Download PDF
ads:
Solange Maria da Rocha
ANTÍTESES, ADES, DICOTOMIAS NO JOGO ENTRE
MEMÓRIA E APAGAMENTO PRESENTES NAS NARRATIVAS
DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS: um olhar para o
Instituto Nacional de Educação de Surdos (1856/1961)
Tese de doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação do
Departamento de Educação da PUC-Rio como parte dos requisitos
parciais para obtenção do título de Doutora em Educação.
Orientadora: Ana Waleska Pollo Campos Mendonça
Rio de Janeiro
Abril de 2009
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Solange Maria da Rocha
Antíteses, díades, dicotomias no jogo entre memória e
apagamento presentes nas narrativas da história da educação de
surdos um olhar para o Instituto Nacional de Educação de Surdos
(1856/1961)
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de
Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Educação do
Departamento de Educação do Centro de Teologia e Ciências
Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo
assinada.
Prof. Ana Waleska Pollo Mendonça
Orientadora
Departamento de Educação - PUC-Rio
Prof. Zaia Brandão
Departamento de Educação - PUC-Rio
Prof. Alicia Maria C. de Bonamino
Departamento de Educação - PUC-Rio
Prof. Rosana Glat
UERJ
Prof. Miriam Waidenfeld Chaves
UFRJ
Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Coordenador Setorial do Centro de Teologia e Ciências Humanas - PUC-Rio
Rio de Janeiro, ______/______/______
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
ads:
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução
total ou parcial do trabalho sem a autorização da
universidade, da autora e da orientadora.
SOLANGE MARIA DA ROCHA
Licenciada e bacharelada em História pela Universidade
Federal Fluminense em 1979. Pedagoga com habilitação
em Educação Especial, pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro em 1987. Mestre em Educação Especial
pela U.E.R.J., 1994. É professora do Instituto Nacional
de Educação de Surdos. Participou da criação da Revista
Espaço, publicação técnico-científica do INES.
Coordenou pesquisa de alternativas educacionais na pré-
escola do INES no período 1987/1990. No ano de 2008
escreveu um livro intitulado O INES e a Educação de
Surdos no Brasil, publicado pelo MEC/INES. Presta
assessoria às redes de ensino, relativa às políticas
públicas educacionais que envolvem sujeitos surdos.
Ficha Catalográfica
CDD: 370
Rocha, Solange Maria da
Antíteses, díades, dicotomias no jogo entre
memória e apagamento presentes nas narrativas
da história da educação de surdos : um olhar para
o Instituto Nacional de Educação de Surdos
(1856/1961) / Solange Maria da Rocha;orientadora:
Ana Waleska Pollo Campos Mendonça. – 2009.
160 f. : il. ; 30 cm
Tese (Doutorado em Educação)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2009.
Inclui bibliografia
1. Educação Teses. 2. História. 3. Memória.
4. Educação Especial. 5. INES. I. Mendonça, Ana
Waleska Pollo Campos. II. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Departamento de
Educação. III. Título.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
Agradecimentos
É difícil agradecer a uma Instituição pela possibilidade de realizar um trabalho. Essa
dificuldade se expressa pela quase impossibilidade de endereçamento. Como
endereçá-lo? São muitos seus endereços: dos porões à Mata Atlântica, dos alunos às
centenárias árvores, dos colegas à riqueza de sua história. Um mosaico de lugares, de
endereços onde devem chegar a minha gratidão. O Instituto Nacional de Educão de
Surdos, no cenário da Educação brasileira há 152 anos, me recebeu ainda jovem e me
instigou, desde que subi sua bela escadaria pela primeira vez, a investigar seus
múltiplos sentidos. É assim, como um sopro, que intenciono chegar com minhas
mãos e minha voz a um sentido profundo de reconhecimento pela realização desse
trabalho.
A possibilidade de estudar aspectos da história da educação de surdos, tendo como
campo o INES, foi muito bem recebida por Ana Waleska Pollo de Mendonça,
orientadora desse trabalho. Devo dizer que sua aceitação e generosidade foram
fundamentais para a concretização dessa investigação. A pesquisa da história da
Educação de Surdos fica mais rica com as suas contribuições.
À Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro agradeço a oportunidade de
desenvolver esse estudo num ambiente de excelência intelectual e de relações
humanas respeitosas e cordiais.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
Sou muito grata às horas de deleite intelectual e afetivo nas aulas dessas mestras e
mestre queridos: Ana Waleska, Zaia Brandão, Sonia Kramer, Rosália Duarte e
Leandro Konder.
À Eva e Nestor, meus queridíssimos pais, companheiros e cúmplices.
Aos grandes personagens de meu território afetivo, parceiros da incrível e
dangerosíssima aventura de viver.
À Vera Lúcia Lopes Dias, querida amiga, pela composição dos anexos e pelo prazer
de cotidianamente ver papéis rotos em perigo serem transformados em imagens
virtuais seguras para que possam seguir seus destinos de exalarem sentidos de épocas.
À turma de dentro da turma do doutorado PUC/2005. Faceira Lobélia, Eloiza
Vilarejo, Ana Pragmática, Mafalda Cris, Marcela, eternas meninas brincando de
gente grande.
À Eloiza D. Neves pela colaboração em tornar um pouco mais viável essa caminhada.
À Petz tenho a nos dizer o que disse Humberto Eco: É possível muitas coisas serem
verdadeiras ao mesmo tempo, mesmo que se contradigam. Um brinde à nossa
coragem!
À memória de Rômulo, meu grande e saudoso amigo.
À memória da vovó Neném, meu primeiro e definitivo sentido de colo.
À memória de Álida do Céu, da aldeia medieval de Freigil, do rio Douro, dos meus
primeiros fados, das muitas histórias contadas, das crendices e do cristianismo, da
construção do meu território lusitano. Minha tia querida, esse doutorado é em sua
homenagem.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
Resumo
Rocha, Solange Maria; Mendonça, Ana Waleska Pollo Campos. Antíteses,
Díades, Dicotomias no Jogo entre Memória e Apagamento Presentes nas
Narrativas da História da Educação de Surdos: um olhar para o Instituto
Nacional De Educação de Surdos (1856/1961) . Rio de Janeiro, 2009. 160p.
Tese de Doutorado Departamento de Educação. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
Este trabalho buscou identificar os efeitos de narrativas dicotomizadas para a
história da educação de surdos, tendo como campo de investigação o Instituto
Nacional de Educação de Surdos. Apresento uma análise de como o Instituto vem
sendo narrado pela produção bibliográfica que se consolidou no campo da educação
de surdos, a partir dos anos noventa. A década de 1950, por exemplo, é apresentada,
por esses autores, no âmbito estrito do debate linguístico entre os defensores do
ensino através da língua de sinais e os defensores do ensino através da língua oral
de modo antitético e em defesa do ensino através dos sinais. Este percurso de
narrativa crítica vem assumindo uma perspectiva de história-tribunal numa lógica de
opressores (ouvintes/oralistas) versus oprimidos (surdos/gestualistas). Alguns
pioneiros da educação de surdos, dentre eles o francês Jean-Marie Gaspard Itard
(1755-1838), são apresentados hoje como anacrônicos em seus tempos por não
corresponderem às idéias desse corpo teórico. Considero que a centralidade que essas
críticas vêm assumindo opera inúmeros apagamentos e compromete a percepção das
interações do campo com o da educação geral. Para a investigação, foram utilizadas
fontes de natureza documental e iconográfica além de entrevistas. A compreensão
dos processos de memória e história se apoiou, principalmente, em Halbwachs
(2006), Le Goff (2003) e Duby (1993) . O estudo apontou que não foi a educação de
surdos que não dialogou com a educação regular ou com as políticas nacionais. O
que não tem havido é pesquisa sobre esses diálogos.
Palavras-chaves
Memória, surdos, história, instituição, educação especial.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
Abstract
Rocha, Solange Maria; Mendonça, Ana Waleska Pollo Campos (Advisor).
Antithesis, dyads, dichotomies in the game between memories and
invisibilities present at the narratives about the History of Deaf Education:
a look at the Instituto Nacional de Educação de Surdos (1856/1961). Rio de
Janeiro, 2009. 160p. Thesis Departamento de Educação. Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This work tried to identify the effects of dichotomized narratives to the history
of deaf education, having as the field of investigation the National Institute for Deaf
Education (Instituto Nacional para Educação de Surdos: INES). An analysis of how
the Institute has been narrated in the bibliographic production about deaf education
since the nineties is carried out and in it there is an opposition between those who
maintain the teaching through the Brazilian sign language and those who defend the
oral language, in an antithetic way and with a clear defense of the teaching through
the sign language. This route of such a critical narrative has assumed a court-history
perspective, in an oppressor logic (listeners/oralists) versus oppressed (deaf/gesture
adapters). Some pioneers on deaf education, such as the French Jean-Marie Gaspard
Itard (1755-1838), are considered anachronic in their times for not corresponding to
such nowadays theoretical formulations. I consider that the centrality that these critics
have reached causes innumerable invisibilities that affect the perception of the
interactions between the field of deaf education and of general education. For this
investigation, besides official documents, interviews and letters have been used as
research resources. The comprehension about the processes was based on Halbwachs
(2006), Le Goff (2003) and Duby (1993). The present study pointed out that it wasn’t
the deaf education which hasn’t dealt with the regular education or national politics.
We lack research about these dialogues.
Keywords
Memory, deaf people, history, institution, special education.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
Sumário
1 Apresentação: A indagação de Esmeralda 10
1.1 Repercussão das Luzes na educação de surdos 15
1.2 O que se tem dito 21
1.3 Diálogos possíveis 28
1.4 As fontes documentais 34
2 Presença do Instituto Nacional de Educação de Surdos:
entre a circunscrição Laranjeiras e o Brasil 37
2.1 Circulação de idéias em alcance nacional 40
2.2 O Instituto no âmbito das Laranjeiras 54
3 Um lema para um projeto nacional no tom desenvolvimentista
dos anos 50: O surdo não é diferente de você, ajude a educá-lo 70
3.1 Um filme em Campanha 81
3.2 A Campanha 83
4 O debate no Instituto: O que têm querido e o que têm podido
essas línguas? 89
4.1 O marco milanês 89
4.2 Uma outra escrita para a escrita 98
4.3 Ensino profissionalizante e uma linguagem 110
4.4 O verbo é falar a moda milaneza 114
5 Conclusão 122
6 Referências Bibliográficas 126
7 Fontes Documentais 132
8 Anexos em imagens 134
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
Eu estava sozinho. Conseguira finalmente que trouxessem uma caixa de papelão, que
foi depositada sobre uma mesa. Abri-a. Que encontraria lá dentro? Retirei um
primeiro maço de documentos. Desamarrei-o, enfiando a mão por entre as peças de
pergaminho. Tomando uma delas, desenrolei-a, e toda esta operação já implicava um
certo prazer: não raro essas peles são de contato extraordinariamente suave. Soma-se
a impressão de estar entrando num local reservado, secreto. Desamassadas,
estendidas, essas folhas parecem exalar no silêncio o perfume de vidas muito
extintas. É verdade que permanece das mais fortes a presença do homem que,
oitocentos anos antes, tomou uma pena de ganso, mergulhou-a na tinta e começou a
alinhar as letras, calmamente, como que gravando uma inscrição para a eternidade, e
o texto está, diante de nós, em todo o seu frescor. Quem mais terá posto os olhos
nessas palavras desde então? Quatro ou cinco pessoas no máximo. Happy few. Outro
prazer, este excitante: o prazer de decifrar, que não passa de um jogo de paciência.
Terminada a tarde, um punhado de dados, quase nada. Mas são exclusivamente
nossos, de quem soube ir ao seu encontro, e a caçada foi muito mais importante que o
animal capturado. Cabe perguntar se o historiador encontra-se alguma vez mais
próximo da realidade concreta, dessa verdade que anseia por atingir e que lhe escapa
permanentemente, do que no momento em que tem diante de si, examinando-os
atentamente, esses restos de escrita que emanam do fundo das eras, como destroços
de um completo naufrágio, objetos cobertos de signos que podemos tocar, cheirar,
observar na lupa, e aos quais ele dá o nome de “fontes”, em seu jargão.
Georges Duby
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
1
Apresentação: a indagação de Esmeralda
No ano de 1982 era eu aluna do Curso de Especialização de Professores na
Área da Deficiência Auditiva, realizado pelo Instituto Nacional de Educação de
Surdos (INES)
1
, em parceria com o Centro Nacional de Educação Especial
(CENESP), ambos ligados ao Ministério da Educação. Na varanda do belíssimo e
centenário prédio do INES, local do evento, uma colega de curso me fez a seguinte
indagação:
O que você acha, gestos ou oralização?. Lembro da sensação do vento
geladinho de outono embalando a minha perplexidade. Nunca havia pensado assim,
dessa maneira. Não havia
ou para mim. As coisas estavam em estado de e. Fiquei um
pouco atônita e também constrangida. Não tinha uma resposta porque não tinha
formulada essa pergunta dentro de mim. De toda sorte, pude perceber, ao longo
desses vinte e seis anos atuando na educação de surdos, que não como ficar
indiferente a essa questão. É possível que esse trabalho represente uma tentativa de
resposta à indagação que me fora feita por uma querida amiga em uma longínqua
tarde de maio. Curioso que o primeiro surdo com quem convivi tenha sido o seu filho
que brincava entre nós, nas aulas, entre os espaços do Instituto, em meio ao peso de
sua história, enfim, em meio a esse debate que segue. Talvez, num primeiro passo,
necessite fazer uma reflexão acerca do modo pelo qual me signifiquei no campo das
ideias para tentar avançar um pouco sobre a indagação de Esmeralda.
1
O Instituto Nacional de Educação de Surdos teve várias denominações desde a sua fundação e,
também, funcionou em vários endereços até a instalação definitiva na atual sede da Rua das
Laranjeiras. São os seguintes períodos, denominações e endereços: 1856/1857 Collégio Nacional
para Surdos-Mudos de Ambos os sexos. Rua dos Beneditinos, 8; 1857/1858 Instituto Imperial para
Surdos-Mudos de Ambos os Sexos. Morro do Livramento Entrada pela Rua de São Lourenço;
1858/1865 – Imperial Instituto para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos. Morro do Livramento –
Entrada pela Rua de São Lourenço; 1865/1866 Imperial Instituto dos Surdos-Mudos de Ambos os
sexos. Palacete do Campo da Acclamação, 49; 1866/1871 Imperial Instituto dos Surdos-Mudos de
Ambos os Sexos. Chácara das Larangeiras, 95; 1871/1874 Imperial Instituto dos Surdos-Mudos de
Ambos os Sexos. Rua da Real Grandeza, 4 Esquina da dos Voluntários da Pátria; 1874/1877
Instituto dos Surdos-Mudos. Rua da Real Grandeza, 4 – Esquina da dos Voluntários da Pátria;
1877/1890 Instituto dos Surdos-Mudos. Rua das Larangeiras, 60; 1890/1957 Instituto Nacional de
Surdos-Mudos. Rua das Laranjeiras, 82/232 (mudança de numeração); 1957/ atual – Instituto Nacional
de Educação de Surdos. Rua das Laranjeiras, 232.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
11
Penso-me filha da guerra fria, da bipolaridade, do olhar dicotômico.
Capitalistas ou comunistas, esquerda ou direita. Tudo muito claro e definido,
demandando alinhamento. Assim eram os anos setenta quando cursei História na
Universidade Federal Fluminense. Havia o permitido e o condenável. Tudo balizado
pelos imperativos ideológicos que se encontravam em estado dicotômico agudo. Ler e
pensar eram linhas ocupadas. Autores eram indicados, outros tantos banidos.
Vivíamos uma espécie de transtorno bipolar ideológico. Professores, alunos, artistas,
posturas, livros, sorrisos, amores estavam inscritos nessa dinâmica.
Na Universidade esse transtorno encontrava expressão num severo sistema de
controle ideológico exercido não somente pelo inimigo oculto travestido de nós, para
nos vigiar, como também, nas escolhas das disciplinas a serem cursadas e nas
relações entre os sujeitos. Cada gesto nosso era medido, avaliado e julgado. A
simples escolha para cursar uma disciplina poderia nos levar ao inferno dos tribunais
localizados no movimento estudantil e também fora deles. Era repressão de todos os
lados. Uma ditadura de Estado e um estado de ditadura.
As liberdades políticas, existenciais e estéticas encontravam-se fortemente
comprometidas pela ditadura militar e, ao operar na resistência buscando outros
paradigmas, nos deparávamos com as matrizes totalitárias soviéticas, chinesas e
cubanas que, também, por seus pressupostos, corroboravam para o clima opressivo.
Estava imersa neste mundo assombrada por inquietações, sendo uma delas o
sentido da luta pelas liberdades. Tinha demanda aguda por essas liberdades. Ansiava
e me movia em sua direção; no entanto, o movimento de resistência apontava para
outras ditaduras.
Estranhava o trânsito do conceito de ditadura nos dois pólos de luta (direita e
esquerda). Alguns lutavam e defendiam com seus sinceros argumentos a ditadura do
proletariado. Aquilo me afligia. Observava-nos em ríspidas disputas ideológicas
como se o inimigo (no sentido político e não psicanalítico) estivesse entre nós.
Portanto, também não nos entendíamos, combatíamos entre nós por detalhes. Antes
de cada passeata contra o regime de exceção imposto pelos militares e alguns civis,
ficávamos horas discutindo quais seriam as palavras de ordem. Tantas eram e sempre
em oposição umas às outras, refletindo de modo agudo nossos dissensos. Não
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
12
conseguíamos nos entender como uma possível unidade frente ao violento estado de
exceção. Para agravar o quadro, nossas alternativas políticas disponíveis eram
formadas por regimes totalitários que tanto combatíamos. Então, não era uma questão
de liberdade e sim de escolha entre totalitarismos. Dicotomicamente pensado, uma
espécie de totalitarismo do mal contra o totalitarismo do bem. Fui não podendo.
Sentia um auto-ressentimento por não conseguir aderir inteira àquela feira ideológica
e ter que estar sempre em sentinela crítica. Não podia me emocionar com Cuba
inteiramente. Era impossível conceber uma proposta de país com um só partido
político, apenas um jornal e severas restrições ao direito de ser, de ir e de vir. Tinha
clareza que não era por isso que eu lutava. No entanto, com a lógica bipolar, era
quase impossível exercer a crítica de um outro lugar. Se não fosse desse modo de ser
esquerda, era de direita, se não fosse de direita, era de esquerda, um inquietante
transtorno que a bipolaridade ideológica impunha ao sujeito.
Para Bobbio (1999), direita e esquerda são termos antitéticos que têm sido
empregados mais de dois séculos designando o contraste entre ideologias em
conflito no campo do pensamento e das ações políticas. Ainda segundo ele, qualquer
campo do saber está dividido por grandes dicotomias.
Essa experiência bipolar/dicotômica no campo das ideias e da ação política
marcou-me profundamente por exigir um constante esforço operatório para que as
posições por mim assumidas não fossem deslegitimadas por não corresponder a essa
lógica (bi) polar.
Ao entrar no campo da educação de surdos, nos anos 1980, deparei-me com
uma outra bipolaridade representada pela disputa entre oralistas e gestualistas
2
que
mais de três séculos também protagonizam suas polares discordâncias. Estando essas,
portanto, também inscritas na postulação de Bobbio.
A impossibilidade de acompanhar em modo díade as questões que me foram
postas, relacionadas à educação e ao ensino das pessoas surdas, novamente me
empurrou por cada um dos lados para o seu lado opositor. Na realidade, minhas
reflexões não me conduziam a nenhum desses pólos, ao contrário identificava
2
Oralista é a pessoa que defende o desenvolvimento da linguagem oral pelo surdo como prioridade.
Para que possamos reconhecer a posição oposta a essa formulação utilizarei o termo gestualista a fim
de identificar aqueles que defendem o desenvolvimento da língua de sinais como prioridade.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
13
elementos importantes em cada uma das proposições, não conseguindo operar
dicotomicamente. Embora as questões de natureza linguística (a indagação de
Esmeralda) tenham sempre estado em hegemonia no campo da educação de surdos,
percebi que outros tantos temas deveriam circular com mais força e não circulavam.
Nos anos que se seguiram, já trabalhando como docente no Instituto, entrei em
contato com a cultura oral relativa à trajetória da instituição e a muitos de seus
personagens. Essa memória estava localizada nos conteúdos das narrativas de
professores, alunos e funcionários. Também fui conhecendo as fontes documentais da
instituição. Naturalmente era de se esperar que o Instituto, naquela altura, com quase
um século e meio de existência, tivesse um acervo considerável. Como resultado de
uma investigação, a princípio aleatória, um período em especial que me chamou a
atenção foi o referente à gestão de Ana Rímoli de Faria Dória (1951/1961). Observei
que se tratava de um período muito bem documentado. Fotografias, filmes, Anais,
livros, discursos de autoridades, objetos que retratavam eventos comemorativos e
outros tantos juntavam-se à memória construída pelos atores (surdos e ouvintes) que
viveram aquele período. O que emergia desses lugares de memória era a ideia de um
tempo de muitas realizações, de grande proximidade com a política nacional e de uma
surpreendente interação entre surdos e ouvintes. Essas narrativas apontavam também
para um sentido de refundação da instituição que, finalmente, assumindo sua vocação
nacional, implementava políticas de atendimento educacional ao surdo em todo o
Brasil. Como veremos no decorrer desse trabalho tratava-se de um projeto nacional,
contendo um modelo integrador com foco na aquisição de linguagem oral.
Acompanhando a produção acadêmica, na área da surdez, dos anos 1990,
pude observar o quanto seus conteúdos, relativos à memória histórica, estavam
distantes dessa memória que circula, ainda, pelos atores institucionais e pelas fontes
documentais. As narrativas sobre esse período, encontradas nessa produção, ora são
descritas somente como o triunfo do oralismo e a proibição da língua de sinais, ora
são descritas como distanciadas dos sentidos da educação geral dos anos cinquenta
no Brasil. Nesse enfoque, a recorrente tensão do campo da educação de surdos
protagonizada pelo embate entre os defensores do ensino através da linguagem oral e
os defensores do ensino através da língua de sinais - tem sido apresentada de modo
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
14
antitético e posicionada em defesa do ensino através da língua de sinais. Esse
percurso de narrativa crítica vem assumindo uma perspectiva de história-tribunal
numa lógica de opressores (ouvintes/oralistas) versus oprimidos (surdos/gestualistas).
Os pioneiros da educação de surdos, dentre eles o francês Jean-Marie Gaspard Itard
(1755-1838), são apresentados, hoje, como anacrônicos em seus tempos, por não
corresponderem às atuais formulações dessa nova perspectiva teórica que vem se
constituindo na educação de surdos desde os anos noventa do século passado.
Considero que a centralidade que essas críticas vêm assumindo nessas narrativas da
história da educação de surdos opera inúmeros apagamentos, comprometendo a
percepção das interações do campo da educação de surdos com o da educação geral.
Durante sua gestão, Ana Rímoli vai promover uma série de iniciativas
relativas à educação de surdos em âmbito nacional. Destacam-se, dentre outras ações,
a criação do Curso Normal de Formação de Professores para Surdos, o primeiro na
América Latina, e a Campanha de Alfabetização do Surdo Brasileiro. Também vai
produzir inúmeras publicações. Estas iniciativas demandam um olhar mais profundo,
buscando compreender a dinâmica do Instituto como órgão ligado ao Ministério da
Educação MEC- e sua inserção na grande rede engendrada pelo educador Anísio
Teixeira, quando esteve exercendo no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos as
funções de gestor e formulador das políticas educacionais dos anos cinquenta .
Não é difícil perceber a sintonia administrativa de Ana Rímoli com o
cientificismo do idealizador da educação brasileira nos anos cinquenta . É possível
que a retomada do ensino em bases oralistas com suas demandas tecnológicas e de
forte cunho científico também esteja correspondendo a esse alinhamento. Para
Anísio, a reconstrução educacional do Brasil deveria ser fundada em bases científicas.
Identifica-se, além desses apagamentos encontrados nos conteúdos dessa
produção, um projeto reparador para o passado que institui uma ideia de verdade
única fora do tempo e, portanto, da história. Vale lembrar que o Instituto aparece
nessas narrativas como tendo seguido os preceitos do oralismo ao longo de sua
história. Na consulta às diversas fontes documentais essa afirmação não se confirma,
como veremos mais adiante.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
15
Outro aspecto importante para examinarmos, perseguindo essa ideia de
apagamentos, é a concepção muito recorrente de que a educação especial, campo
onde historicamente a educação de surdos está inserida, manteve-se isolada da
educação geral, tendo se guetificado em territórios físicos e também se guetificado no
território das idéias, mantendo-se distante dos debates praticados sobre educação ao
longo dos últimos três séculos. Quanto aos territórios físicos, de fato, a parte mais
conhecida e estudada da educação de surdos foi a que estava circunscrita aos grandes
prédios, os Institutos de Surdos, a partir da formação dos Estados Modernos. No
entanto, não podemos sustentar, como veremos a frente, que no território das ideias
esse isolamento, essa territorialização tenha acontecido. Primeiramente, o debate que
segundo Bobbio sempre se de modo díade nas ciências humanas é uma marca
importante do debate praticado na educação de surdos, o que nos aproxima do modo
pelo qual as ideias em dissensos são trabalhadas. Vale ainda destacar que do campo
da educação de surdos partiram importantes contribuições para outros tantos campos
do conhecimento. A pedagogia de Montessori, a tecnologia inventiva de Grahan Bell,
as ciências da fala e da audição e a linguística através das inovações surgidas nos
estudos sobre a aquisição de língua oral e a aquisição de língua de sinais – são alguns
exemplos da circulação de ideias no campo.
1.1
Repercussão das Luzes na educação de surdos
A história, quando muito, justifica os homens e não as “éticas”.
António Nóvoa
A rigor, a educação de surdos, nos últimos séculos, esteve inscrita no campo da
educação especializada, campo este circunscrito à escolarização e à socialização de
sujeitos que apresentam alguma diferença sensorial, física, mental e/ou algumas
dessas diferenças associadas. Ao longo do período que costumamos denominar de
Idade Moderna, na Europa, encontram-se inúmeros registros de trabalhos
desenvolvidos por religiosos católicos e protestantes, tendo como sujeitos pessoas
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
16
surdas. Esses trabalhos oportunizaram um deslocamento social desses sujeitos, que
permaneciam anteriormente reféns de uma lógica de eliminação física ou social, não
sendo considerados humanos, e, sim, seres castigados pelos deuses. Segundo
Fernandes (1998),
O século XVI testemunha por sua vez uma aceleração considerável da procura e oferta
educacionais. Em primeiro lugar achamos referências, na cidade de Lisboa, a 34
mestres de meninos e a duas mestras de meninas, e a um total de 30 a 40 escolas.
Noutras localidades do país é mencionada igualmente a existência de escolas de
meninas, como é o caso de Viana do Castelo. Uma das professoras identificadas no
século XVI surge ligada à profissão médica, sendo também assinalada como “mestra
dos moucos”, o que representa por certo a mais longínqua citação histórica do ensino
de surdos em Portugal. (Fernandes, 1998, p.6)
O humanismo e o racionalismo, que foram as bases da ciência moderna,
possibilitaram a passagem do entendimento acerca dos surdos de seres castigados
pelos deuses para os de sujeitos com direitos à socialização e à educação. O famoso
esforço do Dr. Itard
3
em socializar o menino selvagem Victor de Aveyron, na França
do século XVIII, funda na história a possibilidade de intervenção médico-educacional
em uma criança abandonada nas florestas. Sua origem é desconhecida; no entanto,
podemos fazer algumas inferências relativas à sua situação de abandono, examinando
a infância na França do século XVIII, e mais, a infância de uma criança que não
falava, não respondia a estímulos sonoros e tinha graves comprometimentos
emocionais. Categorizadas como selvagens, essas crianças sofriam o abandono dos
pais, do Estado, vivendo nas florestas, longe, portanto, dos povoados, excluídos do
convívio social.
3
Jean-Marie Gaspar Itard (1775-1838) era médico e foi autor de vários trabalhos sobre otologia.
Trabalhou no Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris durante 38 anos. Suas pesquisas iniciais
estavam voltadas para a cura da surdez e, posteriormente, para a aquisição da fala e o aproveitamento
dos restos auditivos pelos surdos. Seus trabalhos foram apresentados à comunidade científica da
França, destacando-se dentre eles o realizado com o menino Victor de Aveyron. No ano de 1798, foi
encontrado, numa floresta ao sul da França, um menino de 12 anos presumíveis, que não falava, não
respondia a estímulos sonoros e apresentava graves comprometimentos emocionais. Itard se interessou
pelo menino que, a seu pedido, fora conduzido ao Instituto dos Surdos de Paris, sob sua tutela. O
estado do menino ao ser encontrado tornou-se objeto de polêmica entre o Doutor Philippe Pinel
(médico que trabalhava com deficientes mentais) e o Doutor Itard. Para o primeiro, Victor era
idiota e
por isso teria sido abandonado. Para Itard, seu estado era derivado de seu isolamento. Em 1970, o
cineasta François Truffaut dirigiu o filme L’Enfant Sauvage sobre o trabalho de Itard com o menino de
Aveyron.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
17
São muitos os registros, na história, de crianças abandonadas por serem
diferentes e que tiveram que assumir a condução de suas vidas sem conviver com
outras pessoas, com alguns casos em que foram cuidadas por animais, como no
episódio das meninas lobo da Índia.
Partindo da leitura dos relatórios do Doutor Itard sobre seus procedimentos
com o menino Victor, podemos acompanhar as tentativas de socialização de uma
dessas crianças e constatar as contribuições desse médico em vários campos da
ciência a partir dessa experiência. Só para citar algumas: no campo da otologia
clínica; para as pesquisas sobre autismo; e para a obra educativa de Maria Montessori
e suas experiências com os sentidos.
Com todos os cuidados que devemos ter ao nos debruçarmos para o passado,
buscando nexos com o presente, evitando colocar episódios da história no banco dos
réus ou definindo
como deveria ter sido, podemos compreender a importância do
trabalho desses pioneiros da educação especializada.
Ao contrário de seu mestre Philippe Pinel, que não nutria esperança em educar
o menino selvagem, atribuindo às razões de seu abandono o fato de ser
idiota, Itard
assumiu o desafio de educá-lo. Na qualidade de médico, buscou superar a
incapacidade auditiva de Victor, e, neste aspecto, sentiu-se malogrando em suas
tentativas:
a medicina de nada vale naquilo que está morto, e por aquilo que me foi
dado a observar, não vida no ouvido de um surdo-mudo. Quanto a isso, não
nada que a ciência possa fazer
(Banks-Leite e Souza, 2000, p.92).
O olhar lançado por Itard a Victor talvez tenha sido para a sua falta (o sentido
da audição) e suas outras potencialidades foram provavelmente secundarizadas.
Registre-se, no entanto, que houve um olhar, um olhar de um médico, um olhar
clínico. Mas houve um olhar, o qual, para alguns críticos da educação especial, será o
olhar único ou senão hegemônico, ao longo da história dessa modalidade de ensino.
Dependendo do recorte que fizermos para olhar o problema, poderemos situar
a educação especial como a grande vilã segregacionista, assistencialista, clínica e que
significa seus sujeitos na deficiência e não nas outras eficiências não afetadas por
alguma patologia.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
18
No entanto, se a educação dos normais esteve no âmbito do direito e o ensino
de surdos no da moral assistencialista (Soares, 1999), tendo a contrapor-me dizendo
que o ensino de surdos esteve inscrito no direito à assistência, o que naquela altura
representava um avanço extraordinário para sua condição social.
Em decorrência do projeto do ascendente Estado Moderno burguês de criar
escolas e popularizar a educação e do trabalho de religiosos católicos e protestantes,
inúmeros institutos foram fundados, primeiro na Europa, depois na América, EUA,
México e Brasil. Concebidos em prédios grandiosos, neles viviam os surdos, longe de
suas famílias e ainda afastados do convívio da sociedade. De toda sorte, esses
Institutos representavam um avanço estupendo para uma população não desejante,
não reconhecida, invisível, sem cidadania e, por vezes, sem direito à vida.
De fora para dentro, a população olhava aqueles muros imaginando o que
acontecia para além deles. Do lado de dentro, profissionais ocupados com a
socialização, educação e escolarização dos surdos formulavam políticas, discutiam
caminhos para sua educação.
No mesmo século de Itard, XVIII, temos registro do primeiro embate público
sobre métodos para trabalhar a educação da pessoa surda. Trata-se da muito bem
documentada discussão entre o abade francês Charles Michel de L’Epée (1721-1789),
defensor do método combinado, com a utilização de sinais
4
, e o pastor alemão
Samuel Heinicke (1721-1790), defensor do método de desenvolvimento da
linguagem oral
5
. Esses conflitos podem se inscrever em raízes históricas que
4
A comunicação por gestos teve várias denominações (linguagem mímica, mímica, comunicação
gestual, linguagem sinalizada). Nos anos sessenta, do século XX, esse modo de comunicação entre
surdos adquire status de língua a partir das pesquisas do americano William Stokoe, professor da
Gallaudet University.
5
A partir do século XVIII, Alemanha e França representaram duas grandes escolas que acabaram por
dar nome a essas tendências. A escola alemã representava o método oral (linguagem articulada e
leitura labial) e a escola francesa o método combinado (sinais e escrita sem ênfase na linguagem
articulada). Inúmeras publicações registram o debate público realizado entre o abade francês Charles
Michel L’Epée (1712-1789) e o pastor alemão Samuel Heinicke (1729-1790), expoentes dessas duas
escolas. No ano de 1755, L’Epée funda a primeira escola para ensino de surdos que chegou a ter
sessenta alunos ricos e pobres indistintamente. Em seu trabalho, utilizava os sinais pelos quais os
surdos se comunicavam entre si e também inventou outros, denominados de sinais metódicos, usados
para o desenvolvimento da linguagem escrita. Essa escola foi de natureza privada e gratuita até 1791,
quando foi transformada no Instituto Nacional dos Surdos-Mudos de Paris, tendo sido seu primeiro
diretor o abade Sicard (1742-1822). Na Alemanha, Heinicke fundou a primeira instituição para surdos,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
19
remontam às tensões entre a Reforma e a Contra-Reforma. Embora não seja o objeto
desse estudo, penso que seria interessante examinar os possíveis nexos entre o ideário
da escola alemã, que defendia o domínio da linguagem oral, com os conteúdos da
Reforma, principalmente quanto à defesa do acesso direto aos textos religiosos
demandando habilidades de leitura e escrita. Sobre essa questão diz Nóvoa:
O processo pelo qual a escola se substitui à aprendizagem, cujas origens remontam ao
fim da Idade Média, vai se desenvolver consideravelmente no século XVI, sob a
influência do confronto conflituoso, e no entanto cúmplice, entre a Reforma e a
Contra-Reforma. Com efeito, a Reforma introduz uma nova relação com a religião ao
tornar cada indivíduo responsável por sua própria salvação. François Furet e Jacques
Ozouf mostraram como ela impõe a todos a obrigação de conhecer a doutrina, não
mais através de uma transmissão oral mas por meio da leitura da bíblia. ‘Lutero torna
necessário aquilo que Gutemberg tornou possível’. Assiste-se então a uma verdadeira
explosão da vontade de aprender – de início em países protestantes, depois nas regiões
católicas e à emergência de um universo cultural dominado pela escrita: na Idade
Média, mesmo a cultura erudita é toda penetrada pelo oral; a partir do século XVI,
mesmo a cultura popular é dominada pela escrita. (Nóvoa, 1991, p.113)
Quase um século após esse debate, em 1880, um congresso realizado em Milão,
com a presença de inúmeros profissionais ligados aos Institutos especializados,
decreta que a utilização dos sinais no processo educacional dos surdos deve ser
suprimida, indicando o método oral
6
como o mais adequado. Essa deliberação vai
marcar profundamente o campo, como veremos no quarto capítulo desta tese.
A crítica que se faz aos métodos orais é de que eles demandam um tempo
enorme de treinamento da fala e, em alguns casos, dos resíduos auditivos,
concorrendo com a escolarização formal que vai sendo abandonada pela importância
que se à aquisição de linguagem oral. Soares (1999), analisando a proposta
curricular do MEC na década de 1970, no Brasil, faz a seguinte consideração:
(...) verifiquei, naquele momento, que a orientação fornecida tornava o professor de
surdos muito mais um terapeuta da fala, ou seja, seu trabalho estava muito mais voltado
a uma atuação clínica. O que, por consequência, fez com que essas atividades se
constituíssem na sua principal responsabilidade uma vez que subordinava o ensino das
em Leipzig, no ano de 1778. Seu método de ensino era oral, embora utilizasse alguns sinais e o
alfabeto digital, com o objetivo de desenvolver a fala.
6
Desenvolvimento da linguagem oral pelos surdos. várias denominações presentes nas fontes
documentais como: palavra articulada, oralização, fala, linguagem articulada, entre outras.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
20
disciplinas escolares aos resultados satisfatórios da produção da linguagem oral.
(Soares, 1999, p.2)
Nessa ótica, a escolarização de base clínica adiou aquilo que podemos chamar
de
escolarização com foco no ensino, descolada das faltas de seus sujeitos, no caso
dos surdos, da audição. Partindo dessa perspectiva, uma parte considerável dos
trabalhos produzidos do final da década de 1980 aos dias de hoje assumem um tom
acusatório aos
oralistas, jogando episódios da história num tribunal que parece não
ter fim. O próprio Itard é julgado por suas experiências com Victor ao ter como
referência os pressupostos do Iluminismo:
A filiação rigorosa a tais saberes impediu-o de considerar importante as novidades que
surgiam na relação com Victor; a postura adotada por Itard não permitiu um
remanejamento de suas práticas face ao garoto, ou, quando efetuava uma tentativa
nesse sentido, era sempre fiel aos mesmos princípios básicos aceitos a priori, e,
portanto, estranhos à própria relação que se desenrolava entre o mestre e o aprendiz
(Banks-Leite e Souza, 2000, p. 59).
Fica a ideia de que as autoras esperavam do Dr. Itard diferentes formulações.
Talvez ensejassem uma adesão do médico iluminista às atuais propostas para a
educação de surdos, numa espécie de
anacronismo positivo
7
que levaria o mestre a
relacionar-se em outras bases com seu aprendiz.
O que me parece recorrente é a centralidade que assume a tensão representada
pela oposição entre os pressupostos defendidos pelo abade francês Charles Michel de
L’Epée e os defendidos pelo pastor alemão Samuel Heinicke e que vai operar
inúmeros apagamentos na compreensão das políticas sociais e educacionais para
sujeitos surdos ao longo da história.
Nesse sentido, vale destacar, por exemplo, a adoção do método Lancasteriano
na primeira Escola Normal do Brasil (1835), em Niteroi, então província do Rio de
Janeiro. Essa deliberação remonta à Lei de 15 de outubro de 1827 que discorre sobre
a criação de escolas de primeiras letras no Brasil. Em seu artigo 4
º estabelece a
adoção do ensino mútuo. Esse método foi divulgado pelo barão de Gérando que foi
diretor do Instituto de Surdos-Mudos de Paris.
7
Estou assumindo como anacronismo positivo um tipo de olhar para o passado que vai demandar dos
personagens investigados na história uma consciência fora da estrutura de seu tempo.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
21
Gérando é uma das grandes figuras da instrução primária popular no início do
século XIX na França. Assumiu vários cargos públicos e esteve por vinte anos como
secretário geral e presidente da Société pour L’Instruction Élémentaire, promovendo
o ensino mútuo adotado desde 1815 na França. Entre 1815 e 1820, mais de mil
escolas mútuas foram criadas, reunindo quase 150.000 alunos (Bastos, 1996).
Seria interessante para o campo da educação de surdos um estudo da
utilização do ensino mútuo nos Institutos. Algumas de suas proposições, que nos
remetem ao método Lancaster, como, por exemplo, estimular os alunos a dirigirem-se
uns aos outros, nos instigam a pensar como se desenvolveu esse trabalho em função
da peculiaridade comunicativa do surdo.
No entanto, o que circula no campo sobre Gérando é o seu posicionamento
contra o ensino pelos sinais. Para Moura (2000), ao implantar prioritariamente classes
de aquisição de linguagem oral no Instituto de Paris, Gérando demonstrava sua visão
preconceituosa em relação aos surdos. Nas palavras da autora,
Baron de Gérando era um filósofo, historiador e filantropo. Ele acreditava na
superioridade humana dos europeus e seu objetivo era fazer com que os outros
povos, que ele considerava selvagens, fossem transformados para poderem se
equiparar aos europeus. É fácil imaginar que os Surdos também eram vistos por
ele como selvagens e a sua língua nada mais que uma mímica, pobre, perto da
língua oral, e não capaz de ser usada na educação. (Moura, 2000, p.28)
A esperada redenção de Gérando, na compreensão da autora, deu-se às
vésperas de sua morte, oportunidade na qual reconheceu a importância dos sinais para
os surdos. Julgado, condenado e redimido.
1.2
O que se tem dito
A dificuldade que percebo nessa produção acadêmica relativa ao campo da
educação de surdos, em estabelecer nexos com a educação geral, está presente em
inúmeros trabalhos sobre o tema, inclusive em alguns autores que através de suas
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
22
publicações e participações em seminários e congressos têm representado importante
influência a partir dos anos 1990 na área da surdez, como Souza (2000), Moura
(2000) e Góes (1996). Essas autoras encontram-se alinhadas ao corpo teórico presente
nos trabalhos de Carlos Skliar (1997 e 1998), cujas proposições são fortemente
marcadas pelo americano Harlan Lane (1992).
Lane possui inúmeras publicações, dentre as quais destaco
A Máscara da
Benevolência
, cujo teor é fortemente marcado por críticas violentas aos oralistas. Em
estrutura díade seu autor utiliza o termo
audismo (tradução da edição portuguesa)
para se contrapor a
surdo. Para Lane (1992), a relação entre audistas e surdos contém
as mesmas implicações presentes nas relações entre colonizadores e colonizados.
Skliar introduz esse conceito em português passando a nomeá-lo de
ouvintismo
8
. O
ouvintismo seria o domínio dos ouvintes em relação aos surdos. Nas palavras de
Skliar (1998),
Como toda ideologia dominante, o ouvintismo gerou os efeitos que desejava, pois
contou com o consentimento e a cumplicidade da medicina, dos profissionais da área
de saúde, dos pais e familiares dos surdos, dos professores e, inclusive, daqueles
próprios surdos que representavam e representam, hoje, os ideais do progresso da
ciência e da tecnologia – o surdo que fala, o surdo que escuta. (Skliar, 1998, p.17)
Em outro livro, La Educación de los Surdos, Skliar (1997) desenvolve uma
análise crítica da história da educação de surdos, discutindo os efeitos da hegemonia
ouvintista que defendia o oralismo como modelo de educação e excluía a
comunidade surda dessas discussões. Reforça, ainda, a ideia do isolamento da
educação de surdos em relação à educação geral:
Utilizar la palabra EDUCACIÓN para referirse, justamente, a la educación do los surdos,
implica acentuar también uma realidad que no puede ser negada: la escuela de sordos como,
tal vez, toda le escuela denominada ESPECIAL no compartió ni la ideologia, ni las teorias, ni
los objetivos, ni los problemas, ni las discusiones, ni las actualizaciones, ni las prácticas propias
de la educación general (Skliar, 1997, p. 131).
8
Ouvintismo Trata-se de um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está
obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinte. Além disso, é nesse olhar-se e nesse narrar-se
que acontecem as percepções do ser deficiente, do não ser ouvinte; percepções que legitimam as
práticas terapêuticas habituais. (Skliar, 1997, p.15)
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
23
Logo a seguir, o autor observa que essas suas afirmações não deveriam ser
feitas em tempo pretérito, na medida em que considera que ainda hoje as políticas
educacionais para surdos estão isoladas dos sentidos das políticas que são formuladas
para a educação regular. Vale ressaltar, portanto, que não discussão sobre
condicionantes históricas. Essas observações podem ser válidas para tempos
presentes e pretéritos, assim como todas as outras formulações que desenvolve ao
longo deste livro.
Esse percurso de narrativa crítica que captura episódios da história em uma
lógica dicotômica, judicialista e atemporal configura-se atualmente em referencial
teórico central na produção acadêmica relativa à educação e socialização de sujeitos
surdos.
Com efeito, destaco a importância de discutir os efeitos para o campo dessa
história/tribunal e, também, o que me parece recorrente nesses autores, a busca por
um
devir para o passado
9
. Essa formulação fica nítida nas observações recorrentes
desse referencial teórico sobre o médico iluminista Itard e seu trabalho com o menino
Victor de Aveyron e a demanda de Moura (2000) pela redenção de Gérando, quase
três séculos depois.
No conteúdo desses trabalhos encontramos a idealização de um tempo mítico,
fora da história, no qual o sujeito surdo seria redimido pela língua de sinais. Esta
assumindo um sentido único em seu percurso histórico assim como os projetos de
aquisição de língua oral que estariam, para esses autores, ligados a uma concepção de
surdez como doença.
As idéias dominantes, nos últimos cem anos, são um claro testemunho do sentido comum
segundo o qual os surdos correspondem, se encaixam e se adaptam com naturalidade a um
modelo de medicalização da surdez, numa versão que amplifica e exagera os mecanismos da
pedagogia corretiva, instaurada nos princípios do século XX e vigente até os nossos dias. Foram
mais de cem anos de práticas enceguecidas pela tentativa de correção, normalização e pela
violência institucional; instituições especiais que foram reguladas tanto pela caridade e pela
beneficência, quanto pela cultura social vigente que requeria uma capacidade para controlar,
separar e negar a existência da comunidade surda, da língua de sinais, das identidades surdas e
das experiências visuais, que determinam o conjunto de diferenças dos surdos em relação a
qualquer outro grupo de sujeitos. (Skliar 1988, p.7)
9
Estou definindo devir para o passado como um conjunto de formulações que parece conter um
projeto para o passado. Episódios e personagens são condenados ou corrigidos ao traírem esse projeto.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
24
Além de ser associado à normalização e a patologização do sujeito surdo, os
projetos de aquisição de língua oral têm sido tratados por alguns autores ouvintes e
por um segmento representativo dos surdos a partir da década de oitenta do século
XX como um grande projeto ideológico-
ideologia oralista- que teve como
consequência a submissão dos surdos pelos ouvintes. No documento elaborado pela
comunidade surda presente no V Congresso Latino Americano de Educação Bilíngue
para Surdos, realizado em Porto Alegre/RS na UFRGS, em abril de 1999, e enviado
para o Ministério da Educação, consta no item 20 das Políticas e Práticas
Educacionais para Surdos:
Promover a recuperação daqueles indivíduos surdos que
por muito anos foram mantidos no “cativeiro” dos ouvintes, possibilitando sua
integração à sociedade.
Nas palavras de Skliar (1988), o Congresso em Milão é uma
legitimação do ideário oralista:
A questão do ouvintismo e do oralismo, enquanto ideologia dominante, excede
largamente o espaço da instituição escolar. Então, seria uma ingenuidade pensar que
sua origem decorre de um decreto escrito em um momento preciso da história. Ainda
que seja uma tradição mencionar seu caráter decisivo, o Congresso de Milão, de 1880
onde os diretores das escolas para surdos mais renomadas da Europa propuseram
acabar com o gestualismo e dar espaço á palavra pura e viva, à palavra falada não
foi a primeira oportunidade em que se decidiram políticas e práticas similares. Essa
decisão já era aceita em grande parte no mundo inteiro. Apesar de algumas oposições,
individuais e isoladas, o referido congresso constituiu não o começo do ouvintismo e
do oralismo, mas sua legitimação oficial. (Skliar, 1988, p.17)
O que me parece um desafio é buscar identificar historicamente nos projetos
desenvolvidos de aquisição de língua oral um ideário patologizante. Podemos
identificar nos anos de 1950 um período de projetos de aquisição de língua oral não
no INES como também na Europa e nos Estados Unidos. Dos trabalhos sobre o
período de 1951/1961 destaca-se dos demais o de Soares (1999), por estabelecer
nexos entre o INES e a realidade das políticas educacionais brasileiras dos anos
cinquenta, não operando, portanto, de forma dicotômica como operam os demais
autores.
Soares (1999) propõe uma nova chave de compreensão do período, partindo do
entendimento de que uma função política tanto para a educação comum quanto
para a educação de surdos. Para a autora, o problema da educação de surdos foi ter se
consolidado na arena do debate acerca dos métodos. Sua avaliação é de que a gestão
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
25
de Ana Rímoli (1951/1961) não correspondeu à demanda da época que, no seu
entendimento, seria a busca da democratização da escola através de seus
procedimentos pedagógicos. No caso da educação de surdos, a adoção de um método
de ensino voltado prioritariamente para a aquisição e compreensão da fala, cujo
sucesso dependeria do domínio das técnicas pelo professor, prejudicou o
desenvolvimento da educação na perspectiva de formar cidadãos críticos. Em suas
palavras:
(...) Pelas exigências da época, quando o acesso ao saber escolar passou a ser mais
exigido, em razão da intensificação da industrialização e urbanização, a principal
responsável pelas reformas do Instituto Nacional de Surdos-Mudos (que teve inclusive
seu nome modificado para Instituto Nacional de Educação de Surdos) e pela
disseminação do atendimento do surdo para todo o país, não incluiu, com o mesmo
rigor de tratamento dedicado ao domínio das técnicas de desenvolvimento da
linguagem oral, os procedimentos que deveriam ser empregados, por parte dos
professores, para que o surdo-mudo, além da fala, tivesse também certo domínio do
saber escolar. (Soares, 1999, p.103)
Nesse sentido, observa que a educação de surdos, por ausência de um ensino
com os conteúdos das diversas disciplinas, acabou por não inseri-los na pauta dos
anos de 1950, que, segundo a autora, era a de formar sujeitos críticos através do saber
escolar:
A adoção de um novo método de ensino, voltado prioritariamente para a aquisição e
compreensão da fala, passou a ser a solução para a educação de surdos. O sucesso da
sua escolarização e, por decorrência, de sua integração social, dependeria do domínio,
por parte do professor, de determinados procedimentos técnicos que objetivavam a sua
oralização.
Idêntica tentativa de buscar a democratização da escola unicamente através de seus
procedimentos pedagógicos pode ser encontrada na história da educação comum em
nosso país.
Podemos encontrar no movimento escolanovista esse mesmo desfocamento de análise,
ao retirar a escola de seu contexto político para explicar o seu fracasso apenas pelo seu
funcionamento interno. (Soares, 1999, p.80)
Com isso, aproxima de modo crítico a década em questão ao ideário
escolanovista, identificando
um comportamento entusiástico pela educação,
consubstanciado na ideia de que a aquisição de língua oral possibilitaria ao surdo
tornar-se um cidadão como os demais.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
26
Para Brandão (1999), as severas críticas formuladas por pensadores marxistas
ao ideário escolanovista implicaram na perda da riqueza do trabalho de memória
acerca deste ideário, substituindo a ideia de memória-legada para o de memória-
negada, com significativos prejuízos para a percepção mais detalhada do pensamento
educacional brasileiro.
Embora se aproxime mais do contexto das políticas educacionais dos anos
cinquenta, Soares apresenta também
um devir para essa década na perspectiva de seu
referencial da teoria crítica.
O trabalho de Moura (2000) sobre o INES também contém
um devir para o
passado
e possibilita um significativo diálogo com um texto de Darcy Ribeiro (1977)
sobre a presença ou ausência de um espaço para educação de surdos no Brasil no
século XIX. Segundo a autora, a educação de surdos se ancora em cópias de modelos
europeus e se ressente do que ela chama de ausência de história da educação de
surdos no Brasil. Assume que esta foi iniciada tardiamente
em função do descaso das
autoridades que não consideravam as necessidades nacionais.
Aqui chamo então
para dialogar com este seu
devir para o passado o texto de Darcy que foi objeto de
conferência na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) de 1977. Ao
criticar o projeto das elites brasileiras para a educação no século XIX, provoca:
Nos dias em que a Argentina, o Chile, o Uruguai generalizavam a educação primária
dentro do espírito de formar cidadãos para edificar a nação, naquelas eras, nosso sábio
Pedro criava duas únicas instituições educacionais: O Instituto de Surdos Mudos e o
Instituto Imperial de Cegos (Ribeiro, 1977, p.18).
As duas considerações postulam devires para o passado. Ambas postulam
diferentes formulações para o mesmo objeto, qual seja, a presença ou ausência de
políticas educacionais para cidadãos surdos no século XIX. Para Moura (2000), ela
vem com atraso; para Darcy (1978), com antecipação. Em outro trecho de seu
trabalho, Moura (2000), sem localizar o período, afirma que
Foi instituído um Curso Normal, com o objetivo de habilitar os professores para o
ensino dos Surdos-Mudos. Esse trabalho seria (e foi) realizado em classes especiais de
surdos, anexas às escolas primárias dos estados, com o objetivo de propiciar economia
para o Estado e a convivência de surdos com ouvintes (Moura, 2000, p. 84).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
27
Outra ideia recorrente nesses autores, presente na asserção acima, é a de que as
políticas formuladas (em qualquer tempo) no campo da educação especial visam
sempre à economia de recursos por parte do Estado (em qualquer governo). Portanto,
a criação de classes especiais nas escolas regulares inscreve-se nesse raciocínio de
baratear o atendimento. Criar escolas para surdos, embora fosse o ideal segundo a
autora, seria bem mais dispendioso. que se destacar também o modo negativo
como a autora percebe o estimulo à convivência entre surdos e ouvintes.
Na sequência de seu raciocínio - penso que é uma referência à década de 1950-,
Moura (2000) destaca:
Esses professores, com uma formação que refletia a visão do INES em relação ao
surdo, espalharam-na por todo o Brasil e se tornaram por sua vez, formadores de outros
professores que mantiveram a mesma postura, numa reprodução da mesmice de fazer e
repetir os mesmos chavões, sem preocupação de entender a que eles verdadeiramente
se referiam (p. 85)
.
Nenhuma menção ao contexto das políticas educacionais que parecem apagadas
na sua proposta de memória da educação de surdos.
De que maneira a investigação de memórias que permanecem apagadas podem
contribuir para um outro olhar para o campo? Que efeitos tem sobre o campo da
história da educação de surdos a recorrente narrativa dicotômica e posicionada? Por
que nesse corpo de ideias acerca da educação de surdos, no qual Moura está inscrita,
encontra-se um projeto para o passado? De que maneira este
devir para o passado
vem influenciando na consolidação de um olhar estagnado, repetitivo, encontrado nos
trabalhos acadêmicos das últimas décadas que têm como referência esses autores?
Partindo dessas considerações, tomo como campo de investigação o Instituto
Nacional de Educação de Surdos no período correspondente à década de sessenta dos
oitocentos à década de cinquenta do século XX. Em destaque, apresento o período
1951/1961. Esse destaque é significativo para o estudo a que me proponho, visto que,
além de ser um período de muitas realizações no âmbito das políticas educacionais
que irão consolidar o INES no cenário da educação de surdos em nível nacional, é,
também, o período que vai representar a retomada do ensino para surdos com foco na
aquisição de língua oral - sendo que, diferente dos demais projetos experimentados
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
28
pela instituição - para todos os alunos sem nenhuma distinção. E, a partir daí, tentar
avançar sobre a indagação de Esmeralda e, talvez, num gesto de ousadia, mudar-lhe a
formulação.
Com essas finalidades, investiguei num primeiro momento os diversos sentidos
que o Instituto assumiu ao longo de sua trajetória. Para tanto, foi examinado um
período que vai de meados do século XIX ao fim da década de 1940. São
apresentadas nesse período, prioritariamente, as gestões de Tobias Rabello Leite
(1868/1896), Custódio Ferreira Martins (1907/1930) e Armando de Paiva Lacerda
(1930/1947). O destaque dado a essas gestões, para a compreensão do desempenho
do Instituto em âmbito federal, justifica-se por serem gestões de longa duração,
bastante documentadas e com projetos bem definidos. O exame dos perfis que o
Instituto assumiu nesse período serve de base para, a seguir, discutir o perfil que o
Instituto assumiu na gestão de Ana Rímoli (1951/1961). Em seguida apresento alguns
aspectos do debate produzido no Instituto das últimas décadas do século XIX até a
década de 1950 acerca das questões linguísticas. No provisório conclusivo apresento
uma análise de como o Instituto vem sendo narrado pela produção bibliográfica que
se consolidou no campo da educação de surdos, a partir dos anos 1990, examinando
os possíveis nexos apresentados no corpo do trabalho com os conteúdos dessas
produções.
1. 3
Diálogos possíveis
A compreensão dos processos de memória se apoia principalmente em
Halbwachs (2006), no que diz respeito as suas reflexões sobre memória individual e
memória coletiva. Algumas das fontes documentais que utilizei, principalmente no
estudo da década de 1950, são fontes de memória individual, como cartas, entrevistas
e crônicas que, embora tragam em seus corpos um testemunho pessoal, também se
autorizam a falar de uma época.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
29
Para o autor, a experiência de memória é sempre coletiva, já que nunca
estamos sós,
não é preciso que outros estejam presentes, materialmente distintos de
nós, porque sempre levamos conosco e em nós certa quantidade de pessoas que não
se confundem
(Halbwachs, 2006, p. 30).
Por alguma necessidade, provocamos no nosso sítio de memória bruta, que é o
inconsciente, algo que nos informe um evento, um dia, um sentimento de uma tarde
ou mesmo uma longa narrativa sobre aspectos de nossa vida pública e privada. No
reservatório do inconsciente estão guardados nossos mais profundos sentidos. Para a
psicanálise, o caminho principal para acessá-los é o dos sonhos. O esforço em detê-
los em nossa memória para que nos desvendem ou nos façam compreender, por
vezes, é em vão. Quase sempre, ao retornarmos desses sítios, as lembranças, tal como
fumaça, vão se esvaindo e se transformando numa presença que não se pode atingir,
num texto inacessível, numa peça de memória destruída.
O sonho pode a nós desvelar. No entanto, sua permanência em nós é tão frágil
que um sentido fundamental da nossa existência pode ser perdido no delicado
momento de transição entre o dormir e o despertar. A lembrança de um sonho, que
desesperadamente tentamos reter, pode conter sentidos importantes para um evento
vivido e mal compreendido, para a aproximação compreensiva dos nossos fantasmas.
O que selecionamos para guardar do vivido, de um trecho do vivido que nos diz
muito e que apreendemos por ser ele nossa metonímia? Guardamos o que nos nega e
o que nos afirma. No depósito da memória estão guardadas nossas potencialidades
que acabam por eclodir em sonhos quando convocadas para o sim e para o não,
quando evocam nossos
sins e nossos nãos. Seria possível pensar que aquilo que
reservamos no inconsciente seja a matéria bruta de nossas escolhas de memória?
A memória individual é refletida, em parte, por nossa experiência objetiva
com o vivido. No entanto, apenas ela não esgota a experiência. As manifestações do
inconsciente também geram mecanismos de memória construídos fora da experiência
do vivido-compartilhado com outros sujeitos. Emoções que são evocadas por um
cheiro, uma cor ou uma experiência visual também são elementos de composição do
nosso sítio arqueológico existencial que podem não estar diretamente ligados a uma
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
30
experiência com o outro, embora sempre contenha um outro. Esse outro sendo
também um outro mesmo de nós que nos lembra nossa condição contraditória.
Nessa perspectiva, estamos, ainda que numa experiência de memória
individual, dialogando com vozes ou correntes de pensamento que seguem seu fluxo
em nós, por escolha ou por enfrentamento. Interessa para esse estudo percorrer o
caminho seguido por Halbwachs, buscando entender os múltiplos olhares que existem
no indivíduo e o que o faz selecionar essa ou aquela memória, definindo, assim, a
posição de cada um nas narrativas de construção da memória coletiva. E, na
construção desses processos de memória, buscar compreender como um grupo, uma
instituição, uma escola, repercutem suas memórias, determinando permanências e
apagamentos.
Le Goff (2003), discutindo memória como função social, examina o modo
como as sociedades sem escrita resolviam suas questões de memória e como se
organizam as instituições de memória nas sociedades com escrita. Nesse sentido são
significativas as contribuições dessa discussão por ser o INES uma instituição que
guarda importante acervo de sua memória no registro da escrita. Possuindo arquivo,
museu, biblioteca e, também, guarda um significativo patrimônio de memória oral,
localizado nos atores institucionais que ampliam a possibilidade de estudo da
memória institucional.
Vale lembrar que o INES foi fundado 152 anos e a presença de narrativas
ligadas à memória faz parte da cultura institucional. A marca de sua longa história é
muito forte na instituição, embora, contraditoriamente, a atenção com a memória oral
seja mais relevante do que com a memória escrita. Muito se perdeu de fontes
documentais materiais, por diversas razões que não cabem aqui serem discutidas. No
entanto, quando a instituição recebe a visita de algum ex-aluno ou ex-funcionário,
recebe-o com entusiasmo e promove-se logo uma roda de memória cujo conteúdo vai
sendo repetido por um bom tempo, até que fique consolidado no rico repertório da
memória institucional. Alguns personagens da instituição são identificados como
testemunhas vivas de nossa história, fazendo remissão a testemunhos sobre eventos
da centenária instituição.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
31
A contribuição de Bauman (1998) em seu estudo sobre o Holocausto é
fundamental para a compreensão da discussão que tento desenvolver acerca da
construção de uma memória sedimentada e repetida em trabalhos sobre a história da
educação de surdos. Bauman enfrenta a questão do Holocausto deslocando-o do lugar
de tema central apenas para os judeus para o de um fenômeno do Estado Moderno,
portanto, de interesse mais abrangente.
No que diz respeito à memória, Bauman destaca (1998):
O Holocausto nasceu e foi executado na nossa sociedade moderna e racional, em nosso
alto estágio de civilização e no auge do desenvolvimento cultural humano, e por essa
razão é um problema dessa sociedade, dessa civilização e cultura. A autocura da
memória histórica que se processa na consciência da sociedade moderna é por isso
mais do que uma indiferença ofensiva às vítimas do genocídio. É também um sinal de
perigosa cegueira, potencialmente suicida
. (Bauman, 1998, p.12)
Discutir a construção da memória do Holocausto implica em discutir o que a
construiu, que sentidos e interesses alimentaram e alimentam sua face mais conhecida
que repercute na memória coletiva e, também, o que essa memória esconde. Sobre
esse aspecto, Carvalho (1978) chama a atenção para os prejuízos das narrativas em
antíteses:
Ainda hoje, os alvarás e provisões pombalinos são examinados como se não houvesse
um outro caminho entre a alternativa que então se propôs: jesuitismo e antijesuitismo.
Nessa alternativa, os jesuítas representam para os historiadores tudo o que de anti-
moderno e Pombal, com seus homens, a autêntica antecipação das aspirações
modernas. Ora, forçoso é reconhecer que os termos desta alternativa constituem um
dos mais graves impedimentos para a justa compreensão de um dos momentos mais
lúcidos da história lusitana. (Carvalho, 1978, p. 29)
No campo educacional, um importante esforço nesse sentido foi empreendido
por Mendonça e Brandão (1997) no livro
Por que não lemos Anísio Teixeira? Na
capa já se observa a intenção das autoras ao provocar uma instigante composição com
o título e os subtítulos. O nome de Anísio é destacado sobre um imenso ponto de
interrogação, ambos de cor branca em fundo vermelho. Os dois subtítulos estão na
cor preta, o primeiro uma confirmação -
Uma Tradição Esquecida, o segundo uma
interrogação
Por que não lemos, que acaba por compor com o nome de Anísio o
título completo.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
32
A chave de compreensão que as autoras propõem para entender esse
esquecimento reside no exame da literatura pedagógica produzida nos anos 1970/80 e
que se configurou numa espécie de versão oficial, amplamente divulgada e repetida,
do pensamento educacional no Brasil. Os trabalhos de Cury (1979), Cunha (1975) e
Saviani (1982) qualificavam o pensamento de Anísio de conservador, associando-o às
ideias liberais, despolitizadas e desconectadas das questões sociais. Posto no limbo
das discussões sobre educação nas últimas décadas, as autoras encerram o artigo que
deu nome ao livro com um convite aos leitores para descobrir o quanto ainda este
educador tem a nos dizer.
As implicações presentes nos estudos de Mendonça e Brandão sobre uma
tradição apagada contribuem para a investigação que desenvolvo sobre a memória
que vem sendo consolidada ao longo dos anos e, principalmente, na década de
cinquenta, relativa à história da educação de surdos.
Em relação a essas considerações, Bloch (2002) nos chama a atenção
afirmando que
Uma nomenclatura imposta ao passado acarretará sempre uma deformação, caso
tenha por proposta ou apenas por resultado pespegar suas categorias às nossas,
alçadas, para a ocasião, à eternidade. Não outra atitude razoável a tomar em
relação a esses rótulos senão eliminá-los. (p. 145)
Como vimos então, nas últimas décadas, grande parte dos autores que se
debruçam sobre estas questões, como Lane (1992), Sacks (1990), Skliar (1997),
Moura (2000), Souza (1999), Góes (1996), opera suas formulações com categorias
abrangentes, assumindo a existência de uma
ideologia oralista vitoriosa desde o
século XVIII e da
hegemonia dos ouvintes em relação aos surdos. A história, nessas
postulações, aparece como pano de fundo ou em episódios que são destacados e
relacionados com seus atuais devires para os surdos. O exemplo mais significativo,
como foi dito acima, é a leitura que fazem do trabalho do médico iluminista Itard
com o menino selvagem Victor de Aveyron. As considerações feitas por estes
autores, a respeito deste episódio, são desprovidas de historicidade e se encerram no
sentido
do devir para o passado, encontrado, também, nesta formulação de Sacks
(1990)
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
33
O menino selvagem nunca adquiriu a linguagem por qualquer razão ou razões. Uma
possibilidade que não foi bastante considerada é a de que, por mais estranho que possa
parecer, nunca tenha sido exposto à linguagem de sinais, mas apenas continuamente (e
em vão) forçado a tentar falar. (Sacks, 1990, pp. 26- 27).
Contribuição importante para essas reflexões é o trabalho de Elias (1994) sobre
Mozart, ao observar que o entendimento dos conflitos vividos pelo músico não
deveria se confinar ao estudo das contradições entre a nobreza e a pequena burguesia
destacando que
A fórmula pré-fabricada sobre a ascensão da burguesia em decorrência de uma
necessidade interna do desenvolvimento social na segunda metade do século
XVIII, derrotando uma nobreza feudal solapada pela mudança econômica da
Revolução Francesa, tende hoje em dia ser aplicada de maneira tão mecânica e
rotineira que se perde de vista o complexo curso dos acontecimentos reais. Os
problemas observáveis dos seres humanos são categorizados a clichês, como
“nobreza”, “burguesia”, “feudalismo” e “capitalismo”. Categorias como estas
bloqueiam o acesso a uma maior compreensão do desenvolvimento da música e da
arte em geral
. (Elias, 1994, p. 28)
De modo semelhante, Duby (1993) chama a atenção de como as grandes
narrativas fundamentadas por categorias essencializadas provocam apagamentos
significativos, que acabam por comprometer a compreensão de um episódio. Ao
examinar um documento do ano de 1090 (data provável), surpreende-se com as
informações ali contidas por não confirmarem as concepções sobre o papel da mulher
e os laços de vassalagem comumente veiculados na periodização denominada Idade
Média:
As provas de uma mobilidade de que eu não suspeitava neste meio rural, tido como
inerte, mergulhado nas rotinas, “preso à gleba” e que na verdade vamos encontrar aqui,
no século XI, permeado de migrações, casamentos à distância, compras e vendas; outra
surpresa, enfim, este direito de que gozam as mulheres, assim como uma espantosa
liberdade de ação.(Duby, 1993, p. 51)
A memória da educação de surdos presente nos autores citados vem sendo
construída à margem da história. pouca pesquisa histórica no campo e muitas
repetições entre eles. Lane é o referencial de todos. As fontes documentais, quando
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
34
trabalhadas, funcionam como manifesto para a defesa das concepções de educação de
surdos por eles postuladas.
Para Le Goff (2003), a manipulação da memória constitui um problema para a
história, destacando como exemplo o da Revolução Francesa, evento que, segundo
ele, inaugura a preocupação de construir, através de festejos nacionais, uma memória
coletiva interessada.
A ideia de manipulação provoca as seguintes indagações: Quem escolhe? O
que escolher para registrar? O que foi escolhido, por exemplo, para ficar das longas
noites da Revolução francesa? Quando escolhe, manipula e, ao manipular, opera
assepsias. Esconde seu lado obscuro e sangrento, fazendo desaguar na memória
coletiva o caldo depurado da liberdade, igualdade e fraternidade.
Segundo Nora (1993), as implicações contidas na relação entre memória e
história residem em uma espécie de vocação antitética. Enquanto a memória é viva,
afetiva, coletiva, liquefeita, a história é mais intelectual, universal, sólida. A memória
é vulnerável a todos os usos e manipulações. Para a história, a memória é sempre
suspeita.
É nessa tensão entre memória e história e nas operações de apagamentos
advindas dessa relação que esse trabalho se desenvolve.
Os estudos referentes às políticas educacionais implementadas ao longo da
década de cinquenta, no Brasil estarão referenciados, principalmente, nos trabalhos de
Ana Waleska P. C. Mendonça e nas produções do grupo de pesquisa por ela liderado.
1.4
As fontes documentais
Grande parte da documentação utilizada nesse estudo encontra-se no Espaço
Memória que fica numa casa ao lado do prédio principal do Instituto Nacional de
Educação de Surdos. Sua construção data de 1908 e foi realizada com o propósito de
servir de residência para o diretor geral da instituição. Nos anos cinquenta passou a
funcionar em suas dependências o dormitório feminino e logo depois abrigou o então
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
35
recém criado Jardim de Infância. Em 1999 foi totalmente reformado e, atualmente,
abriga em seu andar térreo a biblioteca, e, no segundo andar, os conteúdos relativos à
memória iconográfica e escrita da Instituição.
Para a análise da trajetória institucional do INES, contida no segundo capítulo
desse trabalho, foram utilizados relatórios de diretores, relatório de viagem de
professores, livros, despachos administrativos, artigos em jornais e documentos
oficiais.
No terceiro capítulo, das fontes de natureza iconográfica, foram objetos de
estudos o filme
Mundo Sem Som que tinha como objetivo divulgar a Campanha de
Alfabetização do Surdo Brasileiro em 1958, juntamente com os cartazes e fotografias
do mesmo evento, além da partitura do Hino ao Surdo de autoria da diretora Ana
Rímoli. Das fontes escritas foram analisadas: o livro do surdo Sérgio Guimarães; os
Anais da Campanha de Alfabetização do Surdo Brasileiro; os livros de autoria da
diretora, dentre eles um Compêndio para a Educação de Surdos; a documentação do
curso de formação de professores; artigos de jornais; pareceres; relatórios
institucionais e os regimentos internos do INES relativos ao período estudado.
Também foi utilizada, como fonte documental, uma carta enviada ao Instituto no dia
15 de março de 2008. O documento é de autoria de uma professora que atuou na
instituição na década de 1950. O motivo da carta era congratular o INES pela
publicação do livro
O INES e a Educação de Surdos no Brasil
10
. No entanto, o
conteúdo é, na verdade, uma narrativa bastante rica da década em questão.
Para a discussão desenvolvida no quarto capítulo foram utilizados documentos
administrativos das gestões em questão, além de publicações nacionais e estrangeiras
as quais se constituíram em referências fundamentais para o exame das políticas
educacionais praticadas na educação de surdos no século de XIX. Destacam-se nesse
estudo as atas do Congresso ocorrido em Milão no ano de 1880 e o Compêndio de
Ensino ao Surdo-Mudo de autoria do professor Vallade Gabel do Instituto de Paris.
Além das fontes acima citadas também foram objetos desse estudo
depoimentos tomados de alunos e professores (surdos e ouvintes) que estiveram, de
10
O livro O INES e a Educação de Surdos no Brasil, de minha autoria, foi publicado em dezembro de
2007. Trata-se de uma publicação comemorativa dos 150 anos do Instituto.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
36
alguma maneira, implicados com o Instituto da década de 1930 à década de 1950. Os
depoimentos de Léa Carneiro, Álpia Couto e de Ismênia Lima foram dados nas
dependências do INES, no ano de 1997, por ocasião das festividades dos 140 anos da
Instituição. Os três foram gravados em vídeo. os depoimentos de Regina Morizot,
Regina Rondon e Ulisses Cruz foram tomados no ano de 2007, por ocasião da
comemoração dos 150 anos da instituição. Na realidade, esses depoimentos fazem
parte de um esforço de preservação da memória institucional. Seus conteúdos
desvelam o que os sujeitos escolhem para guardar e como se posicionam no tempo e
no espaço. Em função desses depoimentos, esse estudo pode se aproximar de um
modo mais cotidiano, mais encarnado das tramas institucionais. Os depoimentos
foram tomados de modo a deixar bastante livres os entrevistados. A estratégia foi a de
fazer perguntas, bem gerais, deixando fluir as narrativas e, depois, partindo delas,
provocar lembranças que pudessem levar à compreensão de um evento, de um
personagem, de um sentido. Tive a oportunidade de realizar todas as entrevistas. A de
Ulisses Lopes, surdo, foi realizada em língua de sinais. Cumpre destacar que as
entrevistas dadas pelas professoras Léa Borges Carneiro e Regina Rondon, que
entraram no Instituto na década de 1930, possibilitaram uma compreensão melhor das
décadas que antecederam à gestão de Ana Rímoli.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
2.
Presença do Instituto Nacional de Educação de Surdos:
entre
a circunscrição Laranjeiras e o Brasil
O Collegio Nacional para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos foi criado em
meados do século XIX, por iniciativa do surdo francês E. Huet
1
.
Em junho de 1855, Huet apresenta ao Imperador D. Pedro II um relatório
2
cujo conteúdo revela a intenção de fundar uma escola para surdos no Brasil e também
informa da sua experiência anterior como diretor de uma instituição para surdos na
França, o Instituto dos Surdos-Mudos de Bourges. Cumpre destacar que era comum
que surdos formados pelos Institutos especializados europeus fossem contratados a
fim de ajudar a fundar estabelecimentos para a educação de seus semelhantes. Com
essa finalidade, por exemplo, em 1815, o norte-americano Thomas Hopkins Gallaudet
(1781-1851) realizou estudos no Instituto Nacional dos Surdos de Paris e, ao concluí-
los, convidou o ex-aluno dessa instituição, Laurent Clérc, surdo, que atuava como
professor, para fundar o que seria a primeira escola para surdos na América. Pode-se
afirmar, portanto, que a proposta de Huet feita ao Imperador do Brasil correspondia a
esta tendência. O governo imperial apoia a iniciativa de Huet e destaca o Marquês de
Abrantes para presidir uma Comissão Diretora com a finalidade de acompanhar de
perto o processo de criação e o cotidiano administrativo da primeira escola para
surdos no Brasil.
1
Os dados biográficos de Huet ainda são imprecisos. Nesse estudo apresento alguns dados até então
desconhecidos de sua biografia. Um deles se reporta ao ano de 1840, quando era monitor da terceira
classe do Instituto dos Surdos-Mudos de Paris. Nesse ano, organiza duas listas com a finalidade de
levantar recursos para erigir um monumento em homenagem ao abade L’Pée na igreja de Saint Roch
em Paris. Na lista relativa aos alunos do Instituto de Paris, organizada somente pelo primeiro nome,
dois de nome Edouard. Um doa a quantia de oito francos e o outro doa um franco. É possível que um
dos dois seja Huet. controvérsias acerca de seu primeiro nome, em algumas descrições aparece
como Ernest e em outras como Eduard. Sua assinatura não contribui para resolver a questão na medida
em que sempre assina E. Huet. Quanto a sua chegada ao Brasil, os registros são contraditórios. O outro
dado novo que esse estudo traz é o registro de funcionamento do Collégio Francez, de sua propriedade
no período de 1845/1851, no Rio de Janeiro. Em dezembro de 1861, após conflitos administrativos
com o Marques de Abrantes, negocia sua saída da direção da Instituição mediante o pagamento de uma
indenização pelo patrimônio material do Instituto e, também, o recebimento de uma pensão anual
como reconhecimento de ter sido o fundador da primeira escola para surdos no Brasil. Seu destino é
incerto após deixar o Instituto. Alguns registros indicam que seis anos depois estava fundando uma
instituição semelhante no México.
2
Documento no formato de carta em língua francesa. O original pertence ao acervo da Imperatriz
Thereza Cristina do Museu Imperial de Petrópolis.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
38
O novo estabelecimento, de natureza particular mas com alguma subvenção
imperial dentre outras, começa a funcionar no primeiro dia de janeiro do ano de
1856
3
, nas dependências do Colégio de M. De Vassimon
4
. O primeiro documento
com o propósito de divulgar a criação do estabelecimento comunica ser o Collegio de
natureza mista, sendo que as meninas ficariam a cargo de Madame de Vassimon e
suas filhas. O estabelecimento começou a funcionar nas dependências do Collegio de
Vassimon na Rua dos Beneditinos 8. Vem de longa data a ligação de Huet com a
família Vassimon. No ano de 1845, portanto dez anos antes de propor a fundação do
colégio para surdos, Huet era proprietário do Collégio Francez Huet para meninos.
Esse colégio funcionou até 1851 na Rua da Ajuda 68. No período 1852/1854, não
registro de atividade escolar de Huet. Outro dado importante que associa Huet aos
Vassimon é a coincidência das datas de abertura e término das escolas dirigidas por
ambos. O Collégio de Vassimon começa a funcionar em 1844 e termina em 1861,
mesmo ano do desligamento de Huet com o Instituto de Surdos por ele fundado.
Colégio Luís Antonio Vassimon – 1844/1861
Colégio Francez de Huet (sob a direção de Huet)– 1845/1851
Colégio de Surdos-Mudos (sob a direção de Huet) – 1855/1861
Fonte Almanak , 1856, p.406
Interessante observar que ao longo das décadas de quarenta e cinquenta, por
exatos seis anos em cada década, no mesmo período, Huet manteve-se dirigindo
estabelecimentos de ensino.
Nesse mesmo documento citado acima, relativo ao ano de 1856, consta o
programa de ensino, apresentado por Huet, o qual compreendia as disciplinas de
3
Até o ano de 1908 era considerada a data de fundação do Instituto o dia de Janeiro de 1856. A
mudança deu-se através do artigo 7º do decreto nº. 6.892 de 19 de março de 1908, que transferiu a data
de fundação para a da promulgação da Lei 939 de 26 de setembro de 1857, que, em seu artigo 16,
inciso 10, consta que o Império passa a subvencionar o Instituto:
Conceder, desde ao Instituto dos
Surdos-Mudos, a subvenção annual de 5.000$.000, e mais dez pensões, também annuaes, de 500$000
cada huma, a favor de outros tantos surdos-mudos pobres, que nos termos do Regulamento interno do
mesmo Instituto, foram aceitos pelo Diretor e Comissão e approvados pelo governo
. Antes desse
decreto, os alunos eram bolsistas de entidades particulares ou públicas.
4
O Colégio de Luís Antonio de Vassimon funcionou no Rio de Janeiro de 1844/1861 nos seguintes
endereços e seus respectivos períodos: 1844/1849 – Rua dos Ourives 41, 1850/1853 – Rua da Quitanda
193, 1854/1856 – Rua dos Beneditinos 8, 1857/1859 Ladeira da Conceição, 1860/1861 Ladeira do
Hospício 272.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
39
Escripta e leitura, Elementos da língua nacional- Grammatica, Noções de religião e
dos deveres sociais – Catecismo, Geographia, Historia do Brasil, Historia sagrada e
profana, Arithmetica, Desenho e Escripturação mercantil.
O curso tinha a duração de
seis anos e era oferecido a alunos dos dois sexos na idade de sete a dezesseis anos. Já
está presente nessa primeira proposta o ensino profissionalizante, que foi o grande
destaque do trabalho desenvolvido pelo Instituto durante quase toda a sua trajetória.
Para os meninos era oferecido curso de agricultura teórica e prática e para as meninas
trabalhos
usuaes de agulha. O trabalho de articulação labial era destinado somente
aos que tivessem aptidão. Interessante lembrar que o destaque dado a essa questão
acaba por não confirmar as narrativas sobre a tradição oralista da instituição. As
atividades desenvolvidas de leitura labial e articulação labial, junto aos alunos, não
eram para todos. Havia uma seleção e, consequentemente, trabalho diferenciado para
os que não tivessem condições de serem oralizados. Essa questão foi discutida no
relatório de 1871, assinado pelo então diretor Doutor Tobias Leite
5
,
A leitura sobre os labios e a articulação artificial, que não são como geralmente se crê
entre nós, o ponto objectivo da educação dos surdos-mudos, e apenas um auxiliar mais
ou menos util conforme a natureza da surdo-mudez e as condições do alumno, não
foram ainda ensinadas n’este Instituto, não só porque é o único meio de instruir surdos-
mudos que é necessario aprender vendo praticar por mestres especiaes, como porque é
tão pequeno o numero que aqui existe de surdos-mudos accidentaes, únicos que são
susceptiveis de recebê-lo com vantagem...
Os conteúdos desse debate serão retomados mais adiante, no capítulo terceiro, a
fim de que possamos compreender as rupturas operadas na dinâmica do Instituto, no
período de 1951-1961, que vai trazer mudanças significativas no desempenho da
instituição.
Em razão de ser um estabelecimento destinado a ambos os sexos, o Instituto
contava com duas direções, uma para os meninos e uma para as meninas. Foram
diretores do período de sua fundação até 1861 Huet e sua esposa. Com a saída de
Huet, a instituição viveu um período de crise que quase culminou em seu fechamento.
5
Tobias Rabello Leite era médico sanitarista, foi o primeiro a observar, no Hospital dos Estrangeiros,
o início do surto de febre amarela no Rio de Janeiro. Embora ligado ao Imperador Dom Pedro II, na
passagem do regime imperial para o republicano, Tobias permaneceu diretor do Instituto no período
de 1868-1896, em função de sua ligação com o líder republicano Benjamim Constant que foi o
primeiro Ministro da Instrução Pública e por um período também foi diretor do Instituto de Cegos.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
40
A chegada do Doutor Tobias Leite, em 1868, vai estabilizar a rotina institucional e
ampliar o alcance do debate acerca da educação de surdos. pelo menos três
séculos esse debate segue polarizado, como vimos, com foco na questão linguística.
2. 1
Circulação de ideias em alcance nacional
Além do debate quanto aos procedimentos de educação e ensino dirigidos aos
surdos, estava presente, nesse momento, na instituição, uma outra questão que era a
da responsabilidade do Instituto em âmbito nacional. Em inúmeras oportunidades
Tobias Leite demonstrava sua preocupação quanto ao atendimento aos surdos nas
demais províncias. Para tanto, solicitou ao Comissário do Governo um censo
contendo informações sobre a presença de surdos em todo território nacional. Pela
tabela de resultados podemos observar o levantamento de dados por faixa etária e por
gênero informando a demanda por escolarização. Quanto à questão de gênero, o
diretor tinha um posicionamento distinto para meninos e meninas. Para estas ele
defendia que o ensino fosse realizado em casa de modo que contemplasse as
atividades domésticas atribuídas às mulheres. Mais à frente, essa questão será
discutida quando forem apresentadas as propostas do Doutor Tobias em nível
nacional. Certamente que a questão de gênero se apresenta como um tema relevante a
ser considerado e, naturalmente, a ser pesquisado.
O resultado do censo, segundo ele, derrubou a crença errônea de que havia
poucos surdos no Brasil. A população brasileira naquela altura era de dez milhões,
cento e doze mil e sessenta e um habitantes, sendo que o total de surdos apurado,
ainda que de forma precária, apontou para a existência, no ano de 1870, de mil
trezentos e noventa e dois surdos assim distribuídos:
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
41
Menores de 14 anos
Províncias
sexo masculino sexo feminino
Maiores de 14 anos Total
São Paulo 81 49 402 532
Minas 41 35 82 158
Rio Grande do Norte 34 21 64 119
Paraná 30 27 58 115
Ceará 16 15 49 80
Pernambuco 20 7 52 79
S. Pedro 16 9 34 59
Sergipe 11 4 33 48
Parahyba 6 3 34 43
Maranhão 7 1 34 42
Rio de Janeiro 4 5 31 40
Santa Catarina 7 2 21 30
Alagoas 6 3 12 21
Espírito-Santo 3 5 11 19
Amazonas 7 7
Soma 282 186 924 1392
Fonte: Instituto dos Surdos-Mudos. Relatório do Diretor Tobias Leite apresentado em março de 1871 ao
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira
.
O Instituto, que recebia também surdos de outras províncias, tinha
capacidade para atender a no máximo vinte alunos. Portanto, como pode ser
observado nos dados apresentados, estava longe de atender à demanda nacional.
Em razão de ser a única instituição de educação de surdos em território
brasileiro e mesmo em países vizinhos, por muito tempo o Instituto configurou-se em
uma instituição de referência para os assuntos de educação, profissionalização e
socialização de surdos. No entanto, até a década de 1950, o movimento produzido por
essa demanda de atendimento era fisicamente em direção ao Instituto. Somente nesta
década é que a instituição vai inverter sua dinâmica de atendimento estimulando,
através de cursos de formação de professores e outras ações que veremos mais
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
42
adiante, a ampliação do atendimento ao escolar surdo em outras unidades da
federação. Portanto, fora de sua circunscrição.
Foi na gestão do Doutor Tobias Leite que a comunicação gestual, hoje
reconhecida como LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais
6
), de forte influência
francesa, em função da nacionalidade do fundador do Instituto, foi espalhada por todo
Brasil pelos alunos que regressavam aos seus locais de origem quando do término do
curso e, também, pela disseminação de algumas publicações feitas no Instituto como
veremos adiante. Uma delas foi produzida no ano de 1875, desenhada pelo ex-aluno
do Instituto Flausino José da Gama
7
, que assumiu a função de repetidor
8
depois de
concluir seus estudos. Trata-se do livro
Iconographia dos Signaes dos Surdos-
Mudos
. Um belíssimo trabalho do ponto de vista artístico e de grande relevância para
6
A Língua de Sinais é um sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical
própria e complexa, com regras fonológicas, morfológicas, semânticas, sintáticas e pragmáticas. Seus
usuários são surdos e ouvintes que frequentam as diversas modalidades de comunidade surda tais
como: igrejas, escolas, clubes, associações e outras. A Língua de Sinais é uma construção histórica das
comunidades de surdos, não sendo um sistema linguístico universal. Cada país tem a sua própria língua
que vem a se constituir em específicas condições sociais, políticas e culturais. No percurso de sua
história teve várias denominações: mímica, comunicação mímica, linguagem dos surdos-mudos,
linguagem sinalizada, gestos, entre outras. É a partir de pesquisas realizadas na área da linguística nos
anos sessenta do século XX, que passa a ser reconhecida como língua em vários países. Esse
reconhecimento vai proporcionar uma mudança de paradigma nas propostas de escolarização
envolvendo sujeitos surdos. No Brasil, foi reconhecida pela Lei 10.436 de 24 de abril de 2002. O
movimento de legalização foi liderado pela Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos
(www.feneis.org.br
) e também por algumas lideranças surdas do Instituto Nacional de Educação de
Surdos.
7
Flausino José da Gama era filho de Anacleto José da Costa Gama. Surdo congênito, entrou para o
Instituto no dia 1º. de julho de 1869. Exerceu a função de repetidor no período de 1871/1878. No ano
de 1875, Flausino manifestou desejo, junto ao diretor Tobias Leite, de desenhar o que seria o primeiro
dicionário de língua de sinais produzido no Brasil. O original pertence ao acervo da Biblioteca
Nacional. No ano de 1871, quatro anos antes desta importante realização, constava no relatório
enviado ao Conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios
do Império, por Tobias Leite, elogio ao trabalho de Flausino como repetidor, atribuindo a ele o sucesso
obtido pelos alunos.
8
Inúmeras eram as funções do professor repetidor no Instituto. Além de assistir e depois repetir as
lições do professor, deveria acompanhar os alunos no recreio e no retorno à sala de aula, bem como
acompanhar os visitantes do Instituto, pernoitar com os alunos internos, corrigir os exercícios e
substituir os professores. Eram nomeados se provassem estar habilitados quanto aos conteúdos da
matéria escolhida. Havia um repetidor para cada disciplina. Em função de mudanças regimentais essa
função passou por muitas reformulações. Nos primeiros anos de funcionamento da instituição era
exercida por alunos. A primeira e única aluna que, na qualidade de mulher, exerceu a função de
repetidora no Instituto foi Maria Pereira de Carvalho, no período de 1864/1868. Seu ingresso no
Instituto foi ainda sob a gestão de Huet no ano de 1858. Seu nome consta junto com os dos seus dois
irmãos, no primeiro documento pedagógico da instituição. Eram naturais de Barra Mansa (RJ).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
43
estudos linguísticos que tenham como objeto a língua de sinais. O livro na realidade é
um dicionário iconográfico, tal como seu nome, contendo o registro dos sinais
(palavras) mais praticados pelos surdos, na segunda metade do século XIX, na
província do Rio de Janeiro, onde sempre funcionou o Instituto. Segundo o diretor
Tobias Leite, na apresentação do livro, esse trabalho atendia a dois objetivos. O
primeiro era o de divulgar
a linguagem dos signaes, meio predilecto dos surdos-
mudos para a manifestação de seus pensamentos.
O outro seria o de mostrar o
quanto deve ser apreciado um surdo-mudo educado. a capacidade de um surdo caso
seja educado
. A ideia da realização dessa obra partira do próprio Flausino ao tomar
conhecimento de um exemplar da biblioteca do Instituto de obra semelhante,
realizada pelo professor surdo Pellisier, profissional do Instituto de Paris. Tobias
apoiou a iniciativa do ex-aluno acreditando que, com a divulgação do livro, os
fallantes ao conhecerem os sinais pudessem conversar com os surdos. Portanto, aqui
podemos identificar a visão estratégica que tinha o diretor Tobias ao apoiar a
iniciativa de Flausino.
O Instituto de Paris era uma referência importante no desenvolvimento dos
trabalhos realizados na instituição. Grande parte dos primeiros livros que tratavam da
educação de surdos, publicados no Brasil, eram traduções de obras de professores
franceses. São eles:
- Lições de Linguagem Escrita, extraídas do Méthode pour enseigner aux
sourds-muets do professor Jean-Jacques Valade-Gabel (adaptação do Doutor Tobias
Rabello Leite). Rio de Janeiro, 1871;
- Lições de Geografia do Brasil (organizadas pelo Doutor Tobias Rabello
Leite). Rio de Janeiro, 1873;
- Guia para professores primários (extraído de uma obra de J.J. Valade-Gabel
pelo Doutor Tobias Leite). Rio de Janeiro, 1874;
- Notícia do Instituto dos Surdos Mudos do Rio de Janeiro, publicada pelo
Doutor Tobias Leite. Rio de Janeiro, 1877;
- Compêndio para o ensino dos surdos-mudos, organizado pelo Doutor Tobias
Leite e publicado por ordem do Ministro e Secretario de Estado e Negócios do
Império Barão Homem de Mello. Rio de Janeiro, 1881;
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
44
- Ensino prático de língua materna aos surdos-mudos, adaptação do método
dos frades de S. Gabriel pelo Doutor J.J. Menezes Vieira. Rio de Janeiro, 1885;
- Surdos-mudos capazes de articular, relatório apresentado ao governo pelo
professor do Instituto, A.J. Moura e Silva. Rio de Janeiro, 1896.
A ideia do Doutor Tobias era a de divulgar para outras províncias esses
trabalhos. Na apresentação de uma dessas obras, a do Compêndio para o ensino dos
surdos-mudos (1881), o diretor escreveu:
Não havendo livro algum em portuguez para o ensino dos surdos-mudos, publiquei em
1871 as Lições de Linguagem Escripta, extrahidas do Methode pour enseigner aux
surds-muets, do venerando professor J.J. Valade Gabel.
Não se acreditando então na proficuidade do ensino aos surdos-mudos, offereci 500
exemplares das Lições aos presidentes das províncias de Minas, S. Paulo, Paraná e
Goyaz, para serem distribuídos pelos professores primários dos logares em que
houvesse maior numero de surdos-mudos.
Operava, portanto, para que os conteúdos das publicações realizadas pela
instituição pudessem alcançar os possíveis educadores de surdos nas localidades mais
remotas. Buscava, com isso, projetar nacionalmente as ideias sobre educação de
surdos circulantes no Instituto, o que não era muito comum em sua época.
No ano de 1884, está registrado no livro das Actas e Pareceres do Congresso
de Instrução do Rio de Janeiro o debate que travou com o então professor do
Instituto, e também médico, Menezes Vieira
9
. São de ambos os pareceres contidos na
9
Menezes Vieira nasceu em São Luís do Maranhão, em 1848. Estudou Humanidades em sua cidade
natal e Medicina no Rio de Janeiro. Especializou-se em otorrinolaringologia no ano de 1873,
defendendo a tese Da Surdez produzida por lesões materiais; acústica; aparelho da audição; sinais
tirados da voz e da palavra. Embora tivesse um consultório dentro de uma farmácia na Rua da Carioca,
exerceu a medicina por pouco tempo. Sua grande disposição era para o magistério. Em 1871, ainda
estudante de medicina, assumiu a cadeira de Linguagem Escrita do então Instituto de Surdos-Mudos.
Juntamente com sua mulher Carlota de Menezes Vieira, fundou o Colégio Menezes Vieira, em 1875,
localizado na Rua dos Inválidos, 26. No livro
A Cor da Escola, de Maria Lúcia Rodrigues Muller
(2008), um registro fotográfico do dia da inauguração de seu colégio, mostrando a presença de
negros e brancos dentre os seus profissionais. A fotografia de autoria de Augusto Malta apresenta os
professores e a diretora da escola. Vieira criou o primeiro Jardim de Infância do Brasil o qual
denominava Jardim de Crianças, espaço, segundo ele, de
transição suave e racional da família para a
escola
(BASTOS, 1999, p. 570). Foi autor de diversas obras sobre educação geral e educação de
surdos. Dentre estas se destacam: Do surdo-mudo, considerado do ponto de vista físico, moral e
intelectual. Conferência Literária. Rio de Janeiro: Tip. Cinco de Março, 1874; O Ensino prático da
língua materna para uso dos surdos-mudos. Rio de Janeiro: Tip. Pinheiro, 1885; A imagem da palavra.
Rio de Janeiro, 1886; Almanaque dos amigos dos surdos-mudos. Rio de Janeiro: Tip Pinheiro, 1888.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
45
26 ª Questão que trata da Educação dos surdos-mudos. Embora sejam pareceres
antagônicos, é a definição da pessoa de Tobias Leite feita por Menezes Vieira na
introdução de seu parecer que vai nos dar uma pista importante para a compreensão
da projeção nacional que assumiu o Instituto ao longo dos vinte e oito anos de sua
gestão. Para Vieira, o Doutor Tobias Leite era
um medico intelligente e illustrado,
observador infatigável, conhecedor dos segredos, minudencias, subtilezas e
filigranas do nosso complicadíssimo systema administrativo, zelozo de uma
reputação conquistada em longos annos do serviço público
.
Vale ressaltar o destaque dado ao conhecimento que o diretor tinha do
funcionamento da máquina pública, para o alcance de seu trabalho. De fato, toda a
documentação pesquisada sobre Tobias Leite ou os relatórios assinados pelo próprio
revelam um conhecimento significativo do funcionamento da máquina pública
nacional. Esse destaque pode configurar uma chave de compreensão importante para
que possamos fazer algumas aproximações com a gestão que Ana Rímoli vai
desenvolver no Instituto na década de 1950, também fortemente marcada por um
ideário e uma prática com visão nacional, que pode refletir sua experiência de longos
anos como funcionária do então Ministério de Educação e Cultura.
No escopo de seu parecer, Tobias critica a imprecisão dos dados colhidos pelo
censo de 1872. É que, partindo desses dados, tomou uma série de iniciativas
buscando trazer, sem nenhum custo para as províncias e, muito menos para as
famílias, em sua grande maioria muito pobres, os surdos para serem instruídos no
Instituto. Qual não foi sua surpresa experimentada a cada contato com os presidentes
das províncias ou com autoridades eclesiais. Estes negavam a presença de surdos
onde o censo os tinham registrado. Destaca inclusive que, por ocasião da seca que
assolou a província do Ceará promovendo um fluxo de retirantes de quase cento e
vinte mil pessoas, solicitou ao senador Liberato da Costa Correia, médico e amigo,
que procurasse surdos entre os retirantes para que o Instituto pudesse recebê-los. Mais
uma vez a surpresa de saber que não havia surdos entre eles. Daí a sua insistência em
levantar o quantitativo real de surdos no Brasil. Um outro censo, este do início da
Foi também o primeiro diretor do Pedagogium, fundado, no período republicano por Benjamim
Constant quando Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
46
década de 1880, apresenta um quantitativo bastante superior de surdos em relação ao
Censo anterior. Neste, além da divisão de gênero, surpreende ao apresentar a
condição do surdo se livre ou escravo.
LIVRES ESCRAVOS
CORTE E PROViNCIAS
Homens
Mulheres
Somma
Homens
Mulheres
Somma
Amazonas...........................
16
7 23
Pará...................................
158
73 231 2 3 5
Maranhão............................
198
87 285 16 7 23
Piauhy................................
52
38 90 5 1 6
Ceará.................................
378
244 622 6 8 14
Rio Grande do Norte.............
68
44 112 8 4 12
Parahyba.............................
172
92 264 5 8 13
Pernambuco.........................
222
143 365 30 26 56
Alagoas...............................
63
35 98 3 1 4
Sergipe................................
31
10 44 3 1 4
Bahia...................................
516
420 936 139 153 292
Espírito Santo.......................
23
9 32 4 1 5
Município da Côrte.................
123
70 193 8 8 16
Rio de Janeiro.......................
181
104 285 39 33 72
S. Paulo...............................
676
361 1.037 30 18 48
Paraná.................................
117
58 175 4 2 6
Santa Catharina....................
333
78 411 7 5 12
Rio Grande do Sul.................
283
131 414 17 8 25
Minas Geraes.......................
3.266
1.529 4.795 358 288 646
Goyaz..................................
420
258 678 32 14 46
Matto Grosso........................
93
56 149 4 8 12
7.392 3.847 11.239 720 391 1.311
Fonte: Center For Research Libraries. Relatórios Ministeriais – 1821/1960. Império, 1886, p.64
O registro de dados acerca de escravos surdos é mais um elemento que nos
instiga a investir no estudo, ainda inexistente, do perfil dos alunos que frequentaram o
Instituto, sobretudo na época do Império. Não na documentação pesquisada
nenhuma menção quanto à condição dos alunos, se livres ou se ex-escravos ou
mesmo na remotíssima hipótese de serem escravos. O que pode ser encontrado é uma
referência acerca de como eram subvencionados seus estudos. Embora desde 1857 o
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
47
Instituto pertencesse ao Império, os alunos ingressavam na qualidade de pensionistas
do Estado ou das Províncias a grande maioria ou na qualidade de contribuintes
financiados pelas suas respectivas famílias. alguns casos de meninos que foram
abandonados por suas famílias sem nome, sem nenhuma documentação que
informasse sua origem. Seriam negros na condição de libertos? registros
apontando que alguns meninos surdos, abandonados, ficavam morando no Instituto,
assumindo algumas tarefas de rotina
10
. Nas imagens dos alunos da Instituição
registradas no ano de 1881 (ver anexos), sete anos antes da abolição, temos um perfil
de maioria branca e um de ascendência negra. Parece que não havia restrição em
relação à cor, ao contrário da experiência dos surdos negros americanos
11
.
Na recente obra
A Cor da Escola, Muller (2008) discute, por meio de
fotografias, a presença de negros como docentes e alunos nas escolas públicas
brasileiras na virada do século XIX para o XX. Esse estudo vem contribuir para uma
melhor compreensão do perfil dos atores da escola pública brasileira desde a sua
fundação nas primeiras décadas dos oitocentos. A constatação da significativa
presença de negros - como professores e alunos - nas escolas dos dois últimos séculos
no Brasil aponta para a necessidade de a pesquisa acerca da história da educação de
surdos em nosso país ampliar seu repertório de análise para além das fontes
repetidamente utilizadas, circunscritas ao debate linguístico do campo. Esse estudo
pode contribuir para que possamos traçar o perfil dos alunos que fizeram a história do
Instituto. O Censo acima apresentado nos leva a perguntar se os surdos negros recém
saídos do cativeiro eram aquinhoados pela instrução primária e também, do mesmo
modo, os surdos negros libertos. Muller (2008), discorrendo sobre o perfil dos alunos
negros ou de ascendência negra, afirma:
10
No Relatório do ano de 1871, o diretor Tobias Leite comenta um desses casos: No começo das
ultimas férias, cedendo aos contínuos e instantes pedidos do alumno Joaquim do Maranhão, orphão
da Santa Casa da Misericórdia da província daquelle nome, de idade presumível de 20 anos, robusto
e muito trabalhador, contractei um mestre para ensinar-lhe o officio de sapateiro. Com tão boa
vontade se applicou, que faz todo o calçado necessário para os alumnos.
11
As crianças surdas negras que viviam em Washington não podiam frequentar a escola fundada por
Gallaudet porque esta pertencia à parte do sul segregado. Os surdos negros eram deslocados para
estudar em Maryland onde havia uma escola segregada para negros surdos. A educação segregada para
os alunos surdos negros se estendeu nos Estados Unidos até 1978. (Garcia,1999)
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
48
Mesmo antes da Abolição, tínhamos um significativo número de libertos.
Aproximadamente 95% da população negra no Brasil eram livres à época da abolição
do cativeiro. O 13 de maio de 1888 trouxe a liberdade para 723.000 escravos, numa
população de 12 milhões de pessoas que aqui viviam (REIS,2000). Hebe Mattos,
citada, descreve a diversidade de ocupações econômicas dos libertos no interior do Rio
de Janeiro e no Sul de Minas Gerais. Eram jornaleiros, camaradas, capatazes, pequenos
sitiantes e costureiras. Esforçavam-se para adotar as condutas simbólicas dos homens
livres como o casamento oficial, o registro dos filhos, etc. Esses libertos teriam dado
origem a uma pequena classe média de artesãos e, mesmo, de pequenos funcionários.
Negros e mestiços representavam 37,3% da população carioca, em 1890. (Muller,
2008, p. 91)
Um dado relevante a ser observado nesse Censo é a proporção de surdos
libertos e cativos nas províncias de Minas Gerais, Bahia e São Paulo. Vale lembrar
que são as províncias mais populosas e com intensa atividade econômica. Com
exceção da província de São Paulo, que vinha trabalhando com a mão-de-obra
imigrante, Minas e Bahia apresentam um contingente significativo de surdos
escravos.
Dados imprecisos ou não o fato é que, na defesa pela criação de outros
institutos de surdos, o Doutor Tobias Leite utiliza esses números propondo distribuí-
los da seguinte maneira:
- Três na província de Minas Gerais (Diamantina, Barbacena e Uberaba);
- Dois na província da Bahia (Feira de Santana e Caravelas);
- Dois na província de São Paulo (Capital e Tietê);
- Um na província da Goiás;
- Um na província do Ceará, que atendesse aos surdos das províncias do Piauí,
Maranhão e Pará;
- Um na província de Pernambuco, que atendesse aos surdos das províncias do
Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Sergipe.
Para o Instituto localizado no Rio de Janeiro, ficaria a tarefa de atender também
aos surdos do Espírito Santo e o encargo de preparar professores em um curso normal
destinado a habilitar profissionais para os Institutos a serem criados. No relatório
ministerial do ano de 1886, consta que o curso normal não funcionou por falta de
alunos.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
49
Vale destacar que o Doutor Tobias já defendia que o Instituto deveria assumir o
seu papel de
ser o centro d’onde partissem o impulso e os modelos dessa difficílima
especialidade da educação popular.
Essa compreensão de que as ações do Instituto deveriam ser de âmbito nacional,
assumida por Tobias Leite e consubstanciada em muitas de suas ações, vai se
consolidar somente quase um século depois no projeto nacional desenvolvido na
década de 1950.
No parecer a que estamos nos referindo, o Doutor Tobias defende apenas o
nível de educação primária para os surdos, dizendo que o objetivo não era o de
formar homens letrados. Sendo de classes de baixa segmentação econômica, seria
melhor oferecer-lhes o ensino agrícola pelas características do Brasil e, também,
como médico que era, argumentava achar a vida no campo mais saudável para o
surdo. Nas cidades lhes restavam a profissão de artista ou de operários, o que
segundo ele, tornava-os vulneráveis à exploração de chefes de oficinas ou de
empresários cruéis. No campo, com a vida mais calma, estariam protegidos.
Ainda nesse parecer, o diretor defendia que instituições de atendimento aos
surdos fossem públicas, de encargo municipal com a colaboração das províncias e do
Império. A este caberia o encargo de manutenção do pessoal docente, às províncias, a
parte material e às municipalidades, a manutenção dos alunos. Quanto às meninas,
como vimos acima, dizia ser impossível serem educadas em ambientes mistos. Os
internatos para ambos os sexos não
fazia parte de nossos costumes. Um internato
exclusivo para meninas, como havia em alguns países da Europa, era impensável
numa sociedade que não oferecia possibilidades de emprego para as mulheres. Para o
diretor a instrução deveria ter como meta oferecer mão de obra para as atividades
agrícolas, portanto as meninas estavam fora desse projeto. Reconhecendo seu direito
à instrução, recomendava o ensino em casa ou a admissão em escolas do sexo
feminino. Quando recém empossado diretor, no ano de 1869, termina o seu relatório
dirigido às autoridades do Império com as seguintes palavras sobre o ensino para as
meninas:
Existem no Instituto duas alumnas que se approximão da puberdade. Chegando a
esta idade, sou de opinião que sejão retiradas do Instituto, embora não tenhão,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
50
como não teráõ concluido a instrucção litteraria, porque sem inconvenientes não
podem n’elle continuar a residir. (Relatório Tobias Leite, 1869, p. 7)
Na resistência a essas ideias estava Nísia Floresta
12
em sua obra denominada
Opúsculo Humanitário, publicada em 1853, trinta anos antes do parecer de Tobias.
No texto abaixo, ressentindo-se da precariedade qualitativa e quantitativa da educação
oferecida às mulheres nos anos oitocentos, Nísia faz duras críticas acerca da educação
no Brasil, baseada em dados da Instrução Pública relativos ao ano de 1852. Embora
um pouco longo, penso ser relevante registrá-lo:
Pelo Quadro Demonstrativo do Estado da Instrução Primária e Secundária das
Províncias do Império e do Município da Corte
, no ano de 1852, vê-se que a estatística dos
alunos que frequentam todas as aulas públicas monta a 55.500, número tão limitado para a
nossa população, e que neste número apenas 8.443 alunas se compreendem.
Basta refletir nesta desproporção, para julgar-se do atraso em que se acha a instrução do
sexo, tão mal aquinhoado na partilha do ensino pago pelo governo. Nenhuma proporção há,
como vamos ver, entre as escolas primárias de um e de outro sexo.
Na província de Minas, onde a instrução se acha mais geralmente difundida, entre 209
escolas de primeiras letras, 24 pertencem ao sexo feminino. Considerando-se esta tão
desproporcional diferença, o sexo parece permanecer ali debaixo da influência do anátema
que fulminara sobre ele um dos mais notáveis presidentes daquela província. Tratando das
cadeiras públicas de ensino primário, dizia ele que “deve-se ensinar às meninas tudo quanto
convém que saiba uma mulher, que tem de ser criada de si e de seu marido” Este severo
administrador abstraiu, por sem dúvida, do século em que falava ou confundiu um povo
livre, o digno povo mineiro, com a mafaldada população de escravos que infelizmente o
Brasil contém em seu seio.
Na ilustrada Bahia, de 184 escolas primárias, 26 somente são de meninas. Menos egoísta
para com o sexo a sua rival na glória, o heroico Pernambuco, fiel a suas tradições, lhe
sobressai em equidade, pois que, de 82 escolas, 16 pertencem ao sexo feminino.
A província do Rio de Janeiro, com 116 escolas, ao sexo 36. No município da Corte, a
sede do governo imperial, onde devia-se mais facilitar a instrução do povo, acham-se
apenas criadas 9 aulas de meninas.
As demais províncias apresentam proporcionalmente a mesma escassez de recursos para o
cultivo da inteligência da mulher, e algumas há cujo estado de instrução pública não chegou
ainda ao conhecimento do governo geral.
Acrescentemos agora ao medíocre número dessas escolas a confusão dos métodos, das
doutrinas seguidas pelas professoras, quase sempre discordes em seus sistemas e, como
observamos, em grande parte sem as necessárias habilitações, e teremos, reduzido à
expressão mais simples, o número da nossa população feminina que participa do ensino
público e o grau de instrução que recebe. (pp. 81-83)
12
Uma mulher de muitos nomes: Dionísia Pinto Lisboa, Dionísia Gonçalves Pinto, Nísia Floresta
Brasileira Augusta ou Nísia Floresta nasceu na primeira década dos oitocentos, 1809 ou 1810 (o ano de
seu nascimento é impreciso) na então capitania do Rio Grande do Norte. Era filha do advogado
português Dionísio Gonçalves Pinto Lisboa e da viúva brasileira Antônia Clara Freire. A partir de
1834, Nísia começa como autodidata a carreira no magistério. Durante 17 anos mantém um
estabelecimento de ensino para meninas O Colégio Augusto que começou a funcionar no ano de
1838. O Colégio funcionou inicialmente na Rua Direita, 163 (hoje Rua de Março), e depois à Rua
Manuel, 20, com entrada pela Travessa do Paço, 23. Nísia Floresta é considerada uma das primeiras
mulheres no Brasil a se utilizar do jornal para defender suas ideias feministas. O livro
Opúsculo
Humanitário
é composto por uma reunião de artigos publicados no Diário do Rio de Janeiro e depois
n’
O Liberal entre os anos de 1852 e 1853.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
51
Nesse quadro adverso, vale ressaltar que dentre os primeiros alunos da
instituição, que foram contratados para atuarem na função de repetidores, estava uma
mulher. Maria Pereira de Carvalho era natural de Rio Claro, distrito de Barra Mansa.
Entrou para o Instituto na gestão de Huet no ano de 1858, aos nove anos de idade.
Veio junto com seus dois irmãos, também surdos. Aos quinze anos, começou atuar
como repetidora permanecendo na função no período de 1864/1868. Provavelmente
teve sua atividade pedagógica interrompida em função da alegação desenvolvida pelo
diretor, contrária à presença de mulheres no Instituto.
o parecer final do professor Menezes Vieira faz uma pequena remissão
ao ensino das meninas surdas relativa à educação doméstica:
Para que a educação effectue-se mais rápida e proficuamente convirá tornar evidente:
Que a palavra articulada póde ser adquirida pela vista e pelo tacto;
Que a leitura sobre os lábios deve ser ensinada desde os primeiros annos.
Afim de vulgarisar estas idéas cumpre:
Que os vigários propaguem-n’as entre os seus comparochianos;
Que nas escolas primarias o ensino da leitura e da escripta seja feito pelo mesmo
processo empregado nos institutos de surdos-mudos;
Que nessas escolas, especialmente nas de sexo feminino, em um dos livros
de leitura expressiva trate-se da primeira educação que o surdo-mudo deve
receber no seio da família. (p.6)
Quanto ao ensino, sua defesa era pela linguagem articulada para todos os
alunos e não somente para os que apresentassem condições ideais. Portanto, os
pareceres eram antagônicos nessa questão. No entanto, ambos concordavam em não
contemplar o ensino além do primário, compreendiam a educação de surdos como
uma modalidade da educação popular. Em relação à polêmica linguística, a oposição
aqui era entre o foco no ensino da língua escrita, defendida pelo Doutor Tobias e o
foco no ensino da língua oral, defendida por Menezes Vieira. Para este, de nada
valeria desenvolver habilidades de escrita para os surdos numa sociedade
majoritariamente iletrada. Argumentava que os que sabiam ler e escrever logo
perdiam essa habilidade por não ter onde empregá-la. Em seus cotidianos, o trabalho
que conseguiam, seja no campo ou nas cidades, não demandava leitura nem escrita.
Esse debate se insere nas discussões sobre escolarização das camadas
populares no final do século XIX.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
52
As classes alcançadas pela estrutura educacional desse século eram as mesmas
que estavam no topo da economia. As poucas escolas públicas existentes serviam, em
sua grande maioria, aos filhos dessa elite. A assimetria entre as classes também se
dava por regiões, sendo que as mais prósperas ofereciam um maior número de
serviços escolares. Uma das escolas públicas que atendia a um segmento da elite
nacional era o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Vale destacar que muitos de seus
professores atuavam também no Instituto.
A circulação das ideias no final do século XIX relativas à educação também
se fazia presente no debate que se praticava quanto aos métodos adotados na
educação de surdos, como vimos acima.
Além dos pareceres de Menezes Vieira e Tobias Leite, um outro exemplo é o
do professor Cândido Jucá
13
, que ensinava alemão no Colégio Pedro II, e que, no
Instituto, inicialmente, atuou como professor de linguagem escrita. Jucá era um
ardoroso defensor do trabalho de desenvolvimento da fala do surdo. Logo assumiu,
com êxito, a cadeira de linguagem articulada cujos pressupostos tem sido
denominado ao longo das últimas décadas de oralismo
14
. Jucá foi bastante ousado em
relação ao ensino de língua em sua época. Embora fosse conhecedor do modo como
era trabalhado esse ensino nas melhores escolas da Alemanha, da França e da Itália,
cuja recomendação era partir do fonema para chegar à frase, Jucá invertia o processo
e partia da frase para ensinar a língua. O sucesso de seu trabalho foi registrado no
Jornal do Comércio do dia 5 de dezembro de 1898. Consta que, na presença do então
ministro Epitácio Pessoa, um aluno de nome Laurindo repetiu uma quadra de
Casimiro de Abreu, lendo nos lábios do professor.
13
Cândido Ju(1865/1929) nasceu no Ceará e esteve ligado ao movimento abolicionista em sua terra
natal. No ano de 1884, quando o Ceará libertou os seus escravos, Jucá era orador de uma sociedade
intitulada “A libertadora”, composta por negros alforriados e abolicionistas. Entrou para o então
Instituto Nacional de Surdos Mudos através de concurso. Estudou fonologia alemã, cujos pressupostos
serviam de base para o seu trabalho de desenvolvimento da linguagem articulada pelos surdos. À sua
vertente de pensamento deixou um continuador que foi o professor Saul Borges Carneiro.
14
Conjunto de formulações que preconiza como etapa fundamental do processo de educação de surdos
o desenvolvimento da capacidade de leitura labial e de fala. Inúmeros métodos foram desenvolvidos
para trabalhar a oralização dos surdos nos últimos séculos. No século XXI, destacam-se o Gulberina e
o desenvolvido pelo Dr. Gui Perdoncini.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
53
Destaca-se que, a essa altura, o alto índice de analfabetismo presente no Brasil
incomodava a progressistas e conservadores. Estes porque disputavam um pequeno
contingente de eleitores que somente os alfabetizados tinham o direito de voto. A
ideia de alfabetização dos surdos também estava posta como um desafio. É possível
afirmar que tanto a proposta do ensino pela escrita quanto a do ensino pela leitura
labial e articulação labial incluíam-se na agenda da discussão sobre alfabetização das
camadas populares do país, das quais os surdos, em sua maioria, eram parte. Ainda
que de modo circunscrito às fases iniciais do processo de escolarização, podemos nos
distanciar da ideia de que o ensino aos surdos no Instituto estivesse exclusivamente
ligado ao ideal de caridade, como afirma Soares (1999, p.115),
(...) pode-se verificar o distanciamento que houve entre os dois tipos de ensino, assim
como pela história da educação, os caminhos entrecruzados da educação comum e da
educação de surdos, os condicionantes históricos que fizeram com que a educação dos
normais fosse encarada no âmbito do direito, da cidadania e o ensino dos surdos se
mantivesse nas raias do assistencialismo, isto é, do dever moral.
É difícil seguir sustentando essa ideia dentre outras razões pela indubitável
riqueza dos conteúdos do debate acerca da educação de surdos praticados no Instituto.
O que podemos afirmar é que o fato do Instituto ser de âmbito público e da
administração federal esteve vulnerável às inúmeras condicionantes políticas,
mormente àquelas pelas quais o seu funcionamento era brutalmente alterado. É
preciso que desenvolvamos um esforço de compreensão da dinâmica das gestões e da
correlação de forças entre seus sujeitos e suas ideias. Portanto é através dessas
determinantes que podemos entender o perfil asilar que eventualmente a instituição
assumiu e não como um valor intrínseco ao seu funcionamento.
Nas primeiras décadas do regime republicano, o Instituto oferecia, além da
instrução literária, o ensino profissionalizante. A terminalidade dos estudos estava
condicionada à aprendizagem de um ofício e não à aquisição de habilidades de leitura
e ou escrita. Os alunos frequentavam, de acordo com suas aptidões, oficinas de
sapataria, alfaiataria, gráfica, marcenaria e, também, com a presença das meninas
na década de 1930, em regime de externato, oficinas de bordado. Parece que o sentido
do ensino desses ofícios está implicado com a urgência de tornar os surdos, cuja
grande maioria era de baixa estratificação econômica, viáveis socialmente.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
54
Conhecendo uma profissão poderiam gerir sua própria vida. É possível que a
orientação profissional tenha contribuído para que a instituição, na primeira metade
do século XX, estivesse mais voltada para o seu cotidiano e, com isso, sua atuação
em nível nacional, marca da gestão de Tobias Leite, fosse ficando restrita aos alunos
que receberia de todo o Brasil. A despeito das propostas formuladas pelo Doutor
Tobias em 1884, relativas à necessidade de criação de outros Institutos para atender
aos surdos de todo o Brasil, até o final da década de 1920, havia, além do INES,
um asilo para moças surdas em Itajubá, Minas Gerais, sem finalidade de ensino, o
Instituto Central do Povo
15
no Rio de Janeiro e o Instituto Rodrigues Alves
16
no
estado de São Paulo.
2.2
O Instituto no âmbito das Laranjeiras
Em 1907, assume a direção do Instituto o Doutor Custódio Ferreira Martins
cuja gestão terá a duração de vinte e três anos, indo até o ano de 1930. Penso ser
importante aqui fazer alguma consideração sobre fatores que concorrem para que se
construa o perfil de uma gestão
17
. O grande marco desse período foi a obra de
ampliação das dependências do Instituto situado na Rua das Laranjeiras desde
15
O professor do Instituto João Brasil Silvado Jr. fundou a Associação Brasileira dos Surdos Mudos -
A.B.S.M.- que funcionava nas dependências do Instituto Central do Povo, associação evangélica de
natureza filantrópica. O Estatuto da Associação, datado de 24 de maio de 1913, descreve em seu artigo
de 2 o objetivo principal da Associação:
Promover tudo que for para o bem dos surdos mudos do
Brasil, physica, moral, intellectual e socialmente.
Em dezembro de 1914, é publicado o primeiro
número do Euphphata, jornal mensal da A.B.S.M. que tinha como redator-chefe o professor Silvado e
os redatores surdos Ernesto da Conceição e Jeronymo dos Santos. O último número do jornal saiu em
1916.
16
No ano de 1905, chega a São Paulo o professor italiano Nicoláo Carusone, habilitado pela Escola
Normal anexa ao R. Istituto Nazionale pei Sordo-Muti de Milão. Adepto do método oral puro, funda,
em São Paulo, o Instituto Paulista de Surdos Mudos “Rodrigues Alves”.
17
Estou assumindo como gestão um conjunto de práticas em uma dada instituição, nesse caso o
Instituto de Surdos, que reflete a política praticada nacionalmente, as ideias sobre educação geral e
educação de surdos que circulam entre os sujeitos, as vozes antagônicas de seus profissionais, as
características sócio-históricas de seus alunos e o perfil do gestor.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
55
meados do século XIX, mais precisamente no ano de 1877. As obras tiveram seu
início em 1913, sendo que a nova sede ficou pronta no ano de 1915.
A construção desse prédio foi feita pela firma Poley Ferreira e Companhia,
mediante concorrência pública. O prédio anterior
18
foi todo abaixo. O argumento
principal para a ampliação era a de criar uma seção feminina. Algumas alunas
frequentavam ilegalmente, no Instituto, as aulas do professor Saul Borges. Em alguns
casos, eram atendidas pelo mesmo professor no Colégio Orsina da Fonseca,
localizado na zona norte do Rio de Janeiro. Em função dessa
ilegalidade, o Diretor
Custódio Martins envia ao Ministério da Justiça e Negócios do Interior (ao qual o
Instituto era subordinado), em 17 de abril de 1915, um pedido de desculpas por
permitir que as meninas frequentassem as aulas do professor Saul Borges
19
,
relevando, no entanto, que faziam sem custo para o Governo.
Em 1911, o Decreto de 9.198, em seu artigo 09, propõe a retomada do
método oral puro em todas as disciplinas. Assim, os três professores de Linguagem
Escrita foram transferidos para as três recém criadas cadeiras de Linguagem
Articulada e Leitura sobre os Lábios, que apenas uma vinha funcionando desde
1887. Essa discussão será retomada no terceiro capítulo desse trabalho, oportunidade
em que será discutido o projeto linguístico da gestão de Ana Rímoli. Nesse mesmo
decreto foi criada a seção feminina, fato este que vai aumentar a pressão para a
realização das obras de ampliação do prédio.
No ano seguinte, os professores organizaram novos programas para o ensino
da Linguagem, posteriormente aprovados pelo Ministro do Interior. em 1914, no
18
Em 18 de março de 1881 o Instituto foi transferido para um prédio na rua das Laranjeiras. O prédio
era construído por dois pavimentos. O primeiro pavimento tinha dez janelas com frente para a rua. O
segundo, consistia num corpo central superposto às quatros janelas do centro do primeiro pavimento,
tendo igual número de janelas de sacada. Em 1891 foram realizadas obras de acréscimo de dois corpos
laterais, abrindo-se em cada um destes lances, três janelas de peitoril (Notas de fichário destinadas ao
Dicionário Topográfico e Histórico da cidade do Rio de Janeiro – Noronha Santos).
19
Saul Borges Carneiro entrou para o Instituto no ano de 1907 na função de professor repetidor. Junto
com seu contemporâneo João Brasil Silvado Jr, exerceu importante influência no debate educacional
praticado no Instituto. Ambos foram referências importantes para outros profissionais da instituição. O
professor Silvado era mais alinhado ao método combinado (escola francesa) enquanto que o professor
Saul Borges era mais ligado ao método oral (escola alemã). Mantiveram discreta e elegante
discordância fazendo inúmeros discípulos dentre eles o professor Geraldo Cavalcanti, figura destacada
da educação de surdos, alinhado às ideias do professor Silvado.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
56
terceiro ano de experiência com o Método Oral Puro, os resultados não foram
positivos. O Diretor Custódio Martins envia Relatório ao governo insistindo na
proposta de adaptar métodos de ensinos mais adequados às várias aptidões e
capacidades dos alunos do Instituto, como veremos mais adiante.
No ano de 1920, em mensagem apresentada ao Congresso Nacional
20
, o
Presidente da República, Epitácio Pessoa, critica a construção do novo prédio:
Nada justifica a instalação atual desse estabelecimento num prédio suntuoso, muito
mais apropriado a uma escola superior do que a de um serviço de assistência
pública. Transferi-lo para outro local é providência que se me afigura acerta, e,
então, com o rendimento das apólices doadas pelo Congresso, os dois imóveis que
possui o Instituto e o das suas próprias oficinas, poderia este substituir por si
mesmo, e exonerar, assim, o Tesouro de tamanho encargo. Confiada ao Conselho
Administrativo dos Patrimônios a direção, continuaria o Ministério do Interior e
superintendê-la, sem as desvantagens do regime atual. (p. 72).
O destaque dado pelo Presidente da República à suntuosidade do prédio faz-
nos compreender a utilização das dependências do Instituto para o funcionamento de
inúmeras repartições federais. Mesmo depois de inaugurado, como vimos acima, a
seção feminina não foi imediatamente criada. Funcionavam no prédio do Instituto até
meados da década de 1930: a Comissão Rondon, o Juízo de Menores, a Polícia de
focos do Disctrito e a Inspetoria de Fronteiras. A ocupação se estendeu até os anos
1940, com a presença, em suas instalações, da Escola Nacional de Educação Física
21
.
Em janeiro de 1925, através do Decreto nº. 16.782, é organizado o
Departamento Nacional de Ensino, passando o INES e o Instituto Benjamin
Constant
22
, à classe de estabelecimentos profissionalizantes. Um ano depois, em
1926, é publicada a tese de doutoramento em medicina do Doutor Arnaldo de
Oliveira Bacellar, pela faculdade de Medicina de São Paulo. Intitulada A Surdo-
20
A Educação nas Mensagens Presidenciais, período de 1890-1986, V.I, MEC/INEP, Brasília, 1987.
21
Dentre as inúmeras repartições que funcionaram nas dependências do Instituto, estava a Escola
Nacional de Educação Física e Desportos. Após a construção em 1939 de um moderno Ginásio
Esportivo para os alunos surdos, o Ministério da Educação baixou uma determinação para que a Escola
funcionasse nesse espaço. Alunos dessa Escola passaram a fazer parte do cotidiano da instituição,
inclusive a mais célebre, a atriz Tônia Carreiro.
22
O Instituto Benjamim Constant foi fundado no ano de 1854 para o atendimento a escolares cegos.
Funciona no bairro da Urca no Rio de Janeiro. Sua estrutura regimental é similar a do INES.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
57
Mudez no Brasil, trata-se de uma rica explanação acerca de temas referentes à surdez
tais como: breve histórico sobre a questão da surdez e do surdo, etiologia, anátomo-
patologia, prevenção, legislação e, por fim, comentários sobre instituições brasileiras
que atendem surdos. O Instituto foi um dos locais visitados pelo médico. Em
decorrência dessa visita o Doutor Bacellar formulou pesadas críticas à gestão do
Doutor Custódio:
(...) visitando este Instituto em setembro passado, e, francamente, enorme foi a nossa
desillusão. O Instituto propriamente funciona na ala esquerda do prédio, sendo a outra
ocupada por diversas repartições federais. Desde a entrada, nota-se em todos os cantos
a falta de uma administração enérgica e efficiente como requer um Instituto desta
natureza. Falta ordem, falta asseio, falta disciplina, falta tudo...
Alumnos maltrapilhos e descalços, recebendo instrucção péssima, não por falta de
professores ou incompetência delles, muito pelo contrário, mas por falta absoluta de
material escolar- não há papel, nem lápis, nem livro; a biblioteca e o museu aos poucos
foram se dissolvendo, pouco restando delles actualmente. Vai à aula o alumno que
quer ir, porquanto não quem o obrigue a isso. Quanto a méthodos de ensino, não
existem, por quanto, verdadeiramente, não existe ensino. Não seleção de alumnos-
encontramos lá, desde o surdo mudo verdadeiro até o perfeito idiota.No estado em que
está, o Instituto Nacional de Surdos Mudos representa o typo mais acabado de Instituto
de “fachada” estando transformado em um mão e decadente asylo para aquelles
infelizes.(pp. 101-102)
Tal consideração aponta para o funcionamento do Instituto mais como asilo do
que como uma instituição educacional. A mesma crítica fez o Doutor Tobias em
1868, quando foi designado para fazer avaliação do trabalho realizado no Instituto.
Com efeito, o perfil assumido pela gestão do Doutor Custódio estava longe do perfil
assumido pela gestão Tobias Leite. Vale lembrar que ambas as gestões foram longas.
A gestão de Tobias Leite durou vinte e oito anos e a de Custódio Ferreira Martins,
vinte e três. A fim de estabelecer uma avaliação comparativa entre essas duas gestões
relativa à projeção nacional do Instituto podemos afirmar que a primeira revelou um
alinhamento a essa perspectiva, a do Doutor Custódio esteve mais voltada para as
obras de ampliação da sede e para o investimento nas oficinas, mesmo antes da
instituição ser transformada por decreto em instituição de ensino profissionalizante. A
projeção que o Instituto vai alcançar nesse período é da excelência do trabalho em
suas oficinas. Na documentação desse período, predominam despachos de inúmeras
repartições públicas e privadas solicitando trabalhos de encadernação realizados pelos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
58
alunos. A qualidade desses trabalhos era bastante conhecida e comentada no Rio de
Janeiro.
Desse modo, a atuação em âmbito nacional do Instituto parece ter refluído, não
havendo mais o registro de publicações de relevância para o ensino ou outros meios
de divulgação das ideias sobre educação de surdos que, naturalmente, continuavam
circulando no âmbito da instituição.
O final do governo do presidente Washington Luís (1926/1930) foi um período
de grande agitação em função das disputas entre as forças políticas que agiam para
fazer seu sucessor. Getúlio Vargas, candidato da Aliança Liberal, vence a disputa e
inicia um longo e importante período da história do Brasil, conhecido como Era
Vargas.
As transformações pelas quais estava passando o país também refletiram na
rotina do Instituto. Em meados da década de 1920, dois jovens médicos otologistas,
Doutor Armando de Paiva Lacerda
23
e Doutor Henrique Mercaldo, tinham seus
trabalhos de reeducação auditiva reconhecidos no ambiente científico e amplamente
divulgados pela imprensa.
Em uma das matérias do Jornal
O Globo do dia 19 de março de 1926, o Doutor
Armando explica os fundamentos do método de reeducação auditiva. Junto com o
Doutor Mercaldo, dividiam um mesmo consultório onde trabalhavam o método
desenvolvido por Zund-Burguet, considerado a maior autoridade em otologia clinica
da época. Tratava-se da Kinesitherapia do ouvido:
tratamento rigorosamente dosado,
por meio de vibrações sonoras, excitante natural do órgão auditivo, associados à
trepidação molecular
. Quanto aos resultados, diz, na reportagem acima mencionada,
que o sucesso é maior ou menor segundo circunstâncias que estão na
dependência
direta do tempo da anormalidade auditiva, do estado geral do enfermo, da natureza
da surdez.
23
Armando Paiva Lacerda nasceu no ano de 1898 em Petrópolis no Estado do Rio de Janeiro. Formou-
se em medicina pela Universidade do Rio de Janeiro. Pertencia a uma família de políticos, alguns
ligados ao Partido Comunista e a Luis Carlos Prestes. Era filho de Edmundo de Lacerda e Elvira Paiva
de Lacerda. Foi diretor do Instituto no período 1930/1947. Seu primo, Carlos Lacerda, foi Governador
do Estado da Guanabara e político influente por mais de duas décadas.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
59
Decerto que o reconhecimento público do importante trabalho desenvolvido
pelo Doutor Armando contribuiu para que o chefe do governo provisório, Getúlio
Vargas, em 1930, o nomeasse diretor do Instituto. Sua posse foi amplamente
divulgada pela imprensa.
A princípio, o Doutor Custódio relutou em passar-lhe o cargo; depois,
rendendo-se às evidências, deu uma declaração que pode ser compreendida como
uma alegoria das transformações pelas quais o Brasil estava passando que
culminaram na derrocada da República Velha e na chegada da Era Vargas:
Hoje não
valho mais nada: sou um vencido, um traste inútil que o governo revolucionário pôs
de lado
(Jornal A Noite, 20/12/1930)
Enquanto isso, o Doutor Armando Lacerda era muito festejado, inclusive pela
então responsável pela Página de Educação do Diário de Notícias, poetisa Cecília
Meireles
24
. Sabe-se que, em toda a obra de Cecília, a infância tem um lugar de
destaque não em sua produção poética como em seus textos sobre educação. Com
o título
Justiça Social para a Criança Brasileira, Cecília inicia uma série de visitas a
instituições de proteção e educação especializada para saber como o Brasil cuida da
infância mal favorecida. As crônicas publicadas nos dias 11, 12 e 14 de fevereiro são
decorrentes de sua visita ao então Instituto Nacional de Surdos-Mudos. As três
crônicas publicadas encontram-se ordenadas de maneira que a primeira apresenta
uma discussão sobre o sentido da educação, faz críticas à educação na Republica
Velha e introduz o tema da surdez baseada na tese do Doutor Arnaldo de Oliveira
Bacellar. Ainda nesta primeira crônica, fica claro o seu apoio político ao jovem
médico Armando Paiva Lacerda, que assumiu a direção do Instituto identificado com
os ideais escolanovistas. Na segunda crônica, Cecília Meireles narra sua visita à
instituição e também comenta seu contato com as crianças surdas, oportunidade em
que sua poética dialoga com um mundo, para ela desconhecido, de crianças que falam
com as mãos.
24
Cecília Meireles formou-se professora em 1917 pela Escola Normal do Rio de Janeiro. Em 1930,
assumiu a direção de uma página diária sobre educação no Jornal
Diário de Notícias do Rio de Janeiro.
Foi signatária do
Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, documento dirigido ao povo brasileiro e ao
governo em 1932, cujo conteúdo apontava a necessidade da reconstrução educacional no Brasil. O
Manifesto era em defesa da educação leiga, pública e gratuita.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
60
E assim com esse rythmo de que vae realizar uma obra em que põe toda a sua
esperança, e de quem tem confiança no idealismo verdadeiro dos homens da
Revolução, que o doutor Armando Lacerda nos conduz pela ala esquerda do edifício.
Há uma larga escada que vae ao segundo pavimento. Sob essa escada longos bancos de
madeira. E, de um lado para outro, espreitando curiosos, gesticulando, rindo,
encolhendo-se com desconfiança pelos cantos, ou olhando passivamente ao acaso,
umas doze crianças vestidas de macela azul, nos apparecem, com essa estranha
physionomia dos que não ouvem e não falam, e que nos dão a impressão de os
podermos, de repente, desencantar........
Vamos recebendo instrucções sobre a sua mimica.
Um bate no meio da testa, comunicando-se com o companheiro.
-Está indicando que eu sou o director, diz-nos o doutor Armando Lacerda.
Outro, junta todos os dedos e abre-os depois no ar, imitando uma explosão. Refere-se
ao magnésio da photographia. A certeza de que vão ser photographados enche-os de
alegria. Endireitam a roupa, abotoam a gola, tomam, mesmo, attitudes de certa
importância, e divertem-se muito com todos esses preparativos.
Pela primeira vez nos encontramos deante de tantos surdos-mudos. Passa-nos pela
cabeça um mundo de coisas varias. Todo o mysterio do pensamento daquellas crianças
pertuba-nos. Lembramos esse milagre das communicações entre o nosso espírito e o
ambiente. Ocorre–nos o velho aphorismo: “Nada existe no pensamento que não tenha
passado pelos sentidos”... (Cecília Meireles. In: Jornal
Diário de Notícia,12/02/1931,
p.7)
A terceira crônica é uma entrevista com o Doutor Armando que apresenta sua
proposta de gestão para o Instituto, efusivamente apoiada pela poetisa (Rocha, 2006).
O início da gestão do Doutor Armando foi destinado a reorganizar a
instituição. Tinha que enfrentar o problema das inúmeras repartições públicas
ocupando boa parte das instalações e a questão do acesso às meninas surdas ao
Instituto, recebendo pressão inclusive de uma organização feminista denominada
Aliança Nacional das Mulheres. Em 1932, é finalmente criada uma seção feminina
com oficinas de costura e bordado, funcionando apenas em regime de externato.
A questão da utilização do espaço era grave que as atividades do Instituto
eram desenvolvidas na ala esquerda do prédio. O restante estava destinado às
repartições, dentre elas a Comissão Rondon.
O ensino era diferenciado e dividido em linguagem escrita, linguagem oral
(leitura labial) e linguagem oral/auditiva, oferecida aos que tivessem resíduo. A
terminalidade era alcançada quando o aluno dominasse uma profissão das muitas
oferecidas nas oficinas da instituição, tais como encadernação, sapataria, alfaiataria,
modelagem e marcenaria.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
61
Em 1936, o Jornal A Noite Illustrada realiza uma grande matéria sobre o
Instituto, com muitas fotografias que retratavam o ambiente das salas de aula, das
oficinas, dos pátios e dos alunos em muitas das suas atividades. Dentre essas
fotografias, uma merece destaque. Trata-se de uma imagem muito significativa na
qual dois alunos sentados na bela escadaria interna da instituição conversam através
de sinais. É uma imagem que acolhe em seu conteúdo um dos muitos sentidos dessa
centenária instituição. A reportagem é uma importante oportunidade para que o
Doutor Armando pudesse apresentar aos leitores do Jornal e, conseqüentemente, à
sociedade, o que acontece na
Caza do Silêncio, referência utilizada pelo repórter. O
diretor apresenta, entre outras coisas, o seu projeto de ensino, as oficinas
profissionalizantes, a seção feminina e, também o professor surdo Antonio Pitanga
25
,
premiado artista, destacando, nessa oportunidade, a importância para os surdos serem
instruídos por seus semelhantes que atingiram um lugar de prestígio na sociedade.
Pouco mais de um mês da publicação dessa matéria, em 15 de outubro de
1936, uma senhora de nome Regina de Souza Frota envia à instituição uma carta em
que se mostra bastante entusiasmada ao tomar conhecimento do trabalho realizado
com os meninos surdos. Comenta que leu a matéria e que esta encheu-a de esperança
em relação ao seu filho surdo. Pede esclarecimentos quanto aos procedimentos que
deverá tomar para matriculá-lo. O rapaz havia estudado no Instituto Rodrigues
Alves, fundado pelo Sr. Caruzone, situado na cidade de São Paulo, que foi fechado
quando este faleceu.
Vale lembrar que o diretor tinha excelentes relações com a imprensa e,
também, com a intelectualidade nacional. Além de Cecília Meireles, que mostrava-se
bem próxima ao diretor, outro expoente da cultura brasileira, Carlos Drummond de
Andrade, também tinha uma convivência com o Doutor Armando, naturalmente
intensificada pela função exercida como chefe de gabinete do ministro da Educação e
Cultura Gustavo Capanema. Há muitos despachos no acervo do INES assinados pelo
25
Antônio Edgard de Souza Pitanga era surdo, nasceu em Pernambuco e foi formado pala Escola de
Belas Artes. Foi vencedor de vários prêmios como Grande Medalha de Prata (Menino Sorrindo),
Grande Medalha de Ouro (Ícaro) e o prêmio Viagem à Europa com a escultura Paraguassú. Foi
professor do Instituto onde lecionou as disciplinas de Desenho e Trabalhos Manuais. Morreu com
apenas 48 anos em 1940. Consta no acervo do Instituto um retrato seu pintado a óleo pelo pintor H.
Cavalheiro.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
62
poeta. Num deles Drummond solicita vaga para um surdo de família conhecida
frequentar as oficinas.
Ainda em 1936, o diretor fala ao Jornal
O Globo sobre os problemas das
repartições que funcionavam dentro do Instituto. Naquela altura, o Ministério da
Guerra, que tinha a Inspetoria de Fronteiras funcionando na ala direita do prédio
desde 1918, propunha uma indenização pelo tempo de ocupação e um pagamento de
aluguel para permanecer ocupando. O acordo foi entendido como vantajoso para a
Instituição, porque, além da indenização e do aluguel, havia o compromisso de se
construir um pavilhão para as oficinas de madeira e, também, um elevador para
serventia geral do Instituto (
O Globo, 25/03/1936, p.2)
Finalmente, em 1937, as obras de ampliação têm início, transformando as
dependências da instituição num grande canteiro de obras. As aulas foram suspensas
por quase cinco anos. Foram construídos nesse período o ginásio esportivo,
considerado um dos melhores da época, as oficinas profissionalizantes, o elevador e o
auditório. Também foram realizadas obras de ampliação nos espaços dos segundo e
terceiro andares. Essas ampliações são conhecidas pelos funcionários da instituição
como “orelhas”.
Com as aulas suspensas, somente alguns poucos alunos permaneceram no
Instituto por não terem onde ficar. Portanto, alguma atividade foi mantida no período
de duração das obras. Embora a atuação do Instituto, em âmbito nacional, tenha
ficado restrita tão somente ao recebimento de alunos de todo o Brasil tal como a
gestão de Custódio Ferreira Martins, não encontramos aproximações significativas de
sua gestão com a de seu antecessor.
O Doutor Armando tinha de fato um projeto de forte base científica para o
Instituto alinhado ao ideário escolanovista. Como vimos, reorganizou a instituição,
ampliou suas dependências, trouxe as meninas de volta, criou outras oficinas e
transformou o Instituto num campo de pesquisas sobre a surdez. Incentivou a visita
de cientistas ao Instituto e, também, proporcionou viagens de professores aos centros
europeus e americanos que trabalhavam com as questões da surdez. Na qualidade de
médico, pesquisou técnicas de reabilitação auditiva e da fala, levantou estatística
sobre etiologia da surdez, construindo suas propostas a partir desses dados.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
63
No relatório que o Doutor Armando envia ao então Ministro da Educação e
Saúde, Gustavo Capanema, no ano de 1937, consta que naquela altura a instituição
contava com cento e vinte e sete alunos, em regime de internato, externato e semi-
internato. O Instituto continuava recebendo alunos de todo Brasil, em grande parte da
região sudeste, destacando-se Minas Gerais e São Paulo. Do exterior, estão
registrados: seis de Portugal, dois da Itália, um do Uruguai e três do Paraguai.
Consta nesse relatório a preocupação dos docentes da instituição em
reorganizar o ensino aplicado em bases científicas, visando obter maior rendimento
das atividades exercidas em conexão com as oficinas. Eram, para tanto, realizadas
pesquisas de fragmentos de linguagem, resíduos auditivos e medidas de inteligência.
Os testes de inteligência eram feitos, também, com o objetivo de classificar os alunos
para o tipo de atendimento condizente com sua capacidade. O teste utilizava a Escala
de Herderschée. Além dessas pesquisas, pretendia iniciar os ensaios relativos à
aplicação do perfil psicológico de Rossolimo nos alunos. O diretor fora aconselhado a
fazê-lo pelo professor Henri Wallon
26
, por ocasião de sua visita ao Instituto em 1935.
A ideia do Curso Normal, que somente na década de 1950 vai ser
concretizada, já constava nesse relatório que apontava ainda para o potencial do
Instituto de ser um centro de pesquisas na área audiométrica.
26
O francês Henri Wallon nasceu em 15 de junho de 1879. Tornou-se um pensador conhecido
mundialmente por seu trabalho sobre a Psicologia do Desenvolvimento Infantil. Seu foco era o estudo,
em bases interacionistas, das diversas etapas da infância. Aos 23 anos, em 1902, formou-se em
Filosofia pela Escola Normal Superior, e em 1908 formou-se em Medicina, sendo que de 1908 a 1931
trabalhou com crianças portadoras de deficiência mental. Seu primeiro trabalho,
Délire de persécution.
Le délire chronique à base d'interprétation
(“Delírio de perseguição. O delírio crônico na base da
interpretação”), foi publicado em 1909. Em 1920, passou a lecionar na Sorbonne, Universidade de
Paris. Entre 1920 e 1937, foi encarregado de conferências sobre a Psicologia da Criança na
Universidade de Sorbonne e em outras instituições de ensino superior. Em 1925 publica sua tese de
doutorado intitulada
L'enfant turbulent (“A Criança Turbulenta”), iniciando um período de intensa
produção literária na área de Psicologia da Criança. Até 1931 exerceu a função de médico de
instituições psiquiátricas.Wallon e atuou como professor do
Collège de France, no Departamento de
Psicologia da Infância e Educação, no período que vai de 1937 a 1949. Em 1945 publica seu último
livro,
Les origines de la pensée chez l'enfant (“As origens do pensamento na criança”). Wallon foi um
importante ativista marxista. Durante a Segunda Guerra Mundial foi perseguido pelo regime nazista,
tendo de viver, por um período, na clandestinidade. Esteve no Brasil em 1935, ocasião em que visitou
o Instituto a convite do Dr. Armando Lacerda. Henri Wallon faleceu em dezembro de 1962, em Paris,
aos 83 anos.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
64
Os conteúdos das aulas de linguagem escrita do final da década de 1930, no
ano de 1939, estão documentados em dois cadernos (ver anexos). Um é do aluno
Walter de Oliveira e o outro é uma coletânea de trabalhos de vários alunos. Ambos
registram o cotidiano das aulas de matemática e de língua portuguesa proferidas pelo
professor Geraldo Cavalcanti
27
.
A gestão do Doutor Armando Lacerda, caracterizada por ações mais voltadas
para o cotidiano escolar e não para grandes projetos nacionais, era muito bem
avaliada pelos surdos. O diretor era muito querido pelos alunos tanto que sua saída da
direção, traumática para os atores institucionais, continuou repercutindo anos depois.
Durante toda a Era Vargas (1930-1945), o Doutor Armando esteve na direção
do Instituto. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota dos regimes nazi-
fascistas, o presidente Getúlio Vargas inicia um processo de abertura política,
anunciando eleições diretas para a presidência da república. Ao final de 1945, o
general Eurico Gaspar Dutra é eleito presidente pela coligação PTB-PSD.
Em 1946, é promulgada uma nova Constituição. Inicia-se um período de forte
alinhamento com a política norte americana. Era o começo da Guerra Fria. O mundo
dividido em dois blocos: um de influência comunista e outro de influência capitalista.
A política externa brasileira seguia as diretrizes americanas, culminando, em 1947,
com o rompimento das relações diplomáticas com a União Soviética. Nessa ocasião,
o governo Dutra consegue do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional o
consentimento legal necessário para suprimir o registro do Partido Comunista do
Brasil. Com isso, o senador Luis Carlos Prestes e tantos outros parlamentares tiveram
seus mandatos cassados.
A repercussão da política nacional não tardou chegar ao Instituto. O Doutor
Armando é exonerado, ficando sem receber seus proventos por mais de um ano. A
sobrevivência do diretor foi garantida pelos professores que se cotizaram e,
mensalmente, lhes enviavam recursos. Depois de uma longa batalha jurídica
27
O professor Geraldo Cavalcanti é reconhecido por muitos como um grande mestre. Influenciou
várias gerações de professores de surdos. Foi idealizador do método OGNDD Oral Global Natural
Dedutivo Direto , cujo foco principal e o desenvolvimento da linguagem. Era ligado ao Partido
Comunista tendo sofrido perseguição política em vários momentos de sua extensa trajetória no INES.
Sempre esteve ao lado dos surdos em suas mais importantes reivindicações. Nos anos 1970, em
reunião com docentes do Instituto, defendeu a contração de surdos para exercerem funções
pedagógicas junto aos alunos. (Rocha, 2007, p.70)
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
65
conseguiu reconquistar seus direitos. O argumento utilizado para a sua exoneração
era de gestão técnica e administrativa. Na entrevista a mim concedida pela
professora da instituição, Regina Rondon
28
, podemos ter uma ideia do que aconteceu
com o diretor.
Segundo a professora, assim que o partido comunista caiu novamente na
clandestinidade, o Doutor Armando abrigou alguns de seus membros na casa ao lado
da sede principal do Instituto, onde hoje funcionam a Biblioteca e o Acervo Histórico.
ficaram escondidos o seu cunhado, o deputado Trifino Correia,
29
e o senador Luis
Carlos Prestes, dentre outros. Embora tenha acolhido os parlamentares no Instituto de
maneira discreta, como pedia a situação, foi denunciado e a seguir exonerado.
Conversando com antigos membros do Partido Comunista (PC), tive a
informação de que muitas reuniões do PC foram realizadas no Instituto. Esse é o elo
que vai fazer com que compreendamos um acontecimento sempre muito narrado
pelos alunos surdos da geração dos anos 1940 que guarda um nexo importante com a
política nacional e com a queda do Doutor Armando Paiva Lacerda.
Após a saída do doutor Armando, assume a direção do Instituto Antonio
Carlos de Mello Barreto (1947/1951). Reconhecido com o perfil de disciplinador, não
tinha a simpatia dos alunos nem dos funcionários. Em seu depoimento, a professora
Regina conta da forte relação que o Doutor Armando tinha com os alunos e também
com os funcionários que sempre lamentaram sua saída.
28
Regina Rondon Krivochein foi professora do Instituto nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Ingressou
na instituição em 1937. Era muito ligada ao Doutor Armando por quem nutria forte admiração.
Fundou, em 21 de agosto de 1952, junto com João Brasil Silvado Jr., Léa Borges Carneiro, Antonio
Cavalcanti de Albuquerque, Felippe Carneiro e Marijeso de Alencar Benevides, a Associação
Brasileira de Professores de Surdos. Essa associação tinha uma Revista Trimestral cuja direção cabia à
professora Regina. O redator era o professor Jorge Mário Barreto. A publicação, além de temas
referentes à surdez e à questões políticas, trazia biografias de alunos e professores. Foi professora da
Escola Comercial Clovis Salgado, criada nos anos cinquenta, na gestão de Ana Rímoli. Concedeu
entrevista, a mim, em seu apartamento no bairro de Copacabana em julho de 2007.
29
Quando o Presidente da Câmara Federal acabou de ler o ato de cassação do PCB, o deputado Trifino
Correia subiu numa cadeira e ofertou a seus pares uma estrondosa e ecumênica banana. O Partido
Comunista tinha, então, oito jornais diários, duas editoras e mais de cento e cinquenta mil militantes. A
polícia, cumprindo a sentença judiciária, fecha seiscentas células no Rio, trezentas e sessenta e uma em
São Paulo e vinte e três em Porto Alegre. (In: RIBEIRO, Darcy.
Aos Trancos e Barrancos, Rio de
Janeiro: Ed.Guanabara, 1985)
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
66
Outro depoimento sobre a mesma época, da professora Léa Carneiro,
30
nos
traz um episódio para ilustrar a fama de disciplinador do diretor Barreto e a
resistência solidária dos alunos ao seu modo autoritário. Conta ela que o chefe de
disciplina nessa ocasião era muito magro e identificado pelos alunos como
o caveira.
Numa ocasião foi encontrado um desenho de conteúdo crítico fazendo remissão a
esse inspetor. A mobilização para encontrar o autor do desenho, a mando do diretor,
foi enorme. A ideia era a de punir o autor da ousadia. No entanto, a punição não
aconteceu, porque ninguém o denunciou. Lembra a professora Léa que o autor do
desenho era seu aluno e tinha uma história muito interessante. Era italiano
31
e recém
chegado da experiência traumática dos efeitos da Segunda Guerra Mundial em seu
país. Quando começou a produzir suas primeiras frases escreveu de modo
espontâneo:
Brasil não morte. Brasil gosto muito. Brasil não guerra. Para a
professora Léa um menino tão sofrido com tantas experiências traumáticas não
poderia ser perseguido por um desenho (em sua opinião, estava até muito bem feito).
No dia 5 outubro de 1950, na gestão do diretor Mello Barreto (que era ligado
ao Partido Social Democrático do presidente Gaspar Dutra), os alunos promovem
uma série de atos que iriam desestabilizar a rotina institucional. Atos esses que
acabarão por inseri-los nas discussões da política que era praticada no Brasil naquele
período. O evento foi manchete do Jornal
O Globo: Revoltaram-se os Surdos-Mudos.
Em entrevista ao Jornal o inspetor de alunos do Instituto Angélico Teixeira relatou:
(...) depois que grande parte dos internos havia se recolhido ao leito, notou que em
alguns compartimentos as lâmpadas eram acesas e apagadas sucessivamente,
desconfiado de que algo estaria para acontecer, permaneceu do lado de fora de um dos
30
Léa Paiva Borges Carneiro trabalhou como professora no Instituto de 1934 até 1957. Foi designada,
a princípio, para a função de auxiliar de ensino, que equivalia a função de repetidor. Trabalhou como
repetidora das aulas do professor Saul Borges Carneiro, com quem casou anos depois. Foi autora de
uma cartilha elaborada junto com o professor Jorge Mário Barreto em 1946. Concedeu entrevista, a
mim, nas dependências da Instituição, em agosto de 1997, por ocasião das comemorações dos 140
anos do Instituto. O depoimento é peça do acervo iconográfico do INES tendo sido gravado em mídia
VHS.
31
O número de alunos e a localidade de origem, que estão presentes no livro de matrícula do Instituto
Nacional de Surdos Mudos, correspondente ao período 1930/1947, apontam para o fato,
mencionado, de que o Instituto recebeu alunos de diversas regiões do Brasil e, também, do exterior.
Desse período estão registrados dois alunos de nacionalidade italiana, seis de nacionalidade
portuguesa, três de nacionalidade paraguaia e um de nacionalidade uruguaia. Do Brasil, a grande
maioria vinha da região sudeste.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
67
alojamentos, próximo dos interruptores das lâmpadas dos corredores a fim de
guarnecê-los. Mal tomava aquela providência, os alunos que haviam desligado as
lâmpadas dos corredores e no escuro se dirigiram para o pavimento térreo, onde
depredaram a seção disciplinar, o gabinete do diretor a secretaria e outras
dependências... os amotinados haviam quebrado camas e até atirado os colchões do
terceiro pavimento.(Entrevista concedida ao Jornal
O Globo em 6 de outubro de 1950)
Um outro depoimento importante sobre esse episódio é o que me foi
concedido pelo ex-aluno Ulisses Lopes
32
(cinquenta e cinco)
33
.O depoimento retrata
o que sua memória guardou dessa experiência. Embora não tenha participado
diretamente porque, segundo ele, era ainda uma criança, lembra muito bem de como
aconteceu. Viu as luzes piscando e o começo da rebelião. Considera que a alegria
pela vitória de Getúlio tenha sido a motivação mais forte, além da insurgência pelo
perfil disciplinador do então diretor Mello Barreto.
A repercussão da rebelião foi tamanha ocupando as primeiras páginas dos
principais jornais. O jornal
O Globo, aliado de Carlos Lacerda, feroz opositor de
Getúlio Vargas, levantava algumas hipóteses:
regozijo pela possível vitória de
Getúlio para a presidência da república, maus tratos infligidos pelos inspetores ou
agitação comunista
.
Para alguns, os alunos eram apenas inocentes colaboradores e instrumento de
agitação de professores e funcionários contrários à decretação da prisão de Prestes e
de seus colaboradores dentre os quais o Doutor Armando Lacerda. No jornal, os
alunos foram identificados somente pelos números de suas matrículas. Os acusados
de liderar a rebelião, dentre outros, eram os: 57, 195, 46, 171, 271, 21 266, 457, 2411,
42, 97, 71, 166, 200, 170, 118, 96, 150 e 435. Como consequência da rebelião, alguns
deles foram suspensos e o diretor, exonerado. Moto contínuo, o Ministério da
Educação cria uma Comissão a fim de apurar detalhadamente os acontecimentos.
32
Ulisses Lopes foi aluno do instituto e depois foi contratado na década de 50 para trabalhar como
inspetor. Concedeu entrevista, a mim, nas dependências do Instituto em julho de 2007.
33
Essa referência em números é um modo criado pelos surdos a fim de se identificarem através do
número correspondente ao de sua matrícula no Instituto. Todos os surdos, seus professores e familiares
são batizados por um sinal que revela alguma característica física ou de temperamento. Muitos surdos
são batizados pelo próprio número de matrícula.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
68
Dentre seus membros, estava a professora Ana Rímoli de Faria Dória
34
que acabou
por se tornar a primeira mulher a dirigir o Instituto.
Sua gestão (1951/1961) vai atravessar dois importantes períodos da história do
Brasil. O primeiro período é representado pela volta de Getúlio Vargas à presidência
da república através de eleições diretas e, também, pelas pressões políticas que
sofreu, culminando no drama de seu suicídio. O segundo período é representado pela
chegada ao poder do presidente
bossa nova Juscelino Kubitscheck e, com ele, a aura
dos anos dourados.
Uma das primeiras decisões tomadas por
dona Ana assim identificada pelos
funcionários ouvintes de sua época; pelos surdos, é identificada com a configuração
da letra U, em vertical, no meio da testa foi a de requisitar o assistente técnico
lotado no gabinete do Ministério da Educação, Tarso Coimbra
35
, para prestar serviços
no Instituto. O argumento é de que ele havia exercido a função de professor do
ensino emendativo em várias instituições, inclusive no Instituto, tendo acumulado um
conhecimento que viabilizaria a implementação de um programa de ensino que
levasse o surdo à auto-suficiência.
A data do ofício é do dia 3 de março de 1951; portanto, duas semanas depois
de sua nomeação. Essa parceria vai durar todo o período de gestão de Ana Rímoli,
tendo o capitão Tarso (assim identificado pelos funcionários de sua época) assumido
a função de diretor substituto.
34
Ana Rímoli de Faria Dória, nasceu em 7 de outubro de 1912. Natural de São Paulo, era filha de
Fernando Rímoli e Olga Ferraz Rímoli. Foi diplomada pela Escola Normal da capital de São Paulo, em
1930. Assumiu várias atividades ligadas ao magistério público primário. Em 1934, concluiu o Curso de
Formação de Professores do Instituto de Educação da Universidade de São Paulo. Assumiu a função
de Técnica de Educação do Ministério da Educação e Saúde, através de concurso realizado em 1941.
No ano de 1942 foi requisitada para o DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público)
exercendo uma função na Divisão de Seleção. Era sócia cooperadora da ABE (Associação Brasileira
de Educação). Depois de assumir inúmeras funções no INEP (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas), foi designada através da portaria ministerial de 5 de outubro de 1950, para fazer parte da
Comissão que iria apurar os incidentes ocorridos com os alunos e o diretor Barreto. Em 23 de fevereiro
de 1951 é nomeada, por decreto presidencial, diretora do Instituto
.
35
Tarso Coimbra nasceu em 10 de julho de 1908, era natural do Distrito Federal (atual RJ) , filho de
Abdenago Coimbra e Theckla Wilsom Coimbra. Advogado e jornalista , também foi professor dos
Colégios Santo Inácio e São José. Exerceu as funções de oficial de gabinete do diretor geral do
Departamento Nacional de Educação, de 1942 a 1945, e, foi também, oficial de gabinete do ministro
da Educação Clemente Mariani.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
69
Quando foi indicada para assumir a direção da Instituição, dona Ana
coordenava o curso de Revisão de Conhecimentos e Práticas referentes ao Jardim de
Infância realizado pelo Instituto de Pesquisas e Formação Social do MEC. O público
a que se destinava o curso era de professores que atuavam no então Jardim de
Infância. Além de coordenadora também exercia função docente no curso. Com isso,
muitas dessas alunas foram convidadas a ingressarem no Curso Normal Especializado
para a Educação de Surdos, recém criado no Instituto. Uma dessas alunas, Álpia
Ferreira Couto
36
, vai desempenhar importante papel na educação de surdos, em
âmbito nacional, nos anos 1970. É possível que o fato de Álpia Couto estar ligada,
historicamente, a projetos de aquisição de língua oral tenha corroborado para o
equívoco cometido por Goldfeld (2002) quando este afirma que
Em 1911, no Brasil, o Ines, seguindo a tendência mundial, estabeleceu o
Oralismo puro em todas as disciplinas. Mesmo assim, a língua de sinais
sobreviveu em sala de aula até 1957, quando a diretora Ana Rímola de Faria
Doria, com assessoria da professora Alpia Couto, proibiu a língua de sinais
oficialmente em sala de aula. Mesmo com todas as proibições, a língua de
sinais sempre foi utilizada pelos alunos nos pátios e corredores da escola. (p.32)
A professora Álpia nunca trabalhou como assessora de Ana Rímoli (havia até
uma certa discordância teórica entre elas). Quanto à proibição da língua de sinais, vou
discutir mais adiante.
36
Álpia Couto-Lenzi nasceu no Espírito Santo. Fez o Curso Normal no Instituto. Trabalhou com
surdos numa escola que funcionava dentro da casa de seus pais. No final dos anos 1970 foi
coordenadora da área de deficientes auditivos do Centro Nacional de Educação Especial-CENESP-
Nessa função promoveu a reorganização dos cursos de especialização para professores de surdos no
INES. As duas primeiras turmas foram formadas no ano de 1981.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
3.
Um lema para um projeto nacional no tom desenvolvimentista
dos anos cinquenta :
O surdo não é diferente de você, ajude a
educá-lo
O Regulamento do Instituto publicado em 1944 está baseado no decreto-lei
6.074, de 7 de dezembro de 1943, que dispõe sobre a sua finalidade. Assinado por
Gustavo Capanema e Getúlio Vargas, Ministro da Educação e Presidente da
República, respectivamente, apresenta em seu item V, do artigo 1º a responsabilidade
do então Instituto Nacional de Surdos-Mudos INSM de promover em todo país a
alfabetização dos surdos e orientar tecnicamente esse trabalho em estabelecimentos
congêneres. E, ainda no item III do mesmo artigo, propõe que o Instituto promova a
formação de professores especializados em educação de surdos. Caberia, portanto, ao
então INSM, em parceria com o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos INEP,
organizar nacionalmente a educação de surdos. No ano de 1946, é publicado o
decreto de nº. 8.605- A de 31 de agosto de 1946, que regulamenta o Ensino Normal
do Instituto de Educação do então Distrito Federal de acordo com o decreto-lei de nº.
8530 de 2 de Janeiro de 1946, relativo à Lei orgânica do Ensino Normal. Essa
legislação servirá de base para a criação do Curso Normal especializado no Instituto.
Embora essas legislações sejam da década de quarenta, somente na gestão de Ana
Rímoli (1951/1961) é que elas vão de fato ser implementadas. Interessante lembrar
que o Doutor Armando em sua gestão (1930/1947) apontara para a necessidade de
organizar cursos de formação de professores e, também, defendia a criação de um
Jardim de Infância no Instituto. Certamente que a frustração de seus propósitos
estava, entre outras razões, ligada ao desgaste de suas relações com o governo, como
vimos no capítulo anterior. Portanto, essa nova era na educação de surdos em âmbito
nacional, partindo de ações do Instituto, que dona Ana vai inaugurar, tinha sido
aprontada, do ponto de vista legal, no final dos anos 1940.
Entre as gestões de Armando Lacerda e Ana Rímoli houve a gestão de Mello
Barreto (1947/1951) que não representou um período profícuo para a instituição. Do
ponto de vista político, como vimos acima, sua entrada não foi bem aceita pelo corpo
institucional. A traumática saída do Doutor Armando, que era muito querido por
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
71
alunos e funcionários, associada ao perfil disciplinador de seu sucessor corroboraram
para o clima pouco amistoso e de realizações irrelevantes que caracterizaram esse
curto período.
Dona Ana, ingressando na instituição e, portanto no campo da educação de
surdos, como mediadora (interventora) do conflito entre seus antecessores vai
desenvolver em uma década um projeto de repercussão nacional que vai dar uma
virada na história do atendimento educacional aos surdos no Brasil.
A criação do Curso Normal, no ano de 1951, recebendo alunas de todo o
Brasil, foi das primeiras iniciativas de um grande projeto de descentralização,
regionalização e interiorização do ensino para surdos em âmbito nacional. A
culminância desse projeto, como veremos a seguir, foi a instalação da Campanha para
a Educação do Surdo Brasileiro, através do decreto nº. 42.728 de 3 de dezembro de
1957, assinado pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek.
Seis anos após a criação do Curso Normal, em 1957, haviam cinco turmas
formadas, perfazendo um total de 299 professores. A princípio, com a participação de
estudantes dos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e da
Guanabara. Com efeito, é possível estabelecer uma relação entre o que se pratica
hoje, nesses estados, em termos de educação de surdos e as iniciativas do Instituto
nos anos cinquenta. Ao regressarem para seus lugares de origem essas professoras
representavam a oportunidade de abertura de escolas ou classes para o atendimento
de alunos surdos.
Em seu primeiro ano de funcionamento (1951), o corpo docente do Curso
Normal foi constituído, em sua maioria, por profissionais (médicos e docentes) do
Instituto. Uma comissão de estudos sob a presidência de dona Ana fora criada a fim
de elaborar o anteprojeto das normas de funcionamento do curso. Faziam parte dessa
comissão os professores que atuavam na instituição João Brasil Silvado Jr., Henrique
Mercaldo e Léa Borges Carneiro. O primeiro havia ingressado no Instituto na década
de vinte e os outros na década de trinta. Esse foi o primeiro curso realizado no Brasil
e o terceiro na América Latina, para o fim a que se destinava. Na oportunidade, foram
recrutados estudantes em todo país. Essa iniciativa buscava superar a precariedade de
atendimento educacional aos surdos. Segundo estimativas colhidas no início dos anos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
72
cinquenta, num total de 40.000 surdos, somente 1,52% recebiam algum tipo de
atendimento. Por mais que o Instituto aumentasse sua capacidade de atendimento, não
havia como atender seus próprios alunos e, tão pouco, a imensa demanda nacional,
em função da falta de professores especializados. Vale destacar que os professores
que já atuavam no Instituto não tinham formação especializada. Em sua grande
maioria eram professores de português. Na realidade, suas atuações tinham como
referência os conteúdos das publicações vindas dos Institutos europeus e americanos
e, também, por eventuais viagens dos profissionais da instituição a esses centros
buscando conhecer o que se praticava em termos de educação de surdos.
Com a expansão do ensino emendativo, a formação de profissionais
especializados para o magistério assume importante centralidade. A compreensão
dessa necessidade será a marca fundamental da gestão de dona Ana, em consonância
com as políticas públicas nacionais na área da educação desenvolvidas nessa década.
Vale ressaltar que, com a presença de Anísio Teixeira à frente do INEP
1
, a ideia de
reconstrução educacional do país, em bases científicas, ganha corpo, assim como a
prioridade no desenvolvimento de ações ligadas à formação docente. Como vimos
acima, importantes rupturas foram operadas na própria concepção do Instituto,
concorrendo para projetá-lo nacionalmente, que os cursos de formação de
professores atendiam não às demandas da Instituição como também às demandas
nacionais.
Podemos identificar que o seu grande esforço foi o de formar professores a
fim de suprir as necessidades do Instituto e também as demandas nacionais. Em
decorrência dessas ações, importantes rupturas foram operadas na própria concepção
do Instituto concorrendo para projetá-lo nacionalmente.
1
Criado em 1937 por Gustavo Capanema, então Ministro da Educação e Saúde, sendo denominado
inicialmente de Instituto Nacional de Pedagogia. Seu primeiro diretor foi Lourenço Filho (1938-1945),
seguido por Murilo Braga de Carvalho (1945-1952). Anísio Teixeira assume a direção do Instituto no
período de 1952/1964. Segundo Mendonça (2006), múltiplos objetivos foram atribuídos ao INEP
através do Decreto-Lei nº. 580, de 30 de julho de 1938: organizar a documentação relativa à história e
ao estudo das doutrinas e técnicas pedagógicas, bem como das diferentes espécies de instituições
educativas; manter o intercâmbio em matéria de pedagogia com as instituições educacionais do país e
do estrangeiro; promover investigação no terreno da psicologia aplicada à educação, bem como
relativamente aos problemas de orientação e seleção profissional; prestar assistência técnica e
profissional aos serviços estaduais, municipais e particulares de educação, ministrando-lhes, mediante
consulta ou independente desta, esclarecimentos e soluções sobre os problemas pedagógicos; divulgar,
pelos diferentes processos de difusão, os conhecimentos relativos à teoria e à prática pedagógica.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
73
Vale lembrar que o Curso Normal fora elaborado de acordo com as exigências
da lei Orgânica do Ensino Normal, reestruturada pelo decreto de 8.530, de 2 de
janeiro de 1946, que regulamentou a equivalência dos cursos de grau médio,
permitindo às alunas por ele diplomadas o ingresso nas escolas de Direito e Filosofia.
O currículo tinha uma estrutura comum ao do Curso Normal do Instituto de
Educação, com a mesma duração de três anos, e um núcleo específico relativo à
educação de surdos, composto pelas seguintes disciplinas: Noções de Física,
Histologia, Ensino Emendativo, Elementos de Fonética, Anatomia Geral e
especializada, Didática Especial, Psicologia da Linguagem, Anatomia, Fisiologia e
Patologia da Audição e da Fonação, Educação Pré-escolar da Criança Deficiente da
Audição e da Fonação. As aulas de religião, que faziam parte do currículo, foram
ministradas pelo então Cardeal do Distrito Federal, Dom Jaime de Barros Câmara.
No segundo ano de funcionamento do Curso Normal, no ano de 1952, dona
Ana convida uma professora da Argentina para ministrar as aulas de Fonética e
Didática Especial. A chegada da professora Ângela de Liza de Brienza
2
vai significar
a retomada da perspectiva de aquisição de linguagem oral como filosofia e prática,
implementando, em sua passagem pelo Instituto, as bases do método oral puro
3
.
Durante o seu contrato de trabalho, residiu nas dependências da instituição.
Na defesa de sua concepção de educação de surdos com foco na aquisição de
linguagem oral, a professora Ângela de Brienza argumentava que os surdos, na
qualidade de cidadãos, tinham o direito de se comunicar na língua que os
caracterizavam como filhos de um país. Para tanto, o avanço das pesquisas científicas
e das novas tecnologias configuravam possibilidades concretas para as muitas etapas
do processo de aquisição de linguagem oral pelos surdos.
2
Ângela de Liza de Brienza era uruguaia e vivia na Argentina. Foi professora por mais de trinta anos
do Instituto de Ninas Sordo Mudas de Buenos Aires. Também exerceu o cargo de vice-diretora dessa
instituição. Foi indicada para desenvolver o trabalho no então Instituto Nacional de Surdos Mudos
INSM- do Rio de Janeiro, por Maria Sofía Sarrail, diretora da Instituição de Buenos Aires, a quem
dona Ana Rímoli dirigiu o pedido de indicação de uma especialista. Suas atribuições no contrato
assinado com o INSM eram de assumir a docência das cadeiras de Didática Especial do Surdo Mudo
nas três séries do Curso Normal e, também, orientar a prática de ensino em dezesseis classes
masculinas e femininas, regidas pelos alunos do Curso Normal do INSM. Além dessas atribuições,
também orientava professores a trabalharem com as crianças surdas que apresentavam
comprometimentos neurológicos.
3
O método oral puro tinha como principal foco o treinamento da articulação da fala e a leitura labial.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
74
Cumpre destacar que as ideias que circulavam na década em questão acerca da
educação de surdos giravam em torno da aquisição de linguagem oral tanto nos EUA,
na Europa, como também aqui na América Latina. O convite de dona Ana feito a uma
professora que atuava numa instituição argentina para surdos guarda um importante
sentido com a história da educação de surdos na Argentina, que, historicamente, ao
contrário do INES, configurou-se num espaço de tradição oralista. Segundo Skliar
(1997), a fundação do Instituto na Argentina deu-se no ano de 1885, exatos trinta
anos depois da iniciativa de Huet no Brasil:
El 19 de setiembre de 1885 el Congresso Nacional aprobó la ley número 1666 que
decretaba la creración del Instituto Nacional para Sordos, el primer instituto com
tendência oralista em toda Latinoamérica. Junto com la sanción de la ley se encomendo
a del Viso, embajador argentino em Roma, que contratara um maestro em Itália. El
embajador tênia instrucciones precisas de encaminhar la búsqueda (y esto no era
casual), em los Institutos de Siena y de Milan que, junto al de Como, señala Facchini
(1981), constituían los bastiones oralistas, cuya influencia trascendía de las fronteras
italianas y se extendía especialmente por toda Francia.
El nuevo Instituto Nacional comenzó a funcionar em abril de 1886 balo la
dirección de um recién llegado al país, um desconocido em la Argentina, pero no el
mundo del oralismo: el canónigo Serafino Balestra. (Skliar, 1997, p. 60)
Quando foi realizado o Congresso de Milão em 1880
4
, Balestra era diretor do
Instituto de Surdos de Comos, na Itália. Sua presença no Congresso foi marcada por
calorosa defesa do trabalho de aquisição de linguagem oral. No diálogo travado com
Mr. Elliott, diretor do Asilo para Surdos e Mudos de Londres que fazia a defesa do
sistema combinado (sinais e fala), redarguiu afirmando que as crianças surdas podiam
falar e se expressar sem nenhum sinal ou pantomima e que os Institutos deveriam
adotar o método oral. Em outro momento observou que os sinais diferem assim como
os países diferem-se entre si. Os sinais, segundo ele, constituem o primeiro modo
natural de comunicação; no entanto, não se deve considerá-los uma linguagem no
mesmo sentido que é atribuído às palavras. Como veremos mais à frente, no capítulo
quarto, as ideias defendidas por Balestra foram acolhidas pela maioria dos
participantes.
Curiosamente as histórias da fundação dos Institutos da Argentina e do Brasil
se cruzam nas formas intempestivas pelas quais seus fundadores saíram do cargo de
4
Ver capítulo 4.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
75
direção. No caso do Brasil, o professor surdo E. Huet, seis anos após assumir a
direção do Instituto, sai desgastado com as autoridades do Império. No caso da
Argentina, Balestra, um religioso ouvinte, sai pouco mais de alguns meses a seguir de
sua posse como diretor.
Quanto à tradição oralista da instituição portenha, não tese que sustente ter
este perfil o Instituto brasileiro. É possível dizer que é justamente na diferença de
suas propostas de trabalho com os surdos que resida à razão dessas instituições se
aproximarem na década de 1950. É da Argentina que vem, inicialmente, o projeto de
aquisição de linguagem oral na gestão de Ana Rímoli.
Como podemos constatar em seus dados biográficos, dona Ana não tinha
nenhuma experiência com alunos surdos. Ao assumir o Instituto encontrou um
trabalho que mais se aproximava do método combinado (sinais e fala com foco na
escrita). A escolha pelo projeto de aquisição de linguagem oral era a escolha pelo que
havia de mais moderno na compreensão de sua época.
No hino ao surdo composto por dona Ana em parceria com Astério de Campos
5
para as comemorações do primeiro centenário da Instituição, encontramos em sua
letra o sentido que a educação de surdos tomou nessa década:
Hino Ao Surdo Brasileiro
Em nossa Pátria queremos
Dos surdos a Redenção;
Aos surdos todos levemos
As luzes da Educação.
Não mais o ensino antiquado
Nos simples dedos das mãos;
Com um processo avançado,
Salvemos nossos irmãos!
Oh! Felizes os que aprendem,
Sem poderem mesmo ouvir;
Com olhos a Fala entendem,
Na Esperança do Porvir!
Os mudos podem falar:
São, de certo, iguais a nós;
Compreendem pelo olhar:
5
Astério de Campos foi Consultor Jurídico e Professor da Campanha para a Educação do Surdo
Brasileiro.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
76
Aos surdos não falta a Voz.
Avante, Mestres, avante!
Com orgulho prazenteiro,
Lidemos, a todo o instante,
Pelo surdo brasileiro!
A Escola combate a Dor;
Enche o Espírito de Luz;
Instrução é Luz de Amor;
Amemos como Jesus!
Quem luta pela Instrução,
Debaixo de um céu de anil,
Trabalha, de coração,
Pelo povo do Brasil!
Iluminista, cristão, fraterno, científico, moderno e redentor. Esse era o idioma
falado nessa década e, também, esse era o tom das ações por ela desenvolvidas que
perseguem aquela tríade composta pelos pensadores iluministas:
Igualdade – Os mudos podem falar:
São, de certo, iguais a nós.
Liberdade – Aos surdos não falta a Voz
Fraternidade Lidemos, a todo o instante,
Pelo surdo brasileiro!
Outra iniciativa desse período, mais precisamente do ano de 1955, foi a
criação da Escola Comercial Clóvis Salgado, que correspondia ao antigo ginásio e
que hoje representaria o segundo segmento do ensino fundamental. O objetivo era
oferecer aos alunos surdos uma formação de mais qualidade juntamente com a
aprendizagem de um ofício que, nesse caso, era o de auxiliar de escritório. No
entanto, o número de surdos matriculados foi insuficiente para preencher todas as
vagas, resultando na abertura de vagas para ouvintes. Uma das docentes do curso, a
professora Regina Rondon Krivonchein, em seu depoimento, destacou que o
desempenho dos alunos surdos era muito bom. No entanto, eles se desinteressaram
pelo Curso Comercial quando o INES criou, no ano de 1962, o Ginásio Industrial.
Além do Curso Normal, do curso de Especialização e da Escola Comercial, foi
criada, no ano de 1957, por ocasião das comemorações do primeiro centenário da
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
77
Instituição, a Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro, que veremos mais
detalhadamente a seguir.
Nessa oportunidade foi criado o Centro de Logopedia, o primeiro a funcionar
em instituição pública no Brasil. O atendimento abrangia não os alunos da
instituição como também alunos surdos e ouvintes de outras prefeituras e unidades da
federação. Eram trabalhadas diferentes dificuldades referentes aos distúrbios da
linguagem e da fala, como por exemplo, dislalia, disfonia, disgrafia, dislexia e outras.
Ainda no ano do centenário do Instituto (1957), a diretora inicia um longo
processo a fim de obter autorização para operar a mudança de nome do Instituto. A
presença da palavra
surdo-mudo em sua denominação não mais condizia com as
novas concepções de surdez e de surdo. Se tomarmos o termo mudez no sentido de
impossibilidade comunicativa por parte da pessoa surda, tanto na utilização da língua
de sinais quanto na aposta pela aquisição de linguagem oral, o conceito de mudez
estava anacrônico. Naquela altura, com a presença de jovens estudantes do Curso
Normal, convivendo de forma bem próxima e muito afetiva com os surdos, as
distâncias iam sendo encurtadas entre surdos e ouvintes, proporcionando inclusive,
muitos romances entre os alunos surdos e as normalistas que estudavam na
Instituição.
Era a repercussão dos
anos dourados
6
no Instituto. Inclusive uma caravana de
alunos e professores da Instituição marcou presença na inauguração de Brasília. Fato
este bastante documentado pela imprensa
7
.
6
É, principalmente, na segunda metade da década de cinquenta, do século XX, que identificamos os
chamados anos dourados. No Brasil, foi um tempo de muitas conquistas nas diversas áreas da atividade
social. para citar alguns: na política destacam-se, além da criação de Brasília, o plano de metas
50
anos em 5
do presidente Juscelino Kubitscheck; na educação, a criação dos Centros Regionais de
Pesquisas Educacionais, projetando intelectuais como Gilberto Freyre, Fernando de Azevedo, Carmem
Teixeira, dentre outros, liderados por Anísio Teixeira; na música, João Gilberto, Vinícius de Morais,
Tom Jobim, entre outros, reinventavam a música brasileira criando a bossa nova; nos esportes, além da
conquista da Copa do Mundo de futebol na Suécia, a tenista Maria Ester Bueno foi campeã em
Wimbledon, o mais importante torneio do circuito de tênis; no teatro, além da genialidade de Nelson
Rodrigues os textos com temáticas políticas desenvolvidos pelos grupos do Arena, liderados por
Gianfrancesco Guarnieri, e do Oficina, liderados por José Celso Martinez Correia; no cinema, o filme
Orfeu Negro, que adapta a tragédia grega Orfeu e Eurídice ao cotidiano de um morro carioca, com
roteiro de Vinícius de Morais e direção de Marcel Camus, ganha a Palma de Ouro em Cannes.
7
A Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro CESB participou da Caravana de Integração
Nacional que se dirigiu à Brasília em fevereiro de 1960. Os surdos também estavam inscritos no
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
78
A utilização das diversas mídias com o objetivo de divulgar o trabalho e
operar aproximações da sociedade com os surdos também fazia parte das estratégias
dessa gestão.
Dentre as inúmeras festividades pela passagem do primeiro centenário do
Instituto, foi realizada a primeira Olimpíada Nacional de Surdos. O evento contou
com a participação de vários atletas surdos, também de outros estados, destacando-se
os estados de Minas Gerais e São Paulo. As competições foram realizadas na praça de
esportes do Instituto e, também, nas dependências do Fluminense Futebol Clube,
onde foram realizadas as provas de futebol, natação, atletismo e tiro. A abertura do
evento, realizada pelo Ministro Clovis Salgado no INES, contou com a presença de
inúmeras autoridades do mundo do esporte e da política.
Um exemplo a ser lembrado é o do aluno e também atleta Waldemar da
Conceição que marcou a história dos esportes no Instituto. Foi destaque, nesse
evento, nas modalidades de salto triplo, basquete e futebol. Mais tarde fez parte do
grupo de ex-alunos que dona Ana contratou para trabalhar no Instituto. Atuou como
inspetor de alunos até o final dos anos oitenta. Com ampla cobertura da imprensa
local e de outros Estados, a Olimpíada Silenciosa, como era chamada pelos
jornalistas, foi um sucesso tamanho de tal sorte que se repetiu por mais três anos.
que se destacar aqui o trabalho realizado pelos profissionais da educação
física no Instituto. Muitos deles se tornaram referências importantes para os alunos. A
proximidade comunicativa era tamanha que estes atuavam como intérpretes dos
alunos nas cerimônias realizadas na instituição e, também, em eventos particulares
dos alunos. No tempo em que a
comunicação gestual era desestimulada nas salas de
aulas, esses profissionais, de maneira espontânea, chamavam para si a
responsabilidade de garantir aos alunos os sentidos do que estava sendo dito em
linguagem oral pelos ouvintes.
O constante diálogo que essa gestão estimulou com a sociedade está
registrado em inúmeras iniciativas junto aos canais de comunicação e a grande mídia.
Encontramos muitos registros dessas aproximações dentre eles a presença de alunos
ideário integrador imprimido por JK. Do Instituto partiram dois carros com alunos e professores sob a
responsabilidade da professora Odete Rímoli, irmã de Ana Rímoli.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
79
em programas de televisão, recém inaugurada no Brasil, visando difundir o trabalho
realizado no Instituto e as reais potencialidades do surdo. Inclusive no programa de
muito sucesso nos anos cinquenta, do apresentador Jota Silvestre,
O Céu é o Limite,
ocasião em que uma aluna do Instituto, respondeu, oralmente, sobre a vida do
presidente Juscelino Kubitscheck. A intenção era aproximar os ouvintes dos surdos,
apresentando estes não como diferentes que deveriam ser mantidos afastados do
convívio social, mas, sim, pessoas eficientes que se fossem expostas a um bom
programa educacional poderiam estar em situação de igualdade em relação aos
ouvintes.
No Regimento do Instituto, aprovado através do decreto nº. 38.738 de 30 de
Janeiro de 1956, consta dentre outras finalidades a necessidade de preparar
professores e técnicos em educação e reeducação dos deficientes da audição e da
palavra
, a fim de atuarem em todo o Brasil. Destaca-se que, sendo o Instituto único
órgão integrante do Ministério da Educação e Cultura com suas características na
estrutura federal, tinha a responsabilidade de lançar políticas de atendimento ao surdo
em todo território nacional. Portanto, pensar as ações do Instituto seria pensá-las em
seu alcance nacional. Como vimos, as políticas implementadas por Dona Ana, assim
que assumiu a direção do Instituto, no início da década de 1950, tinham como foco a
formação de professores para o magistério especializado. Não havia até então
nenhuma ação nesse sentido. Nem internamente, no âmbito da instituição, nem em
ações nacionais. Até então não havia cursos de formação para professores atuarem
com alunos surdos. O trabalho realizado pelo Instituto nas décadas que precederam a
gestão de Dona Ana tinha como objetivo oferecer uma profissão e uma linguagem,
oral e ou escrita. Nesse sentido, a década em questão produziu uma profunda ruptura
na dinâmica institucional, na medida em que assumiu responsabilidades nacionais.
Visão essa somente encontrada, embrionariamente, na gestão de Tobias Leite.
A atividade artística no Instituto sempre revelou uma capacidade de produção
extraordinária dos alunos. No ano de 1953, um novo incremento é dado com a criação
do Curso de Artes Plásticas, orientado pela Escola Nacional de Belas Artes. O
objetivo era o aprimoramento das aptidões dos alunos com talento para as artes.
Alguns dos grandes nomes das artes plásticas brasileiras foram professores do
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
80
Instituto. Só para citar alguns: Bandeira de Mello, Bustamante e Lígia Clark.
Dentre algumas esculturas produzidas pelos alunos do Instituto nesse período
constam do acervo do INES, a de Tiradentes com quase dois metros e um busto
retratando dona Ana.
Em decorrência desse curso, muitos ex-alunos vivem de sua arte até hoje. Em
uma feira que acontece todos os domingos, no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro,
conhecida como Feira Hippie, artistas surdos formados pelo INES expõem e vendem
suas obras de arte para visitantes nacionais e estrangeiros.
Um outro evento que marcou a gestão de Ana Rímoli foi a visita em 1953 da
americana Helen Keller. Celebridade mundial, reconhecida por sua trajetória de
sucesso tendo escrito vários livros sobre a sua experiência como pessoa surda e cega.
Em depoimento
8
, Álpia Couto, então aluna do Curso Normal do Instituto, lembra do
dia de sua visita e de um episódio que chamou muito a sua atenção. Em dado
momento, ao receber muitas braçadas de flores, pode reconhecer as cores de cada
uma pelo cheiro por elas emanado (ROCHA, 2007).
Ainda nos anos 1950, são intensificadas as publicações no INES. De autoria
da diretora Ana Rímoli, são publicados os seguintes livros:
Manual de Educação da
Criança Surda, Ensino Oro-Áudio-Visual para os Deficientes da Audição,
Introdução à Didática da Fala, Compêndio de Educação da Pessoa Surda
. Em 1968,
afastada da direção da instituição, dona Ana traduz uma série de oito publicações
extraídas da revista
The Volta Bureau, órgão do Centro Internacional de Informações
sobre Surdez, sediado em Washington. É nesse período da história do Brasil e
também do INES que a influência francesa vai dando lugar à influência americana em
vários campos de nossa atividade política, cultural e educacional. Os olhares do INES
começam a se voltar para Gallaudet College (fundada em 1815), instituição criada
pelo reverendo americano Thomas Hopkins Gallaudet (1789-1851) e pelo professor
surdo Laurent Clérc (1785-1869), e vai deixando de olhar para o Instituto Nacional
dos Jovens Surdos de Paris (fundado em 1791).
8
Depoimento prestado nas dependências do INES, no ano de 1997, por ocasião das comemorações dos
140 anos da instituição. O depoimento faz parte do acervo documental do Instituto e foi gravado em
mídia VHS.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
81
A lista de livros de seu acervo pessoal, doada por sua filha à biblioteca do
Instituto, revela seu alinhamento intelectual à produção de autores de língua inglesa.
Os conteúdos dessa literatura têm como objeto principal o desenvolvimento da
fala e da linguagem e, também, conteúdos sobre educação e psicologia infantil.
Também presentes nessa lista obras de John Dewey, Fernando Azevedo, Lourenço
Filho que a aproximam dos ideais escolanovistas. O livro de Fernando Azevedo traz
sua assinatura junto ao registro do ano de 1930, quando dona Ana fazia o Curso
Normal da USP.
3.1
Um filme em Campanha
Para que possamos nos aproximar dessa década, além dos depoimentos das
ex-alunas do Curso Normal - Regina Morizot, Álpia Couto e Ismênia Silva-, duas
outras fontes documentais são bastante significativas na identificação do clima de
otimismo presente nos anos 1950 no Instituto. São elas: a produção cinematográfica
Mundo Sem Som e os Anais da Primeira Conferência Nacional de Professores de
Surdos. Ambos se capacitam a nos informar sobre
o clima dos anos dourados no
INES pelas aproximações que apresentam, no exame de seus conteúdos, com as
categorias de análise que são utilizadas em muitos estudos que contemplam esse
período, tais como: desenvolvimentismo, entusiasmo, otimismo, interiorização. Vale
lembrar que o filme era uma peça de publicidade da Campanha para Educação do
Surdo Brasileiro.
Havia uma intenção explícita de tirar o surdo de seu confinamento familiar e
de trazê-lo para o convívio social, pela via da educação, através de inúmeras ações.
Uma delas seria o efeito da troca da nominação
Mudez pela nominação Educação. Na
própria comunidade do bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, onde o INES
funciona desde a década de ointenta, do século XIX, por muito tempo a instituição foi
referenciada como nos
Surdos-Mudos. Havia nessa designação uma carga negativa
que ronda as instituições fechadas.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
82
Em julho de 1957, finalmente, o decreto de mudança do nome é assinado pelo
Ministro da Educação Clóvis Salgado e pelo Presidente da República Juscelino
Kubitscheck, passando, então, a instituição a ser denominada Instituto Nacional de
Educação de Surdos – INES.
Um dos personagens envolvidos na luta pela mudança do nome foi o cineasta
Aloízio T. Carvalho
9
, que vinha a ser amigo do capitão Tarso Coimbra. Esteve em
Brasília também tentando interceder pela mudança do nome. No final dos anos 1950,
realiza um documentário sobre o Instituto chamado
Mundo sem Som, que acabou
por ser premiado no Brasil. O documentário também ficou conhecido
internacionalmente, ao ser exibido no I Congresso Ibero-Americano de Surdos
realizado na Espanha, causando excelente impressão. Narrado por Cid Moreira, o
roteiro apresenta a história de um menino que é entregue pelos pais aos cuidados do
Instituto. O trabalho desenvolvido com a criança é o recurso utilizado para apresentar
a instituição. O tom é de muito otimismo, apresentando a aula inaugural do curso de
formação de professores, ministrada por Clovis Salgado, então ministro da Educação
e, também, aspectos do trabalho de preparação para a fala e estimulação auditiva
realizada com o menino. Ao fim, a criança é entregue aos pais e como resultado do
trabalho realizado pelo Instituto o menino abraça o pai e diz em linguagem oral -
papai.
O filme apresenta aparelhagens modernas de estimulação auditiva e passa a
ideia da necessidade de superar a comunicação por sinais pela fala que, naquela
altura, contava com o apoio das novas tecnologias para o seu desenvolvimento.
Curioso observar que a despeito de mostrar exercícios de estímulo à fala, exercícios
de estimulação auditiva alguns realizados pela diretora –, quando o filme apresenta
imagens espontâneas do cotidiano institucional, os surdos estão se comunicando
através de sinais.
9
Aloízio T. Carvalho nasceu em Salvador, BA, no ano de 1924. Possui uma rica obra cinematográfica,
dentre elas o clássico da comédia nacional
Maluco por Mulher, com Trindade. Além de diretor de
cinema, também trabalhou como produtor de teatro e documentarista. Aloísio assina o roteiro e a
direção do filme sobre o Instituto. Consta no acervo do INES cópia do documentário.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
83
3.2
A Campanha
Convencida de que esta coletividade de surdos a educar dará, em futuro não muito distante,
cidadãos úteis à Pátria, a direção do Instituto Nacional de Educação de Surdos, com o
beneplácito do Senhor Ministro da Educação e Cultura, propugna pela ampliação da rêde
educativa, na qual os deficientes da audição e da fala possam condignamente situar-se.
Para levar a bom termo esse intento e baseada no preceito constitucional de que a educação é
direito de todos ( e os deficientes sensoriais podem recebê-la, com êxito), esta direção houve
por bem propor a Sua Excelência, o Senhor Ministro da Educação e Cultura, a criação da
CAMPANHA PARA A EDUCAÇÃO DO SURDO BRASILEIRO, cujas finalidades
primordiais seriam: a organização e o financiamento de planos exeqüíveis de proteção e
ajuda aos deficientes da audição e da fala e a promoção de iniciativas assistenciais, técnicas
estatísticas que se enquadrem na educação ou reeducação doa aludidos deficientes, com o
objetivo de soerguê-los moral, cívica e socialmente.(Ministério da Educação e Cultura, 1957,
p. 6)
Este é um pequeno trecho do ofício que acompanhou o anteprojeto de criação
da Campanha, assinado por Ana Rímoli em 27 de novembro de 1957. Poucos dias
depois, é publicado o Decreto que instituiu a Campanha:
O Presidente da República, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 87, item I, da
Constituição, decreta:
Art. 1. Fica instituída, no Instituto Nacional de Educação de Surdos, do Ministério da
Educação e Cultura, a Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro (C.E.S.B.).
Art. 2º. Caberá à Campanha promover, por todos os meios a seu alcance,as medidas
necessárias à educação e assistência, no mais amplo sentido, aos deficientes da audição e da
fala, em todo Território Nacional, tendo por finalidades precípuas:
a) organizar, financiar e executar planos de proteção e ajuda aos deficientes da audição
e da fala;
b) promover iniciativas assistenciais, artísticas, técnicas e científicas atinentes à
educação e reeducação dos deficientes da audição e da fala, tendo sempre como objetivo o seu
soerguimento moral, cívico e social;
Art. 3º. Para a consecução dos objetivos previstos no artigo anterior, a Campanha
deverá;
a) auxiliar a organização de congressos, conferências e seminários, festivais e
exposições referentes aos deficientes da audição e da fala;
b) auxiliar a construção, reconstrução e conservação de estabelecimentos de ensino;
c) financiar bôlsas de estudos, inclusive transporte de bolsistas, no país e no estrangeiro,
para fins de aperfeiçoar e formar pessoal especializado na pedagogia emendativa;
d) manter um serviço de intercâmbio com instituições nacionais e estrangeiras ligadas
ao problema dos deficientes da audição e da fala;
e) cooperar com os órgãos federais, estaduais e municipais e particulares de caráter
cultural relacionados com a educação dos deficientes da audição e da fala;
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
84
f)custear o pagamento de professôres e de pessoal técnico, em caráter permanente ou
temporário, nas unidades da Federação com igual objetivo.
Art. 4º. Dirigirá a Campanha o Diretor do Instituto Nacional de Educação de Surdos, que terá
uma Assessoria, cujos componentes serão pelo mesmo Diretor designados.
Art. 5º. Haverá um fundo especial para custeio das atividades da Campanha, e que será
constituído de:
a) doações e contribuições que forem previstas nos Orçamentos da União, dos Estados,
dos Municípios e de entidades paraestatais e sociedades de economia mista, para os fins
objetivados neste Decreto;
b) contribuições de entidades públicas e privadas;
c) donativos, contribuições e legados particulares;
d) renda eventual do patrimônio da Campanha;
e) dotações orçamentárias referentes a serviços educativos e culturais.
Art. 6º. A Campanha poderá firmar convênios com entidades públicas e privadas para a
consecução de seus desígnios.
Art. 7º. O Ministério da Educação e Cultura baixará as instruções necessárias à organização e
execução da Campanha.
Art. 8º. Êste Decreto entrará em vigor na data da sua publicação.
Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 1957; 136º da Independência e 59º da República.
Juscelino Kubitscheck / Clovis Salgado
Como vimos, seu principal objetivo era o de promover as medidas necessárias
para a educação e à assistência ao surdo num raio de ação que se estendia por todo o
território nacional. A ideia era a de assegurar a educação e a assistência
aos
deficientes da audição e da fala
, por todo Brasil, dando prosseguimento às políticas
de formação de professores especializados, que iriam atuar nas futuras escolas que
deveriam ser abertas para atendimento aos escolares surdos. Para tanto foram criados
Centros Regionais de Coordenação, cuja finalidade era de planejar, supervisionar,
assistir, técnica educativa, material e financeiramente, às Unidades da Federação.
Em carta
10
endereçada ao ministro Cândido Mota Filho, no ano de 1954,
Anísio Teixeira lembra que a assistência técnica ao ensino primário faz-se pelo
sistema de Bolsas de aperfeiçoamento e estágio oferecidas aos professores dos
estados, com isso pede ajuda para essas modalidades de ensino ao Governo Federal.
Informa também que foram incluídos no orçamento recursos para a criação de um
Centro Nacional de Estudos Educacionais no Rio de Janeiro e Centros Regionais no
Recife, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul, destinados a se constituírem, dentre
outras funções, em Centros de treinamento, formação e aperfeiçoamento de
educadores, administradores e professores do ensino primário e normal. Lembra
ainda que esses Centros devem funcionar como braços do INEP e articulados com o
10
Carta de Anísio Teixeira ao Ministro da Educação Cândido Mota Filho. AT c 1954. 12.00. Rolo 39,
fot.201. Arquivo Anísio Teixeira – CPDOC/FGV. Série Correspondência.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
85
Centro Nacional com o objetivo de receber deste toda a assistência técnica e lhe
servirem de núcleo de coleta de dados para a integração da obra do INEP no
espírito das regiões diversificadas em que se divide o país”.
Nesse modelo em relação à educação de surdos, o Instituto assumiria a função
de Centro Nacional sendo referência para os cinco Centros Regionais criados e
distribuídos da seguinte maneira:
CR-1, com sede em Belém do Pará, abrangendo os estados do Pará,
Amazonas, Maranhão e os então Territórios do Acre, Rondônia, Rio Branco e
Amapá;
CR-2, com sede em Salvador, abrangendo os Estados da Bahia, Piauí, Ceará,
Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe;
CR-3, com sede em Belo Horizonte, abrangendo os Estados de Minas Gerais,
Mato Grosso, Goiás e Espírito Santo;
CR-4 com sede no Distrito Federal, abrangendo o Distrito Federal e os estados
de São Paulo e Rio de Janeiro;
CR-5 com sede em Porto Alegre, abrangendo os Estados do Rio Grande do
Sul e Santa Catarina;
Cumpre destacar que, com a criação desses Centros Regionais, o ensino
emendativo (hoje denominado educação especial) foi descentralizado, permitindo,
com isso, a criação de classes especiais em escolas públicas, a criação de escolas
especializadas e, também, a concessão de bolsas de estudos para que os alunos surdos
pudessem estudar em escolas particulares. Os professores encarregados dos Centros
Regionais e da Coordenação da Campanha C.E.S.B. foram os seguintes: Clóvis
Augusto Salgado em Belo Horizonte, Aldina Maria de Jesus na Bahia, Sara Sassone
Zuckernann no Rio Grande do Sul e Cordélia Raiol Nunes no Pará, além de Helena
Antipoff que era Diretora da Sociedade Pestalozzi do Brasil e Rosina Noce de
Carvalho, presidente da Associação de Assistência à Criança Surda no Rio de Janeiro.
Quanto ao financiamento dessas ações, o decreto previa a possibilidade de, além de
ser financiado por recursos públicos, o projeto “poder e dever” receber recursos
privados.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
86
Finalmente, como havia desejado o Doutor Tobias quase um século antes,
havia em curso um projeto nacional para atendimento aos surdos brasileiros.
Em julho de 1958 é realizada uma Noite de Gala no Teatro Municipal do Rio
de Janeiro cuja renda reverteria para a Campanha. O evento foi organizado pela
filantropa Maria Antonieta Leite Leal, contando com a presença de autoridades,
políticos e personagens da sociedade carioca. O espetáculo apresentado foi a ópera
bufa Dom Pasquale, interpretada pelos tenores Paulo Fortes e Guilherme Damiano.
No encarte que foi distribuído contendo a programação do evento, consta um texto de
dona Ana Rímoli que versa sobre a importância da Campanha e, também, destaca o
apoio que vem recebendo do então presidente Juscelino Kubitschek e de seu ministro
da Educação, Clovis Salgado.
Numa publicação realizada pelo Ministério da Educação e Cultura de 1959,
intitulada
Desenvolvimento da Educação e Cultura no governo Juscelino Kubitschek,
encontramos um quadro comparativo dos investimentos feitos em educação e cultura
na década de 1950. Aqui podemos encontrar alguns dados referentes ao trabalho
realizado pelo Instituto. Antecedendo à exposição dos números, um significativo
título:
Surto de progresso instalado no Brasil.
Investimentos:
Educação e cultura:
1955- Cr$ 3.798.475.750
1959- Cr$ 13.224.142.989
O aumento correspondeu a 248%
Ensino primário:
1955- Cr$ 277.266.704
1959- Cr$ 1.968.434.800
O aumento correspondeu a 609%
Criação de salas de aula:
1952-1955 – 1.955
1956-1959 – 2.364
O aumento correspondeu a 30%
Colégio Pedro II
1955: 3.000 alunos
1959: 7.740 alunos
Inovação da criação de uma lista tríplice eleita pela sua Congregação,
abrindo mão o Governo de
nomear qualquer um dos seus professores catedráticos
Nova concepção para o Ensino Comercial e para as Escolas Industriais
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
87
O Ensino Emendativo mereceu do Governo Kubitschek atenções especiais, através da criação das
Campanhas Nacionais de Educação de Surdos e de Cegos
O salto de alunos matriculados no Instituto:
1955- 502 alunos
1959- 921 alunos
Em 1955, havia dez unidades educativas para surdos
Em 1959, 84 unidades educativas
Criação do Curso de Especialização de Professores de surdos e também o Curso Normal Rural
(preparar professores para a zona rural)
Também no documento citado encontram-se as ações relativas à difusão de
cultura e a promoção educativa pela imagem dinamizadas pelo INCE - Instituto
Nacional do Cinema Educativo
.
Cerca de trinta e oito filmes educativos foram produzidos com conteúdos de
natureza didática, artística, histórica e científica. Foram feitas mais de mil cópias
desse trabalho, sendo que grande parte destas cópias eram destinadas às escolas.
Também consta no documento a criação da Diafilmes que tinha como foco
desenvolver aulas sobre temas presentes no ensino de História, Geografia, dentre
outras disciplinas. Esses trabalhos foram distribuídos aos cursos ginasiais com
tiragem de mais de oito mil cópias.
O INES foi contemplado por esse projeto, tendo recebido projetores
cinematográficos de 16 mm. As sessões de cinema no Instituto eram sempre as
sextas-feiras. Alguns desses filmes estão no acervo da instituição, dentre eles,
biografias (Villa-Lobos, Darwin, Mario de Andrade entre outros) além de temas
relacionados às demais disciplinas.
Nos dados da gestão JK insere-se o INES e o resultado do trabalho de uma
década. A Campanha de Educação do Surdo Brasileiro foi possível ser
implementada porque havia profissionais formados para atuarem nesse projeto de
universalização da educação de surdos através da regionalização de suas ações.
Certamente que a mais completa tradução desse ideário é a convocação
contida no lema da Campanha Para a Educação do Surdo Brasileiro do ano de 1957:
O surdo não é diferente de você. Ajude a educá-lo. No que se referem às ideias
pedagógicas, era um esforço de aproximação com a capacidade do aluno ouvinte,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
88
pavimentando a ideia de tê-los frequentando as escolas regulares em classes especiais
ou mesmo junto com os ouvintes.
O mapa abaixo apresenta o quantitativo de professores formados pelo Instituto
durante a gestão de Ana Rímoli:
Ministério da Educação e Cultura/INES/Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro. Educação de Surdos,
Boletim Informativo,nº 1, setembro de 1962.
Fonte: Ministério da Educação e Cultura/INES/Campanha de Alfabetização do Surdo Brasileiro. Educação de
Surdos, Boletim Informativo nº.1, setembro de 1962.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
4.
O debate no Instituto: o que têm querido e o que têm podido
essas línguas?
Para denominar o tempo e a história e satisfazer as próprias aspirações de
felicidade e justiça ou os temores em face do desenrolar ilusório ou
inquietante dos acontecimentos, as sociedades humanas imaginaram a
existência, no passado e no futuro, de épocas excepcionalmente felizes ou
catastróficas e, por vezes, inseriram essas épocas originais ou derradeiras
numa série de idades, segundo uma certa ordem. (Le Goff)
As grandes narrativas sobre a educação de surdos vêm demarcando o campo
em duas idades míticas, a saber: o período antes do Congresso de Milão e o período
depois do Congresso de Milão. Antes de Milão AM corresponderia a um tempo
no qual os surdos, de uma maneira geral, usavam livremente a língua de sinais,
terminavam com sucesso seus estudos, tinham ótimo desempenho social, criavam
eventos de convivência para celebrar seus herois os banquetes surdos
1
–, e
contribuíam para a criação de outros espaços educacionais para seus semelhantes.
Esse tempo estaria mais ou menos localizado do final do século XVIII até a década de
oitenta do século XIX.
4. 1
O marco milanês
Com o advento de Milão, em 1880, esse tempo mítico é brutalmente
interrompido, dando início a uma idade obscura na qual os surdos não poderiam
utilizar a língua de sinais e seriam forçados à aquisição de linguagem oral. Portanto,
depois de Milão, o ideário
oralista vitorioso ocupa a cena política e educacional da
educação de surdos por mais de um século. Invariavelmente essa é a história que tem
sido apresentada. Nas palavras de Lane (1992):
Apesar do impacto devastador sobre as crianças e adultos surdos ao longo do século, o
encontro de Milão foi apenas uma breve reunião conduzida por opositores ouvintes à
1
Grupo de ex-alunos dos Institutos franceses que se reuniam, nas primeiras décadas do século XIX,
em jantares, a fim de relembrarem histórias vividas e homenagear seus mestres, como o Abade L’epée
dentre outros.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
90
linguagem gestual. O congresso durou 24 horas, durante as quais três ou quatro audista
reasseguraram a conveniência das suas acções perante dificuldades embaraçosas. No
entanto, o encontro de Milão foi o único e o mais crítico evento na colocação das
linguagens das comunidades surdas abaixo do nível; creio que é a única e a mais
importante causa da limitação dos empreendimentos educativos das mulheres e dos
homens modernos. (Lane, 1992, p.109)
Na sequência de seu raciocínio, uma associação do método escolhido à
formação do professor:
As conclusões de Milão corresponderam igualmente ao desejo dos educadores de total
controlo das salas de aulas, o que não consegue alcançar se os alunos utilizarem uma
linguagem gestual e os professores não. O professor torna-se então no ostracizado
lingüístico, no incapacitado. Nem pode adquirir a preparação necessária num ano, nem
em dois, mais do que um professor anglófono necessita para preparar-se rapidamente a
fim de ensinar francês. (idem, ibidem, p.111)
Uma das obras de referência, cujo exame pode nos habilitar a ter uma
compreensão mais profunda do debate que se travou no século XIX acerca da
escolarização dos surdos, são as atas do Congresso de Milão. Esse evento, podemos
afirmar, inscreve-se numa outra postulação de Le Goff. Além de demarcar a transição
de um tempo mítico, como vimos acima, trata-se, também, de um evento monumento.
Dificilmente encontraremos um texto, na produção bibliográfica das décadas finais do
século XX, sobre educação de surdos, que não faça uma remissão eivada de críticas a
este evento. O centro da questão foi a recomendação de que o método oral deveria ser
preferido em relação ao método de ensino pelos sinais.
Importantes fontes de pesquisa, os documentos resultantes do Congresso
Internacional de Educação de Surdos, ocorrido no período de seis a onze de setembro
de 1880, em Milão, podem nos ajudar a compreender o impacto de suas resoluções
nas narrativas que se debruçam sobre a história desse evento e também o impacto no
cotidiano das instituições de surdos. No nosso caso, o impacto no então Imperial
Instituto dos Surdos-Mudos do Brasil. Trata-se do exame das notas retiradas das atas
oficiais lidas por A. Kinsey
2
, que foi secretário da língua inglesa do Congresso.
Kinsey era diretor do Colégio de Formação de Professores de Surdos que trabalhava
2
Documento traduzido para a língua portuguesa por Leila Couto Mattos, pedagoga e fonoaudióloga do
INES. Na biblioteca do INES encontram-se, à disposição de pesquisadores, o livro em questão e a
cópia da tradução realizada. Nas menções ao documento referente ao Congresso não faço citações
literais; apenas apresento algumas de suas ideias resumidamente.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
91
com o método alemão (desenvolvimento da linguagem oral). Vale lembrar que o
exame aqui proposto das questões lingüísticas, que envolvem os projetos para a
escolarização de surdos, não poderia prescindir da leitura crítica desse documento. É
que os conteúdos das atas do Congresso em questão são muito citados e, me parece,
pouco estudados. Repetidamente têm sido apresentados em apenas uma versão sobre
um determinado tema Métodos que foi objeto de discussão dentre tantos outros
não difundidos. O programa do evento seguiu com as discussões de temas que foram
acordados previamente no Congresso, da mesma natureza, realizado em Paris no ano
de 1878. Os temas discutidos foram sobre as escolas, o ensino, os métodos e outras
questões específicas. Esses temas também estão encobertos por narrativas que
apresentam apenas alguns aspectos da discussão que envolveu o debate acerca dos
métodos e a proclamação do método de ensino pela linguagem oral como o mais
adequado.
Com efeito, sou levada às seguintes indagações: De que maneira as resoluções
do Congresso foram fortes o suficiente no sentido de criar o tão propalado projeto
mundial (das Instituições de surdos na Europa e Américas) para a educação de surdos
por mais de um século? E por fim, como compreender a derrocada centenária de
projetos educacionais para surdos que envolvessem a língua de sinais? Na concepção
de Lane (1999) estariam essas resoluções atendendo a um ideário educacional
monolingue de modo que, através do controle da língua nas escolas, os países, sob
uma ótica nacionalista, não correriam o risco de terem outras línguas concorrendo
com as suas:
No período que se seguiu a Milão a política de aniquilamento das linguagens gestuais
substituindo-as por línguas faladas abateu-se sobre a Europa como uma maré diluvial.
O avanço da <oralidade> varreu muitas escolas e pessoas. Não existe uma única
explicação para tal onda em questões humanas. Na obra When the Mind Hears, abordo
a confluência do nacionalismo, elitismo e comercialismo que norteou o Congresso de
Milão e seu trágico legado. Por exemplo, a subsequente exigência de <somente o
inglês> nas escolas americanas de ASL para crianças coincidiu com, e foi reforçada
por, uma exigência semelhante, feita às escolas que usavam outras línguas
minoritárias, tal como o alemão. (Lane, 1999, p.111)
Para que pudéssemos seguir em concordância com o raciocínio do autor,
teríamos que assumir que os surdos nessa altura estavam organizados social, política
e linguisticamente em diversos países de pelo menos dois continentes e que essa
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
92
organização representasse uma ameaça à soberania dessas nações. E mais, teríamos
que assumir que a comunicação por sinais fosse, naquela época, reconhecida como
uma língua o que, de fato, vai ocorrer a partir de estudos realizados na década de
1960 por William Stokoe e seu grupo de pesquisadores da Gallaudet University.
Portanto, considerando o esforço do autor em aproximar o debate praticado na
educação de surdos com questões nacionais, parecem frágeis os argumentos para
explicar a proclamação e a adoção do método de ensino pela palavra como o mais
adequado. Contudo, é necessário fazer a ressalva de que essa proclamação não
representou uma adesão total das instituições.
Ainda que o Congresso citado viesse a corresponder ao contexto a que se refere
Nóvoa (1995) afirma que
Nas décadas de viragem do século XIX para o século XX, a época gloriosa dos
Congressos de Professores que constituíram verdadeiros “laboratórios de valores
comuns”, sente-se a perpetuação de um ideário colectivo onde continuam presentes as
origens religiosas da profissão docente (p.16)
É difícil imaginar, em qualquer campo do conhecimento, uma adesão tão linear
e duradoura como vem sendo dito dos resultados de um Congresso. A ideia muito
difundida é a de que a supressão da língua de sinais nos projetos educacionais para
surdos derivou em uma tragédia linguística muito cara aos surdos. A perspectiva é de
que houve uma espécie de congelamento por um século de projetos públicos eficazes
para o aluno surdo pela proibição do ensino pelos sinais. O que me parece ser uma
questão relevante a ser investigada - porque encobre parte importante da história - é a
de que os autores que se debruçam sobre o Congresso desenvolvem suas críticas com
base nas suas resoluções e recomendações, deixando de examinar o modo pelo qual
as instituições desenvolveram seus projetos educacionais para surdos pós-Milão.
Para que possamos compreender o teor das discussões realizadas no Congresso,
apresento, a seguir, alguns conteúdos dos temas debatidos para que mais adiante
examinemos, então, a relação entre o que foi recomendado e o que de fato foi
implementado nas instituições de surdos, no caso desse estudo, no Instituto Nacional
de Educação de Surdos.
Em relação às escolas foram as seguintes questões:
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
93
-A escola deve ser em regime de internato ou de semi-internato?
-Quais as vantagens e desvantagens desses regimes?
O tema Ensino foi submetido às seguintes interrogações, dentre outras:
- Em que deve consistir um planejamento escolar para o surdo-mudo?
- Qual a melhor idade para a admissão do surdo-mudo na escola?
- O ensino deve ser através da articulação ou dos sinais?
- Qual o tempo de duração do ensino aos surdos considerando o modo como foi
ensinado, se através dos sinais ou da fala?
- É necessário, para os projetos de ensino, distinguir o surdo-mudo congênito
daquele que adquiriu a surdez depois de nascido?
- Quantos alunos devem compor uma classe para que o professor possa
trabalhar adequadamente seja no método dos sinais ou da fala?
- Devem os alunos ficar com o mesmo professor durante todo o período de
instrução ou deve o professor ser trocado quando os alunos adquirirem certa
quantidade de informações?
- Durante as aulas os alunos devem estar sentados ou de pé?
- Qual deve ser a duração de cada aula? Deve haver intervalo entre duas aulas?
Quanto aos métodos, a parte que vem gerando mais polêmica, foram abordadas as
seguintes questões:
- A superioridade do Método Articulatório sobre o de Sinais e vice-versa
(considerando prioritariamente do ponto de vista do desenvolvimento mental
sem ignorar sua relação com o aspecto social)
- Explicar em que consiste o Método Oral Puro e mostrar a diferença entre este
e o do Sistema Combinado
- Definir exatamente o limite entre o que se chama de Sinais Metódicos e o que
se chama de Sinais Naturais
- Qual o mais natural e efetivo meio através do qual o surdo-mudo poderá
adquirir o uso de uma linguagem própria?
- Quando e como deverá a gramática ser usada no ensino da linguagem? São
usados os sinais ou a articulação?
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
94
- Quando deverão ser usados manuais ou livros com os alunos? Em quais áreas
de instrução devem ser suprimidos?
- Deve o desenho não elementar, por exemplo, o desenho livre, fazer parte da
educação do surdo-mudo?
- Que tipo de conhecimento, nas diferentes áreas de estudo, poderá o surdo-
mudo obter quando ensinado: primeiro, pelo ensino através da articulação;
segundo, pelo ensino através dos sinais?
- Partindo de qual sistema educacional a disciplina de uma escola de surdos
pode ser estabelecida?
No que diz respeito a questões especiais, foram travados, dentre outros, os seguintes
debates:
- Poderá o surdo, ensinado através da articulação, esquecer parte do que foi
aprendido, quando deixar a escola? E se ao conversar com pessoas ouvintes
preferir usar sinais e linguagem escrita ao invés de articular palavras? Se isso
for verdade, como pode ser remediado?
- Onde e como pessoas jovens cuja surdez dificulta estudos mais avançados
podem obter educação equivalente à oferecida nas escolas secundárias para
ouvintes? Deve ser em escolas para surdos-mudos ou em escolas especiais?
Deve ter professores especializados ou não?
- Quais profissões os surdos-mudos podem seguir? Qual oferece mais
vantagens a eles?
Certamente que essa diversidade de temas fora objeto de calorosas discussões.
Havia representantes das mais importantes instituições de surdos da Europa e
América no Congresso que foi presidido por Giulio Tarra, então diretor do
Instituto
dos Surdos e Mudos Carentes
da Província de Milão. Curiosamente, muitos desses
temas permanecem na pauta das discussões, ainda hoje, nas formulações de políticas
públicas educacionais para surdos.
No que diz respeito aos métodos, o debate deu-se com seus participantes
apresentando a defesa de um método ou de outro. A grande maioria defendeu o
ensino pela linguagem oral. Foram poucos os que defenderam o método de sinais ou
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
95
combinado. Como se sabe, o documento final foi francamente favorável ao método
oral, contando com cento e sessenta votos a favor de sua utilização e apenas quatro
contra. Com efeito, os argumentos utilizados na defesa do ensino pelos sinais nos dão
importantes pistas para compreendermos, sob outra ótica, os argumentos contra a sua
utilização. Na realidade, a discussão não girava em torno da supressão da língua de
sinais e o sequestro deliberado de uma possibilidade identitária do ser surdo
3
como se
tem dito. O que emerge das discussões é uma preocupação em escolher um método de
ensino eficaz para a sua socialização e, também, um método ou o desenvolvimento de
uma linguagem que ajudasse na aquisição de linguagem escrita. Dos argumentos que
se seguem o do Doutor Peet é decisivo para a nossa linha de raciocínio.
Partindo de suas experiências com os surdos, o Reverendo Thomas Gallaudet,
presidente do então Colégio de Surdo-Mudo de Washington
4
, USA, defendeu o
sistema combinado e a manutenção dos sinais como linguagem natural dos surdos.
Tendo usado linguagem de sinais por cinquenta anos, ressaltou a sua importância para
o surdo dizendo ser sua utilização necessária para tirá-lo do isolamento que a surdez
promove. Alinhado ao pensamento de Gallaudet, o Doutor Peet, de Nova York, era de
opinião que os sinais se desenvolvem naturalmente na mente dos surdos, como
imagens e gravuras. E disse ainda que se dois surdos fossem colocados juntos, com
certeza eles desenvolveriam a linguagem de sinais, sendo que a ordem estrutural
dessa linguagem seguiria a mesma sequência da ordem estrutural que um artista
usaria para pintar, por exemplo, uma cena de um garoto atirando num pássaro.
3
Encontramos aqui mais uma referência ao que estamos chamando de devir para o passado. A
discussão sobre questões identitárias oriundas, principalmente, dos movimentos de descolonização da
África surge somente na segunda metade do século XX.
4
O Imperador D. Pedro II, em viagem aos EUA no ano de 1876, visitou essa instituição registrando as
seguintes impressões:
Antes do almoço Instituto de surdos-mudos o mais completo que vi mesmo na Europa. Tem
100. 44 anos nos Estados Unidos. Com 4.000 e tantos alunos, e 25.000 surdos-mudos nos
Estados Unidos. Neste belo estabelecimento perfeitamente colocado e com 150 acres de terreno
onde os alunos trabalham saem deles bacharéis em letras ou ciências. Metade deles articulam e
falam melhor ou pior. Resolveram equações algébricas, discorrem por escrito na pedra
perfeitamente expondo um a teoria dos eclipses e outro traduzindo falando Horácio e uma
passagem das Catilinárias mostrando saber bem o latim. O diretor é filho de uma pessoa que
aprendeu em Paris com abbé Sicard. Casou com uma de suas discípulas surda-muda que é a
mãe do diretor e a qual me deu uma hera que eu plantei perto da escada do estabelecimento.
Fiquei encantado da visita. (Diários de D. Pedro II, Viagem ao EUA, Vol. 17, p. 51. Acervo
Museu Imperial de Petrópolis)
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
96
Ambos, o pintor e o surdo, retratariam a cena da mesma forma: primeiro a árvore, em
seguida o menino, a arma, e, finalmente, o tiro e a queda. Para o Doutor Peet, aqueles
que dizem que a língua de sinais prejudica a aquisição da língua inglesa
5
deverá fazer
do surdo também um cego, pois nada do que ele vê está na língua inglesa, já que tudo
para o surdo está na língua de sinais.
Esse é o debate que o século XIX promoveu. Os compêndios mais
importantes que tratam da educação de surdos, que examinaremos mais à frente,
produzidos ainda na primeira metade oitocentista, centram a discussão em como os
sinais podem ajudar ou atrapalhar a estruturação da língua, seja esta nas modalidades
oral ou escrita. Por isso, o debate, também presente em Milão, acerca da necessidade
de definir o que seriam sinais metódicos e sinais naturais, tem tanta relevância. A
ideia seria admitir o uso de sinais somente se a estrutura narrativa destes não
interferisse na estrutura da linguagem escrita, ou seja, que a sua ordenação seguisse a
ordenação da estrutura frasal. Esse argumento faz-nos compreender o porquê da
defesa dos sinais naturais em alguns projetos, na medida em que estes poderiam
seguir a ordenação das línguas orais. os sinais combinados obedeceriam a uma
estrutura diferente das línguas orais.
Outro ponto relevante e pouco dito é a de que a aquisição de língua oral não
era para todos. Havia quase um consenso de que nem todos os surdos teriam
condições de serem instruídos pelo método oral. Esse destaque estaria fundamentado
no exame da etiologia da surdez: se fosse de natureza congênita, seria mais difícil e
pouco indicada a utilização do método oral, a de natureza adquirida era a mais
indicada, ressalvando se o surdo tivesse a inteligência preservada.
De toda sorte, a despeito dessas nuances o que tem sido dito é que houve um
projeto ideológico
oralista secular. O INES, também capturado por essa narrativa, é
apresentado como uma Instituição que abraçou acriticamente a deliberação milanesa
configurando-se, portanto, em um espaço onde se consolidou um trabalho de tradição
oralista por mais de um século.
5
Essa observação vale para aquisição de qualquer língua oral. A menção à língua inglesa se em
função do colégio do Doutor Peet ser de um país de língua inglesa.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
97
Uma questão que se apresenta como consequência dessas narrativas dicotômicas
e essencializadas é o possível apagamento de variáveis, as quais, se investigadas,
poderiam ampliar a compreensão dos projetos de aquisição dessas línguas na história.
O próprio debate linguístico que tem sido realizado no campo, por força de sua
natureza política, não deixa emergir para a história toda a extensão possível desse
mesmo debate.
Para que possamos ousar pensar a educação de surdos fora dessa lógica
dicotômica e essencializada talvez devêssemos tentar examinar, numa perspectiva
histórica, o teor das políticas praticadas para aquisição de linguagem oral e escrita, o
lugar da língua de sinais, e, também, examinar os sujeitos para os quais se destinavam
essas políticas. É possível que esse esforço venha nos ajudar a lançar outro olhar para
essa temática, compreendendo a mobilidade de significados e, portanto, de prestígio,
que os processos de aquisição dessas línguas assumiram em tempos distintos. E, por
fim, buscar compreender o que trazem de conteúdo em seu repertório histórico não só
na operação por suas aquisições, mas também, o que elas anunciam e trazem
pragmaticamente para os sujeitos surdos em diversos contextos no tempo e no
espaço.
Partindo dessas considerações desenvolvo a seguir um exame das discussões
praticadas, na Instituição, relativas à aquisição de língua pelos surdos. Seria possível
encontrar um projeto oralista ao longo de um século? Estariam as gestões, e seus
contextos históricos diversos, empenhadas num projeto hegemônico de longa
duração?
Penso que algumas questões fundamentais vão nortear essa investigação,
quais sejam: O que é dito sobre essas línguas? Quem diz? Quais as condições
objetivas de aquisição dessas línguas em diversos percursos históricos? Seria possível
atribuir-lhes o mesmo peso em contextos tão diversos?
Apresentarei alguns projetos significativos de aquisição de língua, no
Instituto, de modo que possamos seguir com essa investigação. O período coberto é
de exatamente um século, indo da década de sessenta do século XIX à década de
sessenta do século vinte. Portanto, um percurso que cobre o ideário
Antes de Milão/
Depois de Milão,
correspondente ao predomínio de uma suposta ideologia oralista,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
98
concepção presente na bibliografia aqui consultada com a qual venho dialogando
criticamente.
A ideia dessa ideologia
oralista que perdura por cem anos tem implicado na
pouca pesquisa acerca desse longo período. Dificilmente encontramos estudos
históricos que tomem como objeto as primeiras décadas do século XX. Este tempo
está capturado pelo significado atribuído a uma Idade do Oralismo e, em decorrência
dessa apreensão, perdemos a possibilidade de investigar os diferentes processos pelos
quais passaram as discussões de aquisição de língua e escolarização dos surdos no
citado período.
4. 2
Uma outra escrita para a escrita
Deixarão de ser alumnos, por contarem mais de dezoito annos de idade, e
por se acharem com instrucção bastante para se communicarem por escripto
(...)
Tobias Leite (1870)
Após ter tomado posse como diretor do Instituto, o Doutor Tobias Leite envia
em seis de abril de 1869 seu primeiro relatório ao Ministério dos Negócios do
Império ao qual o Instituto estava subordinado. Nele, Tobias Leite faz um balanço do
estado em que encontrou a instituição. Como vimos no primeiro capítulo deste
trabalho o período que antecedeu à sua chegada foi um momento pouco profícuo em
relação à rotina institucional e ao ensino. Seis anos após a saída do fundador Huet, a
instituição estava sem rumo. Figura eminente do Império, Tobias Leite assume a
direção da instituição empreendendo mudanças significativas em sua rotina.
Aponta no relatório que não havia até aquela data nenhuma lei orgânica ou
regimento interno que discriminasse a rotina do trabalho institucional. Era um refazer
em novas bases. Naquela altura estavam matriculados treze alunos e quatro alunas.
Uma das primeiras decisões do diretor recém nomeado foi a de marcar exames
públicos, rotina comum às instituições de ensino da época. A ideia era divulgar o que
os alunos sabiam, para que servisse de comparação com os anos seguintes, sob o
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
99
trabalho de sua gestão. Seria uma espécie de testemunho público do que fora
encontrado. O exame foi marcado para novembro com a presença do Imperador.
Cumpre destacar que do período que reformulou o ensino (setembro de 1868) até os
exames se passaram dois meses. Nesse curto espaço de tempo os alunos tiveram
aulas somente de linguagem escrita.
O Instituto foi reorganizado pelo decreto de n. 4046 em dezembro de 1867
6
,
sendo que as transformações operacionais começaram a ser executadas em agosto
de 1868. Com a posse de Tobias, a disciplina de articulação artificial e leitura sobre
os lábios, que era dada pelo então diretor Magalhães Couto
7
, foi suspensa. A
determinação era a de que o oferecimento dessas disciplinas estaria subordinado à
existência de alunos que pudessem ser beneficiados por elas. Também foram
suspensas as atividades dos repetidores surdos. No período de 1864/1868 atuaram
como repetidores os alunos Esperidião Gonçalves, Tobias Marcellino de Lemos e
Maria Pereira de Carvalho. Com a interrupção, somente em 1871 é que retorna a
atividade de repetidor com a atuação do aluno Flausino José da Gama, no período de
1871/1878 e do seu substituto, o aluno Gustavo Gomes de Mattos, no período de
1880/1889. No ano de 1879 não houve atuação de repetidor surdo. Vale lembrar que
a atuação dos repetidores surdos estava circunscrita às classes iniciais.
O resultado do exame público demonstrou que os alunos pouco sabiam. E
mais, constatou que não havia diferença entre os que se encontravam mais tempo
na instituição e os recém chegados. Uma das causas apontadas, no relatório, para esse
fracasso seria a insuficiência de professores e, por conseguinte, o fato do ensino
inicial ficar por conta dos alunos mais adiantados (repetidores) os quais estavam
restritos aos seus próprios conhecimentos, não tendo, portanto, quem prosseguisse
com eles no desenvolvimento de aquisição de novos saberes.
6
O Instituto foi reorganizado pelo Decreto n.4046 de 19 de dezembro de 1867. Dentre as deliberações
contidas no decreto constava a nomeação de professores para as disciplinas de desenho, de matérias
secundárias e para o trabalho de articulação artificial e leitura labial.
7
Manoel de Magalhães Couto, funcionário do Império, foi indicado para assumir a direção do Instituto
após a saída de Huet. Aproveitando sua estadia em território francês estudou, a pedido de autoridades
brasileiras, por um tempo no Instituto de Surdos de Paris, objetivando habilitar-se para o novo desafio.
Assumiu a direção do Instituto em Julho de 1862, permanecendo no cargo até o ano de 1868. Também
lecionava as disciplinas de articulação artificial e leitura sobre os lábios. No ano de 1872, é substituído
por Menezes Vieira que assume a cadeira de linguagem escrita.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
100
O programa desenvolvido era baseado no do Instituto dos Surdos de Paris. Ao
comentá-lo, o novo diretor vai revelando uma ideia bastante pragmática e de baixa
expectativa em relação à formação dos surdos. Para ele, a finalidade dos Institutos
não seria de oferecer uma formação literária, e, sim, uma linguagem, de preferência
escrita, que levasse ao surdo a possibilidade de estabelecer relações com a sociedade
na qual estava inserido. O fundamental para ele seria tirar o surdo do isolamento em
que vivia. Não era entusiasta do trabalho de aquisição da linguagem oral, defendendo
sua aplicação somente a alguns casos. Formulava então uma crítica aos conteúdos do
Regulamento 4.046 que dava primazia ao ensino vocal e ao ensino literário. Quanto
ao debate entre a aquisição de linguagem oral e escrita dizia:
A preferência entre essas duas linguagens é o ponto que se debate entre as duas escolas
da Europa, a allemã e a franceza. Não vem ao caso expôr os argumentos que de parte a
parte tem sido apresentados: basta-me dizer que a linguagem escripta é fácil tanto ao
surdo-mudo congênito, como ao acidental, e que a linguagem articulada artificial,
sendo possível nos segundos, por excepção o é nos primeiros, e sempre tão
imperfeitamente, que por curiosidade é tolerável. (Tobias Leite, Relatório- abril de
1869, p.5)
Ao confrontar os programas adotados pelo Instituto de Paris com os
desenvolvidos aqui, Tobias Leite percebeu que a prioridade dos franceses era relativa
à aquisição de linguagem escrita. Esta era obrigatória para todos ficando facultada à
aquisição de linguagem oral somente aos alunos que tinham surdez adquirida e a uns
poucos com surdez congênita. O programa, portanto, era diferenciado e essa
perspectiva seguirá sendo uma tendência na instituição como veremos claramente nos
projetos desenvolvidos nas primeiras décadas do século XX. Essa tendência será
interrompida na gestão de Ana Rímoli, na década de 1950, quando então o projeto
será de aquisição de linguagem oral para todos indistintamente.
Seguindo com a comparação entre os programas, o que era praticado pelo
Instituto continha, além das disciplinas de linguagem oral e escrita, disciplinas de
conteúdo
literário
8
como o ensino de francês provável herança deixada pelo nosso
8
Para efeito de diferenciação, havia as disciplinas de conteúdo literário e as disciplinas de conteúdo
profissionalizante. O ensino literário corresponderia, com pequenas variações, às disciplinas:
matemática, língua portuguesa, história, geografia, religião, dentre outras.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
101
fundador Huet que, como vimos, já havia sido proprietário de um Colégio Francês no
Rio de Janeiro, antes mesmo de fundar o Instituto.
Na percepção de Tobias Leite quanto ao ensino na França, todo o esforço
estava concentrado na aquisição de linguagem escrita. As outras disciplinas
oferecidas nas séries mais adiantadas, como o ensino da história sagrada, por
exemplo, eram apenas um meio útil de exercitar a linguagem escrita e não um acesso
intelectual aos seus conteúdos. É possível que a confecção de um quadro comparativo
e as análises assertivas, para quem estava entrando num campo desconhecido,
guardem um sentido com o modo pelo qual o médico Tobias Leite chegou à
Instituição. Na realidade, a convite das autoridades do Império, veio a princípio como
interventor, somente depois foi confirmado diretor. Anteriormente à sua nomeação,
exercia o cargo de chefe de seção da Secretaria de Negócios do Império. Com
experiência administrativa, produziu neste relatório um rico diagnóstico da
instituição. Podemos afirmar como veremos mais a frente que, durante os vinte e oito
anos de sua gestão atravessada por mudanças importantes no cenário político nacional
- como a transição do regime monárquico para o regime republicano, o fim da
escravidão e a guerra do Paraguai -, permaneceu alinhado a essas suas primeiras
impressões, quais sejam: linguagem escrita e uma profissão. Sempre destacou a
importância do ensino profissional defendendo que este sim asseguraria ao surdo um
lugar na sociedade e a possibilidade de se manter. Já o ensino literário poderia
suscitar expectativas muito além de suas reais condições.
No segundo relatório do ano de 1870 o diretor apresenta o que seria um sinal de
sucesso na terminalidade dos estudos: a possibilidade de se comunicarem por escrito.
Nessa oportunidade defende que qualquer professor que atue na instrução primária
poderia também atuar junto aos surdos. Corrobora assim com o conteúdo da circular
enviada aos diretores da Instrução Pública da França pelo Ministro da Instrução Sr.
Duruy:
Graças a um pequeno numero de processos simples, naturaes, tão fáceis de
aprender como de ensinar, os professores primários podem, sem detrimento de seus
alumnos, ocupar-se com a instrucção dos surdos-mudos
. (Relatório de Tobias Leite,
1870, p.2)
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
102
Dispendioso mesmo seria o investimento em aquisição de linguagem oral. Para
o diretor, esse trabalho seria o único que exigiria especialização, não valendo o
investimento necessário para poucos surdos serem beneficiados. Segundo ele, não se
justificaria mandar para a Alemanha (onde o ensino da linguagem articulada e leitura
labial estavam bem desenvolvidos) um professor para habilitar-se nessa disciplina.
Em 1881, um ano após o Congresso realizado em Milão, Tobias Leite manda
publicar, já em terceira edição, o Compendio para o Ensino dos Surdos-Mudos,
tradução da obra do professor Vallade Gabel, do Instituto de Surdos da França. Nele
há uma diferenciação interessante para a discussão aqui desenvolvida acerca da
questão linguística que envolve a educação de surdos, como vimos ao nos debruçar
sobre os relatórios de Milão.
No capítulo dois que trata
Dos differentes meios em uso para ser
comprehendido pelo surdo-mudo
, temos um exemplo interessante dos pesos
diferenciados que as modalidades oral e escrita das línguas orais e também a língua
de sinais adquirem em determinados momentos- nesse caso, no ambiente francês dos
métodos mistos no século XIX pré-Milão.
O livro é dividido em duas partes, sendo a primeira teórica, em forma de
perguntas e respostas, e a segunda, prática, em forma de lições. Uma das
interrogações feitas logo no início do livro era de
quais os meios que se podem
empregar para ser compreendido pelo surdo-mudo
. A resposta em tom diferenciado
diz que com os surdos sem instrução usam-se fatos materiais, desenhos e linguagem
natural dos sinais. Com os surdos instruídos usam-se a palavra artificial (expressão
oral), o alfabeto manual e a escrita. Para que possamos compreender melhor o valor
diferenciado dessas linguagens nessa obra, que foi referência durante muitas décadas
para os institutos de surdos, apresento a seguir a compreensão que se tinha de cada
uma delas e de suas modalidades.
Linguagem Escrita
Podemos dizer que, historicamente, a compreensão dos projetos de aquisição
de linguagem escrita pelos surdos ficou prejudicada pelo debate dicotômico entre a
língua oral e a língua de sinais. Na realidade nos conteúdos dos manuais mais
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
103
utilizados no século XIX temos um projeto hegemônico de aquisição de linguagem
escrita. Até mesmo, em alguns momentos, a aquisição de linguagem oral ou de sinais
seria somente um meio para se chegar à escrita e não um fim como está posto:
- A escrita é para o mudo o que a palavra é para nós, portanto convem habilita-lo a
escrever o mais depressa possível, para que possa quanto antes copiar suas lições, e
exprimir-se por escripto. (p. 24)
- A escripta recorda a lembrança dos movimentos da boca aos mudos que tiveram
aprendido a fallar, e a lembrança dos signaes mímicos áquelles a quem se tiver
ensinado a lingua materna por signaes repetidos; e, o que é muito preferível, a escripta
recorda as idéas daquelles que têm conseguido comprehendê-las pela associação
immediata do pensamento á palavra escripta, com os que fallão aprendem a
comprehender a palavra pela associação immediata do pensamento com a palavra
fallada. (p.26)
Em tais teorizações encontramos um forte ideário da educação de surdos, até
então pouco veiculado, que seria a função preponderante da escrita para o ensino e a
para o processo de socialização dos sujeitos surdos.
Linguagem dos Sinais
No que diz respeito à comunicação por gestos, encontramos as quatro
diferenciações, presentes nessa obra, que são os sinais naturais, os sinais arbitrários
ou convencionais, os sinais metódicos e a datilologia ou alfabeto manual. Importante
observar o papel que cada uma dessas modalidades comunicativas adquire em relação
à escrita.
Sinais Naturais – Seria a mistura de sinais espontâneos, de forte cunho
iconográfico, podendo ser praticados em conjunto com os sinais arbitrários.
É o
conjuncto de signaes naturaes ou imitativos, e de signaes de convenção que os
surdos-mudos inventão para exprimir seus pensamentos.
(idem, ibidem, p.14)
O exemplo fornecido, neste livro, de sinal natural é aquele que pode ser
compreendido sem explicação: ao colocar as mãos à direita e à esquerda da testa, de
forma a representar os chifres de um boi, está se dando a ideia desse animal. No caso
de sinais relativos a sentimentos, como a cólera, por exemplo, o sinal se manifesta
pela expressão do olhar e pela violência dos movimentos; a vergonha pelo
abaixamento das pálpebras, pelo rubor do rosto. Os sinais naturais seriam desenhos
no espaço de conteúdos dialógicos que os surdos almejam veicular sem a utilização
da palavra. A utilização desse modo de comunicação seria estimulada para os
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
104
considerados pouco inteligentes ou com baixa escolarização. Sem terem adquirido as
habilidades de ler e escrever, restava-lhes o uso desses sinais para a comunicação do
dia a dia. A questão é que esses sinais eventualmente se desenvolviam numa
ordenação diferente da escrita, e não continham marcas de gênero, número e tempo
que seriam fundamentais para o apoio ao desenvolvimento da escrita:
- P. A linguagem natural dos signaes não segue os incidentes grammaticaes?
- R. Não; quasi nunca os signaes se succedem na ordem das palavras de cada Phrase, e
não exprimem as idéas do numero, do gênero, do tempo, e do modo senão quando é
indipensavel para entender-se o pensamento.
Nós dizemos: O surdo-mudo diz por signaes:
Eu estou doente Eu doente
Eu soffro Eu soffrer
Tu não és sábio Tu sábio não
Tu não trabalhas Tu trabalhar não
Tenho um jardim Jardim um eu ter
Eu não gosto de frutas Frutas eu gostar não
Os livros estão sobre a mesa Mesa livros sobre
Tenho minha caixa de rapé no bolso Bolso caixa de rapé minha eu ter
Traze a chave da porta do jardim Jardim porta chave trazer
Eu creio que choverá Chover futuro eu crer (pg20
- P. O conhecimento da linguagem dos signaes naturaes é útil a quem quer ensinar
surdos-mudos?
- R. Sim, porque conhecendo-se esta linguagem adquire-se mais influencia sobre o
alumno, que poderá responder a perguntas, fazer outras, e tornar assim facil a tarefa do
ensino.
- P. A que alumnos a linguagem dos signaes naturaes é mais útil?
- R. Aos poucos intelligentes, aos que estão pouco tempo nas escolas especiais.
- P. Por que?
- R. Porque uns e outros, não podendo aprender a ler e a exprimir-se por escripto, e por
meio da linguagem natural dos signaes, desenvolvem suas faculdades intellectuaes de
tal modo que aprendem seus deveres de homens e de christãos. (idem, ibidem, pp.21-
22)
Sinais Convencionais ou Arbitrários Estes seriam o que hoje denominamos
língua de sinais. Também aqui a ideia apresentada para o processo de aquisição de
linguagem escrita é a de evitar o estímulo aos sinais arbitrários e trabalhar
prioritariamente com a datilologia que, embora realizada pelas mãos, é versão dos
alfabetos das línguas orais.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
105
- P. Daí um exemplo desses siganes.
- R. Quando para dizer ainda não se bate duas ou três vezes com a junta do dedo
pollegar no queixo, se faz um signal puramente arbitrário, cujo sentido o uso póde
ensinar. Do mesmo modo dous dedos dispostos em fórma de V na face significa
vinho.(pg17)
- P. Os surdos-mudos, portanto, empregão naturalmente a figura de rhetorica que
consiste em designar a parte pelo todo?
- R. Sim, muitas vezes elles dão o nome do objecto para desiganr a qualidade
dominante; assim, por exemplo, para exprimir as idéas de mansidão e de força
empregão os signaes que exprimem
carneiro e leão. (idem, ibidem, p.19)
Sinais metódicos Sistema de sinais criado pelo Abade L’Epée cuja função
era dar suporte ao desenvolvimento da linguagem escrita. A lógica da utilização dos
sinais deveria estar subordinada à ordenação frasal da língua escrita. A
impossibilidade de manter sempre essa ordenação desestimulou a sua utilização.
- P. O que são signaes methodicos?
- R. São signaes executados como os naturaes com as mãos e com os braços, mas que,
acompanhando invariavelmente a ordem das palavras da cada phrase, complicão-se
muito na expressão do gênero, do numero, da pessoa, do tempo, do mod, etc. (pg19)
- Porque se preferência aos signaes naturaes? Parece que serião preferíveis os
signaes methodicos do abbade L’Epée.
- A experiência tem mostrado que os signaes methodicos não fazem dos surdos-
mudos senão traductores inconcientes, absolutamente incapazes de exprimir por
escripto suas próprias idéas. Nunca em estabelecimento algum se tem podido
conseguir que os surdos-mudos se sirvão dos signaes methodicos em suas relações
particulares; prova evidente de que esses signaes não servem para exprimir todas as
idéas. (ide, ibidem, p.21)
Datilologia ou alfabeto manual - Seria a representação das letras do alfabeto
em diferentes posições das mãos na formulação de palavras.
- P. A dactylologia pois não é uma lingua?
- R. Não, é
a pronunciação manual das palavras de uma lingua, é uma escripta volante
que traça palavras sem tinta, sem penna, papel, lápis, nem pedra.
- P. A dactylologia despreza os signaes de pontuação?
- R. A dactylologia traça no ar os acentos com o indicador destacado dos outros dedos,
e os outros signaes da pontuação com a mão inteira.
- P. A dactyylologia tem, para a instrucção dos surdos-mudos, outras vantagens sobre
a escripta, além da commodidade e da fugacidade?
- R. Sim. O surdo-mudo, que estuda suas lições pela dactylologia, grava as palavras na
memória muito mais facilmente do que se estudasse por transcripções repetidas.
- P. É pela dactylologia que convem começar a instrcção do surdo-mudo/
- R. Não grande inconveniente em ensinar logo no começo a dactylogia, quando se
tem um alumno humilde, dócil e intelligente.
- P. Para ensinar a ler aos que ouvem, não se começa por fazer conhecer as letras?
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
106
- R. É verdade, mas nessa occasião elles sabem a lingua materna, que se vai ainda
ensinar ao mudo. A mãi cultiva, e esclarece a intelligencia do menino antes de o fazer
fallar; habitua-o a comprehender as palavras e as phrases, e não a repetir
separadamente as letras a,b,c, etc. (idem, ibidem, p.28)
que se destacar a importância que a prática da datilologia vai assumir no
processo de aquisição de linguagem escrita pelos surdos. A formação de palavras
escritas através das mãos será estimulada representando uma forma muito utilizada de
comunicação entre surdos e entre estes e ouvintes. Os surdos que foram trabalhados
nessa perspectiva formam uma geração que utilizam prioritariamente a datilologia e
menos a língua de sinais. Alunos do INES das décadas de trinta e quarenta, do século
XX, cujo projeto tinha como foco principal o desenvolvimento da capacidade da
escrita, comunicam-se prioritariamente pelo alfabeto manual ou datilologia.
Linguagem Oral (leitura sobre os lábios e articulação artificial)
Assumindo posição antagônica à comunicação pelos sinais, a aquisição de
linguagem oral está no centro do debate que vem sendo travado acerca da educação
dos surdos. Sempre foi eivada de fortes argumentos contra e a favor do
desenvolvimento de propostas para a sua aquisição, desde os primeiros manuais de
educação de surdos datados do século XVII até a criação da ideia de uma
ideologia
oralista
vencedora por mais de um século
9
.
- P. O que é a leitura sobre os lábios?
- R. É a arte de conhecer pelo movimento dos lábios e das outras partes da face as
palavras que não se ouvem.
- P. E a articulação artificial?
- R . A articulação artificial é a palavra aprendida pela vista e pelo tacto; chama-se
tambem palavra morta, porque os que della usão não têm consciência do que
pronuncião, pois que o fazem por uma espécie de
mastigação. (idem, ibidem, p.22)
- P. Sendo a palavra um meio de communicação universalmente empregado, não seria
mais vantajoso faze-los fallar, do que ensinar-lhes a exprimirem-se por signaes e por
escripto?
9
A aquisição de língua oral tem sido tratada – por alguns autores ouvintes e por um segmento
representativo dos surdos, a partir da década de 80 do século XX – como um grande projeto ideológico
ideologia oralista- que teve como consequência a submissão dos surdos pelos ouvintes. No documento
elaborado pela comunidade surda presente no V Congresso Latino Americano de Educação Bilíngue
para Surdos, realizado em Porto Alegre/RS na UFRGS, em abril de 1999, e enviado para o Ministério
da Educação, consta no item 20 das Políticas e Práticas Educacionais para Surdos:
Promover a
recuperação daqueles indivíduos surdos que por muito anos foram mantidos no “cativeiro” dos
ouvintes, possibilitando sua integração à sociedade.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
107
- R. Certamente, mas não se deve tentar o impossível. A palavra, que desenvolve tão
bem e tão promptamente a intelligencia dos que ouvem, é impotente para levar luz á
intelligencia dos surdos-mudos de nascimento; não serve a estes senão para exprimir
idéas que elles tenhão adquirido por outros meios. (idem, ibidem, p.23)
O debate em torno das línguas presente nessa obra de referência revela a
centralidade que a aquisição de linguagem escrita assume. Tanto a língua de sinais
quanto a língua oral são pensadas sempre de modo relacional com a escrita, num tom
avaliativo de modo que se possa mensurar se a operação pela aquisição dessas
línguas- e sua utilização- está em contradição com a aquisição da escrita ou se são
parceiras no esforço por sua aquisição.
Uma outra fonte importante para a compreensão dessa discussão, que teve
alguns de seus conteúdos citados no primeiro capítulo deste trabalho, é o Livro de
Atas e Pareceres da Câmara de Instrução do ano de 1884. Ali está registrada a
discussão travada entre o diretor Tobias Leite e o professor Menezes Vieira. Trata-se
da 26 ª Questão, constante no documento, que tinha como tema a Educação dos
Surdos-Mudos. São pareceres antagônicos pelos quais podemos confirmar a
perspectiva do médico Tobias Leite, que era aquisição de linguagem escrita e uma
profissão, e a perspectiva do professor Menezes Vieira, aquisição de linguagem oral e
uma profissão. Convergiam somente ao delimitar a educação de surdos à instrução
primária:
O surdo-mudo é um cidadão apto a receber uma educação completa; oo
Estado, conforme promessa, cabe o dever de dar-lhe a educação primária.
Menezes Vieira era favorável à manutenção da cadeira de linguagem articulada
e condenava o investimento em linguagem escrita, que julgava desnecessário no
contexto de uma sociedade onde a grande maioria era analfabeta. Para o professor
Vieira restituir a uma sociedade, majoritariamente analfabeta, alguns surdos sabendo
ler e escrever de nada valeria, que poucos teriam condições de conservar essa
habilidade, por não ter circunstâncias de empregá-la. No Brasil das últimas décadas
do século XIX eram raras as pessoas que sabiam ler e escrever; por isso, ele defendia
prioritariamente programas de aquisição de linguagem articulada ou oral.
No seu entendimento, o domínio da linguagem articulada ampliaria as
possibilidades de socialização do surdo, na medida em que todos poderiam
compreendê-los. somente o domínio da linguagem escrita, para efeitos de
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
108
comunicação com os ouvintes, restringiria suas possibilidades, pois teria poucos
interlocutores. Nas palavras conclusivas de seu parecer, Menezes Vieira defendia
que:
O instituto dos surdos-mudos da Brazil corresponderá ao fim para que foi creado,
educando por meio da palavra articulada.
Para que a educação effectue mais rápida e proficuamente convirá tornar evidente:
Que a palavra articulada póde ser adquirida pela vista e pelo tacto;
Que a leitura sobre os lábios deve ser ensinada desde os primeiros annos.
Afim de vulgarisar estas idéas cumpre:
Que os vigários propaguem-n’as entre os seus comparochianos;
Que nas escolas primarias o ensino da leitura e da escripta seja feito pelo mesmo
processo empregado nos institutos de surdos-mudos;
Que nessas escolas, especialmente nas do sexo feminino, em um dos livros de leitura
expressiva trate-se da primeira educação que o surdo-mudo deve receber no seio da
família. (idem, ibidem, p.6)
Portanto, aqui, o desenvolvimento das habilidades de linguagem escrita e de
aquisição de linguagem oral estava em oposição e com pesos diferentes.
Vale lembrar que as posições assumidas pelo professor Menezes Vieira foram
decorrentes de sua viagem à Europa em missão oficial para acompanhar os trabalhos
nas instituições depois da deliberação de Milão. Nessa oportunidade visitou inúmeros
institutos de educação de surdos, dentre eles os de Paris, Bruxelas, Colônia, Berlim,
Leipzig, Munique, Zurique, Milão e Lion. Voltou bastante entusiasmado com o
ensino pelo método oral, sendo responsável pela sua adoção no Instituto até o ano de
1889, ocasião em que o diretor envia ofício ao governo datado de 14 de dezembro
informando que os alunos que frequentavam a cadeira de linguagem articulada
método oral – não apresentavam níveis satisfatórios de instrução, ao passo que os que
foram trabalhados pela linguagem escrita haviam tido melhor desempenho. Como
consequência, o governo, através do aviso de 26 de dezembro de 1889, ordenou que
fossem matriculados na aula de linguagem articulada os alunos que, na
compreensão do diretor e do professor, tivessem condições de receber com proveito o
ensino pelo método oral, sem prejuízo do ensino pela linguagem escrita. Discordando
dessa deliberação, Menezes Vieira decide sair da instituição.
Podemos admitir, no entanto, que havia um item de convergência entre o
diretor e o professor. Como vimos acima, ambos tinham a mesma visão quanto ao
limite desse ensino. Neste período não estava em pauta oferecer aos alunos surdos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
109
níveis superiores de educação nem aos surdos que, em sua maioria, vinham das
classes populares, nem aos ouvintes dessas mesmas classes.
A defesa era pelo ensino de primeiras letras ou primário. Ressalva, no entanto,
o Doutor Tobias que, aos surdos que se
distinguirem na instrução primária, quizerem
e poderem, não faltarão meios de prosseguir nos estudos.
(p.3) Embora fazendo esta
ressalva defendia
Seja porque ao desenvolvimento de suas faculdades intellectuaes falte o sentido
que concorre com o maior contingente para a educação social do homem – a
audição; seja porque a surdo-mudez é mais frequente nas classes desprovidas de
meios de fortuna, o facto é que poucos têm-se tornado notáveis nas letras.
A esta razão geral accresce outra especial ao Brasil, e é que a quase totalidade dos
surdos-mudos brazileiros são filhos de pequenos lavradores, que vivem
disseminados pelo vasto interior do paiz, ou de pobres operários das cidades, que
carecem cêdo do auxilio de seus filhos para a manutenção da família. Parece-me
pois conveniente que, ao menos por ora, a instrucção do surdo-mudo brazileiro se
limite á primaria, como a têm definido os últimos progressos da instrucção
publica.(idem, ibidem, p.3)
Destacando a questão de classe social em seu relatório, o diretor Tobias nos
põe em contato com mais uma variável de peso atuando no desenvolvimento de
projetos de ensino para surdos em uma instituição pública, única com o fim a que se
destinava, no final do século XIX. Penso que a tradição de ensino profissionalizante
no Instituto, essa sim por quase cem anos, vem alinhar-se ao perfil sócio-econômico
dos alunos que o frequentaram. Parece que as deliberações ou recomendações de
Milão vão sendo diluídas nas razões que compõe o mosaico das condições objetivas
da história. Dezesseis anos depois de Milão, em 1896, o professor do Instituto, Moura
e Silva, apresenta um relatório sobre sua permanência por quase um ano no Instituto
de Paris. Fora estudar a repercussão da supremacia do ensino pelo método oral em
território francês, deixando-nos com as seguintes ponderações:
(...) adoptado o methodo oral puro como meio uniforme de instruir a todos os alumnos
do Instituto de Pariz, se tornou logo necessária uma medida que, si não remediasse a
similhante mal, ao menos o attenuasse.
Essa medida (a única aliás possível, emquanto se não fizer a definitiva organização
d’aquelle estabelecimento no sentido, ou de serem alli acceitos unicamente os surdos
aptos para a articulação, mantida a actual uniformidade do ensino pela palavra; ou de
também serem nelle educados, mas por outro systema, os surdos a quem não aproveita
o methodo oral), foi – abandonar-se a classificação pela
idade, adoptada nos primeiros
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
110
tempos de novo ensino, e recorrer-se á selecção dos alumnos, tomando-se como base a
intelligencia e principalmente a aptidão de cada um d’elles para fallar. (idem, ibidem,
p. 8)
E as seguintes conclusões:
1 º - que todos os alumnos de fraca intelligencia, les arrièrés, aos quaes se
destinam as ultimas secções de cada anno, não se prestam absolutamente ao ensino
pela palavra: além de tempo e dinheiro gastos inutilmente com elles, similhante
ensino é verdadeiro martyrio para essa categoria de surdos, duplamente infelizes, e
sacrifício sem nome para o pobre mestre;
2º - que os que ensurdeceram depois de haverem adquirido o uso da palavra, e os
semi-surdos, principalmente d’entre uns e outros os que são intelligentes,
articulam, em geral, satisfactoriamente, podendo ser ouvidos com prazer;
- que a articulação dos surdos de nascença, salvo raríssimos privilegiados, é
sempre penosa, difficil e desagradável.
Eis, pois, Sr. Director, os factos que me levam a affirmar-vos que a palavra
articulada não deve, porque não póde, ser acceita como meio de educar e instruir
indistinctamente a todos os surdos-mudos.
Portanto, vai se tornando cada vez mais difícil sustentar a adoção absoluta e
acrítica do ensino pelo método oral no Instituto. O que veremos a seguir, período
correspondente às primeiras décadas doculo XX, são algumas tentativas pontuais e
pouco profícuas em trabalhar somente com o método oral. Somente na década de
cinquenta, esse ideário milanês é retomado nas condições objetivas de seu tempo.
4. 3.
Ensino profissionalizante e uma linguagem
(...) mas para chama-las, usa-se uma designação mímica
individual. E diz-nos fazendo os respectivos gestos:
- Olhe, uma chama-se assim: e bate no queixo com dois
dedos. Este, assim: e toca o lábio inferior....
Dahi a pouco sei o nome de todos. Ensaio para ver se
certo. E os pequenos me approvam, contentíssimos.
Começo a gostar de estar ali. Tenho vontade de dizer uma
porção de coisas áquellas crianças.
Cecília Meireles
O regulamento aprovado pelo decreto de n.3.964 de 23 de março de 1901,
assinado pelo então ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores, Campos
Salles, e pelo presidente da República, Epitácio Pessoa, define o ensino no Instituto
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
111
como litterario e profissional. Ao ensino literário caberiam as seguintes disciplinas:
língua portugueza, com o maior desenvolvimento possível; mathematica elementar
com aplicações pratica ás necessidades da vida commum; historia e geographia do
Brazil; lições de cousas pelo methodo intuitivo.
Quanto aos métodos de ensino seriam
adotados o método misto ou combinado (sinais e escrita) em todas as disciplinas e o
ensino da linguagem articulada e da leitura sobre os lábios seriam oferecidos apenas
aos alunos que se mostrassem aptos para recebê-los. Os critérios adotados para esta
seleção vimos acima. Quanto ao ensino profissional, o aluno teria direito a um
percentual em média de 50% sobre o produto da venda dos objetos por eles
fabricados. Nessa altura as oficinas eram de arte tipográfica, encadernação, douração
e de sapataria. O total de alunos matriculados era em torno de cinquenta.
Em 1911, um novo Regimento amplia para todas as disciplinas o método oral
puro. Essa experiência durou apenas três anos. No seu relatório de 1914, o então
diretor do Instituto, Custódio Martins, aponta para uma outra questão de extrema
relevância que, ao refletirmos sobre ela, nos habilita a melhor compreender as
inúmeras variáveis que atuavam na construção dos projetos educacionais no Instituto.
Além das questões linguísticas, do perfil sócio-econômico do aluno, das habilidades
do professor, da falta de recursos governamentais, havia a questão da faixa etária de
ingresso considerada tardia para trabalhar aquisição de linguagem oral.
A prática demonstra o que era em outros estabelecimentos da Europa e dos Estados
Unidos conhecido. Os surdos-mudos são aptos para a prenderem a linguagem
articulada até a idade de 7 anos. Esta capacidade vai diminuindo gradualmente à
medida que o aluno vai crescendo, de modo que aos 9 e 10 anos, a percentagem dos
aptos é muito diminuta. Neste ano verificou-se uma percentagem muito pequena nos
alunos aptos a tirarem proveito do ensino oral, talvez menos de 10%.
É, pois necessário que V. Excia. Reforme o regulamento deste Instituto, permitindo a
entrada dos alunos de 6 a 10 anos no máximo, entrada esta que é permitida no
regulamento em vigor aos alunos de 9 a 14 anos.
Parece de toda conveniência ao ensino que as quatro cadeiras de língua portuguesa
sejam divididas, de modo a ficar duas cadeiras para o ensino de linguagem articulada,
sistema oral puro, e duas cadeiras de linguagem escrita”. (Separata da Revista do
Serviço Público ANO V – VOL IV –N.2, novembro de 1942, p.19)
Essa questão será resolvida em 1931, através do decreto n. 19.606 de 19 de
janeiro de 1931, que definiu a idade mínima de sete anos para o ingresso no Instituto.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
112
Vale destacar que, a despeito das complexas discussões sobre aquisição de
língua, o ensino profissionalizante estava bem mais resolvido. O investimento foi
sendo ampliado nas oficinas, principalmente a partir do decreto nº. 16.782, de janeiro
de 1925, do recém criado Departamento Nacional de Ensino, passando o Instituto à
classe de estabelecimentos profissionalizantes.
nos anos 1930, inúmeras oficinas funcionavam e a produção dos alunos em
diversas atividades proporcionava a eles uma receita que poderia ser retirada ao
término do Curso. Esse retorno financeiro era fundamental para que pudessem seguir
com suas vidas já fora da Instituição. É sabido que alguns surdos abriram seus
próprios negócios que todos saíam dominando um ofício. As oficinas eram de
madeira, couro (sapataria) e encadernação para os meninos e costura e bordado para
as meninas. Nesta altura elas estavam de volta em regime de externato. Como
vimos no segundo capítulo, a oficina de encadernação era sucesso absoluto. Nos
documentos de natureza administrativa dessas primeiras décadas a grande maioria era
de correspondências de instituições encomendando a encadernação de livros,
relatórios, atas e outros.
A compreensão era a de que o ensino profissional atendia ao perfil majoritário
dos alunos da instituição. Parece que o ensino pelo método oral estava em
contradição com esse perfil. O que podemos observar é uma recorrente justificativa
da impossibilidade de se aplicar com sucesso o método oral. Para o diretor Armando
Lacerda, o desenvolvimento do ensino oral dependia muito da cultura intelectual e
material do país. Em suas palavras,
Os surdos-mudos brasileiros, cujo número atual e cuja distribuição pelo nosso
território ainda não conhecemos com precisão, vivem na sua maioria espalhados pelo
interior e pertencem a famílias econômica e culturalmente mal aquinhoadas.
Frequentemente os pais de uma criança surda vêem a saber que é possível dar-lhe
educação adequada quando a mesma tem 10,12,ou 14 anos. É ainda possível enviá-
la ao Instituto, onde fará o aprendizado de uma profissão manual, que a tornará um
cidadão útil, e ser-lhe-á ainda possível adquirir algum conhecimento da nossa língua,
mas só pelos métodos silenciosos, só no seu aspecto gráfico. O ensino oral seria
infrutífero em tais casos. E a idade predominante dos candidatos à matrícula
provenientes do interior é entre 10 e 12 anos. Vê-se, pois, que é um problema que a
propagação da instrução e de certo bem estar econômico entre as nossas populações
campesinas, o que é uma função também do tempo, poderá resolver satisfatoriamente.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
113
(DASP- Separata da Revista do Serviço Público, ANOV- VOLIV- N.2, novembro de
1942, p.20)
Dessa maneira, podemos identificar os pesos distintos que essas línguas
tinham. Parece que a comunicação pelos sinais estava destinada aos que não
pudessem adquirir linguagem oral.
Oito anos antes da realização dessa matéria do DASP, é publicada a
Pedagogia Emendativa do Surdo Mudo de autoria do Doutor Armando Lacerda.
Nesse documento ele defende a ideia de que são dois os objetivos principais da
educação de surdos, quais sejam: o conhecimento de uma linguagem e a habilitação
profissional. Essa compreensão, de fato, vinha sendo adotada pelos seus
antecessores. No entanto, foi elaborado um plano de atendimento diferenciado para a
aquisição de linguagem. A ideia era dividir os alunos entre os que tivessem aptidão
para a linguagem articulada e os que poderiam ser trabalhados pela linguagem
escrita. Para tanto, estabeleceu a confecção de uma ficha do aluno que registrasse
todos os seus dados pessoais, a perda auditiva e a capacidade mental. As informações
constantes no documento serviriam de base para o seu plano pedagógico.
Essa divisão deu origem a dois departamentos, o oral e o silencioso. No
primeiro, o ensino teria como foco o desenvolvimento da linguagem articulada e a
leitura labial destinados aos surdos profundos e a acústica oral aos surdos severos. No
segundo, o ensino teria como foco o desenvolvimento das habilidades de escrita aos
surdos que apresentassem retardos na inteligência e, também, aos que entraram para a
instituição depois dos nove anos.
Cumpre destacar o valor diferenciado que essas linguagens tinham em seu
projeto. A escrita era uma modalidade de ensino destinada aos que não pudessem ter
a fala e a audição trabalhadas. Quanto à comunicação pelos gestos, de fato não era
estimulada nem proibida. Na realidade era considerada um meio de comunicação
mais fácil e da preferência dos surdos. No entanto, o Doutor Armando preconizava a
sua substituição pela datilologia como suporte para a aquisição da escrita, sendo o
desenvolvimento desta habilidade um dos focos de sua proposta pedagógica como
vimos acima. Também em importantes centros europeus a ideia difundida era a
mesma, ou seja, o reconhecimento que o desenvolvimento da fala não era para todos.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
114
O debate desenvolvido no âmbito da educação de surdos sobre aquisição de
linguagem oral valia-se do forte discurso científico que caracterizou o período. Seu
maior representante no Instituto era o professor Saul Borges que viajou algumas
vezes para a Alemanha, onde buscava se atualizar a fim de trazer novas técnicas para
o seu trabalho na instituição.
4. 4.
O verbo é falar a moda milaneza
O Pião
10
O pião entrou na roda, ó pião! (bis)
Roda, pião! Bambeia, pião! (bis)
Sapateia no terreiro, ó pião! (bis)
Roda, pião! Bambeia, pião! (bis)
Mostra a tua figura, ó pião! (bis)
Roda, pião! Bambeia, pião! (bis)
Faça uma cortesia, ó pião! (bis)
Roda, pião! Bambeia, pião! (bis)
Atira a tua fieira, ó pião! (bis)
Roda, pião! Bambeia, pião! (bis)
Entrega o chapéu a outro, ó pião! (bis)
Roda, pião! Bambeia, pião! (bis)
Crianças formadas em roda, de mãos dadas, com uma criança no centro. A roda
movimenta-se enquanto as crianças cantam. Aquela que está ao centro interpreta
mimicamente a letra, até que, no último verso, finge entregar o chapéu à companheira que
deverá substituí-la. (Dória.1958, p.79)
Um dos principais sentidos da educação de surdos na década de 1950 no
Brasil e no resto do mundo é a aquisição de linguagem oral. Guimarães
11
(1961) em
10
Uma das atividades de desenvolvimento da linguagem oral no Instituto na década de 1950. O
exercício em questão está publicado no livro Ensino–Oro-Áudio-Visual para os deficientes da Audição
de autoria de Ana Rímoli de Faria Dória
11
Jorge Sérgio L. Guimarães, surdo, publicou, em 1961, o livro Até Onde Vai o Surdo que reúne
quarenta artigos de sua autoria publicados, ao longo da década de cinquenta, no semanário Shopping
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
115
seu livro Até Onde Vai o Surdo, dedica um artigo sobre a Federação Mundial dos
Surdos, nessa oportunidade destaca o trabalho que a entidade vem fazendo em prol
dos surdos em diversos países e a campanha pela utilização do método oral:
Por falar na obra de Federação Mundial dos Surdos estão filiados nela 49 nações, até o
presente momento. A sua máxima preocupação é promover junto à Assembléia das
Nações Unidas, a readaptação dos surdos em todos os setores, elevando-os às
condições de pessoas normais e livres, com a apresentação de vários programas
organizados, inspirados pela “Declaração dos Direitos do Homem”. Para isso, tiveram
enorme realce os últimos Congressos Mundiais dos surdos, realizados respectivamente
em Zagreb, Iugoslávia, em 1955, e em Wiesbadem, Alemanha, em 1959. A Federação,
atualmente presidida pelo Sr. D. Vukotic, tomou parte ativa em numerosas iniciativas
da O.N.U., aproveitando a ocasião para alertar a opinião pública para os problemas
gerais dos portadores de deficiência auditiva, apelando aos governos dos demais países
pela criação de um número maior de escolas especializadas, dotados dos mais
modernos meios pedagógicos, para combater o analfabetismo entre os surdos do
mundo inteiro, além de dar aos milhões de surdos abandonados e sem proteção, tôda a
assistência alimentar médica e dentária. Proporcionando-lhes uma educação condigna,
êles poderão se tornar aptos e aceitos na sociedade. Habitualmente a Federação fornece
dados importantes às organizações de caráter internacional como U.N.E.S.C.O. ,
O.M.S. e O.I.T. para que estas examinem cuidadosamente a nossa situação. Aliás, têm
recomendado que seja apoiado e divulgado com uma campanha gigantesca o método
oral, através do qual o surdo aprende a falar, sob orientação de um professor de longo
tirocínio. (Guimarães, 1961, p. 91)
Interessante lembrar que as críticas mais contundentes que a gestão de dona
Ana recebe concentram-se na adoção do método oral e na ideia de caridade sem foco
na escolarização. Quanto à primeira, como tem sido dito, seria uma adoção da
ideologia oralista, como se esta fosse uma decisão pessoal ou circunscrita apenas à
sua gestão no Instituto brasileiro. O documento acima revela a extensão desse projeto
e ainda nos informa acerca das instituições da ONU que mantinham naquela altura
um diálogo constante com a Federação Mundial de Surdos. As três citadas dizem
respeito à educação (UNESCO), à saúde (OMS) e ao trabalho (OIT). Difícil pensar
qualquer projeto para surdos (ou ouvintes) que o venham sustentados por esses três
pilares. E mais difícil ainda é pensar o desenvolvimento de projetos educacionais para
surdos que de fato não contemplem um projeto de aquisição de língua, seja ela qual
News do Rio e no periódico Jornal das Moças, ambos do Rio de Janeiro. Os artigos contêm temas bem
variados, não relativos aos surdos, como de interesse geral. Destaco o artigo que escreveu sobre
Elza Dreifuss, judia alemã, surda-cega, que foi morta na câmara de gás junto com sua família pelo
regime nazista. Em outro artigo revela que o momento mais emocionante de sua vida foi quando
conheceu a norte-americana Helen Keller, na ocasião de sua visita ao Brasil.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
116
for, que essa aquisição não se naturalmente. Como ter prioridade na aquisição
dos conteúdos das disciplinas escolares em alunos que demandam projetos de
aquisição de língua? Em relação a essa questão diz Soares (1999, p.100):
(...) ao alterar as prioridades, colocando o ensino das disciplinas escolares na
dependência da aquisição da língua oral, a proposta de educação de surdos, encabeçada
pela professora Ana Rímoli, estaria revelando o aspecto contraditório do seu próprio
discurso de formar cidadãos úteis à Pátria, pois esse encaminhamento estaria
dificultando ainda mais a participação dos surdos no mercado de trabalho, sendo este
um dos componentes facilitadores de inserção social.
Se não fosse através da linguagem oral, em que modalidade linguística se
daria o conhecimento reclamado pela autora? Ainda na mesma linha argumentativa
Soares (1999) fala acerca de dona Ana:
(...) Pelas exigências da época, quando o acesso ao saber escolar passou a ser mais
exigido, em razão da intensificação da industrialização e urbanização, a principal
responsável pelas reformas do Instituto Nacional de Surdos-Mudos (que teve inclusive
seu nome modificado para Instituto Nacional de Educação de Surdos) e pela
disseminação do atendimento do surdo para todo o país, não incluiu, com o mesmo
rigor de tratamento dedicado ao domínio das técnicas de desenvolvimento da
linguagem oral, os procedimentos que deveriam ser empregados, por parte dos
professores, para que o surdo-mudo, além da fala, tivesse também certo domínio do
saber escolar. (idem, ibidem, p. 103)
Com efeito, essa continua sendo uma questão a desafiar as atuais políticas
educacionais para surdos: conjugar projetos de aquisição de língua com projetos de
aquisição de conhecimento formal, disciplinar, sem estabelecer prioridades.
O que diz dona Ana:
Em qualquer escola primária, o problema da linguagem é de vital importância;
dado o seu caráter socializador, por excelência.
Na escola de surdos o problema da linguagem cresce de importância; a
socialização da criança depende integralmente do progresso na aprendizagem da
linguagem, da mecânica da fala, propriamente dita. Êste mecanismo, laboriosamente
pôsto em funcionamento, é que vai fornecer os elementos fonéticos que permitirão ao
surdo organizar seu pensamento de forma inteligente e adequada, ao contato do mundo
civilizado, na intercomunicação social.
É através da linguagem que a criança surda vai aprender as demais noções que o
seu espírito pode armazenar; é por isso que urge ensiná-la a compreender a linguagem
dos seus semelhantes na intercomunicação social, e a falar, expressando-se de forma
normal e conveniente; enquanto seu vocabulário se amplia e seu espírito se volta para a
vida que se anuncia interessante e promissora, sua inteligência vai desabrochando aos
poucos, redundando em maior eficiência na aprendizagem.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
117
O ensino da linguagem abrange vários aspectos que merecem referência
minuciosa:
A. Mecânica da fala.
B. Linguagem (ensino oral e escrita do esbôço do idioma).
1. As impressões recebidas na prática da linguagem, alcançam a mente da criança
por meio de diferentes atividades, a saber:
a) conversação a respeito do ambiente que rodeia o educando;
b) contar, ler histórias (ou versos);
c) ditado e leitura oral pelo professor (compreensão da fala);
d) reuniões (côro, jogos etc.);
e) leitura oral ou silenciosa (pelo aluno);
f) escrita ( sobre os motivos do ambiente em que vive);
g) uso de um livro (pelos alunos mais velhos);
h) notas escritas na escola ou fora dela;
i) relatos de filmes, quadros, excursões etc.;
j) resposta às cartas de casa;
2. Pra expressão, as crianças deverão praticar:
a) exercícios orais e conversação em tôrno da professôra, do diretor e demais
pessoas do colégio, de pessoas de casa, e outros colegas;
b) dramatização, interpretação;
c) fala, pròpriamente dita;
d) fala rítimica, em coro;
e) história lida ou contada pelo professor introduzindo alterações feitas pelas
crianças;
f) orações em côro;
g) jogos de linguagem falada ou escrita;
h) exercícios escritos referentes aos itens acima;
i( composição incluindo a escrita no diário;
j) interpretação de desenho, figuras etc.
Os assuntos referentes à linguagem (gramática, via de regra) e aos
conhecimentos gerais serão parte integrante do programa de linguagem, pois como
vimos, é através desta que a criança surda deverá aprender tôdas as demais matérias do
currículo do curso primário. (pp. 33- 34)
Um dado importante para que não percamos de vista as reais atribuições do
Instituto: na década em questão, o Instituto oferecia o curso Pré-primário (entre 5 e 7
anos), o curso Primário (entre 8 e 13 anos), o curso Industrial (entre 14 e 18 anos), o
curso de Artes Plásticas e, a partir da portaria n º 85, de 5 de fevereiro de 1959, o
curso Comercial
12
. Somente na década de 1970 , de acordo com a Lei 5692/71 é que
o Instituto vai implantar o ensino de primeiro grau. Portanto o que o Instituto oferecia
12
O curso Comercial do Instituto foi denominado Escola Comercial Clóvis Salgado com
enquadramento legal na Lei orgânica do Ensino Comercial.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
118
era o ensino de linguagens (oral e ou escrita) e uma profissão. A continuação dos
estudos seria nas escolas regulares.
Como vimos, nas palavras de dona Ana e no sentido de sua década, o verbo era
falar. No seu depoimento para o acervo da Instituição, a principal assessora de dona
Ana, a fonoaudióloga e psicanalista Regina Morizot (2007)
13
, ressalta o que
identifica como um tempo muito especial:
(...) tudo era muito forte, havia um espírito otimista, muita alegria e proximidade
com os alunos. As idades eram muito próximas e éramos estimuladas a falar com
eles o tempo todo. Almoçávamos juntos, passeávamos. Havia no ar uma ideia de
futuro, de integração.
Quanto à proibição da comunicação gestual - ideia muito difundida nas
narrativas sobre esse período - vamos encontrar iniciativas dessa gestão que não
confirmam esse ideário de proibição. O desestímulo, sim, mas a proibição, não.
Senão vejamos: era comum, em alguns períodos de sua história, a contratação de ex-
alunos para trabalhar no próprio Instituto quando terminassem o curso. Com apenas
oito anos de funcionamento, a instituição havia feito a contratação de ex-alunos
para atuarem como repetidores
14
.
Na década de cinquenta, dona Ana, na contramão da muito repetida
ideologia
oralista,
contrata um número significativo de ex-alunos, quase trinta, que vão assumir
as oficinas profissionalizantes e, também atuarão como inspetores. Essa deliberação
nos desafia a desenvolver o seguinte raciocínio: se era proibida a utilização da
comunicação por sinais, então não fazia sentido contratar surdos para atuarem com
alunos surdos, e, sim, ouvintes para estimular o desenvolvimento da linguagem oral,
já que proibir a comunicação gestual entre surdos seria impensável.
13
Regina Morizot é professora, fonoaudióloga e psicanalista. Foi aluna do Curso Normal
Especializado e também a principal assessora de Ana Rímoli. Num artigo recente sobre a história da
fonoaudiologia no Brasil, destaca a importância de dona Ana para a consolidação desse campo do
conhecimento. Concedeu entrevista nas dependências do INES, em maio de 2007.
14
Até o ano de 1889, ano da proclamação da República no Brasil, atuaram como repetidores no
Instituto os alunos: Esperidião Gonçalves Fiúza 1864/1868, Tobias Marcellino de Lemos 1864/1868,
Maria Pereira de Carvalho 1864/1868, Flausino José da Gama 1872/1878, Gustavo Gomes de Mattos
1880/1889.Também atuaram em outras atividades João Flávio de Azevedo 1869/1871, como
despenseiro e Joaquim Maranhão em 1871, como mestre do ofício de sapateiro.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
119
Essa questão vai aparecer nos anos 1970, sendo objeto de muita polêmica. No
ano de 1974, foi realizado o I Seminário Brasileiro Sobre Deficiência Auditiva,
promovido pelo Ministério da Educação em parceria com o Centro Nacional de
Educação Especial CENESP, nas dependências do INES. Ao fim dos trabalhos,
foram apresentadas sugestões e recomendações ao MEC. No documento enviado,
constaram algumas recomendações complementares, porque essas não foram
aprovadas por consenso. A de conteúdo mais polêmico dizia que deveria haver uma
complementação de conteúdo na seleção de candidatos a cursos de Professores de
Deficientes da Áudio-Comunicação, no sentido de impedir o ingresso daqueles que
possuíssem distúrbios de audição e de linguagem, ficando impossibilitados de exercer
adequadamente a sua profissão. Na medida em que o sentido da educação de surdos
tinha como foco, nessa altura, o desenvolvimento da fala, o surdo que desejasse se
formar para ser professor de seus semelhantes era impedido de fazê-lo (ROCHA,
2007).
Embora na gestão de Ana Rímoli o foco fosse o mesmo, este não a impediu de
realizar significativa contratação de ex-alunos para exercerem inúmeras atividades,
inclusive as de natureza pedagógica (mestre de oficina).
Em carta enviada ao Instituto, recentemente, a professora Norma Nunes de
Souza, formada na década de 1950 na gestão de Ana Rímoli, faz as seguintes
considerações acerca da questão linguística:
(...) A discussão sobre linguagem de sinais e falada é antiga e, ao meu ver,
desnecessária. Sempre trabalhei usando as duas. A comunicação por sinais sempre foi
necessária para o entendimento tanto entre os surdos como, também, com os ouvintes,
uma vez que é mais fácil para aqueles. Quando nasce uma criança surda numa família,
é um sofrimento pois, a criança não consegue externar suas necessidades e vontades,
nem a família consegue comunicação com ela. Assim, o aprendizado dos sinais torna-
se uma benção para o bom entendimento mas, nada indica que uma pessoa surda não
possa desenvolver a fala, se não houver impedimento em seu aparelho fonador,
principalmente, na era da eletrônica.
Antigamente, quando ingressei no Curso Normal Especializado do INES,
(1955), fizemos concurso e saímos do ginasial para o Normal, éramos muito jovens
(entre 14 e 16 anos) e, logo aprendíamos, com as crianças, a linguagem de sinais mas,
no curso, D. Ana Rímoli, que era uma técnica em educação muito culta e inteligente,
procurou saber o que ia pelo mundo em matéria de educação de surdos. Ela organizou
uma classe experimental onde o método era oral total. Aliás, durante toda a vida do
INES , foram fazendo sempre novas experiências sobre o mesmo tema.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
120
Sempre usei sinais e fala, conjuntamente, em minhas aulas. (Acervo/ INES.
Rio de Janeiro, 15 de março de 2008)
O que podemos depreender desse debate, praticado até o final da década de
1950, é que, por ter uma ordenação diferente da ordenação das gramáticas das línguas
orais, a linguagem sinalizada (língua de sinais) na grande maioria dos projetos de
ensino para surdos não era estimulada no processo de aquisição de linguagem escrita,
tão pouco no processo de aquisição de linguagem oral. Pesava contra o argumento de
que sua estrutura dificultava a construção textual dos surdos, já que estes tenderiam a
reproduzir a estrutura da linguagem de sinais na experiência da escrita e da fala. A
consequência imediata seria um texto não desejável por ser diferenciado do padrão
estrutural das línguas orais. Somente o alfabeto manual era estimulado, por não
interferir na ordenação gramatical da escrita, por ajudar a sua construção e por ser um
recurso visual que favoreceria a memorização do conhecimento adquirido. Vale
destacar, no entanto, que esses projetos de aquisição de linguagem escrita e oral,
guardavam um sentido pragmático para a vida dos surdos. A intenção não era
primordialmente de acesso ao conhecimento via escrita, e, sim, uma possibilidade
comunicativa imediata com a sociedade.
Se pensarmos na escolarização nos últimos três séculos, o ensino além das
primeiras letras estava destinado somente às elites. É preciso compreender que a
grande maioria dos surdos que estudavam nos Institutos especializados era
proveniente das camadas populares. Os poucos surdos das classes mais abastadas,
que eventualmente frequentavam esses espaços, poderiam ter oportunidade de seguir
seus estudos em decorrência, principalmente, de sua posição social. Do mesmo modo
a aquisição de linguagem oral também não guardava um sentido propedêutico, como
também não era o da linguagem escrita, mas uma forma de socialização, de superação
do isolamento social decorrente da surdez. A ideia comum às duas pontas do embate
era a de promover ações para tornar as pessoas surdas socialmente produtivas e
viabilizar seu potencial comunicativo com seu meio social.
Podemos perceber que, embora tenha havido projetos de escolarização
utilizando prioritariamente a linguagem de sinais, estes não eram em maior número,
em função talvez desse ideário de aproximação dos surdos com a sociedade
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
121
majoritariamente ouvinte
15
. Arrisco dizer que esses projetos de estímulo à linguagem
sinalizada não tinham como objeto a socialização dos surdos com os ouvintes e sim
circunscrever os surdos a eles mesmos.
Se a ideia era a de aproximação com a sociedade, entendia-se que o estímulo à
utilização da linguagem sinalizada somente ira corroborar com seu isolamento por
estar sua socialização condicionada aos seus iguais. Nessa perspectiva, tendo
finalizado o tempo de escolarização no Instituto, estaria fora do convívio com outros
surdos, tendo que conviver necessariamente com os ouvintes no âmbito familiar e do
trabalho.
15
Segundo dados de Menezes Vieira, por volta da década de oitenta do século XIX, os Institutos de
educação de surdos da França, da Alemanha e da Itália perfaziam um total de 24.862 alunos surdos
com a seguinte distribuição pelos métodos:10.506 educados pelo método oral, 9.887 pelo método
combinado (linguagem sinalizada e linguagem oral) e 1574 somente pela linguagem sinalizada.(p. 4,
1884)
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
5
Conclusão
É possível muitas coisas serem verdadeiras
ao mesmo tempo, mesmo que se contradigam.
Humberto Eco
O efeito dessas narrativas essencializadas sobre a educação de surdos e sobre
o Instituto Nacional de Educação de Surdos é a produção de inúmeros apagamentos
que nos desafiam a buscar, em meio aos escombros de ideias soterradas sob conceitos
soterrantes, novos sentidos para novas narrativas. A circulação das ideias
educacionais, a presença de importantes educadores de projeção nacional, a política
nacional e a presença de diversas redes de intelectuais no Instituto - como as que
enredaram Benjamin Constant, Meneses Vieira, Tobias Leite, no século XIX; Cecília
Meireles, Carlos Drummond de Andrade e Armando Lacerda, nos anos de 1930;
Anísio Teixeira e Ana Rímoli, nos anos de 1950- desafiam-nos a lançar um outro
olhar para a história desse campo da Educação e para o Instituto Nacional de
Educação de Surdos.
Tantas dicotomias desafiam o nosso dicotômico campo. Também o debate
entre o ensino de natureza pedagógica e o ensino de natureza clínica. O Instituto, por
exemplo, vem sendo narrado pela ótica de ter seguido uma tradição
oralista,
priorizando o trabalho clínico (leia-se aquisição de linguagem oral), em relação ao
pedagógico. Seria um bom debate tentar fazer a distinção entre método pedagógico e
método clínico, envolvendo alunos surdos. Nas palavras de Soares (1999, p. 3),
(...) não pretendo, aqui, negar a importância dos estudos voltados a linguagem do
surdo, mas considero que uma pesquisa voltada aos problemas da escolaridade do
surdo impõe buscar compreensão para além da lingüística. Obviamente que sem
linguagem não cognição, entretanto, as questões, que estão presentes na
escolaridade do surdo, certamente, não são somente de caráter lingüístico.
Soares (1999) considera que o debate e a alternância do ensino pelos gestos ou
pela fala não contemplaram projetos de ensino dos conteúdos disciplinares presentes
na educação regular. Ou seja, a preocupação era somente desenvolver uma habilidade
comunicativa, sem foco no ensino propriamente dito.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
123
Estamos diante de muitas questões. Como pensar a educação de surdos fora do
debate linguístico? Como dissociar o debate linguístico do educacional? Como
delimitar o campo da educação de surdos? Quais são as suas mais importantes
intersecções? Com a educação comum? Com a educação especial? Com a linguística?
Os debates têm sido polares e quando escapam da lógica polar caem na ideia de um
trabalho mais ligado à caridade.
Dos três pilares do Iluminismo, Igualdade, Liberdade e Fraternidade, talvez,
esse último seja o que tenha menos capital acumulado. O ideal de igualdade é central
no pensamento marxista, o de liberdade é central no pensamento liberal e a
fraternidade parece que não goza de boa reputação no campo das ideias. É uma
espécie de filha bastarda do Iluminismo, girando em torno do pensamento religioso e
atualmente das redes sociais ou mesmo do movimento hippie nos anos 1960. A ideia
de caridade que pode estar associada a esse ideal sucumbe em críticas erosivas
relativas às suas ações. Não é sem propósito que o livro de Lane chama-se
A Máscara
da Benevolência.
Os benevolentes são execrados e suas ações estão coladas na
supressão dos sinais, na imposição da linguagem oral ou mesmo na ausência de
projetos educacionais, dando-se prioridade aos assistenciais.
É preciso que consideremos a arena na qual o debate acerca da educação de
surdos se deu no Brasil e em outros países. Esse debate está circunscrito aos limites
territoriais dos grandes Institutos públicos e privados. Naturalmente esses espaços
assumiam inúmeros perfis, em decorrência de suas condições objetivas de
funcionamento e do perfil de seus alunos. De toda sorte, para que possamos sair desse
claustro de compreensão, precisamos, além de mudar o olhar para esses Institutos,
desenvolver estudos de como se deu a educação de surdos nas classes mais abastadas,
no âmbito privado. Os conteúdos do que se tem produzido no campo está circunscrito
ao que aconteceu somente às instituições especializadas em educação de surdos.
Portanto, nossa intersecção com o mundo do conhecimento e das ideias pedagógicas,
sociais e políticas é conhecida no âmbito linguístico ou da caridade
(Institutos/asilos) por ser essa a apropriação que tem sido praticada quanto à
circunscrição dessas instituições. Sendo assim, é quase impossível avançar o olhar e
mudar-lhe a sorte. Se não mudar a circunscrição, sem mudar a dimensão do território,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
124
encontraremos as mesmas narrativas claustrofóbicas. Para além e para aquém dos
muros do castelo, para além e para aquém do claustro, uma riqueza extraordinária
espera por pesquisadores interessados em contar outras histórias.
Na divulgação do trabalho de um professor presente num manual de Viana do
Castelo, Portugal, do início do século XX (ver anexo), aparece uma pista importante
para essas nossas reflexões, quais sejam: como se deu à educação de surdos em
âmbito privado? O que era oferecido?
Assim, de modo provisório, concluo que não foi a educação de surdos que não
dialogou com a educação regular ou com as políticas nacionais. O que não é
pesquisa sobre esses diálogos.
Faço, então, algumas sugestões de estudos para que possamos remover o
entulho ideológico que aprisiona o campo. Podemos pesquisar: os diálogos do
Instituto com instituições similares em outros países; a presença do pensamento
educacional brasileiro no Instituto; a atuação de Meneses Vieira, um dos mais
importantes educadores do século XIX na instituição; a circulação de ideias
abolicionistas no Instituto; o perfil dos alunos do Instituto; a questão de gênero; a
criação da fonoaudiologia no Brasil; a alfabetização das camadas populares; o ensino
profissionalizante, dentre outras. A relevância desses estudos no âmbito do Instituto é
por ter partido dele, principalmente, por mais de um século, o sentido da educação de
surdos no Brasil. Também demandam pesquisas os modos pelos quais os surdos de
classes mais abastadas desenvolveram seus estudos, inserindo nessa investigação os
respectivos projetos educacionais, e com quais resultados.
Por fim, para que as narrativas históricas sobre tempos pretéritos não fiquem
prejudicadas pelas nossas intenções do tempo presente, penso que devemos,
sobretudo, evitar nutrir expectativas relativas ao que passou. Um devir para o passado
é uma armadilha para nos perdermos dele ou nele. Para enfrentarmos os processos
históricos é preciso, primeiramente, reconhecê-los. Devemos nos despir da tentação
do
se. Assim como a Antropologia sinalizou o equívoco do olhar etnocêntrico para o
estudo de sociedades
diferentes daquelas de quem debruça o olhar investigativo sobre
elas, podemos apontar o equívoco do olhar
cronocêntrico para a história. É recorrente
o tribunal armado para julgar o trabalho do médico Itard, trezentos anos depois de sua
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
125
realização. Impressiona a enxurrada de se que envolve a análise do trabalho do
iluminista Itard com o menino achado nas florestas de Averyon.
Historicamente, como vimos, as discussões travadas acerca do processo de
escolarização envolvendo pessoas surdas tinham como questão central a aquisição de
uma linguagem que poderia ser oral ou escrita. Embora apresentado repetidamente
como embate dominante – a disputa entre a aquisição de linguagem oral e a utilização
da linguagem de sinais –, também emergem da história, numa pesquisa mais
aprofundada, projetos para aquisição de linguagem escrita. É possível afirmar que o
embate acima mencionado tenha sido travado muitas vezes em função da escolha de
qual das duas modalidades linguísticas, por exemplo, favoreceriam o
desenvolvimento da escrita. E certamente essas perspectivas se alteravam na rota da
história.
Se Esmeralda me repetisse hoje sua indagação de vinte e sete anos atrás,
penso que diria a nós:
O que mais podemos ver além disso?
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
6.
Referências Bibliográficas
BACELLAR, Arnaldo de Oliveira. A Surdo Mudez no Brasil. São Paulo: Ed.
Faculdade de Medicina de São Paulo, 1926.
BANKS-LEITE, Luci; SOUZA, Regina. O des(encontro) entre Itard e Victor: os
fundamentos de uma educação especial. In: BANKS-LEITE, Luci; GALVÃO,
Isabel (orgs.). A Educação de um Selvagem: as experiências pedagógicas de Jean
Itard. São Paulo: Cortez, 2000.
BASTOS, Maria Helena Câmara. A formação de professores para o ensino mútuo
no Brasil: o Curso normal para professores de primeiras letras do barão de
Gerando (1839). In BASTOS, Maria Helena C. e FARIA FILHO, Luciano
M.(orgs.) A Escola Elementar no Século XIX. Passo Fundo: Ediupf, 1999.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro:
Zahar, 2002.
BOMENY, Helena Maria Bousquet. Os intelectuais da educação. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2001.
BRANDÃO, Zaia; MENDONÇA, Ana Waleska. Por que não lemos Anísio
Teixeira? Rio de Janeiro: Ravil, 1997.
BRANDÃO, Zaia. A intelligentsia educacional: um percurso com Paschoal
Lemme – por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. Bragança
Paulista: IFAN-CDAPH. Editora da Universidade de São Francisco/EDUSF,1999.
BUENO, José Geraldo Silveira. Diversidade, deficiência e educação. In:
Espaço/INES, n.12, Rio de Janeiro,1999.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
127
BURK, Peter. A escola dos Annales 1929-1989: a revolução francesa da
historiografia. São Paulo: UNESP, 1990.
COUTO-LENZI, Álpia. Cinquenta Anos: uma parte da história da educação de
surdos. Associação Internacional “Guy Perdoncini” para o estudo e a pesquisa da
deficiência auditiva, AIPEDA. Rio de Janeiro, 2004.
CUNHA, Luiz Antonio Rodrigues da. Educação e Desenvolvimento Social no
Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Ideologia e Educação Brasileira. São Paulo:
Cortez/Autores Associados, 1979.
DÓRIA, Ana Rímoli de Faria. Compêndio de Educação da Criança Surdo-Muda.
Rio de Janeiro: Edição do autor, 2ª ed. 1958.
________________________. Ensino Oro-Áudio-Visual para os Deficientes da
Audição. Rio de Janeiro: Ed. Ministério da Educação e Cultura/ Campanha para a
Educação do Surdo Brasileiro,1958.
DUBY, Georges. A História Continua. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.
ELIAS, Nobert. Mozart: sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.
FLORESTA, Nísia. Opúsculo Humanitário 1853. Ed. Atual/ com estudo
introdutório e notas de Peggy Sharpe-Valadares. São Paulo: Cortez Editora;
Brasília: INEP, 1989.
GARCIA, Bárbara Gerner. O Multiculturalismo na Educação dos Surdos: a
resistência e relevância da diversidade para a educação dos surdos. In Atualidade
da educação bilíngue para surdos – Vol.1. Porto Alegre: Mediação,1999.
GÓES, M.C.R.. Linguagem, Surdez e Educação. Campinas: Autores
Associados/Unicamp,1996.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
128
GUIMARÃES, Jorge Sérgio L.. Até Onde Vai O Surdo. Rio de Janeiro: Edição do
autor,1961.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.
LANE, Harlan. A Máscara da Benevolência: a comunidade surda amordaçada.
Lisboa: Instituto Piaget,1992.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Ed. Unicamp, 2003.
LOPES, Sonia Castro. Ofício de Mestres: história, memória e silêncio sobre a
Escola de Professores do Instituto de Educação do Rio de Janeiro (1931-1939).
Rio de Janeiro :DP&A; FAPERJ, 2006.
MENDONÇA, Ana Waleska P.C. As políticas do INEP/MEC, no contexto
brasileiro dos anos 1950/1960. Educação on line, n.1, PUC-Rio, Programa de
Pós-graduação, 2005.
___________________________. Anísio Teixeira e a Universidade de
Educação.Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2002.
MENDONÇA, Ana Waleska et alii. Pragmatismo e desenvolvimentismo no
pensamento educacional brasileiro dos anos 1950/1960. Revista Brasileira de
Educação, v.11, n.31, jan/abr 2006, pp. 96-113.
MENDONÇA, Ana Waleska P. C. “Reconstrução da escola” e formação do
“magistério nacional”: as políticas do INEP/CBPE durante a gestão de Anísio
Teixeira ( 1952-1964). In MENDONÇA, Ana Waleska e XAVIER, Libânia Nacif
( orgs.) Por uma política de formação do “magistério nacional”. O INEP/MEC
dos anos 1950/1960, no prelo.
MENDONÇA, Ana Waleska e XAVIER, Libânia Nacif. O INEP no contexto das
políticas do MEC nos anos 1950/1960. Revista Contemporânea de Educação.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
129
Publicação on line do Programa da Pós-graduação em Educação da UFRJ, n.1,
abril 2006.
MENEZES, Maria Cristina (org.). Educação, Memória, História: possibilidades,
leituras. Campinas : Mercado de Letras, 2004.
MOURA, Maria Cecília. O Surdo: caminhos para uma nova identidade. São
Paulo: Revinter, 2000.
MULLER, Maria Lúcia Rodrigues. A Cor da Escola: imagens da primeira
república. Cuiabá, MT: Entrelinhas/ EdUFMT, 2008.
NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. São Paulo :
Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP/ Projeto
História. N.10, 1993.
NÓVOA, António. Para o estudo sócio-histórico da gênese e desenvolvimento da
profissão docente. Teoria e Educação, Porto Alegre, v.4, 1991.
RIBEIRO, Darcy. Sobre o óbvio. In: Encontros com a Civilização Brasileira, Rio
de Janeiro, v.I, 1978.
ROCHA, Solange Maria. O INES e a educação de surdos no Brasil: aspectos da
trajetória do Instituto Nacional de Educação de Surdos em seu percurso de 150
anos. MEC/INES. Rio de Janeiro, 2007.
____________________. Tensões atuais no campo da educação de surdos: escola
para todos ou escola para surdos contribuições para um possível diálogo. In:
Espaço/INES, n 24, Rio de Janeiro, 2005.
_____________________. Histórico do INES. Rio de Janeiro: Espaço/INES,
Edição Comemorativa dos 140 anos, 1997.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
130
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Ensaio sobre a origem das línguas In: Os
Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
SACKS, Oliver. Vendo Vozes: uma jornada pelo mundo dos surdos. Rio de
Janeiro: Imago Ed., 1990.
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. São Paulo:Cortez/Autores
Associados, 1983.
SKLIAR, Carlos (org). Atualidade em educação bilíngue para surdos. Porto
Alegre: Mediação, 1999.
_______________. La educación de los sordos: una reconstrucción histórica,
cognitiva y pedagógica. Mendonza, Argentina: Ediunc, 1997.
______________. Um olhar sobre o nosso olhar acerca da surdez e das diferenças
In: SKLIAR, Carlos (org). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre:
Mediação,1998.
______________. Os estudos surdos em educação: problematizando a
normalidade In: SKLIAR, Carlos (org). A surdez: um olhar sobre as diferenças.
Porto Alegre: Mediação, 1998.
SILVA, Shirley e VIZIM Marli (orgs.) Educação Especial: Múltiplas Leituras e
Diferentes Significados. Campinas: Mercado das Letras, 2003.
SOARES, Maria Aparecida Leite. A educação de surdo no Brasil. Campinas:
Autores Associados,1999.
SOUZA, Regina Maria; GÓES, Maria Cecília Rafael. O ensino para surdos na
escola inclusiva: considerações sobre o excludente contexto da inclusão In:
SKLIAR, Carlos (org). Atualidade em educação bilíngue para surdos. Porto
Alegre: Mediação, 1999.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
131
XAVIER, Libânia Nacif. O Brasil como laboratório: educação e ciências sociais
no projeto dos Centros Brasileiros de Pesquisas Educacionais CBPE/INEP/MEC
(1950-1960). São Paulo: EDUSF, 2002b.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
132
7.
Fontes Documentais do Acervo do Instituto Nacional de
Educação de Surdos
- Relatório ao Imperador – E. Huet, 22 de junho de 1855.
- Relatório à Comissão Diretora – E. Huet, abril de 1856.
- Lei 939 de 26 de setembro de 1857 – Coleção das Leis do Império do Brasil,
Tomo XVIII. Parte I, 1857.
- Mappa nº. 1 – Do pessoal ensinado no Instituto – E. Huet, 1858.
- Mappa nº. 2 – Receita e Despeza – E. Huet, 1858.
- Ata da Comissão Inspetora do Instituto dos Surdos-Mudos – 13 de dezembro de
1861
- Relatórios do Dr. Tobias Rabello Leite – 1869, 1870, 1871.
- Iconographia dos Signaes dos Surdos-Mudos – Trabalho de Flausino José da
Gama,Alumno do Instituto do Rio de Janeiro – 1875.
- Diário de D. Pedro II – Viagem aos EUA, Vol.17, 1876.
- Atas e Pareceres do Congresso de Instrução do Rio de Janeiro, 26ª Questão –
1884.
- Relatório do professor do Instituto A. J. Moura e Silva – 1896.
- Regimentos Internos do Instituto – 1909, 1911, 1944, 1956.
- Livro dos termos de posse do pessoal do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos –
1898
- Folha de Pagamento dos profissionais do Instituto – 1890, 1892, 1893, 1894,
1895, 1896, 1897, 1898, 1899, 1900, 1901, 1902, 1903, 1904, 1905, 1906, 1907,
1908, 1909.
- Livro de Matrícula dos Alunos: 1919/1930, 1930/1949, 1949/1957.
- Diário dos Professores – 1912, 1913, 1914, 1915, 1917, 1920, 1921, 1922, 1923,
1924.
- Correspondência recebida e expedida – 1904/1949
- Minutas, orçamento, despesa e contas de fornecedores – 1904/1949.
- Lições e Exercícios de Linguagem do professor Geraldo Cavalcanti – 1935.
- Pedagogia Emendativa do Surdo- Mudo – Dr. Armando de Paiva Lacerda -
Instituto Nacional dos Surdos-Mudos – 1934.
- Actividades e Documentos Estatísticos do Instituto dos Surdos- Mudos – 1937.
- Os Surdos-Mudos no Brasil – Censo demográfico de 1940.
- O Instituto Nacional de Surdos-Mudos – Reportagem de Adalberto Ribeiro –
Separata da Revista do Serviço Público Ano V – Vol. IV – N. 2, 1942.
- Revista do I.N.S.M. – Órgão dos Alunos do INSM – Ano I, nº. 1 e 2, 1949. Ano
II, nº. 3 e 4, 1950.
- Grade Curricular do Curso Normal do INES – 1951, 1952, 1953.
- Grade Curricular do Curso Normal Rural do INES – 1960/1961
- Ministério da Educação e Cultura, documento de lançamento da Campanha Para
a Educação do Surdo Brasileiro – 1957.
- Anais da 1ª Conferência Nacional de Professores de Surdos – Campanha Para a
Educação do Surdo Brasileiro, INES – 1959.
- Atas e Conferências do 1º Seminário Brasileiro sobre Deficiência Auditiva –
MEC/CENESP/INES – 1974.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
133
Jornais:
Jornal Vanguarda – 16 de abril de 1923
Jornal Mundo Médico – 22 de dezembro de 1927
Jornal A Noite – 8 de novembro de 1924
Jornal O Globo – 19/03/1926; 10/10/1931; 24/09/1934; 27/12/1935; 25/03/1936;
2/12/1949; 6/10/1950; 4/10/1990
Jornal O Globo – Revista da TV- 31/10/1982
Jornal Diário Carioca – 4 de março de 1931
Tribuna da Imprensa – 3 de outubro de 1990
Jornal O Dia – 3 de outubro de 1990
Jornal Diário de Notícias – 11, 12 e 14 fevereiro de 1931
Jornal A Noite Ilustrada – 1 de setembro de 1936
Jornal Correio da Manhã – 29 de setembro de 1939
Jornal Mulher Magazine – março de 1947
Jornal A Batalha – 14 de abril de 1936
Filmografia:
Mundo Sem Som – 1957
Diretor: Aluízio T. Carvalho
Entrevistas:
Ulisses Lopes
Léa Paiva Borges Carneiro
Regina Rondon Krivochein
Regina Morizot
Álpia Couto-Lenzi
Ismênia Lima
sites
http://injs.bibli.fr/opac/
http://www.gallaudet.edu/
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
134
8.
Anexos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
135
Fonte: Documento enviado por E. Huet, ao
Imperador Pedro II, propondo a criação de
um colégio para surdos.
Ano 1855
Acervo Museu Imperial de Petrópolis
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
136
Fonte: Fotografias da instituição.
Anos 1880, 1906, 1926, 1950
Acervo INES
1880
1906
1926
1950
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
137
Fonte: Iconographia dos Signaes.
Flausino José da Gama.
Ano 1875
Acervo Biblioteca Nacional
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
138
1
3
2
4
Alfabetos datilológicos
1 Figura extraída do livro Cours
Élemetaire D’Education des Sourds et
Muets, Par M. l’ Abbé Deschamps.
Paris, 1779.
2 O mais antigo registro de um
alfabeto digital. Gravura em madeira
extraída da obra de Cosmas Rosselius
Thesaurus artificiosae meriae...”,
Veneza 1579. Fonte: Revista de
Ensino ao Surdo. Publicação da
Associação Brasileira de Professores
de Surdos. Ano I, 1954, Distrito
Federal.
3 Iconografia do Flausino – 1875
4 Alfabeto brasileiro atual. INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
139
Fonte: Fotografias de alunos contendo dedicatórias ao diretor Tobias Leite.
Ano 1881
Acervo INES
Fotógrafos:
Grafeff & Cia – Rua do Ouvidor,124 – Rio de Janeiro
J.M. Argüelles – Rua Francisco de Assis,72 ( antiga Carioca) – Rio de Janeiro
( prêmio conferido na exposição nacional de 1866)
Brito & Delfort – Rua da Quitanda, 27 – Rio de Janeiro
Carlos Alberto – Rua 7 de Setembro, 41 – 2º andar – Rio de Janeiro
Carneiro & Gaspar – Rua de Gonçalves Dias, 54 – Rio de Janeiro
Santos Moreira / Sucessos de Lopes – Rua do Hospício, 102 – Rio de Janeiro
M.J.F. de Mendonça – Rua Gonçalves Dias, 61 – Rio de Janeiro
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
140
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
141
Fonte: Livro traduzido para a língua portuguesa do original francês de autoria do professor Valade-
Gabel que foi diretor do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos de Bordeaux (1838-1850) e professor
do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos de Paris.
Ano 1881
Acervo INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
142
Fonte: Livro traduzido para a língua portuguesa do original francês de autoria do professor Valade-
Gabel que foi diretor do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos de Bordeaux (1838-1850) e professor
do Instituto Nacional dos Surdos-Mudos de Paris.
Ano 1881
Acervo INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
143
Fonte: Report International Congresso on the Education of the Deaf, Held at Milan. Read by
A.A. Kinsey.
Ano 1880
Acervo INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
144
Fonte: Actas e Pareceres do Congresso de Instrucção do Rio de Janeiro.
Ano 1884
Acervo INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
145
Fonte: Instituto dos Surdos-Mudos. Relatório do professor Moura e Silva.
Ano 1896
Acervo INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
146
Fonte: Instituto dos Surdos e Mudos. Livro de Correspondência.
Solicitação de Intérprete de sinais ao Instituto.
Ano 1907
Acervo INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
147
Fonte: Instituto dos Surdos Mudos. Livro de Correspondência.
Solicitação de ingresso na instituição.
Ano 1907
Acervo INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
148
Fonte: Instituto Nacional de Surdos-Mudos. Diário de professor.
Diários do professor Cândido Jucá onde estão registrados o trabalho de aquisição de linguagem oral no ano de
1914 e o trabalho de aquisição de linguagem escrita no ano de 1917.Acervo INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
149
Fonte: Instituto Nacional de Surdos Mudos. Livro de Compras.
Lista de material para a oficina de sapataria.
Ano 1916
Acervo INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
150
Fonte: A Surdo Mudez no Brasil. Oliveira Bacelar. Faculdade de Medicina de São Paulo.
Ano 1926
Aspectos do Instituto Paulista de Surdos Mudos “Rodrigues Alves”, São Paulo, fundado em 1911 pelo professor italiano
Nicoláo Carusone.
Acervo INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
151
Fonte: Jornal Diário de Notícias de 11 de fevereiro de 1931.
Acervo Biblioteca Nacional
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
152
Fonte: Instituto Nacional de Surdos-Mudos. Fotografias.
Década de 1930
Acervo INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
153
Fonte: Instituto Nacional de Surdos
Mudos.Fotografias.
Ano 1936
Acervo INES
Sala de aula
Linguagem escrita e linguagem oral.
Sala de aula
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
154
Oficinas Profissionalizantes
Acervo INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
155
Fonte: Instituto Nacional de Surdos Mudos. Caderneta Escolar.
Ano 1934
Acervo INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
156
Fonte: Instituto Nacional de Surdos Mudos. Caderno de aluno.
Trabalho de aquisição de língua escrita do professor Geraldo Cavalcanti.
Ano 1939
Acervo INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
157
Fonte: Anais da 1º Conferência Nacional de Professores de Surdos.
Ano 1959
Acervo INES
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
158
Fonte: Die Geschichte meines Lebens.
Helen Keller
Acervo INES
Hellen Keller e sua preceptora Anne
Sullivan
Helen Keller, Anne Sullivan e Jefferson
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
159
Fonte: Instituto Nacional de Educação de Surdos. Fotografias.
Década de 1950
Acervo INES
1 Alunos do INES no programa de Manoel da Nóbrega acompanhados da assessora de Ana Rímoli,
Regina Morizot.
2 Aspectos do trabalho de aquisição de língua oral
3 Ana Rímoli diplomando professoras no INES
4 Normalistas do INES festejam o ministro da Educação Clóvis Salgado
1 22
3 4
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
160
Almanach de Vianna e seu Districto para o ano de 1907. Livraria Academica e Religiosa.
Vianna do Castelo, Portugal.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510365/CA
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo