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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE O PAULO
MANOEL EDSON DE OLIVEIRA
A CONSTITUIÇÃO DO GÊNERO PREFÁCIO NO UNIVERSO ACADÊMICO
DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
MANOEL EDSON DE OLIVEIRA
A CONSTITUIÇÃO DO GÊNERO PREFÁCIO NO UNIVERSO ACADÊMICO
DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
Tese apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de DOUTOR em
Língua Portuguesa, sob a orientação do
Prof. Dr. Jarbas Vargas Nascimento.
PUC-SP
2009
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BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
_________________________________________________________
À minha mãe, Nazaré Holanda, uma
mulher visionária, e a meu pai
(in memória).
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida que me deu.
À minha mãe, que, mesmo com pouco grau de escolaridade, nos idos dos anos
70, no Sítio Pau D’arco, em Pernambuco, conduziu-me à escola, uma atitude
reveladora de uma visão de que o sucesso depende do conhecimento.
Ao Prof. Dr. Jarbas Vargas Nascimento, pela forma sempre segura com que
conduziu a orientação desta tese: com sabedoria, incentivo, paciência e,
principalmente, com confiança em mim.
Aos Professores: Dr. Luís Antônio Ferreira, Dr. Inácio Rodrigues de Oliveira,
pelas valiosas contribuições que me deram durante o exame de qualificação.
Ao Prof. Dr. João Hilton Siqueira Sayeg de Siqueira, de quem fui aluno durante
dois semestres e de cujas aulas nasceu a idéia de estudar os prefácios.
Ao Prof. Dr. Luiz Fernando Fonseca Silveira, a quem muitas vezes recorri, na
época do Mestrado, para pedir auxílio quanto a leituras, elaboração do projeto de
pesquisa e que, agora, tenho a honra de tê-lo como membro constituinte da
banca examinadora deste trabalho.
A Ângelo Máximo, pelo apoio e paciência que teve comigo durante as tantas
horas de estudos.
Aos meus irmãos, cunhados, cunhadas e sobrinhos, pelo orgulho que sentem de
mim.
Aos meus amigos Marcus Brasileiro, Zoraida Lopes, José Anchieta, Celso
Nunes, Fábio Varalda, Andréia Lins, Gustavo Daniel, Jorge Henrigue, Filipi
César, pelo carinho e incentivo.
À CAPES, pela ajuda financeira.
À Lourdes, secretária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua
Portuguesa da PUC-SP, pelo modo sempre simpático, atencioso e paciente com
que sempre me atendeu desde a época do Mestrado.
“A sociedade não é possível a não ser pela língua; e pela ngua
também o indivíduo”.
Emile Benveniste
RESUMO
Esse trabalho tem por objetivo central esclarecer, à luz da análise de gêneros de
linha swalesiana, aspectos da constituição do gênero prefácio de obras acadêmicas,
considerando a sua estrutura composicional e o conjunto de propósitos comunicativos
que procura realizar. Para a análise sócio-retórica do gênero prefácio, utilizamos como
referencial os princípios gerais da teoria proposta por Swales (1990, 2004), ao lado das
diretrizes indicadas por Bhatia (1997a, 2004). Também nos ancoramos no arcabouço
teórico dos gêneros textuais postulado por Bazerman (2005), Maingueneau (2001) e
Marcuschi (2000, 2002, 2003, 2004), especialmente no tocante à questão do gênero
como prática social. Para sustentar o aspecto persuasivo do gênero que examinamos,
apoiamo-nos na teoria da argumentação/Retórica, que nos ofereceu os elementos
necessários para identificarmos o caráter promocional nos textos: o ethos, o pathos e o
logos, as três provas argumentativas utilizadas para persuadir os leitores dos prefácios.
Para a investigação, selecionamos um corpus de dez textos, distribuídos em sete
prefácios assinados e três não-assinados, todos da área de Lingüística, por ser este um
campo com o qual temos afinidade desde a nossa graduação. Os resultados revelaram
que, ao lado das informações de cunho acadêmico-científico, os prefácios trazem um
propósito comunicativo bastante evidente: avaliação e promoção dos livros aos olhos
de leitor. Conclui-se que o estudo de gêneros, o dos que circulam no universo
acadêmico, mas de outros relacionados a domínios discursivos diversos, apresenta-se
como um terreno fértil para pesquisas futuras, pois analisar gêneros é examinar como a
sociedade funciona, que as pessoas se comunicam por meio de gêneros, que são
práticas sociais instituídas historicamente, cujas mudanças sociais emergem de novas
formas de produção, de linguagem, novos ambientes e novos suportes.
Palavras-chave: gêneros textuais, propósito comunicativo, persuasão.
ABSTRACT
This thesis aims to clarify constitutional aspects from the preface genre in academic
works by applying the Swalesian line of genre analysis and considering the
compositional structure of prefaces and the communicative purposes that they are
supposed to accomplish. To the socio-rethorical analysis of the preface genre we used
some references that include the general principles of Swales’ Theory (1990, 2004),
some guidelines by Bhatia (1997a, 2004), the theoretical arguments of text genres
proposed by Bazerman (2005), Maingueneau (2001) and Marcuschi (2000, 2002, 2003,
2004), these last ones specially applied to discuss genre as a social practice. We also
used the argumentation / rethorical theory to support the persuasive aspect of the genre
we researched and that theory provided us with the elements we needed to identify the
promotional character of the texts: the ethos, the pathos and the logos, the three
argumentative evidences used to persuade genre readers. To proceed the investigation
we selected a corpus of ten texts divided in seven signed prefaces and three non-signed
ones, all of them from Linguistics because it is the field of study we feel comfortable to
deal with since graduation studies. The results revealed besides academic and scientific
information that prefaces bring a very clear communicative purpose: evaluating and
promoting books to readers. We concluded that the genre studies, not only related to the
ones investigated among the academic universe but others related to several
discoursive approaches, are fertile ground to future analysis because analyzing genre is
examine how society works, knowing that people communicate by genres and they are
social practices historically instituted. The social changes coming by genres emerge
from new ways of production, language, new environments and supports.
Key words: text genres, communicative purpose, persuasion.
RESUMEN
El objetivo central de este trabajo es aclarar, a la luz del análisis de géneros de la
línea swalesiana, aspectos de la constitución del género prefacio de obras académicas,
considerando la composición de su estructura y el conjunto de propósitos comunicativos
que intenta realizar. Para el análisis socio-retórico del género prefacio, utilizamos como
referencial los principios generales de la teoría propuesta por Swales (1990, 2004), al
lado de las directrices indicadas por Bhatia (1997a, 2004). También nos apoyamos en
el arcabozo teórico de los géneros textuales postulado por Bazerman (2005),
Maingueneau (2001) y Marcuschi (2003), especialmente en lo que se refiere a la
cuestión del género como práctica social. Para sostener el aspecto persuasivo del
género que examinamos, nos apoyamos en la teoría de la argumentación/Retórica, que
nos ha ofrecido los elementos necesarios a la identificación del carácter promocional en
los textos: el ethos, el pathos y el logos, las tres pruebas argumentativas utilizadas para
persuadir a los lectores de los prefacios. Para la investigación, seleccionamos un
corpus de diez textos, distribuidos en siete prefacios firmados y tres no firmados, todos
del área de Lingüística, por ser este un campo con el que tenemos afinidad desde
nuestra graduación. Los resultados revelaron que, al lado de las informaciones de
carácter académico-científico, los prefacios traen un propósito comunicativo bastante
evidente: evaluación y promoción de los libros a los ojos del lector. Se concluye que el
estudio de géneros, no sólo de los que circulan en el universo académico, sino de los
demás relacionados a dominios discursivos diversos, se presenta como un terreno fértil
para investigaciones futuras, puesto que analizar géneros es examinar como la
sociedad funciona, una vez que las personas se comunican por medio de géneros, que
son prácticas sociales instituidas históricamente, cuyas mudanzas sociales emergen de
nuevas formas de producción, de lenguaje, nuevos ambientes y nuevos soportes.
Palabras-clave: géneros textuales, propósito comunicativo, persuasión.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................
13
CAPÍTULO I – A LINGUAGEM HUMANA ................................................................
21
1.1. Linguagem ....................................................................................................
21
1.2. Língua ...........................................................................................................
29
1.3. Texto e Discurso ...........................................................................................
40
CAPÍTULO II – GÊNEROS TEXTUAIS: BASES TEÓRICAS ...................................
49
2.1. As Origens da Noção de Gênero ..................................................................
49
2.2. Noções de Gênero ........................................................................................
52
2.2.1. A Perspectiva de Bakhtin ........................................................................
52
2.2.2. A Perspectiva de Swales ........................................................................
54
2.2.3. A Perspectiva de Bhatia .........................................................................
63
2.3. O Gênero como Prática Social .....................................................................
66
2.3.1. Antigos Gêneros, Novas Formas ............................................................
72
2.4. O Conceito de Propósito Comunicativo ........................................................
79
CAPÍTULO III – GÊNERO E RETÓRICA .................................................................
82
3.1. O Gênero Prefácio ........................................................................................
82
3.1.1. O Problema da Autoria ...........................................................................
87
3.2. A Teoria da Argumentação ...........................................................................
89
3.2.1. Um Pouco de Retórica ............................................................................
90
3.2.1.1. O Surgimento da Retórica na Grécia ................................................
90
3.2.1.2. A Retórica em Roma ........................................................................
94
3.2.1.3. Ressurgimentos da Retórica ............................................................
95
3.3. A Nova Retórica ............................................................................................
96
3.3.1. As Técnicas Discursivas .........................................................................
97
3.3.1.1. Acordo ..............................................................................................
97
3.3.1.2. Auditório ........................................................................................... 98
3.3.1.3. Dado e Interpretação ..........................................................................
100
3.3.2. As Técnicas Argumentativas ....................................................................
100
3.3.2.1. Argumentos quase-lógicos .................................................................
101
3.3.2.2. Argumentos baseados na estrutura do real ....................................... 104
3.3.2.3. Argumentos que fundam a estrutura do real ......................................
105
3.3.2.4. Analogia e mefora ............................................................................
106
3.3.3. Ethos, pathos e logos: estratégias argumentativas clássicas ..................
106
3.3.3.1. A noção de ethos na Retórica Clássica ..............................................
106
3.3.3.2. Ethos aristotélico e sua relação com phrónesis, areté e eunóia ........
110
3.3.3.3. Ethos e pathos ....................................................................................
111
3.3.3.4. A interação entre ethos e pathos ........................................................
113
CAPÍTULO IV – O GÊNERO PREFÁCIO NO UNIVERSO ACADÊMICO ................
116
4.1. Propósitos Comunicativos e Movimentos Retóricos no Gênero Prefácio .........
117
4.2. À Guisa de Fechamento da Análise ..................................................................
167
CONCLUSÃO ...........................................................................................................
171
REFERÊNCIA ...........................................................................................................
175
13
INTRODUÇÃO
A humanidade se constrói, em princípio, pela língua(gem), já que esta é uma
prerrogativa, essencialmente, dos humanos, isto é, é ela que os diferencia dos
outros animais. Assim, a noção de sociedade também só é possível porque a
linguagem, aqui, entendida como língua natural, é um instrumento responsável pelo
estabelecimento da interação entre os homens, que a utilizam para traduzir suas
idéias, sentimentos, valores, costumes, crenças, enfim, suas relações sociais. A
língua é, pois, responsável pela a existência das sociedades, que se constituem no e
pelo discurso.
A língua, nesse sentido, é um suporte para a manifestação dos discursos
que se singularizam de acordo com os gêneros textuais/discursivos. A concepção de
gênero textual/discursivo, por sua centralidade, aqui se impõe e emoldura este
trabalho, porque norteia a pesquisa no sentido de permitir que se observe como os
textos se organizam estrutural e funcionalmente, enquanto práticas sociais
tipificadas, apesar de sofrerem mudanças no tempo, no espaço e nas situações de
comunicação. Assim, como analisar um gênero, segundo Swales (1990), requer uma
investigação que vá além da observação de aspectos meramente formais do texto,
recorreremos a outros elementos do discurso que configuram, pela sua regularidade,
um determinado gênero, no caso desta pesquisa, o gênero prefácio de obras
acadêmicas.
Nesse sentido, nossa pesquisa terá como base epistemológica tanto os
postulados da teoria do gênero quanto da teoria da argumentação. Trata-se de uma
aliança teórica que se faz necessária porque a Retórica oferece-nos os elementos
fundamentais para a análise do gênero do discurso que ultrapassa os limites dos
aspectos meramente formais e passa a vislumbrar, nos textos, aspectos sócio-
retóricos, conforme apresentados por Swales (1990).
A literatura da área de gênero do discurso tem-se ampliado de modo
expressivo nas últimas décadas, o que pode nos dá a impressão de que o assunto já
se teria esgotado. Basta atentar para a vasta circulação do conceito de gênero na
pesquisa científico-acadêmica no Brasil desde o final da década de 90. No entanto,
14
um exame cuidadoso da literatura nos leva a constatar que aspectos teóricos
importantes relacionados à noção de gênero nos revelam que o conceito de gênero
ainda está em formação e, portanto, demandam pesquisas mais aprofundadas.
Dada a complexidade de questões relacionadas aos gêneros, como
terminologias e conceitos variados, acentua-se cada vez mais a dificuldade de
apreensão da noção de gênero. Isso se evidencia na quantidade de diferentes
definições registradas pela literatura. De acordo com Brandão (2002), o fato de
múltiplos campos do saber se interessarem por gêneros do discurso tem gerado
diversas abordagens sobre o assunto, o que acaba refletindo na metalinguagem
adotada, haja vista o uso indiscriminado de termos como gêneros, tipos, modos,
modalidades de organização textual e espécies de textos e de discursos.
Em meio a esse aparente caos conceitual, um fato é certo: estudiosos de
vertentes teóricas diferentes concordam em determinados aspectos. É
consensual, por exemplo, nas palavras de Bonini (2001, p. 8), “o fato de que a
língua, do ponto de vista de sua práxis, reflete, através do gênero principalmente, os
padrões culturais e interacionais da comunidade em que está inserida”. As diversas
abordagens também já parecem estar em consonância com a visão de que o gênero
não é uma entidade meramente formal, e sim sócio-comunicativa. Todavia, ainda é
difícil chegar a um consenso quando se consideram os critérios definidores do
gênero, o que gera indagações como: qual o critério (ou critérios) de maior
relevância para a identificação/caracterização de um nero?
Nesta pesquisa, pretendemos ampliar a complexidade dessa discussão
trazendo à tona, em especial, a visão de Swales (1990), cujos estudos são ainda
uma das referências importantes no conjunto de estudos sobre o tema. Tomaremos
por base também as pesquisas realizadas por Bhatia (1993) Bazerman (2005),
Maingueneau (2001) e Marcuschi (2000, 2002, 2003, 2004).
Em sua obra Genre analysis: English in academic and research settings
(1990), Swales, a partir da análise de textos produzidos para fins acadêmicos e
profissionais, destaca a importância do propósito comunicativo como um elemento
útil e viável para a análise de textos, pois é ele que molda o gênero, determinando
sua estrutura interna e impõe limites quanto às possibilidades de ocorrências
lingüísticas e retóricas.
15
Swales (1990, p. 58) define gênero como uma classe de eventos
comunicativos, cujos membros compartilham os mesmos propósitos comunicativos,
os quais são reconhecidos pelos membros especialistas da comunidade discursiva
de origem e constituem, pois, o conjunto de razões para o gênero. Tais razões
moldam a estrutura esquemática do discurso, além de influenciarem e imporem
limites à escolha de conteúdo e de estilo.
Essa conceituação explicita bem o principal traço definidor de gênero: o
propósito comunicativo compartilhado pelos membros da comunidade em que o
gênero é praticado. Quanto aos outros traços, como as convenções, o estilo, o
canal, o vocabulário e a terminologia específicos, ainda que tenham a sua
relevância, não exercem a mesma influência sobre a natureza e a construção do
gênero. Para o autor, portanto, os gêneros são veículos comunicativos usados para
que determinados fins sejam executados (1990, p. 46). Bhatia (1993) analisa a
posição de Swales e ratifica-a, pois também defende que o critério de maior
relevância para a definição de gêneros é seu propósito comunicativo. Assim, se o
propósito comunicativo sofrer qualquer mudança significativa, um novo gênero
surgirá, enquanto modificações menores nos auxiliam no reconhecimento de sub-
gêneros.
Ademais, os gêneros textuais/discursivos são, segundo estudiosos como
Bazerman, Bakhtin, Maingueneau e Marcuschi, práticas sociais discursivas
tipificadas e historicamente situadas. Assim, é por meio dos gêneros que realizamos
ações e influenciamos tanto os outros quanto a nós mesmos: falamos e escrevemos
em forma de gêneros e utilizamo-los para criar padrões para nossas atividades
cotidianas. Um simples e-mail, por exemplo, além de realizar a atividade de informar,
pode modificar a vida de muitas pessoas. Isso porque, de acordo com os postulados
de Bazerman, (2005, p. 22),
Cada texto bem sucedido cria para seus leitores um fato
social, ações significativas mediadas pela linguagem, que
são realizadas através de formas padronizadas, típicas: os
gêneros do discurso, que estão sempre relacionados a
outros textos e gêneros que ocorrem em circunstâncias afins.
16
Assim, ao assumirmos que um gênero é uma prática social discursiva,
estamos admitindo que condições sociais determinam as propriedades do discurso.
Isso significa que, para agir no mundo por meio da linguagem, a sociedade constrói
precondições e regras que vão dizer como se comportar em determinadas situações
de uso da linguagem. Nesse sentido, embora as pessoas tenham permissão para
agir, o fazem de acordo com as coerções impostas por essas práticas ou
discursos. Assim, se o homem precisa convencer seu semelhante a crer em algo,
ele se utiliza de um determinado gênero discursivo e este, por sua vez, impõe, não
só modo como o homem dever dizer, mas também a forma de composição do texto.
Esse é apenas um entre tantos outros motivos que o homem tem para se
valer da linguagem em suas relações sociais: convencer o outro, necessidade tão
antiga quanto reconhecer que as ações alheias são carregadas de intencionalidade.
Nessa perspectiva, a Retórica tem, desde a Antigüidade, movimentado nos homens
o desejo de desvelar os segredos do convencimento pela palavra. Entre tantos
outros que se empenharam nessa tarefa, destaque-se Aristóteles, que se debruçou
sobre o tema com o objetivo de teorizar a respeito de uma prática bastante comum
em sua época: as disputas dialéticas, em que o uso de argumentos lógicos,
verdadeiros e sustentáveis se fazia necessário, a fim de que um dos oponentes
levasse o outro a entrar em contradição, ou, pelo menos, aceitar as idéias
defendidas pelo adversário, ainda que a contragosto, por meio de respostas que não
se pudera furtar a fornecer.
Os bios gregos postulavam que estudar a figura do orador, de seu
auditório, da interação entre os dois, bem como de seu comportamento suas
ações e reações era o suficiente. algum tempo, contudo, a problemática se
mostra mais complexa, pois a figura do orador deu lugar à do “autor”, cujo rosto e
cuja voz, na maioria das vezes, não se revelam. Ainda assim, a persuasão se faz
presente nos meandros da linguagem materializada, uma vez que o ente abstrato,
quase sobrenatural, cuja existência o texto pressupõe, convence e até gera no leitor
uma sensação de confiança e de credulidade. Ratifica tais considerações o próprio
Aristóteles quando se refere ao caráter do orador em sua Retórica.
O modo como isso se dá, isto é, como se constituem os mecanismos de
articulação textual e extra-textual, ou, indo mais além, o modo como nossa mente se
organiza para empreender e compreender um determinado gênero discursivo, no
17
caso, o prefácio, são questões referenciadas nesta tese, que visará a: desvendar o
estatuto gênero dos prefácios de obras acadêmicas, tomando como princípios
orientadores o modelo CARS, de Swales (1990), e as sugestões metodológicas de
análise de gênero apontadas por Bhatia (1993); identificar as regularidades formais
que caracterizam o prefácio como um gênero do discurso; examinar em que medida
o propósito comunicativo presente nos textos que apresentam livros acadêmicos se
configura como elemento constitutivo do gênero prefacial; verificar como se dá a
questão da autoria nos textos prefaciais, especialmente aqueles produzidos por
terceiros.
A Retórica nasce como uma teoria da argumentação e uma prática (cf.
Aristóteles: techné) cujo objetivo é ensinar a elaboração do discurso persuasivo.
Assim, o interesse da análise retórica é buscar o modo como se a construção do
fazer persuasivo em cada texto/discurso, ou seja, o reconhecimento dos processos
retóricos, entre eles, os gêneros textuais/discursivos, as figuras e os procedimentos
e estratégias de que o autor lança mão com vistas a uma finalidade prática: a
eficácia. O jogo entre subjetividades é alvo do olhar da Retórica, isto é, o auditório
julga, avalia e escolhe, sancionando positiva ou negativamente as teses defendidas
pelo orador.
Para a constituição do corpus de análise, selecionamos dez prefácios de
obras acadêmicas produzidas no Brasil ou em terras estrangeiras, sendo sete
assinados e três não-assinados. Iniciaremos, então, a análise daquilo que, a
princípio, aponta a presença dos sujeitos sociais revelados pelos enunciados: as
marcas lingüísticas que organizam o gênero discursivo acadêmico, no caso, os
prefácios. De início, questiona-se: se um livro constitui um topo formado por partes,
e essas partes são introdução, capítulos e conclusão, qual a função do prefácio, um
pré-texto cuja ausência não compromete o todo da obra?
Assim, uma leitura atenta de alguns exemplares desses textos levou-nos à
necessidade de analisar, além da forma como se organizam, o seu propósito
comunicativo: convencer e/ou persuadir os leitores a lerem as obras que tais pré-
textos apresentam. Para tanto, veremos como se dão as estratégias de
convencimento e/ou persuasão, especialmente tendo em vista as três principais
provas aristotélicas: o ethos, o pathos e o logos.
18
Ethos, Pathos e Logos constituem, na oratória, as três provas ou
argumentos que o discurso fornece na persuasão, segundo o maior discípulo de
Platão: Aristóteles. Para o filósofo grego, Ethos é a imagem de confiabilidade que o
orador inspira ao falar. Logos é o poder que emana das palavras, isto é, do discurso
em si. Pathos é o comportamento presumido ou atestado dos ouvintes, ou seja,
é o lugar discursivo em que os ouvintes se inserem. Com exceção do logos, que
está relacionado à razão, o ethos e o pathos residem na emoção.
Ainda hoje no vocabulário da Língua Portuguesa usos de palavras que
resgatam os significados dos termos Logos e pathos. Basta que se observem
enunciados como “Isso é lógico”, que encerra prova em si, ou seja, não necessita,
em tese, de defesa. Da mesma forma, quando alguém diz “Fulano é muito
simpático” ou “Fulano é muito antipático”, que revelam, respectivamente, afeição ou
rechaça no enunciador.
Trata-se de elementos que se caracterizam como provas, uma vez que
sustentam um ponto de vista, uma opinião, isto é, incita a adesão do interlocutor a
um determinado matiz de uma problemática em oposição à outra face da mesma
questão. Tem-se, assim, um jogo argumentativo que, no discurso, busca
mecanismos para se manter e, ao mesmo tempo, gerar a possibilidade de sucesso
do enunciador. Em outras palavras, como o argumento é “lógico”, é racional,
portanto, espera-se que seja aceito; se o ouvinte “simpatiza” com o argumento é
porque o aceita, ou seja, adere ao discurso proferido.
Também no xico da Língua Portuguesa o vocábulo ethos tem, ainda hoje,
ecos de sua existência. Um olhar atento à palavra “ética” encontrará nela a raiz de
ethos, apesar de ter sofrido, ao longo dos tempos, uma mudança semântica que se
deu mais por razões sociais do que propriamente lingüística, ou seja, o sentido de
“ética” relacionado àquilo que é ético, moral está cada vez abstrato e até obscuro.
Por esse motivo, faz-se mister o resgate de seu conceito primitivo, isto é, ethos
associado ao comportamento discursivo do orador que chama para si a
responsabilidade de persuadir. Apesar de hoje não ser comum a presença de
oradores em praças públicas, não se pode negar que o advento da imprensa, a
propagação do texto escrito como forma loquaz de comunicação tenha propiciado,
quiçá, exigido um novo tipo de ethos: a imagem que o enunciador constrói de si no
texto escrito, como afirma Maingueneau (2001, p. 98):
19
[...] esse ethos não diz respeito apenas, como na retórica antiga, à
eloqüência judiciária ou aos enunciados orais: é válido para
qualquer discurso, mesmo para o escrito. Com efeito, o texto
escrito possui, mesmo quando o denega, um tom que
autoridade ao que é dito. Esse tom permite ao leitor construir uma
representação do corpo do enunciador (e não, evidentemente do
corpo do autor efetivo). A leitura faz, então, emergir uma instância
subjetiva que desempenha o papel de fiador do que é dito.
Nessa perspectiva, ao lado da concepção de ethos apresentada na Retórica
Clássica, que o via como imagem de si no discurso oral enquanto prova para
garantir credibilidade ao discurso, mostrando que se pode confiar no orador, é
preciso dar a devida atenção ao fato de que, num discurso escrito, os interlocutores
têm seus lugares definidos por meio daquilo que de mais concreto numa relação
comunicativa: a palavra, sua materialidade visual, a qual movimenta discursos.
Em outras palavras, a prova em que pretendemos nos deter neste trabalho -
o ethos - não se apresenta sob a mesma perspectiva da retórica, uma vez que es
implícita no discurso. Ou seja, não é o orador que anuncia ser confiável, mas seu
discurso é que deve gerar a impressão no interlocutor de que ele é digno de
credibilidade. Neste caso, a imagem construída no texto pelo emissor/enunciador – o
ethos é apreendida pelo leitor não apenas como caráter do orador, mas de acordo
com estudos de Dominique Maingueneau, também como um modo de habitar esse
espaço social. Segundo esse mesmo autor, (2008, p. 14) “o ethos não age no
primeiro plano, mas de maneira lateral; ele implica uma experiência sensível do
discurso, mobiliza a afetividade do destinatário”. Dessa maneira, emissor e
destinatário constituem a “comunidade imaginária dos que aderem ao discurso” (Op.
Cit. P. 14). Nos últimos tempos, têm sido realizados vários estudos acerca do ethos,
dentre os quais, destacamos os de Norma Discini (2003), que relaciona ethos e
estilo. Todavia, isso não tem acontecido com o discurso acadêmico, mais
especificamente, o discurso dos prefácios que, como veremos, é um discurso
fortemente argumentativo.
No processo de construção imagética do autor via discurso escrito, existem
marcas lingüístico-textuais explícitas que, indubitavelmente, implicam a existência de
um Outro a ser convencido. Para tanto, tais marcas assumem uma identificação com
20
esse interlocutor, pressupõem seus posicionamentos, indagações e concordâncias,
confere-lhe caracteres e mobiliza-lhe as paixões.
O ethos é fruto, portanto, do imbricamento dessas duas esferas texto e
discurso –, pois ele, ao mesmo tempo que é produto de um constructo textual, é
uma manifestação discursiva, o que se dá, não pelo dito, mas pelo mostrado.
Revela-se por meio das escolhas deliberadas presentes no texto e com cujo sentido
o interlocutor, de maneira consciente ou não, estabelece um contrato, uma
negociação.
O trabalho está estruturalmente organizado em quatro capítulos: no primeiro
apresentam-se algumas considerações sobre a linguagem humana; o segundo
constitui o arcabouço da teoria do gênero; no terceiro, faz-se um panorama sobre o
gênero prefácio e sobre os estudos retóricos, colocando em foco a teoria da
argumentação; no quarto, desenvolve-se a análise do corpus e as conclusões a que
se chegou. Por fim, apresentam-se as referências bibliográficas.
21
CAPÍTULO I
A LINGUAGEM HUMANA
1.1. Linguagem
A natureza do homem tem sido, desde muito tempo, objeto de consensos e
controvérsias na História das Ciências. Por hominização entende-se, aqui, um
processo sócio-histórico no qual a diversidade de linguagens, sobretudo a escrita,
desempenha um papel crucial. Como as mentes não se comunicam senão mediadas
pelas linguagens, o Homem criou (e cria) linguagens para comunicar-se com os
outros, o que torna possíveis a sobrevivência e a evolução do gênero humano.
Assim, se do ponto de vista biológico, o humano se assemelha aos demais seres da
natureza, numa visão sociológica, dela se diferencia profundamente no contexto das
imbricadas relações que estabelece com a sua cultura e a sua sociedade,
evidenciando, empiricamente, a sua natureza historicizada.
Foi a partir do século XIX que as idéias de Marx e Engels se disseminaram e
com elas aprendemos que não a natureza atua sobre o homem, determinando
seu desenvolvimento histórico, mas também o homem age sobre ela e, de maneira
voluntária, modifica-a para criar para si mesmo novas condições de existência.
Nesse sentido, ao agir e intervir na realidade do mundo natural, o humano nela deixa
suas marcas na forma de Conhecimento, Cultura, Linguagens e História.
Ao contrário dos animais em geral, cujos órgãos têm uma estrutura e
funções que podem determinar o modo como se comportam no mundo, os humanos
podem, sob certas condições, nele intervir intencionalmente, possibilidade que nos
parece, até o momento, ser uma prerrogativa, essencialmente, do humano.
É por essa razão que não se pode, a rigor, estabelecer uma fronteira rígida
entre a natureza e a cultura. Para Vygotski (1995, p.47 - 83), a conduta humana não
é determinada somente pelos estímulos presentes no contexto observado, mas
também pela mudança da situação que o próprio homem cria. Segundo essa lógica,
o desenvolvimento humano é um processo dinâmico que se realiza a partir da
22
existência simultânea de estímulos dados e outros criados, o que tem essencial
importância na transformação ativa da natureza do homem pelo próprio homem.
Segundo Lúria (1990, p. 217), parece que a psicologia, por muito tempo,
deixou de levar em consideração o fato de que “as mudanças sócio-históricas não
se limitam a introduzir novo conteúdo no mundo mental dos seres humanos; elas
também criam novas formas de atividade e novas estruturas de funcionamento
cognitivo”. No quadro conceitual do presente trabalho, “estrutura” está relacionada a
todas as formas de conduta da psique, em que há uma inter-relação entre o cultural
e o biológico, que tanto um quanto outro, durante todo processo histórico da
conduta humana, se configuram e se re-configuram. Como observara Vygotski
(1995, p.23), é na fisiologia da atividade nervosa que, de maneira gradual, as
determinações históricas adentram profundamente, instaurando, entre os mundos
natural e social, certa indissociabilidade.
É por meio desse processo que a consciência humana, para desenvolver-se,
pode buscar ou até criar as condições psicofisiológicas e socioculturais de que tem
necessidade, encontrando nessa atividade razões para evoluir e se re-configurar em
outros estágios mais elevados em relação aos anteriores.
Tal mudança interna e/ou externa se revela à medida que o homem muda
sua conduta em relação ao si mesmo e ao outro. Para Vygotski, esse evento indica
que a organologia perde sua força, e o humano, na esfera do pensamento,
diferencia-se dos outros animais porque ele detém o poder de criar linguagens e
exprimir, por meio dessa atividade, seu conhecimento de mundo. Tal fato pode ser
comparado ao momento em que a criança começa a compreender o sentido
histórico da linguagem no mundo.
Segundo L. Levy-Bruhl (apud Vygotski,1995, p.78), o homem primitivo
apresenta como característica fundamental de seu pensamento a tendência em usar
mecanismos de lembrança, minimizando, por conseguinte, a reflexão. VYGOTSKI
(1987, 1995), em contrapartida, diz que o ser humano possui capacidades
psicológicas superiores, como, por exemplo, a memorização, que desempenha uma
função importante dentro de um complexo sócio-psico-biológico. Uma diversidade de
estudos tem-nos mostrado que, desde a Antigüidade, o homem, além de criar novas
formas de memorizar, “cria estímulos artificiais com os quais domina o próprio
processo de memorização” (Vygotski 1995, p.79).
23
À medida que cria instrumentos recordatórios que são colocados a serviço
da própria memória, como, por exemplo, os signos, o intelecto humano cria novas
formas de memória, operação psicológica que, num animal, é inconcebível
Ao criar signos, o ser humano confere um novo significado à sua própria
conduta em relação ao meio natural/social. Evidencia-se nessa capacidade criadora
do ser humano um processo psicológico de adaptação ativa que o difere da
adaptação passiva, própria dos animais. Para Vygotski, somente uma análise desse
processo histórico em que o humano cria ferramentas artificiais
1
- instrumentos de
trabalho e de comunicação
2
, possibilita compreender o “princípio regulador da
conduta humana” e sua significação. Assim, o homem, na condição de detentor da
capacidade de transformar o natural em cultural, o biológico em biossocial, influencia
a formação das conexões cerebrais, ou seja, o homem é capaz de dirigir seu
cérebro socialmente e, desse modo, governar seu próprio corpo.
Essa é a razão pela qual o princípio do “reflexo condicionado” (Pavlov) não é
capaz de explicar suficientemente a conduta do homem na vida social; apenas nos
auxilia na compreensão do processo de formação de conexões no plano natural; no
plano histórico, contudo, apresenta-se insustentável.
Para Vygotski (op. cit. p. 84), do ponto de vista biológico, a sinalização
constitui a atividade fundamental e mais geral dos grandes hemisférios cerebrais
tanto nos animais quanto no humano. Do ponto de vista psicológico, porém, a
atividade mais geral e fundamental do ser humano, e que o diferencia em primeiro
lugar dos animais “é a significação, isto é, a criação e o emprego de signos,
enquanto sinais artificiais” (tradução nossa). Esse assunto será recuperado mais
adiante quando exploraremos as dimensões epistemológica e semiótica dos signos
que se entrelaçam na gênese social dos humanos – processo em que se dão
diferentes estados de conhecimento e evolução de mecanismos de comunicação
que emergem da relação homem/mundo. Trata-se do homem como protagonista e
intérprete ativo da natureza e da sociedade em que vive.
1
Aqui se inscrevem, não os instrumentos lingüísticos, mas de modo geral, todos os instrumentos
materiais e não materiais criados historicamente pelos humanos como resposta à sua necessidade
de trabalho, de comunicação, e que, no fundo, diz respeito ao mais intenso desejo de vida.
2
La pensée propement humaine se construit donc l’interaction avec les activités et les productions
verbales de l’entourage (cf. Bronckart, 2003 p.48).
24
Nesse sentido, a partir da descoberta da presença do outro, que se mostra
distinto de si, surge entre os seres humanos a necessidade de comunicação, termo
tomado aqui em seu sentido amplo. É nessa descoberta do outro que se instaura a
subjetividade social. Ademais, parafraseando Bakhtin, o outro percebido nunca se
excluído dos processos de comunicação subseqüentes, tanto daquele a quem
dirigimos a palavra ou de quem esperamos uma compreensão responsiva
relacionada à nossa enunciação. Nesse processo triático social, que envolve a
relação Homem-Homem-Mundo, se inscreve a criação das linguagens,
particularmente da escrita, nosso objeto privilegiado de estudo.
A história da humanidade revela que a linguagem surgiu para atender às
necessidades emergentes do homem nas relações de trabalho. Isso se deu porque
os humanos, no interior dessa experiência existencial, foram levados a revelar-se ao
outro e falar, que no trabalho os homens necessariamente se relacionam, se
comunicam uns com os outros, o que nos leva a pensar que a palavra é uma
extensão do agir humano no mundo. Em sua obra clássica “Pensamento e
Linguagem”, Lúria, ao fazer referência às idéias de Vygotski (1993, p.464), destaca a
este respeito a premissa vigotskiana de que “nascida da prática a palavra é o ponto
final da ação”, isto é, a ação culmina com a palavra”. Nessa perspectiva, para
Vygotski, a premissa bíblica “no início foi a palavra” está para “no início foi a ação”
do poeta Goethe.
Sabe-se que o começo da história da humanidade coincide com o
descobrimento do fogo, todavia, segundo Vygotski (1995, p.81), “o limite que separa
a forma inferior da existência humana da superior é o surgimento da linguagem
escrita”. Antes mesmo de se consolidar como uma convenção socialmente
compartilhada, se podia observar o nascimento de uma revolução cultural na
medida em que o homem começava a criar meios auxiliares para a sua memória,
conforme se disse alhures. É o caso, por exemplo, do fato de o homem primitivo
fazer um pequeno nó (ou qualquer outro artifício) para recordar-se de algo, ação que
sinalizava transformações sendo operadas na psiquê humana - formas primárias de
invenção de recursos artificiais, cuja evolução desempenhou um papel importante no
surgimento e desenvolvimento histórico da Escrita e sua configuração em “um
sistema complexo de signos”. Signo, para Vygotski, é “todo estímulo criado
25
artificialmente pelo homem, e utilizado como meio para dominar a conduta, própria
ou alheia” (tradução nossa).
À medida que pelo trabalho os humanos agem sobre a natureza, agem
também uns em relação aos outros e até uns sobre os outros, regulando, desse
modo, os vários processos de interdiscursividade que servem, por um lado, à
comunicação, enquanto processo de interação verbal e não-verbal e, por outro, à
organização dos conhecimentos em textos/discursos que se consolidam em gêneros
discursivos. Vale ressaltar, contudo, que a linguagem não exerce um papel de
meio de comunicação, (visão tradicionalista), mas também uma forma de ação social
e, dessa forma, uma forma de consciência de mundo. Trata-se de uma concepção
de linguagem como prática social.
Segundo Morin (1999, p. 231), é válido o reconhecimento de que a
consciência não é historicizada de acordo com as condições sócio-culturais de
cada época, mas também historial. Isso significa dizer que a consciência nasce da
história, vive-a e a ela é submetida. Ademais, é possível tomar consciência da
própria consciência se se recorrer ao auxílio da palavra consciência, o que a torna,
portanto, indissociável da linguagem desde a sua gênese. A linguagem, além de ser
um instrumento de que o homem necessita para conceber a sua representação, sua
percepção e seu pensamento, permite que ele forme o conceito de representação,
de concepção, de pensamento. Do mesmo modo, a consciência precisa da
linguagem para explicar a si mesma e o humano, como ser de consciência, “vivo e
social, dotado de cérebro para conceber a linguagem” e dar-se a conhecer ao outro,
em suas múltiplas dimensões: biológicas, sócio-afetivas e psicológicas. Corrobora o
exposto Rousseau (1983, p. 51) ao declarar:
Não foi apenas a fome nem a sede, mas o amor, o ódio, a
piedade, a cólera que arrancaram dos homens as primeiras
vozes. As frutas não se escondem de nossas mãos e podemos
nos alimentar delas sem dizer uma palavra [...] mas para
emocionar ... para afastar um agressor ... a natureza dita
acentuação, grito, lamento: o estas as antigas palavras
inventadas, e é por isto que as primeiras línguas foram
cantadas e apaixonadas antes de serem simples e metódicas.
26
Como se vê, a necessidade de conhecimento e de vida e, por conseguinte,
de comunicação entre si levaram os humanos a criar e desenvolver diversas
ferramentas/instrumentos, como, por exemplo, as linguagens, os sistemas de
signos, os conceitos, nos mais variados graus de desenvolvimento. Os conceitos e
os signos, bem como as representações, isto é, as imagens conscientes da
realidade, são expressões/criações sócio-históricas que trazem uma base sensível.
Isso nos permite dizer que toda e qualquer linguagem tem como função
desenvolver/manifestar uma maneira de sentir e pensar o mundo. Assim, os
humanos, em resposta ao discurso que lhe dirigem outros humanos, utilizam-na
para veicular certo conteúdo objetivo. Ou seja, os signos, enquanto instrumentos
psicológicos, na concepção de Vygotski em seus últimos trabalhos, encerram um
conceito base para a compreensão do sujeito nas suas relações com os outros no
mundo. Em outras palavras, as mais diversas formas de exteriorização e
socialização de impressões, sensibilidades, conhecimentos-síntese em processo de
reconfiguração dinâmica e continuada constituem parte do pensar e do agir
interpretativo do homem no mundo. É dessa forma que os humanos produzem
cultura, linguagens, constroem memória, fazem história. Assim produzido, fruto de
um processo de interpretação do mundo, o conhecimento humano apenas traduz,
provisoriamente, a realidade.
Nessa direção, o humano certamente assume, no curso do processo de
comunicação que envolve a tade Homem/Homem/Mundo, um papel de tradutor,
intérprete ativo (Eco, 2000, p.183), isto é, ao interpretar o mundo a fim de conhecê-lo
e dominá-lo, o homem atua como protagonista de sua própria história.
Historicamente, o termo interpretação passou por diferentes acepções:
enquanto na tradição da exegese bíblica significava a busca de um sentido oculto,
no desenvolvimento protestante desta tradição, acentuava-se o aspecto de liberdade
e multiplicidade desta busca. De qualquer modo, um movimento relacionado a algo
cujo sentido não se evidencia parece ser característico da interpretação.
O termo interpretação, consoante as idéias de Eco (1989), é uma tradução
do termo grego hermeneia, amplamente usado por Aristóteles, e significava
expressão. Em se tratando da linguagem, exprime o sentido de signo das afeições
da alma, ou seja, é expressão de conceitos.
27
Nessa linha de raciocínio, assinala Foucault (2002, p. 44) que na natureza e
nos textos são signos que arrolamos”. Sugerindo certa distinção, Bakhtin (2006, p.
32), por seu turno, afirma que “ao lado dos fenômenos naturais [...] há um universo
particular, o universo de signos”. Segundo Eco (1989, p. 67), desde as tabuinhas
com escritas cuneiformes sumérias, assírias e babilônicas “ler sempre foi
interpretar”. Assim, desde o início, acrescenta Eco, “era necessário decidir segundo
o contexto, como uma imagem devia estar relacionada ao seu significado e em que
direção prosseguir a leitura”. Tais idéias revelam que considerar as condições de
produção de textos/discursos sempre foi um elemento imprescindível tanto na
compreensão quanto na produção de sentidos entre autor e leitor, não se tratando,
portanto, de algo inovador. Em outras palavras, ao produzir discursos
pretensamente inovadores, o homem está, na verdade, reafirmando uma prática de
leitura muito anterior a sua chegada ao mundo.
Aqui vale recuperar a reflexão acerca dos signos e, para tanto, uma
distinção crucial na historia do desenvolvimento cultural dos humanos se faz
necessária: a criação e uso do signo lingüístico. Ao contrário do uso de outras
atividades mediadoras entre os humanos e o mundo, o uso do signo lingüístico
significa que se saiu dos limites do sistema orgânico que está na base de cada
função psíquica e se operou uma mudança psicológica qualitativa em razão de se
ter reconhecido e incorporado a presença do outro na criação/interpretação
apreciativa dos signos em geral
3
. Os signos são, portanto, conhecimentos – sínteses
de conhecimentos, ferramentas sócio-afetivas e cognitivas por meio das quais a
consciência pode surgir e se afirmar como realidade empírica, isto é, mediante a
materialização dos signos.
Nessa perspectiva, Vygotski, Foucault e Eco parecem comungar com a
mesma idéia: signo é tudo aquilo que pode ser interpretado e se constitui, de modo
indissociável, de forma e conteúdo. O que explica as semelhanças e diferenças
entre os signos é o grau de evolução/transformação que se revela em diversos
contextos em que aparece a natureza histórica e cultural dos seus intérpretes ativos,
portanto intérpretes criadores. Ainda que a criação produza desconstrução, a ação
do humano-intérprete no mundo sempre se na inter-relação Humanos/mundos,
3
Referimo-nos aqui tanto a palavras, frases, textos inteiros ( signos verbais) como signos visuais,
comportamentos,etc.
28
produzindo, assim, alterações tanto em si, quanto no outro e no mundo. Tais
alterações não são necessariamente positivas tampouco absolutas.
Os signos, como foi dito anteriormente, são formas de linguagens que, no
curso de sua evolução e transformação históricas, revelam variadas sínteses
dialéticas de conhecimento expressões provisórias da relação e das inter-relações
dos humanos em comunicação tanto entre si quanto em relação aos mundos natural
e social. Essa é a razão por que o signo, ao mesmo tempo que é linguagem da ação
do homem no mundo, é também forma e conteúdo de sua consciência. É por isso
que, segundo Vygotski (1993), a palavra é o microcosmo da consciência.
A consciência humana apresenta como particularidade o fato de que refletir
sobre um determinado objeto da realidade, no conjunto, é também refletir acerca
desse conjunto, a saber: a relação sujeito/objeto de conhecimento e de como, a
partir dessa relação imediata, se irrompe uma segunda atividade psicológica e social
que transforma o objeto e o sujeito. Nesse contexto, a memória humana, por vezes
atacada no interior das críticas à educação tradicional, traz à tona a sua essência,
participando, dessa forma, da constituição de signos convencionais necessários ao
homem no processo de fazer vir à memória significados e ao mesmo tempo
experimentar um sentido de continuidade na história.
Simultaneamente, os signos e os sistemas de signos são processo e produto
de conhecimento, ou seja, constituem atividade mental/psicológica e produto dessa
atividade. Assim, signos/símbolos/textos, orais e escritos, o realidades empíricas,
imediatas, acessíveis à percepção e à inteligência humana. Trata-se de sinais que o
homem observa, , tenta compreender, interpreta e traduz ao interpretar, por
exemplo, formas de conteúdos cristalizadas em representações, discursos, idéias e
teorias. Para tanto, vale ressaltar a relevância do papel crucial que os signos
lingüísticos desempenham: ao mesmo tempo que neles forma e conteúdo
constituem uma unidade dialética, funcionam, nos contextos discursivos, como
meios de comunicação e síntese de conhecimentos carregados de significados e
sentidos sociais dos humanos que os criam em interação verbal e social.
As palavras por si sós não são suficientes para se compreender uma
comunicação verbal: é imprescindível interpretar as motivações que estão na base
do pensamento do autor em relação ao (s) seu (s) interlocutor (es), uma vez que,
como assinala Vygotski (1993, p.343), “uma compreensão do pensamento, se não
29
alcança as suas motivações, se não compreende os motivos, ou seja, as causas da
expressão do pensamento que intenta compreender, tal compreensão é incompleta”.
Conseqüentemente, a análise psicológica de qualquer expressão requer a busca, no
plano interno mais profundo do pensamento verbal, de sua motivação, oriunda da
interlocução social. Ademais, destaca Vygotsky (Op. cit. p. 342):
O pensamento não apenas está mediado externamente pelos
signos, internamente ele está mediado pelos significados. O
fato é que a comunicação direta entre consciências é
impossível tanto física como psicologicamente. Esta se
alcança através de um caminho indireto, mediado.[...] O
pensamento nunca equivale ao significado direto das palavras.
Segundo Bakhtin, todo falante é também um respondente. Isso significa
dizer que os signos e símbolos não são emitidos de modo aleatório, isto é, no vazio
pelos seres humanos: estes falam para outros sujeitos, os quais, por sua vez,
também falam. Comunga com esse raciocínio Benveniste ao assinalar que “toda
linguagem põe e supõe o outro”. É desse modo que, em graus diversificados de
elaboração social, se instauram os contextos de comunicação que servem à criação
de signos. Assim, signos e textos, os próprios textos como signos, à medida que se
organizarem em sistemas comunicativos, fazem nascer e consolidam os gêneros
discursivos. Na realidade, a construção e reconstrução dos mais variados tipos de
textos/discursos se dá porque a sociedade bem como a história dos indivíduos que a
constituem oferecem, nos mais diferentes graus de complexidade, a matéria-prima.
Neste trabalho, posto que o corpus que será analisado se constitui de
prefácios de obras acadêmicas, a matéria-prima para a manifestação do discurso
neles veiculados é a língua. Por ser a língua, então, materialidade do discurso, será
ela objeto em foco na próxima seção.
1.2. Língua
Embora muitos estudiosos da linguagem empreguem os termos linguagem e
língua como sendo sinônimos, admite-se aqui que diferenças entre essas duas
entidades: enquanto a linguagem é um sistema mais abrangente de signos que
30
abarca todos os códigos semióticos capazes de fornecer algum tipo de informação,
a língua (ou línguas naturais) é um dos ‘sistemas’ que compõem as linguagens que
os seres humanos utilizam no processo de comunicação. Ademais, a língua natural,
da forma como é articulada em diversos níveis (fonológico, morfossintático,
semântico e pragmático) é exclusiva do ser humano, ao passo que a linguagem,
enquanto sistema de comunicação, não o é. (Lopes, 2001)
Posto que, neste trabalho, partimos do pressuposto de que a realidade é um
construto biológico e social, a língua, dentro desse contexto de construção da
realidade, é uma dessas práticas sociais que colaboram para a sua produção. Por
prática social entende-se, de acordo com Fairclough (2001, p. 21) os “modos de agir
habituais, ligados a um tempo e espaço particular, na qual indivíduos aplicam
recursos (materiais ou simbólicos) para agir conjuntamente no mundo”.
Entre esses modos de ações habituais está a língua, um dos espaços em que
seus usuários, imersos nessa realidade, vão construindo sentidos à medida que
falam, escrevem, ouvem e lêem. A língua é, pois, uma entidade que lhes é anterior e
resultado de ações comunitárias, voluntárias ou não, conscientes ou não, que vão
negociando, através da história, formas de significação. Isso determina que nossa
forma de entender é condicionada por nossa posição no espaço e tempo em que
estamos inseridos.
Assim, ao contrário de uma concepção de ciência determinista que defende a
possibilidade de acesso direto, sem intermediação, a fatos, fenômenos etc., que tem
a ilusão de que uma língua é um decalque da realidade, não a concebemos dessa
forma porque ela não espelha os acontecimentos, fenômenos, objetos e relações,
sem depender dos modos de usos impostos por regras de interação entre signos e
signos, signos e usuários e usuários entre si. Nesse sentido, rejeita-se a concepção
de língua apenas como um sistema imanente que se basta para poder ser explicado
(Saussure, 1977) e contemplam-se, nos estudos da linguagem, outros fenômenos,
pois, de acordo com Bakhtin (1995, p. 32), “um signo não existe apenas como parte
de uma realidade; ele também retrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade,
(...), ou apreendê-la de um ponto de vista específico”.
A língua é um veículo promotor de ação cooperativa entre indivíduos que
precisam interagir para garantir a sua sobrevivência no mundo, pelo menos da forma
como a humanidade foi organizada. É essa interação a responsável pela construção
31
de realidades, que, por sua vez, vão moldando as ações entre os indivíduos. Tendo
em vista essa concepção de língua, torna-se impossível aproximar-se dela apenas
para a descrição de fatos lingüísticos, como se não houvesse a possibilidade de um
indivíduo falante não estar vinculado à história, às culturas, aos grupos com os quais
se relaciona. Não há uma língua desvinculada das convenções sociais nas quais ela
opera e pelas quais também é determinada, pois, segundo Bakhtin (2005), a língua
é uma prática social cuja natureza é histórico-social e não apenas individual.
Nessa perspectiva, entende-se que a língua não é possível senão no interior
do processo de interação entre os indivíduos e que todos os fenômenos lingüísticos
são sociais, apesar de apenas uma parte deles ser lingüística. Assim, a interação da
língua, juntamente com as condições de produção, constitui a enunciação humana.
Bakhtin, ao adotar essa concepção de língua, traz à tona elementos que antes não
faziam parte dos estudos lingüísticos, como o contexto social, cultural, econômico,
histórico, local etc., além de relevar a existência de um indivíduo produto de relações
históricas de poder, que interage com outros indivíduos e grupos sociais.
Esse indivíduo, agora um sujeito situado histórica e socialmente, traz para a
concepção de signo uma dimensão de algo em estado de equilíbrio dinâmico, uma
vez que o signo o é visto como resultado de relações naturalizadas, isto é, algo
como uma tsunami, que se origina das forças da natureza, mas como resultado de
uma luta histórica para tornar válidos os significados que interessam a determinados
grupos em detrimento de outros desprovidos da mesma força para, também,
fazerem valer suas vontades. Assim concebido, o signo é a possibilidade do devir,
sempre imerso numa relação de forças histórico-sociais, conforme esclarece Bakhtin
(1995, p. 33):
No domínio dos signos, isto é, na esfera ideológica, existem
diferenças profundas, pois este domínio é ao mesmo tempo, o
da representação, do símbolo religioso, da fórmula científica e
da forma jurídica. Cada campo de criatividade ideológica tem
seu próprio modo de orientação para a realidade e refrata a
realidade a sua própria maneira. Cada campo dispõe de sua
própria função no conjunto da vida social.
Essa vida histórico-social se expressa pelo indivíduo em algum tipo de signo,
que é criado dentro de uma rede de possíveis significações: vestimentas, música,
32
pintura, gestos etc., os quais, assim como as palavras, se relacionam com outros
signos, todos eles procurando definir um certo espaço de validade na sociedade.
Dessa forma, a aparente neutralidade da ciência, o caráter dogmático da religião, a
aparente onisciência do juiz e do médico, que detêm em suas mãos parte de nossas
vidas, garantem a manutenção da validade de determinadas significações, em
detrimento de outras, no interior das instituições por eles representadas. Assim, o
nosso dia-a-dia, que entendemos como sendo óbvio (natural), funciona como um
véu que não nos permite refletir acerca de conceitos, hábitos, afirmações etc.,
estabelecidos como inquestionáveis. Dessa forma, a escolha por determinada
maneira de falar sobre as coisas, fatos, acontecimentos em um dado contexto,
vinculado a um tempo e espaço, vai ao encontro de um modo específico de pensar e
recriar discursivamente a sociedade (Foucault: 2000).
Neste trabalho, a forma como se expressa o texto prefacial é tamm um
modo específico de perceber, pensar e recriar a sociedade, no caso, a sociedade do
ambiente acadêmico, assim como ocorre com outras formas de atuação, a exemplo
do sistema jurídico, religioso etc. Pensamos até que seja capaz de, direta ou
indiretamente, contribuir para modelar identidades individuais ou de grupos, seja
como produtores desses gêneros textuais, seja como potenciais leitores dos livros
que tais prefácios apresentam.
Ademais, uma das formas de compreensão de um signo se pela sua
aproximação com um signo conhecido socialmente, que se aprende por meio
de signos, sem que sejam, a rigor, palavras. Todos esses signos são criações
comunitárias e emergem do processo de interação social. A consciência se
reconhece como tal ao fazer uso desses signos, que são, desde a sua criação,
impregnados de conteúdo ideológico (Bakhtin: 1995).
Com base nos postulados de Bakhtin (1995), Fairclough (2002, p. 20) procura
definir o que entende por linguagem, afirmando que esse processo está ancorado
“por um lado em mecanismos biológicos humanos, por outro em mecanismos
sociais”. Sendo assim, a língua é algo inacabado porque está ancorada tanto em
bases sociais quanto biológicas, ou seja, nasce de uma interseção entre esses dois
fatores, razão pela qual não se poderia explicá-la isolando-a de um ou de outro.
Considerar a língua como algo inacabado, emergente de fatores biológicos e
sociais, implica que não se pode eliminar, definitivamente, nenhum desses
33
mecanismos quando se pretende pesquisá-la. De acordo com Fairclough (2002, p.
20), o conceito de emergência “impõe que um mecanismo tem propriedades
distintas que não são reduzíveis a outros mecanismos”, ou seja, coloca em relevo a
impossibilidade de isolar ações ou influências de um mecanismo, quando este sofre,
simultaneamente, ações de diferentes mecanismos. Neste caso, na tentativa de
criação de sentidos para os textos, o pesquisador fica incapacitado de poder
determinar, com precisão, até que ponto as influências dessas interações são
percebidas ou possíveis de serem controladas.
No caso dos prefácios, não é difícil perceber que a interpretação da
linguagem empregada, juntamente com o local que serve de suporte para o texto – o
livro -, mais o tipo de público a que se destinam as obras que tais textos
apresentam, entre outros fatores, potencializam a criação de sentidos. É a língua
operando como uma prática social que resulta de vários mecanismos interagentes.
A língua, nesta perspectiva, deve ser encarada como um ‘sistema aberto’, isto
é, um sistema em que qualquer evento é influenciado por inúmeros mecanismos
operativos, o que gera a impossibilidade de separar, controlar ou determinar
exatamente o tipo de influência que cada um deles exerce (FAIRCLOUGH, 2002).
Cada mecanismo operativo, atuando sempre em comunhão com outros, gera fatos,
acontecimentos que nem sempre são os esperados ou desejados, pois, sendo um
sistema composto de vários mecanismos, não tem resultados completamente
previsíveis. Como conseqüência dessa dinâmica operacional, a língua traz consigo,
além de concepções de mundo estabelecidas entre seus usuários, também as
possibilidades de criações de novos caminhos.
Na medida em que comungamos com as idéias de Fairclough (2002) e
encaramos a língua como algo que emerge de uma conjunção entre o biológico e o
social, advogamos que essa prática social - a língua - é uma das muitas práticas que
regem a visa humana, da forma como ela está estabelecida. Portanto, a língua é um
sistema aberto, cuja existência é possível porque ela acontece em um espaço de
relações no qual interage como uma das atividades para a coordenação de ações de
tal modo que elas possam ocorrer.
A língua, nesse sentido, pode ser comparada a outro sistema aberto: a vida.
Para existir, esta se compõe de vários mecanismos: físico, químico, biológico,
econômico etc., os quais se pressupõem e se exigem. Adicionam-se, ainda, à vida
34
humana outras complexidades: capacidade humana para semiologizar, cognição,
mecanismos sociais, culturais, econômicos complexos, entre outros. Tendo em vista
que a relação entre esses mecanismos é que eles se pressupõem e se exigem, não
se pode isolá-los em função de pesquisas e estão sempre incorporando a incerteza
como parte constituinte.
Esses mecanismos constituintes da vida social o moldados por práticas
sociais definidas como hábitos na história conjunta dos indivíduos. É impossível
conceber vida social sem práticas sociais, porque elas se expressam em todos os
domínios da vida. As materializações desses mecanismos permitem a vida em
sociedade e trazem inscritas em si, por um lado, as determinações de
espaço/tempo/história/cultura etc.; por outro, as influências de outras práticas. Tudo
isso é viável por intermédio de uma organização muito bem orquestrada, não
existindo uma prática mais importante que outra, pois todas se pressupõem e se
exigem. Esse tipo de organização provoca um equilíbrio dinâmico, possibilitando
constantes rearranjos necessários para que a estruturação continue funcionando.
A articulação dessas práticas sociais se faz necessária para a existência da
vida em sociedade, ou seja, tais práticas precisam unir-se e agir umas sobre as
outras, não gerando, todavia, um sistema fechado, mas relativamente elástico, que
possibilita influências recíprocas. Enquanto o fato de atuarem conjuntamente
possibilita e exige um caráter de necessária permanência e estabilidade no
momento em que ocorrem, o fato de agirem umas sobre as outras abre espaços
para variáveis, possibilitando mudanças, muitas vezes, imprevistas, que não é
possível controlar todos os mecanismos no momento da ocorrência. Segundo
Fairclough (2001), esse processo de articulação exige adequação, obediência e ao
mesmo tempo flexibilidade, criatividade de atuação necessária para determinados
ajustes que se fazem necessários quando algo está em desacordo com o esperado.
Além disso, significa uma etapa de agregação do que já deu certo.
Bakhtin (1995), para mostrar como atuam na língua os elementos contextuais
- históricos, sociais, culturais e outros -, usa o conceito de forças centrífugas e
centrípetas que nela agem conjuntamente. Para o autor, a língua traz consigo, não
concepções de mundo já estabelecidas entre seus usuários, mas também a
possibilidade de criação de novos caminhos.
Ademais, destaca a importância da
palavra do outro este como todos os indivíduos que formam as comunidades
35
lingüísticas, nas quais os membros dialogam entre si, em relações de força. Nessas
comunidades, cada palavra é parte de uma ‘teia’ e detém em si própria uma tensão
que se manifesta de todas as maneiras, seja no plano do conteúdo ou no plano da
forma, num todo indivisível, formando um diálogo contínuo, em que forças de união
e desunião atuam constantemente.
As forças centrípetas, segundo o autor, tentam manter esses discursos,
advogando a concepção de um mundo, aparentemente, homogêneo. Procuram
estabilizar o valor do signo tornando-o imóvel, o que revela que tais forças teriam um
caráter conservador, reacionário. É o caso, por exemplo, da existência de
gramáticas consideradas oficialmente corretas, uma língua tida como nacional,
regida por normas cultas, aceitas como as únicas capazes de revelar cultura.
Somem-se a isso os sistemas de sanções desenvolvidas por instituições detentoras
de poder, para aplicá-las em indivíduos que a esses valores não se submetem ou
que a eles não têm acesso. Instituições e indivíduos a elas pertencentes são levados
a controlar mutuamente, no âmbito desses domínios, o que chamam ‘conhecimento
válido’ (BOURDIEU, 1996).
Essa força centrípeta conservadora –, que para Bakhtin (1995, p. 81) é
“regida por combinações lingüísticas sistemáticas entre elementos interdependentes
e complementares”, encontra correspondência em uma força centrífuga, que faz
com que uma mesma língua, apesar de tender para a coesão, tenha, ao mesmo
tempo, uma plasticidade indomável, que não é claramente percebida e, segundo o
autor, esta seria, justamente, a condição para a sua realização. Dentro dessa
aparente coesão, atuariam várias forças que concorreriam para mudar a correlação
de poder, o que obriga essas forças centrípetas da vida social, lingüística e
ideológica a barganhar a respeitos das mudanças com intuito de conseguir manter-
se em lugar privilegiado de exercício de poder.
Essas posições antagônicas coexistem e se articulam dentro da mesma
língua, nas mesmas comunidades lingüísticas. Isso significa que o signo é um
espaço de exercício de poder, no qual concorrem e competem interesses sociais
diversos, que tentam definir e controlar suas potencialidades em que o caráter de
sociabilidade é fundamental, e cuja estratégia de sobrevivência se evidencia na
linguagem. Tendo em vista que esses mecanismos evolutivos de sobrevivência
funcionam articuladamente (FAIRCLOUGH, 1999); (HARVEY, 2004), como separar
36
um deles, no caso a linguagem, para examiná-la como se ela funcionasse de
maneira autônoma?
Essa pressuposição e exigência das práticas sociais entre si são modos de
regulamentação. Ou seja, a materialização dessas práticas em forma de normas,
hábitos, leis, redes de regulamentação etc. é o que garante a sua própria
reprodução. As práticas sociais são, ao mesmo tempo, formas de selecionar e
controlar o que pode ocorrer, o que pode se materializar a partir de determinadas
estruturas sociais em eventos. Elas são o mecanismo que serve de intermediação
entre as estruturas sociais e suas ocorrências (FAIRCLOUGH, 2003).
Considera-se que essas emergências conjuntas de diversos elementos da
vida numa determinada prática são ‘momentos’ dessa prática. Por isso a importância
da definição de sistema aberto. Todo momento pressupõe e exige outros, traz em si
outros momentos, não podendo, portanto, ser reduzido a si próprio. sempre uma
remissão a um ato anterior, seja para negá-lo ou corroborá-lo. Uma das ocorrências
da materialização desses momentos de manifesta em forma de textos.
Ao analisar o conceito de texto como a materialização do ‘momento’ de uma
prática, Beaugrande (1997, p. 10) define texto como um “evento comunicativo para o
qual ações lingüísticas, cognitivas e sociais convergem, e não apenas como uma
seqüência de palavras que foram expressas ou escritas”. O autor destaca essa
convergência de sistema interativo múltiplo, porque seus elementos são
multifuncionais, e mantém, portanto, essa idéia de uma “sistema aberto”, assim
como o da ‘transcendência’ das partes ao se unirem. Essa idéia de texto como
sistema aberto e multifuncional também é defendida por Heinemann e Vieweger
(1991, p.126), para quem os textos são
resultados de atividades lingüísticas de indivíduos que atuam,
nas quais foram atualizados saberes de diferentes tipos,
dependentes de avaliação cognitiva dos participantes da ação,
como também do contexto de ação, que se manifestam em
texto, de maneira específica/apropriada...
Assim concebidos, os textos o mais do que a relação dos signos
lingüísticos no interior da frase, ou a relação entre frases dentro de um conjunto
37
delimitado de frases. Na verdade, os textos são, a um só tempo, parte de um
complexo de ações interacionais que pretendem atingir um objetivo e resultado de
um processo de interação que exige o uso de estratégias cognitivas para adquirir
sentidos. Neste caso, o foco da análise migra daquilo que o ‘texto diz’ para uma
discussão sobre os possíveis sentidos recriados por diferentes auditórios em
diferentes contextos.
Esses possíveis sentidos do que é dito nos textos são negociados tanto por
seus produtores quanto por seus leitores, os quais aplicam, para tanto, estratégias
tanto no nível da língua quanto no âmbito de interações interpessoais. Esse
processo de comunicação, portanto, não pode ser entendido como sendo apenas
uma relação em que um emissor se apossa de um código com a finalidade de
passar uma informação a um receptor, como se ele fosse um condutor do discurso
que não precisasse da interferência do outro.
Dentro das complexas relações sociais, o número de possibilidades de
realizações textuais é quase infinito, que as necessidades de interações são as
mais diversas. Assim, a vida em sociedade se por meio de uma intersecção de
textos produzidos indefinidamente, que adquirem vida própria à medida que nossas
produções transmitem sentidos impossíveis de serem controlados de acordo com os
desejos ou intenções do falante/ouvinte, escritor/leitor, conforme nos assegura
Harvey (2004, p. 53): “É vão tentar dominar um texto, porque o perpétuo entretecer
de textos e sentidos está fora de nosso controle; a linguagem opera através de nós”.
Portanto, em vez de se procurar a informação contida dentro de um texto, deve-se
buscar os efeitos de sentidos construídos pelos interlocutores que produzem esse
texto dentro do tempo, espaço, relações sociais, culturais, econômicas etc.
Assim, os falantes devem acionar, além dos conhecimentos que possuem
sobre o sistema e contexto lingüístico, necessários para a elaboração do texto, o
‘conhecimento de mundo ou enciclopédico no dizer de Van Dijk (1996) e Koch
(1996), ou seja, os conhecimentos acerca da compreensão e movimentação do
homem no espaço, tempo e sociedade em que vive. Segundo esses autores, os
indivíduos armazenam cognitivamente o mundo, o conhecimento de fatos, objetos,
fenômenos, acontecimentos etc. em blocos de associações entre os quais existe
algum tipo de relação. Tais blocos de associações são guardados em forma de
modelos cognitivos dinâmicos: os chamados frames e scripts.
38
Por frames entende-se, segundo Fix (2003, p. 15), a “ordenação dos
conhecimentos em um padrão modelar relativamente fixo”. Scripts seriam os
mesmos objetos de conhecimento armazenados associativamente nos frames,
porém agora relativos à ordem de ocorrência dos acontecimentos, podendo se
estabelecer um padrão nessa repetitividade, que faz com que os indivíduos saibam
o que fazer, de maneira ordenada seqüencialmente, em determinadas
circunstâncias, acontecimentos. Portanto, trata-se de elementos comuns que o
usados no momento do armazenamento de informações, o que torna difícil separar
esses dois modelos de procedimentos de maneira estanque.
Esses modelos de saber, organizados cognitivamente em forma de redes de
associações de palavras, temas ou seqüência de atividades, armazenados de forma
relativamente fixa, mas potencialmente mutável, determinam a forma de entender,
avaliar e modificar o mundo em que vivemos e de nele nos locomovermos e
agirmos. Além disso, esses modelos cognitivos seguem tanto uma ocorrência
coletiva e, portanto, cultural, como também dizem respeito a experiências
individuais. Pelo fato de as experiências serem armazenadas em forma de frames e
scripts que estão em conformidade com a cultura à qual o indivíduo pertence, o uso
de determinadas palavras, quando atualizadas nos textos, carregam consigo mais
informações do que aparentam ter.
O uso dessas estratégias são formas de perseguir quais sentidos o
pretendidos pelo produtor do texto. Trata-se de mecanismos cognitivos culturais e
individuais que determinam se essa ou aquela ação é adequada, esperada ou
vedada numa dada circunstância. Em outras palavras, esses modelos e estratégias
cognitivas dão instruções para grupos e indivíduos agirem no mundo, auxiliam na
compreensão de fenômenos e processos, preenchem lacunas que porventura
existam nos estímulos auditivos, visuais, olfativos e textuais que chegam anós.
Permitem que possamos trabalhar, não só com informações pretéritas, mas também
com antecipações, levantando hipóteses e refazendo-as caso se mostrem
equivocadas.
No caso dos prefácios, esse conhecimento de mundo em modelo cognitivo,
armazenado em forma de associações dinâmicas, é ativado por elementos textuais
que funcionam como pistas. Tais associações possibilitam a contextualização do
que é dito e preenchem lacunas necessárias para fornecer coerência aos textos,
39
que se pode afirmar que nenhum texto contém toda a informação necessária para
sua interpretação. Trabalha-se, portanto, com antecipações, partindo-se do princípio
de que os indivíduos têm conhecimentos comuns, subentendidos. Nesse caso, os
indivíduos tornam-se responsáveis por processos de inferências que preenchem
essas lacunas, uma vez que têm de participar ativamente no processo de
compreensão. Essas inferências são estimuladas pelas lacunas textuais, mas
mantidas dentro de um certo limite estipulado pelo próprio texto e contexto.
É por esse motivo que o uso de determinadas expressões lingüísticas revela
automaticamente certas vivências e sentimentos na mente dos indivíduos, que
algumas formas fixas da língua aderem ao sistema de relacionamentos quando
essas situações vão sendo repetidamente vivenciadas com as mesmas formas
lingüísticas. Dessa forma surge toda uma fraseologia usada de acordo com relações
afetivas, profissionais etc. Isso explica, por exemplo, o uso hegemônico que os
produtores de prefácios fazem de adjetivos avaliativos, sempre tentando construir na
mente do leitor uma imagem positiva dos livros que apresentam. Isso confirma as
idéias de Kress e Van Leeuwen (2001), para quem qualquer sociedade tende a
desenvolver um sistema de valoração na forma de composição de imagens, que é
reconhecido quase que inconscientemente por boa parte de seus integrantes e que
funcionam como uma estratégia de argumentação.
Essa forma de percepção da língua, no interior de todo um sistema de
práticas sociais, se faz necessária, pois a forma de encarar o gênero prefácio se
divide, grosso modo, em duas maneiras: uma que enxerga o prefácio como qualquer
outro texto acadêmico, que veicula informações científicas; outra como um discurso
que se aproxima do universo publicitário, destinado a informar os leitores acerca do
que está sendo produzido e posto em disponibilidade para aquisição. A primeira
forma de pensar é uma extensão da visão ideológica, que prega uma possível
neutralidade da língua. Não é tão ‘inocente’ a ponto de achar que são veiculadas
apenas informações a serviço do público leitor.
Com o que foi exposto ata aqui, espera-se ter deixado claro que, para este
trabalho, a língua é encarada como uma prática social, que ocorre por meio de um
sistema aberto, que pressupõe mecanismos físicos, biológicos, lingüísticos,
cognitivos, articulados com outras práticas sociais, culturais, econômicas etc. e que
se expressa por intermédio de textos de diferentes gêneros. A língua é, entre as
40
muitas práticas sociais existentes, a que mais contribui para a construção da
realidade, isto é, uma construção discursiva que fornece sentido a nossa existência
em sociedade. Por estar articulada com outras práticas, necessita de uma relação
de equilíbrio, que não pode ser estático, se o corre o perigo de não se tornar
capaz de responder às mudanças, cada dia mais freqüentes, em nossa sociedade.
A língua permite e exige, portanto, uma certa instabilidade que margens a
mudanças nem sempre esperadas ou desejadas por seus usuários, numa espécie
de equilíbrio dinâmico. Não é vista como um sistema que se basta por si só, único e
homogêneo, mas é composta por inúmeras linguagens que, com infinitas vozes,
ressoam em todos os aspectos da vida em sociedade. Todas, repetindo-se umas às
outras, alimentando-se e se retroalimentando dentro dessa ‘arena onde se
digladiam todos os ecos, sem que os indivíduos que delas fazem uso se dêem
conta. A língua se materializa em ‘momentos’ que trazem em si outros momentos
dos quais não podem ser separados.
Essa concepção de língua, como sendo uma prática social emergente,
juntamente com outras, de uma determinada forma de construção da realidade, é
necessária para este trabalho, que ele se apóia nas categorias de análise
pleiteadas pela teoria dos gêneros textuais/discursivos, conforme veremos no
próximo capítulo. Antes, porém, abordaremos o que se entende por texto e discurso.
1.3. Texto e Discurso
O texto é comumente definido como a unidade estruturalmente organizada
que faz dele um todo de sentido capaz de estabelecer comunicação entre um
destinador e um destinatário. Nesse sentido, o texto encerra uma dualidade de
definição, pois é, a um tempo, objeto de significação e de comunicação (Barros,
1997, P. 7). Ou nas palavras de Marcuschi (2003, p. 3), o texto é
objeto lingüístico visto em sua condição de organicidade e com
base em seus princípios gerais de produção e funcionamento
em nível superior à frase e não preso ao sistema da língua; é
ao mesmo tempo um processo e um produto, exorbita o
âmbito da sintaxe e do léxico, realiza-se na interface com
todos os aspectos do funcionamento da língua, dá-se sempre
41
situado e envolve produtores, receptores e condições de
produção e recepção específicas.
Segundo Orlandi (2005a), o texto é a unidade que o analista tem diante de si
e que está relacionado a um discurso que, por sua vez, se explicita em suas
regularidades pela sua referência a uma ou outra formação discursiva, que, por seu
turno, ganha sentido porque resulta de um jogo definido pela formação ideológica
dominante em uma determinada conjuntura. Os textos, para a autora, não são
documentos que ilustram idéias pré-concebidas, mas monumentos nos quais se
inscrevem as múltiplas possibilidades de leitura.
Pode-se dizer que o texto não se configura como ponto de partida absoluto
tampouco de chegada. É, na verdade, apenas uma peça de linguagem de um
processo discursivo bem mais abrangente: é um exemplar do discurso, ou, em
outras palavras, é materialidade lingüística do discurso. Assim, depois que o analista
efetua a análise, não é sobre o texto que ele fala, mas sobre o discurso. No dizer de
Marcuschi (2003, p. 3):
De uma maneira geral, o discurso diz respeito à própria
materialização do texto e é o texto em seu funcionamento
sócio-histórico; pode-se dizer que o discurso é muito mais o
resultado de um ato de enunciação do que uma configuração
morfológica de encadeamentos de elementos lingüísticos,
embora ele se dê na manifestação lingüística. É uma
materialidade de sentido. De certo modo a opacidade histórica
e lingüística do texto é explicada por uma teoria do discurso,
da língua, do inconsciente e da ideologia, articulados
sistematicamente.
O discurso é um dos lugares de manifestação de ideologias que, por meio
da língua, ganham forma, concretizam-se. É o espaço de articulação de saber e de
poder, uma vez que o sujeito que enuncia o faz de um lugar social que lhe confere
direitos. Nesse sentido, quando um sujeito fala de um lugar socialmente reconhecido
como, por exemplo, a posição de diretor (de uma empresa, de uma escola etc.) está
veiculando um saber que lhe foi legitimado (em tese, por um diploma de gestor), o
que lhe garante poder. A relação de poder se manifesta em diferentes esferas
42
sociais: entre o chefe e seus subordinados, entre professor-aluno e até entre
amigos.
É pelo discurso, portanto, que se estabelecem as relações de poder, de
dominação ou alianças, de submissão ou resistência. O discurso é o espaço em que
as polêmicas são travadas, uma vez que ele provoca ação e reação entre os sujeitos
que constituem os mais diversos segmentos sociais. Nesse sentido, pode-se
comparar o discurso com um jogo estratégico que determina aquilo que os
indivíduos podem e devem dizer segundo o lugar, a posição social, histórica e
ideológica que ocupam.
Essa linha de raciocínio encontra eco em Foucault, para quem analisar
discursos é uma prática que exige a compreensão de que a análise dos discursos é
um eixo metodológico de pesquisa. Entretanto, superando os limites de uma visão
estruturalista, ele propõe que tal análise seja realizada não mais simplesmente sob o
aspecto lingüístico do discurso ou dos significados ocultos e, sim, como um jogo, um
jogo estratégico. Trata-se, portanto, nas palavras de Foucault (2003, p. 140), de
“uma prática e uma teoria do discurso que é essencialmente estratégica;
estabelecemos discursos e discutimos, não para chegar à verdade, mas para vencê-
la. É um jogo: que perderá, quem vencerá?”.
Partindo da premissa de que a própria verdade tem uma história, pretende
mostrar como as práticas sociais podem chegar a engendrar domínios de saber que
não somente fazem aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas, como
também fazem nascer formas totalmente novas de sujeitos e de sujeitos de
conhecimento. Principalmente, segundo Foucault, porque a psicanálise - como
prática e como teoria questionou, da maneira mais fundamental, a prioridade um
tanto sagrada, conferida ao sujeito como fundamento e ao núcleo central de todo o
conhecimento (Foucault, 2003, p. 8-10).
E assim sendo, apesar de permanecer a teoria do sujeito ainda muito
filosófica, Foucault considera interessante tentar ver como se dá, através da história,
a constituição de um sujeito que não é dado definitivamente, que não é aquilo a
partir do que a verdade se dá na história, mas de um sujeito que se constitui no
interior mesmo da história e que é, a cada instante, fundado e refundado pela
história.
43
O fundo teórico dos estudos de Foucault é a constituição histórica de um
sujeito de conhecimento através de um discurso tomado como um conjunto de
estratégias que fazem parte das práticas sociais (FOUCAULT, Op. cit. p. 10-11)
4
: E
acrescenta o autor (Op. cit. P. 23-27):
pode haver certos tipos de conhecimento, certas ordens de
verdade, certos domínios de saber a partir de condições
políticas que são o solo em que se formam o sujeito, os
domínios de saber e as relações com a verdade.
desembaraçando destes grandes temas o sujeito do
conhecimento, ao mesmo tempo originário e absoluto,
utilizando eventualmente o modelo nietzscheano, poderemos
fazer uma história da verdade.
Entretanto, na análise dos discursos, não se deve, segundo o autor, resolvê-
los em um jogo de significações prévias; não imaginar que o mundo nos mostre uma
face legível que apenas nos caiba decifrar; ele não é cúmplice de nosso
conhecimento, ele não tem uma providência pré-discursiva a nosso favor. É preciso
conceber o discurso como uma violência que se faz às coisas, em todo o caso,
como uma prática que nós lhe impomos, e é nessa prática que os acontecimentos
do discurso encontram o princípio de sua regularidade (Foucault, 2005, p. 55).
Não se trata, portanto, de uma interpretação de significados que buscaria
simplesmente descobrir o que está oculto por trás dos discursos, mas daquilo que
efetivamente produz e se mostra. O que Foucault propõe é uma análise do discurso
4
E o autor acredita que a forma de conhecer realmente o conhecimento, saber o que ele é,
apreendê-lo em sua raiz, em sua fabricação, é aproximar-se não dos filósofos, mas dos políticos,
para compreender quais são as relações de luta e de poder. Somente nestas relações - de luta e de
poder - na maneira como as coisas entre si, os homens entre si se odeiam, lutam, procuram dominar
uns aos outros, querem exercer, uns sobre os outros, relações de poder compreendemos em que
consiste o conhecimento. Ao focar as relações de poder e de dominação, entretanto, Foucault não
adota uma perspectiva marxista: tratando de uma certa concepção do marxismo que se impôs à
universidade, afirma haver sempre no fundamento deste tipo de análise a idéia de que as relações de
força, as condições econômicas, as relações sociais são dadas previamente aos indivíduos e que, ao
mesmo tempo, se impõem a um sujeito de conhecimento que permanece idêntico, salvo em relação
às ideologias tomadas como erros. Então chega à noção de ideologia, considerando-a, a um
tempo, muito importante e muito embaraçosa. A crítica que faz às análises marxistas tradicionais é
que elas consideram a relação do sujeito com a verdade – a relação de conhecimento - como
perturbada, obscurecida, velada pelas condições de existência, por relações sociais ou por formas
políticas que se impõem do exterior ao sujeito do conhecimento. A ideologia seria a marca, o estigma
dessas condições políticas ou econômicas de existência sobre um sujeito de conhecimento que, de
direito, deveria estar aberto à verdade. Todo o oposto: Foucault sustenta que as condições políticas e
econômicas de existência não são um véu ou obstáculo para o sujeito de conhecimento, mas aquilo
através do que se formam os sujeitos de conhecimento e, por conseguinte, as relações de verdade.
44
através das contradições, acreditando que ele é o caminho de uma contradição para
a outra.
Ao fazer com que desapareçam e reapareçam as contradições, mostra-se o
jogo que nele elas desempenham, manifesta-se como ele pode exprimi-las, dar-lhes
corpo ou emprestar-lhes uma fugidia aparência (EIZIRK, 2005). Ao mesmo tempo,
não se deve imaginar, percorrendo o mundo e entrelaçando-o com todas as suas
formas e todos os seus acontecimentos - um grande discurso não-dito, impensado,
reprimido ou rechaçado que se tratará de articular ou de pensar, enfim. Os discursos
devem ser tratados não como práticas descontínuas que se cruzam, se
aproximam, mas também que se ignoram e que se excluem (FOUCAULT, 2005, p.
55).
Foucault recomenda ainda não ir ao discurso em direção a seu núcleo
interior e escondido, em direção ao coração de um pensamento ou de uma
significação que se manifeste nele; mas, a partir do próprio discurso, de sua
aparição e de sua regularidade, dirigir-se para suas condições externas de
possibilidade em direção àquilo que lugar à série aleatória desses
acontecimentos e que os fixa em limites (FOUCAULT, Op. cit. p. 55). Isso porque o
autor parte de uma concepção que trata o discurso como sendo uma prática que tem
eficácia, resultados, que produz alguma coisa na sociedade; destinado a ter um
efeito, obedecendo, conseqüentemente, a uma estratégia, sendo capaz de produzir
acontecimentos, decisões, vitórias (FOUCAULT, Op. cit, p. 145). É assim que ele se
colocaria em resposta à relevante questão sobre a causalidade: até que ponto o
discurso provoca efeitos, podendo influir na sociedade e na cultura, ou é delas
reflexo?
Fairclough (2001), de sua parte, afirma estarem presentes no discurso tanto
a referência como a significação; o discurso inclui referência a objetos pré-
constituídos tanto quanto à significação criativa e constitutiva dos objetos. Apoiando-
se em Foucault, afirma que o discurso é socialmente constitutivo no sentido de que
contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta
ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções,
como também relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes. O
discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de
significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado.
45
Entretanto, recomenda considerar dialética a relação entre discurso e estrutura
social, sem exageros, tanto na capacidade do discurso para constituí-la, quanto na
idéia de que dela seja o reflexo (FAIRCLOUGH, Op. cit. p. 81-91).
Foucault centra-se, todavia, na capacidade que o discurso tem de produzir
efeitos - talvez por isso afirme perceber uma inquietude em relação ao que é o
discurso em sua realidade material de coisas pronunciadas ou escritas; inquietude
com respeito à sua existência transitória destinada a se apagar, sem dúvida, mas de
acordo com uma duração que não nos pertence; inquietude a sentir, sob esta
atividade, no entanto cotidiana e cinzenta, os poderes e os perigos que s
imaginamos mal. Crê existir, em nossa sociedade, uma espécie de temor surdo
contra essa massa de coisas ditas, contra o surgimento de todos os enunciados,
contra tudo o que pode haver de violento, de descontínuo, de desordem e
também de perigoso; contra esse grande zumbido incessante e desordenado do
discurso (Foucault, 2005, p. 52). O autor supõe que, em toda a sociedade, a
produção do discurso é, ao mesmo tempo, controlada, selecionada, organizada e
redistribuída por um certo número de procedimentos que têm por finalidade afastar
os poderes e os perigos, dominar o acontecimento aleatório, esquivar-se à
materialidade temível e pesada (FOUCAULT, Op. cit. p. 11).
Esses mecanismos de controle dos discursos são por ele denominados
procedimentos de exclusão. Dentre os procedimentos de exclusão que se conhecem
em nossa sociedade, talvez o mais evidente e familiar seja a proibição. Sabemos
que não temos o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer
circunstância, não importa quem, enfim: ninguém pode falar simplesmente o que
deseja. Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou exclusivo do
sujeito que fala: estão em jogo aqui três tipos de proibição para o discurso que se
cruzam, se reforçam e se compensam, formando uma grade complexa que não
cessa de se modificar, conforme pontua Foucault (Op. cit. p. 11):
As regiões onde essa grade é mais fechada, ou as caixas-
pretas se multiplicam, são os territórios da sexualidade e da
política; como se os discursos, longe de serem o elemento
transparente ou neutro no qual a sexualidade se desarma e a
política se pacifica, fosse o lugar onde elas exercem, de
maneira privilegiada, suas mais temidas potências.
46
Foucault (Op. cit. p. 12) demonstra como as proibições que cortam o
discurso revelam muito cedo e muito rápido seu vínculo com o desejo e com o
poder:
E a aqui o surpreendente: a psicanálise nos mostrou - o é
simplesmente aquilo que manifesta (ou esconde) o desejo; é
também aquilo que é objeto do desejo; e porque - isto, a
história não ra de nos ensinar isso - o discurso não é
simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de
dominação, mas também é aquilo em razão do quê e pelo quê
se luta, o poder do qual queremos nos apoderar.
Existem, para o autor, outros procedimentos de controle e de delimitação do
discurso. Aqueles dos quais se falou até agora são exercidos de alguma forma do
exterior; eles funcionam como sistemas de exclusão; dizem respeito à parte do
discurso que põe em ação o poder e o desejo. Existe um outro grupo, o qual
Foucault chama de procedimentos internos; que são os discursos, eles mesmos,
que exercem seu próprio controle. Eles agem a título de princípios de classificação,
de ordenação, de distribuição, como se a questão agora fosse dominar uma outra
dimensão do discurso: aquela do acontecimento e do acaso (FOUCAULT, Op. cit. p.
23).
Mas ele identifica ainda um terceiro grupo de procedimentos que permitem o
controle dos discursos. o se trata de dominar os poderes que ele possui nem de
afastar os acasos de sua aparição; trata-se de determinar as condições de sua
aplicação, de impor aos indivíduos que os proferem um certo número de regras e,
assim, de não permitir a todo mundo ter acesso a eles. Desta vez, a rarefação é dos
sujeitos falantes; ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas
exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo. Mais precisamente: nem
todas as regiões do discurso são igualmente abertas e penetráveis; algumas são
altamente defendidas (diferenciadas e diferenciantes), enquanto outras parecem
quase abertas a todos os ventos, e postas, sem restrição prévia, à disposição de
cada sujeito falante (Foucault, 2005, p. 38-39).
O último aspecto de Foucault que desejamos ressaltar é uma contribuição
considerada por Fairclough como fundamental: segundo ele, a principal tese de
Foucault é a de que o sujeito social que produz um enunciado é uma função do
47
próprio enunciado (não existindo fora e independentemente do discurso), de modo
que "descrever uma formulação como enunciado não consiste em analisar a relação
entre o autor e o que ele diz (ou quis dizer, ou disse sem querer), mas em
determinar que posição pode e deve ser ocupada por qualquer indivíduo para que
ele seja o sujeito dela" (FAIRCLOUGH, 2001, p. 68).
Assim, cada modalidade enunciativa tem associada sua própria função de
sujeito: por exemplo, no discurso de ensino, a posição do professor e a do aluno; no
discurso cnico, o médico e o paciente; no discurso judiciário, a posição de juiz e a
de réu, etc. Ou seja, o discurso tem um papel fundamental na constituição dos
sujeitos sociais: o local de fala expressa a função e a posição da pessoa, ao mesmo
tempo em que se revela através do discurso que se materializa nos mais variados
tipos de textos.
Texto e discurso estão, pois, em estreita relação de dependência, pois o
primeiro é o suporte para que o segundo se manifeste, revelando, assim, as mais
diversas atividades humanas de acordo com os papéis sociais que os sujeitos dos
discursos ocupam. Os textos, portanto, gerenciam a humanidade, como postula
Koch (2002, p. 157):
Os textos, como formas de cognição social, permitem ao
homem organizar cognitivamente o mundo. E em razão
dessa capacidade que são também excelentes meios de
intercomunicação, bem como de produção, preservação e
transmissão do saber. Determinados aspectos de nossa
realidade social são criados por meio da
representação dessa realidade e assim adquirem
validade e relevância social, de tal modo que os textos
não apenas tornam o conhecimento visível, mas, na
realidade, sociocognitivamente existente. A revolução e
evolução do conhecimento necessita e exige (sic),
permanentemente, formas de representação
notoriamente novas e eficientes.
Com base nisso, entende-se o porquê da existência de tantos tipos de
textos, orais ou escritos, materializados em situações comunicativas recorrentes, os
quais veiculam tantos discursos produzidos pelo homem, o que leva os estudiosos
48
da linguagem a caracterizar cada discurso como um gênero, tema que abordaremos
a seguir.
49
CAPÍTULO II
GÊNEROS TEXTUAIS: BASES TEÓRICAS
Neste capítulo, abordaremos as principais bases teóricas que auxiliarão o
estudo do gênero que será examinado nesta tese: o prefácio. Para tanto, daremos
ênfase, dentre as várias abordagens teóricas desenvolvidas acerca dos gêneros,
aquelas que se mostram mais relevantes para a presente investigação. Isso porque,
como assinala Swales (2004, p. 2), “o substancial crescimento dos estudos de
gênero hoje torna inviável para qualquer obra de tamanho razoável oferecer um
panorama abrangente das publicações relacionadas com o mundo acadêmico em
sua multifacetada inteireza”.
2.1. As origens da noção de gênero
Os estudos lingüísticos voltados à nomeação e à delimitação de textos
remontam à Antigüidade, pois, segundo Bonini (2002, p.14), no período clássico
(Grécia Antiga), havia uma preocupação em se caracterizar as partes convencionais
de um texto, embora essas partes fossem “descritas em abstrato, quase que à
margem do ato comunicativo e do contexto social de ocorrência”.
O termo gênero, de acordo com Marcuschi (2002a), se consolidou a partir da
figura de Aristóteles e dos estudos de retórica, contudo se fazia presente em
Platão e nos estudos literários. Para Araújo (1996, p. 22-23), a arte retórica de
Aristóteles se desenvolveu com o objetivo de capacitar escritores e oradores a fim
de que estes produzissem diferentes gêneros textuais, que cada gênero atendia a
diferentes propósitos e audiências particulares. Nesse sentido, a retórica, por estar
intimamente ligada à oratória, possibilitou a criação e o desenvolvimento de gêneros
variados, definidos em função de “tema, audiência, ponto de vista, propósito,
seqüência de idéias e os melhores recursos lingüísticos para expressar essas
idéias”.
Da Antiguidade Clássica até o início do século XX, a noção de gênero esteve
estritamente associada ao campo dos estudos literários, no qual se estabelecia uma
50
classificação dos gêneros segundo os critérios relacionados à forma e ao conteúdo
dos textos. Assim, colocavam-se no topo três grandes gêneros literários: o lírico, o
épico e o dramático, a partir dos quais se faziam subclassificações como, por
exemplo, o soneto, a ode, a epopéia e a tragédia. No dizer de Freedman e Medway,
1994, p.1), em meio a essa classificação, o gênero caracterizava-se como “(a)
primariamente literário, (b) inteiramente definido por regularidades textuais de forma
e de conteúdo, (c) fixo e imutável e (d) classificável em categorias e subcategorias
ordenadas e mutuamente exclusivas”.
Ainda hoje, o estudo dos gêneros com bases literárias, mesmo que sob nova
configuração, toma como norte certas categorias genéricas tradicionalmente
valorizadas, o que torna mais tranqüila a tarefa do crítico literário, para quem,
segundo Bazerman (1997, p. 20), é mais fácil refletir a respeito dos gêneros líricos
ou cômicos do que acerca de uma determinada questão da vida cotidiana como, por
exemplo, um manifesto de ativistas políticos. O referido autor destaca, ainda, que,
como a produção e recepção de gêneros literários possuem uma natureza
contemplativa, ao contrário das exigências concretas da vida, no bojo de tais
estudos “a imbricação social do gênero tem sido menos visível”.
Foi a partir dos estudos de Bakhtin que se deu início a uma nova concepção
de gênero, aplicada “ao conjunto de produções verbais organizadas”. Percebe-se,
desde então, uma crescente preocupação com a língua concebida como suporte
para a manifestação dos discursos realizados pelo homem no meio social em que
está inserido. Nesse sentido, a língua é construída socialmente, logo o uso que se
faz dela obedece a modelos também construídos pela sociedade e que se revelam
imprescindíveis não para a estruturação do discurso, mas também para a sua
compreensão.
No início do século XX, surge a Lingüística com o objetivo de estudar a língua
em todas as suas nuances, todavia seus métodos de investigação científica não
ultrapassaram os limites da frase. Somente depois dos anos 60, emergiu a
preocupação com os mecanismos de textualização e, portanto, com os gêneros: é o
surgimento da Lingüística Textual e, com ela, ao se definir texto, abriu-se espaço
para que teóricos da linguagem, ampliando os estudos da frase, abordassem a
“tipologização textual” que, naquele momento, conceberam como sendo o estudo
dos gêneros textuais. Trata-se de uma corrente dos estudos lingüísticos cuja tarefa é
51
descrever os textos a partir de critérios internos à língua, apresentando categorias
nas quais cada texto se enquadra e, dessa forma, passa a corresponder a um tipo.
Recentemente, os estudos relacionados ao texto têm recebido o olhar de
diversos postulados teóricos, todos partindo da análise do texto a partir de critérios
externos à língua. O foco de estudo, nessa concepção, é o processo responsável
pela existência das identidades dos textos, e não mais os traços que o caracterizam.
Assim, o que existe são modelos para explicá-los, e não montagem de
classificações.
Ademais, um dos interesses marcantes nessas novas abordagens teóricas diz
respeito à distinção entre gêneros e seqüências textuais. Nesse sentido, duas
vertentes se destacam: uma francesa, cujos representantes são Adam (1992) e
Bronckart (1997), entre outros que se filiam à concepção de discurso francesa; outra
americana, cujos expoentes são Swales (1990) e Bhatia (1993) em que se tem uma
inclinação à noção de discurso anglo-saxã. Nesta tese, tomaremos como norte os
postulados teóricos desta última vertente, cujas metodologia e epistemologia
empregaremos a fim de examinar os prefácios, nosso objeto de estudo.
Nessa direção, tomaremos como ponto de parida os trabalhos de Swales e
Bhatia. Swales (1990) concebe a linguagem como forma de ação social entre os
sujeitos, isto é, marcada socialmente, o que o leva ao conceito de comunidade
discursiva e, por conseguinte, ao conceito de gênero. Em seus estudos acerca dos
gêneros textuais, emprega tanto critérios gerais pragmáticos, retóricos e
discursivos quanto critérios estruturais, quando desenvolve seus trabalhos a partir
da noção de movimentos e passos. Bhatia (1993), não obstante aplique os mesmos
critérios de Swales, reformula, de certa forma, o conceito de gênero. A fim de melhor
compreendermos os atuais estudos de gênero, apresentaremos a seguir algumas
noções sobre o tema.
52
2.2. Noções de gênero
2.2.1. A perspectiva de Bakhtin
Por ser sócio-histórica, a língua, para Bakhtin, é materializada entre
indivíduos que, ao se organizarem socialmente, produzem enunciações, resultado
da interação locutor-ouvinte. Nessa perspectiva, o traço fundamental da língua é a
interação verbal, que ela se realiza nas enunciações das quais depende sua
existência. Assim, são as mais variadas atividades humanas que materializam o uso
da língua.
A língua, nesse sentido, se realiza em enunciados concretos e únicos. Tais
enunciados, apesar de únicos, reproduzem as esferas de comunicação, e suas
características constitutivas estão relacionadas a três dimensões: conteúdo, estilo e
composição. Bakhtin entende, dessa forma, que os gêneros são caracterizados por
essas dimensões porque entende que gêneros são tipos de enunciados marcados
pelas esferas de utilização da língua. As situações de comunicação exercem,
portanto, influência no funcionamento da língua, uma vez que elas organizam
diferentes tipos de textos.
Assim, com o ensaio “O problema dos gêneros do discurso”, Bakhtin (1953-
1997) traz à tona uma concepção de gênero que se torna o ponto de partida para
grande parte das reflexões posteriores a respeito do tema. Diferentemente da
tradicional análise de gêneros literários, Bakhtin (1997, p. 281) estabelece uma
divisão de gêneros em gêneros do discurso primário e gêneros do discurso
secundário. Os primeiros “se constituem em circunstâncias de uma comunicação
verbal espontânea”, como o diálogo e a carta pessoal. Os segundos resultam dos
primários, os quais “absorvem e transmutam”, gerando, pois, construtos como o
romance, o drama, o discurso científico e o discurso ideológico. Bakhtin considera
essa distinção entre gêneros primários e gêneros secundários de significativa
relevância teórica, visto que a complexidade da natureza dos enunciados deve ser
esclarecida tendo em vista a análise de ambos os tipos de gêneros.
Como são os enunciados que permitem a comunicação verbal, eles têm início
e fim em virtude da alternância dos sujeitos falantes. Para Bakhtin (1997, p. 297), a
oração é a unidade da língua ao passo que o enunciado é unidade da comunicação
53
verbal. A oração, como unidade da língua, não se caracteriza pela alternância de
sujeitos, logo não se mostra capaz de provocar atitude responsiva do interlocutor,
uma vez que “as pessoas não trocam orações, assim como não trocam palavras
(numa acepção rigorosamente lingüística), ou combinações de palavras, trocam
enunciados constituídos com a ajuda de unidades da língua palavras,
combinações de palavras, orações [...]”
A alternância de sujeitos não se apenas nos diálogos, mas também em
outras esferas de comunicação verbal. É o caso, por exemplo, dos textos escritos
em que o autor expressa suas idéias, sua visão de mundo, sua individualidade,
esperando do leitor uma apreciação. Em outras palavras, quando o EU (autor) diz,
instaura um TU (leitor), construindo, desse modo, o texto a partir de uma ação
conjunta.
O enunciado, nesse sentido, apresenta três particularidades em sua
constituição: a alternância dos sujeitos falantes (o que compõe o contexto do
enunciado); o acabamento do enunciado; as formas estáveis do gênero do discurso.
O acabamento se faz imprescindível para que haja a alternância dos sujeitos, pois
quando o locutor diz, diz “num preciso momento e em condições precisas” (Bakhtin:
1997, p. 299). Dessa forma, quando se compreende o querer-dizer do locutor,
percebe-se o acabamento do enunciado. É a existência do acabamento do
enunciado que permite a possibilidade de resposta.
O leitor, por sua vez, também realiza o seu querer-dizer, o que se concretiza
por meio de um gênero do discurso. Isso significa que a comunicação verbal ocorre
nas escolhas de gêneros, ainda que este não tenha quaisquer conhecimentos
teóricos sobre eles, visto que se trata de conhecimento adquirido na prática. Em
outras palavras, cada gênero dita suas regras, seus limites e suas abrangências aos
usuários da língua. O processo de aquisição da língua se dá, portanto, à medida que
o falante ouve e reproduz enunciados durante a comunicação verbal e, ao mesmo
tempo, os diversos tipos de enunciados veiculados na sociedade: os gêneros do
discurso. Todo e qualquer usuário da língua, impcita ou explicitamente, conhece os
gêneros produzidos e utilizados em sua comunidade discursiva. Esse conhecimento
possibilita-lhe reconhecer, diferenciar os gêneros que domina e, de acordo com seus
objetivos e necessidades, selecionar um gênero apropriado à situação comunicativa
em que se encontra.
54
É por essa razão que, segundo Bakhtin, (1997, p. 297), o conceito de gênero
está relacionado à premissa de que o enunciado constitui a unidade real
da
comunicação verbal”, de tal forma que “qualquer enunciado considerado
isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora
seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos
gêneros do discurso”. Existem gêneros mais “padronizados e estereotipados” e
gêneros “mais maleáveis, mais plásticos e mais criativos” (p. 301), todavia, ainda
que a maioria dos gêneros possa ser objeto de uma “reestruturação criativa”, para o
indivíduo usá-los livremente, faz-se mister, de antemão, dominá-los bem (p. 303).
Nota-se, pois, que a estabilidade dos gêneros, para Bakhtin, é relativa, noção que se
mostrará bastante fértil para os futuros teóricos e analistas de gênero.
2.2.2. A perspectiva de Swales
Os tradicionais estudos de gênero de origem norte-americana têm como
expoente John Swales, nome que se tornou tão relevante que, segundo Kay e
Dudley-Evans, (1998) é comum no universo acadêmico se falar em “tradição
swalesiana” ou tradição “associada a Swales”.
Preocupado com o desempenho dos alunos das universidades norte-
americanas, falantes nativos ou não da língua inglesa, Swales (1990-1992), em seus
estudos, desenvolve uma concepção de gênero como uma forma de conduzir os
estudantes a desenvolver competência comunicativa acadêmica, já que, para o
autor, o gênero é parte do funcionamento comunicativo sócio-retórico dos
sujeitos falantes. A fim de explicar o modo como o texto funciona na comunicação,
Swales procura apoiar-se em três conceitos: comunidade discursiva, gênero e
tarefa. Enquanto o primeiro diz respeito à forma de discutir as dimensões relativas
ao papel e ao contexto do texto, os outros dois se relacionam ao modo de discutir a
natureza do gênero propriamente dito.
Segundo Swales (1990, p. 9), comunidades discursivas são
[...] redes cio-retóricas que se formam a fim de atuar
em favor de um conjunto de objetivos comuns. Uma das
características que os membros estabelecidos dessas
comunidades possuem é a familiaridade com gêneros
55
particulares que são usados nas causas comunicativas
desse conjunto de objetivos. Em conseqüência, gêneros
são propriedades de comunidades discursivas; o que
quer dizer que gêneros pertencem a comunidades
discursivas, não a indivíduos, a outros tipos de grupos ou
a vastas comunidades de fala..
Assim, integrantes de uma comunidade discursiva se familiarizam com os
gêneros particulares que usam a fim de atingir objetivos, pois, para Swales, os
gêneros são classes de eventos comunicativos, com características estáveis, cujos
nomes a comunidade conhece bem. Assim, os gêneros pertencem, não a indivíduos,
mas a comunidades discursivas que os empregam como mecanismos de interação
para alcançar propósitos comunicativos.
Ao conjunto de diferentes atividades relacionadas à aquisição de gêneros
para uma determinada situação Swales denomina tarefa. Para adquirir habilidades
de gêneros, o membro de uma comunidade precisa acionar seus conhecimentos
prévios de mundo, os quais darão origem ao conhecimento do conteúdo e dos
esquemas anteriormente construídos, gerando, assim, o esquema formal.
Para a realização do propósito comunicativo de uma determinada
manifestação lingüística, é necessária a presença de três elementos-chave:
comunidade discursiva, gênero e tarefa. O papel do propósito comunicativo é, por
um lado, orientar as atividades de linguagem da comunidade discursiva e, por outro,
definir o protótipo que auxiliará o trabalho de identificação do gênero, operando,
assim, como determinante fundamental da tarefa.
De acordo com Swales, nem todas as comunidades configuram comunidades
discursivas, assim como nem toda atividade discursiva se mostra relevante para que
comunidades discursivas se fortaleçam. O surgimento de uma comunidade
discursiva não depende, a rigor, de que seus membros partilhem o mesmo objeto de
estudo, procedimento comum ou convenção discursiva, ainda que a união de parte
ou até de todos esses elementos possam constituir o embrião de uma comunidade.
É por essa razão que Swales estabelece uma distinção entre comunidade de
fala e comunidade discursiva. Trata-se de conceitos que foram objeto de discussão
entre outros estudiosos da linguagem, como, por exemplo, os pré-sociolingüistas
56
para quem comunidade de fala era um conjunto de membros que compartilhavam
regras lingüísticas. Depois que a Sociolingüística se consolidou, Labov (1966, Apud
Swales, 1990) destaca a substituição da noção de “normas compartilhadas” por
características de atuações compartilhadas. Existem também outros teóricos que
concebem comunidade de fala como sendo o grupo de indivíduos que, a partir de
critérios relacionados ao padrão de uso de linguagem, compartilham regras
funcionais. ainda aqueles que entendem comunidade de fala como os membros
que compartilham o conhecimentos da regras responsáveis pela conduta e pela
interpretação da fala.
Na visão de Swales (1990), a comunidade de fala difere da comunidade
discursiva, pois, enquanto a primeira é um agrupamento sociolingüístico, em que
predominam as necessidades comunicativas do grupo, a segunda é sócio-retórica,
em que predominam as necessidades comunicativas dos objetivos do grupo. Outra
diferença reside no fato de as comunidades de fala serem centrípetas, ou seja,
absorvem as pessoas para dentro de uma estrutura social, ao passo que as
comunidades discursivas são centrífugas, isto é, dividem as pessoas em grupos
operacionais ou de interesses relacionados a especialidades. Objetivando definir
comunidade discursiva, o autor apresenta uma proposta que envolve seis
características, isto é, uma comunidade discursiva é aquela que:
(1) possui um conjunto de objetivos públicos comuns amplamente aceitos;
(2) possui mecanismos de intercomunicação entre seus membros;
(3) usa mecanismos de participação principalmente para prover informação e
feedback;
(4) utiliza e portanto possui um ou mais gêneros para a realização
comunicativa de seus objetivos;
(5) tem desenvolvido um léxico espefico;
(6) admite membros com um grau adequado de conhecimento relevante e
perícia discursiva.
Esse modo de descrição das comunidades discursivas foi alvo de críticas
por parte dos acadêmicos, levando Swales a rever seus critérios. Assim, em seu
artigo Re-thinking genre: another look at discourse community effects, publicado
57
em 1992, o autor passa, por um lado, a considerar relevante a participação
individual na configuração das comunidades discursivas; por outro, que o
indivíduo participa da várias comunidades,o apenas de uma. Além disso,
reconhece que seus critérios não levam em conta a busca do novo, motivo pelo
qual acata a noção de que as comunidades, por meio de desejos e propósitos
individuais, se voltam para o novo, ou seja, buscam e aceitam novos gêneros. Em
outras palavras, dois anos depois da publicação de sua obra clássica Genre
Analysis (1990), Swales busca, em 1992, dar conta de uma realidade mais
complexa que seu trabalho inicial não contemplara. É por essa razão que o
referido autor reformula seus critérios e expressa-os da seguinte forma:
(1) uma comunidade discursiva possui um conjunto perceptível de
objetivos. Esses objetivos podem ser formulados pública e
explicitamente e também ser no todo ou em parte estabelecidos pelos
membros, podem ser consensuais, ou podem ser distintos, mas
relacionados (velha e nova guardas; pesquisadores e clínicos, como na
conflituosa Associação Americana de Psicologia;
(2) uma comunidade possui mecanismos de intercomunicação entre
seus membros. (Não houve neste ponto. Sem mecanismos, não
comunidade);
(3) uma comunidade discursiva usa mecanismos de participação para
uma série de propósitos: para prover o incremento da informação e do
feedback; para canalizar a inovação; para manter o sistema de crenças e
de valores da comunidade e para aumentar seu espaço profissional;
(4) uma comunidade discursiva utiliza seleção crescente de gêneros no
alcance de seu conjunto de objetivos e na prática de seus mecanismos
participativos. Eles freqüentemente formam conjuntos ou séries;
(5) uma comunidade discursiva adquiriu e ainda continua buscando
uma terminologia específica;
(6) uma comunidade possui uma estrutura hierárquica explícita ou
implícita que orienta os processos de admissão e de progresso dentro
dela.
58
A partir desses novos critérios, a comunidade discursiva, para Swales, é uma
estrutura de participação na qual seus membros ascendem de acordo com o
domínio que adquirem do discurso e dos gêneros. Segundo Biasi-Rodrigues (2002),
os próprios questionamentos de Swales bem como de outros estudiosos da questão
do gênero conduzem-no a rever a centralidade da noção de propósito para a
identificação do gênero e da comunidade discursiva. Passa, pois, a ver o propósito
como um elemento dinâmico inserido num processo social mais abrangente que
sofre modificações segundo a especificidade da comunidade discursiva e segundo
as mudanças sociais que provocam alterações no propósito.
Tendo por base essas linhas gerais, em sua obra Genre Analysis, de 1990,
Swales, com o objetivo de esclarecer o que é gênero e, a um tempo, selecionar
elementos para conceituá-lo, aponta como quatro áreas do conhecimento o
concebem: o folclore, os estudos literários, a lingüística e a retórica.
Para o autor, os estudos folclóricos, que desde o século XIX têm explorado o
conceito de gênero, operam com uma concepção de gênero como tipos ideais, e
não textos reais, o que pode gerar um desvio do ideal. Uma história pode ser
classificada tanto como mito quanto como lenda. Mitos e lenda mantêm suas
estruturas intactas ao longo da história, o que sobre alteração é o papel desses
textos na sociedade. Swales (1990) extrai algumas lições resultantes dos
folcloristas: (a) a categorização é conveniente em termos de arquivo; (b) a
comunidade percebe e entende gêneros discursos como meios para uma finalidade
qualquer; (c) a percepção que a comunidade tem sobre como interpretar um texto é
muito valiosa para o analista do gênero.
No campo dos estudos literários, segundo Swales (1990), os teóricos não se
atêm na questão da estabilidade, uma vez que o texto literário tem por objetivo
alcançar a originalidade. Para Todorov (1976, Apud Swales, 1990), ainda que um
trabalho literário transgrida um gênero, não significa que tal gênero deixe de existir.
O gênero antigo, na verdade, serve de base para a criação de um novo gênero. Na
visão de Fowler (1982, Apud Swales, 1990), o conhecimento de gêneros literários é
importante para o autor, na sua criação literária, além de oferecer também a esse
autor um desafio: ultrapassar as limitações de exemplos prévios. Conforme Swales
(1990), para Todorov e Fowler, os gêneros são conjuntos de eventos-chave e
codificados dentro de processos comunicativos sociais.
59
nos estudos lingüísticos, Swales tece algumas considerações acerca de
gêneros com base nos postulados de alguns teóricos, entre eles Martin, para quem
os gêneros são reconhecidos por meio de registros. A noção de registro propõe
uma relação muito íntima entre texto e contexto, que se apresentam tão imbricados
que um não pode ser interpretado sem que se faça referência ao outro. O significado
realiza-se na língua(gem), na forma de texto, o qual é, assim, formado ou
configurado como reação ao contexto de situação em que ocorre. Para Couture
(1986, Apud Swales, 1990), o registro opera nos níveis lingüísticos (vocabulário,
sintaxe), ao passo que o gênero atua no nível da estrutura do discurso.
Segundo Swales, as contribuições da lingüística para os estudos dos gêneros
residem no destaque dado aos: “(a) gêneros como tipos de eventos comunicativos
de meta direcionada; (b) gêneros como tendo estruturas esquematizadas; e, mais
recentemente, (c) gêneros como dissociados de registros ou de estilos” (1990, p.
42).
No campo da retórica, o interesse dos estudiosos pela classificação de
gênero remonta os postulados aristotélicos. Kinneavy (1971, Apud Swales, 1990, p.
42) classifica o discurso como: expressivo (centrado no emissor), persuasivo
(centrado no receptor), literário (centrado na forma lingüística) e referencial
(centrado na representação da realidade do mundo). Uma definição retórica de
gênero, segundo Miller (1984) deve estar centralizada na ação em uma definição é
empregada, não na substância ou forma do discurso. Nas palavras do autor, “o que
nós aprendemos quando aprendemos um gênero não apenas um padrão formal ou
mesmo um método para conquistar nossos objetivos. Nós aprendemos (o que é
mais importante) quais finalidades podemos alcançar [...]” (1984, p. 44). Nesse
sentido, o conceito de gênero na retórica leva em consideração, sobremaneira, a
forma da ação social nos gêneros.
A partir dessa investigação da noção de gênero nessas quatro áreas,
emergem os seguintes pametros descritivos:
(1) O gênero é uma classe de eventos comunicativos.
60
(2) O principal critério que transforma um grupo de eventos comunicativos em
um gênero particular é a existência de propósitos comunicativos em
comum.
(3) Os exemplares de gêneros variam em sua prototipicidade.
(4) Os fundamentos subjacentes a um gênero estabelecem restrições a
possíveis contribuições em termos de conteúdo, posicionamento e forma.
(5) A nomenclatura usada para o gênero por uma comunidade discursiva é
importante fonte de insight.
São esses parâmetros que levam Swales (1990, p. 58) a propor a seguinte
definição de gênero, amplamente adotada em trabalhos desta área de estudos nos
últimos anos:
Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos, cujos
membros compartilham um conjunto de propósitos comunicativos.
Esses propósitos são reconhecidos pelos membros especializados
da comunidade discursiva e dessa forma passam a constituir o
fundamento do gênero. Esse fundamento modela a estrutura
esquemática do discurso e influencia e limita a escolha de conteúdo e
estilo. O propósito comunicativo é o critério que é privilegiado e que
faz com o escopo do gênero base mantenha enfocado estreitamente
numa determinada ação retórica compatível com o gênero. Além do
propósito, os exemplares do gênero demonstram padrões
semelhantes mas com variações em termos de estrutura, estilo,
conteúdo e audiência pretendida. Se forme realizadas todas as
expectativas sobre o que é altamente provável para o gênero, o
exemplar será visto pela comunidade discursiva original como um
protótipo. Os neros têm nomes que são herdados e produzidos
pelas comunidades discursivas e importados por outras
comunidades. Esses nomes constituem uma comunicação
etnográfica valiosa, porém tipicamente precisam de validação
adicional.
Como se vê, o propósito comunicativo é, para o autor, um traço definidor
do gênero, pois trata-se de um elemento do discurso que é compartilhado pelos
membros da comunidade em que o gênero é praticado, podendo ser reconhecido
por seus membros, ainda que estes não sejam tão experientes. Além disso, os
61
gêneros são marcados por padrões de similaridade no que diz respeito à
estrutura, ao estilo, ao conteúdo e à audiência-alvo pretendida. Assim, depois de
preenchidas essas expectativas, a comunidade discursiva em que um
determinado gênero circula, tendo em vista uma noção geral de prototipicidade,
poderá reconhecê-lo em suas diferentes e concretas realizações.
Vale salientar que, dependendo dos propósitos comunicativos das
comunidades discursivas, os gêneros podem variar, indo desde uma receita de
bolo a uma conferência política complexa. No dizer de Biasi-Rodrigues (s/d), “Em
uma situação recorrente, por exemplo, no ambiente da universidade, o mesmo
evento pode ser identificado com mais de um nome”. Acrescenta ainda a autora
que, “com o passar do tempo, os nomes dos gêneros ficam, mas as atividades
associadas com os gêneros mudam, como é o caso da palestra, que não é mais
um monólogo, necessariamente, pois pode ser interativa”.
Tendo por base os seus conceitos de gênero e comunidade discursiva,
Swales, ao estudar textos introdutórios de artigos científicos, constrói um método
de pesquisa a fim de explicar o modo como se constitui a estrutura genérica,
que é nela que o gênero se realiza. Cria, para tanto, um modelo de introduções de
artigos científicos: o modelo denominado CARS (Creating a research space ou
Criando um espaço de pesquisa) que leva em consideração dois níveis de
informação: os “movimentos” (moves) e os “passos” (steps). Os movimentos são
mais abrangentes e constituem blocos discursivos obrigatórios, organizados com
base na função retórica a ser desempenhada e que podem ser divididos em
passos, mais específicos, os quais podem ser, ou não, opcionais. São três os
movimentos sicos e seus respectivos passos a que chega Swales em seu
modelo. (Ver quadro 1 à página 60).
São os conjuntos de movimentos e passos que, emoldurados pelo
movimento retórico, constituem blocos textuais de informações que caracterizarão
a estrutura interna de um determinado gênero. Em outras palavras, cada
movimento é uma unidade estrutural do texto que apresenta uma orientação
uniforme e uma função explicitamente definida. É o caso, por exemplo, em artigos
científicos, estabelecer o território epistemológico da área. É por isso que se pode
definir um movimento como um bloco de texto constituído por uma ou mais
sentenças, que realiza uma função comunicativa específica e, ao lado de outros
62
movimentos, compõe a totalidade da estrutura informacional que deve constar no
texto a fim de que este possa ser reconhecido socialmente como um exemplar de
um dado gênero do discurso. Cada movimento representa, pois, um estágio no
desenvolvimento da estrutura total da informação veiculada no texto. Com relação
aos passos, estes podem ser definidos, segundo Motta-Roth e Hendges (1996, p.
60) como “estratégias constitutivas mais específicas que se combinam para
formar a informação que perpassa o movimento”. Vale ressaltar que cada
movimento pode ser realizado por um ou mais passos.
A seguir, apresentaremos o quadro elaborado por Swales para
investigação da estrutura genérica de artigos científicos.
MOVIMENTO 1: Estabelecer o território
Passo 1: Estabelecer a importância da pesquisa
Passo 2: Fazer generalização/ões quanto ao tópico
Passo 3: revisar a literatura (pesquisas prévias
MOVIMENTO 2: Estabelecer o nicho
Passo 1A: Contra-argumentar
Passo 1B: indicar lacuna/a no conhecimento
Passo 1C: Provocar questionamento
Passo 1D: Continuar a tradição
MOVIMENTO 3: Ocupar o nicho
Passo 1
A
: Delinear os objetivos
Passo 1B: Apresentar a pesquisa
Passo 2: Apresentar os principais resultados
Passo 3: Indicar a estrutura do artigo
Quadro 1 – Modelo CARS Swales (1990, p. 141)
Swales elaborou esse modelo CARS para descrever e interpretar os
movimentos retóricos presentes na introdução de artigos científicos, todavia esse
foi aplicado por inúmeros pesquisadores em suas pesquisas com diferentes
63
gêneros. Aqui, no Brasil, temos Biasi-Rodrigues (1998), que aplicou esse modelo ao
analisar resumos de dissertação de mestrado. Em nosso trabalho, também
utilizaremos o modelo CARS para o levantamento da organização textual do gênero
prefácio.
2.2.3. A perspectiva de Bhatia
O estudioso indiano Bathia (1993) parte da concepção de gênero defendida
por Swales (1990), isto é, a de que um gênero é um evento comunicativo
reconhecido e caracterizado por um conjunto de metas comunicativas identificadas e
compreendidas pelos membros constituintes de uma comunidade profissional ou
acadêmica em que tal gênero circula regularmente. Todavia, diferentemente do
pesquisador americano, que atribui o mesmo estatuto aos elementos envolvidos
(estrutura composicional, propósito comunicativo e comunidade discursiva), Bhatia
prioriza um destes elementos: o propósito comunicativo.
Para definir gênero, Bhatia (1993), p. 13) cita o próprio Sweles (1990) para
quem gênero
é um evento comunicativo reconhecível, caracterizado por um
conjunto de propósito(s) comunicativo(s) identificados e
mutuamente compreendidos pelos membros da comunidade
profissional ou acadêmica na qual regularmente ocorre. Mais
freqüentemente, ele é altamente estruturado e
convencionalizado com limitações sobre contribuições
permissíveis em termos de seu intento, posicionamento, forma e
valor funcional. Essas limitações, entretanto, são
freqüentemente exploradas pelos especialistas membros da
comunidade discursiva a fim de alcanças intenções particulares
dentro da estrutura dos propósitos reconhecidos.
Bathia considera que nessa definição apresentada por Swales há alguns
pontos que merecem ser ampliados. A primeira ampliação diz respeito à forma, que
deixa de ser o componente central do gênero, lugar que deve ser reservado ao
propósito comunicativo. Assim, qualquer mudança significativa no propósito implica
um novo gênero; as menos significativas, um subgênero. Quanto ao gênero ser
estruturado e convencionalizado, Bhatia destaca que isso ocorre por ser o resultado
64
cumulativo de experiência de membros de uma determinada comunidade discursiva,
o que define o gênero, dando-lhe uma estrutura interna convencional.
No que concerne às realizações permitidas em termos de intenção,
posicionamento e valor funcional, para Bhatia, são praticamente obrigatórias.
Segundo o autor, não obstante os membros de uma comunidade discursiva tenham
liberdade para usar quaisquer recursos lingüísticos, estes precisam estar em
consonância com certas práticas padronizadas de um gênero particular. Isso porque
qualquer combinação genérica inadequada passa a ser vista com estranhamento
por qualquer usuário da língua, não para membros de uma comunidade
específica. Em suma, para Bhatia (Op. cit. p. 16), um gênero textual é “[...] uma
instância da realização bem sucedida de um propósito comunicativo específico pela
utilização de conhecimento convencionalizado sobre recursos discursivos e
lingüísticos”.
Para os interessados em desenvolver uma investigação compreensiva de
qualquer gênero, Bhatia sugere sete passos, a saber:
(1) alocar o texto de um determinado gênero num contexto situacional;
(2) realizar um levantamento da literatura existente sobre o assunto;
(3) refinar a análise do contexto situacional;
(4) selecionar o corpus;
(5) fazer um estudo do contexto institucional;
(6) estabelecer níveis de análise lingüística;
(7) buscar informação de especialista/membro experiente da comunidade
discursiva.
Assim, ao buscar desenvolver sua análise de identificação e descrição de
um gênero, Bhatia (1993) se baseia nesses sete passos, dando ênfase ao propósito
comunicativo. Quanto ao nível lingüístico, o autor destaca três níveis, dentre os
quais o analista, dependendo das características de seu trabalho, deverá um ou
mais. A proposta do autor aponta a seguinte divisão: a) análise de características
65
léxico-gramaticais, ou seja, um exame das marcas lingüísticas predominantemente
usadas em um determinado gênero do qual o texto figura como um exemplar; b)
análise de padronização textual, que diz respeito à função desempenhada pelos
elementos léxico-gramaticais em um gênero; e c) interpretação estrutural do gênero,
que coloca em fofo os aspectos cognitivos da organização textual. Este é o nível em
que se pretende desvendar regularidades de organização e estruturação de um
gênero.
Em sua obra, Bhatia apresenta uma discussão do estudo que realizou ao
examinar dois gêneros do discurso: carta promocional e carta de pedido de
emprego. Enquanto a primeira compreende uma espécie de texto que busca
alavancar as vendas de um produto, de um serviço etc, a segunda compreende um
pedido de emprego, promovendo as características da pessoa aspirante ao cargo. O
autor aponta, entre as diferenças presentes nesses tipos de carta, as causas que
levaram à produção de ambas. Assim, a primeira a promoção de vendas não foi
citada pelo destinatário, ao passo que a segunda o pedido de emprego foi uma
resposta a um anúncio.
Para a realização das cartas, o propósito comunicativo compartilhado é
fundamental. A seguir, apresentamos os movimentos apontados por Bhatia nas duas
cartas examinadas:
(1) estabelecimento de credenciais;
(2) introdução de oferta;
I. oferecimento de produto ou serviço;
II. detalhamento da oferta;
III. identificação do valor da oferta;
(3) oferecimento de incentivos;
(4) inclusão de documentos;
(5) solicitação de resposta;
(6) uso de táticas de pressão;
(7) encerramento com expressão de polidez;
66
Para o autor, as duas cartas analisadas são consideradas um gênero
promocional e chama a atenção de estratégias capazes de produzir descrições
diferentes de um mesmo gênero, ao destacar que é possível “introduzir
considerações novas ou adicionar propósito comunicativo ao texto” e que essa
“variação algumas vezes ajuda a distinguir gêneros de subgêneros dentro dele”.
(Bhatia, 1993, p. 21). Nesse sentido, o traço caracterizador das duas cartas como
dois subgêneros é o propósito comunicativo compartilhado pelos indivíduos ao
executarem papéis definidos e pré-moldados em eventos comunicativos: as
características da promoção na venda de um produto ou as características da
pessoa que aspira ao emprego oferecido. Nas palavras do autor (1993, p. 14),
“embora não seja possível traçar um distinção fina entre gênero e subgênero, o
propósito comunicativo é um critério razoavelmente confiável para identificar e
produzir subgêneros”.
2.3. O gênero como prática social
Segundo Bazerman, os gêneros não podem ser vistos apenas como simples
estruturas formais, identificáveis por traços textuais característicos. Ainda que não
deixe de ter alguma utilidade para a análise, descrição e interpretação de textos, a
simples identificação formal dos textos nos conduziria a uma ilusória concepção de
gênero. Os gêneros não devem ser vistos como conjuntos de traços formais, e sim
como lugar privilegiado de construção da realidade social. Assim, para Bazerman
(1997, p. 19), os gêneros
são formas de vida, modos de ser. Eles são enquadres
para a atividade social. São ambientes para a
aprendizagem. São lugares em que o sentido é
construído. Os gêneros moldam os pensamentos que
formamos e as relações comunicativas pelas quais
interagimos. Os neros são os lugares familiares a que
recorremos para realizar atos comunicativos inteligíveis e
as placas de sinalização que usamos para explorar um
ambiente desconhecido.
Nessa perspectiva, conceber e analisar os gêneros implica considerar a sua
inserção na vida social, como parte importante da própria organização das
67
interações entre os membros constituintes de determinado grupo. Filia-se a essa
concepção de gênero Atkinson ao afirmar que “critérios formais jamais serão
suficientes para distinguir os gêneros” (1999, p. 8), posto que os gêneros
apresentam como características centrais, por um lado, a orientação para um
propósito ou objetivo; por outro, a sua natureza histórica, ou seja, eles se
desenvolvem e se transformam segundo as transformações socioculturais a que
correspondem.
Conceber gêneros nessa visão implica situá-los no interior de complexas
relações sociais e psicológicas. Isso porque tanto os textos orais quanto os escritos
se referem à “vida diária com padrões sócio-comunicativos característicos definidos
por sua composição, objetivos enunciativos e estilo, realizados por forças históricas,
sociais, institucionais e tecnológicas” (MARCUSCHI, 2003, p. 17). Corrobora essa
noção Bazerman, para quem os gêneros, da forma como são percebidos e usados
pelas pessoas, “se tornam parte de suas relações sociais regulares, de seu
panorama comunicativo e de sua organização cognitiva” (1997, p. 22), revelando-se
como recursos multidimensionais que auxiliam o sujeito a localizar sua ação
discursiva no âmbito da vida social estruturada. Os gêneros são, pois, recursos que
respondem à própria complexidade da interação social.
Assim, a concepção de gênero como prática social está relacionada à noção
de que um gênero é construído por agentes sociais à medida que estes
desenvolvem atividades cujas finalidades são reconhecidas socialmente. Conforme
Swales (1990, p. 46), a principal característica dos gêneros é o fato de membros de
uma comunidade discursiva partilharem um conjunto de propósitos comunicativos
para a realização de atividades sociais, ou seja, “gêneros são veículos
comunicativos para atingir objetivos”. Desse modo, todo vez que os indivíduos
produzem textos, que, segundo Bronckart (1997), são as formas de realização
empírica dos gêneros do discurso, estão, ao mesmo tempo, produzindo fatos sociais
e introduzindo atividades, padrões interativos, atitudes e relações. Em suma, a todo
o momento, as pessoas produzem textos por meio dos quais desenvolvem suas
ações.
A noção de comunidade discursiva, já citada neste trabalho, remete à idéia de
que as pessoas, à medida que se unem em torno de propósitos comunicativos
comuns, desenvolvem mecanismos de troca de informação, criam jargão próprio,
68
dispõem de um número limitado de participantes especialistas e, por conseguinte,
produzem gêneros do discurso que ajudarão a realizar seus objetivos. Nesse
sentido, os gêneros o formas reconhecidas e compreendidas pelos membros das
comunidades discursivas, figurando como parte do processo de organização das
ações sociais na busca da realização de propósitos práticos.
Logo que um gênero do discurso se estabelece, instituem-se rotinas sociais e
criam-se modelos de escrita e leitura, o que influencia as práticas sociais e seus
sistemas de gênero e de atividades. Assim, a produção, recepção e circulação
desses gêneros, de acordo com Bazerman (2005: 19), “constituem, em parte, a
própria atividade e organização dos grupos sociais”. Na sociedade há gêneros
marcadamente tipificados que realizam práticas sociais tipificadas, como, por
exemplo, certidões de casamento, contratos de compra e venda de imóvel, entre
outros, que afetam e influenciam as ações, direitos e deveres dos cidadãos. Por
outro lado, existem áreas profissionais bastante sensíveis e susceptíveis ao
surgimento de novos gêneros, como, por exemplo, as áreas do Direito e do
Jornalismo, em que os gêneros do discurso desempenham um papel central na
tipificação de ações sociais, uma vez nelas os textos são meio e fim para que a as
atividades se realizem.
Tendo em vista essa realidade, Bazerman (2004) propõe três conceitos para
caracterizar essa organização das atividades, papéis e mesmo instituições que os
gêneros realizam e tipificam: conjunto de gêneros, sistemas de gêneros e sistema
de atividades. Um conjunto de gêneros designa a totalidade dos textos que um
indivíduo produz, falando ou escrevendo, num determinado papel social ou
profissão; um sistema de gêneros compreende os conjuntos de gêneros produzidos
por pessoas que, de modo organizado, desempenham atividades similares e inter-
relacionadas em que relações padronizadas ou institucionalizadas; o sistema de
atividades, por sua vez, engloba as diretrizes que organizam o trabalho, a atenção e
as realizações das ações, um tipo de frame discursivo, pois como esclarece
Bazerman (Op. cit. p. 29), “ao criar formas tipificadas ou gêneros, também somos
levados a tipificar as situações nas quais nos encontramos”. Ou seja, como a nossa
sociedade é altamente impregnada por eventos semióticos de todo tipo, envolvendo
principalmente a modalidade escrita, os textos auxiliam de modo intenso na
realização das tarefas do dia-a-dia.
69
Em certas áreas em que o homem desenvolve seus conhecimentos e ações,
como as apontadas Direito e Jornalismo, fica evidente a presença do conjunto e
do sistema de gêneros, bem como do sistema de atividades em ação, produzindo
gêneros diversos e, desse modo, tipificam influenciam e constroem significados e
atividades. Trata-se de áreas em que a organização social em torno dos gêneros
produz como resultado final outros gêneros, como documentos, reportagens e
notícias, que, por sua vez, estabelecem padrões para que textos sejam produzidos,
e assim sucessivamente.
Em determinadas atividades desenvolvidas pelas pessoas, os gêneros podem
ser predominantemente orais, em outras, contudo, poderão ser essencialmente
escritos. Em outras situações ainda pode predominar a atividade física, como ocorre
em número apresentado por um grupo de balé. Essa visão ampla da produção,
circulação e uso dos gêneros, de acordo com Bazerman, é de extrema importância
porque se volta para o que as pessoas de fato fazem e para o modo como os textos
as auxiliam nas suas tarefas, logo os textos têm um papel social e não fim em si
mesmos. Nas palavras do autor, (2005:34)
Levar em consideração o sistema de atividades junto com o
sistema de gêneros é focalizar o que as pessoas fazem e
como os textos ajudam as pessoas a fazê-lo, em vez de
focalizar os textos como fins em si mesmos.
É dessa organização das práticas sociais que emerge a formação de gêneros
extremamente tipificados. Essa tipificação, de acordo com Bazerman (2005) e
Maingueneau (2004), é um dado positivo da formação dos gêneros do discurso, uma
vez que se torna um elemento diferenciador que nos possibilita antecipar as reações
e intenções das pessoas à medida que se deparam com os textos, gerando
economia cognitiva e direcionamento dos tipos de ação que surgirão. Nas palavras
de Bazerman (Op. cit. p. 61):
a tipificação de discursos é um processo fundamental na
formação do nosso sentido de onde estamos, o que estamos
fazendo e como podemos fazê-lo. O gênero parece ser um
mecanismo constitutivo na formação, manutenção e
realização da sociedade, da cultura, da psicologia, da
imaginação, da consciência, da personalidade e do
70
conhecimento, interativo com todos os outros processos que
formam nossas vidas.
Entende-se, portanto, que os tipos de textos se imbricam, formando conjuntos
de gêneros no interior de sistemas de gêneros, constituindo, assim, os sistemas de
atividade humana (BAZERMAN, 2004, p. 311). Os textos são, nessa perspectiva, um
meio pelo qual as pessoas criam “novas realidades de sentido, relação e
conhecimento” (Op.cit. p. 309), as quais podem ser consideradas “fatos sociais” cuja
existência se deve à mediação dos textos. Essas considerações nos levam a colocar
em relevo, durante a análise dos textos, não os textos por si mesmos, mas o papel
que eles desempenham na realização das atividades das pessoas nos segmentos
sociais em que estão inseridas.
Um desses segmentos é o universo acadêmico, ambiente que abrange e
produz diversos gêneros, os quais se situam dentro de conjuntos de gêneros que se
agregam a sistemas de gêneros e sistemas de atividades. Um exemplo elucidativo é
o conjunto de gêneros produzido por um estudante de graduação e/ou de pós-
graduação durante a realização de seu curso: são resenhas, resumos, ensaios,
artigos, monografias, dissertações, teses, entre outros. Basta observar também os
diversos gêneros que um professor universitário produz para atender às exigências
de sua vida profissional e acadêmica. O próprio Bazerman (2004) nos oferece, em
seu trabalho a que nos referimos neste trabalho, exemplos claros da complexidade e
dos diversos conjuntos de gêneros que se fazem presentes em um sistema de
atividades humanas. Diante do exposto, descrever, nesta pesquisa, todos os
gêneros e sistemas de gêneros que circulam no ambiente acadêmico se torna
inviável, por isso optamos por analisar, dentre eles, o gênero prefácio de obras
produzidas nesse universo.
Quanto aos produtores dos prefácios que serão aqui analisados, trata-se de
professores universitários, com diferentes graus de envolvimento com a academia,
ou seja, em geral atuam como docentes em tempo integral, mas eventualmente
podem exercer funções burocráticas ou administrativas intimamente relacionadas
com a universidade.
Nessas condões, a pressuposição é de que um professor universitário
deverá produzir um conjunto de gêneros textuais bastante diversificado e a maioria
71
deles não serão mencionados neste trabalho por não terem, aqui, nenhuma
relevância. O nosso propósito é observar apenas o processo que conduz à produção
escrita que vem a público na forma de livros acadêmicos. Para tanto, no processo
cujo resultado é a produção escrita publicada pelo mercado editorial, podemos
presumir e traçar o seguinte percurso: um docente, membro constituinte de um
departamento universitário específico, vinculado a um determinado programa de
pós-graduação, coloca em prática uma determinada linha de pesquisa. Esse
professor, em parceria com outros docentes e/ou discentes de graduação e pós-
graduação, elabora um projeto de pesquisa e submete-o a uma comissão julgadora.
Nesse ínterim, poderá ser necessária a produção de outros gêneros como, por
exemplo, e-mails, cartas ou o preenchimento de algum tipo de formulário. Se o
projeto for aprovado, tal professor, durante o seu acompanhamento, poderá ainda
produzir outros gêneros, como relatórios a respeito do rumo da pesquisa.
O resultado da participação desse professor no desenvolvimento do projeto
de pesquisa levá-lo-á a produzir outros gêneros, como uma comunicação ou
conferência para um determinado congresso a cuja comissão organizadora
submeterá um resumo de seu trabalho. Depois de apresentado oralmente, o
trabalho será transformado em um ensaio ou artigo científico e será publicado em
periódicos especializado e/ou nos anais do congresso. O mesmo projeto de
pesquisa, que gerou os trabalhos apresentados em eventos acadêmicos, poderá
resultar em obras individuais ou coletivas e que poderão ser organizadas e
publicadas na forma de livro.
O livro publicado poderá trazer em sua composição, além do conteúdo central
– um ensaio individual ou uma coletânea de artigos de vários autores, entre os quais
o professor autor do projeto inicial –, muitos outros gêneros. Ou seja, o mesmo
intelectual que prestou sua contribuição com um capítulo do livro, por ser o seu
nome um referencial de autoridade no ambiente acadêmico, poderá ter sido
convidado a escrever o prefácio de tal obra.
No interior desse processo, o autor ou colaborador do livro poderá também
escrever outros gêneros, como nota prévia, dedicatória, epígrafe e agradecimentos.
Isso nos leva entender que, ao considerarmos as pessoas envolvidas no processo
de produção dos gêneros no meio acadêmico, visualizamos um conjunto significativo
de gêneros relacionados com cada uma dessas pessoas, dependendo do seu papel
72
nessa esfera social. Tais conjuntos de gêneros constituem complexos sistemas de
gêneros por meio dos quais se o imbricado jogo das relações sociais, o que
envolve, dentro do sistema de atividades que se relacionam com a produção
acadêmica impressa, questões como autoridade, prestígio e poder.
2.3.1 Antigos gêneros, novas formas
Embora estudiosos como Bazerman (2005 e 1988), Bronckart (1999), Swales
(1990) e Marcuschi (2003) postulem que os gêneros do discurso sejam práticas
sociais discursivas tipificadas e padronizadas, não significa que sejam estáticos e
não sujeitos à criatividade do falante. Isso porque, de acordo com Bazerman (1988),
não se pode analisar qualquer que seja o gênero desconsiderando-se a sua história,
a qual permanece viva à medida que se produz um novo texto. Isso quer dizer que,
a cada realização, os textos invocam características do gênero a que pertencem. A
nova produção, ora reforça, ora altera um determinado aspecto do gênero e cada
nova leitura provoca uma reformulação no seu entendimento social. Portanto, é
próprio do gênero do discurso variar no tempo, espaço e situação, o que lhe confere
dinamicidade e garante aos falantes a possibilidade de acrescentar seu toque
pessoal aos textos que produz, criando novas formas.
Essa criatividade, todavia, o se de maneira livre, isto é, obedece às
funções, limitações e propósitos estabelecidos pelo gênero do discurso. É o caso do
exemplo apresentado por Bazerman (1988, p. 30), em que um candidato a emprego,
pretendendo destacar-se em relação aos demais, cria novas formas de expor seu
currículo. Obtendo sucesso com a sua invenção, outros candidatos imitá-lo-ão e,
desse modo, criarão um novo aspecto padrão o gênero currículo: um novo tipo.
Esse processo de tipificação dos gêneros nos mais diversos segmentos
sociais tem um papel organizador dos discursos nas atividades, auxiliando, assim, o
engajamento dos falantes nas práticas sociais que a linguagem medeia. Um falante,
ao reconhecer uma forma tipificada do gênero, aciona seu conhecimento prévio
armazenado na sua competência genérica. Nesse sentido, a tipificação é
responsável pelo engajamento dos falantes nas práticas sociais familiarizadas em
sua memória, razão por que se fala em economia cognitiva. É por isso que, segundo
73
Todorov (1978, p. 50-1), os gêneros do discurso funcionam, para os leitores, como
horizontes de expectativas; para os autores, como modelos de escrita.
Assim conectados e organizados nessa rede de atividades discursivas, os
gêneros do discurso garantem aos falantes alcançar objetivos definidos na
sociedade. À medida que as pticas sociais se intensificam, a complexidade dessa
organização também se intensifica, tornando-se cada vez mais complexa. Essa é
razão pela qual Bakhtin (1977) afirma que, assim como os campos de atividades
humanas, os gêneros do discurso adquirem múltiplas formas. As recentes práticas
sociais discursivas veiculadas na internet ilustram o exposto, pois o espaço virtual
revelou ser um ambiente fértil para a formação de novas organizações de atividades
sociais que se realizam pela linguagem e, por conseguinte, para o surgimento de
novos gêneros do discurso.
Apesar de dinâmicos, os gêneros do discurso são entidades altamente
tipificadas que se adaptam freqüentemente às necessidades comunicacionais dos
indivíduos falantes, fazendo emergir, a todo momento, novos gêneros com vistas a
atender às necessidades de uma sociedade em constante mudança. Veículos como
o computador e a televisão, que possibilitam em um único meio o encontro de
diferentes recursos semióticos como, por exemplo, imagem, som e texto escrito, são
responsáveis pelo surgimento de novos padrões de interação social, além de
tornarem maleável a utilização e incorporação de tais recursos semióticos e
lingüísticos, promovendo maior velocidade na veiculação de discursos que se
tornam amplamente disponíveis nas práticas sociais.
Os gêneros do discurso, contudo, não surgem por si mesmos, mas se apóiam
em outros gêneros que atingiram o seu status quo, ou seja, foram
institucionalizados e consagrados socialmente. É o caso, por exemplo, das cartas
citadas por Bazerman (2005), cuja importância é notória ao longo da história porque
deram origem a outros gêneros, como documentos jurídicos e editoriais. Nessa
direção, Marcuschi (2004b, p. 31) apresenta uma tabela em que traça uma
comparação entre os gêneros que surgiram recentemente na mídia virtual em
oposição aos gêneros pré-existentes, colocando lado a lado o e-mail e carta
pessoal, por exemplo. Ademais, de acordo com Bakhtin (1977), áreas de atividades
humanas altamente desenvolvidas e complexas, como o universo jornalístico, são
profícuas no surgimento de muitos e variados gêneros.
74
Assim, segundo Todorov (1979), os gêneros nascem de outros gêneros
conforme mudam o tempo e as exigências de uma época. Para Marcuschi (2003), os
gêneros do discurso emergem do interior de uma complexa relação que envolve um
meio, um uso e uma linguagem. Isso significa que novas tecnologias
comunicacionais provocam o surgimento de novas práticas sociais em ambientes e
meios novos, as quais condicionam a construção e adaptação de gêneros
emergentes e tradicionais. Além disso, o surgimento de gêneros tamm se deve a
mudanças de instituições, normas, estruturas de poder e ideologias na sociedade.
Tais transformações podem ser percebidas no universo virtual da Internet, em que
as comunidades virtuais, como o Orkut, por exemplo, colocam em evidência
disputas, debates ou identificações ideológicas, promovendo a circulação de
discursos diversos, de modo a impulsionar a veiculação de gêneros múltiplos e
intertextualmente relacionados, como e-mails, chats, blogs, podcasts, entre outros.
Como são práticas sociais, os gêneros possuem regras próprias de formação
e tipificação construídas socialmente, as quais permitem a utilização e compreensão
dos gêneros pelas pessoas, uma vez que concedem liberdade para os falantes
atuarem por meio da linguagem segundo as coerções que cada tipo de gênero do
discurso lhes impõe. Por esse motivo, Maingueneau (2004) afirma que os gêneros
se submetem a um conjunto de condições de êxito para que tenham sucesso e
subsistam na sociedade. A existência dessas condições de êxito, coerções de
realização ou normas sociais se deve ao fato de, em cada sociedade, os gêneros
seguirem rotinas padronizadas e tipificadas ao longo da história. Os gêneros do
discurso, em oposição aos gêneros literários, que obedecem a modelos
consagrados da literatura, seguem padrões e comportamentos estabilizados na
sociedade, que estão freqüentemente sujeitos a mudanças e variações no tempo, no
espaço e nas condões de comunicação.
A fim de que seja bem sucedido, a primeira condição de êxito que o gênero
do discurso deve realizar é ter um objetivo reconhecido. Ter conhecimento do
propósito do gênero e como se engajar em determinada prática social é saber como
tal prática se organiza discursivamente em gêneros do discurso. Daí porque, para
Swales (1990), o fato de existir um conjunto partilhado de propósitos comunicativos
em comunidade discursiva é a principal característica capaz de transformar em um
gênero uma coleção de eventos mediados pela linguagem.
75
Segundo Bazerman (2005, p. 43), a análise do “sistema de gêneros permite
compreender as interações práticas, funcionais e seqüenciais de documentos” por
um lado; por outro, como cada produção de texto contribui para o trabalho como um
todo. Ou seja, os objetivos comunicacionais das comunidades discursivas tipificam-
se em forma de gêneros que apresentam finalidades reconhecidas e passam a
auxiliar na realização de tarefas cotidianas e profissionais. É o caso, por exemplo, de
uma notícia: quando percebemos que esse gênero serve para informar sobre algum
acontecimento relevante, identificamos aí sua finalidade e criamos uma expectativa
em relação a ele, reconhecemos e armazenamos em nossa memória rotinas
padronizadas e tipificadas a seu respeito, possibilitando-nos, dessa forma, o
engajamento nessa prática social de leitura.
A segunda condição de êxito diz respeito ao estatuto dos parceiros legítimos.
Como todo e qualquer gênero do discurso é uma atividade cooperativa, sempre leva
em consideração o aspecto da alteridade, elemento fundamental das práticas sociais
discursivas. Nesse sentido, o endereçamento é parte constituinte do gênero do
discurso, sem o qual o gênero simplesmente não existe, o que justifica a posição de
Bakhtin (1977) quando afirma que todo texto é dialógico. Quando considera as
crenças, percepções, conhecimentos, convicções e preconceitos do destinatário, o
falante escolhe o gênero do discurso mais adequado àquela situação comunicativa,
que cada gênero traz sua concepção típica de destinatário. Nas palavras de
Bakhtin (1977, p. 305):
o endereçamento do enunciado é sua peculiaridade
constitutiva sem a qual não nem pode haver enunciado. As
várias formas típicas de tal direcionamento e as diferentes
concepções típicas de destinatários são peculiaridades
constitutivas e determinantes dos diferentes gêneros do
discurso.
Assim sendo, em todo gênero discursivo a presença de pelo menos um
enunciador e um destinatário, parceiros que, segundo Maingueneau (2004), detêm
direitos, deveres e saberes. Isso significa que cada participante engajado em uma
prática social discursiva assume um posicionamento no discurso, marcado por
relações de poder na sociedade, razão porque, para Marcuschi (2004b, p. 16): “o
gênero reflete estruturas de autoridade e relações de poder muito claras”.
76
O lugar e o momento legítimos em que um gênero do discurso se realiza
constituem a terceira condição de êxito. De acordo com Maingueneau (2004b), não
se trata de coerções externas; são, na verdade, elementos constitutivos. Uma
palestra proferida a estudantes universitário, por exemplo, ocorre, com freqüência,
em uma sala específica, com todos os recursos necessários para a realização desse
tipo de evento. Caso esse lugar apresente variações, estas ocorrem tendo em vista
uma finalidade ou uma necessidade de adaptação do meio dada a ausência de
condições materiais para a realização da prática social em lugar considerado
apropriado. Assim, se a mesma palestra se realizar em lugar aberto, pode significar
uma necessidade devido à falta de um auditório na instituão ou um protesto contra
a gestão dos dirigentes da instituição.
Quanto ao momento, este está relacionado, segundo Maingueneau (2004), a
vários eixos: uma periodicidade, uma duração, uma continuidade e uma validade.
Assim, um jornal, por exemplo, é periódico, ao contrário de uma conferência
presidida por um professor universitário, a qual acontece excepcionalmente. Além
disso, o jornal também possui várias durações, uma vez que possibilita leituras
diferentes dos títulos das reportagens e das matérias propriamente ditas, que
exigem leituras mais cuidadosas e aprofundadas. A continuidade reside na
possibilidade de o jornal ser lido com interrupções, o que não possível se se tratar
de uma notícia de rádio, que pode ser escutada de uma vez. Por fim, a
validade do jornal é diária, em oposição a uma revista, cuja publicação ocorre
semanal, quinzenal ou mensalmente.
Também merece destaque a questão do suporte material, ou o mídium, que
se configura como um elemento constitutivo e modelador de um determinado gênero
do discurso, contribuindo, portanto, para sua tipificação. De acordo com
Maingueneau (2001), não se pode analisar qualquer que seja o gênero sem se levar
em conta a sua relação com o suporte, que hoje se torna cada vez mais
necessário perceber e reconhecer que uma modificação no suporte material de um
texto é capaz de modificar radicalmente o próprio gênero textual. E acrescenta:
(2001, p. 68) “O que chamamos ‘texto’ não é, então, um conteúdo a ser transmitido
por este ou aquele veículo, pois o texto é inseparável de seu modo de existência
material: modo de suporte/transporte e de estocagem, logo, de memorização(2001,
p. 68).
77
Tendo em vista a sua relação com um suporte material, uma característica
dos textos impressos é ocupar um espaço concreto e determinado, que se configura
de maneira própria, por exemplo, no livro como suporte material de diversos
gêneros. O livro pode ser o suporte para um agrupamento de gêneros, acrescidos
de paratexto, segundo a terminologia proposta por Maingueneau (2001). Em se
tratando do livro acadêmico, entende-se por elementos paratextuais “o conjunto de
fragmentos verbais que acompanham o texto propriamente dito” (Maingueneau,
2001, p. 81). Esses “fragmentos”, contudo, vão desde a simples assinatura, título,
data ou notas de rodapé até textos mais complexos, de extensão variável, como, por
exemplo, os prefácios.
Por fim, a teoria do gênero abarca também a questão da organização textual,
que reflete a maneira como as práticas sociais discursivas dispõem da linguagem na
formação e realização de gêneros socialmente reconhecidos e reconhecíveis pelas
pessoas. De acordo com Bazerman (2005, p. 55):
As práticas lingüísticas, organizadas por gêneros, através dos
quais as pessoas indicam os traços de tempo, espaço,
pessoas, ou seus próprios corpos, continuamente constroem o
que é discursivamente saliente e, assim, o que forma o
contexto relevante para enunciados. (Bazerman, 2005: 55)
A competência genérica dos falantes se efetiva à medida que se envolvem
com práticas sociais mediadas pelo discurso. Todavia, essa competência, uma vez
que é construída socialmente, varia entre pessoas, sociedades e contextos, o que
não raro gera discriminação e desigualdade social, pois um indivíduo que não se
engaja em práticas consideradas de prestígio pode ser alijado por falta de
conhecimento necessário para comunicar-se em determinados gêneros. Assim, o
reconhecimento do gênero do discurso é condição sine qua non para o engajamento
e participação ativa do falante nas mais diversas e até valorizadas práticas sociais
discursivas. Isso porque, como assinala Maingueneau (2004: 46), “a partir do
momento em que não se compreende a que gênero ele (um texto) se filia, não se
pode falar em compreensão”.
Não obstante se reconheça a força da forma textual em moldar e organizar os
gêneros do discurso, essa característica não pode ser considerada o único elemento
78
que tipifica e caracteriza os gêneros. Na verdade, os gêneros tipificam as práticas ou
ações sociais, ultrapassando, assim, os limites da forma, pois organizam e
coordenam fatos sociais, facilitam a compreensão e auxiliam as pessoas a partilhar
significados e serem bem sucedidas na realização dos atos de fala. Além disso, ao
darmos importância apenas à forma dos textos, desprezamos a criatividade e a
participação dos falantes nos processos de formação de gêneros, isto é, seu
engajamento nas práticas sociais. Corrobora o exposto Bazerman (2005, p. 30)
quando afirma que a
identificação de gêneros através de características é um
conhecimento muito útil para interpretarmos e atribuirmos
sentido a documentos, mas isso nos uma visão incompleta
e enganadora do gênero. Ao vermos os gêneros apenas
caracterizados por um mero fixo de elementos, estaremos
vendo os gêneros como atemporais e iguais para todos os
observadores. Todo mundo sabe o que nós sabemos, certo?
Errado! O conhecimento comum muda com o tempo, assim
como mudam os gêneros e as situações; o “conhecimento
comum” varia até de pessoa para pessoa, ou até numa
mesma pessoa em situações e humores diferentes. A
definição de gênero como apenas um conjunto de traços
textuais ignora o papel dos indivíduos no uso e na construção
dos sentidos. Ignora as diferenças de percepção e
compreensão, o uso criativo da comunicação para satisfazer
novas necessidades percebidas em novas circunstâncias e a
mudança no modo de compreender o gênero com o decorrer
do tempo.
Como se vê, não podemos ter em mente que a questão da forma é o
elemento principal para o exame e classificação de um gênero. Segundo Swales
(1990), a análise meramente classificatória dos gêneros é inadequada, mas deve
contribuir para tornar o seu estudo mais esclarecedor. Bronckart (1999), por sua vez,
alerta para o fato de que, em razão do caráter dinâmico e maleável dos gêneros do
discurso, uma definição apenas racional dessas práticas sociais, que levaria em
consideração somente a forma e o critério lingüístico, não seria possível tampouco
apropriada, pois levaria a resultados duvidosos.
Sendo assim, faz-se mister relevarmos outros critérios de análise para os
gêneros do discurso que possam ir além dos aspectos formais simplesmente.
79
Levaremos em consideração, portanto, a proposta de Swales (1990) e Bhatia
(1993), a de que os gêneros devem ser examinados sob a ótica dos propósitos
comunicativos, conforme veremos a seguir.
2.4. O conceito de propósito comunicativo
Na visão de diversos pesquisadores, a noção de propósito comunicativo
figura como um dos conceitos fundamentais para a compreensão da construção,
interpretação e uso dos gêneros, embora nem todos os analistas empreguem essa
terminologia. Nesse sentido, um dos representantes da nova retórica, Miller (1994a),
destacava que os gêneros devem ser definidos, não por sua forma ou substância,
mas pela ação retórica que realizam. Para Martin (1984, p. 25), os gêneros são “uma
atividade gradativa, direcionada para um objetivo e dotada de um propósito, na qual,
como membros de uma cultura, os falantes se engajam”. Como vimos anteriormente,
na visão de Swales (1990, p. 58), o gênero “compreende uma classe de eventos
comunicativos cujos membros compartilham um conjunto de propósitos
comunicativos”. Conforme assinalam Kay e Dudley-Evans (1998, p. 308), tanto para
Martin como para Swales, é o propósito comunicativo que realmente faz surgir o
gênero, “moldando a estrutura ‘esquemática’ ou ‘começo-meio-fim’ do discurso e
influenciando nas escolhas de conteúdo e de estilo”.
Mas qual o significado da expressão “propósito comunicativo”? Será o
mesmo que função do texto? Ou ainda o mesmo que intenção do autor em termos
de objetivos, metas, finalidade? Talvez os trabalhos produzidos acerca desse tema
não nos apontem uma definição explícita como “propósito comunicativo é ...”, mas
sinalizam algumas pistas que nos ajudam a inferir uma conceituação. Para Swales
(1990, p. 46), por exemplo, atribuir ao propósito comunicativo o papel de critério
privilegiado na constituição dos gêneros implica pressupor que, “a não ser por
alguns casos interessantes e excepcionais, os gêneros são veículos comunicativos
para a realização de objetivos”.
Outros pesquisadores como Askehave e Atkinson (1999) conceituam gêneros
como eventos orientados para objetivos ou dotados de propósitos”. Encontramos
também em Bhatia (1997b) e Johns (1997), entre outros, a premissa de que todo
80
gênero é sempre utilizado para realizar alguma coisa no interior das mais diversas
formas de práticas sociais. A noção de propósito comunicativo, nessa perspectiva,
se revela como parte de uma concepção funcional de gêneros, ao contrário de uma
visão meramente formal. Todavia, de acordo com Askehave e Nilelsen (2004), o
termo função não é sinônimo de propósito comunicativo.
Neste sentido, o propósito comunicativo está relacionado, em essência, com
aquilo que os gêneros realizam na sociedade, admitindo-se, contudo, que o
propósito de um gênero não é, a rigor, único e predeterminado. Assim, entre os
propósitos comunicativos realizados por um gênero, existirão propósitos específicos
ou “intenções particulares” de determinados atores sociais, quer sejam eles os
produtores do gênero ou os controladores de sua produção e circulação, como no
caso dos gêneros da mídia, por exemplo, ao lado dos propósitos “socialmente
reconhecidos” (BHATIA, 1993, 1997b).
O propósito comunicativo não será, pois, algo inseparável no texto, posto
que se trata sempre de um processo construído socialmente. Também não será uma
realidade meramente psicológica, definível como “intenção do autor”, pois seria
mister indagar a respeito dessa onipotência do autor no texto e sua recepção na
sociedade. Ademais, tendo em vista que os gêneros são inseridos em complexas
práticas sociais, e que não são produzidos de forma neutra e desinteressada, poder-
se-ia falar de intenções públicas e intenções escamoteadas, como o faz Bhatia
(1993, 1997b), ao tratar dos objetivos dos produtores ou “controladores” da
produção de gêneros em domínios como a mídia, por exemplo. As “Intenções” são,
portanto, de atores e grupos sociais, e não dos textos em si. Assim sendo, descarta-
se do propósito comunicativo uma concepção meramente psicologizante.
Nessa direção, entende-se por que Swales (2004, p. 68) se mostra reticente
em admitir a viabilidade de análise das “intenções particulares” como fenômeno
psicológico. Segundo o autor, deve-se priorizar a dimensão social dos propósitos
comunicativos. O curioso é que o próprio Swales, ao analisar o gênero carta de
recomendação, aponta para propósitos comunicativos essencialmente “particulares”,
ao lado dos propósitos socialmente reconhecidos. Sendo assim, de acordo com
Swales (2004, p. 71), “talvez pudéssemos concluir que esses propósitos na verdade
são múltiplos”. Assim, as intenções “particulares”, que, em essência, não
correspondem ao conceito de propósito comunicativo, decerto convivem lado a lado
81
com os propósitos “socialmente reconhecidos”, e poderão ser bem sucedidas na
realização de um determinado exemplar de gênero.
O conceito de propósito comunicativo, na presente pesquisa, constituir-se-á
em um critério útil para a investigação do gênero prefácio acadêmico, atentando-
nos, pom, para o fato não atribuirmos rótulos ao gênero a partir de uma definição
apriorística dos propósitos. Ademais, entendemos que não seria produtiva a
atribuição de propósitos comunicativos em um nível de análise demasiadamente
geral, pois essa postura poderia levar a uma falsa identificação de gêneros
diferentes como se fossem a mesma coisa. O conceito de propósito comunicativo
terá uma relevância mais significativa se for definido da forma mais específica
possível, devendo a definição ser diretamente orientada para o gênero sobre o qual
se debruça para examinar.
Além disso, não se deverá conceber o propósito comunicativo como uma
questão de “intenção” do autor ou escritor, que compreendemos que o
estabelecimento do propósito comunicativo está relacionado a uma questão social,
não individual, logo não se trata de intencionalidade, embora não neguemos a
existência de certos propósitos comunicativos não assumidos explicitamente ao lado
de propósitos “socialmente reconhecidos”. Assim, os propósitos comunicativos, bem
como a própria constituição e uso dos gêneros, emergem de práticas sociais
específicas, variáveis de acordo com contextos culturais definidos. Nesse sentido,
comungamos com as idéias de Askehave e Nielsen para quem o propósito
comunicativo de um gênero o pode ser determinado pela análise do texto
desconsiderando-se suas condições de produção, pois “se quisermos compreender
o que as pessoas estão fazendo através de um texto em particular, temos de nos
voltar para o contexto em que o texto está sendo usado” (2004, p. 4).
CAPÍTULO III
82
GÊNERO E RETÓRICA
Tendo em vista a relevância do propósito comunicativo para a identificação e
caracterização de um determinado gênero, conforme postula Swales (1990), e
considerando a nossa hipótese de que nosso objeto de investigação os prefácios
de obras acadêmicas apresenta como um dos seus elementos constitutivos a
presença de um propósito comunicativo voltado à promoção do livro que apresenta,
recorreremos, neste capítulo, à Retórica em busca do aparato teórico que nos auxilie
na análise dos textos que realizaremos no próximo capítulo. Isso porque, se emerge
desses textos que circulam no universo acadêmico o desejo do prefaciador em
promover a obra, este certamente lançará mão de estratégias argumentativas para
seduzir o seu auditório, e a Retórica, disciplina que se preocupa com os
mecanismos responsáveis pelo convencimento e/ou persuasão, nos fornecerá os
caminhos para identificarmos tais estratégias. Inicialmente abordaremos aspectos
relacionados ao gênero prefácio (não especificamente dos prefácios acadêmicos) e,
em seguida, considerações sobre a Retórica.
3.1. O Gênero Prefácio
Como há bastante flexibilidade no uso dos termos designativos dos textos que
antecedem um livro, Bhatia afirma que “os melhores dicionários desistem de traçar
uma distinção exata entre pelo menos três deles, a saber, introdução, prefácio e
apresentação(1997b, p. 640). Uma consulta a manuais de normas acadêmicas e a
dicionários constata essa realidade também em língua portuguesa.
Para Prestes (2003, p. 43), “o prefácio, ou apresentação [...] traz o
esclarecimento ou a justificação que se fazem aos leitores [...] Nele também se
fazem agradecimentos a pessoas [...] Normalmente é feito por outra pessoa que não
seja o autor”. No dicionário AURÉLIO (Séc. XXI), precio significa “texto ou
advertência, ordinariamente breve, que antecede uma obra escrita, e que serve para
apresentá-la ao leitor”, ou ainda sinônimo de prólogo. Segundo Giusti (1985),
prefácio é um termo que designa um discurso produzido a respeito de um texto que
é por ele antecedido e introduzido. Como reúne um conjunto de discursos de
83
responsabilidade do prefaciador, do pprio autor da obra ou de terceiros, o prefácio
inclui-se na matéria paratextual de um livro.
Por haver uma variedade expressiva de designações para os paratextos
“prefácio”, “prólogo”, “apresentação” e outros que se confundem no sentido genérico
de texto preambular –, entendemo-los, neste trabalho, como sendo sinônimos,
importando mais, aqui, apontar as especificidades do texto prefacial com vistas a
caracterizá-lo enquanto um gênero discursivo que tem uma função no universo de
produção acadêmico-científica.
O prefácio enquanto elemento paratextual surge na Antigüidade, numa
época em que os prefácios tinham a função de iniciar a obra, razão por que eles
eram breves e simples. É por isso que nas primeiras páginas de obras
historiográficas, no exórdio da Retórica ou na proposição e na invocação de uma
Epopéia, por exemplo, se observa conteúdo prefacial. Na Idade Média, entre os
textos dramáticos, apenas na comédia se percebe a existência de prefácio que se
apresenta na forma de monólogo inicial enunciado por uma personagem com a
função de advertir o público, como se em o Anfitrião de Plauto.
5
A Era Medieval,
considerada a era da oralidade e do manuscrito, caracteriza-se, portanto, por uma
economia de meios que dissimula a prática do prefácio.
A partir do século XVI, com o advento do texto impresso, surgem os
prefácios mais extensos e separados do texto por mecanismos tipográficos, o que
lhes garante visibilidade e um estatuto textual relativamente autônomo: é o início da
consolidação das características do prefácio como gênero textual-discursivo.
Quanto à funcionalidade, a existência do prefácio na cultura ocidental
remonta à arte retórica da Antigüidade. Na oratória grega, esse tipo de texto
constituía parte fundamental dos discursos que eram, de maneira canônica,
dispostos em princípio e fim. Trata-se de uma disposição cujo objetivo era ordenar o
discurso em relação ao efeito que deveria provocar nos ouvintes.
Na Grécia Antiga, cada tipo de arte tinha a sua parte inicial nomeada de
forma diferente. Sendo assim, o canto na poesia arcaica dos aedos era precedido
por um proêmio; a poesia lírica, por um prelúdio; o discurso oral, por um exórdio; a
5
Vale salientar, nesse ponto, que se deve confundir a função do prefácio com a do prólogo no teatro.
84
poesia dramática, por um prólogo etc. À parte a riqueza denominações, importa aqui
a finalidade desses discursos introdutórios, que consistia em regrar, canonizar,
inaugurar ou apresentar a arte produzida. Trata-se de uma finalidade cuja existência
se justificava para evitar, segundo Roland Barthes, o uso espontâneo da palavra.
O primeiro a desenvolver uma teoria sobre o discurso prefacial foi
Aristóteles, quando, em sua Arte Retórica (Livro III, cap. XIV), ao falar do exórdio,
determina-lhe conceitos e funções que, efetuando-se as devidas adaptações, são
perfeitamente transferíveis ao gênero prefácio. Segundo o discípulo de Platão, os
prefácios são “discursos demonstrativos” (III, § 1) ou discursos que servem como “...
começos que, por assim dizer, abrem o caminho do que vai seguir". (III, § 1); ou
ainda ."...cabeça ao discurso, que é uma espécie de corpo". (III, § 8).
No tocante ao núcleo informacional, não é objetivo do prefácio resumir,
tampouco, desenvolver os conteúdos presentes na obra por ele antecedida. Ele é
pré-texto que a apresenta, podendo mencionar o assunto, os objetivos, o seu
contexto de produção, a metodologia empregada pelo autor, algumas estratégias de
leitura bem como comentários que não integrariam de modo coerente o texto
principal. É por isso que, no prefácio, é legítimo haver, por exemplo, transgressões
às normas de objetividade/impessoalidade próprias da redação científica, razão por
que não é rara a existência desses textos tidos como discursos de valor literário,
didático e/ou polêmico.
Aristóteles também buscou delimitar certas finalidades do exórdio que,
efetuando-se as alterações necessárias, poderiam servir também como funções
para o prefácio. A seguir, com vistas a traçar a funcionalidade geral dos prefácios,
faremos uma sistematização das idéias de Aristóteles, propondo cinco funções
desse gênero discursivo: demonstrativa, subjetiva, distintiva, topológica e didática.
Para Aristóteles, ( Arte Retórica, s/d, p.207)a função demonstrativa é "a
função mais indispensável" no prefácio, pois consiste em antecipar, de modo
sucinto, o assunto que seabordado no desenvolvimento ou corpo da obra, bem
como os objetivos e propósitos dela e do autor. Trata-se de uma função que a
maioria dos autores de prefácios preserva, que, tradicionalmente, sua
característica marcante é o interesse que têm os prefaciadores em justificar a razão
da existência da obra, seu significado e, às vezes, o que a originou, ou seja, porque
ela foi escrita. A função demonstrativa é a própria razão de ser do prefácio, uma vez
85
que o objetivo essencial desse gênero discursivo é apresentar temas, objetivos,
metodologias, entre outros elementos mencionados.
Quanto à função subjetiva, esta se faz presente em prefácios que
ultrapassam a comum função demonstrativa. Segundo Aristóteles, (Arte Retórica,
s/d, p. 207) são aqueles prefácios que, na busca de "alcançar a docilidade" do leitor,
ou "obter a benevolência", se configuram como um discurso persuasivo, pois seu
objetivo é conquistar o interesse do leitor ao ângulo de visão do autor. É uma forma
de estabelecer um elo entre autor e leitor no que diz respeito à mensagem veiculada
na obra. O nome “Função subjetiva” se justifica pelo fato de que o autor do prefácio
visa a estabelecer uma única visão da obra, conduzindo o leitor a comungar com as
idéias do autor, dando, assim, sentido à obra.
Nesse sentido, o autor do prefácio, no intuito de convencer o leitor, se utiliza
de certos truques a fim de que sua benevolência seja angariada. Trata-se de um
processo de persuasão que revela maior vivacidade e presença de espírito do autor,
para, dessa maneira, mostrar uma atenção maior ao prefácio na tentativa de
“comprar" a percepção do leitor.
No que diz respeito à função distintiva, afirmava Aristóteles que: "Convém não
esquecer que todas as considerações deste gênero são alheias ao discurso" (Arte
Retórica, s/d, p. 2007). Tal assertiva nos leva à compreensão do sentido do adjetivo
“distintivo” atribuído aos prefácios, ou seja, são considerações que, muitas vezes,
conduzem o leitor a dar atenção ao que é alheio ao assunto. Nesse sentido, há um
traço distintivo entre o dito no prefácio e o dito na obra, erigindo, assim, a existência
de dois seres diferentes nesses dois discursos: o ser da obra prefaciada (discurso
principal) e o ser do prefácio (discurso paralelo). O traço distintivo, portanto, reside
no fato de que o prefácio não pretende ser a obra, tanto que dela se acha localizado
numa posição externa, fora dela.
É esse caráter de distinção que é responsável pela autonomia do prefácio.
Configura-se como um texto autônomo porque, apesar de ser parte de um todo a
obra –, ele não deixa de se constituir num todo, numa autonomia. O prefácio é o que
é, embora se oriente para a obra, tecendo considerações, muitas vezes, gratuitas.
Este é mais um aspecto que estabelece a distinção entre o prefácio e a obra: a
gratuidade. Isso porque a obra, por si só, não necessita de outros discursos que
auxiliem a legibilidade do que ela diz, logo ela independe do prefácio, o que o
86
caracteriza como matéria inútil ou gratuita. Em outras palavras, como não existe
lugar para o prefácio que não se vincule a uma obra, este é um vazio autônomo.
Assim, o prefácio, necessariamente, precisa unir-se a uma obra, falando dela para
que tenha existência enquanto gênero discursivo. que tudo o que diz o prefácio é
dispensável à obra, resta ao prefácio delimitar-se na gratuidade e autonomia. A
função distintiva, portanto, se caracteriza pela autodeterminação do prefácio.
Fundamenta-se no fato de que esse gênero discursivo é matéria gratuita, autônoma
e que, voltando-se para a obra, na realidade, só tem sentido em si.
Para entendermos a função topológica, faz-se mister recuperarmos o
significado de topoi, que, na retórica, eram os argumentos que, freqüentemente,
eram usados em cada uma das partes do discurso e cuja finalidade era tornar
aceitável a proposição enunciada. Assim, para cada parte do discurso existiria um
topos apropriado que atenderia a um fim desejado. O exórdio, por exemplo,
baseava-se numa série de argumentos (topoi), lugares comuns a partir dos quais
eram construídos. Para Curtius, o topos não se configura como o exórdio, mas como
aquilo que pode formá-lo.
Os prefácios, que constituíam partes do discurso retórico, depois de
Aristóteles, passaram a se fazer presentes tanto na narrativa como na tradição
retórica. Se nos poemas dramáticos e épicos, o prólogo tinha um caráter funcional,
na prosa, seria apenas um ornamento para dignificar melhor a obra, atribuindo-lhe
caracteres de completude e inteireza, em conformidade com os cânones da arte.
Segundo Curtius (1957), essa inclusão das partes do discurso retórico nos demais
gêneros literários está associada à decadência de certas "cidades-estados gregas e
da república romana", que resultou no desaparecimento dos discursos oficial e
forense, da realidade política, indo infiltrar-se na poesia e prosa da época. A partir de
então, para Curtius, os topoi "assumem (...) uma nova função: transformam-se em
clichês de emprego universal na literatura, e espalham-se por todos os terrenos da
vida literária".
Nesse sentido, como a função do prefácio enquanto discurso introdutório
tornou-se uma redundância ao todo da obra, que por si própria já requer uma
introdução, um desenvolvimento e uma conclusão, podemos considerá-lo um topoi,
o que justifica a função topológica desse gênero discursivo. Conseqüentemente, o
prefácio passa a ser uma peça ornamental, um discurso não mais introdutório na
87
sua essência, mas um "discurso paralelo", um lugar comum consagrado pela
tradição, ocupando o estatuto de topos da obra a que se dirige, ou como diria
Curtius, "um clichê de emprego universal na literatura".
Com relação à função acessória, esta está associada a prefácio cujo autor é
o mesmo da obra prefaciada. Trata-se de prefácios em que fica evidente, entre o
feixe de coordenadas que o constituem, um caráter de confidência do autor.
Contudo, o tipo de confidência que se observa não é intimista, mas objetiva em
relação ao critério de valores em que se pauta a obra, o que lembra as instruções
programadas de uma pedagogia do conhecimento. Neste caso, o prefácio não é
assinado, e o problema da autoria, portanto, inexiste.
3.1.1. O Problema da Autoria
Como não o, a rigor, da responsabilidade do autor da obra, os prefácios
são, na sua maioria, textos assinados. Quanto a seu autor, este pode ser o mesmo
do texto principal, ou uma personagem do texto (no caso de uma obra de ficção) ou
ainda uma terceira pessoa que, pelo seu mérito, é convidada a apresentar o livro.
Por ser de autoria variável, o prefácio assume, em especial, uma função de
apresentar/comentar a obra, mantendo-se, tradicionalmente, à parte de sua
estrutura interna. Com relação ao destinatário do prefácio, ele é também o leitor do
texto principal. O prefácio postula uma leitura iminente da obra que se segue, por
isso traz, com alguma freqüência, comentários preparatórios da leitura que ajudam a
determinar, de antemão, o seu leitor ideal.
Segundo Giusti, atribuir a autoria ao prefácio implica levar em consideração
o fato de que o autor do texto principal pode ser o mesmo do “discurso paralelo” ou
que o autor pode ser alguém diferente daquele que produziu a obra prefaciada. A
função do prefácio, no segundo caso, é introduzir a obra, servindo, assim, como
“carta de apresentação ou como campo livre para exercício da crítica ou ensaio
sobre a obra em questão”. Neste caso, o autor é do prefácio é alguém que, por
razões diversas como, por exemplo, amizade e/ou um possível prestígio intelectual,
é convidado a produzi-lo, como se observa nas palavras de Teles (Apud Giusti):
o autor do prefácio é uma pessoa que, por motivos de
amizade, de identidade de princípios, de real ou suposto
88
prestígio intelectual, além de outros motivos facilmente
imagináveis, se ‘obrigado’ a falar sobre a obra,
enaltecendo-a, discutindo diplomaticamente uma e outra
passagem, mas nunca, pela tradição, realmente fazendo-lhe
restrições críticas. Não se pede prefácio a um ‘inimigo’... Em
muitos casos, o pedido de prefácio cria constrangimentos
recíprocos.
Ainda segundo Giusti, quando se tem um “prefaciador estranho à obra”
desempenhando o papel de ctico literário, que aponta possíveis caminhos para a
leitura, o ideal seria que o prefácio crítico só fosse produzido após a segunda edição
da obra, ou seja, depois de realizados os testes de legibilidade do texto. Tal hipótese
se baseia no argumento que considera o texto como fundamental em si mesmo,
enquanto o prefácio é apenas um topoi.
Esse procedimento parece mais apropriado no caso do prefácio cujo autor é
o mesmo da obra, pois é comum o autor revelar, no “discurso paralelo” um
sentimento de modéstia, atitude que vem ao encontro do padrão tradicional, visto
que corresponde àquilo que postulava Aristóteles: "obter a benevolência" ou
"alcançar a docilidade" do leitor (Arte retórica, s/d, p. 2007). Nessas circunstâncias,
o autor se coloca numa posição em que ele é um simples instrumento daquilo que,
maior que ele, procura falar ao espírito humano. Trata-se de uma atitude que é
cômoda para autor, como defende Giusti:
Essa clássica atitude do autor, no prefácio, revelaria também
um comodismo ao padrão tradicional. Provavelmente, por
este sistema, o obstante a "falsa modéstia", o prefácio
servia como instrumento de ilustração do autor que, aí,
deslanchava em citações, prolixidades ou devaneios
fraseológicos que servissem de antepasto à paciência do
leitor.
Existem prefácios, todavia, que angariam a atenção do leitor em virtude da
maneira inovadora como é apresentado pelo prefaciador-autor da obra. É o caso
daqueles que trazem uma linguagem descontraída, frouxa, coloquial, ou ainda pelo
caráter de verossimilhança que o autor pretende dar ao texto, recursos que podem
atrair o leitor que mais facilmente adere a um ethos com que se identifica.
89
Aqui cabe uma indagação: haveria convergência entre a obra e o prefácio do
mesmo autor? Ou melhor, qual seria a razão de o autor necessitar de um “discurso
paralelo”, que ele é o próprio do texto? Essa questão nos faz pensar que, se o
objetivo daquele que produz a obra é atingir o público por meio de seu texto, ou seja,
“do corpo integral da escritura” (Giusti) - o que dispensaria a presença do prefácio -
parece não fazer sentido recorrer a um “discurso paralelo” ao seu real discurso. E
mesmo no caso do “prefaciador estranho à obra”, visto como um topoi, um
ornamento, qual a razão de sua existência?
Aqui chegamos a um dos pontos cruciais de nossa pesquisa: uma das
características marcantes do gênero prefácio, nosso objeto de investigação, parece
ser a presença do propósito comunicativo relacionado à promoção de obras
produzidas, no nosso estudo, por intelectuais do ambiente acadêmico, ou seja, em
tais textos instaura-se um jogo de interesses no sentido de convencer e/ou persuadir
os leitores a lerem tais obras. Para dar conta dessa peculiaridade dos prefácios
acadêmicos, a seguir, recorreremos aos postulados teóricos da Retórica, cujo foco é
a teoria da argumentação, que envolve o ato de convencer e persuadir.
3.2. A Teoria da Argumentação
Argumentar, segundo Abreu (2000, p. 25) “é a arte de convencer e persuadir.”
Embora o senso comum considere que persuadir seja o mesmo que convencer, uma
análise metalingüística sucinta pode entrever mais de um matiz para ambos os
termos. Segundo Perelman-Tyteca, se o interesse daquele que diz está no
resultado, persuadir é mais importante do que convencer. Nesse caso, Convencer é
o primeiro estágio rumo à ação, ficando, por isso, para segundo plano. Assim,
enquanto convencer é fazer crer, persuadir é levar a fazer. Uma pessoa tima de
chantagem, por exemplo, pode ser persuadida a agir em discordância com aquilo
em que acredita. O oposto também ocorre: muitos fumantes se convencem de que o
cigarro é prejudicial à saúde, mas nem por isso são persuadidos a parar de fumar.
Perelman-Tyteca destacam, ademais, que uma argumentação é dita
persuasiva quando tem por objetivo influenciar um auditório particular, e convincente
quando se presta a atingir todo ser racional, o que vem ao encontro do que afirma
Abreu (2000, p. 26):
90
Argumentar é, pois, em última análise, a arte de,
gerenciando informação, convencer o outro de alguma
coisa no plano das idéias e de, gerenciando relação,
persuadi-lo, no plano das emoções, a fazer alguma coisa
que nós desejamos que ele faça.
Todavia, Perelman-Tyteca assinalam que essa distinção não é definitiva,
que depende daquilo que se considera pametro de normalidade ou de
racionalidade. Por fim, postulam que “o matiz entre os termos convencer e persuadir
seja sempre impreciso e que, na prática, deva permanecer assim”, pois por mais que
os estudiosos da argumentação tentem explicar as duas noções, elas estarão a
mercê das intempéries e variações dos auditórios a que se dirigem.
Seja como for, vale destacar que os discursos produzidos pelos homens na
sociedade trazem, em maior ou menor grau, força argumentativa, pois ninguém faz
uso da língua sem alguma intenção de atingir seu interlocutor. Trata-se de uma
necessidade do homem que, desde a Grécia Antiga, se vale do discurso a fim de
convencer e/ou persuadir. Para dar conta desse fenômeno próprio da linguagem
humana surgiu a Retórica, conforme veremos a seguir.
3.2.1. Um Pouco de Retórica
3.2.1.1. O Surgimento da Retórica na Grécia
O surgimento da Retórica data do século V a.C. e tem como seu primeiro
tratado, consoante os estudos de Fonseca (2001), a Teoria Retórica de Córax e
Tísias, cujo aparecimento se deu por volta de 465 a.C., em Siracusa, cidade grega
que, na época, destacava-se em virtude de seu poder econômico e cultural, situada
nas planícies da ilha da Sicília, sudoeste do que hoje se conhece como Península
Itálica. Os sofistas levaram tal teoria de Siracusa para Atenas, de onde se espalhou,
dando destaque ao que se conhece hoje como Retórica Antiga, a qual teve seu
reinado até o século XIX d. C.
Foi a necessidade do homem em saber-fazer-crer, ou, fazer-parecer-
verdadeiro que deu origem à Retórica, o que está historicamente relacionado à luta
em defesa de terras que usurpadores haviam tomado para si. Trata-se de dois
91
tiranos que expulsaram moradores de suas terras para doá-las aos soldados, razão
por que a Sicília, na época, passava por grandes conflitos. Os proprietários lesados
abriram longos processos com o objetivo de reaver seus bens. Assembléias
populares foram instituídas para decidir quais eram os verdadeiros donos de terras
expropriadas pelos tiranos. Em outras palavras, como os antigos donos não
possuíam documentos que atestassem a propriedade dos bens, o ri decidia,
depois de ouvidas as partes em longas audiências, quem era o verdadeiro dono. A
palavra, nessas circunstâncias, torna-se instrumento imprescindível, que aquele
que era loquaz, ou seja, desenvolto para falar, tinha mais condições de reaver o que
antes lhe pertencia.
Como havia muitos interessados em falar em público com vistas a obter a
adesão dos ouvintes às teses defendidas, mas não detinham o poder da palavra,
surge a figura de Empédocles, considerado o primeiro retórico da História, que
passa a ensinar-lhes os artifícios da arte de argumentar. É nesse contexto político
que nasce a disciplina que até hoje serve de base para os estudiosos do discurso
que desvendam as nuances da palavra: a Retórica.
A partir da democratização política que se desenvolveu em Atenas, defender
em assembléias suas opiniões sobre o destino sócio-potico da cidade era um
direito que assistia aos habitantes da Polis, que passavam a ter voz, emergindo,
assim, o conceito de cidadão. A importância política de Atenas leva o homem grego
a se ver obrigado a falar bem e persuadir, habilidades que exigiam a interferência de
alguém que detivesse a capacidade de ensinar: entram em cena os sofistas.
O nome sofistas vem de sofisma, que significa, segundo o Dicionário Aurélio,
“argumento aparentemente válido, mas, na realidade, não conclusivo, e que supõe
má fé por parte de quem o apresenta ...”. Os sofistas eram, portanto, os pensadores,
filósofos e professores que, em troca de honorários, se dedicavam a mostrar/ensinar
a arte de persuadir pela palavra, revelando que se pode alcançar a persuasão por
meio do uso da verossimilhança ou de raciocínios aparentemente válidos, motivo
pelo qual foram fortemente criticados, sobretudo, por Platão, Sócrates e Aristóteles.
Os sofistas dentre eles Protágora, Górgias e Isócrates –, com suas lições
de retórica, promovem a popularização da retórica como forma de ensino da
persuasão. Com o objetivo de ensinar a arte da eloqüência, eles exibiam seu talento
oratório em lugares públicos, como teatros e estádios, a seus clientes – proprietários
92
de terras e comerciantes que pretendiam defender seus lucros e posses em Atenas.
Considerados os mestres da eloqüência, para os sofistas importava mais a vitória
pela palavra, mesmo que sem escrúpulos, do que a verdade, a virtude, o caráter ou
a moral, por isso foram tachados de responsáveis pela propagação da Retórica
como discurso vazio.
Uma vez que a retórica dos sofistas não estaria preocupada com a verdade,
mas com o consenso ou com a redução da divergência, estaria a serviço, por um
lado, da justiça; por outro, da injustiça. Isso porque, da mesma forma que poderia
devolver a terra a seu legítimo proprietário, poderia expropriar o camponês indefeso;
poderia conduzir o público tanto ao acerto quanto ao erro; levar Atenas à paz e ao
progresso ou instigar os atenienses a guerrearem entre si. É por isso que Platão
considera o retórico uma espécie de ignorante que se vale de engodos para ter mais
habilidade para convencer outros ignorantes (Górgias, 459a
459c). Sócrates
também acusa os retóricos de preferirem a verossimilhança à verdade (Fedro, 272b-
273c) e censura Tísias e Górgias
por terem descoberto que a verossimilhança é superior à
verdade, que, pela força de suas palavras, fazem parecer
grande o que é pequeno e pequeno o que é grande, que dão
às coisas novas um ar de Antigüidade, às coisas antigas um
ar de novidade, e que inventam discursos condensados e
amplificados ao infinito sobre qualquer assunto. (Fedro,
266e-267-c).
Dessa maneira, o poder da verossimilhança decorre do fato de ela
assemelhar-se à verdade, apesar de não o ser. A relevância de discursos
condensados ou amplificados surge dessa necessidade de provocar um efeito de
sentido de verdade que se impõe à multidão que, em virtude de sua ignorância,
deixa-se iludir pelos sofistas, cujos trabalhos estão centrados no modo de parecer, e
não no ser. A palavra, portanto, tem o poder de criar verdades com vistas ao
convencimento, pois o importante é tornar crível o mais fracos dos argumentos, ou o
contrário.
Contrapondo-se a essa visão, surge Aristóteles, cujos estudos sobre a
linguagem indicam que esta não deve ser concebida como um fim em si mesma,
93
mas como um meio de articular um sistema lógico capaz de revelar os argumentos
ilusórios dos sofistas. Nas palavras do discípulo de Platão (1983: 31), “Existe, além
disso, o desvio sofístico do argumento, mediante o qual levamos nosso adversário a
fazer uma espécie de afirmação contra o qual estamos bem providos de linhas de
argumentação”.
Embora a linguagem não seja um campo independente, para Aristóteles, ela
deveria ser objeto de estudo por ser a ‘forma’ que permite o alcance daquilo que é
‘verdadeiro”, razão por que deveria ser estudada como técnica que não seja
capaz de conduzir o indivíduo ao conhecimento, mas também que possa organizar a
forma de transmiti-lo. Deveria ser uma cnica que servisse, como, por exemplo,
desarmar os discursos carregados de figuras retóricas e ‘armadilhas’ dos sofistas, ou
construir modos de chegar à verdade e à lógica pela inferência ou ainda desenvolver
os modos como a linguagem veicula emoção. A partir dessas noções, Aristóteles
(s/d, p. 22) define a Retórica como
... a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso,
pode ser capaz de gerar persuasão, (...) e no concernente
a uma dada questão, descobrir o que é próprio para
persuadir.” (...) “‘faculdade de fornecer argumentos’ porque
... o verdadeiro e o justo são, por natureza, melhores que
seus contrários. Donde se seque que, se as decisões não
forem proferidas como convêm, o verdadeiro e o justo
serão necessariamente sacrificados... (ibidem, p. 20).
A importância da Retórica, para Aristóteles, reside no fato de ela
fundamentar a geração de argumentos verdadeiros, motivo por que só se pode fazer
uso dessa faculdade se se agir de acordo com princípios éticos. Segundo Aristóteles
(ibidem, p. 20), como “... não se deve persuadir o que é imoral”, as decisões devem
ser tomadas, necessariamente, em conformidade com os princípios de justiça. Vale
salientar que o filósofo não condena a retórica como a arte do engano ou o belo sem
conteúdo, mas lhe atribui caracteres de boa forma e transforma-a num instrumento
que permite viabilizar o ‘correto, o justo’.
Tendo em vista que a democracia ateniense permitiu a realização, em praça
pública, de discussões sobre o modo como gerir a cidade, era imprescindível que os
cidadãos gregos dominassem as técnicas de organização do discurso com vistas a
94
convencer as pessoas de seus argumentos. A boa eloqüência, portanto,
desempenhava, em Atenas, decisivo papel político.
Ainda que as idéias Aristóteles fossem contrárias às dos sofistas, não se
pode negar que tanto os professores de retórica quanto o filósofo grego foram o
ponto de partida para os estudos voltados à argumentação na Modernidade. Ou
seja, são as noções de retórica clássica que levam estudiosos como Perelman e
Olbrechts-Tyteca (2002) a inaugurarem a ‘Nova Retórica’ na Europa. Estes - além de
Brown (1971) e outros dedicam seus estudos à investigação das condições de
força persuasiva de diferentes tipos de argumentação presentes em diferentes
discursos, sejam eles marcados pelo uso da linguagem formal ou informal. Assim, os
teóricos da Nova Retórica não estão preocupados, como Aristóteles, com a busca
do justo e do correto, pois não necessidade de que haja uma conclusão
‘irretorquível’ e universal, mas de que forma se a adesão a algo que se propõe. A
Nova Retórica, com a sua teria da argumentação, terá lugar de relevo neste
trabalho, mas, antes de nos aprofundarmos em tal teoria, faremos uma breve
menção ao desenvolvimento da Retórica em Roma.
3.2.1.2. A Retórica em Roma
A retórica também foi bastante valorizada durante o Império Romano, que
aquela sociedade dependia do direito para a sua unificação e, por isso, a prática
judicial era de importância capital. Tendo em vista que os gregos exerceram grande
influência na cultura romana, era natural que a retórica ocupasse um lugar de
destaque entre os intelectuais de Roma. Basta observar que Cícero e Quintiliano,
dois entre os famosos oradores romanos, produziram obras expressivas a respeito
de retórica. Após a queda do Império Romano, a retórica foi, aos poucos, perdendo
seu prestígio e, mesmo sobrevivendo enquanto prática, não era considerada como
objeto de estudo.
Ademais, com o predomínio do pensamento positivista desenvolvido pela
filosofia e pela ciência no Ocidente, essa tendência ao declínio da retórica se
agravou. Isso significa que o pensamento ocidental dos últimos três últimos séculos,
dominado pela concepção racional cartesiana, esteve afastado da tradicional
retórica grega. Esse pensamento racional mecanicista ascendeu, razão por que,
95
segundo Perelman (2002, p. 1), "o estudo dos meios de prova utilizados para obter a
adesão foi completamente descurado pelos lógicos e teóricos do conhecimento".
Justifica-se tal orientação porque a existência da retórica está relacionada à
existência da dúvida em relação a uma determinada tese, logo ela não se ocupa
daquilo que é certo, evidente e incontroverso, e sim de problemas cuja solução não
depende da experiência, tampouco da dedução lógica. Assim sendo, para Perelman,
(Op. Cit., p. 1) seu domínio é "o do verossímil, do plausível, do provável, na medida
em que este último escapa às certezas do lculo", motivo pelo qual uma
argumentação sobre o óbvio não se sustenta.
Essa atitude intelectual ppria da retórica ia de encontro à orientação
cartesiana de apenas "considerar racionais as demonstrações que, a partir de idéias
claras e distintas, estendiam, mercê apodíticas, a evidência dos axiomas a todos os
teoremas" (Op. Cit., p.1). Em outras palavras, como se pretendia construir um
sistema de pensamento capaz de atender aos objetivos de uma ciência racional, não
se poderia satisfazer com opiniões mais ou menos aceitáveis, tampouco com
demonstrações oriundas de premissas apenas plauveis, mas somente com provas
analíticas, ou seja, aquelas que, de acordo com o método científico caractestico
das ciências naturais, resultassem de premissas absolutamente verdadeiras e
universalmente válidas.
3.2.1.3. Ressurgimentos da Retórica
A retórica perdeu, por um bom tempo, seu estatuto de ciência racional,
ficando relegada ao plano de simples práticas mundanas constituída de triviais
artifícios estilísticos. Embora tenha havido, entre a Era Medieval e o século XX,
ressurgimentos cíclicos da retórica – como, por exemplo, os que se deram nos
períodos renascentista e iluminista estes o conseguiram recuperar a sua
dignidade intelectual. Foi só no século XX, a partir da importância dada à filosofia da
linguagem e à filosofia dos valores, que se deu início a uma corrente filosófico-
acadêmica com objetivos voltados à recuperação do status dessa tradicional forma
de conhecimento. A retórica, então, passa a ser vista como objeto digno de estudo,
ora pela vertente formal, ora pela ótica que privilegia seu aspecto de instrumento de
persuasão
. Para teorizar sobre esse segundo aspecto, surge a figura do filósofo
Chaim Perelman, pensador que, com sua teoria da argumentação, muito contribuiu
96
para o rompimento da tradição cartesiano-positivista de desconsideração da retórica:
é o nascimento da Nova Retórica.
3.3. A Nova Retórica
Em oposição aos ideais positivistas que limitavam o papel da lógica, do
método científico e da razão à solução de problemas de cunho meramente teórico,
abandonando, assim, a solução de problemas humanos relacionados à emoção, aos
interesses e à violência, Perelman, durante muitos anos, dedicou-se à criação de
uma lógica dos juízos de valor, ou seja, uma lógica capaz de fornecer critérios
objetivos e universais para a aferição de valores, ao invés de relegá-la ao arbítrio de
cada um. Isso porque, de acordo com a lógica positivista, sempre é possível
demonstrar a veracidade de alguns fatos e de proposições lógicas e matemáticas,
mas nunca de um juízo de valor, que será sempre controvertido. Assim, numa visão
racional, pode-se provar que 2+2=4, mas não que uma determinada atitude é mais
justa do que outra. Esse tipo de raciocínio leva ao abandono da tradição aristotélica
segundo a qual se deve considerar a razão como uma prática aplicável a todos os
campos da ação humana. O resultado disso é a negação da possibilidade de uma
solução racional para todos os problemas relacionados a um juízo de valor,
perspectiva da qual Perelman discordava e, por isso, debruçou-se em seus estudos
com o objetivo de procurar uma racionalidade ética, isto é, uma gica específica
para os valores.
Depois de muito estudar, o filósofo chegou à conclusão inesperada de que
inexiste uma gica dos juízos de valor, mas que, em todos os campos do
conhecimento em que se faz presente controvérsia de opiniões, entre eles, a
filosofia, a moral e o direito, recorre-se a cnicas argumentativas. Nesse sentido, a
dialética e a retórica servem de instrumentos para se obter um acordo sobre os
valores e sua aplicação. Daí porque Perelman (1987, p. 234) não mediu esforços em
"retomar e ao mesmo tempo renovar a retórica dos gregos e dos romanos,
concebida como a arte de bem falar, ou seja, a arte de falar de modo a persuadir e a
convencer, e retomar a dialética e a tópica, artes do diálogo e da controvérsia".
A partir de então, a produção intelectual de Perelman se volta para a
retórica como um modo de discutir e chegar, por conseguinte, a um acordo a
97
respeito dos valores sem, com isso, abandonar o campo da razão, mas, a um
tempo, ir além das categorias da lógica formal. Dessa forma, à medida que reabilita
os métodos reguladores dos raciocínios persuasivos, define a argumentação como
princípio da pesquisa filosófica acerca da concepção de justiça. É o nascimento da
sua teoria da argumentação que, segundo o referido filósofo (2002, p. 4), é “o estudo
das técnicas discursivas para provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses
que se lhes apresentam ao assentimento”. A seguir, ocupar-nos-emos em abordar
alguns pontos relevantes de sua teoria, construída ao longo dos anos em diversas
obras, entre as quais, destacam-se Traité de l´argumentation, publicada em 1958, Le
champ de l´argumentation, publicada em 1970, e Logique juridique. Nouvelle
rhétorique, publicada em 1976.
3.3.1. As técnicas discursivas
3.3.1.1. Acordo
Considerada um clássico no campo da lógica e da filosofia contemporânea,
o Tratado da Argumentação, escrita em parceria com L. Olbrechts-Tyteca, é a obra
em que Perelman desenvolve as técnicas discursivas que levam o interlocutor a
aderir às teses que são submetidas a sua apreciação. Nesse sentido, o raciocínio
lógico-dialético recupera a noção de “acordo” que o pensamento positivista-
cartesiano havia desprezado. Na visão cartesiana, a acordo resulta de uma
proposição verdadeira, ou seja, se a proposição é verdadeira, esta gerará, como
conseqüência lógica, o acordo. Assim, na ótica de Descartes, o que provoca adesão
do interlocutor não é a evidência (prova), mas o componente discursivo cuja força
lógica é capaz de fazê-lo.
Entretanto, para Perelman, (1988, p. 137), a noção de acordo é válida nos
casos em que "faltam ou são insuficientes os meios de prova e, sobretudo, quando o
objeto do debate não é a verdade de uma proposição, mas sim o valor de uma
decisão, de uma opção ou de uma ação, consideradas como justas, eqüitativas,
razoáveis, honrosas ou conforme o direito". Dentro dessa perspectiva, o que está em
jogo o a verdade ou falsidade de uma proposição, pois estes são, entre outros,
apenas motivos de aceitação ou rejeição, uma vez que, segundo Perelman (1987, p.
236), "uma tese pode ser admitida ou afastada porque é ou não oportuna,
socialmente útil, justa ou equilibrada". A noção de acordo é mais bem elucidada no
98
universo judico, pois a lógica judicial não está centrada na idéia de verdade, e sim
de adesão, conforme nos esclarece Perelman (1988, p. 229):
o que o advogado tenta obter com o seu relato é a
adesão do juiz, e pode obtê-la mostrando-lhe que tal
adesão está justificada , por que será aprovada pelas
instâncias superiores e pela opinião pública. Para
conseguir seus fins, o advogado não partirá de algumas
verdades (os axiomas) até outras verdades a
demonstrar (os teoremas), mas sim de alguns acordos
prévios até a adesão a obter.
Além do conceito de acordo, Perelman (2002) aborda também o conceito de
acordo prévio. Trata-se de determinadas proposições incontroversas que, antes
mesmo do início do discurso, já são aceitas pelo auditório. Tais proposições servirão
de base para o discurso do orador, que procura transferir a adesão do auditório em
relação aos acordos prévios à tese que apresenta. Para tanto, utilizar-se-á de
técnicas argumentativas, às quais faremos menção mais adiante. Quanto à
natureza, os acordos prévios podem ser de conhecimento público ou notório, podem
estar relacionados à hierarquia de valores de uma determinada sociedade ou podem
se referir a auditórios específicos como, por exemplo, congregações religiosas e
grupos profissionais.
3.3.1.2. Auditório
O conceito de auditório também é de extrema relevância para a teoria da
argumentação, pois, ao contrário do discurso demonstrativo-analítico, que se utiliza
da lógica formal, em que as provas utilizadas são impessoais, devendo ser aceitas
universalmente, para o discurso retórico, é imprescindível a relação entre o orador e
o auditório a que se dirige. Assim, enquanto a verdade que resulta da lógica formal é
sempre universal e incontestável, a adesão oriunda da argumentação é sempre
aquela de um auditório específico, a qual pode ser de intensidade variável. De
acordo com Perelman (1987, p.237), auditório é "o conjunto de todos aqueles que o
orador quer influenciar mediante o seu discurso".
O sucesso da argumentação depende, necessariamente, do conhecimento
do auditório, visto que é nos seus acordos prévios que o orador fundamentará seu
discurso. Desse modo, quanto mais o orador conhece o auditório, maior é a
99
quantidade de acordos prévios que ele tem à disposição e, por conseguinte, mais
bem fundamentada será a argumentação. Daí a razão por que um dos erros mais
freqüentes em uma argumentação ineficaz é a chamada petição de princípio.
Entende-se por petição de princípio o fato de se "supor admitida uma tese
que se desejaria fazer admitir pelo auditório " (Perelman: 1987, p. 240). Neste caso,
se tomarmos como exemplo um missionário protestante que, na tentativa de
converter uma tribo indígena brasileira à sua , comece sua argumentação com
base no princípio de que qualquer uma das tradições religiosas da tribo é
intrinsecamente ruim, é improvável que seja bem-sucedido em sua tarefa, pois o que
é óbvio e incontroverso para ele poderá não o ser para o seu auditório. Portanto, se
o orador quiser evitar o risco de uma petição de princípio, precisa conhecer as teses
admitidas pelo seu auditório. Caso o auditório seja pequeno, o orador poderá
proceder a partir de algumas perguntas simples, como o fez Sócrates nos diálogos
platônicos. Todavia, se o auditório for grande, o orador deverá contentar-se com
suposições.
A interação entre orador e auditório se dá por meio de uma língua natural e,
em oposição ao discurso analítico, em que o orador emprega uma linguagem
artificial, livre de equívocos, “uma vez que a verdade ou falsidade de uma
proposição devem resultar unicamente de sua forma, a qual não pode admitir, por
isso, interpretações diferentes” (Perelman, 1987, p. 236), no discurso retórico, não
necessidade de precisão no uso da linguagem, que pode ser uma linguagem
comum, ambígua ou adaptada segundo as circunstâncias. Assim, enquanto o
discurso analítico se mostra técnico e especializado, o que, às vezes, dificulta a
comunicação entre orador e auditório, o discurso retórico é um discurso não-
especializado.
3.3.1.3. Dado e interpretação
Uma vez que a retórica se utiliza da linguagem comum, muitas vezes
ambígua e imprecisa, a teoria da argumentação privilegia a interpretação daquilo
que é dado, ou seja, daquilo que é unívoco e indiscutível. Assim, "uma mesma ação
pode ser descrita como o fato de apertar um parafuso, montar um veículo, ganhar a
100
vida, favorecer o fluxo das exportações" (Perelman, 1987, p. 245). Por apresentar
apenas uma das interpretações possíveis, as outras são relegados ao
desconhecimento do auditório e, por isso, o orador não se preocupa em distinguir
aquilo que é dado daquilo que é interpretado. Não percebendo a multiplicidade de
interpretações, para o auditório, ambas serão uma coisa só, podendo o orador
utilizá-las de maneira eficaz.
Como se vê, toda a discussão suscitada no “Tratado da Argumentação” de
Perelman-Tyteca assenta em alguns pilares, entre os quais torna-se relevante para
este trabalho a distinção entre persuadir e convencer, como se verá a seguir:
3.3.2. As técnicas argumentativas
A teoria da argumentação de Perelman nos possibilita a construção de uma
rede de análise que permita identificar os argumentos, classificá-los e compreender
a sua articulação com vistas a medir a sua eficácia persuasiva. Perelman estabelece
a distinção entre três grandes grupos de argumentos: argumentos quase-lógicos,
argumentos baseados na estrutura do real e argumentos que fundam a estrutura do
real. A construção dos primeiros se a partir de princípios gicos, embora não
possuam a mesma força destes, como se vê pelo uso da palavra “quase”. Os
argumentos baseados na estrutura do real se constroem com base, não do que o
real é de fato, mas do que o auditório acredita que ele seja, isto é, aquilo que para
ele são fatos, verdades ou presunções. Quanto aos argumentos que fundam a
estrutura do real, trata-se daqueles que se baseiam em generalizações e
regularidades, propondo modelos, exemplos, ilustrações a partir de casos
particulares. Antes de nos aprofundarmos nesses argumentos, porém, que se
fazer referência às premissas da argumentação.
As premissas de argumentação são as teses sobre as quais existe um
acordo. Isso porque todo o movimento da argumentação consiste em transportar a
opinião inicial do auditório para outra da qual o orador pretende convencê-lo. Essa é
a razão do conhecimento que o orador deve ter do seu auditório, das suas opiniões,
das suas crenças, enfim, de tudo aquilo que ele tem por admitido. Vale lembrar que,
embora não seja um procedimento habitual, é
possível sempre a utilização do
101
artifício da petão de princípio, segundo o qual se tem por acordado precisamente
aquilo que se deseja demonstrar.
Ainda segundo Perelman existem nas premissas da argumentação dois tipos
de acordo: um acordo sobre o Real; o outro, sobre o Preferível. Enquanto o primeiro
se manifesta em juízos sobre o real conhecido ou presumido, que está
relacionado a tudo aquilo que o auditório reconhece como fato, verdade ou
presunção, o segundo se manifesta em juízos que instalam uma preferência no que
se refere a valor, hierarquia e/ou nos lugares (comuns) do preferível em termos de:
quantidade (prefere-se a maioria à minoria), qualidade (prefere-se o raro ao banal),
quantidade (a maioria preferível à minoria), qualidade (o que é raro preferível ao que
é banal), existente (prefere-se o que existe).
3.3.2.1. Argumentos quase-lógicos
Os argumentos quase-lógicos são aqueles que buscam toda a sua eficácia
persuasiva nos princípios lógicos à semelhança dos quais são construídos. São
esses princípios que evidenciam a demonstração lógica e servem de suporte para
uma persuasão que deles extrai toda a sua força. Tais princípios são:
Contradição e incompatibilidade
Entre as regras do pensamento centrado na razão, o princípio lógico da
não-contradição, que se expressa da seguinte forma: se a proposição A é
verdadeira, a sua negação (_A) é falsa e vice-versa. Diferentemente do discurso
retórico, que não se reduz a uma linguagem formalizada, a lógica opera com noções
unívocas, sem ambigüidades. Não é raro, na argumentação, as premissas não se
explicitarem e, ainda que se o façam, dificilmente se definem de maneira unívoca.
Assim, quando temos o argumento da incompatibilidade que instala a necessidade
de opção entre duas asserções, temos aí o princípio lógico da não-contradição.
Identidade e definição
O princípio de identidade se expressa da seguinte forma: A é A, o que nos
leva a inferir que a identificação lógica não está, obviamente, sujeita a discussão, ao
102
contrário do correspondente argumento retórico. Assim, na discursividade
argumentativa, a identidade ocorre pela definição que estabelece a identidade do
que é definido com aquilo que o define. Segundo esse ponto de vista, quando um
líder do PT, por exemplo, define o seu partido como "o partido dos trabalhadores"
está estabelecendo uma identificação do PT com a classe social dos trabalhadores,
determinando, assim, que a sua essência está nessa classe.
Todavia, o uso da definição como argumento permite diferentes definições, o
que gera a necessidade de escolha. Sendo assim, o mesmo líder poderá definir o
mesmo PT também como "partido democrático". Nesse caso, quando nos
deparamos com múltiplas definições para o mesmo termo, instala-se o debate, o que
evidencia mais nitidamente o caráter argumentativo da definição.
O argumento fundado no princípio da identidade pela definição pode ser
evidenciado, por exemplo, na regra da justiça segundo a qual “Todos os cidadãos
são iguais (idênticos) perante a lei”. A identificação, neste caso, diferentemente do
caso do PT, que é uma identificação com a totalidade da classe dos trabalhadores –,
é parcial, que a igualdade/identidade a que a lei se refere diz respeito apenas a
determinados aspectos, não a todos. Desse modo, na definição de que todos os
cidadãos são iguais perante a lei, a identidade é apenas postulada no tocante à lei.
Pressupõe-se, portanto, que em outros aspectos, as pessoas diferem, instalando-se,
desse modo, o debate que busca decidir quais são as diferenças.
Reciprocidade
O argumento de reciprocidade consiste no estabelecimento de uma relação
de simetria entre dois seres ou duas situações, determinando que o tratamento
destinado aos termos correlativos deve o mesmo. Nota-se a reciprocidade na regra
de justiça segundo a qual seres e situações assimiláveis, por possuírem os mesmos
traços de pertinência, devem ser tratados igualmente. A regra de justiça recebe a
denominação específica de regra de ouro quando são aplicadas a situações que se
pretendem simétricas.
Transitividade
A transitividade é um caso específico de identificação que se na relação
entre um termo A e um termo B e, simultaneamente, uma relação entre o termo B e
103
um termo C, determinando que essa relação existe também entre os termos A e B.
Assim, a relação entre B e C estabelece um eixo entre A e C, como se observa nos
exemplos: "Os amigos dos meus amigos meus amigos são"ou "Os aliados dos meus
aliados são meus aliados".
Inclusão, divisão
A inclusão e a divisão são dois tipos de argumentos que operam
acentuando, ou inclusão das partes no todo, ou a divisão do todo em partes. Assim,
a divisão possibilita, após a análise de cada uma das suas partes, tirar uma
conclusão acerca do todo. Por exemplo: quando almejamos desenvolver um
argumento a favor do centralismo e contra a regionalização, incluímos as várias
regiões que constituem o todo nacional. Em contrapartida, quando queremos
defender a regionalização, acentuamos que o todo nacional se divide em partes as
quais possuem sua identidade própria e as suas diferenças com relação ao todo.
É comum o uso desse tipo de argumento valorizando o todo em detrimento
das partes. Basta observar, por exemplo, os discursos políticos, em que os líderes
partidários colocam os interesses do País acima dos interesses do partido. Todavia,
o argumento de divisão também tem a sua eficácia quando desejamos acentuar as
partes constituintes do todo, alcançando, assim, um efeito retórico certo por meio da
enumeração exaustiva das partes. Isso se evidencia quando enunciamos: “Os nove
estados do nordeste brasileiro: Bahia, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas,
Sergipe, Ceará, Paraíba, Piauí, Maranhão ..., procurando, dessa forma, provar a
existência do conjunto, obtendo, pela sua enumeração exaustiva, o efeito de
salientar a presença das partes
Comparação
A comparação como argumento estabelece um confronto entre realidades
distintas para as avaliar umas em relação às outras. Quando dizemos que Recife é a
Veneza brasileira, estamos comparando as duas cidades para obter um efeito de
valorização do elemento mais fraco da comparação. Vale lembrar que a comparação
constitui um argumento quase lógico desde que não a relacionemos a pesos ou a
medidas.
104
3.3.2.2. Argumentos baseados na estrutura do real
Ao contrário dos argumentos quase-lógicos, que procuram beneficiar-se da
sua proximidade com princípios lógico-matemáticos dos quais retiram alguma força e
credibilidade, os argumentos que serão apresentados nesta seção utilizam a
estrutura do real para estabelecer uma ligação entre opiniões estabelecidas sobre
essa estrutura e outras utilizadas para convencer o interlocutor. Vale destacar que,
quando nos referimos à "realidade" aqui, não estamos empregando o termo em seu
sentido comum, mas como as opiniões que existem e se formulam a respeito da
realidade, ou seja, o resultado de uma construção social da realidade. Para
compreender tais argumentos, faz-se necessária a distinção de dois grupos: a) os
argumentos que se baseiam nas relações de sucessão que ligam um
acontecimento, ora às suas causas, ora às suas conseqüências; b) os argumentos
que se fundam nas relações de coexistência entre uma essência e as suas
manifestações.
Relação de sucessão
Grosso modo, a relação de causa é o modelo da relação de sucessão, visto
que, todas as vezes que se tem um acontecimento, a atitude imediata é procurar
uma ou mais causas antecedentes para justificá-lo. Trata-se de uma argumentação
em que causa (o antes) e efeito (o depois) se fazem presentes. É o caso, por
exemplo, da argumentação que, freqüentemente, aplicamos quando relacionamos a
criminalidade (efeito) com a droga (causa).
Relação de coexistência
Diferente da relação de sucessão, em que os elementos se situam em um
mesmo nível dentro de uma relação temporal, na relação de coexistência, além de
os elementos estarem em níveis distintos, a dimensão temporal é irrelevante. O
argumento que se baseia na relação de coexistência estabelece uma ligação de
coexistência entre uma essência e as suas manifestações. Nesse caso, argumenta-
se que os atos praticados coexistem com a pessoa que os pratica. Tomemos como
exemplo um político que, para estabelecer a ligação de coexistência entre a sua
pessoa e seus atos, destaca como manifestação de si a construção de viadutos, a
criação de sistemas de saúde, etc
.
105
3.3.2.3. Argumentos que fundam a estrutura do real
Os argumentos que fundam a estrutura do real são aqueles que, a partir de
um caso particular, conhecido, permitem estabelecer um precedente, um modelo ou
uma regra geral, com vistas a estabelecer que acreditamos ser uma estrutura do real
socialmente construído, como os raciocínios pelo exemplo, pelo exemplo e pela
ilustração, conforme veremos a seguir.
Exemplo
A argumentação pelo exemplo tem por objetivo, a partir de um caso
particular, chegar à generalização. Segundo Perelman, é importante que o exemplo
escolhido não possa ser objeto de contestação. O exemplo pressupõe a existência
de certas regularidades que fornecerão uma concretização.
Ilustração
A ilustração, ao contrário do exemplo, é o argumento que tem por objetivo
reforçar a adesão à crença numa regra estabelecida. A partir de um caso
particular, ilustra-se a regra, tornando-a mais presente na consciência, devendo
impressionar, sobretudo, a imaginação. Ou seja, enquanto os exemplos visam
provar a regra, as ilustrações as tornam claras.
Modelo
O uso do modelo como argumento objetiva propor a sua imitação. Assim, o
comportamento de uma pessoa notória no meio social, com freqüência, serve de
modelo a ser seguido: "o valor da pessoa, previamente reconhecido, constitui a
premissa de onde se tirará uma conclusão preconizando um comportamento
particular."
(Perelman, 2002, p. 414). Assim, o modelo é um caso particular que pode
ser apresentado como modelo a ser imitado; o antimodelo, a ser desprezado.
3.3.2.4. Analogia e metáfora
A analogia é dos recursos mais utilizados pelo raciocínio e consiste em
afirmar uma similitude de correspondências sem estabelecer uma igualdade. A
106
analogia tem o papel de esclarecer, não uma semelhança entre duas entidades, mas
as relações que ligam cada uma das partes, postulando, por exemplo, que a relação
entre A e B é semelhante à relação entre C e D. Essa é a razão por que, para
Perelman, a analogia pode fundar uma metáfora, pois o valor argumentativo da
metáfora emerge da analogia que ela esconde. Quando fazemos uso argumentativo
da analogia, deslocamos a adesão do espírito daquilo que é conhecido para o que é
desconhecido. É por isso que é comum a definição de metáfora como um transporte
de sentido de uma palavra para outra.
A palavra, material de que nos servimos para veicular nossos discursos,
permite que a utilizemos de diversas formas, seja para persuadir seja para marcar a
subjetividade dos atores do discurso.
3.3.3. Ethos, pathos e logos: estratégias argumentativas clássicas
3.3.3.1. A Noção de Ethos na Retórica Clássica
Discorrer sobre ethos implica retomar a tradição da oratória, proveniente de
Roma e da Grécia, e observar o que alguns estudiosos da época entendiam por tal
termo. É por isso que apresentaremos, a seguir, noção de ethos segundo o
professor de retórica, Isócrates, o advogado Cícero, o político Quintiliano e,
especialmente, o filósofo Aristóteles.
Para Isócrates e Cícero, a noção de ethos não estava relacionada a uma
construção discursiva, mas a uma reputação, à imagem pública daquele que fazia
uso da palavra. O ethos, nessa concepção, não é produzido pelo discurso, e sim
pela vida pública do orador, por sua posição social e sua inserção junto às
instituições que sustentam seu discurso. Neste caso, o ethos estaria associado à
“fama” do orador. Quintiliano retoma a visão de ethos defendida por Isócrates, pois
também privilegia aspectos morais e sociais do ethos, considerando que a imagem
pública é o melhor argumento de que pode dispor o orador para imprimir autoridade
a seu discurso. O ethos seria, assim, resultado da conjugação de atributos morais,
como coragem, integridade e honra, e “discursos”, como eloência e saber.
107
Na visão de Aristóteles, que sistematizou a Retórica como a arte de argumentar, o
conceito de ethos é um ponto fundamental para o exercício da persuasão. Segundo o filósofo
grego, o orador, para persuadir seu auditório, utiliza-se de três espécies de provas: o caráter do
orador (o que ele chamou de ethos); as paixões despertadas nos ouvintes (o pathos), e o
próprio discurso (o logos).
Como na oratória o parecer é mais importante do que o ser, se um indivíduo
parece ser honesto e sincero, passa a ser digno de confiança. Para Aristóteles, são
três as virtudes do orador que tem como objetivo convencer o auditório de sua
honestidade, como revelam as palavras do filósofo grego:
Os oradores inspiram confiança, (a) se seus argumentos e
conselhos o sábios, razoáveis e conscientes, (b) se o
sinceros, honestos e equânimes e (c) se mostram solidariedade,
obsequidade e amabilidade para com seus ouvintes. (Retórica II,
1378 a6)
Assim, o termo ethos significava para os antigos, sobretudo para Aristóteles
em sua Retórica, a construção de uma imagem de si cujo objetivo era garantir o
sucesso oratório. Em outras palavras, por meio do discurso, o ethos causava boa
impressão, ou seja, transmitia uma imagem si a fim de convencer o auditório,
passando-lhe credibilidade e, por conseguinte, angariava sua confiança.
A arte retórica consistia, pois, em diagnosticar elementos do discurso
capazes de promover a persuasão. Nessa perspectiva, a arte de argumentar exigia
como ponto imprescindível a qualidade das provas que o orador empregava em seu
discurso, as quais podiam ser, para Aristóteles (s.d), dependentes ou
independentes. Estas independem do orador, que se trata de provas
apresentadas por testemunhas, confissões oriundas de torturas ou convenções
escritas. Em contrapartida, as primeiras dependem do orador porque se originam
dos meios e dos métodos utilizados por ele para alcançar seu objetivo: trata-se de
provas fornecidas pelo discurso, isto é, as que estão relacionadas à imagem do
caráter do orador (o ethos), as que revelam a imagem do ouvinte (o pathos) e as que
residem no próprio discurso, pelo que ele diz ou parece dizer (o logos).
O ethos aristotélico revelava o caráter de honestidade que o orador do
discurso possuía para, aos olhos dos interlocutores, parecer digno de credibilidade.
108
Como afirmou o próprio Aristóteles (s.d): “É [...] ao caráter moral que o discurso
deve, eu diria, quase todo seu poder de persuasão”. Ademais, o ethos trazia à tona
hábitos, costumes e modos, elementos importantes na arte de convencer, uma vez
que o ser e o parecer constituíam argumentos relevantes na persuasão. Nas
palavras de Barthes (apud AMOSSY, 2005, p. 70), o ethos são “os traços de caráter
que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importando sua sinceridade) para
causar boa impressão: é o seu jeito [...]. O orador enuncia uma informação e ao
mesmo tempo diz: sou isto, não sou aquilo”.
Dessa forma, na arte de convencer por meio do discurso, destacam-se como
elementos importantes os índices que provocam os efeitos de verdade, embora não
seja a verdade propriamente dita. É esse parecer verdade que leva os interlocutores
a sentirem uma paixão (o pathos) “porque os juízos que proferimos variam
consoante experimentamos aflição ou alegrias, amizade ou ódio” (Aristóteles, idem,
p. 33).
O ouvinte, nessa perspectiva, se deixa convencer por meio de três provas: o ethos, o
pathos e logos. Assim, para convencê-lo, o orador, além de transmitir um ethos confiável,
procura impressioná-lo, seduzi-lo, fundamentando, desse modo, seus argumentos na paixão e
aumentando o poder de persuasão. Colocando em cena a representação dos sentimentos do
próprio auditório, tem-se o páthos, que se liga ao ouvinte, sobre o qual recai a carga
afetiva gerada pelo lógos do orador. Este último é o discurso, que pode ser ornamental,
literário, argumentativo etc, convence por si mesmo pelos argumentos utilizados em situação
de comunicação concreta. O tipo de argumento dependerá da situação comunicativa concreta
em se insere o orador. Segundo Meyer (1994, p. 43):
O orador é simbolizado pelo ethos: a sua credibilidade assenta
no seu caráter, na sua honorabilidade, na sua virtude, em suma,
na confiança que nele se deposita. O auditório é representado
pelo páthos: para convencê-lo é preciso impressioná-lo (...)
Resta enfim, a terceira componente, sem dúvida, mais objetiva: o
lógos, o discurso.
O ethos, portanto, estaria diretamente associado ao orador, ao seu caráter, à sua
virtude, à confiança e credibilidade que ele pode gerar no auditório. De acordo com
109
Aristóteles (1998, p.49), o caráter (ou ethos) do orador figura como ponto importante na
persuasão, uma vez que
Persuade-se pelo caráter quando o discurso é proferido de
tal maneira que deixa a impressão de o orador ser digno de
fé. Pois acreditamos mais e bem mais depressa em
pessoas honestas, em todas as coisas em geral, mas
sobretudo nas de que não conhecimento exacto e que
deixam margem para dúvida.
Aristóteles defende, assim, que a confiança do auditório no orador reveste-se de
maior importância “sobre aquelas coisas em que não possibilidade de se ter certeza e que
deixam lugar a dúvidas” (ROHDEN, 1997, p. 90). Embora o ethos aristotélico não possa
ser compreendido isoladamente do páthos e do lógos no processo retórico, Aristóteles
afirma que o ethos constitui praticamente a mais importante das provas. Nas palavras de
Meyer (1994, p. 49-50):
Páthos, lógos e ethos encontram-se sem que possamos
nunca delimitá-los com precisão. A autojustificação implica
argumentos (lógos) mas também o ter em conta o outro
(páthos) a quem se quer agradar para ser aceito ou a quem
se quer manipular (ethos) .
Assim, na visão de discípulo de Platão, o ethos, que desempenha um importante
papel na persuasão, é o caráter do orador representado pelo discurso. Sendo assim, a imagem
de si que o orador cria no âmbito do discurso não corresponde, necessariamente, ao caráter
real do orador, o que corresponde à concepção de ethos postulada por Charaudeau (2006),
para quem existe um indivíduo empírico, real, o locutor que assume a fala, que se
expressa em uma identidade individual e social e uma identidade que constrói para
si no discurso: uma identidade discursiva. “O ethos é o resultado dessa dupla
identidade, mas termina por se fundir em uma única.”
3.3.3.2. Ethos Aristotélico e sua relação com phrónesis, areté e eunóia
110
Tendo em vista que, para Aristóteles, é muito mais digno de confiança
alguém que pareça ser honesto e sincero e atendo-nos ao ethos como imagem do
orador, persuade-se pelo ethos quando se demonstra: serenidade e racionalidade,
sinceridade honestidade e amabilidade, caracteres que são denominados, na
retórica clássica, como: phrónesis, areté e eunóia e se revelam nas escolhas
realizadas pelo orador, ou seja, “ter ar ponderado(phrónesis), “apresentar-se como
homem simples e sincero” (areté) e “passar uma imagem agradável de si” (eunóia).
Esses três tipos de ethoso usados de acordo com auditório a que o orador se dirige.
Phrónesis, segundo Eggs (2005), diz respeito à competência, ao ar de quem
detém o saber, o que confere ao orador um tom que transmite confiança e
credibilidade ao auditório, razão por que também está intimamente relacionado ao
logos, que é racional depositar confiança em quem se mostra mais capaz, mais
sábio. Nessa exposição, deve-se acrescentar uma adequação dos argumentos à
realidade de cada questão levantada. Assim, se além de erudito, o orador parecer
ser sincero e honesto, demonstrará phrónesis e, por conseguinte, persuadirá mais
rapidamente o seu auditório.
A imagem com base em phrónesis, que denota um posicionamento de um ser
digno de confiança e, portanto, persuasivo, se dá, em geral, na medida em que se
atinge a “justa medida”, o ponto de equilíbrio, a “virtude”. Isso porque a feição
virtuosa está associada a comportamentos, hábitos e disposições do orador
previamente conhecidos pelo auditório ou apreciáveis durante a enunciação.
Areté, por sua vez, esrelacionado à honestidade, à franqueza “como uma
disposição que se mostra pelas escolhas deliberadas” (Eggs, 2005), ou seja, a
disposição para reconhecer igualmente a motivação para os fatos sem deixar de
verificar todas as circunstâncias neles envolvidas. Como honestidade e franqueza se
revelam, com freqüência, pelo ar decidido, corajoso e até “desbocado”, um orador
que assim de comporte parece dizer o que pensa, parece ser seguro de si, portanto,
é um sujeito em quem se pode confiar.
Vale salientar que o arecoteja o envolvimento emocional com a questão
discutida, o que não significa faltar-lhe, em essência, capacidade de análise,
tampouco raciocínio lógico. A diferença para o phrónesis reside, principalmente, no
fato de este apoiar-se na qualidade do discurso (seu logos), não se vinculando tão
111
explicitamente à figura do orador, enquanto areté está intimamente ligado ao
comportamento ético do orador.
Por fim, eunóia, que diz respeito ao caráter solidário (Eggs, 2005), simpático,
que trata bem o auditório. É a amabilidade e a boa disposição para colocar—se no
lugar do outro e, assim, poder entende-lo e ajuda-lo. Segundo Egss (2005), também
é tridimensional “uma vez que deve ser a expressão adequada do tema tratado, do
ethos do orador e do ethos do auditório”, ou seja, envolve as três provas
aristotélicas: ethos, logos e pathos. Por partir daquilo que o auditório deseja, esse
ânimo dispensa o convencimento por parte do orador, pois, tendo em mente que
convencer é “fazer crer”, neste caso, não esse “fazer crer” porque o auditório
cria.
Portanto, as três qualidades da “mais importante das provas” - o ethos -,
estão, em maior ou menor grau, também relacionadas às outras duas provas do
discurso: logos e pathos. Phrónesis, areté, e eunóia se vinculam, direta e
respectivamente, com logos, ethos e pathos, sem que se tripartam de maneira
estanque. Na realidade, eles coexistem na construção de um ethos. Essa
coexistência, nele, não implica, porém, a impossibilidade de que, numa dada
circunstância, um caráter se sobreponha aos demais. Ele estabelecer uma
adequação de sua argumentação às paixões (anseios, expectativas) e aos habitus
de seu auditório, pois disso depende para que haja convencimento. O ethos é,
assim, uma “condensação” das demais dimensões.
3.3.3.3. Ethos e Pathos
Tendo em vista que, neste trabalho, objetivamos examinar, também à luz da
retórica, uma cenografia específica para os atores da enunciação dos prefácios, faz-
se necessário, aqui, apresentar a noção de pathos bem como sua relação com o
ethos. É a partir da cenografia (situação de enunciação) que serão gerados, por um
lado, ethos do enunciador, entendido como a imagem daquele que se diz no
prefácio; por outro, o pathos do enunciatário, entendido, por sua vez, como a
imagem do leitor. O ethos, reafirmamos aqui, é depreendido pelo caráter, corpo e
voz do autor e é ao papel desempenhado pela voz do locutor que conferimos o
112
poder de exprimir sua interioridade com a qual há um envolvimento do leitor
fisicamente.
Ao refletirmos sobre as previsíveis imagens do co-enunciador nos discursos,
inferimos que, de acordo com os elementos constitutivos da cenografia, existe um
EU que sempre se dirige a um TU, um TU que previsto pelo enunciador. Nesse
caso, podemos pensar que um tipo de co-enunciador que esteja ligado a um ethos
de um determinado discurso é sempre previsto pelo produtor da enunciação como
um feixe de expectativas que o próprio texto oferece e a que o enunciador obedece,
conforme nos assegura Fiorin (2004b, p. 135) quando afirma que
Com efeito, a imagem do enunciatário constitui uma
das coerções discursivas a que obedece o
enunciador: não é a mesma coisa produzir um texto
para um especialista numa dada disciplina ou para um
leigo; para uma criança ou para um adulto. O
enunciatário é também uma construção do discurso.
Cada discurso constrói, pois, o seu auditório que, por sua vez, influencia nas
escolhas discursivas que o enunciador faz para a produção do texto. O co-
enunciador é, nesse sentido, uma figura virtual, ou seja, um destinatário implícito a
quem o discurso se dirige, devendo respeitar as coerções do gênero e a enunciação
particular instituídas pela obra. O público/leitor é aquele que o autor idealiza e tem
em mente como efeito de sentido dado nos próprios textos, o que reforça a idéia de
que o leitor não é um sujeito passivo, ao contrário, participa das produções de
discursos nos mais diversos segmentos da sociedade. Portanto, temos duas
instâncias que emergem do texto: o ethos e o pathos, e que são convergentes, pois
o leitor, por ser pressuposto, organiza e dirige a leitura.
Maingueneau (2005b, p. 91) corrobora nossos propósitos a respeito de
previsibilidade de co-enunciadores quando nos apresenta o seguinte exemplo:
No discurso humanista devoto, por exemplo, o
enunciador se como integrado a uma “Ordem”: é
uma comunidade religiosa reconhecida, bispo, mestre-
escola... e dirige-se a destinatários também inscritos
em ‘Ordens’ socialmente bem caracterizadas
113
(enquanto pais de famílias, magistrados, donas de
casa etc...
Dessa forma, o pathos que o enunciador projeta no interior do discurso está
associado à imagem do leitor ideal, capaz de construir os sentidos do discurso por
meio dos percursos de leitura propostos pelo texto, vistos como unidade em análise
ou totalidade pressupostos. Tal leitor/co-enunciador, cuja previsibilidade está
assentada no texto, compartilha com o enunciador “mundos que ele torna sensíveis
por seu próprio processo de enunciação” (Maingueneau, 2005), havendo, dessa
maneira, incorporação, posto que o co-enunciador se identifica com o ethos do
enunciador de um dado discurso.
O ethos e o pathos se constroem nas recorrências existentes na totalidade
de discursos, partindo da profundidade, por meio da articulação da categoria mínima
de sentido até as estruturas mais superficiais como, por exemplo, as recorrências
temático-figurativas. Esse modo próprio de construção textual deve manifestar, por
meio de recorrências do dito, um estilo, uma voz, um tom de voz, um caráter, um
corpo. É esse corpo que, segundo Discini (2004, p. 58) “enunciador e enunciatário
partilham, enquanto construções e reconhecimento e que é construído para o
enunciador ou fiador da enunciação como o éthos que toma corpo e, para o
enunciatário, ou co-enunciador, como a incorporação desse corpo(Discini, 2003, p.
58).
3.3.3.4. A interação entre Ethos e Pathos
Após termos apresentado considerações a respeito do pathos, resta-nos
uma questão: em que medida o ethos do enunciador-prefaciador do gênero prefácio
se apresenta como ethos responsivo, que mantém um diálogo com a imagem do
leitor (pathos) inscrito no texto? Cremos que, aqui, chegamos aos limites de uma
interação entre ethos e pathos e, mais especificamente, no ponto de confluência
entre os simulacros construídos no texto e aqueles em construção no momento em
que se realizam a leitura e a interpretação.
A emergência do simulacro como “imagem construída e trocada entre
enunciador e enunciatário, no processo de manipulação intersubjetiva, que
114
fundamenta a comunicação”, (Discini, 2003, p. 73), permite-nos observar, pelo
exame das totalidades apresentadas neste trabalho, um espaço de apreensão
possível de construção do ethos da totalidade dos produtores de obras acadêmicas.
Devemos considerar, dessa forma, o ethos do enunciador-prefaciador como a
imagem que responde às expectativas do pathos inscrito no texto prefacial.
O conceito de pathos tem sua origem nos estudos aristotélicos e constitui
uma das três provas que envolvem um ato de comunicação: a primeira reside no
caráter moral do orador (o ethos); a segunda, nas disposições que se criam no
ouvinte (o pathos) e a terceira, no próprio discurso, pelo que se demonstra ou se
parece demonstrar (logos). No caso do discurso escrito, o a figura do orador dá lugar
à figura do enunciador.
Pensar em pathos significa considerar o destinatário da comunicação, o que
leva o enunciador, durante o processo de articulação de seu discurso, à
necessidade de conhecer o auditório ao qual ele se dirige para, desse modo,
determinar o pathos ou o estado de espírito desse auditório, isto é, “a disposição do
sujeito para ser isto ou aquilo (Fiorin, 2004a
,
p. 71). Referimo-nos à imagem que o
enunciador faz de seu enunciatário construída a partir daquilo que o público pensa,
sente, espera etc. Segundo Fiorin (2004a, p. 72) é a imagem do enunciatário
“consubstanciada em um papel temático, tem uma dimensão cognitiva: de um lado
ideológica, da ordem do saber (cogitent), de outro, da ordem do crer (opinentur);
uma dimensão patêmica (sentiant) e uma dimensão perceptiva (expectent)”.
Esses são aspectos a partir dos quais o enunciador é capaz de dirigir seu
discurso a um leitor/co-enunciador ideal, que tais propriedades se configuram
como coerções para a construção discursiva. Dessa forma, o enunciatário, ao
encontrar características que lhe são próprias, identifica-se com elas e adere, por
conseguinte, ao discurso. Neste caso, se houver adesão, diz-se que o discurso é
eficaz, conforme nos assegura Fiorin (2004b, p. 134) ao afirmar que
O enunciatário não adere ao discurso apenas porque
ele é apresentado como um conjunto de idéias que
expressam seus possíveis interesses. Ele adere,
porque se identifica com um dado sujeito da
enunciação, com um caráter, com um corpo, com um
tom. Assim, o discurso não é apenas um conteúdo, mas
115
também um modo de dizer, que constrói os sujeitos da
enunciação.
Com relação a nosso corpus, examinaremos, como um dos elementos
constitutivos do gênero prefácio acadêmico, o modo como o ethos do emissor
mantém relações com o pathos do interlocutor inscritos no texto, com vistas a
observar em que medida tais imagens erigem estratégias persuasivas, como se verá
no próximo capítulo.
CAPÍTULO IV
116
O GÊNERO PREFÁCIO NO UNIVERSO ACADÊMICO
Neste capítulo, analisamos os prefácios de livros acadêmicos tendo em vista
a sua constituição enquanto gênero discursivo. Para tanto, levamos em
consideração, por um lado, as regularidades que o configuram como gênero textual,
isto é, os propósitos comunicativos e seus respectivos movimentos retóricos; por
outro, as estratégias persuasivas que o caracterizam como discurso promocional.
Durante a análise, recuperaremos as considerações teórico-metodológicas, levando
em conta sua relevância neste ponto e tendo em mente que nem sempre é possível,
e muito menos produtivo, um perfeito casamento entre teoria, metodologia e análise.
Salientamos que as considerações de natureza mais formal, embora não sejam um
fim em si mesmas, já que são incapazes de explicar de modo adequado o fenômeno
sob análise, funcionam como o ponto de partida para que se percebam os gêneros
no universo das práticas sociais que determinam sua produção, uso e recepção.
Mais especificamente, realizamos a análise de dez prefácios, sendo sete
assinados por terceiros e três elaborados pelos autores das obras que antecedem.
Consultamos uma quantidade bem maior de prefácios, mas, a fim de evitar uma
análise enfadonha, consideramos esse número suficiente para chegarmos à
descrição dos componentes caracterizadores de tais textos enquanto um gênero
específico. No decorrer do capítulo, a discussão dos propósitos comunicativos
manifestos pelos neros analisados constitui, de acordo com Askehave e Swales
(2001), o ponto de chegada, e não um dado apriorístico. Ademais, com o intuito de
verificar o modo como se o caráter promocional do discurso prefacial, tomamos
por base as “intenções particulares” conforme descritas por Bhatia (2004), bem
como os postulados da Retórica, sobretudo o que diz respeito às três provas
apresentadas por Aristóteles o ethos, o pathos e o logos como um dos
componentes do discurso a serviço da persuasão.
Durante o processo de análise dos textos, observamos, em primeiro lugar, a
relação entre propósitos comunicativos e movimentos retóricos, tendo por base,
além da metodologia proposta por Swales (1990), a contribuição de Bhatia (2004) no
que tange aos propósitos comunicativos e movimentos retóricos. Em segundo lugar,
buscaremos o modo como se opera o caráter promocional no prefácio tendo em
vista o jogo de imagens ethos, pathos e logos enquanto estratégias
117
argumentativas. Dessa forma, esperamos traçar um quadro mais compreensivo da
natureza do gênero prefácio, bem como das práticas sociais que determinam sua
produção, uso e recepção.
4.1. Propósitos comunicativos e movimentos retóricos no gênero prefácio
De acordo com Bhatia (2004, p. 70), os prefácios “seja qual for o nome que
recebam, [apresentação, introdução e prefácio] possuem pelo menos um propósito
comunicativo principal em comum, qual seja, introduzir o livro”. Segundo o autor, do
ponto de vista retórico, o prefácio, ou apresentação, é realizado por três unidades
centrais: (1) estabelecer o campo de estudo ou o nicho em que o livro se insere no
campo, (2) descrever o livro e (3) expressar gratidão, como se observa no exemplo
com sua respectiva identificação dos movimentos retóricos que o referido autor nos
apresenta à página 72 de sua obra:
Apresentação
Este livro, baseado nos ensinamentos dados pelo
Curso Regular de Fonética da Universidade de
Edimburgo, pretende fornecer uma introdução ao
assunto conforme ele é tradicionalmente
compreendido e praticado na Grã-Bretanha: a obra
trata... da fonética como parte da lingüística geral...
(Desse ponto em diante descreve positivamente o
livro e define sua orientação geral)
Minha dívida para com os grandes foneticistas da
tradição de fala inglesa Alexander Melville Bell,
Alexander J. Ellis, Henry Sweet, Daniel Jones,
Kenneth Lee Pike deverá transparecer em cada
página. Devo um agradecimento especial a... (Conclui
com agradecimentos)
Estabelecer o nicho
Descrever o livro
Expressar gratidão
O corpus selecionado para esta tese revela uma realidade um tanto mais
complexa, razão por que ampliamos os movimentos retóricos descritos por Bathia,
atingindo, assim, o total de dez movimentos retóricos distintos nos prefácios
assinados, distribuídos conforme o vínculo que mantêm com um dos três propósitos
comunicativos realizados pelo gênero prefácio assinado
6
: apresentar a obra,
6
Os três propósitos aqui indicados não excluem, conforme Bathia (1997b), a presença de “intenções
particulares” realizadas pelos gêneros.
118
comentar a obra e concluir o prefácio (ver figura 1, “Movimentos retóricos no gênero
prefácio assinado”), e nove movimentos retóricos nos prefácios não-assinados,
também distribuídos de acordo com vínculo que mantêm com um dos dois
propósitos comunicativos realizados pelos prefácios não-assinados: apresentar a
obra e expressar gratidão (ver figura 2. “Movimentos retóricos no gênero prefácio
não-assinados”).
Nesse sentido, o gênero prefácio se caracteriza por diversos movimentos
retóricos, mas destacamos, por um lado, que a ocorrência simultânea de tais
movimentos não é obrigatória
,
uma vez que a estabilidade do gênero é “relativa”; por
outro lado, esses gêneros, às vezes, apresentam variações formais das quais
emergem estratégias retóricas diversificadas com vistas a atender diferentes
demandas que se associam às práticas sociais implicadas tanto pela produção
quanto pelo uso e recepção do gênero. Assim, depois da análise que realizamos do
gênero segundo as ocorrências verificadas em nosso corpus, chegamos aos
quadros abaixo, que apontam a diversidade de opções retóricas de que os
prefaciadores se apropriam quando escrevem, de acordo com os propósitos
comunicativos, os prefácios de seus próprios livros ou de outrem.
Figura 1: Propósitos comunicativos e movimentos retóricos dos prefácios
assinados
Movimentos retóricos Apresentar a obra
Definição do tópico central
119
Em consonância com o modelo swalesiano (SWALES, 1990), a proposta
que apresentamos na Figura 1 aponta, por um lado, que movimentos retóricos e
propósitos comunicativos aos quais tais movimentos se prestam estão numa
explícita correlação; por outro, que não há distinção entre movimentos retóricos
(moves) e estratégias retóricas (steps), que, aqui, são tratados como sinônimos.
PROPÓSITO
COMUNICATIVO
Comentar a obra
Concluir o prefácio
Estabelecimento do campo
de estudo
Indicação dos objetivos do
livro
Avaliação do autor
Avaliação da obra
Movimento retórico
Movimentos retóricos
Indicação de potenciais
leitores
Avaliação final
Convite à leitura
Descrição do conteúdo
Alusão / Citação
120
Vale ressaltar que a construção dos movimentos retóricos no prefácio se
de modo bastante diversificado entre os textos analisados, como sugere o leque
de opções apresentados no quadro acima. Ou seja, os três propósitos
comunicativos, às vezes, estão bem definidos e representados por mais de um
movimento conforme nos aponta uma análise prévia dos textos.
Ademais, tendo em vista a posição de Bhatia (2004, p. 73) quando afirma que
“Nas práticas de hoje em dia, não é raro encontrar-se um duplo propósito
comunicativo nas introduções acadêmicas: introduzir o livro e promovê-lo diante de
potenciais leitores”, examinaremos também o modo como se o caráter
promocional incluído na produção do gênero prefácio e se tal caráter espelha aquilo
que o referido autor chama de “intenções particulares”.
Esse aspecto constitutivo do prefácio parece ser mais evidenciado no
movimento retórico denominado “avaliação do autor e/ou da obra”, que revela
imagens construídas pelo prefaciador os ethé do autor e da obra. Também o
prefaciador, direta ou indiretamente, constrói seu ethos: no primeiro caso, quando
assina o precio e, em seguida, acrescenta informações como, por exemplo, a
instituição onde trabalha; no segundo caso, por meio de índices como a linguagem
de que faz uso, a demonstração de notório saber, entre outros. Vejamos, portanto,
como se organiza o texto prefacial e como se inscrevem as imagens os ethé - que
dele emergem. Analisaremos, primeiramente, os prefácios assinados; depois, os
não-assinados.
Eis a análise:
Prefácio 1 (Assinado)
Obra: Introdução ao estudo do léxico – brincando com as palavras.
Autor: ILARI, Rodolfo
Prefaciador(a): Ingedore Grunfeld Villaça Koch
121
Estrutura organizacional do texto: movimentos retóricos no prefácio 1
Prefácio
Profundo conhecedor dos segredos da
linguagem, pesquisador dos mais lúcidos e argutos,
lingüista atuante em todas as áreas desse ramo do
conhecimento, visceralmente comprometido com a sua
prática e com as questões de ensino da língua, Rodolfo
Ilari nos oferece agora este novo produto de suas
reflexões: Introdução ao estudo do léxico brincando
com as palavras, partindo da mesma convicção que o
levou a escrever Introdução à Semântica brincando
com a gramática (Contexto, 2001): “quem quiser
compreender como acontece a significação das
mensagens lingüísticas tem interesse em pensar essas
mensagens como construções, nas quais tanto as peças
escolhidas como os processos pelos quais as juntamos
produzem significação”.
Se em Introdução à Semântica tratou mais
especificamente da sintaxe (isto é, dos processos que
nos permitem juntar as palavras) como construção de
sentidos, desta vez o autor centra o foco de atenção nas
palavras, essas peças multifacetadas que compõem as
construções sintáticas como ingredientes significativos
das mensagens lingüísticas. Todavia, o seu “brincar
com as palavras” toca nas questões básicas da
construção dos sentidos nos mais variados gêneros
textuais.
Nas vinte e cinco rubricas que compõem a obra,
com base em uma coleção de materiais lingüísticos dos
mais variados e sempre fiel aos seus problemas
preferidos, como bem ressalta Geraldi em seu prefácio
ao livro Introdução à Semântica, intitulado “Sagacidade,
argúcia e lupa”, Rodolfo Ilari conduz seus leitores a uma
reflexão (epilingüística) sobre a linguagem, procurando
levar seu destinatário privilegiado – o futuro professor de
língua materna – por meio de diferentes práticas de
análise e exercícios criativos e diversificados, a refletir
sobre os recursos lingüísticos em seu funcionamento,
de forma que com base nessa reflexão, o seja
capaz de extrair conhecimento sobre a linguagem como
também tornar-se apto a ensinar seus futuros alunos a
pensar de maneira crítica e independente.
Assim, Ilari comprova mais uma vez ser um dos
lingüistas brasileiros que mais se destaca pela
profundidade de seus conhecimentos, pela versatilidade
imperiosa que sente em estabelecer a ponte teoria-
prática e pela constante preocupação com o ensino de
Avaliação do autor
Estabelecimento do campo
de estudo
Alusão / Citação
Definição do tópico
central
Descrição do conteúdo
Alusão / Citação
Indicação de potenciais
leitores
Avaliação do autor
122
língua e com os professores que nele militam,
enfrentando, entre as mil outras dificuldades que todos
nós tão bem conhecemos, a falta de material didático
apropriado e de orientação sobre como utilizá-lo
adequadamente em suas aulas.
Este livro é um farol que ilumina esse caminho!
Campinas, janeiro de 2002.
Ingedore Grunfeld Villaça Koch
Indicação de potenciais
leitores / Convite à leitura
Avaliação da obra
Ocorrências dos movimentos retóricos no prefácio 1
Movimentos retóricos SIM NÃO
Definição do tópico central X
Estabelecimento do campo de estudo X
Indicação dos objetivos do livro X
Avaliação do autor X
Avaliação da obra X
Alusão / Citação X
Descrição do conteúdo X
Indicação de leitores em potencial X
Avaliação final X
Convite à leitura X
Como se vê, todos os outros apresentados na figura 1 se manifestam no
prefácio 1, o que confirma, de antemão, nossa proposta de constituição do gênero
prefacial. A seguir, complementamos essa análise, observando o caráter
promocional do gênero prefácio.
O caráter promocional no prefácio 1: ethos, pathos e logos como estratégias
argumentativas
123
Ao tomar a palavra, a autora do prefácio, no caso, Ingedore Villaça Koch,
constrói uma imagem de si: um ethos de um sujeito social:
a) competente, que dem domínio da língua escrita, como se observa pela
linguagem que atende à norma padrão da língua e que, em todo o texto, se
reveste de construções sintáticas bem articuladas, dando forma a um texto
coeso e coerente e até de expressões metafóricas como revela a frase que
encerra o texto: “Este livro é um farol que ilumina esse caminho!”
b) culto, bem informado, como revela a alusão à outra obra escrita por Rodolfo
Ilari: “Se em Introdução à Semântica tratou mais especificamente da sintaxe”,
“como bem ressalta Geraldi em seu prefácio ao livro Introdução à Semântica,
intitulado “Sagacidade, argúcia e lupa...” e o modo como comenta o conteúdo
da obra, sempre com muita propriedade: “Nas vinte e cinco rubricas que
compõem a obra, com base em uma coleção de materiais lingüísticos dos
mais variados e sempre fiel aos seus problemas preferidos, [...] Rodolfo Ilari
conduz seus leitores a uma reflexão (epilingüística) sobre a linguagem,
procurando levar seu destinatário privilegiado o futuro professor de língua
materna por meio de diferentes práticas de análise e exercícios criativos e
diversificados, a refletir sobre os recursos lingüísticos em seu
funcionamento...”
Temos, portanto, um ethos de um sujeito que pertence ao meio
acadêmico, conhecedor da carreira de Rodolfo Ilari, com voz de autoridade, bem
informado, competente, culto, que recorre a citações, invocando o discurso do outro
para sustentar a sua argumentação.
Ao mesmo tempo, esse sujeito constrói a imagem daquele e daquilo de
quem ele fala: do autor do livro, ILARI, como “Profundo conhecedor dos segredos da
linguagem, pesquisador dos mais lúcidos e argutos, lingüista atuante em todas as
áreas desse ramo do conhecimento, visceralmente comprometido com a sua prática
e com as questões de ensino da língua, ...” [...] “Ilari comprova mais uma vez ser um
dos lingüistas brasileiros que mais se destaca pela profundidade de seus
conhecimentos, pela versatilidade imperiosa que sente em estabelecer a ponte
teoria-prática e pela constante preocupação com o ensino de língua...” e do livro
Introdução ao estudo do léxico ao dizer que “Nas vinte e cinco rubricas que
compõem a obra, com base em uma coleção de materiais lingüísticos dos mais
124
variados e sempre fiel aos seus problemas preferidos, [...] ... “uma reflexão
(epilingüística) sobre a linguagem ...” [...] “... por meio de diferentes práticas de
análise e exercícios criativos e diversificados...” [...] “Este livro é um farol que ilumina
esse caminho!”.
Assim, tendo em vista o seu interlocutor, “...seu destinatário privilegiado
o futuro professor de língua materna...” o pathos - , apresenta as informações
iniciais que o leitor busca: aquilo que é interessante ele saber sobre a obra e sobre o
autor dela. Resta-nos, portanto, imaginar que o livro e o autor do livro se situam no
logos, que é o lugar do discurso. É sobre eles que o prefácio fala, ou seja, eles são o
objeto do discurso e, para tornar esse objeto interessante, o prefaciador recorre a
argumentos que considera importantes para persuadir o leitor de que o livro em
pauta deve ser lido.
Em síntese, quando o EU (Ingedore Villaça) fala constrói um ethos e instaura
o TU, o leitor, o pathos. O discurso o logos acaba sendo uma construção
conjunta, já que o EU fala tendo em vista o TU. Neste caso, do prefácio 1, o autor do
livro (Rodolfo Ilari) e o próprio livro (Introdução à Semântica) constituem a não
pessoa, o ELE, aqueles de quem o EU fala.
Esquematizando, temos
Logos – Introdução ao estudo do léxico e seu autor, Rodolfo Ilari
Ethos – Ingedore Villaça Pathos – leitor
Ao falar positivamente, num tom elogioso, do livro bem como de seu autor
Rodolfo Ilari –, ou seja, do logos, Ingedore Villaça também passa ao leitor uma
imagem positiva de si própria, o seu ethos, para, dessa forma, seduzi-lo, provocar
nele a paixão pela leitura do livro e, portanto, o desejo em adquiri-lo. Em outras
125
palavras, vende-se um produto e este produto, a obra Introdução à semântica, é o
prefácio quem promove. Ethos, pathos e logos o, nesse sentido, estratégias
argumentativas presentes no texto examinado a serviço da propaganda.
Prefácio 2 (Assinado)
Obra: Introdução à fonologia da língua portuguesa.
Autor: NETO, Waldemar Ferreira
Prefaciador: Ataliba Teixeira de Castilho
Estrutura organizacional do texto: movimentos retóricos no prefácio 2
Apresen
tação
A fonação é a face mais visível das línguas
naturais. Não admira que venha sendo
ininterruptamente estudada desde a Antigüidade, seja
sob seu ângulo fisiológico-acústico, seja sob o ângulo
do aproveitamento de certos traços ai identificados para
a construção das palavras. Duas disciplinas operam
aqui: a Fonética, mais antiga, e a Fonologia, surgida
dos ensinamentos de Ferdinand de Saussure, o pai da
Lingüística moderna.
A Fonologia logo passou a ser considerada a
“pedra de toque” dos modernos estudos lingüísticos.
Nenhuma outra área conheceu tantas pesquisas,
fundamentou tanta reflexão teórica, nem se aplicou a
tantas línguas naturais.
A língua portuguesa não ficou à margem desse
portentoso movimento científico. A primeira leva de
filólogos trabalhou sobre a inspiração dos modelos
estruturalistas nos anos 40, devendo aqui lembrar-se
Robert A . Hall Jr., David Reed e Yolanda Leite (com
seu estudo sobre os fonemas segmentais da variedade
paulista padrão), os artigos de Joaquim Mattoso
Câmara Jr. reunidos em 1953 no clássico. Para o
estudo da fonêmica portuguesa, a que se seguiram
Helmut Lüdtke, José Gonçalo Herculano de Carvalho.
Brian F. Head, Jorge Morais Barbosa, Dinah I. Callou,
Yonne Leite, Maria do Socorro Aragão e Geraldo
Cintra. A chegada do modelo gerativista logo repercutiu
nos trabalhos de Maria Helena Mira Mateus, Maria
Bernadete Marques Abaurre, Leda Bisol, Leo Wetzels,
Luis Carlos Cagliari, Gladys Massini-Cagliari, entre
Indicação do tópico central
Estabelecimento do campo
de estudo
Alusão
Alusão
126
outros. A Fonética investiga o correlato físico do
fonema, e contou em nosso país com o pioneirismo de
Franco de Sá, autor de um livro publicado no Maranhão,
em 1945, seguindo-se a partir dos anos 30 e até hoje
em Portugal e no Brasil as pesquisas de Rodrigo de
Nogueira, Antônio Houaiss, Armando de Lacerda
(organizador, em Coimbra, do primeiro laboratório de
Fonética, logo replicado na Bahia graças ás atividades
de Nélson Rossi), Maria Eleonora Motta Maia, Dinah I.
Callou, Yonne Leite, Luiz Carlos Cagliari , João Antônio
de Moraes, Vanderci Aguilera, entre outros. A boas
universidades brasileiras organizaram laboratórios de
Fonéticas, alguns dos quais passaram a trabalhar em
cooperação com o pessoal da computação eletrônica e
da medicina legal, em projetos de reconhecimento da
voz.
O autor deste livro, Dr. Waldemar Ferreira Netto
Netto, atua na Área de Filologia e Língua Portuguesa da
Universidade de São Paulo, tendo sido convidado a
instalar na graduação e na pós-graduação a disciplina
de Fonologia. Desde os anos 40, com certo declínio a
partir dos anos 70, tinha-se ensinado e pesquisado
nessa Área e então denominada “Fonética Histórica” ,
de cunho neogramatical, situada no âmbito dos estudos
sobre a história da língua. O componente fonológico
aparecia como uma introdução ao curso de Morfologia,e
não dispunha de estatuto próprio. Isso ocorreu a partir
de 1998, na pós-graduação, e no ano seguinte, na
graduação, ambos como cursos obrigatórios. Este
manual, por conseguinte, resulta de um movimento de
reforma da Área e representa um dos produtos mais
notáveis desse processo de modernização.
O trabalho traz o essencial para a formação
fonológica: a representação dos sons e a escrita
tradicional em língua portuguesa, a produção dos sons
na língua portuguesa, a formação da fonologia
portuguesa, o agrupamento silábico e o acento lexical.
Repercutindo adequadamente embates teóricos da
atualidade, o autor deixa de lado a separação entre a
perspectiva descritiva e a perspectiva histórica,
englobando-as frutiferamente no capítulo terceiro. Ele
inclui com o destaque que lhe é devido o problema do
acento e da organização silábica. Outro ponto alto deste
livro é a cuidadosa explicação sobre como são
produzidos os sons vocais, deixando para trás aquelas
genéricas e misteriosas “explicações” sobre o pulmão
como o fole, a glote como a palheta, e a boca e as fossa
nasais como uma espécie de alto-falante... Gráficos
muito felizes e uma explicação clara aposentam de vez
a assimilação do falante a um misto de órgão de igreja
Alusão / citação
Avaliação do autor
Avaliação da obra
Descrição do conteúdo
127
casado com um trombone-de-vara!
Estendendo através deste manual seu magistério
para além das fronteiras da USP, o Dr. Waldemar
Ferreira Netto dá uma importante contribuição ao ensino
da Fonologia Portuguesa, atuando numa área
indispensável à formação do professor e do
pesquisador dessangua. Uma das características mais
salientes de seu trabalho é a preocupação
antropológica que ressalta destas páginas, pois o autor
é igualmente um incansável pesquisador das línguas
indígenas brasileiras.
O resultado prático disto, que muito beneficiará os
leitores, é certo “desencapsulamento da Fonologia,
que, liberta de um tecnicismo prematuro para um
manual, mostra-se em toda a sua naturalidade como
competente crucial do desempenho lingüístico. Afinal,
quando falamos, emparelhamos produções vocais
organizadas em padrões recorrentes (Fonologia,
Gramática) com significados contidos nas palavras e
manipulados nos atos de fala (Semântica). Este livro
prepara competentemente o estudioso da língua numa
das vertentes cruciais do ato de falar e de seu ato
correlato de escrever.
Ataliba Teixeira de Castilho
Professor Titular de Filologia e Língua Portuguesa da
Universidade de São Paulo e Presidente da Associação
e Lingüística e Filologia da América Latina (Alfal)
Avaliação do autor e da
obra /
Avaliação final / Convite à
leitura / indicação de
potenciais leitores
Avaliação do livro
Indicação de leitores em
potencial
Credenciais do autor
Ocorrências dos movimentos retóricos no prefácio 2:
Movimentos retóricos SIM NÃO
Definição do tópico central X
Estabelecimento do campo de estudo X
Indicação dos objetivos do livro X
Avaliação do autor X
Avaliação da obra X
Alusão / Citação X
Descrição do conteúdo X
Indicação de potenciais leitores X
Avaliação final X
128
Convite à leitura X
Assim, com exceção da indicação dos objetivos do livro, todos os
movimentos retóricos que traçamos constam no prefácio 2.
O caráter promocional no prefácio 2: ethos, pathos e logos como estratégias
argumentativas
O prefaciador, Ataliba Teixeira de Castilho, constrói, por meio da língua, uma
imagem de si: um ethos de um sujeito social:
a) competente, que dem domínio da língua escrita, como se observa pela
linguagem que atende à norma padrão da língua e que, em todo o texto, se
reveste de construções sintáticas bem articuladas, dando forma a um texto
coeso e coerente.
b) culto, bem informado, com voz de autoridade, como se observa pelo modo
como trata o tema abordado no livro, revelando-se um verdadeiro detentor do
conhecimento a respeito de Fonética e Fonologia, tema sobre o qual discorre
na maior parte do texto: do primeiro ao quarto parágrafos. Somem-se a isso,
também nos mesmos parágrafos, as diversas citações, alusões que faz a
tantos autores que estudaram o tema em tela.
c) dotado de autoridade acadêmica e institucional, evidenciada na assinatura:
“Ataliba Teixeira de Castilho, Professor Titular de Filologia e Língua
Portuguesa da Universidade de São Paulo e Presidente da Associação e
Lingüística e Filologia da América Latina (Alfal)”, em que constam nome
completo, o cargo de “Professor” seguido do adjetivo “Titular” (o que lhe
confere um estatuto de destaque dentro da instituição, superior ao professor
assistente e/ou adjunto) e da disciplina que leciona. Acrescenta, ainda, o título
de “Presidente” de uma associação, a Alfal.
Em mais um prefácio, temos o ethos de um sujeito que se revela pertencente
ao meio acadêmico, conhecedor da carreira do autor da obra, com voz de
129
autoridade, bem informado, competente, culto, que recorre a citações, que invoca a
sua experiência profissional e à instituição em que trabalha para sustentar a sua
argumentação.
Ademais, esse sujeito constrói a imagem do autor do livro, Dr. Waldemar
Ferreira Netto, e do livro Introdução à fonologia da língua portuguesa. Do primeiro ao
dizer que “O autor deste livro, Dr. Waldemar Ferreira Netto, atua na Área de Filologia
e Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo, tendo sido convidado a instalar
na graduação e na pós-graduação a disciplina de Fonologia.” E acrescenta:
“Estendendo através deste manual seu magistério para além das fronteiras da USP,
o Dr. Waldemar Ferreira Netto uma importante contribuição ao ensino da
Fonologia Portuguesa, atuando numa área indispensável à formação do professor e
do pesquisador dessa língua.” [...] “o autor é igualmente um incansável pesquisador
das línguas indígenas brasileiras;” uma imagem credenciada pelo título de “Doutor”
e pela Instituição Universidade de São Paulo. Do segundo, quando diz: “O resultado
prático disto, que muito beneficiará os leitores, é certo “desencapsulamento da
Fonologia, que, liberta de um tecnicismo prematuro para um manual, mostra-se em
toda a sua naturalidade como competente crucial do desempenho lingüístico.”
Assim, com o propósito comunicativo que visa a persuadir o seu
interlocutor, “...o estudioso da língua...” o pathos - , o prefaciador apresenta as
informações prévias sobre o livro: aquilo que, para ele, interessa ao leitor conhecer
acerca da obra e sobre o autor dela. O logos, o lugar do discurso, são tanto o livro
quanto o seu autor, pois são eles os assuntos tratados no prefácio, isto é, livro e
autor são o objeto do discurso e, a fim que esse objeto provoque curiosidade no
leitor, o prefaciador recorre a argumentos que julga relevantes para persuadi-lo de
que o livro que ele apresenta é bom e, portanto, deve ser lido.
Resumindo, quando o EU (Ataliba Castlho) fala, constrói o seu ethos e
instaura o TU (o leitor, “...o estudioso da ngua...”), o pathos. Dessa forma, Ataliba e
o leitor, juntos, elaboram o logos discurso –, visto que o EU diz o que diz a partir
daquilo que o TU pensa ou deseja. No prefácio em questão, o autor do livro e o
próprio livro se configuram como o ELE, a não pessoa, aqueles de quem se fala.
Esquematizando, temos:
130
Logos Introdução à fonologia da língua portuguesa e seu autor,
Waldemar F. Neto
Ethos – Ataliba Pathos – o leitor, “o estudioso da língua”
Mais uma vez, Ethos, pathos e logos constituem as três provas a serviço
da persuasão, que, à medida que Ataliba de Castilho constrói imagens altamente
valorosas não do livro que apresenta, mas também de seu ator o logos –,
elabora uma imagem valorosa de si mesmo o seu ethos, pois a suas palavras
revelam-no e, assim, pretende incutir na mente do leitor o pathos a idéia de que
este deve buscar na obra os conhecimentos de que necessita sobre fonética e
fonologia. Em outras palavras, promovendo o livro, o prefaciador pretende levar o
leitor a lê-lo, ou seja, a atiçar-lhe a paixão pela obra e, desse modo, persuadi-lo.
Prefácio 3 (Assinado)
Obra: O discurso da violência.
Autora: DIAS, Ana Rosa Ferreira
Prefaciador: Dino Preti
Estrutura organizacional do texto: movimentos retóricos no prefácio 3
131
A IMPRENSA SOB O SIGNO DA VIOLÊNCIA
Dino Preti
A sociedade brasileira os últimos anos do
século se escoarem, num clima de medo e insegurança.
Nas grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro,
o povo assiste atônito ao crescimento da violência,
paralelo à indiferença dos governos e ao sentimento de
impunidade, de que se faz alarde, sem pensar que ele
põe em risco a própria sobrevivência social.
Os meios de comunicação de massa denunciam,
sem cessar, os fatos insólitos da vida diária, apenas os
mais exacerbados, quando não os insólitos, porque
não é mais possível dar conta de todos os
acontecimentos criminais que assolam os centros
urbanos brasileiros.
Se é certo que rádio, televisão e jornal devem
cumprir seu papel informativo, revelando para seu
público esses acontecimentos, seria possível questionar
a forma como o fazem e as reais intenções que
presidem a apresentação do noticiário violento, às
vezes, mais eloqüente nos pormenores do que nos
próprios fatos em si.
É justo admitirmos que os signos visuais
(fotografias, tapes, filmes) esclarecem quase tudo
nesses fatos, que prescindem, pois, de palavras para
julgá-los. Mas, por outro lado, também é evidente que a
linguagem das manchetes e noticiários orais e escritos,
muitas vezes, traduz posições críticas, operando uma
seleção de significados que pode coincidir ou não com
as posições do leitor ou do espectador. O veículo é o
meio, mas pode tornar-se a própria mensagem, uma
verdade antiga na ciência da comunicação. E isso
acontece, no momento em que se elege um, entre os
muitos significados para os fatos, passando-o pronto,
descodificado, ao receptor.
O trabalho que se vai ler é um estudo sobre a
violência. Não sobre suas causas, sua origem na
sucessão histórica dos fatos que não fazem história,
embora existam vivos, no dia-a-dia da vida dos povos;
mas é um estudo sobre as formas como a violência é
veiculada pela mídia, mais especificamente, pela
imprensa. Em síntese: estuda-se a maneira como o
jornal manipula, nas palavras, a “mensagem da
violência” para seus leitores e a eficácia dessa
intermediação entre acontecimento e público-alvo. Eis,
Considerações iniciais
Indicação dos objetivos
do livro
132
pois, o objetivo dessa pesquisa lingüística, realizada
com cerca de 500 ocorrências, registradas pelo jornal
paulistano Notícias Populares (NP), periódico
classificado pela autora como “popular”, tendo em vista
o tipo de linguagem e a classe de leitores a que visa.
Ana Rosa Ferreira Dias, pesquisadora ligada a
duas das mais conceituadas instituições de ensino de
nível superior do País, a Universidade de São Paulo e a
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, colheu a
amostragem, classificou-a, comparou-a a um material
(corpus) de controle de outro tipo de jornal da mesma
cidade, ouviu leitores nas bancas de jornal e em seus
ambientes de trabalho e, depois, passou à análise,
tarefa a que se dedicou durante três anos.
Para melhor realizar sua obra, apoiou-se em
teorias de Yves Michaud, Nilo Odália, Hélio Bicudo,
Michel Mafesolli, entre outros para definir a diferença
entre atos de violência e estados de violência, os
primeiros concentrados em danos materiais e físicos; os
segundos, em prejuízos causados pela privação,
“sentimento de que determinadas coisas estão sendo
negadas sem razões explícitas”.
A partir daí, a pesquisadora optou pelo recorte de
quatro grandes temas:
1. os conflitos urbanos: a linguagem e a
expressão dos fatos;
2. o julgamento do mundo: aspectos catárticos da
linguagem;
3. a ideologia sexual: os estereótipos sexuais e
sua expressão lingüística;
4. a luta de classes: suas marcas na linguagem.
No primeiro , estuda-se a representação
lingüística dos atos de violência propriamente ditos, no
que diz respeito à agressão física e ao crime; no
segundo trata-se das injustiças sociais, como, por
exemplo, da segregação dos idosos, dos aposentados,
dos parias da sociedade urbana; no terceiro, dos
preconceitos que agem violentamente contra as
mulheres, numa sociedade de posições
tradicionalmente machistas; e, no último, do conflito de
classes, resultante de uma posição social maniqueísta,
em que se marcam rígidas oposições: policiais vs
ladrões, previdência vs aposentado; lojistas vs
marreteiros; patrões vs empregados; etc.
Trabalhando com metodologia clara, uniforme e
apoiada em expressiva bibliografia lingüística, Ana Rosa
F. Dias analisa, com isenção exemplar, seu material
jornalístico e chega a conclusões surpreendentes sobre
esse discurso da imprensa popular.
Se por um lado critica os excessos da linguagem
Avaliação da autora
Alusão / Citação
Indicação do tópico
central
Descrição do conteúdo
Avaliação da autora e da
obra
133
do NP, por outro reconhece que seu discurso constitui
“uma forma hábil de traduzir a visão do mundo de certas
classes sociais, marginalizadas na sociedade”.
Os resultados dessa pesquisa são originais e
resgatam a imagem da linguagem popular, da gíria, dos
recursos expressivos, utilizados pelo jornal popular para
aproximar-se melhor de seus leitores, falando a
linguagem destes. E mais: há condições que extrapolam
os limites da análise lingüística, para atingir problemas
sociais. Assim, por exemplo, para Ana Rosa, o jornal
popular “se torna, em certos ambientes de trabalho, um
instrumento comunicativo, passando de um para outro
leitor, certamente atraídos pelo seu discurso, reflexo de
uma ideologia que se identifica com o pensamento das
classes mais oprimidas”.
Da mesma forma, o periódico tem, para a autora,
um valor histórico-social que transcende o momento da
publicação, porque “se se quiser traçar a história das
classes marginais urbanas, entendidas não apenas
como aquelas ligadas à delinqüência, mas incluindo
também aquelas atingidas pela pobreza e pela
desigualdade social, haverá sempre de se percorrer as
páginas do jornalismo popular, na impureza de sua
linguagem, que procura, apesar dos seus excessos (ou,
ainda mesmo, por causa deles), representar o
pensamento popular sobre os atos e estados de
violência”.
Ensaio extremamente original, O discurso da
violência constitui leitura recomendável, não para
estudantes de Lingüística, de Jornalismo, de Sociologia
ou de História, mas também, pela sua linguagem
simples (nem por isso menos científica), para o público
em geral, em função da atualidade de seu tema, no
contexto social brasileiro.
Cremos que, a partir dessa publicação, não será
mais possível tratar de temas como o da oralidade na
escrita jornalística ou das ligações entre fala e escrita,
ou ainda, da expressividade da linguagem popular, sem
aludirmos a este estudo pioneiro. Veja-se, por exemplo,
no capítulo 4, o tratamento exaustivo que ao
fenômeno da gíria urbana como marca expressiva da
oralidade, no jornalismo popular.
Da leitura desta obra de Ana Rosa Ferreira Dias
fica-se o sentimento agradável de renovação na
pesquisa lingüística, pois comprova que
possibilidades, ainda pouco exploradas, no Brasil, para
a linha da Análise do Discurso, baseada em material
colhido na imprensa.
Avaliação da obra /
Alusão / Citação
Avaliação da obra/Convite
à leitura / Indicação de
potenciais leitores
Convite à leitura/Avaliação
da obra
Avaliação final/
Estabelecimento do campo
de estudo
134
Ocorrências dos movimentos retóricos no prefácio 3
Movimentos retóricos SIM NÃO
Definição do tópico central X
Estabelecimento do campo de estudo X
Indicação dos objetivos do livro X
Avaliação do autor X
Avaliação da obra X
Alusão / Citação X
Descrição do conteúdo X
Indicação de leitores em potencial X
Avaliação final X
Convite à leitura X
No prefácio 3, todos os movimentos retóricos se fazem presentes.
O caráter promocional no prefácio 3: ethos, pathos e logos como estratégias
argumentativas
Quando diz, o prefaciador, Dino Preti, constrói, por meio da língua, uma
imagem de si: um ethos de um sujeito social:
a) competente, que dem domínio da língua escrita, como se observa pela
linguagem que atende à norma padrão da língua e que, em todo o texto, se
reveste de construções sintáticas bem articuladas, dando forma a um texto
coeso e coerente.
b) culto, bem informado, com voz de autoridade, como se observa pelo modo
como trata o tema abordado no livro, revelando-se um verdadeiro detentor do
conhecimento a respeito da violência, tema sobre o qual discorre nos três
primeiros parágrafos do texto. Também recorre à alusão, como, por exemplo,
a referência que faz a “Yves Michaud, Nilo Odália, Hélio Bicudo, Michel
135
Mafesolli”, revelando-se, assim, ser um conhecedor das obras desses
autores.
Em mais um prefácio, temos o ethos de um sujeito que se mostra membro do
universo acadêmico, conhecedor da carreira de Ana Rosa Ferreira Dias, com voz de
autoridade, bem informado, competente, culto, que recorre a citações para sustentar
a sua argumentação em favor do livro de que fala.
O sujeito em tela constrói, também, a imagem da autora do livro, Ana
Rosa Ferreira Dias, e do livro Discurso da violência. Da autora quando diz que ela é
“pesquisadora ligada a duas das mais conceituadas instituições de ensino de nível
superior do País, a Universidade de São Paulo e a Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo”, credenciando, assim, a autora ao condensar, na mesma expressão,
sua qualificação acadêmica e vínculo institucional, o que serve para indicar sua
autoridade no assunto. Do livro ao dizer que “Os resultados dessa pesquisa são
originais...”, ou que este é “estudo pioneiro” ou ainda que “Da leitura desta obra de
Ana Rosa Ferreira Dias fica-se o sentimento agradável de renovação na pesquisa
lingüística...”
Dessa forma, a fim de seduzir o seu interlocutor, “...não só [...] estudantes
de Lingüística, de Jornalismo, de Sociologia ou de História, mas também, [...] o
público em geral” o pathos -, o prefaciador introduz e discute, previamente, as
informações acerca do livro, ou seja, os aspectos que, para ele, são imprescindíveis
que o leitor saiba a respeito da obra e sobre sua autora. Quanto ao livro e ao autor
do livro, estes se configuram como o logos, o lugar do discurso e sobre os quais o
prefácio fala, ou seja, eles são o objeto do discurso do precio e, a fim de instigar o
interesse do leitor por tal objeto, o prefaciador lança mão de argumentos que supõe
serem importantes para alcançar seu objetivo: conduzir o leitor a tornar-se um
“consumidor” da obra O discurso da violência.
Sintetizando, quando o EU (Dino Preti) fala, constrói o seu ethos e invoca a
presença do TU (o leitor), o pathos, construindo, juntos, o discurso o logos , uma
vez que o EU fala tendo em mente o TU. No caso do prefácio em exame, a autora
do livro, Ana Rosa, bem como a sua obra, O discurso da violência, constituem a não
pessoa, o ELE, aqueles de quem o EU fala.
Esquematizando, temos:
136
Logos – Discurso da violência e sua autora, Ana Rosa F. Dias
Ethos – Dino Preti Pathos – o leitor
Ethos, pathos e logos são, também no prefácio 3, estratégias
argumentativas a serviço da promoção do livro. Ou seja, Dino Preti, autor do
prefácio, transmite ao leitor um ethos de um sujeito confiável, intelectual que, ao
desenhar uma imagem positiva de Ana Rosa e de seu livro, o logos, abona-os e,
dessa forma, almeja atingir aquele que mais lhe interessa: o leitor, seu alvo em
potencial, o pathos, pois seu objetivo maior é incitar nesse leitor o desejo de ler a
obra de que fala tão bem. Mais uma vez, portanto, o prefácio é lugar em que se
“vende” um produto: o livro O discurso da violência.
Prefácio 4 (Assinado)
Obra: A Implantação da Língua Portuguesa no Brasil do Século XVI: um percurso
historiográfico.
Autor: CASAGRANDE, Nancy dos Santos.
Prefaciador: BASTOS, Neusa Maria de Oliveira Barbosa Bastos
137
Apresentação
Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos
A necessidade de contar historias incita a
curiosidade do homem relação a seu passado, que
reune os índices de existência, esclarecendo o seu
próprio eu, o seu entorno, os contornos de seus
antepassados e um ''leve'' apontar para o futuro. Refletir
sobre esses aspectos é tarefa de historiadores e de
historiógrafos que buscam explicar o que, como e por
que se movem os indivíduos na direção de registrar os
seus atos por meio de inúmeros documentos que
buscamos incessantemente.
Firmar contratos, contar fatos, produzir antigos,
firmar regras e normas, tudo é material importante para
o pesquisador que debruça sobre o passado numa
busca constante de (re) descoberta de mundos perdidos
no tempo. Nessa riqueza da interação humana,
vivenciada por meio da leitura de documentos,
buscamos nossa identidade cultural e lingüística. No
turbilhão de um primeiro processo de globalização
efetivado pelos quinhentistas, na busca da queda de
fronteiras terrestres e marítimas, vislumbramos um
Portugal, colonizador poderoso, quinhentista valente e
destemido, a fascinar-se por terras bralicas.
Centrando-se na historiografia, em uma de suas
possibilidades epistemológicas e metodológicas de
investigação, a Professora Doutora Nancy dos Santos
Casagrande, pesquisadora da área de Letras Língua
Portuguesa, professora reconhecida pela sua dedicação
e respeitada por seus colegas, baseia-se nos preceitos
da historiografia lingüística, enfocando Konrad Koener e
Pierre Swiggers, na Europa, e II. Del Iiynes e Stephen
Murray nos Estados Unidos e os doutores Cristina
Altman, da Universidade de São Paulo (USP) e Jo
Marcelo Freitas de Luna da Universidade do vale do
Itajaí (Univali), realizadores de pesquisas mais recentes
na historiografia lingüística no Brasil.
Voltada para as questões da implantação da
língua portuguesa no Brasil, a professora Doutora
Nancy apresenta-nos analises relevantes sobre as
cartas dos jesuítas Manoel de Nóbrega e José de
Anchieta e sobre os primeiros “sistematizadores” da
língua portuguesa: o primeiro anotador, Fernão de
Oliveira, e o primeiro gramático, João de Barros.
Cumpre mencionar que refletir sobre a questão
Considerações iniciais
Estabelecimento do campo
de estudo
Avaliação da autora
Alusão
Avaliação da autora /
descrição do conteúdo
138
pedalingüística, numa perspectiva historiográfica, requer
acuidade, dedicação e sabedoria para selecionar,
ordenar, reconstituir e interpretar as fontes primárias
eleitas para a pesquisa. E com essa determinação e
competência centrou-se a tese no fato de que uma
política lingüística ligada à implantação da Língua
portuguesa, no Brasil do século XVI, aponta para uma
metodológica do ensino de língua portuguesa em
Portugal, o que se deu não com a publicação das
obras mencionadas, como também com a
institucionalização da Companhia de Jesus (em 1542).
Com o objetivo de desvendar os percursos
seguidos pelos portugueses, as ações educacionais
vivenciadas pelos índios brasileiros e as políticas
lingüísticas traçadas para esses acontecimentos, Nancy
enveredou pela historiografia moderna, trata das várias
vozes portuguesas e brasileiras que permeiam o
discurso estudado, revelando múltiplos olhares acerca
da temática central de seu trabalho, na busca da melhor
maneira de analisar o discurso da historia.
Sendo uma profissional que de fato se debruça
sobre a pesquisa, discute as questões da implantação
da língua portuguesa com propriedade, o que nos leva a
salientar a necessidade de se ler a obra em tela por sua
grande importância para os estudos atuais de
historiografia da língua portuguesa.
E nesse ir e vir entre, sobre os quinhentos anos
da língua portuguesa, percebemos o principio de
investigação fortemente marcado em Nancy, que
propaga um querer fazer crer a importância da nossa
língua em sua historia quinhentista. Assim, diante de
nossas vistas, vislumbramos trabalho de grande
relevância para os estudos lingüísticos contemporâneos.
São examinadas questões epistemologias e
metodológicas de importância para o estado da arte no
Brasil, o que tem colaborado com os componentes do
Grupo de Pesquisa Historiografia da Língua Portuguesa,
vinculado ao IP PUC SP.
Sendo assim, vêm a público considerações
importantes sobre o tema, elaboradas pela Professora
Doutora pelo programa de Estudos Pós-Graduados em
Língua portuguesa da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, dando excelentes contribuões para que
possamos firmar a definição de um método de trabalho
para a Historiografia do Ensino de Língua portuguesa.
São Paulo, 14 de Novembro de 2004
Avaliação da obra
Objetivos do livro
Avaliação da autora
Convite à leitura
Avaliação da obra
Descrição do conteúdo
Avaliação final
Avaliação da autora
139
Ocorrências dos movimentos retóricos no prefácio 4:
Movimentos retóricos SIM NÃO
Definição do tópico central X
Estabelecimento do campo de estudo X
Indicação dos objetivos do livro X
Avaliação do autor X
Avaliação da obra X
Alusão / Citação X
Descrição do conteúdo X
Indicação de leitores em potencial X
Avaliação final X
Convite à leitura X
Como se vê, neste precio, a maioria dos movimentos retóricos se faz
presente, com exceção apenas dos tópicos “indicação de leitores em potencial”.
O caráter promocional no prefácio 4: ethos, pathos e logos como estratégias
argumentativas
À medida que se pronuncia, a prefaciadora, Neusa Maria de Oliveira Barbosa
Bastos, constrói, pelo discurso, uma imagem de si: um ethos de um sujeito social:
a) competente, que dem domínio da língua escrita, como se observa pela
linguagem que atende à norma padrão da língua, e que, em todo o texto, se
reveste de construções sintáticas bem articuladas, dando forma a um texto
coeso e coerente.,
b) culto, bem informado, como se observa pelas várias alusões a autores
consagrados como, por exemplo, Konrad Koerner, Pierre Swiggers, Del
140
Iiynes, Stephen Murray, Cristina Altman, todos seguidos, ora do continente,
ora país de origem, ora das instituições a que estão vinculados (Europa,
Estados Unidos, Universidade de São Paulo). A referência a esses nomes de
intelectuais renomados transmite ao leitor a imagem de que a autora do
prefácio é também uma intelectual cujo discurso é merecedor de crédito, pois
é ancorado em autoridades do meio acadêmico.
Dessa forma, temos o ethos de um sujeito que se mostra membro constituinte
do meio acadêmico, com voz de autoridade, bem informado, competente, culto, que
recorre a alusões a grandes personalidades acadêmicas para sustentar a sua
argumentação.
Em suma, quando o EU (BASTOS) fala, constrói o seu ethos e instaura o TU
(o leitor), o pathos. O discursoo logos acaba sendo uma construção conjunta, já
que o EU fala tendo em vista o TU. Neste caso, do Prefácio 7, o livro e sua autora
constituem a não pessoa, o ELE, aquele de quem se fala.
Esquematizando, temos:
Logos – A Implantação da Língua Portuguesa no Brasil do Século XVI: um
percurso historiográfico mais CASAGRNDE, Nancy dos Santos, a autora do livro.
Ethos – BASTOS, Neusa Pathos – o leitor
No prefácio em tela, a avaliação da autora, da obra e as alusões a autores
renomados são os movimentos retóricos que mais se evidenciam, o que se
configura como estratégia argumentativa. Isso porque, à medida que enaltece a
autora do livro, destacando sua dedicação e competência, como se em:
“Professora Doutora Nancy dos Santos Casagrande, pesquisadora da área de
141
Letras Língua Portuguesa, professora reconhecida pela sua dedicação e
respeitada por seus colegas” [...] “Sendo uma profissional que de fato se debruça
sobre a pesquisa...”, frisando seu título de “Doutora pelo Programa de Estudos s-
Graduados em Língua portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo”
e trazendo para o texto nomes de grandes personalidades intelectuais, escritores
renomados, a autora do prefácio constrói, não uma imagem positiva do logos - o
livro e sua autora -, mas também uma imagem positiva de si própria, o que lhe
garante credibilidade aos olhos do leitor, o pathos, cujo interesse pela leitura de tal
livro é o alvo das intenções da prefaciadora. O discurso do prefácio é, portanto,
promocional, que seu propósito comunicativo é propagar, por meio de imagens
positivas, a obra A Implantação da Língua Portuguesa no Brasil do Século XVI: um
percurso historiográfico.
Prefácio 5 (Assinado)
Obra: Oralidade e escrita: um diálogo pelo tempo.
Autor: FERREIRA, Luiz Antônio.
Prefaciadora: Maria Thereza Rocco
Oralidade e escrita: Um Diálogo Pelo Tempo
configura-se em rigoroso exercício de reflexão
sobre tema fundamental da atualidade.
Não é fácil tratar a oralidade e escrita, que as
questões que envolvem o assunto inscrevem-se no
âmbito das múltiplas intersecções de disciplinas também
diversas.
Neste livro, Luiz Antonio Ferreira, reconhecido
estudioso e professor da área de linguagem, articula de
forma competente as varias dimensões que recobrem a
temática sem deixar de lado o necessário contraponto
representado pela sua prática profissional.
A obra, bem dividida, inicia-se por uma revisão
critica das disjunções históricas surgidas em torno da
escrita, do oral e de suas funções sociais e culturais.
Na seqüência, tem-se um abrangente
mapeamento dos trabalhos de diversos pensadores
ocidentais que se dedicaram ao estudo das relações
oralidade – escrita.
Partindo da Antigüidade clássica e chegando a
textos contemporâneos, o autor faz uma análise das
Estabelecimento do
campo de estudo
Avaliação do autor e da
obra
Definição do tópico
central
Descrição do conteúdo
142
posições teóricas de Platão, Rousseau, Lévi-Strauss
que, em tempos diferentes, de modos também
diferentes, de modos também diferentes, e por razoes
intelectuais e culturais varias, combateram a escrita.
Ao mesmo tempo em que discute o pensamento
desses estudiosos, Luiz Antonio Ferreira vai criando um
arcabouço de observações pessoais, instaurando assim
um inteligente diálogo entre os textos que elegeu para
análise, a leitura que faz desses textos e sua própria
escritura, enquanto autor de um produto novo.
Avaliando conceitos de significação dupla e
oposta, como é o caso do pharmakon de Platão e do
nandê dos nhambiquaras, revelados por Lévi-Strauss, o
autor projeta um jeito novo de trabalhar a temática
proposta e alarga os limites teóricos em que essa
discussão se inscreve.
Chegando à modernidade, o trabalho coloca o
leitor frente a outras vozes, vozes de alguns dos mais
respeitados intelectuais da atualidade, como Otavio Paz,
Michel de Certeau, Roger Chartier, entre outros, que,
com estudos diferentes e partindo de bases teóricas
plurais, focalizam. Com outros olhos, as questões
relativas à oralidade, escrita e leitura.
Luiz Antonio Ferreira avança nas discussões
teóricas, mas sem esquecer o compromisso que tem
com o ensino de língua materna, com a educação e com
a escola brasileira. O diálogo agora se dá, em tempos
simultâneos, entre as muitas vozes que se preocupam
(ou não) com a voz na escola.
Para o autor, a escola trabalha pouco e mal com
a escrita, que não ensina o aluno a produzir textos
com real autoria, textos que não sejam simulacros ou
repetições de moldes prontos. E, por se considerar, de
certo modo a guardiã matriz da linguagem escrita, a
escola acaba também ignorando a oralidade que, sem
dúvida, permeia e ancora todo o intertexto educacional.
Este livro de Luiz Antonio Ferreira chega em hora
muito oportuna. Construído sobre sólidas bases
teóricas, traz analises inteligentes e bem conduzidas.
Escrito em linguagem atraente, a obra revela-se, desde
já, como leitura obrigatória a todos que circulam por
essa área de investigação.
São Paulo, 16 setembro de 2002
Maria Thereza Rocco
Alusão
Avaliação do autor e da
obra
Avaliação do autor e da
obra
Alusão
Alusão
Avaliação do autor e da
obra / indicação de leitores
em potencial
Indicação dos objetivos
do livro
Avaliação final
Convite à leitura
143
Ocorrências dos movimentos retóricos no prefácio 5:
Movimentos retóricos SIM NÃO
Definição do tópico central X
Estabelecimento do campo de estudo X
Indicação dos objetivos do livro X
Avaliação do autor X
Avaliação da obra X
Alusão / Citação X
Descrição do conteúdo X
Indicação de leitores em potencial X
Avaliação final X
Convite à leitura X
Mais um vez, temos um prefácio em que todos os movimentos retóricos são
percebidos.
O caráter promocional no prefácio 5: ethos, pathos e logos como estratégias
argumentativas
À medida que se pronuncia, a autora do prefácio 5, Maria Thereza Rocco,
constrói, pelo discurso, uma imagem de si: um ethos de um sujeito social:
a) competente, que dem domínio da língua escrita, como se observa pela
linguagem que atende à norma padrão da língua, e que, em todo o texto, se
reveste de construções sintáticas bem articuladas, dando forma a um texto
coeso e coerente.
b) culto, bem informado, como se observa pela alusão aos filósofos Platão,
Rousseau e Lévi-Strauss, bem como aos lingüistas Otavio Paz, Michel de
Certeau, Roger Chartier a cujas idéias a autora se refere com propriedade
144
como se percebe na frase: “... entre outros que, com estudos diferentes e
partindo de bases teóricas plurais, focalizam.”
Dessa forma, temos o ethos de um sujeito que se mostra membro
constituinte do meio acadêmico, com voz de autoridade, bem informado,
competente, culto, que recorre a alusões a grandes filósofos da História da
Humanidade, bem como a personalidades acadêmicas para sustentar a sua
argumentação. Tal atitude serve também para construir a imagem positiva do livro
“Oralidade e escrita: um diálogo pelo tempo”, que, para o leitor, passa a ser uma
obra relevante e, portanto, merece ser lida.
Em suma, quando o EU (Maria Thereza Rocco) fala, constrói o seu ethos e
instaura o TU (o leitor), o pathos. O discurso o logos acaba sendo uma
construção conjunta, que o EU fala tendo em vista o TU. Neste caso, do Prefácio
8, o livro e seu autor, FERREIRA, constituem a não pessoa, o ELE, aquele de quem
se fala.
Esquematizando, temos:
Logos Oralidade e escrita: um diálogo pelo tempo, e seu autor,
FERREIRA
Ethos – Maria Thereza Rocco Pathos – o leitor
Mais uma vez o ethos do autor do prefácio, Maria Thereza Rocco, também se
mostra um ethos de autoridade acadêmica que emerge, principalmente, dos
agradecimentos a autores consagrados. Isto é, à medida que a prefaciadora avalia
positivamente o livro que apresenta e valoriza a competência de seu autor, além de
invocar para seu discurso a voz de outras autoridades para abonar o seu dizer, o
revela sua intenção: que o leitor, o pathos, aprove a obra e venha a adquiri-la. O
145
prefácio 5 é, portanto, o lugar da propaganda, o espaço que o autor utiliza para
promover a obra Oralidade e escrita: um diálogo pelo tempo .
Prefácio 6 (Assinado)
Obra: Investigações Filológicas
Autor: ALI, Manuel Daid
Prefaciador: Evanildo Bechara
Prefácio da 1ª edição
Ao dar a público em um volume os trabalhos
esparsos e inéditos de M. Said Ali, realizo um velho
sonho começado precisamente vinte e sete anos,
pois foi em agosto de 1948 que encetei a publicação
da revista Philologica, da qual saiu um único fascículo,
continuada depois sob a forma de artigos,
estampados, por alguns anos, no jornal do Brasil.
A tarefa inicial da série dessa revista seria a
publicação de pesquisas do grande mestre brasileiro e
do seu fichário de leituras. Dessas pesquisas
esparsas e inéditas consegui hoje, graças ao
consentimento dos herdeiros do Prof. Said Ali e ao
entusiasmo do Sr. Dumitru Tudor da Grifo Edições,
reunir os estudos que o mestre, à época, autorizou
publicar, dando-lhes ele mesmo o titulo de
Investigações Filológicas. Em sua maioria foram
extraídos da Revista de Cultura, iniciativa do
benemérito Pe. Tomás Fontes.
Este novo livro da Coleção LITTERA se reveste
de um valor histórico que convém seja aqui
ressaltado: ele retoma, no cenário das preocupações
lingüísticas do país, um gênero de estudos de língua
portuguesa que constituindo uma honrosa escola
filológica brasileira, com representantes que iam de
Said Ali a Serafim da Silva Neto e Mattoso Câmara
Jr., onde encontramos a valiosa obra de Sousa da
Silveira Antenor Nascentes, Augusto Magne, Martinz
de Aguiar e Ismael de Lima Coutinho, para me cingir
apenas àqueles mestres falecidos e que eu conheci
de perto.
Inexplicavelmente, esse filão foi entre nos
interrompido por uma atividade de teorização
lingüística, cujos principais representantes no
estrangeiro, em nenhum momento, pretenderam
invalidar e substituir. Pelo contrario, reclamam a falta
Comentários introdutórios
Avaliação do autor / Alusão
Indicação da origem do livro
Avaliação da obra
Estabelecimento do campo de
estudo
Alusão
146
de estudos e observações acumulados que muito
viriam iluminar os modelos de descrição estruturalista
que intentam construir sobre línguas naturais. Esta
reclamação incide especialmente nas línguas pouco
conhecidas, como no caso do português.
Não havendo que se abalance a tais pesquisas,
eles próprios, os estrangeiros, vêm levantando uma
serie de informações sobre o nosso idioma, tanto no
eixo sincrônico quanto no diacrônico.
Dessarte, estes estudos do Prof. M. Said Ali
vêm patentear aos jovens lingüistas brasileiros a
necessidade de prosseguirem este gênero de
pesquisa, a que se tem também de aplicar o o
rigor científico, mas a sagesse das inteligências
criativas.
Tomei cuidado de dispor os estudos por ordem
cronológica dentro de cada seção; a urgência com
que foi preparado o material de impressão o me
permitiu acrescentar índice de assuntos e vocábulos
estudados, o que virá certamente na próxima edição.
Ao terminar estas palavras introdutórias, desejo
agradecer aos herdeiros de Prof. Said Ali a
oportunidade que nos concederam – a Grifo Edições e
a mim – de divulgar mais comodamente os esparsos e
inéditos do mestre e amigo inesquecível, cujo
exemplo é uma permanente cara presença na minha
atividade intelectual.
Rio de Janeiro, 31 de agosto de 1975
Evanildo Bechara.
Indicação do tópico central
Indicação de leitores em
potencial
Indicação dos objetivos do livro
Convite à leitura
Agradecimentos
Avaliação final
Ocorrências dos movimentos retóricos no prefácio 6:
Movimentos retóricos SIM NÃO
Definição do tópico central X
Estabelecimento do campo de estudo X
Indicação dos objetivos do livro X
Avaliação do autor X
Avaliação da obra X
Alusão / Citação X
147
Descrição do conteúdo X
Indicação de leitores em potencial X
Avaliação final X
Convite à leitura X
Conforme descrito, no referido prefácio, encontramos, com exceção da
descrição do conteúdo, todos os movimentos retóricos.
O caráter promocional no prefácio 6: ethos, pathos e logos como estratégias
argumentativas
À medida que se pronuncia, o autor do prefácio 6, Evanildo Bechara, constrói,
pelo discurso, uma imagem de si: um ethos de um sujeito social:
a) competente, que dem domínio da língua escrita, como se observa pela
linguagem que atende à norma padrão da língua, e que, em todo o texto, se
reveste de um vocabulário erudito, a exemplo do vocábulo “destarte” e de
arranjos sintáticos que conferem ao texto um forma a um texto fluidez e
elegância.
b) Intelectual respeitado, como se observa pelas referências a figuras notórias
no universo acadêmico, como Serafim da Silva Neto, Mattoso mara Jr.,
Antenor Nascentes, Augusto Magne, Martinz de Aguiar e Ismael de Lima
Coutinho, os quais figuram como “fiadores” de seu discurso, validam a
imagem de um prefaciador que detém conhecimento daquilo que diz. Os
agradecimentos no final do prefácio “aos herdeiros de Prof. Said Ali”, a quem
BECHARA chama de “mestre e amigo inesquecível” também reforçam a sua
imagem positiva e, portanto, merecedora de confiança.
Dessa forma, temos o ethos de um sujeito que se mostra membro constituinte
do meio acadêmico, com voz de autoridade, bem informado, competente, culto, que
recorre a alusões e agradecimentos a grandes personalidades acadêmicas para
sustentar a sua argumentação.
148
Em suma, quando o EU (Evanildo Bechara) fala, constrói o seu ethos e
instaura o TU (o leitor), o pathos. O discurso o logos acaba sendo uma
construção conjunta, que o EU fala tendo em vista o TU. Neste caso, do Prefácio
9, o livro o seu autor, Said Ali, constituem a não pessoa, o ELE, aquele de quem se
fala.
Esquematizando, temos:
Logos – Investigações Filológicas, e seu autor, Said Ali
Ethos – Evanildo Bechara Pathos – o leitor
O ethos do prefácio 6 juntamente com as imagens positivas do livro e de seu
autor o logos - são estratégias que não apenas pretendem convencer o leitor o
pathos -, mas também persuadi-lo de que o livro apresentado é merecedor de
credibilidade e, portanto, deve ser lido. Mais uma vez, tem-se um produto oferecido
a um consumidor: um livro, e para vendê-lo”, é preciso promovê-lo, daí a
necessidade de o prefaciador recorrer a estratégias argumentativas clássicas para
seduzir seu auditório.
Prefácio 7 (assinado)
Obra: Argumentação Lingüística e Discurso Jurídico
Autor: PETRI, Maria José Constantino
Prefaciadora: Ingedore G. Villaça Koch
149
Apresentação
Numerosos em outras plagas, são ainda
escassos em nosso país, estudos que se disponham e
examinar o discurso judico na perspectiva da
Lingüística de Enunciação ou do Discurso.
Maria José Constatino Preti, lingüista, bacharel
em Direito e professora de português, enfrenta, neste
livro, o desafio de demonstrar, de forma simples e
instigante, a viabilidade da utilização do instrumental
teórico oferecido pelas tendências da Lingüística
voltadas para o estudo do discurso e do texto para a
explicação do funcionamento do discurso judiciário,
bem como dos recursos lingüísticos postos em ação
na construção e/ou manipulação dos sentidos.
Professora universitária que é, a autora
objetiva, com seu trabalho, contribuir para o
aprimoramento do ensino da língua portuguesa a
futuros bacharéis em Ciências Jurídicas, auxiliando-os
na melhor compreensão do texto jurídico, assim como
na produção de textos próprios dotados de maior
poder de persuasão.
A leitura desta obra virá, inevitavelmente,
corroborar a postulação da autora que é também a
minha e a da maioria dos que se dedicam à análise do
discurso de que é o interesse das atuais pesquisas
nessa área ultrapassa o terreno estritamente
lingüístico e se estende às demais ciências humanas e
sociais, levando ao estabelecimento de um
intercâmbio interdisciplinar cujos efeitos serão,
certamente, benéficos à compreensão e produção dos
discursos.
Tenho, pois, a certeza plena de que este
trabalho será de grande utilidade não para
professores e alunos de cursos de Direito, como
também para todos aqueles que têm interesse em
conhecer melhor o funcionamento da linguagem no
seio da sociedade.
Ingedore G.Villaça Koch
Campinas, janeiro de 1994
Estabelecimento do campo
de estudo
Avaliação da autora
Definição do tópico central
Descrição do conteúdo
Avaliação da autora
Objetivo do livro
Convite à leitura
Avaliação final
Indicação de leitores em
potencial
150
Ocorrências dos movimentos retóricos no prefácio 7:
Movimentos retóricos SIM NÃO
Definição do tópico central X
Estabelecimento do campo de estudo X
Indicação dos objetivos do livro X
Avaliação do autor X
Avaliação da obra X
Alusão / Citação X
Descrição do conteúdo X
Indicação de potenciais leitores X
Avaliação final X
Convite à leitura X
Verificamos, portanto, que, com exceção do movimento retórico, todos os
outros se fazem presentes no prefácio 7.
O caráter promocional no prefácio 7: ethos, pathos e logos como estratégias
argumentativas
Ingedore Villaça Koch, a prefaciadora, constrói, no seu dizer, uma imagem de
si: um ethos de um sujeito social:
c) competente, que detêm domínio da língua escrita, como se observa pela
linguagem que atende à norma padrão da língua, e que, em todo o texto, se
reveste de construções sintáticas bem articuladas, dando forma a um texto
coeso e coerente.
d) Intelectual que reclama respeitado, como se observa pela modo seguro com
que trata os aspectos relacionados à teoria do discurso, o que se confirma
em: “A leitura desta obra virá, inevitavelmente, corroborar a postulação da
autora que é também a minha e a da maioria dos que se dedicam à análise
151
do discurso de que é o interesse das atuais pesquisas nessa área
ultrapassa o terreno estritamente lingüístico e se estende às demais ciências
humanas e sociais, levando ao estabelecimento de um intercâmbio
interdisciplinar cujos efeitos serão, certamente, benéficos à compreensão e
produção dos discursos”.
Dessa forma, temos o ethos de um sujeito que se mostra membro
constituinte do meio acadêmico, com voz de autoridade, bem informado,
competente, culto, que fala com propriedade do livro que apresenta.
Em suma, quando o EU (Ingedore Villaça Koch) fala, constrói o seu ethos e
instaura o TU (o leitor), o pathos. O discurso o logos acaba sendo uma
construção conjunta, que o EU fala tendo em vista o TU. Neste caso, do Prefácio
10, o livro e sua autora, PETRI, constitui a o pessoa, o ELE, aquele de quem se
fala.
Esquematizando, temos:
Logos Argumentação Lingüística e Discurso Jurídico, e sua autora,
PRETI, Maria José
Ethos – Ingedore Villaça Koch Pathos – o leitor
O logos, a obra Argumentação Lingüística e Discurso Jurídico, é o produto
colocado à venda, por isso a autora do prefácio que o apresenta se utiliza desse pré-
texto para promovê-la. Para tanto, constrói, por meio de uma imagem positiva de si –
o seu ethos -, acrescida de uma imagem valorativa da autora do livro, em cuja
descrição frisa que ela é “lingüista, bacharel em Direito e professora de português”
[...] “Professora universitária” e também da obra à qual de se refere como sendo um
trabalho que contribuirá “para o aprimoramento do ensino da língua portuguesa a
futuros bacharéis em Ciências Jurídicas, auxiliando-os na melhor compreensão do
152
texto jurídico, assim como na produção de textos próprios dotados de maior poder
de persuasão”. Essas imagens são estratégias para alcançar o propósito
comunicativo maior do prefácio: persuadir o leitor de que o livro é bom; deve, pois,
ser adquirido.
A seguir analisaremos prefácios não-assinados cuja análise prévia levou-nos
à constatação de que, quanto aos movimentos retóricos, tais textos apresentam uma
estrutura oraganizacional diferente dos prefácios assinados, daí a necessidade de
elaborarmos uma outra figura, conforme veremos:
153
Figura 2: Propósitos comunicativos e movimentos retóricos do prefácio não-
assinado
PROPÓSITO
COMUNICATIVO
Movimentos retóricos
Expressar gratidão
Apresentar a obra
Estabelecimento do campo
de estudo
Justificativa para o livro
Indicação dos objetivos do
livro
Descrição e/ou discussão do
conteúdo
Indicação da origem do livro
Movimento retórico
Agradecimentos
Alusão / Citação
Indicação de potenciais
leitores
Credenciais do autor
154
Prefácio 8 (não-assinado)
Obra: Lingüística Textual: uma introdução
Autoras: FAVERO, Leonor Lopes & KOCH, Ingedore G. Villaça.
Prefaciador(a): as próprias autoras da obra
NOTA INTRODUTÓRIA
O objetivo desta obra é apresentar ao leitor
brasileiro uma visão panorâmica do recente ramo da
ciência da linguagem que se denomina lingüística
textual.
O livro compõe-se de três capítulos. No primeiro,
introdutório, procura-se mostrar as causas do
surgimento das chamadas gramáticas textuais,
apresentar a sua conceituação e evidenciar-lhes a
relevância, além de indicar as diferentes abordagens
teóricas de que vêm sendo objeto; apresentam-se,
também, diversas das acepções com que se vêm
empregando os termos texto e discurso.
No segundo capítulo, faz-se, inicialmente,
referência a disciplinas que, de uma maneira ou de
outra, ocuparam-se de aspectos significativos para a
melhor compreensão do discurso e do texto (a antiga
retórica, a estilística, o formalismo russo); a seguir, são
focalizados alguns lingüistas cujas obras podem ser
consideradas precursoras, por terem se estendido além
dos limites do enunciado (Harris, Pêcheux, Pike e
outros).
No terceiro capítulo, procede-se a uma resenha
informativa de trabalhos de alguns autores, quer de
linha estruturalista, quer de gerativa, empenhados, uns,
na pesquisa das propriedades específicas do texto,
outros, na construção de modelos de gramáticas
textuais. Entre os primeiros, selecionaram-se nomes
representativos como os de Halliday, Ducrot e Weinrich;
entre os últimos, Isenberg e Lang que chegam a
formalizar modelos explícitos, os quais apresentam
entre si pontos convergentes e divergentes. Não se
inclui nesta obra, am de diversos outros, o nome de S.
J. Schmidt, pelo fato de encontrar-se traduzido para o
português seu livro Lingüística e Teoria de Texto, que
traz, claramente delineados, os fundamentos teóricos
em que se assentam os seus trabalhos.
Este trabalho justifica-se pelo fato de fazermos
parte de um núcleo de pesquisa – Instituto de Pesquisas
Lingüísticas “Sedes Sapientiae” para Estudos de
Indicação do objetivo da
obra / Estabelecimento do
campo de estudo
Descrição do conteúdo /
Alusão
Credenciais das autoras /
Indicação de justificativa
para o livro
155
Português, da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo que vem se dedicando, nestes últimos anos, à
elaboração de uma Gramática Portuguesa de texto.
A obra destina-se, precipuamente, a estudantes
universitários e, de modo especial, a pós-graduandos,
interessados em colocar-se a par das teorias sobre o
texto surgidas, nas últimas cadas, em diversos
países, especialmente da Europa.
Para facilitar-lhes o entendimento do assunto
de si bastante complexo optou-se por traduzir as
citações dos originais, escritos quase todos em alemão,
espanhol, francês, inglês e italiano.
Deseja-se ressaltar que não se trata de uma
resenha crítica das obras aqui examinadas, que o
principal objetivo é o de dar aos leitores uma visão geral
do que se vem fazendo nesse domínio. Isto lhes
permitirá não tomar conhecimento desses trabalhos
como, posteriormente, aprofundar o estudo daqueles
autores que lhes parecerem mais interessantes, através
de consulta direta às suas obras, para o que poderá
servir de guia a bibliografia apresentada no final deste
livro.
Espera-se ter atingido os objetivos almejados.
Ocorrências dos movimentos retóricos no prefácio
Indicação de leitores em
potencial
Indicação dos objetivos
do livro / Convite à leitura
Movimentos retóricos SIM NÃO
Estabelecimento do campo de estudo X
Indicação da origem do livro X
Indicação dos objetivos do livro X
Descrição e/ ou discussão do conteúdo X
Alusão / Citação X
Justificativa para o livro X
Indicação de leitores em potencial X
Convite à leitura X
Credenciais do autor X
156
Como se vê, no referido prefácio, todos os movimentos retóricos traçados
para os prefácios não-assinados se fazem notar, excetuando apenas a indicação da
origem do livro.
O caráter promocional no prefácio 8: ethos, pathos e logos como estratégias
argumentativas
À medida que se pronuncia, as autoras do prefácio 8, Leonor Fávero e
Ingedore Villaça, constroem, pelo discurso, uma imagem de si: um ethos de dois
sujeitos sociais:
c) competentes, que detêm domínio da língua escrita, como se observa pela
linguagem que atende à norma padrão da língua, e que, em todo o texto, se
reveste de construções sintáticas bem articuladas, dando forma a um texto
coeso e coerente.
d) cultos, bem informados, como se observa, pelo modo seguro como tratam o
tema do livro; pelas alusões a autores consagrados como Harris, cheux,
Pike, Halliday, Ducrot, Weinrich, Isenberg e Lang, além da referência a S. J.
Schmidt e a seu livro Lingüística e Teoria de Texto; pela menção ao vínculo
institucional com a PUC de São Paulo, quando dizem que fazem parte do
Instituto de Pesquisas Lingüísticas “Sedes Sapientiae”, o que serve de “fiador”
das autoras e, por conseguinte, do livro que elas ora apresentam; e, por fim,
ao dizerem, indiretamente, que são proficientes em línguas estrangeiras como
revela o trecho: “... optou-se por traduzir as citações dos originais, escritos
quase todos em alemão, espanhol, francês, inglês e italiano.”
Dessa forma, temos o ethos de dois sujeitos que se mostram membros
constituintes do meio acadêmico, com voz de autoridade, bem informados,
competentes, cultos, que recorrem a citações, que invocam a instituição em que
atuam, inclusive, como pesquisadoras para sustentar a sua argumentação.
Os sujeitos em tela constroem, também, a imagem do livro quando
afirmam que o leitor encontrará nele “...uma visão panorâmica do recente ramo da
ciência da linguagem que se denomina lingüística textual.” e ao descrever, capítulo a
capítulo, o seu conteúdo, pautado nas teorias de autoridades da lingüística textual
como Harris, Pêcheux, Pike, Halliday, Ducrot, Weinrich, Isenberg, Lang e S. J.
157
Schmidt. Essas imagens, para o leitor, são um argumento de autoridade, ou seja, a
obra que ele tem em suas mãos foi produzida por autoras sérias, com sólida
formação em lingüística textual, tema de que trata o livro, ou seja, por autoras em
quem ele pode confiar.
Assim, a fim de seduzir o seu interlocutor, como as autoras salientam,
“...estudantes universitários e, de modo especial, a pós-graduandos, interessados
em colocar-se a par das teorias sobre o texto ...” o pathos elas apresentam as
informações que tais leitores encontrarão na obra. Por fim, o livro se situa no logos,
o lugar do discurso e sobre o qual o Prefácio fala, ou seja, ele é o objeto do discurso
e, para torná-lo interessante, as autoras recorrem a argumentos que consideram
importantes para atingir seu objetivo: persuadir o leitor de que o livro em pauta deve
ser lido.
Em suma, quando o EU (Leonor Fávero e Ingedore Villaça) fala, constrói o
seu ethos e instaura o TU (o leitor), o pathos. O discurso o logos acaba sendo
uma construção conjunta, que o EU fala tendo em vista o TU. Diferentemente dos
prefácios assinados, nos não-assinados, o ELE, aquele de quem se fala, a não
pessoa, é apenas o livro.
Esquematizando, temos:
Logos – Lingüística Textual: uma introdução
Ethos – Leonor Favero e Ingedore Villaça Pathos – o leitor
As autoras tanto do livro quanto do prefácio, ao construírem uma imagem
positiva de si mesmas, o seu ethos, estão objetivando angariar o interesse do leitor,
o pathos, pelo livro, o logos, que elas escreveram e que o apresentam no prefácio.
Assim, se se transmite ao leitor um ethos de pesquisadoras competentes,
158
conhecedoras das idéias dos autores da Lingüística Textual, conforme vimos pelas
alusões apontadas, esse ethos é uma estratégia para promover o livro Lingüística
Textual, objeto da propaganda veiculada no prefácio 8.
Prefácio 9 (Não-assinado)
Obra: A Revolução Tecnológica da Gramatização
Autor: AUROUX, Sylvain.
Prefaciador: o próprio autor
PREFÁCIO
Entre os mitos expandidos pela historiografia das
ciências da linguagem tal como ela foi estabelecida no
século XIX, na época em que reinava a hegemonia do
comparatismo, um dos mais prejudiciais para a
compreensão do papel exato desempenhado por essas
disciplinas no desenvolvimento cultural da humanidade
é incontestavelmente o da cientificidade.
Os comparatistas, considerando que sua
disciplina era uma “ciência”, entendiam por três
coisas: i. ela perseguia um objetivo de conhecimento
puramente desinteressado; ii. ela construía a
representação dos fenômenos lingüísticos; iii. ela não
exercia e não devia exercer nenhuma ação sobre
esses mesmos fenômenos. É provável que essas
características correspondam ao programa da gramática
histórica e comparada que se propunha a descrever a
evolução das línguas, concebidas como entidades
autônomas dotadas de uma realidade própria. Na
mitologia dos comparatistas (que se tornou uma espécie
de lugar-comum entre os lingüistas que o seguiram), os
estudos concernentes à linguagem só teriam adquirido o
estatuto científico no início do século XIX com os
trabalhos de Bopp, isto é, com a gramática comparada
moderna (para definir seu próprio estatuto histórico
nunca se está tão bem servido como por si mesmo!)
Foi em data recente que os filólogos e
historiadores especializados começaram a estudar, em
seu conjunto, o desenvolvimento das ciências da
linguagem, a partir de métodos e de pontos de vista que
são os da filosofia e da história das ciências. Quero
dizer que eles se propuseram a abordar essas
disciplinas no mesmo estado de espírito com que se
Estabelecimento do
campo de estudo
Justificativa para o livro
Alusão
159
abordam as matemáticas, a física ou a biologia.
Enquanto se dispõe de uma grande quantidade
de discussões sobre o início do pensamento matemático
ou sobre as mutações das concepções da realidade
natural, é bastante surpreendente que não se tenha
ainda o mesmo para as ciências da linguagem (o que se
encontra em Derrida quanto ao “logocentrismo” das
teorias lingüísticas me parece muito superficial e não se
sustenta em face dos métodos que propomos). Ora, a
massa de estudos produzidos há uma quinzena de anos
conduz a rever consideravelmente o velho esquema dos
comparatistas. Este pequeno livro se propõe a abordar a
questão de um ponto de vista bastante geral: quando e
em que circunstâncias nasceram as disciplinas
consagradas à linguagem? Qual é seu impacto sobre o
desenvolvimento cultural humano? Quais são os
grandes movimentos?
Vou sustentar aqui duas teses que me parecem
ter um interesse filosófico. A primeira concerne ao
nascimento das ciências da linguagem (ou, para evitar o
bloqueio da mitologia comparatista, digamos “as
considerações reflexivas sobre a linguagem humana”).
Os historiadores, os lingüistas e os filósofos
habitualmente fazem desse aparecimento uma das
causas do nascimento da escrita. Em primeiro capítulo
sustento o contrário, a escrita que é um dos fatores
necessários ao aparecimento das ciências da
linguagem, as quais remontam à virada do terceiro e
segundo milênios antes de nossa era, entre os
acadianos. Existe aí uma questão de fundo tão
importante quanto aquela, tão debatida, que consiste
em determinar (por exemplo) se as matemáticas
nasceram ou da agrimensura e da compatibilidade. A
segunda tese concerne ao que chamo de gramatização
e o objeto do segundo e terceiro capítulos. Podemos
formulá-la assim: o Renascimento europeu é o ponto de
inflexão de um processo que conduz a produzir
dicionários e gramáticas de todas as línguas do mundo
(e não somente dos vernáculos europeus) na base da
tradição grego-latina. Esse processo de “gramatização”
mudou profundamente a ecologia da comunicação
humana e deu ao Ocidente um meio de conhecimento /
dominação sobre as outras culturas do planeta. Trata-se
propriamente de uma revolução tecnológica que não
hesito em considerar tão importante para a história da
humanidade quanto a revolução agrária do Neolítico ou
a Revolução Industrial do século XIX.
Essas teses puderam ser elaboradas no curso
de um programa de pesquisas bastante pesado cujos
resultados correspondem à publicação da História das
Alusão
Objetivos do livro
Descrição e discussão do
conteúdo
Indicação da origem do
livro
160
idéias lingüísticas da qual estão aparecendo três
volumes, sob minha direção, em Liège, cujo editor é
Pierre Mardaga. Sou reconhecido, em sua formulação,
pelas longas discussões com os oitenta colaboradores
dessa primeira enciclopédia histórica das ciências da
linguagem. Agradeço a Pierre Mardaga por ter me
autorizado a retomar numerosos elementos das
introduções que redigi para o primeiro (1089) e segundo
(1992) volumes. Sou igualmente reconhecido a Eni
Orlandi por tornar possível que essas teses sejam
apresentadas e discutidas no curso de seu seminário na
Universidade Estadual de Campinas.
Paris, março de 1992.
Agradecimentos
Ocorrências dos movimentos retóricos no prefácio 9:
Movimentos retóricos SIM NÃO
Estabelecimento do campo de estudo X
Justificativa para o livro X
Indicação dos objetivos do livro X
Descrição e/ou discussão do conteúdo X
Indicação da origem do livro X
Alusão / Citação X
Indicação de potenciais leitores X
Credenciais do autor X
Agradecimentos X
Como se vê, com exceção de dois movimentos retóricos – indicação de
potenciais leitores e Credenciais do autor – todos os outros se fazem presentes.
O caráter promocional no prefácio 9: ethos, pathos e logos como estratégias
argumentativas
À medida que se pronuncia, o prefaciador, o próprio autor da obra, Sylvain
Auroux, constrói, pelo discurso, uma imagem de si: um ethos de um sujeito social:
161
a) competente, que dem domínio da língua escrita, como se observa pela
linguagem que atende à norma padrão da língua, e que, em todo o texto, se
reveste de construções sintáticas bem articuladas, dando forma a um texto
coeso e coerente.
b) culto, bem informado, como se observa, por exemplo, pelas alusões ao
lingüista Bopp e ao filósofo Derrida, bem como pela forma segura com que
trata, em todos o texto, o desenvolvimento dos estudos da linguagem ao
longos dos séculos, sempre com muita propriedade; pelos agradecimentos a
Eni Orlandi, pesquisadora brasileira.
Mais uma vez, do prefácio emerge um ethos de um sujeito que se mostra
membro constituinte do meio acadêmico, com voz de autoridade, bem informado,
competente, culto, que recorre a alusões e agradecimentos a grandes
personalidades acadêmicas para sustentar a sua argumentação.
Em suma, quando o EU (Sylvain Auroux) fala, constrói o seu ethos e instaura
o TU (o leitor), o pathos. O discurso o logos acaba sendo uma construção
conjunta, que o EU fala tendo em vista o TU. Neste caso, do Prefácio 9, o livro
constitui a não pessoa, o ELE, aquele de quem se fala.
Esquematizando, temos:
Logos – A Revolução Tecnológica da Gramatização
Ethos – Sylvain Auroux Pathos – o leitor
Por tratar-se de um prefácio não-assinado, por motivos mais ou menos
óbvios, não a possibilidade de o autor se auto-celebrar, restando apenas, ao que
parece, discutir de uma forma bem mais ampla o campo de estudos, razão por que o
162
movimento retórica “discussão do conteúdo” ganha destaque e transmite ao leitor
o pathos um ethos de credibilidade, além de construir uma imagem positiva da
obra, o logos. Essa imagem positiva da obra ganha reforço com o movimento
retórico “agradecimentos”, pois, ao fazê-lo a Eni Orlandi, autora considerada
autoridade nos estudos da linguagem desenvolvidos na Universidade de Campinas,
o prefaciador traz para o prefácio a voz de uma “avalista” para o seu discurso. Esse
jogo de imagens positivas do prefaciador e do livro são, portanto, estratégias
argumentativas com vistas a persuadir o leitor de que o livro é bom e merece ser
lido.
Prefácio 10
Obra: Linguagem e Lingüística
Autor: LYONS, John
Prefaciador: o próprio autor
Prefácio
Este livro destina-se ao curso ‘Lingua(gem) e
Lingüística’ que damos a alunos do primeiro ano na
Universidade de Sussex. Poucos são aqueles que
entram na Universidade com o propósito de formar-se
em Lingüística. Alguns, cujo interesse despertou com o
curso, na realidade transferem-se de outras áreas para
a nossa. A maioria, entretanto, segue o programa de
graduação na disciplina que originalmente escolheu
como área de concentração ao candidatar-se para a
admissão na faculdade. Nosso objetivo, portanto, em
‘Lingua(gem) e Lingüística’, é apresentar aos alunos
alguns dos conceitos teóricos e das descobertas
empíricas mais importantes da lingüística moderna.
Mas queremos adotar um nível técnico relativamente
baixo, enfatizando as conexões entre a lingüística e
muitas outras disciplinas acadêmicas que, por seus
próprios motivos e de acordo com pontos de vista
específicos, se interessam pelo estudo da língua.
Acredito que esse livro venha a ser igualmente
adequado para cursos semelhantes a este, que
atualmente são dados em muitas universidades,
escolas politécnicas e faculdades de educação, tanto
aqui quanto no exterior. Da mesma forma espero que
seja de algum interesse para o leitor leigo que queira
Estabelecimento do campo
de estudo / Indicações das
credenciais do autor
Justificativa para o livro
Indicação de potenciais
leitores / Indicação dos
objetivos do livro
163
inteirar-se de certos aspectos da lingüística moderna.
Este livro é mais abrangente e menos profundo
do que o meu Introduction to Theorical Linguistics
(1968). É igualmente menos detalhado no tratamento
de muitos tópicos. No entanto, anexei a cada capítulo
uma lista de sugestões para leituras complementares.
Ela deverá ser suficientemente ampla para ser usada
por conferências e professores que farão uma seleção
de acordo com seu conhecimento e suas preferências
teóricas; poderão acrescentar à minha lista de livros
diversos artigos importantes que, a não ser que tenham
sido reimpressos em publicações mais acessíveis,
foram excluídos por questões políticas. A bibliografia
está concentrada nas sugestões para leituras
complementares, representativas da maior parte, senão
de todos os pontos de vista. Para o proveito de
estudantes que utilizem este livro sem uma orientação
especializada, e o auxílio ao leitor leigo interessado em
aprofundar-se no assunto, selecionei aproximadamente
vinte livros didáticos ou coletânea de artigos, marcados
com um asterisco na Bibliografia. Também aqui, tive o
cuidado de escolher um material representativo não
dos diferentes pontos de vista teóricos, como
também dos diferentes níveis de exposição.
A cada capítulo segue-se uma série de
Perguntas e Exercícios. Em alguns casos trata-se de
meras revisões, podendo ser solucionadas sem maior
pesquisa. Em outros especialmente naqueles
contendo citações de outros trabalhos lingüísticos o
aluno será obrigado a considerar e a avaliar opiniões
diferentes daquelas que apresento neste livro. Algumas
perguntas são bem difíceis; não espero que seja
possível respondê-las sem uma orientação, com base
em dez semanas de curso sobre lingüística. Por outro
lado, parece-me importante que nesses cursos o
individuo receba a noção do que seja a lingüística nos
níveis mais avançados, embora não necessariamente
mais técnicos; e é impressionante ver o que se pode
conseguir com um pouco de maiêutica socrática.
O mesmo comentário se aplica ao problema que
acrescentei (no final do capítulo sobre Gramática). Ele
foi elaborado por mim muitos anos, quando
lecionava na Universidade de Indiana, e desde então
vem sendo utilizado, por mim e por outros, como
exercício bastante complexo, em termos de análise
lingüística. Aquele que conseguir apresentar uma
solução que satisfaça às exigências de adequação
empírica e explanatória em menos de duas horas, será
dispensado de ler os capítulos do meio deste livro!
Embora Língua(gem) e Lingüística seja bem
Descrição do conteúdo
Discussão do conteúdo
164
diferente de minha Introduction to Theoretical
Linguistics, é permeado do mesmo sentido de
continuidade na teoria lingüística desde seus primórdios
até os dias de hoje. Não fiz constar um capítulo sobre a
história da lingüística como tal, mas respeitando o
espaço disponível, tentei enquadrar algumas das
questões mais importantes em seus devidos contextos
históricos. Escrevi também um pequeno capitulo sobre
o estruturalismo, o funcionalismo e gerativismo, na
lingüística, já que me parece que as relações entre
estes movimentos vêm sendo negligenciadas ou
distorcidas na maioria dos livros. Particularmente a
gramática gerativa, que é comumente confundida, por
um lado, com uma certa gramática gerativo-
transformacional, formalizada por Chomsky e, por outro
lado, com o que chamei aqui de “gerativismo”, também
amplamente divulgado por Chomsky. Em um rápido
tratamento da questão da gramática gerativa neste
livro, como também em meu Chomsky (1977a) e em
outras ocasiões, tentei manter as distinções
necessárias. Pessoalmente, encontro-me totalmente
comprometido com os objetivos dos que utilizam
gramáticas gerativas como modelos para a descrição
para fins teóricos, mais do que práticos da estrutura
gramatical das línguas naturais. Como ficará patente
neste livro, rejeita muitos, embora não todos, os
princípios do gerativismo. Contudo, apresentei-os com
a maior justiça e objetividade possíveis. Meu propósito
constante foi dar pesos iguais tanto à base cultural
quanto à base biológica da linguagem. Recentemente
vem-se dedicando uma maior ênfase a esta em
detrimento daquela.
Devo registrar aqui os meus agradecimentos aos
colegas Dr. Richard Coates e Dr. Gerald Gazdar, que
me auxiliaram na elaboração deste livro. Ambos leram
todo o manuscrito e fizeram valiosos comentários
críticos, além de aconselhar-me em certas áreas em
que seus conhecimentos superavam o meu. É
dispensável dizer que não são responsáveis por
qualquer das opiniões expressas na versão final desta
obra, tanto mais que e alegro-me em afirmá-lo
publicamente ainda discordamos sobre alguns pontos
teóricos.
Gostaria igualmente de expressar minha gratidão
à minha esposa, que não me deu o apoio moral e o
carinho necessários para que eu escrevesse este livro,
como também serviu de modelo como leitora leiga para
muitos capítulos, corrigindo ainda para mim a maior
parte das provas. Uma vez mais contei com o
aconselhamento editorial especializado e compreensivo
Descrição e discussão do
conteúdo / Alusão
Agradecimentos
165
di Dr. Jeremy Mynott e da Sra. Penny Carter, da
Cambridge University Press, a quem agradeço
imensamente.
Falmer, Sussex
Janeiro de 1981.
Indicação de credencial do
autor
Ocorrências dos movimentos retóricos no prefácio 10
Movimentos retóricos SIM NÃO
Estabelecimento do campo de estudo X
Justificativa para o livro X
Indicação dos objetivos do livro X
Descrição e/ou discussão do conteúdo X
Indicação da origem do livro X
Alusão / Citação X
Indicação de potenciais leitores X
Credenciais do autor X
Agradecimentos X
O exame do referido prefácio levou-nos à constatação de todos os
movimentos retóricos relacionados na figura 2.
O caráter promocional no prefácio 10: ethos, pathos e logos como
estratégias argumentativas
À medida que se pronuncia, o prefaciador, o próprio autor da obra, Jonh
Lyons, constrói, pelo discurso, uma imagem de si: um ethos de um sujeito social:
c) competente, que detêm domínio da língua escrita, como se observa pela
linguagem que atende à norma padrão da língua, e que, em todo o texto, se
166
reveste de construções sintáticas bem articuladas, dando forma a um texto
coeso e coerente.
d) culto, bem informado, como se observa pela forma segura com que descreve
e comenta o conteúdo do livro, movimento retórico que mais se evidencia em
todo o texto; pela referência a outra obra por ele produzida “Introduction to
Theoretical Linguistics; pela alusão a Chomsky, uma figura notória no
universo acadêmico, conhecido por ser o “pai” da gramática gerativa; pelos
agradecimentos a outras figuras do meio acadêmico, cujo título de doutor é
mencionado antes de seus respectivos nomes: “Devo registrar aqui os meus
agradecimentos aos colegas Dr. Richard Coates e Dr. Gerald Gazdar, que me
auxiliaram na elaboração deste livro. Ambos leram todo o manuscrito e
fizeram valiosos comentários” e pela indicação do nome da universidade a se
vincula: “Sussex”.
No prefácio 10 também temos, pois, um ethos de um sujeito que se mostra
membro constituinte do meio acadêmico, com voz de autoridade, bem informado,
competente, culto, que recorre a citações e alusões, além de agradecimentos a
grandes personalidades acadêmicas para sustentar a sua argumentação.
Em suma, quando o EU (Jonh Lyons) fala, constrói o seu ethos e instaura o
TU (o leitor), o pathos. O discurso o logos – acaba sendo uma construção
conjunta, que o EU fala tendo em vista o TU. Neste caso, do Prefácio 10, o livro
constitui a não pessoa, o ELE, aquele de quem se fala.
Esquematizando, temos:
Logos – Linguagem e Lingüística
Ethos – Jonh Lyons Pathos – o leitor
167
À semelhança do prefácio anterior, também por ser produzido pelo próprio
autor do livro, este não explicita o seu ethos por meio de autoelogios, mas através
de pistas que vão construindo sua imagem positiva. Essas pistas se situam nos
seguintes movimentos retóricos: “descrição e discussão do conteúdo”, movimento
predominante em todo o texto, na “alusão” e nos “agradecimentos”, as quais
também são responsáveis pela construção de uma imagem positiva do livro,
resultando em duas imagens que transmitem credibilidade ao auditório o pathos -,
atiçando-lhe a paixão. Dessa forma, temos, no texto, um jogo de relações em que
ethos, logos e pathos se imbricam como estratégias persuasivas.
4.2. À Guisa de fechamento da análise
Os prefácios que circulam no universo acadêmico se constituem, quanto à
sua estrutura organizacional, por dez movimentos retóricos recorrentes:
estabelecimento do campo de estudo, indicação do tópico central, indicação dos
objetivos do livro, descrição do conteúdo, alusão, avaliação do autor da obra,
avaliação da obra, indicação de leitores em potencial, convite à leitura, avaliação
final, no caso dos prefácios assinados; nos prefácios não-assinados, temos nove
movimentos retóricos: estabelecimento do campo de estudo, justificativa para o livro,
descrição e discussão do conteúdo, indicação das origens do livro, indicação dos
objetivos do livro, indicação de potenciais leitores, alusão, indicação das credenciais
do autor e agradecimentos; quanto ao propósito comunicativo, evidenciou-se a
intencionalidade em promover a obra e, para tanto, estratégias argumentativas se
fazem presentes: o ethos, o pathos e o logos, os quais, assim como no discurso oral
segundo Aristóteles em sua Retórica, aqui, no discurso escrito, também constituem
as três provas a serviço da persuasão, confirmando, assim, o caráter promocional do
gênero prefácio.
Em termos dos movimentos retóricos, um elemento distintivo entre os
prefácios assinados e os não-assinados diz respeito à apresentação e discussão do
conteúdo do livro. Enquanto nos primeiros, os prefaciadores apresentam o conteúdo
de forma mais superficial, no segundo, tendem a dar um maior investimento retórico
168
nesse movimento, realizado na forma de uma breve descrição seguida de uma
discussão ou uma breve explanação daquilo que o livro aborda.
A explicação para esse fato é que, por motivos óbvios, nos prefácios não-
assinados, o prefaciador não reserva espaço no texto para tecer elogios a si próprio
nem a sua obra. Em contrapartida, nos prefácios assinados, as informações sobre o
autor são apresentadas de forma a reforçar aos olhos do leitor as suas credenciais
no campo de estudos de que trata a respectiva obra. Destaca-se o amplo espaço
dedicado aos comentários sobre o autor, desde as informações propriamente
biográficas até a sua inserção no campo acadêmico. Sinais lingüísticos, como o uso
de adjetivos indicam o caráter avaliativo do texto.
Outro traço distintivo dos dois tipos de prefácios reside no fato de, enquanto
nos textos assinados, o movimento retórico “agradecimentos” não se fazer
presente
7
, nos prefácios não-assinados, esse movimento retórico é uma constante.
Freqüentemente os agradecimentos ocupam um espaço do texto, servindo para
expressar a gratidão e o reconhecimento do autor ou organizador em relação a
pessoas que emprestam prestígio credibilidade ao livro ou instituições que de
alguma forma contribuíram para a sua publicação. Ressalte-se que os
agradecimentos não deixam de ter uma participação no credenciamento do livro aos
olhos do leitor, uma vez que, de algum modo, traçam a relação da obra com o
ambiente acadêmico.
No concernente à questão da autoria, os manuais de metodologia científica
não dão destaque sobre quem deveria escrever o prefácio de um livro. Segundo
Bhatia (2004), eventualmente, autores e editores de livros não estarão
necessariamente presos a regras sobre quem produz o prefácio. De acordo com
nossa análise, os potenciais protagonistas do gênero são ou o autor do livro ou um
terceiro, uma figura externa dotada de autoridade no campo acadêmico ou
institucional. Trata-se de especialistas conhecidos na área em estudo, ou pessoas
investidas de poder em alguma instituão relacionada a área disciplinar em geral ou
com a produção e publicação do livro em particular.
7
Em nossa a mostra, a exceção foi um prefácio produzido por Evanildo Bechara de um livro de Said Ali, o que
parece justificar-se pelo fato de ele, Bechara, ter publicado o livro de Ali.
169
Independentemente de quem seja o produtor do prefácio, se autor,
organizador, editor ou uma figura externa que empresta autoridade à obra que vem
a público, tudo nos leva a crer que o aspecto mais notável na construção do gênero
parece ser a sua natureza autoral, que é, com freqüência, indicada por um elemento
paratextual (o título) e por informações contextuais na forma de indicação da autoria,
local e data da produção do texto. A assinatura, além de indicar quem escreveu o
prefácio, nos casos em que o se trata do próprio autor da obra, acrescenta um
elemento de autoridade como marca característica do gênero. O nome daquele que
escreve o prefácio empresta prestígio à publicação, evidenciando uma relação de
poder e práticas sociais em que algumas pessoas e não outras serão convidadas a
escrevê-lo.
A autoria é freqüentemente caracterizada formalmente por assinatura, ou
seja, a indicação do nome de quem escreveu o texto. Quando o prefaciador é o
próprio autor do texto, a simples menção do nome já basta para referendar o gênero.
Nesse caso, expressões como “o autor” ou “o organizador” podem substituir o nome.
Em se tratando, porém, de um terceiro que é convidado para elaborar o prefácio, a
simples assinatura pode não ser considerada suficiente, razão pela qual a ela se
acrescentam as credenciais ou os vínculos acadêmicos, profissionais ou
institucionais que validam o prestígio do prefaciador.
Quanto às práticas sociais da comunidade acadêmica, a recorrência de
terceiros na produção de prefácio pode ser justificada pela multiplicidade de vozes
que procuram se fazer ouvir por meio do livro acadêmico. Tais vozes cumprem
propósitos que atendem aos interesses de diferentes atores tanto dentro do universo
acadêmico como no interior do mercado editorial. Assim, enquanto o autor almeja
ver sua obra apresentada por uma autoridade reconhecida no campo de estudo, aos
editores da obra, por sua vez, interessa que ela seja referendada aos olhos do
público a que se destina.
Portanto, uma característica recorrente no gênero prefácio assinado é a
combinação de elogios, ora ao livro, ora ao seu autor, construindo-se, dessa forma,
a imagem altamente positiva e direcionada ao convencimento do leitor sobre o valor
da obra. No caso dos o-assinados, essa imagem positiva, conforme dissemos,
se evidencia na ênfase dada à descrição e discussão do conteúdo, uma forma de
salientar o valor da obra. Num ou noutro caso, é comum não se perceber uma
170
tentativa de avaliar o livro sob parâmetros propriamente acadêmicos. O discurso
promocional prevalece numa considerável lista de expressões positivas. Nos textos
em geral, o aspecto promocional se sobressai em relação a uma apreciação
acadêmica “neutra”.
171
CONCLUSÃO
Conforme estabelecemos no início deste trabalho, nosso objetivo foi
investigar, do ponto de vista de sua constituição e uso, os pré-textos socialmente
conhecidos como prefácios de livros acadêmicos, convencionalmente impressos em
língua portuguesa do Brasil, enquanto gênero discursivo que circula no universo
científico, realizando práticas sociais próprias de atores que se envolvem no
processo de produção, recepção e leitura de obras acadêmicas. O exame prévio dos
textos apontou-nos, pelas diferenças composicionais, a necessidade de distribuição
dos prefácios em dois tipos: o assinado, aquele produzido por outro autor que não o
do próprio livro, e o não-assinado, aquele produzido pelo próprio autor do livro
prefaciado.
Para o estudo adequado de tais textos, procuramos responder à questão
relacionada às regularidades que os configuram como gênero discursivo, levando
em consideração os seguintes aspectos: a constituição retórica do gênero - os
propósitos comunicativos e os movimentos retóricos -, bem como as práticas sociais
típicas do ambiente acadêmico.
A realização de tal estudo se deu com base em um corpus composto por dez
prefácios extraídos de obras da área de Letras, visto que este é um campo em que
atuamos desde a nossa graduação e com o qual mantemos, portanto, uma estreita
relação. Quanto ao referencial teórico, nosso ponto de partida foi a análise de
gêneros relacionada, nos princípios gerais, com a obra de Swales (1990, 2004) e
com o trabalho do lingüista Vijay Bhatia (1993, 1997a, 1997b, 2004), no tocante ao
caráter promocional do texto. Neste sentido, buscamos também apoio nos
postulados da Retórica, pois, para promover a obra, o autor do prefácio recorre a
imagens positivas os ethé como estratégias persuasivas. O resultado desse
estudo levou-nos a compreender que a descrição específica do gênero prefácio, na
relação com o livro acadêmico, executa propósitos comunicativos associados, ora
com a apresentação acadêmica, ora com a promoção comercial da obra prefaciada.
Ademais, os resultados de nosso estudo conduziram-nos a uma ampliação do
quadro apresentado por Bhatia para descrever os “gêneros introdutórios”,
especialmente no que diz respeito ao número dos movimentos retóricos presentes
172
no gênero prefácio, conforme apresentamos na figura 1 (“Propósitos comunicativos
e movimentos retóricos dos prefácios de obras acadêmicas”).
Dessa forma, no gênero prefácio propósitos comunicativos socialmente
aceitos cuja tarefa é introduzir/apresentar a obra acadêmica. Além disso,
paralelamente a desses propósitos “públicos”, outros propósitos mais “particulares”
se fazem presentes na medida em que esses pré-textos assumem uma natureza
promocional e não apenas acadêmica. Apropriando-nos dos termos de Bhatia
(2004), resumo e avaliação são os principais “valores genéricos” que perpassam os
textos analisados, para cuja realização diversos movimentos retóricos são
empregados.
Vistos como um todo, os prefácios, assinados ou não, que circulam no
ambiente acadêmico permitem dar voz a uma multiplicidade de atores sociais, por
isso se revelam como alternativas de que se valem os membros constituintes das
comunidades acadêmica e editorial que, na tentativa de buscar por espaço em um
ambiente altamente competitivo, recorrem a estratégias que se aproximam,
sobremaneira, do discurso da publicidade e propaganda. Entre as estratégias
argumentativas elencadas pela Retórica, optamos por observar a presença dos ethé
como imagens reveladas pelo discurso e que estão a serviço da persuasão.
Esses ethé que emergem do discurso prefacial revelam uma apreciação
positiva do livro logos que ultrapassa uma possível neutralidade ou sobriedade
acadêmica e se torna uma tentativa de promover o livro para o potencial leitor. Trata-
se de estratégias argumentativas que visam a provocar as paixões do leitor o
pathos e, assim, persuadi-lo de que a obra merece ser lida. Neste caso, torna-se
difícil, ou mesmo inviável, visualizar um limite claro entre o acadêmico e o
promocional. Dessa forma, as práticas sociais acadêmicas se imbricam com as
práticas do mercado editorial, confundindo-se com elas, configurando, assim, um
discurso amalgamado.
Esse amálgama que envolve discurso promocional e acadêmico, a rigor, não
se restringe a um ponto específico no corpo do gênero. Esse aspecto, que se
manifesta visivelmente na superfície do texto por meio do emprego de adjetivos,
pode distribuir-se por diversos movimentos retóricos. É o caso, por exemplo, dos
agradecimentos, que camuflam a real intenção do prefaciador do livro: promover a
própria obra. Isso porque, à medida que agradece a autoridades acadêmicas e/ou
173
instituições notoriamente reconhecidas, constrói uma imagem positiva de si, o seu
ethos, e, dessa forma, chama a atenção do leitor a fim de que este se torne um
“consumidor” do produto promovido: o livro.
Assim, o conceito de propósito comunicativo para um estudo de gêneros se
mostra bastante produtivo, já que permite elucidar muito do que os textos veiculados
na sociedade estão, de fato, realizando, além daquilo que eles, na sua superfície, se
propõem realizar. De modo particular, no que concerne aos aspectos estruturais
manifestados pelos prefácios, os propósitos socialmente reconhecidos por si s
não se mostram suficientes para dar conta da complexidade sócio-retórica de tal
gênero. É por isso que se fazem necessários outros propósitos, estes relacionados à
promoção comercial da obra, e que se manifestam paralelamente aos propósitos
propriamente acadêmicos.
Quanto às práticas sociais da comunidade acadêmica, estas se realizam no
caráter polifônico do gênero prefácio, ou seja, na multiplicidade de vozes que ecoam
do texto e que buscam se fazer ouvir por meio do livro acadêmico. Tais vozes
cumprem propósitos que estão a serviço dos interesses tanto dos atores
constituintes do ambiente acadêmico quanto daqueles pertencentes ao mercado
editorial. Portanto, quando um autor iniciante convida alguma autoridade acadêmica
para apresentar sua obra, não está atendendo a um interesse seu, mas também
dos editores dela, que almejam um livro referendado aos olhos do público-leitor.
O caráter polifônico do gênero prefácio nos leva a refletir sobre a questão da
autoria, um dos questionamentos que fizemos no início deste trabalho. Assim, tendo
em vista as condições sócio-interacionais em que se dá a produção do gênero
prefácio e por ser este um gênero produzido de modo consciente e planejado, passa
a ser visto como alvo de desejo ou de disputa no processo de busca por visibilidade
no universo acadêmico. Trata-se de um gênero que se firmou na tradição acadêmica
e editorial e que em sua produção estão imbricados interesses que vão além da
simples avaliação da obra que antecede. Como vimos, por trás de um discurso que
se diz introdutório, se esconde, segundo Bhatia, uma “intenção particular”: promover
a obra. É por essa razão que critérios como poder, prestígio e autoridade são
relevantes na escolha do autor do prefácio, ou simplesmente na opção por não
entregar a um terceiro a tarefa de prefaciar uma determinada obra, como é o caso
dos prefácios não-assinados.
174
O gênero prefácio possibilita, portanto, que várias vozes se expressem na
periferia de uma obra acadêmica. É o conjunto dessas vozes que transmite ao
potencial leitor uma apreciação indubitavelmente positiva da obra que o prefácio
apresenta. Quando se pensa em reconhecimento, a necessidade de se buscar
vozes de terceiros para emprestar prestígio à obra pode depender das condões de
produção do trabalho que vem a público ou do lugar ocupado pelos autores na
comunidade acadêmica.
O foco da presente pesquisa teve como base a perspectiva sócio-retórica de
Swales, todavia, seja qual for a linha teórica adotada, não se pode ignorar a
complexidade da noção de gênero textual. Ainda que o conceito esteja bastante
difundido e largamente explorado na pesquisa acadêmica, algumas questões
precisam ser revistas ou mais bem investigadas para abarcar a infinidade de
gêneros que circulam em nossas práticas sociais, pois, conforme postula Bakhtin
(1997), existirão tantos gêneros de discurso quanto houver atividades humanas.
Para finalizar, queremos destacar que não se esgota, aqui, a pesquisa de
gênero a partir da noção de propósito comunicativo. Diferentemente do nosso
estudo, que levou em consideração um gênero particular, uma investigação possível
e que fica aberta a futuros pesquisadores seria examinar como se dão os propósitos
comunicativos num conjunto de gêneros do mesmo universo discursivo como, por
exemplo, prefácios juntamente com resenhas presentes em revistas especializadas.
Ou ainda, em se tratando de gêneros introdutórios, um desafio seria investigá-los do
ponto de vista de outras modalidades lingüístico-discursivas como, por exemplo, a
oralidade. Seria o caso de se estudar as apresentações de livros nas ocasiões em
que estes são lançados, ou seja, em congressos ou encontros destinados a essa
finalidade. Embora o conceito de propósito comunicativo não seja o único critério
que o analista deve levar em conta para a caracterização dos gêneros, privilegiá-lo
em trabalhos futuros significa reconhecer a sua relevância para os estudos da
linguagem.
175
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