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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
Cristiane de Almeida Pacheco
O COMPLEXO DE ÉDIPO E SUA IMPORTÂNCIA NO
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
Rio de Janeiro
2009
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Cristiane de Almeida Pacheco
O COMPLEXO DE ÉDIPO E SUA IMPORTÂNCIA NO
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós Graduação em Psicanálise, Saúde e
Sociedade da Universidade Veiga de
Almeida por CRISTIANE DE ALMEIDA
PACHECO, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em
Psicanálise, Saúde e Sociedade.
Orientadora: Profª Drª Maria da Glória Schwab Sadala
Rio de Janeiro
2009
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FICHA CATALOGRÁFICA
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Setorial Tijucal/UVA
P116c Pacheco, Cristiane de Almeida
O complexo de Édipo e sua importância no
diagnóstico e tratamento / Cristiane de Almeida
Pacheco, 2009.
113p. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Veiga de
Almeida, Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e
Sociedade, Rio de Janeiro, 2009.
CRISTIANE DE ALMEIDA PACHECO
O COMPLEXO DE ÉDIPO E SUA IMPORTÂNCIA NO
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
Dissertação apresentada ao programa de Pós
Graduação em Psicanálise, Saúde e Sociedade da
Universidade Veiga de Almeida por CRISTIANE
DE ALMEIDA, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Psicanálise,
Saúde e Sociedade.
Área de concentração: Prática em Psicanálise
Linha de pesquisa: Prática Psicanalítica
Aprovada em 19 de junho de 2009.
Banca Examinadora
__________________________________
Profª Drª Maria da Glória Schwab Sadala
Orientadora
___________________________________
Profª Drª Sonia Borges
Examinadora
___________________________________
Profª Drª Rosane Melo
Examinadora
Ao Alexandre, meu marido,
pelo carinho, compreensão
e apoio incondicional.
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares, pela compreensão e tolerância com minhas ausências.
À minha orientadora, Glória Sadala, pela escuta atenta, incentivo e dedicação.
Às professoras da banca examinadora, pela leitura atenciosa e pelas dicas valiosas.
Aos professores do Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade.
À minha analista, pois em seu divã pude reviver o Édipo.
Aos meus pacientes, sem os quais jamais poderia ter compreendido os conceitos
abordados nesta dissertação.
Vou sem pressa de ir, chego lá
Vou... Vou pelos caminhos do mar
O bom de sonhar devagar
É que o sonho custa a acabar
(Vieira & Galante - Vai que dá.)
RESUMO
A presente dissertação tem como objetivo ressaltar a importância do complexo de
Édipo no diagnóstico e na direção do tratamento psicanalítico, assim como para
outras áreas do saber, como a medicina e a educação, que usufruem das indicações
e diretrizes a partir de um diagnóstico diferencial. Esse estudo foi realizado através
de uma pesquisa bibliográfica nos textos referentes ao complexo de Édipo segundo
a obra de Freud e Lacan. Ao final do trabalho, um estudo de caso é utilizado para
corroborar a articulação teórica-clínica.Passando pelo mito de Édipo, pela tragédia
grega Édipo Rei e pelos pressupostos teóricos de Sigmund Freud e Jacques Lacan,
ressaltamos que o complexo de Édipo pode ser designado como o conjunto das
relações que a criança estabelece com as figuras parentais e que constituem uma
rede, em grande parte inconsciente, de representações e afetos. Estas relações
perpassam a dialética do ser e do ter, levando o sujeito a sair de um posicionamento
em que se encontra identificado com o falo da mãe, para outro onde aceita a
castração simbólica e se identifica com o sujeito a quem supõe ter o falo.O complexo
de Édipo é a referência principal no estabelecimento do diagnóstico diferencial em
psicanálise. O diagnóstico se faz relevante por servir ao direcionamento da análise.
As estruturas clínicas são estabelecidas de acordo com o modo como o sujeito lida
com a falta inscrita na subjetividade e que condiciona a maneira de cada um lidar
com o sexo, com o desejo, com a lei, com a angústia e com a morte.
Palavras-chave:
Complexo de Édipo; Psicanálise; Diagnóstico; Tratamento.
ABSTRACT
The present dissertation has the objective to show the importance of the Édipo’s
complex to the diagnostic and on direction of the psychoanalysis treatment, just as
about to another areas of the knowledge as the medicine and the education, that
enjoy the indications and guidelines from one differential diagnostic. This study was
realized through out by a search bibliographic on the texts concerning to the Édipo’s
complex in conformity to Freud and Lacan production. The end of the dissertation a
study of case was used to confirm the articulation theory - clinic. Passing by the
Édipo’s myth, by Greek tragedy Édipo King and from the presupposed theoreticians
from Sigmund Freud e Jacques Lacan, jutting out what the Édipo’s complex may be
designated as the suite from the relations what the child establishes with the parental
figures and that constitute a network, in large measure unconscious, of
representations and affections. These relations pass by the dialectic of be and of
have, taking the subject to go by one position statement where it meets identified
with the phallus from mother to another where can accept the symbolic castration
and feel identified with the subject to whom suppose have the phallus. The Édipo’s
complex is the principal reference to establish differential diagnostic in
psychoanalysis. The diagnostic seems relevant because serves to guide the
analysis. The clinical structures are established according to the way how the subject
chore with the failure inscription on subjectivity and that conditioned the manner of
each one get along with the sex , with the desire , with the law , with the worry and
with the death.
Keywords: Édipo’s complex; Psychoanalysis; Diagnostic; Treatment.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
-----------------------------------------------------------------------------------11
1 A QUESTÃO DO DIAGNÓSTICO
----------------------------------------------14
1.1 A IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO------------------------------------15
1.2 PSICANÁLISE E PSIQUIATRIA: CONVERGÊNCIAS E
DIVERGÊNCIAS
-----------------------------------------------------------------19
1.3 DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL
----------------------------------------------23
1.3.1 Estrutura: o que é?
---------------------------------------------------23
1.3.2 O diagnóstico estrutural
-------------------------------------------30
2 O COMPLEXO DE ÉDIPO-----------------------------------------------------------33
2.1 MITO E TRAGÉDIA----------------------------------------------------------------33
2.1.1 Mito e mitologia------------------------------------------------33
2.1.2 A tragédia grega------------------------------------------------36
2.1.2.1 Deus Dioniso e as tragédias gregas--------------37
2.2 SÓFOCLES E A TRAGÉDIA ÉDIPO REI
--------------------------------40
2.3 O COMPLEXO DE ÉDIPO EM FREUD
----------------------------------46
2.3.1 Totem e tabu: o mito da horda primeva------------------53
2.3.2 O complexo de Édipo na menina-----------------------------54
2.4 O COMPLEXO DE ÉDIPO EM LACAN
-----------------------------------56
3 AS ESTRUTURAS CLÍNICAS E A DIREÇÃO DO
TRATAMENTO
-------------------------------------------------------------------------67
3.1 DAS ESTRUTURAS CLÍNICAS----------------------------------------------67
3.1.1 Neurose
---------------------------------------------------------------------67
3.1.1.1 Histeria
------------------------------------------------------------68
3.1.1.2 Neurose Obsessiva
-----------------------------------------69
3.1.2 Perversão
------------------------------------------------------------------71
3.1.3 Psicose
----------------------------------------------------------------------72
3.2 A DIREÇÃO DO TRATAMENTO--------------------------------------------73
3.2.1 Considerações sobre a transferência em Freud e
Lacan
-------------------------------------------------------------------------75
3.2.1.1 Em Freud
--------------------------------------------------------75
3.2.1.2 Em Lacan
--------------------------------------------------------79
3.2.2 Transferência e resistência
--------------------------------------84
3.2.3 Da transferência à interpretação------------------------------85
3.3 UM CASO CLÍNICO
---------------------------------------------------------------92
CONCLUSÃO------------------------------------------------------------------------------------99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS--------------------------------------------102
APÊNDICE---------------------------------------------------------------------------------------108
INTRODUÇÃO
O Programa de Pós-Graduação em Psicanálise, Saúde e Sociedade da
Universidade Veiga de Almeida caracteriza seu mestrado como profissional e
interdisciplinar. A interdisciplinaridade pressupõe uma nova forma de produção do
conhecimento por implicar em trocas teóricas e metodológicas, gerando novos
conceitos com o objetivo de atender a natureza complexa de determinados
fenômenos.
Entende-se por interdisciplinaridade a convergência de duas ou mais áreas do
conhecimento que contribui para o avanço das fronteiras teóricas e práticas,
transferindo métodos de uma área para outra, gerando novos conhecimentos e
proporcionando ao profissional um novo olhar sobre seu objeto de estudo.
Podemos comparar a interdisciplinaridade a um mosaico. São várias facetas
se relacionando que, ao serem observadas, permitem que vejamos um todo.
Entretanto, cada uma dessas facetas pode ser distinguida da outra, o que nos leva a
dizer que a interdisciplinaridade possui um caráter estrutural, uma vez que as partes
se relacionam com o todo sem perderem suas propriedades.
Uma investigação a respeito do complexo de Édipo nos mostra a importância
da convergência dos estudos da filosofia, da antropologia, da linguística e da
psicanálise. Nessa visada, a psicanálise é um campo de saber caracterizado pela
interdisciplinaridade.
Em psicanálise, foi a leitura da obra freudiana, a partir da linguística, da
antropologia, da filosofia e da matemática, que levou Lacan ao estabelecimento
rigoroso e sistemático do conceito de estrutura psíquica e a formular que o campo
da psicanálise é fundado na fala e na linguagem — abordagem interdisciplinar em
cujo contexto foi possível a formulação do inconsciente estruturado como uma
realidade transindividual, constituindo-se na e pela linguagem. A psicanálise trata do
12
Inconsciente, que é essa parte “do discurso concreto, como campo da realidade
transindividual do sujeito” (LACAN, 1953, p.259). O modelo da linguagem é a matriz
teórica para se representar a existência e o funcionamento do inconsciente, como
podemos constatar nos escritos de Freud “Sobre a psicopatologia da vida cotidiana”
(1901), “A interpretação dos sonhos” (1900) e “Os chistes e sua relação com o
inconsciente” (1905).
O desenvolvimento do tema do presente trabalho, O complexo de Édipo e sua
importância no diagnóstico e tratamento, será realizado através de pesquisa
bibliográfica e estudo de caso, nos quais será possível verificar a
interdisciplinaridade da psicanálise com outros campos do saber, uma vez que
ressaltada a importância do complexo de Édipo no diagnóstico e na direção do
tratamento, tanto para a psicanálise como para a medicina e a educação.
No primeiro capítulo, trataremos da importância do diagnóstico, salientando
sua natureza estrutural para a psicanálise, e das convergências e divergências entre
a psicanálise e a psiquiatria, através de um breve percurso acerca do conceito de
estrutura em psicanálise, tendo como objetivo obter um embasamento teórico mais
elaborado para a realização deste estudo.
Em seguida, apresentaremos, no segundo capítulo, uma investigação do
complexo de Édipo — conceito divisor de águas no que diz respeito à questão
diagnóstica. Também abordaremos, com o auxílio da filosofia, o estudo do mito de
Édipo e da tragédia grega Édipo Rei de Sófocles para chegarmos ao conceito de
complexo de Édipo elaborado por Freud. Percorreremos o percurso da elaboração
deste conceito ao longo de sua obra e em seguida o apresentaremos em Lacan, que
justamente por considerá-lo como um sistema de relações, nomeia-o “Édipo
estrutural”.
A apresentação do conceito do complexo de Édipo nos levará aos estudos
das estruturas clínicas e da direção do tratamento, temas do último capítulo. Acerca
do primeiro estudo, apresentaremos brevemente as estruturas clínicas em
psicanálise: neurose, psicose e perversão. No que diz respeito à direção do
tratamento, estabelecida a partir do diagnóstico estrutural, partiremos do texto de
Lacan de 1958, “A direção do tratamento e os princípios do seu poder”, passando
por conceitos fundamentais para a psicanálise, tais como a transferência, a
13
resistência e a interpretação. O capítulo será finalizado com um caso clínico que
ilustrará os conceitos abordados ao longo desta dissertação.
Para finalizar, apresentaremos um produto fruto desta pesquisa com o
objetivo de divulgar as contribuições da psicanálise e corroborar sua
interdisciplinaridade.
1 A QUESTÃO DO DIAGNÓSTICO
Atualmente, vivenciamos um período regido pelo discurso capitalista que
produz um sujeito cuja causa de vida pode ser a dos objetos de consumo produzidos
pelo saber científico-tecnológico financiados pelo capital. Os imperativos do
consumo, da moda, do utilitarismo e do capital não deixam espaço para a falta e o
desejo do sujeito — que passam a querer o carro da moda, as roupas utilizadas
pelas atrizes das novelas, os novos modelos de celular etc. É um discurso sem lei,
que não tem um conjunto de medidas suficiente e que, longe de regular as relações
entre os homens, segrega. Sua única via de tratar as diferenças é pela segregação
imposta pelo mercado, determinando os que têm ou não acesso aos produtos da
ciência. A sociedade regida por este discurso produz consumidores insaciáveis.
Estas relações sociais não estão centradas nos laços com outros homens, mas nos
objetos que levam a uma falsa ilusão de completude (QUINET, 2001a).
Podemos observar a oferta de diferentes formas de obtenção e manutenção
da saúde através dos progressos científicos e tecnológicos. Estes permitem que
doenças anteriormente consideradas fatais sejam superadas e que as estimativas
de vida sejam cada vez maiores. Parece haver a instituição de diferentes
prescrições com o objetivo maior de prolongar o tempo de vida ou, minimamente, de
manter o bem estar do sujeito (BIRMAN, 2001).
É justamente para proporcionar saúde, e também para a manutenção desta,
que os medicamentos são prescritos. Porém, existe um outro lado com o qual o
sujeito deve se relacionar que não pode ser proporcionado pelos medicamentos.
Consideramos que o desenvolvimento dos psicofármacos trouxe novas perspectivas
para os doentes mentais. Porém, vemos também que seu uso na sociedade atual é
um pouco excessivo, mas esse excesso provavelmente ocorre devido ao lucro que
15
proporciona às indústrias farmacêuticas transformando esses medicamentos em
mais um objeto a ser consumido.
A psicanálise irá intervir justamente nessas questões — a morte, o sexo, a
religião, entre outras — que são trazidas por um sujeito e para as quais não
encontramos soluções nas farmácias. Por isso o diagnóstico em psicanálise é
realizado a partir do discurso do paciente. Este é considerado a parte principal no
desvendamento do enigma do sujeito que se apresenta através dos sinais e
sintomas. O objetivo principal do diagnóstico em psicanálise é auxiliar na direção do
tratamento daquele que busca uma análise ao se deparar com seu sofrimento.
1.1 A IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO
Para aprofundarmos nosso estudo acerca da questão do diagnóstico,
consideramos relevante estudar a etimologia desta palavra. Inicialmente utilizamos
como referência o Dicionário etimológico da língua portuguesa, de Celso Cunha,
segundo o qual a origem da palavra “diagnóstico” é diagnose (“conhecimento ou
determinação de uma doença”) e derivada do grego diagnostikós (“capaz de ser
discernível”). Em latim, a palavra é diagnosticu, sendo subdividida em dia + gnosticu,
em que dia significa através de, durante, por meio de, e gnosticu, alusivo ao
conhecimento de (CUNHA, 2007, p.261).
Fomos um pouco além em nossa pesquisa e encontramos a palavra
diagnóstico como adjetivo, dizendo respeito à diagnose, e como substantivo
masculino significando o “conhecimento ou determinação de uma doença pelo(s)
sintoma(s), sinal ou sinais e/ou mediante exames diversos (radiológicos,
laboratoriais etc.)” e também o conjunto dos dados em que se baseia essa
determinação (FERREIRA, 1999, p. 675).
Esse substantivo masculino é usado em medicina como a “qualificação dada
por um médico a uma enfermidade ou estado fisiológico, com base nos sinais que
observa” (MICHAELIS, 2008). Nesta mesma referência tivemos acesso ao conceito
de diagnóstico clínico e diferencial. O primeiro diz respeito aos sintomas, “sem levar
em consideração as alterações mórbidas que os produzem” (Ibidem). Já o
diagnóstico diferencial é a “determinação da doença do paciente entre duas ou mais
suspeitas, pela comparação sistemática de seus sintomas” (Ibidem).
16
Com base nesse estudo etimológico, é possível compreender melhor a
relação entre as palavras diagnóstico e medicina, uma vez que seu significado diz
respeito às doenças e aos sinais e sintomas. Sendo a psiquiatria um ramo da
medicina, podemos dizer que ao diagnosticarmos em psicanálise sempre nos
reportamos à psiquiatria e nos deparamos com as convergências e as divergências
entre ambas.
No livro Psiquiatria e psicanálise: controvérsias e divergências, Quinet
(2001b) sublinha que a ligação entre a psiquiatria e a psicanálise ocorre desde os
primórdios desta, quando a psicanálise tinha a psiquiatria como ponto de referência,
pois as entidades clínicas da psicanálise basearam-se na nosografia da psiquiatria
clássica: neurose, psicose e perversão. A cada uma dessas categorias podemos
relacionar um nome da pré-história da psicanálise. A paranoia foi estudada por
Kraepelin, a esquizofrenia por Bleuler, a melancolia, que teve como base a psicose
maníaco-depressiva, foi adotada por Freud a partir de Emil Kraepelin. Temos ainda
a perversão estudada por Krafft-Ebing e a neurose por Charcot. Também é válido
ressaltar os dois grandes tipos clínicos de neurose: a histeria e a neurose obsessiva.
Alves (2001) chama a atenção para o fato de o diagnóstico em psiquiatria ser
diferente do psicanalítico. Em psiquiatria, o diagnóstico possui um caráter
classificatório e determinante que se fundamenta nos sinais e sintomas relatados
pelo paciente e tem como objetivo principal aniquilar o transtorno formado a partir
dos mesmos através do uso de medicamentos. Já na psicanálise a importância do
diagnóstico é outra. É realizado a partir do discurso do paciente, considerado como
parte relevante no desvendar do enigma que se apresenta através daqueles sinais e
sintomas, e seu objetivo principal é auxiliar na direção do tratamento.
Freud (1913b), em “Sobre o início do tratamento”, texto fundamental onde a
técnica psicanalítica é abordada sob a forma de recomendações, comparando o
tratamento psicanalítico com o jogo de xadrez, diz que somente são encontradas
explicações técnicas sobre o seu início e o seu final. Isto porque uma infinita série de
jogadas são possíveis ao longo do jogo. Com a técnica psicanalítica ocorre o
mesmo, encontramos muitas referências acerca do início e do final de análise,
porém o que acontece nesse intervalo de tempo é de difícil relato por se tratar de um
período singular da relação analista-analisante. Freud (ibidem, p.164) afirma:
17
A extraordinária diversidade das constelações psíquicas envolvidas, a
plasticidade de todos os processos mentais e a riqueza dos fatores
determinantes opõem-se a qualquer mecanização da técnica; e ocasionam
que um curso de ação que, via de regra, é justificado possa, às vezes,
mostrar-se ineficaz, enquanto outro que habitualmente é errôneo pode, de
vez em quando, conduzir ao fim desejado. Estas circunstâncias, contudo,
não nos impedem de estabelecer para o médico um procedimento que, em
média é eficaz.
Ainda neste texto, Freud (Idem) divide a análise em duas partes. A primeira
ele chama de período de ensaio e, a segunda, de análise propriamente dita. Esse
período de ensaio, posteriormente chamado por Lacan (1971 apud QUINET, 2005,
p.14) de “entrevistas preliminares”, antecede o começo da análise propriamente dita
e já é submetido à regra fundamental da psicanálise — pede-se ao paciente que fale
o que lhe vier à cabeça, mesmo que lhe pareça sem importância ou reprovável. Com
este período preliminar, procura-se evitar a interrupção da análise e poupar o
paciente de uma impressão de fracasso em seu tratamento. Freud (1913b, p.165)
nos explica:
Este experimento preliminar, contudo, é, ele próprio, o início de uma
psicanálise e deve conformar-se às regras desta. Pode-se talvez fazer a
distinção de que, nele, deixa-se o paciente falar quase todo o tempo e não
se explica nada mais do que o absolutamente necessário para fazê-lo
prosseguir no que está dizendo. Existem também razões diagnósticas para
começar o tratamento por um período de experiência deste tipo (...).
Este período preliminar é relevante e possui alguns objetivos. O principal
deles é o estabelecimento da transferência, pois somente através dela é possível a
entrada em análise e a presentificação do saber do paciente, permitindo que seu
sintoma seja decifrado. O segundo objetivo é familiarizar o paciente com o método
psicanalítico, cuja regra fundamental é a associação livre que coloca o inconsciente
em funcionamento. Outro objetivo ainda, e de maior relevância para o presente
trabalho, é fazer o diagnóstico segundo a psicanálise. Freud (ibidem, loc. cit.)
justifica a importância de se fazer o diagnóstico:
Com bastante frequência, quando se vê uma neurose com sintomas
histéricos ou obsessivos, que não é excessivamente acentuada e não existe
há muito tempo (...) tem-se de levar em conta a possibilidade de que ela
possa ser um estádio preliminar do que é conhecido por demência precoce
(‘esquizofrenia‘ na terminologia de Bleuler; ‘parafrenia’ como propus chamá-
la) (...) Não concordo que seja sempre possível fazer a distinção tão
facilmente.
Neste momento, cabe fazermos referência à transferência e ao método
psicanalítico. Isto porque Freud tratou seus pacientes por meio de várias técnicas:
18
hipnose, sugestão e catarse. Entretanto, em 1893-1895, no último capítulo de
“Estudos sobre a histeria”, descreve sua invenção: a psicanálise — organizada em
torno do método de associação livre.
Para diferenciar a psicanálise de outros métodos, Freud faz uso de um artigo
publicado em 1905, cujo título é “Sobre a psicoterapia”, onde evoca uma
diferenciação que Leonardo da Vinci faz entre pintura e escultura. Freud compara a
pintura à sugestão por ser realizada per via di porre, “pois deposita sobre a tela
incolor partículas coloridas que antes não estavam ali” (FREUD, 1905 [1904], p.244).
A sugestão “não se importa com a origem, a força e o sentido dos sintomas
patológicos, mas antes deposita algo (...) que ela espera ser forte o bastante para
impedir a expressão da idéia patogênica” (Idem, ibidem). Já o método analítico é
comparado à escultura, ocorrendo per via di levare, visando à retirada, à extirpação
de algo. No que diz respeito à psicanálise, Freud (ibidem, loc. cit.) sublinha:
A terapia analítica, em contrapartida, não pretende acrescentar nem
introduzir nada de novo, mas antes tirar, trazer algo para fora, e para esse
fim preocupa-se com a gênese dos sintomas patológicos e com a trama
psíquica da idéia patogênica, cuja eliminação é sua meta.
Jacques Lacan (1967), na “Proposição de 09 de outubro de 1967 sobre o
psicanalista da Escola”, nos diz que no começo da psicanálise está a transferência e
que seu sustentáculo é o sujeito suposto saber, que seria o eixo a partir do qual tudo
o que acontece com a transferência se articula. Por isso podemos afirmar que a
importância da transferência se encontra presente na psicanálise desde o seu início
até hoje.
Quando Freud descobre a função da transferência na relação com o paciente,
abandona o método catártico para criar o método psicanalítico. No texto “Tratamento
psíquico” (FREUD, 1905b) encontramos o conceito de neurose de transferência
introduzido após a percepção de que na relação com o médico a palavra possui
importância primordial. A utilização da transferência como instrumento de cura ao
longo do processo é justamente o diferencial da psicanálise em relação às demais
técnicas ou métodos de tratamento. A transferência é a condição principal para o
estabelecimento do tratamento psicanalítico, e será mais bem tratada no capítulo
três.
Esta pequena explanação acerca do diagnóstico nos faz refletir sobre as
diferenças entre a psicanálise e a psiquiatria, justificando o próximo tema a ser
19
estudado, que diz respeito às diferenças e concordâncias entre ambas, onde
veremos a forma como cada uma considera o sujeito.
Finalizamos ressaltando que o diagnóstico em psicanálise é importante para a
direção do tratamento e somente possui sentido quando serve para a condução da
análise. Este é o motivo pelo qual o diagnóstico psiquiátrico não se aplica à
psicanálise. É necessário um diagnóstico que seja realizado a partir do registro
simbólico, onde são articuladas as principais questões do sujeito sobre o sexo, a
morte, a paternidade. Essas questões se articulam com a travessia do complexo de
Édipo, que será estudada quando abordarmos o diagnóstico estrutural.
1.2 PSICANÁLISE E PSIQUIATRIA: CONVERGÊNCIAS E
DIVERGÊNCIAS.
O diagnóstico em psicanálise nos remete à psiquiatria. Isto porque a
psiquiatria clássica foi utilizada pela psicanálise como referência para o
desenvolvimento de sua nosografia. Em se tratando de duas ciências, verificamos a
existência de algumas convergências e divergências que serão tratadas neste
momento.
“Psiquiatria e psicanálise” é o título da “Conferência XVI” proferida por Freud
(1917a [1916-1917]) e que nos conduz a uma comparação entre ambas, chamando
a atenção para o fato de que alguns médicos não depreendem a importância de
ouvir o que dizem os pacientes.
Para a psiquiatria, o sintoma é comumente acompanhado de intenso
sofrimento subjetivo que, objetivamente, pode chegar a ameaçar a vida em comum
de toda uma família. Deste modo, o psiquiatra tem como objetivo primordial procurar
as características desse sintoma, contentando-se com um diagnóstico e um
prognóstico, e com sua evolução futura. Freud nos diz que:
A psiquiatria não emprega os métodos técnicos da psicanálise; toca
superficialmente qualquer inferência acerca do conteúdo do delírio, (...) dá-
nos uma etiologia geral e remota, em vez de indicar, primeiro, as causas
mais especiais e próximas. (...) A psicanálise relaciona-se com a psiquiatria
aproximadamente como a histologia se relaciona com a anatomia: uma
estuda as formas externas dos órgãos, a outra estuda sua estruturação em
tecidos e células. Não é fácil imaginar uma contradição entre essas duas
espécies de estudo, sendo um a continuação do outro. (idem, ibidem, p.301-
2).
20
Na verdade, Freud considera que a psicanálise procura dar à psiquiatria a
base da qual ela necessita. Espera descobrir um terreno comum onde seja possível
compreender as consequências dos sintomas físicos e mentais. É quanto ao
funcionamento psíquico que a psicanálise pode oferecer algum auxílio à psiquiatria.
Nessa conferência, Freud (ibidem, p.303) aponta as relações entre a psicanálise e a
psiquiatria indicando a dependência e a independência entre elas. “É de se esperar
que, em um futuro não muito distante, perceber-se-á que uma psiquiatria
cientificamente fundamentada não será possível sem um sólido conhecimento dos
processos inconscientes profundos da vida mental”. Durante algum tempo, uma
parceria entre a psicanálise e a psiquiatria foi possível.
Birman (2001) nos mostra que até 1950/1960 a psiquiatria teve a psicanálise
como ponto de referência e estiveram ligadas. Todas as reformas psiquiátricas,
cujos objetivos era humanizar a psiquiatria, tiveram como fundamento a psicanálise.
Até essa época a psicanálise e a psiquiatria compartilhavam seus projetos e destino.
O fim da aliança entre a psiquiatria e a psicanálise teve início em 1950 com a
descoberta da clorpromazina e dos medicamentos antidepressivos, ansiolíticos e
antipsicóticos. Deste modo, a psicofarmacologia se insere no contexto oferecendo à
psiquiatria um instrumento terapêutico com alguma eficácia operatória, uma vez que
controlava os sintomas das perturbações psiquiátricas e, aos poucos, torna-se o
suporte da prática psiquiátrica. Nos dias de hoje, é notório o poder dos
medicamentos na clínica psiquiátrica. É como se houvesse obrigatoriedade dos
psicofármacos participarem dos modos de pensar as enfermidades psíquicas. “(...) a
ação dos medicamentos configura as formas de ser das perturbações mentais”
(idem, ibidem, p.22).
Ao nos reportarmos ao DSM-IV (Diagnóstico de Saúde Mental IV) e ao CID-
10 (Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10)
verificamos que existe uma controvérsia entre a psicanálise e a psiquiatria no que
diz respeito aos critérios diagnósticos apontados por esta última. As classificações
psiquiátricas presentes nestes manuais tomam como modelo uma máquina neuronal
cujo funcionamento é padrão, e o que não se adéqua a este modelo é considerado
um transtorno. Esse paradigma levou a uma biologização da psiquiatria. Ao priorizar
os transtornos, a psiquiatria não considera a causalidade psíquica, o sujeito do
21
inconsciente e a transferência. Em contrapartida, o diagnóstico em psicanálise irá
privilegiar, justamente, o que foi abandonado pela psiquiatria.
Em psiquiatria torna-se desnecessário investigar a história do paciente, basta
olhar a funcionalidade dos seus sintomas e prescrever o medicamento de acordo
com a disfunção apresentada. “A enfermidade psíquica deixa de ser o produto de
uma história para se transformar em algo avesso a qualquer historicidade possível”
(idem, ibidem, p.23).
As psicoterapias tendem a desaparecer neste novo contexto, pois são
entendidas como um procedimento secundário por exigirem o reconhecimento do
tempo e da história como constituintes do adoecer psíquico. Esta exclusão revela
algumas consequências, dentre outras, podemos citar o desaparecimento do
discurso do sujeito na clínica psiquiátrica contemporânea. Consequentemente,
podemos dizer que a experiência subjetiva do sujeito é pouco relevante para a
clínica psiquiátrica. Sua história, suas experiências, suas relações com a sociedade,
pouco importam. A relevância é dada ao desequilíbrio neuro-hormonal. As queixas
servem para uma investigação diagnóstica cujo objetivo é definir a medicação mais
adequada para regular o funcionamento deste organismo.
A partir do momento em que a história do sujeito deixa de ser relevante, ele
se cala e, aparentemente, não possui um saber acerca do que está ocorrendo. O
psiquiatra se posiciona de tal forma que se acredita que ele é o único a ter uma
resposta para o enigma do sujeito, somente ele tem a resposta e sabe o que se
passa com o doente. Isso ocorre porque a psiquiatria biológica tende a não
considerar a subjetividade do doente. Em contrapartida a esta destituição da
singularidade imposta pela psiquiatria, a psicanálise transforma esse quadro ao
reconhecer que o sujeito possui um saber acerca dessa experiência que o
atormenta. Ela reconhece a existência de uma produção de saber na loucura.
Essa é a diferença mais importante entre a psiquiatria e a psicanálise: o saber
do paciente tem pouca relevância para a psiquiatria, mas é fundamental para a
psicanálise que trabalha justamente com a palavra. Na contramão da psicanálise, a
psiquiatria preza o silêncio do sujeito: a fala do paciente não tem relevância. O
paciente desconhece o que está acontecendo com ele. É o psiquiatra quem,
supostamente, sabe o que se passa com esse paciente. Através do exame, o
22
médico, detentor do saber, irá informar ao paciente o que se passa com ele, não há
valorização de seu discurso nem de sua singularidade.
A psicanálise considera que o inconsciente tem um estatuto de saber e
somente o próprio sujeito tem acesso a esse saber. No entanto, o sujeito não sabe
que o possui. Por isso, podemos chamá-lo de um saber não sabido, que é o saber
do inconsciente. Lacan (1960b) trata desse saber em seu texto “Subversão do
sujeito e dialética do desejo”, a partir da leitura que fez da obra A Fenomenologia do
espírito, de Hegel, onde adquiri subsídios para situar o sujeito numa relação com o
saber inconsciente, um saber ignorante:
(...) Mas outra coisa é aquilo de que se trata em Freud, que é efetivamente
um saber, mas um saber que não comporta o menor conhecimento, já que
está inscrito num discurso do qual, à semelhança do grilhão de antigo uso, o
sujeito que traz sob sua cabeleira o codicilo que o condena à morte, não
sabe nem o sentido, nem o texto, nem em que língua ele está escrito, nem
tampouco que foi tatuado em sua cabeça raspada enquanto ele dormia.
(idem, ibidem, p.818).
No que diz respeito ao sintoma na psicanálise, Birman (2001) no-lo apresenta
como um enigma que só existe a partir do momento em que o sujeito fala dele. Ou
seja, através do sintoma o sujeito diz algo sobre si próprio de forma indireta e
velada. Isto porque o sintoma sofreu a ação do recalque aparecendo com suas
distorções próprias do inconsciente, tal como ocorre nos sonhos através dos
mecanismos de deslocamento e de condensação.
A condensação é um mecanismo do inconsciente em que uma representação
única representa por si só várias cadeias associativas, em cuja interseção ela se
encontra. Do ponto de vista econômico, é então investida das energias que, ligadas
a estas diferentes cadeias, se adicionam nela (LAPLANCHE & PONTALIS, 1991,
p.87). Quinet (2003, p.22) diz, por exemplo, que em alguns sonhos aparecem
pessoas que não sabemos quem são, e que muitas vezes aparecem com o nariz de
um, boca de outro etc., apontando para uma condensação de vários personagens
importantes na vida do sonhador. Por sua vez, o deslocamento diz respeito à
intensidade de uma representação ser suscetível de se destacar dela para passar a
outras representações originariamente pouco intensas, ligadas à primeira por uma
cadeia associativa (LAPLANCHE & PONTALIS, 1991, p.116). Nesse caso, ocorre
uma mudança de importância entre as coisas, como exemplo, em vez de falar de
23
sapato, fala-se de meia, o que aponta o deslocamento de uma palavra para outra
devido à proximidade de uma idéia com outra. (QUINET, 2003, p.22).
O que é dito pelo paciente precisa ser decifrado e é por meio das formações
do inconsciente que a singularidade do sujeito se revela. Ao invés de medicar, a
psicanálise irá estimular o paciente a falar sobre seu delírio, pois é através dele que
se manifesta a subjetividade desse sujeito. Na clínica, é através da transferência que
se dá a transmissão desse saber condensado sobre o inconsciente, que se faz
presente de modo a ser decifrado.
Consideramos que a psicanálise se fundamenta em uma modalidade de
saber oriunda do inconsciente, em que a experiência do paciente e sua história são
relevantes, levando a uma clínica voltada para o reconhecimento e o resgate da
singularidade. Ou seja, a psicanálise apresenta um saber que se relaciona com a
verdade e a singularidade, mantendo as mesmas referências diagnósticas desde
Freud, valorizando a subjetividade em sua clínica e também o saber do sujeito sobre
seu sintoma.
1.3 DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL
Na seção anterior, vimos algumas considerações acerca do diagnóstico em
psiquiatria e psicanálise. A partir deste momento nos aprofundaremos no diagnóstico
em psicanálise que é, essencialmente, um diagnóstico estrutural cujas estruturas
clínicas são evidenciadas. Estas têm permanecido as mesmas desde Freud, embora
as formas do sintoma possam mudar de acordo com os discursos em vigor na
civilização. Enquanto isso, a psiquiatria nega a subjetividade do sujeito, variando
suas categorias diagnósticas através de novas edições de seus manuais. Entretanto,
o que vem a ser estrutura?
1.3.1 Estrutura: o que é?
Vejamos a origem deste termo, estrutura. Segundo Cunha (2007), estrutura é
um substantivo feminino oriundo do latim structura, que diz respeito à disposição ou
à ordem das partes de um todo. Mafra (2000) nos diz que o conceito de
24
estruturalismo deriva do de estrutura e que esta diz respeito à maneira como um
edifício é construído.
O termo estrutura é descrito por Aurélio Buarque de Holanda como um
conceito teórico relativo às ciências humanas e sociais do século XX, que tem como
essência “um sistema de relações abstratas que forma um todo coerente, que subjaz
à variedade e variabilidade dos fenômenos empíricos, e é tomado como atributo
interno da realidade, constituindo, por isso, objeto privilegiado da análise”
(DICIONÁRIO AURÉLIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, 2008).
O estruturalismo se constituiu como um movimento do pensamento no início
do século XX. Pollo (2005) destaca como seus expoentes Ferdinand Saussure,
Georges Dumézil, Émile Beniviste, Roland Barthes, Roman Jakobson, Claude Lévi-
Strauss e Jacques Lacan. Na história da filosofia o estruturalismo aparece como
uma corrente metodológica contemporânea cujo núcleo teórico está definido pela
noção de estrutura. Contudo, a noção de estrutura sobre a qual se baseia o
estruturalismo parte fundamentalmente da noção elaborada pela linguística. E foi a
partir dessa elaboração linguística do pensamento estruturalista que o conceito de
estrutura passou a ser utilizado por diversos campos do saber. Vejamos o que
ocorreu.
O estruturalismo tem como base fundamentos linguísticos e antropológicos e
se inicia a partir do Curso de Linguística Geral, de Ferdinand Saussure, onde a
concepção de estrutura tem como base o estudo da linguagem como sistema de
signos. Este autor diferencia a língua da fala, sendo a primeira um sistema de
signos, independente da fala, que é a utilização da língua pelos falantes. A partir
dessa diferença surge a semiologia (ciência dos signos), que concebe o conjunto da
linguagem como uma estrutura. E a linguagem é um sistema de relações onde o
conhecimento do sistema permitiria o reconhecimento de todos os elementos.
(SAUSSURE, 1969.)
O método estrutural da linguística tem como objetivo construir modelos
abstratos capazes de explicar os fenômenos da linguagem. Esse método se
constituiria como um tipo de álgebra da linguagem onde o modelo abstrato de
relações se assemelha à realidade inconsciente. (BIRMAN, 1991, p.29).
25
Pouillon (1968, p.8) conceitua a estrutura como “aquilo que a análise interna
de uma totalidade revela: elementos, relações entre tais elementos, e a disposição,
o sistema dessas mesmas relações”.
Podemos dizer que a estrutura é um sistema de relações abstratas que forma
um todo coerente, onde está subentendido a variedade e a variabilidade dos
fenômenos empíricos, e é tomado como atributo interno da realidade, constituindo,
por isso, objeto privilegiado da análise. Possui um caráter de totalidade, uma vez
que esse todo somente pode ser compreendido a partir da análise de seus
componentes e da função que cada um cumpre dentro do todo. Isto ocorre uma vez
que, ao estudarmos uma realidade, é necessário descobrir as relações entre os
elementos que compõem essa realidade em busca de sua estrutura mais profunda.
Assim, considera-se a realidade humana como uma totalidade estruturada articulada
em relações estáveis e regida por leis internas que podem ser buscadas na estrutura
profunda. (Idem, ibidem).
Estrutura é um termo amplamente utilizado em psicanálise para indicar a
antecedência e a prevalência do todo sobre as partes, destacando também que as
partes se inserem na totalidade de acordo com critérios de ordem e de valor,
definidos pela lei que constitui a totalidade como um conjunto. Esse é o sentido que
introduziu o conceito de estrutura na antropologia social por volta dos anos 1940,
quando o modelo de linguagem como estrutura era a matriz teórica do pensamento
estrutural. Deste modo, o conceito de estrutura foi enunciado como uma ordenação
lógica e matemática rigorosa, onde as partes não são consideradas como
substancialidades em sua inserção na totalidade, implicando um formalismo lógico-
matemático em sua leitura, centrado no modelo da linguagem, mas também com
uma inscrição no registro inconsciente. (BIRMAN, 1991, p.29).
Parece-nos que a inscrição da psicanálise no pensamento estruturalista tem
um caráter de condicionar sua cientificidade. Verificamos que o estruturalismo
ganhou força, principalmente nas possibilidades que oferecia para um estudo
científico de diversos fenômenos que, antes dele, eram de difícil abordagem. Esse é
o caso dos fenômenos humanos que não possuem a regularidade exigida para o
estudo científico existente nos fenômenos físicos. É justamente essa leitura
estrutural da obra de Freud que Lacan irá buscar para fundamentar a psicanálise
como uma ciência. (LACAN, 1966d; POUILLON, 1968).
26
A leitura de Lacan possibilitou um retorno a Freud, realizando uma leitura
sistemática e coerente dos escritos freudianos.
Milner (2003) considera que o texto de Freud de 1910, “A significação
antitética das palavras primitivas” (FREUD, 1910c), demonstra que, mesmo não se
interessando pela linguística, ele tinha interesse nas propriedades da linguagem.
Na obra de Lacan é possível verificar seu interesse pela linguística e, em
especial, pelo estruturalismo, uma vez que se interessava pelas propriedades que a
linguística fez vir à luz e que contribuíram para sua demonstração de que o
“inconsciente (...) é estruturado como uma linguagem” (LACAN, 1966d, p.882). Esse
é o motivo pelo qual as propriedades de um sistema de linguagem foram
consideradas importantes. Partindo da simetria que Saussure atribui entre
significante e significado — o significante é isolado e tematiza sua forma ativa —,
Lacan (1953) desenvolve sua tese de que é do intervalo entre dois significantes que
emerge o sujeito: o sujeito do inconsciente, uma vez que o significante representa o
sujeito para um outro significante e esses significantes vão se constituir em cadeias
que formam o desenrolar de nossa existência.
E nesse sentido podemos dizer que a estrutura é um dado que não se deixa
definir, mas é possível mostrar seu funcionamento. Isto pode ser visto com Lacan
que, ao apostar na estrutura, constrói a teoria da cadeia: “uma vez que se está de
acordo em chamar de significante o termo mínimo da estrutura mínima, só há cadeia
de significante e todo significante está em cadeia” (MILNER, 2003, p.162).
A noção de estrutura aparece em psicanálise pela primeira vez em 1895, no
texto de Freud (1893-1895) “Estudos sobre a histeria”, no capítulo “A psicoterapia da
histeria”, onde a histeria é considerada como uma estrutura de três elementos: um
arquivo de lembranças, um núcleo traumático e um fio lógico. Os dois primeiros
seriam arranjos morfológicos e o fio condutor seria dinâmico. Deste modo, Freud
(ibidem) nos diz que o arquivo de lembranças pode ser consultado do mesmo modo
que um arquivo de documentos: do mais recente para o mais antigo. O núcleo
traumático cria obstáculos a esta consulta e pode ser considerado como responsável
pela resistência ao tratamento. Por último, o fio lógico se inicia com as lembranças
mais recentes e sua trajetória se faz em ziguezague, jamais em linha reta.
Hoje, ao relermos Freud com Lacan, é possível perceber que a idéia de
estrutura já estava presente em suas formulações, apesar de não fazer uso do termo
27
estrutura. Podemos considerar que os enunciados do discurso freudiano não o
colocam como um discurso estruturalista, porém suas enunciações permitem
considerar que seja interpretado sob sua perspectiva estrutural. Isso implica dizer
que este discurso produziu conceitos e realizou descrições acerca do psiquismo que
poderiam ser lidos a partir das categorias de estrutura. Um lugar onde podemos
verificar a existência de uma referência à estrutura sem uso do termo em sua obra é
na “Conferência XXXI: A dissecção da personalidade psíquica”. Nesse texto, após
dissertar acerca da possibilidade de divisão do eu, Freud (1933a [1932]) se refere à
noção de que a patologia pode atrair a atenção dos psicanalistas para situações que
passariam despercebidas por outras pessoas, e que a metáfora do cristal esclarece
as formulações freudianas:
Onde ela mostra uma brecha ou uma rachadura, ali pode normalmente
estar presente uma articulação. Se atirarmos ao chão um cristal, ele se
parte, mas não em pedaços ao acaso. Ele se desfaz, segundo linhas de
clivagem, em fragmentos cujos limites, embora fossem invisíveis, estavam
predeterminados pela estrutura do cristal. Os doentes mentais são
estruturas divididas e partidas do mesmo tipo. (idem, ibidem, p.77).
Mesmo presente em alguns momentos da obra de Freud, a referência às
estruturas clínicas se deve ao ensino de Jacques Lacan. É ele quem afirma que a
estrutura é a linguagem, se inscreve no real e é no campo da linguagem que a fala
se torna possível em sua função de intimar, injuriar, ou seja, de convocar a presença
real de um sujeito. (LACAN, 1957). Lacan (ibidem), em “A instância da letra no
inconsciente ou a razão desde Freud”, considera que a experiência psicanalítica
descobre no inconsciente toda a estrutura da linguagem. Neste texto o autor tem
como referência o algoritmo de Saussure e, mesmo considerando-o como
fundamento da cientificidade da linguística, submete-o a algumas modificações
significativas e retoma as figuras de retórica utilizadas por Jakobson: a metáfora e a
metonímia. Estas são utilizadas para explicar o desenvolvimento do discurso, e
também são consideradas como dois processos de funcionamento do inconsciente.
A estrutura funciona combinando os significantes que determinam a realidade
de um sujeito e por isso tem que ser próxima da experiência. Sua fórmula de que o
sujeito é o que um significante representa para outro significante tem como base a
teoria dos conjuntos (Idem, ibidem).
Em “Observação sobre o relatório de Daniel Lagache”, Lacan (1960a) define o
termo estrutura como palavra chave deste relatório e nos diz que:
28
A categoria do conjunto, para introduzi-la, obtém nossa concordância, uma
vez que evita as implicações da totalidade ou as depura. Mas isso não quer
dizer que seus elementos não sejam isolados nem somáveis, pelo menos
se buscarmos na noção de conjunto alguma garantia no rigor que ela tem
na teoria matemática. “Que suas próprias partes estejam estruturadas”
significará, por conseguinte, que elas mesmas são passíveis de simbolizar
todas as relações definíveis para o conjunto, as quais vão bastante para-
além de sua distinção e sua reunião, ainda que inaugurais. De fato, os
elementos se definem ali pela possibilidade de serem colocados, na função
de subconjuntos, como recobrindo uma relação qualquer definida e para o
conjunto, tendo essa possibilidade como o traço essencial o não estar
limitada por nenhuma hierarquia natural. (idem, ibidem, p.654).
Em 1966, no “Pequeno discurso na l’O.R.T.F.”, Lacan apresenta suas idéias
sobre estrutura como linguagem: “(...) a experiência do inconsciente (...) não se
distingue da experiência física. É igualmente externa ao sujeito, (...) Eu a aponto no
lugar do Outro: o inconsciente é o discurso do Outro, eis minha fórmula. (...) Ele é
estruturado como uma linguagem (...) já que a linguagem é a estrutura”.
(LACAN,1966b, p.228).
Neste mesmo ano, no texto “Da estrutura como intromistura de um pré-
requisito de alteridade e um sujeito qualquer”, Lacan considera a existência de uma
redundância na afirmação acima. Isto porque “estruturado” e “como linguagem”
significam a mesma coisa. “Estruturado significa minha fala, meu léxico etc., que é
exatamente o mesmo que linguagem. (...) Linguagem é linguagem e só há um tipo
de linguagem: a língua concreta falada pelas pessoas” (LACAN, 1966a, p.200).
Assim, Lacan nos coloca diante da questão levantada pelo inconsciente e que
toca no ponto mais sensível da linguagem: a questão do sujeito. E é justamente
essa questão que irá afastar Lacan do estruturalismo, uma vez que para ele o sujeito
é afetado pela estrutura. Este pensamento pode ser encontrado em seu texto
“Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano”, onde
questiona: “Uma vez reconhecida a estrutura da linguagem no inconsciente, que tipo
de sujeito podemos conceber-lhe?” (LACAN, 1960b, p. 814).
Esta pergunta nos remete justamente ao tema do presente trabalho, pois
quando afirmamos a importância do complexo de Édipo para o diagnóstico e
tratamento em psicanálise, nos aponta de imediato para a relevância da
consideração do sujeito na tarefa diagnóstica. O Édipo estrutural é fundamental no
estudo das estruturas clínicas. Representa um conjunto sistematizado de elementos,
onde verificamos a posição do sujeito em relação aos elementos que compõem esse
sistema (mãe, pai, criança, falo). E para conceber esse sujeito é necessário nos
29
remetermos à inscrição da falta, à questão da castração. A constituição do sujeito se
dá pelo significante em sua articulação com outro significante. Para Lacan (1957), a
estrutura não é uma construção, a estrutura da linguagem é pré-existente a cada
sujeito. Uma vez que pré-existe, tem seus efeitos.
Para concluir, tomamos como referência o texto de Luciano Elia (2005),
“Desenvolvimento, estrutura e gozo”, onde nos diz que o sujeito é um efeito do
significante, é sujeito do inconsciente e se refere à série complementar. Esta série
foi formulada por Freud (1917b [1916-1917]), na “Conferência XXIII: Os caminhos da
formação dos sintomas”, com o objetivo de explicar de que modo os quadros clínicos
se produzem e se revelam como uma estrutura no sentido mais rigoroso do termo.
Essa série complementar é composta por quatro elementos que precisam estar
articulados para que se produza uma neurose: “a) a constituição; b) experiência
traumática infantil; c) disposição à neurose (este termo não é um fator como os
outros, mas a síntese parcial dos dois primeiros que, no entanto, deles se destaca
como sendo um termo a mais); e d) fator desencadeante da vida posterior” (ELIA,
2005, p.14).
Deste modo, podemos dizer que Freud considera a constituição e o trauma
infantil como uma disposição à neurose. Entretanto, para que esta realmente se
desencadeie é necessário que a vida faça sua intervenção. “O efeito de estrutura se
verifica exatamente por isto: é necessário que a experiência vivida pelo sujeito traga,
em oferta às condições estruturais preliminares, o elemento do real, do que não
poderia estar escrito nos eixos simbólicos pré-determinantes” (idem, ibidem).
E Lacan irá priorizar justamente o registro do real, pois cabe ao real tudo o
que não pode ser simbolizado, articulado, aquilo que não pode ser dito, nem
explicado. O real é o impossível, não cessa de não se escrever, se inscreve na
estrutura sob a forma de um buraco que comparece como um furo real no imaginário
e como falta de um significante no simbólico. A estrutura lacaniana é contraditória e
incompleta, inclui em seu campo a impossibilidade, nem tudo será explicável e o
sujeito do inconsciente da estrutura lacaniana se mantém fundamentalmente
inacessível e se apresenta sempre em outro lugar. Uma estrutura clínica se definirá,
portanto, na relação entre o sujeito — efeito de linguagem — e o Outro. (ALTOÉ &
MARTINHO, 2008).
30
1.3.2 O diagnóstico estrutural
A partir da concepção de estrutura, considerada como aquela que faz emergir
o sujeito, voltemos a Freud. Em seu texto de 1913, “A disposição à neurose
obsessiva”, Freud (1913a) tenta esclarecer a questão acerca de como uma
determinada pessoa cai enferma de uma neurose específica, e não de outra. Essa
questão da escolha da neurose faz com que a diferenciação nosológica ampare a
mesma estrutura que sustenta o inconsciente.
Para a psicanálise cada caso é um caso, por isso busca conduzir o paciente
ao encontro daquilo que o singulariza e o torna irredutível a uma categoria geral. Ela
não incide diretamente sobre o sintoma, considera-o uma manifestação subjetiva e o
acolhe para decifrar seu enigma fazendo emergir um sujeito.
O esclarecimento da estrutura em jogo é necessário para que o analista
assuma seu lugar e possa sustentar a transferência. Ou seja, para que seja possível
tratar de cada caso, individualmente, na tentativa de isolar os significantes em que
se fixaram as demandas do sujeito e que fazem parte de sua história. Deste modo,
podemos considerar que a demanda do sujeito que nos procura e o estabelecimento
da transferência exigem de nós a execução de um diagnóstico para assegurar uma
boa condução do tratamento.
E o que precisamos ter em mente para fazer este diagnóstico?
Primeiro, conhecer as estruturas clínicas, que em psicanálise são as
seguintes: a neurose, a psicose e a perversão. Para psicanálise, o sujeito sempre
estará dentro de um desses campos, sendo que estar incluído em uma destas
estruturas é diferente de ter desencadeado uma neurose ou psicose. Por exemplo:
quem tem uma estrutura neurótica não necessariamente possui uma neurose
desencadeada. É o que dissemos anteriormente acerca da importância do
diagnóstico quando nos referimos a Freud (1913b) em “Sobre o início do
tratamento”.
Também devemos conhecer os tipos clínicos de neurose, a histeria e a
neurose obsessiva. E os de psicose, a esquizofrenia, a paranóia e a melancolia.
Deste modo, quando pensamos no diagnóstico em psicanálise, estamos
propondo reintroduzir o sujeito e o seu saber no diagnóstico. Ao associarmos o
diagnóstico fenomenológico ao diagnóstico estrutural, podemos dizer que a
31
psiquiatria se limita ao fenomenológico, enquanto a psicanálise privilegia o
diagnóstico estrutural. Isto nos remete à comparação de Freud (1917b [1916-1917]),
anteriormente citada, entre a histologia e a anatomia.
A psicanálise não se propõe a acabar com o sintoma de início, porque ele
transmite muito daquele sujeito, da sua história, do seu saber, do seu inconsciente.
O sintoma é matéria preciosa para o psicanalista. Por outro lado, se tratarmos o
sintoma como uma máquina ele irá representar um transtorno e iremos tentar acabar
com ele, agindo da mesma maneira que a psiquiatria.
Conforme dito acima, o diagnóstico estrutural somente se faz relevante
porque tem a função de servir ao direcionamento da análise. É por isso que somente
pode ser buscado no registro simbólico, onde são articuladas as questões
fundamentais do sujeito quando de seu posicionamento no Édipo e,
consequentemente, na castração. Essas estruturas são estabelecidas de acordo
com o modo como o sujeito lida com a falta inscrita na subjetividade. É o modo do
sujeito lidar com a falta que condiciona a maneira de cada um lidar com o sexo, com
o desejo, com a lei, com a angústia e com a morte.
O diagnóstico diferencial estrutural é feito a partir do simbólico, considerando-
se os três modos de negação da castração do Outro, que é a castração articulada
ao Édipo. Quinet (2005), em As 4 + 1 condições de análise, nos apresenta esses
três modos de negação que correspondem às três estruturas clínicas.
No primeiro tipo de negação da castração, nega-se o elemento (o falo), mas
ele é conservado. Manifesta-se de dois modos: pelo recalque do neurótico
(Verdrängung), em que o sujeito nega a castração e conserva o elemento no
inconsciente, e pelo desmentido do perverso, (Verleugnung), em que o sujeito nega
conservando o elemento no fetiche. Aqui podemos ver que há uma relação da
neurose com a perversão, elas apresentam a negação da castração do Outro. Isso é
interessante porque, desde 1905, nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”,
Freud nos diz que a neurose é o negativo da perversão. Esse tipo de negação da
castração do Outro que ocorre na neurose e na perversão, implica a admissão do
Édipo no simbólico. (idem, ibidem).
O segundo tipo de negação não deixa rastro, nem vestígio. Esse modo de
negação é a foraclusão, (Verwerfung), do psicótico. O sujeito nega, nada é
conservado. Ao mesmo tempo em que existem modos de negação da castração, há
32
também um retorno daquilo que foi negado. Por conseguinte, temos o retorno do
recalcado no sintoma neurótico, o retorno do desmentido no perverso e o retorno do
foracluído nas alucinações e delírios do psicótico. (idem, ibidem).
Um estudo mais detalhado acerca das estruturas em psicanálise será
realizado no capítulo três, quando teremos a oportunidade de abordar mais
detalhadamente tanto as estruturas quanto os tipos clínicos. Por hora nos deteremos
no estudo do complexo de Édipo para podermos compreender melhor estas
questões.
2 O COMPLEXO DE ÉDIPO
O presente capítulo tem como objetivo apresentar as fontes inspiradoras do
complexo de Édipo. Em primeiro lugar, consideraremos o mito de Édipo.
Posteriormente, a tragédia grega Édipo Rei, de Sófocles, a partir da qual Freud
elabora um dos principais conceitos psicanalíticos: o complexo de Édipo. Para
concluir, apresentaremos o retorno a Freud de Jacques Lacan no que diz respeito ao
complexo de Édipo nomeado por ele “Édipo estrutural”.
2.1 MITO E TRAGÉDIA
Ao longo de sua obra, Freud recorre aos mitos para ressaltar questões
relativas à constituição do sujeito e da cultura. Muitos questionam os motivos que o
levaram a se interessar pelos mitos. Entretanto, mais importante do que este
questionamento é compreender porque os mitos atraíram sua atenção. Que
linguagem é essa que tanto nos encanta e também o encantou? Podemos dizer que
o mito possui uma inscrição histórica marcante. Entretanto, como Freud pode extrair
daí bases para a fundação da psicanálise nos primórdios do século XX, em plena
modernidade? Essas são as questões que nortearam a pesquisa deste capítulo.
2.1.1 Mito e mitologia
Ao falarmos em mito, sequencialmente, surge a palavra estória. Será o mito
uma estória? Afinal, o que é um mito?
Consultamos o Dicionário de Filosofia, de Nicola Abbagnano. Inicialmente,
este autor considera o mito uma narrativa que historicamente pode ter três
34
significados: uma forma branda de intelectualidade; uma forma própria de
pensamento ou de vida; um instrumento de estudo social. (ABBAGNANO, 2007).
Este último é o que mais se aplica ao presente estudo, pois considera que o mito
não é uma simples narrativa, não é uma forma de ciência, nem um ramo da arte ou
da história ou uma narração. O mito “cumpre uma função sui generis, intimamente
ligada à natureza da tradição, à continuidade da cultura, à relação entre maturidade
e juventude e à atitude humana em relação ao passado” (idem, ibidem, p.786). A
função do mito é, em resumo, reforçar a tradição e dar-lhe maior valor, sendo
indispensável a qualquer cultura.
O mito não reproduz uma situação real. Porém, representa a realidade de
uma forma corrigida e aperfeiçoada, permitindo a expressão dos desejos às quais a
situação real dá origem. Lévi-Strauss (1958 apud ABBAGNANO, 2007) considera o
mito como uma forma do grupo social expressar sua atitude em relação ao mundo,
uma forma de tentar resolver o problema da sua existência. Sob esse ponto de vista,
o mito é definido “em relação à função que desempenha nas sociedades humanas:
função que pode ser esclarecida e descrita com base em fatos observáveis” (ibidem,
p.786). Lévi-Strauss explica também a função que o mito exerce nas sociedades e
as diferentes características que pode assumir nas mesmas, podendo se constituir
por narrativas históricas, mas também por figuras humanas (heróis, líderes etc.),
conceitos e noções abstratas. Esses diferentes conteúdos do mito demonstram que
é necessário estudá-lo no que diz respeito à função que exerce na sociedade
humana.
O mito é uma narrativa tradicional cujo caráter é explicativo e/ou simbólico, e
está relacionado a uma dada cultura e/ou religião. Ele explica os principais
acontecimentos da vida, os fenômenos naturais, as origens do mundo e do homem
através dos deuses. Ou seja, procura interpretar a realidade a partir de lendas e de
histórias sagradas.
Muitas vezes o termo mito é utilizado de forma pejorativa, sendo utilizado para
se referir às crenças de diversas comunidades. Vale ressaltar que alguns
acontecimentos históricos podem se transformar em mitos dependendo da carga
simbólica adquirida para determinada cultura.
Em O Seminário livro IV: as relações de objeto, no capítulo “Para que serve o
mito”, Lacan (1956-1957) considera o mito uma narrativa que tem um caráter de
35
ficção. É uma narrativa porque esta possui uma estrutura que pode ser definida
quanto às suas configurações, apresentando certa estabilidade dando seu caráter
de ficção, enquanto no mito as modificações ocorridas levam a uma outra
modificação, o que nos remete à noção de estrutura. A ficção se relaciona de
maneira única com outra “coisa que está sempre implicada por trás dela” (idem,
ibidem, p.258). Essa coisa é a verdade. Deste modo, podemos dizer, com Lacan,
que a ficção é portadora da verdade, que não pode ser separada do mito:
Em toda ficção corretamente estruturada, pode-se constatar essa estrutura
que, na própria verdade, pode ser designada como a mesma da ficção. A
necessidade estrutural que é carreada por toda expressão da verdade é
justamente uma estrutura que é a mesma da ficção. A verdade tem uma
estrutura, se podemos dizer, de ficção. (idem, ibidem, p. 259).
O mito é uma maneira de falarmos de uma verdade: relata um acontecimento
que não aconteceu, mas que possui um estatuto de verdade. E é justamente uma
verdade que o mito de Édipo nos apresenta: a verdade da constituição do sujeito.
Donde compreendemos o que Lacan quer dizer ao considerar que os mitos dizem
respeito aos temas ligados à existência do próprio sujeito e aos horizontes que sua
experiência lhe traz, ressaltando ainda a presença de uma dimensão do sagrado
que nos apresenta o poder de significação dos mitos, do mesmo modo como de “seu
instrumento significante” (idem, ibidem, loc. cit.). O sagrado tem o poder “de realizar
a pura e simples introdução do instrumento significante na cadeia das coisas
naturais” (idem, ibidem, p.260).
Na verdade, o mito possui certo magnetismo: sua linguagem, sua repetição.
Ambos exercem forte atração sobre a psicanálise. No inconsciente temos uma
linguagem que se fundamenta nos opostos e na repetição, na tendência a retornar
sempre ao mesmo ponto. Lacan (1974) considera que uma recordação completa
dos fatos, uma narrativa cronológica, não interessa ao psicanalista. A enunciação é
mais relevante por ser a portadora da verdade, demonstrando a importância da
forma como cada sujeito conta sua história através de um discurso articulado por
significantes. Essa importância acerca do discurso do sujeito, de seu saber
inconsciente, foi abordada anteriormente quando nos referimos ao diagnóstico em
psicanálise. Eis a concepção de Lacan para mito, em entrevista dada à rede de
televisão francesa l’O.R.T.F., em 1974:
36
Mesmo que as recordações da repressão familiar não fossem verdadeiras,
seria preciso inventá-las, e não se deixa de fazê-lo. O mito é isso, a
tentativa de dar forma épica ao que se opera pela estrutura. O impasse
sexual secreta as ficções que racionalizam a impossibilidade da qual
provém. (...) A ordem familiar só faz traduzir que o Pai não é o genitor e que
a Mãe permanece contaminando a mulher para o filhote do homem; o resto
é consequência. (idem, ibidem, p.531).
Em diversos momentos nos deparamos com questões relacionadas às
origens e é justamente sobre a origem que o mito se ocupa. Os mitos são
instrumentos valiosos para a psicanálise. “O mito põe na cena da palavra, da
linguagem, muito do que a psicanálise vai mais tarde explicitar, a partir da lógica do
inconsciente, tanto em sua teoria quanto em sua prática clínica” (AZEVEDO, 2004,
p.18).
De modo geral, o mito se refere aos relatos das civilizações antigas. Estes
relatos, ao serem organizados, constituem uma mitologia, por exemplo, a mitologia
grega e a mitologia romana.
2.1.2 A tragédia grega
A tragédia grega surgiu em Atenas entre o final do século VI a.C. e o século V
a.C. Nela, o herói se divide entre o dever político religioso e coletivo, e a vontade de
agir por conta própria, desrespeitando ou desprezando as normas e as crenças
comuns. Esse herói trágico surge em função de um momento histórico, quando a
sociedade grega estava em transformação. Era o momento em que a regulação
jurídica das normas de conduta estava em formulação e, ao mesmo tempo,
entravam em conflito com as tradições religiosas. A tragédia “toma como objeto o
homem que em si próprio, vive esse debate, que é coagido a fazer uma escolha
definitiva, a orientar sua ação num universo de valores ambíguos onde jamais algo é
estável e unívoco”. (VERNANT & NAQUET, 2005, p.3).
A tragédia é o resultado da democratização da sociedade e da ênfase política
das relações diárias. No momento de seu surgimento, os gregos assistiam ao
renascimento de seu comércio a partir da invenção da moeda cunhada. Ao mesmo
tempo o isolamento das aldeias era rompido, dissolvendo as antigas linhagens
tribais. (idem, ibidem). A sociedade grega se tornava mais complexa. A escrita
atingia a população e o centro da cidade sofria um deslocamento radical: do palácio
37
centralizador para a Ágora, a praça pública, dando origem a uma nova organização
política e social como criação da vontade humana: a Pólis.
A partir de então, os acontecimentos anteriormente considerados como
criação dos deuses e/ou reis perderam a base de explicação e transformaram-se em
problemas. Deste modo, o mito passou a fazer parte de um mundo já decorrido, mas
que ainda estava muito presente. Por outro lado, a tragédia não reflete essa
realidade social, questiona-a. Foi em meio a essas transformações que o teatro
grego surgiu. Tem sua origem nos festivais sazonais em honra ao deus Dioniso,
nasce do culto a este deus e é um produto genuíno da Pólis. (idem, ibidem).
Azevedo (2004, p.36), em seu livro Mito e psicanálise, resgata um provérbio
da teatral Atenas do século V a.C.: “O que isso tem a ver com Dioniso?”. Segundo a
autora, Dioniso representa as manifestações humanas que estão no âmago do
pensamento grego nesta época: “a relação entre o mesmo e o outro, entre o
estranho e o familiar, entre o que é recalcado e o que se mostra” (idem, ibidem,
p.37). Estas questões são fundamentais para a psicanálise.
Vamos entender um pouco quem foi Dioniso para chegaremos à tragédia
grega Édipo Rei, de Sófocles, apresentada em um festival de louvor a Dioniso por
volta de 430 a.C., e que se tornou fonte de elaboração da teoria psicanalítica.
2.1.2.1 Deus Dioniso e as tragédias gregas
Dioniso é o deus que encarna o grande mistério da vida e da ressurreição, o
grande fertilizador. Fertiliza a terra que nasce e morre a cada ano, mas também é o
deus do vinho e das orgias. É o deus que permite ao homem, mesmo que seja por
pouco tempo, esquecer sua pobre condição de um ser sofredor e mortal. VERNANT
& NAQUET (2005) consideram que:
Dioniso encarna não o domínio de si, a moderação, a consciência, dos seus
limites, mas a busca de uma loucura divina, de uma possessão extática, a
nostalgia de um completo alheamento; não a estabilidade e a ordem, mas
os prestígios de um tipo de magia, a evasão para um horizonte diferente; é
um deus cuja figura inatingível, ainda que próxima, arrasta seus fiéis pelos
caminhos da alteridade e lhe dá acesso a uma experiência religiosa quase
única no paganismo, um desterro radical de si mesmo. (idem, ibidem,
p.158).
38
Os festivais dionisíacos, como eram chamados as festividades em sua
homenagem, eram realizadas durante as primeiras semanas de cada estação. Este
tempo era associado ao plantio e à cultura da vinha, sua colheita e a fabricação do
vinho. Aparentemente, o elemento fundamental desses festivais era a orgia. Os
homens embriagados e vestidos com peles de bode, com falsos falos, cantavam em
coro e saltavam para imitar os bodes. O deus Dioniso era trazido num carro colorido
e decorado com parreiras, reproduzindo sua chegada à Grécia, pelo mar da Índia.
Estes homens saíam pelas ruas da Pólis dançando e apregoando suas potências
sexuais, cantando hinos em louvor ao deus. A fertilidade era importante para as
colheitas e também para o crescimento das cidades. (BRANDÃO, 1987). Ao mesmo
tempo havia uma dimensão sagrada nestes dramas primitivos. Os homens
dançavam em círculos e cantavam. Inicialmente em um espaço de terra batida,
posteriormente em torno de um altar permanente do deus Dioniso. O final da festa
era celebrado com o sacrifício de um bode, do qual todos comungavam: a carne era
distribuída para a cidade.
Além de cantar a fertilidade, esses homens também cantavam a tristeza que o
inverno traz: a poda da vinha e a morte. Além disso, cantavam pela chegada da
primavera, a aparição de novos brotos e o renascer da vida. Esses cânticos que
comemoravam Dioniso eram chamados de ditirambos. Um cântico coral de caráter
apaixonado, alegre e/ou sombrio, acompanhado de um instrumento de corda
chamado címbalo. (idem, ibidem).
Esses cantos começaram de forma improvisada e espontânea, sendo
substituídos aos poucos por fórmulas tradicionais adaptadas à ocasião. Em algumas
ocasiões, um solista recitava os versos e esperava a resposta do coro. Com o
passar do tempo, histórias de heróis foram incluídas junto aos acontecimentos da
vida do deus. Isso era natural, uma vez que esses mesmos heróis realizaram
grandes feitos em favor de seu povo. (idem, ibidem).
No final do século VI a.C., Téspis, um ateniense, passava pelas aldeias
organizando celebrações, despertando a necessidade de escrever textos. Estes
textos eram curtos e simples. Rapidamente se transformaram nas primeiras
tragédias, pois se referiam aos problemas do homem, deixando de ser
cânticos/hinos em louvor ao deus Dioniso. A partir disso surge a tragédia grega, a
grande invenção ateniense. O teatro deixa de ser apenas um rito religioso para
39
alcançar sua dimensão de obra de arte. O drama atinge a maturidade no século V
a.C., na cidade de Atenas, tendo como tema principal os heróis homéricos ou
ancestrais. (idem, ibidem).
Retornando aos festivais dionisíacos, ao se embriagar, cantar e dançar, os
homens acreditavam que saiam de si pelo processo de êxtase
1
. Ao sair de si,
superavam uma condição humana que implicava numa comunhão com Dioniso pelo
processo de entusiasmo (ενθουσιαασµοΣ), como se recebessem um deus em si. O
homem, simples mortal, comungando com a imortalidade, acreditava poder
ultrapassar sua própria medida (Métron) e, neste estado de embriaguez, fazia uma
catarse
2
. Quando voltava ao seu estado normal, retomando sua própria medida,
havia provado do sentimento de não ter limites. (idem, ibidem).
Entretanto, para o estado e para os deuses esse sentimento era perigoso,
pois era possível que o homem optasse por viver constantemente ultrapassando
seus limites. Isso seria a quebra de uma lei natural, pois este homem possui hýbris
(υβρψΣ), um orgulho desmedido e sem limites, que provoca Némesis (νεµεσιΣ), a
vingança divina e a punição imediata. (idem, ibidem).
A tragédia só se realiza quando o limite é ultrapassado e mantido, quando o
homem se convence de que também pode ser imortal. A tragédia grega é uma lição
dos deuses, e também do estado, para mostrar ao homem que ele será aniquilado
pelo destino se insistir em ultrapassar a sua própria medida. Realiza a purgação das
paixões por meio da compaixão e do terror, é a imitação de uma ação séria e
completa, ensina o homem através da imitação e da catarse. (idem, ibidem).
Quase exclusivamente, o sustentáculo das tragédias foram os grandes ciclos
da mitologia. Cada autor tinha liberdade para tratar os mitos de maneira pessoal. Era
necessário que as estórias satisfizessem o requisito da função religiosa do drama,
pois deste modo o poeta poderia trabalhar assuntos de significado emocional e
moral conhecidos. Os mitos e as lendas heróicas davam ao povo grego uma história
coletiva. Os problemas humanos e/ou a natureza dos deuses eram retratados com
grande profundidade. Frequentemente, a tragédia grega apresentava um aspecto
político. Mesmo quando seu tema tratava de outras cidades, o espectador entendia
o que estava sendo criticado em seu próprio estado. A qualidade solene e nobre da
1
Êxtase (εστασιΣ) = sair de si.
2
Catarse = purgação das paixões.
40
tragédia, o exame intencional do significado da vida em que seus personagens se
envolvem, é, ainda hoje, capaz de causar profunda impressão nos leitores. (idem,
ibidem).
Em sua obra A poética, Aristóteles faz um estudo relativo à tragédia,
considerando-a como imitação de uma ação completa e elevada, não uma cópia
exata dessa ação, mas sim uma recriação em linguagem artística, o que, por si só,
transcende a própria realidade. (MCLEISH, 2000).
Para Aristóteles a tragédia clássica deve cumprir três condições: possuir
personagens de elevada condição (heróis, reis, deuses), ser contada em linguagem
elevada e ser digna de ter um final triste com a destruição ou a loucura de um ou
vários personagens sacrificados por seu orgulho ao tentar se rebelar contra as
forças do destino. Para ele, o mito está no cerne da tragédia, é a sua alma. É a
maneira como o poeta desenvolve seu enredo que marcará uma tragédia como
grande ou não, uma vez que fala de estórias conhecidas do público. Édipo Rei, de
Sófocles, baseada no mito de Édipo, foi considerada por Aristóteles uma peça
exemplar. (idem, ibidem).
No mito, Édipo é um homem fadado pelo destino a matar seu pai e a
desposar sua mãe. Mesmo fazendo o possível para escapar à decisão do oráculo,
se dá conta de ter cometido os dois crimes. Já nasceu com seu destino traçado.
Podemos dizer, numa formulação lacaniana, que recebeu do campo do Outro suas
marcas significantes. Nesse estudo consideramos que o eixo central do mito e da
tragédia é o parricídio e, por acréscimo, o desejo incestuoso.
2.2 SÓFOCLES E A TRAGÉDIA ÉDIPO REI
Conforme dito anteriormente, as tragédias se baseavam na mitologia e cada
autor tinha liberdade para tratar os mitos. Deste modo, Sófocles toma como base o
mito de Édipo (Oidípus) para escrever a tragédia grega Édipo Rei. Consta que este
mito foi relatado pela primeira vez na Odisséia de Homero, conforme trecho abaixo:
Vi também a mãe de Édipo, a bela Epicasta.
Ela, sem o saber, cometeu um grande crime,
casando-se com o filho, que a desposou após matar e despojar o pai.
Os deuses rapidamente fizeram que a notícia circulasse entre os homens.
Édipo, todavia, apesar de tantos sofrimentos por funestos desígnios dos
deuses,
41
continuou a reinar sobre os Cadmeus, na muito amada Tebas.
Ela, porém, desceu à mansão de Hades, de sólidas portas,
depois de atar, dominada pela dor, um laço a uma alta viga,
deixando ao filho, como herança, inúmeros sofrimentos
com que as Erínias punem os delitos cometidos contra uma mãe.
(BRANDÃO, 1991, p.203).
Sófocles nasceu em 497/496 a.C., em Colona, próximo a Atenas. Na vida
adulta, chegou a alcançar posição de destaque na vida política. Possuía uma alma
bastante equilibrada, compreendendo tanto a alegria quanto a dor de viver, a beleza
e o horror, os momentos de paz e os de incerteza. Apesar de acreditar nos deuses,
estes não influenciaram sua filosofia (idem, ibidem).
No teatro de Sófocles há uma predominância da razão. O drama é uma ação
e nasce da vontade e do caráter do personagem. Apesar de o destino ser imutável,
seus personagens travam uma luta interior em busca do agir livremente. Ele nos
coloca diante nós mesmos, toma como base a vontade humana. Para o destino a
fatalidade existe, mas o homem possui o livre arbítrio e lutará contra ele. É o que
ocorre em Édipo Rei: Sófocles apresenta o personagem principal lutando contra o
seu destino e fazendo escolhas, justamente por ter a liberdade de lutar. (idem,
ibidem).
A peça se inicia no momento em que Édipo manda Creonte ao oráculo para
saber o que fazer quanto à peste que assola Tebas (idem, ibidem). Entretanto, até
este momento muitas coisas aconteceram. Relembraremos alguns acontecimentos,
que são relevantes para a compreensão dos fatos, e que foram pesquisados no livro
Mitologia grega, de Junito Brandão (1991).
Édipo é descendente dos Labdácias — forma como eram chamados os
descendentes de Lábdaco — que reinaram sem interrupções em Tebas até a morte
de Laio. Pequenas interrupções ocorreram até que Laio atingisse a maioridade e
pudesse assumir o trono. Estas interrupções foram marcadas pela regência de
Nicteu e Lico e pelo período em que seu reinado foi usurpado por Anfião e Zeto.
Agenor, rei da Fenícia, teve sua filha Europa raptada por Zeus. Sem saber
quem havia roubado sua filha, ordenou que seus três filhos mais velhos — Fênix,
Cílix e Cadmo — a procurassem e não retornassem ao reino sem ela. A busca foi
imediata, mas decorrido algum tempo os irmãos perceberam que a tarefa era inútil.
Como não podiam retornar a corte paterna, começaram a fundar colônias onde se
estabeleceram.
42
Cadmo e sua mãe, Telefassa, fixaram-se na Trácia. Após a morte de sua
mãe, Cadmo consulta o oráculo que lhe orienta a parar de procurar a irmã e fundar
uma cidade. Para isso deveria seguir uma vaca até onde ela caísse de cansada.
Assim, após atravessar a região da Fócida, encontrou uma vaca que tinha nos
flancos uma marca com a configuração da lua. Seguiu-a por toda a Beócia até o
momento em que o animal se cansou e deitou: cumprira-se o oráculo. Ao mandar
alguns companheiros a uma fonte vizinha em busca de água, eles são mortos por
um dragão. Cadmo consegue matar este dragão e, seguindo um conselho de
Atena
3
, semeia seus dentes.
Destes dentes nascem gigantes ameaçadores aos quais deu o nome de
Spartói (os semeados), que são derrotados pelo próprio Cadmo ao jogar pedras no
meio deles. Sem saberem quem atirou as pedras, acusam-se mutuamente e se
matam. Apenas cinco sobreviveram: Equión (que mais tarde se casa com Agave,
filha de Cadmo), Udeu, Ctônio, Hiperenor e Peloro que, junto com Cadmo, formam o
núcleo ancestral da aristocracia tebana.
O dragão era o símbolo do deus Ares
4
, e sua morte tinha que ser expiada. Em
função disso, Cadmo serviu ao deus como escravo durante oito anos. Após este
período, Zeus lhe dá como esposa Harmonia, filha de Ares, com quem teve quatro
filhos: Ino (Leucotéia), Agave, Sêmele e Polidoro. Cadmo e Harmonia abandonam
Tebas misteriosamente em idade avançada. Polidoro assume o trono que havia sido
destinado por seu pai ao neto Penteu, filho de Agave e do Spartós Equíon. Polidoro
casa-se com Nicteis
5
(ou Antíope) e tem como filho Lábdaco, pai de Laio e avô de
Édipo, que será o futuro rei de Tebas.
Lábdaco tinha um ano de idade quando seu pai faleceu e o trono deixado por
Polidoro passa a ser ocupado por Necteu, seu avô. Este se mata e a regência de
Tebas é assumida por seu irmão Lico até que Lábdaco atingisse a maioridade.
O reinado de Lábdaco foi marcado por uma guerra sangrenta contra Pandíon
I, o rei de Atenas. Lábdaco morre prematuramente, despedaçado pelas Bacantes,
uma vez que se opôs à introdução do culto de Dioniso em Tebas. Porém, seu filho
Laio, ainda muito jovem, não pôde assumir o poder. Retorna ao trono Lico que,
posteriormente, foi assassinado por seus sobrinhos Anfião e Zeto.
3
Atena (Αθηνά) é a deusa grega da sabedoria, do ofício, da inteligência e da guerra justa.
4
Ares é o deus grego da guerra.
5
Nicteis é filha de Nicteu, neto de Ctônio, um dos Spartói.
43
Com a morte violenta de seu tio, Laio se precipita e foge de Tebas buscando
asilo na corte de Pélops. O herdeiro do trono de Tebas, que herdou também a
desonra de caráter religioso de seus antepassados
6
, desrespeita a sagrada
hospitalidade, protegida por Zeus, e ofende Hera, guardiã dos amores legítimos. Isto
porque Laio raptou Crísipo, o jovem filho de seu hospedeiro, e contrariando o que é
justo e legítimo, fere os deuses e pratica amor contra naturam, dando início a
pederastia na Grécia. Por este motivo Pélops amaldiçoa Laio e, junto à cólera de
Hera, dá origem à maldição dos labdácias.
Anfião e Zeto reinaram desastrosamente devido a hýbris de ambos. Com o
desaparecimento deles, Laio assume o trono de Tebas. Conforme descrito acima, na
transcrição da Odisséia, Laio casa-se com Epicasta. Entretanto, em Édipo Rei de
Sófocles sua esposa se chama Jocasta. Segundo esta versão, Édipo, logo ao
nascer, já carregava consigo terrível maldição, pois um oráculo vaticinou que a
criança da qual Jocasta estava grávida mataria o próprio pai.
Com o nascimento da criança, herdeira do trono de Tebas, Laio se recordou
da maldição lançada por Pélops. Tendo a criança apenas três dias de vida, Laio
amarrou seus tornozelos e Jocasta a entregou a um pastor para que fosse levado ao
monte Citerão que, sem coragem de deixá-la morrer, entrega a criança a outro
pastor.
Édipo chega a Corinto pelas mãos de um pastor que o entregou a Pólibo e
Mérope, reis da cidade e que não podiam ter filhos. A mãe adotiva desamarra seus
pés, que nunca serão totalmente perfeitos, e cuida da criança. Eis aí o significado de
seu nome: Édipo (Oidípus), o de pés atados.
Laio e Jocasta reinavam em Tebas, enquanto Édipo era criado e educado em
Corinto sem saber nada sobre sua origem. Entretanto, em um de seus aniversários,
durante uma festa, um estrangeiro diz que ele é filho emprestado. Ao final do
banquete, muito horrorizado, Édipo parte para Delfos em busca de uma consulta ao
oráculo que afirma que ele está condenado a matar seu pai e se casar com a própria
mãe. Para evitar tamanha desgraça, Édipo resolve sair de Corinto. No caminho,
atinge uma encruzilhada onde se encontra com uma carruagem que vinha em
sentido contrário. Era a comitiva de Laio que se dirigia a Delfos para ouvir o oráculo
acerca da Esfinge, pois esta se colocara às portas de Tebas e estava destruindo a
6
Cadmo havia matado o dragão de Ares e Lábdaco se opôs ao deus do êxtase e do entusiasmo
44
cidade ao devorar aqueles que não solucionavam seu enigma. Esta comitiva
contava com cinco pessoas: o rei, o arauto, um cocheiro e dois escravos. Eles
discutem por Édipo se recusar a sair do caminho, travam uma luta em que Édipo
mata o rei e os três guardas. Somente o mensageiro escapa. Édipo não sabia quem
eram as pessoas que havia matado, e relata:
(...) um dia fui ao oráculo de Delfos (...) mas Apolo anunciou-me claramente
(...) eu me uniria um dia à minha própria mãe e mostraria aos homens
descendência impura depois de assassinar o pai que me deu vida.
(...) deixei Corinto guiando-me pelas estrelas (...)
Cheguei um dia em minha marcha ao tal lugar onde, segundo dizes, o rei
pereceu. (...)
Seguia despreocupado a minha rota; quando me aproximei da encruzilhada
tríplice vi um arauto à frente de um vistoso carro correndo em minha
direção, em rumo inverso; no carro viajava um homem já maduro (...)
O arauto e o próprio passageiro me empurraram com violência para fora do
caminho. Eu, encolerizado, devolvi o golpe do arauto; o passageiro ao ver-
me reagir aproveitou o momento em que me aproximei do carro e me
atingiu com um dúplice aguilão, de cima para baixo, em cheio na cabeça.
(...) no mesmo instante, valendo-me de meu bordão com esta mão feri-o
gravemente. Pendendo para o outro lado ele caiu. (SÓFOCLES, 2006, p.58-
9).
O mensageiro salvou-se e fugiu. Chegando a Tebas, deu a notícia da morte
do rei à Jocasta. Diferentemente do que ocorreu na realidade, relatou que seus
companheiros foram mortos por ladrões de estrada e suplicou à rainha que o
enviasse para cuidar de rebanhos no campo.
Até este momento, uma parte do oráculo de Delfos estava cumprida: o filho
matou o pai. Faltava a segunda parte, onde o filho se casa com a mãe.
Uma vez estando na encruzilhada, Édipo tinha três caminhos a escolher.
Segue justamente por aquele de onde vinha o rei que havia matado. Esse é o
caminho que o leva a Tebas. Ao chegar, se depara com a Esfinge que lhe apresenta
um enigma: “Qual o animal que, possuindo voz, anda, pela manhã, em quatro pés,
ao meio-dia, com dois e, à tarde, com três?” (BRANDÃO, 1991, p.209). Ao
responder que se tratava do homem, Édipo responde corretamente ao enigma e
derrota a Esfinge que se lança ao abismo.
Ao vencer a Esfinge, entra na cidade como herói. Nesta época, o rei era
Creonte, irmão de Jocasta, que havia prometido a mão da irmã em casamento
àquele que desvendasse o enigma.
45
Édipo casa-se com Jocasta, sendo bom rei, bom pai — tem com ela quatro
filhos
7
: Antíope, Polínice, Antígona e Ismênia. Viviam bem até que uma peste que
ninguém consegue deter assola Tebas. Neste momento, Édipo manda Creonte ao
oráculo para saber o que fazer. Foi em meio a estes acontecimentos que o povo
novamente convocou Édipo para salvar a cidade. Creonte retorna com a resposta do
Oráculo, que é bastante clara ao determinar que o assassino de Laio seja banido de
Tebas. Édipo diz:
(...) Temos que banir daqui um ser impuro
Ou expiar morte com morte, pois há sangue
Causando enormes males à nossa cidade. (...)
(...) Laio (...) foi morto: o deus agora determina
que os assassinos tenham o castigo justo,
seja qual for a sua posição presente. (SÓFOCLES, 2006, p.23-4).
Édipo toma essa determinação como ameaça a si próprio, considerando que
quem matou um rei pode matar outro. Tirésias, o adivinho cego que tudo sabe, é
chamado ao palácio. Ao evitar o interrogatório de Édipo, Tirésias é insultado e
acusado de pactuar com Creonte a fim de tirar o poder do rei; termina por revelar
uma dolorosa verdade:
(...) Apenas quero declarar que, sem saber,
manténs as relações mais torpes e sacrílegas
com a criatura que devias venerar,
alheio à sordidez de tua própria vida!
(...) Minha cegueira provocou injúrias tuas.
Pois ouve: os olhos teus são bons e, todavia
não vês os males todos que te envolvem,
nem onde moras, nem com que mulher te deitas.
Sabes de quem nasceste? (idem, ibidem, p.38-9).
Sempre em torno da ambição, do mando e da sede de poder que está em
jogo ao longo da peça, Édipo também discute com Creonte de forma muito violenta.
Édipo assumiu o trono de Tebas com o respaldo do povo por ser o detentor do
saber, aquele que decifrou o enigma da Esfinge. Entretanto, não admite perder o
poder que acaba tirando-lhe este saber, uma vez que fica “cego” perante os
acontecimentos que aparecem diante de si.
Jocasta revela a Édipo pormenores acerca dos acontecimentos, fazendo com
que se empenhe numa busca a si próprio e deixe de lado a busca pelo assassino de
Laio. Em função disso, é relevante considerar que a temática de Édipo Rei diz
7
Segundo a versão de Sófocles.
46
respeito à busca do parricida e que a descoberta do incesto é um acréscimo. Isto
porque Édipo é o assassino de Laio, ele é o parricida.
Jocasta enforca-se no palácio, pois tudo estava claro para ela, enquanto
Édipo continua vivo com sua culpa, e declama:
Ai de mim! Ai de mim! As dúvidas desfazem-se!
Ah! Luz do sol. Queiram os deuses que esta seja
a derradeira vez que te contemplo! Hoje
tornou-se claro a todos que eu não poderia
nascer de quem nasci, nem viver com quem vivo
e, mais ainda, assassinei quem não devia! (idem, ibidem, p.81-2).
Édipo adentra o palácio como um louco e ao ver o corpo de sua mãe e
esposa arranca os alfinetes de suas vestes e rasga seus próprios olhos. Este é o
final da versão de Sófocles para o mito.
A tragédia suscita terror e piedade. O que acontece a Édipo poderia
acontecer a qualquer um de nós, por isso nos aterrorizamos. É a dificuldade de
compreender a punição imposta que nos causa piedade. Esta estória resume a
condição trágica do destino humano. Nossas escolhas, nossas buscas, nossa
identidade. Esta tragédia, mesmo escrita há tantos anos, ainda tem muito a nos
dizer a respeito das determinações inconscientes, do desejo, do saber e do poder.
2.3 O COMPLEXO DE ÉDIPO EM FREUD
O conceito de complexo de Édipo em Freud foi desenvolvido ao longo de sua
obra. Entretanto, a primeira vez que o mencionou foi em carta a Fliess, datada de
quinze de outubro de 1887, onde expõe seus primeiros pensamentos acerca do que
seria um ponto crucial na estruturação do sujeito. Freud declara:
(...) podemos entender o poder de atração do Oidípus Rex, (...) a lenda
grega capta uma compulsão que todos reconhecem, pois cada um
pressente sua existência em si mesmo. Cada pessoa da platéia foi, um dia,
um Édipo em potencial na fantasia, e cada uma recua, horrorizada, diante
da realização de sonho ali transplantada para a realidade, com toda a carga
de recalcamento que separa seu estado infantil do estado atual. (FREUD,
1887 apud MASSON, 1986, p.273).
É através dessa passagem que Freud introduz o mito de Édipo na psicanálise
utilizando a tragédia grega Édipo Rei. Esta peça trata de uma parte do mito de
Édipo, especificamente sua investigação sobre o parricídio e o incesto.
47
Fundamental na estruturação do sujeito e de grande relevância na teoria
psicanalítica, o complexo de Édipo introduz a determinação do Outro na constituição
do sujeito (LACAN, 1938). Toda a teorização acerca do Édipo como operador teórico
e clínico é construída ao longo da obra de Freud em um processo não linear, tendo
em vista que o motor teórico é a clínica. De modo geral, o complexo de Édipo diz
respeito a considerar o genitor do sexo oposto ao da criança como objeto de amor, e
os sentimentos de hostilidade em relação ao genitor de mesmo sexo. Essa seria a
forma positiva do complexo de Édipo. Na forma negativa, o objeto de amor é a figura
parental do mesmo sexo da criança, e a atitude hostil é dirigida ao de sexo oposto
ao seu. Essa seria uma descrição clássica do Édipo, onde Freud acreditava existir
uma semelhança entre o menino e a menina. Entretanto, esta versão perde o seu
valor quando a teoria da castração leva Freud a perceber que essa simetria não
existe. (FREUD, 1924).
A partir de uma nova concepção, Freud (ibidem) postula que o conflito
edipiano ocorre durante o período fálico —quando a criança reconhece apenas um
órgão genital, o pênis — classificando os seres humanos em castrados e não
castrados. Freud (ibidem) estabelece diferenças relativas ao complexo de Édipo no
menino e na menina, pois o menino sai dele através da angústia de castração,
quando o supereu se torna seu herdeiro (interiorização da interdição paterna). No
caso da menina, a entrada no complexo de Édipo se dá justamente através da
descoberta da castração e da inveja do pênis, seu supereu — não tão rígido — se
constitui com dificuldade, pois não existe a ameaça de ser castrada,
consequentemente não há angústia de castração.
Essa teorização do complexo de Édipo, tal como conhecemos hoje, se dá a
partir dos anos 1920, quando Freud aponta a primazia do falo. Seu declínio marca a
entrada num período chamado de latência, e seu retorno implica em um novo tipo de
escolha de objeto na puberdade.
O termo Édipo é inicialmente utilizado por Freud em “A interpretação dos
sonhos” (1900), onde reconhece o papel desempenhado pelos pais durante a
infância como relevante para o desenvolvimento das psiconeuroses. Ressalta
também a paixão por um dos pais e o ódio pelo outro, assim como o caráter
ambivalente dos sentimentos infantis que oscila entre o amor e o ódio pelos pais.
Relaciona essas observações com a lenda de Édipo e a tragédia de Sófocles,
48
considerando que o impacto causado diz respeito a essa natureza ambivalente.
Freud se comove diante do fato de que poderíamos ter o mesmo destino de Édipo,
uma vez que nosso primeiro impulso sexual é dirigido para a mãe e o ódio para o
pai, sentimentos em relação aos quais estamos alienados.
Essas primeiras referências acerca do complexo de Édipo tem como base
algumas observações clínicas de Freud. Isso ocorre, por exemplo, em “Fragmento
da análise de um caso de histeria” (FREUD, 1905 [1901]) através do interesse
demonstrado pelas questões familiares de sua paciente. Nesse caso, seu objetivo é
analisar a importância dos vínculos afetivos relacionados à neurose manifesta, além
de verificar os componentes hereditários da doença. Esse texto é relevante para o
nosso tema de estudo, uma vez que Freud tem a oportunidade de verificar a
presença da bissexualidade e ainda avaliar as intervenções do complexo de Édipo
no processo de transferência, colocando-o em posição privilegiada na teoria
psicanalítica. Assinala Freud:
Aprendi a ver nessas relações amorosas inconscientes entre pai e filha ou
entre mãe e filho, conhecidas por suas consequências anormais, uma
revivificação de germes dos sentimentos infantis. Expus em outros lugares
em que tenra idade a atração sexual se faz sentir entre pais e filhos, e
mostrei que a lenda de Édipo provavelmente deve ser considerada como a
elaboração poética do que há de típico nessas relações. É provável que se
encontre na maioria dos seres humanos um traço nítido dessa inclinação
precoce da filha pelo pai e do filho pela mãe (...). (idem, ibidem, p.59).
Uma das primeiras formulações de Freud a respeito do complexo de Édipo foi
feita em 1908, no texto “Sobre as teorias sexuais infantis”, quando o denomina como
complexo nuclear das neuroses. Entretanto, no que diz respeito a expressão
complexo de Édipo, seu aparecimento primordial na obra de Freud data de 1910, no
texto “Um tipo especial de escolha de objeto feita pelos homens”: “Ele começa a
desejar a mãe para si mesmo (...) e a odiar o pai como um rival que impede esse
desejo; passa (...) ao controle do complexo de Édipo” (FREUD, 1910a, p.154).
Para o estudo de tal complexo faz-se necessário retornar a uma época da
infância quando a criança se interessa precocemente por seu órgão genital e a
diferença sexual não é relevante. Nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”,
Freud (1905a) desenvolve as noções de zonas erógenas e pulsões parciais, fazendo
relações entre a bissexualidade psíquica e o hermafroditismo anatômico. Também
faz referência à base química da excitação sexual instituindo o conceito de libido
49
“como uma força quantitativamente variável que poderia medir os processos e
tansformações ocorrentes no âmbito da excitação sexual” (idem, ibidem, p.204). O
destaque dado a este conceito se deve a sua relevância para a compreensão do
complexo de Édipo, tendo em vista que com base nessas conjeturas Freud
considera que a primeira manifestação da vida sexual infantil ocorre por volta dos
três anos, e tem como base a pulsão de saber. Ele nos diz que:
Essa pulsão não pode ser computada entre os componentes pulsionais
elementares, nem exclusivamente subordinada à sexualidade. Sua
atividade corresponde, de um lado, a uma forma sublimada de dominação
e, de outro, trabalha com a energia escopofílica. Suas relações com a vida
sexual, entretanto, são particularmente significativas, já que constatamos
pela psicanálise que, na criança, a pulsão de saber é atraída, de maneira
insuspeitadamente precoce e inesperadamente intensa, pelos problemas
sexuais, e talvez até despertadas por eles. (idem, ibidem, p.182).
A criança se ocupa, inicialmente, com o enigma da origem dos bebês, a partir
do qual desenvolve teorias que buscam explicar a relação sexual. Freud (ibidem)
considera que essas teorias sexuais infantis refletem a constituição sexual da
criança testemunhando uma compreensão dos processos sexuais bem maior do que
se acredita possível. E é a partir dessas teorias sexuais infantis, inseridas no
complexo de Édipo, que a criança faz sua escolha objetal.
No texto “Sobre as teorias sexuais infantis” podemos observar o
funcionamento dessa pulsão de saber. Freud (1908) disserta acerca do momento
em que a criança vivencia um sentimento de ameaça de perda do amor. Esta
ameaça se instaura quando outra criança se faz presente em sua vida. Comumente
essa criança é um irmãozinho que está para chegar ou outra criança com a qual
convive intensamente. Esta fase de transformação em sua vida desencadeia a
curiosidade e o desejo de saber sobre a sexualidade e sua origem: ‘de onde vem os
bebês?’. Estes questionamentos levam a uma “perda, realmente experimentada ou
justamente temida do carinho dos pais (...) despertam suas emoções e aguçam sua
capacidade de pensamento” (idem, ibidem, p.216).
As respostas apresentadas a esse questionamento costumam ser evasivas e
culminam com a célebre tese de que os bebês são trazidos pela cegonha. Estas
explicações não satisfazem a criança, que começa a desconfiar dos adultos e a
suspeitar que estes lhes escondem algo proibido.
50
A criança continua a busca pela resposta à sua questão, mas sem
compartilhar suas conclusões com os adultos. Por conseguinte, a criança
experimenta seu primeiro conflito psíquico, que logo se transforma em dissociação
psíquica dando origem ao complexo nuclear da neurose. Freud considera que:
O conjunto de concepções consideradas ‘boas’, mas que resultam numa
cessação da reflexão, torna-se o conjunto das concepções dominantes e
conscientes, enquanto o outro conjunto, a favor do qual o trabalho de
investigação infantil coligiu novas provas, as quais, entretanto, não devem
ser consideradas, torna-se o conjunto das opiniões reprimidas e
inconscientes. Está assim formado o complexo nuclear de uma neurose.
(idem, ibidem, p.217).
Em meio a esta curiosidade, surge a primeira teoria sexual infantil: todas as
pessoas, inclusive as mulheres, possuem o mesmo órgão genital, o pênis. Nesta
época, o pênis é a principal zona erógena e também um objeto sexual auto-erótico,
através do qual obtém prazer com o estímulo manual. Esta atividade sexual não é
aceita pelos adultos, que repreendem e ameaçam a criança com a perda deste
órgão tão valorizado — atitude dos adultos em relação à criança que faz parte da
ameaça de castração. (idem, ibidem).
Como o pênis é a parte do corpo que desperta a atenção do menino desperta
também seu interesse pela investigação, porque percebe a existência de diferenças
entre os homens e as mulheres, entretanto não atribui essa diferença aos órgãos
genitais. Através de suas pesquisas descobre que nem todos possuem um pênis.
Isso ocorre em determinado momento da infância, conforme dito acima, quando se
depara com o nascimento de novos irmãos ou convive com outras crianças, o que
permite a vizualização do órgão sexual de uma criança do sexo oposto ao seu.
Perante esta descoberta, rejeitam o fato de que nem todos possuem um pênis. Por
isso tentam encobrí-la acreditando que o pênis da menina é pequeno e que ainda
crescerá. Essas reações são o resultado da ameaça de castração anteriormente
sofrida, e que é rememorada perante a percepção desta diferença sexual tão
importante.
A percepção de que nem todos possuem um pênis leva ao desmoronamento
da prevalência do órgão sexual masculino e inaugura o complexo de castração
como indissociável do complexo de Édipo.
Durante algum tempo Freud considerou a sexualidade infantil segundo o que
ocorria com os meninos, considerando-a semelhante nas meninas. Contudo, em seu
51
artigo de 1923, “A organização genital infantil”, admite pela primeira vez que a
descrição do processo, tal como vinha sendo realizada, somente se aplica à criança
do sexo masculino, pois o que ocorria nas meninas ainda não era conhecido. O
complexo de Édipo na menina será tratado posteriormente.
Ainda nesse artigo, Freud (1923) destaca que a diferença entre a organização
genital infantil e a do adulto diz respeito ao fato das crianças de ambos os sexos
considerarem apenas o órgão genital masculino: o pênis, inaugurando o que
denomina primazia do falo. Isso porque mesmo quando o menino percebe que os
homens e as mulheres são diferentes, supõe que todos possuem um órgão análogo
ao seu.
“A dissolução do complexo de Édipo” é título do texto de Freud, publicado em
1924, onde destaca a importância deste complexo como fenômeno central do
período sexual da primeira infância.
Esta dissolução, ou naufrágio, ocorre no menino após esse período sexual da
primeira infância e é seguido pelo período de latência. A mãe é o objeto de amor
original do menino, é ela quem dele cuida e alimenta. Este objeto é o mesmo que
continua a ser investido ao longo do complexo de Édipo. O pai ocupa o papel de
rival, aquele de quem o menino deseja se livrar para que possa ocupar seu lugar.
Provavelmente esse naufrágio ocorre a partir do momento em que a criança se
decepciona com a mãe quando supõe que ela transferiu seu amor para outro objeto,
pois até então o menino acreditava que a mãe era sua propriedade. (FREUD, 1924).
Nesse período, o menino está em plena atitude edipiana em relação aos pais.
A masturbação, anteriormente citada, funciona como uma descarga genital de
excitação sexual pertinente ao complexo de Édipo e que oferece duas possibilidades
de satisfação. Uma delas é uma satisfação ativa em que o menino se coloca no
lugar do pai e tem relações com a mãe da mesma forma que o pai. Neste caso o pai
é considerado um estorvo, um rival. A outra possibilidade é uma satisfação passiva
em que o menino assume o lugar da mãe para ser amado pelo pai, considerando a
mãe supérflua nesta relação. (idem, ibidem).
Voltamos a afirmar que num primeiro momento os meninos consideram que
todos possuem um pênis. Porém, ao se depararem com a diferença antatômica
entre os sexos, percebem que nem todos o possuem. A primeira reação é negar e
acreditar que o pênis das meninas é pequeno e ainda crescerá. Posteriormente,
52
aceitam a possibilidade da castração e reconhecem as mulheres como castradas. A
partir disto deixam de acreditar nas possibilidades de obter satisfação através da
masturbação, porque ambas formas levam a perda do pênis: na primeira a castração
é uma punição e, na segunda, a castração é uma pré-condição. (idem, ibidem).
Desse modo, o menino percebe que a satisfação sexual através do desejo
incestuoso lhe custaria o pênis, dando origem a um conflito entre o interesse
narcísico por esse órgão e o investimento libidinal nos objetos parentais. Espera-se
que o interesse narcísico pelo pênis triunfe e o eu do menino dê as costas para o
complexo de Édipo. Isso ocorre da seguinte forma: a criança para de investir no
objeto e o substitui por identificações, a autoridade do pai é introjetada e forma o
núcleo do supereu. Este assume a severidade paterna, propagando a proibição do
pai contra o incesto e defendendo o eu do retorno do investimento libidinal:
(...) o ego da criança volta as costas ao complexo de Édipo. As catexias de
objeto são abandonadas e substituídas por identificações. A autoridade do
pai é introjetada no ego e forma-se aí o núcleo do superego, que assume a
severidade do pai e perpetua a proibição deste contra o incesto,
defendendo assim o ego do retorno da catexia libidinal. (idem, ibidem,
p.221).
As tendências libidinais podem ser dessexualizadas, sublimadas e também
podem ser inibidas em seu objetivo, afastando a possibilidade de perda do pênis ao
remover sua função de obtenção de prazer. (idem, ibidem).
O complexo de Édipo naufraga e, uma vez submerso, possibilita a
emergência do supereu como seu herdeiro. É a constituição do supereu que leva o
indivíduo a se inserir na cultura, humanizando-o. O supereu deve ser compreendido
como uma interiorização do agente paterno como sinônimo de interdição do incesto.
Por isso podemos dizer que esse ganho narcísico é considerável. Renunciar a ser o
pai torna possível ser como o pai através do processo de identificação. (iIdem,
ibidem).
Antes de nos remetermos ao complexo de Édipo na menina, cabe ressaltar
que, segundo Kaufmann (1996, p.135-6), o complexo de Édipo pode ser designado
como o conjunto das relações que a criança estabelece com a figuras parentais e
que constituem uma rede, em grande parte inconsciente, de representações e
afetos. E ainda, que assume a dimensão de conceito ao ser articulado com o
complexo de castração, o qual determina a interiorização da interdição oposta aos
dois desejos edipianos: o incesto materno e o assassinato do pai, abrindo o acesso
53
à cultura pela submissão e identificação com o pai portador da lei que regula o
desejo.
2.3.1 Totem e Tabu:o mito da horda primeva
Tendo em vista os comentários acima, consideramos relevante destacar o
fato de que além do mito de Édipo, Freud (1913 [1912-13]) criou seu próprio mito em
“Totem e tabu”: o mito da horda primeva. Este mito também foi utilizado por Freud
em sua elaboração do complexo de Édipo e será muito importante para a
compreensão do Édipo estrutural, que trataremos adiante.
Trata-se de um pai violento e ciumento que guarda todas as mulheres para si
próprio e expulsa os filhos à medida que crescem. Certo dia, esses filhos que
haviam sido expulsos retornam juntos, matam e devoram o pai. Era o fim da horda
patriarcal. Ao se unirem, os filhos tiveram coragem e fizeram o que nunca fariam
individualmente. O violento pai primevo era o modelo, temido e invejado, de cada um
desses filhos. Ao devorarem o pai, se identificaram com ele e adquiriram parte de
sua força. (idem, ibidem).
Os filhos expulsos tinham os mesmos sentimentos contraditórios observáveis
no complexo parental ambivalente das crianças de sexo masculino e dos pacientes
neuróticos. No que diz respeito aos sentimentos ambivalentes, o ódio ao pai é um
obstáculo ao anseio de poder e aos desejos sexuais ao mesmo tempo em que o
amam e admiram. Eles se livram do pai morto, satisfazem o ódio e se identificam
com esse pai. A afeição que estava recalcada se faz presente sob a forma de
remorso, dando origem ao sentimento de culpa, tornando este pai morto ainda mais
forte do que quando estava vivo. O que era proibido quando o pai ainda estava vivo,
passa a ser proibido pelos próprios filhos. O ato de matar o pai foi anulado com a
proibição de matar o totem, o substituto do pai. (idem, ibidem).
É a partir do sentimento de culpa filial que os dois principais tabus do
totemismo
8
são criados, e que correspondem aos dois desejos recalcados do
complexo de Édipo. Quem transgride o tabu é culpado pelos dois crimes de
interesse da sociedade primitiva: o parricídio e o incesto. Os filhos que se uniram
para derrotar o pai tornaram-se rivais em relação às mulheres. Para que pudessem
8
Não matar e não ter relações sexuais com as mulheres do totem.
54
continuar vivendo juntos instituíram a lei do incesto renunciando às mulheres que
desejavam — motivo pelo qual se livraram do pai. Deste modo, salvam a
organização que os tornou fortes. (idem, ibidem).
Esse pai primitivo, idealizado em um pai morto, garante o pacto entre os
irmãos e também a renúncia ao gozo sem limites, uma vez que todos têm direito ao
exercício da sexualidade respeitando a regra comum. Aqui temos a lei edipiana
apontando para a união indissolúvel entre a lei (o que é proibido) e o desejo.
O assassinato desse pai primitivo, que era gozador e castrador, irá fundar a
cultura e cederá lugar ao pai edipiano, aquele que se curva à lei do desejo.
2.3.2 O compléxo de Édipo na menina
Retornemos ao complexo de Édipo e ao que diz respeito à diferença entre a
menina e o menino. A entrada da menina no complexo de Édipo é marcada por uma
mudança no objeto de amor original e também por uma mudança de órgão sexual.
Ela troca o clitóris pela vagina, isto porque sua zona erógena original é o clitóris,
considerado análogo ao órgão masculino cuja inferioridade real adquire relevância
ao ser comparado ao pênis. (FREUD, 1908).
Para a menina, a mãe também é o primeiro objeto de amor, é a ela que a
menina dirige seus primeiros investimentos libidinais. Esse período é chamado pré-
edipiano e é muito importante. É possível que demore um longo tempo e contenha
todas as fixações e recalques que levam à origem das neuroses. Nessa época, o pai
é um rival, sendo sua hostilidade em relação a ele mais suave que a dos meninos.
Entretanto, diferentemente dos meninos, abandona seu objeto de amor original
passando a ter o pai como objeto de amor. (FREUD, 1925). Mas como se dá esse
processo?
O complexo de Édipo nas meninas é uma formação secundária e são as
operações do complexo de castração que o precedem e preparam. Existe um
contraste fundamental entre o menino e a menina no que diz respeito às relações
existentes entre o complexo de Édipo e o complexo de castração. Nos meninos, o
declínio do complexo de Édipo ocorre pelo complexo de castração. Enquanto nas
meninas é complexo de castração quem introduz o Édipo e o faz possível. Essa
contradição pode ser esclarecida ao refletirmos sobre o fato do complexo de
55
castração operar sempre no sentido implícito em seu conteúdo, ou seja, ele inibe e
limita a masculinidade, incentivando a feminilidade. (idem, ibidem).
Aproveitamos este momento para ilustrar do que se trata quando nos
referimos ao complexo de Édipo como estrutural, ou melhor, quando nos referimos
ao Édipo estrutural. O complexo de castração caracteriza o declínio do Édipo no
menino, ao mesmo tempo em que precede e prepara a menina para o complexo de
Édipo. Estamos tratando de posições, de um sistema de relações. Pouillon (1968)
nos diz que o estruturalismo é um sistema que trata das diferenças, da possibilidade
de agruparmos diferenças. Há uma relação entre as partes considerando as
diferenças. Aqui estamos tratando justamente de diferenças, continuemos com elas.
Ocorre que a menina também acredita não existir diferença entre os sexos e
obtém sua satisfação sexual de forma auto-erótica, sendo que o órgão manipulado
manualmente é o clitóris. Por este ato sofre ameaças de caráter educativo,
diferentemente do menino que recebe ameaças de castração. Quando ela se depara
com o órgão genital do sexo masculino se sente em desvantagem. A menina sente
inveja do pênis e isso deixa marcas muito fortes no seu desenvolvimento e na
formação do seu caráter. Mesmo reconhecendo que não possui um pênis, durante
anos continua acreditando que um dia o terá. Inicialmente, a menina acha que a
castração ocorreu apenas com ela, mas, depois, verifica que o mesmo aconteceu
com outras crianças e também com os adultos. Quando percebe que a mãe também
é castrada é possível abandoná-la como objeto de amor e se voltar para o pai,
porque deseja possuir o pênis que a mãe lhe recusou. Ela espera obter esse pênis
de seu pai. (FREUD, 1924).
É a descoberta da diferença entre os sexos e a inveja do pênis que levam a
menina ao desenvolvimento da feminilidade. A libido se desvia para uma nova
posição, onde o desejo de ter um pênis é substituído pelo desejo de ter um filho: o
pai se torna objeto de amor, a mãe objeto de ciúme e a menina uma pequena
mulher. (FREUD, 1925).
O complexo de Édipo na menina surge a partir do complexo de castração e é
resultado de um percurso demorado. Na menina a castração foi executada, não é
apenas uma ameaça, ela não tem o que temer. Como vimos anteriormente, o
menino sai do complexo de Édipo justamente para evitar a castração. A mulher nem
sempre consegue superar o complexo de Édipo, por isso as consequências culturais
56
de sua dissolução são menores e menos importantes que nos meninos. Nelas a
importância maior é atribuída ao período pré-edipiano, quando tem origem a atitude
hostil direcionada à mãe.
Em função disso podemos pensar que não existem motivos para o
estabelecimento do supereu, nem para interromper a organização sexual infantil da
menina. Entretanto, eles ocorrem como resultantes da criação, da intimidação
oriunda do exterior e da ameaça com a perda de amor. (idem, ibidem).
Podemos perceber que o complexo de Édipo na menina é diferente do
menino. Nelas o complexo de castração prepara para o complexo de Édipo. Nos
meninos o complexo de Édipo naufraga a partir do complexo de castração. É
justamente nessa relação recíproca entre o complexo de Édipo e o complexo de
castração que encontramos as fixações e os recalques que darão origem às
neuroses e às perversões. (idem, ibidem). Na verdade, a descoberta da castração
devasta o psiquismo feminino, interrompe sua atividade sexual, sua relação com a
mãe e a representação narcísica anteriormente existente.
Diante do temor de castração, no caso dos meninos, e das repetidas
experiências de desapontamentos e frustrações, no caso das meninas, vence o
narcisismo da criança que, como solução para seus desejos, opera uma
identificação com os pais.
Como conceito psicanalítico de fundamental importância, o complexo de
Édipo é um ponto crucial na estruturação do sujeito. É a partir dele que o sujeito se
constitui e se organiza principalmente no que diz respeito à diferenciação entre os
sexos e seu posicionamento frente à angústia de castração. É a linha principal para
o estabelecimento do sujeito do desejo e também determinante da posição do
sujeito com a alteridade e da sua forma de se relacionar com a cultura.
2.4 O COMPLEXO DE ÉDIPO EM LACAN
Podemos dizer que Lacan faz uma nova leitura do Édipo freudiano, situando-o
no campo da linguagem e considerando-o como uma estrutura, um sistema de
relações, onde o mais importante é a posição que tomam os elementos constituintes
do complexo. Essa nova leitura é nomeada como análise estrutural do Édipo.
57
Em seu contato com a antropologia de Lévi-Strauss, que abrange os
conceitos da linguística estrutural, Lacan fundamenta o fato de a psicanálise ser
exercida somente através da palavra. Considera que as formações do inconsciente,
descobertas por Freud, são fenômenos de linguagem e declara que a fala é o único
instrumento com o qual a psicanálise pode trabalhar. (LACAN, 1956). Isto porque, ao
contar sua história, o sujeito pode encontrar o sentido de seus atos. Através da
palavra o sujeito é levado a restabelecer sua história e consegue revelar sua
singularidade. Segundo a teoria de Lévi-Strauss, evocada por Lacan (1952), o ponto
em que a história subjetiva ultrapassa fatores individuais é o complexo de Édipo.
Na formulação de sua teoria do Édipo, Lacan (1956-1957) considera como
mito tudo aquilo que a teoria freudiana pressupõe como um acontecimento
efetivamente vivido pela humanidade cuja formação é uma necessidade para o
funcionamento da cadeia significante. Deste modo, o mito de Édipo é anterior e
necessário à subjetividade.
No que diz respeito às análises realizadas acerca do mito de Édipo, cabe
destacar dois temas principais: o parricídio e a proibição do incesto. E é justamente
a partir da lei de proibição do incesto que podemos diferenciar a cultura e a
natureza, estabelecendo o limite entre elas. E a questão edípica pode apresentar-se
como fundamento que permitirá o acesso do sujeito ao registro simbólico, ou seja,
seu acesso à cultura.
Numa tentativa de explicar como se opera o inconsciente, determinante da
posição do sujeito perante o Outro, e sua forma de se relacionar com a cultura, a
psicanálise faz uso do mito freudiano do pai da horda primeva e do mito de Édipo
para refletir acerca da questão do incesto e de sua interdição, como vimos.
A interpretação que Lacan (ibidem) faz da figura paterna no complexo de
Édipo é o ponto principal em torno do qual são tecidas as considerações analógicas
entre a teoria freudiana desse complexo e a visão estruturalista do mesmo.
No que diz respeito às estruturas elementares de parentesco, a posição do
pai é totalmente simbólica. O pai é o símbolo que determina todas as relações de
aliança. Isso equivale a dizer, em termos da linguística estrutural, que o pai é o
significante que possibilita o funcionamento de toda cadeia de significantes, cujo
efeito é a produção dos significados. (idem, ibidem).
58
Desse modo, o aforismo lacaniano de que o “inconsciente é estruturado como
uma linguagem” posiciona o Édipo como aquele que consente a entrada do sujeito
no mundo simbólico. O falo é relevante no complexo de castração, mas a referência
principal é o pai, aquele cuja função é mediar a relação mãe-criança. (idem, ibidem).
É a estrutura de linguagem que antecede a criança. Essa é decomposta em
significante e significado de modo a fundamentar a ideia de que a estrutura do
sujeito equivale a uma estrutura de linguagem, uma vez que é possível se constituir
como sujeito a partir do Outro. Ou seja, a criança nasce inscrita na linguagem: ela
recebe um nome, um lugar, é significada por seus pais muito antes de seu
nascimento, no momento em que passa a ocupar um lugar nessa família. (LACAN,
1966c).
A essência dessa análise estrutural é a metáfora paterna, considerada como
o ponto-chave para a definição das estruturas clínicas, que implica no
estabelecimento do Nome-do-Pai. Trata-se de um momento lógico, decisivo na
constituição do sujeito, onde o Édipo passa de cultural a um estatuto de estrutural.
Desse modo, podemos dizer com Lacan (1957-1958) que a criança se
constituirá como sujeito a partir da metáfora paterna e de seu mecanismo de
recalque originário, cujo desenvolvimento se fundamenta numa substituição
significante. Um novo significante será colocado no lugar do significante originário do
desejo da mãe que, ao ser recalcado em benefício desse novo significante, se
tornará inconsciente. Isso equivale a dizer que a criança renunciou ao seu objeto
inaugural de desejo.
É devido ao fato da função paterna ser uma função simbólica que é possível
operá-la como uma metáfora. Consideramos a metáfora como um significante que
vem no lugar de um outro significante, permitindo que o Nome-do-Pai substitua o
falo enquanto objeto de desejo da mãe. (idem, ibidem).
Para compreender esta operação é necessário nos remetermos a um
momento da vida psíquica da criança denominada por Lacan (1949) de estádio do
espelho, quando ela realiza uma primeira identificação na sua relação específica
com a mãe. Neste processo de identificação fundamental a criança apreende sua
própria imagem, o que lhe permitirá promover a estruturação do eu.
Vejamos o que Lacan diz acerca desse momento do estádio do espelho.
Esclarecemos que esse conceito foi desenvolvido a partir da experiência de Henry
59
Wallon, que descreveu, em 1931, o modo como a criança, aos poucos, diferencia
seu corpo da imagem que observa no espelho. Segundo este autor, isto acontece a
partir do momento em que o sujeito compreende simbolicamente o espaço
imaginário em que sua unidade corporal é constituída (PEREIRA & ORNELLAS,
1998).
Lacan, no ano de 1936, em uma conferência na Sociedade Psicanalítica de
Paris, faz uso desse experimento de Wallon para desenvolver seu conceito de
estádio do espelho: um momento estrutural do ser humano onde ele se reconhece
na imagem de um outro no espelho.
Somente em 17 de julho de 1949, o texto final do estádio do espelho é
apresentado em sua versão definitiva. Isso ocorreu no XVI Congresso Internacional
de Psicanálise, em Zurique, com o nome de “O estádio do espelho como formador
da função do eu”. Iremos abordar de modo geral os principais aspectos da teoria do
estádio do espelho. Segundo Lacan:
(...) o estádio do espelho
9
é um drama cujo impulso interno precipita-se da
insuficiência para a antecipação — e que fabrica para o sujeito, apanhado
no engodo da identificação espacial, as fantasias que se sucedem desde
uma imagem despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade que
chamaremos de ortopédica — e para a armadura enfim assumida de uma
identidade alienante, que marcará com sua estrutura rígida todo o seu
desenvolvimento mental. (LACAN, 1949, p.100).
Durante o estádio do espelho podemos dizer que a experiência da criança a
levará a uma conquista progressiva da imagem. Vejamos como isso acontece.
Quando de seu nascimento, a criança estabelece uma relação de
dependência com a pessoa que cuida dela. Geralmente é a mãe quem exerce essa
função, suprindo as carências da criança tanto no plano biológico quanto no plano
imaginário. O ato de satisfazer as necessidades físicas da criança é feito pela mãe
segundo um código simbólico que determina essa relação entre demanda e desejo.
Deste modo, a mãe ocupa a função de Outro provendo a criança de alimentos, amor
e palavras, e é através dessa mediação que ocorrerá o acesso ao campo do
simbólico. (PEREIRA & ORNELLAS, 1998).
Considerando que o eu é constituído a partir da identificação do indivíduo com
o Outro (idem, ibidem), podemos dizer que o estádio do espelho irá suprir
imaginariamente esse momento do nascimento. Lacan (1949) utiliza o termo infans
9
Grifo do autor.
60
para se referir à criança neste momento de imaturidade biológica, vivificada pela
falta de coordenação motora comum nos primeiros meses de vida.
Ocorre que a criança, ao se observar refletida no espelho percebe nessa
imagem uma completude que lhe é estranha, pois até então sua vivência corporal
era de despedaçamento. A partir desta imagem de um outro a criança se identificará
com o que vê, passando a ter um referencial de si mesma e originando a
constituição de um eu imaginário. (idem, ibidem).
A aquisição desse domínio imaginário de seu corpo, através da imagem no
espelho mediada pela imago da mãe, levará o sujeito a se conceber como um outro
que não ele mesmo. Lacan vai dizer que essa experiência ocorre em três etapas.
Num primeiro momento a criança se confunde com o outro devido à relação que
mantém com sua mãe. A criança percebe a sua imagem no espelho como a de um
ser real de quem tenta se aproximar. Deste modo, neste primeiro momento, a fase
do espelho comprova o assujeitamento da criança ao registro do imaginário. No
segundo momento, a criança descobre que esse outro no espelho não é real, e sim
uma imagem. Essa descoberta permite distinguir a imagem do outro da realidade do
outro. Ou seja, a criança reconhece que o que está no espelho é apenas uma
imagem e que aquela é a sua imagem. Isso permite que ela se reconheça e
recupere a dispersão do corpo esfacelado em uma totalidade unificada:
representação do próprio corpo. Esse segundo momento diz respeito a uma etapa
decisiva no processo identificatório. (idem, ibidem).
De certa forma, no terceiro momento há um diálogo entre as etapas
anteriores. A criança reconhece que o reflexo no espelho é uma imagem e que se
trata de sua própria imagem. Através dessa imagem se reconhece. Aquela imagem
anterior, de um corpo despedaçado, se transformou em uma totalidade. Então,
podemos dizer que a imagem do corpo é estruturante para a identidade do sujeito,
que realiza sua identificação primordial através dela. (idem, ibidem).
O modo como o sujeito irá se posicionar estruturalmente em relação à
realidade depende de sua articulação com os registros do imaginário e do real.
Entretanto, isto somente é possível com a mediação do simbólico, que se faz
presente no sujeito pela palavra. (LACAN, 1953b).
A partir da dialética edipiana ocorre a inscrição no registro do simbólico.
Lacan integra o Édipo à noção de constituição do sujeito, situando o desejo e,
61
portanto, a falta, no centro da existência humana. No Seminário livro 5: as
formações do inconsciente, Lacan (1957-1958) formula o complexo de Édipo a partir
de três tempos lógicos que apontam para diferentes relações com o campo do Outro
e com a castração.
No primeiro tempo do Édipo, a relação da mãe com a criança é caracterizada
por uma indistinção, reforçada pelos cuidados que recebe e pela satisfação de suas
necessidades. A criança está identificada ao falo materno (único objeto que pode
satisfazer a mãe), sendo que a mãe é, para a criança, um Outro absoluto,
onipotente. Neste momento do Édipo o pai real (e consequentemente, o simbólico)
fica fora do circuito da relação mãe-criança. O pai aparece de forma velada,
circulando como significante no discurso materno, uma vez que sua presença, como
terceiro, como aquele que intercepta a relação fusional mãe-criança, ainda não está
presente. (idem, ibidem).
Neste primeiro tempo, a problemática fálica situa-se sob a forma da dialética
do ser. A natureza do objeto fálico com o qual a criança se identifica confere um
caráter imaginário a esta relação, uma vez que pressupõe a ausência da instância
mediadora (o pai). Todavia, apesar de não contar com a intervenção do pai, a
relação se dá pela identificação fálica da criança como objeto de desejo da mãe.
Assim, a criança encontra-se numa posição dialética: ser ou não ser o falo, “isto é, to
be or not to be o objeto do desejo da mãe” (idem, ibidem, p.197).
No primeiro tempo e na primeira etapa, portanto, trata-se disto: o sujeito se
identifica especularmente com aquilo que é objeto do desejo de sua mãe. Essa é a
etapa fálica primitiva, aquela em que a metáfora paterna age por si, uma vez que a
primazia do falo já está instaurada no mundo pela existência do símbolo do discurso
e da lei. Mas a criança, por sua vez, só pesca o resultado. “Para agradar à mãe (...)
é necessário e suficiente ser o falo”. (idem, ibidem, p. 198).
O segundo tempo do Édipo parte justamente desta dialética de ser ou não ser
o falo introduzindo a dimensão paterna, “tem como eixo o momento em que o pai se
faz pressentir como proibidor. Ele aparece mediado no discurso da mãe” (idem,
ibidem, p.209). Caracteriza-se pela intervenção de um terceiro que introduz a lei da
interdição na relação fusional da mãe com seu filho, permitindo que a criança se
depare com a questão da falta, primeiramente percebida no campo do Outro. O pai
passa a ocupar um lugar significante (Nome-do-Pai), surgindo como metáfora da
62
ausência da mãe, ocupando o lugar do significante do desejo materno. Ou seja, o
pai interdita a satisfação do impulso da criança na medida em que ela percebe que é
para o pai que a mãe se dirige.
A entrada do pai nessa relação fusional mãe-criança é vivenciada por esta
como uma frustração. Ao mesmo tempo, a mãe também se vê privada do que
supunha ser o falo: a criança até então identificada como seu objeto de desejo. É
pela entrada em cena da dimensão paterna que a criança é introduzida no registro
da castração, se interrogando sobre ser ou não ser o falo. O aparecimento do pai,
como um objeto fálico possível, permite a entrada da criança na dialética do ser. O
pai como um rival, um intermediário, um terceiro na relação mãe-criança, apresenta-
se como objeto de desejo da mãe, como aquele que tem o falo. Ao deslocar o pai
para o lugar da instância paterna, a criança se depara com a lei do pai, fundada no
pressuposto de que a própria mãe depende desta lei. É preciso que este desejo
passe pela lei de desejo do Outro (o pai) através da mãe, para que seja possível
responder as demandas da criança. Lacan (ibidem, p.198-9) sublinha:
No plano imaginário, o pai intervém efetivamente como privador da mãe, o
que significa que a demanda endereçada ao Outro, caso transmitida como
convém, será encaminhada a um tribunal superior, se assim posso me
expressar. (...) Com efeito, aquilo sobre o qual o sujeito interroga o Outro,
(...) sempre encontra dentro dele, sob certos aspectos, o Outro do Outro, ou
seja, sua própria lei. É nesse nível que se produz o que faz com que aquilo
que retorna à criança seja, pura e simplesmente, a lei do pai, tal como
imaginariamente concebida pelo sujeito como privadora da mãe.
A partir desta descoberta, a criança significa o desejo da mãe como
submetido à lei do desejo do Outro. Isto implica que o seu próprio desejo depende
de um objeto, que o Outro é suposto ter ou não ter.
Sob esta perspectiva, a criança ao ser confrontada com a questão da
castração na dialética do ter tem acesso à simbolização da lei do pai. A mãe
reconhece o pai como àquele que dita a lei e isso permite à criança colocá-lo no
lugar de depositário do falo, essa é a mediação introduzida pelo pai. Quando essa
intrusão paterna coloca em jogo o desejo da criança, será possível que ela volte a
questionar sua identificação imaginária como objeto fálico da mãe. Ao ter seu desejo
questionado pela função paterna, a criança se confronta com o registro da castração
pela instância paterna e percebe que não é o falo e que também não o possui, do
mesmo modo que ocorre com sua mãe. A partir disso tem início um deslocamento
63
onde a criança imagina que o falo da mãe é o pai (imaginário) e não mais ela. Sob
essa ótica, falo e pai se confundem: trata-se de um falo imaginário que não circula e
que marca o pai como onipotente e privador. (MARISCAL & BECKER, 1997).
Quando a questão da criança se afasta do ser ou não ser o falo e centraliza-
se em ter ou não ter o falo, estamos no terceiro tempo do Édipo, onde:
(...) o pai pode dar à mãe o que ela deseja, e pode dar porque o possui.
Aqui intervém, portanto, a existência da potência no sentido genital da
palavra – digamos que o pai é um pai potente. Por causa disso, a relação
da mãe com o pai torna a passar para o plano real. (LACAN, 1957-1958,
p.200).
Neste terceiro tempo, o falo aparece como simbólico e como tal pode circular
na cadeia significante. Ameaçada em seus investimentos libidinais, a criança
descobre que a mãe também nutre um desejo em relação ao desejo do pai. Lacan
(ibidem) nos diz que alguma coisa que destaca o sujeito de sua identificação o ata,
ao mesmo tempo à primeira aparição da lei sob a forma do fato de que, neste ponto,
a mãe é dependente de um objeto que não é mais, simplesmente, o objeto de seu
desejo, mas um objeto que o outro tem ou não tem.
A rivalidade fálica, que gira em torno da mãe, intervém e coloca o pai no lugar
daquele que tem o falo. Este retoma a posição de objeto do desejo materno,
deixando de ser apenas o objeto do qual o pai pode privá-la.
Ocorre um novo deslocamento do objeto fálico. A instância paterna deixa seu
lugar no imaginário para advir ao lugar de pai simbólico, que será investido como
aquele que tem o falo. Deste modo, a criança, inserida na lógica fálica, deixa de lado
ser o falo e com a instauração da falta passa a desejar a ter o falo. Essa dialética
ser/ter põe em jogo as identificações. O menino se inscreve na lógica identificatória
a partir do momento em que renuncia a ser o falo e engaja-se na dialética do ter,
identificando-se com o pai que é o suposto ter. A menina se identifica com a mãe,
deparando-se com a dialética do ter a partir do não ter. Como a mãe, ela não tem,
mas sabe onde encontrá-lo. O que se torna estruturante é o fato do falo voltar a seu
lugar de origem, ao pai, através da preferência da mãe, o qual irá desencadear a
passagem do ser ao ter e que determinará a instalação da metáfora paterna. Sendo
que:
64
A metáfora paterna desempenha nisso um papel que é exatamente o que
poderíamos esperar de uma metáfora – leva à instituição de alguma coisa
que é da ordem do significante, que fica guardada de reserva, e cuja
significação se desenvolverá mais tarde. (idem, ibidem, p. 201).
Sobre a metáfora paterna, Lacan nos diz: “Para que haja alguma coisa que
faz com que a lei seja fundada no pai, é preciso haver o assassinato do pai. As duas
coisas estão estreitamente ligadas — o pai como aquele que promulga a lei é o pai
morto, isto é, o símbolo do pai. O pai morto é o Nome-do-Pai (…)”. (idem, ibidem, p.
152).
Ao longo de seu quinto seminário, Lacan discorre que falar do Édipo é
introduzir como essencial a função do pai. E esta função é essencial porque, de
acordo com Lacan, o pai intervém em diversos planos. Sendo um deles a interdição
da mãe à criança. Esse é o fundamento, o princípio do complexo de Édipo, é aí que
o pai se liga à lei primordial da proibição do incesto.
Conforme o que temos visto até agora, a questão principal é compreender o
que é o pai no complexo de Édipo. Lacan (1957-1958) nos responde da seguinte
forma: além do pai ser um pai simbólico, é também uma metáfora, é um significante
que surge no lugar de outro significante. A função do pai no complexo de Édipo é
substituir o primeiro significante introduzido na simbolização: o significante materno.
Eis a fórmula da metáfora:
´S
S
.
x
´S
E quando a formulamos como uma metáfora paterna, temos: o pai no lugar da
mãe (S no lugar de S’). O S’ é a mãe que já estava ligada a alguma coisa, que era o
x, o significado na relação com a mãe. Desse modo, teremos:
Mãe
Pai
.
x
Mãe
Uma vez que a criança já entrou no jogo da simbolização começa a entender
que a mãe não está totalmente disponível para ela. Lacan (ibidem) nos diz que ela
vai e que ela vem, sendo o falo o significado dessas idas e vindas da mãe.
É possível que a criança perceba que o x é imaginário e se faça de falo.
Entretanto, essa não é a via normal e por isso acarreta fixações.
65
O ideal é a via simbólica, a via metafórica, pois “é na medida em que o pai
substitui a mãe como significante que vem a se produzir o resultado comum da
metáfora, aquele que se expressa na fórmula” (idem, ibidem, p.181):
´S
S
.
x
´S
S
´s
I
Quinet (2004) considera que Lacan resume o Édipo freudiano da seguinte
forma:
na fórmula da metáfora paterna como uma operação de substituição
significante, em que o Nome-do-Pai substitui o significante do desejo da
mãe, cujo significado é incógnito para o sujeito, e que tem como resultado a
inscrição da lei da castração no Outro e a produção da significação sexual
que é fálica, propriamente dita.
falo
A
Pai do Nome
sujeito o para
mãe da Desejo
mãe da oSignificadDesejo
paidoNome
(…) A intervenção do Nome-do-Pai no Outro permite que a criança se
destaque de sua identificação imaginária ao falo e se submeta à lei
simbólica. (...) O falo passa de objeto imaginário a significante, (...) ele se
inscreve como falta no imaginário (...), deixa de ser objeto de desejo da mãe
para ser o significante do desejo do Outro. (idem, ibidem, p.101-2).
Podemos compreender aqui o importante papel da linguística na psicanálise.
Lacan nos ensina que o inconsciente é estruturado como uma linguagem. No
entanto, não vamos nos desviar aqui do nosso tema. Vamos nos remeter a
conclusão de Lacan (ibidem, p.181-2), no final do capítulo IX de O Seminário V:
“Deixo-lhes nas mãos esta afirmação bruta — é minha pretensão que toda a questão
dos impasses do Édipo pode ser resolvida em se postulando a intervenção do pai
como a substituição de um significante por outro significante”.
Uma vez sendo um significante que substitui outro, o significado original ficará
distante do significante utilizado pelo sujeito que fala, pelo sujeito que faz uso da
linguagem, pois o significado original, que é o desejo de ser objeto de desejo do
Outro, ficará sempre nas entrelinhas, nos interstícios do discurso deste sujeito que
deseja. Deseja mesmo sem saber exatamente o que é aquilo que ele tanto deseja e
tanto procura nas pessoas, nos objetos, em si mesmo, sem nunca achar. Só
encontra a falta: a falta-de-respostas, a falta-de-saber. É incapaz de ser o próprio
falo, mais incapaz ainda de ser o falo de outro sujeito. Se as palavras, se a
comunicação humana é incapaz de indicar claramente um objeto, um lugar ou um
66
sujeito que satisfaça o desejo do ser humano, todo homem está condenado a
improvisar na sua vida cotidiana, a brincar com objetos substitutos, fazendo de conta
que está completo, realizado, potente, fálico. Era disso que falávamos no capítulo
um, quando nos referimos ao estímulo ao consumo de psicofármacos. Por outro
lado, o que a psicanálise nos mostra através de Lacan é que todo sujeito em sua
constituição psíquica, em sua humanização e em seu processo de socialização
torna-se essencialmente dividido e castrado. E ficará a cargo de cada um decidir o
que fazer ao deparar-se com sua divisão e sua castração.
3 AS ESTRUTURAS CLÍNICAS E A DIREÇÃO DO
TRATAMENTO
Podemos dizer que a estrutura do sujeito se constitui a partir da questão
edípica: a relação que o sujeito estabelece com a função fálica, isto é, com a função
paterna. Tentaremos compreender de que forma as diferentes estruturas clínicas da
psicanálise — neurose, perversão e psicose — são definidas sob a influência da
função fálica, ou seja, sob a ótica do desejo e também a partir do seu
posicionamento perante o outro.
3.1 DAS ESTRUTURAS CLÍNICAS
Às estruturas clínicas da psicanálise são atribuídos tipos clínicos, sendo que,
na neurose, temos a histeria e a neurose obsessiva, e na psicose, a esquizofrenia, a
paranóia e a melancolia.
3.1.1 Neurose
O diagnóstico diferencial estrutural da neurose é feito a partir do simbólico,
considerando o modo de negação da castração do Outro. Na neurose, nega-se o
elemento (o falo), mas este é conservado. Utiliza-se o mecanismo do recalque
(Verdrängung). Nesse caso, o que é negado no simbólico retorna no próprio
simbólico sob a forma de sintoma: o sintoma neurótico.
De acordo com Quinet (2005), em As 4+1 condições de análise, o sintoma na
neurose cumpre o papel de via de acesso à organização simbólica que representa o
sujeito. Há metáfora paterna e, portanto, inscrição do Nome-do-Pai, o que produz a
68
significação fálica e permite que o sujeito se inscreva na partilha dos sexos. A
modalidade de retorno da negação da castração se dá através do retorno do
recalcado, no sintoma neurótico.
Passemos aos dois tipos da neurose e suas particularidades.
3.1.1.1 Histeria
Na histeria, o Outro é o Outro do desejo, marcado pela falta e impotente para
alcançar o gozo. A histérica não deve nada ao Outro, o Outro é que lhe deve. Ela
aponta o Outro que não tem falo e, como também não o possui, ocupa a posição de
faz-de-conta de ser o falo. Está sempre à procura de um senhor, de um mestre,
apesar de não ser escrava. Precisa dele para apontar suas falhas e dominá-lo, sua
intenção não é se submeter a ele, mas sim estimular o desejo do Outro e fazer uso
dele como objeto. (QUINET, 2005).
A estruturação do desejo na histeria se dá através da questão: “Quem sou
eu?”. Nesse caso, o questionamento diz respeito ao sexo: “Sou homem ou sou
mulher?” Essa questão é representada por uma outra: “O que é ser mulher?”, um
questionamento feito a partir da outra mulher. (idem, ibidem).
Uma vez que a tarefa de uma análise implica na “retificação subjetiva”
(LACAN, 1958a), ou seja, implicar o sujeito em sua reivindicação dirigida ao Outro,
na histeria, a retificação subjetiva faz com que a histérica deixe a posição de vítima
sacrificada e passe a se posicionar como agente de sua queixa, deixando de
sustentar seu desejo na insatisfação. (QUINET, 2005).
Constatamos aqui a articulação entre o diagnóstico e a direção do tratamento:
ao diagnosticar uma neurose do tipo clínico histérico, já estamos pensando na
direção do tratamento, que seria fazer com que o sujeito deixe a posição de vítima
sacrificada.
Conforme vimos, o objeto do desejo edipiano é o falo. O histérico se sente
injustamente privado do falo e o demanda àquele que supõe tê-lo, ou seja, ao Outro.
Por isso irá interrogar o seu desejo segundo o desejo do Outro. Supõe que este
tenha a resposta para seu enigma. (idem, ibidem).
A passagem do ser ao ter o falo — vide capítulo anterior — é determinada
pela introdução do pai. O pai imaginário intervém como um pai que priva e frustra.
69
Esse pai aparece para a criança como um pai proibidor. É reconhecido pela mãe
como aquele que lhe faz a lei. (LACAN, 1957-1958). A economia histérica do desejo
passa pela dimensão do ter. É pela falta do ter que o sujeito histérico irá privilegiar
sua identificação com o ser.
Segundo Dor (1997), podemos caracterizar o sujeito histérico a partir de uma
queixa remota que se desenvolve baseada em uma reivindicação de amor e que diz
respeito à mãe. Nunca se considera suficientemente amado pelo Outro. Ou seja,
considera-se um objeto desvalorizado e incompleto.
Laznik (2008) sublinha que o histérico deseja, acima de tudo, que o seu
desejo permaneça insatisfeito. E para manter esse desejo, se esforça para nunca
encontrar um objeto substituto possível, e esta insatisfação volta a mobilizar o
desejo rumo a um ideal de ser. Tudo o que almeja é ordenado pela identificação
com o objeto ideal do desejo do Outro. Seus esforços estão a serviço da
identificação fálica.
Ao se constituir como falo do Outro, o histérico se recusa a aceitar o encontro
com a falta. Isso porque reconhecer a falta é reconhecer a castração do Outro. E o
histérico não reconhece essas expressões de castração. (DOR, 1997).
3.1.1.2 Neurose Obsessiva
Quinet (2005) nos diz que a modalidade de relação do sujeito com o Outro na
neurose obsessiva diz respeito a um Outro gozador, representado pelo personagem
do pai da horda primeva presente no mito de Totem e Tabu (FREUD, 1913 [1912-
13]), segundo Lacan (1952), um mito obsessivo. Nesse caso, o Outro detém o gozo
e impede seu acesso ao desejo. A esse Outro nada falta, portanto ele não deve
desejar. O obsessivo anula o desejo do Outro, se instala no lugar do Outro e marca
seu desejo pela impossibilidade. Esse Outro vigia, comanda constantemente,
estabelece leis.
O obsessivo anula seu desejo e tenta utilizar significantes para preencher
todas as lacunas com o objetivo de barrar o gozo. Quinet (2005) sublinha que na
tentativa de dominar o gozo do Outro, o obsessivo não para de pensar, duvidar,
calcular, trabalhar. Situa o Outro como mestre e senhor e ocupa a posição de
70
escravo. Segundo Quinet (ibidem), para Lacan (1952) o mito do senhor e do
escravo, de Hegel, é um mito do obsessivo.
Na clínica do obsessivo existem dois significantes que se conjugam no Outro:
o pai e a morte. Os impasses do obsessivo se apresentam na paternidade, no
dinheiro, no trabalho, na justiça e na legalidade. Ele escamoteia a inconsistência do
Outro e lhe atribui o gozo. (QUINET, ibidem).
Quando nos referimos à modalidade de relação com o desejo, a questão do
obsessivo é sobre a existência: “Estou vivo ou estou morto?”. E a retificação
subjetiva se situa no plano da retificação da causalidade, que se apresenta como
consequência. Por exemplo: o “Homem dos ratos” não consegue escolher, porém
adoece. De acordo com Dor (1997), Freud considera que ele adoece para não
escolher. Essa impossibilidade de agir corresponde à modalidade de sustentar o
desejo como impossível. Por conseguinte, podemos dizer que a fantasia do
obsessivo é marcada pelo impossível.
O neurótico obsessivo se compromete a seguir o tempo do Outro e se revolta
quando esse tempo não é cumprido. É a vivência da tirania do Pai gozador de
“Totem e tabu”.
Dor (1997) nos diz que, ao contrário da histérica, o obsessivo se sente amado
demais por sua mãe. Através dessa característica podemos captar algo específico
no que diz respeito a sua função fálica: esse privilégio, de ser muito amado por sua
mãe, desperta um investimento psíquico precoce importante. A criança se constitui
como objeto, ao qual irá encontrar na mãe o que não encontra junto ao pai.
No que diz respeito à passagem do ser ao ter, a criança pode se instalar
imaginariamente como um substituo da satisfação do desejo materno. Esse é o
ponto crucial na determinação da neurose obsessiva. A criança percebe que a mãe
depende do pai no que diz respeito ao desejo, mas também percebe que ela não
recebe o que espera. É essa falha percebida pela criança que favorece a abertura
para uma substituição. O obsessivo se percebe como uma criança privilegiada. E o
que produz a neurose obsessiva é justamente esse desejo insatisfeito da mãe, que
irá inscrever a criança junto a ela (a mãe), e que possui a marca da falha, se
apoiando precocemente na criança.
71
3.1.2 Perversão
Compreendemos com Quinet (2005) que na perversão existe o registro da
falta, mas há o desmentido. Uma vez que o diagnóstico diferencial estrutural é feito a
partir do simbólico, e considera o modo de negação da castração do Outro, o
perverso nega o elemento (o falo), mas o conserva, ou seja, admite a castração no
simbólico, utilizando o mecanismo do desmentido (Verleulung). O que é negado é
simultaneamente afirmado, retornando no simbólico sob a forma de fetiche. A
operação da metáfora paterna se realiza e há inscrição do Nome-do-Pai, produzindo
a significação fálica e permitindo o sujeito se inscrever na partilha dos sexos. O que
nos permite dizer que o perverso aceita a castração, porém sob a condição de
transgredi-la continuamente.
Dor (1997) considera que para Freud a origem da estrutura perversa reside
na angústia de castração e também na mobilização de processos defensivos
destinados a contorná-la. Os processos defensivos que caracterizam a perversão
são a fixação e a denegação da realidade. Segundo DOR (ibidem), esses
mecanismos são constitutivos da homossexualidade (fixação) e do fetichismo
(denegação).
Na homossexualidade a reação de defesa narcísica diante da castração fixa a
representação de uma mulher que tem pênis. E no fetichismo há uma disposição
exclusivamente masculina e também uma recusa a perceber a ausência de pênis na
mãe/mulher. A partir da denegação, uma formação substitutiva ocorre em dois
tempos: primeiro a denegação da realidade propriamente dita e depois a encarnação
do objeto que falta na mulher em um outro objeto da realidade — o objeto fetiche
(substituto do falo na mulher/mãe). (idem, ibidem).
Enquanto nas neuroses tratamos da questão ser/ter o falo, na perversão a
questão diz respeito à lei do pai. Ao desafiar a lei do pai, o perverso situa-se na
vertente do ser e somente reconhece a lei do seu desejo. Ou seja, o perverso não
reconhece o desejo do Outro. Segundo Lacan (1957-1958), o pai faz a lei para a
mãe e para a criança. No caso do perverso, há um esforço para desafiar a lei do pai
e a tudo o que ela impõe enquanto falta a simbolizar (castração).
Como dissemos, ao desafiar a lei, o perverso se recusa a submeter à lei do
seu desejo à lei do desejo do Outro. Ele tem duas opções: a lei do seu desejo é a
72
única lei possível ou desconhece a lei do desejo do Outro como mediadora do
desejo de cada um. (DOR, 1997).
Para o perverso a lei do pai é desmentida, e é possível ultrapassar essa lei, o
que lhe permite gozar com isso. Para isso, é preciso um cúmplice, seja ele
imaginário ou real, “uma testemunha ofuscada pelo truque fantasmático em que o
perverso se encerra frente à castração” (idem, ibidem, p.49), enfim, a mãe. E “é na
medida desta cumplicidade implícita do Outro que o perverso pode mobilizar seu
desafio como modo de acesso ao gozo” (idem, ibidem, loc. cit.).
A estratégia perversa é desencaminhar o Outro no que diz respeito às balizas
e aos limites que o inscrevem diante da lei. Sua renegação incide diretamente sobre
a questão do desejo da mãe voltado ao pai (é como se fosse inadmissível a mãe
desejar o pai). Pois a ausência de pênis na mãe só pode ser explicada como sendo
uma castração que foi infligida pelo pai. Esse horror da castração presente em todos
os perversos leva a uma elaboração fantasmática. O perverso imagina uma mãe
toda poderosa (não carente) e isso implica em uma neutralização do pai simbólico
enquanto representante da função paterna. Ele supõe que o pai não tem o que a
mãe deseja, o que permite ao perverso continuar a acreditar que é o único objeto de
desejo que faz a mãe gozar. (idem, ibidem).
Cabe destacar que o complexo de Édipo é um momento decisivo, favorável
ao ancoramento da perversão. Isso porque há a intervenção de fatores
determinantes que levam a uma ambiguidade em torno da questão da identificação
fálica. Essa ambiguidade diz respeito a uma cumplicidade libidinal da mãe e a uma
complacência silenciosa do pai, onde a mãe não confirma para a criança seu desejo
pelo pai. O pai não é aquele que media o desejo da mãe, ele é um intruso. A mãe
deixa dúvidas acerca do lugar do pai no seu desejo e, de certa forma, o pai reforça
essa dúvida. E essa rivalidade fálica é caracterizada pelo desafio, pela transgressão.
3.1.3 Psicose
No que diz respeito ao diagnóstico diferencial estrutural feito a partir do
simbólico, considerando o modo de negação da castração do Outro, o psicótico
nega o elemento, não deixa rastro, ou seja, não admite a castração no simbólico.
Utiliza o mecanismo da foraclusão (Verwerfung) que não conserva o elemento,
73
negando-o. O que é negado no simbólico retorna no real sob a forma de
automatismo mental
10
, cuja expressão mais evidente é a alucinação. Como o retorno
é no real, fora do simbólico, utiliza-se o termo foraclusão como referência ao
mecanismo utilizado (QUINET, 2006). Em francês, a palavra forclusion é utilizada no
âmbito jurídico para se referir a um processo prescrito, aquele do qual não se pode
mais falar porque legalmente não existe mais.
Na psicose, o significante que retorna no real — o foracluído — aparece nos
distúrbios de linguagem, cujo paradigma é as alucinações auditivas e os delírios.
Entretanto, também podemos incluir as intuições delirantes (significação
enigmática), os ecos de pensamento (ouve seus pensamentos repetidos, podendo
atribuir a alguém essa ressonância) e os pensamentos impostos (atribui ao outro sua
cadeia de significantes). (QUINET, 2006).
O efeito da foraclusão do Nome-do-Pai é a impossibilidade do sujeito se situar
na partilha dos sexos como homem ou como mulher, que pode se manifestar em
vários fenômenos, desde a vivência de castração até o delírio de transformação em
mulher, como no caso do Presidente Schreber
11
.
A norma fálica é regida pelo Édipo e pelo complexo de castração, cujo
produto é o significante fálico. Uma vez que a foraclusão do Nome-do-Pai exclui o
sujeito da norma fálica, ele fica impossibilitado de se situar do lado da neurose.
3.2 A DIREÇÃO DO TRATAMENTO
A direção do tratamento é estabelecida a partir do diagnóstico estrutural. Essa
estratégia é traçada a partir da transferência, onde o analista é convocado a ocupar
o lugar do Outro do sujeito a quem são dirigidas suas demandas. É importante,
portanto, detectar nas entrevistas preliminares a modalidade da relação do sujeito
com o Outro.
10
Automatismo mental é uma expressão utilizado por Clérambault, que diz respeito às ideias não
dialetizáveis, que não podem ser submetidas a dúvidas e questionamentos, impondo-se como blocos
monolíticos, como certezas. O significante não é afetado pelo recalque e sua ruptura é manifesta. O
contexto não pode ser reintegrado por meio da interpretação. (Cf. QUINET, 2005).
11
O caso Schreber foi publicado por Freud, em 1911, onde o analisou a partir de seu relato
autobiográfico publicado sob o título Memória de um doente dos nervos (SCHREBER, D.P. Memória
de um doente dos nervos. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1995). Sobre a emasculação, Quinet
enfatiza a frase de Schreber: “Deve ser muito bom ser mulher e submeter-se ao ato da cópula.” (Cf.
QUINET, 2006, p.18).
74
Para estudar a direção do tratamento e ilustrar a articulação entre o
diagnóstico e a sua direção, partiremos do texto de Lacan (1958a), “A direção do
tratamento e os princípios de seu poder”.
O primeiro ponto que merece destaque no referido texto é a afirmação de que
o analista dirige o tratamento, mas não dirige o paciente. Por este direcionamento, o
analista paga um preço: como suas palavras possuem o efeito de interpretação, ele
paga com palavras; paga com a sua pessoa, pois a empresta como suporte para a
transferência; e ainda, paga com seu julgamento mais íntimo, já que ele não deve
entrar em jogo. Esses três tipos de pagamento são associados por Lacan à
liberdade do analista, que é mais livre em sua “tática”, ou seja, na interpretação,
onde paga com suas palavras. Entretanto, a redução dessa liberdade ocorre
justamente no manejo da transferência, que corresponde a sua “estratégia”.
Lacan toma metaforicamente os termos de guerra, estratégia, tática e política
— modelo formulado pelo general e teórico militar prussiano Carl Von Clausewitz —
e nos diz que “o analista é ainda menos livre naquilo que domina a estratégia e a
tática, ou seja, em sua política, onde ele faria melhor situando-se em sua falta-a-ser
do que em seu ser” (ibidem, p.596). Portanto, em psicanálise trata-se da política da
falta-a-ser, uma vez que o analista se orienta pela elaboração de um saber
inconsciente, produzida pela fala do sujeito em análise.
Na direção do tratamento, o analista tem como meta a constituição do sujeito
do desejo para que, o analisante, ele mesmo, possa conduzir o processo de cura
através da fala e da elaboração simbólica. O analista deve estar ciente de que sua
ação sobre o paciente lhe escapa. A posição do analista passa pelo desejo, o que
lhe possibilita sustentar autenticamente uma prática, sem recair no puro exercício de
um poder.
Ainda no referido texto, o desejo do analista é considerado por Lacan como
ponte central da orientação da atuação do analista. “Cabe formular uma ética que
integre as conquistas freudianas sobre o desejo: para colocar em seu vértice a
questão do desejo” (ibidem, p.621). Rinaldi (2003) pontua que “a política do
psicanalista se funda na relação do desejo com a falta-a-ser que é a sua causa, o
que para o analista significa que ele deve situar-se mais pela sua falta-a-ser do que
por seu ser”. Ou seja, quanto mais interessado em seu ser, menos seguro de sua
ação estará o analista, sendo necessário distinguir o desejo de ser analista do
75
desejo do analista. O ser analista só é possível ao abrir mão de sua subjetividade.
Lacan (ibidem, 596) afirma que “o lugar do analista é o lugar do morto” e é deste
lugar que o analista paga o tratamento, com palavras, com a sua pessoa e com o
seu juízo mais íntimo.
Para que possamos compreender mais claramente como se desenvolve a
questão da direção do tratamento faremos algumas considerações acerca da
transferência.
3.2.1 Considerações sobre a transferência em Freud e
Lacan
3.2.1.1 Em Freud
A transferência é a tradução da palavra alemã Überträgung, que significa
transmissão, contágio, tradução, versão, audição. Em português, segundo o
dicionário de Aurélio Buarque de Holanda, a transferência tem origem no latim
transferentia, e significa: ato ou efeito de transferir-se; deslocamento de uma seção
para outra ou de um cargo para outro; Em informática é a mudança de dados de
uma área ou meio de armazenamento para outra área ou meio; E em psiquiatria é a
transferência de um sentimento de um indivíduo para outro, como o que ocorre de
um paciente para seu psicanalista. (FERREIRA, 1999).
Como podemos observar, o termo não é exclusivo do vocabulário
psicanalítico. No entanto, é a chave do método psicanalítico, podendo ser
conceituado como o “estabelecimento de um laço afetivo intenso, que se instala de
forma quase automática e independente da realidade, na relação com o médico,
revelando o pivô em torno do qual gira a organização subjetiva do paciente”
(MAURANO, 2006, p. 15).
O significado histórico da transferência acontece a partir do momento em que
a psicanálise abandona a hipnose de Charcot, a sugestão de Bernheim e a catarse
de Josef Breuer.
A hipnose era um método de tratamento utilizado por Charcot que retirava a
histeria da simulação e lhe conferia o estatuto de neurose. A técnica provocava o
estado de hipnose alterando o estado de consciência através da sugestão. Neste
76
método da sugestão o médico é capaz de convencer o paciente de que suas
crenças, opiniões e sensações são falsas fazendo com que acredite que as
propostas são verdadeiras. A psiquiatria dinâmica considera que o estado afetivo de
uma pessoa pode ser influenciado por outra pessoa através da fala. (ROUDINESCO
& PLON, 1998)
Já o método catártico foi inventado por Josef Breuer a partir do caso Anna O.
Este método consiste em um “procedimento terapêutico pelo qual um sujeito
consegue eliminar seus afetos patogênicos e então ab-reagi-los, revivendo os
acontecimentos traumáticos a que eles estão ligados” (idem, ibidem, p. 107).
Em 1893, no último capítulo de Estudos sobre a histeria, Freud descreve sua
própria concepção de psicoterapia: a psico-análise — organizada em torno do
método de associação livre. O que irá distinguir a psicanálise de Freud das outras
psicoterapias é justamente o fato de empregar a transferência como instrumento da
cura no processo.
O termo transferência aparece pela primeira vez nesta mesma obra de Freud
(1893-1895), onde mais do que um componente da relação terapêutica, a
transferência é um deslocamento no nível das representações psíquicas.
Freud teve uma experiência fundamental com a transferência, em 1905, com
o caso Dora, a partir do qual este conceito ganha uma nova fundamentação. Devido
a uma interpretação equivocada sobre a transferência, Freud foi capaz de admitir
seu erro e extrair consequências sobre ele:
Durante o tratamento psicanalítico, pode-se dizer com segurança que uma
nova formação de sintomas fica regularmente sustada. A produtividade da
neurose, porém, de modo algum se extingue, mas se exerce na criação de
um gênero especial de formações de pensamento, em sua maioria
inconscientes, às quais se pode dar o nome de “transferências”.
O que são transferências? São reedições, reproduções das moções de
fantasias que, durante o avanço da análise, soem despertar-se e tornar-se
conscientes, mas com a característica (própria do gênero) de substituir uma
pessoa anterior pela pessoa do médico. Dito de outra maneira: toda uma
série de experiências psíquicas prévia é revivida, não como algo do
passado, mas como um vínculo atual com a pessoa do médico. (FREUD,
1905 [1901]), p.110).
No caso Dora, Freud julgou que seu erro foi ter achado que, na transferência
estabelecida com ele, Dora havia substituído a figura de seu pai pela de sua pessoa
e que resistia a fazer essa associação entre os dois.
77
Lacan (1956-1957, p.200) considera que Dora era “alguém em um estado
sintomático bem claro”, afirmando que Freud havia cometido um erro sobre o objeto
de desejo de Dora e que isto provavelmente ocorreu porque estava focado na
questão do objeto. Freud não conseguiu escutar que era “a Sra. K. o objeto que
verdadeiramente interessa a Dora, na medida em que ela própria está identificada
com o Sr. K.” (idem, ibidem, loc. cit.).
Podemos dizer que ao considerar o médico como elemento de grande
importância para o tratamento analítico, Freud fundamentou o conceito de
transferência. Acompanhemos essa evolução.
Em 1909, em seu texto “Notas sobre um caso de neurose obsessiva”, Freud
relata que os sentimentos inconscientes do paciente com o analista são
manifestações de uma relação recalcada com as imagos parentais.
No texto “A dinâmica da transferência”, Freud (1912b) apresenta a diferença
entre transferência positiva e negativa. Onde a primeira é feita de ternura e amor e a
segunda seria um vetor de sentimentos hostis e agressivos. Enquanto a
transferência mista reproduz os sentimentos ambivalentes da criança em relação
aos pais. Apresenta ainda a idéia de que os pacientes dirigem ao analista uma
catexia libidinal pronta por antecipação. A transferência leva o paciente a fazer um
investimento libidinal no analista recorrendo a um dos clichês estereotípicos que se
acham presentes em si próprios. A relação do paciente com o analista passa a ser
determinada pela imago predominante na vida psíquica do neurótico.
Freud (1915 [1914]), no artigo “Observações sobre o amor transferencial”, nos
diz que o amor transferencial é evocado a partir da promessa de cura da neurose.
Ele nos mostra que, em determinado momento do tratamento, o paciente se
enamora do analista colocando em risco o desenvolvimento do processo analítico.
Esta situação amorosa criada pelo paciente ocorre induzida pela situação analítica e
não pode ser atribuída aos encantos da pessoa do analista.
O surgimento deste amor é indispensável para atingirmos os objetivos da
análise. A partir deste amor, construído no ambiente analítico, será possível
compreender a forma de amar do paciente. A crença nesse amor deve ser mantida
até o fim para que o paciente possa acessar a escolha objetal feita em sua infância e
também às fantasias que giram em torno dessa escolha. (idem, ibidem).
78
Ainda no referido texto acima, Freud (ibidem) considera que o analista não
deve responder a este amor que o paciente evocou. Isto para que seja possível ao
paciente continuar a rememorar. A transferência se intensificará mediante esta
atitude do analista, despertando a fantasia que levará o paciente aos seus
processos primários. Essa demanda de amor feita ao analista deve ser verificada
com cuidado. Isto porque muitos analistas se sentem impelidos a respondê-la. A
resposta a esta demanda de amor deve ser dada com acolhimento.
Em “Linhas de progresso da terapia analítica”, Freud (1919 [1918]) destaca
que a tarefa terapêutica do analista, pautada na transferência, consiste em tornar
consciente o material recalcado e descobrir as resistências. Entretanto, o tratamento
deve se desenvolver, na medida do possível, sob um estado de abstinência. Freud
nos diz:
Se, devido ao fato de que os sintomas foram afastados e perderam o seu
valor, seu sofrimento se atenua, devemos restabelecê-lo alhures, sob a
forma de alguma privação apreciável; de outro modo, corremos o perigo de
jamais conseguir senão melhoras insignificantes e transitórias. (idem,
ibidem, p.204).
Esta posição de Freud acerca da abstinência nos remete a uma questão:
como manter o percurso de análise do paciente e, ao mesmo tempo, mantê-lo em
um estado de angústia suportável?
Consideramos que a atuação do analista deve permitir ao sujeito falar de seu
sintoma e manter contato com ele até o final da análise. Para que isso seja possível,
o amor transferencial deve ser mantido num nível em que o tratamento seja viável.
Freud (1913b) sublinha que o analista deve estar ciente acerca do seu lugar e da
importância de não dar ao paciente uma solução definitiva e abrupta sobre seu
sintoma. O analista deve oferecer ao paciente uma “compreensão simpática” (idem,
ibidem, p.182), indicando sua postura diante da neurose: oferecer ao paciente um
lugar onde o analisante possa transferir seus conteúdos mais íntimos. Estamos nos
referindo a uma escuta acolhedora, desprovida de preconceitos e que auxilie o
paciente a desenrolar sua análise.
Freud (1914), em “Recordar, repetir e elaborar”, define o conceito de
transferência como sendo um fragmento de repetição e que repetição é uma
transferência para a pessoa do analista, dos sentimentos afetuosos e hostis
oriundos de suas vivências infantis. Considera ainda que o que distingue a
79
transferência positiva da negativa é o tipo de afeto que é transferido para o analista
no tratamento. O tipo de transferência é relacionado à forma como o tratamento
acontecerá a partir dela. Uma vez que a transferência seja positiva, será possível ao
paciente rememorar suas lembranças infantis para o analista. Caso seja negativa, o
recordar abrirá caminho para a atuação. Freud aqui nos apresenta o grande desafio
da análise: manejar a transferência permitindo que o paciente avance em suas
rememorações, pois a transferência esclarece ao analista acerca da dinâmica do
paciente. E é em nome do amor que o paciente elege o analista como depositário
dos seus afetos.
3.2.1.2 Em Lacan
Jacques Lacan, na “Proposição de 09 de outubro de 1967 sobre o
psicanalista da Escola”, nos diz que “no começo da psicanálise está a transferência”
(LACAN, 1967, p.252) e que seu suporte é o sujeito suposto saber.
Em O Seminário 8, A Transferência, Lacan (1960-1961) introduz o estudo da
transferência a partir do tema do amor. Para ele a transferência é um amor, um amor
genuíno, como nos diz Freud (1915 [1914]). Diferentemente de Freud, que estuda o
amor como repetição de um protótipo infantil, Lacan acredita que encontramos na
pessoa amada o objeto que perdemos desde sempre, objeto que buscamos a vida
inteira e que, portanto, nos é precioso. A questão do amor ocupa grande parte deste
Seminário. Lacan busca compreender de que forma o amor pode estruturar o
fenômeno da transferência e para isso recorre a Platão.
O Banquete, um dos discursos platônicos, trata de uma reunião de
intelectuais, uma espécie de jogo de sociedade que se especifica em um discurso
regrado sobre um determinado assunto. Neste caso, a reunião do Banquete ocorre
na casa de Agatão, onde só se apresentam convidados, exceção feita a Aristodemo,
que vem a convite de Sócrates, e Alcebíades e seu grupo, que não vêm a convite de
ninguém e usurpam um espaço na reunião. O tema escolhido para este banquete é
o amor.
Lacan, ao escolher O Banquete para abordar a questão do amor, se interessa
pela chegada inesperada de Alcebíades com seu discurso declarando amor a
Sócrates. Interessa-se também pela resposta de Sócrates a Alcebíades, pois este
80
último coloca Sócrates na posição de portador de um segredo: o segredo de
Sócrates é saber o que é o amor. Segundo Soler (1992), para Lacan o modelo do
amor de transferência é o amor de Alcebíades por Sócrates, e através desta
metáfora de amor busca compreender a relação entre o analista e o seu paciente.
Vejamos o que ocorre.
Lacan parte do amor grego, que coloca em jogo duas funções: a do érastès,
que é o amante, aquele que ama, o que vai a busca daquilo que lhe falta; e a do
érôménos, daquele que é amado, aquele que tem alguma coisa. O amante/érastès
está na posição de sujeito do desejo, enquanto desejante, algo lhe falta, o que lhe
falta, ele supõe no amado, este na função de objeto visado pelo desejo do amante.
Da perspectiva do amado/érôménos, este se vê desejado, ele sabe ter algo que é
objeto do desejo do outro, mas ele não sabe o que é que ele possa ter que faça o
outro desejar. De ambos os lados, tanto do amante/érastès quanto do
amado/érôménos existe um não-saber que vem instigar o saber: um não sabe o que
lhe falta, o outro não sabe o que tem. Esse não-saber é a manifestação da estrutura
do inconsciente que está em jogo nesta dialética. Lacan nos diz que:
Entre esses dois termos que constituem, em sua essência, o amante e o
amado, observem que não há nenhuma coincidência. O que falta a um não
é o que existe, escondido, no outro. Aí está todo o problema do amor. (...)
Certamente as coisas vão mais além. Podemos dar aqui, nos termos dos
quais já nos servimos, uma fórmula que retoma o que já é indicado pela
análise, da criação do sentido na relação significante-significado (...). O
amor como significante — pois, para nós, ele é um, e não mais que isso —
o amor é uma metáfora — na medida em que aprendemos a articular a
metáfora como substituição. (LACAN, 1960-1961, p. 46-7).
Os discursos sobre o amor discorrem normalmente até a chegada de
Alcebíades que, mesmo embriagado, toma a palavra e declara seu amor a Sócrates.
No seu discurso ele diz ter sido o único a ter visto o objeto precioso (Agalma) que
está no interior de Sócrates. O discurso de Alcebíades não consegue dar nome ao
Agalma — palavra grega usada para designar um objeto precioso ou caixa de jóias
— onde se guarda objetos preciosos. Sendo assim, o Agalma introduzido por Lacan
(ibidem) no estudo da transferência, diz respeito ao objeto que nos captura, a esse
algo do outro que nos apreende e nos fascina, nos deixando enamorados.
Alcebíades, enquanto sujeito do inconsciente, é ignorante, no sentido que ele
não sabe o que é o objeto do seu desejo. Entretanto, este objeto está desde sempre
no Outro. A partir disso pode-se afirmar que o sujeito do inconsciente constitui-se
81
fundamentalmente como érastès/amante. Sócrates, tal como uma “caixa de jóias”, é
para Alcebíades portador do objeto do seu desejo, do objeto que visa o desejo.
Contudo, Sócrates recusa tanto o amor de Alcebíades quanto a sua posição de
objeto amado. (LACAN, ibidem).
O segredo de Sócrates é recusar ser o depositário do Agalma que lhe confere
Alcebíades. A leitura que Sócrates faz do discurso de Alcebíades é de que este, na
verdade, destina-se a Agatão. Sócrates sabe que ele não tem nada, que o lugar
onde Alcebíades diz ver o Agalma é um lugar vazio; Sócrates é vazio, por isso ele
não abre mão da posição de amante. Deste modo, Sócrates instaura a ignorância, o
não-saber como vazio no centro do saber ao responder com o seu vazio, com um
"eu não tenho o objeto que você supõe". Sócrates indica a Alcebíades que a
suposição deste é imaginária. Quando Alcebíades pede um sinal do desejo de
Sócrates, este se recusa. É certo que Sócrates sabe não-saber sobre o objeto,
entretanto, tudo leva a crer que alguém é portador do Agalma, no caso Agatão.
(idem, ibidem).
Segundo Colette Soler (1992), na metáfora do amor o objeto se transforma
em sujeito e o efeito metafórico se produz do lado do amado. Por outro lado, o que
se passa do lado do amante? Na verdade, o sujeito da falta, que tem a sua frente o
objeto amado, encontra um amante, um sujeito desejante. E então, o sujeito da falta
se transforma ele mesmo em amado. A autora considera ainda que apesar de Lacan
não desenvolver sua idéia, o que está implicado neste caso é que na metáfora do
amor o que se inscreve como sujeito da falta se transforma em objeto amado. Lacan
(1960-1961, p.59) nos diz que quando se produz a metáfora do amor sempre há
algo completamente inexplicável, quase milagroso. Ele utiliza uma imagem divertida:
é como se uma pessoa, ao estender a mão em direção às flores que quer pegar,
destas mesmas flores sairia uma mão que se dirige a esta pessoa para transformá-la
em flores. Essa seria a imagem de algo que do lado de érôménos responderia como
érastés.
Transpondo a metáfora do amor platônico para a dialética analisante/analista,
para se manter em consonância com a dialética amante/amado, o sujeito da falta, a
função amante, situa-se na função analisante, aquele que sofre dos efeitos da falta e
encontra na significação do amor endereçado ao objeto amado uma possível
solução para aquilo que lhe faz enigma. O objeto amado pode, com algumas
82
especificações, encontrar suporte na função do analista. O analista é e não é
Sócrates: o analista está em consonância com Sócrates na medida em que ele sabe
não possuir o objeto que lhe supõe o analisante, e ele não é Sócrates, pois o
analista sabe que tal objeto não se encontra em lugar nenhum. (SOLER, 1992).
Entretanto, nosso interesse diz respeito a interpretação feita por Sócrates,
pois, a partir dela, indica a Alcebíades um engano no saber que se reveste de amor.
É justamente porque o analista sabe da inexistência do objeto de desejo do
analisante que ele pode sustentar o lugar de se fazer semblante deste objeto, como
único meio de conduzir a análise a um termo possível. (idem, ibidem.). Podemos
dizer que o analista faz de conta que se deixa enganar, de maneira a dirigir a análise
no sentido de fazer que neste lugar do amor como significação revele-se o desejo.
Em termos analíticos, o amor do sujeito ao saber no Outro existe desde sempre. E o
analista vem ocupar este lugar do Outro que sabe.
Gobbato (2001) nos diz que nesse ponto é possível fazer uma outra leitura do
amor de transferência. Para ele, o amor surge como uma significação no lugar do
Outro de onde o saber não vem, mas que o sujeito acredita estar lá, desde sempre.
É a crença na consistência do saber que leva o sujeito a procurar um analista: “diga-
me o que o Outro não quis me revelar”. O sujeito recusa-se a que o Outro não saiba,
em outras palavras, que falte ao Outro.
O sofrimento provocado pelo enigma do sintoma faz com que o sujeito
coloque o analista na posição daquele que possui um saber. A busca pela resposta
de seu enigma, faz com que o analista se torne o representante de um saber sobre o
sujeito, tornando-se algo de seu amor. É por isso que a transferência representa a
relação que se estabelece com o analista a fim de recuperar aquilo que se perdeu
na separação com a mãe. (LACAN, 1964).
Esse é o conceito de suposição de saber ao analista acerca do qual Lacan
(1964) discorre em seu seminário Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise,
marcando uma posição diferenciada do analista:
Desde que haja em algum lugar o sujeito suposto saber [...] – há
transferência. [...] Quem, desse sujeito suposto saber, pode sentir-se
plenamente investido? Não é aí que está a questão. A questão é, primeiro,
para cada sujeito, de onde ele se baliza para dirigir-se ao sujeito suposto
saber. De cada vez que esta função pode ser, para o sujeito, encarnada em
quem quer que seja, analista ou não, resulta da definição que venho lhes
dar que a transferência já está então fundada. (idem, ibidem, p.220).
83
Podemos dizer que o sujeito endereça seu sofrimento, em forma de sintoma,
ao saber que supõe ao analista. É a crença nesse encontro amoroso que
transformará a demanda inicial de alívio em uma demanda de saber. Parece-nos
que o mais importante na relação com o analista é o lugar que será ocupado por ele
na cadeia de significantes do sujeito em análise e que fará dele um representante a
mais, aquele que faltava para o sujeito.
Aqui ressaltamos que a transferência se manifesta na relação com alguém a
quem se fala, sendo constitutiva da relação com o analista. O que nos permite dizer
que o analista está munido de um saber diferente daquele suposto pelo paciente. O
saber do analista aponta para um lugar onde o saber do paciente encontrará
ressonância.
Miller (1999, p.54) considera que o analista deve assumir um lugar de puro
semblante, “onde o sujeito é incessantemente reconduzido ao nascimento do
sentido, a seus primeiros balbucios. É um lugar que recolhe a contingência, onde a
necessidade se desfaz, e é por excelência o lugar do possível”. Este lugar do
possível pode ser compreendido como o lugar onde existem as representações
passíveis de serem evocadas.
Lacan (1955-1956, p.281) nos coloca que a falta é “o nome daquilo que anima
o conflito fundamental que se acha no âmago da ação humana”. Este conflito
fundamental se apresenta em análise como um enigma. Por um lado o paciente
demanda que o analista preencha esta falta com um saber. Por outro, o analista
mantém esta demanda na promessa, o que permite ao paciente circular por seus
significantes.
Cabe neste momento retornarmos ao grande diferencial da psicanálise: a
valorização do discurso do paciente. Consideramos que o analista proporciona ao
paciente a oportunidade de falar sobre o seu sintoma. Isso fará com que surja uma
fantasia de que o analista sabe sobre o seu sintoma, pois o paciente, através da
associação livre, tem a chance de construir um novo saber sobre o seu sintoma. O
que intensifica a transferência é justamente o fato do analista desencadear no
paciente esse desejo de saber, retirando-o de uma posição mortífera. Aqui
retomamos o conceito de sujeito suposto saber introduzido por Lacan (1964) e que
marca uma transformação na conceituação de Freud acerca da transferência.
84
3.2.2 Transferência e resistência
Resistência e transferência são facetas do mesmo fenômeno. Trato aqui de
uma faceta da relação transferencial: a da resistência que paralisa a escuta clínica, e
a de algumas estratégias para fazer deslizar o discurso, para produzir novas
articulações que permitam a escuta do sujeito. São muitos os exemplos de
resistências na clínica psicanalítica, entre eles temos o silêncio do analisante — o
que ele não quer falar? — a postura do analisante no divã, a sua inquietação; falar
somente de assuntos triviais e relacionados ao meio externo; evitar certos assuntos
— um dos assuntos mais evitados é justamente o que diz respeito às fantasias
sexuais com o analista; a ausência de sonhos; falta às sessões por vários motivos e
mais uma infinidade de situações causadas pelo analisante, algumas das vezes até
de forma inconsciente para evitar chegar a descarregar tudo o que tem lhe causado
dor. Em Freud (1912b), a resistência ocorre quando o paciente está próximo de
elucidar alguns de seus conflitos centrais. Nesse momento, cessam as associações
livres e o paciente centra sua atenção na relação com o analista.
Como podemos ver, “nem tudo são flores” nessa relação de amor entre o
analista e o analisante. A vivência na clínica nos leva a alguns questionamentos
acerca da direção do tratamento. Um deles diz respeito ao lugar do analista no
tratamento e a como situar a transferência. Uma vez que é no estudo da
transferência, na sua interpretação e na sua resolução que se dá a problemática do
tratamento analítico.
O lugar de destaque ocupado pelo analista no tratamento psicanalítico é
observado desde o princípio dos estudos de Freud. Mesmo quando trabalhava com
o método catártico ele nos dava sinais da importância da relação entre o médico e o
paciente para o trabalho analítico. Já em seus Estudos sobre a histeria (FREUD,
1893-1895) vemos a marca da influência do analista sobre o paciente como
imprescindível para o tratamento. Sendo praticamente inevitável o fracasso do
tratamento, caso a relação, entre o analista e o paciente, seja abalada. Ao enumerar
as razões que levam à resistência do paciente e ao fracasso do tratamento, Freud
(ibidem) constata que esta aparece justamente devido a relação com o analista.
Num primeiro momento, esses obstáculos surgem quando ocorre uma
desavença pessoal com o analista: o paciente se sente negligenciado, ouviu algum
85
comentário desfavorável sobre o analista. O segundo momento ocorreria quando o
paciente teme estar dependente demais do analista. E num terceiro momento, o
paciente verifica que está transferindo para a figura do analista as representações
aflitivas que surgem a partir da análise. (ibidem).
Em Roudinesco & Plon (1998, p.659), lemos que Freud se posicionou de duas
formas diferentes frente ao tratamento das resistências. Quando a resistência é
reconhecida como um obstáculo ao trabalho analítico, Freud julgou ser possível
transpor esse entrave, explicando o conteúdo deste, com insistência e convicção, ao
paciente. A outra forma surgiu em outro momento, quando passou a considerar a
resistência como um dado clínico, um sintoma do que estava recalcado. A partir daí
a resistência passou a fazer parte do processo de recalque e a depender tanto da
interpretação quanto da transferência, sob cuja forma frequentemente se manifesta.
As formas de aparecimento da resistência devem ser resolvidas como um
novo sintoma que foi produzido com base no modelo antigo (FREUD, 1893-1895). É
com base nesta afirmação que posteriormente teremos a chamada “neurose de
transferência”. Em Recordar, repetir e elaborar, Freud (1914) irá abordar essa
questão, conceituando-a como um momento em que os sintomas do paciente
ganham um novo significado transferencial. A partir da transferência é criada uma
doença artificial passível de intervenção analítica.
Lacan (1953-1954) postula que a neurose de transferência diz respeito ao que
afeta o sujeito, ao que liga o paciente à pessoa imaginária do analista, atualizando a
cena arcaica. Não se trata de transferência a serviço da rememoração, mas sim da
transferência que surge com uma faceta de resistência e que obriga o analista a
manejá-la.
3.2.3 Da transferência à interpretação
Para Lacan (1958a, p.594 e 604), o manejo da transferência é considerado
como o local onde se deve buscar o segredo da análise, “numa direção de
tratamento que se ordena, (...) segundo um processo que vai da retificação das
relações do sujeito com o real, ao desenvolvimento da transferência, e depois à
interpretação”.
86
No campo transferencial, a escuta clínica implica que o analista suporte a
transferência, ou seja, ocupe o lugar de suposto-saber sobre o sujeito — uma
estratégia para que o sujeito, supondo que fala para quem sabe sobre ele, fale e
possa se escutar e apropriar-se de seu discurso. Esse campo permite uma relação
que estrutura a produção do saber do sujeito, desde que o psicanalista renuncie ao
domínio da situação e, pontuando e interpretando, possibilite a produção de efeitos
de significação no sujeito: sujeito do desejo, engendrado pela cultura, mas que, em
sua condição de dividido, pode transcender ao lugar em que é colocado e apontar
na direção de seu desejo.
Devemos destacar aqui a importância da orientação inicial dada ao paciente
para que fale sobre o seu sintoma. Enquanto ele faz suas associações livres, o
diagnóstico vai se delineando na medida em que o sujeito avança em suas
recordações. Nesse momento, o diagnóstico estrutural é fundamental e só será
possível estabelecê-lo na relação transferencial — essas considerações feitas
referentes ao manejo da transferência são aplicáveis apenas à neurose. O que diz
respeito à psicose e à perversão requer modificações para que as análises dos
sujeitos com essas estruturas se tornem possíveis. Ressaltamos ainda que todos os
atos do analista levarão em conta a singularidade de cada caso.
Acreditamos que no percurso de um tratamento tratamos da angústia do
analisante. E para que este percurso seja possível a interpretação possui um papel
fundamental. A interpretação é diferente da sugestão e da intervenção explicativa,
ela intervém especificamente sobre o sintoma.
Conforme vimos anteriormente, Freud (1913b) ressalta que o início do
tratamento tem como uma de suas metas a hipótese diagnóstica do paciente.
Entretanto, o próprio Freud nos apresenta algumas questões: “Quando devemos
começar a fazer nossas comunicações ao paciente? Qual é o momento para revelar-
lhe o significado oculto das idéias que lhe ocorrem, e para iniciá-lo nos postulados e
procedimentos técnicos da análise?” (idem, ibidem, p.182). Freud responde que as
comunicações somente devem ser feitas ao paciente quando estivermos diante de
uma transferência eficaz com o paciente. E para isto é preciso que o paciente tenha
tempo:
87
A resposta a isto só pode ser: somente após uma transferência eficaz ter-se
estabelecido no paciente (...). Permanece sendo o primeiro objetivo do
tratamento ligar o paciente a ele e à pessoa do médico. Para assegurar isto,
nada precisa ser feito, exceto conceder-lhe tempo. Se se demonstra um
interesse sério nele, se cuidadosamente se dissipam as resistências que
vêm à tona no início e se evita cometer certos equívocos, o paciente por si
próprio fará essa ligação e vinculará o médico a uma das imagos das
pessoas por quem estava acostumado a ser tratado com afeição. (idem,
ibidem, loc. cit.).
As intervenções precoces podem levar ao descrédito do analista e também a
um aumento das resistências e, mais ainda, a uma interrupção prematura do
tratamento. (Ibidem).
Soler (1995) nos aponta que algumas respostas devem ser dadas pelo
analista, ao analisante, no transcorrer do tratamento. A resposta inicial seria um
“sim” ao pedido inicial de ajuda. Consideramos que este “sim” não deve ser explícito,
mas subentendido, uma vez que o analista acolhe o sujeito em seu sofrimento.
Posteriormente a esta resposta, segue uma solicitação para que o sujeito fale. A
autora nos revela que:
a regra funciona como demanda para que o analisante fale sem restrições
(...) o texto do analisante talvez não contenha a resposta completa, mas os
elementos da resposta. A regra analítica supõe que a resposta está escrita
no inconsciente como resposta à pergunta-questão colocada pelo sujeito no
momento que ali chegou (idem, ibidem, p.21).
Uma terceira resposta a ser direcionada ao paciente pelo analista é a
interpretação. Isto porque a fala do paciente apresenta lacunas que devem ser
preenchidas pelo analista com um significante.
A noção de interpretação se apresentou de várias formas durante o percurso
de Freud. Em Estudos sobre a histeria, Freud, (1893-1895, p.50) propõe que “os
fenômenos motores dos ataques histéricos podem ser parcialmente interpretados
como formas universais de reação apropriadas ao afeto que acompanha a
lembrança (...), e em parte como uma expressão direta dessas lembranças”, e ainda:
põe termo à força atuante da representação que não fora ab-reagida no
primeiro momento, ao permitir que seu afeto estrangulado encontre uma
saída através da fala; e submete essa representação à correção
associativa, ao introduzi-la na consciência normal (sob hipnose leve) ou
elimina-la por sugestão do médico, como se faz no sonambulismo
acompanhado de amnésia (idem, ibidem, p.52).
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Verificamos que neste momento do percurso freudiano a interpretação tinha
um estatuto de sugestão, pois conduzia o paciente às representações ocultas que
geravam o sintoma.
Posteriormente, o uso da sugestão foi abolido e Freud nos levou a idéia de
que o sintoma deve ser decifrado, uma vez que era a manifestação de um conteúdo
que foi deformado pelo recalque e necessitava ser decodificado. Este novo olhar
sobre a interpretação ganha reforço a partir dos seguintes textos: “A interpretação
dos sonhos” (1900), “Sobre a psicopatologia da vida cotidiana” (1901) e “Os chistes
e suas relações com o inconsciente” (1905). Sendo que estes dois últimos livros
tratam das formações do inconsciente e de sua relação com o sentido dado pela
palavra.
O conceito de interpretação, em Freud, ganhou uma nova compreensão a
partir desses textos. Passou a ser considerada como um trabalho de dar sentido às
formações inconscientes que se manifestavam no sonho, no chiste, no ato falho.
Possivelmente, essa forma de interpretar tem o objetivo de permitir a mudança de
rumo nas associações do paciente, fazendo aparecer o duplo sentido da fala,
evidenciando a ambiguidade do discurso do sujeito.
Parece-nos que o texto de “A interpretação dos sonhos” (Freud, 1900) vem
marcar a interpretação como forma de decifrar o inconsciente. Nesse texto o autor
considera que “‘interpretar’ um sonho implica atribuir a ele um ‘sentido’ — isto é,
substituí-lo por algo que se ajuste à cadeia de nossos atos mentais como um elo
dotado de validade e importância iguais ao restante” (idem, ibidem, p.119). Cabe
ressaltar que o uso indiscriminado da interpretação pode interferir nos objetivos da
análise. Freud (1910b), em “Psicanálise silvestre”, considera que informar ao
paciente sobre algum aspecto de sua patologia, desconhecido por ele, só deve ser
feita após duas condições serem satisfeitas, sob o risco de o tratamento ser
interrompido:
Primeiro, o paciente deve, através de preparação, ter alcançado ele próprio
a proximidade daquilo que ele recalcou e, segundo, ele deve ter formado
uma ligação suficiente (transferência) com o médico para que seu
relacionamento emocional com este torne uma nova fuga impossível. (idem,
ibidem, p.211).
A partir desta explanação nos perguntamos: o que é a interpretação dentro do
dispositivo analítico? Consideramos que é uma intervenção do analista com o
89
objetivo de fazer surgir um novo sentido para aquilo que é manifestado através dos
sonhos, atos falhos, chistes, ou ainda acerca de alguma parte do discurso do sujeito.
Seu objetivo maior é evidenciar o desejo inconsciente deste sujeito.
Soler (1991, p.49) considera que “a posição do analista é primeiramente de se
deixar dirigir – por oposição à direção da cura – ele deixa-se dirigir, até poder
objetar, achar o modo interpretativo de objeção à satisfação que procura realizar-se”.
Por conseguinte, a interpretação irá marcar o trabalho do analista como aquele que
irá incluir um algo a mais que favorecerá o trabalho do paciente. Entretanto, como
vimos, este passo somente pode ocorrer com o estabelecimento da transferência,
condição essencial para a interpretação.
Essa noção de que o estabelecimento da transferência é necessário à
interpretação surge a partir dos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”,
quando Freud (1905a) estabelece que os primeiros objetos da criança são perdidos
e esta, a partir dessa perda, busca objetos substitutos. O sujeito aposta que o
analista pode proporcionar esse reencontro com os objetos perdidos e é levado a
questionar o que tem como verdade. Soler (1991, p.75) nos diz que “a interpretação
intervém a nível desse saber escrito no lugar da verdade”. E justamente quando
pedimos a esse sujeito que associe livremente, pedimos também que não se
preocupe se suas afirmações são verdadeiras ou falsas.
Soler (ibidem) ressalta que a interpretação atinge a identificação do saber e
tem o efeito de que o sujeito não se reconheça. A autora afirma:
A interpretação divide: quer a reação seja o riso, o estupor, a indignação ou
outra coisa. Ela não firma as identificações. Ela faz surgir um: que é que isto
quer dizer? (...) a interpretação opõe-se alternativamente ao saber e à
fantasia para que a impotência de um se correlacione à segurança da outra”
(idem, ibidem, p.78 e 50).
Ou seja, o analista desconstrói um saber sobre o sujeito e o convida a rever
esse saber. A interpretação não se faz em nome do saber, uma vez que este não
garante a unidade do sujeito. Parece-nos que o analista faz justamente o contrário: a
interpretação dá origem a dimensão do equívoco. Soler sublinha:
É por isso que dissemos então: todos são terapeutas, exceto o intérprete,
ou se preferirmos, exceto o psicanalista. É por isso que Lacan diz ser ele o
refugo da humanidade. Não tanto por ser desumano, no sentido banal da
palavra, simplesmente por visar outra coisa, não visa restaurar
significações, mas mostrar o além das mesmas significações e, portanto,
obter o que Lacan chama em seu texto ‘L’Étourdit’, um efeito que não é de
significação, mas que sim de subversão tipológica. (idem, 1995, p. 23).
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No texto “O aturdito” Lacan (1973 apud SOLER, 1995) afirma que o objetivo
da psicanálise não é eliminar a angústia, nem fortalecer o ego do sujeito, tampouco
adaptar o sujeito à realidade. A psicanálise visa, justamente, que o sujeito se separe
do objeto que sustentava sua “verdade” e com o qual tamponava a falta. A análise
busca que o sujeito investigue, no atravessamento ou na desconstrução de sua
fantasia, o gozo e a inconsistência do Outro, distanciando-se da fantasia por ele
construída, e que passe a conviver com o seu modo de gozo, conquistando, no final
de sua análise, um saber sobre a verdade.
Soler (ibidem, p.28) cita diferentes maneiras de interpretar no decorrer de
uma análise. Recorre a Lacan, que fala em interpretação despercebida e também
em interpretação involuntária, uma vez que o analista pode interpretar até com o seu
humor, com sua expressão, com a cara que tem, com a maneira como se veste, etc.
Ainda segundo Soler (ibidem), Lacan não é diretamente contra a interpretação
significativa. Apenas afirma não ser ela capaz de resolver de modo algum o enigma
do sujeito: ela apenas o desloca. O que não quer dizer que seja proibida ou de todo
descartada, pois ela pode ser útil.
Em O Seminário XI, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Lacan
(1964) nos diz que o mais interessante em uma interpretação como significação não
é a significação por ela produzida, mas os significantes pelos quais é formulada. Sua
conclusão é a seguinte: “o interesse da interpretação significativa é o decifrar, fazer
aparecer um significante que estava faltando ao sujeito, mas que se encontrava
latente em seu discurso” (idem, ibidem, p.231). Lacan evoca a pontuação como um
modo de interpretação. A pontuação garante a significação, marcando uma
enunciação do sujeito em particular.
Uma outra forma de interpretação é considerada por Lacan, segundo Soler
(1995), como oposto à pontuação. Trata-se do corte da sessão, onde as
significações são recortadas, entalhadas, esculpidas. O corte interrompe o sujeito no
meio de uma frase impedindo que as significações, que as explicações proliferem,
causando um efeito de perplexidade e até de desagrado. Entretanto, para lançar
mão desse modo de interpretação é preciso levar em conta as diferenças
individuais. Num sujeito que tem dificuldade em falar ou naquele que está muito
aderido à significação, pode não provocar os efeitos desejados. O intuito é provocar
um efeito non sense. O não-senso possui a sua fecundidade.
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Uma outra maneira de intervir é por alusão, um enunciado que participa do
silêncio, que deixa a entender sem formular, que designa, que mostra. Ainda
segundo Soler (ibidem), Lacan também fala em recorrer à polissemia, à pluralidade
de sentidos. Em O Seminário XVII, O avesso da psicanálise, Lacan (1969-1970)
propõe a idéia de que a estrutura da interpretação é aquela do saber no lugar da
verdade. Explica seu posicionamento situando o saber entre o enigma e a citação. O
enigma diz respeito a formular uma enunciação que não é de ninguém e nem
corresponde a nenhum enunciado de saber, um enunciado sem mensagem, um
dizer sem proposição. A citação seria praticamente o inverso da enunciação, pois
introduz a dimensão da enunciação na medida em que se refere a um autor. A
citação consiste em sublinhar algo enunciado pelo sujeito, como se colocássemos
aspas em seu dizer.
O que esses modos de interpretar têm em comum é um “dizer nada”. O que
não significa que eles nada profiram. O dizer do analista, na interpretação, deve ser
esquecido na medida em que é silencioso. Lacan afirma que o discurso do analista é
um discurso sem palavras. Pela interpretação, conduz-se o sujeito, no percurso da
experiência analítica, em direção ao limite da palavra, ao impossível de dizer. A
interpretação aponta para a divisão do sujeito, para sua falta-a-ser. Segundo Soler
(1995, p.34) se quiséssemos inventar uma fórmula para o dizer da interpretação, ela
seria: “Você fala sozinho, você está só com seu gozo; portanto, exatamente o
contrário de uma promessa de diálogo”.
Para finalizar, Soler (1991), em um artigo intitulado “Sobre a interpretação”,
nos diz que enquanto o sujeito se reconhece no que lhes dizemos podemos estar
seguros de que não se trata de interpretação. Isto porque a interpretação divide o
sujeito, mesmo quando a reação diante dela é o riso, o estupor, a indignação ou
qualquer outra coisa. A interpretação faz surgir algumas questões: o que isso quer
dizer? O que quero dizer dizendo isso? Ou ainda: O que quer me dizer? Aqui, sob a
forma de uma questão desconhecida, se torna presente o Che voui? Podendo dizer
que a interpretação é uma resposta cujo efeito seria o de suspender a resposta. Ou
seja, diz respeito ao sujeito, mas a um sujeito esvaziado, e possui um efeito de
suspensão para que o analisante elabore sua resposta.
O dizer do analista, na interpretação, deve ser esquecido na medida em que é
silencioso. Pela interpretação, conduz-se o sujeito no percurso da experiência
92
analítica, em direção ao limite da palavra, ao impossível de dizer. A interpretação
aponta para a divisão do sujeito, para sua falta-a-ser.
3.3 UM CASO CLÍNICO
Com intuito de compreendermos melhor a questão da direção do tratamento
apresentaremos o caso clínico de Adriana. Apresentaremos sua história recorrendo
aos conceitos apresentados ao longo da dissertação. Primeiro avaliaremos seu
posicionamento no complexo de Édipo. Segundo nossa avaliação, conseguimos
perceber Adriana referida ao Édipo através de diversos relatos que serão
apresentados a seguir como fragmentos de um caso clínico.
Trata-se de uma paciente de 27 anos que procura análise por se considerar
tímida e também por ter dificuldade de se relacionar com as pessoas. É filha de pais
separados, mora com sua mãe e o irmão mais velho. A separação dos pais ocorreu
quando tinha onze anos e o pai foi morar com a outra mulher quando esta
engravidou de sua irmã. Adriana não trabalha, nunca namorou e nem teve relações
sexuais. Possui curso superior completo e se diz homossexual.
A separação dos pais ocorreu quando Adriana tinha onze anos, mas na
verdade já havia ocorrido desde os seus oito anos, quando houve uma briga no dia
do seu aniversário. “Eles fingiam que estava tudo bem”, mesmo com sua mãe tendo
descoberto que seu pai tinha outra mulher. Seu pai saiu de casa, mas voltou, pois
sua mãe aceitou que ele ficasse com as duas. Isso ocorreu até que seu pai foi
embora de vez e acha que isso aconteceu devido ao nascimento de sua irmã.
Adriana se diz muito identificada ao pai, e quando ele saiu de casa se sentiu
muito sozinha. Faziam muitas coisas juntos: passeavam, iam à praia, ouviam
músicas, assistiam filmes. Mas essa relação acabou. Hoje pouco fala com seu pai.
Sabe por sua mãe que o pai desejava muito uma filha e que após seu nascimento
passou a ser a predileta de seu pai. Esta informação de que é a predileta do pai é
repetida em várias sessões: “Depois ele teve minha irmã e eu senti muito”.
Considera seu pai muito machista: “quer tudo na mão e gosta de brincadeiras sem
graça, tipo dar tapa na bunda”. Seu pai mora em outra cidade com sua mulher e a
filha deste casamento, nove anos mais nova que Adriana.
93
A paciente sente muito a traição deste pai e também sua falta. Poucas vezes
o visita, somente se falam por telefone. O pai diz que se separou da mãe porque
tinham objetivos diferentes, mas para Adriana o pai a deixou: “Ele diz que não se
dava com minha mãe, mas deixa dois filhos para viver o que quer. Como pode um
adulto fazer isso com uma criança?!”. Diz se sentir só, diferente, e que seu pai tenta
suprir isso com dinheiro.
Uma das primeiras lembranças de infância trazidas pela paciente diz respeito
ao casal pai-madrasta. Relata que numa viagem com seu pai e a mulher dele viu os
dois transarem. “Vi os movimentos embaixo do lençol. Sem noção. Virei para o lado
e dormi para não ver”.
Ainda com relação ao pai, traz ainda uma outra fala após se referir aos
constantes sonhos com sua cachorra que morreu. “Ela era o nosso bebê!” (silêncio)
“É! Meu e do meu pai. Nós escolhemos”. Cabe ressaltar que a paciente tinha dez
anos quando a cachorra nasceu e se emociona ao relembrar. Relata que quando a
cachorra morreu seu pai ligou chorando e diz nessa sessão: “Um fofo!”
A relação de Adriana com sua mãe é atravessada pela relação com o irmão.
Portanto, para falar da mãe escolhemos iniciar falando da relação com o irmão. Este
é cinco anos mais velho, também não trabalha e não terminou a faculdade até hoje.
A relação entre eles sempre foi hostil, onde o irmão sempre implica com ela. É
machista igual ao pai, tinha uma namorada de muito tempo, a quem não respeitava.
Adriana diz que sua mãe e o irmão se protegem, e que por ter sido a preferida
do pai foi excluída dessa relação. “Preciso dizer uma coisa. Lá em casa, minha mãe
e meu irmão são como se fossem... (silêncio)... dois brutos. E eu sou uma pessoa
que puxa pelo intelectual; discutir vários temas. É como se eles não se
interessassem”. Considera a relação da mãe com o irmão uma relação de
dependência. “Eles tem uma relação estranha. Eles dormem juntos na mesma
cama”. Segundo ela a mãe aceitou o pai de volta sabendo da traição porque não
consegue ficar sem um homem. Primeiro a mãe teve o pai e agora tem o irmão.
Como dissemos anteriormente, ao falar do irmão, Adriana fala da mãe.
Considera que eles se protegem e que o irmão é o predileto da mãe. “Dizem que
meu pai me protegia. Talvez falassem isso por causa do meu pai. Mas ele se foi...”.
A paciente se diz sozinha, e uma de suas queixas diz respeito à dificuldade de
relacionamento.
94
Sua mãe é aposentada e possui curso superior completo. A relação com a
mãe é apresentada como difícil. Adriana usa o significante diferente para se
designar em relação à mãe e ao irmão. Eles vivem dizendo que ela é diferente.
Apesar de num primeiro momento soar como uma coisa ruim, por outro lado acha
bom, pois não gostaria de ser igual a eles. Diz que é carinhosa, gosta de conversar
e não vê isso em sua mãe. Esta a acusa de irritá-la e provocá-la. Sempre que
conversam, acabam brigando.
Diz que sempre sentiu falta da mãe. Ela trabalhava o dia todo e quando pedia
ajuda para fazer o dever de casa ela dizia que não sabia. Algumas vezes demorou a
buscá-la na escola. Diz ter uma carência em relação à mãe: “ela estava ali, mas é
como se não estivesse”. Apesar de conversarem, é como se cada uma falasse
sozinha. Ao ser questionada sobre essas brigas e a forma como as discussões
acontecem, percebe-se a existência de uma grande insegurança. Adriana acha que
frustrou a mãe por ser homossexual.
Aqui, podemos observar seu posicionamento no complexo de Édipo e sua
referência ao falo, dizendo-se injustamente privada desse falo ao ser deixada por
seu pai e trocada por sua irmã. Adriana apresenta ainda recordações que remetem
ao amor por seu pai e ódio pela mãe, assim como o desejo de ter um filho com o pai.
Ao se voltar para àquela a quem supõe ter o falo — sua mãe — encontra-a
envolvida em uma relação incestuosa com seu irmão. É a partir disto que iremos
avaliar o diagnóstico diferencial de Adriana.
Logo nas primeiras entrevistas, Adriana apresenta sua forma de
posicionamento perante o Outro e há algumas questões que nos levam a uma
primeira suposição diagnóstica.
Ao falar de sua formação universitária ressalta que foi um período de solidão
onde se trancou em casa e se afastou dos amigos de escola. Teve apenas uma
amiga durante esta fase, a mesma que lhe ofereceu o único emprego que teve. Ao
falar dessa amiga, informa à analista que é homossexual dizendo que aos dezessete
anos começou a sentir coisas esquisitas. “Aí eu me fechei. Como se não admitisse
para mim mesma. Fiquei sete anos completamente no escuro. Não admitia para mim
mesma. Depois eu fui ao terreiro e me falaram: ‘você tem que ser quem você é’. A
partir disso passei a admitir para mim mesma. Foi aí que fiquei com uma primeira
95
menina, uma amiga minha que é bissexual. Depois saí com outras meninas. E é a
mesma coisa com meninos. Fico, dou beijo na boca, mas não acontece nada”.
Adriana tem dificuldade em dar continuidade a seus relacionamentos
amorosos. Ao longo deste período de atendimento, Adriana ficou com várias
pessoas, mulheres e homens. Diz que tem preferência pelas mulheres, pois sente
uma maior atração física. “É coisa de pele, química. A mulher atrai pelo emocional; a
sutileza...”. Também se relaciona com homens, mas geralmente são gays.
Considera a forma de abordagem masculina muito direta, e eles não a atraem
fisicamente.
As rápidas relações (se é que podemos chamar assim) com mulheres foram
marcadas por suas idealizações. Sempre que sai à noite sente-se travada. Não sabe
como agir. Fica pensando no que fazer para que as pessoas a aceitem. Fica com
alguma mulher e logo imagina como será o namoro. Por outro lado, ao idealizar a
relação, coloca regras que a afastam de qualquer experiência. Perde longo tempo
de seus dias pensando em como agir e o que fazer para se relacionar com as
pessoas. Estas regras são associadas aos padrões morais com os quais foi
educada: “primeiro namora, tem que conhecer a pessoa, a relação sexual só pode
acontecer depois de algum tempo etc.”.
Outra característica que se repete nessas “relações” é a traição. Adriana se
coloca nesta posição, pois sempre que se interessa por uma mulher alguma amiga
sai na frente e namora/fica com essa pessoa. Estas características foram pontuadas
pela analista e causaram surpresa na analisante.
Após alguns meses saindo todas as noites, Adriana chega a análise bastante
reticente e se dizendo cansada disso. Relata que as mulheres são muito diretas, que
só querem saber de ficar e transar. Que não querem um relacionamento. A analista
chama a atenção para esse comportamento, e Adriana percebe que é o mesmo
comportamento anteriormente apontado por ela como característico dos homens.
Neste momento julgo relevante apresentar uma fala da analisante em sua
primeira entrevista: “As pessoas se interessam por mim, mas não me interesso por
elas. Atraio pessoas esquisitas. Sou esquisita. Sou diferente”. Quando a analista
repete o significante diferente, Adriana fica em silêncio e em seguida diz: “É... eu
não sei lidar com mulheres. Com homem é mais fácil. Tudo bem que não tive
relacionamentos. Beijo na boca com homens é mais fácil. Paquerar mulher é
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diferente de paquerar homem. Homem é mais fácil. Mais direto. Mulher é mais... Sei
lá. Uma hora quer uma coisa e daqui a pouco muda tudo. Não entendo”. Fica em
silêncio e em seguida diz: “Não entendo as mulheres”.
Com estes fragmentos pretendemos sustentar nossa hipótese diagnóstica de
neurose histérica. Isto se justifica pelo fato de Adriana estar sempre em função do
desejo do Outro. Ela nunca sabe como se posicionar perante o Outro e fica
imaginando qual seria a melhor forma de agir para que as pessoas a aceitem, pois
supõe que ao agir conforme o desejo do Outro será amada. Um outro indício da
estrutura histérica se faz presente em seu questionamento acerca das mulheres e
suas dúvidas acerca dos homens. Verificamos em Adriana um questionamento
acerca de quem é ela e que evolui para um questionamento acerca do sexo: sou
homem ou sou mulher?
Talvez, como ocorreu com Dora, Adriana busque nas mulheres a solução
para o enigma o que é ser mulher. Interessante essa hipótese, pois remete ao
discurso de Adriana acerca de sua mãe, considerada por ela como uma mulher
vaidosa e feminina, o oposto de si própria: “não sou vaidosa, bem diferente da minha
mãe”. Será que a analisanda busca nas mulheres uma resposta para essa questão,
uma vez que sua mãe não pode manter o relacionamento com seu pai? E também o
fato do pai tê-la abandonado por outra mulher?
Retomando o caso Dora, encontramos algumas semelhanças. Uma delas diz
respeito a aproximação que ocorre entre o pai e a filha, e o irmão e a mãe. Por outro
lado pensamos no trauma psíquico e suspeitamos de que a separação dos pais e o
sentimento de ter sido substituída pela irmã seja o representante deste trauma. Ou
será que é a “visão” da cena primária, a relação sexual entre seu pai e a madrasta?
Adriana também traz lembranças de que batia na porta do quarto de seus pais e que
a mãe não abria a porta, e ela chorava até desistir e voltar para seu quarto.
Verificamos também a questão da traição em que o pai tem uma outra mulher, tal
qual o pai de Dora tinha a Sra. K. Porém, Adriana não se voltou para essa e, muito
pelo contrário, sentia aversão à “mulher de seu pai” que lhe apontava falhas e
debochava dela. Talvez isso tenha feito com que Adriana se afastasse do pai. Freud
considera que:
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Nos neuróticos, a constituição sexual, na qual está contida a expressão da
hereditariedade, atua em combinação com as influências acidentais de sua
vida que possam perturbar o desenvolvimento da sexualidade normal. O
curso d’água que encontra um obstáculo em seu leito reflui para leitos
antigos que antes pareciam destinados a permanecer secos. As forças
impulsoras da formação dos sintomas histéricos não provêm apenas da
sexualidade normal recalcada, mas também das moções perversas
inconscientes. (FREUD, 1905 [1901]), p.54)
Nas relações amorosas inconscientes entre pai e filha, ou entre mãe e filho,
Freud (ibidem) verifica a revivificação de germes dos sentimentos infantis e que isto
é mais comum nos casos das crianças constitucionalmente destinadas à neurose. E
que a lenda do Édipo traduz o que há de mais poético nestas relações.
Freud (ibidem) destaca, ainda no caso Dora, que na puberdade há, com
frequência, uma inclinação para pessoas do mesmo sexo. Isso se caracteriza pelo
entusiasmo por seus colegas de escola, acompanhado de juras e beijos, de
promessas de correspondência eterna. Freud (ibidem) considera que essa amizade
é o precursor comum da primeira paixão intensa de uma moça por um homem e que
em circunstâncias favoráveis essa corrente homossexual acaba. Aqui nos
questionamos o que terá ocorrido com Adriana, pois foi justamente no período da
puberdade que percebeu os sentimentos “esquisitos”, sua atração pelas mulheres.
Em seus relatos, Adriana recorda de suas “melhores amigas” da adolescência,
pessoas das quais fez questão de se afastar. Interessante ainda destacar sua fala
acerca da dificuldade em estabelecer relacionamentos e ser uma pessoa sozinha, e
sua surpresa quando a analista lhe aponta para o fato de que possui muitos
relacionamentos e amigos. Ao que responde surpresa com a seguinte afirmação:
“nunca havia pensado desta forma”.
Esta reação nos remete a questão da transferência estabelecida com a
analista e também à questão da interpretação. O estabelecimento da transferência
foi percebido através de diferentes pontuações da paciente em referência à analista
como, por exemplo, a atribuição de saber, a arrumação da sala, o corte de cabelo,
desejo de ser psicóloga, etc. Entretanto, a transferência se confirmou fortemente
com a presença de sonhos e atos falhos em análise. Cabe ressaltar um desses atos
falhos relacionado aos amigos da adolescência que diz ter se afastado e excluído de
seus contatos do Messenger. Quando a analista questiona o motivo desta exclusão,
diz não querer conviver com uma Adriana “insegura, travada e descontrola...
descontraída, que não existe mais”. O ato falho é cometido nessa série: insegura,
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travada e descontrolada. Quando a analista pontua a palavra descontrolada, a
paciente nega veementemente e diz que é descontraída. Quando lhe é pedido que
faça associações à descontrolada, a primeira que surge é maluca. Um significante
que se ressalta tendo em vista que se considera esquisita e diferente, “coisa de
pessoas malucas”.
A resistência vem sendo percebida muito sutilmente através de expressões
do tipo: “Hoje não tenho nada para falar. Está tudo bem”; “Quanto tempo dura o
tratamento?”; “Será que esse tratamento dá jeito mesmo?”.
Diante da hipótese diagnóstica levantada quanto à neurose histérica,
colocam-se algumas direções gerais para o tratamento. Podemos seguir em direção
à retificação subjetiva que permita à paciente a sair dessa posição de não amada,
vitimada e preterida. Outro viés a ser seguido é justamente trabalhar para que
encontre a sua própria resposta para o enigma da feminilidade. E ainda,
considerando que estamos referidos a um sujeito adolescente que ainda não
realizou suficientemente um dos trabalhos psíquicos mais importantes, segundo
Freud (ibidem), e que diz respeito ao desligamento da autoridade dos pais, podemos
trabalhar no sentido da separação, em relação ao Outro.
É evidente que nessas diversas direções de tratamento que se apresentam é
necessário considerarmos a história, as circunstâncias passadas e as condições
atuais de Adriana, sempre levando em conta sua subjetividade.
99
CONCLUSÃO
Nesta dissertação foi possível compreender a relevância do complexo de
Édipo no diagnóstico e na direção do tratamento psicanalítico. Relevância que
também se aplica a outras áreas do saber, como a medicina e a educação, pois
estas usufruem das indicações e diretrizes a partir de um diagnóstico diferencial
para o desenvolvimento de seus trabalhos.
Cabe destacar que o retorno a Freud, empreendido por Jacques Lacan, a
partir da linguística e da antropologia levou ao estabelecimento do conceito de
estrutura. E foi justamente esse conceito que deu origem à formulação de que o
campo psicanalítico é fundado na fala e na linguagem, matriz teórica que representa
a existência e o funcionamento do inconsciente.
É a partir do conceito de estrutura que a questão edípica se esclarece, pois
percorre a relação que o sujeito estabelece com a função fálica, que perpassa a
questão do desejo e do posicionamento do sujeito perante o Outro. E é exatamente
sob a influência da função fálica que as estruturas clínicas são definidas.
O complexo de Édipo é importante, porque é através dele que o sujeito irá
ajustar sua relação com o falo. Isto é, buscar sua consonância no que diz respeito
ao encontro com o desejo e a falta.
A questão da diferença entre os sexos é enigmática para a criança e dá
origem a essa atribuição fálica à mãe, que futuramente será vivida como falta. Isso
porque se trata de algo que deveria ter estado lá, mas não está. Neste sentido
podemos falar da dimensão imaginária do falo.
Assim, podemos afirmar que a dimensão imaginária dessa identificação fálica
surge a partir da resposta para o enigma da diferença entre os sexos. Num primeiro
momento, a criança nega essa diferença e se apóia em uma construção imaginária
de um objeto suposto faltar — o falo — que leva à questão do ser ou não ser
100
castrado. Uma outra relevância que podemos dar ao complexo de Édipo se refere ao
fato da dinâmica edipiana perpassar a dialética do ser e do ter. Ou seja, passa pelo
momento quando o sujeito sai de uma posição em que se encontra identificado com
o falo da mãe e passa para uma outra posição renunciando a esta identificação:
aceita a castração e passa a se identificar com o sujeito a quem supõe ter o falo.
O complexo de Édipo pode ser designado como o conjunto das relações que
a criança estabelece com as figuras parentais e que constituem uma rede, em
grande parte inconsciente, de representações e afetos. E é nessa passagem do ser
ao ter que a criança se inscreve na lógica fálica. Segundo o percurso do complexo
de Édipo, a função fálica diz respeito à mãe, ao pai, à criança e ao falo. Cabe
ressaltar que o desejo dos demais elementos gravita em torno do falo. Ou seja, o
desejo do sujeito em relação ao desejo do Outro está referido ao falo.
A partir desta estrutura nomeada como complexo de Édipo, pode ser
realizado um diagnóstico estrutural em psicanálise. Verificamos, assim, de que modo
o sujeito se posiciona perante a castração.
Ao ser articulado ao complexo de castração, o complexo de Édipo ganha
estatuto de conceito, pois irá determinar a interiorização da interdição oposta aos
dois desejos edipianos: o incesto materno e o assassinato do pai, abrindo o acesso
à cultura pela submissão e identificação com o pai portador da lei que regula o
desejo.
O falo como objeto de desejo do Outro é articulado à linguagem por sua
qualidade de significante. O falo é o significante que permite ao sujeito atribuir
significações a seus significantes.
É na fala do paciente que o analista busca esclarecer a estrutura que está em
jogo. Identificar tal estrutura é importante para a direção do tratamento, mas ao tratar
de cada caso é imprescindível considerar a singularidade de cada sujeito,
destacando os significantes em que fixaram suas demandas e que fazem parte de
sua história.
É justamente por sua função de servir ao direcionamento da análise que o
diagnóstico se faz relevante. E por este mesmo motivo é que somente pode ser
buscado no registro simbólico, onde são articuladas as questões fundamentais do
sujeito quando de seu posicionamento no Édipo e, consequentemente, na castração.
As estruturas clínicas são estabelecidas de acordo com o modo como o sujeito lida
101
com a falta inscrita na subjetividade. É o modo do sujeito lidar com a falta que
condiciona a maneira de cada um lidar com o sexo, com o desejo, com a lei, com a
angústia e com a morte.
A psicanálise ressalta a importância do discurso do sujeito no diagnóstico e
no tratamento. Valoriza o saber inconsciente nele registrado, cujo acesso só é
possível através da fala do paciente. Isso tem consequências para muitas práticas,
principalmente na época em que vivemos quando há a tendência a atribuir ao sujeito
o estatuto de objeto, como demonstram os diagnósticos e medicamentos que
prometem um mundo melhor e mais feliz sem que o sujeito se implique nesse jogo.
102
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108
APÊNDICE
Produto da dissertação
O produto da presente dissertação serão cursos a serem ministrados para
profissionais da área de saúde e educação.
CURSO 1: O diagnóstico em psicanálise
Objetivo: Levar o aluno a refletir sobre o diagnóstico em psicanálise
Conteúdo programático:
1. A importância do diagnóstico
1.1. O diagnóstico
2. Psicanálise e psiquiatria: convergências e divergências
3. O diagnóstico em psicanálise
3.1. O diagnóstico estrutural
3.1.1. O que é estrutura?
3.1.2. A noção de estrutura em psicanálise
3.1.3. As estruturas clínicas
3.1.4. Édipo estrutural
3.2. Diagnóstico diferencial estrutural
4. A direção do tratamento
Metodologia:
Aulas expositivas com o auxílio de tecnologia educacionais.
Bibliografia:
CUNHA, A. G. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Lexikon
Editora Digital, 2007.
ELIA, L. Desenvolvimento, estrutura e gozo. Revista Marraio: Desenvolvimento, estrutura e
gozo II, nº 9. Rio de Janeiro: Editora Rios Ambiciosos, 2005, p.11-9.
FERREIRA, A. B. H. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3ª ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
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Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (ESB). Rio de
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POLLO, V. Sobre a estrutura. Revista Marraio: Desenvolvimento, estrutura e gozo III, nº 10.
Rio de Janeiro: Editora Rios Ambiciosos, 2005, p.11-7.
110
CURSO 2: O complexo de Édipo
Objetivo: Apresentar a teoria do complexo de Édipo e levar os alunos a refletir
sobre sua aplicabilidade.
Conteúdo programático:
1. Mito e tragédia
1.1. O que é mito?
1.1.1. O mito de Édipo
1.2. A tragédia
1.2.1. A tragédia grega Édipo Rei
1.3. A relação mito, tragédia e complexo de Édipo
2. O complexo de Édipo
2.1. O complexo de Édipo em Freud
2.2. O complexo de Édipo em Lacan
3. Refletindo sobre o complexo de Édipo
Metodologia:
Aulas expositivas com o auxílio de tecnologias educacionais.
Bibliografia:
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
BRANDÃO, J. S. Dicionário mítico-etimológico da mitologia grega. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1991.
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Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (ESB). Rio de
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VERNANT, J. P. & NAQUET, P. V. Mito e tragédia na Grécia antiga. São Paulo:
Perspectiva, 2005.
112
CURSO 3: A direção do tratamento em psicanálise
Objetivo: Estudar a direção do tratamento e verificar sua aplicabilidade.
Conteúdo programático:
1. Considerações iniciais
2. A transferência
2.1. Em Freud
2.2. Em Lacan
3. Da transferência à resistência
4. Da transferência à interpretação
5. Um estudo de caso
Metodologia:
Aulas expositivas com o auxílio de tecnologias educacionais.
Bibliografia:
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