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Arethusa Almeida de Paula
MITOS VADIOS
- uma experiência da arte de ação no Brasil –
São Paulo
FFLCH/ECA/FAU - Universidade de São Paulo
2008
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Arethusa Almeida de Paula
MITOS VADIOS
- uma experiência da arte de ação no Brasil –
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Interunidades em Estética e História da
Arte da FFLCH/ECA/FAU da Universidade de São
Paulo para a obtenção do título de Mestre em
Estética e História da Arte.
Área de concentração: Estética e História da Arte
Linha de pesquisa: Teoria e Crítica da Arte
Orientadora: Profa. Dra. Maria Cristina Machado
Freire
São Paulo
FFLCH/ECA/FAU - Universidade de São Paulo
2008
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FFLCH/ECA/FAU
Programa de Pós Graduação Interunidades em Estética e História da Arte.
Dissertação intitulada Mitos Vadios uma experiência da Arte de Ação no
Brasil, de autoria da mestranda Arethusa Almeida de Paula, aprovada pela banca
examinadora constituída pelos seguintes professores:
_________________________________________
Profa. Dra. Maria Cristina Machado Freire – USP – orientadora
_________________________________________
_________________________________________
São Paulo, dezembro de 2008.
DEDICATÓRIA
Dedico a presente dissertação à minha família.
Sem eles nada disso seria possível.
AGRADECIMENTOS
Agradeço o apoio de todas as pessoas que contribuíram direta e
indiretamente para a conclusão dessa dissertação de mestrado. À minha
orientadora, professora Cristina Freire, por todo apoio e compreensão. À
secretária do Programa de Pós-graduação em Estética e História da Arte, Neusa
Brandão, por sempre me salvar nos momentos burocráticos do curso. Ao artista
Ivald Granato por ter aberto seu arquivo para pesquisa. Aos amigos que fiz
durante essa trajetória acadêmica e que vão ficar por toda a vida: Alessandra
Simões Paiva, Emerson César Nascimento, Thais Fernanda Hayek, Tatiana
Zifchack, e todos os colegas de mestrado. Aos amigos de sempre: Yacy-Ara
Froner, Dong Ho Yi, Sílvia e Glaydson, Patrícia Araújo-Cabe, Renata Ramos,
Riciele Pombo, Marthayza, Maikon Rangel, Fernando Prata, e todos que sempre
estiveram ao meu lado para longas conversas.
Imerso no visível por seu corpo, embora ele próprio
visível, o vidente não se apropria daquilo que vê:
se aproxima dele pelo olhar, abre-se para o mundo.
E, por seu lado, esse mundo, de que ele faz parte,
não é em si ou matéria. Meu movimento não é uma
decisão de espírito, um fazer absoluto, que no fundo
do retiro subjetivo, decretasse alguma mudança de
lugar miraculosamente executada na extensão. Ele
é a seqüência natural e o amadurecimento de uma
visão. De uma coisa digo que ela é movida, porém
meu corpo, este, se move, meu movimento se
desdobra. Ele não esta na ignorância de si, não é
cego para si, irradia de um si.
(MERLEAU-PONTY, Maurice. 1966. p. 34.)
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo estudar o Mitos Vadios,
acontecido na Rua Augusta, na cidade de São Paulo, em
1978. Através dos documentos e imagens encontrados,
procura fazer uma reconstrução histórica do evento,
examinando algumas questões inerentes às artes visuais
brasileiras no final da década de 1970, considerando seus
movimentos anteriores e seus desdobramentos. Dessa forma,
busca compreender como os artistas participantes reuniram
suas vontades em detrimento de um objetivo: o do
exercício libertário da criatividade.
ABSTRACT
This paper aims to explore the Mitos Vadios, happened at
Augusta Street in the city of São Paulo in 1978. The
documents and pictures found, tries to do a historical
reconstruction of the event, examining some issues inherent in
the brazilian visual arts at the end of the 1970s, considering
his past movements and its developments. Thus, seeking to
understand how the participating artists gathered their wills
over a single objective: the libertarian exercise of creativity.
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1: Manifesto Fluxus. Disponível em:
http://www.artnotart.com/fluxus/gmaciunas-manifesto.html.
Acesso em: 2008.
Imagem 2: Hélio Oiticica, Tropicália, Penetráveis PN2 e PN3, 1967. Disponível
em:
<www.macvirtual.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo4/g4/images/tropi
calia_oiticica.jpg.>. Acesso em: 2008.
Imagem 3: Flávio de Carvalho: Bailado do Deus Morto, 1933, CAM. Disponível
em: <http://www.niteroiartes.com.br/cursos/la_e_ca/modulos3.html>. Acesso em:
2007.
Imagem 4: Flávio de Carvalho. Experiência nº3. New Look. 1956. Disponível em:
<http://www.niteroiartes.com.br/cursos/laeca/modulos3.htmll>. Acesso em: 2007.
Imagem 5: Max Bill. Unidade Tripartida, 1948. Disponível em:
<www.bbc.co.uk/.../gallery/2/brazil/6.jpg>. Acesso em 2008.
Imagem 6: Hélio Oiticica: Nildo da Mangueira vestido Parangolé P4 Capa 1.
Disponível em:
<http://www.digestivocultural.com/colunistas/imprimir.asp?codigo=856>. Acesso
em: 2007
Imagem 7: Jornal Rex Time. Disponível em:
<http://www.mac.usp.br/projetos/seculoxx/modulo4/rex/intro.html> . Acesso em :
2007.
Imagem 8: Artur Barrio. Situação T/T,1. Trouxas ensangüentadas. Disponível em:
<http://www.artenauniversidade.ufpr.br/muvi/artistas/a/artur_barrio/artur_barrio.htm
>. Acesso em: 2007
Imagem 9: Imagem da organização dos recortes de jornais, na residência do
artista Ivald Granato. Reprodução Fotográfica: Arethusa de Paula, 2006.
Imagem 10: Cartaz anunciando o Mitos Vadios. Disponível em: <
http://www.ivaldgranato.com.br/>. Acesso em: fevereiro de 2008.
Imagem 11: Carta de Hélio Oiticica comunicando novas adesões ao Mitos Vadios.
Arquivo Pessoal Ivald Granato. Reprodução Fotográfica: Arethusa de Paula, 2008.
Imagem 12: Carta de Ivald Granato para Hélio Oiticica. Disponível em: <
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/ho/index.cfm?fuseaction=
documentos&cd_verbete=4523&cod=470&tipo=2>. Acesso em: fevereiro, 2008.
Imagem 13: Carta de Olney Krüse para Ivald Granato informando de sua
participação em Mitos Vadios. Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução
fotográfica: Arethusa de Paula.
Imagem 14: Carta de Ivald Granato para Hélio Oiticica: <
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/ho/index.cfm?fuseaction=
documentos&cd_verbete=4523&cod=470&tipo=2>. Acesso em: fevereiro, 2008.
Imagem 15: Release entregue aos jornais comunicando a apresentação de Lygia
Pape, Hélio Oiticica e Ivald Granato. Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução
fotográfica: Arethusa de Paula.
Imagem 16: Lygia Pape e Ivald Granato. Chegada em Mitos Vadios. Arquivo
pessoal Ivald Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado,1978.
Imagem 17: Ivald Granato e Lygia Pape em Mitos Vadios. Disponível em:<
http://solonribeiro.multiply.com/photos/album/3> Acesso em 2006.
Imagem 18: Alfredo Portillos na Barraquinha de suspiros de Regina Vater em
Mitos Vadios. Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução fotográfica: Lóris
Machado, 1978.
Imagem 19: Viajou Sem Passaporte: Disponível em<
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/ho/index.cfm?fuseaction=
documentos&cd_verbete=4523&cod=165&tipo=2> Acesso em: fevereiro de 2008.
Imagem 20: Ubirajara Ribeiro, Cartaz. Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução
fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 21: Ubirajara Ribeiro, Tiro ao Alvo. Arquivo pessoal Ivald Granato.
Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 22: José Roberto Aguilar e Nelson Jacobine, Performance. Arquivo
pessoal Ivald Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 23: José Roberto Aguilar, Omissão Cultural. Arquivo pessoal Ivald
Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 24: Performance de Maria Lúcia Cortez sobre a obra de Olney Krüse.
Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 25: Anna Maria Maiolino, Estado escatológico. Arquivo pessoal Ivald
Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado.
Imagem 26: Anna Maria Maiolino, Monumento à fome. Arquivo pessoal Ivald
Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado.
Imagem 27: Regina Vater: Barraquinha de suspiros. Disponível em:<
http://solonribeiro.multiply.com/photos/album/3/MITOS_VADIOS#53.jpg>. Acesso
em: fevereiro de 2008
Imagem 28: Genilson Soares em Mitos Vadios. Imagem cedida pelo artista.
Imagem 29: Genilson Soares, Mudanças Capitais, 1978. Imagem cedida pelo
artista. Arquivo pessoal.
Imagem 30: Gabriel Borba, My name is not Ivald Granato. Arquivo pessoal Ivald
Grananto. Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 31: Helio Oiticica, Delirium Ambulatorium. Disponível em <
http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp256.asp> Acesso em: out. 2006.
Imagem 32: Marcelo Kahns em Mitos Vadios. Arquivo pessoal Ivald Granato.
Reprodução fotográfica: Lóris Machado,1978.
Imagem 33: Público em Mitos Vadios. Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução
Fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 34: Ivald Granato. Is my name Woody Allen ?, 1978. Disponível em:
http://www.ivaldgranato.com.br/. Acesso em: 2008.
Imagem 35: Casamento de Ivald Granato e Heloísa Soares. 1970. Arquivo
Pessoal: Ivald Granato.
Imagem 36: Público em Mitos Vadios. Em destaque o trabalho de Cláudio Tozzi.
Arquivo Ivald Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 34: Doracy Girrulat montando seu trabalho. Aquivo pessoal Ivald
Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado,1978.
Imagem 35: Mauricio Friedman em Mitos Vadios. Arquivo pessoal Ivald Granato.
Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 36: Grupo Viajou sem Passaporte. Arquivo pessoal Ivald Granato.
Reprodução fotográfica: Lóris Machado.
Imagem 37: Grupo Viajou sem Passaporte. Arquivo pessoal Ivald Granato.
Reprodução fotográfica: Lóris Machado.
Imagem 38: Márcia Rothstein em Mitos Vadios. Arquivo pessoal Ivald Granato.
Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 39: Apresentação de Lygia Pape e Ivald Granato. Arquivo pessoal Ivald
Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 40: Carta-resposta de Lygia Pape para Ivald Granato. Arquivo pessoal
Ivald Granato. Reprodução fotográfica: Arethusa de Paula.
Imagem 41: Lygia Pape em Mitos Vadios. Aquivo Pessoal: Ivald Granato.
Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 42: Lygia Pape e as “rolling stones”. Arquivo pessoal Ivald Granato.
Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 43: Hélio Oiticica, Delirium Ambulatorium. Arquivo pessoal Ivald Granato.
Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 44: Detalhe do trabalho de Maurício Friedman em Mitos Vadios. Arquivo
pessoal Ivald Granato. Reprodução Fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 45: Panfletos jogados no chão do estacionamento em Mitos Vadios.
Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução Fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 46: Imagem do painel de fotografias organizado por Ivald Granato.
Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução Fotográfica: Arethusa de Paula.
Imagem 47: Público em Mitos Vadios. Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução
Fotográfica: Lóris Machado, 1978.
SUMÁRIO
Resumo......................................................................................................... 6
Abstract......................................................................................................... 7
Lista de Imagens.......................................................................................... 8
Introdução .................................................................................................... 14
Capítulo I
Arte de ação: um lugar de transformação na arte brasileira...................
24
1.1. Brasil: contexto cultural e político das décadas de 1960 e1970........... 25
1.2. Flávio de Carvalho: as primeiras experiências...................................... 32
1.3. Neoconcretismo: o surgimento efetivo do experimentalismo na arte
brasileira.........................................................................................................
36
1.4. Opinião 65 : Os Parangolés de Hélio Oiticica....................................... 40
1.5. Grupo Rex............................................................................................. 43
1.6. Do Corpo à Terra.................................................................................. 46
1.7. Jovem Arte Contemporânea................................................................. 48
1.8. I Bienal Latino Americana..................................................................... 51
Capítulo II
A alternativa de uma arte vadia: a base de um mito.................................
57
Capítulo III
O vadio e o seu mito....................................................................................
92
Conclusão ou Considerações Contínuas.................................................. 120
Referências Bibliográficas.......................................................................... 124
Introdução
Numa manhã de novembro de 1978, exatamente no dia 12, acontecia na
Rua Augusta, uma das mais elegantes da cidade de São Paulo, um encontro de
artistas, famosos e desconhecidos, em que a liberdade de criação era o seu norte,
e a participação do público um dos principais objetivos.
Era realizado o Mitos Vadios, organizado pelo artista plástico Ivald Granato
(1949-), bastante conhecido por suas pinturas e performances, e que através de
uma grande divulgação, tanto pela imprensa, quanto pela panfletagem a
exemplo dos “santinhos” políticos transformou um estacionamento daquela rua
num grande espaço de criação e apresentação de trabalhos, numa verdadeira
festa de liberdade criativa.
A presente dissertação tem por escopo estudar esse acontecimento,
examinando algumas questões que balizam as artes visuais brasileiras no final da
década de 1970, considerando seus movimentos anteriores e seus
desdobramentos.
Através de um levantamento bibliográfico e da busca de fontes primárias,
como jornais, fotografias e entrevistas com alguns artistas participantes, será
possível traçar um panorama de como aconteceu o Mitos Vadios.
Observando-se o contexto histórico que esse acontecimento se situa, tem-
se que o Brasil de 1978 ainda vivia sob a vigência do Ato Institucional nº 5
(mesmo este apresentando sinais de sua revogação), implantado pelo Regime
Militar que tomou o poder através de um golpe no ano de 1964. A vida cultural
naquele momento era regida pela censura, que dizia o que seria apreciado ou não
pelo público em todas as instâncias culturais, além de restringir diversos direitos
individuais, como a liberdade de expressão, por exemplo.
Na mesma época acontecia a I Bienal Latino-americana em São Paulo, no
Parque do Ibirapuera, entre os dias 2 de novembro a 17 de dezembro. Visava
estudar as manifestações artísticas da América Latina, bem como discutir essa
produção dentro do seu contexto cultural e social, além de estabelecer uma
aproximação entre pesquisadores e os artistas participantes.
O Mitos Vadios, caracterizado muitas vezes por seu organizador como um
happening, dialoga com a produção plástica internacional, e por isso é
interessante introduzir um breve comentário das diversas transformações que
ocorreram nas artes visuais internacionais após a Segunda Guerra Mundial.
Desde o Modernismo, inúmeros movimentos surgiram no cenário artístico
internacional. A partir da década 1950, a abstração como forma de expressão
ganha terreno, e Nova Iorque se destaca no final da década de 1940 como
grande centro propulsor de arte. Em fins da década de 1950 e início de 1960, as
novas figurações encontram seu espaço, trazendo a vida cotidiana, agora
influenciada pela indústria de massa, para as galerias. Dentro desses movimentos
destacam-se a Pop Arte e o Novo Realismo europeu.
Tais pesquisas, tanto as abstratas, quanto às novas figurações, vão abrir
espaço para o surgimento de diversas experimentações e movimentos, como a
Arte Conceitual, a Arte Povera, Minimal Art, Land Art, Enviroment Art, Body Art e
linguagens como os Happenings e Performances, entre outras manifestações.
Enfim, surgia toda uma gama de movimentos que buscavam interagir a arte e a
vida, ora de modo lúdico, ora chocante, discutindo o papel dos artistas perante o
cotidiano, o mercado de arte e seus espaços institucionalizados. De acordo com
Walter Zanini:
(...) Tal busca de respiração num mundo cada vez mais globalizado,
afirmar-se-ia nos espaços depois abertos à arte conceitual, à linguagem
das novas mídias, aos processos, em suma, de desmaterialização da
arte. Introduzidas, as novas figurações ganharam aspectos múltiplos
com uma parte significativa de artistas que interacionada às questões do
social e, em particular, procurando responder, como instrumento de
resistência e denuncia às contingências políticas. Para outros,
entretanto, a expressão poética não deveria prestar-se a delimitações ou
condicionamentos ideológicos
1
.
Neste contexto, surge o que se convencionou a chamar de arte de ação
2
,
ou action art. Com raízes nas apresentações dadaístas e surrealistas, que
procuravam de maneira imprevisível, e muitas vezes sem nenhuma elaboração
1
ZANINI, Walter. Duas décadas difíceis: 60 e 70. In: Bienal Brasil Século XX. São Paulo: Fundação Bienal
de São Paulo, 1994. p.306.
2
CHIARELLI, Tadeu. Flávio de Carvalho: questões sobre sua arte de ação. In: Flávio de Carvalho: 100 anos
de um revolucionário romântico. Catálogo de Exposição: Centro Cultural Banco do Brasil, 1999, p.53.
prévia, despertar sentimentos no público, esta linguagem surge com maior força
nas décadas de 1960 e 1970. De acordo com Kristine Stiles, que explica o
surgimento do termo Action Art:
This very term art and culture exhibits the relationality of art to
something else, just as such phrases as ‘art and politics’, art and
technology’, ‘art and life’, disclose how art cannot be without an other to
which it cleaves. To cleave to is not the same as to become one with. The
unique aspect of action art is that, when the body is used in action, it
exemplifies the means by which all art is relational with the world.
Moreover, action in art draws viewers closer to the fact that it is the body
itself that produces objects and that such an art is a unique vehicle
enabling perception and contemplation of the truth that the ‘made object [is]
a projection of the human body’. Action art makes palpable this projection
between objects and subjects. By showing the myriad ways the action itself
couples the conceptual to the physical, the emotional to the psychological
to the social, the sexual to the cultural, and so on, action art makes evident
the all-too-often-forgotten interdependence of human subjects of people
one to another. The body is the medium of the Real, however
multifatorious that Real becomes and is manifest. By making this
interconnection itself material, action art in art acts for all Art for better or
worse to bring the relation between seeing and meaning, making and
being, into view.
3
A mesma autora, ainda coloca que a arte de ação, ou action art, é possível
de ser situada cronologicamente, porém, esses mapeamentos apresentam caráter
múltiplos, tendo partida na action painting e chegando aos happenings através de
trabalhos de artistas de diversos países, cada qual apresentando os contextos
sociais, culturais e políticos do qual fazem parte. Dessa forma:
That chronology begins certainly somewhere in action painting and
moves into Happenings that themselves reflect and overlap with the
aftermath of World War II, the emergence of the hibakusha (bomb
victims), the Beat generation, the Angry Young Man of England, the
3
STILLES, Kristine. Uncorrupted joy: international art actions. In: SCHIMMEL, Paul. Out of actions:
between performance and the object 1949-1979. London:Thames and Hodson , 1998, p.227. Tradução livre
da autora: O próprio termo - arte e cultura expressa a relacionalidade da arte com um outro elemento. Da
mesma forma, frases como ‘arte e política’, ‘arte e tecnologia’, ‘arte e vida’, demonstram que arte não pode
existir sem um elemento para se conectar. Mas conectar-se a um elemento nao é o mesmo que transformar-
se neste elemento. O aspecto incomparável da action art é que quando o corpo é usado isso exemplifica o
meio pelo qual a arte como um todo é relacionada com o mundo. Ademais, a action art chama a atenção dos
espectadores para o fato de que é o próprio corpo que produz objetos e que esse tipo de arte é um veículo
exclusivo para a percepção e contemplação da verdade que o "objeto feito [é] uma projeção do corpo
humano". A action art torna a projeção entre objetos e indivíduos palpável, mostrando a multiplicidade de
formas como a ação conecta conceitos e físicidade, o emocional e o psicológico para o social, o sexual e o
desenvolvimento cultural, e assim por diante. A action art torna evidente a frequentemente esquecida
interdependência dos sujeitos humanos - de pessoas - um para o outro. O corpo é um meio da ‘Realidade’,
porém várias formas de se manifestar e se expressar esta Realidade. Ao fazer essa interligação material
propriamente dita, a action art na arte atua para toda Arte - para melhor ou para pior - para trazer a
relação entre ver e significado, fazer e ser, em uma visão.
reconstruction of world economies and cultures, as well as violent
conflicts, especially in Korea, Vietnam, and Algeria. During this volatile
decades, the communication between artists creating Happenings
around the world, and the loose affiliation of artists who comprised
Fluxus, help to make it possible to understand that individuals who made
actions as art were equally employed in a project that recognized no
national boundaries, even as the particular conflicts and contingencies
that individual artist’s work exhibited reflected the exigencies of national
identity.
4
Diante desse contexto artístico internacional, podem-se destacar três
conceitos trabalhados em Mitos Vadios, quais sejam, o happening e a
performance, que se encontram dentro do conceito de arte de ação, e o site-
specific.
O happening e a performance se inserem dentro dessas novas propostas
artísticas que surgem na arte a partir da década de 1950 em diante. Atrelados
muitas vezes à Arte Conceitual, caracterizam-se por serem uma arte efêmera, que
acontece num determinado tempo e espaço, através de uma elaboração prévia,
sistemática ou não. São conceituados como ações abertas ao público, traçando
uma inter-relação entre artes visuais e teatro, chamando a participação do
espectador. Tornam-se mesmo, de acordo com Renato Cohen, uma “arte de
fronteira”
5
.
Existe uma pequena diferença entre o que seria happening e o que seria
performance, sendo que o primeiro deveria necessariamente contar com a
participação do público e o segundo nem sempre. Porém, atualmente essa
diferença não mais importa para os pesquisadores. De acordo com Maria Angélica
Melendi:
As práticas artísticas afastaram-se dos postulados puramente
formalistas e da produção do objeto-mercadoria, criando obras de
4
STILLES, Kristine. Op. Cit. p. 228. Tradução livre da autora: Aquela cronologia certamente inicia-se em
algum ponto em action painting e avança para os Happenings que refletem a sobreposição do pós II Guerra
Mundial, o surgimento dos hibakusha (vítimas de bomba), a geração Beat, o Angry Young Man da Inglaterra,
a reconstrução de economias mundiais e de culturas, bem como conflitos violentos, especialmente na Coréia,
Vietnã e Argélia. Durante estas décadas voláteis, a comunicação entre os artistas criando Happenings no
mundo, e a livre filiação de artistas que incluía o Fluxus, ajuda no entendimento de que os indivíduos que
produziram ações como arte estavam igualmente engajados em um projeto que não reconhecia fronteiras
nacionais, mesmo que conflitos particulares e contingências expressas no trabalho do artista refletissem
exigências de uma identidade nacional.
5
COHEN, Renato. Performance como linguagem: criação de um tempo-espaço experimentação. São Paulo:
Perspectiva, 1989, p.38.
caráter brido, nas quais propunha-se a ruptura do limite entre o
ficcional e o factual. O artista engajou-se com o espectador no intuito de
reconectar a arte às circunstâncias materiais dos eventos sociais e
políticos. Happenings, fluxus, ações, rituais, demonstrações, direct art,
arte destrutiva, envent art, body art, foram muitas as denominações
dadas pelos artistas, mas por volta dos anos 70 a crítica incorporou
todas elas sob a denominação de performance.
6
Inserido dentro do contexto geral de performance ou não, o happening, ao
utilizar diversos meios para se compor, invoca a atenção e participação do público,
colocando a arte em contato direto com este, levantando discussões que entram
no âmbito político e social, fazendo surgir à reflexão sobre o papel social e político
de cada agente participante.
O primeiro happening conhecido foi organizado pelo músico John Cage
(1912-1992) em 1952
7
, na Black Mountain College, uma escola formada por ex-
professores da Bauhaus, e que atraiu artistas de várias áreas pela diversidade
curricular que oferecia a seus alunos.
Para este evento, Cage colocou seus convidados numa sala quadrada e,
com os assentos, formou quatro triângulos dispostos diagonalmente. Cada
espectador ganhou um copo branco que seria usado num determinado momento.
No cenário, encontravam-se pinturas brancas de Robert Rauschemberg (1925-
2008).
Cage lia em voz alta um texto sobre música e zen Budismo, enquanto o
artista David Tudor (1926-1996) enchia baldes d’água, e o dançarino Mercê
Cunninghan (1919-) e outros dançavam. Enfim, a “confusão” provocada pelo
evento de Cage fez com que todos os sentidos do público presente fossem
aguçados, em uma explosão sensorial.
Mesmo sendo o evento da Black Mountain College considerado como o
primeiro happening, foi o artista plástico americano Allan Kaprow quem batizou
esses eventos com esse nome. Tendo contato com esta escola, e ainda com o
músico John Cage, Kaprow buscou influencias não nos eventos e inovações
artísticas conduzidas pelo músico, mas também no Expressionismo Abstrato, em
6
MELENDI, Maria Angélica. Performances clandestinas/performances públicas: regras, rituais, símbolos. In:
ROLLA, Marco Paulo; HILL, Marcos (org). MIP: Manifestação Internacional de Performance. Belo
Horizonte: CEIA Centro de Experimentação e Informação de Arte, 2005.
7
HENRI, Adrian. Enviroments and happenings. London: Thames and Hudson, 1974, p.88.
especial na action paiting de Jackson Pollock (1912-1956), como uma forma de
“colagem de imagens”
8
.
Partindo desse pressuposto, surgem os environments que, na própria
definição do artista, são “representações espaciais de uma atitude plástica
multiforme”
9
, nos quais são explorados os espaços, as sensações e a ação do
espectador, que, em alguns, é permitido a manipulação de objetos que se
encontram dentro daquele lugar.
Nota-se que o artista procurou dar mais liberdade de ação ao espectador,
percebendo que poderia retirá-lo de sua situação de mero contemplador da obra
de arte. Isso se torna evidente em seu trabalho 18 Happenings em 6 partes,
apresentado na Reuben Gallery de Nova Iorque em 1959
10
.
No convite do evento, o artista anuncia que o espectador será parte do
happening e, simultaneamente, viverá sua experiência. Foram montados três
espaços, de tamanhos diferentes, e em cada um, os espectadores presenciariam
alguma atividade acontecendo, sendo que alguns deveriam participar diretamente.
O artista distribuiu um programa especificando cada momento, até mesmo quando
o público deveria bater palmas:
A performance será dividida em três partes (...) Cada parte contém três
happenings que ocorrem ao mesmo tempo. O início e o fim de cada um
será marcado por uma campainha. Ao termino da performance, a
campainha soará por duas vezes (...) Não haverá aplausos após cada
unidade, mas vocês poderão aplaudir depois da sexta unidade, caso
queriam fazê-lo.
11
Nessa mesma época, o Grupo Fluxus, organizado por George Maciunas
(1931-1978), na arte de ação um modo de traduzir seus objetivos em desfavor
da arte institucionalizada, levando ao público e às ruas toda a criatividade de seus
participantes, estabelecendo um estreitamento na relação artista-obra-público.
Existia na época uma vontade, por parte dos artistas, de produzirem
trabalhos que não tivessem o intuito de serem lançados no mercado de arte. Era
uma forma de protesto contra esse sistema e suas freqüentes regras impostas.
8
GLUSBERG, Jorge. A arte da performance. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987, p.30.
9
GLUSBERG, Jorge . Op. Cit. p.31.
10
GOLDBERG, RoseLee. A arte da performance: do futurismo ao presente. São Paulo: Martins Fontes, 2006,
p.118.
11
Idem. p. 118.
Analisando um trecho do manifesto do grupo Fluxus, tem-se a seguinte vontade:
“Promover uma enchente e uma maré revolucionária na arte.
Promover arte viva, anti-arte,
promover REALIDADE NÃO
ARTÍSTICA a ser entendida por
todos, não somente críticos,
diletantes e profissionais”
12
.
Nota-se, portanto, uma busca
por uma arte mais democrática, em
que todos pudessem participar do
processo criativo, apreendendo com
mais facilidade seu entendimento.
Outro ponto no qual se percebe a
vontade do grupo em ir contra o
sistema de arte vigente é em relação
à autoria do trabalho, pois um dos
requisitos para que uma obra de arte
tenha valor é a assinatura no artista.
Assim, os integrantes se colocavam
no anonimato, a fim de que seu
trabalho não tivesse valor
mercadológico, pois a experiência
passada ao espectador não poderia ser
vendida ou comprada por ninguém.
É o que se entende ao analisar uma
declaração dada por George Maciunas em 1964: “Razões para o nosso sistema
12
HERNDRICKS, Jon. O que é Fluxus? O que não é! O porquê. Catálogo da Exposição O que é Fluxus? O
que não é! O porquê. Brasília/Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, p.33.
Imagem 1:Manifesto Fluxus. Disponível em:
<http://www.artnotart.com/fluxus/gmaciunas-
manifesto.htm>l. Acesso em: 2008.
de direitos autorais: no fim nós destruiríamos a autoria dos trabalhos tornando-os
totalmente anônimos – assim eliminaríamos o ‘ego’ do artista – o autor será
‘Fluxus’”
13
.
Em relação ao site especifc, tem-se que este se refere a trabalhos em que o
espaço é elemento primordial. É um termo criado a partir da década de 1960, o
qual tinha como um dos objetivos colocar em discussão as instituições artísticas, o
mercado de artes e o modo com que as obras eram apresentadas ao público. A
arquitetura, a rua, a natureza começam a fazer parte do trabalho, quando não são
a própria obra de arte.
Atrelado ao Minimalismo, a Land Art e também a Arte Conceitual, ao longo
dos anos o termo site specifc ganha uma conotação bastante abrangente,
perdendo seu sentido crítico inicial, na medida em que foi incorporado ao
vocabulário comum aos trabalhos da área artística. É o que deixa claro Miwon
Kwon:
Site-determined, site-oriented, site-referenced, site-conscious, site
responsive, site-related. These are some new terms that have emerged
in recent years among many artists and critics to account for the various
permutations of site-specif art in the present. (…)
This concern to reassess the relationship between the art work and its
site is largely provoked by the ways in which the term ‘site-specifc’ has
been uncritically adopted as another genre category by mainstream art
institutions and discourses. The term is indeed conspicuous in a diverse
range of catalogue essays, press releases, grant applications,
magazines reviews, and artist statements today; it is applied rather
indiscriminately to art works, museums exhibitions, public art projects,
city arts festivals, architectural installations, and it is embraced as an
automatic signifier of ‘criticality’ or ‘progressivity’ by artists, architects,
dealers, curators, critics, arts administrators, and funding organizations.
For those who adhere to cooptation as the most viable explanation of the
relationship between advanced art, the culture industry, and the political
economy, throughout the twentieth century, the unspecific (mis)uses of
the term ‘site-specifc’ are yet another instance of how vanguardist,
socially conscious, and politically committed art practices always become
domesticated by their assimilation into the dominant culture.
14
13
Idem. p.55.
14
KWON, Miwon. One place after another: site-specifc art and locational identity. Massachusetts: MIT Press,
2002. p.1. Tradução livre da autora: Site-determined, site-oriented, site-referenced, site-conscious, site
responsive, site-related.
14
Estes são alguns dos novos termos usados por artistas e críticos para representar
as permutações da arte focada em um local específico. (...) A preocupação em reavaliar a relação entre a
obra de arte e o seu local é amplamente provocada pelas formas em que o termo site-specific tem sido
adotado acriticamente por instituições de arte consagradas e em discursos como um outro gênero ou
categoria. De fato, o termo é conspícuo em variada gama de publicações, em declarações da imprensa,
pedidos de subvenção/bolsas, revistas e declarações de artistas. O termo é aplicado indiscriminadamente às
obras de arte, exposições em museus, projetos públicos de arte, festivais de arte municipais e instalações
Em relação ao Mitos Vadios, deve-se levar em consideração o uso inicial do
termo site-specifc, com todo o sentido crítico que este carregava nas décadas de
1960 e 1970, pois também traz em seu interior uma critica ao mercado
institucionalizado de artes.
Dessa forma, o conceito do que vem a ser site-specifc, em especial no
contexto artístico do qual o Mitos Vadios faz parte, também é dado pela autora
Miwon Kwon, quando explica o termo site specificity :
Site specificity used to imply grounded, bound to the laws of physics.
Often playing with gravity, site-specific works used to be obstinate about
‘presence’, even if they were materially ephemeral, and adamant about
immobility, even in the face of disappearance or destruction. Whether
inside the white cube or out in the Nevada desert, whether architectural
or landscape-oriented, site-specific art initially took the site as an actual
location, a tangible reality, its identity composed of unique combination of
physical elements: length, depth, height, texture, and shape of walls and
rooms, scale and proportion of plazas, buildings, or parks; existing
conditions of lighting, ventilation, traffic patterns; distinctive topographical
features, and so forth. If modernist sculpture absorbed its pedestal/base
to server its connection and self-referential, thus transportable, placeless,
and nomadic the site-specifc works, as they first emerged in the wake of
minimalism in the late 160s and early 1970, forced a dramatic reversal of
thus modernist paradigm. Antithetical to the claim, ‘If you have to change
a sculpture for a site there is something wrong with the sculpture’, site-
specifc art, whether interruptive e or assimilative, gave itself ups to its
environmental context, being formally determined or directed by it.
15
arquitetônicas sendo encarado como um significativo automático de 'criticidade' ou 'progressividade' por
artistas, arquitetos, dealers, curadores, críticos, administradores de arte e fundações de financiamento. Para
aqueles que aderem à cooptação como a mais viável explicação da relação entre arte avançada, a indústria
cultural e a economia política, durante todo o século XX, os inespecíficos (dis) usos do termo site-specific são
outro exemplo de como vanguardistas, socialmente conscientes e práticas artísticas politicamente
empenhadas sempre se domesticam pela assimilação da cultura dominante.
15
KWON, Miwon. Op. Cit. p. 10. Tradução livre da autora: Site specificity pressupunha fundamentação e
vínculação às leis da física. Frequentemente experimentando com a gravidade, as obras site-specific eram
obstinadas com a "presença", mesmo que fosse materialmente efêmera e peremptória imobilidade, mesmo
em face do desaparecimento ou destruição. Quer seja no interior do cubo branco ou no deserto de Nevada,
quer tenha orientação arquitetônica ou paisagística, site-specific arte adotou inicialmente o lugar como a
localização em si, uma realidade tangível, com identidade composta por uma combinação única de elementos
físicos: comprimento, profundidade, altura, textura e forma dos paredes e salas, escala e proporção de
praças, edifícios ou parques; condições reais de iluminação, ventilação, tráfego; distintas características
topográficas, e assim por diante. Se esculturas modernistas absorveram seus pedestais para servir às suas
conexões e auto-referências, tornando-se transportáveis, sem pertencer a um local específico e mades, as
site-specific obras, da forma como surgiram no surgimento do minimalismo no final dos anos 1960 e começo
dos anos 1970, forçou uma dramática reversão do paradigma modernista. É uma alegação contraditória
dizer que 'Se você tem que fazer mudanças na escultura para um específico local, algo de errado com a
escultura ", site-specific arte, sejam interrompidas ou assimilativas, renunciaram a si mesmas em prol do
contexto ambiental, sendo formalmente determinadas ou dirigidas por este.
Diante da explanação desses termos, quais seja, arte de ação, happening,
performance, e site specifc, tem-se o melhor entendimento de onde se situa o
Mitos Vadios dentro do contexto artístico internacional.
Posto isso, no primeiro capítulo da presente dissertação será feito uma
trajetória da arte de ação no Brasil, através da abordagem de seis momentos da
história da arte brasileira: as ações do artista Flávio de Carvalho, o movimento
Neoconcreto, a criação do Grupo Rex, as exposições Opinião 65 (realizada no
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro), Do Corpo à Terra (Belo Horizonte-
1970) e as JACs (Jovem Arte Contemporânea realizadas pelo Museu de Arte
Contemporânea da USP), e por fim a realização da I Bienal Latino Americana em
1978.
O segundo capítulo trará a análise das fontes encontradas em jornais,
fotografias e documentos coletados no arquivo pessoal do artista Ivald Granato e
no site do Projeto Hélio Oiticica do Itaú Cultural, bem como a apreciação das
entrevistas feitas com alguns dos artistas participantes.
O objetivo do estudo do material coletado será fazer uma reconstrução
histórica do Mitos Vadios, entendendo como se deu sua organização, a
participação de artistas e público, como os jornais da época noticiaram e
principalmente a análise da crítica de arte em relação ao acontecimento, visto que
não existem pesquisas mais aprofundadas sobre esse o tema.
E por fim, o terceiro capítulo procurará observar o acontecimento através de
um importante prisma, ou seja, a visão de seu organizador, Ivald Granato, trinta
anos após a realização de Mitos Vadios.
O presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema, e sim, traçar
um panorama de como se deu o Mitos Vadios, procurando, através dos
documentos e imagens encontradas, além das entrevistas realizadas, entender
como este se insere dentro da produção artística nacional, e buscar compreender
como aqueles artistas reuniram suas vontades em detrimento de um objetivo: o
do exercício libertário e democrático da criatividade.
Capítulo I
Arte de ação: um lugar em transformação na arte brasileira.
Após a Segunda Guerra Mundial, várias transformações são observadas
no contexto internacional artístico. Tem-se a mudança do centro das artes
mundiais de Paris para Nova Iorque e a ascensão do Expressionismo Abstrato
norte-americano como linguagem hegemônica. Na década de 1960, são as novas
figurações, em especial a Pop Arte e o Novo Realismo Europeu que ganham
força, trazendo o cotidiano e todos os produtos que a cultura de massa oferece à
população para dentro dos museus.
Assim, a linha que divide a cultura popular da cultura erudita torna-se mais
tênue, e as artes ganham um “campo expandido”
16
de atuação, ou seja,
afrouxando as categorias de arte, o artista tem a possibilidade de explorar outras
linguagens e tecnologias, que no caso das décadas de 1960 e 1970 começam a
surgir, ou tornam-se mais acessíveis, como é o caso da filmadora, da fotografia,
da fita cassete e do vídeo, por exemplo.
Os artistas brasileiros, não estavam indiferentes a essas transformações.
As linguagens artísticas se tornaram cada vez mais universais, e os artistas
imprimem nestas suas vivências, suas aspirações e também suas denúncias. No
16
ARCHER, Michael. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001,p.61.
caso brasileiro, a arte ganhou muita das vezes um cunho político visto o contexto
histórico que o país vivia, ou seja, o Regime Militar instaurado em 1964.
Sendo assim, o presente capítulo tem por objetivo descrever uma pequena
trajetória da arte de ação no país, expondo as ações de alguns artistas e grupo de
artistas, que através dessa linguagem desenvolveram seus trabalhos. Para tanto
também será necessário entender-se o contexto histórico brasileiro das cadas
de 1960 e 1970, visto que o Mitos Vadios acontece dez anos depois da
promulgação do Ato Institucional 5, ou seja, num período caracterizado por
uma vontade de abertura política no país.
1.1. Brasil: contexto cultural e político das décadas de 1960 e 1970.
Ao analisar o contexto histórico brasileiro, é necessário voltar à década de
1950, para entender as rupturas que a arte brasileira faz com o as primeiras
manifestações modernistas, que tem seu ponto alto na Semana de Arte Moderna
de 1922.
Destaca-se, no final da década de 1940 o surgimento de três instituições
de arte no país: o Museu de Arte de São Paulo (MASP), em 1947, e os Museus
de Arte Moderna (MAM) de São Paulo e Rio de Janeiro, em 1948 e 1949,
respectivamente.
O empresário Francisco Matarazzo Sobrinho (1898-1977), mais conhecido
como Ciccillo Matarazzo, estava à frente da criação do MAM de São Paulo, e
desde o inicio deste museu germinava a idéia da se fazer uma grande exposição,
nos moldes da Bienal de Veneza na Itália. Então, no dia 20 de outubro de 1951,
era inaugurada a I Bienal de São Paulo, constituindo-se num marco das artes
brasileiras.
Esta primeira Bienal propicia aos artistas do país, em especial aqueles que
nunca estudaram ou estiveram no exterior, o contato direto com a produção
internacional. As idéias construtivas em artes, o abstracionismo, especialmente o
geométrico, ganham notoriedade nesta exposição, que dá até o prêmio mais
importante à “Unidade Tripartida” de Max Bill (1908-1994).
Dessa forma, a ruptura com a representação figurativa do modernismo se
efetiva com a entrada das idéias construtivas que surgem na arte brasileira como
projeto de vanguarda, de caráter objetivo, matemático, e que visava integrar-se
positivamente na sociedade.
Dois grupos de artistas concretos surgiram no país: Ruptura, de São Paulo,
e que tinha como integrantes artistas como Luís Sacilotto (1924-2003) e
Waldemar Cordeiro (1925-1973); e o Grupo Frente, do Rio de Janeiro, que
contava com a participação de Lygia Clark (1920-1988) e Hélio Oiticica (1937-
1980).
Desse grupo de concretistas cariocas, surge o movimento Neoconcreto,
que se constitui como uma continuação da pesquisa plástica concretista, mais
flexível, ou seja, não se liga à disciplina geométrica dos paulistas, e busca,
portanto, mais expressão e uma missão social que pudesse educar os homens
através de seus sentidos e emoções, propiciando uma maior interação do público
com os trabalhos artísticos.
O período entre o final da cada de 1950 até a instituição do AI-5, em
dezembro de 1968, é de grande efervescência cultural. São várias as
manifestações de caráter artístico-político, as quais, artistas, intelectuais e
estudantes tentam fazer com que o povo reflita sobre a situação política do país.
Outro ponto bastante forte é a questão comportamental (movimento da contra-
cultura), pois é através da rebeldia e da quebra dos padrões que seria colocado
em xeque os “velhos” valores da sociedade brasileira.
Tem-se a criação e extinção dos Centros Populares de Cultura (CPC),
ligados à União Nacional dos Estudantes (UNE), e também do Movimento de
Cultura Popular (MCP), em Pernambuco, com atividades que passavam desde a
alfabetização até a música e o teatro.
Era o aparecimento da “arte revolucionária” e do “artista revolucionário
popular”: a arte comprometida com a revolução social. Para o campo político,
esses centros tiveram uma grande importância, uma vez que buscaram implantar
no movimento cultural da época o pensamento democrático crítico, colocando-se
frente às discussões políticas. Nota-se que existia uma valorização do “popular”,
como bem explicita Aracy Amaral:
(...) um fenômeno novo parece se tornar mais nítido: a consideração do
‘popular’ para o meio intelectual e artístico, os meios de comunicação de
massa contribuindo vigorosamente para chamar a atenção para a
necessidade de conscientização e arregimentação de um número maior
de pessoas. Conseqüentemente, o dado ‘participação’, tanto da parte de
artistas como de intelectuais, é considerado prioritário, tentando-se
através dela, um trabalho comum, tendo de um lado a massa da
população brasileira e de outro, o meio intelectual artístico
17
.
Assim, o artista se percebia como ser político dentro da sociedade, não
desvinculando mais sua produção dessa tentativa de fazer com que o povo
pudesse aprender e apreender os conteúdos políticos e didáticos que passavam
por meio das manifestações dos CPC’s, especialmente através do teatro.
Com o Golpe Militar, tanto os movimentos políticos quanto os culturais se
viram impotentes diante dos fatos. Porém, as contestações surgem logo,
especialmente “nas universidades, nos teatros, nas editoras progressistas, na
imprensa nanica e nas ruas da cidade, propiciando a criação de uma cultura
alternativa de esquerda”.
18
A primeira reação que marcaria o cenário cultural brasileiro veio através do
musical Opinião, em dezembro de 1964, no Rio de Janeiro. Foi o início das letras
de protesto, passando uma mensagem de denúncia para seu público. De acordo
com Heloísa Buarque de Holanda e Marcos A. Gonçalves: “encenava-se um
pouco da ilusão que restara do projeto político-cultural p64 e que a realidade
não parecia disposta a permitir: a aliança do povo com o intelectual, o sonho da
revolução nacional e popular”.
19
17
AMARAL, Aracy A. Arte para que? A preocupação social na arte brasileira, 1930-1970: subsídios para
uma história social da arte no Brasil. São Paulo: Nobel, 1987, p.315.
18
RIBEIRO, Marília Andrés. Arte e política no Brasil: a atuação das neovanguardas nos anos 60. In:
FABRIS, Annateresa (org.). Arte e Política: algumas possibilidades de leitura. Belo Horizonte: FAPESP,
1998, p. 167.
19
HOLANDA, Heloísa Buarque, GONÇALVES, Marcos A. Cultura e participação nos anos 60. São Paulo:
Brasiliense, 1995, p. 23.
Nas artes plásticas, a busca pela comunicação com o espectador traz uma
nova dimensão para o conceito de arte, que antes se restringia àquilo que estava
dentro do espaço do museu. As exposições Opinião 65 e 66, e os debates
organizados paralelamente a estas, intitulados Proposta 65 e 66, além de
discutirem a situação das vanguardas brasileiras em relação à arte internacional,
instauram também uma tomada de posição dos artistas plásticos frente aos
acontecimentos políticos da época. Outra exposição de grande importância foi a
Nova Objetividade Brasileira (1967), há qual Hélio Oiticica expõe pela primeira vez
Tropicália (1967), e no manifesto de sua autoria, coloca o surgimento da “antiarte”
como nova direção artística e política a ser tomada pelos artistas plásticos
brasileiros.
Nas outras áreas artísticas também se verifica a procura por uma forma de
contestação ao regime imposto, ou por um modo de chocar ou chamar a atenção
do espectador. Na música, surge o movimento Tropicalista, e as músicas de
protesto de Chico Buarque (1944 -).
No cinema, nasce o Cinema Novo,
tendo como maior expoente o
cineasta Glauber Rocha (1939
1981). No teatro, o Grupo Oficina
tenta provocar o espectador pela
violência, de forma a “desmistificar,
colocar este público no seu estado
original, cara a cara com sua
miséria e a miséria de seu pequeno
privilégio feito às custas de tantas
concessões”.
20
Outra faceta dessa década
de 1960 foi o movimento da
contracultura, ou seja, a revolução
comportamental que quebrou
20
HOLANDA, Heloísa Buarque, GONÇALVES, Marcos A., Op. Cit. p. 63.
Imagem 2: Hélio Oiticica, Tropicália, Penetráveis PN2 e PN3,
1967. Disponível em:
<http://www.macvirtual.usp.br/mac/templates/projetos/seculox
x/modulo4/g4/images/tropicalia_oiticica.jpg > Acesso em
2008.
grandes tabus não da sociedade brasileira da época, como do mundo todo.
Falava-se de sexo, contestava-se o “casamento burguês”, surgiu a pílula
anticoncepcional, a separação de casais virou moda, os hippies, o amor livre, a
experimentação de drogas. De acordo com Zuenir Ventura:
Um neo-existencialismo não pressentido na época convencia aquela
juventude a rejeitar uma secular esquizofrenia cultural que separava
política e existência, arte e vida, teoria e prática, discurso e ação,
pensamento e obra. Essa talvez tenha sido a grande ruptura com a
geração anterior
21
.
Enfim, o Brasil passou, entre o final da cada de 1950, e final de 1960 por
um grande crescimento na área cultural, promovendo uma integração entre
intelectuais, artistas e estudantes. Porém a década de 1970 foi marcada por uma
desaceleração desse processo, em decorrência da instauração do Ato Institucional
Nº 5, em dezembro de 1968, fazendo com que a censura se tornasse mais
repressora, e a perseguição dos militantes políticos de esquerda mais agressiva.
O discurso político, antes direto, inclui-se na área cultural veladamente,
para burlar o sistema de censura do governo. É como observa Heloísa Buarque de
Hollanda:
Ou seja, a impossibilidade de mobilização e debate político aberto
transfere para as manifestações culturais o lugar privilegiado da
‘resistência’. Esse fenômeno ocorre particularmente nas artes públicas,
no espetáculo teatral e nos shows de música popular que, lembrando a
fase do Opinião, se transformam em novos rituais da contestação
impotente
22
.
Assim, após a promulgação do AI-5, toda a efervescência cultural perdeu
um pouco de sua força. É o que Frederico Morais vai chamar de “fossa cultural”
23
.
Os artistas tiveram que aprender a se autocensurar, tomando cuidado para que
sua obra não fosse vetada e para que eles mesmos não fossem perseguidos.
O governo, por sua vez, promoveu a criação de uma arte oficial, na qual
patrocinava várias produções artísticas. Nessa época, foram criados a
21
VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou: a aventura de uma geração. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1988, p.31.
22
HOLLANDA, Heloísa Buarque. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. São
Paulo: Brasiliense, 1981, p.92.
23
MORAIS, Frederico. Artes Plásticas: a crise da hora atual. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1975, p.
102.
EMBRAFILME (Empresa Brasileira de Filmes), o Serviço de Teatro, a FUNARTE
(Fundação Nacional de Arte), o Instituto Nacional do Livro, o Conselho Federal de
Cultura e o Ministério das Comunicações
24
. A partir desse momento, o regime
ditatorial controlaria as artes em seus diversos setores. Os artistas e intelectuais
de esquerda foram chamados para participarem destas organizações. Outro ponto
bastante importante foi à criação de redes de televisão, que veiculava todo o
retorno à ordem do qual necessitava o regime. Se as manifestações surgiram
dentro dos meios artísticos e estudantis, nada mais coerente que atrelar esses
meios ao governo. Porém, de acordo com Marcelo Ridenti:
A ditadura, entretanto, tinha ambigüidades: com a mão direita punia
duramente os opositores que julgava mais ameaçadores até mesmo
artistas e intelectuais -, e com a outra atribuía um lugar dentro da ordem
não aos que docilmente se dispunham a colaborar, mas também a
intelectuais e artistas de oposição. Concomitante à censura e à repressão
política, ficaria evidente na década de 1970 a existência de um projeto
modernizador em comunicação e cultura, atuando diretamente por meio
do estado ou incentivando o desenvolvimento capitalista privado. A partir
do governo Geisel (1975-1979), com a abertura política, especialmente
por intermédio do Ministério da Educação e Cultura, que tinha à frente
Ney Braga, o regime buscaria incorporar à ordem artistas de oposição
25
.
Diante desse contexto histórico, percebe-se que a arte de ação torna-se
uma linguagem artística alternativa para muitos artistas, engajados ou não. Sendo
uma arte de caráter efêmero, consegue levar ao público mensagens de cunho
político, chamando assim a atenção do público para a situação política, social e
cultural em que viviam, sem levantar suspeitas da censura.
Um exemplo foi o happening organizado por Nelson Leirner (1932-) em
1967, quando do fechamento da Rex Gallery em São Paulo, da qual foi um dos
fundadores
26
. O artista anunciou, em diversos jornais, que doaria toda a sua
produção feita até a data da mostra, intitulada Não-Exposição. Um grande público
compareceu ao local, levando todas as obras para casa em oito minutos. Nota-se,
portanto, uma grande crítica ao mercado de arte, quando o artista distribui as suas
obras gratuitamente ao público.
24
RIDENTI, Marcelo. Artistas e intelectuais no Brasil pós-1960. Revista de Sociologia da USP. São Paulo,
v.7, p.81-110, jun. 2005, p.98.
25
RIDENTI, Marcelo. Op. Cit., p. 98.
26
MORAIS, Frederico, Op. cit., p.88.
Outro episódio foi o happening Apocalipopótese, organizado por Hélio
Oiticica, dentro do projeto Um mês de arte blica, do jornal Diário de Notícias,
sob a direção de Frederico Morais, no Aterro do Flamengo, em 1968 no Rio de
Janeiro
27
. De acordo com o diretor do projeto, citado por Waly Salomão:
Em APOCALIPOPÓTESE havia um clima ao mesmo tempo alegre e
tenso, de comunhão e violência. Enquanto Antônio Manuel destruía a
machadadas suas ‘Urnas quentes’ em cujo interior estavam
textos/imagens sobre a violência da ditadura, um amestrador de cães
convocado por Rogério Duarte, dialogava com seus animais num
espetáculo insólito. No dia seguinte, pelos jornais, a polícia anunciava o
emprego de cães na perseguição aos manifestantes políticos.
28
Os exemplos citados acima aconteceram antes da promulgação do AI-5,
porém mostram o contexto em que a arte de ação no Brasil se torna uma
linguagem que articula conotações políticas.
Na década de 1970, outros fatores, além da citada “fossa cultural”
aparecem no âmbito artístico brasileiro, como conseqüência de alguns episódios
relevantes. Houve o importante boicote a X Bienal de São Paulo, em 1969, em
decorrência do fechamento da exposição dos jovens artistas que iriam participar
da VI Bienal de Paris, mostrando o descontentamento da critica e dos artistas
nacionais e internacionais em relação ao cerceamento da liberdade de expressão
no país. O MAM-RJ também sofreu com a explosão de uma bomba, durante um
debate no Salão da Bússola, no mesmo ano de 1969
29
.Também aconteceu o
fechamento da II Bienal da Bahia, em 1968, que havia sido inaugurada poucos
dias antes da promulgação do AI-5, e culminou com a prisão de seus
organizadores e com a retirada de vários trabalhos considerados pela censura
como subversivos.
Em contraponto a este quadro de censura às artes visuais no país, houve
uma valorização do modernismo brasileiro, especialmente em decorrência do
aquecimento do mercado de arte do país, e também pela comemoração, no ano
de 1972, dos os cinqüenta anos da Semana de Arte Moderna de 22. Como mostra
o crítico Frederico Morais:
27
Idem. p. 94
28
SALOMÃO, Waly. Qual é o Parangolé? E outros escritos. Rio de Janeiro: Rocco, 2003, p.59.
29
CANOGIA, Ligia. O legado dos anos 60 e 70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p.60.
Com a atividade de vanguarda colocada à margem e com o afastamento
(ou demissão) da crítica de suas funções específicas, a única renovação
havida neste início de década, foi, de fato, a do mercado de arte. (...)
Nesta nova fase as galerias transformaram-se em grandes e luxuosos
edifícios, verdadeiros supermercados por ocasião dos leilões, e os
mercadores de arte passaram a fazer grandes investimentos
publicitários e promocionais, inclusive nos jornais e tv, seguindo-se do
aliciamento da crônica social e mesmo do colunismo de arte.
30
Porém a vanguarda brasileira conseguiu encontrar refugio em iniciativas
como a da criação da Jovem Arte Contemporânea, que aconteceu no Museu de
Arte Contemporânea da USP, organizada por Walter Zanini, a partir de 1967 e que
teve seu término no ano de 1974. Assim o museu abriu suas portas para a
produção artística jovem nacional e estrangeira, gerando um espaço dedicado
principalmente às linguagens experimentais.
E tanto o aquecimento do mercado, quanto o surgimento de espaços
culturais que abriam salas de exposições e programas voltados à arte fizeram com
que São Paulo, a partir da década de 1970 se estabelecesse como pólo artístico
nacional
31
.
Portanto, é dentro desse contexto histórico que o Mitos Vadios se encontra,
ou seja, diante de uma ordem política, social e cultural que trazia suas
contradições, em especial no campo artístico: de um lado, uma arte oficial,
patrocinada e vigiada pelos órgãos governamentais de censura; do outro, uma
cultura marginal, que crescia de modo a carregar intrinsecamente uma
irreverência e ironia diante da política e da cultura do período.
E o Mitos Vadios encontra-se no lado da cultura marginal, e visto que o ano
de 1978 foi o ano do fim do AI-5, este acontecimento acaba por configurar-se
como um sopro de liberdade nas artes visuais brasileiras do período,
especialmente por constituir-se num momento onde a criação poderia acontecer
livremente, sem nenhuma interferência institucional ou de censura.
1.2. Flávio de Carvalho: as primeiras experiências.
30
MORAIS, Frederico. Op. cit. p. 115.
31
FREIRE, Cristina. Poéticas do processo: arte conceitual no museu. São Paulo: Iluminuras, 1999. p. 25.
Ao analisar a arte de ação no Brasil, percebe-se que esta ganha maior
notoriedade a partir da década de 1960 e 1970, visto que se torna uma linguagem
comum entre os artistas da época. Por não se prender a um único movimento,
esta ganha conotações diferentes em diversos países e no caso brasileiro, ganha
um cunho político.
Porém sua inserção no cenário artístico do país se algumas décadas
antes, dentro do contexto do Modernismo, tendo como seu precursor o artista
Flávio de Carvalho (1899-1973).
Arquiteto e artista plástico, Flávio de Carvalho foi uma figura ímpar no
cenário modernista brasileiro. Investigador da psique humana, escandaloso, louco,
ritualístico, são algumas das facetas atribuídas a este artista.
Seu trabalho artístico o pode ser dissociado de sua vida. Buscou em
suas ações, em seus projetos arquitetônicos e em sua pintura sempre descobrir o
que estaria psicologicamente e antropologicamente implícito no seu objeto de
pesquisa. Retomando a pintura de retratos, que havia caído em desuso depois do
surgimento da fotografia, o artista retratou inúmeras personalidades modernistas
como bem explicita Ligia Canongia:
A galeria de personalidades que Flávio de Carvalho pintou Mário de
Andrade, Ungaretti, Murilo Mendes e tantos outros, demonstra que seus
retratados o eram apenas seres físicos e concretos que ali posaram,
mas pessoas cujo o perfil psíquico foi detectado a partir da intuição do
artista, filtrado por sua sensibilidade pessoal. O próprio Flávio de
Carvalho, na inquietude dos gestos e das cores, imprime-se nesses
retratos
32
.
Sendo um dos fundadores do Clube de Artistas Modernos, o CAM, em
novembro de 1932, juntamente com Di Cavalcanti (1897-1976), Antonio Gomide
(1895-1967) e Carlos Prado (1908-1992), procurou fazer com que aquele lugar
fosse um pólo descontraído de discussão de arte. O CAM promoveu ciclos de
conferências com palestras de artistas como Tarsila do Amaral (1886-1973), e
32
CANONGIA, Ligia. O artista plástico Flávio de Carvalho. IN: Flávio de Carvalho:100 anos de um
revolucionário romântico. Catálogo de exposição. Centro Cultural Banco do Brasil. Rio de Janeiro, 1999.p.15
exposições bastante polêmicas como a que apresentou trabalhos de crianças e
doentes mentais, por exemplo.
Através do seu Teatro da Experiência, apresentou a peça O Bailado do
Deus Morto”, um marco do teatro brasileiro, que foi fechado pela polícia
problema corriqueiro nas exposições de Flávio de Carvalho culminando com o
fechamento do CAM. Os artistas apresentaram-se com mascaras metálicas, e sua
presença no palco se tornava mais importante que o texto em si, discutindo as
religiões e o comportamento humano diante destas.
Grande interessado em psicologia e nas reações que certas ações
poderiam provocar nas massas, Flávio de Carvalho, em carta a Geraldo Ferraz
(1905-1979) em 1937, coloca que: “Nunca a arte esteve o perto da psicologia
como está hoje nem nunca foi ela tão cerebral e tão friamente dialética, isto é, tão
oposta ao individualismo impulsivo da tendência psicológica”
33
.
Em 1931, o artista realiza sua Experiência 2, que foi relatada em livro do
mesmo nome. Ele realiza intencionalmente uma caminhada em sentido contrário a
uma procissão no centro da cidade de São Paulo. Nesta ação ele procura
33
CARVALHO, Flávio. O drama da arte contemporânea: 1º carta aberta ao crítico Geraldo Ferraz. Op. Cit.
p.73.
Imagem 3: Flávio de Carvalho: Bailado do Deus Morto, 1933, CAM. Disponível em:
<
http://www.niteroi
artes.com.br/cursos/la_e_ca/modulos3.html
>. Acesso em: 2007.
experimentar a reação das pessoas num ato que para a sociedade daquela época
seria repugnante, pela falta de respeito com a Igreja Católica.
Flávio de Carvalho quase saiu linchado desta experiência, sendo resgatado
por policiais que o levaram a delegacia, onde o artista explicou toda sua
experiência. Esta ganhou destaque nos jornais da época, como explicita Tadeu
Chiarelli:
Conforme suas declarações à polícia (logo após ter sido resgatado por
um guarda que o salvou da multidão que queria linchá-lo), transcritas
num jornal:...há tempos se vem dedicando a estudos sobre a psicologia
das multidões... Para melhor orientação de seus estudos, resolvera fazer
uma experiência sobre ‘a capacidade agressiva de uma massa religiosa
à resistência da força da lei e do respeito à vida humana... ’.
34
Sua ação tinha um propósito: instigar o outro, ver até onde a moral religiosa
de um grupo pode ser justificativa para atos de barbaridade. Nesta experiência
limite, o artista busca entender os atos humanos, o que vai ser sempre um objetivo
dentro de seu trabalho plástico, arquitetônico e teórico.
Também, interessado na questão do crescimento urbano da cidade de São
Paulo, o artista escreveu inúmeros textos sobre a preocupação com a população e
sua liberdade dentro deste grande centro. Em 1930 ele defende sua tese no jornal
paulistano Diário da Noite, intitulada A Cidade do Homem Nu, o qual demonstra
sua preocupação com a transformação das cidades. É aqui que a teoria de um
homem livre de toda e qualquer imposição estatal, religiosa ou moral deve ser
desenvolvida.
Na cada de 1950 contribui com artigos para o Jornal Diário de São
Paulo, falando sobre urbanismo e moda. E é nestes dois campos que sua
Experiência 3 New Look será desenvolvida e apresentada em 1956. O artista
confecciona uma roupa para o novo homem dos trópicos que consistia em saia
plissada, blusa, e chapéu, todos feitos de um material leve, e sandálias.
34
CHIARELLI, Tadeu. Op. Cit. p.54.
Sua ação consistiu em sair pelas ruas com
esse novo traje, o que chamou a atenção de todos,
sendo seguido pelos curiosos por onde passava. O
artista também utilizou a imprensa para divulgar a
sua Experiência 3, bem como a televisão, que
era veículo novo de comunicação daquela época,
aparecendo num programa da TV Tupi.
As Experiências 2 e 3 foram ações
realizadas numa grande cidade, de modo a testar
todo o peso cultural arraigado no inconsciente
daquela população. Em 1957, o artista realiza a
Experiência 4, que consiste numa viagem de 70
dias pela floresta amazônica, e ao contrário da
movimentação urbana estudada, buscou em
especial o contato com tribos indígenas isoladas.
Essa ultima experiência recebeu uma
exposição de suas imagens, que foram feitas pelo
fotógrafo Raymond Frajmud, no Museu de Arte
Contemporânea em maio de 2007. Como bem
explica uma das curadoras da exposição,
Cristina Freire:
O objetivo de Flávio de Carvalho era realizar um filme ‘semi-
documentário’ sobre a história da ‘Deusa Branca’ que vivera na selva
amazônica e, para tanto levou na expedição mulheres loiras que
contratou em São Paulo para atuar, mas o filme nunca foi finalizado.
Como experiências antropológicas e psicológicas adicionais Flávio de
Carvalho pretendia observar a influência da música ocidental nos povos
indígenas e levou na bagagem gravações de Mozart, Beethoven, Bach,
Villa-Lobos, etc. Imaginava ainda, como declarou na época, ‘estudar a
pintura do corpo dos indígenas para constatar vestígios de antigas e
esquecidas indumentárias que tiveram poderosa influência social e
psicológica nos povos que a usaram.
35
35
FREIRE, Cristina. Arte-Antropologia: representações e estratégias. Museu de Arte Contemporânea da USP.
2007.
Imagem 4: Flávio de Carvalho. Experiência
nº3. New Look. 1956. Disponível em:
<http://www.niteroiartes.com.br/cursos/laeca
/modulos3.htmll >. Acesso em: 2007.
Portanto, pode-se dizer que as experiências de Flávio de Carvalho foram
precursoras da arte de ação no Brasil. Com influências nas performances
dadaístas e surrealistas, suas experiências apresentam projetos específicos, em
que o artista investiga a reação do outro, instigando-o em sua violência,
curiosidade, ou qualquer outro sentimento que pudesse ser despertado, unindo
desse modo à arte e a vida.
1.3. Neoconcretismo: o surgimento efetivo do experimentalismo na arte
brasileira.
As artes Concreta e Neoconcreta surgem no país num momento de grande
euforia desenvolvimentista (década de 50), com planos governamentais que
tinham por objetivo a busca por crescimento econômico e industrial, procurando
assim, sair do patamar de país subdesenvolvido. Vem como meio de contestar o
figurativismo que existia na arte brasileira moderna, propondo o abstracionismo,
em especial o geométrico como forma de expressão.
Os artistas brasileiros, influenciados pelas correntes construtivistas
européias, e pelas escolas da Bauhaus e Ulm, possuíam a mesma vontade de
vários segmentos da sociedade da época, que cada qual ao seu modo, visava
superar o atraso tecnológico existente no país. De acordo com Ronaldo Brito:
As ideologias construtivas estão organicamente ligadas ao
desenvolvimento cultural da América Latina no período de 1940 a 1960.
Encaixa-se com perfeição nos projetos reformistas e aceleradores dos
países desse continente e serviram, até certo ponto, como agentes da
libertação nacional frente ao domínio da cultura européia, ao mesmo
tempo em que significavam uma inevitável dependência desta.
36
O grande marco para as artes plásticas naquele momento se com a
Primeira Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, a qual possibilita a artistas e
público o contato com as produções tanto nacionais quanto internacionais. Neste
contexto, artistas brasileiros puderam conhecer a arte abstrata difundida na
36
BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura. Rio de Janeiro: FUNARTE/ Instituto Nacional de
Artes Plásticas, 1985.p.47
Europa, em especial a obra Unidade tripartida”, de Max Bill, artista e professor da
Escola de Ulm na Alemanha, que vai influenciar significativamente as duas
correntes.
Desse modo, as idéias
construtivas surgiam na arte brasileira
como projeto de vanguarda, no caso, a
vanguarda Concretista, de caráter
objetivo, matemático, e que visava
integrar-se positivamente na sociedade.
Pensou-se a arte, naquele momento,
como proposta de construção de uma
sociedade, e sua inserção direta nesta
para modificá-la. Para isso, a exemplo
das escolas alemãs acima citadas,
seriam utilizadas formas que pudessem
ser utilizadas na indústria. Como
representantes da Arte Concreta têm-se
os grupos Ruptura e Frente, de São
Paulo e Rio de Janeiro
respectivamente.
O grupo Ruptura, encabeçado
pelo artista plástico Waldemar Cordeiro, coloca-se radicalmente contra a arte
figurativa brasileira, expressando esse sentimento através de um manifesto
assinado pelos artistas Geraldo de Barros(21923-1998), Lothar Charoux (1912-
1987), Kazmer Féjer (1922-1989), Leopoldo Haar (1910-1954), Luís Sacilotto,
Anatol Wladyslaw (1913-2004), além de Cordeiro
37
. Neste manifesto, propõe uma
arte que teria como princípios:
- as expressões baseadas nos novos princípios artísticos;
- todas as experiências que tendem à renovação dos valores essenciais da arte
visual (espaço-tempo, movimento e matéria);
37
ZANINI, Walter. História geral da arte no Brasil. v. 2. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. p.
655
Imagem 5: Max Bill. Unidade Tripartida, 1948. Disponível
em:< www.bbc.co.uk/.../gallery/2/brazil/6.jpg> Acesso em
2008.
- A intuição artística dotada de princípios claros e inteligentes e de grandes
possibilidades de desenvolvimento prático;
- conferir à arte um lugar definido no quadro de trabalho espiritual contemporâneo,
considerando-a um meio de conhecimento deduzível, situando-a acima da
opinião, exigindo para o seu juízo conhecimento prévio.
38
o grupo Frente, tinha uma flexibilidade maior enquanto produção
plástica, e era formado por Aluísio Carvão (1920-2001), Lygia Clark, Lygia Pape
(1927-2004), Ivan Serpa (1923-1973), João José Silva Costa (1931-), Vincent
Ibberson, Carlos Val (1937-), Décio Vieira (1922-1988), Abraham Palatnik (1928-),
e os jovens irmãos Hélio e César Oiticica (1939-). Não se ligando a disciplina
geométrica dos artistas paulistas, buscavam mais a expressão, e uma missão
social, que pudesse educar os homens através de seus sentidos e emoções.
39
Assim, surgiram grandes divergências teóricas e plásticas entre os dois
grupos: os paulistas não aceitavam a maleabilidade com que o grupo carioca
concebia o construtivismo, e em contrapartida, estes não se conformavam com o
extremismo geométrico daqueles.
Outra divergência encontra-se no campo teórico: o grupo paulista possuía
como base teórica os ensinamentos da Gestalt, transformando sua arte numa
comunicação social, a qual o jogo com as formas geométricas tende a estabelecer
novas imagens, fazendo com que o espectador aprenda a enxergá-las, sendo
necessário, para isso, que ele deixe os velhos esquemas formais de imagem
concebidos, exercitando seu olhar para um novo esquema significativo. Já os
cariocas começam a buscar na teoria da Fenomenologia, a experiência emocional
como fator principal, e viam na geometricidade da arte concreta não “um ponto de
chegada mas sim um campo aberto à experiência e indagação”
40
. Para o crítico
Mário Pedrosa:
A mocidade concretista de São Paulo carrega consigo a mesma
preocupação de ‘sabença’, ao lado da ‘poesa. (...) os pintores,
desenhistas e escultores paulistas não somente acreditam nas suas
teorias como as seguem à risca. (...) Em face deles, os pintores do Rio
são quase românticos.
41
38
ELIAS, Tatiane de Oliveira. Hélio Oiticica: crítica de arte. Campinas, SP, 2003.(tese de mestrado). p.39.
39
Idem. p. 42.
40
GULLAR, Ferreira. Etapas da arte contemporânea: do cubismo ao neoconcretismo. São Paulo: Nobel,
1985. p.228.
41
PEDROSA, Mário. Acadêmicos e Modernos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,1998.
Essas divergências propiciam o surgimento da Arte Neoconcreta entre os
artistas cariocas, e que teve sua primeira exposição em 1955, no MAM do Rio de
Janeiro, seguida de um manifesto assinado por Ferreira Gullar (1930-), Amílcar de
Castro (1920-2002), Franz Weissmann (1911-2005), Lygia Clark, Lygia Pape,
Reynaldo Jardim (1926-) e Theon Spanudis (1915-1986)
42
. A arte Neoconcreta
nasce então mediante a discussão de alguns pontos inerentes à Arte Concreta,
quais sejam, sua extrema objetividade, seu mecanismo com a repetição de formas
geométricas, enfim, colocam em xeque o porquê de transformar a arte numa
imagem pura e sem expressividade.
Não constitui, portanto, um rompimento radical com o Concretismo, e sim,
um aprofundamento desta pesquisa. De acordo com Ferreira Gullar:
A arte concreta, para se livrar da espontaneidade natural que nega o
homem, extirpou das formas a casca alusiva que as tornava fáceis de
apreender. Criou dificuldades à percepção, como toda arte o faz. Mas
desligando as formas da simbólica geral do corpo, chegou a um extremo
em que o homem é negado também. A arte neoconcreta reconhece a
necessidade de uma reintegração dessas formas num contexto de
significações. Volta a impregná-las das conotações mais imediatas que
se realizam num nível anterior às associações explícitas. A arte
neoconcreta rompe com a visão especializada, estanque, devolvendo às
formas a sua multivocidade perceptiva.
43
Como exposto acima, o movimento Neoconcreto tinha como base teórica às
idéias do filósofo Maurice Merleau-Ponty e seus estudos fenomenológicos, para
contrapor-se a Gestalt da arte concreta. Esse estudo contribuiu para que os
neoconcretistas repensassem o homem em sua expressividade e sensibilidade, e
não em sua capacidade de produção na sociedade como queriam os
concretistas.
Com esse movimento, pode-se observar no país uma síntese das
influências internacionais com a “subjetividade brasileira” dos artistas que
participavam. Talvez porque tinham mais liberdade de ação, por o estarem
presos a trabalhos paralelos no campo das indústrias e da publicidade como os
42
ZANINI, Walter. Op.cit. p. 656.
43
GULLAR, Ferreira. Op. Cit p.245.
paulistas, e assim, puderam trocar mais informações entre si, e partir até mesmo
para outras experiências plásticas, fora do contexto neoconcretista, como
aconteceu com Hélio Oiticica e Lygia Clark, por exemplo. Para Tadeu Chiarelli :
Parecia que o Brasil começava a possuir um universo significativo de
obras de arte estruturalmente brasileiras quando os neoconcretos,
despreocupados com qualquer compromisso exterior de fazer arte
nacional, internacionalizaram-se de forma radical, mas crítica “.
44
Desse modo a Arte Neoconcreta surge no Brasil abrindo o campo artístico
brasileiro para experimentações, em que as novas investigações poéticas
objetivam uma maior da integração entre artista-obra-público, e ainda colocando o
espectador como participador do processo criativo.
1.4. Opinião 65 : Os Parangolés de Hélio Oiticica.
Com a instauração do Golpe Militar em 1964, e passada a perplexidade da
classe artística, começaram a surgir vários movimentos e protestos. Inspirados no
musical Opinião, de dezembro do mesmo ano do golpe, os artistas plásticos
brasileiros contribuíram com esses movimentos de contestação com a exposição
Opinião 65, acontecida em agosto no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, e
considerada “a primeira manifestação coletiva de artistas plásticos depois do golpe
de 64”.
45
Apresentando novos artistas como Rubens Gerchman (1942-2008) e
Antônio Dias (1944-), esta exposição trazia, além desta tomada de posição frente
aos problemas políticos brasileiros, uma tendência à nova figuração, em especial
influenciadas pela Arte Pop e o Novo Realismo, porém com um desdobramento de
pesquisa ligado diretamente à realidade brasileira. De acordo com Paulo Roberto
de Oliveira Reis:
44
CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. São Paulo: Lemos-Editorial,1999. p.31
45
RIBEIRO. Marília Andrés. Arte e política no Brasil: a atuação das neovanguardas nos anos 60. In:
FABRIS, Annateresa (org). Arte & Política: algumas possibilidades de leitura. Belo Horizonte: FAPESP,
1998.
A completa integração entre os critérios “extra-estéticos” e os outros
fundados em “valores puramente plásticos” na exposição Opinião 65
aconteceram pelo contexto muito específico da época, de uma vontade
artística nacional. Mário Pedrosa apontou o show Opinião e o filme
“Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha, como partes desse
contexto pelo qual emergiram todos os seus artistas um meio social
comum por igual convulsionado, por igual motivado. Assim, um outro
Brasil, mostrado através dos “valores puramente plásticos” de uma
jovem produção das artes plásticas, revela-se através do uso de
símbolos (Antonio Dias), de representações coletivas míticas (Rubens
Gerchman e Carlos Vergara), do abandono de um expressionismo muito
presente na arte brasileira (Rubens Gerchman), de uma narratividade
visual (Carlos Vergara) e pela ação ambiental (Hélio Oiticica).
46
É apresentação dos Parangolés (1964) desenvolvidos por Hélio Oiticica, e
chamadas acima por Mário Pedrosa de ação ambiental, que vai interessar para
esse estudo da arte de ação no país. Era a primeira vez que o artista levava o
trabalho à apreciação do público, gerando uma apresentação bastante polêmica.
O artista desceu o morro da Mangueira, juntamente com seus amigos locais,
dançando, tocando samba e vestindo os Parangolés. O choque foi inevitável, bem
como o impedimento de toda aquela gente de entrar no MAM. Porém a
apresentação continuou a acontecer do lado de fora do prédio e teve a adesão de
todos os presentes na abertura. Como conta Wally Salomão:
O ‘Amigo da Onça’ apareceu para bagunçar o coreto: lio Oiticica,
sôfrego e ágil, com sua legião de hunos. Ele estava programado, mas
não daquela forma bárbara que chegou, trazendo não apenas seus
PARANGOLÉS, mas conduzindo um cortejo que mais parecia uma
congada feérica com suas tendas, estandartes e capas. Que falta de
boas-maneiras! Os passistas da Escola de Samba Mangueira, Mosquito
(mascote do Parangolé), Miro, Tineca, Rose, o pessoal da ala “Vê se
entende”, todos gozando para valer o apronto que promoviam, gente
inesperada e sem convite, sem terno e sem gravata, sem lenço nem
documentos, olhos esbugalhados e prazerosos, entrando pelo MAM
adentro. Uma evidente atividade de subversão de valores e
comportamentos. Barrados no baile. Impedidos de entrar. Hélio, bravo
no revertério, disparava seu fornido arsenal de palavrões.
47
A polêmica causada por Oiticica na abertura da “Opinião 65” acabou tendo
como conseqüência a censura da polícia em relação à obra
48
. Pode-se notar que
46
REIS, Paulo Roberto de Oliveira. Exposição de Arte vanguarda e política entre os anos de 1965 e 1970.
Disponível em: http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/1884/2397/1/tese.pdf. Acesso em: 2006.
47
SALOMÃO, Waly. Op.cit.p.59.
48
JUSTINO, Maria José. Seja marginal, seja herói: modernidade e pós-modernidade em Hélio Oiticica.
Curitiba: Ed. da UFPR, 1998. p.51
existe um caráter subversivo nos Parangolés de Oiticica, e mesmo em sua
atuação na exposição. De um lado tem-se a chegada do povo ao museu, fazendo
barulho, fazendo festa, prontamente barrados. Isso coloca em discussão o próprio
papel da arte como agente socializador: como fazer com que arte comunique-se
com o povo e que este se identifique com esta? A arte deve ser apreciada por
um grupo seleto de pessoas capazes de entender o que ela tem a dizer? Por outro
lado tem-se a discussão do real papel do espaço institucionalizado do museu e
também do conceito de exposição, que para ele “ou nós modificamos, ou
continuamos na mesma”
49
.
49
OITICICA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. p.79
Imagem 6: Hélio Oiticica: Nildo da Mangueira vestido Parangolé
P4 Capa 1. Disponível em:
<http://www.digestivocultural.com/colunistas/imprimir.asp?codi
go=856>. Acesso em: 2007
Dessa forma, a arte de ação pode, de modo lúdico levantar discussões
sérias à cerca diversas questões. No caso desta apresentação não a arte foi
colocada em xeque, mas também como as pessoas se comportam diante de
manifestações realizadas por pessoas não pertencentes ao seu meio. Desse
modo, de uma maneira lúdica, o artista tirou o espectador da confortável posição
de apenas apreciador da obra de arte, instigando-o a participar e a agir.
1.5 – Grupo Rex.
Fundado em 1966, a atuação do Grupo Rex foi bastante significativa no
cenário artístico brasileiro, em especial, no paulistano. Irreverentes, abriram um
espaço alternativo de discussão sobre artes, a Rex Gallery & Sons, com palestras,
exposições, filmes, happenings, de modo a discutir as possibilidades que a arte
daquele tempo oferecia aos artistas e público.
Também publicaram o Rex Time, periódico que tinha como objetivo, de
forma bem humorada e irônica, despertar questionamentos em relação ao
mercado de arte, à crítica de arte, e todo o debate sobre a situação das
vanguardas no país.
Wesley Duke Lee (1931-), Geraldo de Barros (1923-1998), Nelson Leirner,
José Resende (1945-), Frederico Nasser (1945-), Carlos Fajardo (1941-), Tereza
Nazar (1933-2001), Thomas Souto Corrêa e Nicolas Vlavianos (1929-) formaram
inicialmente o grupo, e em seu baile de estréia, declararam “guerra ao mercado de
arte, à crítica dominante nos jornais, aos museus, às bienais e ao próprio objeto
artístico, reduzido segundo eles, à condição de mercadoria”.
50
Para o Grupo Rex, as ações mais significativas ocorridas no Brasil
começaram antes mesmo de Flávio de Carvalho:
50
GRUPO REX. Disponível em :
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=marcos_texto&cd_verbete
=880&lst_palavras=&cd_idioma=28555&cd_item=10. Acesso em: 2007.
Imagem 7: Jornal Rex Time. Disponível em:
http://www.mac.usp.br/projetos/seculoxx/modulo4/rex/intro.html. Acesso
em : 2007.
Os acontecimentos são por ordem cronológica:
1º Caramuru (Boom)
2º Bispo Sardinha (nhãm-nhãm)
3º D. Pedro I (Independência ou Morte)
e Flávio de Carvalho (clarabóia da cozinha da Leiteria Campo
Bello, e a Travessia do Viaduto do Chá)
51
.
Outro ponto levantado é que, para o grupo, o primeiro happening a ser
realizado no Brasil foi de autoria de Wesley Duke Lee, em 1961:
Os Realistas mágicos, encabeçados por Wesley Duke Lee, realizaram o
dia 24 de outubro de 1961 o 6º acontecimento que pode ser considerado
o primeiro happening do Brasil, no João Batista Bar. Consistiu numa
exposição das ligas de Wesley, na escuridão daquele bar, por terem sido
rejeitadas em galerias de arte da época, sendo consideradas
obscenidades e, portanto, atentado ao pudor. Houve um monumental e
memorial show que contou com a presença dos realistas: Wesley, Lenita
e Oliver, Otto Stupakoff, Capitão Fantasma, Ma Cecília Gismondi,
Eugênio Hirsch e Babalu, Lídia, Ponona e Cachorro e o Corpo de
Bombeiros de São Paulo que participou valorosamente, tentando impedir
a realização do show”.
52
Infelizmente a atuação do Grupo Rex na cena artística brasileira durou
pouco. Tendo iniciado suas atividades em junho de 1966, anunciam o seu término
já em maio de 1967, com o texto Rex Kaput e a Exposição Não-Exposição.
O texto criticou especialmente a falta de entendimento e de abertura às
novas possibilidades de pesquisa em artes pelos críticos paulistanos e também do
público. Aponta um histórico da fundação do grupo, elencando os fatos que
fizeram com que os artistas se reunissem, como por exemplo, o primeiro
happening de Duke Lee e a retirada do trabalho de Décio Bar pelo diretor da
FAAP, da Exposição Proposta 65, por questões políticas, o que fez com que
Leirner, Geraldo de Barros e Duke Lee saíssem da exposição em forma de
protesto e solidariedade ao artista.
Fazem um balanço de toda a programação e exposições da Galeria Rex, e
colocam claramente a tentativa de educar o público para as novas propostas
internacionais, com a apresentação de filmes, documentários, discussões sobre a
51
FERREIRA, Glória (org). Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas. FUNARTE: Rio de Janeiro,
2006. p.152 .
52
Idem. p. 152.
situação das vanguardas brasileiras, e exposições retrospectivas dos artistas do
grupo. E apresentam seus motivos para a sua dissolução repentina :
1º - Dificuldades financeiras como demonstra o balanço anexo.
- Escassez de público, provavelmente por causa da insuficiente
cobertura dos meios de divulgação especializados durante as várias
manifestações.
- Situação financeira anormal que atravessa o País, que reduziu a
níveis ínfimos as compras de obra de arte.
53
Assim, no dia 25 de maio de 1967, aconteceu o happening Exposição Não-
Exposição de Nelson Leirner, marcando o final dos trabalhos do Grupo Rex.
Anunciado pela imprensa, em seu convite o artista chamava o público a enfrentar
os obstáculos e levar gratuitamente obras de sua autoria, quantas pudessem
arrancar da parede. Para tanto esses trabalhos foram instaladas com “barras de
ferro, blocos de cimento armado, grossas correntes e cadeados”
54
, e que mesmo
com todas essas dificuldades foram arrancados em apenas 8 minutos. Um público
grande compareceu ao local e também houve a intervenção da polícia. Desse
modo, a Exposição-Não Exposição de Nelson Leirner coloca como a arte pode ser
democrática, não se prendendo a nenhuma questão mercadológica.
Com esse happening e o texto Rex Kaput, o Grupo Rex encerra suas
atividades no contexto artístico daquela época. Irreverentes, irônicos e críticos,
suas ações contribuíram, mesmo num curto espaço de tempo, para o
levantamento de questões de extrema importância para o contexto artístico da
época, especialmente no que concerne à rigidez da crítica de arte brasileira em
aceitar as novas formas de expressão possibilitadas pelas linguagens daquele
contexto, e também ao mercado de arte.
1.6. Do Corpo à Terra.
53
FERREIRA, Glória. Op. Cit. p.155.
54
PELEGRINI, Ana Cláudia. Introdução ao Rex. Disponível em:
http://www.mac.usp.br/projetos/seculoxx/modulo4/rex/intro.html. Acesso em: 2007
Realizada em abril de 1970, a exposição Do Corpo à Terra, com curadoria
do crítico Frederico Morais, constituiu-se num marco tanto da arte brasileira,
quanto da contestação contra o regime militar instaurado em 1964.
Atrelada à exposição Objetos e Participação, no Palácio das Artes de Belo
Horizonte, o crítico foi convidado por Mari’Stella Tristão, diretora da instituição na
época. Nestas duas exposições Frederico Morais procurou conciliar duas
configurações de apresentações das obras: uma no espaço institucionalizado do
museu, outra, no Parque Municipal da capital mineira, onde os artistas
desenvolveriam seus trabalhos naquele local.
Do Corpo à Terra acabou por se caracterizar como um grande happening, o
qual ninguém pode captar a totalidade final das obras apresentadas, pois estas
estavam em desenvolvimento a todo momento, enfrentando as condições de
tempo, de espaço, de público, e até a intervenção da polícia. De acordo com
Frederico Morais:
Foram vários os aspectos inovadores em ambos os eventos, a saber: 1
pela primeira vez, no Brasil, artistas eram convidados não para expor
obras concluídas, mas para criar seus trabalhos diretamente no local,
e para tanto, receberam passagem e hospedagem e, juntamente com os
artistas mineiros, uma ajuda de custo; 2 – se no Palácio houve um
vernissage com hora marcada, no Parque os trabalhos se
desenvolveram em locais e horários diferentes, o que significa dizer que
ninguém, inclusive os artistas e o curador, presenciou a totalidade das
manifestações individuais; 3 os trabalhos realizados no Parque
permanecem até sua destruição, acentuando o caráter efêmero das
propostas; 4 a divulgação foi feita por meio de volantes, distribuídos
nas ruas e avenidas de Belo Horizonte, bem como nos cinemas, teatros
e estádios de futebol, tal como já ocorrera com Arte no Aterro”.
55
Também defendia uma participação mais ativa do crítico de arte. Para
Frederico Morais, o crítico de arte não deveria mais ser aquele que apenas
observa a obra de arte acabada e apresentada, se sim ele próprio fazer parte do
desenvolvimento do trabalho artístico, apoiando o artista, bem como produzindo
arte. Ancorado numa visão de guerrilha artística, influenciada por Décio Pignatari,
apostava na radicalidade dos trabalhos.
Diante de todos os fatos ocorridos depois da promulgação do Ato
Institucional N.º5, em dezembro de 1978, como o acirramento da censura, as
55
FERREIRA, Glória. Op. Cit. p.196.
prisões e torturas, e a violência dos militares em relação as manifestações contra
o regime, restaria a arte se tornar guerrilheira a fim de contestar não a
ditadura, mas também o meio artístico do país. Como bem ensina Pignatari:
Nada mais parecido com a guerrilha do que o processo da vanguarda
artística consciente de si mesma. Na guerrilha, tudo é vanguarda e todos
os guerrilheiros são vanguardeiros. E cada mosquito. E cada árvore. E
cada gesto. a guerrilha é de fato total (excluindo-se a atômica...).
Constelação da liberdade sempre se formando.
56
A radicalidade dos trabalhos foi de certa forma autorizada pela Hidrominas,
patrocinadora do evento, e empresa de turismo do estado de Minas Gerais
57
. Com
uma carta com a autorização para a execução trabalhos no Parque Municipal e no
Palácio das Artes, os artistas tiveram a liberdade necessária para desenvolverem
suas idéias. Como a maioria dos artistas optou por uma arte de cunho efêmero,
puderam mostrar sua tomada de posição contra o regime, inserindo esse discurso
dentro de seus trabalhos.
Uma das obras mais conhecidas foi Tiradentes: totem-monumento aos
presos políticos de Cildo Meireles (1948-), apresentada no dia 21 de abril, onde
queimou dez galinhas vivas presas em um poste, numa alusão direta à tortura e
as prisões arbitrárias feitas pelo regime.
Outro trabalho foi a Situação T/T1 de Artur Barrio (1946-), constituída por
“trouxas ensangüentadas” que foram atiradas no Ribeirão do Arrudas, localizado
na periferia de Belo Horizonte, as quais chamou a atenção do público que acionou
o corpo de bombeiros e a polícia para ver do que se tratava. De acordo com Paulo
Roberto de Oliveira Reis:
Certamente associadas às trouxas, simbolizadas como restos ou
fragmentos de seres humanos, elas foram imediatamente ligadas a um
possível massacre, grupo de extermínio ou à tortura política. Ao ligar
uma parte menos nobre da cidade, um rio escoadouro de esgoto, a
massacres e tortura política (censurada na imprensa), Barrio trouxe e
deu visibilidade a um fato social e político dado, literalmente, nas
margens. Ao trabalhar anonimamente (única maneira possível), Barrio
criou também um fato na mídia e no cotidiano da cidade, que extrapolou
a vigilância da censura.
58
56
PIGNATARI, Décio. Contracomunicação. 3º ed. rev. Cotia: Ateliê Editorial, 2004. p.196.
57
FERREIRA, Glória. Op. Cit. p.195.
58
REIS, Paulo Roberto de Oliveira. Op. Cit; p. 194.
Assim, Do Corpo à Terra constituiu-se num grande happening, onde os
artistas, apoiados oficialmente, utilizaram esse apoio como estratégia de
subversão ao regime político vigente, bem como buscaram discutir o papel do
objeto de arte, da crítica e do espaço institucionalizado do museu, buscando a
participação do público em algumas obras, bem como chamando a atenção deste
para a situação de opressão que o país se encontrava.
1.7. Jovem Arte Contemporânea.
O Museu de Arte Contemporânea da Universidade São Paulo foi fundado
em abril de 1963, pelo advento da doação do acervo do Museu de Arte Moderna
de São Paulo, que antes pertenceu a Ciccillo Matarazzo.
Walter Zanini foi incumbido de organizar o acervo doado ao MAC, e desde
o início, procurou fazer com que o espaço tivesse inúmeras atividades que fosse
além de guardar obras de arte, buscando fazer uma ponte com as artes
Imagem 8: Artur Barrio. Situação T/T,1. Trouxas ensangüentadas. Disponível em:
http://www.artenauniversidade.ufpr.br/muvi/artistas/a/artur_barrio/artur_barrio.htm. Acesso em :
2007
produzidas naquele contexto histórico. Para tanto o MAC organizava debates,
palestras, apresentações, e ainda a abriu seu espaço não apenas para as artes
plásticas, mas também para a música e o teatro, se constituindo num lugar aberto
às questões artísticas.
Uma das maneiras para dialogar com a arte daquele momento foi a
organização de exposições que procuravam atrair os jovens artistas brasileiros,
quais sejam: Jovem Desenho Nacional, Jovem Gravura Nacional , e a partir de
1967, a Jovem Arte Contemporânea, conhecida como JACs. Todas essas
exposições foram primeiramente destinadas a artistas brasileiros de até 33 anos,
em que estes passavam por um processo de seleção e ganhavam prêmios para
ajudar no desenvolvimento de seus projetos artísticos.
As JACs ganham importância no contexto artístico brasileiro por divulgarem
e reconhecerem a arte conceitual e desmaterializada naquela época, que por não
produzirem necessariamente um objeto de arte vendável muitas das vezes o
encontrava espaço em museus e galerias.
Porém, nas primeiras mostras das JACs nem todos os trabalhos
apresentados romperam com os antigos padrões artísticos. Para tanto, suas
apresentações e mesmo o trabalho de curadoria se mostravam de certa forma
tradicionais, como bem demonstra Daria Jaremtchuk:
Neste percurso, pretendeu-se mostrar que as JACs foram sensíveis às
produções dos jovens artistas dos anos 60. Porém, os trabalhos em
geral pouco romperam com as formas artísitcas tradicionais. Para estas
produções, as JACs mntiveram a mesma estrurura de exposição, em
que gravuras, desenhos, esculturas, pinturas e objetos eram
selecionados e premiados sob parâmetros formais. No entanto, a partir
da V JAC, os critérios estéticos calcados na forma do objeto estético
passaram a ser colocados em cheque. A arte apresentada pelos artistas
estava se desmaterializando.
59
Assim, a partir da V JAC, em 1971, foram apresentados trabalhos
experimentais como intervenções e ambientes, colocando o museu aberto a essas
possibilidades, que foram de grande importância para as próximas mostras. Não
se podia mais deixar de lado a arte desmaterializada e as experimentações longe
59
JAREMTCHUK, Daria. Jovem Arte Contemporânea no MAC da USP. Dissertação de mestrado. São
Paulo: USP, 1999. p.44.
do espaço do museu, e o MAC optou por reconhecer esses trabalhos, mesmo
porque “as linguagens experimentais significavam para os conservadores um
exercício e não uma atividade artística em si”
60
.
Desse modo, os organizadores das VI Jovem Arte Contemporânea,
ocorrida em 1972, perceberam que não poderiam mais selecionar as obras
através dos esquemas tradicionais de arte como pintura, escultura, desenho e
gravura, por exemplo. Precisariam, portanto, inovar também nesse sentido, de
modo a fazer com que a seleção de happenings, performances, ambientes,
objetos, entre outros se desse da forma mais democrática possível.
O primeiro ponto modificado foi a abolição dos júris que selecionavam os
trabalhos, organizando para isso uma comissão. A seleção dos artistas se deu
pelo sorteio de lotes – 84 no total dentro do museu, que este não comportaria
o número de inscritos, que não tiveram que seguir nenhum pré-requisito, como o
da idade e nacionalidade como ocorreu nas outras edições das JACs. Isso foi uma
abertura bastante importante para essa mostra, pois foi levado em consideração
que independente da idade, qualquer um poderia fazer uma arte que dialogasse
com seu tempo, sendo essa pessoa brasileira ou não, ou tratando de aspectos do
país ou não. Os artistas que não foram sorteados acabaram contando com a
solidariedade daqueles que entraram na mostra, ou seja, foram cedidos e trocados
espaços a fim de que todos pudessem participar.
Foi uma mostra em que se viu uma total liberdade de execução, como
explicita Walter Zanini:
Não se tratava de uma exposição para ser vista em cinco minutos ou
numa noite solene de inauguração; era um tipo de manifestação para ser
acompanhada na sua vivência, no seu crescimento diário, no diálogo de
uns e outros, na procura da compreensão de cada atitude, de cada
comunicação, por mais hermética ou ingênua que se revelasse, no
entendimento dos seus resultados ou frustrações.
61
Diante das mudanças da IV Jovem Arte Contemporânea, sua sétima edição
também deveria trazer algumas mudanças. Um ponto introduzido nessa nova
exposição seria sua divisão em duas etapas: uma de 20 de novembro a 10 de
60
JAREMTCHUK, Daria. Op. Cit. p.76.
61
Idem p.80.
dezembro de 1973, que contou com a participação de vários artistas estrangeiros,
e outra que deveria ocorrer em 1974. Porém o MAC não conseguiu estrutura
suficiente para fazer com que a segunda mostra acontecesse.
A VIII JAC, em 1974, não utilizou dessa divisão, apresentando-se como
uma mostra anual. Porém aqui se notava o desgaste dessa mostra, que se
encerrou com essa última apresentação. No catálogo desta exposição, Walter
Zanini aponta alguns problemas para esse desgaste, especialmente em relação
ao desenvolvimento da arte conceitual no país:
Uma arte por excelência das relações humanas? Todavia, por ora e
tão fortemente no Brasil - sua prática é o da inevitável minoria, no
sentido do artista e naturalmente mais ainda no sentido do blico. O
panorama ao largo é o do comportamento acadêmico dos artistas, muita
indiferença a problemas próprios desta parte do mundo, os salões
convencionais e suas distribuições de prêmios, o comodismo das
instituições, a ausência da critica e até mesmo da cobertura
jornalística.
62
Portanto, mesmo perdendo força em meados da década de 1970, as JACs
foram de suma importância para o reconhecimento de uma arte experimental no
Brasil. A busca por descobrir a produção de novos artistas ajudou a aprofundar as
pesquisas artísticas dentro desse novo campo expandido de possibilidades que a
arte começou a explorar depois da Segunda Guerra, e que era visto por muitos
críticos conservadores no Brasil como apenas experiências ou brincadeiras.
1.8. A I Bienal Latino Americana.
A criação da Bienal de São Paulo foi um marco no campo artístico
brasileiro. Idealizada por Francisco Matarazzo Sobrinho, e em seu início atrelada
ao MAM de São Paulo, foi inaugurada em 20 de outubro de 1951, sob o nome de I
Bienal do Museu de Arte Moderna
63
.
Tomando como exemplo a Bienal de Veneza, seus organizadores
trouxeram à cidade de São Paulo um panorama da produção artística
62
PECCININI, Daisy Valle Machado (coord). Arte novos meios/multimeios – Brasil 70/80. São Paulo:
Fundação Armando Álvares Penteado, 1985. p.67.
63
ALAMBERT, Francisco. CANHÊTE, Polyana. Bienais de São Paulo. São Paulo: Boitempo, 2004, p.40.
internacional daquele momento, o que contribuiu para que muitos artistas que
nunca haviam ido ao exterior pudessem ver de perto obras de grandes artistas do
modernismo internacional.
Este acontecimento teve conseqüências na arte brasileira, em especial por
apresentar as tendências construtivas e abstratas da arte internacional,
influenciando o surgimento dos grupos concretistas Frente (RJ) e Ruptura (SP). E
a cada edição da Bienal de o Paulo novas discussões eram colocadas em
pauta, tanto em relação às tendências artísticas apresentadas, quanto em relação
a sua organização, diretoria, escolha de artistas entre outras questões. E essas
discussões contribuíam ainda mais as transformações das artes visuais do país.
Como bem explicita Francisco Alembert e Polyana Canhête, sobre as discussões
que movimentavam o cenário artístico da década de 1950:
No campo do debate entre a esquerda e a direita (ou, mais
precisamente, daquilo que se considerava arte progressista ou não),
havia uma subdivisão que opunha os defensores do abstracionismo
informal, ou tachismo (como preferia Mário Pedrosa). A questão ia além
de paradigmas estéticos, dizia respeito ao “controle ideológico em clima
de guerra fria”. O construtivismo geométrico tomou força não apenas no
Brasil, mas também na Argentina, no Uruguai, na Venezuela e na
Colômbia, pautado na idéia de que os pressupostos construtivos seriam
adequados e necessários às sociedades em desenvolvimento. Por outro
lado, “o abstracionismo informal, cujo carro-chefe era a pintura gestual
de Pollock, promovida pelo MoMA sob as bênçãos do Departamento de
Estado americano, foi apresentado como a mais legítima expressão de
liberdade individual, alheia a qualquer constrangimento social ou político.
Aos olhos da esquerda isso não passava de uma arte alienada e
alienante. Não para toda esquerda, é claro.
64
A Bienal do Museu de Arte Moderna se tornou tão grande que em 1961,
esta se separa deste e passa a funcionar como uma fundação. Isso contribuiu até
mesmo para o abandono do MAM, que antes dessa separação, via toda a sua
verba destinada apenas para a organização das Bienais, o que culminou mais
tarde com a doação do seu acervo para a Universidade de São Paulo,
possibilitando a criação do Museu de Arte Contemporânea da USP, em 1963.
Uma das crises mais graves que a Fundação Bienal enfrentou foi na
ocasião de sua décima edição, em 1969, em detrimento de um boicote organizado
por artistas e críticos do mundo todo. O país estava sob o regime do AI-5, e,
64
ALAMBERT, Francisco. CANHÊTE, Polyana. Op. Cit. p. 45.
portanto, num dos momentos de mais repressão aos direitos e liberdades
individuais, e por isso mesmo, o campo cultural sofria as várias e pesadas
intervenções da censura.
Esse boicote teve como líder direto o crítico Mario Pedrosa, que já se
encontrava exilado na Europa, e por isso, conseguiu levantar uma campanha em
conseguindo a adesão de diversos países para boicotar a X Bienal de São Paulo.
Alguns eventos contribuíram para o inicio desta campanha: o fechamento
da II Bienal da Bahia, em 1968; a prisão e exílio de as personalidades do campo
artístico; e o fechamento da exposição no MAM do Rio de Janeiro que
apresentava os jovens artistas que foram selecionados para representarem o
Brasil na VI Bienal de Paris, em 1969, e que contou com o protesto severo da
ABCA (Associação Brasileira de Críticos de Arte) então presidida por Mario
Pedrosa.
Esses acontecimentos, em especial o fechamento da exposição do MAM-
RJ, teve grande repercussão, gerando uma organização internacional para o
boicote desta edição da Bienal, começando pela França, com apoio do crítico
Pierre Restany (1930-2003), e ganhando a adesão de vários países como Estados
Unidos, Suécia, Holanda, Argentina, México, e de artistas consagrados que
recusaram mandar seus trabalhos para a exposição. Isso gerou um mal estar no
governo militar da época:
(...) Talvez pela primeira vez um grande grupo de artistas plásticos tenha
conseguido se organizar a ponto de colocar o governo militar na
defensiva. O ministro das Relações Exteriores, José Magalhães Pinto,
teve de vir a blico, em um artigo publicado pela Folha de S.Paulo,
para “justificar” que as obras proibidas de ir a Paris continham
“mensagens contra o regime e pretendiam incompatibilizar o governo
com a opinião pública. Quando pedimos ao MAM para fazer a seleção
não imaginávamos que os quadros e as fotografias pretendessem
transmitir ideologias, ao invés de se limitarem a ser obras de arte”. Mas
já não havia como voltar atrás
65
.
Essa edição apresentava uma Bienal em crise. Como aponta Frederico
Morais, “a bienal paulista em franco declínio desde a década passada não
conseguiu mais despertar a atenção de artistas importantes”
66
. Porém, mesmo
65
ALAMBERT, Francisco. CANHÊTE, Polyana. Op. cit. p.124.
66
MORAIS, Frederico. Op. Cit. p, 102.
com todos os problemas, em especial por decorrência da censura imposta pelo
governo, ainda assim, buscou contorná-los, até mesmo com a criação de bienais
nacionais, na busca por artistas brasileiros que representariam o país nas edições
internacionais. E foram nestas bienais nacionais que a idéia de uma bienal latino-
americana, antiga vontade de Ciccillo Matarazzo, começou a ser formada e que
teve sua primeira e única edição em 1978.
A I Bienal Latino-americana foi inaugurada no dia 02 de novembro de 1978,
e aberta à visitação publica de 3 de novembro a 17 de dezembro do mesmo ano.
Contou com a curadoria do crítico Juan Acha, e organização do Conselho de Arte
e Cultura, do qual faziam parte Jakob Klintowitz, Leopoldo Raimo (1912-), Marc
Berkowitz, Maria Bonomi (1935-) e Yolanda Mohalyi (1909-1978). Tinha a intenção
de integrar os países latino-americanos, e levantar discussões à cerca da cultura
desenvolvida por estes. No próprio texto do catálogo dessa bienal, essa vontade já
se encontrava explicita:
A Fundação Bienal de São Paulo deseja com a criação das Bienais
Latino Americanas um ponto de encontro e a possibilidade de – em
conjunto pesquisarem, debaterem e, se possível, estabelecerem o que
se poderá chamar de arte latino americana. Ao mesmo tempo os
artistas, críticos e intelectuais em geral, dos outros continentes serão
atraídos por esta manifestação e terão oportunidade de participar
ativamente do desenvolvimento cultural da América Latina.
67
Como não poderia deixar de acontecer, essa a I Bienal Latino-americana
levantou vários pontos de divergências. Um deles foi em relação ao número de
países participantes, e até a acusação de favorecimento de alguns países em
detrimento de outros. Os países participantes foram: Argentina, Bolívia, Brasil,
Chile, Colômbia, El Salvador, Equador, Honduras, México, Paraguai, Peru,
República Dominicana e Uruguai. Alguns críticos acusaram a Bienal de favorecer
as delegações do Brasil, da Argentina e do México, deixando de lado países como
a Venezuela, por exemplo:
(...) Ali as opiniões se polarizavam como vinha acontecendo desde
antes, quando o projeto era acusado de ser “xenófobo”, “nacionalista” e
até mesmo partidário de certo arianismo artístico”. A influente crítica
Marta Traba chegou a acusar a direção da Bienal de “racista”, na medida
em que a mostra não fez justiça a países “riquíssimos em mitos e
67
FUNDAÇÃO DA BIENAL DE SÃO PAULO. I Bienal Latino Americana de São Paulo. Catálogo de
Exposição. P.19.
magias” que estavam ausentes, bem como dedicou aos países menos
importantes” uma apresentação desorganizada e minúscula, ao contrario
que seria dado ao Brasil, Argentina e México.
68
O tema da I Bienal Latino-americana foi Mitos e Magias, distinguindo quatro
manifestações: a indígena, a africana, a euro-asiática, e a mestiça. Além das
obras, também foi organizado um simpósio com a apresentação de comunicados,
publicados em dois volumes. Assim, os organizadores buscaram travar discussões
a cerca do tema apresentado, além de tentar criar a possibilidade de outras
edições desta bienal. Como bem explicita o catálogo desta:
A I Bienal Latino-Americana surgiu com a intenção de indagar acerca do
comportamento visual, social e artístico dessa região imensa do
Continente Americano, procurar seus denominadores comuns e
instaurar a preocupação pela pesquisa e análise, com a finalidade de
reconhecer nossas identidades e potencialidades. O Conselho de Arte e
Cultura, responsável pela programação cultural da Fundação Bienal de
São Paulo, com o apoio da Diretoria e dos poderes públicos da Nação,
propôs, depois de ouvidos especialistas das diversas áreas: sociologia,
antropologia, psicologia, música, teatro, dança, críticos de Arte, entre
outros; “MITOS E MAGIA” como fio condutor desse primeiro evento. A
proposta fundamental “MITOS E MAGIA” nasceu, assim, da
necessidade de redescobrirmos nossas origens, discutirmos as
possíveis deformações inseridas em nossas culturas por outras
dominadoras e dominantes, seja pela força, seja por processos
econômicos. A América Latina é muito jovem ainda, mas caminha a
passos largos para sua maturidade, daí essa necessidade de
retomarmos velhas sendas esquecidas, propostas perdidas no tempo e
no espaço histórico que, infelizmente, não nos foi permitido trilhar em
tempos remotos.
69
Enfim, a proposta de uma bienal que abarcasse a produção latino
americana não era uma idéia ruim, especialmente por poder proporcionar o
encontro de artistas e críticos deste continente, fazendo com que pudessem
descobrir a cultura de cada um dos países participantes, que por mais que
estivessem localizados num mesmo espaço, ainda assim a falta de comunicação
entre os mesmo era grande. Infelizmente as criticas negativas foram muito
maiores, mostrando até mesmo a decadência da Fundação Bienal. Como bem
coloca Aracy Amaral:
Infelizmente, a Bienal de São Paulo queimou de saída uma iniciativa que
se asseverava como uma das mais importantes desde sua fundação. Ao
contrário, continuou a agir de acordo com a improvisação e a falta de
68
ALAMBERT, Francisco. CANHÊTE, Polyana. Op. cit, p.152.
69
FUNDAÇÂO BIENAL DE SÃO PAULO. Op. Cit, p.20.
profissionalismo que tem pautado sua ‘performance’ nos últimos anos.
Tão deficiente se mostrou o Conselho de Arte e Cultura em relação a
problemática da arte latino-americana que, mesmo depois da vinda de
Juan Acha, que os assessorou para a conceituação do tema, foi preciso
ainda apelar para sessenta (e depois para ainda mais quatro)
personalidades das mais diversas áreas, para aconselhar o dito
Conselho a como executar a Bienal Latino-Americana: uma
conseqüência da ausência total de autocrítica, ao mesmo tempo que um
atestado de incompetência que esse mesmo Conselho passou...(...) A
falta de nexo não importa muito, nem a didática parece ser necessária.
Afinal, a Bienal Latino-Americana o é para os latino-americanos mas
parece ser sobre a América Latina. E talvez, na verdade, o evento,
conforme a tradição, não objetive o consumo interno, a comunicação
dentro do continente, mas se destine à exportação, isto é, à observação
dentro de europeus e americanos que virão para um acontecimento,
esperam eles, pleno de exotismo.
70
Assim, infelizmente a I Bienal Latino-americana acabou por colocar em
evidência os problemas da Fundação Bienal, e ainda, ressaltou a falta de
comunicação que os países latino-americanos tem entre eles. Porém mesmo
assim, foi uma iniciativa válida, pois tentou colocar em discussão, pela primeira
vez, a cultura desses países, apontando, dessa forma, suas diferenças e
semelhanças.
E é dentro desse contexto histórico que o Mitos Vadios se insere: num
momento em que o país começa a respirar um pouco de liberdade, visto que o AI-
5 é revogado no mesmo ano, e dentro de um cenário em que as possibilidades em
arte são expandidas, tanto em relação aos materiais usados, quanto nas novas
linguagens que surgem depois da década de 1970.
Visto ainda que a partir da década de 1970, São Paulo se torna o centro
cultural do país, pelo aquecimento de seu mercado de arte, e também pelos
espaços abertos a experimentações, o Mitos Vadios encontra seu espaço perfeito,
na rua Augusta, para um dia de exercício de liberdade artística.
70
AMARAL, Aracy A. Arte e meio artístico: entre a feijoada e o x-burguer. São Paulo: Nobel, 1983, p.300.
Capítulo II
A alternativa de uma arte vadia: a base de um mito.
O Mitos Vadios foi um acontecimento que contou com uma grande
divulgação, que vai desde panfletos distribuídos por estudantes em esquinas, até
notas e entrevistas inteiras nos principais jornais de São Paulo. Mas antes mesmo
dessa intensa divulgação nos meios jornalísticos e do “boca a boca” dos
estudantes, seu organizador, Ivald Granato, distribuiu convites aos artistas,
chamando-os para esse dia de liberdade criativa.
Este capítulo buscará analisar o Mitos Vadios através da coleta de
fotografias e recortes de jornais
71
encontrados no acervo pessoal do artista
plástico Ivald Granato, além de entrevistas
72
realizadas com o próprio organizador
do evento e com os artistas Anna Maria Maiolino (1942-), Artur Barrio, Regina
Vater (1943-), Gabriel Borba (1942-) e Genilson Soares (1940-). Também serão
utilizadas algumas imagens de documentos que constam no site do Programa
Hélio Oiticica do Instituto Itaú Cultural.
Por esse material pode-se entender como a base do evento foi organizada,
como surgiu a adesão de tantos artistas, conhecidos ou não, e especialmente,
como os jornais e críticos divulgaram e receberam essa proposta de um domingo
de liberdade de criação, tanto para artistas, quanto para público.
71
Os artigos organizados por Ivald Granato estão dispostos em papelões de 56 cm x 40 cm, formando uma
espécie de pasta. Alguns não apresentam data, nome do jornal do qual foram retirados ou até mesmo o nome
do jornalista que escreveu sobre o evento. Os jornais que se destacam são: Folha de São Paulo, Jornal da
Tarde, Tribuna da Imprensa, Gazeta de Pinheiros, Diário de São Paulo.
72
As entrevistas se encontram em Anexo, bem como o roteiro de perguntas. Foram feitas as mesmas
perguntas a todos os artistas, menos a Ivald Granato.
De acordo com os artigos jornalísticos coletados, o Mitos Vadios começou a
acontecer antes mesmo da data marcada. Granato, para promovê-lo, contratou
moças e rapazes através da sua Granato´s Production, que seria a sua
produtora de eventos para noticiar pela cidade, através de faixas e da
distribuição de filipetas (como os “santinhos” distribuídos em época de eleição)
com o dia, o horário e local do evento. Esses jovens eram estudantes da Escola
de Comunicação e Artes da USP, ou participantes de grupos de teatro amador,
fazendo toda a divulgação sem cobrar pelo serviço
73
. Também utilizou cartazes
com os nomes dos principais participantes.
Mas, antes da divulgação ao público, a base do evento surge com o convite
feito aos artistas, que da mesma forma, partiu da Granato´s Production, e também
dos próprios artistas convidados, que convidaram outros para participar. No caso
de Artur Barrio, Gabriel Borba, Genilson Soares e Regina Vater, o convite partiu
do próprio Granato. Já Anna Maria Maiolino, como ela mesma especifica: “A
73
LEITÃO, Marcellus. Artistas vão vadiar, contra a Bienal. Anexo I.
Imagem 9: Imagem da organização dos recortes de jornais, na residência
do artista Ivald Granato. Reprodução Fotográfica: Arethusa de Paula,
2006.
artista Regina Vater me convidou em seu nome e no nome de Hélio Oiticica,
explicando-me que o evento estava sendo composto por adesões”
74
.
Verifica-se, portanto, que a adesão dos artistas ao evento também
aconteceu com uma certa liberdade, visto que agregou artistas do circuito Rio -
São Paulo, e também pessoas de diversas áreas artísticas, além de participantes
da I Bienal Latino-americana, como Ubirajara Ribeiro e Alfredo Portillos.
Não é possível fazer uma lista completa dos artistas participantes, visto que
vários deles não eram conhecidos. Mas coletando nomes tanto em jornais, quanto
em entrevistas, pode-se colocar da forma mais completa possível os seguintes
nomes: Gabriel Borba (1942-), Artur Barrio, Maurício Friedman (1937-), Cláudio
Tozzi (1944-), Hélio Oiticica, Lfer (Luis Fernando Guimarães), Antônio Dias(1944-),
Sérgio Regis,Ubirajara Ribeiro (1930-2002), Ruy Pereira, Francisco Iñarra (1947-),
Genilson Soares, Olney Krüse (1939-2006), Regina Vater, Greta Safarti, Alfredo
74
Vide entrevista em Anexo.
Imagem 10: Cartaz anunciando o Mitos Vadios.
Disponível em: <
http://www.ivaldgranato.com.br/>. Acesso em:
fevereiro de 2008.
Portillos (1928-), Ibanes Jr e Ma
75
(cantor e sua esposa), Lygia Pape (1924-2004),
Rubens Gerchman (1942-2008), Anna Maria Maiolino
76
, Maria Lucia Cortés,
Márcia Rothstein (1952-), o grupo Viajou sem Passaporte, Doraci Girrulat (1947-),
Luciano Figueiredo (1948-), Leda Catunda (1961-), Lucila Meireles (1953-), Julio
Plaza (1938-2003), Regina Silveira (1939-), Mané Valentin, Gilda Maria Rosa,
Lauro Cavalcanti (1954-), Dinah Guimarães, José Roberto Aguilar (1941-), Nelson
Jacobine, Gregório Gruber (1951-), Hector Babenco (1948-) e Raquel Arnoud
(1935 -). Também em documento enviado para Granato, por Hélio Oiticica, têm-se
as seguintes adesões: Oscar Ramos, Maurício Cirne, Norma Bengell (1935-),
Macalé, Maria Gladys, Neville D’Almeida (1941-), Júlio Bressane (1946-), Andréas
Valentin (1952-), Wally Salomão (1946-2003), Nanci Brigagão e Esther Emílio
Carlos.
No corpo do convite entregue a Hélio Oiticica, Granato já convoca os
artistas para participarem explicando como aconteceria o evento, informado a data
75
“Ma” seria o apelido da esposa do músico Ibanez Jr.
76
Os nomes em itálico são dos artistas que aparecem no cartaz que anunciava o Mitos Vadios.
Imagem 11: Carta de Hélio Oiticica comunicando
novas adesões ao Mitos Vadios. Arquivo Pessoal
Ivald Granato. Reprodução Fotográfica: Arethusa
de Paula, 2008.
e o local, e estipulando que o espaço deveria ser utilizado da maneira que eles
bem entendesse:
Caro amigo,
(s.p) São Paulo, 8 de outubro. Através da conversa que já tivemos sobre
‘Mitos Vadios’, venho acusar que seu nome consta como participante do
evento; trata-se de um acontecimento – totalmente experimental tendo o
convidado todos os direitos de sua criatividade. Temos um terreno que
funciona como estacionamento na rua augusta entre Estados Unidos e
Oscar Freire.
Este trabalho será realizado em um dia podendo começar a partir das
primeiras horas terminando no fim da noite, ou não; marcamos para 5
de novembro que é um domingo. Em principio gostaríamos que a
presença do artista para uma melhor organização tivesse um dia de
antecedência.
Peço que possa enviar-me fotografias e algumas palavras para constar
no release que enviaremos a imprensa; logo enviarei um desenho com
as medidas dos terrenos para facilitar seu trabalho. Gostaria de uma
resposta sua sobre qualquer coisa para maiores vibrações.
Aguardo notícias urgentes,
Um grande abraço do seu amigo
Ivald Granato.
77
77
Carta de Ivald Granato convocando lio Oiticica para participar de Mitos Vadios. Disponível em: <
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/ho/index.cfm?fuseaction=documentos&cd_verbete=
4523&cod=470&tipo=2>. Acesso em: fevereiro, 2008
Imagem 12: Carta de Ivald Granato para Hélio Oiticica.
Disponível em: <
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/
ho/index.cfm?fuseaction=documentos&cd_verbete=4523
&cod=470&tipo=2>. Acesso em: fevereiro, 2008.
Diante disso pode-se perceber que Ivald Granato teve uma grande
preocupação com a organização, convocação dos artistas e divulgação do evento.
Por mais que as apresentações no dia contassem com o efêmero, com o
inusitado, houve uma estratégia bem articulada para atrair o público para aquele
local.
Uma hipótese que pode ser levantada para tal preocupação seria que o
evento aconteceu concomitante com a realização da I Bienal Latino-americana, no
Parque do Ibirapuera, no período de 2 de novembro a 17 de dezembro, e intitulada
Mitos e Magias. Esta propunha além da exposição de trabalhos artísticos, um
simpósio, promovendo o encontro de críticos e artistas para discutir as
peculiaridades da produção cultural da América Latina.
Assim, o Mitos Vadios, acontecendo próximo a data da abertura da I Bienal
Latino-americana, ou seja, no dia 5 de novembro, além de ganhar notoriedade por
causa de sua divulgação, ganha também um caráter de crítica a esta, por
contestar o espaço do prédio da Bienal como lugar de institucionalização da obra
de arte, questão bastante discutida pelos artistas da época.
As respostas dos artistas e as novas adesões para a participação foram
chegando até mesmo próxima a data do evento. Um exemplo é a carta de Olney
Krüse
78
para Granato, datada do dia 9 de novembro de 1978, relatando sua
felicidade em participar do Mitos Vadios, bem como de estar ao lado de Hélio
Oiticica e Antonio Dias:
Meu caro Ivald Granato:
Estou muito feliz (a palavra exata é essa mesmo) de poder participar
desse acontecimento que você organiza e é, sabemos todos,
histórico. Digo feliz porque depois de quase dez anos (foi apresentado
com catálogo, em 1970 no antigo Paço das Artes da Avenida Paulista)
sinto que minha obra hoje conceitual pois naquela época não existia,
entre nós, esse rótulo está viva, atual, instigante, como diria Sheila
Leirner.
Como artista, hoje, encontrei meu caminho na Fotografia, que me dá, dia
após dia, renovadas alegrias (meu Deus como falo em alegria neste
texto!), mas re-editar essa obra ao lado de Você, do Hélio Oiticica e do
Antonio Dias é, realmente muito gratificante.
Meu trabalho é claro: mostra a violência urbana cercada de (velas)
misticismo. Eu detesto violência. Toam, digo, tomara que meu trabalho
mostre isso.
Um abraço sincero.
78
Ver imagem do documento em Anexo para melhor apreciação.
Olney Krüse.
Houve problemas com a apresentação do dia 5 de novembro. Devido a uma
forte chuva, os participantes foram obrigados a se deslocar para o apartamento de
Ivald Granato, localizado na Avenida Brasil. O evento precisou ser adiado para o
dia 12 de novembro, ou seja, uma semana depois. O local não foi mudado, e os
objetivos e expectativas continuaram os mesmos.
É interessante notar a preocupação do organizador do evento com o dia 5
de novembro por ser próximo ao dia de finados (02 de novembro). Em carta para
Hélio Oiticica, datada do dia 11 de outubro de 1978, ele chega a transferir o Mitos
Vadios para o dia 12 de novembro. Porém, os jornais mostram que ele manteve a
data do dia 5 de novembro, e que mesmo assim, acabou tendo que transferir por
força do mau tempo. Assim, tem-se no texto da carta:
Espero que tenha recebido minha correspondência registrando sua
participação em MITOS VADIOS. Pois bem, gostaria de informar que
consultando o calendário fui perceber que os feriados dos finados
poderiam prejudicar a participação do público no nosso evento pois a
cidade se esvazia nessa época. Assim MITOS VADIOS foi transferido
para o dia 12 de novembro, domingo, das 10 às 20 horas. Queira aceitar
Imagem 13: Carta de Olney Krüse para Ivald
Granato informando de sua participação em Mitos
Vadios. Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução
fotográfica: Arethusa de Paula.
minhas desculpas pela mudança da data, porém isso foi feito para nosso
melhor pic.
79
Dentro das expectativas em relação ao Mitos Vadios, existia um espírito
bastante contestador e crítico nas atitudes e obras dos participantes. O país ainda
vivia sob o poder do AI-5 (1968-1978). A contestação às instituições como museus
e galerias era uma constante não entre os artistas brasileiros, como também
entre os estrangeiros. Movimentos como a Land Art, Arte Povera, Body Art, entre
outros, e linguagens como a performance e o happening, calcados na Arte
Conceitual já traziam essa discussão à tona.
O governo brasileiro pós-instauração do AI-5, para frear as constantes
manifestações culturais em desfavor à ditadura militar, acabou por criar órgãos
patrocinadores de várias áreas artísticas, como por exemplo, a EMBRAFILME e a
FUNARTE. Porém, a vontade de contestação ainda estava presente, mesmo que
fosse à margem dessa produção oficial, burlando a rígida censura da ditadura.
79
Carta de Ivald Granato. Disponível em: http://www.itaucultural.org.br. Acesso em: fevereiro, 2008.
Imagem 14: Carta de Ivald Granato para Hélio
Oiticica: <
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/encicl
opedia/ho/index.cfm?fuseaction=documentos&cd
_verbete=4523&cod=470&tipo=2>. Acesso em:
fevereiro, 2008.
Perguntando aos artistas se existiam intenções políticas ou de critica ao
mercado de arte em seus trabalhos, eles apontam que essa era uma preocupação
poética da época. Anna Maria Maiolino e Genilson Soares assinalam o momento
político brasileiro como um meio poético e crítico para sua produção. Porém, não
viam esse momento como um obstáculo, que existia uma vontade de produção
que ia contra qualquer tipo de censura. De acordo com Soares:
Naquele período vivíamos numa extrema precariedade democrática.
Esse fato, porém, não representava uma força capaz de interferir
negativamente no contexto artístico praticado em São Paulo, que se
mostrava, entretanto, dotado de uma extrema capacidade produtiva,
dinâmica e bastante representativa. Mesmo considerando-se que o livre
acesso à informação, naquele período, fosse, como se sabe, bastante
limitado, as atividades artísticas/culturais continuavam sendo exercidas
nos nossos grandes centros, com muito esforço e uma saudável
capacidade de renovação e atualização, sendo produzidas de forma
independente, em plena sincronia com as transformações em escala
global, ocorridas em todos os meios e níveis culturais, ao longo daquelas
duas décadas (60/70).
80
Nota-se, portanto que o contexto político do país se torna um motor dos
acontecimentos, ou seja, o trabalho artístico se constrói neste campo de forças,
dialogando com o momento histórico, sem perder seu poder expressivo e artístico.
Desse modo, para Artur Barrio, se houve uma contestação direta ao governo e
também a I Bienal Latino-americana este se deu de uma maneira bem humorada.
para Anna Maria Maiolino, o acontecimento representava um “não à instituição
Bienal de São Paulo, que de certa forma era relacionada com o poder vigente dos
militares”
81
.
De acordo com Ivald Granato, o intuito do encontro não era fazer um
protesto direto contra a Bienal, e sim criar um espaço alternativo de exposição e
elaboração de trabalhos artísticos, assim como de divulgação de novos artistas. A
discussão levantada pelos Mitos Vadios englobou ainda a própria posição do
artista como profissional. É o que podemos compreender do depoimento de
Ubirajara Ribeiro, artista participante da I Bienal Latino-Americana e dos Mitos
Vadios, à Folha de São Paulo:
80
Vide entrevista em Anexo.
81
Vide entrevista em Anexo.
Esse acontecimento é importante pois motiva a discussão em torno da
situação atual do artista (...). Sua colocação perante os museus e
galerias, o sistema de comercialização instituído, que implica num
intermediário que geralmente joga promocionalmente. Todas são formas
que prejudicam o artista em maior ou menor escala. Ele acaba levando a
pior em todas as coisas pois o mercado fica na mão dos intermediários.
Além disso, a situação profissional do artista plástico deve ser debatida
pois, literalmente, ele não existe como profissional, não tem nenhuma
situação.
82
A busca por um domingo vadio se atrela à produção marginal que era
executada nas diversas áreas artísticas da época, como por exemplo, na
literatura. E no caso das artes visuais, prima pelo inusitado, pela efemeridade, e
por trabalhos que não pudessem ser comprados e sim ser vividos, e
especialmente por ser dessa forma, a censura era mais fácil de ser burlada.
Os artistas participantes do encontro colocam a I Bienal Latino-americana
como uma exposição elitista, onde a crítica procura conectar a arte voltada para a
pintura e não condizente com a realidade dos paises sul americanos. Eles alegam
que mesmo a discussão em torno de uma oposição a esta é inválida, que se
“transformaria numa atitude tipo matar hoje o velhinho inimigo que morreu
ontem”
83
. Eles comparam a exposição até mesmo como uma loja turística na qual
se vendem objetos pitorescos e exóticos, produzidos pela população local.
Em vista disso, um manifesto foi criado e apresentado por três artistas
participantes do episódio Artur Barrio, Lauro Cavalcanti e Dinah Guimarães no
qual atacam especialmente a crítica de arte brasileira, a qual chamam de
“Kriti(tica)”, alegando que esta separa a arte em correntes bastante distintas:
- A que está interessada em recuperar a arte para um sistema através
da produção de eventos culturais artificiais (bienais, salões, etc.)
recaindo numa visão maniqueísta em relação à produção artística
utilizando fórmulas fáceis de serem digeridas e consumidas, funcionando
assim como uma antropofagia às avessas.
2 A que se encastela num modelo único de arte, reduzindo a
criação artística a um feudo com seus teóricos redutores assessorados
por artistas (arghhh...), meros ilustradores do pensamento dessa crítica,
o que significa um gesto reacionário pela pouca ousadia e a placidez em
aceitar colocações já resolvidas.
3 Uma minoria crítica percebe ser o Brasil um país aonde, no
campo da arte, ainda se tem tudo ou quase tudo a fazer, defendendo por
82
MARINHO, Celso. 60 artistas dão hoje sua versão dos mitos. Folha de São Paulo. Anexo II.
83
BITTENCOURT, Francisco. Dos mitos e magia aos Mitos Vadios
. Tribuna da Imprensa. Anexo VI.
isso mesmo a necessidade vital da liberdade de criação e
experimentações
84
.
Não se pode menosprezar um evento como a I Bienal Latino-americana,
que esta foi uma primeira tentativa de abrir um espaço de discussão em relação a
toda produção artística e crítica de pesquisadores e artistas latino-americanos.
Porém, mesmo o organizador dos Mitos Vadios não querendo entrar em confronto
direto com a Bienal, este adquiriu um caráter de engajamento, como deixa clara a
posição de Gabriel Borba.
Com isso, não tenho dúvida, criou-se critérios de comparação entre
comportamentos artísticos, expandindo-se como modo de engajamento.
Mitos Vadios foi, sobretudo, a expressão de um engajamento.
85
Desse modo, os artistas acabavam por ter uma opinião dúbia em relação a
esta contestação. Mas todos concordavam em um ponto comum: o da
experimentação da arte como um ato libertário, em que todos poderiam produzir e
criar sem se preocupar com regras ou escolhas de instituições de arte, ou até
mesmo do governo.
Essa divergência de opinião fica clara ao se observar um trecho da
entrevista de Granato, Hélio Oiticica e Lygia Pape, concedida à jornalista Fátima
Turci, em que notamos a preocupação do organizador de deixar clara a não
contestação à Bienal:
Granato:
Eu trabalho há muito tempo com performances, São Paulo é a cidade de
maior público e resolvi não trabalhar sozinho. Criei os Mitos Vadios e
logo a Lígia e o Hélio assumiram a idéia e assim conseqüentemente,
como bola de neve. De 18 artistas, temos 60, de várias áreas. Não é
coisa de protesto...
Lígia É um espaço lúdico, de alegria, de artistas que se
encontram. É o exercício da liberdade num determinado espaço...
Granato – Sou amigo de galerias, mas tenho pique para transar em
outros espaços. Não estamos contestando a bienal latino-americana.
Nos propósitos gerais, cria-se alternativas que dá num bolo de coisas.
[...]
Hélio É. Voltando a bienal latino-americana: ela é a menopausa
da Bienal de São Paulo. Ela era coisa de vanguarda nos anos 50, depois
começou a declinar
86
.
84
BITTENCOURT, Francisco. Dos mitos e magia aos Mitos Vadios. Tribuna da Imprensa. Anexo VI
85
Vide entrevista em Anexo.
86
TURCI, Fátima. Vadiagem. Suplemento de última hora, p.8. Anexo I.
Enfim, não havia como ser diferente, pois a contestação a espaços
institucionalizados era uma prática comum ao contexto artístico da época. Por
mais que no depoimento acima se tente amenizar um pouco a idéia de ir contra a I
Bienal Latino-americana, Hélio Oiticica vem reforçar o que afirmavam a maioria
dos recortes de jornais encontrados no acervo pessoal de Ivald Granato.
Quanto aos trabalhos apresentados naquele domingo, no terreno baldio da
Rua Augusta, os jornais deram destaque para os materiais, por sua efemeridade,
ironia e precariedade. Também foi de grande divulgação o protocolo que as
apresentações de Ivald Granato, Hélio Oiticica e Ligia Pape iriam seguir.
O ponto alto dos Mitos Vadios seria a chegada de helicóptero de Ivald
Granato no estacionamento, vestido de Cicillo Matarazzo, ao meio dia, sendo
recebido por Hélio Oiticica, em seu Delirium Ambulatorium, e AracyPeipi
(personagem de Lygia Pape com humores paulistanos, e que existe na cidade
de São Paulo). Oiticica se apresentaria com sunga e sapato prateados, peruca,
camiseta do Rolling Stones. Ali presenciariam o que eles chamaram de “a
chegada stoniante” de Ivald Granato como patrocinador das artes:
Chegada Stoniante de Cicillo Matarazzo Granato de helicóptero, ao
meio dia: ele será recebido por Araci Peipi (Ligia Pape), que será
declarada por Hélio Oiticica como Embaixatriz dos Rolling Stones, que
por outro lado vai rolar entre frestas a pedra cascalho (uma rolling stone
para os Rolling Stones) na ocasião. Hélio vai dançar ‘Miss You’, dos
Stones, de sapato cafetão black-americano prateado e de sunga e
peruca de Escola de Samba Malandro Pedra 90, elegendo os Stones
como Monumento ao Vadio.
87
87
MAGYAR, Vera. Matéria-prima desta exposição: guardanapos, papel higiênico, arroz, feijão. Jornal da
Tarde. Anexo VI.
Infelizmente, Granato não pôde descer de helicóptero no estacionamento
devido à proibição da FAB (Força rea Brasileira), por causa do mau tempo.
Mesmo caminhando até o local, fora recebido pelos outros dois artistas com as
mesmas pompas, sendo aplaudido pelas pessoas que ali se encontravam e que
gritavam frases como “Ciccillo, põe o quadro do meu filho na Bienal”. E para
ironizar ainda mais, Granato repetia: “I´m not Ciccillo Matarazzo”.
A obra de Ivald Granato na década de 1970 transitou entre a pintura e a
performance. Nestas, algumas vezes ele buscou ironizar certas personagens
públicas, sempre se colocando como não sendo estas. É o caso, por exemplo, da
performance “My name is not Joseph Beuys (1978)”
88
. Mas o que acaba sendo
interessante na performance apresentada em Mitos Vadios é a sua entrada
stoniante, e todo o projeto de se tocar uma música dos Rolling Stones, banda de
rock inglesa, a qual Hélio Oiticica dançaria, e eleger os Stones à Monumento ao
Vadio.
88
KLINTOWTIZ, Jacob. O discurso poético aparece e substitui o racional. Disponível em: http://www.art-
bonobo.com/ivaldgranato/welcome.html Acesso em: 2006.
Imagem 15: Release entregue aos jornais comunicando a apresentação de
Lygia Pape, Hélio Oiticica e Ivald Granato. Arquivo pessoal Ivald Granato.
Reprodução fotográfica: Arethusa de Paula.
O rock n’ roll, corrente musical surgida nos Estados Unidos na década de
1950, passou por várias transformações, criando tantas ramificações quanto
possíveis. Na década de 1970, bandas como The Beatles, The Doors, e cantores
como Alice Cooper e David Bowie eram bastante performáticas em suas
apresentações.
Hélio Oiticica, em suas pesquisas plásticas em Nova Iorque, equipara o
rock com o samba aprendido no Morro da Mangueira na década de 1960, lugar
que lhe proporcionou uma “vital desintelectualização”
89
. Para o artista, o samba e
o rock são músicas que permitem usufruir um determinado momento-espaço,
tanto individual quanto coletivo. A escola de samba e os passistas durante uma
apresentação são performers, preparam-se para aquele momento, e o mesmo
acontece com um astro de rock como Mick Jagger, vocalista dos Rolling Stones,
89
OITICICA, Hélio. Op. Cit. p.72.
Imagem 16: Lygia Pape e Ivald Granato. Chegada em Mitos Vadios. Arquivo
pessoal Ivald Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
por exemplo. Para ele “o significado da performance adquire sentido
incondicional quando associado ao rock”
90
.
A performance apresentada pelos três artistas, saudando o Mitos Vadios,
oficializa aquele espaço como o lugar para o exercício livre da criação. Até mesmo
a paródia de Granato a Cicillo Matarazzo faz com que o estacionamento da Rua
Augusta seja proclamado dessa maneira, configurando uma institucionalização às
avessas.
A escolha do terreno baldio na Rua Augusta, próxima às ruas Estados
Unidos e Oscar Freire, torna-se igualmente uma ironia, pois, na década de 1960 e
início de 1970, esta rua era uma das mais elegantes da cidade de São Paulo,
sendo dividida ao meio pela Avenida Paulista, ligando o bairro dos Jardins ao
90
LAGNADO, Lizette. Hélio Oiticica: o mapa do Programa Ambiental. São Paulo: FFLCH-USP, 2003 (tese
de doutorado).
Imagem 17: Ivald Granato e Lygia Pape em Mitos Vadios. Disponível em:<
http://solonribeiro.multiply.com/photos/album/3> Acesso em 2006.
Centro e abrigando bares, restaurantes, boutiques e galerias de arte, cinemas e
salas de teatro
91
.
Durante a década 1970, começa a sofrer um período de decadência, por
causa de fatores como tráfego de carros e ônibus, crescimento de um comércio
local sem estrutura, e pontos de prostituição. Tudo isto contribuiu para que fosse
dividida em dois pólos: um decadente situado próximo ao centro, e um elegante,
localizado no bairro Jardins.
De acordo com Granato, a escolha do local se deu realmente por acaso. O
artista relata que a sugestão do espaço surgiu através de uma conversa com um
amigo, o médico Alberto Eiger, que indicou o local, pois sua mãe era dona de uma
loja de doces próxima ao estacionamento, e poderia falar com o dono deste
92
.
E não haveria lugar melhor para o Mitos Vadios: aconteceu no lado mais
elegante da Rua Augusta, próximo as principais galerias daquela região, ou seja,
dentro de um circuito artístico conhecido. A proposta de obras não vendáveis já
abarcava a critica ao mercado ali instaurado, ao passo que também chama a
atenção deste para as novas propostas desenvolvidas naquele espaço, tanto dos
novos artistas, quanto dos reconhecidos pelo mesmo.
Existia uma esperança de revitalização e discussão dos rumos que a arte
brasileira estava tomando no final da década de 1970, e o Mitos Vadios surge para
grande parte dos artistas como um acontecimento que ressalta essa vontade. De
acordo com o Granato:
Quando pensei nos Mitos Vadios ficou claro que seria sem dúvida
um trabalho que poderia significar muito para o momento da arte
brasileira: e acho que fui agraciado pelos meus colegas que em nenhum
instante deixaram de sentir tudo isto. E fui apoiado por todos,
percebendo que não se tratava mais de uma iniciativa que me pertencia,
mas sim ao momento de vitalidade dos nossos artistas que tentam
representar nossa sabedoria e inteligência num grau acima de qualquer
suspeita.
93
Um outro depoimento, mais voltado para a crítica ao mercado de artes
parte do artista argentino Alfredo Portillos:
91
RALSTON, Ana Carolina. O lado A e lado B da Rua Augusta, um dos endereços mais conhecidos de São
Paulo. Disponível em: <http://ego.globo.com/Entretenimento/Ego/Noticias/0,,AA1289916-5877,00.html>
Acesso em: 2006.
92
Vide entrevista em Anexo.
93
FOLHA DE SÃO PAULO. Anexo IV.
Isto é muito importante: o fato de um artista conseguir um espaço e
dividi-lo com outros, permitindo que cada um desenvolva seu
pensamento. E, por outro lado disse Portillos ressalta-se o fato de
estarmos fora das galerias e dos museus, que são lugares que
possuem padrões pré-estabelecidos e ainda a importância de atuar em
lugar público, sem compromissos com o circuito oficial das artes.
Aí, creio que podemos elaborar um trabalho, mais que um trabalho um
novo tipo de pensamento. Onde teremos tão pouco compromisso com o
público habituê de museus galerias (porque a maior parte dos artistas
se ‘maneja’ em galerias e museus, que por sua vez têm compromisso
com um público especial; e ficam os artistas sempre preparando obras
para uma pseudo elite cultural).
94
Essa revitalização que Mitos Vadios trouxe para o cenário artístico paulistano na
época levantou também a preocupação de dar continuidade a esse processo, ou
seja, que as discussões não ficassem apenas naquele domingo. Essa foi uma
questão levantada por muitos artistas, e também pelo grupo de teatro amador
Viajou Sem Passaporte, que propôs até mesmo uma reunião antes das
apresentações no mesmo local onde aconteceria o evento:
94
Idem.
Imagem 18: Alfredo Portillos na Barraquinha de suspiros de Regina Vater em Mitos
Vadios. Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado
, 1978
.
Imagem 19: Viajou Sem Passaporte: Disponível em<
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclop
edia/ho/index.cfm?fuseaction=documentos&cd_verb
ete=4523&cod=165&tipo=2> Acesso em: fevereiro
de 2008.
Insinua-se o início de um fervilhamento cultural neste país, e “Mitos
Vadios” pode ser uma expressão disto. Não só pela característica de
independência diante do circuito oficial de arte, mas pelo inconfundível
sentimento de reação ao marasmo cultural onde vivemos algum
tempo. Além disso, abre espaço para a fruição e o debate dos diversos
trabalhos de diferentes artistas, por fora das galerias e bienais e casas de
espetáculos.
No entanto,
como dar continuidade aos espasmos da nossa agoniada cultura?
como manter-se independente sem cair num esquema paralelo que
simplesmente reproduziria um status quo negado?
qual o próximo passo? (...)
95
Portanto a vontade de uma
continuidade deste trabalho se mostra
bastante desejosa por parte dos artistas e
de alguns críticos. Se a arte estava sendo
levada a publico de uma maneira tão
libertária, crítica e até mesmo lúdica,
como os artistas poderiam estruturar
outras apresentações que fugissem do
circuito oficial de arte, e até mesmo não
deixar que o evento não fosse
institucionalizado pelo mercado.
Como dito anteriormente, os
jornais anunciaram que Mitos Vadios
seria a concretização de um espaço de
total liberdade de criação de artista e
também público, e deram ênfase à
precariedade dos materiais, a
critica ao mercado de arte e
especialmente à contestação a
I Bienal Latino-americana. Os
95
ACERCA DE MITOS VADIOS. Disponível em: <
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/ho/index.cfm?fuseaction=documentos&cd_verbete=
4523&cod=165&tipo=2> Acesso em: Fevereiro de 2008.
relatos das apresentações variam de críticas a elogios, e não trazem imagens dos
trabalhos, mas deixa claro o objetivo de cada artista.
A ironia ao sistema de arte pode ser encontrada no trabalho de Ubirajara
Ribeiro. O artista, também participante da I Bienal Latino-americana, elaborou oito
gravuras com imagens de Renoir, Goya e Leonardo Da Vinci, que o facilmente
reconhecidas pelo publico, impressos em cartazes de tiro ao alvo. Estas seriam
vendidas num estande de tiro montado por ele no local, ou então o espectador
poderia consegui-la acertando cinco tiros no alvo médio, ou um tiro no alvo
central.
Outra apresentação
relatada foi protagonizada
por Roberto Aguilar,
artista bastante conhecido
por suas performances na
época. Ele exibiu-se com
uma espada de samurai e
Imagem 20: Ubirajara Ribeiro, Cartaz. Arquivo pessoal Ivald
Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 21: Ubirajara Ribeiro, Tiro ao Alvo. Arqu
ivo pessoal Ivald Granato. Reprodução
fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Imagem 22:
José Roberto Aguilar e Nelson Jacobine, Performance.
Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado,
1978.
encenou uma luta com bonecos que apresentavam “a omissão cultural, o bom
gosto, o pacote cultural e a crítica colonizada”.
96
Olney Krüse reapresentou uma obra exibida em 1970 no Paço das Artes, e
que foi obrigado pelos organizadores da mesma instituição a desmanchá-la por
incomodar muito. Consistia em um homem, morto em decorrência de um
atropelamento, que tinha seu corpo coberto por jornais. Em Mitos Vadios essa
96
KLINTOWITZ, Jacob. Como foi a contestação à Bienal. Jornal da Tarde. Anexo IX
Imagem 23:
José Roberto Aguilar, Omissão Cultural. Arquivo
pessoal Ivald Granato. Reprodução fotográfica: Lóris
Machado, 1978.
obra ganhou uma marmita de arroz e feijão, por sugestão da crítica de arte Aracy
Amaral. De acordo com o próprio artista
97
:
Eu só aceito participar porque a obra e está atual; é um dos mitos
mágico-vadios ou não do Brasil místico-religioso. Embora ela não tenha
envelhecido eu me interesso, hoje, como artista, apenas pela fotografia.
Se aceitei mostrá-la novamente foi pela honra de estar ao lado de Dias
e Oiticica, dois gênios do experimentalismo caboclo.
Anna Maria Maiolino, por sua vez, é uma artista que transita entre a
gravura, os objetos, instalações, performances, vídeos em filme super-8,
especialmente na década de 1970
98
. Seus trabalhos procuram olhar o mundo de
forma crítica, apoiada em uma clara preocupação social.
Em Mitos Vadios, a artista apresenta dois trabalhos: Monumento à Fome e
Estado Escatológico. Na explicação da própria artista:
97
JORNAL DA TARDE. Anexo VI.
98
MAIOLINO, Anna Maria. Disponível em:
http://www.museuvirtual.com.br/targets/galleries/targets/mvab/targets/maiolino/targets/biography/languages/
portuguese/html/index.html> Acesso em: 2006.
Imagem 24: Performance de Maria Lúcia Cortez sobre a obra de Olney
Krüse. Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução Fotográfica: Lóris
Machado, 1978.
“Monumento à Fome” consiste de dois sacos de 30 quilos cada: Um de
arroz e outro de feijão, alimentos básicos do povo brasileiro. Os sacos
amarrados, unidos por uma cinta negra, símbolo da morte, ficam em
cima de uma mesa coberta com toalha preta. Nitidamente a obra
denuncia a pobreza, a escassez do alimento, que em aquele momento
sensível da vida nacional se estendia à falta não somente do alimento,
mas também à fome de justiça, de liberdade, de democracia.
“Estado escatológico”, vinha completar o primeiro trabalho. Este consiste
de vários papeis higiênicos de diferentes qualidades pendurados no
muro do terreno baldio. Desde o papel higiênico mais caro, seguidos em
fila de outros de qualidades inferiores, ate o mais barato, passando por
papel de jornal, papel de pão, e finalmente até uma folha de uma planta.
O trabalho ironiza a pretensão de consumo da classe dominante, da elite
e do mercado, que buscam dar ‘status’ até a uma necessidade tão
básica como a defecação. Quando justamente os seres humanos, por
ser esta um estado fisiológico, nos igualamos na nossa natureza, da
mesma forma que somos iguais diante do nascimento e da morte
99
.
Estes dois trabalhos apresentados possuem um caráter de denúncia,
utilizando coisas cotidianas, como arroz, feijão e papel higiênico, para atrair a
atenção do espectador para a pobreza do país como um todo.
99
Vide entrevista em Anexo.
Imagem 25:
Anna Maria Maiolino, Estado escatológico. Arquivo pessoal Ivald Granato.
Reprodução fotográfica: Lóris Machado.
Houve protesto contra a obra de Anna Maria Maiolino. Segundo a jornalista
Vera Magyar, do Jornal da Tarde, um rapaz jogou os sacos de arroz e feijão no
chão, gritando que a artista “fazia da fome uma arte estática, quando a fome é
orgânica. Tem que jogar esse arroz e feijão na rua”
100
. Desse modo, a
intervenção do público nos trabalhos dos artistas davam abertura para várias
discussões, de caráter político-social, e ainda em relação à interferência direta na
obra, ou a sua destruição.
Ao discutir os problemas dos artistas e da arte em relação ao contexto da
época, tem-se a Barraquinha de Suspiros da artista Regina Vater. Essa
preocupação aparece em trabalhos anteriores da artista na década de 1970,
através de suas performances e filmes super-8. Um exemplo de trabalho, que
100
MAGYAR, Vera. Matéria-prima desta exposição: guardanapos, papel higiênico, arroz, feijão. Jornal da
Tarde. Anexo VI.
Imagem 26:
Anna Maria Maiolino, Monumento à fome.
Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução fotográfica:
Lóris Machado.
resulta no livro O que é Arte?
101
, a artista relata sair pelas ruas de São Paulo
pedindo ao público que respondesse à pergunta “o que é arte?”. Foram 300
questionários distribuídos, e compiladas no livro 150 respostas, representando
uma reflexão do que seria arte para o público dessa cidade.
Sua barraquinha em Mitos Vadios vendia suspiros ao preço de CR$ 25,00
(vinte e cinco cruzeiros), e quem comprasse ganhava junto um cartaz produzido
em um trabalho anterior. De acordo com a entrevista dada à jornalista Vera
Magyar: “Os artistas são hoje aqui, gerentes de seu próprio espaço, inventado por
eles sem nenhum patrão oficial”.
102
No ano de 1978, o país realizou eleições para a escolha de Senadores e
Deputados Federais e Estaduais
103
. Um dos recursos usados para a divulgação
dos Mitos Vadios, como dito anteriormente, foi a distribuição de filipetas, no
101
VATER, Regina. O que é arte? São Paulo responde. São Paulo: Massao Ohno e Eduardo Martins de
Carvalho Editores, 1978.
102
MAGYAR, Vera. Matéria-prima desta exposição: guardanapos, papel higiênico, arroz, feijão. Jornal da
Tarde. Anexo VI.
103
ALVES, Márcio Moreira. BAPTISTA, Artur. As eleições de 1978 no Brasil. Disponível em <
http://www.ces.uc.pt/publicacoes/rccs/003/Alves_e_Baptista_pp29-52.pdf> Acesso em: out. 2006.
Imagem 27:
Regina Vate
r: Barraquinha de suspiros. Disponível em:<
http://solonribeiro.multiply.com/photos/album/3/MITOS_VADIOS#53.jpg>. Acesso em:
fevereiro de 2008
formato dos “santinhos” que os políticos entregam para a população em época de
eleições. Da mesma forma, Genilson Soares utilizou a propaganda política da
época para elaborar sua performance:
Dias antes do evento, tinha encontrado, na calçada de uma rua da
cidade, um cartaz de propaganda política, desses que eram colocados
nos muros e paredes. Estava rasgado pela metade, e tinha parte da foto
do candidato. Chamou-me a atenção o fato de ser um candidato com o
meu prenome. Depois, pensei que poderia usar aquele pedaço de cartaz
como máscara, durante minha atuação no evento
104
.
O artista se apropria de um momento político do país para elaborar seu
trabalho. Mas não a máscara fazia parte de sua apresentação. O anúncio do
lançamento de outro projeto acabou ganhando um pretexto político, que ele
divulgava o lançamento de sua série de cartões postais intitulados Mudanças
Capitais:
A idéia básica daquela atuação era de poder circular pela área do
evento, em uma espécie de corpo a corpo com o público visitante, onde
me manifestaria com gestos teatrais, em tons irônicos e jocosos,
anunciando o lançamento das Mudanças Capitais”. Título de uma série
de cartões postais que acabara de produzir (...). Esses cartões eram
impressos em ‘offset’, com imagens originais, de fotos das principais
cidades brasileiras. (...)
Enquanto a série “Mudanças Capitais” era anunciada ao público,
promovia também a distribuição, ou a venda dos cartões postais, usando
um comportamento semelhante àqueles usados nas campanhas
eleitorais, quando usam da distribuição dos santinhos”. Havia um jogo
de palavras no título dessa série, que
remetia a idéias faraônicas
alardeadas naquele momento
político.
105
Assim, pode-se
perceber que o trabalho de
Genilson Soares, além de uma
crítica política, é uma crítica ao
mercado de arte, visto que, na
medida em que ele lança e
vende sua obra, retira o
elemento intermediário entre
104
Vide entrevista em Anexo.
105
Vide entrevista em Anexo.
ele e o público, ou seja, a galeria ou o marchand.
Imagem 29: Genilson Soares, Mudanças Capitais,
1978. Imagem cedida pelo artista. Arquivo pessoal.
O artista plástico e arquiteto Gabriel Borba apresentou uma performance
mais cômica, porém não menos crítica, intitulada My name is not Ivald Granato.
Sabendo que o trabalho desse artista seria uma paródia a Cicillo Matarazzo, ele
fez uma brincadeira com o próprio organizador do evento:
Em uma cadeira dessas de diretor de cinema escrevi, nas costas, “my
name is not Ivald Granato”. Soltei um engradado de galinhas brancas,
cada uma com uma medalha de papelão no pescoço, com a mesma
frase inscrita. Sentei na cadeira e fiquei esperando o Granato chegar
de helicóptero, como estava combinado.
106
Com bom humor, o artista também coloca em xeque o mercado de arte, e
em especial seus “patrocinadores”. Em entrevista, ele apenas cita esse trabalho;
porém, na reportagem da jornalista Vera Magyar, ela cita que Borba entregava
guardanapos ao público em que se lia Receitas de Arte Brasileira, e a pergunta:
enrolou o seu hoje?
106
Vide entrevista em Anexo.
Imagem 28: Genilson Soares em Mitos Vadios. Imagem cedida pelo
artista. Arquivo pessoal.
Porém, uma das apresentações mais esperadas era a do artista Hélio
Oiticica em seu Delirium Ambulatórium. Vestido de maneira engraçada, com
calção de banho, sapato prateado de salto alto com meia, óculos de mergulho
segurando uma peruca de cabelos longos, blusão cor-de-rosa, camiseta da banda
Rolling Stones, ele transitou entre as pessoas que ali se encontravam. De acordo
com Jacob Klintowitz:
Depois desfilou por entre o pequeno público, fez trejeitos com a língua
(imagino que seja uma paródia do erótico) e, com a ajuda das mãos,
sacudiu os órgãos genitais para o público. Após esta contundente crítica
social subiu num pequeno muro, montou a cavaleiro e ficou à disposição
para novas opiniões sobre a arte e o seu circuito
107
.
A partir de um projeto prévio,
no qual o artista delineia todos os
passos que deveria seguir dentro
desse evento, percebe-se que
existe uma vontade de caminhar
entre as pessoas, inventando ações
no momento da apresentação.
Outra proposta era levar fragmentos
do Rio de Janeiro para São Paulo,
como um Parangolé, contêineres de
vinil de fotografias coletados no
bairro de São Cristóvão, água da
praia de Ipanema, e também
fragmentos do asfalto da Avenida
Presidente Vargas, que estava em
obras por causa da construção de
uma linha de metrô.
Nota-se, portanto, que os Mitos
Vadios proporcionaram realmente um
espaço de liberdade de criação, sendo que os artistas puderam apresentar
107
KLINTOWITZ, Jacob. Op. cit. Jornal da Tarde. Anexo IX
Imagem 30: Gabriel Borba, My name is not Ivald
Granato. Arquivo pessoal Ivald Grananto. Reprodução
fotográfica: Lóris Machado, 1978.
trabalhos com uma elaboração prévia, ou criá-los no momento do evento e, até
mesmo, nem comparecer ao local, como foi o caso de Artur Barrio:
Não apresentei trabalho algum, pois só cheguei ao local do evento
quando o mesmo tinha terminado, como um verdadeiro vadio passei
a noite anterior assim como a manhã e parte da tarde em um
apartamento situado a 5 km de onde estava sendo realizado o evento
Mitos Vadios, ......aliás muito bem acompanhado.
108
A ausência de Artur Barrio – mesmo sendo por um motivo pessoal não foi
a única. Outros dois artistas também se ausentaram. Nos recortes coletados na
casa de Ivald Granato, o artigo do jornalista Celso Marinho traz esse dado, porém
não traz o nome dos faltosos. Mas deixa clara a indignação dos artistas presentes
e do próprio organizador do evento quanto a essa desistência de última hora:
A crença na idéia sobrepujou o mau tempo. Dos artistas que se
comprometeram a comparecer, apenas três faltaram ao encontro. No
meio das aflições pela impossibilidade de concluir a proposta, o cansaço
e a espera de uma colaboração do tempo, surgiu no grupo a
108
Vide entrevista em Anexo.
Imagem 31: Helio Oiticica, Delirium Ambulatorium.
Disponível em <
http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp2
56.asp> Acesso em: out. 2006.
preocupação de que os ausentes teriam ficado temerosos em apoiar
uma proposta cujos resultados só ficariam claros depois. (...)
Granato considerou a ausência dos três artistas como um desrespeito
aos outros que assumiram a idéia e a participação até o final: “Depois
de três dias de transferência da data, o número de participantes já
dobrou. Agora são quase sessenta artistas plásticos que aderiram, sem
falar nos músicos, atores, bailarinas. Os que ficaram lá, domingo, não
entenderam muito a atitude dos que não apareceram”.
Mesmo com a ausência desses três artistas, suas presenças ainda foram
sentidas. Ou seja, esses artistas tiveram uma ausência-presença que confundiram
tanto artistas quanto público. Portanto, contrariedades à parte, o evento dava
margem para que isso acontecesse por se constituir num momento de liberdade
de criação, sendo o artista poderia comparecer ou não, e apresentar trabalhos ou
não.
Como não poderia ser diferente, a crítica jornalística suscitou discussões a
favor e contra o Mitos Vadios. Nos artigos recortados por Ivald Granato pode-se
perceber alusões de grande apoio ao evento, a preocupação de viabilizar a
continuidade de outros encontros de artistas e público longe de espaços
institucionalizados, descrições do que foi apresentado no dia, e também a crítica
ferrenha de alguns jornalistas.
Não se pode esquecer que o país ainda estava sob a vigência do AI-5, e
por isso mesmo, os jornalistas ainda tinham que prestar satisfações para os
agentes da censura dentro dos jornais. Portanto, ao se colocar como foi a
recepção crítica em relação ao Mitos Vadios, deve-se sempre lembrar que
algumas posições acabam por ter uma visão conservadora, e muitas vezes
pessimista de um acontecimento com tamanha liberdade criativa. Porém, vários
outros também apontaram de forma bastante positiva e crítica o que aconteceu
naquele domingo.
Francisco Bittencourt, escrevendo para a Tribuna da Imprensa, coloca o
Mitos Vadios como mais uma contestação vazia que sempre acontece quando tem
uma Bienal ou um outro evento artístico de grande porte. E ainda, que não
passava de um chamariz para divulgar o nome de seus representantes frente aos
críticos de arte que normalmente comparecem em grandes exposições. De acordo
com ele:
Como se não bastassem os Mitos e Magia da I Bienal Latino Americana,
um grupo de artistas paulistas e cariocas está nos ameaçando agora
com os Mitos Vadios’, de sua palavra e, naturalmente com pretensões
de crítica à Bienal. Em matéria de originalidade, convenhamos, a coisa
cheira à velha e conhecida manobra que se repete sempre que uma
bienal ou salão de âmbito mais amplo, manobra esta mais destinada a
despertar nas possíveis personalidades internacionais presentes ao
acontecimento oficial a atenção sobre seus autores, em vez de ser um
verdadeiro ato de repúdio. E quanto à rebeldia, ao protesto, mais parece
o cocoricó de um galo garnisé que sabe que por mais que esperneie não
mudará a ordem do galinheiro
109
.
O jornalista coloca Ivald Granato como um artista que sabe administrar
esse tipo de evento, e que até sua espécie de produtora a Granato´s Production
se apresenta como uma crítica ao mercado, mas não muito. Informando uma
breve biografia do organizador de Mitos Vadios, Francisco Bittencourt deixa claro
que o nem na divulgação desse encontro de artistas uma intenção concreta
de contestação e sim de autopromoção:
Como bom administrador de eventos desse tipo, Ivald Granato um
fluminense de Campos que se mudou para São Paulo depois de tentar a
carreira no Rio é hoje e bastante conhecido na Paulicéia Desvairada por
seus happenings e performances – contratou 25 moças de bela estampa
para passarem pelo centro da cidade portando cartazes que anunciam a
festa. Às vésperas do encontro Latino-Americano elas serão vistas
andando de metrô e de ônibus, paradas nos cruzamentos de grande
movimento, numa campanha que, certamente, se assemelha muito às
de vendas de apartamentos, lançadas pelas grandes empresas
imobiliárias. Sexta-feira elas invadirão a Bienal com seus cartazes no
exato momento em que a mesma estiver sendo inaugurada.
110
Ainda critica o local, perto das ruas Estados Unidos e Oscar Freire, por se
localizar na área elegante da rua Augusta, perto das galerias e lojas de grife:
De acordo com o noticiário distribuído, o local fica “na Rua Augusta entre
as ruas Estados Unidos e Oscar Freire”. mesmo um ato falho pode
ter levado os promotores dos Mitos Vadios” a procurarem um lugar
próximo de uma rua chamada Estados Unidos e o Bolívia ou
Paraguai. Mas vamos em frente. O local, que é um estacionamento nos
dias úteis, estará totalmente vazio no domingo, 5 de novembro, para que
os artistas possam ocupá-lo.
111
109
BITTENCOURT, Francisco. Op. cit. Anexo. VI.
110
BITTENCOURT, Francisco. “Mitos Vadios”, o protesto de artistas brasileiros à Bienal Latino-Americana.
Anexo III.
111
BITTENCOURT, Francisco. Op. Cit. Anexo VI.
Nota-se que o pensamento do jornalista é bastante descrente em relação
ao evento, e a mesmo em relação à Bienal. Para ele, a situação política e
cultural estava posta, e o conformismo também, e ninguém procuraria fazer um
protesto engajado realmente frente a um circuito cultural oficial. Em uma de suas
reportagens, em que cita quase na íntegra o manifesto escrito pelos cariocas Artur
Barrio, Dinah Guimarães e Lauro Cavalcanti, ele termina o artigo com a seguinte
impressão:
Este seria o fecho de ouro da matéria, que na verdade concordo com
quase todos os conceitos emitidos no documento dos três cariocas. A
Bienal está velha e condicionada a um tema que é escapista e irreal.
Quanto ao protesto de Mitos Vadios, parece-me que não passa de uma
brincadeira de um grupo mais ou menos ansioso de assumir um papel
oficial no circuito de arte. Assim que, continuamos na mesma situação
das bienais internacionais anteriores que com uma única exceção nunca
produziram um protesto que obtivesse resultados.
112
Uma critica bastante positiva encontra-se no artigo escrito por Sheila
Leirner, em que trata o evento como uma paródia bem humorada da arte
convencional, aproximando-o com grupo Fluxus. E diz ainda que mesmo o Mitos
Vadios sendo atrelado à I Bienal Latino-americana, o que acabou por enfraquecer
seu sentido anárquico, naquele estacionamento foi construído um espaço de
liberdade de criação. Assim, ela conclui que:
Mais importante, entretanto, do que o entendimento multifacetado das
obras em particular, do que os destaques, as incompreensões, os
vedetismos, o uso indiscriminado dos cansados jargões
vanguardistas, foi sem dúvida a oportunidade que se abriu. Pois se o
happening, a performance e os trabalhos em multimédia já conquistaram
o direito de estar no mesmo contexto das formas tradicionais de arte, a
luta agora pode ser outra. De alcançar a ‘liberdade individual e de
educar’, como diz Beuys, ‘através da criatividade’. O que pode ocorrer,
mesmo sem induções de ordem crítica. A manifestação livre e
espontânea, tão carente de oportunidades como esta, contém em si a
ridicularização de todo e qualquer esquema instituído, organizado e
manipulado
113
.
Portanto, a jornalista na manifestação não uma busca pelo novo, ou
apenas pela ridicualrização, mas sim o exercício libertário das práticas em artes
visuais. que o campo artístico se abre tanto depois da Segunda Guerra
112
BITTENCOURT, Francisco. Op. Cit. Anexo III.
113
LEINER, Sheila. Op. cit. Anexo IX.
Mundial, quando tecnologias o utilizadas no mundo todo, o que resta é a
procura por uma criação com liberdade.
Outro artigo foi o de Marcelo Kahns, do Diário de São Paulo, em que mostra
os Mitos Vadios como uma iniciativa de um ponto de encontro, onde os artistas
determinaram seu espaço e ali exerceram sua criatividade. Seria um impulso
simbólico para a construção de vários espaços criativos:
é hora das pessoas terem o direito delas mesmas determinarem o
seu espaço e a sua colocação dentro da trama urbana; o que se precisa
são muitos 2Mitos Vadios >>, em cada bairro, em cada terreno
disponível desta cidade. A alienação do cidadão (aquele que mora na
cidade) deve ter um fim, e para tanto, nada melhor do que
acontecimentos como este de domingo passado, onde as pessoas se
encontram, se olham de frente, dança e divertem, cada um à sua
maneira
114
.
E ainda, da mesma forma que vários artistas participantes, demonstra sua
preocupação de que o evento não fosse único, mas que se fizessem outros,
dando continuidade à experiência:
O que se espera é que haja condições para que a festa continue, que
haja um pouco de grama por perto na próxima vez que <<Mitos
Vadios>> entrem para o calendário da cidade, animando a todas
aquelas pessoas que querem se encontrar de novo, no domingo que
vem.
115
Ele termina o texto fazendo uma alusão ao Hyde Park de Londres, o qual possui
cafés, restaurantes, e onde acontecem
várias apresentações artísticas,
especialmente shows de bandas de rock.
Como ele diz: “Que os vadios se junte
porque, quem não tem Hyde Park
116
vai
mesmo de Unipark [...]”
117
.
Por mais que as críticas de alguns
jornalistas asinalassem que aqueles
artistas estavam sendo superficiais, não
114
KAHNS, Marcelo. Op. cit. Anexo VIII.
115
Idem.
116
HYDE PARK. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Hyde_Park. Acesso em: jun. 2006.
117
KAHNS, Marcelo. Op. cit. .Anexo VIII.
Imagem 32: Marcelo Kahns em Mitos Vadios.
Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução
fotográfica: Lóris Machado,1978.
discutindo pontos bastante necessários em relação às artes visuais da época,
para Marcelo Khans, a formulação de um espaço de arte não atrelado com
qualquer outro meio oficial, cumpria um papel social de chamar a atenção do
público presente para as condições políticas e culturais, pois para ele “não restam
nem mesmo as esquinas”
118
.
A jornalista Vera Magyar inicia seu artigo com a frase de uma garotinha de
cinco anos que lhe contou o que achou do evento: “-É tudo muuuito engraçado
[...]”
119
. Para ela, não havia como não rir das apresentações daqueles artistas,
relatando o evento com a leveza de uma brincadeira pitoresca, não emitindo
opinião nem contrária e nem a favor, e dizendo ainda que o Mitos Vadios
aconteceu “sem nenhum grande objetivo”
120
, baseada no depoimento do próprio
Ivald Granato:
Estamos nos propondo a discutir a criatividade sem nenhum objetivo
maior do que o de experimentar coisas. Usando a liberdade, os artistas
estão aqui para fazer o que quiserem, sem a preocupação de serem
bons, válidos ou inteligentes.
121
E termina com o depoimento de Ester Emílio Carlos, crítica de arte carioca
que diz: “A Bienal não pode mostrar o que é velho. Ela tem que ser um movimento
de vanguarda. É aqui e não que estão os verdadeiros artistas do nosso tempo”
122
.
O crítico Jacob Klintowitz em seu artigo sobre o que aconteceu em Mitos
Vadios inicia comentando como uma boa propaganda pode contribuir para a
construção ou destruição de alguma coisa:
O longo alcance dos meios de comunicação é capaz de criar notícias
onde fatos são mínimos. Vivemos a possibilidade das minorias e dos
fatos que não aconteceram. Uma bem orientada campanha jornalística
pode criar crises políticas, movimentos culturais ou lideranças. É
possível, certamente, que estas criações tenham uma vida limitada. Mas
isto se deve, inclusive, às divergências entre os vários componentes da
sociedade. Salvo, evidentemente, quando a realidade é tão notável que
a tarefa mistificadora é quase impossível. Como, por exemplo, nas
derrotas militares ou no custo de vida. Neste domingo, finamente
aconteceu o muito divulgado mitos vadios (organização geral de Ivald
118
Idem.
119
MAGYAR,Vera. Op. cit. Anexo VI.
120
Idem
121
Ibidem.
122
Ibidem.
Granato, estacionamento da rua Augusta), grande happening que
pretendia contestar a Bienal Latino-americana e seu tema mitos e
magia.
123
Do mesmo modo que Francisco Bittencourt, o crítico mostra como a
divulgação do Mitos Vadios construiu a visão de um evento contestador e inovador
no meio artístico brasileiro, mas que não trouxe nada de novo na sua opinião.
Relata no artigo que um público não muito grande compareceu ao local, e que
essas pessoas eram as mesmas habituadas no circuito de arte, como marchands
e jornalistas. Também assinala que muitos trabalhos apresentados, como o
protagonizado por Ubirajara Ribeiro com seus cartazes, não passavam de um
“gesto que se repete ad nausans, exatamente 69 anos, quando Marcel
Duchamp pintou bigodes na Monalisa”
124
.
Acrescenta, ainda, que o espaço onde o exercício artístico era feito através
da liberdade não discutiu o que poderia ser um ponto de reflexão: os mitos. De
acordo com o crítico:
Quanto à questão do mito, discutida por grandes humanistas, nada foi
acrescentado. Parece que não foi desta vez que Jung, Cassirer, Barthes,
Mircea Eliade, Joseph Campell, Jeam Chevalier, Alain Gheerbrant,
receberão uma contribuição mais eficaz. Quanto à crítica à Bienal,
pareceu-me interessante: como poderá concorrer com a expressividade
do ideólogo Hélio Oiticica? E, quanto ao próprio mérito intrínseco do
acontecimento cabe ao público estabelecer uma justa apreciação
125
.
Portanto, para este crítico, além de Mitos Vadios não trazer nenhuma
mudança significativa no cenário artístico brasileiro, também deixou de lado
discussões pertinentes que poderiam dar uma sustentabilidade conceitual ao
evento.
O interessante, porém, é que alguns anos depois, mais precisamente em
2006, o crítico apresenta o mesmo artigo como parte de outro intitulado “Ivald
Granato, gênio inventor do granatês”, num dos sites deste artista, o qual é
suavizado consideravelmente
126
.
123
KLINTOWITZ, Jacob. Op. Cit. Anexo IX
124
KLINTOWITZ, Jacob. Op. Cit. Anexo IX.
125
Idem.
126
KLINTOWITZ, Jacob. Ivald Granato, gênio inventor do granatês. Disponível em: < http://www.art-
bonobo.com/ivaldgranato/blog/?m=200603>. Acesso em: fevereiro, 2008.
Salvo os elogios do início, o crítico conta sobre uma divertida reunião em
que estava junto com Rubens Guerchman, Roberto Magalhães, Tunga, Lygia
Pape e Cláudio Tozzi, e o encontro destes com Granato e Artur Barrio falando um
idioma que denominaram como granatês, antes de entrar no texto do artigo
publicado em 1978.
E para isso ele escreve: “Coisas que desmancham no ar e não deixam
vestígios? Vou contar uma história e me basearei no meu arquivo de época e no
meu testemunho ocular, pois eu estava lá. Trata-se do evento chamado de Mitos
vadios”
127
. Modificando pouquíssimo o texto da época do evento, é interessante
notar como o discurso pode se tornar mais brando 28 anos depois daquele
domingo de novembro.
Assim, através da análise dessas fontes levantadas, pode-se perceber
como a base dos Mitos Vadios foi estruturada. Através da Granato´s Production,
os principais nomes foram convocados por Ivald Granato, que se mostrou
bastante organizado ao coordenar o evento.
Talvez a excessiva propaganda dos Mitos Vadios em meios como jornais e
a irônica panfletagem nas ruas possam ter feito com que as expectativas sobre o
evento fossem bem maiores: seja pela sua capacidade de contestação, seja pela
expectativa de uma continuidade como queriam muitos artistas e jornalistas da
época, seja pela transformação libertária que aquele domingo prometia.
127
Idem.
Paródia, ridicularização da arte oficial, repetições ad nausans de gestos
duchampianos, revivência dos anos sessenta, falta de discussões filosóficas,
contestação a I Bienal Latino-americana, vazio de conteúdo ou revolução da arte
brasileira da época, o Mitos Vadios pelo menos cumpriu o que propôs, mesmo
durando um dia: a criação de um espaço alternativo de execução de trabalhos
artísticos, em que qualquer um poderia participar, não importando se era público,
artista de renome no cenário nacional ou internacional, ou artista novo. A sua
premissa era a liberdade, e foi assim que se constituiu. Foi realmente um
“caminhar entre, nem de um lado nem de outro”
128
.
128
TURCI, Fátima. Op. cit. Anexo I.
Imagem 33: Público em Mitos Vadios. Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução
Fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Capítulo III
O vadio e o seu mito.
Num dia de domingo do ano de 1978, São Paulo testemunhou, na Rua
Augusta, um encontro de artistas, que transformou um terreno baldio, um
estacionamento, melhor dizendo, num espaço de experimentações e liberdade
criativa, onde seus personagens puderam fazer o que bem entendessem, e os
trabalhos mostrados ali se comunicaram com o público de uma maneira tão
íntima, que conseguiu travar uma relação entre a arte e a vida cotidiana.
O terceiro capítulo dessa dissertação procura estudar o Mitos Vadios
através de um importante prisma: a visão de seu organizador, trinta anos depois
que tudo aconteceu. Assim, será analisada a entrevista feita com Ivald Granato,
apontando dados novos trazidos por ele, e suas impressões depois de
transcorrido esse espaço temporal.
O Mitos Vadios aconteceu num momento em que o Brasil ainda estava sob
a vigência do AI-5, mesmo este sendo revogado em dezembro de 1978. O
contexto artístico brasileiro encontra-se com seus olhos voltados para São Paulo,
onde o campo para as experimentações artísticas, em especial calcadas na arte
conceitual, se bem mais aceito, em exposições como as JAC´s, Jovem Arte
Contemporânea, por exemplo, realizadas pelo Museu de Arte Contemporânea da
USP, sob orientação do professor Walter Zanini, privilegiando práticas como a mail
art, os livros de artista, fotografias, performances, vídeos, enfim, toda uma
variedade de linguagens que os artistas estavam explorando naquela época.
E dentro de uma briga de forças entre produção cultural patrocinada pelo
governo ditatorial, e as novas experiências implementadas pelos artistas, vê-se
que essas segundas acabavam muitas vezes ganhando um aspecto político,
tendo que se colocar à margem do sistema para não sofrer o cerceamento da
censura.
Ivald Granato era um artista bastante conhecido no circuito artístico de São
Paulo da época, por suas irreverentes performances, e seus trabalhos em pintura
e gravura e tantos outros meios que a arte daquele tempo oferecia.
Provocador, esse artista nascido em 1949, na cidade de Campos no Estado
do Rio de Janeiro, buscava sempre discutir variadas questões referentes à arte,
em especial nas suas performances, em que diversas vezes afirmava ser ou não
ser determinado artista ou personalidade, numa afirmação de sua própria
identidade.
Pensando sempre, com muita
irreverência e ironia crítica o papel do
artista na sociedade, ele transitava
entre o mundo das galerias e o mundo
dos artistas mais engajados com as
questões políticas e artísticas daquela
época. Usava do humor para causar
até mesmo um mal estar na sociedade
conservadora brasileira, como por
exemplo, a Campanha da Fraternidade
da Granato’s Productions que dizia, em
1977: “Adote o artista, não deixe ele
virar professor”. Esta campanha causou
bastante revolta nos professores de São
Paulo, que quiseram até mesmo uma retratação pública, de acordo com o próprio
artista, em conversa informal.
Assim, seus trabalhos caracterizam-se pela agilidade do gesto, tanto na sua
pintura de pinceladas rápidas e coloridas, quanto nas suas performances
provocativas. De acordo com Carlos Von Schmidt, em texto de 1978:
Nas artes visuais do Brasil contemporâneo, Ivald Granato é dos poucos e
raros artistas a fugir da verbalidade, do literal, do anedótico, do discursivo.
Sua linguagem essencialmente plástica caracteriza-se pelo automatismo
da feitura. À primeira vista, seus desenhos, gravuras, pinturas, objetos,
participação corporal, poderão confundir o observador pela crueza do
efeito, pelo imediatismo da realização. (...) Da emoção ao gesto, do gesto
à expressão, Granato caminha sem hesitações, criando um universo
particular alimentado por uma diversidade de estímulos que se multiplicam
em constante feedback, artista-obra-artista. Espaço, tempo, ritmo,
estabelecem a verdade de Granato que se concretiza através do
automatismo do gesto rápido, dinâmico, veloz. A facilidade aparente do
gesto é determinada pela disciplina do reflexo agilíssimo, pela resposta
imediata às motivações emocionais conscientes ou inconscientes.
129
Até mesmo seu primeiro casamento, com Heloísa Soares ganhou um ar de
happening quando organizou um verdadeiro acontecimento artístico, em Campos,
sua cidade natal. O jornal O Dia, do dia 31 de dezembro de 1970, noticiou o
129
GRANATO, Ivald. Ivald Granato art performance. São Paulo: Editora J.J. Carol, 1979. p.6.
Imagem 34: Ivald Granato. Is my name Woody Allen ?,
1978. Disponível em: http://www.ivaldgranato.com.br/.
Acesso em: 2008.
casamento considerado hippie, que contou com a participação de dez mil
pessoas:
Somente ontem, às 6 horas, terminou a festa de casamento dos
<<hippies>> Ivald Granato e Heloísa Soares, realizada em Campos, na
Rua Aquidabã, 66, e da qual participaram mais de 10 mil, pessoas, a
maioria <<hippies>> também. O enlace matrimonial teve lugar na
residência da noiva (ato Civil), sendo oficiado pelo juiz de paz Antônio
Nahara. (...) Os noivos não puderam se casar na Igreja porque o Bispo
da Diocese, D. Antônio de Castro Maia não autorizou a cerimônia por
considerá-la <<desrespeitosa>>, há que o casal desejava unir-se
trajando roupas <<hippies>>.
130
A festa de casamento contou com a participação de bandas de rock e
também com a apresentação do grupo teatral “Feira do lixo”. O jornal acabou por
considerar o casamento como uma grande extravagância, incomodando a
sociedade mais conservadora daquela cidade e levando dez mil pessoas à rua,
entre curiosos e convidados, para ver o grande enlace matrimonial. De acordo
com Sérgio Luis Escovedo
131
, o próprio Granato sonhava com um casamento
realizado na Igreja, o que
foi amplamente barrado
por causa de seus trajes,
ou seja, indo contra a
moral e os bons
costumes daquela
época.
E é nessa conduta
irônica que a obra de
Granato se fixa, em
especial na década de
1970, quando vivendo
em São Paulo, busca
não se fazer
130
Idem . p.27.
131
Ibidem. p.27.
Imagem 35: Casamento de Ivald Granato e Heloísa Soares. 1970. Arquivo
Pessoal: Ivald Granato.
respeitado nos meios artísticos, mas também aponta para os problemas entre os
artistas e o mercado de arte. Em entrevista a Fernando Lemos, na década de
1970:
Fiquei muitas vezes aterrorizado com minhas chances abaladas.
Adiantei-me e nesse tempo já até posso conscientemente analisar e
acreditar que a experimentação elevou o mecanismo do meu trabalho
provando que existe com realidade a evolução paralela independente,
que possibilita você detectar. A evolução desse trabalho que hoje cada
vez mais me fascina desmistifica a parafernália envolvente de vícios,
que também conheci. (...) É agora que vai começar a revolução por
replay diz Granato em mais um fim de década, onde o novo espírito
poderá mostrar s ineficiências criadas pelo mercado consumidor, que
não sabe nem se comportar diante de uma arte experimental pra valer,
inclusive com a dose de ironia que a nossa época admite. É nesse
ponto que podemos medir as contribuições dadas, e a partir deste
circuito que podemos começar a avaliar nosso desenvolvimento, que
parece que já envelheceu antes de crescer.
132
Dessa forma, pensando a vida cotidiana, seu trabalho como artista, o meio
em que está inserido, e sempre com uma visão irônica e crítica diante de todo um
campo de acontecimentos vividos e percebidos por ele, é que em 1978 ele
organiza o Mitos Vadios. Na própria entrevista, concedida pelo artista, este
defende toda a profusão de casualidades e vontades de outros artistas em
possuírem mais espaços para produzir com liberdade, e o que ele fez foi apenas
aglutinar essas idéias, achar um espaço, e daí partir para a organização do
acontecimento propriamente dito.
Foram dois encontros com Ivald Granato a fim de localizar documentos, e
conversar sobre o evento. O primeiro encontro foi em março de 2006, em que o
artista mostrou todo o seu acervo, mas preferiu não ser entrevistado. Assim, a
entrevista foi concedida num segundo momento, em julho de 2008, ano em que o
Mitos Vadios faz 30 anos. E dispensando as formalidades, o artista travou uma
conversa bastante descontraída, em que expõe suas impressões sobre o que
aconteceu naquela tarde de domingo de 1978.
O artista conta que existia na época uma grande vontade de criação por
parte dos artistas brasileiros. Ele mesmo estava envolvido em diversos projetos
como livro de artistas, performances, além de pintura e gravura. Seu apartamento
132
GRANATO, Ivald. Op. Cit. p.30
ficava na Avenida Brasil com a Avenida Henrique Schaumann, e por causa desta
localização, vários músicos, artistas plásticos, atores, poetas freqüentavam sua
casa que também servia como ateliê de gravura. A parceria com o editor Massao
Ono (1936-) possibilitou que tivesse contato com diversos poetas marginais, e
também com publicações de livros de artistas. Assim, ele descreve seu
apartamento como “uma festa constante”
133
. E foi em meio a esta festa que a
idéia do Mitos Vadios foi construída.
Granato expõe que a vontade de produzir mesmo com as adversidades
culturais e políticas da época era grande, e por causa disso os artistas sempre
encontravam meios para sua expressividade. É como coloca Heloísa Buarque de
Hollanda quando fala da produção literária, especialmente em poesia no final da
década de 1970:
Havia, claramente, certos sinais no ar que a literatura captava e poetava,
ainda que se evidenciassem variações no alcance crítico e lírico desse
“poemão”. Um sufoco, um mal-estar – substancialmente diversos do
133
Vide entrevista em Anexo.
Imagem 36: blico em Mitos Vadios. Em destaque o trabalho de Cláudio Tozzi. Arquivo
Ivald Granato. Reprodução
f
otográfica: Lóris Machado, 1978.
voluntarismo e da euforia da década anterior abria, a berro e a soco, o
lugar para a fala e para a urgência de se experimentar a poesia no dia-a-
dia. Aqui, não se tratava apenas da poesia com a marca suja da vida.
Percebia-se um esforço para agir e viver a definição de um cotidiano
especial, descompromissado, desburocratizado e bem-humorado. Era o
que principalmente se registrava no poema síntese, instantâneo, no
poema muito e qualquer coisa. Na poesia que se experimentava a toda
hora e em todo o lugar.
134
Outro depoimento em que se pode ver essa vontade de produção e de
associação entre artistas, é o de Gabriel Borba:
Havia uma grande animação em montar associações; cooperativas;
grupos, que geravam trabalhos coletivos, seja de protesto político ou
não, seja de paródia de organizações institucionais estáveis.
Pessoalmente estive mais ligado a franceses, uruguaios e argentinos.
Um acaso ou, quem sabe, por semelhança de empenho.
Assim, pode-se perceber que o Mitos Vadios parte de uma relação entre
artistas que de uma certa forma tinham os mesmos objetivos. Granato deixa claro
que havia essa vontade em comum e que por isso mesmo este acontecimento não
poderia ser uma proposta individual, como eram suas performances naquela
época, e sim, uma busca coletiva.
Para o artista, o Mitos Vadios não foi uma manifestação contra a cultura,
mas em favor desta, constituída pela busca de um grupo de artistas em abrir o
campo cultural, levando a arte tanto para seus próprios pares quanto para a
população em geral.
Por isso que mesmo em entrevistas dadas aos jornais em 1978, quanto
nesta, ele enfatiza que não existia uma crítica bem fundamenta à I Bienal Latino-
americana, Mitos e Magias. Ele reconhece que considerava as bienais como um
circuito de arte fechado e ortodoxo, porém existia essa necessidade por parte dos
artistas de ampliar seus campos de atuação, e também de se mostrarem mais
culturalmente, e por isso, o Mitos Vadios acabou absorvendo toda uma rede de
possibilidades e situações que convergiram na sua criação.
E essas situações como a I Bienal Latino-americana, serviram como plano
paralelo e conveniente para o acontecimento. Até mesmo o local da apresentação
foi conseguido por indicação de seu amigo Alberto Eiger, que conhecia o dono do
134
GASPARI, Elio. HOLLANDA, Heloisa Buarque. VENTURA, Zuenir. Cultura em trânsito: da repressão à
abertura. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2000. p. 186.
local. Para Granato, conseguir esse espaço na Rua Augusta surgiu também de
forma oportuna, visto a localização no bairro dos Jardins e a proximidade de várias
galerias de arte.
O nome Mitos Vadios também surge dentro de seu próprio processo
criativo, em que ironizando as instituições de arte, acaba por fazer este trocadilho
com o título da I Bienal Latino-americana. Enfim para ele “era tudo uma
conveniência...foi tudo uma...mas não foi feito para isso neh...foi uma seqüência
natural do estado de espírito da
época...”.
135
Perguntado sobre a
organização do Mitos Vadios, o
artista afirma que esta também
surgiu de forma descontraída. Parte
de uma convocação feita através
de seu escritório, a Granato’s
Production, criada em 1976, e que
tinha como um dos objetivos a
organização de seus trabalhos em
mail art, ou arte postal.
A arte postal se caracteriza
pelo envio e troca de trabalhos por
artistas e até mesmo instituições
através do correio. Constitui-se
num sistema de comunicação entre
artistas, fazendo com que exista
uma rede de relações e trocas
entre estes, possibilitando uma
divulgação dos trabalhos fora do circuito mercadológico de arte. E no caso do
Brasil, ganha cunho político, por ser uma arte que opera à margem do sistema
135
Vide entrevista em Anexo.
Imagem 34: Doracy Girrulat montando seu trabalho. Aquivo
pessoal Ivald Granato. Reprodução fotográfica: Lóris
Machado,1978.
oficial de arte, e por isso mesmo, conseguia burlar o sistema de censura do
Regime Militar. Como bem explicita Cristina Freire:
O intercâmbio de trabalhos pela via postal era prática corrente entre os
poetas desde os anos 50. No entanto, na arte postal, o correio passa a
ser o suporte privilegiado da arte. não parece elucidativo identificar
isoladamente cada artista, uma vez que toda a rede de comunicação,
emissor-receptor, mensagem e suporte constituem um sistema único. A
figura do criador isolado dilui-se com freqüência. A produção é muitas
vezes coletiva e compõe-se do conjunto das mensagens enviadas e
recebidas através dos correios.
136
Tanto no Brasil, quanto vivendo na Europa em meados da década de 1970,
Granato conseguiu estabelecer uma rede de relações através da arte postal, como
por exemplo, com o artista mexicano Ulisses Carrión, que conheceu em Amsterdã.
E esta linguagem artística possibilitou a troca de correspondências entre ele e os
artistas que participaram do Mitos Vadios, e conseqüentemente, entre estes e os
outros que aderiram ao evento.
136
FREIRE, Cristina. Op. Cit. p.16.
Imagem 35: Mauricio Friedman em Mitos Vadios. Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução
fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Por mais que essa organização tenha se dado de uma forma descontraída,
através das cartas encontradas, podemos notar até mesmo uma formalidade
textual e uma preocupação em relação às pessoas que iriam participar, à
divulgação pela imprensa (como meio até mesmo de documentação do trabalho),
e quanto aos projetos a serem apresentados no dia.
O artista relata que amesmo o cartaz foi pensado na forma de divulgar a
formação de um grupo coeso de artistas. Os nomes que aparecem são das
pessoas que estavam mais próximas e que por isso mesmo travaram maiores
discussões em relação ao tema. Porém, o cartaz acaba por ter apenas um
aspecto ilustrativo, ou seja, divulgação, visto que o Mitos Vadios era aberto a
qualquer um que quisesse se expressar naquele espaço. Em depoimento do
próprio artista:
NÓS tínhamos que fazer um cartaz...tínhamos que ter uma data,
tínhamos que ter um grupo...mas não era limitado o cartaz...foi feito com
os meninos...com os artistas que estavam ao meu redor na época...mas
nós abrimos imediatamente para que todos os artistas que pudessem
participar...tanto que eu soube depois...que havia...em torno de quase
sessenta... setenta artistas que fizeram alguma manifestação ou
outra...ali...ao redor...por volta...alguns prevaleceram mas os iniciantes
que eram os mais convidados...os que a gente tinha combinado...mas foi
uma...uma...um acontecimento mais aberto do que...do que pode ter
acontecido.
137
De acordo com os jornais que noticiaram o Mitos Vadios, tem-se que a
divulgação foi feita por estudantes da ECA (Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo), que saíram as ruas distribuindo panfletos com as
informações necessárias. Alguns desses estudantes faziam parte de grupos
experimentais como o Viajou sem Passaporte, que buscava de uma forma bem
humorada, criar intervenções urbanas na cidade de São Paulo.
O grupo foi formado em 1978 por Beatriz Caldano, Celso Santiago, Carlos
Alberto Gordon, Luiz Sergio Ragnole Silva, Marli de Souza, rcia Meirelles,
Marilda Carvalho e Roberto Mello. Buscavam através da improvisação caminhos
diferentes para a produção artística, intervindo em peças teatrais e criando
situações no cotidiano da cidade, despertando assim a atenção das pessoas. Um
137
Vide entrevista em Anexo.
exemplo dessas intervenções é a Trajetória do Curativo, contada por Luiz Sérgio
Ragnole (Raghy) em texto de Vanessa Bárbara:
A gente pegou uma linha de ônibus e ficou um em cada ponto da linha.
Cada um com um curativo no olho. E tinha dentro do ônibus uma pessoa
disfarçada de passageiro, pra observar", conta o Raghy, na
publicação Arte em Revista. "Então o primeiro deles entrava no ônibus,
passava a catraca, curativo no olho e tudo bem". No ponto seguinte,
outro deles subia, também com um curativo no rosto. O ônibus ia
andando e sempre tinha um com um curativo, contente, agindo como se
tudo estivesse na mais sacrossanta ordem. Em cada ponto descia um e
subia outro. Num determinado momento, o motorista já virava para trás e
o clima estava estranho. As pessoas se entreolhavam: "Quer dizer: um
ou dois talvez fosse uma coincidência, mas dez caras.., é foda! Tem
alguma coisa aí". Os passageiros ficavam especulando, cochichando
será que é organizado? Mas quem é que se organizaria pra fazer um
troço desses, por Deus? No último ponto da trajetória tinha um cara do
grupo, segurando um cartaz com um rosto desenhado e o curativo
colado, com o nome "Trajetória do Curativo", assinado: "Viajou sem
Passaporte". Imagina só a cara das pessoas, observando a cena.
138
Um dos intuitos do organizador do Mitos Vadios, foi chamar para participar
grupos de artistas jovens, de modo a dar visibilidade aos trabalhos desenvolvido
por estes. E foi o que aconteceu com os integrantes do Viajou sem Passaporte.
Ivald Granato conta que a impressão que tinha dos artistas mais jovens da
época agindo tanto individualmente quanto em grupos é que estes possuíam
uma produção artística interessante, porém na maioria das vezes não tinham
espaço para mostrar seu trabalho. Assim, o Mitos Vadios mostrou o trabalho dos
artistas mais conhecidos e consagrados dentro do circuito de arte brasileiro num
primeiro momento, e depois abriu o espaço para os artistas mais novos e para
quem quisesse participar.
E a abertura desse
espaço, de acordo com
Granato, até interferiu na
duração do Mitos Vadios,
que demorou para acabar.
Não precisando o horário do
término do acontecimento, o
138
BÁRBARA, Vanessa. Viajou sem passaporte: a intervenção urbana criativa. Disponível em:
http://www.rizoma.net/interna.php?id=143&secao=intervencao. Acesso em: 2008.
Imagem 36: Grupo Viajou sem Passaporte. Arquivo pessoal Ivald
Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado.
artista expõe que as pessoas começaram a tomar atitudes de artistas. Nem todos
os que estavam ali presentes tinham algo programado para expor, ou desenvolver
no momento, como estava combinado com os artistas participantes, mas toda
aquela atmosfera de criação possibilitou que as pessoas pensassem e agissem
artisticamente.
Granato relata ainda, que os artistas interferiram no trabalho uns dos
outros, e que as pessoas presentes também fizeram o mesmo com o trabalho dos
próprios artistas participantes. Qualquer fragmento de material, qualquer caneta e
papel se tornavam um meio de expressão, ou seja, tudo contribuía para a
participação das pessoas que ali se encontravam. O Mitos Vadios se tornou um
“processo de criação real...tipo laboratório grande”.
139
E esse laboratório se tornou um espaço democrático, pertencendo a todas
as pessoas que participaram. Do ponto de vista de Ivald Granato, as
manifestações artísticas daquela época aconteciam muito individualmente, pelo
menos era assim em seu processo de trabalho. E o Mitos Vadios possibilitou que
139
Vide entrevista em Anexo.
Imagem 37: Grupo Viajou sem Passaporte. Arquivo pessoal Ivald Granato.
Reprodução fotográfica: Lóris Machado.
ele trabalhasse com vários outros artistas, e mesmo que a organização de tudo
tenha partido dele, tanto que ele brinca com isso em sua apresentação, vestindo-
se de Ciccillo Matarazzo, os participantes encararam aquele espaço como deles, e
não como um lugar orientado por um superior, ou uma instituição, que
estabelecesse o que seria exposto, seus espaços e mesmo até comportamentos.
Como exposto no Capítulo II, o ponto alto do Mitos Vadios, seria a
apresentação em conjunto de Ivald Granato, Hélio Oiticica e Lygia Pape. Os dois
últimos eram representantes do Neoconcretismo brasileiro, e seus trabalhos
primavam pela experimentação, cada qual com suas características, e busca da
participação do espectador. Ivald Granato, como dito anteriormente, era
conhecido por suas performances, porém em exercícios mais individuais.
De acordo com o programado, Ivald Granato, vestido de Ciccillo Matarazzo,
desceria de helicóptero no estacionamento da Rua Augusta, e seria recepcionado
por Lygia Pape, caracterizada pela sua personagem de humores paulistanos
Imagem 38: Márcia Rothstein em Mitos Vadios. Arquivo pessoal Ivald Granato.
Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
Aracy Peipe, e Hélio Oiticica, vestido de forma caricata, ao som da banda Rolling
Stones.
A presença de Lygia Pape e Hélio Oiticica no Mitos Vadios dá um caráter
de autoridade artística a este, ou seja, estes dois artistas são representantes do
Neoconcretismo, um dos mais importantes movimentos de vanguarda do Brasil, e
que abre as artes brasileiras para o campo da experimentação e da participação
do espectador. O aspecto simbólico destes dois artistas em receber Ivald Granato,
mostra uma idéia de “apadrinhamento” desta nova vanguarda ou movimento que
poderia surgir dali.
Em relação à apresentação de Granato, tem-se que este faz uma paródia
ao criador das Bienais de São Paulo, Ciccillo Matarazzo. De acordo com a sua
percepção, sempre que se reuniam vários artistas em São Paulo, era porque se
tratava, normalmente de uma Bienal. Assim, como o Mitos Vadios estava reunindo
vários artistas em torno de uma apresentação, e como se tratava também do
período em que ocorreria a I Bienal Latino-americana, foi conveniente criar este
personagem.
A exemplo de seus trabalhos anteriores em performance, Granato saiu
pelo estacionamento da Rua Augusta dizendo às pessoas do local “I´m not Ciccillo
Matarazzo”. O caráter crítico dessa negação em ser o criador das Bienais, reforça
ainda mais a crítica ao mercado de artes naquela época, em especial aos espaços
institucionalizados, como museus e galerias. Esta negação também evidencia a
identidade do artista, ou seja, ele também discute o seu papel como agente
cultural dentro da sociedade.
Em seu entendimento, naquele momento os artistas ali reunidos estavam
fundando um movimento de liberdade criativa:
O personagem Ciccillo Matarazzo começou a valer a pena...era uma
maneira...era uma brincadeira de você dizer...Estamos fundando uma
nova...um estilo de arte...e acredito que fundou mesmo porque Mitos
Vadios...depois de Mitos Vadios...eh:: houve uma mudança
extraordinária no setor de arte...é::...a arte conceitual...não conceituar
essa arte de fazer coisas...de manifestação...virou uma coisa bem
presente na::::depois nas Bienais...nas galerias...nos salões...então
houve uma...houve realmente um movimento.
140
140
Vide entrevista em Anexo.
Por isso mesmo, que a presença de dois artistas Neoconcretos, recebendo
o personagem de Ivald Granato, instaura simbolicamente um “apadrinhamento”,
uma homologação de que ali estava se formando um novo movimento com mais
liberdade, e principalmente, sem a interferência das grandes instituições de artes.
Portanto era a presença dos artistas que consagravam o fazer artístico, ou seja,
eram eles que reconheciam que o que acontecia e o que era apresentado naquele
local era arte.
A participação de Lygia Pape, assim como a de Hélio Oiticica e Ivald
Granato, e de vários outros artistas, obedeceria a um projeto pensado para o
Mitos Vadios. No arquivo pessoal de Ivald Granato, encontra-se uma carta-
resposta, explicando como se daria o trabalho:
“Mitos Vadios”
LYGIA PAPE foi convidada a participar numa promoção paulista “Mitos
Vadios” organizada por Ivald Granato Productions a acontecer a partir
das zero horas às 24 horas do dia 12 de novembro num terreno baldio
na rua Augusta, esquina da rua Stados Unidos. É a contestação máxima
à bienal de s. Paulo: aos “MITOS E MAGIA”.
Lygia Pape vai apresentar seu personagem+humor “ARACIPEIPE” fruto
dos humores paulistanos, assinando um trabalho com uma grande fita
Imagem 39: Apresentação de Lygia Pape e Ivald Granato. Arquivo pessoal Ivald
Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
de HUMOR+MOEBIUS” contando o passado, o presente e o futuro do
paulista: um grande deslizar por entre os mitos de classes. O dentro e o
fora e seus significados, a fita enrodilhando tudo numa serpente
mordendo seu próprio rabo: HUMOR+MOENIUS. Um humor
matematizado ou batizado.
Meu vadiozinho.
Um espaço poético do urbano: as iconografias mentais da classe dos
homens.
Outros trabalhos também serão apresentados como: “RECEITUARIO”
para os padecimentos do paulistano desavisado; uma homenagem ao
“MITOS DOS MITOS” (?); “UMA DECLARAÇÃO DE AMOR”.
Quem for verá.
“MITOS VADIOS”: é o caminhar entre. Pelas brechas cavadas, pela
fresta, o perfil do espaço. A fenda nos espaços institucionalizados: um
fio fino de equilíbrio precário. É que está o humor: quem vive inventa:
pois viver é inventar: para quem quer.
Quero trabalhar com o coletivo: anonimo, feio+bonito. Quero a malta, as
forças irracionais da tragédia urbana megalopolis doce e ardente. E com
o fio fino da fenda do espaço quero invadir o interior da massa
desconhecida. Quero tocar o fundo do que está oculto. Naquilo que é
mais claro e límpido: o que eu inventar.
São Paulo – eu te amo.
Imagem 40: Carta-resposta de Lygia Pape para Ivald Granato.
Arquivo pessoal Ivald Granato. Reprodução fotográfica:
Arethusa de Paula.
Lygia Pape sempre foi uma artista que teve o trabalho voltado para a
experimentação, de modo a despertar sensações. É como explica Guy Brett:
O trabalho de Lygia Pape, de fato, mostra uma interação constante entre
estas duas demandas. Por um lado, ela tem produzido um fluxo de
objetos e instalações marcados por ironia, naturalidade despudorada,
referências locais e humor negro (suas Caixas de Baratas, de Formigas,
do Brasil, e da Violência, c. 967; instalações como Eat me: A gula ou a
luxúria?, 1975; ou mais recentemente, Narizes e línguas, 1994). Por
outro lado, ela tem produzido obras de delicadeza aérea, abstração e
universalidade. Entre estas últimas estariam Teia (1978), uma bela
construção de fio de cobre agarrado aos muros de um canto num ritmo
ascendente e descendente; Ovos de vento, 1979; e Tteia7, 1991.
141
E essas duas demandas, como bem explicita o crítico, percebe-se na
personagem AracyPeipe, em sua vontade de descobrir a grande cidade, e de
brincar com os humores paulistanos, o diferente dos humores cariocas. Em sua
declaração de amor, ela traria sua fita de Humor+ Moebius, para a própria artista:
"...quando você tem uma fita, inicialmente sempre um lado de dentro
e um lado de fora; mas se você torcer uma destas pontas, tornar a ligá-la
e então passar a percorrê-la com o dedo, você não vai ter mais o dentro
e o fora. Você vai ter um plano contínuo, o conceito passando de um
espaço interno para um espaço externo num movimento deslizante.(...)
Introduz a idéia de arte e vida se misturando, abolindo ou negando o
espaço sacralizado da sala de exposição etc., coisas que me
mobilizavam muito."
142
Mas não esquecendo o caráter contestatório de sua apresentação, ela
aponta na carta a pretensão de que sua ação seria em desfavor à Bienal Latino-
americana. E essa contestação se daria a partir da busca pelas questões sociais
urbanas que pudessem ser encontradas em Mitos Vadios.
141
BRETT, Guy. A gica da teia. IN: PAPE, Lygia. Gávea de tocaia. São Paulo: Cosac & Naify Edições,
2000. p.312.
142
Cocchiarale. Fernando. Lygia Pape e a renovação da arte brasileira. Disponível em:
http://www.lygiapape.org.br/lygia_pape.php. Acesso em: 2008.
Porém a apresentação da artista acabou ganhando outros elementos,
quando encontra com os outros dois companheiros de apresentação. De acordo
com os jornais, AracyPeipe (ou Aracipeipe) seria declarada por lio Oiticica
como a “Embaixatriz dos Stones”. E os dois recepcionariam a chegada “stoniante”
de Ivald Granato. Ela seria a portadora das pedras que iriam rolar no chão do
estacionamento, enquanto aquele artista dançava ao som de Rolling Stones. De
acordo com Granato, essas idéias surgiram ao longo da semana de espera entre o
dia 5 a 12 de novembro, através de conversas informais que tiveram:
tinha a coisa de rolando as pedras...e tal...então...então rolando as
pedras e Rolling Stones ficou bem...não foi tamm especifico a escolha
dos Rolling Stones como...era muito...era muita coisa que foi nascendo
no ar...o Hélio veio pro meu ateliê...a noite a gente escrevia...havia muito
improviso...aí porra olha o stones...então o Rolling Stones...A
pedra...então vamos botar a musica do Rolling Stones...eu tenho esse
casaco cor de rosa...vou botar esse casaco cor de rosa...então não foi
uma coisa assim...
143
143
Vide entrevista em Anexo.
Imagem 41: Lygia Pape em Mitos Vadios. Aquivo Pessoal: Ivald Granato.
Reprodução
fotográfica: Lóris Machado, 1978.
O mesmo aconteceu com Hélio Oiticica. Ele também enviou um projeto de
como seria o seu trabalho. Em seu texto ele propõe levar objetos para serem
apresentados no dia, quais sejam: capa-faixa de murim plastificado com cola
vinílica, pedaço de asfalto, terra do Morro da Mangueira, água da praia de
Ipanema, pequenos objetos encontrados na rua. Todos esses elementos fariam
parte de sua performance, intitulada Deliruim Ambulatorium.
Porém, pelo que conta Ivald Granato, esses materiais foram dispensados
por Oiticica. Nota-se que existiu uma preocupação maior por parte dos artistas
com a própria ação, por esta se tornar mais fascinante que o próprio objeto. Ou
seja, os trabalhos tanto de Lygia Pape, quanto de Oiticica, acabaram por
dispensar os objetos, desenvolvendo-se muito mais a performance de cada um.
Assim, os objetos foram perdendo a força em detrimento da atuação das pessoas
presentes:
o Hélio precisava mais de...som...de música...de peruca...já
transformou o objeto dele...já não era mais tão importante quanto...o
objeto água...terra...areia...já ficou em segundo plano...tinha uma peça...
de...de rua...que chamava Manhattan... um pedaço de...de asfalto...que
ele queria mostrar que ficou em casa...ele depois já...NEM vou levar
isso (...) ESSE tipo de coisa...no decorrer do período...ele foi...eu senti
que foi ficando cada vez mais frágil... o que foi ficando mais rico foi a
participação em si da pessoa...Apesar de todos...por exemplo...de ter
objetos ainda que ficaram permanecidos...como... - - a...a Ligia já por
exemplo...já...usou mais a vestimenta e o comportamento do que o
objeto em si...entendeu...em alguns objetos perderam a força e
ganharam força o personagem...
144
E o personagem de maior destaque em Mitos Vadios foi o artista Hélio
Oiticica. Vários artistas como Genilson Soares, Regina Vater, Olney Krüse,
referem-se à importância de atuar ao lado deste que foi um dos mais importantes
artistas brasileiros.
144
Vide entrevista em Anexo.
A presença de Hélio Oiticica serviu como um estandarte ao acontecimento.
Pode-se dizer que ele foi um dos pólos aglutinadores de pessoas em Mitos
Vadios. Um exemplo da importância dessa presença foi uma exposição realizada
pelo artista plástico e fotógrafo Sólon Ribeiro, no Centro Dragão do Mar de Arte e
Cultura (no Museu de Arte Contemporânea desta instituição), em Fortaleza-CE,
em janeiro de 2005, intitulada Mitos Vadios: Hélio Oiticica, e que dava destaque
especial para a apresentação do artista.
Na apresentação descrita no site do Centro Dragão do Mar de Arte e
Cultura, dentro de um projeto chamado Artista Invasor, é colocado que Sólon
Ribeiro esteve ao lado de Hélio Oiticica, e que a exposição do ensaio fotográfico
sobre a performance do artista e sobre o Mitos Vadios era inédito no país
145
.
Sólon Ribeiro na época era estudante e morava em São Paulo. No texto do
folder da exposição ele conta que ficou sabendo do Mitos Vadios por uma nota no
145
ARTISTA INVASOR – III EDIÇÃO. Disponível em:
http://www.dragaodomar.org.br/mac/expo_ant/expo_ant_2005.htm#. Acesso em: 2008.
Imagem 42: Lygia Pape e as “rolling stones”. Arquivo pessoal Ivald
Granato. Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
jornal Folha de São Paulo, e seu depoimento deixa claro a fascinação pelo
trabalho de Oiticica:
No meio de tantas besteiras de repente uma nota pequena! (as notas
pequenas nos jornais são as coisas mais importantes) Dei um pulo, corri
pra vitrola, mandei ver Caetano, estava Kaya. Teria que comemorar,
isto é, me preparar para o domingo, desci, comprei alguns tri-x, e me
encarreguei de ligar para a moçada falando da chegada do lio. Hélio
prometia um heppening no estacionamento da Augusta ao som de
Stones (um desaforo: depois da anistia: ROCK) o heppening aconteceu
como tinha de acontecer, um dia de Stones quadros sendo pintado,
pessoas pintando o 80, o trânsito parado, os intelectuais achando
ridículo. Mas Hélio estava lindo. De tanga, camiseta com a cara do Mick,
sapatos altos prateados. Hélio oiticica sempre assumiu todas. Foi fundo
nas drogas, no tesão pelos homens, na arte como vida, a arte comovida,
a tropicália é dele e o do Brasil, ajudou a fundar o Neoconcretismo. As
escolas de samba, as maquetes, Nova Yorke, os ensinamentos do seu
avô, José Oiticica (zé oiticica, anarquista graças a deus). Pois é, de
repente eu estava na paulicéia querendo que a poeira do brilho varresse
o país. Como já disse, pelo menos hélio brilhou naquele dia e eu
desejava que ele continuasse brilhando.
146
O Delirium Ambulatorium de Hélio Oiticica, é um trabalho que vem de
uma pesquisa anterior à apresentação no estacionamento da Rua Augusta. Parte
da vontade do artista em entender o espaço urbano através do caminhar pela
cidade. Essas andanças proporcionaram-lhe a desmistificação da cidade e a
intervenção nesta. Ao mexer com o público, vestir-se de maneira incomum,
dialoga com o outro, e mostra que a caminhada diária e intencional pode ter suas
surpresas. Esse é o sentido de transportar os objetos do Rio de Janeiro para São
Paulo. Objetos estes, que ele encontrou em suas próprias caminhadas,
compartilhando com os outros os resultados da sua experiência.
146
RIBEIRO, lon. Mitos Vadios: Hélio Oiticica. Catálogo de Exposição. Fortaleza: Centro Dragão do Mar
de Arte e Cultura, 2005.
Outro elemento importante em Deliruium Ambulatorium, e que se nota
particularmente na apresentação em Mitos Vadios, é a presença do rock n’ roll, no
caso, a música do Rolling Stones. Tanto o rock como o samba serviu a este artista
como meio de “desintelectualização”, o primeiro quando ele se encontrava
morando em Nova Iorque, o segundo, experimentado no Morro da Mangueira no
Rio de Janeiro.
Assim, a introdução do rock como elemento dentro do trabalho de Hélio
Oiticica, ainda traz a sua preocupação ética diante dos acontecimentos sociais
presenciados por ele, em especial enquanto vivia nos Estados Unidos. De acordo
com Daniel Cassin Dutra Alves:
O artista continuaria e desdobraria deste modo a crítica aos mitos que
estariam presentes no cotidiano e na produção de imagens. Esta crítica
traria ainda uma posição ética, contida na ação do participador (ex-
espectador) calcada na invenção e na construção de si, para além das
amarras do cotidiano. Oiticica ainda colocou o problema da ação das
essências e das aparências através do uso da maquiagem, usada pelos
Imagem 43: Hélio Oiticica, Delirium Ambulatorium. Arquivo pessoal Ivald Granato.
Reprodução fotográfica: Lóris Machado, 1978.
rockstars e pelas drag queens, personagens “subterrâneos” (aliás, este é
um nome de um projeto de Oiticica) da época.
147
Outro elemento presente nas pesquisas do artista é o contato que teve com
os textos da Internacional Situacionista, cujo principal representante foi o cineasta
francês Guy Debord. Este movimento nasceu na França, em 1957, e sua premissa
era “propor uma arte diretamente ligada à vida, uma arte integral” percebendo
“que essa arte seria basicamente urbana e estaria em relação direta com a cidade
e com a vida urbana em geral”.
148
Tal busca por uma transformação urbana acontecia através da
desmistificação da sociedade, que fora elevada a um patamar de espetáculo pela
indústria cultural massificada, que se acirra com o fim da Segunda Guerra
Mundial. Para isso, foram propostas por esse movimento as noções de
psicogeografia, deriva e de situação construída. Eis suas definições:
Situação construída: momento da vida, concreta e deliberadamente
construído pela organização coletiva de uma ambiência unitária e de um
jogo de acontecimentos. (...)
Psicogeografia: Estudo dos efeitos exatos do meio geográfico,
conscientemente planejado ou o, que agem diretamente sobre o
comportamento afetivo dos indivíduos. (...)
Deriva: Modo de comportamento experimental ligado às condições da
sociedade urbana: técnica da passagem rápida por ambiências variadas.
Diz-se também, mais particularmente, para designar a duração de um
exercício contínuo dessa experiência. (...)
149
As andanças, a proposição de situações diferentes, sejam quais forem,
seriam para os integrantes da Internacional Situacionista formas de
descondicionamento do ser humano, bombardeado a todo o momento pela cultura
de massa. Caberia agora ao artista fazer essas proposições ao seu público, para
lhes devolver a capacidade e a liberdade de criação.
É esse o tipo de desmistificação que Hélio Oiticica procura ao longo da sua
pesquisa plástica. Com Delirium Ambulatorium, o artista vai iniciar uma série de
projetos onde a poetização da vida urbana ganha destaque. A partir das andanças
147
ALVES, Daniel Cassin Dutra. Hélio por Hélio; Oiticica s Oiticica. Belo Horizonte: EBA-UFMG, 2007.
(Dissertação de mestrado). p.73.
148
BERENSTEIN, Paola Jacques (org). Apologia da deriva: escritos situacionistas sobre a cidade. Rio de
Janeiro: Casa da Palavra, 2003. p. 19.
149
BERENSTEIN, Paola Jacques. Op. Cit. p. 65.
à deriva, as experiências vão surgindo de modo a se refazer a cada momento, nas
próprias mudanças do cotidiano. É a busca pela desmistificação da vida. De
acordo com Favaretto, “Oiticica o redescobre as ruas, o morro; reafirma a sua
experiência inicial, isento do mito e da utopia”.
150
Ao propor esta performance em Mitos Vadios, o artista esclarece que são
“mitos vazios”
151
, pois o processo se encontra por fazer, refazendo-se a todo o
momento. É a proposição de situações para o público e para o próprio artista, que
se surpreende a cada movimento, em cada parte da rua.
Depois de Mitos Vadios, Oiticica ainda faz mais dois exercícios
semelhantes a este: Kleemania (1979) e Esquenta pro Carnaval (1980)
152
. O
primeiro era uma homenagem ao centenário de Paul Klee, também denominado
Devolver a Terra à Terra, em que elabora um “contrabólide”, ou seja, ele não
coloca a terra dentro de um recipiente como seria em seus bólides, e sim, devolve
a terra à natureza. E o segundo aconteceu no morro da Mangueira, onde ele
determina um espaço de vivências, em que as pessoas poderiam compartilhar
experiências simultâneas.
O Delirium Ambulatorium se apresenta ao espectador como uma lição para
poetizar a vida cotidiana. No texto escrito quando pensava o evento, ele anota:
AS RUAS E AS BOBAGENS DO NOSSO DAYDREAM DIÁRIO SE
ENRIQUECEM.
VÊ-SE Q ELAS NÃO SÃO BOBAGENS NEM TROUVAILLES SEM
CONSEQÜÊNCIA.
SÃO O CALÇADO PRONTO PARA O DELIRIUM
AMBULATORIUM RENOVADO A CADA DIA
153
.
Portanto, o artista deixa claro para seu espectador-participador que a arte
está ligada diretamente à vida. E poetizar a arte e a vida é não mitificá-la, mas
torná-la real e completa de experiências também reais.
150
FAVARETTO, Celso. A invenção de Hélio Oiticica. 2ªed.rev. São Paulo. EDUSP, 2000, p. 221.
151
OITICICA, Hélio. Delirium Ambulatórium. Vide Anexo
152
FAVARETTO, Celso. Op. Cit. p. 225.
153
OITICICA, Hélio. Op. Cit. Vide Anexo.
E as experiências não de Hélio Oiticica, mas de todos os artistas
participantes acabaram por aproximar a arte da vida, poetizando aquele espaço de
encontro de tantas pessoas naquele domingo. Ao questionar Ivald Granato sobre
o momento político da época e o Mitos Vadios, o artista mais uma vez aponta para
a vontade de liberdade de criação.
Granato expõe que estavam todos sentindo um “CHEIRO de liberdade
no ar”
154
. Mesmo existindo dúvidas quanto à situação política do país, o Mitos
Vadios tinha um ponto de questionamento ao momento histórico, mas este era
baseado especialmente na alegria. O acontecimento, para ele, não tinha a
intenção de revolucionar, mas de promover uma poética, deixando para trás todo
o ranço provocado pelos anos mais duros do Regime Militar.
Havia muitas obras com caráter de contestação. Muitos panfletinhos foram
feitos pelos participantes e distribuídos ao público, com frases de efeito e palavras
de ordem. Mas o questionamento extrapolava o cunho apenas político, discutindo
dessa forma questões pertinentes à arte, a cultura e ao comportamento.
Enfim, esse era o motor dos acontecimentos daquela época, e não há como
negar que isto estava presente nas obras e performances ali apresentadas,
mesmo que o Mitos Vadios tenha primado pela paz e harmonia, como coloca seu
organizador, num momento em que, na opinião dele, a liberdade estava no ar e
todos queriam agarrá-la de qualquer maneira.
154
Vide entrevista em Anexo.
Imagem 44: Detalhe do trabalho de Maurício Friedman em Mitos Vadios. Arquivo
pessoal Ivald Granato. Reprodução Fotográfica: Lóris Machado, 1978.
E a atmosfera de liberdade que tanto Ivald Granato defende, foi sentida
pelos espectadores através dos trabalhos, performances e intervenções artísticas
apresentadas. Para o artista, o público correspondeu a contento. Estavam todos
curiosos em especial as crianças, principalmente porque aquele tipo de
movimento era algo inédito na cidade.
Ele menciona que existiam várias exposições de arte, e novidades em
relação à poesia e ao teatro, porém ainda não havia acontecido na cidade de São
Paulo nada com tamanha liberdade criativa como foi o Mitos Vadios. De acordo
com o próprio artista: “o pessoal estava amando o... o barulho... a confusão... só o
ato de fazer isso...eu acho que foi muito positivo...Todo mundo gostou... não tinha
ninguém de mau humor”
155
.
A alegria das pessoas é bastante evidente quando se olha para os registros
fotográficos de Lóris Machado, cunhada de Granato, que sempre documentava os
155
Vide entrevista em Anexo.
Imagem 45: Panfletos jogados no chão do estacionamento em Mitos Vadios. Arquivo
pessoal Ivald Granato. Reprodução Fotográfica: Lóris Machado, 1978.
trabalhos do artista. E levando em consideração essa documentação, é
interessante observar a constituição de seu acervo pessoal.
O artista assinala que essa organização, e especialmente a aquisição de
trabalhos de outros sempre o interessou. O ato de guardar qualquer nota que
tenha saído na imprensa sobre seu trabalho também é uma prática usual, bem
como qualquer desenho, gravura, ou objeto que tenha sido feito por algum amigo.
E isso fica claro em seu depoimento:
eu sempre gostei de guardar obras de outros artistas... e minha casa
sempre foi muito envolvida... muito animada com muitos artistas... os
quais a noite ficavam...em conversas longas... vários papos... vários
bate-bocas... e aquilo se fazia desenho... se escrevia...se VIVIA arte...
então muitas vezes as pessoas deixavam aquilo na minha casa...e
aquilo foi criando uma:: uma:: uma maneira razoável de você aglomerar
coisas alheias...suas...e etc... Então eu sempre guardei com muito
carinho... fui guardando... fui guardando... e depois deu num...num... no
que deu... que tem realmente um arquivo muito bom...
156
O arquivo de Mitos Vadios também foi guardado de forma sistemática. O
artista tentou, por conta própria, montar painéis de artigos de jornais que
noticiaram o acontecimento. E as fotografias de ris Machado ganharam um
destino parecido. São três pequenos cartazes um pouco maior que a medida de
uma folha A3 (29 cm x 42 cm) infelizmente, uma delas se encontra rasgada
em que o artista faz um painel com as provas das fotografias tiradas.
Dos artistas entrevistados, Granato, naturalmente, foi o que conseguiu
reunir mais registros do que aconteceu em Mitos Vadios. E a reunião de todas
essas fotografias e recortes de jornais, num primeiro momento, tinha a intenção de
fazer parte de um curriculum artístico, e acabou se tornando parte de um grande
arquivo sobre seu trabalho.
Se o Mitos Vadios realmente foi um espaço de criação e liberdade,
cumprindo aquilo que propôs ao ser elaborado, foi perguntado ao seu organizador
por que não houve uma continuidade. O jornalista Marcelo Kahns e o grupo Viajou
Sem Passaporte, são dois exemplos dessa vontade de que outros espaços como
aquele fossem elaborados, ou que o evento acontecesse outras vezes.
156
Vide entrevista em Anexo.
Granato aponta que o Mitos Vadios surgiu de uma vontade espontânea de
vários artistas. Ele captou esse anseio comum, e reuniu essas forças, organizando
o acontecimento. Para o artista, essas forças não se renovaram devido às próprias
mudanças em seu processo de trabalho, e até mesmo dos outros participantes. E
por isso mesmo, não houve o interesse em organizar uma segunda edição, visto
que aquela foi uma reunião criativa espontânea, e por isso mesmo momentânea.
Menciona que surgiu o convite para que outro Mitos Vadios fosse feito,
mas por enquanto, não existe motivação em organizar uma nova edição, por
causa mesmo dessa distância temporal, mas não descarta a possibilidade:
Agora a pouco tempo vieram me perguntar se eu não queria fazer de
novo...o Mitos Vadios...mas a gente esta fazendo no fundo uma porção
de coisas...uma porção de eventos...só que são diferentes...e...e eu não
sei...pode ser até que...eu volte a um dia a querer fazer...uma
rememoração...mas isso é uma coisa que o tempo dirá...Eu acredito
que foi suficiente...um trabalho que...que valeu a pena fazer...foi
totalmente espontâneo...havia as decisões de cabeças bem
pragmáticas...isso com certeza tinha...tinha intenções bem
fortes...atitudes conceituais bem disciplinadas... mas havia também
muita espontaneidade...muito carinho...muita razão de época...que eu
Imagem 46: Imagem do painel de fotografias organizado por Ivald Granato. Arquivo
pessoal Ivald Granato. Reprodução Fotográfica: Arethusa de Paula.
acredito muito nessas coisas...porque tem muita coisa que gera na
época...depois na outra época é:: torna-se esforço...e esse tipo de
coisa...é...eu acho que se você faz com esforço...torna-se
briguento...torna-se...competitivo...e...eu não vi nessa época nada
de...assim...eu vi que a coisa desabrochou...ficou legal...ficou...ficou bom
astral bom...e quando a coisa está com astral bom é...eu prefiro
assim.
157
O Mitos Vadios acabou por sinalizar uma expressão muito corrente na
época: a contestação ao sistema institucional de arte. Isso é claro em vários
depoimentos e trabalhos. Assim como ocorreu com as vanguardas históricas, e
até mesmo a arte contemporânea, pós Segunda Guerra Mundial, a tentativa de se
organizar outros Mitos Vadios poderia fazer com que essa reunião espontânea de
artistas pudesse cair na institucionalização. Assim, o movimento perderia a sua
coerência inicial de ser um espaço libertário de criação. E o seu valor histórico e
artístico se encontra nessa efemeridade de ações, feitas para durarem apenas
naquele dia de domingo:
não tem cabimento você ficar fazendo duas vezes um...uma...uma
interrogação espontânea...e a interrogação - - e depois nasceram vários
outros caminhos...eu acho que de uma forma ou de outra havendo
sim os Mitos Vadios...eu vejo os Mitos Vadios acontecendo sempre mas
não que seja eu que esteja fazendo nem que eu organizar...eu acho
que...virou uma coisa de domínio social público... (...) Acho que foi um
acontecimento para ter sido um acontecimento...e:: e eu acho que ficou
bem na história...e:: ele ficou marcado...talvez se tivesse feito
outro...NÃO é... não é o papel de Mitos Vadios se tornar uma
entidade...
158
Assim, o Mitos Vadios se tornou um espaço onde os artistas puderam fazer
o quem bem entendesse, sem sofrer qualquer tipo de cerceamento por parte da
censura e também de qualquer instituição de arte. Decorridos trinta anos de seu
acontecimento, tem-se que o movimento continua atual, e sua importância na
história da arte contemporânea brasileira é evidente.
Ivald Granato, ao ser perguntado sobre sua impressão do Mitos Vadios,
trinta anos depois, mostra uma certa surpresa, e aponta que foi o decorrer do
próprio tempo que indicou sua importância:
Eu acho... eu acho o seguinte... eu sempre achei muito rico... Mitos
Vadios não é um... não é uma coisa que eu ficaria dizendo com muito
157
Vide entrevista em Anexo.
158
Idem.
orgulho... o próprio tempo é que acabou me explicando que era tra... que
foi uma coisa muito importante... e é engraçado é que as pessoas
estudam mais do que...do que eu pensava... E hoje as pessoas estão
pensando melhor do que EU também pensava... então... isso pra mim
não é uma surpresa porque eu sei que foi uns dos manifestos que eu
fiz...bons manifestos... bons... Agora... o interesse das pessoas
estudiosas... o interesse do tempo ...o próprio tempo que foi explicando
melhor o que foi que aconteceu... porque você os Mitos Vadios hoje
uma sensação de que está... atu...atual...de que ela não ficou
antiga... ele está com trinta anos... e parece que... que você vai nas
galerias novas de hoje e é o que você está vendo aí... então é um sinal
de que... ela sobreviveu ao tempo e deu ao tempo... muitas
características importantes... muita:: Eu me sinto bem com isso... eu
acho legal... acho que vai até acabar saindo bons livros... e ela vai ter
uma:: uma... uma bela... um belo... como se chama... um belo nhaco
né... na história da arte contemporânea.
159
Portanto, o Mitos Vadios se funda num momento em que as vontades de
diversos artistas se juntam num objetivo comum: o da liberdade. A efemeridade
dos objetos apresentados, das performances, e da participação do público, marca
um processo artístico atraído pelo campo de forças daquele momento histórico: a
vivência de um regime ditatorial, a busca do papel social do artista, a tentativa de
se libertar dos valores impostos pelas grandes instituições de arte e
principalmente de seu mercado.
Ao chamar a atenção do blico, de uma forma lúdica, irônica, e aberta,
aquele domingo de novembro de 1978 se tornou revolucionário, na medida em
que talvez tenha possibilitado a cada pessoa que ali se encontrava um
pensamento crítico diante de seu cotidiano, da situação social, política e cultural
em que viviam.
Se outro Mitos Vadios deveria acontecer apenas o tempo poderá mostrar
sua viabilidade. O caminho deixado por aqueles artistas continua em aberto, e as
vontades se renovando a cada dia, na atualidade dos acontecimentos. Assim,
quem sabe, um dia essas forças poderão se aglutinar novamente.
159
Vide entrevista em Anexo.
Conclusão ou Considerações Contínuas.
A liberdade e a criatividade podem ser palpáveis, ocupar um espaço, ter
vontade, sentimentos, brincar, ironizar, criticar, tomar posições éticas, porque
fazem parte de um campo de forças inegável: a vida. Trinta anos se passaram
desde aquele domingo chuvoso de novembro de 1978, num estacionamento da
Rua Augusta. E até hoje, o Mitos Vadios pode ser sentido como um acontecimento
atual.
A presente dissertação não tem a pretensão de esgotar o assunto, e sim,
buscar possibilidades de trabalho à cerca do tema proposto. O levantamento de
documentos, entrevistas e imagens do Mitos Vadios, ajuda a entender como este
foi organizado, e traça um perfil do evento, considerando seu momento histórico e
artístico.
Dentro de um contexto de arte de ação, os trabalhos ali dialogaram com o
público, chamando a atenção para vários problemas concernentes à situação
histórica da época. E a forma aberta com que foram apresentados, estreitou de
maneira criativa a relação do público com seu cotidiano e com a arte.
Os artistas, naquele espaço, fizeram com que as pessoas percebessem de
maneira diferente a obra de arte e o fazer artístico, mostrando que seu processo
estão além de um museu, de uma galeria, ou de qualquer espaço
institucionalizado, e sim, muito mais perto do que imaginavam.
Ao se deparar com um tema praticamente inédito como Mitos Vadios, e
fazer um levantamento de dados à cerca do assunto, um mosaico de
possibilidades surgem. A riqueza dos documentos encontrados, dos depoimentos
de artistas, das imagens, faz com que a reconstrução histórica desse evento,
nessa dissertação, parta da junção de fragmentos perdidos na memória do tempo.
A pesquisa acabou por se concentrar no arquivo e no depoimento de Ivald
Granato, visto que ele guarda a maior parte dos documentos e imagens
encontrados. E a preocupação dele em organizar seus próprios fragmentos de
memória, e construir sua própria história está presente a todo o momento em que
se tem contato com esse artista. Um exemplo dessa vontade ficou evidente
quando ele mostrou seu primeiro livro intitulado “Ivald Granato: art performance”,
lançado em 1979, que traz uma compilação de textos de alguns críticos, e várias
imagens de suas performances desenvolvidas nesta década.
Num primeiro encontro, em 2006, seu arquivo ainda se apresentava sem
uma organização sistemática, em que o artista mostrou o que achava mais
pertinente dentro de sua produção artística a aquele momento. Além de
trabalhos seus, em sua casa/ateliê estão expostas e guardadas obras de outros
artistas, adquiridas em suas reuniões, ganhadas ou até mesmo compradas.
num segundo encontro, em 2008, Granato apresenta seu arquivo
muito bem organizado, contando com a ajuda de uma assistente, que compilou
todos os documentos e imagens separadas em pastas referentes à década em
que foram elaborados e apresentados. E essa reorganização dará resultado à
edição de um novo livro sobre seus trabalhos.
É interessante notar que o próprio artista procura a preservação de sua
memória, dentro desse arquivo ainda em construção, onde ele mesmo tem o
poder de decidir o que será ou não revelado. Como seus trabalhos ganham
notoriedade na década de 1970, estes estão em contato direto com as linguagens
artísticas nacionais e internacionais, que levantaram várias discussões dentro do
contexto da época. De acordo com Paulo Brusky, citado por Cristina Freire:
Uma coisa importante, que até aquele momento o havia, era a prática
de teorizar, fazer uma reflexão maior sobre o próprio trabalho. O artista
passou a ser o seu próprio crítico e, por isso, não precisava de mais
ninguém escrevendo sobre ele. E a crítica acordou muito tarde porque,
com medo, eles passaram um tempo ausentes. Nós os substituímos de
maneira verdadeira, de maneira mais pura, mais direta, sem nenhum
artificialismo, sem nenhum tabu, sem nenhuma troca de interesses...
160
160
FREIRE, Cristina. Paulo Brusky: arte, arquivo e utopia. São Paulo: Companhia Editora de Pernambuco,
2006.
E essa ação direta de que fala este artista é sentida quando se entra em
contato com o arquivo de Ivald Granato, que tem uma preocupação nítida com o
que está guardado ali, deixando-o até mesmo um pouco resistente em abrir esse
universo para pesquisa.
Talvez por isso o Mitos Vadios tenha ficado tanto tempo sem uma pesquisa
que tentasse juntar seus fragmentos a fim de sua reconstrução histórica. Agora,
decorrido todo esse espaço de tempo é que se percebe a importância desse
evento dentro da história da arte contemporânea no Brasil.
E uma das contribuições foi realmente a contestação aos espaços
institucionalizados, às regras do mercado de arte, em especial no final dos anos
1970, com o aquecimento deste através, principalmente, da venda de obras de
artistas modernistas brasileiros. E esta ação abriu espaço para que artistas novos
e desconhecidos pudessem apresentar seu trabalho, ao lado de pessoas
consagradas no cenário artístico do país.
As obras, ao serem elaboradas unicamente para a apresentação naquele
local, primaram pela efemeridade. A liberdade de criação, de intervenção no
espaço e nas obras uns dos outros, proporcionou além de uma troca de
experiências, a despreocupação com qualquer crítica ou valor imposto por
instituições e mercado, dando ênfase a um processo criativo.
Por mais que o evento tenha tido uma elaboração prévia organizada, com o
envio de convites, divulgação na imprensa, determinação dos espaços de cada
um no estacionamento (como é possível perceber em algumas imagens), essas
determinações foram extrapoladas, vigorando a ação de cada participante.
Assim, talvez nunca seja possível atingir a totalidade deste acontecimento,
pois o Mitos Vadios se baseia na liberdade criativa, e por isso mesmo pode ser
visto por diversos prismas. Um exemplo é a exposição de fotografias de Sólon
Ribeiro, sobre a apresentação de Hélio Oiticica, em 2005, no Centro de Arte
Dragão do Mar de Cultura e Arte no Ceará. Mesmo sendo inédita a apresentação
destas imagens, ainda assim, aquela foi apenas uma das visões que se pode ter
do evento.
Um outro ponto que pode ser levantado é em relação à sua
institucionalização, ou seja, o Mitos Vadios ainda não foi levado a uma grande
instituição de arte, à exibição de suas imagens ou à reconstrução de seus
trabalhos e apresentações, a exemplo de vários outros que traçam um diálogo
com esse evento. A maioria dos documentos coletados foi encontrada no acervo
pessoal de seu organizador. Como bem assinala Cristina Freire, em relação aos
arquivos de artistas:
É interessante notar como nesses acervos particulares arte e vida se
mesclam mais uma vez. À parte de qualquer categorização abstrata, o
material se entrelaça e é reconstruído pelas elaborações da memória
daqueles que o mantêm. Nessa medida, esses arquivos têm como
estrutura um sistema de memória que escapa aos interesses do circuito
de arte tradicional e da narrativa oficial e hegemônica. Tudo tem um
lugar e valor correspondente.
161
Dessa forma, o Mitos Vadios, ainda tem sua história por ser construída e
reconstruída. Tendo a liberdade como seu estandarte, os artistas que se reuniram
naquele domingo chuvoso de novembro, transformaram um simples
estacionamento, num espaço de exercício pleno de criatividade.
Numa grande confraternização entre artistas e público, os laços entre arte e
vida mais uma vez foram estreitados. E esta dissertação se encerra apresentando
uma ultima imagem, que transmite o sentimento de quem se encontrava presente
naquele dia: o da alegria.
161
FREIRE, Cristina. Op. cit. p.170.
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www.itaucultural.com.br
www.art-bonobo.com/ivaldgranato/blog/ - 36k
www.art-bonobo.com/ivaldgranato/welcome.html
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ANEXOS
ANEXO I
ANEXO II
ANEXO III
ANEXO IV
ANEXO V
ANEXO VI
ANEXO VII
ANEXO VIII
ANEXO IX
ENTREVISTAS
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
1) Como o (a) Sr.(a) chegou aos Mitos Vadios? Foi um convite? De quem
partiu esse convite?
2) Qual trabalho o (a) Sr.(a) apresentou?
3) Como o Sr (a) chegou a este trabalho? Houve um projeto prévio elaborado
especificamente para esse happening?
4) Existia alguma intenção política neste trabalho ou de crítica ao mercado de
arte?
5) Qual sua opinião em relação ao contexto artístico brasileiro daquela época?
Quais os artistas internacionais, ou correntes artísticas que mais
influenciavam os artistas aqui no Brasil na época?
6) Em sua opinião, qual foi o objetivo principal do happening Mitos Vadios?
7) Que tipo de experiência o evento proporcionou ao Sr. (a)? Houve uma
influencia desse trabalho em sua produção artística posterior?
Entrevista
Artista: Anna Maria Maiolino
1) Como Sra. chegou aos Mitos Vadios? Foi um convite? De quem partiu esse
convite?
A Artista Regina Vater me convidou em seu nome e no nome do Helio Oiticica,
explicando-me que o evento estava sendo composto por adesões.
2) Qual trabalho Sra. apresentou?
Apresentei dos trabalhos: “Monumento à Fome” e “Estado Escatológico”, 1978
3) Como Sra. chegou a este trabalho? Houve um projeto prévio elaborado
especificamente para esse happening?
Fui convidada faltando poucos dias para o evento, não houve um tempo longo de
preparação. Os projetos os tinha esboçado no papel e os achei oportunos para
Mitos Vadios.
Monumento à Fomeconsiste de dois sacos de 30 quilos cada: Um de arroz e outro de
feijão, alimentos básicos do povo brasileiro. Os sacos amarrados, unidos por uma cinta
negra, símbolo da morte, ficam em cima de uma mesa coberta com uma toalha preta.
Nitidamente a obra denuncia a pobreza, a escassez do alimento, que em aquele momento
sensível da vida nacional se estendia à falta não somente do alimento, mas também à fome
de justiça, de liberdade, de democracia.
“Estato escatológico”, vinha a completar o primeiro trabalho. Este consiste de vários
papeis higiênicos de deferentes qualidades pendurados no muro do terreno baldio. Desde
o papel higiênico mais caro, seguidos em fila de outros de qualidades inferiores, até o mais
barato, passando por papel de jornal, papel de pão, e finalmente até uma folha de uma
planta. O trabalho ironiza a pretensão de consumo da classe dominante, da elite e do
mercado, que buscam dar “status” até uma necessidade tão básica como a defecação.
Quando justamente os seres humanos, por ser esta um estado fisiológico, nos igualamos na
nossa natureza, da mesma forma como somos iguais diante do nascimento e da morte.
Sem duvida, o drama visível do laço preto do primeiro trabalho e a ironia contida na
sublimação da higiene com a defecação do segundo, coloca-nos diante de obras de
problemáticas sociais.
4) Existia alguma intenção política neste trabalho ou de crítica ao mercado de
arte?
Os trabalhos são de conteúdo social. Naquele momento histórico a fome expressa no
Monumento à Fome, analogicamente, assumia aspectos amplos, extensos: o vazio em que
nos havia deixado os longos anos de ditadura, repressão e falta de liberdade.
5) Qual sua opinião em relação ao contexto artístico brasileiro daquela época?
Quais os artistas internacionais, ou correntes artísticas que mais influenciavam
os artistas aqui no Brasil na época?
Não sei responder bem a esta pergunta. Eu sinto aquele período como um longo tenpo de
resistência onde se tentava criar driblando a censura e apesar desta.
6) Em sua opinião, qual foi o objetivo principal do happening Mitos Vadios?
A ocupação por parte dos artistas do terreno baldio na Rua Augusta, significava um não à
instituição Bienal de São Paulo, que de certa forma era relacionada com o poder ainda
vigente dos militares. Mesmo que estivéssemos no inicio, ainda que tímido, da abertura
democrática. Poderia definir Mitos Vadios como um happening poético de exercício de
liberdade.
7) Que tipo de experiência o evento proporcionou à Senhora? Houve uma
influência desse trabalho em sua produção artística posterior?
Foi o penúltimo evento de autoria autônoma de um grupo de artista que participei. O
ultimo, com o mesmo procedimento de autogestão, foi minha participação de um grupo
carioca que administrou uma sala cedida pela Aliança Francesa de Botafogo do Rio de
Janeiro, 1979 a 1980. É possível que este grupo possa ter sido motivado, inspirado em
Mitos Vadios. Com tudo, isso não foi deliberado. Nesse espaço realizávamos debates e
exposições de forma totalmente autônoma da critica. Em quanto a minha produção
artística ela se conecta de forma ampla com meu interior e a realidade circunstante.
Certamente Mitos Vadios foi importante para mi, pelo convívio, aspirações e a
participação coletiva. Entretanto, o meu trabalho posterior não foi influenciado
diretamente por esta minha participação, pois minha obra seguiu seu próprio curso.
Data: Tue, 12 Sep 2006 16:34:36 -0300
Assunto: Re:Entrevista sobre os Mitos Vadios
De: "arturbarrio" <arturbarrio@uol.com.br> Adicionar endereço
Para: "arethusa_ap" <arethusa_a[email protected].br>
Prezada Arethusa,
......aqui seguem-se as respostas às suas perguntas,
1- Por parte de um convite do pintor Ivald Granato.
2- Não apresentei trabalho algum pois só cheguei ao local
do evento quando o mesmo já tinha terminado,como um verdadeiro
vadio passei a noite anterior assim como a manhã e parte da tarde
em um apartamento situado a 5km de onde estava sendo realizado o
evento Mitos Vadios,......aliás muito bem acompanhado.
3- Não sei,talvez uma reação à Bienal
Mitos e Magias da América Latina.......etc...................
realizada no mesmo momento no pavilhão da Bienal da S.P.
4- Não estava nem aí, afinal era um mito vadio !!!!!
5- O contexto artístico era efervescente e as influências artísticas
eram as nossas ou de nós para nós,como queira..........
6-Você acha que foi um happening,....tenho minhas dúvidas mas como
não estive presente,!!! penso que ficou mais para evento ou encontro
de artistas...............uma contestação bem humorada aos Mitos e
Magias da Fundação Bienal de S.P. .................................
7- não proporcionou nenhuma experiência e muito menos qualquer
influência
em minha produção artística porquanto a minha maneira de ser sempre foi
um pouco vadia.
Um abraço,
Artur Barrio
Resposta: Gabriel Borba
Entrevista a Arethusa Almeida de Paula
8) Como Sr. chegou aos Mitos Vadios? Foi um convite? De quem
partiu esse convite? R: Estávamos enturmados. A notícia
espalhou-se. A idéia foi do Granato e, segundo entendo, Mitos
Vadios é um trabalho seu. Aderi porque achei interessante:
tratava-se de uma réplica irônica de contestação da Bienal,
contestação essa que era mais ou menos usual na época.
9) Qual trabalho Sr. apresentou? R: em uma cadeira dessas de
diretor de cinema escrevi, nas costas, “my name is not Ivald
Granato”. Soltei um engradado de galinhas brancas, cada uma
com uma medalha de papelão pendurada no pescoço, com a
mesma frase inscrita. Sentei na cadeira e fiquei esperando o
granato chegar de helicóptero, como estava combinado.
10) Como Sr. chegou a este trabalho? Houve um projeto prévio
elaborado especificamente para esse happening? R: mais ou
menos projeto. O Granato espalhou, e isso foi notícia por tudo,
que chegaria de helicóptero, vestido de fraque, clamando: ”my
name is not Ciccillo Matarazzo”. Esse era, aliás, o título do seu
trabalho. Por motivos técnicos o helicóptero não pode aterrizar no
local, um estacionamento da rua Augusta, a penas o sobrevoou. O
Granato chegou de táxi depois de muita demora. Meu trabalho
resumiu-se em repicar a gozação tendo Granato como objeto,
que ele tinha bolado Mitos Vadios como o Ciccillo tinha bolado a
Bienal.
11) Existia alguma intenção política neste trabalho ou de crítica
ao mercado de arte? R: havia, na época, o ímpeto de trabalhar
meios de comunicação e outras possibilidades como suporte para
os trabalhos experimentalistas. Daí a vídeo-arte, a mail-arte, a
land art, &tc. Artistas europeus e latino-americanos acentuaram o
tratamento do circuito de arte como sua matéria e suporte.
Sempre se pode encontrar algum viés crítico nesses trabalhos e,
muitas vezes, político.
12) Qual sua opinião em relação ao contexto artístico brasileiro
daquela época? Quais os artistas internacionais, ou correntes
artísticas que mais influenciavam os artistas aqui no Brasil na
época? R: difícil dizer. Não dúvida que Marcel Duchamp abriu
as possibilidades exploradas no período. Tanto no que se refere á
sua produção quanto à sua atitude perante o circuito de arte.
Recomendo a leitura de “Duchamp” do Calvin Tomkins, Cosac &
Naif. Havia grande animação em montar associações;
cooperativas; grupos, que geravam trabalhos coletivos, seja de
protesto político ou não, seja de paródia a organizações
institucionais estáveis. Pessoalmente estive mais ligado a
franceses, uruguaios e argentinos. Um acaso ou, quem sabe, por
semelhança de empenho. Não lembro nada que possa ter me
influenciado diretamente, mas sempre admirei a energia do
Granato e do Aguilar, o fazer do Julio Plaza, a delicadeza brava da
Amélia Toledo, sobre quem escrevi mais de um artigo. Também
tenho meu rol de admiração por artistas de procedimento menos
experimentalistas, alguns experimentalistas em meios
tradicionais, como Ubirajara Ribeiro, Maurício Nogueira Lima,
Baravelli, Boi. Pintores, veja. Tem um artista muito especial, cuja
obra conheço pouco, e que a cada vez é um agrado: Valtercio
Caldas. Como , meu interesse dispõem-se em leque,
transgredindo a tendência dos anos 1970/80 em que artistas
costumavam agrupar-se em panelas mais ou menos cerradas.
13) Em sua opinião, qual foi o objetivo principal do happening
Mitos Vadios? R: Considero a coisa um trabalho do Granato.
Talvez você pudesse perguntar a ele. Como disse, era mais ou
menos hábito fazer coisas assim. Veja, por exemplo, ARTE e
MEIO, organizado pela Daisy Picininni na FAAP, mais ou menos na
mesma ocasião, mais ou menos em paródia da Bienal, neste caso
sem galhofas. Era a mesma coisa com cara institucional. O grande
investidor nesse modo de produção e apresentação artística foi,
sem dúvida o Walter Zanini enquanto diretor do MAC. Com isso,
não tenho dúvida, criou-se critérios de comparação entre
comportamentos artísticos, expandindo-os como modo de
engajamento. Mitos Vadios foi, sobretudo, a expressão de um
engajamento.
14) Que tipo de experiência o evento proporcionou ao Senhor?
Houve uma influência desse trabalho em sua produção artística
posterior? R: estive com um montão de gente, o que detesto salvo
exceções e essa foi uma exceção. Conheci o Hélio Oiticica que
estava hospedado na casa do Granato. Ele fez uma leitura
surpreendente de um trabalho meu que estava por lá e que passei
a usar quando explico a coisa. De resto nada mudou. Foi mais
uma experiência, rica em sua medida.
OBS: você não precisa me chamar de “senhor”. A menos que queira.
Gabriel Borba
Resposta: Genilson Soares.
1- Foi convite. Partiu da organização do evento. Creio que do Ivald Granato.
2- Tinha por título : “Mudanças Capitais”. Foi uma atuação em formato de
Performance.
3- Circunstâncias momentâneas, permeando o cotidiano de um trabalho gráfico que
ainda estava em processo. Pensei em fazer uma atuação durante o evento. Para isso,
previa caminhar por um trajeto de livre circulação, onde poderia seguir um roteiro
que fosse aberto a mudanças imprevisíveis e interativas, entre o público presente ao
evento.
4- Não exatamente. O trabalho apenas se “apropriou” do momento político que
estávamos atravessando, quando o evento foi realizado. Na verdade, o propósito
daquela atuação era estabelecer um discurso, um tipo de diálogo a partir de um
trabalho de pesquisa gráfica em processo. O evento coincidiu com um período de
campanha eleitoral. Dias antes do evento, tinha encontrado, na calçada de uma rua
da cidade, um cartaz de propaganda política, desses que eram colados nos muros e
paredes. Estava rasgado pela metade, e tinha parte da foto de um candidato.
Chamou-me a atenção, o fato de ser um candidato com o meu prenome. Depois,
pensei que poderia usar aquele pedaço de cartaz como máscara, durante a minha
atuação no evento (foto anexa). A idéia básica daquela atuação era de poder
circular pela área do evento, em uma espécie de corpo a corpo com o público
visitante, onde me manifestaria com gestos teatrais, em tons irônicos e jocosos,
anunciando o lançamento das “Mudanças Capitais”: tulo de uma série de cartões
postais que acabara de produzir (anexo quatro exemplos das imagens). Esses cartões
eram impressos em “offset”, com imagens originais, de fotos das principais cidades
brasileiras. Essas imagens originais eram sobrepostas graficamente, por imagens de
outras cidades, ou de situações antagônicas, transformando assim, as imagens
originais de cada postal, em uma nova imagem, quase sempre com resultados
híbridos. Pensava em criar alternativas constantes para cada imagem, manipulando
imagens, através de múltiplos jogos e de novas impressões, utilizando fusões
cromáticas e interferências gráficas, causando estranhamento e oposição entre as
imagens superpostas em transparências.
Enquanto a série “Mudanças Capitais” era anunciada ao público, promovia também
a distribuição, ou a venda dos cartões postais, usando um comportamento
semelhante àqueles usados nas campanhas eleitorais, quando usam da distribuição
dos “santinhos”. Havia um jogo de palavras no título dessa série, que remetia a
idéias faraônicas alardeadas naquele momento político. A arrogância embutida
naquelas idéias, era porém, contrapostas pela poética virtual das imagens
transformadoras dessa série de postais, abrindo alternativas para o exercício de um
pensamento interpretativo de caráter reflexivo, sobre as reais transformações nas
nossas verdadeiras capacidades de mudanças possíveis.
5- Naquele período vivíamos numa extrema precariedade democrática. Esse fato,
porém, não representava uma força capaz de interferir negativamente no contexto
artístico praticado em São Paulo, que se mostrava, entretanto, dotado de uma
extrema capacidade produtiva, dinâmica e bastante representativa. Mesmo
considerando-se que o livre acesso à informação, naquele período, fosse, como se
sabe, bastante limitado, as atividades artísticas/culturais continuavam sendo
exercidas nos nossos grandes centros, com muito esforço e uma saudável
capacidade de renovação e atualização, sendo produzidas de forma independente,
em plena sincronia com as transformações em escala global, ocorridas em todos os
meios e níveis culturais, ao longo daquelas duas décadas (60/70).
Do meu ponto de vista, acredito que o pensamento e as idéias de um artista como
Marcel Duchamp, estiveram onipresentes em todos os movimentos de transformações
contra culturais vividas nos principais centros geradores de cultura do mundo, sobretudo a
partir de rupturas sociais, comportamentais, e de costumes, efetivadas naquelas décadas.
Acredito também, que seria injusto não citar outros nomes igualmente
importantes dentro desse contexto, como por exemplo, o artista alemão Joseph
Beuys, que com suas ações e seu pensamento renovador, ajudaram a transformar a
cena cultural do mundo das artes naquele período.
A Arte Conceitual, a Arte Povera, a Performance, o Happening, entre outras tantas
manifestações, foram os principais movimentos, ou correntes artísticas, que tiveram
seus reflexos espalhados por todo mundo, e naturalmente, por aqui também.
6- Na minha opinião, foi o de inserir e tornar viável a difusão de possibilidades
alternativas, na produção e no pensamento cultural dos processos criativos e do
discurso da arte, em um difícil contexto expressivo. Foi um evento que teve a
felicidade de poder contar com a rara presença e participação de um dos nomes mais
importantes da história de nossa arte : Hélio Oiticica.
7- Para mim, funcionou como um laboratório, uma experiência, uma abordagem sobre
o ato da performance. Possibilitou-me condições de refletir sobre uma linhagem
atualizada dessa forma de atuação, para futuras apresentações nos anos que se
seguiram.
Data: Tue, 5 Sep 2006 16:31:44 -0700
Para: "arethusa Almeida de Paula" <arethusa_a[email protected].br>
De:
"William Lundberg" <hydie@mail.utexas.edu> Ver detalhes do contato
O Yahoo! DomainKeys confirmou que esta mensagem foi realmente enviada pelo
mail.utexas.edu. Mais informações
Assunto: Re: entrevista sobre o happening Mitos Vadios
Cara Arethusa,
Primeiramente vou lhe pedir desculpas pelo meu portugues sem acentos devido o
computador americano e tambem castigado pela minha dislexia e anos de exilio.
Vamos as perguntas.
1) Como você chegou aos Mitos Vadios? Foi um convite? De quem partiu
esse convite?
Quem me convidou foi o Granato que ja havia me convidado para uma
mostra no Galpao onde o Helio Oiticica e Ligia Pape tambem participaram ao
lado de Tomi, Wesley, Mira e alguns outros dos quais nao me lembro os
nomes agora.
2) Qual trabalho você apresentou? 3) Como você chegou a este trabalho?
Houve um projeto prévio para elaborado especificamente para esse
happening 4) Existia alguma intenção política neste trabalho ou de crítica ao
mercado de arte?
Como eu havia feito uma mostra na galeria ArteGlobal para a qual o Helio Oiticica
fez a apresentacao no catalogo. E como esta mostra onde eu usava a palavra
ARTE para comentar a propria Arte e seu circuito. Confira alguns dos trabalhos
desta mostra nos poemas visuais em
http://www.palavrarte.com/Equipe/equipe_rvater.htm
Eu resolvi entao montar uma banca para vender o que eu chamava 'suspiros
d'arte' Onde quem comprava um suspiro (que eu encomendei numa padaria)
tinha o direito a levar um dos cartazes que foram impressos na ocasiao da mostra
na Arte Global. E este cartaz foi feitos com stills de um filme super-8 que fiz
usando a palavra ARTE (a camera foi da Ligia Pape). O filme foi feito numa praia
aonde escrevi a palavra ART na areia molhada e o filme mostrava a pessoas que
passavam pisando na palavra e depois a onda lambendo a palavra e a destruindo.
Era algo assim pelo pouco caso do publico ou tambem sobre a finitude das coisas.
E sobre a insistencia do artista apezar de tudo, pois no final eu volto a escrever a
palavra (pelo menos no filme).
E esta questao dos 'suspiros d'arte' tem haver e logico com as
dores//contratempos que o artista passa para produzir o trabalho. Ou quem sabe
com as queixas dos artistas.
5) Em entrevistas você diz que dois artistas que mais influenciaram seu
trabalho artístico são Hélio Oiticica e Lygia Clark, os quais foram seus
amigos pessoais. Como se dá, dentro de sua poética, a participação do
público? No caso dos Mitos Vadios, como se deu a participação e reação
das pessoas diante de seu trabalho?
Bem tanto o Helio como a Lygia diziam que nao estavam mais dispostos a fabricar
objetos de arte porque o mundo ja esta empanturrado de objetos. Creio que ter
eles como amigos e mentores so deu forca ao trabalho que eu vinha
desenvolvendo desde a minha primeira instalacao na praia da Joatinga no Rio em
1970 e que tinha tudo a haver com o que eu chamo de estetica da precariedade.
(Muitas das minhas obras hoje emdia so sobrevivem em registros fotograficos).
Infelizmente nao tenho nenhuma foto da minha barraquinha de 'Suspiros D'arte'.
nos mitos vadios.
Se nao me falha a memoria o Oiticica ficou hospedado comigo em Sao Paulo (eu
morava la) durante aquele festival. Se ele nao ficou desta vez entao ficou em uma
outra vez.
6) Qual sua opinião em relação ao contexto artístico brasileiro daquela
época? Quais os artistas internacionais, ou correntes artísticas que mais
influenciavam os artistas aqui no Brasil na época?
Bem vou fazer minhas umas palavras do Helio:
Ele dizia que muita gente se guiava pelo o que eles viam na paginas do Art In
America se esquecendo de examinar as raizes da nossa propria cultura. Acho que
isto continua pertinente.
7) Em sua opinião, qual foi o objetivo principal do happening Mitos Vadios?
Que tipo de experiência o evento proporcionou a você? Houve uma
influência desse trabalho em sua produção artística posterior?
Bem quem organizou os mitos foi o Granato, um artista de mercado. Eu acho que
o legal foi que ele abriu espaco para cada artista fazer o que queria. O plano do
Helio era chegar de helicoptero naquela fantazia inventada por ele. Mas parece
que a tranza do helicoptero depois furou. A da Ana Maria Maiolino tinha a haver
com o que aqui se chama "the starving artist" ou com o problema da fome no
Brasil, talvez. Portanto voce pode ver que pela pluralidade de intervencoes, foi
algo bem democratico que surgiu de uma simples intencao de performance, (ja
que o Granato fazia performances) mas que acabou com "overtones" politicos.
Quanto a alguma influencia nao sei o que dizer, pois ja por aquela epoca meu
trabalho ja sofria irremediavelmente de profunda liberdade e total descompromisso
com o mercado e os parametros da critica vingente.
Espero que eu tenha lhe sido util
Existe agora uma entrevista minha no site do Smithsonian Institute que e o
depositario da memoria da cultura americana. E ironico que ate hoje no Brasil eu
nao mereci tal atencao... Quem sabe voce e a Cristina estao comecando algo...
o site e:
http://www.aaa.si.edu/collections/oralhistories/transcripts/vater04.htm
Um abraco
Regina Vater
TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTA
Data da entrevista: 15/07/2008
Entrevista realizada por: Arethusa Almeida de Paula
Entrevistado: Ivald Granato
Participação: Natália Mello (organizadora do arquivo pessoal do artista)
Entrevistadora: Granato me fale sobre os Mitos Vadios... como surgiu essa idéia,
como começou a acontecer, quem participou da organização, como conseguiu o
terreno, enfim...conte.
Entrevistado: Não, o negócio é o seguinte, os Mitos Vadios...na verdade não foi
uma seqüência isolada...porque na verdade, eu vivia um período... de muita
agitação...então pensa bem...nesse período...eu tinha...eu estava vivendo com
Massao Ono numa situação de poesia...ele editava alguns livros de poetas...uns
poetas novos que estavam aparecendo ::e::então a gente editava livro de
poeta...fazia manifestos de poeta...participava oh atentamente de...Eu no período
estava vivendo basicamente de muitas performances que era uma seqüência do
meu trabalho apesar de pintura e etc. e tal...e eu também vivia num ateliê de
gravura então onde eu encontrava muitos artistas...meu ateliê freqüentavam vários
artistas variados assim...músicos...gente de teatro...gente de cinema... muita gente
importante...Raul Seixas...fulano, ciclano...e::e...e...eu tinha algumas
performances que estavam acontecendo...o Carbono 14...VÁrios elementos
estavam basicamente juntos, então eu ia fazer gravura e sempre encontro com
muitos artistas, ia fazer, ih...eh::os livros de arte, livros novos, s estávamos
envolvidos com isso, também encontrava muita gente...então...era uma época
muito ebu()...e::e::de muita ebulição...muita gente a flor da pele...muita gente
nascendo e muita gente...tipo...querendo fazer coisas...e então a manifestação em
geral tava a flor da pele...Eu sempre fui um cara muito ligado a
organização...desde de criança...você basta ver meu casamento que foi um
manifesto grande... nos anos 70 ::uma manifestação louquésima onde juntou
várias bandas de rock da Lapa...onde teve dez mil pessoas no casamento...foi
realmente um movimento hippie...então basicamente esse tipo de
conceito...existia na minha vida...quer dizer...não como forma muito objetiva
de...de você conhecer...Era paralelo...então eu fazia
gravura...pintava...desenhava...fazia performance...a performance na época não
existia...e isso acarretava um valor...de aglomeração pessoal louca... porque tinha
a amiga...tinha um cara que tocava musica...um cara que tocava tambor...um
poeta maldito...ou um poeta vingativo...ou um sei que lá...Então havia ::um acordo
generalizado...tinha médicos em fim de carreira...fim de carreira não...início de
carreira...começando a faculdade...tinha vários... donos de padaria...donos de não
sei o que lá...era uma movimentação muito grande...e...e o meu ateliê favorecia
isso porque ele era numa esquina da Brasil com a Henrique Shaumann...e...e era
perto quase que da gráfica...perto de tudo...era um ponto de convergência...perto
de TUdo...então todo mundo se encontrava... então era uma festa constante...era
uma pulsação muito louca...o meu apartamento...esse ateliê...onde eu tava
vivendo...na época não era estúdio...ele tinha uma energia muito ampla...e as
coisas que estavam acontecendo que...ou que por acaso viria a acontecer
((pigarro)) tava se juntando...porque toda noite tinha uma performance...era um
convite pra Santo André...era uma performance ali no Carbono14...era um livro
que se editava...era um grupo de amigos que tomavam uma cerveja a
noite...então...uhm na verdade teve...ai tava se construindo a Mitos...Mitos e
Magia...uma bienal feita pela Aracy do Amaral...que era uma...um tipo de um
trabalho...que...que me parecia::um pouco uhm:: que não era vamos
supor...assim...o...o...correto...era um trabalho meio ortodoxo...muito feCHAdo de
repente...o...e indisciplinaram o conceito da época em que se pensava
porque...a...havia um fervor realmente de vanguarda neh...a vanguarda Era
aquilo...era um sistema de vanguarda...a gente estava envolvido em um sistema
de vanguarda e eu tinha acabado de vir da Europa também...num trabalho muito
cercado co...com..um...o que se fazia muito antigamente... nessa época...trabalho
de correio...livraria...livro de artista...posições bem...bem...(...) e...então...então as
coisas por exemplo não foi como se parece uma...um questionamento a
Mitos...Mitos...eh...Mitos e Magias...não...eh::foi uma conseqüência...também era
paralelo...e:: depois eu encontrei com o Hélio Oiticica também num bar que veio
também em busca de chão...e:: ele era meu amigo de muito
tempo...conclusão...tudo se convergia...para...não é que foi...de repente parou
tudo e vamos fazer Mitos Vadios... não... havia o Mitos Vadios no ar...eu apenas
unifiquei e falei vamos um...uma manifestação...então...ERA comum no meu
processo de vida...de...de...trabalho...eh:: viver em prol de manifestações...havia
no ar um clima de...de...manifestação...então isso não era nada possessivo...não
era uma...uma atitude que eu tivesse podendo viver individualmente
uma...uma...situação vanguardeira ou se pode dizer assim...uma posição de frente
que eu pudesse...ah::que eu pudesse fazer um trabalho solitário...não...na
verdade ele tava abrangendo muita gente...muita gente com talento...e havia uma
necessidade muito grande nossa...não minha preocupação ...mas a
preocupação de alguns artistas de...de...fazer coisas revolucionárias...fazer coisas
que integrassem que abrissem o campo...que saía...que saísse fora
da...da...escolha de grupos...que...que...essa coisa que...que...-- -- E então tenho
a impressão que tudo que emergiu... que..que acontece que de repente se fazem
trinta anos e eu tenho a impressão que isso foi importantíssimo porque...é uma
atitude que hoje é comum você ver o manifesto jovem é bem apurado hoje em
dia...tudo isso que foi feito na época que parecia...uma situação de rebeldia...ou
de contestação... Não... eram manifestações livres...poéticas...que hoje você
com a maior natureza...com a maior simplicidade...quase todas as galerias
fazendo e ainda cobrando e ainda vendendo a preços caros e tal e tal...então
quero dizer que foi...tudo uma manifestação dentro dos princípios da cultura...não
foi uma coisa assim...que eu diria que era...contra a cultura ou contra
aquilo...não...havia realmente uma necessidade de ampliar o campo...de dar mais
velocidade as razões...e de mostrar também mais...e eu achava que as coisas
estavam acontecendo muito pra s...muito dentro...então...quando pintou a
idéia de Mitos Vadios a gente pensou...VAmos fazer na Augusta...ai o filho de uma
doceira que é um médico... Alberto Eiger...falou...e eu conheço...a minha mãe tem
uma loja de doce lá...conheço bastante o...o dono do...do...do...daquele
espaço...poderia fazer um lugar legal entendeu...então não foi uma coisa...não
foi uma coisa assim planejAdíssima...não...nós procurávamos um lugar e achamos
a rua Augusta um lugar muito simpático...era um lugar chique na
época...bacana...como até hoje é...um lugar tradicional da cidade...e eu achei que
foi bem oportuno...e...que isso seria um ponto ideal...então todas essas coisas
foram uma seqüência de valores mesmo porque havia uma energia fazendo
isso...e::...o tipo de nome...essas coisas...eu sempre fui dado a fazer nomes de
coisas...eu tava em cima desses exercícios...não é que apareceu de repente...era
uma...eu tinha feito algumas manifestações públicas que elas eram muito
canalizadas às vezes pra mim...como uma forma de uma manifestação
individual...ou usada como uma promoção de uma exposição ou de um evento...e
quando isso começou a ficar mais qualificado e eu via que as pessoas adoravam
fotografar...adoravam trabalhar...adoravam participar...havia um tesão na
brincadeira...então...ahm:: chegou a hora...começou a chegar um tempo de que
aquilo ficou mais amplo...e que eu acho que foi uma...uma...uma...aí bolamos a
palavra...eu bolei o Mitos Vadios...eh::era conveniente a Mitos e Magias...era tudo
uma conveniência...foi tudo uma...mas não foi feito para isso neh...foi uma
seqüência natural do estado de espírito da época...entendeu...
Entrevistadora: E essa organização? Por que no site do Itaú Cultural a gente vê a
carta que você mandou para o Hélio Oiticica e então (...)
Entrevistado: Então essa organização fazia parte de que...eu vinha de uma
disciplina de arte de correio...eu mandava...eu ia para Londres...mandava
de...fazia um cartão postal e mandava para endereços da França...eu ia pra
França e fazia um cartão francês e mandava pra Londres...eu ficava fazendo esse
jogo...um dia eu fui descoberto pelo holandês chamado Ulisses Carrion...eu estava
em Londres e ele falou assim...te peguei...então ele conseguiu me
localizar...rastreando o que era um...um tipo de arte que estava nascendo na
época...era uma arte de mail art que a gente fazia com mimeográfo...acabei indo
pra Holanda...ficando com o Ulisses Carrion...que era um poeta mexicano,
dissi...dissidente... e nessa onda havia esse tipo de...de relação que eu acho que
foi o início desse começo de globalização...depois veio a internet...e acabou...o
meio hoje é a internet...então a gente fazia mail art...Então esse tipo de mail
art...ele era atraente...eu tinha...eu tava...eu tava vivendo isso não era uma
coisa...FOI feito isso...todo dia eu mandava uma comunicação pro mundo
inteiro...pra certos artistas...era um desenhinho...era um...ou uma carta...ou
pedindo dinheiro...ou pedindo aquilo...ou zebrando...fazendo frases...Adote um
artista o deixe ele virar professor...era uma coisa
provocativa...então...ELA...Existia esse...essa cultura era inerente ao meu
corpo...ao meu corpo de estado de espírito...além de estar fazendo
pintura...desenhando... gravando... eu tinha um despacho diário...vários
carimbos...entendeu?
Entrevistadora: E a Granato´s Production fazia parte disso?
Entravistado: Então a Granato´s Production fazia parte desse brinquedo que... na
verdade...eu tinha...eu brincava de fazer um escritório...era uma coisa que hoje
poderia ser enorme no fundo...Então era...eh ::era uma coisa que fazia PARTE do
meu trabalho...não foi uma coisa que veio e de repente tomou conta
isoladamente...era um negócio que havia dentro...então aquilo foi você adquirir
a...o processamento de dados e:::: fazer as cartinhas...ai contava com uma
pessoa... com outra...e com esse...com esse rolar de coisas...depois...--NÓS
tínhamos que fazer um cartaz, tínhamos que ter uma data, tínhamos que ter um
grupo...mas não era limitado o cartaz...foi feito com os meninos...com os artistas
que estavam ao meu redor na época...mas nós abrimos imediatamente para que
todos os artistas que pudessem participar...tanto que eu soube depois...que
havia...em torno de quase sessenta... setenta artistas que fizeram alguma
manifestação ou outra...ali...ao redor...por volta...alguns prevaleceram mas os
iniciantes que eram os mais convidados...os que a gente tinha combinado...mas
foi uma...uma...um acontecimento mais aberto do que...do que pode ter
acontecido.
Entrevistadora: É:: eu até perguntei aqui que...da outra vez que eu vim...eh::
você falou dessa vontade de chamar os artistas mais novos pra de repente
mostrar o trabalho deles...um deles... um dos casos foi do pessoal do Viajou Sem
Passaporte...como foi isso?
Entrevistado: Não havia...não havia muito artista JOVEM pra te dizer a verdade
nesse período assim...como agora é...é uma constante na vida real
você...ahm::::o:::: o artista jovem tem uma vida real...não era normal naquela
época...os artistas jovens eram meio embutidos...eles faziam...ou tinha um grupo
que fazia algumas coisas meio ligada a grafismo ou esses grupos como Viajou
Sem Passaporte...tinha o 3Nós3...tinham alguns grupos engraçados...que agiam
na calada da noite...mas não era em aberto...tá...e muitas pessoas...que eram
potencialmente artistas...mas não estavam com...o...a autoria de dizer que era
artista...então no Mitos Vadios isso deu uma certa liberada...tanto que demorou
um pouco...porque...a atuação dos artistas mais ou menos convidados...que
eram artistas... mais ou menos até consagrados...conhecidos...não consagrados
mas conhecidos...eles atuavam...e...e...depois no decorrer do dia...muita gente
que tava ali começou a se liberar...a fazer coisas....e a tomar atitude de artistas...e
que foi surpresa...e cada um aparecia com um...com um...com uma coisa...uma
brincadeira...e as manifestações foram muito...eram muito vulnerável...porque não
eram pro(...)...não é que eles estariam programados pra participar desse
evento...foi o evento que os provocou a começar a pensar em fazer esse tipo de
atitude...então...era mais interessante ainda porque era um...uma participação
quase que imaginária...abstrata...e a pessoa não tinha ainda uma FÓRMULA para
poder apresentar...como assim...a Regina Vater que tinha uma proposta...o
Barrio...o Oiticica...eu...pessoal que tava mais ou menos ligado a essa arte
efêmera...que era pra apresentar num lugar de espaço aberto...tinha que ter um
pouco de...de...de trabalho...aquele trabalho...aquele trabalho tinha que
acontecer...tinha que expor...tinha que recolher...quero dizer...tinha que acabar no
outro dia porque no outro dia tinha que funcionar o...o...o estacionamento...Então
era tudo muito...o trabalho...era o início da grande progressão desses trabalhos
que se faz hoje...Então muitas manifestações desses jovens artistas ficavam um
pouco embutidos...que não eram endereçados ainda com a mensagem
tão...tão...por mais embutidos a gente via a vontade de participar mas não tinha
é...é... instrumentos talvez...ou um arroz...ou um objeto...ou um papel...então eles
usaram de uma caneta ou de um papel ou de uma coisa...então havia um esforço
muito grande...deu pra notar isso durante o decorrer...porque foi...isso foi
demorando...foi demorando...ele não terminou tão fácil...não foi um manifesto que
apareceu...a exposição...isso foi durando e as pessoas iam ficando e depois as
pessoas que tinham se apresentado iam indo e outros iam ficando e
interferindo...e outros interferiam nas próprias intervenções...então ficou
um...um...um processo de criação real...tipo laboratório grande.
Entrevistadora: É...falando mais da sua apresentação mesmo...então a gente
teria o ponto alto do trabalho seria a sua chegada recepcionada pela Ligia Pape e
pelo Hélio Oiticica, e também tem a questão do Rolling Stones, em que vocês
fariam uma referencia...a Ligia Pape tem até as pedras (...)
Entrevistado: É o porque...o Rolling Stones era... nasceu também por um
acaso...porque...é...acabei ficando muito amigo de toda a banda e tal e tal...e
nessa época eu não os conhecia assim...amigavelmente...
Entrevistadora: Porque o Hélio ele tem uma coisa bem...bem dentro do rock (...)
Entrevistado: Ele...ele gostava...ele achava interessante a música do Rolling
Stones...tava...ele era atraído pelo rock...e foi...e tinha a coisa de rolando as
pedras...e tal...então...então rolando as pedras e Rolling Stones ficou bem...não foi
também especifico a escolha dos Rolling Stones como...era muito...era muita
coisa que foi nascendo no ar...o Hélio veio pro meu ateliê...a noite a gente
escrevia...havia muito improviso...aí porra olha o stones...então o Rolling
Stones...A pedra...então vamos botar a musica do Rolling Stones...eu tenho esse
casaco cor de rosa...vou botar esse casaco cor de rosa...então não foi uma coisa
assim...- - a única coisa que ele tinha um trabalho de umas pedras...de umas
águas numas botijas que ele trouxe com água do mar...água da terra...é...areia e
ar...então tinha alguma coisa no ar de conceitos...algumas coisas assim...mas que
foi absorvido pela...pela PRÁtica do fazer...que ficou mais fascinante...quero
dizer...a gente estava na verdade superando...o conceitual nessa época...quero
dizer...tudo nasceu de um conceito...mas a confusão do estar junto a noite...do
(estar o)...que o Hélio nessa época ficou no meu apartamento morando em
casa...neh...e:: a noite a gente ficava conversando... a primeira vez caiu uma
chuva louca...e foi tudo transferido...não pode ser feito...aquela coisa de tempo...
passamos pra outro...e isso foi ganhando um suporte muito louco...porque a
imprensa começou a...a...a gostar do...do assunto e aquilo...saiam ginas e
páginas...e:: então durante a semana a coisa se movimentou com muito mais
grandeza...então foi...uma superação atrás da outra...entendeu...foi o que eu
entendi...uma coisa que ao invés de ser um conceito religioso de uma vanguarda
diabólica querendo propor uma coisa ampla...nova...inédita...isso deixou de ter
esse caractere...esse caráter só...somente esse... e começou a ser uma coisa
vibrante...uma coisa que...ahm::...o Hélio precisava mais de...som...de
música...de peruca...já transformou o objeto dele...já não era mais tão importante
quanto...o objeto água...terra...areia...já ficou em segundo plano...tinha uma
peça... de...de rua...que chamava Manhattan... um pedaço de...de asfalto...que ele
queria mostrar que ficou em casa...ele depois já...NEM vou levar isso...quero
dizer...então ESSE tipo de conceituar ou de mostrar uma coisa que estava moda...
ou que esta em moda...de você destruir ou querer apontar uma...uma coisa que
você...uma percepção longínqua...de você ver...de como você ser perceptivo na
arte...ESSE tipo de coisa...no decorrer do período...ele foi...eu senti que foi ficando
cada vez mais frágil... o que foi ficando mais rico foi a participação em si da
pessoa...Apesar de todos...por exemplo...de ter objetos ainda que ficaram
permanecidos...como... - - a...a Ligia por exemplo...já...usou mais a vestimenta
e o comportamento do que o objeto em si...entendeu...em alguns objetos
perderam a força e ganharam força o personagem...entendeu...o Tozzi por
exemplo...tinha feito... umas cadeiras (pigarro)...é as cadeiras do Tozzi...o tiro ao
alvo do Ubirajara Ribeiro...e alguns trabalhos como...o...eh::a Regina Vater...esses
trabalhos mais...que eu diria assim...figurativos e que tem um objeto em si como a
Anna Maria Maiolino que é uma mesa com pano preto...arroz amarrado com
feijão...que tinha uma...uma ligação com o novo...com a vanguarda...com a
escultura...com isso...ele aos poucos foi ganhando uma dimensão
de...de...entendeu...começou a ter um outro princípio... começaram a explorar
outras linguagens...e::...eu senti que havia uma excitação mais profunda no
ar...ahm:: o estavam mais satisfeitos com os objetos...eles queriam os
objetos...e queriam também utilizar aquilo de outra maneira...não
ficou...assim...uma exposição...tipo...aqui esta o arroz...o feijão e a mesa...ali o
fulano de tal...ali...ahm:: entendeu...MUDOU...e essa mudança acho que foi numa
dinâmica...meio de...desse próprio exercício de você dinamizar o...o...houve um
interesse grande na situação...foi...essa...na verdade... foi o que aconteceu... e os
Mitos Vadios caiu bem assim...como...- - se fosse uma vadiagem...entendeu...eu
acho que caiu o muro na hora assim de...de ficar só...de...de deixar de
mostrar...pra se mostrar num campo aberto uma obra...inóspita e
efêmera...passou a ser também uma coisa de movimento...e tal e tal...então
perdeu a tese de que era...de que deveria liberar a Bienal...de que a Bienal por
exemplo devia ser mais ampla...não ficar tão ortodoxa.
Natália Mello: E a sua escolha de personagem?
Entrevistado: Não...isso aí...aí foi uma personagem...foi interessante porque
como eu estava fazendo Mitos Vadios e havia uma reunião de muitos
artistas...tava se tratando de um período bienalesco...de Bienal...eh::
antigamente...nessa época...quando se juntavam muitos artistas é porque se
estava fazendo uma Bienal...um negócio importante...neh...então tem essa...então
me veio o personagem Ciccillo Matarazzo...Ciccillo Matarazzo que inventou a
Bienal... quando...eu lembro...tinha artistas estrangeiros...artistas de fora...era
aberta a tudo... então a personagem...o personagem Ciccillo Matarazzo começou
a valer a pena...era uma maneira...era uma brincadeira de você dizer...Estamos
fundando uma nova...um estilo de arte...e acredito que fundou mesmo porque
Mitos Vadios...depois de Mitos Vadios...eh:: houve uma mudança extraordinária no
setor de arte...é::...a arte conceitual...não conceituar essa arte de fazer coisas...de
manifestação...virou uma coisa bem presente na::::depois nas Bienais...nas
galerias...nos salões...então houve uma...houve realmente um movimento.
Natália Mello: Por exemplo... você fala...por exemplo...talvez através dos Mitos
Vadios foi possível então você...por exemplo...fazer as performances no
MAM...aquilo lá também partiu disso...você acha que te deu essa abertura?
Entrevistado: o porque...porque o necessariamente...tem muitas...eu não
sei precisamente as datas mas...as performances já vinham sendo feitas.
Natália Mello: As datas...por exemplo My name is not Neusinha Brisola...quando
você fez (...)
Entrevistado: Eu acho que...não sei se foi depois de Mitos Vadios...depois...mas
antes tem muitas performances...entendeu...é...é que depois de Mitos Vadios as
performances ganharam espaço...maior...mas não sei se foi por causa de Mitos
Vadios não...porque havia mesmo...eles estavam fazendo essas
performances...é...é que ganharam um pouco mais de grandeza...porque a
produção ficou mais...É como eu te falando...deixou de ser uma coisa muito
intimizada...e passou a ser uma coisa mais polemizada... maior...havia mais
interesse...então...depois as performances...não que seja engraçado...porque
antes disso as performances também tinham muito público...era engraçado porque
o pessoal gostava de...de...de ver as performances...acho que fiz uma em São
Caetano do Sul que é...lotadíssima (...)
Natália Mello: Ah...é a Not, a::.. No of massage vomite...essa daí tem várias fotos
(...)
Entrevistado: Então havia já (...)
Natália Mello: (...) feita no Teatro Municipal...(...)
Entrevistado: Teatro Municiapal...então...não é que uma... é que eu acho que
Mitos Vadios foi um...uma manifestação que deu uma soltura maior...de maior
grandeza...como eu expliquei...do fenômeno geral e não individual...quero dizer...a
coisa passou a ser gerada muito mais gente...por vários artistas...então...(...)
Entrevistadora: (...)dentro de um espaço único (...)
Entrevistado: (...) dentro de um espaço... quero dizer...não era a identidade do...o
Ivald Granato...
Natália Mello: (...) ele vai entrar agora...
Entrevistado: (...) ele tá fazendo a performance...não...eu...eu acredito que o
Mitos Vadios deu...um foco maior para o geRAL...entendeu...e eu possivelmente
fazia...as vezes fazia muitas performances...muitas coisas mas era de cunho
pessoal...onde toda a responsabilidade era minha...quero dizer...apesar de muitas
pessoas as vezes quererem participar...e participar...e ter envolvimento...algumas
pessoas até...o Aguilar...a gente fazia muita coisa junto...quero dizer...havia muito
interesse nesses assuntos...então eu acho que Mitos Vadios ganhou mais
adeptos...quero dizer...os artistas encararam como se fosse um...um:: uma coisa
deles também...entendeu...não só...não era uma qualificação pessoal...e
isso...quero dizer...foi uma maneira de repartir...coletiva...CLARO que foi dado
toda essa impulsão por minha causa...porque eu tinha inventado...tudo bem...tanto
que eu fiquei brincando de presidente...tirando essa onda...o que é uma
manifestação minha natural...não foi uma coisa que aconteceu...você que até
hoje eu tenho essa...eu tenho uma ONG...sou presidente de uma ONG...então eu
tenho esse...é:: faz parte da minha integração de trabalho...ter uma certa...uma
certa organização...uma certa bagunça...uma certa...uma certa ligação com a
disciplina...uma certa ligação com a indisciplina...essa...esse hábito de polaridades
bem dife...bem divergente...eu acho que faz parte do meu trabalho...então não
é...não nenhuma coisa assim que...que foi sectária...que foi determinada...ou
que tivesse que invadir...eu não...eu não vejo que fosse assim muito minado
dessa maneira...porque eu acho que a coisa foi mais ampla...foi maior do que... do
que se pensa.
Entrevistadora: E em relação a uma continuidade...porque o Marcelo Kahns na
reportagem dele, ele fala que gostaria muito que tivesse uma continuidade ou que
tivessem outros Mitos Vadios... o pessoal do Viajou sem Passaporte
também...eles até fazem um manifesto em que falam dessa vontade (...)
Entrevistado: É que acontece o seguinte... é que na verdade o mundo...o mundo
se muda...o mundo vai mudando diariamente...Mitos Vadios...depois aconteceram
várias outras coisas interessantes...e o que Mitos Vadios poderia ser...era ter
depois uma análise integrada...de você fazer uma produção...com alguém que
tivesse interesse e...e no espaço criasse isso...mas uma vez que não tem esse
tipo de atitude eu acho que não...não tem cabimento você ficar fazendo duas
vezes um...uma...uma interrogação espontânea...e a interrogação - - e depois
nasceram vários outros caminhos...eu acho que de uma forma ou de outra
havendo sim os Mitos Vadios...eu vejo os Mitos Vadios acontecendo sempre mas
não que seja eu que esteja fazendo nem que eu vá organizar...eu acho que...virou
uma coisa de domínio social público...então as manifestações...Eu acho que o que
precisava destampar...eu acho que quando você quer beber um vinho eu acho
que você precisa tirar a rolha...uma vez tirada a rolha...os copos o servidos a
todo mundo...não tem o que você ficar com o copo preso...é:::: com a ga:::com a
rolha presa...então eu...achei que poderia fazer de novo...tal e tal...mas não vi
depois nenhuma...Acho que foi um acontecimento para ter sido um
acontecimento...e:: e eu acho que ficou bem na história...e:: ele ficou
marcado...talvez se tivesse feito outro...NÃO é... não é o papel de Mitos Vadios se
tornar uma entidade... que... que gere manifestações... e depois o mundo... o
tempo foi mudando rapidamente de uma maneira que... que... seria inadequado
porque...ahn:: todos os suportes tinham sido quebrados...em::Mitos Vadios...todas
as possibilidades até de...de...conversa... com... o estereótipo de... de objetos de
vanguarda foi quebrada... toda a dinastia do efêmero foi ruído... quero dizer não
haveria mais sentido de você dar valor a isso...isso tudo tava na... colocado
como ponto de que...que teria...é::feito o vazamento...então... É claro que todo
mundo gostaria de ver um Mitos Vadios a cada dois anos...a cada três anos
porque...torna-se divertido...mas eu acho que implicaria numa coordenação
maior...num:: negócio que...(...)
Entrevistadora:...de repente o movimento também se tornaria institucionalizado...
Entrevistado: ...É:: e eu acho que não era por aí a coisa não...Agora a pouco
tempo vieram me perguntar se eu não queria fazer de novo...o Mitos Vadios...mas
a gente esta fazendo no fundo uma porção de coisas...uma porção de eventos...só
que são diferentes...e...e eu não sei...pode ser até que...eu volte a um dia a querer
fazer...uma rememoração...mas isso aí é uma coisa que o tempo dirá...Eu acredito
que foi suficiente...um trabalho que...que valeu a pena fazer...foi totalmente
espontâneo...havia as decisões de cabeças bem pragmáticas...isso com certeza
tinha...tinha intenções bem fortes...atitudes conceituais bem disciplinadas... mas
havia também muita espontaneidade...muito carinho...muita razão de época...que
eu acredito muito nessas coisas...porque tem muita coisa que gera na
época...depois na outra época é:: torna-se esforço...e esse tipo de coisa...é...eu
acho que se você faz com esforço...torna-se briguento...torna-
se...competitivo...e...eu não vi nessa época nada de...assim...eu vi que a coisa
desabrochou...ficou legal...ficou...ficou bom astral bom...e quando a coisa está
com astral bom é...eu prefiro assim.
Entrevistadora: É...e pensando mesmo nesse contexto...como era esse contexto
artístico...o contexto político da década de setenta...porque o Mitos Vadios está no
último ano do...do AI-5...como era a censura (...)
Entrevistado: É...você nós vivíamos...tem essa também...nós vínhamos de
uma indisciplina...e de uma situação política muito desagradável...nós estávamos
basicamente festejando...um...o CHEIRO da liberdade no ar...o cheiro da
mudança...estava...nós estávamos recém chegados de uma tragédia CHATA...de
uma atitude muito desagradável...que estava acontecendo...Então estava todo
mundo muito...com um frescor né...um frescor da novidade...é isso que
seria...estava todo mundo com aquele frescor...saindo de uma coisa
chata...ortodoxa... violenta... o AI-5...essas coisas todas...eu tenho a impressão
que estava havendo um...tudo isso vem...eu acho... a refletir nessa... O...o
movimento tinha um certo ponto político...mas não era um político
mais...contestador... era um contexto de mais alegria...Então essas coisas
também...é:: essas coisas eu acho que geram um certo...um certo carinho
né...porque...como é que você vai...porque se você esta contestando
politicamente...se você tem outras atitudes... você vê que em poucos...a:: em
poucos anos assim...antes de Mitos Vadios...eu estava fazendo uma
contestação política de rua...atitudes meio pesadas...ainda estava sob o efeito da
rebeldia revolucionaria...e o que eu acho em Mitos Vadios é que ela não estava
com essa intenção...isso que as vezes eu recomendo...não tinha essa intenção
de...de...de revolucioNAR...e...era mais poética...era mais bonita...estava um
pouco na frente...quero dizer...já tinha saído aquele ranço que...que era...
necessário... mas...já o tinha muito como fazer... quero dizer... não...você não
estava querendo mais ter aquele ranço...era uma coisa que estava
cansativa...que já estava saindo daquilo...então era...eu acho que ESSE manifesto
tem muito a ver...com esse...com esse NOVO horizonte que estava
acontecendo...e a gente queria pegar de qualquer maneira... estava no AR... e
isso que eu valorizei... mas a posição do Mitos Vadios foi nesse ponto... nessa...
nesse lado de paz... harmonia... amoroso... uma coisa que saiu...uma contestação
simplificada.
Entrevistadora: E em relação ao público...enfim...como você viu a recepção do
público ... como(...)
Entrevistado: Eu acho que...o público... o público estava ótimo...as crianças
super curiosas... as pessoas da época... famosas... importantes... todos
compareceram... havia uma noviDAde... e todo mundo estava vendo aquilo como
novidade... estava todo mundo muito acostumado em ver happenings enfim...
exposições interessantes... tinha muita ... na época tinham muitos bons artistas...
muitas exposições acontecendo...não era o que seria...uma época que estaria
empobrecida... não haviam coisas muito boas... muitas coisas acontecendo... no
teatro...na poesia...então não era um momento tão ruim...Mas isso era
inédito...então...o pessoal estava amando o... o barulho...a confusão... o ato de
fazer isso...eu acho que foi muito positivo...Todo mundo gostou... não tinha
ninguém de mal humor.
Entrevistadora: Pensando numa coisa mais prática agora...a gente que os
arquivos pessoais de vários artistas estão sendo procurados agora... estão sendo
vasculhados... e você tem uma organização até...bastante sistemática... de
tudo...de toda a sua trajetória...Então eu queria saber quando o Sr. começou a se
preocupar com esse acervo... a pensar nessa organização.
Entrevistado: Na verdade eu nunca pe...na verdade está embutido dentro de um
artista a organização...você começa a fazer seu curriculum... você...você tem seus
pincéis...tem suas tintas...tem suas coisas...tem seus arquivos...e isso foi uma
questão de você ir guardando...trabalhando...de ter um pouco de carinho pelas
coisas...e...e...eu gostava muito de fotografar...tinha a Lóris... minha cunhada que
fotografava muito bem... havia muitos meninos que estavam começando a
fotografar e que::... era o pessoal que estava querendo fazer arte...querendo
estudar... querendo fazer coisas... eles se aproximavam e...ajudavam a criar esse
corpo...Não foi uma disciplina só pessoal minha... É claro que eu como uma
pessoa...eu sou um pouco bem organizado...como eu tenho... eu fiz Belas Artes e
fiz gravura... fiz disciplinas... você automaticamente tem uma noção da formação
cultural do artista...de como você vai se formando...então você guarda uma
coisa... eu sempre tive como norma de guardar uma gravura...se eu posso... se eu
faço uma gravura eu sempre guardo uma... nunca deixo esgotar... pinturas de
época... se eu faço uma série eu sempre separo uma... e isso foi... e eu fui
vendo...ao longo do time... ao longo do tempo... e isso também... e... eu sempre
gostei de guardar obras de outros artistas... e minha casa sempre foi muito
envolvida... muito animada com muitos artistas... os quais a noite ficavam...em
conversas longas... vários papos... vários bate-bocas... e aquilo se fazia
desenho... se escrevia...se VIVIA arte... então muitas vezes as pessoas deixavam
aquilo na minha casa...e aquilo foi criando uma:: uma:: uma maneira razoável de
você aglomerar coisas alheias...suas...e etc... Então eu sempre guardei com muito
carinho... fui guardando... fui guardando... e depois deu num...num... no que deu...
que tem realmente um arquivo muito bom... que agora estamos prontos pra
fazer alguns livros...algumas coisas... E que eu acho que vai ser interessante...
que vai acabar cruzando muitos artistas que estão fazendo livros e isso e aquilo...
vão acabar muitos estando em livros uns dos outros... entendeu... então isso vai
ser ótimo para o público... que você de repente começa a:: a ter uma vida mais
ampla das coisas que aconteceram... do que ficar vendopelo um prisma... pelo
um lado... então isso acaba dando... dando uma versatilidade muito boa ao... a
articulação da arte... ao mundo vivo da arte... de maneira legal.
Entrevistadora: Bom...esse ano o Mitos Vadios está completando trinta anos né...
e diante desse tempo... desse espaço temporal... o que você vê...assim...que
representou para a arte brasileira... qual foi a contribuição que o Mitos Vadios
proporcionou.
Entrevistado: Eu acho... eu acho o seguinte... eu sempre achei muito rico... a... o
Mitos Vadios não é um... não é uma coisa que eu ficaria dizendo com muito
orgulho... o próprio tempo é que acabou me explicando que era tra... que foi uma
coisa muito importante... e é engraçado é que as pessoas estudam mais do
que...do que eu pensava... E hoje as pessoas estão pensando melhor do que EU
também pensava... então... isso pra mim não é uma surpresa porque eu sei que
foi uns dos manifestos que eu fiz...bons manifestos... bons... Agora... o interesse
das pessoas estudiosas... o interesse do tempo e a... e o próprio tempo que foi
explicando melhor o que foi que aconteceu... porque você vê os Mitos Vadios hoje
uma sensação de que está... atu...atual...de que ela não ficou antiga... ele está
com trinta anos... e parece que... que você vai nas galerias novas de hoje e é o
que você está vendo aí... então é um sinal de que... ela sobreviveu ao tempo e
deu ao tempo... muitas características importantes... muita:: Eu me sinto bem com
isso... eu acho legal... acho que vai até acabar saindo bons livros... e ela vai ter
uma:: uma... uma bela... um belo... como se chama... um belo nhaco né... na
história da arte contemporânea.
Entrevistadora: Bom, obrigada, era isso mesmo...valeu.
Entrevistado: Valeu.
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