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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
SÍLVIA DE PAULA BEZERRA
O INVASOR: DO ROTEIRO AO ROMANCE
São Paulo
2008
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Sílvia de Paula Bezerra
O Invasor: do roteiro ao romance
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Letras
Orientadora: Prof
a
. Dr
a
. Maria Luiza
Guarnieri Atik
São Paulo
2008
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B574i Bezerra, Sílvia de Paula
O invasor : do roteiro ao romance / Sílvia de Paula Bezerra –
2008.
90 f. : Il., fots.; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Presbiteriana
Mackenzie, São Paulo, 2008.
Orientadora:
Profª. Drª. Maria Luiza Guarnieri Atik
Referências bibliográficas: f. 76-79
1. Literatura. 2. Cinema. 3. Romance policial. 4. Filme policial.
5. Roteiro cinematográfico. 6. Personagem. I. Título.
CDD 808.23
SÍLVIA DE PAULA BEZERRA
O INVASOR: DO ROTEIRO AO ROMANCE
Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana
Mackenzie como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Letras
Aprovada em
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________________
Profª. Drª. Maria Luiza Guarnieri Atik – Orientadora
Universidade Presbiteriana Mackenzie
_______________________________________________________________
Profª. Drª. Helena Bonito Couto Pereira
Universidade Presbiteriana Mackenzie
_______________________________________________________________
Profª Drª Sandra Lucia Amaral de Assis Reimão
Universidade de São Paulo
A todos aqueles que acreditam que
pequenas ações podem fazer toda a
diferença.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, a Deus pela saúde, coragem e dádivas de todos os dias,
especialmente aqueles em que tudo parecia dar errado.
À minha família, pais, irmãos, tia Valdeci e demais familiares por acreditarem comigo
na possibilidade de realização deste trabalho.
À Prof ª Drª Maria Luiza Guarnieri Atik, minha eterna gratidão, por ter sido orientadora
e amiga, e pelo empenho em sempre me auxiliar e incentivar para que este trabalho atingisse
seus objetivos.
Às Profª Drª Helena Bonito Couto Pereira e Profª Drª Sandra Lúcia Reimão pelas
sugestões apresentadas no momento do exame de qualificação.
Aos meus amigos de tantos anos: Camila, Fernando, Sandro, Rafaela, Taís, Rafael,
Paulo, Edilene, Elisabete, Alexandre, Angélica, Cleiton, Bem Hur, Peterson, Luana, Ana Rita,
Sabrina e todos aqueles que me propiciaram momentos alegres, dividiram angústias e
estiveram sempre dispostos a ajudar.
Às minhas amigas que, entre outras atitudes, sempre me apoiaram e dançaram muito
forró comigo nas minhas raras horas de folga: Rosana, Tatiana e Beatriz. E às amigas Juliane,
Areli, Luciene e Vivian que me presenteiam com sua amizade sincera desde que nos
encontramos na graduação, há dez anos.
Ao Prof. Dr. Fernando Salinas pela oportunidade de assistir às suas aulas e aprender
muito sobre cinema e sobre como ser um professor admirado pela turma mais agitada que eu
já conheci.
Aos queridos colegas da turma de Pós-Graduação: Letícia, Rita, Eli, Rosana, Bento,
Renata, Jurandir, Selma, e todos aqueles que passaram pela minha vida nestes últimos dois
anos. Minha gratidão especial ao meu amigo Eder que, ao meu lado, descobriu que dois
cancerianos nascidos no mesmo dia podem ser completamente diferentes e, ainda assim,
conseguir se ajudar bastante.
À amiga Adriana, por todas as tardes na biblioteca, telefonemas e e-mails, materiais
trocados, chocolates e cafés, e pela amizade que começou com este trabalho e que eu espero
que permaneça ao longo dos anos.
À minha grande amiga Cátia, super revisora, que me ajudou na correção e na montagem
deste trabalho.
Ao meu amigo Osmar, pois sem ele talvez as figuras não estivessem em seus lugares! E
ao Maurício que sempre acreditou neste trabalho e colaborou ao longo de toda esta
caminhada.
Ao pessoal e aos alunos das escolas Maria Theodora e Indac pelo incentivo e
colaboração, e por todos os dias me ajudarem a ter certeza de que a sala de aula é o meu lugar
preferido!
Aos professores e funcionários da Pós-Graduação Mackenzie pela grande colaboração
na realização deste trabalho, especialmente àqueles que me viram todos os dias na biblioteca.
Ao Fundo Mackenzie de Pesquisa que financiou parte deste trabalho e sem o qual as
dificuldades teriam sido maiores.
Enfim, a todos aqueles que estiveram comigo ao longo desta caminhada em busca de
conhecimento que, ao mesmo tempo em que foi sofrida, foi muito gratificante.
RESUMO
Neste trabalho abordamos o romance e o filme policial O Invasor, destacando uma parceria de
sucesso entre o romancista Marçal Aquino e o cineasta e diretor Beto Brant. O caminho entre
romance, roteiro e filme foi transcorrido de forma diferente do habitual, pois Aquino finalizou
a escrita do romance em 2002 após o lançamento do filme que ocorreu em 2001. Temos como
objetivo principal do estudo em questão mostrar como as personagens Ivan, Anísio e
Giba/Alaor são construídas no romance e no filme. Para tanto, o presente trabalho foi divido
em três partes. Primeiramente, abordamos a questão das personagens no romance e no roteiro
cinematográfico e as relações que lhe conferem verossimilhança. Depois tratamos da
construção da personagem no cinema e do foco narrativo que, em um filme, é definido pela
câmera e seus movimentos. Apresentamos também diversos aspectos da narrativa fílmica,
identificando aqueles que possuem maior destaque para o desenvolvimento da história. Por
fim, discorremos sobre as principais características do romance e do filme policial, bem como
a relação entre literatura e cinema policial no Brasil. Quanto ao romance e ao filme policial
noir, destacamos suas origens, influências e aspectos mais relevantes para situarmos o
romance escrito por Marçal Aquino.
Palavras-chave: Literatura. Cinema. Romance policial. Filme policial. Roteiro
cinematográfico. Personagem.
ABSTRACT
In this paper we study the crime fiction and film O Invasor, focusing the success partnership
between the writer Marçal Aquino and the film director Beto Brant. The path made by novel,
screenplay and film was different from the usual, because Aquino ended writing the novel in
2002, after the release of the film in 2001. As primary purpose of this paper, we intend to
demonstrate how the characters Ivan, Anísio, Giba/Alaor are developed in both novel and
film. Therefore, this paper was divided in three chapters. First, we study the characters in the
novel and in the screenplay, and their relations that give them verisimilitude. After that, we
analyze the development of characters in cinema and the point of view that, in a movie, is
determined by the camera and its movements. Furthermore, we present several aspects of film
narrative, identifying those with great importance to the story development. Finally, we
discuss about the main characteristics of crime fiction and film, as well as the relation
between crime fiction and film in Brazil. About noir fiction and film, we examine their
origins, influences and more relevant aspects to understand the novel written by Aquino.
Keywords: Literature. Cinema. Crime fiction. Crime film. Screenplay. Character.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 9
1 O INVASOR: ROTEIRO CINEMATOGRÁFICO 13
1.1 Algumas considerações sobre as personagens 13
1.2 O roteiro de O invasor e seus elementos 15
1.2.1
Temporalidade 15
1.2.2
O núcleo dramático: personagens 18
1.2.3
A ação dramática 24
2 O FILME O INVASOR, DE BETO BRANT 27
2.1 A narrativa em imagens 27
2.2 Movimentos de câmera 28
2.3 Montagem 34
2.4 Decupagem 35
2.5 Elipses 36
2.6 Música 38
2.7 Tempo 40
2.8 Cenários 41
2.9 Diálogos 43
3 ROMANCE E FILME POLICIAL 46
3.1 Origens do gênero na literatura 46
3.1.1 O filme policial 47
3.1.2 O romance e o filme policial no Brasil 48
3.1.3 O Invasor de Marçal Aquino: um romance policial noir? 51
3.1.3.1
Os protagonistas 55
3.1.3.2
As personagens secundárias 62
CONSIDERAÇÕES FINAIS 74
REFERÊNCIAS 76
ANEXOS 80
INTRODUÇÃO
O cinema brasileiro da retomada, título que designa os filmes lançados a partir de 1995,
constantemente tem utilizado como base obras literárias e peças teatrais de escritores
nacionais, bem como biografias e histórias baseadas em fatos reais. Podemos destacar os
seguintes filmes: Cidade de Deus (2002), adaptado pelo diretor Fernando Meirelles do
romance homônimo de Paulo Lins; Carandiru O filme (2003), adaptado por Hector
Babenco do livro Estação Carandiru do médico Dráuzio Varela; Lisbela e o prisioneiro
(2003), adaptado pelo diretor Guel Arraes da peça de teatro do escritor pernambucano Osman
Lins, e os mais recentes Mutum (2007), adaptado pela diretora Sandra Kogut da obra Campo
geral de Guimarães Rosa e Meu nome não é Johnny (2008) dirigido por Mauro Lima e
baseado na biografia de João Guilherme Estrella escrita por Guilherme Fiúza.
Essa tendência mostra não só a riqueza de nossa literatura, mas também a transformação
de histórias genuinamente brasileiras em sucessos de bilheteria e crítica. Além disso, o
sucesso dos romances e de suas adaptações cinematográficas também ocorre graças à
interpretação de atores de destaque na mídia. Quem não se recorda de João Grilo e Chicó do
filme O auto da compadecida? Ou de Pequeno de Cidade de Deus? Ou ainda, para citar
um exemplo bem recente, do capitão Nascimento de Tropa de elite?
Por essa razão, julgamos necessário ressaltar a habilidade dos diretores na adaptação de
roteiros a partir de obras literárias, colocando nas telas imagens e personagens que antes eram
apenas uma lembrança na memória dos leitores das obras.
Sobre o processo de adaptação, ou seja, a transformação do discurso literário em
discurso fílmico, Noriega assinala:
Globalmente podemos definir como adaptación el proceso por el que un relato, la
narración de una historia, expresado en forma de texto literario, deviene, mediante
sucesivas transformaciones en la estructura (enunciación, organización y
vertebración temporal), en el contenido narrativo y en la puesta en imágenes
(supresiones, compresiones, añadidos, desarrollos, descripciones visuales,
dialoguizaciones, sumarios, unificaciones o sustituciones), en otro relato muy
similar expresado en forma de texto fílmico (2000: 47).
Com relação aos recentes lançamentos de filmes brasileiros, destacamos uma parceria
de sucesso entre o romancista Marçal Aquino e o cineasta e diretor Beto Brant. Essa parceria
teve como resultado três filmes nos quais Aquino foi o roteirista. São eles: Os matadores
(1997), Ação entre amigos (1998) e, mais recentemente, O Invasor (2001).
Nos dois primeiros filmes, Aquino atuou como roteirista e não publicou nenhum dos
roteiros. Já em O Invasor, o caminho entre roteiro, filme e romance foi transcorrido de forma
diferente dos filmes anteriores. Na verdade, o autor estava iniciando o romance quando foi
procurado por Beto Brant dizendo que estava em busca de um roteiro inédito. Durante uma
conversa com Brant, Aquino teceu alguns comentários acerca da trama do romance que estava
escrevendo: tratava-se da história de dois sócios e amigos de classe média alta que decidem
contratar um matador de aluguel para se livrarem do terceiro sócio que está atrapalhando os
negócios.
Ao perceber o interesse de Brant pela história, Aquino colocou em segundo plano a
narrativa ficcional e começou a escrever o roteiro do filme O Invasor. Ele retomou a escrita
do romance somente após o término das filmagens. Segundo o próprio escritor, O Invasor
nasceu como livro. Não fosse assim, nunca teria existido. Jamais vislumbrei alguma trama
diretamente para cinema. É muito forte em mim essa coisa da literatura” (DIEGUES et al.,
2007: 218). Assim, temos um romance inacabado que se transformou em um roteiro e, logo
em seguida, em filme.
Essa parceria entre o escritor Marçal Aquino e o diretor Beto Brant, consagrada nos
filmes Os matadores e Ação entre amigos, seguiu um caminho inverso porque não se trata de
um romance adaptado em filme, mas um filme que os subsídios necessários para que um
romance seja concluído.
A qualidade do filme é comprovada pelas diversas premiações que recebeu. Em 2002, O
Invasor venceu a categoria de melhor filme latino-americano do Sundance Festival, em Utah,
principal mostra de cinema independente dos Estados Unidos. No mesmo ano, o filme foi o
grande premiado da edição do Festival de Cinema do Recife (PE) nas seguintes categorias:
direção, fotografia, montagem, trilha sonora e melhor filme. Também foram premiados por
suas interpretações o ator Marco Ricca e a atriz coadjuvante Mariana Ximenes. No Festival de
Brasília do Cinema Brasileiro, O Invasor recebeu as premiações de melhor direção para Beto
Brant, melhor trilha sonora, prêmio da crítica, prêmio de melhor momento do festival e
Prêmio Especial do Júri para o ator revelação Paulo Miklos.
Além desses prêmios, em 2003, O Invasor foi premiado no Grande Prêmio BR de
Cinema Brasileiro nas categorias melhor ator coadjuvante para Paulo Miklos, melhor atriz
para Mariana Ximenes e melhor trilha sonora. Por último, ainda em 2003, o filme recebeu o
troféu de melhor filme da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte).
Apesar do filme não ser considerado um sucesso de bilheteria devido ao número de
espectadores no grande circuito, para Rodrigo Fonseca,
raras foram as produções nacionais dos anos 2000 que conseguiram mobilizar tantas
discussões de ordem antropológica, jurídica e sociológica, envolvendo a ciranda de
corrupção, criminalidade e culpa que aproxima os bem sucedidos construtores Ivan e
Giba de um folgado matador de periferia, Anísio (apud DIEGUES et al., 2007: 217).
Posteriormente ao filme, foi lançado o romance em uma edição especial que inclui
roteiro e fotos do filme.
Quando pensamos no enredo de um romance, como afirma Antonio Candido, pensamos
ao mesmo tempo nas personagens e na vida que levam. O enredo existe por meio das
personagens que vivem dentro de determinado enredo. Assim, “não espanta portanto, que a
personagem pareça o que de mais vivo no romance; e que a leitura deste dependa
basicamente da aceitação da verdade da personagem por parte do leitor(CANDIDO et al.,
1995: 53).
Ao assistirmos a um filme, as personagens são colocadas diante de nós e adquirem
movimento e identidade. De acordo com Paulo Emílio Sales Gomes,
graças aos recursos narrativos do cinema, as personagens adquirem uma mobilidade,
uma desenvoltura no tempo e no espaço equivalente às das personagens no romance
[...]. Aparentemente a fórmula mais corrente do cinema é a objetiva, aquela em que
o narrador se retrai ao máximo para deixar o campo livre às personagens e suas
ações (apud CANDIDO et al., 1995: 106-107).
No filme vemos a presença física das personagens, isto é, elas aparecem encarnadas
numa pessoa que, na maior parte das vezes, trata-se de um ator que nos é familiar. Ademais,
reconhecemos as personagens não por sua aparência física, mas também por suas falas e
ações. Por isso, em um filme, se por um lado temos a limitação relacionada à definição física
das personagens imposta pela imagem, por outro possuímos maior liberdade para definir suas
características psicológicas porque temos contato com as interpretações dos atores, e com
todos os elementos da narrativa fílmica que contribuem para o nosso envolvimento com a
trama.
O objetivo deste trabalho é mostrar a construção das personagens Anísio, Ivan e Giba
no romance O Invasor (2002), de Marçal Aquino, e no filme de mesmo nome realizado pelo
diretor Beto Brant e grande elenco, em 2001.
O presente trabalho se divide em três partes. No capítulo um, abordamos a questão das
personagens no romance e no roteiro cinematográfico e as relações que lhe conferem
verossimilhança.
O segundo capítulo trata da construção das personagens no cinema e da questão do foco
narrativo que, em um filme, é definido pela câmera e seus movimentos que nos transportam
até o centro dos acontecimentos. Também analisamos montagem, decupagem, elipses e trilha
sonora, aspectos pertencentes à materialidade do filme (VANOYE, 1994: 41), além de tempo,
cenário e alguns diálogos, elementos que fazem parte do conteúdo da obra cinematográfica
(Ibidem: 41).
No terceiro capítulo traçamos um breve histórico sobre romance e filme policial.
Demonstramos como esse gênero se desenvolveu no Brasil para, finalmente, abordarmos o
romance O Invasor e as influências que recebeu dos romances policiais de enigma e dos
romances policiais do estilo noir. Nesse capítulo também fazemos uma análise comparativa
entre roteiro, filme e romance que mostra, por meio de elementos da estrutura e do conteúdo
da narrativa e da teoria sobre romance policial, como as influências do nero foram
utilizadas pelo escritor do romance estudado.
Procuramos mostrar a ascensão de uma personagem de matador de aluguel a sócio de
uma construtora e freqüentador da classe média alta de São Paulo, ao mesmo tempo em que
observamos o declínio de outra personagem, o engenheiro respeitado de classe média alta que
conhece os submundos da cidade e é vítima de sua própria ganância.
De acordo com a visão de Marçal Aquino,
Anísio é o ‘ex-homem cordial’ que, com poucos dentes na boca e com o saco
absolutamente cheio de ver a degradação a seu redor, resolve enfim tentar a escalada
usando os mesmos meios do pessoal do topo da pirâmide. Anísio é a extinção da
inocência (DIEGUES et al., 2007: 219).
Em nossa análise privilegiamos as diferentes formas de narrar e de construir
personagens que mesclam maldade, malandragem, ganância, dúvida, desespero e humor
negro, características marcantes do romance e do filme que são potencializadas pelas
representações dos atores Marco Ricca como Ivan, Alexandre Borges como Gilberto (Giba) e
do cantor Paulo Miklos no papel do matador.
CAPÍTULO 1 – O INVASOR: ROTEIRO CINEMATOGRÁFICO
Roteiro não é literário; não tem pretensão de ser literatura; se
tivesse, teria largado de ser roteiro e tentado ser literatura de
uma vez. Roteiro é uma bula, uma fórmula, uma receita. Você
exibe o filme, não a fórmula. Mas é uma opinião, não quer
dizer nada. Como o Emediato (Luiz Fernando, editor) resolveu
juntar tudo, até achei legal porque se pode entender todo o
processo, você vê aí a literatura, se tiver paciência de ler roteiro
(porque ler roteiro não é fácil) e quiser ver o filme, então tem a
comparação de como é o andamento de uma obra para outra
linguagem. (Marçal Aquino)
1.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PERSONAGENS
Ao procurarmos o significado da palavra “personagem” no dicionário, encontramos:
2. cada um dos papéis que figuram numa peça teatral ou filme e que devem ser
encarnados por um ator ou uma atriz; figura dramática. 3. cada uma das pessoas que
figuram em uma narrativa, romance, poesia ou acontecimento.4. ser humano
representado em uma obra de arte (FERREIRA, 2004: 1545
).
Desse modo, sempre que estivermos diante de uma narrativa, estaremos diante de
personagens que irão adquirir maior ou menor relevância para nós, na medida em que nos
envolvemos com a história narrada.
Por isso, quando assistimos a um filme ou lemos um romance, guardamos em nossa
memória algumas características físicas e/ou psicológicas das personagens, bem como uma
atitude que nos marcou e que será útil quando contarmos a história para outra pessoa. Logo,
seja qual for o tipo de narrativa, na maioria das vezes ela se desenvolverá em torno de um ou
mais personagens.
Partimos do pressuposto que todas as personagens são “invenções”, mesmo se parecem
cópias fiéis de pessoas existentes no mundo real. Tais invenções mantêm vínculos necessários
com a realidade individual do romancista ou do mundo que o cerca.
Conforme assinala Candido:
No romance, ela (a personagem) é criada, é estabelecida e racionalmente dirigida
pelo escritor, que delimita e encerra, numa estrutura elaborada, a aventura sem fim
que é, na vida, o conhecimento do outro. Daí a necessária simplificação, que pode
consistir numa escolha de gestos, de frases, de objetos significativos, marcando a
personagem para a identificação com o leitor, sem com isso diminuir a impressão de
complexidade e riqueza (1995: 58).
Ao falarmos sobre as personagens, da mesma maneira que ocorre com os demais
elementos da narrativa, podemos dizer que cada traço constituinte de sua construção só
adquire sentido em função de outro. Isso é o que assevera Rute Miguel:
Quando se fala de personagens não se pode deixar de referir a importância da vida
que as mesmas vivem, as situações que têm de enfrentar, as linhas do seu próprio
destino. A tudo isso se chama enredo, do qual dependem as personagens e em o qual
as mesmas não fariam sentido, ou a sua acção não seria concretizável. Unidos,
enredo e personagem fazem parte de um todo consensual, onde a personagem deve
parecer tão perto do real quanto possível, deve ter vida, ser um ser vivo aproveitando
os limites de sua própria realidade, uma realidade cambiante, que se mascara e se
deixa mascarar, sem nos permitir distinguir o seu verdadeiro rosto (apud CEIA,
2008).
Nas narrativas, de um modo geral, podemos observar a presença de um protagonista ao
redor de quem a história se desenvolve. Assim, quanto mais coesas forem as personagens,
maior será o envolvimento do leitor e, conseqüentemente, maior será o sucesso da obra.
Podemos dizer que acontece o mesmo com o roteiro cinematográfico. De acordo com
Jean-Claude Carrière,
Escrever um roteiro é muito mais do que escrever. Em todo caso, é escrever de outra
maneira: com olhares e silêncios, com movimentos e imobilidades, com conjuntos
incrivelmente complexos de imagens e de sons que podem possuir mil relações entre
si, que podem ser nítidos ou ambíguos, violentos para uns e suave para outros, que
podem impressionar a inteligência ou alcançar o inconsciente, que se entrelaçam,
que se misturam entre si, que por vezes até se repudiam, que fazem surgir coisas
invisíveis [...]. O romancista escreve, enquanto o roteirista trama, narra e descreve
(apud COMPARATO, 1998: 20).
No roteiro de O Invasor, o papel de protagonista está diluído na narrativa que a
história se desenvolve ao redor de mais de uma personagem. No início da trama, Ivan e
Gilberto são os protagonistas que contratam o matador (Cena 1). Em seguida, o matador
Anísio passa a ser a peça central e se torna o protagonista após “invadir” a vida de Ivan e
Giba. No roteiro essa transição se inicia na cena 47 e termina na cena 107.
De acordo com o que mencionamos anteriormente, O Invasor “nasceu” como um
romance que foi interrompido para dar lugar a um roteiro cinematográfico. O eixo central da
história contada pelo escritor Marçal Aquino para o cineasta Beto Brant se transforma, pelas
mãos do próprio romancista, na story line (sinopse) do roteiro do filme que é o conflito
principal que rege a narrativa cinematográfica. Segundo Doc Comparato,
O nascimento da personagem que vai começar a desenvolver o conflito é
determinado no próprio instante em que se começa a escrever a sinopse. Poder-se-ia
dizer que a sinopse é reino da personagem, e, quanto mais desenvolvida estiver,
mais possibilidades terá o roteiro. Uma sinopse é a primeira forma textual de um
roteiro (COMPARATO, 1998: 112).
Se no romance as ações são mediadas por um narrador, no cinema movimentos de
câmera, trilha sonora, cortes e outros procedimentos que exercem a função de voz narrativa.
Como bem assinala Anatol Rosenfeld,
O narrador fictício não é sujeito real de orações, como o historiador ou o químico;
desdobra-se imaginariamente e torna-se manipulador da função narrativa (dramática,
lírica), como o pintor manipula o pincel e a cor; não narra de pessoas, eventos ou
estados: narra pessoas (personagens), eventos e estados. [...] A câmera, através de
seu movimento, exerce no cinema uma função nitidamente narrativa, inexistente no
teatro. Focaliza, comenta, recorta, aproxima, expõe, descreve. O close up, o
travelling, o “panoramizar” são recurso tipicamente narrativos (apud CANDIDO et
al., 1995: 26, 31).
Ao analisarmos o conteúdo da sinopse como um todo, temos que considerar
temporalidade, localização, perfil das personagens e decurso da ação dramática. Se a story
line determina o conflito matriz, a sinopse o desenvolve (COMPARATO, 1998: 112).
Passemos agora ao detalhamento de cada uma das partes do roteiro de O Invasor.
1.2 O ROTEIRO DE O INVASOR E SEUS ELEMENTOS
1.2.1 Temporalidade
A temporalidade informa a quantidade de tempo que a história transcorre. O tempo é
contínuo em O Invasor, isto é, transcorre na ordem temporal regular (horas, dias, semanas). A
história se passa ao longo de sete dias e seis noites, entre o momento em que os protagonistas
contratam o matador até o momento que Ivan, contratante do matador, torna-se uma vítima
em potencial do bandido. Além desse tempo contínuo, na cena 17 há uma narrativa em
flashback e na cena 19 vemos a última noite da suposta solução do conflito que parece durar
mais tempo no filme, tal solução é desenvolvida entre as cenas 102 e 108.
Em seguida nos é apresentada a localização onde decorre a história. Segundo Doc
Comparato, “o onde não contém apenas um componente geográfico com oportunos detalhes
sobre o cenário, mas também implica um contexto social e histórico” (1998: 121). No caso de
O Invasor, a localização exerce papel fundamental na construção das personagens e da ação.
Na primeira cena do roteiro, destacamos a seguinte rubrica: “1 INT. BAR POPULAR
DA PERIFERIA [...] um carro estaciona perto do bar e dele descem Gilberto e Ivan. Nota-
se que eles não pertencem àquele ambiente e que estão desconfortáveis ali(AQUINO, 2002:
145) na qual podemos observar que a idéia de inadequação das personagens com relação ao
espaço é bem marcada desde o primeiro momento da trama. Por um motivo que ainda não
sabemos, dois homens bem vestidos vão encontrar alguém num bar da periferia. Qual seria o
motivo do encontro? A cena coloca em foco dois universos sociais contrastantes. Ao longo do
roteiro tal inadequação com relação à localização ou ao espaço ocorrerá diversas vezes.
Podemos observar a reação de Ivan na cena seguinte:
8 INT. COZINHA / CASA DE IVAN - MADRUGADA – [...] Senta-se à mesa para
comer, solitário. mera vai se afastar para evidenciar ainda mais a solidão de Ivan,
mostrando que luz na cozinha; o resto da casa, que é ampla, está às escuras
(Ibidem: 152).
Depois que se encontrou com o matador e fechou o “negócio” do assassinato de
Estevão, o terceiro sócio, e após ter comemorado em uma casa de prostituição, Ivan não
consegue parar de pensar em sua atitude. Ao ficar sozinho na casa escura, sua solidão é ainda
mais completa, pois não pode dividir o que o incomoda com ninguém.
Anísio, por outro lado, após o crime tem uma reação que surpreende a todos:
47 EXT INT FRENTE E INTERIOR DA CONSTRUTORA
Anísio, o matador, entra e observa as dependências da empresa. A câmera mostra o
seu ponto de vista: ele entra na empresa e chega até a recepção, onde está a garota
recepcionista-telefonista, que neste momento está ocupada, falando ao telefone. Ela
ergue os olhos, o recém-chegado. Este passa por ela e se dirige para o corredor,
não dando tempo de que ela interrompa sua ligação para falar com ele. O ponto de
vista continua sendo o de Anísio que segue pelo corredor, observando os setores e
funcionários da construtora, que olham para a câmera (Ibidem: 179).
Ao mesmo tempo em que observa tudo com muita atenção, Anísio age como se sua
presença fosse natural naquele local que ignora a recepcionista e a necessidade de ser
anunciado antes de adentrar a empresa. O matador age como se pensasse que, ao ter tratado de
“negócios” com os sócios da construtora, agora ele era ou poderia ser igual a eles e se sentir à
vontade naquele lugar.
É exatamente o que vai acontecer ao longo das cenas seguintes do roteiro. Na cena 52,
por exemplo, Anísio diz que vai trabalhar para os engenheiros que não conseguem dissuadi-lo
da idéia e acabam aceitando suas reivindicações. Ainda sobre as atitudes de Anísio,
destacamos a cena 53:
53 INT DEPENDÊNCIAS INTERNAS DA CONSTRUTORA
Anísio inicia um passeio pela empresa. Ele anda pelo corredor, observa as salas e as
pessoas trabalhando em pranchetas, em computadores ou falando ao telefone. Ele
cumprimenta-as rapidamente, na base do “oi, tudo bem aí?”. Até que, finalmente, ele
vai para os fundos da construtora (AQUINO, 2002: 191).
Percebemos que Anísio está se sentindo completamente integrado ao ambiente e faz
questão de ser simpático com as pessoas. Essa integração culmina em seu envolvimento com
Marina, filha de Estevão, o sócio assassinado. Do mesmo modo que Anísio chegou “de
mansinho” na construtora e se tornou parte de sua rotina, ele se aproxima de Marina, como
que por acaso, em uma conversa informal sobre cachorros. Essa conversa ocorre no dia em
que ela vai até a empresa com seu avô e advogados para tratar de sua herança (cenas 54 e 55).
Esse primeiro contato resulta na ida do matador à casa da jovem para lhe entregar um
filhote de presente. De certa forma, a entrada de Anísio na casa de Marina simboliza sua
entrada direta em um mundo que até aquele momento não lhe pertencia. Vejamos o trecho:
“59 EXT INT. CASA DE ESTEVÃO/MARINA. Anísio entra e observa a casa de Marina. Em
seguida, comenta: ‘Dá pra viver numa boa nessa casa, hein?’” (Ibidem: 198). O comentário de
Anísio parece mostrar que ele deseja viver “numa boa” e que agora essa oportunidade está ao
seu alcance, pois conseguiu um emprego e conquistou a simpatia de Marina. Nesse encontro
os dois conversam, fumam maconha e saem para um passeio juntos (Cena 60).
As duas cenas apresentadas a seguir mostram como foi o passeio de Anísio e Marina:
61 EXT PARQUE DE DIVERSÕES
Vemos o carro de Marina estacionando em frente a um parque de diversões na
periferia da cidade. Fica claro que a idéia do programa foi de Anísio. Tanto que
Marina está olhando com estranheza para o local.
62 EXT BOTECO NA PERIFERIA DE SÃO PAULO
Um lugar barra-pesada na periferia paulistana. Anísio e Marina andam por uma viela
estreita, até que chegam a um boteco tipo um modo, com balcão e uma mesa de
bilhar. Anísio é cumprimentado com respeito pelos homens que estão ali naquele
momento. Ele a mão para Marina e os dois entram no boteco e se encostam no
balcão. Marina olha para o local e seus freqüentadores com um misto de terror e
excitação. Anísio está absolutamente à vontade e se divertindo com isso (Ibidem:
200-201).
A rubrica apresentada nesse trecho do roteiro indica que Marina estranhou os lugares
para onde Anísio a levou, mas o que era completo estranhamento na cena 61 se transformou
em curiosidade e isso faz com que o matador se divirta com a situação. A cena continua com
os dois bebendo juntos uma “maria-mole” mistura de uma dose de Martini branco e uma
dose de conhaque – que a jovem nem sabia o que era.
Ilustração 1: Cena 62 – Anísio e Marina bebem em um boteco dentro da favela.
Fonte: O INVASOR. Direção: Beto Brant. Produção: Renato Ciasca e Bianca Villar. Roteiro: Marçal Aquino,
Beto Brant e Renato Ciasca. São Paulo: Drama Filmes Ltda., 2001. 1 DVD (97 min).
Percebemos que não Anísio vai conhecer o “mundo” de Marina, mas ela também
conhecerá o dele. As relações entre as duas personagens e o espaço confirmam isso, pois o
que era desconhecido passa a ser excitante para ambos. Tudo se confirma na cena 63,
momento em que eles cheiram cocaína e em seguida fazem sexo. A união entre periferia e
classe alta está se firmando e Anísio ganha mais espaço para atingir sua ambicionada
ascensão social.
1.2.2 O núcleo dramático: personagens
Podemos dizer que a idéia central de O Invasor não estaria completa se essas
inadequações entre personagem/espaço não estivessem claramente assinaladas no roteiro. Em
síntese, Anísio “invade” a classe média alta e Ivan conhece a “Boca do Lixo”, como veremos
posteriormente.
Segundo Doc Comparato, a sinopse deve nos colocar dentro do contexto, pois as
personagens se transfiguram ao longo do tempo (COMPARATO, 1998). Por essa razão,
passamos a analisar o núcleo dramático, isto é, a descrição das personagens e seus papéis ao
longo da trama. No caso do roteiro cinematográfico, tomamos por base o que diz Comparato
sobre as personagens:
O protagonista é a personagem básica do núcleo dramático principal; é o herói da
história. Este protagonista pode ser uma pessoa, um grupo de pessoas. [...] O ator
secundário ou coadjuvante é a personagem que está ao lado do protagonista. [...] Por
último, o componente dramático é um elemento de união, explicação ou solução.
Sua função é complementar (Ibidem: 122).
Em O Invasor, os papéis são distribuídos em protagonistas: Ivan, Gilberto e Anísio, e
personagens coadjuvantes: Cláudia, Marina, Cecília, Norberto, Estevão. Também o
chamado componente dramático que são as personagens estereotipadas, sem complexidade e
que servem como elementos explícitos de complementação da ação: Rangel, Alessandra,
Romão, Sabotage, Alê, Luísa.
Conforme Comparato, as personagens relatam seus pensamentos por meio da fala: “em
áudio visual não existe um fluxo interior tal como existe no romance; assim, o que ela diz é a
única forma de que a personagem dispõe para se estabelecer” (Ibidem: 124). Logo, podemos
apresentar as personagens principais por meio de algumas de suas falas que nos permitem
apreender seu perfil psicológico. Comecemos com Gilberto (Giba) destacando o trecho:
7 EXT. FRENTE DO PRÉDIO DE GILBERTO – MADRUGADA
Gilberto fala para Ivan:
... Não pense que você não está sujando as mãos só porque é outro cara que vai fazer
o serviço. na mesma, meu velho. Bem-vindo ao lado podre da vida (AQUINO,
2002: 151-152).
E a cena 24:
24 EXT. CANTEIRO DE OBRAS 1 – FINAL DE TARDE
Novamente para Ivan:
... O mundo é assim, meu velho... No fundo, esse povo quer o seu carro. Querem o
seu cargo, o seu dinheiro, as suas roupas. Querem comer a sua mulher, Ivan. É
surgir uma chance. É isso que nós vamos fazer com o Estevão: vamos aproveitar a
nossa oportunidade antes que ele faça primeiro (Ibidem: 166).
Ao lermos as cenas apresentadas, percebemos que Gilberto é frio, oportunista e acredita
que matar alguém para atingir um objetivo é algo normal dentro da sociedade corrompida em
que vive. Por outro lado, Ivan que havia concordado com o plano de matar Estevão começa a
perceber que aquilo não é uma boa idéia, que eles podem ser presos e que pode haver outra
maneira de resolver os problemas da construtora. Ivan começa a pensar assim após uma
conversa com a futura vítima Estevão em seu escritório. Vejamos:
14 INT. ESCRITÓRIO DE IVAN – DIA
... Não sei se você sabe, Ivan, mas eu recebi propostas de gente do governo e de
lobistas para entrar nessa. Mas eu nunca quis meter a nossa empresa nesse tipo de
coisa.
Pra quê? É uma questão de tempo para estourar um desses escândalos e a
bomba explode na nossa mão. Eu não quero ver a construtora aparecendo nos jornais
e na tv desse jeito. Por isso que eu fiquei puto quando você e o Giba chegaram com
essa proposta do Rangel (Ibidem: 154-155).
Nessa cena, apreendemos o motivo que levou os sócios a tramarem a morte de Estevão:
ele não queria que a empresa participasse de um negócio com o governo que traria milhões de
reais em lucro porque tinha medo de se envolver em um escândalo. Além disso, nas cenas
seguintes, Estevão revela saber que Giba é sócio de uma casa de prostituição e manifesta o
desejo de tirá-lo da sociedade. Ele explica que comprando a parte de Giba poderá dar mais
poder a Ivan dentro da construtora.
Ao longo da leitura do roteiro, percebemos algumas mudanças nas atitudes de Ivan. Ao
lado de Giba, Ivan participa da contratação do matador e comemora o “negócio” se divertindo
em uma casa de prostituição. Depois de sua conversa com Estevão, não consegue parar de
pensar em como e quando o sócio vai ser assassinado. A conversa com Estevão é o motivo
principal da mudança de Ivan que agora quer desfazer o “negócio” com o matador. A primeira
tentativa de Ivan ocorre em um encontro com Giba no canteiro de obras:
24 EXT. CANTEIRO DE OBRAS 1 – FINAL DE TARDE
Ivan fala para Giba:
... Eu vim aqui pra te dizer que eu desisti do plano...
Isso que você escutou: eu quero cancelar o seu plano. Eu tava louco quando topei
esta parada. Agora vendo que não pra segurar... Não Giba, o que você está
querendo fazer é uma puta loucura... Tô fora, Giba. Não quero mais saber dessa
merda. Nós vamos acabar na cadeia, Giba (AQUINO, 2002: 162-164).
Podemos perceber que Ivan não quer mais a morte de Estevão, está inseguro e
arrependido de ter aprovado o plano. Giba explica que é tarde, que não é possível dizer ao
matador que eles mudaram de idéia e querem desfazer o “negócio”. Como comentamos
anteriormente, essa situação é algo normal para Giba, pois ele acredita que um sócio que
atrapalha seus negócios deve morrer e ponto final.
Outro aspecto que merece destaque com relação às personagens é a postura de Anísio, o
matador de aluguel, ou melhor, o “Invasor” que título ao roteiro e ao filme. Em primeiro
lugar, é preciso assinalar que Anísio não aparece na primeira cena, momento em que é
“contratado” para matar Estevão. De acordo com a rubrica do autor, sabemos que o ponto de
vista naquela cena é o do matador, pois apenas os dois sócios aparecem em cena. Sua primeira
participação no discurso fílmico ocorrerá somente na cena 47, após a morte e o velório de
Estevão e sua esposa Silvana.
Anísio aparece na cena em que entra na construtora, passa pela recepcionista sem se
identificar e surpreende os dois sócios em seus escritórios. Observa tudo com atenção e
comenta: “Bonito escritório”. Ao ser questionado sobre o que fora fazer ali, responde: “Eu
queria conhecer o lugar onde vocês trabalham” (Ibidem: 180).
Ilustração 2: Cena 52 – Anísio convence Ivan e Giba a aceitá-lo como segurança da empresa.
Fonte: O INVASOR. Direção: Beto Brant. Produção: Renato Ciasca e Bianca Villar. Roteiro: Marçal Aquino,
Beto Brant e Renato Ciasca. São Paulo: Drama Filmes Ltda., 2001. 1 DVD (97 min).
Além disso, Anísio mostra aos sócios objetos de Estevão e Silvana anéis, brincos,
talões de cheque, cartões de crédito, documentos, entre outros objetos que estão em seu
poder para que sua ação fosse identificada como um latrocínio. Na rubrica do autor,
percebemos que Anísio se diverte com a reação de pânico de Giba e Ivan.
Após receber o pagamento pelo “serviço”, o matador se despede com as seguintes
palavras: “Bom, se vocês precisarem de mais alguma coisa, vocês sabem como me achar.
(pausa) E eu sei como achar vocês” (Ibidem: 183). Ao final da cena, os sócios acreditam que
depois disso tudo realmente acabou.
Porém, alguns dias depois, Anísio volta à construtora e dessa vez diz que não quer
apenas conversar: “Gostei daqui. Tô pensando em trampar aqui com vocês... Vou dar um trato
na segurança do prédio. Eu falando sério, vocês viram o que aconteceu com o sócio de
vocês...” (AQUINO, 2002: 189-190). A partir desse momento, Anísio passa a freqüentar a
construtora para desespero dos dois sócios que não podem fazer nada a não ser aceitar a
situação. Ao longo de todo o roteiro, as rubricas do autor nos transmitem a idéia de um
matador com postura entre cínico e ameaçador. Isso é reforçado pelas suas falas, sempre
cheias de gírias e até um pouco de humor negro.
Enquanto Giba parece aceitar essa nova situação e começa ceder a todas as pressões de
Anísio, Ivan fica cada vez mais nervoso, inconformado e arrependido de ter aprovado a idéia
do sócio. A mudança de comportamento de Ivan vai se tornando mais clara ao longo do
roteiro. Na cena 56, ele vai novamente ao canteiro de obras conversar com Gilberto e o
encontra negociando com Rangel (negócio que motivou o crime) e, por não ter conhecimento
disso, Ivan fica irritado e se sente traído.
Mais adiante, na cena 67, destacamos o momento em que Anísio pede que os sócios
emprestem dinheiro para um amigo:
67 INT. ESCRITÓRIO DE GILBERTO – MANHÃ
[...]
Ivan (puto da vida)
“Pêra aí, Anísio, isso passando do limite. Vopensando que isso aqui é um
banco?” [...]
Ivan (ainda mais puto)
“Caralho. Você é um puta dum folgado.” [...]
Gilberto (contemporizando)
“Espera aí, gente. Vamos resolver isso de outro jeito.” (Gilberto pega o talão de
cheques que está no bolso, preenche um cheque e entrega para Anísio, que o repassa
para o amigo) (Ibidem: 207).
Ao lermos o diálogo e as rubricas, podemos notar que Ivan não acredita que Gilberto
aceitou o pedido de Anísio. Ele não se conforma com o fato do sócio parecer não enxergar o
absurdo daquela situação: ambos estão nas mãos do assassino.
Por conta dos negócios da construtora com o governo, Ivan já não confia tanto no sócio.
Sua desconfiança parece ter fundamento nas cenas 68 e 69 quando ele vai até a academia de
ginástica falar com Giba sobre uma notícia no jornal.
68 INT. ACADEMIA DE GINÁSTICA – NOITE
[...] Gilberto interrompe o exercício, dá uma bufada e se aproxima de Ivan.
Gilberto: “Pô, Ivan, nem aqui você me dá sossego? Que que foi desta vez?
Ivan (mostra a Gilberto o jornal que carrega) : “Você viu isso aqui?
Gilberto (olhando com pouco interesse): “Vi. Que que tem?”
Ivan: “Você tem alguma coisa a ver com isso?
Gilberto nota que a conversa é séria e não pode acontecer ali, onde estão passando
freqüentadores da academia .
[...]
69 EXT. FRENTE DA ACADEMIA – NOITE
[...]
Ivan (mostrando o jornal): “A gente devia um monte de dinheiro pra esse cara e ele
morre num assalto. Não é esquisito?”
Gilberto: “Espera aí, Ivan, você ta me acusando do quê?
Ivan: “Porra, Giba, você ta usando o Anísio pra resolver os nossos problemas?”
Gilberto (alterado): “Ah, vá se foder, Ivan. O que você pensa que eu sou? Um
assassino?
Ivan: “Quem vai ser o próximo? Eu?”
Gilberto: “Você não tá bom da cabeça, Ivan. Vai se tratar, cara.”
Ivan: “Fica ligado, eu tô de olho em você” (AQUINO, 2002: 208-209).
A partir da leitura dessas duas cenas é possível dizer que Ivan começa a perceber sua
real condição após a conversa com o sócio. Ele conclui que Gilberto não só aceitou a presença
de Anísio na empresa como também passou a tirar proveito dela. Por essa razão, Ivan passa a
se sentir acuado, temendo se manter contrário ao rumo que os acontecimentos estão tomando
e se tornar a próxima vítima do matador. Desse modo, o drama de Ivan se transforma em algo
além do visível arrependimento pela encomenda do assassinato de Estevão, agora é o
desespero de alguém que precisa arrumar uma maneira de proteger sua própria vida.
É a partir desse momento que percebemos o aumento do suspense da trama. As
personagens Anísio e Ivan iniciam o que podemos chamar de “troca de lugares”, e essas
mudanças e seus resultados tendem a surpreender o espectador. De acordo com Jacques
Aumont:
Lembremo-nos da oposição, sublinhada por Hitchcock em suas entrevistas, entre
suspense e surpresa; no suspense, o espectador é informado do perigo, ao passo que
na surpresa não é; por isso, quando o acontecimento perigoso acontece, a surpresa
apanha o espectador contra a sua vontade, e seu efeito dura o tempo de um choque;
ao contrário, o suspense coloca o espectador ao lado do filme, transformando-o em
uma espécie de co-diretor, que aguarda o acontecimento e o faz ressoar bem mais
forte quando ocorre (2004: 100).
Desse modo, com base nas rubricas do roteiro, percebemos que Anísio somente
transfere seu modo de vida para a classe alta, pois continua frio, calculista e violento mesmo
após a mudança de posição social.
Por outro lado, Ivan deixa de encarar a morte de Estevão com algo “necessário aos
negócios” e passa a ver a si próprio e Gilberto como criminosos, o que culmina na sua decisão
de se entregar à polícia e contar toda a verdade. Ivan chega ao limite do desespero ao sentir
que pode ser morto a qualquer momento, como aconteceu com Estevão, pois agora ele próprio
é um empecilho para os negócios da empresa.
1.2.3 A ação dramática
A partir da recriação da realidade feita pelo roteirista temos a ação dramática que
Comparato acredita ser “o conjunto de acontecimentos inter-relacionados que se irão
resolvendo através das personagens até o desenlace final” (1998: 146). Na construção da ação
dramática, Comparato afirma que é preciso haver a exposição, o desenvolvimento e o
desenlace, todos modificados pela atuação das personagens e geração de conflito. É preciso
que as personagens atraiam o público por meio de simpatia, identificação ou antipatia.
Logo, o roteiro pode ser divido em partes se levarmos em consideração os protagonistas
das ações dramáticas. Em O Invasor, temos a exposição a partir da cena 1 até a cena 46, desde
o momento em que os sócios Ivan e Giba contratam o matador até o velório da vítima, o
terceiro sócio Estevão.
O desenvolvimento tem início na cena 47 quando Anísio, o matador, aparece pela
primeira vez na construtora, começa a trabalhar na empresa e inicia um namoro com Marina,
filha de Estevão. Além disso, também é no desenvolvimento que vemos Ivan se envolver com
Cláudia, jovem que ele conhece em um bar. Tal envolvimento torna-se o motivo principal de
sua separação de Cecília, sua esposa. Entendemos que Ivan não quer mais ser sócio da
construtora e quer ir para longe de São Paulo, mas Giba não aceita os argumentos do amigo e
reforça a idéia de que todos estão envolvidos por igual no assassinato de Estevão.
Por ter atitudes contrárias às do sócio, Ivan se sente ameaçado e compra uma arma para
sua defesa pessoal. Ele também falsifica a assinatura de Giba para transferir dinheiro para sua
conta e ter capital suficiente para fugir. Porém, ao finalizar os preparativos para a fuga, Ivan
descobre que Cláudia na verdade se chama Fernanda e que fora contratada por Giba para
vigiá-lo. Isso o deixa completamente transtornado.
Ivan vai até o prédio em que Giba mora, mas não encontra o sócio. Entra no carro e sai
sem rumo pelas avenidas da cidade. Enquanto isso, Anísio e Marina tomam ecstasy e se
divertem na noite paulistana. Cláudia/Fernanda chega ao seu apartamento e percebe que Ivan
esteve e descobriu toda a farsa. Apavorada, ela procura Giba e pede dinheiro para sair da
cidade por uns tempos.
Ilustração 3: Cena 100 Ivan ameaça os dois ocupantes do carro em que bateu enquanto dirigia sem rumo pela
cidade.
Fonte: O INVASOR. Direção: Beto Brant. Produção: Renato Ciasca e Bianca Villar. Roteiro: Marçal Aquino,
Beto Brant e Renato Ciasca. São Paulo: Drama Filmes Ltda., 2001. 1 DVD (97 min).
O desenlace acontece a partir da cena 99, quando Cláudia/Fernanda consegue encontrar
Giba e contar a ele que Ivan sabe de tudo e está armado. Ao mesmo tempo, Anísio, Marina e
uma amiga voltam para a mansão de Estevão e fazem sexo a três.
Ivan continua guiando seu carro em alta velocidade e sem rumo definido. Após uma
distração, bate o veículo e, na impossibilidade de continuar de carro, vai a pé até uma
delegacia próxima onde relata ao delegado todos os acontecimentos.
O dia amanhece. Giba conversa com Anísio na sala da mansão enquanto Marina dorme
tranqüila em um dos quartos. Ambos decidem que matar Ivan é a melhor solução. Ao mesmo
tempo, Ivan se recorda que ouvira o nome do delegado para quem contou toda a história:
Norberto é o sócio de Giba na casa de prostituição. No começo da manhã, o delegado vai até a
casa de Marina onde encontra Giba e Anísio e lhes entrega Ivan. E é assim que a história
termina na cena 108.
Em O Invasor, percebemos que as personagens Anísio e Giba nos atraem por antipatia.
Ivan, que antes poderia nos causar antipatia, pode provocar um sentimento de solidariedade
e até certa identificação a partir do momento em que passa a ser vítima. Segundo Comparato,
é essa identificação do leitor/espectador com a personagem que faz “com que os espectadores
se comovam, chorem ou torçam por um determinado final” (1998: 150).
Por essa razão, é normal que o leitor/espectador sinta a mesma angústia que Ivan sente
diante de uma ação impensada e para a qual não há mais volta. Seu arrependimento o
transformará em vítima e não trará qualquer solução milagrosa para seus problemas.
É provável que o público se sinta incomodado com a verossimilhança, isto é, com a
aparência de realidade. De acordo com Alfred Hitchcock, isso é uma condição para o
suspense, pois “para conseguir isso (verdadeiro suspense), um dos ingredientes necessários é
uma série de situações plausíveis com pessoas que sejam reais. Quando os personagens são
inacreditáveis não se consegue suspense de verdade, apenas surpresa” (apud GOTTLIEB,
1998: 142).
Ao lermos o roteiro e, principalmente, ao assistirmos ao filme reconhecemos lugares,
atitudes e sentimentos que podem ser considerados recorrentes na sociedade urbana moderna,
como corrupção, prostituição, ganância, violência e tráfico de drogas. Nas palavras do escritor
e roteirista Marçal Aquino, “não é um processo consciente, mas sei que O Invasor deve muito
à minha incursão como repórter pelo submundo. É inevitável: acaba aflorando na hora de
escrever” (apud DIEGUES et al., 2007: 218).
A identificação com as personagens e o incômodo sentido pelos espectadores são
considerados os pontos fortes para o sucesso do filme, não em números de bilheteria, mas em
premiações e debates. Segundo Rodrigo Fonseca,
Caso Beto Brant conseguisse contabilizar, na forma de ingressos, o número de
pessoas que assistiu a O Invasor em salas de debates, palestras e auditórios de
universidades pelo Brasil afora, seu terceiro longa metragem certamente ocuparia
lugar de honra na lista dos filmes mais populares da década de 90 para (apud
DIEGUES et al., 2007: 217).
Concluímos que a partir da construção do roteiro que segue os procedimentos
estruturais descritos e analisados neste capítulo, temos o início da história de sucesso do filme
que, mesmo não tendo alcançado grande êxito comercial, gerou polêmica e deixou muitas
pessoas com a respiração suspensa.
CAPÍTULO 2 – O FILME O INVASOR, DE BETO BRANT
Quanto mais bem-sucedido for o malvado, mais bem sucedido
é o filme. (Alfred Hitchcock)
2.1 A NARRATIVA EM IMAGENS
Segundo alguns críticos, a imagem cinematográfica é um simulacro do real que
pretende representar como apreendemos o mundo em sua concretude. Marcel Martin (1990:
15), ao analisar as origens do cinema, assinala que Lumière tinha como objetivo simplesmente
reproduzir a realidade e que não tinha consciência de que estava criando uma arte.
A câmera de Lumière criou algo além de uma simples duplicação da realidade. Para
Martin, “a imagem fílmica suscita [...] no espectador, um sentimento de realidade, bastante
forte, em certos casos, para induzir à crença na existência objetiva do que aparece na tela”
(1990: 22, grifos do autor). Ainda de acordo com esse teórico (1990: 24), raramente a imagem
é uma reprodução estritamente objetiva do real, somente em filmes técnicos/científicos e
alguns documentários a câmera funciona como um simples instrumento de registro do que se
pretende mostrar.
Segundo o autor,
quando o homem intervém, coloca-se, por menor que seja, o problema daquilo que os
estudiosos chamam de equação pessoal do observador, ou seja, a visão particular de cada
um, suas deformações e suas interpretações, mesmo que inconscientes. [...] Escolhida,
composta, a realidade que aparece então na imagem é o resultado de uma percepção
subjetiva, a do diretor. O cinema nos oferece uma imagem artística da realidade, ou seja, se
refletirmos bem, totalmente o realista (veja-se o papel dos primeiros planos e da música,
por exemplo) e reconstruída em função daquilo que o diretor pretende exprimir, sensorial e
intelectualmente (1990: 24, grifos do autor).
Em O Invasor, as imagens e os enunciados cinematográficos são resultados de um
roteiro previamente elaborado, fruto de um trabalho criador realizado pelo roteirista. Segundo
Vanoye, isso é o que podemos chamar de conteúdo, ou seja, “a história e a diegese dizem
respeito, portanto, à parte da narrativa não especificamente fílmica. São o que a sinopse, o
roteiro e o filme têm em comum: um conteúdo, independente do meio que dele se encarrega”
(1994: 41).
Por outro lado, a obra cinematográfica se completa com a junção dos elementos
expressivos do filme ao conteúdo definido, ou não, em um roteiro. Vanoye afirma:
Um travelling por si nada quer dizer. Adquire um sentido se acompanha
determinado personagem, adquire outro se varre determinada paisagem... O
conteúdo e a expressão formam um todo. Apenas sua combinação, sua associação
íntima é capaz de gerar a significação (1994: 41-42).
Diante do exposto, podemos dizer que a “impressão de realidade” suscitada pelo cinema
é fruto de uma percepção subjetiva e artística que o diretor tem sempre por meio da câmera,
que assumirá a posição do narrador ao “observar o mundo”. Para Antonio Hohlfeldt:
O cinema omite a experiência subjetiva, porque para ele tudo deve ser objetivado
pelo olho da câmara, transformado no olho do espectador, ainda que um olho
parcializador da exibição do corpo, da paisagem ou do mundo. [...] Ele cria imagens
que, a rigor, não se encontram na natureza, pois o cinema não fala das coisas, como
a literatura, mas as mostra, e cada imagem singular tem o poder gerador de uma
nova experiência de mundo visível (apud AVERBUCK, 1994: 132-133).
No caso de O Invasor, parece-nos importante analisar o papel da câmera como agente
de registro da realidade material, bem como seus movimentos e ângulos de filmagem.
Também destacamos elementos como montagem, decupagem, elipses e música, fatores
constituintes do que Vanoye denomina materialidade do filme. Além disso, abordamos alguns
aspectos sobre tempo, cenários e diálogos que fazem parte do conteúdo da obra
cinematográfica (VANOYE, 1994: 41).
A análise do discurso fílmico de O Invasor se apóia principalmente nos conceitos
definidos por Marcel Martin na obra A linguagem cinematográfica.
2.2 MOVIMENTOS DE CÂMERA
O primeiro movimento de câmera definido por Martin é o travelling, em que a câmera
se torna móvel como o olho do espectador ou do herói do filme (1990: 31). Esse movimento
também é chamado de câmera subjetiva porque é centrado no olhar de uma das personagens.
O travelling pode ser objetivo quando a cena é filmada a partir do ponto de vista do
espectador, isto é, a câmera assume a posição do olhar do público e descreve o movimento da
cena.
Observamos que em O Invasor, os travellings subjetivos e objetivos são recursos
recorrentes no processo de filmagem, como podemos observar nas seguintes cenas:
Na cena 1, início da ação, Giba e Ivan chegam ao bar onde Anísio os espera. A
movimentação de ambos e o diálogo com o matador são mostrados sob o ponto de vista de
Anísio. Durante essa cena apenas ouvimos a voz do matador em off, ou seja, fora do campo de
visão do espectador.
Ilustração 4: Cena 1 – Ivan e Giba em um bar da periferia.
Fonte: O INVASOR. Direção: Beto Brant. Produção: Renato Ciasca e Bianca Villar. Roteiro: Marçal Aquino,
Beto Brant e Renato Ciasca. São Paulo: Drama Filmes Ltda., 2001. 1 DVD (97 min).
A cena 46, velório de Estevão e Silvana, apresenta os pontos de vista do espectador e
das pessoas tristes diante dos caixões. O objetivo é representar de forma intensa a comoção
geral no ambiente fúnebre.
Na cena 47, quando Anísio surge na construtora pela primeira vez, novamente os
espectadores em a cena por meio do “olhar” do matador, vemos a fachada e o interior da
empresa e o rosto espantado da recepcionista ao vê-lo entrar sem ser identificado ou
anunciado. Essa cena transmite no movimento da câmera a idéia de que Anísio sabe o que
está fazendo naquele lugar, mesmo sendo um desconhecido não para a recepcionista, mas
também para os espectadores que o enxergam pela primeira vez.
Outra posição importante da câmera é o enquadramento que se trata de “limites laterais,
superior e inferior da cena filmada. É a imagem que aparece no visor da câmera”
(MACHADO, 2008). Em outras palavras, o enquadramento é a escolha do diretor sobre qual
maneira mostrar um acontecimento no filme durante o processo de finalização da obra, isto é,
como cada elemento é apresentado ao espectador.
Os tipos de enquadramento descritos por Marcel Martin (1990) devem:
Deixar certos elementos da ação fora do enquadramento; mostrar apenas um detalhe
significativo ou simbólico; compor arbitrariamente, e de modo pouco natural o
conteúdo do enquadramento o mbolo); modificar o ponto de vista normal do
espectador; jogar com a terceira dimensão do espaço (a profundidade do campo)
para obter efeitos espetaculares ou dramáticos (1990: 36).
Em O Invasor, podemos citar dois elementos que são bastante utilizados na construção
da narrativa fílmica. Em primeiro lugar, a câmera mostra apenas um detalhe significativo ou
simbólico: na cena 45, o carro de Estevão é encontrado e vemos apenas a imagem do porta-
malas manchado de sangue e a saída de um carro do IML local, isso nos faz pensar que era ali
que estavam os cadáveres. O outro tipo de enquadramento é aquele que modifica o ponto de
vista normal do espectador: na cena 5, em um quarto da boate, Ivan faz sexo com Alessandra
e a câmera mostra a cena com tom vermelho; em outro momento, cena 95, Anísio e Marina
drogados dançam em uma casa noturna, toda a cena fica azul e a câmera começa a rodar
simulando os movimentos de ambos.
Em seguida, abordamos os planos que são determinados pela distância entre a câmera e
o objeto, bem como pela duração focal da cena utilizada (MARTIN, 1990: 39). Isso significa
que os tipos de planos são definidos de acordo com a duração e o conteúdo que o diretor
pretende transmitir ao espectador. A escolha dos planos ocorre para que o espectador receba
subsídios para compreender os planos seguintes, ou para o diretor exprimir uma idéia
determinada.
De acordo com Martin, um plano geral é aquele que mostra uma ampla área de ação,
“costuma ser mais longo que um primeiro plano, em que uma pessoa ou objeto ocupa os
espaços mais próximos à câmera, à frente dos demais elementos” (1990: 40). Apesar disso, a
duração dos planos é definida somente no processo de montagem, conforme veremos
posteriormente.
O primeiríssimo plano, também chamado de close, geralmente sugere uma forte tensão
mental do personagem (Ibidem: 40). Em O Invasor, nas cenas 102 e 104, o rosto de Ivan
aparece em close, trata-se do momento em que ele conta tudo o que sabe ao escrivão da
delegacia e está visivelmente perturbado que tudo o que pensava fazer não deu certo. A
tensão da personagem é transmitida não por sua fala confusa, mas também pelo close em
seu rosto e olhos. Ivan compactuou com o plano de assassinato, mas se arrependeu. Foi traído
pelo sócio, abandonado pela esposa, enganado pela namorada e, por fim, envolveu-se em um
acidente de carro. Portanto, ao chegar à delegacia, é esse nervosismo que o primeiríssimo
plano destaca em Ivan.
Ilustração 5: Cena 102 – Ivan, na delegacia, conta sobre o crime e confessa sua culpa.
Fonte: O INVASOR. Direção: Beto Brant. Produção: Renato Ciasca e Bianca Villar. Roteiro: Marçal Aquino,
Beto Brant e Renato Ciasca. São Paulo: Drama Filmes Ltda., 2001. 1 DVD (97 min).
Inclusive esse recurso será elogiado pela crítica na época do lançamento do filme.
Podemos ilustrar isso com a fala de Michel Laub em artigo publicado na revista Bravo!, de
abril de 2002:
Quando o rosto de Marco Ricca ocupa toda a tela, num monólogo decisivo para o
desfecho da trama, Brant prova o seu talento para acumular tensão numa cena. Ali
culpa, relevo, uma humanidade que salta dos vincos do personagem, de sua fúria
e contorção, e não de palavras ou imagens reiterativas de um sentido direto. É muito
mais forte do que quinze tomadas de tiroteio e sangue (o que o filme, diga-se a seu
favor, evita) (2002: 51).
Além dos enquadramentos, ainda o recurso que o ator olha para a câmera. Segundo a
definição de Martin, “o fato de o ator dirigir-se diretamente ao espectador (por intermédio da
câmera) irá adquirir um efeito dramático inesperado porque o espectador se sente diretamente
atingido” (1990: 34). No filme O Invasor, isso é observado quando a personagem olha para a
câmera na cena 80, é a cena em que Anísio está se vestindo para sair com Marina. Ao se olhar
no espelho, ele movimenta os braços, aponta o dedo como se fosse uma arma e diz: “clac,
clac, bum respeito é pra quem tem”. Nessa cena, temos a impressão de que Anísio olha para
todos aqueles que o assistem e parece dizer: “para chegar até aqui é preciso ser como eu.
Vocês têm coragem?”.
Ilustração 5: Cena 80 – Anísio se prepara para sair com Marina.
Fonte: O INVASOR. Direção: Beto Brant. Produção: Renato Ciasca e Bianca Villar. Roteiro: Marçal Aquino,
Beto Brant e Renato Ciasca. São Paulo: Drama Filmes Ltda., 2001. 1 DVD (97 min).
Martin também enumera os movimentos de câmera, são eles:
A- acompanhamento de um personagem ou de um objeto em movimento; B- criação
da ilusão do movimento de um objeto estático; C- descrição de um espaço ou de
uma ação que tem um conteúdo material ou dramático único e unívoco; D- definição
de relações espaciais entre dois elementos da ação (entre dois personagens ou entre
um personagem e um objeto); E- realce dramático de um personagem ou de um
objeto que vão desempenhar um papel importante na seqüência da ação; F-
expressão subjetiva do ponto de vista de um personagem em movimento; G-
expressão da tensão mental de um personagem (1990: 45-46).
Entre os movimentos de câmera que acabamos de enumerar, o primeiro permite que o
espectador tenha uma visão geral de um determinado ambiente, por isso, também é chamado
de panorâmica descritiva (MARTIN, 1990: 51). Em O Invasor, esse tipo de movimento
acontece na cena 4 quando Ivan e Giba estão no interior de uma boate logo após terem se
encontrado com Anísio. Mais adiante, na cena 26, Ivan está sozinho no bar que costumava
freqüentar e caminha por todos os ambientes do recinto. Ele é acompanhado pela câmera que
mostra, além dos lugares pelos quais se desloca, sua expressão pensativa e sua agitação.
Outra descrição de ambiente é vista na cena 85, a câmera segue Ivan por todos os
cômodos do apartamento de Cláudia. Ele busca saber o que houve com a namorada, pois
tinham combinado anteriormente de irem embora juntos, mas ela não apareceu no horário e
local combinados. Podemos dizer que a função da câmera panorâmica nesta cena vai além da
simples descrição, ela fornece informações que serão úteis para o desenlace da trama e
simultaneamente enfatiza o nervosismo do protagonista.
A panorâmica descritiva também é utilizada em O Invasor na cena 60, é a filmagem de
um veículo em movimento quando Anísio e Marina saem para um passeio pela cidade. Nessa
passagem, a câmera focaliza diferentes espaços da cidade de São Paulo como os bairros de
classe média alta e a periferia.
Ao longo do filme, percebemos que a câmera panorâmica descritiva nos coloca diante
de diversos acontecimentos e ambientes que constroem uma situação de tensão. Por isso,
somos movidos pela pergunta: o que irá acontecer em seguida?
A panorâmica expressiva, por sua vez, é utilizada “com o intuito de sugerir uma
impressão ou uma idéia” (MARTIN, 1990: 51). No filme de Beto Brant temos um exemplo de
panorâmica expressiva na cena 100, na qual Ivan sai de carro pela cidade após descobrir que
fora enganado por Giba e Cláudia. Nesse momento, além do movimento irregular da câmera
transmitindo a idéia da perturbação que toma conta do engenheiro, existe a irregularidade de
seus pensamentos ao vermos, por exemplo, a passagem por um túnel que parece não ter fim.
Por meio da superposição de imagens, a câmera desloca seu foco para outras cenas: Marina,
uma amiga e Anísio tendo relações sexuais e Giba indo ao encontro de Anísio para dizer que
quer “dar um fim” ao sócio.
O outro movimento de câmera apontado por Marcel Martin e que tem grande relevância
no discurso fílmico de O Invasor é a “definição de relações espaciais entre dois elementos da
ação (entre dois personagens ou entre um personagem e um objeto)” (1990: 46). Tal recurso
se faz presente nas cenas 11 e 13. A câmera em insert uma imagem breve e rápida que
lembra momentaneamente o passado ou antecipa algum acontecimento — começa no rosto de
Ivan e chega ao carro de Estevão em travelling, aproximando-se da parte traseira do veículo.
Depois a câmera enfoca Estevão no momento em que ele se volta para ela como se fosse
surpreendido por alguém em posição de ataque.
Diante do exposto a respeito dos efeitos de câmera mais marcantes em O Invasor,
podemos afirmar que eles representam pontos cruciais da ação, como o carro de Estevão com
o porta-malas aberto e Ivan na delegacia. Os efeitos de câmera enfatizam noções de
exposição, desenvolvimento e desenlace da narrativa fílmica por meio de imagens.
2.3 MONTAGEM
Podemos observar que o modo como o filme é montado define os demais elementos
constitutivos de sua história. Walter Benjamin, em A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica, destaca que:
Com o cinema, a obra de arte adquire um atributo decisivo [...]: a perfectibilidade. O
filme acabado não é produzido de um jato, e sim montado a partir de inúmeras
imagens isoladas e de seqüências de imagens entre as quais o montador exerce o seu
direito de escolha (1986: 175).
Ao definir os processos de montagem mais utilizados pelo cinema, Marcel Martin cita
três tipos: montagem rítmica, montagem ideológica e montagem narrativa. De acordo com o
autor, os dois primeiros tipos são mais sutis e, por isso, mais difíceis de serem analisados
que visam “criar uma tonalidade estética e exprimir idéias” (1998: 155).
Já a montagem narrativa, nas palavras de Martin,
Tem por objetivo o relato de uma ação, o desenrolar de uma seqüência de
acontecimentos. Apóia-se às vezes em relações de plano a plano, mas envolve
sobretudo as relações de cena a cena ou de seqüência a seqüência levando-nos a
considerar o filme uma totalidade significativa (1990: 155).
Assim, podemos dizer que o processo de montagem ordena as cenas filmadas com base
no roteiro, organiza as cenas e os planos conforme seqüência e duração e prepara o filme para
o processo de decupagem.
Podemos definir plano como a menor unidade da ação que sempre contém algo que se
realizado no plano seguinte, e assim por diante. A continuidade dos planos é conhecida pelo
nome de seqüência, que é a organização rítmica do que foi filmado. Trata-se da colocação dos
planos em uma sucessão para que o espectador compreenda o que assiste, esteja de acordo
com suas expectativas e se envolva com a história. Segundo Marcel Martin,
Se os planos são cada vez mais curtos, temos um ritmo acelerado que sugere tensão
crescente, aproximação ao núcleo dramático, inclusive angústia. [...] um plano
excepcionalmente longo (cuja duração não parece justificada por seu conteúdo) cria
um sentimento de espera ou ansiedade no espectador (1998: 150).
A cena é constituída por diversos planos e é determinada pelas unidades de lugar e
tempo. Ao lermos o roteiro de O Invasor e em seguida assistirmos ao filme, verificamos que a
seqüência lógico-temporal é mantida na adaptação para o discurso fílmico. Durante a
montagem, a seleção de planos curtos e rápidos mantém a tensão dramática. Tal processo de
escolha é fruto de idéias do cineasta/diretor. De acordo com Inácio Araújo, “no momento em
que o filme é montado [...] suprime-se aquilo que o montador e o diretor consideram
desnecessário e define-se o tamanho correto de cada plano. Com isso, procura-se encontrar o
ritmo correto do filme” (1995: 44-45).
Em O Invasor, montagem e decupagem contribuem de modo significativo para manter a
tensão dramática assinalada nas rubricas do roteiro. Outros elementos são significativos na
construção do discurso lmico, tais como: diálogos, ruídos, trilha sonora, cenários. Por outro
lado, como assevera Marcel Martin, se considerarmos todos os recursos dos quais o diretor
dispõe para obter o resultado final, a decupagem e a montagem são recursos complementares
porque ambos se baseiam em “escolha e ordenação” (1998: 143).
2.4 DECUPAGEM
O processo de decupagem está diretamente ligado ao de montagem, constituindo uma
seqüência de procedimentos para atingir o objetivo final: o filme.
Segundo Araújo (1995), a decupagem define como será realizado o trabalho do
iluminador, do figurinista, do cenógrafo, dos atores e dos demais profissionais envolvidos na
filmagem de uma cena. Essa é a chamada decupagem técnica na qual o diretor, com o roteiro
em mãos, define as posições de câmera, lentes a serem usadas, movimentação dos atores,
diálogos e duração de cada cena.
Esse tipo de decupagem facilita o trabalho de continuidade, ou seja, a “seqüência lógica
que deve haver entre as diversas cenas” (MACHADO, 2008). No caso de O Invasor, todos
esses pormenores são importantes para manter o suspense e a atenção do espectador.
Outro aspecto a ser considerado no processo de decupagem técnica é a utilização de
locações para as filmagens externas. Em O Invasor, predominam locações existentes, ou
seja, espaços reais como avenidas de São Paulo, praia, boates, bares e favela. Entretanto,
como assinala Inácio Araújo, “convém não fazer a decupagem antes de conhecer o local da
filmagem, pois tudo deverá ser adaptado a ele” (1995: 68).
O outro tipo de decupagem se realiza durante o processo de finalização do filme, trata-
se do “momento em que o filme vai para a produção. Ali são colocadas todas as indicações de
diálogos, som e música” (ARAÚJO, 995: 62).
Como mencionado antes, todos os elementos do discurso fílmico selecionados pelo
diretor e pelo montador têm extrema importância no resultado final da obra cinematográfica.
As escolhas feitas por esses profissionais determinam as elipses que são as supressões de
cenas do roteiro que, na maioria das vezes, foram filmadas, mas que por inúmeros motivos
não foram incorporadas ao produto final. Sobre isso, Manga Campion, montador de O
Invasor, diz que “no processo de montagem muitas coisas vão ficando de fora. A cada passo,
você tem uma diferente percepção do material. Os valores de cada plano mudam, cenas
inteiras perdem significado. Minha função trabalho é fazer com que todas as importantes
caibam no filme” (DIEGUES et al., 2007: 227).
2.5 ELIPSES
Em O Invasor, as elipses recorrentes são de estrutura ou de supressão e são motivadas
por razões de construção do enredo dramático. Esse recurso, segundo Marcel Martin, é
bastante utilizado em filmes de suspense (1990: 77-78).
Merecem destaque algumas cenas que fazem parte do roteiro e que não foram
incorporadas ao discurso fílmico. Ao todo foram suprimidas treze cenas e a maior parte delas
eram trechos de diálogos que, no filme, são perfeitamente compreendidos apesar dos cortes.
De acordo com Martin, “como tudo o que vemos na tela deve ser significativo, não se irá
mostrar o que não o é” (1990: 77).
Explicitaremos apenas uma das cenas alteradas que, além da supressão de diálogos,
sofreu alguns cortes que modificaram o que o roteirista sugerira. As cenas 70 e 72 do roteiro
descrevem o desejo de Ivan em conseguir uma arma para se defender da suposta armadilha
que Giba e Anísio estariam lhe preparando. Ele vai ao encontro de Léo, manobrista do bar que
costumava freqüentar, e diz que precisa de um favor. O rapaz entra no carro e, em seguida,
temos a transcrição de toda a conversa entre eles na qual Ivan fala que necessita de uma arma
com urgência. Os dois partem no carro de Ivan e se dirigem a outro bar. Enquanto Ivan espera
no carro, Léo conversa com outros manobristas e, algum tempo depois, entrega uma arma a
Ivan.
No filme, Ivan apenas diz a Léo que precisa de um favor. Em seguida, eles aparecem no
carro e chegam a outro bar em um local escuro, percebemos que é um local bem diferente
daquele em que ambos estavam no início da cena. Eles entram juntos no bar. Ivan observa
tudo à sua volta. Não vemos Léo. O rapaz volta e ambos deixam o bar. Até esse momento, o
espectador o sabe qual foi o pedido que Ivan fez ao rapaz e nem como Léo conseguiu
atendê-lo, esse recurso aumenta o suspense. Ivan entra no carro e Léo aponta para algo que
está embaixo do banco. Ivan agradece e parte com o carro. Léo permanece no bar.
Na seqüência, temos um corte. Ivan chega a um quarto de motel com um embrulho nas
mãos. Ele vai até a pia e se olha no espelho, lava o rosto e respira como se lhe faltasse ar.
Depois, senta-se na cama e abre o embrulho. Só então o espectador vê a arma. Ivan se deita na
cama com a arma sobre o peito, sua respiração é ofegante e ele parece estar chorando.
Outra elipse presente no filme é a de conteúdo que é geralmente utilizada por motivos
de censura social, ou seja, cenas que podem chocar o público como, por exemplo, morte,
tortura e assassinato. Essa elipse também pode ocorrer por motivos de censura de órgãos do
governo. Embora não houvesse problemas com censura em O Invasor, o diretor Beto Brant
apenas sugeriu o assassinato de Estevão e Silvana. Ele colocou em foco os carros da polícia, o
carro abandonado em um lugar afastado do centro da cidade e o porta-malas sujo de sangue.
O momento em que ocorreu o assassinato não foi mostrado explicitamente para o espectador.
O acréscimo, que se trata de uma cena que não consta no roteiro e foi inserida no filme,
é outro recurso utilizado. No caso de O Invasor, podemos destacar a cena em que Marina e
Anísio chegam a um salão de beleza da periferia. Anísio quer que a cabeleireira dê um jeito
no cabelo de Marina. A moça dá uma olhada no cabelo da jovem, diz que não pode fazer nada
e manda os dois irem embora.
Podemos perceber que as elipses e os acréscimos, assim como a montagem e a
decupagem, são recursos utilizados pelo cineasta para dar o tom que deseja a sua obra, além
de provocar o poder de compreensão das entrelinhas que todo espectador assíduo julga
possuir.
2.6 MÚSICA
Não é possível descrever a ação de O Invasor sem mencionar a importância da música
em algumas cenas. Por isso, embora não façamos uma análise minuciosa da trilha sonora,
comentamos alguns momentos em que ela se torna elemento importante nas ações das
personagens.
Segundo Marcel Martin, a música de um filme pode desempenhar vários papéis.
Vejamos:
A- Papel rítmico: substituição de um ruído real; sublimação de um ruído ou de um
grito; realce de um movimento ou de um ritmo visual ou sonoro; B- Papel
dramático; neste caso, a música intervém como contraponto psicológico para
fornecer ao espectador um elemento útil à compreensão da tonalidade humana do
episódio; C- Papel lírico [...] contribuir para reforçar a importância e a densidade
dramática de um momento ou de um ato (1990: 124-126).
Ao assistirmos ao filme, percebemos que boa parte das músicas que ouvimos é do
gênero rap abreviação da expressão inglesa rhythm and poetry (ritmo e poesia) um ritmo
originário da periferia dos Estados Unidos que está presente na periferia das cidades do
mundo inteiro. Suas principais características são as batidas ritmadas e as letras que tratam
dos problemas das pessoas que vivem nas áreas mais pobres das metrópoles.
Na cena 45, quando os corpos de Estevão e Silvana são encontrados em um terreno
abandonado da periferia, ouvimos um rap em volume alto que diz: “bem vindo ao pesadelo da
realidade”. Assim, podemos associar a letra da canção à cena em foco: a morte violenta e sem
motivo aparente. Além disso, a música tem o papel de sublimar os ruídos das sirenes dos
carros de polícia e das ambulâncias que vemos no local, as conversas entre as pessoas que
presenciam a cena e os demais ruídos existentes no lugar.
Na cena 47, quando Anísio aparece pela primeira vez na construtora, enquanto a câmera
subjetiva mostra os passos do matador, o refrão da mesma música que tocava na cena em que
os corpos são encontrados diz: “Eu, você, a vadia, ninguém presta”. Uma vez que a “visita” é
o começo da participação direta de Anísio na vida dos engenheiros, o refrão da música
confirma que, a partir daquele momento, nenhuma pessoa é confiável.
Em outro momento, cena 67, Anísio convida um amigo, um cantor de rap, para
conhecer Ivan e Giba e lhes pedir dinheiro para gravar seu primeiro CD. Diante do espanto
dos engenheiros, o rapaz começa a cantar uma de suas músicas a pedido de Anísio que o
acompanha imitando as batidas do ritmo com a voz. Dessa forma, temos não a presença de
alguém que “não pertence” àquele lugar, mas também o reforço dessa idéia por meio da
música. É o que Marcel Martin chama de papel lírico da música, quando ela reforça a
importância de um momento ou de um ato (1990: 126).
A respeito da cena acima, destacamos o comentário feito por Arnaldo Jabor em uma
crônica publicada no jornal O Estado de São Paulo, no dia 16 de abril de 2002:
No filme de Beto Brant, uma cena antológica, quando o “rapper” negro Sabotage
– um que existe de verdade – faz o papel dele mesmo e canta um “rap” num
escritório de burgueses perplexos. Ali, o documento invade a ficção. É um ET contra
os “brancos”, e se desamparo ali, é dos branquelos (apud ORICCHIO, 2003:
181).
Ilustração 7: Cena 67 – Anísio garante aos sócios que investir em rap é um bom negócio.
Fonte: O INVASOR. Direção: Beto Brant. Produção: Renato Ciasca e Bianca Villar. Roteiro: Marçal Aquino,
Beto Brant e Renato Ciasca. São Paulo: Drama Filmes Ltda., 2001. 1 DVD (97 min).
Na cena 95, Marina e Anísio estão completamente drogados em uma casa noturna e
dançam desordenadamente ao som de dance music. Enquanto isso, em outra parte da cidade e
ao som da mesma sica, Ivan descobre que foi enganado por Cláudia e Giba e sai de carro
sem rumo pelas avenidas da capital. A música estabelece um elo entre as duas cenas, isto é,
ela exerce um papel dramático ao sustentar “duas ações paralelas, dando a cada qual uma
coloração particular” (MARTIN, 1990: 125).
Depois de sair sem rumo na cena 100, Ivan bate o carro, não consegue continuar
dirigindo, pega o revólver e começa a andar por uma avenida completamente desesperado.
Nesse momento, começa a tocar outro rap cujo refrão repete: “Boom! A bomba vai explodir!
Ninguém vai te acudir. Sociedade destrói sua vida. Capitalismo por aqui suicida”. Podemos
verificar que a música novamente reforça a importância de um momento. Além disso, temos a
ambigüidade da letra da música que fala em “sociedade” se referindo ao contexto em que
vivemos e à sociedade entre Ivan, Giba e Anísio que acabou destruindo a vida do primeiro. E,
como descobriremos em seguida, ninguém irá acudi-lo.
De certa forma, o ritmo da música é capaz de acelerar a percepção que o espectador tem
da cena, além de dar ênfase ao clímax que é o ponto culminante da narrativa. Como assinala
Marcel Martin, “a música, como a decupagem, a montagem, o cenário e a direção, deve
contribuir para tornar clara, lógica e verdadeira a bela história que deve ser todo filme” (1990:
127).
2.7 TEMPO
Para explicitar a questão do tempo em O Invasor, podemos mencionar seus aspectos
mais significativos: o tempo da projeção que é a duração do filme e o tempo da ação que se
trata da duração da história contada.
No roteiro de O Invasor, a ação transcorre no período de onze dias e dez noites e é
entrecortada por cenas que acontecem pela manhã, tarde, noite e madrugada. Essas marcas
temporais transmitem ao espectador a rapidez dos acontecimentos na trama narrativa e lhe
permitem apreender como é a vida dessas pessoas numa metrópole como São Paulo.
Na obra A linguagem cinematográfica, Marcel Martin define tempo condensado da
seguinte forma:
É a maneira habitual de o cinema utilizar o tempo; [...] primeiro, a colocação em
evidência de uma continuidade causal única e linear na trama das séries múltiplas da
realidade corrente, seguida de uma supressão dos tempos fracos da ação, ou seja,
daqueles que não são diretamente necessários para a definição e o progresso da
seqüência dramática: daí advém essa condensação da duração e essa impressão de
plenitude vivida que experimentamos diante de um filme e que constitui um dos
principais fatores de seu poder de sedução (1990: 221-222).
Dois outros recursos relacionados ao tempo são utilizados pelo diretor de O Invasor são:
o flashback, cena que revela algo acontecido no passado para explicar ou reforçar um
acontecimento do presente, e o insert, imagem breve que, freqüentemente, nos mostra algo
que irá acontecer em seguida ao tempo presente ou lembra algo que aconteceu
(MACHADO, 2008).
O flashback acontece nas cenas 17 e 19, quando Estevão explica a Ivan seus motivos
para não firmar contratos com o governo. O engenheiro diz apostar que foi Giba quem entrou
em contato com Rangel, o representante do governo, e Ivan concorda. Enquanto isso, uma
cena em flashback mostra Rangel conversando e propondo negócios a Ivan em um encontro
casual no aeroporto.
O insert, por sua vez, acontece nas cenas 11, 13 e 15 quando ocorre a conversa entre
Ivan e Estevão na manhã posterior ao fechamento do “negócio” com o matador. Enquanto
Estevão diz lamentar os desentendimentos que os sócios têm enfrentado, Ivan imagina o sócio
sendo ameaçado por alguém. Nesse momento, por meio do insert, temos o contraponto entre a
conversa dos dois engenheiros e o pensamento de Ivan sobre a ação que o matador pode
executar a qualquer momento.
O flashback e o insert permitem que o espectador tenha uma melhor compreensão do
desenrolar da trama fílmica. No caso apresentado, é o motivo da mudança de Ivan com
relação à contratação de um assassino de aluguel para matar um dos sócios da empresa, bem
como sua decisão de procurar Giba para tentar convencê-lo de desistir do plano em processo
de execução.
2.8 CENÁRIOS
Em A linguagem cinematográfica, Marcel Martin afirma que o cenário de um filme
pode ser:
Realista, quando não tem outra implicação além de sua própria materialidade;
impressionista, quando condiciona e reflete ao mesmo tempo o drama dos
personagens; e expressionista, quase sempre criado artificialmente, tendo em vista
sugerir uma impressão plástica que coincida com a dominante psicológica da ação
(1990: 63-64).
No filme de Beto Brant, o cenário é a cidade de São Paulo e as personagens se deslocam
por diferentes lugares, entre bairros nobres e periferia. Além disso, podemos observar a
alternância entre a filmagem de cenas internas e externas. As cenas internas foram filmadas
em ambientes diversos como boate, bar, escritório, casa, apartamento, motel, restaurante e
delegacia. As cenas externas foram realizadas em locais ao ar livre como ruas, avenidas,
frente da casa de Marina, canteiros de obras, favela e frente da construtora.
Essa preferência pelo cenário urbano para compor o ambiente de uma trama policial tem
sua origem na literatura desse gênero, mas o que no romance é denominado espaço, em
cinema e teatro recebe o nome de cenário ou cenografia, isto é, “maneira pela qual são
representados os lugares” (AUMONT, 2006: 46). De acordo com esse autor, o sentido de
cenografia pode ser restrito “à arte de instalar cenários” ou pode ser uma arte definida como
“as relações entre os personagens e a arquitetura” (Ibidem: 46).
Entretanto, com base no roteiro e nas imagens do filme, acreditamos que a afirmação de
D’Onofrio ilustra como o diretor Beto Brant trabalha com o cenário de seu filme. Também
podemos dizer que essa é a forma como o escritor Marçal Aquino trabalha no romance:
A aglomeração é propícia ao aumento da criminalidade, pois é fácil ao assassino
quer a realização do crime, quer a fuga posterior no meio da multidão de prédios e
de homens. De outro lado, a luta pela ascensão social, determinada pela rivalidade
de classes que induz à aquisição de bens de consumo cada vez mais modernos e
mais caros, motiva o uso de meios ilícitos (D’ONOFRIO, 1995: 168).
Ao filmar em locais reais, denominados sets na linguagem cinematográfica, o diretor
tem a chance de proporcionar um maior envolvimento do espectador por meio do
reconhecimento dos locais. O espectador também apreende as imagens recorrentes nas
grandes cidades brasileiras que possuem condomínios de luxo, favelas, bairros periféricos e
perigosos. Os cenários escolhidos compõem a atmosfera de um filme policial.
Conforme afirma Oricchio:
Não por acaso todos os personagens de O Invasor transitam muito pela cidade. No
início da história, os dois sócios e mandantes do crime, Ivan e Giba, vão à periferia
para fazer contato com Anísio. depois a longa seqüência na qual Anísio leva a
ninfeta Marina da casa dela, num bairro “nobre”, para um passeio pela periferia. [...]
Mas qual o sentido de todo esse trânsito durante o filme? Certamente não o de
indicar que haveria mais mobilidade em uma sociedade que se sabe fortemente
dividida. Anísio vai e vem, os engenheiros idem, mas as classes continuam como
antes, imutáveis, ancoradas em suas respectivas posições. Eles, como pessoas
físicas, podem passar; a estrutura continua. Uma interpretação possível para tanta
movimentação é a de algo circula livremente entre os vários andares da pirâmide – a
violência (2003: 177-179).
Ilustração 8: Cena 61 – Anísio e Marina passeiam pela periferia de São Paulo.
Fonte: O INVASOR. Direção: Beto Brant. Produção: Renato Ciasca e Bianca Villar. Roteiro: Marçal Aquino,
Beto Brant e Renato Ciasca. São Paulo: Drama Filmes Ltda., 2001. 1 DVD (97 min).
No filme O Invasor prevalece o cenário realista, mas seu significado vai além de sua
materialidade, pois as ações das personagens sofrem influências dos locais nos quais elas se
encontram. Conforme afirma Cauliez, “o papel do cenário é primordial porque define o lugar
dos personagens no seu universo” (1959: 106).
2.9 DIÁLOGOS
No primeiro capítulo deste trabalho destacamos que as personagens de produções
audiovisuais mostram seus sentimentos por meio de suas falas. Dessa forma, cabe mencionar
algumas características marcantes da comparação entre os diálogos do roteiro e os do filme O
Invasor.
Ao lermos o roteiro e assistirmos ao filme notamos que, com exceção de Anísio, todas
as personagens têm suas falas de acordo com o texto do roteiro. As falas seguem o princípio
da verossimilhança fílmica, isto é, as personagens se expressam de acordo com sua classe
social, posição profissional e local onde estão. Conforme afirma Marcel Martin,
Os diálogos m grande importância no cinema; mas seria difícil definir, embora os
diálogos “realistas” pareçam ser os mais especificamente cinematográficos, qual
deve ser a regra no assunto: tudo é permitido, aqui como em outros domínios da
linguagem fílmica, havendo apenas uma falta imperdoável: não estar de acordo com
a situação (1990: 181).
Em O Invasor a utilização de diálogos realistas, ou coloquiais, tem o objetivo de
enfatizar as diferenças entre um matador de aluguel que vive na periferia e os dois
engenheiros da classe alta paulistana.
O rapper Sabotage, que atuou no filme como o amigo cantor de Anísio, fez o seguinte
comentário em uma entrevista sobre o filme:
O diretor Beto Brant me chamou para refazer com ele os diálogos do Paulo Miklos
(Anísio), que era um matador de aluguel da favela. Ele queria que o personagem
falasse exatamente como um morador da região. [...] A gíria é uma coisa muito forte
na favela... quem é do lugar entende o que se fala (DIEGUES et al., 2007: 221-
222).
A partir disso, podemos comparar algumas das falas de Anísio que mostram suas
transformações no caminho do roteiro para o filme:
ROTEIRO: CENA 1: Anísio se dirige a Ivan: “E você não fala nada?” (AQUINO, 2002: 146)
FILME: Anísio se dirige a Giba: “E o cara aí? (Ivan) Não fala nada? Que que é? É cana, é ganso?
Qual que é?”
ROTEIRO: CENA 67: Anísio para Giba: “Pode ficar descansado, Giba, o Sabotage é gente boa, tem
talento. Ele vai devolver o dinheiro direitinho.” (Ibidem: 207)
FILME: Sabotage não é pipoca não. Ele vai adiantá lá o lado dele e vai devolver essa merreca pro cê.
ROTEIRO: CENA 101: Anísio para Giba: “Quem fez a cagada de meter essa menina na vida dele foi
você.” (Ibidem: 229)
FILME: Quem é que botou o rango lá? O bilisco pra ele comê? Foi você, mano. Não fui eu.
Percebemos que na cena 1 a modificação na fala de Anísio enfatiza sua preocupação
quanto à postura de Ivan que o observa. Por isso, Anísio quer saber o motivo pelo qual o
engenheiro está quieto e indaga se ele é um policial (“cana”) ou um curioso (“ganso”) que
pode comprometer o sigilo do “negócio” do qual tratam.
Mais adiante, na cena 67, Giba entrega um cheque de cinco mil reais para Anísio ajudar
seu amigo a gravar um CD e, diante da indignação de Ivan, o matador reforça a lealdade de
seu companheiro dizendo que ele não é covarde (“pipoca”) e vai devolver o dinheiro. Além
disso, para convencer os sócios de que os cinco mil reais não significam muito para o
orçamento da empresa, Anísio utiliza a expressão “merreca” que significa uma quantia sem
importância.
Ilustração 9: Cena 101 – Anísio conversa com Giba na sala da casa de Marina.
Fonte: O INVASOR. Direção: Beto Brant. Produção: Renato Ciasca e Bianca Villar. Roteiro: Marçal Aquino,
Beto Brant e Renato Ciasca. São Paulo: Drama Filmes Ltda., 2001. 1 DVD (97 min).
Na cena 101, Giba conversa com o matador que está de roupão sentado na sala da casa
de Estevão, o engenheiro diz que precisa de sua ajuda para “dar um jeito” em Ivan, pois o
sócio está disposto a desmascará-los principalmente após saber que Cláudia/Fernanda faz
parte do esquema. A resposta de Anísio enfatiza que Cláudia não significa nada, é “rango” e
“belisco”, isto é, um passatempo. Ele afirma que a idéia de colocar a moça no “esquema” foi
de Giba, logo, ele deve resolver o problema sozinho. Além disso, o matador chama Giba de
“mano”, ou seja, “irmão”, dando a entender que ambos são iguais e que agora estão do mesmo
lado.
Diante do exposto, podemos afirmar que as falas de Anísio confirmam sua postura de
“invasor”, pois trazem a voz do crime para dentro da classe alta sem a necessidade de um
intérprete.
CAPÍTULO 3 – ROMANCE E FILME POLICIAL
No fundo, a pergunta sica da filosofia (como a da
psicanálise) é a mesma do romance policial: de quem é a
culpa? Para saber isso (para achar que se sabe) é preciso supor
que todos os fatos m uma lógica, a lógica que o culpado lhes
impôs. (Umberto Eco)
3.1 ORIGENS DO GÊNERO NA LITERATURA
O surgimento do romance policial ou de enigma está associado à evolução das cidades e
ao surgimento da própria polícia no século XIX. De acordo com Sandra Reimão (1983: 19),
cada vez mais as pessoas se interessavam por notícias de crimes publicadas nos jornais e suas
soluções, pois o criminoso considerado inimigo público contrariava as leis do Estado e
prejudicava a sociedade de um modo geral.
A literatura policial teve início com Edgar Allan Poe, no final do século XIX, com a
publicação da obra Os assassinatos na Rua Morgue e outras histórias. No conto “Os
assassinatos na Rua Morgue”, a narrativa se desenrola em torno de um crime, dos possíveis
suspeitos e da figura do detetive, que poderia ser um policial ou um cidadão comum com
grande capacidade de raciocínio e interesse em desvendar o mistério.
Posteriormente, o detetive Dupin, personagem criada por Edgar Allan Poe, serviu de
inspiração para o escritor Conan Doyle na construção da personagem Sherlock Holmes, e para
a para romancista Agatha Christie que criou o detetive Hercule Poirot.
Segundo Boileau Narcejac,
o verdadeiro romance policial prende-nos pela curiosidade, uma curiosidade ferida e
dolorosa, mas, nessa mesma medida, agradável, porque a esperança de um desfecho
satisfatório a sustenta e a excita sem descanso (1991: 27).
É possível dizer que o romance policial fez sucesso ao mostrar que a inteligência e a
sagacidade do detetive superavam essas características do criminoso. Isso ocorria em meio a
muitas reviravoltas, falsas conclusões e ameaças de fracasso da investigação.
Além da figura do detetive, temos a presença do narrador que geralmente é um
personagem secundário da trama ou uma pessoa bem próxima ao detetive. Nas histórias de
Edgar Allan Poe, o detetive Dupin tem seus feitos contados por um narrador não identificado.
Nas demais narrativas, os narradores são personagens: “Dr. Watson para Sherlock Holmes e o
Capitão Hertings para Hercule Poirot” (REIMÃO, 1983: 31).
O romance policial se subdivide em duas categorias: de enigma, em que o crime é
solucionado ao final da trama; e romance noir, também chamado de romance negro, criado
em 1925 pelo escritor Dashiell Hammett, atingiu seu ápice em 1945, na França, com a
publicação de uma coleção de romances chamada “Série Noire” criada por Marcel Duhamell.
No romance noir constatam-se características bem diferentes do romance de enigma,
tais como:
Detalham-se as ações violentas, brutais, as violências físicas. Enfatiza-se a ão e
cabe ao leitor, a partir dessas descrições externas, deduzir o caráter, a personalidade,
os sentimentos das personagens. Exploram-se e aprofundam-se as situações
angustiantes [...] exploram-se e admitem-se todos os tipos de sentimentos, mesmo os
convencionalmente tidos como ignóbeis [...]. A gíria e os palavrões são admitidos e
vê-se freqüentemente o humor (REIMÃO, 1983: 55).
A figura do detetive também aparece modificada, ou seja, outras personagens podem
assumir essa função. No romance noir destaca-se a figura rude e vulgar do detetive que não
está mais imune aos perigos de sua investigação. O mais famoso detetive da “Série Noireé
Sam Spade, personagem de Dashiell Hammett.
Logo, se as características da narrativa se modificaram, a postura do leitor também se
alterou. No romance noir, o leitor é “convidado” a participar da ação e tirar suas próprias
conclusões. A narrativa policial obteve sucesso no mundo inteiro e permanece no gosto do
público até os dias atuais.
3.1.1 O filme policial
O desenvolvimento da narrativa policial no cinema está associado ao surgimento, na
década de 1920, de filmes norte-americanos sobre gângster como Os mosqueteiros de Pig
Alley (1912), de D. W. Griffith, ou Regeneração (1915), de Rauol Walsh. Nessas obras os
criminosos eram retratados como “vítimas de um ambiente deteriorado em que os garotos do
bairro cresciam no mau caminho” (SCORCESE, 2004: 53).
Dez anos depois, a Lei Seca norte-americana desencadeou uma onda de filmes que
indicavam um grande aumento da violência urbana. De acordo com Scorcese, os filmes mais
importantes dessa fase são Scarface, a vergonha de uma nação (1932), de Howard Hawks, e
Heróis esquecidos (1939), de Raoul Walsh, “último grande filme de gângster anterior ao
advento do filme noir” (Ibidem: 53).
No cinema, a expressão filme noir foi cunhada por críticos franceses em 1946 e,
segundo Scorcese, “não se tratava de um gênero específico, como o filme de gângster, mas
sim de um estado de espírito” (2004: 126). Do mesmo modo como no romance negro, o filme
noir revelava as entranhas sombrias da vida urbana americana.
A própria definição de noir foi inspirada, de acordo com Mattos, na “Série Noire
criada por Marcel Duhamel para a Editora Gallimard em 1945, “pois havia uma semelhança
entre aqueles filmes e os romances policiais publicados na famosa coleção de capa preta da
referida editora” (2000: 11).
Um dos maiores sucessos cinematográficos da época, O falcão maltês (1941), de John
Houston, foi inspirado no romance de mesmo título de Dashiell Hammett. O período clássico
do filme noir vai de 1941 até 1958, mas algumas de suas características continuaram a ser
exploradas. São elas:
Ações confusas, personagens ambíguos, heróis deprimidos ou desorientados e
desfechos quase sempre tristes. [...] O filme noir usa um espaço inquieto e instável e
composições tensas para perturbar o espectador e expressar a desorientação do herói
(MATTOS, 2000: 39).
Podemos dizer que os filmes de gângster e, em seguida, os filmes noir deram origem
aos filmes policiais que conhecemos atualmente, como os dramas psicológicos, os filmes de
prisão, o suspense criminal, entre outros.
3.1.2 O romance e o filme policial no Brasil
Ao estudarmos as origens e as características do romance e do filme policial, podemos
perceber que o crime causa, ao mesmo tempo, repulsa e atração nos seres humanos. Isso
significa que o espanto diante de um ato violento é acompanhado de uma mistura de
indignação e curiosidade por parte da opinião pública.
No Brasil, a primeira narrativa policial foi O mistério, escrita por Coelho Neto, Afrânio
Peixoto, Medeiros e Albuquerque, e Viriato Corrêa. Essa narrativa foi publicada em capítulos
no jornal A Folha a partir de 20 de março de 1920 e editada em livro no mesmo ano.
A narrativa possuía todas as características do gênero policial de enigma: detetive,
assassino, vítima, investigação e julgamento. Porém, usava ironia e mostrava certa autocrítica
em relação aos clichês desse tipo de história. Conforme assinala Reimão, O mistério ironiza
a literatura policial de enigma clássica. E auto-ironiza-se perfilando-se a ela ou utilizando
exacerbadamente seus recursos” (2005: 18).
Ao longo de seu desenvolvimento, a narrativa policial brasileira se aproximou dos
grandes clássicos do gênero. Seus detetives passam a ser “máquinas de raciocinar” como
Sherlock Holmes. Esse é o caso de Cabral, protagonista de 20º Axioma, de José Louzeiro,
publicado em 1980.
Além disso, surge a figura do anti-herói, ou seja, o detetive que não segue exatamente
os modelos clássicos. É o caso de Espinosa, personagem dos romances policiais de Luiz
Alfredo Garcia-Rosa, escritor de sucesso da atual literatura policial brasileira. Espinosa, o
protagonista, “é apenas um sujeito de habilidades medianas esforçando-se para acertar no seu
trabalho” (Ibidem: 26).
O desenvolvimento da narrativa em que o detetive nem sempre é um herói acima de
qualquer suspeita deu origem ao romance noir na literatura policial brasileira. A primeira
publicação desse gênero foi a obra Parada Proibida (1972), de Carlos de Souza, cuja
estrutura apresenta características como:
O narrador é o protagonista, a narrativa acompanha a investigação e a seqüência
cronológica dos fatos, a atuação de Falcão enquanto investigador gera outros crimes,
a narrativa se passa no bas-fond social, temos a exploração da descrição dos atos
violentos e há uma farta utilização de diálogos e poucas abordagens de cunho
introspectivo (Ibidem: 28).
A partir desse momento, muitas outras narrativas irão abordar o “lado negro” da
sociedade brasileira, principalmente em um cenário urbano com desigualdades, tipos
sombrios e dramas sem solução.
O romance noir brasileiro explora, em algumas obras, o lado cômico dos detetives,
como em Ed Mort e outras histórias (1979), de Luís Fernando Veríssimo. O protagonista está
desempregado, sem dinheiro e o consegue ter sucesso com as mulheres. Em 1997, essa
história foi adaptada para o cinema pelo diretor Alain Fresnot.
O romance policial brasileiro possui outra característica marcante que segue um
caminho diferente dos clássicos do gênero, trata-se da questão da impunidade ou da
inexistência de uma solução final em alguns casos. Para Reimão:
A crítica à polícia enquanto instituição e a denúncia de falhas no sistema judiciário,
constantes em nossa literatura policial enigma, fazem também com que boa parte das
narrativas policiais brasileiras se situe de maneira diversa dos clássicos do nero
que são narrativas “delimitadoras de culpabilidade”, já que essa literatura nacional
“espalha” e aponta toda uma tessitura de culpas e omissões que, em nossa sociedade,
contorna o crime. Além de indicar a possibilidade de impunidade mesmo quando
um culpado explícito (2005: 40).
Podemos dizer que a produção de romances policiais no Brasil se mantém estável ao
longo de sua história e percorre caminhos diversos. Os primeiros escritores se inspiraram em
clássicos de Edgar Allan Poe e Dashiel Hammett. A partir de meados dos anos 1970 e início
dos anos 1980, temos o sucesso das obras de Rubem Fonseca como A grande arte e Bufo &
Spallanzani que o tornou referência para escritores posteriores (REIMÃO, 2003: 43).
A partir dos anos 1990 até os dias atuais, grandes editoras têm lançado não novos
escritores de romances policiais de enigma e noir, mas também obras de autores
consagrados como Luiz Alfredo Garcia-Roza, Patrícia Melo e Marçal Aquino que publicou as
obras Cabeça a prêmio e Famílias terrivelmente felizes, em 2003, após lançar O Invasor
(2002).
O cinema brasileiro também apresentou, ao longo de sua história, algumas tramas
policiais, embora seu desenvolvimento não tenha seguido uma ordem temática e cronológica
como o cinema norte-americano.
O primeiro grande sucesso desse gênero foi O assalto ao trem pagador (1962), de
Roberto Farias. No final dos anos 1970, foram lançados dois filmes de sucesso nos cinemas
do Brasil, são eles: Lúcio Flávio, passageiro da agonia (1977), baseado no romance de
mesmo nome escrito por José Louzeiro, em 1975, e Pixote, a lei do mais fraco (1981), ambos
do diretor Hector Babenco.
No início da década de 1980 começou a produção, na cidade de o Paulo, dos
primeiros filmes considerados noir devido às estruturas e temas. Dessa época destacam-se as
obras Anjos da noite (1987), de Wilson Barros, e A dama do cine Shangai (1987), de
Guilherme de Almeida Prado.
Até meados dos anos 1990, as histórias policiais não mereceram grande destaque entre
os filmes produzidos no país e, devido à falta de incentivo, nem os outros gêneros viviam uma
boa fase. Porém, a partir de 1993, com o surgimento de mais leis de incentivo e com a
“retomada” da produção cinematográfica brasileira, os filmes policiais voltaram a ser
produzidos junto com as demais produções da época. Podemos destacar as obras Quem matou
pixote? (1996), de José Joffily, Os matadores (1997), de Beto Brant, e muitos outros filmes
que começaram a ser lançados com regularidade contando histórias sobre crimes, detetives,
policiais corruptos, assassinos, cenários urbanos e investigações.
Os filmes adaptados de romances policiais alcançam certa popularidade e começam a
levar cada vez mais pessoas ao cinema. Para exemplificar podemos citar as seguintes obras: O
Invasor, tema deste trabalho; Bufo & Spallanzani (2001), adaptado da obra de mesmo nome
do escritor Rubem Fonseca pelo diretor Flávio Tambellini; O homem do ano (2003), dirigido
por José Henrique Fonseca e adaptado da obra O matador, de Patrícia Melo; Bellini e a
esfinge (2001), adaptado pelo diretor Roberto Santucci da obra de mesmo nome escrita por
Tony Belotto, e O xangô de Baker Street (2001), filme do diretor Miguel Faria Jr., adaptado
do romance com mesmo título escrito pelo humorista e apresentador Jô Soares.
3.1.3 O Invasor, de Marçal Aquino: um romance policial noir?
Publicado em 2002 após o lançamento do filme, o romance O Invasor, de Marçal
Aquino, é composto por quinze capítulos. Como mencionado anteriormente neste trabalho, o
romance foi finalizado após a estréia do filme. O autor da obra interrompeu o trabalho no
romance para escrever o roteiro do filme, retomando a escrita da narrativa de ficção
posteriormente.
Por essa razão, o romance desenvolve em detalhes o que era apenas mencionado no
roteiro. Isso porque se no filme temos as imagens para nos auxiliar a compreender a trama, no
romance tudo é feito por meio da escrita. Segundo Tânia Pellegrini,
observa-se que as mudanças que se vieram processando na narrativa literária ao
longo do tempo em razão da incorporação de técnicas visuais, fizeram isso na
direção de uma crescente sofisticação das técnicas de representação (monólogo
interior, fluxo de consciência, descontinuidade, etc.) que, paradoxalmente, envolve
uma crescente simplificação da linguagem, no sentido de que ela vai aos poucos de
despindo cada vez mais de seus acessórios qualificadores (figuras, advérbios, etc.)
para dar lugar à substancialidade absoluta de nomes e ações, numa tentativa de
imitar/representar a imagem visual na sua objetividade construída (2003: 28-29).
Diante do exposto, percebemos que por ter seguido um caminho inverso ao das
adaptações cinematográficas, o romance escrito após o roteiro do filme assimilou
características próprias da linguagem áudio-visual. Por isso, ao observarmos a construção do
discurso narrativo de O Invasor podemos perceber que ele é constituído, principalmente, por
diálogos curtos que não são separados dos demais parágrafos por travessões ou quaisquer
outros sinais de pontuação que os diferenciem de uma descrição. Temos, assim, o predomínio
da cena, ou seja, “a tentativa de reprodução/imitação de um discurso real e integral por parte
das personagens num determinado momento em que o narrador aparenta estar ausente do
episódio” (CAMPATO JÚNIOR apud CEIA, 2008).
Os elementos principais de nossa análise são a relação personagem versus espaço dentro
da narrativa, bem como a focalização que é o modo como a história nos é contada.
Em primeiro lugar, percebemos que a narrativa se inicia in media res, isto é, “o começo
do discurso corresponde a um momento adiantado da diegese, obrigando tal técnica, como
é óbvio, a narrar depois no discurso o que acontecera antes na diegese” (SILVA, 1988: 751,
grifos do autor).
Com relação ao enredo da trama, é possível dizer que o romance segue a mesma ordem
de acontecimentos e possui os mesmos personagens e fatos presentes no roteiro e no filme.
Entretanto, o nome de duas personagens foi alterado: Giba agora é Alaor e Cláudia passa a se
chamar Paula.
Logo no início da história temos:
Mesmo seguindo as indicações de Anísio, demoramos um bocado para encontrar o
bar, numa rua estreita e escura da Zona Leste. Um lugar medonho.
Estacionei perto do que parecia ser uma fábrica abandonada, um galpão enorme e
cinzento, com as paredes pichadas e vitrôs com vidros quebrados. Alaor continuou
imóvel, segurando a pasta no colo. Tínhamos trocado meia dúzia de frases, se tanto,
no trajeto até ali.
Ficamos algum tempo sentados no carro, olhando a luz amarelada que saía da porta
do bar (AQUINO, 2002: 7).
no princípio percebemos que a narrativa está em primeira pessoa, o que Norman
Friedman denomina “eu como protagonista”. Isso significa que “o narrador é a personagem
principal” (apud SILVA, 1988: 768) e é possível apreendermos essa característica devido à
presença dos verbos em primeira pessoa: “estacionei”, “topei”, “achei arriscado”.
Ainda sobre a questão da estrutura da narrativa, em dois capítulos observamos o que
Gérard Genette nomeia de prolepse, isto é, “uma antecipação, no plano do discurso, de um
facto ou de uma situação que, em obediência à cronologia diegética deviam ser narrados
mais tarde” (Ibidem: 754). Segundo esse autor, tal tipo de anacronia, ou seja, o desencontro
entre a ordem dos acontecimentos no plano da diegese e a ordem em que são narrados no
discurso, é mais comum quando o narrador é o protagonista que ele tem a facilidade de
evocar um acontecimento e seguir outro que lhe é cronologicamente muito posterior (Ibidem:
755).
Em O Invasor observamos a ocorrência da prolepse no capítulo oito que se inicia com
Ivan e Paula na praia: “...Tinha cochilado no sofá do chalé de praia em que eu e Paula
passávamos um final de semana prolongado, no litoral norte...” (AQUINO, 2002, p 73). Esse
início é seguido pela descrição que o narrador faz dos acontecimentos que antecederam o fim
de semana e, somente no final do capítulo, o leitor tem conhecimento do momento em que o
convite à namorada foi feito:
Liguei para o celular de Paula. Vamos descer para a praia amanhã?
Nossa, amanhã ainda é sexta, Ivan, ela disse.
Eu sei. É que eu ando de saco cheio do trabalho. Vamos? (Ibidem, p 79).
Além disso, percebemos a ocorrência da mesma anacronia no capítulo dez quando Ivan
está visitando sua mãe e só ao final revela os motivos que o fizeram visitá-la. Também
observamos isso no capítulo doze quando o narrador está comprando um revólver e explica a
razão da compra posteriormente.
Outro recurso utilizado pelo narrador é a analepse ou flashback que, segundo Carlos
Ceia (2008), “na narrativa literária ou cinematográfica, diz-se de todo facto que, pertencendo
ao passado, é trazido para o presente da história relatada”. No romance de Marçal Aquino,
esse recurso é utilizado com certa freqüência para colocar o leitor diante das situações que
serviram de gênese para determinadas atitudes das personagens, ou para esclarecer certos
fatos que não são necessários para a compreensão da narrativa do filme.
Embora o uso desse recurso seja freqüente, citaremos em nossa análise apenas aqueles
que consideramos mais relevantes.
O primeiro flashback acontece no capítulo quatro em que Ivan e Alaor conversam a
respeito de Estevão e de sua recusa em relação aos negócios com Rangel e com o governo.
Vejamos:
No fundo, essa história do Rangel foi o pretexto que ele estava esperando pra nos
chutar pra fora da construtora, pode crer. Tá certo que ele odeia o Rangel até hoje...
Tudo por causa daquele rolo com a Silvana...
Eu me lembrava da história. Estevão namorava Silvana na época da faculdade e,
numa ocasião em que os dois brigaram e ficaram separados, Rangel teve um caso
com ela. Quando soube, Estevão afastou-se definitivo de Rangel. Mais tarde, acabou
reatando com Silvana, e se casaram logo depois de nossa formatura...
Sabe o que é mais engraçado, Ivan? O Rangel comeu a Silvana e a gente deveria
erguer as mãos para o céu e agradecer todos os dias por isso.
Por quê?
Ora, se não tivesse brigado com o Rangel, quem você acha que o Estevão teria
convidado pra ser cio dele? A gente ia ficar na mão, cara. O Rangel era o amigo
queridinho dele (AQUINO, 2002: 49-50)
.
Com base na leitura do trecho acima, percebemos que os motivos que levaram Estevão
a recusar fazer negócios com Rangel vão além de seu medo de escândalos com transações
fraudulentas envolvendo o nome da construtora, razão que ele havia explicado para Ivan em
uma conversa que aparece no roteiro e no filme. Entretanto, é somente na leitura do romance
que essa nova razão, envolvendo Silvana, aparece e nos é explicada por Alaor.
O segundo momento em que o flashback nos ajuda a compreender certos
acontecimentos da narrativa ocorre no capítulo sete, no qual Ivan está no bar que costumava
freqüentar e bebe sem parar. Nesse momento, o assassinato e o velório aconteceram, os
negócios com o governo foram acertados e tudo parece estar em normalidade. Porém, Ivan
não consegue parar de pensar no que ele e Alaor fizeram, por isso, o bar é uma espécie de
refúgio: “Meu bar favorito estava mais cheio que de costume, ruidoso em excesso. Mas era o
único lugar onde eu me sentia protegido” (AQUINO, 2002: 65).
Em seguida, Ivan começa a relembrar como surgiu a idéia de matar o sócio:
Fora numa daquelas mesas... que Alaor havia falado pela primeira vez em eliminar
Estevão. Tínhamos bebido bastante, conversando sobre nosso problema na
construtora. Parecia insolúvel. Alaor estava com sua voz amolecida de bêbado
quando falou:
Tem um jeito. Podemos matar o Estevão.
Na hora, a idéia me soou tão absurda que, apenas por brincadeira, resolvi dar corda
para ver até onde Alaor iria.
E como vamos fazer isso? Um de nós vai lá e dá um tiro nele?
Ele olhou para os dois lados antes de aproximar seu rosto do meu e segurar meu
braço.
Podemos achar alguém que faça isso pra nós.
Você pirou, Alaor. Matar o Estevão...
É o único jeito. Ou então vamos perder esse negócio com o Rangel.
Olha, Alaor, vou fazer de conta que não ouvi esta barbaridade que você está
dizendo.
Ele se exaltou.
Pense bem, Ivan: é a nossa grande oportunidade. Nunca mais vai surgir outra igual.
Prefiro esquecer que você disse isso.
Mas não esqueci. E na segunda vez que Alaor falou de sua idéia, passei a considerá-
la a sério. Tínhamos insistido com Estevão para entrarmos no negócio com Rangel.
Ele ficara irritado e, naquele momento, sua intenção era comprar minha parte e a de
Alaor na construtora. Era tudo ou nada. Resolvi topar (Ibidem: 65-66, grifo do
autor).
Percebemos que a idéia do assassinato surgiu como se fosse uma brincadeira que se
tornou séria ao longo do tempo. A surpresa de Ivan diante da proposta de Alaor é enfatizada
pelo uso de itálico na palavra “matar”, evidenciando que ele jamais teria pensado nisso. Por
outro lado, a possibilidade de ter que desfazer a sociedade entre eles e, conseqüentemente,
ficar sem trabalho e dinheiro faz com que Ivan acabe mudando de idéia.
Nesse momento o leitor tem a informação que, associada aos acontecimentos anteriores,
ajudará na compreensão de como as circunstâncias levaram os dois sócios a tramarem a morte
do terceiro. No roteiro e no filme é possível entender esses motivos de modo diferente, porque
a primeira conversa entre Ivan e Estevão é mostrada quando o assassinato foi
“encomendado”. Já no romance, podemos compreender como essa idéia surgiu.
Segundo Carlos Ceia,
todos os textos que fazem uso da regra clássica de começo de uma história in media
res podem aproximar-se do conceito de analepse (flashback). A sua utilidade para a
economia da narrativa deve-se ao fato de existirem momentos em que é necessário
explicar as vicissitudes do presente por confronto de fatos passados, cuja
recuperação é fundamental para a compreensão da história narrada. (2008).
No romance, que tem como meio de expressão a palavra, é necessário que o narrador
“explique” com mais freqüência o que está acontecendo. Como se trata de um romance
policial, a voz narrativa propicia que o suspense esteja presente e envolva o leitor.
Também podemos apontar que a revelação desses detalhes serve para situar, com maior
propriedade, o romance O Invasor no gênero policial noir que, segundo Reimão, “não existe
verdade final indiscutível, inquestionável, um interpretação acima de qualquer suspeita”
(2005: 12).
3.1.3.1 Os protagonistas
A análise das personagens Ivan, Alaor e Anísio será realizada por meio de suas falas e
relações com os espaços em que aparecem porque, de acordo com Rute Miguel,
quando se fala de personagens não se pode deixar de referir a importância da vida
que as mesmas vivem, as situações que têm de enfrentar, as linhas do seu próprio
destino. A tudo isto se chama enredo, do qual dependem as personagens e sem o
qual as mesmas não fariam sentido, ou a sua acção não seria concretizável (apud
CEIA, 2008).
Dessa forma, começamos apresentando a descrição da personagem Anísio logo no
primeiro capítulo do romance:
Era um homem atarracado, de braços fortes e mãos grandes. Tinha a pele bem
morena, olhos verdes e usava o cabelo crespo penteado para trás. Uma dessas
misturas que o Nordeste brasileiro produz com certa freqüência. Ao contrário do que
eu imaginava, ele não parecia ameaçador embora houvesse dureza em seu jeito de
olhar (AQUINO, 2002: 8-9).
Com base nessa descrição, é possível perceber que a apresentação de Anísio no romance
é completamente diferente de sua imagem no filme. Tal diferença tem sua origem na própria
criação do romance, por ter sido concluído após a estréia do filme. Segundo o autor:
No processo de definição do roteiro foram resolvidas todas as pendências da trama.
Quando retomei o livro, tinha pronta a história... Eu já sabia, por exemplo, que o
Anísio teria a cara do Paulo Miklos (cantor que faz o papel do matador no filme),
bem diferente do personagem que eu propunha no texto literário. A saída foi ser fiel
à própria escritura, ou seja, ao projeto inicial do livro e àquilo que eventualmente se
tornaria necessário para escrevê-lo (AQUINO apud DIEGUES et al., 2007: 218-
219).
Embora a diferença na aparência física entre o matador e os engenheiros tenha mais
força no romance, é a sua postura e modo de agir que irão se destacar no romance e no filme.
Em primeiro lugar, destacamos a observação de Anísio sobre a presença de Ivan e Alaor
no bar:
Estava na cara que eram os dois bacanas que eu estava esperando.... uma
olhada no povo desse bar: tudo cara fodido, de pele manchada, cabelo ruim, faltando
dente, unha preta. Qualquer um é capaz de dizer que vocês não são daqui (AQUINO,
2002: 9).
A inadequação de ambos com o espaço é clara e reforçada pelos acontecimentos que
ocorrem em seguida. Alaor pede uma água e ouve como resposta que naquele local tem
água de torneira, então, pede o mesmo que Anísio está bebendo: um rabo-de-galo”, mistura
de cachaça com vermute. Ivan pede uma cerveja.
É Ivan quem começa a explicar os motivos pelos quais eles resolveram procurar Anísio,
mas é Alaor quem vai direto ao ponto. Quando Anísio diz que pode fazer Estevão sofrer antes
de morrer e conta sobre outro crime que cometeu, percebemos as diferenças nas reações de
Ivan e Alaor:
...De repente, fiquei com uma vontade incontrolável de sair dali... Olhei para a cara
de Alaor e ele parecia estar sentindo prazer em ouvir aquele relato...
Olha, Anísio, o que interessa é que você tire o Estevão do nosso caminho, eu disse,
fazendo força para não vomitar ali mesmo...
Ah, não, Alaor interveio. Estamos pagando caro e eu quero que aquele filho da puta
sofra.
Aquilo me chocou... Alaor parecia estar se vingando de algo que eu desconhecia.
Antes de matar o cara, eu posso contar pra ele quem fez a encomenda. O que vocês
acham?
Gostei, Alaor falava como um bêbado. Pena que a gente não vai poder ver a cara
dele nessa hora, não é, Ivan?
...Eu fiquei em silêncio, de estômago revirado, dentes apertando o horror que sentia.
Pensei em dizer a ele que mudara de idéia e queria cancelar tudo... (AQUINO, 2002:
15).
Nessa conversa percebemos algumas diferenças entre os dois sócios. Enquanto Ivan
quer sair dali o mais rápido possível e pensa até em desistir do plano, Alaor se aproxima de
Anísio ao beber a mesma bebida e gostar da possibilidade de fazer Estevão sofrer antes de
morrer.
Ao longo da narrativa, a inadequação de Ivan aumenta, independente do lugar em
que ele esteja. Essa sensação é reforçada pelo seu arrependimento de ter aceitado tramar a
morte do sócio.
No segundo capítulo, quando os sócios estão em uma casa de prostituição, Ivan fala:
“...Eu estava me sentindo ridículo parado no meio daquela sala segurando o copo de uísque...”
(Ibidem: 20). Em seguida diz: “...Eu estava tenso...” (Ibidem: 21). Enquanto isso:
Alaor levantou-se com duas garotas:
Hoje vou fazer um negócio que sempre quis fazer, ele anunciou e as duas riram. Eu
mereço, não é, Ivan? (Ibidem: 20).
Percebemos que, na medida em que o incômodo de Ivan aumenta, seu sócio começa a
ficar tranqüilo encarando o assassinato como uma coisa necessária para o bom andamento dos
negócios. Por isso, por que não comemorar?
Podemos dizer que o caráter das personagens é mostrado pelas diferenças de atitudes
entre elas. No capítulo quatro, ao ir até um canteiro de obras para conversar com Alaor sobre
sua idéia de desistir do plano de assassinato, Ivan comenta:
A divisão de tarefas na empresa, decidida logo que nos associamos, sempre me
incomodara... A mim restavam as tarefas de detalhamento e cálculo dos projetos.
Um burocrata. Sempre que me queixava da situação, Alaor argumentava que esse
era o arranjo ideal, aproveitando para retomar um velho papo sobre a minha suposta
falta de jeito no trato com as coisas práticas... Eu sabia que andar aos escorregões
pelos canteiros de obra não melhorava em nada a minha imagem para Alaor
(Ibidem: 43).
Nesse trecho podemos perceber que Ivan tem dificuldades para lidar com ações práticas
e com tomada de decisões. Logo, como poderia ser cil para ele ir até o fim na realização de
um crime? Ele comunica que pretende desistir do plano, mas Alaor diz que é tarde demais
para isso. A atitude do sócio surpreende Ivan e nos mais uma prova da diferença de
pensamento entre ambos, o que podemos observar neste trecho: “Alaor conversava sobre um
assassinato como se discutisse com um cliente o melhor local para a colocação da lareira
numa casa. E era isso que me assustava mais” (AQUINO, 2002: 45). Por fim, Ivan comenta:
“Olhei para o rosto de Alaor. Eu não confiava nele” (Ibidem: 48).
Para finalizar o nosso enfoque sobre as diferenças nas atitudes das personagens Ivan e
Alaor, destacamos a descrição do velório de Estevão e Silvana. No filme temos um travelling
que nos mostra a comoção das pessoas e a postura dos sócios, mas a descrição feita por Ivan
no romance parece muito mais chocante porque mostra até que ponto as pessoas são capazes
de chegar por seus interesses:
Em vários momentos, no velório, eu achei que não agüentaria. Foi duro receber
abraços e condolências de amigos, clientes e desconhecidos... Foi difícil fingir dor
onde existia nojo. Alaor manteve no rosto durante todo o tempo uma expressão de
quem havia sofrido uma grande perda. Um verdadeiro artista... Acompanhei com
atenção aquele teatro. Alaor permaneceu de cabeça baixa, por longos minutos. Achei
aquilo constrangedor. Mas o show ainda tinha mais atrações: ele pegou um lenço no
bolso do paletó e então me dei conta das lágrimas em seu rosto. Ele voltou para
perto de onde eu estava, me abraçou e soluçou, com a cabeça apoiada em meu
ombro. Naquela hora, eu quis sumir dali. Depois que conteve o choro, Alaor
murmurou em meu ouvido: Venha, vamos dar uma palavra de apoio à nossa nova
sócia. E me puxou na direção de Marina (Ibidem: 58-59).
Com base no trecho acima podemos ilustrar com o que Alfredo Carvalho diz sobre o
narrador em primeira pessoa (protagonista), para ele “o tom objetivo não é muito comum,
porque o narrador de primeira pessoa tende a fazer comentários. É eficaz, entretanto, quando
os fatos são suficientemente interessantes em si próprios, ficando para o leitor tirar as próprias
conclusões” (1981: 46).
Dessa maneira, podemos perceber que Ivan condena as atitudes de Alaor e se admira
com a capacidade que o sócio tem de fingir e ser frio, ao ponto de chamar a filha de sua
vítima de “futura sócia”.
Ivan tenta diversas vezes abandonar a construtora, mas não consegue. Sua última
tentativa para se proteger é a compra de um revólver, como vemos no fragmento abaixo:
O corredor era estreito e fedia a urina de gato... A sala era pequena e abafada, tinha
uma mesa e quatro cadeiras de fórmica no centro, uma televisão num dos cantos e
um sofá ordinário em outro. Ao lado do sofá, havia uma pilha de caixas de papelão.
E na parede, um quadro: a foto de uma dupla sertaneja.
[...]
Era um revólver clandestino. Um 38 niquelado, com o número de série raspado. A
primeira arma que eu segurava na vida (AQUINO, 2002: 101-102).
A relação conflituosa entre os sócios é demonstrada não pelos diálogos e atitudes,
mas também pela incapacidade de Ivan ficar tranqüilo desde o dia em que aceitou participar
do plano de assassinato. Por isso, podemos dizer que a compra do revólver é uma de suas
atitudes desesperadas na tentativa de se defender de uma suposta ameaça à sua vida. Podemos
depreender também que o próprio lugar onde o engenheiro consegue a arma é bem diferente
dos locais que ele está habituado a freqüentar. Portanto, constatamos que ele esteve no
submundo da cidade no momento em que contratou o matador e agora volta a ele para tentar
proteger a própria pele.
Porém, se ao boteco do início da história Ivan foi por sua vontade e acreditava que tudo
daria certo, ao lugar onde compra o revólver ele foi forçado pelos acontecimentos que julgava
inevitáveis. Isso o arrastou para as mudanças que estavam acontecendo em sua vida.
As ações de Ivan apenas confirmam as transformações, pois agora ele porta uma arma
clandestina e um desfalque na conta bancária da construtora para tentar fugir com Paula.
Isso significa que o engenheiro, diante das circunstâncias, começa a agir da mesma maneira
que condenava, isto é, de forma desonesta.
Com relação a Anísio, podemos dizer que sua relação com o espaço ocorre de maneira
distinta à de Ivan. O matador, que estava perfeitamente adequado ao espaço do bar de
periferia em que foi contratado, permanece da mesma forma após aparecer na construtora para
falar com os engenheiros: “A secretária me avisou que havia um homem à minha espera na
recepção. O nome dele? Anísio” (AQUINO, 2002: 69).
No romance percebemos que a atitude de Anísio é diferente da adotada no roteiro e no
filme, isso porque em ambos o matador entra direto na sala de Ivan sem esperar que a
secretária o anuncie. Essa é a postura de alguém que não se incomoda com o espanto dos
engenheiros.
Depois de entrar no escritório, “Anísio acendeu um cigarro, agitou o palito de fósforo,
jogou-o no cinzeiro. Gestos calmos”. (Ibidem: 70). Observamos que o bandido está
completamente à vontade na construtora e insiste em voltar para receber a outra parte do
pagamento. Após receber o pagamento, Anísio convence os sócios a guardarem seu dinheiro
na construtora. Em outro momento, o matador convence os engenheiros de o contratarem
como segurança, um novo funcionário da empresa.
Com isso, podemos notar que enquanto Ivan não consegue ficar em paz, Anísio
demonstra estar muito bem. Confirmamos isso a partir do trecho: “Meu trabalho não rendeu.
O tempo inteiro me senti oprimido pela presença de Anísio na empresa. De vez em quando,
ouvia suas risadas na recepção. O filho da puta estava à vontade” (Ibidem: 78).
Entretanto, a inadequação de Anísio ao ambiente dos engenheiros é percebida por suas
vestimentas. Primeiro, destacamos trechos com as observações de Ivan ao reconhecer que o
matador estava usando roupas que eram de Estevão:
Anísio usava uma camisa folgada a barra cobria a cintura da calça e as mangas
compridas quase escondiam suas mãos... Contudo o que mais me perturbou nessa
hora foi reconhecer aquela camisa. Não era à toa que ficava tão folgada no corpo de
Anísio.
[...]
E ele comenta com Alaor quando Anísio vai embora: Você não reparou na camisa
que o Anísio está usando?... Conheço aquela camisa. Era do Estevão, tenho certeza.
[...]
O Rolex em seu pulso esquerdo chamou minha atenção. Estevão tinha um relógio
muito parecido (AQUINO, 2002: 92, 94, 112).
De acordo com os trechos acima, podemos ver que Anísio não se incomoda em usar as
roupas que pertenciam a Estevão, sua vítima. Isso serve para confirmar mais uma vez como o
matador começa a dominar a situação.
Também constatamos outras mudanças em sua aparência que ocorrem logo após o
início de seu namoro com Marina. Percebemos que essas mudanças foram feitas por idéia da
garota. Vejamos:
Anísio me aguardava na entrada do estacionamento da construtora. Fazia frio e
garoava. Ele usava um blusão escuro, calça de grife e sapatos novos. Parecia pouco à
vontade naqueles trajes...
Gotas minúsculas da garoa se acumulavam em seu cabelo, que estava mais curto,
com um corte moderno (Ibidem: 103)
.
Da mesma maneira que Ivan mudou sua vida em virtude do medo e do arrependimento
que sentia, Anísio transformou sua aparência em razão da nova vida que começava a levar ao
lado de Marina e de seu trabalho na construtora. Porém, Anísio ainda não estava totalmente
habituado ao novo estilo de se vestir, pois era a representação de um mundo ao qual ainda não
pertencia.
O matador, contudo, não demonstrava nenhuma insegurança com relação a sua invasão
na vida dos dois sócios. Logo no primeiro capítulo temos dois comentários importantes, o
primeiro é feito quando Ivan observa Anísio no bar: “...ele não parecia ameaçador embora
houvesse dureza em seu jeito de olhar” (Ibidem: 9). O segundo comentário acontece quando
estão tratando de negócios: “Anísio jogou o cigarro quase inteiro no chão e esmagou-o com o
pé. E então nos encarou” (Ibidem: 10).
Outro momento que consideramos importante para a análise da postura de Anísio está
no capítulo sete, em que ele aparece na construtora pela primeira vez e insiste em voltar
para receber a outra parte do pagamento pelo “serviço”:
bom, tá bom, Alaor consultou o relógio. Só que agora vome pegou no meio de
uma reunião importante... Amanhã a gente te procura no bar, leva o dinheiro e d
conversamos melhor, que tal?
Eu passo aqui.
Anísio disse a frase olhando direto nos olhos de Alaor. Ficamos em silêncio por
alguns segundos. Alaor abriu os braços, se rendeu:
Tá certo” (AQUINO, 2002: 71).
É possível perceber que Anísio impõe sua vontade apenas com um olhar. O matador usa
esse poder de persuasão para convencer os sócios a guardarem na empresa o dinheiro do
pagamento pelo “serviço”:
Tô pedindo um favor.
Não complica, Anísio, pega o dinheiro, Alaor falou e deu para ver que ele represava
sua irritação.
Põe num banco, eu disse.
Anísio cravou os olhos verdes em nós. Faiscavam.
Vocês não querem a minha amizade, é isso?
Não dissemos nada (Ibidem: 75).
Anísio ainda consegue ser contratado como funcionário da construtora:
Ele vai nos chantagear, é isso?
Anísio levantou o olhar cheio de dureza.
Você não me conhece. Eu não faço esse tipo de coisa....
...Você não confia mesmo em mim, né, Ivan? Eu sou seu amigo, porra.
Eu não quero ser seu amigo...
....Anísio me olhava nos olhos, sem piscar. Um bicho, um segundo antes do bote
(Ibidem: 76).
Perto do final da narrativa, a presença de Anísio é ainda mais forte e Ivan pensa em
fugir. Depreendemos isso neste fragmento do capítulo doze:
A chuva aumentou, porém Anísio não se mexeu. Me olhava de um jeito estranho.
Você não gosta mesmo de mim, não é, Ivan? (Ibidem: 103-104).
E também neste trecho do capítulo treze:
Pelo janelão era possível enxergar uma parte do estacionamento da construtora.
Afastei a persiana e espiei. Anísio estava lá, de braços cruzados, encostado no meu
carro. Atraído talvez pelo movimento da persiana, ele olhou em minha direção. Eu
recuei na hora. E senti meu coração acelerar (AQUINO, 2002: 111).
Ao notar que os olhares do matador estão voltados para seu comportamento e reações, o
desespero de Ivan aumenta. Percebemos que Anísio, uma personagem acostumada com a
violência física, passa a praticar com seu olhar a violência psicológica, o que confirma seu
poder ameaçador.
Para exemplificar isso, destacamos do último capítulo uma das cenas finais: “Alaor
baixou a cabeça, evitou olhar para mim. Anísio me encarou. Tinha um ar de vitória no rosto”
(Ibidem: 126). Nesse momento observamos o contraste entre as atitudes de Alaor e Anísio por
meio de seus olhares: o primeiro, com vergonha do que causou ao sócio, evita seu olhar; o
segundo sente-se vitorioso e o encara sustentando seu ponto de vista e ações.
3.1.3.2 As personagens secundárias
As mulheres Cecília e Marina
Na leitura do romance percebemos que os papéis desempenhados por Marina, filha de
Estevão, e Cecília, esposa de Ivan, configuram de um modo um pouco diferente do roteiro e
do filme.
A posição de personagens secundárias não se altera, uma vez que funciona como
“suporte” para as ações dos protagonistas: Marina para Anísio e Cecília para Ivan. Entretanto,
o modo como esse “apoio” é construído no romance é objeto de nossa análise porque
julgamos importante para o desenvolvimento da trama.
Conforme assinala Silva:
O protagonista representa na estrutura dos actantes ou agentes que participam na
acção narrativa, o núcleo ou o ponto cardeal por onde passam os vectores que
cofiguram funcionalmente as outras personagens, pois é em relação a ele, aos
valores que ele consubstancia, aos eventos que ele provoca ou que ele suporta, que
se definem o deuteragonista, a personagem secundária mais relevante, o antagonista,
a personagem que se contrapõe à personagem principal e que, em muitos textos,
coincide com o deuteragonista –, e os comparsas, as personagens acessórias ou
episódicas (1988: 699-700).
Começamos falando de Cecília, esposa de Ivan, que no roteiro e no filme aparece
apenas em quatro cenas. Sua participação na trama do romance é bem mais marcante.
De acordo com as teorias de roteiro, é comum uma personagem entrar ou sair de cena
sem prévia explicação quando ela funciona como “apoio” para a ação da personagem
principal. Por isso, as aparições de Cecília servem apenas para enfatizar algumas
características de Ivan, como solidão e desespero. Desse modo, quando ela deixa de aparecer
no filme, sua ausência não gera questionamento por parte do espectador e nem prejudica a
compreensão da narrativa.
No romance, percebemos que Cecília assumirá um papel um pouco diferente. Logo no
capítulo dois, Ivan se refere ao seu casamento da seguinte maneira:
Fala a verdade: a Mirna não é uma ameaça ao casamento de qualquer um?
Alaor deu um tapa em meu ombro. Pensei em Cecília. Nada podia colocar em risco
nosso casamento. Coisas mortas são imunes a ameaças (AQUINO, 2002: 29).
Em seguida, ao final do mesmo capítulo, quando compreendemos que o casamento do
protagonista não está bem, ele continua:
Eu tinha me casado com ela dois anos depois de associar-me a Estevão e Alaor na
construtora. Foi um tempo feliz, hoje eu sei. Havia a certeza de que todos os nossos
planos dariam certo, era só uma questão de tempo. Mas não foi assim.
Uma histerictomia pôs fim ao sonho de Cecília de ser mãe. E, a partir daí, alguma
coisa se rompeu entre nós. Ela pareceu ter perdido o viço, a força que me atraía
quando a conheci. Tornou-se uma mulher frágil e se contentou com o papel de
coadjuvante, sem direito a muitas falas, na farsa que passamos a encenar.
Às vezes ainda trepávamos – é impróprio dizer que fazíamos amor. Houve um
momento em que eu e Cecília percebemos que nossa relação estava morta. Mas
nenhum de nós reagiu. certos cadáveres que, por razões que ignoramos, não se
decompõem. E não havendo mau cheiro que incomode os vizinhos, não
necessidade de chamar o IML (Ibidem: 32).
Nesse fragmento, percebemos que o narrador faz uso do sumário que, segundo João
Adalberto Campato Júnior, “em termos práticos, pode-se afirmar que há sumário numa obra
literária todas as vezes que o narrador resume em poucas linhas ou páginas acontecimentos
diegéticos que se desenvolveram durante um período de tempo considerável” (apud CEIA,
2008). Desse modo, diante das palavras de Ivan sabemos que se trata de uma história que
acabou, o que é reforçado pelo uso de expressões relacionadas à morte.
Observamos também que o próprio narrador menciona a palavra “coadjuvante”, isto é,
alguém com um papel secundário que não é muito importante na ação. Concluímos que sua
esposa e seu casamento já não eram fonte de felicidade.
Mais adiante, no capítulo cinco, em outro trecho sobre o casamento de Ivan, o
protagonista está em casa sem conseguir dormir pensando no que Anísio poderia ter feito a
Estevão e Silvana quando: “Um pouco antes do amanhecer, Cecília acordou e passou pela
sala. Ela me olhou no sofá, foi até a cozinha e bebeu um copo de água. Depois, subiu a escada
e voltou para o quarto. Era comum se passarem dias sem que um dirigisse a palavra ao outro.
Estávamos no fim” (AQUINO, 2002: 52).
Ilustração 10: Cena 41 – Ivan e Cecília em frente à televisão.
Fonte: O INVASOR. Direção: Beto Brant. Produção: Renato Ciasca e Bianca Villar. Roteiro: Marçal Aquino,
Beto Brant e Renato Ciasca. São Paulo: Drama Filmes Ltda., 2001. 1 DVD (97 min).
No capítulo sete Ivan continua contando a história do fracasso de seu casamento:
Depois que meu casamento foi a pique, passei a ter casos esporádicos com mulheres
que conhecia nos bares, na rua, no trânsito... Os casos nunca duravam, porém. Por
falta de empenho de minha parte, diga-se. Eu não me apaixonava... E ao ver Paula
passar por ele: [...] Eu me perguntei se uma mulher daquelas seria capaz de me fazer
tomar uma atitude com relação a Cecília pergunta que eu repetia cada vez que
iniciava algum caso (Ibidem: 66).
E continua no capítulo dez:
Cecília praticamente tinha se mudado para o quarto de hóspedes, eu passava dias
sem vê-la. sabia que ela estava em casa porque, às vezes, da sala, ouvia sua tosse
no quarto, Nosso casamento tinha entrado na prorrogação (Ibidem: 89-90).
Enquanto acompanhamos o drama vivido por Ivan com a presença de Anísio, a
desconfiança de Alaor e seu caso com Paula, também vemos o final de seu relacionamento
com Cecília:
Uma noite, ao chegar em casa, encontrei a empregada me esperando na cozinha. Ela
reclamou que seu salário estava atrasado era Cecília quem cuidava disso, mas a
empregada disse que não se encontrava com ela fazia dias. Estranhei e fui conferir.
E descobri que minha mulher tinha saído de casa.
Tive um palpite e liguei para a casa da mãe dela. Cecília atendeu...
Fiquei em silêncio por alguns segundos. Mais de quinze anos da minha vida iriam
terminar naquele telefonema. Melhor assim, pensei. Era mais higiênico.
No fundo, eu me sentia aliviado que estivesse acontecendo daquela maneira. Era
cômodo para mim (Ibidem: 98-99).
É possível associar essas atitudes de Ivan ao que apreendemos e comentamos
anteriormente a respeito de sua incapacidade para lidar com as coisas práticas e tomar
decisões. Por essa razão sempre ficou com os trabalhos burocráticos da construtora. Ivan não
era bom em se relacionar com outras pessoas.
Vemos que até o modo como ele descobriu que sua mulher havia saído de casa foi
indireto, por meio da empregada. Ivan andava imerso em seus problemas e precisava
encontrar uma maneira de fugir de todos eles. Ele sabia que era fraco para enfrentar as coisas
de uma forma direta.
O engenheiro e sua mulher ainda têm outra conversa” no capítulo treze quando se
encontram em casa por acaso. Ela foi cuidar das plantas e ele foi arrumar as malas para fugir.
Ivan diz que vai viajar, Cecília vê que ele está armado e Ivan sai sem dar explicações.
Podemos dizer que os acontecimentos que envolvem o casamento de Ivan e seu
relacionamento com a esposa contribuem para reforçar a idéia do fracasso do protagonista.
Cecília é uma personagem secundária não na estrutura da narrativa, mas também na vida
do engenheiro.
Ao falarmos de Marina, podemos dizer que sua presença no romance também acontece
de modo diferente do filme que, no primeiro, sua participação é menos marcante. Isso
porque no roteiro e no filme seu relacionamento com Anísio é desenvolvido de forma mais
detalhada, no romance esse relacionamento se constitui por meio das falas dos outros
personagens.
O encontro e o envolvimento da garota com o matador se iniciam no capítulo nove do
romance, quando Marina vai até a construtora para conversar sobre os negócios que irá
assumir. A cena a seguir é contada por Ivan:
Por cima de seu ombro, eu olhei para o janelão da sala de reuniões e vi Anísio
conversando com Marina no estacionamento da construtora.
Ambos fumavam. Marina ria de alguma coisa que ele contava. Anísio pegava com
intimidade no braço dela enquanto falava. Pensei: o que essa menina faria se
soubesse, de verdade, quem é o sujeito com quem está conversando? (AQUINO,
2002: 85).
Ao final do capítulo, após a passagem de tempo de três dias, observamos novamente a
fala de Ivan:
Mas na manhã do terceiro dia... vi um carro deixando um de nossos funcionários
mais assíduos em frente à construtora, para mais um dia de trabalho.
Os cabelos dele e os da garota que dirigia o carro estavam molhados. Como se os
dois também tivessem acabado de sair de um motel. Eles se beijaram. Ele entrou na
construtora sem me ver. Ela arrancou com o carro. Anísio e Marina (Ibidem: 87).
Podemos dizer que, no romance, a relação entre Marina e Anísio se torna íntima tão
rapidamente como no filme. Por outro lado, as conseqüências desse envolvimento terão
caminhos diferentes nas duas obras. Conforme relatamos nos capítulos um e dois deste
trabalho, o matador e a filha de suas vítimas se tornam namorados e ele passa a freqüentar os
lugares que ela freqüenta. Ele também passou a ficar na mansão em que ela mora sozinha
desde a morte dos pais.
No romance, percebemos que essas mudanças são mostradas de modo diferente, pois
Anísio passa a controlar os negócios da empresa com o aval da namorada. No capítulo doze,
ele diz a Ivan: “A Marina me deu carta-branca pra acompanhar os negócios pra ela aqui na
empresa. E é isso que eu estou fazendo: se um sócio dela está criando algum problema, eu
tenho que tentar resolver, você não acha?” (AQUINO, 2002: 104). Com essa ameaça a Ivan,
observamos que Anísio utiliza o argumento do poder que Marina lhe deu.
Ilustração 11: Cena 54 Marina diz que não quer saber dos negócios da construtora, quer apenas algum
dinheiro para viver.
Fonte: O INVASOR. Direção: Beto Brant. Produção: Renato Ciasca e Bianca Villar. Roteiro: Marçal Aquino,
Beto Brant e Renato Ciasca. São Paulo: Drama Filmes Ltda., 2001. 1 DVD (97 min).
Por fim, no capítulo treze, ao convidar Ivan para um churrasco, Anísio afirma: “Na casa
da Marina, tem mais espaço. Eu vou levar uns amigos que quero que você conheça”
(Ibidem: 112). Enquanto no roteiro e no filme temos a impressão de que o matador e a jovem
apenas querem “curtir” uma vida desregrada com sexo, drogas e badalação, no romance
percebemos que Anísio quer controlar os negócios da empresa que não são de interesse de
Marina, dessa forma o caminho de Anísio fica muito mais fácil. Portanto, o invasor domina a
situação e pode tirar do seu caminho quem o atrapalhar.
O detetive e a imagem da polícia
Diante do que discutimos até o momento, podemos perceber que a narrativa de O
Invasor possui mais ligação com o romance policial noir que não apresenta solução final e
mostra que não existem verdades absolutas. Além disso, a obra tem em um de seus
protagonistas (Ivan) o exemplo de um indivíduo destruído por causa de suas escolhas.
Por isso, consideramos pertinente mencionar como se configura a aparição de um
detetive na trama do romance, uma vez que no roteiro e no filme não temos essa personagem,
apenas vemos a família de Estevão ir até uma delegacia para dar queixa do desaparecimento.
Assim que aparece na narrativa, no capítulo seis, temos a descrição do detetive feita por
Ivan com certa ironia. Vejamos:
O homem nos esperava sentado na sala de reuniões. Quando entramos, ele se
levantou e se apresentou: delegado Junqueira, do gabinete do secretário da
Segurança Pública.
Estamos fazendo uma apuração em paralelo à investigação oficial, ele explicou.
Vocês sabem como é: o secretário é amigo pessoal do doutor Araújo.
Tive vontade de olhar para o rosto de Alaor, mas mantive minha atenção fixa no
homem.
Ele usava gravata berrante e um terno de grife. Era jovem ainda. Seu cabelo estava
engomado e suas unhas tinham uma camada brilhante de base. A haste dourada de
seus óculos escuros aparecia por fora do bolso do paletó. Um pavão (AQUINO,
2002: 59)
.
De acordo com o que lemos acima é possível depreender várias informações
importantes sobre o investigador. Sabemos que é uma apuração em paralelo à investigação
oficial, como costuma ser apresentado o trabalho do detetive nos romances policiais. Além
disso, o delegado menciona a amizade do pai da vítima com o Secretário de Segurança como
o principal motivo de sua presença ali, isso significa que em outras circunstâncias esse
trabalho ficaria a cargo apenas da polícia, como usual em um caso de assassinato.
De acordo com Marcelo Martins:
A construção da figura do detetive pode ser determinada pelo papel social que ele
desempenha nas histórias em que aparece. Assim, pode-se dizer que três grandes
modos de ele ser representado: a) o detetive particular; b) o amador; c) o policial
(2008: 182).
Ressaltamos também que Ivan se refere à Junqueira como “um pavão”, isto é, alguém
que quer chamar a atenção não pela sua postura, mas também pelo seu modo de vestir. É
por meio desse comentário que percebemos as contradições do gênero presentes nessa
aparição. Ao mesmo tempo em que Ivan se preocupa com a presença do delegado na
construtora, ele comenta sobre sua aparência.
Em outro momento, essa contradição é confirmada pelas palavras do próprio delegado:
“Isso aqui pode interessar a vocês, ele disse e nos entregou um folheto colorido. É de um
amigo meu, que tem uma oficina de blindagem de carros. Depois do que aconteceu, talvez
vocês queiram tomar alguma precaução. É caro, mas hoje em dia vale a pena” (AQUINO,
2002, p 63). O trecho destacado nos mostra que a própria personagem representante da lei
confirma a falta de segurança e aconselha cautela e precauções. O delegado ainda indica um
amigo para fazer o trabalho de blindagem. A partir disso podemos nos perguntar: será que ele
ganha uma comissão nesse negócio?
No capítulo sete, após mostrar aos engenheiros os objetos que roubou do casal antes do
assassinato, Anísio comenta com Ivan:
Não sei porque você está tão nervoso, Anísio disse, enquanto recolhia o lenço e o
chaveiro. A polícia acha que foi um assalto. Você não jornal? Daqui a pouco eles
pegam um pé-de-chinelo aí, botam no pau e ele assina essa bronca, vocês vão ver
(Ibidem: 73).
Essa fala de Anísio resume o que boa parte da sociedade pensa a respeito do trabalho da
polícia, pois o sentimento é de descrença. Ele comenta sobre a prática da tortura (“botar no
pau”) que faz com que os suspeitos confessem seus crimes. Também podemos destacar a
referência ao criminoso que pratica pequenos delitos (“pé-de-chinelo”) que, ao ir para a
cadeia, pode ser obrigado a confessar crimes que não praticou (“assinar essa bronca”).
Todos esses acontecimentos estão associados ao fato da investigação envolver uma
vítima da classe alta, pois quando um crime vira notícia, a pressão da sociedade por sua
solução acaba sendo maior. Isso faz com que a polícia, em alguns casos, tente encontrar uma
solução a qualquer custo, inclusive acusando inocentes.
Dessa forma, podemos confirmar o que afirma Sandra Reimão:
Do ponto de vista ético-moral, detetive, criminoso, leitor, as pessoas em geral,
estamos todos no mesmo patamar, estamos todos atuando e impregnados pela
corrupção do mundo negro em que vivemos. A narrativa “Série Noire” tentará,
também, retratar o crime no espaço do mundo real, de pessoas que tenham reais
motivos para cometê-los, e tentará abordar os personagens em geral como pessoas
reais, concretas, interagindo com o meio em que vivem, atuando no espaço das
ambigüidades e das contradições dos valores sociais, espaço que é também o da
vivência do leitor, o que faz com que esse possa ver seu cotidiano retratado e até, em
princípio, repensá-lo criticamente (1983: 81).
Essa crítica atinge seu ápice na narrativa quando Ivan e os leitores descobrem que, por
uma infeliz coincidência, o delegado para quem o engenheiro contou toda a verdade é
Norberto, amigo e sócio de Alaor na casa de prostituição e amigo de Anísio:
Quando terminei, o escrivão se levantou, esfregou o rosto e olhou para seu
companheiro:
Acho melhor chamar o delegado.
[...]
O homem saiu do carro, passou a mão pelos cabelos grisalhos e me olhou com cara
de aborrecido. Era a mesma expressão que ele tinha no rosto momentos antes,
quando chegou ao distrito policial. Ao -lo entrar na sala, compreendi na hora o
que iria acontecer.
Ele ergueu a cintura da calça e olhou para os dois lados da rua, impaciente.
Norberto. Ou pior: o delegado Norberto (AQUINO, 2002: 123-126).
Essa fala de Ivan confirma o que mencionamos anteriormente e mostra o sentimento de
impotência que toma conta da personagem ao saber que sua morte é questão de tempo.
No filme, embora não tenhamos a figura do detetive que investiga o crime, a descoberta
da identidade de Norberto nos causa o mesmo choque. Porém, é importante mencionar que no
roteiro, no filme e no romance sabemos quem é o assassino, ou seja, para os
espectadores/leitores não há mistério a ser desvendado. A dúvida nesse caso é sobre a punição
dos envolvidos: quem pagará pelos crimes?
Conforme assinala Todorov:
Nenhum romance negro é apresentado sob a forma de memórias: não ponto de
chegada a partir do qual o narrador abranja os acontecimentos passados, não
sabemos se ele chegará vivo ao fim da história. [...] Não história a adivinhar; não
mistério, no sentido em que ele estava presente no romance de enigma. Mas o
interesse do leitor não diminui por isso. [...] No romance negro: tudo é possível
(1970: 99).
A prostituta Paula
O papel dessa personagem secundária não sofre grandes alterações na passagem do
filme para o romance. No romance seu nome é o mesmo e a questão do nome falso que temos
no filme é banida. Entretanto, julgamos importante comentar sua presença no romance como
representante, ao mesmo tempo, da salvação e da condenação de Ivan.
De acordo com Mattos (2000: 26-27), alguns dos melhores filmes noir da história do
cinema se inspiraram nos romances de Dashiell Hammett, Raymond Chandler e James M.
Cain, pois cada um desses escritores apresentou um elemento que foi desenvolvido e
mostrado nos filmes. São eles: pintura do meio social (Chandler); personagens que são seres
de carne e osso, como assassinos de aluguel, policiais corruptos, pequenos escroques,
prostitutas e outros (Hammett); presença massiva do sexo e da violência (Cain).
Por isso, ao analisarmos uma obra policial que, mesmo seguindo o caminho inverso de
uma adaptação, apresenta os elementos do romance policial noir, não poderíamos deixar de
mencionar a personagem que, a nosso ver, representa a figura da mulher fatal. Essa
personagem usa a sedução e o sexo e leva o protagonista ao seu fim.
No capítulo sete do romance, Ivan descreve Paula da seguinte maneira:
Vicente me serviu o quarto uísque. Percebi que não conseguia ficar sem pensar no
que eu e Alaor havíamos feito. Então ela passou ao lado do balcão, a caminho do
banheiro. E me olhou.
Era jovem ainda, alta, ruiva, cabelos compridos, olhos claros. Virei-me no banco
para acompanhar sua passagem. Parecia um gato se movendo. [...]
Mesmo deprimido, achei que precisava agir. Antes que algum outro homem do bar
fizesse isso. Ela valia a pena. [...]
Ela se chamava Paula, tinha 22 anos, estudava ciência da computação e trabalha
meio período numa agência de viagens. Era inteligente, engraçada, sedutora. [...]
Na hora em que as palavras deixaram de ser necessárias, fomos para um motel. E
nossos corpos continuaram a conversa. [...]
Fechei os olhos e saboreei aquele momento. O melhor momento por sinal. Quando
você sabe que algo bom está na iminência de acontecer, é só esperar um pouco. Algo
muito bom. Eu estava precisando daquilo (AQUINO, 2002: 66-68).
Percebemos que desde o início a garota funciona como um meio para Ivan tentar
esquecer o que fez, pois somente a bebida parecia não estar adiantando. É no sexo com uma
bela mulher que ele busca refúgio.
Ilustração 12: Cena 64 – Ivan e Paula conversam em um chalé na praia.
Fonte: O INVASOR. Direção: Beto Brant. Produção: Renato Ciasca e Bianca Villar. Roteiro: Marçal Aquino,
Beto Brant e Renato Ciasca. São Paulo: Drama Filmes Ltda., 2001. 1 DVD (97 min).
Mais adiante, no capítulo nove, no encontro entre Ivan, Alaor, Dr. Araújo e Marina para
decidir os rumos da construtora, temos outra passagem em que o protagonista pensa em Paula:
O Dr. Araújo confiava em mim e em Alaor. Nada havia mudado: ele gostava muito
de nós, como Estevão costumava dizer.
Essa constatação fez com que, pela primeira vez em semanas, eu me sentisse
relaxado sem que Paula estivesse por perto. acontecia quando eu estava com ela.
O resto do tempo eu passava entorpecido, atordoado. Uma atmosfera irreal me
cercava. As coisas aconteciam sem controle. Um princípio de loucura (Ibidem: 85).
Podemos notar que Ivan vive com Paula os únicos momentos em que não pensa no
crime que cometeu. Enquanto isso, o leitor acompanha os sentimentos do engenheiro e
também acredita que a jovem seja um dos únicos elementos fora do esquema sórdido. Será?
As mudanças começam a acontecer no capítulo treze quando Ivan espera Paula para
fugirem: “Talvez Paula tivesse mudado de idéia e desistido de partir comigo. Não. Na manhã
daquele dia, quando nos despedimos, havíamos deixado tudo acertado. Ela me esperaria às
sete, de malas prontas. Ou talvez Paula estivesse assustada demais com o revólver” (Ibidem:
115).
Em seguida, ao pensar na possibilidade de Anísio ter matado a moça, Ivan arromba o
apartamento dela e acaba descobrindo outras coisas:
Peguei uma cerveja e, na hora em que fechei a geladeira, vi a conta do celular de
Paula presa à porta por um ímã. Um mero de telefone aparecia repetidas vezes na
conta. [...] O celular de Alaor.
É difícil descrever o que senti na hora. [...] Nada daquilo parecia real.
No fundo, eu não queria acreditar. Vasculhei o apartamento atrás de evidências,
torcendo para não encontrá-las. Mas elas surgiram. [...] Paula era uma das prostitutas
de Alaor. [...] Antes de deixar o apartamento, olhei a luz da secretária-eletrônica e
resolvi ouvir os recados. [...] A quinta mensagem era de Alaor.
Ele dizia que havia recebido o recado de Paula e que iria tomar providências.
Recomendava que ela saísse de circulação de imediato. E concluía dizendo que ela
não precisava se preocupar: ele cuidaria de tudo (Ibidem: 116-117).
Já sabemos o que acontece na narrativa a partir desse momento.
A confirmação da ambigüidade dos sentimentos de Ivan aparece no penúltimo parágrafo
do romance: “Fechei os olhos e pensei em Paula com um misto de ódio e saudade. Se pudesse
pedir algo naquele momento, eu desejaria revê-la por mais um minuto. Não sei o que faria.
Provavelmente nada” (AQUINO, 2002: 126). A mesma mulher que representou o seu fim é
vista de modo ambíguo como sua única recordação boa.
Com base no exposto, podemos dizer que a influência dos temas da literatura e do
cinema noir em O Invasor é novamente demonstrada por meio de uma personagem
secundária, que se torna importante ao surpreender o protagonista e o leitor. Dessa forma,
temos a confirmação de que, ao se tratar de poder, o melhor é não confiar em ninguém.
Tal fato é enfatizado pelas palavras de Marcel Duhamell, criador e diretor da coleção
“Série Noire”:
O leitor desprevenido que se acautele: os volumes da Série Noire não podem, sem
perigo, estar em todas as mãos. O amante de enigmas a Sherlock Holmes não
encontrará nada a seu gosto. O otimismo sistemático tampouco. A imoralidade,
admitida em geral nesse gênero de obras, unicamente para contrabalançar a
moralidade convencional, aí se encontra bem como os belos sentimentos, ou a
amoralidade simplesmente. O espírito é raramente conformista. vemos policiais
mais corrompidos do que os malfeitores que perseguem. O detetive simpático não
resolve o mistério. Algumas vezes nem mistério. E até mesmo, outras vezes, nem
detetive. E então?
Então resta a ação, a angústia, a violência... Como nos bons filmes, os estados
d´alma se traduzem por gestos, e os amantes da literatura introspectiva deverão fazer
uma ginástica inversa (apud REIMÃO, 1983: 52-53).
Diante do que foi analisado, percebemos que a narrativa de O Invasor ora seguiu
padrões estabelecidos pelo gênero policial de enigma, como presença da vítima, personagens
tipo reconhecidos por apenas uma característica marcante como o policial, a prostituta, e
outros – e cenário urbano; ora filiou-se ao policial noir que não ofereceu ao leitor a solução
final, expôs que nenhuma das personagens pode ser considerada completamente honesta e
mostrou que um de seus protagonistas (Ivan) foi completamente destruído por causa de suas
escolhas guiadas pela ambição. Por isso, como afirmou Marcel Duhamell, as conclusões
ficarão a cargo de cada um dos leitores que a obra venha a ter.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma obra cinematográfica dar origem a um romance não é um fato corriqueiro, pois
não se trata exatamente de uma adaptação, mas de uma recriação.
Constatamos que as personagens centrais apresentam ambigüidades que permeiam a
sociedade em que vivemos. Tais personagens e suas características estão sendo retratadas ao
longo dos anos em romances e filmes policiais: bem e mal; verdade e mentira; riqueza e
miséria, e muitos outros sentimentos que fogem de apenas uma definição.
Em nosso contato com o filme ou com o romance, apreendemos um retrato pessimista e
direto da falta de limites para a ambição de algumas pessoas. Presente no engenheiro que
pertence à classe alta e no matador mal vestido e pobre morador da periferia, é essa ambição
que vai levar os dois à completa inversão de papéis. Vimos que o matador decide adotar as
mesmas atitudes de seus “contratantes” para subir na escala social e se tornar importante, o
que de fato consegue.
De acordo com Rodrigo Fonseca:
Quando cria uma relação especular, mediada pela consciência pesada, o filme de
Beto Brant deixou seus interlocutores, do lado de da tela grande, reféns da
surpresa. Como devem ser as melhores tramas de mistério. Sem a necessidade de
filmar um tiro sendo disparado, Brant consegui realizar um ensaio sobre a
genealogia da moral em que o crime e a sociedade se revezam nos papéis de
cordeiro e de ave de rapina: a medida de um é a medida do outro (apud DIEGUES et
al., 2007: 237).
A mesma crítica é levada do filme para o romance que não perde seu efeito de suspense
e sua capacidade de surpreender o leitor, pois acompanha um narrador-protagonista que não
detém a verdade nem a solução para o problema; pelo contrário, faz parte dele. Por isso,
percebemos que o romance filia-se ao gênero policial noir já que não apresenta uma resposta
que acomode o leitor.
A proposta deste trabalho foi mostrar como foram construídas as personagens Ivan,
Giba/Alaor e Anísio nas linguagens cinematográfica e literária por meio da análise dos
elementos constituintes de ambas. Também procuramos verificar como essa construção
contribuiu para o sucesso de crítica conquistado pelo filme.
Ao confrontarmos os aspectos narrativos e estruturais das obras, buscamos o que elas
possuem em comum e quais foram as mudanças suscitadas na passagem de filme para
romance. Percebemos que a capacidade de deixar o público sem fôlego é comum às duas
linguagens: o filme com seus movimentos de câmera e cortes rápidos, o romance com seus
diálogos repletos de significados nas entrelinhas.
É possível dizer que o roteirista e escritor Marçal Aquino conseguiu manter a tradição
que acompanha o gênero policial, acrescentando-lhe características que somente a realidade
brasileira poderia proporcionar. Beto Brant, diretor do filme, captou em imagens e
movimentos a incapacidade de reação da personagem diante da culpa extrema.
Por razões diversas, talvez as pessoas também se sintam incapazes de sair do cinema ou
terminar a leitura sem se perguntarem: posso confiar em alguém? Isso significa que a
polêmica e a inversão de valores atingem a todos, destacamos esse fator mesmo que não seja
o tema central deste trabalho, como mencionado anteriormente.
O escritor e o diretor continuam trabalhando juntos. Após O Invasor, Aquino adaptou
para Brant a primeira obra do escritor Daniel Galera, Até o dia em que o cão morreu, que
recebeu o nome de Cão sem dono, e estreou nos cinemas em 2007. Este ano Brant começou a
filmar o romance Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios, obra de autoria de
Aquino publicada em 2005.
Para finalizar, ressaltamos que vale a pena nos atentarmos para o trabalho desses artistas
contemporâneos, pois as descobertas da leitura e releitura de uma obra literária nunca se
esgotam.
REFERÊNCIAS
Obras do autor
AQUINO, Marçal. Cabeça a prêmio. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
______. Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios. São Paulo: Companhia das
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______. Famílias terrivelmente felizes. (contos) São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
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Sobre cinema
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<http://www.roteirodecinema.com.br/manuais/vocabulario.htm>. Acesso em: 23 abr. 2008.
Filme
O INVASOR. Direção: Beto Brant. Produção: Renato Ciasca e Bianca Villar. Roteiro: Marçal
Aquino, Beto Brant e Renato Ciasca. São Paulo: Drama Filmes Ltda., 2001. 1 DVD (97 min).
ANEXOS
ANEXO A – Ficha técnica do filme O Invasor
Título Original: O Invasor
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 97 minutos
Ano de Lançamento (Brasil): 2001
Estúdio:
Distribuição: Pandora Filmes
Direção: Beto Brant
Roteiro: Marçal Aquino, Beto Brant e Renato Ciasca, baseado em livro de Marçal Aquino
Produção: Renato Ciasca e Bianca Villar
Música: Paulo Miklos, Pavilhão 9, Tolerância Zero e Professor Antena
Fotografia: Toca Seabra
Desenho de Produção:
Direção de Arte: Yukio Sato
Figurino: Juliana Prysthon
Edição: Manga Campion e Willen Dias
ELENCO
Alexandre Borges (Gilberto)
Malu Mader (Cláudia)
Paulo Miklos (Anísio)
Marco Ricca (Ivan)
Mariana Ximenes (Marina)
Chris Couto (Cecília)
George Freire (Estevão)
Tanah Correa (Dr. Araújo)
Jayme del Cuento (Norberto)
Sabotage
Fonte: ADOROCINEMA.COM. Disponível em: <http://www.adorocinema.com.br/filmes/invasor/invasor.asp>
Acesso em: 13 jun. 2008.
ANEXO B – Letras de músicas do filme O Invasor
Música: O Invasor
Interpretação e composição: Sabotage
Quem é essa cara??
Sabotage
Comprimenta os mano ai mano
- E aí nêgo vei?? Firma?? Na fé
E aí nêgo veio?? Firmão?? Forte??
- Tem 3 gravadoras nas bota do cara aqui o, mais 1 negocio que nois vamo investir
Comé Q É??
É 5 conto pra fazer a gravação, manda um som ai Sabotage..
{SABOTAGE FREESTYLE}
Naum sei qual que é
Se me vê daum ré
Trinka cara pé
Du piolho desce lá pra onde o verme
Piske Creke loko es
Beck só di arma pesada
Inferno em massa
Vem Violentando a minha quebrada basta
Eu registrei eu vim cobrar sangue bom
Boa ideia quem tem
Naum vai tirar a ninguém
Roubada Alguém causa
fofin abala desespero de um canalha
deixou falha
Sujou a quebrada
Por mais cruel um cara quando cresce e a mãe perdeu
Sem casa na vala mataram um orfeu
Mais é di lei sim respeito aqui tbn sente....
{Fala interrompe o Freestyle}
Ta tudo bem tudo bem parou...
Ah U kara da disgostozo da vida naum curte um rap ai...
{Começa U Som Verso 1}
Paulin tinha u K
Aqui é um cuca rapá
Brooklyn sul espraiada terror lafuka e la mafia
Confisco maligno o mundo submisso
Acredito
Só mesmo deus dá orgulho aos meus filhos
O Crime naum é mel
A boa ou entaum o céu
É zona sul é impossível naum lucrar com o papel
Só perversão bacharel
Cobrança nariz du céu
É cruel
Gosto do fel na oitava fui réu
Conheço vários chegados do crime
Entaum foi de embalo
Sabor enquadro naum revistou morreu no carro
A onde a fúria ali ressuscitou
Muitos lá rabiscou
Tomou bonde disse que tinha vacilou ai..
{Refrão}
Naum sei que mata mais
A FOME O FUZIL OU O EBOLA??
Quem sofre mais os presos daqui ou de angola??
O que nos resta é espalhar que deus existe agora é a hora
Por que a paz plantada aqui ira da flor lá fora
Corre perigo INVASOR vacilou
Presa fácil virou
Eu só naum posso me esquecer de lembrar
Sei que o que é certo é certo eu me preservo
Corre perigo INVASOR vacilou
Presa fácil virou
Eu só naum posso me esquecer de lembrar
Sei que o que é certo é certo eu me preservo
Entaum Joe requinte é medie
Rima forte ti sufoca
Perdão se conforme
Seja firme contra us loke
O redentor regresso aqui os fortes
Esqueça a pressa
Naum tenha pressa
É joe conclusão ninguém é samurai
Se já teve jaiz
Sem mais
Quem fez faiz
Usa mente e corre atraiz
Sobrevivente é u rap
sempre ta com nois
Estrelas, nasce cresce evolui e morre
Nos astros
Aos olhos das câmeras
Universo fome
Galáxia, telescópio espacial Sinais digitais
Atmosfera terrestre corpos celeste
pestes se espalham no ar
A via láctea e Andrômeda querem se chocar
Sera efeito das lentes gravitacionais
50 mil anos luz é longetude demais
satélite ruble (...)
Naum sei que mata mais
A FOME O FUZIL OU O EBOLA??
Quem sofre mais os presos daqui ou de angola??
O que nos resta é espalhar que deus existe agora é a hora
Por que a paz plantada aqui ira da flor lá fora
Corre perigo PREDADOR vacilou
Presa fácil virou
Eu só naum posso me esquecer de lembrar
Sei que o que é certo é certo eu me preservo
Corre perigo PREDADOR vacilou
Presa fácil virou
Eu só naum posso me esquecer de lembrar
Sei que o que é certo é certo eu me preservo
Bicho de xis
Apavora o 27 já vi
Stupim paga de pá com quem é humilde estupi
Larga tu sozin
Largado atraz du fri
Vais cair
Esperou demais fou maquiavelik
Cadeia limpeza celebral de vários manos
Tira teima aonde vc percebe quem chega chegando
Abandono nítido é aquilo
Cabra da peste sobrevivendo perigo
Favela só falta água
Quando chove ela alaga
Puta sol vem o boy e sua mina pra praia
Putz que raiva
Alem deles na quebrada o mostruário do puteiro é meu Brasil brasileiro
Hoje o inverso e a mídia aqui é nosso refém
Seus filhos quer comer doutor
Os meus filhos tbn
Agente reza, hora, implora, diz amém, amém, amém.
Naum sei que mata mais
A FOME O FUZIL OU O EBOLA??
Quem sofre mais os presos daqui ou de angola??
O que nos resta é espalhar que deus existe agora é a hora
Por que a paz plantada aqui ira da flor lá fora
Corre perigo INVASOR vacilou
Presa fácil virou
Eu só naum posso me esquecer de lembrar
Sei que o que é certo é certo eu me preservo
Corre perigo INVASOR vacilou
Presa fácil virou
Eu só naum posso me esquecer de lembrar
Sei que o que é certo é certo eu me preservo
Fonte: CliqueMusic Editora S/A. Disponível em: <www.cliquemusic.uol.com.br>. Acesso em: 13 jun. 2008.
Música: Ninguém Presta
Interpretação e composição: Tolerância Zero
Você sorri feito um corno manso
Mas é melhor assim
Enquanto você acelera pelas ruas
Se exibindo pros seus amigos idiotas
Eu faço o cu de sua mulher e digo:
"É um belo cu!
Redondo e grande feito uma cratera"
Eu enfio sem parar e a vaca grita
Com o rabo queimando
É a vida
Você queima borracha no asfalto
Eu queimo a rosca da sua vadia
Bem vindo ao pesadelo da realidade
Bem vindo... ao pesadelo da realidade, playboy
Bem vindo... ao pesadelo da realidade
Bem vindo... ao pesadelo da realidade
Você não consegue fugir
Da estupidez
Algo grita em sua mente
Falando daquela puta, vadia
Grampeada por todos
Seu corno prega seu olho
Não tente se esconder do medíocre que é
É tudo insano, todos são doentes
Eu, você, a vadia, todos doentes
Ninguém presta
Bem vindo ao pesadelo da realidade...
Bem vindo ao pesadelo da realidade
Bem vindo... ao pesadelo da realidade
Bem vindo... ao pesadelo da realidade
Bem vindo... ao pesadelo da realidade, playboy
Eu
Você
A vadia
Ninguém presta
Fonte: CliqueMusic Editora S/A. Disponível em: <www.cliquemusic.uol.com.br>. Acesso em: 13 jun. 2008.
Música: Na Zona Sul
Interpretação e composição: Sabotage
É mano, conde canão.
Não é uma selva de pedra meu compadri saboti
Refrão 1
Na zona sul cotidiano difícil
Mantenha o procede quem não conte tá fudido
É zona sul maluco cotidiano difícil mantenha o procede quem não conter tá fudido
Eu insisto, persisto não mando recado eu tenho algo a dizer não vou ficar calado fatos
tumultuado nunca me convenceu mas vale a vida bem vindo às vilas do meu bairro DEUS.
Corre escape tem, 15 no pente chantagem gambezinho faz acerto depois mata na
crocodilagem absurdo não me iludo no subúrbio dinheiro sujo, constantemente nos trai no
futuro falsos amigo e aliados pensando em ganha não adianta passa pano, o pano rasga.
Mundo cão decepção constrói transforma a pivetada da quebrada num transporte pra droga.
Zona sul conheço um povo todo inibido, tanta promessa, enrolação acaba nisso, de Vila
Olímpia a Rocinha Conde fundão olha lá se liga ai lá esta é o Canão.
Piolho na conexão B.Q. Nega Gil, parque independência representa pin Gil, nem um piu só no
sapatinho, isso eu do valor, sem da guela que catô mano pelo amor pela morte o aposento
melhor que o veneno viver livre no extremo andar contra o vento, Jardim Edite Casa do Norte
o papo é sério, Ciclone o Super Homem vive no inferno aqui estou demorou zona show
domingão a tarde o sol ta forte aí ladrão é raridade.
Fui pro vai vai trombei um loco o neném O Sagat e o Eduardo muito louco num Passat, som
paloso tenebroso toca fita pionner ouvindo racionais passear no parque.
95 abalou apavorou cidade quem é me compreende quem é rapper sabe.
Refrão 2
É Zona Sul, zona show os loucos gritam hou se tem que john eu sei que a tese faz o som
que endoida o crânio de um maluco sangue bom. (5x)
Enquanto isso tudo esclarecido nada resolvido propina seguindo no bolso nem o mínimo, ano
2000 não terminou o franja até citou nos travamos, Nostradamus tava certo e não errou.
Brooklin sul, morro do Piolho circular de Osasco em curto espaço o crime evolui de fato
passo a passo vários que agem na cadeia se hospedou evoluídos em altos delitos criminosos
até os ossos.
Hoje o 157, o 12 é trampo bom, bate de monte, ontem a noite eu vi ali, drogas que vende
(ixi) te compreende (o investimento é quente branca a pura do verdinho é quente linha de
frente) muita calma nessas horas é a lei da favela quem sabe faz na hora nunca paga com
gesta.
Zona Sul disse e me disse e traz crocodilagem, sou Sabotage não admito pilantragem, Ceará
sofre com a seca, Berlin derruba a cerca, enchente no Japão não registraram alguns comenta.
Zona Zul primeiro independência e vaidade, criança na escola é Hitler na tendência ter
paciência é a chave do problema, mas não esquenta ai ladrão é nois na ativa em qualquer treta.
El niño na Itália, na sul polícia mata não tem emprego periferia falta vaga, ladrão se arma
de fuzil e de granada, a seguir cenas de terror salva de bala assim que é será assim vários vão
subi titi estopim do tipo que atrasa o crime, verifique tenha não desacredite participe saber
qualé que é não é tolice, sempre humilde requinte tem um em cada 20, marginal alado
conceituado bem respeitado, desconfiado com tudo do seu lado nada é o fácil pois me dou
bem em curto espaço na zona sul somente Deus anda ao meu lado. (2x)
Refrão 2 (2x)
São Paulo, Brasil, Capão Redondo da ponte pra lá ano 2000, vida longa aos bandidos
beneficente os maluco consciente e desbaratinado,humildade aos locki inconseqüente aqui
ninguém quer fama, ibope e nem diz que me diz.
A nossa quota venha de dólar que é com nos mesmos como ser feliz, eu to aqui com a minha
família com meus parceiros Sabotagem, Rzo, eu Cascão, Vila Fundão da quadrilha dos
guerreiros... na na na Zona Sul...
Fonte: Letras.mus.br. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/sabotage/107997/>. Acesso em: 28 nov. 2008.
Música: Vai Explodir
Interpretação e composição: Pavilhão 9
Eu mando fogo
Vamos ver quem é que pode
O som é dinamite
Só comove quando explode
Eu vou falar pra quem se julgam os tais
Arrumo o escarcéu
A nossa rima eficaz
Vem me pegar
Na área frente a frente ou no beco
Corre na veia
O hip hop som dos guetos
Eu vejo um garoto
Pé descalço está com fome
Eu tomo aqui as dores
Vamos ver quem é que se move
Enquanto a ONU só fala de paz
Do outro lado
Mortes, crimes, desabafos, tem demais
Já vi pior
Face a face eu te falo
Não disfarce
Não disfarce do relato
Boom!! A bomba vai explodir
Ninguém vai te acudir
Sociedade destrói sua vida
Capitalismo por aqui suicida
Entenda, entenda
Entenda fluxo de incoerentes
Mentiras, cara dura
Veja só ninguém entende
Eu falo eu vejo
O cidadão com medo
Injustiça tem demais
Chega mais ainda é cedo
Rajada
Eu sempre vejo por aqui
A arma nunca deveria existir
De novo
Nova geração que vem aí
O jogo
Só se sai melhor quem competir
Aqui garotas exploradas fazem sexo
Só de imaginar
Só de pensar
Me dá complexo
A bomba vai explodir
Diz aí...
Um garoto no esgoto
Dá tristeza só de assistir
Boom!! A bomba vai explodir
Ninguém vai te acudir
Sociedade destrói sua vida
Capitalismo por aqui suicida
Fonte: Letras.mus.br. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/pavilhao-9/186856/>. Acesso em: 28 nov. 2008.
ANEXO C – Entrevista com o escritor Marçal Aquino
1) Como é o seu processo de criação de uma personagem?
Num primeiro momento, o personagem surge impreciso, assim como a trama. Aos poucos, ele
vai se delineando meio por si, num processo não de todo controlado. uma espécie de
lógica narrativa que impõe certas características. As outras vou agregando a partir de
idiossincrasias minhas ou de pistas que colhi no real. um momento em que eu "vejo" o
personagem, sei até como está vestido - embora muitas vezes isso nem seja descrito no texto.
2) De que maneira o roteiro e o filme O Invasor influenciaram a sua escrita do romance?
Eu tinha interrompido a escrita da novela pra criar a história diretamente como roteiro. Tanto
que pensei em não retomar o livro, mas o Beto Brant acabou me convencendo a voltar para a
escrita de uma história sobre a qual eu sabia demais. Foi um processo árduo reencontrar o
livro que quis escrever antes da existência do roteiro. A saída foi me manter fiel a tudo aquilo
que eu pensava em 97, quando comecei a escrever o livro. E tinha a bossa de que a historia
era contada por um personagem que, eu sabia, morre no final. Aí, até consegui me divertir um
pouco. Mas espero nunca mais viver esse processo, de criar um livro que existe em outra
linguagem.
3) Essa “adaptação ao contrário” já aconteceu novamente?
Eu nunca tinha feito isso e, como disse, espero nunca repetir. O segundo filme do Beto, Ação
entre amigos, também era um projeto de romance, que nunca levei em frente. Depois que
virou roteiro, em 1996, abandonei completamente a idéia de escrever a história em formato de
livro. Hoje, vejo que foi uma decisão acertada.
4) Que autores mais lhe influenciaram?
Costumo dizer que todo autor de quem gosto acaba por me influenciar. A lista seria imensa,
acredite.
5) Pode citar algum autor relacionado ao romance policial?
Aqui no Brasil, eu menciono o Rubem Fonseca como um autor que marcou muito minha
formação como escritor, e não apenas com seu texto policial. Acredito que quem incursiona
pelo gênero no Brasil sempre deve algo ao Rubem Fonseca. No âmbito estrangeiro, gosto
muito do Raymond Chandler e do Jim Thompson, que são autores que li e reli.
6) O senhor pensou na crítica social que estava construindo ao escrever O Invasor?
Não tive nenhuma intenção de fazer isso de forma explícita, mas sempre estive consciente das
implicações daquela história. Meu objetivo era, como sempre é, ter prazer em escrever e
compartilhar uma história.
7) O que o senhor pensa a respeito da polêmica criada em torno do filme?
De qual polêmica você está falando?
8) Como o senhor a sua obra na tela? Acha que o filme captou algo do romance e
vice-versa?
Eu sempre fico muito satisfeito com o que acontece com meus textos na tela, até porque estou
quase sempre envolvido na adaptação. Mas tenho o privilégio de trabalhar com cineastas cujo
trabalho respeito e admiro, como o Beto Brant e o Heitor Dhalia.
9) De acordo com David Howard e Edward Mabley em Teoria e prática do roteiro:
Considerando-se todos os estágios que separam um roteiro final da primeira exibição do
filme resultante daquele trabalho, é espantoso que ainda permaneça alguma coisa
intacta da visão original do roteirista. Mas permanece, justamente porque o bom
roteirista a produção em sua totalidade, comunica-se com todos os que colaboram no
processo e, acima de tudo, permanece sintonizado com o que deve ser comunicado ao
público e quando isso deve ser revelado para surtir efeito e obter máximo impacto”
(2008: 31-32). Como é a sua experiência sendo antes um romancista que um roteirista?
Invariavelmente, toda vez que uma idéia me ocorre, penso: isso um conto, uma novela, um
romance; nunca penso em cinema. Nesse sentido, sou um escritor e minha morada é a
literatura.
Marçal Aquino em entrevista concedida a Sílvia de Paula Bezerra, no dia 5 de novembro de 2008, em São
Paulo.
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