Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Curso de Pós-Graduação – Strito - Sensu
EAHC – Educação, Arte e História da Cultura
Fabricio Pereira Korasi
A arte de pintura Sumie: Um olhar sobre a dedicada arte de sentir e desenhar.
São Paulo
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Curso de Pós-Graduação – Strito - Sensu
EAHC – Educação, Arte e História da Cultura
A arte de pintura Sumie: Um olhar sobre a dedicada arte de sentir e desenhar.
Fabricio Pereira Korasi
Dissertação apresentada ao curso de
Pós-Graduação em Educação, Arte e História
da Cultura, da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como pré-requisito parcial para
obtenção do título de mestre.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Norberto Stori
São Paulo
2009
ads:
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Curso de Pós-Graduação – Strito - Sensu
EAHC – Educação, Arte e História da Cultura
A arte de pintura Sumie: Um olhar sobre a dedicada arte de sentir e desenhar.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Norberto Stori, pela colaboração durante todo o processo de elaboração
dessa dissertação.
A minha mãe Maria Neide Pereira Korasi, por sua dedicação e colaboração no
decorrer desta pesquisa, contribuindo com material afim da execução.
A meu pai Ariovaldo Korasi, por sua paciência e cooperação nos momentos de
maior dificuldade.
À Profª. Antônia Cileide Pereira, que auxiliou na revisão e digitação do trabalho.
Ao Mackpesquisa que contribuiu com a reserva técnica, a fim de custear a produção
da dissertação.
A todos aqueles que se dedicaram e tiveram paciência, apoio,
além de tudo o que puderam contribuir para a elaboração deste
trabalho.......................................
O artista do Sumi-ê deve seguir sua inspiração tão
espontânea, absoluta e instantaneamente quando
ela aparecer, sem misturar lógica ou qualquer
pretensão de realismo, de copiar a realidade
objetiva. “O simples talo de um lis em flor,
executado de maneira aparentemente tão
negligente, sem a preocupação da perspectiva ou
realismo, ou um pequeno barco de pesca,
insignificante no início de uma vasta extensão de
água, mas se olharmos melhor, não se pode
deixar de ficar impressionados pela imensidão
sem limites e pela presença de um espírito
misterioso, que respira uma vida de eternidade no
meio das vagas. E todas essas maravilhas são
realizadas com facilidade e sem esforço pelo
artista” (Teitaro Suzuki).
7
ÍNDICE DE IMAGENS
Figura 01 – Mapa da China........................................................................................19
Figura 02 – Ideograma para árvore............................................................................29
Figura 03 – Ideograma para montanha......................................................................29
Figura 04 – Ideograma para meio..............................................................................30
Figura 05 – Princípio da escrita..................................................................................31
Figura 06 – Princípio da escrita..................................................................................32
Figura 07 – Princípio da escrita..................................................................................33
Figura 08 – Quadro evolutivo da escrita chinesa.......................................................34
Figura 09 – Caligrafia.................................................................................................35
Figura 10 – Pintura com escrita..................................................................................36
Figura 11 – Li Shu – Dinastia Han 206 B.C. – 220....................................................38
Figura 12 – Escrita Kaishu – Imperador Huizong (1110-1126) dinastia Song...........38
Figura 13 – Caoshu....................................................................................................39
Figura 14 – Xingshu by Wang Xizhi (303-361 Dinastia Jin).......................................40
Figura 15 – Orakelknochen – Osso oracular..............................................................41
Figura 16 – c. 221 a.C................................................................................................42
Figura 17 – Caligrafia regular.....................................................................................42
Figura 18 – O símbolo do Confucionismo..................................................................45
Figura 19 – O símbolo do Budismo............................................................................46
Figura 20 – O símbolo Yin e Yang.............................................................................48
Figura 21 – Evolução da escrita.................................................................................57
Figura 22 – Mapa da Dinastia Sung...........................................................................60
Figura 23 – Montanhas e Paisagens..........................................................................65
Figura 24 – Montanha................................................................................................66
Figura 25 – O Pescador.............................................................................................66
Figura 26 – Landascape.............................................................................................67
Figura 27 – Montanhas...............................................................................................68
Figura 28 – O vento....................................................................................................69
8
Figura 29 – Igreja Nossa Senhora do Ó.....................................................................71
Figura 30 – Coruja......................................................................................................74
Figura 31 – A Orquídea..............................................................................................77
Figura 32 – O Bambu.................................................................................................78
Figura 33 – A Árvore de Ameixeira............................................................................79
Figura 34 – O Crisântemo..........................................................................................80
Figura 35 - Como segurar o pincel para pintar Sumie...............................................85
Figura 36 – Paisagem................................................................................................87
Figura 37 – Landschaft...............................................................................................88
Figura 38 – Plantas....................................................................................................89
Figura 39 – Materiais..................................................................................................90
Figura 40 – Tipos de Pincéis......................................................................................93
Figura 41 – Objetos para pintura Sumie....................................................................96
Figura 42 – Detalhe dos elementos para pintura.......................................................97
Figura 43 – Suzuri-no-umi..........................................................................................98
Figura 44 – Suzuri......................................................................................................99
Figura 45 – Exemplo de Bambu...............................................................................100
Figura 46 – Exemplo de Bambu...............................................................................101
Figura 47 – Foto de um bambuzal...........................................................................102
Figura 48 – Bambu...................................................................................................103
Figura 49 – Bambu...................................................................................................103
Figura 50 – Íris..........................................................................................................104
Figura 51 – Montanha de Neve................................................................................105
Figura 52 – Círculo...................................................................................................106
Figura 53 – Dragão...................................................................................................107
Figura 54 – Fogo......................................................................................................108
Figura 55 – Nuvens .................................................................................................109
Figura 56 – Berinjela................................................................................................110
Figura 57 – Haiga.....................................................................................................111
Figura 58 – Tigre......................................................................................................112
Figura 59 – Pássaros...............................................................................................112
Figura 60 – Ikebana..................................................................................................148
9
Figura 61 – Ikebana..................................................................................................148
Figura 62 – Sala de Cerimônia do Chá....................................................................151
Figura 63 – Objetos para a cerimônia......................................................................151
RESUMO
KORASI, Fabricio. A arte de pintura Sumie: Um olhar sobre a dedicada arte de
sentir e desenhar. Dissertação. Curso de Pós-Graduação Strito Sensu, da
Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo. (152 páginas), 2009.
Este trabalho tem como objetivo traçar uma linha de pensamento sobre a arte
Sumie, sobre como ela foi criada, suas ligações extremas com o Tao, com a
espiritualidade e como um artista faz para soltar seu braço, somado a sua energia
espiritual, e criar uma arte, aparentemente, tão simples e, ao mesmo tempo,
complexa. Além da visão sobre a Arte Sumie e sua ligação com o Tao, uma breve
história da China, desde a Antiguidade até o início do período da república. Foi
abordado o modo de fazer uma pintura, como e quais materiais são utilizados e o
porquê deles. Outro ponto que foi abordado é a ocidentalização que a Arte Sumie
sofreu mesmo depois de ter tido uma influência japonesa, alterando suas
configurações originais, como no caso da inserção de cor aos trabalhos
monocromáticos chineses. Foi descrita uma breve amostragem de como essa arte
chegou ao Brasil, com seus principais artistas e de que forma é apresentada hoje.
Palavras-chave: Sumie, Tao, espiritualidade, técnica, essência.
ABSTRACT
KORASI, Fabricio. The art as of he paints Sumie: One look above the dedicated
to art as of feel and design. Dissertation. Course of Pós-Graduação Strito Sensu of
Presbiteriana Mackenzie University. São Paulo. (152 pages), 2009.
This work aims to draw a line of thought on the art Sumie, about how it was created,
its links with the extreme Tao, with the spirituality and as an artist is to release his
arm, added to their spiritual energy, and create a art, apparently so simple and at the
same time, complex. Besides the vision of the Art Sumie and their connection with
so, a brief history of China since the ancient period until the beginning of the republic.
In another time addressed how to make a painting, how and what materials are used
and why of them. Another point that was addressed is the Westernization that Art
Sumie suffered even after you have had a Japanese influence, changing their
original settings, such as the insertion of Chinese monochrome color to work. It
described a brief sampling of how this art came to Brazil with its major artists and
how it is presented today.
Word-key: Sumie, Tao, espirituality, technique, essence.
SUMÁRIO:
ÍNDICE DE IMAGENS
INTRODUÇÃO...........................................................................................................13
Capítulo 01. China – mais de três mil anos de história, tradição e cultura........17
1.1 As Dinastias.............................................................................................20
1.2 O Imperialismo.........................................................................................21
1.3 A República..............................................................................................24
Capítulo 02. A escrita chinesa.................................................................................28
2.1 A Origem...................................................................................................30
2.2 A Caligrafia...............................................................................................35
Capítulo 03. A Religião chinesa..............................................................................43
3.1 A Religião e o Sumie...............................................................................51
Capítulo 04. O Sumie através dos tempos.............................................................55
4.1 O tempo e a influência ocidental nas artes orientais..........................69
4.2 A influência chinesa no Brasil................................................................71
4.3 Os Quatro grandes temas.......................................................................75
4.4 O significado do Bambu.........................................................................81
4.5 Materiais e Técnicas................................................................................82
4.6 A didática do Sumie................................................................................94
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................113
REFERÊNCIAS .......................................................................................................115
Anexos.....................................................................................................................120
13
INTRODUÇÃO:
No processo de educação formal no ensino médio, despertou-me o interesse
pela cultura chinesa durante as aulas da disciplina História da Arte, em que se
trouxe a temática da cultura oriental, mas sem abordar temas em profundidade e
deixando no ar as respostas sobre essa cultura fantástica. Somado a isso, vem a
admiração pessoal pelas tradições orientais no que tange à filosofia que subjaz às
artes marciais, praticadas por mim até o momento atual. Sempre, na prática das
artes marciais, muito da cultura era revelada, assim como ensinamentos sobre o
país, sobre suas tradições, arte, caligrafia, pintura e poesia. E foi então que emergiu
o interesse pela pintura e caligrafia chinesa, por despertar extrema beleza e
simplicidade, revelando conteúdo significativo e de grande complexidade.
Ao longo do curso de graduação de Desenho Industrial, na disciplina História
da Arte, solidificou-se meu interesse pela evolução histórica da arte em geral.
Após a conclusão desse curso, ingressei em uma nova graduação: História,
onde o contato com a disciplina de História da Antiguidade Oriental, pelo viés
histórico, ao conhecimento da cultura chinesa, fortaleceu afinidade com a temática.
Paralelamente a esse curso, iniciei a especialização no nível de pós-graduação
Lato-Sensu, em História da Arte, cuja grade curricular contempla pontualmente o
estudo da arte chinesa, o que veio ao encontro dos meus interesses. Durante esse
estágio, a Arte Oriental mostrou-se interessante, proporcionando maior atenção e
busca por uma pesquisa mais aprofundada sobre o assunto.
Por outro lado, dentre as seis monografias exigidas pela Instituição, uma teve
como tema a pintura Sumie. Com isso possibilitou-me, junto ao Programa de Pós-
graduação Stricto Sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie, aprofundar-me
na pesquisa, fazendo um embricamento entre a Arte Sumie e a história da cultura
chinesa.
Essa pesquisa consta com cinco capítulos que abordarão os temas ligados à
história, cultura e arte chinesa. No primeiro capítulo, foi abordado o contexto
histórico chinês, a história política, as dinastias que existiram passando pelo período
do imperialismo, no qual envolve a influência europeia nos países asiáticos,
revelando algumas das situações passadas pelos chineses durante essa fase do
14
Imperialismo. Em continuação ao eixo histórico, uma breve retrospectiva sobre o
período pelo qual a China passou até conseguir ser uma república de fato, além de
mencionar os dois tipos de repúblicas existentes e suas brigas pelo poder.
No segundo capítulo foi pesquisado e trabalhado o tema da escrita, origem e
caligrafia chinesa, que se mostra como cerne para podermos entender um dos
conceitos das artes chinesas do passado a hoje. Isso, porque se sabe que a
pintura chinesa é extremamente dependente da escrita e dos ideogramas.
Não se pode falar em China sem trabalhar com a temática da religião, que
nesse caso está no capítulo três. A religião, assim como a escrita, é um dos eixos
centrais para que a arte chinesa possa existir, pois a técnica não é considerada
como instrumento único e fundamental para que uma bela obra de arte surja e seja
considerada como arte bela.
O capítulo quatro apresenta a Arte Sumie, o que se sabe sobre sua origem,
suas significâncias, como o Sumie perdeu suas características iniciais nos períodos
em que a China sofreu o processo de aculturação pela cultura japonesa e europeia,
que, por conta de características particulares, no caso do Japão, o acréscimo de cor
aos trabalhos monocromáticos chineses e pelo processo de mecanização da arte
ocidental, transformaram sua origem em uma identidade diferente. São discutidos
meios pelos quais se pode fazer um Sumie, os materiais e os cânones necessários
para que uma pessoa possa ser considerada como um artista da mais alta qualidade
na China. Além disso, essa arte trabalha com temas principais que serão tratados e
explicados, pois cada um possui sua identidade. Apresentaremos um parecer
didático sobre a técnica, que é complexa para a execução da pintura, com imagens
dos objetos utilizados para a pintura além de pinturas de Sumie feitas em um
workshop que serão mostradas como exemplo, sem a finalidade de serem
consideradas como obra de arte.
A Arte Sumie busca algo que é maior do que a mera técnica; ela almeja uma
relação intrínseca da alma com o corpo, do Tao com a técnica, ou seja, o Sumie
busca a perfeição.
Outro ponto de destaque é o de perceber como uma arte que, com simples
pinceladas rápidas e precisas, pode revelar um tema que pode ser do universo
masculino e outro do universo feminino. Uma “simples pintura” significa muito mais
15
do que se está vendo no papel. Mostrou-se mais interessante por ser uma derivação
direta da escrita chinesa, considerada arte, e que depende de toda concentração e
empenho de seus aficionados.
O tema desta pesquisa tem sua relevância assentada na intenção de se
compreender como a Arte Sumie possui uma identidade própria, dependendo de
fatores históricos internos e externos.
Para a compreensão desse trabalho, é apresentada uma parte de estudo da
ampla história da China, com uma quantidade significativa de bibliografias referentes
à cultura chinesa, à própria China, à escrita, à religião. Imagens são utilizadas como
suporte fundamental à compreensão da Arte Sumie.
A maior compreensão da Arte Sumie na cultura chinesa está na relevância
das imagens e dos conceitos artísticos chineses que mostram uma arte diferente
das artes ocidentais, pois trazem aspectos que unem a técnica, que deve estar
totalmente incorporada com a espiritualidade do Tao, com a união da técnica com a
espiritualidade o artista pode executar sua obra.
As fontes dar-se-ão pelas imagens referentes a bambus, montanhas, árvore
de ameixeira, orquídeas e outros, pintadas como Sumie para poder explicar de que
forma essas imagens representam todo um conceito criado por seu artista, além de
revelar muito sobre a cultura chinesa.
As artes Orientais chinesas, em especial o Sumie, oferecem uma visão
diferenciada, começando pelos temas, que sugerem basicamente temas da
natureza, mas com relevância humana. Outro fato para se estudar a arte chinesa
Sumie é sua ligação direta com a escrita e a caligrafia, e para isso a pessoa deve tê-
las “incorporadas a seu corpo” para que um passo posterior possa ser alcançado.
Esse passo é a relação com o espiritual, ou seja, a arte Sumie é uma arte
sensibilidade, uma arte que não depende somente da técnica, pois os grandes
mestres compreendem que a técnica deve estar plenamente incorporada, mas que
também faça a junção do corpo com o espírito. Para os chineses, uma obra é
perfeita quando se tem uma técnica extremamente apurada e uma ligação com o
Tao muito forte.
O objetivo principal foi coletar dados sobre a Arte Sumie, na perspectiva de
conhecer suas origens e permanência no tempo, além de buscar de que forma que
16
essa arte representa os gêneros masculinos e femininos de acordo com os
respectivos modos de vida.
Optou-se pela pesquisa bibliográfica, conceituada por Gil como a pesquisa
“desenvolvida a partir de material elaborado, constituído principalmente de livros e
artigos científicos.” Continuando [...] “A principal vantagem da pesquisa bibliográfica
reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos
muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente.” (GIL, 1999, p.
64).
Foram acessados bancos de dados, bibliotecas virtuais específicas das áreas
de conhecimento em história, arte e tecnologia, bem como publicações impressas
disponíveis em bibliotecas. Um workshop sobre Sumie foi feito com a finalidade de
ampliar o conhecimento sobre a Arte Sumie.
Somadas ao conteúdo escrito da pesquisa, ilustrações foram agregadas para
clarear o significado e a compreensão da Arte Sumie, mostrando suas nuances e
variações possíveis.
Para dar sustentação à pesquisa, foram utilizados autores como: Haroldo de
Campos, que aborda os ideogramas chineses em sua obra Ideograma Lógica,
Poesia e Linguagem (2000); Augusto Jordan, que, em sua obra Um caminho para o
Zen (2002), mostra toda uma cronologia da arte Sumie, sua origem, materiais e
técnicas, além da sua ligação com o Taoísmo; Harnold Osborne, em Estética e
teoria da arte (s/d), e Yu-t’ang Lin, em A sabedoria da Índia e China (1955), que
trouxeram contribuições significativas para a compreensão de uma estética chinesa,
além de uma abordagem da cultura desse país.
17
Capítulo 01. China – mais de três mil anos de história, tradição e cultura
A China aparece desde cedo na história das civilizações humanas a
organizar-se enquanto nação. Podemos começar a transcrever a história da China
em um período, cerca de cinco mil anos atrás, na qual várias tribos surgiram na
região do Rio Amarelo, considerando o chamado período “Neolítico Chinês”. Dentre
essas várias tribos, a Hia e os Miao destacaram-se, alternando o poder por quase
mil anos.
Durante esse período, essas tribos sabiam trabalhar com o bicho da seda,
produziam peças em jade e bronze, além de desfrutarem do sabor do chá.
Conta a lenda que Shen Nung, um dos líderes de uma das tribos,
havia mandando ferver água em uma vasilha. Nesse instante uma rajada de
vento derrubou folhas de camélia em sua água já fervida. Curioso, ele
tomou a bebida e a aprovou. O chá foi descoberto... e popularizado por
todas as tribos da China. (ROSA, 2002, p. 12)
Com a constante troca de poderes, o primeiro reino demorou cerca de mil
anos para ser formado, aproximadamente 3.600 anos. Assim, de 1.600 a.C. até
1027 foi criada a primeira Dinastia, a Dinastia Shang. É nesse período, segundo
ROSA (2002), que surgiu uma das mais interessantes contribuições chinesas ao
mundo: sorvete! Que, por deleite dos nobres em consumir pasta de arroz e leite, e
colocada na neve ficava sólida e com um sabor extraordinário. Tanto que, durante o
período do verão, construíram frigoríficos subterrâneos com grossas paredes feitas
de pedra para armazenar a neve e conservar o sorvete.
Mesmo que ainda seja complexo identificar uma identidade nacional chinesa,
esse país demonstra um pioneirismo notável em áreas como a arte e a ciência. Em
cerca de 1000 a.C, a China consistia em um conjunto complexo e intrincado de
reinos de pequenas dimensões. Em 221 a.C. esses reinos foram anexados ao
estado Qin, dando início à Dinastia
1
Qin.
1
Dinastia é o tempo contado em anos de permanência de um soberano no poder que se inicia a
partir da posse e termina com a sua morte, a nova contagem reinicia-se com a posse de seu
sucessor, que pode ser o filho ou fragmentar-se num conjunto de monarcas (como reis e
imperadores) oriundos de uma mesma família, que detêm direitos sobre o trono de um país.
18
Na história da China, ao longo dos séculos, verifica-se períodos de união e de
desunião, em um movimento pendular. No século XVIII, a China experimentou um
progresso tecnológico acentuado em relação aos outros povos da Ásia Central,
ainda que tivesse perdido terreno, se comparada à Europa. Os acontecimentos do
século XIX, em que a China tomou uma postura defensiva em relação ao
imperialismo europeu, ao mesmo tempo que estendia o seu domínio sobre a Ásia
Central, podem ser explicados sob esse ponto de vista. De acordo com isso,
podemos observar as conhecidas Guerras do Ópio, Rebelião Taiping e Levante dos
Boxers.
No início do século XX, o papel desempenhado pelo Imperador da China
desapareceu em 1912, com a proclamação da república por Sun Yat-sen, e
posteriormente com a China a entrar em período de desagregação devido à Guerra
Civil Chinesa.
Quando se fala em imperador, estamos nos referindo a todo o soberano da
China Imperial que reinou desde a dinastia Qin em 221 a.C. até a queda da dinastia
Qing em 1912. Os imperadores eram chamados de "Filhos do Céu", que foi um título
criado durante a dinastia Shang, além de ter sido reconhecido como o dirigente de
“tudo sob o céu”, isto é, todo o mundo. Caso acontecessem desastres naturais, seca
e fome durante o mandato de um imperador, isso era justificado pelo fato de que o
imperador podia ter perdido o "mandato do céu", justificando-se rebeliões. Para
evitar isso, o imperador frequentemente fazia orações aos ancestrais e aos deuses
para ter um mandato tranquilo. Era a integridade moral e a liderança benevolente
que determinaram o suporte do “mandato do céu.”
Os períodos em que reinavam os imperadores, sempre membros de uma
mesma família, foram classificados, pela história, como dinastias. A maioria dos
imperadores da China foram geralmente membros da afiliação étnica Han, mas
também existiram imperadores etnicamente mongóis, como na dinastia Yuan.
O termo comum utilizado na cultura chinesa, para referir-se ao imperador,
termo esse também utilizado por sua própria mãe, deveria ser Huangdi (Imperador),
ou simplesmente Er (Filho). O imperador jamais deveria ser chamado por "você".
Qualquer um que necessitasse falar com o imperador deveria chamá-lo de Bixia,
correspondente a “Sua Majestade Imperial”, Huang Shang (literalmente: Imperador,
19
dentre outras traduções), zi tian (literalmente: o Filho do Céu), ou Sheng Shang
(literalmente: a Alteza Acima ou Santidade Divina). Os empregados frequentemente
reconheciam o imperador como Wan Sui Ye (literalmente: Senhor de Dez Mil Anos).
O título de Imperador era hereditário, sendo o filho mais velho o primeiro
sucessor, entretanto, no caso de a imperatriz não ter um filho homem, poderia
adotar uma criança, a fim de ser o sucessor. A lista dos imperadores chineses está
no anexo 5.
Atualmente duas regiões que reclamam, formalmente, para si o nome de
China: a República Popular da China e o Governo pré-revolucionário da República
da China, que administra Taiwan e várias pequenas ilhas de Fujian.
Figura. 01 – Mapa da China
Imagem: www.asia-turismo.com/mapas/china.htm
20
1.1 As Dinastias
Ao longo de sua história, a China foi governada por uma sucessão de
dinastias. As dinastias chinesas, como a Han, dominaram por muito tempo, mas
também houve dinastias estrangeiras, como Yuan
2
e Qing
3
.
Segue quadro cronológico das dinastias chinesas, com período de ocupação,
nome e, para fazer relação com o trabalho, o que acontecia com as artes em cada
período.
DATAS PERÍODOS ARTE
3000 a.C. a 1523 a.C Culturas Neolíticas
Cerâmica. Estatuetas com formas humanas.
Habitações de plantas quadradas e circulares.
1523 a.C. a 1028 a. C.
Dinastia Shang
(idade do Bronze)
Vasos de Bronze decorados. Esculturas em
mármore, calcário e jade.
1028 a.C. 221 a. C.
Dinastia Chou
(Reinos Combatentes e
Taoismo)
Bronzes menos trabalhados. Peças decoradas
com figuras de animais.
221 a.C. a 206 a. C.
Dinastia Ch’in
(Unificação da China)
Construção da Grande Muralha da China.
Abolida a filosofia de Confúcio.
206 a. C. a 221 Dinastia Han Arte essencialmente funerária.
221 a 265 Três Reinos
Retraimento artístico e cultural em função de
crise político – social.
265 a 420 Dinastia Ch’in
Reconstitui-se a unidade nacional.
Aparecimento do primeiro grande pintor chinês:
Ku-K’ai-chih. (344/406).
420 a 579
Seis Dinastias
(Budismo)
Grandiosos complexos rupestres. Esculturas.
579 a 618
Dinastia Sui
(Reunificação do Império)
Inúmeras obras de arquitetura.
618 a 906 Dinastia T’ang
Grande desenvolvimento artístico em função do
comércio. Pintura de caráter paisagístico. Início
da imprensa, o primeiro livro chinês, primeira
ópera. Desenvolvimento dos fogos de artifício, a
pintura e a xilogravura. O apogeu do Budismo e
o comércio com a Arábia e a Pérsia.
906 a 960 Cinco Dinastias Templos rupestres. Cerâmica refinada.
960 a 1279 Dinastia Sung
Pintura da escola budista, a pintura e a
literatura, o Sumie. Novas técnicas de cerâmica.
Pagodes de pedra e tijolo.
1279 a 1368
Dinastia Yüan
(Mongólia)
A pintura torna-se o gênero artístico mais
importante.
1368 a 1644
Dinastia Ming
(Restauração da unidade
política)
Fim do período Antigo Chinês.
1644 a 1912 Dinastia Ch’ing
Influência ocidental. Porcelana policromada.
Desenvolvimento da arquitetura
1912 a 1949 Instauração da República
Assimilação de técnicas ocidentais através do
Japão.
1949 em diante República Popular
Tendências pictóricas divididas: escola
tradicional e escola realista.
2
Dinastia Yuan: Durante o século XIII, os mongóis invadiram a China a partir do noroeste. Kublai
Khan, chefe dos mongóis, fundou a dinastia Yuan.
3
Dinastia Qing: A 'dinastia Qing', por vezes conhecida como a dinastia Manchu, foi fundada pelo clã
Manchu Aisin Gioro em 1644.
21
Dentre esse quadro, a Dinastia Sung é que será analisada, devido ao fato de
a Arte Sumie ter sido aprimorada e bem desenvolvida nesse período.
1.2 O Imperialismo
A China foi durante muito tempo comercialmente assediada pelos países
europeus com inúmeras tentativas de estabelecer um comércio fixo com o Reino
Celestial, com isso, indicavam o desejo por mercadorias chinesas, tais como: seda,
porcelana e chá. Contudo, o império Manchu nunca viu com bons olhos uma
possível relação comercial com a Europa, e sua posição sempre foi de quase total
fechamento ao mercado externo.
Essa falta de confiança nos europeus ficou evidenciada pelas poucas
transações comerciais existentes, que eram autorizadas em alguns poucos portos
ao Sul, principalmente em Cantão.
Esse foi o panorama que vigorou ao início do século XIX, período marcado
pela expansão da industrialização europeia, e, consequentemente, pelo surgimento
das grandes potências imperialistas.
Infiltrando-se na Índia, através da Companhia Britânica das Índias Orientais, a
Inglaterra descobriu uma maneira de acabar com o protecionismo da China.
Adjacente ao território chinês, e, sendo a maior produtora de ópio do período, a Índia
tornou-se fornecedora do produto que arruinou o isolamento comercial do império
Manchu. Esse entorpecente logo transformou-se em uma praga entre chineses, e
seu contrabando foi considerado muito lucrativo para a Inglaterra, principalmente, à
medida que virou moeda de troca para obtenção de mercadorias chinesas.
Contudo, a Inglaterra, investindo no comércio do ópio no território chinês,
conseguiu apenas uma parte de seus objetivos, pois suas pretensões eram maiores
e não se resumiam apenas ao comércio dos apreciados produtos chineses, como
porcelana, por exemplo.
Com o tempo, o ópio começou a provocar vários malefícios na população
chinesa, exigindo assim uma atitude do governo Manchu a esse produto, que tanto
prejudicava seu povo. Em 1839, o imperador chinês mandou executar uma política
22
sistemática de confisco do ópio contrabandeado no porto de Cantão, assim como a
prisão e expulsão de seus principais mercadores.
Com essa reação, a China havia oferecido à Inglaterra tudo o que ela mais
precisava para subjugar o território chinês ao seu mando, ou seja, simplesmente
havia servido de pretexto para a pequena ilha declarar guerra ao território
continental da China. Desse episódio, resultou na famosa I Guerra do Ópio.
Exibindo uma invencível superioridade bélica, a Inglaterra rapidamente
aniquilou o poderio chinês, forçando o imperador Manchu à rendição.
Consequentemente, o governo imperial da China foi constrangido a assinar o
Tratado de Nanquim, que colocou fim definitivo no embate, em 1842. Esse
humilhante tratado obrigou a China a abrir cinco portos, em caráter permanente,
sendo esses: Xangai, Ningpó, Fu-tcheu, Amói e Cantão. Além disso, foram
obrigados a regular as tarifas de comércio e, ceder a cidade de Hong Kong aos
comerciantes ingleses, pelo tempo de 100 anos.
Para a Inglaterra, esse tratado assumiu o primeiro passo para suas grandes
pretensões de transformar a população chinesa em um grande mercado
consumidor, no qual os milhares produtos industrializados seriam comercializados.
No entanto, o mercado existente na China era para o ópio e não para os outros
produtos britânicos. Para a China, o Tratado de Nanquim representou a abertura de
precedentes para outras nações de caráter imperialista e perda de parte de sua
soberania.
A perda de interesse nos cinco portos abertos anteriormente tornou-se
evidente, a miragem do mercado inesgotável continuava, logo, novos pretextos
foram arrumados para se estabelecer mais duas Guerras do Ópio, travadas em 1856
e 1858, com apoio da França aos britânicos.
Por causa desses dois combates, novos tratados foram assinados,
evidenciando ainda mais a perda da soberania chinesa sobre seu território. Nesses
tratados, foi estabelecida a abertura de mais de 11 portos, jurisdição autônoma para
os processos estrangeiros, liberdade de ão para as missões cristãs, direito de
manutenção de representantes permanentes nas alfândegas chinesas, entre uma
série de outros direitos que feriam o governo chinês.
23
Consequentemente, esses tratados produziram na China um grande impacto
negativo sobre sua produção artesanal, causando desemprego e fome, uma maior
repressão à população camponesa, monopólio da educação pelas missões
francesas, e, o mais importante, a perda praticamente total da soberania do governo
chinês sobre seus territórios.
Pode-se resumir esse processo por meio das palavras de Marx, ao concluir
que:
A primeira condição de preservação da Velha China era seu total
isolamento. Uma vez que a Inglaterra deu fim brutal a esse isolamento, a
decomposição sobrevirá com a mesma inexorabilidade de uma múmia
retirada do hermético sarcófago em que estava preservada e exposta ao ar
livre. (KARL MARX, IN: REVOLUTION IN CHINA AND IN EUROPA, 1853)
É óbvio que essa condição vexatória na qual a China se encontrava com a
perda da sua soberania levou a revoltas de caráter nacionalista. O principal
movimento contra o imperialismo europeu na China é conhecido como Levante dos
Boxers. Esse movimento parte de uma associação secreta, a Sociedade
Harmoniosos Punhos Justiceiros, também conhecida como Sociedade dos Boxers,
presente no norte do país. Apesar dos esforços do governo para suprimi-la durante o
século XIX, a Sociedade dos Boxers conta com o apoio popular crescente e
promove rebeliões e atentados contra estrangeiros e missionários cristãos. Porém,
todos os esforços tornaram-se vãos e o levante foi abafado pelo exército, formado
por tropas ocidentais e japonesas.
Por outro lado, fizeram alianças consistentes com o governo de
Qing para controlar o caos social, principalmente na famosa rebelião dos
Boxers, em 1900, quando os Estados Unidos e, em menor proporção, as
demais delegações ocidentais conseguiram ajudar o exército chinês a
debelar essa revolta com seus fuzileiros navais. O que os ocidentais
queriam era atender aos próprios interesses comerciais na China, e para
isso sabiam que tinham que manter a China unida.
Mas dois acontecimentos impediram o sucesso dos ocidentais na
China. Primeiro, em 1911, a dinastia Qing finalmente entrou em colapso e a
China, num período de caos total. Segundo, em 1914, o arquiduque
Ferdinando foi assassinado em Sarajevo, e a Europa também entrou em
caos com a Primeira Guerra Mundial. (CHUNG, 2005. p. 56)
Portanto, com esse breve resumo da história da China no século XIX, fica
evidenciado que as políticas de expansão de poder ou dominação de um Estado ou
24
sistema político sobre outros, conhecida como Imperialismo, e na forma de
expansão, realiza-se por meio da conquista ou anexação de territórios, pelo
estabelecimento de protetorados e, principalmente, pelo controle de mercados ou
monopólios. A política imperialista não tem como objetivo a expansão territorial e sim
a ampliação do mercado por via de uma política econômica liberal. Por sua vez,
pode-se perceber que essa política envolve sempre o uso da força e tem como
consequência a exploração econômica, em prejuízo dos Estados ou povos
subjugados. Além de exibir o Imperialismo, a história chinesa no século XIX mostra o
discurso nacionalista sendo assimilado pelos povos dominados, ou seja, pelas
nações economicamente fracas. Com a China oitocentista, pode-se perceber um
discurso atual, no qual o nacionalismo é apresentado como fundamento para
opressão, ou seja, mostra um discurso que, ao nível externo, resulta no
expansionismo, mas ao nível interno resulta em xenofobia.
A China ia, mais uma vez, aumentar o seu território: a dinastia
efêmera dos Suei foi destronada pela dos Tang, não menos ambiciosos; as
conquistas continuaram e o Império Chinês adquiriu uma nova forma de
supremacia, comparável à da época Han. Os soberanos Tang, guerreiros,
diplomatas e protetores das artes, inauguraram uma nova era de poderio
político e criador (618-907)
[...] derrotou os Turcos, que tentavam apossar-se de Chang An,
capital ocidental. As conquistas e os tratados deram-lhe o controle das
cidades dos sis da Ásia Central, [...] onde se tornaram oficiais do exército
chinês; [...]. (UPJOHN, 1966. p. 139)
1.3 A República
Para sufocar a rebelião, organizou-se uma internacional
colonialista, uma tropa composta por 20 mil soldados (japoneses, russos,
ingleses, americanos, franceses e depois por alemães) foi enviada para
ocupar a sede imperial, onde penetrou em 14 de agosto de 1900. Os
boxers, abandonados pela imperatriz viúva Tsisi, foram cruelmente
sufocados e suas lideranças decapitadas. "Arrasem Pequim!" - que
seguissem o exemplo de Átila! essa foi a recomendação do imperador
Guilherme II da Alemanha aos oficiais que partiam para a China. Depois
dessa aberta e brutal intervenção militar, o outrora orgulhoso Império
Celestial definitivamente tornara-se a "colônia de todas as metrópoles".
Para inflamar ainda mais as autoridades do império, os colonialistas
obrigaram a que fossem chineses os carrascos que executaram as
sentenças de morte dos principais líderes da rebelião de 1900.
(SCHILLING, s/d, s/p.)
25
O colapso do regime Manchu chega a seu fim com a deposição da dinastia
Ching, que fora uma dinastia que reinava na China desde o século 17, tendo seu
último representante o imperador-menino Puyi, que foi afastado por um golpe sem
derramamento de sangue. Tudo parecia indicar que a China entrara, ainda que
lentamente, no rol das nações modernas com a adesão ao regime republicano.
A imperatriz viúva Cixi era a verdadeira governate durante os
reinados de Tongzhi e Guangxu. Ela começou a reinar dos bastidores
depois de um golpe que planejou em 1861, e manteve o poder, reinando por
mais de 40 anos.
Puyi tinha apenas três anos de idade quando ascendeu ao trono.
Em 1911, na revolução liderada por Sun Yat-sen, a corte Qing empregou
Yuan Shikai, que teve grande poder militar, para ajudar a combater os
revolucionários. Entretanto, Yuan Shikai auxiliuo Sun Yat-sen a forçar Puyi a
abdicar do trono. Puyi tinha, então, apenas seis anos de idade.
(CHUNJIANG, 2007. p. 29)
Frustrados com a resistência da corte Qing em reformar o país e a fraqueza
da China, jovens funcionários, oficiais militares e estudantes, que foram inspirados
nas ideias revolucionárias de Sun Yat-sen, começaram a defender e a exigir a
derrubada da Dinastia Qing, além da proclamação da república. Um levante militar,
conhecido como Levante Wuchang, iniciou-se em 10 de outubro de 1911, em
Wuhan, e levou à formação de um governo provisório da República da China em
Nanquim, em 12 de março de 1912.
O presidente provisório Sun Yat-sen, porém, não conseguiu manter-se
efetivamente no poder, renunciando em 15 de fevereiro de 1911. Para decepção
geral, assume a presidência o despótico general Yaun Shin-kai, que acabara por
fazer maiores concessões aos estrangeiros devido ao escasso apoio interno e à
desorganização geral do país. O desalento da intelectualidade com o movimento
republicano de 1911 está espelhado no conto de Lu Sun "Verdadeira história de Ah
Q" (1986), na qual ele o descreve como um acontecimento confuso, promovido por
charlatães em que somente gente ignorante e crédula termina perdendo a vida. O
desaparecimento do poder central acelerou a proliferação, pela China afora, das
trágicas e corrompidas figuras dos senhores da guerra (tukiuns), déspotas locais que
possuem exércitos privados, que ao mesmo tempo em que tiram os camponeses,
lutam entre si, em uma revivência das guerras feudais europeias.
26
Desde a morte de Yuan, o impopular general-presidente, e o surgimento do
novo "homem forte", o general Chiang Kai-shek (a partir de 1926), o país encontrou-
se destruído pelos conflitos internos. Aproveitando-se dessa situação e da guerra
que eclode na Europa em 1914, o Japão obriga a China e aceitar as "21 petições"
que é mais um árduo processo sem fim da amargura nacional.
Sun Yat-sen viu-se obrigado a entregar o poder a Yuan Shikai, que era
comandante do Novo Exército constituído de tropas chinesas treinadas, equipadas e
preparadas à maneira ocidental e fora também primeiro-ministro durante a era Qing,
como parte do acordo para que o último monarca Qing abdicasse do poder.
Nos anos que se seguiram, Shikai, de forma despótica aboliu as assembleias
nacionais e provinciais, além de se declarar imperador em 1915. Suas ambições
imperiais encontraram forte oposição de seus subordinados, de modo que terminou
por abdicar, morrendo em 1916 e deixando um vácuo de poder na China. Com o
governo republicano arruinado, o país passou a ser administrado por coalisões
variáveis de chefes militares provinciais.
Nos anos 1920, Sun Yat-sen consegue estabelecer uma base revolucionária
no Sul da China e lançou-se à unificação de seu fragmentado país, com auxílio
soviético, ele aliou-se ao Partido Comunista da China (PCC). Após a sua morte em
1925, um de seus protegidos, Chiang Kai-shek, assumiu o controle do Kuomintang
(Partido Nacionalista, ou KMT) e desfrutou do direito de reunir sob seu governo a
maior parte do Sul e do centro da China em uma campanha militar conhecida como
a “Expedição do Norte”.
Após derrotar os chefes guerreiros daquelas regiões, Chiang Kai-shek obteve
dos líderes do Norte a fidelidade nominal e, em 1927, voltou-se contra o PCC e
expulsou os exércitos comunistas e seus chefes de suas bases no Sul e no Leste da
China. Já nos anos de 1934, as tropas do PCC lançaram-se a Longa Marcha através
da região mais inóspita da China, a Noroeste, que estabeleceram uma base
guerrilheira em Yan'an, na província de Shanxi.
Durante a Longa Marcha, os comunistas reorganizaram-se sob um novo
chefe, Mao Tse-tung e o conflito entre o KMT e o PCC continuou, aberta ou
clandestinamente, ao longo dos catorze anos da invasão japonesa, apesar da
aliança nominal entre ambos os partidos para se opor aos japoneses em 1937.
27
A guerra civil chinesa continuou após a derrota do Japão na Segunda Guerra
Mundial em 1945. Em 1949, o PCC já ocupava a maior parte do país.
Chiang Kai-shek refugiou-se, com o resto de seu governo, em Taiwan, na
qual declarou Taipé a capital provisória da República da China, confirmando seu
propósito de reconquistar a China continental.
Com a proclamação da República Popular da China (RPC), em 1 de outubro
de 1949, o país viu-se novamente dividido entre a RPC, no continente, e a República
da China (RC), em Taiwan e outras ilhas. Cada uma das partes considera-se o único
governo legítimo da China e denuncia o outro como ilegítimo.
Considerando a década de 60, no ano de 1965, surge o chamado Livro
Vermelho, que continha citações de Mao Tse-tung, tornando-se assim uma “bíblia”
para os seguidores do líder chinês. Seu poder é tão grande, que até mesmo os
analfabetos encontram estímulos para aprender a ler, só para ler o Livro Vermelho.
em 66, os ideais comunistas ainda tentavam se fortalecer, o que ocorreu durante
a chamada Revolução Cultural
4
, que tinha como objetivo afastar a todos aqueles que
resistiam ao novo regime republicano. Por volta dos anos de 1980, Deng Xiaoping
(1904-1997) inicia a mudança social e política, abrindo a economia chinesa para o
mundo Ocidental, assim, direcionando-a a um crescimento tecnológico.
4
Revolução Cultural: Mao Tse-tung e seus aliados criam o movimento, que durante uma década
procura manter o espírito revolucionário e um estado de luta e superação entre os chineses.
28
Capítulo 02. A escrita chinesa
Ao se falar em escrita, como em qualquer lugar, é necessário que exista
algum objeto que transforme o pensamento em algo visual. Com esse intuito, o ano
de 215 a.C. fica marcado por um chinês, Mong T’ian, que inventou um tipo de pincel
feito de bambu.
Com extrema destreza e delicadeza, o pintor chinês escrevia e desenhava
sobre rolos de seda usando nanquim como tinta. Para ROSA (2002, p. 26), “Para se
apreciar as palavras e os desenhos escritos, o rolo de seda era desenrolado
lentamente, para que se pudesse observar com cuidado o seu conteúdo.”
Um século depois, 105 a.C., o valor da seda ficara demasiadamente caro,
trazendo a necessidade de algo mais barato para a escrita, pois estava muito
oneroso utilizar a seda como “papel”. Um oficial da corte, de nome T’sai Lun,
anuncia ao imperador a descoberta de um método pela qual poderia fabricar um
material novo para a escrita, e muito mais barato.
Esse método consistia em prender uma tela de seda sobre um bastidor de
bambu, um suporte para se prender a seda, aplicava uma mistura de fibras vegetais,
farrapos de algodão a redes de pesca com água e cola vegetal. Essa massa era
aplicada e posteriormente retirava-se o excesso de água deixando secar ao sol, todo
esse processo forma outro grande sucesso chinês, o papel. A partir desse processo,
a escrita chinesa passou a ser mais praticada, favorecendo o seu aperfeiçoamento.
A escrita chinesa, adotada em quase todos os países do leste asiático, é
baseada em símbolos gráficos que representam uma ideia. Por conta disso, são
conhecidos como IDEOGRAMAS. Cerca de 15.000 ideogramas compõem o que
podemos chamar de conjunto completo. Esses ideogramas podem ser agrupados
em torno de quatro conjuntos, denominados "classes".
A Escrita Chinesa, cuja existência é comprovada por textos com quatro mil
anos, sofreu nas suas formas gráficas uma longa evolução, particularmente desde
que o emprego da pena de escrever deu aos signos e símbolos um aspecto peculiar,
com ângulos.
No início, a escrita chinesa era ideográfica, traduzindo ideias e não sons.
Entretanto, para traduzir palavras abstratas cuja transcrição gráfica era impossível,
29
os chineses recorreram aos ideogramas de objetos concretos, correspondente na
língua a uma palavra com o mesmo som. Desse modo um elemento fonético
penetraria na escrita ideográfica.
Os chineses utilizavam os chamados ideogramas para poder escrever
palavras ou ideias inteiras, sendo que muitos ideogramas são símbolos do que se
quer escrever, como “meio”, “porta”, “árvore”, “montanha, entre outros.
Figura 02 – Ideograma para árvore
Artista: Cledson Lopes
Figura 03 – Ideograma para montanha
Artista: Cledson Lopes
30
Figura 04 – Ideograma para meio
Artista: desconhecido
2.1 A origem
A escrita chinesa é uma das mais antigas e a mais utilizada do mundo cuja
invenção promoveu o desenvolvimento da cultura chinesa e influenciou o
desenvolvimento da cultura oriental. Nas milenares ruínas de Banbo, foram
encontrados sinais de 50 tipos de escrita chinesa. Eles eram reordenados e
padronizados, contando assim com características de hieróglifos simples. Para
especialistas, tais sinais foram brotos da escrita chinesa.
A escrita chinesa foi sistematizada no século 16 a.C durante a Dinastia
Shang. Os registros históricos comprovam que no início dessa dinastia, a civilização
chinesa se encontrava em um estágio muito avançado, o que se pelo
surgimento das inscrições em ossos ou carapaças de tartaruga. Na Dinastia Shang,
os ossos e carapaças de tartaruga eram muito utilizados em rituais religiosos. O
imperador, por exemplo, utilizava-as em sessões voltadas às premonições sobre o
futuro. Os traços e sinais dos ossos e carapaças eram interpretados como
prenúncios da sorte ou do azar. Algumas peças foram arquivadas porque seus
sinais foram identificados com algum evento ou acontecimento que não pode ser
identificado.
A China possui um acervo de caracteres escritos com mais de 160 mil peças.
Poucas, no entanto, sobreviveram intactas ao tempo. Algumas portam 4.000
31
caracteres de todo tipo de escrita chinesa, dos quais, mais de 3.000 já foram
comprovados por arqueólogos. Mas, apenas aproximadamente mil foram decifradas
por especialistas. A maioria registra passagens da vida política, econômica e cultural
da dinastia Shang. Depois das inscrições em ossos e carapaças de tartaruga, a
escrita chinesa evoluiu para as peças em cobre ou outros materiais.
O processo de evolução da escrita chinesa, depois de rias fases e formas,
finalmente fixou os traços fundamentais, tais como traços horizontais, verticais,
inclinados. A escrita regular, ou “letras de molde” tornaram-se o padrão da escrita
chinesa. A escrita chinesa baseia-se em hieróglifos, contando com mais de dez mil
caracteres, porém, dos quais, mais de três mil são mais usados e formam palavras e
frases bem diversificadas.
A escrita chinesa exerceu profundas influências nos países vizinhos. Segundo
registros, as escritas do Japão, Vietnã e Coreia foram desenvolvidas a partir da base
da escrita chinesa.
Figura 05 – Princípio da escrita
Imagem: portuguese.cri.cn/.../chapter140507.htm
32
Figura 06 – Princípio da escrita
Imagem: portuguese.cri.cn/.../chapter140507.htm
33
Figura 07 – Princípio da escrita
Imagem: portuguese.cri.cn/.../chapter140507.htm
34
Figura 08 – Quadro evolutivo da escrita chinesa
Foto: Fabricio Pereira Korasi
Fonte: Exposição no Memorial da América Latina (2008)
35
2.2 A Caligrafia
Figura 09: Caligrafia
Artista: Anita, 2007
Durante a Dinastia Tang, a caligrafia e a literatura foram muito
valorizadas. A hoje os estudantes chineses possuem os chamados
“quatro tesouros do estudo wen fang szu pao”; um pincel de bambu ou
junco, a tinta em bastão, o papel e uma pedra tinteiro para produzir a
caligrafia da escrita chinesa com precisão e beleza.
O escritor usa uma tinta em bastão sólido, feito de fumaça de óleo ou
fuligem de pinho queimado misturados com goma. O artista desfaz o
bastão misturando-o com água dentro da pedra tinteiro e obtém a tinta para
escrever.
O livro: O livro mais antigo chinês chama-se Diamante Sutra e foi
escrito em 868. Wang Chieh escreveu o discurso de Buda ao discípulo
Subhuti. (ROSA, 2002, p. 32)
A caligrafia chinesa, ou shūfǎ, possui em seus caracteres traçados cinco estilos
históricos. Normalmente todos são realizados com pincel e tinta e de forma precisa.
Esses estilos estão ligados intrinsecamente à história da escrita chinesa. Além
dessa escrita por meio dos chamados ideogramas, percebemos que, em muitos
quadros ou pinturas, os artistas colocam textos junto às obras, não como uma
descrição técnica, mas como um texto que tem relação com a pintura.
36
Figura 10 – Pintura com escrita
Pintor: Zha Shibiao (1615 - 1698)
Com nome de Estilo do Selo, o mais antigo dos estilos de caligrafia teve seu
apogeu na dinastia Qin, 221-206 a.C., o que corresponde a uma adaptação dos
caracteres tal como eram gravuras, que são pintados sobre bronze ou pedra.
37
As linhas são finas e pontiagudas nos extremos, a curvatura não está
excluída, a forma dos caracteres é relativamente livre, pois esse tipo de traço não
segue as pautas das quais se fala nos demais estilos e que são essencialmente
devidas ao pincel. Os caracteres ainda estão bastante perto do pictograma e sua
forma nem sempre pode ser deduzida da forma moderna, já que são formas antigas
que sofreram várias alterações até chegar à sua forma atual. Portanto, tem-se de
aprender o traço dos caracteres individualmente e sua leitura não é possível para
aqueles que não compreendem a ligação da caligrafia com a espiritualidade pois
não conhece mais que os caracteres modernos.
A caligrafia chinesa tem sido aclamada como arte da palavra, dança
emotiva da linha, música sem som e desenho sem cor. Por isso, a caligrafia
também é chamada de dança da tinta.
Em caligrafia, há vários estilos de escrita. Dentre eles há selo,
oficial, comum, corrido e andante. Cada estilo tem suas características
específicas. (CHUNJIANG, 2007. p.126)
A caligrafia chinesa é composta de cinco estilos diferentes, mas que se
completam. O estilo oficial, também chamado de Lishu, são caligrafias achatadas e
em formas de blocos. O estilo comum, ou Kaishu, são escritos em forma de
quadrados regulares, com os traços cheios e muito belos. Esse estilo de caligrafia
surge durante a dinastia Tang, com seus três maiores calígrafos: Yan Zhenqing, Liu
Gongquan e Ouyang Xun.
O estilo corrido, ou Caoshu, possui expressivas linhas que dão a sensação de
dança com a vida e entusiasmo, sendo altamente artísticas, seus maiores
representantes da dinastia Tang são Zhang Xu e Hai Su. O estilo andante, Xingshu,
é uma combinação entre os estilos kaishu e caoshu. Seu maior expoente é Wang
Xizhi
5
, da dinastia Jin Oriental, ele também era conhecido na época como sábio da
caligrafia.
5
Wang Xizhi O sábio da Caligafia: Wang Xizhi, da dinastia Jin Oriental, é considerado o maior
calígrafo da história chinesa e aclamado como sábio da caligrafia. Diz-se que ele passou 20 anos
praticando caligrafia e, depois de cada sessão de prática, lavava seu pincel na lagoa que havia perto
de sua casa. Com o passar do tempo, a água da lagoa foi se tornando enegrecida. Ela, mais tarde,
tornou-se conhecida como Lagoa de Tinta. Seu filho, Wang Xianzhi, foi também um calígrafo
destacado, e eles são conhecidos pelas gerações posteriores como os Dois Calígrafos Wang.
(CHUNJIANG, 2007)
38
Figura 11: Li Shu – Dinastia Han 206 B.C. - 220
Fonte: www.q-and-x.org/developmentofchinesecalligraphy2
Figura 12: Escrita Kaishu – Imperador Huizong (1110-1126) dinastia Song
Fonte: National Palce Museum, Taipei
39
Figura 13: Caoshu - Han Dynasty [ 206 B.C - 220 A.D. ]
Fonte: www1.chinaculture.org/.../24/content_41954.htm
40
Figura 14: Xingshu by Wang Xizhi (303-361 Dinastia Jin)
Fonte: topren.net/.../culture/calligraphy/calligra.html
O outro estilo conhecido é o do Selo, ou Zhuanshu, durante as dinastias Qin e
Han, sendo eles longos e curvos. Dentro do estilo do Selo, podem-se distinguir dois
tipos de caracteres, o Grande Selo (dàzhuàn) e o Pequeno Selo (xiǎozhuàn). O
primeiro é o mais antigo, irregular e o menos cuidado, que remonta ao século IX a.C.
e deriva diretamente de caracteres arcaicos jiǎgǔwén, sob a dinastia Shāng e jīnwén
sob os Xī Zhōu, respectivamente "escrita de oráculos sobre osso" gravada sobre
conchas de tartaruga para a adivinhação do futuro e "escrita sobre bronze" sobre
bronzes litúrgicos.
41
O Pequeno Selo é uma padronização e um aperfeiçoamento do Grande Selo
que data da Dinastia Qin, cujo modelo deve-se ao primeiro ministro de Qin
Shǐhuáng, Lǐ Sī (c. 200 a.C.). O Pequeno Selo, substituído por estilos mais simples e
regulares, origina-se nos usos dos Hàn (de 206 a 220 a.C.) para mais tarde tornar-
se um estilo puramente caligráfico solene sob os Táng (618 - 907).
Figura 15 – Orakelknochen – Osso oracular
Autor: Lǐ Sī - c. 200 a.C
42
Figura 16 - c. 221 a.C.
Autor: Lǐ Sī
Figura 17 – Caligrafia regular
Autor: Ouyang Jun (557-641)
43
Capítulo 03. A Religião chinesa
A civilização oriental estava em ascensão enquanto os antigos chineses
dominavam a natureza, descobriam técnicas, sabiam como se expressar e também
criavam suas teorias filosóficas. Essas teorias acabaram por gerar um pensamento
do equilíbrio e do significado.
Desde que a civilização chinesa estruturou-se ao redor do Rio Amarelo,
enfrentando e superando as dificuldades de construção de um povo e ambientais,
buscaram um equilíbrio interno e também o significado da vida. Para tanto sua
evolução foi construída também pelas artes, que foram constituídas com seus
próprios recursos, sem copiar de outras civilizações vizinhas.
A religião chinesa não pode ser considerada como uma religião única, ao
mesmo modo que o judaísmo ou o islamismo e sim uma religião constituída de
muitas religiões e filosofias diferentes.
As religiões mais conhecidas são o Confucionismo, o Taoísmo e Budismo,
dentre outras que também compõem a vasta gama de religiões dentro da China. O
confucionismo, cujo nome derivou de seu fundador (ver anexo 1), e o Taoísmo (ver
anexo 3). Ao lado delas, a religião popular é tão extensamente praticada que,
embora seja ainda mais diversificada, constitui-se como sendo um quarto caminho.
A população chinesa em geral não sente que devam aceitar determinada religião ou
filosofia e rejeitar as demais, mas sim, que eles devam escolher aquela que parece
ser mais conveniente ou proveitosa - seja no lar, na vida pública ou em um dos ritos
de passagem. Apesar de o Confucionismo e o Taoísmo serem consideradas
religiões chinesas, ambas têm o seu início como filosofias. Confúcio, do mesmo
modo que seus sucessores, não deu importância aos deuses e voltou-se para a
ação.
Segundo Confúcio: “Todo aquele que diante de um ganho eminente pensa em
igualdade; aquele que diante do perigo está preparado para sacrificar sua própria
vida; e aquele que não esquece um velho acordo independentemente do tempo em
que ele foi firmado - esse deve ser reconhecido como alguém completo.”
44
O Confucionismo foi um dos mais importantes aspectos da vida chinesa
durante os períodos de 100 a.C. a 1900, influenciando várias áreas como a
educação, a cultura, as artes e o governo, além de orientar o comportamento social
e os deveres do indivíduo em relação à sociedade.
Seu sistema moral é baseado na empatia e na compreensão. É centrado em
três conceitos, denominados li ou “ação ideal”, yi ou “honradez”, e ren ou
“compaixão humana ou empatia”. De acordo com o Confucionismo, uma vida boa e
obediente só poderia surgir em uma sociedade bem disciplinada, que valoriza a
cerimônia, o dever, a moralidade e o serviço público.
Confúcio ensinou o valor do poder e acreditava que a solidez da lealdade
familiar, o culto aos ancestrais, o respeito pelos mais velhos e a unidade familiar
formavam a base de um bom governo. Em um de seus ditados, conhecido como
“Regra de Ouro”, ele declara que “um homem deve praticar o que prega, mas
também deve pregar o que pratica”.
Suas opiniões foram de muita valia na China e mais tarde fora difundida
através de seus discípulos, e muitas pessoas aprenderam com seus sábios
ensinamentos.
45
Figura 18: O símbolo do Confucionismo
Imagem: www.himalayanacademy.com
O Budismo (ver anexo 2) chegou à China pela primeira vez durante o final da
dinastia Han, vindo da cultura indiana e arraigou-se rapidamente, templos foram
construídos. Os comunistas eliminaram a religião organizada ao tomarem o poder
em 1949 e a maior parte dos templos foram reorganizados para uso ao longo dos
séculos. A Constituição de 1978 restaurou algumas liberdades religiosas e,
atualmente, existem grupos budistas e cristãos ativos na República Popular da
China.
46
Figura 19: O símbolo do Budismo
Imagem: www.himalayanacademy.com
Por sua vez, os taoístas apropriaram-se das crenças populares chinesas e da
estrutura do budismo. Como consequência, surgiu uma corrente separada do
"taoísmo religioso", diferente do "taoísmo filosófico" que se associava aos antigos
pensadores chineses Lao-Tsé e Zuang-Zi. Esse mesmo taoísmo é que será de
grande importância para as artes, principalmente do Sumie, como veremos mais
adiante. Segundo TSÉ (2001), “Produzir o que necessitas. Produzir sem se
apropriar. Agir sem nada esperar. Guiar sem contrariar. Essa é a virtude primordial.”.
O Taoísmo possui duas vertentes de pensamento religioso. Uma dessas
vertentes concentra-se na meditação desritualizada, seguindo feições metódicas,
subsistindo de maneira mais geral como uma ordem filosófica, enquanto a vertente
mais ortodoxa atribui importância fundamental aos rituais, à renovação cósmica e ao
controle espiritual. O termo Tao, de significado "caminho", consiste em um elemento
47
fundamental recorrente em todas as tradições filosóficas chinesas, entre elas o
próprio Confucionismo.
O incenso é um elemento constante nos rituais taoístas. Um dos símbolos do
Taoísmo é bastante famoso até entre os ocidentais: o Yin-Yang, que consiste em
uma representação do equilíbrio e complementaridade entre as forças naturais
opostas em perfeita harmonia.
De acordo com a filosofia tradicional chinesa, o Taoísmo, Yin e Yang, são os
dois princípios cósmicos primários do universo. Yin (Mandarim para lua) é o principio
passivo feminino. Yang (Mandarim para sol) é o principio ativo masculino. De acordo
com a lenda, o imperador Chinês Fu Hsi afirmou que “o melhor estado para tudo no
universo é o estado de harmonia representado pelo equilíbrio entre yin e yang”.
A mais antiga referência a que se tem acesso da teoria da polaridade
universal Yin/Yang, é a que teve sua origem na velha China por volta de 700 anos
a.C., e seus conceitos básicos encontram-se registrados no mais antigo livro
originário do Extremo Oriente - Book of Changes (Livro das Mutações - Yi Jing, ou
para os ocidentais - I Ching).
Embora o Yang sirva para designar céu, masculino, dia, calor ou luz e o Yin
para designar terra, feminino, noite, frio ou escuro, nada existe em absoluto. Nada
pode ser completamente Yin ou completamente Yang, pois cada um possui
"sementes" do oposto, um sempre dependerá do outro. As relações são diretas, o
dia não existe sem a noite, o escuro sem o claro ou o calor sem o frio e todos os
exemplos até ao infinito que só existe por relação com o finito.
As energias YIN e YANG são formas diferentes de energia, sem a conotação
de BOA ou RUIM. São simplesmente formas diferentes de energia. Na vida, temos o
lado direito e o lado esquerdo, temos o lado de cima e o lado de baixo. A existência
de uma montanha forma os cumes e também os vales.
Não existiria o ALTO se não existisse o BAIXO e vice-versa. E quanto mais
alto for o alto, mais baixo será o baixo, ou seja, essas energias são
interdependentes.
Nosso planeta possui diversos movimentos, de translação, rotação, etc. e
possui também um campo magnético. Esses fatores fazem com que as energias
tomem determinadas direções como preferenciais.
48
Deve-se tomar bastante cuidado em não confundir essas energias como
extremos que se anulam. É muito comum no ocidente se ter o entendimento de um
BEM anular um MAL ou de um POSITIVO anular um NEGATIVO. Devemos também
tomar o cuidado de não confundir o YIN como sendo o MAL que queremos evitar ou
eliminar, e o YANG como o BEM desejado. Muito cuidado também com a
associação com HOMEM e MULHER, como foi citado acima, interdependência
dessas energias, ambos devem viver harmoniosamente. A energia Yin - As forças
YIN - é poderosa nos meses de inverno, mas enfraquecem durante o dia claro. A
energia Yang - As forças YANG - é poderosa nos meses de verão, mas
enfraquecem durante a noite escura.
Figura: 20 – O símbolo Yin e Yang
Site: http://taoism.about.com
Referente à organização clerical, o Taoísmo é constituído de estrutura
monástica e sacerdotal. Os textos sagrados do Tao são: o o De Jing (Tao te-
ching: "O Caminho e seu Poder") e os escritos de Chuang Tzu (369-286 a. C.).
49
A cronologia da origem das bases filosóficas Taoísta ainda permanece
obscura, podendo ser bastante anterior a Lao Tzu, considerado o fundador da
religião, mas que, na verdade, foi responsável por um grande impulso à religião
sobre a qual já existiam alguns conceitos primitivos.
um quarto "caminho" da religião conhecido como a religião popular, da
vida do dia a dia, com festivais dramáticos, mundos-fantasma, técnicas de magia
(que abrangem desde curar doenças a erguer casas) e cuidados com os mortos e
ancestrais. Uma prática importante é a Feng Shui, ou geomancia, a escolha do local
das habitações, para mortos ou vivos, em áreas que recebam as correntes do alento
vital, o ch´i, por onde ele circula (para saber mais sobre feng shui vide anexo 4).
Cidades podem ser construídas sob esses princípios, buscando harmonizar as
energias Yin e Yang, de cuja interação o universo e suas inúmeras formas
emergem.
Desde tempos remotos, a religião chinesa consistia na veneração aos deuses
liderados por Shang Di ("O Senhor das Alturas"), além de venerações aos seus
antepassados. Entre as famílias importantes da dinastia Chou, esse culto era
composto de sacrifícios em locais fechados.
Durante o período dos Estados Desunidos (entre 403 e 221 a.C.), os estados
feudais suspenderam os sacrifícios. Na dinastia Tsin, e no início da Han, os
problemas religiosos estavam concentrados nos "Mandamentos do Céu". Existiam,
também, seguidores do taoísmo-místico-filosófico que se desenvolvia em regiões
separadas, misturando-se aos xamãs e médiuns.
No final da Dinastia Han, surgiram grandes movimentos religiosos. Zhang
Daoling declarou haver recebido uma revelação de Lao-Tsé e fundou o movimento
Tianshidao (O Caminho dos Mestres Celestiais). Essa revelação pretendia substituir
os cultos populares corrompidos. A doutrina transformou-se no credo oficial da
Dinastia Wei (386-534), sucessora da Han, inaugurando assim o "taoísmo religioso"
que se espalhou pelo norte da China.
A queda da Dinastia Oriental Jin (265-316) fez com que muitos refugiados se
deslocassem para o Sul, levando o Tianshidao. Entre 346 e 370, o profeta Yang Xi
ditou revelações outorgadas pelos seres imortais do céu. Seu culto, o Mao Shan,
combinava o Tianshidao com as crenças do Sul. Outros grupos de aristocratas do
50
Sul desenvolveram um sistema que personificava os conceitos taoístas,
transformando-os em deuses. No início do século V, esse sistema passou a dominar
a religião taoísta.
Durante o século VI, com a reunificação da China nas dinastias Sui e Tang, o
Taoísmo expandiu-se por todo o império e passou a conviver com outras religiões,
como o Budismo e o Nestorianismo. O Taoísmo continuou a se desenvolver na
dinastia Sung, expulsa em 1126. Sob o domínio de dinastias posteriores, a religião
taoísta desenvolveu a Doutrina das Três Religiões (Confucionismo, Taoísmo e
Budismo).
É impossível desconsiderar, em meio a todo esse processo, que um
fenômeno cultural seja força geradora de alterações, inclusive sociais, na história de
um povo. O caminho de transição de formas de expressão artística, que têm em
comum o trabalho de aperfeiçoamento do espírito, talvez não tivesse sustentação
para se concretizar de maneira o positiva, se o fossem embasados em alguns
conceitos tão complexos como os conceitos religiosos. Sociedade, cultura, arte
foram influenciadas de maneira decisiva por conta do acúmulo de informações e
transmutações, como o Budismo que se torna Zen Budismo, conceito tão forte na
Arte Sumie quanto o Taoísmo.
O Zen, o Tao e as teorias de Confúcio são a base conceitual que ultrapassam
preocupações artísticas e atingem esse nível de interação, entre arte e
espiritualidade, que compõe a estrutura de valores de uma sociedade. Por trás
deles, encontram-se questões éticas, religiosas, filosóficas, políticas e outras tantas
de mesma importância que culminam com uma maneira diferente de enxergar o
mundo.
Abaixo, segue seguem sínteses dos conceitos desses três termos.
Zen Uma das linhas do Budismo. O conceito Zen vem da China e, no
Japão, sua prática dá origem ao Zazen, um tipo de meditação.
Taoísmo A palavra em si traz significados que mesclam os ensinamentos
e a religião do Dao, um tipo de filosofia chinesa. No Oriente, o Taoísmo tem o seu
sentido completo quando considerado juntamente ao seu oposto, o Confucionismo.
Confucionismo Também de origem chinesa, o Confucionismo faz
referência à outra escola filosófica. Enquanto o Taoísmo quer maior liberdade
51
sociocultural, o Confucionismo apresenta preocupações políticas, éticas e religiosas
mais centralizadoras.
Com o advento do comunismo na China, o Taoísmo religioso foi vítima de
perseguições. Todavia, as tradições foram mantidas na China continental e hoje
estão conseguindo ressurgir.
O Taoísmo religioso considera três categorias de espíritos: deuses,
fantasmas e antepassados. Na veneração aos deuses, incluem-se orações e
oferendas. Muitas dessas práticas originaram-se dos rituais do Tianshidao. O
sacerdócio celebrava cerimônias de veneração às divindades locais e aos deuses
mais importantes e populares, como Fushoulu e Zao Shen. As cerimônias mais
importantes eram celebradas pelos sacerdotes, já os rituais menores eram
entregues a cantores locais. O exorcismo e o culto aos antepassados constituíam
práticas frequentes na religião chinesa. O Taoísmo religioso tem sua própria tradição
de misticismo contemplativo, parte da qual deriva das próprias ideias filosóficas.
Nesse caso, a religião chinesa está intrinsecamente ligada às artes, sejam
elas de maior expressão, como a pintura e a caligrafia, ou de menor expressão
como na arte da cerâmica. O importante é que tudo o que os chineses façam esteja
de acordo com a sabedoria espiritual almejada.
Demonstra ele que a sabedoria espiritual dos chineses está
presente não apenas nas formas eruditas de arte, como a pintura e a
caligrafia, apanágio da classe dos burocratas letrados (mandarins), mas
também nas produções artísticas de humildes artesãos iletrados, como é o
caso da porcelana. (GONÇALVES, 1985, P.31)
3.1 A religião e o Sumie
De uma forma mais abrangente, podemos dizer que se a arte é o resultado do
decurso de experiências emocionais, privilégio de mentes talentosas e de propósitos
brilhantes, na China, e também no Japão, associa-se um fator de importância
fundamental: a religião. Nesses países, essas expressões artísticas relacionam-se
ao aprimoramento espiritual desse conjunto surge, e é a partir de então que faço
meu trabalho, a forte ligação do conceito religioso à questão da arte. Surge dessa
52
relação o conceito conhecido pelo sufixo “Do”, parte do ideograma da palavra
oriental “michi”, que significa “caminho”.
Dessa forma, e valendo uma explanação sobre como são feitas as artes
japonesas, estabelecem-se as “artes do Do”. Foi a partir dessa herança chinesa que
o Japão incorporou esse conceito ao seu universo cultural e social, trazendo para a
realidade de seu povo o que hoje se conhece como Ikebana, Sumie japonês, Shodô
(caligrafia) e Cerimônia do Chá, suas mais tradicionais manifestações artísticas (ver
anexo 6). Sobre isso, uma das definições mais conhecidas está no livro publicado
pelo Centro de Chado Urasenke do Brasil em parceria com a Aliança Cultural Brasil-
Japão, Chanoyu Arte e Filosofia (1995, s/p): “As artes japonesas tiveram origem na
China. Chegando ao Japão, recebem influências regionais de toda espécie e, aos
poucos, ao longo dos anos, foram se ‘japonesando’ para tomarem feições de artes
genuinamente japonesas que ainda hoje podemos conhecer”.
Como berço fundamental para se pesquisar e conhecer a respeito, é
inevitável recorrer-se às tradições budistas e ao conceito Zen, que vem da prática
dos monges budistas a arte de enfeitar seus templos com belos arranjos (Ikebana),
de buscar a beleza dos gestos impermanentes (Shodô), de compreender o espírito
pela harmonia, o respeito, a pureza, a tranquilidade (Cerimônia do Chá) e de
representar a natureza e até o vazio interior (Sumie) utilizando-se, para isso, de
obras que podem ser recriadas o que permite suas transcendências no tempo,
trazendo à atualidade conceitos milenares.
“Sem dúvida, o zen-budismo teve impacto na cultura japonesa desde as eras
médias e sua forma de disciplina tem sido carregada espontaneamente nos
desenhos à tinta e na caligrafia tão bem quanto em rituais estéticos de cerimônia do
chá”, escreve Roger Goepper no livro Japan Spirit & Form, de autoria de Shuichi
Kato (1994), (inédito em português).
À primeira vista, esse fenômeno mostra-se mais simples do que parece ser.
Não se tratando de imaginar que os japoneses visitaram a China, viram o que era
feito por lá, e copiaram tudo no Japão. O que existe hoje, no arquipélago japonês, é
fruto de um processo árduo e particular. Poucos povos no planeta tiveram a
habilidade de observar um fenômeno artístico-cultural, compreendê-lo em sua
essência e reinterpretá-lo para a sua realidade, atribuindo novo conceito ao seu
53
resultado. Ao trazerem para seu país artes criadas em solo chinês, os japoneses
foram capazes de viver esse processo e adequá-lo a sua realidade, sendo que
houve, de fato, uma ressignificação, e não uma pia. A relação do Sumie com o
Brasil será apresentado mais adiante, quando chegou e quem trouxe e a forma que
ele é mostrado.
O que existe na relação cultural-artística entre China e Japão é um paralelo
traçado que relacionava diretamente a experiência da Cerimônia do Chá ao
Budismo. No processo de estudo não apenas a Cerimônia do Chá que já era
japonesa, como também o conceito zen já era uma prática com características do
arquipélago, embora conservasse traços chineses. A Cerimônia do Chá japonesa
está ligada ao Zen japonês. Em seu artigo A cerimônia do chá e o zen-budismo,
Cristina Rocha (1992), pesquisadora do Zen-budismo, fala da relação histórica
estabelecida, pela qual os comerciantes – até então casta baixa na sociedade
japonesa – passaram a imprimir toques refinados como um meio para adquirir
prestígio diante da elite. Esses comerciantes precisavam se estabelecer
socialmente. Para isso, foram estudar nos Templos Zen, onde aprendiam escrita
chinesa, caligrafia, apreciação da pintura e o próprio Zen. Criaram um contexto para
a apreciação do chá que recebeu o status cerimonioso, criando vínculos com a
filosofia zen, daí o paralelo entre o chanoyu (Cerimônia do Chá) e o zen-budismo.
Considerado como processo histórico, o que aconteceu como resultado desse
intercâmbio cultural entre a China e o Japão é algo que precisa também ser
valorizado como um fenômeno transcendente. Essas artes tradicionais dão sentido
ao conceito geidou, o chamado “caminho das artes”. Pelas veredas artísticas
orientais, um significado maior, cuja força do binômio “arte + aprimoramento do
espírito” concede-lhe a capacidade de ultrapassar a contagem do tempo. Suas
manifestações existem até hoje, são preservadas e passadas adiante, conforme é
explicado em Chanoyu Arte e Filosofia (1995): “[...] o próprio caminho esotérico
[criado pelas artes] mais tarde tornou-se segredo de arte, transmitido oralmente aos
descendentes e aos discípulos merecedores”.
Assim, estabelecem-se como um dos alicerces sociais do povo japonês a
tradição e o conceito de expressões ritualísticas que são reforçadas por sua
constante reprodução ao longo das gerações. São tesouros preservados que
54
necessitam de existência concreta, a qual é garantida pela busca cada vez mais
frequente do ser humano pela essência do aperfeiçoamento do espírito e da paz
interior.
Após essa explicação sobre a ligação entre as artes japonesas e chinesas e
voltando a falar sobre o Sumie chinês, alguns autores ocidentais buscaram
informações para poder explicitar uma arte que busca no Tao sua essência e sua
perfeição.
Um desses autores que escreveu sobre essa arte chinesa foi Jordan Augusto,
em seu livro Um caminho para o Zen (2002), que, nessa obra, busca uma visão bem
direta acerca das artes visuais chinesas. Em um dos momentos, Jordan aponta
como que as artes visuais chinesas reencontram as tentativas que seriam as
mágicas Taoístas para compreender o entendimento, o controle e o predizer.
O livro de Jordan trata de todas as formas que o Sumie pode atingir, não
sendo apenas cenas da natureza por imitação. O autor busca revelar o que chamam
de conteúdo metafísico mais profundo. Chang Chung-yuan escreve: “Na pintura, o
chi revela a realidade objetiva da forma.” (apud: JORDAN, 2002, p. 52)
O chi faz com que a pintura se revele por si mesma e as ações dos artistas
nascem da sua concepção do que seja universal. Jordan fala: Quando o yin e o
yang se harmonizam, as dez mil coisas são transformadas. Chama-se a isso a união
do chi”.
O mesmo autor argumenta sobre a vida dos artistas e sua relação com o Tao,
com a meta de atingir a harmonia, sendo ela a solução dos opostos e assim
aproxima-se de uma consideração mais completa do yin e do yang.
Pode-se argumentar que um artista apenas tem a consciência de que
determinadas atividades idiossincráticas precipitam o acesso ao imanente,
mas não tem medo de utilizá-las. A espontaneidade e a ausência de
convenções associadas ao Taoísmo teriam feito com que isso ficasse mais
fácil. [...] A arte taoísta chinesa de todos os tipos está cheia de yin e yang,
um proporcionando equilíbrio ao outro. (JORDAN, 2002. p.p. 52-53)
Isso revela que as artes orientais, em especial a Arte Sumie, é uma ligação
entre a técnica e o espiritual, as técnicas devem estar complementadas pela
transcendência do artista com o Taoísmo e seu equilíbrio com o Yin e Yang.
55
Capítulo 04. O Sumie através dos tempos
A arte chinesa tem como objetivo expressar sua riqueza cultural e histórica
através de esculturas, pinturas, caligrafia e objetos, que possuem tradição e
simbolismo próprio. Por meio desse conhecimento sobre a cultura chinesa
acabamos por conhecer novas culturas e formas de pensar.
A China, ao longo dos séculos, aperfeiçoou seus recursos, desde a era
neolítica, e quando se fala na paciência e tranquilidade oriental, percebemos que
sempre buscaram a perfeição no manuseio do bronze, do jade, da porcelana e do
papel, além das técnicas de escrita e caligrafia, que posteriormente evoluíram para a
Arte Sumie.
Não podemos esquecer que essas evoluções são observadas nas artes
chinesas, na evolução social histórica das dinastias e entrelaçadas com a
importância de Budismo e o Taoísmo em todo contexto cultural, social, política,
econômico chinês.
O início da pintura chinesa tinha como temática primeira pessoas em
atividades de seu cotidiano. Durante a Dinastia Tang, os artistas começaram a
buscar sua inspiração em paisagens com florestas, montanhas, pássaros e flores,
sempre com um texto junto, texto esse que não, necessariamente, possuía alguma
relação com a pintura, muito menos era uma legenda ou explicação da obra.
Após esse início, é na Dinastia Sung que a Arte Sumie ganha notoriedade,
relevância e expansão, assim sendo reconhecida como uma arte nobre, por ser uma
derivação da caligrafia, que era considerada uma arte nobre, na qual poucos
sabiam como executar. Quanto a isso, percebemos que as linhas e os traços da
pintura chinesa antiga possuem leveza, elegância e suavidade, tendo os temas mais
apreciados os chamados “Quatro grandes cavaleiros”, ou os quatro grandes temas
(que serão abordados mais a frente). Para os artistas chineses, a linha era o
componente primordial, sem se preocuparem com tridimensionalidade, sombra e luz
e perspectiva. Ao que mais os artistas atentavam eram as curvas sinuosas, tanto
para escultura quanto para a pintura.
Durante a Dinastia Sung, o artista passa a desenhar as linhas sobre o papel,
pintando-as de forma parecida com as pinceladas da aquarela, assim equilibrando
56
os três tons (preto, cinza médio e cinza claro) que o pincel leva, fazendo referência
ao pensamento filosófico do Yin e Yang.
Os estudiosos da arte chinesa dizem que, quando apreciamos uma
pintura chinesa, devemos observar o entusiasmo com que o artista se
dedicou à produção da sua obra e não os detalhes da imagem.
A arte chinesa é uma reverência à natureza e um tributo ao
passado. (ROSA, 2002, p. 35)
A partir do século II, podemos considerar o aparecimento na China da Arte
Sumie. A palavra que designa esse tipo de pintura, apesar da origem chinesa, tem
raiz japonesa e significa literalmente pintura com tinta, e não existe nenhum ponto
de contacto entre o conceito de pintura ocidental e esse conceito, pois na visão dos
chineses a arte ocidental é pura técnica, não tendo o envolvimento do corpo e do
espírito, apesar de que a arte ocidental possui muito mais do que somente técnica. A
Arte Sumie é uma derivação da caligrafia chinesa. O artista deve comunicar a sua
ideia de forma resumida e inequívoca em poucos traços. Mais do que uma mera
representação mimética, o Sumie é a arte do essencial, uma arte em que o artista
representa o Tao e seu próprio eu.
O suiboku-ga, mais conhecido como Sumie (palavra que significa
“pintura a tinta”) consiste em uma técnica de pintura em preto e branco
originada em mosteiros budistas da China, na época da dinastia Sung (960-
1274) [...] Para o artista, o mais importante é retratar a essência do elemento
a ser pintado e não a mera reprodução de sua aparência exterior. [...] o
Sumie não está restrito somente às obras do passado. A técnica continua
sendo usada por pintores contemporâneos, conquistando adeptos em todo o
mundo. (JAPAN NETWORK, s.d.)
A pintura a tinta desenvolveu-se da elegante caligrafia chinesa, como
exemplo a pincelada que forma o caractere para o número um que, na pintura
Sumie, torna-se o tronco e os ramos da árvore do bambu. Se observarmos bem, as
palavras acabam derivando-se de uma imagem pictórica, como no caso da figura 21,
nessa imagem identificamos como os elementos olho, árvore, fogo e sol, foram
evoluindo até a caligrafia atual, mas continua representando sua imagem. Assim,
57
podemos dizer que a própria caligrafia originou-se de desenhos que facilitassem às
pessoas identificarem o que aquele caractere queria expressar.
Figura 21 – Evolução da escrita
Imagem: chehaochines.com.br/escrita.htm
As pinceladas aprendidas na caligrafia são as mesmas aplicadas na pintura e,
por esse motivo, a caligrafia e a pintura Sumie podem ser consideradas artes
gêmeas. As técnicas fundamentais para uso do pincel são mais bem absorvidas
pelos praticantes de caligrafia do que por outro aluno que não estuda essa arte.
No entanto, é muito comum que os praticantes da pintura Sumie sejam
praticantes da caligrafia, uma vez que, na maioria das vezes, os pintores
acrescentam em suas obras alguns caracteres poéticos ou descritivos ao
terminarem.
A partir de traços antigos de tinta vermelha e preta (utilizada para pintar
caracteres sobre conchas de tartaruga e ossos de animais, com o propósito de
oráculo), pode-se perceber que a arte do Sumie igualmente antecede as várias
formas de pintura atuais. O mais antigo exemplar foi encontrado junto a um carvão
em um túmulo do período da dinastia Qin, o primeiro Imperador da China (221 a 202
a.C.). Antigas escrituras indicam que o primeiro Sumie do Japão foi trazido da China
em 610, mas evidências arqueológicas sugerem que era utilizado anteriormente.
58
Em 822, houve publicações sobre o uso de Sumie, possibilitando sua propagação
por todo o Japão.
Esse período foi marcado pelo enfraquecimento da Dinastia Zhou em meados
do Século V a.C., na qual 7 Estados (ou reinos) rivais surgem lutando entre si,
tornando assim o poder dos reis de Zhou apenas simbólico e sem ter uma força
efetiva. Com isso o Estado de Qin, que estava localizado a Noroeste da atual China,
nos idos dos anos 200 a.C, era considerado como o mais poderoso desse período –
e, por muitas, vezes chamado de "Período dos Reinos Combatentes".
Ao Estado Zhou existiam seis outros estados que se opunham a ele, eram
eles Chu, Qi, Wei, Zhao, Yan e Han, contudo os governantes de Qin, bem como os
seus diplomatas, eram simultaneamente astutos e traiçoeiros, dessa forma
conseguiram impedir a unidade dos outros estados por meio de promessas que
nunca foram cumpridas, além de ameaças que fizessem com que os Qin
recebessem territórios, como ofertas de paz.
Por volta dos anos 221 a.C., os homens Qin teriam conquistado todos os
seus rivais. Seu líder, Qin Shi Huangdi, tornou-se imperador, autoproclamando-se
como o Primeiro Imperador, que foi, na verdade, o primeiro a governar um império
chinês unificado. Um de seus planos foi o de reorganizar seu governo, excluindo o
sistema feudal dos seus predecessores e colocando tudo sob o seu domínio
pessoal, como um imperador de ofício. Conseguiu normalizar tudo o que lhe foi
possível, desde a escrita chinesa aos pesos e medidas, importante para dar volume
e consistência ao seu império. Mandou queimar todos os livros e registos que não se
referiam aos feitos dos Qin e matou os estudiosos que faziam parte de uma
chamada oposição - em especial os seguidores de Confúcio. Finalmente, mandou
iniciar a construção do que viria a ser a Grande Muralha da China, para proteger o
país das invasões provenientes do Norte.
O Primeiro Imperador Chinês Qin Shi Huangdi aspirava a uma dinastia que
durasse dez mil anos, o que em chinês significa o mesmo que uma dinastia que dure
para sempre. Porém, Qin Shi Huangdi morre onze anos após se autoproclamar
Imperador e o seu trono foi herdado por seu segundo filho, Qin Er Shi. O novo
Imperador era um político pouco habilidoso e foi incapaz de continuar o reinado do
59
pai, acaba por morrer durante uma rebelião muito violenta e sangrenta, terminando
desse modo a conhecida Dinastia Qin.
Para o Sumie, apesar desse aparecimento no século III a. C., podemos dizer
que sua técnica provém de um período mais recente, seria uma técnica que
começou na China durante a Dinastia Sung (960-1274). E posteriormente foi
difundido para o Japão.
A Dinastia Sung, ou também conhecida como Dinastia Song, governou a
China nos anos de 960 a 1275, que deveu a sua existência a um jovem oficial do
exército que pensou ter tido uma visão, que, em sua compreensão significava, em
sua própria declaração, que um novo imperador iria tirar a China das mãos do jovem
Imperador Kung-ti, da Dinastia Chou. Os oficiais colegas do jovem oficial que tivera
a visão pensaram que aquilo queria dizer que o seu general, Chão Kuang-yin,
deveria ser o novo imperador, sendo assim acordaram-no e, no mesmo instante,
proclamaram-no novo governante, Sung Tai Tsu. O novo governante Tai Tsu e os
seus sucessores tiveram como meta principal e também esforçaram-se por
reorganizar a China após mais de cinquenta anos de guerra civil, mas isso era uma
tarefa superior às forças de que dispunham naquele momento.
Em 1068, Wang An-Shih, que era o primeiro-ministro no tempo do Imperador
Sung Shen Tsung implementa medidas de governo e acaba por impor uma reforma
de governo, na qual simplificou o sistema de impostos e diminuiu o exército,
transformando-o em uma força de dimensões mais razoáveis. No entanto, essas
reformas acabaram por não ser executadas, o que abriu caminho para que os
Mongóis
6
, comandados por Genghis Khan, acabassem por ocupar o país.
No campo das artes podemos observar que na China, durante o período
Sung, mostram toda uma moral do país, um sentimento. Os artistas, poetas e
pintores, passaram a olhar para o passado, em uma tentativa de imitar ou recordar
as glórias e realizações passadas. Com tudo isso, por volta dessa época, surgem os
contadores de histórias profissionais na China que vagueavam de um lado para o
outro, como os trovadores da Europa Ocidental, entretendo os que conseguiam
6
Em 1207, os mongóis foram forçados a expandir seu território de pastagem devido a algum
problema climático nas estepes, e conquistaram o reino tangute de Hsi Hsia. Em seguida,
atravessaram a muralha contornando-a e chegaram à China, cujo reino estava dividido entre as
dinastias Jin, ao norte, e Song ao sul. As vastas plantações de arroz e a riqueza da cidade atraíram
mais a atenção de Genghis do que a possibilidade de se tornar senhor da China.
60
convencer a escutá-los a troco de algumas moedas. Com o tempo, esses homens
seriam os predecessores dos romancistas chineses.
Figura 22 – Mapa da Dinastia Sung
Imagem: Yu Ninjie.
Com isso percebemos que existe um período de mudanças profundas, as
quais interferem diretamente nas artes, pois elas revelam um estado de espírito da
população, que buscava um estado de paz interior.
61
Alguns livros, artigos em sites, revistas especializadas trataram da pintura
chinesa Sumie, como a revista Made in Japan que, na data de dois de março de
2006, publica uma matéria de sua própria autoria intitulada Sumie a arte em preto
e branco, a técnica de pintura que retrata a forma e a essência dos objetos.
O artista deve se concentrar no manejo do pincel. As pinceladas
usadas na pintura Sumie são executadas com grande controle e energia. [...]
Energia, força e segurança dos movimentos são alguns dos elementos mais
importantes do Sumie. O artista deve usar a tinta livremente, tendo o controle
perfeito de cada pincelada. (MADE IN JAPAN, 2006. s.p.)
O jornal Folha de São Paulo publicou matéria sobre a cultura Oriental, na
qual aborda temas como caligrafia, monges, religião, o Zen Budismo, artista
europeus que buscaram influências no Oriente e, obviamente, o Sumie, buscando
uma reflexão sobre essa cultura e como influencia o Ocidente.
[...] A arte e a reflexão nascem de dentro, e por isso se pode
compreender a sua união com o mundo, onde nada interfere, nem a lógica
tão cara aos ocidentes, nem a emoção.
[...] o Suiboku, ou Sumie, que nasceu na China durante a Dinastia
T’ang, no século oitavo. [...] dando às paisagens e outros temas uma
profunda perpectiva pela força do pincel e o uso de vários valores de preto, a
única cor usada. [...] considera que o preto e toda a sua gama de nuances
permitem expressar todas as cores da natureza. (FOLHA DE SÃO PAULO,
1974)
Jordan aponta muitos pontos sobre o Sumie, mas sempre remete ao aspecto
espiritual da arte, pois tudo o que acontece no campo artístico, seja na caligrafia,
poesia ou pintura, acontece por meio da espiritualidade.
A pintura à tinta desenvolveu-se da elegante caligrafia chinesa. [...]
As pinceladas aprendidas na caligrafia são as mesmas aplicadas na pintura
e, por esse motivo, a caligrafia e a pintura Sumie podem ser consideradas
artes gêmeas.
[...] é muito comum que os praticantes da pintura Sumie sejam
praticantes da caligrafia [...]. (JORDAN, 2002. p. 74)
Até na composição dos quadros, o Tao está presente. Jordan (2002) explicita
que para a composição de um quadro, é necessário que haja o intercâmbio e o
62
equilíbrio entre o yin e yang, esse equilíbrio é visto de forma muito sutil no uso do
claro e do escuro, do espaço e do não-espaço.
Harold Osborne, em seu livro Estética e teoria da arte (s.d.), no capítulo
quatro, busca trazer à tona o que existe na estética chinesa. Inicia diferenciando a
visão que os chineses tinham sobre o trabalho dos artesãos, durante a Idade Média,
e a visão dos europeus.
Na China, [...], a partir da dinastia Han (mais ou menos 206 a.C), a
pintura, a poesia e a música foram consideradas como ofícios dignos do
cavalheiro e do erudito numa estrutura social que conferia altíssimo
prestígio à erudição e à cultura. [...] As classes administrativas e a pequena
nobreza eram recrutadas através de exames, feitos pelo Estado, em que a
pintura e as demais artes figuravam com grande destaque.
(OSBORNE, s.d, p. 95)
Podemos perceber também a importância que a pintura chinesa tem na sua
relação com o Tao, a própria relação do artista com o espiritual. Um ponto
importante a ser observado é aquele em que existe a crítica que os letrados
chineses fazem com a própria arte chinesa, ressaltando a diferença entre a
abordagem crítica dos ocidentais com relação às obras do Oriente e as formas como
os orientais tratam das obras do seu país.
A crítica de arte chinesa também era, em grande parte, técnica,
mas os termos e categorias da crítica técnica chinesa diferiam daquele a
que nos avezamos na crítica ocidental. [...] Posto que esse interesse não
esteja ausente da crítica chinesa, mantém-se subordinado à exigência de
que a obra de arte encarne, na estrutura e nos ritmos, o espírito do Tao,
que vitaliza toda a natureza, tanto orgânica quanto inorgânica.
(OSBOURNE, s.d, p. 97)
Osbourne, em seu livro, especialmente no capítulo quatro, mostra vários
pontos que são de extrema relevância para se compreender a arte de pintura
chinesa, que deriva da caligrafia. Na obra são revelados pontos como a estética
chinesa e seus conceitos, é apresentada iconografia chinesa, e são mostrados os
pontos da pintura monocromática, como são classificadas as pinceladas e o seu
encanto emocional, que difere do Ocidente. OSBOURNE (s.d.) revela que para
atingir um alto nível de pintura, o Sumie e qualquer outra obra devem estar
enquadrados nos chamados Seis Cânones da Pintura, que o apresentados pelo
63
autor. Acaba traçando uma relação com a arte ocidental, que também sempre
seguiu padrões estéticos para ser aceita.
Primeiro nome. Ch’i yun heng tung. A ressonância do espírito que
traz o movimento da vida.
Segundo Cânone. Ku fa yun pi. Estrutura de osso, uma técnica do
pincel.
Terceiro Cânone. Ying wu hiang hsing. Refletindo o objeto, o que
significa pintando (desenhando) as suas formas.
Quarto Cânone. Sui lei fu ts’ai. Correspondência ao tipo, relacionada
com a aplicação das cores.
Quinto Cânone. Ching ting wei chih. Organização e planejamento, que
envolvem colocação e arranjo.
Sexto Cânone. Chuan mo i Hsieh. A transmissão de modelos, que
envolve a reprodução e a cópia.
O primeiro Cânone diz respeito ao início da vida de um artista, na qual ele
deve primeiro situar-se espiritualmente, tentando buscar uma elevação natural
espiritual, deixando que seu interior ligue-se ao exterior para poder iniciar seus
trabalhos.
O segundo Cânone diz respeito às técnicas que os artistas devem, de início,
aprender, para deixar essas técnicas fluírem naturalmente, ou seja, o artista não
deve pensar na técnica quando estiver pintando, ela deve ser natural, ao ponto de o
pincel ser uma extensão de seu corpo, pincel, mão e braço devem ser um só, pois
somente assim o artista conseguirá elevar seu espírito a um nível que consiga ter
inspiração para criar.
O terceiro Cânone, em um nível médio de artista, fala a respeito de como o
artista deve comportar-se para pintar, ele deve refletir sobre o que vai pintar e não
simplesmente fazer uma cópia de seu mestre, a criatividade é um fator que, aqui,
tem de ser estimulado e alcançado, com a junção de corpo e espírito.
O quarto Cânone, já para artistas com elevado dom artístico, revela o
momento em que o pintor preocupa-se com a cor, mesmo que seja um trabalho
64
apenas em tons de cinza e preto, deve-se ter uma justificativa, e não uma simples
ordenação de seu mestre, ou cópia; a cor a ser utilizada deve vir da elevação
espiritual com a elevação artística pessoal.
O quinto Cânone, atingido apenas por artistas muito experientes, revela a
qualidade do artista em compor a pintura, saber como utilizar os elementos gráficos
com o branco do papel, ou a utilização do chamado “vazio” dentro de sua obra. É um
nível extremamente difícil de ser alcançado e superado, visto que, saber utilizar os
elementos gráficos e o papel com o vazio depende de uma interação muito grande
entre corpo, mente e espírito.
O último estágio de um artista completo é o sexto Cânone, atingido por
poucos, apenas aqueles que conseguiram uma elevação espiritual altíssima, quando
técnica, cor e composição estão interiorizadas no artista e este, ao elevar seu
espírito, cria de forma contínua, sem erros e com muita qualidade. É nesse estágio
também que o artista pode tornar-se um mestre e começar a passar seus
conhecimentos a aprendizes.
Osbourne (s.d.) também releva um ponto de extrema relevância para o
letrado chinês, quando se refere aos padrões críticos, pois neles está inserido como
são classificados os artistas. Pode-se dizer que os artistas são classificados de
acordo com seu grau de espiritualidade.
Como primeira classificação, está a mais baixa, que seriam os competentes,
“[...] dominou as regras do estilo [...]”. mais experiente, o pintor enquadra-se no
segundo nível, mais completo, “[...] mestres da auto expressão estética”. A terceira
classe é mais elevada, quando o artista tem seu entendimento com o Tao, “a obra
tem o movimento da vida [...]”. Por fim, o artista atingiria o último estágio, o mais alto
grau, seria o gênio, quando existe a ausência de esforço, “[...] resiste a qualquer
tentativa de definição.”
Outra autora que também pesquisa sobre a pintura Sumie, é Susan Hirata, da
Universidade de São Paulo, a qual comenta sobre a espiritualidade das pinturas
monocromáticas, que o formas pictóricas e esclarece em que momento essa arte
passou a influenciar outras expressões artísticas como o Teatro Noh, a Cerimônia
do Chá e os Jardins Zens.
65
Podemos encontrar artigos, textos de pessoas que, de certa forma, possuem
algum grau de conhecimento que lhes permite comentar sobre essa arte, como o
Físico, formado pela Universidade Federal de São Carlos, Carlos Antônio Ragazzo,
o qual considera que a obra em Sumie reveste-se de uma teatralidade gestual
própria, onde cada movimento se traduz como uma pincelada definitiva, expressão
momentânea da livre interpretação artística da natureza.
Um dos grandes mestres do Sumie, e que consegue retratar todo seu gestual
e sua expressão do momento, acompanhado de uma belíssima interpretação
artística da natureza é o Mestre Sesshu (1420-1506).
No Japão, Sesshû Tôyô (1420-1506) é considerado o maior expoente
de sumi-ê – o criador do“estilo japonês”. Sesshû estudou o estilo de pintura
chinês com o mestre de sumi-ê Shûbun e pôde ir, ele próprio, à China, a fim
de conhecer de perto sua arte e paisagens. O estilo que desenvolveu,
conhecido como haboku (“tinta-que-corre”), enfatiza não uma representação
detalhada, mas, com um trabalho mínimo dos pincéis e da água, uma
sugestão imaginativa de manchas e texturas que, entretanto, transformam-
se em paisagens. (GLAUJOR, s/d., s/p.)
Figura 23 – Montanhas e paisagens
Pintura: Mestre Sesshu - 1420-1506
66
Figura 24 – Montanhas
Pintura: Atsushi Nakajima (1909 – 1942)
Figura 25 – O Pescador
Pintura: Augusto Jordan (2002)
67
A arte de pintura Sumie não ficou restrita aos limites chineses, passando
assim a ser incorporada à cultura japonesa, que soube observá-la, interpretá-la e dar
uma ressignificância única, aos moldes e padrões nipônicos.
A origem do Sumie japonês também está nos mosteiros budistas da China.
Pesquisas mostram que, inicialmente, os temas abordavam a natureza e o vazio
interior e posteriormente ela chegou ao Japão no século XV, ou seja, na Era
Muromachi –, com o surgimento de talentosos artistas, como o Mestre Toyo Sesshu,
o Sumie japonês adquiriu status de arte independente das origens chinesas, ganhou
características japonesas e começou a mesclar traços mais finos e mais grossos
uma contribuição de Sesshu.
Como herança do estilo Zen e uma típica arte “Do”, o Sumie trabalha
princípios fundamentais para o crescimento espiritual, como o cultivo da paciência,
da humildade, do aperfeiçoamento e da simplicidade.
“Por exemplo, um pintor deve ser apto a prever uma imagem limpa de uma
folha de bambu que pode ser ancorada prontamente na superfície escolhida com um
gesto simples. Se o pintor está copiando uma imagem existente, porém, isso
geralmente não vai se provar tão difícil quanto criar uma cena original”, escreve
Shuichi Kato em Japan – Spirit & Form.
Figura 26 – Landascape
Artista: Toyo Sesshu 1420-1506
68
Figura 27 – Montanhas
Artista: Toyo Sesshu 1420-1506
69
Figura 28 – O vento
Artista: Toyo Sesshu 1420-1506
4.1 O tempo e a influência Ocidental nas artes orientais.
Reportando-se ao tema que aborda a evolução tecnológica ocorrida na China,
segundo texto publicado pelo Escritório de Informação do Governo da República da
China, redigido em português por J. Alcantara Filho, a questão da tecnologia está
ligada à massificação da arte, pois é ela que difunde para o mundo e, no caso do
Sumie, acaba expondo essa arte sem os valores tradicionais. Esse tipo de
exposição das artes está diretamente ligado ao fato de a China ter desenvolvido
muito seus mecanismos de televisão e serviços de internet, abertos ao público
doméstico e também ao mundo.
70
O mercado de mídia na ROC (República da China) tem mudado
dramaticamente nos últimos anos, parcialmente devido a avanços
tecnológicos, mas também por causa do ritmo veloz da democratização.
Autorizações para novos serviços a cabo e concessões de espectro de
transmissões aumentaram enormemente a quantidade de estações de rádio
e TV disponíveis ao público doméstico.
(ESCRITÓRIO DE INFORMAÇÃO DO GOVERNO DA REPÚBLICA
DA CHINA, 1999, p.16)
As artes, e no caso o Sumie, sofrem influências, massificando e deixando à
mostra uma arte sublime, mas que acaba perdendo seu valor original dos tempos da
Dinastia Sung, além do seu real significado. Portais como o Euroresidentes, Câmara
Brasil China e o próprio site da Embaixada chinesa trazem artigos e matérias sobre
esse assunto.
que se lembrar que a exportação e abertura das tradicionais técnicas do
Sumnie e das obras chinesas começam com a Companhia das Índias, no século
XVII, quando a Europa volta o olhar para o Oriente, iniciando um processo que
acaba por alterar o real significado da arte, pois agrega valores ocidentais de
produção e venda, retirando seu aspecto espiritual e técnico, levando a uma
produção em série, apenas para contemplação europeia, pois os ocidentais não
compreendiam sua real essência.
A arte chinesa (pintura e cerâmica) passou a ser fabricada por encomendas,
tanto que não possuía nenhum valor como obra de arte, era apenas mais uma forma
que a China conseguiu para enriquecer seu capital. Os europeus, no entanto,
vislumbravam a arte oriental como algo exótico e de grande valor, chegando ao
ponto de enviar imagens de seu cotidiano para serem reproduzidas nas obras
chinesas e posteriormente voltarem à Europa.
Para Riviére (1979), o grande desafio artístico para os chineses começou no
século XIX, quando a pintura teve de ombrear com a estética ocidental. O artista
chinês, apesar de conservar suas técnicas e sua formação artística fundamental,
renovou sua pintura tradicional, adaptando formas e temas ao conceito ocidental.
Esse mesmo autor informa que Huang Kiung-pi (nascido em 1899) pintou paisagens
ocidentais com pormenores chineses; outros artistas inspiraram-se no
Impressionismo que imperava então na Europa.
71
4.2 A influência chinesa no Brasil
Após a influência ocidental na China, podemos perceber que o Brasil acabou
por sofrer influência da cultura oriental chinesa, isso somente foi capaz por conta do
período colonial e imperial promovido por Portugal durante o período em que o Brasil
foi colônia lusitana. Quanto a isso, percebe-se a presença dos portugueses na
cidade de Macau e isso fez com que manifestações chinesas viessem para o Brasil.
Dentre rias manifestações percebidas, uma foi observada pelos estudiosos no
Barroco Mineiro, que revelaram que a Igreja de Nossa Senhora do Ó, na cidade de
Sabará, Minas Gerais, possui pinturas com motivos chineses, além dos olhos das
esculturas terem sido esculpidos com a característica dos olhos chineses.
Figura 29: Igreja Nossa Senhora do Ó – Sabará, M.G
72
Fonte: www.brasilviagem.com
Durante o período da rota de extração do ouro em Minas Gerais, existiam
alguns chineses que eram funcionários empregados por Portugal, assim acabavam
por transmitir alguns costumes e tradições aos demais e também aos seus patrões.
Outro fator de influência chinesa deu-se ao fato de alguns padres jesuítas
terem viajado à China, conhecendo imagem da deusa budista Guanyin, e acharam-
na muito parecida com a Virgem Maria, sendo assim, alguns motivos chineses,
dentre eles olhos puxados, acabaram aparecendo, principalmente na arte barroca
brasileira.
O monarca português, Dom João VI, após dois anos da instalação de seu
governo no Brasil, concedeu isenção de impostos a todos os produtos vindos de
Macau.
A festa de aclamação de Dom João VI, no Rio de Janeiro, foi contemplada
pela presença de vários chineses. Tanta aclamação foi recompensada por um bairro
chinês, foi formado no antigo morro do Castelo e fora batizado de Beco dos
Ferreiros.
A cultura chinesa estava tão presente e era tão apreciada, que uma tentativa
de introduzir a cultura do c no Rio de Janeiro foi feita, com a intenção de
exportação.
Até mesmo os artistas brasileiros acabaram por incorporar a temática chinesa
em suas obras, tendo como exemplo o artista Rugendas (1802-1858), que pintou o
trabalho do cultivo do chá no Jardim Botânico no Rio de Janeiro. Esse tipo de
temática somente veio a ser importante pelo fato de que os chineses chegaram a
plantar aproximadamente seis mil arbustos no Brasil.
Além de pinturas, outros aspectos da cultura chinesa entraram na corte do
Rio de Janeiro como objetos sopeiras, leques, e outras peças de porcelanas
principalmente advindos da Dinastia Ming e Qing. Gilberto Freyre comenta sobre
essa aproximação entre o Brasil e o Oriente, salientando as louças nobres, com
brasões ou não, revelando que sua existência no país era percebida em diversos
setores, como, por exemplo, na venda de arroz-doce em travessas orientais, que
eram comercializadas nas ruas do Brasil imperial.
73
A troca de cultura não ficou restrita a elementos que o Brasil incorporou, mas
também o oposto ocorreu. Os portugueses levaram informações do Brasil à Macau,
por meio dos jesuítas.
Quatro obras de um artista chinês do século XIX chamado Sunqua
que vivia em Macau, chamam a atenção dos estudiosos de arte. Ele pintou
interessantes paisagens do Brasil com embarcações orientais. Mesmo
vivendo em Macau, ele usava a técnica e o estilo de pintar dos artistas
ocidentais paisagistas do culo XIX. Especula-se que Sunqua esteve no
Brasil durante a sua juventude, mas até agora nada foi encontrado que
comprovasse tal afirmação. (ROSA, 2002. p. 49)
No Brasil, o Sumie também apareceu, mas não diretamente pela China, mas
sim pelo Japão, e um nome que ficou famoso é Massao Okinaka (1913-2000),
nascido em Quioto, estudou a Arte Sumie com Onishi Kakyo, da escola Sanae.
Após, veio ao Brasil em 1932 e difundiu a arte, inclusive no meio acadêmico. Outro
artista do Sumie, japonês, que fez fama no Brasil é Yoshiya Takaoka (1909–1978),
que veio para a cidade de Cafelândia no Estado de São Paulo e “presenteou o
público com pinturas fluidas e essenciais com pincel fude e tinta sumi.
Massao Okinaka escreveu na revista Made in Japan que os elementos
básicos do Sumie são três: simplicidade, simbolização e naturalidade, além de ser
uma arte subjetiva. A expressão livre que brota por meio da cor sumi e dos
movimentos do pincel reflete com serenidade o caráter e a personalidade do autor,
induzindo-o ao prazer das descobertas.
Além desse significado, o artista fala também da relação que deve existir
entre o aprendiz e seu mestre, os aproximados dez anos de convivência servirão
para que o aprendiz aprenda todas as técnicas, para que possa ser um artista de
qualidade no futuro.
Para a formação completa, um aprendiz deve morar dez anos com
seu mestre, a fim de aprender, ao longo do tempo, todas as técnicas. A
interrupção de seu aprendizado após cinco anos fez com que seu mestre se
recusasse a nomeá-lo com o nome artístico (uma espécie de graduação).
Tradicionalmente, o discípulo recebe um nome composto por um kanji
(ideograma) do nome de seu mestre, que será sua assinatura e o
representará nessa arte. (REVISTA MADE IN JAPAN, s/d, s/p)
74
Figura 30: Coruja
Artista: Massao Okinaka (1913-2000)
75
Okinaka trouxe para o Brasil uma forma de pintar o Sumie em um misto de
imagens que são quase abstratas, retratando as simbologias do Zen, como o fogo, o
círculo, o dragão, paisagens e as nuvens, além de trabalhar com elementos da
natureza. Além da pintura Sumie, escrevia poesias sobre o povo e a natureza
brasileira. Massao adorava ensinar e transmitir a Arte Sumie aos brasileiros, mesmo
sabendo que era muito difícil ensinar uma arte oriental às ocidentais. O Brasil conta
hoje com escolas e artistas que ensinam as técnicas do Sumie. Mesmo mostrando
as relações com o Taoísmo, a ligação com a espiritualidade o é feita, pois para
isso, os brasileiros deveriam seguir a filosofia.
4.3 Os Quatro grandes temas
A pintura Sumie trata simplesmente da força de sua inspiração básica. Temas
da natureza é o assunto principal, mas os pintores não tentam imitar, copiar ou
dominar a natureza. Ao invés disso, eles apreciam cada aspecto dela e desfrutam de
cada processo natural. Os artistas buscam a harmonia com o universo por meio da
comunhão com todas as coisas. A beleza artística frequentemente reside no que é
natural e tem personalidade. Se observarmos essas pinturas com o pensamento e
coração abertos, seu significado interior lentamente tornar-se-á aparente.
Quando dizemos que existem quatro temas básicos, não significa que são os
únicos, esses temas básicos servem para aumentar a qualidade de um artista
iniciante, mas quando ele atinge a perfeição, está pronto para pintar seus próprios
temas.
Dentro do Sumie, a pintura assenta-se em forças de inspiração básica, não
tentando imitar, copiar ou dominar a natureza. Os artistas sempre buscam
compreender o que desejam pintar, pois não basta apenas copiar algo, deve-se
sentir o “objeto” (pois, pode ser qualquer coisa da natureza, vivo ou não, ser humano
ou animais) a fim de buscar sua essência e transpor para a obra.
Voltando aos temas do Sumie, os quatro principais possuem significados
específicos, pois cada um tem sua essência e objetivo de ser. Segundo Jordan
(2002) os temas principais são o Bambu (take), Crisântemo (kiku), Orquídea (ran) e
a Flor de Ameixeira (ume).
76
A orquídea representa a primavera, um espírito feliz, o símbolo da graça
refletindo as virtudes femininas finais. É considerada a mãe da pintura a
pincel.
O bambu representa o verão e é o tema mais pintado no Oriente. Ele
representa o vigor e as virtudes do masculino, refletindo um sentido de
perfeito equilíbrio com integridade e flexibilidade tremendas. [...] É tido como
o pai da pintura a pincel, representando simplicidade de vida e espírito
humilde.
A árvore da ameixeira é adorada pelo seu significado cósmico, expressando
o ressurgimento e a continuidade da vida. [...] florescendo na geada de
Janeiro, é o símbolo de esperança e tolerância.
Hostil no frio e triunfante no outono. É o dito que expressa o vigor do tardio
crisântemo, que floresce no frio ar de outono, prenunciando a chegada do
inverno. [...] altos ideais de comportamento moral e a mudança de estações.
77
Figura 31 – A Orquídea
Pintura: Augusto Jordan (2002)
78
Figura 32 – O Bambu
Pintura: Augusto Jordan (2002)
79
Figura 33 – A Árvore da Ameixeira
Pintura: Augusto Jordan (2002)
80
Figura 34 – O Crisântemo
Pintura: Augusto Jordan (2002)
81
4.4 O significado do Bambu
O bambu participa frequentemente da ideia taoísta, segundo a qual se deve
ceder a situações ou condições externas, para melhor triunfarmos na vida. É a
imagem do bambu, que resiste e verga sob o rancor da tempestade, para em
seguida voltar a erguer-se e aparecer em todo seu esplendor. Para Buda, o bambu
ajuda o homem a alcançar a serenidade e a paz interior. Até o som produzido pelo
bambu, ao receber a mais leve brisa, também é considerado importante para a paz
de espírito.
Depois de plantada a semente desse incrível arbusto, não se vê nada.
Durante cinco anos, todo o crescimento é subterrâneo, invisível a olho nu. Mas, uma
maciça e fibrosa estrutura de raiz, que se estende vertical e horizontalmente pela
terra está sendo construída. Muitas coisas na vida pessoal e profissional são iguais
ao bambu chinês, o ser humano trabalha, investe tempo, esforço, faz tudo o que
pode para nutrir seu crescimento, e, às vezes, não vê nada por semanas, meses, ou
anos. Mas, se tiver paciência para continuar trabalhando, persistindo e nutrindo, o
seu ano chegará, e com ele virão um crescimento e mudanças que a pessoa
jamais esperava. O bambu chinês nos ensina que não devemos facilmente desistir
de nossos projetos, de nossos sonhos. Devemos lembrar-nos do bambu chinês,
para não desistirmos facilmente diante das dificuldades que surgirão. É bom que
cultivemos dois hábitos – Persistência e Paciência – pois merecemos alcançar todos
os sonhos. É preciso muita fibra para chegar às alturas e, ao mesmo tempo, muita
flexibilidade para se curvar ao chão.
No Sumie, o significado é ainda mais especial, ele representa as passagens
da vida das pessoas, sendo esse o maior motivo para que se inicie a pintura pelo
Bambu. Logo que o Bambu é plantado e começa seu ciclo vital, ele demora cerca de
cinco anos para poder ser visto acima da terra. Na cultura chinesa, acredita-se que
uma criança “aparece” depois dos primeiros cinco anos de vida.
A estrutura do bambu é muito simples e a cada gomo encontra-se um nó,
que une e faz a estrutura ser firme. Para os chineses, isso significa que a vida é
cheia de nós, ou problemas, e que cada um deles faz com que as pessoas cresçam
82
e aprendam com as adversidades. Outro fato é a longevidade que o bambu tem,
assim como deve ser a vida das pessoas.
Quando olhamos por dentro do bambu, percebemos que ele é oco e mesmo
assim possui uma força incrível, permitindo envergadura em uma tempestade forte
sem que se quebre, ou sem que suas raízes sejam arrastadas e morram. Traçando
o paralelo com a vida, os chineses acreditam que para uma pessoa ser forte e ter
uma longa existência, ela deve sempre voltar-se ao seu interior, buscando seu vazio
e construir sua fortaleza externa.
Por fim, o bambu, seja em qual estação do ano em que estejamos sempre
estará com suas folhas, e principalmente sempre estará verde e cheio de vida e é
nesse sentido que os chineses querem estar durante toda sua vida, sempre forte e
cheio de vida para poder superar todos os percalços que a vida apresenta. Esse
significado foi exposto por Susan Hirata, artista plástica de Sumie que, como uma
das principais representantes do Sumie no Brasil, estuda seus significados.
4.5 Materiais e Técnicas
Ao se pensar na pintura chinesa Sumie, e mesmo antes de falar sobre
técnicas, devemos ter em mente que, para os chineses, a técnica pura não vale
nada, deve-se ter uma relação íntima da alma com a técnica, pois assim uma
perfeita obra será revelada.
Outro aspecto abordado no livro Um caminho para o Zen, Jordan (2002) são
as técnicas de pintura da arte Sumie, na qual o autor explicita de que maneira deve-
se ter a consciência para poder pintar, as formas que se deve fazer para se chegar a
um nível de espiritualidade e qualidade na pintura.
Para se pintar o Sumie é necessário um misto de controle e
espontaneidade. Deve haver a harmonia interior que guia a mão,
conduzindo o pincel a uma expressão cheia de sentimentos. [...] Aprender
o processo real de pintura com um pincel de Sumie é difícil, mas
gratificante no final. [...] Quando se faz pinceladas, a o e o pulso não se
movem, e sim o braço. (JORDAN, 2002. p.p. 86-87)
83
Um ponto importante nos trabalhos de pintura Sumie é o o re-trabalho,
caso algo saia errado, não esteja com o sentido correto, ou mesmo esteja errado,
não são feitas correções no mesmo trabalho, joga-se fora e se recomeça.
Para um artista de Sumie, um trabalho somente está bom quando feito de
primeira, sem a interferência de uma segunda pincelada no mesmo local, isto pois,
quando o artista atinge sua elevação espiritual, consegue criar de forma limpa,
precisa e correta, portanto, não havendo a necessidade de se corrigir. Caso ocorram
erros durante a pintura, significa que o artista não está completamente
compenetrado, ou que ainda não atingiu seu nível espiritual para as artes.
Para existir uma obra, os artistas necessitam que o pincel e o braço sejam um
só, que o corpo seja uma ferramenta de inspiração da força do Tao. Por causa
dessa ligação entre espírito, corpo e pincel, não podem existir erros, a obra não
deve ser pensada e arquitetada, mas sim fruto de uma inspiração que surge e deve
ser transferida para a tela.
Se você hesita, segurando o pincel por tempo demais no lugar, ou apressa
se, ou tenta corrigir o que pintou, os borrões ficam muito evidentes. Mas se você
pintar bem terá ao mesmo tempo a sensação de que o trabalho está acontecendo
por si, que o pincel está desenhando sozinho – “como um rio que faz curvas
elegantes, seguindo a linha de menor resistência.” (WATTS IN: www.buggei.com.br
S/D).
A natureza dos materiais e técnicas de Sumie não permite re-trabalho ou
correção de erros, assim as pinturas imperfeitas são destruídas. Isso resulta em um
esforço maior por trás da pintura final. Isso é muito importante, pois é comum
verificar que alunos iniciantes, “[...] possuem um impulso para corrigir traços que não
saiam de acordo com o imaginado em primeira instância.” (JORDAN, 2002. p. 88)
Além do não re-trabalho, existe uma prática bem utilizada que é a utilização
do espaço em branco como forma de expressão, além do que se pinta no papel. O
espaço em branco não é visto como falta de pintura, ou que é o vazio. Na visão
oriental, o branco do papel sem preenchimento não significa que ele está vazio, mas
sim é uma composição da pintura, são considerados parte da obra, pois eles dão
vida a ela, do mesmo modo que dão lugar à imaginação do espectador.
84
Para completar a obra e pensando na combinação de elementos, uma pintura
Sumie sempre terá uma ligação entre a poesia, caligrafia, selo e imagem. Para
artistas chineses, é colocada sua identificação e da obra, por vezes são anexados
poesias ou fragmentos de prosa ao lado, não como legenda ou explicação, mas sim
como complemento. Os selos o utilizados como adorno e também com a intenção
de equilibrar a pintura. Com relação a isso:
Frequentemente utilizados em caligrafias e pintura, os selos
geralmente eram entalhados em pedras especiais.
muitos tipos de selos, principalmente aqueles utilizados para
nomes e pseudônimos, e são até mesmo entalhados com avisos ou poesia!
(CHUNJIANG, 2007. p. 125)
Para que a pintura saia perfeita, a qualidade do pincel deve ser alta, a fim de
produzir tons diferentes, mudar formas das linhas ao mesmo tempo. Para as tintas,
são utilizados suportes de pedras de um tipo ardósia, encontrados no rio e os
bastões de tinta.
Dentro da pintura Zen do Sumie, o artista deve aprender a usar
graciosamente a estocada do pincel no papel, de forma controlada. O excesso e a
falta de força podem distorcer a pintura. No Sumie, a meta é capturar a essência, o
chi (energia vital), o espírito ou a vida do assunto da pintura, evocando a poesia e a
natureza.
Na pintura, o pincel deverá estar perpendicular ao papel, quase em um
ângulo reto à o, estando firmemente agarrada a uma distância considerável do
ponto pelo polegar, indicador e dedo médio, figura 35.
85
Figura 35 – Como segurar o pincel para pintar Sumie
Foto: Rafael Furquim
Durante o processo da pintura, os dedos permanecem quase imóveis e o
trabalho é realizado pelo braço, que deve deslizar no ar, ou seja, não deverá estar
apoiado. Embora isso possa soar um tanto incômodo para os praticantes da Arte
Sumie, é a forma tradicional de ser feita. E como um antigo e não identificado sábio
mestre dizia: “Se segurando o pincel desta maneira parece incômodo, também a
isso te acostuma”.
Tal como a pintura, também o material é parco, mas essencial: pincéis, tinta
da China e papel, de arroz, geralmente; uma mesa baixa ou o próprio chão servem
de apoio. Os registros mais simples, por onde começa em regra toda a
aprendizagem, são os bambus. O pincel é colocado entre os dedos na posição
vertical e umedecido em água, na sequência é mergulhado na tinta o suficiente para
que apenas a ponta fique tingida. Depois, o gesto do braço fará o resto, mantendo
sempre a vertical. Tudo está contido no delicado equilíbrio entre a energia e o
controle de cada pincelada, mais do que na pressão do pincel e na opacidade da
tinta.
É necessário muito treino, grande destreza e concentração para se tornar um
artista de Sumie, capacidade reservada somente a alguns. A pintura/escrita é criada
com base em uma compreensão profunda do tema representado e em um sentir
intenso. Praticamente tudo se pode representar, desde animais a figuras humanas,
86
embora os temas tradicionais tendam ao reino vegetal: crisântemos, íris, orquídeas,
cerejeiras sakura, videiras, pinheiros surgem de modo recorrente.
Não é só o modo como se representa o tema que importa; se assim fosse, os
desenhos poderiam tornar-se monótonos e repetitivos, uma vez que seguem
algumas regras rígidas. Mas o dois iguais. A composição é muito importante e
obedece também ela, a certas regras canônicas. É na composição que se revela a
alma do artista, elegância e harmonia suprema que culmina com a aposição do
carimbo com o seu nome.
87
Figura 36 – Paisagem
Pintura: Erin Mizuta (s/d)
88
Figura 37 – Landschaft
Pintura: Rita Böhm 1996 até 1999
89
Figura 38 – Plantas
Imagem: Site Obvius (s/d)
Para que um Sumie seja executado, materiais simples são utilizados. Para
que a pintura saia perfeita, a qualidade do pincel deve ser alta, a fim de produzir tons
diferentes, mudar formas das linhas ao mesmo tempo, segundo Jordan, “[...] são
produzidos pela pressão de vários pigmentos de tinta juntos”.
O Sumie requer relativamente poucos materiais, e eles podem ser baratos. A
seguir, uma lista breve:
o Pincéis de cerdas macias;
o Bastão de tinta;
o Vasilhas com Água;
o Pano de Algodão;
o Prato e Papel.
90
Figura 39 – Materiais
Imagem: Augusto Jordan
Para a pintura, pincéis são feitos de uma variedade de pelos naturais, sendo
mais comuns os pelos de ovelha, lobo e veado, embora os de texugo e cavalo sejam
também ocasionalmente utilizados. O que é mais importante é que um pincel seja
capaz de fazer linhas e manchas com nuances diferentes. Ou seja, a cabeça do
pincel deve produzir manchas leves e pesadas, assim como meios-tons. Quando se
tem um bom pincel de Sumie, isso permite ao artista criar tons diferentes, além de
mudar a forma da linha ao mesmo tempo. Apesar de alguns bons pincéis de
aquarela serem convenientes para o Sumie, podem ser soltos demais para esse fim.
Outro ponto a ser notado em um pincel é se ele é bem equilibrado quando segurado
em ângulo reto em relação ao papel. Todas essas regras são seguidas, a fim de que
as pinturas saiam bem feitas.
Pelo de Marta É o mais procurado, pela textura macia. É tido como o oposto
do pelo de lontra. Permite bom controle das pinceladas devido ao alto grau de
absorvência e à capacidade de voltar à forma pontiaguda natural. Os pincéis mais
91
finos são os feitos de marta vermelha Kolinsky. São caríssimos, mas tomando-se os
cuidados de limpeza e conservação, é um investimento para toda a vida.
Pelo de Esquilo Pelo bom, fino. Tem sido a escolha de muitos pintores, pois
sua fineza permite reter mais líquido que outros tipos de pelo. Carece do vigor da
marta, mas produz boas escovas.
Pelo de Boi Segura bem a tinta, é mais espesso que o de esquilo, mas sem o
vigor e a forma pontiaguda da marta.
Pelo de Camelo Uma alternativa econômica para pelos macios, assim como
os de pônei, cavalo ou cabra.
Cerdas Pelo pesado, de qualidade inferior, geralmente usado em pintura a
óleo. Feito de pelo de porco. Têm vigor e resistência, mas falta uma ponta boa.
Usado em texturas amplas de aquarela.
Com relação às pedras utilizadas para a tinta, o extraídas de pedras de rio
como um tipo de ardósia. Possuem um pequeno reservatório para água, em que é
raspado o bastão de tinta, sendo o tipo mais famoso o chinês tankey. A superfície da
pedra é importante, pois se for muito áspera, a tinta não se dissolve propriamente e
perde seu brilho.
Os bastões de tinta, e no Sumie, existem bastões azuis e marrons, apesar de
existirem outras cores, que não são originais, são produzidos pela pressão de vários
pigmentos de tinta juntos. A tinta azul é feita de fuligem de madeira de pinheiro
queimado. Às vezes, contêm partículas duras advindas do processo da queima,
entretanto, têm mais nuances em seu efeito de espalhamento. A marrom é feita de
fuligem de óleo de sementes. As partículas do pigmento de tinta marrom são
menores e refletem mais luz. São muito usadas pelos pintores chineses.
Às vezes os bastões de tinta possuem gordura animal como envoltório. Por
isso, podem deteriorar-se ou estragar se não armazenados adequadamente. Deve-
se tomar muito cuidado ao secar o bastão após o uso e embrulhá-lo; por ser muito
sensível, pode secar e tornar-se quebradiço. A pedra de tinta deve também
constantemente ser limpa, pois sua superfície pode estragar.
Além dos tradicionais bastões de tinta, existem também as tintas que são
industrializadas, sendo as mais baratas e o requerem preparação (embora isso
estrague o propósito tradicional do Sumie como meditação, tanto na preparação
92
como na pintura real). Partículas de pigmento em tintas preparadas são maiores e
refletem luz menor. Tintas líquidas, portanto, têm muito menos nuances que os
bastões de tinta, e eles parecem menos tridimensionais. Por essa razão, a tinta
preta líquida é mais indicada à caligrafia.
Quanto aos pincéis, existem várias formas:
1. Arredondado - tem um corpo redondo que segura o pigmento
adequadamente e um afilamento para uma ponta afiada (cerda) ou quase afiada
(chato).
2. Reto ele segura grande quantidade de tinta e é útil para manchar áreas
grandes.
3. Escova - tem grande quantidade de pelo macio para mover muita tinta de
maneira solta, misturando áreas molhadas. É melhor utilizado para papel de alta
absorvência e para pintar paisagens fluidas, suaves e grandes tal como céus, por
exemplo.
4. Noz - Com uma ponta menos pontuda, os pincéis de pelos em forma de noz
são ótimos para trabalhar folhagens devido à sua forma oblonga.
5. Espanadores - são pincéis chatos em forma de escovas utilizados para
misturar óleo ou tinta acrílica. O espanador mais espesso é bom para um
espalhamento de tinta na aquarela.
93
Pincel 1
Pincel 2
Pincel 5
Fig. 40 – Tipos de Pincéis
Imagem: Augusto Jordan
Para que um Sumie seja considerado muito bom, a qualidade do papel deve
ser alta e existe um tipo específico de papel.
Para a caligrafia, a maioria dos trabalhos é desenhada em papel. Quando o
artista termina sua obra, as outras ferramentas tinta, pincéis e pedra de tinta
são postas de lado e os observadores contemplam apenas as imagens capturadas
no papel. Assim, pode-se afirmar que o papel é o material mais importante na arte
94
da caligrafia e do Sumie. Diz-se que o primeiro papel da história foi o Papiro, criado
no Egito antigo 4500 a.C. Então, no culo I, os chineses começaram a usar
papel feito de casca de árvore, linho e outras matérias vegetais. Seria esse o
primeiro papel da história da Ásia.
Dentre as muitas espécies de papel chinês, o Senshi, produzido em Senjo,
Ankisho, usando-se palha, é sempre um dos mais populares entre os calígrafos
chineses e japoneses, que é muito bom para fixar tons sutis de tinta. O Senshi é
simplesmente chamado o papel”, sendo recomendado pela maioria dos calígrafos.
O Japão é famoso pelo seu papel, o Washi. Feito de fibra de cascas de árvores
como Mitsumata, Kozo e Gampi, é fabricado pelo seguinte processo tradicional:
1. Seca-se as finas cascas de árvore ao Sol.
2. Enxágua-se as cascas no córrego.
3. Ferve-se e macera-se as cascas.
4. Mistura-se com uma solução de água e cola, até obter uma polpa.
5. Bate-se a polpa num cesto de bambu grande, que modela a polpa em folhas.
6. Seca-se cada folha ao Sol.
Talvez um dos aspectos mais importantes em relação ao papel é o manuseio.
Até o mais experiente dos artistas que escolhe a dedo o papel que incorpora as
qualidades ideais para seu projeto específico tem dificuldade em alcançar sua meta
artística em uma peça danificada de papel. A abertura dos papéis amassa-os e
embalsa-os muito facilmente. Ele deve ser manuseado o mínimo possível e sempre
segurado com ambas as mãos, pelas extremidades diagonais opostas.
4.6 A didática do Sumie
Aparentemente, e somente aparentemente, a pintura Sumie é algo de fácil
execução, devido à falsa ideia de que, por ser apenas uma pintura monocromática,
sua técnica é fácil, visto que, por vezes, a pintura é muito simples.
95
Contudo, quando nos referimos à arte e às técnicas Orientais, devemos
atentar ao fato de que tudo o que é feito tem um lado de respeito, organização,
espiritualidade. Como exemplo, a pintura Sumie apenas sai de forma correta e
expressiva quando se consegue esvaziar a mente e fazer a conexão da técnica com
o espírito.
De acordo com os conhecimentos Orientais, e obviamente o chinês, para se
poder executar qualquer tipo de tarefa, primeiramente devemos estar em uma
posição confortável, que favoreça a nossa respiração, ou seja, os pés totalmente
apoiados no chão, um local que tenha uma altura proporcional, que não seja baixo
nem alto, uma relação perfeita do corpo com a mesa, no caso. Outra forma de estar
adequado para a pintura é utilizar-se da velha arte de sentar ajoelhado, apoiado nos
calcanhares, deixando as costas eretas e a respiração mais fluida.
Para finalizar a parte preparatória do corpo, os chineses consideram que,
quando estamos sentados com as costas eretas, temos o equilíbrio e ao levantar o
braço para pintar, acontece o desequilíbrio do corpo; para compensar, a outra o
deve sempre estar apoiada na mesa, a fim de compensar o outro braço e equilibrar
de novo o corpo.
Voltando à pintura, a tinta no Sumie possui uma particularidade; ela é atingida
pela mistura do suzuri, que é o bastão de tinta, com água. De acordo com cada pote,
uma tonalidade de tinta será feita, do tom cinza mais claro, passando pelo tom
médio até o preto puro.
De acordo com a figura 41, podemos observar a exata colocação dos
materiais, seus locais devidos e suas funcionalidades.
Para começar, um feltro branco, e deve ser branco para contrastar com a
pintura, sempre servirá de apoio para o papel, pois com ele pode-se sangrar
7
o
desenho, sem se preocupar em manchar a superfície de trabalho.
Ao lado direito, para quem é destro, os outros materiais são distribuídos de
forma precisa. Como visto na figura 41, e tendo um olhar de cima para baixo,
podemos observar que existem quatro tipos de potes de dois tamanhos diferentes,
de nome suiteki (suichu). Para os menores, que estão à esquerda, são fabricadas as
7
Sangrar para a pintura significa ultrapassar os limites do papel com desenho, dando a sensação de
que o desenho tem uma continuação fora dos limites da folha.
96
tonalidades de cinza claro e cinza médio, já nos potes maiores, o primeiro tem a
função de possuir água limpa, primeiro para poder acrescentar água nos potes
menores e no suzuri-no-umi, que é o suporte de pedra para tinta. O pote abaixo
serve para limpar o pincel todas as vezes que forem necessário.
Figura 41 – Objetos para pintura Sumie
Foto: Fabricio Pereira Korasi
Ainda na figura 41, observamos um pequeno pano branco abaixo dos potes
menores, o qual serve para tirar o excesso de tinta quando necessário e também
para arrumar a ponta do pincel tantas vezes quantas forem necessárias.
Ao lado do pano branco, fica o suzuri-no-umi, com o suzuri sempre apoiado
ao lado direito, quando não estiver em uso, e acima do suzuri-no-umi, tudo para não
atrapalhar a execução da pintura. E, por fim, uma colher de café, que tem a função
de dar a medida de água para criar as tonalidades de tinta, duas no pote de cima,
uma e meia no pote de baixo e uma no suzuri-no-umi. O pincel nunca deve estar
encostado na mesa de trabalho, no desenho, ou em qualquer outro local; sempre
que não estiver em uso deve estar em cima dos potes maiores.
97
Figura 42 – Detalhe dos elementos para pintura
Foto: Fabricio Pereira Korasi
98
Figura 43 – Suzuri-no-umi
Foto: Fabricio Pereira Korasi
99
Figura 44 – Suzuri
Foto: Fabricio Pereira Korasi
A partir de todo esse ritual e procedimentos feitos, o artista estará pronto
para iniciar a sua produção. Ao esvaziar a mente de quaisquer pensamentos que
não sejam voltados ao Sumie, o artista deve iniciar a sua obra.
Com os tons de tintas prontos, o papel (kami) adequado, o pincel (fude)
certo, inicia-se a pintura. No caso de um iniciante, deve-se começar pela pintura do
100
Bambu, que é considerado o mais fácil dentre todos os estilos, além de ter uma
representatividade muito grande.
Figura 45 – Exemplo de Bambu
Pintura e Foto: Fabricio Pereira Korasi
101
Figura 46 – Exemplo de Bambu
Pintura e Foto: Fabricio Pereira Korasi
De início, os artistas acabam por fazer pequenos retoques em seus
desenhos, pois ainda o possuem a técnica correta e muito menos a sua ligação
com o espiritual. Deve-se sempre criar pinturas, pois dessa maneira atingirá a
técnica mais perfeita, para assim poder passar a outros estágios, ou outras imagens.
102
Figura 47 – Foto de um bambuzal
Foto: Fabricio Pereira Korasi
103
Figura 48 – Bambu
Pintura: Rita Böhm 1996 até 1999
Figura 49 – Bambu
Imagem: Site Obvius (s/d)
104
A partir do bambu, os artistas o evoluindo em sua arte e pintando os
outros três temas que compõem os quatro grandes temas da arte Sumie, o
crisântemo, a flor de ameixeira e a orquídea.
Mas não é nesses temas que a arte Sumie se revela, os artistas
verdadeiros conseguem atingir um grau de maturidade artística e espiritual a ponto
de criar outros Sumies, com outros significados, mas que são tão complexos e
consistentes quanto os grandes temas.
Figura 50 – Íris
Pintura: Shelly Roche (s/d)
105
Figura 51 – Montanha de Neve
Pintura: Shelly Roche (s/d)
106
Figura 52 – Círculo
Pintura: Erin Mizuta (s/d)
107
Figura 53 – Dragão
Pintura: Erin Mizuta (s/d)
108
Figura 54 – Fogo
Pintura: Erin Mizuta (s/d)
109
Figura 55 – Nuvens
Pintura: Erin Mizuta (s/d)
110
Figura 56 – Berinjela
Pintura: Rumi Fernandes (s/d)
111
Figura 57 – Haiga
Pintura: Rita Böhm (1996 até 1999)
112
Figura 58 – Tigre
Pintura: Rita Böhm (1996 até 1999)
Figura 59 – Pássaros
Pintura: Rita Böhm (1996 até 1999)
113
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao concluir este trabalho de pesquisa, pude perceber que a Arte Sumie é uma
arte muito complexa, apesar de sua aparente simplicidade, pois traz relações das
técnicas com a espiritualidade. É uma arte sensibilidade.
O processo evolutivo da Arte Sumie também chama a atenção por ser
derivada da caligrafia, que é considerada pelos chineses como sendo uma arte
superior, uma arte que está ligada aos mestres mais evoluídos.
Pesquisar o Sumie revelou-me um recorte de como é a cultura chinesa e suas
influências, tanto a japonesa quanto à ocidental.
As pinturas possuem cada uma, uma identidade própria. Isso proporciona
uma visão diferente das artes conhecidas, pois deve-se apreciar o Sumie com
dedicação, para tentar compreender o que o artista quis revelar, coisa que nem
sempre é possível.
Com relação às técnicas, o modo de se postar para pintar, a posição dos
materiais, a forma de segurar o pincel e de se executar a pintura, percebeu-se que
são muito complexos e que todos os detalhes devem ser respeitados, como a
posição do corpo, das mãos, principalmente dos materiais, que devem estar
dispostos de maneira correta, conforme explicado na dissertação, para que a pintura
saia de maneira mais fluida. Cada objeto tem um significado, que deve ser
respeitado, e uma ordem a ser utilizado. Devemos lembrar que a cada gesto que o
pintor faz ele deve pensar no equilíbrio do corpo, para que seu corpo esteja perfeito,
assim conseguirá atingir um alto grau de elevação do espírito.
Outro ponto relevante é o fato da mudança de atitude na pintura Sumie
japonesa, que acrescentou cor ao trabalho monocromático chinês. No caso do
Brasil, além de influências em estilos arquitetônicos, objetos e utensílios, e
esculturas, a pintura também chegou aqui, seja em tecidos, seja em leques. Até
mesmo o Sumie chegou ao Brasil, só que não pela China e sim pelo Japão.
O Brasil possui atualmente escolas que ministram aulas de pintura Sumie,
apresentam todas as regras, as técnicas e as práticas, proporcionando aos
brasileiros a experiência de se ter uma habilidade como o Sumie.
114
A Arte Sumie, sua sensibilidade, suas nuances devem ser muito mais
estudadas, mas analisadas, pois cada pintura tem uma “vida” particular, que revela
uma história de vida dos artistas e com alguns estudos de mais artistas podemos até
compreender como era a vida em sociedade e de que forma esses artistas letrados
foram importantes para uma sociedade imperial.Para os chineses, os letrados eram
aqueles que possuíam a técnica da caligrafia (Shodo), que eram considerados como
mestres de caligrafia, sendo considerada a arte mais importante e erudita, feita
apenas por poucos.
Um calígrafo poderia ser um artista de Sumie, levando em conta que muitos
traços feitos para a pintura provêm da arte caligráfica, mas, alguém que pratica o
Sumie necessariamente tem de ser um calígrafo. Para os chineses, essas artes
(Caligrafia e Sumie) são consideradas artes maiores, tendo de ser levadas com
muito respeito e muita dedicação.
O estudo do Sumie proporcionou-me maior conectividade com a cultura
chinesa, promovendo um olhar mais cuidadoso e interessante sobre os chineses,
observando as interações de arte com espiritualidade, descobrindo algumas formas
de caligrafia e sua importância e, principalmente, descobrindo que a Arte Sumie é
uma arte dedicada no sentir e desenhar.
115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Livros e artigos:
BARBOSA, Derly. Metodologia de estudos e elaboração de monografia. São
Paulo: Expressão e Arte. 2006.
CAMPOS, Haroldo de. Ideograma Lógica, Poesia e Linguagem. São Paulo:
Edusp. 2000.
Centro de Chado Urasenke do Brasil, Chanoyu - Arte e Filosofia. Ed. Aliança
Cultural Brasil Japão. 1995.
CHERNG, Wu Jyh, Tao Te Ching - O Livro do Caminho e da Virtude de Lao Tse"
(tradução direta do Chinês para o português). Editora Mauad. 1996.
CHUNG, Tom. Negócios com a China: desvendando os segredos da cultura e
estratégias da mente chinesa. São Paulo: Novo Século. 2005.
COLLINGWOOD, R. G. Los princípios del arte. México: Fondo de Cultura
Econômica. 1960. p. 33-36.
COUTO, Sérgio Pereira. A extraordinária história da China. São Paulo: Universo
dos Livros. 2008.
Cultura Chinesa. Ilustrado por Fu Chunjiang; traduzido para o inglês por Y N Han e
Geraldine Chay; [revisão científica Ednéa Iara Souza Martins; tradução Maria
Georgina de Melo]. Ed. Roca, São Paulo. 2007.
DURANT, Will. A história da civilização I Nova herança Oriental. 4ª edição. Rio
de Janeiro: Record, 1995. p.p. 427-429, 438-443, 480, 489-511.
ESCRITÓRIO DE INFORMAÇÃO DO GOVERNO. República da China. Panorama
da República da China. Impresso por Gráfica Sangirard.Trad. J. Alcântara Filho.
São Paulo, 1999.
FARIA, Ana Cristina de. CUNHA, Ivan da. FELIPE, Yone Xavier. Manual prático
para elaboração de monografias. São Paulo: Universidade São Judas Tadeu.
2005.
GIFFONI, Luís. China, o despertar do dragão: viagem ao milagre econômico
chinês. Belo Horizonte: Leitura. 2007.
116
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. ed. São Paulo:
Atlas. 1999.
GOMBRICH, E. H. A história da arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. p. 102-112.
GONÇALVES, Ricardo Mário. Revista Leia As bases da estética chinesa. Ano
VIII, nº. 81. Julho de 1985, p. 31.
INAJI, Toshiro. The Garden As Architecture: Form and Spirit in the Gardens of
Japan, China, and Korea. Japão: Hardcover. s/d.
JORDAN, Auguto. Um caminho para o Zen. vol.1. São Paulo: Kanji. 2002.
KATO, Shuichi. Japan Spirit & Form. Editora Hardcover. 1994.
LIN, Yu-t’ang. A sabedoria da Índia e da China. Rio de Janeiro: Irmãos Pogetti.
1955.
MARX, Karl. Revolution in China and in Europa in
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/china_3.htm Acessado em
(04/06/2008).
MEDEIROS, João Bosco. Redação científica, A prática de fichamentos, resumos
e resenhas. 5ª ed. São Paulo, 2003.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa Social. Rio de Janeiro: Vozes.
Petrópolis, 1994.
OSBOURNE, Harnold. Estética e teoria da arte. Uma introdução histórica. São
Paulo: Cultrix. s/d.
PISCHEL, Enrica - História da Revolução Chinesa, Lisboa: Europa-América, 3
vols, 1976.
PISCHEL, Gina. Breve história del arte chino. Barcelona: Labor. 1967. p.p. 5-8,
89-103.
REGO, Lígia. SANTOS, Lígia. Tomie Ohtake. São Paulo: Moderna. s/d.
RIBEIRO, Flexa. História crítica da arte. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura. 1962. p.
311-324.
117
ROCHA, Cristina. A cerimônia do chá e o zen-budismo. 1992.
http://www.dharmanet.com.br/zen/cha.htm (visitado em 30/04/2009)
ROSA, Nereide Schilaro Santa. A Fascinante Civilização da China. São Paulo:
D&Z. 2002.
ROWLEY, George. Princípios de la pintura china. Madrid: Alianza, 1981. p.p. 13-
14, 17-24, 30-32, 45-55, 79-81, 117-119, 126.
SCARPARI, Maurizio. A China antiga Grandes civilizações do passado.
Barcelona: Folio. 2006. Traduzido por Alexandre Martins.
SPEISES, Werner. L’art dans monde Chine espirit et société. Paris: Albin
Michel, 1960. p.p. 96, 216-217.
SUN, Lu. A verdadeira história de Ah Q. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
1986.
TSÉ, Lao. Tao Te Ching. São Paulo: Paulus. 2001.
UPJOHN, Everard M.; WINGERT, Paul S.; MAHLER, Jane Gaston. História
mundial da arte. São Paulo: Martins Fontes. 1966. p. p. 120-189.
WANG, Elisabeth Te-Chen. Las damas de la China. Buenos Aires: Goyanarte.
1963. p.p. 7-21, 51-71, 137-142.
Revistas:
GLAUJOR, Carlos Roberto Amorim. Pintura monocromática japonesa: sumi-ê.
Jornal Nipo-Brasil. Revisão: Prof. Dr. Koichi Mori.
http://www.nippobrasil.com.br/zz_historia/culturatradicional/419.shtml. Acessado em
24/04/2009.
Revista China – Passado/ Futuro, os contrastes da superpotência. Ano I. nº. 1.
Revista Desvendando a História – China. Ano 4. nº. 19.
Revista Exame – O ano da China. Edição 920, ano 42 – nº. 11. Junho de 2008.
Revista Mundo em foco – China a grande potência. Ano 2. nº. 2.
118
Revista National Geographic Brasil. Maio de 2008.
Revista Nova Escola - China. Ano XXIII. Nº. 210. Março de 2008.
RIVIERE, Jean. A Arte Oriental. Ed. Salvat. Rio de Janeiro. 1979.
SCHILLING, Voltaire. China - 1ª Parte (1842-1949). A Revolução chinesa: da
agressão Ocidental ao Maoísmo. Disponível em:
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/china_4.htm. Acessado em 03/06/2008.
Meios eletrônicos:
Confúcio IN: http://www.pensador.info/p/5_virtudes_confucio/6/ (visitado em
14/04/2009)
http://almanaque.folha.uol.com.br/ilustrada_20set1974.htm (visitado em 02/05/2007)
http://bugei.com.br/bugei/mentais/sumiezen.asp (visitado em 28/04/2007)
http://br.geocities.com/sidereusnunciusdasilva/confucio.htm (visitado em 15/05/2009)
http://topren.net/.../culture/calligraphy/calligra.html (visitado em 11/04/2009)
http://chehaochines.com.br/escrita.htm (visitado em 16/05/2008)
http://portuguese.cri.cn/chinaabc/chapter14/chapter140109.htm (visitado em
25/06/2008)
http://www.annbr.com/japannetwork/index. (visitado em 01/02/2007)
http://www.asci.com.br/oki/hp_japao_artes_p.html (visitado em 29/04/2007)
http://www.britannica.com/EBchecked/topic-art/111803... (visitado em 10/04/2009)
http://www.ccibc.com.br/pg_dinamica/bin/pg_dinamica.php?id_pag=704 (visitado em
15/05/20070
http://www.embchina.org.br/por/szxw/t263365.htm (visitado em 17/05/2007)
http://www.historiadomundo.com.br/chinesa/mapa-dinastia-yuan/ (visitado e,
28/08/08)
119
http://www.japones-unb.net/evento/posteres.html (visitado em 01/05/2007)
http://www.lautz.com.br/loja/product_info.php (visitado em 29/04/2007)
http://madeinjapan.uol.com.br/2006/03/02/sumie-a-arte-em-preto-e-branco/ (visitado
em 14/05/2007)
http://www.minhachina.com/index.htm (visitado em 06/11/2007)
http://www.nihonsite.com/sumie/arte.cfm (visitado em 02/05/2007)
http://www.nippo.com.br (visitado em 07/03/2009)
http://www.pensador.info/autor/Confucio/biografia/ (visitado em 24/09/2008)
http://www.q-and-x.org/developmentofchinesecalligraphy2 (acessado em
10/04/2009)
http://www.teatro-cornucopia.pt/htmls/conteudos/EElVkylVZuHbNDvxFU.shtml
(visitado em 06/06/2008)
120
Anexos
Anexo 1 – Vida e filosofia de Confúcio
Pouco se sabe acerca de Confúcio (Kung-fu-tzu). O sábio terá nascido em
551 a.C., no antigo principado de Lu, na moderna Xantum, descendente do clã dos
Kong. Sabe-se que a família era de origem nobre, mas por circunstâncias
desconhecidas a sua família era bastante humilde. Nessa época o regime imperial
entrava em decadência. [...] Confúcio começou a divulgar seus ensinamentos com a
idade de 50 anos. Empreendeu longas viagens. Viajando e conversando, atraiu
muitos discípulos, impressionados com sua sabedoria e a elevação de seu caráter.
Suas idéias expandiram-se pelo país e logo por toda a China. [...] Após longa
peregrinação, aos 69 anos, Confúcio retornou a sua terra natal, Lu, passando o resto
dos seus dias a ensinar e a escrever. [...] partir da Dinastia Han (206 a.C. - 220
d.C.), diversos governantes passaram a se inspirar nas ideias de Confúcio, para a
organização da sociedade. O filósofo, porém, não deixou uma obra escrita sua:
através de seus discípulos suas meditações foram recolhidas. Durante a dinastia
Han foram compilados os chamados clássicos de Confúcio. Entre eles estão vários
livros importantes da tradição cultural da China, como o "I-King" ou "I-Ching", "O
Livro das Mutações", o "Chu-King", "O Cânone da História", o "Chi-King", "O Livro
das Canções" e o "Li-King", "O Livro dos Rituais". O Templo de Confúcio, na cidade
de Qufu, atual província de Xantung, tornou-se, através dos séculos, local de
veneração. Sua filosofia ainda exerce imensa influência sobre o pensamento e a
mentalidade chinesa nos dias de hoje. Confúcio é, ainda hoje, o mais influente
filósofo chinês. [...] Nasceu em 551 a.C. e terá morrido em 479 a.C. Viveu, portanto,
72 anos.
Das idéias de Confúcio, por ação de seus discípulos, originou-se um sistema
de princípios filosóficos e morais que serviu de norma de comportamento à
sociedade chinesa durante mais de dois mil anos e exerceu notável influência sobre
toda a cultura da Ásia oriental.
Autodidata, tornou-se talvez o homem mais culto de sua época.
Impressionado com a miséria, a exploração e a corrupção reinantes na China,
121
dedicou-se à busca de meios para aliviar os sofrimentos do povo. Afirmava que o
governo devia ter como objetivo fundamental a felicidade dos súditos e não a
satisfação dos prazeres dos governantes.
Idéias pedagógicas. Confúcio pretendia ascender a um cargo administrativo
no qual pudesse pôr em prática suas idéias, mas não há indícios de que isso se
tenha concretizado, pois os governantes consideravam suas idéias perigosas.
Dedicou-se então a difundir entre os jovens os princípios filosóficos e morais que
tinha elaborado. Por meio do diálogo informal com pequenos grupos, formou
numerosos discípulos.
Baseados na ética, seus ensinamentos previam normas de conduta, como o
esforço constante para cultivar a própria pessoa e estabelecer assim a harmonia no
corpo social. O mestre, sem assumir postura autoritária ou dogmática, admitia
discordâncias e reconhecia muitas vezes que os discípulos tinham razão. Suas
atividades educacionais, embora não pregassem a revolução social, eram
revolucionárias em dois sentidos: ao darem relevo ao direito e ao dever das
decisões pessoais, solapavam os fundamentos do governo autoritário; e ao se
voltarem para indivíduos comuns, não raro de origem pobre, ameaçavam o
monopólio da aristocracia sobre as técnicas de governo.
Idéias religiosas e filosóficas. O confucionismo acabou por ser considerado
uma religião, mas Confúcio não foi um líder religioso no sentido habitual da palavra.
Admitindo a existência, ao lado do direito, de uma força que geria o universo,
apontava contudo como supersticiosos alguns princípios da religião da época e
chegou a condenar muitas de suas práticas.
Como pensador, atribuiu pouca importância à metafísica, à epistemologia e à
lógica. Sua teoria do conhecimento apresentava certas semelhanças com a que
serviu de fundamento à ciência moderna, pois era empírica e não dogmática. A
humanidade foi o tema central de sua filosofia: "A virtude consiste em amar os
homens. E a sabedoria, em compreendê-los."
Concebendo a humanidade como imensa família, Confúcio erigiu a
sinceridade e a reciprocidade como princípios fundamentais da vida. Ignorou a
pretensão dos aristocratas, que se julgavam descendentes de ancestrais divinos, e
122
estabeleceu o princípio segundo o qual o direito de governar depende da
capacidade de promover o bem-estar dos governados.
Influência. Não há como negar o efeito reformador que as propostas políticas
de Confúcio, sobretudo a partir da dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.), tiveram sobre a
estrutura do governo na China. Desde então, a administração passou a ser
controlada por ministros nomeados não em função de sua ancestralidade, mas por
seus dotes pessoais, o que possibilitou a homens de origem humilde o acesso à
cúpula do poder.
Foi provavelmente com bem mais de cinqüenta anos que Confúcio
empreendeu uma longa rie de viagens pela China. Aos 67, a pedido dos
discípulos, voltou para Lu, onde continuou a ensinar até a morte, em 479 a.C. A
revolução de 1911 suprimiu o culto oficial até então dedicado a ele.
123
Anexo 2 – A vida de Buda
O Buda Primordial (Kuon no Honbutsu) como o próprio nome diz é
"Primordial" é "Original". Não tem começo nem fim. É a divindade única que rege o
cosmos e que na história da humanidade, no momento da pregação dos Oito
Primeiros Capítulos do Caminho Primordial do Sutra Lótus (Honmon Happon e
somente durante este trecho) através do corpo físico do Buda Histórico revelou sua
existência, identidade e acima de tudo, pessoalmente nos transmitiu os
ensinamentos.
Portanto, a divindade e que, pela soberba compaixão e presença fez da Terra
a Terra Pura ao nos pregar os ensinamentos - o Namumyouhoureguekyou - fez de
nós os seres mais privilegiados dentre os seres.
o Buda Histórico, dentre incontáveis mundos do universo é o Buda
encarregado (pelo Buda Primordial) aqui da terra. É claro que é uma emancipação
do Buda Primordial, ou seja, uma manifestação física e transitória que nasceu com a
missão de nos ensinar sob a mesma forma "humana" e passando pelos mesmos
obstáculos mundanos, conseguiu atingir a iluminação e, principalmente expandi-Ia.
Justamente por ser transitório não é correto tê-lo como objeto de veneração.
Justamente por isso que nos templos da Butsuryu-Shu não existem estátuas de
Buda, ao contrário de tantos outros templos budistas. Não podemos venerar algo
temporário, sujeito a mutabilidade e, por mais iluminado que seja essa iluminação
não pode ter acontecido agora pela primeira vez.
A forma de venerarmos o Buda Primordial é venerando-o na sua forma
espiritual, a do Gohonzon. Não na estátua de Buda, pois o próprio Buda baniu tal
forma de devoção. Toda vez que oramos o Odaimoku incorporamos o Buda
Primordial e recebermos a virtude da sua iluminação.
O Termo "Buda" é um título, não um nome próprio. Significa "aquele que
sabe", ou "aquele que despertou", e se aplica a alguém que atingiu um superior nível
de entendimento e a plenitude da condição humana. Foi aplicado, e ainda o é, a
várias pessoas excepcionais que atingiram um certo grau de elevação moral e
espiritual que se transformaram em mestres de sabedoria no oriente, onde se
seguem os preceitos budistas.
124
Porém o mais fulgurante dos budas, e também o real fundador do budismo,
foi um ser de personalidade excepcional, chamado Siddharta
Gautama. Siddharta Gautama, o Buddha, nasceu no século VI a.C. (em torno
de 556 a.C.), em Kapilavastu, norte da Índia, no atual Nepal. Ele era de linhagem
nobre, filho do rei Suddhodana e da rainha Maya.
Logo depois de nascido, Siddharta foi levado a um templo para ser
apresentado aos sacerdotes, quando um velho sábio, chamado Ansita, que havia se
retirado à uma vida de meditação longe da cidade, aparece, toma o menino nas
mãos e profetiza: "este menino será grande entre os grandes. Será um poderoso rei
ou um um mestre espiritual que ajudará a humanidade a se libertar de seus
sofrimentos". Suddhodana, muito impressionado com a profecia, decide que seu
filho deve seguir a primeira opção e, para evitar qualquer coisa que lhe pudesse
influenciar contrariamente, passa a criar o filho longe de qualquer coisa que lhe
pudesse despertar qualquer interesse filosófico e espiritual mais aprofundado,
principalmente mantendo-o longe das misérias e sofrimentos da vida que se abatem
sobre o comum dos mortais. Para isso, seu pai faz com que viva cercado do mais
sofisticado luxo. Aos dezesseis anos, Siddharta casa-se com sua prima, a bela
Yasodhara, que lhe deu seu único filho, Rahula, e passa a vida na corte,
desenvolvendo-se intelectual e fisicamente, alheio ao convívio e dos problemas da
população de seu país. Mas o jovem príncipe era perspicaz, e ouvia os comentários
que se faziam sobre a dura vida fora dos portões do palácio.
Chegou a um ponto em que ele passou a desconfiar do porquê de seu estilo
de vida, e sua curiosidade ansiava por descobrir por que as referências ao mundo
de fora pareciam ser, às vezes, carregadas de tristeza.
Contrariamente à vontade paterna, que tenta forjar um meio de Siddharta não
perceber diferença alguma entre seu mundo protegido e o mundo externo, o jovem
príncipe, ao atravessar a cidade, se detém diante ante a realidade da velhice, da
doença e da morte.
Siddharta entra em choque e profunda crise existencial quando percebe, de
repente, que toda a sua vida parecia ser uma pintura tênue e mentirosa sobre um
abismo terrível de dor, sofrimento e perda a que nem mesmo ele estava imune. Sua
própria dor o fez voltar-se para o problema do sofrimento humano, cuja solução
125
tornou-se o centro de sua busca espiritual. Ele viu que sua forma de vida atual
nunca poderia lhe dar uma resposta ao problema do sofrimento humano, pois era
algo artificialmente arranjado. Assim, decidiu, aos vinte e nove anos, deixar sua
família e seu palácio para buscar a solução para o que lhe afligia: o sofrimento
humano.
Siddharta, certa vez, em um dos seus passeios onde acabara de conhecer os
sofrimentos inevitáveis do homem, encontrara-se com um monge mendicante. Ele
havia observado que o monge, mesmo vivendo miseravelmente, possuía um olhar
sereno, como de quem estava tranqüilo diante dos revezes da vida. Assim, quando
decidiu ir em busca de sua iluminação, Gautama resolveu se juntar a um grupo de
brâmanes dedicados a uma severa vida ascética. Logo, porém, estes exercícios
mortificadores do corpo demonstraram ser algo inútil.
A corda de um instrumento musical não pode ser retesada demais, pois assim
ela rompe, e nem pode ser frouxa demais, pois assim ela não toca. Não era
mortificando o corpo, retesando ao extremo os limites do organismo, que o homem
chega à compreensão da vida.
Nem é entregando-se aos prazeres excessivamente que chegará a tal. Foi
nesse momento que Siddharta chegou ao seu conceito de O Caminho do Meio:
buscar uma forma de vida disciplinada o suficiente para não chegar à completa
indulgência dos sentidos, pois assim a pessoa passa a ser dominada
excessivamente por preocupações menores, e nem à autotortura, que turva a
consciência e afasta a pessoa do convívio dos seus semelhantes. A vida de
provações não valia mais que a vida de prazeres que havia levado anteriormente.
Ele resolve, então, renunciar ao ascetismo e volta a se alimentar de forma
equilibrada. Seus companheiros, então, o abandonam escandalizados.
Sozinho novamente, Siddharta procura seguir seu próprio caminho, confiando
apenas na própria intuição e procurando se conhecer a si mesmo.
Ele procurava sentir as coisas, evitando tecer qualquer conceitualização
intelectual excessiva sobre o mundo que o cercava. Ele passa a atrair, então,
pessoas que se lhe acercam devido à pureza de sua alma e tranqüilidade de
espírito, que rompiam drasticamente com a vaidosa e estúpida divisão da sociedade
em castas rígidas que separavam incondicionalmente as pessoas a partir do
126
nascimento, como hoje as classes sociais e dividem estupidamente a partir da
desigual divisão de renda e, ainda mais, de berço.
Diz a lenda - e lendas, assim como mitos e parábolas, resumem poética e
figuradamente verdades espirituais e existenciais - que Siddharta resolve meditar
sob a proteção de uma figueira, a Árvore Bodhi. o demônio, que representa
simbolicamente o mundo terreno das aparências sempre mutáveis que Gautama se
esforçava por superar, tenta enredá-lo em dúvidas sobre o sucesso de sua tentativa
de se por numa vida diferente da de seus semelhantes, ou seja, vem a dúvida sobre
o sentido disso tudo que ele fazia. Siddharta logo se sai dessa tentativa de confundi-
lo com a argumentação interna de que sua vida ganhou um novo sentido e novos
referenciais com sua escolha, que o faziam centrarem-se no aqui e agora sem se
apegar os desejos que lhe causaria ansiedade. Ele tinha tudo de que precisava,
como as aves do céu tinham da natureza seu sustento, e toda a beleza do mundo
para sua companhia.
Mas Mara, o demônio, não se deu por vencido, e, ciente do perigo que aquele
sujeito representava para ele, tenta convencer Siddharta a entrar logo no Nirvana -
estado de consciência além dos opostos do mundo físico - imediatamente para
evitar que seus insight sobre a vida sejam passados adiante.
Neste ponto é possível que Buda tenha realmente pensado duas vezes, pois
ele sabia o quanto era difícil às pessoas abandonarem seus preconceitos e apegos
a um mundo resumido, por elas mesmas, a experiências sensoriais. Tratava-se de
uma escolha difícil para Siddharta: o usufruto de um domínio pessoal de um
conhecimento transcendente, impossível de expor facilmente em palavras, e uma
dedicação ao bem-estar geral, entre a salvação pessoal e uma árdua tentativa de
partilhar o conhecimento de uma consciência mais elevada com todos os homens e
mulheres.
Por fim, Siddharta compreendeu que todas as pessoas eram seus irmãos e
irmãs, e que estavam enredados demais em ilusórias certezas para que
conseguissem sozinhos, uma orientação para onde deviam ir. Assim, Siddharta, o
Buda, resolve passar adiante seus conhecimentos.
Quando todo o seu poder argumentativo e gico de persuasão falham, Mara,
o mundo das aparências, resolve mandar a Siddharta suas três sedutoras filhas:
127
Desejo, Prazer e Cobiça, que apresentam-se como mulheres cheias de ardor e
ávidas de dar e receber prazer, e se mostram como mulheres em diferentes idades
(passado, presente e futuro). Mas Siddharta sente que atingiu um estágio em que
estas coisas se apresentam como ilusórias e passageiras demais, não sendo
comparáveis ao estado de consciência mais calma e de sublime beleza que havia
alcançado. Buda vence todas as tentativas de Mara, e este se recolhe, à espreita de
um momento mais oportuno para tentar derrotar o Buda, perseguindo-o durante toda
a sua vida como uma sombra, um símbolo do extremo do mundo dos prazeres.
Siddharta transformou-se no Buda em virtude de uma profunda transformação
interna, psicológica e espiritual, que alterou toda a sua perspectiva de vida. "Seu
modo de encarar a questão da doença, velhice e morte mudo porque ele mudou"
(Fadiman & Frager, 1986).
Tendo atingido sua iluminação, Buda passa a ensinar o Dharma, isto é, o
caminho que conduz à maturação cognitiva que conduz à libertação de boa parte do
sofrimento terrestre. Eis que o número de discípulos aumenta cada vez mais, entre
eles, seu filho e sua esposa. Os quarenta anos que se seguiram são marcadas pelas
intermináveis peregrinações, sua e de seus discípulos, através das diversas regiões
da Índia.
Quando completa oitenta anos, Buda sente seu fim terreno se aproximando.
Deixa instruções precisas sobre a atitude de seus discípulos a partir de então:
"Por que deveria deixar instruções concernentes à comunidade? Nada mais resta
senão praticar, meditar e propagar a Verdade por piedade do mundo, e para maior
bem dos homens e dos deuses. Os mendicantes não devem contar com qualquer
apóio exterior, devem tomar o Eu por seguro refúgio, a Lei Eterna como refúgio... e é
por isso que vos deixo, parto, tendo encontrado refúgio no Eu".
Buda morreu em Kusinara, no bosque de Mallas, Índia. Sete dias depois seu corpo
foi cremado e suas cinzas dadas às pessoas cujas terras ele vivera e morrera.
128
Anexo 3 – A vida de Lao Tsé
Em sua introdução de sua tradução da obra de Lao Zi TAO TE CHING: O
Livro do Caminho e da Virtude, o Wu Jyh Cherng comenta sua história conforme os
registros do o cânon religioso taoísta, “Lao Tse teria nascido na província de Na
Hue, na cidade de Guo Yang, no 25º dia da segunda lua do ano Ken-Tzen da era
Wu-Tin (no período entre 1324 – 1408 A.C.).”
Segundo a mesma fonte, seu pai seria um famoso alquimista da dinastia San
que viveu mais de cem anos. Sua mãe e mestra o teria concebido ao engolir uma
pérola de luz, e sua gestação teria demorado oitenta e um anos. “Lao Tse nasceu do
lado esquerdo das costelas da sagrada mãe, no jardim da família sob uma árvore de
nome Li (ameixeira), com cabelos brancos e orelhas grandes. Por isso, recebeu o
nome de Lao Tse (filho velho) e Li Er (orelha grande da ameixeira).” A união dos
termos chineses para velho e criança em seu nome justificam seu título de Senhor
do Fim e do Princípio.
Foi convidado pelo rei Wen para ser o responsável pela biblioteca real e
assumiu o cargo de historiador real até o 19º dia da quinta lua do 25º ano da era do
rei Zhao, ano em que “iniciou sua grande viagem para o ocidente, com intuito de
chegar aos reinos da atual Índia, Afeganistão e Itália. Durante a viagem,
permaneceu algum tempo na fronteira de Yü Men e aceitou o oficial-chefe da
fronteira como discípulo. Ditou-lhe vários escritos, entre eles o Tao Te Ching.”
Até este ponto, temos a história mais divulgada sobre a vida do autor do Tao
Te Ching, a continuação desta história registrada no canôn taoísta não é tão
conhecida.
Ainda segundo o texto de Wu Jyh Cherng:
“Muitos anos depois, teve sua ascensão no deserto de Gobi, durante a qual
emanou raios de luz em cinco cores, transformando-se em corpo de luz dourada e
desaparecendo no céu.”
“Após sua ascensão, retornou novamente à terra encarnado como filho único
do senhor Li Po Yang da província Shu.” Seu discípulo Yi Shi, o oficial da fronteira, o
reencontrou na aldeia da família Li. Diante dele a criança de três anos de idade
revelou sua verdadeira imagem. Seu corpo cresceu, transformando-se em luz
129
dourada branca. “Lao Tse pronunciou mais um ensinamento: o Tratado Maravilhoso
do Princípio Solar do Tesouro do Espírito (Ling Bao Yuan Yang Miao Ching). Após
concluir seu ensinamento, os duzentos membros da família Li ascencionaram
seguidos por Lao Tse e Yi Shi. Isso aconteceu no dia 28 de abril de 1118 a.C.”
“Depois do segundo nascimento e ascensão, Lao Tse ainda retornou
inúmeras vezes para transmitir os ensinamentos e para ordenar as novas tradições.
Por isso, é chamado pelos taoístas como Sublime Patriarca do Caminho.”
130
Anexo 4 – Feng Shui
Informações retiradas do site: www.fengshui.com.br. Visitado em 18/03/2009.
O Feng Shui é a antiga arte chinesa de criar ambientes harmoniosos.
Originou-se há cerca de 5.000 anos, nas planícies agrícolas da China Antiga. Seu
desenvolvimento vem sendo desde então, aumentado e evoluído, chegando aos
dias de hoje, como uma disciplina capaz de nos oferecer um sistema completo, nos
ligando intimamente à natureza e ao Cósmico. Seus diagnósticos e resoluções são
capazes de resolver quase todos os problemas envolvendo uma casa e as pessoas
que moram nela. o adaptados ao moderno estilo de vida, nos levando a entender
e compreender uma sabedoria muito profunda que nos ensina a "viver em harmonia
com a natureza". Em outras palavras, o Feng Shui é uma antiga arte chinesa que
visa a harmonizar os ambientes em que as pessoas vivem e trabalham,
conseguindo-se assim, uma vida mais feliz e cheia de Bênçãos Cósmicas. Suas leis
e princípios foram desenvolvidas através dos séculos e transmitidas oralmente de
Mestre para discípulo.
Seria correto dizer que o Feng Shui é a antiga ciência chinesa que visa a
localização de diferentes tipos de energia em um local. A palavra ciência, aqui, não
tem e nem pretende ter a conotação da ciência moderna. Quando dizemos ciência,
significa um sistema no qual os princípios e regras foram baseados em observações
e dados estatísticos ao longo dos anos. Quem pode dizer que isso é superstição?
A tradução literal do termo Feng Shui é Vento-Água. Mas significa muito mais
que isso. Os chineses dizem que essa arte é como o vento que não se pode
entender, e como a água, que não se pode agarrar. E também é o vento que traz a
água das chuvas para nutrir tudo o que está embaixo.
Atualmente, existem duas escolas principais de Feng Shui, embora com
técnicas diferentes, ambas têm fundamentos e leis comuns, sendo suas principais
diferenças, no que se relaciona com a forma das construções, originando a escola
das formas, e com as direções dos aposentos, casas e portas, a escola das
direções, ou da bússola. Existem muitas outras escolas, sendo as mais avançadas
as que utilizam o fator "tempo" como principal método de diagnóstico e tratamento.
131
Suas teorias são baseadas no pensamento máximo chinês, o I Ching,
juntamente com as leis do yin yang e cinco elementos - vitais em toda a cultura
chinesa. Portanto, para se estudar mais profundamente o Feng Shui, deve-se ter em
mente, que um estudo aprimorado e profundo dos 64 hexagramas do I Ching se faz
necessário, e também as leis do yin yang, os opostos complementares, e os cinco
elementos e seus relacionamentos. Toda esse estudo visa o entendimento do modo
chinês de ver e entender o mundo e o universo, com seus relacionamentos e
eternos ciclos de mudança. Lembre-se sempre: "Mudança é a Lei da Vida".
Tudo na natureza muda e nunca é estável. Seu eterno processo de mudança,
de mutação, mostra ao homem que toda a natureza, o universo inteiro, sempre
muda e evolui, nunca ficando estagnado e parado no tempo. Assim, deveríamos agir
desta mesma maneira em relação às nossas vidas. Negligenciar que as coisas se
transformam, é fechar os olhos para eventos que sentimos durante toda a nossa
vida.
É importante salientar uma coisa: o fanatismo, seja ele em qual nível que se
aplique, nunca é benéfico, trazendo resultados que às vezes podem ser destrutivos
e nos afastar do caminho da sabedoria. Em Feng Shui isso é uma grande regra a se
seguir. As pessoas têm uma tendência natural de considerar seja o Feng Shui ou
qualquer outro sistema, como uma verdade absoluta, baseando toda a sua rotina
nisso, e esquecendo que dentro de nossos relacionamentos, existem outros fatores
de responsabilidades. Por isso, não devemos nos afastar da vida em sociedade, e
sim, passar a considerar nossa vida e a das pessoas que nos cercam, como um
todo em que tudo está relacionado.
Os grandes Mestres de Feng Shui do passado praticavam, juntamente com
essa arte, a Medicina Tradicional Chinesa e também o Chi Kun o Tai Chi e o Nai
Kun. Tais práticas sempre estiveram juntas, pois um médico chinês entende que se
uma pessoa tem algum problema, isso foi gerado por alguma razão. Assim, ele vai
até a casa do paciente olhar o que pode estar errado e o que pode ter gerado a
desarmonia, conseguindo, assim, duas formas de diagnóstico e tratamento.
Infelizmente, hoje em dia as coisas são diferentes, e poucas pessoas podem ser
chamadas de Mestres de Feng Shui.
132
Hoje em dia, o Feng Shui é praticado em todo o mundo. Seu maior
desenvolvimento acontece em Hong Kong, Malásia, Singapura e Taiwan. Embora
sua origem seja chinesa, os próprios chineses perderam o conhecimento dessa arte,
principalmente pelas conseqüências da Revolução Cultural. Os valores foram
invertidos, e muito da cultura tradicional chinesa foi esquecida e deixada em
segundo plano. Aliás, é interessante notar a inversão de valores do ocidente com o
oriente. O ocidente procura o oriente, em suas práticas milenares como a
acupuntura, as massagens, as lutas marciais, alimentação e modo de se vestir. E o
oriente está cada vez mais se ocidentalizando, buscando valores diferentes dos de
sua cultura e, podemos até dizer, valores principalmente baseados no materialismo.
Atualmente, além das "capitais" do Feng Shui, a Europa e os Estados Unidos têm
tido um grande desenvolvimento desta prática, embora nem sempre preservando a
tradição verdadeira. Muitas pessoas e praticantes aderem ao Feng Shui após terem
certas idéias formadas, sendo muito difícil andar por um novo caminho, sem trazer a
poeira e as influências dos anteriores. Infelizmente, isso tem contribuído para a
desvirtuação atual do sistema, ficando a cargo do leitor e estudioso a diferenciação
dos conceitos verdadeiros e dos aspectos falsamente chamados "técnicas de Feng
Shui."
O Feng Shui não oferece cura para todos os problemas da humanidade. Ele
deve ser entendido como um dos vários sistemas existentes da filosofia chinesa, e
não uma panacéia para todos os males. Ele não traz sucesso da noite para o dia,
nem é uma mágica milagrosa. Mas se você aplicar seus conceitos cuidadosamente,
ele fará sua vida mudar de rumo.
133
Anexo 5 – Os Imperadores da China
Esta é a lista dos imperadores chineses (também conhecidos como Filhos do
Céu), indicando a data em que estes controlaram a China, até a queda do último
imperador em 1911.
Após o nome de cada Imperador, é apresentado o parentesco deste com seu
antecessor (caso exista).
Dinastia Qin
Qin Shihuang (221 a.C. - 210 a.C.), "Primeiro Imperador"
Qin Er Shi (210 a.C. - 207 a.C.). Filho.
Dinastia Han Ocidental
Gaodi (206 a.C. - 195 a.C.).
Huidi (195 a.C. - 188 a.C.). Filho.
Lu Hou (Regente, 188 a.C. - 180 a.C.). Mãe. Colocou no trono Shaodi Kong e
Shaodi Hong, dois outros filhos de Gaodi com concubinas menores.
Wendi (180 a.C. - 157 a.C.). Filho de Gaodi.
Jingdi (157 a.C. - 141 a.C.). Filho.
Wudi (141 a.C. - 87 a.C.). Filho.
Zhaodi (87 a.C. - 74 a.C.). Filho.
Liu He (141 a.C.). Neto de Wudi.
Xuandi (74 a.C. - 49 a.C.). Neto de Wudi.
Yuandi (49 a.C. - 33 a.C.). Filho.
Chengdi (33 a.C. - 7 a.C.). Filho.
Aidi (7 a.C. - 1 a.C.). Irmão?
Pingdi (1 a.C. - 6 d.C.). Neto de Yuandi, sobrinho de Chegdi.
Ruzi (7 - 9). Trineto de Xuandi.
Wang Mang (9 - 23). Cunhado de Yuandi, fundou a Dinastia Xin, não
reconhecida oficialmente.
Dinastia Han Oriental
Guang Wudi (25 - 57)
134
Mingdi (57 - 75). Filho.
Zhangdi (75 - 88). Filho.
Hedi (88 - 106). Filho.
Shangdi (106). Filho.
Andi (106 - 125). Sobrinho de Hedi.
Shundi (125 - 144). Filho.
Chongdi (144 - 145). Filho.
Zhidi (145 - 146). Trineto de Zhangdi.
Huandi (146 - 168). Bisneto de Zhangdi.
Lingdi (168 - 189). Trineto de Zhangdi.
Xiandi (189 - 220). Irmão.
Os Três Reinos: Reino de Wei
Wei Wendi (220 - 226). Cunhado de Xiandi.
Mingdi (227 - 239).
Shandi (240 - 253).
Gao Gui Xiang Gong (254 - 260).
Yuandi (260 - 264).
Os Três Reinos: Reino de Wu
Wudi (222 - 252).
Feidi (252 - 258).
Jingdi (258 - 264).
Modi (264 - 280).
Os Três Reinos: Reino de Shu Han
Xuande (221 - 223).
Hou Zhu (223 - 263). Filho
Período de Desunião: Dinastia Jin Ocidental
Jin Wudi (265 - 289).
Huidi (290 - 306). Filho.
135
Huaidi (307 - 312). Irmão.
Mindi (313 - 316). Filho.
Período de Desunião: Dinastia Jin Oriental
Yuandi (317 - 322).
Mingdi (323 - 325).
Chengdi (326 - 342).
Kangdi (343 - 344).
Mudi (345 - 361).
Aidi (362 - 365).
Hai Xi Gong (366 - 370).
Jian Wendi (371 - 372).
Xian Wudi (373 - 396).
Andi (397 - 418).
Gongdi (419).
Dinastia Liu Song
Wudi (420 - 422).
Ying Yang Wang (423).
Wendi (424 - 453).
Xiao Wudi (454 - 464).
Mingdi (465 - 472).
Cang Wu Wang (473 - 476).
Shundi (477 - 479).
Dinastia Qi
Gaodi (479 - 482).
Wudi (483 - 493).
Mingdi (494 - 498).
Dong Hunhou (499 - 500).
Hedi (501).
136
Dinastia Liang
Wudi (502 - 549).
Jian Wendi (550).
Yu Zhang Wang (551).
Yuandi (552 - 554).
Jingdi (555 - 556).
Dinastia Chen
Wudi (557 - 559).
Wendi (560 - 566).
Lin Hai Wang (567 - 568).
Xuandi (569 - 582).
Hou Zhu (583 - 589).
Reunificação: Dinastia Sui
Wendi (581 - 604).
Yangdi (604 - 617).
Gongdi (617 - 618).
Dinastia Tang
Gaozu (618 - 626).
Taizong (626 - 649).
Gaozong (649 - 683).
Zhongzong (684).
Ruizong (684 - 690).
Wu Zetian (690 - 705).
Zhongzong (restaurado) (705 - 710).
Ruizong (restaurado) (710 - 712).
Xuanzong (712 - 756).
Suzong (756 - 762).
Daizong (762 - 779).
Dezong (779 - 805).
137
Shunzong (805).
Xianzong (805 - 820).
Muzong (820 - 824).
Jingzong (824 - 827).
Wengzong (827 - 840).
Wuzong (840 - 846).
Xuanzong (846 - 859).
Yizong (859 - 873).
Xizong (873 - 888).
Zhaozong (888 - 904).
Aidi (Zhaoxuan) (904 - 907).
As Cinco Dinastias: Liang Posterior
Taizu (907 - 910).
Modi (911 - 923).
As Cinco Dinastias: Tang Posterior
Zhuangzong (923 - 926).
Mingzong (926 - 934).
Feidi (934 - 935).
As Cinco Dinastias: Jin Posterior
Gaozu (936 - 944).
Chudi (944 - 947).
As Cinco Dinastias: Han Posterior
Gaozu (947 - 948).
Yindi (948 - 951).
As Cinco Dinastias: Zhou Posterior
Taizu (951 - 954).
Shizong (954 - 960).
138
Dinastia Song do Norte
Taizu (960 - 976).
Taizong (976 - 997).
Zhenzong (998 - 1022).
Renzong (1022 - 1063).
Yingzong (1064 - 1067).
Shenzong (1068 - 1085).
Zhezong (1086 - 1101).
Huizong (1101 - 1125).
Qinzong (1126).
Dinastia Song do Sul
Gaozong (1127 - 1162).
Xiaozong (1163 - 1190).
Guangzong (1190 - 1194).
Ningzong (1195 - 1224).
Lizong (1225 - 1264).
Duzong (1265 - 1274).
Gongzong (1275).
Duanzong (1276 - 1278).
Bing Di (1279).
Dinastia Yuan
Khublai (1279 - 1294). , neto de Gengis Khan
Temur Oljeitu (1294 - 1307).
Khaishan (1308 - 1311).
Ayurbarwada (1311 - 1320).
Shidebala (1321 - 1323).
Yesun Temur (1323 - 1328).
Tugh Temur (1328 - 1329).
Khoshila (1329).
139
Tugh Temur (restaurado) (1329 - 1332).
Toghon Temur (1333 - 1368).
Dinastia Ming
Hongwu (1368 - 1398).
Jianwen (1399 - 1402).
Yongle (1403 - 1424).
Hongxi (1425).
Xuande (1426 - 1435).
Zhengtong / Tianshun (1436 - 1449).
Jingtai (1450 - 1457).
Zhengtong / Tianshun (restaurado) (1457 - 1464).
Chenghua (1465 - 1487).
Hongzhi (1488 - 1505).
Zhengde (1506 - 1521).
Jiajing (1522 - 1567).
Longqing (1567 - 1572).
Wanli (1573 - 1620).
Taichang (1620).
Tianqi (1621 - 1627).
Chongzhen (1628 - 1644).
Dinastia Qing
Shunzhi (1644 - 1661).
Kangxi (1661 - 1722). Filho.
Yongzheng (1723 - 1735). Filho.
Qianlong (1736 - 1795). Filho.
Jiajing (1796 - 1820). Filho.
Daoguang (1821 - 1850). Filho.
Xianfeng (1851 - 1861). Filho.
Tongzhi (1862 - 1874). Filho.
Tseu-Hi (Regente,1861-1908).
140
Guangxu (1875 - 1908). Sobrinho de Xiangfeng.
Puyi (1908 - 1911). Sobrinho de Guangxu.
Obtido em "http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_imperadores_da_China"
141
Anexo 6 – Ikebana, Cerimônia do Chá
Ikebana - http://bukaru.zevallos.com.br/ikebana.htm
Professora Vera Regina Gomes
Artigo elaborado por: Alessandra Freire Magalhães de Campos, aluna do
Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução – Letras Japonês – Universidade
de Brasília – UNB
De todas as artes tradicionais japonesas, talvez a mais conhecida e
intensamente praticada nos dias de hoje seja a ikebana, a arte dos arranjos florais.
Mesmo com uma origem que remonta a centenas de anos passados, ela mantém-se
como elemento essencial no universo artístico contemporâneo. Transcendeu o seu
espaço no tradicional altar da casa japonesa (tokonoma), para ingressar no dia-a-dia
do mundo moderno. De maneira similar, a ikebana não é mais uma arte de domínio
exclusivo de artistas ou ornamentadores japoneses, pois, entre seus entusiastas,
estão criadores de arranjos profissionais e amadores de todas as nações e áreas de
atividade. Esta nova dimensão acrescentada ao uso e significado da ikebana, não
alterou de modo algum os conceitos básicos de estrutura, espaço e naturalismo
desenvolvidos e aperfeiçoados através dos séculos.
Dessa maneira, resolvi percorrer um pouco do universo da ikebana,
conhecendo um pouco da sua definição e desvendando o berço de suas origens e
expressão atual.
O trabalho a seguir procura apresentar alguns aspectos dessa arte,
descortinando o panorama de seu conceito, surgimento e características básicas de
técnica e abordagens.
A palavra ikebana é geralmente traduzida como "a arte japonesa de arranjo
floral", mas os materiais de ikebana podem incluir galhos novos, parreiras, folhas,
frutos, grama, bagas, sementes e flores, bem como plantas murchas e secas. De
fato, pode ser usada qualquer substância natural e, na ikebana contemporânea,
também se usa vidro, metal e plástico. Sendo uma das artes tradicionais do Japão, a
ikebana desenvolveu uma linguagem simbólica e conceitos decorativos com o uso
de flores e ramos efêmeros torna a dimensão de tempo uma parte integral da
142
criação. A relação entre os materiais; o estilo do arranjo; o tamanho, forma, volume,
textura e cor do recipiente; e o lugar e ocasião da exposição são todos fatores vitais
e importantes. Com sua história de 500 anos, tem havido uma grande variedade de
formas, desde modestas peças para decoração caseira, até trabalhos esculturais
inovadores que podem ocupar todo um salão de exposição.
A par da enorme variedade da obra contemporânea, as formas tradicionais
continuam a ser estudadas e criadas. Além disso, a prática de ikebana, também
chamada kado, ou o Caminho das Flores, tem sido buscada como forma de
meditação na passagem das estações, do tempo e da mudança. Suas origens
religiosas e forte ligação com o ciclo natural do nascimento, crescimento,
decadência e renascimento conferem a ikebana uma profunda ressonância
espiritual.
A diversidade da paisagem natural do Japão e a maneira campesina de vida
proporcionaram condições para o desenvolvimento da ikebana. Uma influência
decisiva foi à introdução do Budismo, a partir da China no século VI e, com ele, o
costume de oferecer flores (kuge) ao Buda e às almas dos mortos. A arte do arranjo
floral começou a prosperar na época Muromachi. Havia uma tradição de arranjo de
flores em vasos, mas agora as flores começavam a ser dispostas de modo a
aumentar a apreciação dos vasos. Foi Ikenobo Senkei que introduziu o arranjo floral
na sala de chá. Como era de se esperar, a decoração floral em sala de chá não
devia produzir um efeito de beleza elegante, mas sim expressar pureza e
simplicidade em um esforço para penetrar as profundezas da natureza.
A oferta tomou a forma de uma composição simples e simétrica de três
hastes, mas, no século XVII, tinha evoluído para um estilo chamado rikka,
literalmente "flores em pé", criado por monges budistas das escolas ikenobo. Esta
forma elaborada de arte era feita em vasos altos de bronze e exigia um alto grau de
habilidade técnica. O ramo principal, simbolizando o céu ou a verdade, era
geralmente assimétrico, pendendo para a direita ou para a esquerda antes de sua
parte superior retornar para o eixo vertical central. Muitos outros ramos, cada um
com seu significado simbólico e função decorativa, emergiam de uma esfera
imaginária central. Como um todo, uma obra de rikka era um microcosmo que
representava todo o universo através da imagem de uma paisagem. As
143
características principais - assimetria, simbolismo e profundidade de espaço -viriam
a exercer uma forte influência nas tendências futuras.
Contrastando fortemente com rikka, a austera chabana, literalmente "flores de
chá", teve origem como parte da cerimônia do chá (cha-no-yu), no século XVI.
Composta de uma ou duas flores ou galhos num pequeno recipiente, chabana
tornou-se a base de um estilo espontâneo denominado negeire, significando
"arremessar em", que era feita num vaso alto com poucos materiais, e utilizava
meios técnicos sutis para produzir uma evocação simples e poética de beleza
natural. Rikka e negeire definem uma espécie de contraponto na história
subseqüente da ikebana. Por um lado, havia uma ênfase na técnica elaborada,
escala grande simbolismo e estilos fixos. Por outro lado, havia espontaneidade,
simplicidade e respeito pelas características naturais dos próprios materiais. A
tensão entre os dois conduziria a todas as inovações na arte.
O mundo natural do Japão sempre proporcionou belíssimas flores em todas
as estações; sua beleza tem enfeitado a singela vida cotidiana das pessoas em
todas as idades. Em certa época na vida do povo japonês, esta beleza chegou a ter
significado espiritual. Durante o período Edo (1600-1869), o Japão gozou de paz
interna e crescimento econômico estável. A ikebana, até então uma arte exclusiva
dos monges budistas, membros da Corte e aristocracia, começou a ser praticada
mais amplamente pelos samurais, comerciantes ricos e outros, inclusive mulheres.
Durante esse período, o estilo rikka tornou-se rígido e formalizado, e aparece um
estilo mais simples chamado seika ou shoka - ambos escritos com os mesmos
caracteres chineses -, significando "flores vivas" e que ganhou cada vez mais
popularidade. Embora ainda um tanto formal, o seika usava uma composição de três
hastes, baseada num triângulo assimétrico ou escaleno. Muitas escolas novas
promoviam suas próprias versões, mas os três ramos tornaram-se unanimemente
conhecidos como: ten (céu), chi (terra) e fin (ser humano). As variações desta forma
tornaram-se a base de todas as instruções de ikebana, mesmo nas escolas mais
modernas.
Outro desenvolvimento importante durante este período foi o surgimento de
arranjos inspirados na literatura (bunjin-bana), que refletiam a sensibilidade dos
sábios e pintores chineses. Os arranjos bunjin-bana tiveram uma forte influência no
144
estilo nageire, que havia se desenvolvido a partir da chabana. Uma vez que o bunjin-
bana era praticado como uma forma de expressão pessoal, os arranjos tinham um
caráter casual que era bastante diferente da austeridade da casa de chá, ou da
formalidade do rikka ou seika. Além disso, as origens chinesas adicionaram uma
nova riqueza de cor e variante literária.
A abertura do Japão para a influência ocidental a partir do início da era Meiji
(1868-1912) trouxe grandes mudanças a todos os aspectos da vida nacional. Na
ikebana, o estilo chamado moribana, literalmente "flores amontoadas", criado por
Ohara Unshin (1861 -1916), fundador da escola Ohara, revolucionam
completamente a arte. Enquanto que em todos os estilos tradicionais os materiais
eram reunidos para emergir do recipiente num único ponto, Ohara usava várias
espécies de suportes para arrumar plantas numa superfície expandida em
recipientes ocos, chamados suiban (bacia de água). Este permitia a utilização de
materiais novos importados que não podiam ser acomodados aos estilos antigos.
Também permitia a criação de estilos de paisagem, shakei, que reproduziam cenas
da natureza numa maneira simbólica. Outro inovador importante foi Adachi Choka
(1887-1969), que adotou moribana e descreveu seu trabalho simplesmente como
"decorativo".
As inovações continuaram com o aparecimento de muitas outras escolas
modernas. Toshigahara Sofu (1900-1979), fundador da escola Sogetsu promoveu a
ikebana como uma arte moderna que deveria encorajar a expressão livre e criativa.
No período pós-guerra, trabalhos de vanguarda, ou zen'eibana, ampliou os poderes
de expressão da ikebana, incorporando abordagens abstratas esculturais e
surrealistas e aumentando a escala de trabalhos e variedade de materiais utilizados.
Além disso, as escolas tradicionais como ikenobo, ao mesmo tempo em que
mantinham seus estilos clássicos e criavam versões modernas de rikka e seika,
acrescentaram abordagens mais recentes, inclusive moribana aos seus currículos. O
cenário contemporâneo é dominado por três grandes escolas: Ikenobo, Ohara e
Sogetsu, cada uma com cerca de um milhão de membros. Apesar disso, há também
várias outras escolas grandes e pequenas. As escolas mais importantes
estabeleceram filiais e grupos de estudo em todo o mundo, e a Ikebana
145
Internacional, uma organização que representa muitas escolas, foi fundada em
Tokyo, em 1956, e promove a arte em escala global.
A ikebana continua a ser praticada por muitas pessoas comuns não filiadas a
escolas específicas e é parte íntima da vida diária no Japão. Arranjos decoram as
casas ao longo de todo o ano e materiais específicos são associados a ocasiões e
festivais especiais. O pinho de folha perene, simbolizando a eternidade, é o material
preferido para o Ano Novo e é tradicionalmente acompanhado por bambu, de grande
flexibilidade, e por ramos floridos de damasco. No dia 3 de março, dia do Festival
das Bonecas (Hine-Matsuri), também conhecido como Festival das Meninas, ramos
floridos de laranjeira são expostos juntamente com as bonecas tradicionais. O íris
japonês, simbolizando a força masculina, é usado no dia 5 de maio, Dia das
Crianças, e o bambu é parte das decorações para o Tanabata, o Festival das
Estrelas, no dia 7 de junho.
As plantas devem ter bastante água para se conservarem frescas o maior
tempo possível. Várias técnicas são usadas para preservar a frescura das plantas.
Estas incluem quebrar, ferver ou queimar a base dos caules e a aplicação de vários
produtos químicos. Contudo, o método mais comum é cortar a base dos caules
debaixo da água (misugiri) e usá-los imediatamente. Para restaurar a vitalidade das
flores e folhas, devem ser cortadas debaixo da água e os caules deixados
submersos por, pelo menos, trinta minutos.
Muitas ikebanas contemporâneas são de duas espécies: moribana e
nageire.
Enquanto que a moribana é feita num recipiente achatado com agulhas, ou
kenzan, a nageire é composta num vaso alto com uma variedade de métodos
usados para manter os materiais no lugar.
Quando se usa um kenzan, cortam-se galhos grossos em diagonal, e
colocam-se nos suportes de agulhas. As flores e outros materiais com hastes tenras
devem ser cortados em horizontal e inseridos diretamente nas agulhas em posição
vertical, e depois ajustados para a gente ou para trás até o ângulo desejado. Com
materiais como grama, que são mais finos do que as agulhas individuais do kenzan,
uma pequena peça adicional do mesmo ou de material diferente pode ser ajustada à
base para aumentar a espessura.
146
Para arranjos em vasos altos, o método oridome é usado para uma variedade
de materiais. A haste fica na boca do recipiente, a porção que pende é colocada
contra a superfície interior, e a base pode estender até ao fundo do vaso. O método
de auto-suporte (kiridome) é usado para flores com haste grossa. A base é cortada
sobre um ângulo e colocada diretamente contra a superfície interior do vaso. No
método Joko-waridome, a base do galho é fendida horizontalmente e um suporte é
inserido num ângulo reto. A peça cruzada deve ser fixada com firmeza contra a
superfície interior do vaso. Para usar uma escora vertical (tate-waridome), a base do
caule é colocada verticalmente, e uma escora é segura dentro da fenda. A base da
haste escorada toca a superfície interior ou o fundo do recipiente.
Em princípio, qualquer recipiente pode servir para a ikebana.
Tradicionalmente, têm sido muito usados vasos de bronze ou cerâmica, peças
laqueadas, pedaços de bambu e até abóboras secas. Contudo, o recipiente também
é considerado uma parte integrante do trabalho. Quando se usar uma tigela larga e
rasa (suiban), o uso sutil da superfície da água desempenha um papel importante no
sucesso da obra. Os recipientes feitos de aço inoxidável, de vidro e de várias
substâncias sintéticas são comuns na ikebana moderna; contudo, quando se faz um
arranjo num vaso de vidro transparente, deve-se tomar um cuidado especial com a
porção do trabalho visível dentro do recipiente. Qualquer que seja o recipiente
utilizado, a base do arranjo deve ser nítida e concentrada. Quando for utilizar um
vaso alto, evite encher toda a boca com materiais.
Enquanto o domínio de qualquer arte requer uma longa prática com um
professor qualificado, há um ponto básico sobre os quais os professores de todas as
escolas concordam. Primeiro, é preciso levar em conta que op que as plantas
parecem no seu estado natural é o ponto de partida para qualquer trabalho. Uma
vez cortadas e removidas da natureza (ou estufa) tornam-se materiais para uma
composição com se caráter próprio e singular. Ao examinar os materiais, deve-se
observar a forma na sua totalidade em vez dos detalhes mais atraentes. Com as
camélias, por exemplo, é o ramo completo, e especialmente as folhas, que são mais
importantes e não as flores, que podem ser removidas de sua posição natural e
reajustadas em um lugar onde serão mais efetivas na forma geral do arranjo. O ato
de curvar pode conferir aos ramos uma curva agradável, mas pode também servir
147
para endireitar ramos arqueados. A remoção de detalhes desnecessários é uma
habilidade essencial e aparar os galhos deve ter por objetivo enfatizar a beleza da
linha. A remoção de alguns botões de ramos de cerejeira, ameixa ou pêssego serve
não para revelar a linha, mas também para realçar a beleza dos botões
remanescentes.
Todos os materiais naturais também podem ser usados como linha,
superfície, cor ou massa. Uma grande folha, exemplo, tem uma superfície
poderosa, mas também pode ser mostrada de perfil para funcionar como uma linha.
Todas as flores têm uma "face" que é orientada numa direção específica. Ao colocar
a flor, deve-se considerar se ela deve ser mostrada de frente, de perfil ou voltada
para o lugar oposto do observador. As flores são geralmente usadas com suas
folhas, mas as folhas de um íris ou narciso são muitas vezes separadas do talo,
reagrupadas em conjuntos mais agradáveis, e depois reunidas com a flor para dar
uma aparência que é ao mesmo tempo "natural" e efetiva como elemento na
composição.
O arranjo floral tipicamente japonês (ikebana) data do século XV. Em sua
forma básica, o arranjo ikebana segue um padrão fixo: um triângulo cujos vértices
representam o céu, a terra e o homem. Ênfase é dada à perfeição de linhas, à
harmonia das cores, ao espaço e à forma. Cada arranjo contém a natureza em todos
os seus aspectos, dando singular valorização ao natural.
muitos estilos de ikebana, com diferentes filosofias por trás de cada um,
cada qual segue suas próprias regras e técnicas de arranjo, sem perder de vista o
essencial da arte. Alguns estilos são extremamente simples, outros são mais
extravagantes. Hoje em dia, mais de 3000 escolas de ikebana, com mais de 15
milhões de estudantes.
A ikebana é, portanto, mais uma importante expressão artística japonesa,
onde podemos perceber é penetrar no pensamento de seu povo, por meio da
unidade com a natureza e compreender um pouco mais de sua relação com o
universo.
148
Figura 60 – Ikebana
Artista: Sensei Astrid Stadt (2007)
Figura 61 – Ikebana
Artista: Sensei Astrid Stadt (2007)
Cerimônia do Chá - http://br.geocities.com/superjapanbr/cha.html
149
O Tchâ-no-yu (Cerimônia do chá) ou Sadôo (literalmente, o caminho do chá),
é um sentimento que dificilmente pode ser expresso por palavras. Desenvolvida sob
influência do budismo Zen (cujo objetivo é purificar a alma do homem, confundindo-a
com a natureza), de certa forma pode-se dizer que o chanoyu é a materialização do
empenho intuitivo do povo japonês pelo reconhecimento da verdadeira beleza na
modéstia e simplicidade.
O Tchâ-no-yu tem desempenhado um importante papel na vida artística do
povo japonês, pois envolve a apreciação do modo onde é realizada, o jardim que
o circunda, os utensílios utilizados, a decoração do ambiente. Representando a
beleza da simplicidade estudada e da harmonia com a natureza, o espírito do Tchâ-
no-yu moldou o desenvolvimento da arquitetura, jardinagem paisagística, cerâmica e
artes florais no Japão.
O hábito de tomar chá teve origem na China, durante a dinastia Han (sec. I e
II). Dada a sua preciosidade, inicialmente foi usado como remédio, mas com o
tempo passou a ser bebida de imperadores, nobres, sacerdotes, notadamente da
seita Zen.
No século XII, quando o budismo Zen se firmou no Japão, o monge Eisai
introduz o uso da Macha (cem pó) oriundo da China e que substitui o chá em
tijolo, usado desde o século VII.
No silêncio dos mosteiros Zen, onde os monges tomavam chá para se manter
em vigília e meditação, aos poucos foi se desenvolvendo uma filosofia de vida que
deveriam encontrar sua realização no chadô e sua cristalização estética no Tchâ-no-
yu ou Cerimônia do Chá.
Coube a Murata Shuko (1422-1502), natural de Nara, unificar definitivamente
o ideal do chá com a filosofia Zen: estabeleceu a medida de 04 tatamis (esteira) e
meio para sala de chá - medida até hoje obedecida; utilização de cerâmica japonesa
ao invés da chinesa; e introdução de um kakemono (rolo de caligrafia chinesa
contendo um poema ou pensamento). Criou o daisu - pequena estante para abrigar
os objetos cerimoniais e ainda elaborou um regulamento para a cerimônia, baseado
no digo de honra dos samurais, o Bushidô e na etiqueta seguida pelos monges
Zen durante as refeições.
150
No século XVI,o Mestre Sen-no-Rikyu com base no espírito do Zen, deu
estrutura definitiva à cerimônia do chá. Criou a cabana do chá, imbuída de espírito
wab (desprendimento), cabana rústica de camponês, paredes toscas, teto de bambu
ou de caniço, decoração sóbria. Baseou-se ainda em quatro princípios a essência da
cerimônia: Wa (harmonia), Kei (respeito), Sei (pureza) e Jaku (tranqüilidade).
Após a morte de Sen-no-Rikyu seus ensinamentos foram transmitidos aos
seus descendentes e discípulos. Á época de seus tataranetos três diferentes escolas
foram fundadas: Omotensenke, Urasenke, Mushakojinsenke e continuam em
atividade até hoje.
Para o povo japonês, o tchâ-no-yu é uma disciplina mental para conseguir
chegar ao "wabi" (estado mental no qual a pessoa é calma e feliz, com profunda
simplicidade); é, ao mesmo tempo, um acontecimento em que são essenciais a
forma e a graça.
As regras rigorosas da etiqueta do tchâ-no-yu que podem parecer penosas e
meticulosas à primeira vista são, de fato, calculadas minuto a minuto, a fim de obter
a maior economia de movimentos e, na verdade, agrada aos iniciados assistir a sua
execução, especialmente quando realizada por mestres experimentados.
São utilizados os seguintes lugares, coisas e materiais:
1) Casa de cou sukiya Consiste em uma sala de c(cha-shitsu), uma
sala de preparo (mizu-ya), sala de espera (yoritsuki) e de um caminho ajardinado
(roji) que leva a entrada da cada.
151
Figura 62: Sala de Cerimônia do Chá
Fonte: http://br.geocities.com/superjapanbr/cha.html
2) Utensílios – Na cerimônia se usa principalmente: shaire (recipiente do chá),
shasem (uma espécie de vassourinha de chá feita de bambu para mexer o chá).
Figura 63: Objetos para a cerimônia
Fonte: http://br.geocities.com/superjapanbr/cha.html
152
Kama e Furô (chaleira e braseiro):
Kama contém a água e é posta sobre o
furô para ferver (no inverno, cria-se um ro, ou lareira no chão, removendo-
se parte
das placas do soalho).
Mizussáshi:
um jarro. A água por ele contida é usada para lavar o tchawan
(tijela de chá) ou é despejada no kama.
Kensui: pote em que se despeja a água usada para lavar o tchawan.
Tchawan: pequena tijela para o chá.
Hishaku: concha para despejar água.
Ussuki ou Natsumê: recipiente de Iaca para o ussutchá (chá em pó).
3) Trajes e acessórios roupas de cores discretas. Em ocasiões formais, os
homens vestem quimono de seda, de três ou cinco brasões de família estampados e
tabi (meias brancas ou tradicionais). As mulheres vestem um quimono conservador
brasonado e tabi. Os convidados devem trazer um pequeno leque dobrável e uma
almofada de kaishi ( pequenos guardanapos de papel).
A cerimônia, de forma simplificada, consiste em:
1) primeira sessão na qual uma refeição ligeira denominada kaiseki é servida;
2) o nakadachi (breve pausa);
3) gozairi, a parte principal da cerimônia onde o koicha (chá de textura
espessa é servido)
4) ingestão do usucha ( chá de textura fina).
Ao todo a cerimônia consome em média 4 horas.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo