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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
SELMA RIZÉRIO BETARESSI PAVARINI
LÍNGUA: QUESTÕES IDEOLÓGICAS, DISCURSIVAS E A IDENTIDADE
CULTURAL. QUAL SERÁ, REALMENTE, O SEGREDO?
São Paulo
2008
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SELMA RIZÉRIO BETARESSI PAVARINI
LÍNGUA: QUESTÕES IDEOLÓGICAS, DISCURSIVAS E A IDENTIDADE
CULTURAL. QUAL SERÁ, REALMENTE, O SEGREDO?
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Letras.
Orientadora: Profª. Dra. Rosemeire Leão da
Silva Faccina
São Paulo
2008
P337L Pavarini, Selma Rizério Betaressi
Língua: questões ideológicas, discursivas e a identidade
cultural. Qual será, realmente, o segredo? / Selma Rizério
Betaressi Pavarini. - - São Paulo, 2008.
168 p. : il. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade
Presbiteriana Mackenzie, 2008.
Orientação: Profª Drª Rosemeire Leão da Silva Faccina.
Bibliografia: p.: 126-133
1. Análise do discurso. 2. Identidade cultural. 3. Ideologia.
4. Discurso. 5. Pós-Modernidade. 6. Auto-Ajuda. I. Título.
CDD: 401.41
SELMA RIZÉRIO BETARESSI PAVARINI
LÍNGUA: QUESTÕES IDEOLÓGICAS, DISCURSIVAS E A IDENTIDADE
CULTURAL. QUAL SERÁ, REALMENTE, O SEGREDO?
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Letras.
Aprovada em
BANCA EXAMINADORA
Profª. Dra. Rosemeire Leão da Silva Faccina – Orientadora
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profª. Dra. Vera Lúcia Harabagi Hanna
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profª. Dra. Marilena Zanon
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Ao grande tripé Jair Neuza Welington, que me
constitui enquanto ser humano, a quem devo valores
de vida e onde paira a minha mais pura essência. Foi
com eles que descobri o meu lado que pesa e
pondera e outro, que delira. Nesse lindo e mágico
tripé, realizo e vivo, com maestria, os meus inúmeros
sujeitos sociológicos: sou a menina, a filha, a
esposa, a mulher, a professora, a fada; recuo,
avanço, sonho, fantasio, brilho, caminho, voou e amo
incondicionalmente.
AGRADECIMENTOS
A Deus, força incontestável, por tudo, por permitir que eu desfrutasse de suas
mais belas criações, por estar ao meu lado em todos os momentos de minha vida,
por colocar pessoas especiais e mágicas no meu caminho, por escutar todas as
minhas preces, todos os meus desejos e todos meus muitos agradecimentos, pelo
conforto, por apaziguar meu coração, por conhecer minha mente e minha alma.
Obrigada, meu Deus, por me acompanhar sempre, por iluminar todos os dias da
minha vida e por ter a importância que tens para mim.
Aos meus pais, Jair Betaressi e Neuza Rizério Betaressi, fontes inesgotáveis de
sabedoria, dedicação e amor. Obrigada por me escolherem, pela educação, pelo
incentivo, pelos conselhos, pela paciência, por serem metade de tudo que sou e pelo
amor infinito.
A Welington Pavarini Junior, amor da minha vida, meu marido, amigo,
companheiro e confidente de todas as horas e momentos, por viver e sonhar sonhos
lindos e mágicos comigo. Buscamos nossos limites, voamos e realizamos juntos.
Somos duas partes de um todo encantador, especial e sensível.
À Universidade Presbiteriana Mackenzie, todo seu corpo docente do Mestrado
em Letras e demais funcionários pelo carinho, por ser minha grande base
educacional na Graduação e no curso de Mestrado, pelo estímulo à cultura, ao
desenvolvimento institucional e à educação e conscientização dos jovens brasileiros.
Ao Instituto Presbiteriano Mackenzie por todo apoio acadêmico e incentivo na
realização deste projeto. Este trabalho foi financiado em parte pelo Fundo
Mackenzie de Pesquisa.
A minha querida orientadora, Profª. Dra. Rosemeire Leão da Silva Faccina, sem a
qual não teria concluído mais essa etapa, por todo apoio pessoal e acadêmico, pela
paciência, por acreditar e desafiar comigo, pelo exemplo de profissional e mulher e
por seu comprometimento com a qualidade deste trabalho e com meu
desenvolvimento enquanto pesquisadora.
À Profª. Dra. Vera Lúcia Harabagi Hanna e à Profª. Dra. Marilena Zanon por
terem constituído minha banca, por acompanharem meu crescimento, pelas
conversas, sugestões e contribuições extremamente valorosas para a produção final
deste trabalho.
À Profª. Dra. Nancy dos Santos Casagrande e à Profª. Dra. Regina Helena Pires
de Brito pela disponibilização das condições de suplentes da banca e pela leitura de
nosso trabalho de forma tão generosa.
A minha família, pessoas singulares, minha base, minha fortaleza, o lugar onde
sou completa e inteira. Obrigada por todos os momentos, pela compreensão, pelo
acalento, por sentir o amor singelo e verdadeiro da vida.
A Marliete Rizério da Silva Gonçalves, por todos os mimos e carinhos infinitos de
sempre, por ser alguém, que de seu modo, fez parte das primeiras palavras, das
primeiras letras e de meus primeiros e grandes passos e me acompanha em muitas
e valiosas etapas da vida.
Aos meus primos e primas pela linda caminhada que estamos fazendo pela vida,
pelo crescimento juntos, por errar, tropeçar e por me tornarem uma pessoa melhor.
A minha família do coração, representada por Welington Pavarini e Irene Janice
Pavarini, por tudo que significam em minha vida, pelo acolhimento, pelo amor
infinito, por acompanharem meu crescimento, pela confiança e por estarem comigo
em todos os momentos mágicos.
Aos meus alunos, às crianças, aos adolescentes e aos adultos, que fizeram parte
de toda essa realização, por alimentarem todos os meus sonhos, por acreditarem
em mim e por serem os interlocutores dos meus mais sinceros, profundos e
esperançosos discursos.
À irmã de alma, Beatriz Araújo da Silva, pelas horas infinitas de conversa, por
todos os momentos de surtos, por acreditar em minhas idéias, em meus discursos,
em minhas palavras, em nosso projeto, em nossa amizade eterna, por todas as
contribuições, instantes de deleites consagrados em nossas memórias e em nossos
corações.
A todos os amigos e amigas por tornarem a caminhada mais prazerosa, mais
digna de ser vivida, por todo aprendizado e por lições que se perpetuarão em minha
vida.
Ao Colégio Aldeia dos Pandavas, fruto das eternas e brilhantes lições
pedagógicas e de vida, lugar onde aprendi, cresci, sonhei e realizei.
À família Arita, por tudo que me proporcionaram na vida, pelo carinho, confiança,
dedicação, por me fazerem descobrir um novo e lindo mundo dentro de mim.
A todas as pessoas que são fascinadas pelos milhares discursos, pelas
formações ideológicas e discursivas, pelo intrigante universo da linguagem e todos
os seus efeitos de sentido.
em certos indivíduos uma inquietação
inexplicável, uma fúria que os atira ao
desconhecido. Levados por uma disposição
absurda e uma necessidade imperiosa,
mobilizam todas as forças na realização
suprema de seus fins, sem que nada no mundo
possa detê-los. Enquanto persistem em suas
metas, nem sempre claras e aceitas pela
maioria, conseguem dissipar todo embaraço e
dar forma ao inconcebível. (Luís Augusto
Contador Borges)
Resumo
Este trabalho aborda as formações ideológicas da situação histórica atual, dentro do
livro The Secret O Segredo da autora Rhonda Byrne, que motivam seu contexto
geral de formações discursivas. O homem pós-moderno depara-se com a fase em
que tem sua relação com o discurso, porém perde referências e manifestações na
desarticulação das infinitas complexidades ideológicas e das representações de
novos papéis sociais. O livro explora essas questões atuais desse sujeito e, por
meio da linguagem e de seus perfeitos arranjos, pretende centralizá-lo e unificá-lo,
prometendo a descoberta de uma centralização humana que está na relação eu/ tu.
Dessa forma, analisam-se os posicionamentos do enunciador nos enunciados, os
dêiticos de pessoa e lugar, as formações ideológicas e discursivas inseridas nos
enunciados, evidenciando os efeitos de sentido no discurso, na linguagem e no
sujeito pós-moderno, baseados nos estudos da Análise do Discurso de Linha
Francesa e da Identidade Cultural.
Palavras-Chave: Análise do Discurso. Identidade Cultural. Ideologia. Discurso. Pós-
Modernidade. Auto-Ajuda.
Abstract
This work approaches the ideological formations in the historic and current situation,
inside the The Secret O Segredo by Rhonda Byrne, the author, who induces its
general context of discursive formations. The post-modern man faces the stage
which he has his relation with the discourse, nevertheless, he loses references and
manifestations in the disconnecting of the infinite ideological complexities and the
representations of new social roles. The book explores these subject’s current
questions and, through the language and its perfect arrangements, intends to
centralize and unify him, promising the discovery of the human centralization which is
in the relation I/ you. In such a manner, the enunciators’ positions in the contexts, the
words of place and person, the ideological and discursive formations inside the book,
showing the sense’s effects in the discourse, in the language and in the post-modern
subject are analyzed, based in the studies of French Discourse Analysis and Cultural
Identity.
Keywords: Discourse Analysis. Cultural Identity. Ideology. Discourse. Post-Modern
Period. Self-Help.
SUMÁRIO
Considerações Iniciais............................................................................................14
Capítulo 1 - Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os
sentidos, a história e a ideologia em uma abordagem reflexiva.........................21
1.1 Fundamentações Teóricas e Contextualizações Históricas ................................22
1.1.1 Discurso ...........................................................................................................26
1.1.2 Formações Ideológicas e Formações Discursivas ...........................................31
1.1.3 Os Eixos Sintaxe/Enunciação, Ideologia e Discurso – A Prática de Análise....34
1.2 A integração entre Ideologia, História e Sujeito...................................................37
1.2.1 Ideologia: um fato social...................................................................................37
1.2.2 Ideologia e sua definição discursiva.................................................................40
1.2.3 O Sujeito e o Inconsciente................................................................................42
1.2.4 A História delineando o Sujeito ........................................................................45
1.3 A Teoria da Análise Discursiva............................................................................47
1.3.1 O olhar minucioso no processo da prática discursiva ......................................47
1.4 A Identidade Cultural...........................................................................................51
1.4.1 A Língua como Identidade Cultural ..................................................................56
Capítulo 2 - Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento ...................59
2.1 Literatura de Auto-ajuda: salvação, declínio e mercado promissor. O que por
trás dessa roupagem literária....................................................................................60
2.1.1 Defender ou Condenar?
“Eu jamais leria auto-ajuda”. “Eu já li, um dia, faz tempo”. “Eu leio e não vejo
problema algum”. Auto-ajuda e suas múltiplas leituras .............................................66
2.1.1.1 Uma perspectiva mística ...............................................................................66
2.1.1.2 Uma perspectiva egoísta...............................................................................67
2.1.1.3 Uma perspectiva ascética .............................................................................68
2.1.1.4 Concluindo as perspectivas...........................................................................69
2.1.2 Auto-Ajuda: Preconceito e Função Social ........................................................70
2.1.3 O Maior Fenômeno Editorial da História: O Segredo .......................................72
2.1.4 Quem é Rhonda Byrne? ..................................................................................76
2.1.5 O Texto-Matriz e os Hipertextos.......................................................................78
2.2 “O Segredo para o Dinheiro”: A análise propriamente dita..................................81
2.3 “O Segredo para a Saúde”: Outro enfoque, o mesmo olhar analítico ...............102
Considerações Finais ...........................................................................................121
Bibliografia.............................................................................................................126
Bibliografia baseada no texto fundador O Segredo – Fontes Secundárias .............132
Anexos ...................................................................................................................134
Anexo A...................................................................................................................135
Anexo B...................................................................................................................136
Anexo C ..................................................................................................................137
Anexo D ..................................................................................................................154
Considerações Iniciais
Por cima do abismo
estende-se minh’alma
tensa como um cabo
onde me equilibro,
malabarista de palavras.
(Maiakovski)
Considerações Iniciais
15
Com o surgimento de uma forma disciplinar atual das ciências sociais, um quadro
mais perturbado e perturbador do sujeito e da identidade estava começando a
mostrar-se, oriundos dos movimentos estéticos e intelectuais relacionados com o
Modernismo, nos idos do início do século XX.
Considerando a situação do momento histórico atual, início do século XXI,
encontra-se a materialização de um ser humano isolado, exilado ou alienado,
colocado contra o cenário da multidão ou da metrópole anônima e impessoal,
fenômeno observado pela Globalização. No contexto da fragmentação das
identidades modernas, emerge um fenômeno literário, em vendas e em repercussão
pública: o livro O Segredo (2007) da autora Rhonda Byrne. Esse deslocamento do
indivíduo pós-moderno deve-se a uma série de rupturas nos discursos do
conhecimento moderno. Dessa forma, voltaremos nossa atenção para o discurso ou,
os discursos, desse corpus que vende a total superação centralizadora desse
homem atual, remediando todas as suas angústias afetivas, financeiras,
relacionadas à saúde e as suas vivências particulares.
A justificativa da escolha do tema, em relação a essa possibilidade de analisar o
mundo por meio da língua, encontra-se no contato com a linha teórica da
Lingüística, mais precisamente, com a Análise do Discurso. Tamanho fascínio
origina-se no momento em que percebemos a maneira de realizar conexões entre
língua, mundo e indivíduo. Além disso, o estudo, nesse campo, considera que
expressões e manifestações simbólicas visuais ou orais carregam, em si, ideologias
e diálogos constantes uns com os outros, convergentes ou divergentes.
Para tal, pensaremos a língua e todas as formações discursivas e ideológicas
dentro do corpus da obra O Segredo (2007) de Rhonda Byrne. Todas as condições
de produção do texto precisarão ser analisadas, como o contexto sócio-cultural,
ideológico e político, no qual a obra está inserida, os papéis dos enunciadores e dos
enunciatários e o conteúdo lingüístico.
É, portanto, esse modo de visualizar o mundo, em cada processo de eleição das
estratégias para constituir o texto, que suscita horas de reflexão, estudo, prazer e
deleite científico.
O objetivo geral deste trabalho é realizar um estudo a respeito das organizações
e estratégias discursivas em um livro de auto-ajuda, que evidenciam o momento
histórico atual pós-moderno e refletir o modo que os discursos recuperam questões
pessoais do sujeito atual, aproximando-o de todo material enunciativo.
Considerações Iniciais
16
O corpus será o livro O Segredo da autora Rhonda Byrne, tradução de Marcos
José da Cunha, Alexandre Martins e Alice Xavier, 1ª edição, Rio de Janeiro: Ediouro,
2007, que é produzido a partir de uma relação entre sujeitos.
Com a fundamentação teórica da Análise do Discurso de Linha Francesa e com
os estudos sobre a Identidade Cultural, são pretendidos os seguintes objetivos
específicos:
Fazer levantamento da bibliografia específica que servirá de base para
elaboração do Capítulo Teórico, que enfocará a Análise do Discurso e a
Identidade Cultural;
Realizar levantamento das obras secundárias a respeito do tema “o segredo”;
Analisar os posicionamentos do enunciador nos enunciados;
Analisar os dêiticos de pessoa e lugar;
Analisar as formações ideológicas e discursivas inseridas nos enunciados,
evidenciando os efeitos de sentido no discurso, na linguagem e no sujeito
pós-moderno;
Analisar de que modo as definições de Ideologia e Discurso estão presentes
no gênero literário da literatura de auto-ajuda;
Analisar os conceitos de Cultura, Língua como Identidade Cultural, Sujeito e
Inconsciente frente à ideologia do “Peça, Acredite e Receba”.
Considerando a Ideologia como conjunto de idéias que remete a visões de
mundo, o livro O Segredo (2007) de Rhonda Byrne será repensado como discurso
que cogita uma leitura acerca do mundo atual e todas as suas especificidades.
Isso envolverá os vários discursos existentes dentro da obra, as coerções que
ditam as variações ideológicas e a recuperação que se realiza em partir da memória
discursiva dos enunciatários. O processo do interdiscurso e a materialização no
intertexto serão os percursos necessários para o alcance dos efeitos de sentido
formações ideológicas e discursivas - existentes no livro. A metodologia baseia-se
nas inúmeras leituras dos textos pertinentes à teoria da Análise do Discurso,
Identidade Cultural e do discurso da auto-ajuda, em resumos e resenhas dos
mesmos.
A língua, então, é um sistema social e não individual, segundo Ferdinand de
Saussure (apud Hall, 2002, p. 40). Sustentar a idéia de que falar uma língua
significa, também, ativar a imensa gama de significados que estão embutidos em
Considerações Iniciais
17
nossa própria língua e nos sistemas culturais será o ponto de partida para sua
verificação como identidade cultural. A língua como o lado social da linguagem ajuda
a compreender o mundo.
Aliamos a essa idéia a proposição de Fiorin (1987) que trata a visão de mundo
de uma classe social como o conjunto de idéias e ideais que auxilia essa classe a
entender o mundo que consiste em sua formação ideológica. Ainda, com Fiorin
(1996), é possível verificarmos que, cada formação ideológica está atrelada a uma
formação discursiva linguagem. Há, dessa forma, a importância da submissão de
uma língua a ideais formadores da nação, como costume, herança histórica,
indivíduos fiéis, única e exclusivamente, a ela.
O discurso aparece como expressão da vida real, ou ainda, a abertura ao “mundo
do exterior”, remetendo a diferenças sociais o discurso é responsável pela
materialização da realidade.
Segundo os estudos bakhtinianos, o papel da linguagem possui singular aspecto
social instrumento por meio do qual os homens adquirem conhecimento sobre a
realidade e comunicam, uns aos outros, a informação alcançada e as experiências
conexas-emocionais, estéticas e volitivas.
Stuart Hall (2002) ressalta a idéia de nação, sobressaindo a de indivíduo, não
excludente, mas, inerente. Segundo o autor, o discurso remete a consciência para o
exterior, mantendo as relações de sentido. O discurso caracteriza-se por consistir
em vozes ideológicas presas às grades culturais.
Consoante Bakhtin (apud Fiorin, 2006), a língua, em sua totalidade concreta,
viva, em seu uso real, tem a propriedade de ser dialógica. Essas relações dialógicas
não se circunscrevem ao quadro estreito do diálogo, face a face, que é apenas uma
forma composicional, em que elas ocorrem. Ao contrário, todos os enunciados, no
processo de comunicação, independentemente de sua dimensão, são dialógicos.
Para que a análise seja feita, o olhar do analista do discurso se enfatizado,
neste trabalho, a respeito da organização discursiva e todos os aspectos que a
envolvem como, as formações ideológicas e discursivas, identidade cultural, os
discursos que convergem entre si e a ideologia. Importante salientar que o discurso
que será analisado, O Segredo (2007), é perpassado por idéias gerais, por pontos
de vista e por apreciações de outras e muitas vozes, como as dos colaboradores da
obra, pessoas físicas e especialistas em diversas áreas do conhecimento. Assim, o
Considerações Iniciais
18
discurso do livro não está unicamente voltado para a realidade em si, mas para os
discursos que a circundam.
Neste projeto serão delineadas algumas formações ideológicas da situação
histórica atual, dentro do livro O Segredo (2007), que motivam seu contexto geral de
formações discursivas. A formação ideológica atual evoca um sujeito como ponto de
divisão, completamente heterogêneo, um sujeito que mostra sua falta de centro,
incompleto e complexo. O corpus referido partirá das demandas vivenciais desse
sujeito para, então, por meio da linguagem e de seus perfeitos arranjos, centralizá-lo
e unificá-lo, levando para ele a descoberta de um centro que está na relação eu/tu.
As linhas desta pesquisa relatarão uma inspeção nas principais questões
humanas, como finanças e saúde para pôr em análise como o discurso persuasivo
do corpus resgata todos esses assuntos, com o intuito de integrar o homem. A
escolha dos elementos dinheiro e saúde, especificamente para as análises, deve-se
ao fato de eles serem aspectos enfatizados, valorosos e dotados de importância
inquestionável na vida do homem pós-moderno.
Este trabalho está estruturado em dois capítulos. No Capítulo 1, Análise do
Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a história e a
ideologia em uma abordagem reflexiva, trataremos das fundamentações teóricas
e contextualizações históricas da Análise do Discurso, incluindo seus princípios, o
discurso, as formações ideológicas e discursivas e as relações entre sintaxe/
enunciação, cultura, ideologia, discurso e língua, como identidade cultural.
Serão definidas as mais significativas descentrações humanas, ou seja, fase em
que o homem perde referências e manifestações na desarticulação das
complexidades ideológicas e das representações de novos papéis sociais,
referentes ao pensamento marxista, à descoberta do inconsciente, por Freud (apud
Hall, 2002), ao trabalho do lingüista estrutural Ferdinand de Saussure (apud Hall,
2002), ao trabalho do filósofo e historiador francês Michel Foucault (apud Hall, 2002)
e ao impacto do feminismo, tanto como crítica teórica, quanto movimento social.
Ainda nesse capítulo, uma recuperação acerca da ideologia como fato social,
ideologia e sua definição discursiva, discorrendo a respeito do sujeito e do
inconsciente. O próximo subitem trata da teoria da análise discursiva, seguido por
outro, reservado à questão da língua como identidade cultural.
Na seqüência, deparamo-nos com o Capítulo 2, Procedimentos Analíticos: o
discurso em movimento, que envolve a literatura de auto-ajuda, com a propagação
Considerações Iniciais
19
no domínio público e suas ltiplas perspectivas. Esse capítulo, ainda, expõe a
repercussão do maior fenômeno editorial da história: O Segredo (2007), sua autora e
os hipertextos a ele relacionados.
Encontram-se, nesse capítulo, as análises “O Segredo para o Dinheiro: A
análise propriamente dita” e “O Segredo para a Saúde: Outro enfoque, o
mesmo olhar analítico”, em que o foco está no exame dos capítulos inseridos na
obra por meio da teoria da AD.
Veremos como todas as descentrações humanas são recuperadas no discurso
da obra O Segredo (2007) e recuperadas, implicitamente, tornando-as pontos de
aplicação, de modo intenso e exclusivo. Conseqüentemente, a referência discursiva
da obra clama por um indivíduo que deve ser autor ou agente da história; um
indivíduo que possui a identidade, a sexualidade e a estrutura de seus desejos,
formadas com base em processos psíquicos e simbólicos do inconsciente; um
indivíduo que saiba utilizar a língua para produzir significados apenas posicionando-
se no interior das regras da língua e dos sistemas de significados de nossa cultura;
um indivíduo que possua privilégios na aplicação do poder disciplinar das novas
instituições, como oficinas, escolas, hospitais etc.; por fim, um indivíduo que afirme,
tanto as dimensões subjetivas, quanto as objetivas da política, senhor de sua
identidade social, sábio na percepção de que “o que está em cima é como o que
está embaixo. O que está dentro é como o que está fora” (Tábua de Esmeraldas,
cerca de 3000 a.C., citação inicial de BYRNE, 2007).
Reiteramos que, como o livro O Segredo (2007) é considerado uma obra de auto-
ajuda e auto-realização, abordando aspectos psicológicos do ser humano, questões
como crenças e valores pessoais não serão argumentados no percurso da pesquisa
e de suas considerações finais. Não entraremos no mérito das crenças e dos
dogmas de cada indivíduo, por se tratarem de questões estritamente pessoais.
serão analisados os capítulos que envolvem o dinheiro e saúde por serem
aspectos extremamente valorizados pelo homem s-moderno. Essa delimitação se
no momento em que se percebe que alcançando essas duas aspirações
vivenciais, o homem sente-se completo, realizado e contemplado absolutamente.
Além disso, a pesquisa consiste nas considerações finais relativas, em que
levantamos a importância dos arranjos discursivos no momento histórico atual, da
ideologia e da língua como elemento que identifica a sociedade pós-moderna.
Considerações Iniciais
20
A bibliografia desses capítulos compreendeu uma vasta pesquisa em obras da
área da Análise do Discurso de Linha Francesa, da Identidade Cultural e do discurso
da auto-ajuda. Há, ainda, uma bibliografia baseada em grande consulta de fontes
secundárias do texto fundador O Segredo (2007).
Os anexos apresentam a capa do corpus da pesquisa, o exemplar da Revista
Veja que propaga a repercussão do material referido na pesquisa e as páginas dos
capítulos “O Segredo para o Dinheiro” e “O Segredo para a Saúde”, as quais foram
analisadas.
Nesta pesquisa, vale salientar, não estará em discussão gostos literários
particulares, considerando que a escolha do corpus não possui nenhuma relação
com essas preferências, mas, com a reflexão a respeito da vendagem e da
repercussão, que ultrapassa a marca de 5 milhões de exemplares vendidos. Outro
aspecto que nos faz considerar esse corpus é o fato de estarmos diante de material
incontestavelmente rejeitado pela Academia.
Nesse contexto de tamanha propagação da obra em destaque, surge um homem
pós-moderno que vale ser objeto de análise e de estudo, que clama por atenção,
que suas direções vagam por outros caminhos. Há a angústia em assegurar a
felicidade e satisfação nas diferentes questões humanas e na representação de
antigos e recentes papéis sociais.
Deparamos com um homem que está buscando algo além da razão e do
científico, nesse momento histórico. A ciência passa a ser insuficiente, nas
constantes e eternas questões humanas. Agora, o que se procura é o entendimento
e a aquisição da valorosa duplicidade: o mundo da crença e o da experiência
andando lado a lado. A propagação do discurso embutido no livro O Segredo (2007)
revela o homem pós-moderno encantando por enunciados, dotados da emoção de
casos narrados e coerência descritiva, que descrevem maneiras, ou maneiras, de
alcançar aspirações almejadas de qualquer ordem.
Capítulo 1
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os
sujeitos, os sentidos, a história e a ideologia em
uma abordagem reflexiva
Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos (...).
(Carlos Drummond de Andrade)
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
22
1.1 Fundamentações Teóricas e Contextualizações Históricas
A fundamentação teórica tem seu início na formulação da teoria do enunciado,
segundo o autor Mikhail Bakhtin (1988). Assim, há, a partir de seus estudos e
concepções acerca da lingüística moderna, uma valorização do papel do enunciado,
que passa a ser objeto dos estudos da linguagem e a situação de enunciação é
analisada como componente necessário para a compreensão e explicação da
estrutura semântica, de qualquer ato de comunicação verbal.
A linguagem, antes estudada como um sistema sincrônico abstrato, começa a
ser visualizada como interação verbal, ou seja, é dialética, viva e dinâmica; portanto,
o Outro possui sua total relevância na constituição do significado, integrando todo o
ato de enunciação individual num contexto mais amplo e revelando as relações
intrínsecas, entre o lingüístico e o social.
Para a compreensão do que se atribui ao Outro, Fiorin (2006, p. 19) discorre:
Não é a dimensão que distingue uma unidade da língua de um
enunciado, pois este pode ir desde uma réplica constituída de uma única
palavra (...) até uma obra em vários volumes. O que os diferencia é que o
enunciado é a plica de um diálogo, pois cada vez que se produz um
enunciado o que se está fazendo é participar de um diálogo com outros
discursos. O que delimita, pois, sua dimensão é a alternância dos falantes.
Um enunciado está acabado quando permite uma resposta de outro.
Portanto, o que é constitutivo do enunciado é que ele não existe fora das
relações dialógicas. Nele estão sempre presentes ecos e lembranças de
outros enunciados, com que ele conta, que ele refuta, confirma, completa,
pressupõe e assim por diante. Um enunciado ocupa sempre uma posição
numa esfera de comunicação sobre um dado problema.
Dessa maneira, a palavra, como signo lingüístico e ideológico, caracteriza-se pela
plurivalência. Assim, ela retrata as diferentes formas de significar a realidade,
segundo vozes e pontos-de-vista daqueles que a empregam. Dialógica por natureza,
a palavra transforma-se em arena de vozes que, situadas em diferentes posições,
querem ser ouvidas por outras vozes.
A linguagem começa a ser analisada como um lugar em que a ideologia se
manifesta concretamente, em que o ideológico, para se objetivar, precisa de uma
materialidade, mais especificamente com Brandão (2004, p.11):
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
23
...a linguagem enquanto discurso é interação, e um modo de produção
social; ela não é neutra, inocente e nem natural, por isso o lugar privilegiado
de manifestação da ideologia (...), a linguagem é lugar de conflito, de
confronto ideológico, não podendo ser estudada fora da sociedade, uma
vez que os processos que a constituem são histórico-sociais. Seu estudo
não pode estar desvinculado de suas condições de produção. Esse será o
enfoque a ser assumido por uma nova tendência lingüística que irrompe na
década de 60: a análise do discurso.
O trabalho do estudioso Harris (Discourse analysis, 1952, apud BRANDÃO, 2004)
surge para mostrar a possibilidade de ultrapassar as análises direcionadas
meramente à frase, ao estender procedimentos da lingüística distribucional
americana aos enunciados (chamados discursos). A Análise do Discurso (AD)
também se expõe como disciplina com os trabalhos de R. Jakobson e E. Benveniste
sobre a enunciação.
A obra de Harris, então, é considerada o marco inicial da Análise do Discurso,
porém, ainda se coloca como simples extensão da lingüística imanente, na medida
em que transfere e aplica mecanismos de análise de unidades da língua, aos
enunciados. Além disso, situa-se fora de qualquer reflexão sobre a significação e as
considerações sócio-históricas de produção, que vão distinguir e marcar
posteriormente, a Análise do Discurso.
Segundo Maingueneau (1988), a Análise do Discurso, de linha francesa, está
relacionada a certa tradição intelectual européia acostumada a unir reflexão sobre
texto e história. No auge do estruturalismo (anos sessenta), a conjuntura intelectual
francesa proporcionou a articulação entre a lingüística, o marxismo e a psicanálise.
A Análise do Discurso (AD) nasceu como base da interdisciplinaridade, pois era
preocupação, não só de lingüistas, como de historiadores e de psicólogos. A prática
escolar, que é a da “explicação de texto”, muito em voga na França, nos anos
anteriores a 1960, também está filiada à escola francesa de Análise do Discurso.
Faz-se necessário, porém, delimitar o campo da AD, uma vez que o vocábulo
“discurso” investiu-se de uma polissemia que a fez mover-se em um campo mais ou
menos fluido. Consoante Orlandi (1986, p.110):
Definida inicialmente como o estudo lingüístico das condições de produção
de um enunciado, a AD se apóia sobre conceitos e métodos da lingüística.
A AD pressupõe a Lingüística e é pressupondo a Lingüística que ganha
especificidade em relação às metodologias de tratamento da linguagem nas
ciências humanas.
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
24
Maingueneau (1988), ainda, especifica mais o campo da AD. Para o autor, o
quadro das instituições em que o discurso é produzido delimita a enunciação; os
embates históricos e sociais que se cristalizam no discurso e o espaço próprio que
cada discurso configura para si mesmo, no interior de um interdiscurso, são
dimensões importantíssimas que precisam ser consideradas para marcar a
especificidade da AD.
Dessa forma, a linguagem deve ser estudada enquanto formação ideológica, que
se manifesta por meio de uma competência sócio-ideológica. As duas vertentes que
influenciarão a corrente francesa da AD são: a ideologia, os conceitos de Althusser
(1974) e o discurso, as idéias de Focault (1971). É com base nesses dois teóricos
que Pêcheux (1988), um dos estudiosos mais profícuos da AD, elabora seus
conceitos.
Segundo Orlandi (2002), a Análise do Discurso é uma teoria inovadora, a
compreensão da língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do
trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história.
A Análise do Discurso expõe a linguagem como mediação necessária entre o
homem e a realidade natural e social. Essa mediação, que é o discurso, torna
possível, tanto a permanência e a continuidade, quanto o deslocamento e a
transformação do homem e da realidade em que ele vive. O trabalho simbólico do
discurso está na base da produção da existência humana. O trabalho analítico,
dessa forma, é com o discurso, que se apresenta como um objeto sócio-histórico.
A reflexão sobre a maneira como a linguagem está materializada na ideologia e
como a ideologia se manifesta na língua é a preocupação da Análise do Discurso.
Partindo da idéia de que a materialidade específica da ideologia é o discurso e a
materialidade específica do discurso é a língua, trabalha-se a relação língua-
discurso-ideologia. Essa relação se complementa com o fato de que, como diz
Pêcheux (1988), não discurso sem sujeito e não sujeito sem ideologia e é
assim que a língua faz sentido.
Conseqüentemente, o discurso é o lugar em que se pode analisar a relação entre
língua e ideologia, compreendendo-se como a ngua produz sentidos por/para os
sujeitos.
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
25
A Análise do Discurso é uma proposta teórica, intimamente relacionada com a
questão do sentido. Assim, abre-se um espaço em que a Lingüística tem contato
estreito com a Filosofia e com as Ciências Sociais. Em outras palavras, a linguagem
é linguagem, porque faz sentido. E a linguagem faz sentido, porque se inscreve
na história.
Para adentrar o campo da Análise do Discurso com mais propriedade, é
necessário salientar uma posição crítica assumida nos anos sessenta, sobre a noção
de leitura e de interpretação, que problematiza a relação do sujeito com o sentido.
Essa posição originou-se na reunião de três áreas do conhecimento, com a Análise
do Discurso: a Teoria da Sintaxe e da Enunciação; a Teoria da Ideologia e a Teoria
do Discurso. Tudo isso perpassado por uma teoria do sujeito da natureza
psicanalítica.
A questão, então, pairava na assertiva de que toda leitura, para se efetivar,
precisava de embasamento teórico. A partir dessa proposição, a disciplina da Análise
do Discurso ganha adesões, pois teoriza a interpretação, isto é, coloca a
interpretação em questão. Nesse sentido, a AD visa fazer compreender como os
objetos simbólicos produzem sentidos, analisando, assim, os próprios gestos de
interpretação que ela considera como atos, no domínio simbólico, pois eles intervêm
no real do sentido. Segundo Orlandi (2002, p.26):
A Análise do Discurso não estaciona na interpretação, trabalha seus
limites, seus mecanismos, como parte dos processos de significação.
Também não procura um sentido verdadeiro através de uma ‘chave’ de
interpretação. o esta chave, há método, há construção de um
dispositivo teórico. Não uma verdade oculta atrás do texto. gestos de
interpretação que o constituem e que o analista, com seu dispositivo, deve
ser capaz de compreender.
Deve-se salientar o relevante papel do analista, do pesquisador, do sujeito, que
possui total responsabilidade, uma vez que é ele quem realiza suas escolhas, sua
organização em relação ao discurso, levando-o à construção de seu dispositivo
analítico, optando pela mobilização desses ou daqueles conceitos, desse ou daquele
procedimento, com os quais ele se compromete na resolução de sua questão;
portanto, sua prática de leitura e seu trabalho com a interpretação têm a forma de
seu método analítico.
Benveniste (apud BRANDÃO, 2004), teórico relevante para a AD, emprestou
importância ao papel do sujeito falante, no processo da enunciação, manifestando os
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
26
dêiticos discursivos e abordando a relação entre locutor, enunciado e mundo. Essa
maneira de traduzir a AD resultou em duas derivações de estudo:
A originária da perspectiva norte-americana, que considera a Teoria do Discurso
como extensão da Lingüística, segundo Maingueneau (1996, p.11) “dedicada ao
estudo da língua, no sentido saussuriano, a uma rede de propriedades formais”; a
segunda derivação coloca a exterioridade em evidência, ressaltando a tendência
européia, referindo-se à linguagem, uma vez que ela faz sentido para os sujeitos
inscritos nos processos de interlocução, em papéis sociais ou em conjunturas
históricas. Por conta dessa evidenciação da exterioridade, conceitos não pertinentes
ao domínio da própria Lingüística foram recuperados, no quadro articulatório do
lingüístico com o social, como teorias do texto, a História, a Sociologia e a
Psicanálise, tornando a AD interdisciplinar, por natureza.
O elo lingüístico sócio-histórico exigiu incluir, na AD, dois conceitos até então
nucleares: a ideologia, produzida por Marx e Engels (apud BRANDÃO, 2004) e,
posteriormente, estudada por Althusser (1974), que conceituou a formação
ideológica e o discurso, inaugurando os conceitos de Focault (1971) para sua
definição de formação discursiva.
A seguir, o conceito de discurso ganha destaque, visto como prática de
linguagem.
1.1.1 Discurso
A língua constitui a condição de possibilidade do discurso, que é uma espécie
de invariante pressuposta por todas as condições de produção possíveis em
determinado momento histórico. Além disso, os processos discursivos constituem a
fonte de produção dos efeitos de sentido no discurso e a língua é o espaço material
em que se realizam os efeitos de sentido.
Por essas definições, se processo discursivo é produção de sentido, discurso
passa a ser o lugar em que emergem as significações.
Segundo Bakhtin (apud FIORIN, 2006), todo enunciado é dialógico. Assim, o
dialogismo é a maneira de funcionamento real da linguagem, o princípio integrante
do enunciado. Todo enunciado constitui-se a partir de outro enunciado, é uma réplica
a outro enunciado. Portanto, nele ouvem-se, ao menos, duas vozes. Mesmo que elas
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
27
não se manifestem no fio do discurso, estão aí presentes. Um enunciado, dessa
forma, é sempre heterogêneo, uma vez que revela duas posições, a sua e aquela em
oposição à qual ele se constrói.
Orlandi (2002, p. 34) discorre a respeito do discurso:
Quando nascemos os discursos estão em processo e nós é que
entramos nesse processo. Eles não se originam em nós. Isso não significa
que não haja singularidade na maneira como a língua e a história nos
afetam. Mas não somos o início delas. Elas se realizam em nós em sua
materialidade.
Quando ocorre a referência ao discurso, é inerente a discussão sobre as suas
condições de produção. Pêcheux (1988) analisou uma definição da noção de
condições de produção do discurso, em que via, nos seus protagonistas, não a
presença física de ‘organismos humanos individuais’, mas a representação de
‘lugares determinados na estrutura de uma formação social, cujo feixe de traços
objetivos característicos pode ser descrito pela sociologia’: no discurso, as relações
entre esses lugares, objetivamente definíveis, encontram-se representadas por uma
série de ‘formações imaginárias’ que se referem ao lugar que destinador e
destinatário atribuem a si mesmos e ao outro, a imagem que eles fazem de seu
próprio lugar e do lugar do outro.
uma teoria bakhtiniana que se refere às relações dialógicas das vozes, tanto
sociais, quanto individuais, conforme Fiorin (2006). Essa teoria revela que, se um
locutor não é um Adão (que, consoante o mito bíblico, realizou o primeiro enunciado),
um discurso pode ser tanto o lugar de encontro de pontos-de-vista de locutores
imediatos, como de visões de mundo, de orientações teóricas, de tendências
filosóficas etc. Ao considerar, tanto o social, como o individual, a teoria bakhtiniana
permite analisar, do ponto-de-vista das relações dialógicas, não apenas as grandes
polêmicas filosóficas, políticas, estéticas, econômicas e pedagógicas, mas, também,
fenômenos da fala cotidiana, como a modelagem do enunciado pela opinião do
interlocutor imediato ou a reprodução da fala do outro, com entonação distinta da que
foi utilizada, admirativa, zombeteira, irônica, desdenhosa, indignada, desconfiada,
aprovadora, reprovadora etc. Todos os acontecimentos presentes na comunicação
real podem ser examinados à luz das relações dialógicas que os constituem.
Fiorin (2006, p. 26) completa a questão da teoria referida:
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
28
Os conceitos de individual e social, em Bakhtin, não são, porém, simples
nem estanques. Em primeiro lugar, o filósofo mostra que a maioria absoluta
das opiniões dos indivíduos é social. Em segundo, explica que todo
enunciado se dirige não somente a um destinatário imediato, cuja presença
é percebida mais ou menos conscientemente, mas também a um
superdestinatário, cuja compreensão responsiva, vista sempre como correta,
é determinante da produção discursiva. A identidade desse
superdestinatário varia de grupo social, de uma época para outra, de um
lugar para outro (...). Na medida em que toda réplica, mesmo de uma
conversação cotidiana, dirige-se a um superdestinatário, os enunciados são
sociais.
Dessa forma, o sentido não existe, em si, mas é determinado pelas posições
ideológicas colocadas no processo sócio-histórico, em que as palavras são
produzidas. Pode-se dizer que um dialogismo que não se mostra no processo
discursivo, mas, outro que sim. Nesse segundo caso, o enunciador incorpora a
voz ou as vozes de outro (s) no enunciado. O dialogismo assume, então, sua forma
composicional, ou seja, maneiras externas e visíveis de mostrar outras vozes no
discurso.
Nesse direcionamento, o dialogismo apresenta-se como o modo de
funcionamento real da linguagem, sendo o próprio modo de constituição do
enunciado. É possível, assim, inserir o discurso do outro no enunciado, por meio do
discurso alheio, abertamente citado e nitidamente separado do discurso citante,
chamado de discurso objetivado; ou, por meio de um discurso que é bivocal,
internamente dialogizado, em que não há separação muito nítida do enunciado
citante e do citado.
O discurso objetivado utiliza os procedimentos do discurso direto, discurso
indireto, aspas e negação. O discurso bivocal atrela-se às técnicas da paródia,
estilização, polêmica clara ou velada e discurso indireto livre.
Outro fator que influencia no dialogismo é a questão da subjetividade. Como ela é
composta pelo conjunto de relações sociais de que participa o sujeito, ele não é
submisso às estruturas sociais, nem é uma subjetividade autônoma, em relação à
sociedade.
O indivíduo sempre se estabelece em relação ao outro. Conseqüentemente, o
dialogismo é o princípio de constituição do indivíduo e o seu princípio de ação. Os
conteúdos que formam a consciência e a manifestam são semióticos, uma vez que
ela é construída na comunicação social, ou seja, na sociedade, na História. Daí a
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
29
grande importância da linguagem na proposta bakhtiniana de construção de uma
teoria das superestruturas. Como o sujeito está sempre em relação com o(s)
outro(s), a apreensão do mundo é sempre situada historicamente. O sujeito trabalha
no movimento de ir se constituindo discursivamente, apreendendo as vozes sociais
que compõem a realidade em que está imerso, e, ao mesmo tempo, suas inter-
relações dialógicas. O sujeito não apreende apenas uma voz social, mas várias, que
estão em relações diversas entre si, uma vez que a realidade é heterogênea. O
mundo interior do sujeito é integrado por diferentes vozes, em relações de
convergência ou divergência, e ele é constitutivamente dialógico. que a relação
com o outro é constante, o mundo exterior não está nunca concluído, mas, em
incessante construção.
Fiorin (2006, p. 56) reitera:
Nesse processo de construção da consciência, as vozes são assimiladas
de diferentes maneiras. vozes que são incorporadas como a voz da
autoridade. É aquela a que se adere de modo incondicional, que é
assimilada como uma massa compacta e, por isso, é centrípeta,
impermeável, resistente a impregnar-se de outras vozes, a relativizar-se.
Pode ser a voz da Igreja, do Partido, do grupo de que se participa, etc.
Outras vozes são assimiladas como posições de sentido internamente
persuasivas. São vistas como uma entre outras. Por isso, são centrífugas,
permeáveis, à impregnação por outras vozes, à hibridização, e abrem-se
incessantemente à mudança.
Sendo a consciência sociossemiótica, ou seja, formada de discursos
sociais, o que significa que seu conteúdo é sígnico, cada indivíduo tem sua
história particular de constituição de seu mundo interior, pois ele é
resultante do embate e das inter-relações desses dois tipos de vozes.
Quanto mais a consciência for formada de vozes de autoridade, mais ela
será monológica, ptolomaica. Quanto mais for constituída de vozes
internamente persuasivas, mais será dialógica, galileana (grifo meu).
Bakhtin qualifica de ptolomaica a consciência mais rígida, mais
organizada em torno de um centro fixo, como era o sistema planetário de
Ptolomeu, em que a Terra era fixa. a galileana é a consciência mais
aberta, mais móvel, não organizada em torno de um centro fixo, como é o
sistema de Galileu, em que a Terra se move. (...).
Assim, o discurso apresenta-se como um complexo processo de constituição dos
sujeitos e produção de sentidos, no funcionamento da linguagem, que põe em
relação esses sujeitos e sentidos afetados pela história e pela língua. Os discursos
possuem, em sua constituição, processos de identificação do sujeito, de
argumentação, de subjetivação e de construção da realidade.
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
30
Partindo da idéia de que as relações de linguagem são relações de sujeitos e de
sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados, Orlandi (2002, p. 21) define “o
discurso é efeito de sentidos entre locutores”.
Há, também, uma discrepância entre discurso e fala, na continuidade da
dicotomia (língua/fala) proposta por Ferdinand de Saussure. A teórica Orlandi (2002,
p. 22) aborda a questão, da seguinte maneira:
(...) O discurso não corresponde à noção de fala, pois não se trata de opô-
lo à língua como sendo esta um sistema, onde tudo se mantém, com sua
natureza social e suas constantes, sendo o discurso, como a fala, apenas
uma sua ocorrência casual, individual, realização do sistema, fato histórico,
a-sistemático, com suas variáveis etc. O discurso tem sua regularidade, tem
seu funcionamento que é possível apreender se não opomos o social e o
histórico, o sistema e a realização, o subjetivo ao objetivo, o processo ao
produto.
O discurso possui a peculiaridade de ser uma organização situada para além da
frase, ou seja, ele mobiliza estruturas de outra ordem que não as da frase. Os
discursos formam uma unidade completa, mesmo sendo constituídos por uma única
frase. Sob a forma de unidades transfrásticas, os discursos estão submetidos a
regras de organização vigentes em um grupo social determinado: regras que
governam uma narrativa, um diálogo, uma argumentação; regras relativas ao plano
de texto; regras sobre a extensão do enunciado, entre outras.
O discurso é inerente à fala do locutor. Ele é orientado, uma vez que é concebido
em função de uma perspectiva assumida pelo locutor e por se desenvolver no
tempo, de maneira linear. A construção efetiva do discurso depende de uma
finalidade, devendo, supostamente, dirigir-se para algum lugar, o que não impede
seu movimento natural, pois, o discurso pode mudar seu curso, retomar sua direção
inicial, mudar de direção, antecipar-se etc.
Maingueneau (1988, p. 53) aponta:
Falar é uma forma de ação sobre o outro e não apenas uma representação
do mundo. A problemática dos ‘atos de linguagem’ (ou ‘atos de fala’, ou
ainda ‘atos de discurso’), desenvolvida a partir dos anos sessenta por
filósofos como J.L. Austin (Quando dizer é fazer, 1962) e J.R. Searle (Os
atos de linguagem, 1969), mostrou que toda enunciação constitui um ato
(...) que visa modificar uma situação.
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
31
Assim, o discurso é uma forma de ação. E, ainda, como toda enunciação, mesmo
produzida sem a presença de um destinatário, é, de fato, marcada por uma
interatividade constitutiva, é uma troca, explícita ou implícita, com outros
enunciadores, virtuais ou reais, e supõe, sempre, a presença de outra instância de
enunciação, à qual se dirige o enunciador e com relação à qual constrói seu próprio
discurso, o discurso é interativo.
Referindo-se à contextualização, não existe discurso que não seja
contextualizado. Sua grande contribuição está em definir seu contexto,
estabelecendo novas e inúmeras relações.
Ele assume a característica de ser discurso, enquanto remete a um sujeito, um
EU, que se coloca como fonte de referências pessoais, temporais, espaciais e, ao
mesmo tempo, indica que atitude está tomando, em relação àquilo que diz.
O sentido do discurso paira no interior de um universo de outros discursos, lugar
no qual ele deve traçar o seu caminho. Cada gênero de discurso tem sua maneira
de tratar a multiplicidade das relações interdiscursivas.
Impossibilitado de fugir da heterogeneidade constitutiva de todo discurso, o
falante, ao declarar a presença do outro, por meio das marcas de heterogeneidade
mostrada, revela, no fundo, seu desejo de dominância. O falante, dessa forma,
pontua o seu discurso, movido pela ilusão do centro, por um processo de denegação
em que localiza o outro e delimita o seu lugar, numa tentativa de restringir e
consolidar o um.
Passamos a considerar as formações ideológicas e discursivas como questões
originárias nos procedimentos analíticos da enunciação.
1.1.2 Formações Ideológicas e Formações Discursivas
O discurso pode ser refletido como a enunciação. É a estratégia, ou seja, o
processo em que está o efeito de sentido, que, por sua vez, pode se realizar ou não
na língua. Quando a conexão entre discurso e ideologia (conexão essa inerente à
Análise do Discurso) é analisada, de se destacar dois conceitos altamente
relevantes: o de formação ideológica e o de formação discursiva.
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
32
As relações de classe podem definir-se pelo afrontamento de posições políticas e
ideológicas que se organizam de modo a entreter, entre si, relações de aliança, de
incompatibilidades ou de dominação. Essa organização de posições políticas e
ideológicas é que compõe as formações ideológicas. Dessa forma, elas determinam
o que o indivíduo pode pensar. São posições e atitudes que estão no seio de um
grupo social. O discurso, para se constituir, passa, necessariamente, por “redes
ideológicas” e por formações ideológicas.
Nas linhas de Orlandi (2002, p. 47):
Constituindo o discurso um dos aspectos materiais de ideologia, pode-
se afirmar que o discursivo é uma espécie pertencente ao gênero
ideológico. Em outros termos, a formação ideológica tem necessariamente
como um de seus componentes uma ou várias formações discursivas
interligadas. Isso significa que os discursos são governados por formações
ideológicas.
Pode-se concluir, então, que o sentido não existe, em si, mas, é constituído pelas
posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico em que as
palavras são produzidas. O homem é um agente fundamental, em todo esse
processo, uma vez que as palavras mudam de sentido, de acordo com as posições
daqueles que as empregam.
A compreensão do processo de produção dos sentidos, a sua relação com a
ideologia e a possibilidade de estabelecer regularidades no funcionamento do
discurso o questões indissociáveis à noção de formação discursiva, básica na
Análise do Discurso.
A formação discursiva determina o que o indivíduo pode dizer. Essa formação
envolve uma gama de linguagens, enunciados e evidências, em uma única
linguagem. Ainda que tenha uma homogeneidade no que se refere ao que pode ser
dito pelos falantes, uma formação discursiva é, também, heterogênea, quando cada
membro social possui dentro de sua formação discursiva, várias e inúmeras
linguagens. Conseqüentemente, as palavras não têm sentido nelas mesmas. Elas
originam seus sentidos das formações discursivas em que se inscrevem. Assim, as
formações discursivas representam, no discurso, as formações ideológicas. Vê-se
que o é possível desintegrar sentido de ideologia. Toda formação discursiva que
se reproduz possui um traço ideológico, em relação a outros traços ideológicos. A
ideologia, então, produz seus efeitos e se materializa, no discurso.
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
33
Os sentidos atrelam-se às relações constituídas nas/pelas formações discursivas.
Segundo Brandão (2004, p. 48):
...uma FD é constituída por um sistema de paráfrases, isto é, um espaço
em que enunciados são retomados e reformulados num esforço constante
de fechamento de suas fronteiras em busca da preservação de sua
identidade.
E a autora complementa que uma formação discursiva (FD) está relacionada ao
pré-construído, uma vez que “o termo designa aquilo que remete a uma construção
anterior e exterior, independente, por oposição ao que é ‘construído’ pelo enunciado.
É o elemento que irrompe na superfície discursiva, como se estivesse -aí” (2004,
p.48).
Esses dois tipos de funcionamento paráfrase e pré-construído estão,
formalmente, envolvidos com a noção de formação discursiva.
Assim, pelo conceito de formação discursiva, torna-se viável perceber que
sujeitos falantes, situados numa determinada conjuntura histórica, possam
concordar ou não sobre o sentido a dar às palavras, ou seja, falar diferentemente
falando a mesma língua. Uma formação discursiva, então, é a agregação de várias
linguagens, em uma única.
Como uma formação discursiva é heterogênea em relação a ela própria, sendo
uma unidade dividida, que tem como princípio constitutivo a contradição, Foucault
(1971, p. 186) afirma:
Tal contradição, longe de ser aparência ou acidente do discurso, longe
de ser aquilo de que é preciso libertá-lo para que ele libere enfim sua
verdade aberta, constitui a própria lei de sua existência: é a partir dela que
ele emerge, é ao mesmo tempo para traduzi-la e para superá-la que ele se
põe a falar [...], é porque ela está sempre aquém dele e ele jamais pode
contorná-la inteiramente, que ele muda, que ele se metamorfoseia, que ele
escapa por si mesmo a sua própria continuidade. A contradição funciona,
então, no fio do discurso, como o princípio de sua historicidade.
Os efeitos das contradições ideológicas de classe são recuperáveis, no interior
mesmo da unidade dos conjuntos de discurso, embora uma FD indique a seus
falantes, o que deve e pode ser dito, buscando a homogeneidade discursiva. Nesse
contexto, encontra-se a Análise do Discurso, que se propõe a trabalhar o discurso,
seu objeto, inscrevendo-o na relação da língua com a história, buscando, na
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
34
materialidade lingüística, as marcas das contradições ideológicas. Para a Análise do
Discurso, consoante Brandão (2004, p. 51):
... Analisar o discurso é descrever os sistemas’ de dispersão dos
enunciados que o compõem através das suas ‘regras de formação’. Se eles
apresentam um sistema de dispersão semelhante, podendo definir uma
regularidade nas suas ‘formas de repartição’, pode-se dizer que eles
pertencem a uma mesma FD.
A evidência do sentido, que, na realidade é efeito ideológico, não permite que
seja possível perceber seu caráter material, a historicidade de sua construção. Da
mesma maneira, pode-se dizer que a evidência do sujeito, sua identidade, exclui o
fato de que ela resulta de uma identificação: o sujeito se constitui por uma questão –
que se ideologicamente por sua inscrição em uma formação discursiva – que, em
uma sociedade como a atual, o produz sob a forma de sujeito de direito. Essa forma
do sujeito corresponde, historicamente, ao sujeito do capitalismo, ao mesmo tempo
conduzido por condições externas e autônomo, responsável pelo que reproduz em
sua fala, um sujeito com seus direitos e deveres.
A Análise do discurso reúne as áreas do conhecimento: sintaxe e enunciação,
ideologia e discurso para delinear a atribuição de sentidos na prática analítica.
1.1.3 Os Eixos Sintaxe/Enunciação, Ideologia e Discurso – A Prática de Análise
Essas três regiões de conhecimento são reunidas pela AD, em suas articulações
contraditórias: a teoria da sintaxe e da enunciação, a teoria da ideologia e a teoria do
discurso. Todas as três perpassadas por uma teoria do sujeito, de natureza
psicanalítica.
A conexão dessas regiões de pesquisa do discurso é que resulta na posição
crítica assumida nos anos sessenta, a respeito da noção de leitura e de
interpretação, que problematiza a relação do sujeito com o sentido, da língua com a
história.
A AD enfatiza a questão da interpretação. Orlandi (2002, p. 26) expõe:
(...) A Análise do Discurso visa fazer compreender como os objetos
simbólicos produzem sentidos, analisando assim os próprios gestos de
interpretação que ela considera como atos no domínio simbólico, pois eles
intervêm no real do sentido. A Análise do Discurso não estaciona na
interpretação, trabalha seus limites, seus mecanismos, como parte dos
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
35
processos de significação. Também não procura um sentido verdadeiro
através de uma ‘chave’ de interpretação, não esta chave, método,
construção de um dispositivo teórico. Não uma verdade oculta atrás do
texto. gestos de interpretação que o constituem e que o analista, com
seu dispositivo, deve ser capaz de compreender.
A compreensão do objeto simbólico pela AD envolve a explicitação da maneira
como o texto organiza os gestos de interpretação que relacionam sujeito e sentido.
Produzem-se, assim, novas práticas de leitura.
Evidenciada a teoria da interpretação, é necessário abordar a relevância do papel
do analista. O analista mobiliza conceitos, de acordo com a questão que formula,
que outro analista não mobilizaria, face a suas questões. Realizando suas escolhas
e suas exclusões, cada analista possui sua(s) referência(s) e, distingue-se, assim, a
questão entre o mecanismo teórico e o analítico. Embora cada analista possa
embasar-se no mesmo mecanismo teórico, o diferencial está no momento de
individualizar a questão proposta, a natureza do material e a finalidade da análise,
ou seja, o diferencial está na composição do mecanismo analítico particular.
Outra consideração proeminente, no processo da prática analítica, é a questão
das condições de produção, que compreende, fundamentalmente, os sujeitos e a
situação. A memória também é parte integrante da produção discursiva.
O contexto imediato, o sócio-histórico e o ideológico são os grandes
componentes das condições de produção. A memória, por sua vez, tem suas
peculiaridades, quando relacionada ao discurso. E, nessa perspectiva, ela é tratada
como interdiscurso ou, ainda, como memória discursiva, definida por Orlandi (2002,
p. 31):
(...) o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a
forma do pré-construído, o já-dito, que está na base do dizível, sustentando
cada tomada da palavra. O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o
modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada.
Pelo funcionamento do interdiscurso, dessa forma, suprime-se a exterioridade,
como tal, para inscrevê-la no interior da textualidade. Isso faz com que, pensando na
historicidade do discurso e a história como se dá no mundo, é o interdiscurso que
especifica as condições nas quais um acontecimento histórico é possível de ser
inscrito na continuidade interna, no espaço potencial de coerência, próprio de uma
memória.
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
36
O interdiscurso e o intertexto mobilizam as relações de sentido. A diferença
consiste no fato de que o interdiscurso é da ordem do saber discursivo, memória
afetada pelo esquecimento; e o intertexto restringe-se à relação de um texto com
outros textos. O esquecimento, então, não é estrutura, como o é para o
interdiscurso.
Os sentidos humanos são determinados pela relação com a língua e a história,
pela experiência simbólica e de mundo, por meio da ideologia; portanto, a Análise do
Discurso propõe-se a construir ferramentas que permitam atentar a esses efeitos e
explicitar a relação com esse conhecimento, que o se aprende e não se ensina,
mas que produz seus efeitos. Orlandi discorre a respeito da AD (2002, p. 34):
(...) essa nova prática de leitura, que é discursiva, consiste em considerar o
que é dito em um discurso e o que é dito em outro, o que é dito de um modo
e o que é dito de outro, procurando escutar o não-dito naquilo que é dito,
como uma presença de uma ausência necessária. Isso porque (...) uma
parte do dizível é acessível ao sujeito, pois mesmo o que ele não diz (e que
muitas vezes ele desconhece) significa em suas palavras.
Importante retomar o conceito de esquecimento na AD. um esquecimento
ideológico, que resulta do modo como o sujeito é afetado pela ideologia. Por meio
desse esquecimento, ocorre a recorrente retomada de sentidos pré-existentes. A
grande manifestação desse esquecimento é a criação da ilusão de estar na inicial
absoluta da linguagem, uma vez que língua e realidade se realizam no ser humano,
em sua materialidade. Quando os seres nascem, os discursos já estão em processo
e são os seres que entram nele. Eles não se originam nos indivíduos. O
esquecimento, desse modo, é estruturante, sendo parte dos sujeitos e dos sentidos.
As ilusões são uma necessidade para que a linguagem funcione nos sujeitos e na
produção de sentidos. Sentidos e sujeitos estão em constante movimento, em
constante construção, no modo de as palavras adquirirem sentido, no modo como
esses sujeitos se significam retomando palavras já existentes, como se elas se
originassem neles.
O outro esquecimento encontra-se no plano da enunciação. O ato da fala envolve
a questão de fazê-lo de uma maneira e não de outra, e, ao longo do dizer, formam-
se famílias parafrásticas que indicam que o dizer sempre podia ser outro. Encontra-
se, nesse tipo de esquecimento, uma ilusão denominada referencial, que consiste na
crença de que uma relação direta entre o pensamento, a linguagem e o mundo,
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
37
de tal modo que se acredita que o que se diz pode ser dito com aquelas palavras
e não com outras, que só pode ser assim. Essa impressão estabelece relação
natural entre palavra e coisa. Porém, o esquecimento apresenta-se como parcial,
semi-consciente e atesta que a sintaxe significa, ou seja, o modo de dizer não é
indiferente aos sentidos.
Isso posto, a ideologia será ponderada, sendo condição relevante para a
constituição do sujeito e dos sentidos. Constitui uma das áreas de conhecimento que
integra a AD.
1.2 A integração entre Ideologia, História e Sujeito
1.2.1 Ideologia: um fato social
Trataremos, a princípio, da ideologia como fato social, que é produzida pelas
relações sociais, possuindo razões muito determinadas para surgir e se conservar,
sendo uma certa maneira de produção das idéias pela sociedade.
A ideologia é retomada por Marx como “um sistema de idéias, de representações
que domina o espírito de um homem ou de um grupo social” (Althusser, 1974, p. 81).
Na ideologia alemã, aprofundada por Marx, a ideologia é concebida como pura
ilusão, sonho. A ideologia passa a ser pensada como construção imaginária, algo
constituído pelas experiências diurnas da única realidade completa e positiva: a da
história concreta, dos indivíduos concretos.
Althusser (1974) passa a defender a idéia de que a ideologia possui sua estrutura
e seu funcionamento que, juntos, fazem dela uma realidade não-histórica. A
ideologia é, assim, uma representação da relação imaginária dos indivíduos, com
suas condições reais de existência.
Nas considerações sobre “a ideologia em geral”, Marx e Engels (2007),
determinam o momento do surgimento das ideologias, no instante em que a divisão
social do trabalho separa trabalho material ou manual e trabalho intelectual. Chauí
(1997) especifica que a divisão social do trabalho não é uma simples divisão de
tarefas, mas a manifestação de algo fundamental, no contexto histórico: a divisão
social do trabalho produz e é produzida pela desigualdade social ou pela forma de
propriedade. A autora (1997, p.78) considera:
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
38
A ideologia não é um processo subjetivo consciente, mas um fenômeno
objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condições objetivas da
existência social dos indivíduos. Ora, a partir do momento em que a relação
do indivíduo com sua classe é a da submissão a condições de vida e de
trabalho pré-fixadas, essa submissão faz com que cada indivíduo não possa
reconhecer-se como fazedor de sua própria classe. Ou seja, os indivíduos
não podem perceber que a realidade da classe decorre da atividade de
seus membros. (..) A classe começa, então, a ser representada pelos
indivíduos como algo natural (...) como um fato bruto que os domina (...). A
ideologia burguesa, através de uma ciência chamada Sociologia, transforma
em idéia científica ou em objeto científico essa ‘coisa’ denominada ‘classe
social’, estudando-a como um fato e não como resultado da ação dos
homens.
Segundo a visão marxista, a ideologia estabelece-se por ser uma ferramenta de
dominação de classe, que a classe dominante faz com que suas idéias passem a
ser de todos. No entanto, excluem-se as contradições entre força de produção,
relações sociais e consciência, resultantes da divisão social do trabalho material e
intelectual. A ideologia é ilusão, abstração e inversão da realidade, indispensável à
dominação de classe. Essa ilusão não é algo errôneo, mas, apenas o modo como o
mecanismo social aparece para a consciência direta dos homens. Consoante
Brandão (2004, p. 22):
(...) Ela (a ideologia) se apresenta, ao mesmo tempo, como explicação
teórica e prática. Enquanto explicação, ela não explicita e, aliás, não pode
explicitar tudo sob o risco de se perder, de se destruir ao expor, por
exemplo, as diferenças, as contradições sociais. Essa manobra camufladora
vai fazer com que o discurso, e de modo especial o marcadamente
ideológico, se caracterize pela presença de lacunas’, de ‘silêncios’, de
‘brancos’ que preservem a coerência do seu sistema.
Nesse sentido, em Marx (apud CHAUÍ, 1997), a ideologia aparece como sendo a
da classe dominante, pois, a base da elaboração de sua tese depara-se com uma
crítica ao sistema capitalista e o conseqüente desnudamento da ideologia burguesa.
Althusser propõe outra reflexão acerca da ideologia, como referido anteriormente.
Para o autor, a ideologia está em um plano imaginário, com o homem produzindo e
criando formas simbólicas de representação da sua relação com a realidade
concreta. O imaginário passa a constituir a maneira como o homem age, em relação
às condições de vida. Ocorre um distanciamento da realidade, visto que as relações
entre homem e condições de vida são descritas, simbólica e abstratamente.
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
39
Para Althusser (1974), a ideologia tem uma existência porque está sempre num
aparelho e na sua prática ou em suas práticas.
Com um aspecto moldador das ações, a ideologia mantém uma existência
material, realizada em relações vividas com uma participação individual, em
determinadas práticas e rituais, no interior de aparelhos ideológicos concretos. A
prática, assim, existe apenas numa ideologia e por meio de uma ideologia.
Interpelando indivíduos como sujeitos, toda ideologia funciona nos rituais
materiais da vida cotidiana. Essa constituição de indivíduos concretos em sujeitos
evidencia-se no momento em que o sujeito se localiza, a si mesmo e a suas ações,
em práticas regidas pelos aparelhos ideológicos. Apenas por meio do sujeito e no
sujeito é que a existência da ideologia será possível.
A ideologia é estudada, posteriormente, como a necessidade de um grupo social
em integrar-se a uma imagem de si mesmo, de definir-se. Com os caracteres
dinâmicos e motivadores, a ideologia gera uma prática social que a materializa. Ela
passa a ser a justificativa, que o grupo que a segue tem razão de ser o que é, e um
projeto, uma vez que exemplifica as regras de um estilo de vida, além de ser um
mero reflexo de uma formação social.
Qualquer mecanismo ideológico é simplificador e esquemático, apresentando
uma peculiaridade codificada para se concluir uma visão de conjunto e da história do
mundo. A noção de dissimulação da ideologia agrega um conceito não-reflexivo, no
momento em que se evidencia que a ideologia opera por meio do sujeito e não ele
sobre ela. A ideologia apresenta, ainda, o caráter de ser avessa às modificações. O
recente coloca em questão as bases estabelecidas pela ideologia. Ele representa
um afrontamento ao grupo, cujos membros devem se reconhecer e se reencontrar
na união das mesmas idéias e práticas sociais. A ideologia, dessa forma, minimiza
as possibilidades de interpretação e compreensão dos acontecimentos.
Vale salientar o papel de dominação da ideologia. Toda autoridade procura
instaurar-se perante os indivíduos. A ideologia origina-se, então, como um sistema
justificador da dominação, levando em conta que essa legitimação da autoridade
demanda mais crença do que os indivíduos podem dar.
Duas concepções de ideologia transpõem-se a todo o momento e a toda
definição teórica. uma ideologia relacionada à tradição marxista, que revela um
modo restrito e particular no desaparecimento da realidade social, excluindo as
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
40
contradições que lhe são inerentes. Repercute-se, conseqüentemente, um discurso
ideológico que serve para legalizar o poder de uma classe ou de um grupo social.
Há, por outro lado, a ideologia que se define como visão de mundo, a concepção
de uma dada comunidade social, numa dada circunstância histórica. Isso ocasiona
uma compreensão dos fenômenos de linguagem e ideologia, como noções
estreitamente vinculadas. Não apenas um discurso ideológico, pois todos os
discursos o são.
Essas concepções não se excluem, se a máxima pairar sob uma ideologia,
enquanto concepção de mundo, uma forma legítima e verdadeira de refletir esse
mundo. É a partir da ideologia que o homem pensa e age sem, muitas vezes,
tematizá-la e trazê-la ao plano da consciência. Ela, por outro lado, pode ser
produzida, intencionalmente. Nesse momento, as duas concepções referidas se
cruzam. Nos discursos institucionalizados, como o político e o religioso, sobrevém
um recorte da realidade, uma seleção dos elementos reais, transformando as formas
de articulação do espaço da realidade. Emerge, inevitavelmente, um modo de ser do
mundo, que é um recorte que determinada instituição ou classe social num dado
sistema faz da realidade, relatando uma singular visão de mundo.
A seguir, a ideologia é apresentada em sua relação com os diversos discursos,
que estão nos contextos sociais e históricos nos quais o homem está inserido.
1.2.2 Ideologia e sua definição discursiva
A Análise do Discurso tem uma característica peculiar de re-significar o conceito
de ideologia, partindo da consideração da linguagem. O fato é que não sentido
sem interpretação e, nesse contexto, deparamos com a questão da presença da
ideologia.
A evidência do sentido, que faz com que uma palavra designe uma coisa, torna a
constituição pela remissão real a um conjunto de formações discursivas que
funcionam com uma dominante. A evidência do sujeito, a de que o homem sempre
já é sujeito, ressalta o fato de que o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia.
São essas evidências que, conforme Orlandi (2002, p. 47):
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
41
(...) dão aos sujeitos a realidade como sistema de significações percebidas,
experimentadas. Essas evidências funcionam pelos chamados
‘esquecimentos’ (...). Isso se de tal modo que a subordinação-
assujeitamento se realiza sob a forma da autonomia, como um interior sem
exterior, esfumando-se a determinação do real (do interdiscurso), pelo
modo mesmo com que ele funciona.
A ideologia manifesta-se como função necessária, entre linguagem e mundo.
Para que haja sentido, faz-se mister que a língua, como sistema sintático, se efetue
na história. Essa efetivação dos efeitos lingüísticos materiais na história é a
discursividade.
O sentido materializa, assim, como um gesto de interpretação que realiza a
relação sujeito-língua-história. Esta é a marca da subjetivação e da relação da língua
com a exterioridade, pois não discurso sem sujeito e não sujeito sem
ideologia. Ideologia e inconsciente tornam-se materialmente relacionados, por meio
da língua.
A ideologia passa a ser refletida, com base na interpretação. Para que a língua
faça sentido, é necessário que a história se interponha para que a interpretação seja
regulada em suas possibilidades e condições. A interpretação começa a ser
institucionalizada, pela memória. Entre uma memória que é o trabalho social da
interpretação onde se fragmenta quem tem e quem não tem direito a ela, e, entre
uma memória que é o trabalho histórico da constituição do sentido, o movimento
da interpretação, sendo possível estabilizar ou deslocar sentidos.
Nesse momento, a ideologia aparece como efeito da relação necessária do
sujeito com a ngua e com a história para que haja sentido. Orlandi (2002, p. 49)
complementa esse pensamento, diante da reflexão:
(...) E como não uma relação termo-a-termo entre linguagem/ mundo/
pensamento essa relação torna-se possível porque a ideologia intervém
com seu modo de funcionamento imaginário. São assim as imagens que
permitem que as palavras ‘colem’ com as coisas.
O sujeito tem acesso, apenas, a parte do que diz, que se encontra atravessado
pela linguagem e pela história, sob o modo do imaginário. Ele é materialmente
fragmentado, desde sua composição; ele é sujeito à língua e à história, uma vez que
para se organizar e para produzir sentidos, ele é afetado por elas. A composição do
sujeito passa, inevitavelmente, pelos efeitos do simbólico língua e história, caso
contrário, não há formação ideológica e discursiva e não há produção de sentidos.
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
42
O sujeito tem seu centro no domínio de um eu marcado pela unicidade, pela idéia
de fonte absoluta de sentido. O outro é evidenciado em uma perspectiva dialógica,
visualizado como um elemento fundamental no processo de significação, na
preocupação com o social e com as condições de produção. Dessa forma, o outro
introduz a concepção de história e a de ideologia, que vêm desestabilizar a
concepção de sujeito. Este perde o seu centro e passa a se caracterizar pela
dispersão, por um discurso heterogêneo, que incorpora e assume diferentes vozes
sociais. A linguagem não é mais evidência, transparência de sentido produzida por
um sujeito uno e homogêneo. Encontra-se um sujeito que divide espaço discursivo
com o outro.
No momento em que se reportam às condições e aspectos do sujeito, vale
adentrar a questão do inconsciente.
1.2.3 O Sujeito e o Inconsciente
A psicanálise formula a questão da unicidade significante da concepção
homogênea da discursividade. Compreendendo o sujeito como um efeito de
linguagem, a psicanálise encontra suas formas de constituição na diversidade de
uma fala heterogênea, que é conseqüência de um sujeito fragmentado. Sujeito
fragmentado, entre consciente e inconsciente.
A teoria de Freud paira sob a proposição de que a identidade humana, a
sexualidade e a estrutura dos desejos humanos são compostas com base em
processos psíquicos e simbólicos do inconsciente. A formação do eu na reflexão do
outro inicia a relação da criança com os sistemas simbólicos fora dela mesma e é,
assim, o momento de sua descoberta dos vários sistemas de representação
simbólica, incluindo a língua, a cultura e a diferença sexual.
O inconsciente permite-se ser retomado e reconstruído, partindo de traços
deixados por apagamentos e esquecimentos, cabendo ao analista, o trabalho de
reconstrução. Reconstrução possível, por meio de uma tarefa de regressão ao
passado, na e pela palavra, buscando-se a renovação do sentido absoluto das
expressões e dos significantes.
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
43
O discurso não se minimiza a um dizer explícito, pois ele é constantemente
cruzado pelo seu avesso. O avesso como composição do inconsciente, o discurso
do outro. Para a psicanálise, o inconsciente é uma rede de significantes que se
repete e insiste em interferir nas cicatrizes que lhe oferece o discurso efetivo.
Na tarefa da escuta, o analista deve estar atento aos variados discursos que se
reproduzem no desenrolar de uma única rede verbal. O fato fundador é que,
segundo Authier-Revuz (1982 apud BRANDÃO, 2004, p. 67):
(...) sob nossas palavras outras palavras se dizem, que atrás da linearidade
conforme emissão por uma voz se faz ouvir uma polifonia e que todo
discurso quer se alinhar sobre os vários alcances de uma partição, que o
discurso é constitutivamente atravessado pelo discurso do Outro. (...) É
nesse ponto que a concepção de um discurso heterogêneo atravessado
pelo inconsciente se articula com uma ‘teoria do descentramento’ do sujeito
falante: ‘o sujeito não é uma entidade homogênea, exterior à língua, que lhe
serviria para traduzir em palavras um sentido do qual seria a fonte
consciente’.
Sob essa visão reflexiva, o sujeito é o resultado de uma estrutura complexa, que
não se reduz à dualidade especular do sujeito com seu outro. O sujeito se compõe,
também, pela interação com o terceiro elemento, o inconsciente freudiano.
Inconsciente, que é o componente de subversão, provocador da separação do eu,
gerado como a linguagem do desejo.
O sujeito passa a ser descentrado, no momento da descoberta do inconsciente
por Freud, uma vez que não centro para o sujeito fora da ilusão e do fantasma.
Essa ilusão é denominada ‘função do desconhecimento do eu’ e particulariza-se por
veicular uma tendência fundamental e normal para o sujeito. Em diferentes termos, é
particular da constituição do sujeito, o papel que o eu assume, de manter a ilusão de
um centro, sempre conhecendo a realidade desta ilusão.
A linguagem tem como efeito o sujeito, uma vez que ele é entendido como uma
representação que depende das formas da linguagem que ele enuncia e que, na
realidade, o enunciam. Esse fato repousa nas teses lacanianas, de que a linguagem
é a condição do inconsciente e o inconsciente é o discurso do outro.
O falante, dessa maneira, evoca, no fundo, seu desejo de dominância,
impossibilitado de escapar da heterogeneidade mostrada. Esse falante, então,
pontua o seu discurso numa tentativa de restringir e afirmar o um, movido pela ilusão
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
44
do centro e por um movimento de denegação em que localiza o outro e delimita o
seu lugar.
Portanto, a identidade é realmente algo constituído, ao longo do tempo, por meio
de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência, no momento
do nascimento. sempre algo imaginário ou fantasiado sobre sua unicidade, que
está sempre incompleta, em construção, em processo. Deve-se reportar à
identificação - processo em andamento - e não à identidade, sendo algo acabado.
Hall (2002, p. 39) acentua:
(...). A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que está
dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é
‘preenchida’ a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós
imaginamos ser vistos por outros. Psicanaliticamente, nós continuamos
buscando a identidade’ e construindo biografias que tecem as diferentes
partes de nosso eus divididos numa unidade porque procuramos recapturar
esse prazer fantasiado da plenitude.
Não como evidenciar o sujeito e não o remeter à questão do inconsciente. O
trabalho analítico se fundamenta na transgressão das leis normais da conversação
que rege a comunicação na sociedade, baseada na troca de palavras, visando à
troca de bens materiais ou afetivos.
Na medida em que se tenta fazer aparecer ao sujeito, em sua fala, o que se diz,
ao seu desconhecimento, ao desconhecimento de seu desejo, o discurso articula-se
com o seu avesso, o seu reverso: o inconsciente.
A seguir, o sujeito pós-moderno é compreendido pela História como elemento
fundamental em sua constituição e integração social.
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
45
1.2.4 A História delineando o Sujeito
A História como elemento relevante na tríplice Ideologia/ História/ Sujeito, vem
traçando o perfil do indivíduo pós-moderno.
Um complexo de processos e forças de mudança integra e conecta comunidades
e organizações, em novas combinações de espaço e tempo, tornando o mundo, em
realidade e em experiência, mais interconectado.
A globalização não é um fenômeno recente. Os estados nunca foram
inteiramente soberanos ou autônomos como pretendiam. Além disso, o capitalismo
foi uma tendência da economia mundial e não dos estados. O capital nunca
demarcou suas aspirações em limites territoriais. Contudo, o alcance e o ritmo da
integração global maximizaram-se, visivelmente, acelerando os fluxos e as relações,
entre as nações.
Todo esse processo histórico interferiu na composição do sujeito, que está se
desintegrando, como conseqüência da homogeneização cultural e do pós-
modernismo global. O impacto globalizante defronta-se com um sujeito que se perde
nas questões tempo e espaço, coordenadas básicas de todos os sistemas de
representação. Toda forma de representação traduz seu objeto em dimensões
temporais e espaciais. Distintas épocas culturais possuem distintos modos de
combinar essas coordenadas tempo-espaço.
Assim, a moldagem e a remoldagem de relações tempo e espaço, no interior de
distintos sistemas de representação, emergem conseqüências profundas sobre a
forma como as identidades são localizadas e representadas.
Alguns estudiosos afirmam que o efeito desses processos culturais é o de
enfraquecer o sujeito, em seu constante processo de identificação, levando ao
colapso existencial, na produção de códigos culturais, na multiplicidade de estilos,
na ênfase do efêmero, do flutuante, do impermanente. Hall (2002, p. 74) corrobora,
especificando:
Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de
estilos, de lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens
da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais
as identidades se tornam desvinculadas desalojadas de tempos,
lugares, histórias e tradições específicos e parecem ‘flutuar livremente’.
Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual
nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes tipos de nós),
dentre as quais parece possível fazer uma escolha. (...) No interior do
discurso do consumismo global, as diferenças e as distinções culturais, que
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
46
até então definiam a identidade, ficam reduzidas a uma espécie de língua
franca internacional ou de moeda global (...). Este fenômeno é conhecido
como ‘homogeneização cultural’.
É preciso compreender a subjetividade, por meio de sua historicidade. Nesse
entendimento, a ambigüidade da noção de sujeito que, se determina o que diz,
no entanto, é determinado pela exterioridade, na sua relação com os sentidos.
O sujeito começou a tornar-se seu próprio proprietário, dando origem ao sujeito-
de-direito. Essa mudança foi causada pela transformação das relações sociais. Esse
tipo de sujeito é a conseqüência de uma estrutura social bem delineada a
sociedade capitalista. A individualização do sujeito pelo Estado é a reação da
determinação desse sujeito.
O discurso, então, aparece como ferramenta do pensamento e reflexo da
realidade, ocasionado pelo assujeitamento, este sendo a submissão do sujeito e
também sua condição de livre e responsável. A ideologia, por sua vez, fornece as
hipóteses que excluem o caráter material do sentido e do sujeito na transparência da
linguagem. Depara-se com a questão da literalidade, ou seja, o sentido literal,
aquele que uma palavra tem, independentemente de seu uso, em qualquer contexto
lingüístico. A literalidade também assume uma definição de produto histórico, efeito
de discurso que sofre as determinações dos modos de assujeitamento, das distintas
formas de sujeito, na sua historicidade e em relação às diversas formas de poder.
Uma vez que não um sujeito único e prévio, o falante não realiza a literalidade
como algo fixo e irredutível, mas, como um sentido composto, historicamente, na
relação do sujeito com a língua, que participa das condições de produção do
discurso.
A Análise do Discurso busca o real do sentido, em sua materialidade lingüística e
histórica. A própria língua funciona ideologicamente, já que a ideologia não se
aprende e o inconsciente não se controla com o conhecimento. A existência de uma
relação que evoca a interpretação, é possível, porque filiações históricas que
se organizam em memórias e relações sociais que se organizam em redes de
significantes.
Realizadas essas considerações, a prática e os procedimentos de análise dos
discursos serão retomados e descritos teoricamente.
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
47
1.3 A Teoria da Análise Discursiva
1.3.1 O olhar minucioso no processo da prática discursiva
A primeira relevância que se deve atentar no processo da análise, propriamente
dita, está nas questões da completude e da exaustividade analítica. Isso porque
essas são concepções idealizadas, mas, em nenhum momento, possíveis de serem
alcançadas. A análise toma proporções inesgotáveis, pois, todo discurso se
estabelece na relação com um discurso anterior e aponta para outro. Não
discurso fechado em si mesmo, mas, um mecanismo discursivo, do qual se pode
recortar e analisar proposições diferentes.
O que se trata como exaustividade do processo analítico é a rede de relações
dos objetivos da análise e da sua temática, que levam às conseqüências teóricas
importantes e aos acontecimentos da linguagem, com sua memória, sua espessura
semântica e materialidade lingüístico-discursiva.
Deve-se, dessa maneira, construir um aparato discursivo que obedeça a critérios
teóricos, no momento precioso da constituição do corpus. Esse aparato auxilia o
caminho discursivo para se alcançar a compreensão da análise. Chega-se, então, à
demonstração de como um discurso funciona produzindo efeitos de sentido.
Há, porém, uma divergência, entre texto e discurso. O texto particulariza-se por
ser a unidade que o analista possui diante de si e da qual ele parte. O analista
remete esse texto a um discurso que, por sua vez, apreenda seu sentido, que se
origina de uma interligação definida pela formação ideológica dominante, naquela
circunstância.
A necessidade de que todo o embasamento teórico intervenha para direcionar a
relação do analista com o seu objeto, com os sentidos, com ele mesmo e com a
interpretação, está na concepção de que a análise é um mecanismo que começa
pelo próprio estabelecimento do corpus e que se organiza frente à natureza do
material.
O olhar do analista, mediante a análise discursiva, deve ser o menos subjetivo
possível, explicando o modo de produção de sentidos do objeto em observação.
Orlandi (2002, p. 64) adiciona:
Por isso mesmo, concluída a análise, o que podemos avaliar é a
capacidade analítica do pesquisador, pela habilidade com que ele pratica a
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
48
teoria, face a sua responsabilidade teórica,, portanto, e sua capacidade de
escrita explicitação da análise para interpretar os resultados de seu
processo de compreensão do discurso que analisou.
O objeto, uma vez analisado, é passível de outra e inúmeras abordagens, não se
esgotando em sua descrição. Assim, todo discurso é parte de um processo
discursivo mais amplo que se recorta, e a forma do recorte determina o modo da
análise e o dispositivo teórico da interpretação que se constrói.
O que interessa é a percepção do texto como um monumento no qual se
inscrevem as múltiplas possibilidades de leituras; o que interessa é a materialidade
textual, que possui um caráter lingüístico-histórico. Materialidade essa, que reforça
as suas condições de produção a respeito da memória, em que ocorre a
interferência da ideologia, do inconsciente, do esquecimento, da falha e do
equívoco.
A análise, propriamente dita, pretende deslocar o sujeito frente aos efeitos
lingüísticos e ideológicos, sendo ela um movimento de compreensão, que se apóia
em uma etapa inicial de análise praticada pelo mecanismo analítico.
A mudança da superfície lingüística em objeto discursivo é a primeira fase para a
compreensão do modo como um objeto simbólico produz sentidos. O corpus
começa a se delinear, percorrendo os seus limites, fazendo recortes, na medida em
que se constrói uma primeira tarefa de análise, recuperando-se conceitos e noções,
uma vez que a análise do discurso tem um procedimento que intenta um constante
ir-e-vir, entre fundamentação teórica, consulta ao corpus e análise.
O analista, em seus movimentos, encontra, no texto, as pistas dos atos de
interpretação, que se constituem na historicidade. Ele pode explanar o modo de
composição dos sujeitos e de produção dos sentidos, por meio de seu trabalho de
análise, pelo dispositivo que constrói, avaliando os processos discursivos. O
movimento é seqüencial: parte-se da superfície lingüística, depois se caminha para o
objeto discursivo, deste para o processo discursivo eentão, adentra-se o trabalho
da ideologia. O analista, nessa tarefa seqüencial, examina os efeitos da língua na
ideologia e a materialização desta, na língua.
Importante ressaltar que as concepções históricas são tomadas como discursos,
em cuja materialidade está circunscrita a relação com a exterioridade. Assim, a
materialidade histórica da linguagem é uma noção menos visível, menos óbvia e
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
49
menos demonstrável, mas igualmente relevante, trabalhada na AD, localizada entre
a evidência empírica e o cálculo formal exato.
Os textos passam a ser unidades complexas, compõem um todo que resulta em
articulação de natureza lingüístico-histórica. Todos os textos revelam o caráter da
heterogeneidade: um ser heterogêneo na natureza dos diferentes materiais
simbólicos, na natureza das linguagens e nas posições dos sujeitos. Em um texto,
completando, encontram-se inúmeras formações discursivas, pois, ele pode ser
perpassado por inúmeras formações discursivas que nele se organizam, em função
de uma dominante.
O discurso, em suas peculiaridades, é o processo que exalta uma dispersão de
textos, portanto, está sempre em construção. Ele constitui uma prática em curso,
considerado no conjunto das práticas que compõem a sociedade na história, com a
distinção de que a prática discursiva se singulariza por ser uma prática simbólica.
Fundamentando-se em Orlandi (2002, p. 72):
Podemos então concluir que análise do discurso não está interessada
no texto em si como objeto final de sua explicação, mas como unidade que
lhe permite ter acesso ao discurso. O trabalho do analista é percorrer a via
pela qual a ordem do discurso se materializa na estruturação do texto (e a
língua na ideologia). Isso corresponde, a saber, como o discurso se
textualiza.
(...)
Feita a análise, não é sobre o texto que falará o analista, mas sobre o
discurso. Uma vez atingido o processo discursivo que é responsável pelo
modo como o texto significa, o texto ou textos particulares analisados
desaparecem como referências específicas para dar lugar à compreensão
de todo um processo discursivo do qual eles e outros que nem
conhecemos são parte. (...) O que temos, como produto da análise, é a
compreensão dos processos de produção de sentidos e de constituição dos
sujeitos em suas posições.
Consoante Orlandi (2002), então, um modo bem particular de conceber a
ideologia, dentro do processo discursivo: considera-se o deslize e o efeito
metafórico, com partes integrantes do funcionamento discursivo. Nesse momento,
língua e história se fundem pelo equívoco, lugar dos deslizes de sentido, como efeito
metafórico, que se define pelo trabalho ideológico, o da interpretação.
O emaranhado de discursividade é formado na consideração de que não texto
nem discurso que não esteja em relação com outros. O leitor comum fica sob o
efeito dessas relações, o analista deve percorrer o discurso para além da linearidade
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
50
do texto, desvelando os efeitos, até encontrar o modo como se organizam os
sentidos.
A linguagem desnuda-se em uma prática, pois o ato da fala evoca significados
que definem o próprio mundo, ao mesmo tempo em que a realidade se compõe nos
sentidos que os sujeitos praticam. Ela pratica sentidos e interfere no real. A
ideologia, por sua vez, torna possível a ligação palavra/ coisa, possuindo a língua,
como condição de base, e o processo discursivo. A relação pensamento
linguagem – mundo emerge em uma questão plenamente ideológica.
A ideologia, seu funcionamento imaginário e sua materialidade articulada ao
inconsciente são compreendidos por meio da maneira de pensá-la em sua constante
interferência com a concepção de discurso. A ideologia é inerente à interpretação
como fato essencial, que atesta a relação da história com a língua, na medida em
que esta significa. Língua e história só se integram no funcionamento da ideologia.
O imaginário, na relação entre sujeito e linguagem, permite a presença de um
novo lugar enunciativo da ideologia e a compreensão da composição dos sentidos,
colocando-se na estrutura da análise, a forma material. Essa forma está no
acontecimento do significante em um sujeito afetado pelo real da história.
A linguagem, então, entrega-se como lugar de descoberta, lugar do discurso na
abertura da perspectiva de trabalho da Análise do Discurso.
A apresentação da língua como identidade cultural faz-se relevante, uma vez que
não separações nem fronteiras entre língua, discurso, sujeito e o que o integra,
sua identidade.
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
51
1.4 A Identidade Cultural
No âmbito da teoria social, começou-se a discutir, fortemente, a questão da
identidade. Isso, devido ao fato de as antigas identidades, que por tanto tempo
estabilizaram o mundo social, estão em fracasso, fazendo surgir, no início do século
XXI, novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, aentão visto como
sujeito centralizado. Assim, uma parte do processo mais amplo da mudança, que
está movimentando os componentes e processos centrais das sociedades modernas
e abalando o quadro de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem
estável no mundo, parte essa denominada “crise da identidade”.
O colapso das identidades modernas, compreendidas como o conjunto de
aspectos, valores e características do homem moderno, pode ser compreendido, por
meio de uma maneira distinta de mudança estrutural, que está transformando as
sociedades modernas, no final do culo XX. Importante salientar que mudança
estrutural refere-se às mudanças sociais sofridas no momento em que o homem
adquire sua visão de mundo por meio do grupo em que está inserido. A mudança
origina-se no discurso, que pode ser manipulado, pois há uma formação de ideologia
e, conseqüentemente, de arranjos e adaptações, portanto, papéis e
representações dentro das sociedades. Essa mudança vem desestabilizando as
condições de produção dos discursos, ou seja, as paisagens culturais de classe,
gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, em outras épocas, forneciam
sólidas localizações como sujeitos sociais, os indivíduos que representam posições
ideológicas dentro da sociedade. O sujeito social reporta sua linguagem à memória
discursiva, sendo o registro dos conhecimentos, que começa desde sua inserção no
mundo, por meio das vivências, experiências e da aquisição de conhecimento. As
mudanças não interferem apenas no sujeito social, mas, também, na individualidade
humana, abalando a idéia da composição integral desse indivíduo. A falta de um
sentido, em si estável, é chamada de deslocamento ou descentração do sujeito, fase
em que o homem tem sua relação com seu discurso, porém, perde referências e
manifestações na desarticulação das infinitas complexidades ideológicas e das
representações de novos papéis sociais. O indivíduo desconstrói, aliena e
desintegra seu lugar enunciativo ou a maneira de ser, estar e agir, no contexto social
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
52
e individual, manifestando-se em um duplo deslocamento humano. Assim, o homem
pós-moderno mostra que a posição sócio-histórica, em que está incluído, destaca a
relação conflituosa entre locutores, enunciados e o mundo.
Para adentrar a questão abrangente da identidade, faz-se necessário o
reconhecimento de três noções, muito spares, de identidade: o sujeito do
Iluminismo, o sociológico e o pós-moderno.
Baseado numa concepção da pessoa humana como um ser totalmente centrado,
unificado e dotado das habilidades da razão, de consciência e de ação, o sujeito do
Iluminismo possuía um centro localizado num núcleo interior, que emergia, pela
primeira vez, quando o indivíduo nascia, e com ele se desenvolvia, ainda que
permanecendo contínuo e ao longo da existência do sujeito. A noção do
egocentrismo aflorava em uma idéia muito individualista do sujeito e de sua
identidade.
O sujeito sociológico, o homem na relação intrínseca e interativa com a
sociedade, refletia, em sua estrutura, uma complexidade do mundo moderno e a
consciência de que o núcleo interior do sujeito era formado na relação com outras
pessoas relevantes para ele, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos,
símbolos e a cultura dos mundos que ele habitava. A identidade constitui o caráter
interativo na ligação estreita entre o eu e a sociedade. O eu real passa a ser
formado e modificado num diálogo constante com os mundos culturais exteriores e
as identidades que eles oferecem. A identidade, nessa razão sociológica, preenche
o espaço entre o mundo pessoal (interior) e o público (exterior). Essas
peculiaridades das identidades culturais auxiliam no alinhamento dos sentimentos
subjetivos com os lugares objetivos que o ser humano ocupa no mundo social e
cultural.
O sujeito pós-moderno aparece em um processo em que o indivíduo é composto,
não de uma única identidade, mas de várias, muitas vezes contraditórias ou não-
resolvidas. As identidades componentes das paisagens sociais estão entrando em
crise, no momento das mudanças estruturais e institucionais. Esse processo
singulariza-se em um caráter mais variável, provisório e problemático. Dentro do
individuo, as identidades contraditórias começam a se manifestar, movimentando-se
em diferentes direções, provocando o deslocamento das identificações. O eu
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
53
coerente evoca sua exclusão, no momento em que assume identidades distintas, em
diferentes instantes, identidades que não são unificadas.
A máxima paira sob a fantasia de que uma identidade completamente
unificada, completa, segura e coerente. Se isso for realizado, é porque ocorreu a
construção de uma cômoda estória sobre cada indivíduo ou uma aliviada narrativa
do eu. A multiplicidade das identidades possíveis é, também, uma multiplicidade dos
sistemas de significação e representação cultural.
Outro fator que está intimamente relacionado à questão da identidade é o caráter
de mudança, na modernidade tardia, mais especificamente, o processo de
globalização e todo seu choque sobre a identidade cultural.
As práticas sociais são reformadas tomando como parâmetros as informações
recebidas sobre aquelas próprias práticas, alterando, dessa forma,
constitutivamente, suas peculiaridades.
As sociedades não têm nenhum centro, ou modo exclusivamente articulador ou
organizador e não se desenvolvem de acordo com o desdobramento de uma
exclusiva causa ou lei. O caráter diferença é o principal manipulador dessas
sociedades, uma vez que elas são perpassadas por diferentes divisões e
divergências sociais que produzem uma variedade de diferentes posições do
indivíduo, de distintas identidades humanas.
O deslocamento das identidades pode ser identificado por seu caráter eufórico,
que ele abre a possibilidade de ilustres articulações, como a criação de novas
identidades e a produção de novos sujeitos.
O deslocamento do ser humano pós-moderno surgiu por meio de algumas
quebras, nos discursos do conhecimento moderno. A teoria social e as ciências
humanas sofreram grandes avanços, ocorridos nos pensamentos, que ocasionara o
descentramento final do sujeito.
A primeira grande descentração relevante refere-se às tradições do pensamento
marxista. Sua proposição de que “os homens fazem a história, mas apenas sob as
condições que lhe são dadas” (Marx apud HALL, 2002, p. 34) fez com que os
teóricos interpretassem no sentido de que os indivíduos não poderiam, de nenhuma
forma, ser os autores ou os agentes da história, pois, eles podiam agir somente com
base em condições históricas criadas por outros e sob as quais eles nasceram,
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
54
utilizando os recursos materiais e de cultura, que lhes foram transmitidos por
gerações anteriores.
Marx desestabilizou as máximas de que há uma essência universal de homem e
de que essa essência é o atributo de cada indivíduo singular, o qual é seu sujeito
real. Essa revolução no pensamento foi fortemente posta em destaque, por vários
teóricos humanistas que dão maior peso, na explicação histórica, à agência humana.
O impacto foi sentido sobre muitas redes do pensamento moderno.
A descoberta do inconsciente, por Freud, foi o segundo deslocamento no
pensamento ocidental, do século XX. Anteriormente referido em um dos capítulos
dessa pesquisa, o inconsciente, com base em seus processos psíquicos e
simbólicos desmistifica o conceito do sujeito cognoscente e racional, dotado de uma
identidade fixa e unificada. Hall (2002, p. 37) salienta:
(...) a imagem do eu como inteiro e unificado é algo que a criança aprende
apenas gradualmente, parcialmente, e com grande dificuldade. Ela não se
desenvolve naturalmente a partir do interior do núcleo do ser da criança,
mas é formada em relação com os outros; especialmente nas complexas
negociações psíquicas inconscientes, na primeira infância, entre a criança e
as poderosas fantasias que ela tem de suas figuras paternas e maternas.
(...) para Freud, a subjetividade é o produto de processos psíquicos
inconscientes.
Iniciamos, assim, a relação da criança com os sistemas simbólicos fora dela
mesma e é, dessa forma, o momento de sua entrada nos vários sistemas de
representação simbólica, incluindo a língua, a cultura e a diferença sexual.
Novamente, é possível verificar o estrago que essa maneira de pensamento causa a
concepções que vêem o sujeito racional e a identidade como fixos, estáveis e
unificados.
Ferdinand de Saussure (1999) e seu trabalho estrutural constituem o terceiro
descentramento. Saussure defendia a idéia de que o ser humano pode apenas
utilizar a língua para produzir significados, posicionando-se no interior das regras da
língua e dos sistemas de significado da cultura humana. O indivíduo não é, portanto,
em nenhum sentido, o autor das assertivas que faz ou dos significados que expressa
na língua. A língua é posta como sistema social, e não individual. Falar uma língua
significa ativar a imensa rede de significados que estão embutidos na língua
humana e nos sistemas culturais. A identidade e o inconsciente estão, como a
língua, estruturados da mesma forma. O sujeito não pode, jamais, fixar o significado
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
55
de maneira final, incluindo o sentido de sua identidade. As palavras sempre
carregam vozes de outros significados, que elas colocam em movimento. Hall (2002,
p. 41) adverte “(...) existem sempre significados suplementares sobre os quais não
temos qualquer controle, que surgirão e subverterão nossas tentativas para criar
mundos fixos e estáveis”.
O quarto deslocamento da identidade e do sujeito encontra-se no trabalho do
filósofo e historiador francês, Michel Focault (apud HALL, 2002). O teórico destacou
um novo tipo de poder, denominado disciplinar, que se desdobra, ao longo do século
XIX. Esse poder preocupa-se com a regulação e a vigilância. É o governo da
espécie humana ou de populações inteiras; outra preocupação é com o indivíduo e
com o corpo. O poder localizado por Focault é o produto das novas instituições
coletivas e de maior escala da modernidade tardia. Suas técnicas envolvem uma
prática do poder e do saber que singulariza, muito mais, o sujeito e envolve seu
corpo.
Assim, quanto mais organizada e geral a natureza das instituições da
modernidade tardia, como oficinas, quartéis, escolas, prisões, hospitais e clínicas,
entre outras, maior o isolamento, a vigilância e a particularização do sujeito
individual.
O impacto do feminismo compõe o último descentramento da identidade humana.
Como um novo movimento social, o feminismo afirmava, tanto as dimensões
subjetivas, quanto as objetivas da política; suspeitava de todas as formas
burocráticas de organização e favorecia a espontaneidade e os atos de vontade
política; refletia o enfraquecimento da classe política e sua fragmentação em vários
e separados movimentos sociais. O fato de questionar posições sociais, promover a
abertura para contestações políticas e de questionar a concepção de que os homens
e mulheres eram parte da mesma identidade enfatizaram uma relação muito
explícita do feminismo, com o deslocamento conceitual do sujeito sociológico.
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
56
1.4.1 A Língua como Identidade Cultural
Depois de referidas as devidas causas de uma crise da identidade humana,
deve-se enfatizar que um relevante componente da identidade cultural é o fator
língua. Salienta-se a idéia da língua como identidade cultural, que ela se
singulariza como elemento contextualizado e um todo constituindo a realidade.
Assim, a língua reflete o estado de espírito de toda uma nação. Consoante Gnerre
(1998, p. 105):
(...) não conhecemos um único caso em que o processo de fixação na
escrita de uma língua de tradição oral não tenha como finalidade ‘traduzir’
conteúdos já expressos em línguas ‘de cultura’ e definir uma variedade
escrita da ngua, apta para expressar aquelas informações fragmentárias e
descontextualizadas (...).
A identidade, em relação à língua, tem como elemento centralizador o discurso,
que, em favor da igualdade, pode vir a ser tão colonialista, quanto o discurso em prol
da diferença, quando falta análise crítica do valor e da profundidade da diversidade.
O processo de formação de uma língua padrão, desse modo, remete a um contato,
direto ou indireto, de línguas e culturas. O autor (1998) pressupõe que esse contato
possa ser lingüístico, muito delimitado, em termos de classes sociais, no sentido de
que apenas alguns membros de uma elite política ou cultural de dada comunidade
lingüística estão em contato com os integrantes de outra comunidade, na qual
uma variedade lingüística escrita.
E, neste sentido, o homem se depara com o “poder” que a classe dominante
atribui à língua o caráter de dominação. “Poder” esse que consiste em uma ação
de convencimento persuadir os dominados, no sentido de que sua língua deve ser
utilizada à imagem e semelhança da língua dos dominadores. Esse é o centro que o
homem pós-moderno procura: manter o seu protótipo e codificar o mundo.
A implantação de uma língua, ou até mesmo de um modo particular de discurso,
que pode ser autoritário, polêmico ou lúdico, no intuito de representar, efetivamente,
ou traduzir um povo, crença, costume, herança cultural, história, hábitos, regras e
leis, sugere que a necessidade de uma aparente atitude de afirmação de si, por
meio da própria língua. Portanto, esse tipo de implementação de uma variedade
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
57
lingüística oral ou escrita é ilusório, e, na realidade, vela uma renúncia de identidade
para acolher outra ou outras.
Dessa maneira, o que se pretende reverenciar, quando se expõe a língua como
identidade cultural? Deve-se supor identidade cultural como um grande conjunto de
peculiaridades ou hábitos comuns a todos os homens: sentir medo diante do
desconhecido, cultuar deuses, mortos, relacionar-se com a natureza e buscar
transmitir experiências às novas gerações. Assim, toda sociedade tem sua
identidade cultural, que, na maioria das vezes, é evidenciada pelo elemento língua.
Quando a língua é retratada como meio de identidade, é porque nela visualiza-se
uma herança de valores e objetos compartilhada por um grupo humano
relativamente coeso. Relativamente, pois, sempre uma constante simultaneidade
de centros, de identidades, no período atual. Além disso, a língua possui valor
cultural, uma vez que é algo extremamente significativo e, portanto, transmitido de
geração a geração, conforme o auxílio teórico dado por Kupstas e Campos (1988).
A língua, por sua vez, especifica uma diversidade de culturas. Elas estão
engajadas em universos culturais, como a cultura erudita, a popular, a criadora e a
de massas. Seguindo a classificação de Kupstas e Campos (1988), essa divisão
emerge da realidade das sociedades ocidentais e adquirem suas próprias
linguagens, que dialogam entre um eu, um tu e um outro, consolidando seus
singulares ethos, a forma de ser, estar e significar o mundo.
A cultura erudita é a que está centralizada no sistema educacional, ou seja,
passa obrigatoriamente pela escola, ligada à classe dominante determinante da
seleção dos conhecimentos que chega ao público e ligada às instituições
negadoras da diversidade cultural ou convencidas de serem a “verdadeira cultura”.
A cultura popular é iletrada, vivida e constituída pelo homem rústico e pelo pobre
suburbano. É uma cultura reveladora de uma união entre corpo e alma, o físico e o
simbólico, expressando um modo de viver – os objetos e expressões físicas e
espirituais de um povo.
Individualizada por artistas e intelectuais, a cultura criadora é a que está à frente
do seu tempo, por ser um momento cultural, artístico e científico, que tende a
quebrar padrões consagrados.
Como o conteúdo da obra O Segredo (2007) e seus discursos embutidos, a
cultura de massa é uma expressão cultural voltada para o consumo, reforçando
Análise do Discurso: a linguagem, o mundo, os sujeitos, os sentidos, a
história e a ideologia em uma abordagem reflexiva
58
valores já estabelecidos e apelando, imediatamente, para as emoções. Há dois
modos de evidenciar essa cultura: Umberto Eco (apud KUPSTAS e CAMPOS, 1988)
revela uma tendência a eliminar as diferenças locais e sociais, massacrando os
valores da cultura popular, com o objetivo de impedir uma visão crítica e reflexiva da
sociedade. Por outro lado, pode-se compreender que há, na cultura de massa, uma
ação democratizadora, em alguns bens, que seriam inacessíveis à maioria.
A língua representa a função de interferir no meio, adaptar, reconhecer e inter-
relacionar essa culturas, pois, elas não existem de forma isolada. O que a função
social língua engloba é um universo de valores próprios, sem juízos de valor,
proporcionando, ao homem, um modo de ser e estar no mundo, discursivizar nesse
mundo, tentar manter o seu centro ou centros, e singularizar sua nação, sua
formação nacional e, mais especificamente, ou, pelo menos, sua individualidade,
visualizada como cambaleante na pós-modernidade.
A língua, então, como identidade cultural, evidencia homens criadores, que têm
experiências particulares, vivência social e individual, fatores decisivos em cada
modo específico de reinventar e representar a realidade e os ideais formadores de
uma sociedade.
Talvez, nesse ponto reflexivo, esteja tamanha grandeza, repercussão e sucesso
de O Segredo (2007). Uma obra que, independentemente de seu valor literário,
reúne, por meio da língua, discursos e depoimentos, uma vivência particular e social
centralizadora, de um centro perdido e fragmentado, atual. Atentar-se-á para uma
maneira muito inteligente de utilizar-se da língua, da identidade cultural, das
formações ideológicas e discursivas, do contexto sócio-histórico atual para
reinventar e representar essa ou uma outra realidade, quem sabe apenas revisitada.
Retomado o embasamento teórico, a evidência estará no aspecto prático da
análise discursiva. Antes, porém, a literatura de auto-ajuda e seus efeitos discursivos
serão considerados nos próximos capítulos.
Capítulo 2
Procedimentos Analíticos: o discurso em
movimento
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
Orvalho apenas.
(Eugênio de Andrade)
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
60
2.1 Literatura de Auto-ajuda: salvação, declínio e mercado promissor. O que
por trás dessa roupagem literária.
Antes de começar a análise propriamente dita, faz-se mister adentrar a literatura
de auto-ajuda, uma vez que muitas classificações literárias revelam o corpus dessa
pesquisa, o livro O Segredo, sob esse nero, ainda que essa postura não seja
homogênea entre os teóricos. Importante salientar que, na área da Psicologia, o
termo auto-ajuda mantém sua familiaridade com a expressão auto-realização.
A escolha desse material para reafirmar e comprovar o caráter científico de
teorias, como formações ideológicas e discursivas e a língua como identidade
cultural, torna-se altamente pertinente, no momento em que a análise se volta para
questões gerais da vida humana.
A discussão inicial, porém, estará focada no campo do material denominado
auto-ajuda.
A moral primitiva implicava a regulamentação do comportamento de cada um de
acordo com os interesses da coletividade. O indivíduo era mero suporte, auxiliar na
concretização dos objetivos do grupo. Toda ação de autoconhecimento era uma
ação voltada para melhoria do caráter, a conquista das virtudes, disposições
essenciais para a obtenção da qualidade de vida e da felicidade eterna.
O homem moderno, influenciado pela filosofia de Descartes (apud CRESCENZO,
2007), perde a orientação característica das sociedades tradicionais, e, desse modo,
por meio do individualismo, cada qual acaba buscando por si mesmo a sua própria
orientação na vida. Assim sendo, a autonomia do sujeito é buscar em si mesmo, ou
seja, nas suas forças interiores, elementos para auto ajudar-se. Esse culto à
individualização, porém, conduziu um sujeito mais materialista e egoísta,
contrariando os ensinamentos evangélicos, que ditam modos, como repartir, com os
outros, os bens adquiridos na vida.
Consoante Chagas (1999, p.45):
O fenômeno da auto-ajuda teve início em meados do século XIX, no
momento em que se caracterizava o culto à singularidade do indivíduo
moderno, quando ele passa ter o valor central da cultura ocidental. Este
fenômeno coincide com o desenvolvimento das sociedades capitalistas
que se caracterizam pela tecnologia de ponta, pelos grandes investimentos
e pela obtenção do lucro. O dinheiro acaba medindo tudo, inclusive o
indivíduo. Quem tem dinheiro tem status social, é bem sucedido, senhor de
altos conhecimentos. Destacando-se do grupo, pode incentivar outros a
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
61
fazer o mesmo: é daí que surge o individualismo que deteriora a vida
comunitária.
O autor apresenta, nessa obra, o resultado de uma pesquisa nos vários livros de
auto-ajuda. Conclui que, esse tipo de discurso, pronunciado por seus líderes, possui
uma tonalidade que encanta e fascina. O estudioso revela que os enunciadores de
auto-ajuda direcionam seus leitores e ouvintes a um caminho, onde tudo pode ser
realizado, obtido, conseguido, como num passe de mágica, pois basta querer,
porque querer é poder. O discurso caracteriza-se por posicionamentos inabaláveis e
pela postura atrativa. Aspectos, como incertezas, dúvidas e questionamentos
próprios do saber filosófico não constituem esse discurso.
Segundo a Wikipédia
1
, a enciclopédia livre, “o termo auto-ajuda pode se referir a
qualquer caso onde um indivíduo ou um grupo procura se aprimorar econômica,
espiritual, intelectual ou emocionalmente”.
Os diversos gêneros em que os conceitos de auto-ajuda são aplicados, são
trazidos juntamente com a expansão de tecnologias que o, aos indivíduos,
condições de conduzir atividades, tanto triviais, quanto as mais profundas em
complexidade. A publicação de livros de auto-ajuda surgiu da descentralização da
ideologia, do crescimento da indústria editorial usando novas e melhores tecnologias
de impressão e, no auge do crescimento, com as novas ciências psicológicas sendo
difundidas. Igualmente, serviços de auto-ajuda legal cresceram em torno da
expansão do acesso às tecnologias de proteção de documentos.
O primeiro livro de "auto-ajuda" foi intitulado Auto-Ajuda. Foi escrito por Samuel
Smiles (1812-1904) e publicado, em 1859. Sua frase de abertura é: "O Céu ajuda
aqueles que ajudam a si mesmos", uma variação de "Deus ajuda aqueles que
ajudam a si mesmos", uma máxima frequentemente citada no Poor Richard's
Almanac de Benjamin Franklin (1706-1790).
A literatura de auto-ajuda ou o conjunto de relatos e manuais que ensina como
conduzir a vida, sobrepujar a depressão, lidar com pessoas, exercitar a sexualidade,
parar de fumar, enriquecer etc., pertence, sem dúvida, a um acervo de textos,
constituindo um formidável veículo de subjetivação criado pela cultura atual.
1
Wikipédia, enciclopédia livre, fonte eletrônica, www.wikipedia.com.br, acessada em 11 de abril de
2008.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
62
Essa literatura constrói, de fato, um acúmulo de práticas, especialmente de
leituras, por meio das quais o homem comum vem tentando descobrir, dentro de si,
os recursos e a solução dos problemas pessoais criados pela vida moderna.
O fenômeno literário em destaque é formado, sobretudo, por manuais e textos de
prática, que contêm, em essência, consoante Cawelti (apud RUDIGER, 1996, p.151)
“uma metodologia para conquista do sucesso material, isto é, riqueza e poder; um
conceito a respeito da auto-realização pessoal e sobre os meios de como obtê-la; e
uma dimensão transcendente, que vincula a realização individual à ordem moral que
rege o universo”.
No entanto, encontram-se nela, também, narrativas em primeira pessoa, histórias
de vida, em que o sujeito relata a descoberta de suas forças mais íntimas e a
maneira como as empregou para superar seus problemas individuais, narra-se,
assim, como passou por um processo de mudança interior, tornando-se, por conta
própria, nova pessoa.
As promessas são arrebatadoras, como melhorar o caráter de liderança, obter
sucesso nos negócios e equilibrar a vida pessoal e profissional. Os autores seguem
uma fórmula promissora em suas vidas. Dados da Câmara Brasileira do Livro (CBL)
comprovam isso: dos cerca de 2,5 bilhões de reais que o mercado livreiro faturou no
ano passado, incluindo vendas diretas ao governo, 20% foi obra dos livros de auto-
ajuda, que, em algumas das listas divulgadas com os títulos mais vendidos, dividem
a classificação com os de negócios.
A grande questão paira na definição de tamanha repercussão. Reflete-se a
respeito do descentramento da identidade humana, na pós-modernidade, o que
ocasiona o desejo latente do ser humano de ver seus problemas solucionados como
num passe de mágica e a esperança da ajuda para encontrar a força introspectiva
indispensável para superar limites.
Não podemos negar que a repercussão considerável das obras de auto-ajuda
está intimamente relacionada à questão cultural. A literatura de auto-ajuda
peculiariza-se como um conjunto, textualmente, mediado de práticas por meio das
quais as pessoas procuram descobrir, cultivar e empregar seus supostos recursos
interiores, transformar sua subjetividade, visando a obtenção de determinada
posição individual, supra ou intramundana. Aparentemente passageiro, o fenômeno,
na verdade, possui raízes muito fundas, nas diversas culturas, conforme se pode
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
63
auferir por sua vendagem, que, todo o ano, tempo, chega facilmente à casa dos
vários milhões, em todo o mundo.
Os autores Norman Vincent Peale, Dale Carnegie, Orison S. Marden e Og
Mandino, personalidades consideráveis da literatura de auto-ajuda, de diferentes
momentos históricos, e alguns dos colaboradores do livro O Segredo (2007),
venderam, juntos, cerca de setenta milhões de livros, em mais de trinta idiomas.
Consoante Francisco Rudiger (1996), ao volume de vendas, é preciso adicionar a
resistência ao tempo mostrada pelos principais títulos do gênero.
Nossas forças mentais, de Prentice Mulford, publicado, originalmente, entre 1890
e 1892, traduzido para a língua portuguesa, em 1915, continua sendo reimpresso,
nos dias atuais, estando na 14ª edição, o que significa uma marca expressiva,
especialmente para uma obra em quatro volumes. Outro fato relevante acontece
com o livro Como fazer amigos e influenciar pessoas, de Dale Carnegie, publicado
em 1936, que continua apresentando grande volume de vendas, tendo sido um best-
seller, na época que antecedeu o fim da URSS.
Segundo a viúva do autor, Carnegie (apud CARNEGIE, 2000, p. 13), no prefácio
de uma edição mais atual:
Como fazer amigos e influenciar pessoas conquistou seu lugar na
história da editoração como um dos best-sellers internacionais de todos os
tempos. O livro tocou num acervo e preencheu uma necessidade humana
que estava além de uma simples moda gerada pelos dias que sucederam à
depressão.
Nos anos dez do século passado, a publicação dessa literatura começou no
Brasil e, nos anos quarenta, houve uma popularização, por meio do lançamento das
obras de Napoleon Hill e Dale Carnegie. O crescimento das vendas alterou-se, a
partir da era de Juscelino Kubitschek, década de sessenta, com Joseph Murphy,
Mandino e Carnegie vendendo, juntos, aproximadamente cinco milhões de
exemplares. Os autores nacionais adentraram esse cenário: Lauro Trevisan vendeu
sozinho cerca de um milhão e meio de livros, já tendo publicado mais de vinte obras,
desde o início de sua carreira, em 1980. Redigindo um amontoado de manuais de
auto-ajuda que, em cinco anos, passaram de um milhão e meio de exemplares
vendidos, Lair Ribeiro, cirurgião-autor, seguiu o mesmo caminho.
A base para esse gênero é a fundamentação da perspectiva de subjetivação, que
revela um ser humano com um poder interior passível de ser empregado na solução
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
64
de todos os problemas. O indivíduo tem necessidade de procurar, dentro dele,
recursos indispensáveis para resolver seus desafios, partindo do conceito de que
um interior recheado de recursos necessários para se alcançar o sucesso, de
concretizações de objetivos, de felicidade e qualquer outra coisa necessária para se
aproveitar uma vida, de forma completa.
Os teóricos Theodor Adorno e Max Horkheimer (apud RUDIGER, 1996) foram os
pioneiros na ação de atentar para esse fenômeno da auto-ajuda. Segundo eles, um
estilo de conduta é fabricado para os homens que, submetidos à disciplina do
racionalismo moderno, necessitam que lhes digam de que maneira cuidar de seu
corpo, fazer amigos e enriquecer sua personalidade. Os autores reiteram que o
capitalismo favorece o surgimento de movimentos de massa que condicionam as
rotinas cotidianas, penetrando no modo como os homens planejam seus
compromissos, as pessoas sorriem, umas para as outras, escolhem as palavras na
conversação diária e esquematizam sua vida introspectiva, numa tentativa de fazer,
de si mesmas, um instrumento efetivo e que corresponda, mesmo nos mais intensos
impulsos humanos, ao molde apresentado pela indústria cultural.
Rudiger (1996, p. 12) realiza sua conceituação:
A literatura de auto-ajuda constitui uma das mediações através das quais
as pessoas comuns procuram construir um eu de maneira reflexiva,
gerenciar os recursos subjetivos e, desse modo, enfrentar os problemas
colocados ao indivíduo pela modernidade. O movimento dessa última
desintegrou as representações coletivas e simbolismos comuns que
recomendavam a salvação do eu por meio da fusão dos propósitos
pessoais com os propósitos da comunidade. O resultado desse processo foi
a criação de uma sociedade de indivíduos livres, mas, também, de um
conjunto de problemas pessoais que tornou profundamente problemática
essa liberdade.
As práticas tecidas pela referida literatura representam um veículo dos
diversos movimentos de subjetivação popular através dos quais o homem
comum procura resolver esse paradoxo, enfrentando as dificuldades criadas
pelo processo de desconversão relativamente às concepções de vida
comunais vigentes nas antigas civilizações.
As pessoas utilizam, portanto, esse gênero literário para refletir a respeito de sua
condição individual, considerando que a circulação desse material é responsável
pela propagação de informações sobre possíveis maneiras e direções de mudança
particular que, não obstante, deve ser praticado pela pessoa que o recebe, em
relação as suas próprias questões vivenciais.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
65
As práticas começaram a se vulgarizar por intermédio dos meios de
comunicação, no contexto do mundo contemporâneo. Dessa forma, o saber de
cunho paracientífico, caracterizado sobre como conduzir a vida, nas matérias a
respeito do potencial humano, nos testes de autoconhecimento e nos desenhos dos
perfis psicológicos passou a ser consideravelmente difundido. As obras de auto-
ajuda demonstram como as respostas para se problemas de identidade, os recursos
para descobrir e explorar os segredos da alma, do corpo, e do sexo, as fórmulas
para se chegar ao sucesso na vida e relacionar-se com as pessoas foram se
transformando em mercadoria de consumo de massa.
A literatura de auto-ajuda trabalha com títulos que estão integrados em duas
categorias: os livros que ensinam a desenvolver capacidades objetivas, que
pretendem auxiliar a se conseguir sucesso nos negócios, comunicar-se com as
pessoas, conservar o marido etc.; e, os livros que ensinam a se desenvolver
capacidades subjetivas, que pretendem ajudar a se obter auto-estima, saber
envelhecer, vencer a depressão ou viver na plenitude.
As obras de auto-ajuda revelam-se, de fato, um território ou campo de
experiência do problema que segmentos expressivos das camadas médias urbanas
são para si mesmos, enquanto coletivos de seres humanos. Elas compõem uma
tentativa de articular, para essas pessoas, uma resposta interior à transformação
das necessidades metafísicas, em problema particular.
A máxima que existe na origem da literatura de auto-ajuda é a mesma de muitos
métodos religiosos do passado: a de que, segundo Weber, “a salvação é um produto
absolutamente individual, que se alcança, a partir da própria força do indivíduo”
(apud RUDIGER, 1996, p.78). Atualmente, é possível constatar que a preocupação
com o desenvolvimento pessoal tornou-se elemento de crença, mais ou menos
comum entre diferentes grupos da população, devido à ação da mídia. A descoberta
dos recursos interiores, como componentes de prática e expediente de salvação
individual, converteu-se em discurso público.
Passamos, então, à conceituação da literatura de auto-ajuda por meio de três
aspectos: o aspecto místico, o egoísta e o ascético. Sob esses panoramas, é
possível averiguar de que modo esse gênero se comporta no mercado literário atual,
quem é e o que pensa seu leitor.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
66
2.1.1 Defender ou Condenar?
“Eu jamais leria auto-ajuda”. “Eu li, um dia, faz tempo”. “Eu leio e não vejo
problema algum”
2
. Auto-ajuda e suas múltiplas leituras.
2.1.1.1 Uma perspectiva mística
uma corrente filosófica que defende que o remédio para os males humanos
também cura o interior das pessoas, consistindo no poder da mente, no contato com
o seu eu superior, uma vez que uma vida, uma vida segundo as leis
superiores, segundo uma verdade.
Consoante James Allen (apud RUDIGER, 1996, p. 90), desconhecido poeta
inglês, que, mais tarde se tornou pregador da auto-ajuda:
A verdade, em toda sua glória, só pode ser percebida e conhecida
quando tenha desaparecido o último vestígio do eu inferior, porque o
egoísmo constitui uma nascente de sofrimento, vincula-nos às
preocupações de um mundo que dissipa nossas forças, sem poder nos
trazer verdadeira felicidade.
A crença paira no fato de que a felicidade e a paz de espírito requerem a
superação dos desejos egoístas, coincide com a vitória sobre as demandas de um
eu inferior, movido por elementos mundanos que, por definição, não podem trazer o
bem e ditam um modo de vida falso, que desequilibra o modo de ser do indivíduo,
barrando-o ao acesso à verdade.
Essa perspectiva reflete a respeito de um teor incoerente, quando o homem
acredita que o dinheiro pode solucionar todos os problemas e que as conquistas
materiais trazem satisfação. O homem se conduz de maneira atrelada a uma única
verdade, no momento em que se volta, exclusivamente, para essas soluções. Existe,
contudo, outra riqueza, que se encontra na capacidade de transformar o eu inferior e
comungar, de modo inconsciente e pessoal, com a inteligência infinita que rege o
universo.
Esse direcionamento sobre a auto-ajuda revela três pontos. O primeiro envolve
as preocupações do protagonista a questão que angustia o homem, os
2
Essas frases referem-se a um modo de comunicação verbal recorrente ao domínio público.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
67
sofrimentos de que padece brotam de dentro dele mesmo, porém, carecem de
objeto, compondo um sentimento de carência de sentido da vida.
O segundo é a decisão de o homem se alienar da realidade imediata para poder
reapropriar-se de sua própria verdade. A entrada na realidade, promovida pelo ego,
é geradora de conflitos e frustrações interiores que desequilibram a personalidade
humana.
O terceiro é o de que o indivíduo necessita dessa alienação, não apenas para se
por de bem consigo mesmo, mas, para poder continuar cumprindo seus deveres e
realizando suas tarefas, de maneira plena e satisfatória.
2.1.1.2 Uma perspectiva egoísta
Essa visão evoca uma exploração ordenada dos recursos interiores e do
potencial humano, que não objetiva de maneira imediata, a solução dos conflitos
morais que vitimam o eu humano ou, mais especificamente, a consecução de um
estágio superior de consciência.
Intimide para vencer, de Robert Ringer (1978), consiste em um exemplo da
perspectiva egoísta, na medida em que revela motivações profundas. O autor parte
da descoberta realizada, por ele mesmo, de que poucos livros de auto-ajuda foram
realmente úteis.
O homem busca, cada vez mais, a auto-ajuda, mas ela deve se basear na
realidade e o na aspiração de como as pessoas gostariam que essa realidade
fosse. Conforme o próprio autor, a mensagem principal dos relatos de auto-ajuda é a
de que se a pessoa tiver uma atitude mental positiva, ela acabará por obter sucesso.
A experiência da leitura levou-o a tirar a conclusão de que não é bem assim.
Dessa forma, a atitude mental positiva não pode ser fabricada, com a simples
crença na capacidade de realização dos desejos individuais. Depende da aceitação
do fato de que a maioria dos desejos humanos nunca chega a ser realizada.
O autor relata que a explicação é moral. O comportamento humano é sempre
relativo, cada indivíduo interpreta as situações e os valores a seu modo. Durante um
tempo, havia a crença de que os homens dividiam valores comuns. No entanto, os
valores dependem, intimamente, do que se está alcançando ou se pretende
alcançar.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
68
Segundo essa consideração, a verdadeira prática da auto-ajuda consiste em
utilizar a realidade a seu próprio favor, ao invés de permitir que ela funcione contra o
sujeito. O crescimento pessoal legitima-se pela eficiência. Dessa forma, os valores
são secundários, porque são arbitrários. A preocupação com as necessidades da
personalidade profunda de si ou dos outros desenvolve cuidados sem sentido. O
importante passa a ser criar um método para trocar de lugar com seu oponente
passar a ser o intimidador e manobrar esse oponente, assumindo o papel de
intimidado.
2.1.1.3 Uma perspectiva ascética
Nesse âmbito visionário, compreende-se que o entendimento terapêutico do novo
sujeito da personalidade se combina com o conceito de crescimento pessoal e a
prática do pensamento positivo.
Clement Stone, em O sistema de fazer sucesso que nunca falha (1983) fornece
uma descrição típica dos problemas e direção presente nas classes de vendedores
de seguros. Segundo o autor referido (1983, p. 184):
Usei a sugestão para desenvolver dentro do indivíduo a vontade de fazer
o que é certo porque é certo; ensinei-lhe como ele próprio poderia usar a
auto-sugestão consciente para intensificar a vontade de fazer o que é certo
porque é certo; mudei o ambiente do indivíduo tantas vezes quantas foram
necessárias para fazer com que ele caminhasse cada vez mais na direção
dos objetivos desejados.
A auto-sugestão é o pensamento, de forma mais potente. O autor trabalha com o
conceito de que o subconsciente possui poderes conhecidos e desconhecidos, que
devem ser controlados para o homem poder vencer a si mesmo. O subconsciente
realiza o movimento: transforma um desejo ardente em realidade, quando o sujeito
acredita que pode alcançá-lo.
Em sua obra, Stone não reclama para si nenhuma superioridade pessoal,
manifestando uma personalidade desprovida de narcisismo. O sucesso que ele se
atribui é baseado na exploração de um potencial comum a todos os homens, em
expedientes passíveis de emprego cotidiano, ensinados por um gênero literário.
O autor avalia a natureza de sua problematização. As dificuldades com que lida
em seu negócio, não são econômicas. O problema é pessoal: está em seu medo, no
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
69
medo de não ter as forças precisas para realizar seus desejos. A conseqüência é
uma superestimação da subjetividade, uma preocupação em resolver as dificuldades
que lhe tomam a mente.
2.1.1.4 Concluindo as perspectivas
As perspectivas estudadas evidenciam determinados modos de subjetivação ou
regulamentação ética da conduta estruturada pelos tratados e manuais de auto-
ajuda.
A demanda desordenada da experiência e a restrição dos controles morais
resultam de uma prática necessária e uma dificuldade em organizar a vida, por si
mesmo. Inicia-se um conjunto de questionamentos, que nem todos conseguem
suportar sem alguma maneira de auxílio, que, precisando emergir do interior
humano, constitui o suposto de entendimento de que a responsabilidade xima da
vida é para com o cuidado interior.
A literatura de auto-ajuda demonstra a conquista por respostas originais aos
problemas da condução da vida, colocada como desenvolvimento do individualismo
democrático contemporâneo. O conceito desse gênero revela-se em uma expressão
de luta, que objetiva libertar o ser humano dos medos que surgem de sua própria
condição de indivíduo livre, liberto religiosamente, economicamente, politicamente,
sexualmente etc.
O cenário tornou-se altamente propício para a propagação dessa literatura. Os
tempos atuais são arriscados pelo espírito de insatisfação, indecisão e medo que se
multiplica, por toda a parte. Surge, em meio a esse caos, um gênero que responde à
confusão valorativa a respeito de como se pode obter o bem particular.
A subjetividade moderna aperfeiçoa-se com a elevação de uma abstração social
do sujeito e a objetivação do corpo, da vida e do mundo. Os teóricos da auto-ajuda
efetivaram um método para livrar o indivíduo das perturbações morais concebidas
por essa situação.
Consideradas as perspectivas na conceituação da literatura de auto-ajuda, o
gênero, enquanto preconceito e/ou função social, será refletido acerca do
posicionamento de críticos, leitores e público-alvo.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
70
2.1.2 Auto-Ajuda: Preconceito e Função Social
O interesse em se desenvolver e a busca por novos caminhos vivenciais são os
maiores responsáveis pelo crescimento da modalidade da literatura de auto-ajuda.
Se o cidadão comum quiser ter auxílio psicológico, precisa pagar.
Psicanalista e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo,
Giselle Groeninga
3
concorda que diferentes fatores desvelam a fragilidade humana
atualmente, como as mudanças nas relações sociais e valores menos definidos e
menos maniqueístas. Os livros de auto-ajuda disponibilizam uma gama de
informações, por meio de linguagem fácil e simples, que tem substituído a
diminuição do papel da Igreja e a menor referência do Estado, nas relações
pessoais.
Para o autor e consultor da obra Supere: A Arte de Lidar com as Adversidades
(2004), Eduardo Carmello define auto-ajuda como auto-gestão, uma vez que a
preferência de os adultos seguirem exemplos de pessoas que se tornaram
referências. Seguindo esse autor, no que diz respeito a esse gênero (2004, p. 32):
O ponto negativo são os conselhos simples e rasos e o que está
implícito nisso é o alto preço de uma consulta especializada. Hoje, algumas
informações podem ser obtidas através de livros. (...) O conhecimento se
disseminou de tal maneira que o indivíduo pode pagar menos comprando
um livro específico, o que democratizou a informação de autoconhecimento.
O autor destaca que o acadêmico tem preconceito em relação às obras de auto-
ajuda, porque acredita que aquilo que ele escreve todos deveriam compreender.
Porém, nem sempre esse preconceito é tão marcado. O preconceito instala-se no
momento em que se analisa que não existe livro sério, com solução mágica. Isso
porque livros de credibilidade são embasados em pesquisas, escritos por médicos,
psicólogos, cientistas etc, profundos conhecedores do assunto que tratam.
outra corrente que defende o não-preconceito com os livros de auto-ajuda e
entende que eles possuem uma função social. Essa visão desbasta a idéia de que
há uma literatura mágica, mas reflete a respeito de uma literatura que elimina a parte
negativa do conflito e indica a positiva.
3
Gisele Groeninga é especialista em mediação e arbitragem de conflitos, psicanalista, consultora do
Instituto da Família, membro do Conselho Executivo da Sociedade Internacional de Direito de Família
e Diretora de Relações Interdisciplinares do Instituto Brasileiro de Direção de Família.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
71
O preconceito existe, pois as relações, no passado, eram mais hierarquizadas,
fundamentadas no conceito de que os superiores, quer pela idade, quer pelo
conhecimento e posição social, eram os que sabiam mais. Groeninga reforça:
Esse modelo tem se modificado radicalmente. Nessa época denominada
pós-moderna, em que as verdades foram relativizadas, essas relações não
se mantêm mais. Em tempos de difusão de conhecimento e comunicação,
quebrou-se esse tipo de hierarquia.
A credibilidade de um título de auto-ajuda pode ser avaliada por dois caminhos,
consoante Bernardo Gurbanov, especialista nesse ramo, dono da Editora e Livraria
Letra Viva e vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro. Um caminho é realizado
pela busca de informações sobre eles antes, o outro é arriscar-se e ler. O estímulo
ocorre, uma vez que o leitor reconhece que o conteúdo do livro tem a ver com a sua
necessidade e realidade, o que provoca bem-estar.
A dualidade criteriosa dos livros de auto-ajuda é extremamente particular e
relativa, assim como todas as questões do mundo atual. O que para um indivíduo
pode ser maravilhoso, para outro pode ser leitura oportunista.
Fontes: Retrato da Leitura no Brasil (2001).
Revista Veja. Edição 1777, 13 de novembro de 2002.
A seguir, o destaque estará, mais especificamente, sob a obra O Segredo (2007),
seus números, suas peculiaridades e sua repercussão literária.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
72
2.1.3 O Maior Fenômeno Editorial da História: O Segredo
O título acima é veiculado pela Revista Veja, reportagem de Lizia Bydlowski, 4 de
abril de 2007, p. 76, mero 2002 (ver anexo B). A revista dedica a capa dessa
edição ao corpus, da seguinte pesquisa. A descrição da capa é “Peça, Acredite,
Receba O maior fenômeno de auto-ajuda da história, O Segredo revive a crença
no pensamento positivo”.
Originário dos Estados Unidos e propagado pelo mundo, O Segredo, um DVD
formatado em livro, que prega a força do pensamento positivo e negativo também.
Um fenômeno que conjuga fiéis com ímpeto considerável: a rmula para o sucesso
revelada. O DVD, realizado e lançado, antes do livro, com valor aproximado de 35
dólares, vendeu cerca de 1,5 milhão de cópias, nos primeiros três meses de
lançamento. Ficou em primeiro lugar na lista de auto-ajuda, do The New York Times,
e teve a primeira edição, de 1,75 milhão de cópias, esgotada. A segunda, de 2
milhões, faz dele o maior sucesso de vendas do gênero, na história. No Brasil, a
obra, depois de um ano de lançamento, habita a lista dos livros de auto-ajuda mais
vendidos, fonte do site da Livraria Cultura, em abril de 2008, e é tema de quatro
comunidades, no site de relacionamentos Orkut, a maior delas, com 84.500
membros.
A edição mais atual é BYRNE, Rhonda. The Secret O Segredo, tradução de
Marcos José da Cunha, Alexandre Martins e Alice Xavier. Rio de Janeiro: Ediouro,
2007, 198 páginas (ver anexo 1). Planos e título encantadores, que atraem qualquer
espectador para ser abduzido por um “segredo” com S maiúsculo, o livro ainda
apresenta-se embalado em capa dura, de aspecto e cores que lembram épocas e
livros antigos, com lacre e sobrecapa.
A idéia principal da obra é o trabalho que todo ser humano deve realizar: um
pensamento certo, forte, com sentimento para alcançar tudo o que realmente aspira
em sua vida, seja algo material ou sentimental.
A base teórica do “Segredoé o que a autora denomina de “Lei da Atração”. Não
podemos negar, porém, que essa é uma teoria ancestral de que as pessoas podem
atrair para si mesmas, situações boas ou ruins, dependendo de sua disposição
mental. Realizando um paradoxo, em discurso fundador e a obra atual, São Marcos,
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
73
o evangelista, disse: “Por isso vos digo: tudo o que pedirdes na oração, crede que o
haveis de conseguir e que o obtereis”
4
. Byrne (2007, p. 04):
Tudo o que acontece na sua vida é você quem atrai. E a atração se
pelas imagens que você carrega na mente. É o que você está pensando.
Aquilo que está na sua mente é o que você atrai para si.
O que sabemos é que essa literatura divide opiniões de leitores e críticos. Como
o tema central adentra aspectos valorativos e de crendices humanas, há sempre
opiniões divergentes, mas que possuem um ponto de encontro inevitável. Em
relação às doenças, uma linha reflexiva acredita que ninguém pode atrair um câncer
ou se curar de um tumor, apenas pela força do pensamento negativo ou positivo.
Todas as pesquisas criteriosas revelam isso, com clareza, e cunho científico. Por
outro lado, as mesmas pesquisas demonstram que as pessoas que rezam pela
própria cura e que mentalizam com saúde, têm maiores chances de se livrar da
doença, que aquelas que se entregam ao desespero e ao derrotismo.
Estudos revelam uma explicação científica, que os otimistas acreditam na própria
cura e, por esse motivo, tendem a se cuidar mais, a seguir o tratamento médico,
rigorosamente, e com maior disciplina.
O DVD tem noventa minutos de depoimentos de indivíduos denominados
“mestres”, intercalados com elaborações, na voz de Byrne. A autora recupera,
majestosamente, dois dos mais sólidos arquétipos do processo civilizatório: a
vontade de acreditar e a existência de um mundo perfeito, do qual os mortais são
apenas cópias imperfeitas. Importante salientar que, na referida pesquisa, a versão
em DVD não será analisada. O corpus de tal análise ficará restrito à escrita,
portanto, The Secret (2007), O Segredo, o livro.
Especialistas vêem, no novo fenômeno de auto-ajuda, a pregação de uma forma
positiva de enfrentar a vida e suas diversas situações. O movimento se estabelece
na conferência de que pessoas dotadas, naturalmente, de perfil psicológico
energizado tendem a ser bem-sucedidas na vida profissional, social e familiar. O
psiquiatra Sergio Nick
5
(1999), secretário da Associação Brasileira de Psicanálise
comprova: “o pensamento positivo associado a uma ação ensejará muito mais
4
Em A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada
no Brasil. ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. Em Marcos, “O poder da fé”, 11. 20-
26.
5
Sergio Nick é psicanalista e autor do ensaio “Dano Moral e a falta do pai” (1999).
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
74
sucesso do que o negativo. Sabemos, por uma série de estudos, que pensar
positivamente estimula o cérebro a buscar mais saídas”.
O livro compõe-se de testemunhos de muitos colaboradores, em diferentes áreas,
que o organizados pela autora. Ela empresta sua voz discursiva para entrelaçar
todas essas histórias, em uma formação ideológica e discursiva que pretende
alcançar seu lugar enunciativo, de veracidade absoluta.
Alguns desses colaboradores são: Michael Beckwith, visionário, Joe Vitale,
metafísico, Bob Proctor, filósofo, Lisa Nichols, escritora, Marie Diamond, consultora
de Feng Shui, John Hagelin, físico quântico. Pode-se averiguar que a idéia sugestiva
para tamanho sucesso é considerar o depoimento de representantes de diferentes
áreas do conhecimento, assim como pessoas comuns, que relatam um modelo de
experiência de vida.
O livro apresenta, ainda, bela paginação, em folhas plastificadas, gravuras de
todos os indivíduos que compõem a narrativa, com breve biografia de cada um
deles, ao final, em diagramação colorida, suave e sugestiva.
Na última página do livro, sem numeração, uma citação da autora: “Que o
segredo traga amor e alegria a sua existência inteira. Essa é a minha intenção para
você e para o mundo”, além da exposição dos sites para o público que estiver
interessado em saber mais, visto em: “Para saber mais:
www.conhecaosegredo.com.br e www.thesecret.tv”.
Segue a sinopse do filme, com sua capa original:
Ao longo da existência da humanidade, um grande segredo foi protegido, a ferro
e fogo. Homens e mulheres extraordinários o descobriram e não alcançaram
feitos incríveis, como também mudaram o curso de nossa história. Platão, Da Vinci,
Galileu, Thomas Edison, Beethoven, Napoleão, Abraham Lincoln e Einstein foram
alguns dos grandes homens que controlavam a força desse mistério. E agora, após
milhares de anos, o Segredo será revelado para todo o mundo!
Informações Técnicas:
Título no Brasil: O Segredo
Título Original: The Secret
Países de Origem: Austrália e Estados Unidos
Gênero: Documentário
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
75
Classificação Etária: Livre
Tempo de Duração: 92 minutos
Ano de Lançamento: 2006
Estréia no Brasil: 30 de março, de 2007
Site Oficial: http://www.osegredo-ofilme.com.br
Estúdio/ Distribuidor: Art House Movies
Direção: Drew Heriot
Roteiro: Rhonda Byrne, Skye Byrne, Drew Heriot e Paul Harrington
Tipo: Longa/ Direto para Vídeo
Segue sinopse do livro, com sua capa original:
Fragmentos de um grande segredo foram encontrados nas tradições orais, na
literatura, nas religiões e filosofias, ao longo dos séculos. Pela primeira vez, todas as
peças deste segredo se juntam numa revelação incrível, que transformará a vida de
todos que o vivenciarem. Este livro reúne histórias reais e os testemunhos de
pessoas que transformaram profundamente suas vidas, seja na saúde, nas finanças,
nos relacionamentos, na erradicação das doenças, superação de obstáculos e na
conquista de metas consideradas impossíveis. Com ele, o leitor poderá entender seu
poder oculto e inexplorado, trazendo alegria para cada aspecto da vida.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
76
Complementando as informações a respeito da obra, corpus dessa pesquisa, vale
ressaltar o perfil da autora, a enunciadora central da livro.
2.1.4 Quem é Rhonda Byrne?
Rhonda Byrne é a autora do livro O Segredo. Uma australiana, de 55 anos, dona
dessa grande idéia.
Em 2004, a vida de Byrne era uma imagem refletida de tantas mulheres que
formam o público ideal para o pensamento revelador implícito em O Segredo. Com
50 anos, sem marido, as filhas crescidas e seu negócio de produzir séries para a TV
australiana, ela encontrava-se afundada em dívidas.
Byrne leu, por acaso, um livro de 1910, intitulado A Ciência de Enriquecer, do
autor Wallace Wattles (1860-1911).
Começava sua grande jornada: “incrédula, me perguntei: como é possível que
isso não esteja ao alcance de todas as pessoas? Fui consumida por um premente
desejo de dividir O Segredo, com o mundo”.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
77
Dessa forma, ela resolve fazer um curso intensivo, de vinte dias, em que, pelas
suas contas, leu “centenas” de livros e artigos. Hipotecou a casa e foi para um
congresso de técnicas motivacionais, nos Estados Unidos. Lá, conseguiu prestar
seu depoimento, num vídeo, a respeito da lei da atração, dando-lhe enfoques de
ciência quântica, o ramo da física que, como trabalha em um campo extremamente
especulativo, vive sendo proferido por leigos, de pendores esotéricos.
No DVD de noventa minutos, Byrne faz a encenação de pessoas alcançando
seus desejos, de modo mágico, como nos desenhos animados. Em março de 2007,
a autora encontrou um site na Internet para vender sua obra e as vendas
começaram a atingir marcas consideráveis. Uma editora sugeriu que ela escrevesse
um livro para acompanhar o DVD.
Muitos críticos atribuem o sucesso de O Segredo a um modelo da opinião pública
americana, a apresentadora Oprah Winfrey. Ela se encantou com a obra, que
passou a ser veiculada no mercado americano de classe média, uma máquina de
consumo de 150 milhões de pessoas, sempre ávidas por novidades que prometam
felicidade, sem a contrapartida do sacrifício. Oprah afirma “Tenho aplicado a lei da
atração a vida inteira, sem saber”.
Nas palavras de Byrne, “Se você visualizar, na mente, aquilo que deseja e fizer
disso seu pensamento dominante, atrairá o que quer para sua vida” (2007, p.84),
palavras recuperadas em seu livro, uma vez que ela está reclusa em sua casa em
Malibu, não dá entrevistas e não pode ser incomodada.
Reclusa e trabalhando, pois, ela prepara O Segredo, Parte II. O que pode
significar a continuação do sucesso ou um maçante declínio editorial.
Na contracapa da obra (O Segredo, 2007), a respeito da autora, encontra-se:
Rhonda Byrne, como cada um de nós, esem sua própria viagem de
descoberta. Ao longo do caminho, ela reuniu uma equipe fantástica de
escritores, guias espirituais, professores, cineastas, designers e editores
para apresentar O Segredo ao mundo e, por meio de suas concepções,
trazer alegria a milhões de pessoas.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
78
Isso posto, a observação de outras vozes que dialogam com essa obra é
destacada e, então, a questão dialógica torna-se material de análise e reflexão.
2.1.5 O Texto-Matriz e os Hipertextos
Não há como negar o estrondoso sucesso de O Segredo. Tamanho sucesso
repercute no mercado editorial, em vendagem, em prestígio e em um lugar
enunciativo, realizando uma referência à Análise do Discurso, que muitos autores
gostariam de possuir e estar.
Sem adentrar as aspirações de cada autor, como realização e concretização
pessoal ou a ação de ajudar as pessoas, doando seus conhecimentos, o mais
relevante é perceber que a obra-corpus desta pesquisa revelou inúmeras outras
obras que a recuperaram, revisitaram e reformataram, dando origem a outros títulos.
É possível referir-se ao termo dialogismo, uma vez que ele é confirmado, como
parte integrante da linguagem. Tudo está em diálogo constante com o outro, os
discursos são incorporados e incorporam o outro e, o outro, como as diversas vozes,
que estão na interioridade de cada produção discursiva.
A ressalva realizada na questão dialógica é relevante, que um significativo
número de obras, que são perpassadas pela palavra do outro, sendo sempre e,
inevitavelmente, a palavra do outro. Isso tem ocorrido com as publicações
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
79
posteriores ao O Segredo e, mesmo essa obra realizou uma releitura de
descobertas de outros livros de auto-ajuda, diluindo conceitos de psicanálise,
economia e religião.
Sigmund Freud, em Totem e Tabu (1999), examina os mecanismos do
pensamento mágico, peculiar aos povos primitivos e às crianças. Nessa máxima,
estão os melhores elementos críticos para entender o que trata O Segredo.
Consoante esse autor, o princípio fundamental da magia é a “onipotência do
pensamento”, ou seja, o conceito de que se pode conseguir qualquer coisa, apenas
por meio da força do desejo. Essa idéia se junta ao animismo, a doutrina segundo a
qual todas as coisas, animais, vegetais ou minerais carregam uma alma.
Essas crenças ancestrais sempre persistem na vida moderna, segundo Freud,
sob o formato de superstição. O livro O Segredo parece incorporar esses conceitos
do pensamento mágico, uma vez que, nele, não há referência à alma, mas, à
energia ou magnetismo. Os novos vocábulos, porém, pairam sob a idéia de que a
realidade física que cerca o homem é dotada de consciência. A obra possui sua
base: o universo está sempre ouvindo o que as pessoas pensam e esses
pensamentos podem mudar qualquer coisa, pois são, nas palavras de Freud,
onipotentes.
Pode-se, também, listar uma série de autores que anteciparam as idéias contidas
em O Segredo, desde o século XIX, com Ralph Waldo Emerson, início do século XX,
com James Allen, anos trinta, com Dale Carnigie, anos cinqüenta, com Norman
Vincent Peale, e anos noventa, com Deepak Chopra. A obra parece reciclar, de
forma muito eficiente, outras, anteriores, de auto-ajuda e até textos bíblicos, como os
evangelhos de Mateus e Marcos, trabalhando com as idéias bem complexas de
diversos cientistas, teóricos e estudiosos do universo da economia, da psicologia, da
psicanálise e da religião.
As obras posteriores ao O Segredo realizaram e estão realizando o mesmo
movimento. Na linha literária e temporal, as obras vão assumindo caráter bem
diferente, ora demonstrando textos-matriz, ora realizando o papel de hipertextos.
O Segredo, se visto como texto fundador, dialoga com algumas obras posteriores
a ele, nesse caso, chamadas de hipertextos. Vale destacá-los, com a finalidade de
atribuir o grande reconhecimento e importância da obra, no cenário literário atual,
desconsiderando os preconceitos relativos às obras de auto-ajuda e aos juízos de
valores pessoais.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
80
Dessa forma, tem-se uma noção da repercussão do maior fenômeno de auto-
ajuda da história: O Segredo.
Os próximos passos analíticos darão conta do discurso embutido nas páginas da
obra, adentrando suas formações ideológicas e discursivas, organização textual
não-aleatória, como um manual que auxilia na superação de traumas, entraves e
inibições, que impede o indivíduo de alcançar a felicidade. Como um manual, o livro
é dividido em capítulos, embora não haja referência a essa denominação, no
material analisado: “O Segredo Revelado”, “O Segredo Simplificado”, “Como Usar O
Segredo”, “Exercícios Poderosos”, “O Segredo para o Dinheiro”, “O Segredo para os
Relacionamentos”, “O Segredo para a Saúde”, “O Segredo para o Mundo”, “O
Segredo para Você”, “O Segredo para a Vida”.
Nos procedimentos analíticos, recortamos os capítulos, denominados “O Segredo
para o Dinheiro” e “O Segredo para a Saúde” com o intuito de analisá-los por meio
das perspectivas da AD e todas as considerações teóricas presentes no seguinte
trabalho.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
81
2.2 “O Segredo para o Dinheiro”: A análise propriamente dita
algumas palavras extremamente relevantes no contexto analítico que se
inicia, portanto, para efeito de exame e de compreensão, elas serão expostas, com
seus devidos significados, e serão retomadas, quando pertinente, ao longo da
seguinte pesquisa.
Chave: Artefato de metal, que movimenta a lingüeta das fechaduras. Instrumento
para apertar ou desapertar parafusos. Elemento decisivo.
Crença: Ato ou efeito de crer. Fé religiosa. Convicção íntima.
Lacre: Substância usada para fechar garrafas, selar ou fechar cartas etc.
Segredo: o que o pode ser revelado. Assunto, manobra, negócio, conhecido
de uns poucos. Confidência. Mistério, enigma. Esconderijo.
Universo
6
: O conjunto de tudo quanto existe (incluindo-se a Terra, os astros, as
galáxias e toda a matéria disseminada no espaço); o cosmo. A Terra, o mundo.
A análise aprofundada dessa pesquisa estará vinculada a um capítulo, dentro do
livro O Segredo (2007). Trata-se do capítulo denominado “O Segredo para o
Dinheiro”, composto entre as páginas 95 e 111 (ver Anexo C). Importante salientar
que a denominação “capítulo” é utilizada apenas com o seu efeito didático, não
sendo empregada pela autora do livro. Também, para garantir uma compreensão
melhor e mais clara, a respeito do material analisado, ele estará disponível no corpo
do projeto para eventuais e indispensáveis consultas.
Essa análise será realizada por meio do enfoque dado ao posicionamento do
enunciador ou dos enunciadores, aos dêiticos de pessoa e lugar e às formações
ideológicas e discursivas. Para Análise do Discurso, dentro do enunciado, o
posicionamento do enunciador é extremamente relevante, uma vez que esse
protagonista do discurso traz manifestações que podem ser da ordem da
subjetividade ou da alteridade. Por meio desse enunciador, consegue-se identificar
marcas ideológicas e sociais.
Em relação aos dêiticos de lugar e pessoa, eles são condições de produção do
discurso que identificam as formações ideológicas e discursivas, presentes no
enunciado. O processo analítico do enunciado será iniciado, então, atentando as
suas marcas lingüísticas, ou seja, a todas essas formações, ao dito e ao não-dito, à
6
Definições dos vocábulos em destaque em FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Da
Língua Portuguesa, 1ª ed., Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1977, págs. 102, 132, 284, 435 e 486.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
82
recorrência dos vocábulos, à continuidade dos discursos, entre outras marcas, e ao
sentido que elas produzem.
O posicionamento do primeiro enunciador é revelado em um dêitico discursivo
que apresenta um “eu” por trás de um discurso em pessoa. Essa pessoa
predomina em todo o enunciado, denominado, nesse trabalho analítico, “a história
de Jack”, páginas 95-98. Evidência clara da pessoa é o nome do enunciador,
antes de todo o enunciado. Assim, Jack Canfield apresenta para o leitor o seu relato
a respeito de sua relação inicial com o dinheiro, e depois, toda a transformação de
pensamento e de ações, em relação ao mesmo.
Segundo referências encontradas em O Segredo (2007, p. 187):
Autor de The Sucess Principle, é co-criador de fenomenal série Chicken
Soup for the Soul, que durante muito tempo ficou em primeiro lugar na lista
de best-sellers do New York Times e vendeu mais de 100 milhões de
exemplares. Principal especialista nos Estados Unidos em criar avanços de
sucesso para empreendedores, líderes empresariais, administradores,
profissionais de vendas, empregados e educadores, ajudou centenas de
milhares de indivíduos a realizar sonhos. Visite www.jackcanfield.com para
maiores informações.
a presença de “euem pessoa predominante, assumindo sua completa e
absoluta subjetividade. O enunciador se coloca na análise crítica, no momento em
que dialoga com uma formação ideológica e discursiva interna, no enunciado, que
agride o modo de ser educado por um pai “muito negativo, que achava que os ricos
eram pessoas que tinham explorado todo mundo e que se uma pessoa tinha
dinheiro era porque tinha enganado alguém” (2007, p. 95). Esse enunciador se
posiciona em “Assim, eu cresci com muitas idéias sobre dinheiro; que se você tinha,
ele o tornava mau; que apenas pessoas ruins tinham dinheiro e que dinheiro não
dava em árvores... Assim, eu cresci acreditando, realmente, que a vida era difícil”
(2007, p. 95). Dessa forma, a escolha dos substantivos “dinheiro” e vida” para
descrever seu crescimento e todos os adjetivos que os cercam, como “mau”, “ruins”,
“difícil” evidenciam um enunciador que assumia uma formação ideológica e
discursiva quanto à influência negativa de seu pai, em relação ao dinheiro, na vida
das pessoas. Essa voz condena um modo de pensar e de se posicionar
generalizada, em relação ao dinheiro, um modo de pensar que o impedia de
progredir, em sua saúde financeira, pois, foi uma reflexão totalmente imposta, em
sua educação.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
83
O enunciado direciona-se em sentido contrário no momento em que se quebra
esse modo de ser, agir e pensar, imposto no crescimento do enunciador. A quebra
discursiva ocorre em “Apenas quando conheci W. Clement Stone minha vida
começou a mudar” (2007, p. 95). Por meio da materialidade lingüística, percebe-se
que, para descrever um modo de presença inusitado em sua vida, o enunciador
elege questões pertinentes e inéditas nessa vida, como o estabelecimento de uma
meta ambiciosa, o querer desafiar-se a ganhar cem mil dólares por ano e o
desconhecimento de como conseguir esse objetivo.
Dentro de todo o contexto teórico dessa linha de pesquisa, é evidente que, assim
como todo o livro O Segredo prega, em seu modo de ser, a mudança na vida desse
enunciador deu-se pela voz do Outro, um outro que adentra sua maneira de estar no
mundo, nesse caso, a voz de W. Clement Stone. A voz de Clement Stone “Quero
que você estabeleça uma meta, que seja tão ambiciosa, que, se você a atingir ficará
em êxtase, e você saberá que, por causa do que eu ensinei, você atingiu essa
meta” (2007, p. 96) propondo uma transformação, uma verdadeira transgressão na
vida de Jack Canfield é a materialização de toda a proposta implícita de O Segredo.
A referência está na percepção da riqueza encontrada nas entrelinhas da obra, uma
riqueza que se encontra em toda a convergência de vozes embutidas e
entrelaçadas, entre si, no fio de todo e de todos os enunciados.
A formação ideológica e discursiva externa ao enunciado do “Peça, Acredite e
Receba” (grifo meu) está em todo o livro, nos diversos e inúmeros depoimentos,
pois, a voz de Canfield não é a mesma da autora e organizadora de relatos, Byrne,
mas, a centralização acerca da mesma posição e atitude é completamente
convergente. Canfield apropria-se do mesmo discurso no qual está inserido no texto-
matriz O Segredo, “vou dizer isso, vou acreditar nisso, vou agir como se fosse
verdade, e vou anunciar isso ao mundo” (p. 96). Byrne, em seu prefácio, anuncia “...
Não existe uma única coisa que você não possa fazer, com esse conhecimento. Não
importa quem você é ou onde está, O Segredo pode lhe dar o que você quiser”
(2007, p. xi).
Todo o depoimento de Jack Canfield contribui para caracterizar o modo de
presença, de crença e da ação desse “eu”. Um ser que inicia suas “visualizações
acerca das metas a serem atingidas”, realiza “o desenho de uma nota de cem mil
dólares, colada no teto de seu quarto”. Em um passe de mágica, a grande idéia de
como ganhar essa quantia, surgiu em sua mente: a venda de quatrocentos mil
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
84
exemplares de seu livro por 25 centavos cada. Quando termina seu relato, o
enunciador realiza um questionamento, seguido de uma resposta muito pertinente,
pois, é o que se passa, obviamente, na mente de um leitor de senso-comum, “...
Esse Segredo realmente funciona? Nós o testamos. Ele, sem dúvida, funcionou, e
eu, hoje, levo minha vida em função daquele dia” (2007, p. 98).
O dinheiro é algo necessário e de valor incomensurável na vida das pessoas,
independentemente de crenças, religiões e nacionalidades. Esse teria de ser um
capítulo forte, atraente e revelador, dentro da obra, uma vez que as pessoas,
atualmente, estão vivendo sob uma formação ideológica em que a falta desse
elemento, ou sua insuficiência, é uma das causadoras da incompletude dos
indivíduos pós-modernos. Os enunciadores, então, juntamente com o respaldo
ideológico da autora, trabalham em um discurso que tenta, a todo o momento,
recuperar, de modo fascinante e incontestado, uma maneira, ou maneiras, de
conseguir todas as aspirações financeiras almejadas. Segundo a autora (2007, p.
98), “Para ganhar dinheiro, você precisa se concentrar na riqueza”.
O enunciador central se apropria de uma formação ideológica que busca,
sempre, uma fórmula para alcançar quantias satisfatórias e a enfatiza, em sua
formação discursiva, à qual promete e cumpre, nos relatos, um modo de conseguir
dinheiro, apenas pelo pensamento positivo, apenas com a visualização de que “serei
rico”. A quebra de parâmetros comuns se dá, no momento em que o tão almejado
alcance financeiro não depende, única e exclusivamente, de um bom emprego ou de
um bom cargo empresarial, mas, de uma mudança de pensamento, de sentimento e
de emoção.
O enunciador direciona seu público alvo generalizado, usando sempre a pessoa
“você”, em “Você precisa transmitir um novo sinal, com seus pensamentos...;
Quando você precisa de dinheiro...; Se você não tem o bastante, é porque está
bloqueando o fluxo do dinheiro” (2007, p. 98 e 99). Ocorre a evidência de uma
formação ideológica e discursiva, da falta da quantia de dinheiro desejada,
facilmente apreendida pela opinião pública, pois, a questão insatisfatória financeira é
algo comum e internalizada nas pessoas. Como o dinheiro é um elemento
intimamente relacionado com riqueza, prosperidade, sucesso e inúmeras
realizações pessoais, consegui-lo por meio de tarefas que não exigem muitos
esforços, apenas ser, sentir e desejá-lo, é algo promissor e encantador para a
opinião pública em geral.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
85
Vemos, claramente, que, para alcançar o objetivo de centralizar o sujeito em algo
inovador em sua vida, como ter sempre a quantia que desejar, são inseridos
discursos alheios, abertamente citados e nitidamente separados do discurso citante,
o discurso da autora. Os discursos alheios, dentro desse capítulo, são de Jack
Canfield, Dr. Joe Vitale, Bob Proctor, James Ray, Lisa Nichols, David Schirmer, Loral
Langemeier, Marci Shimoff, todos perpassados e integrados pelo discurso central do
enunciador-autora. Esses discursos são separados do discurso central, por meio de
uma fonte e letras diferentes, espaçamento marcado e estão em modo itálico, no
enunciado. Todas essas vozes, apesar de serem constituídas por colaboradores de
diversas áreas do conhecimento, como especialistas em marketing, estrategistas
financeiros e conferencistas, consultores, estudiosos, corretores e investidores
financeiros, são vozes que possuem um fio condutor da mensagem, que é o atrair
para si, seu pensamento financeiro positivo.
Refletindo a respeito das teorias da Análise do Discurso, todo esse enunciado,
esse capítulo, realiza, com maestria, o alcance do objetivo da intensa repercussão e
sucesso da obra O Segredo. O sujeito não apreende apenas uma voz social, mas
várias, que estão em relações diversas, entre si, uma vez que a realidade é
heterogênea. O mundo interior do sujeito é constituído por diversas vozes, em
relações de convergência, no caso do corpus analisado, e esse mundo é
integralmente dialógico. É exatamente dessa maneira que o universo discursivo
desse enunciado é organizado; as inúmeras vozes inseridas na voz central fazem
com que se previna qualquer idéia de contestação do que está sendo defendido a
respeito de como atrair dinheiro para a vida das pessoas. São inúmeras vozes que
compõem um todo, com absoluto caráter de verdade.
Além das vozes discursivas, pode-se perceber a referência a outros elementos
formadores de uma mesma visão de mundo. Esse é o caso de se propor o mesmo
exercício realizado pelo enunciador do primeiro depoimento: o uso do cheque em
branco, criado pela equipe de The Secret, que pode ser preenchido, com nome,
quantia e outros detalhes e deve ser visualizado, todos os dias, com a sensação de
possuir aquele dinheiro. O uso do adjetivo “de graça”, em “ A maravilhosa história de
Jack, inspirou a equipe de The Secret O Segredo, a criar um cheque em branco,
que pode ser baixado, de graça, no site The Secret, em www.thesecret.tv” (2007, p.
98), corrobora com a formação ideológica e discursiva do atrair dinheiro e não o
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
86
afastá-lo, que o haverá gasto algum com o fato de se adquirir esse elemento
figurativo. Segue o cheque, em branco, ilustrativo:
Logo após o depoimento do primeiro colaborador, Jack Canfield, o enunciador
central expõe sua voz para corroborar o dito. Esse movimento, durante todo o
enunciado, é muito evidente e ele não ocorre, apenas, nessa passagem, mas, em
toda a obra. Depois de um depoimento forte, comprovado pela vivência pessoal,
sempre outro que, por sua vez, vem atrelar-se a uma rede total e inabalada de
convergência de idéias. Interessante observar que, como são relatos muito
particulares, que envolvem acontecimentos, momentos e fatos da vida das pessoas,
as possíveis contestações que poderiam surgir são quase nulas.
A autora, seguida de um testemunho transformador de uma vida, faz o seu relato.
Um relato embasado, também, na mesma crença anterior: “... eu mantive minha
mente concentrada, em abundância e sucesso. Eu sabia, com cada fibra do meu
ser, que o Universo daria, e deu. Deu, de um modo que eu nunca teria imaginado...”
(2007, p. 100). Avaliando a superfície lingüística, o objeto discursivo e o processo
discursivo da passagem destacada, pode-se compreender que uma formação
ideológica voltada para uma firmeza absoluta do dogma do “acreditar” a qualquer
custo, sem dúvidas ou ponderações, uma vez que a crença vem da certeza de “cada
fibra do meu ser”. Os discursos vão, dessa forma, integrando-se em um todo
uniforme, que prende o leitor, não possibilitando questionamentos, pois não é muito
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
87
coerente duvidar da fé, da crença, dos acontecimentos e das mudanças ocorridas na
vida do outro. O leitor de senso comum prende-se pela emoção dos casos, pela
coerência descritiva, colocando-se nos papéis desempenhados no enunciado,
podendo estar na mesma situação descrita. O leitor crítico, talvez o permita que
esse enunciado chegue até ele; o preconceito com a tipologia literária o impede de
ler, analisar, julgar, porém, suas contestações também são subjetivas, que se
adentra o plano de questões pessoais e particulares, de cada ser.
O próximo relato é assinado pelo colaborador, Dr. Joe Vitale. Segundo a
biografia, nas páginas finais do livro O Segredo (2007, p. 196):
Vitale, que, vinte anos era morador de rua, hoje é considerado um
dos maiores especialistas mundiais em marketing. Escreveu muitos livros
sobre os princípios do sucesso e da abundância, entre eles os campeões
de venda Lifes Missing Instruction Manual , Hypnotic Writing e The Attractor
Factor. Com doutorado em ciência metafísica, é hipnoterapeuta diplomado,
metafísico praticante, ministro ordenado e praticante da cura Chi Kung.
Visite www.mrfire.com para mais informações.
Analisar o discurso não envolve somente o que inserido em suas linhas, mas,
também, o que há por trás de suas linhas, e que auxiliam toda a sua composição e a
sua análise global. Esse é o caso das biografias constituintes da obra O Segredo. As
biografias foram recortadas, pois, em dez linhas, não é possível conhecer
completamente a vida de um indivíduo. Esse recorte é proposital, direcionado pela
visão da autora, que optou pelas informações mais pertinentes, dentro do que ela
quer transmitir ao leitor. Dessa forma, nas duas biografias, até então expostas nesse
projeto, pode-se perceber um forte indício e uma grande necessidade da referência
de um estado de vida inicial, em “... que, vinte anos era morador de rua...” (p.
196), a grande evolução pessoal, em “... hoje é considerado um dos maiores
especialistas mundiais, em marketing...” (2007, p.196), o sucesso, em “... que
durante muito tempo ficou em primeiro lugar, na lista de best-sellers, do New York
Times...” (2007, p. 187). Todas essas referências, estimulando um discurso que
apenas trabalha, euforicamente, em relação aos colaboradores da obra, oferecem
um caráter incontroverso de veracidade e de credibilidade dos enunciados inseridos
no livro. Cada colaborador, a sua maneira, acabou descobrindo “O Segredo”, porque
eles encontraram, em suas vivências e experiências particulares, um meio de usar a
“chave” de entrada.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
88
Vitale apresenta um enunciado perfeitamente coerente com o esperado, dentro
do todo discursivo. Depois de dois relatos pessoais, um discurso pautado em
reflexões óbvias (2007, p. 101):
Eu posso imaginar o que muitas pessoas estão pensando: ‘Como eu
posso atrair mais dinheiro para minha vida? Como eu consigo mais
verdinhas? Como eu consigo mais riqueza e prosperidade? Como eu
posso, gostando do emprego que tenho, lidar com a vida no cartão de
crédito e a compreensão de que talvez haja um limite no dinheiro que
ganho, justamente porque ele vem desse emprego? Como eu posso ganhar
mais?’
Dessa forma, o enunciador consegue envolver diversos blicos, em seu
discurso. Como os grandes objetivos de uma obra, considerada auto-ajuda, são o
auxílio, o ensinamento e a persuasão, é extremamente valoroso quando não se
limita o público-alvo, mas, ao contrário, o expande. O enunciador clama pelo
indivíduo que quer enriquecer, a qualquer custo, em “Como eu posso atrair mais
dinheiro para minha vida” (2007, p.101); clama pelo indivíduo que está inserido em
um contexto mais popular, que utiliza uma fala coloquial, com gírias, em “Como eu
consigo mais verdinhas?” (2007, p.101); clama por um indivíduo que pensa em um
futuro mais promissor, pois, fala em “riqueza e prosperidade” (2007, p.101); e, além
disso, o enunciador dirige seu discurso para o sujeito típico de classe média, que
possui seu emprego, gosta dele, consegue seus bens comprando a prazo, tendo
dívida no cartão de crédito, mas, quer poder “ganhar mais” (2007, p. 101). Vê-se,
então, que, em uma reflexão aparentemente inocente, o enunciador tentou transpor
o pensamento de todos os públicos, possíveis leitores da obra.
O processo discursivo revela uma desmistificação, ou seja, uma quebra de
parâmetro, até então cristalizado na sociedade atual: a questão de enriquecer, por
meio do emprego. Na passagem: “Se até então você pensou que um emprego era a
única forma de ganhar dinheiro, esqueça isso, imediatamente...” (2007, p. 101), o
enunciador apela para a construção de uma linha de raciocínio, totalmente
divergente dos padrões sociais, que exemplifica um alcance de riqueza material, não
apenas pelo emprego, mas pela ação de “pedir, acreditar que irá receber, e ficar
alegre, desde agora” (2007, p. 102). Não apenas no capítulo sobre o dinheiro, mas,
em toda a obra, essa questão perpassa como “chave” para se alcançar o resultado.
Essa “chave”, elemento decisivo de entrada, é crer e vivenciar, imediatamente, o
produto final.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
89
O movimento da continuidade discursiva e o perfeito entrelaçamento dos
enunciados, com o enunciado central, são muito bem estruturados, no todo da obra.
A seguinte análise apresenta-se, na seqüência: o depoimento pessoal de Jack
Canfield, a confirmação de transformações pessoais, com o relato do enunciador
central, a autora, Rhonda Byrne, as interrogações, dúvidas e questionamentos
possíveis, do leitor, no discurso de outro enunciador, Joe Vitale e, agora, amarrando
muito bem essa seqüência, o enunciado do colaborador, Bob Proctor, e ele, por
sua vez, anuncia os elementos concretos e efetivos, como o assunto das dívidas.
Tem-se, dessa maneira, um enunciado, que é construído com elementos figurativos
e temáticos, na ordenação do objeto discursivo: experiências e vivências pessoais,
difíceis de serem contrariadas; a exposição e a tentativa de solução de
questionamentos pertinentes aos leitores, assim como o alcance dos diversos
público-alvos; e a referência a algo concreto, do plano financeiro: as dívidas.
Assim, encontramos a assinatura do enunciador, denominado Bob Proctor.
Seguindo a menção, em O Segredo (2007, p. 194):
Sua formação vem de uma linhagem de grandes professores. Andrew
Carnegie a transmitiu a Napoleon Hill, e este a Earl Nightingale, que então
passou o bastão a Bob Proctor. Trabalhou mais de quarenta anos na área
de potencial mental. Viaja pelo mundo ensinando O Segredo, ajudando
empresas e indivíduos a criar vidas de prosperidade e abundância por meio
da lei da atração. Autor do best-seller internacional You Were Born Rich.
Visite www.bobproctor.com para saber mais a seu respeito.
Confirmamos, novamente, a análise em relação às descrições eufóricas dos
colaboradores do livro. O enunciador, que assina Bob Proctor, amarra seu discurso
nos anteriores, quando continua desenvolvendo a mesma idéia do pensamento
positivo para atrair prosperidade, mas, agora, focaliza o enunciado, na questão das
dívidas, em “... Não me importa se é acabar ou começar, se você está pensando em
dívida, está atraindo dívida. Inicie um programa automático de sua quitação, depois
passe a se concentrar na prosperidade” (2007, p. 102). A voz, então, do enunciador,
aparece em seguida, para legitimar o discurso secundário, ou seja, o discurso do
colaborador. Essa voz, sempre retomando e explicitando os demais enunciados,
parece que contribui para autenticar o que é dito pelas vozes secundárias,
conferindo-lhes caráter de verdade ratificada, passando a ser um intermediário
necessário, entre leitor e enunciadores secundários, visto em “... Você precisa
encontrar uma forma de se concentrar na prosperidade, apesar das contas ao seu
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
90
redor. Precisa encontrar uma forma de se sentir bem, para que possa atrair o que é
bom.” (2007, p. 102).
Seguindo o processo discursivo, que vem na seqüência: experiências e vivências
pessoais; exposição e a tentativa de solução de questionamentos pertinentes aos
leitores e a referência a algo concreto, do plano financeiro: as dívidas, a
interferência pertinente de outro enunciador, que traz a idéia concreta, central, de
“duplicar a renda”, ou seja, é o plano da atitude efetiva, o plano do fazer. Esse
enunciador assina o epíteto de James Ray. Referindo-se à biografia inserida na obra
(2007, p. 195):
Permanente estudioso dos princípios da verdadeira riqueza e
prosperidade, James criou The Science of Success and Harmonic Wealth,
que ensina pessoas a obter ganhos ilimitados em todas as áreas:
financeira, relacional, intelectual, física e espiritual. Seus métodos de
desempenho pessoal, programas de treinamento empresarial e assessorias
de treinamento são utilizados no mundo inteiro, divulgados em suas
regulares conferências sobre os temas da verdadeira riqueza, do sucesso e
do potencial humano. Especialista em muitas tradições orientais, indígenas
e místicas. Sua página é www.jamesray.com; visite-a.
A voz central, fundadora, da autora do livro, aparece logo depois do depoimento
do enunciador, James Ray, para ensinar, efetivamente, como “duplicar a renda” das
pessoas, o que foi preconizado, anteriormente, pelo enunciador secundário.
Visualizado, também, como um bom e eficiente manual, as obras de auto-ajuda não
podem permanecer apenas na teoria, mas, divulgar uma prática. Isso ocorre em
(2007, p.102-103):
Mude isso por ‘Eu dou conta! Eu posso comprar aquilo!’. Repita isso, sem
parar. Seja como um papagaio. Durante os próximos trinta dias,
comprometa-se a olhar para tudo de que gosta, e dizer para si mesmo: ‘Eu
dou conta. Eu posso comprar aquilo’. Quando vir o carro dos seus sonhos,
diga: ‘eu dou conta’. Ao ver roupas que adora, ao pensar em ótimas férias,
diga: ‘Eu dou conta’. Ao fazer isso você começará a mudar e a se sentir
melhor, em relação ao dinheiro.
É possível apreender que toda a trama discursiva vem em progressão textual,
definindo coesão e coerência internas. O discurso vai, dessa forma, crescendo,
organizando-se, plenamente, no senso crítico do leitor, que, primeiro teve contato
com experiências pessoais; depois, se questionou sobre a verdade dos fatos, se
tudo de que tomou conhecimento poderia ser plausível de acontecer; em seguida,
levou todas aquelas informações para a realidade comum com o fato das dívidas e,
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
91
agora, aprende algumas práticas de como agir, de como concretizar sua aspiração
financeira.
Caminhando para sua progressão, o discurso apresenta o relato da colaboradora
Lisa Nichols, que, por sua vez, apresenta o que não se deve fazer para o alcance do
desejo financeiro, ou seja, “se concentrar em falta, carência e no que não tem”.
Antes de adentrar, especificamente, seu discurso, seguimos a biografia do
enunciador Lisa Nichols (2007, p. 194):
Ardente defensora do fortalecimento do poder pessoal, fundou e dirige
dois programas de capacitação, Motivating the Masses e Motivanting the
Teen Spirit, que visam a levar mudanças à vida de adolescentes, de
mulheres e de empreendedores, além de atender a escolas, clientes
corporativos, consultores de empowerment e programas de assistência
ligados a igrejas. Lisa é co-autora de Chicken Soup for the African American
Soul, da série internacional de best-sellers Chicken Soup. Sua página na
internet é www.lisa-nichols.com.
Reforçamos, novamente, as peculiaridades eufóricas inscritas na pequena
biografia dos enunciadores secundários, presentes no livro O Segredo. O
depoimento da colaboradora Lisa Nichols acompanha todo o processo discursivo,
pois, ela revela o modo de como não se deve agir, em (2007, p. 103):
Quando você se concentra em falta, carência e no que não tem, cria caso
com sua família, discute com amigos, diz aos filhos que não tem o bastante
‘Não temos o bastante para isso, não damos conta daquilo’ e nunca
será capaz de ter aquilo, porque passa a atrair mais, do que não tem. Se
você quer abundância, se quer prosperidade, então concentre-se na
abundância. Concentre-se na prosperidade.
Temos, nesse momento, um reforço de como agir para concretizar o que se
deseja, mas, agora, citando um anti-modelo de pensamento, de fala, de ação e de
realização.
Antes de a enunciadora central intervir nesse enunciado, ocorre a referência a
outra voz, que confirma e assina embaixo, literalmente, do que foi exposto. Essa voz
é de Charles Hillmore (1854-1948), um autor espiritualista, que, por meio de suas
mensagens de fé, otimismo e prosperidade, ajudou muitas pessoas a entenderem e
solucionarem suas questões, problemas e angústias.
A voz fundadora, por sua vez, conclui toda a trama discursiva, que vem em um
contínuo progresso. Ela estabiliza uma responsabilidade nas mãos do leitor, dizendo
que ele é possuidor da “chave”, em “Agora que você conhece O Segredo, quando
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
92
vir alguém rico saberá que os pensamentos dominantes daquela pessoa são na
riqueza, e não na carência, e que ela atraiu riqueza, consciente ou
inconscientemente.” (2007, p. 103-104). Dessa maneira, para o leitor que está
acompanhando todo o enunciado, fica evidente o caminho a seguir, as regras que
devem ser adotadas, e, para ele, agora, não mais mistérios na vida, não mais
“segredos” quando vir alguém rico, pois, esse leitor já sabe como agir.
O processo discursivo confirma toda sua coesão e coerência internas:
experiências particulares, veracidade dos fatos com questionamentos lógicos,
eventos da realidade, como as dívidas, práticas de como agir para alcançar o que se
aspira, práticas de como não operar frente ao que se deseja e, agora, a conclusão
do completo conhecimento do “segredo”, da total manipulação que o ser humano
tem, em relação a sua “chave preciosa”. A partir desse método adquirido, chega-se
à simplicidade, à certeza absoluta e a uma seqüência regular, coerente e necessária
de acontecimentos e de fatos, em “A riqueza que ela tem, você também tem. A única
diferença entre vocês é que ela teve os pensamentos que atraíram riqueza. Sua
riqueza está esperando por você, no invisível, e para trazê-la ao visível, pense rico!”
(2007, p.104). A conclusão, depois de toda a teia discursiva descrita, é simplória e
óbvia. Basta executar o planejamento perfeitamente traçado, nas linhas da obra,
assim como foi analisado.
O próximo colaborador é apresentado como David Schirmer e, dessa forma, é
descrita sua biografia (2007, p. 195):
Bem-sucedido corretor, investidor e consultor de investimentos,
coordena oficinas, seminários e cursos. Sua empresa, a Trading Edge,
ensina as pessoas a obter ganhos financeiros ilimitados por meio do
desenvolvimento da atitude propícia à riqueza. Sua análise dos mercados
de ações e commodities da Austrália e de outros países é altamente
conceituada graças a sua habitual precisão. Acesse
www.tradingedge.com.au e saiba mais.
Na seguinte análise, as recorrentes referências eufóricas, em relação às
apresentações dos colaboradores, se tornaram lugar-comum, portanto, essa
peculiaridade estará sempre inferida, a não ser que ocorra uma divergência a
respeito desse aspecto descritivo.
O enunciador, David Schirmer, expõe, em seu discurso, suas experiências para a
obtenção da quantia em dinheiro que lhe era favorável em (2007, p. 104):
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
93
A lei da atração afirma que você consegue aquilo em que se concentra.
Então, eu peguei um extrato bancário, apaguei o saldo e coloquei um novo.
Coloquei, exatamente, quanto queria ver no banco. (...) É impressionante:
hoje, só recebo cheques pelo correio. Recebo algumas contas, porém, mais
cheques do que contas.
uma retomada das vivências pessoais, como no início do capítulo, até como
modo de enfatizar experimentos de pessoas que possuem a “chave” e a utilizam, em
suas vidas. Mais uma vez, depara-se com fatos e eventos incontestáveis, que fogem
a uma lógica, puramente racional, pois, revela a crença, os valores e os
acontecimentos da vida do ser humano, como alguém que, segundo o enunciador
referido, “compreendeu O Segredo” (2007, p. 104).
Após esse relato, o leitor encontra um longo discurso da enunciadora central, a
autora, que, por sua vez, narra o seu exercício, em “fingir que as contas, na verdade,
eram cheques” (2007, p.105). Esse enunciador traduz o seu método de vivenciar O
Segredo, na maneira de receber os cheques, pelo correio, de imaginar que eram
cheques, de acrescentar um zero a ela na mente, para torná-la, ainda maior, e de
escrever ‘recebido’ e ‘obrigado’.
Vale, ainda, ressaltar os vocábulos e as expressões utilizadas nesse enunciado,
como “jogo”, “imaginava”, “sentimento de gratidão”, “lágrimas nos olhos”, “sensação”,
“emoção do meu estômago” (2007, p. 105). Juntos, eles parecem remontar uma
nova realidade para esse leitor, para esse homem pós-moderno. Fica evidente que o
modo de ser da modernidade, não mais satisfaz um homem que está em busca de
outras, rápidas, efetivas e centralizadoras aspirações.
Hall (2002) estuda o contexto e o homem pós-modernos e evidencia um homem
perdido em suas angústias, em novas descobertas, quase incapaz de acompanhar a
velocidade de seus acontecimentos e dos fatos do contexto histórico-político e social
da atualidade. O ser humano perdeu seu centro pessoal, familiar, social, intelectual,
profissional e financeiro, portanto, ele precisa correr atrás de seu tempo, procurando
soluções simples: usando sua “chave” para adentrar o seu “Segredo”. Assim, o jogo
do sonhar o que se deseja, imaginar, vivenciar, como se tivesse alcançado, sentindo
gratidão, com tamanha emoção e agradáveis sensações, que até enchem os olhos
de lágrimas (grifo meu) passa a ser uma prática constante na vida desse ser.
Procura-se e quer-se obter uma nova realidade, que propicie segurança e maior
estabilidade para a vida desse homem pós-moderno, sem entrar no mérito se essa
nova realidade é realmente funcional ou não. O que não se pode é ignorar a
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
94
repercussão, a vendagem e a crença absoluta, da obra em questão: o homem,
dentro de um contexto completamente racional, em que a tecnologia, a ciência e
todas as descobertas atuais são destaques e podem explicar e concretizar
realizações, entrega-se, inteiramente, a algo que assegure o seu centro,
emocionalmente, a algo que o integre nesse novo contexto, ocasionado por
angústias, alienações e depreciações pessoais. O corpus analisado personificou-se
nesse algo almejado, por meio de seus discursos, das vivências narradas, da
apresentação do jogo que é possível jogar na vida pós-moderna revelou-se O
Segredo, adquiriu-se a “chave” para o centramento humano atual.
Loral Langemeier é a próxima enunciadora e, diferentemente dos demais
colaboradores da obra, algumas informações inseridas no corpo de seu relato,
como “Estrategista Financeiro, Conferencista e Consultor Pessoal e Empresarial”
(2007, p. 106), o que não exclui uma mais detalhada referência, na parte biográfica
(2007, p. 193):
Fundadora de Live Out Loud, que oferece consultoria para os
indivíduos alcançarem seus objetivos financeiros. Acredita que a atitude é a
chave para a construção da riqueza, e tem ajudado muita gente a se tornar
milionária. Loral faz palestras para indivíduos e corporações, repassando
seus conhecimentos e técnicas. Sua página é www.liveoutloud.com.
Essa voz apresenta novo aspecto do processo discursivo, que é o fato de as
pessoas propagarem e constituírem suas idéias, por meio do que lhes foi ensinado
quando crianças, visto em (2007, p. 106):
Eu fui criado com a idéia de ‘Você tem de trabalhar duro para ganhar
dinheiro’. Eu substituí isso por ‘Dinheiro vem fácil e com freqüência’. No
começo, isso parece uma mentira, certo? Há uma parte do cérebro que diz:
‘Mentiroso, é difícil’. Você precisa saber que é uma partidazinha de tênis,
que irá demorar um pouco.
O leitor encontra uma nova formação ideológica e discursiva, dentro do todo
enunciativo, que é, então, a mudança de um pensamento, anteriormente enraizado
no contexto social do indivíduo. Consoante a enunciadora central do discurso, há um
pensamento que deve reger a vida financeira do homem pós-moderno e essa
máxima é “Dinheiro vem fácil e com freqüência” (2007, p.106).
Complementando essa formação, ocorre a presença inédita, no capítulo
denominado “O Segredo para o Dinheiro”, de três depoimentos, em seqüência, dos
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
95
colaboradores mencionados, David Schirmer, Loral Langemeier e, pela primeira
vez, nessa parte, do autor Ralph Waldo Emerson (1803-1882), sem a interferência
da enunciadora central, entre eles. Dessa forma, enfatiza-se a idéia de que existe,
sem dúvida, um grande “segredo” descoberto e experimentado pela humanidade,
milhares de anos, uma vez que são emparelhados, discursos atuais e um de um
colaborador renomado, de muitos anos atrás, mas que converge com toda a teoria
vigente, no mundo pós-moderno. Esses enunciados encontram-se na defesa do
conceito de que “riqueza é um estado de espírito. Tem a ver com seu modo de
pensar” (2007, p. 106); “Eu diria que 80% do treinamento que faço com as pessoas
é sobre sua psicologia e sobre a forma como elas pensam. (...) “As pessoas têm a
capacidade de mudar seu relacionamento interno e seu diálogo com o dinheiro”
(2007, p. 106) e “A boa notícia é que, no momento em que você decide que aquilo
que sabe é mais importante do que aquilo que foi ensinado a acreditar, você muda
de ritmo, em sua busca por abundância” (2007, p. 107).
Relevante, também, é salientar que dentro da análise proposta a se realizar, com
base nos estudos da Análise do Discurso, deve-se atentar às escolhas nunca
aleatórias, mas sempre voltadas a finalidades espeficas, no processo discursivo.
Assim, a escolha do autor Ralph Waldo Emerson (1803-1882) para compor esse
enunciado integra-se em um todo harmonioso, coeso e coerente, dentro do discurso
central, que é a obra, que, conforme a busca eletrônica em
www.brasilescola.com/biografia, acessado em 12 de maio de 2008:
Pensador, ensaísta, poeta, conferencista, filósofo e orador norte-americano
nascido em Boston, Massachusetts, fundador do transcendentalismo,
movimento ideológico que exerceu notável influência na formação da
identidade cultural de seu país e que lhe trouxe grande prestígio
internacional. (...) iniciou sua carreira como escritor e conferencista e,
novamente casado (1835), criou um grupo que se reunia no Transcendental
Club, o que deu origem ao nome do movimento, o transcendentalismo. As
fontes do seu pensamento podiam ser identificadas em muitos movimentos
intelectuais como o latinismo, neoplatonismo, puritanismo, poesia do
Renascimento, misticismo, idealismo, ceticismo e romantismo.
Confirmamos a importância de material como esse, nas mãos das pessoas que
o possuem, que o lêem e que o praticam, pois, há uma “chave”, um “segredo”, que
fora compreendido pelos maiores gênios da História da humanidade, como o
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
96
pensador em destaque, e que agora está sendo revelado para o mundo, para um
homem em busca constante pelo seu centro introspectivo.
Seguido a esses relatos, o parecer da enunciadora central do discurso. Esse
parecer sintetiza o conceito essencial apreendido nos três enunciados anteriores:
“passar a se sentir bem, em relação ao dinheiro, e a ser grato pelo que tem” (2007,
p. 107). A grande “chave” evidencia-se em dizer e, principalmente, em sentir; o
sentimento, em relação ao que se almeja é algo fundamental, no processo de
aquisição. O aprendiz que se depara com a obra sabe que seus desejos serão
concretizados no procedimento de visualizar suas conquistas futuras e sentir, agora,
exatamente as mesmas sensações que sentirá quando as alcançar.
Há, no desfecho desse discurso explicativo, algo como uma prece, pois, como
mencionado nessa análise, o livro faz referência a discursos cristalizados na
sociedade e, por seus valores, incontestáveis. No discurso bíblico, encontra-se “Por
isso vos digo: tudo que pedirdes na oração, crede que o haveis de conseguir e que o
obtereis” (Bíblia Sagrada, Novo Testamento, São Marcos, “O poder da fé”, 11. 20-
26). Na obra referida nessa análise “Eu tenho mais do que o suficiente.
abundância de dinheiro, ele está a caminho de mim. Eu sou um ímã para dinheiro.
Eu adoro dinheiro, e o dinheiro me adora. Estou recebendo dinheiro, todo dia.
Obrigado. Obrigado. Obrigado.” (2007, p. 107). Assim, subentende-se que o homem
deve pedir, como uma oração, o que deseja, e o Universo, que, na obra é tratado
como o todo-poderoso, tratará de “ouvir” e atender. Oração, nesse sentido,
entendida como reza, súplica religiosa, discurso, fala, sermão, prédica” (Dicionário
Aurélio, Nova Fronteira: 2007, p. 342).
Como acontece em todo o livro, seguida de teoria, sempre a alusão à prática.
Desse modo, depois que o enunciador expõe uma forma de oração que deve ser
proferida por aqueles que desejam alcançar dinheiro, em grandes quantidades, a
referência de como agir para efetivar os pedidos. A maneira para “levar mais
dinheiro para sua vida” (2007, p. 106) é por meio da ação de dar, por meio da prática
de doar. O enunciador cita, em seu enunciado, as “pessoas mais ricas do planeta”
que, se assim são, é porque “dão enormes quantias, e, quando o, pela lei da
atração, o Universo se abre e derrama sobre elas enormes quantias – multiplicadas!”
(2007, p. 108). O interessante é perceber que tudo, pensando em teorias, práticas e
leituras, é definido e compreendido pelo olhar do homem. Assim como essa análise,
o modo de apreensão é exclusivo de cada ser, de cada compreensão que ele
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
97
realiza. É evidente que o discurso defensor, de que as pessoas ricas dão para
receber mais, suscita dúvidas e divergências de opiniões, uma vez que uma
corrente teórica crítica proliferada na sociedade pós-moderna que defende a opinião
de que as pessoas ricas dão demasiadamente a fim de receberem maiores
descontos e pagarem menos impostos ao Estado.
Elucidando seu discurso, o enunciador expõe a diferença das ações de dar e de
se sacrificar, averiguando que a ação de dar sugere uma prática eufórica e a ação
de se sacrificar é disfórica. Novamente, o enunciador oferece mais uma “grande
chave”: dar, mas de “coração”. Complementa, ainda, com algo que jamais deve ser
esquecido no exercício diário da técnica do “segredo” “sentir”. Seja na teoria do
dizer, do pedir, seja nas práticas de dar dinheiro, o “segredo” só ocorrerá na vida
daqueles que realmente sentirem; sentirem como beneficiados por suas
realizações financeiras, segundo o enunciado analisado.
O próximo discurso, assinado pelo colaborador James Ray, parece anunciar o
próximo capítulo da obra, realizando uma relação entre as partes do livro. Dividido
didaticamente em “dinheiro, relacionamentos, saúde, mundo, você e vida”, o
enunciador não se desvincula do conceito de que o “segredo” deve ser aplicado em
todas as áreas ou saúdes da vida humana, como física, familiar, social, financeira,
intelectual, espiritual e profissional. Dessa maneira, apesar de toda essa parte
analisada discorrer a respeito do elemento dinheiro, na vida dos indivíduos, há um
depoimento que retoma outra saúde, como o relacionamento humano, visualizado
em (2007, p. 108):
Eu encontro muita gente que ganha um volume enorme de dinheiro, mas
seus relacionamentos são uma porcaria. E isso não é riqueza. Você pode
correr atrás do dinheiro e pode ficar rico, mas isso não garante opulência.
Não estou dizendo que dinheiro não é parte da opulência, sem dúvida é,
mas é só uma parte.
O enunciador, então, propaga o assunto do capítulo seguinte da obra,
denominado “O Segredo para os Relacionamentos”, inferindo que todo o trabalho
para o sucesso, em relação ao dinheiro, é apenas uma conquista, no meio de tantas
outras, na descoberta e adesão do “segredo” na vida humana.
Como uma das finalizações dessa parte do livro, que também inclui uma página
de finalização alcunhada “Resumos do Segredo”, o enunciador central aquele que
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
98
interliga todos os demais depoimentos – passa a se manifestar mais claramente com
o interlocutor, utilizando demasiadamente o pronome “você”, como forma de exaltar
e enfatizar seu público-alvo. Assim, essas demonstrações são evidenciadas em
(2007, p. 109):
Se você foi criado acreditando que ser rico significa não ser
espiritualizado, eu recomendo, fortemente, que você leia a série Os
milionários da Bíblia, de Catherine Ponder. Nesses últimos livros, você
descobrirá que Abraão, Isaac, José, Jacó, Moisés e Jesus não eram apenas
mestres da prosperidade, mas, também, eram milionários, com estilos de
vida muito mais opulentos do que muitos dos milionários de hoje poderiam
conceber.
Vale salientar a familiaridade, quando se referencia grandes nomes da História
da humanidade, o enunciador revela sua intimidade com esses gênios. Afinal, ele
constata que são parceiros, no conhecimento do “segredo” para a vida.
Como definidos no início da seguinte análise, alguns vocábulos tornam-se
extremamente importantes e necessários na obra. O enunciador constitui, em seu
discurso, uma imagem de um homem que, ao entrar em contato com essa obra,
passa a ser uma entidade absoluta, dotada de poder revelador, alguém com
conhecimento que o diferencia do restante da sociedade. Na constituição grandiosa
dessa representação, as palavras o cuidadosamente escolhidas e altamente
eficazes, assim como as expressões; pode-se citar, nesse contexto, “herdeiro do
reino”, “prosperidade”, “chave para mais abundância”, “Universo”, “O Segredo”,
“chave”, “chave é seu pensamento e seus sentimentos” e “chave nas mãos” (2007,
p. 109).
O interlocutor passa, então, a conhecer qual é essa poderosa “chave” para
adentrar o mundo das possíveis realizações e conquistas, sejam elas de qualquer
dimensão, visto em (2007, p. 109):
Você é o herdeiro do reino. A prosperidade é sua por direito de
nascença, e você tem a chave para mais abundância em todas as áreas
da sua vida – do que pode imaginar. Você merece todas as coisas boas que
deseja, e o Universo dará todas as coisas boas que deseja, mas vo
precisa trazer isso para sua vida. Agora você conhece o Segredo. Você tem
a chave. A chave é seu pensamento e seus sentimentos, e durante toda a
vida você segurou a chave nas mãos.
O homem pós-moderno, desse modo, tem um sofrimento de desajustes e
angústias pessoais e sociais, em vão, que a solução, sendo muito simples,
sempre esteve sob seu alcance, “em suas mãos”. Ele apenas desconhecia, não
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
99
sabia que aquela era uma valorosa “chave” de um “segredo” transformador de vidas;
rompe-se o “lacre”.
O relato seguinte é da colaboradora Marci Shimoff. Segundo a biografia inserida
no corpo da obra (2007, p. 195):
Co-autora de Chicken Soup for the Woman’s Soul e Chicken Soup for
the Mother’s Soul, livros de enorme sucesso. Líder transformacional que
fala com paixão sobre desenvolvimento pessoal e felicidade, dirige seu
trabalho especialmente à melhoria da vida das mulheres. Também é co-
fundadora e presidente do The Esteem Group, empresa que oferece
programas de auto-estima e inspiração para mulheres;
www.marcishimoff.com é sua página.
Esse novo enunciador é o último a ponderar seu discurso, no capítulo analisado,
denominado “O Segredo para o Dinheiro”. Em seu enunciado, o grande desfecho
paira sob a idéia de que tudo o que o ser humano busca em sua vida tem de se
realizar, primeiro em seu interior, em sua essência, pois, a materialidade externa
deve ser apenas conseqüência de todo um processo introspectivo. Enfatizamos,
assim, a “chave” descoberta, que são elementos constituintes do interior individual,
que essa “chave” compõe-se em pensamento e sentimentos (grifo meu). O
discurso em que se apreendem essas considerações está em Byrne (2007, p.110):
Muitas pessoas na cultura ocidental lutam pelo sucesso. Elas querem a
melhor casa, querem que seus negócios prosperem, querem todas essas
coisas externas. Mas o que descobrimos em nossa pesquisa foi que ter
essas coisas externas não necessariamente garante o que realmente
queremos, que é felicidade. Então buscamos essas coisas externas
pensando que elas nos darão felicidade, mas isso é um equívoco. Você
precisa primeiramente buscar a alegria interior, a paz interior, a visão
interior, e depois todas as coisas externas aparecem.
Apesar de estarem em pólos diferentes, pensamento/pólo racional e sentimentos/
pólo emocional, ambos convergem, no centro particular interno de cada indivíduo.
Nessas fundamentações, pode estar uma das possíveis explicações para tamanha
repercussão no mercado editorial da obra em análise: uma vez que o contexto
social, político e econômico pós-moderno passa por transformações significativas,
que conduzem o homem a valores, atitudes, pensamentos e sentimentos inéditos,
na História da humanidade, esse homem vê-se alienado, angustiado, descentrado.
Surge, nessa conjuntura, uma obra, com um enunciador central e diversos
colaboradores renomados, assegurando que esse centro pessoal será recuperado,
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
100
centralizado, por meio da conquista de tudo o que se almeja, bastando atrair,
pensando e sentindo.
Por meio dessa concepção é que o enunciador central finaliza a parte “O
Segredo para o Dinheiro”. uma recuperação do discurso do enunciador Marci
Shimoff, fundamentada, principalmente, na idéia de que a aquisição de todas as
conquistas, sejam elas materiais ou sentimentais, dependem somente de cada ser
humano e de seu exercício constante de pensar, agir e, conseqüentemente, atrair
para si. Esse capítulo, assim chamado com finalidade didática, termina com o
discurso (2007, p. 110):
Tudo o que você quer faz parte de um trabalho interno! O mundo
exterior é o mundo dos efeitos; é apenas o resultado dos pensamentos.
Sintonize seus pensamentos e sua freqüência na alegria. Transmita os
sentimentos de felicidade e alegria que estão dentro de você para o
Universo, com toda força, e você experimentará o verdadeiro paraíso na
Terra.
De forma que crenças, valores e religiões, não são argumentos discutidos em
exames científicos. A pesquisa que segue, não tenta decodificar todas as
formações ideológicas e discursivas, que envolvem o sentido de “Universo”.
Vale, porém, afirmarmos que a idéia de “Universo” está atrelada a algo em
movimento constante, atemporal, possuindo o caráter de todo-poderoso, não
constituindo barreiras ou impossibilidades. Além disso, uma relação, entre Jesus
e “Universo”, mas, entrar no rito religioso teria como conseqüência afunilar, ao
invés de expandir, o público-alvo da obra. Para isso, então, o enunciador não
menciona “Jesus”, “Luz”, “Energia”, mas “Universo”, o que infere algo entre o
racional e o emocional, podendo ser explicado, científica ou emocionalmente,
atingindo todas as crenças, religiões e valores, de diversas raças e populações
humanas. Essa é uma das peculiaridades dos livros de auto-ajuda e o que garante
seu sucesso: alcançar o maior número de interlocutores.
Como todos os demais capítulos da obra, a finalização se por meio de uma
página independente do todo, intitulada “Resumos do Segredo”. Essa parte é
integrante da conclusão de cada capítulo e baseia-se em recuperar os aspectos
mais relevantes, que não podem ser esquecidos, por quem entrou em contato com o
“Segredo”. Todos os capítulos do livro trabalham, constantemente, com a repetição
ou a retomada constante de idéias. A parte “Resumos do Segredo”, do capítulo “O
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
101
Segredo para o Dinheiro” é didaticamente importante, pois faz com que, ao ler, o
interlocutor recupere toda a metodologia que apreendeu, em aproximadamente onze
páginas anteriores. Desse modo, lições e conceitos, como “concentrar-se na
prosperidade”, “soltar a imaginação”, “sentir-se feliz agora”, “comprometer-se a olhar
tudo que gosta e dizer: ‘Eu dou conta. Eu posso comprar aquilo’”, “dar dinheiro”, “ser
generoso”, “visualizar cheques” e “pensar rico” constituem uma metodologia, uma
fórmula, que deve ser aplicada no alcance de mais dinheiro, de maior prosperidade
financeira.
Essa idéia é trabalhada em todo o livro, quando se trata da prosperidade nos
relacionamentos, na saúde, na prosperidade para o mundo, para o plano individual e
para a vida, em geral.
Descobrimos, na leitura do material completo, corpus dessa pesquisa, que o
enunciador trabalha com formação ideológica e discursiva, denominada a “chave do
segredo”, que incide em pedir, acreditar, agindo, falando e pensando, como se
tivesse recebido o que fora pedido. Não se pode transgredir nenhuma dessas fases,
caso contrário, a conquista completa não se realizará.
uma valiosa e inestimável metodologia, segundo o enunciador, conhecida por
poucos, mas por célebres indivíduos sociais, como os interlocutores da obra. Essa
metodologia consiste em emitir energias positivas, de um fazer bom. Esse é o
grande, lacrado, revelador e surpreendente Segredo.
A seguir, veremos de que modo essa metodologia é apresentada, pensada,
sentida e vivida em relação à saúde, no capítulo denominado “O Segredo para a
Saúde”.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
102
2.3 “O Segredo para a Saúde”: Outro enfoque, o mesmo olhar analítico
Nesse momento, a análise da pesquisa estará consolidada junto a outro capítulo
do livro O Segredo (2007), denominado “O Segredo para a Saúde” (ver Anexo D),
abrangendo as páginas 124 e 139. Novamente, vale retomar a questão de que a
nomenclatura “capítulo” é adotada por seu aspecto didático, uma vez que não é
utilizada no livro. Como realizado anteriormente, o material, analisado a seguir,
também estará disponível no corpo do projeto para consultas necessárias (ver
Anexo 4).
Apesar de retomarmos outra análise, o enfoque seguirá o mesmo
direcionamento, quanto ao posicionamento do enunciador e dos enunciadores, aos
dêiticos de pessoa, lugar e espaço e às formações ideológicas e discursivas. Os
vocábulos, apresentados na análise anterior, continuarão expostos e recuperados,
quando houver necessidade na busca da melhor compreensão analítica. São eles:
chave, crença, lacre, segredo e universo (ver página 67).
O capítulo “O Segredo para a Saúde” inicia-se diferentemente do capítulo
intitulado “o Segredo para o Dinheiro”, pois, agora, o posicionamento de um
enunciador, Dr. John Hagelin, que, embora também se apresente em pessoa do
plural, não começa seu relato com uma vivencia e experiência particular, mas relata
um depoimento público, geral, específico da área médica.
Seguindo a estrutura da obra, encontram-se as referências a respeito do primeiro
enunciador (2007, p. 192):
Mundialmente famoso como físico quântico, educador e especialista em
políticas públicas, é autor do livro Manual for a Perfect Government, que
explica como solucionar os grandes problemas sociais e ambientais e criar
paz mundial com políticas harmonizadas às leis naturais. Recebeu o
prestigioso prêmio Kilby, concedido a cientistas que fizeram importantes
contribuições à sociedade. Foi candidato à presidência dos Estados Unidos
pelo Natural Law Party em 2000. Considerado um dos maiores cientistas do
planeta, em www.hagelin.org você tem mais informações a seu respeito.
Dessa forma, um enunciador que, sendo o primeiro, nesse capítulo, enfatiza
um fato, o segredo, também no aspecto da saúde, que afirma “Nosso corpo, na
verdade, é produto de nossos pensamentos.” (2007, p. 125). Como cientistas, ele
também se coloca na posição de ser humano em “nosso corpo”, e, revela a força do
“pensamento”, regente de questões, até então, muito físicas, muito racionais,
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
103
totalmente explicadas pelo universo científico. O primeiro depoimento é muito
relevante, pois, ele desestrutura algo rígido na área médica; não são apenas
alimentação, exercícios físicos e resultados de exames que determinam a saúde das
pessoas, mas também, os pensamentos e as emoções precisam ser considerados e
compreendidos, visto em “Estamos começando a compreender, na ciência médica, o
grau em que a natureza dos pensamentos e emoções realmente determina a
substância física, a estrutura e a função de nossos corpos” (2007, p. 125). Vale
atentar para o constante uso do possessivo “nosso”. Propositalmente colocado, ele
sugere a intenção de aproximação autor/ leitor, numa tentativa de enfatizar o eu +
você = nós, estratégia usada na área do marketing.
A escolha desse relato para o início de uma capítulo sobre a saúde, dentro de um
contexto do Peça, Acredite e Receba (grifo meu), discurso proferido em toda a
obra, é pertinente e significativo no momento em que o homem pós-moderno busca
a “chave” para todos as questões de sua vida. Podemos dizer que a escolha desse
capítulo, levando em consideração a teoria da Análise do Discurso, não é aleatória,
pois, o aspecto financeiro e a questão da saúde precisam manter-se em crescente
sucesso para esse homem alcançar satisfação e felicidade plenas.
A próxima voz enunciadora é do Dr. John Demartini que, participando da área
médica, discorre sobre o placebo e seu efeito na cura de muitas doenças. Há, nesse
enunciado, a afirmação de um objeto, como um comprimido que, sem quaisquer
substâncias químicas, tem a capacidade de curar algumas doenças humanas. Há,
então, uma formação ideológica e discursiva que crê e, conseqüentemente, recebe a
cura. O processo curador não está na ingestão do placebo, mas sim, no poder de
um pensamento positivo e fiel à cura. Esse enunciador relata (2007, p. 125-126):
Você diz ao paciente que ele é eficaz, e o que acontece é que, em
alguns casos, o placebo tem o mesmo efeito, quando não efeito maior, que
o medicamento supostamente concebido para produzir esse efeito. Eles
descobriram que a mente humana é o principal fator nas artes da cura,
algumas vezes mais importante que o medicamento.
Interessante perceber que outros fatores no discurso médico, como a voz de
autoridade e de falta de contestação que essa enunciação apresenta. A voz desse
profissional impõe verdade absoluta e incontestável, verdade histórica e de
convicção ao que se diz. É possível perceber o lugar enunciativo do discurso médico
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
104
que, dita a ação e o paciente realiza, acreditando e recebendo a cura. Para a
sociedade, em geral, a voz do médico é a voz maior.
O processo discursivo, nesse capítulo, firma-se como os demais, ou seja, teorias
e práticas confirmando-se por vozes de autoridade. Primeiro, a idéia geral de saúde
que é produto de pensamentos e emoções humanas, vista no depoimento do
enunciador Dr. John Hagelin; segundo, a comprovação da idéia geral pela específica
de como isso ocorre no âmbito médico, com a indicação do placebo, relato do
enunciador Dr. John Demartini. Importante perceber que a voz central seleciona
depoimentos de dois médicos, iniciando o capítulo com vozes de autoridade e,
portanto, como referido anteriormente, incontestáveis e formadoras da mesma visão
de mundo, no que diz respeito às questões profissionais. Segundo a biografia (2007,
p. 188), John Demartini:
Demartini, que chegou a ser considerado portador de déficit de
aprendizagem, hoje é médico, filósofo, escritor e conferencista
internacional. Durante muitos anos, manteve uma bem-sucedida clínica
quiroprática e foi indicado para Quiroprático do Ano. Dr. Demartini é
consultor de profissionais de saúde, escreve e conferências sobre cura e
filosofia. Suas metodologias de transformação pessoal têm ajudado
milhares de pessoas a organizar suas vidas e encontrar felicidade. Sua
página na internet é www.drdemartini.com.
Retomando o fato de que as biografias inseridas nas páginas finais do livro
revelam recortes intencionais realizados pela voz central da autora, Byrne, pois, ela
apropria-se das questões mais relevantes a respeito da vida de seus colaboradores.
Há, portanto, enunciados, dentro das biografias, que não podem ser omitidos no
todo da obra de auto-ajuda, como “explica como solucionar os grandes problemas
sociais e ambientais e criar paz mundial com políticas harmonizadas às leis naturais”
(2007, p. 192), referente ao Dr. John Hagelin ou “Suas metodologias de
transformação pessoal m ajudado milhares de pessoas a organizar suas vidas e
encontrar felicidade” (2007, p. 188), a respeito de Dr. John Demartini.
Esses enunciados revelam algumas das formações ideológicas e discursivas
desse gênero literário, como a promessa e conquista da resolução de problemas,
fórmulas milagrosas para o alcance do eterno sucesso e felicidade. A voz
enunciadora central aparece, seguida dos depoimentos apresentados. Em seu
discurso, essa voz anuncia que o “grande segredo” também se encontra na área da
saúde e, o que defende em todo o livro, até essas ginas, é corroborado na saúde.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
105
Dessa forma, em poucas linhas, ela defende a teoria do Peça, Acredite e Receba
(grifo meu) na relação do ser humano com o placebo em “Quando os pacientes
pensam e verdadeiramente acreditam que o comprimido cura, eles recebem aquilo
em que acreditam e são curados” (2007, p. 126).
Assim, a quebra de mais um parâmetro social e científico, cristalizado na
sociedade pós-moderna: a questão das drogas, substâncias química, para conseguir
a cura de doenças. A enunciadora central constrói uma formação ideológica em que
o alcance da cura o se por remédios e tratamentos, mas, novamente, pela
ação de “pensar na saúde perfeita” (2007, p. 126). O placebo, nesse caso, é a
concretização dessa formação, a forma objetiva, a “chave” para se alcançar o
resultado.
O segundo depoimento do colaborador Dr. John Demartini revela um novo ponto
de vista em relação à saúde. Ele anuncia estados físicos, que podem ser
desencadeados por questões psicológicas, emocionais e mentais, em “Se alguém
está doente, em vez de recorrer à medicina, tem a alternativa de tentar descobrir o
que, em sua mente, está criando a doença” (2007, p. 126). Ele não nega, porém, a
medicina científica, acrescenta que a cura pode ser buscada por outros meios,
em “Você não pretende negar a medicina. Toda forma de cura tem seu espaço”
(2007, p.126).
A colaboradora Lisa Nichols (ver biografia na gina 77) retoma a concepção de
Universo, descrito como uma “obra-prima de abundância” (2007, p. 126). Seu
discurso é extremamente pertinente a todo conteúdo do livro e seu fio condutor do
“Peça, Acredite e Receba”. O leitor depara-se, nesse momento, com a rmula do
Universo, o campo de desejos e realizações pessoais, visualizado em 2007, p. 126-
127:
Quando você se abre para sentir a abundância do Universo, experimente
maravilha, contentamento, prazer e todas as grandes coisas que o Universo
tem para você – saúde, prosperidade, harmonia. Mas, quando você se
fecha com pensamentos negativos, sente desconforto, sente as dores,
sente o sofrimento, e sente como se cada dia fosse algo doloroso.
Esse discurso, primeiramente, promove a unificação de diversos públicos, pois,
uma vez que se fala em “Universo”, é possível adequá-lo às diferentes crenças.
Tratando-se de um vocábulo muito genérico, “Universo” é simbolizado de acordo
com as crenças, valores e costumes de cada indivíduo. Dessa forma, vemos um
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
106
discurso que tenta centralizar o homem pós-moderno na questão de trabalhar com o
Universo, que pode ser Deus, luz, energia, poder superior etc.
Há, ainda, uma receita dada e, cabe a esse homem seguir. Se houver crença e
pensamentos positivos, haverá apenas benefícios, mas, se houver fechamento dos
pensamentos bons e aberturas para pensamentos negativos, a conseqüência se
também negativa. Recuperamos toda a fórmula do livro, toda a estratégia da
utilização de O Segredo na vida das pessoas para o sucesso e a realização
absoluta.
Salientamos o campo discursivo do discurso analisado. A palavra “abundância”
pertence a um campo do positivo e de tudo que é bom. O “Universo”, então, só traz,
para o ser humano, uma “abundância” positiva e, conseqüentemente, “maravilha,
contentamento, prazer (...) saúde, prosperidade, harmonia” (2007, p. 127). Por outro
lado, infere-se, por meio desse discurso, que o “Universo” nunca resultará em
aspectos negativos; esses são conseqüência do fechamento com tudo que envolve
a idéia de Universo e, dessa forma, os vocábulos estão todos no campo discursivo
da negação, como “desconforto, dores, sofrimento, doloroso” (2007, p. 127).
Interessante perceber que o dialogismo com a bula dos remédios científicos. A
colaboradora evoca e descreve a fórmula para o bem-estar, apresentando, também,
as indicações e as contra-indicações da utilização do segredo na vida das pessoas.
Em meio a um momento histórico, o atual, onde o homem perdeu seu centro, na
identidade cultural, por meio do surgimento de novas e relevantes teorias sociais e
ciências humanas, há um discurso que corrobora todo esse contexto histórico-social.
O discurso do enunciador Dr. Ben Johnson, descrito no corpo do depoimento como
“médico, escritor e líder em energia curativa” (2007, p. 127), indica um grande fator
dessa nova sociedade: o estresse. O enunciador descreve “Temos mil diferentes
diagnósticos e doenças por aí. Todas elas não passam de elos. Tudo é resultado de
uma coisa: estresse. Se você colocar pressão demais na corrente, se puser pressão
demais no sistema, um dos elos se rompe” (2007, p. 127). Como esse homem pós-
moderno possui não mais uma exclusiva, mas uma multiplicidade de identidades
humanas, a “pressão” mental e física ocorre a todo o momento. O colaborador usa a
palavra “sistema”, referindo-se ao sistema físico, ao sistema imunológico do ser
humano e, “pressão” a todas as inúmeras interferências sofridas por esse ser;
interferências de ordem física, pessoal, profissional, familiar, intelectual, financeira e
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
107
social. Na biografia vista no final do livro, o enunciador é apresentado da seguinte
forma (2007, p. 192):
Originalmente formado na medicina ocidental, interessou-se pela cura
energética depois de superar uma doença fatal gravíssima, usando
métodos pouco convencionais. Está principalmente interessado em The
Healing Codes, uma forma de cura descoberta pelo Dr. Alex Lloyd, com
quem atualmente dirige a empresa The Healing Codes Company, que
distribui os ensinamentos formulados a partir de pesquisas. Em
www.healingcodes.com há mais informações.
Como em outras passagens do livro, deparamo-nos com fatos incontestáveis
sobre os colaboradores, no caso acima, é o acontecimento de “superar uma doença
fatal gravíssima, usando métodos pouco convencionais”. Falamos de fatos
incontestáveis, uma vez que estão no campo de crenças, valores e estados
pessoais da vida de cada indivíduo.
A voz central interfere nesse depoimento. A enunciadora explica o efeito de
estresse como causa de acúmulos de pensamentos negativos. Ela opta por
descrever o estresse não por bases científicas, mas por meio de sua teoria do poder
do pensamento positivo e/ou negativo, defendida ao longo de toda a obra. A voz
central relata “(...) O efeito é estresse, mas a causa é o pensamento negativo, e tudo
começa com um pequeno pensamento negativo. Não importa o que você pode ter
gerado, você pode mudar isso... Com um pequeno pensamento positivo, e depois
outro” (2007, p. 127). Então, fica evidente para os leitores, nessa passagem, que
não importa o aspecto de sua vida, mas que em todos eles, o Segredo pode ser
aplicado, que a base teórica é a mesma: “o poder do pensamento”, “a Lei da
Atração”, “Peça e será atendido”.
O enunciador Dr. John Demartini analisa a ocorrência de uma doença como
resposta a algo que está desajustado, desequilibrado e descentralizado no aspecto
psíquico-emocional do ser humano. Ele reforça: “Nossa psicologia cria a doença
para nos sinalizar que temos uma perspectiva desequilibrada, ou que o estamos
sendo amorosos gratos. Assim, os sinais e os sintomas do corpo não são algo
terrível” (2007, p. 127). Outro parâmetro social é desestabilizado nesse discurso: a
doença, seja ela de qualquer ordem, tem seu ponto positivo. Esse fato se no
momento em que, pela presença da doença, é possível detectar, diagnosticar e
curar um mal, uma posição degradante do psicológico de cada ser humano. A
doença, por meio desse discurso, caracteriza-se, também, como algo bom e
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
108
necessário da resolução dos problemas humanos, uma vez que é ponderada como
uma resposta física de algo que está desordenado no emocional do ser humano.
Na análise proposta, não entraremos em questões médicas e científicas, pois não
é esse o escopo da pesquisa e sim, analisarmos como o discurso é recortado e
organizado para alcançar todo o efeito de sentido almejado pelo enunciador central
do livro analisado. Nesse caso, reportagens jornalísticas e depoimentos de
especialistas na área médica reforçam a questão central desse capítulo intitulado “O
Segredo para a Saúde”: muitas doenças e manifestações físicas humanas da pós-
modernidade são tratadas como psíquico-somáticas, ou seja, é o corpo devolvendo
em forma de dores, resfriados, infecções, paralisias e degenerações, algo que está
em completo desajuste no campo do emocional, afetivo e psicológico humano.
Em seguida a essa declaração, a voz central assume novamente o discurso,
interpretando o enunciado anterior. A enunciadora, assim, anuncia a cura para
qualquer mal e para qualquer doença: o amor e a gratidão. A voz fundadora assume,
nesse capítulo também, seu objetivo principal. Ela mostra e dispõe a
responsabilidade de cura ao alcance do leitor, reforçando, enfaticamente, que ele é
possuidor da “chave”, da “chave do dinheiro”, da “chave de um próspero
relacionamento” e da “chave da cura de doenças”, que “O amor e a gratidão
podem abrir mares, mover montanhas e produzir milagres. E o amor e a gratidão
podem dissolver qualquer doença” (2007, p. 128). O discurso torna-se indiscutível,
pois não mais mistérios, não mais “segredos” quando vir alguém saudável,
porque esse leitor já sabe como agir para ter a prosperidade que tanto almeja.
Para concluir essa primeira parte discursiva, a voz enunciadora central apresenta
o enunciado do colaborador Michael Bernard Beckwith, como lugar de encontro do
ponto de vista dos locutores imediatos, da visão de mundo questionada e da
orientação teórica utilizada no livro analisado. O sentido de todos os discursos,
anteriormente considerados, é concluído nesse enunciado que enfatiza, sem mais
delongas, a posição ideológica, colocada no processo sócio-histórico de O Segredo:
A pergunta que costuma ser feita é: ’Quando uma pessoa desenvolve
uma doença no templo do corpo ou alguma espécie de desconforto em sua
vida, isso pode ser revertido pelo poder do pensamento ‘certo’?’. E a
resposta é: definitivamente, sim.
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
109
O discurso apresenta, então, uma espécie de conclusão de todo o processo
discursivo, iniciado nas primeiras páginas desse capítulo. A conclusão está na
presença da frase interrogativa, que evidencia o poder do pensamento “certo” na
cura de doenças ou de desconfortos físicos e, na resposta decisiva, uma vez que
um vocábulo com um sentido fixo e estabelecido, “definitivamente”, seguido da
palavra “sim”, afirmação absoluta, inquestionável.
A continuidade discursiva coerente é exaltada no relato seguinte, que possui o
título “O riso é o melhor remédio”. Esse é o momento do relato de uma experiência e
vivência pessoal da colaboradora Cathy Goodman. Ela, diferente dos outros
enunciadores, não tem sua biografia detalhada nas ginas finais do livro. Essa
escolha não é inocente, pois ela possui uma colaboração bem diferente em relação
as outras vozes do discurso literário: sua participação não inclui questões científicas,
porém, é a comprovação pela crença e fé individual.
A enunciadora Cathy inicia seu discurso detectando sua perturbação física, “o
diagnóstico de câncer de mama” (2007, p. 128). Depois, divulga a crença e valores
que sentia em “E, realmente acreditava de todo coração, com absoluta, que
estava curada” (2007, p. 128). Em seguida, a enunciadora evidencia suas ações e
suas atitudes efetivas para agregar o pensamento com a realização pessoal, visto
em “Todos os dias, eu dizia: ‘Obrigado pela minha cura’. Sempre, ‘Obrigado por
minha cura’” (2007, p. 128). Aliada à ação de verbalizar algo que acreditava ter
alcançado, a enunciadora anuncia a ação de ver comédias. O sentido instaurado no
ato de assistir a filmes de comédias é a grande “chave” para cura, pois indica a
prática de “rir sem parar” e eliminar qualquer estresse na vida, que “o estresse é
uma das piores coisas que você pode ter quando está tentando se curar” (2007, p.
128).
A enunciadora central conseguiu recortar um depoimento altamente eficaz e
comprobatório para todas as formações ideológicas e discursivas do livro. Em um
depoimento real e verídico, há a “receita” perfeita da teoria do “Peça, Acredite e
Receba”: acreditar, imaginar-se com o desejo alcançado, unir a teoria do
pensamento positivo da cura, sem descartar o poder científico e médico. A
enunciadora Cathy tem um discurso completamente pertinente ao que se quer
provar com os depoimentos anteriores: ela revela o seu fazer em relação ao
pensamento positivo sob a doença, mas mostra o conhecimento a respeito do cunho
científico do câncer, como o fator estresse, desencadeador de maiores
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
110
complicações físicas para o paciente, portanto, necessita ser evitado ao máximo.
Tratando-se de acontecimento pessoal, isenta-se de críticas e intervenções, pois se
encontra no âmbito das crenças e dos valores de cada indivíduo.
A enunciadora central do livro resume, por meio do depoimento da enunciadora
Cathy, “os três grandiosos poderes em ação: o poder da gratidão para curar, o poder
da para receber e o poder do riso e do prazer para dissolver a doença em nossos
corpos” (2007, p. 129). Dessa forma, descobre-se a “chave” para uma saúde
perfeita.
Na passagem “Cathy teve a idéia de incluir o riso como parte de sua cura após
ouvir a história de Norma Cousins” (2007, p. 129), é evidente a questão de o
indivíduo que sempre se estabelece em relação a outro indivíduo, a outra voz
discursiva. Foi por meio do exemplo de vida de Norma Cousins e por meio de seu
discurso, que a enunciadora Cathy desencadeou todas as mesmas ações para sua
própria vida. Assim, esse modo de presença dialógica é o princípio de constituição
do indivíduo e o seu princípio de ação. Podemos afirmar, ainda, que esses
conteúdos discursivos, formadores de consciência, são semióticos, uma vez que
essa consciência é construída na comunicação social, ou seja, na sociedade e na
História.
O próximo relato em 2007, p. 129 descreve:
Norman recebeu o diagnóstico de uma doença ‘incurável’. Os médicos
disseram que ele tinha poucos meses de vida. Norman decidiu se curar.
Durante três meses, tudo o que ele fez foi assistir a comédias e rir sem
parar. A doença deixou seu corpo naqueles três meses, e os médicos
disseram que sua recuperação era um milagre.
(...)
Rindo, Norman eliminou toda a negatividade, e eliminou a doença. O riso
realmente é o melhor remédio.
Esse é um adequado exemplo de como o sujeito está sempre em relação com o
outro (s) e de como a apreensão do mundo é sempre situada historicamente. O
enunciador Norman constituí-se por meio de diversas vozes: por meio das vozes de
autoridades, os médicos, por meio das vozes fictícias, os filmes de comédia e por
meio de sua própria interioridade, o consciente e inconsciente juntos em sua voz.
Dessa forma, o sujeito Norman trabalha no movimento de ir se constituindo
discursivamente, apreendendo as vozes sociais que compõem a realidade em que
está imerso, e, ao mesmo tempo, suas inter-relações dialógicas. O sujeito Norman
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
111
não apreende apenas uma voz social, mas várias, que estão em relações diversas
entre si, uma vez que a realidade é heterogênea.
Em relação às vozes de autoridade, ou seja, as vozes dos médicos que disseram
que ele tinha poucos meses de vida, o enunciador Norman integra seu mundo
interior na relação de divergência, pois, ele contraria o diagnóstico, tentando
convertê-lo em outro resultado. Por outro lado, na perspectiva das comédias e tudo
que esse gênero artístico sugere, como riso, leveza emocional e o sentimento de
positividade, o enunciador e seu mundo interior estão no movimento convergente,
pois ele adota essa perspectiva no objetivo de agir para constituir sua crença na
cura física. A relação com o outro sujeito e com as inúmeras vozes dialógicas é
constante, o mundo exterior não está nunca concluído, mas em incessante
construção.
Em seguida, o enunciador Dr. Ben Johnson enfatiza sua voz de autoridade
científica no próximo depoimento em 2007, p. 129:
Todos nós nascemos com um programa básico instalado. Ele é
chamado de ‘autocura’. Você tem um ferimento, ele desaparece sozinho;
você pega uma infecção bacteriana, o sistema imunológico assume, cuida
daquela bactéria e a elimina. O sistema imunológico é feito para curar a si
mesmo.
Esse discurso, como todos, assume o aspecto de transição constante entre os
indivíduos, passando a integrá-los socialmente. Vale salientar que, como discurso de
autoridade científica, essa voz possui um alto poder de integração e persuasão. É a
voz que, por meio de métodos, comprovações e justificativas, tem conhecimento
completo a respeito do que discorre, portanto as contestações e divergências o
quase inexistentes.
A teia ideológica e discursiva é afirmada e confirmada por meio da voz
enunciadora central no questionamento “Se, como a ciência provou, todo o nosso
corpo é substituído em um período de alguns anos, como a degeneração ou a
doença pode permanecer em nossos corpos anos a fio?” (2007, p. 130).
Questionamento esse, incisivo, uma vez que é direcionador e quer parecer imparcial
no momento que evidencia e privilegia o papel da ciência médica em “como a
ciência provou”. A voz central retorna ao escopo principal de seu discurso na
resposta “Elas podem ser mantidas pelo pensamento, pela observação da
doença e pela atenção dada à doença” (2007, p. 130). É um jogo de movimento
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
112
discursivo que não descarta nenhuma hipótese, apenas agrega teorias e filosofias,
ciência e pensamento, razão e emoção, ou seja, abre-se o leque, expande-se o
público-alvo e realiza-se a máxima do gênero de auto-ajuda.
O discurso seguinte inicia-se por meio de um subtítulo “Pense em perfeição”
(2007, p. 130). Alguns aspectos o evidentes e, portanto, pontos de análise. Esse
discurso é validado continuamente pela voz central da enunciadora, sem sofrer
interferências dos enunciados dos colaboradores. É como se ela, a enunciadora
central da obra literária, não precisasse, nesse momento, de seus colaboradores.
O discurso é relacionado, dessa forma, diretamente com o leitor, sem a
necessidade das intermediações de demais colaboradores, como se eles se
ausentassem do processo discursivo. Ocorre, então, um sentido mais subjetivo que
as demais passagens discursivas.
Essa subjetividade está atrelada ao discurso, que apela mais intimamente ao
leitor, ao “você” do enunciado. O momento é da revelação do segredo-mor (grifo
meu); uma ação a ser realizada no contexto do “pensar”, mas pensar em algo
sem intervenções, sem cirurgias, sem defeitos, a “perfeição”. Descobrimos mais uma
“chave” do sucesso, da saúde e da prosperidade eterna, “Pense em perfeição”
(2007, p. 130).
O leitor, interlocutor, está evidenciado no todo discursivo em “(...) invoque-a para
você” e “(...) Declare e queira (...)” (2007, p. 130), seguido da prática a ser realizada
para o alcance da perfeição, incluindo a saúde, riqueza e felicidade. A prática, a
ação que deve ser feita, está no âmbito do sentir e externar em palavras, como “Eu
tenho pensamentos perfeitos. Eu vejo a perfeição. Eu sou a perfeição” (2007, p.
130).
A voz enunciadora central expõe sua experiência e coloca-se não somente como
o enunciado que integra os demais, mas também, como um colaborador, que
enfatiza o sentido por meio de acontecimentos pessoais, em 2007, p. 131:
Eu eliminei qualquer vestígio de rigidez e falta de agilidade de meu
corpo. Eu me concentrei em ver meu corpo como sendo tão flexível e
perfeito quanto o de uma criança, e toda rigidez e dores nas juntas
desapareceram. Fiz isso literalmente da noite para o dia.
O enunciado da voz central assume, dessa forma, um lugar enunciativo, a
então, inédito nas análises realizadas: o de ser colaborador pessoal também, não
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
113
apenas intermédio entre os outros discursos. Importante salientar que essa voz
transita em dois aspectos sempre, altamente significativos quando o assunto é
saúde, ciência e pensamento. Aspectos que são condensados e avaliados em toda
a teia discursiva em “O Segredo para a Saúde”. Byrne relata (2007, p. 131):
Você sabe que as crenças sobre envelhecimento estão apenas em
nossas mentes. A ciência explica que temos um corpo inteiramente novo
em pouco tempo. Envelhecimento é pensamento limitado, portanto, elimine
esses pensamentos de sua consciência e saiba que seu corpo tem apenas
alguns meses de idade, não importa quantos aniversários você marcou em
sua mente.
Em seguida, o depoimento de Bob Proctor para confirmar o apelo científico
exposto pela voz enunciadora central. As vozes discursivas vão, dessa maneira,
mostrando-se em perfeitos ajustes, integrando-se, ajustando-se e comprovando-se
em todo processo discursivo; as qualificações, como exemplos e experiências
pessoais, alternam-se, mas o sentido é sempre convergente entre si, visualizado na
continuidade da voz do enunciador Bob Proctor (biografia na análise anterior, p. 75):
“Se você tiver uma doença, se concentra nela e falar com as pessoas sobre ela,
estará criando mais células doentes. Imagine-se vivendo em um corpo perfeitamente
saudável. Deixe que o médico procure a doença” (2007, p. 131).
Vale diagnosticar que, nos movimentos de leitura e análise, foram percebidas
algumas inadequações gramaticais, coesivas e coerentes nos enunciados da obra,
no entanto seguimos a transcrição do texto, quando necessária, exatamente do
modo como é apresentado ao leitor, não havendo nenhuma interferência por meio
de correções e melhores adequações lingüísticas. Esse enfoque poderia ser dado à
análise baseada no processo de tradução e todas as teorias e questões que o
envolve. A análise que segue não possui esse escopo principal.
A voz enunciadora central discorre a respeito da prática do pensamento positivo
para que as pessoas sintam-se saudáveis e evoca outra prática nessa técnica: o
poder da palavra, o poder do ato de verbalizar sentimentos e sensações ruins. Isso
está evidente em:
(...) Se não estiver se sentindo muito bem, não fale sobre isso a não ser
que queira se sentir pior. Saiba que seu pensamento foi o responsável pelo
que está acontecendo e repita com freqüência: ‘Eu me sinto ótimo. Estou
bem demais’, e realmente sinta isso. Se não estiver muito bem, e alguém
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
114
perguntar o que está sentindo, apenas seja grato à pessoa por lembrá-lo de
pensar em se sentir bem. Fale apenas palavras positivas.
Assim, vemos que o fato de as pessoas adquirirem doenças, descrito no
enunciado geral enunciados da voz central e enunciados dos colaboradores
parte de uma série de ações mediadoras, que podem, segundo o discurso, serem
evitadas pelo indivíduo. As atitudes de “pensar na doença”, “pensar que pode
adquiri-la”, “escutar o que as pessoas falam de suas doenças”, “dedicar todos os
pensamentos e toda a concentração à doença” e “acrescentar energia às doenças”
são algumas dessas ações que propagam e instauram as doenças físicas, segundo
Byrne.
A concentração do pensamento humano torna-se, desse modo, a “chave” do
“segredo” da vida saudável. O sentido do discurso evidencia sempre dois pólos, o
positivo e o negativo, e assim, segue-se o discurso com teorias e exemplificações
vivenciais, para que o sujeito pós-moderno escolha seu caminho, suas decisões e
como usufruirá do “segredo” – a Lei da Atração – em sua vida. Lisa Nichols descreve
(2007, p. 132):
Digamos que haja duas pessoas, ambas sofrendo de algo, mas uma
delas escolhe se concentrar na satisfação. Uma escolhe viver de
possibilidade e esperança, se concentrando em todas as razões pelas quais
ser feliz e grata. E, a segunda pessoa. O diagnóstico é o mesmo, mas a
segunda escolhe se concentrar na doença, na dor, no ‘como sou infeliz’.
A escolha dos pólos envolve o recorte realizado nos vocábulos pertinentes para
cada aspecto. No pólo do pensamento positivo e saudável, os vocábulos
“satisfação”, “possibilidade”, “esperança”, “feliz”, “grata”; no pólo do pensamento
negativo e doente, “doença”, “dor”, “com sou infeliz”. Todos os recortes
discursivos são propositais para garantir o sentido de todo o discurso de O Segredo
(2007). “O segredo” é revelado, exemplificado, visualizado e defendido a todo o
momento, cabe apenas o interlocutor situar-se e adaptar-se ao melhor pólo para sua
vida.
Se, porém, com todas as exemplificações, o leitor ainda não tenha
compreendido o sentido discurso, as vozes enunciadoras convergem para mais
invocação desse interlocutor. Uma invocação decisiva e direta exposta na voz do
sujeito Bob Doyle (2007, p. 132):
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
115
Quando as pessoas estão inteiramente concentradas no que de errado
e em seus sintomas, elas perpetuam o quadro.
A cura não ocorrerá até elas voltarem sua atenção de estarem doentes
para estarem bem. Porque essa é a lei da atração.
Seguindo a biografia no final do livro, Bob Doyle (2007, p. 190):
Criador e difusor do programa Wealth Beyond Reason, tem respeitável
currículo multimídia sobre a lei da atração e sua aplicação prática. Bob se
concentra na ciência da lei da atração para ajudar você a ativar mais
objetivamente a lei em sua vida e atrair riqueza, sucesso, realizações
maravilhosas e tudo mais que você queira. Visite
www.wealthbeyondreason.com para mais informações.
O colaborador Dr. John Hagelin relata um depoimento transitório entre o científico
e o pensamento e emoções. Em seguida, a voz enunciadora central manifesta um
ponto de vista inédito até essas páginas. Ela evoca a possibilidade de estar
direcionando-se a um interlocutor que tenha seguido e escolhido o pólo negativo
dos pensamentos e emoções, recuperando, invocando e possibilitando mudanças
de sentimento e ações em “Não importa o que você tenha manifestado no que diz
respeito a seu corpo, você pode mudar isso por dentro e por fora. Comece a ter
pensamentos felizes e comece a ser feliz” (2007, p. 133).
Ainda, a voz enunciadora central evidencia aspectos lúdicos em seu relato,
adequando discurso de diversas naturezas, ora científicos, ora lúdicos, ora com
caráter de autoridade, ora materializados em processos mecânicos, em “Você está
com o dedo sobre o botão de ‘sentir felicidade’. Aperte-o agora e mantenha o dedo
pressionado firmemente, não importa o que esteja acontecendo a seu redor” (2007,
p. 133).
O processo discursivo adentra o campo de comprovações e de fatos
experimentados e resolvidos por meio do pensamento “Peça, Acredite e Receba”.
Esse campo inicia-se com o discurso do colaborador Michael Bernard Beckwith em
“Eu vi rins regenerados. Eu vi cânceres dissolvidos. Eu vi a visão melhorar e
retornar” (2007, p. 134). Segundo a biografia de Michael Bernard Beckwith, exposta
na obra:
Em 1986, esse trans-religioso progressista o-alinhado fundou o
Agape International Spiritual Center, que reúne 10 mil membros locais e
centenas de milhares de amigos e afiliados mundo afora. Participa de
debates internacionais com luminares espirituais, como Sua Santidade, o
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
116
Dalai Lama; o Dr. A. T. Ariyaratne, fundador da Sarvodaya; e Arun Gandhi,
neto de Mahatma Gandhi. É co-fundador da Association for Global New
Thought, que todos os anos reúne em um congresso internacional
cientistas, economistas, artistas e líderes espirituais vanguardistas na tarefa
de guiar a humanidade para seu potencial máximo.
Ensina meditação e prece científica, coordena retiros e faz palestras em
congressos e seminários. É o criador do método Life Visioning Process e
autor de Inspirations of the Heart, 40 Day Mind Fast Soul Feast e A
Manifesto of Peace. Acesse www.Agapelive.com para mais informações.
A voz enunciadora central, então, expõe um fato ocorrido e realizado em sua vida
em relação à saúde. Quando projetou para si mesmo a mensagem da sociedade de
que a visão diminui com a idade; ela, simplesmente, percebeu que aquela
informação não lhe pertencia e começou a mandar, para o cérebro, outros tipos de
pensamentos, com “Eu posso ver claramente, eu posso ver claramente”. Ela enviou
as informações do pensamento positivo, visualizou e sentiu a diferente sensação de
não precisar de recursos para obter sua boa visão, em “Eu tive a sensação de
gratidão e excitação por ter uma visão clara. Em três dias, minha visão tinha
retornado, e eu não uso óculos de leitura. Eu posso ver claramente” (2007, p.
134). Eis, portanto, a prática vivida e apreendida pelo interlocutor, não havendo
possibilidades de questionamentos ou dúvidas, uma vez que se trata de fatos da
ordem do campo pessoal, de crenças e valores individuais.
Como analisado no capítulo analítico anterior “O Segredo para o Dinheiro”, a
quantia que se almeja é irrelevante, pois, não há limites nem concessões para tudo
o que envolve a crença no “Universo” (algo entre o racional e o emocional, podendo
ser explicado, cientifica ou emocionalmente, atingindo todas as crenças, religiões e
valores, de diversas raças e populações humanas). O mesmo ocorre em relação à
saúde, descrito em (2007, p. 135):
(...) Lembre-se: no Universo, não existem o tempo e o tamanho. É tão fácil
curara uma espinha quanto uma doença. O processo é idêntico; a diferença
está em nossas mentes. Portanto, se você atraiu alguma doença, reduza-a,
em sua mente, ao tamanho de uma espinha, abandone todos os
pensamentos negativos e, depois, se concentre na perfeição da saúde.
Dessa forma, não doença mais grave ou menos que outra. Qualquer evento
físico que desestabilize um corpo humano é passível de cura por meio do
pensamento correto, o pensamento positivo. Nesse momento do processo
discursivo, há o anúncio de um subtítulo “Nada é incurável” (2007, p. 135).
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
117
A voz central do discurso de O Segredo (2007) discorre a respeito do “incurável”.
Fica evidente, em seu discurso, que todos esses conceitos dependem de questões
que estão inseridas no contexto de crenças, valores e filosofias de vida particulares.
É o que cada sujeito cria para si, os discursos apreendidos desde o momento de seu
nascimento, o grupo social e familiar no qual faz parte. Byrne relata: “Acredito e sei
que nada é incurável. (...) Em minha cabeça e no mundo que crio, ‘incurável’ não
existe” (2007, p. 135).
Esse discurso cria uma visualização perfeita de vida e clama pelo interlocutor:
“Nesse mundo, muito espaço para você, portanto, venha se reunir a mim e a
todos que estão aqui. É o mundo onde ‘milagres’ são ocorrências rotineiras. É um
mundo transbordante de total abundância, no qual todas as coisas boas existem
agora, dentro de você. Parece o céu, não é? E é” (2007, p. 135). A função apelativa
do discurso evidencia-se fortemente; comparações inquestionáveis com o mundo e
a vida ideais e o “céu” atraem o interlocutor. Essa atração é incisiva e decisiva na
utilização de visualizações reais “há muito espaço para você”, na invocação direta
“venha se reunir a mim e a todos que estão aqui”, na ocorrência extraordinária e
não-recorrente na vida das pessoas “milagres” e na referência ao lugar que muitas
crenças e religiões pretendem estar “o céu”.
depoimentos em relação à saúde, que estão em um processo discursivo
crescente, ou seja, expõe-se, primeiramente, o uso de placebo e seus efeitos, o
relato da colaboradora Cathy Goodman sobre o câncer de mama, o depoimento da
enunciadora central sobre a necessidade do uso de óculos e nesse momento, o
discurso alcance seu ponto máximo na história de Morris Goodman, referido como
escritor e conferencista internacional.
Esse último discurso do colaborador Morris Goodman revela a queda do avião
que ele pilotava. Seu quadro físico manifestava cientificamente irreversível, mas
todo seu lado racional e emocional encontrava-se no pólo positivo. Todo seu
discurso é direcionado para essa formação ideológica, em “O único elemento de que
dispunha para trabalhar no hospital era minha mente, e desde que você tenha sua
mente, pode restaurar as coisas” (2007, p. 136), em “fiquei atrelado a um respirador
e disseram que eu jamais voltaria a respirara sozinho, com o diafragma destruído.
Mas, uma vozinha ficava me dizendo ‘Respire fundo, respire fundo’” (2007, p. 136).
Diferentes práticas para atingir o pensamento positivo saudável são descritas por
esse enunciador, como o aspecto de “não se distrair do objetivo ou da visão”. A
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
118
enunciadora central evidencia a escolha de concluir o capítulo com esse enunciador
(2007, p.137):
Morris Goodman é conhecido como o Homem-Milagre. Sua história foi
escolhida para The Secret O Segredo porque demonstra o poder
imensurável e o potencial ilimitado da mente humana. Morris conhecia o
poder dentro de si para realizar aquilo em que escolheu pensar. Tudo é
possível. A história de Morris Goodman vem inspirando milhares de
pessoas a pensar, imaginar e sentir o caminho de volta à saúde. Ele
transformou o maior desafio de sua vida na maior dádiva.
O recorte discursivo apresenta-se significativo e coerente com o objetivo que
pretende alcançar: o de difundir o “segredo” a Lei da Atração e agregar para essa
idéia, ou filosofia, o maior número de adeptos. A enunciadora central descreve o
enunciador e, a escolha dos vocábulos e expressões é completamente pertinente ao
seu principal escopo. Ela utiliza “poder imensurável e o potencial ilimitado da mente
humana”, “(...) vem inspirando milhares de pessoas a pensar, imaginar e sentir o
caminho de volta à saúde” e “Ele transformou o maior desafio de sua vida na maior
dádiva” (2007, p. 137). O que o enunciador Morris propagou pela vida das pessoas é
o mesmo que a enunciadora central pretende com seu material de auto-ajuda, sem
mencionar os interesses pessoais.
O discurso final do livro baseia-se nos resultados prévios das formações
ideológicas e discursivas presentes em toda a obra. Nas palavras da voz central:
“Desde que foi lançado o filme The Secret – O Segredo, fomos inundados de
histórias miraculosas sobre doenças de todo tipo se dissolvendo do corpo das
pessoas, depois de terem assistido ao filme. Tudo é possível quando se acredita”
(2007, p. 137). O arranjo do discurso, os exemplos de casos que comprovam toda a
teoria em evidência e os recortes realizados nos enunciados dos colaboradores
confirmam toda a ideologia social e histórica do momento pós-moderno. O indivíduo,
inserido na pós-modernidade, procura seu centro, sua estabilidade e seus sonhos
em materiais que irão mesmo prometer-lhe o “céu”. É o que o discurso revela a
cada capítulo, a cada aspecto da vida humana, como dinheiro, saúde,
relacionamentos etc.
O discurso conclusivo sinaliza a previsão para o futuro. Esse discurso indica que,
o interlocutor que entrou em contato com essas páginas, é privilegiado no sentido de
estar inserido em um movimento futuro, que hoje, poucas pessoas possuem o
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
119
acesso. Esse fato é inferido por meio do discurso citado de um médico, especialista
na área de saúde, Dr. Ben Johnson (2007, p. 137):
Agora, estamos entrando na era da medicina energética. No Universo,
tudo tem uma freqüência e você só precisa mudá-la ou criar uma freqüência
oposta. É muito fácil mudar tudo no mundo, sejam doenças, ou questões
emocionais, ou quaisquer outras. Isso é sensacional. É a coisa mais
importante que já nos aconteceu.
Quando o enunciador expõe “É a coisa mais importante que nos aconteceu”, ele
apresenta um fator que o envolve e envolve toda a humanidade. As técnicas de
como usar o pensamento positivo a seu favor e a Lei da Atração são exibidas como
grande triunfo, assegurado nas mãos da minoria, valorizando e encantando o
interlocutor que lê e adentra esse campo ideológico e discursivo pela primeira vez.
Novamente, como em toda a obra, a finalização se por meio de uma página
separada do todo, intitulada “Resumos do Segredo”. Baseia-se no momento de
retomada das questões mais relevantes de “O Segredo para a Saúde”. Como
anteriormente demonstrado, trata-se de um modo de recuperação de tudo que foi
apreendido nas páginas iniciais. Práticas e teorias são enfatizadas, como “o efeito
do placebo é um exemplo da lei da atração”, “a concentração na saúde perfeita”, “o
riso atraia a alegria, elimina a negatividade eleva a curas”, “dedicar-se a
pensamentos poderosos à visão das pessoas com saúde”, “afastar pensamentos
sobre velhice da consciência” e “as mensagens negativas o servem para o
indivíduo”. Essas lições constituem a metodologia e a fórmula para se obter saúde,
vitalidade e prosperidade física.
Há, nessa construção metodológica de O Segredo (2007), o diálogo com os livros
didáticos, uma vez em que se evidenciam os mesmos objetivos. Assim como no
material didático, o final de cada capítulo apresenta um resumo em itens para o
“aluno” aprender e apreender melhor o conteúdo. Os leitores, interlocutores da obra,
são tratados como os alunos que estão adquirindo um novo e pertinente
conhecimento, portanto as estratégias de melhor aquisição cognitiva o utilizadas,
como a prática do resumo.
Dessa forma, por meio da análise desse capítulo, comprovamos que,
independente, de qual aspecto da vida seja tratado, o enunciador central e todos os
enunciados, inseridos no contexto geral, ocupam-se com a formação ideológica e
discursiva própria do gênero da auto-ajuda. O diferencial paira no momento em que,
Procedimentos Analíticos: o discurso em movimento
120
perspicazmente, os enunciadores voltam suas vozes, portanto, seus discursos, para
todo o contexto sócio-histórico da pós-modernidade. Momento esse, em que emerge
um sujeito sociológico descentralizado em suas múltiplas identidades.
Prometer o sucesso e as conquistas no campo financeiro, no campo afetivo, no
campo da saúde e no campo das questões mundanas e pessoais talvez seja o
motivo de considerável repercussão da obra analisada. A língua, a identidade
cultural e formações ideológicas e discursivas são utilizadas e estão presentes com
o intuito de preencher algumas lacunas do momento pós-moderno. Sem
concordamos se esse é realmente um meio literário justificável ou não, não
podemos negar que o contexto histórico e seu sujeito sociológico foram deflagrados
e desvelados pelo enunciador de O Segredo (2007).
Considerações Finais
Sapientia: nenhum poder,
Um pouco de saber,
o máximo de sabor...
(Roland Barthes)
Considerações Finais 122
Ao longo desse trabalho, percorremos caminhos, leituras, olhares analíticos e
compreensões, apurando como o discurso revela os mecanismos do processo de
significação do momento histórico, da ideologia e do sujeito pós-moderno.
Averiguamos, em toda essa pesquisa, como as formações ideológicas e
discursivas, assim como toda a teoria da Análise do Discurso (AD) podem examinar
enunciados, modos de presença no mundo e identidades humanas inseridas na obra
O Segredo (2007).
Independente de gostos literários, dotados de juízos de valor, o contexto histórico
da pós-modernidade, que inclui todos os interlocutores que aqui estão inseridos,
clama por um indivíduo que mantenha sua consciência atenta à questão da
heterogeneidade discursiva. A língua é um elemento heterogêneo, portanto o
discurso também o é. Nós, sujeitos, somos marcados, desde o nascimento, pela
heterogeneidade, uma vez que somos seres complexos, possuindo diversas
representações de papéis sociais.
O sujeito usa óculos sociais, pois sua formação é composta de inúmeras facetas.
Surgem inéditos elementos que marcam o ser humano em geral e a obra O Segredo
(2007), com sua considerável repercussão, passa a ser um desses elementos.
Esses óculos sociais são fundamentais, pois fazem com que o homem veja o mundo
de uma forma extremamente particular, introspectiva. As vivências passam a ser
completamente diferentes.
Se o grande tripé da AD se estabelece em Teoria Lingüística – Ciências Sociais –
Teoria do Discurso, em que as Ciências Sociais compõem as mudanças da
sociedade, de suas visões, de sua ideologia e de seu discurso, parece inevitável não
percorrer a identidade de um homem que não se satisfaz mais apenas com o
aparato científico, mas que recorre a algo que conta (ou apenas pretende dar
conta) de seu ser, de sua essência, de seu momento histórico transgressor. O
sujeito pós-moderno é o maior interlocutor da obra O Segredo (2007), seja ele um
interlocutor assumido ou um interlocutor velado.
Descobrimos um discurso que encontra as formações ideológicas e discursivas
complementares às buscas recorrentes do sujeito pós-moderno. Um discurso
pensado e organizado, incontestavelmente propício a um homem, que por meio da
racionalidade, não consegue anular sua alienação, seu exílio e seu isolamento
pessoal e social, interno e externo, referentes ao momento histórico atual.
Nesse sentido, concluímos que os objetivos foram atingidos:
Considerações Finais 123
O objetivo geral:
Realizar um estudo a respeito das organizações e estratégias discursivas em
um livro de auto-ajuda, que evidenciam o momento histórico atual pós-
moderno e refletir o modo que os discursos recuperam questões pessoais do
sujeito atual, aproximando-o de todo material enunciativo.
Os objetivos específicos:
Fazer levantamento da bibliografia específica que servirá de base para
elaboração do Capítulo Teórico, que enfocará a Análise do Discurso e a
Identidade Cultural;
Realizar levantamento das obras secundárias a respeito do tema “o segredo”;
Analisar os posicionamentos do enunciador nos enunciados;
Analisar os dêiticos de pessoa e lugar;
Analisar as formações ideológicas e discursivas inseridas nos enunciados,
evidenciando os efeitos de sentido no discurso, na linguagem e no sujeito
pós-moderno;
Analisar de que modo as definições de Ideologia e Discurso estão presentes
no gênero literário da literatura de auto-ajuda;
Analisar os conceitos de Cultura, Língua como Identidade Cultural, Sujeito e
Inconsciente frente à ideologia do “Peça, Acredite e Receba”.
O protagonista do discurso traz manifestações relevantes, em toda a obra, que
são marcadamente da ordem da subjetividade. Esse fato é considerado por meio do
enunciador central e dos colaboradores evidenciados em 1ª pessoa do singular; da
descrição de experiências pessoais para comprovação dos acontecimentos e da
filosofia e crença no pensamento positivo e da fórmula defendida e posta como
infalível do pedir o que se almeja, acreditar e sentir como se tivesse alcançado ou
realizado as aspirações e os desejos.
Por meio das análises, conseguimos verificar de que modo o enunciador e os
colaboradores inserem-se no momento da pós-modernidade. Um momento em que
os papéis sociais estão sofrendo constantes transformações, assim como os
valores, em todos os âmbitos da vida humana como, o familiar, social, intelectual,
espiritual e profissional e mais especificamente, o financeiro e físico.
O discurso do nero da auto-ajuda é persuasivo, ou seja, a intenção de
propagar teorias, idéias pré-concebidas e filosofias de vida. O discurso passa a
ter sentido no contato com o interlocutor, que na pesquisa, mostra-se fundamental,
Considerações Finais 124
pois é ele que compra, lê, acredita e difunde os enunciados da obra O Segredo
(2007).
Os conceitos de ideologia e da ngua, como identidade cultural, apresentam o
discurso que converge com as mudanças da sociedade. O sujeito, dessa maneira,
adquire sua visão de mundo por meio do grupo em que está inserido. Por isso, há
papéis e representações sociais que são extremamente instáveis e que
desestabilizam, constantemente, o sujeito pós-moderno.
Concluímos, ainda, que nas inúmeras e mutáveis formações discursivas, o sujeito
nunca encontra sua completude, segundo Foucault (apud Hall, 2002). Aproveitando
esse aspecto do momento histórico da pós-modernidade, o enunciador central do
livro O Segredo (2007) propõe a ideologia do “Peça, Acredite e Receba”, velando e
desvelando seu posicionamento na obra, enfatizando a real possibilidade dessa
completude, fascinando e encantando os sujeitos sociológicos.
No mundo, dois conceitos básicos que se localizam no Universo da crença e
no Universo da experiência, da ciência. A ciência, de seu lado, possui objeto, que é
experimentado e comprovado. O outro Universo, da crença, não especula
comprovações, mas possui semelhante valor. Há, portanto, duas polaridades: a
ciência, que é razão, e crença, que é emoção. O homem pós-moderno é constituído
por esses dois pólos, razão e emoção.
Como foi observado, O Segredo (2007) encontra-se no Universo da crença e
sobre ele discorre, sobre ele trabalha e é ele que oferece a esse indivíduo. Todo
esse movimento é realizado, altamente repercutido, fervorosamente questionado e,
por muitos, ignorado, pois o momento histórico atual institui uma razão que tende a
superar a emoção.
Dessa maneira, o sentido é a história. É na e pela história que o sujeito do
discurso se significa e se realiza. A ideologia do momento histórico pós-moderno se
materializa na linguagem e o corpus em evidência é um dos modos em que essa
ideologia se cristaliza.
A obra O Segredo (2007) torna-se, assim, lugar específico em que se pode
apreender o modo como a língua se materializa na ideologia. E como está se
manifesta em seus efeitos na própria língua. A linguagem oferece-se, nas análises
apresentadas, como lugar de descobertas, o lugar de constituição dos sentidos e o
lugar do discurso.
Considerações Finais 125
Mostramos que as formações ideológicas e discursivas acompanham as
mudanças da sociedade. A razão e as comprovações singulares são simplórias para
explicar, a esse homem, sua identidade. Dessa forma, sua busca torna-se constante
e o livra de qualquer forma de apedrejamento público.
Assim, esperamos que este trabalho, que não termina em si próprio, possa ser
objeto de estudo num próximo doutorado, e que sirva como bibliografia a todos os
que pretendem aplicar e observar o assunto.
Bibliografia
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TREVISAN, L. A chave do maior segredo do mundo. Editora Nova Fronteira, 2007.
Bibliografia 133
VITALE, J. A Chave O Segredo que faltava para você atrair tudo o que quiser.
Editora Rocco, 2008.
WATTLES, W. D. A trilogia do Segredo Riqueza, Grandeza e Harmonia. Editora
Saraiva, 2007.
Anexos
Anexos 135
Anexo A
BYRNE, R. The Secret - O Segredo. Tradução de Marcos José da Cunha, Alexandre
Martins e Alice Xavier. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.
Anexos 136
Anexo B
BYDLOWSKI, L. Peça, Acredite e Receba. Revista Veja, São Paulo, p. 76, 04 de
abril de 2007.
Anexos 137
Anexo C
Anexos 138
Anexos 139
Anexos 140
Anexos 141
Anexos 142
Anexos 143
Anexos 144
Anexos 145
Anexos 146
Anexos 147
Anexos 148
Anexos 149
Anexos 150
Anexos 151
Anexos 152
Anexos 153
Capítulo “O Segredo para o Dinheiro”. In: BYRNE, Rhonda. The Secret - O Segredo:
Rio de Janeiro, Ediouro, 2007, p. 95 – 111.
Anexos 154
Anexo D
Anexos 155
Anexos 156
Anexos 157
Anexos 158
Anexos 159
Anexos 160
Anexos 161
Anexos 162
Anexos 163
Anexos 164
Anexos 165
Anexos 166
Anexos 167
Anexos 168
Capítulo “O Segredo para a Saúde”. In: BYRNE, Rhonda. The Secret - O Segredo:
Rio de Janeiro, Ediouro, 2007, p. 125 – 139.
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