que implica em alargar as influências
sócio-culturais e compartilhar diferentes situações que
intervêm na incorporação de novas formas de
representações.
Não pretendo classificar a Fanfarra na tipologia
apresentada. Meu objetivo foi apenas desvelar a sua
multiformidade da prática educacional.
No que ser refere especificamente à educação
musical, ela envolve um amplo leque de situações que
incluem desde o processo de ensino-aprendizagem da
música através de uma iniciação musical formal até a
aprendizagem informal.
(Arroyo, s.d.)
A Fanfarra proporciona um espaço de convivência que
oportuniza uma série de experiências e amplia a gama de
vivências dos que dela participam. A música e a dança
atraem muitos jovens, possibilitando, como será visto, novos
aprendizados no campo da Arte e em outros diferentes
contextos.
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Fanfarra e Educação? Dissonância ou Consonância? | 23
O aprendizado proporcionado no espaço da Fanfarra
é, inicialmente, fruto de algumas situações programadas
para a aprendizagem da música e/ou da coreografia. No
caso do corpo musical, em função de dificuldades,
individuais ou do naipe, na execução de determinadas
músicas, podem ser incluídos alguns estudos não
anteriormente previstos. Um outro processo de
aprendizagem é função da vivência em um ambiente cujo
código de valores são fundamentais para garantir a
sobrevivência do grupo.
Mas... Educação é isso?
A Educação não tem sido um dos campos
privilegiados por abordagens teóricas e, tampouco, como
um objeto de conhecimento e análise. Vincula-se, muitas
vezes, a educação a outros campos com o conectivo e . Por
exemplo: Educação e Psicologia, Educação e Sociologia,
Educação e Antropologia, Educação e História etc quase
sempre desconsiderando que a Educação além da prática,
constitui um corpus teórico que mescla todas essas ciências
à sua especificidade.
A
mestiça composição do
campo educacional, que nos
impede de considerar a sua
existência por intermédio de
produções e objetos
autonomizados de outros
campos do conhecimento.
(Carrano, 2003, p.10)
Este enfoque distorcido dificulta o reconhecimento da
Educação como constituidora de um campo transdisciplinar
no qual em confronto e contato, diferentes disciplinas
articulam-se e dialogam entre si, atravessando e
ultrapassando os limites em que estariam circunscritas e,
deste modo, abrangendo e ocupando os meandros entre
elas.
A educação, embora não seja o único fator, é um
elemento basilar para solucionar situações geradas pela
desigualdade.
A idéia de educação como de responsabilidade da
escola e/ou da família é muito comum. Essa concepção,
incorporada até mesmo por profissionais da Educação, gera
um esquecimento da educação como elemento
fundamental para a coesão e inclusão social, portanto, uma
responsabilidade que deve ser compartida pela sociedade.
O espaço de debate sobre o tema educação envolve a
reflexão sobre diferentes temas, o que faz com que transite
por diferentes espaços onde mecanismos educativos
estejam presentes.
Algumas vezes, como apresento no decorrer da tese,
essas experiências estão no âmbito do coletivo, o que, na
concepção de Bruno Latour
(2001) envolve tanto humanos
quanto não humanos. Adiante apresentarei a abordagem
Latouriana.
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Fanfarra e Educação? Dissonância ou Consonância? | 24
2.2
Educação e Cultura
Distintas concepções de sociedade referenciam
diferentes perspectivas de educação que exprimem
paradigmas de cultura.
Geertz que defende um conceito de cultura que,
como ele próprio afirma, é essencialmente semiótico:
Assumo a cultura como sendo essas teias [de significado] e
a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental
à procura de leis, mas como uma ciência interpretativa, à
procura do significado. (1989, p.4)
Para ele, a realidade é uma teia de significados,
composta por sistemas de signos interpretáveis, tecida pelos
próprios homens. Existe uma série de significados,
incorporados em símbolos que são transmitidos
historicamente. A cultura existe em um contexto de
acontecimentos sociais, comportamentos, instituições,
processos, etc. que podem ser descritos com densidade.
Para Lotman, a cultura não é apenas um conteúdo,
mas um sistema, um conjunto de informações não-
hereditárias que são armazenadas e transmitidas em
diferentes interações; no qual diferentes textos
11
, interagem
e que as diversas coletividades da sociedade humana
acumulam, conservam e transmitem. (Lotman, 1996, 1998, 2000)
11
texto é um espaço semiótico
de relação, estando nele
presentes, ao menos, dois tipos
primários de linguagens. Como,
por exemplo, na dança onde
estão presentes o gesto e a
música.
Ou seja, a cultura é
uma inteligência coletiva e uma memória coletiva, isto é, um
mecanismo supraindividual de conservação e transmissão
de certos comunicados e de elaboração de outros novos.
Lotman, 1996, p. 157).
Agregando às considerações acima, é importante
salientar a perspectiva de Simmel. Para esse autor, a forma
em que a unidade constituída pelos indivíduos — na qual
eles realizam seus interesses — é a sociação a qual
só começa a existir quando a coexistência isolada dos
indivíduos adota formas determinadas de cooperação e de
colaboração, que caem sob o conceito geral de interação.
(Simmel, 1983a, p. 60).
Simmel que resumidamente designa “a sociabilidade
como a forma lúdica da sociação” (1983b, p. 169), assim a
detalha:
a ‘sociedade’ propriamente dita é o estar com um outro,
para um outro, contra um outro que, através do veículo dos
impulsos ou dos propósitos, forma e desenvolve os
conteúdos e os interesses materiais ou individuais. As
formas nas quais resulta esse processo ganham vida
própria. São liberadas de todos os laços com os conteúdos;
existem por si mesmas e pelo fascínio que difundem pela
própria liberação destes laços. É isto precisamente o
fenômeno a que chamamos sociabilidade (1983b, p. 168)
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Fanfarra e Educação? Dissonância ou Consonância? | 25
E prossegue:
Interesses e necessidades específicas, certamente fazem
com que os homens se unam em associações econômicas,
em irmandades de sangue, em sociedades religiosas, em
quadrilhas de bandidos. Além de seus conteúdos
específicos, todas estas sociações também se caracterizam,
precisamente, por um sentimento, entre seus membros, de
estarem sociados, e pela satisfação derivada disso. Os
sociados sentem que a formação de uma sociedade
como tal é um valor; são impelidos para essa forma de
existência.(1983b, p. 168) [grifos meus]
Simmel contribui para a compreensão do conceito de
espaços de sociabilidade - espaços onde os indivíduos se
agrupam em torno de interesses comuns – estabelecem
valores e conhecimentos; consolidam relacionamentos e
processos identitários; permitem aos jovens posicionarem-
se diante de si mesmos e da sociedade.
A estas reflexões de Simmel, agrego afirmações de
um outro autor a respeito de sociedade.
a palavra não se refere a uma entidade existente em si
mesma, governada por suas próprias leis, oposta a outras
entidades como a natureza; significa o resultado de um
acordo que, por razões políticas, divide artificialmente as
coisas em esfera natural e esfera social. (Latour, 2001,
p.355)
Latour nos trás uma interessante perspectiva ao
apresentar o conceito de coletivo para referir-se “às muitas
conexões entre humanos e não-humanos” (2001, p.355) Para
ele, “a sociedade é construída, mas não construída
socialmente. Os humanos, durante milênios, estenderam
suas relações sociais a outros atuantes com os quais
trocaram inúmeras propriedades, formando coletivos” (2001,
p. 227).
N
ão-humano: Esse conceito só
s
ignifica alguma coisa na
d
iferença entre o par “humano –
n
ão-humano” e a dicotomia
s
u
j
eito-objeto. Associações de
h
umanos e não-humanos aludem
a
um regime político diferente da
g
uerra movida contra nós pela
d
istinção su
j
eito e ob
j
eto. Um
n
ão-humano é, portanto, a
v
ersão de tempo de paz do
o
b
j
eto: aquilo que este pareceria
s
e não estivesse metido na guerra
p
ara atalhar o devido processo
p
olítico. O par humano – não-
h
umano não constitui uma
f
orma de ultrapassá-la
c
ompletamente.
(
Latour, 2001.p 352)
Mas o que seria o coletivo a que se refere Latour?
Para ele seria o conjunto de “associações entre humanos e
não-humanos (2001, p.346). Portanto entendo que para
Latour o coletivo vai além das relações dos humanos entre
eles mesmos – a sociedade – pois inclui os não-humanos.
Arrisco dizer que o contexto educativo da cultura inclui
além de relações entre acontecimentos sociais,
comportamentos, instituições, processos, a que me referi,
também um conjunto de artefatos.
Nesta perspectiva os processos educacionais estariam
relacionados a um contexto cultural constituído pelo
entrelaçamento de humanos e não-humanos.
Espaços Educativos
No espaço urbano concentram-se diferentes culturas
que se interceptam configurando uma relação entre
diferentes espaços e práticas culturais.
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Fanfarra e Educação? Dissonância ou Consonância? | 26
Em geral, museus, igrejas, bibliotecas, etc. são
apontados como recursos educativos do espaço urbano,
sobretudo quando considerados de valor histórico. Porém
existem inúmeros outros espaços, compostos por diferentes
práticas resultantes de ações individuais e coletivas , que
por seus usos e representações constituem relevantes
recursos educativos, que configuram aspectos culturais que
geram significados relevantes na integração de uma
sociedade.
O processo de formação da sociedade compõe-se de
inúmeras relações. Em torno de uma mesma atividade,
grupos de jovens constituem redes de amizade em função
não apenas de escolhas pessoais, pois a disponibilidade do
grupo está relacionada com o entorno social imediato, ou
seja, com a localização espacial e a inserção na estrutura
social. Os educadores não conseguem transmitir valores se
estes são contraditórias ao entorno do jovem. (Esteve In:
Goméz-Granell e Vila, 2003)
Considerando que as identidades são produzidas por
diversos discursos constituídos em diferentes espaços de
sociabilidade, cogitei delinear uma possível influência da
fanfarra na construção da identidade de seus integrantes.
A identidade é um tema “relacionado com a discussão
sobre o sujeito e sua inserção no mundo” (
Escosteguy, 2001, p.
139)
, por isso julguei interessante conhecer além de
vivências comuns ao grupo, algumas particulares, pois
estes jovens da Fanfarra também são sujeitos de outros
espaços de sociabilidade, o que evidencia que “a identidade
se constitui em relações de sociabilidade complexa”
(Carrano,
2002, p.60)
Existem diversas redes de sociabilidade no espaço
urbano, a relação que se estabelece entre os diferentes
espaços sociais amplia o contexto gerador da cultura juvenil,
da construção de referenciais.
Concordo com Latour, considero que nestas redes
incluem-se, além dos humanos, os não-humanos.
Nessa perspectiva está o espaço da Fanfarra que
pode ser pensado como um locus deste processo, isto é,
pensado como um lugar social que configura uma rede de
trocas que transforma costumes e expectativas das quais
participam humanos e não-humanos.
Recorro mais uma vez a Geertz quando ele afirma
que
A história de qualquer povo em separado e a de todos os
povos em conjunto, como também, a rigor, a história de
cada pessoa tomada individualmente, tem sido a história
dessa mudança de idéias, em geral devagar, às vezes mais
depressa; (...) tem sido a história das mudança dos
sistemas de sinais, das formas simbólicas e das tradições
culturais. (2001, p.76)
A Fanfarra não é cenário de um ensino de música
institucionalizado formalmente. Embora, em alguns
momentos, apresente padrões tradicionais de ensino-
aprendizagem – hoje menos do que no passado – nessa
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Fanfarra e Educação? Dissonância ou Consonância? | 27
forma de organização sempre são enfatizadas as
habilidades da própria pessoa desenvolver-se por si própria.
Algumas vezes, a aprendizagem é dada como algo
conformado culturalmente, pela experiência social que dá-se
através da própria participação da exposição a diferentes
situações musicais, ocorrendo a aprendizagem quase
indiretamente.
O valor do objeto para a educação
Todas as sociedades, de alguma forma, possuem
artifícios que objetivam legar valores, normas e
conhecimentos a seus membros.
A educação realiza-se, então, no interior da sociedade,
composta por diferentes grupos e culturas, visando um certo
controle sobre a existência social, de modo a assegurar sua
reprodução por formas sociais coletivamente transmitidas
(Gusmão, 1997, P. 14) .
Portanto, não apenas diferentes sociedades
tematizam em diferentes momentos históricos, como
também priorizam, de modo original, a educação de seus
membros.
Desta forma a educação propõe integrar cada um ao
coletivo, mas sem deixar de considerar características e
necessidades particulares, “com base na organização social
e no horizonte cultural partilhado por um grupo”
(Gusmão, p.14)
Se esta afirmação denota a existência de um controle
social, cabe ressaltar que isto não significa que a educação
possa dar-se de modo arbitrário, porque está sujeita a um
sem número de variáveis, procedentes de diferentes grupos
nos quais cada pessoa está inserida.
Foi, por exemplo, como veremos adiante, o que se
passou na relação entre os meninos portugueses e os
meninos índios nativos por ocasião dos trabalhos
catequéticos dos jesuítas, quando, conjugada à uma efetiva
educação musical e religiosa, ocorreu uma inesperada
transculturação: os portugueses – não apenas os meninos,
também os padres – adotaram alguns padrões dos
indígenas
12
.
12
Vide Cap. 5
Uma vez que não se pode presumir quais implicações
podem ser geradas a partir das relações presentes e
daquelas desenvolvidas em outros espaços, não existe um
controle pleno do processo que se estabelece.
O processo formativo ocorre através de inúmeras práticas
que se dão entre a continuidade e a descontinuidade, a
previsibilidade e a aleatoriedade, a homogeneidade e a
heterogeneidade; ou seja, no próprio movimento da vida e
da práxis social em conjunto com mecanismos e ritos
formalizados e concebidos para gerar aprendizagens,
vivemos quotidianamente situações que não foram
intencionadas para serem educativas, mas que,
efetivamente, geram efeitos educativos.
(Carrano, 2003, p. 16)
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Fanfarra e Educação? Dissonância ou Consonância? | 28
No ambiente da Fanfarra existe um conjunto de
experiências que são incorporadas no processo formativo de
cada um.
Em face do exposto, cabe indagar: como se dá a
construção dos conhecimentos fundamentais necessários
para a participação na fanfarra, quer no corpo coreográfico,
quer no corpo musical?
A Cultura e Educação no Espaço da Fanfarra
Vinculada oficialmente a uma instituição formal de
ensino, aos poucos a Fanfarra em estudo foi tomando
feições próprias e ganhou uma relativa independência.
Como será visto, a Fanfarra proporciona uma série de
vivências a seus integrantes, jovens provenientes de
contextos socioculturais diversos bem como aos pais e
amigos cuja participação é imprescindível para a
conservação do grupo.
Na fanfarra as práticas desenvolvidas incluem a busca
de novos suportes e revelam imaginação ao mesmo tempo
em que referenciais da cultura e da memória estão
presentes. Merecem ser discutidos resultados e dificuldades
das aprendizagens que viabiliza.
Pretendi, neste capÍtulo, introduzir a abordagem da
educação que norteia esse trabalho no qual procuro
desvelar a presença do ensino e da aprendizagem que
acontecem na Fanfarra.
Coloco, pois, em foco um trabalho que julgo conjugar o
desenvolvimento pessoal e a participação coletiva com
base na cultura, na tradição, na arte e na educação.
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3
A Estrutura dos Caminhos Trilhados
Esta tese se configurou, no que se refere à pesquisa
em si, como um estudo de caso de natureza qualitativa,
focalizando, como objeto de estudo, a FAGAP — Fanfarra
Gabriel Prestes, da cidade de Lorena, estado de São Paulo.
Os métodos nascem do embate
de idéias, perspectivas, teorias,
com a prática. Eles não são
somente um con
j
unto de passo
s
que ditam um caminho. São
também um conjunto de
crenças, valores e atitudes. Há
que se considerar o aspecto
interiorizado do método, seu
lado intersubjetivo e, até em
parte, personalizado pelas
mediações do investigador. Ou
seja, os métodos, para além da
lógica, são vivências do próprio
pesquisador com o que é
pesquisado. Não são externos,
independentes de quem lhes dá
existência no ato de praticá-lo
(Gatti, 2002, p.54,55).
Para tal, durante a pesquisa, busquei conhecer a
Fanfarra em seus diferentes aspectos com o objetivo de
produzir um corpo de conhecimentos a seu respeito.
Logo, percebi que minha pesquisa seria realizada de
modo aberto e dinâmico, sob diferentes influências,
acarretando uma aproximação de diversas disciplinas, sob
uma postura metodológica interdisciplinar.
É comum, no debate teórico metodológico das
pesquisas educacionais, a busca por se estabelecer o
diálogo com diferentes ciências, integrando seus diferentes
recortes. “Daí o papel da teoria, que é por onde existe a
possibilidade de se integrar os recortes que o homem faz
dos fenômenos”
(Gatti, 2002, p.26).
Dessa forma, durante o percurso, busquei apoio em
um referencial teórico que me desse segurança e me
ajudasse a transitar pelos diferentes caminhos e
descaminhos da pesquisa.
Nessa postura, evidencia-se a inspiração em
Francastel
Parece-me pouco científico querer estabelecer antes
o quadro do sistema. As análises não pareceriam em
seguida senão exercícios de aplicação. (...) O objetivo aqui
perseguido não é opor uma doutrina rígida a outra, mas
inaugurar um campo de reflexões para uma forma de
pensamento cujos limites e contornos deverão ser
freqüentemente revisados.
(Francastel, 1967, p.62. Apud Silveira,
2003, p.129).
Traçando o mapa das rotas percorridas, optei por
desenvolver um plano de investigação que desse conta, ao
mesmo tempo, de dois eixos de estudo do objeto da tese: a
diacronia e a sincronia. Isso implicou uma estrutura que
pode ser representada com o esquema a seguir
1
:
1
Esse diagrama foi inspirado
no apresentado por Latour,
quando procura reconstituir a
circulação dos fatos científicos
(2001, p. 118).
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A Estrutura dos Caminhos Trilhados | 30
EIXO
SINCRÔNICO
Fanfarras
atuais
EIXO DIACRÔNICO
Cidade de Lorena
EIXO DIACRÔNICO
Bandas e Fanfarras no mundo,
em Portugal e no Brasil
FAGAP
EIXO
SINCRÔNICO
Fanfarras
atuais
EIXO DIACRÔNICO
Cidade de Lorena
EIXO DIACRÔNICO
Bandas e Fanfarras no mundo,
em Portugal e no Brasil
FAGAP
ORIGEM HISTÓRICO/CULTURAL
ORIGEM HISTÓRICO/CULTURAL
ORIGEM HISTÓRICO/CULTURAL
ORIGEM HISTÓRICO/CULTURAL
A diacronia e a sincronia complementam-se,
configurando a FAGAP e dando-lhe características comuns
a outros grupos musicais e, ao mesmo tempo, esboçam
suas particularidades. Enquanto a primeira enquadra o
grupo em um referencial evolutivo, a segunda indica as
circunstâncias presentes.
Entendi que o tema de meu estudo deveria não
apenas confrontar esses dois tempos, como também
articular as informações obtidas sob essas perspectivas.
O eixo diacrônico nos permite adentrar no passado,
buscar reconstituir determinados períodos históricos ou
conjunturas sociais, econômicas e políticas, remetendo à
transmissão de práticas e costumes. Acompanha o curso
dos acontecimentos e pode ser caracterizado pelas
transformações ocorridas nas bandas e fanfarras no
decorrer do tempo. As etapas que o próprio grupo percorreu
também foram aqui consideradas.
Ainda no eixo diacrônico, foi apreciada a formação
histórica local como revelador de diferentes processos, entre
os quais os movimentos de expansão demográfica da região
e de Lorena, especificamente.
Penso que a diacronia forneceu subsídios
interessantes para o estudo do cotidiano da Fanfarra,
sobretudo no que se refere a seu contexto urbano e a sua
construção social.
Já a sincronia apresenta a perspectiva fornecida,
direta ou indiretamente, pelo grupo, bem como as relações
de seus integrantes entre si e com as de outros grupos.
Portanto, o eixo sincrônico relaciona-se aos estudos
presentes, ressaltando a estrutura do grupo, as influências
que recebe, as redundâncias significativas, a constância de
relações e outras características decorrentes de diversos
fatores. Eventuais formas de regulação social são
contempladas nesse eixo.
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A Estrutura dos Caminhos Trilhados | 31
Assim sendo, os procedimentos da pesquisa
cumpriram os seguintes caminhos desenvolvidos
concomitantemente:
PROCEDIMENTOS
Regulamentos
Consulta de
Documentos
Revistas e
Jornais
Livros
A
nálise do material coletado com vistas a possíveis
articulações, iluminando a importância desse estudo para
a Educação.
Corpo
Musical
Grupo Focal
Corpo
Coreográfico
Familiares
Elementos
da FAGAP
Entrevista
Dirigentes
Idealizadora
da FAGAP
Integrantes
da FAGAP
n=82
Depoimento escrito
de Inte
g
rante
Questionário
Ida ao Campo
Sites da Internet
A adoção deste desenho metodológico permitiu-me
romper com uma perspectiva focada apenas no presente do
grupo em estudo e recuperar práticas e contextos, tradições
que possam, de algum modo, situá-lo no seu cotidiano.
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A Estrutura dos Caminhos Trilhados | 32
Portanto, ao estudar a Fanfarra, procuro articular as
dimensões diacrônica e sincrônica e, a partir desse enfoque,
é que desenvolvi a pesquisa.
3.1
Métodos, Técnicas e Instrumentos – Fazendo o
caminho
2
2
Aqui inverto o subtítulo
Haciendo el camino:métodos,
técnicas, instrumentos
apresentado por Reguillo
(1991, p.61).
Falando do eixo diacrônico
O eixo diacrônico teve como foco maior a pesquisa
histórica, com o intuito de alcançar a compreensão do que é
hoje o universo das bandas, em especial, o das fanfarras,
sempre lembrando que as fontes são passíveis de distintas
abordagens. Assim, procurei filtrar diferentes perspectivas
de modo a oferecer uma visão geral tanto do percurso
histórico-musical de bandas e fanfarras quanto do cenário
histórico-geográfico da região, onde está situada a FAGAP.
Durante essa parte da pesquisa, consultei o acervo de
bibliotecas, bem como pesquisei artigos, livros e teses no
acesso virtual ao sistema de consulta do sistema de
bibliotecas de universidades de diferentes estados do Brasil,
o que me deu a certeza da carência de estudos sobre o
tema na área. Os raríssimos estudos que localizei e
consultei, referiam-se, quase sempre, a bandas e, mesmo
assim, muito mais sob o enfoque da arte e do artista do que
de qualquer outro
3
. Durante essa investigação, consultei,
presencialmente ou online , no Rio de Janeiro, Brasil, os
acervos do Museu do Corpo de Fuzileiros Navais, Museu do
Exército, Conservatório Brasileiro de Música, Escola
Nacional de Música, Biblioteca Nacional, Biblioteca da PUC-
Rio, além de dissertações e teses disponibilizadas online por
diversas universidades brasileiras.
[...] a ancoragem enraíza a
representação e seu objeto
numa rede de significações que
permite situá-los
em relação aos valores sociais e
dar-lhes coerência.
(Jodelet,
2001, p.38)
3
Em 2006, tive acesso a uma
tese sobre uma fanfarra.
Defendida na área da
Educação (Lima, 2005), seu
autor, mestre em Arte,
apresenta-se como
regente de
uma Banda de Música.
Em relação a fanfarras em geral, além de sites
especializados, consultei exemplares da revista Magníficas
– especializada em orquestras, bandas e fanfarras –, que,
infelizmente, teve sua publicação interrompida.
Além disso, tive acesso a documentos da
Confederação Estadual de Bandas e Fanfarras (Estado de
São Paulo), da Confederação Nacional de Bandas e
Fanfarras e, ainda, a regulamentos de diversos concursos.
Dessa forma, obtive informações fundamentais para a
compreensão do processo burocrático no qual a Fanfarra
está inserta.
Complementei a coleta de dados em trabalho investigativo,
realizado em Lisboa, no período de 12 de setembro 2006 a 4 de
janeiro de 2006
4
. Entre as instituições consultadas em
Portugal, destaco: Universidade Autônoma de Lisboa,
vinculada, sob orientação do Prof. Dr. Miguel de Faria, à
Biblioteca Nacional (de Lisboa); Centro de Documentação
de Ciências Musicais da Universidade Nova de Lisboa;
Instituto de Ciências Sociais (ICS), da Universidade de
Lisboa; Fundação Gulbenkian; Irmandade de Santa Cecília;
e Museu da Música.
4
Com bolsa do CNPq
(Doutorado-Sanduíche).
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A Estrutura dos Caminhos Trilhados | 33
Pude, ainda, estabelecer contato com diversos
estudiosos
5
, que me deram pistas e orientações para a
coleta do material.
5
Prof.Dr. Rui Vieira Nery –
Fundação Calouste
Gulbenkian, Regente Luciano
Franco, integrante da
Irmandade Santa Cecília,ex-
músico da GNR, Profa. Ana
Paula Tudela – Historiadora,
Jorge Santiago – músico e
compositor da Armada
Portuguesa.
Equipe do Museu da Música
entre outros.
Assim, realizei um levantamento histórico,
pretendendo buscar possíveis práticas e sistemas
simbólicos que tenham originado aqueles observáveis, ainda
hoje, nesses grupos musicais. Caminhei desde os
primórdios da História da Música até os dias de hoje, me
atendo aos pontos relevantes para meu trabalho. Por isso, a
maior parte das considerações históricas encontra-se
relacionada ao mundo ocidental.
Inicialmente, percorri algumas paisagens culturais
relacionadas ao universo das bandas e fanfarras em estudo,
iniciando na Europa, com especial atenção a Portugal. Em
seguida, concentrei-me na formação da paisagem musical
brasileira, sempre me atendo aos pontos que considerei
relacionados ao universo em estudo.
Meu objetivo não foi realizar uma pesquisa no campo
da História, mas sim exercitar uma visão no campo da
antropologia da história, nas proporções necessárias à
pesquisa, nos moldes a que se refere Riserio.
...o texto antropológico, à semelhança do texto histórico e
do romanesco, reconstrói realidades. É um esforço para
penetrar em mundos culturais, reconhecendo sua ordem e
suas especificidades. Para entender um universo cultural
distante do nosso é preciso, como todos sabem, evitar as
lentes do etnocentrismo. Tentar captar, em suas
significações próprias, as ações e relações simbólicas com
que nos defrontamos. É uma questão de perspectiva (1994,
p.40).
Nessa perspectiva, organizei uma síntese histórica das
Bandas e Fanfarras, o que me deu base ao estudo da
FAGAP. Essa síntese é apresentada em três momentos:
Panorama até o período inicial das Grandes Navegações –
final do século XV – ou seja, no período anterior à chegada
de Cabral ao Brasil.
O Cenário Europeu quando da chegada dos Portugueses à
América – a partir do século XV – ou seja, após a chegada
de Cabral.
Panorama nas terras brasileiras desde 1500.
A pesquisa documental constituiu-se do registro em
fichas e de fotocópias, a partir de material obtido junto aos
diferentes acervos consultados.
As fontes iconográficas também foram levadas em
conta, pelo papel fundamental que têm no resgate do uso da
música através dos tempos. Ao examiná-las, os
historiadores têm acesso a informações sobre o passado, o
que lhes permite examinar e analisar determinada
sociedade, a partir da reconstrução e interpretação da fonte
histórica que serve como testemunho ou discurso de uma
época
(Barros, 2005). Ao contrário dos historiadores, que
buscam nas imagens confissões involuntárias, nesta tese
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A Estrutura dos Caminhos Trilhados | 34
elas são utilizadas como elementos textuais, já explorados e
que, da mesma forma que os textos escritos, servem como
referências, “citações imagéticas”.
Além disso, para o estudo da origem da FAGAP,
consultei os veteranos do grupo, ex-integrantes e alguns
moradores da cidade. Em relação a fanfarras em geral, além
de sites especializados, foram sendo consultados
exemplares da revista Magníficas, já mencionada, que era
especializada em orquestras, bandas e fanfarras.
Na mesma perspectiva, ou seja, para melhor
compreender o ambiente cultural da FAGAP, busquei
conhecer também a história local e, assim, aproximei-me da
História do Vale do Paraíba, particularmente, da cidade de
Lorena, onde ela está estabelecida, no sentido de resgatar
aspectos históricos que pudessem ter contribuído para o
atual cenário da cidade.
Essa proposta de encaminhamento da tese confirmou
a necessidade de compreender, além do percurso das
Bandas e Fanfarras no Brasil, os fatos ocorridos no Vale do
Paraíba e na cidade de Lorena, relacionados ao estudo das
matrizes européias. Certamente, os estudos sistemáticos
das matrizes européias, a integração das fontes
portuguesas e brasileiras eram fundamentais para a
compreensão de inúmeros fatos, pois, “ambos os países
abrigam tesouros que, mutuamente, se explicam, mas que
ainda carecem de um tratamento sistemático”
(Dias, 2001, p.
188)
6
.
6
Dias, Sergio. Recensão
bibliográfica de Rui Vieira Nery
(coord.) A música no Brasil
Colonial. Colóquio
Internacional – Lisboa 2000.
Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2001. In: Revista
Portuguesa de Musicologia
n.11. Lisboa: Associação
Portuguesa de Ciências
Musicais (patrocínio Ministério
da Cultura), 2001.
7
Aqui, estou me valendo do
conceito de Representações
Sociais proposto por
Moscovici. Para Jodelet,
seguidora de Moscovici, o
processo de ancoragem,
articula três funções: a função
cognitiva de integração da
novidade; a função de
interpretação da realidade e a
função de orientação das
condutas e das relações
sociais (Jodelet, 2001).
Em relação à Lorena, obtive dados relacionados à sua
localização geográfica, fator de grande influência na História
e situação econômica da região, bem como a índices
sócioeconômicos mais recentes.
Para a pesquisa histórico-geográfica da cidade de
Lorena, examinei o acervo da Biblioteca Municipal da
cidade, tive acesso a dados da Prefeitura Municipal, do
Instituto de Estudos Históricos Valeparaibanos, e aos jornais
Guaypacaré, Athos e Vale Paraibano. Além disso, pude
adquirir diversos livros – em geral publicações locais, de
reduzida tiragem – de renomados professores e
pesquisadores da região.
Todas essas investigações que realizei, dentro do eixo
diacrônico, contribuíram para iluminar as múltiplas
possibilidades de ancoragem das representações sociais da
fanfarra
7
.
Falando do eixo sincrônico
O eixo sincrônico teve, mais especificamente, a
FAGAP no momento atual da tese como foco.
A aproximação com o campo foi realizada por meio de:
Observação da fanfarra em estudo, com vistas à
elaboração de uma etnografia;
Sondagem junto a moradores de Lorena, quanto à
representação social da Fanfarra;
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A Estrutura dos Caminhos Trilhados | 35
Aplicação de um questionário respondido pelos
jovens integrantes da Fanfarra;
Entrevistas realizadas com:
Dirigentes e ex-dirigentes;
Familiares da equipe de apoio;
Jovens integrantes do grupo;
A idealizadora da Fanfarra.
Depoimento escrito por uma jovem da Fanfarra;
Grupo focal com jovens integrantes do grupo;
Acesso a Orkuts e fotoblogs de integrantes da
fanfarra.
3.2
A Observação
A concepção da etnografia, “como um método, no
sentido de técnica de trabalho”
(Boumard, 1999), contrapõe-se
à da postura etnográfica, porque para esse autor, o que
fundamenta a postura etnográfica é a “a idéia de ir ao
campo e dele não fazer o elemento da administração da
prova, mas o material indispensável para que o discurso
sobre outro tenha sentido,”
(Boumard, 1999, s.p.).
A etnografia, entendida desse modo, é apresentada
como uma articulação entre metodologia e epistemologia.
Boumard
(1999), recorrendo à etimologia da palavra
francesa regarder (olhar), afirma que olhar supõe interesse,
atenção, estar em guarda.
Nessa perspectiva, procurei, a partir do ponto de vista
dos atores a que tive acesso, conhecer a fanfarra,
considerando, como Boumard, “as produções dos membros
do grupo estudado como verdadeiras instruções de
investigação
(1999, s.p.). Acompanhando o grupo de perto,
pude, ainda que de modo informal, perceber as redes
sociais em que se inseriam suas práticas cotidianas, suas
representações, etc.
A presença prolongada no espaço da FAGAP,
algumas vezes conversando assuntos aparentemente
banais, graças a uma atenção constante, permitiu-me não
apenas observar locais, símbolos, atividades,
comportamentos, situações, acontecimentos, como também
captar os pontos de vista dos integrantes do grupo,
alcançando informações cuja riqueza eu não previra
8
.
8
A observação participante
permite, em um primeiro
momento, que o pesquisador
ganhe acesso ao campo e às
pessoas para, posteriormente,
concentrar-se nos aspectos
centrais das questões da
pesquisa (Flick, 2004).
Nesse sentido, concordo com Boumard, quando esse
autor afirma que
Não há, portanto, clivagem entre objeto e sujeito, mas um
outro olhar sobre a realidade a que chamamos de olho
etnográfico, para designar o olhar sempre em situação e
numa interação permanente com a mesma, que a define por
seu turno em termos de construção interminável (1999, s.p.).
A este olho etnográfico, associei o fotografar,
alcançando, dessa forma, creio, uma observação mais
apurada. Fotografar contribuiu com o meu intuito de realizar
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A Estrutura dos Caminhos Trilhados | 36
um estudo microscópico
9
, que me permitisse uma descrição
densa.
9
Cf. Geertz (1989).
Nesse sentido, tenho certeza de que fotografar foi
mais do que um registro sistemático. Fotografar propiciou
aguçar o olhar, procurar frestas, novos ângulos, não em
busca de fotos artísticas, mas de uma observação mais
apurada.
A coisa vista, está claro, entra em relação com as outras
modalidades do conhecimento: ela adapta-se
necessariamente aos múltiplos sistemas de significação
existentes, mas nem por isso perde sua especificidade. A
imagem registra eventos que escapam inevitavelmente aos
demais meios de informação e expressão (Silveira, 2003,
p.141).
Procurei ter algumas fotografias como um recurso
textual tal como o texto escrito, não como mera ilustração.
Por outro lado, como estava procurando delinear a
representação social da fanfarra, realizei um estudo
exploratório, com vistas a conhecer idéias e conceitos que
pudessem indicar a inserção da fanfarra em estudo no
cotidiano urbano.
Na ocasião, solicitei aos vizinhos da fanfarra
10
que
relacionassem três palavras à fanfarra e, em seguida, de
modo bastante informal, conversamos sobre o tema em
questão. Os dados coletados naquele momento e
analisados criticamente estão insertos no corpo da tese.
10
Vide Cap. 4
3.3
O questionário
Com o intuito de traçar o perfil dos integrantes da
fanfarra FAGAP, elaborei e apliquei um questionário
11
a
todos jovens integrantes da FAGAP. O uso do questionário
permitiu traçar um mapeamento das condições sociais dos
seus elementos e contribuiu para a redução do número de
questões das entrevistas, permitindo destinar o tempo dessa
para tópicos mais essenciais.
11
Uma cópia do questionário
pode ser encontrada no Anexo 4
11
Uma cópia do questionário
pode ser encontrada no Anexo 4
Quanto ao tipo de perguntas que constituíram o
questionário, foram de dois tipos: fechadas e abertas.
As questões fechadas foram destinadas a coletar
informações de identificação, como idade, renda, habitação
etc; por limitarem as possibilidades de respostas, permitiram
uma tabulação mais simplificada e a descrição gráfica de
seus resultados.
As perguntas abertas, incluídas em menor número,
permitem maior liberdade de resposta e, por isso, foram
utilizadas para averiguação de temas sobre os quais havia
menor conhecimentos de possibilidades de respostas, o que
acarreta dificuldades ou mesmo impede que se estruture
questões fechadas.
12
Foram eles: Profa.Dra.
A
pparecida Mamede
(orientadora da tese), Prof.
Dr.Píer Cesare Rivoltella, Prof.
Ms.Glauco Aguiar, Profa. Ms
A
na Valéria de Figueiredo,
Profa. Ms. Dione Dantas
A
maral e Profa. Ms. Flavia
Nizia da Fonseca Ribeiro.
Após a elaboração do questionário, ele foi
encaminhado, em duas etapas, a pesquisadores
12
que
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A Estrutura dos Caminhos Trilhados | 37
pudessem examiná-lo e que me retornaram uma série de
observações relacionadas à ordenação e à forma das
questões.
Cabe ressaltar que, a partir de uma proposta de
desenho para o questionário, encaminhei o mesmo para
uma especialista em diagramação
13
, com quem discuti
diversas propostas até atingirmos a forma final.
13
A Profa. Ms. Flavia Nizia da
Fonseca Ribeiro
Posteriormente, todas as questões foram pré-testadas,
isto é, foi realizado um teste-piloto em função de dois
critérios: exclusão e exaustão. O primeiro, para garantir que
ao responder o questionário não fosse possível que a
resposta de uma mesma pessoa recaísse em duas das
categorias utilizadas, e o segundo, para que todas as
possibilidades de respostas fossem abrangidas pelas
categorias escolhidas
(May, 2004).
As questões abertas foram incluídas em menor
número e permitiram maior liberdade de resposta; por isso,
foram utilizadas para averiguação de temas sobre os quais
se tenha menor conhecimento sobre as possibilidades de
resposta.
A aplicação do questionário foi precedida de um
esclarecimento acerca da necessidade dessas informações
para a pesquisa. Essa informação preliminar para os
informantes visou aumentar as chances de resposta,
auxiliando-os na compreensão de sua importância na
pesquisa.
Desse modo, pelas respostas dadas ao questionário,
pude constituir um panorama amplo do perfil do integrante
da FAGAP.
3.4
A entrevista
Foram entrevistados, individualmente, dirigentes e ex-
dirigentes, familiares, jovens integrantes do grupo e, ainda, a
idealizadora da Fanfarra. Cada encontro teve a duração
variável de 30 a 90 minutos e foram realizadas no local dos
ensaios, exceto a da idealizadora, que foi na sua residência.
O roteiro compreendia os
seguintes pontos:
. Apresentação (Identificação)
. Formas de participação
. Ingresso na fanfarra
. Experiências em fanfarra
. Trajetória na fanfarra
. O jovem da fanfarra –
identidade e representações
. Da tradição aos novos
costumes
. Lorena, relações sociais
As entrevistas tomaram a forma semi-estrutural com
um roteiro que permitiu a cada um dos entrevistados falar
dentro de sua própria estrutura de referência, ou seja, com
seus próprios termos, a partir de idéias e significados que
lhe eram familiares.
O roteiro (Anexo 2) serviu, apenas, como um
disparador, pois procurei deixar cada entrevistado falar
dentro de sua própria estrutura de referência, ou seja, com
seus próprios termos a partir de idéias e significados que lhe
são familiares. Isso significa que, embora eu tivesse metas a
alcançar, meu roteiro não era o fundamental, pois não
desejava engessar o entrevistado.
Acredito que esta forma, flexível, permitiu maior
transparência do entrevistado e profundidade qualitativa,
sobretudo nas abordagens que envolvem dados biográficos.
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A Estrutura dos Caminhos Trilhados | 38
As entrevistas foram gravadas e transcritas para
análise. Procurei preservar as formas pessoais das
respostas. O conteúdo dessas entrevistas individuais foi
cruzado com o dos grupos focais.
As histórias de vida
14
coletadas nessas entrevistas
forneceram alguns dados relativos à dimensão cultural, às
relações entre pessoas e grupos e foram muito
interessantes para compreender os processos de
socialização dos sujeitos e de transmissão de tradições e
normas entre gerações e grupos da FAGAP.
1
4
O método de história de vida
parte, de certa forma, do
principio holográfico da
relação da parte com o todo,
de que se pode reproduzir a
totalidade a partir de cada
fragmento. Desta forma a
história de vida permite o
estudo completo de um grupo
a partir de um conhecimento
profundo de alguns de seus
membros (Martinez, 1999).
Ao privilegiar a história de vida, pretendi obter – e
obtive – subsídios que me permitiram compreender os
processos de socialização dos sujeitos, de transmissão de
tradições e normas entre gerações e grupos, elementos que
constituem o processo de identidade cultural, porque a
identidade cultural, ao distinguir o eu dos outros, refere-se
não apenas ao indivíduo como também ao grupo, ou seja,
os traços culturais que os membros de um grupo utilizam
para “afirmar e manter uma distinção cultural(Cuche, 2002, p.
182) é que estabelecem a identidade desse grupo. A
identidade, como aponta Maffesoli, refere-se “tanto ao
indivíduo quanto ao grupamento no qual este se situa: (...) a
identidade em suas diversas modulações consiste, antes
de tudo, na aceitação de ser alguma coisa determinada
[grifos meus] (Mafesoli, 2000, p. 92).
Procurei, dessa forma, compreender o mundo local
dos participantes da FAGAP e as influências dos diferentes
espaços por onde circulavam, o seu comportamento e
também o plano simbólico.
Como foi mencionado acima, além das entrevistas
com os seus atuais integrantes, foram ainda entrevistados
alguns ex-integrantes e outras pessoas relacionadas ou não,
direta ou indiretamente, ao grupo.
Obtive ainda um depoimento escrito, a meu pedido, de
uma das jovens da Fanfarra. O depoimento não seguiu
qualquer roteiro pré-estabelecido e foi-me entregue gravado
em um CD-Rom, que serviu para agregar valor à construção
da etnografia.
3.5
Grupos focais
Os Grupos Focais foram realizados com jovens
integrantes da FAGAP em uma grande sala que tem função
de auditório, na escola que a acolhe para ensaios e
reuniões. Esses encontros foram gravados em vídeo e
transcritas as falas. Esse procedimento permitiu que se
tivesse a identificação do autor do enunciado, durante a
transcrição das falas que seriam objeto posterior de análise.
Os grupos foram constituídos aleatoriamente entre
integrantes de perfil diferenciado em relação à forma de
participação na fanfarra.
A opção por realizar o grupo focal deve-se à
possibilidade de observar as dinâmicas grupais, a partir da
simulação de conversas informais que partiram de questões
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A Estrutura dos Caminhos Trilhados | 39
e observações feitas por mim. Dessa forma, podem ser
observados os significados presumidos por cada um e a
negociação desses significados, revelando dilemas
presentes em questões cotidianas.
Poder-se-ia caracterizar o grupo focal como sendo
parecido com a descrição feita por Habermas da esfera
pública ideal. É um debate aberto e acessível a todos: os
assuntos em questão são de interesse comum; as
diferenças de status entre os participantes não são levadas
em consideração; e o debate se fundamenta em uma
discussão racional. Nesta característica final, a idéia
de¨racional¨ não é que a discussão deva ser lógica ou
desapaixonada. O debate é uma troca de pontos de vista,
idéias e experiências, embora expressas emocionalmente e
sem lógica, mas sem privilegiar indivíduos particulares ou
posições (Gaskell, 2002, p.79).
Essa técnica é apontada como intermediária entre a
observação participante e as entrevistas em profundidade e,
também, pode estar associada a essas técnicas
(Morgan,
1997).
Embora tenham sua origem a partir de entrevistas
grupais, os grupos focais delas diferenciam-se pelo papel
assumido pelo entrevistador e pelo tipo de abordagem. O
entrevistador que — por ter seu interesse voltado à análise
do indivíduo no grupo — adota um papel de facilitador do
processo de discussão e não o de interventor e argüidor não
efetiva, portanto, um direcionamento, por meio de
perguntas, dos temas a serem tratados
(Bogardus, 1926;
Lazarsfeld, 1972).
A opção pelo grupo focal é decorrente do interesse de
se conhecer a opinião de cada participante em situação de
grupo, permitindo compreender o processo de construção
das percepções, atitudes e representações sociais dos
grupos em estudo
(Veiga & Gondim, 2001). Porém, a unidade de
análise do grupo focal é o próprio grupo, isto é, para efeitos
de análise e interpretação dos resultados, mesmo quando
uma opinião não é compartilhada por todos, ela é referida
como a do grupo.
Apesar de todos os participantes serem encorajados a
discutir os temas propostos entre si, nem sempre isto
ocorreu, não havendo uma discussão mais produtiva, senão
apenas afirmações individuais.
3.6
Orkut e fotoblogs
Usuária da Internet, sempre realizo navegações
exploratórias vinculadas a assuntos de meu interesse.
Naturalmente, logo busquei informações sobre meu objeto
de pesquisa. Foi-me, assim, possível acessar diversas
informações e imagens relacionadas às Confederações de
Bandas e Fanfarras, aos concursos realizados, à cidade de
Lorena, a instrumentos musicais, etc.
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A Estrutura dos Caminhos Trilhados | 40
A partir de 2006, encontrei alguns fotoblogs e
comunidades do Orkut relacionados a Fanfarras em geral.
Durante muito tempo, conhecia apenas um fotoblog
relacionado diretamente à FAGAP, mais especificamente à
linha de frente. De qualquer modo, os demais sites
localizados foram importantes, pois contribuíram, em muito,
para que eu conhecesse e compreendesse esse movimento.
Durante minha permanência em Portugal, meu
acesso à Internet foi mais restrito. Ao retornar, reiniciei as
buscas focadas na FAGAP e, para minha surpresa, o
resultado foi bastante diferente. Localizei no Orkut
comunidades relacionadas à FAGAP e, a partir delas, outros
fotoblogs relacionados ao grupo.
A análise desse material foi interessante, pois, além
de prover-me de mais algumas informações, permitiu
conhecer uma outra forma de interação desses jovens em
que o virtual complementa e amplia a relação real. Além
disso, os registros que foram extraídos desses espaços se
mostraram mais espontâneos e relacionados àquilo que eles
mais valorizavam dentro de suas atividades na fanfarra. Por
esse motivo, julguei muito pertinente inserir em meu trabalho
algumas informações assim obtidas.
Fig. 2 - Páginas do Orkut
Fig. 3 - Fotolog
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A Estrutura dos Caminhos Trilhados | 41
3.7
Articulação dos Eixos – o tratamento dos dados
Procurei me familiarizar com as práticas e rotinas
cotidianas da Fanfarra. Aos poucos, minha presença foi
tornando-se usual e, com isso, foi possível desvelar e
compreender diversas situações vividas pelo grupo, bem
como perceber a perspectiva do grupo, o que por um lado
significava um importante ganho, mas, por outro, havia a
necessidade de manter minha própria perspectiva de
pesquisadora.
A
eventos distantes no tempo
corresponde uma
predominância de
interpretações acadêmicas em
contraste com interpretações
políticas; o evento está mais
“frio”, para usarmos um
qualificativo inventado por
Lévi-Strauss.
Concomitantemente, um
evento mais próximo no tempo
é um fato ainda se
desenrolando entre nós. Um
episódio que não esgotou suas
ondas de impacto. Daí,
certamente, as dificuldades de
uma interpretação “fria”
acadêmica e a multiplicidade de
interpretações políticas. Trata-
se de um episódio “quente”,
que se desenrola diante dos
nossos olhos, e que ainda
depende de nossa ação sobre
ele
(DaMatta, 2000, p.128).
Quando iniciei a gravação das entrevistas e dos
grupos focais, observei, muitas vezes, a repetição de um
discurso comum, assimilado pelos integrantes não só desta
como de outras fanfarras. Observei, também, que algumas
vezes eles falavam aquilo que presumiam que eu gostaria
de ouvir. Por isso, ressalto, mais uma vez, que grande parte
do material empírico que obtive deu-se graças a minha
longa inserção no campo, o que fez com que o grupo
naturalizasse a minha presença. Cabe lembrar que a
gravação também é um fator inibidor para muitos, e, na
conversa informal, foram reveladas importantes
informações.
As informações coletadas com a pesquisa documental
foram examinadas e organizadas por meio de recursos
informáticos pertinentes.
Os dados obtidos com perguntas fechadas dos
questionários foram tabulados e organizados com base na
estatística descritiva, por meio de tabelas e gráficos.
A análise e a interpretação das respostas abertas,
assim como de todo o material produzido a partir da
transcrição dos grupos focais e das entrevistas, foram
realizadas sob uma ótica hermenêutica nos termos
propostos por Bardin, partindo da chamada leitura flutuante,
uma primeira atividade que “consiste em estabelecer
contacto com os documentos a analisar e em conhecer o
texto, deixando-se invadir por impressões e orientações”
(Bardin, 1979, p. 96), realizar uma pré-análise dos depoimentos,
bem como uma organização preliminar dos dados.
Realizei sucessivos cruzamentos e comparações das
respostas dos grupos na sua totalidade com as respostas
dadas por cada um dos entrevistados. Dessa forma, pude
realizar tanto uma análise inter-sujeitos quanto intra-sujeitos
permitindo detectar recorrências e inconsistências nas
respostas
(Nicolaci-da-Costa, 1987).
A síntese das informações, oriundas dos depoimentos,
foi estruturada em função de características comuns dos
seus elementos a partir de critérios a serem determinados
pelo próprio material obtido.
Assim, foi constituído um acervo de discursos dos
quais foram retiradas as unidades de análise para uma
posterior articulação com a discussão teórica, ou seja, todo
o corpo de dados coletados não obedeceu,
necessariamente, a um conjunto prévio de indicadores, pois
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A Estrutura dos Caminhos Trilhados | 42
as categorias foram estabelecidas a partir do exame do
conteúdo das afirmativas dos integrantes do grupo.
As informações provenientes dos questionários,
grupos focais e entrevistas foram trabalhadas em
triangulação
15
, visando garantir a credibilidade da pesquisa.
Se durante algum tempo temia ter pouco material, logo
descobri que, ao contrário, a dificuldade seria eleger aqueles
que seriam efetivamente apresentados na tese. Portanto, a
partir do acervo que organizei, utilizei o material, tendo como
critério a sua relação direta com a formação da Fanfarra e
com a possível existência de articulações entre a
participação do jovem na fanfarra e o processo educativo. O
material reservado serviu não apenas para a consolidação
do terreno em estudo como também para base de outros
trabalhos.
1
5
“comparação de dados
obtidos por meio de diferentes
fontes, métodos,
investigadores ou teorias”
(Alves, 1991, p. 61).
Todo processo de investigação requer um projeto
inicial que, com o passar do tempo, se modifica em função
da própria pesquisa. O olhar investigador trouxe outras
questões, ao mesmo tempo em que descartou algumas que,
a principio, pareciam pertinentes. Com isso, no decorrer da
pesquisa, foram-se revelando aspectos para além daqueles
que eu poderia supor em um primeiro momento,
perpassando diferentes campos do conhecimento, sem
deixar reter-se por barreiras artificiais.
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4
Fanfarra: de que se fala?
Um objeto sociotécnico, nos termos propostos por
Latour, pode ser compreendido como um objeto que,
elaborado e empregado em um processo interacional,
simultaneamente social e técnico-científico, é fruto de um
trabalho comum que envolve diferentes pessoas e materiais.
As disponibilidades materiais, a inserção dos humanos, a
forma de trabalho conjunto, os artefatos e as práticas locais
são apenas alguns possíveis exemplos das especificidades
que interferem nesse processo. Por isso, creio ser essencial
que se tenha aqui esclarecido um pouco da distinção entre
fanfarra e banda, muitas vezes não muito clara, bem como a
complexidade dos seus instrumentos, complexidade esta
que se foi dando na interação constante entre o homem e os
instrumentos que ele próprio foi construindo.
A diferença não é muito não. Por causa dos instrumentos. A
banda tem pistos e a fanfarra são cornetas, cornetões lisos
e a banda tem trom... é... tipo uma corneta, mas se fala
trompete, tem pistos, trombones... Tem fanfarra com pistos
também. (...) É fora isso não existe diferença [Wilson, 15
anos].
A partir de tudo que ouvi e li sobre o universo de
bandas e fanfarras, posso afirmar que, de modo geral, as
fanfarras são vistas como um tipo de banda, uma forma
mais simples, composta apenas por instrumentos de metal
simples (cornetas) e de percussão (em geral considerado o
ponto forte da fanfarra), o que, aliás, também está
registrado:
Dois são os instrumentos básicos para a composição
instrumental de uma fanfarra. A corneta e o tambor. Com o
decorrer dos tempos, foram aperfeiçoados, a corneta em
forma, tonalidade e material de fabricação, o tambor em
forma, dimensão e material de fabricação (Sacco, 1982, p. 6).
Tomo, portanto, a fanfarra como uma categoria de
banda e vejo que o desdobramento histórico – de uma e de
outra – é uno, inseparável. O estudo que realizei em termos
de estrutura e origem das fanfarras
1
revelou interessantes
matizes não apenas da história da música como da própria
sociedade.
1
Vide Cap. 5.
Algumas pistas que, à primeira vista, poderiam parecer
superficiais, quando exploradas, revelaram-se originais e
com interessantes passagens. Trouxeram à tona a realidade
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Fanfarra: de que se fala? | 44
de diferentes épocas. Se algumas vezes faltaram fontes
para determinadas informações, outras vezes elas eram
tantas que precisaram ser sintetizadas.
Por considerar as fanfarras como uma das
ramificações da categoria banda, julguei necessária uma
apresentação prévia do que seja uma banda, bem como
uma aproximação de seu contexto histórico-cultural.
4.1
Bandas
O termo banda é utilizado em diferentes acepções e
há controvérsias, como se verá ao longo deste capítulo, em
torno da origem da palavra. Uns a consideram italiana,
outros germânica, há ainda aqueles que a consideram
gótica
2
.
2
Talvez tenha sua origem na
palavra gótica bandwa; no
italiano e no provençal com o
sentido de tropa e no catalão,
indicando distintivo militar
(Salles, 1985, p. 8).
3
Como o dicionário
enciclopédico The New Grove
Dictionary Of Music And
Musicians é considerado pelos
estudiosos do assunto, como
j
á dissemos antes, a mais
conceituada referência sobre o
tema, tomamo-lo, neste
capítulo, para a maior parte
definições necessárias .
Entretanto, o mais importante é perceber que, mesmo
quando banda recebe significados bastante próximos,
“deixam transparecer os diferentes contextos e atores, os
quais, em épocas e locais diversos, compuseram e
compõem conjuntos musicais de variadas combinações
instrumentais” (Lima, 2005, p. 15).
O dicionário Grove
3
registra tanto o verbete banda
quanto band (inglês). O primeiro – banda – refere-se tanto a
Banda Militar, quanto ao naipe de metais ou ao conjunto de
metais e percussão de uma orquestra, ou ainda à banda de
palco usada na Itália. O segundo é o termo em inglês band,
correspondente do francês bande, do alemão kapelle e de
banda, palavra empregada no italiano, no espanhol e, ainda,
acrescento, no português.
Algumas vezes, o termo banda é associado também à
banda, bandeira ou estandarte. Nessa acepção, teria sua
origem no germânico bandura ou binda, que seria também a
origem dos termos bandeira e bando
(Meira & Schirmer, 2000).
Os bandos eram grupos de pessoas que, no Brasil
colônia, com instrumentos de metais e tambor, anunciavam
espetáculos, faziam pedidos e proclamavam ordens e
decretos
(Salles, 1985, p. 8).
Freqüentemente, a banda pode estar relacionada ao
naipe de metais ou aos de metais e percussão de uma
orquestra, ou seja, o mesmo que a definição dada à banda.
Porém, por outro lado, também banda geralmente refere-se
a um conjunto constituído por executantes de instrumentos
de metal e por percussionistas ou ainda por estes e
executantes de metais e madeira (sopros em geral).
Esta definição está muito próxima a de Mario de
Andrade, que define banda como “conjunto de instrumentos
de sopro, acompanhados de percussão
(Andrade, 1989, p. 44).
Aparentemente restritas, na verdade, essas definições
abrangem inúmeros tipos de formações instrumentais, o que
Bennett parece confirmar quando salienta que
o nome banda pode ser aplicado a qualquer conjunto
de instrumentos que tenha uma formação relativamente
grande, mas, em sentido restrito, se refere a um conjunto de
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
Fanfarra: de que se fala? | 45
instrumentos basicamente de sopro, tais como as bandas
militares e fanfarras
(1998, p. 60).
E acrescenta que
a palavra banda também pode ser usada para designar um
conjunto de determinados instrumentos, assim como: bandas de
percussões, bandas de acordeões, steel bands, etc., (1998, p .60).
Embora, em alguns casos, não exista uma delimitação
muito rígida, é possível afirmar que estas formações diferem
entre si, em função do número e do tipo de instrumentos que
utilizam.
Sob outra perspectiva, banda é apresentada como
uma denominação utilizada já no século XIV para grupo que
conduzia, à frente dos exércitos, um determinado estandarte
ou uma bandeira própria, mais propriamente o rexilo —
insígnia que se ostenta disposta em uma haste
perpendicular ao mastro e que deve ter origem em Roma,
onde foi própria da cavalaria para, depois, generalizar-se
(Meira e Schirmer, 2000).
Posteriormente, passou a designar o grupo de música
militar, formado apenas por instrumentos de sopro e
percussão, que marchava em conjunto com o estandarte ou
a bandeira, conduzindo a tropa. Talvez, pela possível origem
italiana da palavra banda e pelo “fato de que os italianos
organizavam regularmente as suas bandas”
(Meira e Schirmer,
p. 33),
acredita-se que os conjuntos militares com tais
funções tenham o seu berço na Península italiana.
Para o Dicionário de Música de Borba e Lopes-Graça,
a origem do nome banda pode ser atribuída ao germânico
binda e pode ter sido adotado pela primeira vez na Itália
“para as músicas
4
militares, grupos organizados somente
com instrumentos de sopro e percussão que, em conjunção
com a bandeira nacional, marcham à frente dos exércitos,
para os conduzir”. A constituição desses grupos era variável,
pois dependia da disponibilidade de músicos e seu intuito,
nas guerras da Itália (séc. XV e XVI), provavelmente, era o
ingresso “de tropas nas cidades e aquartelamentos ou,
mesmo, no campo de batalha”
(Dionisio, s.d. e s.p.).
4
Com freqüência em Portugal
as Bandas são também
denominadas Músicas.
Apesar de não haver unanimidade em torno da origem
da palavra e do local onde teria sido constituída a primeira
banda, destaca-se a freqüente vinculação da banda com
Banda Militar. Esse vínculo se dá efetivamente em
diferentes momentos e circunstâncias ao longo da História.
Sobre a abrangência da banda, considero profícuo
explorar um pouco o alcance dessa categoria. O termo
banda, mais abrangente, também comporta diferentes
significados em função dos diversos contextos em que é
utilizado. Como um tipo de formação instrumental, abrange
um considerável número de classes.
A banda militar é constituída por instrumentos de
sopro e percussão, executa não apenas diferentes estilos de
música, em especial músicas militares (marchas), como
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
Fanfarra: de que se fala? | 46
também sinais e chamadas, talvez seja uma entre as mais
populares.
As bandas civis mais tradicionais, geralmente
constituídas por amadores, são mais conhecidas por Banda
de Música ou por Filarmônicas. Sua organização é muito
semelhante a das Bandas Militares
(Borba e Lopes-Graça, 1962;
Santiago, 1992).
Com freqüência, o termo banda refere-se a um grupo
que executa determinado instrumento ou uma família deles
(Grove, p. 622). Como exemplo, podemos citar as bandas de
pífanos – a mais conhecida no Brasil é a Banda de Pífanos
de Caruaru – ou a formada por Tambores – como as que
são comuns na Bahia. E, hoje, é como bandas que os
jovens se referem aos grupos musicais...
O termo banda também pode estar associado com o
estilo de música que se toca
(Grove, p. 622). Como exemplo,
cito as jazz band, as bandas de rock, as bandas de
tambores (como as da Bahia) e, ainda, as bandas
folclóricas.
Portanto, a abrangência da categoria banda é muito
ampla. As associações apresentadas aqui exemplificam
poucas dentre as variadas formações musicais existentes.
Oportunamente, ao longo da tese, outros exemplos serão
apresentados.
Fig. 5 – Chaves
Fig. 4 – Chaves
4.2
Fanfarras
Como afirmei, a fanfarra pode ser considerada como
um tipo de banda. Mas o que caracteriza e diferencia a
categoria fanfarra?
Fanfarra é uma palavra de origem oriental. Sua origem
remete à designação de uma peça musical militar, curta e
intensa, executada por instrumentos – tais como trombetas,
trompas, clarins, tambores – de origem árabe, cujo uso,
introduzido na Espanha, estendeu-se para o resto da
Europa
(Alburqueque, 1911).
Palheta = são lâminas
v
ibratórias que têm como
função colocar a coluna ou a
massa de ar em vibra
ç
ão.
No dicionário Grove, a consulta ao verbete fanfarra, há
a afirmação de que a raiz da palavra fanfarra – Fanfa –
remonta ao espanhol do século XV, apesar de os
etmologistas acreditarem que é uma palavra onomatopaica.
Confirmando a origem oriental, no Grove, afirma-se que
fanfarra pode derivar do árabe anfár (trombetas), o que me
leva a perguntar se esta palavra – anfár – não poderia ela
própria ser uma onomatopéia.
Fig. 6 – Palheta batente simples
Ainda segundo o Grove, a palavra fanfarra é registrada
pela primeira vez, em 1546, no idioma francês e,
posteriomente, em 1605, no inglês.
Fig. 7 – Palheta batente duplo
A princípio, apenas instrumentos de bocal eram
utilizados na Fanfarra, posteriormente, foi introduzida a
percussão e alguns instrumentos com chaves ou palheta.
Para Bennett (1998), a fanfarra se caracteriza como
um tipo de banda composta por instrumentos de metal mais
percussão.
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Fanfarra: de que se fala? | 47
Observo que muitas vezes o termo fanfarra confunde-
se com charanga, como se pode verificar a seguir:
Nos regimentos de cavalaria e artilharia, é já muito
antigo o uso das charangas (fanfarras), cuja palavra
significa grupo musical composto unicamente de
instrumentos de metal, tendo como instrumento de
percussão os tímpanos (Ribeiro, 1939, p. 240).
5
Maestro da Sociedade
Musical Recreativa do
Xartinho, Santarém, Portugal;
Membro da Irmandande de
Santa Cecília de Lisboa e ex-
integrante da banda da GNR.
Para o regente Luciano Franco
5
, a charanga seria a
fanfarra cujos integrantes estão montados a cavalo. O que
está bem próximo de Albuquerque, para quem a Charanga é
uma “banda de música de caçadores. Corporação de
músicos que tocam principalmente instrumentos de sopro
(1911, p.86). Vejo uma aproximação entre essas colocações
por serem as grandes caçadas feitas a cavalo.
Muito interessante é o que se encontra no verbete do
dicionário de Borba e Lopes-Graça:
FANFARRA (do fr. fanfare)
Toque de trompas e clarins, usado antigamente para
assinalar as diferentes peripécias de uma caçada em forma.
Era por meio destes toques especializados que se iam
indicando aos caçadores dispersos os factos importantes
que naquele desporto se passavam: peça perseguida, peça
abatida, ferida ou morta, horas da refeição em comum,
termo da diversão, etc.
Como os fanfarristas caminham geralmente em boas
montadas, passou-se a dar o nome de fanfarra a qualquer
organismo instrumental que acompanhava, a cavalo, certos
cortejos civis. Depois, a função destes grupos limitou-se aos
organismos militares adstritos aos regimentos de cavalaria,
aos quais nós, com mais propriedade talvez, passamos a
chamar charangas, porquanto, a fanfarra propriamente dita
evolucionou e é hoje uma pequena banda militar de
organização especial que abandonou o seu primitivo lugar à
frente dos esquadrões de cavalaria. Na fanfarra,
predominam, ainda, é certo, os instrumentos de bocal, mas
nela são admitidos já os saxofones e toda a bateria. A
distinção que se faz entre a charanga e a fanfarra é,
portanto, muito legítima. Segundo a Larousse, o número de
executantes que pode compreender uma fanfarra francesa é
de quarenta e cinco a cinqüenta músicos. Ernesto Vieira
limita este número a trinta ou quarenta executantes,
incluídos os quatro saxofones e um par de tímpanos, mas
sem contar com a bateria. Na Alemanha, as fanfarras
militares gozam ainda de muito prestígio. Entre nós, as
fanfarras limitam-se quase exclusivamente a pequenos
músicos civis, organizados ad ho. (1962, vol. I, p. 493).
No Grove, são apresentadas cinco definições para
fanfarra que confirmam todas as afirmações feitas até agora.
Na primeira delas, afirma-se que a fanfarra consiste
em um naipe de metais, freqüentemente acompanhado de
percussão, distinguindo-a dos sinais militares no uso e no
caráter. E ressalta-se que, embora inicialmente o termo
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Fanfarra: de que se fala? | 48
tenha sido utilizado para nomear um instrumento de metal
ou um naipe deles, anteriormente, o termo fanfarra pode
ter sido usado para denominar um sinal da caça.
Na segunda definição, registra-se ser uma passagem
curta executada em destaque pelo(s) metal(ais) durante um
trabalho ou uma peça de orquestra.
Na terceira definição desse dicionário, menciona-se
um sinal dado na caça ao início da perseguição ou após a
morte do animal, quando os cães recebem sua parte do
animal (trata-se de um costume exclusivamente francês).
Na quarta definição, o leitor é remetido ao significado
dado no século XIX, na França e na Itália, a uma banda —
militar ou civil —, constituída na sua maior parte ou
inteiramente de instrumentos de metal.
Finalmente, na quinta e última definição: no discurso
coloquial alemão, fanfarra é um termo mal apropriado para
Fanfarentrompete, uma trombeta natural moderna,
construída geralmente em E
b
(Mi Bemol).
Acredito que as definições do Grove, somadas às
afirmações anteriores, delineiam, de modo amplo, o
significado do termo fanfarra.
4.3
Entre Bandas e Fanfarras
Dentre os que estudam ou estão vivendo o espaço da
Fanfarra, essa designação não é unânime
6
(Sacco, 1982, p.6):
6
Para o Professor Antonio
Domingos Sacco, autor da
A
postila Treinamento de
Fanfarra do 1º Encontro de
Instrutores de Fanfarras,
promovido em maio de 1982
,pela Sec. de Estado dos
Negócios da Educação do Est.
de São Paulo, essa
designação não é unânime.
Considero de grande
importância conhecer esse
registro, pois essa apostila
vem sendo reproduzida pelos
responsáveis por fanfarras,
mantendo-se,assim, como
referência por mais de 20
anos.
a. Segundo Yolanda Quadros Arruda: fanfarras ou
charangas são grupos de executores de instrumentos
que, dos de sopro, só conservam os metais (suprimindo-
se os de madeira) e nos quais predominam os
instrumentos de percussão;
b. Para Florêncio de Almeida Lima, fanfarra é um grupo de
instrumentos de sopro, exclusivamente os clarins;
c. P. Codomir designa por fanfarra um corpo de músicos
com instrumentos exclusivamente de metal;
d. Th. Dureau: Fanfarra é uma união de trompetes que
exercem os sons de ordenança dentro das tropas de
cavalaria;
e. Frei P. Sinzig: Fanfarra é um conjunto de músicos com
instrumentos de metal e é chamada também de
charanga;
f. Alberto Giampietro: Fanfarra é um grupo de executantes
de cornetas e instrumentos de percussão.
Também, segundo Sacco (1982, p.6), em decorrência
da diversidade desses conceitos, pode haver uma confusão
entre Fanfarra e Banda Marcial, esclarecendo:
De forma geral, em São Paulo, e isso é evidentemente
comprovado pela totalidade de regulamentos dos concursos
que se realizam no Estado, prevalecem os seguintes
conceitos:
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Fanfarra: de que se fala? | 49
1. Fanfarra é um grupo de executantes de cornetas lisas
ou com um pisto, de uma ou mais tonalidades, e de
instrumentos de percussão.
2. Banda Marcial é o conjunto de executantes de
instrumentos de metal a bocal, com três pistos, e
instrumentos de percussão.
Ao vermos acima essa sobreposições de banda e
fanfarra, que não ficam organizadas em forma linear nas
diversas épocas históricas e lugares, sinto que a idéia de
Lotman
(1996), a de que a cultura não se encerra em uma
época determinada, é um fato.
Na dimensão tempo-espaço, no processo de
transmissão, há possibilidade de diferentes transformações,
que podem ser geradas por uma correspondência parcial na
transmissão dos códigos culturais. Pode ocorrer, também,
uma “deformação”, o que caracteriza uma função criadora.
Se, no primeiro caso, toda mudança de sentido no
processo de transmissão é um erro e uma desfiguração, no
segundo, ela se converte em um mecanismo de geração de
novos sentidos (Lotman, 1996, p. 88).
No texto, é apresentada uma
tendência à simbolização e à
conversão em símbolos
integrais, que alcançam
autonomia em relação ao seu
contexto cultural.
A
ssim, “o símbolo separado
atua como um texto isolado
que se transporta livremente no
campo cronológico da cultura e
que, cada vez mais, se
correlaciona de uma maneira
complexa com os cortes
sincrônicos desta”
(Lotman,
1996, p. 89).
Isto significa a existência de mudanças, não a extinção
das bandas e fanfarras, mudanças nas possibilidades de
suas formas de expressão.
Com base em alguma equivalência situacional-
contextual, uma correspondência entre determinados textos
conhecidos e compreensíveis é estabelecida com aqueles
que lhe são passados. Deste modo, é realizada uma
tradução da tradição.
A transformação está relacionada à memória da
cultura.
A capacidade que têm distintos textos que chegam
até nós da profundidade do obscuro passado cultural, de
reconstruir capas inteiras de cultura, de restaurar a
lembrança, é demonstrada patentemente por toda a história
da cultura da humanidade (Lotman, 1996, p. 89. Grifos do
autor).
7
Vide maiores detalhes em:
www.flutepage.de/englisch/hist
ory/history.shtml
www.flutepage.de
www.flutehistory.com/Timeline
s/index.php3
www.flutehistory.com/
www.tamborileros.com/flauta.h
tm
aspiration.free.fr/menuflute.ht
m
Por exemplo, a flauta
7
, um dos mais antigos
instrumentos musicais, pode ser encontrada em diversas
culturas. As flautas que conhecemos hoje resultam de uma
interação partilhada com não-humanos que, para tanto,
foram extraídos, recombinados e socializados para
perenizar uma ação no tempo e no espaço. Pode ser reta ou
transversal e construída com a utilização de variados
materiais, em suma, sob diferentes modelos.
Assim, de maneira gradual, as bandas e fanfarras
vão se transformando em função de avanços técnicos e
mudanças sociais. Essas mudanças, nos diferentes lugares,
não se processam da mesma forma, tampouco ao mesmo
tempo. Por isso, coexistem bandas e fanfarras com
diferentes recursos e destinação. Elementos anteriores
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Fanfarra: de que se fala? | 50
podem ou não permanecer, bem como mudar ou não a
destinação de seu emprego.
4.4
As Representações de Fanfarra
A antropologia simétrica de Latour me sugeriu
redefinir o papel dos objetos, isto é, que eu considerasse
suas possíveis interferências na história das bandas e
fanfarras em geral e na da FAGAP em particular.
Observei, cabe ressaltar, que humanos e não-humanos em
conjunto, no coletivo, produzem representações que,
também, intervêm na rede.
Assim, o conceito de Representações Sociais, que
foi fundamental na primeira fase da pesquisa – quando tive
por objetivo conhecer as opiniões que tinham os moradores
da cidade de Lorena sobre a fanfarra – emergiu
posteriormente, entrelaçado com os conceitos de actantes
de Latour.
A Teoria das Representações Sociais, formulada por
Moscovici, fundamentou-se no conceito de representações
coletivas desenvolvido por Durkheim, na Sociologia, e Lévi-
Bruhl, na Antropologia.
Apesar da teoria ter sido desenvolvida por Moscovici,
considero que a melhor definição de Representações
Sociais foi dada por Jodelet:
As representações sociais são uma forma de conhecimento
socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo
prático e que contribui para a construção de uma realidade
comum a um conjunto social. (2001, p. 22).
Por serem uma das formas de apreensão do mundo
concreto, as representações sociais facilitam a transposição
de conceitos e teorias para o plano do saber imediato.
No Campo da Educação,
o interesse essencial da noção da representação social para
a compreensão dos fatos de educação consiste no fato de
que orienta a atenção para o papel de conjuntos
organizados de significações sociais no processo educativo
(Gilly, 2001, p. 321).
As Representações Sociais permitiram-me
compreender o significado da Fanfarra no senso comum de
moradores de Lorena.
As representações sociais não são necessariamente
conscientes. Podem até ser elaboradas por ideólogos e
filósofos de uma época, mas perpassam o conjunto da
sociedade ou de determinado grupo social, como algo
anterior e habitual, que se reproduz a partir das estruturas e
das próprias categorias de pensamento do coletivo ou dos
grupos. Por isso, embora essas categorias apareçam como
elaboradas teoricamente por algum filósofo, elas são uma
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Fanfarra: de que se fala? | 51
mistura das idéias das elites, das grandes massas e
também das filosofias correntes, e expressão das
contradições vividas no plano das relações sociais de
produção. Por isso mesmo, nelas estão presentes
elementos tanto da dominação como da resistência, tanto
das contradições e conflitos como do conformismo (Minayo,
1995, p. 109).
Desse modo, foi possível identificar os elementos mais
estáveis no discurso dos integrantes da Fanfarra, como
também trouxe à tona o simbolismo, a concepção e,
também, o sentimento relacionado à fanfarra.
Não podemos ignorar que existe uma diferença entre o
que é uma fanfarra e as representações sobre as fanfarras.
Sob meu ponto de vista, essa aproximação tornou-se mais
evidente porque, conforme apresento adiante, trabalhei com
base em Abric
(1998, 2001).
Semiosfera = um continuum
semiótico, completamente
ocupado por formações
semióticas de diversos tipos e
que se encontram em diversos
níveis de organização. A esse
continuum, por analogia com o
conceito de biosfera (...) o
chamamos semiosfera.
(Lotman, 1996, p.22 )
Também nesse aspecto, foi relevante a aproximação
com Lotman. Para esse autor, o texto deve entrar em
relação com um público para que possa gerar sentido,
devendo estar submerso na semiosfera e estar em interação
com outros textos e com o meio semiótico.
Como sintetiza Machado, “o texto da cultura só pode existir
como uma organização solidária de outros textos”
(2003, p.51).
Há, portanto, um entrelaçamento de textos e, por ser
dinâmico, o texto permite a geração de novos sentidos.
Para Lotman, na cultura, estão presentes duas
linguagens primárias. Uma delas seria a língua utilizada pelo
homem no cotidiano — a língua natural —, objeto de
estudo da tradição lingüística. A outra seria o modelo
estrutural do espaço — textos da cultura seriam possíveis
apenas com a divisão primária do espaço em esferas que
estabelecem diferentes comportamentos —, no qual
estariam vinculadas, entre outros, as noções de sagrado e
profano, culto e inculto, considerando-se que, a cada
espaço, correspondem os seus habitantes, como deuses,
animais e homens.
J
ean Claude Abric, nos idos de
1994, sugere uma nova
abordagem – conhecida como
abordagem estrutural — para
as representações sociais. Ele
cria a noção de que toda
representação social es
organizada dentro de um núcleo
central (NC), determinante da
significação e da organização
interna da representação que
são complementados por
elementos periféricos (EP), que vão
movimentar, na verdade, essas
representações, por serem sua
parte mais flexível.
(Alves-
Mazzotti, 2000, p. 62).
A
representação é um con
j
unto
organizado de opiniões, de
atitudes, de crenças e de
informações referentes a um
objeto ou a uma situação. É
determinada ao mesmo tempo
pelo próprio sujeito (sua
história, sua vivência), pelo
sistema social e ideológico no
qual ele está inserto e pela
natureza dos vínculos que ele
mantém com esse sistema
social
(Abric, 2001, p. 156).
Sob esse ponto de vista, a “cidade é a parte do
universo dotada de cultura. Mas, na sua estrutura interna,
copia todo o universo (...)”
(Lotman, 1996, p. 86).
Possivelmente, a maior aproximação entre Lotman e
Abric esteja no fato de que ambos trabalham com conceitos
de núcleo central e de periferia.
Para compreender a fanfarra de Lorena, a FAGAP,
levei em conta suas origens, seu entorno — a cidade de
Lorena —, seu cotidiano de ensaios e apresentações, seus
segmentos, os instrumentos que utiliza, as representações
sociais dos jovens sobre a cidade, para entender melhor que
lugar ela ocupa dentro do universo de uma cultura.
Representações, para mim, pressupõem, sempre, o
conceito de rede. Sob o ponto de vista topológico, uma rede
caracteriza-se por conexões com múltiplas entradas, sem
vínculos previsíveis e estáveis e, tampouco, sem uma
hierarquia precisa.
A noção de rede busca uma apreensão das relações
entre humanos e não-humanos que, por não serem
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Fanfarra: de que se fala? | 52
estáveis, podem se reconfigurar, a qualquer momento,
redefinindo suas relações e incluindo novos elementos. Uma
rede não é maior que outra, na medida em que elimina o
distanciamento entre o micro e o macro, embora possa ser
mais ampla ou mais densa. Em constante movimento,
humanos e não-humanos trabalham, constantemente, em
relação um com os outros, redefinindo-se constantemente.
A teoria ator rede (TAR) de Latour tem seu
foco
nessas redes, nas quais as práticas e performances
humanas criam, além das conexões entre humanos,
inúmeras outras com não-humanos e, ainda, destes entre si.
Desta forma, as bandas e fanfarras, relacionadas a
esses conceitos latourianos, conservam a memória cultural
por meio de objetos que permanecem registrando e
conservando informações. Muitas vezes, esses objetos
passam a ser manipulados de outras formas e / ou sofrem
modificações na sua estrutura, mas isso não lhes subtrai o
atributo do que chamo objetos perenes, que lhes é dado
pelas representações.
Considero que a tradução da tradição dá-se tanto pela
ancoragem em determinados fatos ou objetos como pelo
esquecimento, intencional ou não, de outros, conservando e
recuperando aqueles que considera significativo e ignorando
os demais . Desse modo, a tradução é permanente e ao
mesmo tempo em que contribui para que informações sejam
conservadas, produzidas, selecionadas e transmitidas,
embora, às vezes, de modo latente.
“Era preciso, pois,
encontrar uma situação
onde existisse um
contato, uma
proximidade (...) com os
doentes mentais,
fundando uma certa
experiência,
comportamentos
suscetíveis de serem
observados e aos quais os
discursos pudessem ser
relacionados.”
Jodelet Apud Sá, 1998, p.
28 [grifos meus]
Os textos atuais são iluminados pela memória, mas os não
atuais não desaparecem. É como se eles se apagassem,
passando a existir potencialmente
(Lotman, 1996, p. 159).
Pais salienta que as Representações Sociais são
rumores do quotidiano que “aparecem, entre os indivíduos,
como fios sociais que por eles passam e que eles tecem,
mas que não nasceram neles nem podem ser consideradas
sua propriedade”
(2002, p 134). Para esse autor, “o que
interessa é tomar os rumores como sondas que explorem (e
confirmem) os limites dentro dos quais o rumor circula, como
um saber socialmente compartilhado”
(2002, p.66).
Concordo com Pais quando afirma que
... o rumorejo do quotidiano não é mais do que um
denotador que vai permitir reencontrar um saber esquecido,
uma rememorização do tempo cíclico, que é a base da
desconfiança (
<<
já o sabia, já o pressentia
>>
...). Por isso, por
serem representações sociais, os rumores do quotidiano
abrem-se a chaves (as chaves dos enigmas) penduradas
(há tempos) em chaveiros do passado. Ou seja, é o
passado histórico que, muitas vezes, deita luz (claridade) à
obscuridade dos enigmas
(Pais, 2002, p. 66).
Muitas vezes, lembra esse autor, o passado histórico
desvenda a origem desses rumores, “um desafio que
também é lançado por Moscovici quando, a propósito das
representações sociais, sugere a imperiosa necessidade de
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Fanfarra: de que se fala? | 53
descobrirmos os factores desconhecidos que as motivam”
(Pais, 2002, p. 66). Isso, de certa forma, foi o que fiz quando
busquei conhecer as origens históricas das bandas e
fanfarras e, também, da cidade de Lorena.
Na verdade, vinha observando que muitos
moradores das vizinhanças da escola, em cujo prédio
localiza-se a sede da FAGAP, desconheciam a sua
atividade.
Buscando indícios que me levassem a compreender
a representação que existe em relação ao movimento da
fanfarra em geral e à FAGAP em particular e mapear o seu
alcance, recolhi depoimentos individuais que foram
analisados e agrupados de acordo com os pontos mais
representativos das falas. Procurei seguir a “exigência
mínima, mas imperiosa: evitar trabalhar sobre o discurso
social flutuante sem assento nem referência sobre a prática”
(Jodelet Apud Sá,1998: p.27).
Desse modo, trago, como fruto de uma investigação
exploratória, representações da fanfarra, de moradores e/ou
trabalhadores de Lorena, de pessoas que residiam ou
trabalhavam nas proximidades do local de ensaio da
FAGAP, ou seja, os vizinhos da fanfarra. Para tal, tomei
como base a orientação de Jodelet
(2001, p.28), procurando
pautar minhas considerações nas questões por ela
propostas.
Quem sabe e de onde sabe?
O que e como sabe?
Sobre o que sabe e com que efeitos?
Isso fez com que eu buscasse, ao lado de identificar
as representações sociais da fanfarra, observar o seu grau
de aceitação/rejeição, refletir sobre a relevância atribuída ao
movimento e, ainda, obter indicadores para uma futura
análise, trabalhando com uma breve entrevista semi-
estruturada
8
e com a associação de palavras
9
.
8
Meu roteiro incluía as
seguintes indagações:
Questão disparadora
O que é uma fanfarra?;
Questões mantenedoras
(visavam manter o diálogo) -
Você já assistiu a alguma
apresentação da fanfarra? Se
j
á assistiu, o que achou?
Gostaria de assistir? Quem
participa da fanfarra?
9
Associação de palavras:
Diga-me 3 palavras que lhe
ocorrem quando eu digo
fanfarra.
Perguntei, de modo informal, a cada um, o que era
uma fanfarra e solicitei que fossem relacionadas palavras à
palavra fanfarra. Quando necessário, para manter o diálogo,
foram introduzidas questões previamente estruturadas;
outras também foram incluídas, quando se fez necessário
algum esclarecimento. Cabe ressaltar que, apesar de me
referir a um roteiro de entrevista, procurei todo o tempo
manter uma conversa informal sem qualquer documento
escrito à vista.
Já ciente de que eu percorreria locais em que muitas
pessoas estariam em ambiente de trabalho, procurei circular
nos horários de menor movimento comercial: abertura e
pós-almoço. Abordei algumas pessoas que caminhavam nas
ruas e apenas uma delas não me respondeu, desculpando-
se por estar apressada para pegar o ônibus. Dessa forma,
foram ouvidas 19 pessoas entre homens (6) e mulheres
(13). De um modo geral, o que coletei expressa que a
prática cotidiana e a memória cultural fornecem elementos
para as representações sociais da fanfarra. Porém, no que
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Fanfarra: de que se fala? | 54
se refere às significações, em geral elas indicam que não é
atribuída qualquer relevância à fanfarra como um movimento
cultural, já que ela é vista, muitas vezes, como uma forma
de aprendizado musical e/ou como uma extensão da escola.
De fato, existe algum conhecimento sobre a fanfarra, mas
ele não se delineia no cotidiano.
Observei que o discurso era inicialmente marcado por
pausas, mas que aos poucos as hesitações diminuíam.
Agora você me pegou... eu sei o que é, mas não sei
explicar... é um conjunto de instrumentos... acho que é isso,
seria uma banda.
Importante aqui inserir um comentário: a associação
de idéias solicitada foi mais rica do que eu imaginara. Na
verdade, eu não tinha atentado que esse procedimento
permite a atualização de elementos implícitos ou latentes
que seriam perdidos ou mascarados nas produções
discursivas”
(Abric Apud Sá, 1998, p.91). Na maior parte das
vezes, as palavras associadas eram acompanhadas de
comentários.
Algumas vezes, esses comentários eram explicativos,
posteriores à fala da palavra: Isso talvez ocorra porque ao
colocar o seu ponto de vista, quem fala “não só traduz o
modo pelo qual vê o mundo, como ainda expõe a si mesmo”
(Grise, 2001, p. 126).
[Associo a] alegria, que ela vem e, sei lá, você fica assim
meio emocionada, eu fico alegre...
Outras vezes, os comentários se fizeram anteriores,
uma espécie de relato oral do pensamento:
Ela sempre vem homenageando alguma data, então, por
exemplo, no Sete de Setembro, você pensa no desfile e já
pensa em uma fanfarra boa. Uma lembrança... Lembra um
desfile.
Ainda no que se refere à metodologia, Moscovici e
Jodelet tomaram caminhos diversos. Em seu estudo sobre
as representações da psicanálise, Moscovici utilizou método
de levantamento e análise de conteúdo, enquanto Jodelet se
baseou na etnografia e em entrevista para seu estudo sobre
representações sociais da loucura. Esses diferentes
enfoques apontam para o que Moscovici chama de
politeísmo metodológico
(Duveen, 2003, p.25), ou seja, nos
estudos das representações sociais não se acredita em um
único caminho metodológico, mas na possibilidade do uso
de diversos métodos de pesquisa.
Para formular o conceito de representação social,
Moscovici partiu da idéia de que não há separação entre o
indivíduo e a sociedade onde este se insere. Ao contrário, o
sujeito lança mão dos elementos externos a ele, presentes
na sociedade e reconstrói esses elementos, valendo-se de
componentes internos, próprios do sujeito, nesse rearranjo.
É nesse sentido que as representações sociais podem ser
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Fanfarra: de que se fala? | 55
encaradas como mediadoras entre o ser humano e o
mundo.
Moscovici não considera que as representações
sociais sejam “como ‘opiniões sobre’ ou ‘imagens de’, mas
teorias’, ‘ciências coletivas’, sui generis, destinadas à
interpretação e elaboração do real
(Moscovici, 1978, p.50), pois
elas “determinam o campo das comunicações possíveis, dos
valores e das idéias compartilhadas pelos grupos e regem,
subseqüentemente, as condutas desejáveis ou admitidas
(Moscovici, 1978, p. 51).
Investigar as representações da fanfarra é trazer à
baila elaborações criadas pelos indivíduos de determinado
grupo — no caso, o de residentes e/ou trabalhadores do
Centro da cidade de Lorena —, sem minimizar as influências
recíprocas e dinâmicas.
Moscovici não define ipsis litteris o que seria a
representação social, mas lança as bases metodológicas e
conceituais sobre as quais, mais tarde, vários outros
estudos seriam realizados, como os de Jodelet
(2001).
Nesse caso, ao investigar as construções
representacionais da fanfarra, tinha ciência da grande
probabilidade de encontrar um núcleo central, tal qual
descrevi acima, que conjuga uma representação comum
entre os entrevistados, porém, também sabia que os
elementos periféricos dessas representações poderiam ter
um substrato partilhado.
Um dado bastante relevante sobre o núcleo central é
que este “é diretamente determinado pelas condições
históricas, sociológicas, e, portanto, fortemente marcado
pela memória coletiva do grupo e pelo sistema de normas
ao qual ele se refere”
(Alves-Mazzotti, 2000, p. 63), o que dá
pistas para a condução da etapa inicial da pesquisa aqui
proposta pois, a partir dos depoimentos tomados, procurei
organizar um esquema que contribuísse para a organização
dos dados.
Neste sentido, apoiando-me em Moscovici, Jodelet e
outros estudiosos das representações sociais, procurei
identificar os eixos em torno dos quais se formam as
representações sociais da fanfarra.
Para tal, destaquei os temas emergentes e procurei
centrá-los em um primeiro esquema. Essa primeira etapa foi
fundamental para eu percebesse as falas recorrentes,
porém, ao final, apesar de a construção do esquema ter
organizado o meu pensamento e sintetizado o material
recolhido, o resultado final era visualmente confuso.
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Fanfarra: de que se fala? | 56
esquema 1
GABRIEL
PRESTES
QUARTEL
Tapa -ouvido
FANFARRA DO
S. JOAQUIM
BARULHO
Hino da Fanfarra
BAND
A
CHAPÉU
RITMO
SOM
MELODIA
UNIFORME
ROUPAS
MÚSIC
A
FANFARR
A
CONCURSO
COLORIDO
INSTRUMENTOS
MAESTRO
PESSOAS
DESFILE
ENSINO /ESTUDO DE
INSTRUMENTOS
ALA DE
CARNAVAL
PROFESSORES
CONJUNTO DE
INSTRUMENTOS
ESCOL
A
JOVENS-ADOLESCENTES CRIANÇAS
7 DE SETEMBRO
CORNET
A
SAXOFONE
TROMPETE
A
LUNO
ESTUDANTE
QUE DANÇAM QUE TOCAM
ALEGRIA
FELICIDADE
EMOÇÃO
HARMONIA
PAZ
UNIÃO
PATRIOTISMO
COREOGRAFIA BALIZA (bailarina)
SURDO
BUMBO
BATERIA
MOTIVAÇÃO
DISCIPLINA
COORDENAÇÃO
VOCAÇÃO
OCUPAÇÃO
AJUDA
VIGIA
APOIA
EDUCAÇÃO
APRENDIZAGEM
Elementos Centrais
Observando cuidadosamente o esquema da
representação social da fanfarra — e inspirando-me nos
estudos de Abric (1998, 2001) —, eu diria que os elementos do
núcleo central, aqueles que determinam a representação,
são os que estão diretamente linkados com a fanfarra. Os
demais seriam os periféricos, porém, eu os distinguiria como
de diferentes ordens, sendo os de 1
a
ordem aqueles
diretamente vinculados aos elementos centrais.
Em seguida, procurando facilitar a leitura do
esquema inicial, recortei parte do esquema, de modo que
nele permanecessem apenas os elementos centrais,
mantendo-os com o destaque gráfico do esquema anterior.
esquema 2
FANFARRA
JOVENS-ADOLESCENTES CRIANÇAS
A
LUNO
ESTUDANTE
ESCOLA
INSTRUMENTOS
UNIFORME
MÚSICA
BANDA
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Fanfarra: de que se fala? | 57
A partir desses elementos centrais, algumas
considerações podem ser feitas.
A primeira delas: destacar que a fanfarra está
vinculada a instrumentos e à produção de música, sendo
apontada como um tipo de banda.
Mas eu já não sei qual a diferença de uma fanfarra e
de uma banda, eu sei que tem instrumentos também, mas
eu não sei dizer qual é a diferença que existe entre ... entre
banda e fanfarra.
Pode-se, ainda, observar que a fanfarra é vista como
composta por estudantes, jovens, adolescentes e crianças
(estas com menor freqüência), alunos de uma determinada
escola à qual pertence a fanfarra.
A fanfarra, com alguma freqüência, é diretamente
relacionada à escola. São citadas nominalmente as
fanfarras da Escola Estadual Gabriel Prestes e do Colégio
São Joaquim (particular) embora a desta última tenha sido
extinta há alguns anos.
A fanfarra também foi relacionada a quartel,
possivelmente porque existe uma banda militar na cidade,
freqüentemente requisitada para eventos locais. Além disso,
alguns de seus integrantes foram ou são de alguma fanfarra.
Chamou-me a atenção — e cabe aqui ressaltar — que em
nenhum depoimento foi citada a extinta Fanfarra Municipal.
Elementos Periféricos
Mais uma vez, a partir do primeiro esquema, recortei
outros, tomando como ponto de partida cada um dos
elementos centrais: Música, Escola, Jovens, Crianças e
Adolescentes e Uniforme. Esses elementos, tomados
separadamente com o seu conjunto de referências,
permitiram-me construir quatro esquemas desmembrados,
visualmente, do esquema inicial, o que facilitou um estudo
mais cuidadoso da rede de significados tecida em torno de
cada um.
esquema 3
Tapa -ouvido
BARULHO
Hino da Fanfarra
BAND
A
MÚSIC
A
RITMO
SOM
MELODI
INSTRUMENTOS
ENSINO /ESTUDO DE
NSTRUMENTOS
CONJUNTO DE
INSTRUMENTO
CORNET
A
SAXOFONE
TROMPETE
MAESTRO
QUE TOCAM
FANFARR
A
JOVENS-ADOLESCENTES CRIANÇAS
SURDO
BUMBO
BATERIA
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Fanfarra: de que se fala? | 58
O primeiro esquema que desmembrei foi o
relacionado à música.
A representação social da fanfarra está, como se
poderia esperar, centrada na música. Mas que música? A
música da fanfarra é a “de banda”, marcada pelo ritmo, som
e melodia, mas que também foi apresentada como barulho,
uma conotação muito negativa. Uma das pessoas me
alertou:
Se você for ouvir a fanfarra, é bom levar um tapa-ouvido!
Os instrumentos da fanfarra são reconhecidos em
duas categorias — de sopro e de percussão —, embora
nem sempre sejam denominados corretamente. Cabe
ressaltar que o instrumento presente em maior número na
fanfarra — a corneta — foi o mais citado, o que pode ter
ocorrido por ser esta a denominação popular mais corrente
para os instrumentos de sopro em geral.
... é um conjunto de instrumentos... com vários
componentes, né? e agora é lógico, tudo é relacionado com
som... a fanfarra é só... tem vários componentes não sei
quais são os instrumentos, todos os instrumentos, tem
corneta, tem bumbo, tem trombeta, é trombeta? Não sei...
que mais que tem a fanfarra... surdo....
... uma fanfarra basicamente é uma banda de percussão e
sopro, mas sopro de pistão, basicamente cornetas.
A fanfarra também é relacionada ao ensino ou ao
estudo de um instrumento, o que pode ser conseqüência da
fanfarra ser predominantemente vista como escolar.
fanfarra é um grupo de adolescentes que estuda música
De modo geral, os executantes são jovens e
adolescentes, algumas vezes crianças, que participam da
fanfarra. Ressalvo que na representação social da fanfarra
estão presentes alguns elementos de natureza educacional,
por um lado e, por outro, de natureza musical. Um outro
esquema ajudou para essa compreensão.
esquema 4
GABRIEL
PRESTES
FANFARRA DO
S. JOA
Q
UIM
INSTRUMENTOS
ENSINO /ESTUDO
DE IN
STRUMENTOS
CONJUNTO DE
INSTRUMENTOS
ESCOLA
PROFESSORES
OCUPAÇÃO
AJUDA
VIGIA
APOIA
EDUCAÇÃO
APRENDIZAGEM
MOTIVAÇÃO
DISCIPLINA
COORDENAÇÃO
VOCAÇÃO
JOVENS-ADOLESCENTES CRIAN
Ç
AS
ALUNO
ESTUDANTE
FANFARRA
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Fanfarra: de que se fala? | 59
A fanfarra é predominantemente relacionada à
música e aos instrumentos, sendo muitas vezes apenas
identificada como um tipo de banda, outras vezes,
especificamente como uma banda escolar:
Um grupo de... de... uma banda, tipo uma banda e mais... o
quê? Aqui em Lorena participam estudantes. É isso mesmo
fanfarra?
Fanfarra é uma banda de grupos de alunos que mostra o
que a escola... ela representa a escola, vamos dizer assim.
Mas eu já não sei qual a diferença de uma fanfarra e de
uma banda, eu sei que tem instrumentos também mas eu
não sei dizer qual é a diferença que existe entre, entre
banda e fanfarra, eu sei que... fanfarra é uma coisa maior....
maior de... de... tem maior número de componentes e de
instrumentos.
Quando à fanfarra foi atribuído um caráter educativo
de aprendizagem e motivação, essas idéias se remeteram a
um espaço em que estariam sendo desenvolvidas a
disciplina, a coordenação e a vocação.
então eu acho que isso de fanfarra, essas coisas assim,
ajuda o jovem a não se envolver com as coisas do mundo,
assim não deixa se envolver com drogas, marginalidade,
violência, assim separa os jovens dessa parte do mundo,
entendeu? Eu acho que isso é bom pra escola, pra
sociedade, porque vê que um grupo tá trabalhando pra
salvar os jovens, vamos dizer assim, ajudando os jovens.
Trabalham com eles, que eu vejo aqui, porque eu tô aqui
direto, o que eu vejo é mais o professor, tem um maestro e
tem os professores, tem um grupo assim, uma organização
boa assim, que fica vigiando os jovens, dando apoio pros
jovens, fora as pessoas que já são envolvidas mesmo com
a parte de música tem que ter, né?
Duas fanfarras ligadas à escola foram citadas
nominalmente: a da Escola Estadual Gabriel Prestes e a do
Colégio São Joaquim, esta já não atuante, lembrada, com
saudade, pelos mais velhos.
Fanfarra pra mim é pra escola, né? É mais a parte de
escola, é música para educar as crianças pra escola. São
mais os alunos aqui no Gabriel Prestes, tem uma fanfarra
que é muito boa, já foi campeã diversas vezes aqui em
Lorena, eu acho que é isso, não sei dizer mais nada pra
senhora.
Ou ainda:
Era lindo o S e o J bordado, aquilo tudo branquinho... era
destaque, se você quiser saber deve estar tudo registrado,
em foto, aquelas coisas que tem lá no São Joaquim,
qualquer dia você pergunta, era um espetáculo, em Lorena
não tinha pra eles...
Por acaso esses dias que eu fiquei sabendo, eu achava até
que tinha desaparecido as fanfarras... porque igual a do
São Joaquim...
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Fanfarra: de que se fala? | 60
esquema 5
FANFARRA
JOVENS-ADOLESCENTES CRIANÇAS
A
LUNO
ESTUDANTE
CORNET
A
SAXOFONE
TROMPETE
QUE DANÇAM QUE TOCAM
COREOGRAFIA BALIZA (bailarina)
SURDO
BUMBO
BATERIA
MOTIVAÇÃO
DISCIPLINA
COORDENAÇÃO
VOCAÇÃO
OCUPAÇÃO
AJUDA
VIGIA
APOIA
EDUCAÇÃO
APRENDIZAGEM
Com bastante freqüência, a fanfarra é associada a
jovens e adolescentes e, em menor escala, a crianças.
Esses integrantes são identificados como estudantes,
alunos de uma escola.
Normalmente participam alunos de escola, o que eu já vi,
são alunos de escola.
Interessante observar que são duas as categorias
dos jovens integrantes: os que tocam (predominante) e os
que dançam.
Fanfarra é um conjunto... de pessoas assim que tocam...
tem uma parte também que dança, que vai à frente na
fanfarra, tem também umas meninas que carregam o nome
da fanfarra.
Os que se dedicam à música são vistos com
atributos como talento, enquanto os que dançam, quando
lembrados, são apontados como aqueles que gostam de
serem vistos, não sendo feita nenhuma referência a técnicas
de coreografia ou a atributos artísticos.
[referindo-se a duas integrantes da fanfarra] ...ela toca na
fanfarra, a outra já não é a música que atrai, ela gosta mais
de se exibir. (...)
Eu acho que tem que ser uma pessoa que tenha assim...
que aprecia música, porque ela toma tempo do jovem, a
pessoa tem que ter uma dedicação, acho que não é para
qualquer um não... tem que ter uma... como é que eu falo...
tem que ter uma vocação. A música, ela é vocação, essa
uma, por exemplo, ela vai mais pra se mostrar, para se
exibir, a outra não, ela toca... ela vibra com aquele
sonzinho, então tem que ter vocação mesmo, não é
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Fanfarra: de que se fala? | 61
qualquer um não, pode até ser que de tanto ir de repente
desperte esse lado da música, mas tem que gostar.
O uniforme foi outro elemento que se destacou na
representação social da fanfarra.
esquema 6
CHAPÉU
UNIFORME
ROUPAS
FANFARRA
CONCURSO
COLORIDO
DESFILE
ALA DE
CARNAVAL
7 DE SETEMBRO
ALEGRIA
FELICIDADE
EMOÇÃO
HARMONIA
PAZ
UNIÃO
PATRIOTISMO
... cada pessoa parte de
observações e, sobretudo, de
testemunhos que se acumulam
a propósito dos eventos
correntes: o lançamento de um
satélite, o anúncio de uma
descoberta médica, o discurso
de um personagem importante,
uma experiência vivida e
contada por um amigo, um
livro lido, etc.
A
maior parte dessas
observações e desses
testemunhos provém,
entretanto, daqueles que os
inventariaram, organizaram e
informaram, no quadro de
seus interesses
(Moscovici,
1978, p.51) [ grifo meu).
... e também o visual das roupas me atrai muito... aquelas
meninas... eu gosto de fanfarra, eu acho bonito, eu acho
que ela enche os olhos da gente... por causa do colorido,
pelo menos é o que eu vejo, o colorido, aquele chapéu...
... eles [referindo-se aos integrantes de uma extinta
fanfarra] tinham roupa de inverno, tinham roupa de verão,
tinham instrumentos lindíssimos...
Representando-se uma coisa ou
uma noção, não produzimos
unicamente nossas próprias
idéias e imagens: criamos e
transmitimos um produto
progressivamente elaborado
em inúmeros lugares, segundo
regras variadas. (...) Cada vez
que um saber é gerado e
comunicado – torna-se parte da
v
ida coletiva –, isso nos diz
respeito (Moscovici, 2001,
p.63)
.
Era lindo o S e o J bordado, aquilo tudo branquinho... era
destaque se você quiser saber deve estar tudo registrado
em foto (...) qualquer dia você pergunta, era um
espetáculo...”
Neste depoimento, chamaram-me a atenção as
repetidas referências visuais aos uniformes, à roupa da
baliza, ao bordado, etc. Considerando que esta senhora é
costureira e que se mantêm há muitos anos nessa atividade
e comparando-o com outros depoimentos que mencionam
os uniformes, neste há maior detalhamento. Apesar de que
ela também se refere à música, enfatiza o visual; reconstrói
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Fanfarra: de que se fala? | 62
os elementos externos com seus componentes.
O uniforme da fanfarra traz à lembrança o desfile, que
tanto pode ser o de Sete de Setembro quanto o do
Carnaval.
Se por um lado são fortes as menções a um evento
que é revestido de certa formalidade, como o Sete de
Setembro, por outro, o universo de referências da fanfarra
inclui, associado ao colorido e ao adereço de seu uniforme,
o Carnaval, porém com a ressalva da seriedade de seu
propósito.
Eu gosto de fanfarra, eu acho bonito, eu acho que ela
enche os olhos da gente... por causa do colorido, pelo
menos é o que eu vejo, o colorido, aquele chapéu... é uma
mistura meio.... Dá a impressão de que você está vendo
uma ala de carnaval mas só com música que é uma coisa
mais séria, eu gosto.
Creio que este seja um bom exemplo do fato de que a
representação social se configura a partir de informações de
várias ordens.
Mas tanto o desfile de Carnaval quanto o do Sete de
Setembro trazem à tona a alegria, sendo que este último
também é acompanhado de referência ao patriotismo.
Outros sentimentos relacionados ao desfile são: felicidade,
emoção, harmonia, paz, união.
Ela [a fanfarra] sempre vem homenageando alguma data,
então, por exemplo, no sete de setembro, você pensa no
desfile e já pensa em uma fanfarra boa, uma lembrança,
lembra um desfile.
A lembrança do uniforme e do desfile trouxe, ainda, a
lembrança de concurso, mas de um concurso entre escolas,
já que a fanfarra é a elas associada.
...muitas vezes há um concurso entre escolas.
A Fanfarra do Gabriel Prestes foi lembrada como
campeã, mas sem muitas informações.
Aqui no Gabriel Prestes tem uma fanfarra que é muito boa,
já foi campeã diversas vezes aqui em Lorena... Eu acho
que é isso, não sei dizer mais nada pra senhora.
4.5
Então... De que se fala?
As abordagens de Moscovici, Jodelet e Abric têm um
foco em comum que deve ser sempre privilegiado quando
da análise das representações sociais: a de se perceber e
tentar determinar como o social influencia o pessoal e de
como o pessoal reconstrói os conhecimentos advindos
desse tecido social, tentando reconhecê-lo e utilizando-o no
dia-a-dia em suas interações e relações. “As representações
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Fanfarra: de que se fala? | 63
sociais devem ser vistas como uma “atmosfera”, em relação
ao indivíduo ou ao grupo”
(Moscovici, 2003, p.53). Foi desse
modo que procurei vê-las.
Julguei também oportuno articular Latour e Lotman
nesta discussão. Conjugando a perspectiva de Latour – do
coletivo formado por humanos e não-humanos – e os
conceitos de Lotman – de cultura, texto e outros –, apreendo
que nestas associações o objeto pode ser percebido como
um texto de cultura.
Portanto, também com base em Lotman, e não apenas
em Latour, posso afirmar que os objetos – e as
representações que deles se têm – não são meros
coadjuvantes, mas sim interessantes protagonistas na rede
de interações.
Embora não de forma explicita como procuro
apresentar, essa compreensão de objeto e de memória --
nos termos em que considero em minha tese – parece-me
estar presente em alguns escritos.
Por exemplo, considero que esta apreensão subjaz
nas afirmações de Sobral que, embora Lotman e Latour não
constem como referência deste autor, em seu escrito
também evidencia a interação dos objetos.
Para além das suas formas orais ou escritas, as práticas
memoriais operam por outros modos, como os rituais e as
comemorações. Os rituais são uma via de aprendizado e
reprodução social tanto nas sociedades desprovidas de
escrita, como nas sociedades em que a mesma constitui
um referente memorial. Ritos que sancionam, geração após
geração, a passagem de estádios da vida – de jovem a
adulto, de solteiro a casado, de estudante a licenciado, etc.
– e a aquisição de novas identidades sociais. Ritos que
enfatizam a pertença ao colectivo nacional, como o acto de
ir “tirar” o bilhete de identidade ou o “juramento de bandeira”
no serviço militar. As comemorações servem para
invocar o passado no presente, pontuando regularmente
o calendário, tanto o da família — aniversários familiares —
como o das nações: feriados nacionais. Os objectos
também servem como dispositivos mnemónicos que
condensam a recordação, quer sejam uma mera
presença do passado que perdura – roupas, móveis, um
relógio, livros, discos, etc. – quer tenham como objectivo
fazer recordar algo, como sucede com sepulturas,
monumentos ou itens depositados em museus. O
aparecimento da fotografia, do rádio e dos processos de
gravação, do cinema, do vídeo e do arquivo digital, ampliou
de modo incomensurável o campo dos meios que servem
como dispositivos memoriais
[grifos meus] (Sobral, 2006, p. 6).
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5
Panorama Musical
Depois de conhecer as chaves dos enigmas – as
representações sociais – procurei conhecer os chaveiros do
passado
1
– o passado histórico das fanfarras, desconhecido,
mas não desvalorizado, mesmo por integrantes de fanfarras.
Não sei a origem, nem como começou. Tenho
curiosidade, mas é muito difícil pra mim estudar isso... é
escola que passa muito dever não tem como eu estudar
sozinho. [Wilson]
A história das bandas e fanfarras revela uma rede
em que, entremeados, atores humanos e não-humanos
modificam-se ao longo do tempo e ao largo de diferentes
espaços, desencadeando ações, produzindo efeitos,
modificando situações. Portanto, também os objetos são
mediadores, não devendo ser ignorado nos estudos do
mundo social.
Seguindo a acepção de Latour, posso dizer que os
objetos são actantes
2
, isto é, participam do processo
interagindo, sofrendo e exercendo alguma ação. Ao
pesquisar a história das bandas e fanfarras, procurei
conhecer a rede na qual estão insertas associações entre
esses actantes, ou seja, os coletivos.
Enveredando pela história das fanfarras, observamos
que ela está enredada com a de inúmeros objetos que
despontam, transformam-se ou obscurecem-se. Em geral,
sofrem modificações que decorrem do que, no dizer de
Latour, seriam as inovações sociotécnicas. É interessante
observar que
...todos os objetos que, contendo, a princípio, o desejo de
satisfazer um certo espírito lúdico, posteriormente,
instigaram a imaginação mecânica dos inventores de
técnicas que estão por aí, nos objetos que povoam o nosso
dia-a-dia (
Queiroz e Melo, 2007, p. 20).
Ao longo da História, pode ser observado que novos
instrumentos foram surgindo e outros se transformando em
função de novas técnicas, ao mesmo tempo em que
modificavam a estrutura e o papel das bandas e fanfarras.
1
Refiro-me aos dizeres de Pais. Vide Cap.4
2
vocábulo “empregado inicialmente pela semiótica para se referir a um
ser ou coisa que tem ação na estrutura da narrativa” (Arendt e Costa,
2005, p. 48).
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Panorama Musical
| 65
Para sobreviver, as técnicas têm que se adaptar às
novas modas, manias e experiências, pois, caso contrário,
perecem e são enviadas ao museu de antigüidades que
acumula as peças e as geringonças que perderam a sua
serventia para os humanos
(Queiroz e Melo, 2007, p. 204).
A Fanfarra surgiu em um ponto do passado que não
pode ser localizado. Sua História desenvolve-se em diversos
cenários e confunde-se com outras como, por exemplo, a
dos instrumentos musicais, em que alguns se transformam,
outros são criados, enquanto outros desaparecem.
A
cronologia foi um caminho,
mas não o fiz durante todo o
tempo. A investigação sobre
fatos do passado e a coleta de
dados mais recentes gerou um
imensurável material, o que me
levou a recortar aqueles mais
pertinentes ao meu trabalho,
selecionando-os em função das
associações entre minhas
próprias vivências e
observações.
Por isso, alguns tópicos estão
mais expandidos do que outros
e alguns foram deixados de lado.
Em conseqüência, algumas
lacunas são evidentes. Priorizei,
portanto, aquilo que se
constituía como o mais
importante para a compreensão
da consciência e participação das
bandas e fanfarras na sociedade
de diferentes épocas e locais.
Como base deste capítulo,
retomei como maior referência
o The New GROVE Dictionary.
Uma aproximação semiótica indica uma interessante
questão: os artefatos — no caso instrumentos, bandeiras,
estandartes, sapatos, uniformes, etc —, são portadores de
sentido ou representam normas e valores. O mesmo pode
ser dito em relação à cidade da Fanfarra em estudo.
Passando os olhos no histórico das fanfarras, podem
ser observadas sucessivas traduções entre os diferentes
atores em torno de mesmo objeto.
As bandas e fanfarras modificaram-se sem afastar-se
da tradição em uma seqüência de traduções da tradição.
Com o passar do tempo, bandas e fanfarras assumiram
outras funções e receberam outras representações. Assim
como outros grupos da cultura popular, por meio de
traduções, foram assumindo outros significados e
garantiram a sua permanência. Concomitantemente, suas
relações com outros actantes foram se modificando.
Desse modo, reconhecemos em uma banda ou
fanfarra práticas memoriais comuns a todas, mas também
traços próprios a cada uma delas. Essas práticas, com
freqüência, vinculam-se a diferentes comemorações, a
guerras, a festas solenes da nobreza e do clero, a festas
populares, a rituais diversos, cerimônias protocolares, etc.
O surgimento de textos do tipo do ritual, da cerimônia, da
representação dramática, conduzia à combinação de tipos
essencialmente diferentes de semioses e – como resultado
– ao surgimento de complexos problemas de recodificação,
equivalência, mudanças nos pontos de vista e combinação
de diferentes vozes em um único todo textual. (...) Ao ser
reexposto na linguagem de uma dada arte, o material
multivocal adquire uma unidade complementar. Assim, a
conversão do ritual em um balé é acompanhada da
tradução de todos os subtextos diversamente estruturados à
linguagem da dança. Mediante a linguagem da dança se
transmitem gestos, atos, palavras e gritos, e as próprias
danças, que, quando isto ocorre, se duplicam
semioticamente. A multiestruturalidade se conserva, mas é
como se estivesse empacotada na embalagem
multiestrutural da mensagem na linguagem da dada arte
(trad. Lotman, 1996, p. 79).
A Fanfarra é uma produção artística que está inserta
na cultura e, portanto, na memória cultural e, nesse sentido,
está dentro dos estudos da etnocenologia, uma nova
disciplina antropológica que se propõe a estudar, sob
diferentes aproximações, as artes do espetáculo, ou seja, as
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Panorama Musical
| 66
práticas espetaculares e performativas próprias de
diferentes regiões e de variadas épocas.
Para Lotman, a cultura não é um singelo depósito de
informações. A cultura organiza, seleciona e transmite as
informações mais proveitosas, como a tradução da
informação em um ou mais sistemas de signos que geram
textos de cultura.
Essencialmente dinâmica, a cultura pode codificar e
decodificar mensagens de períodos diversos, traduzindo-as
em novos e insuspeitados sistemas de signos e de textos.
Em conseqüência, cultura é “memória não hereditária da
comunidade, expressa num sistema determinado de
proibições e prescrições” (Lotman e Uspenskii, 1981, p. 40).
A longevidade dos textos corresponde a uma
hierarquia de valores dentro da própria cultura. Sua
longevidade depende da autoconsciência da unidade, ou
seja, da sua capacidade de mudar e, ao mesmo tempo,
conservar a memória dos estados precedentes
(Lotman e
Uspenskii, 1981).
A etnocenologia estuda festas, músicas, danças,
jogos, rituais, apresentações teatrais, etc. Manifestações
que se perpetuam pela renovação e que contribuem para o
estudo da cultura. Podem ser incluídos, nessas
manifestações, o Carnaval, as Festas Juninas e,
certamente, as apresentações do conjunto completo da
Fanfarra.
Considerando essas práticas em seus diferentes
contextos, a etnocenologia procura conhecer formas,
processos de elaboração, performances particulares.
Sobretudo, procura conhecer, considerando as
especificidades, os processos de elaboração dessas
práticas nos diferentes contextos em que ocorrem. Por ser
uma disciplina transdisciplinar, a etnocenologia tende a
reunir diferentes estudos e, certamente, agregando
pesquisas anteriores, poderá ampliar as pesquisas sobre o
tema.
É relevante considerar que, nesse percurso, os
processos de criação e recriação, inseridos nas culturas,
dão-se em torno de redes de memória em que interagem
humanos e não-humanos, tal como apresentado por Latour.
Assim, isolada do contexto, a Fanfarra, como qualquer outro
objeto, não tem sentido, pois é o grupo que lhe atribui uma
significação.
Por outro lado, a memória conserva um repertório que
é transmitido. Eu diria que existe um espaço comum, no
âmbito do coletivo
3
, onde ocorre a atualização de textos
4
. A
base desse espaço é a memória que funciona como um
mecanismo de conservação, transmissão e elaboração de
novos textos.
3
Nos termos de Latour
4
Uso aqui a concepção de
Lotman
Desse modo, os textos são atualizados com base em
outros critérios e correlações. Nesse processo, pode
ocorrer, no cerne de uma cultura, a recuperação da memória
de uma outra cultura, pois a dinâmica de cada uma pode
manter em disponibilidade a memória de outro sistema
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Panorama Musical
| 67
cultural, viabilizando, a qualquer momento, a possibilidade
de sua ativação
(Lotman e Uspênski, 1981). A meu ver, quando
isto ocorre, dá-se a um processo de atualização da memória
em que a informações ou fragmentos de informações são
conservados em função do que lhe é mais favorável.
Para Lotman, compete a cada cultura estabelecer o
que deve ou não ser mantido.
Cada cultura define seu paradigma do que se deve lembrar
(isto é, conservar) e do que se deve esquecer. Este último é
apagado da memória da coletividade e é como se deixasse
de existir. Mas muda o tempo, muda o sistema de códigos
culturais, e muda o paradigma de memória-esquecimento. O
que se declarava verdadeiramente existente pode acabar
como inexistente e que deve ser esquecido, e o que não
existiu pode passar a ser existente e significativo
(trad.
Lotman, 1996, p.160).
Essa seleção é dinâmica e, para a cultura, a memória
não é “um depósito passivo, mas sim constituidora de uma
parte de seu mecanismo formador de textos”
(trad. Lotman,
1996, p. 161).
Os sentidos na memória da cultura não se conservam, mas
crescem. Os textos que formam a memória comum de uma
coletividade cultural não apenas servem de meio de
deciframento dos textos que circulam no corte sincrônico
contemporâneo da cultura, mas também geram novos
textos (trad. Lotman, 1996, p. 160).
Os aspectos semióticos da cultura (por exemplo, a
história da arte) se desenvolvem — melhor — segundo leis
que recordam as leis da memória, sob as quais o que
ocorreu não é aniquilado nem passa à inexistência, se não
que, sofrendo uma seleção e uma complexa codificação,
passa a ser conservado, para, em determinadas condições,
de novo manifestar-se.
Os aspectos semióticos da cultura (por exemplo, a
história da arte) se desenvolvem, principalmente, segundo
leis que lembram as leis da memória, sob as quais o que
passou não é aniquilado nem passa à inexistência, mas,
sofrendo uma seleção e uma complexa codificação, passa a
ser conservado, para, em determinadas condições, de novo
manifestar-se (Lotman 1998, p. 153).
Se é certo que tudo o que se
relaciona com a música está
situado no interior da esfera
lúdica, o mesmo se pode
afirmar, e em mais alo grau, da
irmã gêmea da música, a dança.
Quer se trate das danças
sagradas ou mágicas dos
selvagens, ou das danças rituais
gregas, ou da Dança do rei
David diante da arca da Aliança,
ou simplesmente da dança como
um dos aspectos de uma festa,
ela é sempre, em todos os povos
e em todas as épocas, a mais
pura e perfeita forma de jogo.
(Huizinga, 2005, p. 183-184).
Diversas tradições integram-se, incorporando uma
rede de actantes interdependentes, em constante
reorganização e constituição de novos elementos.
Assim, creio ser essencial a apresentação do
panorama histórico das bandas e fanfarrras e de alguns
elementos que foram selecionados em função do papel
central que exercem.
Esse mergulhar no passado permite um emergir mais
consciente quanto às questões em estudo e,
conseqüentemente, seguir a minha trajetória com maior
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Panorama Musical
| 68
segurança. Acontecimentos da nobreza, fatos militares e
cerimônias religiosas, por serem suportes culturais, são
matrizes que permitem a compreensão de alguns
fenômenos estéticos que observamos na fanfarra.
Naturalmente, não abrangi- — e nem poderia — a totalidade
dos fatos que, direta ou indiretamente, se relacionam com a
histórica das bandas e fanfarras.
Meu objetivo, seguindo essa trilha, foi o de oferecer
um panorama sobre o desenvolvimento das bandas e
fanfarras e, ainda, sobre alguns aspectos que lhes possam
estar relacionados,e não — apenas — o seu percurso como
a uma espécie de herança, um legado cultural ao que hoje
elas são.
5.1
4
Entre os monumentos de arte
plástica chegados até nós da
época das primitivas
civilizações sumeriana e
babilônicas dos anos 3500 a
2000 a. C., figuram
reproduções de instrumentos
de música: harpas, alaúdes de
braço comprido, flautas,
tambores e quadros de cenas
de sacrifícios rituais e de
triunfos guerreiros, com
acompanhamento musical
(Branco, 1943, p. 11).
5
Talvez já estivessem mesmo
em outros locais e em outras
épocas, porém este estudo
extrapolaria o objetivo e minha
pesquisa.
6
Tomo por base as questões
apontadas pelo Prof. Rui
Vieira Néri, no 13º Encontro de
Musicologia — Os Espaços da
Música —, realizado em Lisboa,
(outubro de 2005) e em
comunicação pessoal
(novembro, 2005).
7
ocupavam as ilhas Britânicas,
Península Ibérica entre outros.
8
Datação incerta entre 1000 e
3000 a.C.
9
São de fuste muito longo, o
bocal e o pavilhão, fazendo
ângulo reto com aquele. O
pavilhão ou saída sonora é
sempre rematado como uma
cabeça de animal e o
instrumento é tocado com o seu
corpo na vertical. Teriam som
forte e agudo (Meira e
Schirmer, 2000, p. 16).
10
O autor dá como referência
Tutankhanum and Numbers
x.2-10 descreve: The
manufacture and use of similar
instruments. — não encontrei
mais nada a respeito.
Panorama até o período inicial das Grandes
Navegações – final do século XV
Desde tempos ancestrais, a música e a dança ocupam
um lugar importante nas cerimônias religiosas, tendo sido
muitas vezes a elas atribuídos poderes mágicos
4
. Talvez em
seu sentido estrito, a história da música ocidental inicie com
a música cristã, porém, pode-se tomar a Antiguidade como
ponto de partida, embora se saiba que a música ainda lhe
seja anterior
(Dionísio, s.d.; Almeida, 1942).
Parto da Antiguidade porque considero que existem
interessantes relações das manifestações da dança e da
música deste então com o tema em estudo
5
. Essas, assim
como os demais pontos levantados ao longo deste
panorama inicial, estão vinculadas a três aspectos que tomei
como centrais para a fundamentação histórica do presente
estudo
6
: acontecimentos da nobreza, episódios militares e
cerimônias religiosas, incluindo-se as derivações pagãs ou
profanas. Note-se que, naquela época, as responsabilidades
e lideranças militares, religiosas e da nobreza confundiam-
se ou, ao menos, eram extremamente próximas.
Os Celtas
7
utilizavam instrumentos musicais,
geralmente trombetas e trompas nas batalhas e em outros
contextos militares. Nessas situações ora apoiavam o ritmo
do combate, ora sinalizavam a posição do inimigo.
Eventualmente, produziam sons particularmente
desagradáveis, com o intuito de assustar e, assim, afastar o
inimigo. A música poderia também estar acompanhada de
cantos de exaltação que estimulavam a resistência dos seus
às invasões inimigas
(Grove, 2002; Lopes e Azevedo, 2004).
Alguns instrumentos estão presentes em diversas
culturas. No Museu de Copenhague, encontra-se o vaso de
Grundetrupe
8
, no qual estão reproduzidos guerreiros celtas
seguidos de músicos. Esses músicos tocam carnix, uma
espécie de trombeta
9
(Grove, 2002; Meira e Shirmer, 2000).
Existem várias ilustrações de soldados egípcios
portando trombetas similares às encontradas nas
tumbas. Uma pintura de 1600 a 1100 anos antes de Cristo
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Panorama Musical
| 69
representa a marcha de quatro músicos, possivelmente
em um cortejo ou revista de tropas, tocando trombeta,
tambor e crótalos
(Joaquim, 1937)
10
. Os poucos relevos da
Mesopotâmia
11
que representam cenas militares não
mostram outros instrumentos além de trombetas
(Grove,2002).
No Museu Britânico encontra-se um relêvo mural do
palácio dos reis assírios (época de Sennacherib e
Assubarnipal encontrado nas ruínas de Nínive – Babilônia –
reproduz um “bando de músicos que percorreu, em trajes
festivos, as ruas de Susa, à frente de dois príncipes,
sobrinhos do rei Tooumman, que tinha sido vencido e morto,
bem demonstra o importante papel da música nas horas do
triunfo”
(Joaquim, 1937, p. 11). A variedade dos instrumentos
indica o luxo e a pompa da Babilônia.
11
Mesopotâmia (grego - “terra
entre rios”) refere-se às áreas
banhadas pelos rio Eufrates e
Tigre. A Antiga Mesopotâmia
envolve as culturas da Suméria,
Babilônia e Assíria.
Em um baixo relevo, no Louvre, encontra-se a mais
antiga representação de músicos militares, na qual eles
executam diferentes instrumentos, inclusive de corda
(Meira e
Schirmer, 2000). Na Mesopotâmia, existiam escolas de
formação musical, cujos egressos recebiam postos de
destaque com os funcionários reais. Além de participar de
festividades de vitória, a música tinha relevante presença,
animando as tropas, nos campo de batalha.
O alcance da influência da música da Grécia e de
Roma, embora possa não ser tão marcante como o da
literatura, da filosofia e das artes plásticas, certamente é o
mais relevante dentre os povos Antiguidade
.
Na mitologia grega, a música era considerada um
meio de atingir a perfeição. Sua origem era concebida como
divina e, por isso, possivelmente, associada a cerimônias
religiosas. Aos poucos, a música tornou-se uma arte
independente e sua complexidade aumentou, apesar de, ao
que parece, a música grega ser quase inteiramente
improvisada
(Deyres, 1982). Porém, “a sua melodia e o seu
ritmo ligavam-se intimamente à melodia e ao ritmo da
poesia, e a música dos cultos religiosos, do teatro e dos
grandes concursos públicos era interpretada por cantores
que acompanhavam a melodia com movimentos de dançar
predeterminados”
(Branco, 1943, p. 21).
Na Grécia, a música torna-se
uma arte
(Deyres, Lemery, e
Sadler, 1982, p. 11).
Nesse cenário, progressivamente, o número de
músicos se expandiu.
O desenvolvimento da música, paralelo ao próprio
desenvolvimento das cidades gregas, fez com que
surgissem teorias filosóficas que procuravam compreender
seu significado e sua importância. No século IV, Aristóteles
postava-se contra o que julgava ser um treino excessivo na
educação musical do homem. Tanto Sócrates quanto Platão
consideravam importante a influência da música na
formação moral do indivíduo (de caráter e de virtudes
cívicas) e da sociedade (conservação dos Estados). Por
essa influência sobre o homem, Platão considerava que a
música deveria estar sob controle do Estado – cidade, pólis
– vista como responsável pela garantia do bem social
(Branco,
1943).
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| 70
Os Nomoi, melodias padrão, bastante simples,
utilizadas nos cultos religiosos, foram a origem da lírica
solista, do canto conjunto e do solo instrumental. No apogeu
da civilização helênica (do século VI ao século IV a.C.),
despontaram as grandes tragédias, que eram inteiramente
cantadas
(Branco, 1943).
Os gregos dirigiam o canto e a dança por intermédio de um
chefe de coros e de baile, que indicava o andamento e o
ritmo com movimentos da mão. Essa prática, precursora da
moderna direção da orquestra, denominava-se «cheiro-
mania» e apareceu ligada às representações teatrais
(Branco,
1943, p. 20).
salpinx - segundo estudos do
museu, ele foi feito por volta do
séc. V a.C.
Fig. 8 – Salpinx
O corpo do salpinx mede 1,55m
de ponta a ponta e é composto
por diversas partes de osso
torneado, unidas por anéis de
bronze; seu bocal, de formato
semelhante aos atuais, também
é feito de osso; no outro
extremo, finaliza em forma de
sino moldado em bronze
(Grove, 2002 ; MFA-Boston,
2006).
Fig. 9
-
Salpinx
O salpinx, a mais antiga trombeta conhecida, foi
encontrada em 1929, em meio à lama em uma caverna
próxima ao Olimpus, Grécia. Esse instrumento está presente
nas mãos dos soldados gregos em diferentes iconografias.
A origem do salpinx é imprecisa, além disso, ele não é
semelhante a qualquer outro encontrado na iconografia
antiga
(Grove, 2002).
Voltando-se, pois, à relação do objeto com o homem,
a sua presença em diferentes cenas sugere sua importância
na relação com os homens da época.
Em Esparta, a juventude realizava evoluções de
ataque e de defesa com a música executada por flauta. Na
época, executava-se o embacterion, precursor da marcha
militar, que era ritmado pelas flautas, o que favorecia a
cadência das marchas. Para Homero, a lira e a flauta
deveriam fazer parte das expedições militares. No canto X
da Ilíada, afirma que a flauta esteve presente na guerra de
Tróia e que, a partir de então, passou a ser usada nas
marchas, lutas, jogos e combates
(Joaquim, 1937). Na primeira
batalha de Maratona, as flautas estavam presentes
“entremeadas nos batalhões, a fim de darem igualdade aos
passos e fazer a tropa marchar com certa cadência”
(Albuquerque, 1911,s.p ). Esse ritual é preservado em exércitos
de todo o mundo (Deyres, Lemery e Sadler, 1982).
Temos aqui diversas situações de interação que
ilustram situações em que o sujeito é alterado pela ação do
objeto. Na concepção de Latour, a interação se opera não
apenas entre humanos, mas sempre entre humanos e não-
humanos, ambos actantes.
Para cadenciar e uniformizar movimentos e
exercícios também era utilizada a dança. Na Grécia, as
danças pínicas são um exemplo. Danças guerreiras eram
práticas comuns a todos os povos e são ainda hoje
encontradas nas populações primitivas. “São manifestações
rítmicas para intimidar o inimigo ou para exacerbar a
agressividade dos praticantes”
(Carl Engel
13
Apud Meira e
Schirmer, 2000, p. 18)
. Ressalte-se, portanto, que as danças
militares são uma
13
Historiador de música.
série de movimentos regulados por cadência, que os
antigos usavam em seus exércitos, v.g., a menophitica, que
se atribui a Minerva; a pyrrica, que era a dança favorita das
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| 71
milícias gregas, que também dançavam a prylida e outras.
Ainda hoje, nos
exércitos modernos bem organizados,
existem cursos de danças para os militares (sic) (Albuquerque,
1911, p. 108)
14
N
o s
t
r
it
u sensu.
15
longa e curvada.
16
A buccina “era constituída
por um tubo recurvado até
quase fechar em círculo,
sustentado no seu meio por
uma haste que servia para se
apoiar no ombro do executante”
(Joaquim, 1937, p. 13).
17
Pequeno e curvo, feito de
chifre de boi (Grove, 2002).
18
O lituus parece ter sido a
“civilian or cult” instrumento
(Grove, 2002).
Fig. 10 – lituus
19
Trajano ascendeu a
imperador no ano 98 d.C.
devido a suas virtudes militares,
que levaram o Imperador Nerva
a adotá-lo como filho e a
designá-lo seu sucessor
(Etxebarria, 2006).
20
Localizada no patio do Foro,
construído entre os anos 107 e
112 d.C, a coluna de Trajano,
concluída em 113 d.C., é obra
do arquiteto sírio Apolodoro de
Damasco, que acompanhou
Trajano em suas expedições
militares. A coluna, com cerca
de 40 m de altura, inaugurou
um novo estilo de narrativa
através de um friso com mais
de 200m que a contorna, em
espiral. Neste friso, estão
esculpidas em mármore cenas
que ilustram os percursos de
Trajano. A seqüência é
apresentada sem separações,
mas são habilmente agrupadas
em uma representação
espacial extremamente original.
Na coluna, estão retratadas
tanto cenas de batalha quanto
de paz, com o intuito de
celebrar as vitórias militares de
Trajano. Foi feita com o objetivo
de propaganda pessoal do
imperador, mas seu maior valor
está, possivelmente, pela sua
forma, que inaugura um novo
estilo de narrativa, a serviço da
propaganda pessoal do
imperador. Aparecem tanto
cenas de batalha como também
de paz.
21
Espécie do gênero
magistrado judicial romano.
Antes mesmo de associada aos movimentos, nas suas
origens, está a música relacionada ao canto. Tirteu, poeta
espartano do século VII a.C, teve seus cantos entoados
pelos guerreiros. Quando vencedores, os gregos entoavam
o Epinício, seu hino de vitória. Hino, aliás, é palavra grega
que “significa a união entre a poesia e a música para, em
manifestação coletiva da alma, honrar os deuses, a pátria,
os heróis”
(Meira e Schirmer, 2000, p. 18).
Ao contrário dos gregos, que se ocupavam de estudos
abstratos, o povo romano centrava-se em um objetivo
concreto: a conquista do mundo. Nessas conquistas, os
instrumentos musicais capturados dos inimigos eram vistos
como troféus de guerra
(Lopes e Azevedo, 2004). Talvez, por
isso, a música estivesse mais relacionada a essa meta do
que a qualquer outra.
Embora não haja registros da música executada na
época dos romanos, o exame da iconografia – baixos
relêvos, mosaicos, afrescos, esculturas – indicam a
importância da música no teatro, religião, rituais diversos e,
sobretudo, atividades militares ou a elas relacionadas.
A música servia apenas para o acompanhamento de
bailarinas e funâmbulos (equilibristas), sendo executada
pelos escravos e sem qualquer finalidade educativa
14
.
Quanto aos instrumentos musicais, parece-nos que o
primeiro entre os romanos foi a flauta, com o nome de tíbia,
e que servia também, entre outros fins, para assinalar o
ritmo de cada golpe do remo, nas naves, para celebrar o
triunfo dos vencedores. Tocava-se, ainda, a flauta enquanto
os escravos eram açoitados, porém servia para acompanhar
a ação no teatro
(Farah, 1997, s.p.).
Em alguns monumentos, são encontrados baixos-
relevos com cenas do regresso de guerreiros vitoriosos à
Roma. Em comemoração às conquistas, os soldados
desfilavam ao som de fanfarras – com tubas, buccinas e
lituos búzus e das trombetas –, compassando o triunfo dos
imperadores
(Amphion, 1886 ; Deyres, Lemery e Sadler 1982).
O uso de instrumentos de sopro para toques militares
era usual entre os romanos assim como o era para os
gregos. Os tambores, hoje imaginados (concebidos) como
fundamentais nas bandas militares, possivelmente não
foram empregados nos exércitos europeus até o século XIII.
Quatro eram os tipos de trombetas usadas no exército
romano: Tuba
15
, a buccina
16
, o cornuu
17
e o lituus
18
(Grove,
2002)
.
A tuba e a buccina, então os instrumentos mais
importantes, encontram-se representados na crônica das
expedições militares de Trajano
19
, que foram esculpidas por
Apolodoro de Damasco. O friso esculpido em mármore, em
La columna de Trajano
20
, reproduz o que foi visto pelo
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próprio Apolodoro, que acompanhou pessoalmente o
Imperador nas suas campanhas (Joaquim, 1937; Grove,
2002; Meira e Schirmer, 2000).
Os tamanhos das buccinas eram diversos e aos altos
comandos (pretores
21
e generais) cabiam as maiores. A
posição na hierarquia militar dos músicos era a de oficial;
enquanto eles executavam seus instrumentos, os soldados
entoavam cantos guerreiros
(Joaquim, 1937).
Os romanos “reconheceram melhor do que qualquer
outro povo, que as necessidades da guerra implicavam a
adoção da música no exército”
(Joaquim, 1937, p. 12).
Presumidamente, os primeiros músicos profissionais
militares surgiram quando Sérvio Túlio dividiu o povo em
centúrias
22
, e duas delas foram constituídas por músicos
destinados a diferentes legiões
(Joaquim, 1937 ; Ribeiro, 1939).
Talvez esse fato tenha sido uma decorrência da lei em que
Numa Pompílio destinava uma classe, dentre as oito em que
dividiu o povo romano, para o culto ao deus da guerra
23
. Aos
romanos dessa classe cabia percorrer as ruas de Roma,
executando danças e cantos, enquanto batiam os escudos,
em honra dos heróis que eram dignos de comparação ao
Deus da Guerra
(Joaquim, 1937).
22
A centúria era uma
subdivisão da coorte (unidade
tática de infantaria) da Legião
Romana.
23
Para os romanos, Marte era
o deus da guerra, sincretizado,
a partir do séc.III a.C, com o
deus da guerra grego Ares.
Por ordem dos imperadores, Augusto e Adriano, os
combatentes realizavam evoluções para a batalha,
marcadas ao som da tuba com o objetivo de “influir na
presteza nas evoluções, infundir bravura e preparar os
ânimos a incorrer nos perigos”
(Leão VI, o Filósofo, Apud Joaquim,
1937 p.13).
A música, como objeto actante, aparece aqui em
interação com o homem, tendo em vista o propósito
educativo almejado pelos homens da época.
Embora os romanos não tivessem na dança um
elemento importante, ela se fez presente em, por exemplo:
procissões primaveris de sacerdotes, danças fúnebres, de
flagelação.
Na época que antecede a Idade Média, período dos
Reis — do séc. VII ao Séc. VI a.C. —, Roma foi dominada
pelos etruscos, deles recebendo forte influência em suas
danças de origem agrária. Sobre essas danças, só existem
referências icônicas, sendo desconhecidos textos escritos
(Magalhães, 2005).
...Mas podemos perceber, que recebeu forte influência dos
gregos desde o Séc. VII a.C., pelas representações em que
aparecem indícios de danças guerreiras, dionisíacas, de
Banquete, entre outras. Sabe-se que a Dança Etrusca era
em tempo rápido, ritmada e acompanhada por aulos e liras.
As representações, a maioria encontradas em túmulos,
mostram gestos específicos de braços e pernas e gestos de
quiromonia, ou seja, movimentos harmônicos entre gestos e
discursos, na mímica antiga. Entretanto, tais representações
não são claras quanto ao sentido das Danças, o que até
hoje , parece ser uma incógnita (Magalhães, 2005).
24
Março, primeiro mês do
calendário lunar (antigo latino),
iniciava no equinócio da
Primavera e era consagrado a
Marte.
Por volta de 754 a 200 a.C, as danças de armas salii
ou saliens (salio = salto) eram realizadas, no mês de
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março
24
, em honra ao deus Marte. Possivelmente, eram
sacerdotes guerreiros — ou apenas guerreiros — que a
dançavam. No salii romano, eles saltavam (salio = salto) e
batiam seus escudos oitavados durante a dança. Música e
dança eram parte de cerimônias ou de comemorações em
dias festivos. Um dos movimentos realizados, conhecido por
“tripudium”, consistia em uma tripla batida dos pés no chão
repetida por três vezes. Desta forma, saltando e marcando o
passo com forte batida de pé, percorriam Roma, ao som das
canções que entoavam
(Grove, 2002; Caminada, s.d.).
Esse exemplo de performance, que une a música e a
dança, remete à participação da fanfarra dos dias festivos
atuais, quando sai às ruas com uma coreografia que, em
certos momentos, lembra a descrição dos saltos e batidas
dos escudos. Também é interessante destacar que nas
fanfarras, nas roupas do corpo coreográfico de algumas
corporações, são visíveis alguns elementos dos vestuários
dos romanos.
Nos primórdios da Idade Média, muitas manifestações
musicais começam a ser repudiadas pela Igreja, que
associava essas práticas sociais a rituais pagãos
e, portanto, deveriam ser eliminadas. Porém, ainda sem
ritos próprios ou liturgia com preceitos definidos, as
primeiras comunidades cristãs receberam forte influência
dos ritos das religiões pagãs e dos da religião judaica,
adaptados e adotados pelos seus próprios cultos. Assim,
pouco a pouco, danças e cantos presentes nas festas pagãs
foram cristianizando seus temas, e, com algumas
transformações, driblando a desconfiança da Igreja,
sobreviveram incorporadas às festas cristãs
(Caminada, s.d.).
Nas casas, predominavam os instrumentos de sopro e
a lira
25
e, posteriormente, estabeleceram-se rituais cristãos,
cuja musicalidade originou a monódia cristã, apreciada pela
sua perfeição e pelo seu equilíbrio. Com o fim das
perseguições aos cristãos, por determinação do imperador
Constantino e a oficialização do cristianismo, ao final do
século IV, pelo Imperador Teodósio, criaram-se as
condições necessárias para que a música monódica se
desenvolvesse em Roma, Constantinopla, Antioquia e
Jerusalém, importante cidades do vasto Império Romano.
25
a cítara e a lira, vindas da
Itália meridional, eram de
origem grega.
Durante muitos anos, a posição da Igreja Cristã, em
relação à dança, não era una. Por exemplo: enquanto São
João Crisóstemo
26
e São Basílio
27
louvaram o caráter
sagrado da dança, ela foi proibida por Santo Ambrósio
28
em
todas as suas dioceses. Isso, como apresento mais adiante,
se repetirá em outras épocas.
26
Patriarca de Constantinopla
em a.D. 407.
27
Nasceu em Cesaréia, na
Capadócia (Turquia Moderna)
em 329 d.C., faleceu em 379
d.C.
28
Nasceu em Tréveros em
340 e faleceu em Milão, em 397
d.C.
Ao longo da Idade Média, os menestréis
e os jograis
,
difundiram pelo continente europeu lendas procedentes das
antigas civilizações
(Caminada, s.d.). “Nas diferentes classes
que a história dos trovadores menciona, encontram-se os
chamados jograis de gesta, que cantavam as epopéias
carolíngias ao som da vielle, instrumento que deu origem
aos actuais instrumentos de arco”
(Joaquim, 1917, p. 14).
Presume-se que, no século XII, na Índia ou no Oriente
Médio, surgiram as primeiras bandas efetivamente militares.
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Panorama Musical | 74
Constituíam-se de diferentes instrumentos que executavam,
em conjunto, músicas de concerto.
Provavelmente, isto foi conseqüência do shawm,
instrumento retratado na iconografia medieval persa, junto a
trombetas e tambores. Além de executar os chamados
sinais de presença e os comandos, as bandas continuavam
a ter, nas batalhas, um emprego estratégico: incentivar seus
próprios homens e desestabilizar os inimigos. As Cruzadas
impulsionaram estas bandas e contribuíram para que se
formassem bandas e Stadtpfeifers em diversas cidades da
Europa Medieval
(Grove, 2002).
Nestes tempos da Cavalaria e das Cruzadas, os
cânticos guerreiros eram sustentados e acompanhados por
um conjunto de músicos. Esses grupos musicais eram
elementos centrais em desfiles, justas e torneios, tão
comuns à época.
Nesses jogos, a valentia dos portugueses era evidente
e destacava-se entre as maiores façanhas do gênero. A
entrada dos cavaleiros na liça era sempre anunciada por
brilhante fanfarra e foi imortalizada pelo altíssimo poeta e
soldado Luís de Camões, na rima heróica que canta os
Doze de Inglaterra. Depois de colocados frente a frente, na
estrofe 63, do Canto VI, dos Lusíadas, o poeta profere “o
som da tuba impele / os belicosos ânimos que inflamam;
nada mais certo, mas se os contendores se lançavam
com a maior coragem na refrega, não há que pôr em
dúvida, que não era com menor entusiasmo que os
músicos, que formavam a fanfarra, lançavam para a
imensidade do espaço os sons vibrantes como prêmio pelo
esforço dos grandes golpes de lança ou como glorificação
do nome do vencedor (Joaquim, 1937, p.15).
Eram ainda esses grupos de músicos que
luxuosamente vestidos acompanhavam o séqüito da
nobreza e eram elementos importantes em diversas
cerimônias. A eles cabia, por exemplo, anunciar ao povo a
sagração de um novo soberano. Esses conjuntos musicais
estavam a serviço de nobres e suzeranos de então e eram a
elite das corporações religiosas conhecidas como capela e
que seriam posteriormente, como se verá, de grande
importância, ao se percorrer a história das bandas e
fanfarras do Brasil
(Joaquim, 1937; Ribeiro, 1939).
Na Europa, durante o século XIII, as primeiras bandas
constituídas por instrumentos de sopro eram similares às do
Oriente Próximo.
Em 1240, o Imperador alemão Frederico II determinou
que fossem feitas, em prata, quatro tubae e uma tubecta.
Provavelmente, a tubecta era um instrumento similar ao de
Dante, conhecido como trompetta. Durante a Idade Média,
na Europa, a nomenclatura dos instrumentos não era muito
precisa, sendo, em geral, os instrumentos agrupados nas
famílias das trombetas.
Importante destacar que os tambores não eram
utilizados nos exércitos europeus até o século XIII e nos
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| 75
exércitos da Ásia ocidental, até pouco antes, finais do século
XII, os tambores eram raros. Os instrumentos comuns eram
cornetas sob várias formas: algumas vezes grandes, de
modo que a saída do som ficava acima da cabeça dos
músicos, subindo em forma sinuosa como uma tromba de
elefante (forma de S); outras vezes tem forma de C e
freqüentemente eram retos. Entretanto, o uso de tambores
e sinos (bells) para marcar o passo e executar os
comandos, bem como símbolo de status, é praticado na
China desde muitos anos antes de Cristo. No século XIII,
foram introduzidos instrumentos mais complexos e eram
produzidos diferentes tamanhos de uma mesma família de
instrumentos de sopro. Ainda nessa mesma época, alguns
instrumentos de sopro foram produzidos com uso de metais
nobres. Instrumentos de sopro feitos de metal e madeira
existiam em diferentes formas híbridas. Nas cortes
Européias, diferentes conjuntos, formados por instrumentos
de sopro e percussão, destinavam-se a cerimônias,
entretenimento e para fins de caça e militar
(Grove, 2002).
A introdução do uso da pólvora na Europa, no século
XIV, e o desenvolvimento das armas de fogo portáteis
acarretaram o aumento do volume sonoro durante as
batalhas. Na cavalaria, eram utilizadas, principalmente, as
cornetas e, na Infantaria, os tambores.
À primeira vista, a pólvora e a banda de música não
parecem ter qualquer relação. Mas, o uso da pólvora
modifica as relações na rede, obrigando, em função de suas
características, a uma rearrumação de outros, de costumes
e de práticas sociais.
Foi elaborado um código de sinais com tambores que
abrangia a maioria das manobras usuais em uma batalha;
outros códigos foram estabelecidos para identificar as
tropas, elementos esses interessantes como linguagem.
Há também registros de que, em 1340, no cerco de
Valenciennes, houve o uso da música pelos franceses, não
apenas para incentivar suas tropas, mas também para
afugentar o inimigo, tal como em outras épocas.
No início do século XV, surge o primeiro instrumento
de vara, que foi introduzido nas charamelas. Assim,
conjuntos de três ou quatro músicos (geralmente
constituídos por uma ou duas charamelas, um bombardino e
trombone desenvolveram uma performance mais sofisticada
e tornaram-se os preferidos pelas altas cortes. As mais
importantes cidades da Europa mantinham um desses
grupos sob patrocínio. Esses músicos eram solicitados em
diversas ocasiões para danças, procissões, banquetes e
outros rituais de então
(Grove, 2002).
Os conjuntos, no início, eram refinados, palacianos e
ocupavam-se unicamente de sua performance musical.
Esse era o caso dos Stadtpfeiferes (=Town Pipers), como
eram conhecidos esses músicos nas cidades alemãs
(Grove,
2002).
29
Essa atividade paralela –
“watchman” – fez com que as
bandas... fossem conhecidas
na Inglaterra com ‘waits’ e nos
Países Baixos por ‘wachters’
(Grove, 2002, p. 23).
Entretanto, em muitas regiões, as bandas acumulavam
a função de vigias, guardiões da cidade
29
às suas
obrigações musicais. Ao final do século XV, em quase todos
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Panorama Musical | 76
os lugares, essa função foi deixada de lado, e as bandas
passaram a dedicar-se apenas à execução de músicas, em
especial, para igrejas e city towers (
Grove, 2002).
Nas crônicas e outros documentos históricos surgem
diversas notícias de festas, cerimônias, banquetes e bailes
na corte, com música de menestréis, que incluem, por
vezes, a enumeração dos instrumentos utilizados, embora
pareçam predominar as referências áulicas a chamada
música alta: soadas e fanfarras de trombetas, tambores,
sacabuxas, etc., associadas a desfiles e cerimônias
públicas. Dos finais do século XV, são as interessantes
descrições das festas realizadas em Évora, em 1490, por
ocasião do projectado casamento do filho de D.João II, o
infante D.Afonso, com a filha dos Reis Católicos. Local onde
nos aparece, entre outros aspectos, a distinção renacentista
entre música alta e baixa, significando, as primeiras, a
música de ar livre, cerimonial ou militar, que faz uso de
instrumentos mais sonoros, e a segunda, a musica de corte,
particularmente, a música de dana, executada por
instrumentos mais suaves (Brito e Cymbron, 1992. p. 30).
De certo modo, esta distinção afasta determinados
instrumentistas dos salões, gerando uma categorização
entre eles.
5.2
O Cenário Europeu quando da chegada dos
Portugueses à América – a partir do século XVI
No início dos anos 1500, época do descobrimento do
Brasil, alguns conjuntos aumentaram ligeiramente o número
de seus integrantes, passando a ter entre 6 e 8
componentes. Ao mesmo tempo, esperava-se que esses
músicos executassem um largo repertório.
Com o aumento das demandas musicais, inclusive as
integradas a serviços religiosos, foram introduzidos cantores
nos grupos de musicistas de sopro.
Ainda nessa época, início do século XVI, músicos
como Trombocino e Susato, cujas carreiras foram
consolidadas na tradição das bandas de sopro, alcançaram
o auge artístico.
Por volta de 1550, entram em voga os instrumentos de
corda, sobretudo o violino, acarretando algumas mudanças
no cenário musical. Possivelmente, isso contribuiu para que,
ao final do século XVI, iniciasse um declínio gradual da
posição artística dos instrumentos de sopro. Contudo, até o
início do século seguinte, a posição dos mestre-capelas e
dos compositores permaneciam fortemente vinculada aos
grupos de sopro
(Grove, 2002).
O francês Clement Jannequin incluíu toques militares
e rufar de tambores na composição A Batalha de Marignan,
inaugurando um gênero musical ainda presente nos dias de
hoje. Seria um momento em que “a guerra soma à
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Panorama Musical
| 77
representação pictórica a representação acústica” (Meira e
Schirmer, 2000, p.30).
O poeta Jeronymo Corte Real, no século XVI,
descreve a música militar por meio do seguinte trecho
30
:
30
À parte a exageração
poética, Corte Real tem toda
autoridade no assunto porque
era um amador de música
entendido e enthusiasta.
(Amphion, 1886).
Supitamente soão mil diversos
Instrumentos, que o campo, o monte atroão.
Trombetas, sacabuxas, atabales,
Bategas sonorosas, e as silvestres,
Rudes gaitas, tocadas juntamente,
Formem som, que os cabellos arrepia. (sic)
Nos exércitos europeus, nos idos do século XVII, as
unidades de música eram de dois tipos:
A companhia de músicos, integrada a um batalhão ou
regimento, era parte do comando da unidade. Sua principal
função era tocar os comandos – toques e chamadas que
regem a vida militar.
Fig. 11 - Fanfarra de Janizaros
31
Uma apresentação da banda
a Augusto II (reinado de 1697-
1733) da Polônia e uma
imitação da Música Turca foi
apresentada à Corte da
Imperatriz Ana da Rússia, em
1739.
A banda de música, uma unidade independente sob a
direção de um de um maestro ou regente. Geralmente, era
constituída por músicos profissionais, em geral civis que
tocavam diferentes instrumentos de corda e de sopro. Tinha
por atribuição participar das cerimônias e das atividades
sociais. Essas bandas militares eram pagas pelo corpo de
oficiais, como empregados particulares. Até o século XX, no
início da 1ª Guerra Mundial, este sistema ainda vigorava,
pelo menos, no exército Austro-húngaro.
Nos séculos XVII e XVIII, conjuntos de execução de
músicas militares tiveram modelos definidos, que surgiram
no Oeste, influenciados pelo mehter — o sopro e a
percussão das bandas da elite janízara do Império Otomano
— durante a guerra com os turcos.
Nas guerras do século XVII e primeira metade do
século XVIII, os Janízaros – bandas das tropas de elite do
Sultão da Turquia – causaram uma profunda impressão nos
exércitos europeus
31
. Durante o século XVIII, as Bandas
Militares da Europa adotaram a música turca ou janízara
(Grove, 2002).
Em meados do século XVIII, as bandas européias
começam a incorporar instrumentos das bandas janízaras
ou turcas. Inicialmente, um grande surdo e, mais tarde,
címbalos e triângulos. Alguns percussionistas eram mouros
(sarracenos) ou negros, geralmente portavam roupas
exóticas e seu gestual era considerado extravagante. No
final desse século, foi incluído o carrilhão Turco ou Meia-Lua
(Meira & Schirmer, 2000).
Ao final desse período, o conceito de música turca
estava bem incorporado nos povos de língua alemã, tanto
como um tipo de banda, quanto como um tipo de
composição. Como banda, caracterizava-se por ser militar e
por incluir, além de instrumentos de sopro, metais e
madeira, instrumentos de percussão de origem turca.
De modo gradual, os modelos de bandas baseadas
em instrumentos de sopro, quer as militares, quer as civis,
foram associando formas do modelo de bandas turcas da
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Panorama Musical
| 78
música turca, criando, nessa época, as bases da moderna
Banda Sinfônica.
Nos idos de 1780, na Europa, as Bandas Turcas eram
conhecidas pelos instrumentos europeus, percussão e o
piccolo. Como, por exemplo, pode ser apresentada a
descrição, em 1796, de uma banda vienense que se
apresentava ao ar livre no verão; essa banda, note-se, não
tinha qualquer vínculo com obrigações militares. Nela
estavam presentes instrumentos de sopro e de percussão,
esses com clara influência janízara
32
.
32
Oboés, baixos, cornetas,
clarinetes, trompetes,
triângulos, tambores de
diversos tamanhos e um par de
címbalos.
Esse parece ser um episódio que ilustra a concepção
de Lotman sobre a cultura.
O conceito de semiosfera de Lotman está ligado a
uma determinada homogeneidade e individualidade
semiótica que, segundo o próprio Lotman, são de difícil
definição, porém, facilmente distinguíveis por intuição.
As fronteiras da semiosfera não são delimitadores
impermeáveis, mas sim filtros tradutórios com os quais um
texto se traduz a outra linguagem, no sentido interno-externo
quanto e vice-versa
(Lotman, 1996).
Foi dessa forma que a constituição das bandas
militares européias sofreu transformações ao final do século
XVIII. A influência direta da música dos janízaros se faz
notar na ampliação no naipe da percussão e, também, na
variedade de instrumentos nela utilizados. Esse acréscimo
interferiu na quantidade e qualidade dos instrumentos de
sopro, pois, para que permanecessem audíveis com a
percussão, tornou-se necessário que figurassem não
apenas em maior número, mas, também, que houvesse
uma diversificação desses instrumentos
(Grove, 2002).
Também foi notável a influência quanto ao tipo de
composição, pois se difundiu um tipo de música que gerou
diversas composições de marchas turcas e que, ainda,
influenciou as composições de compositores notáveis,
como, por exemplo, Gluck, Haydn, Mozart e Beethoven.
Essa influência dos janízaros permanece evidente, como
pode ser observado nos naipes de percussão de bandas e
fanfarras dos dias de hoje.
Essas traduções também ocorreram com a
colonização, em particular, por meio das unidades militares,
as bandas e outras tradições européias chegaram à América
do Norte, onde desempenharam um papel central no
desenvolvimento da vida musical.
Ao final do século XVII, as bandas de oboés, além de
executarem músicas militares e tomarem parte de festivais
em locais abertos, também atuavam em eventos
reservados, tanto participando como grupo autônomo,
quanto integrando-se como parte de uma orquestra.
Bastante conhecidos são os oito oboés dos Mosqueteiros
que tocavam em diferentes entretenimentos da época,
inclusive baile, além de outros eventos da corte francesa.
Já anteriormente, em 1713, com a paz ou como
conseqüência de um período de mais tranqüilidade, a banda
foi absorvida para atuar em batismos, serviços religiosos e
carnaval. Além disso, acompanhavam a família real em suas
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Panorama Musical | 79
viagens. Posteriormente, as observações dos instrumentos
de sopro pela corte de Esterházy era dupla, pois tanto
cumpriam obrigações militares quanto com a corte.
No início do XVIII, reaparece o interesse em escrever
obras musicais específicas para grupos de sopro, o que não
ocorreu durante o período Barroco. Sobretudo na Europa
Central, por volta de 1760, difundiram-se pequenas bandas
constituídas de oboés e trompas. Esses grupos tornaram-se
conhecidos como Harmoniemusik ou somente Harmonie.
Nesses conjuntos, os instrumentos de sopro eram
freqüentemente organizados em pares, assim como nos
naipes da orquestra do período. Nos Harmonien desse
período, era bem comum existirem três ou quatro grupos de
instrumentos: os naipes de trompas e fagotes sempre
presentes, acrescidos de oboés ou clarinetes, ou de ambos
(Barrenechea, s.d., s.p.).
Os Harmonie tinham maiores possibilidades de
execução e que denominavam tanto grupos de instrumentos
de sopro para a aristocracia (e outros) [fins civis], quanto
pequenas bandas militares. Em geral, eram constituídos por
5 a 9 instrumentos, mas existiam os de apenas 2 e os que
alcançavam 20 instrumentos, geralmente distribuídos em 3
ou 4 grupos. Ocasionalmente, outros instrumentos eram
incluídos
(Grove, 2002).
Os Harmonie eram, inicialmente, mantidos pela
Aristocracia, mas grupos similares-executavam suas
músicas nas ruas e para patrocinadores menos abastados
(Grove, 2002). Posteriormente, algumas cortes – a de Viena e
a de Öttingen-Wallerstein, por exemplo – tinham seu próprio
Harmonien com músicos de primeira linha que executavam
um repertório técnica e musicalmente avançado. Nessa
época, por volta das décadas de 1770 e 1780, alguns
octetos não tinham função militar ou de entretenimento,
destinavam-se, exclusivamente, para de concertos
(Barrenechea, s.d., s.p.).
Em um concerto público em Viena, um Hamonien
executou a Serenata de Mozart (1781), originalmente escrita
para clarinetes, oboés e baixos. A atuação foi elogiada pelo
compositor e, no ano seguinte, um novo arranjo foi
elaborado para duplas de oboés, clarinetes, cornetas e
baixos, possivelmente tendo em vista sua interpretação por
um dos conjuntos mantidos pela aristocracia.
No final do século XVII, muitos Harmonie se
dispersaram, porém, alguns permaneceram ativos até o
século seguinte XIX.
Nesta atmosfera fértil, outras formações camerísticas, como
o quinteto de sopros, tiveram a chance de se desenvolver
como uma nova possibilidade de combinação instrumental
para a música de câmara. Comparando o quinteto de
sopros com a combinação instrumental da harmoniemusik,
pode-se observar que as grandes diferenças são a
utilização da flauta, que não era comumente usada pelos
Harmonien, e a combinação dos instrumentos em solo em
vez de pares. A utilização dos instrumentos de sopro como
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Panorama Musical | 80
solistas representava um novo tratamento estético, já
presente na escrita orquestral da época. Este
procedimento parece ser um reflexo do
desenvolvimento na construção destes instrumentos,
que, com o acréscimo das primeiras chaves cromáticas
adicionais nos instrumentos de madeira, possibilitou
maior agilidade e afinação mais precisa [grifos meus]
(Barrenechea, s.d., s.p.).
Temos aqui mais um exemplo da sociotécnica: o
desenvolvimento técnico modificando a construção do
instrumento pelo acréscimo de chaves cromáticas. Essa
modificação interfere na performance do instrumentista que
pode alcançar maior agilidade, além de contar com melhor
qualidade de afinação.
Durante os séculos XVII e XVIII até o século XIX, as
bandas de música participavam de grandes retretas,
celebrações, procissões e serviços religiosos, bailes
públicos e privados, festas e concertos.
No século XVII, os príncipes tinham seus músicos tal como
tinham seus estábulos, e a orquestra da corte era um
assunto doméstico entre outros. Sob Luís XIV, a musique du
roi exigia o cargo de compositor permanente, e os vingt-
quatre violons do rei eram também atores (Huizinga, 2005,
p. 182).
Para se ajustarem à extensa variedade de obrigações
que lhe eram destinadas, os músicos necessitavam
desenvolver habilidades em diversos instrumentos, quer de
sopro como de corda. Alguns desses músicos eram
oriundos do meio militar – ex-integrantes de bandas militares
– e outros de tradicionais famílias de músicos profissionais.
Eram realizadas competições entre os conjuntos musicais.
As bandas das cidades tinham direitos e privilégios
governamentais como, por exemplo, onde e quando eles
poderiam tocar.
Entretanto, desde o final do século XVIII, as estruturas
que sustentavam esse tipo de sociedade foram
desaparecendo e, com elas, as bandas. Na Alemanha,
muitas bandas foram extintas nos idos de 1790, na
Inglaterra, foram dissolvidas na época das guerras
Napoleônicas.
Na França, novos tipos de bandas surgiram para
incorporar os ideais da nova ordem. Quatro semanas após o
14 juillet, foi criada a Banda da Guarda Republicana,
constituída por um grande número de músicos, 65 membros
efetivos. Foi ela que instituiu o modelo da banda moderna,
que logo se disseminou pela Europa. Foi a partir de então
que se tem ciência de concertos com mais de 300 músicos
e mais de 1000 cantores.
A revolução francesa, com sua promoção de eventos de
massa, criou imediatamente as grandes comemorações
revolucionárias e utilizou, para isso, massas igualmente
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Panorama Musical
| 81
impressionantes para a execução musical nessas festas
(Schwebel, 1987, p. 9).
No século XVIII, era consenso entre alguns
compositores o uso da fanfarra em datas festivas e em
solenidades do Estado. Nesse então, a fanfarra era
empregada em ocasiões solenes do Estado, quando sua
execução consistia em uma mistura de arpejos e improvisos
executados por trombetas e tambores. Nessa mesma
época, no Exército Britânico, era seguido o mesmo tipo de
improvisação.
Em 1474, no casamento de George, o Rico, cerca de
100 instrumentos de sopro faziam um ruído tão intenso que
as convivas sequer ouviam suas próprias palavras. Ao que
parece, a fanfarra dificilmente demonstrava algum som
artístico, limitava-se a produzir sons nada agradáveis.
Naquela época, o objetivo principal não era proporcionar um
fundo musical, mas sim fazer barulho
33
.
33
Interessante observar que no
estudo sobre a representação
social da fanfarra, foi registrada,
como visto no Cap. 4, a
afirmação: Se você for ouvir a
fanfarra, é bom levar um tapa-
ouvido!
Uma curiosa passagem, também sobre um jantar, foi
registrada por um dos membros do séqüito do Papa Pio V
em uma de suas viagens, no ano de 1571.
[...] quando chegou o serão parecia que tudo tinha
incendiado, como sucede no Castelo de Santo Ângelo, com
tantos trombones, pífaros e campainhas que não se
conseguia ouvir mais nada [...]. Chegou a hora do jantar e
com muitos sons entramos na sala [...]. Assim começamos a
comer, e a cada novo prato [soavam] sempre as trombetas
e quando o cardeal queria beber soavam as trombetas [...] e
enquanto se comia [ouviam-se] sempre vários gêneros de
música de sopros [...] (In Nery, 1990, p. 86, Apud Nery e
Castro, 1999, p. 25).
No século XVIII, na França, a música de fanfarra
consistia em um breve e acelerado movimento com muitas
notas repetitivas, um estilo que pode ter sido influenciado
pelo toque das caçadas.
No decorrer do século XIX, o termo veio a denominar
uma breve composição executada por um naipe de metais e
percussão. Nessa época, Beethoven compôs um toque que,
executado por um único metal, anunciava a chegada do
Governador durante a obra Fidelio, cuja primeira execução
deu-se em 1805. Posteriormente, foi incorporada nas
aberturas nr. 2 e 3 de Leonore (1805-1806); porém, a
execução desse solo seja melhor denominada mais como
um toque do que como uma fanfarra.
No decorrer do período comprendido entre o início e
os meados do século XIX, a banda militar evoluiu para um
modelo de banda de grande competência, que atendia a
diferentes demandas musicais e culturais, graças a um
variado repertório. Deixou, assim, de se limitar a um
conjunto de funções de natureza estritamente militar, o que
contribuiu para que se intensificasse a aproximação com a
população civil.
Concomitantemente, pouco a pouco, as bandas
aumentavam o número de integrantes, expandindo-se
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Panorama Musical
| 82
consideravelmente. Ainda no mesmo período, o
desenvolvimento do design dos instrumentos de sopro, tanto
os de metal quanto os de madeira, atingia um elevado
desenvolvimento.
O apogeu das bandas deu-se nesse período do século
XIX, quando desempenhavam funções cívicas e musicais. O
repertório das bandas, quer civis, quer militares, era
constituídos por composições de alta qualidade, “seja de
composições originais para Bandas, seja de obras
compostas para outros conjuntos, mesmo para orquestras
sinfônicas, transcritas ou arranjadas ou, ainda, adaptadas
para as Bandas”
(Santiago, 1992, p. 87).
As bandas militares, antes do advento do rádio e,
sobretudo, da televisão, serviam como um meio para
projetar uma imagem positiva e aproximar as relações dos
militares com a população civil. Além disso, nos períodos de
guerra, as bandas, civis e militares, eram utilizadas nas
campanhas de recrutamento
(Grove, 2002).
Isso foi bastante evidente quando
A fim de estimular os milhares de recrutas que
afluíam aos depósitos, confiava-se no que hoje se denomina
‘propaganda’. Pela primeira vez, em 25 de abril de 1792, a
Marselheza de Rouget de Lisle, o mais comovente de todos
os hinos de guerra, foi cantado na França, para embriagar
as massas (Fuller, 1966, p.24).
Essa imagem positiva das bandas militares com a
população implicava que elas fossem convidadas para as
diferentes participações, inaugurações, festas religiosas,
comemorações, etc., e, muitas vezes, tomavam o lugar das
bandas de música civis. Assim, iam sendo empregadas de
acordo com os imperativos que surgiam. Aos poucos, sua
atuação foi sendo ampliada para outras ocasiões, enquanto
outras funções foram sendo suprimidas. Sobreviveram e,
hoje, estão presentes em diferentes culturas, podendo ser
consideradas universais.
Mas, ao contrário do passado, hoje são raros os
concertos e, praticamente, as apresentações das bandas
estão restritas a ocasiões solenes. Hoje, as bandas já não
possuem o mesmo apelo e alcance de outrora e, em geral,
os eventos públicos já não atraem um relevante número de
expectadores.
34
Nas coroações de monarcas
da atualidade, em cerimônias
cívicas, em grandes festas,
uma banda ou uma fanfarra
marcam a presença. Um
exemplo mais pontual pode ser
a participação da banda no
enterro do Papa João Paulo II.
3
5
Posso citar como exemplo a
existência de revistas
especializadas e de diversos
sites, que divulgam concursos,
disponibilizam músicas,
publicam fotos, etc.
3
6
Conforme apresentei
anteriormente
.
As tecnologias, muitas vezes, são apontadas como
responsáveis pelo declínio de sua participação em
diferentes cerimônias. Também contribuem para a
divulgação de sua permanência em cerimônias, como nas
coroações, enterros, etc.
34
, e com a disseminação de
músicas, coreografias, entre outros
35
.
No passado, outros fatores como, por exemplo, uma
denunciada supremacia dos instrumentos de corda, também
foram apontados como sinalizadores do fim das bandas e
fanfarras. Porém, na verdade, elas se deslocaram para
outros espaços, modificaram suas formas de expressão e
sobreviveram.
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Panorama Musical | 83
A existência desses grupos de música tradicionais
vem sendo garantida porque eles assumiram – e continuam
assumindo – diferentes perfis, transformando-se em função
da atmosfera cultural em que estão insertas. Também a
evolução dos recursos musicais
36
justifica a sua
transformação.
No que concerne à participação das bandas militares
no campo de batalha, hoje ela é obsoleta. Embora na
Guerra Mundial houvesse gaiteiros para tocar nas fileiras e
nas trincheiras, essa participação não foi de grande
importância. Talvez a última inserção significativa das
bandas militares em situação de combate tenha sido na
Guerra dos Boers, na África do Sul, entre 1899 e1902
(Grove,
2002).
As primitivas Músicas (pequenas Tunas ou Orquestras
de Capela eram constituídas por Vozes e instrumentos de
cordas (Violinos, Violoncelo, Baixo, Rabecão e, por vezes,
até Violão), aos quais mais tarde se agregaram alguns
instrumentos de sopro (Clarinete, Cornetim, Trombone
(tenor), Trompa, Bombardino e Contra Baixo) e percussão
(Caixa, Bombo e Pratos), que, com a evolução desses
agrupamentos, viriam a substituir totalmente os primeiros,
dando assim origem às Bandas de Música
(Capela, s.d).
Como remanescência da identificação da Capela com as
Bandas de Música, vemos que, ainda hoje, na Alemanha, as
bandas são denominadas pela palavra kapelle.
Portanto, como apresentado, a influência oriental
sobre as bandas deu-se inicialmente na Áustria, Prússia,
França e Inglaterra, daí espalhando-se por toda a Europa.
Aqui se incluem Portugal e Espanha que, desde a “época da
expansão marítima, já possuíam suas Bandas de Música,
segundo a possibilidade instrumental da época”
(Santiago,
1992, p. 93).
5.3
Panorama nas terras brasileiras desde 1500.
Há indícios de que, na tripulação da frota de Cabral, se
encontravam presentes músicos que — ao desembarcarem
— se tornavam a primeira influência da musica européia, em
especial portuguesa, nas terras do futuro Brasil.
Na Carta de Caminha a D. Manuel, escrita em 1º de
maio de 1500, há a informação de que, dias antes, em 25 de
abril, um grupo da tripulação, acompanhando Cabral,
aproximou-se da praia, atraído pela curiosidade que lhes
despertava o acesso dos índios.
E viemo-nos às naus, a comer, tangendo gaitas e
trombetas, sem lhes dar mais opressão. E eles tornaram-se
a assentar na praia, e assim por então ficaram [grifos meus]
(Aguillar, 2000, p. 82).
Logo após, registra Caminha:
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Panorama Musical
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Além do rio andavam muitos deles dançando e
folgando, uns diante os outros, sem se tomarem pelas
mãos. E faziam-no bem. Passou-se então além do rio,
Diogo Dias, almoxarife que foi de Sacavém, que é homem
gracioso e de prazer; e levou consigo um gaiteiro nosso
com sua gaita. E meteu-se com eles a dançar, tomando-os
pelas mãos; e eles folgavam e riam, e andavam com ele
muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem, fez-lhes
ali, andando no chão, muitas voltas ligeiras, e salto real, de
que eles se espantavam e riam e folgavam muito. E
conquanto com aquilo muito os segurou e afagou, tomavam
logo uma esquiveza como de animais monteses, e foram-se
para cima [grifos meus] (Aguillar, 2000, p. 83).
E mais adiante:
Nesse dia, enquanto ali andaram, dançaram e
bailaram sempre com os nossos, ao som dum tamboril
dos nossos, em maneira que são muito mais nossos
amigos que nós seus. Se lhes homem acenava se queriam
vir às naus, faziam-se logo prestes para isso, em tal
maneira que, se a gente todos quisera convidar, todos
vieram [grifos meus] (Aguilar, 2000, p. 85).
(...) a emulação provocada entre
o gentio pelos jesuítas com as
suas procissões de culumins
cristianizados. (...) Procissão que
o Padre Américo Novais,
baseado em Southey { Southey,
Robert. History of Brazil,
Londres, 1910-1919.}, evoca em
cores ainda mais vivas: meninos
e adolescentes vestidos de
branco, uns com açafates de
flores, outros com vasos de
perfume, outros com turíbulos
de incenso, todos louvando
J
esus triunfante entre repiques
de sino e roncos de artilharia.
Eram as futuras festas de igreja,
tão brasileiras, com incenso,
folha de canela, flores, cantos
sacros, banda de música,
foguete, repique de sino, vivas a
J
esus Cristo, esboçando-se
nessas procissões de culunins.
Era o Cristianismo, que já nos
v
inha de Portugal cheio de
sobrevivências pagãs, aqui se
enriquecendo de notas berrantes
e sensuais para seduzir o índio
(Freyre, 1997, p.151).
37
Serafim Leite, “ música nas
primeiras escolas do Brasil”, In
Brotéria, n° 4, vol. XLIV, pp.
379-80.
38
”Por cantochão, entende-se o
cântico monódico das liturgias
cristãs da Idade Média”
(Caznok, 2003, p. 68).
Jesuítas
Nos séculos XVI e XVII, eram comuns as encenações
de caráter religioso com fins educativos. Com certeza, foram
os jesuítas aqueles que mais contribuíram para que fossem
difundidas
(Almeida, 1942).
Os indígenas eram fascinados pela música, o que logo
foi percebido pelos inacianos. Por conseguinte, assim que
se deram os primeiros contatos entre os religiosos, que
chegaram com os colonizadores, os indígenas,
principalmente as crianças, eram atraídos para a catequese,
realizada com aulas de canto, com utilização de
instrumentos musicais europeus, ou seja, foi utilizada a
influência da música para a catequese.
A verdade é que a semelhança entre a tradição de
canto e dança tribal dos naturais da terra e a dos campos
portugueses, caracterizadas ambas pela participação
coletiva, iria determinar a opção dos padres por esta forma,
inclusive porque efetivamente era a que melhor se
enquadrava aos propósitos da catequese e evangelização
em massa (Tinhorão, 1998, p.39).
Para tal, foram utilizadas, sobretudo, a flauta européia
e a percussão nativa: “Não era cantar de ouvido, mas por
música e papel. (...) Também lhes ensinavam a danças pelo
modo português, que para eles era a cousa de mais gosto
que se pode ser”
37
(Serafim Leite In Tinhorão, 2000, p.33).
As atividades musicais que os religiosos desenvolviam
para a catequização dos índios oscilavam entre dois pólos: o
“das danças e cantos coletivos populares para o folgar, e
dos hinos e cantos eruditos da Igreja Católica (à base de
cantochão
38
e órgão)” (Tinhorão, 2000, p. 39).
Em janeiro de 1550, inaugurado o primeiro Colégio
dos Meninos de Jesus, chegaram a Salvador, na Bahia,
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Panorama Musical
| 85
quatro meninos oriundos do Colégio de órfãos de Lisboa.
Três anos depois, em fevereiro de 1553, foi aberta a
segunda unidade o Colégio dos Meninos de Jesus de São
Vicente, quando ficou estabelecido que São Paulo seria a
base do ensino no Brasil. Presente na inauguração, o padre
Manoel da Nóbrega, com intuito de informar seus
superiores, registrou que os meninos tinham os seus
exercícios ordenados, que aprendiam a ler e escrever e
ainda a cantar e a tocar flautas.
Possivelmente, a presença dos Jesuítas marcou o
início do ensino e da história da música de São Paulo
(Domingues, 2003).
No ano seguinte, em 1554, na Vila Piratininga, que
daria origem a cidade de São Paulo, foi fundado o terceiro
Colégio dos Meninos de Jesus. Seguia o mesmo modelo do
sistema de educação que a Companhia de Jesus adotava
nos orfanatos de Lisboa.
(...) Os pretos foram os músicos
da época colonial e do tempo do
Império. Os muleques, (sic)
meninos de coro nas igrejas.
V
árias capelas de engenho
tiveram coros de negros; várias
casas-grandes, (...) bandas de
música de escravos africanos.
(...) Muito menino brasileiro (...)
um escravo acrobata que viu
executando piruetas difíceis nos
circos e bumbas-meu-boi de
engenho; ou um negro tocador
de pistom ou de flauta
(Freyre,
p. 417).
Com a chegada dos meninos portugueses, a atração
da música européia sobre os indígenas passou a estender-
se com impacto ainda maior a seus filhos, com o
estabelecimento de uma franca camaradagem com os
jovens recém-chegados e a meninada local. Como não
possuíam instrumentos musicais portugueses, os meninos
europeus não apenas se adaptavam ao som dos
instrumentos dos indígenas para cantar as versões em tupi
de seus cantos religiosos, mas chegavam a quase
confundir-se com os doutrinados pelo corte do cabelo a seu
estilo
(Tinhorão, 2000, p. 28).
O que tivemos aqui, da aldeia
euro-tupinambá de Caramuru à
chegada dos africanos, foi a
configuração de uma nova
realidade socioantropológica. É
certo que o que ocorreu foi um
encontro assimétrico. Encontro
de conquistadores e
conquistados e, em seguida, de
senhores e escravos. Mas havia
margem de manobra, lugar para
reinvenções institucionais, para a
construção de mundos culturais
paralelos, num processo de
mestiçagem permanente, de
miscigenação genética e
simbólica, que se estende do
nascimento da Cidade da Bahia
ao exibicionismo tecnológico
dos dias de hoje. Os negros
foram sujeitos ativos e vitais de
nossa historia – e toda história é
móvel, meândrica, plúrima.
A
ssim, antes que fixar um
quadro estático, congelando
uma assimetria inicial,
precisamos pensar no jogo dos
signos, na dinâmica dos códigos
e dos repertórios, no
movimento incessante dos
conjuntos culturais que nos
constituíram
(Risério, 1994, p.
23).
Ao lado dessa educação musical e religiosa dada nos
colégios, os jesuítas prosseguiam utilizando a música na
catequese. Assim, por exemplo, em 1551, chegaram e
introduziram em Pernambuco o cultivo da música
(Almeida,
1942).
Essa forma de aproximação para a transmissão da
doutrina católica foi, sem dúvida, exitosa. Porém, ao
contrário das expectativas “a prática do oportunismo
educacional, instaurado pelo padre Manoel da Nóbrega,
passou a revelar uma possibilidade de transculturação no
sentido contrário ao desejado”
(Tinhorão, 2000, p.29). Tal como
observado pelo bispo D.Pedro Fernandes, passado algum
tempo, os indígenas orgulhavam-se “em os padres e alunos
do Colégios dos Meninos de Jesus adotarem suas músicas
em seus cantos”
(Tinhorão, 2000, p. 29).
Música Urbana e Rural
Em Lisboa – capital de Portugal –, ao lado dos
brancos locais, era marcante a presença de negros
africanos e crioulos, além dos pardos resultantes da
miscigenização, a presença de mouros e ciganos também
era notável.
“[...] as mais das vezes que estava em despacho, e sempre
pela sesta, e depois que se lançava na cama era ter com
música [...]. Todalos Domingos e dias sanctos janctaua, e
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Panorama Musical
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ceaua com música de charamellas, saquaboxas, cornetas,
arpas, tamboris, e rabecas, e nas festas principaes, com
atabales e trombetas que todas em quanto comia, tangiam
cada um per seu gyro; além d’estes havia músicos
mouriscos que cantavam e tangiam alaúdes e pandeiros, ao
son dos quaes e assi das charamellas, harpas, rabecas e
tamboris, dançavam os moços fidalgos durante o jantar e
cea [...]” (Vasconcelos, Joaquim, 1870, vol. I -p.222-223).
Em Salvador
39
e no Rio de Janeiro
40
– os dois principais
centros do vice-reinado do Brasil –, além de brancos,
negros e pardos, havia um considerável número de
caboclos e cafusos.
39
Capital da Colônia de 1549 a
1763.
40
Capital a partir de 1763
O resultado cultural dessa mistura no campo da música e
das danças, destinadas à diversão da gente mais humilde
das cidade, começa a evidenciar-se no Brasil pela altura da
segunda metade do século XVII. E isso devido, talvez, à
circunstância de a vida colonial mais distanciada do poder
controlador das autoridades sobre a sociedade permitir
uma troca maior de experiências, não apenas entre
escravos e crioulos livres, mas entre estes e os brancos das
baixas camadas da população
(Tinhorão, 1997, p.120).
Quanto à influência indígena, ela não é evidente,
talvez porque
Até a segunda metade do século XVIII, os índios do estado
de Pernambuco ainda se encarregavam da música de igreja
de suas aldeias, tocando órgão e cantando. No entanto, a
absorção pela catequese e o aniquilamento pela escravidão
contribuíram para que o ameríndio, apesar de ter concorrido
em grande parte para a formação do homem brasileiro,
deixasse poucas marcas evidentes nos seus costumes
musicais. Por outro lado, a campanha jesuítica contra a
escravidão do índio e a pouca eficiência do trabalho deste,
prejudicado pela transferência brusca do nomadismo em
que vivia para a fixação da vida agrícola, determinaram a
entrada de escravos negros africanos no Brasil desde o
início do cultivo da cana de açúcar (Brito e Cymbron, 1992,
p. 69).
Nessa época, nas festas populares, bandas ou ternos
de negros eram elementos obrigatórios. Também existiam
orquestras de negros que eram mantidas por senhores para
seu próprio deleite ou para enlevo de seus visitantes.
No século seguinte, esse costume permanecia e há
noticias da existência, um engenho na Bahia, de um grupo
instrumental dirigido por um marselhês.
4
1
Sobre as Bandas de Música
de Minas Gerais, vide Curt
Lange.
Em Minas Gerais
41
, há registro de um concerto, no
salão da fazenda do Barão de Bertiago, de uma orquestra
formada por negros e negras.
42
Durante minha permanência
em Portugal tive a oportunidade
de conhecer a Irmandade de
Santa Cecília e de participar,
entre seus membros, da Missa
Festiva de Santa Cecília, em 22
de setembro de 2005.
Em Minas Gerais a prática e o ensino da música
passaram progressiva e predominantemente para as mãos
de mulatos, que formaram as suas próprias corporações, ou
Irmandades de Santa Cecília
42
segundo o modelo existente
em Lisboa. Na capital, Ouro Preto, no século XVIII, muitas
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Panorama Musical | 87
crianças mulatas, órfãs ou abandonadas eram entregues
pelo Senado da cidade a mestres de música, na sua maioria
também eles mulatos, um pouco à maneira do que
acontecia nos célebres Conservatórios napolitanos. Era
também entre as mulatas que, pela sua condição social,
tinham uma vida mais livre que a das mulheres brancas,
que se formavam actrizes e até cantoras de ópera, como
Joaquina Maria da Conceição Lapinha, que, nos finais do
século XVIII, se apresentou com sucesso no Teatro de S.
Carlos de Lisboa. Entre os mulatos da qualidade da colônia,
vamos encontrar compositores de grande qualidade, como é
o caso de Joaquim Emérico Lobo de Mesquita ou do famoso
Pe. José Maurício Nunes Garcia (Brito e Cymbron, 1992).
D.João e a Corte Portuguesa - A Vinda da Corte
Portuguesa para o Brasil
Devido à ameaça das presenças das tropas de Junot,
D. João, então príncipe regente, acompanhado da corte
bragantina, trasladou-se para o Brasil. A chegada de D.
João, amante da música e das artes em geral, acarretou
evidente progresso cultural.
O político não descurou do
cultivo espiritual do povo brasileiro e estimulou o
desenvolvimento das artes”
(Almeida, 1942, p. 302).
Como exemplo de iniciativas suas, podem ser citadas
a fundação do Banco do Brasil, a Impressa Nacional, a
Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico e a Escola de Belas
Artes.
No momento em que o Príncipe Regente D. João
desembarcou na Cidade do Salvador e, alguns dias mais
tarde, no Rio de Janeiro, ao som da banda da Brigada Real
que trazia consigo, chegava ao Brasil não somente uma
banda militar famosa em toda a Europa, como também e
mais importante ainda uma tradição musical fecunda e
mais do que trissecular. Iniciava-se, naquele momento, o
que viria a ser o movimento musical mais importante e
tradicional do Brasil e que dominaria e influenciaria durante
um século e meio toda a música instrumental brasileira. A
partir daquele instante, a banda da Brigada Real exerceu
tão grande influência que, meio século depois da chegada
da Corte, raramente era a cidade ou vila que não possuía
pelo menos uma filarmônica
(Schwebel,1987, p .5).
Tanto assim que, quando D.João, acompanhado da
corte portuguesa, chega ao Brasil, apenas alguns poucos
instrumentos no local dos festejos se fizeram ouvir. Foram
muito mais os foguetes, aplausos e repique dos sinos os
sons ouvidos na ocasião.
Nesse cenário, desembarcou a Banda da Brigada
Real, concebida com o desenho e os princípios básicos que
as bandas militares conservam até hoje.
Porém, é necessário lembrar que, naquele então, a
comunicação não se dava nos moldes de hoje e, portanto,
não seria apenas a chegada da Banda que geraria
considerável número de grupos espalhados por todo o
território
(Nery, comunicação pessoal).
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Em Portugal e no Brasil, até o
inicio do século XVIII as bandas
militares “levavam uma
existência semialeatória,
sustentadas pelo soldo e pela
v
aidade do corpo de oficiais,
começaram a organizar-se em
bases mais sólidas”
(Schwebel,
1987, p. 8).
De fato, em diferentes pontos do território, existiam
conjuntos de sopro e percussão. Como detalharei
oportunamente, os jesuítas que acompanhavam os
primeiros colonizadores, utilizavam a música para a
catequese, combinando instrumentos de sopro com a
percussão nativa
(Schwebel, 1987).
Portanto, alguma influência
européia já existia desde o início da colonização.
Mas, ao contrário das bandas já existentes no Brasil, a
Banda da Brigada Real era de grandes dimensões para a
época
43
, possivelmente por influência do gigantismo das
bandas criadas pelas necessidades da Revolução
Francesa”, movimento que havia ocorrido pouco tempo
antes e que determinou a vinda da corte para o Brasil. Antes
disso, nenhuma banda era constituída por mais de doze
músicos.
4
3
16 figuras: flauta, clarinete,
fagote, trompa, trompete,
trombone, percussão. (Meira e
Schirmer, 2000).
Na seqüência das Guerras
Peninsulares, desenvolve-se
também consideravelmente por
todo o país a tradição das
bandas militares, que viriam a
desempenhar um papel de
relevo na cultura musical
popular até meados do século
XX e a fornecer em muitos
casos bons instrumentos de
sopro às orquestras portuguesas
(Nery e Castro, 1999, p.130).
A Banda da Brigada Real era formada nos moldes
europeus mais modernos, que se propagaram após a
Revolução Francesa, quando “civilizar” tornou-se sinônimos
de tomar, em diferentes aspectos sociais, os modelos da
França.
A revolução francesa, com sua promoção de eventos
de massa, criou imediatamente as grandes comemorações
revolucionárias e utilizou para isso massas igualmente
impressionantes para a execução musical nessas festas
(Schwebel,1987, p. 9).
Cerca de um mês após o Quatorze de Julho, foi criada
a Banda Guarda Republicana com 65 membros efetivos,
marcando o nascimento da banda moderna. Logo, esse
novo modelo difundiu-se pela Europa, e alguns concertos
chegam a contar com mais de 300 músicos, além de cerca
de 1000 cantores
(Schwebel, 1987).
Quando embarcou para o Brasil, em 27 de novembro
de 1807, D. João VI se fez acompanhar da Banda da
Brigada Real.
Os músicos eram contratados, e isso onerava os
oficiais que tinham descontados valores de seus soldos para
que fosse possível manter esses músicos. Não eram poucas
as queixas, e o desejo geral era de que nos quadros
regimentais fossem incluídos músicos, o que significaria que
esses seriam pagos pelos cofres do Estado. Atendendo a
esse desejo,
a 27 de março de 1810, D. João VI estabelece um decreto
que determina que, no Rio de Janeiro, em cada regimento
da corte fosse um corpo de música constituído de doze a
dezesseis integrantes, com praça de soldados. Estes
músicos teriam além de respectivos pres, farinha e
fardamento, uma gratificação variável arbitrada pelo coronel
(Freitas, 1946, p. 52).
A música recebeu especial atenção de D.João,
evidenciando o empenho da família dos Bragança, que
sempre demonstrou inclinação para a música
(Almeida, 1942).
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Em conseqüência, a chegada da corte, a música –
quer a religiosa, quer a profana – despontou, sobretudo no
Rio de Janeiro e arredores.
A música religiosa, sobretudo por merecer especial
atenção do Príncipe D.João, teve grande incentivo, o que
resultou não apenas no seu desenvolvimento, mas também
no da profana (por causa das estreitas ligações entre elas).
Por seu especial interesse, D. João, com a assistência de
José Maurício, reorganiza a Capela Real. De Lisboa, por
determinação de D. João, vem o organista José do Rosário;
sua chegada contribuiu para colocar a Capela Real em
evidência.
[A Capela Real] se ufanava à
face do mundo como um dos
melhores conservatórios de
música, e sem a menor dúvida, a
melhor orquestra do mundo no
santuário: o Miserere de
Pergolese, que fez o assombro
dos estrangeiros em Roma, ali se
executava na Semana Santa com
igual perfeição
(Porto-Alegre,
apud Almeida, 1942, p. 303).
A
par com a prática litúrgica
centrada na Capela Real, a corte
era igualmente cenário de uma
actividade musical intensa no
domínio profano. Neste âmbito
encontramos, antes de mais
nada, as fanfarras de cariz militar
ou cerimonial, que serviam
sobretudo para dar um caráter
solene e uma dimensão
protocolar reforçada a todos os
rituais cortesãos, desde a entrada
ou saída do monarca, numa sala
de audiências, ao acolhimento
de um embaixador ou de um
v
isitante de relevo, e desde o
desfile formal da abertura das
Cortes à simples chegada de
cada novo prato à mês a régia
durante um banquete. Este tipo
de música era, em geral,
confiado aos instrumentos
altos, como as charamelas, as
trombetas ou os atabales, cujos
executantes estavam
organizados em agremiações de
menestréis de tradição medieval,
dirigidos por dignatários de
títulos solenes, como rei dos
charamelas, reis dos
trombetas ou rei dos
menestréis
(Nery e Castro,
1999, p. 24).
A música era tratada com requinte, o brilho das
solenidades era incontestável. Contava com “um corpo de
cinqüenta cantores, entre eles magníficos virtuosi italianos,
dos quais alguns famosos castrati, e 100 executantes
excelentes, dirigidos por dois mestres da capela, avaliando
Debret, os gastos com esses artistas em 300.000 francos
anuais”
(Oliveira Lima apud Almeida, 1942, p. 303). Foi, sem dúvida,
o primeiro centro cultural do Brasil, tendo nela se
apresentado grandes nomes como Fasciotti e Selini.
Tanto a transmissão oral como o registro em
documentos coincidem na afirmação de que no interior da
capela católica (orquestras de capela) foi concebida a banda
de música, o que influenciou a presença das bandas de
música nas festas cristãs, tanto nas manifestações
religiosas como nas profanas
(Capela, 2001 e Domingues, 2003).
Já na época das Cruzadas, os monarcas tinham a seu
serviço um conjunto musical denominado Capela. Nas
cerimônias de consagração dos reis, no anúncio da
aclamação do novo soberano junto ao povo, a Capela
desempenhava importante papel. Além disso, sua presença
era obrigatória em desfiles e torneios.
Nestes jogos, onde a valentia dos portugueses foi
grande entre as maiores façanhas do mesmo gênero, e que
foi imortalizada pelo altíssimo poeta e soldado Luís de
Camões, na rima heróica que canta os Doze de Inglaterra, a
entrada dos cavaleiros na liça era sempre anunciada por
brilhante fanfarra
(Joaquim, 1937, p. 15).
Bandas Militares e Bandas Civis
Outrora, um oficial, acompanhado de cornetas e
tambores, fazia uma proclamação, de um casamento, por
exemplo. Da mesma forma, nos tempos coloniais, eram
anunciados decretos, leis, festividades, etc. Posteriormente,
no Brasil, surgem os primeiros conjuntos musicais militares
com cornetas, tambores, pífanos. A banda militar ou de
regimento, completa, mais semelhantes as que hoje são
conhecidas, surgem, como visto, apenas muito tempo
depois
(Domingues, 2003).
Em 1645, estabeleceu-se uma banda do exército,
com clarins, charamelas e outros instrumentos belicosos, e,
em 1697, criava-se uma escola de música na Catedral de
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Panorama Musical | 90
Olinda, com mestre capela, que vencia 60$000 por ano
(Almeida, 1943, p. 293).
Ao que parece, as primeiras bandas militares, dentro
de moldes mais próximos aos de hoje, foram instituídas no
Brasil a partir do século XIX, substituindo os tocadores de
charamelas. “Essas bandas militares, estabelecidas, pois,
em todo o território nacional, além de sua utilização natural
nos serviços militares e cerimoniais participavam ativamente
da emergente vida musical do país”
(Schwebel, 1987, p. 8).
Embora já existissem no Brasil grupos musicais
militares – com instrumentos de sopro e de percussão –,
até início do século XVIII, sobretudo, eles “levavam uma
existência semi-aleatória, sustentadas pelo soldo e pela
vaidade do corpo de
oficiais, começaram a organizar-se em
bases mais sólidas”
(Schwebel, 1987, p. 8).
Em 1802, quando foi determinado que cada regimento
de infantaria tivesse uma banda de música custeada pelo
erário régio
(Meira e Schirmer, p. 88), as bandas militares
tornam-se oficiais.
Certamente, nas origens da banda de música civil –
com mais freqüência chamada simplesmente de banda de
música ou simplesmente banda –, no Brasil, foi marcante a
presença da banda de música militar, mesmo porque em
muitas situações elas se confundiam.
As bandas, no território brasileiro, eram mantidas
pelas prefeituras, sociedades privadas e alguns benfeitores.
Houve até Igreja que manteve banda. A verdade, porém, é
que os músicos pouco ganhavam, quando muito o “mestre”
tinha uma ajuda de custo mensal, e as outras fontes de
receitas eram os pagamentos recebidos por apresentações
em eventos, principalmente nas festas religiosas, quando o
dinheiro recebido era repartido entre todos os componentes.
Para manter a banda, a diretoria procurava angariar
recursos por meio de rifas, quermesses, livros de ouro,
listas de contribuições, etc. Normalmente, o maestro e
alguns músicos destacados eram contemplados com
empregos públicos, pois, assim, a banda conseguia
sobreviver. As dificuldades sempre foram imensas
(Domingues, 2003, s.p.).
Mas não foram apenas as bandas militares que
marcaram o cenário musical da música instrumental. Já em
1610, Pyrard de Laval, viajante francês, visitou a Bahia e,
segundo Taunay
(1921), registrou: “um rico dono de engenho
possuía uma banda de música de 30 figuras, todos negros
escravos, cujo regente era um francês provençal”
(citado em “
Na Bahia Colonial 1610-1764” de Affonso de Taunay, Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo 90 – vol 144, 1921, p. 256). Esta
banda, de natureza particular, possivelmente, teria sua
atividade musical voltada à religião e ao lazer. Foram dois
os gêneros musicais que prevaleceram no século VXI e que,
seguramente, ainda marcavam o início do século XVII: “o
rural português na área dos sons profano-populares, e o
erudito da Igreja na das minorias responsáveis pelo poder
civil e religioso”
(Tinhorão, 1998, p. 38).
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Assim, quando D. João aportou em 1808, embora
existissem bandas no Brasil, elas tinham uma natureza
bastante distinta daquela que se consolida com a sua
presença.
Cabe ressaltar que é muito difícil, se não impossível,
distinguir as diferentes influencias recebidas pelas bandas
de música por diferentes aspectos, entre os quais destaco o
fato das questões políticas e religiosas caminharem de
modo muito próximo e o de que os músicos que serviam a
uma, geralmente, serviam à outra.
Tanto a transmissão oral como o registro em
documentos coincidem na afirmação de que a capela
católica (orquestras de capela) contribuiu para o surgimento
e a evolução da banda de música, influenciando para que
as bandas de música estivessem presentes nas festas
cristãs, tanto nas manifestações religiosas como nas
profanas
(Capela, 2001 e Domingues, 2003).
Não existe uma única raiz, mas diferentes raízes para
as bandas. As influências religiosas e as militares, muitas
vezes, também se confundem, sobretudo porque naquela
época estavam muito próximas as capelas e as bandas
militares.
Mesmo hoje quando Igreja e Estado já não estão
vinculados, pode-se observar que os músicos que
participam de Bandas Militares, muitas vezes, também
atuam na Música de suas Igrejas (católicas ou evangélicas
de diferentes denominações) e, outras vezes, ainda em
Bandas Civis.
Em paralelo com os contributos
europeus, a festa no Brasil
colonial revestiu-se de um
particular exotismo,
directamente associado às
particularidades da cultura local
e ao ambiente tropical em que se
desenrolou, revelando aspectos
insólitos de um encontro de
tradições culturais dos dois lados
do Atlântico
(Mendonça,
2000).
Na segunda metade do século XIX, os conjuntos
musicais civis alcançam um nível musical aceitável, tanto na
precisão da execução quanto no repertório. Nesse então, as
autoridades estimulavam as reuniões de músicos nos
espaços fechados e, ao mesmo tempo, restringiam
atividades de pequenos grupos nas ruas, bares e cabarés.
Nessa conjuntura, tornam-se importantes referências das
relações sociais em curso. Quando oficialmente
organizadas, essas associações musicais são designadas
de inúmeras formas: Sociedade Musical, Corporação
Musical, Agremiação, Grêmio Musical, Filarmônica, Clube
Musical, Lira, Banda de Música, etc.,
(Santiago, 2000).
Lameiro
(1998, p. 41), referindo-se ao mesmo período
afirma que em Portugal:
Quando na segunda metade do século XIX, as chamadas
Filarmónicas, Bandas Civis ou pura e simplesmente Bandas
floresceram por todo o continente e ilhas, de imediato se
conhece a sua participação nas festas religiosas
tradicionais. De resto, a ausência de estudos neste campo
deixa-nos sem saber até que ponto não terá sido a própria
FRT, com seu potencial marcado de música, o primeiro
motivo para a fundação de muitas destas colectividades. A
relação entre a FRT (Festa Religiosa Tradicional) e as
Filarmónicas é de tal maneira estreita que, durante as
ultimas décadas do século passado e até aos nossos anos
50/60, a maioria das funções musicais presentes e
necessárias aos festejos (hoje desempenhados pelas
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Panorama Musical
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Aparelhagens, Coros Paroquiais, Grupos de Música
Tradicional, Conjuntos de Baile e Artistas Convidados) eram
exercidas por um só agrupamento, a Banda
(Lameiro, 1998, p.
41).
Esta situação também ocorreu no Brasil, pois hoje a
participação das Bandas retraiu-se e elas já quase não são
vistas e, quando o são, já não lhes cabe o papel de
destaque que tinham no passado.
As Festas
A exemplo do que ocorria em Portugal, em função de
eventos relativos à família real - “Nascimentos, casamentos,
aclamações, falecimentos, entradas públicas ou simples
cerimônias de acção de graças por qualquer acontecimento
pontual”
(Mendonça, 2000, p.301), aconteciam as grandes festas
públicas no Brasil.
Embora não existam muitos testemunhos visuais dessas
festas, chegaram até nós algumas descrições
pormenorizadas e bem coloridas, feitas quase sempre por
atentas testemunhas dos acontecimentos (Mendonça, 2000, p.
301).
Dessas festas, participavam pessoas de todas as
classes sociais. Nas pequenas vilas ou nas cidades do
Brasil Colonial, em honra da Família Real Portuguesa,
enfeitavam-se fachadas com colchas e tapeçarias, além de
flores que também eram espalhadas pelas ruas, onde além
do desfile de cortejos e procissões, aconteciam encenações
de danças, cavalhadas e outras manifestações festivas.
Na imagem da festa que reside
na consciência popular,
integrando dimensões religiosa e
profana, a banda ocupava um
lugar central e desempenhava
um papel privilegiado de síntese
(Sanchis, 1983, p. 105).
44
O detalhamento destas
festas pode ser encontrado em
Mendonça (2000)
.
Essas festas já ocorriam antes do Brasil tornar-se
sede do governo português
44
, mas a transferência da corte
portuguesa para o Rio de Janeiro incrementa esses
acontecimentos que se cristalizam, então, em torno da
presença das figuras régias durante os 13 anos em que a
corte permaneceu no Rio de Janeiro
(Mendonça, 2000/2001).
Possivelmente, a primeira festa desse gênero
realizada no Brasil – anterior à chegada da corte – ocorreu
na Bahia, em 1729, em comemoração ao duplo casamento
dos infantes portugueses e espanhóis D. José e D.
Mariana Vitória, D. Fernando e D. Maria Bárbara.
Alguns anos depois, em 1751, uma outra grande festa
teve lugar nas vilas de Olinda e Recife, que sob patrocínio
do governador do Estado e do bispo da Diocese,
comemorou a clamação de D. José, que no ano anterior
havia ocorrido em Lisboa
(Mendonça, 2000).
A leitura atenta dos relatos que descrevem essas
festas mostra claramente que os acontecimentos da
nobreza eram comemorados com festas populares,
cerimônias religiosas, contando ainda com a participação da
música ou das salvas militares. A respeito dos festejos pelo
casamento da infanta D. Maria com seu tio D.Pedro, com
base em relato da época, Mendonça
(2000) conta que o
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mesmo foi comemorado em Belém do Pará, o casamento
real desde o início de Setembro até meados de Novembro
de 1760, sob o patrocínio do governador do Pará, do bispo
da diocese, do Senado, do mestre de campo e dos técnicos
estrangeiros integrados na Comissão de Demarcação de
Fronteiras. Ressalta, ainda, que além das festas religiosas
Te Deum na Sé de Belém e na Igreja das Mercês
ocorreram repiques, salvas, luminárias, máscaras,
encamisadas e aparatos pirotécnicos.
As festas realizadas no Brasil em torno da monarquia
portuguesa revelam, tal como era em Portugal, uma singular
concorrência de manifestações religiosas e profanas. As
cerimônias religiosas no interior dos templos — totalmente
transfigurados pelos revestimentos têxteis e pelo aparato
dos paramentos e das alfaias religiosas — foram
normalmente seguidas de procissões, onde desfilaram os
representantes da sociedade local. O ponto fulcral da
procissão era a adoração do Santíssimo Sacramento,
ostentado pelo representante mais elevado da hierarquia
religiosa, debaixo de um pálio, seguido pelas figuras gradas
da governação. Na procissão, tomavam parte os
representantes das várias paróquias e irmandades, com as
respectivas insígnias cruzes, bandeiras e pendões —,
carregando os andores com os santos da devoção, cobertos
dos mais ricos tecidos e jóias. Danças variadas, realizadas
pelas corporações de mestres, muitas vezes acompanhadas
por carros alegóricos, completavam este desfile
(Mendonça,
2000, p. 306-307).
Um exemplo claro dessa dupla comemoração foi a
festa que, em 1762, foi realizada no Rio de Janeiro – já
como a capital do Brasil – em comemoração ao nascimento
de D. José, filho primogênito de D.Maria e D. Pedro.
Segundo relato anônimo, as festas realizaram-se entre 7 de
Maio e 6 de Junho, com a colaboração do governador, do
bispo e dos representantes do Senado. A festa religiosa
consistiu de um tríduo solene na igreja do Convento de São
Bento e de uma procissão. A festa profana contemplou uma
corrida de touros, intercalada por danças várias e carros
alegóricos, além de luminárias, aparatos pirotécnicos, a
farsa do rei dos Congos e representações teatrais.
Apresento uma outra festa – esta realizada após a
mudança da corte para o Brasil – ocorrida por ocasião da
entrada oficial da princesa austríaca D. Maria Leopoldina,
que havia se casado por procuração, em Viena, com D.
Pedro de Alcântara , futuro imperador do Brasil. Para a
solenidade, que ocorreu em 6 de novembro de 1817, foram
construídas armações efêmeras, entre elas um cais para o
desembarque e vários arcos, sob os quais, desde o Arsenal
de Marinha, passou um extraordinário cortejo a caminho da
capela real. Essa comitiva era antecedida por batedores a
cavalo e cavaleiros músicos. Nela estavam presentes oito
porteiros de cana, com casacas pretas, com canas e maças
de prata ao ombro e, também, reis de armas, arautos e
passavantes, trajando seda ricamente bordadas
45
.
4
5
Chegaram aos dias de hoje
as descrições do evento.
Foram feitas por Jean-Baptiste
Debret (Jean-Baptiste Debret,
Voyage Pittoresque et
Historique au Bresil – sejour
d’un artiste français au Bresil,
vol. III) e pelo Pe. Luís
Gonçalves dos Santos
(Memórias para servir à
História do Brasil).
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Panorama Musical
| 94
Em 1818, para a aclamação de D.João VI,
representantes dos ofícios do Rio de Janeiro montaram
também carros alegóricos. A multidão acompanhava esse
desfile, touradas e cavalhadas. O primeiro carro era o de
Neptuno, deus dos mares, representado por uma estátua
sentada em uma concha prateada, puxada por animais
marinhos que, por suas bocas, borrifavam água no público,
antes da passagem dos demais carros. Esse primeiro carro
era seguido por caboclos mascarados que dançavam ao
som de música. A cavalhada, um outro tipo de festa, pode
ser associada à cavalaria medieval e à prática de exercícios
de destreza hípica. A cavalhada é uma denominação geral
para diversos jogos, que recebiam nomes específicos,
segundo o tipo de exercício que é executado: escaramuças,
parelhas, lanças, argolas, etc
46
.
46
Nesses exercícios hípicos,
era demonstrado o virtuosismo
dos cavaleiros de diversas
formas: no jogo das argolinhas,
o cavaleiro, em corrida à
desfilada, enfiava a ponta da
lança numa argola de metal
suspensa; no jogo das canas,
os cavaleiros acometiam-se
com lanças frágeis, sem ponta,
ou com simples canas; no jogo
das alcanzias, os cavaleiros
j
ogavam uns aos outros
alcanzias, formas ocas de
barro, do tamanho de uma
laranja, que eram quebradas no
ar com um toque de lança,
caindo, então, sobre eles o
respectivo conteúdo flores,
fitas ou papéis recortados
(Mendonça, 2001,p. 320).
Registre-se (...) que na bagagem das
naus, para além de instrumentos de
caracter militar, protocolar ou
litúrgico, iam outros de caracter
claramente popular. Assim (...), a
expedição de Pedro Álvares Cabral,
que partiu de Lisboa com destino à
Índia, em 8 de marco de 1500, com
treze navios e mil e duzentos
homens, levava a bordo trombetas,
atabaques, tambores, sestros
(sistres), flautas, tamborins e gaitas
de foles, uma das quais, como
v
imos, foi utilizada nos primeiros
contatos com os índios brasileiros
(João de Barros, Décadas da
Á
sia. In: Brito e Cymbron,
1992,p. 67).
Ainda sobre essas práticas, que já existiam antes
mesmo da chegada de D. João, pelos registros sobre jogos
como esses, realizados em 1760, na Vila de Nossa Senhora
da Purificação e Santo Amaro, e em 1762, no Rio de
Janeiro, é possivel saber que, precedendo aos jogos, ocorria
o desfile dos cavalheiros, respectivamente acompanhados
por seus pagens e antecedidos de uma estrondosa comitiva
de músicos
(Mendonça, 2001,p. 320).
A Música é uma prática coletiva que está presente em
todos os povos. Seu início está no ritmo que se imprime no
falar e/ou nos movimentos; é uma ritmização das ações. A
música surge naturalmente — com o ritmo e a modulação
melódica surge a música —, tanto a que é executada com
instrumentos quanto aquela que se dança.
A música instrumental surge espontaneamente das palmas,
do choque rítmico das mãos e em seguida dos instrumentos
que elas seguram. A dança surge dos passos, das
passadas ao compasso – do sapatear no solo que é
também a exteriorização de um sentimento interior
(trad.
Vernik, 2003, p. 9).
Se a História da Música serve como base para uma
compreensão de sua universalidade, sem dúvida ela
também evidencia o quanto a condição local influencia na
trajetória musical, portanto nenhuma banda ou fanfarra,
assim como qualquer outra manifestação musical, pode ser
isolada de onde está inserta.
O seguimento da história das bandas e fanfarras
permitiu-me observar momentos em que
[...] os processos dinâmicos na cultura são construídos
como uma espécie de oscilações de pêndulo entre o estado
de explosão e o estado de organização, a qual se realiza
em processos graduais. [...] Tanto os processos graduais
como os explosivos desempenham funções importantes
numa estrutura que trabalha de forma sincrônica: uns
asseguram a inovação, outros, a continuidade
(Lotman, 1999.
In Machado, 2003, p. 88).
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6
O Cenário da FAGAP : Fragmentos Sobre a
Cidade de Lorena
Se a trajetória de uma cidade contribui para
compreendê-la, os traços essenciais de seu meio, o
entendimento de sua gênese e de sua trajetória são valiosos
referenciais para uma investigação que se realiza em íntima
relação com o contexto urbano.
Hino
Música: Pe. Fausto Santa Catarina
Letra: Francisco Ferreira Leite
Guaypacaré da eras coloniais
Surgida no roteiro das "bandeiras"
Que escalaram sertões e cordilheiras
A demandar as minas cataguases.
Do Paraíba à margem, teus pioneiros
Erigiram à Virgem uma ermida,
E entre bênçãos a terra protegida
Na Vila Hepacaré fez suas bases.
(estribilho)
Oh! Terra das Palmeiras Imperiais,
Velho berço de Condes e Barões,
Ninguém de ti esquecerá jamais,
Ao reviver as tuas tradições!
Do solo teu que o escravo arou,
Brotaram verde-rubros cafezais,
E pelo Vale, imensos canaviais,
Do teu progresso indústrias se tornaram.
Os teus heróis que a história consagrou,
Batalharam por nobres ideais,
Na jornada imortal dos Liberais,
Intrépidos os filhos teus tombaram!
(estribilho)
Oh! Terra das Palmeiras Imperiais,...
Do teu passado, rico em tradições,
Cantamos no teu hino toda a glória,
Na exaltação da tua bela história,
A esta gente brava e varonil.
E contemplando as tuas gerações,
Oh! Lorena de outrora e do presente
Te confiamos nobre sonho ardente:
-O esplêndido futuro do Brasil!
(estribilho)
Oh! Terra das Palmeiras Imperiais,...
Conhecer o meio físico, o local em que se localiza
contribui para a compreensão de sua história e permite
relacionar uma trama de processos que determinam
períodos de estagnação e de progresso, que marcam a
formação e a transformação de uma cidade.
Por isso, considero essencial, para a compreensão do
tema em estudo, apresentar alguns referenciais sobre
Lorena, cidade em que se encontra a FAGAP.
O critério utilizado foi o de apresentar os pontos mais
relevantes na construção de laços de pertencimento com a
cidade e com a região. Por isso, descartei grande parte do
material que pesquisei, preservando apenas o que
considerei com algum significado para a pesquisa.
Os fatos e as reflexões e os questionamentos citados
estarão subjacentes ao longo da tese, pois são o arcabouço
de algumas proposições que se seguirão.
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O Cenário da FAGAP: Fragmentos sobre a Cidade de Lorena | 96
6.1
Identificação do Espaço Geográfico
A cidade de Lorena localiza-se no Estado de São
Paulo, na região do Vale do Paraíba.
Fig. 12 – Localização de Lorena
As características particulares desta região
distinguem-na como uma região natural denominada Vale
do Paraíba, que ocupa uma área situada parte no Estado do
Rio de Janeiro e parte no Estado de São Paulo.
A paisagem do Vale do Paraíba clarifica o processo de
ocupação do homem na região. O relevo do Vale do
Paraíba, especialmente o do Médio-Vale
1
, é bastante
diversificado: apresenta desde extensas planícies
inundacionais aos relevos elevados, encontrados na
Quebra-Cangalha e na Mantiqueira
(Simões, 2001).
1
O Médio-vale compreende a
região entre São José dos
Campos e Cruzeiro.
Á
rea cultura
l
= um espaço
geográfico e social sobre o qual
se permutam e se difundem
características culturais
comuns, ou seja, relações
sociais, sistemas de valor e
modos de vida partilhados
entre indivíduos de uma
mesma cultura ou de duas
culturas possuidoras de pontos
comuns
(Akoun, 1983, p. 40)
Hidrografia = Todas as terras do
município lorenense são drenadas
pela bacia do rio Paraíba do Sul.
No entanto, esse rio passa duas
v
ezes pelo município; a primeira
v
ez ao sul, ainda sob a
denominação de Paraitinga, na
divisa com o município de Cunha,
e a segunda vez ao norte, já sob o
nome de Paraíba do Sul.
http://www.lorena.sp.gov.br/his
toria/dados.php (2006).
O Vale do Paraíba constitui uma área cultural, o que
não significa uma homogeneidade dos padrões culturais de
cada cidade situada na região, pois, naturalmente existem
as particularidades de cada uma delas.
Ao norte de Lorena, podem ser observadas colinas,
que são os primeiros contrafortes da Serra da Mantiqueira.
Ao sul, os primeiros contrafortes do paredão da Serra do
Mar, denominados Bocaina e Quebra-Cangalha. A altitude
média é de 524 metros.
Em Lorena, o curso do Paraíba do Sul é de 16 km e
sua largura média é de 100m. São onze as lagoas na
região, a menor com 20.000 m
2
, a mais extensa com
120.000 m
2
.
O clima de Lorena é quente e seus invernos secos, a
temperatura média máxima é de 27 ºC, e a mínima, 13 ºC. O
mês mais quente é o de fevereiro, com temperatura média
de 35ºC, e o mais frio, julho, com a média de 11ºC.
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6.2
Elementos Históricos
2
Com a chegada dos primeiros europeus ao Vale do
Paraíba, chegou o Cristianismo. A religiosidade popular fez
com que surgissem pequenas ermidas dedicadas a alguns
santos; muitas delas tornaram-se posteriormente capelas e
mesmo importantes igrejas. Até hoje, a influência católica é
forte nessa região, uma das primeiras povoadas pelos
portugueses no Brasil
3
(Bonatti, 2001; Toledo, 2000).
2
Neste segmento, tomei por
base diferentes trabalhos de
Toledo (2001, 2002, 2006).
3
Como exemplo marcante,
destaco a cidade de Aparecida
do Norte, que atrai romeiros
de todo o Brasil, e Cachoeira
Paulista, onde se localiza-se
sede da Canção Nova, cuja
organização teve início na
cidade de Lorena.
A vida religiosa marcava profundamente o contexto
social da época. Era em torno das igrejas que se
desenvolvia a vida de cada localidade, durante as novenas,
as festas do padroeiro e a semana santa. Em geral, eram os
fiéis leigos (não-sacerdotes) que orientavam o povo e
"puxavam" as orações. O fato, que é geral no Brasil, explica
a religiosidade de cunho marcadamente popular e
devocional do catolicismo brasileiro, que valorizava e ainda
valoriza, mais do que as missas, as novenas, procissões,
terços e romarias. As festas de São Benedito, por exemplo,
sempre foram, na região, mais importante que Corpus
Christi e a Páscoa
(Bonatti, 2001, s.p.).
A Igreja Católica ainda é até hoje majoritária na região
do Vale, porém é forte a presença de muitas igrejas
evangélicas: a Igreja Batista, Metodista, Presbiteriana,
Universal e, pentecostais fundamentalistas, como
Assembléia de Deus, Brasil para Cristo, Igreja do Evangelho
Quadrangular, Congregação Cristã no Brasil
(Bonatti, 2001).
O catolicismo popular é forte na região. Vivendo
isolados, os moradores locais foram passando, de pais para
filhos, determinados comportamentos e crenças. Destaca-se
pela alegria das festas, ladainhas e procissões com que
cultua determinados santos e os padroeiros. Nos seus
primórdios, algumas vezes, opunha-se ao catolicismo oficial;
hoje estão integradas ao catolicismo tradicional. O
catolicismo popular, além de uma “garantia da proteção
pessoal e coletiva, funcionou como instrumento de coesão
social e de participação na vida de cada comunidade”
(Toledo, 2000,s.p.).
O catolicismo popular é aquele vivido pelos pobres
em geral. Tem origens no mundo rural. Os homens do
campo cultivavam uma mística da natureza, sentindo a
presença de forças cósmicas. Procuravam então o sagrado,
o santo, o divino, para se proteger das doenças, dos
infortúnios e da intempéries do tempo. Para tanto,
reservavam tempo para as festas. Para saudar, agradecer,
pedir proteção, revigorar a crença no "seu santo". Daí o
caráter festivo deste catolicismo. As festas dos santos
padroeiros eram ajustadas ao ciclo litúrgico e ao mesmo
tempo, ao ciclo da vida natural. Durante o século XIX, o
catolicismo popular desloca-se, gradativamente, para os
centros urbanos, sem apresentar modificações em suas
características básicas
(Toledo, 2000,s.p.).
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O Cenário da FAGAP: Fragmentos sobre a Cidade de Lorena | 98
Desde o início da colonização, o Rio Paraíba tornou-se
um roteiro natural para os portugueses que, possuidores de
espírito aventureiro, procuraram adentrar pela região do
Vale do Paraíba. Três eram seus principais objetivos:
encontrar metais preciosos, converter os gentios à fé e
garantir a posse do território. Seus trajetos cortaram os
sertões do Vale do Paraíba e,
a partir do início do século XVII, foram palmilhadas diversas
trilhas indígenas, que conduziam ao litoral Norte e ao sopé
da Mantiqueira, de onde as bandeiras e viajantes partiam
serra acima até atingir a região das Minas Gerais(...) (Toledo,
2006, p.3).
A necessidade de pontos de apoio às expedições
garantiu a ocupação da região, fazendo surgir embriões de
povoamentos em locais onde hoje se localizam muitas
cidades da região.
Nestas investidas surgiu o Caminho Velho dos Paulistas, ou
Estrada Real. Ele partia de São Paulo, passava pela Penha,
Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Guararema, atingindo o
Vale do Paraíba, em Jacareí . Estendia-se até Taubaté, de
onde passava a acompanhar o trajeto do Caminho Velho de
Parati, até atingir a garganta do Embaú (Toledo, 2006, p. 4).
As primeiras sesmarias começaram a ser doadas em
1628. A Vila de São Francisco das Chagas de Taubaté foi
fundada em 1645 e, logo, tornou-se o centro irradiador do
povoamento da região. Desse local, chefiados por Antônio
Rodrigues Arzão, partiram os bandeirantes que chegaram
às primeiras minas de ouro localizadas na região da atual
cidade de Ouro Preto.
Durante o século XVIII, o governo português aumentou
o controle da circulação do ouro e das pedras preciosas, na
proporção em que era ampliada a produção das riquezas
minerais na região das minas gerais.
Ligado a este contexto da mineração, numerosas trilhas do
ouro foram sendo abertas. Partindo do litoral, quer de
Paraty, pelo Caminho Velho, quer por Mambucaba, seguiam
em direção à Serra da Bocaina, de onde se bifurcava em
diversas outras trilhas que alcançavam diferentes áreas do
Vale do Paraíba, seguindo por atalhos na Serra da
Mantiqueira até alcançar a região aurífera. A mais famosa
delas recebeu o nome de Cesaréa, construída por volta de
1740. Partia da Vargem Grande, hoje município de Areias e
seguia serra acima, toda pedregulhada, em direção à
Mambucaba
(Toledo, 2006, p. 4).
4
As terras eram, então,
propriedade do Sr. Bento
Rodrigues Caldeira.
5
Segundo Teodoro Sampaio
Hepacaré, nome tupi-guarani, quer
dizer braço ou seio da lagoa torta, em
virtude de um braço (morto) do Rio
Paraíba. Para o Relatório da
Província de São Paulo, de Azevedo
Marques (1887), Hepacaré significa,
porém, lugar das goiabeiras.
Apesar de leis rigorosas e de uma intensa fiscalização,
o contrabando não foi evitado, sobretudo pelos desvios e
descaminhos que surgiam. Na transposição da Serra da
Mantiqueira ao Sertão do ouro das Minas Gerais para a
travessia do Rio Paraíba, os bandeirantes paulistas tinham
como ponto natural de acesso uma passagem pela
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O Cenário da FAGAP: Fragmentos sobre a Cidade de Lorena | 99
Garganta do Embaú, um pequeno porto. A localidade, então
pertencente à Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá,
progrediu aceleradamente e firmou-se conhecida tanto como
Arraial ou Roças de Bento Caldeira ou Bento Rodrigues
4
quanto como Terras do Porto de Guaypacaré ou Hepacaré
5
ou, apenas, Arraial do Guaypacaré. Foi esse local o berço
do núcleo do povoado que daria origem à hoje cidade de
Lorena
(Gama Rodrigues, 2002; Evangelista, 2001).
Para impedir os descaminhos do ouro e melhorar a ligação
das capitanias de São Paulo e do Rio de Janeiro, as
autoridades coloniais decidiram construir um caminho pelo
qual transitaria o gado que fosse comercializado e enviado
para o Rio de Janeiro, acompanhando as trilhas existentes
na Serra do Mar. O Caminho do Gado foi construído nas
primeiras décadas do século XVIII. Partia entre os limites de
Guaratinguetá e Lorena, para alcançar o Planalto da
Bocaina e dali seguia em direção a Bananal e aos limites
das capitanias. Uma bifurcação no alto da Serra permita
chegar-se ao litoral, via Mambucaba
(Toledo, 2006, p.4).
Em 1705, os moradores locais, entre os quais o
próprio Bento Rodrigues Caldeira, erigiram uma pequena
capela, que foi consagrada a N.S. da Piedade. A região
evoluiu, tornando-se, em 1718, a Freguesia de Nossa
Senhora da Piedade
(Gama Rodrigues, 2002).
6
Frei Agostinho de Santa Maria, em
sua obra "Santuário Mariano", de
1714, apresenta um título todo ele
referente à milagrosa imagem de
Nossa Senhora da Piedade (Toledo,
2001).
7
Até a República o nome de um
santo antecedia sempre o nome da
cidade. Assim temos, São Francisco
das Chagas de Taubaté, Santo
Antônio de Guaratinguetá, Nossa
Senhora da Piedade de Lorena, Bom
Jesus do Tremembé e outros.
(Bonatti, 2001).
O português Bernardo José Maria de
Lorena, foi nomeado Capitão Geral
da Capitania de São Paulo, cargo
que assumiu em julho de 1788, nele
permanecendo até julho de 1797,
quando substituiu o Conde de
Barbacena, na função de Capitão
Geral da Capitania de Minas Gerais.
Segundo os historiadores, foi um
grande administrador e preocupava-
se não apenas com a capital, mas
também com o interior, buscando
melhorar seus meios de
comunicação.
Fig. 13 - Bernardo José Maria de
Lorena, retratado em azulejos no
monumento Padrão do Lorena, na
Estrada Velha de Santos
Desde o inicio da colonização, a influência do culto
mariano era muito forte nessa região. Assim, estimulada
pela Igreja, eram muitas as manifestações de fé e devoção a
N.S. da Piedade. Tais manifestações de fé e devoção à
Santa resultaram nas celebrações das festas de 15 de
agosto, tradição conservada até hoje.
Muitos eram os devotos a Nossa Senhora da
Piedade
6
, não apenas moradores locais, mas também
viajantes que para lá se dirigiam, tornando o local um
destacado centro de peregrinação, o primeiro da região do
Vale do Paraíba.
Esta posição de destaque somente foi suplantada pela
mudança de rumos das peregrinações em direção à capela
levantada em louvor de N. S. Aparecida, em 1745, cuja
imagem havia sido encontrada nas águas do Rio Paraíba,
em terras então pertencentes a Guaratinguetá, em 1717
(Toledo, 2001).
Em 1746, graças à devoção e à permanente presença
desses fiéis, o Papa Bento XIV concedeu indulgência
plenária e mercês especiais aos devotos que confessassem
e comungassem no dia 15 de agosto.
Com o desenvolvimento da Freguesia, a emancipação
política de Guaratinguetá tornou-se almejada pelos seus
habitantes e foi requerida em 1788 ao Governador de São
Paulo, Capitão Bernardo José Maria de Lorena, que
acordou. No dia 14 de novembro do mesmo ano, foi lavrada
o Auto de Ereção à Vila e, conforme o costume de então,
demarcado o terreno para a construção da Câmara
Municipal e Cadeia. Na mesma data, a primeira eleição para
cargos administrativos da nova Vila foi realizada. Surge,
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O Cenário da FAGAP: Fragmentos sobre a Cidade de Lorena | 100
assim, a Vila de Nossa Senhora da Piedade de Lorena
7
,
nome dado em homenagem ao Governador da Província,
antecedido pelo de sua padroeira.
Foi no século XVIII que a colonização no Vale do
Paraíba foi ultimada, devido à construção das vias
transversais, que proporcionaram melhor ligação com o
litoral, e a do Caminho Novo da Piedade, construído com o
objetivo de facilitar o controle do fluxo dos minérios na
região e de beneficiar a ligação terrestre entre as
Capitanias de São Paulo e do Rio de Janeiro.
A Freguesia da Piedade era uma povoação minúscula, em
torno da igreja Matriz e do porto e seu beco. A igreja
localizava-se no mesmo largo de hoje, que teria uma feição
diferente da que conhecemos, porque não existiriam as
casas fronteiras, enquanto as residências de seu lado
esquerdo seguiam grosseiramente o alinhamento da Rua da
Piedade, depois da esquina da Rua Verde (atual Irmã
Zoraide). No outro lado do largo, casas pequeninas iam da
Rua Direita (atual Viscondessa) até a Rua Formosa (atual
Pe. Manuel Teotônio), que se encontravam no prédio da
matriz, não existindo a atual Rua Conde José Vicente de
Azevedo. Na Rua Direita abria-se o Beco do Porto, que
chegava até o braço do Paraíba no ponto de confluência do
Ribeirão Taboão. Convém insistir que o maior volume de
águas do rio era o outro braço, formando a ilha fronteira à
igreja, embora a largura do braço da direita fosse grande,
por receber as águas do ribeirão
8
.
8
O Largo da Matriz, foi por mais de
dois séculos, o coração da cidade,
(...) só perdeu esta posição com a
chegada da estrada de ferro e a
mudança natural do leito do Paraíba.
Todavia, em 1886, quando se
começou a atual igreja, preferiu-se
voltar seu frontispício para a praça e
para a várzea do Paraíba, de costas
voltadas para a cidade (Evangelista,
2001, p.113).
Fig. 14 – Vila de Lorena
A pequena igreja e o beco do porto formavam o que se
poderia considerar o “centro urbano”, uma vez que o
pequeno largo onde terminava a Rua Formosa ainda não
possuía a Igreja do Rosário e só tinha alguma importância
porque era o início da Rua do Comércio (atual D. Bosco).
Ali apareceram as primeiras casas comerciais e os ranchos
da tropa.
A rua atrás da igreja, depois chamada Rua do Rosário e
atual Hepacaré, não teria no séc. XVIII nenhuma residência
grande, talvez por causa das sepulturas ou das enxurradas
que vinham da parte alta da povoação e que eram a alegria
da meninada até a década de 1920.
(...)
A população do povoado, inferior a mil habitantes, devia
trabalhar nas pouquíssimas casas comerciais, que eram
abastecidas pelas tropas que vinham de Parati e
Mambucaba e continuavam para as minas, como também
em pequenas oficinas de ferreiro e de arreios. Percebe-se
que o pequenino centro dependia do trânsito e (...) que a
abertura da estrada de Garcia Rodrigues, direta do Rio de
Janeiro para as Minas, provocou estagnação do lugar
(Evangelista, 2001, p. 86-87).
O desconhecimento da topografia da área e
dificuldades decorrentes da presença de contrabandistas na
região contribuíram para que as obras, determinadas no
princípio de 1725 e iniciadas apenas no ano seguinte, só
fossem concluídas em 1778. Seu trajeto incluía a ligação da
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O Cenário da FAGAP: Fragmentos sobre a Cidade de Lorena | 101
Freguesia de Nossa Senhora da Piedade com a Fazenda
Santa Cruz, dos padres Jesuítas.
Apesar disso, a ligação São Paulo – Rio de Janeiro
pelo Vale do Paraíba não se tornou importante. A produção
de Minas escoava pelo Rio de Janeiro, Parati ou Angra dos
Reis, o que prevaleceu até mesmo à época do café, quando
a produção do Norte do Estado de São Paulo saía por lá, e
não por Santos. A Conexão São Paulo - Rio de Janeiro era
feita fundamentalmente por mar, através de Santos. Em
1792, foi concluído o calçamento do caminho do trecho da
Serra do Mar entre Santos e São Paulo, conhecida como a
Calçada do Lorena, por ter sido o capitão-general, Bernardo
José de Lorena, quem determinou o calçamento
(Mota, 2003).
Lorena foi elevada à categoria de cidade em 24 de
abril de 1856. A comarca de Lorena foi criada em 20 de abril
de 1866, sendo o conselheiro Dr. Joaquim Pedro Vilaça o
seu primeiro juiz de direito.
No terreno aos fundos da antiga capela, graças a
doações dos moradores, entre eles o Barão e a Baronesa
de Santa Eulália, foi construída a Matriz de N.S. da Piedade
e, neste então, demolida a pequena igreja de N.S. da
Piedade.
... e a Matriz, esse templo de formosura austera, tanto pelo
aspecto externo, como pelo interior, ao qual a pureza do
estilo, a grandiosidade das dimensões, os inúmeros vitrais e
a delicada combinação dos mosaicos do piso, emprestam
tão atraente encanto.
(...)
Todo o travejamento, de aço, foi importando da Bélgica; as
telhas da cobertura vieram diretamente de Marselha; e os
mosaicos do piso foram fabricados em Paris, mediante
desenhos próprios remetidos de Lorena (Gama Rodrigues, 2002,
p. 84).
Fig. 15 - Bandeira de Lorena
Fig 16 - Brasão de Lorena
Nas palavras de seu construtor:
Um templo, em suma, de puro estilo romano, todo ele
incombustível, solidamente construído, em condições de
atravessar séculos e não demandar senão poucos trabalhos
de conservação (Gama Rodrigues, 2002, p. 84).
No Vale do Paraíba paulista, embora modestas, nos
anos 1800, início do século XIX, dominavam a produção de
açúcar, aguardente, fumo e de gêneros de subsistência, tais
como arroz, milho, feijão e mandioca. A penetração da
produção de café na região impulsionou a economia da
região e ocasionou certa euforia. Não eram poucos os
escravos na região.
Segundo as informações das listas nominativas das
Companhias de Ordenanças de Lorena (SP), os 162
escravagistas registrados em quatro dentre as oito
correspondentes a 1801, tinham a posse de 912 escravos.
Preponderavam os pequenos escravistas, embora a maior
parte dos escravos fosse de médios e grandes proprietários.
A maior parte desses escravagistas era natural da Capitania
de São Paulo; os demais eram naturais de capitanias
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O Cenário da FAGAP: Fragmentos sobre a Cidade de Lorena | 102
vizinhas. Nessa época, os nascidos em Portugal eram
poucos.
Em relação aos escravos, alguns deles, sobretudo os
homens, eram africanos, mas em sua maioria já eram
nascidos no Brasil.
Durante o Primeiro Reinado (1822-1831) e o Período
Regencial (1831-1840), chegaram a Lorena , assim como a
todo o Vale do Paraíba, um grande número, conforme o
Registro de Estrangeiros na alfândega São Paulo
(Mota,
2003).
9
A revolução foi muito violenta no
Vale do Paraíba, especialmente na
cidade de Lorena.
Lorena, ao lado de Areias e Silveira, tomou parte da
Revolução Liberal de 1842
9
, dominada pelo Duque de
Caxias. Nessa oportunidade, passou a ser parte da
província do Rio de Janeiro, o que perdurou por pouco
tempo, pois logo no ano subseqüente foi restituída à
província de São Paulo
(Almeida, 1944).
A imagem de Lorena, no despontar do século XIX, foi
fixada por Debret
em um de seus desenhos (coleção
particular Dr.Castro Maya – Coleção Castro Maya).
Spix e Martius (In Instituto Estrada Real), quando de sua
viagem entre os anos de 1817 e 1820, sobre a Vila de
Lorena, registraram:
...e alcançamos, finalmente, a vila de Lorena, antes
chamada Guaipacaré, sítio pobre, sem importância,
constando de poucas casas, apesar dos férteis arredores e
do tráfego, entre São Paulo e Minas Gerais. A estrada entre
São Paulo para Minas Gerais passa aqui em dois pontos:
Porto da Cachoeira e Porto do Meira, sobre o Paraíba, que
corre meio quarto de hora a oeste da vila. (...) A planície,
embora particularmente muito pantanosa, pertence à região
mais fértil de São Paulo. Em particular, prospera aqui
excelentemente o fumo, e o seu cultivo é um dos principais
trabalhos dos habitantes de Lorena e da Vila de
Guaratinguetá.
Cerca de 40 anos depois, quando de sua permanência
em Lorena, Augusto Emílio Zaluar
(In Instituto Estrada Real),
aponta a prosperidade:
...A cidade, edificada em uma planície mais baixa do que a
estrada, não ressalta à vista do caminhante, que a procura
na direção que eu seguia. Aparecem apenas de longe os
telhados acamados e as flechas de um outro edifício no
meio de uma campina a perder de vista. Entretanto, na
povoação, descobrem-se extensas e bem alinhadas ruas,
soberbos e elegantes prédios, abundantes lojas, e o
movimento que já denuncia a atividade de um importante
centro. A posição topográfica de Lorena não podia ser
melhor escolhida e tem todos os elementos para um dia vir
a ser uma das maiores cidades do interior. ... O comércio
em Lorena é florescente, e existem na cidade mais de
setenta lojas diversas, todas bem fornidas, e grande parte
girando com avultados cabedais. ... O caráter dos
Lorenenses é franco, inteligente e caprichoso na realização
dos melhoramentos locais. ... As Lorenenses são notáveis
pela sua formosura e pelo bom gosto com que se vestem,
além de sua educação apurada e natural talento...
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O Cenário da FAGAP: Fragmentos sobre a Cidade de Lorena | 103
Na memória da cidade, a lembrança da passagem de
D. Pedro I por Lorena permanece presente.
Ia a caminho de São Paulo, na histórica viagem de que
resultou a proclamação da Independência e pernoitou em
Lorena, em 19 de agosto de 1822. Dessa augusta
permanência do príncipe, existe prova material nas portarias
expedidas de Lorena – uma “não aprovando a Guarda de
Honra formado pelo Governo de São Paulo”, as outras
“mandando anular os termos de Vereação extraordinária
das Câmaras das Vilas de Itu e Sorocaba sobre o Governo
Provisório de S.Paulo”, todas assinadas pelo Ministro
Itinerante Luiz Saldanha da Gama, como Secretário de
Estado Interino, e datadas do Paço de Lorena, aos 19 de
agosto de 1822” [Arquivo do Estado – seção colonial]
(Gama
Rodrigues, 2002, p. 36).
O “Paço de Lorena”, presume-se, que fosse uma das
casas de Joaquim José Moreira Lima.
Permanece também a lembrança da passagem da
Princesa Isabel por Lorena, por ela própria registrada em
diário particular, durante viagem em 1884.
Dois anos depois, em 18 de outubro de 1886, foram o
Imperador D.Pedro II e a Imperatriz Tereza Cristina que,
hóspedes do Conde Moreira Lima, estiveram em Lorena.
Nesta época,
HEPACARÉ
Tiveram lugar no dia 7 do
corrente pelas três e meia horas
da tarde, como estava anunciado,
as festas da inauguração da E. F.
de S.Paulo e Rio de Janeiro. A
comissão, nomeada pela Câmara
para angariar assinaturas para os
festejos, fizera o que permitiram
as suas forças e as circunstâncias
para solenizar esse ato. Levantara
um grande arco de murta e flores
e dois coretos embandeirados,
onde tocaram constantemente
duas bandas de música, e na
passagem do trem, duas meninas
lançaram flores desfolhadas
sobre ele, sendo dados diversos
v
ivas pelo presidente da Câmara
e freneticamente correspondidos
pelo povo. Pelo que referem os
jornais, em todas as estações o
entusiasmo fora excessivo e a
manifestação pública agradável
Jornal Hepacaré
Lorena - 12 de Julho de 1877
(Gama Rodrigues, 2002, p.79.)
a tradição continuava a fixar em torno à Matriz, as
residências das principais famílias, e os edifícios destinados
ao serviço público.
O crescimento da cidade, porém, se fazia sempre rumo ao
nascente, agora solicitado ainda por mais uma determinante
– a nova estação da estrada de ferro.
Para esse lado, se estendiam as ruas, se multiplicavam as
construções. Sobretudo, as casas de comércio procuravam
esse rumo
(Gama Rodrigues, 2002, p. 80).
Retrocedendo nas memórias que marcam a cidade,
no dia 7 de julho de 1877, chegou à cidade o primeiro trem-
de-ferro, inaugurando a Estrada de Ferro D. Pedro II. A
ferrovia que atravessa Lorena no sentido Rio de Janeiro –
São Paulo, naquele então, ligava a “Capital da Província à
ponta dos trilhos que haviam alcançado o porto de
Cachoeira, e para qual os capitais lorenenses largamente
concorreram”
(Gama Rodrigues, 2002, p.,79). Assim, foi ativada a
ligação estabelecida pela Companhia Estrada de Ferro S.
Paulo e Rio de Janeiro que muito contribuiu para o
desenvolvimento e progresso de Lorena
(Gama Rodrigues,
2002).
Tiveram lugar no dia 7 do corrente pelas três e meia horas
da tarde, como estava anunciado, as festas da inauguração
da E. F. de S.Paulo e Rio de Janeiro. A comissão nomeada
pela Câmara para angariar assinaturas para os festejos,
fizera o que permitiram as suas forças e as circunstâncias
para solenizar esse ato. Levantara um grande arco de murta
e flores e dois coretos embandeirados onde tocaram
10
Em 2004 , com a reurbanização da
área da estação, foi inaugurado o
Centro Cultural de Lorena. Na
ocasião, apresentaram-se as bandas
do 5oBIL, a Mamede de Campos e,
ainda, a FAGAP.
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O Cenário da FAGAP: Fragmentos sobre a Cidade de Lorena | 104
constantemente duas bandas de música
10
e na passagem
do trem, duas meninas lançaram flores desfolhadas sobre
ele, sendo dados diversos vivas pelo presidente da Câmara
e freneticamente correspondidos pelo povo. Pelo que
referem os jornais, em todas as estações, o entusiasmo fora
excessivo, e a manifestação pública agradável (no jornal
Hepacaré do dia 12 de julho de 1877, Apud Gama Rodrigues, p. 79).
Fig. 17 – Junção do Ramal
A partir de então, as ruas mais próximas da estação
ferroviária passaram a ser mais valorizadas e, aos poucos,
a vizinhança da Igreja Matriz tornou-se menos atraente.
Porém, foram outras duas conseqüências da chegada
do trem que de fato afetaram Lorena, intervindo seriamente
no seu desenvolvimento.
A primeira foi o completo abandono do Caminho Novo da
Piedade (Lorena) à Fazenda da Santa Cruz (Rio) (...)
ocasionando a decadência de Silveiras, Areias e Bananal, já
abaladas pela decrepitude da lavoura do café e
esgotamento dos seus solos”.
A segunda foi o fim da encruzilhada para Lorena, que fora a
razão principal do enriquecimento da Vila. As tropas de
burros continuaram descendo do Sul de Minas, mas agora
podiam terminar sua viagem em Cachoeira e na estação do
Cruzeiro, para que os produtos transportados atingissem o
Rio de Janeiro e São Paulo. Naturalment, os portos de
Paraty, Mambucaba, Ubatuba e São Sebastião já não
tinham o que expedir e receber, pois as tropas se livraram
da difícil subida e descida da Serra do Mar. Entraram, pois
em decadência
(Evangelista, 2001, p. 130).
11
... o “Engenho Central de Lorena”,
cuja Sociedade Anônima autorizada
pelo decreto n.o 8.098 de 21 de maio
de 1881, (...) consegue erguer os
edifícios, instalar o maquinário e
inaugurar a 4 de outubro de 1884”
(Gama Rodrigues, 2002, p. 85).
12
O Engenho Central localizava-se
próximo à Estação Ferroviária de
Lorena, na área onde hoje encontra-
se a sede do Clube Comercial.
Por mais de cinco décadas o café sustentou o
município de Lorena, após o que, em conseqüência do
esgotamento do solo e do envelhecimento dos arbustos, a
produção caiu vertiginosamente (Evangelista, 2001). Em
conseqüência, a região necessitou desenvolver uma nova
agricultura e optou-se pela exploração canavieira. Em 4 de
outubro de 1884, de modo festivo, o Engenho Central
11
foi
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O Cenário da FAGAP: Fragmentos sobre a Cidade de Lorena | 105
estabelecido bem próximo à Estação Ferroviária
12
(Gama
Rodrigues, 2002).
Com as perspectivas e posterior abolição do braço
escravo, muitos imigrantes italianos dirigiram-se para a
região, alargando.a capacidade de produção agrícola da
região. Estabeleceram um florescente bairro rural,
posteriormente desmembrado de Lorena, constituindo-se no
município de Canas. Posteriormente, o preço do açúcar caiu
no mercado mundial vertiginosamente devido à
estabilização política de Cuba e de outros países
produtores. Para manter-se competitivo, o Engenho de
Lorena precisaria de uma notável produtividade. Porém, o
Engenho era proibido de ter sua própria plantação e de
intervir no plantio, o que liberava os agricultores a plantar o
tipo de cana que preferissem. Essa medida, que visava
ampliar o número de plantadores e circular capital na praça,
teve efeito contrário ao previsto, levando o empreendimento
ao fracasso, pois os agricultores, despreocupados com a
qualidade da cana plantada, não optavam por aquela de
maior rendimento, o que acarretava uma grande diferença
para a usinagem. Como exemplo, cada hectare da cana
“Crioula” rendia 6.050 quilos de açúcar, enquanto que o da
“Mapon Rouge” rendia 182.892 quilos. Essa porém, não era
plantada pelos agricultores da região
(Evangelista, 2001).
Se o Engenho Central tivesse um grande número de
fornecedores de cana, ainda poderia, através do preço que
pagava, forçar os agricultores a plantar a “Mapon Rouge”.
Entretanto, sempre se ressentiu da pequena quantidade da
oferta e era obrigado a aceitar toda cana possível, sem
distinção de qualidade.
Esse fato grave, ao lado de outros menos importantes,
levou o Engenho Central de Lorena à falência (Evangelista,
2001, p. 49).
13
O Engenho Central foi inaugurado
em 4 de outubro de 1884.
14
A produção de café estava em
visível declínio. Em 1854, colhia-se
120.000 arrobas e, em 1887, menos
de 50.000.No inicio da década 1890-
1900, a produtividade era de 20
arrobas por mil pés, o que com mão-
de-obra paga sequer era
compensatório colher (Evangelista,
2001).
15
Alguns tinham como destino a
capital, outros o nordeste ou centro-
oeste do Estado, na Alta Mogiana ou
no ramal de Jaú. Nestes lugares,
onde o café estava ingressando, a
produção era de 80 a 100 arrobas po
r
mil pés (Evangelista, 2001).
16
Cf com Cidades Mortas escrito por
Monteiro Lobato, natural de Taubaté,
cidade do Vale do Paraíba.
No século XIX, o desenvolvimento do município
decorre do cultivo do café e da produção de açúcar
13
.
Posteriormente, com a decadência da economia cafeeira
14
,
Lorena passou por um longo período de estagnação
agravado pelo abalo econômico causado pela abolição, a
depreciação de suas terras e a falência do Engenho Central.
O trabalho era mal remunerado e poucas eram as
oportunidades. As casas de comércio fechavam, a casa
bancária encerrou suas atividades. Escravos que, sem ter
para onde ir, queriam permanecer nas fazendas, mas os
proprietários não tinham como sustentá-los, tampouco aos
colonos livres e aos antigos escravos urbanos. Em
conseqüência, foi grande o êxodo e a população foi reduzida
(Evangelista, 2001; Gama Rodrigues, 2002).
A saída de tanta gente da zona rural provocou, num
primeiro momento, o inchaço da cidade, abarrotando as
casas de compadres e amigos. A meninada solta e vadia
ficava às margens do Taboão e do Paraíba, “caçando”algum
peixe ou quebrando os vidros dos lampiões da iluminação
de querosene, enquanto os adultos paravam pelas esquinas
e botequins vendo o tempo passar.
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O Cenário da FAGAP: Fragmentos sobre a Cidade de Lorena | 106
Depois, a fome obrigou toda essa gente a tomar rumo,
facilitado pela estrada de ferro
15
. E o êxodo foi
impressionante, o que pode ser percebido com a
comparação do recenceamento de 1890, quando foram
contados 13.532 habitantes, com o de 1940, quando
existiam 15961. Isto é, em 50 anos os moradores
aumentaram somente 2429 pessoas, muito menos que o
simples crescimento vegetativo. Lorena parou no tempo
(Evangelista, 2001, p. 171).
17
Nasceu em Pindamonangaba, em 15
de agosto de 1849, onde iniciou seus
estudos de música. Muito cedo, mesmo
sem conhecer as teorias musicais,
demonstrou um acentuado gosto pelas
composições.
A missa de S. Benedito, para coro e
orquestra foi executada na inauguração
da igreja com o mesmo nome, em
Lorena (1884) (Cernicchiaro, 1926).
18
Os Salesianos, que chegaram à
América do Sul em 1875, pretendiam
constituir um núcleo de comunidades no
Centro-Sul do país que servisse como
base para a criação da nova inspetoria
brasileira. Com havia duas casas de
ensino: o Colégio Santa Rosa, fundado
em Niterói, e o Liceu Coração de Jesus,
em São Paulo; faltava uma terceira, que
seria a sede da nova inspetoria (Toledo,
2002).
19
O Conde Moreira Lima é o grande
benfeitor de Lorena. Possuidor de
grande fortuna, era conhecido por suas
obras de caridade. Entre outros, doou
ou contribuiu para a Santa Casa de
Lorena, Igreja são José, Igreja São
Benedito, Palacete.
Fig. 18 - A Basílica Menor de São
Benedito
Localizada no centro da cidade
de Lorena, no Estado de São
Paulo, a Basílica Menor de São
Benedito constitui-se numa bela e
importante edificação centenária,
fazendo parte do patrimônio
histórico, artísticoreligioso do
V
ale do Paraíba, região
tradicionalmente católica que
guarda tesouros da arte sacra
espalhadas em museus e acervos
particulares, possuindo também
inúmeras igrejas datadas dos
séculos XVIII e XIX.
(Carvalho, s.d., s.p)
Como todas as suas irmãs do Vale do Paraíba, sofreu,
decaiu, experimentou o travo desolador dos maus dias, e
quase entrou no rol das Cidades Mortas
16
.
Três forças lhe ampararam as energias periclitantes, e a
salvaram, nesse curso delíquio – o Ginásio de S.Joaquim,
com sua atividade cultural; a unidade militar na cidade
sediada, com sua fé e seu patriotismo; a Fábrica de pólvora
de Piquete, com o seu vasto parque industrial e obreiro.
(Gama Rodrigues, 2002, p. 109).
A presença de oriundos do Estado de Minas Gerais
sempre foi marcante em Lorena. Devido a sua posição
geográfica entre os três grandes Estados brasileiros — São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais —, Lorena era um
caminho natural do Sul de Minas para os outros dois
estados. Nesse percurso, muitos mineiros, em geral
pessoas humildes, que se estabeleciam no município e se
misturavam com os locais. Porém, com decadência da
economia do café, muitas fazendas colocadas à venda
foram adquiridas por famílias oriundas de Minas Gerais. Em
Lorena, encontravam espaço para a criação de gado,
superando a dificuldade existente em seu estado, onde as
terras já não eram suficientes para a expansão da criação
(Evangelista, 2001).
O Almanaque de Lorena para o ano de 1882 registra
que, em Lorena, viviam três professoras de piano e música
vocal e instrumental e duas bandas de música: Orfelina
Lorenense (sob direção do regente e compositor Randolfo
José de Lorena) e Princeza Imperial (sob direção do regente
e compositor Mamede de Campos)
Inaugurada ainda em 1884, a Igreja de São Benedito
foi construída em função de um compromisso da antiga
Irmandade de São Benedito, criada no ano de 1852.
Edificado em estilo gótico, seu interior foi idealizado em
estilo barroco. Na seqüência de sua inauguração, foi
executada a composição Missa de São Benedito, para voz e
orquestra, de autoria de João Gomes de Araújo
17
, renomado
compositor brasileiro, natural de Pindamonhangaba, cidade
também localizada no Vale do Paraíba
(Cernicchiaro, 1926).
Os Salesianos chegaram em Lorena em 1887
18
. O
Conde Moreira Lima
19
, durante encontro com o Padre
Lasagna, superior da ordem, ofereceu casa e terreno para
os Salesianos estabelecerem-se
(Toledo, 2002).
Em setembro do mesmo ano, sobre a doação
recebida, o Padre Lasagna escreveu:
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O Cenário da FAGAP: Fragmentos sobre a Cidade de Lorena | 107
A casa, dando para a praça principal, com quinze hectares
de pomar, dista duzentos metros da estação da estrada de ferro.
Tem condução na porta... Chamar-se-ia São Joaquim; tal é o nome
do doador; Conde Moreira Lima, e do pontífice Leão XIII... é
provável que o doador ceda também a igreja de São Benedito e
uma casa anexa contígua para as irmãs
(Magalhães, 1990, p.14).
A terceira casa Salesiana no Brasil foi fundada, em
Lorena, em 1890. A 3 de março do mesmo ano, foram
abertas as matrículas para o Colégio São Joaquim.
Logo, Lorena destacou-se como um pólo educacional,
atraindo estudantes de várias outras cidades, mantendo,
inclusive, um internato.
Lorena tornou-se a cidade sede da Inspetoria
Salesiana no Brasil a partir de 1896 e em função de seu
renomado estabelecimento de ensino,
ampliou funções, responsabilidades, principalmente no que
se refere aos noviços e aspirantes à vida Salesiana. Até o
ano de 1897, inclusive, o noviciado funcionou no mesmo
edifício do São Joaquim, onde se concentravam também os
aspirantes a clérigos Salesianos (Magalhães, 1990, p. 19).
9
- Catedral de Lorena
20
Exceto este últimos os demais
municípios são desmembramentos
de Lorena.
21
De acordo com o CENSO 2000 do
IBGE, a população de Lorena é de
77843, sendo 74948 na zona urbana
e 2895 habitantes na rural. Dentre os
habitantes 37901 são homens e
39942 mulheres.
22
Cana para forragem, arroz, feijão,
milho, mandioca, hortaliças e
fruticultura.
23
Bovinos para corte, bovinos para
leite e suínos.
24
Explo Brasil (química), Norton AS
(minerais não metálicos),
33% produtos diversos; 23% plástico;
13% minerais não metálicos; 11%
química
8% confecção; 6% artigos de higiene;
2% alimentos, mobiliário, artesanatos
de bordados.
25
Na verdade, o Ramal de Piquete
fazia parte de um projeto bastante
audacioso, que era o prosseguimento
dos trilhos desta cidade até a cidade
de Itajubá-MG, onde se entroncaria
com a então Rede Sul-Mineira, além
de um outro trecho que seria
construído posteriormente, partindo
de Lorena até a localidade litorânea,
de Mambucaba, no Estado do Rio de
Janeiro.
Giffoni, 2003, s.p.)
Em 15 de novembro de 1917, Durante o pontificado do
Papa Bento (Benedito) XV, foi agregado à Basílica de São
Pedro em Roma, distinção que notabilizou a igreja como
Santuário Basílica de São Benedito.
Em 31 de julho de 1937, por meio da Bula Christianae
Plebis, com território desmembrado da Diocese de Taubaté,
a cidade se tornou sede do Bispado, sendo criada a Diocese
de Lorena (pela Bula Christianae Plebis Regimen do Papa
Pio XI). Além do município de Lorena, a Diocese abrangia
outros onze: Areias, Bananal, Cachoeira Paulista, Canas,
Cruzeiro, Lavrinhas, Piquete, Queluz, São José do Barreiro,
Silveiras e Cunha
20
(Gama Rodrigues, 2002).
No início do século XX Lorena era uma pacata, bucólica e
provinciana cidade localizada às margens do Rio Paraíba,
que ainda margeava os terrenos em frente à sua igreja
matriz. A população do município era de aproximadamente
13 mil habitantes, a maioria residente na zona rural
(Toledo,
2004, s.p).
6.3
Mais alguns fragmentos...
A Padroeira de Lorena, cuja festa comemora-se no dia
15 de agosto, é Nossa Senhora da Piedade.
Lorena ocupa hoje uma área de 452 Km
2
, restante de
inúmeros desmembramentos que sofreu. O primeiro deles,
em 1816, vinte e oito anos depois de sua criação, Lorena
perdeu com a emancipação de Areias que na época
incluía, além das atuais terras do município, as hoje
pertencentes a Bananal, Silveiras, Queluz, São José do
Barreiro e Lavrinhas 2487 km², dois terços de sua área
original. Posteriormente, outros municípios tiveram origem
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O Cenário da FAGAP: Fragmentos sobre a Cidade de Lorena | 108
no desmembramento de suas terras: Cruzeiro, em 1871;
Cachoeira Paulista em 1880 e Piquete em 1891. Sua
população é de cerca de 80.000 pessoas
21
, 96,10% na área
urbana. As tradicionais agricultura
22
e pecuária
23
desenvolvidas na região ainda são a base da economia de
Lorena, juntamente com a indústria
24
, cuja expansão indica
uma futura predominância.
26
Dona Angelina Moreira de
Azevedo que autorizou a
permanência do batalhão em suas
terras durante o tempo necessário
para a realização das obras.
DE LORENA A BENFICA
Conforme noticiamos,
j
á foram
assentados durante toda a
semana finda, os primeiros
trilhos da Estrada de Ferro que
desta cidade se destina a
Benfica, onde será construída a
fábrica de pólvora sem fumaça.
O trabalho de assentamento
dos trilhos tem sido feito com
admirável atividade, tendo os
trabalhadores, nestes últimos
dias, percorridos quase 2
quilômetros.
Jornal Correio do Norte
Guaratinguetá
N.º 800
02 de Novembro de 1902
Fig.20 - Anos 1940
Fig. 21 - Anos 1970
Fig. 22 - Anos 2000
Um marco na região foi a Fábrica de Pólvora
Presidente Vargas, que funcionou de 1907 a 1985, no
vizinho município de Piquete.
Em virtude da construção de uma fábrica de pólvora
sem fumaça, determinada pelo Ministro da Guerra do
governo do Presidente Campos Salles, o Marechal João
Nepomuceno de Medeiros Mallet, foi nomeada, em 16 de
Janeiro de 1901, uma comissão para escolher o local mais
apropriado para sua instalação. Entre os locais
selecionados, encontravam-se as terras pertencentes ao
Barão da Bocaina que, ciente do projeto, doou os terrenos.
No ano seguinte, o próprio Marechal Mallet, acompanhado
de uma comitiva, esteve na região e, nessa ocasião,
determinou a construção de um Ramal Férreo entre Lorena
e Piquete, visando facilitar o acesso e o transporte entre a
região da futura fábrica até a Estrada de Ferro Central do
Brasil
25
. Ante a essas iniciativas, muitos proprietários
doaram seus terrenos, bem como algumas desapropriações
foram feitas.
Para a construção do ramal férreo (com cerca de 20
km) deslocou-se para Lorena o então denominado 12.º
Batalhão de Infantaria. Com 450 homens, no dia 3 de
fevereiro de 1902, o batalhão instalou-se na Fazenda
Amarela, que pertencia à mãe
26
do Barão da Bocaina, o
principal doador de terras para este empreendimento. No
ano seguinte, também para cooperar na execução da obra,
chegou o 53º Batalhão de Caçadores
(Giffoni, 2003; Evangelista,
2001).
Com a inauguração do ramal férreo, em 1906,
percebeu-se a necessidade da permanência de um
contingente militar para proteção da fábrica de Piquet,
devido ao fato de que, em novembro de 1907, foi iniciada a
construção de um quartel em terras doadas pelo Dr. Arnolfo
de Azevedo e pela Câmara Municipal de Lorena. Em junho
de 1909, após quase dois anos de intensivos trabalhos, foi
concluída a obra. Na mesma ocasião, foi sediado um
batalhão de infantaria na cidade, consolidando, assim, a
presença dos militares em Lorena e contribuindo para
abrandar os sentimentos decorrentes da derrocada do café.
Cabe ressaltar que, embora a construção do ramal
férreo tenha sido em função do escoamento da produção da
fábrica, o Ramal de Piquete também era de grande
importância para o transporte de passageiros, sobretudo dos
operários da fábrica. Esses trens de passageiros tornaram-
se o principal meio de transporte entre Lorena e Piquete e
até hoje são lembrados pela denominação pela qual eram
conhecidos: Trens Piqueteiros.
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O Cenário da FAGAP: Fragmentos sobre a Cidade de Lorena | 109
Foi nos anos 50, que o número de passageiros e das
cargas transportadas pelos trens piqueteiros começaram a
reduzir. Nessa época, devido aos melhoramentos
verificados nas rodovias entre Lorena e Sul de Minas,
começaram a prosperar empresas de ônibus na região do
Vale, bem como circular um maior número de caminhões.
Em conseqüência, a linha do Ramal de Piquete tornou-se
deficitária. Ter sido considerada de interesse militar
garantiu-lhe uma sobrevida. Contudo, o trem de passageiros
foi desativado na década de 1970; os trens de carga eram
então utilizados, apenas, para levar matéria-prima para a
fábrica e para escoar sua produção. Com a posterior
desativação da fábrica, a utilização do ramal extinguiu-se e
os trilhos ficaram abandonados. Nesse estado,
permaneceram até 1985 em Lorena, quando a RFFSA os
retirou. Mas foi somente em 2001, a pedido da Prefeitura de
Lorena, que foram retirados os trilhos do entroncamento do
ramal de Piquete com o ramal de São Paulo. Essa
solicitação deveu-se ao propósito de que a área integrasse o
projeto de revitalização da Estação
(Giffoni, 2003). De fato, o
local dos antigos trilhos foi urbanizado e a antiga estação
abriga hoje um centro cultural, inaugurado em 2003.
A presença de Euclides da Cunha, embora breve,
representa uma outra marca na cidade. Voltando a 1901,
mais precisamente no último mês do ano, quando Euclides
da Cunha mudou-se para o Vale do Paraíba, devido a sua
nomeação como Engenheiro-Chefe do 2º Distrito de Obras
Públicas, sediado em Guaratinguetá. Fixa residência em
Lorena, onde residiu até 1903, para que seus filhos
estudassem no Colégio São Joaquim dos Padres
Salesianos, "onde os filhos poderiam encontrar boa
educação e ensino"
(Gama Rodrigues, 1952, p. 6).
27
Um livro baseado nas
correspondências de "Monte Santo" e
de "Canudos", publicadas no jornal
"Estado de São Paulo", entre os dias
18 de agosto a 26 de outubro de
1897, cujo original terminara em São
José do Rio Pardo. Um trabalho de
escritor determinado, uma idéia fixa,
quase mesmo, uma obsessão
(Toledo, 2004).
28
A Sala Euclides da Cunha contém
várias obras do autor e numerosos
objetos de seu uso pessoal, inclusive
sua mesa-secretaria, onde o escritor
refez, aperfeiçoou sua obra máxima,
em inúmeros trechos, até atingir a
sua forma definitiva. A qual,
espontaneamente, legou ao Colégio
São Joaquim. Ali permanecem vivas
as lembranças da passagem de
Euclides pela minha, pela tranqüila
Lorena, por este velho recanto de
São Paulo, como se referia à cidade
(Toledo, 2002).
Durante o período em que residiu em Lorena, Euclides
da Cunha trabalhou como engenheiro de obras por todo o
Vale do Paraíba e o Litoral Norte, tendo executado obras de
consagrada qualidade.
Trazia consigo: o cargo e os encargos de chefe de
distrito; a família; e, a preocupação com a revisão e a
impressão de um livro cujo original terminara em São José
do Rio Pardo
(Toledo, 2002, s.p.).
Como engenheiro, entre outras realizações, trabalhou
na construção de diferentes pontes, tanto metálicas quanto
de madeira, construiu e reformou diversos prédios
escolares, escolas isoladas, cadeias e postos policiais.
Dessa época, são os novos e grandes prédios escolares,
como o do grupo escolar Gabriel Prestes, em Lorena.
Além disso, Euclides da Cunha prosseguia no
desenvolvimento de suas atividades como escritor, tendo,
nesse período, concluído a revisão e publicado o livro "Os
Sertões"
27
.
O engenheiro era um homem irriquieto, tomado de um
propósito: o de revisar e publicar "Os Sertões". Um livro
baseado nas correspondências de "Monte Santo" e de
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
O Cenário da FAGAP: Fragmentos sobre a Cidade de Lorena | 110
"Canudos", publicadas no jornal "Estado de São Paulo",
entre os dias 18 de agosto a 26 de outubro de 1897, cujo
original terminara em São José do Rio Pardo. Um trabalho
de escritor determinado, uma idéia fixa, quase mesmo, uma
obsessão (Toledo, 2004).
Foi com o lançamento de “Os Sertões”, ao final de
1902, que Euclides da Cunha foi reconhecido como um dos
mais respeitáveis escritores do país.
Torna-se sócio do Instituto Historiográfico e Geográfico em
maio; em julho foi lançada a segunda edição de seu livro;
em setembro torna-se membro da Academia Brasileira de
Letras. Com isto, ampliaram-se as andanças pela região do
Vale do Paraíba e para a cidade do Rio de Janeiro, onde em
novembro toma posse na sua cadeira no Instituto. Ao final
deste ano, já era um escritor consagrado
(Toledo, 2004, s.p.).
Em 1952, no primeiro ano de funcionamento da
Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de
Lorena foi criada a "Sala Euclides da Cunha"
28
, com o
objetivo de homenagear os cinqüenta anos da primeira
edição de "Os Sertões". Porém, tendo a frente o Dr. Gama
Rodrigues
a idéia evoluiu para a fundação de um local especial com a
finalidade de recolher, reunir e preservar todas as
reminiscências da passagem de Euclides por Lorena;
estudar, pesquisar esta fase de sua vida, pouco comentada
pelos seus biógrafos; e, divulgar sua obra (Toledo, 2002, s.p.).
Foi registrado pelos Salesianos que
o êxito da inauguração foi muito além de qualquer
expectativa, pelo número de convidados, pelo brilho dos
atos inaugurais e pelo renome que a Faculdade começou a
conquistar através da publicidade
(Livro de Atas do Conselho
Técnico Administrativo, 1952, p. 8. Livro de Atas do Conselho Deliberativo
da FSFCL. de Lorena, 1952. In Toledo, 2002).
6.4
Um Olhar sobre Lorena de Hoje
Cortado pela Rodovia Presidente Dutra, o município
de Lorena dista 225 km do Rio de Janeiro e 182 km de São
Paulo. Uma das principais atividades econômicas do
município é a pecuária leiteira e, progressivamente, as
indústrias vêm se estabelecendo na região.
No século XIX, o progresso econômico do Município
de Lorena, devido à cultura do café e à produção do açúcar,
foi responsável por seu crescimento e pelo estabelecimento
de nobres do Império na região. Também, em
conseqüência, diversos moradores da cidade foram
agraciados por títulos de nobreza
(Rodrigues, 2002).
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O Cenário da FAGAP: Fragmentos sobre a Cidade de Lorena | 111
Lorena se autodenomina a Terra das Palmeiras
Imperiais, em referência aos espécimes plantados em 1882
numa das principais ruas da cidade. Muitas casas antigas
são conservadas, o que é motivo de orgulho para seus
habitantes. Entre elas, a do Conde Moreira Lima, onde a
Princesa Isabel e o Conde d'Eu hospedaram-se, por ocasião
de sua passagem por Lorena.
Em Lorena, localiza-se um dos mais tradicionais
colégios da região, o São Joaquim, para onde durante
décadas famílias abastadas internavam seus filhos para que
dessem continuidade a seus estudos e onde foi criada uma
das mais antigas Faculdades do país. Seus moradores
consideram a cidade como possuidora de tradição cultural.
Sua primeira escola noturna gratuita para adultos e escravos
foi fundada em 1874, a Biblioteca Municipal, em 1876 e a
primeira escola agrupada, o Grupo Escolar Gabriel
Prestes
29
, foi inaugurado em 1895 (Evangelista, 2001).
29
Este grupo deu origem à Escola
Estadual Gabriel Prestes que dá
nome à FAGAP e é o local onde são
realizados os seus ensaios.
Hoje, a cidade abriga instituições, bem conceituadas,
que oferecem faculdades que atraem alunos não apenas do
Vale do Paraíba, como de outras regiões do Estado de São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Com muita freqüência, seus moradores se referem à
cidade como a mais violenta da região. De fato, Lorena,
destacava-se no Vale do Paraíba Paulista como a cidade
em que os homicídios mais cresceram, situando-a entre as
dez cidades mais violentas do Estado de São Paulo
(Vale
Paraibano, 22/05/2003).
Porém, a representação da cidade
começa a mudar.
Simbolicamente, a cidade é dividida em quatro áreas:
bairros centrais, bairros populares, conjuntos habitacionais e
zona rural. Os bairros centrais são aqueles mais
tradicionais, onde residem as famílias tradicionais da cidade,
comerciantes e profissionais liberais; os bairros populares
e, principalmente, os conjuntos habitacionais são descritos
como as regiões de maior violência na cidade, nos quais
residem tanto as vítimas como os responsáveis pela quase
totalidade dos homicídios na cidade, mesmo quando estes
ocorrem em outras regiões; a zona rural é a região onde
se localizam sítios e fazendas e, mais recentemente,
também algumas casas, construídas e em construção, nos
loteamentos de antigas fazendas.
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7
O Cenário da FAGAP: sua história
Antes de me reportar à História da FAGAP, retomo
alguns fios da narrativa histórica inicial, agora não sob uma
forma linear, mas trançando com algumas interrogações que
surgiram à medida que eu me inseria na história da própria
FAGAP, porque considero que isso contribui para a
compreensão do lugar da FAGAP no espaço das bandas e
fanfarras.
As bandas e fanfarras estão presentes em todos os
estados brasileiros e organizadas, em muitos deles, sob
forma de federações ou confederações. No Estado de São
Paulo, elas atraem especial interesse e, com muita
freqüência, são apontadas como modelos. Ouvi afirmações
mais ou menos como as seguintes:
As bandas e fanfarras estão para São Paulo, assim como as
Escolas de Samba estão para o Rio de Janeiro.
As Fanfarras daqui [do Estado de São Paulo] são uma
referência para todo o país, assim como ninguém vai fazer
uma Escola de Samba melhor que os cariocas ou dançar o
frevo como os pernambucanos, em nenhum lugar você verá
corporações como as nossas.
De fato, não foram poucas as oportunidades em que,
nos ensaios da Fanfarra, coreógrafos e músicos, oriundos
do Estado do Rio de Janeiro, ali estiveram observando e
participando em busca de aprimoramento. Porém, mesmo
na terra das bandas e fanfarras, estamos no país do
carnaval e, por isso, raramente são destinadas verbas para
as bandas e fanfarras, ao contrário do que ocorre com as
agremiações carnavalescas. Embora o carnaval de Lorena,
onde está sediada a FAGAP, não tenha projeção
significativa fora de seus limites geográficos e, tampouco,
fora do período carnavalesco, anualmente – a cada carnaval
– é oficialmente destinada, às Escolas de Samba locais,
uma verba específica para o Carnaval. Esse apoio que as
agremiações carnavalescas recebem é criticado por alguns
elementos da Fanfarra, embora alguns deles sejam também
adeptos do Carnaval. Para eles, parte dessa verba poderia
ser destinada à manutenção e criação de bandas e fanfarras
na cidade.
Em Lorena, como em toda a região do Vale do
Paraíba, é considerável o número de corporações
existentes. A maior parte delas sobrevive às próprias custas,
sem um apoio oficial permanente.
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O Cenário da FAGAP: sua história | 113
1
Utilizo campeonato quando a
disputa dá-se entre os
primeiros classificados de
eliminatórias previstas para tal.
Considero concurso quando,
entre diversos concorrentes,
sagra-se um vencedor, a partir
de uma disputa isolada,
realizada em um único dia. Um
concurso pode ou não ser uma
das eliminatórias de um
campeonato.
2
Em especia, a Parada do
Sete de Setembro, por ser
realizada regularmente.
No interior do Estado de São Paulo, existe um
significativo público, que é atraído pela movimentação em
torno dos campeonatos e concursos
1
e dos desfiles cívicos
2
.
Embora não necessariamente esse público se identifique
com as bandas e fanfarras, ele incorpora uma – por
afinidade, por ter algum parente ou amigo participando, por
ser de sua cidade ou pela reunião desses elementos – como
sendo sua. E acompanha, com entusiasmo, as músicas
executadas, sobretudo aquelas que lhe são mais familiares.
O entusiasmo pela Fanfarra leva muitos jovens a
procurar integrar o grupo, seja como participante do corpo
musical, seja como participante do corpo coreográfico.
O desfile do Sete de Setembro é, possivelmente, o
ápice no que se refere à exposição da Fanfarra junto ao
público local constituído, sobretudo, por familiares e amigos.
Além de, naturalmente, se tornar visível às autoridades
presentes, é o resultado de um trabalho desenvolvido ao
longo de muito tempo.
Corpo musical - é constituído
pelos jovens instrumentistas.
Corpo coreográfico - responsável
pela coreografia, que é
apresentada durante a execução
musical. Adiante, detalharei sua
participação na Fanfarra.
No entanto, a viga para a manutenção de grupos como
este está na participação em campeonatos e concursos em
torno dos quais giram diversos fatores, tanto de origem
pessoal – busca de prestígio de participantes e
organizadores –, quanto comercial, pois é considerável o
mercado que esses eventos movimentam.
Retrocedendo e trançando com a História, embora
sejam escassas e divergentes as informações, presume-se
que os primeiros certames destinados a bandas e fanfarras
foram realizados na Europa.
Talvez os campeonatos tenham começado em Belle
Vue, Manchester, a partir de 1853, ou antes, por volta de
1818, na Inglaterra. Mas, se quanto ao seu início não existe
um consenso, possivelmente, os certames consolidaram-se
a partir da Grande Exposição de Paris, realizada em 1867,
quando foi realizado um expressivo Concurso Internacional
(Lima, 2005; Pereira, 2001; Meira e Schirmer, 2000; Joaquim,1937).
No Brasil, temos citações
de Concursos de Bandas e
Fanfarras, realizados em 1908, na Grande Exposição do Rio
de Janeiro, na comemoração do Centenário da Abertura dos
Portos por D. João VI, que, na mesma época, regulamentou
a Banda de Militar em todo o país. Outros concursos foram
realizados: em 1922, comemorando o centenário da
Independência, e, em 1927, um concurso latino americano
(Pereira, 2001, s.p.).
Por essa época, nos anos 20 ou 30, do século XX,
foram realizados, nos Estados Unidos, os primeiros
concursos escolares de que se tem notícia. Foram
promovidos por fabricantes de instrumentos musicais
(Pereira,
2001)
. No Brasil, possivelmente, o pioneiro foi o Campeonato
da Record, patrocinado pela Rádio Record e a Weril
Instrumentos
(Lima, 2005). Concebido nos anos de 1950 para
congregar as bandas escolares da capital, com o nome de
Campeonato Colegial de Fanfarras e Bandas, no final da
mesma década já contava com a participação de inúmeros
grupos de todo o interior do estado. Freqüentemente citado
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O Cenário da FAGAP: sua história | 114
por integrantes, sobretudo pelos veteranos, de bandas e
fanfarras, esse campeonato, certamente, teve grande peso
para a configuração e o prestígio das bandas e fanfarras no
Estado de São Paulo
3
.
3
Informativos Weril de 1990-
1992, relatos de Washington
(maestro da FAGAP),
complementadas com Pereira
(2001), Tiisel (1978) e Lima
(2005) que aborda com
profundidade os campeonatos
de bandas e fanfarras.
A entrada das corporações do interior provocou a
necessidade de eliminatórias regionais para se estabelecer
quais competiriam na fase final, que permanecia sendo
realizada na capital. Pouco a pouco, os grupos do interior
aprimoraram a sua performance e tornaram-se mais
competitivos. Para isso, ocorreram mudanças na sua
estrutura.
Antes, estritamente bandas ou fanfarras escolares
4
,
formadas exclusivamente por alunos de sua sede
5
, muitos
grupos alteraram seu formato, passando a aceitar
estudantes de outras escolas. Essas mudanças foram
incorporadas pelo concurso que passou a não mais exigir
que todos os integrantes do grupo estivessem regularmente
matriculados na escola a que o grupo estivesse vinculado.
Assim, surgiu o formato estudantil.
Consolidaram-se, também, associações
independentes, com estatutos próprios, em geral, mantidas
com parcerias e patrocínios. Em algumas cidades, a própria
municipalidade, atenta ao atrativo que despertavam,
investiram em uma banda própria, municipal, ou apoiavam
bandas locais
6
. Essas novas configurações foram tornando
as bandas e fanfarras do interior cada vez mais competitivas
e, conseqüentemente, mais ambiciosas.
4
Utilizo aqui a diferenciação
feita por Lima (2005) em sua
tese.
5
A sede , no caso, é a escola
que lhe abriga e lhe dá o
nome.
Vide Pedrosa, S.M.P.A. Um
espaço protegido: música e
movimento.
Trabalho apresentado no 1º
SEMINÁRIO BRASILEIRO DE
ESTUDOS CULTURAIS E
EDUCAÇÃO. Canoas:
ULBRA, 2004
6
Esses grupos musicais estão
intensamente envolvidos em
busca de apoio junto à
comunidade, instituições e
sobretudo os políticos, os
quais, principalmente o
prefeito, são constantemente
pressionados pelos maestros
a apoiarem, com recursos,
viagens e despesas de
manutenção e aquisição de
instrumentos. Ao contrário do
que se passa nas metrópoles,
em que o corpo a corpo dá-se
apenas em períodos pré-
eleitorais, o do cenário das
cidades do interior favorece a
proximidade com os políticos
locais
Em 1969, o campeonato foi oficializado pelo governo
do Estado, pouco tempo depois passou a constituir o
Campeonato Nacional. Durante 25 anos consecutivos, a
Record realizou esse campeonato, extinto em 1981.
Quase dez anos depois, em 1990, o governo do
Estado de São Paulo reeditou o Campeonato Nacional e
implantou o projeto Fanfarras e Bandas, pela Secretaria de
Esportes e Turismo.
A importância desses concursos está no incentivo e no
apoio que dão a todos os músicos, instrumentistas, bandas
e fanfarras para que recuperem seu espaço dentro da
sociedade e possam mostrar com talento seu trabalho e
voltar a alegrar nossos corações
(Informativo Weril, mar/abr 92).
O Campeonato da Record,
é considerado a verdadeira
escola da maioria dos maestros
atuais
(Pereira, 2001, s.p.).
7.1
Procurei traçar, a partir de
diferentes olhares e
enfoques, uma curta história
da FAGAP, acompanhando
sua tra
j
etória, de seus
primeiros tempos aos dias
de ho
j
e. Recortei os fatos
que
j
ulguei pertinentes para
meu estudo, procurando me
guiar pelos referenciais
teóricos que apresento ao
longo da tese.
A fanfarra conta sua história
A fanfarra permanece presente como uma prática
cultural, com moldes tradicionais. Não se pode afirmar, com
certeza, como e por que elas mantêm-se ativas em uma
época na qual os jovens são permanentemente visados.
Ela sobrevive porque assume diferentes perfis e
representações no decorrer do tempo e em diferentes locais.
Graças à tradução que é feita no tempo e no espaço, as
bandas e fanfarras, que vemos hoje, conseguem se manter
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O Cenário da FAGAP: sua história | 115
ativas. Diferem em muitos aspectos daquelas que as
antecederam, mas delas trazem inúmeros vestígios. Na
dinâmica da rede, diversos fatores podem direcionar para
seu desaparecimento, mas outros surgem contribuindo para
sua manutenção.
... o destino das coisas que dizemos e fazemos está nas
mãos de quem as usar depois. (...) Deixados à própria
mercê, uma afirmação, uma máquina, um processo se
perde. Atentando apenas para eles, para suas propriedades
internas, ninguém consegue decidir se são verdadeiros ou
falsos, eficientes ou ineficientes, caros ou baratos, fortes ou
fracos. Essas características só são adquiridas pela
incorporação em outras afirmações, outros processos e
outras máquinas. Essas incorporações são decididas por
nós, individualmente, o tempo todo. Confrontados com uma
caixa-preta, tomamos uma série de decisões. Pegamos?
Rejeitamos? Reabrimos? Largamos por falta de interesse?
Rebustecemos a caixa-preta apropriando-nos dela sem
discutir? Ou vamos transformá-la de tal modo que deixará
de ser reconhecível? É isso que acontece com as
afirmações dos outros em nossas mãos, e com nossas
afirmações em mãos dos outros. Em suma, a construção de
fatos e máquinas é um processo coletivo. Essa é a
afirmação na qual espero que você acredite; o destino dela
está em suas mãos tanto como o destino de outras
afirmações
[grifos do autor] (Latour, 2000, p.52-53).
A
expressão caixa-preta é
usada em cibernética
sempre que uma máquina
ou um conjunto de
comandos se revela
complexo demais. Em seu
lugar, é desenhada uma
caixinha preta, a respeito da
qual não é preciso saber
nada, senão o que nela entra
e o que dela sai.
(Latour,
2000, p. 14)
Essas afirmações parecem transparecer no seguinte
depoimento:
Primeiro foi a apresentação em Parati, lá em Parati, e
depois teve o primeiro concurso em Queluz. Foi adrenalina
a mil... muito bom sabe. (...) sabe, você está com aquela
vontade, você quer fazer de tudo para sua fanfarra
ganhar. [Wilson]
A história e as histórias da FAGAP
Não existe um registro sobre a História da FAGAP –
Fanfarra da Escola Gabriel Prestes. Se agora apresento
uma breve narrativa de sua História, tomo por base as
memórias que emergiram durante entrevistas e conversas
casuais e que me permitiram conhecer um pouco de seu
percurso.
7
Pelo contato com
integrantes de outras
fanfarras, pessoalmente ou
por Internet, bem como de
consulta a livros, teses,
artigos, sites especializados,
etc. – alguns referenciados ao
longo do texto – pude
observar, no discurso sobre a
história de cada fanfarra, a
presença desses elementos
comuns.
Nela, certamente, estão emaranhados valores,
atitudes, contradições, visões de mundo... Afinal, “a
memória é sim, um trabalho sobre o tempo, mas sobre o
tempo vivido, conotado pela cultura e pelo indivíduo
(Bosi,
2003, p. 53)
. Assim, apresento enredadas algumas histórias
que constituem a História da FAGAP, de sua concepção aos
dias de hoje.
Na História da FAGAP, estão presentes elementos
comuns a histórias de outras fanfarras
7
,
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O Cenário da FAGAP: sua história | 116
A
memória comum para o espaço
de uma determinada cultura é
assegurada, em primeiro lugar pela
presença de alguns textos
constantes e, em segundo lugar, ou
pela unidade dos códigos,ou por
sua invariância, ou pelo caráter
ininterrupto e regular de sua
transformação.Lotman, 1996, p.
157).
A memória comum para o espaço de uma
determinada cultura é assegurada, em primeiro lugar, pela
presença de alguns textos constantes e, em segundo lugar,
pela unidade dos códigos, ou por sua permanência, ou pelo
carater ininterrupto e regular de sua transformação (Lotman,
1996, p. 157).
Porém, cada Fanfarra tem sua História e muitas
histórias a contar...
Primeiros Toques
Em 1991, a Profa. Arlete, chamada por todos de D.
Arlete, então diretora da Escola Gabriel Prestes, idealizou e
constituiu a base da FAGAP.
Quando a entrevistei, ela assim se apresentou
8
:
8
A Profa. Arlete solicitou que
eu não gravasse sua
entrevista, por isso ,tomei
notas e procurei, logo após,
reconstituir ao máximo a
estrutura de suas falas.
Sou professora de piano. Dei aulas no Conservatório de
Lorena. Sempre gostei de música. Música é algo divino!
Apaixonada por música, D. Arlete iniciou seus estudos
de música aos 7 anos, prosseguindo até concluir o curso de
piano.
Da sua infância, D. Arlete guarda uma forte impressão
de uma fanfarra que, durante muito tempo, se destacou na
vida da cidade e é um marco em muitas gerações de
lorenenses
9
: a Fanfarra do Colégio São Joaquim:
9
No estudo exploratório que
fiz sobre a Representação
Social da fanfarra, registrei o
seguinte depoimento de uma
moradora de Lorena: Era lindo o
S e o J bordado, aquilo tudo
branquinho... era destaque, (...) era um
espetáculo, em Lorena não tinha pra
eles... Vide Cap. 4.
Aqui, em Lorena, havia a Fanfarra do São Joaquim... Eu
babava com aquela Fanfarra. Isso era quando eu era
menina...
Ao que parece, esse encantamento de D. Arlete não
diminuiu com o passar dos anos. Quando assumiu pela
primeira vez a direção de uma escola, pensou na
possibilidade de organizar uma fanfarra. Entretanto, logo
percebeu que a localização da escola onde estava lotada
dificultava a estruturação de uma fanfarra. Localizada em
Santo Antonio do Pinhal, naquela época, ela percebeu que
não teria os meios necessários para levar avante a sua
idéia. Tempos depois, diretora em uma escola na cidade de
Piquete, ela começou a cogitar meios para constituir uma
fanfarra. Mas não foi ainda dessa vez que a idéia seguiu
avante.
Apenas ao assumir a direção da Escola Gabriel
Prestes, em Lorena, que essa possibilidade despontou com
força, graças a sua presumida viabilidade. Isto teve lugar em
1991, quando do apogeu da fanfarra de uma outra escola da
cidade – a Conde Moreira Lima.
A Fanfarra do Conde era um espetáculo, quem estava lá
nessa época -1991 - era o Washington. Aí eu comecei a me
interessar por aquela Fanfarra... [D. Arlete]
No início dos anos 1990, as bandas e fanfarras
passavam por um período de grande visibilidade, devido à
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
O Cenário da FAGAP: sua história | 117
valorização e consolidação de competições com a retomada
dos concursos, agora promovidos pelo Estado
10
. Isso
reacendeu o interesse pela criação de inúmeras bandas e
fanfarras, nos moldes do que acontecera nos tempos do
Concurso da Record. Havia, portanto, uma referência
11
que
favorecesse a consecução de seu projeto.
10
Sobre o apogeu dessas
competições no Estado de
São Paulo, pode-se consultar
Lima (2005) o Informativo
Weril n.80 e Miranda (2000).
11
Referência no sentido que
lhe dá Latour “ (Latour. 2001,
p. 354 ).
No entanto, competições não faziam parte dos
objetivos de D. Arlete ao conceber a Fanfarra. Na época,
sua perspectiva era outra e que ela mesma a resume em
dois pontos:
1. Proporcionar uma opção de atividade para os
alunos de sua escola, pois observara que “muitas crianças -
que estudavam na Escola Estadual - ficavam na rua. Um
monte delas...
2. Formar um grupo musical que acompanhasse a
Escola Gabriel Prestes no desfile cívico. “Na verdade, no
iníci, o objetivo era o Sete de Setembro, estruturamos uma
Fanfarra que não tocava nada... Mas era o começo!
Para concretizar a aspiração de uma fanfarra para a
Escola Gabriel Prestes, ela procurou o apoio junto ao 5º BI -
5º Batalhão de Infantaria
12
, organização militar do Exército,
na qual se encontra uma das mais tradicionais e
prestigiadas bandas militares do país
13
.
12
Hoje 5º BIL – 5º Batalhão de
Infantaria Leve.
13
Em 2006, a Banda do 5º BIL
completou 50 anos de
atividade ininterrupta.
14
Possivelmente, no Brasil, o
costume das escolas
requisitarem a participação de
militares para a organização e
coordenação de bandas e
fanfarras teve sua origem nos
primeiros anos da República,
pois, neste período, músicos
militares foram oficialmente
destinados a essa atividade.
15
Forma carinhosa como a
Profa. Arlete refere-se ao Sgt
.Esteves, primeiro responsável
pela Fanfarra.
16
Atualmente sargento-
músico, permanece na Banda
do 5º BIL.
17
Compõe, participa de
oficinas, assiste a alguns
concursos e procura estar a
par do trabalho da FAGAP.
Ainda é D. Arlete que nos conta que foi ao Batalhão e
solicitou um soldado para ajudar
14
. Seu pedido foi aceito por
um dos músicos da Banda e, logo depois, iniciava-se a
estruturação da Fanfarra.
“Aí veio o Chiquinho
15
. (...). Ele era muito bom!”
Mas apesar disso, ele não era talhado para aquele
tipo de atividade, pois não tinha a paciência necessária para
lidar com aqueles aprendizes mirins. Mesmo assim,
permaneceu entre um e dois anos na Fanfarra. Quando não
pode mais permanecer, “veio um civil, mas não deu certo...”
Mas D. Arlete não me diz o porquê.
Talvez, por isso, novamente ela solicitou apoio ao
Batalhão. Nessa ocasião, foi o Cb Agnaldo
16
que assumiu a
Fanfarra. Apesar de ter ficado pouco tempo frente à
Fanfarra, ele mantém, ainda hoje, proximidade com o
universo de bandas e fanfarras, apoiando, de forma indireta,
a FAGAP
17
.
A Fanfarra, no seu início, não era conhecida como
FAGAP, apenas como Fanfarra do Gabriel Prestes. Era,
como descreve o Sgt. Agnaldo, muito diferente da que é
hoje:
Naquele tempo que eu estava aqui, entre 94 e começo de
96, era uma coisa simples mesmo, era a fanfarra simples,
aquela coisinha de puxar a escola no dia Sete de Setembro.
Se não me engano, eram 4 marchinhas que a gente tocava,
fazendo jogos de cornetas simples. Era um dobradinho que
chamava Corriola, outro que se chamava Primavera e os
outros dois não tinham nome. Eles mesmos colocaram o
nome: Primeiro Toque e Segundo Toque. Era uma coisa
bem, bem simples mesmo, básica...
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O Cenário da FAGAP: sua história | 118
Era como se fosse um embrião. Tínhamos apenas cornetas
lisas em Fá e Si bemol – uma corneta lisa é tipo dessa
usada no Exército, não tem nada. Não tem recurso nenhum.
E duas tubas. A maioria dos instrumentos era percussão,
mas aquela percussão antiga ainda: bumbo, surdos, caixas
e pratos.
Os instrumentos eram apenas vinte e cinco, e não
havia o corpo coreográfico. A Fanfarra não possuía um
uniforme especifico: seu uniforme era o mesmo utilizado no
cotidiano escolar.
Para Agnaldo, “o que diferenciava a Fanfarra da
escola é que a Fanfarra fazia barulho e o resto da escola
não. [risos]”, o que corrobora a relação barulho-fanfarra feita
por um morador de Lorena, quando por mim interrogado
18
.
18
Considero interessante
lembrar a frase de um dos
vizinhos da fanfarra: Se você
for ouvir a fanfarra, é bom
levar um tapa-ouvido! (Vide
Cap. 4)
19
Sargento-músico da Banda
do 5º BIL
Agnaldo permaneceu diretamente ligado à Fanfarra
até o início de 1996, quando mais uma vez D. Arlete
precisou buscar um novo regente para a fanfarra.
Nessa oportunidade, foi o Cabo Washington, o atual
regente da Fanfarra e também músico do Batalhão
19
, que
assumiu o posto.
Uma nova pauta para a Fanfarra
A ida de Washington para a Fanfarra do Gabriel
Prestes foi possível devido a uma divergência que culminou
com o seu desligamento da Fanfarra da Escola Conde
Moreira Lima. “Então entramos em entendimento”, diz D.
Arlete. E prossegue:
A diferença do Washington com os outros é que ele é
apaixonado... A Fanfarra está em primeiro lugar na vida
dele, na frente de tudo. Aí começamos o trabalho pra valer.
Foi em nome dessa paixão que, ao assumir a
Fanfarra, Washington trouxe mudanças. E não foram
poucas!
A primeira, fundamental, por ser a desencadeadora
das demais, relata Agnaldo “foi que ele trouxe uma outra
mentalidade que, por aqui, não existia ainda”.
E, logo, prossegue seu antecessor, as mudanças
foram observadas concretamente com a introdução “das
cornetas com recurso, com gatilho
20
, desde então, a FAGAP
foi evoluindo, evoluindo, evoluindo...
20
O gatilho é um tubo
corrediço que permite que
abrindo-se o gatilho, seja
executada a nota meio tom
abaixo da original. Isso
permite que aumente o
número de notas executada
por cada corneta. Vide Cap. 8
Mais do que a introdução de cornetas com gatilho na
Fanfarra, a mudança de mentalidade logo pode ser sentida
em diferentes aspectos, que culminaram com uma notável
evolução da Fanfarra.
Despontava um novo objetivo, que embora não
entrasse em conflito com aqueles iniciais apresentados por
D. Arlete, modificaria toda a dinâmica da Fanfarra: a
participação em diversos certames.
Isso resultou, de imediato, em uma diferença
fundamental: elevar a qualidade da execução musical do
grupo. Para isso, prossegue Agnaldo, assim que
Washington assumiu o grupo
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O Cenário da FAGAP: sua história | 119
...foram contratados professores para darem aulas de
embocadura, sonoridade... Enfim, postura do instrumento, o
que é muito importante para o aprimoramento musical do
grupo.
Sem a embocadura correta, o iniciante, muitas vezes,
sequer consegue emitir um som de seu instrumento.
Rafael – integrante da Fanfarra nessa época e hoje o
segundo maestro – também relembra essa fase.
Vinha uma pessoa para treinar cada naipe, eram pessoas
do quartel, o Gilberto
21
, por exemplo. Um pessoal que agora
é sargento, sempre vinha esse pessoal para preparar cada
naipe.
21
Músico do 5º BIL
Tempos depois, os próprios integrantes da Fanfarra,
os mais experientes, assumiram esse papel. Prossegue
Rafael:
Eu fui ficando e o Felipe Tróglio
22
também ficou algum
tempo. Nós mesmos passávamos os naipes... tínhamos a
nossa própria idéia. “Ah! Vamos acertar tal naipe assim.”
Então já não dividíamos mais, a gente ia lá, dava um ensaio
pro naipe, o que a gente faz até hoje.
22
Hoje sargento músico da
A
eronáutica.
O chefe de naipe acaba sendo responsável pelo naipe, mas
na hora de acertar mesmo a articulação, a dinâmica da
música, aí é a pessoa que está na frente [ou seja do
regente].
Outros colaboradores como, por exemplo, João Bosco
– hoje o locutor oficial da Fanfarra – também presente nos
primeiros tempos dessa nova fase relata:
Cheguei aqui com ele, pegamos desde o início. Quando nós
chegamos, a fanfarra já existia, mas não era assim... Era
uma coisa toda misturada, todo mundo tocava de qualquer
jeito. Nós fomos ensinando, Washington foi ensinando, fui
ajudando, ensinando a marchar... E aí está! Essa fanfarra
que é hoje o que é... Eu é que me sinto orgulhoso de fazer
parte dela.
A Fanfarra do Conde enfraqueceu com a saída de
Washington e teve início seu declínio, que culminou com
sua extinção
23
. Aos poucos, vários de seus ex-componentes
passaram a integrar a Fanfarra do Gabriel Prestes.
23
Tempos depois a Fanfarra
da Escola Conde Moreira Lima
foi reestruturada, estando ativa
atualmente.
Fui da fanfarra do Conde. Quando ela acabou, fiquei mais
ou menos 2 anos sem tocar em fanfarra nenhuma. Depois,
alguns amigos me convidaram para vir para cá. Eu acabei
vindo e agora estou aqui.
[Luiz]
Eu comecei com Washington tocando no Conde, toquei na
fanfarra do Conde quando eu era criança. Em 2000, quando
a fanfarra de lá acabou, ele me trouxe para cá..
[Edu]
Eu tocava no Conde também, (...) depois ele me chamou
praqui. [Pat]
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O Cenário da FAGAP: sua história | 120
Para os integrantes mais antigos, foi Washington
quem deu vida à Fanfarra, pois, com a sua participação, o
grupo estruturou-se e passou a participar de diferentes
campeonatos.
Com a nova mentalidade da Fanfarra, também
surgiram novas demandas:
Começamos a pensar em aumentar um pouco, pensar em
uniforme. Eu pedia verba – vinha pouco – e comprávamos
um ou outro instrumento. Ah! Nosso primeiro kit veio da
Delegacia de Ensino. Como disse, alguma verba ia dando
para um instrumento, tínhamos uma cantina, o que também
ajudava, saia alguma ajuda de lá. [D. Arlete]
Hoje os instrumentos utilizados na Fanfarra já não se
limitam às cornetas lisas a que Agnaldo se referiu. Ele
mesmo observa que
as cornetas usadas hoje pela FAGAP tem um gatilho que
fazem a corneta além de dar as cinco notas dela, comuns,
dão mais cinco ainda. Então, aumenta a gama de notas,
aumenta consideravelmente, o dobro. E... a Fanfarra hoje,
usa corneta em Mi, corneta em Ré, em outros tons.
Além da grande diferença observada nos instrumentos
de sopro, também a percussão evoluiu muito, pois “hoje,
(...), 50% do efeito musical da FAGAP é a percussão. E
todos eles tocam por música”, completa Agnaldo.
Nessa nova pauta, a roupa usada no dia-a-dia da
escola seria deixada de lado para os desfiles, a fanfarra teria
um uniforme próprio. É D. Arlete quem recorda:
O primeiro uniforme — lembro-me bem —, fomos comprá-lo
nas Pernambucanas... Nas Pernambucanas, alguém nos
facilitou. A Teresinha — acho que ela ainda trabalha na
escola — ajudou muito. Pagamos uma pessoa para fazer,
experimentamos.
Deixavam o uniforme lá na escola, porque se levam para
casa, ele pode não voltar...
As cores do uniforme? Não me lembro quais são agora...
nem quais eram... Mas vou pegar uma foto!
Nessa ocasião, ela me apresentou uma grande foto
emoldurada, protegida por um vidro. No verso os autógrafos
dos participantes de então.
Fig. 23 – Quadro - lembrança
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O Cenário da FAGAP: sua história | 121
Fig. 24 – Quadro de D. Arlete
E as cores? Vimos na foto que eram Azul e branco!
24
Foi com Washington à frente que a Fanfarra do
Gabriel Prestes, agora já conhecida como FAGAP,
ingressou no mundo das competições. Os campeonatos
deram maior visibilidade à fanfarra e reforçaram o
sentimento de pertença à cidade, uma vez que ela transita
em outros lugares “levando o nome de Lorena”, como dizem
muitos de seus integrantes.
24
Hoje as cores do uniforme
da Fanfarra são: vinho e
branco.
Para D. Arlete, esse é um mérito do atual regente:
Washington chegou apaixonado... Sempre inventa moda...
Grande parte do sucesso da Fanfarra está na garra dele. Aí
começou a luta pela conquista de títulos. Acho isso
importante, o envolvimento da comunidade. Nos primeiros
concursos, já ficávamos em 2º lugar...
Foi firmando, crescendo e hoje é o que é! Teve sorte, foram
muitos os prêmios. Cada troféu eu expunha, colocava carta,
colocava faixa. Coloquei tudo na frente, na entrada da
Escola. Tinha muito medo de sumir algum. Eles eram
lindos... Tem que cuidar, conservar. Aquilo tudo é um
patrimônio da Escola. O Gabriel Prestes é um orgulho de
Lorena. Eu mesma estudei lá.
Ao que parece, utilizando a terminologia de Lima
(2005), a Fanfarra deixava de ser escolar para galgar os
primeiros passos para tornar-se, em alguns aspectos,
estudantil.
... bandas estudantis são aquelas que (...) mesmo sediadas
em uma só escola (estadual, municipal ou outra) ou , em
alguns casos, com sede em espaço independente de uma
escola, atendem a estudantes de várias instituições de
ensino e apresentam considerável independência na
tomada de decisões (inclusive de participarem das
competições de bandas). Neste sentido, em termos
administrativos, não dependem somente de suas
respectivas instituições-sedes [sic] para aquisição de
recursos, pois gozam de liberdade econômica, buscam
apoio de empresas-públicas e (ou) privadas – e recorrem,
sempre que julgam necessário e conveniente, às festas
beneficentes e (ou) outros meios alternativos para aquisição
de dinheiro. Diferem, portanto das (...) bandas escolares,
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O Cenário da FAGAP: sua história | 122
que geralmente são fanfarras tradicionais, administradas de
uma forma mais fechada no âmbito de cada escola
mantenedora, atendendo alunos de uma única escola, sem
iniciativa para a busca de patrocínios de empresas e (ou)
recursos alternativos com o poder de decisão submisso (ou
quase totalmente submisso) à administração da escola que
a sedia
(Lima, 2005, p. 3).
Com o tempo, outras idéias surgiram. Ao que parece,
não apenas Washington era apaixonado. Também D. Arlete
que, a essa época, vislumbrando novos horizontes, já visava
a outros objetivos:
Eu inventei de gravar um CD. Mas era muito caro na época.
Fomos ver uma empresa em Taubaté. Foi três mil na época.
E ainda havia um problema: onde gravar? O São Joaquim
25
pediu quinhentos reais... Caro! Fui ao quartel e o Cel. Rocha
Paiva
26
colocou o quartel à disposição em um domingo. Não
se pagou nada. O CD foi gravado na sala da banda em um
domingo. Ficou bonito, mas CD é complicado. Por causa da
lei dos direitos autorais não pode ser colocado à venda.
Tem que ter aval dos compositores. Fizemo-lo para ficar
como recordação dos alunos. Fiquei com a matriz. Fiquei
com medo e, por isso, guardei a matriz. Tinha “A Banda”...
O Chico Buarque retrata bem.
25
Colégio São Joaquim,
escola particular de Lorena
mantida pelos Salesianos.
26
Então comandante do
Batalhão de Infantaria (5º BIL)
Anos depois, foi produzido um novo CD, dessa vez
a gravação se deu durante uma apresentação, no auditório
do Colégio São Joaquim, no final do ano de 2002. Ela só
foi possível porque foi realizada a preço de custo. A mãe
de um dos integrantes da Fanfarra contou-me que,
profissionalmente, seria impossível arcar com tal despesa,
mas que um primo seu colaborou na gravação. As cópias do
CD foram realizadas por seu filho, bem como a impressão
das capas e do rótulo do CD. Estes CDs foram vendidos
apenas a integrantes e simpatizantes da Fanfarra, como
uma forma de obter recursos para a participação em
eventos fora da cidade.
Muitos integrantes da FAGAP são ex-alunos ou
estudantes em outros colégios da rede pública; uns já
concluíram o Ensino Médio e alguns ingressaram no Ensino
Superior.
Esse fato chamou-me a atenção, o de que os
integrantes da FAGAP não são necessariamente alunos da
Escola Gabriel Prestes. Isso é fato desde a sua formação,
embora, inicialmente, eles fossem de faixa etária mais baixa.
Como afirmou Agnaldo:
Naquela época, já existiam alguns meninos que ouviam os
ensaios que fazíamos aqui; eles ouviam, vinham, pediam
para entrar. E entravam!
Porém, observei que, ao longo dos últimos anos, vem
se acentuando a redução do número de alunos entre os
integrantes da Fanfarra. Por isso, questionei sobre esse fato
a Rafael, que me respondeu com naturalidade:
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O Cenário da FAGAP: sua história | 123
Olha é relativo, porque as fanfarras aí pelo país têm o nome
da escola, fanfarra fulano de tal, só que é impossível você
manter só alunos da escola, porque você está progredindo e
se você mantiver só assim alunos da escola, tipo assim saiu
da escola daí vai sair da Fanfarra, então você não consegue
progredir tecnicamente, você vai chegar àquele ponto que o
grupo que você tinha legal saiu e então você vai ter que
começar de novo, vai ficar aquele trabalho de vai-e-vem.
As diretoras que foram vindo gostaram da Fanfarra (...) elas
sabem da realidade, que aluno da escola hoje não tem, se
tiver dez, tem muito.
O percurso da Fanfarra aponta que, embora hoje ela
continue a participar, com grande entusiasmo, do Sete de
Setembro, ela já não se identifica com sua primeira
configuração, como atesta Rafael:
Existem fanfarras que são mais para puxar a escola no Sete
de Setembro mesmo ou algum outro desfile. Elas são
formadas para isso. (...) Existe fanfarra no país assim. São
formadas para desfilar no Sete de Setembro ou em uma
data legalzinha para a fanfarra, colocam a fanfarra para
puxar a escola. É diferente do estilo da fanfarra aqui.
[destaques meus]
Modulando: mudanças no tom
Nos primeiros tempos da Fanfarra, ela era formada
apenas por meninos que participavam do corpo musical.
Com a chegada de Washington, foi formado um corpo
coreográfico, com algumas meninas. E durante algum
tempo, embora não houvesse uma regra formalizada, os
meninos que ingressavam na FAGAP, assim como em
muitas outras fanfarras, participavam do corpo musical, e as
meninas, do corpo coreográfico. Mas, logo depois, essa
regra de acesso foi rompida.
No corpo musical, duas irmãs são apontadas como
pioneiras pelos integrantes mais antigos e pelo próprio
maestro Washington. Mas há quem se lembre de que elas
foram precedidas por outras, cuja passagem foi tão rápida
que ficou somente na lembrança de poucos.
... antes delas, no comecinho da Fanfarra tinha meninas,
mas elas saíram, bem no comecinho tinha, entraram
comigo... Inclusive tinha duas meninas na corneta e, depois,
uma que tocava cornetão. Tinha menina sim, mas elas
foram saindo... Ficou uma boa fase sem menina, de 96 pra
frente, se não me engano. Só depois com elas é que
voltaram. [Rafael, 22 anos]
As duas irmãs ingressaram no corpo musical em 1998.
Uma delas, Stephanie, permanece na Fanfarra até hoje. Ela
relembra como se deu sua entrada e que seu objetivo inicial
era outro.
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O Cenário da FAGAP: sua história | 124
Foi minha mãe que viu a fanfarra, acho que foi em um
desfile que ela viu. Ela falou assim: vocês poderiam entrar.
A gente fazia GRD
27
mas tinha saído, então ia ficar sem
fazer nada mesmo. Aí ela falou: tem a fanfarra, vocês não
querem conhecer?
27
Ginástica Rítmica
Desportiva. Nas referências,
sobretudo orais, usualmente
são apenas empregadas as
iniciais.
Viemos assistir ao ensaio, só que eu queria ser baliza, eu
não queria tocar. Falei para minha mãe: eu não quero tocar
aquele negócio esquisito lá, a corneta.
Mas, naquela época, não havia vaga para baliza e, por
isso, ela resolveu ficar por perto na espera de uma possível
vaga.
Nem pensei em entrar na Linha de Frente, eu queria ser
baliza, mas não tinha vaga... Não deu, vim para cá... [para o
corpo musical]
Eu entrei na aulinha e fui fazendo... Eu
achava superdifícil ler partitura... aí eu peguei e comecei a
estudar, então eu gostei, gostei de tocar.
A entrada das meninas no corpo musical trouxe
mudanças no comportamento do grupo e no do próprio
maestro.
A entrada das meninas mudou, não foi coisa pouca não.
Quando eram só homens, era um tratamento mais rígido,
tipo um negócio de Exército mesmo, bem dizer, um negócio
mais sério, mais no pé da letra. Era pior que no Exército,
chegava um certo ponto que era pior que o Exército, porque
ele pegava pesado com a gente ali.
[Flávio,24 anos]
A mudança foi gradual, no início, quando eram apenas
as duas,
... quando a fanfarra tocava mal, ele pedia para as 2 saírem,
elas saíam e ele xingava... Depois foi entrando mais e se
ele pedisse para as meninas saírem, acabava a Fanfarra e
ele foi mudando...
[Eduardo, 16 anos]
... o ambiente foi ficando mais harmonioso, mais tranqüilo,
deixando a rédea mais solta para a gente ali
. [Flavio,24 anos]
Além da entrada das meninas no corpo musical, deu-
se a entrada dos rapazes no corpo coreográfico. O primeiro
deles foi Tota, hoje coreógrafo do grupo.
Antes de participar da FAGAP, ele fazia parte de uma
Banda Marcial na própria cidade, portando a Bandeira do
Brasil.
... fiquei uns meses nesse pelotão da Bandeira Nacional e
eu via aquele corpo coreográfico, lá na frente se
apresentando com aquelas coreografias.
E eu achava interessante. Eu queria fazer parte daquilo,
mas até então os rapazes não faziam parte daquilo, eram só
as moças.
Quando acabou a Banda Marcial de Lorena (...)eu conheci o
W e ele me convidou para participar dessa Fanfarra (...)
mas eu não queria mais carregar a Bandeira Nacional. Ele
falou que podia, porque até então eu era limitado aqui
dentro da cidade, eu não conhecia outras coisas.
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O Cenário da FAGAP: sua história | 125
Ele falou que podia sim, porque eles já iam para alguns
concursos aqui da região e tinham rapazes que
participavam, então aqui [enfatiza] em Lorena que a gente
não conhecia isso. (...) e eu comecei a participar como
integrante do corpo coreográfico.
Quando a diretora dá o tom
Quando conheci a FAGAP, D. Arlete ainda era a
diretora da Escola Gabriel Prestes. O período em que
comecei a acompanhar a Fanfarra, início de 2003, coincidiu
com a aposentadoria de D. Arlete.
Mas, quando saí, saí de mansinho, não gosto de “oba-oba”.
Acho que o que devo fazer, devo fazer durante. Mas avisei
ao Washington que estava me aposentando, a Fanfarra era
a minha menina dos olhos...
De fato, a saída de D. Arlete foi discreta. Até hoje ela
mantém-se reservada em relação à FAGAP. Desde que se
afastou da direção da Escola Gabriel Prestes, ela vem
acompanhando a FAGAP à distância, não tendo
comparecido a nenhum dos eventos de que Fanfarra
participou.
Como sua saída da direção deu-se logo após ao início
de minha pesquisa, acompanhei forte expectativa o futuro
da Fanfarra. Se por um lado parecia que se tornariam mais
independentes, por outro, o apoio da nova diretora era
incerto. E se a Fanfarra acabasse? Os rumos de minha
pesquisa mudariam.
A diretora que sucedeu D. Arlete, vi apenas uma vez.
Foi na inauguração do Centro Cultural de Lorena
28
. Depois
de algum tempo, saiu para concorrer ao cargo de vereadora
e foi substituída pela Profa. Abigail.
28
Ocasião em que a FAGAP
fez uma apresentação pública.
Dessa nova diretora, a Fanfarra recebeu um
considerável apoio para a busca e a obtenção de recursos
que viabilizassem a sua participação em diferentes eventos
e certames. Tive oportunidade de conversar com ela e
percebi seu grande interesse pelo grupo. Mas ela foi
transferida, pois não era efetiva naquela escola.
Sua saída aconteceu poucos dias antes da
apresentação da Fanfarra, no final do ano de 2004. Na
ocasião, a Fanfarra lhe prestou uma homenagem e deu as
boas vindas à Profa. Dulcinéia, que lhe sucedera no cargo.
Observei a presença da Profa. Dulcinéia, que
permanece como diretora da Escola Estadual Gabriel
Prestes, em diferentes apresentações da Fanfarra em
Lorena. Conversamos em algumas dessas ocasiões. Tive
ainda a oportunidade de encontrá-la – e com ela conversar
mais longamente – quando compareceu a uma
apresentação da FAGAP na cidade do Rio de Janeiro.
Se a figura da diretora interfere na Fanfarra? Não foi
necessário perguntar. No convívio com a Fanfarra, observei
que sim, o que, de modo espontâneo, foi confirmado por um
depoimento:
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O Cenário da FAGAP: sua história | 126
... depende muito da diretora. (...) Depende muito,
porque a Fanfarra é o que é hoje porque tinha uma
diretora que levou mesmo, que levou a Fanfarra e dizia
vamos fazer a Fanfarra campeã, levou contra professor,
contra tudo... Porque tem professor que não gosta, (...) Foi a
primeira diretora, foi a D. Arlete, então ela que levou... Então
a Fanfarra é isso que é hoje por causa dela, porque ela
“não, eu vou levar”, colocou muito dinheiro aqui, porque no
começo a gente precisava muito de dinheiro e a gente deu
sorte porque as diretoras que foram vindo, gostaram da
Fanfarra. [Rafael, 22 anos]
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8
Apresentando a FAGAP Hoje
A sede
A sede da Fanfarra está localizada na Escola Gabriel
Prestes, no Centro de Lorena, a região comercial mais
movimentada da cidade.
Fig. 25 – Troféus
Fig. 25 – Troféus
Eles dispõem de duas pequenas salas, ambas fora do
prédio principal. Em uma delas, localizada ao lado do
auditório da Escola, são guardados os uniformes, as
alegorias, parte dos instrumentos, dois ou três troféus, além
de outros pertences da fanfarra. Na parede, há um cartaz
em que se vê uma antiga foto da FAGAP. Essa sala se
localiza fora do prédio principal, entre uma quadra de
esportes, onde o corpo coreográfico ensaia, e um pátio
coberto, lugar de ensaio dos músicos. Na outra sala,
próxima à residência do caseiro da escola, estão guardados
os demais instrumentos.
Os muitos troféus conquistados pelo grupo estão
guardados no prédio principal, alguns na sala da diretora.
A Gabriel Prestes é uma escola tradicional na cidade, seus
alunos e ex-alunos referem-se a ela com orgulho. Sobre ela,
encontrei algumas interessantes informações na seção as
Histórias da Escola Estadual Paulista
1
do Memorial da
Educação Paulista do Centro de Referência em Educação
Mario Covas Portal do Governo do Estado de São Paulo.
Fig 26 . Escola Gabriel Prestes – Primeira sede
1
www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf
/neh/1825-
1896/1895_Grupo_Escolar_Gab
riel_Prestes.pdf
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Apresentando a FAGAP Hoje | 128
Além do comércio, na vizinhança da Escola
encontramos algumas residências e um dos mais altos e
antigos prédios de Lorena, conhecido como Predião. Essa
vizinhança, muitas vezes, sente-se incomodada com os
ensaios da Fanfarra. Algumas vezes, chegam reclamações
à escola; algumas foram registradas em Boletim de
Ocorrência na Delegacia.
Mas as reclamações não vão avante, porque o horário
dos ensaios nunca ultrapassa o limite permitido por lei, ou
seja, não há ensaio após as 22h.
A estrutura da FAGAP
Embora existam algumas pequenas variações de
subdivisão e de nomenclatura, com base na pesquisa
empírica associada à documental, organizei um quadro
geral do que denomino a rede da FAGAP.
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Apresentando a FAGAP Hoje | 129
Corpo musical é a fanfarra propriamente dita.
Instrumentistas
naipes de sopro e de percussão.
Maestro
responsável pela formação e pelo
aprimoramento do corpo musical.
Linha de Frente vai à frente do corpo musical.
Pelotão Cívico
é constituído pelos portadores das bandeiras
nacional, estadual, municipal e, se for o caso,
a da escola; apresenta-se ladeado pela
Guarda de Honra. Não faz evoluções nem
coreografias.
Estandarte
denominação dada ao portador do estandarte
da corporação musical. Também é
acompanhado por uma Guarda de Honra. Não
faz evoluções coreográficas.
Guardas de Honra
acompanham os estandartes e as bandeiras.
Portadores
de flâmulas, bandeirolas, escudo, etc.
Corpo
Coreográfico
apresenta uma coreografia com base nas
músicas executadas pela Fanfarra. Faz
coreografias durante a execução das peças
musicais.
Mor
conduz o desfile do grupo musical e coordena
as coreografias.
Baliza
realiza, à frente da fanfarra, evoluções,
coreografias e malabarismos que requerem
alta flexibilidade corporal.
Coreógrafo da
linha de frente
concebe e dirige a coreografia do grupo.
Coreógrafa da
baliza
concebe e dirige a coreografia da baliza.
Equipe de Apoio
contribui em diferentes atividades que
visam à manutenção e êxito do grupo. É
constituída por mães, pais, amigos e ex-
integrantes.
Os jovens integrantes
A partir dos questionários aplicados e das
observações que registrei durante o prolongado convívio
com o grupo, tracei um perfil dos jovens componentes da
Fanfarra.
A idade dos integrantes varia entre 10 e 25 anos (10 e
22 anos para o corpo musical e 13 e 25 anos para o
coreográfico). A idade média do grupo é de 16 anos e meio
(15 e meio para o corpo musical e 18 para o coreográfico).
Do total de integrantes da Fanfarra, no momento da
pesquisa, uma significativa parte dos jovens do corpo
musical estava abaixo dos 15 anos, idade em que a maior
parte ingressa no grupo. Ainda no corpo musical, destaca-se
uma concentração de jovens entre 15 e 17 anos, o que não
se percebia no Corpo Coreográfico. Também é interessante
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Apresentando a FAGAP Hoje | 130
observar que, quanto ao gênero, naquele momento, a
FAGAP contava com 56% de componentes constituídos por
integrantes do sexo masculino e 44%, do sexo feminino.
Inicialmente, o corpo coreográfico era composto
apenas por rapazes e o corpo musical por moças. Embora
ainda haja predominância do sexo masculino no segmento
musical e feminino no coreográfico, hoje essa diferença já
não é tão acentuada.
A maior parte dos integrantes nasceu na região do
Vale do Paraíba: 80% em Lorena e cerca de 12% em outras
cidades da região. Note-se, ainda, que apenas 3 integrantes
– dos 82 ouvidos – não nasceram no Estado de São Paulo.
A observação dos gráficos da escolaridade levou em
conta a amplitude da idade dos integrantes da Fanfarra. Por
ser a média de idade dos integrantes do corpo coreográfico
mais alta que a do corpo musical, era esperado que a
escolaridade do primeiro grupo fosse maior do que a do
segundo, o que se confirmou. Destaco que aqueles que não
estão estudando são apenas os que já concluíram o ensino
médio.
Cerca de ¾ do grupo estuda atualmente e apenas
1
/
6
do grupo afirmou não estudar.
O número de integrantes que trabalham é reduzido e,
desses, quase todos dependem financeiramente dos pais.
Também, é reduzido o número de integrantes que não
trabalha nem estuda.
A maior parte dos jovens integrantes da Fanfarra
declara-se católica, e a maior parte deles exercita a prática
religiosa.
Cabe ressaltar que, na cidade, existem igrejas
evangélicas de diferentes denominações — muitas com
seus grupos musicais próprios.
Quanto à situação familiar, de modo geral, esses
jovens vivem em um arranjo familiar em que é presente a
figura do casal: 45% vivem com pai e com mãe e 14%, com
um dos pais e respectivo(a) companheiro(a), ou seja, as
figuras paterna e materna estão presentes para 59%. A
presença de apenas um dos pais ocorre, apenas, em 36%
do grupo.
O conjunto completo da apuração dos questionários
pode ser consultado no Anexo 4, onde também foram
incluídos alguns comparativos com dados da cidade de
Lorena.
Uniforme
Nos campeonatos e em outras apresentações, os
integrantes do corpo musical da FAGAP usam o seu
uniforme: calça branca, túnica vinho, quepe branco e
sapatos bicolores.
Nos últimos anos, alguns complementos desses
uniformes foram comprados, e o uniforme da linha de frente
foi redesenhado pelo atual coreógrafo.
Quando iniciei a pesquisa, o grupo havia
encomendado os novos quepes e, pouco depois, renovou os
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sapatos, ocasião em que foi escolhido o modelo bicolor
(branco e vinho), muito valorizado no meio das bandas e
fanfarras.
Distintos dos do corpo musical, os uniformes do corpo
coreográfico apresentam algumas variações em seu
modelo, sobretudo, entre o dos rapazes e o das moças,
buscando valorizar o efeito gerado pela coreografia. Em
geral, os integrantes do corpo coreográfico utilizam botas e
portam adereços. Durante o período da pesquisa, foram
feitas algumas alterações nos uniformes do corpo
coreográfico, e alguns modelos novos foram desenhados
pelo atual coreógrafo da FAGAP.
...os uniformes representam
dispêndio financeiro e
preocupação para as Bandas,
j
á
que representam um papel
significativo no ritual da Banda.
(Santiago, 1992, p. 171)
.
Fig. 27 Campeonato em Queluz.
A renovação completa de um conjunto de uniformes
requer um grande investimento, por isso, as modificações
estão sendo graduais e sem uma peridiocidade.
Isso causa certo estranhamento nas pessoas que não
estão familiarizadas com esse universo. Em certa ocasião,
estando eu em uma cerimônia para a qual a Fanfarra foi
convidada a se apresentar, ouvi uma das pessoas que
assistiam à apresentação comentar:
Lá vem a FAGAP com aquela mesma roupinha de sempre...
O uniforme da FAGAP é visivelmente militarizado, o
que também é observado, embora não seja uma regra em
muitas outras bandas e fanfarras. Possivelmente “esta
aproximação com o traje militar” dá-se, “em grande parte por
herança e força da tradição”
(Santiago, 1992, p. 170). Ressalto
que essa característica não é encontrada, apenas, nos
uniformes de bandas e fanfarras, mas também nos de
congadas, folias de reis, moçambiques, etc.
Nas competições, os uniformes de todos os
segmentos devem seguir as cores oficiais, embora alguns
detalhes possam ser tolerados.
O uniforme [do corpo coreográfico] tem que estar no padrão
do corpo musical. Isso é a única regra que tem. A cor tem
que estar no padrão, a cor mesmo. (...) em dois concursos
o Paulista, aqui em Lorena, no ano passado, e em
Francisco Morato, esse ano. Nós vimos na nossa planilha
artigo tal, não me lembro o número, qual o artigo, (...) [que]
O corpo coreográfico não se enquadrou no artigo devido à
uniformidade, porque um naipe nosso é ocre e o ocre e o
cenoura não estão dentro da cor vinho e branco. Era só um
naipe só que estava de vinho e branco.
[Tota]
Podem ser utilizados diferentes tecidos, bordados,
botões e outros complementos que, historicamente,
representam uma valorização social, herdada dos tempos
da colônia e do império. Esses elementos dependem não
apenas da função da estética e do impacto desejado, mas,
sobretudo, das possibilidades econômicas da corporação.
Por isso, o contraste entre os uniformes de diferentes
corporações pode ser muito grande.
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O esplendor dos tecidos de seda com que vão se vestir os
novos senhores do Brasil, nos séculos XVII e XVIII, tem
uma função simbólica nos dois sentidos que acabam de lhe
dar: fortalece o corpo social dos proprietários e impulsiona o
comércio marítimo. Gilberto Freire relata inúmeras histórias
e análises nesse sentido, referentes à Bahia. Ele mostra,
em particular, que, mais que ao sustento, o aspecto
suntuário liga-se ao adereço. (...) de fato, trata-se de uma
suntuosidade que representa um ato de fundação. Despesa
pura, supérflua, servindo de semente: ostentação que
deseja provar às nações estabelecidas do velho mundo que
o que está nascendo, desempenhando um papel importante
no presente, está seguro de um futuro promissor (Maffesoli,
1996, p. 162).
Fora dos grandes eventos, encontramos algumas
fanfarras que portam uniformes desgastados, assim como
instrumentos em mau estado, algumas vezes, herança de
outras que, ao trocarem seus uniformes, doam os antigos
para esses grupos com menores recursos.
O uniforme do mor destaca-se dos demais pelo
modelo, pela disposição das cores. Talvez, em algumas
corporações, seja o mais
militarizado de todas. Mas o
uniforme que mais foge ao estilo dos demais é o da baliza,
necessariamente mais leve, por contingência das manobras
que realiza.
Fig. 28 – Capa DVD Drumline (2002)
Diretor: Charles Stone III
2
Esta influência
potencializa-se não só pelo
grande número de
corporações norte-
americanas, mas,
sobretudo, porque elas
disponibilizam grande
número de informações.
Nos últimos anos, a
Internet tem sido o
principal veículo para esse
acesso. Também o filme
Drumline (Dir. Charles
Stone III, 1992) contribuiu
muito para esta
intensificação.
Tradicionalmente e com o reforço em regulamentos, a
baliza não usa roupa transparente, colante ou cavada. Em
geral, elas utilizam botas, algumas vestem luva e, durante a
marcha, portam um chapéu ou um quepe. As cores de sua
roupa devem estar em harmonia com as do conjunto dos
demais integrantes. Observei que, nos últimos anos, para a
baliza da FAGAP estão sendo adaptadas as roupas que
eram utilizadas pela sua própria coreógrafa.
As roupas da baliza e do mor, por serem diferentes, os
destaca, realçando a particularidade dos papéis que
desempenham na Fanfarra. Também a roupa do regente
distingue-se por sua função. Mas, nesse caso, o traje é o
terno, sem qualquer vínculo, por cor ou modelo, com a dos
demais.
O traje militar, a beca e outras vestimentas típicas de certas
posições sociais têm a função de nelas esconder seu
portador, protegendo o papel desempenhado da pessoa que
o desempenha e, ainda, separando o papel que define a
sua posição social no ritual dos outros papéis que
desempenha na vida diária
(DaMatta, 1997, p. 60).
Finalmente, registro que, apesar da grande influência
exercida pelos uniformes das corporações estrangeiras
2
,
sobretudo as norte-americanas, os uniformes e adereços
guardam especificidades locais. Como exemplo, cito dois: o
de uma corporação da Bahia, que desfilava com pequenas
bonecas com trajes típicos como adereço, e a de
corporações de Santa Catarina, com roupas tirolesas.
Nesses casos, temos incorporação de elementos
tradicionais aos contemporâneos. Um outro exemplo de
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atualização da tradição é o uniforme de uma corporação de
Taubaté – a FAMUTA – que, ao renovar inteiramente o seu
figurino, o fez sob inspiração dos Bandeirantes
3
.
3
Lembro-me de que os
Bandeirantes são parte
da História Local.
Tudo leva a crer que a síntese entre o global e o local
esteja a ser mediada por uma importante dicotomia:
enquanto o global toma possessão dos níveis infra-
estrutural, sócio-político e ético-axiológico da cultura,
promovendo uniformização, o local agita-se ao nível formal
e estético dos símbolos e ícones, dando forma a identidades
diferenciais e auto-referenciais
(Pais, 2002, p. 190).
O uniforme tem grande valor simbólico para o grupo e
representa um “importante elemento no processo ritual
(Santiago, 1992). Para a Fanfarra, assim como
Para a Banda, o uniforme é a roupagem que habilita a ter
maior ou menor reconhecimento social. É comum difundir-
se entre os integrantes a idéia de que a aparência da
corporação, diante do público, não pode ficar em segundo
plano, ao mesmo tempo fortalecendo a idéia de que o
próprio indivíduo, isoladamente, se não quiser ocupar uma
posição marginalizada na sociedade, tem que se comportar
dentro de padrões estabelecidos em termos de vestuário e
higiene
(Santiago, 1992, p. 171).
O uniforme traz uma mudança de postura nos
integrantes da Fanfarra, pois, ao usá-los, esses jovens
assumem um ar solene muito diferente daquele do seu dia-
a-dia.
as pessoas vêem a gente ensaiando ali, vê assim vestido
normal, depois que você põe o uniforme para entrar, mas
não sabe como é ali para você, você tomar a emoção que é.
Você descobrir como é isso, essa emoção, esse
sentimento... quando você está de uniforme pronto para
entrar na avenida. [Edson]
O uniforme permite uma interação do corpo com a
roupa, originando uma posição interior, uma predisposição
interior que implica uma nova postura. Essa predisposição
interior é conseqüência de uma situação idealizada, que
pode ser atingida ou não.
Esse traje é a máscara nos termos em que se refere
Simmel
A máscara pode ser uma cabeleira extravagante ou
colorida, uma tatuagem original, a reutilização de roupas
fora de moda ou, ainda, o conformismo de um estilo “gente
de bem”. Em qualquer caso, ela subordina a persona a esta
sociedade secreta, que é o grupo afinitário escolhido (Simmel,
Apud Maffesoli, 1987, p. 127-128).
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8.1
Desenredando e Enredando a Fagap
A Fanfarra é um trabalho de muitos. Além da trama de
procedimentos na preparação dos jovens integrantes, para
as diferentes possibilidades de atuação que proporciona,
existem outros fatores, que são imprescindíveis para que
essa estrutura se mantenha. E, ainda, são evidentes
habilidades para atrair o interesse alheio, uma vez que, para
dar prosseguimento a suas atividades, algumas
negociações se fazem necessárias.
Lembro-me de que, acompanhando o seu sentido
original, muitas vezes, o termo fanfarra é utilizado para
designar apenas o grupo de músicos, outras, para
denominar o conjunto na sua totalidade.
Da mesma forma, FAGAP tanto pode denominar o seu
corpo musical em suas audições isoladas, quanto o conjunto
completo que se apresenta nos concursos de que participa.
Como delineei no histórico que introduz o tema,
diversas manifestações culturais conjugavam — e ainda
conjugam — música e coreografia. Também outros
elementos podem estar incorporados nessas ocasiões. Isso
ocorre no meio das bandas e fanfarras. Em geral, existe
uma relação entre bandas e fanfarras Portanto, é natural
que outros elementos também possam estar incorporados
às fanfarras, quando consideradas como um grupo musical.
E, ainda, que esses elementos, assim como as fanfarras,
remetam às origens aristocráticas e guerreiras comuns ao
grupo musical, cuja formação valorizava, lado a lado, a
disciplina física e a sensibilidade artística
4
.
4
Vale lembrar que os
romanos, responsáveis
pela popularização das
bandas, sofreram
influencia dos gregos, cuja
educação valorizava uma
formação integral. Vide
Jaeger (1989).
Portanto, ao que parece, o cerne da Fanfarra é o
corpo musical, ao qual podem estar agregados alguns
elementos alegóricos.
8.2
Corpo musical
O corpo musical — formado pelos instrumentistas e
seus instrumentos — constitui a fanfarra propriamente dita,
com presença masculina e, cada vez mais, feminina.
Antes predominantemente masculina, hoje, a
presença feminina é marcante e crescente e, ao contrário de
muitas corporações, a FAGAP conta com um considerável
número de moças no seu corpo musical.
Os ensaios mais freqüentes são os do corpo musical,
em conseqüência, o maior tempo de minhas observações
teve esse segmento como foco; por conseguinte, a maior
parte das referências de campo é a esse foco relacionada.
Os instrumentos
Na sua origem, em função da necessária
portabilidade, os instrumentos incorporados às fanfarras
eram relativamente pequenos, leves e de simples manejo.
Por serem executados em espaços abertos, esses
5
Vide Cap. 5
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Apresentando a FAGAP Hoje | 135
instrumentos requeriam grande potência sonora que
possibilitasse um longo alcance, sobretudo, no caso de
sinais
5
.
Hoje, a maior parte dos instrumentos apresenta essas
mesmas características. Porém, ao longo do tempo, nas
apresentações sem deslocamento, foram incorporados
instrumentos mais pesados e, conseqüentemente, de
transporte mais complexo.
Durante o período que acompanhei o grupo, tive a
oportunidade de acompanhar a introdução de alguns
instrumentos de percussão que, dado a suas peculiaridades,
agregaram novas possibilidades de performance musical e
firmando a identidade sonora do grupo.
Os instrumentos utilizados na Fanfarra não são
particulares, por isso, a relação com esses instrumentos da
fanfarra dá-se durante os ensaios
6
. Eventualmente, quando
precisam treinar um pouco mais ou quando não haverá
ensaio, um ou outro integrante leva o instrumento que
executa para casa.
6
Essa observação refere-
se aos instrumentos
utilizado2 Esta influência
potencializa-se não só pelo
grande número de
corporações norte-
americanas, mas,
sobretudo, porque elas
disponibilizam grande
número de informações.
Nos últimos anos, a
Internet tem sido o
principal veículo para esse
acesso. Também o filme
Drumline (Dir. Charles
Stone III, 1992) contribuiu
muito para esta
intensificação.
s na Fanfarra, pois alguns
integrantes – em geral os
rapazes – possuem um
instrumento particular que
Quando conversei com Rafael, ele destacou a relação
entre os instrumentos de sopro da Fanfarra com os de uma
Banda Marcial. Isso é interessante porque, por exemplo,
uma corneta sozinha não consegue executar toda uma
escala. São necessárias três cornetas, em diferentes
afinações, para completar uma escala equivalente à do
trompete. Como já me havia explicado Agnaldo:
Na verdade, o instrumento que eu toco, o trompete, é uma
reunião de várias cornetas juntas, em um só instrumento. O
que muda ali, na verdade, o tamanho dos tubos. Cada pisto
daquele, aumenta o tamanho do tubo. Na corneta não é
possível, porque ela é um corpo só, daí vem os tons dela: si
bemol, fá, mi bemol, ré. Então dentro da escala que o
trompete atinge, essas cornetas se encaixam as notas. São
a chamada escala eclética. Cada corneta dá cinco notas,
somando essas cinco notas, vai dar a escala do trompete.
Com o gatilho, pode executar outras cinco, mesmo assim
não tem como tocar sozinho (...)
Ou seja, para executar uma música, as cornetas
trabalham juntas para poderem alcançar uma escala
completa, com um efeito próximo ao do trompete. Da
mesma forma, estariam os cornetões para o trombone de
vara, as tubas para os souzafones e os bombardinos para
os euphoniuns.
Ao apresentar essas equivalências instrumentais não
pretendo discutir qualquer questão sob o enfoque musical.
Se as destaco, o faço com o intuito de ressaltar a
importância da participação em um trabalho conjunto em
cada um dos naipes, já que — para alcançar uma escala
completa — há necessidade de estarem reunidos três
instrumentos com diferentes afinações. Portanto, a
execução de uma música na fanfarra necessita de um
trabalho conjunto muito bem articulado. Cada integrante da
Fanfarra precisa estar bem azeitado com o outro.
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Aqui na Fanfarra, você precisa pelo menos de 3 pessoas,
três cornetas para fazer uma partitura. Então querendo ou
não os três tem que estar entrosados, porque tem que fazer
o papel de um, essa é a grande dificuldade da fanfarra,
grande dificuldade, tem que estar muito entrosado. [Rafael]
Eventualmente, outras formas de emissão de som são
improvisadas, tais como tubos de plástico, sinos, etc.
Esse improviso no uso sonoro de diferentes materiais
me reporta, mais uma vez, à concepção latouriana da
transformação do objeto.
A percussão da FAGAP pode ser apontada como um
de seus pontos fortes.
Hoje em dia, (...) vamos dizer assim, 50% do efeito musical
da FAGAP vêm da percussão. E todos eles tocam por
música...
[Agnaldo, ex-regente da Fanfarra].
Fig. 29 - Ensaio no Clube
.
Parece-me que esse é um potencial que vem sendo
explorado pelo grupo e lhe vem dando notoriedade. Como
apresentei anteriormente, no passado, os instrumentos de
percussão introduzidos pelos janízaros deflagaram um
notável desenvolvimento nas bandas européias. Por isso,
considero interessante salientar que
A percussão foi a família de instrumentos que mais
evoluiu no século passado, pois, em meados daquele
século, ela nem se constituía um naipe reconhecido. Com
certeza, foi um dos naipes mais explorados por
compositores e o que teve o maior desenvolvimento técnico
do século, quando grandes músicos levaram suas técnicas
às últimas conseqüências. E a evolução tecnológica de
alguns instrumentos? Só pode ser comparada a dos
instrumentos eletrônicos.
Isso tudo a percussão uma posição muito
respeitável no cenário musical, não permitindo ser deixada
ao descaso, muito ao contrário, se tornou um dos naipes
mais vislumbrados no mundo
(Lima, s.d., s.p.).
Portanto, contar com bons instrumentos de percussão
amplia as possibilidades de repertório e contribui para uma
boa performance.
Tem que ter uma pessoa que apóia esse projeto para poder
virar uma Banda Marcial. Como fanfarra a gente já
conseguiu tudo que nós queríamos. Desafios, temos.
Temos desafios! Mas acho que o grupo evoluiu tanto que a
fanfarra já passou, já fica abaixo do nível que nós estamos
querendo.
Mas teria que mudar todos os metais, um investimento
muito alto! Falta ter quem apóie isso. Faltam os empresários
quererem apoiar isso, é um projeto novo e a para a maioria
dos empresários, a fanfarra é uma coisa nova e tem um
mercado muito grande, mas os empresários, eles só
apóiam... Sim, futebol, basquete, vôlei que aparece mais na
mídia que fanfarra, que por enquanto não está aparecendo
tanto na mídia.
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Diria a um empresário que viesse conhecer o nosso projeto,
que não é só virar uma banda. É as pessoas com quem a
gente está trabalhando, dentro da fanfarra Gabriel Prestes
trabalhamos com jovens. Quase todos de bairros carentes
da cidade. Então estaria ajudando a maioria deles a achar
uma profissão. Eu teria, o único objetivo é ajudar o jovem,
estaria eu ajudando a nós, ajudando o jovem. Estaria
ajudando a nós a ajudar o jovem.
Com apoio, hoje nós somos 100 poderíamos ser 200, isso
ajuda aos jovens a não estar na rua.
[Washington]
Repertório
Em torno do repertório giram discussões técnicas, em
termos musicais, confronto de arranjos, cessão de partituras
entre si, a busca de originalidade, entre outros.
Ao maestro Washington, cabe a decisão final sobre a
seleção do repertório.
O repertório da Fanfarra inclui tanto a música erudita
quanto a popular. A escolha das músicas é pautada na
possibilidade de sua execução pelos músicos e no seu
caráter competitivo, ou seja, uma música que permita
desenvolver o nível técnico do grupo e demonstrá-lo,
sobretudo, nos campeonatos e concursos
8
.
8
Vide Cap. 7 e Cap.9
Em geral, esses são os fatores fundamentais na
escolha do repertório. A popularidade da música junto ao
público não é considerada e, tampouco, as possibilidades
coreográficas para as balizas e para corpo coreográfico.
Mas isso não significa que essas músicas não
impressionem e representem um desafio também para a
coreografia.
... cada vez mais a fanfarra está evoluindo musicalmente.
Deles. Há 10 anos atrás não era esse nível que é hoje.
Então eram umas coisas bem fáceis que pra mim já era
difícil coreografar. [ri] Mas hoje é bem facinho [sic] é um
arroz com feijão. Então eles evoluíram com a técnica
musical, como eu tenho que evoluir a técnica coreográfica.
Porque, no caso, as duas coisas têm que andar juntas,
porque senão, não adianta. Eu costumo falar para o
maestro que eu não posso opinar em nada, eu tenho só
que gostar ou não gostar. Eu posso falar pra ele se a
música é bonita ou se a música é feia. Só... Mas eu tenho
que fazer a coreografia.
[Tota]
Como conseqüência da concentração em um
repertório específico para competições, dificilmente um
público leigo, que não acompanhe esse tipo de produção,
conhece as músicas que a FAGAP e muitas outras bandas e
fanfarras executam.
Essa tendência no universo das bandas e fanfarras faz
com que, nos concursos, sejam escassas as músicas
populares e praticamente ausentes os ritmos brasileiros.
9
Por ter recebido como
informação confidencial,
não cito o autor nem a
obra. Como não foi
concretizada, permanece
como um trunfo, que
poderá ser usado
futuramente.
Conversando com o maestro Washington, fiquei a par
de seu desejo de que a Fanfarra executasse determinado
clássico brasileiro
9
. Porém, passados dois anos, o projeto
ainda não foi concretizado.
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De fato, não é uma coisa simples, é preciso cuidado
na adaptação de obras para fanfarra, mesmo para bandas.
Músicas tradicionais, principalmente as do gênero erudito
são difíceis de serem adaptadas para bandas marciais. (...)
a má transcrição poderá caricaturar a obra (Nascimento, s.d.,
s.p.).
10
Na ocasião, comentei
que — das músicas
apresentadas em
concursos — me
lembrava,apenas, de um
frevo, cujo título
desconheço, e de
Aquarela do Brasil nos
concursos. Quanto à
FAGAP, a única música
brasileira da qual me
recordava era Guardiões
do Saber, de autoria do
próprio Agnaldo, composta
para ser executada em
uma ocasião especial.
Por que não fazer como a
[banda] da Universidade do
A
rizona, que tocou Festa do
Interior e colocou a linha de
frente dançando frevo no Band
Day de 1990?
(Macedo, 2002,
p. 28).
11
A divulgação da obra
desses compositores é de
fácil acesso na Internet.
Muitas músicas podem ser
ouvidas em parte ou
integralmente e estão
disponibilizados para
venda os arranjos das
mesmas.
www.jamesswearing.com
www.robertwsmith.com
www.barnhouse.com/comp
osers.php?id=89
Quando entrevistei Agnaldo, ex-regente da Fanfarra,
compositor e arranjador de músicas para bandas, perguntei-
lhe sobre a ausência de música brasileira
10
em detrimento
de músicas estrangeiras, sobretudo, de músicas compostas
especialmente para concursos.
A princípio, ele parecia discordar de minha afirmação,
mas, logo confirmou a suposição que levantei.
Não! É comum, inclusive tem arranjos para Aquarela do
Brasil e Canta Brasil que são espetaculares, são arranjos
sinfônicos que a gente vê assim e... Nossa! Mas mudaram
mesmo a cara da música. E por aí já houve muitos...
Depois tiraram os compositores brasileiros, acho que por
essa invasão, vou dizer assim desses novos compositores
americanos, que trouxeram essa música o James Swearing,
Robert W. Smith, e Ed Huckeby
11
.
Essa nova geração deles... Os regentes, os próprios
integrantes da fanfarra, ouvem as composições deles e
ficam maravilhados. Então eu acho que foi isso. Aí, deve ter
forçado a ter tirado os brasileiros... Em alguns concursos
ainda tem.
Portanto, a seleção do repertório, a busca de músicas
mais complexas, parece-me ser, de fato, cada vez mais em
função da possibilidade de evidenciar habilidades técnicas
mais específicas, tendo em vista suas possibilidades
competitivas. Que esse repertório contribui para o
aprimoramento das habilidades técnicas e o
desenvolvimento musical de cada instrumentista é certo,
porém, pergunto-me — e perguntei ao maestro — se para
os novatos não ficará cada vez mais difícil nivelar-se ao
grupo e, conseqüentemente, dele participar.
Entendi que, para o ingresso no grupo, não é
necessário um nivelamento com os demais, pois o novato
executaria o que estivesse a seu alcance e progrediria já no
interior da fanfarra.
A par disso, parece-me que existe o desejo latente de
que novas fanfarras sejam constituídas, lideradas, talvez,
por integrantes do atual grupo. Importante lembrar que,
ainda, há o desejo e o desafio de que, se a Fanfarra for
extinta, o grupo constitua uma Banda também.
Maestro ou Regente
Quanto ao maestro ou regente,
nele se localiza o eixo central
das atenções ao trabalho das
Bandas
(Santiago, 1992, p.
197).
O principal regente da FAGAP é Washington de
Oliveira Souza, que, como muitos outros maestros de
bandas e de fanfarras, iniciou sua formação musical nesse
mesmo universo.
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Eu fui criado no meio, desde 1974 (...)
Desde que eu vi uma fanfarra eu gostei disso aí. Quando eu
vi, eu nem sabia o que era banda e o que era fanfarra.
Gostei da música. Desde que entrei na fanfarra eu sonhava
em entrar para o quartel e ser um músico profissional. Eu
morava do lado da Fanfarra da Escola Conde Moreira Lima,
tinha fanfarra. Eu, no começo acompanhava, eu ia andando
atrás, não podia entrar ainda aí eu só acompanhava, toda
apresentação eu tava até que me deram uma oportunidade.
Comecei com 8 anos, em 74 – sou de 67 – até hoje... (...) e
tocando em fanfarra fui até... 91, já estava no Exército, mas
tocava nas fanfarras em 92.....
Toquei na fanfarra do Conde Moreira Lima, na Fanfarra do
Prudente de Aquino, na Fanfarra do Arnolfo, na Banda
Municipal de Lorena, (...), Banda Municipal de
Pindamonhangaba, Colégio São Joaquim. Sempre morando
em Lorena, em Pinda toquei os últimos 4 anos. De 88 a 92,
eu estava em Pinda.
Atualmente, o segundo regente é Rafael Tobias, um
jovem de 22 anos que iniciou seu aprendizado musical na
própria Fanfarra.
Eu entrei em 1995 na Fanfarra, eu tinha 11 anos e não
sabia nada, nada de música e foi bem no início da fanfarra,
foi bem assim. Ninguém sabia partitura, ninguém mesmo da
fanfarra então foi todo mundo aprendendo junto realmente,
né... Eu fui ler partitura, a primeira partitura em 97, e acho
96, eu não me lembro. Eu peguei toda essa fase, eu não
sabia nada de música e fui aprendendo.
Algumas vezes, o grupo se refere a Washington como
maestro, em outras, como regente. Afinal maestro?
Regente? Seriam sinônimos ou não?
O emprego do termo [mestre],
para além das lides acadêmicas,
talvez, possa se vincular às
Confrarias Religiosas e às
Corporações de Ofício que,
segundo Franco Junior (1993)
,existiram na França (“métier”),
na Inglaterra (“ghilds”), na
A
lemanha (“innungen”), na
Itália (“arte”) e em Portugal
(bandeiras de
ofícios/corporações), durante o
período medieval
(Frade, 1997,
p. 165).
Fig. 30 – em Queluz
Consultando os regulamentos de concursos, observei
que se referiam ao Regente ou Maestro – assim
mesmo com o conectivo – sem que em algum tópico
houvesse uma diferenciação. Uma pista interessante
encontrei nos programas em que aparece Regente:
Maestro Fulano de Tal, o que parece indicar o
regente como o que exerce uma determinada
atividade – a regência – e maestro como um título. A
consulta a dicionário especializado – Dicionário de Música
de Borba & Lopes-Graça – confirmou minha suspeita.
MAESTRO (do it. maestrino)
Mestre, professor, compositor ou director de orquestra de certa
categoria. Esta designação generalizou-se em todo o mundo
artístico. (...) mas [o termo] não se vulgarizou nos conservatórios,
onde vigoram ainda os antigos vocábulos de mestre e professor.
REGENTE
O que dirige, conduz ou orienta um importante grupo musical,
uma orquestra, uma banda, um orfeão, etc., o que dirige a
execução de uma partitura.
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Apresentando a FAGAP Hoje | 140
A leitura dos verbetes indica que o maestro é o
mestre, aquele que ensina, o que me faz lembrar que, em
espanhol, a própria palavra maestro significa mestre.
Além de ser responsável pela formação e pelo
aprimoramento do corpo musical, em geral, cabe ao maestro
resolver os diversos entraves que surgem em função da
participação em diferentes competições, tal como obter
fundos para a inscrição no evento e para o transporte.
Nesses outros aspectos, a ele somam-se outros integrantes
do grupo, porém, ele é o principal contato da FAGAP.
Vários são os responsáveis pelo sucesso do evento,
mas, agora, é importante citar os maestros que realizam
não só o trabalho de formação e preparação do músico, do
repertório, mas que são obrigados a participar da parte
administrativa, burocrática e, principalmente, "arrumar
dinheiro" para custear a viagem
(Pereira, 2005, s.p.).
Assim, o maestro tem um importante papel na sua
relação com o grupo, não apenas na condução musical, mas
também como administrador geral da corporação. Ou seja, o
maestro assume diferentes papéis que não são estritamente
vinculados ao musical, mas necessários ao universo em que
o grupo está inserto. Mais adiante, retomarei essa questão.
O relacionamento do maestro com os grupos é
bastante informal, ao contrário do que possa parecer em
alguns ensaios.
...a presença de grande número de militares não impõe
necessariamente uma imagem externa marcante de
caracteres da vida militar. Ao contrário, (...) a visão da
Banda por parte desses músicos é de um lugar de lazer e
confraternização, de reforço dos laços de sociabilidade, em
que a hierarquia e a disciplina são decorrência da
camaradagem e do companheirismo, responsáveis pela
manutenção e atuação do grupo
(Santiago, 1992, p. 184).
Entendo que esses laços de sociabilidade criam um
mundo de trabalho compartilhado, no qual estão incluídos os
modos de operar objetos, os procedimentos disciplinares e
as decisões.
Como sociabilidade, entendo a possibilidade de
compartilhar formas de operar procedimentos técnicos
e equipamentos, formas de controle e decisões
que
podem gerar conhecimentos e artefatos
(Knorr-Cetina, 1995).
Nisso parece concordar Rafael Tobias, quando
destaca:
Sempre estou entre eles, estou brincando,conversando
assim. (...) A gente separa bastante amizade e trabalho. A
gente está aqui na frente, estou na frente é trabalho. Eu não
ganho nada com isso aqui, mas o que a gente está fazendo
é para fazer direito. Eu falo isso para eles, então amizade
fica no intervalo, para fora do portão, mas durante o ensaio
não...
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De fato, à frente da Fanfarra, observei que tanto ele
quanto o Maestro Washington mudam a postura:
Quando estou na frente fico sério mesmo. A Fanfarra, a
Fanfarra não, qualquer grupo ela é muito o espelho de
quem está na frente. [repete] Quem está tocando é espelho
de quem está na frente. [Rafael]
Mas afinal,
O chefe da orquestra é um chefe, e a questão da
autoridade está no cerne de sua prática. Justificada
por razoes técnicas, legitimada por um conjunto de
regras e tradições, sustentada pelo carisma de seus
protagonistas, esta autoridade se exerce em primeiro
lugar sobre os músicos da orquestra. Ao mesmo
tempo, o espetáculo de sua prática exerce um efeito
real sobre a música, ela é igualmente decisiva para a
influência do chefe sobre o público
(trad. Buch, 2002, p.
1001).
8.3
Linha de Frente e seus componentes
A Linha de Frente é todo o conjunto que vai à frente do
corpo musical. Esse conjunto é composto de diversos
segmentos, a saber: o Pelotão Cívico
12
, o Estandarte
13
, as
Guardas de Honra, todos os portadores de flâmulas,
bandeirolas, escudos, etc., o Corpo Coreográfico
14
e, ainda,
o Mor
15
e a Baliza
16
.
12
O Pelotão cívico é
constituído pelos portadores
das bandeiras nacional,
estadual, municipal e, se for o
caso, a da escola.,
Apresenta-se ladeado , pela
Guarda de Honra. Não faz
evoluções nem coreografias.
13
Estandarte ou Porta-
estandarte é a denominação
dada ao portador do
estandarte da corporação
musical. Também é
acompanhado por uma
Guarda de Honra. Não faz
evoluções coreográficas.
14
Corpo Coreográfico: é
responsável pela coreografia
das músicas executadas pela
Fanfarra.
15
Mor: conduz o desfile do
grupo musical e coordena as
coreografias.
16
Baliza: realiza, à frente do
grupo musical, evoluções e
coreografias, que requerem
alta flexibilidade corporal, além
de malabarismo.
No universo das bandas e fanfarras, acredita-se que
suas raízes possam estar
nas alas frontais das tropas de guerra e das guardas reais,
que traziam, à frente, os brasões, escudos, flâmulas
bandeiras e bandeirolas para identificação das mesmas
(Miranda, 2000).
Porém, não se pode esquecer que esses
complementos – brasões, escudos, flâmulas bandeiras e
bandeirolas – estão presentes em muitas outras
manifestações populares.
O corpo coreográfico
O corpo coreográfico requer movimentos marciais com
a leveza e graciosidade da dança. Talvez, por isso, a
participação dos rapazes seja menor do que a da moças.
Como já relatei, Tota do Vale, atual coreógrafo da
FAGAP, foi o pioneiro nessa participação. Após sua entrada,
outros ingressaram e, hoje, se pode afirmar que é
considerável o número de rapazes que já passou pelo corpo
coreográfico da FAGAP.
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Mor
O Mor ou Regente-mor coordena a movimentação
coreográfica da Fanfarra, comanda o corpo musical durante
o seu deslocamento até o local de apresentação, onde
passa o comando ao regente. Pessoalmente ou por meio de
pequenos filmetes
17
, observei que algumas fanfarras
militares, além do regente, contam com um elemento que
desfila à frente, conduzindo-as, até o local onde
permanecerão. Em alguns locais, esse elemento recebe a
denominação de baliza.
1
7
Tive acesso a alguns
filmetes de fanfarras e bandas
da Argentina, Uruguai e Chile.
Em síntese o Mor ou Baliza,
Fig. 31 – Mor
.
É o dirigente das fanfarras, precede a banda nos desfiles e
apresentações, portanto a maça, ou entre nós, baliza. Com
ela, bastão que é de madeira nobre com remates e finas
aplicações de ouro ou prata, realiza movimentos
ornamentais espetaculares e que, originariamente,
significavam ordens aos executantes das peças musicais
executadas
(Meira e Schirmer, p. 35 e 36).
Na FAGAP, Tota do Vale, o coreógrafo da Linha de
Frente é o Mor, Ele me explicou sobre esse seu papel na
Fanfarra.
O Mor nem sempre é o coreógrafo, o coreógrafo pode estar
trabalhando uma outra pessoa para ser a figura do Mor.
Mas o Mor na realidade é... a palavra Mor é um sincopado
de maior, é uma abreviatura de maior, então é o maior, o
principal no caso. Dentro de uma corporação, a figura
principal é o Mor. Ele é o responsável por toda a
corporação, tanto na linha de frente quanto na parte
musical. Lógico que a parte musical é trabalhada com o
maestro, a musicalidade é trabalhada com o maestro. Então
o Mor, ele ficou responsável pela parte de apresentação da
corporação, o desfile mesmo. O desfile em si. Então é a
marcha, a postura, é... o conjunto mesmo da obra toda é
responsabilidade do Mor.
Na realidade esses movimentos coreográficos que a gente
faz na frente da corporação é uma regência cadenciada.
Assim a minha função como Mor é conduzir a corporação, a
parte musical. No caso, conduzir todo o corpo musical com
movimentos de regência durante o desfile e fora esses
movimentos de regência durante o desfile, eu tenho que
fazer uns movimentos coreográficos de apresentação da
corporação.
Então tem todo esse movimento cadenciado para eles
saberem como está o ritmo da música e mais os
movimentos de apresentação para o público da corporação.
Depois eu tenho que montar a concha para eles
apresentarem as peças e entregar, passar para o maestro.
O Mor, embora não esteja presente em todas as
bandas e fanfarras, geralmente tem uma performance
marcante e bastante teatralizada. Para marcar a cadência,
Existe uma técnica específica para o manejo do bastão do
Mor, que é muito diferente daquela utilizada pelo Maestro,
bem como várias coreografias “clássicas” para a
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movimentação da Banda. Um Mor eficiente é um espetáculo
à parte. Sua atuação rouba sempre um pouco da atenção
do público e acrescenta um toque de garbo e majestade à
apresentação da Banda (Miranda, s.d., p.).
Fig. 32 – Campeonato Paulista 2005
Você treina, treina, treina e chega na
hora as vezes é uma questão do tempo.
É um vento. É a chuva... [Isis]
18
A Ginástica Olímpica, na sua
modalidade feminina,
compreende quatro provas:
salto sobre o cavalo, paralelas
assimétricas, trave de
equilíbrio e solo.
19
Destacam-se os
lançamentos e capturas da
cordas e os saltos com a corda
aberta ou dobrada, segura por
ambas as mãos.
20
Podem ser apresentados
diversos movimentos, rotações
ao redor de diversas partes do
corpo, além de lançamentos e
capturas.
21
Além do arremesso e
captura, destacam-se as
batidas rítmicas.
22
O movimento deve ser
constante e destacam-se os
realizados lançamentos e
capturas.
23
Diversos movimentos com a
bola em equilíbrio, saltos e
giros com a bola apoiada no
chão ou com deslizamentos ao
longo do corpo , além de
lançamentos e capturas,
destacam-se no trabalho com a
bola.
24
A baliza executa diversos
movimentos com o bastão
utilizado ambas as mãos ou
apenas uma delas, pode girá-
lo, lançá-lo etc
25
Segundo entrevista de
Catherine Lazard.
Baliza
À frente da fanfarra, a baliza faz diferentes
movimentos, que requerem alta flexibilidade corporal. A
coreografia da baliza deve acompanhar a música executada,
buscando causar um impacto com os seus movimentos.
Sua atuação conjuga vigor e suavidade, acompanhada
nas apresentações de um constante sorriso nos lábios.
A gente sorri sem sentir. Quando empolga o Público então...
a gente se abre em sorrisos.
[Isis]
Rir e sorrir são formas de expressar emoções. Melucci
afirma que “o riso tem uma característica de espontaneidade, é um
fenômeno repentino e imprevisível”
(Melucci, 2004, p. 165).
O sorrir também o é. O público contribui para o sorrir
sem sentir, pois “o sentimento de prazer ou de satisfação
aumenta com a presenca de expectadores, embora esta não
seja essencial para esse prazer”
(Huizinga, 2005, p. 57).
A dança é a base dos movimentos da baliza. Seja o
balé clássico, seja o moderno ou o jazz, são as técnicas de
dança que embasam a leveza dos movimentos.
Além da dança, elementos da Ginástica Rítmica
Desportiva (GRD)
e a Ginástica Olímpica
18
contribuem para
a performance da baliza. Os equipamentos utilizados pelas
balizas são os mesmos da GRD e seus movimentos de solo
parecem inspirar-se na Ginástica Olímpica.
A baliza manipula diversos equipamentos pequenos
(corda
19
, arco
20
,massas
21
, fita
22
e bola
23
), sempre
combinando os movimentos com o ritmo da música. Mas é
o bastão
24
, que leva obrigatoriamente na sua entrada nos
desfiles, que a caracteriza. Esse bastão, também
denominado baliza, provavelmente é herança de sua
possível origem a do regente-mor.
Cada objeto encerraria múltiplas histórias, reportando-nos a
um tempo e a um espaço que já não estão ali, senão em
vestígios, numa linguagem muda que fala à sensibilidade de
seus possíveis interlocutores (Queiroz e Melo, 2007, p. 17 ).
No Brasil, denomina-se baliza a figura que, em muitos
países, é conhecida como majorette, que, como mor é uma
palavra procedente de uma mesma origem (major ou mayor)
e tem em comum, cada qual a seu modo, introduzir a
corporação.
Por algum tempo, intrigou-me a origem da baliza como
elemento feminino nas bandas e fanfarras. As minhas
indicações eram apenas relacionadas a um papel
masculino. Entretanto, no prosseguimento da pesquisa,
encontrei uma versão para essa presença nas bandas e
fanfarras. Ela teria ocorrido logo após o final da Segunda
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Guerra Mundial, quando os americanos levavam atrações
para o entretenimento das tropas. Uma delas era uma
apresentação com dançarinas que acompanhavam as
músicas militares, fazendo evoluções inspiradas naquelas
que os próprios militares realizavam
25
. Talvez simulassem
conduzir os músicos com um pequeno bastão, em alusão
ao utilizado pelo regente-mor e ao poder que o próprio
bastão simbolizava
26
. Aos poucos esse elemento feminino
foi incorporado às bandas civis e tornou-se presença quase
obrigatória entre elas.
26
Cetro do rei, bastão de
comando do general, a batuta
do maestro, etc.
Fig 33
Pintura encontrada em Luxor
Tumba de Nebamum
XVIII dinastia
Em algumas cenas antigas,
também se destacam as
acrobatas, que realizavam suas
p
erfomances em banquetes e
festas, como podemos ver na
cena mais abaixo. Uma das
festas mais conhecidas era a
Festa de Opet, em Luxor, em
homenagem ao Deus Amon.
Ainda no que diz respeito a possíveis origens da
baliza, não posso deixar de salientar que a presença da
figura feminina, dançando ou realizando malabarismos e
acrobacias, não é recente, ao contrário, ela remonta a
tempos muito antigos.
Embora não seja comum, alguns rapazes participam
como baliza ou balizador, como, por vezes, são nomeados.
Conheci dois. O primeiro por ocasião de um campeonato em
Taubaté, como integrante de uma corporação de Lagoinhas.
Na ocasião, soube que ele já participara com a FAGAP em
algumas apresentações. No mesmo ano, para matar a
saudade, ele integrou-se à FAGAP no desfile do Sete de
Setembro. O segundo baliza avistei concorrendo por uma
outra fanfarra de Lorena, no Campeonato Estadual de 2005.
Ao aproximar-me, o reconheci como um ex-integrante do
corpo coreográfico da FAGAP.
Atualmente, a Fanfarra conta com apenas uma baliza
e há poucos meses também com uma aprendiz, entretanto,
há quatro anos, as balizas eram três. Uma delas saiu por
indicação médica, não querendo se desligar da Fanfarra, e,
por algum tempo, incorporou-se à percussão (pratos). A
saída da outra se deu por questões de posição dentro do
grupo. Explico: nas competições podem apresentar-se
diversas balizas, porém, apenas uma – primeira-baliza – vai
a julgamento. Quando, pela primeira vez, essa menina
deixou de ser indicada para concorrer pela Fanfarra, sua
mãe procurou o maestro, pedindo-lhe que intercedesse pela
filha. Porém, a decisão não era dele, mas da coreógrafa, e o
que ela decidiu foi acatado. A regra é: concorre quem está
em melhores condições na época
28
.
28
Essa foi a versão que me foi
dada pelo grupo que
permanece na Fanfarra.
Quando essa baliza saiu,
soube que algumas amigas do
corpo coreográfico a
acompanharam, mas não
pude ouvir nenhuma delas.
A atual baliza ingressou na FAGAP de uma forma
curiosa, foi descoberta por Íris, sua coreógrafa:
Eu tinha um grupo de ginástica. Fui fazer um trabalho
voluntário lá no abrigo... Tem criança que mora lá e tem
crianças que passam o dia lá, estudam mas ficam lá.
Ela [a Loraine] estudava de manhã e ficava lá à tarde,
depois da aula ia para lá. Aí eu comecei a fazer um
trabalho, ia uma vez por semana e ficava fazendo ginástica
com as meninas de lá.
Foi quando eu conheci a diretora, que era a d. Maura. Foi
ela quem me falou dela [a Loraine], que tinha uma menina
que vivia brincando de ginástica, Ela achava que a menina
tinha talento e coisa e tal. Fui dar aula pra ela e ela era
assim já... Desde pequena. Quando eu a conheci ela tinha
uns oito, nove anos.
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Era brincando, mas ela já sentia tinha facilidade, pelo que
ela fazia. Tem gente que leva seis anos e não faz.
Para a baliza da FAGAP, essa brincadeira é normal na
cidade em virtude do conceituado grupo de GRD de Lorena.
Em sua opinião, procurando imitar as ginastas do grupo,
muitas meninas
começam se virando, já entram na ginástica fazendo muita
coisa. Tem meninas que já entram sabendo.
Mas sua coreógrafa contesta:
Mas ela... Ela, o trabalho corporal dela... Ela já nasceu apta
pr´aquilo entendeu? A coluna dela é um absurdo! Coisa
assim que eu podia morrer de treinar, outras pessoas,
nunca conseguiriam.
Coreógrafa da Baliza
A jovem baliza, como disse, tem sua própria
coreógrafa – Íris Pacheco, ex-baliza da FAGAP
Fiquei como baliza até 2001. Depois eu casei. É com 22
anos. Fiquei 5 anos como baliza, 5 anos... Eu entrei assim
já meio tarde, mas pelos anos que eu fiz ginástica... É
assim para você começar a ser baliza com dezoito anos,
para quem nunca fez nada de ginástica aí é diferente. Mas
eu não, eu já tinha feito 3 anos de balé quando eu morava
em Taubaté, fiz ginástica olimpica e fiz seis anos de
GRD
29
. Eu tinha ritmo e era flexível, mas foi difícil adaptar
porque são coisas diferentes, mas depois eu entrei no
esquema.
29
A GRD - Ginática Rítmica
Desportiva é um esporte
praticado apenas por mulheres
e destaca-se pela beleza e
delicadeza de seus
movimentos, aliados à grande
elasticidade. O grupo de GRD
da cidade de Lorena é muito
bem conceituado no meio
desportivo e tem atraído
inúmeras meninas para a
prática desta modalidade.
Fig. 34 - Coreógrafa e baliza
Durante o ensaio
.
Quando a Fanfarra começa a ensaiar uma nova
música, ela precisa coreógrafá-la para a baliza. Para isso,
ela passa o dia todo pensando, com aquela música na
cabeça, imaginando possíveis coreografias.
A coreografia da baliza precisa estar em perfeita
harmonia com a música. Por isso, a elaboração da
coreografia conclui-se na prática, porque, muitas vezes, uma
idéia pode não ser tão interessante visualmente como se
supunha ou até mesmo impraticável. Além disso, novas
idéias podem surgir, à medida que ensaiam, e também a
própria baliza apresenta sugestões a partir de sua maior ou
menor segurança em realizar determinados movimentos ou,
simplesmente, com base em suas próprias idéias.
Além de coreógrafa, Íris é responsável por várias
atividades durante a inicialização da jovem baliza:
... ela já nasceu assim, então só precisava trabalhar um
pouquinho. Aí. eu comecei a levá-la para fazer aula de
ginástica, porque eu dava aula. Eu a buscava em casa,
levava para a aula e depois levava para casa de novo
porque ela mora lá com a avó dela e não tinha ninguém que
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pudesse levá-la, ela era pequena. Eu que era a responsável
eu pegava levava para ginástica e devolvia .
No entanto, existem outras atividades que seriam
interessantes que a jovem baliza pudesse participar, pois,
embora campeoníssima, faz-lhe falta uma boa iniciação em
dança. Seria interessante que pudesse freqüentar aulas de
dança regularmente, porém não tem sido possível.
Coreografia
A coreografia busca adequar diferentes evoluções à
determinada música, considerando “a performance solene
do teatro, a criatividade do ballet e da dança, o rigor e
precisão da ginástica olímpica
(Pereira, 2003, s.p.).
No universo das bandas e fanfarras, em geral não
registram em papel os seus projetos e trabalhos
coreográficos
30
, havendo a transmissão de conhecimento na
oralidade. Por meio da Internet, localizei apenas uma
tentativa de registro gráfico, mas, em meus contatos diretos,
nenhuma.
B
asicamente, para se ter
e
quilíbrio entre coreografia e
m
úsica, pode-se utilizar os
t
rechos lentos e, em piano, para
s
eqüências que enfatizem as
h
abilidades expressivas da
b
aliza;
j
á as habilidades da
g
inasta e da bailarina precisam,
n
ormalmente, de trechos mais
r
ápidos e fortes.. (Bozzini, s.d.).
Tota do Vale é o atual responsável pela coreografia do
grupo. Ele concebe os movimentos e os ensaia com base no
que imagina e registra em sua memória.
É isso, a gente aprende assim, na prática mesmo. Não tem
como escrever isso, não tem como registrar, é difícil, vai
criando assim na hora.
Também explicou-me como concebe o trabalho que
será apresentado:
Primeiro a gente tem que imaginar qual o espaço que a
gente vai utilizar. Geralmente, a Fanfarra se apresenta em
lugares públicos, em ruas. Então você já tem mais ou
menos o espaço definido de uma rua.
Porque coreografia nada mais é d
o
que movimentos que giram em torn
o
de quê? De dança!
Só que os
nossos movimento
s
[enfatiza] são voltados para
a
marcialidade, pra marcha
. [Tota]
Aí a gente tem que medir assim: centro, o eixo da
coreografia, laterais, diagonais, a gente vê mais ou menos
como a gente vai dispor os componentes nesse espaço, pra
gente não acertar o público, eles não se acertarem, né? Daí,
dentro dessas formas e criando outras que girem dentro
disso. Dentro desse eixo do centro, diagonais e laterais. Aí
vale a criatividade para criar essas outras formas. Vão
saindo as formas arredondadas... as retangulares, daí vai...
gerando uma série de formas e a utilização da lateralidade,
não só usar de frente para um lado, usar de frente para
vários lados, todos componentes para um mesmo lado,
divididos... é meio complicado, mas uma coisa vai puxando
a outra, entende?
E a gente presta atenção de nunca repetir a mesma forma
dentro daquele espaço ali, nunca repetir o mesmo
movimento.
Coreógrafo da Linha de Frente
A partir de conversas com alguns coreógrafos foi
possível concluir que, em geral, eles são oriundos de
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diferentes áreas, tais quais: profissionais de dança e teatro,
professores de educação artística ou educação física e ex-
integrantes de bandas e/ou fanfarras.
O coreógrafo da FAGAP, Tota do Valle, tem a dança
por base.
Eu gosto mais do clássico, mas na Fanfarra, na coreografia,
eu procuro puxar um pouquinho de cada. Procuro puxar um
pouquinho do clássico, um pouco do contemporâneo, um
pouco do jazz também... eu fiz alguns anos de jazz.
(...)
Ter estudado dança me ajuda bastante. Não adianta a
gente fazer um trabalho de postura e exigir a marcha - que é
um dos itens principais do nosso trabalho - sem conhecer a
anatomia do corpo, porque de repente eu posso estar
forçando a musculatura da pele dos componentes. E depois
eles podem sofrer um acidente com isso. Então, eu tenho
que conhecer e, para isso, eu tive aula de dança. Então eu
tenho uma certa noção de alguns movimentos que eu posso
estar aplicando. Isso me ajudou bastante. E tem que ser
assim, um trabalho... Isso é minucioso porque tem que
pegar cada componente e ver qual o limite de cada um...
Porque, quando chega no concurso, eles vão analisar o
conjunto, a uniformidade do conjunto.Então eu tenho que
trabalhar cada individuo para saber qual o limite dele.
O que eu posso puxar mais nele, para eu conseguir depois
uma uniformidade, conseguir trabalhar a altura de perna de
todas na mesma altura.
Então eu não posso exigir: Tem que marchar igual! Mas
como se eu não sei o limite de cada um? Né... Então tem
que fazer todo esse trabalho individual. Aí tem a
musculação da perna, ponta de pé, respiração, equilíbrio e
tudo isso a gente vai aprendendo com aula de dança
mesmo. Porque é característica da dança. Porque nosso
trabalho, como é um corpo coreográfico, tem que
desenvolver coreografia, e coreografia nada mais é do que
movimentos que giram em torno de que? De dança!
Só que os nossos movimentos [enfatiza] são voltados
para a marcialidade, pra marcha.
Ele é extremamente criativo: cria e recria, muitas
vezes inovando, com simplicidade, a partir do material que
já possui. Um exemplo: para um desfile de Sete de
Setembro, ajustou elásticos aos usuais bastões de modo a
que pudessem ser manuseados como arcos, dos quais
saltavam flechas imaginárias.
Outras vezes, ele idealiza objetos mais trabalhosos,
que são concretizados pela equipe de apoio, que será
apresentado mais adiante.
Tota, pioneiro na participação masculina no corpo
coreográfico da FAGAP, considera que
...o coreógrafo da época, ele não tinha assim é... grandes
idéias, não tinha nada de inovador para apresenta. Era uma
coisa muito limitada. Aí o Washington mesmo me propôs: se
eu tinha capacidade para montar uma coreografia e eu
disse “jamais!” Imagina, jamais passou isso pela minha
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cabeça que eu ia conseguir montar uma coreografia. Ele
falou: “então vou levar você para conhecer um coreógrafo
de uma banda “, uma banda que até então era famosa aqui
na região, que era os Dragões de Pindamonhangaba. Aí ele
pegou, me apresentou ao coreógrafo, ele l mês deu umas
aulas particulares, me explicou mesmo como que se
desenvolvia uma coreografia dentro de um espaço, né.
Assim como existe um tipo de música que favorece o
corpo musical, imaginei que talvez houvesse um que
beneficiasse a coreografia. E ele elucida:
Ah sim!. Por que vai muito do andamento da música, do
ritmo, né. Porque se ela tem uma variação de ritmo, isso
favorece mais o trabalho, pode-se criar muito mais em cima,
mas se ela tem um movimento só, do início ao fim, o
trabalho fica meio assim... Meio morto, sabe... Não tem
aquelas nuances.
Em palavras simples, fica chato. Fica chato! Porque não tem
aquelas nuances de movimento. De repente o movimento
está suave, aí você quebra os movimentos suaves com os
movimentos mais rápidos, então desperta a atenção de
quem está assistindo. De repente acaba essa parte rápida,
essa euforia toda, aí vem os movimentos bailados... Quando
tem essa variação de ritmo, fica mais bonito o trabalho!
A
qui a gente faz de tudo um pouco.
Eu, por exemplo, eu limpo os
sapatos, eu lavo as roupas, faço
bolo, ajudo no que precisa, recebo
dinheiro quando precisa viajar, para
o ônibus... Tudo que aparece a gente
f
az um pouco.
[Sandra]
Cabe ressaltar que a formação desses coreógrafos se
dá pela experiência particular em diferentes áreas, e as
especificidades da coreografia de fanfarra são transmitidas
entre eles, isto é, os mais experientes transmitindo para os
novatos.
Comecei a fazer congressos em São Paulo... todo ano tem
um congresso. Esse congresso é pela Federação Paulista
de Fanfarras então tem um instrutor de linha de frente, que
ele já é famosíssimo no país inteiro. Ele dá vários cursos no
país afora e nesse congresso.
E nesse congresso ele apresenta pra gente como que a
gente deve é... montar uma linha de frente assim,
trabalhando todos os itens que os regulamentos do
concurso pede desde a uniformidade até o trabalho prático
mesmo de marcha, postura, a empunhadura dos bastões,
dos adereços.
(...)
Aí eu comecei a participar desses congressos e foi abrindo
mais a minha visão quanto à coreografia. Daí em diante eu
não parei mais, até hoje.
31
Quando iniciei a pesquisa, a
equipe de apoio era
constituída por 15 pessoas (12
mães e 3 pais); hoje está
reduzida a uns dez elementos.
32
Observei que grande parte
dos pais não acompanha a
trajetória de seus filhos na
Fanfarra. Alguns, conforme
pude constatar, nunca
assistiram a uma participação
da Fanfarra.
8.4
Equipe de Apoio
A equipe de apoio é pequena, mas sua participação é
intensa
31
. Constitui-se por mães e, em menor número, por
pais de alguns dos jovens da Fanfarra e, ainda por alguns
simpatizantes, tais como ex-integrantes, amigos e até
mesmo algumas mães que permanecem, mesmo quando
seus filhos se desligam da Fanfarra.
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A equipe de apoio tem um papel fundamental na
Fanfarra, uma vez que exerce inúmeras funções que
contribuem para a manutenção e o êxito do grupo. Além
disso, seus componentes são elementos que dão apoio e
carinho para os jovens, representando, muitas vezes, as
figuras materna ou paterna, ausentes para alguns deles
32
.
A equipe acompanha o grupo nas apresentações e
nos campeonatos, ajudando na organização e no transporte
do material necessário, tais como uniformes – calças,
quepes, sapatos, túnicas, etc. –, instrumentos, bandeiras,
estandartes, escudos, diferentes adereços, entre outros
itens. Preocupam-se, como afirmou uma das mães, até
mesmo “com o terno do Washington
33
.
33
Contam que, certa ocasião,
ao chegarem ao local onde
seria realizado um dos
certames, o regente deu por
falta de seu paletó, camisa e
gravata. Ele pensava que sua
esposa ocupara-se em levá-
los, e ela, por sua vez, julgava
que ele já os embarcara.
Desde então, o terno do
regente foi incluído nas
preocupações da equipe de
apoio, e esse episódio foi
incorporado a seu discurso.
fig. 35 – Cada coisa no seu lugar...
Fig. 36 – Equipe de Apoio
34
Nas viagens, além da
necessidade de todos os
integrantes portarem sua
carteira de identidade, é
preciso ter uma cópia de cada
uma delas e, ainda, uma
autorização de viagem dada
pelo responsável de cada um
dos jovens menores de idade.
Também, é a equipe de apoio que se responsabiliza
por maquilar e prender o cabelo das meninas, fazer
consertos de última hora nos uniformes e adereços, além
disso, inevitavelmente, esses componentes preocupam-se
em acalmar aqueles que estão mais tensos em virtude da
apresentação ou por qualquer razão particular. Lembro-me
ainda, que a equipe de apoio lava e passa todos os
uniformes, responsabilizando-se por sua manutenção – que,
entre outros itens, inclui pequenos consertos, reforço de e
botões, alteração de bainhas – conservando-os nas
melhores condições para os diferentes eventos.
Nas idas e vindas do grupo, para evitar atropelos de
última hora, todas as partes dos uniformes – calças, túnicas,
quepes e calçados – são numerados em correspondência
com o número que é atribuído a cada participante, quando
de seu ingresso na Fanfarra. Assim, graças a esse
procedimento, é possível a cada um reconhecer, facilmente
,seu uniforme. Essa numeração é remanejada em função da
renovação dos integrantes e também do crescimento. Essa
tarefa cabe à equipe de apoio.
Quando a fanfarra entra em movimento para
apresentações em espaços abertos, como desfiles cívicos e
competições, os membros da equipe de apoio têm um papel
fundamental na introdução dos instrumentos de percussão
mais pesados, aqueles que não possam ser deslocados
pelos integrantes em movimento, bem como colocando as
estantes para a aposição da pauta musical.
Nessas ocasiões, utilizam um uniforme nas cores
vinho e branco, as mesmas da Fanfarra, tendo o logotipo da
Fanfarra estampado na blusa ou camisa.
Durante as viagens e apresentações, a equipe de
apoio preocupa-se para que não falte água e alimento para
os jovens. E zelam, ainda, por toda a documentação
necessária para as viagens
34
, para as inscrições nos
eventos e outras burocracias que se façam necessárias.
Mas não são apenas estas as atividades da equipe de
apoio. Outra importante contribuição é a de levantar fundos
para a Fanfarra. Muitas vezes, presenciei a venda de
cachorro-quente, bolo ou refrigerante em benefício do grupo.
Em uma ocasião, foi organizado um Dia da Pizza, quando
foram preparadas e entregues dezenas de pizzas, cujos
vales foram vendidos antecipadamente pelo próprio grupo.
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Apresentando a FAGAP Hoje | 150
Além disso, certa vez, nos primeiros tempos da
pesquisa, ao chegar para acompanhar um dos ensaios,
encontrei um grupo de mães bordando novas alegorias para
a Fanfarra. Mal me cumprimentaram, deram-me agulha,
linha e disseram-me que contavam comigo para ajudá-las.
Só depois, uma delas perguntou-me se eu sabia bordar.
Sim, eu bordei!
Até agora falei das mães. As atividades dos pais são
mais visíveis nos eventos, quando, juntamente com as mães
e os simpatizantes, eles ajudam a transportar os
instrumentos mais pesados para a apresentação.
Algumas vezes, também, preparam novos adereços,
de acordo com as orientações do coreógrafo, e também
caixas para transporte do material e outras necessidades
que surjam.
Pelo seu empenho, os integrantes da equipe de apoio
contam com grande prestígio, não só com os jovens, como
também com os coreógrafos e, especialmente, com o
maestro que, regularmente, com eles debate idéias em prol
da Fanfarra.
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9
Nas tramas da rede da Fanfarra
Como já vimos em capítulos anteriores, os estudos de
Latour têm por base a lógica das redes que, sob o ponto de
vista topológico, caracteriza-se por conexões com múltiplas
entradas sem vínculos previsíveis e estáveis e, tampouco,
sem uma hierarquia precisa.
Segundo Latour, para analisar as sociedades
humanas é necessário compreender a palavra “inter” ação.
Esse termo significa que a ação deva ser compartilhada com
outros tipos de actantes dispersos em outros quadros
espaço-temporais. Importante lembrar que, na Teoria Ator-
Rede, desenvolvida por Latour, esse autor considera que na
rede social não existem apenas interações entre humanos,
mas igualmente outras que envolvem os não-humanos
1
.
1
Já me referi a essa
associação anteriormente, no
cap. 4.
2
Para uma apreensão
aprofundada da TAR, sugiro a
leitura de Queiroz e Melo
(2007), na qual há um
exemplar emprego da TAR.
O conceito de interação é ampliado por Latour para
além daquele entre humanos, quando ele inclui os objetos,
por ele denominados não-humanos e introduz o termo
coletivo.
Consiste em manter sob o mesmo arcabouço de análise
elementos humanos e não-humanos, evitando toda a visão
compartimentalizada da realidade (Queiroz e Melo, 2007, p.71)
2
.
Acompanhando a acepção da Teoria Ator-Rede,
considerei a FAGAP como uma rede de humanos e não-
humanos em uma interação dinâmica, “aberta a novos
elementos que podem se associar de forma inédita e
inesperada”
(Queiroz e Melo, 2007, p. 71).
Sob a perspectiva latouriana,
Todos os fenômenos são efeitos dessas redes que mesclam
simetricamente pessoas e objetos, dados da natureza e
dados da sociedade, oferecendo-lhes igual tratamento
(
Queiroz e Melo, 2007, p. 71).
O estudo dessa rede, sob uma perspectiva
interdisciplinar, permitiu-me observar as aproximações entre
os humanos e não humanos, contribuindo para estudar, sob
diferentes olhares, a utilização dos objetos. E essas
aproximações, como venho apresentando ao longo desta
tese, foram observadas na FAGAP, na qual toda atuação
dependia de uma aliança de seus integrantes com os
objetos necessários para a performance. Nesse caso,
podem ser consideradas – entre outras relações dos objetos
com os integrantes – como se dá a aprendizagem, o
impacto que podem ter na performance do grupo, etc. Além
disso, constatei que a participação em eventos diversos
dependia de inúmeras ligações do grupo entre si e do grupo
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 152
com outros segmentos. Essa observação, sob a inspiração
de Latour
(2001, p.118), levou-me à concepção do seguinte
quadro:
FAGAP
Vínculos e
Nós
A
UTONOMIZAÇÃO
a formação do grupo
MUNDO EXTERIOR
ou
REPRESENTAÇÃO
PÚBLICA
as representações
ALIANÇAS
habilidades
para atrair o
interesse
alheio
MOBILIZAÇÃO
DO MUNDO
interações
Hierarquia
As atribuições não são impostas, mas assumidas de
acordo com a disponibilidade e as possibilidades de
desempenho de cada um.
Ninguém é obrigado a permanecer em qualquer
segmento da fanfarra; nem os jovens, nem a equipe de
apoio, tampouco o maestro, cujo trabalho é voluntário.
Em conseqüência, configura-se, em certos aspectos,
uma hierarquia semelhante à do meio social em que vivem.
Essa organização é um imperativo para a consecução de
seus objetivos, tal qual acontece, por exemplo, nas escolas
de samba que, como afirma Prass, possuem um “modelo
hierárquico de organização (...) que opõe-se à
representação do carnaval”
(2004, p. 57).
Na fanfarra, muitos são ouvidos, mas a palavra final é
a do maestro em um contexto muito semelhante ao das
Escolas de Samba, tal como Blass o descreve:
... quanto ao núcleo central de uma escola de samba,
composto pela diretoria, fundadores e dirigentes, que
assumem, durante meses, a produção artística de um
desfile de Carnaval, os seus preparativos. As relações
sociais, nesse âmbito, são bastante hierarquizadas, – «a
voz do presidente impera de todos os lados». As decisões e
o exercício do poder são totalmente centralizados,
contrastando como a descentralização e a dispersão dos
lugares onde é produzido um desfile de Carnaval
(Blass,
2004, p. 239).
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 153
No universo das fanfarras e bandas é comum dizer-se
que o sucesso é conseqüência do trabalho de todos e o
fracasso também.
Embora as tarefas de organização, concepção, preparação
e realização sejam divididas entre várias pessoas, deve
haver um esforço comum para se conseguir a unidade
(Bozzini, s.d., s.p.).
A hierarquia se dá em função da posição que está
sendo ocupada. Embora estivesse até pouco tempo entre os
instrumentistas e apesar de sua pouca idade, observei que
Rafael Tobias não sente dificuldade em lidar com o grupo.
Acho que não é difícil porque a grande maioria deles, a
grande maioria não, uma boa parte estava na Fanfarra
quando eu tocava também, então eu já conhecia o pessoal,
sempre acertava o naipe deles também: ah faz assim, faz
assado. Então o pessoal acabou se acostumando comigo
né. Eu tenho 22 anos, sou o mais velho entre eles, sou o
mais velho só que para mim, sempre estou entre eles, estou
brincando,conversando assim... é uma linguagem mais
acessível.
A disciplina é muito valorizada e a hierarquia
determina quem é o responsável naquele momento. Porém,
essa hierarquia não é aleatória e tampouco função do tempo
de permanência na Fanfarra, ela é conseqüência do
desempenho e da responsabilidade assumida.
As articulações e a busca de aliados : os diversos
papéis do maestro
A estudar o trabalho do investigador, Latour aponta
que, muitas vezes, seu trabalho é obscurecido ou
incentivado em função de interesses outros que não os
inerentes a sua função precípua. Muitas pesquisas só
progridem graças a negociações que o afastam de seu
atividade-fim. O mesmo acontece com o maestro, quando
precisa afastar-se dos ensaios para buscar verbas para
manutenção e renovação dos instrumentos, bem como para
o transporte para as apresentações.
Na rede da Fanfarra,
estão presentes os fabricantes e fornecedores de sapatos,
quepes, instrumentos, só para citar alguns exemplos. Para
uma aquisição de qualidade, há necessidade de realizar
contatos que forneçam informações que permitam que as
escolhas considerem qualidade e preço, ou seja, que elas
recaiam no melhor custo-benefício. É aí que o papel do
maestro de assemelha ao do pesquisador em busca e verba
para sua investigação!
No último ano em que estive acompanhando a
FAGAP, observei, com mais freqüência, que, em muitos
ensaios, o corpo musical estava sendo conduzido, grande
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 154
parte do tempo por Rafael Tobias, o segundo maestro.
Washington, o maestro principal, assistia aos ensaios,
opinando poucas vezes e, com grande freqüência, com ar
extremamente pensativo. Certa vez, então, perguntei se
estava pensando em se aposentar da Fanfarra, pois eu
observava que ele não participava dos ensaios como antes.
Ele me respondeu:
Não, não penso em deixar a Fanfarra, mas estou
precisando tratar de outras coisas...
.
E, logo, esclareceu quais seriam essas coisas.
Não sei se conseguiremos ir às competições. Preciso
fazer alguns contatos, preciso de tempo para isso... Pensar
no que fazer.
Possivelmente, os contatos a que Washington se
referiu eram com políticos
3
e possíveis patrocinadores,
tendo em vista a permanente necessidade de apoio para o
custeio das despesas do grupo.
3
Durante o tempo que
acompanhei a FAGAP, todos
os contatos políticos foram
apartidários e sem qualquer
compromisso de um futuro
apoio eleitoral.
Este é um exemplo de atribuições assumidas pelo
maestro, que estão além daquelas visíveis nos ensaios e
apresentações.
Portanto, para a sobrevivência da fanfarra há
necessidade de buscar aliados, o que depende de inúmeras
articulações. Esses aliados podem contribuir de diversas
formas: com trabalho voluntário, como é o caso da equipe
de apoio, com a doação de instrumentos, empréstimo de
ônibus, promoção de apresentações, entre outras
possibilidades. Essa atividade é assumida por Washington e
não tem qualquer relação direta com as atribuições de um
maestro, mas, em geral, são os maestros das bandas e
fanfarras que buscam as condições necessárias para a
sobrevivência desses grupos musicais.
O trabalho voluntário tem a espontaneidade por
característica e surge, como já vimos, em função do
envolvimento de pais e de outras pessoas, de algum modo,
já vinculadas à Fanfarra; outras formas de apoio requerem
negociações mais prolongadas. Nesse caso, em primeiro
lugar, Washington precisava identificar colaboradores em
potencial, isto é pessoas, empresas ou instituições que
tivessem condições de fornecer algum apoio à fanfarra. O
segundo passo era procurá-las e apresentar-lhes, direta ou
indiretamente, às atividades e aos projetos da FAGAP, com
o objetivo de quebrar possíveis resistências e ressaltar a
necessidade e a importância de apoio externo, de modo a
persuadi-las a contribuírem de alguma forma.
Em geral, o apoio e as contribuições eram
esporádicos. Durante o tempo em que acompanhei a
FAGAP, apenas durante o ano de 2005, o grupo contou com
um patrocínio efetivo. As negociações para tal iniciaram-se
no final de 2004, após uma apresentação da fanfarra. A
equipe da FAGAP e o Pe. Marcos – do Colégio São
Joaquim / UNISAL – agendaram um encontro.
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 155
No início de 2005, com a mudança da administração
municipal, o Pe. Marcos assumiria a Secretária da Infância,
Juventude e Cidadania, o que gerou uma grande
expectativa do grupo. Do encontro, resultou o patrocínio da
FAGAP pela UNISAL durante todo o ano de 2005. Ao que
parece, o patrocínio não foi renovado por questões
particulares da UNISAL, talvez a transferência do Padre
Marcos – que era o elemento de ligação com a UNISAL –
para outra unidade salesiana também tenha contribuído
para tal.
Cabe ressaltar o local de destaque que a música tem
na pedagogia de D. Bosco. Sua afirmação “uma escola sem
música é um corpo sem alma”
(Apud HIGINO, 2006, p.14)
sintetiza a concepção da música como um relevante fator
educativo.
Não foi ao acaso que, durante muitos anos, o
Colégio São Joaquim manteve uma fanfarra, até hoje
referência na cidade
4
.
4
Vide Cap. 4
Esse apoio pode ser um exemplo de como objetivos
diferentes (no caso o dos Salesianos, o da Municipalidade e
o da FAGAP) se traduzem em um objetivo comum.
Ilustrando: Os Salesianos, seguidores dos preceitos de
D. Bosco, interessaram-se em apoiar a realização de uma
atividade da/para a juventude, que reconhecem como
educativa, embora não tenham, especificamente, interesse
na participação em campeonatos; os representantes dos
Munícipios não necessariamente professavam os preceitos
de Dom Bosco, mas, certamente, também tinham interesse
na manutenção de uma atividade que afasta a juventude
local da ociosidade
5
e não ignoravam que a participação em
campeonatos, sobretudo com bons resultados para a
FAGAP, geravam visibilidade política e social da cidade e na
cidade; finalmente a FAGAP que propicia a prática de
música pela a juventude, que almeja a participação e
conquista de premiações em diferentes campeonatos é um
significante atrativo, além de proporcionar o encanto que a
atividade significa para o grupo.
5
Como afirmou um munícipe
no estudo apresentado no
Cap. 4.
Como conseqüência, apesar de originariamente
diferentes, os objetivos podem ser aliados. Porém, nada
garantia aos patrocinadores o retorno desejado, o que
gerava dificuldade para atraí-los e, por conseguinte, uma
preocupação para o maestro muito além do que seu papel
na fanfarra devia exigir.
A família FAGAP e algumas de suas histórias
Eu fui criado no meio, desde 1974 e a amizade que a gente
sente tem aqui, acabou virando a 2ª família [Washington]
Os integrantes da Fanfarra, com muita freqüência,
referem-se à Família FAGAP, ora no sentido de transmitir a
idéia de que estão reunidos de forma semelhante à de uma
família, ora na expressão desse sentimento. De fato, não
foram poucas as vezes que vi atitudes de zelo e de carinho
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 156
nos tradicionais moldes familiares dos jovens entre si e em
relação aos integrantes da equipe de apoio.
Porque eu me sinto parte daqui, eu me sinto parte deles,
parte da família. (João, equipe de apoio)
Para muitos dos integrantes da Fanfarra, os pais da
equipe de apoio são a figura materna ou paterna, ausentes
para a grande parte deles
6
. São muitas as passagens
contadas e recontadas, muitas outras são as que presenciei.
6
Muitos pais não
acompanham a trajetória
musical de seus filhos, alguns
nunca os ouviram tocar.
A gente é da equipe de apoio é um pouco pai, é um pouco
conselheiro, aqui a gente é tudo. Não só com eles, às vezes até a
gente com a gente mesmo, a gente pede conselho pra gente..
Eles têm muita confiança na gente, eles demonstram isso
que eles confiam muito na gente. Eles vêm, procuram,
conversam, eles vem para gente para pedir conselho. Chega até
a falar “o meu pai...”, “a minha mãe...”. Quando comecei na linha
de frente, tinha uma menina da linha de frente que o pai estava
preso.
Ai no ensaio, ela errava, ela acertava e eu não sabia e eu
sempre pegando no pé dela chamando, xingando.
Ai um dia ela se sentou perto da arquibancada e começou a
chorar. “Ah eu não quero falar” – “ah tudo bem, é um direito seu de
não querer falar”.
Aí eu continuei e no meio do ensaio ela me chamou “estou
passando por um problema porque não sei se vocês sabem mas
[descreve o problema]”. Eu disse “contar a verdade não dói” e ela
“então posso conversar?” (João)
A identificação como família é muito comum em
diferentes grupos associativos, estando presente nesta e em
outras fanfarras e, igualmente, em muitos outros grupos, tais
como: escolas de samba, grupos de jongo, circos,
maracatus, etc. O grupo busca a valorização de laços
afetivos e de um ambiente confiável – familiar – para eles.
De certa forma, também determina uma hierarquia dos mais
velhos em relação aos mais novos.
Algumas idéias podem estar subjacentes à metáfora
da família. Uma delas, possivelmente a central, é a de uma
união consolidada em prol de um objetivo comum. Assim, os
pais da equipe de apoio são, muito freqüentemente,
chamados de tios e tias. Muitas são as expressões que
utilizam – segunda mãe, madrinha, padrinho, tio, tia, etc –
que trazem à tona manifestações do espírito famíliar.
Um dos componentes da equipe de apoio, como ele
próprio revela, é chamado de padrinho por alguns:
Tem um integrante que me chama de padrinho. Quando ele
me vê, quando passa por mim ele diz: Bênção padrinho,
bênção padrinho. Eu digo: benção menino. (João)
A expressão padrinho é fortemente vinculada à idéia
de proteção. O termo padrinho também é utilizado para os
colaboradores do grupo. Os padrinhos da fanfarra são
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 157
pessoas que, contatadas pelos integrantes do grupo,
contribuem mensalmente com um valor, arbitrado pelo
próprio padrinho, em prol do grupo.
Algumas denominações estão pautadas na realidade,
em laços familiares ou de apadrinhamento, como o seguinte
caso, descrito a seguir. O maestro chama uma das mães de
madrinha, porque ela e o marido são, de fato, seus
padrinhos de casamento. Mas com quem terá se casado o
maestro? Não é difícil; ele se casou com coreógrafa da
baliza, ex-baliza da Fanfarra. O casal tem um filho, e os
avós, pais da mãe dele, eventualmente acompanham a
Fanfarra, assumindo o cuidado desse netinho. Aliás, a avó
já acompanhava a filha, a mãe dele, quando ela era baliza.
O padrinho do menino é um jovem, na época integrante do
corpo musical, e hoje o segundo-maestro da Fanfarra e, o
que não surpreende, namora uma das jovens do corpo
musical da Fanfarra. Além deste filho, o maestro tem outros
dois, ambos participantes da Fanfarra.
Esse envolvimento de toda uma família com uma
fanfarra não é uma característica da FAFAG, pois, em
muitas outras encontramos laços como estes
7
.
7
Cf tese Lima (2005)
A transmissão das práticas de banda de pai para filho,
é encontrada em muitas fanfarras, embora o componente
familiar não seja tão marcante como no passado, quando as
tradicionais Bandas de Música caracterizavam-se como uma
herança cultural familiar
(Santiago, 2000).
A precoce presença dos filhos dos integrantes das
fanfarras, sobretudo dos regentes, nos ensaios e
competições contribui para que estes naturalizem a sua
participação na corporação.
Essa famíliadenotando laços de consangüinidade
real ou metafórica
(Prass, 2004, p. 40) é essencial para a
manutenção dos vínculos entre os participantes de grupos
como estes.
Fig. 37
Mensagem no Fotolog
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 158
Solidariedade
A idéia de grupo familiar adquire um outro significado
fundamental: ajuda recíproca em caso de necessidade, o
que pude constatar em casos de dificuldade financeira ou
problemas de saúde.
Nos meus primeiros contatos com a Fanfarra, soube
que poucos meses antes, um dos meninos do corpo musical
permanecera enfermo por um longo período e que falecera
poucos dias antes da tradicional apresentação de final de
ano. Alguns integrantes contaram-me a respeito desse
acontecimento e percebi que, embora não seja dito
explicitamente, o grupo foi um grande apoio para o menino
durante todo o tempo de sua doença.
Acompanhei de perto um outro exemplo de
solidariedade.
O pai de um dos jovens adoeceu gravemente vindo a
falecer depois de alguns meses. Nesse período, chegou a
faltar alimento em sua casa e, ao saberem disso, a equipe
de apoio se cotizou para compor uma cesta básica. Cheguei
ao ensaio quando alguns dos pais saiam para ir à casa
dessa família e fui convidada a acompanhá-los. Entrei no
carro, no qual eles já se encontravam e, depois de alguns
minutos, chegamos a um dos bairros da periferia, onde vive
a família. O pai do jovem, que na época já se movia com
dificuldade, também fez questão de nos receber. A mãe
contou-nos que gostaria muito de que seus outros dois filhos
também desejassem ingressar na Fanfarra, pois assim teria
a tranqüilidade de saber que se ocupavam em coisas boas.
Notei que a presença da equipe de apoio foi um grande
alento naquela situação. Tive a impressão de que os
alimentos eram bem vindos, mas que a nossa presença era
o principal motivo da alegria da família.
Estes são apenas dois exemplos da solidariedade que
permeava as relações no grupo.
Trombone-de-vara? Um exemplo de paciência maternal
Em uma de minhas últimas idas ao campo, estavam
reunidos integrantes e ex-integrantes da FAGAP para
ensaiarem uma música que apresentariam juntos, no
concerto em comemoração dos 15 anos da Fanfarra.
Na ocasião, uma das mães da equipe de apoio
contou-me que um daqueles ex-integrantes, quando ainda
na Fanfarra, certa vez pediu-lhe que o levasse até uma
cidade próxima da capital do estado, onde ele pretendia
comprar um trombone de vara.
Acertada a data, ela, o marido e o rapaz foram até
Jacareí. Passaram horas aguardando até que o jovem
escolhesse um trombone de vara. Finalmente, dirigiram-se
ao caixa. Só então, o jovem, ao recontar o dinheiro que
levara, caiu em si: tinha apenas pouco mais do que um
quinto do valor total.
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 159
Eu perguntei como que ele passava tanto tempo escolhendo
um instrumento se não tinha dinheiro para comprar. Não
sabia quanto tinha no bolso? [Elisa, equipe de apoio]
Calado, ele ouviu um pequeno sermão, seguido por
um silêncio total. Estampada no rosto do jovem estava a
decepção de não poder comprar o que tanto sonhara.
Cercado pela primeira vez por tantos instrumentos,
entusiasmado, não se deu conta do preço... O valor que ele
havia reunido não compraria sequer o mais barato de todos
os trombones de vara.
Depois de algum tempo, observando o
desapontamento do jovem, a senhora que o acompanhava
resolveu arriscar uma proposta: ela pagaria a diferença do
instrumento escolhido com o seu cartão de crédito e ele,
com o que economizasse dali para frente, pagaria a ela esse
valor, aos poucos, como lhe fosse possível. E, assim, o
instrumento foi comprado. Radiante com sua aquisição,
pouco a pouco, o rapaz quitou sua dívida. Hoje, ele é
músico profissional e utiliza aquele trombone de vara, como
seu instrumento de trabalho.
São coisas assim que nos dão força e nos deixam felizes.
Aquele trombone ali, foi o trombone que eu falei... Esse
menino é de uma família muito humilde, da roça. Graças à
Fanfarra aprendeu música e hoje é músico da banda
[militar]. Diz que sou sua segunda mãe, até para a mãe dele
me apresentou assim. [Elisa, equipe de apoio]
O instrumento não realiza nenhuma música por si,
alguém precisa executá-lo e, por outro lado, ninguém se
torna um instrumentista, no caso um trombonista, sem
acesso ao instrumento, o trombone. A qualidade do
instrumento não garante o progresso do músico, mas o
melhor músico não alcançará o seu máximo desempenho
sem um instrumento compatível.
Assim, esse jovem não deixaria de tocar na fanfarra,
mas estaria limitado a um instrumento que não lhe permitiria
alcançar a sua atual performance. Foi a compra deste
instrumento que favoreceu o progresso musical deste jovem;
ele tornou-se um outro sujeito com o trombone de vara e
também o trombone de vara deixou de ser um estático
instrumento e tornou-se outro objeto na relação com esse
jovem.
Há, portanto, em termos latourianos, uma simetria
entre o sujeito e o objeto, que exerce ou sofre algum tipo de
ação.
Namorando na Fanfarra
Os namoros entre os integrantes da FAGAP são
bastante comuns. [O interesse comum] "facilita, ficamos
juntos mais tempo e uma outra pessoa talvez não
entendesse..." Alguns, não poucos, desses namoros
culminam em casamento.
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 160
Mas se a Fanfarra ajuda no namoro, pode também
atrapalhar mesmo quando o namorado conhece o universo
das fanfarras. A respeito de seu namorado, nos fala uma
das jovens do grupo.
O meu? Ah! Ele era da fanfarra... agora quando ele vem de
São Paulo, ele quer que eu fique com ele. Eu venho pra
Fanfarra. Quando dá, se ele pedir muito, eu falto. (...) Eu
saio mais no domingo porque a semana inteira ele está fora
e no sábado eu estou aqui. [Vivian, 19 anos]
Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo...
Apesar de não contar com nenhum patrocínio oficial e
enfrentar inúmeras dificuldades, a FAGAP já conquistou
diversos títulos.
A compra dos instrumentos, dos uniformes e o
financiamento das viagens dão-se por meio de variadas
formas: venda de bolo e cachorro-quente pelas mães da
equipe de apoio nos dias de ensaio (os próprios integrantes
os adquirem); venda de latas de alumínio, plásticos diversos
(embalagens de refrigerantes, detergentes, desinfetantes,
etc.) coletados pelo grupo e sob responsabilidade de um pai,
que os reúne e negocia; sábado da pizza, venda de pizzas
preparadas por uma mãe especialista e, eventualmente,
pedidos quase que de porta em porta (na hora do sufoco).
Durante algum tempo, foi introduzida uma nova forma de
angariar contribuições: cada integrante buscou um Padrinho
ou Madrinha da Fanfarra que, com um carnê Adote um
músico passou a ser um colaborador mensal. Estas formas
de angariar fundos são morosas e incertas, não permitindo
um adequado planejamento de atividades.
Essas campanhas arrefeceram em 2005, quando a
Fanfarra recebeu o apoio da UNISAL, que passou a
destinar, mensalmente, um valor fixo para a FAGAP.
No ano seguinte, devido a mudanças internas na
UNISAL, o patrocínio foi suspenso. A partir daí, o transporte
para as viagens e outros gastos – como cota de inscrição,
alimentação, etc. – passaram, novamente, a depender
apenas de contribuições de padrinhos e de integrantes do
grupo. Isso resultou na redução do número de eventos em
que a Fanfarra vem participando e, além disso, muitas vezes
a escolha desses eventos era realizada tendo como critério
a distância de Lorena até a cidade onde o evento se
realizaria.
Na opinião de diversos integrantes, essas restrições
fazem com que a fanfarra deixe de participar de importantes
eventos, ficando limitada a uns poucos e de menor
relevância.
Durante o ano de 2006, já sem o patrocínio da
UNISAL, a FAGAP participou de um concurso – um dos
raríssimos em que há premiação em dinheiro – apostando
que sairia vencedora. Contrataram um ônibus sem nada
pagar, compromissando-se a fazê-lo posteriormente.
Apostaram na vitória, correndo um risco, calculado é certo,
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 161
porém, apostaram no duvidoso. Ganharam, mas perderam.
Tanto o corpo musical quanto o corpo coreográfico foram os
primeiros colocados, contudo perderam, pois a premiação
do corpo coreográfico não foi honrada e, assim, ganharam
uma dívida, pois essa situação acarretou a impossibilidade
de a Fanfarra pagar, à vista, o frete do ônibus.
Outra estratégia para conseguirem transporte, esta
mais segura, é trocar uma apresentação por um crédito a
ser resgatado em forma do frete de um ônibus. Por exemplo,
anualmente, na época natalina, a FAGAP faz uma
apresentação em Canas, um município vizinho de Lorena,
cuja municipalidade compromete-se, em troca, a fretar um
ônibus para um dos campeonatos dentre os que, no ano
seguinte, a FAGAP pretende participar. Assim, o grupo não
recebe qualquer valor em moeda, mas sim um benefício a
ser resgatado.
Muitas fanfarras não conseguem levar avante o seu
trabalho, quando perdem o patrocínio de alguma empresa,
prefeitura ou escola. Os integrantes da FAGAP consideram
que, apesar das inúmeras dificuldades que enfrentam,
podem sobreviver por serem independentes e trabalharem
em regime de autogestão.
A grande parte das fanfarras, que vinculam seu nome
ao de alguma escola, o fazem com uma escola pública, pois
Hoje a escola particular não tem fanfarra, não se interessam
em investir nisso. (...) Porque eles não montam a deles?
Só as estaduais que tem... E tem que ter muita garra porque
senão elas não conseguem. O Estado não financia, ajuda
muito pouco... É só uma verbinha.. Não financia como
deveria financiar.
[Profa. Arlete]
A FAGAP não recebe verbas municipais ou estaduais.
Eventualmente solicita ajuda ao município, o que é
considerado justo pelo grupo que alega divulgar a cidade
estadual e nacionalmente e principalmente pelo trabalho
social que desenvolve junto à comunidade. Mas esse apoio
é eventual e geralmente limitado ao empréstimo de um
pequeno ônibus para algumas viagens.
Um empréstimo nem sempre garantido, afinal algumas
promessas ficam só na promessa.
Ficamos esperando uma condução que não apareceu (...)
Nós estávamos todos prontos para ir, lá na escola, foi no
dia... O maestro liberou a gente, para ficar em casa, porque
a qualquer hora poderia receber um telefonema para a
gente ir, só que esse telefonema a gente está esperando há
uns seis, sete anos... [ri] [Flávio, 24 anos, há10 anos na FAGAP]
Mais recentemente, quando já finalizava a tese,
encontrei-me com o maestro da FAGAP e, ao que saudá-lo
com um tudo bem?, logo me perguntou: a senhora não
soube da pedrada que levamos? Saiu até nos jornais...
Não, eu não sabia que o ônibus prometido pela
municipalidade falhara, e a FAGAP não pode comparecer ao
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 162
Campeonato Nacional para o qual era a única classificada
para a sua categoria. Fora isso, uma dívida, pois como
necessitariam de dois ônibus, fretaram um segundo. Mas a
dona da empresa foi legal, pois ao saber do motivo do
cancelamento só cobrou a metade
[Washington].
Apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas, a
FAGAP destaca-se no universo das fanfarras. Perguntei-me,
muitas vezes, se não seriam essas próprias dificuldades que
os impulsionavam. Acredito que sim!
9.1
Atividades Internas
Chamo de atividades internas aquelas realizadas sem
a presença de público. Além da principal atividade interna,
que é o ensaio, existem as oficinas. Inicio pelas oficinas.
Oficinas
Com base nas minhas observações, considerei que as
oficinas podem realizar-se tanto sob uma abordagem ampla,
quanto com um trabalho mais específico de determinados
instrumentos. Acredito que a descrição de cada uma
favoreça a compreensão desta minha classificação.
Durante o período em que acompanhei a FAGAP,
além dos ensaios, tive a oportunidade de conhecer dois
formatos de oficina.
O primeiro formato de oficina a que assisti atendeu
especificamente aos naipes de sopro da FAGAP. Foi
convidado um trompetista de São Paulo, capital, que, após
uma breve explanação, colocou-se à disposição dos jovens
para quaisquer perguntas. Após responder a todas elas,
exemplificando, quando pertinente, com o seu trompete. Isto
feito, executou algumas músicas com o acompanhamento
de uma jazz band, da qual fazem parte alguns ex-
integrantes da FAGAP.
Essa oficina foi realizada, em um sábado à tarde, no
salão de um hotel de Lorena. Foi grande a afluência dos
integrantes da Fanfarra.
Fig. 38 – Assistindo a
oficina em março de
2005
Fig. 39 – Músicos
apoiando a oficina
março de 2005
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 163
Fig. 40 – Oficina em
março de 2005
A outra oficina — que considero ter sido desenvolvida
em um segundo formato — ocorreu dentro de um Programa
de Apoio às Bandas. Ela ocorre de modo itinerante em
diversas cidades que disputam a primazia de sediá-las. Ou
melhor, as bandas e fanfarras disputam a primazia de sediá-
las em sua cidade, pois necessitam de apoio.
Fig. 41 – Certificado
ProBandas
A FAGAP conseguiu que Lorena fosse incluída na
programação de 2006. O evento foi realizado na sua sede, a
Escola Gabriel Prestes.
Durante um final de semana
8
, reuniram-se jovens
procedentes de diferentes cidades para participarem das
Oficinas Técnicas para Maestros e Músicos de Banda. Entre
esses jovens, alguns da FAGAP. Nessa ocasião, as oficinas
trabalharam não com os instrumentos de fanfarra, mas
diversos outros como flauta, trompete, saxofone, etc. Foi
realizada ainda uma oficina de percussão e de regência.
8
Sábado de 8h30 às 12h30 e
14h30 às 18h e domingo de
8h30 às 12h30
Fig. 42 – Oficina
de Percussão.
Probandas.
Dezembro de
2006
Fig. 43 –
Probandas.
dezembro de
2006
Ao final das oficinas, foi realizada uma apresentação
que contou com a presença de um vereador e do atual
prefeito da cidade. A presença de dois políticos locais não
era sentida como um sinal de prestígio, mas como uma
oportunidade de apresentarem o trabalho das oficinas e,
mais que isso, reinvidicarem apoio para realizações como
essa e outras mais ambiciosas. A principal delas era a de
conseguir apoio e empenho do Município para a
implantação, em Lorena, de uma escola de música nos
moldes do Conservatório de Tatuí
9
.
9
Órgão do Governo do
Estado de São Paulo
pertencente a Secretaria de
Estado da Cultura. Fundado
em 1954, oferece ensino
gratuito.
http://www.cdmcc.com.br/
Ensaios
Os ensaios são a principal atividade interna da
FAGAP. Em geral, eles são realizados na própria escola que
sedia a Fanfarra. Para isso, utilizam a área de ensaios, cujo
espaço apresentei anteriormente e cujo esquema, repito,
visando facilitar a consulta.
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 164
Os ensaios de cada segmento da Fanfarra são
independentes, embora, algumas vezes, seus horários
coincidam. O corpo musical utiliza o pátio coberto e a linha
de frente na quadra de esportes coberta.
Anualmente, no dia da apresentação de encerramento
das atividades do ano em curso, o ensaio final do corpo
musical costuma ser realizado no próprio auditório do
Colégio São Joaquim, onde tradicionalmente esta audição é
realizada. Apenas por duas ocasiões, durante o período que
acompanhei a FAGAP, o ensaio foi realizado em outro lugar
que não esses.
A primeira foi pela necessidade de um espaço com
características semelhantes ao de determinada competição,
ou seja, a fanfarra precisava ensaiar em um gramado,
superfície na qual não estão acostumados a se apresentar.
Além disso, as dimensões do espaço para a evolução eram
bem diferentes daquelas da escola onde ensaiam. Esse
ensaio foi realizado em área específica, emprestada por
uma organização militar da cidade.
Em geral, quando a área da escola está indisponível,
por estar sendo integralmente utilizada para outras
atividades, os ensaios são suspensos. Mas, em uma dessas
ocasiões, quando ocupada pelas festas juninas, às vésperas
de um certame, em data muito próxima haveria um concurso
do qual a FAGAP participaria e, por isso, seria muito difícil
abrir mão de um ensaio. Foi nessa oportunidade que vi pela
segunda vez que a fanfarra se deslocou para ensaiar em um
outro sítio. Foram para as dependências do salão de festas
(o Corpo Musical) e da quadra de esportes (a Linha de
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 165
Frente) de um clube da cidade. Como eu estava presente,
pude acompanhar toda a dinâmica envolvida.
Um ensaio fora da sede é muito trabalhoso em
virtude da necessidade do deslocamento de todo o
instrumental. Se levar os instrumentos de sopro e alguns
dos adereços da Linha de Frente é relativamente simples, o
mesmo não se pode dizer em relação ao transporte dos
containers e, em especial, a percussão, em virtude do
volume e do peso da maior parte de seus instrumentos.
Freqüência dos ensaios
Os ensaios são realizados durante todo o ano,
interrompidos apenas no período do Natal e Ano Novo até
os primeiros dias de janeiro. As apresentações durante o
ano os diferentes campeonatos nos quais participam, o
desfile de Sete de Setembro e outros eventos ocasionais
são uma justificativa, não a principal, para tal freqüência de
ensaios. O mais ponderado é que a execução de um
instrumento exige dedicação constante, sob pena de que
todo um trabalho desenvolvido se perca em pouco tempo
pela falta de prática. Este é considerado o principal motivo
para que os ensaios sejam contínuos.
Os ensaios do corpo musical são metodicamente
realizados aos sábados, iniciam-se por volta das 16 horas e
seguem até cerca das 20 horas, podendo estender-se até
quase às 22horas, quando alguma apresentação ou
campeonato se aproxima. Podem, nesse caso, acontecer
também no domingo pela manhã, iniciando-se às 10 horas e
prolongando-se até as 12 ou 13 horas. Os ensaios são
coletivos, no entanto, se necessário, alguns naipes podem
ensaiar separadamente.
Durante os primeiros tempos, além dos ensaios de
final de semana, o grupo ensaiava regularmente durante a
semana. Isso ainda ocorria no início de minha pesquisa.
Os ensaios durante a semana eram à noite, algumas
vezes coletivos; outras, apenas de alguns naipes ou,
quando às vésperas de alguma apresentação, um deles
necessitava de uma maior atenção ou um pouco mais de
ensaio.
Além disso, uma ou duas vezes por semana o maestro
se dedicava a preparar os iniciantes em teoria musical e a
prática do instrumento. Hoje essa preparação se dá nos
finais de semana paralelamente aos ensaios coletivos.
10
A Banda do 5º BIL, da qual
o maestro é profissional, é
muito requisitada para
diferentes eventos na cidade,
a maior parte dos quais ocorre
fora do horário normal de
trabalho, ou seja, no horário
da noite e/ou nos finais de
semana. Porém, ele sempre
vem sendo dispensado destas
atividades extra-horário para
acompanhar o grupo em
certames e apresentações e,
até mesmo, em períodos de
ensaios mais intensivos às
vésperas de apresentações.
Os ensaios são suspensos apenas quando o maestro
tem algum compromisso profissional do qual nem sempre
pode ser dispensado
10
. Todavia, habitualmente, ele é
liberado para tratar de acompanhar o grupo em
apresentações e concursos ou às vésperas desses eventos,
quando são necessários ensaios mais fortes.
A linha de frente tem sua maior freqüência de ensaios
durante a semana, mas também ensaia aos sábados,
especialmente quando apresentações se aproximam. Os
ensaios da linha de frente não são tão regulares e
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 166
intensificam-se às vésperas das apresentações. Observei
ainda que, nos últimos tempos, havia uma maior rotatividade
entre os integrantes desse segmento.
O horário de ensaio da baliza é marcado de acordo com sua
coreógrafa, ocorrendo geralmente aos sábados. Algumas
vezes, a baliza pratica sem a presença da coreógrafa
durante o ensaio; o corpo coreográfico acompanha a música
que estão ensaiando. O coreógrafo da linha de frente não
interfere em seu ensaio, embora, muitas vezes, ele opine e
sugira movimentos à coreógrafa da baliza. Pude observar
que, em alguns ensaios, esse coreógrafo demonstrava
concretamente alguns movimentos que poderiam ser
incorporados pela baliza.
Os ensaios conjuntos — corpo musical, linha de frente
e baliza — são raros, ocorrendo, geralmente, apenas às
vésperas de determinados eventos.
Não tem ensaio geral. Essa é a
briga. Ficaria muito melhor.
A
qui ela [a baliza] ainda pode
empurrar, mas o pessoal do
Tota, não. Tem que ser tudo
igualzinho.
[
registro não gravado – Iris]
Muitas vezes, a impressão que eu tinha é a de que
eles estavam perdidos e que nada sairia certo no momento
da apresentação, já que os ensaios me pareciam muito
desencontrados.
Dinâmica dos ensaios
Quase todos os integrantes da FAGAP chegavam de
bicicleta, meio de transporte muitíssimo usado na cidade.
Guardavam as bicicletas em lugar apropriado e, em seguida
espalhavam-se pelo pátio e, até a hora do ensaio,
circulavam por toda a área externa da escola. Alguns,
poucos, ficavam do lado de fora ou próximos ao portão de
entrada ou sentados na calçada oposta, conversando ou
apenas observando o ir e vir ou ambas as coisas. Outros
logo apanhavam seu instrumento e repassavam partes de
algumas músicas. Havia também os que aproveitavam
esses momentos para namorar.
De repente, a uma quase imperceptível
movimentação do maestro, cada um deles pegava seu
instrumento e uma cadeira, colocando-se na sua posição na
fanfarra. Observei que essa posição dependia do
instrumento que eles executavam e podia se modificar em
função da música a ser executada. Por isso, era comum que
alguns deles, durante o ensaio, se movimentassem, levando
seus assentos e estantes, no momento em que era
sinalizado que seria iniciado o ensaio de outra música. Os
jovens da percussão ficavam de pé, ao fundo. Em geral,
eles circulavam entre os instrumentos de percussão não
apenas quando uma nova música fosse tocada, mas, muitas
vezes, em uma mesma música, pois alguns executavam
mais de um instrumento.
Ao estarem todos posicionados, impressionava o
silêncio naturalmente alcançado, sobretudo considerando-se
número de crianças e adolescentes reunidos.
Por uma ou duas vezes, o ensaio era interrompido
para descanso. Durante o intervalo, eles comiam,
conversavam, namoravam... Alguns jogavam ping-pong e
até mesmo vôlei. Mas também era muito comum que
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 167
permanecessem envolvidos com a música. Isso podia se dar
de diversas formas, uns permaneciam com seu instrumento
e repassavam partes em que estavam com dificuldade,
outros brincavam, tocando outras músicas, e alguns
levavam o seu próprio instrumento para tocarem em grupo
11
.
11
Dessa atividade gerou um
grupo de metais que ensaia
aos sábados pela manhã.
Ao final do ensaio, eles recolhiam as cadeiras e as
retornavam ao auditório, onde eram guardadas.
Esse era um verdadeiro ritual que se repetia a cada
ensaio.
Quanto ao relacionamento com os instrumentos, eles
podiam ser, eventualmente, levados para casa. Isso
acontecia quando precisavam treinar um pouco mais ou
quando não haveria ensaio.
Em uma de minhas primeiras idas ao campo, ao
atravessar o portão de entrada para o pátio da escola,
deparei-me com a cena de alguns músicos voltados para a
parede, tocando seu instrumento. Nesse dia, uma pessoa
que me acompanhava, ao ver a cena, exclamou: “Esse povo
está de castigo?”
Esta cena repetida eventualmente, durante qualquer
ensaio, ocorria quando um — ou mais — instrumentista de
sopro não executava a peça em um nível mínimo para um
ensaio conjunto. Nesse caso, ele era solicitado a retirar-se
do grupo para treinar individualmente em um local mais
afastado e, durante muito tempo, de frente para a parede
executava seu instrumento solitariamente. Algumas vezes,
uma dezena ou mais dos integrantes da fanfarra
espalhavam-se pelo pátio e desse modo, tocavam
insistentemente seu instrumento. Isso se explica porque
tocando de frente para a parede, o som volta, e o
executante escuta-o melhor, podendo corrigir suas falhas
(W). Por isso, essa técnica é usada em diversos níveis,
sobretudo pelos iniciantes.
Em alguns ensaios, o maestro indicava
particularmente os pontos positivos e negativos de cada
naipe e de cada instrumentista. Eles se dividiam em
pequenos grupos, discutiam suas dificuldades e
intensificavam seus ensaios.
Quando em 2002 assisti, pela primeira vez, a
apresentação de uma fanfarra na praça Dr. Arnolfo de
Azevedo, em Lorena, não poderia imaginar a magnitude dos
eventos do universo das bandas e fanfarras. O que vi foi
apenas uma pequena amostra de tudo o mais que
conheceria no decorrer dos anos seguintes, ao embrenhar-
me, em função de minha pesquisa.
9.2
Atividades Externas
Para melhor compreender a produção da FAGAP em
cerimônias de apresentação, a noção de texto e a semiótica
da cultura de Lotman signficaram uma importante
contribuição. Tendo como suporte teórico seu trabalho,
pude melhor observar os diversos códigos culturais
relacionados a bandas e fanfarras.
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 168
Lembro que, para Lotman, a semiótica da cultura é
“uma disciplina que examina a interação de sistemas
semióticos diversamente estruturados, a não uniformidade
interna do espaço semiótico, a necessidade do poliglotismo
cultural e semiótico”
(Lotman, 1996, p.78).
A semiótica da cultura introduz uma concepção de
texto na qual o texto é um espaço de relação, estando nele
presentes, ao menos, dois tipos primários de linguagens.
Como, por exemplo, na dança, onde estão presentes o
gesto e a música
(Lotman, 1996).
Para esse autor, as pinturas no corpo, as máscaras,
as esculturas mortuárias, as danças, as dramatizações são
representações rituais que se duplicam da mesma forma
que se duplicam as palavras. Para a semiótica da cultura, a
cópia não é o idêntico a si mesmo, pois a duplicação traz em
seu bojo a renovação, a recodificação.
O ecletismo funciona
como gerador de sentido, proporcionando diálogos
intratextuais, ou seja, um jogo interno de recursos
semióticos.
... as formas sociais de espetacularidade são os motores, as
atividades de grupos sociais, que tentam manipular a vida
social a seu proveito, seja para reforçar as regras do jogo,
seja para mudá-las. É o domínio de rituais religiosos, das
festas, dos rituais jurídicos, das revoltas e das revoluções,
mas também o domínio do gratuito e daquilo que só serve
para consolar o grupo de sua angústia, sua dor da
alteridade. As formas sociais de espetacularidade são
expressões de momentos extra-ordinários. Elas são o
espaço onde o projeto pode manifestar-se...
(Bião, In Pitombo,
2003, p.178).
Todo texto artístico apresenta, simultaneamente, a
tensão entre a tendência à integração e à desintegração.
Sob o ponto de vista da Semiótica da Cultura, o pesquisador
deve estratificar os textos e extrair os elementos essenciais
ao seu campo de estudo.
Nesse sentido, considero que as observações dos
códigos visuais, verbais e sonoros foram elementos que
contribuíram para o estudo do grupo, pois os diferentes
artifícios utilizados, todo o aparato que visa a uma presença
marcante, volta-se para o público.
Exemplos:
Códigos Visuais
Arquitetura efêmera arcos triunfais, tablados, camarotes
Vestuário ensaios, apresentações solenes, apresentações
eventuais
Complementos escudo, arcos, setas, estandarte, escopetas,
flores, fitas, franjas, franjões, bordados, emblemas
Cromatismo tonalidades, contrastes
Brilho nos tecidos, nas pedrarias, nos metais
Tipos de tecidos veludo, seda, damasco, rendas, pelúcia, telas,
cetim, renda
Pedrarias miçangas, canutilhos, fios com brilho, pérolas
Outros materiais plumas, penas, bandeirolas, cartazes
Coreografia marcha, acrobacias, movimentos
Solenidades
desfiles, campeonatos, festas regionais, festas
locais
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Códigos Verbais
Escritos emblemas, cartazes, regulamentos
Orais apresentações, instruções
Códigos Sonoros
Música conjuntos musicais, solistas, tipos de música
Artifícios sonoros tubos, vocais
Instrumentos cornetas, cornetões, tambores
Ruídos aplausos, clamores, vozes humanas
Nos Concursos de Bandas e Fanfarras, por exemplo,
isso pode ser observado em características peculiares a
cada região. Por exemplo, a postura de certos grupos do
Estado do Rio de Janeiro, apesar de seguirem as regras e
normas do Concurso, remete a de uma Escola de Samba.
Alguns uniformes de grupos do Sul lembram roupas
tirolesas. Embora os uniformes possam, eventualmente,
assemelhar-se aos norte-americanos – maior fonte de
inspiração nos dias atuais –, aqui eles guardam uma realeza
particular do Brasil.
Constatamos que, em cada ano, a FAGAP costuma
participar de diferentes eventos abertos ao público. Esses
eventos ocorrem em diferentes locais, tanto em recintos
fechados como em espaços abertos. Algumas dessas
atividades estão aqui descritas — apresentações, desfiles e
certames (concursos e campeonatos)
12
— e, como adendo,
umas notas tomadas sobre as viagens.
12
Lembro-me das acepções
que utilizo: Concurso, quando,
entre diversos concorrentes,
sagra-se um vencedor a partir
de uma disputa realizada em
um único dia; Campeonato,
quando esta disputa dá-se
entre competidores
classificados a partir de
eliminatórias.
13
Como exemplo: os jovens
iniciam o concerto entrando
pelos fundos do auditório,
atrás do público; uma
homenagem aos Amigos da
Fanfarra; ao final do concerto
rompe um instrumentista em
solo e aos poucos juntam-se
outros, todos ex-integrantes da
Fanfarra e hoje músicos
profissionais; um número
especial reunindo integrantes
e ex-integrantes da Fanfarra.
Apresentações em palco, concha, auditórios, etc.
A FAGAP costumava realizar, anualmente, um
concerto do corpo musical que marcava o encerramento das
atividades do ano. A cada apresentação, procurava inovar,
com algumas surpresas
13
para o público. Esse concerto,
tradicionalmente, era realizado no Auditório do Colégio São
Joaquim e se constituía a apresentação mais solene do
grupo.
Em 2006, comemoraram-se, nessa apresentação, os
15 anos da FAGAP. Na ocasião, uma música foi executada,
conjuntamente, por integrantes e ex-integrantes da Fanfarra.
Considerável número de ex-integrantes residia, na época,
fora de Lorena e, por isso, foi realizado apenas um ensaio.
Mesmo assim, devido à distância, alguns não puderam
participar desse ensaio, estando presentes apenas no dia do
concerto.
Eventualmente os músicos da FAGAP participavam
também como convidados de outras apresentações, tanto
em Lorena como em outras cidades, por exemplo, Cruzeiro,
Rio de Janeiro.
Em Lorena, ficou destacada a apresentação especial
do naipe da percussão da FAGAP, em conjunto com a
Banda Militar do 5oBIL, em um concerto desta, o que foi
considerado pelo maestro o reconhecimento de seu alto
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 170
nível. Mas, possivelmente, a mais significativa para os
jovens tenha sido a apresentação em Jupiá, Mato Grosso.
Em Jupiá??? ficamos em um hotel. Foi uma festa! Os
menores corriam de um lado para o outro. [Julio]
Além dessas apresentações em recintos fechados, o
corpo musical apresentava-se, com certa regularidade, na
principal praça de Lorena, a Arnolfo de Azevedo. Uma única
vez o grupo se apresentou no centro da praça, bem junto ao
público. Nas demais, a apresentação foi realizada na concha
acústica, que considero o coreto dos tempos modernos.
Fig. 44 – Coreto de Lorena
Fig.45 – Concha Acústica - Lorena
Desfiles
O desfile é o momento em que a Fanfarra se
apresenta em contato direto com a população de Lorena, já
que geralmente os desfiles são realizados na própria cidade
da sede. Pude apreciar, em especial, duas formas de
desfile, em datas comemorativas, que denominei de informal
e formal, respectivamente as comemorações do Dia da
Cultura e do Sete de Setembro.
Devido à diferenciação do espaço perceptivo que
proporciona, os desfiles em locais abertos oferecem uma
sensação diferente daquele das apresentações em recintos
fechados, sobretudo nos desfiles, quando as “evoluções ao
ar livre dão ao ouvido a sensação do deslocamento, do
cruzamento e da mistura sonora”
(Caznok, 2003. p. 74).
De fato, a acústica ao ar livre e em ambiente fechados
é distinta. Nesses últimos, a acústica do auditório é
determinante na qualidade do som, podendo acarretar
desde uma harmonia extraordinária a uma sensação sonora
desagradável.
Considero que o desfile é a forma em que a FAGAP
fica mais perto de seus conterrâneos, já que, em Lorena, o
público se espalha às margens da rua ou da avenida onde
transcorre o desfile.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
Nas tramas da rede da Fanfarra | 171
É importante lembrar que nos desfiles não é somente a
banda que se desloca. O ouvinte tem a possibilidade de se
recolocar espacialmente em diversos pontos. Isso permite
que a obra seja ouvida ora em sua sonoridade integral, ora
parcial; que se ouça primeiro a parte final de uma música e
só depois a inicial (quando o desfile já começou e o ouvinte
“recupera” a banda, adiantando-se a ela, para esperar o
reinício da peça, por exemplo); que se sobreponham o final
da apresentação de uma banda com o início da outra, entre
outras inúmeras possibilidades
(Caznok, 2003, p. 74).
Um desfile informal foi o realizado no Dia da Cultura,
quando se reuniram diversos grupos representantes da
cultura popular. Nesse dia, desfilaram o Moçambique de
São Benedito, violeiros, bonecos gigantes, representando
personagens da cidade – como, por exemplo, o do Edson
Louquinho, acompanhado pelo próprio durante todo o
percurso – duplas de cantores regionais e o corpo musical
da FAGAP.
Nesse dia, a fanfarra desfilou sem o seu tradicional
uniforme, o que me pareceu sinalizar que aquele não era um
evento muito representativo para o grupo. Todos os
componentes usavam uma camiseta da fanfarra e jeans. O
desfile percorreu a rua principal da cidade e culminou na
Praça Arnolfo de Azevedo.
Já no Sete de Setembro, a FAGAP realizou um desfile
formal. Desfilou completa e, frente ao palanque, apresentou
uma de suas peças de competição. O público aguardava
ansiosamente o seu desfile e o saudou com entusiasmo e
ovações.
Nessa data, em Lorena, desfilam escolas municipais,
estaduais, algumas particulares, a FAGAP, representações
de trabalhadores, associações, escoteiros, entre outros, que
buscam descrever sua identidade, e os militares,
considerado orgulho da cidade, sobretudo por seus ex-
combatentes da Segunda Guerra, Panamá e Suez.
... a parada é um texto especial, intricadamente
emaranhado em seu contexto histórico e social. Tem
múltiplos autores: os milhares de participantes que levaram,
para uma cerimônia composta, os símbolos que eles
próprios escolheram. (...) A parada , portanto, pode dizer-
nos alguma coisa sobre o processo histórico através do
qual o significado cultural é criado
(Ryan, 2001, p. 180).
Os grupos que desfilam têm um perfil próximo
daqueles que os observam das calçadas. Embora nem
todos os grupos portem uniforme, eles ensaiam uma certa
postura e, algumas vezes, um alinhamento.
O último grupo a desfilar é formado por cavaleiros.
Essa participação causa alguma polêmica pelo risco que
representa para o público, pois é comum que os cavalos se
assustem e também porque não é raro um cavaleiro ébrio.
Em geral, as profissões mais elitizadas não participam
desses desfiles, tampouco o vêem. As autoridades
presentes são apenas aquelas que se encontram no
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 172
palanque frente ao qual a Fanfarra estaciona para fazer a
apresentação de uma das músicas de seu repertório.
O desfile da FAGAP é impecável e expressa a
importância por eles dada ao evento. Participar DELA é um
orgulho. A mãe de um dos meninos iniciantes solicitou que
ele desfilasse, embora ele ainda não participasse
oficialmente de outras atividades externas. Ao desfilar na
fanfarra, ele integrou-se a um papel que é relevante para o
seu grupo, pois “as paradas continuam constituindo um
método cerimonial de forjar e afirmar as diversas
identidades sociais que compõe a cultura(...)”
(Ryan, 2001, p.
207).
Nessa ocasião,
No Dia da Pátria, há um esforço da hierarquia, que é
realizado de modo aberto e manifesto no início e no clímax
do acontecimento, somente desaparecendo no seu final,
quando os papéis sociais vigentes no mundo do cotidiano
são novamente reassumidos
(DaMatta, 1997, p.68).
Em Lorena, como em outras partes do Brasil e do
mundo,
O afastamento das pessoas nascidas na cidade é um sinal
inicial da decadência da parada enquanto rito inteiramente
público e capaz de incorporar um amplo espectro de grupos
sociais (Ryan, 2001, p. 200).
O público que ovaciona incansavelmente a FAGAP é o
grupo que a conhece mais de perto, que a prestigia nos
desfiles formais.
Concursos e campeonatos
A FAGAP participa de vários campeonatos, em geral,
os promovidos pela Confederação Nacional de Bandas e
Fanfarras e pela Federação de Fanfarras e Bandas do
Estado de São Paulo. Presenciei algumas dessas ocasiões.
constatando, in loco, a sua dinâmica.
Nos campeonatos, a FAGAP apresenta a síntese do
trabalho desenvolvido por seus integrantes, pois, nessa
ocasião, os três grupos — balizas, corpo coreográfico e
músicos — apresentam-se simultaneamente, o que
raramente ocorre nos ensaios cotidianos.
Numa fanfarra, o trabalho em grupo é fundamental
para uma boa performance. Os valores coletivos são
priorizados e existe um conjunto de convenções que devem
ser respeitadas, caracterizando-a como uma organização
social
(Coulon, 1995).
Cada concurso envolve grande número de pessoas de
variadas idades e formações. Além de todos aqueles
envolvidos diretamente com as diferentes corporações
musicais, há os que participam da organização do evento,
do corpo de jurados, do apoio local, etc.
Em duas ocasiões, fui a Taubaté, cidade que tem
acolhido alguns entre os importantes eventos do universo
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 173
das bandas e fanfarras. O que presenciei, superando
minhas expectativas, foi um incomparável show
protagonizado por jovens que transbordavam música e
coreografia. Grupos e mais grupos entravam na avenida,
acompanhando a cadência marcial das músicas que
executavam e coreografavam, portando uma série de
adereços
14
.
14
Esses adereços foram
apresentados no cap. 8.
Nas cercanias do local do evento, insinuava-se a
presença de ambulantes com seus estoques de água,
refrigerantes, sorvetes, biscoitos e diversos outros
alimentos. Posteriormente, alguns deles percorriam as
arquibancadas com isopores e caixas com os produtos que
vendiam.
Faço aqui uma ressalva: em proporção ao número de
pessoas envolvidas no evento, o número de ambulantes é
bastante reduzido. Observei que uma pastelaria e uma loja
de refeições ligeiras permaneceram fechadas, o que
impossibilitava a qualquer pessoa fazer uma refeição na
vizinhança. Isso podia indicar ou que, para o comércio local,
não compensaria manter o negócio aberto
extraordinariamente, dado o baixo poder aquisitivo dos
grupos, ou que esse público seria tão fiel que não se
afastaria do local do evento. Acredito que possa ser uma
combinação dos dois fatores.
Nesses concursos, tive a oportunidade de conhecer
integrantes de outras fanfarras e alguns organizadores dos
eventos, sempre muito ocupados, envolvidos com o certame
sob uma aura de prestígio e seriedade para além do que eu
poderia prever.
Além disso, foi possível conhecer diferentes categorias
de bandas e fanfarras, grupos de diferentes estados do
Brasil e suas peculiaridades.
As bandas e fanfarras estão presentes em diferentes
partes do mundo, cada qual guardando suas
particularidades em função das diferenças culturais. Com
formatos semelhantes ao que ora descrevo, soube que
também eram realizados concursos locais, regionais e
mesmo internacionais.
Em geral, a cada ano, cada concurso tem suas regras
mantidas, com diferenciações mínimas, adequadas em
funções das necessidades e dúvidas que surgem. Essas
regras são veiculadas por meio de um documento escrito,
que serve de referência para possíveis controvérsias, o que
não significa aspereza de regras, mas um parâmetro para
a orientação dos preparativos das corporações
participantes.
Nesses eventos, as corporações estão distribuídas em
diferentes categorias, de acordo com a faixa etária de seus
integrantes, enquadrando-se nas diferentes categorias:
Infantil, Infanto-juvenil, Juvenil e Sênior.
Cada entrada é precedida de um momento de
comunhão. Algumas vezes, eles gritam muito para jogar o
nervosismo fora e depois fazem movimentos com o pescoço
para relaxar. E, no último instante, sempre, antes de se
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 174
organizarem para a entrada, abraçam-se formando um
círculo e rezam.
O local do desfile do concurso
Em geral o desfile e a apresentação são ao ar livre,
nas principais avenidas ou praças da cidade onde são
promovidos. Os campeonatos são realizados com acesso
gratuito, o que os coloca ao alcance de um público
geralmente excluído de qualquer possibilidade de lazer
artístico-cultural.
Em Taubaté, existe uma grande área destinada a
diferentes eventos – a Avenida do Povo –, entre os quais, os
Campeonatos de Bandas e Fanfarras; as cidades que não
possuem um espaço específico, geralmente, utilizam uma
avenida ou rua, preferencialmente com acesso a alguma
praça, onde é mais facilmente armado o palanque para os
jurados.
As músicas do desfile
Nos diferentes eventos que compareci, cada fanfarra
executou quatro músicas. Posteriormente, tomei
conhecimento de que em quase todos os certames de
bandas e fanfarras isto é uma regra: uma música na
entrada, duas para a apresentação frente aos jurados e uma
outra na saída da corporação.
Questionando sobre essa seqüência musical, localizei
algumas informações que considerei interessantes.
A primeira música é executada enquanto os
integrantes da Fanfarra entram na pista em direção ao local
onde se apresentarão diante dos jurados. Essa música de
entrada serve como uma saudação e tem por objetivo
cativar o público. Em geral, é uma música simples, cuja
execução não comprometa a coreografia de entrada da
corporação; seu ritmo é, preferencialmente, ligeiro, tendo em
vista seu objetivo junto ao público.
É importante que a música de entrada sirva como um
convite à participação do público, transmitindo uma
mensagem próxima a:
Venha, vamos brincar juntos, veja como nós estamos felizes
em tocar para vocês e como é divertido o que fazemos!
(Bozzini, s.d.)
15
.
15
Os exemplos de
mensagens das músicas de
entrada e saída foram
apresentados pelo Prof.
A
ngelino Bozzini, trompista da
Orquestra Sinfônica Municipal
de São Paulo.
Além disso, essa primeira música, de fácil execução,
serve como um aquecimento para o conjunto – corpo
musical e linha de frente – enquanto se deslocam para a
apresentação que, em seqüência, entrará em julgamento.
Duas músicas, as intermediárias, são apresentadas
para avaliação junto ao corpo de jurados. Elas devem
demonstrar o amadurecimento musical dos instrumentistas e
a sua habilidade técnica. Antes dessa apresentação, dá-se a
entrada em cena dos instrumentos de percussão que, por
seu tamanho e peso, não podem ser deslocados durante o
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 175
desfile. Eles são introduzidos e, posteriormente, retirados
pela equipe de apoio. A cuidadosa seleção dessas músicas
permite que o corpo musical apresente o que de melhor
pode dar de si e são executadas sem que estejam em
movimento. Simultaneamente o corpo coreográfico e a
baliza executam sua coreografia para o corpo de jurados
específico para cada um desses segmentos.
Nesse momento, os integrantes que portam as
bandeiras e as alegorias mais pesadas ficam parados, sem
executar qualquer movimento.
A música de saída, a da despedida, tem por objetivo
transmitir uma certa nostalgia pelo término da
apresentação, ou seja, deixar saudade...
Foi muito bom ter estado com vocês, esperamos que
tenham se divertido e que possamos nos reencontrar em
breve! (Bozzini, s.d.) .
A qualidade dos instrumentos
No decorrer de minha pesquisa, constatei que cada
corporação procura instrumentos e acessórios com
qualidades que favoreçam a sua atuação. A FAGAP, por
exemplo, investiu muito na sua percussão, com a compra de
instrumentos, o que permitiu o aprimoramento de seus
percussionistas, pois um instrumentista pode aprimorar sua
performance quando utiliza um instrumento de melhor
qualidade.
O mesmo pode ser afirmado em relação aos demais
componentes, cuja atuação depende não apenas de si
mesmo como também com a qualidade dos objetos com os
quais contracena. Igualmente a substituição de alguns
instrumentos por outros de qualidade superior, a FAGAP
adquiriu instrumentos com os quais não contava
anteriormente, o que permitiu aos percussionistas o
desenvolvimento de novas habilidades musicais.
O público dos e nos certames
Os certames mobilizam um considerável público. O
número de pessoas, que muito cedo acorrem ao local do
evento, procurando garantir um local de melhor visibilidade
possível do desfile, é grande.
As torcidas ovacionam com especial e extremo
entusiasmo a sua fanfarra, mas isso não significa que deixe
de acolher com aplausos aquelas vindas de regiões
distantes e que, por isso, não contam com sua torcida local.
Ou seja, a qualidade das fanfarras que se apresentam é
reconhecida independentemente de seu local de origem.
O povinho gostava
especialmente de ver os
números de equilíbrio e o
combate de espadas,
terminando a função por uma
dança muito bem marcada, a
que a charanga prestava o
indispensável
acompanhamento musical
(Costa, 1962, p. 105).
As músicas executadas, quando populares, também
movimentam o público em geral, mas existe um segmento
que conhece as músicas especialmente compostas para
bandas e fanfarras e que vem sendo incluídas no repertório
de muitas delas.
A FAGAP, assim como outras, tem um público cativo
nos campeonatos, que a acolhe com carinho e entusiasmo,
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Nas tramas da rede da Fanfarra | 176
que reconhece a sua performance totalmente, aplaudindo,
mesmo as músicas que não conhece.
A FAGAP já conquistou vários campeonatos,
cada um significa um troféu. Alguns troféus são
temporários, a cada campeonato o mesmo troféu passa
à guarda do novo campeão, outros – a maior parte
deles – são definitivos. Não é comum o prêmio em
dinheiro, e os troféus têm valor simbólico.
Jogamos ou competimos “por” alguma coisa. O objetivo pelo
qual jogamos e competimos é antes de mais nada e
principalmente a vitória, mas a vitória é acompanhada de
diversas maneiras de aproveitá-la – como, por exemplo, a
celebração do triunfo por um grupo, com grande pompa e
ovações. Os frutos da vitória podem ser a honra, o estigma,
o prestígio. Via de regra, contudo, está ligada à vitória
alguma coisa mais do que a honra: uma coisa que está em
jogo, um prêmio, o qual pode ter um valor simbólico ou
material ou, então, puramente abstrato
(Huizinga, 2005, p. 58).
A
imagem pro
j
etada no
espelho sofre modificações –
muitas imperceptíveis – devido
à superfície do objeto e à
mudança de eixo direito-
esquerdo.
Num campeonato, as avaliações, em geral, são
consideradas em 3 categorias: conjunto, sopro e percussão.
A avaliação de cada jurado não se limita à pontuação
considerada para o resultado do concurso, inclui uma
apreciação escrita, o que segundo o maestro dá pistas para
o aperfeiçoamento do grupo.
Posteriormente, essas avaliações são discutidas pelos
integrantes da FAGAP com o objetivo de trabalhar os
aspectos indicados como mais frágeis, contribuindo para a
autocrítica, coletiva e individual. Dessa forma, procuram,
após cada campeonato, utilizar as informações dos jurados
para o desenvolvimento e evolução do grupo na sua
totalidade e de cada um em particular, reiterando o que
afirmei sobre a FAGAP ser, efetivamente, uma rede em
termos latourianos.
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10
O dia-a-dia dos membros da FAGAP: um
espaço de aprendizagem
Os jovens da FAGAP, como outros quaisquer, se
agrupam de acordo com seus interesses. Nisso concorda o
maestro, quando afirma a esse respeito:
Bem é um hobby. Eles gostam... uns gostam de
futebol, outros de basquete. Eles gostam de fanfarra. Por
isso, estão sempre aí.
Observa-se na FAGAP um processo de sociação,
entendido como o conteúdo formado pelos interesses de
influenciar os outros e de ser influenciado, reforçando o
sentimento coletivo e, desse modo, constituindo uma forma
pela qual se agrupam para satisfazer seus interesses
(Simmel, 1978).
Durante um dos ensaios, uma ex-integrante da
FAGAP chegou ao local, cumprimentou-me e sentou-se a
meu lado. Assim como eu, ficou observando o grupo.
Comentei que, há muito tempo, não a via e entabulamos
uma conversa, parte dela gravada a meu pedido.
Foi em 2004 que entrei na Fanfarra FAGAP. Nunca
antes eu tinha visto ou ouvido falar sobre isso [fanfarra]. Saí
há uns dois anos. Eu tocava cornetão Sib. Meus tios foram
em casa e me mostravam fotos da Fanfarra e aí eu comecei
a gostar da idéia. Daí eles disseram para eu entrar na
Fanfarra e minha família deu uma força, aí eu vim com
minha irmã, gostamos muito, a gente se interessou e entrou
na Fanfarra.
[Patrícia, 19 anos]
Ao trazer esse depoimento, imaginei alguns dos fatos
relatados, todos ocorridos no período em que já realizava
minha pesquisa. Lembro-me dela assistindo, timidamente,
aos ensaios. Sempre estava ao lado de um casal integrante
da equipe de apoio, mas eu desconhecia que fossem seus
tios.
Posteriormente, quando ela ingressou no grupo,
sempre a avistava nos ensaios. Recordo-me ainda, certo
dia, quando — uniformizada para uma apresentação — a
fotografei sorridente.
Depois de algum tempo, percebi que já não estava
mais na FAGAP, mas não conhecia os motivos que a
levaram a desligar-se do grupo. Mais tarde, em uma
entrevista, me disse:
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O dia a dia dos membros da FAGAP: um espaço de aprendizagem | 178
Fiquei 1 ano e 2 meses e tive que sair por motivos de
doença de família. Foi uma experiência muito legal que eu
tive. Eu nunca li música, não sabia o que era isso e foi uma
experiência muito bacana para mim. [Patrícia, 19 anos]
Ela me contou também que a mãe adoeceu e sentia-
se muito sozinha quando as filhas ausentavam-se para os
ensaios e, principalmente, quando viajavam. Por ser a filha
mais velha, ela saiu para cuidar da mãe, e a irmã
permaneceu e permanece na Fanfarra. Como sua mãe
continua necessitando de ajuda, ela não pode mais retornar
à fanfarra.
Sinto muita falta da Fanfarra e sempre que posso
estou aqui para ver, para continuar aí dando força. Aprendi
muita coisa, respeito, música também. Se um dia eu quiser
seguir uma carreira, eu posso, porque já sei o que é, eu já
tenho uma noção de música. [Patrícia, 19 anos]
10.1 Entrando na Fanfarra
Primeiras notas...
Para participar efetivamente na Fanfarra, os
interessados precisam alcançar requisitos mínimos de
leitura e prática do instrumento. Para isso, é preciso muito
empenho para soprar, soprar, soprar... Até conseguir a
forma correta, a embocadura. Também é necessário
persistência para o estudo teórico básico. Alcançados os
requisitos mínimos para se integrar musicalmente ao grupo,
o jovem ou a criança passa a ensaiar em conjunto com os
demais integrantes da Fanfarra.
O uso correto dos lábios e
músculos faciais de modo a
obter a emissão de um som
limpo.
Fig. 46 - embocadura
O estudo inicial e o aprimoramento dos jovens
músicos são realizados sob orientação do Maestro
Washington. Na formação, também contribuem os jovens
músicos, sobretudo depois que o novato integra-se,
efetivamente, ao corpo musical.
Ao que parece, o ingresso do grupo marca
formalmente o processo de transmissão cultural da fanfarra.
Transmissão cultural é o processo de aquisição de
comportamentos, atitudes, ou tecnologias através do
imprinting
2
, imitação, condicionamento, ensino e
aprendizagem ativos ou combinações destes
(Cavalli-Sforza et
al., 1982, p. 19).
2
Imprinting ou estampagem é a
primeira marca recebida do
exterior, dentro de um período
crítico.
Durante os ensaios, vi muitas vezes uns sugerindo aos
outros, modos que consideram mais adequados para
segurar os instrumentos ou manipular as baquetas. Também
observei alguns, exemplificando como tocar determinados
trechos da música em estudo ou de outras de seu agrado.
Ao lado disso, a imitação e a repetição constantes.
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Vivências
A experiência social é um fator básico para a
aprendizagem musical dos integrantes da fanfarra. Apesar
da ênfase na necessidade do conhecimento teórico de
música, parece-me que a prática em conjunto é o mais forte
componente para a aprendizagem, o que reforça a
valorização da freqüência aos ensaios e do apoio entre os
integrantes dos naipes. Cabe ao maestro ensinar, contudo,
não é o único que ensina, outros também ensinam.
A grande importância que tem o fator do ensino para a
cultura se manifesta na marca especial de seu momento inicial:
para cada cultura um dos fatores decisivos resulta o fato de
sua introdução e a figura de seu iniciador – do que ensinou,
fundou, descobriu o sistema, o introduziu na consciência da
coletividade
(trad. Lotman, 1998, p. 125).
Na linha de frente, na qual não existe um corpo de
conhecimento teorizado, a aprendizagem dá-se,
fundamentalmente, por transmissão oral e imitação. O
coreógrafo é o responsável pelo ensino dos movimentos do
corpo coreográfico. Como não há um registro escrito da
coreografia, ele necessita explicar, passo a passo, o que
idealizou, para que os componentes, em seguida, possam
reproduzir a coreografia proposta. A partir daí, durante os
ensaios da Linha de Frente, pode-se ver, assim como no
corpo musical, sugestões entre os componentes de
maneiras para o aperfeiçoamento da performance. Assim, o
aprendizado é coletivo, compartilhado, fundamentado na
observação e na imitação.
Tanto na linha de frente quanto no corpo musical, o
aprendizado adquire maior significado a partir de objetivos
diretos, que seriam as apresentações, principalmente, as
competições, e de objetivos indiretos, que seriam a
oportunidade de viajar e conhecer novos lugares e pessoas.
Responsabilidade
Em relação à responsabilidade, existe um discurso
comum a outras corporações musicais. Na fanfarra, ela é
tomada como uma norma, isto é, um modo de agir
consolidado pelo grupo, mais que habitual, quase obrigatório
(Pais, 2002).
Parece-me que o ingresso na Fanfarra está associado
à representação social da aquisição de uma conduta
responsável, na qual inclui-se o compromisso com o horário.
A responsabilidade, quando eu tinha 8, 7 anos
aquele negócio de você ter responsabilidade para chegar
na hora do concurso, pensar que fazer certo, fazer as
coisas conforme a pessoa que está te ensinando. Acho que
eu cresci bastante na responsabilidade. [Vanessa]
Outra jovem, a Milena, de 13 anos, já incluía esses
componentes em seu discurso, o que parece confirmar essa
representação, embora estivesse há um mês na Fanfarra:
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As pessoas aqui são muito simpáticas e aqui a gente
aprende muita coisa, a ter responsabilidade, a ter
compromisso com o horário. [
Milena]
Admiro a rapidez com que ela considera ter aprendido
a ser mais responsável e a ter compromisso com o horário.
Porém, logo adiante, ela reconhece que nem sempre esse
compromisso é cumprido por todos.
Acho que o mais importante que aprendi é isso
mesmo. Ter responsabilidade e compromisso com o horário.
Porque nas viagens a gente sai daqui de madrugada e nem
sempre todo mundo está no horário certo. [
Milena]
Por certo, "a norma não representa simplesmente o
que freqüentemente se faz, mas o que se deve fazer"
(Pais,
2002, p. 132).
Isto fica evidente quando um dos integrantes da
Linha de Frente aponta a conseqüência do faltar.
Aqui dentro da Fanfarra, eu aprendi a ter
responsabilidade porque você está em um grupo formado
por 12-14 pessoas, independente de quantas pessoas, se
você não for, se faltar você está prejudicando um grupo
inteiro. Você está ensaiando, ensaiando nos finais de
semana, se você faltar, você vai prejudicar um grupo
inteiro na hora do concurso, entendeu? Acho que é mais
responsabilidade mesmo que se aprende aqui.
[Leonardo]
Mas o dever fazer implícito na responsabilidade não é
percebido com pesar, ao contrário:
A gente cria uma certa responsabilidade muito boa
[sic] na fanfarra. O melhor mesmo para mim, foi ficar
responsável, ficar bem mais maduro.
[Edson]
Ao contarem sua história, os participantes da fanfarra,
transmitem a associação da responsabilidade com a
Fanfarra, preservando este princípio para o resto da vida e
sendo notado por membros da família.
Eu era meio indisciplinado... Assim...Na parte de
escola, eu era meio indisciplinado, não levava muito a sério.
E quando eu fui lá pro São Joaquim, o maestro da banda
era militar. Então eu fui aprendendo... a respeitar, a ser... a
respeitar mais os outros. A ter, como se diz, a ter mais
responsabilidade com as minhas coisas. E ajudou muito,
nossa. E hoje, o que eu sou hoje eu devo muito a isso.
Até dentro da minha família mesmo, eles chegavam e
falavam: “Mudou, é !?” que a instrução que ele passava
pra gente foi mudando, foi mudando a minha cabeça. Fui
ficando mais responsável, eu fui... Mudando meu jeito de
ser e de tratar as pessoas
. [João]
Atos, inicialmente casuais, quando recebem
determinadas motivações, conservam-se e são transmitidos
às gerações futuras
(Lotman, 2000). Dessa forma, consolida-se
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a responsabilidade, inerente à participação na fanfarra,
como uma das marcas na memória de seus ex-integrantes.
Lorena, cidade violenta?
Logo ao iniciar a pesquisa, Lorena era apontada como
a cidade mais violenta do Vale do Paraíba. Na ocasião, era
muito alto o índice de assassinatos no município.
Isso gerava observações como a seguinte:
Ah... Lorena...! Eu não gosto muito de Lorena não.
Tem muita bandidagem, (...) Eu tenho medo.
[Wilson].
No final de meu tempo e presença na FAGAP, essa
violência já não estava tanto em evidência, mas, como eu,
muitos ainda se perguntavam se Lorena seria ou não uma
cidade violenta. Sem tocar nessa questão, procurei
conhecer o que os integrantes da Fanfarra pensavam sobre
Lorena.
Observei que a representação da cidade vinha se
modificando, sobretudo em relação à percepção de uma
cidade menos violenta, porém, sujeita, como qualquer outra,
a esse problema.
Mas, na percepção dos integrantes da FAGAP, seria
Lorena uma cidade violenta?
Lorena já tem essa fama, mas hoje Lorena está e
não está tanto assim... Alguns bairros melhoraram, outros
continuam do mesmo jeito. Em alguns bairros tem
violência em outros não. [destaque meu]
[João, equipe de apoio]
Entretanto, as referências a determinados bairros
sempre apareciam, assinalando alguns deles como os de
maior periculosidade:
Os bairros aqui que são perigosos, são CECAP, Vila
Brito, São Roque, um monte que... um monte de bairro aqui
que é perigoso... você tem até medo de andar.
[Wilson].
De modo recorrente, eram esses alguns dos bairros
estigmatizados como locais em que a violência eclodia com
mais força. E exatamente neles residiam alguns integrantes
da Fanfarra.
Mas, ao que parece, para o jovem que vive nesses e
em outros bairros, a Fanfarra pode significar uma proteção,
pois, segundo várias pessoas de Lorena, não interessa às
gangs envolver-se com um jovem que está sob a mira de
um grupo formalmente organizado. Além disso, o tempo de
convívio no bairro não permite uma grande aproximação.
Talvez digam esse aí é da turma da fanfarra, da
turma da cidade. Eles também não ficam no bairro
praticamente, ou melhor, eles ficam, mas não têm a
convivência diária deles no bairro porque eles têm a
convivência da escola deles aqui. Sábado eles vêm pra cá
de manhã, vão embora, voltam a tarde e só voltam para
casa à noite. Essa é a hora do pessoal barra pesada sair...
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e eles estão chegando, chegando em casa. Então eu acho
que isso os deixa afastados sim. Ninguém fica à toa na rua.
Eles estão aqui dentro, tem pais que nem vêm, mas sabem
que eles estão aqui dentro (...) Mas pode-se ficar que aqui
tranqüilo... acho que isso os mantém afastado de muita
coisa que poderia, como eu falei no começo, fazendo coisas
que a gente está cansado de ver não só em Lorena, porque
em todo lugar tem. [João – equipe de apoio]
Aliás, essa questão do bairro surgiu logo ao início da
pesquisa, quando uma das mães da equipe de apoio
contou-me que determinado menino, ao ingressar na
FAGAP, tinha todas as características de que não iria dar
certo: ao que parece, ele carregava o estigma de viver em
um dos bairros de maior periculosidade da cidade, além de
que "já tinha andado com más companhias" (sic). Para ela,
Esse parecia que não tinha jeito, mas agora ele é
assíduo nos ensaios e bom instrumentista, mas no início foi
difícil, parecia que não ia dar certo (...) a Fanfarra o
transformou. Talvez se não estivesse aqui, já estivesse
morto.
[Elisa – equipe de apoio]
Sob outro enfoque, a questão da fanfarra como um
local de proteção foi destacada por um dos jovens:
Têm alguns que estão metidos no grupo e que têm
problema lá fora. Mas, ele deixa o problema. Ele entra para
cá. Ele deixa os problemas lá fora. Ele não quer se
preocupar com os problemas dele aqui, ele quer mais se
divertir. [Wilson]
Entretanto, diferentemente, nas conversas entre os
integrantes, essa questão dos bairros não emergia no
cotidiano da Fanfarra. Ou seja, não existia uma
preocupação deles em distinguir quem morava em tal ou
qual bairro. Eles pareciam saber que os problemas não
estavam restritos a alguns bairros, dito de outro modo, a
incidência podia ser maior, mas não era exclusiva.
Pode ver no final de semana a garotada passeando
não fazendo nada na praça.
O que sempre digo,quem está aqui hoje poderia estar
aí nas esquinas fazendo alguma coisa, mexendo com
drogas, bebendo, roubando, matando... Aqui não, aqui
estão aprendendo uma profissão.
Quem está fora e não quer participar, está
aprendendo muitas coisas lá fora ou, está se
desencaminhando, não são todos. Lógico. Não vamos
também generalizar porque não são todos. [João]
Mas, a representação de Lorena se mostrou
controversa. Isso ficou evidente em um dos grupos focais
com os jovens integrantes, quando perguntei sobre o que
achavam de Lorena:
Paulo Acho legal, mesmo como o alto nível de
violência.
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Valéria – Mas onde não é?
Mas é tão violenta assim?
Paulo Lorena é uma das cidades mais violentas do
Estado de São Paulo. Mas é o pessoal ligado ao tráfico de
drogas... é mesmo quem não está ligado a esse meio...
Rita Não é que Lorena é mais violenta ou menos
violenta que outro lugar...se for analisar, comparar! Quem
não deve não teme!
Paulo Aí depende do tamanho da cidade, eu podia
dizer que São Paulo são varias Lorenas dentro de São
Paulo. Aí teria uma Lorena A e uma Lorena B. No caso de
Lorena não, todos conhecem o seu rosto.
De fato, o que soube por meio de um dos
responsáveis pela segurança de Lorena era que os crimes
na cidade estavam vinculados à guerra de gangs, sendo
considerado o maior risco restrito àqueles grupos.
Mais ou menos isso é o que afirmou Leonardo,
integrante da Linha de Frente:
Lorena é gostosa, bom de se viver. Antigamente tinha
muito roubo, tinha muita morte, agora os marginais como
dizem, morreram todos, morreram mesmo, a maioria, os
chefões que moravam nos bairros morreram.
Prosseguindo, esse mesmo jovem traçou, em linhas
gerais, um perfil bastante próximo ao de minhas
observações pessoais:
A gente corria perigo de estar domingo em uma
praça, na praça aqui de Lorena onde estava todo mundo
reunido e eles se invocavam no meio. Ai tinha tiroteio,
correria, briga...
A maioria dos jovens aqui em Lorena eles vão para
rua, cinema, sentados na praça, se divertem de um modo
geral, eu acho. Baladas, muitos vão para a cervejaria do
Gordo, vão para Guará, para outras as cidades vizinhas,
barzinhos aqui em Lorena mesmo.
E agora está mais tranqüilo de se viver mesmo,
muitas pessoas estão procurando Lorena como um pólo de
faculdade mesmo, vindo estudar e agora a FaENQUIL virou
USP, então a cidade vai crescer mais, porque tendo
mudado para USP então o mercado da engenharia deles,
vai crescer bastante, vai ser mais um pólo para a cidade
evoluir mesmo. Agora Lorena não é mais a cidade mais
violenta não... Isso! Graças às universidades que estão
aqui... a UNISAL, a USP que entrou no lugar da
FAENQUIL... Lorena não é mais conhecida pela violência,
mas pelas universidades que está tendo
. [Leonardo]
Há muito de verdade nas considerações de Leonardo,
pois, de um modo geral, como observei nos primeiros
tempos da pesquisa, com muita freqüência, Lorena era
apresentada como uma cidade violenta. Essa perspectiva,
realmente, parecia estar se modificando ao final da
pesquisa, possivelmente em virtude da redução da
criminalidade e de uma efetiva informação aos moradores
de que isso estivesse ocorrendo, consolidando essa
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representação a partir da transformação em uma cidade
com universidades de qualidade.
As matérias seguintes publicadas em sites de órgãos
oficiais, bem como a leitura de jornais da região e do
Estado, ratificavam esta impressão.
06/02/2007 13h59m
Trabalhos Sociais de Lorena
contribuem na diminuição de homicídios e roubos na cidade
por Milena Coura
A Prefeitura de Lorena através dos projetos
sociais desenvolvidos pelas Secretarias
investe cada vez mais na formação da
criança, do jovem e do adolescente.
A polícia Civil, Militar, Ministério Público e
Poder Judiciário também se dedicam
diariamente no combate ao crime realizado
por menores.
Com o resultado deste trabalho o número de
homicídios, roubos e furtos de carros
diminuiu em Lorena.
Em 2006 o número de homicídios ocorridos
caiu 27, 27%. Já os furtos e roubos de
veículos diminuíram em 47, 5%. Os
homicídios ocorridos em 2006 foram apenas
16, contra 22 casos em 2005. Os furtos e
roubos de veículo no ano passado caíram
praticamente pela metade na comparação
com 2005.
Com a repressão ao tráfego e de apreensão de
armas, o número de homicídios diminui
consequentemente.
Foram apreendidas 65 amas de fogo e lavrados
133 autos de prisão em flagrante, sendo 34
autos de prisão em fragrante por tráfego de
drogas, totalizando 235 pessoas presas.
Já os homicídios dolosos (com intenção de
matar) vêm sendo reduzidos desde 2002. Em
2006, Lorena teve o menor índice desde 1995,
com apenas 16 casos. Neste ano, nenhum
homicídio doloso foi registrado.
Investimentos em projetos sociais, como por
exemplo, o Provim (Salesianos), o Conselho
Tutelar, Conselho Municipal de Defesa da
Criança e Adolescente, Projeto Sentinela,
Projeto Juventude e Liberdade Assistida sem
dúvida contribuíram muito na redução da
criminalidade na cidade de Lorena.
http://www.lorena.sp.gov.br/noticia.php?idnoti=908
Homicídios caem quase 30% e roubos de carros 50%
Nas cidades com o número de habitantes
igual ou superior a 50.000, o Deinter 1/CPI 1
teve, em 2002, cinco cidades em que a média
de homicídios por 100 mil habitantes foi
maior que a de todo o Estado: os municípios
de São José dos Campos, Jacareí,
Caraguatatuba, Lorena e São Sebastião. As
médias de homicídio mais altas, dentre as
cidades citadas, concentram-se nos
municípios menos populosos. São Sebastião,
por exemplo, com população aproximada de
57.038 habitantes, tem quase o dobro do
índice estadual de homicídios por 100 mil
habitantes da região (60,3), e é seguida por
Caraguatatuba (78.921 habitantes e média de
52 homicídios por 100 mil habitantes). Em
terceiro lugar aparece Jacareí, com população
de 191.358 habitantes e média de 47,6
homicídios por 100 mil. Lorena, outra cidade
com menos de 100 mil habitantes, é a quarta
colocada (77.990 habitantes e média de 47,4
homicídios por 100 mil habitantes). São José
dos Campos, a cidade mais populosa da região,
aparece em quinto lugar. Taubaté,
Pindamonhangaba, Caraguatatuba, Caçapava,
São Sebastião, Ubatuba e Campos do Jordão
têm média superior à estadual quanto ao crime
de furto. São José dos Campos e Caçapava
também estão acima da média estadual quanto
ao crime de furto de veículo.
http://www.ouvidoria-policia.sp.gov.br/pages/Deinter%201%20intro.htm
O que fazia o jovem da Fanfarra em Lorena?
Eu sabia que a fanfarra não era uma atividade oficial
da escola onde ela fica ancorada. Entretanto, eu me
indagava se seus integrantes eram apenas estudantes ou se
já tinham deixado os estudos, se trabalhavam.... Por isso,
indaguei sobre esse ponto no questionário que apliquei e
soube que cerca de 76% do grupo estudavam, enquanto
12% afirmaram não estudar.
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Também constatei que o número de integrantes que
trabalhavam era reduzido, o mesmo acontecendo com o
número de integrantes que não trabalhava nem estudava.
Destes, quase todos eram financeiramente dependentes.
Ainda com o objetivo de traçar o perfil de atividades
dos jovens integrantes da Fanfarra, eu indaguei sobre isso,
usando os diferentes instrumentos da pesquisa.
A primeira indicação que se apresenta relevante é que
a sua contribuição nos afazeres domésticos era muito
grande, pois quase 90%, ao menos de vez em quando,
tinham alguma atividade em casa sob sua responsabilidade.
Entre as atividades de lazer, destacaram-se ver
televisão e ouvir rádio.
Nesse grupo, a leitura — de modo geral — não se
destacava como uma atividade regular. A leitura de livros e
de revistas apareciam como as mais freqüentes. Poucos
liam jornais com regularidade, uma característica que vem
se consolidando entre os jovens
3
.
3
Sobre o tema, consultar a
pesquisa O Jovem e o Jornal
coordenada pela Profa. Dra.
Maria Apparecida Mamede-
Neves – Departamento de
Educação – PUC-Rio.
Em geral, quando perguntava a alguém se gostava de
ler ou se costumava ler, em geral, a resposta vinha
precedida de um longo silêncio.
Se a leitura se destacava pela pouca freqüência, com
a escrita ocorria o contrário. Eles afirmaram escrever com
grande freqüência durante o tempo livre. Assim, procurei
conhecer, por meio de conversas informais, que escritas
realizavam. As respostas que me deram giravam em torno
da escrita em diários e em algumas atividades na Internet.
Também se destacava a freqüência com que
cantavam, o que não surpreendia a jovens participantes de
um grupo musical, sendo trivial observá-los cantarolando.
Em relação aos shows de música, eles eram pouco
realizados na cidade, portanto, era natural que apenas de
vez em quando eles pudessem comparecer a um.
Colocando esse tema em pauta de conversas informais,
pude concluir que, aqueles que iam com mais freqüência a
shows, eram os que podiam deslocar-se e pagar por um
espetáculo.
Indagando a respeito das atividades de lazer dos
jovens de Lorena, obtive o seguinte depoimento em uma
entrevista:
A maioria dos jovens aqui em Lorena eles vão para
rua, cinema, sentados na praça, se divertem de um modo
geral, eu acho. Baladas, muitos vão para a cervejaria do
Gordo, vão para Guará, para outras as cidades vizinhas,
barzinhos aqui em Lorena mesmo. [Leonardo]
Entretanto, para a equipe de apoio, a praça e a rua
tinham outra representação: significavam ociosidade e
ameaça para o jovem.
Se acabar a fanfarra, eu não sei o que acontece com a
garotada. Agora, os que estão fora, têm muitos que acham que a
fanfarra isso não leva a nada, que dá uma canseira muito grande...
eu vou é curtir! Pode ver no final de semana na praça a garotada
passeando não fazendo nada na praça.
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Quem está fora e não quer participar, está aprendendo
muitas coisas lá fora ou, está se desencaminhando, não são
todos, lógico. Não vamos também generalizar porque não são
todos. Tem muita criança, muito garoto aí na guarda-mirim
trabalhando, estudando...
[João]
Uma das integrantes da equipe de apoio relevou a
permanência dos jovens na FAGAP como um fator positivo
e, referindo-se a sua filha, exemplificou:
Porque sábado à tarde e domingo geralmente ela gosta de
sair, gosta de passear e a gente não sabia onde ela
estava. E aí você sabe onde ela estava andando. Mesmo
quando sabia que estava na casa de colega, a gente fica
apreensiva, né? Pelo menos eu sabendo que ela está aqui
no corpo coreográfico da FAGAP, pelo menos eu sei que
ela está no ensaio [inaudível] eu fico participando também,
eu vejo que realmente ela está aqui.
[Josefa]
Esse depoimento foi confirmado pela sua própria filha,
em entrevista posterior:
A fanfarra me ajuda a não ficar muito na rua, eu acho
que antes quando eu não era da Fanfarra, eu ficava muito
na rua, eu não respeitava assim minha mãe direito, hoje em
dia ah! Respeito minha mãe, porque a fanfarra tem que ter
bastante respeito com gente mais idosa.
Então, assim não fico muito na rua, fico em casa,
treinando em casa também, chamo amigos para dentro de
casa pra treinarem juntos, ensaiar...
As músicas daqui gosto muito, tem música até que
agita um pouco assim. Dá para levar bem. Nossa e como!
Fora daqui gosto de pagode, samba, funk... Se danço isso?
Mais ou menos... Ah! Danço sim!
[Elaine]
Porém, excetuando a rua e a praça, as outras
diversões mencionadas acima por Leonardo pareceram ser
uma realidade distante dos jovens integrantes da fanfarra.
Em geral, suas atividades menos freqüentes eram aquelas
que implicavam em alguma despesa, por exemplo, o
cinema. O show, que apareceu com alguma significação
maior que o cinema, talvez fosse freqüentado porque era
comum — em Lorena ou nas cidades das redondezas —
haver espetáculos gratuitos nas festas da cidade.
Quando perguntei a um grupo o que faziam nos seus
momentos fora da fanfarra, as respostas pipocaram:
Edson Eu gosto de sair com amigo, namorar, Internet...
Valéria Eu gosto de dançar!
Edson Eu li nas férias, você aprende bastante coisa lendo
um livro, mas depende do livro que você lê.
Kleiton Eu desenho... Pinto...
Edson Eu trabalho com edição de imagens. Eu trabalho
com arte na Internet, com edição de imagens. Rolava na Internet
um encontro de Arte, reunia um pessoal, uns amigos da Internet
assim e a gente fazia imagens, fazia banner para outras pessoas.
Por exemplo, tem pessoas que faziam um site e queriam um
banner para colocar na frente de um site. Eu e meus amigos
bolavam o banner.
Kleiton Aquarela...
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Mas, afinal, que significação tinha o espaço da fanfarra
para seus jovens?
A fanfarra representava não apenas a oportunidade
do desenvolvimento de habilidades artísticas e musicais,
como também significa lazer e ocupação
Na verdade, o aprendizado na Fanfarra não está
circunscrito à aquisição das habilidades e técnicas
necessárias à performance da Linha de Frente ou do Corpo
Coreográfico. Ele alcança outras experiências que
transcendem àquelas explicitamente propostas: o processo
de socialização e o desvelamento de novas possibilidades.
Acredito que seja uma continuação de... Parte de educação,
parte de lazer, acho que é uma partida para muitos jovens
que estão no mundo. Seja assim uma continuação, um
pouco de ... um pouco de lazer.
[Josefa]
Para muitos integrantes da Fanfarra, participar da
Fanfarra era uma atividade que lhes ocupava um tempo que
seria vazio se ela não existisse, porque não teriam outra
opção de lazer. Mas esse lazer pode, em alguns casos,
passar a lhes tomar um tempo excessivo. Por isso, alguns
acabavam deixando a fanfarra, para ter tempo de namorar,
para estudar, para fazer outras coisas... No entanto, a maior
parte permanecia e só saiam quando compromissos de
estudo ou profissionais ficavam incompatíveis com os da
Fanfarra.
Aprendendo nos ensaios
Durante os ensaios, Washington ou Rafael
aproximavam-se e para junto a um dos naipes ou de um
determinado instrumentista. Braços cruzados, mão na
cabeça, o maestro – tanto um quanto outro - concentrava-se
para melhor escutar aquele naipe ou músico.
Fig. 47 - Ensaio
Mesmo quando Rafael dirigia o ensaio, Washington
estava por perto. Ele estava sempre presente nos ensaios.
Percebi que quando algum evento se aproximava, os
ensaios intensificavam-se e as exigências do maestro
também.
Algumas vezes, nada era preciso dizer, apenas um
olhar ou um gesto discreto indicavam o que era preciso ser
corrigido. Outras, era necessário uma intervenção. Nesse
caso, o maestro exemplificava ou pedia a um dos jovens
que o fizesse, executando determinado trecho musical para
que os demais verificassem como é que se faz.
Os gestos com os quais conduz o corpo musical da fanfarra
também são marcas do maestro. Cada um tem sua marca,
seu estilo. Alguns movimentam todo o corpo, outros
apresentam-se com um gestual mais contido, mais ou
menos enfáticos no olhar, diversas são as formas de
regência, mas em todas elas é fundamental que seja feito
“no momento certo, o gesto único necessário”
(Brandão, 1989,
p. 176)
.
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Uma nova música é sempre um desafio, mesmo para
os mais experientes. O estudo dá-se por partes e por
naipes, por um processo que envolve leitura musical,
execução, repetição, exemplificação e até mesmo
mudanças em função da dificuldade de execução ou mesmo
por novas possibilidades que surgem durante a audição do
conjunto ou por sugestão de elementos do grupo.
Fig. 48 – Naipe ensaiando
Algumas vezes, verifiquei que os naipes se separavam
e ensaiavam sob a responsabilidade de um de seus
integrantes. Isso facilitava para que eles percebessem onde
estavam os pontos fracos. As dificuldades eram, então,
trabalhadas com mais intensidade.
Algumas vezes, era preciso resistir a uma intensa
pressão do maestro, mais pelo empenho no instrumento do
que para a manutenção da disciplina. Essa, a meu ver, se
mostrava muito mais conseqüência do interesse em
aprender e do prazer de tocar.
Na coreografia, também o ensaio era necessário,
entretanto, era comum que um jovem ingressasse na linha
de frente e, pouco tempo depois, já estivesse se
apresentando. Tal fato não ocorria no corpo musical.
Entrei foi um dia antes do desfile do Sete de
Setembro.
O Tota ensina, mas as coisas aqui não são muito
difíceis não... Se você prestar atenção, fizer tudo no
alinhamento, olhar no parceiro do lado, dá tudo certo!
(...)
Já participei do Sete de Setembro. Foi difícil, mas deu
tempo de aprender sim.
[Brenda]
Na coreografia, observei um maior número de vezes o
próprio coreógrafo exemplificando o movimento a ser
realizado.
Ele
[o Tota] ensina tudo, aqui ele é o mestre, porque ele
ensina tudo aqui. Mais ninguém.
[Brenda]
Tota, assim como os maestros, em diversas ocasiões,
apenas com um gesto ou olhar assinalava a necessidade de
maior cuidado na realização ou a necessidade de alteração
de um movimento.
Com freqüência, senti que, sem a intervenção de
qualquer palavra, o exemplo, o gesto e o olhar eram
consideráveis elementos na transmissão das práticas da
fanfarra.
Há uma diferença marcante entre o tempo de ingresso
efetivo no corpo coreográfico e no corpo musical. Nesse
último, o jovem necessita de uma iniciação para poder tocar
em conjunto, enquanto naquele, a entrada é, às vezes,
imediata, pois se pode começar em um naipe coreográfico
mais simples e aos poucos evoluir.
O empenho de cada um era, pois, fundamental, mas o
trabalho individual não era suficiente. O que tocar ou que
movimento realizar refletia na performance do grupo, no
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trabalho conjunto, o que era sempre valorizado.
Sincronicidade era fundamental, e a atuação de cada um
só fazia sentido quando associada a dos outros integrantes
do grupo.
Algumas vezes, vi um solitário músico ou
componentes de um dos naipes voltados de frente para uma
parede, executando determinados segmentos melódicos.
Fig. 49 Iniciantes
Fig. 50 – Dia da Cultura 2005
Quando o som não saía do modo esperado, passavam
a treinar voltados para a parede. O que a princípio me
parecia estranho, com o tempo passou a não mais me
surpreender, pois o regente me explicou e eu já
compreendia que aquele era um artifício de estudo usual
para eles.
Foi a técnica que eu aprendi com mais tempo, com a
gente aprende os professores, quando a gente aprende isso
aí, a gente aprende fora, lá em Pinda. Fui estudar e aprendi
no estudo que pra gente poder escutar o som da gente , a
gente fica voltado para a parede, porque aí o som volta. Pra
gente escutar o que a gente está tocando.
[Washington]
Como afirmei anteriormente, era inquestionável a
importância do empenho no trabalho individual, mas as
realizações eram coletivas e os erros e acertos eram
divididos.
Em 2000 eu cometi vários erros, estava muito
nervosa, errei muito na hora da apresentação. Mas apesar
do meu erro e do erro de outras meninas, a linha de frente
ganhou.
Neste dia em Brasília, as meninas da linha de frente
me deram o maior apoio. As meninas e a equipe de apoio
era uma segunda família pra mim. [Gisela]
Embora pese a cada um a responsabilidade de sua
performance, ela é, em última instância, o resultado de um
trabalho conjunto. O objetivo último é compartilhado, o de
apresentar da melhor forma a Fanfarra e, nos campeonatos,
obter a melhor premiação possível. Esses são fatores de
grande importância para o processo de aprendizagem, tanto
da Linha de Frente quanto do Corpo Musical.
Tocar e Marchar
A coordenação entre o tocar e o marchar, entre a
execução musical e a expressão cinética, isso sempre me
impressionou. Penso que, de certa forma, essa performance
aproxima-se à descrita por Prass
(2004, p.160) em relação à
Escola de Samba:
Há, portanto, uma relação polirrítmica entre a
coordenação dos pés para caminhar tocando, as batidas de
cada naipe com suas exigências técnicas específicas entre
as mãos [...], tudo isso aliado a uma escuta dos demais
naipes e do todo.
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Na concepção da coreografia, Tota tinha o cuidado de
considerar, ao lado da concepção estética, as possibilidades
físicas da realização dos movimentos por todos os
integrantes. Ele observava as dificuldades específicas de
determinados movimentos, demonstrava concretamente e,
em seguida, voltava a observar, um a um, executando o
movimento proposto.
Na verdade, enquanto alguém “mostra como é”, o
outro imita.
E a imitação é passo importante para atingir o mundo
do adulto. De fato à imitação do som, da palavra e do gesto,
segue-se à imitação da estrutura grupal e do
comportamento do indivíduo no grupo (Conde e Neves,
1984, p. 43).
Mas não é qualquer imitação. A imitação que conta é
a imitação que se faz de um modelo que tem significação
para nós e aí se encaixa a questão da aprendizagem por
identificação.
a nossa referência era a FAMUTA, nossa... A
FAMUTA era o deus... A FAMUTA tocava muito, e nem
tocava tanto assim, agora que a gente vê e sabe a
realidade, nem tocava tanto assim. Aí de um tempo para cá
era uma fanfarra mais técnica que era a FACMOL. Não sei
se você conhece, de Mena Barreto, FACMOL, fanfarra boa,
de Mena Barreto, lá no Norte do Estado, quase na divisa
com Mato Grosso. E até hoje, eles, em minha opinião, são a
melhor fanfarra do país, de qualidade. Eles não têm muito
recurso para vir para concurso, mas o grupo que eles têm
é muito bom, muito bom. Até formaram uma banda,
inclusive, com esse grupo que é muito bom. E eles eram
nosso espelho, nossa que fanfarra legal o som deles é legal,
vamos tentar chegar... Mas de dois três anos para cá a
Fanfarra saiu, entendeu? Está em um caminho
independente dela. E isso é notado até, porque quando a
gente vai a concurso todo mundo fala isso.
[Rafael]
A identificação é um ato mental, um processo de
pensamento que se desenvolve e pode se manifestar por
meio de um comportamento explícito de imitação.
Pela identificação, há a imitação de uma gestalt do
modelo que, por sua vez, desencadeia um processo
(também gestáltico) preexistente no organismo do
observador; a imitação será então o processo ou o caminho
manifesto que a identificação utiliza para se expressar
(Mamede-Neves, 2003, s.p.).
Não é por acaso que o jovem imita o desempenho do
maestro ou do coreógrafo ou de um outro participante
confiável.
A identificação é sempre motivada e o motivo básico
é equiparar a auto-imagem (decorrente da percepção do
próprio comportamento por ‘feed-back’ sensorial) à
imagem percebida da pessoa que foi tomada como
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modelo. É importante assinalar-se que não é possível
nunca captar-se o outro por inteiro, mas sim aspectos desse
outro enquanto percebidos pela pessoa. Deste modo, a
identificação não se refere nunca ao comportamento real do
modelo, mas a uma imagem deste comportamento, que foi
dada ao indivíduo através dos processos perceptuais,
imagem essa mais ou menos distorcida pela influência de
atitudes, expectativas, motivações, cognições e fantasias do
próprio sujeito enquanto observador
(Mamede-Neves, 2003,
s.p.).
No corpo coreográfico, a imitação – em um primeiro
momento – e a repetição que lhe sucede são fundamentais
não apenas para a aprendizagem dos movimentos, como
para a memorização da seqüência a ser apresentada.
Logo após ingressar na Fanfarra, Brenda afirmou:
Se você prestar atenção, fizer tudo no alinhamento,
olhar no parceiro do lado, dá tudo certo! [Brenda, 13 anos, há
um mês na Fanfarra]
Naturalmente, a imitação é uma forma inicial para a
aprendizagem, caso o jovem pretenda aprender música, de
fato, ele necessita de um ensino mais formal. Por isso,
existe uma preocupação de que esses jovens leiam música
e estudem teoria.
No caso da coreografia, eles desenvolviam a
coordenação motora, ritmo e flexibilidade, no entanto, não
existia uma complementação específica de qualquer
modalidade de dança.
Isso é minucioso porque tem que pegar cada
componente e ver qual o limite de cada um... porque
quando chega no concurso eles vão analisar o conjunto, a
uniformidade do conjunto, então eu tenho que trabalhar
cada indivíduo para saber qual o limite dele.
O que eu posso puxar mais nele, para eu conseguir
depois uma uniformidade, conseguir trabalhar a altura de
perna de todas na mesma altura.
[Tota]
Como disse, o trabalho é coletivo, o erro e o acerto
dependem do todo, não da parte, mas isso não é bem assim
na coreografia. Segundo Valéria, que participou tanto da
linha de frente quanto do corpo musical,
Você tem mais tensão na linha de frente do que
dentro mesmo da fanfarra. Você tem um medo de errar e
todo mundo ver. Você fica mais visível. Você tem que ter
mais atenção do que na fanfarra, porque uma coisinha que
você faz errado, tocando com os outros, já disfarça mais se
você errou. Na linha de frente não. Quando você está em
um concurso, tenta ficar ali com o pensamento, prestando
atenção ali mesmo, senão... [Valéria]
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10.2 Objeto sóciotécnico
Saber ler música, talvez pareça um pouso complexo
no início da aprendizagem, mas permite a flexibilidade
musical para os jovens instrumentistas.
Acho que a dificuldade mesmo é no meio musical em
geral é você aprender a leitura... Qual seria a nossa
linguagem. Aprender a nossa linguagem, acho que a
questão de mudar de instrumento é técnica. Aprender a
técnica relacionada ao instrumento. Em termos de
linguagem se colocar a partitura ali você já está sabendo.
[Paulo]
Tal fato favorece o jovem, pois ele não tem que
decidir, de imediato, a que instrumento se dedicar e,
também, com uma base teórica sólida, talvez possa, depois,
enveredar por outros instrumentos que não aqueles da
fanfarra.
Assim, a maior dificuldade ou facilidade para execução
com determinado instrumento se junta à maior ou à menor
destreza e à afinidade com esse instrumento. Alguns
depoimentos ilustram essa situação.
O primeiro demonstra que a escolha se deve, além do
desejo, à habilidade de cada um.
Não toco nada de sopro, já tentei (...) Tentei tocar
cornetão, mas não deu, não foi...
[Wilson]
Um outro registro evidencia que a afinidade com um
instrumento é essencial para um desempenho satisfatório —
e isso transparece —, mas também os relacionamentos
influenciam e contribuem para isso.
Quando completou um mês que eu estava no
cornetão o regente me passou para o tuba. Pra falar a
verdade eu não gostei nem um pouco, fiquei surpresa por
ele ter me colocado para tocar tuba.
Lá estou eu aprendendo a tocar tuba, no começo foi
um desastre, custou muito para que eu aprendesse a tocar
tuba, fui melhorando com o tempo mas eu tinha consciência
que eu era o desastre do tuba. Eu já não agüentava mais,
foi quando eu fiquei sabendo que tinha uma vaga no
bombardino, fui correndo falar com o regente. Tive que
esperar mais um pouco, (...) e eu finalmente entrei no
bombardino, adorei.
Quando fazemos aquilo que gostamos tem mais amor
e mais dedicação. Senti-me realizada no bombardino,
realmente lá que é o meu lugar. Tive uma fase muito ruim,
foi quando eu resolvi sair do bombardino, pois na época
também ia fazer um curso e, por isso, passaria a ir no
ensaio somente nos finais de semana. Pedi para o regente
me passar para o cornetão. Fui para o cornetão, mas com o
pensamento no bombardino, tinha me arrependido de ter
saído do bombardino, mas a Rosinha minha amiga me fez
ver que o cornetão estava precisando de alguém como eu.
Tomei a frente do cornetão e mostrei para eles que eles são
capazes de ser melhores que aqueles que só o criticavam.
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Estava me adaptando no cornetão, foi quando eu e a
minha melhor amiga discutimos, teve um rolo e isso acabou
afetando a nossa amizade. Fiquei muito triste com tudo que
estava acontecendo, ela era minha melhor amiga, sinto
muita falta dela.
Foi a pior fase, fiquei arrasada, tentamos a voltar a
nos falar mais não deu ela estava muito chateada comigo e
eu com ela. Não estava sendo nada fácil pra mim, eu
chegava a chorar nos ensaios, em vez das coisas
melhorarem, só pioravam, eu ficava mais abatida, parecia
que nada estava dando certo na minha vida.
Então eu finalmente resolvi voltar para o bombardino,
era tanta ida e vinda, acredito que o regente chegou a
pensar que eu não me decidiria em que instrumento ficaria
realmente. Bom eu permaneço no bombardino, um pouco
desanimada mas permaneço.
Uma observação cuidadosa desses depoimentos, em
especial do último, permite relacioná-los com a antropologia
simétrica de Latour. Pode ser observada a interferência
direta dos objetos, no caso a dos instrumentos de sopro, na
vida desses jovens.
A ação dos objetos é visível em ambos os casos.
No primeiro, a escolha pela percussão não foi gerada
por um desejo — ou não apenas por ele —, mas por uma
contingência como a alternativa possível, uma vez que não
foi exitosa a tentativa com os instrumentos de sopro.
No segundo, o extenso depoimento revela uma série
de relações entre a jovem e diferentes instrumentos. Estes
agradaram, desgostaram, desafiaram, interferiram, etc,
enquanto ela conferia diferentes sentimentos, opiniões a
respeito deles, ao mesmo tempo em que relatava situações
afetivas e sociais em que estavam envolvidos humanos
(ela, a amiga, outros integrantes) e não-humanos (os
diferentes instrumentos musicais citados)
(...) toda a interação humana é sociotécnica. Jamais
estamos limitados a vínculos sociais. Jamais nos
defrontamos unicamente com objetos... (Latour, 2001, p. 245).
Sociotécnico significaria, portanto, a relação de
humanos e não-humanos, em que ambos são actantes:
A nossa relação com estes objetos produz um híbrido
que implica numa natureza mista de/em nossas
intervenções com a realidade. Não é o instrumento em si
que determina os efeitos que dele advêm, nem o humano
que realiza qualquer ação a revelia dos artefatos de que
dispõe, mas a construção deste híbrido sociotécnico e de
como se faz a sua utilização
(Queiroz e Melo, 2007, p. 19-20 ).
Instrumentos-ponte
Nos primeiros tempos da FAGAP, os instrumentos não
eram suficientes para todos os candidatos do corpo musical
e, por isso, foi concebida uma alternativa para a iniciação
nos instrumentos de sopro.
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O dia a dia dos membros da FAGAP: um espaço de aprendizagem | 194
Reproduzo o primeiro relato em que essa alternativa
foi mencionada.
Eu entrei em 96, 97 através de um amigo meu que tinha
acabado de se mudar para um bairro novo, e não conhecia
ninguém aí a gente estudava mesmo no Gabriel aí eu conheci ele
e me levou ... foi um dia na escola, lá o Washington foi fazer uma
palestra lá, sobre a banda, sobre a Fanfarra, só que nesse dia eu
não fui. Ele disse para ir lá conhecer tudo, então nós fomos em um
dia de ensaio, gostamos e pedimos para o maestro, no caso era o
W já para gente começar a ter aula com ele. No inicio foram aulas
teóricas, de 3 a 4 meses aí nisso daí ele deu um bocal para a
gente e nós improvisamos um instrumento, em uma
mangueira de água, e fomos soprando, soprando, soprando...
e isso ele cobrando o Bona
4
da gente. Depois de um certo tempo,
ele nos deixou ensaiar com o pessoal mais antigo para a gente se
enturmar um pouco.
4
Tradiconal método de divisão
musical escrito por Paschoal
Bona (1816 – 1878),
compositor italiano e professor
de canto no Conservatório de
Milão.
Atenta a essa importante informação, registrei um
outro depoimento.
Soprei, soprei mangueira... Soprava mangueira...
Colocava a mangueira no bocal...Colocava no
bocal para simular a corneta, para sair um sonzinho
porque o certo é estudar no bocal para conseguir fazer
a embocadura. Tem que estudar... É o estudo de bocal que
a gente chama
A mangueirinha ajuda a fazer um som gostoso, então
você tocava ali na mangueirinha para escutar o que estava
tocando. [Rafael]
Esse instrumento improvisado – um bocal adaptado
em um pedaço de mangueira – servia como um simulacro
dos instrumentos de sopro da fanfarra. Penso que posso
chamar a esses improvisos de instrumentos-ponte, em
alusão aos denominados brinquedos-ponte
5
.
5
Tomei conhecimento do termo
brinquedos-ponte por meio da
leitura de Queiroz e Melo
(2007) – utilizado por Pontes e
Magalhães (2002).
Denominam-se de brinquedos-ponte os brinquedos
que replicam o brinquedo principal representativo da
brincadeira. Tais brinquedos são geralmente usados por
crianças com menor habilidade ou posse.
(...)
Brinquedos-ponte fazem a ponte com o brinquedo
principal, introduzem ou mantêm uma prática alternativa,
institucionalmente estabelecida, de um brinquedo
culturalmente desenvolvido no mundo infantil
(Pontes e
Magalhães, 2002, p. 217)
.
Os brinquedos-ponte são
uma versão simplificada, uma “tradução” acessível
para as crianças que não conseguem dispor de toda a
habilidade para lidar com o objeto de referência
(Queiroz e
Melo, 2007, p. 160)
.
Portanto, o instrumento-ponte seria esse conjunto
improvisado, essa tradução: um bocal preso à uma
mangueirinha, que serve para desenvolver a embocadura,
uma habilidade necessária para a execução dos
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instrumentos de sopro, e também, para introduzir esses
jovens na prática de diferentes instrumentos de sopro da
fanfarra.
O gatilho
Mas o que é gatilho? Foi o que pensei quando ouvi
pela primeira vez o termo. Não compreendi imediatamente
do que se tratava.
Algum tempo depois, obtive mais algumas
informações sobre o gatilho.
Em termos instrumentais, para melhorar o seu
desempenho musical, neste ambiente de competição de
múltiplas sonoridades, a categoria fanfarrra marcial faz uso
de (...) cornetas que são adquiridas no modelo tradicional e
remodeladas em oficinas especializadas. São acrescidas de
um gatilho (tubo corrediço – a exemplo da vara de um
trombone, sõ que em tamanho reduzido) que possibilita a
emissão de maior número de notas musicais do que
permitem as cornetas de modelo tradicional (Lima, p. 24).
Fig. 51 - Gatilho
Depois, pedi ajuda a Rafael, que me explicou a função
do gatilho na corneta:
As cornetas possuem um recurso – o gatilho – que
permitem que a cada nota executada, abrindo-se o gatilho,
você execute uma outra nota, meio tom abaixo da original.
Então, cada corneta pode executar 10 notas dentro da
extensão normal de sua escala. Acho que não cabe aqui uma
discussão sobre essa extensão normal da escala de uma
corneta, pois o seu enfoque não é o musical correto? Citei isso
porque, na realidade, saindo de sua extensão normal, uma
corneta pode executar até 16 ou 18 notas. Se precisar de mais
detalhes sobre isso pode me perguntar.
Para o que eu pretendia, foi o suficiente. De fato, o
meu enfoque não era o da música e essas informações
complementavam outras que eu possuía.
Sobre a invenção do gatilho para cornetas, a
Empresa César Som Comércio Instrumentos Musicais
LTDA, declara em seu site (...)que, aproximadamente em
1985, “ (...) surgiu a ideia de criar um dispositivo que viesse
a complementar cada instrumento com mais meio tom.
Depois de um estudo de como seria, modificamos parte dos
instrumentos, fazendo uma peça móvel, a qual demos o
nome de gatilho”. Mas vale também registar que (...) o Sr.
Pio, regente da Fanfarra Regente Feijó (de Cotia/SP), já
utillizava um dispositivo (por ele desenvolvido), precursor do
atual gatilho, no início da década de 1980. O regente Pio
introduziu uma pequena vara corrediça nos tubos das
cornetas (provavelmente sob influência das varas dos
trombones,) no intuito de fazer a sua fanfarra se apropriar
do repertório das bandas marciais e de concerto
(Lima, 2005,
p. 24)
.
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Esse conjunto de informações indicaram, mais uma
vez, humanos e não-humanos como actantes, interagindo e
evoluindo.
...todos os objetos que,
contendo, a princípio, o desejo
de satisfazer um certo espírito
lúdico, posteriormente,
instigaram a imaginação
mecânica dos inventores de
técnicas que estão por aí, nos
objetos que povoam o nosso
dia-a-dia
(Queiroz e Melo,
2007, p. 20).
A fanfarra como laboratório
A fanfarra foi tipo um laboratório pra mim, pra eu
colocar as músicas, pra ver como estava soando e foi
progredindo, a gente vai estudando, eu fui estudando e a
gente taí até hoje. [Rafael]
10.3 O encontro consigo e com o outro
Em geral, constatei que era considerável o tempo de
permanência dos jovens na fanfarra; muitos — mais da
metade — estão na FAGAP há mais de 3 anos.
O corpo coreográfico renova-se mais do que o
musical, embora exista um núcleo do grupo que participava
há, pelo menos, sete anos. Já ao final da pesquisa, ocorreu
uma renovação quase que total do corpo coreográfico, tendo
permanecido apenas aqueles já há mais tempo no grupo.
Enquanto isso, no corpo musical, vinha ocorrendo o
contrário, poucos eram os novos integrantes, tanto que,
devido à elevação da faixa etária, o grupo já não vinha
competindo na categoria infanto-juvenil.
O significativo número de anos, durante os quais
convivem na fanfarra, naturalmente, contribuiu para o
estabelecimento de inúmeras relações.
Amizade
Que legal!
É assim que um ex-integrante, que participou da
FAGAP como músico e maestro, inicia seu depoimento no
ORKUT, dentro da comunidade virtual que seus integrantes
mantêm.
A FAGAP é uma lição de vida para mim, tenho boas
recordações e más recordações, amizades que jamais
esquecerei, tive várias oportunidades na FAGAP que me
abriram várias portas, ganhei vários amigos que acho que
foi o mais importante para mim, espero um dia poder
retribuir o que consegui, nunca vou esquecer de vocês,
mudei para São José dos Campos, mas um dia eu volto, um
grande abraço para o Washington e sua família, pessoa
como ele é raro de se achar pode ter certeza. Fernando
FELIX ex-músico e maestro da FAGAP mas continuo sendo
amigo de TODOS vocês, me escrevam!
[Felix]
O ambiente da fanfarra propicia laços sociais fortes.
Fiz novas amizades, aprendi muitas coisas com
cada um de lá, aprendi até a alinhavar uniforme com a
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equipe de apoio. Nesta época a fanfarra estava fazendo
uniforme novo para o corpo musical.
(...)
Aconteceram tantas coisas nesses dois anos de
linha de frente... O meu primeiro namorado foi da fanfarra.
Tudo começou como uma brincadeira depois foi ficando
sério, ficamos juntos por quatro anos. Não deu certo e com
o passar do tempo, terminamos. Eu gostava muito dele ele
de mim, melhor terminarmos como amigos do que como
inimigos. Já cheguei a gostar de outros garotos da fanfarra.
[Gisela]
Produzem também aborrecimentos, mas são
tratados dentro da rede das inetrações mais fortes.
Na FAGAP acontece quase tudo, desde coisas legais
como fazer amizade e umas coisas chatas como mau
entendimento, Mas a FAGAP é uma família, qual família
que não tem essas coisas? [Gisela]
Mas essas relações não se restringem ao âmbito da
FAGAP, estendem-se para além de seus limites, pois, se
levarmos em conta a situação socioeconômica da maioria
desses jovens, por certo, acabaria por não acontecer.
Fiz novas amizades com outras fanfarras. Quando a
fanfarra vai para alguma cidade eu aproveito para fazer
novas amizades, já conheci tanta gente. Agradeço a FAGAP
por me proporcionar isso.
As primeiras pessoas com quem eu fiz amizade foi
Jonathan e a Priscila da fanfarra de Roseira .Depois eu
conheci algumas garotas da fanfarra de Guararapes.
[Gisela]
Em suas considerações, Latour chama a atenção
para essa territoriedade que não está presa aos
constragimentos geográficos micro. Os jovens da
FAGAP passam a ter conhecimento e relações com
outros elementos de outras fanfarras de longe, como se
vê no depoimento acima e, isso, agora se torna mais
fácil, porque os jovens usam a Internet.
Além do masculino/feminino
Outro tema que desponta, intrincado na questão de
gênero, está relacionado aos rapazes que, participando do
corpo coreográfico, encontram circunstâncias favoráveis
para legitimar gestos que, na maior parte das vezes,
superam em beleza aos das meninas.
A valorização dessa performance, com traços de balé
e de GRD – esta ainda hoje restrita ao universo feminino –
atrai a atenção pelos movimentos sincronizados, leves e
graciosos que realizam.
Embora possa haver por parte de alguns integrantes
da fanfarra uma crítica velada — geralmente, em forma de
chistes, que em nada difere daquela circulante nos meios
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sociais sobre a “delicadeza” dos movimentos, nem sempre
esperados em um homem —, a convivência e o respeito
dão-se em função da seriedade do trabalho e da relevância
do papel que cada um desempenha na fanfarra.
A censura a algum comportamento, quando ocorre, é
de outra ordem e se dá com base nos mesmos princípios
exigidos dos demais integrantes da fanfarra, quais sejam de
respeito entre si, de uma conduta socialmente adequada no
grupo e fora dele.
Diferenças de gênero
Embora ainda seja marcada pela predominância dos
rapazes no corpo musical e de moças no corpo
coreográfico
6
, a diferença entre as proporções de uns e de
outros vem diminuindo. Ressalto que as mudanças, após o
ingresso das moças, indicam uma distinção entre os
gêneros, no que se refere ao tratamento dado, mas não nas
exigências e nas possibilidades de participação. Talvez por
isso, na percussão, nos instrumentos que requerem maior
esforço e resistência física, a predominância seja de
rapazes.
6
Vide Cap. 7.
Porém, observei que os motivos que levam, um ou
outro, a ingressar e permanecer na fanfarra são diferentes.
Parece-me que o vínculo por eles e por elas estabelecido
com a fanfarra é diferente. Enquanto no grupo dos rapazes
do corpo musical encontrei muitos que, nas horas vagas,
escutam e gostam do tipo de música hoje executado pela
fanfarra, não se dá o mesmo entre as meninas. Entre os
rapazes, é muito comum se reunirem – no intervalo ou ao
final do ensaio – no carro do Rafael para ouvirem gravações
de bandas, como também é comum baixarem músicas na
Internet e freqüentarem sites especializados. Já com as
meninas, me pareceu que não é a mesma coisa. Elas tocam
esse tipo de música na Fanfarra, mas não procuram ouvi-la
fora do ambiente dos ensaios.
Quando eu conversei com o Rafael e Stephanie, essa
distinção ficou bem acentuada:
S - O que segura esse pessoal aqui, exatamente?
Rafael - Ah! É o gosto pela música mesmo... É concurso, é
querer ganhar do adversário, é gostar da música ver a
Fanfarra progredindo. Muita gente hoje aqui e a sra. deve
ter entrevistado bastante deles, que – nossa! –vibra com a
Fanfarra porque a nossa Fanfarra tá legal, tá ficando...
nossa tá com cada música legal. Vamos colocar outra
música... Gosta de música e gosta da Fanfarra.
S - Você escuta esse estilo de música em casa?
Stephanie - Em casa não...
Rafael - No me carro só tem Cd de música assim...
Stephanie - Eu gosto dessas músicas, mas eu escuto mais
no carro dele. Em casa não, eu escuto outra coisa...Ana
Carolina, JQuest, mais pó prock.
Rafael - Eu se precisar... Ah! Vou estudar, estudar uma
música... Ah! É música de banda. Sou fanático!
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S - Você também toca outro instrumento?
Stephanie - Não! eu não toco outro instrumento não... Eu até
entrei para começar estudar trompete, só que eu parei.
Porque tem que estudar muito e eu sou meio relaxada. Eu
nem fui pra frente, eu fiquei um mês, um mês na aula e eu
saí...
Já na Linha de Frente não existe essa distinção. Esse
tipo de música não é apreciado pelo grupo, e eles sequer
participam da escolha das músicas para a Fanfarra, que é
escolhida por critérios que atendem à dificuldade técnica e a
outras necessidades e possibilidades do corpo musical, sem
levar em conta as possibilidades coreográficas. Só,
posteriormente, a música escolhida é entregue para ser
coreografada.
Isso é difícil, porque cada vez mais a fanfarra está
evoluindo a nível musical. Deles. [enfatiza] Há 10 anos atrás
não era esse nível que é hoje. Então eram umas coisas bem
fáceis que pra mim já era difícil coreografar. [ri] Mas hoje é
bem facinho é um arroz com feijão. Então eles evoluíram
com a técnica musical, como eu tenho que evoluir a técnica
coreográfica. Porque, no caso, as duas coisas têm que
andar juntas, porque senão não adianta. Então, eu
costumo falar para o maestro que eu não posso opinar em
nada eu tenho só que gostar ou não gostar. Eu posso falar
pra ele se a música é bonita ou se a música é feia. Só...
mas eu tenho que fazer a coreografia. [
Tota]
Imaginando que a concepção de uma coreografia não
é algo simples, perguntei ao Tota se existe um tipo de
música que beneficia esse trabalho.
Ah sim! Por que vai muito do andamento da música,
do ritmo, né. Porque se ela tem uma variação de ritmo, isso
favorece mais o trabalho, porque a gente pode criar muito
mais em cima, mas se ela tem um movimento só, do início
ao fim, o trabalho fica meio assim... meio morto, sabe... não
tem aquelas nuances. Fica chato! Porque não tem aquelas
nuances de movimento. De repente o movimento está
suave, aí você quebra os movimentos suaves com os
movimentos mais rápidos, então desperta a atenção de
quem está assistindo. De repente acaba essa parte rápida,
essa euforia toda aí vem os movimentos bailados... então
quando tem essa variação de ritmo, fica mais bonito o
trabalho. [Tota]
Stephanie contou-me que, quando ingressou no corpo
musical, ela sentiu que
as meninas da Linha de Frente já olharam meio
diferente, assim: ah! tá entrando no meio dos meninos, não
sei o que...
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O dia a dia dos membros da FAGAP: um espaço de aprendizagem | 200
Quanto aos rapazes, não observou nenhuma reação à
sua entrada, sobretudo porque ela considerava que “Eles
não têm esse negócio de intrigazinha
”.
Até porque para eles, a presença feminina atenuou
alguns preceitos do grupo.
A entrada das meninas mudou, não foi coisa pouca
não. Quando eram só homens era um tratamento mais
rígido, tipo um negócio de Exército mesmo, bem dizer, um
negócio mais sério, mais no pé da letra. Era pior que no
Exército, chegava um certo ponto que era pior que o
exercito, porque ele pegava pesado com a gente ali.
E com a entrada das meninas o ambiente foi ficando
mais harmonioso, mais tranqüilo, deixando a rédea mais
solta para a gente ali.
[Flávio]
Também as relações entre os jovens foi se
modificando:
O trote acabou porque hoje em dia, nessa nova era
da Fanfarra tem mulher e tudo e não tem mais aquele... na
verdade não tem mais aqueles agitadores, mais da bagunça
e foi acabando isso. O pessoal mais recente, mais novo não
teve esse trote aí. [Flávio]
Dança: corpo e movimento
A linguagem corporal, a gestualidade concebida por
Tota para a coreografia, é conseqüência de toda a sua
bagagem, aprendizagem anterior e experiência com ballet
clássico e moderno, aliados ao jazz.
A dança é uma expressão por meio de movimentos
corporais em seqüências organizadas. Presente em
diferentes povos e épocas, a dança representa emoções e
crenças da cultura.
O corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do
homem. Ou mais exatamente, sem falar de instrumento, o
primeiro e mais natural objeto técnico, e ao mesmo
tempo o meio técnico do homem é seu corpo. [...] Antes das
técnicas com instrumentos, há o conjunto de técnicas
corporais
[grifos meus] (Mauss, 1974, p. 217-218).
A partir dessa leitura, em que o corpo é visto como
natural e também como um objeto técnico, vi-me, mais
uma vez, às voltas com Latour, pois esse autor
... argumenta que a definição de corpo não precisa
necessariamente levar em conta a sua substância – aquilo
que o corpo é por natureza. Propõe que o corpo seja
considerado como uma interface, passível de ser afetada
pelos componentes do mundo que a circundam e que, como
conseqüência, se constitui no mundo e, simultaneamente,
constitui o mundo
(Arendt & Costa, 2005, p. 49).
Pois,
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O dia a dia dos membros da FAGAP: um espaço de aprendizagem | 201
um assunto só se faz interessante, profundo, valioso
quando se correlaciona com outros, é realizado, mexido,
colocado em movimento por novas entidades, cujas
diferenças são registradas de maneiras novas e
inesperadas (Latour, 2004, p. 210).
Com muita freqüência, os integrantes das Fanfarras e
da equipe de apoio destacaram a importância da
aprendizagem de música e a preparação de futuros
profissionais. Certa vez, resolvi indagar sobre o que
pensavam sobre o corpo coreográfico.
E o corpo coreográfico? O que prepara para o futuro?
Josefa - Ela poderia fazer ginástica, ginástica... Ter
elegância, garbo, pelo porte que dá para as meninas até
participar de um concurso de modelo. Ah! Ensina bastante
elegância, garbo e disciplina. Ah! Nossa demais! Às vezes
ela reclama um pouco, mas é bom.
Por achar que o corpo musical é mais valorizado e,
conseqüentemente, seus integrantes, perguntei a um dos
integrantes do corpo musical se existiria uma diferença entre
os que participam do corpo musical e os que participam do
corpo coreográfico.
Paulo Acho que o modo de expressão, enquanto
uma parte entra para se expressar por meio de música, a
outra parte tem que se expressar com a dança, com a
expressão corporal. Essa é a diferença.
Mais uma vez, o conceito de Antropologia Simétrica de
Latour contribuiu para iluminar o que coletei, na medida em
que, com este conceito, se postula a eliminação da
dicotomia entre o sujeito (ativo, determinante) e o objeto
(passivo, determinado) e a existência de uma simetria entre
eles, uma mútua interferência na qual os humanos criam
objetos sobre os quais interferem diretamente. Mas, ao
mesmo tempo, estes objetos também interferem nas formas
de ser e estar desses humanos, logo nas suas formas de
viver.
Isso implica uma redefinição do que seja “interação social”,
dada a inclusão dos objetos no cenário das relações que se
estabelecem. Na concepção latouriana, a noção de
humanos e não-humanos gera novas relações e produz
diferentes possibilidades. Como mediadores, os objetos
determinam e impedem ações, ou seja, modificam objetivos
e projetos. Sob esta perspectiva, é duvidosa uma distinção
entre a dimensão do humano e do não-humano, o que
acarreta um novo enfoque no curso dos acontecimentos.
Portanto, ao estudar o humano, não se pode desprezar os
objetos circundantes.
A rede da Fanfarra extrapola o que se poderia
imaginar em uma primeira observação. São inúmeros
actantes – humanos e não-humanos – que se influenciam
mutuamente.
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O dia a dia dos membros da FAGAP: um espaço de aprendizagem | 202
Por exemplo, as intempéries da natureza são actantes.
A chuva e o vento afetam a bola, o arco, a fita utilizada pela
baliza, bem como os adereços da Linha de Frente
7
.
7
Vide Cap.8
No caso específico da baliza, ela precisa estar atenta
às delimitações do espaço de apresentação e, ainda,
acostumar-se à textura da superfície da área de atuação,
não apenas em função da dinâmica dos aparelhos que
utiliza como também do contato de seu próprio corpo
8
. A
essas dificuldades, somam-se, como mencionei, possíveis
irregularidades da superfície, a ação do vento e da chuva,
em especial, que altera o atrito com o solo; a presença
desses — e de outros fatores — pode provocar alterações
em toda a performance, que, possivelmente pode ser
modificada.
8
Sempre me impressiona a
naturalidade do contato do
corpo da baliza, que rola e atira-
se em superfícies ásperas e
irregulares, como, por exemplo,
em calçamento com
paralelepípedos.
Ela tem um pouco de dificuldade com a fita. Eu até
falo: tem muitas coisas que na hora você tem que usar a
cabeça, mas você tem que estar na hora preparada. Você
treina, treina, treina aqui. E chega no lugar, o espaço é
muito aberto. Aí tem uma ventania e você tem que trabalhar
com o vento se você faz um movimento para cá e o vento ta
assim, você tem que jogar com o vento na hora você tem
que acabar mudando.
E com um monte de gente olhando, e ainda tem
gente torcendo pra você errar. [Ísis]
A performance vai além de dispositivos e técnicas, ela
também envolve um contrato entre os que vêm e os que são
vistos
(Pearson, 1999), no qual considero que também está
contido o procedimento do público, o que eu chamaria de
performance do espectador.
A competência desse espectador é variável e tanto ele
pode ser um aliado quanto um oponente. Quando hostil,
pode instaurar uma verdadeira oposição, na qual pretende
testar os que são vistos. Afinal, a maior parte das
apresentações ocorre em campeonatos que constituem o
objetivo explicito desta e de outras fanfarras.
Na performance da baliza, cada um dos aparelhos
determina seus movimentos, assim como o vento, a chuva,
a textura do piso e outros... Portanto, a sua atuação não
depende exclusivamente do humano, os não-humanos
evidenciam-se, interagem e determinam resultados.
Tanto na interação com os humanos quanto com os
não-humanos, acredito que possa ser transposto o que
afirma Queiroz e Melo
(2007) em seu trabalho sobre a pipa,
seu objeto de estudo, uma brincadeira na qual, embora não
obrigatória, a ocorrência da disputa é inevitável.
É o que constitui o atrativo em torno desta atividade,
pelo menos sob a ótica de alguns. A guerra é um
ingrediente que instiga pela experiência de testagem de
determinados limites: da pipa, do cerol utilizado na linha, do
soltador, do grupo do qual faz parte, das condições do
vento, enfim, de todo um entorno cuja composição pode
surpreender
(Queiroz e Melo, 2007, p. 132).
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Na vida de cada um, acontecem sucessivas interações
– dispersas no tempo e no espaço – que constituem o seu
mundo social. Estas interações não são restritas às
pessoas, pois o mundo social é constituído também por
interações com objetos. Portanto, “os objetos não são
meios, mas mediadores, assim como todos os outros
actantes”
(Latour, s.d.).
Isso não é considerado em muitos estudos
etnometodológicos. Para Latour, aliás, a etnometodologia
vinha esquecendo sua verdadeira profundidade e só restou
restituir aquilo que lhe faltava : os meios de construir o
mundo social.
Ao longo da História, humanos e não-humanos
modificam-se. Uma aproximação semiótica revela que estes
objetos são portadores de sentidos, que estão impregnados
de normas e valores, estando insertos em uma rede de
relações.
10.4 Transmissão e Proximidade Familiar
Em meus estudos, verifiquei que, nas tradicionais
bandas de música, o componente familiar era a base da
participação dos jovens. Eram os pais que os introduziam no
grupo e lhes transmitiam os primeiros conhecimentos
específicos para a sua participação.
Entretanto, em virtude da grande ausência dos pais
daqueles jovens nos ensaios e apresentações, procurei
saber se algum componente familiar estaria relacionado, de
alguma forma, com a participação e com a permanência dos
jovens no grupo da fanfarra.
Em primeiro lugar, 54% dos jovens ouvidos
responderam-me que era a mãe quem os acompanhava
mais de perto, e apenas 17% afirmaram o mesmo em
relação ao pai.
Conhecer a proximidade dessa pessoa que
acompanhava mais de perto o jovem na FAGAP — com
outros participantes da Fanfarra, como, por exemplo, o
maestro, o coreógrafo, a coreógrafa da baliza, pais e mães
da equipe de apoio e os outros jovens integrantes do grupo
— foi considerado por mim como fato muito importante,
porque daria uma idéia do maior ou menor envolvimento da
constelação familiar com a FAGAP.
Fiquei ciente de que era reduzido o número daqueles
que não tiveram nenhum contato com qualquer pessoa da
FAGAP. Em compensação, mesmo que não esteja presente
nos ensaios e nos eventos externos, a pessoa mais próxima
do jovem na constelação familiar já teve algum contato com
os participantes da fanfarra, visto que 87% já conversaram,
ao menos uma vez, com os colegas de fanfarra do jovem;
61%, com o maestro; e 66%, com um dos integrantes da
equipe de apoio.
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Um outro ponto que considerei interessante foi
averiguar uma possível participação — atual ou não — de
familiares desses jovens em fanfarras.
Indagados sobre essa participação, eles confirmaram
minha suspeita de que a maior parte deles teria parentes
próximos que participam ou participaram de fanfarras.
Apenas 17% são oriundos de famílias sem elementos com
experiência em fanfarras e 2% não têm informação sobre
isso. Isso indica que existe alguma aproximação, mesmo
que não física, de algum familiar desses jovens com a
fanfarra.
No universo de jovens cujos familiares têm
experiência em fanfarra, destaco que, em 32% deles, o pai,
a mãe ou ambos enquadram-se neste caso. Em relação aos
irmãos, 65%. Penso que este pode ser um indicador da
permanência de uma certa tradição familiar dos
componentes das bandas e fanfarras. Retorno a essa
observação um pouco mais adiante.
Eu tenho mais 6 irmãos, mais velhos, dois foram de
fanfarra, daqui mesmo. Eram músicos, um tocava cornetão
e o outro tocava corneta, ficaram uns 2 anos. Quando eu
entrei, eles já tinham saído. [Elaine]
Eu e minha irmã porque a gente entrou junto. Minha
irmã saiu faz tempo, faz um tempinho já que ela saiu... E eu
continuei.
[Stephanie]
Minha mãe já participou da Fanfarra. Minha mãe, a
irmã da minha mãe e minha outra tia. Elas eram do corpo
coreográfico. Minha mãe adora que eu venha aqui.
E meu pai também apóia porque meu pai é professor
de música. Meu pai queria que eu entrasse na percussão,
mas eu não quis. Porque eu não gosto, não sou chegada
nessas coisas. (...)
[Brenda, 13 anos]
Quanto ao apoio de irmãos, tivemos alguns
depoimentos:
Meu irmão tocava aqui, mas há muito tempo! Na
época do irmão dela. Eles também são amigos, é mais ou
menos, são primos mas não é aquela coisa grudada como
nós.
Ele tocava... eu acho que era prato ou era corneta,
uma coisa assim, eu não lembro. Ele é bem mais velho, ele
tem 21 já.
[Milena, 13 anos, prima de Brenda]
Eu tenho 2 irmãos. Um irmão e uma irmã. Meu irmão
já foi daqui do Gabriel. Ele tocava, não me lembro o que.
Faz tempo que ele saiu(...) [conta que entrou na Fanfarra
com a prima e conclui] Ela é tudo para mim. Nós entramos
juntas aqui. [Brenda, 13 anos]
Foi com base nessas observações e nos dados
obtidos que retomo o conceito de transmissão cultural
adotado por Cavalli-Sforza et al.
(1982), procurando articulá-
lo com o que afirma Lotman:
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O dia a dia dos membros da FAGAP: um espaço de aprendizagem | 205
Se a cultura é a soma da informação não hereditária
9
,
então a questão de como se introduz essa informação no
homem e nas coletividades não é ociosa
(trad. 1996, p. 124).
9
No sentido biológico.
Ainda com base em Cavalli-Sforza e seus
colaboradores, mais especificamente a partir da
categorização da transmissão cultural vertical e horizontal
por eles adotada, penso ser interessante delinear algumas
considerações.
Se na tradição das Bandas de Música, em geral,
passava de pai para filho, ou seja, era sobretudo vertical
10
,
entre diferentes gerações em linha direta de parentesco,
hoje a transmissão da cultura da fanfarra dá-se,
predominantemente, de modo horizontal, isto é, dentro da
mesma geração, adulto-adulto, jovem-jovem, criança-
criança ou oblíqua – entre não parentes de gerações
diferentes.
10
Aproprio-me aqui dos termos
de Cavalli-Sforza et alii (1982).
Apresento alguns depoimentos que exemplificam
esses modos de transmissão:
Vertical
Meu pai, meu pai era músico, mas eu não... o que ele
me ensinou... Mas eu não levava muita fé.
[João, ex-integrante
de fanfarra, hoje na equipe de apoio]
Horizontal
Aprendi muito com o pessoal do bombardino, em
especial com o Zam, Zeca, Bil e Flavinho, cresci muito no
bombardino musicalmente. [Gabriela]
Oblíqua
O Tota ensina... Ele ensina tudo, aqui ele é o
mestre, porque ele ensina tudo aqui.
[Brenda]
Embora a transmissão vertical tenha se mostrado
muito pequena, considero que ainda se configure uma
tradição familiar, pois, dentre os jovens da Fanfarra, a maior
parte deles tem parentes próximos que participaram ou
participam de fanfarras. Parece-me que, mesmo quando
ausentes nos ensaios e nas apresentações, eles
contribuem, de alguma forma, para o envolvimento do jovem
com a fanfarra, pois, se já não há o predomínio da
transmissão vertical, existe um enredamento favorável e
uma atmosfera propícia a essa participação.
Destaco ainda que, se em um passado recente, nas
tradicionais bandas de música, esse conhecimento
preservava-se pela passagem de pais para filhos, hoje ele
ainda ocorre, ainda que não exclusivamente, de forma
intergeracional, isto é, com a interação entre pessoas de
diferentes idades, mas já não de modo restrito à linha
familiar. Ou seja, da transmissão oblíqua.
Portanto, são as diferentes situações de interação dos
os jovens entre si e destes com os mais velhos ou mais
experientes, que contribuem para a transmissão cultural dos
textos da Fanfarra.
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Envolvimento familiar
Apesar de sua tênue presença, o envolvimento familiar
existia, restrita a um pequeno número; a participação de
pais e mães na equipe de apoio, como apontado em
capítulo anterior, é fator decisivo para a manutenção do
grupo.
O envolvimento familiar tem sua importância evidente
em dois episódios, já relatados, que foram determinantes
para o retorno da atual baliza e a saída de outra
11
.
11
Vide Cap. 8
No primeiro, observei que apenas perguntar sobre a
participação pode ser um componente relevante. Isso foi o
que ocorreu no caso da baliza que, apesar de não morar
com a mãe, foi esta mãe que, ao indagar, em um momento
qualquer, pela Fanfarra, “determinou” que a menina
retornasse aos ensaios. No segundo, foi quando a indicação
do nome da baliza principal, para determinado desfile,
contrariou a mãe da jovem que vinha mantendo-se nessa
posição. Isso fez com que essa mãe considerasse que sua
filha havia sido preterida, pedindo uma reconsideração.
A firmeza do maestro em não se envolver na questão
e a firmeza da coreógrafa das balizas, em sustentar sua
decisão, acarretaram o afastamento da jovem do grupo. E
essa mãe estava ciente de que aquela posição não era
permanente para nenhuma baliza e que, em um concurso
próximo, a posição poderia ser ocupada pela filha.
Transmissão cultural vertical
Durante todo o tempo que acompanhei a Fanfarra,
observei com especial atenção o maestro e seus três filhos.
Nesse caso, temos especificamente um exemplo de
transmissão cultural vertical
12
.
12
Nos termos adotados por
Cavalli-Sforza et al. (1982),
Acompanhando o pai nas atividades da fanfarra, eles
conviviam com toda a rotina da Fanfarra. O mais novo,
pode-se dizer, nasceu dentro da Fanfarra, pois seu pai era o
maestro e sua mãe, a coreógrafa da baliza. Sua avó foi da
equipe de apoio, quando a mãe era baliza. Sua avó e seu
avô davam o suporte para que sua mãe exercesse suas
funções no grupo.
O menino ainda não havia completado um ano quando
o conheci e já acompanhava a Fanfarra, viajando sob a
guarda cuidadosa dos avós. Além dos instrumentos,
uniformes e adereços, eu vi sendo colocados no bagageiro
do ônibus, que transportaria o grupo, um carrinho de bebê e
um cercadinho para a criança.
Seu irmão e sua irmã também acompanhavam o pai
há algum tempo... Penso no quanto mudaram nos 4 anos
que convivi com a FAGAP...
Mas como será ser o filho do maestro? Perguntei isso
a Wilson que prontamente me respondeu:
Ela não dá muita liberdade não, o que ele fala para os
outros serve para mim também. Na hora eu consigo separar
o pai do regente.
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E nossa conversa seguiu:
Comecei tocando bumbo. Na música parada era
bumbo, na marcha era meia-lua e foi assim... Depois de
meia-lua ele [o pai] falou pra tocar bumbo na marcha.
Depois, deixa eu ver de quantos anos... [sic] Aí passado um
ano e meio ele me colocou para marchar com bumbo e eu
fui marchando, passados dois anos ele me colocou para
marchar com caixa e tocando bumbo sinfônico parado.
Acho que acompanhei a Fanfarra [ pela primeira vez
em um concurso] em começo de 99, eu tinha nove, oito
anos. Minha irmã era muito pequininha, nem esquentava
a cabeça com isso.
Ela começou acho que com cinco, seis anos. Ela
aprendeu rapidinho. Ela se dá bem com o pessoal da
fanfarra, conhece todo mundo... só de vez em quando que
ela fica andando por aí, mas é o normal dela.
O meu irmão... vai começando devagar. Ele é o
mascote da fanfarra. Bom ter mais um da família aí,
brincando com a gente. Acho que ele vai para o sopro
mesmo. Tudo para ele é corneta, corneta, corneta, só
quer saber de corneta.
Fig.52 – Imitação
Adiante, comentou sobre as relações familiares dentro
da Fanfarra:
De vez em quando é chato, eu brigo muito com minha
irmã, eu brigo com ela, mas é muito chato ficar sem ela, né?
É bom ter a família reunida na fanfarra como um
grupo, é gostoso, você se diverte com os amigos e também
com a família.
Passo muitas horas aqui com meu pai. Quando
estamos fora daqui também conversamos sobre fanfarra.
Falo sobre a minha parte, sobre a percussão, sobre o sopro.
O que falta para melhorar a música, o que está bom na
música, na peça que a gente toca. Comentamos sobre as
peças, tudo.
[Wilson]
Em casos como esse, a iniciação na cultura do grupo,
dá-se pela participação natural e paulatina, enquanto
circulam pelos espaços de ensaios e apresentações, espaço
lúdico, construindo seu conhecimento com inúmeras
situações de interação
(Conde e Neves, 1984).
Nessas situações, é muito comum que a criança imite
os mais velhos, penso nisso e lembro que
... a imitação é passo importante para atingir o mundo
do adulto. De fato, à imitação do som, da palavra e do
gesto, segue-se a imitação da estrutura grupal e do
comportamento do individuo no grupo (Conde e Neves, 1984,
p..43).
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10.5 A escolha pelo desafio
A
competição não se
estabelece apenas “por”
alguma coisa, mas também
“em”e “com” alguma coisa.
Os homens entram em
competição para serem os
primeiros “em” força ou
destreza, em conhecimentos
ou riqueza, em esplendor,
generosidade, ascendência
nobre, ou no número de sua
progenitura.
Competem
“com” a força do corpo ou
das armas, com a razão ou
com os punhos, defrontando-
se uns aos outros com
demonstrações extravagantes,
com palavras, fanfarronadas,
insultos e finalmente também
com astúcia. De nosso ponto
de vista, a batota, tendo em
v
ista ganhar um
j
ogo, priva a
ação de seu caráter lúdico,
destruindo-a completamente,
pois, para nós, pertence à
essência do jogo que as regras
sejam respeitadas, que o jogo
seja jogado lealmente
(Huizinga, 2005, p. 59).
Como relatei, anteriormente, as músicas escolhidas,
em função das possibilidades competitivas, acabavam
sendo um importante desafio para os jovens que buscavam
um aprimoramento técnico de sua performance.
Quando comecei a acompanhar mais de perto as
apresentações e ensaios, perguntava-me se aqueles jovens
gostavam das músicas que executavam ou coreografavam.
A resposta a essa minha indagação veio com muitas
nuances.
Cristina contou-me que seu filho, assim como muitos
outros jovens, gosta de rock, mas, na fanfarra, ela acredita
que sua preferência musical seja pautada
mais pela dificuldade do que pelo tipo de música(...)
Ele(s) acha(m) que quanto mais difícil a música para eles
tocarem é melhor, eles vão naquela de desafio.
A mãe de outro integrante, Sonia, concordou que as
músicas executadas na Fanfarra atraem, sobretudo, pela
dificuldade, pelo desafio que representam.
Existem aqueles que gostam da música mesmo e os
que gostam porque é mais difícil. Em casa tem outras
músicas, às vezes ele escuta esse tipo de música e
clássicos... tem uma música lá em casa que é só piano. É
bom ouvir para aprender mais.
Alguns jovens, de fato, gostam das músicas que
executam, outros nem tanto...
Edu – Gosto! Mas tem gente que não gosta não...
Luiz – Eu gosto muito de orquestra, de clássico, de
rock.
Carlos – Eu gosto muito de pegar um CD assim de
Bandas Sinfônicas com esse tipo de música, gosto mesmo!
A gente compra um CD vai lá e copia.
Pat – De tudo um pouco, clássica, música rock, de
tudo um pouco.
Edu – Rock, The Who, Clássico: John Willians ele tem
a Banda Sinfônica.
Carlos – Banda Sinfônica mesmo!
Vivian – Não gosto! Clássico não! Axé...
Luiz – Música clássica. Eu gosto realmente de
clássico, mas se eu fosse, por exemplo, ensinar uma
pessoa a gostar do clássico, eu não ia tocar um Vivaldi para
ela ou um Villa Lobos.... Eu ia tocar uma sinfônica que é
mais fácil da pessoa chegar lá! Aí eu ia mostrar isso um
clássico! Porque colocar uma ópera para uma pessoa ouvir
assim do nada, ele ia falar o que é isso? Que tipo que é
essa?
Maria - Chico, Milton, Zé Ramalho.
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Em um ponto todos concordavam: era preciso uma
música que representasse um desafio e que lhes permitisse
participar com sucesso nos diferentes concursos.
Concursos
Sempre é bom vencer um concurso, mas a
experiência vai além do resultado, qualquer que seja ele. E,
em muitos casos,
Embora a finalidade da existência de uma banda não
seja participar de concursos e ganhá-los, o sucesso de uma
atuação pode ser um fator de estímulo essencial à
existência
(Bozzini, s.d., s.p.).
As alusões aos concursos e a observação das
competições evidenciaram a presença de elementos lúdicos
e configuraram algumas interessantes questões.
Uma importante esfera de interação entre a conduta
prática e a conduta ritual é o jogo. Ainda que associemos o
jogo ao descanso, ao relaxamento psicológico e físico, e à
diversão, seu lugar na vida e na educação do indivíduo e na
cultura da sociedade é extraordinariamente grande (trad.
Lotman, 2000, p. 60).
J
ohan Huizinga é autor de Homo
Ludens: o jogo como elemento da
cultura, publicado pela primeira
v
ez em 1938. Considerando que
o jogo é um fenômeno cultural,
esse autor estuda o jogo em
uma perspectiva histórica com o
ob
j
etivo de determinar o caráter
lúdico da cultura, integrando o
conceito de jogo no de cultura.
Para Huizinga, a importância do
jogo é equivalente a do
raciocínio e a do fabrico de
objetos. Por isso, ele considera
que referir-se ao Homo ludens é
tão essencial quanto ao Homo
sapiens e ao Homo faber
(Huizinga, 2005).
O evidente contexto lúdico me reportou à concepção
de Huizinga de que "a cultura surge sob a forma de jogo”
(2005, p. 53). Para ele, desde seus primórdios, a cultura
possui um caráter lúdico presente, por exemplo, em
atividades de satisfação imediata de necessidades vitais,
como a caça. Para esse autor:
Encontramos o jogo na cultura, como um elemento
dado existente antes da própria cultura, acompanhando-a e
marcando-a desde as mais distantes origens até a fase de
civilização que agora nos encontramos. Em toda parte,
encontramos presente o jogo, como uma qualidade de ação
bem determinada e distinta da vida “comum”
(Huizinga, 2005, p.
6)
13
O Jogo e a Competição como
Funções Culturais é o titulo do
terceiro capítulo livro Homo
Ludens.
Huizinga trata o jogo e a competição como funções
culturais
13
, para ele “a representação sagrada e a
competição solene são duas formas que surgem
constantemente na civilização, permitindo a esta
desenvolver-se como jogo ou no jogo”
(Huizinga, 2005, p. 55).
O jogo é “tenso”, como se
costuma dizer. (...) Embora o
jogo enquanto tal esteja para
além do domínio do bem e do
mal, o elemento de tensão lhe
confere um certo valor ético,
na medida em que são postas
à prova as qualidades do
jogador: sua força e
tenacidade, sua habilidade e
coragem e, igualmente, suas
capacidades espirituais, sua
“lealdade”. Porque de seu
ardente dese
j
o de ganhar, deve
sempre obedecer às regras do
jogo. (Huizinga, 2005, p.58)
Considerando o concurso como um jogo, qual seria o
significado de participar e ganhar um concurso?
Ganhar significa manifestar sua superioridade em um
determinado jogo. Contudo, a prova desta superioridade
tem tendência para conferir ao vencedor uma aparência de
superioridade em geral. Ele ganha alguma coisa mais do
que apenas o jogo enquanto tal. Ganha estima, conquista
honrarias: e estas honrarias e estima imediatamente
concorrem para o beneficio do grupo ao qual o vencedor
pertence. Chegamos aqui a outra característica muito
importante do jogo: o êxito obtido passa prontamente do
indivíduo para o grupo
(Huizinga, 2005, p. 58).
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A conduta lúdica presente na competição pressupõe
tanto uma conduta prática quanto outra sígnica. Com muita
freqüência, o sentido competitivo, passa de uma disputa à
um combate, como o que ocorre nas brincadeiras de criança
em que “A brincadeira de guerra se converte em uma briga
«pra valer»”
(trad. Lotman, 2000, p. 60).
O elemento lúdico está presente também na guerra,
na qual, em certas formas do pensamento primitivo, “o
acaso, o destino, o julgamento, a competição e o jogo são
considerados divinos. Nada mais natural do que a guerra
também ser abrangida por essa concepção”
(Huizinga, 2005, p.
103).
Para a maior parte dos jovens integrantes, aprender música
e/ou aprender movimentos coreográficos é o objetivo central dos
campeonatos.
Então o concurso dá uma injeção de ânimo e é
gostoso... Competição, toda competição é gostosa, né?
Querendo ou não...
[Rafael]
O ambiente competitivo gera um desejo cíclico do
aprender e do aprender melhor. Parece-me que esse é o
principal significado que os jovens da fanfarra encontravam
para empenhar-se em superar as dificuldades que surgiam
na aprendizagem e no aprimoramento musical.
Embora, também, a FAGAP costume se apresentar
em diferentes ocasiões, o que constitui o grande atrativo
para os jovens da fanfarra, são os campeonatos e as
viagens para o local do evento o grande atrativo. Isso não
significa que não existam aqueles cujo primeiro interesse
seja o de aprender um instrumento ou apenas ocupar
sábados que poderiam ser ociosos.
Antes, aos sábados, eu não fazia nada, ficava dentro
de casa. Saia para a rua só porque não tinha nada para
fazer. Estar aqui está sendo ótimo para mim. Para minhas
amigas também.
[Brenda, 13 anos]
Mas, a maior parte deles, sem dúvida, é atraída pelos
concursos, pela disputa.
Paulo – Assim em termos de concurso é muito bom,
mas a experiência de dar classificação, é aquela emoção de
concorrer em um concurso é coração fica meio atarantado.
Mas acho que tem diferença da participação neste ponto de
vista de um é estar em competição e a outra é mostrar o
que você sabe fazer, o que é música. Só que esses dois
requerem a mesma responsabilidade. Se no concurso tem
que tocar bem para ganhar, a mesma coisa tem que fazer
na apresentação, tem que tocar bem para mostrar o seu
trabalho.
A
liberdade de escolher e a
procura do prazer são pulsões
humanas. (...) Trata-se de uma
necessidade vital: para usufruir a
v
ida é necessário jogar (Bião,
A
pud Pitombo, 2003, p. 180).
O tema concurso sempre vinha à tona quando eu
conversava com os integrantes da fanfarra, todos eles da
Linha de Frente, do corpo musical, da equipe de apoio, o
maestro, os coreógrafo, todos...
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O dia a dia dos membros da FAGAP: um espaço de aprendizagem | 211
Mas como é o ambiente de concurso? Um quer ser
melhor que o outro?
Valéria – Tem que ter muita atenção.
Edson – Dá aquele nervoso né? A gente fica nervoso!
Ganhou? Perdeu? Como é?
Valéria – Acho que agora ... já não é a mesma emoção
que tinha antes. Antes a gente esperava muito... Antes dava
aquele desespero.
Edson – Acho que agora na Fanfarra ... a gente não
está nem se interessando muito se a gente vai ganhar ou
não, mas se vai tocar bem. Se a gente tocar bem, a gente
tem que ver o jeito que vai tocar. Se ganhou a gente tocou
bem, se perdeu... Que a gente fez bem o trabalho que o que
a gente ensaiou o mês inteiro a gente usou ali na hora. Em
conseqüência a gente perdeu... Vamos ensaiar mais agora.
Acho que a gente pensa na hora. O negócio é tocar bem
mesmo.
Rita – Não tem comparação se sabe que tocou bem,
se a gente ganhou bem, se perdeu é meio decepcionante,
você sabe. Você sai ??da pista?? sabendo se ...............
você deu. Você deu tudo que podia. Mas você sabe se
tocou bem, se o grupo foi bem
Um outro depoimento ilustra as emoções do concurso:
Nos concursos você sente uma certa ansiosidade
(sic). Eu pelo menos, no meu primeiro concurso – foi em
Francisco Morato – eu era o único menino no corpo
coreográfico e na hora eu senti um pouco de nervoso,
suação (sic), fiquei suando frio, tenso mas tudo acabou
dando certo na minha apresentação. [Leonardo]
Assim como no depoimento em que Paulo aguarda o
resultado do concurso e seu coração fica meio atarantado,
Edson, ao colocar o seu uniforme para entrar na avenida,
se deixa tomar pela emoção que é, uma emoção que ele
não consegue descrever ou transmitir, porque só se pode
descobrir como é isso, essa emoção, esse sentimento,
quando se está de uniforme pronto para entrar na avenida.
Estes sentimentos parecem-me refletir o mesmo
elemento de tensão que
desempenha no jogo um papel especialmente
importante. Tensão significa incerteza, acaso. Há um
esforço para levar o jogo até ao desenlace, o jogador quer
que alguma coisa “vá”ou “saia”, pretende “ganhar” à custa
de seu próprio esforço (Huizinga, 2005, p. 13-14).
14
Segundo Marocco (1999)
esta é uma expressão de
Eugênio Barba.
E também a imobilidade imóvel
14
, uma expressão que
pode ser descrita como
o estado do ator/bailarino antes de entrar em cena,
um estado de imobilidade exterior e de agitação interior,
ondeo corpo todo está pronto para agir (Marocco, 1999, p.87)
Apesar desses sentimentos estarem presentes em
todos os concursos, nem todos eles tinham o mesmo peso,
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O dia a dia dos membros da FAGAP: um espaço de aprendizagem | 212
alguns eram mais visados. Nas palavras de Leonardo, esses
seriam concursos bons.
O concurso bom é aquele onde vão estar bandas
conhecidas, de nome, bastante gente na nossa categoria
que vai dar o ânimo de você disputar, as linhas de frente
famosas, que nem Araçatuba que tem uma linha de frente
forte...
O ambiente de confraternização é ressaltado e
incentivado por participantes e organizadores dos eventos,
porém, já foram registradas ocorrências de “cenas de
guerra”. Embora seja uma situação rara, merece registro um
episódio, o único de que tive conhecimento, em que a
FAGAP foi envolvida.
Após um concurso, no momento em que iam sair da
escola onde estavam hospedados, os integrantes da
FAGAP viram-se cercados por jovens da cidade onde
estavam. Eles diziam que o troféu que o grupo recebera por
terem sido os vencedores da competição era da cidade
deles e que não seriam outros que o levariam. Os
integrantes da FAGAP foram acuados e cercados, ficando
entre o muro da escola e o grupo da cidade. Vendo a
situação que se configurava, o maestro e a equipe de apoio
posicionaram-se à frente dos jovens da FAGAP, porém, por
serem em reduzido número, temeram que o embate se
efetivasse. Foi nesse momento que os ônibus que os
levariam chegaram e, assustados com o movimento
inesperado, os jovens locais saíram correndo.
Durante o exame lingüístico que faz da palavra “jogo”,
Huizinga aponta algumas relações interessantes, dentre as
quais:
Quem poderia negar que todos estes conceitos –
desafio, perigo, competição, etc. – estão muito próximos do
domínio do lúdico? Jogo e perigo, risco, sorte, temeridade –
em todos estes casos, trata-se do mesmo campo de ação,
em que alguma coisa está “em jogo”.
(...)
Em todas as línguas germânicas, assim como em
muitas outras, os termos tipicamente lúdicos são
normalmente aplicados também ao combate à mão armada.
(...) Apesar disso, seria temerário concluir que todos os usos
de termos lúdicos ligados ao combate a sério não passam
de liberdades poéticas. É aqui necessário que nos
coloquemos no interior da esfera do pensamento primitivo,
na qual o combate armado e toda a espécie de
competições, desde os jogos mais triviais até os torneios
mais mortíferos eram incluídos juntamente com o jogo
propriamente dito, numa única idéia fundamental, a de uma
luta com a sorte limitada por certas regras. Deste ponto de
vista, a aplicação da palavra “jogo” ao combate dificilmente
pode ser considerada uma metáfora consciente. O jogo é
um combate e o combate a um jogo
(Huizinga, 2005, p. 46-47).
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10.6 Viagens
A participação na fanfarra alcança outros significados
além da música
15
. Um deles é viajar!
15
Fanfarra Gabriel Prestes:
A
lém da música (Pedrosa,
2003).
Em alguns eventos, alguns grupos viajam dias para
chegarem ao local do evento. Isso não chegou a acontecer
com a FAGAP, mas, se acontecesse, ao lado do cansaço
que uma viagem dessas representa, certamente, eles teriam
muito prazer.
O movimento de Bandas e
Fanfarras continua forte e
crescente. Foram realizados
concursos no sul brasileiro e
parece que está marcado um
concurso nacional no Mato
Grosso. Já ouvi em várias
reuniões informais na
Confederação Nacional de
Bandas e Fanfarras sobre o
desejo de se realizar um
concurso mundial, pois o Chile
já realiza um concurso latino
americano e organizado por um
brasileiro, oriundo do
movimento de Bandas e
Fanfarras
(Pereira, 2001, s.p.).
O alargamento das fronteiras – viagens novos mapas
novas possibilidades
Viajar era uma referência constante nas conversas
do grupo. As possibilidades, as dificuldades, os
impedimentos. As boas lembranças e os planos para
viagens, possíveis ou praticamente impossíveis.
Quase a totalidade dos integrantes jamais, segundo
eles próprios afirmam, teriam condições de viajar tanto
quanto viajam: "Até em Brasília já fomos..." Muitos aspiram
ao quase impossível: ir ao Chile, onde é realizado um
encontro latino-americano.
Mas não é preciso ir muito longe para ficar marcado
para sempre por uma viagem:
A inesquecível para mim, no meu ponto de vista, que
todo mundo fala até hoje é Ubatuba. Foi a primeira vez que
fomos a um campeonato estadual e pegamos um terceiro
lugar. Disputamos com as melhores fanfarras da época e foi
quando eu conheci o mar pela primeira vez. [Flávio]
Nas viagens, seguiam pelo menos dois ônibus, um
com a linha de frente e outro com o corpo musical. As
músicas executadas em cada um eram escolhidas pelo
grupo. A viagem passa como qualquer excursão de escola:
grupos organizados, de acordo com a proximidade entre
eles, e, vez por outra, alguma algazarra.
Em algumas apresentações locais, quando se dirigem
a pé ao local do evento, os instrumentos mais pesados eram
transportados em um caminhão.
Fig.53 – Preparativos para viagem
Os jovens, em geral os rapazes mais velhos, e a
equipe de apoio eram os responsáveis pelo embarque e
desembarque do material.
A concentração na sede, de onde parte o ônibus,
dava-se muito antes do horário da partida porque havia
necessidade de organizar todo o material a ser transportado,
o que requer um tempo considerável. Alguns não se
empenhavam em colaborar, o que causava um certo
estresse.
Fig.54 - Transportando os
instrumentos
Nas viagens mais longas, eles precisam levar algum
alimento para o caminho. Quanto à alimentação principal,
um almoço, por exemplo, é oferecido pela cidade ou pela
instituição que os recebe. Algumas vezes, boa, outras não...
o problema é quando há necessidade de uma refeição não
prevista.
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Isso ocorreu em uma das viagens, quando foi
necessário incluir uma refeição não prevista. Todos com
fome, mas não havia verba para alimentação. Então, se
cotizaram, os que tinham algum dinheiro contribuíram, mas
o valor não alcançava o total necessário para a alimentação.
No meio da estrada, só lhes restava uma alternativa,
negociar com o dono do restaurante. Depois de algum
tempo, o maestro chegou com a boa notícia: entrem para
almoçar.
V
ários con
j
untos enfrentaram
dias de viagem, atingindo até
80h, para poder representar o
seu estado e o seu município
(Pereira, 2001, s.p.).
Viagem de ônibus
Não são apenas os jovens que apreciavam viajar. A
equipe de apoio, tanto quanto eles, valorizava as
oportunidades que surgiam, não apenas pela chance de
conhecer novos lugares, quanto pela oportunidade de
agregar outras experiências.
Eu fui para várias cidades, eu conheço várias cidades
já, fui para Poá, Volta Redonda, e outras. A gente aprende
mais a cuidar do filho da gente.. A gente vai para
acompanhar o filho da gente, mas pensa também no filho
dos outros que não tiveram a oportunidade junto conosco. A
gente tem mais responsabilidade ao cuidar do filho da gente
e do filho dos outros também. A gente aprende com o
nosso filho e com o filho dos outros também, porque
geralmente a educação é diferente, então eu acho que vale
a pena. [Josefa]
O envolvimento dos pais com o grupo era, por vezes,
tão grande que o filho podia sair, mas a mãe permanecia
vinculada ao grupo. De modo direto, Cristina disse:
Eu
continuo aqui (rs), parece um vício, eu não sei.
Mas isso criou
uma situação um tanto incomoda para ela:
Eu falei pra ele [ o filho ] que vou sair, tenho que sair
se você não vai mais... Fico sem graça de já não ter meu
filho na viagem, mas agora eu estou... Ele está com 17
anos, agora vai começar a trabalhar. A fanfarra foi boa para
ele. [Regina]
Certa vez, provoquei as mães com algumas
perguntas, mais ou menos essas: Vocês têm muito trabalho
aqui na Fanfarra. Lavam, passam, limpam a sala, organizam
tudo para as viagens... Porque vocês disponibilizam esse
tempo? Porque a fanfarra é importante?
A resposta de uma delas sintetiza o pensamento do
grupo.
Primeiro porque eu adoro o corpo musical da
FAGAP, tenho apenas dois anos aqui, mas é emocionante
estar trabalhando com esses jovens que estão aqui. Pra
quem gosta, sempre arruma um tempinho para poder fazer
isso: lavar uma roupa, passar uma roupa, limpar uma bota,
limpar um tênis... Eu por exemplo, eu adoro ficar fazendo o
serviço aqui. Estou há dois anos. Eu entrei porque tenho
uma filha aqui no corpo coreográfico, eu sempre vinha ver o
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O dia a dia dos membros da FAGAP: um espaço de aprendizagem | 215
ensaio então eu tive a oportunidade de ser convidada a
viajar com eles. Foi quando eu abracei esse trabalho com
eles aqui, a equipe de apoio. Acho isso aqui bonito, assim
eu acho legal. É divertido... [Josefa]
10.7 Planos de Vida
E os planos de vida... e a conquista de novos
horizontes?
Todo projetar consiste numa antecipação da conduta
futura por meio da fantasia... Porém, projetar é mais do que
apenas fantasiar. O projeto é a fantasia motivada pela
intenção posterior, antecipada, de desenvolver o projeto
(Schutz, 1979, p.138).
A compra dos instrumentos, dos uniformes e o
financiamento das viagens se davam por meio de variadas
formas: venda de bolo e cachorro-quente pelas mães da
equipe de apoio nos dias de ensaio (os próprios integrantes
os adquirem); venda de latas de alumínio, plásticos diversos
(embalagens de refrigerantes, detergentes, desinfetantes,
etc.) coletadas pelo grupo e sob responsabilidade de um pai
que as reúnia e negociava; sábado da pizza, venda de
pizzas preparadas por uma "mãe que é especialista nisso"
e, eventualmente, pedidos, de porta em porta, para
colaborações no livro de ouro (na hora do sufoco). No último
mês em que eu estava com eles, foi introduzida uma nova
forma de angariar fundos: cada integrante buscou um
Padrinho ou Madrinha da Fanfarra que, com um carnê
Adote um músico” passa a ser um contribuidor mensal.
O grupo precisava de um fundo para suas viagens (o
eterno desejo... "Quem sabe, um dia, participaremos de um
campeonato no Chile?" ), para a compra de novos
instrumentos ("Cinco crianças aguardavam instrumentos
para entrar na FAGAP") e, também para a troca de
uniformes ("Já temos quepes e sapatos novos, agora faltam
as túnicas como queremos").
O jogo cria em torno do homem um mundo especial
de possibilidades de muitos planos e, com isto, estimula o
incremento da atividade (trad. Lotman, 2000, p. 61).
Sob outra forma, mais uma a presença de elementos
ficava evidente.
As oportunidades que a Fanfarra viabilizava eram
sempre destacadas. No caso dos músicos, a
aprendizagem, sem ônus, de um instrumento musical e,
especialmente, uma possível inserção profissional.
O maestro sempre destacava que os músicos
profissionais, sargentos de Bandas da Aeronáutica e do
Exército, deram início ao seu aprendizado na FAGAP.
Porém, devo ressaltar que as fanfarras e bandas são o
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celeiro não apenas de músicos militares, como também
músicos civis são oriundos do meio.
Se o desejo de ingressar em uma banda militar e
tornar-se um músico profissional era mais freqüente,
possivelmente, isso se deve à localização da cidade em
uma região em que não são poucas as bandas militares. Em
Lorena, no 5º Batalhão de Infantaria Leve, existia uma
banda do Exército. Em Guaratinguetá, cidade vizinha a
Lorena, sede da Escola de Sargentos e Especialistas da
Aeronáutica, também havia uma banda de música. Além
dessas, outras cidades no Vale do Paraíba – por exemplo,
Caçapava, São José dos Campos e Resende, esta última no
Estado do Rio – também sediavam bandas militares. Essa
concentração, certamente, aumentava o interesse desses
jovens em prestar concurso para Sargento-Músico do
Exército ou da Aeronáutica.
Ser sargento para esses jovens significava prestígio
e ascensão social. "As noções de prestígio e ascensão
social parecem-me vinculadas, exatamente, a diferentes
formas de viver e lidar com a questão da individualidade na
sociedade contemporânea. Fazem parte, por sua vez, de um
processo mais amplo de construção social da identidade "
(Velho, 1981, p. 44).
Algumas moças lamentaram o fato de não poderem
ingressar em bandas do Exército. "Mas parece que lá no
Norte já tem mulher na Banda do Exército", disse-me uma
delas.
No corpo coreográfico, existiam projetos de vida
relacionados com a atividade no grupo:
No futuro? Ah! Eu queria ser professora de dança.
Sim, eu já aprendi dança. Isso me ajuda aqui, porque são
praticamente os mesmos movimentos só que você tem que
ficar com a postura e reta, né?
[Brenda]
A maior parte do grupo não tinha por objetivo uma
preparação profissional na Fanfarra, mas a possibilidade de
uma prazerosa atividade de lazer.
Paulo – No meu caso eu uso a música... Eu utilizo a
música realmente como hobby e como forma de pensar. No
meu caso, seria algo da área de exatas. O músico no Brasil
não vive só de tocar música. Se você pega um músico da
orquestra sinfônica, hoje ele dá aula em tal lugar e trabalha
em tal lugar. No Brasil, infelizmente, não tem como...
Rita – Eu tenho vontade de tocar realmente, não
assim de ser profissional, de tocar realmente, mas não
passa pela minha cabeça de viver da música.
Em outro depoimento, uma jovem da linha de frente,
expôs seus planos com um ar sonhador:
No futuro, seu eu pudesse, gostaria de ser
pediatra. Eu gosto muito de criança, nossa (sorri)
nossa (repete) eu amo! Eu estou na 8ª série. Eu acho
que sim, que eu consigo se eu estudar bastante,
seguir o que eu devo seguir, ouvir conselhos de
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O dia a dia dos membros da FAGAP: um espaço de aprendizagem | 217
meus pais, eu acho que sim, acho que consigo
chegar a esse sonho meu. [
Aline – corpo coreográfico]
Quando ela falava em conselho dos pais, recordei o
que alguns deles idealizam para seus filhos:
Aqui no corpo coreográfico ela aprende a ter
elegância, garbo, pelo porte que dá para as meninas até
participar de um concurso de modelo. Ah! Ensina bastante
elegância, garbo e disciplina. Ah! Nossa, demais!
[Josefa]
Outra mãe também expôs os projetos para e de seu
filho.
Eu quero que ele seja feliz no que escolher, eu não
escolho nada para ele não assim... Tudo o que ele faz eu
falo que está maravilhoso.(...) [ele agora tem uma banda]
“Mãe minha banda ta demais”, ele diz. “ Que que você está
tocando?” eu pergunto. “Tô tocando isso e isso aí...” Eu vou
lá ouvir de longe e não acho nada daquilo, mas se ele
pergunta digo “tava jóia”. Já marcou algum lugar para tocar?
Ele está feliz.
Mas ele não está querendo ser músico, ele quer fazer
engenharia mecânica, sempre falou isso, ele faz técnico de
informática, o negócio dele é número, cálculo essas coisas
é com ele. Ele gosta muito. Ele sempre disse engenharia
mecânica, não mudou nunca. Eu disse a ele, quando der,
quando você achar que está na hora de você ir... Por
enquanto... vai ser feliz com sua bandinha.
[Regina]
Outra mãe, de modo objetivo, compartilhou seus
projetos:
Meus planos para ele, eu tenho. E são muitos. Mas
ele é que vai decidir o que ele quer ser realmente. A gente
faz mil planos pros filhos, mas na hora mesmo exata, quem
escolhe são eles. Ele tem vontade de estudar, fazer outros
cursos, trabalhar, fazer faculdade. Vou deixar na mão de
Deus e na mão dele. Ele está no 2º ano colegial. Eu acho
que ele, o Maílson, dá pra desenho, faz bem. Eu gosto, ele
desenha muito bem. Eu gosto dos desenhos que ele faz e
tudo... ele faz bem à beça. Mas vamos ver se ele vai querer
seguir esse caminho de desenho. Porque hoje em dia é
mais trabalhar mesmo, fazer curso, ele tem idéia de fazer
curso no SENAI para poder pegar firme.
Também não é tudo o que a gente gosta, é o que dá
mais. Ultimamente é o que dá mais. Às vezes a pessoa
gosta de uma coisa, mas infelizmente tem que deixar aquilo
só para o hobby, se for mesmo levar a sério não dá.
[Sonia]
Na verdade, todos esses planos, sejam dos jovens ou
de suas mães, precisarão de um apoio que tem de vir de
outras esferas, acima da vida que é vivida simplesmente por
eles.
Se a prefeitura, o governo do estado fizer alguma
coisa para eles, colocar eles de volta, recolocar eles na
sociedade, Recolocar eles na sociedade, não só música, um
curso de desenho, computação um curso técnico de
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O dia a dia dos membros da FAGAP: um espaço de aprendizagem | 218
mecânico, eu acho que eles dariam certo não só como...
não só dentro da música como também mas para várias
outras profissões. [grifos meus] (...) [João]
Por outro lado, também os filhos têm projetos para os
pais.
Se eu ganhasse uma bolada eu compraria...é... O
sonho do meu pai é ter uma fanfarra independente. Eu
ajudaria o meu pai a montar uma fanfarra só dele. Falava
pra ele deixar tudo aqui, nos pegar e montar outra fanfarra.
Todos os instrumentos que ele deseja, eu daria para ele.
Eu compraria da percussão, o melhor bumbo de marca, o
melhor caixa de marca, o melhor quadriton de marca, o
quinton também. A melhor corneta que tiver aí, tudo. [Wilson]
Aqui se vê bem presente a questão da relação que
se mantém do filho com as figuras parentais. Embora esse
integrante fosse um adolescente, na verdade, se achava em
comunhão com seu pai desde 8 a 9 anos, tendo construído
um vínculo com ele de tal modo que o sonho paterno
passou a ser o seu sonho. De fato, o pai dele sonha não
apenas em ter uma fanfarra, sonha também com uma
banda, mas seu depoimento denota proceder de uma
pessoa adulta em que o princípio da realidade supera o do
desejo fantasista.
Mas teria que mudar todos os metais, um
investimento que chega a 150 mil reais. Falta ter quem
apóie isso. Falta os empresários quererem apoiar isso, é
um projeto novo e a para a maioria dos empresários a
fanfarra é uma coisa nova e tem um mercado muito grande
mas os empresários... Só apóiam, isso sim, futebol,
basquete, vôlei que aparece mais na mídia que fanfarra
que, por enquanto, não está aparecendo tanto na mídia.
Diria a um empresário que viesse conhecer o nosso projeto,
que não é só virar uma banda. São as pessoas com quem
a gente está trabalhando dentro da fanfarra Gabriel Prestes.
Trabalhamos com jovens. Quase todos de bairros carentes
da cidade. Então estaria ajudando a maioria deles a achar
uma profissão. Eu teria um único objetivo com a banda que
é ajudar o jovem. Estaria nos ajudando a ajudar o jovem.
[Washington].
Enquanto o filho não “ganhava uma bolada” e nenhum
empresário investia nos sonhados instrumentos, Washington
continuava desempenhando seu duplo papel, o de maestro
e o de promotor de alianças. Nesse ínterim, a equipe de
apoio fazia sanduíches, e a rede da FAGAP continuava...
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11
Uma Rede sem fim: conclusões
Mais de quatro anos após ter conhecido a FAGAP e,
por meio dela, os jovens de fanfarra, agora cá estou, frente
ao computador, vendo-me na eminência de terminar minha
tese. Sozinha, mais uma vez, às voltas com o processo de
escrever a que me referi na introdução.
Muitos capítulos se passaram para dar continuidade
ao ver e ao ouvir. No momento em que encerro a digitação
destas últimas páginas, estou, mais do que nunca, ciente de
sua incompletude.
Desejosa de mais páginas, pois gostaria de incluir
outros aspectos que agora me lembro ou, talvez, de mais
tempo para aprofundar esse ou aquele ponto... Seria muito
bom se pudesse procurar outras informações, entrevistar
outras pessoas... Ao mesmo tempo, lembro-me de que
tenho aqui, neste computador em que digito, um material
imenso que precisou ser excluído.
Na verdade, a despedida é difícil, mas preciso
despedir-me da escritura de minha tese. Como um filho que
sai de casa, mas que mantém os vínculos, hoje esta tese
está prestes a sair e trilhar seu caminho.
Ela produzirá algum efeito que desconheço qual seja.
Estará consolidando sua posição de actante, tornando-se
mediadora. Talvez possa modificar o estabelecido e
redirecionar acontecimentos, produzindo efeitos
independentes de minha vontade. Não sei.
Mas sei que sua conclusão transformará a minha vida,
assim como o seu início me deu novo rumo. Estamos, como
sempre estivemos, imbricados na rede. Em uma rede na
qual se fazem presentes a fanfarra, os jovens, seus
instrumentos, minha orientadora, livros, viagens, Lotman,
Abric, Latour, campeonatos, a PUC-Rio, os professores do
Departamento de Educação... Uma rede que, por não ser
estável, pode a qualquer momento redefinir suas relações,
incluir novos elementos, transformando-se e configurando
novas redes.
Assim, também, a banca examinadora, a tese em
formato final, os leitores, a versão digital... modificarão a
rede, tornando-a mais densa, ao mesmo tempo em que
novas redes estarão sendo geradas.
Não sou hoje a mesma de 4 anos atrás, como os
jovens da fanfarra também não o são.
Minha relação com a fanfarra e com os jovens não é
mais distante ou mais próxima, é mais densa. O caminho
percorrido algumas vezes me pareceu longo; outras, curto,
mas certamente foi denso.
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Uma Rede sem fim: conclusões | 220
Tenho consciência e certeza de que não consegui
descrever tudo o que vi e ouvi, nem tudo do que eu gostaria.
Mas isso era previsto quando iniciei a pesquisa. Em toda
pesquisa, isso costuma ocorrer, mas, nesta, parece-me que
isto é acentuado, porque a fanfarra envolve muitas
performances, muitos textos em que se inscrevem
elementos com suas memórias e representações, muitos
impossíveis de serem registrados na forma escrita.
A teoria com que dialoguei não me garante ter
compreendido tudo o que vi, no entanto, certamente, me
deu o suporte necessário para o percurso. Procurei
apresentar memórias e representações dos jovens de
fanfarra, enredando-as com outras memórias e
representações ao longo dos tempos. Talvez tenha sido
este um ponto forte da tese — ou seria mais uma pretensão
minha?
Nesse tempo, também conheci melhor a cidade onde
cheguei pela primeira vez — há 27 anos — e que
reencontrei há cinco anos. Hoje conheço suas raízes
históricas e seu espaço urbano, considerado de grande
valor histórico. Em Lorena, elementos materiais e simbólicos
servem como referência, contribuindo para diferentes
experiências assimiladas e vividas por seus habitantes.
Na cidade, existem inúmeros espaços constituídos por
diferentes práticas – resultantes de ações individuais e
coletivas –, que, por seus usos e representações,
configuram aspectos culturais de relevante significado na
integração de uma sociedade e constituem recursos
educativos, embora nem sempre reconhecidos como tais.
Neles, incluo o espaço da FAGAP.
O processo de formação da sociedade compõe-se de
inúmeras relações. No espaço urbano, concentram-se
diferentes culturas que se interceptam, configurando uma
relação entre diferentes espaços e práticas culturais. Em
torno de uma mesma atividade, grupos de jovens constituem
redes de amizade em função não apenas de escolhas
pessoais, pois a disponibilidade do grupo está relacionada
com o entorno social imediato, ou seja, com a localização
espacial e a inserção na estrutura social. Estou fortemente
inclinada a pensar que é esse o caso do espaço da
Fanfarra, porque, para mim, esse espaço pode ser
considerado como um lócus desse processo, isto é,
pensado como um lugar social que configura uma rede de
trocas, que transforma costumes e expectativas.
Enquanto procurava reconstituir a história da FAGAP,
percebi a necessidade de investigar suas matrizes culturais,
especialmente, de suas matrizes européias. A ampliação de
estudos das matrizes desses grupos, embora fugisse à
proposta inicial de meu estudo, fez-se necessária para o
cerne de minha pesquisa, pois a perspectiva histórica das
bandas e fanfarras permitiu a compreensão de diversas
traduções da tradição realizadas ao longo dos tempos.
Estamos cercados por tradições, mesmo quando não
nos damos conta disso. Embora algumas pessoas afirmem
que não gostam de tradições e manifestem ações em que
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Uma Rede sem fim: conclusões | 221
procuram deixar visível seu rompimento com elas, não o
conseguem. Isto ocorre porque todos estamos imersos em
tradições, haja vista que o entorno cultural interfere na vida
de cada um e, a todo momento, estamos, de alguma forma,
traduzindo tradições.
Durante toda a pesquisa, procurei seguir a rede que
sustentou a fanfarra desde tempos remotos aos dias de
hoje. Circulei, fisicamente ou não, por tempos e lugares
antes desconhecidos para mim. Pude observar que a
história da fanfarra está imbricada não apenas com a dos
homens, mas também com a dos objetos. As mudanças nos
instrumentos, tanto quanto as políticas e as sociais, a
fizeram e fazem tomar novos rumos.
O levantamento histórico que realizei, apresentado de
modo sintético em um dos capítulos da tese, talvez possa
ser um referencial de partida para outros estudos. Ressalto
a importância de que outras pesquisas, especialmente as
centradas na etnomusicologia e na microistória, explorem o
tema, aproximando-se desse universo, pouco conhecido e
estudado.
A pesquisa que realizei não foi uma tarefa simples,
pois a História das bandas e fanfarras não mereceu um
registro contínuo ao largo do tempo. Entretanto, o
seguimento dos dados obtidos permite observar que há
certa continuidade na história das bandas e fanfarras, o que
não significa que não existam momentos de grandes
transformações, pois aprendi que os dinamismos de uma
cultura são uma construção pendular, pendendo ora para a
presença de uma novidade, ora pela manutenção de uma
continuidade.
Mesmo os acontecimentos mais recentes não fazem
jus a uma rotina de comentários, possivelmente, pela pouca
visibilidade dada às atividades desses grupos.
As bandas e fanfarras não resultam de um processo
único e acabado. Suas origens são difusas, não podendo
ser situadas em local e época determinados. Certos
aspectos, hoje apontados pelos seus integrantes, embora
possam ser pertinentes, estão mais no campo da
idealização e não podem ser considerados determinantes de
sua gênese.
De qualquer forma, não existe a certeza, mesmo para
o historiador, de estar reconstituindo e significando um único
passado. O que resgatei é uma possibilidade, dentre
inúmeras, para a leitura do passado. Mas, dentro de meus
limites e possibilidades, creio que consegui aproximar-me,
ao máximo, de uma resposta satisfatória para os objetivos
do meu estudo: a contextualização histórica de
determinados pontos que contribuíram para a compreensão
de seus valores, tradições, símbolos, entre outros aspectos,
do grupo estudado.
Os tempos mudaram e, de rede em rede, a fanfarra
também mudou. Hoje luta para manter-se em foco, pois,
apesar de contar com um público cativo, não tem o alcance
de outrora. De vez em vez, apresenta-se na concha acústica
na mesma praça onde, outrora, no coreto, as tradicionais
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Uma Rede sem fim: conclusões | 222
bandas de música atuavam regularmente.
Ao mesmo tempo em que o passado se faz presente
na fanfarra, o presente vislumbra o futuro. Se antes
freqüentou salões e circulou pelas praças e ruas em festas
religiosas e profanas, hoje participa de campeonatos e
esporádicas apresentações. A fanfarra que esteve presente
em momentos históricos, hoje está em outros que, embora
possam não ter sido registrados pelos historiadores,
conservam uma viva tradição, que, renovada, hoje, fortalece
e movimenta inúmeros jovens no país.
Tradição não é repetir, é conservar. E isso fazem
esses jovens, na minha opinião, muito bem. Enfrentam
dificuldades, cogitam desistir, mas persistem. Isso lhes
permite passar por significativas experiências, no âmbito das
competições, no dos ensaios bem como em outros espaços.
Aprendem também que o empenho e a persistência são
fundamentais, assim como autonomização, alianças, a
representação pública e a mobilização no mundo.
Vejo fanfarras presentes em diferentes regiões
geográficas, em diferentes espaços, adquirindo múltiplas
características, em geral espelhadas na sua aparência e,
poucas vezes, em seu repertório.
Hoje, a transmissão cultural das bandas e fanfarras já
não é mais um componente forte como no passado. A
transmissão cultural ainda se faz por gerações mais velhas,
não mais necessariamente os pais dos jovens da fanfarra.
Mas também é assumida pelos próprios jovens que atraem
novos integrantes e os acompanham na sua inicialização.
Na fanfarra, se aprende com os mais velhos, com os
da mesma idade e com os mais novos. Ela é um lugar para
diferentes idades, assim como também o é para pessoas
que vivem em diferentes condições, o que possibilita
perceber a existência de diferentes situações
socioeconômicas. A fanfarra também não distingue os
gêneros, abrigando a todos, indistintamente em seus
segmentos. Não que isso se faça sem nenhum preconceito,
mas certamente ocorre com o reconhecimento da
importância do outro. O centro da fanfarra é a arte, e seu
objetivo é sagrar-se nos campeonatos, corroborando o valor
de sua performance.
A imitação e a repetição fazem parte do processo de
aprendizagem. Os maestros e coreógrafos se apropriam de
metodologias específicas, em contato com outros maestros
e coreógrafos de diferentes bandas e fanfarras. Isso
acontece por vezes de modo informal, outras, formalizadas
por eles próprios em eventos e cursos que organizam.
Por meio do diálogo com diferentes autores, procurei
refletir sobre a prática e a transmissão cultural da fanfarra. O
estudo da fanfarra sob uma perspectiva interdisciplinar, em
que considerei a rede, segundo Latour, na qual são
consideradas as aproximações entre os humanos e não-
humanos, contribuiu, sob diferentes perspectivas, para o
estudo da utilização dos objetos pelos integrantes da
Fanfarra, como se dá a sua aprendizagem, o impacto que
podem ter performance do grupo, etc.
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Uma Rede sem fim: conclusões | 223
Vi baquetas marcando o ritmo no banco de bicicletas,
bocais soprados frente a paredes, bandeirolas girando...
movimentos imitados e repetidos incessantemente...
performances que garantiriam a efetiva participação na
fanfarra.
Durante todo o tempo da pesquisa, constatei a
criatividade coletiva, haja vista que se tratava de um grupo
de pessoas imaginando novas formas de atuação,
procurando modificar seus entornos. As práticas
desenvolvidas incluíam a busca de novos suportes e
revelaram imaginação, ao mesmo tempo em que
referenciais da cultura e da memória estavam presentes.
Das dificuldades que tive, nos quatro anos em que
acompanhei a FAGAP em suas atividades, ainda que não
em todas, mas, nas que estive, a primeira foi a de penetrar
em um mundo completamente novo para mim, do qual eu
nada sabia, absolutamente nada. A outra foi explicar por que
estava ali por tanto tempo, por que meu trabalho demorava
tanto para ser concluído. Afinal, em que eu iria me formar?
Para a maior parte deles, eu fazia uma monografia como
faria a prima, o irmão ou alguma outra pessoa conhecida. E
ninguém leva tanto tempo para fazer uma monografia...
Com a tese pronta, voltarei apenas para revê-los... Já
tenho um encontro marcado. Creio que poderei desfrutar
mais da música, dos movimentos da baliza e da comissão
de frente, pois já não tenho mais a preocupação de
memorizar, anotar... Mas irei também para dizer-lhes de
minha tese. Uma tese que não é só minha, é um pouco de
cada um que, em diferentes tempos e espaços, me ajudou a
construí-la, mas que é, sobretudo, dos jovens de fanfarra
com os quais convivi nos últimos anos.
Desde que comecei a pesquisar sobre fanfarras,
muitos colegas, alguns apenas conhecidos de vista, mas
cientes do tema de minha pesquisa – desde que a
apresentei no Seminário para Pós-Graduandos, um evento
interno realizado na PUC-Rio –, encontravam-me e
perguntavam. E a fanfarra?
Muitos trouxeram sugestões e se lembraram de mim
quando viram e ouviram uma banda tocar – ou seria uma
fanfarra?
E eu, terei me transformado na doutoranda da
fanfarra? Certamente, além do que adquiri no âmbito
acadêmico, conheci muitas pessoas e um mundo
completamente desconhecido. Já não sou a mesma!
Os Jovens da fanfarra também! Eles mudaram...
Alguns, acompanho há quatro anos e, ao longo desse
tempo, trocaram de sapato e de uniforme, porque
cresceram. Mas as mudanças não foram apenas físicas.
Em muitos deles, não foram poucas as mudanças que
presenciei e registrei.
Por exemplo, o filho do maestro e da coreógrafa,
quando apenas estava em fraldas e usando carrinho e
cercado. Atualmente, já marcha à frente da fanfarra com
uma corneta na mão, embora ainda não saiba tocá-la.
Outras crianças que, antes pequeninas, quase
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Uma Rede sem fim: conclusões | 224
desapareciam por detrás dos instrumentos que tocavam e
entre os quais corriam, agora, já não correm mais nos
intervalos, preferem trocar olhares e conversas uns com os
outros. Muitos agora namoram, possivelmente, em breve,
alguns casamentos possam acontecer, o que é comum no
meio de bandas e fanfarras. E, mais adiante, outras crianças
estarão correndo em torno de cornetas e bandeirolas,
atraindo outras, cujos pais não sabem o que é uma fanfarra.
Penso que isso é a representação do ciclo da vida.
Há jovens que saíram da fanfarra e, às vezes, os
encontro quando caminho pelas ruas da cidade. Alguns
como músicos profissionais, eventualmente, estão na
universidade; outros tomaram diferentes rumos, mas todos
sempre lembram que na fanfarra aprenderam muita coisa,
sobretudo, a responsabilidade e a importância do trabalho
em conjunto. Dois ou três deles chegaram a iniciar um
trabalho de formação de novas fanfarras em escolas. Mas o
projeto não foi adiante. Chegaram a trabalhar um mês, mas
não receberam a prometida ajuda de custo. Precisaram,
assim, buscar outras atividades.
No que concerne aos estudos sobre a juventude,
deve-se priorizar conhecer os efeitos educativos de
inúmeras práticas que contribuem para gerar
aprendizagens, quer intencionalmente, quer não
intencionalmente.
Na fanfarra, cada jovem vive um conjunto de
experiências. A incorporação de performances lhe indica
modos de ação e comportamentos adequados, prioritários
para os integrantes e para a manutenção da organização do
grupo. Isso permite a sobrevivência da fanfarra.
Se a tarefa de educar não está restrita a determinados
espaços e tempos, precisamos conhecer e promover
situações em que isso possa acontecer. O jovem precisa de
oportunidades variadas. Oportunidades que os atraiam, haja
vista que nem todos gostam de fanfarra, como nem todos
gostam de futebol ou de basquete — como disse o maestro
da FAGAP.
Precisamos estar atentos ao que acontece em nosso
entorno e, cada vez mais, olhar para a educação em
diferentes espaços. Muitas iniciativas educativas sucumbem
por falta de estrutura, de manutenção. Portanto, nesses
casos, dar-lhes apoio é fundamental.
Os jovens da fanfarra não faltam aos ensaios, não
gostam de tudo o que ouvem ou do que precisam fazer, mas
reconhecem a necessidade da disciplina para o alcance de
suas metas. Por isso, estabelecem valores e
conhecimentos, consolidam relacionamentos em torno de
interesses comuns.
Participar da fanfarra também contribui para que os
jovens posicionem-se diante de si mesmos, do grupo e da
própria cidade em que vivem.
A fanfarra mudou. Hoje dificilmente entra nos salões,
embora ainda possa ser vista em alguns poucos eventos de
maior expressão. Em alguns lugares, prossegue
acompanhando eventos religiosos, em outros, está presente
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Uma Rede sem fim: conclusões | 225
em momentos solenes... Continua presente junto a “reis e
rainhas”, mas já não acompanha mais as batalhas.
Mas a sensibilidade e o desejo de reconhecimento,
natural de todo artista, permanece tanto no corpo musical
quanto no coreográfico. No âmbito em que se insere a
FAGAP, são as competições que servem para divulgar suas
atividades e mantê-las ativas. E, além disso, o fator de maior
desafio para os jovens é, sem dúvida, o desafio.
Bandas e fanfarras de jovens são realidade ainda no
Brasil e em muitos países, embora, às vezes, engessados
nos nossos “mundinhos”, não consigamos perceber que isso
acontece. Não encanta a todos, mas certamente encanta a
muitos.
Talvez, ao estudar este tema, eu tenha exatamente
querido trazer para o espaço acadêmico e, mais
especificamente, da educação um universo muito pouco
estudado — pretendendo contribuir para o despertar do
interesse de outros pesquisadores, aos quais sugiro que
intensifiquem pesquisas sobre práticas de jovens em
ambientes como os das bandas e fanfarras, onde os
estudos ainda são incipientes —, pois há jovens em práticas
culturais outras do que aquelas em que são considerados
transgressores!
Penso que uma das possibilidades de significância de
meu trabalho seja ter dirigido o foco para esses jovens,
procurando que sejam vistos além das fronteiras em que
estão inseridos, servindo como um filtro tradutor das suas
memórias e representações para outras semiosferas,
trazendo-os da periferia para o núcleo central, tal como
deveria ocorrer em seu convívio cidatino.
Neste momento, não preciso mais me preocupar se
estou envolvida com a fanfarra na medida certa, porque
agora sei que estou envolvida densamente. Mesmo que eu
não a visse nunca mais, mesmo que amanhã a FAGAP não
exista mais, as marcas dela estarão em mim.
Chego ao final de meu trabalho com a certeza de que
há muito mais o que se estudar sobre jovens de fanfarra e,
também, sobre outros grupos de jovens. Durante meu
percurso, precisei deixar caminhos que gostaria de ter
percorrido... talvez o faça, talvez outros o façam.
Lorena – Rio de Janeiro – Lisboa
Março de 2003 - Abril de 2007
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Referências Bibliográficas
ABRIC, Jean-Claude & GUIMELLI, Christian.
Représentations socials et effects de contexte. Connexions.
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ABRIC, Jean-Claude. O estudo experimental da
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239
ANEXOS
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240
Anexo 1 – Roteiro do Grupo Focal
Sempre que possível permitir ao grupo encaminhar o tema. Se
pertinente, vincular questões ao debate ou sugerir temas ainda não
levantados.
Apresentação (Identificação)
o Nome
o Idade
o Atividade, posição na FAGAP
o Quanto tempo na FAGAP
Formas de Participação
o Existe uma diferença entre os participantes do corpo
musical X corpo coreográfico?
o Toca ou já experimentou tocar outro instrumento?
Já sabia tocar algum instrumento quando
ingressou?
o Já participou de alguma outra coreografia que não
de fanfarra?
Ingresso na fanfarra
o Ingresso na fanfarra: ampliação dos espaços e relações,
tipos de amigos (os valorizados e os evitados), música,
roupa e imagem, visão da escola e da fanfarra, relação
com a família.
o Como ficou sabendo da fanfarra?
o Foi de outra Fanfarra?
o Motivo de ter ingressado na fanfarra
o Participar da fanfarra mudou sua vida? Caso positivo,
como?
o Motivo da escolha do FAGAP
o Como avalia a fanfarra: primeiras impressões da fanfarra
Experiências em fanfarra
o Em que participar da fanfarra a vida de um jovem?
o Mudou a sua? Em que?
o Experiências marcantes, principais aprendizagens,
dificuldades,
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241
o Impressões sobre o grupo, amizades com outros
integrantes, relacionamento com maestro, coreógrafos e
equipe de apoio.
o Aprendizagens a nível pessoal
o Aprendizagens a nível profissional-técnico
o Apresentações e competições: experiências e impressões.
o Expectativas da família;
o
Trajetória na fanfarra
o Porque uma pessoa começa a participar de uma fanfarra?
o Como são recebidas?
o Como é o período de adaptação?
o Como é a relação entre os integrantes da Fanfarra.
o Como vê a dinâmica da fanfarra
o Mantém contato com integrantes da FAGAP fora dos
ensaios e apresentações?
o Tem contato com pessoas do corpo musical X
corpo coreográfico?
o Existe uma diferença entre os participantes do
corpo musical X corpo coreográfico?
o Existe mesmo uma “Família Fagap”?
o Mantém contato com integrantes de outras fanfarras?
o Tem contato com pessoas de fanfarras de Lorena
e/ou de outras cidades?
o Porque uma pessoa deixa de participar de uma fanfarra?
o Se já teve vontade de sair da fanfarra?
o O que mais gosta e o que menos gosta na fanfarra?
o O que mudaria, se pudesse, na fanfarra?
O jovem da fanfarra – identidade e representações
o O que é ser jovem? O que fazem os jovens?
o Porque “um jeito de ser diferente”?
o No que são diferentes de jovens que não são da fanfarra?
(inspirada no “slogan”um jeito de ser diferente.).
o Existe uma diferença mais marcante entre o
comportamento dos jovens que participam ou
participaram de uma fanfarra e dos que nunca
participaram de uma fanfarra?
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242
o O que sua família diz a respeito da FAGAP? De
sua participação? Na opinião deles, está
diferente?
o O que é participar de uma fanfarra?
o O que mais lhe marca em sua participação?
o Com o que mais se identifica na fanfarra?
o Como são os integrantes de uma fanfarra?
o São diferentes em outros espaços de vivencia.
Da tradição aos novos costumes
o Você considera que a fanfarra é um grupo tradicional? Por
quê?
o O que sabem a respeito de Fanfarras através de pessoas
mais velhas que tenham delas participado?
o O que acha mais tradicional em uma fanfarra?
o Qual a fanfarra que mais aprecia? Por quê?
o Que pessoas você destacaria no meio das fanfarras? Por
quê?
Lorena, relações sociais
o Como é a cidade de Lorena
o Como vivem os jovens em Lorena
o Grupos freqüentados, espaços da cidade freqüentados?
o Em sua opinião, como as pessoas da cidade vêem a
FAGAP?
Situações
o Lazer: como se diverte, onde, com quem, rotina nos finais-
de-semana?
o Vida cultural: o que vê, o que mais gosta, programas de
TV, esporte, leituras, aonde vai?
o Consumo: quais as prioridades, o que compraria se
tivesse disponibilidade de dinheiro.
o Música: Que tipo de musica gosta?
Pesquisa
o O que uma pesquisa sobre a fanfarra poderia/deveria
estudar?
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243
Anexo 2 – Roteiro da Entrevista
Seguir linha de história de vida. Sempre que possível permitir ao
entrevistado encaminhar seu depoimento. Mais ao final, se pertinente,
sugerir os temas não tratados. Observar o check-list abaixo:
Origem e identificação
o Qual seu nome?
o Quando e onde nasceu?
o Faça uma descrição de Lorena
o De como vivem os jovens em Lorena
o trajetória da família de origem, empregos e/ou estudos
atuais;
o bairro(s) em que a família residiu e grupos de amigos;
o papel do pai e da mãe, cobranças e controle, diálogo, tipo
de educação;
o carreira escolar, perfil de aluno do entrevistado no ensino
fundamental.
o projetos de futuro da família e investimento da família
o sonhos de infância ou de adolescência;
o ingresso na fanfarra: ampliação dos espaços e relações,
tipos de amigos (os valorizados e os evitados), musica,
roupa e imagem, visão da escola e da fanfarra, relação
com a família
Experiências em fanfarra
o como ficou sabendo da fanfarra,
o motivo de ter ingressado na fanfarra
o motivo da escolha do FAGAP
o como avalia a fanfarra: primeiras impressões da fanfarra
o experiências marcantes, principais aprendizagens,
o dificuldades,
o impressões sobre o grupo, amizades com outros
integrantes, relacionamento com maestro, coreógrafos e
equipe de apoio.
o expectativas da família;
o aprendizagens a nível pessoal
o aprendizagens a nível profissional-técnico
o grupos freqüentados, espaços da cidade freqüentados
o apresentações e competições: experiências e impressões.
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o No que os ensaios contribuem e no que atrapalham sua
vida
o Foi de outra fanfarra?
o Quando ingressou na fanfarra? Como era lá?Porque saiu?
o Por que e como se deu a sua transferência da outra
fanfarra para a FAGAP?
o Participar da fanfarra mudou sua vida? Caso positivo,
como?
o toca ou já experimentou tocar outro instrumento? Conte-
me.
o já sabia tocar algum instrumento quando ingressou?
o já participou de alguma outra coreografia que não de
fanfarra?
Trajetória na fanfarra
o atividade, posição
o relação com os colegas e chefes
o conhecimentos demandados
o como vê a dinâmica da fanfarra
o descrição e impressões pessoais
o o que mais gosta e o que menos gosta na fanfarra
o Porque ingressou na FAGAP?
o Como foi recebido?
o Porque entrou?
o O que sabia sobre a FAGAP?
o Como idealizava a FAGAP? Como é a FAGAP?
o rotina da FAGAP?
o E nas viagens? Qual a rotina?
o Qual a rotina de eventos e campeonatos?
o Qual sua primeira impressão sobre FAGAP ao entrar?
o O que mudou?
o Como foi recepcionado?Pelos outros integrantes? Pelo
maestro? Pelo coreógrafo?
o Já conhecia alguém?
o Foram oferecidas opções de participação? De
instrumentos?
o Conte sua trajetória a partir do ingresso no grupo.
o Como foi o período de adaptação?
o Porque uma pessoa começa a participar de uma fanfarra?
o Porque uma pessoa deixa de participar de uma fanfarra?
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o O que levaria você a sair da fanfarra?
Situação atual:
o vida familiar: rotinas, planos, dificuldades
o Lazer: como se diverte, onde, com quem, rotina nos finais-
de-semana
o vida cultural: o que vê, o que mais gosta, programas de
TV, esporte, leituras, onde vai
o consumo: quais as prioridades, o que compraria se tivesse
disponibilidade de dinheiro
o rotina atual: como é um dia típico Como é sua
vida?(rotina, horários, descanso)
o como vê sua cidade?
o sua visão de mundo é mais igual ou diferente da de sua
família?
o quais os limites e as possibilidades para um jovem
integrante de fanfarra
o se tem ou já teve vontade de sair da fanfarra
o pessoas (familiares ou não familiares) que admira
Questão da identidade
o Porque “um jeito de ser diferente”?
o No que é diferente dos outros meninos, jovens que não
são da fanfarra? (inspirada no “slogan”um jeito de ser
diferente.).
o O que é ser jovem?
o O que fazem os jovens? o que os caracteriza?
o O que é participar de uma fanfarra?
o Como são os integrantes de uma fanfarra?
o Identidade - como é nos diferentes espaços de vivencia.
o Mantém vinculo com a fanfarra da qual participou?
o Casou-se ou namora ou namorou alguém de fanfarra? Da
mesma ou de outra?
o Com o que mais se identifica na fanfarra?
o O que vê de positivo e de negativo na fanfarra?
o Qual a diferença mais marcante no comportamento dos
jovens daqui e dos que nunca participaram de uma
fanfarra?
o Mantém contato com integrantes de outras fanfarras de
Lorena?
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246
o Com os da FAGAP fora dos ensaios e apresentações?
o Se tem contato com pessoas de fanfarras de outras
cidades?
o Se tem contato com pessoas do corpo musical X corpo
coreográfico?
o Qual a diferença entre os participantes do corpo musical X
corpo coreográfico?
o Há algum tipo de separação entre os integrantes do corpo
musical X corpo coreográfico?
o O que mais lhe marca em sua participação?
o O que sua família diz a respeito da FAGAP? De sua
participação? Na opinião deles, está diferente?
Rumo a cidade, relações sociais
o Como é o bairro em que mora?
o O que acha de Lorena
o Na sua opinião, como as pessoas da cidade vêem a
FAGAP?
Da tradição aos novos costumes
o Se alguém da família participou, o que sabe a respeito?
o Que importância uma pesquisa sobre a fanfarra pode ter
para seus integrantes?
o O que mudaria, se pudesse, na fanfarra
o O que acha mais tradicional em uma fanfarra?
o Qual a fanfarra que mais aprecia,
o Qual a fanfarra que julga ser mais tradicional
o Pessoas destacadas no meio das fanfarras
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Anexo 3 – Depoimento escrito
Minha história na Fagap.
Tudo começou em março de 1998.
Comecei na linha de frente, na coreografia.
Naquela época o coreógrafo tóta estava selecionando
meninas novas para linha de frente.
Não passei no primeiro teste, fiquei super triste mais não
desisti, logo teve outro teste, neste finalmente eu passei.
Quando eu peguei pela primeira vez o uniforme
da linha de frente, fiquei com o coração cheio de orgulho,
pois batalhei muito pra chegar na linha de frente.
Fiz novas amizades, aprendi muitas coisas com cada um de
lá, aprendi até a alinhava uniforme com a equipe de apoio.
Nesta época a fanfarra estava fazendo uniforme novo para o
corpo musical.
Já aconteceram tantas coisas nesses dois anos de linha de
frente.
O meu primeiro namorado foi da fanfarra.
Tudo começou como uma brincadeira depois foi ficando serio,
ficamos juntos por quatro anos.
Não deu certo com o passar do tempo, terminamos.
Eu gostava muito dele ele de mim, melhor terminarmos como
amigos do que como inimigos.
Já cheguei a gostar de outros garotos da fanfarra.
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Fiz novas amizades com outras fanfarras.
Quando a fanfarra vai para alguma cidade eu aproveito para
fazer novas amizades, já conheci tanta gente.
Agradeço a fagap por me proporcionar isso.
As primeiras pessoas com quem eu fiz amizade foi (...) da
fanfarra de Roseira.
Depois eu conheci algumas garotas da fanfarra de
Guararapes.
Na fagap acontece quase tudo, desde coisas legais como fazer
amizade e umas coisas chatas como mau entendimento, mais a fagap é
uma família, qual família que não tem essas coisas.
Posso dizer que umas das coisas legais é quando eu me
divertir nos ensaios e nas viagens, as chatas são a falta de colaboração
de algumas pessoas, quando se trabalha com um grupo tem que ter
colaboração de ambas as partes pra que tudo de certo e mesmos todos
ajudando nem sempre tudo fica bem e essas pessoas que não ajudam só
tem a atrasar o crescimento do grupo.
Na fagap tem uma grande mistura de sentimentos.
Uma delas foi quando o nosso coreógrafo tota foi embora,
isso aconteceu em dezembro de 1998, todas as meninas ficaram
arrasadas!
Acostumamos com o tempo sem ter o nosso coreógrafo tóta,
pois ele é muito competente naquilo que faz, posso dizer isto, pois
aprendi muitas coisas com ele.
Uma delas foi sempre ser humilde com as derrotas ou vitórias.
Foi passando 1998, 1999, e 2000, com vitórias e derrotas.
Quando foi chegando o final de 2000, eu resolvi sair da linha
de frente.
Bom eu já estava com uma vontade de tocar corneta na
fanfarra, mais não foi só este o motivo, no ultimo concurso que foi
realizado em Brasília em 2000 eu cometi vários erros, estava muito
nervosa, errei muito na hora da apresentação, apesar do meu erro e o
erro de outras meninas a linha de frente ganhou.
Neste dia em Brasília, as meninas da linha de frente me
deram o maior apoio.
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As meninas e a equipe de apoio era uma segunda família pra
mim.
Em janeiro de 2001 eu já não estava na linha de frente,
estava fazendo aulinha com o regente Washington.
Na época que eu estava fazendo aulinha eu já estava
assoprando a corneta, fiquei mais ou menos duas semanas com a
corneta, eu nem conseguia tirar as notas da corneta mais o regente
Washington logo me passou para o cornetão.
Foi então que no cornetão eu conseguia tirar algumas notas,
quando eu já estava melhorando no cornetão o regente Washington me
colocou para tacar com a fanfarra.
Finalmente eu entrei na fanfarra.
Quando eu entrei no corpo musical me senti um pouco
isolada, me deu uma vontade grande de voltar para linha de frente,
mais agüentei firme e fiquei, morrendo de vergonha mais permaneci no
corpo musical.
Fui me adaptando, fiz novas amizades.
Quando completou um mês que eu estava no
cornetão o regente Washington me passou para o tuba.
Pra falar a verdade eu não gostei nem um pouco,
fiquei surpresa por ele ter colocado eu para tocar tuba.
Lá estou eu aprendendo a tocar tuba, no começo
foi um desastre, custou muito para que eu aprendesse a
toca tuba, fui melhorando com o tempo mais eu tinha
consciência que eu era o desastre do tuba.
Eu não agüentava mais, foi quando eu fiquei
sabendo que tinha uma vaga no bombardino, fui correndo
falar com o regente Washington.
Tive que esperar mais um pouco, pois tinha um
concurso e não dava para fazer a mudança naquele
momento.
O concurso passou e eu finalmente entrei no
bombardino, adorei.
Aprendi muito com o pessoal do bombardino, (...)
cresci muito no bombardino musicalmente.
Quando fazemos aquilo que gostamos tem mais
amor e mais dedicação.
Senti-me realizada no bombardino, realmente
que é o meu lugar.
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Tive uma fase muito ruim no bombardino, foi
quando eu resolvi sair do bombardino, pois eu também
iria fazer um curso, eu passaria a ir no ensaio somente nos
finais de semana.
Pedi para o regente Washington me passar para o
cornetão.
Fui para o cornetão, mais com o pensamento no
bombardino, tinha me arrependido de ter saído do
bombardino, mais a (...)minha amiga me fez ver que o
cornetão estava precisando de alguém com eu, pois eu
tomei a frente do cornetão, mostrei para eles que eles são
capazes de ser melhores que aqueles que só o criticavam.
(...)
Então eu finalmente resolvi voltar para o
bombardino, era tanta ida e vinda, acredito que o regente
Washington chegou a pensar que eu não me desídia em
que instrumento eu iria ficar realmente.
(...)
A fagap esta crescendo quando eu lembro da
fanfarra em 1998 vejo no quanto crescemos, a fagap já
passou por poucas e boas, sem dinheiro para fretar ônibus
para irmos aos concursos, o uniforme em péssimas
condições, mais graças a Deus que as coisas que antes a
fagap não tinha condições de ter ou realizar, hoje temos,
com todos ajudando tudo só tem a melhorar.
Hoje de alguma forma todos da fagap podem
sentir realizados, temos que melhorar ainda em muitas
coisas, mais se trabalharmos em equipe, respeitando o
que o outro tem a dizer, aceitando sugestões, podemos
melhorar em muitas coisas.
Com a fagap conquistei varias coisas e perdi
muitas também, mais se um dia gente perde outro dia a
gente ganha.
As pessoas com quem eu mais me identificava
foram saindo, amigas colegas, todos estavam tomando
outro rumo na vida, e eu permanecia ali, foi então que eu
resolvi sair da fanfarra mais eu não conseguia, criei raízes
lá.Varias vezes tive decepções com algumas pessoas da
fanfarra.
A fanfarra pra mim e uma escola, não só
aprendemos a tocar algum instrumento, dançar como
baliza e fazer coreografia como as meninas da linha de
frente, ou trabalhar na equipe de apoio, a fanfarra vai alem
de tudo isso.
Tenho um imenso orgulho de fazer parte da fagap.
Na fagap já tirei grandes lições de vida.
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251
Uma delas foi respeitar as críticas, com ela é que
tornamos melhores.
Em março de 2005 já completei sete anos de
fanfarra, sete anos bem aproveitados.
Espero comemorar mais sete anos, sempre
aprendendo mais, fazendo novas amizades e ajudando no
que for possível.
Queria agradecer a Deus, minha mãe e a todos
com que eu tive uma convivência e aqueles que ainda
permanece ao meu lado me dando força, obrigada de
coração, se não fosses todos vocês eu não poderia viver
esta história.
Vou me despedindo com uma mensagem.
“Pensar positivo é o primeiro passo pra tudo dar
certo”.
Atenciosamente...
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Anexo 4 – Questionário
Prezado Integrante da FAGAP,
Você já deve me conhecer de tantas vezes que
estive nos ensaios da sua fanfarra e nas suas
apresentações. Pois bem, estou realizando um
trabalho na Universidade em que estudo – a
PUC-Rio – sobre como é a Fanfarra de vocês.
Por isso, além de estar no espaço dos ensaios e
assistir as apresentações, necessito de algumas
informações que só você pode me dar. Assim sendo,
gostaria muito que você respondesse a este
questionário.
Fique tranqüilo que ninguém vai ter
conhecimento do que você colocou nele, pois
somente eu e você o leremos.
Portanto, pode ser totalmente sincero nas suas
respostas. Pode confiar!
Obrigada pela sua atenção.
Stella Pedrosa
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253
1. Em que ano você nasceu?
........................................................................................
2. Qual o mês do seu nascimento?
..............................................................................
3. Qual o seu sexo:
..........................................................................................................
4. Onde você nasceu?
Cidade: .................................................... Estado: ..............................
5. Se você não nasceu em Lorena, responda: Há quanto tempo você
mora em Lorena?
......................................................................................................................
6. Se você não mora em Lorena, responda: Em que cidade e
estado você vive.
Cidade: .................................................... Estado: ..............................
7. Em que bairro você mora?
.........................................................................................
8. Há quanto tempo você vive nesse bairro?
......................................................
9. quanto tempo você mora na mesma casa?
............................................
10. O que você gosta do bairro onde mora?
..................................................................................
..................................................................................
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254
..................................................................................
..................................................................................
11. O que você não gosta do bairro onde mora?
..................................................................................
..................................................................................
..................................................................................
..................................................................................
12. Na sua opinião, quais os 3 principais valores do jovem que
vive em Lorena?
1
..................................................................................
2
..................................................................................
3
..................................................................................
13. Na sua opinião, quais os 3 principais problemas do jovem que
vive em Lorena?
1
..................................................................................
2
..................................................................................
3
..................................................................................
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255
14. Você sabe onde seu pai nasceu? (cidade e Estado)
Cidade: .................................................... Estado: ..............................
15. Você sabe onde sua mãe nasceu? (cidade e Estado)
Cidade: .................................................... Estado: ..............................
16. Você sabe qual a ocupação de seu pai?
..................................................................................
17. Você sabe qual a ocupação de sua mãe?
..................................................................................
18. Você sabe até que série seu pai estudou? (Marque apenas
uma alternativa)
( ) Nunca estudou.
( ) Não completou a 4ª série (antigo primário).
( ) Completou a 4ª série (antigo primário).
( ) Não completou a 8ª série (antigo ginásio).
( ) Completou a 8ª série (antigo ginásio).
( ) Não completou o Ensino Médio (antigo 2º grau)
( ) Completou o Ensino Médio (antigo 2º grau).
( ) Começou, mas não completou a Faculdade.
( ) Completou a Faculdade.
( ) Não sei.
19. Você sabe até que série sua mãe estudou? (Marque apenas
uma alternativa)
( ) Nunca estudou.
( ) Não completou a 4ª série (antigo primário).
( ) Completou a 4ª série (antigo primário).
( ) Não completou a 8ª série (antigo ginásio).
( ) Completou a 8ª série (antigo ginásio).
( ) Não completou o Ensino Médio (antigo 2º grau)
( ) Completou o Ensino Médio (antigo 2º grau).
( ) Começou, mas não completou a Faculdade.
( ) Completou a Faculdade.
( ) Não sei.
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256
20. O que existe na casa onde você mora?
(Marque apenas uma alternativa em cada linha)
banheiro
( ) Não existe ( ) Sim, um ( ) Sim, dois ( ) Sim, mais de dois
sala
( ) Não existe ( ) Sim, um ( ) Sim, dois ( ) Sim, mais de dois
quarto para dormir
( ) Não existe ( ) Sim, um ( ) Sim, dois ( ) Sim, mais de dois
21. Assinale o que existe no espaço onde você mora?
(Marque apenas uma alternativa em cada linha)
Quantidade onde mora
Nenhum Um Dois Três Mais de
três
rádio
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
televisão
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
vídeo cassete
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
DVD player
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
aparelho de som
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
geladeira
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
freezer
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
lavadora de roupa
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
aspirador de pó
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
telefone residencial
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
telefone celular
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
ar-condicionado
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
computador
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
automóvel
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
bicicleta
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
22.
Quais das seguintes pessoas moram com você?
(Marque apenas uma alternativa em cada linha)
( )
pai
( )
mãe
( )
padrasto
( )
madrasta
( )
padrinho
( )
madrinha
( )
irmão mais velho Se mais de 1, escreva quantos ...........
( )
irmã mais velha Se mais de 1, escreva quantas ...........
( )
irmão mais novo Se mais de 1, escreva quantos ...........
( )
Irmã mais nova Se mais de 1, escreva quantas ...........
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257
( )
avô Se mais de 1, escreva quantos ...........
( )
avó Se mais de 1, escreva quantas ...........
( )
tio Se mais de 1, escreva quantos ...........
( )
tia Se mais de 1, escreva quantas ...........
( )
primo Se mais de 1, escreva quantos ...........
( )
prima Se mais de 1, escreva quantas ...........
( )
amigo Se mais de 1, escreva quantos ...........
( )
amiga Se mais de 1, escreva quantas ...........
( )
outros
Quem? ............................................
23.
Você trabalha?
( )
Não trabalho, só estudo
( )
Não trabalho nem estudo
( )
Trabalho, mas dependo financeiramente da minha família
( )
Trabalho e sou financeiramente independente
( )
Trabalho e sustento outras pessoas
Se você trabalha, responda: você ajuda a pagar alguma despesa
da casa?
( ) não ( ) sim
24. Incluindo você, se for o caso, quantas pessoas ajudam a
pagar as despesas da casa?
(
)
só você
(
)
uma (
)
duas
(
)
três (
)
quatro
(
)
cinco (
)
seis
(
)
sete (
)
oito
(
)
nove ou
mais
25. Atualmente, você estuda? ( ) não ( ) sim
26. Se você estuda ou estudou, concluiu ou está em que série?
( )
Nunca estudou.
( )
Não completou a 4ª série (antigo primário).
( )
Completou a 4ª série (antigo primário).
( )
Não completou a 8ª série (antigo ginásio).
( )
Completou a 8a série (antigo ginásio).
( )
Não completou o Ensino Médio (antigo 2º grau)
( )
Completou o Ensino Médio (antigo 2º grau).
( )
Começou, mas não completou a Faculdade.
( )
Completou a Faculdade.
( )
Não sei.
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258
27. Desde que ano você participa da FAGAP?
..................................................................................
28. Já participou de outra fanfarra? Se participou, qual?
..................................................................................
29. Qual a sua participação na fanfarra? Música, coreografia?
..................................................................................
30. Que razões levaram você a entrar para o grupo da fanfarra?
..................................................................................
..................................................................................
..................................................................................
..................................................................................
..................................................................................
31. Seu pai ou sua mãe já participaram de alguma fanfarra ou de
alguma banda?
( ) não ( ) sim
32. Algum de seus irmãos ou de suas irmãs já participou ou
participa de alguma fanfarra ou de alguma banda?
( ) não ( ) sim
33. Outra pessoa da familia ou que viva em sua casa já
participou ou participa de alguma fanfarra ou de alguma
banda?
( ) não ( ) sim Quem?
.........................................................................
34. Quais os 3 principais valores do jovem que participa da
Fanfarra?
1
..................................................................................
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259
2
..................................................................................
3
..................................................................................
35. Quais os 3 principais problemas do jovem que participa da
Fanfarra?
1
..................................................................................
2
..................................................................................
3
..................................................................................
36. Além da Fanfarra, você participa de outras atividades?
esportes (futebol, vôlei, etc)
( ) não ( ) sim
línguas (inglês, espanhol, etc)
( ) não ( ) sim
computação
( ) não ( ) sim
música (violão, canto, etc)
( ) não ( ) sim
dança, jazz, ballet, etc
( ) não ( ) sim
grupo de igreja
( ) não ( ) sim
Outra? Qual? .........................................................................................
37. Você tem religião? ( ) não ( ) sim Qual?
..............................................
38. Freqüenta alguma Igreja?
( ) não ( ) sim Qual?
........................................................................
Se freqüenta, como faz isso?
( ) mais de uma vez por semana
( ) uma vez por semana
( ) uma ou duas vezes por mês
( ) de vez em quando
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260
39. Você costuma:
(Marque apenas uma alternativa em cada linha)
nunca quase
nunca
de vez em
quando
quase
sempre
sempre
Ir ao cinema
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Ir a shows de música
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Ouvir rádio
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Ver televisão
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Ler jornal
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Ler revistas
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Ler livros
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Escrever
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Cantar sozinho em casa
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Dançar sozinho em casa
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Ajudar nos afazeres da casa
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Outra coisa? O que?
....................................................................................
...
40. Você usa a Internet? ( ) não ( ) sim
Caso positivo, de onde você costuma acessar?
( ) casa onde vive
( ) casa de parentes
( ) casa de amigos
( ) escola
( ) trabalho
( ) local de acesso pago – cibercafé,
ciberhouse e outros
( ) outro local.
Qual?........................................................
41. Das pessoas que moram com você, a que acompanha sua
vida mais de perto é
............................................................................................................
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261
42. Com que freqüência, esta pessoa conversa:
(Marque apenas uma alternativa em cada linha)
nunca quase
nunca
de vez em
quando
quase
sempre
sempre
Com você sobre a fanfarra
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Com seus amigos/colegas da fanfarra
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Com outros amigos seus
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Com responsáveis pela fanfarra
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Com outros responsáveis por
integrantes da fanfarra
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Sobre sua participação na fanfarra
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
Sobre o que acontece com você
( ) ( ) ( ) ( ) ( )
43. Essa mesma pessoa já conversou com:
O maestro da fanfarra?
( ) não ( ) sim
O coreógrafo da fanfarra? ( ) não ( ) sim
A coreógrafa da baliza? ( ) não ( ) sim
Algum pai ou mãe da equipe de apoio? ( ) não ( ) sim
Algum de seus colegas que participam da fanfarra? ( ) não ( ) sim
Caso não se importe, peço-lhe que se identifique:
Seu nome:
............................................................................................................
Nome pelo qual é conhecido no grupo:
......................................................................
Você teria algum e-mail para se comunicar?
............................................................................................................
Atenção:
Caso você queira saber mais sobre o estudo que estou
fazendo, procure-me durante qualquer ortunidade
em que eu esteja junto ao grupo.
Se preferir, meu e-mail é:
Muito obrigada pela sua colaboração.
Espero poder continuar contando com você!
Sua participação é muito importante para minha
pesquisa.
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262
Anexo 5 – Perfil
O Perfil dos Jovens Integrantes
O perfil dos integrantes foi obtido através de um
questionário respondido por 82 integrantes da FAGAP, sendo
62 do Corpo Musical e 20 do Corpo Coreográfico (incluindo-se
aqui a baliza).
Organizei os dados obtidos em quatro seções:
Caracterização do grupo; Círculo familiar, Participação familiar;
Indicadores socioeconômicos. Em cada seção apresento
alguns gráficos e comentários suscintos a respeito dos pontos
que considerei mais pertinentes para o estudo que desenvolvi.
Eventualmente teço algumas relações com informações
regionais a que tive acesso.
Acredito que esse conjunto de elementos ajudam a
delinear o perfil do grupo.
1.1. Caracterização do Grupo
1.1.1. Idade e Sexo
A idade dos integrantes varia entre 10 e 25 anos (10 e 22
anos para o corpo coreográfico e 13 e 25 anos para o
coreográfico). A idade média do grupo é 16 anos e meio (15 e
meio para o corpo musical e 18 para o coreográfico).
0
2
4
6
8
10
12
14
16
25 anos 24 anos 23 anos 22 anos 21 anos 20 anos 19 anos 18 anos 17 anos 16 anos 15 anos 14 anos 13 anos 12 anos 11 anos 10 anos
DISTRIBUIÇÃO POR IDADE
n=81
Corpo Coreográfico Corpo Musical
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263
Do total de integrantes da Fanfarra, no momento da
pesquisa, 41% tinha no máximo 15 anos, o que é compreensível
pois é abaixo dessa idade que a maior parte ingressa no grupo.
No município de Lorena, segundo a Fundação SEADE
1
,
em 2005 – mesmo ano da aplicação do questionário – quase
25% da População de Lorena tinha abaixo de 15 anos.
A FAGAP conta com 56% de seu corpo constituído por
integrantes do sexo masculino e 44% do sexo feminino.
DISTRIBUIÇÃO POR SEXO
n=81
masculino
56%
feminino
44%
Inicialmente o corpo coreográfico era composto apenas
por moças e o corpo musical por rapazes. Embora ainda haja
predominância do sexo masculino no segmento musical e
feminino no coreográfico, hoje essa diferença já não é tão
acentuada.
1
Fundação SEADE
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
264
DISTRIBUIÇÃO POR SEXO
Corpo Coreográfico
n=19
masculino
26%
feminino
74%
0%
DISTRIBUIÇÃO POR SEXO
Corpo Musical
n=62
masculino
65%
feminino
35%
1.1.2. Local de Residência
Os bairros onde moram os jovens integrantes da Fanfarra
distribuem-se do Centro à periferia da cidade. Como é usual em
Lorena, muitos dirigem-se ao local de ensaio de bicicleta,
algumas vezes vencendo consideráveis distâncias. A bicicleta é
o transporte mais usado na cidade, mas alguns dependem do
transporte urbano, especialmente os que vivem no município
vizinho de Canas.
BAIRRO ONDE MORA
n=81
1%
1%
1%
1%
1%
1%
1%1%
1%1%1%
2%
2%
2%
2%
2%
4%
4%
5%
6%
6%
6%
7%
9%
10%
17%
B.da Cruz Cabelinha Hepaca J. Nova Lorena J. Novo Horizonte
Nova Lorena Pq. Rodovia Pq. Tabatinga S. Roque V. Normantia
V. Zelia Industrial Ponte Nova (V. Cristina) V. Celeste V. Cida
V. Passos Canas V. dos Comerciários Olaria Cecap
V. Geny V. Hepacaré V. Brito Santo Antonio Centro
V. Nunes
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
265
1.1.3. Local onde nasceu
Pode-se observar que a grande maioria – quase 80% –
nasceu em Lorena e um número expressivo – cerca de 12% –
em outras cidades do Vale do Paraiba. Apenas 3 integrantes –
dos 82 ouvidos – não nasceram no Estado de São Paulo.
CIDADE EM QUE NASCEU
n=82
5%
3%
2%
2%
1%
1%
1%
1%
1%
1%
1%
1%
1%
79%
Lorena Cachoeira Paulista Guaratinguetá
São José dos Campos São Paulo Atibaia
Caçapava Cruzeiro Guarulhos
Marabá - PA Nepomuceno - MG Piquete
Presidente Prudente Teresina - PI
ESTADO EM QUE NASCEU
n=82
96,34%
1,22% 1,22% 1,22%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
PI SP MG PA
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
266
Estes gráficos diferem bastante dos que apresento mais
adiante, nos quais registro o local de nascimento dos pais e mães
desses jovens.
Isso ocorre porque hoje, apenas as regiões onde a
economia apresenta maior dinamismo, continua se caracterizando
como área de atração e retenção de imigrantes de outros Estados
ou países.
Há quase dez anos, o Vale do Paraíba era a região paulista
que apresentava a maior concentração de imigrantes residentes
há mais de dez anos (66,7%), porem a menor com até três anos
de residência (15,2%), o que caracteriza um decréscimo na
imigracao. Não consegui obter dados mais recentes, mas ao que
parece o fluxo migratório em direção a região estã estagnado.
No que se refere ao grupo de jovens da Fanfarra, quase a
totalidade nasceu no Estado de São Paulo. Uma analise particular
dos questionários daqueles nascidos em outros estados, permitiu-
me observar que, exceto um, eram filhos de militares, ou seja
seus pais foram transferidos para a cidade temporariamente e não
atraídos por oportunidades econômicas.
1.1.4. Escolaridade dos integrantes
A observação dos gráficos da escolaridade deve levar em
conta a amplitude da idade dos integrantes da Fanfarra. Por ser
a média de idade dos integrantes do corpo coreográfico mais
alta que a do corpo musical, era esperado que a escolaridade do
primeiro grupo fosse maior do que a do segundo, o que se
confirmou como pode ser observado nos gráficos a seguir.
Destaco que aqueles que não estão estudando são apenas
os que já concluíram o ensino médio.
ESCOLARIDADE
Integrantes da FAGAP
n=82
1%
20%
11%
24%
32%
1%
11%
Não completou a 4ª série (antigo primário). Completou a 4ª série (antigo primário).
Não completou a 8ª série (antigo ginásio). Completou a 8a série (antigo ginásio).
Não completou o Ensino Médio (antigo 2º grau) Completou o Ensino Médio (antigo 2º grau).
Completou a Faculdade. Não respondeu
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267
ESCOLARIDADE
Corpo Coreográfico
n=20
30%
10% 50%
5%
5%
Não completou a 4ª série (antigo primário). Completou a 4ª série (antigo primário).
Não completou a 8ª série (antigo ginásio). Completou a 8a série (antigo ginásio).
Não completou o Ensino Médio (antigo 2º grau) Completou o Ensino Médio (antigo 2º grau).
Completou a Faculdade. Não respondeu
ESCOLARIDADE
Corpo Musical
n=62
0%2%
16%
15%
28%
26%
13%
Não completou a 4ª série (antigo primário). Completou a 4ª série (antigo primário).
Não completou a 8ª série (antigo ginásio). Completou a 8a série (antigo ginásio).
Não completou o Ensino Médio (antigo 2º grau) Completou o Ensino Médio (antigo 2º grau).
Completou a Faculdade. Não respondeu
1.1.5. Atividades de Estudo e Trabalho
Cerca de ¾ do grupo estuda atualmente e apenas 1/6 do
grupo afirmou não estudar.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
268
ESTUDAM ATUALMENTE
n=82
não informaram
12%
o
12%
sim
76%
O número de integrantes que trabalham é reduzido e,
destes, quase todos dependem financeiramente. Também é
reduzido o número de integrantes quem não trabalham nem
estudam.
63 4 8 11 3 2
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
1
TRABALHO e ESTUDO
n=82
Apenas estudam
Trabalham mas dependem financeiramente da familia
Trabalham, dependem financeiramente, mas contribuem com as despesas da família
Trabalham e sustentam outras pessoas
Trabalham e são financeiramente independentes
Não trabalham, nem estudam
A média de anos de escolaridade vem aumentando no
Estado, sendo que a região do Vale do Paraíba vinha sendo a de
melhor desempenho neste aspecto, registrando o aumento, dos
percentuais de jovens entre 15 e 17 anos bem como os dos que
alcançaram o ensino médio. No que se refere ao segmento
compreendido entree 18 a 24 anos a média dos anos de
escolaridade vem aumentando.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
269
1.1.6. Religião
RELIGIÃO
n=82
74%
9%
2%
1%
4%
6%
4%
Católica Evangélica Espírita Cristã Outras Não tem Sem informação
0
10
20
30
40
50
Católica Cristã Espírita Evangélica Sem informação
FREQÜÊNCIA NA PRÁTICA RELIGIOSA DECLARADA
n=74
sim, pelo menos uma vez por semana vez em quando não
A maior parte dos jovens integrantes da Fanfarra declara-
se católica e a maior parte deles freqüenta a prática religiosa.
Cabe ressaltar que na cidade existem igrejas evangélicas
de diferentes denominações, quase todas com seus próprios
grupos musicais.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
270
1.1.7. Permanência na Fanfarra
Tempo de Permanência na FAGAP
Geral
n=80
pelo menos dez anos
nove anos
oito anos
sete anos
seis anos
cinco anos
quatro anos
três anos
dois anos
um ano
menos de um ano
Tempo de Permanência na FAGAP
Corpo Coreográfico
n=20
pelo menos dez anos
nove anos
oito anos
sete anos
seis anos
cinco anos
quatro anos
três anos
dois anos
um ano
menos de um ano
Tempo de Permanência na FAGAP
Corpo Musical
n=60
pelo menos dez anos
nove anos
oito anos
sete anos
seis anos
cinco anos
quatro anos
três anos
dois anos
um ano
menos de um ano
O corpo coreográfico renova-se mais do que o musical,
embora exista um núcleo do grupo que participe há pelo menos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
271
sete anos. Já ao final da pesquisa ocorreu uma renovação quase
que total do corpo coreográfico, tendo permanecido apenas
aqueles já há mais tempo no grupo.
Quanto ao corpo musical o oposto vem ocorrendo,
poucos são os novos integrantes, tanto que devido à elevação
da faixa etária o grupo já não vem competindo na categoria
infanto-juvenil.
1.1.8.Atividades
Os afazeres domésticos estão presentes como atividade
para estes jovens, superados apenas pela televisão e o rádio.
Em geral as atividades que implicam em despesa, por
exemplo o cinema, são menos freqüentes.
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
cinema
show música
rádio
tv
jornal
revistas
livros
escrever
cantar
dançar
afazeres domésticos
O que costuma fazer
n=82
sempre quase sempre de vez em quando quase nunca nunca não respondeu
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272
1.1.9.Acesso a Internet
Mais da metade dos integrantes tem
acesso à Intenet.
O local de onde a maioria acessa é a
própria residência. Outros lugares que se
destacam é a casa de amigos, a escola e a
casa de parentes.
Considerando-se que é reduzido o
número daqueles que trabalham, não surpreende que apenas
dois acessem de seu local de trabalho.
A
CESSO A INTERNET
n=82
35%
65%
não sim
Acesso pago, curso e clube também são citados por um
integrante cada um.
1
1
1
2
6
9
11
28
0 5 10 15 20 25 30
clube
curso
pago
trabalho
casa de parentes
escola
casa de amigos
propria casa
DE ONDE ACESSA A INTERNET
n=59
clube curso pago trabalho casa de parentes escola casa de amigos propria casa
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273
1.2. Círculo Familiar
1.2.1.Com quem vive
De modo geral, esses jovens vivem em um arranjo
familiar em que é presente a figura do casall: 45% vive com
pai e mãe e 14% com um dos pais e companheiro, ou seja a
figura paterna e materna está presente para 59%. A
presença de apenas um dos pais ocorre em 36% do grupo.
De todo o grupo, apenas 7% não vive ou não tem
irmãos e 33% tem outros parentes vivendo no núcleo
familiar.
1%1%1%
1%
5% 10% 17% 4%
11% 2%1%
2% 37% 5% 1%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 50%
sem pais ou avós
avós (um ou ambos)
só com um dos pais
um dos pais e companheiro
mãe e pai
Com quem vive
n=82
apenas e irmãos e irmãos e familiares e outros familiares
1.2.2. Cidade de Nascimento
Solicitei aos jovens informar a cidade de nascimento do
pai e a da mãe. A maior parte de seus pais nasceu em Lorena e
em outras da região do Vale do Paraíba: Piquete, Guaratinguetá,
Canas, Cachoeira Paulista, Cunha, Bananal e Volta Redonda,
esta última no Estado do Rio de Janeiro.
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274
Cidade de Nascimento do Pai
n=82
2%
2%
1%
2%
1%
1%
2%
1%
1%
4%
1%
1%
1%
1%
1%
1%
1%
1%
1%
5%
2%
1%
1%
16%
44%
SP São Paulo SP Santa Rita SP Presidente Prudente SP Piquete SP Lorena
SP Lins SP Itapera SP Guaratinguetá SP Canas SP Campos do Jordão
SP Cachoeira Paulista RJ Volta Redonda RJ Rio de Janeiro RJ Paraty PI Valença do Piauí
MG Wescelau Brás MG Teófilo Otoni MG São Tomé das Letras MG Nepomuceno MG João Monlevade
MG Itajubá MG Cruzilha BA Mutuípe Uruguai - Montevidéo não sabe
Cidade de Nascimento da Mãe
n=82
2%
1%
2%
1%
5%
2%
1%
1%
1%
1%
1%
1%1%
1%
2%
7%
66%
SP São Paulo
SP São Caetano
SP Piquete
SP Lorena
SP Guarujá
SP Guaratinguetá
SP Cunha
SP Canas
SP Bananal
PI Ter es ina
MG Teóf ilo Otoni
MG São Lourenço
MG Nepomuceno
MG Fundo de Bicas
CE Juazeiro do Norte
CE Fortaleza
não sabe
A região vale paraibana paulista e fluminense tem uma
série de características próprias, inclusive culturais. Muitas
famílias que chegaram no auge da imigração espalharam-se pelo
Vale. Hoje, muitas reuniões são organizadas por determinadas
famílias, quase sempre de origem italiana, juntando parentes
tanto da região paulista quanto da fluminense.
Ainda em relação à naturalidade dos pais, destaco que no
Estado de São Paulo nasceram 64% dos pais e 83% das mães,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
275
sendo que destes 44% dos pais e 66% das mães nasceram na
cidade de Lorena.
LOCAL DE NASCIMENTO DO PAI
n=82
1%
1%
1%
4%
14%
20%
44%
15%
21%
BA PI PR RJ MG SP outras cidades SP Lorena não sabe
LOCAL DE NASCIMENTO DA MÃE
n=82
1%
4%
5%
17%
66%
7%
10%
PI CE MG SP outras cidades SP Lorena não sabe
Em relação ao Estado de nascimento dos pais, após
observar o gráfico Distribuição dos Indivíduos segundo Local de
Nascimento Interior do Estado de São Paulo – que é
disponibilizado pela Fundação Seade.
Não obtive, gráfico semelhante para a cidade de Lorena,
mas mesmo assim, a partir dos questionários aplicados, fiz
dois outros gráficos que facilitam a comparação.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
276
Estado de Nascimento do Pai
n=70
82,2%
2,7%
0,7%
10,3%
3,4%
0,7%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
Estado da Bahia Região Nordeste
(exceto Bahia)
Estado de Minas
Gerais
Estado de São Paulo Estado do Paraná Outro Estado ou país
Estado de Nascimento da Mãe
n=76
74,4%
5,7%
1,4%
15,7%
1,4%
1,4%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
Estado da Bahia Região Nordeste
(exceto Bahia)
Estado de Minas
Gerais
Estado de São Paulo Estado do Paraná Outro Estado ou país
Não me surpreendi que os mineiros estivessem em uma
proporção um pouco maior entre os pais e mães dos jovens
integrantes da Fanfarra, já que a presença mineira é tradicional
na região.
Pouco tempo depois tive acesso a uma tabela – com
dados específicos das diferentes regiões do Estado – a qual
corroborou minhas observações em relação aos mineiros.
Em porcentagem
Agrupamentos Urbanos
Local de Nascimento
Total Central Leste
RM
Santos
Norte Oeste
Vale do
Paraíba
Estado da Bahia 2,6 1,1 3,1 6,6 1,5 2,0
0,8
Região Nordeste (exceto
Bahia)
5,0 3,1 5,1 14,6 2,2 2,4 3,6
Estado de Minas Gerais 5,7 2,6 6,4 2,9 8,8 2,5 9,9
Estado de São Paulo 80,0 84,9 78,4 69,4 83,1 85,3 79,9
Estado do Paraná 3,9 6,2 4,5 1,6 2,7 5,0 1,9
Outro Estado ou País 2,8 2,1 2,5 4,9 1,7 2,8 3,9
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa de Condições de Vida - PCV.
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277
1.2.3.Ocupação dos Pais
Interessante observar o significativo número de jovens
que não sabem, ou não revelam, a profissão do dos pais e das
mães.
No quadro abaixo pode-se verificar a ocupação dos pais e
das mães citada pelos jovens integrantes da Fanfarra.
Ocupação dos pais segundo os Jovens da Fanfarra é a seguinte:
do pai da mãe
não informado 22 não informado 16
aposentado 5 dona de casa 22
trabalho 5 empregada doméstica 7
fábrica 4 professora 7
pedreiro 4 enfermeira 4
comerciante "dono de" 3 secretária 4
falecido 3 atendente 2
militar 3 cozinheira 2
segurança 3 digitadora 2
cuida da casa 2 inspetora de alunos 2
eletricista 2 merendeira 2
oficial de justiça 2 aposentada 1
operador de máquina 2 auxiliar de serviços gerais 1
administrador 1 babá 1
assistente administrativo 1 cantora (autonoma) 1
auxiliar de produção 1 costureira 1
bancário 1 lavadeira 1
caldereiro 1 manicure e pedicure 1
caminhoneiro 1 motogirl 1
dentista 1 passadeira 1
empilhaderista 1 protética 1
encarregado de obras 1 servente 1
encarregado de produção - fábrica 1 tesoureira 1
encarre
g
ado
g
era
l
1
T
OTA
L
82
enfermeiro milita
r
1
engenheiro 1
guarda noturno 1
investigador 1
maçariqueiro 1
mestre de obra 1
motoboy 1
motorista 1
pintor 1
projetista 1
vendedor 1
T
OTA
L
82
1.2.4. Escolaridade dos pais
Um considerável número de jovens desconhece a
escolaridade da mãe e do pai, neste último caso, revendo os
questionários, observei que isso deve ocorrer ou por não
conhecerem o pai, ou por terem pouco ou nenhum convívio
com ele.
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278
Escolaridade do Pai
n=82
18
6
0
2
6
4
5
3
27
5
6
Não sabe informar
Não responderam
Nunca estudou
Não completou a 4ª série (antigo primário).
Completou a 4ª série (antigo primário).
Não completou a 8ª série (antigo ginásio).
Completou a 8ª série (antigo ginásio).
Não completou o Ensino Médio (antigo 2º grau)
Completou o Ensino Médio (antigo 2º grau).
Começou, maso completou a Faculdade.
Completou a Faculdade.
Escolaridade da Mãe
n=82
6
2
1
1
7
8
10
5
29
5
8
Não sabe informar
Não responderam
Nunca estudou
Não completou a 4ª série (antigo primário).
Com pletou a 4ª série (antigo primário).
Não completou a 8ª série (antigo ginásio).
Completou a 8ª série (antigo ginásio).
Não completou o Ensino Médio (antigo 2º grau)
Completou o Ensino Médio (antigo 2º grau).
Começou, mas não completou a Faculdade.
Completou a Faculdade.
A partir destas informações fiz novos gráficos, utilizando
apenas os dados efetivamente declarados, buscando um
panorama mais próximo de qual seria a escolaridade dos pais.
Observo que 29% das mães e 36% dos pais sequer
iniciaram o ensino médio, indica a que os integrantes ou
conseguiram superar a escolaridade de seus pais ou, no caso dos
mais jovens, isto ocorrerá.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
279
Escolaridade declarada do Pai
n=58
3%
10%
7%
9%
5%
47%
9%
10%
Nunca estudou Não completou a 4ª série (antigo primário). Completou a 4ª série (antigo primário).
Não completou a 8ª série (antigo ginásio). Completou a 8ª série (antigo ginásio). Não completou o Ensino Médio (antigo 2º grau)
Completou o Ensino Médio (antigo 2º grau). Começou, mas não completou a Faculdade. Completou a Faculdade.
Escolaridade declarada da Mãe
n=74
1%
1%
9%
11%
14%
7%
39%
7%
11%
Nunca estudou Não completou a 4ª série (antigo primário). Completou a 4ª série (antigo primário).
Não completou a 8ª série (antigo ginásio). Completou a 8ª série (antigo ginásio). Não completou o Ensino Médio (antigo 2º grau)
Completou o Ensino Médio (antigo 2º grau). Começou, mas não completou a Faculdade. Completou a Faculdade.
1.3.Participação Familiar
1.3.1.Proximidade Familiar
Em geral quem acompanha mais de perto mais da metade
dos integrantes da Fanfarra é a mãe.
1
1
1
2
2
5
6
6
8
17
54
0 102030405060
madrasta
madrinha
prima
todos
tia
ninguém
avó
irmã
irmão
pai
e
Quem o acompanha mais de perto
n = 103
Considerando a pessoa que o acompanha mais de perto,
procurei conhecer um pouco dessa proximidade e o interesse
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280
dessa pessoa pela fanfarra e seus integrantes. Os resultados
podem ser apreciados no quadro a seguir.
27% 29% 24% 10% 5% 5%
23% 27% 24% 12% 7% 6%
23% 27% 29% 10% 5% 6%
13% 16% 17% 28% 20% 6%
9% 17% 29% 18% 21% 6%
24% 23% 27% 10% 7% 9%
56% 16% 12% 7% 2% 6%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
a fanf arra
os seus amigos / colegas da fanf arra
outros amigos dele
os responsáveis pela fanfarra
responsáveis por integrantes da fanfarra
a participação que ele tem na fanfarra
o que acontece com ele
A pessoa mais próxima conversa com/sobre
n=82
sempre quase sempre de vez em quando quase nunca nunca não respondeu
1.3.2.Proximidade com a Fanfarra
Ainda procurando conhecer a proximidade dessa pessoa
com outros participantes da Fanfarra: o maestro, o coreógrafo,
a coreógrafa da baliza, pais e mães da equipe de apoio e os
jovens integrantes do grupo.
O quadro a seguir sintetiza as informações obtidas.
87% 6% 7%
66% 27% 7%
32% 59% 10%
30% 61% 9%
61% 32% 7%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
colegas
pai ou mãe do apoio
coreógrafo da baliza
coreógrafo
maestro
A pessoa mais próxima já conversou com
n=82
Sim Não Não informou
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281
1.3.3.Familiares em Fanfarra
Indagados sobre a participação, atual ou não, de
familiares em fanfarras, confirmei a suspeita de que a maior
parte deles tem parentes próximos que participam ou
participaram de fanfarras. Apenas 17% são oriundos de famílias
sem elementos com experiência em fanfarras e 2% não têm
informação sobre isso.
FAMILIARES EM FANFARRAS
n=82
10%
2%
9%
5%
10%
29%
16%
2%
17%
pais pais e outros familiares pais e irmãos
pais, irmãos e outros familiares irmãos e outros familiares irmãos
outros familiares não sabem nenhum familiar
Dos que tem familiares com experiência em
fanfarra, 32% dos pais, mães ou ambos enquadram-
se neste caso e, também, 65% dos irmãos. Esse pode
ser um indicador da permanência de uma certa
tradição familiar dos componentes das bandas e
fanfarras.
FAMILIARES EM FANFARRAS
n=66
pais
12%
pais e outros familiares
3%
pais e irm ãos
11%
pais, irmãos e outros
familiares
6%
irmãos e outros
familiares
12%
irm ãos
36%
outros familiares
20%
PAIS EM FANFARRAS
n=66
pai s
32%
68%
IRMÃOS EM FANFARRAS
n=66
irmãos
65%
35%
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282
1.4. Indicadores Sócioeconômicos
1.4.1.Configuração da Moradia
1%
2%
11%
1%
2%
6%
1%
1%
17%
10%
16%
22%
7%
1%
0% 5% 10% 15% 20% 25%
CONFIGURAÇÃO DA MORADIA
n=82
mais de duas salas, mais de dois quartos e um banheiro
duas salas, mais de dois quartos e mais de dois banheiros
duas salas, mais de dois quartos e dois banheiros
duas salas, dois quartos e dois banheiros
duas salas, mais de dois quartos e um banheiro
duas salas, dois quartos e um banheiro
duas salas, um quarto e um banheiro
uma sala, mais de dois quartos e mais de dois banheiros
uma sala, mais de dois quartos e dois banheiros
uma sala, dois quartos e dois banheiros
uma sala, mais de dois quartos e um banheiro
uma sala, dois quartos e um banheiro
uma sala, um quarto e um banheiro
nenhuma sala, dois quartos e um banheiro
1
7
33
41
2
60
19
1
46
32
4
quarto
sala
banheiro
CONFIGURAÇÃO DA MORADIA
n= 82
não informado
um
dois
mais de dois
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283
1.4.2.Indicadores economicos
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
bicicleta
automóvel
computador
ar condicionado
celular
telefone residencial
aspirador de pó
lavadora de roupa
freezer
geladeira
aparelho de som
DVD player
vídeo K7
televisão
rádio
O QUE EXISTE NO ESPAÇO ONDE MORA
n=82
nenhum um dois três mais de três não respondeu
A possibilidade de crédito e um relativo barateamento de
alguns bens vem popularizando o acesso a bens antes
exclusivos de determinados grupos.
Em relação ao transporte, considero interessante observar
que pouco mais de 40% são aqueles cuja família possuem carro
e destacar o grande número de bicicletas presentes, lembrando
que Lorena é conhecida como a cidade que mais tem bicicletas
no Vale do Paraíba. De fato é impressionante o número de
bicicletas que circulam na cidade.
A popularização dos celulares permite que quase metade
do grupo tenha pelo menos 2 celulares no seu núcleo
domiciliar, cerca de 75% com pelo menos um.
A posse domiciliar dos demais bens pode ser observada
no gráfico acima apresentado.
.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0310244/CA
284
1.4.3.Divisão de Despesas
14 28 16 9 2 1 12
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
QUANTAS PESSOAS PARTICIPAM DAS DESPESAS DA CASA
n=82
uma duas trës quatro cinco seis não informado
O gráfico acima permite constatar que a subsistência
familiar é assegurada, quase sempre, por pelo menos
duas pessoas.
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