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ELISA CORBETT
“ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE” E OUTROS
CAMPOS DO IMAGINÁRIO COLETIVO DE
ESTUDANTES DE PSICOLOGIA SOBRE
SEXUALIDADE
PUC-CAMPINAS
2009
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ELISA CORBETT
“ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE” E OUTROS
CAMPOS DO IMAGINÁRIO COLETIVO DE
ESTUDANTES DE PSICOLOGIA SOBRE
SEXUALIDADE
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Psicologia do Centro de
Ciências da Vida PUC-Campinas,
como requisito para obtenção do
título de Mestre em Psicologia como
Profissão e Ciência.
Orientadora: Profa. Dra. Tânia Maria
José Aiello Vaisberg
PUC-CAMPINAS
2009
Ficha Catalográfica
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Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e
Informação - SBI - PUC-Campinas
t155.3 Corbett, Elisa.
C789a Até que a morte nos separe e outros campos do imaginário coletivo de
estudantes de psicologia sobre sexualidade / Elisa Corbett. - Campinas:
PUC-Campinas, 2009.
73p.
Orientadora: Tânia Maria José Aiello Vaisberg.
Dissertação (mestrado) Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de
Ciências da Vida, Pós-Graduação em Psicologia.
Inclui anexos e bibliografia.
1. Sexo (Psicologia). 2. Estudantes Psicologia. 3. Estudantes - Comportamento
sexual. 4. Imaginário. 5. Psicólogos Formação. 6. Psicanálise. I . Vaisberg,
Tânia Maria José Aiello. II. Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Centro de Ciências da Vida. Pós- Graduação em Psicologia. III. Título.
22ed. CDD t155.3
4
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Professora Tânia Maria José Aiello Vaisberg por ser, para mim, uma
orientadora suficientemente boa, pacientemente apresentando-me todo um mundo
novo sem deixar de manter-se atenta e acolhedora aos meus próprios gestos.
Trabalhar com você tem sido uma experiência mais gratificante e enriquecedora do
que eu posso expressar.
A Fabiana Follador e Ambrosio, pela generosidade com que colaborou para o
desenvolvimento deste trabalho e pelas palavras sustentadoras nos momentos
difíceis.
Às Professoras Tania Mara Marques Granato e Vera Lúcia Trevisan de Souza, pelos
valiosos ensinamentos e pelas importantes contribuições quando do Exame de
Qualificação.
Aos colegas do Grupo de Pesquisa, em especial à Sueli Regina Galo Belluzzo, pela
amizade e disponibilidade com que tem me ajudado nesses anos em que
convivemos.
A Maíra Bonafé Sei, amiga querida que me despertou o interesse pela carreira
acadêmica.
A Márcio José Linardi, meu amor, por estar ao meu lado.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, cujo
financiamento permitiu que eu me dedicasse integralmente ao curso de mestrado.
6
SUMÁRIO
Resumo.........................................................................................................................i
Abstract.......................................................................................................................ii
1. Para começar... .............................................................................................01
2. Objetivo..........................................................................................................17
3. Estratégias de aproximação........................................................................19
3.1. Definindo o método e seus pressupostos teórico-metodológicos.............20
3.2. Configurando o acontecer clínico..............................................................25
3.3. Registrando o acontecer clínico................................................................28
3.4. Interagindo psicanalíticamente com o material clínico..............................28
3.5. Construindo uma reflexão teórico-clínica..................................................29
4. Dialogando com desenhos-estórias...........................................................32
4.1. Deixar que surja........................................................................................33
4.2. Tomar em consideração e criar/encontrar campos de sentido afetivo-
emocionais................................................................................................49
4.3. Reflexão teórico-clínica.............................................................................51
5. Referências...................................................................................................62
6. Anexos..........................................................................................................69
i
RESUMO
Corbett, E. (2009). “Até que a morte nos separe” e outros campos do imagirio
coletivo de estudantes de psicologia sobre dificuldades sexuais. Dissertação de
Mestrado, Centro de Ciências da Vida, Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
Campinas, São Paulo.
Esta pesquisa tem como objetivo investigar psicanaliticamente o imaginário coletivo
de estudantes de psicologia sobre dificuldades sexuais. Para tanto, foi realizada
entrevista grupal organizada ao redor do Procedimento de Desenhos-Estórias com
Tema, desenvolvido por Aiello-Vaisberg a partir do Procedimento de Desenhos-
Estórias de Trinca. O material obtido foi considerado à luz do método psicanalítico,
operado em busca da captação de campos de sentido, substrato afetivo-emocional
que sustenta as produções imaginativas enquanto condutas. O quadro geral permite
a organização das concepções imaginativas enquanto emergentes de três campos
de sentido afetivo-emocional: “Falha mecânica”, “Até que a morte nos separe” e “Ser
ou o ser?”. As produções dos dois primeiros campos mantém relação de oposição
e complementaridade entre si, na medida em que apresentam homens e mulheres
heterossexuais com queixas e sofrimentos claramente diferenciados, provavelmente
derivados dos modos diversos a partir dos quais concebem as relações sexuais e/ou
amorosas. Configura-se um outro cenário imaginativo quando estão em pauta as
dificuldades de homossexuais e transexuais, que são imaginados como pessoas que
tanto enfrentam preconceitos sociais como angústias profundas e radicais, que
interrogam o próprio sentido da experiência humana.
Palavras-chave: Psicanálise. Imaginário coletivo. Sexualidade. Psicologia. Formação
profissional.
ii
ABSTRACT
Corbett, E. (2009). Until death turn us part” and other fields of the collective
imaginary of psychology students on sexual difficulties. Master Dissertation, Center of
Ciences of Life, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, São Paulo.
This research aims to psychoanalytically investigate the collective imaginary of
psychology students on sexual difficulties. For this, we did a group interview
organized around the Drawing-Stories with Theme Procedure, develop by Aiello-
Vaisberg based in Trinca´s Drawing-Stories Procedure. The obtained material was
considered in the psychoanalytical method, opereted in search for sense fields,
affective-emotional substract that supports the imaginative productions as conducts.
The general framework permits the organization of the imaginative conceptions as
emerged from three affective-emotional sense fields: Mechanical failure”, “Untill
death turn us part” and "To be or not to be?". The works coming from the first two
areas relate both opposing and complementing each other once they present
heterossexual man and women with clearly different complaints and suffering, which
probably come from the different ways sexual and/or love relations are conceived.
Another imaginary scene is pictured when it comes to the difficulties of
homossexuals and transexuals, who are seen as people who face not only social
prejudice but also deep and radical anguish, that question the meaning of human
experience itself.
Keywords: Psychoanalysis. Collective imaginary. Sexuality. Psychology. Professional
training.
1
1. PARA COMEÇAR...
2
s profundas mudanças econômicas, sociais e culturais ocorridas a partir da
metade do século passado definiram importante revisão da compreensão
científica acerca da sexualidade humana. A entrada da mulher no mercado de
trabalho, a revolução sexual e a luta incansável dos movimentos sociais exigiram a
construção de uma visão de sexualidade mais abrangente do que a vigente
anteriormente no que se refere à experiência humana.
Neste sentido, o relatório da consulta técnica sobre a temática realizada pela
World Heatlh Organization no ano de 2002 traz conceituação marcadamente mais
ampla do que aquela que considera apenas a atividade sexual propriamente dita:
Sexualidade é um aspecto central da condição humana ao longo da vida e
engloba sexo, identidades e papéis de nero, orientação sexual, erotismo,
prazer, intimidade e reprodução. A sexualidade é experienciada e expressa
em pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores,
comportamentos, práticas, papéis e relacionamentos. Apesar de a sexualidade
poder incluir todas essas dimensões, nem sempre todas são experienciadas
ou expressas. A sexualidade é influenciada pela interação de fatores
biológicos, psicológicos, sociais, econômicos, políticos, culturais, éticos,
legais, históricos, religiosos e espirituais.
1
(World Health Organization, 2006, p.
5 tradução livre da autora)
Alinhadas ao pensamento blegeriano, consideramos que a sexualidade, no
âmbito da Psicologia, deve ser sempre compreendida como manifestação do ser
humano, que está em todos os momentos inserido num contexto sócio-cultural,
devendo ser considerada, necessariamente, enquanto experiência ou acontecer
humano. Tal abordagem apresenta-se, desde o nosso ponto de vista, como capaz de
romper com uma visão puramente organicista dos relacionamentos sexuais e
considerar sua dimensão afetivo-emocional, mantendo-se acorde às definições de
sexualidade e saúde sexual ao redor das quais a World Heatlh Organization
atualmente constrói suas ações. Por ser de grande importância para o presente
estudo, acreditamos que apresentar a definição de saúde sexual que atualmente
orienta as ações da World Health Organization seja tamm elucidador:
1
Sexuality is a central aspect of being human throughout life and encompasses sex, gender identities
and roles, sexual orientation, eroticism, pleasure, intimacy and reproduction. Sexuality is experienced
and expressed in thoughts, fantasies, desires, beliefs, attitudes, values, behaviours, practices, roles
and relationships. While sexuality can include all of these dimensions, not all of them are always
experienced or expressed. Sexuality is influenced by the interaction of biological, psychological, social,
economic, political, cultural, ethical, legal, historical, religious and spiritual factors.”
A
3
...um estado de bem-estar físico, emocional, mental e social em relação à
sexualidade; não é meramente a ausência de doença, disfunção ou
enfermidade. Saúde sexual requer uma abordagem positiva e respeitosa à
sexualidade e aos relacionamentos sexuais, bem como a possibilidade de ter
experiências sexuais prazerosas e seguras, livres de coação, discriminação e
violência. Para que a saúde sexual seja atingida e mantida, os direitos sexuais
de todas as pessoas precisam ser respeitados, protegidos e completamente
atendidos.
2
(World Health Organization, 2006, p. 5 tradução livre da autora)
As profundas mudanças na forma como encaramos coletivamente este
fenômeno humano trazem consigo a necessidade de revisão da formação
profissional oferecida àqueles que, cotidianamente, se deparam com situações em
que a sexualidade se manifesta, tendo em vista a formação de profissionais capazes
de atuar a partir de concepções mais éticas e inclusivas.
Esta é uma das inquietações presentes no campo de preocupações de
pesquisadores brasileiros interessados na ampla temática da sexualidade humana,
resultando na publicação, nos últimos anos, de estudos acerca da formação de
professores, médicos, enfermeiras e psicólogos quanto a este campo do
conhecimento (Brêtas, Ohara, & Querino, 2008; Dinis & Cavalcanti, 2008; Lima &
Cerqueira, 2008; Paiva, 2008; Ressel, Budó, Sehnem, & Büttenbender, 2008;
Rohden, 2009). Tratam-se de categorias profissionais a que se atribui uma
proximidade a aconteceres sensíveis e especiais no que se refere à sexualidade.
No ambiente escolar, compreendido como lugar, por excelência, para a
construção de uma sociedade verdadeiramente inclusiva, o papel do professor
adquire máxima importância em sua atuação diária junto aos alunos, quando
comunica, verbalmente ou não, valores, crenças e sentidos sociais correntes. Da
mesma forma, dentre os profissionais de saúde, os enfermeiros são aqueles que
mais diretamente lidam com o paciente, cotidianamente acompanhando seu
sofrimento ou alegria, cuidando e relacionando-se com ele por meio do contato físico,
do toque que, a nosso ver, revela ou encobre tão mais do que uma técnica aprendida
durante a graduação. Aos médicos e psicólogos, reserva-se em geral o posto
ocupado por aquele a quem se recorreria quando disfunções ou problemas
sexuais ou que, no contexto do atendimento clínico, estariam em melhores condições
2
“...a state of physical, emotional, mental and social well-being in relation to sexuality; it is not merely
the absence of disease, dysfunction or infirmity. Sexual health requires a positive and respectful
approach to sexuality and sexual relationships, as well as the possibility of having pleasurable and safe
sexual experiences, free of coercion, discrimination and violence. For sexual health to be attained and
maintained, the sexual rights of all persons must be respected, protected and fulfilled.”
4
para fornecer orientações quanto às dúvidas, mitos e temores relacionados à
atividade sexual.
Lima e Cerqueira (2008) realizaram interessante investigação sobre o
conhecimento de aspectos específicos da sexualidade humana e da vivência pessoal
de atividade sexual entre estudantes de medicina. Para tanto, fizeram uso de
instrumento desenvolvido por Jablonski (1998), baseado no utilizado por Lourenço
(1993), a fim a avaliar as crenças ou crendices que norteiam as atitudes e
comportamentos sexuais dos universitários. O termo crença é compreendido por
estes autores como conhecimento cientificamente avalizado, descrito como o mais
correto na literatura atualizada da área, enquanto crendice é a nomeação por eles
utilizada para as crenças ou saberes populares que contrariam o conhecimento
científico atual (Jablonski, 1998). Nota-se, assim, que esses autores fazem uma
importante diferenciação entre as teorias geradas no seio da comunidade científica,
compreendidas como próximas da verdade, e aquelas produzidas no cotidiano das
pessoas, ao longo do tempo, às quais se atribui um nível ontológico inferior. Esta é
uma posição bastante distinta da nossa própria, segundo a qual o conhecimento
científico é produzido pelos mesmos processos humanos que as teorias que
emergem do cotidiano das pessoas, tendo, ainda, a mesma motivação: o
conhecimento do mundo. Assim, não faz sentido, desde o nosso ponto de vista,
estabelecer uma hierarquia valorativa entre eles.
Embora melhor informados sobre os aspectos reprodutivos e as doenças
sexualmente transmissíveis, os alunos demonstram desconhecimento acerca das
temáticas específicas da sexualidade feminina e da homossexualidade. Um achado
interessante é o de que, apesar de a homossexualidade não ser considerada um
transtorno já muitos anos
3
, quase 30% dos futuros médicos ainda a compreende
como doença, opinião compartilhada por cerca de 10% das futuras médicas
entrevistadas. A significante divergência observada entre os alunos e as alunas, não
comentada por Lima e Cerqueira (2008), suscita, desde o nosso ponto de vista,
3
em 1973 a American Psychiatric Association excluiu a homossexualidade da listagem de
transtornos mentais e emocionais, sendo apoiada nesta resolução pela American Psychological
Association (APA) a partir de 1975 (APA, 2007). O leitor interessado encontra em editorial escrito por
Laurenti (1984) breve histórico da consideração da homossexualidade em diferentes versões da
Classificação Internacional de Doenças, publicada pela World Health Organization. A versão atual
(CID-10), denominada Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde e utilizada no ensino dos nossos futuros médicos inclui, no trecho dedicado aos chamados
transtornos psicológicos e comportamentais associados ao desenvolvimento sexual e à sua
orientação, nota informando que a orientação sexual por si não deve ser vista como um transtorno.
5
questionamento sobre das diferenças entre os imaginários masculino e feminino
acerca da homossexualidade, constituindo-se como intrigante tema de possíveis
investigações futuras.
Outra marcante característica deste estudo é a adoção de uma conceituação
de sexualidade restrita aos relacionamentos sexuais. Assim, justificando a
importância do estudo realizado, Lima e Cerqueira (2008) informam o leitor que
A emergência da sexualidade, para uma porção significativa dos universitários,
ocorre no curso superior, o que aumenta a importância da educação sexual
para esse grupo, em especial para os estudantes da área da saúde, que
deverão tratar do tema com seus futuros pacientes. (p. 50 grifo nosso).
Trata-se de ponto de vista bastante diverso do nosso, segundo o qual a
sexualidade, como dimensão da experiência humana, tem fundamentos existenciais
que se encontram na relação do bebê com seus cuidadores. Vale a pena ressaltar
que o protocolo utilizado pelas pesquisadoras é composto, em quase sua totalidade,
por questões que tratam da vinculação entre atividade sexual e saúde, não contando
com nenhuma pergunta que aborde a experiência emocional inerente a qualquer
manifestação da sexualidade.
Apresentando uma experiência de formação à distância de profissionais de
educação nas problemáticas de gênero, orientação sexual e relações étnico/raciais,
Rohden (2009) encontra sucesso em sensibilizar os participantes sobre os temas em
questão caminhando ao lado de tensões entre a proposta do curso e as respostas
dos alunos. Partindo da premissa de que a oferta de informações pela via racional
seria capaz de instrumentalizar o professor para a luta contra o preconceito, Rohden
(2009) encontra resultados que, desde o nosso ponto de vista, evideciam a
fragilidade da estratégia interventiva utilizada. Trata-se, assim, de trabalho que se
constitui como interessante contraponto para a explicitação de nosso posicionamento
teórico-metodológico.
Assim, o projeto do curso propunha que, se de fato o cursista fosse
sensibilizado, seria capaz de criar suas próprias formas de atuação frente às
problemáticas trabalhadas, adequadas às especificidades da sua realidade escolar.
Entretanto, muitas vezes durante o curso e tamm na Oficina de avaliação
realizada, os participantes solicitaram o fornecimento de instrumentos para que o
conteúdo fosse aplicado em sala de aula (Rohden, 2009), o que parece indicar
dificuldade em traduzir as informações e questionamentos em ações e práticas no
6
contexto da própria atuação profissional. Chama a atenção o fato de, no ato da
inscrição, a grande maioria dos alunos ter declarado já ter participado de atividade ou
trabalho relativo à temática do curso, sugerindo que esta dificuldade permanece
mesmo após a participação em mais de um programa.
Outra tensão observada por Rohden (2009) foi a afirmação, por parte de
alguns professores, da necessidade de recorrer sempre a um especialista para tratar
dos delicados temas enfocados pelo curso, expectativa com que a equipe procura
romper, ancorando-se na perspectiva de que ...discutir gênero, sexualidade e
raça/etnia e lutar contra o preconceito deve ser tarefa de todos” (p.172). Não deixa
de ser posição acorde à nossa própria já que, compreendendo que parte
fundamental do combate ao preconceito -se nos pequenos acontecimentos
cotidianos, não poderíamos considerar possibilidade real de construção de uma
sociedade ética e inclusiva que não partisse da pessoa comum. Entretanto, estudos
científicos produzidos no contexto de nosso Grupo de Pesquisa CNPq têm apontado
que a afirmação de falta de preparo para lidar com a inclusão muitas vezes encobre
dificuldade pessoal sustentada por aspectos não conscientes preconceituosos
4
.
Caberia assim, desde o nosso ponto de vista, além das importantes colocações
sobre a responsabilidade que todos compartilhamos, trabalho voltado a estes
aspectos afetivo-emocionais que sustentem as condutas excludentes.
Na mesma linha, observaram-se dúvidas a respeito da idade a partir da qual
seria adequado falar desses assuntos com a criança, ...como se houvesse uma
idade certa para começar a discutir sobre sexualidade ou discriminação racial”
(Rohden, 2009, p. 172). A posição da equipe organizadora é a de que,
...certamente, não há como identificar um momento adequado para tratar
desses temas que os valores e as representações sociais sobre nero,
orientação sexual e raça/etnia são transmitidos desde a mais tenra idade.
Portanto, é tamm desde muito cedo que precisamos estar atentos para o
rompimento das hierarquias simbólicas e práticas que nos afetam. (Rohden,
2009, p. 172).
Não poderíamos estar mais de acordo com a idéia, apresentada por Rohden
(2009), de que valores e crenças acerca de fenômenos humanos são construídos
desde a mais tenra idade. No entanto, a observação de um certo receio dos
professores em tratar desses temas e medo de contrariar as famílias, apontando
4
O conjunto desta produção pode ser encontrado no curriculum lattes de Tânia Maria José Aiello
Vaisberg
7
para a tensão constante entre os espaços público e privado, abre caminho para a
explicitação de pressuposto que nos traz alguns questionamentos. Rohden (2009, p.
172) esclarece que “...se tivermos clareza de que o papel da escola não é se
intrometer nas convicções pessoais, mas promover o respeito, talvez possamos
progredir no caminho”. Ora, estamos falando de convicções pessoais
preconceituosas, segundo as quais determinadas pessoas são consideradas
justamente menos dignas de respeito, amplamente compreendido. Não se trata
apenas de não agredir física ou verbalmente o coleguinha diferente, mas de ol-lo
como semelhante, como alguém que tem seu próprio jeito de ser que não é errado,
apenas não é como o próprio. Nesse sentido, nos questionamos se promover o
respeito não passaria, necessariamente, pela “intromissão” em determinadas
convicções pessoais. Indo mais adiante, partimos de um ponto de vista teórico-
metodológico que compreende que nos constituímos e vivemos permanentemente
em relação, de forma que somos tocados, o tempo todo, pelas manifestações
daqueles que nos cercam: pelo olhar simpático ou condenador, pelo “clima” amistoso
ou não de nossa presença conjunta em um ponto de ônibus, nos mínimos gestos que
indicam o reconhecimento de nós como semelhantes ou não.
O parágrafo seguinte do trabalho de Rohden (2009) apresenta outra face da
mesma problemática: a postura dos cursistas, durante os runs de discussão,
...variava entre debater teórica ou conceitualmente os temas propostos ou defender
posições pessoais, de acordo com suas convicções de ordem privada” (p. 173),
sendo frequente a menção de dogmas religiosos especialmente no tema da
sexualidade e educação sexual. A estratégia da equipe frente à expressão de
posições pessoais preconceituosas por parte dos participantes foi, então,
...enfatizar a difícil, mas importante separação entre as convicções pessoais
e o papel do/a professor/a como formador/a de cidadãos/ãs capazes de
respeitar a diversidade e defender os direitos humanos. Foi fundamental
chamar a atenção para o fato de que o/a educador/a tem um papel central na
luta contra a discriminação que tem promovido o sofrimento de diversas
pessoas por causa das diferenças de comportamento ou expressão. Mostrar
que temos instrumentos legais e uma Constituição que defende
expressamente os direitos individuais e enfatizar que esse profissional
trabalha em uma escola pública e laica parece ser uma estratégia frutífera.
Dessa forma tenta-se mostrar que não discriminar ou promover o respeito à
diversidade não é um favor pessoal que se concede fazer a alguém, mas
uma questão de cidadania que o/a professor/a tem obrigação de promover.
(p. 173).
8
Concordamos veementemente com Rohden (2009) no que se refere à
importância do papel do professor, que explicitamos no presente trabalho, e ao
apontamento de que a conduta não discriminatória e de promoção do respeito à
diversidade faz parte do que compreendemos como cidadania. Entretanto, partindo
da perspectiva blegeriana, que compreende que toda manifestação humana dá-se
simultaneamente nas áreas da mente, corpo e atuação no mundo (Bleger,
1963/1989), temos sérias vidas de que seja possível a coexistência de
pensamentos, idéias, crenças e valores preconceituosos e práticas verdadeiramente
acordes ao respeito à diversidade. Assim, um professor que acredita que a
homossexualidade fere a lei de Deus pode esforçar-se por não expressar essa
opinião, mas jamais olhará um aluno homossexual da mesma forma que olha um
heterossexual, tratando-os, na prática, de forma diversa. Por suas características,
este tipo de discriminação bem pode ser qualificada como insidiosa (Ferreira-
Teixeira, 2006; Pontes, Cabreira, Ferreira-Teixeira, & Aiello-Vaisberg, 2008).
A intensidade das linhas de motivação que determinam as crenças e valores
que Rohden (2009) define como pessoais ou de ordem privada parece ser captada
pela sensibilidade desta pesquisadora quando sugere que É como se este assunto
pudesse ser tratado à luz da doutrina incorporada e defendida individualmente,
desconsiderando a diversidade cultural em cena e o respeito à vida privada do
cidadão” (p. 173).
Neste sentido, encontramos no estudo conduzido por Dinis e Cavalcanti
(2008) interessantes conclusões. Discutindo concepções sobre homossexualidade e
gênero produzidas por formandos em pedagogia, estes pesquisadores encontram,
como resultado da análise quantitativa dos dados, indicadores de avanços na
aceitação das diferenças sexuais e de gênero. Entretanto, a consideração mais
detalhada do material revela que os alunos assimilaram o discurso politicamente
correto sem que ocorressem mudanças significativas das concepções binaristas e
excludentes que sustentam as concepções preconceituosas.
Assim, à guisa de exemplo, ainda que 56% dos alunos se definam como não
preconceituosos, alguns ofereceram justificativas reveladoras de posição diversa,
conforme explicam Dinis e Cavalcanti (2008, p. 103):
Um outro exemplo presente é quando a mesma pessoa pesquisada se
identificava como não preconceituosa, alegando que “ter uma opinião diferente
9
não é preconceito”, mas que, em resposta a outras questões do questionário,
posicionava-se contra a adoção de crianças por casais homossexuais; contra
a contratação de docentes homossexuais, ou mesmo justificava uma possível
mudança de conduta em relação a um/a colega caso ele/ela se identificasse
como homossexual.
Algumas das respostas dos alunos que não se consideravam preconceituosos
baseavam-se em dogmas religiosos para justificar atitudes profundamente
discriminatórias:
Não sou preconceituosa, vocês que lerem esse questionário o achar que
sou preconceituosa. Mas não sou. Amo o homossexual, mas não amo o
pecado dele. E vi muitos homossexuais se libertarem disso. Deus fez o
homem e a mulher e quero muito ajudar essas pessoas a descobrirem como é
boa e perfeita a criação e a vontade de Deus. (Citado por Dinis & Cavalcanti,
2008, p. 103).
Diante deste cenário, Dinis e Cavalcanti (2008, p. 104) propõe que
De acordo com os conteúdos dessas justificativas, pode-se concluir que essas
respostas mostradas pelos números como politicamente corretas”,
provavelmente sejam, algumas vezes, apenas num plano teórico, e que
efetivamente não condigam com a prática, uma vez que os conteúdos da
justificativa, como nos casos citados acima, negam a opção marcada no
questionário.
Mais adiante, apresentam ao leitor possibilidade de mudança desta
complicada situação:
Mas devemos ressaltar que o problema não é simplesmente aceitar ou tolerar
as diferenças; o desafio é ultrapassar mesmo a idéia de tolerância por meio de
políticas que questionem as próprias normas que produzem e categorizam as
identidades sexuais e de gênero. (Dinis & Cavalcanti, 2008, p. 107)
Um tanto distantes da construção de políticas públicas e mais próximas das
delicadas relações humanas da atuação clínica, não deixamos de concordar com os
pesquisadores citados quanto à necessidade de questionamento da gica produtora
das diferenças. No que nos concerne, tendo em vista nossos pressupostos teórico-
metodológicos, nos interessamos por essa lógica em dimensão afetivo-emocional.
5
Aiello-Vaisberg (1999a) discute a vinculação que as pessoas estabelecem
com as diferentes teorias, sejam elas emergentes do cotidiano vivido ou científicas,
5
Desde o ponto de vista de Bleger (1963/1989), todas as ciências humanas têm como objeto de
estudo o acontecer humano em sua completude, trabalhando, cada uma, desde sua perspectiva
metodológica.
10
utilizando o conceito de uso do objeto (Winnicott, 1971/1975a) e apresentando
experiência de utilização de enquadre pedagógico diferenciado no ensino de
psicopatologia. Enquanto possibilidades para esta vinculação, aponta a compreensão
da teoria como verdade cristalizada e imutável ou ...como construção coletiva,
possível em determinado momento histórico, de acordo com as limitações
características do funcionamento psíquico humano, quando se empenha na
aquisição de inteligibilidade transformadora da vida e do mundo” (Aiello-Vaisberg,
1999a, p. 92). Tratam-se de formas de conceber, portanto, quaisquer teorias
produzidas ou veiculadas pelo ser humano, entre as quais incluem-se os dogmas
religiosos.
Partindo da percepção de que a argumentação puramente racional nos
conduz apenas à compreensão de como deveria ser a nossa relação com as teorias,
não elucidando esta via como poderíamos fazê-lo na prática, Aiello-Vaiberg (1999a)
encontra no desvelar da sua sustentação lógico-emocional criação de condições
favoráveis à mudança desta vinculação. É um movimento análogo àquele vivido no
contexto da clínica psicanalítica, em que a experiência de criação/encontro de
diferentes sentidos afetivo-emocionais transforma verdades fixas trazidas pelo
paciente.
No que se refere à formação de enfermeiros, Brêtas et al. (2008) realizaram
estudo com os objetivos de identificar a percepção de graduandos em enfermagem
sobre atividades voltadas à orientação sexual e estabelecer a sua forma de
desenvolvimento junto aos estudantes. A coleta de dados foi realizada por meio de
entrevista semi-estruturada, e sua interpretação conduzida segundo a técnica de
Análise de Conteúdo (Bardin, 1995).
Quase a totalidade dos alunos concordou com a proposta de realização de
atividades deste tipo, tendo a maioria indicado preferência pelas formas de discussão
em grupo ou oficinas com tema específico. Pouco mais de um quarto dos
universitários justificou a relevância deste tipo de atividade pela necessidade de
informação por parte dos graduandos que, tendo suas dúvidas esclarecidas,
poderiam oferecer tamm a seus futuros pacientes melhor orientação. A categoria
empírica dificuldades com o assunto, que abarca 19% das respostas, explicita a idéia
de que as dificuldades em lidar com a própria sexualidade trazem consigo
dificuldades em relação à sexualidade do outro, interferindo diretamente no cuidado e
11
na orientação do paciente. A importância do autoconhecimento propiciado por
atividades deste tipo é destacada pelos futuros profissionais tanto como fim em si
mesmo quanto como meio de compreender melhor as características da profissão
escolhida ou, ainda, como forma de qualificação do cuidado com o outro. Assim, de
acordo com Brêtas et al. (2008):
Uma análise global deste estudo nos permitiu afirmar que a inclusão da
atividade de orientação da sexualidade para estudantes de enfermagem não
contribuirá para a formação profissional como tamm pessoal de cada
estudante, seja minimizando os tabus existentes em relação à sexualidade,
seja esclarecendo dúvidas ou sendo uma fonte de informação. (p. 574)
A vinculação entre formação pessoal e profissional também é marcante no
estudo desenvolvido por Ressel et al. (2008), destacando o processo avaliativo de
um exercício reflexivo sobre sexualidade, embasado na técnica do grupo focal e
realizado junto a estudantes de enfermagem. Foi perguntado aos participantes o que
o exercício representou para eles, e suas respostas foram agrupadas e organizadas
nas categorias empíricas ampliação do conceito de sexualidade, autoconhecimento e
despertamento pessoal, despontamento para o cuidado humanizado e ambigüidade.
A categoria ampliação do conceito de sexualidade inclui respostas que
focalizam o entendimento desta temática como algo muito mais amplo do que a
atividade sexual, em que se conjugam aspectos sicos, culturais, psicológicos e
morais. Destaca-se, ainda nesta categoria, a percepção por parte dos alunos de que
esta nova forma de encarar a sexualidade colabora para o rompimento de algumas
idéias preconceituosas. Autoconhecimento e despertamento pessoal denotam
reflexões sobre os próprios comportamentos, valores e idéias no que tange à vida
pessoal e profissional, desde a percepção de valores e padrões de comportamento
modificados ao longo da graduação, até a reflexão acerca de ser mulher e enfermeira
em nosso contexto sócio-cultural. Quanto ao despontamento para o cuidado
humanizado, Ressel et al. (2008) encontram que o desvelamento da sexualidade
como elemento inerente a todo ser humano, tendo cada qual suas especificidades,
aponta para a necessidade de cuidado humanizado com o corpo sexuado dos
pacientes, na forma de reflexão acerca do que o outro sente e da abordagem do
corpo do outro quando da execução de procedimentos médicos. Já a categoria
ambigüidade refere-se à contradição e ambivalência presentes nas falas dos
entrevistados. São destacados dois trechos, o primeiro referindo-se à difícil
12
conciliação entre perceber-se uma mulher forte e corajosa e viver numa sociedade
que ime às mulheres o dever de ser frágil e dócil. O trecho seguinte reflete sobre
as diferenças pessoais em termos de pudores relativos à sexualidade, apresentando
interessante movimento que parte da afirmação de muitas vezes sentir-se assexuado
no contexto da atuação profissional, numa tentativa de negar o que o ato de tocar o
corpo do paciente suscita, em direção à afirmação de que não devemos ignorar a
sexualidade do outro.
O texto de Ressel et al. (2008) apresenta essas categorias de forma muito
interessante, parecendo convidar o leitor a trilhar um caminho que parte da
compreensão ampliada da sexualidade como determinante de uma nova visão de si
e dos outros como seres sexuados, até a percepção de inegáveis contradições e
ambigüidades inerentes a mudanças desta natureza.
O conjunto desses artigos permite discutir a diferença de posicionamento
quanto à separação entre vida pessoal e profissional. Desde o nosso ponto de vista,
a consideração destas duas áreas do viver como uma unidade é um avanço nos
estudos de Brêtas et al. (2008), Dinis e Cavalcanti (2008) e Ressel et al. (2008), se
os considerarmos em relação às compreensões acerca da formação profissional
veiculadas pelos artigos de Lima e Cerqueira (2008) e Rohden (2009), que
concebemos o homem como ser essencialmente integrado, que experimenta o
mundo e as relações com outras pessoas a partir de suas crenças, valores,
sentimentos, etc.
Guardando maior proximidade do nosso campo de atuação profissional e de
pesquisa, encontramos o estudo de Paiva (2008), que versa sobre a formação do
psicólogo, e parte da interrogação:
E o sexo? Estamos formando profissionais para abordar a atividade sexual
nos termos em que acontece na vida cotidiana, especialmente em contextos
de pobreza e desigualdade, ou para trabalhar no contexto do Sistema Único
de Saúde (SUS), na escola, no ambiente de trabalho, na comunidade? (p.
643).
Sendo a graduação em psicologia um curso generalista que, a seu ver,
deveria preparar o futuro psicólogo para a atuação nas mais diversas áreas, seria de
extrema importância que a formação oferecida fosse muito mais ampla do que
aquela voltada à atividade clínica, preocupação demonstrada por Paiva (2008)
quando afirma que Raramente, entretanto, formamos psicólogos para lidar com a
13
vida sexual em contextos que o sejam clínicos.” (p. 641). Para sustentar essa
afirmação, a pesquisadora baseia-se na percepção de que as abordagens
“sexológicas” (Gagnon & Parker, 1995, citado por Paiva, 2008) constituem pontos de
vista teóricos, clínicos e metodológicos ancorados em concepções de sexualidade
como força instintiva ou pulsão, tão distantes dos acontecimentos cotidianos
concretos da vida das pessoas. Entretanto, incorre no engano, a nosso ver, de
conceber a atividade clínica como essencialmente diferente de qualquer outra que
possa vir a ser desenvolvida pelo psicólogo. Defendemos que a dissociação entre a
formação do psicólogo para a atuação clínica e em contextos diversos é artificial e
errônea, contrariando inclusive a proposta generalista do curso. Em concordância
com o psicanalista José Bleger (1963/1989), defendemos que as manifestações
humanas devem ser sempre compreendidas como condutas, ou seja, como
aconteceres ou experiências humanas, seja qual for o contexto sobre o qual o
psicólogo se debruce.
Acreditando que a psicanálise, enquanto método de pesquisa e atenção
psicológica, traz uma ótica diferenciada para a compreensão desta problemática
psicossocial, o podemos deixar de considerar a pluralidade de concepções
antropológicas, de saúde e doença e mesmo de sexualidade, a partir das quais
emergem as diversas correntes psicanalíticas. Essas profundas divergências
observadas entre as diferentes correntes teóricas parecem ameaçar a coerência de
seu agrupamento sob o mesmo título, sugerindo que talvez devêssemos falar em
psicanálises.
Herrmann (2001/2004), ao interrogar-se sobre o que seria, afinal, fazer
psicanálise, encontra como fundamento comum a todas as escolas psicanalíticas,
bem como às diferentes cnicas psicoterápicas de mesma orientação, o método
psicanalítico: forma geral de pensamento que se coloca em marcha por uma escuta
dissonante em relação àquilo que o paciente diz. Trata-se de ouvir, no discurso do
analisando, sentido diverso do manifesto, descentrado do assunto de que ele tem a
intenção de falar. A apresentação de uma versão emocional que o paciente o se
vê em condições de negar, mas que tampouco integra-se à rede de representações a
que ele recorre no seu encontro com a realidade, não se traduz em explicação do
significado latente de sua conduta, mas em demonstração concreta de que ela é
atravessada por múltiplos sentidos. Permite, assim, ao analisando, certa flexibilidade
14
no seu encontro com o real. Herrmann (2001/2004) conclui, assim, pela primazia do
método em relação às diversas teorias psicanalíticas.
Alinhado pensamento freudiano, Herrmann (2001/2004) compreende o homem
como ser protegido do encontro violento e enlouquecedor com o real pelas
representações, evidenciando concepção antropológica segundo a qual o homem
nasce mônada isolada, encontrando-se com o outro num momento existencial
posterior. Denomina, assim, expectativa de trânsito o momento em que, angustiado,
o ser humano se em uma brecha entre as representações, numa ...busca
desesperada de representações suficientes, que, não obstante a necessidade
urgente, carecem de assento onde se firmar” (p. 57).
Em que pese a nossa postura teórica diversa, alinhada às colocações
blegerianas e winnicottianas, entendemos o homem como ser que habita um
ambiente interhumano antes de existir desde o seu próprio ponto de vista, ancorando
na experiência a própria constituição do seu self. Desta forma, acreditamos que “este
viver na brecha se constitui... como uma nova experiência, através da qual um
mundo mental de verdades fixas é inteiramente transformado” (Aiello-Vaisberg,
1999a, p. 83), apresentando a possibilidade de vinculação mais livre e flexível com
as diversas teorias presentes em nosso cotidiano de forma não necessariamente
ansiógena.
Greenberg e Mitchell (1994) consideram as diferenças entre as correntes
psicanalíticas a partir das estratégias para lidar com a problemática das relações
interpessoais, resultando na formação de dois grupos distintos: aquelas que se valem
do modelo estrutural-pulsional freudiano e as que se sustentam a partir do chamado
modelo estrutural-relacional:
Na teoria pulsional de Freud, todas as facetas da personalidade e da
psicopatologia o compreendidas essencialmente como um função, um
derivado das pulsões e suas transformações. Assim, para resolver o problema
das relações objetais e, ao mesmo tempo, manter intacta a teoria pulsional
requer-se a derivação das relações com os outros e das representações
internas dessas relações pelo indivíduo, como vicissitudes das pulsões
propriamente ditas.... A segunda estratégia para lidar com as relações objetais
mais radical é a de substituir o modelo teórico de pulsão por uma abordagem
conceitualmente diferente, na qual as relações com os outros constituem-se
nos blocos de construção fundamentais da vida mental. (p. xii).
15
Emergindo a partir do modelo estrutural-relacional encontram-se teorias
bastante diversas, dentre as quais as abordagens unificadas sob a denominação
psicanálise interpessoal e a escola britânica da teoria das relações objetais. No que
se refere à escola britânica da teoria das relações objetais, interessamo-nos
especialmente pela obra winnicottiana, que traz em seu bojo teoria desenvolvimental
radicalmente diferente das de seus predecessores.
À primeira vista, a teoria winnicottiana do amadurecimento pode parecer um
acréscimo às proposições freudianas e kleinianas, ilusão que o próprio Winnicott
sustenta em seus textos, quando se localiza tão próximo desses autores no que se
refere à tradição psicanalítica.
No entanto, Winnicott conserva a tradição de uma maneira curiosa, em grande
parte distorcendo-a. A sua interpretação dos conceitos freudianos e kleinianos
é tão idiossincrática e tão pouco representativa da formulação e intenção
originais deles a ponto de torná-las, às vezes, irreconhecíveis. (Greenberg e
Mitchell, 1994, p. 139)
Especialmente interessado no processo pelo qual o bebê se torna uma pessoa
inteira, consciente de si mesma como ser separado das outras pessoas, Winnicott
constrói um arcabouço teórico-conceitual sensível e firmemente ancorado na
experiência clínica, capaz de dialogar com as proposições blegerianas a que nos
alinhamos.
A sexualidade, no que se refere às teorias psicanalíticas, é em geral
considerada muito importante. No cenário científico brasileiro atual, entretanto,
encontram-se numerosos estudos conduzidos a partir dos pressupostos do modelo
estrutural-pulsional (Bento, 2007; Celes, 2007; Coelho dos Santos, 2009; Levín,
2007; Lionço, 2008; Martinez, 2007; Patrasso, 2007; Pinheiro, 2008; Poli, 2007;
Vieira, 2008; Zavaroni, 2007; Zorning, 2008), sendo mais raros aqueles emergentes
do modelo estrutural-relacional (Celes, Alves, & Santos, 2008; Naffah Neto, 2007).
Se a pulsão sexual ocupa o lugar central de “fundamento do psíquico” na
psicanálise clássica, encarnada na teoria freudiana, mesmo no contexto de uma
psicanálise winnicottiana a sexualidade é compreendida como experiência vital,
intrínseca ao desejo de ser e às relações humanas (Machado & Aiello-Vaisberg,
2004).
A teoria winnicottiana do sofrimento humano traz, neste sentido, contribuições
inovadoras ao pensamento psicanalítico. Winnicott (1945/2000) compreende o
16
homem como ser que vem ao mundo com um potencial inato para o desenvolvimento
e a saúde, e que encontra na vivência de um ambiente interhumano facilitador as
condições necessárias e suficientes para alcançá-los. Descreve, portanto, um
desenvolvimento emocional que se desenrola na relação com outras pessoas, desde
os princípios da constituição de um self. Tal concepção antropológica aproxima-se
das idéias de Bleger (1963/1989), quando este afirma que o homem se constitui na
incorporação e organização de experiências com os demais indivíduos que o cercam.
Abre, tamm, a possibilidade de considerarmos a sexualidade desde ponto de vista
um tanto diverso, como expressam Machado e Aiello-Vaisberg (2004):
Se considerarmos a sexualidade, como qualquer outra área do viver, desde a
psicopatologia implícita no pensamento winnicottiano, podemos dizer que a
vida erótica tanto pode ser experimentada de forma dissociada, em função da
ação de um falso self, que configura uma ausência de si, como pode ser
sentida como uma invasão do si mesmo por forças poderosas vividas como
not-me”, situação em que o indivíduo pode se ver arremetido em direção ao
abismo das agonias. Uma terceira possibilidade consiste em vivenciar a
sexualidade como experiência lúdica e criativa, desde uma presentificação de
si enquanto singularidade humana separada, sexualizada, finita, mas capaz de
superação de sua solidão num momento de encontro que envolve o corpo,
mas a ele não se limita. (p. 20)
Reunimos, assim, um campo de investigação científica de grande relevância
na atualidade a formação de profissionais que, lidando diretamente com o ser
humano concreto, são frequentemente confrontados com questões e manifestações
relativas à sexualidade humana e uma abordagem teórico-metodológica que,
desde o nosso ponto de vista, apresenta-se como uma via de grande potencial
heurístico. Interessadas na dimensão afetivo-emocional que media a relação dos
futuros psicólogos com as manifestações da sexualidade, propusemos o presente
estudo, que aborda esta ampla temática por meio do que estudantes de psicologia
que estão se aproximando do final do curso imaginam sobre as dificuldades sexuais.
17
2. OBJETIVO
18
Esta pesquisa tem como objetivo investigar psicanaliticamente o imaginário
coletivo de estudantes de psicologia sobre dificuldades relacionadas à sexualidade
humana. Deste modo, insere-se na linha de pesquisa "Prevenção e intervenção
psicológica", do Programa de Pós Graduação em Psicologia da PUC-Campinas, que
tem, como Área de Concentração, "Psicologia como Profissão e Ciência".
19
3. ESTRATÉGIAS DE APROXIMAÇÃO
20
A fim de facilitar a compreensão do leitor, consideramos elucidador apresentar
nossas estratégias teórico-metodológicas em subcapítulos, que correspondem às
etapas da configuração do campo dialógico em que se desenrola este estudo. Assim,
Definindo o método e seus pressupostos teórico-metodológicos traz a
discriminação do ponto de vista de que partimos. Em seguida, em Configurando o
acontecer clínico e Registrando o acontecer clínico, expomos a forma como foi
organizada e registrada a entrevista coletiva realizada com os alunos de psicologia.
No subcapítulo Interagindo psicanalíticamente com o material clínico, realizamos
breve explanação sobre o uso do método psicanalítico na consideração das
produções criadas pelos alunos. Tecemos, em Construindo uma reflexão téorico-
clínica, comentários sobre a ampliação do diálogo com os desenhos-estórias em
direção à comunidade científica mais ampla, bem como acerca do tipo de
conhecimento que pretendemos produzir nesse movimento. Finalmente,
descrevemos a forma como elaboramos a comunicação do encontro dos
pesquisadores com o material clínico ao leitor, tendo em vista convidá-lo a participar
da roda de conversa em que nos inserimos a fim de realizar o presente estudo.
3.1. Definindo o método e seus pressupostos teórico-metodológicos
De acordo com Herrmann (2004), sob a denominação pesquisa psicanalítica
empírica abrigam-se duas vertentes de estudo bastante distintas. Consideramos
fundamental apresentá-las brevemente ao leitor, a fim de explicitar o recorte
metodológico que utilizamos.
A primeira destas vertentes pode ser definida como aquela que faz uso de
estratégias metodológicas tradicionais, positivistas, para a obtenção de resultados
posteriormente discutidos à luz de teorias psicanalíticas, enquanto a segunda
consiste no uso da psicanálise como método investigativo.
O primeiro enfoque consiste em um recorte metodológico que não pretende
captar o acontecer humano de forma global e completa, como fenômeno, mas reduzi-
lo a dados mensuráveis, tão distintos da matéria que origina as próprias construções
teóricas das diferentes escolas psicanalíticas. Desde o nosso ponto de vista, incorre
no engano de tomar as teorias psicanalíticas como verdades gerais a serem
confirmadas ou refutadas mediante uma investigação científica considerada isenta.
21
Trata-se de concepção bastante distante daquela em que se baseia a
segunda perspectiva de pesquisa psicanalítica empírica, segundo a qual tais teorias
refletem a atribuição de um sentido afetivo-emocional, dentre os vários possíveis, à
conduta humana em questão. Contrariamente ao que pensam muitos, as teorias
psicanalíticas são, assim, construções de caráter provisório, destinadas a serem
substituídas quando compreensões novas e mais abrangentes dos fenômenos
podem ser alcançadas. Contudo, quando bem elaboradas, tornam-se localmente
válidas para o campo específico em que foram criadas, tendo em vista usos
praticamente imediatos que visam transformação de situações de mal-estar e
sofrimento humano. Rigorosamente falando, o campo psicanalitico é menos
constituído por generalizaçoes doutrinárias do que pela iniciativa de colocar em
marcha um método cuja vocação é menos verificativa do que heurística.
Assim, a segunda vertente de pesquisa psicanalítica empírica, à qual nos
alinhamos, envolve o uso do próprio método psicanalítico como estratégia de
aproximação do fenômeno estudado. Definimos tal método como uma forma geral de
compreender os fenômenos humanos, que se coloca em marcha por meio do uso da
associão livre de idéias e da atenção eqüiflutuante. Laplanche e Pontalis (1992)
definem a atenção uniformemente flutuante como
Segundo Freud, o modo como qualquer analista deve escutar o paciente: não
deve privilegiar a priori qualquer elemento do discurso dele, o que implica que
deixe funcionar o mais livremente possível a sua própria atividade inconsciente
e suspenda as motivações que dirigem habitualmente a atenção. (p. 40)
Conceituam, ainda, a associação livre como consistindo em “exprimir
indiscriminadamente todos os pensamentos que ocorrem ao espírito, quer a partir de
um elemento dado (palavra, número, imagem de um sonho, qualquer representação),
quer de forma espontânea” (p. 38).
No contexto do Grupo de Pesquisa CNPq Atenção Psicológica Clínica em
Instituições: Prevenção e Intervenção, compreendemos que a ateão eqüiflutuante
pode ser entendida como abertura fenomenológica e existencial para o acontecer
clínico, para a expressão subjetiva do outro, e a associação livre como convite a
expressar-se livremente, seja qual for a modalidade, a linguagem escolhida para esta
expressão
6
.
6
O leitor interessando encontra o conjunto desta produção no curriculum lattes de Tânia Maria José
Aiello Vaisberg
22
Compreendemos, ainda, que o pressuposto fundamental sobre o qual este
método se assenta é o de que toda conduta humana é atravessada por múltiplos
sentidos que emergem a partir das experiências concretas da vida das pessoas. Para
tanto, inspiramo-nos na leitura inovadora da obra freudiana realizada por Politzer
(1928/1998), que destacou a importância da proposição acerca do sentido que
sustenta toda manifestação humana, evidenciada no escrito A interpretação dos
sonhos (Freud, 1900). Este pressuposto, rigorosamente ético e inclusivo, é a
inspiração fundamental do método psicanalítico, e justifica a consideração da
psicanálise como uma possibilidade de ruptura em relação à tradição abstracionista
da psicologia clássica. Contudo, como assinala Politzer (1928/1998), ao recorrer à
imagem de um aparelho psíquico para explicar o funcionamento da mente, Freud
distancia-se mais uma vez da dramática humana.
Desde o ponto de vista deste revolucionário autor, a construção de uma
psicologia empírica, concreta ou científica -se, necessariamente, pelo abandono
da abstração e pela redefinição do conceito de ato psicológico. Assim, ...se trará
à tona a pertinência dos fatos psicológicos ao eu ficando nesse plano: os fatos
psicológicos devem ser homogêneos ao „eu‟, só podem ser as encarnações da
mesma forma do „eu‟” (Politzer, 1928/1998, p. 66 grifos do autor). Ora, o ato do
indivíduo concreto é a vida, mas a vida singular do indivíduo singular, isto é, a vida
no sentido dramático do termo. (Politzer, 1928/1998, p. 67 grifos do autor)
Bleger (1963/1989), leitor de Politzer, faz justiça à necessidade de retorno à
concretude da experiência quando propõe que toda manifestação humana seja
compreendida como conduta, ou seja, em sua totalidade. A seu ver, todas as
ciências humanas teriam como objeto de estudo, portanto, o acontecer humano em
sua completude, diferenciando-se apenas em termos das perspectivas
metodológicas adotadas.
A fim de apresentar melhor ao leitor o ponto de vista de que partimos, ganha
importância a tarefa de descrever brevemente algumas características da conduta,
tal como proposta por Bleger (1963/1989). Essas manifestações humanas
expressam-se sempre simultaneamente em três áreas: mental, corporal e de atuação
no mundo externo. A qualificação da conduta como pertencente a uma das áreas é
dada, então, pelo predomínio em alguma delas num dado momento, ficando claro
que ...esse predomínio é relativo, no sentido de que pode alternar ou se suceder
23
com o predomínio em outra das áreas” (Bleger, 1963/1989, p. 31). Quando nos
referimos à área mental, pensamos nas manifestações simbólicas, tais como o
próprio pensamento, as crenças, os sonhos e a imaginação. os fenômenos
corporais seriam aqueles identificados no corpo: o enrubescimento e a aceleração do
ritmo cardíaco, como exemplos. Os fenômenos de atuação no mundo externo, como
pode imaginar o leitor, jamais podem existir sem que haja modificação ou movimento
do corpo. São definidos, então, pela ação sobre um objeto, ou pela alteração
ambiental que provocam dirigir um carro ou comparecer a uma reunião, como
exemplos (Bleger, 1963/1989).
No que se refere à amplitude do fenômeno estudado, a conduta pode ser
focalizada pelo pesquisador em três âmbitos, a saber: o indivíduo, um conjunto de
indivíduos ou mesmo normas e pautas consideradas como instituições sociais. E,
finalmente, toda manifestação humana -se num determinado campo,
compreendido como recorte, no espaço e no tempo, da situação total, incluindo as
pessoas envolvidas. No campo, por sua vez, distinguem-se duas subestruturas,
nomeadas por Bleger (1963/1989) campo ambiental e campo psicológico. Enquanto
o campo ambiental pode ser compreendido como a realidade vista do exterior, o
contexto da conduta, tal como poderia ser visto por um observador externo à
situão, o campo psicológico é a configuração particular que o campo ambiental tem
para o sujeito ou grupo, naquele dado momento. Está implicado na conduta, e
compreende elementos conscientes e não-conscientes:
Dentro do campo psicológico, e formando parte dele, podemos descrever... o
Campo de consciência, que é a configuração que tem o campo ambiental para
a conduta consciente ou simbólica do sujeito ou grupo considerado.... Dito em
outros termos, o campo psicológico é o campo implicado na conduta, nas três
áreas. Reservamos para a área um ou simbólica a denominação de campo de
consciência e para o conjunto das áreas dois e três o nome de campo
psicológico propriamente dito. (Bleger, 1963/1989, p. 38 grifo do autor)
Quando adotamos a perspectiva blegeriana, usamos o método psicanalítico
para compreender a conduta humana. No presente trabalho, focalizamos um tipo
particular de conduta, que denominamos imaginário coletivo
7
. Tratam-se de
7
O leitor atento notaque usamos o conceito de imaginário coletivo tanto para nos referirmos à
conduta imaginativa em si quanto ao seu produto o ambiente humano que se apresenta como uma
coleção de imagens, crenças, valores, etc. Para tanto, apoiamo-nos na concepção blegeriana
segundo a qual todo produto da atividade humana evidencia o gesto que o criou, podendo ser
diretamente vinculado a ele.
24
manifestações simbólicas de subjetividades grupais, que geram produtos e
conformam ambientes humanos, configurando verdadeiros mundos vivenciais, nos
quais se mesclam dimensões históricas, sociais, culturais, psíquicas e emocionais.
Tais ambientes, que são o contexto em que emergem, por sua vez, novas práticas,
sentimentos, idéias, obras e instituições, organizam-se a partir de um substrato
afetivo-emocional, em geral não consciente, que denominamos campo de sentido
afetivo-emocional. Compreendemos esses campos de sentido, portanto, como um
dos aspectos determinantes da manifestação humana, diferenciando-se das demais
causalidades por tamm constituir-se como conduta, à luz das idéias blegerianas
acerca da motivação (Bleger, 1963/1989):
Motivação é, então, a causalidade operante no nível psicológico de integração,
já que a motivação é também conduta e não um agente externo ou estranho
ou distinto da própria conduta. Tampouco exclui os outros níveis de integração
mas, como no caso da conduta em geral, os implica (contém). A motivação é,
portanto, uma conduta molar e aparece como acontecimento, acontecer ou
experiência humana (dramática). (p. 118)
Quando Bleger (1963/1989) refere-se ao nível psicológico de integração, parte
da concepção de que as manifestações humanas podem ser compreendidas a partir
de diferentes óticas, que refletem diferentes níveis de organização. Podemos, então,
estudar o ato de levantar um braço como movimento de alavanca (nível físico-
químico), como movimento do corpo humano, sendo acionado por impulsos elétricos
originados no sistema nervoso central, que são conduzidos pelos nervos até os
músculos (nível biológico) ou como um cumprimento ou gesto de aproximação (nível
psicológico).
Interessadas precisamente nas linhas de motivação afetivo-emocionais das
manifestações humanas, encontramos no método psicanalítico estratégia de
aproximação do fenômeno adequada ao nosso fim. No caso mencionado
anteriormente poderíamos, por exemplo, interpretar psicanaliticamente que o ato de
levantar o braço, no contexto de determinado acontecer, emerge a partir de um
campo de sentido afetivo-emocional em que a pessoa diante de nós é compreendida
como digna de respeito e por isso, a cumprimentamos. Deste modo, consideramos
que abordar psicanaliticamente imaginários coletivos implica tanto na identificação de
produções imaginativas como na captação dos campos de sentido afetivo-emocional
a partir do qual emergem.
25
Produzir conhecimento psicanalítico, desde o nosso ponto de vista, consistiria
precisamente em captar o campo de sentido afetivo-emocional a partir do qual
emerge a conduta. Consiste em produzir uma teoria local que possua potencial
heurístico na atribuição de um sentido afetivo-emocional à conduta em questão.
3.2. Configurando o acontecer clínico
Quando convidamos uma pessoa a expressar-se livremente, compreendemos
não ser esta uma tarefa fácil, nem independente do ambiente em que se desenrola.
Torna-se necessária a criação de um ambiente apropriado para a expressão
subjetiva, para a comunicação emocional. Procuramos, assim, favorecer que o
encontro se configure maximamente a partir dos modos de ser e de se relacionar dos
entrevistados.
Nesta investigação, fizemos uso de um enquadre diferenciado de pesquisa e
de atenção psicológica, denominado entrevista grupal para abordagem da
pessoalidade coletiva (Avila, Tachibana, & Aiello-Vaisberg, 2008) que se inclui entre
as chamas entrevistas coletivas, que podem ser usadas por investigadores que
adotam diferentes referenciais teóricos, inclusive não psicanalíticos (Duchesne &
Haegel, 2005). Tal entrevista articulou-se ao redor do uso de um mediador dialógico
análogo ao Jogo do Rabisco winnicottiano (Winnicott, 1968/1994).
Compreendemos o uso de tal atividade como a maneira pela qual o
psicanalista inglês configurava um campo de experiência, campo este maximamente
relaxado, onde as comunicações genuínas pudessem ter vez. Dessa forma, não
compreendemos que o uso dos rabiscos pretendesse alcançar conteúdos recalcados
no inconsciente, seguindo o raciocínio dos procedimentos projetivos. De modo
claramente constrastante, concebemos o uso do Jogo do Rabisco como uma forma
especial de convite à comunicação e de crião de um ambiente facilitador da
ocorrência de experiências surpreendentes (Vitali, 2004).
No contexto das entrevistas para abordagem de pessoalidade coletiva,
fazemos uso de diversas formas de “rabisco” (Aiello-Vaisberg, 2004; Ambrosio,
2005), concebendo-os paradigmaticamente.
26
No presente estudo, a captação psicanalítica do imaginário coletivo aconteceu
mediante o uso, em entrevista coletiva realizada em uma sala de aula com alunos do
curso de Psicologia de uma faculdade do interior do Estado de São Paulo, do
Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema, desenvolvido por Aiello-Vaisberg
(1999b) para pesquisa de representações sociais e imaginários coletivos, a partir de
procedimento originalmente idealizado por Trinca (1976) para uso psicodiagnóstico.
A utilização do Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema consiste na
solicitação ao participante de que desenhe, numa folha de papel que lhe foi entregue
pela pesquisadora, uma pessoa que vivencia determinada situação e, em seguida,
que invente e escreva, no verso desta mesma folha, uma história sobre aquilo que
desenhou. Analogamente à proposta winnicottiana, aqui também os pesquisadores
apresentam a proposta, mas encontram-se livres para receber a comunicação dos
participantes da maneira que for possível. Nas palavras de Winnicott (1968/1994):
Isto é tudo o que existe a título de técnica, e tem-se de enfatizar que sou
totalmente flexível mesmo neste estágio muito inicial, de maneira que se a
criança quer desenhar, ou conversar, ou brincar com brinquedos, ou fazer
música ou traquinagens, fico livre para adaptar-me aos desejos dela. (p. 232)
Nesta investigação, solicitamos aos alunos o desenho e a história de uma
pessoa que procura ajuda psicológica por causa de um problema sexual.
Quando nos referimos ao uso de facilitadores dialógicos, temos em mente algo
bastante distinto da utilização de testes projetivos, compreendidos como
procedimentos padronizados através dos quais o psicólogo poderia avaliar aspectos
da vida interior do indivíduo e do seu relacionamento com outras pessoas. Aiello-
Vaisberg, Corrêa e Ambrosio (2000) discutem o uso de procedimentos projetivos
como prática dialógica de forma bastante clara e elucidativa, motivo pelo qual
consideramos relevante apresentá-la nas palavras usadas pelas autoras:
Os testes projetivos receberam, durante muito tempo, “aperfeiçoamentos” que
visavam aproximá-los dos psicométricos, mais aceitáveis do ponto de vista
positivista. Entretanto, o próprio desenvolvimento das ciências e da filosofia
produziu uma crítica enfática do ideal de objetividade neutra e de busca da
não-interferência do pesquisador sobre o fenômeno estudado. Esta mudança
de rumos afetou a reputação dos métodos projetivos, que ganham, assim,
certa respeitabilidade. De instrumentos deficientes de medida, passam a ser
vistos como prática dialógica entre sujeitos, no contexto de investigações que
buscam o sentido de manifestações humanas. Como forma especial de
diálogo, caracterizam-se pelo seu aspecto fundamentalmente lúdico, como
proposta de brincadeira sofisticada (p. 58)
27
Aiello-Vaisberg, Corrêa e Ambrosio (2000) apontam, ainda, que o
entendimento dos procedimentos projetivos como brincadeira sofisticada ancora-se
na transposição da compreensão winnicottiana da psicoterapia como sobreposição
das áreas de brincar do terapeuta e do paciente (Winnicott, 1971/1975b) para o
campo da pesquisa-intervenção institucional, apresentando, assim, o embasamento
psicanalítico que o sustenta.
Norteadas pelo método psicanalítico, entendemos as respostas dos
participantes como comunicações emocionais análogas à associação livre de idéias,
a serem tomadas em consideração a partir da atenção eqüiflutuante, tal como pontua
Silva (1993), ao discorrer sobre a questão metodológica no contexto da pesquisa
psicanalítica:
O método da psicanálise apresenta-se como uma dupla face: de um lado, a
associação livre a oferta de material sem crítica ou intenção determinada; e,
de outro, a atenção flutuante captação de material sem crítica ou intenção
pré-determinada. Na prática, isso se traduz por uma espécie de jogo em que
as fantasias de ambos os interlocutores organizam-se em busca de um
consenso sempre questionando a respeito do avesso do que foi dito.... A
transposição dessas condições de investigação ou desse campo
psicanalítico do consultório para o campo de pesquisa, sofre, naturalmente,
ajustes adequados à fonte de material em estudo: sessão psicanalítica,
entrevista, teste projetivo, livro, obra de arte, lenda, costume e instituições
sociais, religiosas ou científicas. (pp. 20-21)
Por fim, gostaríamos de chamar a atenção do leitor para o fato de que as
recomendações que colocam em marcha o método psicanalítico (associar livremente
e manter uma atenção eqüiflutuante) são, na verdade, paradoxais: pedimos que a
pessoa diante de nós associe livremente justamente porque sabemos ser esta tarefa
impossível, de forma que o fluxo associativo se dirigirá, necessariamente, a idéias,
pensamentos e sentimentos mais relevantes emocionalmente, naquele dado
contexto. Da mesma forma, quando o psicanalista tenta manter sua atenção
equiflutuante, seu pensamento é conduzido àquilo que é mais significativo naquele
momento. O resultado é, assim, paradoxalmente atingido ao fracassarmos em seguir
essas instruções.
28
3.3. Registrando o acontecer clínico
O acontecer clínico ao redor do qual se organiza esta investigação permanece
registrado nas produções criadas pelos alunos. Compreendemos as condutas de
imaginar uma pessoa que procurou um psicólogo por causa de um problema sexual,
desenhá-la numa folha de papel, imaginar uma história acerca daquela figura e
escrevê-la, como emergentes não da interioridade dos participantes, mas do campo
em que ocorrem. Assim, acreditamos expressam a vivência do aluno no encontro
com o tema apresentado pela pesquisadora, naquele dado recorte no continuum
espaço-tempo.
3.4. Interagindo psicanalíticamente com o material clínico
O conjunto do material clínico, formado pelos desenhos-estórias
8
produzidos
pelos participantes, foi inicialmente considerado pela pesquisadora, individualmente,
a partir da adoção da atitude fenomenológica que o método psicanalítico exige.
Assim, lemos as histórias e olhamos para os desenhos como psicanalista, em estado
de atenção eqüiflutuante, registrando nossas impressões por escrito, à medida que
nos vinham à mente, sem nos preocuparmos em julgá-las ou criticá-las,
considerando-as pertinentes ou não, vale dizer, associando livremente. Isso porque
consideramos que os múltiplos sentidos afetivo-emocionais que atravessam estas
produções são recebidos como comunicações que geram efeitos que tamm são
afetivo-emocionais. Não procuramos, desta forma, captar o "verdadeiro significado"
do que foi dito, mas dialogar, impressionar-nos com o que cada produção comunica.
Herrmann (2001/2004) estabelece interessante distinção entre dois estados a
que o analista devotaria sua atenção quando realiza este tipo de escuta do paciente.
8
No Brasil, o termo “estória” não é utilizado muitos anos. Designava narrativa fantasiosa, em
oposição ao relato objetivo de eventos passados, a que nos referíamos usando grafia distinta:
“história”. A adoção de uma única nomeação não deixa de ser a mais correta desde o nosso ponto de
vista, já que não acreditamos na possibilidade de criação, pelo ser humano, de narrativa ou relato
puramente racional e objetivo. Entretanto, quando nos referimos às produções realizadas em
entrevista articulada ao redor do Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema, usamos o termo
“desenhos-estórias” em respeito ao nome próprio concedido a este mediador dialógico.
29
Primeiro, reflete que “uma parte do analista deve ser doada irrestritamente à
espera.... aguardando que algum broto de sentido comece a surgir” (p. 72),
denominando esta atitude deixar que surja. O segundo estado é chamado “...tomar
em consideração, pois é a faculdade que considera o conjunto da análise ou de
algum segmento, embora ainda que de forma completamente aberta para o que
possa surgir. E, quando surge, impede que desapareça” (p. 73). o movimento que
atribui um novo sentido ao que diz o paciente, Herrmann (1979) denomina completar
o desenho. Tendo em vista que esta investigação se ancora na consideração de
desenhos-estórias produzidos pelos alunos, preferimos mudar este vocábulo para
facilitar a compreensão do leitor de que não pretendemos completar o desenho feito
pelo aluno com um sentido que estava latente, mas sim dialogar com este material,
produzindo um novo sentido. Assim, propomos o uso da expressão criar/encontrar
sentidos afetivo-emocionais.
Num segundo momento, o mesmo processo de estabelecimento de um
encontro psicanalítico com o material foi realizado no contexto do Grupo de Pesquisa
Atenção Psicológica Clínica em Instituições: Prevenção e Intervenção, tendo em vista
permitir que múltiplos olhares pudessem ampliar a nossa visão sobre estas
comunicações, como atribuições de sentido, como criação/encontro de sentidos.
Aiello-Vaisberg, Machado, Ayouch, Caron e Beaune (2009), chamam a
atenção para o fato de que, desde o nosso ponto de vista, a compreensão ou
interpretação do material clínico pelos pesquisadores consiste numa atribuição de
sentido que se encontra no mesmo nível ontológico das associações livres do
participante. Isso se justifica pela compreensão do outro não como objeto da atenção
do pesquisador, mas como semelhante e próximo a ele, característica de um campo
intersubjetivo de pesquisa.
3.5. Construindo uma reflexão téorico-clínica
Na etapa seginte do processo, ampliamos o diálogo iniciado com os membros
do Grupo de Pesquisa em direção à comunidade científica mais ampla, visando
produzir conhecimentos que orientem práticas diferenciadas nos campos da
30
psicoterapia, da psicoprofilaxia e da formação profissional do psicólogo, adequadas à
realidade concreta das pessoas, ao mundo humano em que vivemos.
Não se trata, portanto, de comprovar ou refutar teorias, mas de conversar com
autores que se interessaram por questões que podem contribuir neste estudo sobre
dimensões afetivo-emocionais subjacentes a fenômenos humanos. É, assim, um
trabalho de interlocução reflexiva, sendo os diferentes autores chamados a uma
"roda de conversa" que se torna progressivamente mais conceitual, tomando-se,
contudo, o cuidado de não operar um afastamento do acontecer clínico numa linha
de abstração.
Assim como o acontecer clínico é evidenciado pelo seu produto, os desenhos-
estórias realizados pelos alunos durante a entrevista coletiva, consideramos
fundamental comunicar ao leitor da forma mais completa possível nossa experiência
no diálogo com essas produções, que se configura como o segundo momento em
que o método psicanalítico se coloca em marcha no contexto da presente
investigação. Desta feita, redigimos uma narrativa psicanalítica acerca do encontro
dos membros do Grupo de Pesquisa CNPq de que fazemos parte com o material
clínico.
Politzer (1928/1998) associa diretamente a narrativa em primeira pessoa ao
gesto, como chave para a compreensão do fato psicológico:
Com efeito, um gesto que faço é um fato psicológico, porque é um segmento
do drama que representa a minha vida. A maneira como se insere nesse
drama é dado ao psicólogo pelo relato que posso fazer a respeito desse gesto.
Mas é o gesto esclarecido pelo relato que é o fato psicológico, e não o gesto à
parte nem o conteúdo realizado do relato. (p. 186 grifo do autor)
Movemo-nos, assim, num terreno em que a dissociação entre sujeito-objeto do
conhecimento, bem como entre gesto-narrativa, é compreendida como artificial e
produtora de enganos no desenvolvimento científico (Politzer, 1928/1998; Bleger,
1963/1989). Por este motivo, consideramos fundamental que o registro do acontecer
clínico se faça de forma a manter o colorido da experiência vivida. Neste sentido,
Aiello-Vaisberg et al. (2009) apontam que
A narrativa da experiência vivida nas entrevistas no dispositivo psicanalítico
inclui necessariamente a participação do pesquisador, numa presença plena.
Ela apresenta então uma verdadeira semelhança à narrativa de sonhos no
momento da sessão psicanalítica ou, na vida cotidiana, ao relato de uma
31
seqüência de cenas às quais o sujeito assistiu e participou de maneira mais ou
menos ativa”
9
(p. 49 - tradução livre da autora).
Aqui também encontramos nossa resposta colocando o próprio método
psicanalítico em ação. Assim, durante a escrita da narrativa a pesquisadora associa
livremente a partir das recordações do vivido durante o encontro com as produções.
(Aiello-Vaisberg et al., 2009).
A narrativa tem, então, como objetivo apresentar o acontecer da forma mais
completa possível, estimulando uma interpretação livre da história narrada e
favorecendo a troca de experiências clínicas e a interlocução, sendo, portanto, um
lugar privilegiado para a produção de conhecimento nas ciências humanas (Aiello-
Vaisberg, Machado, & Ambrosio, 2003).
9
Le récit de l´experiénce vécue dans des entretiens en dispositif psychanalytique inclut
nécessairement la participation du chercheur, dans une présence pleine. Il présente alors une véritable
similitude avec le récit de rêves lors de la séance psychanalytique ou dans la vie quotidienne, narration
d´une suite de scénes auxquelles le sujet a assisté et participé de manière plus ou moins active.
32
4. DIALOGANDO COM DESENHOS-ESTÓRIAS
33
Mesmo que à primeira vista possa não ficar claro o motivo pelo qual
intitulamos este capítulo como "dialogando com desenhos-estórias", resolvemos
adotar tal expressão, porque se relaciona intimamente ao método psicanalítico de
pesquisa, tal como pode ser aperfeiçoado a partir do uso das linguagens blegeriana e
winnicottiana. Concebendo a produção de conhecimento sobre o humano como
fenômeno intersubjetivo, que não brota de movimentos mentais de individualidades
isoladas, mas como emergente de encontros interhumanos, realizaremos, na parte
que se segue, uma conversa verdadeira de características bastante especiais.
Assumiremos um dos pólos do diálogo, na condição de pesquisadora que se permite
acolher manifestações humanas no caso, desenhos-estórias a partir do cultivo da
associão livre de idéias e da atenção eqüiflutuante, enquanto colocamos, no outro
pólo, uma pessoalidade coletiva, de caráter transindividual o estudante de
psicologia , formada por um participante de sexo masculino e sete de sexo feminino.
Deste modo, seguimos procedimento que Aiello-Vaisberg (1999b) teve o cuidado de
detalhar em sua tese de livre docência, cumprindo o objetivo de capacitar jovens
pesquisadores psicanalíticos. Assim, visitaremos psicanaliticamente os desenhos-
estórias de Violeta
10
, Orquídea, Amarilis, Rosa, Begônia, Margarida, Camélia e
Cravo, considerando-os momentos ou aspectos da pessoalidade coletiva que
recebeu nossa atenção no presente trabalho.
4.1. Deixar que surja
Realizamos uma leitura prévia, fazendo uso da atenção eqüiflutuante, a partir
da qual imprimimos uma certa ordem aos desenhos. Inicialmente, dois desenhos,
retratando homens sozinhos e que nos pareciam perplexos diante da dificuldade
sexual, chamaram a nossa a atenção. Em seguida, notamos que as três produções
que têm mulheres como personagens principais fazem referência ao casamento e ao
amor. A ordenação se completa ao percebermos que os desenhos-estórias restantes
referem-se a problemáticas como a homossexualidade e a transexualidade.
Criamos/encontramos, assim, uma ordem que é, antes de mais nada, psicológica,
fruto do nosso modo de sentir o material, sem preocupar-nos com nada parecido com
10
Os nomes dos participantes foram trocados por nomes de flores, tendo em vista garantir o sigilo.
34
estabelecimensto de categorias empíricas, tendo por objetivo classificar o material
segundo alguma lógica.
Do conjunto de produções ainda não examinadas, tomamos a primeira, criada
por Violeta:
É um desenho que parece dividir-se no centro da folha. Do lado direito, uma
figura masculina pequenina, de aparência jovem, chora, segurando uma caixa em
que se pode ler o nome de uma conhecida medicação utilizada no tratamento da
disfunção erétil. A referida medicação é fabricada na cor azul, que tamm
caracteriza as lágrimas do jovem e as gotas de chuva. Sobre sua caba, uma
imensa nuvem escura, de tempestade, provoca impacto, remetendo-nos tamm ao
peso da natureza sobre um rapaz frágil, cujos pés sequer tocam o solo. Sua
expressão facial lembra espanto e perplexidade, e seus lábios sorridentes foram
corrigidos com uma linha reta. Próximo a eles, vislumbramos um balão de fala que foi
apagado, fazendo-nos pensar que este jovem talvez não consiga colocar em
palavras o seu sofrimento. Os braços foram inicialmente traçados bem curtinhos, em
seguida um pouco aumentados. Do lado esquerdo, foi desenhada uma casa, que traz
uma placa na fachada, indicando tratar-se do consultório de um psicólogo. Tem, no
entanto, características consideradas usualmente como femininas: desde o traçado
do telhado, executado em estilo teia de aranha, até as cortinas cor de rosa nas
janelas laterais. A porta, desenhada em azul, assemelha-se a um túnel ou à entrada
de uma caverna, não contendo linha embaixo que a complete. A sensação geral é de
que o desenho foi dividido entre os aspectos feminino e masculino, sendo o feminino
35
retratado como tranqüilo, aberto para relações com o mundo e talvez mesmo
acolhedor, e o masculino como frágil, perplexo e sem ação.
Este desenho faz-se acompanhar da seguinte história:
Carlos é um rapaz de 25 anos, que está passando por momentos difíceis ao
lado de sua namorada, pois nos últimos 2 meses, Carlos não está
conseguindo ter relação sexual com a namorada.
Carlos esta inconformado, com esta situação se sentindo triste, tentando
várias formas para resolver este problema e não encontrando solução.
Então Carlos orientado por sua namorada resolve procurar um psicólogo.
Chama a atenção, de imediato, que nesta história o homem, sozinho, não
encontra uma solução para o seu problema. O tom geral sugere um humor
deprimido, expresso na tristeza que Carlos sente, e notável fragilidade. a
namorada, mais potente, cuida dele e do relacionamento, orientando-o a procurar o
psicólogo. Oniricamente, parece ser simultaneamente a namorada e a psicóloga,
quando consideramos desenho e história como conjunto. O mundo masculino, nesta
produção, contém elementos da natureza frente aos quais o homem se frágil e
perplexo, precisando ser cuidado. O mundo feminino expressa uma condição de
cuidar.
Notamos, entretanto, que a namorada figura neste contexto mais para
expressar ausência do que presença. Partindo do primeiro gesto que configura o
campo em que se desenrola o acontecer, ou seja, a instrução apresentada pela
pesquisadora, notamos que o problema sexual é algo que acontece com o homem,
que se perplexo diante de uma falha mecânica, de um pênis que “não funciona” e
que é sentido quase como um não-eu. Tentamos traduzir essa perplexidade para um
universo feminino, na tentativa de nos aproximarmos da experiência de Carlos.
Pensamos, então, numa situação em que estamos dirigindo um carro com que não
temos grande intimidade, e o veículo simplesmente ra numa rua movimentada,
sem que percebamos o que de errado. As pessoas buzinam, enquanto tentamos
localizar o botão do pisca-alerta, e nos sentimos envergonhadas por não sermos
capazes de “dar conta do que era esperado”. Pisca-alerta aceso, procuramos a falha
enquanto pessoas solícitas em geral homens ajudam a empurrar o carro para um
local menos complicado e a encontrar o que foi que fizemos de errado, afinal: “...tem
gasolina?”, “...mas morreu assim, de repente?”, “...será que a senhora não deixou o
afogador puxado?”.
36
Embaraçadas, tomamos o desenho de Orquídea:
uma figura masculina jovem, trajando camiseta, calça jeans e tênis. Seu
rosto, bastante expressivo, traz certo ar de desolação, reforçado pelas mãos enfiadas
nos bolsos da calça. Sobre sua cabeça, diversos balões de pensamento: há um
objeto que lembra muito um maço de cigarros, algo que parece uma caneca de
chopp, um coração partido e uma mulher loira. Ao lado direito do jovem, um
consultório ou clínica psicológica cujas características seriam consideradas por
muitas pessoas como apropriadas para um terapeuta masculino, na medida em que
parece sóbria e funcional, sugere que este é um assunto para ser tratado com outro
homem. Curiosas, resolvemos dar uma espiadinha na história, antes de
prosseguirmos associando livremente a partir do desenho:
Pedro era um jovem homem de 28 anos, formado em econômia, empresário,
filho de empresários, já havia viajado o mundo, conhecia muitas pessoas
principalmente mulheres.
Pedro foi em busca de auxílio psicológico pois está com dificuldades de
ereção e acredita que seu problema é psicológico, que nunca teve nenhum
problema desse tipo e está em plena forma física.
Pedro chega ao psicólogo cheio de dúvidas e angústias.
37
Quando pensamos o primeiro parágrafo em relação ao prosseguimento da
história, notamos que traz implícita uma teoria acerca de condições concretas de vida
que favorecem a saúde: o rapaz tem certa condição social, indicando meios de
alimentar-se corretamente, acesso a serviços de saúde adequados, etc. Configura,
ainda, simultaneamente um cenário em que a figura feminina é potente e capaz (a
mãe tamm é empresária), e um clima do que pode ser compreendido em alguns
círculos sociais como sucesso em todas as áreas da vida: homem bem sucedido
profissionalmente, com boas condições financeiras, viajado, admirado pelos homens
e cercado de mulheres.
No início do segundo parágrafo, uma quebra: somos bruscamente
interrompidas em nosso devaneio a respeito do “sucesso” pela informação de que
Pedro procurou um psicólogo por causa de um problema de ereção. Sentimos como
se o desenrolar do texto simulasse, também, a perda da ereção peniana. E notamos,
curiosas, que Pedro compartilha da crença de que seu problema seria psicológico.
As razões apresentadas como sustentação para essa crença, entretanto, são
logicamente falhas: “nunca teve problemas antes” e “está em plena forma física”. A
primeira, claramente mais discutível, remete imediatamente ao questionamento
acerca da generalização de todos os problemas que acometem o ser humano
repentinamente como psicológicos. Aconteceres humanos diversos contradizem essa
afirmação, que fenômenos de caráter orgânico como a gripe suína ou um ataque
cardíaco tamm podem ocorrer repentinamente. O segundo motivo já desperta em
nós algumas dúvidas, próximas que estamos do problema específico de Pedro: não é
a dificuldade de ereção habitualmente vinculada a condições médicas como pressão
arterial elevada e problemas cardiovasculares, quando os médicos concluem que as
causas são físicas? A lembrança de que essas condições podem permanecer
assintomáticas por um longo período convence a todas da fragilidade da
argumentação, assim como o fato de que Pedro não procurou um médico ou se
submeteu a qualquer exame físico. Dizer que seu problema é psicológico parece,
então, refletir a tentativa de atribuir um nome à sua perplexidade.
Retomando o desenho, notamos que o objeto que compreendemos como um
maço de cigarros lembra muito a embalagem usada por uma marca conhecida por
seus antigos comerciais, em que um cowboy cavalgava pelas planícies americanas,
e usufruía do prazer do fumo ao pôr do sol, apreciando a satisfação do trabalho
38
braçal concluído. Imediatamente, recordamo-nos da comoção gerada pela morte do
ator que o representou durante muitos anos, vítima de graves problemas de saúde
associados ao consumo do cigarro. O fluxo associativo nos conduz, então, à
lembrança de que, no Brasil, os maços de cigarro trazem impressas, na parte
traseira, fotografias bastante dramáticas retratando conseqüências que o bito de
fumar pode provocar, acompanhadas de advertências do Ministério da Saúde que as
explicam. Um desses avisos, em especial, vem às nossas mentes: “O Ministério da
Saúde adverte: O uso deste produto diminui, dificulta ou impede a ereção”
11
,
puxando como fio a recordação de um gracejo muito comum entre as pessoas com
quem convivemos, em que é atribuída ao uso do cigarro apenas a conseqüência
explicitada naquela embalagem específica. Assim, um homem, ao comprar um maço,
pede à atendente que lhe “o que causa enfisema pulmonar, e não o que causa
impotência”, ou, num bar, tira-se sarro do amigo que comprou justamente “o que
causa impotência”, como exemplos.
Num segundo balão, a caneca de chopp remete tanto às noites de curtição e à
redução da inibição quanto à embriaguez, que é consantemente associada, em
campanhas sanitarias de prevencão, a dificuldades na concretização do ato sexual.
Notamos que ambos traduzem teorias fisiológicas acerca da disfunção sexual, e
dirigimo-nos ao balão de pensamento seguinte, que parece trazer coisa bastante
diversa: um grande coração vermelho partido. Olhando mais atentamente, notamos
que um segundo coração, menor e também partido, que foi apagado e encontra-
se parcialmente recoberto pelo que vemos em primeiro plano. O coração partido foi
então desenhado, apagado e redesenhado um tanto maior, podendo indicar
hesitação por parte da participante em mantê-lo ou insatisfação com o tamanho
reduzido que lhe atribuíra inicialmente, para citar ao menos duas possibilidades. Ao
seu lado, toma-nos de assalto a figura de uma jovem loira bastante sedutora, com
lábios vermelhos em sorriso aberto. Quem seria essa moça? Várias fantasias
emergem, ocupando um período razoável: seria uma namorada, que partiu o coração
do jovem rapaz, causando o tal problema sexual? Seria uma mulher dominadora
demais, diante de quem ele não consegue o desempenho esperado? Uma de nós se
11
O leitor interessado encontra, na sessão de anexos deste trabalho, reprodução de verso de
embalagem de cigarros em que se observa o conjunto de fotografia e aviso em questão.
39
recorda de um filme intitulado “Os ciganos o para o céu”
12
, e sugere que a tal loira
poderia ser uma mulher que ele ame, e que portanto traz consigo a ameaça da
singularização radical do outro: aquela passaria a ser o apenas mais uma dentre
as inúmeras mulheres que Pedro conhece, mas alguém especial, único. Outra
imagina que poderia ser uma prostituta que ele pretende procurar para verificar se
está mesmo com algum problema, ou se a falha -se apenas com uma namorada,
por exemplo. Poderia mesmo ser a prova final, para Pedro, de que ele não conta:
sedutora e desejável, parece também um tanto assustadora... e se com ela, assim
tão atraente, ele não conseguir também?
Neste momento, damo-nos conta de que a história não faz qualquer menção a
esta mulher, excetuando-se a possibilidade, um tanto remota, de que ela represente
a sua mãe. Movemo-nos, assim, num cenário em que algumas das fantasias de
Pedro são mais facilmente compreensíveis: vivemos numa época em que muito se
fala das conseqüências do uso de drogas ainda que lícitas para o desempenho
sexual. Outras são mais difíceis de compreender, como um coração partido, que
remete a depressão ou sofrimento ainda sem face, e sua relação com a misteriosa
loira dos lábios vermelhos se é que há alguma relação.
O tom geral é um tanto distinto daquele do primeiro desenho-estória. Aqui
temos uma falha mecânica que ocorre num organismo concebido como uma
máquina sofisticada, que é afetada por angústias e dúvidas.
A figura feminina representada pela mulher loira é, tamm, bastante
significativa. Se no desenho-estória anterior a presença da namorada coloca-se mais
como afirmação de sua ausência, nesta produção a ausência da loira misteriosa
invoca, continuamente, sua presença, despertando em nós inúmeras associações e
questionamentos.
Tendo em mãos a produção de Amarilis, nos deparamos com o seguinte
desenho, traçado e preenchido a lápis grafite:
12
Trata-se de longa metragem produzido na União Soviética pelo diretor Emil Lotianu, baseado na
novela do escritor russo Máximo Gorki, retratando o encontro dramático de dois jovens ciganos, que
se apaixonam perdidamente após passarem uma noite juntos. Antes desse momento, viviam
narcisicamente ensimesmados, e sua dificuldade em lidar com o amor que surge entre eles e que
envolve o reconhecimento do outro como maximamente importante para si termina por causar a
morte de ambos.
40
No centro da folha, vê-se uma mulher bastante expressiva chorando. Ela usa
um conjunto de saia e blusa recatados, com um ar antigo, cinto e sapatos discretos.
O aspecto geral transmite asseio, e os longos cabelos cacheados têm um corte
discreto. Dois balões de pensamento dominam a parte superior da folha. Num deles,
vemos um casal separado por um coração partido. O olho esquerdo da mulher
parece arroxeado, sugerindo uma cena de violência doméstica. O homem, no
entanto, não tem uma postura ameaçadora. Chora profusamente, e a posição dos
seus braços e sua expressão facial transmitem fragilidade. O outro balão é povoado
por uma casa, uma mulher de mãos dadas com duas crianças e diversos símbolos
da moeda brasileira corrente, o real.
A história que acompanha este desenho não é menos dramática:
Maria procurou o serviço psicológico de seu PSF no seu bairro, pois está
tendo muitas dificuldades com seu marido.
Ela reclama que está muito cansada e que não consegue ter relações sexuais
com seu marido. Afirma que não sente desejo e que tenta explicar-lhe ele não
entende.
41
Seu esposo chega muito tarde todos os dias pois vai para o bar após o
serviço, não ajudando Maria com os filhos nem com as responsabilidades
domésticas.
Eles estão com muitas contas para pagar e o marido está gastando muito com
jogo e bebida.
Maria não sabe o que fazer, tenta conversar com o marido mas ele não lhe
atenção, sendo muito estúpido com ela.
De imediato, notamos que a teoria expressa sobre o desejo sexual tem a ver
com a possibilidade de conforto no relacionamento amoroso. Violência, separação e
tristeza são destacadas no desenho, e a história fala de um relacionamento conjugal
perturbado. A dificuldade sexual tem a ver, então, com um casamento complicado,
falta de dinheiro, sobrecarga de tarefas relativas aos cuidados da casa e dos filhos,
etc. A mulher está tolhida numa situação sofrida, mas tem um vínculo forte com o
marido. Ele bate, mas chora, parecendo indicar a reciprocidade do vínculo.
Nota-se uma tendência a considerar o desejo sexual uma manifetação que
envolve o corpo como fenômeno integrado e não dissociável da dramática do
viver, um problema cuja complexidade não é meramente endócrina, por exemplo.
Esta produção contraria a posição ingênua segundo a qual havendo
desenvolvimento emocional, não sofrimento, brindando-nos com uma situação de
vida difícil enfrentada a partir de uma posição existencial mais integrada do que
aquelas observadas nas anteriores, e que parece manter-se na história escrita por
Rosa, considerada a seguir:
A espôsa está decepcionada com o marido, pois ele não a entende, ela tem
dois empregos, o do lar e o secundário. Além de dois filhos.
A educação dos filhos, o marido delega para ela, e ele só faz mimar as
crianças. Esses filhos ficam sem saber o que é limite e regras, o que dificulta
ainda mais.
Ela como mãe e cuidadora, sabe o que é melhor para os filhos, espancar
jamais, mas tirar alguns privilégios quando necessário. Computador, cinema,
telefone, mesada, Shopping, etc.
Ele protege os filhos na presença da mãe, desautorizando a mesma, e assim
fica sem o respeito dos filhos, ao passo que a mãe é considerada “bruxa”,
pelos filhos, o pai é o anjo da guarda, pois faz todas as vontades dos filhos.
Ela perdeu a libido pelo marido, e ele só faz criticar.
No momento ela está passando por uma crise conjugal, e procura um
terapêuta familiar para ajudá-la a sair desta situação, sem que por isso tenha
que chegar ao divórcio. Ela tem certeza que a presença do pai fará muita falta
aos filhos, e apesar de tudo casaram-se por amor.
E nos últimos meses, ele não a procura mais como espôsa. Ela não tem
certeza, mas pelas atitudes do marido, pensa estar sendo traída.
42
Espero que o casal tenha um final feliz.
Fim.
O lado contrário da folha é ocupado por um complexo desenho em grafite:
No centro da folha, uma figura feminina sentada, de costas. Em frente a ela
nota-se uma grande mesa, atrás da qual se um homem sentado. um grande
quadro na parede, retratanto algo que se parece com uma seqüência de árvores,
como que ladeando um caminho inexistente, raízes à mostra, flutuando no fundo
branco. Lembram tamm grandes balões de ar quente. Do lado direito da sala, uma
estante com vários livros e objetos de decoração. Todo o cenário aponta para o
consultório do terapeuta familiar junto a quem a mulher procura ajuda. Chama a
atenção, entretanto, o fato de ela estar sozinha, que o referido atendimento é, em
geral, realizado com o casal ou família. Sua bolsa flutuante a sensação de que
este tratamento tem, para ela, um custo consideravelmente alto. Em primeiro plano,
do lado inferior esquerdo, uma porta parece dar acesso à sala.
Esta produção parece-nos retratar uma situação de conflito conjugal que se
desenrola num contexto de classe média, financeiramente um pouco mais favorecido
do que o do desenho-estória anterior. O desencontro amoroso parece, tamm, um
tanto menos dramático, não envolvendo, por exemplo, violência física. Entretanto,
como Amarilis, Rosa destaca a dificuldade sexual como emergente da perturbação
do relacionamento conjugal. São, assim, duas produções imaginárias que retratam
43
situões diferentes até certo ponto, mas que partem da mesma concepção de
sexualidade satisfatória, ao menos no que se refere ao aspecto relacional.
Entusiasmadas com o material considerado, dirigimo-nos à produção de
Begônia:
A figura lembra uma mulher de meia-idade, com os cabelos loiros penteados
para trás e linhas de expressão em torno dos lábios, que parecem sorridentes. Veste
uma blusa cor de rosa, com marcante gola em tom mais escuro, enfatizando a região
do colo e busto, e coração bordado ou estampado do lado esquerdo do peito. A calça
é branca, e traz tamm do lado esquerdo uma estampa ou bordado de um par de
flores vermelhas. Os braços são um tanto curtos, mas o clima geral é de
tranqüilidade, deixando-nos ainda mais curiosas acerca da história:
Não sei se sou feliz ou triste
E uma mulher que procurou por ajuda psicológica, porque ao mesmo tempo
que está muito feliz e realizada em algumas questões da sua vida,
momentos em que senti tristeza.
As vezes está rodeada de amigos e se senti sozinha.
E uma mulher na busca de um amor que para ela pode ser que não exista
mas espera.
Não consegue se realizar sexualmente sempre tem algo a desejar, e
galantiada por varios homens, as vezes se sente feliz c/ isso e as vezes triste.
44
Esta história mostra um tipo de realização comum nos meios corporativos, e
mesmo nos acadêmicos: é uma mulher que tem sucesso profissional, amigos,
transas, mas também a necessidade de vincular a sexualidade a um contexto
relacional, de intimidade amorosa. Seguindo o fluxo associativo, podemos imaginar,
aqui, uma mulher que percebe, de saída, que os parceiros não têm os mesmos
interesses que ela, no sentido de construir juntos um relacionamento duradouro,
íntimo, companheiro, igualitário no que se refere aos cuidados com a casa e os
futuros filhos. Essa percepção -se de forma tão sensível que ela nem se coloca no
relacionamento, mantendo-se à procura do amor desejado mesmo notando a
possibilidade de nunca encontrá-lo. A produção é, ainda, sincera no reconhecimento
de que fica uma tristeza na forma como esta mulher está vivendo.
O desenho seguinte, de autoria de Margarida, provoca impacto:
No centro da folha, uma figura humana que se assemelha a um boneco ou
manequim. O pescoço é longo, os braços partem do tronco um tanto abaixo dos
ombros e parecem esvaecer-se na porção correspondente às mãos. Os olhos são
grandes e redondos, poderiam até nos fazer lembrar de um bebê... O aspecto geral
um pouco desvitalizado, possivelmente em função da impressão de uma certa
45
hipotonia muscular. Curiosamente, em um dos lados da cabeça os cabelos são
pretos, lisos e compridos, enquanto, do outro, são cor-de-rosa, curtos e espetados.
Ao lado direito desta estranha figura encontra-se um “consultório de psicologia
comportamental”, traçado em grafite e reforçado em vermelho. Acima dele, a lua. O
lado esquerdo da folha é ocupado pelo “consultório de um psicanalista”, retraçado
em azul. Acima, um grande sol sorridente. Intrigadas, nos voltamos para a história:
Paciente com 15 anos de idade, não tem um rumo a tomar; o que procura é
um caminho a seguir.
Sua indecisão faz com que tenha medo que seguir para uma caminho que
leve para um lugar seguro e confiável. Esse medo e insegurança não deixa
que sua atitude se transforme em algo concreto.
Assim sua indecisão sobre sexualidade faz com que se feche e viva uma vida
de fantasias na qual não pode se transformar em vida.
Por isso se resolver qual sua verdadeira sexualidade poderá viver com sua
alma tranquila e mais viva.
Voltamo-nos para o sujeito coletivo entrevistado, e reconhecemos algumas
questões com as quais se deparam neste momento: seus primeiros atendimentos
clínicos, uma preocupação com os rumos profissionais, a percepção de diferentes
formas de compreender e cuidar do ser humano coexistindo na psicologia. A imagem
dos consultórios parece sugerir que Margarida faz uso da instrução fornecida pela
pesquisadora para falar de algo que pode não se referir diretamente às dificuldades
no âmbito da sexualidade, mas com a escolha dos rumos profissionais a ser feita.
Trata-se de dilema intenso, que provoca uma indecisão quanto ao futuro e que
parece deixar a pessoa sem energia.
A imagem dos consultórios evoca-nos tamm outras associações. A
psicanálise tradicional é normalmente imaginada como ciência que olha para a
interioridade das pessoas, e as ajuda a descobrir a sua verdade. a psicologia
comportamental é vista como aquela que ajuda as pessoas a se comportarem de
forma mais adequada socialmente, a estarem mais adaptadas ao ambiente em que
vivem. A mensagem, assim, adquire um contorno um tanto distinto conforme
seguimos o fluxo associativo: sigo aquilo que sinto ou me comporto de forma
adequada?
Chama atenção nesta história, ainda, a ausência de qualquer palavra que
permita discriminar se a personagem é do sexo feminino ou masculino. Seria esta
sua indecisão? Escolher-se homem ou mulher seria algo semelhante a decidir pela
46
cor ou comprimento dos cabelos? Ou estaria em questão algo mais profundo e
anterior, ligado à possibilidade de estar plenamente presente ao próprio corpo?
Estaríamos realmente num campo marcado pela necessidade de tomada de
decio? Ou, ao contrário, lidando com um fenômeno mais primordial, que nada tem
a ver com escolha ou arbítrio, ligado à possibilidade de estar presente à própria
experiência que, evidentemente, tem início no corpo?.
A última frase da história traz consigo outro questionamento acerca das
concepções ligadas à constituição de self. De acordo com a participante, parece que
a pessoalidade é constituída a partir de uma decisão, tomada intelectual e
conscientemente: “Preciso pensar e concluir que tipo de pessoa eu sou”. É uma
questão que faz pensar em dissociação, cisão, e num falso-self protetor. Surgem,
então, grandes questões: O quanto da sexualidade é escolhido? É escolhido dentre a
infinidade de arranjos possíveis, ou com base no que é oferecido pelo ambiente
humano em que vivemos?
Percebemos que começamos a enveredar por um caminho um tanto nebuloso,
marcado pelo questionamento acerca de se somos seres aos quais se acrescenta a
dimensão sexual ou que se constituem com a dimensão sexual.
À primeira vista, a produção seguinte, criada por Camélia, nos desperta
sensações de calma e tranqüilidade:
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Em meio à folha toda colorida em azul, uma figura que lembra uma menininha
loira de olhos tamm azuis, bastante infantil, usando vestido e sapatos cor de rosa,
num tom sobre tom. O clima de paz e tranqüilidade é interrompido por indícios do
problema que a faz procurar um psicólogo: ao seu lado, uma carteira de identidade
traz o nome Pablo Souza, e a fotografia de um homem, enquanto um balão de
pensamento mostra uma carteira de identidade em nome de Paula Souza, em que se
vislumbra uma fotografia feminina.
Olhando mais atentamente, notamos um traço vertical no pescoço da menina,
parecendo ilustrar a existência, ali, do chamado pomo-de-adão. O traço vertical
remete nosso olhar à linha da cintura, em que notamos uma discreta porém
sugestiva faixa diferente do restante do vestido, que imaginamos ser resultado do
uso da borracha sobre a pintura em giz de cera. Oniricamente, a relação entre o
pomo-de-adão e a linha da cintura parece sugerir que a figura desenhada “não
engole ter um pênis”. Suas mãos também nos parecem grandes, as pernas grossas
e um tanto afastadas uma da outra, se considerarmos a postura e a movimentação
corporal tipicamente femininas em nossa cultura.
Acontece, assim, o desenho de uma menina de vestidinho cor de rosa e
sapatinho combinando... mas que tamm tem o pomo-de-adão, mãos grandes,
pernas grossas e uma postura um tanto masculina. Ela tem um registro de identidade
e sonha com outro, remetendo diretamente à problemática humana da
transexualidade.
Este desenho faz-se acompanhar da seguinte história:
Pablo de Souza, 24 anos decide procurar ajuda psicológica pois desde a
adolescência percebeu que sente-se e pensa como uma mulher e tem o
desejo de tornar-se uma. Mesmo tendo a certeza de que realmente é isso que
deseja sofre muito com o preconceito das outras pessoas, principalmente sua
família que acredita que ele é doente. E essa questão da família o perturba
muito por isso resolveu ir ao psicólogo.
Notamos que Camélia desenha não o que os outros vêem um rapaz
chamado Pablo Souza -, mas uma menina inconformada com o corpo masculino que
habita. Esta menina, no fundo, é uma alucinação que a participante nos convida a
compartilhar. A história diz que Pablo sente e pensa como mulher, mas, pelo
desenho, podemos dizer que ele em si uma mulher. Curiosas, notamos a
oposição do sentir, pensar e desejar em relação à realidade biológica do corpo que
esta produção revela. Remete, assim, a uma experiência de ser que não está ligada
48
à vivência concreta do corpo, e nem mesmo ao olhar do outro e à educação
recebida. Pablo foi olhado e criado como menino, mas desde a adolescência sabe-se
mulher.
A história faz referência marcante à compreensão social deste acontecer
humano como adoecimento, quando nos apresenta a informação de que a família de
Pablo acha que ele é doente, e que as pessoas que o cercam o discriminam.
Ainda impactadas pela produção anterior, continuamos nosso caminho sem
demasiada demora, e nos dirigimos ao desenho-estória seguinte:
Do lado direito da folha, Cravo traça a figura de um rapaz com expressão
facial bastante descontente. Em seu pensamento, dois homens colocam-se frente a
frente, e entre eles há um grande coração vermelho partido. Nota-se, ainda, um sinal
matemático que significa “conjunto vazio”. Os pés do rapaz apontam para o lado
esquerdo, em que se encontra um posto de saúde com telhado estilo teia de aranha
e uma porta azul entreaberta.
Será que esse rapaz declarou-se para outro homem e foi rejeitado, tendo seu
coração partido? Lembramo-nos de relatos de pacientes e pessoas do nosso círculo
social acerca de um universo homossexual masculino povoado por encontros
sexuais com desconhecidos e relações fugazes, sendo bem mais raros os
compromissos traduzidos em relacionamentos amorosos de longa duração. No
entanto, o símbolo de conjunto vazio ainda nos intriga, e voltamo-nos para a história:
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Uma pessoa sofria um conflito quanto à sua sexualidade, pensando em aliviar
um pouco suas angústias procurou o serviço de Psicologia no Posto de
Saúde.
o profissional de Psicologia o acolheu, apresentou como seriam os
encontros, quanto ao enquadre. Porém o sujeito ainda estava angustiado e
propôs ao psicólogo se poderiam encontrar mais vezes.
Contou ao psicólogo que apresentava problemas quanto à sua auto-aceitação
em ser homossexual e de como lidar com isto frente aos seus pais. O fator
maior agravante é que ele estava apaixonado, veja bem, por outro homem.
Seguiram com as orientações, o paciente sente-se confortável com o
psicólogo, pois sabe que ali não é julgado, como sendo a escória da
sociedade.
O trecho da história que mais chama a nossa atenção, de imediato, é a quebra
que ocorre no final do terceiro parágrafo: o participante esclarece que o que agrava a
dificuldade da personagem em aceitar-se homossexual é o apaixonamento que
vivencia... por outro homem. Ora, curioso e confuso, a princípio, seria um homem
homossexual apaixonar-se por uma mulher, e não por outro homem. A quebra
parece apontar, então, conflito diverso. Imaginamos que talvez estabelecesse uma
diferenciação entre o desejo por outro homem ou mesmo a procura de relações
sexuais casuais, que poderiam ser vivenciados de forma dissociada da vida cotidiana
e mesmo do casamento, e o “ser homossexual, que traria consigo a exigência de
assumir uma vida cotidiana ao lado de outro homem. Retornamos então à história,
que relemos uma vez mais em voz alta. O problema da personagem de Cravo então
salta aos olhos: apresentava problemas quanto à sua auto-aceitação em ser
homossexual e de como lidar com isto frente aos seus pais”, liga-se diretamente à
frase seguinte, que coloca em cena o apaixonamento. Percebemos, então, que a
questão não é saber-se ou não homossexual, mas aceitar ou o o percurso de vida
que este saber traz consigo: como conto aos meus pais que sou homossexual? Que
estou apaixonado por outro homem? E se, a partir do momento em que eu me
assumir, for tratado pelos outros como a escória da sociedade?
4.2. Tomar em consideração e Criar/encontrar campos de sentido afetivo-
emocionais
50
Partindo das múltiplas associações produzidas no encontro com os desenhos-
estórias, dirigimo-nos à interpretação deste material por meio da captação dos
campos de sentido afetivo-emocionais a partir do quais ele emerge. Cabe, neste
momento, ressaltar que quando falamos em captação de campos de sentido,
estamos muito distantes de concebê-los como algo que possui uma existência
empírica e que é percebido pelo pesquisador ou, dizendo em outras palavras, como
algo que está e é encontrado. Inspiradas pela obra winnicottiana, pensamos neste
movimento como um criar/encontrar: no encontro dos pesquisadores com os
desenhos-estórias dos alunos é produzido um novo sentido, que esperamos leve em
conta, simultaneamente, o ser do objeto e a criatividade do ser humano envolvidos.
Ou seja, esperamos respeitar as características dos desenhos e histórias que, esses
sim, m uma existência concreta, sem deixar de considerar que a sua interpretação
é, essencialmente, um ato criativo de nossa parte, e não mero decifrar do seu
verdadeiro sentido.
Quando consideramos psicanaliticamente um material tendo em vista sua
organização em campos de sentido, inicialmente aproximamos as comunicações que
consideramos semelhantes do ponto de vista afetivo-emocional. Cabe ressaltar que,
quando falamos em comunicação, não nos referimos, necessariamente, a um
desenho-estória como um todo, que podemos encontrar diferentes concepções
imaginativas numa mesma produção. Assim, à guisa de exemplo, poderíamos dizer
que a produção de Orquídea, que desenhou o jovem pensando nas causas de seu
problema sexual, como um todo, sugere algo que nos parece próximo da
comunicação veiculada pelo homem segurando a caixa de medicação para o
tratamento de dificuldades de ereção, criado por Violeta. Trata-se de uma concepção
de sexualidade dissociada do viver, sustentando uma visão segundo a qual o
problema sexual é uma falha no funcionamento do organismo, causada por
alterações orgânicas ou problemáticas de fundo psicológico. Deveriam ser
organizados em um único campo? Ponderamos que são comunicações que sugerem
abordagens bastante diversas no que se refere ao tratamento das dificuldades
sexuais: enquanto a produção de Orquídea parece indicar uma forma de atenção
psicológica, tal como a terapia comportamental ou a psicanálise tradicional, a de
Violeta aponta o tratamento farmacológico como solução. Entretanto, tendo em vista
o objetivo deste trabalho, consideramos que a configuração que revela maior
51
potencial heurístico, neste momento, seria a que os concebe como emergindo a
partir de um único campo. Caso estivéssemos, por exemplo, interessadas
especificamente no imaginário sobre o tratamento das dificuldades sexuais,
certamente optaríamos por organizar as produções mencionadas em campos
distintos.
O quadro geral permitiu, assim, a criação/encontro de três campos de sentido
afetivo-emocional: “Falha mecânica”, “Até que a morte nos separe” e Ser ou não
ser?”.
A regra fundamental ao redor da qual o campo “Falha mecânica” se organiza é
a de que os problemas sexuais ocorreriam quando houvesse prejuízo no complexo
mecanismo de funcionamento corporal, que pode ser afetado por distúrbios
orgânicos ou causas psicológicas, como a presença de ansiedade, angústias e
dúvidas.
Para aqueles que experimentam o mundo e as relações com outras pessoas a
partir do campo “Até que a morte nos separe”, o problema sexual ocorreria quando o
homem se recusasse a dividir a responsabilidade pelos cuidados com os filhos e a
casa em que vivem, sobrecarregando a mulher, ou quando a mulher não encontrasse
um companheiro para compartilhar a vida.
E, finalmente, para aqueles cujas condutas emergem a partir do campo “Ser
ou não ser?”, a dificuldade sexual relacionaria-se a uma dúvida expressa em dois
níveis. Num primeiro, a incerteza referiria-se a pensar a realidade de modo
simplificado, como se a vida se baseasse em escolhas diante de alternativas binárias
e opostas entre si, como ser conservador ou progressista, democrata ou republicano,
corinthiano ou palmeirense. Tudo se passa como se houvesse duas alternativas que,
vistas de fora, seriam equivalentes e plausíveis entre as quais o ser humano deve
escolher. Num segundo nível, a dúvida relacionaria-se a algo da ordem da
possibilidade de sentir-se vivo, presentificando-se e habitando um corpo próprio.
4.3. Reflexão téorico-clínica
Quando pensamos o imaginário coletivo como manifestações simbólicas de
subjetividades grupais que conformam ambientes humanos, configurando
52
verdadeiros mundos em que vivemos, nos quais se mesclam dimensões históricas,
sociais, culturais, psíquicas e emocionais, partimos de certa proposta acerca da
forma como as pessoas concretas relacionariam-se com as outras e com os produtos
da atividade humana, tais como, por exemplo, as revistas que lemos, as coisas que
ouvimos, os filmes a que assistimos. Haveria, assim, desde o nosso ponto de vista,
um interjogo constante entre o ambiente e a criatividade humana, em que o gesto
criativo compõe o mundo humano e realiza-se contextualizado nele.
A criação/encontro de campos de sentido afetivo-emocional tem, para s, a
função de organizar o material clínico com que dialogamos de forma a produzirmos
conhecimento acerca da regra lógico-emocional fundamental que sustenta um grupo
de condutas. Nesse contexto, a criação/encontro de campos de sentido deve
instrumentalizar uma reflexão teórico-clínica acerca do material considerado, uma
ampliação do campo dialógico instaurado. Este é um conhecimento local que,
entretanto, se refere ao acontecer humano, podendo ser considerado em situações
existenciais distintas, demonstrando valor heurístico.
Deixando-nos impressionar desde uma perspectiva afetivo-emocional pelo
material clínico criado por Violeta, Orquídea, Amarilis, Rosa, Begônia, Margarida,
Camélia e Cravo, criamos/encontramos uma divisão entre produções sobre as
dificuldades sexuais vivenciadas pela mulher, pelo homem e por homossexuais e
transexuais, sendo cada um desses pequenos grupos sustentado por um campo de
sentido afetivo-emocional diferente. Configura-se, assim, cenário que nos leva a crer
que os estudantes de psicologia imaginam que homens heterossexuais, mulheres
heterossexuais e um agrupamento formado por homossexuais e transexuais
vivenciam a sexualidade de forma distinta, apresentando sofrimentos também
diversos no que se refere à vida sexual.
Sendo explícito nas produções o relacionamento estabelecido entre homens e
mulheres heterossexuais, poderíamos dizer que o imaginário dos estudantes de
psicologia configura-se ao redor de duas dramáticas: aquela em que um conflito
entre homens e mulheres heterossexuais, e a que é experienciada pelos
homossexuais e transexuais.
A distinção entre as experiências dos homossexuais e dos transexuais pode
ser reconhecida, no material clínico sobre o qual nos debruçamos, numa comparação
entre os dois homens frente a frente, com um coração partido entre si, criados por
53
Cravo, e a menina loira que sonha em ser reconhecida como Paula Souza imaginada
por Camélia. No entanto, desaparece na impactante produção de Margarida, que traz
uma história que poderia referir-se a qualquer uma das duas dramáticas e mesmo
a outros aconteceres humanos. Pensamos que isso comunica que este campo do
imaginário dos alunos de psicologia refere-se não apenas a estas duas vivências
específicas, mas inclui todas as pessoas desviantes em relação à norma
heterossexual.
Este é um imaginário sofisticado, em que um primeiro nível de aproximação
aponta para uma compreensão de sexualidade segundo a qual o ser humano poderia
escolher o que é dentre um conjunto de possibilidades, à semelhança das decisões
que tomamos acerca da forma como nos vestimos ou da profissão que abraçamos.
No entanto, os estudantes parecem também captar um certo mal-estar e a
inconsistência desta posição, evidenciados no desenho de Margarida, que retrata
uma figura desvitalizada, que parece habitar o próprio corpo de modo tênue.. Assim,
num nível mais profundo, este campo questiona a própria possibilidade de pensar a
sexualidade como algo a ser escolhido voluntariamente, apontando que a definição
sexual se relacionaria à constituição da própria sensação de ser um “si mesmo”
corporificado.
Entre nós, a temática da transexualidade tem sido abordada principalmente
por Arán, Murta e Lionço (Arán, 2006; Arán, Zaidhaft, & Murta, 2008; Arán & Murta,
2009; Arán, Murta, & Lionço, 2009). O exame desses artigos demonstra uma
polarização entre a necessidade do diagnóstico psiquiátrico da transexualidade que
garante o atendimento médico a essas pessoas e a necessidade de
reconhecimento da autonomia do transexual para decidir sobre o seu corpo, bem
como grande ênfase nas dificuldades enfrentadas por estas pessoas num contexto
social profundamente discriminatório. O trecho mencionado a seguir indica grande
semelhança entre o primeiro nível da regra estruturante do campo Ser ou não ser”,
vale dizer, o estrato no qual vigora a crença na possibilidade de escolha do próprio
sexo, e as concepções a partir das quais as investigações científicas sobre a
problemática transexual têm sido desenvolvidas:
É fato que a vivência da transexualidade pode acarretar problemas
relacionados à vida psíquica, em geral marcada pelo trauma do não
reconhecimento, da injúria e da exclusão social, assim como por dificuldades
provenientes de problemas familiares e de relacionamentos sexuais e afetivos.
Esta experiência pode se constituir num intenso sofrimento psíquico, que
54
aparece muitas vezes sob a forma de tentativas de suicídio, depressão,
transtornos alimentares e angústias das mais diversas formas, provocadas
não apenas pelo conflito de nãopertencimento ao sexo biológico, como
também pelas inúmeras consequências sociais, éticas, jurídicas e culturais
intrínsecas a esta condição. (Arán & Murta, 2009, p. 21-22)
A transexualidade é, em geral, abordada enquanto algo que se constituiu,
ficando em segundo plano uma discussão desenvolvimental acerca desta
problemática. Tal fato pode dever-se, em parte, à dificuldade em conciliar elementos
oriundos de uma visão psicanalítica tradicional com a consideração da
transexualidade como um agrupamento de possibilidades humanas, no que se refere
à sexualidade:
Sabemos que tanto o sexo como o gênero o passíveis de determinações
históricas e políticas. Por outro lado, sabemos tamm o quanto a
materialidade do corpo se impõe como um fato biológico e/ou intensivo que
excede qualquer tentativa de uma apreensão normativa. Assim, as
identificações de gênero o processos bastante complexos, inconscientes e
corporais que nem sempre podemos acompanhar, apreender e descrever....
Essas identificações se fazem ao longo da vida, principalmente na primeira
infância, a partir do encontro afetivo e corporal com o outro, o qual sempre
está inscrito em determinada cultura que transmite valores e reitera ou não as
normas de gênero. Desta forma, o processo de cuidado em saúde no caso da
transexualidade deve suplantar qualquer perspectiva correcional e adaptativa.
(Arán & Murta, 2009, p. 33)
A fragilidade desta estranha composição é evidenciada em outros momentos:
Talvez o mais importante, nestes casos, seja deslocar a manifestação
empírica e social da transexualidade da necessidade de traduzi-la
imediatamente numa estrutura ou num modo de funcionamento específico, o
que nos permitiria escapar da psiquiatrização ou mesmo da violência da
interpretação psicanalítica. (Arán, Zaidhaft, & Murta, 2008, p. 74)
Neste contexto, se por um lado atribui-se grande importância às relações entre
a pessoa e o ambiente humano em que vive, por outro lado a transexualidade é
compreendida como algo que se constitui na interioridade da pessoa, sendo o
ambiente considerado importante apenas na medida em que a reconhece ou não:
Esta percepção de pertencimento ao gênero feminino se ao longo da vida
através de experiências, práticas, estilos que constituem uma forma específica
de relação com o mundo e com o outro. Em alguns casos esta experiência é
compartilhada com a família desde a infância, podendo ser reforçada e
estimulada pela mãe, pai, irmãos e primos. Em outros casos, ela é vivida de
55
forma traumática, exigindo a ruptura de laços afetivos e familiares, e a
reconstrução de uma nova rede de amizade e parentesco. (Arán, Zaidhaft, &
Murta, 2008, p. 75)
Acreditamos que a obra winnicottiana, traz, neste sentido, contribuições de
grande potencial heurístico, na medida em que atribui ao ambiente não apenas o
status de elemento contextualizador, mas um papel ativo, preponderante, no
amadurecimento emocional humano, na constituição do self :
Gostaria de dizer que, nestas primeiras e importantíssimas semanas de vida
do bebê, os estágios iniciais dos processos de amadurecimento têm sua
primeira oportunidade de se tornarem experiências do bebê. Onde o ambiente
de facilitação que deve ser humano e pessoal possuir características
suficientemente boas, as tendências hereditárias de crescimento que o bebê
tem podem, então, alcançar seus primeiros resultados favoráveis. (Winnicott,
1966/1999, pág. 08).
A saúde emocional, compreendida como possibilidade de vivenciar o mundo
externo com um colorido que vem do mundo interno, ou seja, sentir-se vivo e real e
ser capaz de agir no mundo a partir do gesto espontâneo, do gesto que emerge do
self, depende então da ação sustentadora do ambiente. Em concordância com
Ambrosio e Aiello-Vaisberg (2009), compreendemos que a importância desse
cuidado deve ser levada em conta não apenas na relação mãe-bebê, mas em
qualquer situação ou período da vida humana, uma vez que a integração de
experiências vividas no self é uma tarefa que nunca cessa.
Quando nos referimento à experiência de sentir-se vivo, real e ser capaz de
ação transformadora do mundo a partir do gesto espontâneo estamos, portanto,
partindo de uma perspectiva que compreende que a vida humana acontece na área
dos fenômenos transicionais. Estamos afinadas com as colocações de Ambrosio
(2005), quando comenta sobre essa inovação trazida ao campo psicanalítico:
...talvez Winnicott estivesse reivindicando com modéstia a existência de uma
terceira área da experiência, para evitar polêmicas na tradicional sociedade
psicanalítica britânica. Entretanto, provavelmente a proposição da terceira
área, como ele mesmo diz, “o mundo onde vivemos” imploda a divisão
anteriormente prevalente na psicanálise entre o mundo do sonho e o mundo
da realidade. O lugar em que vivemos o é um mundo imutável e
politicamente conservador, como queria a ciência moderna que Freud seguiu
em seus escritos metapsicológicos, mas um mundo vivo, transicional, onde
os atos humanos acontecem no espaço e no tempo. (p. 133)
56
Como vemos, tal conceituação contrapõe-se à metapsicologia, na medida em
que rejeita a hipótese segundo a qual o homem é, inicialmente, uma mônada isolada
que, a partir de certo momento, inicia um embate eterno com a realidade, na tentativa
de sobreviver.
Nesse sentido, poderíamos dizer que o bebê nasce sexuado apenas se
tomarmos em conta o ponto de vista do outro, do ambiente. Se considerarmos, por
outro lado, a própria experiência do bebê, não é possível afirmar que ele sente-se
uma menina ou um menino , uma vez que adotamos a concepção antropológica
implícita no pensamento winnicottiano, que afirma que, no início da vida, o ser
humano vivencia o mundo como indissociado dele, sendo, portanto, que, desde o
seu próprio ponto de vista, ele sequer existe enquanto pessoa distinta do ambiente
humano em que vive.
Ainda em concordância com a teoria do amadurecimento emocional
(Winnicott, 1945/2000, 1956/2000), sabemos que a possibilidade de percepção da
existência de seres sexuados é algo sofisticadíssimo, e requer que um longo
percurso seja feito em termos de experiências suficientemente boas, possíveis
apenas quando favorecidas por um ambiente humano sustentador, capaz de
apresentar o mundo em pequenas doses, facilitando posicionamentos existenciais
criativos e não submissos ou defendidos. Assim, a sexualidade constitui-se de modo
vivencial, subjetivo: ao mesmo tempo em que a maioria dos seres humanos nasce
com um sexo biológico definido, essa experiência de pertencer ao feminino ou ao
masculino poderá acontecer, em termos da existência de uma sensação de ser
si mesmo, por meio do amadurecimento emocional que se sempre num
ambiente inter-humano e que se abre a infinitas possibilidades de ser.
De acordo com o imaginário coletivo dos estudantes de psicologia, no entanto,
ocupar uma posição existencial adaptada à norma social não é garantia de satisfação
sexual. Encontramos exemplo dessa crença quando aparecem nos desenhos-
estórias figuras masculinas desenhadas que apresentam um sofrimento ligado à
falha, ao ser incapaz de “dar conta do recado”, com o que o homem, perplexo,
precisaria lidar. Quando a representação do sofrimento de ordem sexual acontece
por meio da presença feminina nas produções, por sua vez, são imaginadas
mulheres que sofreriam com o modo de ser e de relacionar-se dos homens, que não
57
assumiriam sua parte da responsabilidade pelos cuidados com os filhos e a casa em
que vivem, tornando impossível que o casal realmente compartilhasse a vida.
Alves (1985) realiza interessante análise comparativa entre os discursos
veiculados pelas revistas Nova, direcionada ao público feminino, e Ele/Ela, voltada
para o público masculino. Partindo de textos e imagens publicados nestas revistas
nas décadas de 1970 e 1980, a pesquisadora objetiva identificar suas regras de
produção de sentido. Entre seus resultados, aponta que “A construção dos discursos
de Nova e Ele/Ela indica que a indústria cultural tende a reforçar os conflitos
existentes na relação homem-mulher, em setores de classe média urbana, no Brasil”
(p. 158).
Mais do que a análise do discurso de cada revista, é o contraste das
representações da relação homem-mulher entre uma e outra que revela as
regras de produção de sentido utilizadas pela indústria cultural, que mantém e
renova a dicotomia entre o discurso feminino e o masculino.
Entre a velha-mulher-nova da Abril [Nova] e o machão-moderno da Bloch
[Ele/Ela], as expectativas são conflitantes e os interesses divergentes. Os
modelos idealizados numa revista não preenchem as necessidades
levantadas na outra. Nova pede um príncipe e encontra, em Ele/Ela, um
caçador. Ele/Ela deseja, em casa, a esposa-mãe submissa; na rua, a caça
feliz, e encontra, em Nova, a mulher que quer erotizar o casamento. Enquanto
relação simétrica e simbiótica, o casamento é associado à felicidade na revista
feminina, e à ameaça e frustração na masculina. (Alves, 1985, p. 159-160)
Evidenciam-se, neste trecho do estudo de Alves (1985), concepções sobre a
mulher bastante semelhantes às que observamos no campo “Até que a morte nos
separe”. A aposta da mulher num determinado tipo de casamento, a saber, uma
relação amorosa e simétrica, como via régia para a felicidade e a vinculação entre
sexo e conjugalidade são marcantes. Entre as concepções sobre o homem
veiculadas pela revista Nova, inclui-se, ainda, a recusa em compartilhar os cuidados
com a casa e com os filhos (Alves, 1985), tamm presente no campo “Até que a
morte nos separe”, enquanto causa da falta de desejo sexual feminina. O quadro
geral parece indicar, assim, que diversos elementos presentes no imaginário coletivo
dos alunos de psicologia sejam oriundos ou tenham sido influenciados por uma visão
de mundo divulgada pela indústria cultural direcionada à classe média urbana desde
meados dos anos de 1970.
Instaura-se, assim, cenário que aponta para o conflito interminável entre
homens e mulheres. Nesse contexto, consideramos que os campos de sentido “Até
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que a morte nos separe” e Falha mecânica” possam ser olhados, portanto, como
complementares.
Quando consideramos o campo “Falha mecânica”, encontramos elementos
oriundos do discurso médico atual sobre a dificuldade sexual, o que não se constitui
propriamente como uma surpresa, que vivemos em um mundo em que recebem
destaque as novas descobertas farmacológicas para o tratamento sintomático das
dificuldades de ereção. Entretanto, cabe refletir um pouco mais sobre o que estaria
em jogo neste discurso, cuja história Foucault (1988/2006) retraçou até as crenças
médicas que normatizavam a sexualidade humana entre os séculos XVIII e XIX,
momento em que, segundo este autor, a medicina inaugura sua própria era de
gestão do sexo:
Pode ser, muito bem, que a intervenção da Igreja na sexualidade conjugal
tenha perdido, nos últimos 200 anos, muito de sua insistência. Entretanto, a
medicina penetrou com grande aparato nos prazeres do casal: inventou toda
uma patologia orgânica, funcional ou mental, originada nas práticas sexuais
“incompletas”; classificou com desvelo todas as formas de prazeres anexos;
integrou-os ao “desenvolvimentoe às “perturbações do instinto”; empreendeu
gestão de todos eles. (Foucault, 1988/2006, p. 48)
O sexo, ao longo do século XIX, estaria inscrito, assim, em dois registros
distintos: uma biologia da reprodução calcada na normatividade científica geral e
uma medicina do sexo que traduzia, em vocabulário científico, os medos tradicionais
(Foucault, 1988/2006).
A aplicação da normatividade científica geral à atividade sexual humana
resultou, em meados do século XX, na assunção de uma perspectiva marcadamente
biológica no ramo da ciência dedicado ao estudo da sexualidade humana. Nessa
linha, encontram-se, como exemplos, os trabalhos seminais de Kinsey et al.
(1948,1953) e Masters e Johson (1976). Desde o nosso ponto de vista, a tentativa de
construção de uma medicina do sexo”, a partir da metade do século XX, acaba por
operar uma verdadeira amputação da experiência emocional que é inerente à relação
sexual, enquanto encontro humano, fornecendo elementos para a construção de um
ambiente em que o relacionamento sexual satisfatório é aquele em que o corpo
funciona corretamente: uma ereção suficiente para a penetração e a ejaculação
se após um período suficientemente longo para que a mulher tenha um orgasmo
fisiologicamente correto.
59
O campo “Falha mecânica” organiza-se, assim, em torno de uma crença
segundo a qual a atividade sexual está dissociada do viver, enquanto, na vigência do
campo Até que a morte nos separe”, a sexualidade seria percebida como parte
integrante do viver, e o desejo sexual, longe de representar mero impulso biológico
ou energia psíquica, emergeria do self, desde que as condições concretas de vida
fossem minimamente confortáveis, não-invasivas.
Entretanto, cabe questionar, tamm, o que significa, num plano mais
profundo, a relevância temporal presente no "para sempre" que marca o campo de
sentido "Até que a morte nos separe". Estaríamos diante de uma verdadeira
"integração" entre a atividade sexual e as condições concretas de vida, ou trata-se de
algo diverso, do sexo a serviço da institucionalização do casamento? Este é um
assunto altamente complexo, que foge aos objetivos do presente trabalho, mas que
foi abordado em estudos seminais, fundamentando grande parte da produção
científica atual ao redor da sexualidade, de forma que não podemos deixar de, ao
menos, citá-lo.
De acordo com a tese clássica de Engels (1884/1981), este tema é tratado
desde uma ótica sociológica, sendo o casamento uma instituição necessária do
ponto de vista da transmissão da propriedade. Olhando o campo Até que a morte
nos separe” por este prisma, notaríamos uma idéia antiga, mas claramente
formulada, que guarda semelhanças com a idéia freudiana de que a espécie usa o
individuo para perpetuar-se por meio do sexo. O prazer, nesse contexto, seria uma
espécie de ilusão, atendendo interesses que não são os individuais. No caso do
matrimônio, a mulher estaria tamm iludida, fantasiaria sobre a "felicidade", a
"alegria" de poder ser esposa de um homem, considerando imaginariamente esta
situão como altamente desejável, quando, de fato, seria a guardde um sistema
que visa, antes de mais nada, a manutenção de uma certa forma de organização da
sociedade, no caso, capitalista.
Foucault (1988/2006) apresenta tamm uma interessante perspectiva, ao
conceber a existência do dispositivo de sexualidade
13
que, historicamente, teria
instalado-se a partir do chamado dispositivo de aliança, o “sistema de matrimônio, de
13
Na acepção de Foucault (1988/2006), a sexualidade é concebida como um dispositivo de poder
complexo, construído como correspondente às exigências funcionais do discurso científico,
compreendido como aquele que deveria produzir a verdade sobre o “sexo”, ou seja, as manifestações
humanas relacionadas ao que hoje definimos como sexo, identidades e papéis de gênero, orientação
sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução.
60
fixação e desenvolvimento dos parentescos, de transmissão dos nomes e dos bens”
(p. 117). A própria descrição foucaultiana do que constituiria, precisamente, o
dispositivo de sexualidade ancora-se nas suas discordâncias em relação ao
dispositivo de aliança, parecendo-nos bastante fecunda para a reflexão sobre os
campos “Até que a morte nos separe” e “Falha mecânica”, motivo pelo qual optamos
por apresentá-la:
Poder-se-ia opô-los termo a termo. O dispositivo de aliança se estrutura em
torno de um sistema de regras que define o permitido e o proibido, o prescrito
e o lícito; o dispositivo de sexualidade funciona de acordo com técnicas
móveis, polimorfas e conjunturais de poder. O dispositivo de aliança conta,
entre seus objetivos principais, o de reproduzir a trama de relações e manter a
lei que as rege; o dispositivo de sexualidade engendra, em troca, uma
extensão permanente dos domínios e das formas de controle. Para o primeiro,
o que é pertinente é o vínculo entre parceiros com status definido; para o
segundo, são as sensações do corpo, a qualidade dos prazeres, a natureza
das impressões, por tênues ou imperceptíveis que sejam. Enfim, o dispositivo
de aliança se articula fortemente com a economia devido ao papel que pode
desempenhar na transmissão ou na circulação das riquezas, o dispositivo de
sexualidade se liga à economia através de articulações numerosas e sutis,
sendo o corpo a principal corpo que produz e consome. (Foucault,
1988/2006, p. 118 grifo nosso)
Desde este ponto de vista, supondo que o campo “Até que a morte nos
separe” refira-se, na verdade, ao sexo a serviço da institucionalização do casamento,
poderíamos imaginar que o campo “Falha mecânica” apresenta uma das articulações
com a economia envolvidas no dispositivo de sexualidade, a saber, a
comercialização da satisfação sexual traduzida em fármaco.
Poderíamos, ainda, considerar o campo “Até que a morte nos separe” desde
uma perspectiva psicológica, remetendo ao sonho da união eterna que poderia ser
interpretado como expressão de uma dificuldade humana em aceitar a própria morte,
a sua finitude. Entretanto, imediatamente precisaríamos acrescer a indagação do
motivo pelo qual a união conjugal se apresentaria como depositária deste ideal de
perenidade.
Outra consideração possível seria aquela que leva em conta o conceito de
genitalidade, apresentado por Paz (1971) como sinônimo de saúde na psicanálise:
"Lo genital expressa, en el nivel corporal y concreto de vivencias, el término logrado
del processo evolutivo, que en el plano simllico supone la posibilidade de concebir
relaciones interpersonales discriminadas pero fecundas" (p. 92). O que estaria em
61
jogo, assim, seria a possibilidade de reconhecer-se a si e ao outro como pessoas
distintas, que se unem para dar origem ao novo, para criar. Assim, mais uma vez
chamaria a atenção no campo Até que a morte nos separe” a vinculação da
satisfação sexual ao casamento, atribuindo-a à perpetuação no tempo e não à
qualidade do relacionamento o sucesso amoroso e sexual.
Neste contexto geral, consideramos que a persistência de um imaginário que
idealiza o matrimônio pode suscitar interessantes debates e futuras investigações, na
medida em que poderíamos supor que os desenvolvimentos teóricos sobre os
alcances e limites do capitalismo e do socialismo, bem como as mudanças históricas,
culturais e tecnológicas pelas quais a humanidade passou no último século, não
tenham sido suficientemente fortes para modificar um fundo afetivo-emocional que
atribui à "perpetuação" da união conjugal mais do que ao encontro verdadeiro, que
pode ser pouco duradouro, num mundo em que muitas mudanças acontecem em
grande velocidade um valor muitíssimo alto.
62
5. REFERÊNCIAS
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69
6. ANEXOS
70
ANEXO A - Reprodução da parte traseira de embalagem de cigarros
71
ANEXO B Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
72
ANEXO C Modelo do Termo de Ciência e Autorização Institucional
TERMO DE CIÊNCIA E AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL
Eu, (nome completo da responsável pela instituição), (cargo ocupado) da (nome da instituição), venho
autorizar a aluna de Mestrado em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Elisa
Corbett, a realizar parte da pesquisa intitulada “O imaginário coletivo de estudantes de psicologia
sobre a saúde sexual, com alunos do curso de Psicologia, na instituição pela qual sou responsável.
Trata-se de uma investigação, sob a orientação da Professora Livre Docente Tânia Maria
José Aiello Vaisberg, acerca da problemática psicossocial da saúde sexual. Para o desenvolvimento
desta pesquisa, será realizada uma entrevista grupal, em que os participantes serão solicitados a
realizar, individualmente, em uma folha sulfite, um desenho com um tema relativo à sexualidade e,
posteriormente, a criarem uma história a partir daquilo que desenharam. Este é um método
denominado Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema, desenvolvido por Aiello-Vaisberg, a
partir do Procedimento de Desenhos-Estórias de Trinca. A análise dos desenhos-estórias será feita de
acordo com o método interpretativo psicanalítico.
A partir dos dados obtidos nesta investigação, poderemos propor intervenções,
principalmente no âmbito da prevenção psicológica, o que beneficiará tanto a ciência da Psicologia
quanto as atividades na comunidade. É importante ressaltar que será mantido o anonimato dos
participantes, impossibilitando sua identificação, assim como será preservado o sigilo quanto aos
dados confidenciais a que a pesquisadora vier a ter acesso. Além disso, a participação é totalmente
voluntária, podendo o participante retirar o consentimento dado a qualquer momento da pesquisa, sem
penalização ou prejuízo, em acordo com a Resolução196/96.
Assinatura do(a) responsável pela instituição: ________________________________________
Assinatura da pesquisadora: ________________________________________
Em caso de dúvidas ou queixa, dirija-se ao Comitê de Ética em Pesquisa PUC CAMPINAS,
Rodovia Dom Pedro I, Km 136 CEP 13086-900 Parque das Universidades Campinas Telefone
(019) 3343-6777.
73
ANEXO C Modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
APRESENTAÇÃO DA PESQUISADORA E DO ESTUDO
Meu nome é Elisa Corbett, RG 32954573-5. Sou psicóloga, mestranda em Psicologia pela Pontifícia
Universidade Católica de Campinas. Estou realizando um estudo que objetiva investigar o que os alunos do curso
de Psicologia, enquanto grupo, imaginam sobre o tema saúde sexual, bem como sobre os problemas referentes à
sexualidade que levariam uma pessoa a procurar um psicólogo. Para tanto, estou realizando entrevistas, com
duração de 30 minutos a 2 horas, com alunos deste curso, pedindo-lhes que desenhem, numa folha de papel,
uma pessoa sexualmente feliz ou uma pessoa que procura um psicólogo por causa de dificuldades sexuais. Em
seguida, peço-lhes que escrevam, no verso desta mesma folha, uma história sobre aquilo que desenharam. Seu
nome não será identificado, pedirei apenas que anote sua idade e sexo, por entender que estas informações
podem me ajudar na análise dos dados deste estudo. Como este estudo visa investigar o imaginário coletivo, seu
desenho-história e outras informações que você por ventura me contar durante a entrevista serão compreendidos
como uma comunicação do grupo de alunos, e não como comunicação individual de questões, pensamentos ou
idéias seus.
Com a finalidade de trabalharmos dentro de uma ética estabelecida para a pesquisa clínico-psicológica,
o informante tomará ciência dos princípios abaixo discriminados e que regerão sua participação.
TERMO DE CONSENTIMENTO PÓS-INFORMAÇÕES
Este termo, em duas vias, é pra certificar que eu, (nome completo do aluno), concordo em participar
deste projeto científico, bem instruído neste termo de consentimento, de acordo com os seguintes princípios:
Autonomia: Considero preservada minha participação como voluntário(a), sem coerção pessoal ou
institucional, dando minha permissão para ser entrevistado(a) e para o uso de meu desenho-história no corpus
desta investigação. Estou ciente de que sou livre para retirar meu consentimento e terminar minha participação a
qualquer tempo, bem como terei a oportunidade para perguntar sobre qualquer questão que eu desejar, e que
todas deverão ser respondidas pela pesquisadora a meu contento.
Beneficiência: Estou ciente de que poderá não haver benefícios diretos ou imediatos para mim enquanto
entrevistado deste estudo, além da oportunidade de poder falar sobre o assunto em pauta, com que
provavelmente me depararei em meu futuro cotidiano profissional. Estou ciente de que também poderá não haver
benefícios diretos e imediatos para minhas enquanto aluno ou para a instituição em que estudo, mas sei que
poderá haver alguma mudança positiva na abordagem do fenômeno da sexualidade humana após a conclusão
deste estudo, quando seus resultados serão entregues pela pesquisadora à instituição em que estudo, na forma
da dissertação defendida e dos artigos resultantes desta investigação, bem como divulgados à comunidade
científica, permitindo que outros profissionais e outras instituições tomem conhecimento de suas conclusões.
Não-maleficiência: Estou ciente de que estará garantida a não invasão da minha privacidade. Sei que,
além do pesquisador, o material resultante da entrevista será de conhecimento de alguns colegas pesquisadores,
membros do Grupo de Pesquisa ao qual a responsável por este estudo pertence, mas meu nome será omitido e
estas pessoas estarão sempre submetidas às normas do sigilo profissional. Comprometo-me, também, a manter
sigilo sobre aquilo que os outros participantes da entrevista disserem ou fizerem durante a mesma. O relatório
final estará disponível para todos quando estiver concluído o estudo, inclusive para apresentação em encontros
científicos e publicação em revistas especializadas, podendo conter trechos da história inventada por mim ou
mesmo a história na íntegra, bem como o desenho de minha autoria, mas sempre de modo anônimo e evitando a
minha identificação.
_____________________________
Entrevistado - nome/assinatura data:
_____________________________
Pesquisadora - nome/assinatura data:
Em caso de dúvidas ou queixa, dirija-se ao Comitê de Ética em Pesquisa PUC CAMPINAS, Rodovia Dom
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