coleta de erva-mate, iria nascer o “caboclo” do Contestado
36
. A pequena propriedade rural que
nos campos de criação de gado do planalto catarinense não encontrou condições de nascer,
encontrou lugar favorável nos matos fechados cobertos de imbuias, pinheiros e erva-mate
então existentes no oeste catarinense.
Conforme apontado por Queiroz (1981), o problema da escassez de terras devolutas no
final do século XIX é agravado com a Proclamação da República. Ao entregar o controle
sobre as terras públicas aos Estados, esses distribuíram as últimas extensões de terras
disponíveis aos chefes políticos locais. Diminuiu, assim, a possibilidade de coleta de erva-
mate em terras devolutas. E, com a valorização da erva-mate, os fazendeiros começaram a
coibir o que eles denominaram a “coleta abusiva do mate” em terras de sua propriedade ou
por eles arrendadas
37
, originando a expulsão dos intrusos, agravando a situação e criando o
ambiente propício à eclosão do conflito
38
.
A situação se agravou com a construção da EFSPRS
39
. Esta obtive do governo federal
uma concessão de terras equivalente a uma superfície de nove quilômetros para cada lado do
eixo da ferrovia. A área total assim obtida deveria ser escolhida e demarcada, sem levar em
conta sesmarias nem posses, dentro de uma zona de trinta quilômetros, ou seja, quinze para
cada lado.
A concessão original dada pelo Império em 1889 a Teixeira Soares e ratificada pelo
Governo Provisório da República em 1890, previa não somente a construção da ferrovia, mas
também o estabelecimento de núcleos coloniais ao longo de seu traçado, estabelecendo um
prazo de 50 anos para a colonização das terras concedidas. Ao fim deste prazo, as terras
devolutas retornariam à União. Em 1906, a Brazil Railway Co., pertencente ao Grupo
Farquhar
40
, assumiu o controle acionário da EFSPRS, que tinha a concessão de interligar todo
36
A tendência predominante na historiografia foi pensar o caboclo do contestado através de critérios
étnicos e como resultado da miscigenação entre os indígenas e os luso-brasileiros. No entanto, mais
recentemente, os estudos sobre a Guerra do Contestado têm procurado compreender o caboclo através de suas
próprias referências culturais, pensando-os a partir de seus costumes, valores, crenças e modos de vida. Sobre
este assunto ver Poli (1991), Carvalho (2002) e Marcon (2003).
37
Segundo Auras (2001), na coleta de erva-mate em Santa Catarina podem ser identificados dois
circuitos de dominação econômica: a) pequenos proprietários ou posseiros entregavam o produto na bodega mais
próxima, aonde geralmente já tinha contas à espera de pagamento; daí o mate era encaminhado para um dos
armazéns do interior e, posteriormente, para Joinville-SC; e b) o “coronel” permitia que o peão ervateiro
exercesse a coleta em seus domínios, desde que o produto final deste trabalho fosse a ele entregue,
evidentemente, por um baixo preço; daí, o mate era encaminhado para um dos vários armazéns do interior, que
por sua vez, o remetia para Joinville-SC.
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Esta é a origem social dos sertanejos que engrossaram os redutos e cidades santas do Contestado.
Trata-se de pequenos agricultores expropriados, posseiros expulsos por fazendeiros, fazendeiros envoltos em
disputa pelo poder na região, bandidos a procura de refúgio, e mais tarde, os trabalhadores da EFSPRS.
Conforme apontado por Auras (2001), o povoamento do planalto catarinense esteve associado a três importantes
eventos da história sulina: a) o comércio de gado entre São Paulo e Rio Grande do Sul, no século XVIII, que fez
surgir os primeiros povoadores permanentes nos campos de Lages e diversas outras povoações no caminho das
tropas; b) A Revolução Farroupilha (1835-1845), que se alastrou pelo planalto catarinense, onde foi proclamada,
1839, a República Juliana, também contribui para seu povoamento; e c) sobretudo a Revolução Federalista
(1893), quando o planalto catarinense foi percorrido por tropas de revolucionários e legalistas em luta; ao
término da revolução, muitos federalistas acabaram se refugiando na região.
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As informações referentes à EFSPRS foram retiradas da obra de Nilson Thomé, Trem de Ferro:
Ferrovia do Contestado (1983).
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O Grupo ou Sindicato Farquhar, de propriedade do norte-americano Percival Farquhar, atuou em
diversos empreendimentos no Brasil no início do século XX: incorporação da Rio de Janeiro Light & Power
Company; construção e exploração do Porto de Belém; construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré,
criação da Companhia de Navegação do Amazonas, que passou a dominar o transporte fluvial naquela área;
criação da Amazon Development Co. e a Amazon Land & Colonization Co. que detinham a posse de 60.000
Km² de terra que hoje constituem o território do Amapá; construção de diversas estradas de ferro (E.F. Paraná,
E.F. Dona Teresa Cristina, E.F. Mogiana, E.F. Paulista, E.F. Sorocabana, E.F. São Paulo-Rio Grande, etc.);
controle do porto do Rio de Janeiro e de Paranaguá –PR; propriedades de grandes fazendas de gado no Pantanal