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da noite que beira o onírico; um morcego humano que salta entre as névoas e cujas asas se
transformam em uma capa:
Se sua única lembrança de Batman é a de Adam West e Burt Ward
trocando sarcasmos enquanto espancavam astros convidados como Vicent
Price e Cesar Romero, espero que este livro lhe seja uma surpresa.
Para mim, Batman nunca foi engraçado. Tinha oito anos quando peguei
uma edição anual de 80 páginas na prateleira de um supermercado local. A
arte de uma das histórias parecia muito boa e assustadora.
Gotham City era feita de colunas de frias de concreto, iluminada pela
claridade da lua, açoitada pelo vento e parecia não ter fim, esvanecendo-se
em uma nuvem de luzes, uma névoa branca e úmida, por milhas abaixo de
mim. O som das ruas parecia um fraco rugido contínuo e imutável.
Então, em algum lugar, algum lugar no labirinto de pedra lá embaixo,
minúsculo mas audível, o som de uma vidraça se quebrando. O ruído era
quase belo, como carrilhões. Carrilhões que se transformaram no ruído
contínuo de uma campainha, um alarme de ladros, do tipo antigo.
Uma metralhadora Thompson cuspiu na campainha. Um louco ria de forma
alucinada, maliciosa. A risada ecoou para sempre.
Uma sombra caiu sobre mim, vinda do alto. Asas tremularam, próximas e
quase silenciosas.
Brilhando molhado, negro de encontro ao céu escurecido, um monstro, uma
gárgula gigante e alada, curvada para frente, detendo-se no peitoril de um
prédio, a cabeça inclinada acompanhando os últimos segundos da risada.
A luz da lua cintilou por suas costas, pelos ombros maciços, pelo pescoço
ereto e cheio de tendões, pelo crânio, até formar um triângulo numa das
orelhas pontiagudas de morcego.
Ele ergueu-se no espaço, asas estendidas, e então caiu, as asas agora na
forma de uma capa tremulante, envolvendo o corpo de um homem.
Ele caiu passando por mim, sua sombra deslizando pelas paredes,
crescendo cada vez mais a ponto de engolir prédios inteiros, iluminado
pelas nuvens abaixo.
A sombra se misturou às nuvens.
E sumiu..
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Dentre os escritores do quadro da DC Comics talvez nenhum se habilitasse mais para a
tarefa de recriar a origem de Batman que Frank Miller. Um ano antes, em 1986 ele escrevera e
desenhara a Graphic Novel Batman: O Retorno do Cavaleiro das Trevas (Batman: The Dark
Knight Returns)
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, que redefiniu o personagem, lançando novas bases para a construção de
suas histórias futuras. Ela contaria o crepúsculo deste herói, passando-se em um futuro onde
Bruce Wayne teria abandonado a identidade de Batman há dez anos após a morte de Robin.
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MILLER, Frank. Introdução. In: Batman: Year one. New York: DC Comics, 1988.
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Batman: The Dark Knight Returns: New York: DC Comics, 1986. Publicada no Brasil com o nome de
Batman: O Cavaleiros das Trevas.